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OLHOS D’ÁGUA CONCEIÇÃO EVARISTO

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OLHOS D’ÁGUACONCEIÇÃO EVARISTO

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Dados da obra Autor: Conceição Evaristo

Escola literária: Literatura Contemporânea

Ano de publicação: 2014

Gênero: Conto

Divisão da Obra: 15 contos

Local: Periferia de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro

Temas: desigualdade social, preconceito racial, violência, miséria, vida em favelas, cotidiano de mulheres negras e pobres, homossexualismo, infância, erotismo.

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CONTEXTO

Sobre a autora A Autora Maria da Conceição Evaristo de Brito nasceu em

uma favela de Belo Horizonte em 29 de novembro de 1946.

É graduada em Letras pela UFRJ, mestre em Literatura

Brasileira pela PUC do Rio de Janeiro, quando defendeu a

dissertação: “Literatura negra: uma poética da nossa afro-

brasilidade” e doutora em Literatura Comparada na

Universidade Federal Fluminense, desde 2011, após a

defesa e aprovação da tese que procurou “investigar a

produção de autores africanos de língua portuguesa em

diálogo com a literatura afro-brasileira”.

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Sobre a autora

OBRA DE CONCEIÇÃO EVARISTORomance:: Ponciá Vicêncio. Belo Horizonte: Mazza.Edições, 2003.:: Becos da memória. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2006, 168p.

Poesia:

:: Poemas da recordação e outros movimentos. (antologia poética). Belo Horizonte: Nandyala, 2008.

Conto:: Insubmissas lágrimas de mulheres. Belo Horizonte: Nandyala, 2011.:: Olhos d'água. Rio de Janeiro: Editora Pallas, 2015, 116p. Prêmio Jabuti na categoria Contos em 2015.:: Histórias de leves enganos e parecenças. Conceição Evaristo. [ilustrações Ainá Evaristo]. Rio de Janeiro: Editora Malê, 2016.

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ESCREVIVÊNCIA

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TÍTULO

O título, bem como a capa, remetem tanto ao

primeiro dos contos (a personagem adulta acorda

intrigada por não lembrar a cor dos olhos da mãe),

quanto às lágrimas derramadas por quase todas as

personagens em situações de crise, de luta pela

sobrevivência, de medo e de desesperança.

As personagens demandam “rios caudalosos”,

“águas correntezas”, “choro-gozo”, “gozo-dor”,

“lacrimevaginava”, rio-mar que justificam os

“Olhos d’dágua”.

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LINGUAGEM

ACESSÍVEL;

CULTA PARA O NARRADOR DE TERCEIRA PESSOA;

BRUTALISMO POÉTICO;

SUTIL EM MUITOS CONTOS (Luamanda, Maria);

CRIAÇÃO DE PALAVRAS POR COMPOSIÇÃO (HIFENIZAÇÃO-

CORPO-CORAÇÃO, FLOR-CRIANÇA) INCLUSIVE NO NOME

DAS PERSONAGENS: SALINDA (SINHA LINDA), DORVI (VI

DOR), LUAMANDA (A LUA MANDA),

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O livro OLHOS D’ÁGUA é composto por

15 contos:

CONTOS EM 1ª PESSOA

OLHOS D’ÁGUA. Alcance: em uma narração em 1ª pessoa, NARRADOR:

Dimensão dos sentimentos;

Voz feminina, possivelmente negra (dada

a percepção da experiência vivida).

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O livro OLHOS D’ÁGUA é composto por 15

contos:CONTOS EM 3ª PESSOA: onisciência

Ana Davenga;

Duzu-Querença;

Maria;

Quantos filhos Natalina teve?;

Beijo na face;

Luamanda;

O cooper de Cida;

CONTOS EM 3ª PESSOA: oniscência Zaíta esqueceu de guardar os

brinquedos;

Di lixão;

Lumbiá;

Os amores de Kimbá;

Ei, Ardoca; e

Ayoluwa, a alegria do nosso povo.

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DESCRIÇÃO Em “Olhos D’água” Conceição Evaristo constrói uma

série de narrativas, composta por 15 diferentes contos, que se entrelaçam ao relatarem a história de mulheres e homens negros que sofreram e sofrem os mais diferentes tipos de violência e depreciação na sociedade.

No entanto, desde o primeiro conto que leva o mesmo título do livro, percebemos que a autora vai além de uma construção vinculada apenas ao sofrimento, ela conduz o leitor a um aspecto da ancestralidade e identidade afro-brasileira que perpassa e em alguns momentos até acalenta a dura realidade de seus personagens.

