ocupação no mundo do trabalho e o enfoque - redalyc.org · 1. apresentação a economia...

16
Sociedade e Cultura ISSN: 1415-8566 [email protected] Universidade Federal de Goiás Brasil Cruz, Tânia Ocupação no mundo do trabalho e o enfoque de gênero: qual o perfil do sujeito trabalhador que constrói a economia solidária no Brasil? Sociedade e Cultura, vol. 9, núm. 2, julho-dezembro, 2006, pp. 311-325 Universidade Federal de Goiás Goiania, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=70390203 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

Upload: lydat

Post on 10-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Sociedade e Cultura

ISSN: 1415-8566

[email protected]

Universidade Federal de Goiás

Brasil

Cruz, Tânia

Ocupação no mundo do trabalho e o enfoque de gênero: qual o perfil do sujeito trabalhador que

constrói a economia solidária no Brasil?

Sociedade e Cultura, vol. 9, núm. 2, julho-dezembro, 2006, pp. 311-325

Universidade Federal de Goiás

Goiania, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=70390203

Como citar este artigo

Número completo

Mais artigos

Home da revista no Redalyc

Sistema de Informação Científica

Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal

Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

311

Ocupação no mundo do trabalho e o enfoquede gênero: qual o perfil do sujeito trabalhadorque constrói a economia solidária no Brasil?*

TÂNIA CRUZ**

Resumo: A proposta deste artigo é delinear um perfil dos trabalhadores que representariampotenciais sujeitos do universo da economia solidária no Brasil, a partir da análise dasinformações geradas pelas pesquisas realizadas pelo IBGE (Pnad 2004 e Ecinf 2003).Pretende-se responder às seguintes questões: quem é o trabalhador da economia solidária?Qual é o perfil socioeconômico dos indivíduos envolvidos com atividades de economiaempreendedora e solidária? Transversalizando esse debate com a leitura da categoriagênero, busca-se identificar os sujeitos que estão inseridos nas configurações abertas pelotrabalho cooperado e solidário. Embora não seja simples traçar o seu perfil, esta é umatarefa necessária. Para tanto, devem-se redimensionar as diferentes pesquisas que já existeme/ou criar outras para captar a realidade e os limites da economia solidária em nossasociedade hoje.

Palavras-chave: economia solidária; gênero; inserção ocupacional.

1. Apresentação

A economia solidária traduz-se em umaalternativa de trabalho para milhares de pessoasque buscam espaço no mercado. Representauma série de práticas econômicas e sociaisorganizadas sob a forma de cooperativas, asso-ciações, empresas autogestionárias, entre tantasoutras formas de trabalho cooperado e solidário.

Mas quem seria o trabalhador da economiasolidária no Brasil? Melhor dizendo, qual seria operfil socioeconômico dos indivíduos envolvidoscom atividades de economia empreendedora esolidária? A proposta deste artigo é tentar traçarum perfil deste trabalhador a partir dos dados

gerados pelas pesquisas do IBGE. Em especial,trataremos dos dados reunidos na PesquisaNacional por Amostra de Domicílios 2004(Pnad) e na pesquisa sobre Economia InformalUrbana (Ecinf 2003). Tarefa difícil, haja vistaque tais pesquisas não têm como foco investigaras características socioeconômicas daqueles queatuam em situação de trabalho cooperado esolidário. Assim, o trabalho de análise que sepropõe aqui é reunir algumas informações, emtese desagregadas pela própria configuraçãoque as pesquisas acima citadas apresentam,para iniciarmos um processo de identificação eaproximação dos sujeitos que, potencialmente,representam agentes de uma outra economia,uma economia solidária.

Percorrer algumas informações provindasde pesquisas do IBGE justifica-se por duasrazões metodológicas. A primeira é que essaspesquisas têm representatividade territorial evisam à produção de informações básicas parao estudo do desenvolvimento socioeconômico

* As idéias contidas neste artigo fazem parte de minhapesquisa de doutorado, provisoriamente intitulada “Qual éo teu trabalho, mulher: trabalho e identidade da mulherempreendedora no contexto da economia solidária” (Insti-tuto de Ciências Sociais, Departamento de Sociologia, UnB,2004).** Mestre e doutoranda em Sociologia do Trabalho pelaUniversidade de Brasília.

312

CRUZ, TÂNIA. Ocupação no mundo do trabalho e o enfoque de gênero:...

do país. Isto nos permite elaborar uma noçãodo perfil do sujeito trabalhador. A outra razãoestá nas próprias características de cada umadessas pesquisas. A Pnad percorre uma amostrade domicílios, buscando apontar diversas carac-terísticas de demografia e perfil socioeconômicoda população.1

Por outro lado, o ponto de partida da Ecinfé a unidade econômica – entendida comounidade de produção – e não o trabalhadorindividual ou a ocupação por ele exercida. Temcomo objetivo organizar informações quepermitam conhecer o papel e a dimensão dosetor informal na economia brasileira. Neladestacam-se os empreendimentos informaisurbanos organizados por conta própria e todosaqueles com até cinco empregados, indepen-dentemente de serem atividade principal de seusproprietários ou atividades secundárias e deserem ou não entidade jurídica.2

Para os dados da Pnad 2004, enfocaremosa população economicamente ativa (PEA) e apopulação não-economicamente ativa (PNEA),a população de ocupados (PO) e de não-ocupa-dos (PD) e os trabalhadores não-remunerados.Para a pesquisa Ecinf 2003, tomaremos comoreferência os trabalhadores por conta própria.Esse recorte permite-nos uma primeira aproxi-mação do perfil que buscamos traçar. A Pnad éuma pesquisa censitária que, além de investigaras características socioeconômicas e demográ-

ficas da população, investiga também informa-ções gerais sobre o quadro da inserção ocupa-cional no país. A Ecinf enquadra especifica-mente um estudo do setor informal brasileiro,diagnosticando as práticas empreendedoras dotrabalhador informal. Nesse sentido, acredita-se que os sujeitos trabalhadores que venham aestar envolvidos ou já se encontram em umcontexto de economia solidária estão represen-tados potencialmente pela população de traba-lhadores desocupados, por conta própria e não-remunerados. Considerando a condição detrabalho que apresentam, subemprego ou desem-prego no caso dos trabalhadores não-ocupadose não-remunerados, e de autogestão da forçade trabalho, no caso dos trabalhadores por contaprópria, temos aí uma inserção ocupacional quepode ser redefinida a partir dos elementos quecompõem a perspectiva do trabalho cooperadoe solidário.

Há, ainda, mais um elemento metodológicoa justificar: a denominação “potenciais sujeitostrabalhadores” que, para nós, estariam envolvi-dos com a prática de trabalho cooperado e soli-dário. Legitimamos esta denominação a partirde três pressupostos:

I) o primeiro implica que, para agregarmosinformações com base nos dados gerados pelaspesquisas do IBGE, temos de partir das catego-rias utilizadas por suas pesquisas para identificaros sujeitos trabalhadores: empregado, desempre-gado, empregador, por conta própria, trabalhadornão-remunerado, trabalhador doméstico. Há,ainda, as categorias mais gerais: os ocupados eos desocupados, os economicamente ativos eos economicamente não-ativos. O pressupostoassumido aqui é que o perfil de trabalhador deeconomia solidária no Brasil passa pela identi-ficação dos trabalhadores que se encontram emsituação de precariedade, subemprego, desocu-pação e/ou, em alguma medida, identificam-sepela autogestão da própria força de trabalho.Desse modo, o foco deste estudo está nos traba-lhadores por conta própria, nos não-remuneradose nos desocupados. A princípio, julga-se queesses sujeitos trabalhadores representam umcontingente de atores que dispõem da autogestãoda própria força de trabalho para desenvolversuas atividades em sociedade. Como não há,para o universo das pesquisas realizadas pelo

1. Realizada progressivamente no Brasil a partir de 1967, aPnad investiga diversas características demográficas esocioeconômicas da população, algumas de caráter perma-nente, como características gerais, educação, trabalho, ren-dimento e habitação, e outras com periodicidade variável,como as características sobre migração, fecundidade,nupcialidade, saúde, nutrição. Entretanto, a Pnad não ela-bora algumas perguntas que possibilitem um desdobramentoanalítico do desenvolvimento da economia solidária noBrasil. Por exemplo, seria imprescindível, para este mo-mento de estudos e reflexões sobre a constituição da econo-mia solidária, que os respondentes domiciliares dessas pes-quisas tivessem clareza quanto à característica da sua ocu-pação: eles são empregadores empreendedores ou por contaprópria? São cooperados ou prestadores de serviços? Arti-culam-se em uma rede de apoio ou reproduzem a lógicaclássica de mercado competitivo? Quer dizer, qual a ocupa-ção deste trabalhador no frame de uma economia solidáriae empreendedora?2. A delimitação de empreendimentos urbanos se dá pelofato de a Ecinf considerar como informal apenas as unida-des econômicas não-agrícolas, pois são estas em princípioque geram empregos e não autoconsumo.

