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BITCOIN MOEDA VIRTUAL SE TORNA INVESTIMENTO E PÕE EM XEQUE O FUTURO DO DINHEIRO INEPAR COMO ATILANO OMS E SEUS SÓCIOS ROUBARAM OS MINORITÁRIOS POR MAIS DE UMA DÉCADA COMPANHIAS CRIAM ESTRUTURAS DE CONTROLE PARA SE ADAPTAR À LEI ANTICORRUPÇÃO OLHOS BEM ABERTOS CAPITAL ABERTO • ANO 11 • NÚMERO 126 • FEVEREIRO 2014 ANO 11 • NÚMERO 126 • FEVEREIRO 2014 • R$ 34,00

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BITCOINMOEDA VIRTUAL SE TORNA INVESTIMENTO E PÕE EM XEQUE O FUTURO DO DINHEIRO

INEPARCOMO ATILANO OMS ESEUS SÓCIOS ROUBARAMOS MINORITÁRIOS PORMAIS DE UMA DÉCADA

COMPANHIAS CRIAM ESTRUTURAS DE CONTROLE PARA

SE ADAPTAR À LEI ANTICORRUPÇÃO

OLHOS BEM ABERTOS

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E d i t o r i a l

04 CAPITAL ABERTO Fevereiro 2014

Marketing e Circulação Roberta Palma Publicidade Érica Olbera (11) 98109-6419Amilton Fiorin (11) 98110-1112  International sales Sales Multimedia, Inc. (USA) +1-407-903-5000 – [email protected] Assinaturas (11) 3775-1603 [email protected]

A reportagem de capa desta edição trata de uma necessidade das corporações modernas: a instalação de sistemas de vigilância que evitem desvios de comportamento e favoreçam a escolha do que é certo. A nova Lei Anticorrupção, a ser regulamentada em breve, suaviza as penalidades para companhias que, pegas em um ato ilícito nas relações com o poder público, comprovem ao menos terem feito o possível para prevenir o problema. É o reconhecimento de que, se não dá para controlar tudo em grandes organizações, ao menos há como desencorajar os mal--intencionados. A novidade se alinha com a legislação de outros países e promete funcionar. Criar ambientes que dificultem a atuação dos que se acham espertos demais é uma maneira inteligente de refreá-los.

Nesta edição tratamos de mais uma forma de diligência que cresce no mundo: o ativismo dos investidores institucionais. Criticados após a crise de 2008 por suas visões de curto prazo e sua complacência com as elevadas doses de ganância dos mercados, eles se revelam mais interes-sados em interferir nas companhias, como mostra a matéria de Bruna Maia Carrion na página 40. Seus olhares desconfiados e exigentes têm efeitos semelhantes aos dos mecanismos de compliance incentivados pelas leis anticorrupção: constrangem, e possivelmente inibem, aqueles que querem se dar bem sozinhos.

Interessante pensar os efeitos que essas barricadas antirroubos soma-das aos avanços da tecnologia — e a maior exposição deles decorrente — terão sobre as companhias no futuro próximo. Dá para imaginar que fraudes grosseiras aos bens públicos, sejam eles os dos acionistas, sejam os dos cidadãos, serão muito menos simples de serem executadas. His-tórias como a da Inepar, cujos acionistas controladores expropriaram repetidamente os minoritários durante mais de uma década (veja a repor-tagem na página 16), talvez encontrem menos sombras para acobertá-las.

Pessoas com vocação para sobrepor suas aspirações privadas ao inte-resse público sempre vão existir. Ainda assim, o surgimento de leis que as desfavorecem é sempre uma boa notícia.

Simone Azevedo

Editora executiva Simone Azevedo [email protected] Tanoue [email protected] de texto e produçãoBruno [email protected]órteresBruna [email protected] Yokoi [email protected] ColaboradoresAline LimaCamila HesselCristine PrestesJoão Carlos de OliveiraMariana SegalaColunistasAlexandre Di Miceli da SilveiraMarta Barcellos Ney CarvalhoPeter JancsoArticulistas desta edição Gustavo Oliva GalizziLélio LaurettiMarcos Eduardo EliasRodrigo Fagundes TerassovichProjeto e direção de arte Beto Nejme e Marco ManciniGrau 180DiagramaçãoGrau 180 Rodrigo Monteiro IlustraçõesBeto NejmeEric PeleiasMarco Mancini Impressão Duograf Gráfica e EditoraCirculaçãoDPA Consultores Editoriais [email protected]: (11) 3935-5524Distribuição nacionalFernando Chinaglia Comercial e DistribuidoraTiragem desta edição 6.500 exemplares Data de fechamento28/1/2014

Nota aos leitores As opiniões expressas nos artigos e boletins customizados são as de seus autores e não, necessariamente, as da capital aberto É proibida a reprodução ou transmissão de textos e imagens desta publicação sem autorização prévia Para receber um exemplar como cortesia, acesse a seção Exemplar Cortesia, em www.capitalaberto.com.br

ANO 10 - NÚMERO 126 - FEVEREIRO 2014

A Capital Aberto é uma publicação mensal da Editora Capital Aberto Ltda. Endereço: Rua Wisard, 305 – sala 54 – Vila Madalena – São Paulo, SP – CEP 05434-080 Contatos: (11) 3775-1600 – fax (11) 3775-1604 [email protected] Tudo vigiado

Circulação auditada:

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S umá r i o

06 CAPITAL ABERTO Fevereiro 2014

16 Na cara duraOs truques do controlador da Inepar para expropriar os minoritários

22 CAPALei Anticorrupção incentiva empresas a investir em compliance

28 Recuperação judicialAperfeiçoamentos para tornar a Lei 11.101 mais eficaz

32 Private equityRecuo no preço das empresas abre espaço para boas compras

36 BitcoinMoeda virtual conquista mercados e divide opiniões dos órgãos reguladores

40 AtivismoMais ousados, investidores desafiam os administradores em busca de mudanças

44 Pregão invejávelOs segredos da Bolsa de Varsóvia para atrair pequenas e médias empresas

4 Editorial

7 Mural do Leitor

8 Seletas

10 capital aberto n@ web

11 + n@ web

12 Adiante

15 Relevo Alberto Menache

48 Alta&Baixa Azul: TimVermelho: Marfrig

50 Notas Internacionais

52 Antítese Há excesso de informaçãodivulgada para o mercado?

54 Artigo Empresas enfrentam exigênciasinusitadas de junta comercial

55 Governança Meio empresarial é menos rigoroso que jurados carnavalescos

56 Histórias Carnaval legislativo

57 PrateleiraEsquema ou trambique?

58 Saideira

SEÇÕES

Fevereiro 2014

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M u r a l d o L e i t o r

Fevereiro 2014 CAPITAL ABERTO 07

ANTÍTESEA pergunta “Você concorda com a atribuição de voto extra para o acionista de longo prazo?” (ed. 125, janeiro) deve ser bem ponderada. O ativismo societário precisa protagoni-zar a influência positiva dos acionistas de longo prazo sobre a companhia, e não apenas a defesa de interesses próprios. A participação deve ser analisada pela qualidade das ati-tudes e não apenas pela quantidade de intervenções em AGOEs, por exemplo. O benefício político pode ser um incentivo para manter os acionistas mais fiéis à compa-nhia, mas é preciso checar se eles contribuem para melho-rar o desempenho no longo prazo. Os demais acionistas questionarão, afirmando ter direito ao mesmo peso de voto, ainda que fiquem o tempo que acharem necessário para o retorno dos seus investimentos. Polêmica à vista!

Paulo Lima, via Facebook

JABUTICABA 1A matéria “Jeitinho brasileiro” (ed. 125, janeiro) aborda a realidade dos comitês de conselho no Brasil, muitas vezes constituídos exclusivamente por não conselheiros, ou por conselheiros e não conselheiros. Em que pese a aparente impropriedade da presença de integrantes estranhos ao board nos comitês, a solução nacional tem contribuído para a especialização e profissionalização desses órgãos. Isso não seria possível na maior parte das companhias brasileiras sem a presença de membros externos.

Joyl Gondim, sócio do Azevedo Sette Advogados

JABUTICABA 2A reportagem “Jeitinho brasileiro” (ed. 125, janeiro) torna oportuna a reflexão para tratar de pontos que merecem rediscussão e revisões das nossas normas regulamentares, leis ou orientações. A lei societária brasileira, ao tratar do conselho fiscal, merece estudos e evoluções, assim como as regras do comitê de auditoria, que deveriam ser obrigatórias nas empresas abertas. A medida ampliaria muito a relevância desse órgão no mercado brasileiro e contribuiria para melhorar a qualidade das demonstrações finan-ceiras, das operações e dos controles internos da companhia, ao avaliar o papel dos auditores indepen-dentes e dos internos.

Ernesto Gelbcke, presidente do conselho de administração da Grant Thornton

G o v e r n a n ç a

40 CAPITAL ABERTO Janeiro 2014

Jeitinho brasileiroApinhados de consultores externos, nossos comitês de auditoria vão na contramão do modelo internacionalIlu

straç

ão: B

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Grau

180

Participe do Mural do Leitor: envie seu comentário para [email protected]

A n t í t e s e

50 CAPITAL ABERTO Janeiro 2014

Você concorda com a atribuição de voto extra para o acionista de longo prazo?

Simon Wong

([email protected]) é professor da

Northwestern University School of Law

É bom para as companhias ter proprietários fortes e estáveis, em vez de investidores efêmeros que não se preocupam com as perspectivas e os resultados de

longo prazo. Diversos estudos mostra-ram que empresas familiares, adminis-tradas de forma robusta e duradoura por seus controladores, têm desem-penho superior ao das companhias de capital disperso.

No mundo ideal, todos os acionistas teriam direitos de voto iguais. Entre-tanto, o horizonte de tempo de muitos investidores é cada vez mais o curto prazo, a convicção no investimento está em queda, e alguns acionistas chegam a esperar uma baixa no valor do seus papéis. Essa realidade fortalece a ideia de dar mais poder ao acionista com-prometido — com restrições, sim, para evitar abusos.

Os defensores do direito político diferenciado costumam citar, como exemplo da má atuação dos investidores de curto prazo, situações em que eles aceitam uma oferta para tomada de con-trole sem pensar nas consequências des-sa aquisição para a companhia no longo prazo. A essa hipótese adiciono a prática conhecida como “underweighting”, em que um gestor possui participação numa empresa em proporção inferior

ao peso dela no índice de referência e torce pela queda do preço do papel. Por-tanto, não estará propenso a intervir na companhia de modo construtivo para melhorar o seu desempenho.

O incremento de poder deveria ser concedido com base no tempo de posse da ação e no investimento ativo, definido pelo voto bem infor-mado e pelo engajamento na gestão da companhia investida — o que inclui a disposição a participar do conselho de ad-ministração. Se o debate atual foca em assegurar direitos adicionais àqueles que estão na empresa há algum tempo, também merece considera-ção uma abordagem voltada para o futuro. Isso significa aumentar o poder político do investidor que deseja “travar” o seu papel durante certo período — por exemplo, cinco anos. Ele decerto estaria empenhado em buscar a prosperidade duradoura da companhia.

Os opositores da ampliação do direi-to de voto se preocupam, corretamente, com o fortalecimento de alguns acio-nistas e com possíveis comportamentos abusivos, originários da divergência en-tre direitos políticos e econômicos. Para

reduzir essas inquietações, recomendo as seguintes salvaguardas:

1. Proporcionar o acréscimo de poder a todos os acionistas que atendam aos

pré-requisitos, e não ape-nas aos fundadores e aos membros da diretoria.

2. Moderar a quantidade de votos adicionais que cada ação pode acumular.

3. Limitar o número total de votos que os inves-tidores habilitados podem receber, para evitar que um acionista ou um grupo tome decisões unilaterais graças ao incremento de autoridade.

4. Proibir a emissão de ações sem direito político, que tendem a entrincheirar os acionistas poderosos.

5. Restringir o uso da maior prerrogatória eletiva sempre que a possibilidade de abuso for alta; por exemplo, uma pauta que possa gerar injusta diluição acionária.

Por fim, a empresa deve levar em conta as exigências da legislação do país — freios e contrapesos societários, provisões legais e mecanismos disponí-veis de “enforcement” — ao discutir a conveniência de introduzir o voto extra.

A realidade do mercado fortalece a ideia de dar mais poder ao acionista engajado e participante

Janeiro 2014 CAPITAL ABERTO 51

Você concorda com a atribuição de voto extra para o acionista de longo prazo?

Nas últimas décadas, vigorou for-te consenso em favor da regra “uma ação, um voto” nos círcu-los de governança corporativa. Esse regime traz o benefício de

conferir influência política de forma diretamente proporcional ao interesse financeiro do acionista na companhia, promovendo bons incentivos ao exercí-cio do direito de voto. É justamente por isso que o regulamento do Novo Mer-cado, o mais alto nível de governança corporativa da BM&FBovespa, proíbe a emissão de ações sem poder político.

Mais recentemente, intensificou-se a preocupação de que os atuais meca-nismos de governança estariam contri-buindo para a busca de retorno finan-ceiro rápido, em detrimento da pros-peridade da empresa no longo prazo. Entre as propostas discutidas no âmbito da Comissão Europeia, surgiu a ideia de conferir maior voz ao acionista “fiel”. A inspiração veio do direito francês, que autoriza a concessão de voto em dobro ao investidor que mantém ações por um período mínimo de dois a quatro anos.

O direito brasileiro não contém nenhuma regra semelhante. Ao contrá-rio, o parágrafo 2o do artigo 110 da Lei das S.As. proíbe expressamente o voto plural. Isto é: cada ação com direito po-lítico confere apenas um voto. Eventual

reforma da legislação que favorecesse o investidor de longo prazo significaria manifesto retrocesso ao País.

Em primeiro lugar, a experiência internacional não oferece evidências em favor dos benefícios de se outorgar maior número de votos ao acionista mais antigo. Ao contrário, os poucos trabalhos a respei-to do tema sugerem que a regra francesa facilita a expropriação de acionistas minoritários. Um dos seus principais efeitos na França é justamente o de dilatar a influência do Estado como acionista, pois o gover-no habitualmente assume participações acionárias de longo prazo.

No Brasil, as desvan-tagens da adoção dessa regra seriam ainda maiores, uma vez que o nosso mercado possui companhias importantes sob controle estatal. Além disso, os principais inves-tidores institucionais são os fundos de pensão de empresas públicas e o BNDESPar. Dar maior peso a esses atores amplificaria as possibilidades de intervenção política na governança das companhias.

Mariana Pargendler ([email protected]) é professora

da Direito GV e da New York University

(NYU) School of Law

Outro aspecto importante: a gran-de maioria das empresas do País tem acionista controlador ou grupo de controle definido. Por isso, são me-nos suscetíveis às pressões de curto

prazo que afligem as socie-dades sob controle geren-cial prevalecentes no mun-do anglo-saxônico. O pri- vilégio ao acionista estável desencoraja o ingresso de investidores que possam promover melhorias na go-vernança e na gestão da com-panhia, já que a sua situação é automaticamente desvan-tajosa em comparação à dos mais antigos — normalmen-te, os controladores.

Por aqui, é fundamen-tal que o minoritário tenha voz e vez para exercer os seus direitos e monitorar os administradores e acionistas

controladores, independentemente do tempo de posse das ações. Vale lembrar que o passado não oferece garantias para o futuro: tanto o acionista recen-te pode permanecer na sociedade por bastante tempo como pode o acionista antigo retirar-se a qualquer momento. É descabida, portanto, a proposta de di-ferenciação dos seus direitos políticos.

Exemplo francês evidencia que regra facilita expropriação dos minoritários

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S e l e t a s

08 CAPITAL ABERTO Fevereiro 2014

Tanure versus canadenses

O Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) iniciou uma

consulta pública para saber se o mercado concorda com a emissão

de uma norma com diretrizes sobre a confecção de demonstrações financeiras. Os balanços — em

especial, as notas explicativas — vêm recebendo uma enxurrada de críticas. O volume excessivo

de informações e a apresentação de dados pouco relevantes são

as principais delas (leia mais na coluna Antítese, à página

52). Por isso, o CPC propõe, por exemplo, orientar as companhias a descrever suas políticas contábeis de forma resumida, desde que uma versão completa esteja disponível

na internet, e o uso de uma linguagem menos técnica. Os comentários podem ser

enviados até o dia 24 de março.

A briga continuaAs ações da Óleo e Gás Participações (antiga OGX) dobraram de valor desde que a empresa entrou com pedido de recuperação judicial, no ano passado. De 30 de outubro até o fechamento de 24 de janeiro, os papéis subiram 105%, passando de R$ 0,17 para R$ 0,35. A alta reflete a expectativa de uma possível salvação da companhia, mas não é sinônimo de satisfação dos investidores. No dia 17, um grupo de acionistas recorreu à Justiça para tentar vetar o plano de recuperação anunciado na véspera

do Natal. O acordo envolve a diluição dos atuais investidores e o perdão do empresário Eike Batista por não ter cumprido o compromisso de injetar R$ 1 bilhão na empresa.

Com a palavra, o mercado

Captações em baixaO fraco desempenho da econo-mia em 2013 ficou evidente no balanço anual da Anbima. Segun-do a associação, as companhias brasileiras levantaram R$ 212,2 bilhões em 2013 via mercado de capitais, 11,7% menos que no ano anterior. As operações de ren-da fixa fecharam em declínio de 16,8% , somando R$ 107,3 bilhões, e não superaram o recorde his-tórico de 2012. A redução foi pu-xada pela queda de mais de 26% nas ofertas de debênture: apenas R$ 66,1 bilhões, contra R$ 89,6 bilhões no ano anterior.

Primeiros passosEm menos de um mês, as emis-sões de Certificados de Operações Estruturadas (COEs) totalizaram R$ 70 milhões, segundo dados da Cetip apurados até o dia 22 de janeiro. O COE é uma espécie de derivativo de prateleira, híbrido de instrumentos de renda fixa e variável. Embora o produto tenha sido criado há três anos, somente a partir de 2014, com a entrada em vigor da Resolução 4.263 do Conselho Monetário Nacional (CMN), as primeiras transações foram possíveis. Deram a largada-como emissores dos certificados os bancos Bradesco, BTG Pactual, Ci-tibank, Credit Suisse, Itaú e Safra. Em janeiro, os COEs ganharam um empurrão adicional: a CVM propôs a inclusão do instrumento no rol dos ativos que podem ser ofertados pela Instrução 476.

A HRT se tornou o palco de uma batalha entre acionistas. De dezembro até 22 de janeiro, a JG Petrochem Participações Ltda., cujo principal sócio é o empresário Nelson Tanure, aumentou sua participação no capital de 2,74% para 16,8%. Paralelamente, a gestora canadense Discovery Capital Management também fez uma escalada. No dia 24 de janeiro, informou que já acumulava 19,25% das ações da HRT. Em processo levado à Câmara de Arbitragem do Mercado, a JG Petrochem acusa a Discovery de esconder do mercado que ultrapassou o gatilho de 20% do capital. Segundo o estatuto da HRT, o acionista que superar esse percentual deve fazer uma oferta pública de compra de todas as ações.

Por Yuki Yokoi

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C A P I TA L A B E R T O n @ w e b

10 CAPITAL ABERTO Fevereiro 2014

BlogsEstreia

A partir deste mês, os jornalistas da capital aberto colo-cam no ar o Blog da Redação, espaço que terá como objetivo trazer análises e comentários sobre os fatos do mercado de capitais. Será também uma oportunidade para os leitores da revista interagirem com os repórteres e editores.

Desagiado

O professor Eliseu Martins voltou das férias de fim de ano “desagiado”. Conforme relatou no primeiro post de 2014, apesar de a Medida Provisória (MP) 627 ter mitigado certos pontos da “desastrada” Instrução Normativa 1.397, estamos ainda sob os efeitos de “inesperados assuntos” abordados em outras partes da medida. Uma delas é o tratamento tributário dispensado às transações entre entidades sob controle comum. É instigante nesse ponto, segundo o pro-fessor, a falta de equidade: “A exceção é somente no caso de transações com participações societárias”.

Enquete

Durante o mês de janeiro, os leitores opinaram sobre a possi-bilidade de atribuir voto extra para o acionista de longo prazo. A pergunta foi inspirada no direito francês, que concede o benefício ao investidor que mantém as ações por um período mínimo de dois a quatro anos. A votação foi equilibrada. Até o dia 23, 54% dos internautas (15 votos) eram contrários ao voto extra.

Presente de Natal

Anunciado em 26 de dezembro, o planejamento estratégico da CVM foi considerado por Ge-raldo Soares um “presente de Natal”. O documento, que traz uma lista de 15 objetivos que a autarquia perseguirá na próxima década, foi tema de seus dois úl-timos posts. O primeiro destaca a importância de a CVM incluir a educação financeira como uma de suas prioridades; o segundo aborda o compromisso do regu-lador de ter processos investigativos e sancionadores mais céleres e eficientes.

ArtigoPreço é relativo

Todos os meses, publicamos um artigo inédito em nosso site, exclusivo para assinantes. Em fevereiro, confira “Uma questão de opinião”, escrito por Marco Bonomo, professor do Insper Instituto de Pesquisa, e Alessandra Souza, mestre em finanças e economia pela Escola de Pós Graduação em Economia, da FGV. O texto aborda como a divergência de visões afeta o preço das ações.

Sucesso nas redeswww.linkedin.com/company/editora-capital-abertoA charge da edição de janeiro, sobre os desafios de 2014, foi o post mais visualizado no Linkedin.

