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Page 1: Obra é fruto de pesquisa desenvolvida por historiadora no ... · jornal Gazeta do Rio de Janeiro, primeira folha impressa no país [1808- 1821], mostra como a corte joanina imprimiu

Universidade Estadual de Campinas – 9 a 15 de junho de 2008 5

Jornal da Unicamp – Como trans-correu seu trabalho de prospecção domaterial usado na pesquisa?

Juliana Gesuelli Meirelles –Minha pesquisa começou em 2003.De início, pesquisei a coleção mi-crofilmada da Gazeta do Rio de Ja-neiro presente no Arquivo EdgardLeuenroth [AEL] do Instituto deFilosofia e Ciências Humanas daUnicamp [IFCH]. Neste arquivo,também tive contato com outrosjornais do período joanino quemuito me auxiliaram a enxergaruma nova dimensão do nascimen-to da imprensa no Brasil.

Em 2004, fui contemplada comuma bolsa da Cátedra Jaime Cor-tesão (FFLCH-USP) que me per-mitiu pesquisar em Portugal,durante dois meses – entre maioe julho de 2005. Nesse período,encontrei fontes documentaisimportantíssimas. Elas me deramuma nova dimensão da importân-cia da Gazeta do Rio Janeiro, agorasob uma perspectiva transatlân-tica, uma vez que o jornal circu-lava em Portugal e era editadopelos jornais portugueses entre osanos de 1808 e 1821. Enfrenteimuitas dificuldades na análise domaterial, sobretudo diante das du-as coleções de A Gazeta na Bibliote-ca Nacional de Lisboa e na Biblio-teca D’ajuda, que tinham marcas eescritos a bico de pena de leitoresou colecionadores. Tive que estu-dar muito teoria da história, termuito método e sensibilidade parachegar a algumas conclusões.

JU – Em que medida o livro am-plia o espectro da investigação fei-ta durante sua dissertação?

Juliana Gesuelli Meirelles –Na medida em que o livro chega

ao grande público, abre um novocampo de discussão sobre o nas-cimento da imprensa no Brasil ecoloca a Gazeta do Rio no centrodeste debate, sobretudo entre osjornalistas e historiadores.

O fato de a imprensa brasileiracompletar 200 anos, em 2008,também é fundamental. O fatode a Gazeta ser oficial não a dimi-nui como marco inaugural do jor-nalismo brasileiro. Ao contrário,mostra como a produção e circu-lação de uma folha governamen-tal podem extrapolar questõesrestritas ao interesse político dogoverno joanino.

JU – Você preocupou-se em situarhistoricamente a importância daimprensa no período anterior à suaimplantação no Brasil, inclusivemencionando suas ramificações emoutros países da Europa – além, éobvio, de Portugal – no século XVIII.Em que medida a imprensa colabo-rou no âmbito dos hábitos e costu-mes e dos debates políticos – e, emúltima instância, para a história?

Juliana Gesuelli Meirelles – Aintrodução da imprensa transfor-ma, de forma decisiva, a relaçãoda sociedade com o poder insti-tuído. Mesmo censurada nas in-formações políticas. Pelos avisosda Gazeta, é possível conhecermuitos dos novos hábitos e cos-tumes que surgiam, da alimenta-ção à venda de escravos. Vemos,a partir daí, como as pessoas pu-blicavam coisas de seus interes-ses no jornal e o utilizavam comomeio privilegiado de interaçãocoletiva em sociedade. O cotidia-no da população passava portransformações profundas.

Quanto aos debates políticos,

foi possível visualizar fatos desuma importância para a mo-narquia portuguesa nas páginasda Gazeta, mesmo que sob umaótica parcial. Além disso, há a dis-cussão desses eventos políticos noespaço público. É possível fazer acrítica dos fatos e, ao final doperíodo, com o nascimento de ou-tros jornais, ter visões diferentessobre a mesma questão coletiva.

Todas essas mudanças já apon-tam o quanto a dimensão da im-prensa foi fundamental nas trans-formações históricas que come-çam no período joanino e apare-cem com mais força no períodoque antecedeu a Independência,quando a imprensa já se tornapalco de um debate público sobreos rumos da nação.