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DESCRIÇÃO

O prefácio que abre o livro sinaliza para a grande marca da autora: a noção de escrevivência. Isto é, a escrita a partir de um lugar de enunciação que é também ̶̶ e sobretudo ̶̶ o da vivência da experiência narrada e o quanto essas escritas negras e femininas encontram-se embaralhadas na tênue linha que tenta separar, sem muito sucesso, a realidade vivida, da ficção sonhada.

Desta forma, tudo isso acaba provocando nos leitores, uma identificação imediata com as narrativas lidas e compartilhadas. Como já descrito, as narrativas do livro são costuradas e umedecidas pelo choro dos personagens, que desabrocham e suplicam, mesmo que em silêncio, do lugar de opressão e submissão que ao longo da história foi designado a eles.

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Importância do Livro

Olhos D’água produz um lindo entrelaçar entre a temática e a poética, isso porque a construção linguística utilizada pela autora é de um acabamento preciso assim como o amarrar das histórias. As narrativas são permeadas de lágrimas, violência, ancestralidade, fé e sentimentos. A voz não se cala perante os acontecimentos narrados e nem a essência subjetiva da criação literária. Talvez por isso o livro comova e conduza todos os leitores pelo caminho da dor poética.

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Período Histórico

Publicada em 2014, pela editora PALLAS, a obra de Conceição Evaristo reúne narrativas que abordam conflitos sociais, históricos e contemporâneos, representando o grito dos escritores negros e de toda uma sociedade que não deveria silenciar nunca. Esse livro é um dos atalhos por onde a voz negra pretende ecoar.

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TEMÁTICA

São muitos e se repetem.O cotidiano de negros e pobres, em

vidas marcadas pela desigualdade social, preconceito racial, violência, miséria, vida em favelas, cotidiano de mulheres negras e pobres, homossexualidade, infância, erotismo.

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TEMPO E ESPAÇO

As histórias se passam em um tempo psicológico, ou seja, não existem datas nem cronologia.

As personagens estão em um momento emocional marcante.

Os espaços são as favelas (Rio de Janeiro e Belo Horizonte) e a realidade que as rodeia (lixões, estações de trem, ônibus)

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OLHOS D’ÁGUA

A narradora não tem nome;

Mulher, negra , pobre, mãe e filha;

Filha mais velha entre sete;

Não há menção a personagem masculino na história;

Recorda mulheres ancestrais;

Lembra-se das brincadeiras da mãe para enganar a fome das

filhas;

Preocupa-se com o fato de não se lembrar da cor dos olhos

da mãe;

Volta à cidade natal e vê na mãe olhos de lágrimas; e

Sua filhinha pergunta qual a ‘cor tão úmida’ de seus olhos.

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ANÁLISE

Sempre houve dentro da literatura um investimento na construção negativa da mulher e do homem negro, entretanto nos últimos tempos um movimento em sentido oposto está crescendo, esse vem sendo liderado pelos autores que fazem parte desse grupo e que passaram a contar suas próprias histórias e de seus semelhantes, na tentativa de recontar e dar um novo sentido a suas vidas. A escrita de conceição Evaristo e a voz que ecoa de “Olhos D’água” é uma aposta que vai de encontro a esse novo sentido e contra as vozes e discursos que até então imperavam no meio literário.

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ANÁLISE

Analisando o processo de criação literária de Conceição

Evaristo em Olhos D’água notamos que existe uma

característica marcante dos contos que integram o

aspecto da violência, o “brutalismo poético”, nesse

caso compreendido como uma narrativa que apresenta

elementos lingüísticos e semânticos duros, mas não

menos poéticos. Por isso os leitores mesmo diante de

cenas de profundo impacto ficam surpresos pela

maneira com a qual a escritora consegue amarrar a

violência urbana com tamanha leveza em suas palavras.

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ANÁLISE Evaristo também utiliza outras fontes para a denominação de personagens que

são inspirados nas culturas africanas Banto e Iorubá. Essa influência se estende inclusive para as temáticas das narrativas, pois as referências às narrativas míticas africanas se apresentam ora como poderosas metáforas, ora como alegorias que podem se referir, direta e/ou indiretamente, à diáspora africana no passado brasileiro e seus desdobramentos em nosso cotidiano atual.