AINDA NÃO DESCOBRI!

QUE LOUCURA VAI SER 2014! CARNAVAL, COPA, ELEIÇÃO...

COMO VAMOS CONSEGUIR BATER AS METAS?

Cético, mas nem tanto

O pessimismo é tanto que o economista Alexandre Póvoa repetiu a palavra três vezes ao criar o título de seu primeiro post do ano. O mercado pode piorar ainda mais, reconhece o economista. Ao mesmo tempo, Póvoa acredita que pode estar chegando a hora de aqueles que têm recursos de longo prazo começarem a investir. “Quem viver verá”, disse.

www.facebook.com/capitalabertoNo Facebook, o destaque ficou para Luiza Trajano, presidente do Magazine Luiza. A empresária ganhou fama repentina nas redes sociais depois de participar do Manhattan Connection e comprovar que a inadimplência dos consumidores brasileiros está em queda, ao contrário do que diziam os âncoras do programa. O sucesso se estendeu à nossa fanpage, já que Luiza foi a entrevistada da seção Retrato da edição passada. Os comentários foram além das questões econômicas. “Eu gostaria de ver a senhora Luiza refletir a receita de sucesso dela nas ações do Magazine Luiza, que comprei na oferta pública a R$ 16. Hoje estou com menos da metade do que investi”, alfinetou o internauta Wanderley Rezende.

NÃO: 54%SIM: 46%

Por Yuki Yokoi

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Fevereiro 2014 CAPITAL ABERTO 11

+ n @ w e bPor Bruna Maia Carrion

Fãs desinformados

Abilio Diniz saiu da presidência do conselho de administração do Grupo Pão de Açúcar em se-tembro do ano passado. Mas sua imagem e a da empresa estão tão conectadas que muitos presu-mem que ele ainda é o chaiman. Isso é tão comum que o empresá-rio teve de postar em sua página no Facebook um esclarecimento: “Me abordam aqui na fanpage com questões relacionadas ao Grupo Pão de Açúcar. [...] Hoje, estou em uma nova fase da minha vida como presidente do conselho de admi-nistração da BRF”. As curtidas passaram de 400 em menos de 15 minutos. Não é para menos: ele tem mais de 140 mil fãs na rede social.

Espólio

Que tal comprar uma camiseta da Arthur Andersen por US$ 9,99? E uma bolsa de mão do Lehman Brothers por US$ 35,50? Ou talvez um mousepad da icônica (no pior dos sentidos) Enron por US$ 8,99? Essas e outras barbadas fo-ram listadas pelo site Buzzfeed no post “Nove colecionáveis de companhias que caíram em desgraça e que você pode comprar no E-bay”. Alguns itens nem são tão baratos assim: um espertinho estava vendendo moletons de gestoras problemáticas por US$ 1.500.

Sempre ele

Dicas de como investir como Warren Buffett não faltam por aí. Um dos ho-mens mais ricos do mundo e o investi-dor mais popular do mercado de ações, Buffett é garantia de cliques. O site Motley Fool sabe bem disso e sempre prepara um ou outro texto sobre o bi-lionário. Em janeiro, perguntou a três especialistas quais ações da carteira da Berkshire Hathaway mereciam ser com-pradas e mantidas pelo resto da vida. As escolhidas foram General Electric, Ame-rican Express e a companhia de entregas de encomendas UPS. Em outro post, o blog re-velou a qual in-dicador Buffett sempre pres-ta atenção: é o fluxo de caixa. Quanto maior e mais previsí-vel, melhor.

http://read.bi/1hFsdDN http://bit.ly/LgboF1 http://bit.ly/1jBCvIP

http://bzfd.it/1aCZ1P1

http://bit.ly/1jBCkxn

Em cana

Em 27 de janeiro, o CEO da BitIns-tant, uma plataforma de negociação da polêmica moeda virtual bitcoin, foi preso. Charlie Shrem é acusado de lavagem de dinheiro e de ter vendido US$ 1 milhão em bitcoins para usuários do site SilkRoad, plataforma on-line de comercialização de drogas ilegais. O site Business Insider tratou logo de alardear a prisão e, em algumas horas, o texto já exibia quase 2 mil curtidas no Facebook. A prisão de Shrem é mais um capítulo na história da moeda mais comentada do mercado (leia também matéria na página 36).

Cheio de memes

No mercado de capitais brasileiro, pou-cos se adaptaram tão bem às ferramen-tas e à linguagem da internet como a Empiricus Research. Nos seus blogs e podcasts, a equipe da casa de análise não perde a chance de fazer uma pia-da ou se aproveitar dos assuntos do momento da internet, os chamados “memes”. Um exemplo é o blog Minha Primeira Ação, cheio de títulos inusita-dos, como “A paixão dos três meses de namoro com a bolsa” ou “Perdi minha virgindade na bolsa de valores”. Quem sabe o estilo menos sisudo ajude os mais novos a se interessar pelo mundo dos investimentos.

http://on.fb.me/1e2THow

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Ad i a n t e

12 CAPITAL ABERTO Fevereiro 2014

Controversa desde que foi anunciada em outubro do ano passado, a fusão entre a Oi e a Portugal Telecom (PT), uma de suas sócias, ganhou mais um capítulo. Desta vez, a vitória foi dada aos acionis-tas minoritários da telefôni-

ca. No dia 8 de janeiro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) respondeu a uma série de indagações feitas pela Tempo Capital, gestora carioca que é acionista da companhia desde 2007, quando ainda se chamava Telemar. Em uma delas, reconheceu que os atuais controladores da Oi — os grupos Andrade Gutierrez e La Fonte, além de BNDESPar, Previ, Petros, Funcef e Fundação Atlântico de Seguridade Social — estão impedidos de votar na assembleia que deliberará o valor dos ativos da Portugal Telecom. Até então, os controladores acreditavam que es-tavam livres para decidir a questão por maioria de votos.

O veto da CVM resulta de uma leitura conjunta das diversas etapas que compõem a operação. No primei-ro momento, a Portugal Telecom se compromete a capitalizar a TelPart, holding que integra o bloco de controle da Oi, com os recursos necessários para quitar as dívidas desses acionistas, no total de R$ 4,5 bilhões. Somente depois disso será feito um aumento de capital, em que a tele portuguesa fará a maior injeção, porque transferirá seus ativos e passivos, integralmente, para o do-mínio da Oi.

De acordo com o anúncio feito pe-las empresas, o aumento será de pelo menos R$ 13,1 bilhões, dos quais R$ 6,1 bilhões serão aportados pela PT. A fatia corresponde à avaliação dos bens da tele portuguesa, estimados em € 2 milhões. O desenho da operação re-

Minoritários obtêm primeira vitória no caso Oi-Portugal Telecom

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acionistas da Oi — neste momento, já acompanhados dos portugueses da PT — terão suas ações convertidas em ordinárias (ONs) da CorpCo, a nova companhia resultante da fusão. Na visão do regulador, apenas os minori-tários dissidentes donos de ONs terão direito ao recesso, uma vez que as pre-ferenciais têm ampla liquidez.

A Tempo Capital aproveitou o ensejo e tocou num ponto polêmico: o artigo 254-A da Lei das S.As., que aborda a alienação de controle. A gestora ficou sem resposta. Segundo a CVM, a área técnica não havia finalizado a análise do tema. Se todas as etapas da operação forem concluídas, a CorpCo será uma companhia de capital pulverizado, cujo maior acionista individual será a PT, com uma fatia entre 36,5% a 39,6% do capital. Na visão dos mino-ritários, porém, a tele portuguesa será uma controladora minoritária capaz, inclusive, de eleger a maior parte dos administradores.

Para fazer valer sua interpretação, os minoritários relembram fatos ocor-ridos alguns anos atrás. De acordo com Raphael Martins, advogado da Tempo, a entrada da PT no bloco de controle da Oi, em 2010, foi o primeiro passo de uma tomada de poder disfarçada que só se efetivará agora, com a fusão. “Trata-se de uma alienação indireta de controle”, concorda Mauro Cunha, pre-sidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec). Ad-vogados consultados pela reportagem afirmam que são remotas as chances de a tese dos minoritários prevalecer. Para eles, este seria apenas mais um caso de transferência de participação entre integrantes de um mesmo bloco de controle, o que não dispara a oferta pública mandatória prevista no artigo 254-A (o tag along). (Yuki Yokoi)

vela uma espécie de troca de favores: de um lado, os controladores locais têm suas dívidas liquidadas; do outro, aceitam o aporte superestimado dos portugueses. A CVM entendeu que todos estão impedidos de votar porque ficou caracterizada a existência de um benefício particular.

Os minoritários também consul-taram a CVM a respeito do direito de recesso. Se chegarem à terceira (e última) etapa da operação, todos os

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Ad i a n t e

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A BM&FBovespa e a Azul Linhas Aéreas foram as duas primei-ras empresas a assinar o ter-mo de adesão ao Comitê de Aquisições e Fusões (CAF), ór-gão criado em agosto de 2013. O CAF é um autorregulador independente que promete

garantir o tratamento igualitário dos acionistas em reorganizações societárias e operações de transferência de controle.

O termo — assinado em 21 de janeiro na sede da Anbima, uma das entidades mantenedoras da iniciativa — é um si-nal de que as companhias promoverão os ajustes necessários à sua efetiva ade-são ao CAF. No caso da Azul, a consu-

AComissão de Valores Mobi-liários (CVM) deu o pontapé para que as ofertas de ações e de debêntures conversíveis em ações sejam integradas ao rol de ativos da Instrução 476. Editada em 2009, a regra dá celeridade às ofertas públicas

feitas com esforços restritos de venda, mas está atualmente limitada à emissão de títulos de dívida. Na minuta proposta, a CVM se dispõe a abrir as portas da 476 para todas as companhias registradas na categoria A.

Diversas regras da instrução foram adaptadas para abrigar os novos papéis. Caso a companhia ofertante faça seu IPO pela 476, as ações ficarão restritas, por 18 meses, à negociação entre investidores qualificados, aqueles com mais de R$ 1 milhão. Nas ofertas de dívida, o prazo de

CAF recebe primeiras adesões e promove ajustes

CVM propõe ofertas de ações restritas a qualificados

restrição permanece em 90 dias. Para as ofertas primárias subsequentes, o regula-dor impôs condições para a exclusão do direito de preferência. O benefício está previsto na Lei 6.404 e evita a diluição de quem já era acionista da companhia ao garantir sua participação na oferta. Quando não é exercido, assegura a en-trada de novos investidores. Nas ofertas com esforços restritos, a preferência só poderá ser retirada se todos os acionistas pré-existentes concordarem ou se 100% deles ganharem, em contrapartida, o direito de prioridade na subscrição.

O novo arcabouço visa conjugar as regras já existentes a um atributo in-trínseco da 476: a limitação do número de participantes da oferta. Nesse item, a CVM propôs outra alteração. Conforme a minuta, todos os 50 investidores procu-rados poderão aderir à operação; hoje, a

regra permite que apenas 20 deles com-prem os valores mobiliários emitidos.

Há, ainda, regras específicas para companhias pré-operacionais. As que já se submeteram à Instrução 400 ficarão com as ações emitidas pela nova 476 res-tritas aos investidores qualificados por 18 meses. Quem nunca seguiu os trâmites da Instrução 400 terá mais restrições. Nesse caso, o lock up será mantido por 18 meses ou até que a empresa se torne operacional — o que acontecer depois.

Ficaram de fora da minuta as regras aplicáveis à oferta de pequenas e mé-dias empresas (PMEs). “A oferta das companhias não registradas segue em estudo”, conta Flavia Mouta Fernandes, superintendente de desenvolvimento de mercado da CVM. Os comentários e sugestões podem ser enviados até o dia 24 de março. (Yuki Yokoi)

mação depende de obter o registro de companhia aberta, pois o comitê só ava-liará operações de empresas de capital aberto. A aérea teve sua oferta inicial re-jeitada pela Comissão de Valores Mobi-liários (CVM), mas mantém o plano de fazer um IPO.

Paralelamente à chegada das primei-ras companhias, o CAF reformou seu regulamento. Um dos ajustes permitirá que o ofertante da aquisição de controle consulte o comitê previamente sobre a operação mesmo sem a concordância da empresa-alvo, seja ela aderente ou não. Consultas por parte dos envolvidos na operação também poderão ser feitas para ofertas já divulgadas, ainda que a com-

panhia não tenha aderido. Um exemplo prático seria a fusão de Oi e Portugal Te-lecom. Os acionistas poderiam solicitar o parecer do CAF por conta própria — des-de que pagassem a taxa de consulta, que varia de R$ 40 mil a R$ 500 mil, confor-me o porte da companhia. (Yuki Yokoi)

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Redução de taxas de administra-ção, incorporação de carteiras e migração de investidores são algumas situações com as quais os gestores de fundos de renda fixa, DI e curto prazo terão que conviver. No ano passado, a CVM liberou a emissão de

fundos de índice de renda fixa que cos-tumam embutir taxas de administração reduzidas. A autarquia também se pro-

Aeliminação da cobrança do Imposto sobre Operações Fi-nanceiras (IOF) de 1,5% sobre a emissão de American depo-sitary receipts (ADRs), recibos de ações brasileiras negocia-dos no mercado americano, pode dar um impulso para

que novas empresas lancem esses papéis. “O ano começou com companhias nos procurando para estudar a possibilidade de listar ADRs nos Estados Unidos”, relata Alex Ibrahim, vice-presidente e chefe regional para a América Latina do grupo Nyse Euronext, dono da Bolsa de Valores de Nova York.

Nos últimos anos, o interesse das empresas brasileiras pelo mercado ame-ricano caiu fortemente. A última lista-

para os padrões de juros atuais do Brasil. “Itens como a revisão da 409 signifi-

carão uma verdadeira revolução para a gestão de recursos. Poderemos atingir investidores que dispõem de baixos valores para aplicação com produtos interessantes”, afirma Reinaldo Le Gra-zie, diretor de renda fixa da Bradesco Asset Management. Para o executivo, a tendência é que os fundos de manu-tenção cara percam investidores para as alternativas mais baratas que surgirem.

Para Carlos Massaru Takahashi, pre-sidente da BB DTVM, as gestoras terão que aprofundar o movimento de redução de taxas e de incorporação de carteiras verificado nos últimos anos. Segundo le-vantamento da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), entre 2008 e 2013, a taxa de administração média dos fundos DI de varejo, ponderada pelo patrimônio líquido das carteiras, caiu de 1,61% ao ano para 1,2%. (Mariana Segala)

Fundos aguardam “revolução” na renda fixa

Fim do IOF pode dar gás a emissões de ADRsgem de ADRs, da BrasilAgro, ocorreu em 2012. Em grande parte, isso resulta das condições de mercado mais áridas dos últimos anos, que afastaram novas ofertas. O estabelecimento da cobrança de IOF, a partir de 2009, também não ajudou. “Antes do IOF, uma atividade importante para as corretoras era apro-veitar as diferenças de preços entre os ADRs e as ações originais, listadas na BM&FBovespa. Com o imposto, ficou quase impossível corrigir esses inter-valos, o que prejudicou a liquidez nos dois mercados”, observa Nuno da Silva, diretor de ADRs do banco BNY Mellon para a América Latina.

Em 2009, na tentativa de conter a valorização do real, o governo brasi-leiro estabeleceu uma alíquota de IOF

para investimentos feitos por estran-geiros em renda fixa e ações no Brasil. Ao mesmo tempo, para evitar que isso ocasionasse a migração de investidores do mercado local para Nova York, aca-bou decidindo estabelecer a cobrança também sobre a emissão dos ADRs, como forma de equalizar os custos.

Um estudo encomendado pelo BNY Mellon à consultoria Oxford Metrica no ano seguinte concluiu que, após a introdução do IOF, a liquidez dos ADRs brasileiros caiu 7%, e a das ações de em-presas brasileiras emissoras do recibo recuou 19% na BM&FBovespa. “Agora, a tendência é que ambos os mercados fluam sem obstáculos, o que deve au-mentar os volumes de negociação dos dois lados”, diz Silva. (Mariana Segala)

nunciou, no fim de 2013, sobre a revisão da Instrução 409, que regula a indústria de fundos. Os ajustes deverão incluir a criação de “fundos de baixo risco”: estruturas mais simples, com um rol de aplicações restrito e, novamente, com taxas de administração competitivas. Ainda hoje, estão disponíveis no merca-do fundos de renda fixa, DI e curto prazo com taxas de administração acima de 5% ao ano, percentual considerado elevado

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R e l e v o

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Foto: divulgação

A l b e r t o M e n a c h e

“O IPO nos fez bem”Diferentemente de grande parte das companhias, a Linx não tem o que reclamar de 2013. Foi no ano passado que a desenvolvedora de softwares corporativos para o varejo fez seu IPO na BM&FBovespa. Desde a estreia em bolsa, em 8 de fevereiro, até o fim do ano, a ação subiu expressivos 51%. À frente do negócio está o presidente e sócio da Linx, Alberto Menache, que ingressou na companhia em 1991, como estagiário. Confira sua entrevista à Relevo.

Por Luciana Tanoue

Desempenho em bolsa“Num mercado em que há muita vo-latilidade, não só no preço das ações, mas no resultado das companhias, previsibilidade é algo muito valorizado pelo investidor. A Linx tem um modelo de negócio que privilegia isso. Cerca de 80% da nossa receita é recorrente, oriunda principalmente de contratos de manutenção de software pagos men-salmente pelos clientes. Nosso índice de renovação de contratos é próximo de 99% por trimestre.” Aquisições“Quando fizemos o IPO, a previsão era usar o dinheiro em três anos para aquisições. Ainda em 2013 conseguimos comprar cinco empresas com um terço dos recursos. O cenário econômico atual, de juros mais altos, tem suas des-vantagens, mas tende a facilitar nossa estratégia de aquisições, porque a pers-pectiva do empresário muda — ele passa a cogitar deixar de ser empreendedor para investir no mercado financeiro.” Va re j o“Não é porque o varejo está crescendo menos que o uso de tecnologia no setor também está. Pelo contrário. Quando o varejo se torna mais competitivo, as empresas precisam se diferenciar. Assim, buscam investir em tecnologia, com o intuito de se relacionar de novas formas com o cliente e de ampliar os

canais de consumo. Para se ter uma ideia, o investimento das varejistas brasileiras em tecnologia, em relação ao seu faturamento, é aproximadamente um quarto do das americanas.”

Espaço para crescer“A sofisticação do setor varejista deve nos ajudar nesse sentido. Nos Estados Unidos, quando você entra num shop- ping, seja de cidade grande, seja de cidade pequena, encontra as mesmas marcas. Aqui, a realidade é outra, com exceção de pouquíssimas redes. Isso nos leva a crer que o varejo ainda vai passar por um processo grande de consolida-ção, o que é bom para a Linx. Afinal, a loja em que a única preocupação do dono é ficar olhando a prateleira para ver se está faltando mercadoria não investe em tecnologia.”

Profissionalização“Em 2011, em preparação para a aber-tura de capital, contratamos vários executivos de mercado. Até aí, a maioria dos funcionários eram profissionais que cresceram junto com a Linx. Nesse pro-cesso, o desafio foi encontrar pessoas com visão de longo prazo. Um executivo que está só preocupado com o bônus deste trimestre não serve para trabalhar aqui, e a maior parte do mercado só pensa no curto prazo. Queríamos pes-soas que valorizassem a possibilidade de estar na Linx daqui a dez anos.”

Exposição“A abertura de capital nos gerou bons negócios. A Linx era uma empresa pouco conhecida, e prestígio é muito importante quando você vende algo intangível. No ano passado, disputamos algumas concorrências que, certamente, teriam sido mais difíceis de ganhar sem a exposição que o IPO nos deu ao longo de 2013.”

Listagem“Quando estávamos nos preparando para o IPO, estudamos as possibilidades de dupla listagem e de listagem só no exterior. No fim, optamos pelo mais simples. Quando você faz o óbvio, não precisa explicar nada. E nós não quería- mos gastar o tempo que tínhamos para falar do negócio tentando explicar aos investidores coisas diferentes. Por isso, a melhor escolha foi a listagem no Novo Mercado.” Governança“O minoritário vê muito valor em tudo o que você entrega de governança. Alguns controladores, para não perder o poder, optam por emitir ações pre-ferenciais. Entretanto, eu não tenho dúvida de que, no longo prazo, o melhor para uma companhia — qualquer que seja — é dissociar a sua imagem da dos fundadores. Se não conseguir fazer isso adequadamente, em algum momento terá dificuldades.”

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Investigada como um dos maiores celeiros de trambiques da bolsa de valores nos últimos anos, a Inepar Indústria e Construções (IIC) guarda em suas memórias o status de blue chip. Fundada em 1953, original-mente como construtora de redes de distribuição de energia, teve suas

ações preferenciais presentes na car-teira teórica do Ibovespa entre 1997 e 2002. No melhor momento, em 1998, tornou-se o 15o ativo mais relevante da cesta, à frente de nomes como a antiga cervejaria Brahma, a siderúrgica Usimi-nas e a Telebrás. O encanto começou a se esvair quando investidores perce-beram que estavam sendo ludibriados. Em 2006, insatisfeitos com a condução da companhia, alguns deles denuncia-ram à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) as artimanhas comandadas por Atilano de Oms Sobrinho (leia mais sobre o empresário no box da página 20) e seus sócios — Jauvenal, seu irmão, e Mario Cesar Petraglia —, com a com-placência de outros administradores e do auditor independente. O capítulo mais recente da saga foi a inabilitação dos executivos. Em outubro passado, a CVM decidiu que os administradores

Má companhia

da Inepar, incluindo o principal contro-lador, Atilano, não poderão comandar companhias de capital aberto por prazos que vão de três a cinco anos.