313

SOCIEDADE E CULTURA, V. 9, N. 2, JUL./DEZ. 2006, P. 311-325

IBGE, o que poderíamos chamar de trabalha-dor solidário, consideramos que, dada a suaocupação ou sua desocupação, teríamos possí-veis e potenciais trabalhadores que estariamem situação de economia solidária;

II) como segundo pressuposto, pensamosque, por se tratar de configurações específicase, sobretudo, de arranjos situacionais, o trabalhocooperado e solidário representa uma propostacrítica da atual organização econômica e social,o que não se traduz ainda como uma estruturaobjetiva e estruturante, nos moldes de Bourdieu(1982), das relações sociais. Entretanto, pela suacaracterística crítica e metamórfica, a economiasolidária, ou trabalho cooperado e solidário, évista como um potencial transformador da reali-dade econômica vigente. O que se tem perce-bido em pesquisas que buscam traçar o campode formação e desenvolvimento da economiasolidária é que há um processo de afinidadeeletiva entre uma demanda estrutural (a saber,uma necessidade das sociedades em redefinir oconteúdo e o arranjo das relações de trabalho)e a reelaboração do perfil daqueles que vivemdo trabalho.3 Os sujeitos-trabalhadores que seencontram em situação de precariedade ouexclusão social também podem ser vistos comosujeitos condutores de uma nova força socialcapaz de produzir uma outra lógica de organiza-ção econômica e social;4

III) O terceiro pressuposto retoma o pri-meiro: agregar informações sobre os sujeitostrabalhadores registradas pelas pesquisas doIBGE só trará alguma contribuição diferenciadase lermos tais números pela incorporação a estedebate da categoria gênero. Isso nos permiteproblematizar e contextualizar os númerosrevelados pelo IBGE e não ignorar a complexi-dade social e histórica adjacente à quantificaçãodas regularidades que tais estatísticas represen-tam. Nesse sentido, entende-se que gênero éuma categoria que permite o estudo dos papéisfemininos e masculinos no contexto social, polí-tico e econômico (Ruas, 2000). É um enfoqueque contribui para a identificação e a análise deassimetrias e hierarquias existentes nas relaçõesentre homens e mulheres, incorporando as rela-ções de poder, sobretudo no mundo do trabalho.

O que queremos realçar neste debate é queelementos da economia solidária nos ajudam adesconstruir e a enfrentar as assimetrias dasrelações sociais de gênero. Guérin (2003) propõetrês contribuições da economia solidária a estedebate: a) a utilização de recursos variados; b)o foco nas necessidades humanas, e c) a consti-tuição de um espaço onde as pessoas podemcriar e exercitar direitos em uma justiça daproximidade. A economia solidária reconheceque necessita não só de recursos que se com-pram no mercado, mas também de recursosnão-monetários. Reconhece também, por exem-plo, que as relações de confiança em um gruposão fundamentais para que esse grupo funcionee dê certo. E como se constroem as relaçõesde confiança? Quanto tempo deve ser despen-dido em reuniões, conversas? Quantos gestosde solidariedade real? Esses são recursos dificil-mente mensuráveis e remetem-nos às práticasde reciprocidade no interior do grupo.

O enfoque de gênero, em consórcio com adiscussão sobre a economia solidária, permite-nos ressignificar e elaborar outras perspectivasanalíticas para os dados que selecionamos daspesquisas do IBGE. O trabalhador por contaprópria passa a ser visto como um empreendedor

3. Para parafrasear Ricardo Antunes, em célebre textointitulado Adeus ao trabalho (São Paulo: Ed. Cortez, 1995).Nele, Antunes defende que a expressão classe-que-vive-do-trabalho pretende dar contemporaneidade e amplitude aoser social que trabalha. Enfim, Antunes está defendendouma ressignificação dos sujeitos que vivem do trabalho,como também uma releitura da capacidade histórica etransformadora desses sujeitos como classe social, classetrabalhadora.4. É preciso lembrar, entretanto, que essa nova força socialestá sujeita aos arranjos e contextos sociais mais amplos.As pesquisas sobre economia solidária em países como aFrança, Argentina, Canadá e Brasil, apontam que o desen-volvimento de novas formas de trabalho, pautadas na soli-dariedade e na cooperação, dependem de uma articulaçãoentre as políticas públicas (apoio estatal com microcrédito,cursos de capacitação profissional e gerencial, replicaçãode tecnologias sociais), a sociedade civil organizada e comlegitimidade política (organizações populares, organizaçõesnão-governamentais, conselhos participativos e delibera-tivos para discussão de orçamentos e políticas de interven-ção social etc.) e o mercado (as práticas de economia soli-dária não poderiam prescindir da existência de um mercadoprotegido, ou seja, da criação de uma rede integrada de coo-perados e autônomos). A idéia básica seria assegurar aos

novos empreendedores um mercado para seus produtos euma variedade de economias externas, criando uma rede,um sistema de trocas, de financiamento e orientação técni-ca, legal, contábil etc., mediante a solidariedade entre pro-dutores autônomos de todos os tamanhos e tipos.

314

CRUZ, TÂNIA. Ocupação no mundo do trabalho e o enfoque de gênero:...

emergente; aos não-remunerados e desocupa-dos abre-se uma perspectiva de reinserção nocircuito de trabalho e, talvez o mais importante,torna-se mais expressiva a necessidade de seler por detrás desses números o trabalho dereprodução social (deixado quase sempre àsmulheres)5 que não aparece quantificado egerando valor para a sociedade.

Considerando os três pressupostos acimacitados, cuja reflexão que propõem norteia estetrabalho, destacaremos brevemente6 o quechamamos de economia solidária. Em seguida,faz-se uma leitura de alguns dados censitáriosdo IBGE, com ênfase na inserção ocupacionalde homens e mulheres.

2. Economia solidária: uma proposta parase pensar novas estratégias de ocupaçãono mundo do trabalho

Apesar de ter raízes em paradigmas antigos,como o socialismo utópico do século XIX, aeconomia solidária, com as características atuais,surge no mundo a partir da década de 1980 e noBrasil na década de 1990 (Lechar, 2002; Singer,1999; França Filho, 2002)

Como movimento social, a economia soli-dária é fruto da reação de segmentos sociaisexpostos ao crescente desemprego e à exclusãosocial. É uma articulação legítima da sociedadecom vistas a solucionar seus problemas. Comoobjeto de estudos específico das ciências sociais

aplicadas, tem suscitado discussões conceituais,inclusive sobre o termo mais adequado para sereferir a esse paradigma incipiente. Neste texto,considera-se que a economia solidária é a orga-nização de um novo setor de reinserção produ-tiva, com unidades econômicas de trabalhobaseadas na cooperação, socialização de sabe-res, constituição de redes de comunicação, trocae auto-sustentabilidade econômica (Cruz, 2002).Exprime o ideal desta forma coletiva de produ-zir7 e tem sido tema de diversos pesquisadores(França, 2002; Kraychete, 2000; Singer eMachado, 2000; Nunes, 2002; Lisboa, 2003;Moura e Meira, 2002).

