obadias, jonas, miquéias, naum, habacuque e sofonias - introdução e comentário

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Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque e Sofonias introdução e comentário David W. Baker T. Desmond Alexander Richard J. Sturz

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Obadias, Jonas,Miquéias, Naum,

Habacuque e Sofonias

introdução

e comentárioDavid W. BakerT. Desmond Alexander

Richard J. Sturz

S É R I E C U L T U R A B Í B L I C A

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Obadias, Jonas, 

Miquéias, Naum, 

Habacuque e Sofonias

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Dados internacionais de catalogaçio na publicaçSo ( c i p )

(Câmara Brasileira do Livro, sp , Brasil)

Baker, David Weston, 1950-Obadias, Naum, Habacuque, Sofonias / David Weston Baker.

Jonas / Thom as Desmond Alexander. M iquéias / Richard J. Sturz.

- Säo Paulo : Vida Nova, 2001. - (Cultura bi bl ica ; v. 23)

Titulo origina): Tyndale Old Testament Commentaries.Tradução: Obadias / Robinson Malkomes. Jonas, Miquéias, Naum,

Habacuque, Sofonias / Márcio Loureiro Redondo. Introdução deMiquéias / Fabiani S. Medeiros.

Obra em 44 vol.BibliografiaISBN 85-275-0190-2

1. B iblia. A.T. Habacuque - Comentários 2. Biblia. A.T Introduções3. Bíblia. A. T. Jonas - Comentários 4. Bíblia. A. T. Miquéias - Comentários

5. Biblia. A. T. Naum - Comentários 6. Biblia. A. T. Obadias - Comentários7. Biblia. A. T. Sofonias - Comentários I. Alexander, T. D. 1955- ü. Sturz,Richard. Hl. Título: IV. Título: Jonas. V. Título: Miquéias. VI. Série.

96-3005 CDD-224.907

índices para catilogo sistemático:

1. Comentários : Profetas menores : Livros proféticos : AntigoTestamento 224.907

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Obadias, Jonas, 

Miqueias, Naum, 

Habacuque e Sofonias

David W. Baker T. Desmond Alexander 

Richard J. Sturz

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Obadias, Naum, Habacuque e Sofonias © 1988 David W. BakerJonas © 1988 T. Desmond Alexander

Miquéias © 1991 Richard J. Sturz

Obadias, Jonas, Naum, Habacuque e Sofonias foram primeiramente publicados em 1988 pela InterVarsity Press,

de Leicester, Reino Unido, sob os títulosObadiah, Jonah, Nahum, Habakkuk and Zephaniah 

e fazem parte da série Tyndale Old Testament Commentaries.

1*edição: 2001

Publicados no Brasil com a devida autorizaçãoe com todos os direitos reservados por

Sociedade R eligiosa Edições Vida Nova,

Caixa Postal 21486, São Paulo-SP04602-970

Proibida a reprodução por quaisquermeios (mecânicos, eletrônicos, xerográficos,

fotográficos, gravação, estocagem em banco dedados, etc.), a não ser em citações breves,

com indicação de fonte.

 Printed in Brazil  / Impresso no Brasil

ISBN 85-275-0210-0

Tradução • R obinson Malkomes, Fabiani S. Medeiros e Márcio Loureiro R edondo 

Preparação de texto • Lucy Yamakami Revisões • Fabiani S. Medeiros e Eber  Cocareli 

Coordenação editorial • R obinson Malkomes Diagramação • Janete D. Celestino Leonel 

Coordenação de produção • R oger  Luiz Malkomes

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CONTEÚDO

PREFÁCIO GERAL 7PREFÁCIO À EDIÇÃO EM PORTUGUÊS 9ABREVIATURAS PRINCIPAIS 11BIBLIOGRAFIA SELECIONADA 13

OBADIAS

PREFÁCIO DO AUTOR 23INTRODUÇÃO

Edom no espaço e no tempo 25Obadias: 0 homem e sua época 26O livro 28A mensagem 30

ANÁLISE 33COMENTÁRIO 35

JONAS

PREFÁCIO DO AUTOR 55MAPAS

Localização de Társis 57A Assíria do século viu a.C. 58

INTRODUÇÃOAutoria e data 59Unidade de composição 72Gênero literário 79Propósito 92O sinal de Jonas 103O texto de Jonas 106

ANÁLISE 109COMENTÁRIO 111

 NOTA ADICIONALA estrutura de Jonas 1.4-16 122

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CONTEÚDO

MIQUÉIASPREFÁCIO DO AUTOR 153INTRODUÇÃO 155

Época, autoria e data 155O contexto histórico da profecia 162A estrutura da profecia 17 0A teologia de Miquéias 177

COMENTÁRIO 193

NAUM

291295295296297299

301303

306

HABACUQUE

323323

324325327329331

SOFONIAS

INTRODUÇÃO 365A época e os povos 365O homem 368A mensagem 368O livro 370

ANÁLISE 375COMENTÁRIO 377

INTRODUÇÃOO homem

A épocaO livroA mensagem

ANÁLISECOMENTÁRIO

PREFÁCIO DO AUTORINTRODUÇÃO

O homemA épocaO livro e sua estruturaA mensagem

ANÁLISECOMENTÁRIO NOTA ADICIONAL

Perguntas retóricas

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PREFÁCIO GERAL

O objetivo desta série de comentários sobre o Antigo Testamento,tal como aconteceu nos volumes equivalentes sobre o Novo Testamento, é oferecer ao estudioso da Bíblia um comentário atual e práticode cada livro, com a ênfase principal maior na exegese. As questõescríticas mais importantes são discutidas nas introduções e notas adicionais, ao passo que detalhes excessivamente técnicos são evitados.

 Nesta série, cada autor possui, naturalmente, plena liberdade para prestar suas próprias contribuições e expressar seu ponto de vista pessoal em todas as questões controvertidas. Dentro dos limites necessários de espaço, eles muitas vezes procuram chamar a atenção parainterpretações que eles mesmos não endossam, mas que representam

conclusões defendidas por outros cristãos sinceros.Os livros de Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque e So-

fonias abrangem um período importante, embora turbulento, dahistória de Israel, durante o qual os profetas advertiram sobre o juízoque viria caso Israel se recusasse a se converter a Deus, abandonando aapostasia e praticando uma justiça social efetiva. Esse período culminou com a queda de Jerusalém em 587 a.C. e com o exílio na Babi

lônia. No Antigo Testamento em particular, nenhuma tradução sozinha

consegue refletir o texto original. Os autores desta série utilizam livremente várias versões ou oferecem a sua própria tradução. Onde necessário, as palavras do texto aparecem transliteradas, para ajudar oleitor que não esteja familiarizado com as línguas semíticas a identificar precisamente a palavra em questão. Presume-se, a cada passo, que

o leitor tenha livre acesso a uma ou mais versões fidedignas da Bíblia.O interesse no significado e na mensagem do Antigo Testamentocontinua constante, e esperamos que esta série venha a incentivar o estudo sistemático da revelação de Deus, de Sua vontade e de Seuscaminhos registrados nas Escrituras. A oração do editor e dos publi-

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 PREFÁCIO GERAL

cadores, bem como dos autores, é que estes livros ajudem muitos a entender a Palavra de Deus e a lhe prestar obediência nos dias de hoje.

 D. J. Wiseman

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PREFÁCIO À EDIÇÃO EM PORTUGUÊS

Todo estudioso da Bíblia sente a falta de bons e profundos comentários em português. A quase totalidade das obras que existem entre nós peca pela superficialidade, tentando tratar o texto bíblico em poucas linhas. A Série Cultura Bíblica vem remediar esta lamentável

situação sem que peque, de outro lado, por usar de linguagem técnica ede demasiada atenção a detalhes.

Os comentários que fazem parte desta coleção são ao mesmotempo compreensíveis e singelos. De leitura agradável, seu conteúdo éde fácil assimilação. As referências a outros comentários e as notas derodapé são reduzidas ao mínimo, mas nem por isso são superficiais.Reúnem o melhor da perícia evangélica (ortodoxa) atual. O texto é

denso de observações esclarecedoras.Trata-se de obra cuja característica principal é a de ser mais

exegética do que homilética. Mesmo assim, as observações não são deteor acadêmico. E muito menos são debates infindáveis sobre minúciasdo texto. São de grande utilidade na compreensão exata do texto e pro porcionam assim o preparo do caminho para a pregação. Cada comentário consta de duas partes: uma introdução que situa o livro bíblico no

espaço e no tempo e um estudo profundo do texto, a partir dos grandestemas do próprio livro. A primeira trata as questões críticas quanto aolivro e ao texto. Examinam-se as questões de destinatários, data e lugarde composição, autoria, bem como ocasião e propósito. A segundaanalisa o texto do livro, seção por seção. Atenção especial é dada às

 palavras-chave, e a partir delas procura-se compreender e interpretar o próprio texto. Há bastante “carne” para mastigar nestes comentários.

Com preços moderados para cada exemplar, o leitor, ao completar a coleção, terá um excelente e profundo comentário sobre todo oAntigo Testamento. Pretendemos, assim, ajudar os leitores de língua portuguesa a compreenderem o que o texto veterotestamentário de fatodiz e o que significa. Se conseguirmos alcançar este propósito seremos

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gratos a Deus e ficaremos contentes, porque este trabalho não terá sidoem vão.

 Richard J. Sturz

 PREFÁCIO À EDIÇÃO EM PORTUGUÊS 

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ABREVIATURAS PRINCIPAIS

Obras de referência

 ANET   J. B. Pritchard,  Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament  (Princeton University, 21955; 31969).

BDBF. Brown, S. R. Driver e C. A. Briggs,  Hebrew and  English Lexicon o f the Old Testament  (Clarendon, 1906).

G-K Gesenius-Kautzsch, Hebrew Grammar, ET, 1910. IBD  J. D. Douglas et al.  (eds.), The Illustrated Bible

 Dictionary, 3 vol. (IVP, 1980). IBDS   K. Crim et al.  (eds.), The Interpreter ’s Dictionary o f the 

 Bible, volume suplementar (Abingdon, 1976). NDB  J. D. Douglas et al.  (eds.), O Novo Dicionário da Bíblia

(Vida Nova, 1966). POTT   D. J. Wiseman (ed.),  Peoples o f Old Testament Times 

(Oxford University, 1973).

Periódicos

CBQ Catholical Biblical Quarterly. JBL Journal o f Biblical Literature.

 JNES Journal o f Near Eastern Studies. JR Journal o f Religion.OTS Oudtestamentlische Studien.VT Vetus Testamentum.

 ZA W Zeitschrift fu r die alttestamentliche Wissenschaft.

Textos e versões

AEC Almeida Edição Contemporânea.a r a   Almeida Revista e Atualizada.ARC Almeida Revista e Corrigida.AV Authorized Version (Tradução de King James).

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 ABREVIA TURAS PRINCIPAIS 

BHS A. Alt et al.  (eds.),  Bíblia Hebraica Stuttgartensia (Deutsche Bibelstiftung Stuttgart, 1967/77).

BJ A Bíblia de Jerusalém, 1985.BLH Bíblia na Linguagem de Hoje, 1988.IBB Versão Revisada de Almeida, publicado pela Imprensa

Bíblica Brasileira, 1988.JB La Bible de Jérusalem.LXX Septuaginta (Tradução grega pré-cristã do Antigo Testa

mento).MMM Manuscritos do Mar Morto.

 NEB  New English Bible, 1970. NIV  New International Version, 1978.PIB Pontifício Instituto Bíblico de Roma, 1969.RSV Revised Standard Version, 1952.TB Tradução Brasileira.TM Texto Massorético.

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BIBLIOGRAFIAS SELECIONADAS

Comentários e obras para Obadias, Jonas e Miquéias

Allen, C. L., The Books of Joel, Obadiah, Jonah, and Micah in: The New International Commentary on the OT. (Grand Rapids: Eerd-mans, 1976). 427 p.

Archer, G., A Survey of OT Introduction. (Chicago: Moody, 1974[1964]). 507 p. Merece Confiança o AT. (São Paulo: Vida Nova,1974). 575 p.

Barros, E. Thenn., Assim Falou Deus (São Paulo: Imprensa Metodista,s.d.) 215 p.

Beecher, W. J., The Prophets and the Promise (Nova Iorque: Crowell,1905). 427 p.

Bennett, T. Miles., The Book o f Micah (Grand Rapids, Baker, 1968).Bentzen, A., Introduction to the OT (Copenhagen: Gad, 1949). 2 v. In

trodução ao AT (São Paulo: ASTE, 1968). 2 v.Briggs, C. A., Messianic Prophecy (Edimburgo: T & T. Clark, 1886).

519 p.Bright John., The History of Israel (Filadélfia: Westminster, 1981).

511 p. A História de Israel (São Paulo: Paulinas, 1978). 692 p.

Calvino, João., The Minor Prophets (Grand Rapids: Association Publishers). v. VI s.d.Clark, D. J. & Mundhenk N., A Translator’s Handbook on the Books

of Obadiah and Micah (Londres: United Bible Societies, 1982).208 p.

Copass, B. A., Manual de Teologia do VT (São Paulo: EBED, 1958).190 p.

Copass, B. A. & Carlson E. L., A Study of the Prophet Micah (GrandRapids: Baker, 1950). 169 p.

Crabtree, A. R., A esperança messiânica (Rio de Janeiro: Casa Publi-cadora Batista, 1935). 332 p.

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 BIBLIOGRAFIAS SELECIONADAS 

 ________ .,“Miquéias” in: Profetas Menores (Rio de Janeiro: JUERP,

1971). p. 119-191.

 ________ ., Teologia Bíblica do VT (Rio de Janeiro: Casa PublicadoraBatista, 1960). 307 p.

Cullmann, O., Christ and Time (Filadélfia: Westminster, 1964). 253 p.Deane, E. J., “Micah” in Pulpit Commentary (Chicago: Wilcox and

Follett. s.d).Ellul, J., The Meaning of the City (Grand Rapids: Eerdmans, 1970).

209 p.

Farrar, F. W., The Minor Prophets (Nova Iorque: Revell, s.d). 245 p.Feinberg, C. L., Jonah, Micah, and Naum (Nova Iorque: AmericanBoard o f Missions to Jews, 1951). p. 53-122.

Girdlestone. Synonyms of the OT (Grand Rapids: Eerdmans, 1951).346 p.

Gutiérrez, “Freedom and Salvation” in: R. Shaull & Gutiérrez. Liberation and Change (Atlanta: John Knox, 1977). 200 p.

Hall, H. R., Ancient History of the Near East (Nova Iorque: MacMillan, 1935). 602 p. História Antiga do Oriente Próximo (Rio de Janeiro: Casa do Estudante, 1948). 618 p.

Hengstenberg, E. W., “Micah” in Christology of the OT (Edimburgo:T & T ,  Clark, 1878). v. I. p 413-523.

Hoonacker, A Van., “Michée” in Les Douze Petits Prophètes (Paris: J.Gabalda, 1908). p. xvil-xvill 339-411.

Imschoot, P. Van., Théologie de l’Ancien Testament (Tournai: Des-clée, 1954). 2 v.

Jacob, E., Théologie de l’Ancien Testament (Neuchâtel: Delachaux,1955). 287 p.

Jeremias, Alfred., The OT in the Light of the Ancient East (Nova Iorque: Williams and Northgate, 1911).

Kaiser, W. C., Toward a Theology of the OT (Grand Rapids: Zonder-van, 1978). 303 p. Teologia do AT (São Paulo: Vida Nova, 1980).

Kent, C. F., The Kings and Prophets o f Israel and Judah (Nova Iorque:Scribner’s, 1909). 323 p.

Kleinert, P. & Bliss G. R., The Book of Micah (Nova Iorque: Scribners’, 1874). pp. 1-59 in J. P. Lange, ed. OT Commentary on the

Scriptures, v. XVI.

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 BIBLIOGRAFIAS SELECIONADAS 

Kirkpatrick, A. F., The Book os Psalms (Cambridge: University Press,

1910). 852 p. ________ . The Doctrine of the Prophets (Londres: MacMillan, 1897).544 p.

Langston, A. B., Teologia do VT (Rio de Janeiro: Casa PublicadoraBatista, 1941). 527 p.

Läpple, A., Mensagem Bíblica para nosso Tempo (Lisboa: Paulínias,1968). 551 p.

LaSor, W. S. et. al., OT Survey (Grand Rapids: Eerdmans, 1985). 686 p. Introdução ao Antigo Testamento (São Paulo: Vida Nova,1999).

Leathes, S. M., The Law in the Prophets (Londres: Eyre and Spottis-woods, 1891). 312 p.

Lods, A., Les Prophètes d’Israël et les Débuts du Judaisme (Paris: Al bin Michel. 1950). 440 p.

 ________ ., Israël, des Origenes au Milieu du ville Siècle (Paris: Albin

Michel, 1949).Maillot, A. & Lelièvre, A., Actualité de Michée — un grand petit pro

 phète (Genebra: Labor et Fides, 1976). Atualidade de Miquéias(São Paulo: Paulinas, 1980). 179 p.

Margolis, M., Micah (Filadélfia: Jewish Publication Society, 1908).104 p.

Mays, J. L., Micah in The OT Library (Filadélfia: Westminster, 1976).

169 p.McGlothlin., Micah in The American Commentary (Filadélfia: Baptist

Publishing Society, 1935). v. I.Montefiore., The Origin and Growth of Religion as Ilustrated by Re

ligion of the Ancient Hebrews, being The Hibbert Lectures for1892 (Londres: Williams and Norgate, 1893). 576 p.

Monti, D. P., Voces del Passado, (Buenos Aires: 1964). 239 p.

 Neher, A., L’Essence du Prophétisme (Paris: Presses Universitaires,1955). 359 p.Pott, H., El Mensaje de los Profetas Menores (Grand Rapids: TELL,

1977).Pusey, E. B., “Micah” in The Minor Prophets (Nova Iorque: Funk and

Wagnalls, 1885). v. II. p. 1-104.

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 BIBLIOGRAFIAS SELECIONADAS 

Rad, G. von, OT Theology. 2 v. Teologia do AT (São Paulo: ASTE). ________ . Day in the Old Testament in G. Kittel, ed. TDNT (Grand

Rapids: Eerdmans, 1964). v. II., pp. 943-947.Renckens, H., The Religion of Israel (Nova Iorque: Sheed and Ward,

1965). 370 p. A Religião de Israel (Petrópolis: Vozes, 1969). 291

P-Rodrigues, J. C., Estudo Histórico-Crítico sobre o Velho Testamento

(Rio de Janeiro: ed. do autor, 1921). 2 v.Rowley, H. H., The OT and Modem Study (Oxford: Clarendon, 1961).

405 p.Rust, E. C., “The Theology of the Prophets”, Review and Expositor,

v. 74 (1977), 3,337-352.Scott, R. B. Y., The Relevance o f the Prophets (Nova Iorque: MacMil

lan, 1968 [1944]). 248 p. Os Profetas de Israel, nossos Contem porâneos (São Paulo: ASTE, 1968). 241 p.

Schultz, J. J., History of Israel in the OT. História de Israel no AT (São

Paulo: Vida Nova, 1977). 413 p. _______ . The Prophets Speak. (Nova Iorque: Harper and Row, 1968).159 p.

Smith, G. A., “Micah” in The Twelve Prophets (London: Hodder andStoughton, s.d. [entre 1895 and 1900]). v. I. p. 357-439.

Smith, J. M. P., Micah et al. in: The International Critical Commentary(Edimburgo: T & T Clark, 1948). p. 5-156.

Snaith, N. H., The Distinctive Ideas of the OT (London: Epworth,1960). 194 p.

Tait, A. J., The Prophecy of Micah (Nova Iorque: Scribner’s, 1917).127 p.

Thiele, E. R., A Chronology of the Hebrew Kings (Grand Rapids:Zondervan, 1977). 93 p.

Unger, M., Archaeology of the OT (Grand Rapids: Zondervan, 1954).339 p. Arqueologia do Velho Testamento (São Paulo, IBR, 1980).

Yates. K. M., Predicando de los Libros Proféticos (El Paso: Casa Bautista de Publicaciones, 1954). p. 154-181.

Young, E., An Introduction to the OT (Grand Rapids: Eerdmans, 1969[1956]). 432 p. Introdução ao AT (São Paulo: Vida Nova, 1964).432 p.

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 BIBLIOGRAFIAS SELECIONADAS 

Willis, J. T., “The Structure o f Micah 3-5” in: ZAW, v. 81 (1969),  p.

529-547.

Comentários e obras sobre Naum

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zum Alten Testament (GVGM, 1975).G. A. Smith, The Book o f the Twelve Prophets, The Expositor’s Bible

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J. D. W. Watts, The Books o f Joel, Obadiah, Jonah Nahum, Habakkuk  and Zephaniah,  Cambridge Bible Commentary (Cambridge University, 1975).

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 BIBLIOGRAFIAS SELECIONADAS 

Comentários e obras sobre Habacuque

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Andrew, 1985).J. H. Eaton, Obadiah, Naum, Habakkuk and Zephaniah,  Torch Bible

Commentaries (SCM, 1961).D. E. Gowan, The Triumph o f Faith in Habakkuk  (John Knox, 1976).P. Jöcken, Das Buch Habakuk: Darstellung der Geschichte seiner kri-

tischen Erforschung mit einer eigenen Beurteilung  (Peter Hanstein,1977).

C. F. Keil, “Habakkuk”, in: The Twelve Minor Prophets 2, traduzido para o inglês por J. Martin (Eerdmans, 1949).

T. F. C. Laetsch, Bible Commentary: The Minor Prophets (Concordia:

1956).D. M. Lloyd-Jones,  From Fear to Faith  (IVF, 1953; republicado em

 Faith Tried and Triumphant, IVP, 1987).W. Rudolph,  Micha — Nahum — Habakuk  — Zephanja, Kommentar

zum Alten Testament (GVGM, 1975).G. A. Smith, The Book o f the Twelve Prophets, The Expositor’s Bible

(A. C. Armstrong/Hodder & Stoughton, 1898).

R. L. Smith,  Micah  —  Malachi,  Word Biblical Commentary (WordBooks, 1984).

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J. D. W. Watts, The Books o f Joel, Obadiah, Jonah, Nahum, Habakkuk  

and Zephaniah,  Cambridge Bible Commentary (Cambridge University, 1975).

Comentários e obras sobre Sofonias

E. Achtemeier, Nahum  — Malachi (John Knox, 1986).

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 BIBLIOGRAFIAS SELECIONADAS 

P. C. Craigie, Twelve Prophets  2, Daily Study Bible (Westminster/St

Andrew, 1985).J. H. Eaton, Obadiah, Naum, Habakkuk and Zephaniah,  Torch BibleCommentaries (SCM Press, 1961).

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A. S. Kapelrud, The Message of the Prophet Zephaniah  (Univer-sitetsforlaget, 1975).

C. F. Keil, “Zephaniah”, in: The Twelve Minor Prophets 2, traduzido para o inglês por J. Martin (Eerdmans, 1949).

T. F. C. Laetsch, Bible Commentary: The Minor Prophets (Concordia:1956).

W. Rudolph,  Micha —  Nahum — Habakuk  — Zephan ja, Kommentar zum Alten Testament (GVGM, 1975).

L. Sabottka, Zephanja (Pontificial Biblical Institute, 1972).

G. A. Smith, The Book o f the Twelve Prophets, The Expositor’s Bible(Doubleday, 1929).

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 Zephaniah, Nahum, Habakkuk Obadiah and Joel,  InternationalCritical Commentary (T. & T. Clark/Scribners, 1911).

R. L. Smith,  Micah  —  Malachi,  Word Biblical Commentary (Word

Books, 1984).J. D. W. Watts, The Books o f Joel, Obadiah, Jonah, Nahum, Habakkuk  

and Zephaniah,  Cambridge Bible Commentary (Cambridge University, 1975).

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OBADIAS

David W. Baker, A.B., M.C.S., M.Phil., Ph.D. Professor Associado de Antigo Testamento e Hebraico 

 Ashland Theological Seminary, Ohio, EUA

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PREFÁCIO DO AUTOR 

O truísmo de que “os melhores perfumes vêm nos menores frascos” foi provado na tentativa de “abrir o frasco” da mensagem deDeus para seu povo contida nesse pequeno livro, o menor do Antigo

Testamento. Agradeço ao professor D. J. Wiseman o privilégio de tersido encarregado deste estudo, bem como suas instruções e conselhosexpressos de várias formas. Agradeço aos revisores e leitores de provada Inter-Varsity Press a ajuda para superar algumas inadequações deestilo. Por abrirem mão de seu precioso tempo de diversão, a fim deque eu pudesse trabalhar, agradeço a “dois pequenos frascos” muitoespeciais, Adam e Emily, a quem dedico esta obra.

 David W. Baker 

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INTRODUÇÃO

I. EDOM NO ESPAÇO E NO TEMPO

A terra de Edom, também chamada Seir (Gn 32.3; 36.20-21,30; Nm 24.18), fica a sudeste do mar Morto, desde o uádi Zerede até o

golfo de Acaba. Estendendo-se pelo vale de Arabá, do sul do mar daGaliléia até o golfo de Acaba, seu lado oriental era rochoso e montanhoso, por vezes atingindo cerca de 1 070 m de altura. Por ela passavam duas importantes vias de tráfego, a estrada real e o caminho aolongo do Arabá. O controle que ela exercia sobre boa parte do comércio norte—sul enchia seus cofres e a tomava alvo de ataques.

A Bíblia retrata os edomitas como descendentes de Esaú (Gn 36,

espec. vv. 1,9), embora escavações arqueológicas revelem habitantesmais antigos na terra. Entre as primeiras alusões extrabíblicas da áreaestão a das cartas de Amama, do Egito, remontando ao século XIV

a.C., e várias referências ao povo de Seir durante o reinado de RamsésII (final do século XIII a.C.).' O próprio registro bíblico demonstra umcontato contínuo, embora nem sempre amigável, entre Edom e os israelitas.

 Na perigrinação após o êxodo, Israel não teve permissão de passar por Edom (Nm 20.14-21; Jz 11.17-18), e logo depois Balaão predisse que Edom seria conquistado (Nm 24.18). No reinado de Saul,travou-se batalha com Edom (1 Sm 14.47); a área foi conquistada nogoverno de Davi (2 Sm 8.13-14; 1 Rs 11.15-16) e explorada por Salomão (1 Rs 9.26-28), embora não sem oposição edomita (1 Rs 11.14-22). No século IX, durante o reinado de Josafá (2 Cr 20.1-2), osedomitas, confederados com os moabitas e os amonitas, atacaram Judá

de surpresa. Edom, obtendo mais sucesso, rebelou-se contra Jeorão egozou de relativa liberdade do domínio israelita durante cerca de 40anos (2 Rs 8.20-22; 2 Cr 21.8-10).

1.  POTT,  p. 231.

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 No começo do século posterior, no reinado de Amazias, Judá reconquistou Edom com enorme matança (2 Rs 14.7; 2 Cr 25.11-12),chegando até Sela. Algum tempo depois, quando Judá se encontrava

 pressionado sob o reinado de Acaz, Edom atacou Judá de surpresa, levando prisioneiros (2 Cr 28.17). Livrou-se então de Israel, jamais tornando a ser subjugado.

Durante o período assírio, a partir de, no mínimo, 734 a.C., Edomfoi vassalo da Assíria1e, posteriormente, também da Babilônia. Algumas vezes, pelo menos planejaram rebeliões (Jr 27), embora não exis

tam provas de que tenham tentado colocar esses planos em prática. Asituação na época da queda de Jerusalém (587 a.C.) não está clara, nemnas fontes bíblicas, nem nas extrabíblicas. Esdras acusa os edomitas deterem queimado o templo de Jerusalém (1 Ed 4.45), mas isso não seconfirma (cf. Lm 4.21-22).

 No século VI, conforme demonstram ruínas arqueológicas, o

 poderio edomita diminuiu, havendo um aparente abandono de algumas

cidades e migração da população2 (cf. 1 Mc 5.65). Do final do séculoVI até o século IV a.C., predominou a influência árabe na região (sobreos indícios de tal presença nesse período, veja Ne 2.19; 4.7; 6.1). Issoveio a ocorrer especialmente por meio dos nabateus. Os edomitasforam removidos; alguns se estabeleceram no Neguebe, ao sul de Judá,que se tomou conhecido pelo nome correlato Iduméia (1 Mc 4.29).3

Grande parte dessa reconstrução baseia-se em hipóteses e em fon

tes secundárias, uma vez que a documentação e as provas arqueológicas da área em si são esparsas e ambíguas.

II. OBADIAS: O HOMEM E SUA ÉPOCA

Os profetas escritores de Israel normalmente são identificadoscom uma nota sobre o período em que profetizaram, sua cidade natal(ou, pelo menos, o lugar onde ocorreram as profecias) e o nome do pai,

 INTRODUÇÃO

1.   ANET,  p. 282.2.  po tt  ,  p. 243.3. Veja um estudo minucioso da história, da religião e da cultura edomita, em  pott  , 

 p. 229-258.

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OBADIAS 

ou uma combinação desses elementos. Um deles é identificado sim plesmente como profeta (Habacuque). Apenas dois profetas não rece

 bem nenhuma estrutura contextuai; não lhes faltam somente “pai emãe”, mas, talvez, até mesmo o próprio nome: Malaquias, “meu mensageiro”, talvez seja uma referência ao papel do profeta como intermediário, e Obadias, “servo/adorador de Iavé”, pode designar omesmo papel. Os profetas muitas vezes eram mencionados como “servos” (e.g., 1 Rs 14.18; 2 Rs 17.23; Jr 7.25; Zc 1.6). Entretanto,Obadias é um nome israelita comum no Antigo Testamento, de modo

que, provavelmente, é o nome do profeta. Nada mais se sabe a respeito do profeta; nem mesmo sua época é

mencionada, de forma que a nossa datação do livro deve basear-se emindícios encontrados no próprio livro. Uma vez que a profecia diz res

 peito a Edom e, em especial, à sua traição durante um ataque aJerusalém (vv. 10-14), é necessário que se faça um estudo sinótico dashistórias de Edom e de Judá, para que se possam apurar os períodos

mencionados na profecia.Um esboço dos contatos Edom—Judá mostra que houve vários períodos em que Obadias teria sido importante. Se a seqüênciacanônica de Obadias entre os profetas pré-exílicos for considerada significativa, o pano de fundo do livro pode ser o de Josafá, Jeorão ouAcaz. O primeiro não se encaixa nos indícios bíblicos, uma vez que 2Crônicas 20 retrata uma vitória de Judá mediante a intervenção deDeus, em vez da derrota descrita em Obadias de 10 a 14. A rebeliãocontra Jeorão não diz nada sobre o ataque a Jerusalém, fato importante

 para Obadias (2 Cr 21; cf. Ob 11). Também não existe menção ex plícita de sofrimento durante o reinado de Acaz (2 Cr 28.16-18), em bora seja registrada a conquista de outras cidades.

 Não é necessário supor uma data no século v a.C., com base nasinvestidas árabes promovidas durante aquele período, a fim de despo

 ja r os edomitas, uma vez que se sabe da presença árabe na área já no

século IX a.C.1 A data mais convincente fica no período logo após aqueda de Jerusalém, em 587 a.C., quando alguns que tentavam escapar 

1. TOTT.p. 290.

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foram capturados em meio à fuga (2 Rs 25.4-6). Embora no textocanônico Edom não seja explicitamente associado a essa catástrofe,

sua satisfação com o desfecho teria correspondido à de outras naçõesque, no passado, haviam demonstrado oposição a Judá.

III. O LIVRO

Obadias, o quarto dos profetas menores, é o livro mais curto doAntigo Testamento, consistindo num capítulo de 21 versículos.

Esse pequeno livro divide-se em duas partes principais. A primeira é particular e específica, composta de oráculos dirigidos contra Edom. A segunda é mais geral, formada por oráculos relativos a Israel e às nações.

Há quem acredite que, originariamente, os oráculos derivavam demais de uma fonte, sendo reunidos para esse livro. Um dos argumentosnesse sentido é que existem fortes semelhanças entre Jeremias 49.14-16 e 49.9 e Obadias lò-4 e 5, respectivamente. Em vez de propor uma

dependência literária entre os textos, o que seria difícil de atestar, umafonte independente pode ter sido usada por ambos. Isso explicaria asvariações, especialmente quanto à ordem dos elementos dentro dosdois livros.1

Outros (e.g., Wellhausen, Rudolph, Wolff) propõem uma inversão das duas metades do versículo 15, uma vez que 15a menciona o“dia do SENHOR” em relação a “todas as nações”. A mensagem mais

universal da profecia encontra-se do versículo 16 ao 21, Entretanto, oversículo 15b  é dirigido especificamente a Edom, o assunto dosversículos de 2 a 14. A fim de aproximar de seus respectivos contextos essas duas metades do versículo, a inversão foi proposta. Não hánenhuma razão aparente pela qual esse deslocamento deva ser deli beradamente efetuado. Outra possibilidade seria um erro de escriba,mas não é preciso supor deslocamento algum se o livro é de autoria

única.

 INTRODUÇÃO

1. Para uma discussão mais extensa, veja Allen, p. 132-133. As páginas 132-136discutem a unidade do livro.

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OBADIAS 

Pesquisas recentes sobre técnicas de transição entre parágrafos,

 pelas quais eles são unidos, demonstraram que métodos comuns de ligação incluem a repetição de palavras-chave, estruturas gramaticais ououtro recurso lingüístico.1A parte final de Obadias, que trata de “ todasas nações”, tem isso como um conceito-chave no versículo 16, sendotambém encontrado em 15a. Assim, isso pode servir de transição deliberada entre os dois parágrafos. O tratamento direto, na segunda pessoa do singular (“tu”), é uma característica da parte sobre “Edom” emObadias (veja todos os versículos, exceto 1,6 e 8). Esse pronome não éusado no versículo 15a, que emprega uma forma mais impessoal, a terceira pessoa “elas”, “ele” etc. A forma “tu” é usada nos versículos15Ã e 16a. Essas mudanças de pessoa também servem de elos, unindoos dois parágrafos. Portanto, em vez de indicar uma pluralidade defontes para a profecia, com uma má colocação no versículo 15, osindícios servem mais para indicar uma estrutura deliberada. A formaexistente do versículo mostra a unidade do livro e de suas partes. Isso é

demonstrado neste comentário, que traz a discussão do versículo 15em duas partes, encerrando a segunda divisão e também iniciando aterceira.

 No livro, existem outros indicadores lexicais e teológicos de suaunidade. Uma palavra-chave em todo o livro é “dia”. Edom pode antever o “dia” em que será julgado (v. 8), uma vez que assistiu ao“dia” em que Judá, seu vizinho, foi atacado (vv. 11,12 [três vezes], 13

[três vezes], 14). Num âmbito maior, haverá também um “dia” queabrangerá todas as nações (v. 15) em julgamento ou em libertação. Astrês divisões, portanto, estão ligadas por seus respectivos “dias” . Outraindicação de unidade é o fato de Edom e de Judá serem “exterminados” (vv. 9,14). Finalmente, a profecia começa e termina com Iavé(vv. 1 [duas vezes], 21, e este aparece do início ao fim, como aqueleque fala (vv. 1 [duas vezes], 4,8,18) ou age (w . 15,21). Sião, seu

monte (vv. 17,21), predominará sobre a montanha do inimigo de seu povo, Edom (vv. 8,9,19,21; cf. vv. 3-4).

Veja H. van Dyke Parunak, “Transitional Techniques in the Bible”,  jb l ,  102(1983), p. 525-548.

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Um unificador teológico é o conceito da lei de talião, ou a corres pondência e pertinência da punição ao crime. Isso é declarado aber

tamente no versículo 15è, mas também pode ser visto em exemplos,em que o soberbo (v. 3) é humilhado (v. 2), os que assistiram passivamente à pilhagem de uma nação (w . 11-14) serão eles mesmos pilhados (vv. 5-9), aos que hostilizam os sobreviventes (v. 14) nada restará (v. 18) e os participantes de um despojamento serão desapossados(vv. 7,19).

IV. A MENSAGEMObadias entrega uma mensagem de esperança ao povo de Deus.

Isso se faz em duas etapas diferentes, correspondentes às duas divisões principais da profecia. Em primeiro lugar, Judá recebe a certeza da justiça de Deus no fato de que Edom, nação que tomou parte de suahumilhação, seja observando, seja participando ativamente (w . 11-14),será ela mesma humilhada (vv. 2-10,15Z>). Esse julgamento se deve

não apenas ao fato de Edom alegrar-se com a desgraça alheia, mastambém à sua arrogância. Em relação às nações circunvizinhas, Edomachava-se superior e inexpugnável (w. 2-4), mas se esqueceu da absoluta transcendência do Deus de Israel. Em segundo lugar, isso pode servisto numa escala mais ampla, na qual todas as nações serão julgadas eJudá receberá das mãos delas tudo que lhe havia sido tomado (w . 15a,16-21). Deus não abandonou seu povo, coisa que talvez temessem

quando eles foram derrotados. Ele continuará a apoiá-los, porque éIavé, o Deus da aliança, que se encontrou com eles no Sinai.Iavé não só está disposto a ajudar seu povo, mas também tem

 poder para isso, uma vez que é soberano, Senhor (v. 1) e rei dasnações, não apenas de Israel (v. 21). Sua soberania também é demonstrada em sua intervenção direta na história. Mesmo usando agentes humanos para realizar seus planos de julgamento e bênção, é Iavé quemcontrola essas pessoas e as envia, ainda que elas talvez não o reconheçam como Deus (cf. v. 7). Assim como no passado Iavé lutou àfrente e a favor de Israel (e.g., na conquista de Canaã), nos dias deObadias, também se oporá aos guerreiros dos inimigos de seu povo.Sejam eles relativamente inferiores, como os edomitas, sejam supe-

 INTRODUÇÃO

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OBADIAS 

riores, como os babilônios, todos estão incluídos entre as nações sob o poder de Iavé. Hoje, nada resta desses dois povos específicos, Edom e

Babilônia, mas ainda sobrevivem os descendentes daqueles cuja capital, Jerusalém, eles destruíram.

Todos esses aspectos são pertinentes para o leitor contemporâneode Obadias. Embora nem Edom, nem a Babilônia estejam maisconosco, os inimigos do povo de Deus ainda se mostram por demaisevidentes e, às vezes, muito poderosos à primeira vista. O mesmoDeus que os profetas proclamaram como alguém não apenas disposto a

 permanecer ao lado de seu povo mas também capaz de fazê-lo, liber-tando-o, deve ser anunciado nos dias de hoje.

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ANÁLISE

I. ABERTURA (1)a. O título (la )

 b. A mensagem e as circunstâncias (1b, c)

II. ORÁCULOS CONCERNENTES A EDOM (2-15)a. Primeiro oráculo: o orgulho precede a destruição (2-4)

i. O rebaixamento de Edom (2)ii. O orgulho de Edom (3-4)

 b. Segundo oráculo: pilhagem e traição (5-7)c. Terceiro oráculo: o dia do julgamento (8-9)d. Razões do julgamento de Edom (10-15)

i. A observação passiva da pilhagem (10-11)ii. Não devias! (12-14)iii. Pagamento em espécie (15)

III. ISRAEL E AS NAÇÕES (15-21)a. Reverte-se a situação (15-18)

 b. A volta do reino (19-21)

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COMENTÁRIO

I. ABERTURA (1)

a. O título (la)

A mensagem de “revelação” é proferida a Obadias,  o intermediário humano. Aqui, visão (hãzôn) é  termo genérico a designar acomunicação divina (i.e., “palavra reveladora”), freqüentemente usadonos sobrescritos dos livros proféticos (cf. Is 1.1; Na 1.1). Em outras passagens, é empregado no sentido mais específico de “visão” (cf. Is29.7; Ez 12.27; Dn 1.17; 8.1), que foi adotado aqui (não com tanta exatidão) pela ARA. Esse é o título mais curto de todos os livros proféticos

do Antigo Testamento.

b. A mensagem e as circunstâncias (lb, c)

A fonte da mensagem é Iavé, o Deus da aliança com Israel, que éSenhor   e soberano sobre todas as nações e cumpridor de promessas,até mesmo a de que Israel possuirá a terra (vv. 19-21; cf. Gn 12.1;15.7; 28.13). Embora essa fórmula típica de relato (cf. Ez 2.4 e váriasoutras ocorrências) se refira ao restante desse livro, ela define commais exatidão os versículos de 2 a 15, especificamente no que tange a

 Edom (cf. Jr 49.7). Edom, o vizinho a sudoeste de Israel e inimigo ar-quetípico, é objeto de várias outras profecias (Is 34; 63.1-6; Jr 49.7-22;Ez 25.12-14; 35; Am 1.11-12; Ml 1.2-5). É melhor entender Edomcomo o objeto de tais oráculos, em vez de destinatário, uma vez que a

 profecia do Antigo Testamento é dirigida principalmente a Israel. Até

mesmo Jonas, que contém o único registro de profecia voltada diretamente para não-israelitas (Jn 3.4), destina-se na totalidade para o usode Israel. O julgamento pronunciado por Obadias contra um povo estrangeiro não demonstra um nacionalismo exagerado de Israel, mas,sim, o reconhecimento da culpa e da responsabilidade universais pe-

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OBADIAS1

rante o Deus de Israel e das nações (cf. Is 2.1-4; Am 1.3—2.16; 9.7etc.).

De modo geral, a fórmula de relato (“assim diz”) vem imediatamente antes da mensagem falada. No presente texto, o relato éseguido por dados sobre Iavé, em vez de registrar o que ele disse. Issolevou alguns comentaristas a propor que a fórmula de relato foi deslocada de sua posição original no início do versículo 2, ou que se trata deum acréscimo secundário colocado no lugar errado. A melhor interpretação, uma vez que dá sentido ao texto existente, considera o versículo1c como que fornecendo as circunstâncias histórico-políticas que cercam a mensagem de Iavé, a qual começa no versículo 2. Ao mesmotempo em que Obadias recebe uma mensagem referente a Edom (w.2-15), ele ouve que as nações circunvizinhas também foram chamadasà ação.1

 As novas ou o relato (1 Sm 4.19; Is 28.9; 53.1) de Iavé foram ouvidos. No texto paralelo de Jeremias 39.14, a LXX traz: “Eu ouvi”,falando do profeta, em vez de temos ouvido, em nossa versão. Esta al

ternativa tem sido interpretada como uma referência a um grupo de profetas,2 embora não haja aqui indício algum desse grupo. Também pode ser uma referência a Israel como um todo,3 possivelmente incluindo o próprio profeta num “nós” inserido na edição do texto.4 Esta possibilidade encaixa-se melhor no contexto, uma vez que o profetatenta aumentar sua credibilidade e identificação com o público, usandoo clássico recurso retórico do apelo ético (cf. Is 40.3,8).5

A oração seguinte é ambígua, podendo indicar que, além da men

sagem, é enviado um mensageiro, ou que a mensagem é entregue sobas circunstâncias do envio de um mensageiro e em decorrência disso,ou, mais provavelmente, que se refere a um “embaixador” (ARC)6.

1. Craigie, p. 200-201.2. E.g., Armerding, p. 341; Wolff, p. 27.3. J. Keil, p. 1.

4. C. F. Keil, p. 351; F. E. Gaebelein,  Four Minor Prophets: Obadiah, Jonah,  Habakkuk, and Haggai  (Moody, 1970), p. 19.

5. Veja Y. Gitay,  Prophecy and Persuasion: A Study o f Isaiah 40— 48   (LinguisticaBiblica, 1981), p. 37,67.

6. M. B. Dick, “A Syntactic Study of the Book of Obadiah” , Semitics 9 (1984), p.12.

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OBADIAS 2

Esse embaixador, alguém dentre as nações (cf. Is 18.2; 57.9), muito

 provavelmente é enviado por um dos inimigos de Edom para conclamar outros oponentes “contra ela” (ARC),1 a fim de participarem desua queda. Não há nenhum indício de que o próprio Iavé estivesse envolvido na comissão do mensageiro. Entretanto, ele realmente fala so bre o julgamento vindouro, e os instrumentos que escolhe incluem atémesmo as nações que não o reconhecem como Deus (cf. Is 10.5; 45.1;Hc 1.6-11). Iavé é soberano na história do mundo inteiro, e nele exercelivremente sua vontade. O grito de guerra típico, levantaivos (Jr 6.4,5;cf. Is 2.5), dado às nações para que se oponham a Edom, também incentiva Obadias em sua profecia contra elas.

II. ORÁCULOS CONCERNENTES A EDOM (2-15)

a. Primeiro oráculo: o orgulho precede a destruição (24)

Começa agora o oráculo de Iavé, no qual ele mesmo fala (vv.1,4).

i. O rebaixamento de Edom  (2). Iavé dirige a atenção de seu público para o julgamento que será realizado contra Edom,  Eis que..., o que também enfatiza a palavra hebraica a seguir, pequeno.  Isso refere-se não apenas à população ou à extensão geográfica, mas tambémà sua importância e valor intrínsecos, conforme deixa claro o termo

 paralelo desprezado. Tal resultado do julgamento de Deus introduz otema central desse e dos dois oráculos seguintes, que desenvolverão otema da degradação de Edom. Apesar de a forma verbal geralmentedenotar uma ação completa, ela também é usada como um perfeito

 profético, em que o cumprimento da ameaça de Deus é visto com tantacerteza, que é expresso como já tendo-se realizado. Aqui, novamente,a soberania de Deus é evidenciada mediante a atividade humana pagã.

1. Cf. Ml. 1.3-4, em que Edom está gramaticalmente no feminino, havendo, até, umaalternância entre o feminino e o masculino.

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OBADIAS 6 

do versículo 4, fisicamente inatingíveis, dessa vez as possibilidadesexpostas são concretizáveis. Edom devia conhecer pela experiência a

chegada de ladrões  sorrateiros e roubadores violentos. Podia-se então prever o resultado, ou seja, que eles saqueariam o que bastasse  parasuas necessidades. Essa progressão lógica é interrompida pela inter

 jeição de um lamento deplorando a destruição de Edom (cf. Is 6.5;15.1; Os 4.6). Esse lamento, uma forma geralmente iniciada por como (êk) ,  é usado em canções de pranto (cf. 2 Sm 1.19; Is 14.4,12; Jr 9.19).Ele encaixa-se no contexto como um choro espontâneo num choque de partir o coração, ocasionado pela devastação (cf. v. 6). Outra marcadas canções de pranto é a métrica ou o ritmo, que, em hebraico, segueo padrão 3+2 (e.g., Am 5.2,3a). Essa seção oracular começa1 e termina2 com tal padrão. Se a interjeição referida for colocada depois daoração que diz respeito à pilhagem, teremos o mesmo padrão métricotambém nessa linha.3 Esse reposicionamento ainda diminui a estranheza no fluxo de pensamento acima notada, mas não exige considerara interjeição uma adição posterior ou secundária (cf. Jr 49.9, em que

está faltando). O presente texto é perfeitamente compreensível naforma em que se encontra, mas a leve alteração proposta, embora nãoobrigatória, alcança um padrão estrutural significativo. Então, em suanova posição proposta, a interjeição separa as duas ilustrações de pilhagem empregadas aqui. O segundo quadro também é extraído da ex

 periência de Edom. Os vindimadores colhem as uvas (Jr 6.9), masespera-se que deixem  a respiga, segundo exigência da lei mosaica (Dt

24.21).

6. Em contraste com o despojamento realizado pelo ladrão ou pelos trabalhadores, a pilhagem de Edom será completa. Esaú, o pai do povo edomita (Gn 36.1,9), será rebuscado,  totalmente despojado eesquadrinhado (cf. Gn 44.12; Sf 1.12-13). Nada permanecerá escon

1. Versículo 5a: Se-ladrões viessem a-ti 3ou-roubadores de-noite - 2

2. Versículo 6: Como Esaú será-saqueado, 3os-seus-tesouros-escondidos esquadrinhados! 2

3. Versículo 5b:  Por-acaso-eles não-roubariam apenas-o-que-desejassem? 3ó-tamanho-desastre te-aguarda. 2

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OBADIAS  7

dido do conquistador voraz. Apesar de grande, a punição de Israel será parcial, pelo fato de restar um remanescente (e.g., Is 10.20-22; Am3.12; 5.3; Sf 2.3; 3.12-13). O mesmo não acontecerá com Edom, que

enfrentará a erradicação total. O escritor utiliza a forma de pranto parainsistir em sua mensagem; seus ouvintes juntam-se a fim de prantearaqueles que estão praticamente mortos. Isso também poderia explicar amudança de pessoa entre os versículos 5 e 6. Deus falou a  Edom noversículo 5, mas acerca dele no versículo 6, como se já não estivesse

 presente.1

7. Outra vez Edom é tratado de modo direto, até mesmo enfaticamente, uma vez que pronomes da segunda pessoa do singular {teus, te, tua, ti, teu)  aparecem oito vezes nesse versículo. Agora se dirige aatenção para a perfídia infligida sobre Edom por aqueles que eram desua confiança (cf. SI 55.12-14), seus aliados  e os que gozam de  sua

 paz (heb., “homens de paz”). Eles impeliram Edom para suas fronteiras, uma possível referência à invasão árabe no século VI (veja a “Introdução”). Os que deveriam proteger os interesses de Edom

enganaram-no, assim como acontecera com o próprio coração orgulhoso de Edom (v. 3). O estratagema pode ter envolvido a tática deatrair o povo para fora de suas fortalezas inexpugnáveis (v. 3). Parte doimpacto desses acontecimentos é transmitida pela justaposição detraição, de um lado, com amigos, de outro, o inesperado dando grandeforça retórica à calamidade.

A quarta oração hebraica é problemática. Poderia ser entendida

como [os que comem] o teu pão (a parte entre colchetes está ausente), baseando-se num possível paralelo com o Salmo 41.9, em que, um“homem de paz” [“amigo íntimo”, ARA] é justaposto a “que comia domeu pão”. Em Israel e no Oriente Próximo, o ato de comer e beber

 juntos faz parte da cerimônia que firma um pacto (cf. Gn 31.54; Êx24.11; 1 Co 11.23-26);2 portanto, esse sentido encaixar-se-ia bem nocontexto de Obadias, em que aliados e amigos mostraram-se infiéis. Amesma raiz hebraica  Ihm, aplicada aqui a “pão”, tem um homônimo,

1. Alien, p. 149.2. Veja D. J. McCarthy, Treaty and Covenant  (Biblical Institute, 21981), p. 253-254 e

n. 19.

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OBADIAS 8

encontrado em outras passagens, relacionado a “batalhas” (SI 35.1;56.1-2). Essa interpretação da palavra, com uma emenda na vocali

zação massorética (veja  BHS, Vulg., Targum e várias versões gregas),toma explícita a oposição oculta dos amigos fraudulentos. Poderiahaver um jogo de palavras aqui, nos dois usos do vocábulo, revelandoos supostos amigos como autênticos adversários. Esse contraste éestruturalmente assinalado no hebraico por uma mudança na ordemdas palavras: aliados e os que gozam da tua paz encerram as oraçõesnas quais são sujeitos, enquanto o último grupo de “adversários/amigos” dá início à oração a que pertencem.

Aqui, a traição envolve armadilhas  ou “rede” (Vulg.), emboraessa palavra também seja obscura (cf. Jr 30.13; Os 5.13, em que se refere a “ferida”). A traição será espantosa e incompreensível paraaqueles que a sofrerem.

c. Terceiro oráculo: o dia do julgamento (89)

8. Novamente Iavé fala mediante um oráculo, como na primeira parte do livro (cf. v. 4). O emprego de uma pergunta retórica liga esseoráculo ao anterior, em que há duas interrogações do mesmo tipo (v.5). Os sábios de Edom são célebres (veja Elifaz, de Temã [v. 9], conselheiro de Jó; Jó 2.11; Jr 49.7; cf. 1 Rs 4.30), com sabedoria coligidae dispersada ao longo das importantes rotas comerciais que cortavam o país. Assim como seus aliados se dispersaram, serão dispersos a sabedoria e o entendimento (cf. Êx 31.3; Is 44.19). Essa última palavra es

tabelece um vínculo formal entre este oráculo e uma palavra-chave doanterior (v. 7),1mostrando a unidade de estrutura da forma final dessa parte do livro. “Monte de Esaú” é um nome de características singulares em Obadias (vv. 9,19,21). Ele equivale a  Edom,  de modo que pode referir-se a todo o país montanhoso, embora seja provável que,mais especificamente, a referência seja ao monte Seir (Gn 36.8). Essa privação acontecerá naquele dia,  o dia do Senhor (cf. v. 15) ou, mais provavelmente, o dia específico do julgamento de Deus contra Edom, já mencionado (v. 2; cf. Is 7.18,20; 10.20).

1. Veja Van Dyke Parunak, “Transitional Techniques”, p. 525-548.

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OBADIAS10

9. Edom também perderá seus valentes,  as tropas de elite, porcausa do medo (cf. Dt 1.21; Is 31.4,9; Jr 23.4). Isso resultará em destruição pela matança.  A LXX, a Vulgata e a Siríaca transpõem essa palavra hebraica para o começo do versículo 10, em razão de uma palavra ali, semelhante em forma gramatical e em significado. Emboranão obrigatória, uma alteração de pouca importância como essa fariacom que a mesma palavra (“Esaú”) terminasse os versículos 8 e 9.Para fins de variação poética, Edom é referido como “monte Esaú” eTemã, a área a leste de Petra, tem seu sentido ampliado, passando a denotar o país inteiro (cf. Jr 49.7,20; Am 1.12; Hc 3.3).

Esses três oráculos avançam em direção a um clímax com: a) a pilhagem contra os ricos (5-6), b) a perda da sabedoria e do entendimento (7-8) e c) a perda da força militar (9). Ruirá á própria estruturada sociedade, ou seja, os elementos que a constituem: bem-estar econômico, governo sábio e segurança militar representadas pelas forçasarmadas e pelos acordos internacionais.

d. Razões do julgamento de Edom (1015)Após os detalhes sobre aquilo que o espera das mãos de Deus por

meio de outras nações, Edom é confrontado com os fatores que contribuíram para sua punição.

i. A observação passiva da pilhagem (1011). 10. A punição vem por causa da violência — maldade tanto moral quanto física (Jz 9.24;J1 3.19; Hc 1.3,9). A violência de Edom foi dirigida a Jacó — ou seja,

todo o Israel (v. 18; cf. Nm 20.14; Dt 23.7; Am 1.11). Tal nome e areferência a teu irmão  remontam ao relato patriarcal do conflito entreos ancestrais desses dois povos, Jacó e Esaú (Gn 25.19-34; 27.1-28.9;33). Essa violência, até agora não especificada, resulta na vergonha deEdom (cf. SI 44.15; Jr 51.51; Mq 7.10), retomando o fato de ele ser“desprezado”, no versículo 2. Sua destruição será eterna (cf. Ez 35.9).Assim, as penalidades resumem e, estruturalmente, agrupam os três

 primeiros oráculos.1As aflições de Edom não são arbitrárias, mas têm justa causa. A inesperada justaposição de irmão  e violência  (cf.  v. 7)

1. Armerding, p. 347.

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OBADIAS11

acentua a incongruência entre expectativa e cumprimento. A descriçãoda forma da violência está alistada nos versículos seguintes.

11.  No dia  (ou “no dia de”; veja vv. 12-15) é um termo-chave emObadias, especialmente aqui, em que aparece dez vezes (w . 11-15; 11vezes na ARC), tendo como clímax o “dia do SENHOR”, no versículo15. “Dia” também associa esse oráculo ao imediatamente anterior (v.8). Nessa profecia, refere-se a dois períodos distintos, o futuro “dia doSENHOR” (cf. v. 15) e outro dia com uma referência histórica, um dia

de desgraça, o qual provavelmente está ligado à destruição deJerusalém por ordens da Babilônia (587 a.C.). Jerusalém é o focodesses versículos. Quando Jacó precisou do apoio de seu irmão, Edomestava presente  (“em frente dele”, ARC) e neutro (cf. Gn 21.16; 2 Sm18.13; 2 Rs 2.7). Em vez de ajudar, Edom observava enquantoJerusalém era saqueada por estranhos  e estrangeiros,  que deitaram sortes  para dividir o espólio (cf. SI 22.18; J1 3.3; Na 3.10; Mt 27.35).Até mesmo tu,  Edom, em tua observação passiva, se não em tua participação ativa, eras um deles, os inimigos.

11. Não devias! (12-14).  Numa série de proibições, Edom é advertido a não se opor a Judá. As formas verbais referem-se a ações futuras, refletindo o horror do profeta diante dos feitos descritos. Commenos base gramatical, essas proibições foram traduzidas no tempo

 passado (ARA e ARC; cf. Nm 23.25). A regularidade da estrutura for

mal, combinada com a violência e a brutalidade cada vez maiores dosatos descritos, resulta em um apelo emocionalmente poderoso.

12. O primeiro passo inclui os atos de “olhar com prazer” (cf. SI22.17; 118.7; Mq 7.8), “alegrar-se” e ridicularizar (cf. SI 35.21,26; Is57.4; Ez 35.13, para expressões idiomáticas semelhantes) Judá em suacalamidade. Os verbos avançam de uma atitude interna para uma ação

exterior. Tais reações estão relacionados ao dia da [...] calamidade deseu irmão Judá (veja v. 11), explicado como um dia de ruína, “ aniquilação” (cf. Nm 24.24) e angústia (v. 14).

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OBADIAS14

13. Edom é advertido a não se aproximar da desgraça do irmão,entrando por sua  porta   (cf. Lm 4.12-13). Isso retoma o assunto doversículo 11, em que o inimigo é quem entra, e prenuncia a verdadeira posição de Edom como adversário, em vez de irmão. Eles entram paraolhar com prazer   para seu mal (veja v. 12; “olhar satisfeito”, ARC) eaté mesmo para lançar mão (2 Sm 6.6; 22.17) nos seus bens  (cf. v. 11;J1 3.5). Apresenta-se outra progressão (cf. v. 12), em que Edom seaproxima, primeiramente para rir e, depois, para saquear, no dia da ca-lamidade de Judá (Jr 18.17; Ez 35.5). O original hebraico desta palavra( ’êdãni)  pode ser um trocadilho com o nome Edom, tanto na última

 pássagem quanto aqui,1ou, como alternativa, pode ter havido uma aliteração em dois dos sons de “dia”, tão comum nessa passagem.2

14. As desprezíveis ações de Edom contra seu irmão atingem oclímax com um ataque aos refugiados de Judá (cf. v. 12; 2 Rs 25.4-5).Sem participar ativamente da conquista, Edom estava fazendo algoainda mais cruel, entregando insensivelmente (cf. Dt 23.15; 32.30; 1 Sm

23.11; Am 1.9; 6.8) os que restavam (v. 18; Js 10.20), apanhados emsua fuga desmoralizadora. O castigo de Edom é apropriado a seucrime: aquele que exterminou os outros também será exterminado (vv.9-10).

iii. Pagamento em espécie (15). Servindo de ponte estrutural, esseversículo une os oráculos referentes a Edom (w . 2-14) às mensagens

relacionadas com Israel e as nações (vv. 16-21). Os indícios domanuscrito e a estrutura literária do livro não justificam uma inversãodas partes a e b  do versículo 15, conforme algumas pessoas propõem(veja a “Introdução”).

1. “Sua calamidade” ( edãm)  e “Edom” Çedôm).  O primeiro sufixo (5m) éimportante no jogo de palavras, uma vez que nas duas outras ocorrências de ed, no versículo, o sufixo é mudado para “seu” (pronome possessivo masculino,edô).

2. O versículo 13 pode estar fazendo um jogo de palavras em tomo do m  de yôm, “dia”, em ‘ami b‘yôm ’êdam, sendo que 136 e c têm um jogo de palavras em tomode ô, tíra  ‘atô b‘yôm ’êdô e tfhêlô beyôm ’edô.

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OBAD1AS15

O dia do Senhor será quando Deus derrotar o caos e as forças quese lhe opõem. Israel havia enxergado apenas um aspecto disso, ao bus

car prosperidade para si mesmo (cf. vv. 17,21) e castigo para seus adversários, as nações  (cf. v. 16; Dt 32.35-36; J1 3.2; Zc 14.1,3). Israeldescobrirá que sua própria rebeldia diante de Deus também será punida (J1 1.15,2.1-2,11; 3.14). Israel encontra-se na mesma situaçãodos outros povos, aqui exemplificados por Edom (veja v. 16), em suaresponsabilidade perante Deus (cf. Am 5.18-20). O julgamento deEdom é justificável e merecido, segundo a lei de talião, que prescrevia

 pagamento na mesma moeda (cf. Lv 24.19; Jr 50.15,29). A declaração

é reforçada pela repetição de que aquilo que Edom fizer tomará sobresua cabeça (cf. Pv 12.14; 19.17; Ez 35.15; Os 4.9; J1 3.4,7). Deusmostra não apenas sua soberania sobre todos os povos, ao impedir umamaldade sem punição, mas também sua justiça, não permitindo que ocastigo seja maior que o crime.

O único povo tratado diretamente por “tu” em outros pontos dolivro é o edomita (vv. 2-5,7,9-16), de modo que mais uma vez esse

versículo liga os versículos de 16 a 21 e de 2 a 14. O caráter representativo de Edom é mais bem explicado quando se considera que oversículo dirigi-se a ele, embora o contexto de olho por olho tambémseja adequado a Israel como sujeito.

III. ISRAEL E AS NAÇÕES (15-21)1

a. Revertese a situação (1518)15. O dia do Senhor (veja v. 8 e a “Introdução”), no que diz res

 peito ao julgamento das nações, é detalhado e explicado.

16. Edom é apresentado como paradigma de todas as nações. Assim como Edom bebeu, alegrando-se com o sofrimento de Israel, tam

 bém beberá de contínuo, dessa vez não com alegria, mas da taça da ira

de Deus (cf. Is 51.17; Jr 25.15,17-18,28-29; 49.12; Hc 2.15-16; Mc14.36). Aquilo que Edom fez, também o farão as nações. A per

1. Quanto à inclusão do v. 15 em duas partes diferentes, veja a “Introdução” .

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OBADIAS17

 petuação do castigo é encontrada em outros lugares (e.g., Jr 25.9,18),de modo que não há necessidade de emendas ao texto. As nações en

golirão (beberão, sorverão)  o castigo de Deus, de modo que serãocompletamente destruídas, e serão como se nunca tivessem sido.

17.  Mas, por outro lado, em contraste com as nações do versículo16 e sobretudo com Edom (vv. 1-15), no monte de Sião  o plano doopressor será frustrado. Em lugar de refugiados (v. 14; p elitim), haverá livramento (pelêtâh). A bondade de Deus em sua aliança com Israel

será concretizada, e o dia do Senhor, embora traga julgamento aos inimigos de Israel, restaurará o povo de Deus à sua posição inicial. Essaoração é citada em Joel 2.32 (3.5 no TM),1 sendo tratada como a

 palavra autorizada de Deus. O aspecto adicional de santidade podereferir-se ao próprio Israel (cf. Is 63.18; Jr 2.3), mas essa nação nãoaparece no contexto imediato. Uma forma semelhante também é usadaem relação a Jerusalém (J1 3.17). Aqui, o referente gramatical é masculino, sendo uma provável alusão ao próprio monte Sião (cf. v. 16; Ez

28.14; Dn 9.20), santificado pela presença de Iavé (cf. Êx 3.5; SI 11.4)e separado para seu uso (Is 52.1). Essa montanha da bênção coloca-seem contraste com as elevações do orgulho de Edom (v. 3).2

Israel, a casa de Jacó  (cf. v. 10; Is 48.1), também ocupará suas posses ou suas herdades, a “terra prometida” (cf. Êx 6.8; mais de cemvezes em Êxodo). Uma pequena variante textual, previamente com provada na LXX e no Targum, e agora também encontrada num antigo

manuscrito hebraico de Murabá, próximo ao mar Morto, resulta em“desapossar os espoliadores”. Essa interpretação também se integra

 bem com os versículos 19 e 20, acentuando o aspecto negativo daquiloque é perdido pelas outras nações. O castigo que recebem condiz como crime que cometeram anteriormente, ao desapossarem Israel. Por outro lado, a interpretação massorética encara positivamente o mesmofenômeno, considerando aquilo que Israel ganhou. Essa ocupação é

mostrada nos versículos 19 e 20 como de natureza física, não como

1. A diferença principal encontra-se na glosa explicativa: “ Monte Sião e emJerusalém” ou “Monte Siao, que é Jerusalém”.

2. Dick, “A Syntactic Study” , p. 14.

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OBADIAS18

uma realidade espiritual. Aqui estão reunidos vários aspectos daaliança davídica que haviam sido colocados em risco pela rebeldia de

Israel, em 587 a.C. Trata-se da presença de Deus em seu santo lugar eda presença de seu povo, ou pelo menos do remanescente deste, naterra prometida.

Esse versículo é o clímax de esperança para o povo de Deus: suacondição desesperadora será endireitada, e os benefícios da aliançacom Deus serão novamente desfrutados. Eles serão salvos (cf. Dt 30.3-5a). Tal restauração do povo aconteceu em 537 a.C. sob o governo de

Zorobabel (Ed 1 e 2), com a reconstrução do “ lugar santo” por excelência, o templo em Jerusalém, em 515 a.C. (Ed 3; 6.13-15).

18. Edom, o primeiro oponente de Judá nos versículos de 2 a 15,é justaposto a Israel na metáfora do restolho e da chama. Acendem-seas tradicionais animosidades, mas Israel conquista a vitória. Aqui,

 Jacó (cf. v. 17) pode representar todo o Israel (cf. SI 22.23) ou apenasJudá, e José estaria representando as outras dez tribos (cf. 1 Rs 11.28;

SI 77.15; Am 5.6). Qualquer que seja o caso, todas as tribos, aquelasanteriormente exiladas pela Assíria e as que agora eram tomadas pelaBabilônia, estarão envolvidas no julgamento de Edom (cf. também Ed6.17; 8.35, onde estão representadas todas as doze tribos de Israel).

 Fogo  e chama  simbolizam a ira de Deus (cf. SI 18.8; Lm 1.13; Am1.4), concretizada aqui mediante seu povo.

Assim como Jacó havia sido devorado (Jr 10.25; cf. SI 14.4; Mq

3.3; Zc 12.6), Edom também será consumido. Edom tentara erradicaros refugiados israelitas (v. 14, cf. v. 17) e, por isso, ninguém mais res-tará da casa de Esaú  (cf. Js 8.22; Jr 42.17; 44.14; Lm 2.22). Irôniconisso tudo é o fato de que os poucos sobreviventes que Edom tentaradestruir são o instrumento de sua própria destruição. O remanescente,resíduo disperso de uma nação derrotada, não apenas simboliza a ignomínia de Israel (cf. Is 1.9; Am 5.3) mas também sua esperança. Háesperança no fato de que nem todos se perderão; alguns sobreviverão eressurgirão em poder. Para Edom, contudo, o julgamento será definitivo (veja v. 16b).