O trio formado por Atilano, Jauvenal e Petraglia é dono da Inepar Admi-nistração de Participações (IAP), uma holding de capital fechado que controla a IIC com 57,21% das ações ordinárias. A IIC é a principal empresa do grupo na bolsa de valores, mas abaixo dela há nove subsidiárias diretas e outras nove indiretas. Foi pelas entranhas desse emaranhado de companhias que os minoritários da IIC perderam, segun-do apurou a CVM, ao menos R$ 705 milhões. A cifra corresponde apenas aos prejuízos mensuráveis, atualizados até dezembro de 2008, e analisados no âmbito do processo número de 17/2006.

De acordo com as investigações, entre 1999 e 2008, houve um constante fluxo de recursos entre a IIC e a holding IAP que sempre favorecia a segunda. As técnicas para sangrar a IIC foram as mais variadas. Uma delas incluia contra-tos de prestação de serviços executados pela própria controladora. Por R$ 129,9 mil mensais, ao longo de todo o ano 2000, a IAP se comprometeu a prestar

Os truques usados por Atilano Oms Sobrinho e seus sócios para roubar os minoritários da Inepar

Por Yuki Yokoi

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uma ampla assessoria à sua subsidiária nas áreas jurídica, tributária, de merca-do de capitais e de administração geral. Ao investigar o caso, a CVM concluiu que os serviços se confundiam com atividades intrínsecas à administração da IIC que deveriam ser executadas pela própria companhia. Eles nem eram exatamente prestados por ter-ceiros, mas pelos diretores da IAP, que também participavam do conselho de administração da subsidiária. Não havia sequer documentação que comprovasse a execução do trabalho.

Manobras contábeis também deram respaldo ao desvio de recursos, e uma delas é particularmente curiosa. Os con-troladores compraram títulos da dívida pública federal emitidos em 1927 e os transferiram para a IAP, que os repassou para a IIC por até R$ 282 milhões cada. Pelos cálculos da Coordenação-Geral de Controle da Dívida Pública do Tesouro Nacional (Codiv), porém, o valor unitá-rio atualizado do título seria de apenas R$ 2.264. O sobrepreço milionário foi conveniente para a IAP, que abateu dívidas com a subsidiária por meio do repasse dos títulos. Um detalhe provi-dencialmente ignorado pela Inepar foi a chance de recuperação dos recursos. Decisões judiciais em processos seme-lhantes são desfavoráveis aos detentores dos títulos — seguindo o princípio do conservadorismo contábil, portanto, os

papéis nem deveriam ser contabilizados pela IIC.

Por conta dessas e de outras tra-paças, a CVM inabilitou do cargo de administrador de companhia aberta seis executivos do grupo: além de Atilano, seu irmão Jauvenal; Cesar Romeu Fie-dler, atual presidente; Di Marco Pozzo, conselheiro de administração; e os ex-integrantes do board Natal Bressan e Mario Cesar Petraglia. O regulador também aplicou multas no valor total de R$ 4,5 milhões — a punição pecuni-ária chegou a R$ 500 mil por executivo, valor máximo que pode ser cobrado pela autarquia. A Martinelli, auditoria responsável pelos balanços dos exer-cícios de 2004 a 2008, não ressalvou as inconsistências das demonstrações financeiras e acabou com seu registro suspenso por dois anos. Pelo mesmo prazo, Carlos Alberto Felisberto, res-ponsável direto pelos balanços, ficará impedido de atuar.

Como é possível recorrer da decisão da CVM ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, o Con-

DecadenteAo longo de mais de 30 anos como companhia aberta, a Inepar Indústria e Comércio (IIC), a mais líquida das empresas do grupo Inepar, deixou para trás um passado de sucesso. Do auge até hoje, suas ações despencaram 98,37%. Confira a seguir as cotações em bolsa e fatos marcantes.

25 de junho de 1997 Inepar PN atinge seu pico histórico,

fechando a R$ 48,11

Maio de 1998 Integrante da carteira

teórica do Ibovespa desde 1997, Inepar PN alcança

sua maior participação no índice: 1,546% da cesta

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22 de janeiro de 1980

A Inepar Indústria e Comércio obtém

seu registro de companhia aberta

na CVM

selhinho, todos os punidos podem permanecer em suas funções. Atilano, por exemplo, segue no comando do conselho de administração da IIC. O posto está garantido por alguns anos — em geral, o trâmite no Conselhinho é tão demorado quanto na CVM —, mas não sem que outros questionamentos do regulador venham à tona.

Mais mordidasNo ano passado, um novo processo administrativo (RJ-2013-1840) foi ins-taurado contra a companhia e seus administradores. A reportagem da capital aberto teve acesso ao ter-mo de acusação formulado pela CVM e à defesa dos executivos processados. Novamente, estão na mira do regula-dor Atilano, Jauvenal, Di Marco Pozzo, Natal Bressan e Cesar Romeu Fiedler, todos por serem membros do board da Inepar, além da controladora IAP. Os dois problemas apontados são uma espécie de reedição das manobras ana-lisadas no processo anterior.

No primeiro caso, a holding com-prou, em 2007, uma fatia de 50% da Companhia Brasileira de Diques (CBD) — dona do Estaleiro Inhaúma, no Rio de Janeiro, arrendado para a Petrobras —, pagando cerca de R$ 259 milhões. Causou estranheza o fato de a holding consumar o negócio, e não a sua subsidiária, já que as atividades da CBD inserem-se totalmente no objeto social da IIC. A Inepar alegou que a necessidade de crédito era incompatível com a situação financeira da subsidiá-ria. Cinco anos depois, contudo, a IIC

Setembro de 2002 Inepar PN integra, pela última vez, o conjunto de ativos que

compõem o Ibovespa

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órbita uma constelação de 66 satélites de comunicação que prometia revo-lucionar a telefonia. Seria a primeira rede móvel com cobertura mundial. O projeto naufragou logo: um ano depois, a empresa decretou falência. Custos elevados, aparelhos grandes demais e a limitação de que as ligações deveriam ser feitas sempre ao ar livre impediram a popularização do serviço. Para piorar, a concorrência da telefonia móvel, baseada em ondas curtas de rá-dio, chegou na mesma época. O sistema não oferecia a cobertura global da rede de satélites, mas os custos mais baixos permitiriam sua popularização.

Na lista de insucessos também estão os processos de privatização dos setores de telefonia e energia, iniciados no fim da década de 1990. Disposta a crescer em diversos segmentos, a Inepar apre-sentou propostas em várias concorrên-cias e acabou por vencer algumas delas, mesmo sem dinheiro para concretizar os negócios. Um dos fiascos foi a entra-da no consórcio que arrematou a Tele Norte Leste, operadora do sistema de telefonia fixa em 16 estados, inclusive no Rio de Janeiro (mais tarde, a empre-sa transformou-se na Telemar e, hoje, faz parte do grupo Oi). Sem ter como pagar por sua participação de 10,17%,

22 de outubro de 2013

Depois de quase sete anos, o processo no 17/2006 é julgado

na CVM. Executivos foram punidos com a inabilitação para

o exercício do cargo de administrador de companhia aberta

e multados em R$ 2,5 milhões

3 de dezembro de 2013

Inepar anuncia um estudo de reorganização

que simplificará a cadeia societária

do grupo.

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2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

a Inepar acabou vendendo-a, em julho de 1999, para o Opportunity — o restan-te permaneceu com os sócios Andrade Gutierrez, La Fonte, Macal Investimen-tos, além de fundos de pensão e BNDES.

Atualmente, a Inepar vive dos pro-jetos que deram certo, mas suas mar-gens operacionais são criticadas por analistas. Integra um consórcio com a sul-coreana Hyundai Rotem que lhe rendeu uma encomenda de 30 trens a serem usados pela Companhia Paulis-ta de Trens Metropolitanos (CPTM).

20 de dezembro de 2006Depois de receber reclamações

de investidores, a CVM abre o processo no 17/2006 e começa

a apurar a responsabilidade dos administradores na condução da empresa

17 de janeiro de 2011 CVM determina que a Inepar e uma de suas subsidiárias (a Inepar

Energia) refaçam as demonstrações

financeiras do ano de 2009.

O regulador encontrou inconsistências, como

geração indevida de ágio e superavaliação de ativos

comprou a CBD de sua controladora, por R$ 608,7 milhões, mais que o dobro do desembolsado pela empresa-mãe, pagando parte da operação com mútu-os que detinha contra a controladora. A CVM entendeu que os donos, por participarem das duas empresas, deci-diram a transferência do ativo de diques em posição de conflito de interesses. Os acusados contestaram a leitura da autarquia afirmando que o valor da transferência superou o da aquisição pela IAP porque a CBD já se encontrava em estágio mais avançado.

Tática semelhante foi adotada com a TIISA. A companhia foi constituída em 2008 para um investimento conjunto entre a IAP, a Iesa Projetos, subsidiária da IIC, e a construtora Triunfo. Em 2011, a IAP vendeu os 20% que deti-nha da TIISA para a Iesa Projetos por R$ 55,7 milhões, com um prêmio de 28% sobre o valor aportado pelos três sócios na constituição da companhia. Para a CVM, assim como no caso anterior, os controladores agiram em conflito de interesses e tiraram proveito sozinhos do negócio, em prejuízo da IIC.

DesenlaceAntes de virar uma empresa-problema, a Inepar tinha financiadores de peso. Fundos de pensão como Previ e Petros foram, além de acionistas da compa-nhia, subscritores de aumentos de capi-tal e compradores de debêntures, assim como o BNDES. Ao longo dos anos, com as sucessivas trapalhadas operacionais da companhia, os investidores começa-ram a reduzir suas posições.

A mais famosa das apostas frustra-das da Inepar é o Iridium, resultado de uma parceria com a americana Mo-torola. Em 1998, por uma fortuna de US$ 5 bilhões, o projeto colocou em

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20 CAPITAL ABERTO Fevereiro 2014

Os vagões serão construídos em Arara-quara (SP). Do interior paulista também são comandadas as operações da Iesa Petróleo e Gás, outra de suas subsidiá-rias, e uma das maiores fornecedoras da Petrobras; e as da Andritz Hydro Inepar, joint venture formada com a empresa austríaca que trabalha na fabricação das turbinas da Usina de Belo Monte, no Pará. Graças a esses projetos, a carteira de encomendas das empresas do grupo passou de R$ 884 milhões em 2003 para cerca de R$ 5 bilhões no ano passado. Os números refletiram o crescimento: em 2012, a companhia alcançou um lucro antes de juros, impostos, deprecia-ção e amortização (Ebitda) de R$ 142,6 milhões, revertendo o saldo negativo de R$ 12 milhões do ano anterior. Em 2013, até setembro, acumulou um Ebitda positivo de R$ 7,4 milhões.

Apesar dos ganhos operacionais, os acionistas não recebem dividen-dos há mais de uma década. Em 2011, uma distribuição de lucros chegou a ser aprovada, mas, no ano seguinte, a Justiça paulista bloqueou os recur-sos em favor de donos de debêntures vencidas. Como credores, eles tinham prioridade em relação aos sócios. A dívida foi quitada em uma nova emis-são de debêntures, mas a distribuição de dividendos até hoje não foi realizada.

De blue chip a Inepar passou, assim, a penny stock. No encerramento do pre-gão de 20 de janeiro, cada preferencial de IIC valia R$ 0,78 — na década de 1990, ela era negociada a mais de R$ 40. A cotação minguada é reflexo das penas impostas pelo mercado a uma companhia que se mete em sucessivas confusões.

Até as tentativas de melhorar a per-cepção dos investidores com investi-mentos em governança corporativa geram rebuliço. Na manhã de 2 de fe-vereiro de 2012, a Inepar comunicou que convocaria uma assembleia para adaptar seu estatuto às regras do Novo Mercado da BM&FBovespa. Pouco antes do encerramento do pregão, porém, no mesmo dia, informou que havia se en-ganado; na verdade, seu destino era o Nível 1. Ainda assim, as ações subiram

nas semanas seguintes. De R$ 2,22 an-tes do anúncio, chegaram a R$ 2,73 em 1 de março.

Agora, a Inepar caminha para uma reestruturação acionária. O projeto é fazer uma cisão das empresas do grupo que atuam nos segmentos de infraestru-tura e óleo e gás. Inepar Equipamentos e Montagens, Iesa Projetos e Iesa Óleo e Gás ficarão sob o chapéu da Inepar Tele-comunicações, uma empresa-casca cria-da para abrigar os ativos de telecomu-nicações do grupo. A expectativa é que, segregados, os ativos sejam mais bem precificados. Com a nova modelagem, a Inepar também pretende simplificar sua estrutura acionária e reduzir custos.

A tentativa é de arrumação da casa, mas os fatos que a cercam não são cla-ros. A reorganização foi anunciada em 3 de dezembro e, desde então, as ações da Inepar Telecom dispararam — uma alta de 21,4% até 24 de janeiro. No mês, até a mesma data, as ações da com-panhia giraram R$ 30,8 milhões, ante R$ 8,5 milhões em todo 2013, segundo dados da Economatica. Apesar de ser uma empresa-casca, a Inepar Telecom tem um número razoável de acionis-tas: 1.472 pessoas físicas e 25 pessoas jurídicas. Mas o ator principal por trás de toda a movimentação era Joaquim Paiffer, sócio minoritário e conselheiro de administração da IIC. Através da Paiffer Management Ltda, o investidor de apenas 28 anos alcançou 10,66% do capital total da Inepar Telecom e anun-ciou que tem o objetivo de adquirir o controle acionário da companhia.

O problema é que a tele já possui controlador — a IIC possui 69,24% das ações. Portanto, a empresa só mudará de mãos se Atilano e seus sócios decidi-rem negociar sua posição. Faz sentido pensar que Atilano abriria mão da sua galinha dos ovos de ouro? E por que Paiffer teria declarado publicamente o interesse em tomar o controle de uma companhia que tem dono? Questionado pela reportagem, o sócio minoritário não quis se manifestar. No dia 16 de janeiro, Paiffer renunciou a sua cadeira no board.

Aos 71 anos, Atilano de Oms Sobrinho é um empreendedor ousado, que comanda a Inepar de forma onipresente. Seu nome não fica de fora em nenhuma conversa sobre a companhia. Um acionista que confirma ser também seu amigo pessoal não hesita ao dizer que “perto de Atilano, Eike Batista é um aprendiz de feiticeiro”.

Eloquência e poder de persuasão são algumas das características citadas por quem o conhece de perto. Foi com essa lábia que o empresário costurou joint-ventures com gigantes mundiais, como a Motorola e a Ge-neral Electric, e manteve, durante anos, sócios como Previ, Petros e BNDES. O diálogo fácil e convincente também lhe rendeu, nos tempos áureos da Inepar, contatos políticos e bom trânsito em ministérios. O relacionamento o fez entrar nos processos de privatização dos setores elétrico e de telefonia.

O talento de Atilano para as comunicações tem ainda outra faceta: o empresário é um radioamador reconhecido internacionalmente. Para encontrá-lo, basta buscar por seu codi-nome no meio, a sigla PY5EG. Suas fotos em torneios, nacionais e no exterior, surgem aos montes na internet. Fundador do grupo Arau-cária DX Group, que reúne outros praticantes do radioamadorismo, Atilano recebeu, em 1994, o Contest Hall of Fame, uma espécie de prêmio Nobel das competições do segmento. Procurado pela reportagem, o empresário preferiu o silêncio e não atendeu aos pedidos de entrevista. (Y. Y.)

Um feiticeiro carismático

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Infraestrutura é um informativo bimestral produzido por Pinheiro Neto Advogados e veiculado com exclusividade pela CAPITAL ABERTO. As opiniões aqui expressas são as do escritório de advocacia e não, necessariamente, as da revista.

Na agenda de expansão e diversifi cação da matriz energética no País, muito se tem debatido acerca da via-bilidade de exploração de gás de xisto e dos seus poten-ciais impactos ao meio ambiente.

Antes mesmo de ser realizado o exame técnico da ati-vidade, por meio do licenciamento ambiental, já há quem diga que, dados os riscos que acarreta, a exploração dos chamados gases não convencionais deveria ser evitada. Chama a atenção o fi lme Promised land, com o ator Matt Damon no papel principal, que aborda os riscos da ex-ploração do shale gas. Manifestações em países como o Reino Unido demonstram, assim como a obra cinemato-gráfi ca citada, postura radical, ideológica.

Diante desse cenário, considerando a necessidade de investimento em infraestrutura — indispensável para ter-mos o crescimento econômico e social de que precisamos — e pensando em fazer isso com proteção e preservação ambiental, ou seja, de forma sustentável, qual seria o ca-minho a seguir?

O primeiro passo está em deixar de lado os discur-sos radicais e ideológicos que buscam simplesmente in-viabilizar esses projetos. A mágica não está em dizer não: está em possibilitar o sim. A viabilização do projeto se dá por meio do controle, pelo Estado, da atividade cujos im-pactos podem torná-la não sustentável. O licenciamento ambiental é o instrumento para tanto. Uma vez que ga-rante a legalidade do empreendimento pretendido, traz segurança jurídica ao sistema, elemento imprescindível para a atração de investimentos. Esse é, pois, o cami-nho a seguir.

Invocar a sustentabilidade para dizer que o licencia-mento ambiental não bastaria como atestado de viabili-

dade de grandes empreendimentos é articular argumento genérico, que nega o alcance do sistema de licenciamento. Fundado em lei — portanto, representante do interesse da sociedade — e tendo como vertentes de exame a ambien-tal, a social e a econômica, o licenciamento ambiental é a ferramenta de nosso sistema que representa a busca pela sustentabilidade. Ser sustentável, repita-se, não é dizer não diante dos impactos de uma intervenção no meio am-biente; é dizer sim, desde que a intervenção se dê de for-ma controlada e ordenada.

Esse é o cenário que envolve a exploração de gás de xisto: em vez de fechar as portas, invocando os riscos de que se ouviu falar em experiências outras, muitas vezes superlativizados por postura ideológica, realizar um de-bate sustentável, legítimo e indutor de segurança jurídi-ca é discutir os mecanismos para que sua exploração se dê de forma segura. O debate há que se dar no âmbito do licenciamento ambiental.

Dizer não é fácil. Signifi ca enterrar uma sociedade em radicalismos vazios. Dizer sim, justificando e fundamen-tando a resposta, por meio dos instru-mentos legais disponíveis — no caso, o licenciamento ambiental —, é mais di-fícil. Mas é o único caminho para uma coletividade sustentável, econômica, social e ambientalmente.

À sociedade cabe, portanto, fi sca-lizar o licenciamento ambiental, para evitar equívocos e desvios, e veri-ficar, depois, o atendimento ao que a licença determinou.

Por Werner Grau ([email protected]) e Maria Christina M. Gueorguiev ([email protected])

Xisto, infraestrutura e o debate da sustentabilidade

Para a exploração sustentável de gás de xisto, é imprescindível a realização de licenciamento ambiental, que garante a legalidade do empreendimento

A atividade se torna viável por meio do controle, pelo Estado, dos seus impactos ambientais, sociais e econômicos

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C a p a

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Em vigor desde janeiro, Lei Anticorrupção impõe multas pesadas a quem corromper funcionários públicos e estimula companhias a investirem em compliance

Ilustração: Marco Mancini / Grau 180

Vigilân

cia reforçada

Por Cristine Prestes

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Janeiro foi um mês atípico para os escritórios de advocacia especializados em consultoria na área de compliance. É grande a movimen-tação de companhias em busca de orienta-ções sobre como implementar programas para avaliar riscos e combater a corrupção. Não é que o assunto tenha feito a cabeça das empresas de uma hora para outra. A procura

é resultado da entrada em vigor, em 29 de janeiro, da lei número 12.846, popularmente conhecida como Lei Anticorrupção.

Sancionado em 1o de agosto do ano passado, o di-ploma inova ao cobrar a responsabilidade objetiva das empresas por atos de corrupção praticados contra a administração pública. Na prática, isso significa que, se um funcionário for pego fraudando uma licitação, pagando propina a agente público ou contratando la-ranja, a punição recairá sobre a companhia. Até então, havia a responsabilização penal exclusivamente do agente que realizou a prática ilegal — ou seja, apenas a pessoa física, mesmo que tenha agido em benefício de uma empresa. Nas esferas administrativa e cível, a responsabilização da pessoa jurídica era possível, contanto que houvesse provas de que a alta direção tinha conhecimento do esquema e foi conivente. Isso dificultava condenações na Justiça. “Agora, a empresa vai ser punida simplesmente por não ter evitado o ato”, explica Igor Gouvêa, diretor do Instituto dos Auditores Internos do Brasil e gerente de auditoria interna e de compliance da Qualicorp.

Não é apenas o aumento da possibilidade de puni-ção que assusta as empresas, mas também as sanções impostas. A nova lei imprime pesadas multas a quem descumprir seus preceitos. Na esfera administrativa, as punições variam de 0,1% a 20% do faturamento bruto da companhia. Na cível, além da perda dos bens e valores objetos da vantagem indevida, a companhia pode ter suas atividades suspensas, sofrer intervenção e até mesmo ser dissolvida compulsoriamente. As pu-nições nas duas esferas podem ser, ainda, cumulativas.