2.1 Principais termos

Algumas características da economia soli-dária não estão dadas, mas se apresentam comotendências e potencialidades, por vezes diver-gentes, desenvolvendo-se com maior ou menorintensidade de acordo com as condições objetivase subjetivas em que se produz cada uma dessasexperiências. Dessa forma, para analisar arealidade e as possibilidades de uma economiasolidária, toma-se como parâmetro analítico oconceito de empreendimentos econômicossolidários – os EES. Esse conceito é umatipificação, um modelo, que reúne as caracte-rísticas ideais de um empreendimento solidário8

(Gaiger, 2000).Os EES seriam iniciativas que logram algum

nível de acumulação e crescimento, que alcan-çam certa estabilidade e viabilidade, por meio5. Tal como nossa sociedade se organiza hoje, grande parte

das relações de reciprocidade é mantida graças ao tempo e àdedicação das mulheres. Elas mantêm a coesão na família,as relações de vizinhança e nos locais de trabalho. Esse é umrecurso fundamental também para o funcionamento da eco-nomia capitalista, que já estaria destruída se na vida real sóhouvesse a competição como matriz de relação entre aspessoas. Uma pesquisa do Seade/Dieese (2003) sobre a for-ma como as pessoas encontram emprego mostrou que 70%dos que conseguem emprego o fazem por meio de indicaçãode amigos e familiares. O capital não se dispõe a arcar comos custos de um sistema de informações ou os riscos decontratar alguém sem referências e repassa esses custos àsrelações de reciprocidade. Mas me refiro aqui à reciprocida-de não só como um valor, mas como um recurso que sematerializa em horas de trabalho e gasto de energia, emgeral das mulheres.6. Nos termos deste trabalho, apontaremos tão-somenteum conceito matriz que norteará a discussão aqui proposta.Não será dada ênfase às controvérsias do debate acerca dasvariações conceituas que o fenômeno assume, nemtampouco sobre o debate internacional e as várias experi-ências regionais brasileiras já registradas sobre a questão.

7. Pessoas associam-se livremente para conduzir juntas açõesque contribuam para a criação de atividades econômicas eempregos, ao mesmo tempo em que estas reforçam a coe-são social. Entre essas atividades, as cooperativas são asmais antigas e melhor conhecidas, mas a elas somam-seoutras, como os clubes de troca (pequenos produtores queusam de moeda própria para intensificar o intercâmbio en-tre eles) e bancos do povo (cooperativas de crédito dirigidasaos mais pobres, em que o crédito é garantido pelo compro-misso solidário de grupos formados para essa finalidade),grupos comunitários e associações com os mais diversosfins. Podemos dizer que a economia solidária baseia-se emtodas as formas possíveis de organizar a produção, a distri-buição e o crédito por princípios solidários e de cooperação(Cruz, 2002).8. Na prática, nenhum caso de trabalho cooperado respon-de plenamente ao modelo de EES, mas nos ajuda a observarquais são os traços positivos mais freqüentes deles, bemcomo suas dificuldades na perspectiva de viabilizarem umaalternativa solidária (Gaiger, 2000).

315

SOCIEDADE E CULTURA, V. 9, N. 2, JUL./DEZ. 2006, P. 311-325

da planificação de seus investimentos, e querequerem, para isso, a introdução de uma novaracionalidade econômica, calcada no trabalhocooperativo.9 Pode-se afirmar que os empreen-dimentos econômicos solidários exibem ideal-mente as seguintes variáveis e/ou características,as quais contribuem para uma compreensãosociológica da economia solidária:

� autogestão: controle da gestão pelo con-junto dos associados e autonomia diantede agentes externos;

� igualitarismo: garantido por critérios deremuneração pelo trabalho, por umadivisão eqüitativa dos excedentes e bene-fícios, pela socialização do capital e pelainexistência de outros regimes de traba-lho permanentes para as atividades-fim;

� cooperação: responsabilidade partilhadano processo produtivo, relações de con-fiança e reciprocidade, paridade socialentre funções de direção e de execuçãoou entre tarefas manuais e intelectuais;

� auto-sustentação: atividade produtivade viabilidade econômico-financeira, semcomprometimento do ambiente social enatural (Gaiger, 1999, apud Cruz, 2002).10

Tão fundamental quanto entender essenovo campo de práticas econômicas e sociaisabertas pelo movimento da economia solidária,é identificar os sujeitos que possam estar envol-vidos com essa nova proposta de articulaçãoprodutiva.

Muitas pesquisas já vêm sendo realizadas,em âmbito regional, a fim de diagnosticar essesatores e suas especificidades (Cruz, 2002;Gaiger, 1999; França Filho, 2002). Todavia, paraum debate mais articulado e para uma ação maisorganizada acerca do desenvolvimento dessaprática solidária de trabalho, faz-se necessárioarticular e desenvolver pesquisas que integremas complexidades regionais com uma propostade articulação nacional para o favorecimentoda economia solidária.

É nesse sentido que vemos nascer nogoverno federal da gestão 2002/2006 a Secre-taria Nacional de Economia Solidária (Senaes).Sua meta é promover o fortalecimento e adivulgação da economia solidária, mediantepolíticas integradas, visando à geração de tra-balho e renda, à inclusão social e à promoçãodo desenvolvimento justo e solidário. O governofederal vem apoiando a formação de CentrosPúblicos de Economia Solidária, a organizaçãode feiras populares estaduais para pequenosempreendedores e a recuperação de empresaspelos trabalhadores em autogestão.

Para dar cabo dessa demanda de identifi-cação e apoio aos EES, foi criado o SistemaNacional de Informações em Economia Solidária(Sies). Com esse sistema, a Senaes está reali-zando o mapeamento da economia solidária noBrasil. Esse mapeamento é composto por infor-mações dos empreendimentos econômicos soli-dários (EES) e das entidades de apoio, assessoriae fomento (EAF). O que a Senaes quer é propor-cionar a visibilidade, a articulação da economiasolidária e oferecer subsídios nos processos deformulação de políticas públicas. Mas essapesquisa ainda está em andamento e, até agora,os dados por hora publicados pelo Ministério doTrabalho e Emprego (MTE) não trazem ascaracterísticas dos EES, tempo de organização,modo de articulação e produção econômica, bemcomo as características socioeconômicas dostrabalhadores organizados nesse modo degestão.

O que o Sies tem publicado até este mo-mento, na página eletrônica do MTE, são oscadastrados computados pela Senaes até feve-reiro deste ano. Foram registrados 20.562empreendimentos (MTE, Senaes, Sies, fevereiro

9. A força dos EES reside no fato de combinarem, de formaoriginal, o espírito empresarial – no sentido da busca deresultados por meio de uma ação planejada e pela otimizaçãodos fatores produtivos, humanos e materiais – e o espíritosolidário, que funciona como o vetor da racionalização eco-nômica, produzindo efeitos tangíveis e vantagens reais emrelação à ação individual e às relações assalariadas (Gaiger,1999; Cruz, 2002).10. Como se pode observar, a economia solidária, em seustermos, é uma crítica à sociedade capitalista, que apresentapráticas excludentes, social e ambientalmente predatórias,baseadas na concorrência, na exploração, na exclusão e naacumulação compulsória. A alternativa posta é de uma ou-tra economia, baseada nos princípios de solidariedade,sustentabilidade e inclusão. Enfim, falamos de uma emanci-pação social, em que “o trabalho alienado pode ser substitu-ído pelo trabalho consciente e criativo, que propicia reali-zação humana plena” (Cattani, 2003, p. 10).

316

CRUZ, TÂNIA. Ocupação no mundo do trabalho e o enfoque de gênero:...

de 2006).11 O total de empreendimentos porforma de organização é mostrado na Tabela 1.