JU – A Impressão Régia já nas-ceu sob censura prévia. Quais fo-ram as conseqüências disso para aspublicações que viriam em segui-da? E para a formação da impren-sa no Brasil?

Juliana Gesuelli Meirelles – Oranço da censura é muito forte noBrasil. Essa tradição aparece navida política e cultural do país,invariavelmente. Logo após a sus-pensão da censura prévia, vem aexplosão de escritos, debates, nas-cimentos de jornais e circulaçãode obras antes proibidas. No en-tanto, logo no Primeiro Reinado asperseguições a jornalistas, entre osquais Luis Augusto May ou FreiCaneca, acontecem de forma vio-lenta... Ou seja, durante as pri-meiras quatro décadas do séculoXIX, a prática da liberdade deimprensa estava sendo construí-da numa relação muito tensacom o poder institucionalizado.

Hoje, depois de tantas experiên-cias traumáticas de censura, so-bretudo no período Vargas e naditadura militar, vemos umaimprensa atuante, investigativae opinativa. Mas, em muitos mo-mentos, ainda subserviente aopoder... Sempre haverá uma ten-são muito forte entre o poder

da imprensa e as suas conse-qüências políticas. O atual gover-no não lida de forma amistosacom essa relação, e nossos jorna-listas lutam por uma imprensamais crítica... Porém, há ainda umlongo caminho a trilhar. Talvez,devamos aprofundar ou mudaros olhares e as óticas pelas quaisenxergamos a realidade política.Pode ser que ainda falte ao cida-dão brasileiro uma compreensãomais ampla entre o limite e as di-ferenças que permeiam o univer-so público e privado.

JU – Em que medida os “produ-tos” derivados da Impressão Régiaintroduziram novos paradigmas emdiferentes áreas do conhecimento?

Juliana Gesuelli Meirelles –Foi possível conhecer diversastemáticas em profundidade apartir da prática da leitura delivros impressos que passaram acircular em várias áreas, entre asquais Teologia, História, Econo-mia e Literatura. As pessoas po-diam conhecer obras há muitoproibidas e refletir sobre as múl-tiplas implicações para a realida-de cotidiana da corte ou imperi-al, do império português.

JU – Quais eram as diferençasmais visíveis entre a Gazeta do Riode Janeiro e o Correio Braziliense?

Juliana Gesuelli Meirelles – OCorreio era um jornal de crítica aogoverno e à política joanina. Emprimeiro lugar, defendia a liberda-de de imprensa, e também era fa-vorável a uma monarquia consti-tucional aos moldes ingleses. Paramim, essas são diferenças centrais.

JU – Como era a relação da Ga-zeta com o público leitor? Qual foisua importância na promoção dodiálogo com Portugal?

Juliana Gesuelli Meirelles – Asrelações eram muito complexas.Em primeiro lugar, o discurso eraescrito sob um perspectiva tran-satlântica, o que pensa o diálogocom o público pelas duas margensdo oceano. Isto é, o público são ossúditos do império.... E o jornal dia-loga com esse público ao tentarpassar uma imagem mitificada deD. João como o salvador e protetordo Novo e do Velho Mundo, sobre-tudo por meio do discurso da im-prensa. Mesmo distante dos por-tugueses, tem o objetivo de nãomostrar abandono, pelo contrário.É a figura do monarca zeloso pa-ra com os seus vassalos que erasempre exaltada.

JU – Nesse contexto, o jornal teve

algum papel na transição políticaque se ensaiava à época?

Juliana Gesuelli Meirelles –Teve, sim. Durante todo o períodojoanino, a Gazeta foi uma fonte de

informação importantíssima so-bre os “feitos” do monarca e darealeza. Para além disso, a lógicae as controvérsias discursivas daGazeta contribuem e em todos os“tempos” políticos que, de formasdiferentes, repensavam a estru-tura do Império Português. Dasguerras napoleônicas ao diálogotravado com os revolucionáriosdo Porto, ao final do período, em1820, ou mesmo – e principalmen-te – as conseqüências adversas de-correntes desse processo, em 1821,com a volta de D. João para Lisboa.