Uma vez que Iavé falou,  essas declarações têm autoridade e sãoseguras. A oração encerra essa parte profética, conforme demonstra amudança de poesia para prosa nos versículos seguintes.

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OBADIAS19

Esses versículos, escritos em forma de prosa,levaram à suposiçãode que sejam uma glosa acrescentada mais tarde por alguém (embora,

 possivelmente, próxima à época de Obadias1) para explicar os versículos anteriores. Os argumentos apresentados não são convincentes, umavez que a maioria dos autores, contemporâneos e bíblicos, empregamais de um gênero literário, de modo que uma mistura de gêneros nãoconstitui razão suficiente para que se defenda a multiplicidade de

autores. À dificuldade de interpretação dessa passagem, acrescentam-se os problemas gramaticais.

19. A ocupação é o assunto dos dois versículos seguintes. A primeira referência geográfica é ao  Neguebe,  o deserto ao sul deBerseba. Essa combinação de verbo e substantivo isola os versículos19 e 20, indicando uma subdivisão textual. A função gramatical do

 povo do Neguebe é obscura. Seria o sujeito do verbo, sendo o ocu pante (conforme a ARA e a ARC) e, portanto, os primeiros habitantes israelitas (a já mencionada casa de Jacó, que se mudou para o territórioedomita); ou seria o objeto, o ocupado, situação em que o povo imigrante seria o israelita, substituindo os edomitas que haviam migrado

 para a área (veja a “Introdução”)? Esta alternativa é apoiada pelo fatode Neguebe ser ocupado pela casa de Jacó no versículo 18 (cf. Am9.12). Se for assim, a frase seguinte seria uma explicação, definindoEdom como o monte de Esaú (cf. vv. 6,8-9,18),2 ligando a passagem à primeira metade do livro.3 Sefelá, a planície, a parte baixa das montanhas entre a costa e os montes centrais, também está ocupada. Tal si

b. A vo l ta do re ino (1921)

1. Wolff, p. 47.2. Veja Allen, p. 170, n. 37 e referências.

3. Uma dificuldade gramatical encontra-se na falta, no hebraico, de um indicador deobjeto direto para “Neguebe” e seu uso com “o monte de Esaú”. O marcador écomum na prosa mas raro na poesia, podendo indicar que a forma poética originalda passagem foi transformada em prosa por acréscimos de glosas, ou ampliações,que também destroem a métrica. Essas questões não são coerentes ao longo detoda a passagem.

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OBADIAS 20

tuação é ampliada pela indicação de alguns de seus mais notáveis habitantes, os filisteus que viviam na costa do Mediterrâneo, ao redor de

suas cinco cidades principais, Asdode, Asquelom, Gaza, Gate eEcrom. Mesmo antes da fundação do Estado israelita, eles haviam-seoposto a Israel, e assim continuaram agindo, às vezes em aliança comEdom (Am 1.6; cf. 2 Cr 28.17-18).1 Sob o domínio dos macabeus, oterritório dos filisteus e suas principais cidades foram conquistados pelos judeus (1 Mc 10.84-89; 11.60-62). Também são mencionados oscampos de Efraim  no centro da Palestina, cuja cidade principal é

Samaria,  antiga capital do Reino do Norte (cf. 1 Rs, 16.24; 21.1). Asegunda referência é uma glosa ou explicação, segundo indica o he braico.2 Os judeus assumiram o controle de parte do território samari-tano em 153 a.C. (1 Mc 10.38), e a própria Samaria foi tomada esitiada por João Hircano em 106 a.C.3 Surge uma dificuldade caso se

 pense que Benjamim, uma pequena tribo do centro-sul da Palestina (cf.1 Sm 9.21) é explicada por Gileade,  que, embora imediatamente aleste de Benjamim, fica na Transjordânia. Alguns sugerem umaemenda de Benjamim para “amonitas” (BHS),  exigindo o acréscimo deuma letra hebraica, mas os manuscritos não dão margem para tal pro posta. Gileade foi tomada pelos macabeus em 164 a.C. (1 Mc 5.9-54).

20. A obscuridade causada pelas dificuldades gramaticais desseversículo é até certo ponto esclarecida pelo paralelismo de suas duasmetades. Há referência aos cativos  em cada metade, sendo utilizada

uma palavra freqüentemente associada aos judeus deportados após 587a.C. (cf. 2 Rs 25.27; Ez 1.2), fato que sustenta para o livro uma data ligada ao exílio. Os segundos exilados são descritos como de Jerusalém, estando agora em Sefarade, possivelmente Sardes, na Ásia Menor, em bora a Espanha e a Média também tenham sido apresentadas como possibilidades. Essas pessoas seriam os primeiros exilados que agoraretomam para restabelecer as cidades do sul   (cf. 2 Cr 28.18). Alguns

1.   po tt  ,  p. 53-78.2. D. W. Baker, “Further Examples of the Waw Explicatiuum"; VT   30 (1980), p.

129-136.3. Josefo, Antigüidades 13.5.2-3.

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OBADIAS 21

desses mesmos elementos estão na primeira metade do versículo e podem ajudar na interpretação. Aqui os hierosolimitas são substituídos

 por exército dos filhos de Israel. A dificuldade do hebraico levou à leitura de exército  como “Halá” (PIB, sem mudar as consoantes hebraicas), uma cidade assíria onde havia exilados (cf. 2 Rs 17.6; 18.11; 1 Cr5.26). A última parte da oração refere-se aos cananeus até Sarepta, cidade mediterrânea ao norte de Israel, entre Tiro e Sidom (cf. 1 Rs 17.9;Lc 4.26). O texto hebraico traz um pronome relativo, dando uma definição de “israelitas que estão ( ’sr)  em Canaã” ou que “são ca-

nanéus”, o que é difícil de compreender. Uma pequena alteraçãotextual, provocada por uma letra mal interpretada, acompanhada deuma mudança na ordem das letras, pode ter levado a isso, a partir deum original que falava de Israel “herdando” (yn?) o território cananeuque ficava no extremo norte de sua herança original (cf. Js 19.28-29).

21. Não só haverá a retomada dos territórios, mas também a capital, Jerusalém, que havia sido destruída em 587 a.C., será visitada por

 salvadores,  aqueles que trazem uma salvação futura ou esperada (cf. Ne 9.27).

Algumas versões entendem a última palavra como uma passiva,aqueles a quem já chegou a salvação ou a libertação, i.e., aqueles queforam libertados do exílio e receberam permissão para voltar. Essa interpretação fornece um elo com os exilados do versículo 20 e pode seruma referência aos que retomaram sob o comando de Zorobabel (Ed 1

a 3). O problema dessa interpretação está no limitado êxito desses quevoltaram, cujas posses nunca se igualaram às detalhadas no versículo20. A LXX traz “do” monte Sião, a origem dos salvadores em vez deseu alvo, mas isso não é obrigatório e a forma atual fornece um elocom o versículo 17. E melhor entender essa salvação escatológica,quando o reino messiânico será inaugurado e Israel alcançará domíniouniversal sob o comando de seu Rei ideal (Gn 49.10; cf. Ez 21.25-27;

Ap 5.5-6). Esses salvadores regerão Edom (o monte de Esau),  fornecendo salvação e governo, como no período dos juizes (cf. Jz 3.9,15).Assim, Edom não será completamente destruído, mas, de fato, subjugado. E provável que Edom seja aqui um símbolo, representando todasas nações que se opuseram a Deus e a seu povo (cf. w . 19-20).

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OBADIAS 21

A interação e o antagonismo entre os Estados atingem o clímaxna advertência de que o poder, em última análise, não se encontra nas

mãos deles, mas que o domínio (o reino) pertencerá a Iavé. A fim deque Israel ou as nações não se considerem independentes, eles sãolembrados de quem tem o verdadeiro controle (SI 22.28; cf. SI 47.7-9;Is 52.7; Mq 4.7). A posição de domínio de Iavé é reforçada pela estrutura da profecia, uma vez que seu nome abre e fecha o livro, nosversículos 1 e 21. Edom, ou Esaú, o objeto do julgamento de Deus,atende à mesma função estrutural. Assim, em sua forma final, Obadias

é uma unidade, declarando o castigo de Deus sobre os malfeitores esuas promessas para seu povo.

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JONAS

T. Desmond Alexander, B.A., Ph.D.

Conferencista de Estudos Semíticos, The Queen’s University o f Belfast 

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PREFÁCIO DO AUTOR 

A história de Jonas engolido por uma “baleia” sem dúvida alguma vem fascinando gerações e gerações de crianças. Contada pornarradores ávidos por prender a atenção infantil, ela fornece todos oselementos necessários para uma história verdadeiramente cativante.

 No entanto, infelizmente as lembranças da infância podem distorcercom demasiada facilidade nossa compreensão do livro. A narrativaoriginal não diz praticamente nada sobre o grande peixe; sua existênciaé observada em apenas três versículos.

Entretanto, mesmo que releguemos o grande peixe a um papelsecundário, o livro não precisa perder nada do fascínio que exerce so

 bre nós. Encontramos aqui um confronto muito intrigante entre Iavé, o

Deus dos céus e da terra, e Jonas, seu profeta rebelde. Ademais, a mensagem central do livro permanece especialmente aplicável. Ao Senhor  

 pertence a salvação! Ela não é propriedade exclusiva de algum grupoisolado, nem assegura a existência ininterrupta de tal grupo à custa deoutros. Para aqueles que clamam pela derrota dos inimigos, baseando-se em seu relacionamento especial com Deus, o livro de Jonas ex

 pressa uma séria reprimenda. A misericórdia de Deus pode alcançar

até as pessoas menos prováveis, e quem é capaz de dizer quais podemser as conseqüências?Apesar da brevidade, o livro de Jonas está repleto de questões

críticas. As soluções oferecidas neste comentário não têm a pretensãode ser infalíveis. Se, contudo, levarem alguns leitores a um entendimento mais profundo do texto e outros a reconsiderar soluções alternativas para os muitos problemas levantados pelo conteúdo do livro,então o autor se sentirá mais do que recompensado.

O prefácio dá a oportunidade de manifestar, mesmo que de forma breve e insatisfatória, a gratidão do autor para com aqueles que oajudaram. Conforme ficará claro pelas notas de rodapé, este comentário baseia-se nos trabalhos dedicados de muitos outros. Com esíses

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escritores, que estimularam e dirigiram meus pensamentos, emboratalvez eles não concordem necessariamente com minhas conclusões,tenho profunda dívida. Em razo do convite para contribuir com estasérie de comentários bíblicos, sou especialmente grato ao professor D.

J. Wiseman. Aos responsáveis pela editoraço da Inter-Varsity Press,estendo meus sinceros agradecimentos por seu incentivo e pela habilidade com que transformaram um manuscrito um tanto quanto desordenado numa forma bem mais apresentável. Finalmente, à minha maissincera crítica, minha esposa, Anne, sou eternamente grato pelo apoioe incentivo.

Soli Deo gloria.

 Desmond Alexander 

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LOCALIZAÇÃO DE TÁRSIS

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 J   e r  u s  a l    é  m

A A S S ÍR I A D O S E C U L O V I I I a.C .

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     o     u

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INTRODUÇÃO

O livro de Jonas é, sem dúvida, uma daà obras-primas da literatura bíblica. O relato da fuga dramática de Jonas, que tentava escaparda presença de Deus embarcando num navio para Társis, sendo depois

impedido em seu propósito por uma violenta tempestade e levado devolta à terra aprisionado dentro de um grande peixe, é possivelmenteuma das histórias mais conhecidas da Bíblia. Com suas inusitadas reviravoltas, o enredo prende nossa atenção durante todo o tempo. Os pormenores supérfluos são omitidos, e o texto está repleto de jogos de palavras e outras técnicas de redação. Tudo indica que foi escrito porum autor que utilizou ao máximo suas habilidades literárias.

I. AUTORIA E DATA

Da mesma maneira que outros livros dos profetas menores (e.g.,Obadias, Naum, Habacuque), Jonas não apresenta nenhum dado preciso com relação ao momento em que os acontecimentos registradosrealmente se deram. No entanto, um indício importante para a apuração da data desses acontecimentos é o nome “Jonas, filho de Ami-

tai” (1.1). Significativamente, 2 Reis 14.25 refere-se a um profeta domesmo nome, que profetizou durante o reinado de Jeroboão II

(782/781-753 a.C.),1 e é razoável supor que essas duas passagensaludam à mesma pessoa. Assim sendo, podemos atribuir os acontecimentos que subjazem o livro ao século VIII a.C.

1. Em todo este comentário de Jonas, as datas dos reis de Israel e da Assíria são asadotadas pelo i b d  .  Tais datas refletem apenas uma dentre várias cronologias possíveis. Para um enfoque semelhante, embora não totalmente idêntico, veja N. Na’aman, “Historical and Chronological Notes on the Kingdoms of Israel andJudah in the Eighth Century B.C.” , v t  36 (1986), p. 71-92.

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 JONAS 

Embora possamos colocar a missão de Jonas a Nínive dentro docontexto histórico do século viu a.C., ainda estamos muito longe de

apurar a data e a autoria do livro. Enfrentamos duas dificuldades. Em primeiro lugar, o próprio Antigo Testamento não oferece nenhum pormenor específico a respeito do autor do livro ou da data de sua com posição. Da maneira como está, o livro de Jonas é uma obra totalmente anônima e sem data. Em segundo lugar, embora os acontecimentosdescritos digam respeito ao século VIII a.C., é bem possível que o livroem si tenha sido composto bem mais tarde. Aliás, alguns estudiosos

consideram possível uma data de composição bem mais recente, noséculo III a.C. Esta representa a última data possível, pois a existênciado livro é claramente pressuposta numa afirmação encontrada emEclesiástico 49.10, livro escrito pouco depois de 200 a.C., que se refere aos “doze profetas”, i.e., aos doze profetas menores, dos quaisJonas é um.1 Quanto à data de Jonas, as hipóteses abrangem todo o período de 800 a 200 a.C. No entanto, atualmente a maioria dos escri

tores modernos favorece uma data após o exílio, no século v ou IVa.C., com base em dois argumentos principais.

a. Aspectos lingüísticos

Geralmente, acredita-se que, dentre os vários critérios para apurara data de Jonas, os aspectos lingüísticos do texto constituem o guiamais confiável e preciso para se chegar à idade do livro. O atual texto

de Jonas, afirma-se, não só possui expressões mais típicas do hebraico bíblico posterior, mas também contém formas léxico-gramaticais deorigem aramaica. Juntos, esses fatores são fortes argumentos parasustentar uma data pós-exílica, época em que a língua hebraica recebeugrande influência do aramaico.

Toda a questão de reconhecer diferentes etapas no desenvolvimento do hebraico bíblico e de identificar uma influência ara-

1. Não se sabe ao certo se, em sua origem, o livro apócrifo de Tobias (século rv ou IIIa.C.) referia-se ou não a Jonas. Um importante manuscrito antigo, o Códice S

(Sinaitico), traz “Jonas” em Tobias 14.4,8 (cf. bj, marg.). No entanto, outromanuscrito igualmente importante, o Códice B (Vaticano), não traz nenhumareferência a Jonas; mas, em 14.4 o profeta Naum é mencionado (cf. bj).

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 INTRODUÇÃO

maica é extremamente complexa.1 Além disso, nosso conhecimentodas línguas e dos dialetos antigos do Oriente Médio está em constante

desenvolvimento, sobretudo porque, mediante a atividade de arqueólogos, novas informações textuais continuam sendo trazidas à luz. Porconseqüência, os resultados de estudos mais antigos vêm sendo constantemente modificados e às vezes corrigidos.

Dentre os que hoje escrevem a respeito de Jonas, O. Loretz foi o primeiro a aventar a hipótese de que certos aspectos do livro normalmente identificados como aramaísmos podem, na verdade, estar refle

tindo influências fenícias e cananéias e, assim, não necessariamenterevelariam uma data pós-exílica.2  Loretz considerou provável que ossubstantivos mallãh,  “marinheiro” (1.5),  sepiriãh,  “navio” (1.5), eribbô,  “dez mil” (4.11), e a partícula e,  “que” (1.7; 4.10), tinhamchegado ao hebraico por meio do fenício, e não do aramaico. EmboraLoretz tenha explicado somente alguns dos aramaísmos de Jonas, seuartigo levou a novas investigações.

Decididamente, o estudo mais completo e circunstanciado a res peito da datação da linguagem de Jonas é o de G. M. Landes.3 Nessetrabalho, Landes examina não apenas supostos aramaísmos, mas tam bém outros aspectos lingüísticos datáveis. Ele concorda com Loretzquanto ao fato de que talvez os termos mallãh, se, ribbô  e possivelmente também  fp lriãh  tenham sido empréstimos fenícios. Dosaramaísmos restantes, Landes conclui que, com exceção de yifasset, “ele considerará” ( 1.6), nem um sequer pertence exclusivamente à era

1. Em benefício dos leitores em geral, a apresentação dos argumentos lingüísticos foimuito simplificada. Os que desejam examinar a matéria com profundidade, podemconsultar as seguintes obras: E. Kautzsch,  Die Aramaismen im Alten Testament  (Niemeyer: Halle, 1902); M. Wagner,  Die lexikalischen und grammatikalischen 

 Aramaismen im alttestamentlichen Hebräisch,  BZAW   96 (Töpelmann, 1966); R.Polzin,  Late Biblical Hebrew: Toward an Historical Typology o f Biblical Hebrew 

 Prose,  Harvard Semitic Monographs 12 (Scholars, 1976). Com relação ao

 problema de utilizar aramaísmos para datar o hebraico bíblico, veja A. Hurvitz,“The Chronological Significance of ‘Aramaisms’ in Biblical Hebrew”,  ie j   18(1968), p. 234-240.

2. O. Loretz, “Herkunft und Sinn der Jonah-Erzählung”, BZ 5 (1961), p. 18-29.3. G. M. Landes, “ Linguistic Criteria and the Date of the Book of Jonah” ,  Eretz 

 Israel  16 (1982), p. 147-170.

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 JONAS 

 pós-exílica.1 Entretanto, o fato de Jonas 1.6 ser a única ocorrência bíblica do verbo y i t‘aêt  levanta dúvidas quanto à sua importância para

fins de datação.Landes também examina vários empregos especiais de palavras

que se acreditam ser característicos do hebraico bíblico posterior.2 Entretanto, apenas um desses realmente favorece uma data posterior.Concordando com A. Brenner,3 Landes aceita que a ordem das

 palavras na expressão hannün werahüm, “clemente e misericordioso”(4.2), reflete um uso tardio; o hebraico mais antigo é caracterizado pela ordem inversa.4 Entretanto, mesmo que se aceite que a seqüênciade Jonas representa uma evolução posterior da língua, devemos assinalar que não há nenhuma razão que nos force a atribuir ao século V

a.C. a transição de uma forma da expressão para a outra. Uma data noséculo VI ou VII também seria possível.

Por fim, Landes avalia o texto de Jonas cotejando-o com umíndice, compilado por R. Polzin, de aspectos sintático-gramaticais característicos do hebraico bíblico posterior.5Conseqüentemente Landes

aceita dois aspectos adicionais como indicativos de uma data tardia: a)o uso do pronome justaposto ao verbo, como se fosse um sufixo e b) o

1. Nessa categoria, Landes coloca as seguintes palavras e expressões:  stq,  “estarcalmo” (1.11-12);  z ‘p,  “enfurecer-se” (1.15); o piei de mnh,  “indicar” (2.1 heb.;1.17,  port.; 4.6-8); W , com o sentido específico de “ordenar” (2.11, heb.; 2.10,

 port.) ; qdm,  “fazer pela primeira vez” (4.2); hws,  “ter piedade” (4.10-11); qry'h, “proclamação” (3.2); ’Ihy hsmym,  “Deus do céu” (1.9); t'm,  “decreto” (3.7); o

uso da preposição le,  “para” , como uma partícula de nota accusativa (2.11, heb.;2.10,  port.; 4.6). Acerca da expressão “Deus do céu”, veja B. Porten,“Baalshamem and the Date of the Book of Jonah” in: M. Carrez, J. Doré e P.Grelot (eds.), De la Tôrah au Messie (Desclée, 1981), p. 237-244.

2. Ele relaciona sete ao todo: q r ’  7, “clamar contra”, e qr'  7, “clamar a ” (1.2; 3.2);o hifil da raiz twl,  “lançar” (1.4,5,12,15); rb hhbl,  “capitão” (1.6); mhlk, “viagem” (3.3,4); dois exemplos de “quiasma diacrônico”: mgdwlm w ‘d qtnm, “desde o maior até o menor” (3.5), e hnwn wrhwm,  “clemente e misericordioso”(4.2); wyr'  7, “desgostar-se” (4.1);  Imhrt,  “dia seguinte” (4.7).

3. A. Brenner, “The Language of Jonah as an Index to its Date” ,  Beth Mikra  79(1979), p. 396-405 (em hebraico). Contudo, observe também a resposta de E.Qimron, “The Language of Jonah”,  Beth Mikra  81 (1980), p. 181-182 (emhebraico).

4. Cf.Êx 34.6; SI 86.15; 103.8.5. Polzin, Late Biblical Hebrew.

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 INTRODUÇÃO

uso de um substantivo plural quando, no hebraico pré-exílico, o singular teria sido empregado. De tais aspectos, porém, devemos chamar a

atenção para o fato de que este, baseando-se apenas no uso do termo plural  gôrãlôt,  “sortes” (1.7), mal serve para apurar a data de Jonas.Além de Jonas 1.7 e Levítico 16.8, a forma plural gôrãlôt  é encontradano Antigo Testamento somente em escritos pós-exílicos (e.g., 1 Cr24.5; Ne 11.1). Para explicar o uso do plural em Levítico 16.8, Landesobserva que a passagem se refere especificamente a duas  sortes. Noentanto, admitindo-se que Jonas 1.7 descreve marinheiros estrangeiroslançando sortes, não os hebreus, como acontece em outras passagens

da literatura pré-exílica, será que esse uso de  gôrãlôt   não é determinado por um costume pagão, não pós-exílico? Infelizmente, Landesnão considera essa possibilidade.

Conquanto Landes encontre muito pouco a favor de uma data pós-exílica de Jonas, ele observa que outros aspectos da língua indicam uma data pré-exílica. Um deles é a forma da preposição hebraicamin, “desde”, antes de substantivos não precedidos de artigo definido.

Embora no hebraico pós-exílico a preposição normalmente leve aforma mais longa min,  todas as dez ocorrências em Jonas trazem mi. Outra possível indicação de uma data pré-exílica é a combinação da

 partícula e,  “que”, com o substantivo bin,  “filho”, em 4.11. Landesacredita que essa expressão em particular não é apenas mais um exem plo da influência fenícia, mas “pode muito bem representar um as pecto de um dialeto norte-israelita e efraimita” .1Aliás, embora nossoatual conhecimento de dialetos hebraicos seja muito limitado, pode

muito bem ser que as peculiaridades lingüísticas de Jonas indiquemnão uma data tardia, mas um dialeto do norte de Israel que, em váriosaspectos, distanciava-se do hebraico clássico de Jerusalém.2

1. Landes, “Linguistic Criteria” , p. 153.2. Vários escritores aventaram a possibilidade de a linguagem de Jonas representar 

um dialeto nortista: C. F. Keil, p. 381; S. R. Driver,  An Introduction to the

 Literature o f the Old Testament   (T & T Clark, 91913), p. 322; I. H. Eybers, “ThePurpose o f the Book of Jonah”, Theologica Evangélica  4 (1971), p. 216-217, n.26. Desejando um estudo moderno sobre dialetos na Síria-Palestina, veja W. R.Garr,  Dialect Geography o f SyriaPalestine 1000586 B.C.E.  (University of Pennsylvania Press, 1985). Contudo, não se faz nenhuma tentativa de identificar dialetos diferentes dentro da Biblia hebraica.

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 JONAS 

Pelo fato de os critérios lingüísticos para relacionar a data deJonas com o período pós-exílico não serem conclusivos e por certos

aspectos do texto sugerirem uma influência fenícia pré-exílica, Landesé favorável a uma data no século VI  para a composição de Jonas.1 Entretanto, nosso exame dos indícios indica que existem menos razões para defender uma data tardia do que até mesmo Landes reconhece.Por isso, não é inconcebível que o livro de Jonas tenha sido escrito antes do século VI, talvez até mesmo no século VIII a.C., especialmentese for considerado que se originou no norte de Israel.2

b. Descrições lendárias

Um segundo argumento a favor de uma data tardia de Jonas surgedo fato de se considerar que a narrativa contém vários elementos historicamente inexatos. Em dois aspectos distintos, esses elementos levama crer que a composição se deu numa data tardia. Primeiramento, oautor de Jonas deve ter rascunhado seu material bem depois da des

truição de Nínive, em 612 a.C., numa época em que o conhecimentoda cidade era influenciado em grande parte por descrições lendárias.Desse modo, sustenta-se que o tamanho exagerado da cidade (“cidade[...] de três dias para percorrê-la”, 3.3) e de sua população (“cento evinte mil pessoas”, 4.11) é o produto de uma tradição popular posterior, e não de um fato histórico. Posição semelhante é adotada com res peito ao título “rei de Nínive” (3.6), jamais constante dos anaisassírios. Também se diz que o comentário em 3.3 de que “Nínive era cidade mui importante” deixa implícito que, na época em que Jonasfoi escrito, ela já deixara de sê-lo. Em segundo lugar, a própria narrativa registra vários costumes típicos do período persa (final do séculoVI até o século IV a.C.), que, no entanto, aparentemente eram desco-

1. Brenner, em “The language of Jonah” , chega a uma conclusão semelhante.

2. Com a conquista de Samaria em 722 ou 723 a.C. pelo rei assírio Sargâo n, o Reinodo Norte (Israel) tomou-se uma província assíria. A maioria da população foideportada para a Assíria e substituída por povos de outras partes (cf. 2 Rs17.23-24). Desse modo, caso o livro de Jonas tenha surgido no norte, serianecessário presumir que foi escrito antes de 723 ou 722 a.C., ou pouco depoisdisso.

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 INTRODUÇÃO

nhecidos na Assíria do século VIII: a) a expedição de um decreto tanto pelo rei quanto por seus nobres (3.7) e b) a participação de animais

num jejum religioso (3.7-8). Com base nessas observações, escritoresmodernos tendem a favorecer uma data de composição pós-exílica.

i. O tamanho de Nínive. A descrição de Nínive como uma cidadede “três dias para percorrê-la” (m afflak selosetyãmin, 3.3), foi considerada por muitos comentaristas como um absurdo exagero de seutamanho. Pressupondo-se que uma viagem de um dia representava

cerca de 30 km, isso faria de Nínive uma cidade com 90 km de larguraou, talvez, 90 km de circunferência.1 A partir de um documento daépoca, porém, sabemos que o rei assírio Senaqueribe (704-681 a.C.),do início do século VII, ampliou a circunferência da cidade de Nínivede 9300 côvados (aproximadamente 5 km) para 21815 côvados(aproximadamente 11 km),2 e pesquisas arqueológicas modernas confirmam a exatidão desse relato.3 Assim, antes do final do século VIII,

 Nínive provavelmente não tinha mais de 1, 5 km em sua parte mais

larga. Com base nisso, dificilmente teriam sido necessários três diasquer para atravessar a cidade, quer para andar em tomo de seus muros.

Várias sugestões foram feitas para superar essa dificuldade.Acredita-se que a expressão “três dias para percorrê-la” (“de três diasde jornada”; IBB, TB) refere-se não ao comprimento  da jornada deJonas, mas ao tempo necessário para empreendê-la. Se Jonas tinha deanunciar a mensagem de Deus aos ninivitas, ele deve ter andado de

uma esquina a outra e de uma porta da cidade a outra. Naturalmente,uma tarefa dessas levaria alguns dias para ser completada. Além disso,D. J. Wiseman considera possível que, de acordo com a antiga prática

1. Entretanto, em documentos antigos não existe indicação alguma de que o tamanhodas cidades era determinado por sua circunferência: “Não tenho conhecimento denenhuma indicação do tamanho de uma cidade antiga pelo comprimento de seus

muros”, D. J. Wiseman, “Jonah’s Nineveh”, TynB 30 (1979), p. 37.2. Interpretando um côvado como o equivalente aproximado de 19,6 polegadas ou 50

cm.3. F. Jones, “The Topography of Nineveh”,  jras   15 (1855), p. 324, dá uma

circunferência de pouco mais de 12 km ; T. Madhloum, “Excavations at Nineveh”, Sumer  23 (1967), p. 77, calcula a circunferência da cidade em 12 km.

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 JONAS 

de hospitalidade do Oriente Médio, “a viagem de ‘três dias’ se referisse ao dia de chegada à cidade, seguido do costumeiro dia de visitas,negócios e descanso e, depois, do dia de partida”.1Um fator, porém,contraria essas duas hipóteses: a expressão “três dias de jornada” em3.3 claramente se refere ao tamanho de Nínive, não ao tempo atribuídoà missão de Jonas.2 Uma terceira solução é considerar a referência aostrês dias apenas simbólica, indicando uma cidade de proporções gigantescas.3 Contudo, o comentário de que “começou Jonas a percorrer acidade caminho dum dia” (3.4) recomenda uma interpretação literal da

expressão “três dias de jornada” .Um enfoque bem diferente é entender que o nome Nínive se

aplica a um distrito muito maior. De acordo com A. Parrot, Nínivedesigna o “triângulo assírio”, a região entre os rios Tigre, Zab eGhazir, estendendo-se desde Dur-Sarruquin (Khorsabad), no norte, atéCalá (Ninrode), ao sul.4 Ainda que esse enfoque resolva o problemados “três dias de jornada”, o texto de Jonas descreve Nínive como

uma “cidade”, ‘ir,  e apresenta Jonas saindo e sentando-se fora dela(4.5). Por essas razões, contesta-se que não há bases suficientes paracrer que o nome “Nínive” na verdade designasse uma área bem maisampla.

A narrativa, contudo, contém outro elemento a recomendar ahipótese de que o termo Nínive abrange uma região mais ampla do queapenas a própria cidade. É a expressão “a grande cidade”, hã‘ir  

haggdôfh   (1.2; 3.2; 4.11). Significativamente, essa mesma expressãoocorre com respeito a Nínive em Gênesis 10.11-12: “Daquela terra

1. Wiseman, “ Jonah’s Nineveh” , p. 38; cf. n t v , “uma cidade muito importante —cuja visita exigia três dias”.

2. A referência de Wiseman ao uso de mah*lãk  em Ne 2.6 (p. 36) dificilmente basta para contrapor essa objeção; cf. Rudolph, p. 355, nota 2.

3. Cohn, p. 58; Wolff(1975), p. 50.4. A. Parrot,  Nineveh and the Old Testament, Studies in Biblical Archaelogy 3 (SCM

Press, 1955), p. 85-86; traduzido por B. E. Hooke de  Ninive et I'Ancien Testament  (Delachaux etNiestlé, 21955); cf. C. F. Keil, p. 390-391; Trible, p. 175-176; D. W.B. Robinson, “Jonah”, em  n bc  ,   p. 750; Maier, p. 62. Wiseman, em “Jonah’s

 Nineveh” , p. 38, amplia essa área, de modo que inclui a cidade de Assur, ao sul deCalá.

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 INTRODUÇÃO

[Ninrode] saiu ele para a Assíria, e edificou Nínive, Reobote-Ir e Calá.E entre Nínive e Calá, a grande cidade [kã ‘ir haggedôlãh] de Resém”.

Comentando a respeito de tal passagem, C. F. Keil observa:

... depreende-se que os quatro lugares formavam uma enormecidade composta, um enorme conjunto de cidades, a que seaplicava o nome da (bem conhecida) grande cidade de Nínive,  emcontraste com Nínive no sentido mais restrito, com a qual Ninrode

 provavelmente ligou os outros três lugares de modo que formasseuma só grande capital, talvez também a principal fortaleza de seu

reino junto ao T igre.1

Se a interpretação que Keil faz de Gênesis 10.11-12 for exata, então aexpressão “a grande cidade de Nínive” pode muito bem designar nãoapenas a cidade murada de Nínive, mas também a região a seu redor.De fato, a expressão pode até mesmo ter sido entendida em sentidosemi-técnico, com o significado de “Grande Nínive”.2 Assim, Jonasnão foi simplesmente enviado à cidade murada de Nínive, mas à

“Grande Nínive” .3

ii. A população de Nínive.  O tamanho exato da população de Nínive é objeto de certa discórdia, apesar da afirmação em 4.11 de que Nínive tinha “mais de cento e vinte mil pessoas” . Alguns comentaristas entendem que esse número inclui apenas crianças, por causa da ex pressão de uma incapacidade de distinguir “entre a mão direita e a

mão esquerda”. Conseqüentemente, calcula-se que a população totalde Nínive era de aproximadamente 600 000.4 Isso, porém, representauma população muito maior que a que poderia ter vivido dentro da ci-

1. C. F. Keil, The Pentateuch (T & T Clark, 1864), p. 167; cf. J. J. Davis, A Dictionary o f the Bible  (Collins, 41924), p. 543; G. Ch. Aalders, Genesis,  1 (Zondervan,1981), p. 227. Só Gênesis e Jonas empregam a descrição “grande cidade” em

referência a Nínive.2. Compare as designações contemporâneas “Säo Paulo” e “Grande São Paulo” .3. Wiseman, “Jonah’s Nineveh” , p. 38-39, assinala que o nome hebraico que designa

 Nínive, ao contrário do assírio, não dá condições de distinguir entre a metrópole propriamente dita e um distrito maior.

4. Bewer, p. 64.

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 JONAS 

dade murada de Nínive. Outros estudiosos sustentam que a expressão“que não sabem distinguir entre a mão direita e a mão esquerda” não

se refere a criancinhas, mas, antes, ressalta de modo figurado a inca pacidade de todos os moradores de Nínive de distinguir entre o certo eo errado.1Isso dá uma população total de 120 000 habitantes, o que, deacordo com L. C. Allen, “é um número razoável para a cidadehistórica de 5 km de largura”.2 Allen, porém, baseia sua conclusão nofato de que Mallowan e Wiseman calcularam inicialmente a populaçãoda vizinha Calá, que tinha cerca de metade do tamanho de Nínive, em

mais ou menos 65 000.3 Mais recentemente, porém, Wiseman reviu demaneira considerável esse cálculo a favor de um número bem mais baixo, de cerca de 18 000 pessoas.4 Em conseqüência disso, 120 000habitantes seria agora uma estimativa exageradamente alta para a população total da cidade murada de Nínive. Seria, contudo, bastanteaceitável para a população da “ Grande Nínive” .

iii. “Nínive era cidade mui importante”.  Ainda outro possívelindício de uma data tardia de composição é o comentário de que“Nínive era  cidade mui importante”. Muitos escritores consideramque isso implica ter a redação do livro ocorrido após a destruição da cidade, em 612 a.C. Reconhecendo-se, no entanto, que todo o relato damissão de Jonas a Nínive está registrado no tempo passado, não hánenhuma razão pela qual o comentário sobre Nínive devesse ser ex presso de forma diferente.5

1. R. B. Y. Scott, “The Sign of Jonah” ,  Int   19 (1965), p. 24; Walton, p. 61.Wiseman, “Jonah’s Nineveh”, p. 39-40, observa que em textos babilónicos aexpressão “mão direita e mão esquerda” é sinônimo de “verdade e justiça” ou“ lei e ordem”.

2. Allen, p. 222; cf. J. Simons, The Geographical and Topographical Texts o f the Old Testament  (E. J. Brill, 1959), p. 527.

3. Allen, p. 234; cf. M. E. L. Mallowan, “The Excavations at Nimrud (Kalhu),1951”,  Iraq 14 (1952), p. 20-22; D. J. Wiseman, ‘A New Stela of Assur-nasir-paln’, Iraq 14 (1952), p. 28.

4. Wiseman, “Jonah’s Nineveh”, p. 41-42.5. Compare com Gn 3.1: “Ora, a serpente era o mais astuto de todos os animais do

campo...” (IBB).

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 INTRODUÇÃO

iv. O rei de Nínive. Outro aspecto considerado indicativo de umadata posterior é a expressão “rei de Nínive”. Dois fatores são levan

tados para defender que esse título foi inventado numa época em que oconhecimento sobre o Império Assírio era bem limitado e remoto. Em primeiro lugar, a exata designação “rei de Nínive” não ocorre emdocumentos mesopotâmicos até agora descobertos e examinados. Emsegundo lugar, o governante assírio geralmente é mencionado como o“rei da Assíria”. Embora esses dois fatores apontem para uma datatardia de composição, isso levanta ainda mais questões. Mesmo que,na época do exílio, o Império Assírio já não existisse mais, dentro datradição hebraica ainda permaneciam várias referências a ele, em particular 2 Reis 19 e 20, com paralelo em Isaías 37—39, e o livro de

 Naum. É significativo que nessas passagens o governante assírio sem pre receba o título “rei da Assíria” , mesmo quando diretamente associado a Nínive (2 Rs 19.36; Is 37.37). Assim, fora do livro de Jonas, aexpressão “rei de Nínive” jamais é empregada no Antigo Testamento.Pressupondo-se uma data tardia de composição, se o autor de Jonas

 baseou-se no livro de Reis para escolher seu profeta (cf. 2 Rs 14.15),não é estranho que ele não se tenha igualmente baseado na mesmaobra para obter informações sobre os assírios (i.e., 2 Rs 15—20)? Poroutro lado, contudo, a designação “ rei de Nínive” pode estar refletindocom exatidão a situação política vigente na época da missão de Jonas:a essa altura, o rei assírio exercia controle absoluto sobre uma região bem limitada cujo centro era Nínive — daí a designação “rei de

 Nínive” .1Foi somente perto do fim do século VIII a.C. que o ImpérioAssírio ressurgiu como uma importante potência mundial.

v. Costumes mais recentes. O livro de Jonas, conforme afirmam,registra alguns costumes típicos do período persa posterior, masdesconhecidos na Assíria do século VIII: um decreto outorgado tanto

1. Veja a nota adicional acerca da Assíria do século vm a.C., cf. A. K. Grayson,“Assyria: Ashur-dan n to Ashur-Nirari V (934-745 B.C.)”, in: c a h   nw, p.271-281; P. J. N. Lawrence, “Assyrian Nobles and the Book of Jonah”, TynB i l  (1986), p. 121-132.

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 JONAS 

 pelo rei quanto por seus nobres (3.7),1 e o pano de saco usado por animais, em sinal de lamento (3.8).2 Dois fatores, porém, devem precaver-

nos de depender exclusivamente desses costumes para decidir a datade composição de Jonas: a) a natureza limitada dos dados fornecidos por documentos assírios do início do século vm e b) os problemas associados à utilização de costumes do antigo Oriente Médio para determinar datas.3

 No que diz respeito a um decreto outorgado tanto pelo rei quanto por seus nobres, ofereceram-se algumas explicações dentro de um con

texto assírio. De acordo com Wiseman,4  durante uma época de criseextrema (e.g., um eclipse solar), não era incomum um rei descer dotrono, dando seu lugar a um rei substituto até que passasse o perigo. Asações do rei em Jonas 3.6 talvez reflitam um desses rituais de arpuhi, e isso poderia explicar o fato de o rei e seus nobres estarem associadosna expedição do decreto. Por outro lado, P. J. N. Lawrence acreditaque a expedição conjunta do decreto é conseqüência da situação

 política existente na Assíria durante o início do século VIII.3  Nessaépoca, a Assíria era controlada por reis fracos cercados de poderososgovernadores provinciais. Conseqüentemente, o chefe da dinastiaassíria achou necessário expedir um decreto junto com seus nobres.

A partir de nossa investigação da suposta inexatidão histórica deJonas, fica claro não existir razão que nos leve a crer que o autor deJonas escreveu numa época em que a Assíria do século vm pertencia aum passado distante e obscuro. Pelo contrário, há vários indícios deque a história de Jonas reflete com precisão a situação existente naAssíria em meados do século VIII a.C. Contudo, em virtude do nossoconhecimento muito limitado desse período específico da história

1. Veja uma lista de referências em E. J. Bickerman, “Les deux erreurs du prophèteJonas”,  RHPR  45 (1965), p. 250, n. 67.

2. Cf. Judite 4.10; Heródoto 9.24; Plutarco, Alexander  72.3. Cf. M. Selman, “Comparative Customs and the Patriarchal Age”, em A. R.

Millard e D. J. Wiseman (eds.),  Essays on the Patriarchal Narratives  (ivp, 1980), p. 93-138. Embora Selman discuta a utilização de costumes para datar o período patriarcal, suas observações são aplicáveis a períodos posteriores.

4. Wiseman, “Jonah’s Nineveh” , p. 47, 51.5. Lawrence, “Assyrian Nobles” , p. 121-132.

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 INTRODUÇÃO

assíria, quaisquer conclusões a que se chegue acerca do contextohistórico do livro de Jonas devem permanecer provisórias. Entretanto,

à luz dos dados acima considerados, não há motivo algum por que adata da composição do livro de Jonas deva estar na era pós-exílica.

c. Outras considerações

Além dos aspectos lingüísticos do texto e da alegada presença dedescrições lendárias, os estudiosos consideraram vários outros fatores para tentar apurar a data de composição: 1) a dependência literária e 2)

os destinatários. Contudo, deve-se já de início salientar que essescritérios tendem a ser menos objetivos que os que acabamos de analisar. Na melhor das hipóteses, servem apenas para confirmar uma data

 já apurada com base em outros fatores.

/.  Dependência literária.  Há muito tempo reconheceu-se quevários elementos do livro de Jonas apresentam grande semelhança com

o material encontrado em outros livros do Antigo Testamento.1 Paraexplicar isso, sustenta-se que o autor de Jonas estava familiarizadocom essas outras obras e, uma vez que parte dessa fonte de informações é datada como da época do exílio babilónico, o livro de Jonasdeve ter sido escrito posteriormente.2 Esse argumento a favor de umadata pós-exílica, entretanto, baseia-se em um alicerce bem inseguro:não existe maneira alguma de apurar com certeza a direção do em

 préstimo. Outras considerações à parte, poderia ser igualmente bem argumentado que tais obras dependeram de Jonas.

ii. Destinatários. Com base na pressuposição de que Jonas deveter sido redigido para atender a uma necessidade específica, os estu

1. Observaram-se semelhanças nas seguintes passagens: Gn 6.11,13; 19.25,29; 1 Rs

19.4-5; SI 18.6; 69.1; 88.6-7; 118.5; 120.1; Jr 18.11; 26.3,15; Ez 24.16;27.8-9,25-29; J11.13; 2.13-14.

2. Cf. A. Feuillet, “Les sources du livre de Jonas”, rb 54 (1947), p. 161-186. Feuillettambém sustenta que essa dependência de outras obras indica que o livro de Jonasé uma narrativa de ficção. Isso, porém, é rejeitado por B. Trépanier, “The Story ofJonas”, CBQ  13 (1951), p. 8-16.

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 JONAS 

diosos procuram identificar a situação que deu origem à composiçãodo livro.1Embora esse recurso seja metodologicamente válido, a tarefa

de identificar os destinatários do livro está repleta de complicações.Várias tentativas de fazê-lo revelaram-se depois insatisfatórias. Assim, por exemplo, era corrente crer que o livro dirigia-se a judeus que, naépoca de Esdras e de Neemias, tinham uma atitude preconceituosa anteos gentios. Todavia, conforme R. E. Clements demonstrou, o indícioconcreto não sustenta a opinião de que o livro foi escrito contra tal situação.2 A experiência mostra que qualquer tentativa de identificar os

destinatários do livro provavelmente será por demais subjetiva para tervalor permanente na apuração da data de composição.Embora a maioria dos autores recentes que têm escrito sobre

Jonas favoreça uma data exílica ou pós-exílica para a composição dolivro, os dados lingüísticos examinados acima não excluem uma datamais remota, talvez dentro do século VIII, sobretudo se o livro foi com

 posto no Reino do Norte. Tampouco outras considerações descartam a possibilidade de uma data antiga. Conforme revelou a nossa investigação de outros critérios relevantes, não existe nada totalmente incom

 patível com uma data pré-exílica de composição.

H. A UNIDADE DE COMPOSIÇÃO

Intimamente relacionado com a questão de autoria e data está o problema da unidade de composição. O livro de Jonas foi produzido

 por um único indivíduo, ou vários escritores contribuíram para a formaatual?Durante o século XIX, Jonas, junto com outros livros do Antigo

Testamento, foi submetido a um exame minucioso e rigoroso de estudiosos interessados em descobrir a história de sua redação. Em conseqüência, o texto foi severamente dissecado, alguns estudiososchegando a descobrir até quatro diferentes escritores que teriam con-

1. Cf. D. F. Payne, “Jonah from the Perspective of its Audicence”, JSOT  13 (1979), p.3-12.

2. R. E. Clements, “The Purpose of the Book of Jonah” , vts  28 (1975), p. 18-19.

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 INTRODUÇÃO

tribuído para a forma final do livro.1 Da perspectiva avantajada dosdias de hoje, os excessos dessa abordagem ficam bem visíveis. Con

tudo, embora estudiosos do século XX rejeitem, no que diz respeito aJonas, as conclusões da crítica das fontes a que chegaram os seus colegas do século XIX, um aspecto do livro continua recebendo destaquenas discussões a respeito de sua unidade: a autenticidade da parte poética em Jonas 2.2-9.

Já em 1786, Ch. G. Hensler sugeriu que havia incongruências entre o salmo do capítulo 2 e o restante do livro.2 Alguns anos depois, J.

G. A. Müller especulou que, conquanto o salmo tivesse sido compostono século VIII a.C. pelo próprio Jonas, o restante do livro era obra deum autor exílico.3  Essa posição, porém, foi invertida por W. M. L.DeWette, que defendeu a prioridade da narrativa em prosa, sendo osalmo uma inserção posterior .4  Se existem incongruências entre osalmo e a narrativa que o cerca, só pode haver uma explicação paraisso: o autor do relato em prosa não tinha nenhum conhecimento detalhado do conteúdo do salmo. O salmo, portanto, deve ter sido incorporado ao texto de Jonas numa etapa posterior. Essa posição constituiriao consenso crítico durante ISO anos seguintes.

Os últimos 20  anos, contudo, vêm testemunhando uma transformação significativa nas atitudes diante da unidade de composição deJonas. Um número substancial de escritores modernos rejeita agora porser totalmente insatisfatória a prova contra a aceitação de 2.2-9 como

 parte original do livro.5  As razões para tanto estão esboçadas abaixo.

1. Veja um esboço e uma abordagem critica dos enfoques do século x d í , em Bewer, p. 13-21. No que diz respeito à distribuição e ao uso dos nomes divinos, Yahweh eElohim, veja F. D. Kidner, “The Distribution of Divine Names in Jonah”, TynB 21(1970), p. 77-87; Magonet, p. 34-38.

2. Ch. G. Hensler,  Animadversiones in quaedam duodecim prophetarum minorum loca  (1786); veja G. M. Landes, “The Keiygma of the Book of Jonah”,  Ini  21(1967), p. 3.

3. J. G. A. Müller, “Jona, eine moralische Erzählung” , in: Paulus’ Memorabilien, 6(1794), p. 142-143.

4. W. M. L. DeWette,  Lehrbuch der historisch-kritischen Einleitung in kanonischen undapocryphischen Bücher des A.T. (Reiner, 1817), p. 298.

5. Veja uma lista abrangente de escritores modemos que questionam o acréscimo posterior do salmo, em D. L. Christensen, “The Song of Jonah: A MetricalAnalysis”, JBL  104 (1985), p. 217, n. 3.

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 JONAS 

Antes de considerá-las, porém, é necessário fazer um resumo dos argumentos que recomendam a hipótese de que o salmo do capítulo 2 foi

uma interpolação posterior na narrativa em prosa.11. Com base na forma e no conteúdo, geralmente 2.2-9 é classificado como um salmo de ação de graças individual. Argumenta-se,

 porém, que um salmo de ação de graças é totalmente inapropriado nocontexto em questão. Em razão de seu aprisionamento dentro doestômago do grande peixe, acredita-se muito pouco provável que Jonastivesse expressado gratidão a Deus.

2. Conforme revelado no salmo, o caráter de Jonas não se harmoniza com a descrição que o autor faz dele em outras partes do livro.Por exemplo, a cena em que Jonas louva a Deus com gratidão dificilmente está de acordo com o trecho em prosa que o apresenta rebelde,taciturno e mal-agradecido. Da mesma forma, enquanto em 1.12 eleaparentemente acolhe a perspectiva de morrer sem muita apreensão,suas palavras em 2.2 revelam enorme ansiedade diante da morte iminente.

3. Certos comentários do salmo contradizem algumas afirmaçõesencontradas na narrativa em prosa. Por exemplo, em 1.15 declara-seque os marinheiros foram responsáveis por atirar Jonas ao mar. Jonas,

 porém, diz em 2.3 que Iavé atirou-o nas profundezas. No capítulo 1,Jonas foge de Deus por decisão própria, ao passo que em 2.4 se ressalta que na verdade ele foi banido da presença divina. Em 2.8, oscomentários depreciativos acerca dos pagãos parecem estranhos em

vista da descrição positiva dos marinheiros e dos ninivitas nos capítulos 1 e 3 respectivamente. Finalmente, enquanto o salmo expressa agratidão de Jonas por ter sido salvo do afogamento, a narrativa nocapítulo 1 dá a impressão de que, depois de ser jogado ao mar, ele foiimediatamente engolido pelo peixe.

4. Entre 2.2-9 e o restante do livro, existem discrepânciaslingüísticas que não podem ser explicadas apenas com base numa

distinção entre prosa e poesia. Em 2.3 emprega-se para “lançar” uma palavra diferente da encontrada em 1.12,15. Enquanto no capítulo 1 o

1. Cf. Trible, p. 75-80; P. Weimar, “Jon 2,1-11. Jonapsalm und Jonaerzählung” , BZ  28(1984), p. 46-50.

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 INTRODUÇÃO

singular “mar” é empregado (vv. 4,5,9,11,12,13,15), em 2.3 ocorre o plural “mares” . A expressão “da presença de” em 1.3,10 é substituída

 por “diante dos olhos de” em 2.4. Ademais, certas palavras comuns na prosa estão totalmente ausentes do salmo. Por exemplo, embora“grande” apareça 14 vezes na narrativa em prosa, nunca ocorre nosalmo.1 O termo rãHh,  “mal”, não figura no salmo, mas aparece 7vezes no restante do livro.2

5. Retirando-se 2.2-9, a estrutura original do livro é restaurada.De acordo com N. Lohfink, os versículos 1.17,2.1 e 2.10, interpretadosconjuntamente, formam um quiasma bem definido:3

A Deus preparou um peixe para engolir Jonas (1.1 lá)B Jonas esteve dentro do peixe (1.17b)B 1 Jonas orou de dentro do peixe (2.1)A 1  Deus determinou ao peixe que vomitasse Jonas (2.10)

Com a inclusão de 2.2-9, esse esquema é destruído. A partir de uma

 perspectiva diferente, P. L. Trible conclui que o livro todo de Jonasconsiste em duas partes paralelas: os capítulos 1  e 2  encontram

 paralelo nos capítulos 3 e 4. Entretanto, para alcançar a melhorcorrespondência entre as duas divisões, é preciso eliminar 2.2-9.4

Embora pareça haver fortes motivos para acreditar que 2.2-9 nãoé uma parte autêntica do livro de Jonas, esses argumentos não são totalmente convincentes.

1. Estudos recentes confirmam que o salmo do capítulo 2 ex pressa gratidão não pelo livramento de dentro do grande peixe, comomuitos comentaristas mais antigos supunham, mas, sim, por ter sidosalvo do afogamento.5 O peixe, à semelhança da planta em 4.6, é divi-

1. 1.2,4 (duas vezes), 10,13,15; 2.1; 3.2,3,5,7; 4.1,7,11; Cf. Wolff (1975), p. 61, n.82; Fretheim, p. 43-44.

2. 1.2,7,8; 3.10; 4.1,2,6. O mesmo termo aparece como adjetivo em 3.8,10.3. N. Lohfink, “Jona ging zur Stadt hinaus (Jon 4,5)” , BZ  5 (1962), p. 196, n. 37.4. Trible, p. 76, 184-202. De acordo com Trible, a oração em 4.2 faz paralelo com a

oração dos marinheiros em 1.14, e não com a oração de Jonas em 2.2-9.5. Cf. Allen, p. 184; J. T. Walsh, “Jonah 2,3-10: A Rhetorical Critical Study”, Bib 63

(1982), p. 219-229; Christensen, “The Song of Jonah”, p. 226-227.

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 JONAS 

namente preparado para salvar, não para punir.1O salmo, portanto, é bastante apropriado em seu presente contexto. De dentro do peixe,

Jonas reflete sobre o fato de quase ter morrido afogado e louva a Deus por responder a seu pedido de socorro.

2. O caráter de Jonas, conforme apresentado no salmo, não precisa ser considerado incompatível com aquilo que conhecemos deleem outras partes do livro. A cena em que'Jonas louva a Deus porsalvá-lo do afogamento tem paralelo em sua atitude imediatamenteapós a provisão divina da planta: “Jonas, pois, se alegrou em extremo”

(4.6). Quanto à suposta falta de harmonia entre os capítulos 1 e 2, noque diz respeito à atitude de Jonas diante da morte, Landes comenta:

...ele [Jonas] está disposto a correr o risco de morrer, mas nãoanseia pela morte, nem recebe sua aniquilação de braços abertos.A diferença de linguagem em 1.12 e 4.3,8 ressalta isso. Nocapítulo 4, o desejo que Jonas tem de morrer é fortementeacentuado pela reiteração, enquanto no capítulo 1 não éintroduzido nem o substantivo “morte”, nem sinônimo algum doverbo “morrer”[...] Assim, quando se vê no Abismo de águas,Jonas une-se ao grupo de israelitas que experimentaram a ameaçae o pavor de uma morte prematura e clamaram a Iavé em busca delivramento.2

Dessa maneira, os capítulos 1 e 2 não se contradizem no que dizrespeito à atitude de Jonas diante da morte. Ademais, sem o salmo deação de graças não existe nenhum motivo para supor que a atitude inicial de Jonas diante do chamado de Deus tenha mudado após sua ex pulsão do navio. No entanto, o enredo do livro exige que se explique omotivo pelo qual Jonas estaria disposto a ir a Nínive no capítulo 3. Aexpressão da gratidão de Jonas a Deus por livrá-lo da morte é um eloessencial entre os capítulos 1 e 3.

3. As supostas contradições entre o salmo e o restante do livronão chegam a apresentar um problema real. Ao longo do salmo, Jonas

 prontamente reconhece a soberania absoluta de Deus. Assim, embora

1. Veja Landes, “The Kerygma” , p. 12-13. Deve-se rejeitar a interpretação alegóricade que Jonas sendo engolido pelo peixe representa Judá sendo levado pelos

 babilônios para o cativeiro. O peixe é um instrumento de salvação, não de castigo.2. Ibid.,p. 23.

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 INTRODUÇÃO

os marinheiros o tenham jogado ao mar, aos olhos de Jonas foi Deusquem dirigiu toda a situação; os marinheiros são apenas o meio pelo

qual Deus o castiga. Não existe, portanto, nenhuma contradição entre1.15 e 2.3. Semelhantemente, a referência ao banimento em 2.4 nãovai contra a afirmação anterior de que Jonas quis esconder-se da presença de Deus (1.3). Embora Jonas procure escapar de seu comissionamento, fugindo para Társis, ele toma consciência de que está sendo banido por Deus só após ser jogado do navio. O banimento de Jonas éuma conseqüência de sua tentativa de fugir a seu comissionamento. Ocomentário sobre idólatras em 2.8 dificilmente se harmoniza com orestante do livro. Os episódios com os marinheiros e os ninivitas revelam que apenaâ os que se voltam para Iavé é que podem esperar encontrar a graça. Finalmente, ainda que o capítulo 1 talvez dê a impressãode que Jonas foi instantaneamente engolido pelo peixe e, portanto, nãoesteve prestes a se afogar, o texto não apresenta nenhum  indício dotempo que Jonas permaneceu na água. De qualquer forma, uma vezque não poderia ter sobrevivido muito tempo debaixo da água, ele

deve ter sido salvo rapidamente.4. As discrepâncias lingüísticas entre a prosa e a poesia não pre

cisam indicar necessariamente que o salmo é um acréscimo secundário. Há explicações alternativas possíveis. O fato de o salmo utilizarlinguagem cúltica tradicional poderia justificar tais diferenças.1Alémdisso, o salmo e a estrutura narrativa podem ter sido compostos por indivíduos distintos. Contudo, isso não requer, conforme geralmente sesupõe, que o salmo seja posterior.

Ademais, não se deve desconsiderar que existe correspondênciade tema e de terminologia entre a prosa e a poesia. Por exemplo, otema de descer,  observado por vários escritores, é significativo noscapítulos 1 e 2:2 Jonas desce a Jope (1.3), ao navio (1.3), ao porão (1.5)

1. Temse dado considerável atenção à afinidade entre esse e outros salmos; cf. A. R.Johnson, “Jonah 2,3-10. A Study in Cultic Phantasy”, in: H. H. Rowley (ed.),Studies in Old Testament Prophecy presented to T. H. Robinson   (T & T Clark,1950), p. 82-102; Magonet, p. 44-54.

2. Cf. J. S. Ackerman, “ Satire and Symbolism in the Song of Jonah” , in: B. Halpeme J. D. Levenson (eds.), Traditions in Transformation. Turning Points in Biblical  

 Faith  (Eisenbrauns, 1981), p. 223-224, 229-235; Christensen, “The Song ofJonah”, p. 226.

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 JONAS 

e, finalmente, aos fundamentos dos montes (2.6). Esse movimento descendente só é revertido em 2.6, em que Jonas afirma: “... fizeste subirda sepultura a minha vida”. Outro vínculo entre os dois capítulos ini

ciais é o fato de que os marinheiros (1.16) e Jonas (2.9) reagem dianteda misericórdia de Deus oferecendo sacrifícios e fazendo votos.1

5. O estudo de estruturas literárias no livro de Jonas é uma inovação relativamente recente, e as observações de Lohfink e Trible,comentadas acima, foram significativas no desenvolvimento inicial detal análise. Desde então, porém, a tendência de estudos posteriores temsido recomendar a manutenção de 2.2-9 como parte original do livro

de Jonas.Há muito se reconhece que existe um estreito paralelo entre o

chamado inicial de Jonas (1.1-3) e sua segunda convocação, em 3.1-3a.  Essa observação tem levado vários escritores a entender que asegunda metade do livro forma paralelo com a primeira. J. Magonet,

 por exemplo, esboça da seguinte maneira a estrutura geral do livro:2

A 1.1-16 O primeiro chamado —  • fuga. Marinheiros.B 2.1 Transição.CA1B1C1

2.2-11 Oração — “discussão” com Deus.3.1-10 0 segundo chamado — obediência. Nínive.4.1 Transição.4.2-11 Oração — “discussão” com Deus.

Além de terem introduções semelhantes, as divisões A e A l sãocorrespondentes por apresentarem favoravelmente as ações dos marinheiros pagãos e dos ninivitas. As divisões C e Cl,  porém, concentram-se inteiramente em Jonas, ressaltando suas reações diante dosacontecimentos dos episódios anteriores. A gratidão que ele manifestano capítulo 2 por ter experimentado livramento contrasta bruscamentecom a repulsa que sente no capítulo 4 pelo fato de Deus se dispor a

1. Allen, p. 184, n. 47, assinala também as seguintes semelhanças de terminologiaentre a prosa e a poesia: q r \   “clamar”, 1.6,14; 2.2; nepeS,  “vida”, 1.14; 2.5,7;“Iavé, seu/meu Deus”, 2.1,6.

2. Magonet, p. 55; cf. Rudolph, p. 326; Fretheim, p. 55.

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 INTRODUÇÃO

 perdoar Nínive. No entanto, ao contrário de Trible, Magonet defende amanutenção do salmo no capítulo 2 por ele ter um equivalente em4.1-3. Não somente as duas orações são introduzidas por afirmações

semelhantes, “e [Jonas] orou ao SENHOR [...] e disse”, mas, conformeobserva Allen, “os temas que suscitaram o louvor de Jonas no salmosão ironicamente os mesmos que o levam à tristeza em sua segundaoração”.1Retirando-se o capítulo 2, destrói-se a estrutura equilibradado livro.

 Nos parágrafos precedentes, buscamos avaliar os argumentos favoráveis e contrários à remoção do salmo do capítulo 2 considerando-o

interpolação posterior. O peso das provas favorece claramente amanutenção de 2.2-9 como parte do rascunho original do autor. É elemento essencial no enredo do livro, fornecendo uma ponte muito necessária entre os acontecimentos dos capítulos 1 e 3. Portanto,concordamos com a maioria dos escritores modernos em que o livro deJonas, tal como está, é uma unidade literária.

ffl. GÊNERO LITERÁRIO

Muito tempo e esforço vêm sendo despendidos por escritoresmodernos a respeito da questão do gênero literário2 do livro de Jonas.Que tipo de obra o autor pretendia produzir? Em que categoria literáriao livro deve ser colocado?

A importância dessas questões não deve ser subestimada. Hámuito se observa que o livro de Jonas é notadamente diverso dasoutras obras que compõem os profetas menores. Enquanto elas se concentram basicamente nos dizeres dos profetas, o livro de Jonas tratados acontecimentos em tomo da missão do profeta e contém apenasum brevíssimo registro de seus pronunciamentos.

Mais significativamente, porém, a identificação do gênero literário do livro é importante para interpretarmos o texto. Para que entendamos corretamente o que o autor procurou comunicar, devemos identificar a categoria literária a que essa obra pertence. E essencial,

1. Allen, p. 199; cf. Ackerman, “Satire and Symbolism”, p. 224-225.2. Quanto a um exame mais completo dessa questão, veja meu artigo “Jonah and

Genre”, TynB 36 (1985), p. 35-59.

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 JONAS 

 portanto, determinar o tipo de literatura que o autor pretendia escrever.Será que ele queria que o livro fosse considerado, em algum sentido,uma obra de ficção ou como história?

a. Ficção

Recentes tentativas de classificar o livro de Jonas como ficçãogeraram ampla gama de hipóteses: alegoria;1 midrash;2 parábola;3

 parábola profética;4 lenda;5 lenda profética;6 novela;7 sátira;8 ficçãodidática;9 conto satírico-didático.10 Tal lista de propostas leva a suporque existe um grande desacordo entre os estudiosos acerca do gêneroliterário de Jonas. Entretanto, na verdade não é bem assim. As diferenças de opinião quanto à escolha de alguns desses termos são de

1. G. A. Smith, The Book o f the Twelve Prophets,  Expositor’s Bible (Hodder andStoughton, 21898); Martin; Johnson, “Cultic Phantasy”, p. 82-102; Knight.

2. K. Budde, “Vermutungen zum "Midrasch des Buches der Könige’” ,  z a w   12(1892), p. 37-51 (um midrash  sobre 2 Reis 14.25); L. H. Brockington, “Jonah”,

in: M. Black, H. H. Rowley (eds.),  Peake’s Commentary on the Bible  (Nelson,1962), p. 627-629 (um midrash  sobre Jeremias 18.8); Tribel (um midrash  sobreÊxodo 34.6).

3. Bewer; J. Smart, “The Book of Jonah”, The Interpreter's Bible,  6 (Abingdon,1956), p. 871-894; Watts; Allen; P. C. Craigie, The Twelve Prophets, 1, The DailyStudy Bible (Saint Andrew, 1984).

4. A. Rofé, “Classes in the Prophetical Stories: Didactic Legenda and Parable”, v t s  

26(1974), p. 143-164.5. O. Eissfeldt, The Old Testament. An Introduction  (Basil Blackwell, 1965), p.

403-406; A. Jepsen, “Anmerkungen zum Buch Jona”, WortGebotGlaube.  Beiträge zur Theologie des Alten Testaments. Walter Eichrodt zum 80 Geburtstag,  Abhandlungen zur Theologie des Alten un Neuen Testaments  59 (1970), p.297-305.

6. Haller; Keller.7. Wolff (1975); O. Kaiser,  Introduction to the Old Testament,  traduzido para o

inglês por J. Sturdy (Basil Blackwell, 1975), p. 194-198; G. M. Landes, “Jonah,Book o f ’, i d b s ,  p. 488-491.

8. M. Burrows, “The Literary Category of the Book of Jonah” , in: H. T. Frank, W.L. Reed (eds.), Translating and Understanding the Old Testament   (Abingdon:1970), p. 80-117; Allen.

9. Weiser, Wolff, “Jonabuch”, in:  Die Religion in Geschichte und Gegenwart  (Tübingen, 31959), p. 853-856; Rudolph.

10. Fretheim; Wolff (1977).

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 INTRODUÇÃO

natureza relativamente pequena. Antes, o grande número de hipótesesreflete a dificuldade de encontrar um rótulo único que receba amplaaceitação. Assim, por exemplo, na prática quase não existe distinçãoentre parábola e ficção didática, embora, conforme demonstramos emoutro lugar, o termo parábola não seja particularmente adequado, aindamais quando se considera o uso neotestamentário da palavra.1

Atualmente, a maioria dos estudiosos rejeita, considerando im provável, a possibilidade de o livro de Jonas ser alegoria ou midrash} Interpretações alegóricas do texto não se revelaram particularmenteconvincentes. Embora alguns escritores modernos ainda sustentem que

o nome Jonas, que significa “pomba”, é simbólico, a maioria doscomentaristas da atualidade rejeita completamente essa idéia.3 Ahipótese de que o aprisionamento de Jonas no peixe representa o cativeiro babilónico também não chega a convencer, especialmentequando se admite que o peixe é apresentado como um instrumento delivramento, não de castigo. Quanto à hipótese de Jonas ser um midrash (i.e., uma exposição de um texto bíblico), não se chegou a nenhumacordo sobre a passagem do livro que estaria expondo. Ademais, omidrash  judaico é um fenômeno pós-exílico, ao passo que, comosustentamos anteriormente, o livro de Jonas pertence ao período pré-exílico.

Conforme evidenciavam as muitas classificações propostas deJonas, a questão da natureza histórica do livro é de tremenda importância. Muitos dos termos empregados são deliberadamente escolhidos porque designam escritos não-históricos (e.g., parábola, lenda, novela).