Tabela 1 - Senaes – Secretaria Nacional de EconomiaSolidáriaSies – Sistema Nacional de Informações emEconomia Solidária

oãçazinagroedamrofropsotnemidneerpmeedlatoT

oãçazinagrOedopiTededaditnauQ

sotnemidneerpme

lamrofniopurG 141.6

oãçaicossA 273.11

avitarepooC 073.2

oãtsegotuaaserpmE 79

lartneC/edeR 97

sartuO 792

latoT 265.02

.6002edorierevef,seiS:seaneS/ogerpmEohlabarTodoirétsiniM:etnoF

Assim, o que temos de acordo com essesdados é que, dos 20.562 EES cadastrados pelaSenaes, a maioria está representada por asso-ciações (55,3% dos EES cadastrados). Emsegundo lugar, temos os grupos informais(29,8%). As cooperativas são apenas 11,5% dosEES registrados. A empresa de autogestão é amenor fatia: 0,47% do universo cadastro pelapesquisa do Sies. Esses empreendimentos comcaracterísticas de trabalho solidário teriam maisde dois milhões de trabalhadores em atividadesde produção de bens e prestação de serviços,consumo e crédito, tanto no meio urbano quantona rural. O mapeamento mostrou também que44% dos EES localizados são dos estados daRegião Nordeste (MTE, Senaes, Sies, 2006).

Dada a abrangência do debate sobre novosarranjos produtivos, sobre uma outra economia,a qual, neste artigo, é nomeada de economiasolidária, reconhecemos a importância dessabase de dados que está sendo organizada peloMTE, mas também sabemos que este é umprocesso lento e que, pelo exposto até aqui, nãoregistra a complexidade do debate em questão:

quem são os sujeitos trabalhadores da economiasolidária? Como se organizam e enfrentam omercado e os conflitos de grupo? Qual a dura-ção de seus empreendimentos? Quantos são oshomens e as mulheres envolvidos em empreen-dimentos solidários? Qual a contribuição dodebate sobre as relações sociais de gênero parao entendimento das subjetividades e identidadesgerenciadas a partir de um universo de economiasolidária?

Neste artigo, por razões de pragmática depesquisa (o tempo demandado pela pesquisa ésempre menor à necessidade de continuarpesquisando) e pelo próprio formato destacomunicação, não pretendemos, e nem podería-mos, responder a todas essas questões, nemmesmo esgotá-las. A riqueza do fenômeno tam-bém não nos permitiria dar conta de todos essesquestionamentos pelo esforço de um pesquisadorapenas. Não obstante, dada a precariedade, ouinsegurança, que as relações de trabalho assu-mem na atualidade, vamos prosseguir no ensejode agregar algumas informações a partir da basede dados gerada pelo IBGE e também iniciarum processo de identificação dos sujeitos traba-lhadores que, devido à sua condição de ocupaçãono mundo do trabalho, representam sujeitospassíveis de se agregar ao trabalho cooperadoe solidário.

3. Panorama da ocupação e enfoque degênero: leitura da assimetria na inserçãoocupacional12 nos dados da Pnad 2004

A Pnad 2004 registrou pouco mais de 140milhões de brasileiros. Destes, 48,2% sãohomens e 51,8% são mulheres. A populaçãoeconomicamente ativa, para a população acimade dez anos ou mais, está distribuída em87.106.393 de pessoas (62%) e para os nãoeconomicamente ativos foram registrados53.313.093 (38%) brasileiros (Gráfico 1).

11. Esses empreendimentos cadastrados pela Senaes com-partilham, em graus diferenciados, as características deautogestão, igualitarismo, cooperação e auto-sustentaçãoque, a princípio, qualificam um empreendimento econômi-co solidário (EES).

12. A inserção ocupacional é classificada nos seguintes ter-mos: a) pessoas ocupadas (PO): foram classificadas comoocupadas no período de referência especificado (semana dereferência ou período de referência de 365 dias) as pessoasque tinham trabalhado durante todo ou parte desse período.Incluíram-se, ainda, como ocupadas as pessoas que não exer-ceram o trabalho remunerado que tinham no período espe-cificado por motivo de férias, licença, greve etc.; b) pessoasdesocupadas (PD): aquelas pessoas sem trabalho que toma-

317

SOCIEDADE E CULTURA, V. 9, N. 2, JUL./DEZ. 2006, P. 311-325

Gráfico 1 - PEA/Pnad

Fonte: IBGE, Pnad 2004

Entre os 62% economicamente ativos, 51%são homens e 49% são mulheres. Aqui, emtermos de estoque de emprego formal, o númerode vínculos ocupados por homens é 50% supe-rior àquele preenchido por mulheres13 (IBGE,

Relação Anual de Informações Sociais – Rais,2004). Ou seja, a inserção ocupacional dehomens e mulheres está circunscrita à divisãosexual do trabalho, em que a tomada do espaçopúblico e a manutenção do espaço privado sãodefinidas prioritariamente pelo papel social queambos devem assumir. O fato de ter sempretido o espaço público como um lugar de trânsitocomum colocou os homens em situação privi-legiada nas tomadas de decisão política e econô-mica. As mulheres, por outro lado, legadas aocuidado do lar, tiveram mais dificuldades paralegitimar sua participação na vida pública e nelase fazerem representar. Além disso, o fato deterem ingressando no mercado formal de traba-lho nas três ultimas décadas – o que as colocouno olho do furacão da reestruturação produtivado capital, alocando-as em relações de trabalhoprecarizadas –; de representarem 38% daschefias familiares; de almejarem melhorar acesta e a receita familiar, garantir o estudo dosfilhos e tomar a abertura social promovida pelosmovimentos populares e pelas lutas feministasfaz com que elas aceitem trabalhar por saláriosmais baixos.14

Em geral, a força de trabalho femininatende a apresentar graus de escolaridade supe-riores aos dos homens. A Pnad 2004 demosntrouque apenas 10% dos vínculos masculinos eramocupados por indivíduos com nível superiorcompleto, enquanto esse percentual aumentapara 21% no caso das mulheres. No outroextremo, só 0,4% das mulheres ocupadas eramanalfabetas, sendo o percentual de 1,2% no casodos homens.

Ainda como reflexo de uma estrutura socialdemarcada pela divisão sexual do trabalho, orendimento médio da mulher, em 2004, equivaliaa 81,2% do recebido pelo homem, enquanto, em2003, representava 80,3%. A despeito dessamelhoria relativa no que diz respeito às mulheres,a remuneração média feminina ainda é inferiorà masculina em todos os níveis de escolaridade,

ram alguma providência efetiva de procura de trabalho noperíodo de referência especificado (semana de referência ouperíodo de referência de 365 dias); c) pessoas economica-mente ativas (PEA): pessoas economicamente ativas noperíodo de referência especificado (semana de referência ouperíodo de referência de 365 dias); incluem-se aí tanto aspessoas ocupadas quanto as desocupadas.; d) pessoas não-economicamente ativas (PNEA): pessoas definidas comonão-economicamente ativas no período de referência espe-cificado (semana de referência ou período de referência de365 dias) são aquelas que não foram classificadas comoocupadas nem desocupadas nesse período; e) ocupação: de-finiu-se ocupação como sendo o cargo, função, profissão ouofício exercido pela pessoa; f) trabalhador doméstico: pes-soa que trabalhava prestando serviço doméstico remunera-do em dinheiro ou benefícios, em uma ou mais unidadesdomiciliares; g) conta-própria: pessoa que trabalhava ex-plorando o seu próprio empreendimento, sozinha ou comsócio, sem ter empregado e contando, ou não, com a ajudade trabalhador não-remunerado; h) empregador: pessoa quetrabalhava explorando o seu próprio empreendimento, compelo menos um empregado; i) trabalhador não-remunerado:pessoa que trabalhava sem remuneração, durante pelo me-nos uma hora por semana, em ajuda a membro da unidadedomiciliar em que vivia (empregado da produção de bensprimários, que compreende as atividades da agricultura, sil-vicultura, pecuária, extração vegetal ou mineral, caça, pes-ca e piscicultura; por conta própria ou empregador) (Pes-quisa Nacional por Amostra de Domicílios, v.24, 2003,Brasil).13. No mundo agrícola, as mulheres são a maioria não eco-nomicamente ativa, 25,1%, e os homens são 12,9%. Háainda o fato de que, para esse universo de trabalhadoresagrícolas (que são 16.650.536 da PEA, com dez anos oumais de idade), temos o maior contingente de trabalhadoresque estão inseridos no contingente de não-remunerados:eles são 43,2% da PEA, dos quais os homens representam26,3% e as mulheres, 78,9%. Esse contingente de trabalha-dores não-remunerados pode estar desenvolvendo ativida-des secundárias ou de apoio a outros trabalhadores, não sãoproprietários nem podem estar em situação de maior preca-riedade por não auferirem nenhuma renda do meio rural.Registre-se que a grande maioria desses trabalhadores sãomulheres que, em geral, trabalham no roçado, mas não têmsua força de trabalho paga.