JU – Em que medida, na sua opi-nião, a Gazeta refletia a socieda-de da época? É possível “recons-tituí-la” por meio de sua leitura?

Juliana Gesuelli Meirelles –Não entendo a Gazeta como um re-flexo da sociedade da época, massim como um espaço indispensá-vel para que os sujeitos históricosfossem agentes da sua própriahistória e do seu próprio tempo,fossem eles os produtores ou osleitores do jornal. Nessa relaçãotão complexa é que enxergamosvieses da sociedade joanina pelaspáginas do jornal.

JU – Como historiadora, que a-valiação você faz da atuação da cor-te joanina?

Juliana Gesuelli Meirelles –Para além do absolutismo e dacensura, que foram fatores polí-ticos nocivos à constituição de u-ma sociedade mais livre e plural,houve o nascimento de espaçosde sociabilidade e cultura, com avalorização do ensino, da educa-ção e da leitura, que muito trans-formaram e dignificaram a cultu-ra e a sociedade brasileira.

JU – Na condição de jornalista,como você vê a imprensa brasilei-ra hoje?

Juliana Gesuelli Meirelles –Um tanto sensacionalista e ain-da elitista. Mas caminhando paraum espaço de maior democrati-zação seja quanto à informaçãode qualidade, seja com espaçopara um debate de idéias maisequilibrado. Os blogs fazem es-se papel e o leitor conquista cadavez mais seu espaço.

Livro retrata o nascimento da imprensa no paísObra é fruto de pesquisa desenvolvida por historiadora no IFCH e premiada em concurso internacional

ÁLVARO [email protected]

imprensa brasileira completa neste mês 200 anos. Efemérides àparte, o livro Imprensa e poder na corte joanina, da historiadorae jornalista Juliana Gesuelli Meirelles, é leitura obrigatória para a

compreensão dos primórdios do jornalismo no país. Não por acaso, adissertação que originou a obra conquistou no ano passado o primeirolugar no Prêmio Dom João VI de Pesquisa. A pesquisa, intitulada “AGazeta do Rio de Janeiro e o impacto na circulação de idéias no Impérioluso-brasileiro (1808-1821)”, foi desenvolvida no Instituto de Filosofia eCiências Humanas da Unicamp (IFCH), sob orientação da professoraLeila Mezan Algranti.

“Quis compreender a estruturação, o enraizamento, o nascimento e asimplicações da imprensa no Brasil, assim como a sua dimensão políticanas transformações do espaço público”, afirma Juliana. A pesquisadoratranscendeu em muito a proposta inicial. No livro, cujo lançamento seráno próximo dia 18 (veja serviço), Juliana, a partir – mas não apenas – dojornal Gazeta do Rio de Janeiro, primeira folha impressa no país [1808-1821], mostra como a corte joanina imprimiu sua marca, promovendotransformações profundas na sociedade brasileira. Para tanto, ahistoriadora, por meio de um impressionante trabalho de investigação,não deixou que sua pesquisa ficasse circunscrita a limites geográficose ao período retratado – Juliana navegou nos dois lados do Atlântico efoi buscar as raízes das mutações que deixaram seu legado naconstituição da sociedade brasileira.

A

A historiadora e jornalista JulianaGesuelli Meirelles: “Ao chegar aogrande público, o livro abre um novocampo de discussão sobre o nascimen-to da imprensa no Brasil”

D. João VI, em óleo deJosé Inácio de S. Paio:

“salvador e protetor” doNovo e do Velho Mundo

Festa no Rio de Janeiro,em ilustração da

Fundação da BibliotecaNacional: novos arescom a corte joanina

Obra: Imprensa e poderna corte joanina

Autora: Juliana Gesuelli MeirellesEditora: Arquivo NacionalPreço: R$30,00 (por meio

do Arquivo Nacional)Lançamento: Dia 18, às 19h00, na

Fnac (Shopping D. Pedro)

SERVIÇOSERVIÇO

Reprodução

Foto: Antoninho Perri