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OLHARES VIRTUAIS AOS PATRIMÔNIOS: AS REPRESENTAÇÕES DOS JARDINS RECIFENSES DE BURLE MARX NO POKÉMON GO MATHEUS SEVERO RAMOS 1 Resumo O jogo Pokémon GO, lançado em 2016 pela empresa Niantic, surgiu despertando pessoas de todo o mundo a saírem de suas casas e percorrerem as cidades, em busca dos seres digitais conhecidos como pokémons. O game que se tornou um fenômeno global possibilita que jogadores se aproximem de certos espaços de suas cidades, vivenciando novas experiências na urbe. Além dos deslocamentos pelos espaços públicos, as aproximações dos jogadores com as cidades ocorrem também por representações urbanas dentro do jogo. Isso ocorre por meio de quadros geográficos que simulam as cartografias urbanas e apresentam locais simbólicos que se tornam cenários do jogo, e através de fotografias e textos descritivos são acessíveis em telas dos aparelhos celulares. Estes quadros representativos de símbolos das paisagens urbanas possuem uma importância a mais pelo fato de poderem ser produzidos através de participações dos próprios jogadores, e assim, revelarem os olhares que os mesmos possuem para os símbolos de suas cidades. À par desta realidade, refletindo acerca dos patrimônios materiais, devido à sua importância simbólica, o presente artigo propõe uma reflexão sobre as representações, no Pokémon GO, das praças que possuem jardins tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) projetadas por Roberto Burle Marx na cidade do Recife/PE. Com esta proposta, se pretende levantar as representações das praças e de seus jardins no jogo, e através dessas representações virtuais, compreender os olhares que os jogadores possuem sobre estes importantes patrimônios recifenses. A escolha da temática ocorre por ser na cidade do Recife onde se desenvolve a pesquisa de mestrado do autor acerca das espacializações de jogadores de Pokémon GO no espaço urbano, e que dentre diversas questões, considera as representações da cidade no game. Já a escolha por tratar das praças de Burle Marx, ocorre incialmente pela importância destes espaços públicos e seus jardins os primeiros produzidos por um dos maiores nomes do paisagismo brasileiro e em seguida por motivos simbólicos, já que no presente ano se completam quatro anos dos tombamentos destes jardins, e em 2018 completaram-se 60 anos da inauguração do último dos seis vergéis em questão, a Praça Faria Neves. Para alcançar os objetivos propostos, além da revisão bibliográfica, as praças analisadas foram visitadas pelo pesquisador que, acessando o jogo no seu aparelho celular, realizou levantamentos das representações das mesmas e de seus jardins no game. Com o artigo, será possível realizar um diálogo acerca da potencialidade do jogo de receber e transmitir informações sobre os patrimônios para sociedade e o aproveitamento desse potencial para provocar reflexões nas gestões dos mesmos. Por fim, se espera contribuir para reflexões geográficas acerca das imagens que a sociedade produz dos patrimônios urbanos, dialogando com novos fenômenos globais oriundos da virtualidade. Palavras-chave: Patrimônios; Representações; Ciberespaço; Ressignificações; Olhares. Abstract The game Pokémon GO, launched in 2016 by the company Niantic, has emerged waking people of the whole world to get out of their houses and wander around the cities, searching for digital beings know as pokémons. The game that became a global phenomenon allows the players to approach of certain urban spaces of their cities, living new experiences in the city. Besides the displacements around the 1 Acadêmico do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail de contato: [email protected]

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OLHARES VIRTUAIS AOS PATRIMÔNIOS: AS REPRESENTAÇÕES

DOS JARDINS RECIFENSES DE BURLE MARX NO POKÉMON GO

MATHEUS SEVERO RAMOS1

Resumo

O jogo Pokémon GO, lançado em 2016 pela empresa Niantic, surgiu despertando pessoas de todo o

mundo a saírem de suas casas e percorrerem as cidades, em busca dos seres digitais conhecidos

como pokémons. O game que se tornou um fenômeno global possibilita que jogadores se aproximem

de certos espaços de suas cidades, vivenciando novas experiências na urbe. Além dos deslocamentos

pelos espaços públicos, as aproximações dos jogadores com as cidades ocorrem também por

representações urbanas dentro do jogo. Isso ocorre por meio de quadros geográficos que simulam as