Essa tendência de enxergar o livro como ficção ao invés de fato é umdesdobramento de certa forma moderno, tendo sido proposto principalmente com base nos seguintes argumentos:

1. Alexander, “Jonah and Genre”, p. 38-40.2. Cf. Aalders,  Problem,  p. 15-16; Burrows, “Literary Category”, p. 88-90; Eybers,

“The Purpose o f the Book of Jonah”, p. 212-213; no entanto, Allen, p. 181,sustenta que o livro contém “certos aspectos alegóricos”.3. O escritor mais recente a entender que o nome Jonas é significativo é A. J. Hauser,

“Jonah: In Pursuit of the Dove” , jbl 104 (1985), p. 21-37. Sua hipótese de que noAntigo Testamento a pomba era associada a “vôo” e “passividade” é sugestiva,mas não de todo convincente.

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 JO NAS 

i. Improbabilidade histórica.  Uma dificuldade básica que se de para a muitos leitores modernos é a quantidade de acontecimentos ex

traordinários registrados. Jonas sendo salvo pelo grande peixe, oarrependimento de toda a cidade de Nínive, o surpreendente crescimento da planta e sua também rápida destruição não são acontecimentos do dia-a-dia. Raciocina-se, então, que, por ser altamenteimprovável que essas coisas tenham chegado a ocorrer, elas devem sercriação da mente do autor; não há possibilidade de o livro de Jonas basear-se em acontecimentos reais.

Contudo, embora muitos leitores modernos possam encarar essesacontecimentos com considerável ceticismo, certamente é mais importante indagar como o autor de Jonas os considerava. Ainda que talvezos tenha achado por demais incomuns, ele não precisava rejeitá-loscomo totalmente improváveis. Afinal, o autor do livro bíblico de Reisincorpora, em seu relato historicamente fundamentado, acontecimentosque não são menos inacreditáveis do que os encontrados em Jonas(e.g., a ascensão de Elias ao céu, 2 Rs 2.1-18), e sem dúvida ele estava bastante pronto para aceitar tais eventos como ocorrências reais. Emvista disso, certamente é errado esperar que um escritor antigo estivesse preso a padrões modernos de probabilidade e de improbabilidade histórica. Ademais, mesmo que fosse possível demonstrarclaramente que alguns desses acontecimentos não se deram, comoquerem alguns escritores modernos, isso não indica de imediato que oautor de Jonas não os considerasse históricos. O que é de extrema im

 portância é a percepção do autor quanto àquilo que estava escrevendo. Neste nosso caso, ponderar a probabilidade e a improbabilidadehistórica não responde à questão. Para apurar a intenção do autor, precisamos examinar outros aspectos.

ii. Hipérbole.  O segundo aspecto do livro de Jonas consideradoindicador de seu caráter não-histórico é a hipérbole. Do peixe à popu

lação de Nínive, tudo é apresentado de maneira exagerada.1Acredita-se não ser esse um registro sensato da realidade, mas, sim, um vôo

1. Chama-se a atenção para o uso repetido do adjetivo gãdôl, que ocorre 14 vezes nolivro.

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 INTRODUÇÃO

fantasioso por parte do autor, que jamais pretendeu fosse sua obratratada como uma narrativa histórica séria; ela foi composta basicamente para entreter e divertir o leitor. Conseqüentemente, váriosescritores têm salientado o tom irônico ou satírico do livro todo .1

E por demais questionável se o autor de Jonas de fato apresentatudo maior do que é na realidade. Uma análise cuidadosa do textosugere que os acontecimentos não são exagerados, mas, pelo contrário,refletem precisamente a situação descrita. Por exemplo, só se pode es perar que um peixe capaz de engolir um homem seja descrito como

“grande” (1.17). Ademais, na realidade o autor dá pouca importânciaà natureza miraculosa dos vários acontecimentos extraordinários registrados na narrativa. Assim, sua descrição de Jonas sendo engolido pelogrande peixe é contada de modo bem natural, sem nenhuma tentativade adornar o relato com detalhes extravagantes. Isso parece notável,especialmente quando querem que acreditemos que o autor gosta dehipérboles. Enquanto muitas das exposições modernas de Jonas ten

dem a dramatizar os acontecimentos de modo bem pouco realista, omesmo não acontece com o original hebraico.

iii. Estrutura simétrica.  Estudos contemporâneos de Jonas revelam que o livro todo mostra sinais de uma composição cuidadosa. A

 presença de estruturas simétricas subjacentes ao texto, porém, leva alguns estudiosos a pensar ser esse mais um sinal de que o livro é fic

tício. Conforme observa T. E. Fretheim, “as estruturas cuidadosamente

1. Burrows, em “Literary Category” , p. 95-96, desenvolve a idéia de que tudo éexagerado e propõe que o livro foi composto como sátira. De forma semelhante,Fretheim, p. 51-55, considera esses exageros irônicos; cf. E. M. Good,  Irony in the Old Testament   ( s p c k , 1965), p. 39-55; Ackerman, “Satire and Symbolism”, p.213-246; M. West, “Irony in the Book of Jonah: Audience Identification with theHero”,  Perspectives in Religious Studies 11 (1984), p. 232-242. S. D. Goitein, em“ Some Observations on Jonah”, jpo s   17 (1937), p. 74, rejeita a idéia de o livro deJonas ser uma sátira: “Em sua totalidade, o teor da história é por demais sério paraser uma sátira. Jonas não é retratado com o pincel da zombaria ou do desdém, mas,sim, desenhado com o lápis da profunda e compreensiva introvisão da fraquezahumana” (citado por Magonet, p. 86); cf. C. A. Keller, “Le portrait d’un prophète” , Theologische Zeitschrift  21 (1965), p. 329; A. D. Cohen, “The Tragedyof Jonah”, Judaism 21 (1972), p. 170-172.

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 JONAS 

elaboradas do livro [...] fazem supor um objetivo não-histórico por parte do autor. Tal interesse por estrutura e simetria não é tão carac

terístico de escritos históricos objetivos, indicando mais um produto daimaginação”.1 No entanto, ainda que o autor de Jonas faça uso de estruturas li

terárias, isso não implica automaticamente que sua obra seja de ficção.É preciso estabelecer distinção entre forma de apresentação e conteúdo. O fato de o autor de Jonas empregar determinados recursos literários revela-nos mais sobre sua capacidade de escritor do que sobrea historicidade ou não-historicidade de seu relato. Além disso, muito

embora o livro de Jonas apresente certas estruturas e padrões literários, de forma alguma eles são tão restritivos e limitantes quanto querFretheim. Não há motivo algum pelo qual um autor habilidoso não pudesse fazer uso deles e ainda assim apresentar um relato preciso do queaconteceu.

iv.  Natureza didática.  Outra razão pela qual muitos estudiosos

 pressupõem que o livro de Jonas seja não-histórico é sua naturezadidática. Afirma-se que o texto não foi escrito com o propósito de registrar acontecimentos reais, mas, sim, de transmitir determinadasidéias. Alguns escritores chegam a dizer que a natureza didática dolivro é, talvez, a razão mais forte para considerá-lo fictício.2 Por serdidático, Jonas não pode ser histórico.

Essa conclusão, porém, não procede. Os escritores que adotam talraciocínio infelizmente criam uma distinção um tanto desnecessária

entre obras “históricas” e “didáticas”. Não existe motivo algum peloqual o livro de Jonas não possa ser ao mesmo tempo didático ehistórico. O fato de que o autor de Jonas comunica a seus leitores certamensagem não exclui a possibilidade de seu relato basear-se em acontecimentos históricos. Aliás, é a própria realidade de tais acontecimentos que acrescenta significação ao ensino do livro.

Apesar de seu apelo popular, esses argumentos a favor da natureza fictícia do livro de Jonas não são tão irrefutáveis quanto poderiam parecer à primeira vista.

1. Fretheim, p. 66.2. Cf. J. Licht, Storytelling in the Bible  (Magnes, 1978), p. 124.

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 INTRODUÇÃO

b. HistóriaPor outro lado, vários fatores recomendam a idéia de que o autor

de Jonas escreveu conscientemente acerca desses acontecimentos,acreditando que de fato ocorreram.

i. Interpretação tradicional. Conquanto a maioria dos estudiososmodernos prefira considerar Jonas uma obra de ficção, essa é uma conclusão de certa forma recente. Só durante os últimos cem anos é quehouve um acentuado afastamento da opinião quase unânime de que osacontecimentos descritos de fato ocorreram.1 Embora as posiçõestradicionais não sejam necessariamente corretas, com certeza é significativo que tenha existido tal unanimidade em relação à natureza dolivro de Jonas:

O fato de que gerações de estudiosos e escritores estavam convencidas de que o autor de Jonas não pretendia escrever ficçãocontraria a idéia moderna de que a forma ou o estilo da narrativadão justamente essa impressão. Estariam essas gerações anteriorestotalmente cegas quanto a aspectos que, segundo somos instados acrer, são visíveis de imediato? Por acaso esses escritores do passado não viveram e estudaram num ambiente muito mais próximodo autor de Jonas do que nós? E, em caso afirmativo, não revelariam eles maior sensibilidade diante dos sinais genéricos de umanarrativa antiga? Com esses fatores em mente, devemos ter certezade que haja bons motivos para desconsiderarmos ou rejeitarmos a

avaliação tradicional de Jonas.2Assim, por exemplo, o historiador judeu Flávio Josefo, que viveu noséculo I d.C., incorpora a história de Jonas em sua história do povo

 judeu (Antigüidades  9.206-214). Ele justifica o fato de ter incluídoesse material fazendo o seguinte comentário: “Mas, uma vez que

1. A historicidade de Jonas 6   aceita pelos seguintes escritores: G. Ch. Aalders, The  Problems o f the Book o f Jonah (Tyndale, 1948); Trepanier, “The Story of Jonas”, p. 8-16; E. F. Sutcliff, “Jonas” , in: B. Orchard, E. F. Sutcliffe, R. C. Fuller, R.Russell (eds.),  A Catholic Commentary on Holy Scripture  (Thomas Nelson andSon, 1953), p. 669-671; Robinson, “Jonah”, p. 746-751; Maier; Walton.

2. Alexander, “ Jonah and Genre” , p. 58.

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 JONAS 

 prometi dar um relato exato de nossa história, achei necessário registrar o que encontrei escrito nos livros hebraicos acerca desse profeta” .1

Essa interpretação tradicional do livro não deve ser rejeitada precipitadamente. E, talvez, um guia melhor para identificar o gênero literário do livro do que as opiniões dos estudiosos modernos que,talvez, sejam insuficientemente críticos em relação a suas próprias pressuposições quanto a acontecimentos sobrenaturais. Jamais devemos esquecer-nos de que o autor de Jonas viveu numa cultura cujoetos era bem diferente do da sociedade ocidental contemporânea.

ii. Introdução histórica.  Outro aspecto a indicar que o autor deJonas tinha intenção de que seu livro fosse considerado histórico é amaneira pela qual o texto começa. Duas questões são dignas de notaaqui:

1. A principal personagem do livro é identificada como Jonas ben (filho de) Amitai. 2 Reis 14.25 menciona um profeta de mesmo nomeque, durante o reinado de Jeroboão II (782/81-753 a.C.), predisse a ex

 pansão do território de Israel. Isso naturalmente suscita a seguinte pergunta: se os acontecimentos registrados no livro de Jonas jamais ocorreram, por que o autor aparentemente os associa a um profeta conhecido? Não é estranho que, tendo inventado todo o enredo, o autor nãotivesse inventado da mesma forma sua personagem central?

2. O estilo da introdução é parecido com o encontrado em outroslivros históricos. As palavras iniciais recordam muito as de 1 Reis

17.8-9: “Então lhe [a Elias] veio a palavra do SENHOR, dizendo:Dispõe-te, e vai a Sarepta...”. Para qualquer um familiarizado com anarrativa hebraica, tal introdução certamente deve ter sugerido que oautor pretendia que o texto subseqüente fosse considerado como fato.Assim, a primeira impressão criada pelas palavras introdutórias dolivro já é de que o relato deve ser entendido como fato, não ficção.

1. Da tradução feita por R. Marcus, Josephus, VI (Heinemann, 1937), p. 109-111.

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 INTRODUÇÃO

iii. Outras considerações.  Finalmente, duas outras considerações

com implicação na historicidade do livro de Jonas devem ser mencionadas em algumas palavras.1. Muitos estudiosos tendem a considerar o livro uma obra de

ficção dados os supostos aspectos lendários do texto. Diz-se que oautor está muito distanciado do período e da situação sobre os quaisescreve e, portanto, apenas imagina como as coisas possam ter ocorrido no passado. Entretanto, é muito questionável se o texto contémdetalhes lendários. Já os examinamos ao tratarmos da data de com

 posição e concluímos que de modo algum eles são tão certos comosupõem alguns estudiosos. Aliás, o ambiente de meados do século VIII

a.C. parece particularmente apropriado para a missão de Jonas, aindamais quando se tem em vista o que ocorria na época, na Assíria.1Em bora não prove que o livro seja um registro preciso de acontecimentosreais, isso realmente favorece uma interpretação histórica do texto.

2. É provável que o paralelo literário mais próximo ao livro de

Jonas provavelmente seja o relato encontrado em 1 Reis 17— 19, quetrata do profeta Elias. Vários elos com esse material são observadosneste comentário, especialmente no capítulo 4.2 Embora muitos estudiosos duvidem da verdadeira natureza dos eventos descritos em 1Reis 17—19, poucos chegariam ao ponto de afirmar que não possuem base histórica. Parece haver bons motivos para adotar uma atitude semelhante em relação ao livro de Jonas.

Conclusão

Os autores hebreus sem dúvida possuíam suas próprias convenções e classificações literárias. Por essa razão, os rótulos modernostalvez não sejam totalmente adequados. No entanto, com base na discussão acima, podem-se tirar as seguintes conclusões a respeito dogênero literário do livro de Jonas. Por um lado, acompanhando o con-

1. Veja a nota acerca da Assíria do século vin a.C.2. Porten, em “Baalshamen and the Date of Jonah” , p. 238-239, chama a atenção

 para os seguintes paralelos existentes entre o livro de Jonas e as narrativas proféticas relacionadas à dinastia de Onri (1 Rs 18—2 Rs 8): 1) a ocorrência deacontecimentos extraordinários; 2) eventos que ultrapassam as fronteiras de Israel.

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 JO NAS 

senso da erudição moderna, gostaríamos de ressaltar a naturezadidática do texto. Quaisquer que fossem as outras intenções de nossoautor, ele sem dúvida procurou ministrar uma lição teológica a seusleitores. Entretanto, contra a corrente do pensamento contemporâneo arespeito de Jonas, somos de opinião que a mensagem do autor seorigina de acontecimentos reais e históricos e que eles constituem a base de seu relato. Conseqüentemente, a designação mais adequada aogênero literário do livro parece ser a de história didática.

Nota acerca da Assíria do século viu

Embora dentro do livro não se apresente nenhuma dataespecífica, geralmente se aceita que o relato da missão de Jonas a

 Nínive deve ser colocado dentro dos três primeiros quartéis do séculoVIU a.C. Isso parece claramente indicado no fato de 2 Reis 14.15 ligarJonas ben Amitai ao reinado do rei israelita Jeroboão II (782 [781]-753a.C.). Tendo essa data em mente, examinemos rapidamente a históriada Assíria do século viu.

Para compreendermos o que acontecia na Assíria durante a primeira metade do século VIU, é preciso começar algum tempo antes.Sob a liderança de Assumazirpal II (883-859) e Salmaneser III

(859/858—824/823), a Assíria experimentou notável crescimento e prosperidade; de acordo com A. K. Grayson, essa foi uma das eras deouro da história mesopotâmica.1Contudo, as coisas não continuariam

assim por muito tempo, e, mesmo antes de sua morte, Salmanesercomeçou a testemunhar a desintegração de seu poderoso reino. Em826, uma importante rebelião ocorreu dentro da própria Assíria, liderada pelo mais velho dos filhos de Salmaneser, Assur-da’in-apla.Um dos fatores que provocaram essa crise foi a incapacidade de Salmaneser de restringir a autoridade de governadores provinciais que“assumiram para si poderes desproporcionais à verdadeira natureza deseus cargos” .2 A revolta não foi abafada senão em 820, quando outro

dos filhos do rei, Samsi-Adade V (823-811/810), após a morte do pai,finalmente derrotou os rebeldes. Contudo, os sete anos anteriores de

1. Grayson, “Assyria” , p. 259.2. G. Roux, Ancient Iraq (Penguin: 21980), p. 278.

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 INTRODUÇÃO

disputas e convulsões internas tinham tido seu preço, marcando oinício de um período de significativo declínio para a Assíria. Embora

Samsi-Adade v tenha tomado providências para reestabelecer a posição da Assíria como principal potência mundial, obtendo algumsucesso nisso, seu reinado foi tão curto que não permitiu o retomo danação à sua antiga glória. Durante os 70 anos seguintes, a Assíria ex perimentaria um período de acentuado declínio e obscurecimento.Somente no reinado de Tiglate-Pileser III (745/744-727/726) a sorte danação mais uma vez viraria de forma decisiva para melhor.

REIS DE ISRAEL E DA ASSÍRIA

AssíriaOnri

Israel885/884874/873

Acabe 874/873853

Acazias 853852Jorão 852841Jeú 841814/813

Jeoacaz 814/813798

Jeoás 798782/781Jeroboão II 782/781753

(co-regente a partir de 793/792)

Zacarias 753752Salum 752Menaém 752742/741

Pecaías 742/741740/739Peca 740/739732/731Oséias 732/731723/722

Assumazirpal II

Salmaneser m

Samsi-Adade v

Adade-Nirari ffl

Salmaneser ivAssurdã uiAssur-Nirari v

883859

859/858824/823

823811/810

810783/782

783/782773/772772/771755/754754/753746/745

Tiglate-Pileser m 745/744727/726 

Salmaneser vSargão II

727 (726)722 722 (721)705 (704)

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 JO NAS 

Após a morte do pai, Adade-Nirari ni (810-783 [782]) subiu aotrono. Infelizmente, nosso conhecimento de seu reinado de 27 anos é

muito limitado; até agora, apenas uma inscrição real importante foidescoberta. Outros textos dessa época, que dizem respeito a governantes provinciais, dão a impressão de que o poder do rei era por demaisrestrito. Conforme observa Grayson, “um fenômeno de importâncianesse período obscuro [...] é o surgimento de poderosos governadores

 provinciais agindo como monarcas virtuais em seus próprios distritos,embora a maioria professe lealdade à coroa assíria”.1A revolta anterior fizera muito pouco para restringir a autoridade dos governadores

 provinciais.Um dos mais importantes desses oficiais, Samsi-Ilu, parece ter

desfrutado uma carreira particularmente longa e bem-sucedida (talvezde pelo menos 792 a 752). Durante o reinado de Salmaneser IV (783[782]-773 [772]), Samsi-Ilu registra em dois leões de pedra na cidadesíria de Til Barsip (Tell Ahmar) sua vitória sobre Argishtish, rei deUrartu, sem fazer nenhuma menção do rei assírio. De acordo com G.Roux, isso era algo “ sem precedentes nos registros assírios” .2 Não se pode dizer que Samsi-Ilu seja uma exceção. E possível identificarvários outros altos funcionários que, embora expressando lealdadenominal ao rei assírio, parecem ter exercido considerável inde pendência durante a primeira metade do século VIII.3

Em contraste com dirigentes provinciais como Samsi-Ilu, os reisassírios desse período parecem particularmente impotentes. Em especial, esse é o caso de Salmaneser IV (783/782-773 /772), Assurdã III

(772/771-755/754) e Assur-Nirari V (754/753-746/745). Infelizmente,quase nada sabemos a respeito dos reinados desses três reis, todos elesfilhos de Adade-Nirari III. E possível que isso reflita os tempos turbulentos em que viveram.

1. Grayson, “Assyria” , p. 273.2. Roux,  Ancient Iraq,  p. 280; cf. F. Thureau-Dangin, “L’inscription des lions de

Til-Barsip”,  Revue d'Assyriologie et d'Archéologie orientale  27 (1930), p. 15-19;Grayson, “Assyria”, p. 278-279; Lawrence, “Assyrian Nobles”, p. 127-129.3. Lawrence, em “Assyrian Nobles” , p. 123-126, analisa brevemente a carreira de

dois outros governadores provinciais, Bel-tarsi-iluma e Nergal-eresh; Grayson, em“Assyria”, p. 273-274, menciona Nergal-eresh e, em outro trecho (p. 279),refere-se a outros altos funcionários, Bel-kharran-beli-usur e Shamash-resha-usur.

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 INTRODUÇÃO

Alguns aspectos desse período da história assíria são dignos denota. Em primeiro lugar, houve uma marcante diminuição no número

de campanhas militares contra nações estrangeiras. De acordo com aCrônica Epônima Assíria, Assurdã III permaneceu “na terra” (i.e., nãose envolveu em uma campanha militar externa) durante quatro anos deseu reinado (768, 764, 757, 756), e Assur-Nirari v fez o mesmo porcinco anos (753, 752, 751, 750, 747). Além disso, houve revoltas internas em Assur (763-762), Arrapkha (761-760) e Calá (746). Esses fatores indicam claramente a crescente impotência dos monarcas assírios

 perto da metade do século vm a.C. Em segundo lugar, durante o reinado de Assurdã III houve dois acontecimentos que teriam sido considerados particularmente agourentos: 1) uma fome e 2) um eclipse solar. A fome acometeu a terra no ano de 765 e ou tomou a ocorrer em759 ou, possivelmente, continuou durante todo o período de sete anos.

 Na mesma época, houve um eclipse total do sol, cuja ocorrência se calcula hoje que tenha sido em 15 de junho de 763. Tais acontecimentoscertamente teriam sido encaradas com considerável apreensão e medo.Como quer Wiseman, se Jonas tivesse aparecido em Nínive nessaépoca, sua mensagem poderia muito bem ter evocado o tipo de reaçãoregistrada no capítulo 3.'

Tendo em mente a autoridade exercida pelos governadores provinciais e a fraqueza dos reis assírios, é possível que os dois aspectos do livro de Jonas que há muito se vêm considerando inadequados àrealidade assíria possam, na verdade, refletir com precisão fatos ocor

ridos durante a primeira metade do século VIII. Assim, a expedição deum decreto pelo rei e seus nobres (3.7) pareceria muito possível, dadosos fatores observados acima. Semelhantemente, em vista da situação política instável desse período, a designação “rei de Nínive” , em contraste com o título mais comum “rei da Assíria”, pode não ser de todoinadequada.

O declínio da Assíria foi finalmente revertido quando Tiglate-

Pileser III (745/744-727/726) tomou o trono de Assur-Nirari V. Sob suafirme liderança, a nação mais uma vez se impôs como a principal

1. Wiseman, “Jonah’sNineveh”, p. 42-51.

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 JO NAS 

 potência do antigo Oriente Próximo. Significativamente, ele adotouuma nova política em relação às nações que se opunham à Assíria:

“conquista total, acompanhada da deportação das populações e do estabelecimento de províncias assírias sob administração assíria” .1 Foiem conseqüência dessas medidas que o Reino do Norte, por fim, sofreria a destruição de sua capital, Samaria, e a deportação de sua população. Embora o cerco da cidade tenha começado em 724, durante oreinado de Salmaneser V (727/726-722), é Sargão II (722/721-705/704)quem reivindica sua captura:

 No início de meu governo real [...] sitiei e conquistei Samaria,levei como despojos 27 290 de seus habitantes. Reuni dentre elesum contingente de 50 carros e fiz os [moradores] restantesassumirem suas posições [sociais]. Estabeleci sobre eles um demeus oficiais e impus-lhes o tributo do rei anterior.2

Assim, a nação assíria, à qual o profeta Jonas fora enviado por Deus,foi depois responsável pela destruição total de sua terra natal.

Dificilmente os primeiros leitores do livro poderiam deixar de notar aironia.

IV. PROPÓSITO

Jonas é antes de tudo uma obra didática. Como ressalta a maioriados comentaristas modernos, o autor desse livro notável tinha por ob

 jetivo ensinar a seus leitores, e não apenas distraí-los. Conseqüentemente, é importante perguntar: que lição (ou lições) ele quer ministrar?

Para responder a isso, é melhor começar fazendo um levantamento de como outras pessoas entendem a “mensagem” do livro.Embora exista surpreendente variedade de opiniões, elas se dividemem quatro amplas categorias. Examinando uma de cada vez, poderemos ter melhores condições de avaliar o propósito de Jonas.

1. Grayson, “Assyria” , p. 409.2.  ANET,  p. 284-2 85.

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 INTRODUÇÃO

a. ArrependimentoEscritores de todas as épocas observam a importância do arre

 pendimento no livro de Jonas. Aliás, na tradição judaica, Jonas, juntocom os três versículos finais de Miquéias, constitui parte do ritual doDia da Expiação, quando, arrependidos, os judeus confessam os pecados a Deus. No entanto, mesmo entre os que concordam que o arre

 pendimento é o tema principal de Jonas, existe uma ampla gama deopiniões quanto ao exato propósito do livro.

Jerônimo acreditava que Jonas tinha sido composto para incenti-

var   os judeus a se arrependerem.1 Se marinheiros pagãos e ninivitasímpios podiam reagir à pregação profética com arrependimento, os ouvintes judeus deveriam agir de igual modo. Kimchi, o comentarista

 judeu do século XII, adotou essa opinião, e mais recentemente C. A.Keller, Landes e H. Gevaryahu defenderam uma perspectiva semelhante.2 Entretanto, Clements sustentou que o livro de Jonas tinha porobjetivo mostrar a possibilidade de o arrependimento humano levar auma subseqüente mudança nos planos divinos; tanto o homem quantoDeus podem experimentar semelhante mudança do coração.3 Jonas,

 por sua vez, representa aqueles que rejeitam a idéia de que Deus possamudar um decreto expedido.

De acordo com Y. Kaufmann, Jonas teve origem em meados doséculo VIII a.C. como a formulação clássica do conceito israelita de arrependimento.4 Com Jonas, ocorreu uma inovação importante, pois,anteriormente, o arrependimento não desempenhava nenhum papel no

 pensamento religioso de Israel. Jonas, tipificando os que acreditavamque todo pecado devia ser castigado, é incapaz de aceitar a disposiçãodivina de perdoar aos que se arrependem. Uma posição de certa forma

 parecida é adotada por J. Walton, que acha possível que o livro de

1. Jerônimo, “Commentariorum in Ionam Prophetam”, Corpus Christianorum (Series Latina) 76 (1969), p. 376-419.

2. C. A. Keller,  Joel, Abdias, Jonas',  Landes, “Jonah, Book o f ’, p. 488-491; H.Gevaryahu, “The Universalism of the Book of Jonah”,  Dor le Dor   10 (1981), p.20-27.

3. Clements, “The Purpose of the Book of Jonah” , p. 16-28.4. Y. Kaufmann, The Religion o f Israel, traduzido para o inglês e condensado por M.

Greenberg (University o f Chicago, 1960), p. 282-286.

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 JONAS 

Jonas tenha estabelecido uma  ponte  entre os profetas pré-clássicos(e.g., Elias, Eliseu) e os clássicos (e.g., Amós, Oséias).1Jonas se vê fir

mado na tradição dos profetas pré-clássicos, cujos pronunciamentoseram considerados irrevogáveis, e reluta em readaptar-se quandochamado a atuar como profeta clássico, cuja proclamação seriadeixada de lado se houvesse arrependimento. Ao ressaltar o dilema deJonas, o autor mostra que o arrependimento é a reação correta peranteos pronunciamentos dos profetas clássicos.

O arrependimento também ocupa lugar de destaque na opinião deE. J. Bickerman, segundo o qual Jonas foi composto para oporse  àcrença, popular no judaísmo pós-exílico, de que o arrependimentoassegurava o perdão divino.2 O livro de Jonas ressalta o fato de queDeus demonstra misericórdia por ser um Criador soberano e compassivo; o arrependimento não implica merecimento automático do

 perdão.Conquanto o arrependimento de fato seja um tema importante em

Jonas, várias considerações nos levam a crer que devemos procurar em

outra parte o propósito do livro. A opinião tradicional de que Jonas foiescrito para incentivar os judeus a se arrependerem deixa de considerara inclusão do capítulo 4 no relato: caso o livro tivesse por objetivo incentivar o arrependimento, certamente teria sido mais adequado concluir a narrativa em 3.10. Clements, Kaufmann e Walton explicam ainclusão do capítulo 4, argumentando que esse episódio leva ao clímaxo ato de Jonas rejeitar francamente a doutrina do arrependimento, seja

 por parte do homem, seja por parte de Deus. Contudo, a pressuposiçãodesses estudiosos de que Jonas não estava nada familiarizado com oconceito de arrependimento certamente deve ser questionada em vistada confissão de Jonas em 4.2: “[Eu] sabia que és Deus clemente, emisericordioso, tardio em irar-se e grande em benignidade, e que te arrependes do mal” . Citando Êxodo 34.6, Jonas claramente reconhece o

 privilégio divino de perdoar pecados e deixar de enviar o castigo.Jonas não se opõe à doutrina do arrependimento em si, mas, conforme

veremos abaixo, objeta a que os ninivitas sejam os contemplados com

1. Walton; cf. Porten, “Baalshamem and the Date of Jonah” , p. 237-244.2. E. J. Bickerman, Four Strange Books o f the Bile (Schocken Books, 1967), p. 3-49;

traduzido de sua obra “Les deux erreurs du prophète Jonas” , p. 232-264.

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 INTRODUÇÃO

o perdão divino.A outra proposta de Bickerman não é menos problemática. Caso

o livro tenha sido escrito contra os que consideravam o perdão divinouma conseqüência automática do arrependimento, com certeza esperaríamos que o autor mostrasse Jonas adotando exatamente essa posição. Como se apresenta, o livro na verdade critica Jonas por opor-se à reação clemente de Deus diante do arrependimento dos ninivitas.A interpretação de Bickerman é por demais enganosa.

b. Profecia não cumprida

G. Emmerson e J. Licht entendem que o livro examina o problema de um profeta a quem fa lta legitimidade  pelo não-cumpri-mento de sua profecia.1Jonas receia ser chamado falso profeta por seu pronunciamento contra Nínive permanecer sem cumprimento (cf. Dt18.22: “ ...quando esse profeta falar, em nome do SENHOR, e a palavradele se não cumprir nem suceder, como profetizou, esta é palavra queo SENHOR não disse”). Assim, a narrativa acentua a natureza condi

cional dos pronunciamentos proféticos. Na segunda metade do século XIX, F. Hitzig propôs que o livro de

Jonas tinha o objetivo de justificar o nãocumprimento  de profeciasdivinas.2 Jonas ilustra como Deus de fato poderia revogar um juízo já

 pronunciado. Aperfeiçoando essa proposta, A. Feuillet limitou o âm bito de tais profecias não cumpridas às dirigidas contra nações gentílicas.3 A narrativa tinha o objetivo de explicar por que algumas profe

cias contra nações estrangeiras eram sustadas; tais pronunciamentosnão eram de natureza absoluta, como se presumia, mas, condicionais.De acordo com A. Rofé, Jonas examina a relação entre a profecia

condicional e a incondicional, e, ao fazê-lo, reflete um debate ocorridodurante o período exílico entre os que defendiam a opinião tradicional

1. G. I. Emmerson, “Another look at the Book of Jonah” , 88 (1976), p. 86-88; Licht,

Storytelling in the Bible,  p. 121-124. Essa abordagem também foi proposta poralguns comentaristas do passado, e.g., Rashi e Calvino.

2. F. Hitzig,  Die zwölf kleinen Propheten, Kurzgefasstes exegetisches Handbuch zuma t (Hirzel,31863).

3. Feuillet, “Les sources” , p. 161-186; idem, “Le sens du livre de Jonas” , r b ,  54(1947), p. 340-361.

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 JONAS 

de que todo decreto divino era absoluto e os que advogavam a hipótesemais moderna de que toda profecia era, em última análise, condi

cional.1Essas propostas, porém, enfrentam objeções. Quanto à questão da

“falta de legitimação”, poder-se-ia indagar se essa hipótese faz plena justiça ao caráter de Jonas apresentado no livro; será que ele está apenas preocupado em não ser visto como falso profeta? A reação dosninivitas à mensagem de Jonas não indica indubitavelmente que ele éde fato um profeta verdadeiro? E será que não devemos ver a mão de

Deus em acontecimentos tão notáveis, que também levam a crer queJonas recebeu um comissionamento divino? Da mesma forma, poder-se-ia sustentar, como quer E. M. Good, que em certo sentido a profeciade Jonas realmente se cumpriu (daqui a 40 dias Nínive estará de pernas para o ar).2

Se o livro de Jonas tinha por objetivo justificar o não-cumpri-mento das profecias divinas, surgem várias perguntas. Não é estranho

que jamais se aplique o termo “profeta” a Jonas? E não seria possívelargumentar que Jonas não foi nada digno de seu chamado e, portanto,o que aconteceu com ele é bem atípico? E que dizer se, como muitossupõem, o livro foi composto depois da destruição de Nínive, em 612a.C.? Isso não levaria os leitores posteriores a crer que a ameaça divinarealmente se havia consumado (mesmo que de certa forma tardiamente)?

Quanto à hipótese de que Jonas examina a relação entre a pro

fecia condicional e a incondicional, a partir de 4.2, conforme observamos acima, fica claro que o próprio Jonas reconhece que toda profecia é condicional; aliás, a história toda pressupõe essa possibilidade.

Essas considerações levam a crer que não se pode limitar o propósito do livro de Jonas à questão da profecia não-cumprida. Conquanto a falta de cumprimento seja um problema bem real em Jonas, éimportante saber ao certo se isso se explica com base em sua crença de

que toda  profecia deve ser cumprida ou se, nesse caso específico, o

1. Rofé, “Classes in the Prophetical Stories” , p. 143-164.2. Good,  Irony in the Old Testament,  p. 48; cf. Wiseman, “Jonah’s Nineveh”, p.

48-49; veja o comentário.

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 INTRODUÇÃO

 problema se deve ao não-cumprimento da profecia contra Nínive. Diante de fatores ainda não examinados, essa possibilidade parece a mais

 provável.

c. Atitudes judaicas com respeito aos gentios

A relação entre judeus e gentios encontra-se no cerne de duas dasinterpretações mais populares do livro de Jonas. Para Agostinho,Lutero e muitos escritores contemporâneos, a narrativa ressalta o interesse missionário de Deus, cujo amor e misericórdia não se limitavamaos judeus.1Por meio de Jonas, Deus não apenas repreende os que desejam limitar sua graça salvadora ao povo judeu, mas também demonstra eficazmente seu real interesse na salvação de pagãos ignorantes e pecadores. Em contrapartida, muitos estudiosos dos séculos XIX eXX acreditavam que o livro de Jonas foi um ataque contra a forte into-lerância dos judeus perante os gentios, que veio à tona nas reformasreligiosas de Esdras e Neemias.2 Assim, o autor de Jonas apresenta osmarinheiros pagãos e os ninivitas sob uma ótica favorável a fim de se

contrapor à atitude negativa adotada por muitos de seus contem porâneos. M. Burrows, aperfeiçoando essa idéia, supõe que o livro sedirigia basicamente contra um grupo de certa forma pequeno de exilados que estavam voltando e eram fanáticos em extremo.3

 Na opinião de S. Goldman e G. von Rad, o livro tinha por ob jetivo repreender a atitude de ressentimento de alguns judeus diante dadisposição divina de perdoar aos gentios.4 Jonas, tipificando os que

1. Agostinho,  Epistularum,  eil, 6,30-38; Lutero, “Lectures on Jonah”, in: H. C.Oswald (ed.), Luther’s Works, 19 (Concordia, 1974), p. 3-104; H. H. Rowley, The 

 Missionary Message o f the Old Testament   (Carey, 1945), p. 69; E. Haller,  Die  Erzählung von dem Propheten Jona;  Eybers, “The Purpose of the Book ofJonah”, p. 211-222.

2. E. König. “Jonah” ,  HDB,  v. 2, colunas 744-753; Bewer; G. von Rad,  Der Prophet   Jona   (Laetare, 1950); B. S. Childs, “Jonah: A Study in Old TestamentHermeneutics”, sjt  ,  11 (1958), p. 53-61; O. Loretz, “Herkunft und Sinn”, p.18-29; Wolff (1975).

3. Burrows, “Literary Category” , p. 80-107.4. S. Goldman, “Jonah, Introduction and Commentary” , in: A. Cohen (ed.), The 

Twelve Prophets  (Soncino, 1948), p. 137-150; G. von Rad, Old Testament  Theology, traduzido para o inglês por D. M. G. Stalker (Oliver and Boyd, 1965), p.

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 JO NAS 

adotam essa postura, é condenado porque, empedernido, ressente-se deos ninivitas serem alcançados pela misericórdia e perdão divinos. Já

M. Delcor acredita que o livro foi dirigido aos que impacientementeaguardavam a destruição das nações gentílicas com o cumprimento de profecias de condenação.1

Várias críticas a essas interpretações devem ser observadas. Cle-ments investiga a proposta de que o livro de Jonas teve como propósitoincentivar a atividade missionária:

Está bem claro que Jonas não deve de modo algum ser visto

como um missionário enviado a Nínive, e suas ações são bem diferentes das dos judeus de um período posterior [...] Em lugar algum a misericórdia de Deus, estendida ao povo de Nínive após seuarrependimento e jejum, está relacionada ao fato de eles abraçarema Torá, rejeitarem a idolatria, aceitarem a circuncisão ou mesmo deconcordarem num aspecto tão básico, confessando que Iavé, oDeus de Israel, é o único Deus verdadeiro. É verdade que Nínive eseus moradores são apresentados ao alcance da misericórdia

divina, mas tal conceito amplo do relacionamento de Iavé com asnações fica patente muito antes na literatura do Antigo Testamento. Em si, o livro nem mesmo chega à promessa de que asnações não-israelitas saberão que Iavé é Deus, conforme declaramEzequiel e o Dêutero-Isaías (Is 49.26; Ez 36.36,38; 37.28).2

Conquanto o livro apresente um exemplo do tratamento dispensado por Deus a alguns gentios, dificilmente se pode descrever como um

folheto destinado a motivar o envolvimento missionário. Nem se pode vincular com certeza o livro à época de Esdras e Neemias.

A história toda não levanta um só exemplo daquelas questõesque, sabemos, afetavam profundamente as relações entre judeus enão-judeus no período pós-exílico [...] O chamado separatismo de

289-292.]. M. Delcor, “Jonas”, in:  Les petits prophètes,  La sainte Bible 8:1 (Letouzey et

Ané, 1961).2. Clements, “Purpose”, p. 18.

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 INTRODUÇÃO

 Neemias e Esdras não tinha tanto a preocupação de fazer distinçãoentre judeu e gentio, uma distinção que existiu durante séculos em

toda a nação de Israel, mas fazer uma divisão entre judeus e os quese alegavam judeus.'

 Na questão do ressentimento contra a misericórdia divina paracom os gentios, podemos observar ser esse de fato um tema importantena parte final do livro. Entretanto, a relutância de Jonas em ir a Nínivedeve ser contrastada com sua disposição em ser jogado ao mar a fim desalvar os marinheiros pagãos. Devemos distinguir cuidadosamente en

tre a maneira geral de Jonas ver os gentios e sua atitude particular diante dos ninivitas; é o livramento específico de Nínive que irrita Jonas.A hipótese de que a narrativa atacava os que aguardavam com

 prazer o cumprimento de profecias contra nações estrangeiras tambémestá repleta de dificuldades. Que papel o episódio da fuga e livramentoiniciais de Jonas desempenha nesse contexto? Se a intenção é fazerJonas representar os que se regozijam com a destruição dos gentios, por que ele é apresentado como alguém sem disposição de pronunciar

 juízo contra Nínive? Não teria ele se deliciado com a perspectiva decondenar uma cidade tão pagã?

U. Cassuto e S. D. Goitein sustentaram que o livro de Jonas estátotalmente isento de qualquer antagonismo entre judeus e gentios.2Contudo, o fato de que a atenção se concentra sobre Nínive certamenteé significativo. Conforme Allen observou, “negar a condição de Nínive como terra estrangeira certamente subestima o impacto religioso e

 psicológico da velha capital assíria sobre uma comunidade que rece bera o livro de Naum como parte de sua herança religiosa” .3 Dificilmente se pode considerar Nínive totalmente neutra (cf. o livro de

 Naum, esp. Na 3.5-6). Mas, embora o antagonismo de Jonas para com Nínive seja obviamente um tema importante na narrativa, em simesmo não explica por que a narrativa foi composta.

1. Ibid., p. 19.2. U. Cassuto, “Jona”, in: Encyclopedia Judaica,  9, colunas 268-273; Goitein,

“Some Observations”, p. 63-77.3. Allen, p. 190; cf. T. F. Glasson, “The Final Question in Nahum and Jonah” 81

(1969), p. 54-55.

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 JONAS 

d. TeodicéiaA hipótese de que a história examina a relação entre a justiça e a

misericórdia divinas tem figurado com destaque em várias discussõesrecentes sobre Jonas. Essa idéia, não é inteiramente nova, podendosuas raízes ser facilmente identificadas em escritores mais antigos.Kaufmann, considerava Jonas o “grande defensor da justiça divina”.“Ele é a voz da antiga idéia de que o pecado tem de ser castigado.” 1

 Nessa perspectiva geral, vários aspectos têm sido salientados. Deacordo com Trible, Jonas objeta veementemente a um amor divino quetolera o pecado e permite que o mal fique sem castigo.2 É interessante

que Trible veja essa idéia sendo aplicada não apenas na atitude de Jonas diante do perdão divino a Nínive, mas também na maneira pelaqual ele próprio é tratado. Good entende que Jonas se rebela contra asações de um Deus nada razoável: “Por que um Deus de justiça precisademonstrar misericórdia para com  NíniveV \ 3 Para T. S. Warshaw, olivro apresenta três exemplos de misericórdia divina tendo precedência sobre a justiça retribuidora; além de perdoar os ninivitas, Deus sal

va Jonas do mar e depois abriga-o do sol.4 Já Fretheim vê Jonas fundamentalmente preocupado com a questão da teodicéia: “Os atoscompassivos de Deus são justos?” .5 Será que um Deus justo pode perdoar os ímpios moradores de Nínive? De acordo com J. Craghan,Jonas salienta a absoluta liberdade de Deus de agir com graça e misericórdia com os que merecem o castigo divino.6 Deus não ficará

 preso pela tentativa de Jonas de restringir o amor divino, jogando a justiça contra o amor. E. Levine acredita que Jonas é um texto

filosófico que examina a natureza da justiça.7 Qual é a relação entre justiça e arrependimento?

1. Kaufmann, Religion o f Israel, p. 285.2. Trible, Studies in the Book o f Jonah, p. 273-279.3. Good, Irony in the Old Testament, p. 39-55.4. T. S. Warshaw, “The Book of Jonah”, in: K. R. R. Gros Louis, J. S. Ackerman, T.

S. Warshaw (eds.),  Literary Interpretations o f Biblical Narratives  (Abingdon,1974), p. 191-207.

5. T. E. Fretheim, The Message o f Jonah,  id., “Jonah and Theodicy”,  z a w ,  90(1978), p. 227-237; cf. Ackerman, “Satire and Symbolism” , p. 213-246.

6. Craghan, p. 164-193.7. E. Levine, “Jonah as a Philosophical Book” , z a w , 96 (1984), p. 235-245.

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 INTRODUÇÃO

A relação entre justiça e misericórdia é sem dúvida um tema im portante em Jonas. Contudo, antes de deixarmos esse tópico, devemosfazer mais uma observação. Com base em sua afirmação de 4.2, fica

 bem claro que Jonas reconhece a prerrogativa divina de exercer misericórdia. Na verdade, Jonas já experimentou e de bom grado aceitouser livrado por Deus da morte no mar (cf. 2.2-9). Ao longo de toda ahistória, Jonas não faz objeção à misericórdia ou ao perdão divinoscomo tais, mas a quem os recebe, os ninivitas; como é possível Deus

 perdoar esse povo em particular?Dentre as várias propostas acerca do propósito de Jonas, é evi

dente que há pouco para escolher entre elas; é fácil ver por que aindanão se chegou a um consenso bem definido. Tendo dito isso, porém, aidéia de que em última instância Jonas está preocupado com justiça emisericórdia tem pelo menos uma importante vantagem sobre as demais. Conquanto as outras propostas reflitam de maneira correta im

 portantes temas dessa história, todas podem ser satisfatoriamenteclassificadas sob o título de teodicéia.

Em nosso levantamento, pudemos observar que a reação de Jonasa Nínive não reflete sua atitude para com os gentios em geral. Dizerque os ninivitas são representantes de todos os gentios é criar dificuldades reais para determinar o propósito de Jonas. É o livramentode Nínive, e apenas isso, a causa da insatisfação de Jonas. Isso, contudo, gera mais outra série de perguntas: por que Jonas deveria fazeruma objeção tão veemente a Nínive? Que havia com essa cidade em particular que despertava um antagonismo tão forte?

A resposta mais óbvia seria que Nínive, na condição de capital doImpério Assírio, era responsável pela destruição do Reino do Norte(cf. 2 Rs 17.1-23). Isso explica a antipatia de Jonas para com Nínive;ele percebe o resultado final de sua missão e sente veementemente quenão poderia envolver-se em algo que, no fim, significaria a destruiçãode sua própria nação.1Como Deus pode perdoar esses ninivitas pagãos

1. Jerônimo comenta: “Ele sabia, por inspiração do Espírito Santo, que oarrependimento dos gentios seria a ruína dos judeus, e, como alguém que amavaseu país, foi levado a proceder assim nâo tanto por inveja da salvação de Nínive,mas por não desejar que seu próprio povo perecesse” (apud C. F. Keil, p. 391).

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 JONAS 

e então levá-los a destruir Israel? Para Jonas, a ação divina é incom preensível, e, por isso, ele tenta inicialmente escapar de seu chamado.

Contudo, não há como fugir de Deus. Reconduzido para a cidade,Jonas proclama sua mensagem de condenação. Sem o menor sinal de protesto, a cidade inteira, vestida de pano de saco, busca perdão. Os piores receios de Jonas se concretizam; Deus cede e não castiga a cidade. Fora da cidade Jonas fica remoendo de raiva. Por que Deus advertiu os ninivitas? Será que não poderia simplesmente tê-loscastigado? Que fez Nínive para merecer tal misericórdia? Para Jonas,agora a morte é preferível à vida.

Deus, contudo, reage ao atrevimento de Jonas proporcionando, por sua graça, uma planta que o proteja do calor do dia. Mas o alíviode Jonas dura pouco, pois em um dia Deus envia um verme para matara planta. Jonas reage novamente com raiva. Será que Deus não temmisericórdia alguma? Será que ele tem de agir de modo tão descuidadoe impensado?

Tendo julgado a maneira pela qual Deus lida com essas situações,

agora Jonas é repreendido. Deus teve compaixão de Nínive, mas destruiu a planta. Jonas, por sua vez, teve compaixão da planta, masexigiu a destruição de Nínive. Em atrito com Deus, Jonas tipifica osque vêem os atributos divinos de justiça e misericórdia funcionando deacordo com sua própria conveniência; misericórdia para si mesmos,mas justiça para seus inimigos. Felizmente, porém, esses atributos nãosão conduzidos por motivações ou desejos humanos. Conforme o livro

de Jonas deixa muito óbvio, Deus é soberano, sua justiça é totalmenteimparcial e sua misericórdia pode alcançar qualquer pessoa.

A destruição de Samaria pelos assírios em 721 a.C. e a subseqüente deportação das dez tribos do norte devem ter provocado muitas perguntas e dúvidas na mente do povo de Deus. Como Deus podia permitir que os assírios fizessem isso? Seria realmente parte de suavontade soberana? Israel de fato merecia um tratamento cruel assim?

O livro de Jonas oferece uma resposta muito apropriada a essas indagações. Ao concentrar-se na questão da teodicéia, o livro dirigia-seàqueles que, à semelhança de Jonas, questionavam a sabedoria do

 propósito soberano de Deus naquela ocasião. Com isso em mente, parece razoável atribuir ao livro uma data de composição próxima do

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 INTRODUÇÃO

final do século VIII a.C., quando o tema do tratamento dispensado porDeus a Israel e à Assíria teria sido de fundamental interesse.

V. O SINAL DE JONAS

Em Mateus 12.38, alguns fariseus e mestres da lei acercam-se deJesus exigindo um sinal miraculoso. Em resposta, Jesus informa-os deque o único sinal que receberiam seria “o do profeta Jonas” (12.39).Mateus 16.1-4 registra incidente semelhante, embora nessa ocasiãocite um grupo de fariseus e saduceus. Novamente Jesus lhes diz que o

único sinal que teriam seria “o de Jonas” . Lucas também apresenta umrelato com os mesmos elementos básicos do primeiro dos episódios deMateus, mas numa ordem ligeiramente diferente (Lc 11.29-32).

O que Jesus quis dizer com “o sinal de Jonas” não fica óbvio à primeira vista, e os estudos detalhados da questão têm gerado váriassoluções possíveis. J. Jeremias apresenta um útil resumo das maneirasem que o sinal de Jonas tem sido interpretado.1Desprezando algumassoluções menos prováveis, ele se concentra nas duas possibilidades

mais freqüentemente sugeridas: o sinal de Jonas refere-se ou 1) à pregação de Jonas ou 2) a seu livramento do estômago do grande peixe.

a. A pregação de Jonas

A começar por Lucas 11.29-32, afirma-se que o sinal de Jonas serefere à sua pregação a Nínive. Confirma isso o versículo 32, que giraem tomo da reação dos ninivitas à mensagem de Jonas: “Ninivitas selevantarão no juízo com esta geração, e a condenarão; porque se arre

 penderam com a pregação de Jonas. E eis aqui está quem é maior doque Jonas” (cf. Mt 12.41). Assim, conforme se acredita, o único sinalque Jesus dará a seus contemporâneos é a convocação ao arrependimento, o que constitui a base de sua pregação.2

1. J. Jeremias, “ iOnas”, t d n t ,   iii,  p. 408-410; para um a análise mais completa dahistória da redação dessas passagens, veja R. A. Edwards, The Sign o f Jonah in the Theology o f the Evangelists and Q,  Studies in Biblical Theology, 2.“ série, 18

( scm, 1971).2. Cf. A. D. Martin, The Prophet Jonah: The Book and the Sign  (Longmans, Green

and Co., 1926), p. 69-82; Scott, “The Sign of Jonah” , p. 17-18.

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 JO NAS 

Embora essa concepção tenha encontrado considerável apoio,existem vários fatores que pesam muito contra ele. Em primeiro lugar,

é improvável que a pregação de arrependimento tenha sido considerada um sinal. Conforme observa Jeremias, “é muito incomum descrever a pregação do arrependimento como um  semeion, visto que umsinal consiste não naquilo que os homens fazem, mas na ‘intervençãodo poder de Deus no curso dos acontecimentos”’.1Em segundo lugar,em Mateus 12.40 e em Lucas 11.30, Jesus explicitamente declara queo sinal será dado no futuro. No entanto, desde o início de seu ministério público, Jesus já vinha instando o povo a arrepender-se; por

tanto, isso dificilmente pode ser o sinal futuro que ele prenuncia. Emterceiro lugar, P. Seidelin observa que a essa altura o interesse judeu pelo livro de Jonas concentrava-se principalmente nos dois capítulosiniciais do livro, e não no relato das atividades de Jonas em Nínive,que aparecem no capítulo 3.2 Finalmente, essa interpretação do sinalexige que se elimine Mateus 12.40, considerando-o um acréscimo posterior ao texto. Embora haja algum apoio a favor dessa proposta, os ar

gumentos não são de todo convincentes.3

b. O livramento de Jonas do estômago do peixe

Caso o sinal de Jonas não se refira à pregação de arrependimento,então outra possibilidade é que esteja relacionado ao milagre de Jonasser livrado da morte por meio do grande peixe. Certamente, essa é aênfase de Mateus 12.40: “Porque assim como esteve Jonas três dias e

três noites no ventre do grande peixe, assim o Filho do homem estarátrês dias e três noites no coração da terra”. Aqui Jesus estabelece umacomparação entre a experiência de Jonas e sua própria futura ressurreição dos mortos; à semelhança do profeta, Ele também aparecerávivo depois de três dias.

1. Jeremias, “ Innas” , p. 409.2. P. Seidelin, “D as Jonaszeichen” , Studia Theologica  5 (1951), p. 119-131, esp. p.

130.3. Os argumentos contra a eliminação de Mt 12.40 são competentemente

apresentados por R. T. France,  Jesus and the Old Testament   (Tyndale, 1971), p.

80-82.

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 INTRODUÇÃO

Alguns escritores vêem aqui uma dificuldade por parecer que Jesus adota uma compreensão negativa da permanência de Jonas dentro

do peixe, ao passo que no livro de Jonas o peixe é, na verdade, representado como o meio de livramento da morte. Entretanto, é precisoressaltar que a correspondência entre a experiência de Jonas e a de Jesus não é exata. Jonas, ao contrário de Jesus, não morre; ele apenas ex

 perimenta uma proximidade muito grande da morte. Assim, éimportante não forçar demais os paralelos. Jesus chama a atenção parao fato de que ele, tal como Jonas, reaparecerá vivo depois de três dias.

De acordo com Jeremias, o que Jesus tem em mente é “a outorgade autoridade ao mensageiro divino mediante livramento da morte” .1

 No entanto, essa hipótese apresenta um problema, porque em lugar algum no livro de Jonas se dá a entender que seu livramento da morte foium fator que persuadiu os ninivitas a se arrependerem. Pelo contrário,desde o início Jonas estava convicto de que os ninivitas reagiriam favoravelmente à sua mensagem (cf. 4.2); aliás, foi justamente o receiodisso que o levou a fugir para o mar, dando início à série de acon

tecimentos que o levaram a ser jogado ao mar. Embora Jesus se refiraaqui à sua ressurreição dentre os mortos depois de um período de trêsdias, o significado disso não repousa na “outorga de autoridade aomensageiro divino”.

Como mostra a análise acima, Jesus consegue fazer algumascomparações entre Jonas e ele próprio: ambos pregam arrependimento;ambos reaparecem vivos depois de três dias. Existem, contudo, duas

outras semelhanças que vale a pena assinalar. Em primeiro lugar, nenhuma das interpretações acima considera o contexto em que Jesusmenciona o sinal de Jonas. Em cada um dos três casos em que o sinal émencionado nos Evangelhos Sinóticos, Jesus descreve os que exigemum sinal como “uma geração má e adúltera” (Mt 12.39; 16.4) oucomo uma “geração perversa” (Lc 11.29). A reação de Jesus ao

 pedido deles possivelmente revela que o único sinal que receberão será

de julgamento. Quanto a isso, é interessante observar que, em últimainstância, a missão de Jonas a Nínive resultou em catástrofe para Is-

1. Jeremias, “Iünas” , p. 409.

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 JO NAS 

rael. Será que Jesus está mostrando que, assim como a missão de Jonaslevou ao livramento dos gentios e à destruição de Israel, a sua própriamissão também traria as mesmas conseqüências (cf. Lc 19.42-44; Rm

11.11-15)?Em segundo lugar, naquela época alguns judeus talvez vissem no

livro de Jonas o exemplo de um profeta sacrificando a própria vida afim de salvar outras. Essa idéia obviamente permeia o seguinte comentário de Mekilta Êxodo, 12.1: “O Rabino Jônatas [c. 140 d.C.] disse: Oúnico propósito de Jonas foi trazer juízo sobre si mesmo no mar, poisestá escrito: ‘Respondeu-lhes: Tomai-me, lançai-me ao mar’ [Jn 1.12],

Semelhantemente, vedes que muitos patriarcas e profetas sacrificaram-se a favor de Israel”. Com base nessa interpretação de Jonas, Jesustambém poderia estar aludindo ao fato de que sua própria mortetomaria a forma de um sacrifício substitutivo.1

Sem dúvida, é possível traçar uma série de paralelos entre a ex periência de Jesus e a de Jonas. Talvez seja um erro restringir “o sinalde Jonas” a qualquer um desses paralelos; pode ser que devamos ver

na referência de Jesus uma combinação de alguns, se não de todos osfatores mencionados acima.

VI. O TEXTO DE JONAS

A edição impressa mais recente do texto hebraico de Jonas é aeditada por K. Elliger na Bíblia Hebraica Stuttgartensia  (1970). Essaedição reproduz o texto de Jonas encontrado no Códice de Leningrado,

que, de acordo com o colofao, foi copiado em 1008 d.C. a partir de umtexto preparado pelo famoso perito textual de Tiberíades, Arão benMoisés ben Aser. O Códice de Leningrado é apenas um dentre várioscódices medievais ainda existentes, que foram preparados por judeusestudiosos da Bíblia conhecidos como “massoretas”, os quais tiveramextremo cuidado na preservação do texto original e da pronúncia daBíblia hebraica.2

1. Cf. J. Woodhouse, “ Jesus and Jonah” , Reformed Theological Review 43 (1984), p.33-41, esp. p. 40.

2. Há três códices com o texto de Jonas ligeiramente mais antigos que o de

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 INTRODUÇÃO

Desde 1947, a descoberta de vários esconderijos de documentosantigos ao longo da margem ocidental do mar Morto forneceu novosdados sobre o texto de Jonas. De interesse especial foi a recuperação,

em março de 1955, de um manuscrito dos doze profetas (ou profetasmenores), encontrado numa pequena caverna em Wadi Marubba‘at.Esse rolo, copiado pouco antes de 135 d.C., confirma que o texto he braico de Jonas foi cuidadosamente preservado pelos massoretas. Anão ser por algumas pequenas diferenças de ortografia, esse texto éidêntico ao encontrado nos melhores manuscritos medievais.1

Antigas traduções para o grego, o aramaico, o siríaco e o latim

 proporcionam mais dados acerca do texto de Jonas. Quando se leva emconta certa liberdade na tradução, fica claro que essas versões antigas

 basearam-se num texto hebraico idêntico ao preservado pelos massoretas.2 Nos pontos em que essas versões divergem do hebraico, geralmente se aceita que elas não proporcionam uma leitura superior. Porexemplo, os importantes manuscritos gregos do século IV d.C., o Vaticano e o Sinaítico, omitem em 1.8 a expressão “por causa de quem nos

sobreveio este mal” (cf. BJ). Em suas edições críticas da Septuaginta,tanto A. Rahlfs quanto J. Ziegler concluem que a leitura grega, maiscurta, é inferior; a frase foi acidentalmente omitida devido a ho-meoteleuto (i.e., um copista grego infelizmente saltou, no versículo, da primeira ocorrência de hêmin para a seguinte).3 Explicações semelhan

Leningrado: o Códice de Cairo contendo os Profetas (895 d.C.); o Códice de S.

Petersburgo contendo os Profetas (916 d.C.); e o Códice de Aleppo (c. 925 d.C.);cf. E. Würthwein, The Text o f the Old Testament  (SCM, 1980), p. 34-35. Para umaanálise do valor relativo desses códices, veja M. H. Goshen-Gottstein, “The Rise

of the Tiberian Bible Text”, in: A. Altmann (ed.),  Biblical and Other Studies (Harvard, 1963), p. 79-122; id., “The Aleppo Codex and the Rise o f theMassoretic Bible Text” , b a ,  42 (1979), p. 145-163.

1. P. Benoit, J. T. Milik e R. de Vaux,  Les Grottes de Murabba'at: Texte, Discoveries in the Judean Desert ii  (Clarendon, 1961), p. 50, 69, 181-184,

190-191,205.

2. Cf. Trible, p. 1-65, esp. p. 57-65.3. A. Rahlfs, Septuaginta,  II (Privilegierte Württembergische Bibelanstalt, 1935); J.

Ziegler, Septuaginta: vol. xili,  Duodecim Prophetae (Vandenhoed & Ruprecht,1943). A favor da leitura grega tem-se argumentado que a frase em questão foiintroduzida no texto bíblico por um copista que erroneamente repetiu uma oração

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 JONAS 

tes dão conta de outras diferenças. Portanto, não existe prova textual  que faça crer que o texto massorético de Jonas deva ser emendado.

Tendo dito isso, porém, certos eruditos defendem, por outros motivos, que em alguns casos é necessário emendar o texto hebraico.Desse modo, foram apresentadas várias emendas puramente hipotéticas. Por exemplo, vários comentaristas acreditam que a oração final de1.10, “porque lho havia declarado”, está cronologicamente fora de ordem, devendo, portanto, ser anulada por ser uma glosa.1Não existem,

 porém, dados textuais a comprovar que se deva pôr em dúvida a autenticidade da oração, e o hebraico pode fazer sentido tal como se encontra hoje.2 Assim, embora várias emendas tenham sido propostas, aforma atual do texto apresenta poucas dificuldades reais. Na verdade,existe ampla anuência no fato de que o texto de Jonas foi notavelmente

 bem preservado.

quase idêntica existente no versículo 7. Veja argumentos contrários em Allen, p.

209, n. 31.1. Cf. Bewer, p. 37; Smart, p. 883; Trible, p. 89.2. Cf. N. Lohfink, “ Jona ging zur Stadt hinaus” , p. 193-195; Keller, p. 275, n. 1;

W olf f (1975), p. 42; Allen, p. 210, n. 37.

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ANÁLISE

I. JONAS NO MAR (1.1—2.10)a. O chamado inicial de Jonas (1.1-3) b. Jonas e os marinheiros (1.4-16)

c. A gratidão de Jonas por seu livramento (1.17—2.10)

II. JONAS EM NÍNIVE (3.1—4 J 1)a. O segundo chamado de Jonas (3.J-3)

 b. Jonas e os ninivitas (3.4-10)c. A ira de Jonas com o livramento de Ninive (4.1-11)

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COMENTÁRIO

I. JONAS NO MAR (1.1—2.10)

a. O chamado inicial de Jonas (1.13)

Com notável simplicidade de estilo e um mínimo de palavras, oautor de Jonas logo nos prende a atenção ao justapor habilidosamente àfuga de Jonas para Társis o comissionamento divino dele para ir a

 Nínive. Detalhes específicos são reduzidos ao essencial, mas, mesmoassim, o texto fornece informações suficientes para permitir ao leitoruma visualização imediata da cena inicial.

1. Para os primeiros leitores hebreus, a história começa demaneira bem convencional. A expressão Veio a palavra do  SENHOR a introduz uma comunicação divina a um profeta em mais de cem casosno Antigo Testamento. O que vem a seguir geralmente é a mensagemque o profeta deve proclamar (e.g., J1 1.1; Mq 1.1; S f 1.1; Ag 1.1; Zc1.1; Ml 1.1). As vezes, porém, introduz instruções específicas para o

 profeta (e.g., 2 Sm 7.4; 1 Rs 17.2,8; 21.17). É o caso aqui.Quem recebe essa comunicação divina tem o nome de  Jonas, 

 fi lho de  [ben] Amitai. Infelizmente, o texto nada diz sobre sua origem.Existem, no entanto, bons motivos para supor que ele é o profeta mencionado em 2 Reis 14.25. Com base nessa última passagem, podem-sefazer várias observações. Em primeiro lugar, ele é apresentado ematividade durante o reinado de Jeroboão II, que governou Israel de782/781 a 753 a.C. Isso nos permite datar na primeira metade doséculo Vlll a.C. os acontecimentos relativos a Nínive. Assim, Jonas

viveu na época dos profetas Amós e Oséias. O fato de o livro de Jonasnão conter nenhuma indicação quanto à data foi interpretado por alguns estudiosos como sinal de que o autor não pretendia que sua narrativa fosse interpretada literalmente. Pode ser, porém, que ele não tenhavisto motivo algum para especificar precisamente quando esse eventos

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 JO NAS 1.2

ocorreram (cf. 1 Rs 17.2). Em segundo lugar, Jonas é apresentadocomo alguém de Gate-Hefer. Josué 19.13 situa essa cidade na fronteira

do território designado à tribo de Zebulom. O local da antiga Gate-Hefer é hoje associado a Khirbet ez-Zurra‘, uma elevação situada a cercade 19 km a oeste do mar da Galiléia (lago de Quinerete) e 5 km a nordeste de Nazaré.1As ruínas na superfície indicam que o local esteveocupado entre aproximadamente 1550 e 600 a.C. Logo ao norte fica aaldeia de Meshhed, o lugar tradicional do túmulo de Jonas. Em terceirolugar, Jonas profetizou a favor da expansão das fronteiras de Israel, e

isso apesar do fato de ser Jeroboão apresentado como alguém que “fezo que era mau perante o SENHOR” (2 Rs 14.24). Mais adiante trataremos do significado disso.

2.  Dispõete, vai. O imperativo inicial “dispõe-te (qüm) é omitidona  N iv e em outras traduções mais modernas em língua inglesa (NEB,

GNB). Embora o verbo hebraico qüm muitas vezes indique a ação físicade se levantar (cf. Gn 24.54), o imperativo é muito usado em conjuntocom outros verbos para indicar a necessidade de uma resposta imediata.2 Jonas não está necessariamente recebendo ordens de se levantar; está, contudo, sendo instruído a não adiar sua partida para Nínive.

 A grande cidade de Nínive.  O destino de Jonas era a cidadeassíria de Nínive, situada na margem oriental do rio Tigre. Atualmentesuas ruínas jazem do outro lado da cidade de Mosul, no Iraque. Desdemeados do século XIX, o local passou por inúmeras escavações ar

queológicas, o que forneceu um volume considerável de informaçõessobre a cidade até sua destruição pelos medos, em agosto de 612 a.C.3A expressão a grande cidade de Nínive  denota não apenas a cidademurada, mas também a região circunvizinha, incluindo-se talvez a cidade de Calá (Tell Nimrud), 40 km ao sul (cf. Gn 10.11-12). Para umaanálise mais completa dos problemas associados ao tamanho de

 Nínive, veja a “Introdução” .

1.  VejaNBA,  p. 35.2. Cf. Gn 19.15. Gn 27.19 põe em evidência o problema de traduzir qüm   pa ra o

 português; uma tradução literal seria “ levanta-te, assenta-te” (cf. a ARA).3. Para maiores detalhes sobre a cidade de Nínive, veja ibd, 2, p. 1089-1092.

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 JO NAS 1.3

Com a mais curta das instruções, Jonas recebe ordens de denunciar a cidade de Nínive: clama contra ela, porque a sua malícia subiu até mim.  Embora a partícula hebraica ki,  “porque”, possa vez poroutra ser traduzida pelo pronome relativo “que” (Gn 1.10; 1 Rs21.15), jamais é usada para introduzir um discurso direto.1Por isso, atradução da BJ, “anuncia contra ela que a sua maldade chegou atémim”, deve ser rejeitada. Não são reveladas as exatas palavras da proclamação que Jonas deve dirigir a Nínive.