14. À medida que a faixa salarial aumenta, a quantidade deprofissionais femininas é reduzida. Apesar de representa-rem atualmente 49% da PEA e de serem a maioria nasuniversidades, ocupando 60% das vagas, elas ainda são alvoda discriminação salarial. São poucas as que conseguem che-gar a cargos de chefia e são muitas as que fazem duplajornada de trabalho (Hirata, 1998).

318

CRUZ, TÂNIA. Ocupação no mundo do trabalho e o enfoque de gênero:...

sendo a maior diferença verificada no grau deinstrução “superior completo”. Essa categoria,vale lembrar, foi a única na qual os empregoslíquidos gerados foram prioritariamente ocupa-dos por mulheres (83%).

3.1 População de ocupados e não-ocupadosno mundo do trabalho: quantos e quem sãoos sujeitos em atividade econômica?

Quanto ao universo de trabalhadores ocupa-dos e não-ocupados, na semana de referênciapara a realização da Pnad 2004, a relação assi-métrica entre a ocupação no mundo do trabalhopor homens e mulheres também se confirmou:foram 56,9% de homens ocupados contra 43,1%de mulheres em alguma atividade consideradaprodutiva (Tabela 2).

Em conformidade com a estrutura ocupa-cional da sociedade brasileira hoje, os homensainda são representados como a maioria detrabalhadores ocupados. As mulheres seriama maior parcela de desocupadas. Cabe ressaltar,entretanto, que o IBGE ainda cadastra em suaspesquisas como ocupação e não-ocupaçãoeconômica não leva em consideração o fato dea maioria das mulheres brasileiras desempenhara função de reprodutoras da força social ou dachamada economia do cuidado. O fato de serem“do lar”, educarem os filhos, tratarem dos maisvelhos, manterem a alimentação e a saúde dafamília não geraria, para a sociedade e para omercado, um fator monetário que agregassevalor financeiro às relações sociais pautadas pela

lógica de mercado. Por isso, mesmo que a maio-ria dessas mulheres desempenhe atividades dereprodução e ainda assim trabalhe fora de casa,em alguma atividade de produção econômica,as pesquisas de população não incorporaramesse fator, que é de gestão e reprodução daprópria sociedade (Gráfico 2).15

Gráfico 2 – População Ocupada/Pnad

Fonte: IBGE, Pnad 2004.

Os tipos de atividades desenvolvidas porhomens e mulheres no mercado de trabalhoatestam que o papel desenvolvido com o cuidadoda família aloca a força de trabalho femininaem funções próximas àquelas executadas noespaço da casa: dois terços das mulheres ocupa-das em 2004 estavam concentradas em quatrogrupamentos de atividade (serviços domésticos,educação, saúde e serviços sociais). Enquantoisso, os quatro maiores grupamentos (agrícola,comércio e reparação, indústria, construção)reuniam quase 70% dos homens.

A assimetria na inserção ocupacional dehomens e mulheres é um fenômeno tanto doespaço urbano quanto do mundo rural. Ressalta-

edoãçidnoCanoãçapuco

edanamesaicnêrefer

oxeS

onilucsaM oninimeFetnemacimonoceoãçalupopadlatoT

4002me)AEP(avita

NO % NO % NO %

lisarB odapucO 147.591.64 0,35 082.951.33 1,83 120.553.97 1,19

odapucoseD 210.683.3 9,3 063.563.4 0,5 273.157.7 9,8

laicraplatoT 357.185.94 9,65 046.425.73 1,34 393.601.78 0,001

)4002,danP(oilícimoDedartsomAroplanoicaNasiuqseP:etnoF

Tabela 2. População com dez anos ou mais, segundo condição de ocupação na semana de referência –Brasil - 2004.

15. Ressalte-se que um dos pilares da economia solidária (cooperação e retribuição) assenta-se no paradigma da dádiva(Godbout e Caillé, 1994): trocas e reciprocidades que não estão restritas apenas à lógica de mercado. Desse modo, a economiado cuidado (Guérin, 2003; Heilborn, 1991), atribuída às mulheres, seria uma espécie de economia da doação, não contabilizadapelas sociedades ocidentais. Essas mulheres, pelo seu próprio papel social, apresentam-se, pois, como trabalhadoras de umaoutra economia, a economia solidária.

319

SOCIEDADE E CULTURA, V. 9, N. 2, JUL./DEZ. 2006, P. 311-325

se que, no meio rural, essa assimetria é maior eatinge um número maior de mulheres. No meiorural, que representa 37,4% da PEA, as mulhe-res são o maior contingente de trabalhadoresnão-remunerados (78,9%). A mulher que com-põe essa força de trabalho, no geral, participade todas as atividades, principalmente das tarefasda colheita e do plantio, que a divisão sexual dotrabalho agrícola elegeu como tarefas femininas.No entanto, elas não são proprietárias da terra,não participam de tomada de decisões sobre oque plantar, negociar etc. Além disso, não são oalvo de políticas públicas de capacitação daforça de trabalho agrária. Cursos de associa-tivismo, uso de agrotóxicos, apicultura, conserva-ção do solo, da água e de alimentação animalsão oferecidos ao homem, uma vez que, tradicio-nalmente, as atividades relacionadas a essescursos são realizadas pelo homem, do mesmo

modo que os ensinamentos referentes à alimen-tação alternativa são dirigidos à mulher, reite-rando assim espaços “fora da casa” e “dentroda casa”, como lugares de homens e de mulhe-res, respectivamente (Ruas, 2000; Mello, 2004).

No geral, os contingentes de trabalhadoresagrícolas não-remunerados desenvolvem ativi-dades secundárias ou de apoio a outros traba-lhadores, não são proprietários e podem estarem situação de maior precariedade por nãoauferirem nenhuma renda do meio rural.

A PEA urbana apresenta 62,6% de traba-lhadores empregados, que, diferentemente domeio rural, tem o maior contingente de empre-gáveis. Enquanto no meio rural, as mulheres sãoa maioria não-remunerada, no espaço urbano,elas são o maior contingente de trabalhadoresdomésticos (Gráficos 3 e 4).

Gráfico 3 – PO Urbana - Brasil 2004

Fonte: IBGE, Pnad 2004. 1

Gráfico 4 – PO Rural - Brasil 2004 1

Fonte: IBGE, Pnad 2004.2

320

CRUZ, TÂNIA. Ocupação no mundo do trabalho e o enfoque de gênero:...

3.2 Do trabalhador por conta própria,conforme os dados da Ecinf 2003

No ano de 2003, a Ecinf registrou10.525.954 pequenas empresas urbanas noBrasil, das quais 98%, ou seja, 10.335.962pertenciam ao setor informal e ocupavam13.860.868 pessoas. Em sua grande maioria(88%), as empresas do setor informal perten-ciam a trabalhadores por conta própria e apenas12% eram de pequenos empregadores. Dasempresas pesquisadas, 95% tinham um únicoproprietário e 80%, apenas uma pessoa ocu-pada.

Contudo, ressaltamos que, nesse debatesobre a configuração de um sistema econômicosolidário, não podemos dizer que a economiasolidária resume-se a esse setor, na medida emque a própria organização da informalidade, semgarantia de proteção e estabilidade para ostrabalhadores, é antagônica a uma articulaçãosolidária e cooperada.16 Nos anos de 1990, paracada dez ocupações geradas, apenas duas foramassalariadas, sendo quase cinco por conta própriae três de ocupações sem remuneração. Entre1986 e 1998, nas regiões metropolitanas, oemprego assalariado com carteira teve umaredução de 4%, e o número de trabalhadorespor conta própria17 aumentou em 61% (Cruz,2002). Em um intervalo de dez anos (1993-2003), observamos uma expansão de 40% dapopulação ocupada como empregador e 23%daqueles por conta própria.