cartografias urbanas e apresentam locais simbólicos que se tornam cenários do jogo, e através de

fotografias e textos descritivos são acessíveis em telas dos aparelhos celulares. Estes quadros

representativos de símbolos das paisagens urbanas possuem uma importância a mais pelo fato de

poderem ser produzidos através de participações dos próprios jogadores, e assim, revelarem os olhares

que os mesmos possuem para os símbolos de suas cidades. À par desta realidade, refletindo acerca

dos patrimônios materiais, devido à sua importância simbólica, o presente artigo propõe uma reflexão

sobre as representações, no Pokémon GO, das praças que possuem jardins tombados pelo Instituto

do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) projetadas por Roberto Burle Marx na cidade do

Recife/PE. Com esta proposta, se pretende levantar as representações das praças e de seus jardins

no jogo, e através dessas representações virtuais, compreender os olhares que os jogadores possuem

sobre estes importantes patrimônios recifenses. A escolha da temática ocorre por ser na cidade do

Recife onde se desenvolve a pesquisa de mestrado do autor acerca das espacializações de jogadores

de Pokémon GO no espaço urbano, e que dentre diversas questões, considera as representações da

cidade no game. Já a escolha por tratar das praças de Burle Marx, ocorre incialmente pela importância

destes espaços públicos e seus jardins – os primeiros produzidos por um dos maiores nomes do

paisagismo brasileiro – e em seguida por motivos simbólicos, já que no presente ano se completam

quatro anos dos tombamentos destes jardins, e em 2018 completaram-se 60 anos da inauguração do

último dos seis vergéis em questão, a Praça Faria Neves. Para alcançar os objetivos propostos, além

da revisão bibliográfica, as praças analisadas foram visitadas pelo pesquisador que, acessando o jogo

no seu aparelho celular, realizou levantamentos das representações das mesmas e de seus jardins no

game. Com o artigo, será possível realizar um diálogo acerca da potencialidade do jogo de receber e

transmitir informações sobre os patrimônios para sociedade e o aproveitamento desse potencial para

provocar reflexões nas gestões dos mesmos. Por fim, se espera contribuir para reflexões geográficas

acerca das imagens que a sociedade produz dos patrimônios urbanos, dialogando com novos

fenômenos globais oriundos da virtualidade.

Palavras-chave: Patrimônios; Representações; Ciberespaço; Ressignificações; Olhares.

Abstract

The game Pokémon GO, launched in 2016 by the company Niantic, has emerged waking people of the whole world to get out of their houses and wander around the cities, searching for digital beings know as pokémons. The game that became a global phenomenon allows the players to approach of certain urban spaces of their cities, living new experiences in the city. Besides the displacements around the

1 Acadêmico do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail de contato: [email protected]

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public spaces, the approaches of the players with the cities occurs as well because of the urban representations inside the game. That occurs because of geographical canvas that simulate the urban cartography and present symbolic locals that become scenarios of the game, and by photographs and descriptive texts that are accessible in screens of cell phones. These canvas representative of symbols of urban landscape have one more importance, by the fact that they can be produced by participations of the players themselves, and by that, revealing the views that they have about the symbols of their cities. Knowing this reality, reflecting about the materials patrimonies, the present paper proposes to reflect about the representations in Pokémon GO of the squares that have heritage gardens listed in the Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) and projected by Roberto Burle Marx in the city of Recife/PE. With this propose, intents to bring up the representations of the squares and their gardens in the game, and through those virtual representations, understand the views that the players have about these importants heritages of Recife. The chosen of this theme occurs by being in the city of Recife where the masters research of the autor is developing, about the spatialization of the Pokémon GO players in the urban space, and between diverse questions, considerate the representation of the city in the game. The choice to deal with Burle Marx squares, occurs at first by the importance os these public spaces and their gardens – the firsts produced by one of the biggest names of Brazilian landscaping – and by symbolic reasons, because in this present year is completing four years that the gardens where listed as a heritage, and in 2018 where completed 60 years of the inauguration of the last of the six gardens cited, the Praça Faria Neves. To reach the proposed objectives, besides the literature review, the squares analysed where visited by the researcher that accessing the game in a cell phone realized a research of their representations and your gardens in the game. With this paper it will be possible to make a dialogue about the potentiality of the game to receive and transmit information, about the heritages, to the society and the exploitation of this potential to provoque reflections in the management of them. At the end, it expects to contribute with geographical reflections about the images that the society product of the urban heritages, dialoguing with a new global phenomenon originated from virtuality.