Diante disso, o interesse empresarial em criar procedimentos que minimizem possíveis atos de corrupção ganha força. “A forma de mitigar riscos é a implementação de mecanismos de compliance. Além de reduzir as chances de acontecerem ilegalidades, eles serão levados em consideração na aplicação de multas”, afirmam Esther Flesch e Bruno Maeda, só-

cios da área de compliance e penal corporativo do escritório Trench, Rossi e Watanabe.

Parâmetros objetivosA Lei Anticorrupção prevê, claramente, que serão considerados atenuantes das penalidades a coo-peração da empresa na apuração dos ilícitos e “a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”. O que será considerado uma “aplicação efetiva”, no entanto, é algo a ser esclarecido. Esses e outros pontos serão esmiuçados no decreto que regulamentará o instrumento legal. Até o fechamento desta edição, ele não havia sido concluído, à espera de análise da Casa Civil.

Em entrevista à capital aberto, o secretário--executivo da Controladoria-Geral da União (CGU), Carlos Higino Ribeiro de Alencar, contou que o de-creto definirá os critérios para o cálculo das penalida-des, entre outras coisas. Atualmente, sabe-se apenas que o valor delas corresponderá a um valor entre 0,1% e 20% do faturamento bruto da empresa. “A ideia é que a companhia saiba os critérios, para que a regra não seja totalmente discricionária e haja previsibili-dade nas sanções”, diz Higino. Além disso, o decreto deve trazer parâmetros objetivos para averiguação da efetividade dos mecanismos de compliance. Para servirem como atenuantes, eles deverão ajudar de fato na detecção de irregularidades. Uma das formas de se avaliar isso, explica o secretário, é verificar se as regras de conformidade são conhecidas por todos os níveis hierárquicos da companhia e aplicadas aos intermediários, como despachantes e consultores.

A redução das sanções para empresas com estru-tura de compliance já é prevista em outras legislações antifraude. A americana Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) prevê redução de 95% da multa no caso de a companhia comprovar que possui um progra-ma de conformidade eficaz e fez de tudo para evitar ilícitos. Aquelas que cooperarem com investigações ou informarem voluntariamente a descoberta de um caso de corrupção envolvendo seus funcionários também estarão sujeitas a sanções menores. A lei permite redução de até dois terços do valor da multa e retirada das demais punições.

reforçada

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PreparaçãoAtenta a isso, a concessionária Arteris, antiga OHL, está empenhada em aperfeiçoar seu compliance. Desde 2005, quando abriu o capital, a empresa conta com um código de ética. No ano passado, ele foi reformulado para abrigar os conceitos de legislações internacionais, como o FCPA, e da lei anticorrupção brasileira, à época em vias de ser aprovada. O aval ao documento ocorreu em julho, durante uma reunião de acionistas, quando também foi formado o comitê de compliance, com a eleição de seus três membros, todos funcionários. Maria de Castro Michielin, diretora jurídica da Arteris, explica que o comitê é permanente e tem o propósito de fazer o código de ética ser cumprido. Quem detectar desvios de conduta poderá relatá-los a um canal de queixas terceirizado. “O órgão vai apurar denúncias e aplicar sanções por irregularidades”, descreve Maria, ressaltando que a diretoria terá de acatar as decisões do comitê, pois ele é subordinado ao conselho de administração.

A opção da Arteris de criar um comitê com integrantes da casa é uma saída para companhias com orçamento apertado. Segundo Renata Muzzi de Almeida, sócia do Tozzini Freire Advogados, um programa básico de compliance pode custar de R$ 150 mil a R$ 500 mil — valores que envolvem análises de risco, elaboração de normas de conduta, treinamento de funcionários e implementação de órgãos de compliance e de canais de denúncia. O montante explica por que muitas empresas nunca investiram em mecanismos para evitar, detectar e tratar possíveis desvios ou inconformidades em seus negócios. A entrada em vigor da Lei Anticorrupção foi, nesse sentido, o pontapé para elas abrirem os bolsos. De acordo com Renata, a demanda pelos serviços de consultoria em compliance dobrou nos últimos meses; somente em janeiro, o escritório

atendeu seis novos clientes. Entre eles está uma rede de varejo com atuação em vários estados do País. “Estamos fazendo tudo do zero”, comenta a advogada. Quando o processo for concluído, a companhia, que possuía apenas um código de conduta, terá um canal de denúncias, um comitê de compliance e o material completo para o treinamento de seus funcionários.

Especialista em compliance e sócia do Koury Lopes Advogados, a advogada Isabel Franco alerta que o primeiro passo, antes de instalar um programa de conformidade, é fazer uma avaliação de riscos. “Há empresas que têm relações com terceiros sem contrato nenhum”, observa. É comum isso acontecer, segundo ela, na contratação de despachantes, que, por atuarem em contato com órgãos públicos, se tornam um risco significativo. “A partir disso, orientamos a empresa a respeito dos perigos a que está exposta e isso já se torna o embrião para elaborar num código de boas práticas”, conta.

ComplianceEnquanto algumas companhias en-gatinham, outras já navegam com naturalidade pelos programas de compliance. É o caso da AES Brasil, controlada pela americana AES Corp. A brasileira gasta anualmente R$ 400 mil, excluídos os salários dos fun-cionários, para manter sua estrutura de compliance, composta de duas gerências em que trabalham, ao todo, 12 pessoas. A organização possui ainda um canal de denúncias (o AES Helpli-ne), que funciona em tempo integral, e um código de ética, no qual há um capítulo dedicado ao tema corrupção. Nele, a AES informa que “não tolera suborno, comissões ilícitas ou qualquer outro pagamento inadequado, em qualquer lugar do mundo, mesmo que, ao se recusar a realizar tais práticas, esteja perdendo uma oportunidade de negócios”.

A preocupação da empresa em preve-nir atos ilegais se estende aos prestadores de serviço. Com o objetivo de reduzir ris-cos, realiza análises da reputação de seus parceiros e fornecedores. Nos contratos, inclui um termo pelo qual os prestadores de serviço se comprometem a não se en-volver em fraude e declaram estar cientes das regras da companhia. Tratativas com valor superior a US$ 100 mil dependem da aprovação da diretoria de compliance, “que tem interferência direta no negócio”, garante a diretora da área, Ana Carolina de Salles Freire. Ela considera a norma brasileira anticorrupção mais rígida do que a americana. De fato, seu escopo é maior que o da FCPA, que não trata, por exemplo, de fraudes em licitações (veja outras comparações entre a legislação bra-sileira e a americana no quadro da página ao lado).

ReferênciasAlém de incentivar a criação de meca-nismos de controle, a Lei Anticorrupção pode trazer uma mudança cultural. A advogada Isabel Franco relata ter ouvido executivos confessarem um alívio ao sa-ber que suas condutas serão ditadas por normas internas de compliance. Embora pagar propina sempre tenha sido algo er-rado, muitos funcionários afirmam temer não fazê-lo e perder o negócio, ficando mal com o chefe.

Na Qualicorp, administradora de planos de saúde coletivos e empresariais, a implementação de um programa de conformidade ocorreu em 2011 e, segundo a empresa, já rende frutos. Uma prova são as consultas de funcionários sobre o recebimento e a entrega de brindes e presentes no fim do ano. “São evidências de que já está sendo formada uma cultura de compliance”, destaca Igor Gouvêa, da Qualicorp.

Em 2012, a companhia implantou um escritório de compliance que descreve como “parcialmente descentralizado”.

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Contra a corrupçãoUma comparação entre as leis dos Estados Unidos, do Reino Unido e do Brasil

  FCPA Bribery Act Lei Anticorrupção

Prevê punição para corrupção de funcionários públicos estrangeiros?

Sim Sim Sim

Prevê punição para corrupção de funcionários públicos nacionais?

Não Sim Sim

Atinge empresas fora do País? Sim Sim Sim

Prevê punição por violação de dispositivos contábeis e de controles internos?

Sim Não Não

Prevê punição por outros atos lesivos? Não Não Inclui atos contra a administração pública, como fraudar licitações, formar acordo para frustrar a competitividade da licitação, manipular o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos e dificultar a fiscalização e investigação de agentes públicos, entre outros

Há responsabilidade penal da empresa?

Sim Não Não

Há responsabilidade objetiva? Não Sim Sim

Multas Duas vezes o benefício obtido ou almejado com o ato ilícito; até US$ 5 milhões por violação a dispositivos contábeis; até US$ 25 milhões por violação a dispositivos de controles internos

Ilimitada Na esfera administrativa, de 0,1% a 20% do faturamento bruto da empresa ou até R$ 60 milhões, limitado ao valor do contrato, e publicação da decisão condenatória; no âmbito judicial, perda de bens obtidos direta ou indiretamente com a infração, suspensão ou interdição parcial das atividades da empresa; na área cível, dissolução da empresa e proibição de receber incentivos e empréstimos de órgãos públicos de 1 a 5 anos

Há redução das sanções devido à existência de programas de compliance?

Sim Sim Sim

Há redução das sanções por informe voluntário e cooperação com as investigações?

Sim Sim Sim

Fonte: Trench, Rossi e Watanabe Advogados.

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O setor conta apenas com três pes-soas: um gerente e dois supervisores. No entanto, outras 16 pessoas espa-lhadas pelas mais diversas áreas de negócios dedicam parte de sua jornada de trabalho a atividades de compliance. Embora não divulgue os valores despen-didos no programa, a administração diz que o “custo é bastante razoável frente aos benefícios”.

Para os que ainda estão em dúvida se vale a pena investir em mecanismos de compliance, cabe lembrar dois casos famosos. O primeiro envolve o Morgan Stanley. Em 2008, o banco descobriu que um diretor havia pagado propina a funcio-nários públicos da China, desrespeitando as normas internas, e comunicou o fato às autoridades. O executivo foi condenado e preso, porém o Morgan Stanley não rece-beu qualquer sanção do Departamento de Justiça Americano (DOJ) ou da Securities

and Exchange Commission (SEC), por ter mecanismos de compliance eficazes, como lembra a advogada Adriana Dantas, sócia responsável pela área de ética cor-porativa do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados.

O segundo caso, um dos mais lembra-dos quando o assunto é corrupção, é o da Siemens. Diferentemente do Morgan Stanley, a multinacional alemã não teve um final feliz. Foi multada, em 2008, em mais de US$ 1,6 bilhão devido a atos de corrupção que envolviam agentes públi-cos em países em desenvolvimento para obtenção de contratos. Depois do escân-dalo, investiu fortemente na criação de uma estrutura para melhorar seus con-troles internos. A moral da história pode ser resumida na frase de Mark Gough, executivo da Siemens na Alemanha: “Um programa de compliance é muito caro, mas é muito mais caro não tê-lo.”

Na esteira do Hemisfério Norte e do Reino Unido

A aprovação da Lei Anticorrupção não foi exatamente uma surpresa. Ela tem origem no projeto elaborado pelo Poder Executivo em 2010 para garantir que o Brasil cumpra dispositivos previstos em acordos internacionais dos quais é signatário, como a convenção da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ratificada em 2000. A proposta também foi uma resposta do governo à Operação Castelo de Areia. A ação, deflagrada pela Polícia Federal em 2009, investigou indícios de crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e financiamento ilegal de campanhas eleitorais supostamente cometidos pelo comando da construtora Camargo Corrêa.

Companhias brasileiras com ações negociadas nos Estados Unidos e no Reino Unido já conviviam há algum tempo com regras semelhantes à da Lei Anticorrupção, como a americana Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) ou o britânico Bribery Act. A primeira existe desde 1977. Surgiu na esteira do escândalo de Watergate, um gigantesco esquema de corrupção em que 400 companhias americanas pagaram subornos no total de US$ 300 milhões a funcionários públicos. A lei foi pouco aplicada até a década de 2000, diante da imensa oposição das empresas. Como os Estados Unidos eram o único país a punir atos de corrupção que alcançassem funcionários públicos de outras localidades, elas alegavam perder negócios para suas concorrentes europeias. Essa realidade começou a mudar quando o DOJ e a SEC passaram a atuar em conjunto e a por em prática os preceitos da FCPA.

Em 2011 foi a vez de o Reino Unido colocar em vigor o UK Bribery Act, transformando em crime o pagamento de propinas, independentemente das partes envolvidas. Quem for condenado pode pegar dez anos de prisão, além de arcar com uma multa sem limite de valor. Nos Estados Unidos, a FCPA prevê sanções de até 200% do montante transacionado ilegalmente. (C. P.)

FCPA em númerosAs multas e as pessoas punidas pela lei americana aumentaram drasticamente desde 2002

Ano Casos abertos Valor total das multas* Pessoas punidas

2002 2 2,7 6

2003 0 0 6

2004 3 28,2 2

2005 5 36,3 8

2006 4 87,2 9

2007 13 155,1 17

2008 11 803 16

2009 10 579 41

2010 20 1.782 18

2011 16 508,8 24

2012 12 260,6 7

2013 9 720,7 19* Em US$ milhões, nas esferas cível e criminal.Fonte: FCPA Digest 2014, do escritório Shearman & Sterling LLP.

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O regulamento de listagem do Novo Mercado foi ins-tituído em 2000 como elemento de regulação privada, a que se submeteriam, por força de contrato, todas as com-panhias cujos valores mobiliários viessem a trafegar no segmento, uma novíssima via negocial administrada pela Bovespa. O regulamento se tornou, em pouco tempo, o mais in� uente exemplo de soft law no contexto regulató-rio do mercado de capitais brasileiro. Ele encerra um pa-radoxo: o direito in� uencia a realidade econômica ou é in� uenciado por ela? Os paradoxos confrontam duas pro-posições. O resultado, contudo, não é o descarte de uma delas, mas a con� rmação de ambas, capazes, juntas, de ex-plicar uma realidade complexa.

A primeira versão do regulamento impôs às compa-nhias emissoras, que pretendiam ter valores negociados no “Novo Mercado”, as seguintes condutas, entre outras: 1. a proibição de emitir ações preferenciais; 2. a aliena-ção de tantas ações quantas necessárias para propiciar uma dispersão acionária nunca menor do que 25% do total das ações representantes do capital (que, por esse motivo, não podem ser de propriedade do controlador ou do bloco de controle); 3. a extensão, por meio de oferta pú-blica de compra obrigatória, a todos os acionistas — em caso de alienação de controle — dos benefícios ofertados ou efetivamente auferidos pelo controlador; 4. a realiza-ção de notações contábeis, especialmente de demonstra-ções � nanceiras, em obediência às normas de contabilida-de americanas (US GAAP) ou internacionais (IAS GAAP); 5. a obrigatoriedade de realizar oferta pública de compra de todas as ações em circulação nos casos de fechamento de capital ou de cancelamento do registro de negociação no Novo Mercado.

Em conjunto com as alterações promovidas pela Lei 10.303, de 2001 (que, no geral, proveu maior proteção às minorias e ampliou o acesso à informação), o regulamen-to foi determinante para alterar drasticamente o estado de coisas vigente no mercado bolsista brasileiro do come-ço do século XXI. O cenário ostentava um número limitado

de companhias listadas, um pequeno volume negociado, baixos indicadores de giro de mercado e, portanto, um ín-dice Bovespa fraco.

Em 2011, a BM&FBovespa viu a necessidade de in-troduzir reformas no regulamento, de modo a compas-sá-lo às últimas tendências em matéria de governança corporativa, bem como às novas realidades de mercado, em particular a quantidade crescente de companhias su-jeitas a controle minoritário ou sem controlador. Nesse contexto, foram implementadas regras com as seguin-tes � nalidades: 1. maior independência da administra-ção (para vedar a acumulação dos cargos de presidente da diretoria e do conselho de administração) e amplia-ção de suas competências, ao estabelecer a obrigatorie-dade de uma deliberação do conselho de administração acerca de qualquer oferta pública de aquisição de ações

da companhia; 2. mitigar as restrições estatutárias sobre a assembleia geral, a exemplo da vedação às cláusulas pétreas; 3. proibir as cláusulas de limitação de voto; e 4. ampliar os deveres de informação, por meio da divul-gação de uma política de negociação de valores mobiliá-rios e de versões das informações � nanceiras trimestrais traduzidas para o inglês.

Resta saber se essas medidas, implementadas em 2011, serão su� cientes para amparar o mercado acioná-rio em 2014, con� rmadas as previsões bastante pessi-mistas de alguns renomados analistas — ou se, em uma operação de salvamento, novas intervenções regulatórias serão necessárias.

A Nova S.A.A regulação pode nos salvar?O regulamento do Novo Mercado se tornou o mais in� uente exemplo de soft law no mercado de capitais

Walfrido Jorge Warde Júnior ([email protected]) e Pedro Benradt ([email protected]), respectivamente sócio e advogado associado de Lehmann, Warde & Monteiro de Castro Advogados

O boletim A NOVA S.A. é um informativo bimestral produzido por Lehmann, Warde & Monteiro de Castro Advogados (www.lwadv.com.br) e veiculado com exclusividade pela CAPITAL ABERTO. As opiniões aqui expressas são as do escritório e não, necessariamente, as da revista.

Resta saber se essas medidas, implementadas em 2011, serão

su� cientes para amparar o mercado acionário em 2014

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Fevereiro 2014 CAPITAL ABERTO 29

Aum ano de completar uma década, a lei brasileira de falências (de número 11.101, editada em 2005) é comemorada pelas profundas mudanças estruturais que trouxe às companhias insolventes. O diploma protege o devedor e per-mite que ele apresente ao credor, em juízo, um plano de quitação dos seus

débitos. Se aceito, o programa dá à companhia a oportunidade de manter suas atividades en-quanto tenta se reerguer. O mecanismo atraiu os holofotes em 2013, quando duas empresas pertencentes ao ex-bilionário Eike Batista — a petroleira OGX (cujo nome foi alterado para Óleo e Gás Participações) e o estaleiro OSX — se viram tão emaranhadas em dívidas que foram obrigadas a pedir recuperação judicial. Cabe agora aos credores negociar os termos dos planos de reestruturação propostos e torcer para que as companhias saiam do atoleiro.

Ao substituir as regras de liquidação de em-presas da década de 1940, a Lei 11.101 instituiu a recuperação judicial e estabeleceu uma série de outras prerrogativas para tornar o processo de falência menos traumático. Em caso de ban-carrota, as dívidas trabalhistas, por exemplo, são limitadas a um valor equivalente a 150 salários mínimos por empregado, e os créditos com ga-rantia real têm prioridade sobre os tributários na hora do rateio dos pagamentos. Também foi permitida a venda da empresa insolvente antes da constituição da lista de credores. Passivos tra-balhistas e tributários, entre outros, deixaram de ser transferidos para quem se dispõe a comprar ativos da empresa em recuperação caso algumas condições, como a realização de um leilão de venda, sejam cumpridas. “Não há dúvidas de que a lei é boa, de maneira geral. Entretanto, o processo inteiro ainda carece de maturidade”, avalia a advogada Laura Mendes Bumachar, sócia do escritório Soares Bumachar Chagas Barros.

OperaçãoresgateCom quase uma década, Lei de Falências já impediu o naufrágio de diversas companhias. Ajustes nas regras, contudo, podem torná-la bem mais eficaz

Por Mariana Segala

Ilustração: Grau180.com

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Salvamento demoradoDesde a edição do instrumento legal, aproximadamente 4.200 companhias entraram com pedido de recuperação judicial e cerca de 1.000 conseguiram ter seu plano de paga-mento aprovado pelos credores em assembleia e pela Justiça. No entanto, um estudo realizado pela consultoria Corporate Consulting, especializada em reestruturação empresarial, indica que menos de 50 companhias tiveram o processo formalmente encerrado e conseguiram escapar da falência.As demais seguem em recuperação.

O economista Luis Alberto de Paiva, presidente da con-sultoria explica que os planos de recuperação aprovados têm dado às empresas prazos longos, de 8 a 15 anos, para pagar as dívidas em atraso enquanto reestruturam as atividades. Pela lei, a intervenção judicial deve durar no máximo dois anos, período no qual o cumprimento da estratégia pela empresa devedora é acompanhado com lupa pela Justiça. Se o acordo for violado, decreta-se falência. Ao fim do prazo, o programa tem continuidade, mas deixa de estar sob a fiscalização do juiz — e a recuperação, portanto, deve ser oficialmente encerrada. “Ocorre que muitas empresas pedem alterações no plano ou aditamentos, os quais voltam para a assembleia de credores e, na visão de alguns juízes, ensejam o reinício da contagem do tempo. As medidas protelatórias precisam ser evitadas”, afirma o juiz Daniel Cárnio Costa, da 1a Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Na visão de Laura, do Soares Bumachar Chagas Barros, um dos problemas da Lei 11.101 é que apenas o devedor pode requerer a recuperação judicial. Nos Estados Unidos, país cuja legislação de falências inspirou a brasileira, os credores mais relevantes também têm essa prerrogativa. “Resultado: a empresa deixa para ir atrás da recuperação quando está praticamente falida. De situações como essa emergem planos que prejudicam os credores, com carência muito longa, prazo

de pagamento enorme e grande desconto na dívida”, observa. Estudo realizado pelo banco Goldman Sachs com base em dez dos maiores casos de recuperação judicial registrados no Brasil mostra que os abatimentos pedidos pelos devedores variaram de 25% a 71%, ficando numa média de cerca de 50%.

