olhar a urbanização de indaiatuba

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Olhar a paisagem urbana de Indaiatuba Adriana Carvalho Koyama A Cidade Planejada Almeida Jr. registrou, em seu quadro As Lavadeiras, um caminho de terra subindo uma colina sinuosamente, margeado por árvores e uma pequena casa de pau-a-pique. Ao pé do morro, um riacho é o ponto de encontro das mulheres que trabalham lavando roupas. Esse quadro poderia ter sido pintado perto da ponte do córrego Belchior, que fornecia a água para a freguesia de Indaiatuba _há mesmo quem afirme que o foi. Caminhos que seguem sinuosos as curvas de nível até o alto da colina, onde se ergue uma Igreja, são característicos das antigas vilas paulistas do período colonial. Com o tempo transformaram-se em ruas, não raro atravessando a cidade em busca novamente da estrada. Em torno desses caminhos sinuosos as vilas coloniais vão se acomodando. A vila de Indaiatuba, a partir desses poucos caminhos iniciais, cresceu já com um traçado urbano geométrico, cuja origem liga-se a experiências portuguesas de planejamento urbano dos séculos XVII e XVIII. Já na fundação de Vila Boa de Goiás, de Mariana e de Paranaguá, para ficarmos nos exemplos de cidades do centro-sul, o planejamento foi fundamental: ruas retas, “traçadas a cordel”, com seus largos públicos demarcados, queriam atrair pela lei e pela beleza as populações, para que vivessem em “povoações civis” e não errassem pelos sertões. O governador da província de São Paulo no período pombalino, M orgado de M ateus, ordenou que as vilas criadas sob seus auspícios fossem não apenas pontos de reunião de moradores, mas que ostentassem toda a sofisticação urbana e ordem de seu tempo. Segundo ele, uma das coisas de que os países mais adiantados costumam cuidar atualmente é da simetria e harmonia das edificações que estão surgindo em cidades grandes e pequenas, de modo que, da sua aparência, resulte não só o conforto público, mas também o prazer, com os quais as aglomerações se tornam mais atraentes e apropriadas, sabendo-se da boa ordem com que essas edificações são dispostas, da disciplina e cultura de seus habitantes.

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Ensaio sobre alguns aspectos da urbanização de Indaiatuba, escrito originalmente para o Grupo Técnico (GT) do Circuito Turístico de Ciência e Tecnologia, CT², em 2005.

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Page 1: Olhar a urbanização de Indaiatuba

Olhar a paisagem urbana de Indaiatuba

Adriana Carvalho Koyama

A Cidade Planejada

Almeida Jr. registrou, em seu quadro As Lavadeiras, um caminho de terra subindo uma colina sinuosamente, margeado por árvores e uma pequena casa de pau-a-pique. Ao pé do morro, um riacho é o ponto de encontro das mulheres que trabalham lavando roupas. Esse quadro poderia ter sido pintado perto da ponte do córrego Belchior, que fornecia a água para a freguesia de Indaiatuba _há mesmo quem afirme que o foi.

Caminhos que seguem sinuosos as curvas de nível até o alto da colina, onde se ergue uma Igreja, são característicos das antigas vilas paulistas do período colonial. Com o tempo transformaram-se em ruas, não raro atravessando a cidade em busca novamente da estrada. Em torno desses caminhos sinuosos as vilas coloniais vão se acomodando. A vila de Indaiatuba, a partir desses poucos caminhos iniciais, cresceu já com um traçado urbano geométrico, cuja origem liga-se a experiências portuguesas de planejamento urbano dos séculos XVII e XVIII. Já na fundação de Vila Boa de Goiás, de Mariana e de Paranaguá, para ficarmos nos exemplos de cidades do centro-sul, o

planejamento foi fundamental: ruas retas, “traçadas a cordel”, com seus largos públicos demarcados, queriam atrair pela lei e pela beleza as populações, para que vivessem em “povoações civis” e não errassem pelos sertões. O governador da província de São Paulo no período pombalino, Morgado de Mateus, ordenou que as vilas criadas sob seus auspícios fossem não apenas pontos de reunião de moradores, mas que ostentassem toda a sofisticação urbana e ordem de seu tempo. Segundo ele,

uma das coisas de que os países mais adiantados costumam cuidar atualmente é da simetria

e harmonia das edificações que estão surgindo em cidades grandes e pequenas, de modo que, da sua aparência, resulte não só o conforto público, mas também o prazer, com os

quais as aglomerações se tornam mais atraentes e apropriadas, sabendo-se da boa ordem

com que essas edificações são dispostas, da disciplina e cultura de seus habitantes.

Page 2: Olhar a urbanização de Indaiatuba

Rossio de Campinas e arredores

Lisboa reconstruída após o terremoto de 1755: o novo traçado ortogonal da parte baixa convive com os sinuosos bairros medievais.

O planejamento urbano no século XIX no quadrilátero do açúcar

Em nossa cidade o planejamento urbano é resultado dessa visão urbana. Ao mandar fundar Campinas, Morgado de Mateus ordenou que seu traçado fosse feito geometricamente. De acordo com Antônio da Costa Santos, o traçado regular, quadriculado e de equivalência dimensional do rossio de Campinas é exemplo da obra técnica e estética também presente na construção da Lisboa

Pombalina, objeto do debate urbanístico do projeto iluminista em Portugal.