Sua malícia subiu até mim. Alguns estudiosos vêem aqui uma li

gação com Gênesis 18.20-21 e entendem que o autor de Jonas se baseia no relato da destruição de Sodoma e de Gomorra (Gn 18— 19).Allen comenta que “o papel de Jonas é o dos mensageiros divinos enviados para anunciar a destruição de Sodoma (Gn 19.1,15). Mais quequalquer experiência profética anterior, esse é o precedente da missãode Jonas”.2 Esse vínculo, porém, é extremamente tênue. Os papéis desempenhados por Jonas e pelos mensageiros divinos não são idênti

cos.3

3. A reação de Jonas é imediata: o verbo inicial wayyãqom,  “elese levantou”, omitido pela  NIV (cf. IBB, BJ), corresponde ao imperativoinicial da ordem divina (veja v. 1 acima). Entretanto, as palavras seguintes revelam de modo impressionante que Jonas, na verdade, nãotem nenhuma intenção de obedecer às instruções de Deus. Convocado

 para ir em direção ao oriente, ele prefere fugir   na direção oposta. Odestino de sua escolha é a cidade de Társis.A localização exata de Társis  ainda está para ser apurada. Na

“Tabela das Nações” (Gn 10.1-32), Társis é relacionada como um dosfilhos de Javã, junto com Elisá, Quitim e Dodanim (possivelmenteuma corruptela de Rodanim; cf. 1 Cr 1.7). “A partir destes os povos

1. A. Schoors, “The Particle ki”, ors, 21 (1981), p. 240-276, esp. p. 256-259; cf. F.Zorell, “Gibt es im Hebräischen ein ‘kl recitativum’?”,  Bib  14 (1933), pp.465-469.

2. Allen, p. 176.3. Cf. Alexander, “ Jonah and Genre”, p. 49-50; a correspondência entre os textos

hebraicos de Gênesis 18.20-21 e Jonas 1.2 não é tão próxima quanto talvezsugiram algumas traduções inglesas.

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 JONAS 1.3

marítimos se espalharam” (Gn 10.5, RSV; cf. b l h ). Javã é associadocom os jônios (povo da Grécia), Elisá e Quitim com Chipre, e Ro-

danim com Rodes.1Dentro dessa mesma linha de identificações, seriade esperar que Társis estivesse localizada na região oriental do Mediterrâneo. Contudo, deve-se lembrar que, por volta de 1000 a.C., mercadores fenícios haviam estabelecido importantes vínculos comerciaisno ocidente que chegavam até a Espanha, sendo possível que o nomeTársis designasse um de seus postos ocidentais. Muitos estudiosos defendem a identificação de Társis com Tartessos, colônia fenícia no litoral atlântico do sul da Espanha, na foz do rio Guadalquivir.Independentemente da semelhança de nomes, dois fatores sustentamessa identificação. Em primeiro lugar, algumas referências bíblicas associam Társis com lugares distantes (SI 72.10; Is 66.19). Tem-se amesma impressão a partir de um breve comentário numa inscriçãocuneiforme do rei assírio Assaradão (680-669 a.C.): “Todos os reisque vivem no meio do mar, desde Chipre e Javã até Társis, submetem-se a meus pés”.2 Em segundo lugar, Társis era reconhecida como fonte

de prata, ouro, estanho e chumbo (Jr 10.9; Ez 27.12), e, significativamente, após o ano 1000 a.C. uma das fontes mais importantes dessesmetais no mundo antigo era a península Ibérica. Embora se tenhamapresentado alternativas, o sudoeste da Espanha é ainda a localizaçãomais provável de Társis.3

1. Cf. C. Westermann, Genesis 1 — 11. A Commentary,  traduzido para o inglês porJohn J. Scullion ( s p c k , 1984), p. 505-508.

2. R. Borger,  Die Inschriften Asarhaddons Königs von Assyrien,  Archiv fürOrientforschung 9 (Emst Weidner, 1956), p. 86; parece que essa é a únicareferência cuneiforme conhecida a Társis.

3. Para uma análise abrangente, veja M. Koch, Tarschisch und Hispanien.  Historischgeographische und namenkundliche Untersuchungen zur phönikischen  Kolonisation der Iberischen Halbinsel, Deutsches Archäologisches  InstitutAbteilung Madrid, Madrider Forschungen 14 (Walter de Gruyter, 1984); cf. R. R.

Stieglitz, “Long-distance Seafaring in the Ancient Near East”, ba,  47 (1984), p.134-142; IBD,  3,  p . 1517-1519. Além da Espanha, o nome Társis foi associado porW. F. Albright, “New Light on the Early History of Phoenician Colonization”,

 BASOR,  83 (1941), p. 14-22, com um local na Sardenha. R. D. Barnett, em“Mopsos”, Journal o f Hellenic Studies 73 (1953), p. 142, n. 3, acredita que Tarsoficava na Cilicia.

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 JONAS 1.3

 Da presença do SENHOR.  À primeira vista, essa expressão parecedeixar implícito que Jonas acreditava ser possível escapar da presençade Deus; fugindo para Társis, ele se colocaria fora da jurisdição do

Senhor. Contudo, essa interpretação choca-se, com o fato de que maistarde Jonas reconhece que o Senhor é “o Deus do céu, que fez o mar ea terra” (1.9). Tampouco concorda com o quadro geral retratado peloAntigo Testamento a respeito da onipresença de Deus:

Para onde me ausentarei do teu Espírito? para onde fugirei da tua face?Se subo aos céus, lá estás;se faço a minha cama no mais profundo abismo,lá estás também;se tomo as asas da alvoradae me detenho nos confins dos mares:ainda lá me haverá de guiar a tua mão,e a tua destra me susterá. (Salmo 139.7-10)

Como, então, devemos interpretar essa frase? O profeta Elias empregauma expressão idiomática um tanto parecida, “perante cuja faceestou” (1 Rs 17.1; cf. 1 Rs 18.15; Jr 15.19), para indicar que ele é umservo do Senhor (cf. BJ, “a quem sirvo”; BLH). Fugindo da presençado Senhor, Jonas anuncia enfaticamente sua relutância em servir aDeus. Sua ação é nada menos que uma rebelião declarada contra a so berania de Deus.1 Tal acontecimento deve ter chocado os primeirosque ouviram ou leram a história. Amós, o contemporâneo de Jonas,

1. A repetição da expressão “para Társis [...] da presença do Se n h o r  ” salienta essefato. Lohfink, “Jona ging zur Stadt hinaus”, p. 200, chama a atenção para aestrutura concêntrica do versículo:

Jonas se levantou para fugir para Társis para longe da presença de Iavée desceu a Jope

e encontrou um navioque ia para Társis

e pagou sua passageme desceu nele

 para ir com eles para Társis para longe da presença de Iavé.

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 JO NAS 1.416 

não havia proferido: “Rugiu o leão, quem não temerá? Falou o SE

 NHOR Deus, quem não profetizará?” (Am 3.8; cf. Jr 20.9)?Tendo descido a Jope.  Escavações arqueológicas revelam que o

 porto mediterrâneo oriental de Jope (a moderna Jafa) já se tinha esta belecido no século XVII a.C.' Na condição de único ancoradouro natural no litoral da Palestina ao sul da baía de Akko, era importante portomarítimo da região ao redor, especialmente Jerusalém (cf. 2 Cr 2.16;Ed 3.7). Aqui Jonas embarca num navio que o levaria fisicamente tãolonge quanto possível de Nínive. Quanto ao tema da descida, veja ocomentário sobre 2 .6 .

Significativamente, não se fornece aqui nenhuma explicação paraa fuga de Jonas; para isso, precisamos aguardar os acontecimentos docapítulo 4. Por enquanto não precisamos saber. Assim, temos de contera curiosidade, evitar fazer especulações e, pacientemente, deixar que oautor revele o motivo quando chegar a hora.

b. Jonas e os marinheiros (1.416)

As conseqüências da fuga de Jonas para Társis são apresentadasnos demais versículos do capítulo 1. Depois de o navio partir de Jope,o Senhor intervém provocando violenta tempestade. Na narrativa quese segue, o comportamento dos marinheiros pagãos é muito mais positivo, comparado com o de Jonas, acentuando a já maculada imagem do profeta.

De todas as diferentes partes do livro, essa seção contém os maisclaros indícios de ter sido cuidadosamente composta. Mediante arepetição de palavras-chave e expressões-chave, a narrativa foi habilidosamente construída num padrão concêntrico que gira em tomo dosversículos 9 e 10. Para um exame mais completo dessa estrutura, vejaa nota adicional sobre a estrutura de 1.4-16.

1. Existem algumas referências a Jope em registros egípcios dos séculos XV e XIV

a.C. Durante a maior parte do início do primeiro milênio a.C., ela provavelmentefoi controlada pelos filisteus que se instalaram na região costeira ao sul de Jope.Isso talvez explique por que só raramente é mencionada no Antigo Testamento; cf.Js 19.46; 2 Cr 2.16; Ed 3.7. No Novo Testamento, é mencionada no relato da visitade Pedro a Comélio (At 9— 11).

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 JONAS 1.5

4. As ações de Jonas provocam uma reação impressionante: oSENHOR lançou sobre o mar um forte vento.  A tempestade não é de

modo algum uma coincidência. O autor ressalta sua origem divinacolocando o sujeito, o SENHOR, bem no início da oração, invertendo acostumeira ordem frasal hebraica: verbo—sujeito.

 Estava a ponto de se despedaçar.  Literalmente, a expressão é“pensava em se despedaçar”. Como essa é a única ocorrência no Antigo Testamento do verbo hebraico hissab,  “pensar”, com um sujeitoinanimado, vários escritores entendem que a frase hisfbãh Vhissãbêr  foi emendada.1 Entretanto, o autor pode ter deliberadamente optado

 por esse par de palavras, já que mostram estreita assonância.

5. As diferentes reações dos marinheiros e de Jonas em face datempestade são aqui bem contrastadas. A atenção concentra-se inicialmente na reação dos marinheiros diante de sua situação desesperadora.

Os marinheiros, cheios de medo  (“temeram os mar inhei ros”,

ARC). O tema do medo é proeminente no início, no meio e no fim da

estrutura concêntrica subjacente aos versículos de 4 a 16. Umatradução li teral das palavras iniciais dos versículos 5,10 e 16 destaca

não apenas o estreito elo existente entre elas, mas, ainda mais impor

tante, o desenvolvim ento que ocorre à m edida que os m arinheiros vão

deixando de tem er a tem pestade para tem er o Senhor:

os m arinheiros teme ram (v. 5)

os hom ens tem eram com grande tem or (v. 10)os hom ens tem eram com grande tem or o SENHOR (v. 16).2

Clamavam cada um ao seu deus.  Os membros da tripulação provavelmente vinham de várias nações e, portanto, adoravam diferentes divindades. Em face da tempestade, a impotência de cada um fica por demais notória, e, assim, eles se voltam a seus deuses, à procura deajuda. Perto do fim do episódio, contudo, ocorre uma transformaçãoimportante: eles clamam ao Senhor (v. 14).

1. Veja um breve esboço de várias possibilidades em Allen, p. 207, n. 21.2. Veja a nota adicional sobre a estrutura de 1.4-16, p. 106-109; o tema do temor

também aparece no v. 9.

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 JO NAS 1.6 

 Lançavam ao mar a carga, que estava no navio, para o aliviarem do peso dela. O que os marinheiros realmente jogaram ao mar não fica

claro; a palavra hebraica kêlím podia referir-se à carga ou designar oequipamento do navio (cf. At 27.19). A tática deles pode ter sido a detomar o navio mais leve e, assim, ajudá-lo a vencer a tempestade, outalvez pensassem na carga como um sacrifício a fim de aplacar o mar(cf. 1.15, “sua fúria”) ou um deus ofendido. Num caso ou noutro, seusesforços se revelaram totalmente inúteis. E interessante que a ação dosmarinheiros faz paralelo muito próximo com o quadro, no versículoanterior, de Deus lançando uma tempestade ao mar; entretanto, a ca

 pacidade deles de lançar coisas ao mar não se iguala à do Senhor (cf.v. 15).

Mas... e Jonas? O autor volta a ele num  flashback .1 Jonas,  porém, havia descido ao porão, e se deitado; e dormia profundamente. Sua descida prossegue (cf. 1.3; 2.6). Ele se deita sob o convés e cainum sono pesado; o termo hebraico yêrãdam  dá a idéia de um sono particularmente profundo (cf. Gn 15.12; 1 Sm 26.12). Em conseqüên

cia, quando irrompe a tempestade, Jonas ainda permanece alheio atudo o que transcorre a seu redor, especialmente à atividade frenéticados marinheiros no convés.

6. O cochilo de Jonas é interrompido de repente pelo capitão. Atradução “Como podes dormir?” (BJ; cf. “Como é que você está aídormindo?”, BLH) é preferível a Que se passa contigo? agarrado no 

 sono?  (ARA; cf. IBB, ARC). Dificilmente Jonas teria deixado de perce ber a ironia da ordem que vem a seguir: Levantate, invoca o teu deus. Afinal, a única razão de Jonas estar a bordo do navio era fugir da presença de seu Deus. Além disso, ao repetir os imperativos qüm  (“ le-vantate”) e cfrã’  (“clama”), o capitão parodia bem de perto as ordensiniciais de Deus a Jonas (v. 2). Cada palavra o ridiculariza.

A súplica do capitão do navio é expressa com todo cuidado:

talvez assim esse deus se lembre de nós para que não pereçamos.  Elesabe muito bem que os deuses não são gênios, que podem ser convo

1. Cf. 1.10; 4.2. Landes, em “The Kerygma”, p. 13-15, chama a atenção para esserecurso estilístico.

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 JONAS 1.8

cados esfregando-se uma lâmpada para fazerem a nossa vontade. É interessante que mais tarde sua frase encontra paralelo na fala do rei de

 Nínive (3.9), e o tema da liberdade divina de agir à parte dos desejoshumanos é particularmente significativo no capítulo 4.

7. A idéia de atribuir culpa a alguém por um acontecimento“natural” talvez pareça pura superstição ao ocidental do século XX.

Contudo, o autor de Jonas já revelou que a responsabilidade divina pela tempestade repousa no Senhor (v. 4), e a responsabilidade hu

mana, em Jonas. Mas os marinheiros ainda têm de descobrir o que oleitor já sabe. Por isso eles apelam para o lançamento de sortes a fimde identificar o culpado.1Não é surpresa quando Jonas é sorteado; essaé apenas mais uma demonstração do controle soberano de Deus sobreos acontecimentos. “Desgraça” (BJ; cf. BLH) é literalmente mal  (ARA,

IBB, ARC, TB, PIB). A mesma palavra, rã ah, é empregada no versículo2 para designar a perversidade de Nínive.

8. Jonas é imediatamente posto em julgamento; mas esse não éum interrogatório judicial comum. As perguntas são feitas não por umadvogado ponderado, absorto nas minúcias do caso, mas por marinheiros apavorados, que se apegam desesperadamente à vida no meio deum forte vento uivante. Uma saraivada de perguntas é disparada contraJonas, e a brevidade delas se explica pelas circunstâncias.

Para muitos, a indagação inicial, declaranos, agora, por causa de quem nos sobreveio este mal, parece supérflua; certamente o réu jáfoi identificado.2 Os marinheiros, porém, podem ter desejado confirmação daquilo que o sorteio havia indicado. Ou, então, podem ter vistotodo o processo apenas como um recurso para se chegar à única pessoacapaz de identificar o culpado.3 As perguntas restantes obviamente têm

1. Js 7.16-21; 1 Sm 14.38-43; Pv 16.33; cf. J. Lindbolm, “Lot casting in the OldTestament”, vt  ,  12 (1962), p. 164-178; S. Abramsky, “About Casting Lots inOrder to Catch a Sinner”, Beth Mikra  86 (1981), p. 231-266.

2. Cf. BJ. A omissão da pergunta em vários manuscritos também apóia suaeliminação. Veja, contudo, a discussão do assunto na “Introdução”.

3. Fretheim, p. 91, n. 10; Walton, p. 19-25.

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 JONAS 1.9

o propósito de obter informações sobre o passageiro desconhecido. “Oque fazes?” (NEB, JB) pode ser entendido de duas maneiras: 1) “qual éa sua profissão?” (cf. ARA, IBB, ARC, TB, PIB), ou 2) “que você estáfazendo neste navio?” (cf. BLH, BJ). Pelo contexto, o último sentido parece mais provável (cf. SI 107.23, IBB).

9. Só parte da resposta de Jonas aos marinheiros é narrada em detalhes (cf. v. 10). Em primeiro lugar, ele se identifica como hebreu, termo comumente empregado em contextos estrangeiros para referir-sea um israelita.1Em segundo lugar, ele identifica seu deus, o S  e n h o r , o 

 Deus do céu. Embora muitos estudiosos entendam que o epíteto “ Deusdo céu” indique uma data de composição no período persa,2 B. Portensustenta que ele teria sido muito apropriado em um discurso dirigido amarinheiros fenícios que, provavelmente, adoravam Baal Shamem,“ senhor do céu” .3 Ao descrever o Senhor como quem fez o céu e a terra (cf. SI 95.5), Jonas deixa claro aos marinheiros que seu Deus é res ponsável por aquela crise. “Adoro” (BLH, PIB; veja também BJ) é li

teralmente temo (ARA, IBB, ARC, TB). Com base em sua resoluta deso bediência, as palavras de Jonas causam neles enorme choque.

10. A confissão de Jonas de que teme ao Senhor é quase imediatamente seguida de ainda outra referência ao temor:  Então os homens ficaram possuídos de grande temor  (lit., “os homens temeramum grande temor”). O autor emprega aqui uma estrutura conhecida

 por acusativo cognato (i.e., verbo e objeto direto derivam de uma raizidêntica no hebraico).4 Essa construção, que fortalece o significado doverbo, também é encontrada em 1.16; 3.2; 4.1 e 4.6. Não há nenhumanecessidade de suprimir, como alguns entendem, a oração final:  por-que lho havia declarado. Conforme pudemos observar no versículo 5,

1. Gn 40.15; Êx 1.19. Em Gn 10.21, Éber é um dos filhos de Sem; cf.  IBD,  2, p.626-627.

2. O epíteto ocorre principalmente nos livros de 2 Cr, Ed, Ne e Da; mas veja tambémGn 24.3,7.

3. Porten, “Baalshamem and the Date of Jonah” , p. 240-241.4. Cf. G-K, p. 117, pr.

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 JONAS 1.1516 

nosso autor não está preso a uma ordem de apresentação estritamentecronológica.1

11-12. Após identificarem a fonte de seus graves problemas, osmarinheiros ainda estão à procura de uma solução para a situação cadavez pior. Procuram o conselho de Jonas. As palavras deste fazem lem brar os versículos 4 e 5: lançaime ao mar. Para os marinheiros sobreviverem, a vida de Jonas tem de ser sacrificada. A parte final doversículo 12, sei que por minha causa vos sobreveio esta grande tem-

 pestade,  responde à pergunta quase idêntica do versículo 7; com isso,

forma uma estrutura de inclusão, estabelecendo uma unidade com omaterial dos versículos de 7 a 12 (veja abaixo a “Nota adicional sobrea estrutura de 1.4-16”).

13-14. Para não ter de jogar Jonas ao mar, os marinheiros cora josamente se esforçam para levar o navio a terra. Mas lutam em vão.Se antes clamava a seus deuses (v. 5), agora clamam ao Senhor. A

referência que fazem a  sangue inocente  não implica que Jonas nãotenha culpa; antes, os marinheiros estão preocupados com o fato de, jogando-o ao mar, eles próprios serem considerados culpados de suamorte. Assim como o capitão (v. 6), eles também reconhecem a absoluta soberania de Deus: tu, SENHOR, fizeste como te aprouve. No final,Jonas também terá de admitir esse mesmo fato (cf. cap. 4).

15-16. Quando as instruções de Jonas são finalmente obedecidas,os resultados preditos ocorrem de imediato. Com o mar acalmado, osmarinheiros ficam atônitos; a narrativa ressalta mais uma vez seutemor. Entretanto, houve um progresso importante; agora eles adoram(lit., “temem”) ao Senhor (cf. v. 9). Conseqüentemente, oferecem-lhesacrifícios e fazem votos (cf. SI 116.17-18). A dupla ocorrência donome de Deus no versículo 16 enfatiza que agora os marinheiros estãofamiliarizados com a identidade divina. Assim, apesar da desobediên

cia de Jonas, eles reconhecem como seu o Deus de Jonas.

1. Cf. Allen, p. 210, n. 37.

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 NOTA ADICIONAL

Nota adicional sobre a estrutura de 1.4-16

O escritor mais antigo a chamar a atenção para a possibilidade de

um padrão estrutural subjacente à maior parte do capítulo 1 foiLohfink. Em 1961, ele afirmou que o relato da viagem marítima deJonas (1.4-16) formava uma estrutura concêntrica:1

A 1.4-6B 1.7-8Centro 1.9-10a7Bl 1.10 a 2 - l lA l 1.12-16

Embora essa proposta tenha sido criticada por Trible,2 ela se tomou o ponto de partida da análise mais detalhada de Pesch.3

1 Narrativa e tema do “temor” : vv. 45al 2 Oração dos marinheiros: v. 5a23 Narrativa: vv. 5 b, c, 6al 

4 Fala do capitão: v. 6a2, b5 Fala dos marinheiros (1): v. la6 Narrativa: v. 7b I   Fala dos marinheiros (2): v. 8

Centro Confissão de Jonas e tema do “temor”: w . 9 -10a/

VII Fala dos marinheiros (II): v. 10a2, b

VI Narrativa: v. 10cV Fala dos marinheiros (I): v. 11IV Fala de Jonas: v. 12III Narrativa: v. 13II Oração dos marinheiros: v. 14I Narrativa e tema do “temor” : vv. 15- 16a

1. Lohfink, “Jona ging zur Stadt hinaus (Jon 4,5)” , p. 201.2. Trible, p. 207-209.3. R. Pesch, “Zur konzentrischen Struktur von Jona 1”,  Bib  47 (1966), p. 577-581;

cf. Cohn, p. 51-52; Magonet, p. 57; Allen, p. 197-198.

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 NOTA ADICIONAL

Tal como Lohfink, Pesch visualizou a narrativa formando uma imagem espelhada, centrada em tomo dos versículos 9 e 10a.

Mais recentemente, uma análise alternativa da mesma passagemfoi proposta por Fretheim.1 Enquanto Lohfink separa a perícope emcinco partes, formando um padrão ABCBA, Fretheim descobre seis elementos, compondo uma estrutura ABCCBA. Ele apresenta a seguinteanálise detalhada:

A. ESTRUTURA NARRATIVA

(4-5a)

1. Deus lança um vento e a tem pestade começa (4).

2. Os marinheiros temem, clamam aseus deuses e sacrificam a eles(5a).

B.  NARRATIVA/PED IDO

(56-6)

1. Jonas dorme profundamente a

despeito da tempestade (5b).2.  O capitão pede a Jonas que ore a

seu Deus a fim de que eles não pereçam (6a).

3. O capitão reconhece a soberanaliberdade de Deus (6 b).

 A i. ESTRUTURA NARRATIVA

(15-16)

1. Os marinheiros lançam Jonas, ea tempestade acaba (15).2. Os marinheiros temem a Iavé,

fazem votos e sacrificam a ele(16).

Bl.  NARRATIVA/PED IDO

(13-14)

1. Os marinheiros lutam para levar

o navio a terra (13).2. Os marinheiros oram ao Deus

de Jonas para que não pereçam(14a).

3. Os marinheiros reconhecem asoberana liberdade de Deus(14Z>).

C. DIÁLOGO

(7-9)1. Os marinheiros falam entre si para

descobrir quem agiu errado (7a).

2.  Informação — Jonas é revelado por sorteio (7b).

3. Os marinheiros pedem informações a Jonas (8).

4. Jonas responde — eu temo (9).

Cl. DIÁLOGO

(10-12)1. Os marinheiros falam com

Jonas para determinar o que elefez de errado (10a).

2. Informação — o erro de Jonas érevelado (106).

3. Os marinheiros pedem informações a Jonas (11).

4. Jonas responde — eu sei (12).

1. Fretheim, p. 73-74.

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 NOTA ADICIONAL

Tanto a análise de Pesch quanto a de Fretheim têm como pontode partida os claros paralelos existentes entre os versículos iniciais e

finais da passagem: Deus lança um grande vento sobre o mar, e a tem pestade começa (v. 4); os marinheiros lançam Jonas ao mar, e a tem pestade cessa (v. 15); os marinheiros se enchem de temor e oram aseus deuses (v. 5a); os marinheiros temem a Iavé e oferecem sacrifícios a ele (v. 16). No entanto, a hipótese de Fretheim de que a falado capitão, no versículo 6, tem seu correlativo na oração dos marinheiros, no versículo 14, parece preferível à de Pesch, segundo a qual afala do capitão faz paralelo com a de Jonas, no versículo 12; osversículos 6 e 14 têm em comum os temas de “perecimento” e “soberania divina”. Em conseqüência, as duas análises divergem consideravelmente no que diz respeito à estrutura da parte interna da

 perícope.Embora Fretheim aperfeiçoe a estrutura apresentada por Pesch,

sua análise da parte central (vv. 7-12) não é tão convincente quanto ados versículos periféricos. Os paralelos que ele observa entre os

versículos 7 a 9 e 1 0 a 12 não mostram o mesmo tipo de vínculotemático que une as partes mais externas da estrutura concêntrica. Noentanto, pode-se fazer uma análise alternativa da parte central da narrativa.

Essa seção (vv. 7-12) diz respeito à identificação do responsável pela ocorrência daquela catástrofe na viagem. Os versículos de 7 a 12são estreitamente ligados e formam uma estrutura de inclusão apro

 priada para essa seção da narrativa: o versículo 7 expressa o desejo dosmarinheiros de identificar a pessoa responsável pela desgraça deles; oversículo 12 traz o reconhecimento da responsabilidade por parte deJonas.1O ponto crucial do relato está nos versículos 9 e 10, com a confissão de Jonas de que teme a Iavé (v. 9) e o resultante temor dos marinheiros (v. 10).2 Significativamente, o tema do temor também ocorre

1. “ ... para que saibamos por causa de quem nos sobreveio este mal” (v. 7); “porqueeu sei que por minha causa vos sobreveio esta grande tempestade” (v. 12).

2. Allen, p. 209, comenta: “Os versículos 9 e 10a representam o ponto para ondeconvergem as atenções da seção” . Em sua análise de 1.4-16, tanto Lohfink quantoPesch colocam esses versículos no centro.

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 NOTA ADICIONAL

logo no início e bem no final da estrutura (vv. 5a, 16).1 Por fim, osversículos 8 e 11 correspondem um ao outro; nos dois versículos os

marinheiros interrogam Jonas.2 Com base nessas observações, apre-senta-se o seguinte esboço da estrutura:3

A Iavé lança um vento sobre o mar; a tempestade começa; osmarinheiros temem e clamam a seus deuses (vv. 4-5a)

B Jonas dorme; clama a teu deus; para que não pereçamos;soberania divina (w . 56-6)

C para que saibamos por causa de quem (v. 7)

D os marinheiros interrogam Jonas (v. 8)E eu temo (v. 9)E 1 os marinheiros temem (v. 10)D1 os marinheiros interrogam Jonas (v. 11)C1 sei que é por minha causa (v. 12)B 1 marinheiros lutam para chegar a terra; marinheiros clamam a

Iavé; não nos deixes perecer; soberania divina (w . 13-14)

A 1 marinheiros lançam Jonas ao mar; a tempestade acaba; osmarinheiros temem a Iavé e oferecem sacrifícios (vv. 15-16)

c. A gratidão de Jonas por seu livramento (1.17  — 2.10).*

 No versículo 16, ao concentrarmos a atenção nos marinheiros, perdemos Jonas de vista. No que depende deles, não pode haverqualquer esperança de que ele sobreviva às águas turbulentas (cf. v.

14). No entanto, o Senhor ainda não terminou o que tem para Jonas e,

1. Sobre o desenvolvimento do tema do temor, veja o comentário sobre 1.5.2. Cada versículo começa com a afirmação “disseram-lhe”.3. Veja uma análise de certa forma parecida com a estrutura desses versículos,

embora não idêntica em P. Weimar, “Literarische Kritik und Literarkritik:Unzeitgemässe Beobachtungen zu Jon 1,4-16”, in: L. Ruppert, P. Weimar e E.

Zenger (eds.), Künder des Wortes. Beiträge zur Theologie der Propheten (Echter,1982), p. 217-235, esp. p. 219-223; D. L. Christensen, “Andrzej Panuknik and theStructure of the Book o f Jonah: Icons, Music and Literary Art” , je t s  , 28 (1985), p.136.

4. No TM essa seção é numerada 2.1-11; 1.17 nas traduções em português é o primeiro versículo do capítulo 2 no texto hebraico.

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 JONAS 1.17 

ficção literária, não devendo ser considerado histórico. Conquanto essa posição encontre amplo apoio, é questionável se o autor de Jonas con

siderava seu relato algo diferente de uma descrição de fatos.1 Outrassoluções mais engenhosas, ainda que menos convincentes, são apresentadas. Especula-se, por exemplo, que Jonas se recuperou da terrívelexperiência no mar passando três dias e três noites numa estalagemchamada “O Peixe”. Essa hipótese, porém, exige que o texto seja manipulado de maneira bastante inaceitável. Com o livro tal como se encontra, é extremamente difícil evitar a conclusão de que a narrativaapresenta a sobrevivência de Jonas dentro do peixe como um milagre.

Assim, a questão que surge é: Jonas de fato sobreviveu três dias dentrode um peixe?

Caso se parta da idéia de que milagres jamais acontecem, automaticamente se conclui que Jonas não poderia ter sido levado de voltaa terra dentro de um grande peixe. Tal suposição, no entanto, representa um julgamento prévio do caso. O autor crê que esse acontecimento miraculoso de fato ocorreu e pede ao leitor que aceite seu

testemunho nesse sentido. Conseqüentemente, somos deixados com aopção de aceitar o dito moderno “se é miraculoso, então não é histórico”, ou o testemunho, não apenas do autor de Jonas, mas de outrosescritores bíblicos, segundo os quais milagres de fato ocorreram emcertas circunstâncias. Cabe a cada leitor decidir que posição adotar.2

Antes de deixarmos este assunto, devemos observar também amaneira por que o milagre é apresentado. O relato do resgate singularde Jonas não é adornado com descrições impressionantes e detalhadas,

quer do peixe, quer da permanência de Jonas dentro dele. Na verdade,o peixe é mencionado em apenas dois versículos (1.17; 2.10), e mesmoassim muito rapidamente. A descrição que o autor faz desse acontecimento tão curioso é bem discreta; certamente o evento não foi in

incidente foi cuidadosamente investigado e teve a veracidade confirmada por Sir  Francis Fox e dois cientistas franceses, Allen, p. 176, n. 5, observa que a viúva do

capitão do navio negou posteriormente que isso tivesse acontecido.1. Sobre a questão da intenção do autor, veja a “Introdução” .2. A idéia de Deus atuando na história foi e continua sendo extensamente debatida

 por historiadores, filósofos e teólogos. Veja uma introdução útil a esse debate emC. Brown, “History and the Believer”, in: C. Brown (ed.),  History, Criticism and   Faith  (IVP, 1976), p. 147-224.

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 JONAS 2.1

cluído para acentuar o impacto da narrativa. Se fosse assim, por que oautor teria inventado isso, se de fato não aconteceu?

Jonas permaneceu três dias e três noites dentro do peixe. Landesobserva que, na mitologia do antigo Oriente Médio, uma viagem detrês dias e três noites representava o tempo necessário para se chegaraté o mundo dos mortos.1 Isso é notável, sobretudo porque o salmo deJonas contém várias referências ao mundo dos mortos. Entretanto, nãohá dados suficientes no próprio Antigo Testamento a demonstrar que éassim que um leitor hebreu teria interpretado a expressão. Portanto,isso deve continuar como uma especulação interessante.

2.1.  Jonas [...] orou ao  SENHOR,  seu Deus.  Somente aqui e em4.2 o texto contém o costumeiro verbo hebraico hitpallêl,  “orar”. Emoutras partes, o verbo qãrã’, “clamar”, é empregado (e.g., 1.5; 3.8).

 Do ventre do peixe.  Alguns objetam que Jonas não poderia tercomposto o salmo de louvor enquanto dentro do peixe. Isso, porém,surge de uma incapacidade de avaliar a função do peixe; ele é o meio

 pelo qual Jonas é salvo da morte por afogamento. Quanto à relação dosalmo com o restante do livro, veja a “Introdução”.Versículos de 2 a 9. Contrastando com o material ao redor, os

versículos de 2 a 9 têm forma poética. Ainda existe alguma incerteza arespeito da exata natureza da poesia hebraica. Ela se caracteriza basicamente pelo “paralelismo”, i.e., a segunda linha corresponde à primeira por repetição de palavras e frases correlatas. Assim, por exem plo, expressões relativas ao clamor de Jonas por auxílio e à resposta de

Deus encontram-se nas duas metades do versículo 2. As tentativas dedesvendar alguma forma de métrica poética têm-se concentrado emcontagens de 1) sílabas, 2) grupos de acentos ou 3) moras.2 Até agora,

1. G. M. Landes, “The ‘Three Days and Three Nights’ Motif in Jonah 2,1” , jbl  86(1967), p. 446-450; cf. id., “The Keiygma”, p. 11-12.

2. Veja um breve esboço desses diferentes enfoques em Christensen, “The Song of

Jonah”, p. 217-231, esp. p. 220-222. Outros estudos recentes sobre a natureza poética de Jonas 2.2-9 são Walsh, “Jonah 2,3-10”, p. 219-229, e F. M. Cross,“ Studies in the Structure of Hebrew Verse: The Prosody o f the Psalm of Jonah”,in: H. B. Huffmon, F. A. Spina, A. R. W. Green (eds.), The Quest fo r the Kingdom of God: Studies in Honor o f George E. Mendenhall   (Eisenbrauns, 1983), p.159-167.

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 JONAS 2.2

 porém, não se chegou a nenhum consenso quanto ao método que sedeve seguir. Ante as incertezas relacionadas à análise métrica, talvez

seja surpreendente que, com base na métrica, alguns estudiosos defendam a supressão de palavras e frases específicas do salmo.1Ainda outro aspecto do salmo comentado com freqüência é o uso

que Jonas faz de expressões encontradas no saltério.2 Jonas, porém,não pode ser acusado de plágio. Sua composição claramente diz res

 peito à situação em que ele se encontrava e, embora utilize umavariedade de frases semelhantes a algumas encontradas no saltério,elas não são, com uma única exceção (2.3; cf. SI 42.7), exatamente

idênticas. Com toda probabilidade, Jonas foi influenciado em suaescolha de palavras e frases por expressões que lhe eram familiares emdecorrência dos salmos recitados na adoração.

O salmo de Jonas divide-se em duas partes: 1) os versículos de 2a 7 registram sua experiência quando, no início, foi jogado na água.Em particular, ele ressalta o perigo em que estava e a disposição deDeus em responder a seu clamor por ajuda. Essa parte do salmo ganha

coesão com a estrutura de inclusão formada nos versículos 2 e 7, nosquais se faz referência a Deus ouvindo a súplica de Jonas; 2) osversículos 8 e 9 contêm a avaliação positiva que Jonas faz do Senhor esua reação pessoal diante dos atos salvíficos de Deus.

2. Bem no início do cântico de ação de graças, Jonas refere-se auma oração anterior que ele proferiu logo depois de lançado à água.

Como é típico da poesia hebraica, a mesma série de ações se expressade duas maneiras ligeiramente diferentes: Jonas clamou por ajuda eDeus respondeu. Esse versículo inicial sintetiza o motivo da gratidãode Jonas. Nos versículos de 3 a 7, os pormenores do que aconteceu sãodelineados em maiores detalhes.

“Do ventre do Seol” (IBB; do ventre do abismo,  ARA). Algunscomentaristas interpretam a palavra hebraica beten,  “ventre”, “estômago”, como uma referência ao estômago do grande peixe. Entre

1. E.g., Allen, p. 214, n. 1, defende a eliminação de rnsútãh, o “profundo” (2.3), por“motivos tanto gramaticais quanto métricos” .

2. Cf. Magonet, p. 44-49.

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 JONAS 2.3

tanto, no versículo 1 (heb., v. 2) um termo diferente, me‘ê,  “entranhas” (cf. BLH, BJ, PIB), denota o interior do peixe. A exata conotaçãodo termo “Seol” é objeto de controvérsia. No entanto, provavelmentedesigna o local onde os ímpios permanecem até o julgamento final.1Oque Jonas teme aqui não é a aniquilação com a morte, mas, a perspectiva de ser abandonado no Seol e, conseqüentemente, ficar dali por diante separado de Deus. Contudo, embora Jonas esteja na iminência deentrar no Seol, o Senhor ouve-lhe o clamor e o livra. O tema de Deusouvindo uma súplica por ajuda é um elemento comum no saltério (cf.SI 18.6; 118.5; 120.1). A mudança da terceira pessoa (ele [...] respon-

deu) para a segunda {tu [...] ouviste) não precisa ser vista como umainconsistência de composição. O mesmo tipo de mudança ocorre atéem algumas orações modernas.

3. Conquanto, fisicamente, Jonas tenha sido jogado ao mar pelosmarinheiros (1.15), ele de imediato reconhece que a derradeira res ponsabilidade repousa em Deus. Aqui se toma a ressaltar a absoluta

soberania de Deus. As palavras de Jonas descrevem vividamente suadescida às ondas. No profundo, no coração dos mares.  Alguns estudiosos susten

tam que a palavra mesúlãh,  “profundezas”, é um acréscimo posteriorao texto e deve ser suprimida. Essa contribuição baseia-se em duasconsiderações. Em primeiro lugar, a linha é considerada demasiadamente longa. Mas essa objeção é resultado da maneira de calcular a

métrica. Caso se adote uma abordagem alternativa, não há problemaalgum.2 Em segundo lugar, da perspectiva gramatical, seria de esperarque o substantivo tivesse uma preposição indicando um movimentoadiante. Isso apresenta certa dificuldade. Entretanto, a hipótese de queo termo foi posteriormente introduzido como uma glosa não é menos

 problemática, e é difícil entender por que a palavra precisava ser posteriormente inserida em seu atual contexto.

1. A AV traduz  f ’ôl   por “sepultura” 31 vezes, e por “inferno” 30 vezes; cf. D.Alexander, “The Old Testament view of life after death”, Themelios  11 (1986), p.41-46.

2. Cf. Christensen, “The Song of Jonah” , p. 223.

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 JONAS 2.5

 A corrente das águas me cercou.  A palavra riãhãr, normalmentetraduzida por “rio” ou “curso d’água”, é aqui empregada para denotara corrente de águas.1 Descrições semelhantes ocorrem em outros salmos, sem que denotem a ação física do afogamento (e.g., SI 69.1-2,14-15; 88.6-7,17). Contudo, isso não é motivo para afirmar, como fazemalguns, que essas palavras não foram compostas por Jonas, diante desua experiência dramática. Todas as tuas ondas e as tuas vagas pas-

 saram por cima de mim.  Declaração exatamente igual aparece noSalmo 42.7 (heb., v. 8).

4. Debatendo-se no mar, o pensamento inicial de Jonas é que agora foi completamente rejeitado por Deus:  Lançado estou de diante dos teus olhos  (cf. SI 31.22; heb., v. 23). Após tentar fugir para Társis,saindo da presença de Deus, ele agora se vê a caminho do Seol, ondeestará permanentemente isolado de Deus.

Muitas vezes se aventa que a primeira palavra da segunda metade

desse versículo deva ser emendada, passando a ek,  “como”. Assim,Jonas faz a pergunta: “Como tomarei a olhar para o teu santo tem plo?” (IBB, BJ; cf. ARA, PIB). Tal como se encontra, o TM traz a palavra’ak, “ainda”, “todavia”. Mantendo-se essa leitura, a segunda parte doversículo contrasta com a primeira: “todavia tomarei a olhar para o teusanto templo” (TB; cf. ARC). Embora a BLH interprete essas palavrascomo uma continuação direta da fala de Jonas na primeira metade do

versículo, é possível que elas tenham brotado da confiança de Jonas deque, por ter sido salvo pelo peixe, tomará a adorar no templo emJerusalém. Dessa maneira, a parte final do versículo provavelmente brota não no momento em que Jonas estava na água, mas após seu salvamento. É interessante que as duas partes do versículo tenham comoelemento comum a idéia de “ver” .

5. Cercado por todos os lados, Jonas é um prisioneiro do mar:  As águas me cercaram até à alma  (ou “as águas me envolveram até o

I. Cf. Landes, “The Kerygma”, p. 6, n. 14.

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 JONAS 2.6 

 pescoço” ,1BJ), o abismo me rodeou. Até as algas marinhas se enrolamem tomo dele. Por mais que tente, Jonas não consegue libertar-se de

sua prisão de água. A morte por afogamento parece inevitável.

6.  Até aos fundamentos dos montes. Embora o TM ligue essa ex pressão ao que vem a seguir, há traduções que a interpretam como aconclusão do versículo precedente (ARA, RSV,  n e b ). Em vez de traduzirem a preposição hebraica  P   por “para”, eles a traduzem por “em”ou “junto de”. Essa divisão do texto, dizem, seria mais adequada àmétrica poética. No entanto, embora a atual pontuação do TM tenhasido introduzida na Idade Média, os responsáveis por ela, os massore-tas, esforçaram-se por preservar a forma do texto tal como vinha sendotransmitida. Assim, a IBB, a ARC, a TB, a BLH, a BJ e a PIB mantêm adivisão de versículo da TM.

Há alguma incerteza quanto ao exato sentido da expressão qisbè hârim, os fundamentos das montanhas,  que, em todo o Antigo Testamento, ocorre apenas aqui. Pelo contexto, provavelmente se refere aos

sopés das montanhas, os quais se estendem até o leito do mar. Encontramos apoio para isso em Eclesiástico 16.19, em que a mesma expressão é usada em conjunto com a frase “os alicerces dos continentes”.2Desse modo, Jonas desce até as partes mais profundas do mar.

Entretanto, Jonas também considera sua descida ao fundo do marcomo uma descida até o mundo dos mortos:  Desci até à terra, cujos 

 ferrolhos se correram sobre mim para sempre.  O susbstantivo he

 braico ’eres,  “país”, “terra”, tem aqui o sentido especial de “mundodos mortos” .3 À semelhança das cidades da Palestina, Jonas via omundo dos mortos trancado com segurança por uma porta provida de

1. A a r a , a IBB, a a r c e a TB traduzem nepe por “alma” . No entanto, a palavra podereferir-se ao pescoço ou à garganta (cf.  b j , p ib , b l h ) , cf. H. F. Peacock,“Translating the Word for ‘Soul’ in the Old Testament”, The Bible Translator  27

(1976), p. 216-219.2. A  b j , mas nao a  p ib , evita o problema de traduzir a palavra qishê em Eclesiástico

16.19 omitindo-a totalmente.3. Cf. N. Tromp,  Primitive Conceptions o f Death and the Nether World in the Old  

Testament,  Biblica et Orientalia 21 (Pontifical Biblical Institute, 1969), p. 23-46;M. Ottosson, “ ’erets”, in: t d o t ,   1, p. 399-400.

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 JO NAS 2.7 

ferrolhos e barras: era impossível escapar dali. Uma vez no Seol, Jonasficaria aprisionado ali para sempre.

Tendo descrito as etapas de sua decida rumo à terra dos mortos,Jonas introduz agora um contraste extremamente importante: contudo  fizeste subir da sepultura a minha vida. Visto que na poesia hebraica osubstantivo sahat, “cova” ou “sepultura”, freqüentemente faz paralelocom o termo Seol, há bons motivos para interpretá-lo aqui como umareferência à morada dos mortos.1Enfim cessa a viagem descendente deJonas, e sua descida sofre uma impressionante reviravolta. Essamudança na direção do movimento de Jonas dá fim a uma série de pas

sos descendentes que podem ser remontados ao início do capítulo 1.Desde sua fuga inicial, em 1.3, o avanço de Jonas foi sempre para

 baixo (cf. 1.3,5,15; 2.2), e cada etapa simboliza mais um movimento para longe de Deus.2 Agora, quando Jonas já não pode ir mais fundo, oSenhor intervém e o traz para cima.

7. Quando dentro em mim desfalecia a minha alma.  As palavras

iniciais desse versículo vêm sendo traduzidas de várias maneiras:“quando senti que estava morrendo” (BLH); “quando minha vida estava se esvaindo” (RSV); “quando perdi os sentidos” (NEB). O verbo he braico hit 'atfêp dá a idéia de se tomar cada vez mais fraco ou perder aconsciência (cf. SI 142.3; 143.4). Quando estava quase morrendo porfalta de oxigênio, os pensamentos de Jonas voltam-se repentinamente

 para Deus. Eu me lembrei do SENHOR.  Ao inserir “de ti” após “lembrei”,

(“eu me lembrei de ti, ó Deus Eterno”) a BLH  parece seguir a emenda proposta por M. Dahood: trocar a partícula hebraica ’et  por ’atíã,  “tu,ti” .3 No entanto, isso é totalmente desnecessário.4 Portanto, eu me lem-brei do SENHOR  deve ser a redação preferida. Jonas, porém, não

1. Tromp, Primitive Conceptions, p. 69-71; V. P. Hamilton, “shahat”, em m o r , 2, p.918.

2. Walsh, “Jonah 2,3-10” , p. 226-227; Christensen, “The Song of Jonah”, p.226-227.3. M. Dahood, “Ugaritic and the Old Testament”,  Ephemerides Theologicae 

 Lovanienses  44 (1968), p. 37. Dahood defende que essa emenda elimina areferência de terceira pessoa a Deus e harmoniza esse verso com o seguinte.

4. Cf. Allen, p. 214, n. 5. A a r a , a ib b , a ARC, a TB e a b j  seguem todas o TM.

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 JONAS2.8

somente se lembra do Senhor, mas também ora (cf. SI 88.2; 102.1).Com base no versículo 6, fica claro que o pedido de Jonas foi recebido

favoravelmente (cf. v. 2). A expressão teu santo templo  tambémaparece no final do versículo 4 (cf. SI 18.6).

8. Embora constituído de apenas cinco palavras no hebraico, esseversículo apresenta várias dificuldades. As três palavras iniciais referem-se aos que praticam a idolatria; uma frase quase idêntica ocorreno Salmo 31.6. A palavra traduzida por “ídolos” (IBB, BLH, PIB; cf.ARA) significa literalmente “armadilha”. As duas palavras finais são

geralmente interpretadas de uma das seguintes maneiras: 1) “deixaramde ser fiéis a ti” (BLH); 2) “abandonam o seu amor” (BJ; cf. ARA, IBB,

ARC, TB, PIB). A razão de ser dessas alternativas encontra-se no termohasdãm, derivado do substantivo hesed, que aqui significa “sua fidelidade” ou “sua misericórdia”. Na primeira possibilidade, o substantivoé entendido em referência à lealdade ou fidelidade de adoradores humanos; na segunda, à “misericórdia” que Deus estende aos que nele

confiam. Conquanto não haja quase nada a apoiar a opção por umadessas possibilidades, a primeira interpretação parece preferível. Se,como parece provável, esse versículo estabelece um contraste com oque vem a seguir no versículo 9, então Jonas expressa aqui a opiniãode que aqueles que adoram ídolos descobrirão em horas de dificuldadeque tais deuses são, na realidade, totalmente impotentes e, em conseqüência, não mais demonstrarão lealdade, ou amor, para com seus

supostos deuses. Todavia, os que adoram o Senhor sempre o encontrarão fidedigno e confiável. Assim, parece melhor traduzir o versículocomo segue: “Aqueles que se apegam a ídolos vãos abandonarão alealdade para com eles.”

9. Após experimentar na própria vida o poder divino de salvá-lodas próprias garras da morte, Jonas, numa expressão de gratidão, promete oferecer sacrifícios e cumprir  seus votos  ao Senhor. Suas palavras fazem eco à reação dos marinheiros em 1.16. Finalmente,Jonas conduz seu salmo pessoal de ação de graças a um clímax,quando faz a maravilhosa declaração: Ao SENHOR pertence a salvação! 

 Nenhuma outra expressão poderia resumir melhor o reconhecimento

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 JONAS 3.12

de Jonas por tudo o que Deus fez por ele. O Senhor salva! Ironicamente, contudo, é esse mesmo fato que enche Jonas de profunda

raiva no capítulo final do livro.

10. O texto retoma à prosa para registrar o modo pouco convencional e nada formal de Jonas voltar a terra:  Falou, pois, o SENHOR ao 

 peixe, e este vomitou a Jonas na terra.

II. JONAS EM NÍNIVE (3.1—4.11)

a. O segundo chamado de Jonas (3.13)

Após ser resgatado e devolvido à terra firme de forma impressionante, Jonas recebe novas instruções para ir a Nínive. Dessa vez nãofaz nenhuma tentativa de escapar da presença do Senhor, mas obedece prontamente. Ao repetir quase palavra por palavra as observações iniciais do livro, o autor habilmente transmite a idéia de que Jonas recebe

a proposta de um novo começo. Apesar de sua recusa anterior, ele temoutra oportunidade de cumprir a comissão divina.

1-2. À exceção da substituição de “filho de Amitai” (1.1) pelotermo hebraico ênit, “segunda” (3.1), as palavras iniciais dos capítulos1 e 3 são as mesmas. A primeira divergência significativa ocorre apóso verbo proclama. Enquanto em 1.2 Jonas recebe ordens de clamar ‘al, 

“contra”, Nínive, aqui em 3.2 ele é instruído a clamar ’el, “a”, ela (cf.IBB, TB, BLH, BJ, PIB). Há divergência de opinião quanto à importânciadessa mudança de palavras. Muitos escritores não vêem nenhuma diferença de significado relevante entre as preposições ’el  e ‘al  quandoempregadas com o verbo qãrã’, “chamar”.1Contudo, conforme J. M.Sasson defendeu enfaticamente, é muito provável que qãrã’ ‘al   (cf.1.2) tenha a conotação de “denunciar” (cf. BJ, NEB), ao passo queqãrã’ ’el   significa apenas “proclamar a” .2 Essa sutil mudança nas

1. Um importante motivo para isso é o fato de que não se faz nenhuma distinçãoentre essas expressões na tradução da l x x .

2, J. M. Sasson, “On Jonah’s Two Missions”,  Henoch 6  (1984), p. 23-29; cf. Keil, p.389.

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 JO NAS 3.3

 palavras do chamado de Jonas tem talvez o propósito de preparar o leitor para as inesperadas conseqüências de sua missão.

 A mensagem que eu te digo.  Essas palavras destacam a origemdivina da proclamação de Jonas; a mensagem que ele comunica não ésua, mas vem de Deus.1A ARC segue a tradução que a LXX faz dessaexpressão, empregando o tempo pretérito: “a pregação que eu tedisse”. O original hebraico, no entanto, pode também ser entendidoem referência tanto ao presente, “a mensagem que estou te dando” (cf.Vulg.), quanto ao futuro, “a mensagem que te darei” (cf. Sir.). Dessastrês possibilidades, a primeira parece a menos provável; caso se qui

sesse dar a idéia clara de pretérito, outra forma do verbo “contar” te-lo-ia indicado melhor.2

3. A obediência imediata de Jonas é sublinhada não apenas pelarepetição dos verbos “levantou-se” e “foi” (veja IBB, ARC, TB, BJ,

PIB), ambos encontrados na ordem divina anterior (v. 2; veja o comentário sobre 1.2-3), mas também pela inclusão da expressão  segundo a 

 palavra do SENHOR.A oração Nínive era cidade mui importante não deve ser interpre

tada como indício de que o livro foi composto depois da destruição dacidade, em 612 a.C. O autor está simplesmente afirmando que, naépoca da missão de Jonas, a cidade era grande (veja a “Introdução”).Cidade mui importante diante de Deus  é, literalmente, “uma grandecidade para Deus”. Muitos estudiosos entendem que o termo ’“tõhim, 

“Deus” , denota aqui um superlativo (cf. Gn 23.6; 30.8; Êx 9.28; 1 Sm14.15; SI 36.7; 80.11). Entretanto, tendo em mente o enredo do livro,talvez seja melhor interpretar essa frase como “uma cidade importante

1. Os profetas do Antigo Testamento constantemente chamavam a atenção para ofato de que a mensagem deles vinha diretamente de Deus. Veja uma impressionante lista de expressões, todas tiradas do livro de Isaías, ilustrando esse fatoem E. J. Young,  My Servants the Prophets  (Eerdmans, 1952), p. 171-175. Listassemelhantes podem ser elaboradas para outros livros proféticos.

2. Price, p. 51-52.

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 JONAS 3.4

 para Deus” (cf. ARA).1 “De três dias de caminho” (ARC) é uma afirmação precisa quanto ao tempo necessário para atravessar a cidade.2

Esses comentários sobre Nínive proporcionam um interlúdio

apropriado na narrativa entre a partida de Jonas (v. 3) e sua chegada a Nínive (v. 4). Como Nínive ficava a aproximadamente 800 km ou ummês de viagem de Israel, essa rápida descrição da cidade permite quehaja uma suave transição entre os versículos 3 e 4.3 Também prepara ocenário para o episódio seguinte.

b. Jonas e os ninivitas (3.410)

Talvez cause surpresa que, após concentrar tanta atenção nos esforços para levar Jonas a Nínive, sua atividade ali seja registrada commarcante brevidade (v. 4). Dá-se destaque ao arrependimento dosninivitas, que constitui o âmago dessa seção (vv. 5-9), e à resultante reviravolta divina (v. 10).

4. O relato do ministério profético de Jonas em Nínive é excep

cionalmente conciso. As palavras Começou Jonas a percorrer a ci-dade caminho dum dia, e pregava...  podem ser interpretadas dealgumas maneiras; literalmente, o hebraico traz “ele começou a entrarna cidade o caminho de um dia e proclamou (ou proclamava)”.

1. D. W. Thomas, em “A Consideration of Some Unusual Ways of Expressing theSuperlative in Hebrew”, vr, 3 (1953), p. 209-224, analisa em certa profundidade o

uso do nome divino para formar um superlativo. Ele conclui: “Acredito que noA.T. é difícil, se não impossível, indicar algum exemplo inequívoco do uso donome divino como epíteto intensificador e nada mais” (p. 218). Ademais, a formaexata da expressão empregada aqui não se acha em nenhuma outra parte do AntigoTestamento. De todos os casos em que *tõhim é entendido como superlativo, esseé o único exemplo no qual é precedido pela preposição f ,   “para”.

2. Quanto ao tamanho de Nínive, veja a “Introdução” . A tradução na edição de 1978da  N iv , “ levava três dias para percorrê-la toda”, transmite a idéia de que esse era otempo necessário para andar por todas as ruas da cidade. Essa idéia não é

sustentada pela estrutura do texto hebraico. A edição de 1984 da  N iv traz “umacidade muito importante — uma visita exigia três dias”, acompanhando o ponto devista de Wiseman, “Jonah’s Nineveh”, p. 38, de que isso se refere aos dias dechegada, de visita e de partida.

3. Não há necessidade alguma de reordenar o texto, como faz a  NEB.

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 JONAS 3.4

Segundo a maioria dos comentaristas, isso deixa implícito que Jonascomeçou a pregar só depois de ter entrado na cidade o caminho de um

dia. Por outro lado, isso poderia significar que ele proclamou sua mensagem logo que entrou na cidade, a qual exigia ao todo três dias paraatravessar (v. 3). Seja qual for a interpretação, fica evidente que Jonasnão adiou sua proclamação até chegar bem ao centro da grandemetrópole; em seu primeiro dia dentro dos limites da cidade elecomeçou a informar a população de que estavam condenados porDeus.

A essência da mensagem de Jonas está resumida nesta breve declaração:  Ainda quarenta dias, e Nínive será subvertida.  Com toda probabilidade, Jonas falava bem mais que isso aos que encontrava. Oautor, no entanto, sem dar atenção à capacidade oratória de Jonas, condensa sua mensagem em cinco palavras no hebraico. Embora algunsestudiosos prefiram a leitura da LXX, que traz “três” dias em lugar de“quarenta”, a primeira leitura provavelmente foi introduzida por umcopista que, por distração, repetiu os “três dias” do versículo anterior.“Quarenta” não é um número arbitrário; no Antigo Testamento, estáfreqüentemente associado a períodos de especial significado religioso.1

Será subvertida  O verbo  Hãpak,  “subverter”, é empregado emoutras passagens para descrever a destruição de Sodoma e Gomorra(Gn 19.25; Lm 4.6; Am 4.11). A idéia básica subjacente ao verbo é“tomar”. Às vezes significa “virar para baixo” (2 Rs 21.13, “um

 prato [...] virado de boca para baixo”, BLH). No entanto, pode também

ter o sentido de “virar”, “transformar” (1 Rs 22.34, “virar um carro”;Jr 13.23, “mudar a própria pele”). Com essas diferentes conotações,dificilmente o uso da palavra aqui é acidental. Embora Nínive nãotenha sido virada de cabeça para baixo, ela sem dúvida passou por umareviravolta.2

1. E.g., Êx 24.18; 34.28; Nm 13.25; 1 Rs 19.8; cf. J. B. Segal, “Numerals in the OldTestament”,  JSS , 10 (1965), p. 2-20, esp. p. 10-11. Ele rejeita a freqüente hipótesede que 40 representa apenas um número redondo, ou seja, aproximado.

2. Cf. Good,  Irony in the Old Testament,  p. 48; Wiseman, “Jonah’s Nineveh”, p.48-49.

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 JONAS 3.5

5. A realidade do juízo divino iminente tem grande efeito no coração dos ninivitas. O texto implica de modo claro que a resposta à

 pregação de Jonas foi imediata. Sua proclamação é logo seguida de umrelato da reação do povo; não há nada entre o pronunciamento profético e o arrependimento dos ninivitas. Ademais, não existe qualquer indicação de que Jonas tenha continuado a pregar além desse seu primeiro dia na cidade (cf. v. 4).

A expressão os ninivitas creram em Deus  (lit., “os homens de Nínive creram em Deus”) tem sido entendida de duas maneiras: 1) osninivitas acreditaram na palavra de Deus (NEB; cf. PIB); 2) os ninivitascreram em Deus (ARA, ibb, ARC, BLH, TB, BJ). Contudo, a expressãoidiomática hebraica he^mín be,  “acreditar em”, indica mais do quesimplesmente crer no que alguém disse; expressa a idéia de confiarnuma pessoa.1 Significativamente, a reação dos ninivitas é aqui apresentada nos moldes daquilo que Deus esperava de seu próprio povo(cf. Êx 14.31; 2 Cr 20.20), mas muitas vezes não recebia (cf. Nm14.11; 20.12; Dt 1.32; 2 Rs 17.14; SI 78.22).

Em conseqüência de confiarem em Deus, proclamaram um jejum, e vestiramse de panos de saco. No mundo antigo, esse era um meiocomum de expressar tristeza, humildade e penitência — as marcas doverdadeiro arrependimento. Quando denunciado pelo profeta Elias, orei israelita Acabe reagiu de maneira semelhante: “rasgou as suasvestes, cobriu de pano de saco o seu corpo, e jejuou; dormia em sacos,e andava cabisbaixo” (1 Rs 21.27; cf. Ne 9.1-2; Is 15.3; Dn 9.3-4). O profeta Joel, possivelmente contemporâneo de Jonas, exigiu que seus

ouvintes jejuassem e vestissem pano de saco em sinal de arrependimento (J1 1.13-14). O pano de saco usado era um tecido áspero egrosso, geralmente feito de pêlo de cabra; usá-lo simbolizava a re

 jeição dos confortos e prazeres terrenos. A reação dos ninivitas foiunânime: desde o maior até o menor. Nenhuma classe ou segmento dasociedade ninivita se sentiu desobrigada da necessidade de humilhar-se perante Deus.

1. E.g., 1 Sm 27.12, “Aquis confiava em Davi”; Gn 15.6, “ele [Abrão] creu noSenhor ”. D. Kidner, em Gênesis  (Vida Nova/Mundo Cristão, 1979), p. 115,comenta: “a confiança de Abrão era tanto pessoal (no Senhor)  como relativa à proposição (o contexto é a específica palavra do Senhor  nos versículos 4 e 5)” .

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 JO NAS 3.6 

6. Ao concentrar agora a atenção no rei, o autor acrescenta detalhes ao quadro geral do versículo 5.1Mediante a repetição de detalhes

específicos, ele reforça a observação inicial de que os moradores de Nínive, desde o maior até o menor, verdadeiramente se arrependeramde seu mal.

O título rei de Nínive é peculiar ao livro de Jonas. Por esse motivo, alguns estudiosos entendem que o livro foi composto no período persa (c. 539-331 a.C.), quando a Assíria era uma vaga lembrança; adesignação usual é “rei da Assíria” (cf. 2 Rs 19.36). Contudo, se a

missão de Jonas é datada em meados do século VIII a.C., época defraqueza e vulnerabilidade para a Assíria, o título “rei de Nínive” podenão ser totalmente inadequado (v. “Introdução”).

O original hebraico é ambíguo quanto ao que o rei realmente ouviu; o termo dãbãr   pode significar “palavra”, “negócio”, “coisa”.Denota aqui ou o conteúdo da proclamação de Jonas ou a reação da população da cidade. A descrição do comportamento do rei constituium belo padrão quiástico: levantou-se, despiu-se, vestiu-se, sentou-se.Levantando-se de seu trono e trocando seus mantos reais por pano desaco, o rei senta-se no chão no meio de pó ou cinza. Assim, ele sim boliza sua fragilidade e inutilidade humanas (cf. Jó 2.8,12-13).

7-8. A expedição de um “decreto” (IBB, BJ, TB; mandado,  ARA)

conjunto por parte “do rei e dos seus nobres”, com ordens tanto ahomens quanto a animais é considerada, por muitos estudiosos, indício

de uma data tardia de composição. Com base em dois pontos, acredita-se que essa ação reflete não a prática assíria, mas a persa. Em primeirolugar, não existe nenhuma prova documental assíria de a) um rei ex

 pedindo um decreto em conjunto com seus nobres, ou de b) animaisvestidos com pano de saco. Em segundo lugar, sabe-se que essas duas práticas, porém, ocorreram no período persa posterior. Embora essalinha de raciocínio pareça apontar decisivamente para uma data de

composição pós-exílica, já observamos que, sob aspectos puramente

1. A ARC traz “porque esta palavra chegou ao rei de Nínive”, interpretando oversículo 5 como um resumo geral, seguido de uma explicação de como issoaconteceu.

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 JONAS 3.9

lingüísticos, tal data é improvável. Só podemos supor que a falta dereferência a essas práticas nos registros assírios é uma infeliz coincidência ou então uma indicação de que tais ações eram extremamenteraras, fato que salientaria ainda mais a natureza incomum da reaçãoninivita; a inclusão dos animais claramente ressalta o peso da ameaçaque o rei e seus nobres sentiram. Além do mais, a primeira metade doséculo VIII a .C. é um dos períodos menos documentados da históriaassíria. (Veja um exame mais aprofundado na “Introdução”.)

O edito oficial do jejum contém dois verbos diferentes com res peito a comer. O primeiro, que se pode aplicar igualmente a homens e

animais, é 0 verbo tã ‘am, “provar alimento ou bebida”. O outro verbovem da raiz rã^ãh,  “apascentar” ou “pastar”, e aplica-se apenas agado e ovelhas. É interessante observar que os dois verbos podem serligados a outros termos encontrados nessa passagem, fornecendo aindamais exemplos do gosto de nosso autor pelo jogo de palavras. Assim, overbo “provar” tem na raiz as mesmas consoantes do substantivota‘am,  “decreto” ou “edito”. Semelhantemente, o verbo “pastar”

 pode ser ligado ao adjetivo rãWt, “mau”, que ocorre nos versículos 8e 9.1A determinação do rei, clamarão fortemente a Deus, faz lembrar

afirmações anteriores a respeito da oração (1.6,14; 2.2). A oração ardorosa devia acompanhar o jejum e o uso de pano de saco. Finalmente,o rei exige de seus súditos um arrependimento sincero:  E se con-verterão, cada um do seu mau caminho, e da violência que há nas suas 

mãos. Nenhuma expressão exterior de piedade livrará Nínive da destruição que se lhe aproxima; só uma transformação radical de coraçãoe comportamento oferece alguma esperança de perdão. Até mesmo Israel tinha de ser advertida dos perigos do fingimento religioso quandoorava e jejuava (e.g., Is 58.3-9).

9. Assim como o capitão do navio (1.6) e sua tripulação (1.14),todos pagãos, o rei e seus nobres reconhecem a absoluta liberdade que

I. Cf. B. Halpem e R. E. Friedman, “ Composition and Paranomasia in the Book ofJonah”,  har ,  4 (1980), p. 79-92, esp. p. 85; D. L. Christensen, “AnticipatoryParanomasia in Jonah 3.7-8 and Genesis 37.2”, m ,  90 (1983), p. 261-263.

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 JONAS 3.10

Deus tem de fazer como lhe agrada. Percebem muito bem que os atosreligiosos e as orações jamais podem merecer ou assegurar o perdão

divino (cf. J1 2.13-14); Deus não tem nenhuma obrigação de perdoar. No entanto, fica a esperança de que ele os olhe com misericórdia edesvie sua ardente ira. Uma reviravolta completa dos ninivitas (v. 8)talvez possa encorajar Deus a fazer o mesmo.  De sorte que não 

 pereçamos  faz eco à esperança anterior dos marinheiros pagãos(1.6,14).

10. O tema do arrependimento, que domina o versículo 9, prossegue aqui com a repetição dos verbos  sub,  “arrepender-se”, e niham, “deixar” .1 Em decorrência das ações penitentes do povo de Nínive,Deus deixa de castigá-lo como havia ameaçado. Infelizmente, váriasversões traduzem o verbo niham  por “arrepender-se” (cf. ARA, IBB,

ARC, TB, Bi), e, naturalmente, isso gera dificuldades para muitos leitores. É possível Deus se arrepender? Todavia, embora o verbo português “arrepender-se” transmita a idéia de uma mudança decomportamento de pior para melhor, o verbo hebraico niham refere-se,antes, a uma decisão de agir de outro modo, não implicando necessariamente que a primeira ação seja inferior à segunda. A expressão“desistir” ou “mudar de idéia” transmite melhor o significado do he

 braico (cf. PIB, BLH). Ademais, conforme fica claro em Jeremias 18.7-8, os pronunciamentos proféticos de juízo não eram absolutos, mascondicionais: “Em qualquer momento posso dizer que vou arrancar,

derrubar ou destruir qualquer nação ou reino. Mas, se essa nação ouesse reino abandonar a sua maldade, então eu mudarei de idéia a res peito daquilo que tinha prometido fazer” (BLH). O fato de que Deusmuda de idéia aqui não representa um fracasso divino, mas revela seusincero desejo de ser coerente com sua própria natureza imutável.2

1. Nos vv. 8-10 o verbo súk  ocorre quatro vezes, duas delas tendo Deus por sujeito e

duas tendo os ninivitas por sujeito. O verbo niham  aparece duas vezes e, comoacontece quase sempre que é utilizado no Antigo Testamento, Deus aqui é osujeito em ambas as ocorrências.

