oliveira lima nos estados unidos

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    Teresa Maria Malatian*

    [email protected]

    RESUMO: Pretende-se apresentar aspectos da obra de Oliveira Lima (1867-1928),considerando a importncia desse autor para histria diplomtica e parahistoriografia contempornea. Neste artigo, a avaliao central deter-se- nas anlisesdo diplomata e historiador sobre as relaes entre Brasil e os Estados Unidos daAmrica, explicitando sua defesa ao monroismo, a despeito das vozes dissonantesno Brasil e na Amrica Hispnica.

    PALAVRAS-CHAVE: Oliveira Lima, historiografia, diplomacia.

    Este artigo apresenta alguns aspectos da obra de Manoel de OliveiraLima (1867-1928), historiador e diplomata brasileiro, tanto em termos das

    propostas que apresentou aos problemas de sua contemporaneidade, comodos limites de suas reflexes ligadas s fronteiras do conhecimento histri-co e aos compromissos colocados por suas opes polticas. Trata-se assimde verificar em sua obra a construo dos conceitos de nao e de Estado,os dilogos que estabeleceu e a repercusso que alcanou. A atualidade doeixo temtico proposto decorre da longa permanncia das obras referidasno debate historiogrfico, recentemente revigorada pela reedio de algunsttulos, movimento editorial que recoloca em questo a atualidade dessaproduo.

    A primeira fase das reflexes desse autor acerca da nao e do Esta-do republicano em sua insero no contexto latino-americano ocorreu no

    perodo em que residiu nos Estados Unidos, tendo como referncia as rela-es mantidas entre este pas e o Brasil na virada do sculo XIX para o XX.A experincia ali vivida leva ao questionamento das fronteiras colocadaspelo ofcio de diplomata ao ofcio de historiador, na fase monroista do au-tor, que antecedeu sua crtica radical ao pan-americanismo rooseveltiano.

    Recebido em 1 de fevereiro de 2008Aprovado em 05 de maio de 2008

    * Professora do Departamento de Histria da UNESP/Franca.

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    O campo de estudos de histria diplomtica construdo por OliveiraLima legitimou-se pela afinidade temtica com novos rumos da polticaexterna brasileira delineados a partir da Repblica. Nesse sentido, Sept ansde Rpublique au Brsil (1896), Nos Estados Unidos (1899), O reconheci-mento do Imprio (1901) e No Japo(1903) constituem referncias poucoconhecidas para a compreenso da fase monroista do autor, que antecedeusua crtica radical ao pan-americanismo. Nelas expressou tambm o acata-mento aos parmetros da historiografia nacionalista proposta pelo Institu-to Histrico e Geogrfico Brasileiro e que teve como um de seusdirecionamentos as relaes com os pases hegemnicos com os quais oBrasil manteve relaes polticas significativas desde a Independncia, bemcomo a demarcao de fronteiras. Essas obras apresentam um deslocamentode seus interesses da histria de Pernambuco e da histria da literatura,tendo como referncia sua vinculao ao Ministrio das Relaes Exterio-res, que dele solicitava legitimao do Estado republicano. Para essa mu-dana, foram decisivas sua designao para a Legao do Brasil emWashington e sua permanncia em Londres, onde esteve moderada, po-rm diretamente, enfronhado nas negociaes lindeiras e mais alerta paraas questes das relaes entre o Brasil e as potncias europias.

    Em Washington, Oliveira Lima ocupou o posto de secretrio de le-gao (1896-1900) num momento em que as relaes entre o Brasil e os

    Estados Unidos passavam por profunda reformulao direcionada para umaaliana. A diplomacia brasileira voltava-se para a busca de fomento ex-portao de produtos agrcolas de modo a atender os interesses da classedominante, estabelecendo assim, do ponto de vista econmico, relaesharmoniosas entre a poltica interna e a poltica externa, no contexto deexpanso imperialista e de emergncia dos Estados Unidos como novapotncia mundial. No final do sculo XIX, houve uma intensificao degrandes decises da poltica externa norte-americana que inauguraram umadiretriz expansionista cuja retaguarda ideolgica consistiu na recuperaoe atualizao da Doutrina Monroe.