Encontramos um traçado semelhante na freguesia de Indaiatuba.

Page 3: Olhar a urbanização de Indaiatuba

A urbanização da paragem de Indayatuva.

No final do século XVIII, no início do povoamento do bairro de Indaiatuba, os irmãos Pedro Gonçalves Meira e Joaquim Gonçalves Bicudo, herdeiros da sesmaria do Pau Preto, fizeram um engenho, já desaparecido, na confluência dos córregos Belchior e Barnabé, e muito provavelmente, também o Casarão no espigão do morro, com fachada para a face Leste e largo no sentido Norte-Sul. Ao mesmo tempo, em 1807, Pedro Gonçalves começou a construir a Igreja Matriz, posicionada a uma quadra dali, também com fachada para a face Leste. Podemos perceber o arruamento do centro antigo começar a delinear-se, já nessas duas construções, perfeitamente perpendiculares.

Na primeira metade do século XIX, João de Campos Bicudo, filho de Joaquim Gonçalves Bicudo, foi provavelmente o responsável pela continuidade do arruamento da freguesia, seguindo à risca o projeto racionalista pombalino, bem visível ainda hoje, no desenho do centro antigo da cidade. F.Nardy Filho descreve as ações de João de Campos Bicudo1: Não teve ele

estudos

especializados,

mas se distinguiu

como agrimensor e mecânico sendo

procurado como

bom medidor e

divisor de terras

pelos fazendeiros e sesmeiros

daquele tempo;

1 JOÃO DE CAMPOS BICUDO Filho de Joaquim Gonçalves Bicudo [que foi irmão de Pedro Gonçalves Meyra] e de sua 2a mulher Anna Maria de Campos, nasceu João de Campos Bicudo no ano de 1805. Em 1825 era o 1.o sargento da 3.a companhia do Regimento de Ordenanças da Vila de Itu.

Page 4: Olhar a urbanização de Indaiatuba

foi ele quem fez o arruamento de Indaiatuba fundado por seu pai e naquele tempo ainda conhecido pelo nome de Capela de N. Senhora da Candelária dos Cocaes; tão bem fez ele o

arruamento e nivelamento dessas ruas, que as mesmas se apresentam todas iguais em sua

largura e muito bem delineadas. 2

Essa descrição se confirma pelo traçado urbano do centro antigo de Indaiatuba, ainda existente. Em 1863, o primeiro código de posturas da vila de Indaiatuba consagra esse modelo, que irá conduzir o crescimento da cidade até a segunda metade do século XX. Quando chega a ferrovia, no início do século XX, a paisagem é ligeiramente alterada, mas o plano ortogonal resiste. A paisagem urbana naquele momento poderia ser definida pelas palavras de Murilo Marx em Cidade Brasileira:

...cidades com um centro de negócios alongado entre a matriz e a estação, galgando suaves

encostas, revelam a implantação característica entre as águas de um rio e o aço duns trilhos.

Planejamento para o início do século XXI

O traçado “a cordel” do século XIX guiou a expansão urbana da cidade até os anos sessenta, quando o arquiteto e planejador Jorge Wilheim fez um novo projeto urbanístico para Indaiatuba, seguido até o início da década de 80.

2 . Esse texto é parte de um artigo de F.Nardy Filho publicado no jornal O Estado de São Paulo em 7-9-1952, transcrito por Nilson Cardoso de Carvalho a partir de uma cópia de Zeca Bicudo.

Indaiatuba em 1940, vista aérea.

Page 5: Olhar a urbanização de Indaiatuba

No entanto, com o crescimento da região entre os anos 70 e 80, o planejamento urbano da cidade viveu um momento crítico, principalmente em conseqüência da expansão desordenada da região sul, que culminou com a criação do loteamento da Morada do Sol. Como resultado, uma nova área urbana, do mesmo tamanho da cidade já existente, surgiu em poucos anos, isolada na zona sul, com acesso precário ao centro antigo da cidade, como vemos no mapa abaixo (a via de acesso está marcada em vermelho). Essa situação só se equacionou graças à intervenção proposta pelo urbanista Ruy Ohtake, em seu projeto de plano diretor para a cidade. Os eixos centrais de sua proposta urbanística foram a criação do Parque Ecológico, em torno do córrego Barnabé (no mapa, em verde), e a delimitação, no núcleo urbano mais antigo, de uma Zona de Interesse Histórico. Este zoneamento, seguindo propostas contemporâneas de preservação da paisagem construída, proibia a expansão vertical do centro desenhado entre o século XIX e a primeira metade do século XX (lei 4066/2001). O resultado desse belo projeto urbanístico foi um ordenamento da expansão subseqüente, que manteve a beleza da paisagem urbana de Indaiatuba relativamente preservada, apesar do rápido crescimento da cidade, com civilidade e qualidade de vida.

Área urbana aproximada nos anos 70

Loteamentos populares dos anos 80

Córrego Barnabé

Núcleo inicial de ocupação

da cidade

distrito industrial

Page 6: Olhar a urbanização de Indaiatuba

Parque Ecológico , aspecto da paisagem no bairro Morada do Sol.