Dentre as pessoas ocupadas atualmentenas empresas do setor informal, 69% são traba-lhadores por conta própria, 10% empregadores,10% empregados sem carteira assinada, 6%trabalhadores com carteira assinada e 5% não-remunerados. Dos trabalhadores por conta pró-pria, 45% eram homens e 24% mulheres. Comrelação aos trabalhadores não-remunerados, aassimetria na ocupação entre homens e mulhe-res aumenta: elas são 82% da força de trabalhonão-remunerada e os homens são 18% (Gráfi-co 5).

As pesquisas (por exemplo: Kraychete,2000; Cruz, 2002) que buscam um paralelo entrea economia solidária e o setor informal apontamtrês razões para identificar um EEs com asorganizações de trabalho informal: a) os estudose as informações estatísticas sobre o trabalhorealizado de forma individual ou familiar, sobre-tudo nos espaços urbanos, normalmente refe-rem-se de fato ao denominado setor informal;b) essas formas de trabalho não são iniciativasisoladas, mas interagem com o seu entorno,relacionando-se com os mercados e circuitosprodutivos dominantes, e c) tais modalidades detrabalho são historicamente determinadas, nãose confundem com a economia capitalista eexibem uma lógica econômica específica.18

Essa leitura baseia-se na ampliação verti-ginosa do setor informal, resultante das transfor-mações econômicas ocorridas nas três últimasdécadas. A Ecinf 2003 revela que a unidadeeconômica denominada de empresa informal éconstituída, sobretudo, pelo trabalhador autôno-mo, que cria, muitas vezes do quase nada, o seupróprio trabalho, contando ou não com ajuda demão-de-obra não-remunerada. As atividades

16. Oliveira, apud Cruz (2002), lembra que a violência deum certo setor informal – a dos camelôs, por exemplo –não tem nada de solidário. Pois o setor informal é a pontade um sistema desigual, que reproduz o alto consumo para alinha da pobreza, ou melhor, reproduz precariamente o quejá se faz de cima para baixo. Em verdade, os dados acimaconfirmam a ampliação das ocupações por conta própriana década de 1990 (talvez esse movimento sinalize umaaproximação entre a expansão do setor informal e a edifi-cação de uma economia solidária).17. Verifica-se um crescimento das ocupações denominadasde informais como um resultado do aumento do desempre-go, do processo de desassalariamento, do crescimento dostrabalhadores sem registro e das ocupações por conta pró-pria. Esses fatores empurram parcelas cada vez maiores dapopulação para formas alternativas de ocupação. Às pesso-as que sempre viveram de trabalhos informais, sobretudoatravés das ocupações por conta própria, soma-se um novocontingente, composto pelos trabalhadores expulsos doemprego regular e pelas pessoas que ingressam no mercadode trabalho a cada ano.

18. Usualmente, o setor informal é definido pela função doativo/trabalhador e não pela atividade, justapondo-se a di-versos critérios: trabalhadores por conta própria, contandoou não com a ajuda de mão-de-obra não-remunerada; em-presas com menos de cinco empregados; setor em que osnegócios e os contratos de trabalho não obedecem à legisla-ção trabalhista e fiscal etc. Nesses termos, a conceituaçãodo setor informal seria um movimento reflexo do setorformal: cresceria nos momentos de crise, amortecendo odesemprego gerado no setor formal. Até os anos 70, o setorinformal era entendido assim: um subproduto de um eventu-al período de crise ou insuficiente desenvolvimento do se-tor formal, que seria superado pelo desenvolvimento eco-nômico. Desse ponto de vista, não haveria razão para per-der tempo discutindo-se a viabilidade da economia infor-mal.

321

SOCIEDADE E CULTURA, V. 9, N. 2, JUL./DEZ. 2006, P. 311-325

informais estão presentes em todos os ramosde atividade, embora o setor de serviços absorvaquase metade dos empreendimentos, seguidopelo comércio (26%) e pela indústria de constru-ção civil (15,5%). O importante é lembrar que oinformal não é mais um bolsão que absorveaquilo que não serve mais ao capitalismo. Aocontrário, configura-se hoje como um sistemade empregos19 que se adapta às novas conjun-turas do mundo do trabalho. Entretanto, é neces-sário assinalar que tal sistema não representa aestrutura em rede cooperada enunciada pelaeconomia solidária, mas talvez possamos dizerque o informal é uma das faces a ser articuladapelo sistema da economia solidária.20

A grande maioria desses negócios estáorganizada com base na própria força de traba-lho do autônomo, que eventualmente conta comum sócio ou com a ajuda de um membro dafamília não remunerado. Isso nos propõe umaquestão importante: tal dado fragiliza o pressu-posto de que, na economia solidária, os arranjosprodutivos se dão em consórcio justo e igualitário.Assim, no setor informal, há um arranjo produtivoque não necessariamente privilegia a organi-zação associativa. Por outro lado, esses empre-endimentos informais conseguem se estabelecerpor até dez anos ou mais, o que sugere uma boaadministração da sustentabilidade dessas ativi-dades informais. Ou seja, para verificar se fazemparte do processo social formado pela economiasolidária, seria preciso discutir com esses traba-lhadores a lógica de organização e a viabilidadeeconômica desses empreendimentos informais.Por conseguinte, os demais ocupados na econo-mia informal – empregados com e sem carteiraassinada e trabalhadores não-remunerados – sãomajoritariamente vinculados às empresas infor-mais de propriedade de empregadores.

A maioria das empresas informais (64%no caso dos trabalhadores por conta própria e81,6% no caso de empregadores) realiza suas

Fonte: IBGE, Pnad 2004.3

Gráfico 5 – PO informal - Brasil 2004

19. Sobre este tema consultar Nunes, 2002.20. Kraychete aponta, sucintamente, duas novas visões sobreo informal que o tornariam um ponto de articulação para aeconomia solidária: a) a primeira visão, compatível com ascrenças neoliberais, propõe aos que não têm acesso aomercado formal de trabalho que adquiram uma emprega-bilidade, que se transformem em empresários de si mesmos.Segundo Kraychete (2000), seria a passagem de um paradigmaantropológico do indivíduo-máquina para o indivíduo-empresa, em que apenas os mais capazes mereceriamsobreviver. Nesse ponto de vista, o informal seria o lugarpor excelência para a realização das capacidades individuais;b) a segunda visão baseia-se nos estudos realizados sobre osempreendimentos populares (Gaiger 1999, Coraggio 2002,apud Cruz 2002) – a economia se alimentaria de inúmerasatividades, realizadas de forma individual, familiar ouassociativa, envolvendo um extenso fluxo de produção etroca de bens e serviços. Aqui, a informalidade poderiaconduzir ou ser conduzida a organizar-se de forma solidáriae cooperada, favorecida por duas características próprias:

pela flexibilidade nas relações de trabalho e atendimento àsdemandas de mercado e pela extensão de suas atividades,que existem sob várias formas: unidades domiciliares, ven-das comerciais autônomas, associações e grupos de presta-ção dos mais variados serviços etc.