    Essa declarao datada de 1823 exerceu decisiva influncia na diplo-

    macia norte-americana na medida em que explicitou inteno dos EstadosUnidos de se posicionarem contra quaisquer tentativas das potncias euro-pias empenhadas em uma reao antiliberal de ingerncia sobre asnaes americanas. A mensagem presidencial baseava-se na concepo dedois mundos distintos, o Novo e o Velho, e pretendia garantir a indepen-dncia americana. Esquecida durante dcadas, foi reativada nos anos finaisdo sculo XIX, quando os Estados Unidos se lanaram na Guerra Hispano-

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    Americana, na conquista de Porto Rico, e se fizeram tambm presentes noOriente com a ocupao das Filipinas e do Hava. Essa ampliao do cam-po de ao da poltica externa norte-americana coincidiu com o crescentedesenvolvimento do capitalismo industrial nesse pas que demandava abusca de amplos mercados consumidores e fornecedores, alm de gerarcrescente exportao de capitais. Tal expanso comercial e financeiradirecionou-se para a Amrica Latina inicialmente, ao mesmo tempo emque ocorriam conflitos de interesses entre os Estados Unidos e o ImprioAlemo, no contexto das disputas inter-imperialistas.

    No que se refere ao Brasil, as relaes com os Estados Unidos desdea proclamao da Repblica direcionavam-se para um padro amistoso,inclusive pela admirao que as instituies polticas daquele pas aqui des-pertavam, ao ponto de a primeira constituio republicana ter sido nelasinspirada. A essa viso dos Estados Unidos como modelo para o Brasil,dominante apesar de no unnime, correspondiam relaes diplomticascordiais que se direcionavam para uma americanizao da Repblica, ouseja, para o deslocamento do eixo poltico de Londres para Washington,apesar de no se poder dizer que houvesse um projeto definido para a po-ltica externa brasileira. A aproximao entre Brasil e Estados Unidos foiuma constante desde o reconhecimento da Repblica, no sentido de umentendimento que garantisse as instituies republicanas. A esses interes-

    ses, que se podem chamar de estratgicos, agregaram-se os motivos econ-micos que se sobrepuseram a eles e visaram garantir mercados para aagro-exportao brasileira (BUENO, 1995).

    A primeira publicao de Oliveira Lima sobre as relaes Brasil-Esta-dos Unidos foi uma colaborao de 1896 na Nouvelle Revue de Paris, hojepouco conhecida, o inventrio dos Sept Ans de Rpublique au Brsil. Trata-sede dois artigos reunidos posteriormente em opsculo e que constituem, emseu sentido prtico, uma histria de uso diplomtico do incio da Repblica,por destinar-se a informar e a construir uma imagem positiva do Brasil noexterior, criando assim maior receptividade ao regime, tanto do ponto devista poltico como do ponto de vista econmico. Texto de combate, abordou

    os perodos da difcil transio do Imprio Repblica, do Governo Provi-srio e do governo de Prudente de Morais. Pode-se perceber neles a reper-cusso da Revolta da Armada e da Revoluo Federalista, bem como osacontecimentos do perodo em que esteve no Rio de Janeiro, durante o pri-meiro governo civil, que ainda confrontava a resistncia jacobina.