Key-words: Heritage; Representations; Cyberspace; Resignfications; Views.

1 – Introdução

Lançado em 2016 pela empresa Niantic, em parceria com a Nintendo e a The

Pokemon Company (CUNHA, 2018), o Pokémon GO surgiu com a premissa de

provocar seus jogadores a saírem de suas residências e percorrem os espaços

públicos das cidades, que se tornam os cenários deste game, e assim conquistarem

os seres digitais conhecidos como pokémons. Assim, o Pokémon GO marca uma nova

fase na história dos jogos digitais por integrar, com grande destaque (MUNHOZ,

2018), o concreto ao ciberespaço (LÉVY, 1999), uma vez que por meio da

representação das cidades, em forma de quadros geográficos (GOMES, 2017)

virtuais, semelhantes a mapas, torna as urbes, os cenários onde o mesmo se

desenvolve. Assim, as paisagens da cidade passam por meio de representações a

serem as ciberpaisagens (CARVALHO JÚNIOR, 2006) do game.

As representações das cidades no Pokémon GO são produzidas com base em

dados de mapeamentos colaborativos, e se tornam ilustrações da cartografia urbana

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da cidade onde o jogador se encontra. Através do georreferenciamento, que utiliza a

localização do aparelho do jogador oferecida pelos sistemas de GPS, o jogo

apresentará na tela do aparelho quadros semelhantes a mapas do local onde o

indivíduo se encontra.

Além da cartografia, determinados símbolos das paisagens (COSGROVE,

2012) das cidades também podem ser representados de outra maneira dentro do jogo,

se tornando os chamados ginásios e poképaradas, locais onde os jogadores realizam

especialmente batalhas e adquirem itens respectivamente. As representações destes

espaços ocorrem por ícones inseridos nos quadros virtuais de forma similar a

localização destes símbolos na cidade concreta. Estes ícones contêm fotografias e

pequenos textos descritivos para identificar os símbolos, e permitir que os jogadores

conheçam mais a respeito dos mesmos. Os símbolos que serão representados no

game, podem ser sugeridos pelos jogadores que alcançam o último nível de

experiência, desde que respeitem alguns critérios como localizações acessíveis e

seguras ou tenham importância histórica, cultural, artística e/ou simbólica para

população local (CUNHA, 2018). Ao considerar estes critérios é possível supor que

dentre os patrimônios (RIBEIRO, 2006), os materiais (FIGUEIREDO, 2013), por

carregarem as importâncias desejadas pelo jogo, se encontram representados dentro

do mesmo.

Ao refletir acerca dos patrimônios da cidade do Recife/PE, onde a pesquisa de

mestrado do autor deste artigo a respeito das vivências dos jogadores de Pokémon

GO no espaço público se desenvolve, surgiu a proposta do presente artigo, de

compreender as representações das seis praças que possuem jardins tombados

projetados por Roberto Burle Marx no jogo Pokémon GO. A escolha por estes

patrimônios ocorre pelos seus valores culturais paisagísticos (SÁ CARNEIRO, et., al,

2007). Além disso, no presente ano se completam quatro anos dos tombamentos

destes jardins, e em 2018 completaram-se 60 anos da inauguração do último dos seis

vergéis em questão, a Praça Faria Neves. Deste modo, há uma relevância maior em

discutir as realidades destas obras no presente momento.

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Considerando a contribuição do Pokémon GO para redescobertas das cidades

(CUNHA, 2018), e as utilizações já existentes das tecnologias virtuais na valorização

de patrimônios (MANÃS-VIEGA, 2018), se percebe que o jogo possui um potencial

informativo. Assim, na medida que as ciberpaisagens do jogo são representações de

paisagens concretas, ao observá-las, se tornará viável realizar conclusões acerca do

olhar sobre estes patrimônios, como estão sendo enxergados atualmente, seja pela

sociedade que participa do jogo, seja pelo Estado que deve se dedicar na manutenção

dos mesmos. Sendo o Pokémon GO um jogo que repercute em diversos países, se

pretende que o artigo possa contribuir na inserção dos jogos digitais, o ciberespaço e

a virtualidade nos debates acerca dos olhares aos patrimônios e das utilizações

destes símbolos culturais.