2. Cf. W. C. Kaiser, Towards Old Testament Ethics  (Zondervan, 1983), p. 249-251;“ele [Deus] é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senãoque todos cheguem ao arrependimento” (2 Pe 3.9).

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 JONAS 3.10

Para muitos escritores, a prontidão, a extensão e a sinceridade doarrependimento ninivita parecem completamente fora da realidade.Será possível que toda a população de Nínive tenha correspondido tão

 prontamente à pregação de um profeta estrangeiro? Ademais, observa-se que os anais assírios do século viu a.C. não contêm nenhumamenção a tais acontecimentos. Entretanto, não seria de esperar algumareferência a fatos tão marcantes? Por tais razões, levantam-se dúvidasquanto à precisão histórica do relato.

Em resposta a essas objeções, podem-se fazer certas observações.Primeiramente, deve-se ressaltar mais uma vez (veja a “Introdução”)

que há pouco material documental assírio da primeira metade doséculo VIII a.C. Esse é um período da história assíria sobre o qual infelizmente estamos muito pouco informados. Em segundo lugar, não é

 preciso considerar o arrependimento dos ninivitas incomum ou ines perado, especialmente se a missão de Jonas coincidiu, como querWiseman,1com o período de tensão e de agitação nacionais que houvedurante os reinados de Asurdã III (772-755 a.C.) e Assur-Nirari v

(754-745 a.C.). Em terceiro lugar, o texto não dá a entender que, emdecorrência do arrependimento, os ninivitas tenham-se tomado adoradores do Senhor, o Deus de Israel. Significativamente, conquanto onome Iavé (o SENHOR) seja empregado no incidente com os marinheiros pagãos do capítulo 1, não aparece no 3. Embora os ninivitas tenham-se arrependido, não existe nenhuma indicação de que se converteram ao javismo. Além do mais, ainda que o texto descreva o arre pendimento deles como autêntico e sincero, isso não implica

necessariamente que a missão de Jonas teve efeitos prolongados sobrea população. Mesmo em Israel, o arrependimento nem sempre traziatransformação duradouros. E o que aconteceu, por exemplo, no caso deAcabe, que se arrependeu pela morte de Nabote e foi perdoado (1 Rs21.27-29). Mesmo assim ele adquiriu a reputação de ser um dos mais perversos reis de Israel (1 Rs 21.25-26).

I. Wiseman, “ Jonah’sNineveh” , p. 44-51.

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 JO NAS 4.1

c. A ira de Jonas com o livramento de Nínive (4.111)

Ao considerar a unidade do livro de Jonas, pudemos observar queesta seção corresponde intimamente a 1.17—2.10. Isso toma aindamais marcante o contraste entre a alegria de Jonas com seu próprio salvamento e sua ira com o livramento dos ninivitas. Aliás, a atituderíspida de Jonas para com Deus e os ninivitas toma-se ainda maisrepreensível quando vista em contraste com os acontecimentos doscapítulos 1  e 2 .

1. Jonas, que sai de cena na segunda metade do capítulo 3, rea parece aqui de repente. Sua reação diante do arrependimento e perdãodos ninivitas é manifesta com termos bem firmes: desgostouse Jonas extremamente} Isso estabelece um forte contraste com os comentáriosdo versículo anterior, criando o clima para a seção final do livro: emsuas atitudes diante dos penitentes ninivitas, Deus e Jonas são diametralmente opostos. Enquanto Deus se afasta de sua ira (3.9), Jonas

fica irado. Toda essa seção caracteriza-se por um profundo abismo quesepara o Senhor de Jonas.

2-3. A breve oração pronunciada por Jonas finalmente fomece omotivo pelo qual ele havia fugido de seu comissionamento divino(1.3). Já de início Jonas estava inteiramente persuadido de que suaconvocação para pregar aos habitantes de Nínive resultaria no perdão

que Deus lhes concederia: não foi isso o que eu disse, estando ainda  na minha terra?2  Sua convicção pessoal de que isso aconteceria re-

1. Uma tradução literal do hebraico é: “Foi mal para Jonas um grande mal (oucalamidade).” O mesmo tipo de construção, um acusativo cognato, aparece em1.10,16; 4.6. G. I. Davies, em “The Uses of R” Qal and the meaning of Jonah IV

1”, VT, 27 (1977), p. 105-11, rejeita a idéia de Wolff (1975), p. 38-39, de que esse

versículo se refira à “impiedade” de Jonas. Embora isso provavelmente estejacerto, ainda assim a implicação de que Jonas está agindo de maneira ímpiacontinua presente. O uso do substantivo rã ah  e do verbo correlato r3 'a ‘,  “sermal”, liga esta seção aos versículos precedentes, assim como o faz a referência àira (cf. 3.9).

2. Jonas contrasta aqui sua palavra, “ o que eu disse” (lit., “minha palavra”), com a

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 JONAS 4.23

 pousa em seu conhecimento de Deus:1és Deus clemente, e misericordioso, tardio em irar-se e grande em benignidade, e que te arrependes [“estás sempre pronto a mudar de idéia”, BLH] do mal.  Sem dúvidaessa descrição detalhada de Deus tem origem, em última instância, emÊxodo 34.6-7, “E,  passando o SENHOR  por diante dele, clamou[Moisés]: SENHOR, S e n h o r Deus compassivo, clemente e longânimo,e grande em misericórdia e fidelidade; que guarda a misericórdia emmil gerações, que perdoa a iniqüidade, a transgressão e o pecado”. Aexistência de afirmações semelhantes em outras partes do Antigo Tes

tamento (e.g., Ne 9.17; SI 86.15; 145.8; J1 2.13) indica que a descriçãode Jonas está em completa harmonia com a maneira hebraica ortodoxade perceber a Deus. Ademais, a misericórdia de Deus e sua disposiçãoem perdoar foram temas básicos da pregação do profeta Oséias, contemporâneo de Jonas (cf. Os 3.1-5; 11.1-11; 14.1-4).

Aqui, porém, Jonas tem uma atitude por demais crítica em relação a atributos divinos e os encara como lamentáveis fraquezas da

constituição divina. A força de seu sentimento é totalmente visível; eleé inflexível quanto ao fato de que não existe motivo para continuarvivendo: tira-me a vida, porque melhor me é morrer do que viver .Mais tarde, no versículo 8, ele repete esse desejo de morte. À semelhança de Elias, em 1 Reis 19.4, ele agora prefere a morte à vida.2

Tendo em mira sua experiência anterior, é irônico que Jonas agora deseje morrer por causa da natureza clemente e compassiva deDeus. Ao deparar com a morte, não se tinha ele próprio beneficiado

desses mesmos atributos (2.7-8)? E não se havia regozijado porque“do Se n h o r    vem a salvação” (2.9, ARC)? Obviamente, ele não vê aincoerência de suas próprias orações.

Conquanto as palavras de Jonas nos ofereçam um importanteindício do motivo de estar irado, em si mesmas não dão a resposta fi

do Senhor (1.1). Sua oração concentra-se em grande parte nele mesmo. Conformeassinala Wolff (1975), p. 118, os pronomes “eu” , “minha” e “me” ocorrem novevezes nos vv. 2 e 3.

1. Ao passo que o rei e seus nobres não tinham certeza quanto à maneira como Deusagiria, “quem sabe...?” (3.9), Jonas afirma com toda confiança, “[eu] sabia”.

2. Fretheim, p. 121, comenta que, enquanto Elias fica abalado com o fracasso, é osucesso de Jonas que o faz desejar a morte.

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 JONAS 4.4

nal. Ainda temos de descobrir por que o livramento dos ninivitas tantoo irritava. Para isso, precisamos examinar o restante do capítulo.

4. O desejo que Jonas tem de morrer é recebido com um silêncioquase absoluto. Com a mais curta das perguntas (três palavras em he

 braico), Deus reage:  É razoável essa tua ira?1Ironicamente, depois decondenar Deus por não se irar, Jonas é questionado a respeito de sua própria ira. Nos versículos subseqüentes, Deus reage à indignação deJonas submetendo-o ao intenso calor do clima oriental. Essetratamento assume significado especial quando se observa que o verbo

hebraico hãrãh significa não apenas “estar irado”, mas também “estarquente”.

5. Jonas não tem nada mais que dizer. Tendo manifestado sua ob jeção, ele sai da cidade em direção ao leste e encontra um local conveniente para observar o que será de Nínive.2 Ele está decidido a permanecer firme na esperança de que Deus, com o passar do tempo,reconsiderará sua posição, desferindo a retribuição sobre Nínive. En

quanto isso, para ter uma sombra na qual possa abrigar-se do calor escaldante do sol, ele constrói um abrigo improvisado de galhos e folhas,semelhante aos usados na Festa dos Tabernáculos (Lv 23.40-42). Ofato de isso ser necessário indica que devia existir uma significativafalta de sombra natural no lugar em que Jonas se instalou para sua estranha vigília. O cenário está então preparado para os versículos de 6 a11.

6. Fez o SENHOR Deus nascer uma planta  (“aboboreira”, ARC,

IBB). Tal como o grande peixe (1.17), a aboboreira recebe a incumbência divina de abrigar Jonas, propiciando-lhe um bem-vindo alívio docalor inclemente do sol. A expressão a fim de o livrar do seu descon

 forto   (lit., “para livrá-lo de seu mal [ou sua calamidade]”) pode muito

1. Chr. H. W. Brekelmans, em “Some Translation Problems”, OTS,  15 (1969), p.175-176, acha possível que essa frase deve ser traduzida por “parece que estásrealmente irado” (cf. p ib ). N o  entanto, o contexto leva a crer que Deus estáquestionando o direito que lonas tem de ficar irado.

2. Conforme dissemos, caso o autor entenda que Jonas pregou à “Grande Nínive” ,então podemos presumir que a “cidade” se refere aqui à mesma área.

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 JO NAS 4.6 

 bem conter um duplo significado. O verbo lehassil,  “livrar”, também pode ser lido como lehãsêl, “fazer sombra”; e, aparentemente é assimque os tradutores da l x x , a versão do Antigo Testamento para o grego,

entenderam a palavra. Ademais, a frase também contém o substantivorã^h , que em outros trechos de Jonas é empregado com o sentido de“aflição” ou “desgraça” (e.g., 1.8; cf. BJ, PIB) ou de “malícia” ou“impiedade” (e.g., 1.2). Conseqüentemente, é possível interpretar afrase com o sentido de “para fazer-lhe sombra contra sua aflição”,referindo-se ao sol (cf. ARA, IBB, ARC, TB, BLH, PIB) ou “para livrá-lode sua impiedade”, referindo-se à injustificada ira de Jonas (cf. Bj). Areação de Jonas à aboboreira resume-se numa frase que, traduzida literalmente, diz: “Jonas regozijou pela aboboreira um grande regozijo” ;1 seu estado de espírito transforma-se totalmente pela inesperada

 provisão divina de uma sombra. Não se pode identificar com certeza absoluta a planta com uma

aboboreira. Em todo o Antigo Testamento, o substantivo hebraicoqiqãyôn  ocorre apenas nessa passagem. B. P. Robinson, num recenteestudo sobre a interpretação desse termo,2  observa que os primeiros

tradutores do livro de Jonas adotaram um de três enfoques. O substantivo qiqãyôn era traduzido pelas palavras gregas ou latinas que designavam 1) uma aboboreira, ou 2) uma hera, ou então 3) era simplesmente transliterado, sem nenhuma tentativa de especificar a naturezada planta. No século XVI, duas outras soluções foram apresentadas: 1)

uma mamoneira e 2) uma parreira. Finalmente, por causa das dificuldades em tomo da tradução de qiqãyôn,  várias traduções modernas empregam a designação genérica planta  (ARA, BLH). Dentre essas

várias alternativas, o peso dos indícios parecem apoiar uma planta tre padeira, provavelmente um tipo de aboboreira. Quando as folhas doabrigo construído por Jonas secaram sob o sol quente, uma aboboreiraque estava subindo teria proporcionado uma nova coberta de folhas,dando-lhe renovada proteção.3  O fato de a qiqãyôn  ter sido destruída por um verme leva a crer que o caule da planta era flexível, tal como o

1. Este é mais um exemplo do uso, pelo autor, de um acusativo cognato; cf. 1.10,16;4.1.

2. B. P. Robinson, “Jonah’s Qiqayon Plant”, zaw  , 97 (1985), p. 390-403.3. Isso também explica por que Jonas exige a sombra fornecida pela planta; v.

Robinson, “Jonah’s Qiqayon Plant”, p. 397-398.

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 JO NAS 4.7 

de uma aboboreira.

7. Jonas, no entanto, não tem muito tempo para desfrutar o alíviotrazido por sua companheira verde. No alvorecer do dia seguinte, Deus prepara um verme  que ataca a aboboreira, fazendo-a secar por com pleto. Conquanto os versículos 6 e 7 tenham um início quase idêntico,eles introduzem dois aspectos opostos da natureza de Deus: sua ca pacidade de livrar e de destruir. O contraste entre esses dois aspectos éainda mais ressaltado pelo nome divino, o SENHOR,  particularmenteassociado à misericórdia e livramento, usado no versículo 6, mas nãono versículo 7.1Numa obra que sublinha a compaixão e a misericórdiadivina, a destruição da aboboreira parece estranhamente deslocada.Contudo, revela de forma impressionante que a soberania de Deus nãose restringe a atos de compaixão. Como aquele que dá a vida, ele tam

 bém tem direito de dar-lhe um fim. Ademais, a destruição da abo boreira pelo verme, os dois divinamente suscitados, simboliza a destruição futura de Israel pelos assírios. Com esse acontecimento, Deus

salienta a causa básica do antagonismo de Jonas.

8. Quando o sol se levanta, Deus envia um vento calmoso orien-tal. A mesma forma do verbo wayman, “ele indicou” (a r a , mandou) éempregada aqui, como em 1.17 (heb., 2.1), 4.6 e 4.7. Para aumentar odesconforto de Jonas, o sol  bate bem em cima de sua cabeça. A açãodo sol é descrita da mesma maneira que a do verme que destruiu aaboboreira; o verbo wattak,  “feriu”, é usado nos dois casos. Em con

seqüência, Jonas começa a desfalecer, provavelmente sofrendo de insolação. Tudo isso é demais para ele, e, como Elias sob o zimbro,expressa o desejo de morrer.2 As palavras finais do versículo são idênticas às do final do versículo 3. Significativamente, embora o estado deespírito de Jonas nos versículos 3 e 8 seja parecido, fatores bem diferentes são responsáveis por isso. Enquanto no versículo 3 ele questionao direito divino de livrar, aqui ele desafia o direito divino de destruir.

1. Uma distribuição comparável dos nomes divinos “Deus” e “ Senhor ” aparece emGn 22. Cf. Kidner, “Distribution”, p. 77-87; Magonet, p. 33-38.

2. 1 Rs 19.4. A mesma expressão, wayyis 'al 'eLnap$ô tãmüt, “ele desejou morrer”,aparece em ambas as passagens.

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 JONAS 4.1011

9. O que ocorreu na primeira parte do capítulo, quando Deus recebeu com uma pergunta o pedido de Jonas, que desejava morrer, tam

 bém ocorre aqui. De fato, exceto por algumas variações de menorimportância,1em hebraico as palavras são idênticas às do versículo 4:

 Então perguntou Deus a Jonas: E razoável essa tua ira por causa da  planta?  Novamente a narrativa salienta o tema da ira.

 No entanto, embora Jonas tenha permanecido calado na primeiravez em que Deus o interrogou acerca de sua ira (cf. v. 5), dessa vez eleresponde de maneira bem direta: “E claro que tenho razão para estar

com raiva e, com tanta raiva, que até quero morrer!” (BLH). Jonas nãosuporta mais. Embora ele tenha oferecido a Deus a oportunidade de reverter sua decisão acerca do futuro dos ninivitas, Deus apenas demonstra quão absurdo e incompreensível ele realmente é. Seu comportamento é totalmente incoerente. Num instante traz conforto, no momento seguinte traz destruição. Jonas não consegue ver uma lógica emtudo isso; não consegue entender os caminhos de Deus. Se Deus temde agir de forma tão perversa, então Jonas não vê motivo algum paracontinuar vivendo; ele preferia estar morto.

10-11. A palavra final, contudo, é do Senhor. Contrastando a atitude de Jonas diante da aboboreira com sua atitude para com os ninivitas, Deus aponta onde está o verdadeiro absurdo. Jonas é tomado decompaixão para com uma simples planta, mas continua insensível paracom toda a população de uma cidade. Ele demonstra preocupação com

um pequeno elemento da criação de Deus, porém não consegue se im portar com um enorme grupo de pessoas que tal como o próprio Jonas,foram criadas à imagem de Deus. A incoerência não se encontra emDeus, mas em Jonas.

Além do mais, ao contrário do que Jonas imagina, Deus enfatizaque os ninivitas não podem ser considerados totalmente responsáveis por seus atos perversos. Falta-lhes percepção moral. A oração que não 

 sabem discernir entre a mão direita e a mão esquerda não designa crianças, como querem muitos comentaristas. Ao contrário, como ob-

1. O nom e divino “ Se n h o r  ”   é substituído por “Deus”, e se faz referência específica

à aboboreira.

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 JO NAS 4.1011

serva Wiseman, ela diz respeito à capacidade dos indivíduos de fazerem juízos morais.1 Finalmente, caso Jonas ainda careça de com

 paixão pelos 120 000 habitantes de Nínive, Deus lembra-o dos muitos animais.  Mesmo que Jonas não se importe com as pessoas, talvez,Deus insinua, ele tenha alguma compaixão pelos animais da cidade.

Os versículos finais do livro claramente destacam o direito divinode destruir ou livrar. Para Jonas, o problema de Deus perdoar Nínivenão se encontra tanto na impiedade das pessoas da cidade, embora, obviamente, esse fator esteja relacionado, mas, sim, no fato de que elas

serão responsáveis pela destruição de Israel. Como Deus pode permitirque isso aconteça? Esse era o verdadeiro dilema diante de Jonas.É muito fácil entender sua reação quando relembramos que, de

acordo com 2 Reis 14.25, Jonas profetizou que as fronteiras de Israelseriam expandidas durante o reinado de Jeroboão II. Tendo agido em

 benefício de Israel, ele agora se vê na condição de cúmplice involuntário de sua destruição futura.

Com base nessas observações, a destruição da aboboreira assumesignificado especial. Nessa ação, que simboliza o destino de Israel,Deus demonstra que, sendo a fonte da vida, ele também tem o direitode tirá-la. Tal como o capitão (1.6) e seus marinheiros (1.14), e o rei eseus nobres (3.9), Jonas se vê forçado a reconhecer a absoluta soberania de Deus. Em última instância, o Senhor é livre para agir como lheagrada (cf. Mt 20.1-16). “Do SENHOR vem a salvação.”

1. Wiseman, “Jonah’s Nineveh” , p. 39-40; veja a “Introdução” .

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MIQUEIAS

Ríchard Julius Sturz, Th.M., D.D. ExProfessor Titular do Depto. de Teologia, História e Filosofia 

da Faculdade Teológica Batista de São Paulo

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PREFÁCIO DO AUTOR 

À semelhança de Amós, Miquéias surge do nada. Suas origens eformação religiosa são praticamente desconhecidas. Sua mensagem, porém, revela um profundo conhecimento de Deus e das exigênciasque ele faz a seu povo.

Ao contrário de Isaías e Jeremias, que se encontravam freqüentemente na corte em Jerusalém e na presença do rei, Miquéias não tinhaligação alguma com os líderes civis de Judá, muito menos com o rei.Todavia, sua mensagem dirige-se aos pecados deles e aos líderes religiosos que lhes davam cobertura. É exatamente a ausência de elementos específicos locais quanto a nomes e lugares que dá à profeciade Miquéias as qualidades que a tomam importante e aplicável nosnossos dias.

Miquéias proclamou sua mensagem em alto e bom som num período de rápidas transformações sociais, num momento em queocorriam profundas alterações na estrutura econômica de Judá. Estavasurgindo uma nova classe de comerciantes e proprietários de terras,que lançavam mão de expedientes legais para enriquecer à custa dosque haviam sido tirados das áreas rurais e assentados nas zonas urbanas. Tanto os líderes civis quanto os religiosos haviam-se unido a essa

classe de novos ricos para obter o que pudessem para si mesmos.Miquéias, entretanto, não se dirige unicamente às mazelas so

ciais. Pelo contrário, ele é holístico. A essência de sua mensagem é queesses pecados sociais são cometidos contra Deus e contra sua lei revelada. De imediato ele rejeita a alegação dos líderes de que o bem-estareconômico era prova de que Deus os estava abençoando e de que seagradava deles. Não! Deus os julgará com severidade por terem vol

tado as costas a ele. Os pecados sociais que cometem são meros sinaisde que rejeitaram o Senhor.A profecia de Miquéias é particularmente importante para nós,

como povo de Deus, por nos permitir fazer uma análise profunda de

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 PREFÁCIO DO A UTOR

nós mesmos e de nossa relação com Deus. Ela nos auxilia a avaliar

melhor se estamos ou não agradando a ele. A abordagem de Miquéiasajuda-nos a enxergar através da interpretação superficial da nossaigreja a nossa realidade e o nosso ser diante de Deus. Possa Deus usarde misericórdia para conosco!

 Richard J. Sturz 

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INTRODUÇÃO

I. ÉPOCA, AUTORIA E DATA

a. Época e finalidade

Miquéias é um profeta atual. Embora escrita há tanto tempo, sua

mensagem pode ser aplicada às condições sociorreligiosas em que nosachamos hoje. Tanto assim, que Maillot e Lelièvre intitularam o seucomentário Actualité de Michée1. Naturalmente, não trata dos problemas específicos do mundo moderno. É, contudo, surpreendente comosua crítica incisiva do mundo da época ajusta-se ao mundo em quevivemos.

A profecia de Miquéias foi escrita numa época de muitas

mudanças na Palestina. Essas mudanças causavam grande agitação nasociedade israelita. Os três inimigos tradicionais de Israel (a Assíria, aBabilônia e o Egito) estavam num momento de declínio. O Reino do

 Norte já ultrapassara o ponto máximo de importância política sob oreinado de Jeroboão II. E então, na gestão de Azarias, Judá começava aassumir o papel de potência econômica. O grande reavivamento religioso de Ezequias explodiu nesse mesmo período em que crescia aimportância econômica de Judá. Por conseguinte, era um período de

 profundas mudanças sociais. A população rural migrava paraJerusalém em busca de estabilidade econômica. Essas pessoas, em vezde achá-la, no entanto, eram exploradas por uma crescente classe denovos ricos. E, com o tempo, perdiam casas e terras. Era um momentode grande interesse religioso para com Deus e de ainda maior opressãodos desamparados.

Miquéias censura fortemente, em nome de Iavé, um reavivamentoque cunpria apenas o aspecto cerimonial da lei e permitia que os par

1. A. Maillot e A. Lelièvre,  Actualité de Michée  — un grand “petit prophète". [Publicado em português pelas Edições Paulinas, em 1980, com o título

 Atualidade de Miquéias.]

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 INTRODUÇÃO

ticipantes oprimissem o seu próprio povo. Ele lembra a Judá que aaliança exigia mais que meras práticas religiosas.

 Nada obstante, Miquéias jamais lançou um apelo, convidando-osa mudar. Por estranho que pareça, jamais exigiu que os ouvintes se“arrependessem”. A possibilidade devia estar presente. Se não, porque os atacaria com figuras de linguagem que exigem uma reação? Noentanto, mostra-se pessimista com a possibilidade. “As feridas são incuráveis”, diz ele (1.9). No fim, a graça de Deus é manifesta. A fidelidade e a benignidade de Deus superam seu pessimismo (7.18-20). Suaesperança está calcada exatamente no caráter de Deus. A graça será

derramada, mas Miquéias sabe que primeiro virá o juízo.

b. Miquéias, o profeta

1. O homem.  Quase nada se conhece de Miquéias, senão aquiloque se deduz do que se registra em sua profecia. Ainda assim, não erade todo desconhecido. Mais de cem anos após seu ministério, na épocade Ezequias, é citado por Jeremias (Jr 26.18-19). O modo pelo qual sefaz a citação pressupõe que as autoridades civis da época conheciamMiquéias e seu ministério, assim como o teor de sua mensagem. Onome Miquéias devia ser relativamente corriqueiro. Há mais nove pessoas na Bíblia com esse nome.

Em 1.1 somos informados de que ele nasceu em Moresete, cidade judaica cuja localização permanece incógnita. Acredita-se que estivesse situada a uns 30 km a sudoeste de Jerusalém, relativamente

 próxima à cidade filistéia de Gate. Embora a lista de pequenas cidadesfornecidas em 1.10-15 talvez tenha sido incluída apenas em razão do

 jogo de palavras desenvolvido por Miquéias (cf. o comentário in loco), é bem possível que seja essa a região em que foi criado. Todas as cidades parecem situar-se na região entre Gate e Laquis, para o sul.

O autor do livro de Miquéias era contemporâneo de Isaías e, àsemelhança deste, exerceu o ministério em Jerusalém sob as gestões de

Jotão, Acaz e Ezequias. Isso se comprova não apenas nos versículosintrodutórios de cada um desses livros (Mq. 1.1; Is 1.1), mas também

 pelo teor de suas mensagens. O único problema que se poderialevantar quanto a essa relação gira em tomo da última parte de Isaías(40-66). Analisando as duas profecias, observa-se que cada um trata o

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 M1QUÉ1AS 

assunto a sua maneira, mas percebe-se que ambos versam sobre osmesmos problemas e o mesmo povo. Veremos mais adiante que o

ministério de Miquéias restringiu-se quase totalmente ao período deEzequias.

2. A autoria. Tem-se questionado a legitimidade de Miquéias 1.1,uma vez que se trata do único versículo em toda a profecia não escritoem forma poética. Entretanto, não se procurou identificar nenhumaoutra pessoa como seu autor, sobretudo porque Jeremias faz referência

a Miquéias pelo nome, cita tanto Miquéias 1.1 quanto 3.12 e afirmaque este profetizou nos dias de Ezequias (Jr 26.18). Levantam-se duasquestões quanto à autoria do livro. A primeira diz respeito a quanto da profecia realmente pertence a Miquéias. Em relação a isso, os comentários mais antigos e críticos consideram Miquéias totalmente pessimista e, portanto, só lhe atribuem os capítulos de 1 a 3, eliminando2.12-13. Autores mais recentes, como Mays, estão mais inclinados aver as duas mensagens em Miquéias: uma mensagem melancólica,

 profetizando juízo para os opressores, e uma animadora, para osoprimidos.1

A segunda questão está ligada ao problema de edição do texto.Sem questionar a autoria geral de Miquéias, alguns crêem que o livrotenha sido editado por outras pessoas depois de sua época. Entre elesestá Allen, que situa a última edição no período pós-exílico, quase 200anos após a época de Miquéias.2 Seu raciocínio é que os indícios in

ternos, sobretudo o de 7.8-20, exige esse veredicto. Nem tanto. O trecho é difícil (cf. comentário in loco), mas não é impossível entendê-lodentro da estrutura do século viu. Nem se toma muito mais fácil se oSitz in Leben for o século VI.

É bem possível que a edição, no sentido de coligir e ordenar osfragmentos, tenha ocorrido durante a vida do profeta ou logo após suamorte. Ele mesmo pode ter executado o trabalho ou supervisionado o

1. Assim também J. M. P. Smith, Uicah et al.,  in:  ICC,  p. 21-26, 67, 82. Paraconservar Miquéias como o profeta “sombrio” nos capítulos de 1 a 3 como umtodo, J. L. Mays ( Micah in The OT Library Series,  p. 75-76) interpreta essesversículos como uma referência à ida para o exílio, nâo ao retomo.

2.  L. C. Allen, The Books of Joel, Obadiah, Jonah and Micah, p. 250-253.

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 INTRODUÇÃO

 processo. Não há absolutamente nenhuma prova de peso que faça crerque tenha sido efetuada mais tarde por alguém avesso ao seu pensamento. Esse tipo de trabalho está implícito na pressuposição de que a profecia se compõe de fragmentos de muitas mensagens proferidas aolongo dos anos de ministério de Miquéias. Na seção que trata da estrutura (p. 168), desenvolve-se o conceito de que a profecia não se constitui de cinco ou sete mensagens longas, senão de 15 curtas, ou mais,entrelaçadas.

3. A mensagem. Vivendo na mesma época de Isaías, as preocu

 pações de ambos são bastante semelhantes. Contudo, há diferenças.Isaías, sendo de família real, tinha acesso fácil e constante ao palácio.Sua perspectiva é do interior dos corredores do poder. Miquéias parecerefletir sua educação rural. Não se sente à vontade na cidade. Seus antecedentes rurais são testemunhados pela referência às 10 pequenas cidades a sudoeste de Jerusalém. São tão pequenas que 6 delas nem semencionam em outro lugar da Bíblia. Nenhuma das 10 é mencionada

 por Isaías. Mas seu mal-estar em relação à cidade de Jerusalém não éuma simples nostalgia inocente. Mescla-se com uma posição rígidacontra a violência perpetrada aos pobres e fracos. Ambas se baseiamnuma profunda compreensão do caráter de Deus. Essas duas particularidades, o desconforto em relação à cidade e a energética condenaçãoda violência, conferem à profecia de Miquéias um sabor peculiar.

A condenação do pecado público é o ponto-chave que Miquéias

apresenta para fazer a distinção entre sua mensagem e a dos falsos profetas de sua época (3.8). Por outro lado, certos aspectos estimados porestes estão ausentes do ministério daquele: e.g., a adivinhação (3.6), asvisões extáticas (3.7) e o recebimento de dinheiro em troca de palavras proféticas (3.5,11). Sua mensagem é penetrante, destaca 3 virtudes(6.8) e exige que se ande com Deus (4.5). A reação de Miquéias dianteda profecia por si mesmo proferida da realidade de sua época é claramente manifesta em 2.7 e em 7.1-7, bem como em seu arroubo de louvor em 7.18-20.

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 MIQUÉIAS 

1. Os parâmetros. Onde e o que Miquéias profetizou? Conquantosomente se mencionem os reis de Judá, o primeiro capítulo abrange oReino do Norte na palavra contra a idolatria das duas capitais:Jerusalém e Samaria. Além disso, menciona Onri e Acabe (6.16; cf. ocomentário in loco).  Não obstante, claro está que o interesse deMiquéias, como o de Isaías, recai principalmente sobre o Reino do Sul.E isso indica sem dúvida que a profecia foi entregue ou por volta da

queda de Samaria, em 722 a.C., ou depois dela.O versículo de abertura (1.1) estabelece o período geral do mi

nistério de Miquéias, afirmando que abrange os dias de Jotão, Acaz eEzequias, reis de Judá. Embora Miquéias fale de Onri e de Acabe(6.16), o contexto mostra que os dois não mais reinavam em Samaria.Ademais, as datas apresentadas não correspondem absolutamente anenhum dos três reis de Judá mencionados em 1.1. Em rigor, gover

naram uns cem anos antes do primeiro deles.Se Miquéias profetizou durante a totalidade dos reinados de

Jotão, de Acaz e de Ezequias, seu ministério pode ter durado 61 anos(2 Rs 15.33; 16.2; 18.2). A cronologia dos reis de Judá durante esse período é complicada, entretanto, por uma série de co-regências quereduzem consideravelmente o número de anos abrangidos. Não cabeaqui fazer uma análise extensa da cronologia do século VII.1 Pre

cisamos, contudo, chamar a atenção para o fato de não podermos sim plesmente somar todos os anos de cada um desses reis e concluir queMiquéias tenha profetizado ao longo de todos eles.

2. A época exata do ministério de Miquéias. Há vários elementosque nos ajudam a localizar a época com mais precisão. Em primeirolugar, os reinados de Jotão, Acaz e Ezequias sobrepõem-se. Aliás, osdois primeiros sobrepõem-se nos dois extremos. Jotão reinou junto

c. A data

I. E. R. Thiele,  A Chronology o f the Hebrew Kings. Veja o artigo breve, porém maisrecente, sobre “Chronology of the o t ”, de J. N. Oswald, na nova i s b e , preparada por Bromily (Grand Rapids: Eerdmans, 1990), v. I, p. 673-685.

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 INTRODUÇÃO

com Azarias durante aproximadamente oito anos; Acaz, por quatroanos com Jotão; Ezequias, também por quase quatro anos com Acaz. Acronologia comparada dos dois reinos seria a seguinte:

Judá Israel

Azarias 793-742 a.C. Jeroboão II 792-752 a.C.Zacarias 6 mesesSalum 1 mês

Jotão 750-736 a.C. Manaém 752-742 a.C.Pecai as 742-740 a.C.Peca 748-730 a.C.

Acaz 738-722 a.C. Oséias 730-722 a.C.Ezequias 724-693 a.C.

Quanto ao gráfico acima, deve-se lembrar que, na cronologia do

Antigo Testamento, as frações de anos são normalmente arredondadase apresentadas como anos inteiros. No caso de Israel, o ponto final é aqueda de Samaria em 722 a.C. Embora 2 Crônicas 29.3 mostre que ogrande reavivamento se deu no primeiro ano do reinado de Ezequias, édifícil que seja esse o início de seu reinado. A solução está no reconhecimento de que ele foi co-regente durante os últimos anos do reinado de Acaz, seu pai. A lista dos três reis em 1.1 excluiria qualquer

co-regência da parte de Jotão com seu pai, Azarias, uma vez que estetambém seria citado, caso seu reinado estivesse incluso. Levando emconta esses dados, a duração do ministério de Miquéias fica reduzidade 61 para no máximo 42 anos.

Em segundo lugar, uma análise mais cuidadosa do ministério deMiquéias não revela nenhum trecho ligado especificamente à época deJotão. Somente o primeiro capítulo de Miquéias trata do problema daidolatria em si, devendo ser datado no reinado de Acaz. Essa profecia

 pode estar ligada à época em que Acaz era co-regente com seu pai,Jotão. Por outro lado, mesmo que não haja resquícios proféticos daépoca em que Jotão era o rei, esse fato não elimina a possibilidade de oministério de Miquéias ter-se iniciado nesse período.

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 MIQUÉIAS 

Em terceiro lugar, há um fator importante que nos possibilitadatar a maior parte da profecia de Miquéias. Trata-se do tremendoreavivamento espiritual ocorrido no primeiro ano em que Ezequias rei

nou sozinho (2 Rs 18.1-6; 2 Cr 29-31). Ezequias rompeu por completo,não apenas com a adoração aos deuses sírios importados por seus pais,mas também com todos os rituais tradicionais que haviam permeado avida e a prática de Judá por mais de 200 anos. O reavivamento acom panhou-se da celebração da Páscoa. Ezequias convidou os israelitas doReino do Norte que haviam sobrevivido à queda de Samaria a partici parem dessa celebração (2 Cr 30.6). Assim, a data exata do reavivamento sob Ezequias é 722 a.C.

Por fim, além de romper com as formas cultural-religiosas doscananeus, Ezequias introduziu um retomo à lei mosaica. Com um sógolpe, destruiu a idolatria e restaurou a guarda da lei cerimonial. Aanálise da profecia de Miquéias revela uma surpreendente característica que o reavivamento de Ezequias ajuda a esclarecer. Todo o primeiro capítulo lida com o pecado da idolatria e promete queSamaria e Jerusalém serão levadas ao cativeiro em decorrência dele.

Do capítulo 2 em diante, porém, o pecado em questão é o da violênciasocial. Pouco se fala de idolatria. E o pouco que aparece (e.g., 5.13-14)

 pode, muito bem, referir-se a focos secundários de idolatria que tenham restado nos anos após a reforma. Parece claro que grande parteda profecia de Miquéias (caps. 2—7) foi proferida após o reavivamento nos primeiros anos do reinado de Ezequias.

3. Outras provas. A conclusão de que grande parte da profecia deMiquéias ocorreu após 722 a.C. confirma-se por vários fatores.Primeiro: a reação das pessoas ante as profecias de que seriam castigadas por Deus. Dizem: “a desgraça não cairá sobre nós” e “Está irritado o Espírito do SENHOR?” (2.6-7). E mais adiante: “Não está oSENHOR no meio de nóis? Nenhum mal nos sobrevirá” (3.11). Nãoconseguem crer que Miejüéias tenha uma palavra de Deus contra eles.Tal reação só se concebe em meio a um grande reavivamento re

ligioso.Outro fator de comprovação é o uso que Miquéias faz dos nomes“Jacó” e “Israel”. No primeiro capítulo, referem-se, naturalmente, aoReino do Norte. Depois, no entanto, são usados apenas para Judá.Aliás, após o capítulo 1, não há absolutamente nenhuma referência ao

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 INTRODUÇÃO

Reino do Norte. Esses fatores claramente implicam uma data após 722a.C. para a maior parte dessa profecia. O comentário que se segue foiescrito a partir dessa perspectiva.

Assim, a data mais recuada para Miquéias 2-7 seria 722. Os quedefendem a data de 701 a.C. relacionam a ocasião da profecia à invasão promovida por Senaqueribe em 701 a.C.. A invasão foi dis parada em 703 a.C. por uma coligação contra a Assíria. A coligaçãofoi comandada pelo Egito e completada por Judá, bem como pelosfilisteus e pelos fenícios. Montefiore acredita que foram os resultadosalarmantes dessa guerra que levaram Ezequias a fazer a reforma re

ligiosa.1 Obviamente, essa opinião vai de encontro aos trechos clarosque afirmam ter a reforma ocorrido no início do reinado de Ezequias.Além disso o material de Miquéias não deve ser relacionado com a invasão de Senaqueribe. Só pode ser facilmente relacionado à de Sargãona época da queda de Samaria.

Resta um problema, uma vez que a referência de Jeremias eMiquéias (Jr 26.18-19) parece implicar que a profecia registrada em

3.12 iniciou a reforma de Ezequias. A bem da verdade, Jeremias estáressaltando a reação positiva de Ezequias e do povo, frente a uma profecia que prometia destruição total. Ele destaca Miquéias 3.12 porquecorresponde muito de perto à sua própria mensagem contra Jerusalém.Além disso, as mensagens registradas de Miquéias são curtas e vigorosas. Como quer Pusey, é bem possível que Miquéias as tenharepetido inúmeras vezes.2

II. O CONTEXTO HISTÓRICO DA PROFECIA

a. Assíria e Judá

Miquéias é um profeta melancólico. Para ele os céus são escuros,carregados de densas nuvens. No seu entender, Judá não escapará do

 juízo divino que está prestes a acontecer (1.9). Dos três primeiros

1. The Origin and. Growth o f Religion as Illustrated by the Religion o f the Ancient   Hebrews, p. 11, 163. Também C. F. Kent in: The Kings and Prophets o f Israel and   Judah, p. 165-169.

2. E. B. Pusey, The Minor Prophets, v.U p. 8.

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 MIQUÉIAS 

capítulos, apenas o final do segundo traz um sinal de esperança. De pois disso, a esperança de salvação de um remanescente mescla-se à

certeza da destruição iminente da nação. LaSor já afirmou que a basedo juízo retratado em Miquéias 1.2—2.11 talvez sejam as invasõesassírias que devastaram a Palestina na segunda metade do século VIII

a.C.1Assim Miquéias faz referência à certeza das invasões por partedos assírios (5.5-6). Os parágrafos seguintes fornecem um brevehistórico das relações entre Judá e Assíria, mostrando quantas vezesaquele foi subjugado por esta.

O eclipse da Assíria de 810 a 745 a.C. deu lugar para a quase incontestada expansão político-econômica de Israel sob o reinado deJeroboão I. Tudo isso muda quando Pul, o general assírio, ascende aotrono em 745 e adota o nome de Tiglate-Pileser III. Ele coleta tributode Rezim (Sírio) e de Menaém (Israel) em 742 a.C. (2 Rs 15.19-20).Quatro anos mais tarde, invade o oeste. Conquista o território transjor-daniano de Israel e deporta os habitantes para a Assíria (2 Rs 15.29-30). Também esmaga a coligação política comandada por Azarias, rei

de Judá. Com o enfraquecimento de Israel e de Judá, a Síria começa aganhar hegemonia na Palestina. Acaz solicita a ajuda da Assíria.Tiglate-Pileser retoma ao oeste em 734 e conquista Damasco em 732.Para evitar uma conquista assíria, Judá aceita o papel de vassalo, pagando tributos à Assíria (2 Rs 16.5-18)2. Tiglate-Pileser também fazIsrael pagar por sua ajuda contra a Síria e, sem dúvida, toma parte naconspiração de Oséias contra Peca (2 Rs 15.30)3.

Após a morte de Tiglate-Pilser, em 727 a.C., seu filho Salmane-scr reinou cinco anos. Quase imediatamente, tanto Oséias quanto Sô(faraó do Egito) recusaram-se a continuar pagando tributo. Em 724a.C., Salmaneser marchou em direção ao oeste e sitiou Samaria. Esseccrco durou três anos (2 Rs 17.3-6; 18.9-11). Antes da queda da cidade, no entanto, o rei Salmaneser foi assassinado. Um de seus generais, que levou o nome de Sargão 11,  ascendeu ao trono. Este pre

cisou correr de volta a Nínive para garantir o trono. Porém não tão

I. W. S. LaSor et al., OT  Survey, p. 361. }„  11. R. Hall,  História Antiga do Oriente Próximo, p. 453-456.t. M. Unger, Archaelogy and the OT  (Grand Rapids: Zondervan, 1954), p. 258.

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 INTRODUÇÃO

rápido, já que aproveitou o tempo para levar consigo 27 290 cativos deSamaria1.

Ezequias diferenciava-se muito do seu pai, uma vez que tentou“muitas vezes” livrar-se do julgo assírio. A. Lods lembra-nos de queMerodaque-Baladã assumiu o trono da Babilônia em 721 a.C. e,naquela época, enviou um embaixador a Ezequias (2 Rs 20.12-19)2.Com base em 2 Reis 18.8 e em 2 Crônicas 32, Unger observa mais essas medidas tomadas por Ezequias:

- voltou-se para Iavé (2 Cr 29.1—30.27);- restabeleceu o controle de Judá sobre as cidades da planície

filistéia (2 Rs 18.8);- deu início a um plano nacional de defesa (2 Cr 32.5-7);- desenvolveu a agricultura e o comércio, construindo um es

tratégico sistema de abastecimento de água (2 Cr 32.28-30)3.Em 714 a.C., na Palestina, houve uma revolta geral contra o re

gime assírio. Sargão marchou novamente em direção ao oeste e até711 a.C. havia reconquistado Laquis e Asdode (Is 20.1), bem como

outras cidades filistéias. Com a morte de Sargão em 705 a.C., seu filhoSenaqueribe foi entronado e reinou até 681 a.C.. Ezequias rebelou-secontra a Assíria, e Senaqueribe começou sua grande campanha ocidental em 701 a.C. Ele devastou o território e destruiu as cidades de Judá,mas não tomou Jerusalém (2 Rs 18.3—19.37). Não há provas suficientes que confirmem a tese de Hall de uma campanha posterior ao oesteem 686 ou 687 a.C. em que Senaqueribe teria tomado Libna. Dequalquer maneira, o próprio Hall reconhece que Ezequias não par

ticipou disso4. Dentro do que era humanamente possível de acordocom seus recursos, Ezequias estava pronto para a furia dos assírios.

b. A situação política de Judá

1.  A estrutura política.  Judá era uma monarquia absolutista talcomo todos os reinos da época de Miquéias. Abaixo do rei, o país era

1. Hall, op. cit., p. 462-463.2.  Les Prophètes d'Israël et les Débuts du Judaisme, p. 30.3. Op. cit., p. 265.4. Op. cit., p. 479.

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 MIQUÉIAS 

administrado por príncipes, autoridades hereditárias das tribos e dosclãs. Miquéias chama esses príncipes “cabeças” e “chefes” (3.1).

 Nessa condição, a obrigação deles era conhecer e exercer a justiça

(mishpãt).  Ora, essa dúplice função encerrava não apenas o conhecimento da lei, mas também a correta administração dela. Era amesma função exercida por Moisés (Êx 18.13) e pelos juizes no decorrer da história de Israel. O uso de “chefes” (qãsín é termo militar) em3.1 nos faz lembrar de que, como os juizes do passado, eles eram chefes militares e também árbitros de justiça. Miquéias acusa tais autoridades de usar esse conhecimento para destruir os indefesos a favor dos

que lhes subornavam (3.9-11).A tribo sacerdotal (de Levi) também tomava parte do governo

 político sobre Judá. Naquela época nada havia que se assemelha-se à“ separação entre igreja e estado” como há hoje. A adoração ficava soba autoridade do rei, ainda que os sacerdotes fossem os responsáveis pelas práticas cerimoniais. Jeroboão I já havia introduzido os bezerrosde ouro e todo um calendário de festividades religiosas (1 Rs 12.26-

33). Apenas alguns anos antes de Ezequias começar seu reinado exclusivo, seu pai, Acaz introduzira um altar visto em Damasco1, mudandoradicalmente o padrão de adoração (1 Rs 16.7-18). Esse foi um dos fatores que fizeram com que a reforma de Ezequias fosse um acontecimento de tamanha monta na história de Judá. E importante notar queMiquéias menciona apenas uma vez os sacerdotes, fato que ajuda a demonstrar que as palavras duras de sua profecia não lhes foram dirigidas. Nessa menção, informa que estavam usando indevidamente a res ponsabilidade de ensinar ao povo (3.11). Poderia parecer que a situação em seus dias era semelhante à que ocorrera em Israel na época deOséias. Oséias acusou os sacerdotes de serem responsáveis pela destruição do povo por não lhe ter ensinado a lei (Os 4.6-9). Um dosmales que Deus prometeu infligir sobre Judá em virtude do pecado é atotal ausência de pessoas instruídas (2.5).

I. Pelo texto de 1 Reis, nâo se sabe ao certo o altar que Acaz copiou. Conquanto otenha visto em Damasco, naquela época estava em guerra com o sírios, tendo ido para a capital síria pagar tributo a Tiglate-Pileser. Assim, é mais provável quetenha copiado um altar sírio.

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 INTRODUÇÃO

A terceira classe de autoridades civis era a dos profetas. Enquantoos cargos de príncipe e de sacerdote eram hereditários, o de profeta de

 pendia de um “chamado” da parte de Deus. Mas, uma vez reconheci

dos como profetas, muitos viviam à custa da generosidade dos ricos edos poderosos. Uns 400 deles comiam da mesa de Jezabel (1 Rs18.19)! Miquéias acusa os de sua época de moldar a mensagem aos desejos de seus mantenedores (2.11; 3.5). Em rigor, haviam-se tomadoadivinhadores em troca do pão de cada dia (3.11). Não obstante, os

 profetas de fato exerciam importante papel. O objetivo deles era formar o vínculo com o Deus que se revelava e, conseqüentemente, au

tenticar os ministérios hereditários. Miquéias distingue-se dos falsos profetas da época pela importância que dava à natureza de seu ministério: “declarar a Jacó a sua transgressão e a Israel o seu pecado”(3.8).

2.  A situação socioeconômica.  “Era uma época a um só tempo boa e ruim” . Para alguns, Judá estava no clímax do crescimento

econômico e do poder político. Aproveitava-se do eclipse político deseus adversários naturais: Israel, Síria, Babilônia e Egito. A Assíriaestava ocupada em outra parte. Dinheiro e bens jorravam em Judá.Uma classe de novos ricos, não formada pelos governantes hereditários de Judá, achava-se em rápido crescimento nessa cidade da antiguidade. O pequeno proprietário desaparecia à medida que esses novos ricos acumulavam grandes latifúndios.' A proporção que essa novaclasse monetária crescia em poder, dobrava as autoridades tradicionaissegundo sua vontade (2.1; 3.11). Mas essa vontade não era exercida

 principalmente contra os governantes da época. A preocupação maiorera controlar as possessões e as casas que, por herança, pertencia aos pobres (2.2).

Mas se, para os novos ricos, tratava-se da melhor das épocas, eraa pior delas para os pobres. Era um período de rápidas transformaçõeseconômicas, nas quais um estilo de vida que sempre existira até então

estava sendo repentinamente tragado pelo desconhecido. A proporção

1. A. Lods, Israel, des Origines au Milieu du  ville Siècle, p. 462.

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 MIQUÉ1AS 

que as pessoas abandonavam suas casas no campo em busca da possi bilidade de ganho na cidade, descobriam que, a fim de sobreviver, pre

cisavam vender corpo e alma para a nova classe voraz (2.8-9). Os queresistiam e recorriam à justiça nos tribunais descobriam-se incapazesde competir com os novos ricos (7.3).

 Nessa agitação socioeconômica, encontramos uma reação diferente da encontrada no século XX. Nossa reação natural é de tentarmudar a situação pela força, usando métodos quer legais, quer revolucionários. Miquéias está demasiadamente impressionado com a sobe

rania de Deus para apresentar esses caminhos. O pecado volta-se essencialmente contra Deus e contra a sua lei; o julgamento virá do próprio Deus. Ele também difere de nós porque percebe claramenteque o pecado dos fracos e indefesos é uma das causas de sua situaçãodifícil. Nós, por outro lado, estamos por demais convencidos dainocência dos oprimidos. A verdade é que, ao contrário de Miquéias,não levamos a sério a universalidade do pecado original.

3.  A reforma de Ezequias. O cenário dessa reforma não era muito propício. Quanto ao Reino do Norte, todos os reis haviam sido considerados “perversos” pelos profetas anteriores (os livros de Samuel ede Reis). No mínimo, seguiam o pecado de Jeroboão I, que introduziuem Israel a adoração do bezerro de ouro. Alguns eram piores, por levaro povo a adorar Baal, o deus dos fenícios. Nas tribos do sul, metadedos reis antes de Ezequias foi considerada “boa” por esses mesmos

 profetas porque tentaram trazer o povo de volta à adoração de Iavé. Noentanto, contra os bons, registra-se que “não removeram os altos” . Assim, suas reformas eram parciais e ineficazes. Uma vez que não erradicaram a adoração popular dos deuses cananeus, era fácil para os reis“perversos” que se seguiam, abandonar Iavé, voltando-se para a idolatria. Pode-se fazer uma comparação com o modo pelo qual a IgrejaCatólica Romana no Brasil resistiu durante séculos aos avanços sincre-

tistas das crenças e práticas religiosas africanas, mas jamais as erradicou. Com a teologia da libertação, surge agora uma inclinação paraque esses conceitos subcristãos sejam absolvidos.

Ezequias é separado, mesmo dos outros cinco reis que adoravamIavé. O profeta registra que nenhum dos reis de Judá, antes ou depois

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 INTRODUÇÃO

dele, confiaram em Iavé como ele (2 Rs 18.5). Sua reforma resume-senessas frases: “Porque se apegou ao SENHOR, não deixou de segui-lo,e guardou os mandamentos que o Se n h o r    ordenará a Moisés. Assimfoi o SENHOR com ele...” (2 Rs 18.6-7). O autor de Crônicas (29—31)aprofunda-se muito mais nos pormenores da reforma de Ezequias,dando especial destaque à restauração do templo, à celebração daPáscoa e ao estabelecimento do calendário cerimonial. Ezequias teve ocuidado de obter a participação de todo o povo nesse movimento de reforma. Os príncipes participavam da consagração do templo (2 Cr29.30-31), e toda a população, da celebração da Páscoa (30.1-2,13,25).

O resultado foi um movimento popular para destruir os ídolos dos altos (31.1).

Mesmo assim, a reforma de Ezequias não foi um êxito absoluto.De um lado, não erradicou totalmente a idolatria do povo. Isso se vê pela facilidade com que o filho de Manassés não apenas a reinstituiu,mas foi muito além do que Acaz havia feito (33.1-10). De outro, está acrítica constante de Miquéias contra a opressão dos indefesos. A re

forma atingiu apenas os aspectos religioso-cerimoniais da lei mosaica.Os aspectos da justiça social, que fazem parte dessa lei, foram, ao que parece, desconsiderados. Veja o comentário, especialmente sobre oscapítulos 2 e 3. Kent, que data a reforma em 701 a.C., quando o ministério de Miquéias estava quase concluído, infere que logo após issoEzequias tomou as medidas necessárias para corrigir esses desmandossociais que minaram a nação.1(Para a discussão sobre a data da pro

fecia, veja a página 159ss.)

c. A cidade

O  juízo de Miquéias contra os centros urbanos é particularizadoem redor das duas capitais: Jerusalém e Samaria. Aliás, Miquéias é oúnico dentre os profetas que vê a corrupção centralizada nas capitais.2

1. The Kings and Prophets o f Israel and Judah,  p. 170. Montefiore dá um passoadiante e acredita que foi a alarmante guerra com Senaqueribe (1 Rs 19) que levouEzequias a pensar na reforma. The Origin and Growth o f Religious as Illustrated  by the Religion o f the Ancient Hebrews, p. 163.

2. Assim entende também E. W. Hengstenberg, Christology o f the or , v. 1, p. 417.

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 MIQUÉIAS 

Ele condena dois tipos de pecado que tendem a se desenvolver emgrandes concentrações de pessoas: a idolatria (1.5,7) e a justiça (caps.2—3). As conseqüencias desses pecados são a violência e a insegurança generalizadas. As relações familiares normais são destruídas(7.2-6). Os indefesos ficam à mercê dos poderosos.

Miquéias não apenas dispensa muita atenção à injustiça resultantedas rápidas transformações sociais de sua época, mas também trata indiretamente de nossa preocupação moderna com a cidade e com o queela faz a seus habitantes. O fato de ele próprio ser do interior infere-se

a partir de seu nome (1.1) e de sua familiaridade com o interior daJudéia (1.9-16). Conquanto essa formação rural contribua, ela não ex plica totalmente a sua aversão à cidade.

Qual é então a acusação de Miquéias contra a cidade? Ela é, pornatureza, o lugar do pecado (1.5). Que tipos de pecado? A idolatria(1.5); a opressão dos indefesos (2.1-2) e o colapso da justiça (3.9-11)são ilustrados com impressionantes vividez. Ele fala de defraudar a

herança do povo, de despir o povo quando este passa. É, em suma, umlugar de violência, de roubo e de mentira (6.10-12). Jerusalém é condenada à destruição (3.12; 4.10; 5.11 etc.). Ainda assim, nem tudo está perdido. A cidade transformada será o centro do reinado do Messias

(4-l-2). Não é a cidade como tal que se condena, mas sim as influências

que exerce sobre seus habitantes. O estudo bíblico da cidade feito por

Elull insiste no fato de que ela tem a tendência de tomar o homem independente de Deus.1Para ele, esse é o problema central da cidade, edevemos enfrentá-lo, já que sediamos nossas igrejas nas cidades.Miquéias, por outro lado, entende que a cidade é culpada de permitirque venham à tona os males humanos mais perversos. Ele não a critica por criar um ar de independência de Deus. Em vez disso, acredita queela estimula o novo rico a passar por cima dos direitos do povo em relação às terras herdadas2 e a extorquir dos indefesos tudo o que possaobter.

1. Jacques Elull, The Meaning o f the City.2. B. A. Copass e E. L. Carlson, A Study o f the Prophet Micah, p. 67-70.

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 INTRODUÇÃO

Mas a cidade não está de todo perdida. Como acontece em Apocalipse 21, haverá uma nova Jerusalém, quando o próprio Iavé virá para de lá reinar sobre todas as nações (4.1-4).

III. A ESTRUTURA DA PROFECIA

a. A visão de Miquéias

Os profetas recebiam a Palavra de Iavé de várias formas. Em 8dos 16 últimos profetas, a profecia é introduzida pela expressão: “veioa palavra do SENHOR a”. Alguns tiveram visões, outros receberam (ouviram) um oráculo da parte de Iavé. Amós e Miquéias, “viram” (hãzâ)a palavra do SENHOR (1.1). A menos que registradas por escrito, normalmente não pensamos em ver “palavras” ou mesmo “ oráculos” (Ez1.1). As pessoas têm visões pictóricas e as interpretam em palavras.Ainda assim, o texto diz: “Palavras, que, em visão, vieram a Amós [...]a respeito de Israel” (Am 1.1) Miquéias e Amós viram a mensagem;

 palavras, se o leitor preferir. Talvez isso explique por que Miquéias

escreve com quadros verbais tão marcantes.Von Rad observa que, das 241 vezes em que a expressão “a Pa

lavra do Senhor ” aparece no AT, 221 (93%) referem-se a pronunciamentos proféticos.1Na profecia de Miquéias, ocorre duas vezes. Alémdelas, há a seguintes expressões paralelas:

- “assim diz o Senhor ” (2.3; 3.5);

- “a boca do SENHOR o disse” (4.4);

- “diz o Senhor ” (4.6; 5.10);- “o que diz o SENHOR” (6.1).Amós e alguns dos demais profetas usaram histórias como ferra

mentas didáticas, um tanto como as parábolas de Jesus (cf. Am 7—8,Os 1—3, e Is in passim). O trecho de Miquéias que mais se aproximadesse estilo didático seria o da “controvérsia do Senhor” (6.1-8). Essaé uma cena muito dramática pintada com palavras. Nela, todas as pes

soas estão diante do juízo de Deus. Mas, mesmo aqui, o quadro verbalnão é usado como veículo para ensinar a verdade. E a própria verdade,

1. Theology o f the OT, p. 87

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tempos antigos. Na realidade, não possuía rima nem métrica. SegundoKirkpatrick,

Sua característica é o ritmo, o qual se faz notar tanto na cadência rítmica dos segmentos das frases (termos, orações) separadamente, quanto no equilíbrio rítmico dos segmentos combinadosnum verso.1

O primeiro desses dois ritmos, que diz respeito à assonância, àaliteração e ao uso bem característico de palavras e construções só

 pode ser percebido pelo estudioso da Bíblia hebraica. O equilíbrio rítmico das orações, no entanto, traduz-se com facilidade. Por conseguinte, a poesia hebraica perde muito menos na tradução que a

 poesia com métrica e rima.Essa simetria equilibrada das partes chama-se paralelismo. Pelo

fato de as orações estarem relacionadas por uma repetição quase idêntica, esse paralelismo encerra grande valor exegético na descoberta dosignificado de expressões obscuras. Kirkpatrick observa três formasnas quais esse paralelismo aparece. Embora as tenha exemplificadocom salmos, daremos exemplos de Miquéias.

1.  Paralelismo sinônimo ou completivo.  O mesmo pensamento básico repete-se em outras palavras no segundo verso.

Ouvi, todo os povos, prestai atenção, ó terra e tudo o que ela contém (1.2).

2. Paralelismo antitético ou contrastante.  O pensamento expressono primeiro verso se esclarece pela afirmação de seu oposto nosegundo.

Porque todos os povos andam,cada um em nome do seu deus;

mas, quanto a nós, andaremosem o nome do SENHOR nosso Deus, para todo o sempre (4.5).

 INTRODUÇÃO

1. A. F. Kirkpatrick, The Book o f Psalms,  p. ex.

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 MIQUÉIAS 

3. Paralelismo sintético ou construtivo. Os dois elementos são li

gados por uma relação de causa e efeito ou de proposição e explicação1.

clamam: Paz!quando têm o que mastigar,mas apregoem guerra santacontra aqueles que nada lhes metem na boca (3.5).

Em toda poesia hebraica, até mesmo a de Miquéias, a cadência detrês palavra é a mais comum. Sem se afastar dessa concisão, ele tende para uma expressão mais prolongada. Assim, tem muitas expressõescom cadência de quatro palavras, nove com cinco e duas com seis.Como ressalta Pusey, se nos últimos dois capítulos de Oséias muitomenos de um terço dos versículos contém mais de 13 palavras, emMiquéias quase metade (48 de 105) ultrapassa esse número.2

Essas expressões mais longas não prejudicam a concisão e a

vividez de Miquéias, no entanto. Em oito versículos, ele é bem sucinto.Por exemplo, no hebraico, os versículos seguintes têm apenas cinco

 palavras cada um: 3.10; 5.14 e 7.15. Muitas de suas cadências têm apenas duas palavras, e algumas apenas uma. A verdade é que a profeciade Miquéias está repleta de energia e de quadros verbais. Move-seconstantemente em diálogos não bem caracterizados com seus ouvintes. A declaração de suas intenções (3.8) está manifesta em todo o

livro. O profeta descreve com ousadia implacável os pecados deles eas conseqüências que virão.

Relacionada à forma poética há outra característica importantedos profetas do século Viu. Há muito tempo Montefiore ressaltou quenenhum deles entregava a mensagem em estado de êxtase. Aliás, namelhor das hipóteses, as visões são, para Amós e Isaías, secundárias.

 No caso de Oséias e de Miquéias, são absolutamente inexistentes.3

Esses profetas também diferiam dos que vieram antes e depois deles,

1. Ibid., exi-lxiv.2. E. B. Pusey, The Minor Prophets,  v. 11, p. 11.3. Origin and Growth o f the Religion o f the Ancient Hebrews, p. 121.

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 INTRODUÇÃO

uma vez que sua mensagem era tanto falada quanto escrita. A mensagem de Miquéias, no que se refere ao conteúdo,  foi obviamentefalada diretamente aos ouvintes. Quanto à forma poética, deve tér sidoregistrada logo em seguida, para que não se perdesse.

A forma poética levanta então a pergunta sobre quando Miquéiasteria sido consignado. Pusey acredita que foi a constante repetição queMiquéias fez dessas expressões curtas mas pungentes, durante um período de trinta anos, que ocasionou a reforma de Ezequias (Jr 26.18-19).' Willis chega à conclusão de que a forma final da profecia foi influenciada pelo material (oral e escrito) herdado pelo “compilador ou

redator”.2Parece-me que a resposta correta deve estar em algum lugar entre

esses extremos. Por um lado, a estrutura atual da profecia mostra que aforma em que se encontra é um resumo das mensagens de Miquéias.Por outro lado, atribuir a forma e o conteúdo a um redator posterior étomá-lo maior que o próprio profeta. A forma poética e o conteúdo sãode Miquéias, embora, sem dúvida, apresentados em mensagens mais

 plenamente desenvolvidas. O compilador final que registrou a profecia pode ser o responsável tanto pelo encurtamento quanto pela ordematual das perícopes.

c. A estrutura

Da maneira como hoje se apresenta, a profecia de Miquéias temuma simetria espetacular. Cada uma de suas três divisões começa com

uma condenação de pecados específicos, seguida da proclamação de juízo divino e, depois, de uma promessa de redenção futura. A idéia de permuta — esse juízo específico por causa daquele pecado específico — é uma presença constante em toda a profecia, assim como a doimerecimento da bondosa misericórdia de Deus. Embora o pano defundo de sua pregação seja um retomo ( shúb) a Deus, Miquéias emnenhum momento os conclama ao arrependimento, nem oferece uma

escapatória do juízo, caso se arrependam. Em vez disso, a destruição é

1. Op. cit., p. 8.2. J. T. Willis, “The Structure of Micah 3-5” , p. 213.

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 MIQUÉIAS 

inevitável: 1.9; 3.12; 7.4. Mas veja 7.19-20 no que se refere ao com padecimento final por parte de Deus.

Heronimo Pott delineia Miquéias da seguinte forma, com basenessa divisão tripla da profecia:

1. Samaria e Jerusalém caíram por causa de suas iniqüidades, masum pequeno remanescente será salvo (caps. 1 e 2).

2. Mensagem de Miquéias aos chefes e aos nobres (caps. 3,4 e 5).3. Mensagem de Miquéias ao povo (caps. 6 e 7).1

Várias objeções podem ser feitas a essa aparente simetria. Primeiramente, o caráter fragmentário da profecia de Miquéias se evidencia sob qualquer exame.2 A mudança constante de sujeito e predicado leva a supor, ao contrário, que cada uma das três divisões é ummosaico de várias profecias. Aliás, John T. Willis identifica “sete perícopes inicialmente independentes em Miquéias 4 e 5” , as quaisforam “sem dúvida combinadas posteriormente” e, portanto, “não de

vem ser tratadas seqüencialmente ou quiasticamente, mas como umgrupo de perícopes paralelas.”3

Exemplos desse tipo de mosaico são vistos nos evangelhos.George Ladd demonstrou que Mateus havia reunido blocos de materiais afins para dar ao leitor uma amostra dos vários tipos de sermõesque Jesus pregou. Compare sobretudo a estrutura de Mateus 13, emque a ação vai e volta no tempo, à medida que o capítulo se desen

volve. Aqui em Miquéias, as várias partes são mais curtas e mais óbvias para o leitor. A tentativa de explicar esses segmentos meramentecomo uma questão de estilo vivo (Pusey) ou como pedaços agrupadosfora de ordem (BJ) não convence. Veja o exemplo do capítulo três:

1-4 condenação da injustiça praticada pelos governantes civis;5-8 condenação do interesse pessoal dos falsos profetas;9-12 condenação da ganância das autoridades, civis e religiosas.

1.  El Mensaje de los Profetas Menores, p. 49-57.2. J. L. Mays, Micah, p. 2.3. “The Structure of Micah 3-5”, p. 213. Ele cita Mowinckel,  Prophecy and  

Tradition, p. 53-54.

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 INTRODUÇÃO

De forma alguma esses segmentos podem ser considerados elementos interligados de uma única mensagem. Em vez disso, cada um

deles é completo em si mesmo. O primeiro tem um final insólito. Em bora Miquéias esteja falando aos líderes civis (vv. 1-3), aparentementeeles lhe dão as costas e seguem o seu rumo. A conclusão da mensagemé então dirigida à turba que se reuniu (v. 4). No segundo segmento,ocorre o contrário. Miquéias está falando com veemência à multidãoacerca dos falsos profetas (v. S). Alguns deles aparecem e Miquéiaslhes volta diretamente a atenção sem, contudo, abandonar a multidão

(vv. 6-8). O terceiro segmento é claramente dirigido às classes dominantes (príncipes, sacerdotes e profetas) que foram compradas (v. 11) pelos novos ricos (vv. 9-12).

A  segunda objeção que se faz quanto à simetria de Miquéias dizrespeito à teologia e à autoria. Alguns dos comentaristas (e.g., J. M. P.Smith) dizem que Miquéias não ofereceu nenhuma esperança ao povo.Tomando os capítulos 1 e 2 como exemplos autênticos da mensagemde Miquéias, rejeitam a autenticidade de 2.12-13, assim como doscapítulos 4 e 5.1O argumento em si é evasivo. Desenvolve-se mais oumenos como se segue: os capítulos iniciais de Miquéias são considerados totalmente negativos, sem apresentar esperança alguma para Israele para Judá. A fim de chegar a essa conclusão, os versículos 12 e 13 precisam ser declarados ilegítimos. Mas são assim considerados apenas porque Miquéias não apresenta nenhuma esperança para o povo!Deve-se lembrar que não há absolutamente nenhum fundamento tex

tual para a rejeição dessas mensagens. Trata-se inteiramente de umacrítica literária, crítica essa que, no meu entender, pouco tem que lherecomende as conclusões.