    A referncia que norteou a elaborao da obra em anlise foi a rea-o ao direcionamento da diplomacia brasileira, fornecida, sobretudo, por

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    Eduardo Prado em sua crtica ditadura militar no Brasil.2Ali tambmestava em questo o monroismo, que seria poucos anos depois reafirmadopelo presidente Roosevelt. Tratava-se no apenas de julgar a conveninciade tal aliana, que desde o incio despertou insatisfao na Amrica Hisp-nica, mas tambm de especular sobre os perigos que poderiam resultardessa proximidade. Dialogava com Eduardo Prado e sua polmica obra emque o discurso monarquista enveredara pela crtica dos Estados Unidos,para desqualificar o modelo em que a Repblica se inspirava e denunciar ainterveno norte-americana por ocasio da Revolta da Armada. A criseda Repblica no atingira ainda as convices de Oliveira Lima, que semantinha admirador dos Estados Unidos, enquanto modelo inatingvel emsua democracia representativa, da seu empenho em contradizer EduardoPrado como demagogo. Os monarquistas inclinavam-se manuteno daaliana com o capital ingls e, conseqentemente, crtica radical no ape-nas ao monroismo, mas tambm aproximao com os Estados Unidos,sobretudo porque ela resultara na interveno que favorecera o governoem 1893, no Rio de Janeiro, contra a Armada rebelada. Para responder aessas crticas, Oliveira Lima adotou posio nacionalista, exceto quandoem perigo a legalidade republicana; por essa razo, defendeu a intervenoestrangeira em favor do governo de Floriano Peixoto.

    Sustentava ento a posio monroista que manteria por alguns anos,

    em consonncia com a orientao da poltica externa brasileira, pois critica-ra tambm nesses artigos os avanos europeus no Brasil: da Inglaterra na ilhade Trindade e da Frana no Amap. Logo a seguir, iniciou a explicitao deseu apoio poltica norte-americana na obra que escreveu como impres-ses polticas e sociais, publicada em 1899. Na obra Nos Estados Unidos (LIMA,1899), reuniu artigos publicados na Revista Brasileira e noJornal do Comr-cio(1896-1898). A acolhida favorvel da obra nos Estados Unidos confir-mou uma posio de no confronto com a poltica externa norteada pelomonroismo, sendo que seu carter pragmtico foi evidenciado na intenodo autor de elucidar se os Estados Unidos deveriam ser admirados enquantomodelo. Sua resposta afirmativa a respeito desse pas expressava seu deslum-

    bramento e o impacto causado pelo contato com a sociedade norte-america-na. O motivo mais forte da admirao de Oliveira Lima foi a percepo dodinamismo norte-americano, de sua marcha ascendente em termos de ri-queza material, que confirmava os Estados Unidos como potncia emergen-te. No logrou deixar de comparar Brasil e Estados Unidos para concluir peladesvantagem do primeiro em todos os aspectos que analisou, fossem polti-cos, sociais, econmicos e/ou culturais.

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    A obra paradigmtica da concepo evolucionista da histria de Oli-veira Lima, pois se baseava na aceitao do pressuposto da superioridade domundo anglo-saxo em relao ao mundo ibrico, aqui identificado comotrpicos, onde o escritor no encontrava condies geogrficas e nem raci-ais para que as naes alcanassem semelhante grau de evoluo. Nessa obraemerge, portanto, sua concepo acerca da nao brasileira como resultadoda mestiagem de raas inferiores e de um processo de colonizao marcadopela estupidez e prepotncia de portugueses, apegados religio conserva-dora e ao lucro predatrio. No o elogio dessa colonizao que emerge daanlise comparativa com o mesmo processo ocorrido nos Estados Unidos, e,no entanto, a ela o autor se reporta para afirmar a importncia da heranacultural portuguesa manuteno da unidade nacional. O Estado teria a fun-o de organizar essa nao mestia e manter-lhe a unidade, tarefa dificulta-da pelo descompasso entre o figurino poltico republicano, importado dosEstados Unidos, e o povo amorfo, atrasado, carente de educao e de consci-ncia de cidadania. Assim sendo, defendeu o fortalecimento da Unio paraevitar a fragmentao da unidade nacional pela aplicao artificial do federa-lismo, incapaz de se sobrepor ao poder local e sua ao desagregadora. Janunciava nessa crtica a dicotomia entre pas real e pas legal, que principia-va a aparecer entre os crticos da Repblica.