2 – Metodologia

Para alcançar o proposto, os procedimentos metodológicos foram divididos

entre revisão bibliográfica e as atividades de campo. Em relação a revisão

bibliográfica, foram buscadas obras que contribuíssem para compreensão da

importância dos projetos de Roberto Burle Marx e que transmitissem os conceitos

pensados pelo paisagista para cada jardim. Além disso, obras geográficas a respeito

dos simbolismos da paisagem, dos patrimônios e dos quadros geográficos também

foram compreendidas como necessárias de serem utilizadas. Visto a relevância do

ciberespaço e de variáveis como a ciberpaisagem para este artigo, alguns trabalhos

de geógrafos e cientistas de outras áreas, como a comunicação também foram

utilizados de construção teórica.

No que se refere as atividades de campo, o pesquisador se dirigiu as praças

com jardins tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Arquitetônico Nacional

(IPHAN, 2015) projetadas por Burle Marx, sendo elas as praças de Casa Forte, Derby,

Euclides da Cunha, Faria Neves, Ministro Salgado Filho e Praça da República e jardim

do Campo das Princesas. O intuito destes movimentos foi observar e registrar, através

de screenshots, as representações das mesmas dentro do jogo, e assim compreender

as situações atuais das praças e os modos como são vistas pela sociedade.

Observações e registros fotográficos da realidade das praças concretas, também

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tenham sido realizados de modo a respaldar e contextualizar as representações

discutidas por este trabalho. Na seleção das imagens utilizadas, se privilegiou as

imagens retiradas do Pokémon GO, pois por meio desta abordagem, seria possível

alcançar o objetivo do artigo. Para observar as representações virtuais, analisou-se

os quadros apresentados na tela dos aparelhos eletrônicos conectados ao game,

semelhantes a mapas, de modo a averiguar sua representatividade dos traçados das

praças. Também se esteve atento a existência de símbolos das praças representados

no jogo como ginásios ou poképaradas, pois assim, haveria fotos dos símbolos e

textos descritivos sobre os mesmos, que poderiam ser analisados e comparados com

os conceitos pensados por Burle Marx.

3 – Resultados

Ao considerar as representações das cidades expostas nas telas dos aparelhos

eletrônicos como quadros geográficos semelhantes a mapas, o julgamento que se

pode fazer em relação a fidelidade das representações virtuais com os jardins das

praças projetadas por Burle Marx, é possível de ser feito apenas utilizando os

contornos projetados pelo paisagista como referência. Neste sentido, foi possível

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observar que das seis praças visitadas, quatro possuíam representações satisfatórias

dos contornos atuais dos jardins das praças, sendo essas, as praças de Casa Forte,

Faria Neves, Derby e Euclides da Cunha das quais as duas últimas podem ser vistas

na Figura 01.

Figura 01 – Representações das praças do Derby (A) e Euclides da Cunha (B). Fonte: Screenshot do aplicativo Pokemón GO.

Fica visível através das imagens, como as representações dos contornos das

praças remetem aos contornos curvos e retilíneos da Praça do Derby, e um oval da

Praça Euclides da Cunha. Contornos estes, que foram planejados por Burle Marx.

Com relação a Praça da República e Jardim do Campo das Princesas, que é

considerada uma obra única, se percebe duas realidades diferentes. Enquanto os

contornos da Praça da República (Fig. 2). são visíveis e bem fidedignos da realidade

concreta, o mesmo não acontece com o Jardim do Campo das Princesas, que não

está presente de nenhuma forma no jogo. Já na Praça Ministro Salgado Filho (Fig. 2),

assim como o Jardim do Campo das Princesas, não há contornos representados no

game, sendo possível enxergar apenas a representação do espelho d’água projetado

por Burle Marx. Além desta forma de retratar a materialidade da praça, as

representações através de ginásios e poképaradas, que trariam consigo fotografias e

textos descritivos sobre símbolos, também são quase inexistentes nesta praça,

diferente do que se pôde ver nas demais praças. Na Praça Ministro Salgado Filho, há

apenas uma poképarada, sendo referente a própria praça. No entanto, não há

nenhuma menção ao idealizador da mesma nesta representação.