O relatório Doing business, elaborado pelo Banco Mun-dial, tampouco descreve um cenário alentador. Segundo o levantamento, os credores de uma empresa brasileira insolvente conseguem recuperar cerca de 20 centavos por dólar reivindicado em caso de falência. E a situação já foi muito pior. Antes de 2005, essa taxa era de menos de um centavo por dólar — o que significa os estatutos de proteção ao credor serem virtualmente inexistentes. Mesmo depois de melhorar enormemente sua posição, a taxa de recupera-ção no Brasil é menor que a de todos os outro Brics (grupo que inclui Rússia, Índia, China e África do Sul) e está a uma distância enorme dos primeiros do ranking. Para se ter uma ideia, no Japão os credores são capazes de recuperar, em média, quase 93 centavos de cada dólar requerido de uma companhia insolvente.

Outra diferença marcante entre a lei brasileira e a america-na é o fato de que nos Estados Unidos o credor, em algumas situações, pode impor a forma como a recuperação judicial será realizada. “No Brasil, sempre é o devedor que apresenta o plano. Os credores podem fazer sugestões, mas elas não são obrigatoriamente admitidas pela empresa. Resta-lhes aceitar a proposta ou rejeitar, requerendo a falência”, explica o advo-gado Felipe Galea, sócio responsável pela área de recuperação judicial e falências do escritório Barbosa, Mussnich & Aragão.

Marcelo Guedes Nunes, sócio do escritório Guedes Nunes, Oliveira e Roquim, concorda que seria importante haver algum mecanismo que desse aos credores mais poder para escolher o destino da empresa.

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Terra firmeApesar das críticas, é consenso que a Lei 11.101 tem consegui-do cumprir seu objetivo expresso: o de preservar a atividade empresarial. Entre 2005 e 2013, em média, 1.200 empresas tiveram a falência decretada anualmente — em 2011, foram apenas 640. O número representa uma redução de 74% em relação à média de 4.800 bancarrotas registradas por ano antes de o diploma entrar em vigor, segundo dados da Serasa.

Das dez recuperações judiciais analisadas pelo Goldman Sachs, apenas duas terminaram em falência: a da companhia aérea Vasp e a da empresa agrícola Agrenco. A primeira iniciou o processo em 2005, mas não deu conta de cumprir o plano que propôs e, com isso, teve sua quebra decretada em 2008. Dos débitos de R$ 5 bilhões, os credores só con-seguiram recuperar R$ 1,9 bilhão em 2013.

Já a Agrenco pediu recuperação judicial em 2008, sugeriu um desconto de quase 60% nas dívidas, mas os credores rejeitaram o projeto e, no ano passado, a insolvência foi decretada. As outras oito empresas estudadas pelo Goldman Sachs lograram terminar o processo e retomar as atividades ou foram vendidas para outras companhias. Foram os casos da Eucatex, que fabrica painéis de madeira, e da Leon Hei-mer, que produz geradores. “Quando a recuperação judicial

resulta em fusão ou venda de ativos que sejam colocados em atividade, o processo é bem-sucedido. O que importa não uma empresa em particular se recuperar, mas seus ativos não ficarem ociosos”, diz o economista Aloisio Araújo, professor da Fundação Getulio Vargas e um dos formuladores da Lei de Falências nos anos 2000.

Na tentativa de acelerar e garantir o sucesso dos proces-sos de recuperação, os juízes também começam a assumir um papel mais ativo. A Justiça paulista é considerada a vanguarda nesse movimento. Um caso que se tornou fa-moso foi protagonizado, em 2012, pela Cerâmica Gyotoku. O planejamento aprovado pelos credores previa, entre outros itens, o perdão do saldo devedor da empresa após o 18o ano de recuperação. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) anulou a proposta abusiva, por considerá-la abusiva. A situação abriu um precedente que foi segui-do por tribunais de estados diversos, como o TJ gaúcho, que invalidou o plano da Tutto Condutores Elétricos. “A recuperação judicial foi criada para ajudar empresas viá-veis”, afirma o juiz Daniel Cárnio Costa, do TJ-SP. “Compa-nhias que estão em crise porque são inviáveis não exercem função alguma.” Para essas, a falência, por mais penosa que seja, continuará a ser o único caminho.

Mais segurança Desde a edição da Lei de Falências, em 2005, a taxa de recuperação de créditos* no Brasil aumentou, mas ainda está abaixo do alcançado pelos outros Brics

* Quantos centavos por dólar de dívida os funcionários, os credores e as autoridades tributárias conseguem recuperar de uma empresa insolvente.Fonte: relatório Doing business, do Banco Mundial.

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

40

30

20

10

0

BRASILÍNDIA ÁFRICA

DO SULCHINA RÚSSIA

0,2 0,2 0,4

12,114,6

17,1 17,1 17,1 17,915,9

19,5

25,3

35,5 36

42,8

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C a p i t a l d e r i s c o

32 CAPITAL ABERTO Fevereiro 2014

Ano deoportunidades

Investimentos de private equity perdem força, mas recuo no preço das empresas abre espaço para boas compras

Por Aline Lima

As atividades da indústria nacional de private equity e venture capital arrefe-ceram em 2013. De acordo com os dados mais recentes da Emerging Markets Private Equity Association (Empea), US$ 2,6 bilhões foram investidos em participações no Brasil entre janeiro e setembro. O número representa que-

da de 31% na comparação com igual período de 2012. No terceiro trimestre, o setor demonstrou mais vitalidade: os recursos investidos somaram US$ 1,9 bilhão, quase três vezes o montante verifi-cado na primeira metade do ano. As áreas de tec-nologia, serviços e consumo responderam por 57% dos aportes feitos entre julho e setembro de 2013.

A reação, contudo, é considerada pela Associa-ção Brasileira de Private Equity & Venture Capital (ABVcap) mais um movimento pontual do que um indício de arrancada. Com o desempenho pouco pre-

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Ilustração: Marco Mancini/Grau180.com

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C a p i t a l d e r i s c o

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visível da economia brasileira em 2014, a precaução deverá continuar a dar o tom dos negócios. Em contrapartida, os pre-ços mais modestos tendem a propiciar boas aquisições.

“As opções para investir são mui-tas”, diz Clóvis Meurer, presidente da ABVCap. O ambiente de maior cautela fez o investidor se retrair e, junto com ele, o preço pelo qual as companhias são negociadas. Isso significa, conforme Meurer, que elas estão sendo estima-das em patamares mais razoáveis: em média, entre cinco e seis vezes o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda). Em 2012, esse valor alcançava oito a dez vezes. “Não há mais investidor ansioso para aplicar recursos”, afirma. “Estão todos com as barbas de molho.”

Sidney Chameh, sócio-diretor da DGF Investimentos, concorda que o mercado não está aquecido, mas ava-lia: “Este é um bom momento para os fundos que já captaram”. A DGF, que administra R$ 900 milhões em ati-vos, planeja investir os R$ 360 milhões captados em seu quinto fundo em dez companhias, entre 2014 e 2016. Neste ano, serão escolhidas três ou quatro, que deverão receber entre R$ 25 mi-lhões e R$ 40 milhões cada uma. A pre-ferência é por pequenas e médias em-presas de software ou do segmento de serviços corporativos.

A CVentures, criada em 2008 a partir de três centros de tecnologia e inovação (a Fundação Certi, de Santa Catarina, é o principal deles), também tem uma quantidade significativa de investimen-tos para fazer em 2014. A meta da ges-tora, que trabalha exclusivamente com empresas em estágio inicial — as cha-madas startups —, é fechar 16 negócios, quatro ainda este ano. Os recursos virão do fundo Primus, que começou a operar em março de 2013 com R$ 58 milhões. Segundo José Eduardo Fiates, diretor--presidente da CVentures, mais dois aportes seriam concluídos no fim de janeiro: um de R$ 10 milhões feito pelo

Banco Interamericano de Desenvolvi-mento (BID) e outro de R$ 12 milhões oriundo do IFC, braço financeiro do Banco Mundial. O principal apoiador da CVentures é a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), órgão do governo de fomento à inovação, que aportou R$ 35 milhões.

Oitenta por cento dos recursos serão dedicados a negócios com faturamento anual de até R$ 3,6 milhões. O restante irá para empresas com receita anual de R$ 10 milhões a R$ 15 milhões. São qua-tro os segmentos de atuação: mídia digi-tal, ciências da vida, energia renovável e tecnologia da informação (TI). Uma das companhias já investidas, a Neopros-pecta, opera no ramo da biotecnologia, utilizando o sequenciamento de geno-ma em larga escala e a bioinformática (pelo uso de algoritmos) para encontrar novas enzimas e proteínas.

Muitos fundos que captaram entre 2010 e 2012 também guardam resquí-cios a aplicar. De acordo com dados da ABVCap, no fim do ano retrasado havia R$ 28,7 bilhões disponíveis no mercado brasileiro de private equity para investi-mentos e despesas operacionais. A CRP Companhia de Participações, da qual Clóvis Meurer é sócio e diretor-supe-rintendente, é um exemplo. O fundo CRP VII, de R$ 313 milhões, foi lan-çado há quatro anos e deve concluir sua última operação em 2014. O CRP Empreendedor, que está em funciona-mento desde 2012 e conta com R$ 100 milhões investidos em uma só empresa, deve aplicar recursos em mais cinco operações neste ano.

Nem tudo é alegriaSe há espaço para bons investimentos, o mesmo não pode ser dito sobre as capta-ções. O comportamento morno de 2013 deve se repetir, com um agravante: a re-tirada dos estímulos monetários pelo Federal Reserve (Fed), o banco central americano, que tende a conter o fluxo de dólares para as economias emergen-tes. O principal entrave continua sendo

a seletividade dos investidores — eles já não enxergam tantos atrativos no Brasil. O novo fundo de R$ 360 mi-lhões da DGF, por exemplo, deveria ter captado primordialmente no exterior; entretanto, acabou tendo 80% do pa-trimônio alocado por investidores ins-titucionais locais, entre eles os fundos de pensão Previ, Petros, Funcef, Valia e Real Grandeza. “Saímos no fim de 2011 para levantar recursos, principalmen-te, entre estrangeiros, mas tivemos que mudar a estratégia”, diz Chameh. “Leva-mos 20 meses para concluir a captação do fundo, quando, na média, esse pro-cesso dura um ano.”

Entre as portas de saída possíveis para os investidores de risco em 2014, a bolsa de valores não se apresenta como uma opção forte. Os profissio-nais de private equity não enxergam uma grande recuperação no ritmo de ofertas públicas iniciais (IPOs) este ano no Brasil, diferentemente do que é es-perado em outros mercados acionários do mundo. “Vai ser mais parado do que gostaríamos”, diz Meurer. O nível de preços, também no caso dos desinves-timentos, mudou. “Se antes, num IPO, uma empresa conseguia ser precificada a um valor muito superior ao Ebitda que produz, agora o gestor do private equity precisa construir esse Ebitda”, diz Chameh, da DGF, que também faz parte do conselho consultivo da ABVCap. Diante disso, as vendas de participa-ção para sócios estratégicos devem permanecer como a principal opção de retirada para os fundos.

Tão complicado quanto desinvestir será o trabalho do gestor brasileiro que captou recursos em dólares anos atrás. A valorização da moeda americana fren-te ao real vai exigir esforços adicionais para entregar o retorno esperado pelo investidor. Por todas essas razões, 2014 tende a ser um ano desafiador para os gestores de venture capital e private equity. Mas as boas oportunidades, como sempre, estarão disponíveis aos que tiverem talento para garimpá-las.

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Venture Capital & Empreendedorismo é um informativo bimestral produzido por Derraik & Menezes Advogados e veiculado com exclusividade pela CAPITAL ABERTO.

Nesta série sobre as due diligences legais em operações de venture capital, destacamos a importância de dar atenção a três áreas específicas: a trabalhista, a de propriedade inte-lectual e a tributária. Nos artigos anteriores, analisamos os riscos trabalhistas usualmente encontrados e as principais questões de propriedade intelectual, bem como as formas de mitigar os riscos relacionados a essas áreas. Agora, aborda-remos os pontos fiscais mais comuns em investimentos de venture capital.

1. Tributação de acordo com a atividade exercida Em virtude da natureza inovadora inerente à atividade das

startups, por diversas ocasiões a legislação tributária não é clara quanto ao tratamento fiscal adequado. Assim, criam-se zonas de incerteza em relação à forma de tributar determi-nada operação. Há situações nas quais existe dúvida quanto ao tributo incidente sobre a atividade — por exemplo, se ela está sujeita ao Imposto sobre Serviços (ISS) ou ao Impos-to sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), ou mesmo quanto à determinação da alíquota aplicável.

No caso do ISS, em que as alíquotas e a efetiva ocorrên-cia do fato gerador são diretamente relacionadas à lista ane-xa à Lei Complementar no 116, de 2003, a legislação tributá-ria não tem sido capaz de acompanhar a ver-satilidade do mercado, especialmente quan-do se trata de negócios inovadores, ligados ao empreendedorismo.

2. Verificação da regularidade fiscal

A esse respeito, é igualmente relevan-te verificar a existên-cia de débitos tributá-rios, decorrentes do não

pagamento ou do pagamento equivocado dos tributos pela startup, bem como a regularidade dos pagamentos de even-tuais parcelamentos. A complexidade do sistema fiscal bra-sileiro costuma levar os contribuintes a cometer equívocos que resultam no descumprimento de obrigações fiscais, se-jam elas principais (por exemplo: pagamentos de tributos), sejam acessórias (entregas de declarações).

3. Enquadramento no Simples NacionalNa fase inicial das atividades de uma startup, é bas-

tante comum que os empreendedores optem pelo Simples Nacional — um regime diferenciado de arrecadação de tri-butos — como forma de minimizar os custos com impostos e contribuições, e aqueles relacionados ao cumprimento de obrigações tributárias.

No entanto, apesar dos benefícios decorrentes desta opção, há uma série de requisitos que devem ser preenchidos para que a startup possa realmente enquadrar-se nesse regi-me, desde aspectos societários e contábeis até peculiaridades das atividades a serem desempenhadas pela startup. Assim, para evitar o desenquadramento e a exclusão do Simples, é preciso analisar a possibilidade de se optar por ele.

Diante disso, recomendamos aos empreendedores que busquem orientação quanto à melhor estrutura tributária para as suas atividades, e atentem ao cumprimento das obri-gações (principal e acessórias) estabelecidas por lei. A aten-ção aos pontos tributários mitiga o risco de cobranças futu-ras, bem como a ineficácia no gerenciamento de custos — o que é de interesse não só dos próprios empreendedores, mas também dos investidores que tenham interesse em alocar re-cursos na sociedade.

Due Diligence em investimentos De venture capital parte 3: aspectos tributários

irina santarossa ([email protected]) e roDrigo menezes ([email protected])

são, respectivamente, aDvogaDa e sócio-funDaDor De Derraik & menezes aDvogaDos

cuiDar Dos pontos

tributários mitiga o risco De cobranças

futuras

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M u n d o v i r t u a l

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Fevereiro 2014 CAPITAL ABERTO 37

Por Camila Hessel

Na cena final de Clube da luta (1999), o protagonista vivido por Edward Norton assiste à queda dos edifí-cios que sediam as principais companhias de cartão de crédito. A implosão, armada por ele, tinha como objetivo apagar todos os registros de transações e libertar o mundo das operadoras. Sem derrubar prédios, os defensores da bitcoin acreditam que a moeda eletrônica irá provocar algo semelhante: a

reconfiguração do sistema mundial de meios de pagamento. A verdade, no entanto, é que há mais dúvidas do que cer-

tezas quando se fala em bitcoins. Há quem diga que são as tulipas do século 21. A comparação, feita pelo ex-presidente do banco central holandês, Nout Wellink, remete à bolha especulativa que se formou em torno dessa flor exuberante e quase levou Amsterdã à bancarrota no século 17. Para outros, as bitcoins serão para o dinheiro o que o Napster foi para a música. Em seus meros três anos de vida, o sistema de troca de canções grátis matou o CD e desencadeou um processo de reinvenção do modelo de negócios da indústria fonográfica ainda em curso. Ouro de tolo ou não, a bitcoin, no mercado de capitais, gera uma dúvida de senso ainda mais estrito: deve ser tratada como moeda ou como valor mobiliário?

Bitcoin conquista mercados mundo afora, divide opiniões nos órgãos reguladores e põe no centro da discussão o futuro do dinheiro

Antes de entrar nessa seara, contudo, vale esclarecer o que é, afinal, a bitcoin. Sua criação, em 2009, é atribuída a Satoshi Nakamoto, pseudônimo adotado pelo que se especula ser um grupo de programadores japoneses. No curto período em que o personagem esteve no ar — ele desapareceu da internet em 2010 —, desenvolveu uma moeda digital, gerada matemati-camente por computadores que operam com software livre.

Força nos númerosAo contrário das moedas comuns, a bitcoin não tem naciona-lidade ou uma autoridade que coordene sua emissão. O poder de compra que a caracteriza não é garantido por um banco central, mas, sim, pelo estoque limitado: serão emitidos, no total, 21 milhões de unidades de bitcoin — hoje, pouco mais de metade disso está em circulação. A injeção de moedas no mercado é ditada por algoritmos. O modelo matemático que governa a bitcoin prevê um número máximo de moedas que podem ser garimpadas por hora, a partir de um processo conhecido como “mining”.

O termo não é aleatório. A ideia é, de fato, reproduzir a lógica da extração de minério: um suprimento limitado de ativos, que diminui significativamente à medida que é

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M u n d o v i r t u a l

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explorado até se esgotar. Essa redução está prevista para ocorrer a cada quatro anos. No começo, podiam ser minera-das 300 bitcoins por hora, volume que caiu para 25 no ano passado e que, em 2017, passará a 12,5. Nesse ritmo, os 21 milhões de moedas estarão em circula-ção apenas em 2030.

O garimpo se dá através da reso-lução por computador de problemas matemáticos complexos em que aquele que os decifrar primeiro fica com o dinheiro virtual. A função prioritária desse processo é validar as transações realizadas, impedindo que a mesma unidade seja emitida mais de uma vez. Por isso, embora seu símbolo seja uma moedinha dourada — como as de chocolate — com a inscrição “vires in numeris” (força nos números), a bitcoin não passa de uma sequência númerica. É uma espécie de assinatura digital, que previne falsificações.

É ou não é?Apesar de ter sido criada como moeda, cuja função primordial é a de reserva de valor que funciona como meio de troca universal, a bitcoin desencadeou entre órgãos reguladores de diversos países uma discussão sobre sua natureza. É moeda ou valor mobiliário, afinal? A dúvida surge porque se entende que um pré-requisito para uma moeda ser classificada como tal é a existência de um banco central que a emita.

O primeiro teste veio dos Estados Unidos. No ano passado, a Securities and Exchange Commission (SEC) acusou Trendon Shavers, fundador da Bitcoin Savings and Trust, de vender investimentos em bitcoins pela inter-net. Ele teria captado 700 mil bitcoins — que remontavam, na época, a US$ 4,5 milhões — após prometer um retorno semanal de 7% baseado em operações de arbitragem com a moeda. A agência descobriu, porém, que Shavers praticava um esquema de pirâmide, em que usava o dinheiro virtual obtido para pagar os retornos dos investidores. Embora o juiz do caso não tenha afirmado que a bitcoin é uma moeda, em seu entendi-

mento os investimentos realizados com ela equivalem a aplicações em dinheiro, já que, apesar de sua aceitação limitada, pode ser utilizada como meio de troca na aquisição de bens ou de serviços.

Marcelo Godke, sócio do Godke Silva e Rocha Advogados, concorda em que o ideal não é tratar a bitcoin como valor mobiliário. “Ela não tem característica de captar recursos para investir em um empreendimento e não prevê direitos ao proprietário. Suas características são mais próximas das de uma moeda”, avalia Godke. Uma análise baseada no conceito econômico mostra que a bitcoin tem ao menos duas delas: funciona como reserva de valor, pois mantém poder aquisitivo ao longo do tempo, mesmo que sujeito à volatilidade; e serve como unidade de valor ao expressar o preço de produtos e serviços.

Devido a essas características, a União Europeia enquadra as moedas virtuais em sua diretiva de meios eletrônicos de pagamento. Dinheiro eletrônico, inclusive aquele que é de-positado magneticamente, equivale a valor monetário voltado ao pagamento de transações e aceito por pessoas que não sejam o emissor No Brasil, o enten-dimento é o mesmo. Tanto que, consul-tada pela capital aberto, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) afirmou, em nota, que não é de sua competência a regulamentação de moedas, matéria que cabe ao Banco Central.

No dia 22 de janeiro, a Finlândia trouxe um entendimento inédito para a bitcoin: não a enquadrou como moeda nem meio eletrônico de pagamento, mas como commodity. “Se a lei estipula que um meio eletrônico de pagamento deve ter um emissor responsável por sua operação, no estágio atual a bitcoin é mais comparável a uma commodity”, afirmou o chefe de regulação do banco central do país, Paeivi Heikkinen. Uma máquina que troca notas de dinhei-ro por bitcoins armazenadas numa conta virtual foi instalada numa loja de discos na estação central de trens, em Helsinque.

A União Europeia

enquadra as moedas

virtuais em sua

diretiva de meios

eletrônicos de

pagamento.

Esse é também o

entendimento do

Brasil. Já a Finlândia

trouxe uma visão

inédita para a

bitcoin: não a tratou

como moeda nem

meio eletrônico de

pagamento, mas

como commodity.