    Aceitando a necessidade de branqueamento da nao para corrigir a

    excessiva mestiagem estabelecida pelos portugueses e frear o alastramentode raas inferiores (como Nina Rodrigues aconselhava), sobretudo o negro,j que os indgenas estavam dizimados, refugiados em reservas ou diludosna populao, Oliveira Lima propunha duas solues, a imigrao europiacontrolada e uma relao subordinada, de direo ou fiscalizao, pelos anglo-saxes, ou seja, os norte-americanos, raa superior dada a implantao bemsucedida da democracia e o desenvolvimento da cincia e da educao.

    A partir dessa concepo da nao e da identidade nacional, acei-tou a diviso do mundo entre potncias dominantes e regies domina-das, inserindo-se assim plenamente no universo ideolgico doimperialismo. Amrica Latina e Amrica Inglesa seriam mundos diver-

    sos e complementares, cabendo aos Estados Unidos o papel preeminentede fornecedores de produtos industrializados em troca de matrias-pri-mas. Tida como natural, essa relao foi considerada por Oliveira Limanecessria para que os pases atrasados pudessem alcanar algum pro-gresso a partir do contato com o mundo avanado que lhes forneceria osmodelos da civilizao. Nos Estados Unidos encontrou respostas paraquestes que permaneciam insolveis no Brasil: a imigrao controlada e

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    branqueadora para resoluo da mestiagem; a poltica externa audacio-sa e afirmativa para efetivao da soberania; a concesso de direitos civis,porm no polticos, aos negros para integr-los sociedade aps a abo-lio; a elevao da mulher melhor posio do que aquela ocupada nasociedade brasileira; e, sobretudo, o modelo de uma democracia repre-sentativa, com real exerccio da cidadania.

    Em conseqncia, aceitava como legtima a poltica imperialista dosEstados Unidos, identificada por ele tambm como poltica colonial e cla-ramente percebida como intervencionista, seja na Amrica Latina, seja noOriente, porm justificada com base nos argumentos acima e na aceitaode uma lei natural, inspirada no darwinismo social, de que os mais fortestendem a expandirem-se e dominarem os mais fracos, cabendo a esses, nocaso pases latino-americanos, fortalecerem-se, tratar da prosperidadenacional, pois as anexaes espreitam sempre os pases fracos, gastos ecorrompidos, os organismos sociais decadentes e incapazes de progredir,sendo a eterna condio das naes fortes fazerem-se conquistadoras(LIMA, 1896, p. 453).

    Seduzido pelo discurso imperialista norte-americano, Oliveira Limarevelou-se nesta obra, pouco citada pelos seus analistas, de inteiro acor-do com a tendncia da poltica exterior brasileira acima apontada e en-controu vazo para sua leitura evolucionista da histria, canalizada para

    a interpretao da doutrina Monroe. Nesse contexto, reconheceu a posi-o preponderante dos Estados Unidos no continente americano comodecorrncia do seu progresso material e cultural e defendeu o monroismono sentido que lhe parecia ainda fiel ao seu propsito anunciado em 1823,o de colocar a Amrica sob a proteo dos Estados Unidos contra a inge-rncia europia.

    Influenciado pelas relaes amistosas entre os dois pases, que havi-am passado pela arbitragem norte-americana favorvel ao Brasil na ques-to do territrio das Misses (1895), Oliveira Lima legitimava essa polticaque encontrava reao, sobretudo, por parte de monarquistas. Viveu ali partedo segundo governo Cleveland (1893- 1897) e do governo Mc Kinley (1897-

    1901), quando se concretizou a aplicao da Doutrina Monroe em sua ver-so atualizada de contraponto ao imperialismo europeu na Amrica(FONSECA; CASTRO, 1994). A todas essas investidas, Oliveira Lima deu seuaval, reproduzindo as atitudes do governo brasileiro, o nico da AmricaLatina que, alegando assumir posio de neutralidade, demonstrou sim-patia pelos Estados Unidos e chegou a ceder-lhes navios durante a GuerraHispano-Americana.