Além disso, não se pode entender Miquéias se as promessas milenares forem eliminadas. A simples declaração de que 2.12-13 e oscapítulos 4 e 5 são ilegítimos causa danos irreparáveis à compreensãoda profecia. Nem resolve o problema, visto que a esperança está la

tente no capítulo 6 (v. 8) e patente no 7 (vv. 18-20). O argumento é detodo arbitrário. Não é possível conceber uma mensagem totalmente ne-

1. J. M. P. Smith, Micah et a l, in: icc, p. 21-26, 67, 82.

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 MIQUÊIAS 

gativa gerando a conversão registrada em Jeremias 26.18-19 (2 Rs18.1-6).

Pressupondo a integridade da profecia como um todo, Pusey conclui que, em Miquéias, à semelhança de Isaías, predomina o consolo.Observe que Miquéias é breve na repreensão (1.5; 2.1-2; 9.11), indigna-se ao lembrar das desculpas dos falsos profetas (2.7,11; 3.5-7), éconciso em sua ameaça de infortúnio (2.3,10; 3.4,12; 4.13-16; 7.4,13),exceto quando se prolonga, pesarosamente, falando da desolação(1.10-16; 2.4,5), e também prolixo e fluente em suas descrições damisericórdia por vir (4; 5; 7.7-20).1

IV. A TEOLOGIA DE MIQUÉIAS

a. Introdução

Estas notas agrupam, de maneira mais completa e sistemática, osconceitos teológicos e sociológicos desenvolvidos por Miquéias emsua profecia. Também ligam sua mensagem ao restante dos profetas doAT, sobretudo aos canônicos. Terminam com algumas observaçõescom respeito aos problemas criados pelas interpretações proféticas darevelação mosaica. Assim, suplementam o comentário e fornecem umquadro mais completo do que as observações fragmentadas que acom panham o texto em si.

Renckens faz a admirável observação de que os profetas doséculo VII são “reacionários”.2 Com isso, não quer dizer que estão re

sistindo à mudança, muito menos que estão tentando agarrar-se a um“passado de ouro” ou manter o status quo. Em vez disso, a opinião deRenckens é que eles “reagem” contra a política, contra a vida social eaté mesmo contra os profetas de seus dias. A reação contra eles é tãogrande que nem querem ser chamados “profetas” (Mq 3.5-7; Am7.14-15).

1. E. B. Pusey, The Minor Prophets, p. 10.2. H. Renckens, The Religion of Israel , p. 236. E extensa a sua discussão sobre as

implicações desse tema (p. 231-275).

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 INTRODUÇÃO

Os profetas do século VIII  partem de uma perspectiva teológica para analisar e condenar os males da sociedade. Assim, o condiciona

mento da mensagem pela situação é mais aparente do que real. Emboraseja verdade que falem dentro da realidade de sua época e para ela, sãoos elementos permanentes da revelação que dão ensejo para a profecia particular deles. O ponto de partida de Miquéias, por exemplo, estáclaramente ligado ao Pentateuco. Stanley Leathes demonstrou isso hámuito tempo em The Law in the Prophets.  Ele fornece uma série de 24 paralelos entre Miquéias e os livros de Moisés.1 Esse é um forte argumento contra o conceito muito difundido de que o Pentateuco não foi produzido senão muito depois do século VIII. Eis a lista de paralelosfornecida por Leathes:

1.2   — Deuteronômio 32.1; Gênesis 31.501.3   — Deuteronômio 32.131.7   — Deuteronômio 23.182.1   — Gênesis 31.29

2.2   — Levítico 6.4; 19.13; Deuteronômio 5.212.4   —  Números 23 e 242.5   —  Números 26.55-56; Deuteronômio 32.8-92.7   —  Números 11.232.10   — Levítico 18.25; Deuteronômio 12.193.6   — Deuteronômio 18.10,14 (Números 22.7; 23.23)3.11   — Êxodo 23.8; Deuteronômio 10.17

4.1  —

Gênesis 49.14.8   — Gênesis 35.214.13   — Levítico 27.285.7   — Deuteronômio 32.25.8   —  Números 23.24; 24.29; Gênesis 49.9

1. Stanley M. Leathes, The Law in the Prophets,  p. 39. E. B. Pusey, em The Minor   Prophets, p. 14, declara que Miquéias tinha o Pentateuco diante de si e não apenasas leis ou a história tansmitidas pela tradição. Para demonstrar isso, Pusey ressaltavárias expressões que são usadas por Miquéias e não aparecem em outro lugarsenão no Pentateuco, tais como “terra de Ninrode”. A referência a Balaão, porexemplo, não seria inteligível sem o conhecimento do Pentateuco.

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 M1QUÉIAS 

5.12 —  Êxodo 22.18; Levitico 19.26; Deuteronômio 18.105.13 —  Êxodo 23.24; 34.13; Deuteronômio 7.5

6.2 —  Deuteronômio 32.16.10 —  Êxodo 15.21; 14.30; 20.2; Deuteronômio 4.206.14 — Deuteronômio 25.13-166.15 —  Levítico 26.267.18 — Deuteronômio 28.38-407.20 —  Êxodo 15.11; 34.6; Gênesis 12.lss; 25.26ss

É óbvio que Miquéias não citou o Pentateuco textualmente

(ipisissima verba).  Ainda assim, os paralelos são tantos, e tão amplamente representados, que é impossível considerá-los apenas fortuitos.

 No mínimo, demonstram que, na época, existia e circulava grande parte do conjunto de escritos que formam o Pentateuco se não do pró prio Pentateuco.

O fato de autores recentes como Bentzen e Von Rad concluíremque o conteúdo geral do Pentateuco remonta aos tempos mosaicos,

ainda que o texto escrito seja bem mais tardio,1confirma a conclusãode que os profetas do século VIII dependiam de uma fé tão antigaquanto o próprio Israel. Assim, os pontos de contato dados acima entreMiquéias e a lei mosaica demonstram a relação entre a revelação dadae a aplicação dessa revelação a uma conjuntura específica da própriaépoca do profeta.

b. A teologia propriamente ditaA mensagem de Miquéias é determinada pelo conceito que ele

tem de Deus. Por mais que se queira, é difícil dar ênfase suficiente àimportância dessa observação ao intepretar Miquéias. Ao contrário detantos “profetas” de hoje, cuja mensagem é norteada pelos “direitoshumanos”, Miquéias desenvolve o pensamento tendo em mira ocaráter e a vontade revelada de Deus. Dessa forma, o pecado é uma

transgressão porque viola a lei de Deus. Assim também no caso da in-

1. A Bentzen,  Introduction to the o r (Copenhagen: Gad, 1949, 2 v.), v. I, p. 103-108;G. von Rad, OT Theology (New York: Harper, 1965, 2 v.) v. I, p. 69-75.

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 INTRODUÇÃO

 justiça social. Miquéias não vê a opressão como um descaso dos direitos dos indefesos. Em vez disso, ele a vê como uma rejeição do padrão

divino (3.1-3,9). Daí as relações sociais injustas serem, acima de tudo,uma afronta ao Deus que firmou uma aliança com seu povo (6.3). Noimpressionante julgamento retratado no capítulo 6, o representante do

 povo percebe corretamente que a solução do problema de Judá é denatureza religiosa. Mas, erroneamente, considera-a cerimonial (6.6-7).Miquéias deixa claro que o problema é o de desobediência interpessoal(6.8).

Olhando para o futuro, Miquéias vê que a diferença entre essa presente era perversa e a era messiânica vindoura também é determinada pelo conceito que ele tem de Deus. Nesta era, as autoridades deJudá dependem de Iavé mesmo desprezando a justiça (3.9-11). Na eravindoura, o próprio Deus ensinará os seus caminhos às nações (4.3).Miquéias completa o seu pensamento da seguinte forma:

de Sião procederá a lei,

e a palavra do Senhor  de Jerusalém (v. 2).

1. O SENHOR é nosso Deus Essa expressão ou o seu equivalenteocorre 5 vezes nos 7 capítulos de Miquéias. Ele refere-se ao “nome doSENHOR” 43 vezes e 2 ao “Espírito do SENHOR” . Por outro lado, usao nome genérico de Deus ( ’etõhim) 14 vezes. No entanto, à exceção de4.5, não chega a usar esse termo para o objeto da adoração idólatra.Para este, usa “altos” e “imagens” (1.5,7; 5.13-14). Só o Senhor é

Deus!O nome de Deus [SENHOR] aparece assim em versalete na

tradução ARA quando apresenta YHWH. O uso de “SENHOR” tem umahistória longa e complicada que aqui veremos resumida. No períodoentre os dois testamentos, criou-se um tabu quanto ao ato de pronunciar do nome de Deus. Quando os pontos representando as vogaisforam acrescentados ao hebraico do Antigo Testamento, os massoretas

colocaram a pontuação de ‘ãdôn [SENHOR] abaixo do tetragrammaton. Assim, ao ver o nome de Deus, o leitor pronunciava adon. Ao traduziro antigo Testamento para o grego, simplesmente introduziram kurios [SENHOR] no lugar de YHWH. A grande maioria das traduções cristãs,inclusive para o latim, seguiram este caminho. Algumas poucas, por 

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 MIQUÉIAS 

exemplo a tradução Brazileira (sic),  tentaram introduzir “Jeová”. Masa palavra Jeová é uma transliteração de YHWH   pontuado com as

vogais de 'ãdôn. Neste comentário usa-se “ Iavé” como mais aproximado à forma

original do nome. Embora possa ter o significado de “O Eterno”[BLH], Iavé ajuda-nos a lembrar o fato de que se trata do nome de Deus(Ex. 6.3), não de uma caracterização dele.

O Deus que se revelou no passado fala agora a seu povo que estáem pecado (2.3; 3.5; 4.6). As vezes o profeta faz uma breve declaraçãoque introduz a palavra divina: “diz o Senhor ” (4.6; 5.10). A isso sesegue, então, uma declaração divina direta como “congregarei... recolherei” ou “povo meu”. Entretanto, o estilo de Miquéias é tal que, nomeio da mensagem profética, Deus interfere sem absolutamente nenhuma transição. O “eu” humano do profeta é repentinamente substituído pelo “eu” divino (cf., e.g., 1.6 e 2.12). Pelo teor da mensagem, percebemos que não é mais Miquéias quem fala, mas o próprio Deus. Nessas duas expressões da mensagem divina, Deus revela-se como

aquele que fala de acordo com o problema específico existente no momento. Tanto os que pecam quanto aqueles contra quem eles pecamsão seu povo. E, como tal, ele os julgará.

2.  A autorevelação de Deus. No que tange à pessoa de Deus, a profecia de Miquéias abrange ampla gama de assuntos. Iavé revelou-seem palavras humanas por meio do profeta. Afmal de contas, o queMiquéias viu foi a palavra (dãbar ) de Iavé (1.1). O que o profeta falou

foi a mesma palavra que, por seu turno, criou uma reação muito negativa (2.6). Por meio dessa palavra, Deus revelou sua pessoa e sua vontade a eles e a nós.

 Nessa auto-revelação, descobrimos, acima de tudo, que ele é oSenhor da história. E aquele que determina o futuro. Faz que as coisasaconteçam segundo a sua vontade. Em segundo lugar, que a aliançaeterna que tem com seu povo não pode ser usada como meio de evasão

da natureza reta de Deus. Ao ler essa profecia, fica-se impressionadocom a forma pela qual Miquéias luta com essas duas questões: a relação entre a misericórdia de Deus, implícita na aliança, que salvariaJudá, e sua justiça moral, que a condenaria por causa dos pecados deseus líderes.

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 MIQUÉIAS 

Soberania implica que o Senhor atua na história. Em cadacapítulo de Miquéias, o profeta fala da intervenção de Deus no rumo

dos interesses humanos. Em 6.4-5, há uma história breve mas pungentedos poderosos atos, por meio dos quais libertou Deus o seu povo doEgito e o fez entrar na terra prometida (cf. 7.14-15). Miquéias transmite a promessa de Deus de retirar o povo do cativeiro (4.7-8) e de ca pacitá-lo para derrotar os inimigos (4.13). Mas, junto com a soberaniade Deus na história, Miquéias deixa bem claro que Deus é “justo” . Ele

 julga de acordo com a própria retidão de sua natureza (2.3-7) e exigeque seu povo também seja reto (1.5; 3.4; 6 .8). Mas como o povo não éreto, a maior parte das promessas de intervenção divina trata do juízode Deus sobre seu povo em decorrência do pecado.

Sim, Deus é soberano. Mas é também misericordioso. Ele estende a mão e restaura o remanescente que ele mesmo afligiu (4.6-7).Aqui há dois conceitos que diferenciam a mensagem de Miquéias dados demais profetas. Em primeiro lugar, a ferida causada pelos pecados de Judá é tão grave, que é incurável (1.9). Portanto, não há ne

nhuma exortação ao arrependimento nessa profecia, senão a implícitano fato de o livro ter sido escrito. Em segundo lugar, o remanescente,conforme entendido por Miquéias, não é justo nem santo.1 Ao contrário, é tão pecador quanto o restante do povo (7.18). A despeitodisso, Deus poupa o remanescente e lhe perdoa o pecado. Miquéiastambém não atribui o motivo a outra coisa senão a que Deus se aprazem mostrar misericórdia (7.18-19). Assim, temos em Miquéias umtênue prenúncio do ensino paulino de que Deus é tanto “justo” quanto

“justificador” (Rm 3.26). Embora só duas vezes se atribua a “misericórdia” a Deus (e isso no capítulo 7), esse aspecto da natureza deDeus permeia toda a profecia e explica por que as terríveis condenações sentenciadas contra Judá tardam em ocorrer. No que diz res peito à história, a destruição profetizada em 3.12 ocorreu cerca de 130anos mais tarde.

4.  Ele é o Deus da aliança. Embora a palavra “aliança” não apareça em Miquéias, o conceito está presente na expressão o “ SENHOR 

1. Em se tratando de um breve estudo dos conceitos proféticos do remanescente, vejaibid. p. 348-350.

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 INTRODUÇÃO

nosso Deus” (4.5). Eles são seu povo (2.8,9; 6.2-5).1 Às vezes, essaexpressão parece transmitir uma apropriação de Deus. Com base na

aliança, o povo faz dele, por assim dizer, seu patrimônio particular(3.11). Outras vezes, é usada tanto pelo profeta quanto pelo próprioDeus que fala por intermédio dele (7.17; 2.8). Ela afirma a relação es

 pecial que existe entre Deus e Israel. O problema surge quando se tiram falsas conclusões desse relacionamento.

Miquéias reconhece que o Senhor é também soberano sobre ouniverso. Não há outro deus além dele. A declaração em 4.5 não é o

“ponto alto da tolerância religiosa no Antigo Testamento”, como seafirma, mas uma declaração de compromisso da parte do povo. A idolatria é condenada como a primeira causa dos problemas de Israel(1.7). Mesmo após a reforma religiosa de Ezequias, em que a idolatriafoi quebrada e as imagens, destruídas (1 Cr 29—31), alguns dos centros de idolatria permaneceram para mais tarde serem objetos da ira deDeus (5.13-14). Embora Miquéias não insista muito na questão, ficaclaro que, subjacente à sua profecia, está o conceito de que Deus é ciumento, não dividindo sua glória com outros.

 Na discussão sobre a data do livro, demonstrou-se que a maior parte de Miquéias representa profecias dadas após  a grande reformareligiosa ocorrida no início do reinado de Ezequias. A reformaabrangia um retomo tanto a Deus quanto à observância da lei cerimonial. É necessário manter isso em mente para compreender por que o povo tinha absoluta certeza de que estava servindo fielmente a Deus e

de que, portanto, as predições terríveis de Miquéias não recairiam so bre eles (2.7). Por essa razão, eles “se encostam” a Iavé e insistem emque “nenhum mal” lhes sobreviria (3.11). Na realidade, rejeitaram amensagem de Miquéias, entendendo que não estava de conformidadecom o Espírito de Iavé. Pelo cálculo deles, estavam servindo-o obedientemente e assim podiam reivindicar a promessa de vida e de prosperidade feita por Moisés (Dt 30.15-20). Deus, no entanto, consi

dera a obediência deles insatisfatória. Observe seu lamento por seu povo, ao pesarosamente decretar-lhes o juízo:

1. Leslie C. Allen, The Book o f Joel, Obadiah, Jonah and Micah,  in: The New  International Commentary on the OT, p. 254-257.

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 MIQUÉIAS 

que te tenho feito?E com que te enfadei?

Responde-me! (6.3)

E o próprio Miquéias está dividido entre essas duas visões do povo de Deus. Concorda com elas e, ao mesmo tempo, delas discorda.Iavé é  o Deus do povo, mas não  para ser possuído. Sim, fez umaaliança eterna com ele, mas, na essência de sua retidão, deve julgá-lo pelos maus atos. Como pode julgá-lo e mesmo assim preservar a

aliança com ele? Mais tarde, Ezequiel retoma esse tema e insiste emque esse julgamento também ocorre “por causa de seu nome”, paraque o povo saiba que ele é Iavé e os gentios, que ele é um Deus justo(Ez 5.5-8; 6.7). Para Miquéias basta que Deus puna o povo com o“mal” por seus atos perversos (2.1,3; 3.9-12).

5.  Ele exige a justiça social.  Miquéias está bem ciente de que aaliança de Deus exige muito mais do que a obediência cerimonial queo povo prestava. Exige relacionamentos justos entre os que têm podere autoridade e os desprovidos de poder. Os profetas do século VIII, mesmo Miquéias, são chamados profetas “éticos” porque insistem emque o caráter e a aliança de Deus exigem a justiça social. Quase toda a profecia de Miquéias após o capítulo 1 trata do problema da opressãodo pobre e do indefeso entre o povo de Deus por parte das própriasautoridades encarregadas da tarefa de exercer a justiça (3.1). Entre

esses estavam os líderes civis e religiosos (3.9-11), bem como os novos ricos, que eram os primeiros causadores do problema (2.1-2).

 No delineamento que Miquéias faz da opressão exercida pelos politicamente poderosos sobre os necessitados, fica claro que essa in justiça social era praticada de modo legal  (2.1,8-9). Ainda que baseada pelo menos em parte no suborno (3.9-11), o julgamento era formalmente “justo” . Em vez de uma violação flagrante da lei mosaica, o uso

da sofística subvertia o intento da lei. Miquéias ataca diretamente ainiqüidade que ocasionou a perda dos valores tradicionais e dos direitos de propriedade. Ele condena a injustiça social, considerando-acarnificina (3.9-10). Ele trata demoradamente, não do processo, masdos resultados injustos.

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 INTRODUÇÃO

E qual é a sua solução para o problema da injustiça social? Diferentemente de Amós e de outros profetas, Miquéias não faz uma convocação aberta para que o povo se “arrependa”. Ele lembra o rei e asautoridades civis e religiosas de que Deus exige o exercício da justiçae a prática da misericórdia em seus relacionamentos com os necessitados (6.8). Ele vê pouca possibilidade de mudança, no entanto, pois o problema é incurável (1.9); não há saída para Judá, ela não pode esca par ao cativeiro que se agiganta à sua frente. O simples fato de ele pregar e escrever, entretanto, mostra que sua profecia não proclama umfatalismo cego. Ao contrário, a soberania de Deus sempre deixa espaço

 para a intervenção divina na história.A solução de Miquéias é também bem diferente da dos que con

clamam os pobres e oprimidos a se levantar e se libertar de seus opressores. Embora os teólogos da libertação encontrem muita muniçãocontra a injustiça social nos profetas do século VIII, eles procuram asolução em uma fonte completamente diferente daquela em que procuravam esses profetas. Querem que as classes mais baixas se ergam e

se libertem a si mesmas. Miquéias, no entanto, espera no Deus soberano. Ele eliminará as iniqüidades no seu próprio tempo (3.9-12). Essa profecia em particular não se cumpriu senão cerca de 130 anos depois.Os liberacionistas não têm tempo para esperar que Deus opere. Nanossa era, Deus esperou mais de 70 anos, antes de eliminar o regimecomunista da ex-União Soviética.

6 . E os gentios?  Também estão sob a soberania de Deus.Miquéias só os vê como instrumentos nas mãos de Deus para punirJudá (4.10; 5.5-6). Mas, quando ergue os olhos em direção ao futuro,vê os efeitos positivos do reinado divino sobre os gentios no reinomessiânico. Assim, serão voluntariamente atraídos pelo ensino divino(4.2), ou então o próprio Iavé os forçará a habitar em paz (4.3). Antesdesse dia, entretanto, as nações aparecem em Miquéias simplesmentecomo um objeto nas mãos de Iavé (e.g., 4.11-13 e 7.16-17), ou comotestemunhas de sua acusação contra o seu povo (6.1, 2.16). O julgamento delas por não obedecerem a Iavé é registrado em 5.15, em

 bora  gôyim  bem possa fazer referência ao povo judeu (cf. ocomentário, in loco).

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 MIQUÉIAS 

Conforme se observou acima, Miquéias não ensina a doutrinaneotestamentária da trindade, embora sua profecia certamente sejacompatível com ela. Sua palavra com respeito ao nascimento do Messias em Belém é entendida pelos evangelistas com uma profecia diretacom respeito ao nascimento de Jesus (Mt 2.6; cf. Lc 2.15 e Jo 7.42).Que diz Miquéias, então, com respeito ao Messias?

1. A passagem mais conhecida é 5.1-3. Belém é a porta pela qual

o Messias entra na história a fim de governar Israel. No entanto, não étotalmente recebido. Seus inimigos o ferirão na face com uma vara.Embora a referência primária seja a Ezequias, a ligação com osversículos seguintes a remeteria aos sofrimentos do Messias.

Suas origens são desde a “eternidade”. Veja o comentário, noque diz respeito à abrangência de 'ôtãm  aqui: se simplesmente principia com a dinastia davídica ou se envolve a própria eternidade. Nesta

altura observamos que pode ser uma referência ao estado preexistentedo Filho de Deus ou simplesmente à linhagem humana do Messias. Aresposta dependerá de como Miquéias retrata o Messias em outras passagens. É importante perceber que essa mensagem ensina claramenteque o Messias surgiu na história como qualquer outra pessoa, por meiode nascimento.

2. Outro texto importante é 4.1-3. De passagem, deve-se chamar aatenção para o fato de que esses versículos são literalmente idênticosaos de Isaías 2.2-4. Uma vez que os dois profetas são da mesma época,surge a questão da autoria. Embora fosse improvável que Isaías, ogrande profeta da corte, copiasse de um “aldeão”, a prova intrínsecamostra que os versículos fluem naturalmente no contexto emMiquéias, enquanto em Isaías parece claro que foram citados. Allenacha que tanto Isaías quanto Miquéias usaram um oráculo já existente.1

A questão da autoria original, no entanto, não é crucial. Os

versículos fazem parte de Miquéias e apresentam elementos essenciaisde sua cristologia. Em 4.2 fica claro que as nações percebem ser o Se-

c. A cristologia

1. Ibid., p. 243-244.

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 INTRODUÇÃO

nhor quem lhes ensinará os seus caminhos. Embora o versículo 2 bem possa ser interpretado como uma referência aos intermediários que

ensinarão em seu nome, os versículos 3 e 7 são bem mais claros emsua definição do papel do Messias.1Ele mesmo “julgará” ( shãpat ) entre as nações, ele governará (rriãlak ) o remanescente. Assim tomará pessoalmente o lugar dos juizes e dos governadores que fizeram umtrabalho tão precário nos dias de Miquéias (3.11; 7.3).

Alguns interpretam esse texto messiânico como uma referência àigreja. Em suma, entendem a profecia alegoricamente. Consideramque o domínio do Senhor e a vinda das nações para aprenderem os

seus caminhos já se cumpriram na expansão mundial da igreja. Essainterpretação, no entanto, não brota do texto em si. Depende de umavisão hermenêutica geral das Escrituras baseada na transformação operada pelo ministério de Jesus. Parece-me que a interpretação mais literal deve ser preferida, não apenas porque se encaixa no conceito queMiquéias tem do fim dos tempos, mas também porque se encaixa noquadro pintado por todos os profetas posteriores e pelo próprio Jesus,

conforme apresentado em seu discurso escatológico (Mt 24;25).3. Os textos acima parecem indicar que é o próprio Iavé quem

nascerá na história e governará sobre seu povo. Em 5.4, apresenta-seclaramente a subordinação do Messias a Deus. Sua força e majestadesão as de Iavé seu Deus. Aqui também (e em 7.14-15) vê-se outro as

 pecto do Messias em relação a seu povo: cuidará dele como um pastorcuida do rebanho.

4. De acordo com Miquéias, portanto, o Messias é um rei divino-humano atingido na face com uma vara, e ainda um rei que governarátodas as nações e pastoreará o seu rebanho. Esse quadro composto doMessias apresentado por Miquéias aponta apenas para uma direção:Jesus de Nazaré. Ele é o único que corresponde às características messiânicas nesse quadro pintado por Miquéias. Ele percebeu o caráterdivino-humano do Messias e delineou tanto a humilhação quanto aglorificação do Cristo.

1. Outros textos que indicam a atividade messiânica, mas não necessariamenteexigem a presença do Messias são: 2.12-13; 4.6; 5.10-15; 6.16; 7.15.

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 M1QUÉIAS 

d. A escatologia

Para Miquéias, o tempo assume uma função diferente da que tem para nós. Para ele, está relacionado com os acontecimentos e não como relógio ou com o calendário. Ele vê os acontecimentos, mas não oscoloca em ordem cronológica ou temporal. Assim, no capítulo 4 (4.9— 5.1), Miquéias fala 4 vezes de acontecimentos que ocorrerão “agora”.Ainda assim, os 4 estão bem distantes um do outro no tempo, nenhumdeles vindo a acontecer na época do profeta. (Veja o comentário in loco.) Daí o intérprete deve acautelar-se de ler o seu próprio conceitode tempo na mensagem do profeta.

A visão de Miquéias a respeito do futuro no que diz respeito aodesenrolar da história é essencialmente a mesma dos outros profetas.Embora haja diferenças, a ordem dos elementos da mensagem deles émais ou menos a seguinte. Em primeiro lugar, atacam os pecados deIsrael com base no que este deveria ter feito. A isso se segue a

 promessa de juízo por parte de Iavé, caso o povo não se arrependa. Alguns introduzem aqui o conceito do “remanescente”. Depois, por suavez, vem a intervenção escatológica de Deus na história, quer paratransformar Israel, quer para introduzir a era vindoura. Finalmente,chega o novo êxodo (Is 40—45) ou um novo concerto (Jr 31.31,34).Os profetas demonstram uma absoluta certeza de salvação futura quese compara apenas à certeza que tinham da catástrofe que estava por

sobrevir a Israel.Como eles, Miquéias repreende as autoridades de Judá pela

opressão dos indefesos, seguindo-se a isso a promessa do terrível juízoa ser exercido por Deus. Depois, por sua vez, segue-se a promessa daintervenção divina e a revelação da era vindoura. Miquéias passa poresse ciclo várias vezes. Os capítulos iniciais trazem pouco da promessade bênção. Esta se tom a muito mais proeminente nos capítulos 4,5 e 7.

1.  Juízo. A escatologia de Miquéias começa com a promessa decatástrofe. Uma vez que o povo havia deixado os ídolos, voltando-se para Iavé, não conseguia acreditar que Deus faria isso (2.6,7). No entanto, por causa da opressão dos indefesos por parte da classe domi-

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nante e dos novos ricos, Miquéias lhes o exílio (1.16; 4.6,10; 5.7-8) e atotal destruição tanto de Jerusalém (1.9; 3.12) quanto das demais ci

dades de Judá (5.14). Mesmo antes de ocorrer a destruição catastrófica,Deus os arruinará (6.13-16).

2.  Repatriação do remanescente. O próprio Deus trará o povo devolta do cativeiro (2.12-13) e reinará sobre ele (4.6-7). Perdoará o seu pecado e lhe restaurará (7.18-20). As nações cercarão Jerusalém para profaná-la, mas Deus capacitará seu povo a destruir os inimigos (4.11-13; 5.6). Quando Deus mostrar suas maravilhas, as nações tremerão(7.15-17). Ele estabelece o seu reino, no qual pastoreia seu povo e regeas nações (4.1-4).

3. O dia de Iavé. Essa era uma expressão escatológica importantenos tempos de Miquéias, sem nenhuma relação com um dia de 24horas. Ele usa 6 vezes a palavra “dia”. Uma vez fala dos “últimosdias” e 4 “daquele dia”. Referem-se a dois momentos específicos em

que Deus intervirá na história, quer para exercer juízo sobre seu povo(2.4; 5.10-15), quer para fazer regressar o remanescente e estabelecer oseu reino (4.1,6-8).’ Há duas situações semelhantes descritas porMiquéias, mas com resultados totalmente diversos. Nas duas, asnações reúnem-se em tomo de Jerusalém para destruí-la. Em uma, há aqueda da cidade e o povo é levado cativo (4.10). Em outra, Sião ergue-se e despedaça as nações (4.11-13). A primeira ocorre antes de o Se

nhor trazer de volta o remanescente e reinar sobre ele. A última, é possível que seja no fim   de seu reinado. Como tal, corresponderia àcronologia implícita em Ezequiel 37.24-38.23 e em Apocalipse 20.4-10.

4. Os acontecimentos proféticos delineados nos capítulos 4 e 5 deMiquéias podem ser representados na ordem cronológica esquemati

zada a seguir. As datas e explicações entre parênteses indicam o cum primento histórico das profecias de Miquéias.

 INTRODUÇÃO

1. As duas referências no capitulo 7 (vv. 11,12) são muito ambíguas para ajudar adefinir a escatologia de Miquéias. Veja o comentário in loco.

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 MIQUÉIAS 

O reinado de Ezequias — 4.5; 5.1

(724-693)

A queda de Jerusalém — 4.9,10; 5.10-15(605 - Queda de Jerusalém. Alguns cativos são levados para a

Babilônia.)(597 - Neco, faraó do Egito, destrona Jeocaz.)(597 - Nabucodonosor leva em cativeiro Joaquim e alguns oficiais

à Babilônia.)

A destruição de Jerusalém e o exílio — 4.9,10; 5.3 (?); 7.8 (?)(586 - Jerusalém e o templo são destruídos pelos babilônios.)(586 - Nabucodonosor leva todos, menos os mais pobres, à

Babilônia.)

O retomo do exílio e o começo do reinado messiânico — 4.6,7

(536 - Volta do exílio babilónico.)

O reinado messiânico — 4.1-4; 5.4,5a

 Novo ataque a Jerusalém, com vitória dos judeus — 4.11-13; 5.5b,6

Uma diáspora posterior (?) — 5.3,7,8

 Não está claro onde se encaixa o nascimento do Messias (5.2) noquadro de Miquéias, já que nem ele nem os demais profetas tinhamconsciência de que deveria haver duas vindas do Messias. É muito provável que se deva incluí-lo no item “o retomo do exílio e o começodo reinado messiânico” , acima.

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COMENTÁRIO

I. CAPÍTULO 1

Depois de uma breve palavra para identificar o autor e a épocaem que o livro foi escrito (v. 1), esse capítulo registra uma profecia de

 juízo sobre Samaria e sobre Jerusalém, respectivamente as capitais dosreinos do norte e do sul de Israel, o antigo povo de Deus. Na forma, ocapítulo divide-se em duas partes (2-9 e 10-16), que talvez representem duas mensagens fundidas numa só. A primeira, em estilo bemcaracterístico de Miquéias, registra uma conversa em que tantoMiquéias quanto o Senhor Deus falam com Israel. PrimeiramenteMiquéias chama a atenção do povo para o juízo divino iminente (vv. 2-5). Depois, o Senhor expressa claramente o que fará a Samaria (vv. 6-

7). O profeta lamenta que a ferida incurável tenha atingido o seu próprio povo, Judá (w . 8-9). A segunda parte (vv. 10-16) aprofunda-sena reação do profeta ante a terrível notícia profetizada no versículo 9.

 Na forma, trata-se de uma série de trocadilhos complexos em queMiquéias se lembra de cidades e aldeias de Judá cujos nomes se prestam a tal jogo de palavras. A título de exemplo, observe que onome Bete-Leafra, no versículo 10, significa “casa de pó”. Por isso, a

cidade de pó deve revolver-se no pó! A concisão da profecia é tal, quealguns consideram esse trecho ininteligível sem amplas emendas aotexto.1 Embora muitíssimo condensada e difícil, não é impossível interpretar a passagem. A tendência das emendas é fazer as passagensdizerem o que se acredita que devam dizer, não o que realmentedizem, pois a intenção é tomar claro o que o texto deixa ambíguo.Aqui a própria concisão da passagem ajuda a transmitir o pavor do

 profeta diante do juízo por acontecer.Conquanto o primeiro versículo sirva de introdução geral à profecia de Miquéias, chama a atenção sobretudo para a condenação de

1. Cf. J. L. Mays, Micah, em The Old Testament Library, p. 48-50.

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 MIQUÉIAS 1.1

Samaria e de Jerusalém, registrada nesse primeiro capítulo (v. 1).Miquéias viu Deus descendo em forma de fogo e juízo para pronun-ciar-se solenemente contra as transgressões de seu povo (vv. 2-5). O

 juízo divino sobre Samaria é anunciado (v. 6-7). A reação deMiquéias, reação de um homem de Deus que ama seu povo, é de desespero. O juízo que destrói Samaria atinge também o Reino do Sul (v.8-9). Ele convoca o povo a reconhecer a situação terrível que se abateusobre si e a arrepender-se. Essa profecia difere das demais profecias deMiquéias por não expressar nenhuma palavra de esperança, nenhuma promessa de bênção futura após o juízo.

1.  Palavra [...] visão [...] veio.  Deus falou. Mas sua mensagemfoi captada visualmente por Miquéias. A Palavra do SENHOR é o “conteúdo”; a visão, a “forma”. O que ele viu traduz vividamente o juízode Deus.  Palavra,  não “palavras”. Embora tenha-se expressado comvários quadros verbais, numa série de mensagens ao longo dos anos, o profeta transmitiu aspectos de uma única revelação divina: a justiça deDeus exige que ele julgue seu povo por causa dos pecados. A mise

ricórdia de Deus é apresentada sob o aspecto de uma restauração posterior de um remanescente do povo.  Miquéias, morastita. Ao contráriodo contemporâneo Isaías, aparentemente de linhagem nobre e comacesso à corte de Jerusalém, Miquéias era do campo. Ele vinha da aldeia de Moresete, cerca de 40 km a sudoeste de Jerusalém. Fora de seulivro, Miquéias é mencionado uma só vez mais na Bíblia (Jr 26.18-19).Com base nessa referência feita por Jeremias ao ministério deMiquéias, Bennett acredita que Miquéias possa ter sido parcialmente

responsável pelo reavivamento que aconteceu no reinado de Ezequias(2 Cr 29.3 - 31.21).1No entanto, essa referência fala do ministério deMiquéias quando o reavivamento já está em pleno andamento.  Jotão, 

 Acaz e Ezequias.  O ministério de Miquéias ocorre essencialmente emJudá e no reinado desses reis. Por isso não se faz referência alguma aosreis de Samaria, apesar de o capítulo 1 ser dirigido tanto contraSamaria como contra Jerusalém. Quanto à data da profecia deMiquéias e a sobreposição de reinados desses reis, veja a “Intro

dução”, pp. 159-162.

1. Bennett, The Book o f Micah,  p. 11. V. tb. E. B. Pusey, The Minor Prophets, v. II, p. 9.

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 MIQUÉIAS 1.3

2. Ouvi. Essa palavra ocorre 9 vezes em Miquéias e, salvo em 3casos, assinala sempre o início de uma palavra profética a princípio en

tregue separadamente. Na forma escrita, várias dessas palavras foramfundidas em unidades mais longas. A expressão “ouvi” tem um sentido muito maior do que “prestai atenção”. Abarca a idéia tanto de“escutar com atenção” quanto de “obedecer”. Isso deixa claro que aexpressão de nosso Senhor “quem tem ouvidos para ouvir ouça” (e.g.,Mt 11.15) refere-se igualmente à obediência e à compreensão. Todos os povos. Repare a expressão da soberania universal de Deus. Aqui ochamado estende-se profeticamente ao longo de toda a história até o

 julgamento final das nações (Mt 25.31-46). Observe também a universalidade da restauração em Miquéias 4.1-5. Ó terra. A referência imediata é, contudo, a Israel e a Judá. O SENHOR Deus. Uma combinaçãodas palavras “Senhor” e “Iavé” (veja a explicação sobre esse nome na“Introdução”, pp. 180-181) que em Miquéias ocorre apenas aqui, masse toma comum em Jeremias, 100 anos depois. Testemunha [...] tem-

 plo. Deus é ao mesmo tempo juiz e testemunha de acusação. Seu julgamento é ao mesmo tempo justo e perfeito (Rm 2.2). O julgamento

 baseia-se na revelação e na presença divina. Eles (e nós) são responsáveis por aquilo que Deus revelou acerca de sua pessoa e vontade (cf.Am 3.2). O problema é a falta de vontade e de obediência, não a faltade conhecimento. Miquéias também se refere especificamente ao santo templo em virtude do pecado de idolatria que ele está em via de condenar. Contra vós. Essa era a parte mais estranha da convocação para o

 julgamento: como Deus poderia estar contra seu antigo povo? Afinal,

existe uma aliança “eterna” entre eles! Ao longo de toda a profecia deMiquéias, ficam em conflito os conceitos de justiça e misericórdiadivinas. Nesse breve livro Miquéias voltará repetidas vezes a essetema (cf. espec. 6.1-8; também Os 11.8-9).

3. O versículo 2 chama a atenção para o julgamento iminente. Jáos versículos 3 e 4 pintam um quadro da descida de Iavé para julgar,

 julgamento ao mesmo tempo majestoso e aterrador. Sai.  E o Senhorque sai e, assim mesmo, por meio de vasos escolhidos. Ele é o poderque rege a História. Age, porém, valendo-se de nações e de acontecimentos da natureza (cf. 5.10-15; Hc 1.5,6; Am 4.6-11). AquiMiquéias profetiza a destruição do Reino do Norte por Salmaneser e ainvasão de Judá por Senaqueribe. Não importa o instrumento humano:

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Deus é o poder atuante. Está presente e ativo na história. Esse quadroaponta para o êxodo no passado e para a consumação da história no futuro. Deus é apresentado tanto como “guerreador” quanto como

“juiz”. Conquanto Deus, por ser paciente, não feche as contas diariamente, há de fazê-lo no dia que ele próprio determinar (cf. Gn 15.16;SI 73). Observe que ele andará (anda) sobre os altos. O verbo empregado é o mesmo utilizado para “pisar” uvas, i.e., espremê-las com os pés, e representa o total esmagamento da desobediência idólatra. Vejao versículo 4 abaixo no que se refere ao efeito da “calcadura” por parte de Deus. Nessa vívida descrição, “altos” poderia significar os

“cumes” das montanhas. Entretanto, é um termo técnico usado no Antigo Testamento para designar áreas dedicadas à adoração de deuseslocais e imagens de Iavé. Israel devia ter pisado os altos dos cananeus(Dt 33.29), mas, em vez disso, adotou esses locais de adoração e, muitas vezes, também os deuses cananeus. Ao longo de toda a história deIsrael houve um constante conflito entre a religião verdadeira e umareligião sincretista do povo. Esta combinava elementos das religiõescananéias pagãs com a religião de Moisés e dos profetas.

4. Quando Iavé sai e pisa a terra, tudo o que anteriormente parecia sólido e eterno assume de repente o aspecto de cera derretida.

5. Observe a relação de causa e efeito entre a transgressão e os pecados deles de um lado e, de outro, a descida de Iavé para julgar (w .3-4). A adoração hebraica tradicional de Iavé dera tanto destaque àeternidade da aliança e às centenas de anos de misericórdia divina, queeles não conseguiam conceber que a profecia de Moisés (e.g., Dt30.15-20) se cumpriria (2.6). Estavam confiados no fato de serem descendentes de Jacó (2.7), na presença indubitável de Deus no templo(3.11) e, mais tarde, no avivamento de Ezequias.1 Quem fala essas palavras é o Deus que vem julgar seu povo (v. 2). As sanções daaliança eterna são aplicadas em conseqüência dos seus pecados. Nós, àsemelhança dos hebreus dos dias de Miquéias, muitas vezes não perce

 bemos que nossos pecados podem levar Deus a sair para nos julgar.

 MIQUÉIAS 1.4

1. Cf. Pusey, op. cit., p. 10.

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 MIQUÉIAS 1.67 

Mas, assim como uma causa suficiente traz consigo os efeitos, a transgressão e o pecado trazem condenação e destruição.  Jacó [...] Israel  

[...] Jacó [...] Judá. Em geral, no Antigo Testamento Jacó e Israel sãonomes empregados para indicar o Reino do Norte, fundado porJeroboão (1 Rs 11— 12). Esse emprego, porém, não fica claro emMiquéias por causa da queda iminente de Samaria (721 a.C.). Conquanto a maioria das referências não seja clara, em algumas delas, onome Israel só pode estar sendo atribuído a Judá (e.g., 3.9,10; 5.3,7).'0 paralelismo do versículo 5 faz com que Israel corresponda ao Reinodo Sul. Qual é a transgressão [..]?  Existem três possibilidades: idola

tria, opressão e urbanização. Miquéias chegou a Jerusalém vindo deuma pequena comunidade rural. Imbuído das tradições de uma sociedade imutável, ele olha com desconfiança para a cidade grande. Noentanto, a profecia de Miquéias, à medida que se desenvolve, não écontra a cidade como tal, mas contra os males que se multiplicam coma urbanização e o rápido crescimento econômico. Quanto à situaçãosocioeconômica de Jerusalém naquela época, veja a “Introdução”, pp.166-170. Embora os capítulos de 2 a 7 mostrem claramente que o pecado de Judá está no âmbito da opressão social, parece que este primeiro capítulo concentra a atenção na idolatria (vv. 3,7). Noversículo 3, ele menciona especificamente os “altos” na qualidade detransgressão de Judá e define Jerusalém em relação a esses altos.2 Porque Samaria, se os bezerros de ouro estavam situados em Dã e em Betei (1 Rs 12.28-29)? Entretanto, até meados do século VIII a.C., os principais altares estavam localizados em Betei e em Gilgal (Am 4.4,5;

7.13), mas havia um altar em Samaria (Am 8.14). Samaria e Jerusalém silo citadas porque os reis viviam nessas cidades e seus exemplos determinavam a orientação e a prática religiosa de Israel e de Judá. Um

 jufzo sobre essas duas cidades era um juízo sobre os dois reinos.

6-7. Por isso. Como também ocorre no versículo 5, existe uma ín-1ima relação entre o pecado do povo e o juízo de Deus.  Farei. A pro-

I Ibid., p. 13. “Após a primeira frase sobre Samaria, os nomes de Jacó e de Israelfido usados para o reino de Judá.”

1 A i.xx e o Targum trazem “ casa” em vez de “ altos”, mas parece uma tentativa decorrigir o paralelismo do versículo.

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fecia cumpriu-se literalmente em 722 a.C. quando Sargão II capturouSamaria depois de um cerco de três anos, destruiu a cidade e levou cativas mais de 27 000 pessoas.1Foi Deus quem o fez, mas seu instrumento foi o exército assírio.  Montão de pedras. A palavra é diferentedo costumeiro têl, que indica um monte de pedras irregular na forma, oresultado líquido de um local ocupado. Miquéias emprega a palavra li, que provém de uma raiz que significa “culpa” e “distorção”, dando aentender que o futuro de Samaria é o julgamento, não a decadêncianatural. Enquanto o versículo 6 fala da destruição geral da cidade, oversículo 7 concentra-se nas imagens  e nos  salários.  “De sua im

 pureza” é expressão acrescentada pelos tradutores para indicar o motivo desses salários e para vinculá-los a preço da prostituição,  sendoque no hebraico “preço” e “salário” são a mesma palavra. A prostituição e o dinheiro recebido por meio dela foram condenados em Deu-teronômio 23.18. A íntima ligação entre imagens e ídolos  de um ladoe, de outro, o preço da prostituição indica que Miquéias (tal comoOséias e Isaías) entende a idolatria como uma forma de prostituição

(e.g., Os 4.12-19; Is 1.21). E o tipo de idolatria a que Miquéias se refere encerrava a prostituição sagrada como parte da cerimônia deadoração. Essa mesma figura de linguagem é retomada um século de pois por Jeremias e Ezequiel. Assim como a prostituta exige pagamento por seus serviços, a idolatria cobra dos adoradores. Eleshaviam pago. E agora, na queda de Samaria, esse “preço” será levadoe consagrado ainda a outros deuses. Observe a palavra todas/todos, 

três vezes repetida no versículo. A destruição será total (cf. Am 4.2). EIavé quem assegura a realização desse julgamento. O eu  indica que éele quem provocará a ruína, embora o agente de fato empregado tenhasido o exército invasor assírio. (Cf. 5.10-15 e Am 4.6-13, em que serevela Deus agindo naquilo que consideramos acontecimentos danatureza.)

8-9.  Por isso.  A referência não é à destruição dos ídolos e à retribuição do preço de prostituição, mas ao fim do Reino do Norte.

 MIQUÉIAS 1.89

1. Adolphe Lods, Les prophètes d 'Israël, p. 25.

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 MIQUÉIAS 1.89

Volta-se especificamente para o versículo 9. A reação de Miquéias diante dessa palavra da parte de Iavé é de desespero e pranto. Ele não re

nega sua missão de profeta e não deixa de anunciar ao povo de Deusos seus pecados (3.8), mas o amor por esse povo e a identificação comele lhe causam grande tristeza. Não há nenhuma exultação com a destruição de Samaria. Pelo contrário, ele faz lamentações e pranto. Nissoo profeta exprime literalmente o amor divino. Deus não encontra satisfação alguma na destruição dos perversos (Ez 18.23,32; 33.11), muitomenos na do povo com quem fez aliança. Mesmo assim a justiça deve

resultar em julgamento. Ao andar despojado e nu, Miquéias toma-seuma parábola viva da destruição e do cativeiro que estava por acontecer e também de sua tristeza pessoal. O choque de ver o profeta nu nomeio de toda aquela opulência em que viviam deveria ter sido suficiente para fazê-los arrepender-se. Mas não foi. Semelhantemente, aslamentações como de chacais, e pranto como de avestruzes eram paralembrá-los de lugares desabitados. Faz-se referência aos gritossolitários, lugares onde, de outro modo, haveria silêncio absoluto. Ascidades, tanto grandes quanto pequenas, ficarão desoladas.  Porque. A  aflição do profeta surge não tanto da profecia de juízo, quanto do fatode ser ela irreversível. No passado a misericórdia de Deus reteve castigos prometidos (cf. Jn 3.4,10). Agora, contudo, as feridas são in-curáveis.  A paciência de Deus chegou ao fim. Ele é longânimo, masnão condescendente. Caso “incuráveis” refira-se ao pecado do povo, adoença é “terminal”, significa que o caráter desse pecado é imutável

(Jr 13.23). Caso se refira ao juízo divino, significa que não haverá escapatória quando ele ocorrer. As “feridas” seriam, então, referência àdestruição que viria, ou por sua idolatria desde os dias de Jeroboão I(cf. v. 7), ou pelo ataque iminente dos assírios. No primeiro caso, mal  referir-se-ia não apenas à adoração de Iavé na forma do bezerro deouro, mas também incluiria a religião sincretista do povo que adoravadeuses falsos emprestados dos cananeus, bem como o baalismo, intro

duzido por Acabe em Israel e por sua irmã Atalia em Judá (1 Rs 16.29-34; 2 Rs 8.25-27). No segundo caso, “mal” seria uma referência aoexército assírio invadindo todo o país e finalmente parando em voltada cidade de Jerusalém. A porta era o tribunal, o local em que se ministravam julgamento e justiça na época do Antigo Testamento (Pv

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31.23). É nesse lugar que Deus trouxe julgamento sobre seu povo. (Cf.quadro posterior pintado por Ezequiel, Ez 22.23-30.)

10-16. Essa profecia complementa a dos versículos de 2 a 9 e corresponde especificamente à proclamação que surgiu da reação do profeta diante da catástrofe iminente (vv. 8-9). Aqui ele fala ao povosobre o que a região rural há de sofrer quando Deus trouxer juízo sobreJudá. Pode-se inferir que esse julgamento é coletivo e transcende os diretamente culpados, por causa da inclusão de duas cidades estrangeiras

(Gate e Bete-Leafra) na lista apresentada a seguir. Copass e Carlson propõem os seguintes significados para os nomes mencionados porMiquéias:

Gate — Cidade da Notícia ou AnunciaçãoBete-Leafra — Casa do PóSafir — Cidade-Omamento ou Vista EsplêndidaZaanã — Partida ou SaídaBete-Ezel — Cidade Vizinha ou Casa de SeparaçãoMarote — Lamento AmargoLaquis — Cidade da Corrida ou Cidade de CavalosMoresete-Gate — Noiva de GateAczibe — Fonte Mentirosa ou Local de EnganoMaressa — Cidade de Conquista ou Cidade Hereditária1

Essas traduções (ou algo semelhante), quando colocadas dentrodo texto de Miquéias, esclarecem de imediato o jogo de palavras existente nessa profecia. O habitante da Cidade do Pó revolvendo-se no pó(v. 10) ou o morador da Cidade-Omamento andando nu (v. 11), ambosevidenciam a relação entre nome e atividade. E possível que o nome dacidade sugerisse a atividade, ou que o profeta o tenha escolhido porquecorrespondia àquilo que estava querendo insinuar. No entanto, em um

caso ou outro essa profecia é muito mais do que um exercício de associação entre nomes e atividades. Miquéias procura com esse recurso

 MIQUÉIAS 1.1016 

1.  A Study o f the Prophet Micah,  p. 100-101.

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 MIQUÉIAS 1.13

alertar o povo de Judá acerca da calamidade iminente. Embora não seconheçam mais os locais de algumas das cidades mencionadas, as conhecidas estão localizadas na planície de Shepelah, a sudoeste deJerusalém. O exército assírio se espalhará sobre essas planícies desprotegidas. A medida que os indefesos forem alcançados pelos assírios,uns escaparão para contar às cidades adiante, outros serão apanhados,despojados de tudo o que possuem e levados para o cativeiro. Algunsda nobreza se esconderão, tal como Davi no passado (1 Sm 22.1-2), naregião de Adulão (v. 15), cheia de cavernas. Miquéias parece dar a entender que Jerusalém poderá escapar. Ele usa a destruição iminente do

Reino do Norte para alertar a cidade, a fim de que não incorra nomesmo castigo (v. 12).

10. Gate era uma cidade filistéia. Eles guardariam silêncio a res peito da queda de Judá, não a anunciando para seus antigos arquiini-migos.

11. Moradora. A palavra feminina, aqui e nos versículos 12,13 e15, indica que os homens já tinham todos sido consumidos pela guerrae que o sofrimento e a tristeza se abatia com todo o peso sobre os indefesos.

12. Bem [...] mal.  Elas aguardavam bênçãos (não “bondade” ou“justiça”). Procuravam coisas materiais ou apenas segurança e não es

 peravam em Iavé. Ao invés do bem, desceu do S  enhor  o mal, desceuo mal daquele que é o autor do bem. (Cf. 3.2, em que seus líderesodeiam o bem e amam o mal.) A palavra “mal” é diferente da usadano versículo 9. O versículo 9 refere-se a um “golpe”, uma “aflição”.Aqui, fala de desventura ou tristeza, em oposição ao elemento moral.Ambas, porém, referem-se ao juízo divino que devastou até às portasde Jerusalém.

13.  Laquis  era o acesso meridional para Judá e importante fortaleza, sendo, por isso, fundamental para a defesa de Judá, especialmente contra o Egito (cf. Js 10.31-37). O princípio do pecado para a 

 filha de Sião. O  “pecado” pode ter sido a idolatria ou, talvez, o esta

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 MIQUÉIAS 1.15

 belecimento de alianças políticas com o Egito contra a Assíria (cf. Is30.1-5). Contudo, o fato de Miquéias não fazer nenhuma investida

contra alianças políticas ímpias toma menos provável essa segunda alternativa. Embora no restante da profecia Israel  refira-se a Judá, nesseversículo o termo é posto em contraste com Sião e, portanto, refere-seao Reino do Norte (também no v. 14).

15. Quem tomará posse ; literalmente, “um herdeiro”. A referência imediata seria ou a Salmaneser V, que invadiu a Palestina e esta

 beleceu o cerco de Samaria em 724 a.C., ou a Senaqueribe, que 24anos depois assolou Judá e, conforme o seu próprio registro do acontecimento, trancou Ezequias em Jerusalém “como uma ave na gaiola”.O ainda parece indicar que a segunda alternativa é a mais provável. A 

 glória  refere-se à nobreza como um todo ou ao próprio rei. Dequalquer forma, a profecia fala da destruição futura de Jerusalém e docativeiro de seu povo.

16. Fazete calva. Matos Soares traduz a frase por “arranca-te oscabelos”. Tosquiate; literalmente, “rapa tua cabeça”. As duas frasesfalam da prática de rapar o cabelo em sinal de pranto. Quem está re presentado pelo pronome te desse versículo? Provavelmente não é ummorador de uma das cidadezinhas rurais. Pelo contrário, a referência éa toda a tribo de Judá. Cativeiro.  A prática de deportação em grandeescala a fim de diminuir a agitação política foi aparentemente insti

tuída por Tiglate-Pileser III (747-727 a.C.).1Com a queda dos impériosassírio e babilônio, o império persa reverteu essa política (Ed 1.1-4).

II. CAPÍTULO 2

Há uma grande distância entre essa profecia e as registradas nocapítulo 1. A distância existe tanto na cronologia quanto no conteúdo.O capítulo 1 trata da idolatria e fala a Jerusalém e a Samaria antes da

queda desta, em 722 a.C. O capítulo 2 descreve o ambiente religiosodepois da mudança que foi desencadeada por Ezequias. De acordo com

1. Lods, op. cit., p. 20.

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 MIQUÉIAS 2

2 Crônicas 29.3, essa volta para Iavé ocorreu no primeiro ano de seureinado, por volta de 722 a.C. Desse modo, o capítulo 2 foi dirigido alguns anos depois a um povo que tinha deixado a idolatria, voltando-se

 para a adoração correta do Deus verdadeiro: correta na forma, mas lamentavelmente falha na mudança de coração e de vida. Assim comomuitos hoje em dia, os líderes de Judá não faziam nenhuma ligação entre a adoração correta de Iavé e a vida socioeconômica, com queoprimiam os fracos e os pobres.

Quando lemos a euforia do avivamento religioso registrado em 2Crônicas 29 e 30, percebemos por que os líderes políticos, religiosos e

econômicos da época simplesmente não conseguiam entender as ver- berações de Miquéias contra eles nessa profecia. Sustentavam que o juízo que Miquéias proclamava (2.3) estava em total desacordo com ocaráter de Iavé (2.7), que estavam seguros por serem descendentes deJacó (2.7), que o avivamento somado à riqueza econômica era provade que Deus estava com eles (3.11) e que a obediência cerimonialdeles assegurava as bênçãos de Deus. Miquéias respondeu defendendo

a justiça de sua profecia (2.7a), apontando especificamente para aopressão que dispensavam aos desamparados (vv. 8-9) e convocando-os para o exílio (v. 10). Ele descreve com sarcasmo o tipo de profetaque desejam (v. 6,11). A profecia termina de forma abrupta, com umaaparente contradição: uma promessa messiânica (vv. 12-13).

Por trazerem uma promessa brusca e contrária ao teor dos capítulos 1 e 2, alguns expoentes da alta crítica1acham que os versículos 12

e 13 não se encaixam aqui e provavelmente foram acrescentados pelamão de um revisor. Alguns chegam a dizer que Miquéias não anunciouesperança alguma para o seu povo, de maneira que esses versículos,

 juntamente com os capítulos 4 e 5, não são profecias autênticas dele.Entretanto, as promessas não são alheias a outras partes da profecia deMiquéias (cf. 7.7-9,19,20). Existe um chamado indireto ao arrependimento em versículos como 2.7c;  3.1,8; 6.8 e 7.15 e, junto com esse

chamado, há uma insinuação de que Deus é misericordioso. Conformeassinalou Bennett, a promessa de graça no fim de uma acusação séria é

1. Cf. J. L. Mays,  Micah; J. M. P. Smith, Micah, em ICC,  p. 5-156.

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 MIQUÈIAS2.1

um aspecto comum da profecia do século VIII a.C.1(Cf. Am 9.8-15; Is29.1-8. Veja também Ez 11.5-21.) Mays assinala a semelhança de vo

cabulário e forma nesses versículos com o drama da salvação proclamado por Isaías, especialmente nos capítulos 41,43 e 45.2

O capítulo dois aponta para uma batalha teológica quanto ànatureza e à ação de Iavé. Miquéias debate-se com a relação entre a promessa de uma aliança e o fim que Deus dá a essa aliança. De umlado encontram-se a fidelidade e a misericórdia eterna de Deus (cf. Jn4.2). De outro, ele vê claramente que Deus exige eqüidade, mise

ricórdia e humildade (6.8). Os líderes (políticos, religiosos e econômicos) alegavam estar ao lado daqueles profetas que haviam enfatizado afidelidade de Deus e chamado a nação a se arrepender da idolatria. Durante 600 anos ou mais, Deus havia honrado a aliança “eterna” quetinha estabelecido com Moisés (cf. Êx 19.5-9). Recentemente eles tinham deixado os ídolos para se aproximarem do Deus vivo. Por queDeus os abandonaria agora (3.11)? Em certo sentido, eles eram os“fundamentalistas” da época. Miquéias segue uma linha de pensamento também encontrada em Moisés, mas apresentada claramente,

 pela primeira vez, por Samuel (1 Sm 15.22,23). Davi (SI 51.15-19) e,mais tarde, Amós (4.1-5) também adotam o conceito de que o sacrifício, mesmo quando oferecido corretamente, não é aquilo que Deusdeseja. Ele exige justiça. Para essa interpretação da revelação, a observância cerimonial correta não é suficiente. Nem se pode descansarna fidelidade de Deus. Deus exige obediência. A desobediência e a in

 justiça clamam pelo juízo de Deus. E essa promessa também remonta aMoisés (Dt 27.9-26). O capítulo 2 é o início da tentativa de conciliar asduas tendências: misericórdia e juízo. Só no capítulo 7, Miquéias consegue encontrar uma forma de uni-las e dar plena expressão a ambas.

1.  Ai daqueles.  Aqui o punhado de poderosos é acusado deoprimir um grande número de pobres e desamparados. Em 7.2,

Miquéias observa que os bons ou piedosos desapareceram da terra. Alguns foram sem dúvida alguma liqüidados; boa parte foi assimilada

1. Op. cit., p. 31.2. Op. cit., p. 74.

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 MIQUÉIAS 2.2

 pelos maus, que passaram a ser maioria. Que, nos seus leitos.  Os quedeviam estar dormindo e dando descanso ao corpo. Os piedosos usam

essas horas para ter comunhão com Deus (SI 63.6); os perversos, paratramar o mal. Eles consagram até essas horas para imaginar maneirasde satisfazer sua obsessão de obter mais vantagens materiais.  Imagi-nam a iniqüidade e maquinam o mal.  Eles cultivaram a mente maldosa, não foram apanhados repentinamente pela tentação.1 A palavraaqui traduzida por “mal” ocorre 7 vezes em Miquéias, 3 delas nosversículos 1 e 3. Seu sentido básico deriva das idéias de tremer, fazermuito barulho, esbravejar e quebrar em pedaços. Desse modo, a

 palavra em si contém a idéia de dano causado com violência. No entanto, mais importante que esses sentidos remotos de “mal” é o significado que Miquéias atribui ao termo aqui e no capítulo 3, quandodescreve os atos perversos do povo (2.1-2,8-9; 3.2-3,9-11). Eles o 

 praticam, porque o poder está em suas mãos.  Nada os detém. O princípio “a justiça provém da força” transforma o poder em autoridade suprema, acima de qualquer lei ou moral. É a negação de que o

 pobre e o fraco tenham algum direito. Esquecem-se de que Deus estádo lado dos oprimidos (e.g., Êx 22.22-27; 23.6-8; Mt 25.31-46). Em bora Feinberg conclua que Miquéias está denunciando uma nobrezacorrupta,2 é mais provável que ele esteja referindo-se aos novos ricosque se tomaram poderosos com o progresso econômico de Judá, queteve início no reinado de Azarias e alcançou novos níveis nos reinadosde Acaz e de Ezequias. (Veja “Introdução”, pp. 166-167.) Repare nosindícios de uma economia monetária em 3.11. “De maneira que ali,

 perto da ‘Bolsa de Valores da Palestina’, situada na esquina da ‘WallStreet’ de Jerusalém, ele atirava palavras de lamento contra os magnatas despóticos (grandes proprietários) de sua época.”3

2. Cobiçam campos.  A cobiça é que dá impulso aos negócios,embora essa motivação em particular tenha sido proibida em Êxodo20.17. O resultado é a opressão, também condenada (Lv 25.14,17; Dt

24.14). Observe a facilidade com que se dá a transação: cobiçam cam-

1. Tait, The Prophecy o f Micah, p. 29.2.  Jonah, Micah and Nahum, p. 63.3. Bennett, op. cit., p. 24.

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 MIQUÊIAS 2.3

 pos e os arrebatam. Nem o rei Acabe achou tão fácil fazer aquilo peloque Miquéias acusa os poderosos de sua época. Repare as diferenças

entre a atitude de Acabe na tentativa de apoderar-se da vinha de Nabote (1 Rs 21.1-16) e a desses latifundiários dos dias de Miquéias.Acabe respeitava as leis de herança e, não fosse Jezabel, teria ficadosem a vinha. Os novos ricos da época de Miquéias tomavam tanto oscampos quanto as casas: o abrigo e o meio de subsistênciahereditários. Margolis assinala que nos Salmos os pobres são os humildes e os piedosos; os ricos são os déspotas e os perversos.1 A

avareza dos ricos é amplamente documentada pelos profetas (Veja Am2.6-8; 3.9,10; 4.1; 5.11; Is 3.14,15; 5.8-10; Jr 5.26-28; 22.13-17; Ez22.7,29).  Assim, fazem violência.  O verbo traduzia os conceitos deopressão, dano, engano e ruína. Aquilo que estão fazendo e a que ninguém (príncipe, sacerdote ou profeta) objeta já havia sido condenadomuito tempo antes, em Deuteronômio 24.14. (Cf. Os 12.7; Am 4.1; Is52.4; SI 146.7). A um homem e à sua casa. Seria de esperar “família”em lugar de casa. Entretanto, o paralelismo com herança  indica o interesse nos bens materiais, que permitiam ao homem ter tanto o abrigoquanto a subsistência. À perda da casa e dos campos seguiam-se a

 perda da liberdade e, por fim, da vida. A “violência” está no fato de ohomem rejeitar a perda desse vínculo com seu passado. Os ricos nãosão assassinos no sentido exato da palavra. Estão voltados para ascoisas materiais, para o acúmulo pessoal de mais e mais bens. O tipode mal social que Miquéias descreve (vv. 8-9) só se tomou comum em

Israel na época de Jeroboão II, na primeira metade do século VIII a.C.Em Judá esse problema atinge o ápice quase 50 anos depois, primeiramente no reinado de Acaz e depois no de Ezequias. Naqueles dias surgiu uma pequena classe de “super-ricos”, enquanto a imensa maioriatendia a uma estado de pobreza, sem nenhum recurso.

3.  Portanto. A despeito da aliança eterna e do caráter misericor

dioso de Deus, é necessário que o juízo venha sobre aqueles quedesobedeceram friamente à sua lei e oprimiram o seu povo (Lv 25.23-

1.  Micah, p. 85.

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 MIQUÉIAS 2.3

28; Dt 19.14)1 Assim diz o SENHOR. Miquéias fala com a autoridade deum mensageiro que recebeu a palavra da parte do próprio Deus. O ter

rível julgamento que se avizinha não é uma fantasia humana, nem pode ser posto de lado como se fosse bobagem de algum tolo que ficafalando sob êxtase. Eis que projeto mal. A ironia deve ter calado fundonos ouvintes de Miquéias. “Projeto” e “mal” são as palavras empregadas no versículo 1 (onde a primeira é traduzida por “imaginam”).Desse modo, Deus lhes pagará o mal premeditado que fizeram com ummal premeditado. Assim, aqui, em uma única frase, Miquéias combina

elementos das duas frases do versículo 1, unindo-as no juízo. O mal planejado por Deus é um julgamento do tipo olho por olho, em decorrência da injustiça deles. Os ricos haviam-se apoderado de campos ecasas, expulsando os que tinham direito hereditário à propriedade (v.2). Agora Deus está para mandar essa família  para o cativeiro, após tirar-lhe as terras (v. 4). Entretanto, não se trata de uma famíliaespecífica dentre os opressores. Pelo contrário, refere-se à nação nasua totalidade. (Observe o v. 4, que fala de seu “povo” .) A nação sofrecoletivamente pelos pecados do povo que se amontoam (cf. Gn 15.16).Embora os ricos sejam acusados por Miquéias de causarem o juízodivino, a nação toda está envolvida e é condenada.  Não tirareis a vossa cerviz.  A imagem é do gado mantido sob jugo para o trabalhonos campos. Uma vez preso ao jugo, não havia nenhuma saída para o boi. Essas pessoas estavam acostumadas a fugir do juízo divino prometido. E não apenas isso; estavam no meio de um grande reavi-

vamento religioso. Miquéias insiste em que sua mensagem não sãosimples palavras. E inevitável que sejam levados para o cativeiro. Amisericórdia de Deus não vai mais impedir o seu juízo (Am 7.8). Naverdade, foram quase outros 100 anos, mas isso aconteceu de modoinexorável. O tempo será mau.  Em vez de indicar um anticlímax(Mays), a expressão une tanto o mal que os poderosos perpetravam naépoca quanto o mal resultante enviado por Deus sobre todo o povo.

1. Veja o excelente capítulo “Land and Property Rights” , in: God's People in God's  Land, de C. J. H. Wright (Grand Rapids: Eerdmans, 1990,284 p.), p. 115-180.