Uma máquina que

troca dinheiro por

bitcoin foi instalada

em Helsinque

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(Não) acredite no hypeA posição finlandesa pode mudar o rumo da discussão porque endereça a principal preocupação de reguladores, economistas e analistas de mercado: sem uma autoridade monetária centra-lizada, a bitcoin pode colocar em risco o poder dos países de emitir moedas (a chamada senhoriagem) e sua política monetária. “Por enquanto, a discussão se dá na esfera técnica, visto que o volu-me de transações ainda é pequeno”, diz Felipe Fernandes Rocha, economista e sócio do Godke Silva e Rocha Advoga-dos. Se o volume de transações crescer significativamente, o dinheiro eletrô-nico pode não só dificultar o controle de inflação como também ameaçar a posição hegemônica dos bancos oficial-mente constituídos.

É nisso que acreditam fundos de venture capital como o respeitadís-simo Adreessen Horowitz, que fez o maior aporte individual de capital em uma empresa relacionada ao mercado de bitcoins. Em dezembro, investiu US$ 25 milhões na startup Coinbase, de-dicada à operação da chamada carteira de bitcoins (a “wallet”, uma espécie de conta corrente da moeda) e ao desen-volvimento de serviços de comércio eletrônico e meios de pagamento com base nela.

Em 22 de janeiro, Marc Adreessen, um dos fundadores do veículo, publicou uma coluna no blog de finanças do New York Times exaltando as vantagens da bitcoin. Segundo ele, só uma moeda internacional e gerida de maneira descentralizada é capaz de dar conta das necessidades de compra, venda e transferência de recursos caracterís-ticas da era da internet globalizada. Adreessen elenca as baixíssimas taxas cobradas para operação das carteiras de bitcoins e das transações com a moeda como uma alavanca para os negócios. E defende que o tão criticado anonima-to — as contas que armazenam bitcoins são operadas com pseudônimos — é o único meio de endereçar problemas sérios como o vazamento de dados de seus portadores.

No Brasil, a empresa Grupo de Investimento Bitcoin chegou a criar um fundo de investimentos na moeda virtual, mas a oferta do veículo foi suspensa pela CVM. Nesse caso, a au-tarquia nem chegou a avaliar o mérito da bitcoin. A empresa, do consultor de tecnologia da informação Leandro Marciano César, de Belo Horizonte, não tinha autorização para ofertar investimento em fundos e serviços de administração de valores mobiliários de maneira geral.

Passo a passoEntenda como funciona o processo de compra por meio de bitcoins

1. Uma compra é realizada com bitcoins: o proprietário da moeda envia para o comerciante a sequência numérica que a identifica

2. Em vez de ser processada por um banco ou uma operadora de cartão de crédito, por exemplo, a transação é distribuída para todos os computadores ligados à internet que têm o software da bitcoin instalado

3. Esses computadores verificam se a sequência numérica informada realmente corresponde a uma bitcoin do pseudônimo que enviou a ordem de compra

4. Em caso positivo, a propriedade daquela sequência numérica específica é transferida para o pseudônimo do comerciante.

Poucos apostam nas chances de a bitcoin ganhar mercado em volume relevante. Felix Salmon, um estudioso de meios de pagamento e autor do blog de finanças da Reuters, afirma não se tratar de uma reserva de valor eficiente. “A riqueza pode evaporar rapidamente, devido à altíssima volatilidade”, observa, referindo-se ao histórico recente da moeda virtual. No início de 2013, ela estava cotada a pouco mais de US$ 50, que viraram US$ 200 em julho. Chegou a ultrapassar o valor do grama do ouro, batendo US$ 1.242 por apenas um dia e durante o feriado americano de Ação de Graças. Hoje, depois que o banco cen-tral da China proibiu seu uso no país, vale cerca de US$ 800. “Tendo em con-ta que uma operação com bitcoin pode levar até uma hora para ser processada, o valor final da transação pode ser radi-calmente diferente do que se preten-dia”, conclui Salmon.

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G o v e r n a n ç a c o r p o r a t i v a

40 CAPITAL ABERTO Fevereiro 2014

Dois pesos-pesados americanos se digladiaram em 2013. De um lado do ringue, estava o centenário fundo de pensão California State Teachers’ Re-tirement System (CalSTRS), com vultosos US$ 155 bilhões de ativos sob gestão. Do outro,

os administradores da fabricante de aço e equipamentos industriais Timken Company, cujo valor de mercado beira os US$ 4 bilhões. O prêmio: o direito de definir os rumos operacionais da Timken, aos seus 114 anos. Na visão do CalSTRS, ela alcançaria melhores resul-tados se dividisse suas operação em duas — uma destinada a fabricar aço; a outra, peças industriais. Situações como essa têm se tornado cada vez mais comuns nos Estados Unidos. Mais desafiadores e ousados, os investidores ativistas ame-ricanos não hesitam em bater de frente com a administração por divergências quanto à estratégia de negócio.

Devido a essa postura, veículos im-portantes de mídia, como a Forbes, a CNBC e o Wall Street Journal, afirmam que os Estados Unidos vivem hoje a “era de ouro” do ativismo. A consultoria de voto Institutional Shareholder Services (ISS) definiu o ano de 2013 como um ponto de inflexão. Foi o momento em que ficou claro que os acionistas não estão focados apenas em reformas es-

Por Bruna Maia Carrion

Cabo de guerra

Ilustração: Beto Nejme /Grau180.com

truturais de governança, como a trans-parência em doações para campanhas políticas, as remunerações mais alinha-das a resultados e o aumento do número de conselheiros independentes. Eles querem mais, inclusive mudanças na operação, como foi o caso da Timken.

Na opinião do CalSTRS e da gestora Relational Investors, que apoiou o fun-do de pensão, a estrutura da Timken fazia seu papel ser negociado em bolsa com desconto em relação à concorrên-cia. A divisão, por sua vez, criaria duas companhias com mais valor para os investidores. O caminho que os acio-nistas precisaram percorrer para serem ouvidos não foi fácil. Depois de reuniões infrutíferas com o conselho, a gestora e o fundo de pensão dos professores da Califórnia partiram para a boa e velha “proxy fight” (disputa por procurações de voto). A fundação fez uma proposta na assembleia anual pela separação, e o site Unlock Timken foi criado para divulgar a ideia. Na reunião, ela recebeu apoio de 53% dos acionistas — uma proporção significativa, considerando que a família Timken detém 20% das ações da empresa e era contrária à cisão.

Inicialmente, o conselho de admi-nistração tentou ignorar o resultado da assembleia, já que a resolução não tinha caráter obrigatório. Mais tarde, contudo, acatou o desejo dos acionis-

tas, quando as consultorias ISS e Glass Lewis anunciaram que recomendariam a seus clientes o voto contrário aos conselheiros no ano seguinte, caso eles optassem por fazer ouvidos moucos. O fato evidencia outra tendência: os fundos de pensão estão adotando uma postura mais incisiva. “Foi muito im-portante se associar ao CalSTRS. Eles estão presos às ações da companhia devido a seus fundos de índices. Dessa forma, invalidaram o argumento de que estaríamos pensando apenas no curto prazo”, diz David Batchelder, da Relational.

A postura combativa dos acionistas ficou evidente também na HP. Des-contentes com a aquisição, em 2011, da companhia de análise de dados Autonomy, que acarretou um prejuí-zo de US$ 8,8 bilhões, os investidores conseguiram promover estrondosas mudanças na administração. Poucos dias depois da assembleia anual de março de 2013, os conselheiros John Hammergren e Kennedy Thompson renunciaram devido ao pouco apoio que obtiveram para se reeleger (menos de 60% dos votos), e Raymond Lane abriu mão do cargo de presidente do board.

No campo dos resultados, a estra-tégia ativista tem se mostrado menos profícua. De acordo com dados globais da Hedge Fund Research, veículos de

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Por Bruna Maia Carrion

Cabo de guerra Ousados e combativos, investidores americanos desafiam os administradores em busca de mudanças. No Brasil, a briga é por assentos nos conselhos

Ilustração: Beto Nejme /Grau180.com

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G o v e r n a n ç a c o r p o r a t i v a

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investimento com esse perfil tiveram ganhos de 14,4% entre janeiro e no-vembro de 2013, contra um aumento de 12,9% de todos os fundos de ações.

Tipo exportaçãoA julgar pela vitória desses investidores e pelo poder dos Estados Unidos de di-tar grandes tendências, o ativismo mais combativo deve continuar a atrair se-guidores. Na Alemanha, acionistas ins-titucionais e pessoas físicas insatisfeitos com anos de resultados ruins da gigante industrial ThyssenKrupp conseguiram a demissão de três conselheiros. Já a berlinense GSW, de empreendimentos imobiliários, recebeu pedidos da gestora holandesa PGGM para remover o presi-dente do conselho de supervisão e o CEO recém-eleito. O argumento, endossado pelo regulador do mercado alemão, era o processo de escolha ter sido pouco transparente. Após alguma resistência da companhia, houve nova eleição. “In-vestidores americanos exportaram esse modo de agir para outros países”, diz Robert McCormick, diretor de políticas da Glass Lewis.

No Brasil, o ativismo também ga-nhou força em 2013, embora com um foco diferente. A briga aqui ainda é por representatividade nos conselhos de administração. Desde que foi lançado, em janeiro de 2013, o Grupo de Gover-nança Corporativa (GGC) — formado por nove conselheiros profissionais patrocinados por investidores como a GF Gestão de Recursos, do empresário Lírio Parisotto, e o investidor pessoa

Só dá elesMomentos em que os ativistas estiveram em holofote em 2013

HerbalifeDois dos mais famosos ativistas dos Estados Unidos brigaram ao vivo, por telefone, em um programa de TV da CNBC. O motivo? A empresa de nutrição. Bill Ackman comentou que estava vendido na companhia, pois seu modelo de negó-cios era uma pirâmide. Carl Icahn, comprado na empresa, ficou indignado. “Eu não investiria com você nem que fosse o último homem da terra!”, bradou. A aposta de Icahn se mostrou, no fim das contas, a mais acertada. O papel, que custava por volta de US$ 30 no início do ano passado, vale hoje cerca de US$ 70.

ThyssenKrupp e GWSForam os dois grandes casos de ativismo ger-mânico. A corporação industrial ThyssenKrupp teve três de seus conselheiros ejetados após uma assembleia em que os acionistas deixaram clara a insatisfação com os maus resultados, sobretudo o prejuízo de € 5 bilhões no ano an-terior. No caso da GWS, tanto o regulador como os investidores removeram o CEO, cuja eleição consideraram pouco transparente.

Occidental PetroleumOs acionistas vinham demonstrando desconten-tamento com o CEO Ray Irani desde 2010. Em 2013, ele completou duas décadas como líder da empresa, mas não obteve votos suficientes para continuar no poder. Faltava um ano para sua aposentadoria.

JC PenneyMais uma barafunda de Bill Ackman. Ele com-prou uma grande fatia da varejista e prometeu mudanças de estratégia para melhorar os resul-tados. O que conseguiu, todavia, foi uma briga pública com os outros membros do conselho, do qual fazia parte. Ackman os pressionou para demitir o CEO Mike Ullman, mas ouviu um sonoro “não”. Acabou deixando o board e a empresa, e ainda disse ter sido um erro entrar nela. Ackman saiu na hora certa: se em agosto a ação valia por volta de US$ 13, hoje oscila em torno de US$ 7.

física Luiz Barsi — não para. Pede lista de acionistas para as companhias, marca reuniões com investidores estrangeiros e promove consultas à Comissão de Va-lores Mobiliários (CVM). O grupo tem um propósito claro: ocupar vagas des-tinadas a minoritários no conselho de administração de 14 empresas, entre as quais Usiminas, Klabin, CSN, Bradespar, BicBanco e Eletrobras. No ano passado, o GGC elegeu 5 conselheiros de admi-nistração e 13 conselheiros fiscais. Para 2014, a meta é ocupar ao menos uma cadeira no board de cada companhia.

Primeira siderúrgica privatizada no Brasil, a Usiminas passou por maus bocados nos últimos tempos, tanto em termos operacionais como de governan-ça. Incomodados, os minoritários deci-diram pleitear transformações. Dona de 5,42% das ações preferenciais da Usimi-nas, a GF se articula para alugar lotes de ações ON e PN. O objetivo é adquirir participação suficiente para reeleger Marcelo Gasparino representante dos preferencialistas e nomear Aloísio Ma-cário como indicado dos minoritários. Para Gasparino, a eleição de dois repre-sentantes dos minoritários vai facilitar a proposição de pautas nas assem- bleias. As normas internas da Usiminas exigem que ao menos três conselheiros apresentem um assunto para ele ser levado ao encontro.

As ações que a GF pretende alugar são da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que detém 15,9% do capital total da Usiminas — 11,6% das ONs e 20,1% das PNs — e foi impedida de votar devido a uma decisão do Conselho Adminis-trativo de Defesa Econômica (Cade). Na visão do órgão antitruste, não seria adequado a empresa ter poder político em sua concorrente. Sem a CSN, fica-ria difícil para os minoritários agrupar papéis que lhes permitam adotar dois mecanismos importantes para aumentar a representatividade no conselho: o voto múltiplo, no qual a ação tem direito a um número de votos igual à quantidade de assentos no board; e o voto em separado dos minoritários, que prevê a eleição, sem interferência do controlador, de um

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TimkenA empresa divulgou, em setembro, que se separaria em duas: uma ficaria com a produção de aço e outra, com a de peças industriais. A divisão, proposta pelo fundo de pensão de pro-fessores da California e pela gestora Relational Investments, obteve maioria na assembleia.

Apple A gigante tecnológica foi alvo de Carl Icahn. Ele tentou convencer o CEO Tim Cook a recomprar US$ 150 bilhões em ações da companhia para aumentar o valor do papel e os dividendos dis-tribuídos. Outros acionistas também queriam proventos mais gordos.A Apple iniciou, então, um programa de recompra robusto (embora mais modesto do que pretendia Icahn) e anunciou, no fim de 2013, que aumentaria seus dividendos trimestrais de US$ 2,65 para US$ 3,05 por ação.

HPO board e o CEO da companhia eram apontados pelos acionistas como os responsáveis pela desastrada compra da britânica Autonomy, que gerou um prejuízo de US$ 8,8 bilhões para a HP. O resultado foi a substituição do CEO Leo Apotheker por Meg Whitman e a posterior renún-cia de dois conselheiros poucos votados.

membro no conselho de administração. Enquanto o primeiro dispositivo pode ser requerido por detentores de ao me-nos 10% das ações ordinárias, o segundo exige a solicitação por ordinaristas com 15% do capital votante ou preferencia-listas com mais de 10% do capital social. Se nem detentores de ONs nem de PNsconseguirem atingir isoladamente esses percentuais, eles podem se unir para obter esse direito.

Ao pegar emprestados os papéis ON e PN da CSN, a GF teria ações suficien-tes para solicitar tanto o voto múltiplo como o voto em separado. Há, no en-tanto, um ponto a ser esclarecido para essa estratégia dar certo: se, alugadas para um terceiro, as ações da CSN re-tomam os direitos políticos subtraídos pelo Cade. Pela regras do aluguel de ações, durante a vigência do contrato, é o tomador dos papéis quem possui o di-reito de participação em assembleia e de voto. Na dúvida, a GF fez, em dezembro de 2013, uma consulta à CVM para saber se a autarquia permite o voto das ações. Até o dia 17 de janeiro, o regulador não havia se pronunciado.

No gogóOutra estratégia da GGC para obter apoio a seus candidatos é a articulação com investidores estrangeiros. Pegar um avião rumo a Londres ou Nova York para conversar com representantes de fundos que investem nas empresas-alvos ou mesmo com consultorias de voto tem sido rotina. O propósito, segundo Gasparino, é convencê-los a apoiar moções pelo voto em separado, ainda que se abstenham de votar no candidato apresentado. O regulamento de alguns fundos estrangeiros os obriga a analisar as candidaturas com antecedência; como o voto em separado é requerido no mo-mento da assembleia, o candidato dos minoritários acaba não sendo analisado.

O GGC também quer incentivar os estrangeiros a, diante da instalação do voto múltiplo, escolher apenas candida-tos que não representem o controlador, tomando partido dos minoritários. Nessa situação, os estrangeiros nor-

malmente distribuem todos os votos igualmente, de forma a não interferir na eleição. “Trata-se de uma ideia equi-vocada. Afinal, o investidor estrangeiro não faz parte do grupo de controle”, enfatiza Gasparino.

Uma maneira de medir o crescimento do ativismo dos investidores no País será o uso dos pedidos públicos de procura-ção de voto — mecanismo regulado pela Instrução 481 da CVM que permite aos investidores arregimentar apoio a suas causas ou candidatos. Em 2013, o ins-trumento foi adotado por acionistas de HRT, Gafisa, Bradespar, Usiminas, CSN e Eletrobras (o GGC encabeçou os quatro últimos). A regulação, entretanto, ainda impõe dificuldades, observa Macário, que coordena o Instituto Brasileiro de Gover-nança Corporativa (IBGC) no Rio de Ja-neiro. É o caso da presença obrigatória de um procurador para registrar o voto nas assembleias, por exemplo. Anualmente, o investidor precisa renovar a procuração — um processo especialmente burocrá-tico para os estrangeiros, que atrapalha a conciliação dos prazos para exercício do voto. Apesar dos obstáculos, não há dúvidas do avanço do ativismo no Brasil. Quem sabe daqui a alguns anos teremos por aqui também a nossa “era de ouro”.

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Os vilões dos filmes de Hollywood não são mais os russos há um bom tempo. Mesmo após o fim da Guerra Fria, entretanto, Rússia, Ucrânia e outras nações do Leste Europeu ainda se debatem com velhas estruturas na economia e na política. Ou-tras como Hungria, República Tcheca e Polônia preferiram seguir novos caminhos: integraram-se à União Europeia e adotaram padrões mais altos de

governança e liberdade econômica. A última da lista se destaca pelo crescimento constante: desde 1992, a variação de seu PIB não tem resultado negativo, mesmo diante da recente crise do continente. O aumento da renda per capita dos poloneses também impressiona: entre 2005 e 2013, escalou 61%. Outra particularidade do país é ter se voltado para o mercado de capitais como nenhum outro do lado de lá da cortina de ferro: entre 2003 e 2013, o número de companhias listadas na Bolsa de Valores de Varsóvia (GPW, na sigla em polonês) mais que quadruplicou — de 203 para 895. Um dos ingredientes dessa expansão é o foco num segmento que o Brasil tem bastante dificuldade em atrair para o mercado acionário: os pequenos e médios negócios.

Para se ter uma ideia, a capitalização da GPW no fim de 2013 era de aproximadamente € 204 bilhões, enquanto a da BM&FBovespa, com 440 empresas, era de cerca de R$ 2,4 trilhões (€ 740,3 bilhões). Das 895 companhias com capital aberto na GPW, 445 estão no segmento New Connect (NC), mercado de acesso criado em 2007. Juntas, elas somam apenas € 2,5 bilhões. No fim de janeiro, o menor valor de mercado de uma empresa no NC era o equivalente a R$ 175 mil, enquanto o maior correspondia a R$ 672 milhões. O segmento tem uma gama variada de setores: há empresas de mídia, turismo, alimentação — incluindo uma modesta rede de pizzarias regional — e tecnologia, entre outros.

O mais surpreendente é que há investidores de sobra para comprar ações dessas sociedades. Hoje, dos 38 milhões de poloneses, 1,5 milhão possui conta ativa na bolsa. Para efeito de comparação, há menos de 600 mil pessoas físicas inscritas na bolsa brasileira. A abundância deve-se a uma característica específica da Polônia. No fim de 1990, o governo era dono de 8.453 empresas; 22 anos depois, esse número não passa-va de 70. O enxugamento resulta de um robusto processo de reestruturação e privatização ao longo desse período. A maneira como o governo vendeu algumas das empresas foi com a listagem na bolsa de valores e a consequente permissão para que muitas pessoas físicas se tornassem sócias. “Em al-guns casos, havia fila na porta da bolsa para comprar ações”, conta Maciej Wewiór, assessor do conselho de administração da GPW. Isso alavancou a formação de um contingente de

Bolsa de Varsóvia, na Polônia, atrai empresas pequenas, quadriplica o número de listagens e atinge 1,5 milhão de investidores pessoas físicas

Temos a aprender com eles?

Por Bruna Maia Carrion

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pessoas interessadas no mercado de capitais, seja como forma de investi-mento, seja para capitalizar seu negócio.

Outro aspecto que contou a favor da GPW foi o fato de a Polônia ser membro da União Europeia e estar alinhada com as práticas regulatórias da região. Essa característica deixou os investidores in-ternacionais, hoje grandes participantes do mercado, mais confortáveis. A Bolsa também incentivou a oferta de ações de emissoras estrangeiras interessadas em ter contato com investidores da Europa Central. Hoje, 58 empresas de 23 países diferentes estão listadas em Varsóvia, entre elas o Banco Espírito Santo, de Portugal. “Muitas companhias médias veem mais vantagens em se listar aqui, porque conseguem um nível de visibili-dade que não teriam em outros merca-dos europeus nos quais os investidores estão concentrados em empresas de maior porte”, explica Wewiór.

Segundo Ivan Clark, sócio da PwC no Brasil, o mercado de dívida corpo-rativa da Bolsa de Varsóvia também se tornou um ingrediente importante para o seu sucesso. Hoje, o Catalyst, como é chamado, tem 174 emissores (inclusive o governo polonês) e já registrou 436 emissões de dívida privada. “Funciona como uma vitrine para os investidores observarem as companhias e elas se acostumarem com a divulgação de informações”, diz Clark.