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    A posio dominante no discurso oficial brasileiro em relao se-gunda hiptese era a de apregoar a impossibilidade de que o Brasil viesseum dia a ser tambm alvo de uma interveno. No corramos riscos, era avoz do Ministrio das Relaes Exteriores. Assim Oliveira Lima, emboradetectasse o nascente apetite imperialista dos Estados Unidos como par-te de um contnuo processo de expanso que manifestava interesse pormercados, afirmava que essa poltica atendia a razes defensivas e no abri-gava intenes de conquista territorial por si mesma. Respondendo s ob-jees das repblicas vizinhas, insistia na tese que os Estados Unidos noutilizariam a Doutrina Monroe em todas as questes diplomticas e nemassumiriam um protetorado virtual sobre o continente a menos que soli-citados, como ocorrera com a interveno na Venezuela contra a ingern-cia germnica. Essa previso otimista das perspectivas inofensivas para oBrasil da poltica norte-americana estava baseada numa concepo genri-ca do pan-americanismo de inspirao bolivariana como defesa da solida-riedade americana em questes comerciais e de arbitramento.

    Afirmou enfaticamente a improbabilidade de uma interveno dosEstados Unidos no Brasil, dado serem os interesses dos dois pases com-plementares do ponto de vista econmico, defendendo a vocao agrriado Brasil e, assim, fazendo-se porta-voz dos interesses da oligarquia agro-exportadora. A tradio de relaes cordiais, a ausncia de questes

    conflituosas, os interesses comerciais complementares, a posio privilegi-ada do Brasil como primeira potncia da Amrica do Sul foram os argu-mentos evocados para conjurar tal ameaa. Para completar, acenava com aspossibilidades no apenas de mercado consumidor, mas tambm de inves-tidores que os Estados Unidos poderiam oferecer e j estavam oferecen-do como compradores de caf, produto de que haviam se tornado o principalconsumidor mundial. Bastava para isso que houvesse aqui garantia de paze de remunerao dos investimentos. Fazia, no entanto, restries ao sugartrustpor estar em jogo o mercado do acar pernambucano, para o qualreivindicava os benefcios da livre-concorrncia, manifestando assim suanica discordncia acerca das relaes Brasil-Estados Unidos.

    Contraditrio em diversas passagens, o discurso de Oliveira Limapor vezes revelou indeciso e indefinio diante da complexidade das ques-tes com que se defrontava, sobretudo, a reao da Amrica Hispnica aomonroismo e as posies divergentes no Brasil acerca das relaes com osEstados Unidos. O que parece certo ter distinguido claramente nas inter-venes realizadas naquele momento em nome do monroismo um marcoda expanso imperialista dos Estados Unidos, comparada igual procedi-

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    mento das potncias europias com as quais aquele pas competia no Ex-tremo Oriente e onde procurava, no seu entender, estabelecer um proteto-rado americano.

    Na obra O reconhecimento do Imprio (LIMA, 1901), escrita no con-texto das negociaes da fronteira do Brasil com a Guiana Inglesa, assu-miu posio nacionalista francamente anti-britnica, denunciando aoMinistrio das Relaes Exteriores as intenes colonialistas e o ideal dedominao dos ingleses na frica do Sul e na Amrica. Na verdade, ma-nifestava coerncia com a adeso ao monroismo, que vinha externandodesde sua permanncia nos Estados Unidos e endossava a tese do perigoque rondava as naes americanas diante do imperialismo europeu.