Dando ênfase ao conto que abre o livro e o nomeia podemos dizer que, em resumo, o conto narra o questionamento acerca da cor dos olhos da mãe da personagem. Diferente dos demais contos que trazem em sua estrutura uma narrativa em 3ª pessoa, esse é construído em 1ª pessoa, sugerindo um viés de proximidade com uma narrativa autobiográfica. A dúvida sobre a cor dos olhos da mãe surge acompanhada por lembranças e vai ganhando um tom acusatório que leva a personagem a retornar à cidade natal e encarar a figura materna, lançar seu olhar no dela para descobrir a cor de seus olhos. O leitor é convidado a adentrar nas memórias da narradora, conhecer a sua infância e, junto dela, reviver momentos marcados pelas dificuldades e privações de uma vida permeada pela pobreza, ao mesmo tempo em que se encanta pela figura materna que protege, acalenta e encanta, até mesmo nos momentos mais angustiantes.

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ANÁLISE Ao se lembrar e narrar suas lembranças, a narradora-personagem de “Olhos d’água” evoca

as experiências que marcaram sua infância e, neste jogo de recordações, acaba por (con)fundir suas próprias memórias com as lembranças de sua mãe: […] Às vezes, as histórias da infância de minha mãe confundiam-se com as de minha própria infância. Lembro-me de que muitas vezes, quando a mãe cozinhava, da panela subia cheiro algum. Era como se cozinhasse, ali, apenas o nosso desesperado desejo de alimento (EVARISTO, 2014, p. 16).

Recorrente na prosa de Conceição Evaristo, a hereditariedade que ecoa na geração seguinte revela-se um traço forte no que diz respeito à ancestralidade, como um elo estabelecido entre passado e futuro que se concretizará no desfecho do conto, quando em frente à filha, a narradora brinca de buscar, uma na outra, a verdadeira cor de seus olhos: “Hoje, quando já alcancei a cor dos olhos de minha mãe, tento descobrir a cor dos olhos de minha filha. Faço a brincadeira em que os olhos de uma são o espelho dos olhos da outra. E um dia desses me surpreendi com um gesto de minha menina. Quando nós duas estávamos nesse doce jogo, ela tocou suavemente o meu rosto, me contemplando intensamente. E, enquanto jogava o olhar dela no meu, perguntou baixinho, mas tão baixinho como se fosse uma pergunta que para ela mesma, ou como estivesse buscando ou encontrando a revelação de um mistério ou de um grande segredo. Eu escutei quando, sussurrando, minha filha falou: _Mãe, qual é a cor tão úmida de seus olhos? (EVARISTO, 2011, p. 19).

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ANÁLISE Distante dos referencias identitários, das mulheres presentes

em sua infância e na memória, pensando nas ancestrais ainda

em África, a narradora precisa descobrir a cor dos olhos de

sua mãe, pois, somente dessa forma, conseguirá enxergar a si

mesma. A indagação acerca da cor dos olhos da mãe é uma

forma de voltar às origens e buscar uma identidade perdida,

ou desconstruída, pelo afastamento de suas raízes. O tom

acusatório com a qual a indagação vai se contornando ao

longo do conto confirma a perda de identidade e a

necessidade de reencontrá-la ou reconstruí-la.

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ANÁLISE Pensar nos olhos, e na dúvida sobre eles, é pensar na maneira como a narradora

enxerga o mundo e a si mesma, e os questionamentos que percorrem este olhar.

Esta hipótese de leitura é confirmada ao se estabelecer entre o seu retorno para

casa a um ritual aos orixás: “Vivia a sensação de estar cumprindo um ritual, em

que a oferenda aos Orixás deveria ser a descoberta da cor dos olhos de minha

mãe” (EVARISTO, 2010, p. 18). Diretamente ligada à voz autoral, a temática

presente no conto dialoga com a identidade negra e com a ancestralidade

utilizando-se da imagem dos olhos para simbolizar esta união estabelecida entre

passado, presente e futuro, que perpassa desde a avó até a neta.

A poeticidade do conto fica marcada a partir da presença da imagem do olho que

se fortalece a cada repetição e que suscita na narradora suas recordações, e no

leitor a possibilidade de adentrar nessas memórias. Por meio do uso da

indagação “de que cor eram os olhos de minha mãe?” (p. 171), é que a autora

fixa a imagem dos olhos como eixo da narrativa. O conto percorre desde a face

histórica, por meio do retorno à mãe e às referências à África e à sabedoria das

Yabás, até a cultural e religiosa, por meio das referências aos orixás, abarcando,

neste percurso, o aspecto social do ser negro no Brasil

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ANÁLISE

Conceição Evaristo faz alusão aos olhos para trazer à

tona questões de ordem social, cultural e religiosa,

relacionadas à miséria em que a narradora se encontra

na infância e pensando em sua relação com os orixás e

com as Yabás ainda em África. Dessa forma, a autora

produz um texto em que insere a voz autoral e seu

ponto de vista sem abrir mão do trabalho estético em

seu texto, fugindo do teor “panfletário”.