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 MIQUÉIAS 2.4

4. Naquele dia. Mesmo sendo uma expressão técnica para designar o dia escatológico do Senhor, ela retrocede especificamente até a

última parte do versículo 3. Os versículos 4 e 5 expandem, dessemodo, o juízo registrado no versículo 3. De novo o castigo está à alturados culpados. Por ocasião do juízo  se criará contra vós outros um 

 provérbio. Aqui a palavra “provérbio” transmite a idéia de canção de“zombaria”. Seus captores devolvem-lhes o lamento. O “vós”engloba em primeiro lugar aqueles que oprimiram os pobres. Contudo,tal como acontece com a palavra “família” no versículo 3, acaba incluindo a nação toda. O fundamento desse juízo coletivo é tanto o conceito de solidariedade da comunidade quanto o fato de os piedososterem desaparecido da terra (7.2). Se levantará pranto lastimoso.  Essesignificativo jogo de palavras é formado por uma tríplice repetição(riãhâ, nehi, nihyâ;  lit., “se lamentará lamento lamentoso”), que transmite a idéia de choro monótono.1É como se fosse o choro ininteligíveldeles enquanto seguissem para o cativeiro. Miquéias coloca, então, oconteúdo subconsciente desse pranto numa série de exclamações.  Es-

tamos inteiramente desolados. O inimigo veio e tomou tudo. Sua atividade febril de acumular casas e campos (vv. 1-2) não apenas seinterrompeu, mas tudo o que ajuntaram lhes foi tirado.  A porção do meu povo, Deus a troca.  A palavra “Deus” não se encontra no he

 braico nem no grego. É, porém, obviamente, o sujeito da exclamação.Margolis2 interpreta o sujeito indefinido como o inimigo (assírio, babilônio). Não há dúvida de que o instrumento é o exército arrasador,

mas o profeta sempre vê Deus como aquele que dirige o desenvolvimento da história. O orador pode ser o próprio profeta, mas provavelmente é alguém que se identifica com o povo. O verbo“troca” é o x  da questão. Como o Deus eterno, caracterizado pela fidelidade e pela misericórdia, pode trocar a sorte do seu povo? Como pode fazer isso cerca de 600 anos depois de escolhê-lo? Como podefazê-lo se é evidente que há um reavivamento religioso em anda

mento? A mensagem de Miquéias parece inacreditável. Contudo, dentro da frase e naquelas que se seguem encontra-se o ponto de partida

1. Feinberg, op. cit., p. 64.2. Op. cit., p. 29.

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 M1QUÉ1AS 2.6 

 para a explicação. Embora “porção” não seja a palavra usada para“herança” no versículo 2, o pensamento é o mesmo. Será que para eles

não era demais roubar a herança dos pobres? Por que seria impensávelque um Deus justo lhes retribuísse na mesma moeda? As duas últimasexclamações do versículo correspondem às duas primeiras e as desenvolvem.  Aos rebeldes.  Certamente a referência é aos exércitos invasores e não aos malfeitores dos versículos 1 e 2. Desse modo, a BJ

traduz “ao que nos pilha” e a BLH, “aos que nos conquistaram”.

5. Portanto. Os versículos 1e 2 descrevem vividamente a disparidade entre ricos e pobres; os versículos 3 e 4 anunciam o juízo de Deussobre a nação toda. Agora, no versículo 5, Miquéias destaca as conseqüências.  Não terás. Observe que o verbo está na segunda pessoa dosingular. Muitos comentaristas fazem emendas para colocar a frase no

 plural e assim concordar com os plurais do versículo 4. O singular pode muito bem ser entendido como uma palavra dirigida especificamente a latifundiários avarentos que estavam presentes quando a

 profecia foi entregue. Aqueles magnatas que precisavam de topógrafos para medir os campos que estavam roubando já não os encontrariam.A profecia confirma a prática assíria instituída pouco antes e, maistarde, adotada pelos babilônios de deportar apenas os instruídos, os ricos e os nobres. Embora o povo todo vá sofrer com a falta de liderança, o peso do cativeiro recairá basicamente sobre os própriosopressores. Quem lance o cordel, pela sorte.  Ninguém terá o co

nhecimento e a capacidade para demarcar limites de propriedades. Aterra tinha sido distribuída com direitos hereditários em Josué 13.6 e14.1-5. Desde então eles vinham usando um cordel (2 Sm 8.2) ou pedras lançadas numa dobra da roupa (Pv 16.33) para determinar a quemcaberia a herança. Agora, porém, as divisões que forem feitas serãofeitas por seus inimigos. Congregação do  SENHOR. Uma palavra como“igreja” para nós. Lembrá-los-ia de suas responsabilidades sociais e

da imensa perda que estavam em via de sofrer.

6. O estilo de Miquéias, extremamente fácil de ler, perde muitocom a maneira como nossas Bíblias estão impressas. Os versículos 6 elb   são um acesso de indignação por parte dos ouvintes de Miquéias,

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 MIQUÉIAS 2.7 

que tapam os ouvidos e exigem que ele pare. Para eles, a mensagem do profeta é herética e pessoalmente ofensiva.  Não babujeis, dizem eles. 

 Não babujeis tais coisas.  Muitos traduzem “não profetizeis”. Emborao verbo signifique “gotejar”, “deixar cair”, aparentemente em razãode um antigo estilo profético extático, é um verbo usual para “profetizar” (cf. Am 7.16; Is 30.10,11; também a experiência apostólica emAtos 5.40). Pusey comenta que o “gotejar” da palavra de Deus era extenuante. Corroía-lhes a paciência, mas não seus corações de pedra.1

 Porque a desgraça não cairá sobre nós. O raciocínio deles baseava-se

em dois conceitos: Deus é fiel à sua aliança eterna e caracteriza-se pela permanente misericórdia. Em suma, de acordo com eles, a mensagemde Miquéias conflitava com a essência da natureza de Deus.

7. Desse modo eles insistiam: tais coisas anunciadas não al-cançarão a casa de Jacó.  E difícil interpretar o hebraico do final doversículo 6 e início do 7. Alguns tradutores e comentaristas entendemque apenas a primeira parte do versículo 6 é a interpolação dos ouvin

tes; o restante é entendido como a resposta de Miquéias a eles. Inter pretando dessa maneira, Feinberg entende que, no versículo 7,Miquéias lhes lançou duas perguntas formuladas de tal maneira quedessem respostas negativas.2 Bennett, por sua vez, encontra quatro perguntas no versículo.3 Outros interpretam a primeira frase como umaafirmação e encontram só três perguntas. No entanto, parece que fazmais sentido entender que a interpolação ocupa a maior parte do

versículo 7, iniciando-se a resposta de Miquéias apenas com a última pergunta (afirmação, na ARA).  Está irritado o Espírito do SENHOR? A pergunta exige resposta negativa e mostra por que achavam queMiquéias tinha de estar errado. E claro que estavam obstinadamentecegos para o fato de que o Reino do Norte já tinha sido levado para ocativeiro e os assírios haviam devastado todas as terras cultiváveis ecidades ao redor de Jerusalém. Tal cegueira nos lembra da resposta

que os judeus sob domínio romano deram ao Senhor em João 8.33.

1. Op. cit., p. 35.2. Op. cit., p. 66.3. Op. cit., p. 28.

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faz-se referência às viúvas jovens.  Lar querido.  A herança deixada pelos maridos; lares em que suas lembranças as enchem de alegria

quando recordam o passado e de segurança quando encaram o futuro. Lançais fora. A brutalidade com que os pobres e os desamparados sãotratados pelos fortes e ricos. Hoje em dia.também existem muitasmaneiras pelas quais estes tomam legalmente (e também ilegalmente)o pouco que os fracos possuem.  Dos filhinhos delas tirais a minha 

 glória.  “Glória” é uma palavra hebraica diferente da empregada em1.15. Hãdãr  refere-se à honra e à dignidade que Deus conferiu a esses

filhos de viúvas desamparadas. Por essa razão, Van Hoonacker entende que tanto o privilégio de pertencer ao povo de Deus quanto aoportunidade de adorá-lo são tirados dos filhos porque estes são vendidos como escravos.1Claro que tudo se faz legalmente: para pagar dívidas.  Para sempre  talvez indique a duração do castigo dos opressores(Pusey), mas é mais provável que se refira à perda definitiva dessascrianças desamparadas.

10.  Levantaivos e idevos embora. O povo todo é chamado a ir para o exílio. Assim como os opressores tinham despejado os desam parados e as viúvas (vv. 2,9), agora a justiça de Deus despeja-os daterra. Visto que a aliança palestina (Dt 28-30) não fora cumprida, eraclaro que eles precisavam seguir para o exílio.  Porque não é lugar  aqui de descanso. Apesar disso, a Palestina devia ser um local de descanso para eles (Dt 12.10; cf. SI 95.11 com Nm 14.30; veja tb. Hb 4.1-

11). Eles têm de ir por causa da imundícia que destrói.  Os cananeushaviam contaminado a terra com sua idolatria e abominações (Gn15.16; Lv 18.24-30). E Deus usou Israel para expulsá-los. Agora Judácontaminou a terra com idolatria, violência e imundícia; ela tambémdeve ser expulsa da terra (cf. Ez 5.5-8).

11. Esse versículo é atirado com sarcasmo contra os inimigos de

Miquéias, que desejam um profeta que lhes diga o que querem ouvir,que fale de assuntos que lhes agrade (cf. 2 Tm 4.3). O vento da falsi-

 MIQUÉIAS 2.10

1.  Les Douze Petits Prophètes, p. 372.

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 MIQUÉIAS 2.1213

dade. No hebraico, “espírito” e “vento” são a mesma palavra. Os falsos profetas afirmavam falar pelo Espírito de Deus (Jr 5.31; Ez 13.3).

De acordo com Miquéias, isso não passava de vento (Os 9.7).  Do vinho e da bebida forte.  “A satisfação dos prazeres terrenos era o temada mensagem dos profetas ímpios.”1Existe íntima relação entre a corrupção moral e a cegueira espiritual. O profeta deste povo.  Até umevangélico pode ser culpado de deixar o povo sem alimento espiritualsólido, de pregar de maneira a deixar os ouvintes à vontade, de deixarde instá-los a que se examinem à luz de todo o verdadeiro caráter de

Deus. Devemos uma vez mais lembrar que Miquéias lançou seu desafio ao povo de Deus, em meio de um grande reavivamento.

12-13. A interpretação de Mays, segundo a qual Jerusalém é o local de onde o povo é tirado, movimentando-se rumo ao cativeiro e nãovoltando do exílio,2 não parece ser correta. A única vantagem é que preserva a passagem como algo intrínseco de Miquéias, o profeta som brio. Embora o versículo 13 possa ser compreendido como referênciaao cativeiro, o júbilo do versículo 12 não se encaixa nesse quadro.

 Nem o conceito de ajuntamento. Certamente, te ajuntarei todo, ó Jacó. A libertação é prometida. O clima de triunfo fala da volta do cativeiro.Mas Judá ainda não foi exilado, a menos que Miquéias esteja falandode Israel, que já tinha sido levado pelos assírios poucos anos antes.Conquanto “Jacó” de fato se refira ao Reino do Norte em 1.5, docapítulo 2 em diante é empregado por Miquéias em referência ao Rei

no do Sul (cf. 3.9-10). Embora Judá ainda não tenha sido levado,Miquéias profetiza a respeito do exílio nos versículos 3, 5 e 10 e entende profeticamente que ele já se concretizou. E agora a visão descreve a volta do restante. O conceito de um exílio em que o povo ficaria espalhado é visto no fato de Deus o ajuntar como ovelhas numaprisco. A misericórdia e fidelidade de Deus unem-se à sua justiça na

 preservação de um remanescente. A justiça de Deus exige que o povo

todo sofra pelos seus pecados. Esse conceito de responsabilidadecoletiva resulta no cativeiro. Mas Deus é fiel: ele conserva uma porção

1. Feinberg, op. cit., p. 69.2. Op. cit., p. 75-76.

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de seu povo, a despeito do pecado deste (7.18-19). Farão grande ruído  por causa da multidão de homens. O remanescente que Deus vai con

gregar não é um pequeno grupo. O fato de que será uma “multidão”,embora a palavra não esteja no hebraico, é evidencido pelo barulhoque faz quando se congrega. O que abre caminho. Repare na mudançada primeira para a terceira pessoa. Deus os congregará; seu Messias,“o rompedor”, subirá adiante do remanescente.  Eles romperão, en-trarão pela porta e sairão por ela.  O texto em português é confuso,dando a impressão de um movimento de entra-e-sai: romper, entrar,

sair. O segundo verbo é mais bem traduzido por “atravessar”. O seu  Rei irá adiante deles; sim, o SENHOR, à sua frente. O Rei e lavé podemser identificados, sendo considerados uma pessoa, em razão do

 paralelismo poético. No entanto, não são a mesma pessoa. Pode-se atéconcluir que o Rei seja o Messias, o instrumento que Deus usará paratrazer o povo do cativeiro. O fato é que, na volta, muitos pensaram queZorobabel fosse esse messias. (Cf. as profecias de Ageu e de Zacarias.)

Para Miquéias, é importante que lavé esteja presente e dirija o líderque trará o povo de volta, demonstrando sua soberania sobre a história,como aconteceu no Êxodo.

III. CAPÍTULO 3

 No conteúdo, o capítulo é bem parecido com o anterior. Ainda assim, há diferenças marcantes. As acusações e as condenações do

capítulo 2 são dirigidas contra os novos ricos, os latifundiários poderosos que estavam acumulando fortunas à custa dos fracos e desamparados. O capítulo 3 traz acusações parecidas contra os líderescivis e religiosos que estavam utilizando os cargos oficiais que ocu

 pavam para obter lucro pessoal. O capítulo 2 parece constituir umaunidade, ao passo que o 3 dá a impressão de conter três resumos detrês profecias distintas, entregues em ocasiões diferentes a ouvintes

diferentes. Enquanto o capítulo 1 condena a idolatria do povo todo, ocapítulo 2 condena os problemas sociais que surgem numa sociedadeem que os bens materiais são distribuídos de forma desigual e em quealguns oprimem outros para obter mais bens deste mundo. Agora, nocapítulo 3, os líderes civis e religiosos da sociedade são condenados

 MIQ UÉIAS3

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 por má administração, por cederem às exigências da classe comercialascendente e por obterem lucros pessoais com seus cargos. Por último,não há nenhum indício da palavra de esperança expressa em 2.12-13.

 No entanto, ela se apresenta logo depois no capítulo 4.A estrutura do capítulo 3 sugere uma divisão tríplice: a profecia

contra os príncipes e os chefes (vv. 1-4); a profecia contra os falsos profetas (vv. 5-8); e a profecia contra os chefes, os sacerdotes e os profetas (vv. 9-12). Copass e Carlson entendem que a profecia contém trêsestrofes, considerando o versículo 8 uma interrupção.1 No entanto, parece mais provável que o capítulo 3 seja uma compilação que coloca

em seqüência os resumos de três profecias entregues por Miquéias emocasiões diferentes. (Compare com Mateus, que, em seu evangelho,fez compilações semelhantes das mensagens de nosso Senhor. O sermão do monte, por exemplo, parece reunir os resumos de pelo menosseis sermões distintos.) A primeira e a terceira profecia começam com“Ouvi...”. A segunda principia com “Assim diz o SENHOR”, ex

 pressões técnicas solenes empregadas pelos profetas no início de uma

mensagem da parte de lavé (cf. Am 1.3; 3.1; 4.1; 7.1). Seria possíveloferecer um sem-número de exemplos. Aqui em Miquéias, compare1.2 com 6.1 que, com quase toda certeza, introduzem profecias distintas. Nosso Senhor utilizou expressão semelhante no final de suas mensagens (cf. Mt 11.15; 13.16; Mc 4.9 etc.). Cada profecia é constituídade destinatário, acusação e anúncio do juízo de Deus sobre ele porcausa dos pecados. A segunda profecia é também uma proclamação de

 julgamento, embora surja como um contraste entre o ministério deMiquéias e o dos falsos profetas.A estrutura social de Judá nesse período foi analisada na “Intro

dução”, pp. 164-166. Aqui devemos observar que, sob a monarquia, aliderança tanto civil (anciões da cidade) quanto religiosa (sacerdotes)era determinada pelo nascimento (hereditariedade). Os profetas, contudo, representavam um ministério carismático. Eles eram reconhecidos pelo estado, mas ficavam fora dos vínculos hereditários. Os novosricos, i.e., a classe comercial, os latifundiários poderosos condenados

 MIQUÉIAS 3

I. Op.c it., p. 111-115.

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no capítulo 2, estavam à margem das estruturas políticas normais. Noentanto, o dinheiro deles levava os chefes tribais, os sacerdotes e os

 profetas a cometerem atos violentos contra o povo de Deus (3.11; 7.4).É estranho que Miquéias quase não mencione o rei. Apenas 4.9,5.1 e6.8 talvez se refiram ao rei que estava no trono, Ezequias. Trazendocondenações assim tão incisivas de príncipes, juizes, sacerdotes, profetas e proprietários de terras, é de maravilhar que não haja nenhuma profecia contra o próprio trono. Pode ser que Ezequias não estivesse demodo algum envolvido nesses negócios e, na realidade, os desconhe

cesse. O mais provável é que Miquéias se tenha abstido de fazeracusações específicas em razão do grande respeito que se tinha peloUngido do Senhor. (Cf. o respeito de Davi por Saul [1 Sm 24.11; 26.8-9] e a ousadia de Amós diante de Jeroboão II [Am 7.10-13].) O vigorcom que Miquéias pronunciou a Palavra do SENHOR contra os poderosos de sua época toma muito improvável que se tenha silenciado a respeito do rei em si porque temesse pela própria vida. As únicas outras possíveis referências ao rei são 1.15; 2.13; 5.2; 6.5,16.

1. [E] Disse eu. Expressão obscura, interpretada de modo diversocomo uma conexão com a profecia do capítulo 2 (Mays), como umobscuro comentário marginal (Smith) ou como se Miquéias tivesserepetido, mais tarde, a outro grupo de ouvintes, o que havia profetizado para os líderes. Nenhuma das profecias de Miquéias possui estrutura narrativa. Uma vez que o livro é notadamente constituído de

grande número de resumos das profecias de Miquéias, essa expressão émais bem entendida como uma introdução à recapitulação daquilo queo profeta já havia proclamado com vigor em outra oportunidade, aoslíderes de Judá. Ouvi. O chamado é não apenas para escutar, mas paraobedecer ao mandamento de Deus (cf. 1.2; 3.9; 6.1,9). Sendo palavraintrodutória de uma mensagem profética da parte de Deus, sua ausência em 4.1, por exemplo, talvez indique que, pelo menos a primeira

 parte do capítulo 4 pertence à profecia que conclui esse capítulo (3.9-12). Da mesma maneira, sua ausência em 2.12 ajuda a indicar que2.12-13 forma uma unidade com 2.1-11. Cabeças [...] chefes.  A altaclasse de dirigentes que combinava funções civis e militares. Margolisentende que “chefes” (tfsinim) é palavra cognata do árabe kadi(ti),

 MIQUÉIAS 3.1

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 MIQUÉIAS 3.2

que tem o sentido de “juiz”.1 Jacó [...] Israel.  Aqui a referência é aJudá e a Jerusalém em particular (cf. comentário sobre 1.5; veja 3.9-10). Não é a vós outros que pertence saber o juízo? A forma da pergunta implica uma resposta afirmativa enfática. A própria posição queocupavam na sociedade exigia que tivessem um profundo conhecimento da lei (cf. Dt 17.18-20; 31.9-13,24-26). Entretanto, “saber”tem aí sentido muito maior que mera cognição intelectual. Significa prestar atenção no objeto conhecido, dar-lhe o devido valor e interessar-se por ele. “Juízo”, ou justiça, também é mais que simples minis-

tração correta da lei.  Mishpãt é  isso, mas também é o estabelecimentode relações corretas entre os homens, especialmente entre o rico e o

 pobre.2 Portanto, é uma referência ao interesse especial nos fracos, àsolidariedade para com eles e à dedicação a eles quando são levados aotribunal. Daí que o juízo que eles têm de “saber” é o oposto daopressão social condenada no capítulo 2, da violência social que oslíderes ajudavam e incentivavam (cf. Am 5.4-6; Lc 14.26). O objetivo

da mishpãt  é a reconciliação entre as partes alienadas e a restauraçãoda sociedade à integridade. Mas, em lugar disso, no dizer de Feinberg,“parece que se apelou a todo tipo de opressão cruel, a fim de que esses

 juizes impiedosos pudessem roubar os bens de seus compatriotas” .3

2. Os que aborreceis o bem e amais o mal. Exatamente o opostodaquilo que o cargo oficial exigia deles. A intensidade dos verbos“aborrecer” e “amar” mostra que o pecado deles não era a “indiferença”. Tinham torcido os valores morais (cf. Is 5.20 e Am 5.14-15).Miquéias voltará, no versículo 9, a esse contraste entre responsabilidade e conduta. Aqui “mal” é a palavra empregada em 2.1 para descrever as atividades da classe comercial ascendente. O restante dosversículos 2 e 3 é um retrato profundamente vivo de como esses quedeviam ministrar a justiça tratavam os fracos e impotentes, as “não- pessoas”, como Gutiérrez os chama.4 Deles arrancais a pele e a carne

1. Op. cit., p. 35.2. Ibid.3. Op. cit., p. 74.4. “Freedom and Salvation”, em Liberation and Change, p. 79.

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 MIQUÊIAS 3.4

de cima dos seus ossos.  As vítimas desse tratamento brutal não são

identificadas senão no versículo 3, em que são chamadas “meu povo”. No mínimo, a figura mostra o abate e o preparo de animais para seremcomidos. Ou bem pode ser que Miquéias esteja-nos descrevendo a

 prática repulsiva do canibalismo (cf. 2 Rs 6.28-30). De qualquermaneira, os fracos tomaram-se nada mais que objetos para satisfazer afome dos poderosos. Estes não apenas tosquiaram as ovelhas sob seuscuidados, mas também as comeram (cf. Zc 11.16). Ezequiel, cem anosdepois, volta a essa figura e a desenvolve (Ez 11.7; 24.3-14; 34.2-3).

4. Após caracterizar de forma tão impressionante a maneirainíqua pela qual os dirigentes tratavam o homem comum, Miquéiaslança sobre eles o juízo de Deus. Então. Não no sentido de conseqüência (“por essa razão”). Essa palavra aponta para o futuro, para omesmo dia de juízo divino do qual ele falou em 2.3-4 e 10. É a essemesmo dia mau que Miquéias se refere abaixo, nos versículos 6 e 12.

Israel caiu, e a ferida de Judá é incurável, 1.9. Chamarão ao SENHOR. Essa profecia foi totalmente cumprida mais de cem anos depois, com aqueda de Jerusalém e o cativeiro babilónico. Antes disso, porém, osassírios marcharam pela terra e deram a esses líderes inúmeras oportunidades de meditarem nas palavras de Miquéias. A mudança dasegunda pessoa (vv. 1-3) para a terceira (v. 4) bem pode indicar queesses líderes taparam os ouvidos e deram as costas para Miquéias. Elese volta para a multidão ao seu redor para esmiuçar a punição dos

líderes. Agora eles têm o coração duro, são ególatras e auto-suficien-tes. Naquele dia clamarão por misericórdia e por ajuda externa.  Mas não os ouvirá. Eles julgaram erradamente o caráter de Deus. Quando o

 juízo vier, a hora da graça terá passado. Eles interpretaram sua fidelidade bondosa como um sinal de imobilidade. Mas chegará o dia emque a iniqüidade deles atingirá o limite (Gn 15.16). Aí então o juízosubstituirá a graça. Eles não deram ouvidos ao clamor dos pobres, agora Deus se recusará a dar ouvidos ao clamor deles (Pv 21.13).  Escon-derá deles a sua face. No Antigo Testamento é sinal de favor quandoDeus levanta o rosto (Nm 6.26) e de desfavor, quando ele o esconde(Dt 31.17-18; Is 8.17).1De modo que o juízo mais duro será o silêncio

1. Margolis, op. cit., p. 36-37.

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 MIQUÉIAS 3.5

 pesado do Deus a quem ofenderam (Is 59.1-2). Lembre-se: os líderesque Miquéias condena são homens importantes, respeitáveis e re

ligiosos que participam do reavivamento de Ezequiel.

5. A segunda profecia registrada no capítulo (w . 5-8) diz respeitoaos profetas. É tão concisa que alguns dos elementos formais encontram-se apenas implícitos. Primeiramente, há a identificação formalcomo palavra de Iavé. A isso se seguem uma extensa acusação e a sentença de julgamento. A profecia se encerra com um contraste entre oministério de Miquéias e o dos demais profetas.  Assim diz o S  enhor. 

Embora muito usada por outros profetas, essa expressão introdutóriaaparece em Miquéias só mais uma vez (2.3), quando apresenta o juízoque cairá sobre os injustos mencionados em 2.1-2.  Profetas que fazem  errar o meu povo.  O primeiro a pregar contra os falsos profetas foi Mi-caías (1 Rs 22). No Novo Testamento, Paulo (Cl 2.8), Pedro (2 Pe 2.1-3) e Judas (8-19) advertem contra os falsos mestres. (Cf. a batalha deElias com os profetas de Baal em 1 Rs 18). Deve-se destacar que esses

homens não se consideravam “falsos” profetas. Muito pelo contrário,acreditavam ser homens de Deus inspirados, servindo a Iavé. Observeque Miquéias não os acusa de heresia, nem em 2.11. O “povo” é o povo de Deus. Aqui faz-se referência específica aos cabeças e chefesdos versículos de 1 a 4. O fato de serem os líderes civis fica evidentena parte final do versículo. A tarefa dos profetas, na condição dehomens escolhidos por Deus, era dizer a Palavra de Iavé. Que clamam: 

 Paz! quando têm o que mastigar.  Eles pregavam “paz” porque, natradição dos profetas verdadeiros, a paz e a prosperidade viriamquando as pessoas se voltassem para Iavé, abandonando a idolatria (cf.Os 2). Como é fácil juntar-nos a Miquéias e fazer coro contra aqueles profetas que agradam seus clientes. Paulo advertiu acerca das pessoasque atrairão para si mestres que lhes farão cócegas nos ouvidos,dizendo a mensagem que elas querem ouvir (2 Tm 4.3-4). Esses profetas eram egocêntricos. O interesse deles era essencialmente o demanter uma vida fácil. O pecado era de omissão, não de deturpação daverdade revelada. Em seu egocentrismo, temiam pregar contra o pecado de seus clientes. No entanto, antes de condená-los totalmente,lembremo-nos de que não é fácil pregar contra os males dos membros

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 MIQUÉIAS 3.6 

de sua própria comunidade. Primeiramente, porque não é fácil reconhecê-los; em segundo lugar, porque é mais fácil repetir fórmulas já

testadas e aprovadas que procurar novas aplicações para uma velhaverdade; e, em terceiro lugar, porque todos sentem necessidade de seraceitos e, portanto, de falar dos pecados dos que estão fora da comunidade. Em suma, cada um deve ter o cuidado de também não incorrerna culpa de ser um falso profeta.  Mas apregoam guerra santa contra aqueles que nada lhes metem na boca. Aqui fica visível o caráter interesseiro dos profetas. O que sai de suas bocas depende do que entra por elas! “Guerra” , não uma rixa pessoal (Copass, Am 7.10-13), masessa guerra é iminente (Margolis, Jr 6.2-4). Smith interpreta-a comochantagem, calúnia e injúria.1

6.  Portanto.  O juízo é decorrência do pecado. Se vos fará noite  sem visão. Nesse versículo, essa é a primeira de quatro declarações quefalam de “trevas” vindo sobre os profetas. “Trevas” são um sinal deque será tirada a capacidade de intuição profética. A Palavra de Iavé

veio a Miquéias em forma de visão (1.1). Embora apresentada deforma escrita, a profecia de Miquéias é facilmente visualizada, devidoa suas descrições vívidas. De modo que os profetas que “viam” suasmensagens estavam condenados às trevas, à falta de visão.  E tereis treva sem adivinhação. A adivinhação foi proibida em Deuteronômio18.9-12. Se o profeta devia ser como Moisés (Dt 18.15-22), o adivinhoera como Balaão (Nm 22.25; quanto a “trevas” , veja Is 8.19-22; Am

5.18; 8.9). Pôrseá o sol sobre os profetas, e sobre eles se enegreceráo dia. O que faz o profeta (o pregador de hoje) que não tem visão alguma? Que não tem mensagem da parte de Deus? Continua a falar,hipocritamente, como se tivesse uma Palavra da parte de Deus. Comovocê pode livrar-se dessa situação terrível? Verifique se as linhas decomunicação entre você e Deus estão sempre desimpedidas; resista àtentação de pôr os olhos em ganhos materiais e pessoais (v. 5); e esteja

atento para os pecados da comunidade em que você atua.

1. Copass, op. cit., p. 113-114; Margolis, op. cit., p. 37; Smith, op. cit., p. 74.

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 MIQUÉIAS 3.8

7. Os videntes. Uma palavra alternativa para profeta, que destacaa maneira de eles receberem a Palavra de Iavé. Embora palavra

comum para designar profetas verdadeiros (1 Sm 9.9), aqui sua ligaçãoa adivinhos lhe dá a conotação de falsos profetas. Se envergonharão. Sua vergonha será manifesta diante de todos, visto que não há nenhuma resposta da parte de Deus. Não há resposta, não por causa desua profecia cobiçosa, mas porque naquele dia Iavé se recusará a revelar-lhes sua vontade.1 E os adivinhadores se confundirão.  Quanto a“adivinhadores”, veja acima o comentário sobre o versículo 6. Sim, to-

dos eles cobrirão o seu bigode. Um sinal de luto (cf. Ez 24.17,22) oude humilhação (Lv 13.45). Quando Deus retém sua resposta, o resultado é uma experiência traumática, igual à da morte de um entequerido.

8.  Eu, porém.  Miquéias faz clara distinção entre seu ministério profético e o dos videntes e adivinhadores que ele acabou de criticarseveramente por seus ministérios interesseiros.  Estou cheio do poder  

do Espírito do  SENHOR.  O contraste é particularizado com a afirmaçãode que o seu espírito não é o de falsidade e mentira (2.11). Nem ele busca agradar os ouvintes a qualquer preço (3.5). Como saber se é do poder do Espírito que ele está cheio? Para nós é fácil demais identificar-nos com Miquéias, achando que não somos falsos profetas. Quecada um examine seu chamado e ministério à luz dos de Miquéias.“Poder” é tradução de koah,  que significa força, vigor, capacidade.

(Cf. Zc 4.6, em que a força humana é contrastada com o poder deDeus.) Os falsos profetas serão confundidos, mas Miquéias é forte noHspírito. Existem outros espíritos que dominam os homens (1 Rs22.22-23; 1 Jo 4.1-3); no entanto, aquele que veio sobre Miquéias é o próprio Espírito de Iavé. Cheio de juízo e de força. Em contraste com a"comida” de que se enchiam os profetas contemporizadores (v. 5),Miquéias está cheio de justiça e de coragem. A “justiça” (mishpãt ) é

Hin dos elementos que une as três profecias do capítulo. Os cabeças em   chefes deviam conhecer a justiça (v. 1), mas não a praticavam.

I Ibid., p. 76.

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 MIQUÉIAS 3.9

Miquéias anuncia que eles não apenas odeiam a justiça (v. 9), mas queos julgamentos que fazem vão a leilão (v. 11). Miquéias, porém, é per

meado pela justiça. A palavra traduzida por “força” vem de  gibbôr, guerreiro, e transmite o sentido de coragem moral. Uma das coisas quetomava “falsos” os outros profetas era a ausência da fibra moral necessária para falar a verdade à clientela.  Para declarar a Jacó a sua transgressão e a Israel, o seu pecado. A respeito de Jacó e Israel, vejacomentário sobre 1.5. O propósito do chamado profético e da instilação de justiça e de coragem é pregar contra o pecado do povo de

Deus. Eles tinham-se voltado para Deus, vindos da idolatria, havia umgrande reavivamento religioso e um retomo ao sistema sacrificiallevítico, mas essa volta para Deus não tinha afetado os relacionamentos pessoais. Por isso Miquéias é capacitado por Deus para anunciar ocrime e o pecado deles. Essas duas palavras também formam par em1.5. Lá, o elemento condenado era a idolatria. Aqui a referência é àopressão dos fracos pelos fortes, com a ajuda conivente dos líderescivis e dos profetas.

9. Ouvi, agora, isto.  A terceira das três profecias que aparecemresumidas no capítulo 3. Cabeças [...] chefes. Os mesmos destinatáriosdos versículos de 1 a 4. Que abominais o juízo, e perverteis tudo o que é direito. Frase semelhante ao versículo 2, quanto ao propósito: “queaborreceis o bem, e amais o mal”. Na verdade, aqui, a expressão define os termos mais genéricos do versículo 2. Sobre “juízo”, veja o

versículo 1. “Direito” é tradução de uma palavra que significa ir paraa frente, seguir corretamente, ser bom. A mesma raiz hebraica apareceem 2.7, onde é traduzida por “retamente”. Esses líderes não apenasodiavam a justiça quanto à lei, mas também pervertiam os passos certos daqueles que viviam corretamente. E difícil lembrar que era umtempo de prosperidade em que a nação toda se voltava para Deus e queos líderes, sobre quem Miquéias escreve coisas terríveis, eram ci

dadãos importantes e respeitados.1Esses líderes detestavam a administração da justiça e torciam todas as leis a fim de alcançarem seus

1. Copass e Carlson, op. cit., p. 116.

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 MIQUÉIAS 3.11

 próprios objetivos. Por essa razão Smith vê no verbo “perverter” umaatitude desafiadora e insolente em vez de interpretações jesuíticas.1

10.  E edificais a Sião com sangue e a Jerusalém, com perversi-dade.  O camponês Miquéias, oriundo das planícies do sudoeste deJudá, não pode deixar de ficar impressionado com a magnífica cidadede Jerusalém. No entanto, em vez de ficar extasiado com seu esplendor, fica chocado com o sofrimento humano que fazia parte da construção da cidade. (Veja comentário sobre 1.5.) Aqui a referência não é

ao templo em si, mas aos suntuosos palácios da classe comerciante,que crescia à custa das terras hereditárias tomadas dos pobres e fracos(2.2,8-9; 3.2-3). O “sangue” pode ser referência ao sangue de verdade,derramado pela prática de assassinato judicial (1 Rs 21.1-16) ou de ex ploração, fazendo os desamparados trabalharem até morrer (Am 5.11;Jr 22.13; Hc 2.12), provavelmente ambas. “Perversidade” é o opostode direito e justiça (cf. v. 9).

11. Os seus cabeças dão as sentenças por suborno.  Observe amudança da segunda para a terceira pessoa. Assim como na primeira profecia do capítulo (3.4), aqui também os líderes não podem dar-se aotrabalho de ouvir esse caipira. Novamente eles se afastaram. Semquerer, nisso seguem o exemplo de Acabe. Acabe preferia as palavrasagradáveis de seus 400 profetas à destoante de Micaías ben Inlá (1 Rs22.1-28). Os “cabeças”, juntamente com os “sacerdotes” e os “pro

fetas”, são condenadas aqui por avareza. Vê-se apenas a sombra dos proprietários de terras e da classe comerciante. Quem dá os subornos, paga os sacerdotes e procura profetas senão os novos ricos (2.1-2)?Dessa forma, Miquéias condena diretamente os líderes civis e religiosos e indiretamente aqueles que os perverteram. Todos são condenados pela fome insaciável de bens materiais à custa dos pobres e dosdesamparados. Suborno.  O juiz determina a sentença com base no

kince mais alto! Essa prática tinha sido proibida em Êxodo 23.8 e emI )euteronômio 16.19. Os seus sacerdotes ensinam por interesse.  Os

I Op. cit., p. 79.

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 MIQUÉ1AS 3.11

sacerdotes deviam viver das ofertas do povo e ensinar de graça (Nm18.20; Dt 18.2-5 etc.). Uma vez que os sacerdotes tinham controle detodas as esferas da vida religiosa e moral, podiam despertar ou abafar aconsciência do povo (cf. Os 4.4-6; 5.1; 6.9).1Embora Miquéias se refira repetidas vezes aos cabeças, chefes, profetas e à classe comerciante em ascensão, essa é a única menção dos sacerdotes. Issoindicaria que, de modo geral, eles estavam comprometidos com a reforma de Ezequias, não sendo tão culpados como os outros líderes dasociedade. Alguns haviam cedido à avareza, querendo a “sua parte”no dinheiro fácil. Condicionando o ensino ao pagamento de uma taxa,

impediam, uma vez mais, os pobres de participarem plenamente. Só osricos podiam conhecer a lei sacrificial e moral e suas exigências. Os 

 seus profetas adivinham por dinheiro.  Sobre adivinhação, veja acima(3.6). Como os profetas eram normalmente sustentados? Ao que parece, ou com ofertas, ou com uma porção tirada da mesa do rei, oucom as duas coisas. Por essa razão, eram particularmente suscetíveisde ser “comprados” (3.5). Temos aqui uma óbvia tentativa de aumen

tar a participação nas coisas boas da vida. E ainda se encostam ao  SENHOR.  Eles se “encostavam”, tanto no

aspecto verbal quanto no formal, mas isso de modo algum era real. Aexpressão “In God we trust” (Nós confiamos em Deus), que apareceno dinheiro americano, de forma nenhuma demonstra uma confiançareal em Deus. “Estribar-se em Iavé” ou “confiar em Iavé” significa basicamente depender da ajuda divina em situações militares (cf. Is

10.20; 31.1; 2 Cr 13.18).2 Mas, por extensão, a frase transmite dis posição mental: tudo vai bem porque Iavé é nosso Deus. Dizendo: Não está o  SENHOR  no meio de nós? Essa é a “teologia de Sião”, semelhante à encontrada no Salmo 46.5. Trata-se de uma distorção do conceito de eleição. Aqui, novamente, o maravilhoso reavivamento ocorrido no reinado de Ezequias (2 Cr 29-31) cegou-os para as exigênciasmorais e éticas da aliança de Deus com Israel. O abandono dos ídolose a volta para Deus, a restauração do templo e dos sacrifícios, a retirada do exército assírio, as bênçãos de Deus evidenciadas na prosperi

1. Margolis, op. cit., p. 40.2. Mays, op. cit., p. 90.

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 MIQUÉIAS 3.12

dade material: tudo isso junto lhes parecia uma clara demonstração deque Deus estava em seu meio. Parece que não havia maneira de com

 preenderem a sentença iminente e irreversível anunciada por Miquéias.Daí estarem eles absolutamente seguros: Nenhum mal nos sobrevirá.

12. A resposta de Miquéias é devastadora. Essa curta mensagem,tal como as duas outras do capítulo, termina com uma profecia de condenação. As outras duas trazem reprimendas específicas contra osdestinatários das mensagens de Miquéias. Nessa profecia ele prevê adestruição total de Jerusalém.  Portanto, por causa de vós.  Mais umavez Miquéias recorre claramente à noção de conseqüência. Não hávantagem em se encostarem a Iavé recordando sua aliança eterna. O pecado acarreta juízo; seus crimes trarão a devastação de Jerusalém.Sua ferida é “incurável” (1.9). Sião será lavrada como um campo.  Àsvezes os antigos conquistadores destruíam as cidades “arando-as”, reduzindo-as desse modo a um entulho aplainado. Isso tomava a reconstrução muito mais difícil. Em vez de determinar a responsabilidade in

dividual, Miquéias vê a cidade toda destruída. O inocente sofre com oculpado. O conceito de culpa e responsabilidade coletiva encontra-seem todo o Antigo Testamento. Quanto à opressão institucionalizadanum povo, veja Eclesiastes 5.8. Mesmo assim, a destruição de casas ea remoção para o cativeiro são um castigo desigual. Para os fracos edesamparados faria pouca diferença se seus lares fossem destruídos pelos ricos de seu próprio povo ou por estrangeiros. No entanto, para a

nova classe comerciante que vinha apoderando-se das terras e construindo palácios, a punição seria total. “Sião”, a cidade eterna, será destruída. A Salém de Melquisedeque, a cidade de Davi, a Jerusalém quehavia pertencido ao povo de Deus durante 300 anos, será arada comoum campo. A cidade que suportou o violento assalto do exércitoassírio de Senaqueribe chegará ao fim.  Jerusalém se tomará em mon-tões de ruínas.  “É incrível”, dizem. Não conseguem e não querem

ncreditar. Afinal, “Não está o Se n h o r   no meio de nós? Nenhum malnos sobrevirá” (v. 11). Miquéias teve, porém, sua palavra confirmada por Deus. Jerusalém caiu perante os babilônios em 597 a.C. e foi destruída em 586 a.C.  E o monte do templo. Será destruída não apenas acidade etema, mas também o orgulho da reforma de Ezequias. “Tem

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 MIQUÉIAS 4

 plo” é literalmente “casa”, tanto aqui como em 4.1. (A LXX omite“casa” em 4.1 para tomar mais fluente o estilo. Ela traz “monte dacasa” em 3.12 e “monte do SENHOR” em 4.1.) Miquéias recusa-se a ficar impressionado com o esplendor material do templo e com sua multidão de adoradores nos dias de Ezequias. Para ele, isso é a casa deIavé e nada mais. De qualquer forma será destruído. Aqui lembramos areação de nosso Senhor diante do esplendor do templo de Herodes (Mt24.1-2). Uma colina coberta de mato.  Muitas traduções modernastrazem “altos”. Nosso texto deixa implícito que a área do templo ficará abandonada; essas outras traduções interpretam como um local de

adoração idólatra. Van Hoonacker interpreta como “alto impuro”.1Compare esse quadro desolador com o pintado em 4.1-5.

IV. CAPÍTULO 4

Os capítulos 4 e 5 são bem diferentes quanto a vocabulário, estiloe perspectiva. Nos capítulos de 1 a 3 Miquéias lança-se violentamentecontra o pecado e não oferece nenhuma esperança a seus ouvintes(1.9). Existe apenas a rápida promessa escatológica de um futuroretomo do cativeiro em 2.12-13. Sua tarefa profética resume-se na frase: “declarar a Jacó a sua transgressão e a Israel, o seu pecado” (3.8).Agora nos capítulos 4 e 5, o quadro é de paz e prosperidade, dedomínio sobre seus inimigos. Por isso, J. M. P. Smith conclui que “oespírito de 4.1-4 é incompatível com o de 3.9-12. Ali Jerusalém é oorgulho e a glória da nação; aqui o amor do profeta concentra-se nas

 pessoas do campo, enquanto a cidade representa para ele tudo o que éruim”.2 Smith, no entanto, perdeu de vista o contraste implícito naexpressão “nos últimos dias” (v. 1), entre o “agora” de 3.9-12 e o“então” de 4.1-4. Em segundo lugar, certamente o problema não é dementalidade rural versus mentalidade urbana, embora 1.5 traga algumainsinuação nesse sentido. Pelo contrário, Miquéias concentra a atenção na injustiça de agora em oposição àquele dia glorioso em que Iavé

assegurará a paz e a segurança de todos. Na realidade, um exame

1. Op. cit., p. 380.2. Op. cit., p. 84.

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 MIQUÉIAS4

cuidadoso dos capítulos 4 e 5 mostra as mesmas preocupações e asmesmas perspectivas manifestadas anteriormente. Aqui Miquéias, sob

inspiração do Espírito, olha para a frente, na direção dos tempos finais,o que lhe dá uma perspectiva diferente, uma perspectiva que ressalta agraça e a fidelidade de Deus. No entanto, mesmo com base nessa

 perspectiva, Miquéias não perde de vista a triste situação de sua própria época. Pelo contrário, ele olha para o presente através da lentedo final dos tempos.

Os capítulos 4 e 5, à semelhança dos anteriores, representam umacoletânea de várias mensagens. Ao contrário do capítulo 3, em quecada resumo de profecia é introduzido por uma palavra técnica(“Ouvi” ou “Assim diz o Se n h o r  ”), não existem sinais estilísticosformais de que esses capítulos estejam divididos em várias mensagens proféticas. A divisão é feita inteiramente com base em provas intrínsecas. Por exemplo, 4.1-4(5) talvez seja mais bem entendido como partefinal de 3.9-12. Embora tanto 4.9 como 4.11 comecem com “agora”,os trechos d e 6 a 8 e d e l 0 a l 3 referem-se, evidentemente, a períodos

diferentes da história de Judá. No capítulo 5 também temos uma claradistinção entre a época indicada pelos versículos de 5 a 9 e a indicada pelos de 10 a 15. Antes de examinarmos especificamente o capítulo 4,elevemos observar que existem algumas indagações sobre a localizaçãode 5.1. No texto hebraico, faz parte do capítulo 4, sendo numeradocomo versículo 14. Alguns comentaristas (Van Hoonacker, Bennett),acompanhando o texto hebraico, analisam o versículo junto com 4.11-13. Outros (Margolis, Mays) entendem que 5.1 inicia uma nova pas-

 Níigem, num possível paralelo com 4.9. Divide-se melhor o capítulo emlifis trechos que representam os resumos de três mensagens proféticas:

Contraste absoluto entre o presente e os últimos dias (w . l-4[5]);Domínio futuro em contraste com a crise atual (vv. 6-10);Batalha escatológica em que Jerusalém será vitoriosa (w .11-13[14]).

O capítulo 4 é mais conhecido por retratar a futura era áurea. OsvAiios aspectos desse reino serão revistos abaixo, à medida que es-• iitlunnos cada versículo. Aqui apenas precisamos examinar rapida-niniltí o conceito que Miquéias tem do tempo e da história. À<>nujlhança de outros profetas do século VIII, Miquéias pensa no

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 MIQUÉIAS 4

tempo sob o aspecto linear. A era má do presente será seguida por umavolta às glórias do reino davídico e salomônico, mas não ime

diatamente. Desse modo, 4.1-4 segue-se a 3.12, mas há um intervalo,conforme o diagrama abaixo:

Era má atual D intervalo de y ______ Era áurea futura

Mq 3.9-12 tem po Mq4.1-4

Enquanto os versículos 6 a 8 cobremapenas a parte final desse diagrama histórico,

v---------- 1--------------------------------------------------

Era áurea futura

os w . 9 a 10 descrevem apenas a primeira parte:

 ________________    D _________   V

Era má atual Cativeiro

Legenda

V - Volta

D - Destruição de

Jerusalém

L - Libertação de

Jerusalém

Se os versículos de 6 a 8 fossem colocados depois dos versículos

9 e 10, o quadro resultante de acontecimentos futuros corresponderiaao de 3.12-4.4. Contudo, quando chegamos aos versículos de 11 a 13,acrescenta-se um novo elemento. Jerusalém é atacada como em 3.12 e4.9, mas, em vez de tombar diante do inimigo, Iavé lhe dá vitória (cf.Zc 14.1-4). Esse acontecimento só poderia ser encaixado depois darestauração do cativeiro e antes do reinado de Iavé. O diagrama com pleto, portanto, seria assim:

D V L-------------- 1-----------------------------------1--------------------------------- 1-------------------

Era má atual Cativeiro Reino restaurado Era áurea futura

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I

Esse ataque duplo contra Jerusalém, que resulta em destruição na primeira vez e em livramento na segunda, corresponde ao que Ezequieldescreve claramente mais de cem anos depois (caps. 36-38) e se reflete

em Apocalipse 20.4-10. É possível que esse esquema geral não estivesse bem delineado para Miquéias. Entretanto, tal esquema permiteque o capítulo seja interpretado como um todo coerente e evita a necessidade de colocar uma parte em contradição com a outra. Tambémevita a necessidade de considerar os versículos de 11 a 13 como umainterpolação feita no período pós-exílico, onde se encaixa bem dentroda estrutura escatológica profetizada por Ezequiel e Zacarias.

1.  Mas, nos últimos dias.  Uma expressão técnica empregada só13 vezes no AT em referência ao fim dos tempos que, desse modo, estárelacionado com o “naquele dia” do versículo 6 e o “agora” do 11 (cf.5.10; 7.4,11-12). Quanto a um uso mais remoto dessa expressão, vejaGênesis 49.1, Números 24.14 e Deuteronômio 31.29. A expressão“últimos dias” pode se referir a algo dentro  da história (no final dos

tempos) ou depois dela (quando a natureza humana e animal tiver sidotransformada). Quanto à última possibilidade, veja os versículos 3 e 4c Isaías 11.6-9.1 De qualquer forma, Miquéias refere-se a um acontecimento que trará mudanças drásticas tanto a Judá quanto ao cenário político-religioso mundial. O que Jeremias considera impossível (Jr.13.23) de fato acontecerá. O monte da Casa do SENHOR será esta-belecido.  Observe a força e a confiança expressas na frase. Essa reversão da destruição profetizada em 3.12 não tem o propósito deanular aquela palavra (Tait). Pelo contrário, em algum momento de pois do cumprimento de 3.12, Deus fará essa reversão. Esse momento6   distinguido do futuro relativamente próximo mediante a expressãoescatológica “nos últimos dias” . Os Salmos 46,48 e 76 expressam umaleologia da cidade de Sião.  No cume dos montes.  Jerusalém é sempredistinguida por sua altitude física. As personagens da Bíblia sempre"sobem” para Jerusalém e de lá “descem”. Usando esse fato físico,

M iquéias contrasta a condenação (arado como um campo) com a glori

 MIQUÉIAS 4.1

I. Com relação a um estudo minucioso desse assunto, veja Oscar Cullmann, Christ  and Time p. 51-68.

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 MIQUÉIAS 4.2

ficação (no cume das montanhas). O que se traduz por “cume” é na realidade a palavra “cabeça”. Van Hoonacker interpreta a expressão “na

cabeça de” como a liderança dos povos, entendendo que “montanhas”e “montes” representem as nações (cf. 6.1-2).1 E se elevará sobre os outeiros. Em vez de uma mudança literal na topografia, Miquéias falado culto a Iavé acima de todos os deuses adorados nos montes ao redor.  E para ele afluirão os povos.  O templo será o centro de atração.Será como que um imã (cf. Jo 7.39; 12.32). O quadro pintado porMiquéias reúne duas imagens contraditórias. O verbo “afluir” implicadescida. No entanto, eles afluirão monte acima (de modo contrário ànatureza) até o templo, no mais alto dos montes. As pessoas serãotransformadas; Iavé será adorado em todo o mundo. A descriçãodesses versículos é às vezes aplicada à igreja. Entretanto, embora encontre um cumprimento preliminar na igreja, esta não experimenta defato o que o profeta anuncia. À luz de 4.1-4,3.12 é interpretado comocastigo, não como aniquilação.

2.  Muitas nações  (cf. Is 45.14-17). “Muitas” está muito mais próximo de “todas” que de “algumas” ou “poucas” . Essa profeciacumpre-se prolepticamente na atual era da graça. Hoje em dia quasetodas as nações têm  alguns crentes (Mt   24.14). Embora exista aqui oconceito de uma volta universal para Deus, ele difere da situação atual porque, para Miquéias, Jerusalém e os judeus serão o centro desseculto a Iavé. Vinde, e subamos. As próprias nações convidam a si mes

mas e às demais nações para subirem a Jerusalém. Esse movimento pode ser o resultado do testemunho de Judá ou da atração da própriacasa de Deus. A implicação é que o templo de Jerusalém é o único santuário autorizado, seguindo desse modo o padrão estabelecido em Deu-teronômio (cf. Dt 12.13-14 et passim). Não se deve, porém, dar tantodestaque à singularidade do local de adoração, quanto à volta total aIavé como o único Deus, para fugir da maldição de Iavé, veja Zacarias

14.16-19. (Quanto à peregrinação das nações, cf. Is 42.1,4; 49.6; 55.3-5.)  Jacó.  Refere-se a Judá (cf. comentário sobre 1.5).  Para que. O

1. Op. cit., p. 381.

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 MIQUÉIAS 4.3

chamado para “ subir à casa do S e n h o r ” está diretamente relacionadocom a oração seguinte. O propósito da peregrinação será aprender osseus caminhos, para que possam andar neles. Não é um turismo deócio, nem é a satisfação de uma curiosidade. É uma peregrinação séria.Eles aprenderam algo e têm sede de mais, a saber, sede de conformarsuas maneiras de pensar à vontade dele.1 Caminhos [...] veredas.  Preceitos morais. Esse ensino oferecido pelo próprio Iavé e a decisão deandar de acordo com seus preceitos são postos em contraste evidentecom a classe comercial em ascensão (2.1-2,8-9) e com a liderançacivil-religiosa (3.1-3,5,11).  Porque de Sião.  Eis outro exemplo da

rápida mudança de assunto, tão comum em Miquéias. O convite parasubir, feito pelas nações, termina com a palavra “veredas”. AgoraMiquéias explica o que deverá acontecer.  Lei [.. .]palavra. Os termossão sinônimos. Contudo, neles se vê indiretamente a primeira revelação (Moisés) e a última (Jesus Cristo). Diferem e, no entanto, sãoiguais. Uma vez que, no hebraico, não há nenhum artigo antes de“lei”, Smith entende que tôrâ  tem o sentido de instrução no sentido

geral, em oposição aos livros de Moisés.2 Nesse caso, a referênciavolta para “caminhos” e “veredas”.  Procederá. Não se menciona nenhum meio oficial de instrução. Margolis entende que o Senhor ensinará mediante seus representantes: os profetas, os sacerdotes, o Messias e o povo como um todo.3 Embora o faça por meio de seusrepresentantes, é o próprio Iavé quem ensina (cf. Mt 28.20). Durante aera messiânica esse ensino será dirigido pelo próprio Messias.

3.  Ele julgará.  Deus fará o que os cabeças de Judá deviam teríbito. Deus exige julgamento justo. Isso estava em falta nos dias deMiquéias, assim como freqüentemente acontece hoje em dia (cf.1,1,8,9,11). No julgamento das nações, Jesus julgará de acordo com amaneira pela qual elas tiverem tratado os pobres e desamparados (Mt"t J 1-46).  E corrigirá.  A palavra traduzida por “corrigirá” é umíi uno difícil. Yakah  significa “ir diretamente em frente”, “opor-se”

I Hennctt, op. cit., p. 41.' Op, cit., p. 87.' tt|i , cit., p. 44.

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 MIQUÉIAS 4,4

ou “estar contra”. Algumas traduções dão ao verbo o sentido de “decidir”. Em qualquer caso, o verbo está em paralelo com “julgará”. É

melhor entender a palavra como uma indicação de que Deus, medianteseu representante messiânico, arbitrará entre as nações. Desse modo, ocostume israelita de duas pessoas em litígio irem ao santuário para

 buscar o arbitramento do representante de Deus e aceitar sua decisão évisto como algo estendido às nações (Êx 22.8; Dt 17.8-13).  Nações 

 poderosas e longínquas.  E uma referência clara às nações que formavam impérios e não aos povos pequenos e fracos das proximidades.Escatologicamente é uma referência às “superpotências” que pro

curam controlar o mundo.  Estes converterão as suas espadas em re-lhas de arados, e suas lanças em podadeiras. Quanto ao processo inverso, veja Joel 3.10. “Converterão” é tradução de um verbo que significa “bater” ou “martelar”. Embora o resultado final seja o mesmo,a idéia de “martelar” transmite vividamente tanto o esforço físicoquanto o envolvimento pessoal no processo de transformar instrumentos de guerra em ferramentas de trabalho pacífico. O desarmamento

era o sonho da Liga das Nações após a I Guerra Mundial e da ONU de pois da II Grande Guerra. Mesmo os acordos SALT [limitação de armasestratégicas] quase nada fizeram senão refrear a corrida armamentistaentre a Rússia e os Estados Unidos. Miquéias antevê um desarmamento total das superpotências, coisa que só Deus é capaz de realizar.E isso se seguirá à volta universal das nações para Iavé e à obediênciaao seu ensino. Embora Judá não seja incluída especificamente nessa profecia, pressupõe-se que ela também será desarmada. A paz mundial

 prevista aqui não é uma paz obtida pelo poderio militar de Judá, massim pelo reconhecimento mundial da soberania de Iavé.  Nem apren-derão mais a guerra.  Assim que as nações se tiverem voltado paraIavé, terão fim as causas das guerras: ambições territoriais, esferas deinfluência, supremacia industrial, cobiça e exploração.1

4.4. Mas. Em contraste com a guerra constante (insegurança, destruição e pobreza), assentarseá cada um debaixo da sua videira, e debaixo da sua figueira (cf. 1 Rs 4.25). Esse é o símbolo de uma vidaserena e cheia de alegria (cf. Os 2.12; Zc 3.10; 1 Rs 4.25). Apesar 

1. Copass e Carlson, op. cit., p. 121-122.

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 MIQUÉIAS 4.5

disso, não se trata de um quadro de lazer ou de inutilidade preguiçosa(2 Ts 3.10). Ao contrário, é de trabalho pacífico e produtivo. O homem

foi criado para trabalhar (Gn 2.15). O trabalho não é uma conseqüênciada queda, mas, sim, intrínseco à sua própria natureza (cf. Is 5.1,2). Éverdade que a queda dificultou o trabalho do homem (Gn 3.17-19),mas não o introduziu como um novo elemento.  E não haverá quem os espante. Na visão messiânica de Miquéias, cada homem cultivará comtranqüilidade as videiras e as figueiras, arará seus campos e alimentaráseu rebanho (5.4) sem nenhum receio dos exércitos inimigos. Nos diasde Miquéias os camponeses não tinham segurança alguma, fosse porcausa dos inimigos, fosse de seu próprio povo (2.8). Porque a boca do SENHOR dos Exércitos o disse.  Uma declaração solene que corres ponde à frase introdutória: “Assim diz o SENHOR” . Deus falou; não hámais nada que dizer. É, obviamente, uma referência aos versículos de1 a 4. “Disse” é tradução de dãbar,  o mesmo verbo empregado nacriação (Gn 1.3,24; cf. Is 1.20). “ SENHOR dos Exércitos”, um dosnomes divinos relativamente comuns, lembra-nos de que ele, por sua

soberania, controla os exércitos do mundo e garante a paz mundial.

5. A dificuldade deste versículo é descobrir como ele se relacionacom o contexto.  Porque todos os povos andam, cada um em nome do 

 seu deus.  A que se refere o “porque”? Como entender essa frase levando em conta o retomo universal a Iavé (w . 1-3) e a soberania que,como juiz, ele exerce sobre eles (vv. 3-4)? Alguns tiram o versículo totalmente do contexto e declaram-no o “ponto alto da tolerância” no

Antigo Testamento. Mas dificilmente seria essa a intenção deMiquéias. Seu ministério é apontar o pecado, não proclamar a “paz”(3.5,8). Parece melhor compreender o versículo como uma conclusãode 3.9-4.4. Depois de profetizar a destruição iminente de Jerusalém esua restauração nos últimos dias, Miquéias volta-se para a situaçãodaquele momento. Assim entende Mays, que interpreta o versículocomo uma resposta litúrgica da congregação reunida diante da profecia

registrada em 4.1-4. São as palavras daqueles que anseiam pelo cum primento da profecia.1As nações seguem os seus deuses; nós, a Iavé.Embora a LXX empregue laoi, é uma referência clara às nações pagãs e

1. Op. cit., p. 94,99.

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não às tribos de Israel.  Mas, quanto a nós, andaremos em o nome do SENHOR.  “Andam”, “andaremos”. Embora a tradução coloque um

verbo no presente e o outro no futuro (expressando intenção), o he braico traz os dois no mesmo tempo, qal  imperfeito: ação incompleta.As traduções antigas (LXX, Vulgata, a r c , Matos Soares e TB) colocamas duas vezes no futuro. As mais recentes (RSV, ARA, Straubinger)colocam um no presente e o outro no futuro. Parece-me que a BJ, quecoloca os dois verbos no presente, conforma-se melhor ao pensamentode Miquéias, especialmente se estivermos corretos ao entender queesse versículo refere-se à sua situação presente. Nosso Deus, para todo 

o sempre. O contraste é entre a situação transitória desses povos queandam atrás de seus deuses e a dedicação total e permanente de Israel aIavé. O “mas”, com que começa a frase, fala de uma firme determinação, não importa o que traga o futuro (3.12). Observe também o marcante contraste nos pronomes: “eles” vs. “nós”. Há também um elemento de ironia no versículo, pois as nações têm sido fiéis em servir aseus próprios deuses (Jr 2.11), mas Judá tem demonstrado apenas uma

fidelidade limitada, mesmo durante o reavivamento no reinado deEzequias! “Para todo o sempre” combina duas palavras hebraicas quesignificam eternidade. A LXX traduz “até os fins dos séculos”. Existeaqui uma possível referência ao reino milenar (Ap 20.1-4). A segunda parte do versículo surge da aliança eterna (Lv 24.8) e da profecia deMiquéias de que esse relacionamento está em via de sofrer umamudança (1.9; 2.4; 3.12). Assim mesmo, a aliança eterna permanece.Deus é fiel.

6. Os versículos de 6 a 10 refletem um período em que Jerusalémcorre o risco iminente de cair diante de invasores. Para colocar o trecho na ordem cronológica correta, Smith transpõe os versículos, colocando 9 e 10 antes de 6 a 8.1Miquéias inverteu a ordem natural paraque a fidelidade de Deus se contraste com o sofrimento presente.

 Naquele dia.  O mesmo de 2.12-13, quando Deus os traz de volta do

cativeiro (v. 7). Obviamente não é o mesmo dia dos versículos 10 e5.10. A respeito da complicada cronologia desse capítulo, veja acima,

 MIQUÉIAS 4.6 

1. Op. cit., p. 89.

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 MIQUÉIAS 4.8

também podem ter-se desenvolvido com base nessa mensagem.  Desde agora.  Ou Miquéias vê profeticamente, em espírito, essa restauração

gloriosa ou, o que é mais provável, o “agora” faz referência ao período da própria restauração.  E para sempre.  A mesma expressãohebraica usada no versículo 5.

8. Esse versículo retoma o tema do versículo lb  e revela como oreino virá a se concretizar. Não é uma referência à Jerusalém arrasada(3.12), mas ao quartel-general de Iavé. Por essa razão, trata-se de uma

transição da visão do futuro (vv. 6-7) para a situação presente (w . 9-10) e traz consolo a Jerusalém. A ti, ó torre do rebanho. (V. Gn 35.21.)Torres de sentinelas eram comuns em Judá e representavam um lugarrelativamente seguro em tomo do qual se agregava uma pequena população. Monte da filha de Sião, a cidade de Davi, é ‘õpel, a encosta queficava no lado sudeste do monte do templo. E bem possível que setrate de uma alusão à antiga cidade de Davi. Nesse caso, indicaria queo primeiro domínio  foi o davídico-salomônico, em contraste com o

mais recente, de Azarias e Ezequias. Virá.  A promessa de um reinorestaurado, glorioso, um reino que estará em grande contraste com oque acabara de ser arrasado pelos exércitos assírios. No reinado de Salomão, Israel foi o centro econômico, militar e religioso do Oriente íMédio. O reino. Van Hoonacker traduz mamlãküt  por “império”, num paralelo com “domínio” e “poderosa nação” (v. 7).1

9. Agora. Os versículos 9 e 10 falam da situação que reinava, naqual Judá sofria o ataque de Senaqueribe em 705 ou 701 a.C. O exército assírio espalhou-se pela terra e dominou todas as aldeias e cidades.Só Jerusalém não caiu (Is 36.1-39.8). O “agora” contrasta com o“naquele dia” (v. 6).  Não há rei em ti? Pereceu o teu conselheiro?“Rei” e “conselheiro” estão em paralelo e devem ser referência aEzequias, o representante visível de Deus. O choro aflito deles, como

uma mulher em trabalho de parto, descreve a agonia de uma ameaçamilitar avassaladora durante o cerco de Jerusalém ordenado por 

1. Op. cit., p. 385.

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 MIQUÉIAS 4.10

Senaqueribe (cf. SI 48.6; Jr 6.24). Eles têm um rei, mas o rei não temcondições de ajudar. Ele é incapaz de defender o povo militarmente.

4.10. Sofre dores e esforçate. Em resposta às perguntas retóricasdo versículo 9, Miquéias diz à cidade para fazer o papel de uma parturiente. Nessa primeira parte do versículo, Judá é como a mulher em viade dar à luz, sem hospital nem anestesia. Ela precisa reconhecer queseu sofrimento é o juízo divino por causa de seus pecados. Não existeum caminho fácil para sair dos padrões de pensamento e dos hábitos pecaminosos (Os 6.4-11). Agora. Esse “agora” representa uma estrutura de tempo diferente daquele do versículo 9. Ali, descrevia de modogeral a situação, mas era mais lógico que temporal. Aqui, refere-se ao

 julgamento presente de seu pecado incurável (1.9; 3.12). Sairás da ci-dade.  Mudou a ilustração. Agora Judá é a criança que está para nascer.A ilustração descreve a crise de uma nova vida que teve início emmeio a dores. Repare nas etapas desse novo nascimento: primeiro, saida cidade e vai para a zona rural {habitarás no campo) e, finalmente,

segue para a Babilônia. “Assim como as dores sucessivas de uma mulher em trabalho de parto tomam-se cada vez mais intensas, de igualmodo Judá descobrirá que o golpe do juízo de Deus sobre ela é cadavez mais doloroso e difícil de suportar.”1  Babilônia.  Por que aBabilônia, se o inimigo às portas da cidade eram os assírios? Algunsentendem que a palavra Babilônia é aqui uma glosa posterior (Smith),enquanto outros a vêem apenas como o local para o qual seriam depor

tados independentemente de quem fosse o inimigo (Van Hoonacker).2Embora a Babilônia estivesse no momento eclipsada pela Assíria, suaestrela em ascensão podia ser vista no flanco desta. Tanto é que Isaíascensurou Ezequias por mostrar os utensílios do templo aos emissáriosda Babilônia (Is 39.1-8). O cumprimento das profecias de Isaías e deMiquéias demorou cem anos, o que demonstra certa elasticidade na palavra “agora” , examinada acima (cf. 2 Pe 3.8). Ali [...] serás liber-

tada.  Observe a reiteração do “ali” . O local da calamidade será o localda libertação. Te remirá o SENHOR da mão dos teus inimigos.  Con

1. Bennett, op. cit., p. 44.2. Smith, op. cit., p. 92; Van Hoonacker, op. cit., p. 385-386.

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 MIQUÉIAS4.11

forme indicado no versículo 6 acima, Deus é o agente da redenção,embora empregue as nações como instrumentos. Aqui o instrumentoserá Ciro (Is 43.14; 44.28; 45.1-4). A promessa de domínio (vv. 7-8) e

de uma vida pacífica (w. 1-4) são para outro dia, depois de terem ido para o exílio. Iavé promete remi-los do cativeiro. “Remir” (ga’al ) érecuperar uma propriedade familiar perdida. O termo é amplamenteusado por Isaías.1

11. Agora. Que esse “agora” difere dos “agoras” dos versículos9 e 10 fica evidente pelo contexto. Aqueles dois referem-se a um cerco

de Jerusalém que resulta em sua tomada e destruição. O “agora” doversículo 11 refere-se a um cerco do qual Iavé livra Jerusalém mediante a destruição dos inimigos da cidade. Veja um comentário maisaprofundado dessa distinção entre os “agora” nos versículos 7, 9 e 10deste capítulo.  Achamse [...] congregadas muitas nações contra ti. “Muitas”, como no versículo 2, está muito mais próximo de “todas”que de “algumas”. Em vez de uma nação principal (Assíria ou

Babilônia) com seus aliados, aqui o quadro é de uma aliança mundialcontra Deus e seu povo escolhido. Elas são reunidas pelo próprio Deus para serem usadas como instrumento e, mais tarde, serem destroçadas por ele de modo definitivo (cf. Ez 39; Zc 12.1-5; 14.1-4; Ap 20.7-10).Seja profanada.  Eles querem conspurcar uma terra que é santa paraIavé (Is 24.5; SI 106.38; Nm 35.33). A motivação e o alvo deles sãoclaros. A cidade santa deve ser profanada; seu templo e população,

saqueados; suas defesas, destruídas. “Oculta nessas palavras encontra-se uma caracterização muito profunda da cobiça que impulsionanações incansáveis em sua política de poder.”2

12.  Mas não sabem os pensamentos do SENHOR.  Em contrastecom as nações e seus desejos impuros encontra-se o propósito de Iavé.Que as ajuntou. Certamente elas não têm consciência de que tambémestão nas mãos do Deus de Judá. Os profetas estão convictos de que os

movimentos das nações são controlados por Deus (Am 9.7; Is

1. Mays, op. cit., p. 106.2. Ibid., p. 109.

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 MIQUÉIAS 4.13

14.24,26-27; Hc 1.6). Ele coloca a ira do homem ao seu dispor. Como  feixes na eira.  Elas são reunidas para seu próprio juízo e destruição.Assim como os líderes maus de Judá seriam julgados por seus pecados(2.1-3; 3.9-12), de igual modo as nações, como nações, serão julgadas

 pelos seus pecados (Mt 25.31-46). A destruição que eles planejaraminfligir à cidade sitiada se abaterá sobre eles. O profeta identifica claramente os inimigos do povo de Deus como inimigos de Deus.