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Figura 02 – Representações da Praça da República e Campo das Princesas (A) e da Praça Ministro Salgado Filho (B), junto a sua poképarada (C). Fonte: Screenshot do aplicativo Pokemón GO.

Em relação a quantidade de poképaradas e ginásios, as demais praças

possuem bons quantitativos. Porém, no modo como os símbolos das praças são

representados, se percebe de maneira geral, poucas referências, e em alguns casos

nenhuma, a Roberto Burle Marx. Em relação as vegetações das praças, que possuem

símbolos da flora brasileira e mundial, que foram intencionalmente introduzidas nas

praças pelo paisagista, e são os elementos centrais que justificam os tombamentos

das praças (SÁ CARNEIRO et., al. 2006; SÁ CARNEIRO et., al. 2016), não há

nenhuma referência dentro das representações do jogo. Na Praça de Casa Forte, há

mais símbolos dos arredores da praça, como estátuas dos edifícios vizinhos (Fig. 3)

do que símbolos da própria praça. Já na Praça Euclides da Cunha, chama a atenção

o fato de as representações associarem a praça mais ao tradicional Club Internacional

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do Recife (Fig. 3), que se localiza na frente da mesma, do que ao seu nome, Euclides

da Cunha.

Figura 03 – Poképarada na Praça de Casa Forte (A) e Euclides da Cunha (B). Fonte: Screenshot do aplicativo Pokemón GO.

Os únicos casos de referencia a Burle Marx encontrados no Pokémon GO

foram nas praças de Casa Forte e Faria Neves. Na Praça de Casa Forte, duas

poképaradas representando uma placa informativa sobre a praça e uma placa

referente (Fig.4) a uma recuperação da mesma e de uma semana comemorativa em

homenagem ao paisagista, permitem ler textos que citam Burle Marx. Já a Praça Faria

Neves, que em 2018 completou 60 anos de sua inauguração, é de todas as praças, a

que possui melhores representações no Pokémon GO a Roberto Burle Marx. Isto

ocorre através de duas poképaradas, uma, se trata de uma placa semelhante as

citadas na Praça de Casa Forte, já a segunda, é uma representação de uma estátua

em homenagem ao próprio Burle Marx (Fig. 4).

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Figura 04 – Poképaradas na Praça de Casa Forte (A) e (B) e Faria Neves (C). Fonte: Screenshot do aplicativo Pokemón GO.

Contando com textos descritivos, que embora sejam mais resumidos do que

poderiam ser, os jogadores que forem as praças de Casa Forte e Faria Neves e

visualizarem as poképaradas acima ilustradas, poderão ser ao menos introduzidos à

figura de Roberto Burle Marx, e posteriormente, conhecerão a história deste

importante paisagista brasileiro.

4 – Discussão

Uma possível explicação para a situação na Praça da República e Campo das

Princesas, pode estar no fato do jardim ter acesso restrito ao público, por ser parte do

palácio que é sede do governo do estado de Pernambuco. Desta forma, os

mapeamentos coletivos produzidos pela própria sociedade se tornam difíceis de

serem realizados no jardim. Considerando ainda, que o jogo privilegia os espaços

públicos de acessos livres, se torna realmente compreensível que o Jardim do Campo

das Princesas siga sem ser representado no Pokémon GO. Em relação a falta de

representatividade na Praça Ministro Salgado Filho, esta pode ser compreendida

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como um reflexo do estado em que se encontra a praça atualmente, com estruturas

danificadas e pouca presença humana. A situação de abandono pode ser justificada

com o distanciamento do Aeroporto Internacional dos Guararapes, que até o ano de

2000, tinha sua entrada principal localizada em frente a praça. Após o distanciamento,

a praça perdeu sua função de introduzir quem chegava ao aeroporto à flora

pernambucana (SÁ CARNEIRO e SILVA, 2017).