322

CRUZ, TÂNIA. Ocupação no mundo do trabalho e o enfoque de gênero:...

atividades fora do local de domicílio. Entre osempreendimentos que só funcionam fora dodomicílio, porém, há uma grande diferença entreos locais de trabalho, em função da posição naocupação de seu proprietário. Enquanto sete emcada dez empresas de empregadores funcionamem loja ou oficina, 64% dos trabalhadores porconta própria exercem sua atividade no domicíliodo cliente ou em via pública. O local de trabalhoreflete em geral o nível tecnológico e o grau dedivisão do trabalho do empreendimento. Arealização de trabalho em loja ou oficina cria ascondições para que se possa investir em máqui-nas e equipamentos, que vão aprofundar a divisãode trabalho e aumentar sua produtividade. Emcompensação, o empreendedor que exerce suaatividade fundamentalmente na residência docliente ou na via pública está limitado a contarsomente com sua força de trabalho ou, no máxi-mo, a investir em equipamentos que possa carre-gar, limitando sua produtividade.21

A pesquisa lançou algumas luzes interes-santes sobre a forma de recrutamento das em-presas informais. Independentemente do gênero,85% dos empregados e não-remuneradosafirmaram terem entrado no negócio em funçãode relações pessoais. A seleção da maior partedos trabalhadores se dá, por conseguinte, me-diante uma teia de relações de parentesco e nacomunidade, em detrimento de processos maistécnicos ou impessoais de seleção (anúncios,cartazes etc.). As relações de parentesco como proprietário, por sua vez, respondem por apenas48% do total de ocupados selecionados emfunção de relações pessoais. As relações deparentesco são mais importantes para explicara entrada de mulheres no negócio, uma vez que46% das empregadas e das trabalhadoras não-remuneradas são cônjuges, filhas ou têm algumoutro parentesco com o dono da empresa infor-

mal. Esse fator explica em parte a grandeproporção de mulheres entre os trabalhadoresnão-remunerados (dos 5% de trabalhadores não-remunerados na economia informal, as mulheressão cerca de 82%).

Em relação à idade, a concentração ocorrenas faixas de 25 a 39 anos e de 40 a 59 anos,com o total de 82,9% das pessoas nessas faixas(homens e mulheres); a idade preponderanteocorre na segunda faixa, com 45,6% das pes-soas, mostrando que os negócios informaisconstituem oportunidade de ocupação importantepara as pessoas de idade mais avançada.

O rendimento médio geral de todos osproprietários, seja proveniente do trabalho nosetor informal ou a soma desse e de outro(s)trabalho(s), alcançou R$ 753,00 (outubro de2003), equivalente a 3,1 salários mínimos, sendode R$ 623,00 (2,6 salários mínimos) no caso dostrabalhadores por conta própria e R$ 1.606,00(6,7 salários mínimos) para os empregadores.A diferença de rendimento entre homens emulheres é alta: 71,5% no caso dos autônomose 26,8% para os empregadores.

Quando perguntados sobre o motivo queos levou a iniciar o negócio, a maioria dostrabalhadores por conta própria, tanto homensquanto mulheres (87,5%), aponta o fato de nãoterem encontrado emprego.

Considerações finais

A finalidade deste artigo foi desenhar umperfil dos sujeitos trabalhadores da economiasolidária com base naquilo que os dados de duaspesquisas do IBGE nos indicam. Partimos dosdados reunidos na Pnad 2004 e na Ecinf 2003, eesclarecemos que a tomada desses dois bancosde dados deu-se pelo fato de que o primeiro temabrangência nacional, é censitário e reúne oquadro geral de inserção ocupacional do brasi-leiro, enquanto o segundo, dada a sua especi-ficidade de investigar somente as característicasdas unidades produtivas autônomas (na amostrade 2003, foram cinquenta mil empreendimentosvisitados), nos permite um mergulho, um olharmais qualificado e contextualizado sobre ofuncionamento da chamada economia informal,composta em sua maioria por trabalhadores porconta própria.

21. Essas diferenças qualitativas entre empresas informaisde empregadores e o trabalho por conta própria podemtambém ser constatadas quando se analisam seus respecti-vos níveis de planejamento financeiro. Enquanto 47% dosempregadores recorrem a contadores para o registro contábilde suas atividades, 50% dos trabalhadores por conta próprianão fazem qualquer tipo de controle contábil. Por sua vez,enquanto 25% dos empregadores determinam o preço deseus produtos fixando uma margem de lucro sobre os custosde produção, a proporção de trabalhadores por conta pró-pria que faz o mesmo cai para 16%.

323

SOCIEDADE E CULTURA, V. 9, N. 2, JUL./DEZ. 2006, P. 311-325

Cabe ressaltar que a principal distinçãoentre estes dados é a cobertura pesquisada. Emrelação à Pnad, a cobertura da Pesquisa Eco-nomia Informal Urbana é de 76%. A abran-gência da pesquisa sobre economia informal éainda menor entre os ocupados não-remune-rados (29% do total da Pnad) e os empregadossem carteira assinada (15,3%). Isso significa quea Ecinf, ao realizar a pesquisa apenas na áreaurbana, acaba por excluir uma parcela signifi-cativa da população de trabalhadores por contaprópria. Ao restringir-se também aos emprega-dores com até cinco empregados, exclui de suapesquisa cerca de 26% dos empregadores (maisde seis empregados), segundo os dados da Pnad2004.

Todavia, a pesquisa Economia InformalUrbana de 2003 trouxe um conjunto importantede novas informações sobre os empreendi-mentos informais urbanos, especialmente no queconcerne às características individuais e moti-vações de seus proprietários, bem como à formade funcionamento das próprias empresas.22

Como já dito em linhas anteriores, a Ecinf nospermite qualificar e agregar mais informaçõesao perfil dos trabalhadores autônomos registra-dos pela Pnad.23

Nesse sentido, um primeiro esforço detraçar o perfil do sujeito trabalhador em contextode economia solidária está em reconhecer ecompreender o perfil e a forma de se organizardaqueles que se colocam no mundo do trabalhoa partir da autogestão de sua própria força detrabalho.

Em linhas gerais, vimos que, no Brasil, apopulação economicamente ativa é de 62%.Nesse universo, pesquisas (Hirata, 1998)mostram que as mulheres se encontram emsituação de maior precariedade, com saláriosmenores, e representam hoje cerca de 40% dostrabalhadores do setor informal, dos quais 27%estão no meio urbano e 16% no meio rural (Pnad2004). São também chefes de família em 48%dos casos e respondem sozinhas pelo orçamentofamiliar. Em geral, a força de trabalho femininatende a apresentar grau de escolaridade superiorao dos homens, mas isso não significa saláriosmelhores nem mesmo paridade salarial. Orendimento médio da mulher equivale a 81,2%do recebido pelo homem. Sobre a inserção daforça de trabalho feminina no mercado, o debatesobre a divisão sexual do trabalho e da economiasolidária suscita um outro modo de legitimar essaforça de trabalho, reconsiderando sua capaci-dade produtiva e reprodutiva para a estruturaçãosocial.

Nesse sentido, a busca de um perfil dossujeitos trabalhadores a partir de uma dadaordem cooperada e solidária deve considerar,primeiramente, a forma como a sociedade tempercebido o trabalho da mulher, tanto para amanutenção da família quanto para a tomadado espaço público. Como já assinalado, o tipode gestão social e econômica, proposto pelomovimento da economia solidária, tem comopilar a noção de reciprocidade e solidariedadeda qual está embuída a própria dinâmica decuidar da casa, da família, dos indivíduos. Querdizer, reconhecer esse trabalho implica localizare traçar linhas de apoio e desenvolvimento socialpara os sujeitos que se envolvem com a eco-nomia do cuidado, com a economia da reprodu-ção social.

Analisar e compreender as iniciativas autô-nomas de gestão do trabalho nos aproxima deindivíduos que hoje são 21% da população ativae se concentram na faixa etária entre 25 e 49

22. Dada a sua metodologia, a Ecinf 2003 abrangeu todo oespectro de atividades empresariais informais, incluindo,por exemplo, os vendedores ambulantes de roupas, de ali-mentos, de cosméticos, de bijuterias etc., e os variados ti-pos de prestadores de serviços, como cabeleireiros, eletri-cistas, pedreiros, motoristas, pessoas de apoio na área deinformática, entre diversas outras atividades. Não foramobjeto de investigação as atividades agrícolas e as seguintescategorias: os empregados domésticos, as atividades dosmoradores em áreas rurais (como o artesanato, a indústriade alimentos, serviços, entre outras) e os moradores de rua,pois as pessoas nessas situações ou já se encontram cobertaspor pesquisas específicas do IBGE (é o caso da Pnad, paratrabalhos domésticos) ou necessitam de tratamento analíti-co próprio, pelas peculiaridades que apresentam. Tambémestão excluídos da pesquisa os indivíduos em atividades ile-gais, pois a sua amostragem dos domicílios foi realizadacom probabilidade proporcional ao total de unidades ocupa-das, constantes do Censo Demográfico de 2000, estratifi-cados por grupos de atividades, com representatividade paratodas as áreas que compõem a pesquisa. Foi ainda considera-da a variável renda na estratificação dos setores, garantindoa inclusão de proprietários do setor informal das diversasclasses de renda.23. Uma primeira explicação para as diferenças de registrosquantitativos entre a Pnad e a Ecinf pode vir do fato de queo IBGE, por questões de custo operacional, não abrangeu“as atividades não-agrícolas desenvolvidas por moradoresde domicílios em áreas rurais”, que foram captadas pelaPnad 2004.