Por ter conseguido viabilizar um exi-toso mercado para pequenas e médias empresas, a Polônia atraiu a atenção da BM&FBovespa. O Comitê Técnico de Ofertas Menores (CTOM), criado pela Bolsa de São Paulo e por outras institui-ções no fim de 2012 para estudar alter-nativas para o setor, pesquisou os mer-cados de acesso de seis países: Espanha, Reino Unido, Polônia, China, Coreia do Sul e Canadá. A Austrália, que não tem um segmento específico para pequenas e médias mas atrai muitas listagens do tipo, também foi estudada. Cristiana Pereira, diretora de desenvolvimento de empresas da BM&FBovespa, reconhece no país do Leste Europeu um caso de su-cesso. No entanto, ressalta que muitas

características do mercado polonês são intransponíveis para o Brasil.

Uma delas é regulatória. Lá, assim como em outros países, nem todas as companhias negociadas encontram-se sob a supervisão do regulador do mer-cado de capitais — no caso, a Komisja Nadzoru Finansowego (KNF). Apenas as empresas listadas no mercado prin-cipal têm que se registrar no órgão. A regulação das emissoras listadas no mercado de acesso fica por conta da própria Bolsa, que a terceiriza para um grupo de consultores autorizados. Nesse conjunto pode haver empresas de investimento, escritórios de advocacia, auditores e consultores financeiros, entre outros.

Os consultores, pagos pela compa-nhia, devem assegurar que ela siga as regras de governança criadas pela Bolsa para o segmento e acompanhá-la por pelo menos um ano após a listagem. Adotam esse mesmo sistema, baseado na reputação de agentes do mercado, outros mercados de acesso importantes como o AIM, da London Stock Exchan-ge (LSE), e o Mercado Alternativo Bur-sátil (MAB), da bolsa espanhola.

A conclusão do CTOM é que a dis-pensa de registro com o regulador não necessariamente diminuiu o custo das ofertas no caso londrino, embora tenha acelerado o processo de listagem de empresas menores. Outra ressalva é a capacidade dos consultores de pressio-nar as companhias a seguir as regras. “Há dúvidas quanto à efetividade, devido à dificuldade de enforcement”, afirma o estudo do CTOM. Tanto que, nas propostas finais do comitê, a ideia de pleitear a criação de uma categoria de companhias listadas sem supervisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não foi cogitada. “A Europa tem uma cultura de autorregulação que permite esse tipo de estrutura, além de um sis-tema legal mais eficiente para corrigir eventuais problemas”, analisa Clark. Ele ressalta, porém, que o mercado po-lonês ainda é relativamente novo para avaliar se a supervisão dos consultores funciona adequadamente ou não.

Ritmo aceleradoEm seis anos, mercado de acesso polonês quase se igualou ao principal. Confira outros exemplos:

445

1.114

450

1.372

Reino Unido

Polônia

Mercado de acesso

Mercado principal

Canadá

Espanha

China

Coreia do Sul

Brasil

2.277

21

332

785

8

1.577

130

683

1.031

440

Fontes: GPW e BM&FBovespa. Bolsas consideradas: GPW, LSE, TSX, BME, SME, Kospi e BM&FBovespa, respectivamente.

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A menor exigência regulatória (veja quadro abaixo), entretanto, pode ter sido um fator importante para o sucesso do NC. “Tivemos o cuidado de não super--regular e de deixar claro para o investi-dor que é um segmento mais arriscado”, relata Ludwik Sobolewski, ex-CEO da GPW e um dos criadores do mercado de acesso, hoje presidente da Bolsa de Bucareste, na Romênia. “Apesar de o NC ser aberto a todos os investidores, as pessoas físicas que mais investem nele são as de maior poder aquisitivo e as interessadas em diversificar seus investimentos”, comenta Cristiana.

Brasil ao ataqueA BM&FBovespa vem apresentando uma série de propostas para aumentar a atratividade de seu mercado de acesso. Em dezembro do ano passado, enviou à CVM sugestões para alterar o Bovespa Mais. A Bolsa pretende transformá-lo em parte do pregão principal — atual- mente, ele é um balcão organizado. Além disso, quer dividi-lo em dois: o Bo-vespa Mais permitirá a emissão de duas classes de ação (preferenciais e ordi-

nárias), ao passo que no Bovespa Mais Nível 2 serão ofertadas apenas ações com direito a voto. Outro segmento, chamado Potencial, permitirá a nego-ciação de ativos no mercado de balcão.

Como o mercado brasileiro dispõe de poucos investidores individuais, muitos deles avessos a riscos, o CTOM está foca-do em incentivar os institucionais a ad-quirir ações de pequenas empresas. Nes-se sentido, a CVM colocou em audiên- cia pública uma minuta que altera a Instrução 409 e cria o “fundo de inves-timento em ações – mercado de acesso”, que terá como política aplicar pelo me-nos dois terços de seu patrimônio em papéis de companhias listadas nos três segmentos de acesso. “Temos investido-res institucionais querendo aplicar em ações de menor capitalização; contudo, faltam veículos para eles fazerem isso”, observa Cristiana.

Esses investidores também poderão ser beneficiados por uma gama maior de pequenas empresas para investir se a re-forma da Instrução 476 incluir as ações entre os títulos que podem ser emitidos sem registro de oferta. A expectativa da CVM é que a facilidade atraia pequenas e médias companhias a lançar ações. Inicialmente, o regulador pretende abrir essa prerrogativa apenas para emissoras já registradas como companhia aberta (leia nota na seção Adiante, à página 13).

As intervenções, no entanto, estão longe de ser suficientes. Cristiana con-sidera que incentivos fiscais para os investidores do mercado de acesso se-riam importantíssimos. Esse, aliás, é um assunto que a BM&FBovespa e outros integrantes do CTOM, como a CVM e o BNDES, vêm discutindo com setores do governo. “No Brasil, é difícil tanto atrair pessoas físicas como tornar a regulação mais leve. O jeito é aumentar o retorno do investidor”, avalia Clark. A Polônia não oferece estímulos fiscais para os investidores. Nem é preciso. Com o selo de qualidade da União Europeia e uma taxa de juro de apenas 2,5% ao ano, há um grupo significativo de pessoas físicas e fundos de pensão propenso a investir no seu mercado acionário.

O mercado de acesso polonêstem algumas diferenças em relaçãoao mercado principal:

- Não se exige um mínimo de capitalização ou free-float.

- As empresas não precisam publicar declarações financeiras e relatórios semestrais (anuais, apenas).

- As companhias têm mais tempo para entregar informações.

- A lista de exigências (no modelo “comply or explain”) é mais enxuta.

- A supervisão não é feita pelo regulador, e sim por consultores autorizados certificados pela Bolsa.

Por dentro do New Connect

A Polônia é membro

da União Europeia e

está alinhada com as

práticas regulatórias

da região. Essa

característica deixou

os investidores

internacionais mais

confortáveis. “Muitas

companhias médias

conseguem um nível

de visibilidade que

não teriam em outros

mercados europeus,

onde os investidores

estão focados em

empresas maiores”,

explica Maciej

Wewiór, da Bolsa

de Varsóvia

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As ações da Tim subiram 56,2% em 2013, a terceira maior valorização do ano na bolsa paulista. Bem que os números positivos da companhia poderiam ter ocasionado a alta. No terceiro trimestre de 2013, último resultado conhecido, as receitas da empresa atingiram cerca de R$ 5 bilhões (alta de 7,6%), e o Ebitda evoluiu 4,2%, para R$ 1,2 bilhão. A razão entre dívida líquida e Ebitda, por sua vez, vem diminuindo: caiu de 0,32, dois anos antes, para 0,28.

Segundo Vera Rossi, da Goldman Sachs, a capacidade da empresa para entregar resultado superior ao esperado depende de gerar receita de dados — aquela oriunda de mensagens de texto, acesso a internet e outros serviços que não a telefonia. Essa receita corresponde a 23% do faturamento da Tim (a média no mercado é 27%). A ideia é ampliá-la a partir da base de clientes pré-pagos, que somam 61 milhões de linhas e co-meçam a experimentar a internet. De acordo com as projeções da companhia, a proporção desses clientes que usam a rede pode saltar dos atuais 34% para 60% em três anos. O plano de investimentos para o triênio 2014-2016 é de R$ 11 bi-lhões, dos quais 90% estão reservados à infraestrutura de redes, a chave para dar acesso ao serviço de dados.

Destino indefinido de operadora de telefonia não afeta otimismo do investidorA causa principal da alta na bolsa,

contudo, foi a especulação sobre a venda da Tim. Tudo começou quando, em setembro de 2013, a Telefónica es-panhola, dona da Vivo no Brasil, fechou um acordo em que se tornou controla-dora da Telecom Italia, proprietária da Tim. No mês seguinte, as duas operado-ras detinham juntas 55,8% do mercado

brasileiro, com mais de 150 milhões de linhas ativas.

Para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), no entanto, o negócio feria as normas antitruste vigentes no País. Em dezembro, o órgão multou a Vivo em R$ 15 milhões por ter descumprido o acordo segundo o qual deveria se manter distante da Tim. Determinou, além disso, a venda de metade da Vivo para um operador que ainda não atue no mercado brasileiro ou o desmanche de sua participação acionária na Telecom Italia.

O investidor se beneficiará da venda, afirmam os analistas André Baggio e Marcelo Santos, do J.P. Morgan. O ce-nário mais provável, na visão deles, é a Tim ser fatiada entre Vivo, Claro e Oi, apesar das dúvidas sobre a capacidade da última para bancar o negócio. Em-bora não haja garantias de que o Cade aceitará o fracionamento, os investido-res o veem com bons olhos. Neste ano, as ações da companhia chegaram a subir quase 8%, quando a ideia foi exposta pelo jornal italiano Il Sole 24 Ore. Afinal, dizem os analistas, a participação de mercado das operadoras cresceria, os custos publicitários cairiam, a rede de cada uma aumentaria, e haveria menos concorrência. Nada mal.

Por João Carlos de Oliveira

À espera da venda

GestoraValor investido30/6/2013 30/9/2013

Schroder Invest. Manag. Brasil 6 1.676

Caixa 172 6.615

SPX Gestão de Recursos 847 25.263

BTG Pactual 0 11.590

Morgan Stanley Adm. de Carteiras 0 2.531

SPX Equities Gest. de Recursos 0 2.496

Investidores que mais aumentaram a participação em ações ON da Tim

Quem

mai

s com

prou

Quem

ent

rou

Tim

Fonte: Economatica. Foram consideradas as posições finais superiores a R$ 1 milhão. Valores em R$ milhares. Obs.: Os dados de 30/9/2013 eram os últimos disponíveis até o fechamento desta edição.

Cotações no fechamento (em R$)

8,3 10/7/2013

13,310/1/2014

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Destino indefinido de operadora de telefonia não afeta otimismo do investidor

Marfrig

Ela deu um passo maior que a perna. Essa expressão popular se aplica exem-plarmente ao caso da Marfrig, cuja ação fechou 2013 com recuo de 52,8%.

Em 2010, a Seara, então da Marfrig, foi patrocinadora oficial da Copa do Mundo da África do Sul. Os dribles de Robinho na publicidade simbolizaram o início da estratégia de globalização de marcas da companhia. Foi também nessa época que a Marfrig comprou o grupo Keystone, que faturava US$ 6,4 bilhões e atendia 28 mil restaurantes no planeta. A brasileira fazia parte da lista de empresas que o governo Lula escolheu para se tornar multinacionais verde-amarelas, com a ajuda do BNDES.

Às vésperas do Mundial do Brasil, todavia, ela não é mais a dona da Sea- ra. Em junho do ano passado, a JBS assumiu a companhia e seu endivida-mento líquido de R$ 5,8 bilhões. Por questões cambiais e outros débitos, a venda fez a dívida da Marfrig cair apenas R$ 3,1 bilhões. Hoje, a companhia deve R$ 6,7 bilhões e tem valor de merca-do de R$ 2,1 bilhões. Esse é o saldo da estratégia de crescimento agressivo, via alavancagem, que se tornou uma ameaça ao futuro do grupo.

Os resultados do terceiro trimestre de 2013 mostram melhora na operação,

com geração de fluxo de caixa operacio-nal (antes de investimentos e juros) po-sitiva em R$ 236 milhões e crescimento de 11% na receita líquida, graças ao bom desempenho das vendas internas e das exportações da Marfrig Beef. Entretan-to, mesmo com resultados sólidos, o en-dividamento líquido deve permanecer bastante elevado, conforme observam os analistas Alessandro Arlant, Anne

GestoraValor investido30/6/2013 30/9/2013

Santander Brasil Asset Manag. 2.650 49

Fundação Vale do Rio Doce (Valia) 1.298 49

Fundação Cesp 3.007 285

Advis Equities Adm. de Recursos 4.878 0

Kondor Invest 3.385 0

Victoire Brasil Invest. Adm. de Rec. 2.715 0

Investidores que mais reduziram a participação em ações ON da Marfrig

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Fonte: Economatica. Foram consideradas as posições iniciais superiores a R$ 1 milhão. Valores em R$ milhares. Obs.: Os dados de 30/9/2013 eram os últimos disponíveis até o fechamento desta edição.

Às voltas com dívidas exageradas, frigorífico ganha tempo em acordo com BNDESCotações no fechamento (em R$)

7,310/7/2013

Carne indigesta

A escolha das companhias para esta seção é feita a partir de um levantamento da Economática com a oscilação e o volume negociado mensalmente por ações que possuem giro mínimo de R$ 1 milhão por dia. A partir daí, são escolhidas aquelas que se destacam pelas variações positivas e negativas.

Milne e Barbara Halberstadt, do Bank of America Merrill Lynch.

Neste ano, um alento: as esperanças se renovaram, ao menos no curto prazo. A empresa elegeu novo presidente (Sér-gio Rial) e comemora um acordo com o BNDES. Graças a ele, projeta obter caixa positivo de R$ 100 milhões em 2014; a estimativa anterior era de prejuízo de R$ 150 milhões. Isso contribuiu para a alta de 6% no valor do papel entre 2 e 9 de janeiro. O ganho de caixa, na verdade, reflete as boas condições do acerto: a empresa vai emitir um lote de R$ 2,1 bi-lhões em debêntures conversíveis, para resgate da emissão antiga. Com a troca, ganha seis meses para o pagamento de juros e um ano e meio de prazo. O ban-co, detentor exclusivo das debêntures, fixou em R$ 21,50 o preço de conversão — mais de cinco vezes o valor da ação.

O acordo generoso muda um pouco a situação da Marfrig. A questão, ago-ra, é se os avanços operacionais serão suficientes para reduzir o elevadíssimo grau de alavancagem. Por enquanto, o mercado segue cauteloso.

4,210/1/2014

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N o t a s I n t e r n a c i o n a i s

50 CAPITAL ABERTO Fevereiro 2014

As empresas listadas na Índia e na Suíça vão enfrentar um 2014 cheio de mudanças. Em ambos os países, reformas de governança aprovadas ao longo dos últimos anos passaram a vigorar no mês passado.

No país europeu, as novidades afetam especialmente os executivos. A partir deste ano, eles não poderão mais receber pacotes de indenização, pagamentos adiantados ou bônus caso a companhia seja vendida ou haja transferência para outras unidades. Além disso, todas as empresas deverão adequar o seu sistema de eleição para membros do conselho e do comitê de remuneração; pelas novas regras, cada con-selheiro será escolhido individualmente e para mandatos de somente um ano. Para completar, a partir de 2015, o “say on pay”, sistema em que os acionistas aprovam ou desaprovam o pacote de remuneração dos executivos na assembleia anual, não será mais consultivo — a companhia precisará acatar o desejo dos acionistas.

O Public Company Accounting Oversight Board (PCAOB) vem publicando desde o ano passado rela-tórios de suas inspeções nas firmas de auditoria dos Estados Unidos. Alguns resultados, todos relativos a 2012, se revelaram preocupantes. A instituição respon-sável por fiscalizar os auditores encontrou problemas em 55% dos documentos da BDO USA (11 de 20) que inspecionou e em 65% dos da Grant Thornton (22 de 34). A consultoria com menor índice de erros foi a Deloitte, com 25%, seguida por KPMG, com 34%, PwC, com 39%, e Ernst&Young, com 48%.

As deficiências identificadas nas duas firmas com maior índice de falhas não diferem das observadas nas demais. São relativas, principalmente, à auditoria dos controles internos, de estimativas contábeis, de riscos e de valor justo. Tanto a BDO como a Grant Thornton responderam ao órgão dizendo que estão trabalhando para melhorar seus procedimentos.

Devido à pressão exercida pelo PCAOB, um rela-tório do Financial Accounting Standards Board pu-blicado em outubro de 2013 dizia que as companhias deveriam esperar por mais rigor de seus auditores.

Para assinantes: Confira os relatórios do PCAOB em www.capitalaberto.com.br

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Na Índia, mudanças na governança das companhias são exigidas pelo Companies Act, conjunto de leis aprovado em agosto do ano passado. Ao longo de 2014, pelo menos 33% dos conselheiros de administração das companhias indianas terão que ser independentes. As que não possuem comitês de remuneração e nomeação de executivos deverão criá-los. Os conselheiros deixarão de ser considerados independentes após dez anos na companhia, e os boards precisarão ter, no mínimo, uma mulher. Conselheiros indicados por funcio-nários, credores ou investidores serão automaticamente considerados não independentes. Será implementado, ainda, um rodízio de firmas de auditoria a cada dez anos, e de sócios a cada cinco.

A consultoria de voto Glass Lewis declarou em seu blog que, se bem-sucedida, a reforma indiana colocará o país à frente de seus pares emergentes (Rússia, China e Brasil) no quesito governança.

Firmas de auditoria falham em seus trabalhos

Por Bruna Maia Carrion

Índia e Suíça terão regras de governança mais rigorosas

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Fevereiro 2014 CAPITAL ABERTO 51

Cadeia para manipuladoresOs membros da União Europeia concordaram, no fim de

2013, em lançar uma proposta de lei que criminaliza o insider trading e a manipulação de mercado. As chances de aprovação da lei são altas. Ela deverá impor que as 28 nações estabeleçam punições severas para esses atos — a pena máxima de cada país não poderá ser inferior a quatro anos, e o tempo mínimo de cadeia será de dois anos.

O projeto de lei pretende alinhar o enquadramento desse tipo de crime nas diferentes jurisdições. Atualmente, a falta de uniformidade permite uma espécie de arbitragem legal, em que fraudadores escolhem operar no país que tiver leis mais lenien-tes. A elaboração de regras severas contra insider trading e a manipulação de mercado são respostas ao escândalo de fraude da Libor, taxa de referência calculada por bancos londrinos.

México adere ao MilaA Bolsa Mexicana de Valores (BMV) anunciou em janeiro

que se tornará parte do Mercado Integrado Latino-Americano (Mila), que compreende os pregões do Chile, Peru e Colômbia. A plataforma do Mila permite que investidores registrados em qualquer uma das bolsas integrantes negociem ações nos demais pregões do bloco. A BMV tem hoje, de acordo com dados da World Federation of Exchanges, 143 companhias listadas e uma capitalização de mercado de mais de US$ 526 bilhões. A negociação das empresas mexicanas no Mila deve começar em junho deste ano.

Longe dos hegde fundsVazou para a imprensa um projeto do chefe de serviços

financeiros da União Europeia, Michel Barnier, que colocou gestores de hedge funds em alerta no mês passado. O docu-mento contém uma proposta de que bancos “sistemicamente importantes” — com mais de € 30 bilhões em ativos — en-frentem regras mais rígidas a partir de 2018. Uma delas seria a proibição de investir seus próprios recursos em hedge funds. Nos Estados Unidos, esse tipo de operação foi proibida pela Volcker Rule, em vigor desde dezembro de 2013. Barclays, BNP Paribas e Deutsche Bank são algumas das instituições que podem ser afetadas pelo projeto. O documento também prevê que algumas instituições financeiras sejam obriga-das a separar as atividades de negociação de ativos de sua estrutura comercial.

A favor dos dissidentesO Council of Institutional Investors (CII), organização

americana de gestores de investimento e fundos de pensão, enviou à Securities and Exchange Commission (SEC) uma petição para que o método de escolha de conselheiros de administração seja alterado com o intuito de facilitar a elei-ção de candidatos dissidentes. O CII quer que apenas uma cédula seja distribuída aos acionistas, de maneira que todos os candidatos estejam disponíveis no material e o investidor possa votar na combinação de nomes que mais lhe agradar.

Atualmente, uma regra de 1966 determina que uma chapa peça autorização da outra para listar seus candidatos no ma-terial de assembleia. É comum, no entanto, um dos lados se recusar, o que obriga os concorrentes a distribuírem cédulas próprias apenas com os nomes de seus candidatos.

Comitê bem remunerado

Ao analisar as cem principais companhias do índice FTSE 100, a PwC descobriu que os conselheiros não executivos do comitê de remuneração obtiveram os maiores incrementos salariais dos últimos tempos. O estudo mostrou que o paga-mento aos presidentes desse órgão cresceu, em média, 65% entre 2009 e 2012 (de £ 12 mil anuais para £ 20 mil), enquanto a dos outros integrantes subiu 140% (de £ 5 mil para £ 12 mil). Os chefes dos comitês de auditoria, em contrapartida, recebem em média £ 20 mil anuais há três anos, enquanto os demais membros acumularam 50% de aumento desde 2009.

Em nota oficial à imprensa, Fiona Camenzuli, sócia da PwC, explicou que a elevação nos salários dos membros do comitê de remuneração reflete a pressão que esses profissio-nais vêm sofrendo nos últimos anos.

Para assinantes: Leia o estudo da PwC em www.capitalaberto.com.br

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A n t í t e s e

52 CAPITAL ABERTO Fevereiro 2014

Existe excesso de informação por parte das companhias?