No caso das representações de estátuas dos edifícios vizinhos na Praça de

Casa Forte, a explicação pode estar no fato da mesma se encontrar cercada

principalmente por edifícios residenciais. Assim, é possível que os jogadores que

sugeriram essas estátuas como símbolos a serem simbolizados, estivessem

desejando poder acessar as poképaradas na comodidade de suas residências, sem

precisar sair de casa. Por mais que isto contrarie a premissa do jogo, muitas pessoas

até mesmo burlam essa premissa inclusive utilizando falsificadores de localização, de

modo a poder se manter em casa, enquanto se deslocam na cidade digital do

Pokémon GO (CUNHA, 2018). Já no caso da Praça Euclides da Cunha, é possível

entender que a mesma tenha passado por um processo de ressignificação

(BONNEMAISON, 2012), uma vez que muitas pessoas na cidade do Recife costumam

associar a praça ao Club Internacional. Deste modo, a Praça Euclides da Cunha

sofreu um distanciamento dos seus simbolismos originais.

Através do apresentado anteriormente, fica claro que as representações no

Pokémon GO das praças com jardins tombados pelo IPHAN, não conseguem, em sua

maioria, transmitir aos jogadores do game a importância que estas praças possuem.

As ausências de referências no jogo aos conceitos planejados por Roberto Burle Marx

para as praças, além da inexistência de menções ao próprio paisagista em quatro das

seis praças visitadas, provocam algumas reflexões a serem realizadas.

As causas das ausências de representatividade constatada na maioria das

representações das praças podem ser entendidas como problemas do Estado, mas

também da sociedade em geral. Por parte do Estado, a falta de manutenção pode

gerar situações de afastamento entre as praças e a população, como ocorre na Praça

Ministro Salgado Filho. Este afastamento pode ser uma das causas da falta de

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representatividade que a praça possui seja em informação, seja em quantidade de

símbolos representados no jogo. O Estado também erra quando não promove com

frequência situações que resgatem as histórias das praças, como em eventos. Assim,

a população, principalmente em faixas etárias mais jovens, acaba desconhecendo as

importâncias que as praças contêm.

É importante ressaltar, contudo, que a população também pode e deve

contribuir na manutenção destes patrimônios, fato que se constatou na Praça Ministro

Salgado Filho, por exemplo. Além do desconhecimento do passado, a população por

muitas vezes ressignifica as paisagens das cidades, como é o caso da Praça Euclides

da Cunha, que é mais conhecida como praça do Club Internacional. No entanto,

caberia aos jogadores que produzem as representações, realizarem algum estudo

prévio para compreender e passar adiante, através do jogo, as importâncias que estas

praças como paisagens culturais possuem, mesmo que de forma simples, como foi

encontrado na poképarada referente a estátua de Burle Marx na Praça Faria Neves.

5 - Conclusão

A falta de representatividade encontrada na maioria das praças no Pokémon

GO guia para um quadro geográfico revelador do modo como Estado e sociedade

observam e cuidam dos seus patrimônios. Além de simples entretenimento, o

Pokémon GO tem o potencial de ser uma ferramenta que proporciona a aproximação

e a redescoberta das cidades por parte de seus jogadores. Através das

representações e informações que pode transmitir, o jogo pode revalorizar patrimônios

e paisagens culturais, que passam a ser visitados por moradores e turistas, que assim,

passam a conhecer as importâncias destes espaços. Considerando a potencialidade

explanada, caberia aos jogadores explorarem este potencial de um lado, e o Estado

de outro, realizando as manutenções necessárias e garantindo a segurança destes

locais, para que este potencial seja explorado.

Acredita-se que ao fim deste artigo foi possível levantar como o Pokémon GO

está sendo utilizado na cidade do Recife/PE para transmitir aos seus adeptos as

importâncias que as praças com jardins tombados projetadas por Roberto Burle Marx

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possuem. É possível constatar que o potencial que o jogo possui não está sendo

explorado como poderia. Isto, no entanto, é apenas um reflexo de como o Estado e a

sociedade olham e agem para seus patrimônios e paisagens culturais, uma realidade

que precisa ser mudada. É necessário que o olhar, o conhecimento e a valorização

da sociedade acerca destes espaços mudem, para isso, é válido utilizar as novas

ferramentas disponíveis, como o Pokémon GO. Por fim, para a geografia, se espera

poder contribuir com este trabalho, ao demonstrar como os jogos digitais, em especial,

os georreferenciados, podem ser úteis nas discussões e nas proposições acerca dos

patrimônios, e dos modos como a cidade é enxergada.

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