324

CRUZ, TÂNIA. Ocupação no mundo do trabalho e o enfoque de gênero:...

anos. São pessoas que, por conta própria, bus-cam superar o desemprego e manter uma rendamédia de 2,6 salários mínimos. São empreen-dedores informais, visto que lidar com asexigências de cadastro fiscal sufoca a pequenarentabilidade auferida por esse trabalho autô-nomo. Em geral, estão concentrados na área deprestação de serviços (reparação, alimentação,transporte) e comércio de mercadorias.

Quanto ao nível de instrução, 60,1% daspessoas têm, no máximo, até o ensino funda-mental. O grau universitário completo representa6,3% do total dos autônomos e 18,3% dosempregadores.

Quanto ao vínculo de trabalho, 60,9%desenvolviam atividade por tempo indetermi-nado, enquanto os demais (39,1%) trabalhampor tempo determinado, por tarefa ou outrasmodalidades.

Ao reconhecer a participação econômicadesses sujeitos trabalhadores, percebemos anecessidade de rediscutir a lógica de organi-zação e manutenção das relações de trabalho,para a construção de uma estrutura de inserçãoocupacional menos precária e instável. Isso podegerar um outro modo de articulação para aatividade humana, que tenha como meta umasustentabilidade e uma viabilidade econômicageradas a partir do trabalho cooperado esolidário.

Abstract: The aim of this article is to draw a portrait ofworkers which could be conceived as potential subjectsof the universe of solidary economics in Brazil makinguse of the analysis of information generated by IBGEresearches (Pnad 2004 and Ecinf 2003). The followingquestions are presented: who is the worker of solidaryeconomics?; which is the socioeconomic portrait ofindividuals involved in activities of entrepreneurship andsolidary economics? Traversing this debate with the studyof the category gender, the subjects placed in theconfigurations opened by cooperative and solidary workare identified. Although it is not simple to draw such aportrait, this is a necessary task. In order to carrying itout, one should dimension different existing researches orcreate another ones as a means to getting to the realityand the limits of solidary economics of contemporarysociety.

Key-words: solidary economics; gender; occupationalinsertion.

Referências

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho. São Paulo:Cortez, 1995.BANDEIRA, Lourdes Maria. Políticas públicas eviolência de gênero: uma discussão a partir dasdelegacias especializadas de atendimento à mulher(Deams) da Região Centro-Oeste. Brasília: Unb,Departamento de Sociologia. [Mimeo, 2003]._____. Um caminho longo até a equidade. UnB naImprensa (Jornal Eletrônico). Disponível em: http//:www.br/acs/acsweb/cliping/caminho – longo.htm.Acesso em: 8/032004.BARROS, Cleyton Miranda. Gestão de empreen-dimentos solidários. 2003. Monografia (Bachareladoem Administração) – Centro Federal de EducaçãoTecnológica da Bahia.BOURDIEU. Sociologia. São Paulo: Ed. Ática, Cole-ção Grandes Cientistas Sociais. 1982.BRUSCHINI, C. & UNBEHAUM (Orgs). Gênero,democracia e sociedade brasileira. São Paulo: Fun-dação Carlos Chagas: Ed. 34, 2002.CATTANI, Antonio David (Org.). A outra economia.Porto Alegre: Veraz, 2003.CAILLÉ, A. Une soirée à l’Ambroisie: rudimentsd’une analyse structurale dudon. La Revue duMauss, 11, 1989._____. Nature du don archaïque. La Revue duMauss, 12.(1993), La émission des clercs, 1991._____. Critique de la raison utilitaire. Paris: LaDécouverte, 1991a._____. Sacrifice, don et utilitarisme; notes sur lathéorie du sacrifice. 1995CRUZ. T. S. Iniciativas populares de geração derenda: participação popular e empreendimentossolidários em Santa Maria/DF. Brasília, 2002.Dissertação (Mestrado) – Departamento de Socio-logia, ICS da UnB.DIEESE - SEAD. Cresce a participação da mulher nomercado de trabalho. Internet, disponível em: <www.dieese.org.br/esp/es2mai97.html.> Acesso em 16/6/2004.FRANÇA FILHO, Genauto Carvalho de. Terceirosetor, economia social, economia solidária e eco-nomia popular: traçando fronteiras conceituais.Bahia Análises & Dados. Salvador: SEI v.12, n.1, p.25-34, jun. 2002.GAIGER, Luiz Inácio Germany. A economia solidáriano RS: Viabilidade e perspectivas. RS: Unisinos,1999._____. Sentido e possibilidades da economia soli-dária hoje. In: KRAYCHETE, G.; LARA, F.; COSTA

325

SOCIEDADE E CULTURA, V. 9, N. 2, JUL./DEZ. 2006, P. 311-325

B. (Orgs). Economia dos setores populares: entre arealidade e a utopia. Petrópolis: Vozes, 2000.GODBOUT, J. T. e CAILLÉ, Alain. L’esprit du don.Paris: La Découverte, 1994..GUÉRIN, Isabelle. Femmes et économie solidaire.Paris: La Découverte, 2003.HEILBORN, M. L. Gênero e condição feminina.Mulher e políticas públicas. Ibam/Unicef, 1991.HIRATA, Helena. Reestruturação produtiva, trabalhoe relações de gênero. Revista Latino Americana deEstúdios del Trabajo. Ano 4, número 07, 1998.IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domi-cílios: Brasil 2004. Rio de Janeiro: IBGE, 2004._____. Economia informal urbana 2003. Rio deJaneiro: IBGE, 2005. 158p.KRAYCHETE, Gabriel (Org.). Economia dos setorespopulares: entre a realidade e a utopia. Petrópolis-RJ: Vozes, 2000. p. 91-131.LECHAR, Noëlle Marie Paule. As raízes históricasde economia solidária e seu aparecimento no Brasil.Anais... In: Seminário das Incubadoras Tecnoló-gicas de Cooperativas Populares. Campinas,20.mar.2002. Disponível em: www.Unicamp.br.Acesso em: 29.nov.2003.LISBOA, Armando de Melo. Os desafios daeconomia popular solidária. Disponível em:www.Unisinos.br. Acesso em: 29.nov.2003.

MELO, Lígia Albuquerque de. A realidade daprodutora rural na seca nordestina. Disponível em:http://www.fundaj.gov.br/tpd/127.html. Acesso em:10/10/2004.

MOURA, Maria Suzana; MEIRA, Ludmila. Desafiosda gestão de empreendimentos solidários. BahiaAnálises & Dados. Salvador: SEI v.12, n.1, p.77-84,jun. 2002.

NUNES, Christiane Girard Ferreira. Economia soli-dária em tempos sombrios. Revista Ser Social. Brasí-lia: Programa de Pós-graduação do Dep. de ServiçoSocial da UnB, n. 5, 1999.

_____. Dossiê: globalização e trabalho – perspec-tivas de gênero. Brasília: CFêmea/FIG-Cida, 2002.

_____; SORIA, Anália L. Crise econômica e crise nacultura do trabalho. Sociedade e Estado – Trabalho:Crise e Reconstrução. Vol. XI, n. 2, Brasília: Dep. deSociologia, UnB, 1996.

RUAS, Maria das Graças; ABRAMOVAY, Miriam(Orgs.) Companheiras de luta ou “coordenadorasde panelas”? As relações de gênero nos assenta-mentos rurais. Brasília: Unesco, 2000.

SINGER, Paul. A economia solidária no Brasil. SãoPaulo: Ed. Contexto, 1999.

_____; MACHADO, João. Economia socialista.São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.