    No conjunto da obra, direcionada para a anlise do momento defundao da nao brasileira, houve uma adeso ao monroismo comodoutrina, porm essa convico parecia j abalada quanto atuao dosEstados Unidos. Oliveira Lima acabou afirmando no havia muita dife-rena entre um protetorado ingls e um norte-americano, pois ambas aspotncias interessavam-se pela conquista comercial e moral das naessurgidas dos fragmentos do imprio colonial ibrico. Esse lampejo decrtica nacionalista, inspirada tanto pela sua permanncia em Londres,onde acompanhou as negociaes de fronteira e do funding loan, quantopela anlise da poltica externa norte-americana, logo foi abafado na nar-

    rativa, que se manteve sintonizada com as diretrizes da poltica externabrasileira.

    A explicitao da adeso ao monroismo seria ainda realizada naobra No Japo (LIMA, 1903), escrita quando ocupou em Tquio o posto deencarregado de negcios do Brasil (1901-1903). Nela, a anlise teve comoreferncia a hegemonia japonesa na sia e apontou com acuidade oexpansionismo japons como indcio do despontar de uma nova potn-cia, com lugar destacado entre as que detinham a hegemonia no jogo im-perialista. A simpatia de Oliveira Lima pela expanso japonesa, que, decerto modo contrabalanava os avanos das potncias europias no Ori-ente, indicava que o autor encontrava-se ainda vinculado ao monroismo

    que o fazia exaltar a interveno norte-americana em defesa dos interes-ses japoneses contra as potncias europias.

    Porm, apesar desse posicionamento pr-americano, algo j come-ara a mudar no pensamento de Oliveira Lima, que externou certa restri-o ocupao norte-americana das Filipinas. Admirador de Roosevelt,o autor no chegou, no entanto, a explicitar a participao dos EstadosUnidos no processo de abertura do Japo ao Ocidente, no final do sculo

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    XIX. Prevalecia ainda o louvor a essa poltica, pois o desvendar do impe-rialismo norte-americano, expresso no pan-americanismo, foi lentamen-te gestado na obra de Oliveira Lima e s se revelaria plenamente algunsanos depois, quando se tornou crtico da poltica externa brasileira, evi-denciando a unio realizada pelo autor entre os ofcios de diplomata e dehistoriador.

    As posies assumidas por Oliveira Lima nas obras em anlise evi-denciaram a preocupao com a identidade nacional e os contornos geo-grficos da nao que direcionavam os estudos de histria diplomticaem seus propsitos de atender aos interesses do Estado republicano, dejustificar suas pretenses e de legitimar suas aes. Nesse sentido, oItamaraty constituiu-se em matriz articuladora de uma historiografia es-treitamente vinculada ao Estado, a qual orientava e justificava a ao di-plomtica. No mbito das relaes exteriores, a histria assim construdainterpretou a constituio do novo regime, sua insero no mundo ame-ricano e suas relaes com as potncias imperialistas, privilegiando oEstado como principal sujeito histrico. Esses foram alguns dos limites ou fronteiras do conhecimento histrico produzido, voltado para a cons-truo da identidade nacional, que depositava no Estado a esperana demoldar a nao e conferia aos Estados Unidos a atribuio de contribuirpara a sua civilizao.

    A constituio da Oliveira Lima Library, na Catholic University ofAmerica (Washington, D.C.) constitui mais uma das viradas surpreen-dentes da vida de Oliveira Lima. Aposentado do servio diplomtico em1913, decidiu-se pela fixao da residncia em Washington e para l trans-feriu sua enorme biblioteca, formada por livros, documentos e obras dearte. A fundao da Oliveira Lima Libraryocorreu no contexto poltico eeconmico da expanso imperialista dos Estados Unidos na AmricaLatina, o qual motivou, desde o final do sculo XIX, a tendncia a incen-tivarem-se estudos sobre essa regio, em grandes universidades do pas,como ocorreu na Universidade do Texas (Austin), a primeira delas a ela-borar um projeto de Instituto de Estudos Latino-Americanos, iniciados

    ali em 1897 e intensificados nas dcadas seguintes.Desde os primeiros contatos que tivera com a CUA, entre 1896 e