Lélio Lauretti ([email protected])

é criador do Prêmio Abrasca

de Melhor Relatório Anual

O assunto comporta dois focos de abordagem: frequência e vo- lume. No tocante à frequência, convém lembrar que, décadas atrás, as empresas divulgavam

apenas um relatório anual. À época, a atividade econômica mais forte era a agricultura, cujo ciclo se balizava pelas safras. Com o crescimento do peso da indústria e, posteriormente, do mercado financeiro, os ciclos foram encurtados: primeiro para seis meses, depois para três. Logo as informações trimestrais (ITRs) se tornaram obrigatórias para as companhias abertas.

Isso tem alguns reflexos negativos para o mercado de capitais: 1. prejudica a visão de longo prazo, indispensável para a sustentabilidade desse meio (há analistas que tiram conclusões sobre a economia chinesa a partir de dados trimestrais — num país que tem 4.200 anos de história!); 2. desencoraja ótimas empresas de abrir o capital, pois elas não querem ver os administradores comprometidos com resultados de curto prazo (a construtora Plaenge, do Paraná, e a multinacional Cargill são bons exemplos); 3. induz muitas compa-nhias abertas ao fechamento de capital para escapar da “ditadura dos resultados trimestrais”. Segundo Lynn Stout (The shareholder value myth), entre 1997 e

2008, o número de empresas listadas nas bolsas americanas caiu de 8.823 para 5.401, muitas delas por esse motivo. Não é de estranhar que, na Europa, a ITR seja opcional e grandes organizações como a Uni-lever se recusem a falar em resultados trimestrais.

Quanto ao volume, a situação é muito pior. No Brasil, as companhias são obrigadas a publicar o relatório de adminis-tração em, pelo menos, dois jornais, um deles sempre o Diário Oficial. Todavia, não podem usar esse veículo tão dispen-dioso para caprichar nos temas de maior interesse para o mercado, como conjuntura, resultados, estratégia e governança, porque as demonstrações financeiras e, especialmente, as notas explicativas que as complementam absorvem um espaço exagerado.

Fiz um levantamento de vários rela-tórios publicados em 2013 e verifiquei que, em média, 73,5% do espaço total da publicação era destinado às notas ex-plicativas (a proporção variava de 58% a 84%). No site da Cemig, pode-se ver que,

das 195 páginas do documento, 135 são notas explicativas e apenas as 60 restan-tes trazem informações espontâneas.

No caderno de demonstrações finan-ceiras do Grupo Ultra, de 60 páginas, 55 são destina-das às notas. Algumas delas mereceriam ser chamadas de notas não explicativas. Uma registra que “as de-monstrações financeiras foram preparadas de acor-do com a lei societária, com as normas do Banco Cen-tral e com as da CVM”. Po-deria ser diferente? Outra “esclarece” que o teste de impairment dos ativos de longo prazo “foi feito pelo método do fluxo de caixa descontado, às taxas de juros usuais no mercado”. Que taxas são essas? E qual

é a necessidade ou conveniência de re-petir nas ITRs, integralmente, as notas explicativas do balanço anual?

Tanto sob a perspectiva da frequên-cia como do volume, há excesso de in-formações obrigatórias. Isso traz re-flexos prejudiciais para as empresas e, mais grave, para o próprio mercado de capitais, cujo maior interesse está nas informações espontâneas.

Tanto em frequência como em volume, há um exagero de informações obrigatórias

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Fevereiro 2014 CAPITAL ABERTO 53

Existe excesso de informação por parte das companhias?

Informação, do grego antigo, é “dar forma à mente”. No sentido estrito, é uma sequência de símbolos que pode ser interpretada como men-sagem. Conceitualmente, portanto,

informação é mensagem. Há um ramo da matemática aplicada — e também da engenharia eletrônica e das ciências da computação — que se dá a quantificar informação: a teoria da informação, desenvolvida por Claude Shannon, criptógrafo, matemático, engenheiro, inventor e chefe do Laboratório de Pesquisa Eletrônica do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Uma medida-chave da informação é a entro-pia, que determina a sua imprevisibili-dade. Um cara-ou-coroa tem entropia 2 porque há dois possíveis resultados; um lançamento de dados tem entropia 6, pois há seis possibilidades.

Embora o conceito tenha viajado do grego para a eletrônica e daí para as fi-nanças, é importante recuperar o senti-do da palavra. Informação é mensagem e é entropia. Em 2014 completo 20 anos analisando balanços de empresas, e nem uma única vez pude ficar satisfeito com a quantidade de dados divulgados pelas empresas abertas. Os balanços são opa-cos demais. Impenetráveis.

Obviamente há lixo entre as infor-mações divulgadas. Lixo não é excesso.

Você nunca chamaria de lixo a coleção de scotch 18 anos que guarda em casa, ainda que ela possa ser excessiva. Lixo é tudo o que, para o momento, é inútil e deve ser descartado ou, no máximo, reciclado. Quise-ra eu que as empresas bra-sileiras nos apresentassem coleções de Blue Label, todas muito elucidativas. Não é assim, contudo. O papel do analista no Brasil é garimpar dados adicionais, ou tecer hipó-teses sobre aquilo que não nos é revelado.

Mas no mundo todo é assim, não é? Não. As companhias americanas, por exemplo, são craques em desenvolver perspecti-vas para as indústrias em que atuam, influenciando o preço das ações mais do que o resultado econômico-financeiro em si. Os analistas internacionais embasam seus modelos nesses relató-rios prospectivos. A Intel publica um balanço bom, mas ela própria dá uma previsão de vendas negativa e as ações caem 4% a 5% instantaneamente.

Isso, embora de importância visceral, não há por aqui. O que há é um eterno

Marcos Eduardo Elias([email protected])

é sócio-fundador da CEC Consulting

e engenheiro mecatrônico

otimismo e uma vontade de “se vender”.Em terras brasilis, quanto maiores são as despesas administrativas, mais inescru-táveis são os números. Não sei quanto

ganham os executivos nem quanto se paga de aluguel por aquela vista para o mar da filial do Rio de Janeiro. As receitas não são abertas de forma adequada. Pouco podemos concluir sobre a estratégia fiscal das compa-nhias; não sabemos se estão sonegando ou se é inerente ao business. Custo de capi-tal? Precisamos correr atrás dos banqueiros da empresa para obter detalhes. Lista dos acionistas no free-float? Só se tiver muitas ações e pedir “pelo amor de deus”. “A Inepar contratou o Mor-gan Stanley”, por exemplo. Para quê? Por quanto? Por

que prazo? Eu não sei nada.Meu professor de matemática me

ensinou sobre o necessário e o suficiente. No mercado, não temos nem o necessá-rio nem o suficiente. E não estou falando do futuro, mas do presente. Quer saber? Tudo bem. Analisar também vem do grego e quer dizer “quebrar”. Eu vivo quebrando a minha cabeça.

No Brasil, o analista precisa garimpar informações adicionais e tecer hipóteses

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A r t i g o

54 CAPITAL ABERTO Fevereiro 2014

A Lei 6.404, de 1976 (Lei das S.As.), determina que as companhias abertas e fechadas publiquem e arquivem nas juntas comerciais certos atos societá-rios. É o caso, por exemplo, do ato de constituição das companhias, da ata de assembleia geral e de algumas atas do conselho de administração. Esses documentos, de registro obrigatório, só produzem efeitos jurídicos perante terceiros após o seu arquivamento.

O registro tem alcance apenas for-mal, o que significa que a junta co-mercial não aprecia o mérito do ato praticado — somente a observância das formalidades legais. Assim, se o conselho de administração de uma companhia aberta aprova uma transa-ção com parte relacionada, não cabe à junta verificar se houve conflito de in-teresses na votação. Sua competência se limita a observar se os requisitos formais foram cumpridos; por exemplo, veri- ficar se o quórum de deliberação neces-sário foi alcançado.

Apesar disso, as companhias abertas e fechadas enfrentam exigências inusita-das impostas pela junta comercial. Uma delas é a que ordena a apresentação de termo de posse de conselheiro em anexo à ata da sua eleição, enquanto a investi-dura ocorre por meio de assinatura em livro próprio.

Nessa linha, a Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp) promulgou em 4 de dezembro de 2012 o Enunciado 14, que estabelece: “O arquivamento de quaisquer documentos relativos a socie-

Por Gustavo Oliva Galizzi*

Burocracia atrevidaCompanhias enfrentam exigências inusitadas feitas por junta comercial

dades por ações, subsequentes ao arquivamento de ata de assembleia geral ordinária ou extraordiná-ria, ficará condicionado ao prévio arquivamento das publicações das referidas atas”.

O anúncio acabou criando uma situação não contemplada pela Lei das S.As., pela Lei no 8.934, de 1994, ou por outras normas aplicáveis: a neces-sidade de publicação prévia de atos anteriormente registrados na junta como condição para o registro de atos posteriores. Isso gerou enorme desconforto no mercado: diante da falta de previsão legal, como acatar a determinação da Jucesp?

Uma companhia decidiu contestar a decisão da junta paulista de barrar o registro de um ato societário sob o argumento de que ela não tinha publicado atos anteriormente registrados. No re-curso, a empresa alegou que a exigência formulada extrapolava a competência legal do órgão. No dia 28 de dezembro último, o plenário da Jucesp aca-tou o recurso. Na oportunidade, aprovou ainda a supressão do seguinte trecho das fichas cadastrais de todas as empresas registradas na junta: “Ato posterior depende do arquivamento da publicação do presente registro no Diário Oficial do Estado e em jornal de grande circulação”. Além disso, revogou o Enunciado 14.

A Procuradoria Geral do Estado também se pronunciou, observando que “não há lei que obrigue sociedades anônimas a procederem à publicação de demonstração financeira já re-gistrada, condicionando o arquivamento de ato posterior ao prévio registro da publicação do ato pretérito”. Defendeu, ainda, o corte do excerto das fichas cadastrais das empresas, citado acima, por considerá-lo estigmatizante.

A nosso ver, a decisão deve ser comemorada, pois deixa de ser exigida das companhias uma condição prévia não prescrita em lei e, assim, acentua-se a própria Lei das S.As. como fonte normativa. Trata-se do princípio da legalidade. Adicionalmente, a solidificação desse entendi-mento reforça a função eminentemente executora e não judicante da Jucesp. Privilegia-se, enfim, a segurança jurídica.

* Gustavo Oliva Galizzi ([email protected]) é sócio-fundador do Candido, Martins & Galizzi Advogados. Colaborou Rodrigo Fagundes Terassovich ([email protected]), advogado associado do mesmo escritório.

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G ove r n a n ç a

Fevereiro 2014 CAPITAL ABERTO 55

Em breve terá início a temporada de assembleias das companhias abertas brasileiras. Como de hábito, uma das principais deliberações será a escolha dos conselheiros de administração. Um aspecto-chave para essa decisão, entretanto, continua-

rá ausente: a análise formal da atuação de cada membro do board ao longo do exercício. Afinal, como estabelecer um ambiente meritocrático sem verificação adequada das pessoas que compõem a cúpula empresarial?

Esse é um pilar da boa governança que poucas empresas aplicam. De acor-do com o Anuário de Governança Cor-porativa das Companhias Abertas, pu-blicado em 2013 pela capital aberto, apenas um quarto das cem companhias com maior liquidez na bolsa afirma realizar algum tipo de avaliação. Pos-sivelmente uma proporção superesti-mada, haja vista que certas empresas confundem a análise do conselho como órgão colegiado com aferições indivi- duais. Quanto mais alto o cargo ocu-pado, menor a probabilidade de a pes-soa ter o seu desempenho apreciado de forma imparcial e rigorosa — um verdadeiro contrassenso de nosso ambiente empresarial.

Na tabela, apresento um extrato de questões a observar nesse exame, divi-didas em quatro dimensões de análise. Os conselheiros podem se autoavaliar, expressando de forma numérica seu grau de concordância a respeito de cada questão. Na sequência, examinarão, um

* Alexandre Di Miceli da Silveira é sócio da Direzione Consultoria, professor da USP e autor de Governança corporativa no Brasil e no mundo. O articulista agradece a Angela Donaggio pelos comentários e sugestões.

Quesitos de menosMeio empresarial não tem o mesmo rigor de avaliação dos jurados carnavalescos Por Alexandre Di Miceli da Silveira*

Dimensão de análise

Questões a serem consideradas

1 Envolvimento com a companhia

1. Sempre leio os documentos enviados antes das reuniões.2. Dedico tempo adequado ao conselho.3. Demonstro disposição em conhecer mais a fundo a empresa. Busco, inclusive, realizar visitas às operações e outras atividades.

2Atuação nas reuniões e postura independente

1. Expresso minha visão pessoal sobre os temas da pauta de forma justificada e independente.2. Mantenho o foco na reunião, sem me deixar distrair por e-mails, celular, internet, etc.3. Atuo de forma independente de acionistas específicos.

3Relacionamento pessoal e comunicação

1. Sou capaz de trabalhar bem com os outros conselheiros e de ter uma boa relação com os membros do corpo executivo.2. Tenho demonstrado abertura para ouvir e procurar compreender as opiniões dos outros.3. Meu comportamento infunde confiança e respeito nos demais conselheiros.

4 Conhecimentos técnicos

1. Sou capaz de avaliar em profundidade e explicar a posição financeira da empresa para terceiros, caso solicitado.2. Estou habilitado a aportar conhecimentos na área de gestão de pessoas, o que inclui sistemas de remuneração, avaliação e sucessão.3. Consigo analisar a fundo os planos para novos produtos e serviços da companhia.

a um, os demais colegas do órgão, com base nos mesmos parâmetros.

Os resultados podem ser analisados de duas formas. Uma opção é comparar a nota média do conselheiro em cada di-mensão — obtida a partir dos conceitos atribuídos por seus pares — com a pon-tuação média dos demais colegas. Isso permite a ele visualizar as áreas em que se sobressai e aquelas em que apresenta deficiência. A outra opção é confrontar a autoavaliação do conselheiro com o parecer dos seus pares sobre ele. Assim, vêm à tona as áreas em que sua opinião sobre si mesmo converge ou diverge de forma mais pronunciada da visão alheia.

Além de fomentar a meritocracia na organização e permitir aos acionistas tomar decisões melhores acerca da composição do conselho, o sistema for-mal de avaliação proporciona diversos benefícios aos próprios conselheiros, como o aprimoramento contínuo de sua atuação profissional.

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H i s t ó r i a s

56 CAPITAL ABERTO Fevereiro 2014

Carnaval legislativo

* Ney Carvalho é historiador e ex-corretor de valores

Aliás, o volume de atos do tipo edi-tados entre os dois decretos evidencia a facilidade e a ligeireza com que o go-verno os promovia naquele verdadeiro fim de festa. Entre os números 157 e 238, foram 81 decretos-lei assinados em apenas 13 dias corridos, o que dá uma média de oito por dia útil — au-têntica folia legislativa em pleno mês de fevereiro.

Desde logo a burocracia estava certa da influência que os benefícios fiscais teriam sobre o nível de cotação dos papéis em bolsa. E se preveniu com a possibilidade de sustar os incentivos concedidos. A possibilidade que o governo se outorgava estava expres-sa no artigo 10 do primeiro decreto da série: “O ministro da Fazenda, se houver recomendação do Conselho Monetário Nacional, face ao excesso de valorização dos títulos em Bolsa, é autorizado a suspender, temporaria-mente, a dedução prevista no artigo anterior, ou os demais estímulos fiscais previstos neste decreto-lei”.

Entretanto, o legado da dupla Cam-pos-Bulhões, inclusive a capacidade de interromper os incentivos fiscais, seria gerido por outra equipe econômica, sob a liderança de Antônio Delfim Netto. O novo nome já fora indicado ministro da Fazenda do governo Costa e Silva. A posse do novo presidente aconteceria em menos de um mês, a 15 de março de 1967.

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Por Ney Carvalho*

Em fevereiro de 1967, o governo militar editou 81 decretos-lei em 13 dias; alguns buscavam estimular o mercado de ações

Corria fevereiro de 1967 e o pri-meiro governo militar, presi-dido pelo marechal Castello Branco, limpava as gavetas e preparava a transferência de poder. Além de todas as reformas estruturantes que proporcionara naqueles três

anos, a equipe econômica comandada por Otávio Bulhões e Roberto Campos pretendia deixar um modelo perma-nente de expansão para as bolsas e para o mercado de capitais.

No dia 10 daquele mês, sexta-feira seguinte ao Carnaval, foi editado o De-creto-Lei 157. O texto admitia a dedu-ção de 10% do imposto de renda a pagar por pessoas físicas e jurídicas, desde que o mesmo valor fosse investido em compra de ações, via aquisição de cer-tificados emitidos por instituições fi-nanceiras. Obviamente havia algumas limitações, como a obrigatoriedade de diversificação, semelhante à dos fundos de investimentos, e a seleção das empresas beneficiárias conforme registro prévio no Banco Central.

A resolução acendeu a primeira bra-sa do fogaréu que iria crepitar na bolha especulativa de 1971. Mas o clima de pressa em que foi gestada deu margem a idas, vindas e improvisos. Treze dias depois, divulgou-se outro decreto-lei, de número 238. Ele reduzia a dedução das pessoas jurídicas para compra de ações de 10% para 5%. Nesse curto período de tempo, o desconto estabe-lecido pelo decreto 157 deixar de ser conveniente. Ficou claro que ele não fora estudado criteriosamente.

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P ra t e l e i ra

Fevereiro 2014 CAPITAL ABERTO 57

O livro já chegou às gráficas, Kindles e iPads com capítulos faltando. Circle of friends, do renomado escritor america-no Charles Gasparino, é a narrativa in-tensa de uma longa e complexa investi-gação, levada a cabo pela Securities and Exchange Commission (SEC) e pelo FBI. Em foco, uma intrincada rede de profis-sionais que se utilizava de informações privilegiadas para ganhar muito dinhei-ro na compra e venda de ações. Quando a obra foi lançada, em julho de 2013, o número de pessoas levadas à Justiça anos EUA inda estava longe das mais de 60 (número que não para de crescer). E faltava muito para as multas aplicadas atingirem os atuais US$ 3,4 bilhões.

O livro analisa o início da preocu-pação com o uso de informação privi-legiada e relata a criação da SEC pelo governo americano em 1933, no rastro da Grande Depressão. Nada de muito interessante acontece até o advento do computador, na década de 1970, que permitiu criar algoritmos para o acom-panhamento dos padrões de compra e venda. Outra inovação da informática foi o alarme para situação suspeita — por exemplo, um papel ser negociado com mais frequência às vésperas do anúncio de um fato relevante. Juridica-mente, no entanto, é bem complicado provar a culpa num caso assim. Chegam os anos 1980 e, junto com eles, a primei-ra condenação de um “peixe grande” por insider trading: Michael Milken,

sentenciado a quatro anos de prisão. Na década seguinte, a famosa empreende-dora Martha Stewart também é punida por manipulação de mercado.

Duas figuras emblemáticas no uni-verso dos fundos de hedge no século 21 centralizam a atenção do autor: Raj Rajaratnam, fundador do Galleon Group, e Steve Cohen, do SAC Capital. Ambos administravam mais de R$ 13 bilhões cada um, com o invejável histórico de retornos superiores a 20% ao ano. Mas, como diria um investigador da SEC, “ninguém é tão bom assim”. Rajaratnam cumpre pena em uma penitenciária federal após admitir a culpa e pagar pe-sadas multas, enquanto Cohen já aceitou multas superiores a US$ 2 bilhões e ainda pode ser processado criminalmente.

O alto número de envolvidos (ou protagonistas) dificulta a leitura do tre-cho que relata a jornada das equipes da

Esquema ou trambique?

Por Peter Jancso*

* Peter Jancso é professor de finanças

corporativas da Business School São Paulo

e sócio da Jardim Botânico Investimentos

Circle of friendsCharles Gasparino

Editora: HarperBusiness384 páginas1a edição, 2013

SEC e do FBI para reunir provas e chegar aos verdadeiros figurões por trás do esquema de insider trading. O padrão que emerge é semelhante ao dos filmes sobre a máfia, com elaborados organo-gramas em que o “capo” ocupa o topo. Aliás, essa não é a única semelhança. Devido à natureza não tangível do bem transacionado (informação), foi neces-sário convencer juízes da necessidade de empregar técnicas antes permitidas somente na investigação de terroristas ou mafiosos, como a escuta telefônica.

Um aspecto interessante levantado por Gasparino diz respeito à verdadeira natureza da perseguição de peixes gran-des de Wall Street por procuradores de justiça politicamente ambiciosos. Afinal, vocifera ele, por que, na esteira da maior crise financeira da história recente, nenhum CEO de grande banco americano foi processado? Ao mesmo tempo, quem se preocupa com o custo de investigações que saem do bolso do contribuinte? E qual é o real dano eco-nômico provocado pelo uso da infor-mação privilegiada? Essa pergunta está no cerne da discussão sobre a diferença entre um esquema e um trambique. Para o círculo de amigos, quando você participa, trata-se de um esquema.

Investigações trazem à tona mais casos de insider trading nos Estados Unidos

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S a i d e i ra

58 CAPITAL ABERTO Fevereiro 2014

SERÁ QUE AGORA DECOLA?

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Instituto Educacional BM&FBOVESPA

INSTITUTO EDUCACIONAL BM&FBOVESPA: PREPARANDO INVESTIDORESE PROFISSIONAIS PARA ATUAR NO MERCADO FINANCEIRO E DE CAPITAIS

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