    1900, quando ocupara o posto de secretrio de legao em Washington,Oliveira Lima entusiasmara-se com a instituio. Patrocinada pela IgrejaCatlica, a CUA surgira de um donativo feito em 1884 por Miss Caldwell,portanto ligada benemerncia que atendia poltica expansionista daIgreja Catlica no campo do ensino, motivada pela difuso do catolicis-

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    mo no pas em decorrncia da imigrao. Na segunda metade do sculoXIX, a educao escolar passara a ser importante veculo de difuso docatolicismo nos Estados Unidos em sua busca de espao num pas onde oprotestantismo era majoritrio. A fundao de escolas catlicas de todos osnveis, do ensino elementar ao superior, resultou dessa estratgia empreen-dida por Leo XIII, em decorrncia da qual foi fundada a CUA. Situadanuma regio ainda pouco povoada da capital americana, surgiu modesta-mente, e s viria a se consolidar aps a Primeira Guerra Mundial. Em suaprimeira visita a essa universidade, Oliveira Lima impressionara-se pelopropsito anunciado pela instituio de voltar-se para o desenvolvimentoda pesquisa, porm esta expectativa no havia ainda se realizado por oca-sio da abertura da biblioteca ao pblico, em 1924, quando o diplomataexplicitou o receio de que ela viesse a cair no esquecimento. Nas dcadasseguintes, essa inquietao adquiriria o feitio de profecia, pois a jovemuniversidade, especializada em estudos eclesisticos, no dispunha de umabase de estudos histricos para desenvolver um centro de tal natureza.

    A biblioteca tornou-se desde sua fundao um dos centros produto-res de sua prpria memria, sobretudo com a finalidade de divulgar suaexistncia no mundo universitrio norte-americano, construindo uma ver-so consagradora das suas origens e definidora de sua identidade medianteassociao vida de seu fundador, confundindo instituio e indivduo.

    Essa foi a verso preferida pelos memorialistas ligados CUA, empenha-dos em ressaltar a doao generosa, desinteressada e sem contrapartida.Associou o casal doao, precauo que os desdobramentos da gesto doacervo aps o falecimento de Oliveira Lima iriam justificar, frisando a par-ticipao de sua esposa Flora de Oliveira Lima no ato, bem como estam-pando uma irrevogabilidade da deciso do casal, talvez, como resposta adificuldades surgidas nas relaes quanto propriedade e administraoda biblioteca.

    Oliveira Lima in the United States.

    ABSTRACT:Its intended to present aspects of Oliveira Limas workmanship (1867-1928), considering the importance of this author to the diplomatic history and tothe contemporary historiography. In this article, the central evaluation will lingerin the analyses of the diplomat and historian about the relations between Brazil andthe United States of America, leaving clearly his defense of monroeism,notwithstanding the dissonant voices in Brazil and in Hispanic America.

    KEY-WORDS: Oliveira Lima, historiography, diplomacy.

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    NOTAS

    1 Pesquisa realizada com apoio CNPq e FUNDUNESP.

    2 As obras Fastos da ditadura militar no Brasil e A iluso americana forampublicadas, respectivamente, em 1889-1890 e 1893.

    FONTES

    LIMA, M. de Oliveira. Nos Estados Unidos: impresses polticas e sociais.Leipzig:

    Brockhaus, 1899.LIMA, M. de Oliveira. Histria diplomtica do Brasil: o reconhecimento do Imprio.Paris, Rio de Janeiro: Garnier, 1901.

    LIMA, M. de Oliveira. No Japo, impresses da terra e da gente. Rio de Janeiro:Laemmert, 1903.

    REFERNCIAS

    BUENO, Clodoaldo. A repblica e sua poltica exterior. So Paulo: Ed. da Unpesp,1995.

    FONSECA, Junior, G. Castro, S. H. N. (Org.). Temasde poltica externa. Rio de Janei-ro: Paz e Terra, 1994.