13.  Levantate, e debulha.  As nações foram reunidas, e agora amesa está virada. Judá recebe ordens do próprio Deus para debulhar as

nações. Desse modo, o povo de Jerusalém, uma população aflita e aterrorizada, será transformado em instrumento de justiça nas mãos deDeus.  Farei de ferro o teu chifre e de bronze, as tuas unhas; e esmiu-çarás a muitos povos.  A figura é proveniente do costume antigo de pisar o cereal, fazendo o gado passar em cima da palha, até ela se des pedaçar. “Ferro” e “bronze” referem-se à força irresistível com queSião destruirá os inimigos. A referência ao chifre de ferro traz um ele

mento estranho à figura do debulhamento. A imagem da bezerra quedá chifradas destaca a violência com que os atacantes serão destruídos(Dt 33.17; 1 Rs 22.11).  E o seu ganho será dedicado ao SENHOR.  Osmassoretas pontuaram essa frase na primeira pessoa do singular. VanHoonacker, no que é seguido pela maioria das traduções modernas, põe o texto na segunda pessoa do feminino para que concorde com afrase precedente. 1O tom passivo do versículo parece levar a crer que

o sujeito do verbo é o próprio Iavé. Visto que “ganho” está em paralelo com “bens” , provavelmente a referência não é aos despojosque as nações tomaram daqueles a quem conquistaram, mas, sim, aosseus próprios bens. “Dedicar” significa “consagrar” ou “colocar sobinterdito”, quer para uso no templo, quer para destruição total (Dt7.2,25-26; 20.16-18). Essa é uma guerra santa, guerra de extermíniototal. “Ao SENHOR” demonstra claramente que a destruição do inimigo não se baseava em vingança, mas, antes, era feita como umaoferta a Deus. Visto que ele é o SENHOR de toda a terra, a riqueza das

I . Op. cit., p. 387.

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 MIQUÉIAS 4.14 (5.1)

nações já pertence a ele. Observe que o texto traz 'ctdôn e não YHWH. É uma referência à sua soberania, não a seu nome e natureza.

14 (5.1). O primeiro versículo do capítulo 5 recebe o número 14 efaz parte do capítulo 4 na Bíblia hebraica. A LXX, à semelhança daBíblia em português, coloca-o no capítulo 5. O significado doversículo depende, pelo menos em parte, de estar ligado a 4.11-13(Smith, Bennett, Van Hoonacker) ou a 5.2-4 (Mays, Margolis, Co- pass). Mays acrescenta-o ao capítulo 5 por causa da semelhança de es

tilo com 4.9-10 e 11-13. Tal como esses trechos, ele começa com um“agora” (referência a um período de sofrimento), seguido de uma promessa de salvação.1 Esse argumento é enfraquecido, conforme vimos acima, pelo fato de o “agora” do versículo 9 estar no meio e nãono início da profecia. Agora ajuntate em tropas, ó fi lha de tropas.  Ohebraico é um tanto obscuro. O versículo lança água fria no entusiasmo que talvez brotasse com o versículo 13. A vitória virá. Masagora a cidade está cercada pelos assírios, e o povo deve estar

 preparado para combater. “Filha de saqueadores” é a tradução deMays. A população caracteriza-se por uma vida sob constantesataques.2 Segundo Bennett, a palavra traduzida por tropas fala de um bando irregular de soldados saqueadores, daí a ausência de leis, aviolência e a injustiça (cf. os capítulos 2 e 3).3 Pôrseá sítio contra nós.  Melhor no presente. O cerco já está em andamento e será bem-sucedido. Jerusalém cairá (3.12).  Ferirão com a vara a face ao juiz dè 

 Israel. Aqui, o jogo de palavras toma muito difícil a interpretação. A palavra traduzida por vara é shêbet; por juiz, é shõpêt. A LXX evidentemente traz  shãbati (tribos) em lugar de juiz.4 O juiz pode ser o rei ougovernante (Is 16.5; 1 Rs 3.9); nesse caso, Ezequias. Visto que o juiztem de conhecer a justiça (3.1) e ministrar um julgamento honesto

1. Op. cit., p. 112.2. Ibid.,p. 114.3. Op. cit., p. 47.4. Van Hoonacker, op. cit., p. 388. O meu exemplar da l x x , editado por Swete traz

 púlas  (porta), a edição de Rahlfs traz  phulás  (tribo) no texto, acompanhando omss.B, colocando púlas  no rodapé AQ.

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(3.11), pode ser que a referência seja àqueles cabeças e chefes queestavam destruindo os fracos e desamparados. A palavra está no singular, mas sem o artigo. Em qualquer caso, está claro que o versículo 14corresponde a 3.12: Israel irá agora para o cativeiro. Os versículos de11 a 13 referem-se a algum tempo futuro depois da volta do exílio (w .6-8).

V. CAPÍTULO 5

Conforme mencionado acima, os capítulos 4 e 5 estão ligados en

tre si por um conteúdo muito diferente do teor dos capítulos 1 a 3. Noentanto, a diferença não é suficiente para que se negue a unidade daautoria. As características do estilo de Miquéias encontradas nos

 primeiros capítulos continuam neles: mensagens diretas e curtas, ver bos passando da primeira para a terceira pessoa, bem como a repentinatroca de sujeito dos mesmos verbos.

O primeiro versículo foi estudado juntamente com os versículosde 11 a 13 do capítulo 4; embora, conforme visto acima, possa serigualmente relacionado com o 5. Seu sentido, é claro, fica um tantodiferente caso assim procedamos. Se 5.1 estiver ligado ao capítulo 4,age como um freio no entusiasmo que 4.13 poderia suscitar. Por outrolado, se estiver ligado a 5.2, o versículo põe em destaque o rei

 prometido e o seu reinado. O rei daqueles dias sofre ignominiosamente; o futuro rei reina supremo. Por essa razão, Alien dá a 5.1-6 o título de “O rei desprezível de Jerusalém e o rei ideal de Israel” .1

O quinto capítulo está dividido em quatro parágrafos que repre-fjentam várias palavras de Iavé proferidas por meio de Miquéias. Se dividirmos a mensagem de acordo com o conteúdo, poderemos enxergarmelhor a estrutura dessa profecia. São eles:

a promessa do futuro rei (vv. 2-4);a interrupção por parte dos líderes judeus (vv. 5-6);a resposta de Miquéias (vv. 7-9);

a promessa divina de intervenção na vida de seu povo (w . 10-15).

 MIQUÉIAS 5.1

I The Books o f Joel, Obadiah, Jonah and Micah  in: The New International  Commentary o f the OT, p. 339.

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 M1QUÉ1AS 5.1

Quanto à época, existem três elementos que ajudam a colocar essas profecias dentro do período de Miquéias. O inimigo avistado no

horizonte é a Assíria (vv. 5-6). O fato de a Assíria ainda não ter desferido seus principais ataques contra Judá pode ser deduzido a partir de5.1. Esses ataques ocorreram em 711 e 701 a.C. E, finalmente, areferência a imagens de escultura, colunas e postes-ídolos (w. 13-14)indicaria que a idolatria ou não tinha sido totalmente eliminada na reforma de Ezequias, ou começava a ressurgir lentamente em seu reinado. Desse modo, os capítulos 4 e 5 representam o mesmo períodogeral dos capítulos 1 a 3, em que a euforia das reformas de Ezequias

levou a liderança civil a considerar Judá livre da destruição profetizada por Miquéias.

1. Veja o comentário sobre esse versículo nas páginas 240-241.

2. Já no século I a.C., entendia-se que esse versículo continha umsignificado messiânico (Mt 2.4-6). A pequena cidade de  Belém dista

va cerca de 8 km de Jerusalém. Acrescenta-se Ejrata para distingui-lade outras cidades de mesmo nome. Era insignificante demais para seralistada. Maillot observa que essa falta de importância corresponde àestrebaria em que Jesus nasceu (Lc 2.7).1Grupo de milhares é uma ex pressão difícil. Alguns traduzem por “clãs”, embora seja uma tropa(militar) ou uma unidade social.  Pequena demais  é, portanto, umareferência ao tamanho e à importância.2 A insignificância não está

tanto no fato de Belém ter sido escolhida para ser o local de nascimento do Messias, mas em seu valor relativo, quando comparadacom os outros clãs de Judá.3

Cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade.  Embora Miquéias empregue o termo lôlãm,  está semdúvida alguma referindo-se aos primórdios da dinastia davídica (1 Sm17.12-13; Rt 4). E assim entende a maioria das traduções e dos comen

1.  Atualidade de Miquéias, p. 118.2. D. J. Clark e N. Mundhenk,  A Translator's Handbook on the Books o f Obadiah 

andMicah,  p. 135.3. A. van Hoonacker,  Les Douze Petits Prophètes, p. 389.

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 MIQUÉIAS 5.3

taristas modernos. Entretanto, o significado de íôlãm  depende de seureferente. Para o homem, a palavra significa uma vida longa ou muitos

anos; para Deus, contudo, significa eternidade. Aplicada ao Messias,‘ôlãm  refere-se ao estado preexistente do Fílho. No século I de nossaera, havia uma crença de que o Messias reinaria 400 anos, períodomuito mais longo do que algum ser humano comum poderia viver (4Ed 7.26-28).

3. Deus os entregará até a vinda do Messias. Aqui Miquéias novamente mostra a situação desesperadora de Judá (cf. 1.9). O portanto dificilmente se refere ao versículo 2, embora possa ser que, consi-derando-se esse versículo, Deus vá entregá-los ao cerco mencionadono versículo 1. O cumprimento imediato nos dias de Ezequias seria

 promovido pelos assírios; o distante, pelos romanos, nos dias que antecederam o nascimento do Messias. Ou talvez se refira à “dor do parto”da grande tribulação, logo antes da segunda vinda (1 Ts 5.3). A. Mail-lot, católico romano, observa que nem Isaías (7.14) nem Miquéias

estão interessados no pai terreno do Messias. Ele considera, mas re jeita, a interpretação de que é Jerusalém (ou Israel) que vai dar à luz.Embora no tempo presente, a que está em dores, o que se destaca nãoé o fato de ela já estar grávida, mas, sim, o de ser um vaso escolhido para gerar o Messias. Lembre-se de como Miquéias utiliza a palavra“agora” no capítulo 4, tratando de acontecimentos de um futuro distante. O Messias não deverá nascer em qualquer lugar ou em qualquerépoca. Miquéias indica o local exato (v. 2); Lucas acrescenta o tempoespecífico (2.1-7).1Observe que há um contraste evidente entre irmãos e filhos de Israel. A primeira palavra parece indicar o restante  sobrequem Miquéias falou em 2.12 e em 4.6-7 e voltará a falar em 7.18.Quem são os filhos? Hoonacker entende que os filhos são os leais à dinastia davídica. Desse modo, os irmãos seriam os que haviam sidoseparados deles ou aqueles levados de Samaria para o cativeiro (Crab-tree), ou as pessoas deixadas no Reino do Norte depois do cativeiro.

 Neste caso, “volta” ( shüb) teria o sentido de “conversão” (LXX),referindo-se à malfadada tentativa de Ezequias de trazer o restante dasdez tribos para sua esfera de influência após 722 a.C. (2 Cr 30.5). “Is

I. Op.c it., p. 119-120.

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 MIQUÉIAS 5.4

rael”, conforme já se assinalou  passim,  refere-se a Judá, particularmente depois do capítulo 1 (cf. 3.1,8; 5.1).

4.  Ele se manterá firm e e apascentará o povo.  Uma evidentereferência a Davi, o pastor-rei. Toda a esperança repousa naquele quedeverá nascer em Belém (Is 7.14). “Manter-se firme” é literalmente“ficar”. Allen interpreta isso como um referência à cerimônia decoroação.1 Calvino, porém, interpreta a frase em relação à igreja,crendo, portanto que a promessa significa que “o reino de Cristo serádurável e permanente [...] ao longo de uma série ininterrupta de anos e

épocas”.2 Miquéias retoma ao Messias prometido que há de reinar emIsrael (v. 2). Por essa razão a ARA suplementa com “o povo”. Emrazão do verbo “pastorear”, outras traduções acompanham a LXX e su plementam com “rebanho” . O hebraico não traz nem uma, nem outra.O verbo rã‘âh  significa tanto “pastorear” quanto “governar”, sendouma metáfora em que rebanho significa povo. Ele pastoreará na força do SENHOR,  uma indicação do caráter e da disciplina de seu governo(4.3; cf. Is 40.10-11; SI 2.8-9). O caráter do reinado é reforçado pelaexpressão apositiva: na majestade do nome do SENHOR  seu Deus. Aqui, “nome” é sinônimo de “força” e denota a própria Pessoa deDeus com todos os seus atributos.  E eles habitarão seguros.  Aquelessobre quem o Messias reinar, os filhos de Israel (v. 3), conhecerão asegurança da prometida era áurea (4.2-4).  Agora.  Veja o comentáriosobre o uso dessa palavra em 4.9-11. Será ele engrandecido até aos confins da terra.  Reino universal? E possível. Pelo menos o Messias

teria uma influência mundial. Não considero adequada a tradução quea BJ faz de ’ere$,  “país”, porque limitaria a influência do Messias aCanaã (ou ao território do reino davídico). Dificilmente isso seria suficiente para garantir a segurança prometida. O Messias veio, e seu reinado começou. No entanto, essas promessas foram cumpridas apenas parcialmente e isso no sentido espiritual. Parece evidente que tantoesse versículo quanto 4.2-4 olhem para além da encarnação, vendo umreinado que começa com a segunda vinda.

1. Op. cit., p. 346.2. The Minor Prophets, p. 573.

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 MIQUÉ1AS 5.5b

5a. Este será a nossa paz.  Conquanto a frase faça parte doversículo 5, a maioria das traduções identifica-a com o versículo 4, ini

ciando um novo parágrafo imediatamente depois. Obviamente, areferência se faz à criança prometida (v. 2), cujo futuro reinado darásegurança ao seu povo (v. 4). Embora a palavra “nossa” não faça partedo texto, é subentendida pela promessa feita no versículo 4. A ajudadivina foi prometida e virá. Contudo, conforme observou Calvino, estásuspensa neste período intermediário. Em vez disso, Cristo prometeu-nos aflições no tempo presente (Jo 16.33).

O restante dos versículos 5 e 6 indica uma mudança radical. Ocenário muda para uma invasão hipotética por parte dos assírios. Osverbos e os pronomes passam para a primeira pessoa do plural. O su

 jeito no plural declara o que farão quando essa invasão acontecer. Deonde vem essa passagem? Alguns intérpretes da atualidade insistemem que os versículos 5 e 6 são uma interpolação feita na época dosmacabeus, em referência à Pérsia.1Outros entendem que esses versículos resultam de uma parceria: Miquéias estaria citando uma antigacanção de guerra hebraica, fazendo adaptações.2 Mais simples e maiscoerente com o estilo de Miquéias é a hipótese de Maillot, segundo oqual, os pronomes na primeira pessoa do plural nos versículos 5 e 6referem-se aos interlocutores de Miquéias. (Cf. 2.6-7, quanto à outraocasião em que seus ouvintes o interrompem.)

5b. Quando a Assíria vier à nossa terra.  A BJ traduz “se”. Entre

tanto, na mente de Miquéias e de seus interlocutores não havia dúvidaalguma quanto à invasão. A única questão era quanto à época. A invasão assíria era uma ameaça constante nos dias de Miquéias. Duranteos reinados de Jotão, Acaz e Ezequias, os assírios invadiram 5 vezes aPalestina: nessas ocasiões, a região rural era rapidamente ocupada; e ascidades e aldeias, devastadas; mesmo quando a própria Jerusalém nãocaía.

Em 722 a.C. Senaqueribe levou 27 290 pessoas de Samaria para ocativeiro. Mais tarde, exigiu que Ezequias pagasse um elevado tributo

1. A. R. Crabtree, Profetas Menores, p. 167.2. L. C. Allen, op. cit., p. 347-348.

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 MIQUÉIAS 5.6 

 para livrar Jerusalém de um destino semelhante (2 Rs 18.6-16).Quando passar sobre os nossos palácios.  Frase que faz paralelo com a

 primeira, indicando o dano provocado pela invasão. Fala de cidadelasfortificadas e não das residências da classe alta. Assim mesmo o “nossos” indica que os que estavam falando identificavam-se com os

 poderosos e não com os pobres. A LXX traz “vossa” terra e “vossas”cidadelas e diz “eles levantarão...”, uma evidente tentativa de dissociar Miquéias dessas pessoas e da autoconfiança delas. Sete pastores e oito príncipes dentre os homens.  Pastores e príncipes, uma evidente

alusão ao Messias prometido (vv. 2-4) e um contraste com a descriçãode seus líderes registrada em 3.1-3,9-11. Os números não têm nenhuma importância especial, senão para indicar o grande número delíderes capazes, em oposição ao ainda não-nascido rei-pastor deMiquéias (v.2).

6.  Estes consumirão a terra da Assíria...  Literalmente, “pastorearão com a espada”. O sentido é o de um pastor destruindo os inimigos de seu rebanho. Embora, no hebraico, o verbo esteja no singular, é uma referência óbvia à ação coletiva das sete e oito pessoas doversículo 5.  Ninrode.  A Assíria é identificada com seu fundador, filho de Cuxe, o primogênito de Cam (Gn 10.6-12).  Assim nos livrará... O mesmo sujeito do verbo “consumir” acima. Na realidade, a segunda metade do versículo não segue cronologicamente a primeira parte.Ela é, antes, uma expressão poética que simplesmente repete a inva

são descrita no versículo 5. Entretanto, na repetição limites  ocupa olugar de “palácios”. É possível que tenhamos aqui uma reminiscênciada destruição do exército assírio na época de Acaz (2 Rs 19.35-37). Aque os interlocutores estariam fazendo referência nesses versículos?

 Nunca houve uma possibilidade de Israel ou Judá levar o combate paraa terra de Ninrode e conquistar a Assíria pelo uso da força militar. Ecertamente isso jamais aconteceu ao longo da história. Recordamo-nos

aqui da falsa profecia de Hananias sobre a quebra do poder daBabilônia (Jr 28).

7. O restante de Jacó.  Quanto a “restante”, veja comentário so bre 4.7. Miquéias retoma sua profecia e censura as pretensões daqueles

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 MIQUÉIAS 5.78

que o tinham interrompido. Ele condena os que se consideravam comandantes a serviço de Deus. Enquanto estes falam de uma vitória so

 bre o grande império assírio, ele fala de um remanescente que estará no meio de muitos povos. Miquéias escreve pouco depois da queda deSamaria, num período em que Judá está experimentando igualmente

 paz e reavivamento religioso (cf. 2 Cr 30 e 31). Para os ouvintes, suas palavras sombrias já tinham parecido indevidas (2.6; 3.11). Miquéias,contudo, insiste em que o Reino do Sul terá destino semelhante ao doReino do Norte.

7-8. Como orvalho do SENHOR  [...] como um leãozinho entre os rebanhos.  O leitor fica fortemente impressionado com a evidente discrepância entre os dois efeitos da presença de Judá entre as nações,conforme projetado nesses versículos. Num clima desértico, o orvalhoé visto como uma bênção mandada por Deus. Leõezinhos que avançamsobre as ovelhas dificilmente podem ser vistos da mesma maneira.Esse contraste em dois versículos que são paralelos quanto à forma e

devem ser interpretados conjuntamente criam, é claro, um problema para o intérprete. Ou ambos dizem a mesma coisa, ou não (Pv 19.12).Caso estejam dizendo a mesma coisa, podem ser interpretados oucomo uma bênção para as nações (assim entendem Crabtree e Cal-vino), ou como uma maldição para elas (assim entende Clark). Entendendo que o espírito de vingança é alheio ao ensino de Miquéias acerca do remanescente, Crabtree considera o versículo 8 sinônimo doversículo 7.1Por outro lado, Clark, à luz de 2 Samuel 17.12, entende oorvalho como o poder de Deus que desce sobre as nações por meio deum ataque irresistível promovido por Judá.2 Nesse caso, a vitória sobreos inimigos (v. 9) é obviamente a conclusão do oráculo. Entretanto, aaparente necessidade de fazer esses versículos dizerem a mesma coisaé fruto de uma incompreensão tanto do estilo de Miquéias quanto dosujeito dos verbos nos versículos 5 e 6. Por outro lado, George A.Smith não encontra nesses versículos “nenhum indício da mão de

Miquéias ou de sua época” .3 Mas é justamente essa aparente con

1. Op. cit., p. 169.2  .  Op. cit., p. 147.ii The Book o f the Twelve Prophets, v. I, p. 417.

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 MIQUÉIAS 5.9

tradição, bênção e maldição, que caracteriza o estilo de Miquéias.Compare 4.11-14 (5.1), onde Judá é apresentado vitorioso sobre seus

inimigos e derrotado por eles. E logo antes dessa passagem (4.9-10), éapresentado indo para o cativeiro. Repare que tanto o versículo 9quanto o 11 começam com “agora”, contudo não podem ser o mesmo“agora”! Como o remanescente espalhado entre as nações pode ser aomesmo tempo bênção e maldição? A resposta está, em parte, notratamento que essas mesmas nações dispensaram ao antigo povo deDeus (Gn 12.3). Ao longo da história do Ocidente, os judeus têm exercido essa dupla influência, particularmente em questões econômicas.

9.  A tua mão se exaltará sobre os teus adversários.  Possivelmente uma referência à batalha contra os amalequitas, na qual a vitóriadependia de Moisés manter as mãos erguidas num claro gesto de de pendência em relação a Deus (Êx 17.11-13).  E todos os teus inimigos  serão eliminados.  O versículo é evidentemente um desdobramento doanterior, sendo a resposta do profeta ao atrevimento manifestado por

seus interlocutores nos versículos 5 e 6. Inicia-se aqui o que Maillotchama de “uma das passagens mais violentas e mais terríveis daBíblia: seis versículos e nove verbos para significar a destruição maisradical. Nenhum raio de luz, nenhum ‘resto de esperança’” .1Em contrapartida, Crabtree pensa que não somente no versículo 9, mas tam bém nos versículos de 10 a 15, Miquéias “continua o pensamento doversículo 7”. Ele entende que, junto com 4.2-4, essa passagem refere-

se à era messiânica, a um programa de desarmamento e à eliminaçãode idéias primitivas quanto ao poder da feitiçaria.2O versículo 9 é uma ponte entre as profecias dos versículos 7 e 8

e aquelas dos versículos de 10 a 15. De certa maneira, é um elo naturalcom aquilo que o precede e uma introdução da destruição prometida.Mesmo assim, o versículo 9 diferencia-se tanto do que vem antesquanto do que se segue. No trecho anterior, há uma mudança da

terceira para a segunda pessoa. No posterior, os verbos estão todos na primeira pessoa do singular. E Deus mesmo quem provoca a

1. Op. cit., p. 131.2. Op. cit., p. 170-171.

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 MIQUÉIAS 5.1015

destruição. Embora essas mudanças sejam muito comuns emMiquéias, elas representam interrupções no desenvolvimento de sua

 profecia.

10-15.  Eliminarei. Dos 6 versículos dessa passagem, 4 começamcom o verbo kãrat   (cortar), sempre na primeira pessoa do singular.Esse verbo, que havia aparecido pela primeira vez no final doversículo 9, agora aparece como a chave para o juízo divino contra os pecados do próprio povo de Deus.  Kãrat   é “decepar” ou “abater”.

Pode ser traduzida por “matar” ou “destruir”. Daí o sentido de“eliminar”, como ocorre nessa passagem. É preciso assinalar duascoisas. Em primeiro lugar, nesses versículos a ira de Deus é reveladacom dois aspectos: punição e purificação. Os pecados deles trazem

 juízo (cf. 3.9-12). Mas o juízo recai sobre aquilo que os levou ao pecado. Em segundo lugar, embora seja o próprio Deus que julgue e destrua, os instrumentos empregados são as nações (cf. Hc 1.5-11). Nisso,em momento algum Miquéias incita o povo a rebelar-se contra aquelesque o oprimem. O Deus soberano cuidará desse juízo.

A BJ,  por outro lado, entende que o significado desses versículosé que Iavé privará seu povo de todo o falso apoio humano. Dessamaneira, os cavalos e os carros, juntamente com as cidades e as fortalezas (v. 11), seriam petrechos bélicos, tanto de ataque quanto de defesa. Calvino, que interpreta a passagem como referência à igreja, achaque esses verbos indicam que ela será salva ao ser “privada de toda a

sua força e defesas” .1 Crabtree também aplica essa profecia à igreja(era messiânica). Mas um e outro forçam o sentido da passagem aofazer essa interpretação alegórica. Assim, deve-se entender que osversículos de 10 a 15 prosseguem o pensamento do versículo 7 e, juntocom 4.2-4, apresentam um programa de desarmamento e de eliminaçãode idéias primitivas quanto ao poder da feitiçaria.2 Está claro queCrabtree, Calvino, a BJ e outros fizeram uma leitura alegórica do texto,

 baseada na pressuposição teológica de que as profecias acerca do Diado Senhor e da era messiânica referem-se à igreja.

1. Op. cit., p. 579.2. Op. cit., p. 170-171.

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 MIQUÉIAS 5.10

10. Naquele dia. Expressão técnica que se refere ao dia do juízo(Is 2.12; J1 2.11,31). Contudo, a expressão não estava totalmente de

finida no século VIII a.C. Amós refere-se à ambigüidade de seu sentidoem (Am 5.18-20). Veja o comentário sobre 4.1, em que Miquéiasescreve sobre os “últimos dias”. O próprio Miquéias falará de modomais detalhado sobre o “dia do Se n h o r  ” em 7.4,11-12. Aqui areferência é a um dia específico em que Deus castigará seu povo, diade destruição e carnificina. A fim de deixar bem claro quem seja o su

 jeito dos verbos que seguem nos versículos de 10 a 15, Miquéias inserea expressão diz o Senhor.  Essa frase equivale à apelação profética

mais usual à autoridade divina: “Assim diz o SENHOR” . Todos os 9verbos principais de 10 a 15, (os secundários estão nos vv. 12,13 e 15)estão na primeira pessoa do singular. Observe o impacto destruidorcoletivo desses verbos: “eliminar”, “destruir”, “despedaçar” e “tomar vingança”.

O que, então, Deus vai destruir? Miquéias cita inicialmentecavalos  e carros,  instrumentos de guerra introduzidos pela primeira

vez por Salomão (1 Rs 10.28-29). Para os profetas, tanto os cavalosquanto os carros simbolizavam a dependência na força e na sabedoriahumana, não em Deus. Observe o contraste em Zacarias 9.9-10.

11.  Destruirei as cidades da tua terra [...] fortalezas.  O paralelismo poético hebraico do versículo 10 (cavalos de guerra e carros) é repetido aqui. Ali a frase referia-se a armas de ataque; aqui, a

estruturas de defesa. As cidades são muradas. São abrigos fortificados,não meros locais de habitação. E, portanto, falam de novo em juízocontra os que confiam mais em si mesmos e em suas fortificações queem Deus. Nos versículos 10 e 11, então, o profeta lembra os ouvintesde que, quando chegar o dia do juízo, será inútil todo e qualquer esforço de salvarem-se a si mesmos. Desse modo, esses versículos sãoum complemento das profecias de 1.6 e 3.12.

12.  Eliminarei as feitiçarias [...] e não terás adivinhadores.  A proibição dessas atividades é antiga, remontando a Deuteronômio18.10-14. A proibição expressa em Levítico 19.26 contém as raízes deduas palavras-chave do versículo. A lei determinava que os feiticeiros

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 MIQUÉIAS 5.1314

deviam ser mortos (Êx 22.18). Iavé prometeu voltar-se contra todos osque buscam os adivinhadores (Lv 20.6). É, no entanto, óbvio que essas

 pessoas abundavam em Judá, mesmo depois do grande reavivamentodos dias de Ezequias (Mq 3.5-7) e, pior, denominavam-se “projetos”.

 Não terás adivinhadores. Não terão porque Deus os eliminará da tua mão.  Essa é ao mesmo tempo uma ameaça e uma promessa, dependendo de como for vista. Eles não os terão, é claro, porque Deus oseliminou. A estranha expressão “da tua mão” refere-se à “venda de

 presságios usando as mãos (com bastões, varas, xícaras, etc.)” .1

13-14. Miquéias volta-se para uma terceira área em que o povo deDeus havia pecado, devendo ser castigado. Iavé diz: eliminarei as tuas imagens de escultura.  Ele os julgará por dependerem de “armamentos”, por usarem o espiritismo e a magia para desvendarem o futuro eagora por apelarem aos ídolos. E, uma vez mais, Deus decepa cirurgicamente os elementos ofensores. Nos versículos 13 e 14, são quatro:

imagens de escultura, colunas, aserins e cidades. A idolatria tinha sidodrasticamente reduzida depois do reavivamento de Ezequias, que ocorreu entre os oráculos registrados nos capítulos 1 e 2. Fora duas rápidasreferências (esta e a de 6.15), Miquéias não fala de idolatria depois de1.5-7,13. Esses dois textos indicam claramente que, depois do reavivamento, havia bolsões de resistência religiosa. De fato, Deus usou ocativeiro (586-536 a.C.) para, de uma vez por todas, livrar seu povo daadoração dos deuses falsos. Além de “imagens de escultura”,Miquéias fala de colunas,  que, de acordo com Margolis, designamobeliscos comemorativos erguidos em cima de túmulos em honra a umdeus. Embora usadas pelos patriarcas (Gn 28.22; 31.45 etc.), as colunas eram vistas pelos profetas do século VIII como uma prática pagã,sendo, pois, proscrita (cf. Êx 23.24). Tanto as imagens como as colunas eram adoradas.2 Geralmente os “aserins” (IBB; postesídolos, ARA)

eram troncos de árvore colocados em pé, representando divindades

femininas. É possível que “Asera” fosse o nome da deusa. O tronco de

1. Kleinert, Paul, The Book o f Micah,  em J. P. Lange,  A Commentary on the Holy Scriptures, p. 38.

2. Max Margolis, op. cit., p. 57.

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madeira representava o poder de fecundação que pertencia aos deusese se manifestava na natureza. Tanto as colunas quanto os aserins eram

condenados por Moisés (Êx 34.13; Dt 16.21), devendo ser derrubadose queimados (Dt 7.5). Tuas cidades parece estranho por dois motivos.Primeiramente, porque os outros três elementos desses dois versículosdizem respeito à adoração de ídolos, às obras das mãos do homem. Emsegundo lugar, porque as cidades já foram mencionadas no versículo11. Alguns (e.g., a JB) substituem “cidades” por “ídolos”. No he

 braico a diferença é pequena: ‘ãrekâ  (tuas cidades) e 'esbeka  (teusídolos). Não existe nenhuma prova textual a favor da última; a LXX

traz  polis,  cidade. Conquanto ídolo se encaixe melhor no paralelo,nada acrescenta às outras três palavras. Por outro lado, “cidade” estárepleta de significado. Fala da adoração da cidade de Davi, do temploe de suas tradições, no lugar da adoração de Iavé, o Deus criador.

15. Prossegue a série de verbos na primeira pessoa do singular,mas o predicado muda. Com ira e furor   mostra o início de uma

mudança nesse versículo. A palavra hêmâh,  traduzida por “ira”, trazconsigo a idéia de agir com violência ou causar dano (Rm 1.18). Em bora os verbos nos versículos de 10 a 14 mostrem grande violência,nada se diz diretamente sobre a atitude de Iavé. É óbvio que ele nãoestá contente com a sitação de seu povo. Aqui ele tomará vingança contra os que não obedeceram. Até esse momento, o juízo foi apresentado dentro da estrutura de causa e efeito (2.7; 3.4), sem referência

específica à natureza divina. Mas a desobediência suscita a ira e o furor divino (G1 6.7). Contudo, no meio do juízo, manifesta-se o amor deDeus. Compare com o tom de súplica expresso em 6.3. Como geralmente acontece no Antigo Testamento, “ouvir” ( skãma‘ ) traz im plícito o sentido de “dar atenção” e “observar” . Iavé não fala paraagradar os ouvidos dos homens. Suas palavras são um chamado à obediência. E isso que está por trás da expressão utilizada por Jesus:“quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (i.e., obedeça). A quem édirigida essa palavra? A palavra nações (gôyim) geralmente se refereaos gentios.1Aqui, como em 4.3, talvez se refira às tribos de Israel. Ali

 gôyim está em paralelo com ‘am, a palavra usual para designar o povode Deus. Nesse aspecto, seria a conclusão normal e natural dos

 MIQUÉIAS 5.15

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 MIQUÉIAS 6 

versículos de 10 a 14 e, portanto, do capítulo inteiro. Em segundolugar, ira e furor são aqui expressos contra aqueles que não ouviram

nem acolheram a revelação divina. Como isso se aplicaria aos gentios,que a essa altura só tinham a revelação natural? (Mas cf. Rm 1.18-32.)Embora seja possível enxergar aqui uma referência aos gentios, dentrodo contexto parece mais lógico interpretar a expressão como a palavraculminante dessa condenação da autosuficiência e da idolatria, condenação esta que se iniciou no versículo 10. Desse modo, a mensagem deMiquéias preserva o caráter de denúncia ao seu povo e serve de intro

dução perfeita ao capítulo 6.

VI CAPÍTULO 6

Constituído de dois quadros pintados com palavras, o capítulo 6 prossegue a denúncia de Miquéias contra os pecados de sua época, pecados que parecem tão próprios dos dias de hoje: maldade, violência,opressão dos pobres e dos desamparados. Embora estejam re

lacionados entre si pelo conteúdo, a forma de cada um indica claramente que representam duas mensagens distintas. O primeiro (vv. 1-8)descreve Deus levando seu povo para ser julgado. O segundo (vv. 9-16) é uma dura repreensão de injustiças específicas e uma promessa decastigo divino.

A cena do julgamento (vv. 1-8) é muito impressionante e uma das poucas ilustrações que Miquéias desenvolve plenamente. Na maioria

das ilustrações, um ou dois versículos esboçam o quadro. Faltam, contudo, os detalhes. Compare 1.3-4, a título de exemplo. Em 6.1-8, noentanto, Miquéias arma o cenário do tribunal, com juiz, réu, promotore júri. As acusações são feitas, a defesa fala e depois o profeta indica oque Deus exige.

O segundo quadro pintado por Miquéias (w. 9-16) não é tãofecundo quanto o primeiro. Entretanto, também traz acusação e julgamento. Aqui a mensagem é dirigida especificamente contra oscomerciantes e os novos ricos (2.1-2). Miquéias então desenvolve umtema, provavelmente extraído de Amós (5.11), cujas origens remontam

5. Girdlestone, Synonyms o f the O. T., p. 256-257.

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 MIQUÉIAS 6 

a Moisés (Dt 28.38-40). Em síntese, profetiza que trabalharão arduamente para obter benefícios materiais que escorregarão de seus dedos antes que possam fazer uso deles (vv. 14-15). Esse mesmo tema é,mais tarde, retomado e desenvolvido por Jeremias, Sofonias e Ageu.

As vezes temos a impressão de que as controvérsias são ruins,que elas devem ser evitadas e que pessoas que provocam controvérsiasnão devem falar às nossas comunidades. Sem dúvida Miquéias era um“homem de controvérsias”. Aliás, a literatura do Antigo Testamentorevela uma tensão quase constante entre Deus e seu povo, conformemostram seus profetas (cf. Os 4.1; 12.2; Mq 3.8). Quem pretende falar

em nome de Deus ao seu povo deve observar os seguintes procedimentos: 1) considere cuidadosamente todos os fatores disponíveis pertinentes à questão; 2) descubra o interesse de Deus nisso; 3) ame as pessoasdo “outro lado”, procurando compreendê-las e 4) procure ser sábio etambém corajoso ao pôr em prática aquilo que lhe parece ser a vontadede Deus para você na controvérsia.

A JB francesa tomou liberdade incomum com a ordem do texto

em Miquéias. Não existe nenhuma prova textual que apóie asmudanças introduzidas. Nem se explicam os motivos que levaram à reordenação dos versículos (ou parte deles). Aparentemente as mudançassão introduzidas de acordo com aquilo que os tradutores consideramser uma ordem mais “ lógica”.1 Embora essa liberdade seja exercidacom grande cautela em outros lugares, apenas nesses 3 capítulos 6versículos são deslocados no todo ou em parte. No capítulo 5, osversículos 5 e 6 receberam a seguinte ordem: 5a, 6b, 5b  e 6a.  Nomesmo capítulo, o versículo 14 é inserido no meio do 13. Então aqui,no capítulo 6, o versículo 12 é inserido entre os versículos 9 e 10, e oversículo 15, entre o 13 e o 14. Finalmente, no capítulo 7, o versículo 4é colocado após o 6.

As mudanças em 5.5-6 colocariam os acontecimentos numa ordem cronológica simples: a Assíria invade e Judá reage suscitandolíderes para assegurar a vitória. A lógica de inserir 5.14 no versículo

13 parece nascer do conceito de que os ídolos precisam ser destruídos, para que a adoração deles de fato desapareça. Aqui no capítulo 6, a

1. A edição em português não seguiu as liberdades da edição original.

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 MIQUÉIAS 6.12

colocação do versículo 12 antes do 10 e do 11 define quem está sendoatacado nesses versículos e assim limita indevidamente a opressão aos

ricos. Os “pobres” não estão livres de tratarem injustamente uns aosoutros. Quanto à colocação do versículo 15 antes do 14, parece basear-se na lógica de que é preciso semear antes de ceifar. No entanto, é óbvio que o juízo de Deus não se encaixa com precisão no início denenhuma seqüência, muito menos numa que fala da vida agrícola. Ao pôr o versículo 15 depois do versículo 14, Miquéias demonstra claramente que o juízo de Deus pode dar-se a “qualquer hora” e também

que esse processo é demorado. No capítulo 7, a colocação do versículo4 depois do 6 parece ser uma tentativa de tomá-lo uma declaração finalacerca das pessoas citadas nos versículos 5 e 6. O problema é que issolimita a aplicação e muda o rumo da última parte do versículo 4.

1-2. Ouvi, agora, o que diz o SENHOR.  A LXX traz “a palavra doSenhor” em lugar de “o que”. De acordo com a frase introdutória, as

 palavras que seguem (não apenas o v. 1, mas o parágrafo inteiro) são aordem divina a Miquéias para que este profira a acusação de Deus contra Judá. Perante os montes [...] outeiros [...] duráveis fundamentos da terra.  Embora difícil de acreditar, a maioria dos comentaristas inter

 preta essas expressões como a manifestação física daquilo que as palavras significam literalmente. Desse modo, J. M. P. Smith observaque “é parte da doutrina profética que o mundo animado e o inanimado estejam igualmente interessados no que Deus faz”.1É verdade

que Paulo nos lembra que a criação toda, condenada ao sofrimento porcausa da queda (Gn 3.1-17), aguarda sua redenção (Rm 8.22). Copassentende que “duráveis fundamentos” está em contraste com as nações e civilizações, que são transitórias.2 A ênfase atual na ecologia ena responsabilidade humana diante do meio ambiente favoreceria essainterpretação. No entanto, não parece provável que os profetas personificassem a natureza (apesar de passagens como Dt 32.1; Is 1.2), muito

menos que possuíssem um interesse ecológico naquela época. E o pecado de que acusavam não era contra a natureza.

1.  Micah,  in: ICC,  p. 120.2. The Study o f the Prophet Micah, p. 134, nota 2.

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Em vez disso, pode-se ter uma solução em Ezequiel 6.2-7. Aotratar do terreno físico não se faz referência às montanhas ou às colinas

como tais, nem mesmo aos altos. E para Israel mesmo que a espadaestá dirigida. Aqui, em Miquéias 6.1-2, faz-se referência aos povos aoredor, os quais agirão como testemunhas e até como júri nesse processo que Iavé move contra seu povo. O fato de que Judá será julgadadiante das nações é claramente ensinado em Ezequiel 5.7-8,14-15 (cf.SI 50.4-5). Margolis destaca que a Midrash interpreta os montes como“pais” (os patriarcas) e os outeiros como “mães” .1

O SENHOR tem controvérsia com o seu povo, e com Israel entrará em juízo.  A palavra traduzida por “controvérsia” (ríb)  significa“discórdia” ou “disputa” e requer um acerto entre duas ou mais partes. Com algumas pinceladas, Miquéias retrata um processo judicial.Deus é o promotor e o juiz, seu povo está sendo acusado, e as naçõessão chamadas como testemunhas de acusação. O próprio Miquéiasatua como uma espécie de meirinho que coordena a ação. Observe asrápidas mudanças de assunto nesses breves oito versículos. Deus

chama o réu (v. 1), Miquéias instrui as testemunhas (v. 2), Deus acusaseu povo (vv. 3-5), o representante do povo implora a misericórdia dotribunal (vv. 6-7), Miquéias dá as instruções finais (v. 8).

3. Observe que Deus, que tem motivos para julgar seu povo comrigor, não determina a sua destruição como fez antes aos amorreus (Gn15.16; cf. 1 Sm 15.1-23). Mas também não fecha os olhos para o pe

cado deles simplesmente porque estão sob uma aliança eterna (Gn15.1-21; 17.7). Pelo contrário, ele tem prazer em descer e arrazoar comeles (Is 1.18). Observe o tom de súplica no versículo 3:  Povo meu, que te tenho feito? E com que te enfadei? Observe que o profeta os haviachamado “seu” povo (v. 2). Aqui Deus os chama “meu” povo. Esses

 pronomes deixam implícito não apenas um relacionamento, mas tam bém a misericórdia no tratamento que Deus lhes dispensara anterior

mente (Dt 4.34-35). Aliás, é para essa misericórdia que Deus lheschama a atenção nos versículos 4 e 5. O relacionamento estabelecido

 MIQUÉIAS 6.3

1. Op. cit., p. 59.

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 MIQUÉIAS 6.4

séculos antes (Êx 19.4-6) mostra o critério pelo qual a disputa deve ser julgada. Por fim, não apenas houve um relacionamento e misericórdias

no passado, mas Israel ainda é o seu povo. Deus não o abandonou, apesar de sua corrupção e desobediência. O tom da acusação não é o deum promotor ou juiz, mas o de um pai amoroso.1

 Respondeme. Como é pungente a frase! Pinta um quadro de um povo cabisbaixo de vergonha, silenciado pela culpa. Não havia nenhuma resposta. Essa frase lembra-nos da pergunta retórica de Isaías:“Que mais se podia fazer ainda à minha vinha, que eu lhe não tenhafeito?” (Is 5.1-4). Nem Deus pede uma resposta simples. Pelo contrário, iãnâ é um termo jurídico que significa declarar, no sentido de“acusar” . Melhor seria: “Testifica contra mim” ! A resposta: silêncio.

 Não se pode fazer nenhuma acusação contra aquele que os conduziuem amor e misericórdia, de geração em geração. Ao ressaltar a aliançae a misericórdia de Deus, eles se esqueceram (2.7; 3.11) de que eleexige justiça no tratamento dispensado aos outros.

4.  Não se apresentou nenhuma defesa quando Deus exigiu queseu povo testificasse contra ele (v. 3). Portanto, Deus, como promotor,

 prossegue com a acusação. Ele o faz recapitulando o que havia feito por eles.  Pois te fiz sair da terra do Egito. E esse o primeiro de umasérie de grandes marcos históricos dentro de seu relacionamento comIsrael. Os marcos escolhidos implicam que não apenas Miquéias, mastambém o povo conheciam o Hexateuco. De outro modo, sua men

sagem teria sido ininteligível. O primeiro é uma referência à travessiado mar Vermelho, à presença de Deus à frente deles na coluna de fogo,ao fato de ele alimentá-los e vesti-los durante 40 anos e, por fim, àcontínua proteção que ofereceu contra os inimigos.

A segunda frase, da casa da servidão te remi,  faz certo paralelocom a primeira. Traz à mente, no entanto, outras experiências relacionadas ao Egito. Fala do terrível sofrimento antes de serem liber

tados, fala dos milagres operados por Moisés contra Faraó e sua corte.Acima de tudo lembra-lhes que Deus, e não o homem, os livrou da

1. J. M. P. Smith, op. cit., p. 121.

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 MIQUÉIAS 6.5

escravidão (Êx 13.3,14; Dt 8.14). A última frase do versículo 4 é e en-viei adiante de ti Moisés, Arão e Miriã. Deus não apenas os remiu da

escravidão e os colocou a caminho da terra prometida, mas tambémlhes deu líderes consagrados. E que líderes! O profeta e legisladorMoisés, para os libertar e instruir (Êx 6.26-30), o sacerdote Arão, paracolocar-se diante de Deus no lugar deles e interceder por causa de seus pecados (Êx 28.1-4) e a profetisa Miriã, para conduzi-los em louvor aDeus (Êx 15.20-21). Esses três representam o exército de homens piedosos que Iavé enviou para dirigir e instruir seu povo, desde os dias

anteriores a Miquéias até hoje. Desse modo Deus, como promotor,lembrava-os de que sua mão estivera abençoando-os tanto em suaorigem quanto em seu desenvolvimento.

5. Em sua ternura, Iavé chama-os povo meu,  especialmente seudesde que o libertou do Egito e, no monte Sinai, o escolheu acima detodos os outros povos (Êx 19.4-6). Foi seu amor que o protegeu dosque poderiam fazer-lhe mal. Lembrate agora. A semelhança da nossamemória, a de Israel era muito curta. O livro de Números podia muito bem ter sido chamado “Murmurações” : esqueciam-se, de um dia parao outro, das grandes coisas que Deus fazia por eles. Aqui Deus os fazlembrar do que poderia ter sido o fim deles ainda na sua origem.  Do que maquinou Balaque, rei de Moabe, e do que lhe respondeu Balaão, 

 filho de Beor.  Em síntese, Balaque desejava que Israel fosseamaldiçoado, e Balaão estava pronto a fazê-lo. Deus, porém, não lhe

 permitiu tal coisa. Pelo contrário, ele o fez abençoar totalmente a Israel. O texto completo acha-se em Números 22 a 24. Observe em particular a quádrupla bênção que ele pronunciou sobre Israel:

1. ele não podia amaldiçoar a quem Deus não havia amaldiçoado(23.8);

2. Israel habitaria sozinho, separado para Deus (23.9);3. Deus não via iniqüidade nem mal em Israel e estava no seu

meio (23.21);4. profetizou acerca de um rei futuro e seu reinado (24.7,17).

 E do que aconteceu desde Sitim até Gilgal.  Israel estava acam pado em Sitim quando Balaão profetizou; e ali perdeu 24 000 pessoas

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 MIQUÉIAS 6.5

 por causa da prostituição idólatra (Nm 25.1-9; 31.16). No entanto, essafrase faz referência a uma série totalmente distinta de acontecimentos.

Foi dessa planície de Sitim que Josué liderou o povo até o acam pamento em Gilgal. Assim, com essa frase, Deus atiça a memória deIsrael acerca de outros acontecimentos de seu passado. Foi duranteesse percurso que vários eventos importantes ocorreram:

1. Israel atravessou o Jordão (Js 3);2. Israel fez uma coluna com 12 pedras tiradas do leito do rio para

servir de memorial (Js 4);

3. seus inimigos perderam a coragem (Js 5.1);4. os homens de Israel foram circuncidados pela primeira vez

desde que tinham partido do Egito, 40 anos antes (Js 5.2-9);5. Israel comemorou a páscoa pela primeira vez desde que tinha

saído do Egito (Js 5.10-11);6. acabou o maná (Js 5.12); e7. o comandante do exército de Iavé aparece para liderar Israel na

guerra da conquista (Js 5.13-15).Conforme assinala L. C. Allen, Miquéias apenas menciona essasaga. Ele não a completa com o restante dos detalhes como Josué 24 e1 Samuel 12, que não hesitam em fazê-lo.1

 Para que conheças. Miquéias acrescenta essa oração para fecharsua intenção de fazer o povo recordar o que Deus havia feito por eles.McGlothlin lembra-nos de que “o reconhecimento das múltiplas bênçãos de Deus deve conduzir o homem à humildade e à confissão. Oesquecimento é um grande inimigo da piedade”.2 É bom ponderar so

 bre o que Deus tem feito por nós a fim de não resvalarmos para um estilo secularizado de vida, vivendo como se ele não existisse.

Os atos de justiça do SENHOR (sedaqôt YHWH).  Essa expressãotambém ocorre em Juizes 5.11, Salmos 11.7, 103.6 e, intensificada por“todos” (kõl), em 1 Samuel 12.7. A referência é à retidão, ao direito eàs coisas feitas corretamente. Por isso evoca os atos justos de Iavé. A

 promotoria fundamenta sua acusação mostrando os atos misericordiosos com os quais Deus cobriu o povo de bênçãos, contrastando-os

1. The Books o f Joel, Obadiah, Jonah and Micah, p. 368.2. “Micah” , in: American Commentary, p. 24.

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 MIQUÉIAS 6.6 

fortemente com a ingratidão recebida em troca. Até esse momento asacusações diretas e objetivas contra eles ainda não foram pronun

ciadas. Foram claramente expressas nos capítulos 1, 2 e 3. Aqui, nocapítulo 6, a obrigação de Israel, que brota da bondade de Deus, é pintada em cores vivas.

6. O cenário muda. O júri recebeu suas instruções (w . 1-2), a promotoria apresentou sua acusação (w . 3-5), e agora a defesa devefalar. Conforme vimos acima (v. 3), a defesa não tem nada que dizer,

especialmente porque a promotoria fundamentou sua acusação na sim ples enumeração do que Deus fez pelo povo. Com que me apresentarei ao SENHOR? Convencido de sua culpa, o povo, por meio de seu representante, volta-se para Miquéias, perguntando-lhe se existe um meiode reaver o favor de Deus. Quem começa a falar na primeira pessoa dosingular é evidentemente Ezequias. No Antigo Testamento, o povo éabençoado e julgado de acordo com as atitudes e as ações do rei. Essasolidariedade entre rei e povo é claramente apresentada aqui e ali nos

livros históricos (Samuel, Reis e Crônicas).  E me inclinarei ante o  Deus excelso. É perante o rei que todos se inclinam. Aqui, porém, elereconhece que, sendo culpado e tendo menos poder, deve curvar-sesubservientemente perante Iavé.

Virei perante ele com holocaustos, com bezerros de um ano?  Orei volta-se para a única solução que conhece: o sistema sacrificial. Noinício de seu reinado, Ezequias havia-se voltado para Iavé, purificando

o templo e reestabelecendo os sacrifícios mosaicos (2 Cr 29-31). Agora, em face da acusação divina, ele se volta mais uma vez para essemétodo, a fim de restabelecer o relacionamento com Deus. Os holocaustos eram oferecidos para fazer expiação, de modo que o ofertantefosse aceito perante Iavé (Lv 1.3-4). Nem Deane nem Farrar estão certos ao inferir que as pessoas queriam “comprar” sua passagem devolta para o favor de Deus.1 Laetsch, contudo, percebe com pro

 priedade que não existe a mínima consciência da santidade inalterávelde Deus nem da impiedade do pecado. Não há nenhum reco

1. E. J. Deane, “Micah”, in:  Pulpit Commentary,  p. 87; F. W. Farrar, The Minor   Prophets, p. 138.

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 MIQUÈIAS 6.7 

nhecimento da necessidade de misericórdia, nem algum desejo deobtê-la.1A solução procurada aqui e no versículo 7 é puramente for

mal. Afinal, isso aparentemente tinha funcionado quando Ezequiasrenovara a aliança (2 Cr 29-31).

7.  Agradarseá o SENHOR de milhares de carneiros? de dez mil  ribeiros de azeite? É como se o silêncio divino diante das perguntas doversículo 6 levasse Ezequias a redirecionar as perguntas. Se Deus nãodeseja um determinado tipo de oferta (o holocausto), talvez a

quantidade de sacrifícios o agrade: milhares de carneiros, 10 milribeiros de azeite. A LXX traz 10 mil bodes gordos. Afinal, ele já tinhafeito isso quando convocou as doze tribos para celebrar a Páscoa.

 Naquela oportunidade ele próprio tinha contribuído com mil novilhose 7 mil ovelhas (2 Cr 30.24; cf. a oferta de Salomão na dedicação dotemplo, 1 Rs 8.63). Freqüentemente cometemos o mesmo erro de acharque Deus está interessado no tamanho da oferta, esquecendo-nos da

afirmação de Davi no Salmo 51.14-17. “Eles ofereciam tudo (atéaquilo que Deus proibira), com excessão da única coisa que ele pedia:o coração, com seu amor e sua obediência.”2

Após eliminar as alternativas de tipo de ofertas e quantidade desacrifícios, Ezequias sugere, horrorizado, uma terceira possibilidade: osacrifício humano. Darei o meu primogênito pela minha transgressão, o fruto do meu corpo pelo pecado da minha alma?  O que Ezequiasoferece atinge seu bolso e sua família. Não atinge o seu “eu”, a nãoser indiretamente. A verdade nua e crua é que é mais cômodosacrificar a vida do filho do que a própria vida! Apesar da expressa proibição de sacrifícios humanos em Levítico 18.21 e 20.2-5, existemvários casos registrados no Antigo Testamento, sem falar da prova deAbraão (Gn 22.2; cf. 1 Rs 16.34; 2 Rs 21.1-6; 2 Cr 28.3). A prática eraaparentemente comum na época de Miquéias (Is 57.5). Por 2 Reis

3.27, percebe-se que, de modo geral, as pessoas não aceitavam a prática. Embora o texto bíblico fale de “fazer passar pelo fogo” (ARC,

1. The Minor Prophets, p. 279.2. E. B. Pusey, “Micah” , in The Minor Prophets, v. II p. 82.

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IBB), não se trata de andar sobre brasas ou em meio ao fogo. Trata-sede imolar no fogo.1

8.  Ele te declarou, ó homem, o que é bom.  A resposta deMiquéias a Ezequias e, por conseguinte, ao povo é um dos versículosmais citados do Antigo Testamento. Alguns autores liberais consideram esse versículo o ponto alto da revelação do Antigo Testamento,visto que, aparentemente, deixa de lado tanto o aspecto legal quanto ocerimonial. Mas será que é isso mesmo? Aqui não temos nenhuma

“nova” revelação. Cada um dos itens expressos no versículo 8 encontra-se no Pentateuco (cf. especialmente Dt 10.12-13). Mas, primeiro,quem é o “ele”? Por estar numa forma impessoal, o verbo higgid, aqui, tem o sentido de “alguém disse”, sem determinar a pessoa. Em bora pareça apontar para Deus, o uso de “Iavé” na frase seguinte tomaimprovável essa conclusão. Nem é o próprio Miquéias. Uma vez queele está citando o Pentateuco, é possível que a referência seja aMoisés. O que o SENHOR pede de ti? Aquilo que é “bom” e o que se“pede” subdivide-se em três itens que constituem o restante doversículo. De certo modo, pode-se compará-lo com o primeiro e osegundo mandamento de Jesus (Mt 22.36-40). É aqui que Miquéiaslhes mostra que não basta cumprir as exigências da lei cerimonial. Elesachavam que estavam bem em seu relacionamento com Deus porqueeram escrupulosos na guarda dessa lei (3.11).

Que pratiques a justiça, e ames a misericórdia. Das três exigên

cias, as duas primeiras têm que ver com o relacionamento do homemcom o seu semelhante; a terceira, com seu relacionamento com Deus.Praticar a justiça significa aqui tratar os outros com eqüidade e de conformidade com as exigências da lei mosaica (Êx 23.6; Lv 19.15; Dt16.19; cf. Mq 3.8). A crítica multifacetada que Miquéias faz de seusconterrâneos ao longo da profecia está resumida nessas palavras. Com pare 2.1-2,8-9; 3.1-3 e, em especial, a segunda parte do capítulo 6 (vv.

9-12). O segundo requisito vai além da eqüidade e aponta para a misericórdia (hesed ). Se o primeiro diz respeito às exigências da lei deDeus, o segundo requer que não apenas a justiça mas a bondade seja

 MIQUÉIAS 6.8

1. Copass, op. cit., p. 65.

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 MIQUÉIAS6.9

oferecida aos necessitados, aos miseráveis, aos oprimidos. Ela abrangetodos os atos caridosos.1Deve-se agir como Deus age. É o oposto de

7.3. Embora essas duas exigências estejam voltadas para os relacionamentos inter-humanos, elas brotam diretamente do caráter e da revelação de Deus (Os 12.5-6). Não se baseiam em “direitos humanos”nem em qualquer outro tipo de filosofia humanista.

 E andes humildemente com o teu Deus.  Não basta cumprir asexigências da lei. Requer-se que o homem procure imitar Enoque (Gn5.24)! “Humildemente” ( sãna‘) significa andar “com cuidado”, andar

“com plena percepção daquilo que Deus tem feito pelo seu povo”2 (cf. Nm 12.3). Em Mateus 6, Jesus usa contrastes para desenvolver emmaior profundidade o que é andar humildemente com Deus. Ezequiashavia usado tanto “Iavé”, o nome divino, quanto “Deus”, a palavragenérica para “divindade” (v. 6), Miquéias responde usando os mesmos termos, terminando com a expressão “teu Deus” (em lugar de“nosso Deus”) e pondo, assim, toda a responsabilidade diretamente

sobre o líder do povo de Deus. Assim mesmo, a referência só pode serao Deus que se revelou como Iavé.

9-16. Se, nos versículos de 1 a 8, Miquéias pintou um quadro que permite à imaginação do leitor aprofundar-se livremente em suas im plicações, nesses versículos finais quase não deixou espaço algum aessa mesma imaginação. Aqui ele faz uso de seu chamado e de sua ins piração divina (3.8) para tratar diretamente dos pecados específicos do

 povo de Deus. E esses pecados são os pecados de nossa época!

9.  A voz do  SENHOR clama à cidade.  A referência imediata é auma maldição contra Jerusalém. Por extensão, Deus clama a qualquercidade (capital) em que as forças políticas, religiosas e econômicas seunam para oprimir os desamparados e necessitados. A primeirareferência a Jerusalém dizia respeito a seu papel como centro de idola

tria (1.5) e, por isso mesmo, à certeza de sua destruição (1.9). MasJerusalém também seria destruída por causa da violência de sua in

1. Margolis, op. cit., p. 64.2. Allen, op. cit., p. 363.

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 MIQUÉIAS 6.10

 justiça (3.9-12). Depois de julgar a Cidade, Deus viria para reinar a partir dali (4.1-2). Miquéias, homem do campo (1.1), desconfiou

daquilo que viu na cidade. Quando Jerusalém passou de uma economiarural para uma economia monetária, os novos ricos e a crescente classede comerciantes deixavam os valores proclamados na lei mosaica. Écontra esses que fala esse parágrafo. É verdadeira sabedoria temerlheo nome.  O pronome oblíquo mais adequado é “te”. Desse modo, afrase é um parêntese inserido pelo profeta (cf. Mc 13.14). Ele começafalando à liderança econômica de Jerusalém, pára, atribui publicamente a Deus essa palavra de sabedoria e depois retoma aos que se

encontram à sua frente. Dificilmente “teu” nome se refere a Jerusalém(TB).

Ouvi, ó tribos, aquele que a cita.  O julgamento terminou. O réu éconvocado a ouvir a sentença e receber seu justo castigo. Allen, bemcomo ARC, IBB e TB, acha melhor entender “vara” (matteh) como“tribo” e, daí, como “assembléia”,1 o que também se dá com amaioria das traduções modernas. Margolis, porém, traduz assim a

frase: “Ouvi, vós, a vara” , interpretando como a vara do castigo (cf. Is10.5,6).2 De qualquer forma, não deve ser plural (“tribos”), visto que amensagem é dirigida especificamente contra Judá.

10.  Ainda há, na casa do ímpio, os tesouros da impiedade?  Éuma pergunta retórica, já que não há nenhuma dúvida de que taistesouros ali se encontrem. “ímpio” (rãshã‘)  aparece três vezes: duas

nesse versículo e uma no 11. A palavra envolve tanto o conceito demaldade e injustiça como o de impiedade. Temos a tendência deseparar as duas coisas. Para a mentalidade da Bíblia, a injustiça é má

 porque é ímpia. É o padrão de Deus que foi ferido (Lv 19.35-37; Dt25.13-16).  E o detestável efa minguado?  O ’êpâ  era um padrão paramedir secos, equivalendo a cerca de 18 litros. Parece que Judá estavaatravessando um aperto econômico provocado por uma espiral inflacionária gerada pelo excesso de poder aquisitivo acumulado por algumas pessoas e pela falta de bens de consumo. Fazia 30 ou 40 anos

1. Ibid.,p. 375.2. Op. cit., p. 66.

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 MIQUÉIAS 6.12

que Amós havia condenado Samaria pelas mesmas práticas ímpias(Am 8.4-6).

11. Poderei eu inocentar balanças falsas?  Essa é a terceira pergunta retórica. A semelhança das outras duas (v. 10), a resposta é umretumbante “NÃo!”. A palavra aqui traduzida por “falsas” é a mesmaque aparece como “ímpio” no versículo 10. O “eu” pode ser impessoal, i.e., “qualquer um” (Margolis): pode ser o profeta. Ou, melhorainda, o próprio Deus. Essa possibilidade é a conclusão natural da

 primeira frase do versículo 9. Caso o “eu” se refira ao próprio Deus,muito mais razão há para não inocentá-las, i.e., para não as tomar corretas. Embora a LXX empregue dikaioo (justificar), zâkâ significa basicamente “tomar puro” ou “manter [cerimonialmente] limpo”. Duasvezes o verbo é traduzido com o sentido de justificar: aqui e no Salmo51.4. As “balanças falsas” são ímpias porque, em última instância,estão dirigidas contra Deus (Dt 25.13-16). O mal social é condenável

 por ser, antes de tudo, pecado contra Deus. Bolsas de pesos enganosos define como as balanças eram alteradas. Traduz muito bem a premedi-tação do crime contra aqueles que não tinham condições de se defender. Aqui de novo Miquéias mostra que a ortodoxia não ésuficiente. É boa e necessária, mas deve permear todo o nosso ser econtrolar os relacionamentos de nosso dia-a-dia (Lv 6.1-7).

12.  Porque os ricos da cidade estão cheios de violência.  Con

quanto a palavra “cidade” não ocorra no original, o versículo 9 deixaclaro que se faz referência à cidade de Jerusalém. Não se deve imaginar que Jerusalém fosse grande como as cidades do mundo modemo.Entretanto, na época de Miquéias, devia possuir vários milhares dehabitantes. A população total de Judá na época era, de acordo comSenaqueribe, ligeiramente superior a 200 000.1 Porém, guardadas as

 proporções, Jerusalém era semelhante às nossas megacidades: as pes

soas deixavam suas terras hereditárias e fugiam para o centro urbano.

1. Citado por Alfred Jeremias, The OT in the Light of the Ancient East,  p. 223. Odocumento assírio fala de 46 cidades muradas bem como de um númeroincontável de pequenas cidades.

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 MIQUÉIAS 6.13

 Nos dias de Miquéias não havia nenhum ou quase nenhum emprego para sustentá-las. Por essa razão, tomavam-se presa fácil dos novos ri

cos, que recorriam às artimanhas e à violência para arrancar-lhes o pouco que possuíam (cf. 2.1-2,8-9; 3.2-3). Embora a LXX traduzahãmãs  por “impiedades” e Allen entenda a palavra como “falta delei” ou “quebra da ordem”,1é melhor entendê-la como “opressão violenta” dos que não conseguiam defender-se. Vale a pena observar queos ricos são aqui condenados por causa da violência, não pelaabundância de bens. O pecado residia no uso dos bens como instru

mentos de opressão. Na parte final do versículo 13, a condenação éestendida a toda a população de Jerusalém. Os seus habitantes falam  mentiras, e a língua deles é enganosa na sua boca. O segundo pecadoatrai o juízo divino (SI 120.2-3). Quanto à mentira, é uma das coisasque Deus detesta (Pv 6.16-19). A violência dos ricos origina-se do usode sanções econômicas (2.1). Qualquer um pode usar a mentira e a língua enganosa para destruir o outro. A condenação é genérica. Volta-secontra toda a população. Nenhuma classe é destacada (por exemplo, osricos) para levar a culpa no julgamento de Judá (cf. 6.2ss.).

13.  Assim, também passarei eu a ferirte e te deixarei desolada  por causa dos teus pecados.  Observe que o profeta abandonou asacusações impessoais dos versículos de 9 a 12. Quando passa a pronunciar a sentença, Miquéias também se dirige contra seus ouvintes.Ele salta para a segunda pessoa do singular, bem específica, empre

gando-a até o final do julgamento (v. 16). Conquanto possa estar-sereferindo a algum rico em particular, o mais provável é que esteja personalizando a cidade de Jerusalém. Todos os seus moradores partilharão do destino da cidade. O conceito de solidariedade do AntigoTestamento (família, clã, nação) identifica o destino de todos com umúnico (Ex 20.5,6). A ARA acompanha a LXX e traduz hãlâ  por“começar”, em vez de “tomar doente” ou “enfraquecer”, como os

massoretas pontuaram o texto hebraico. Talvez fosse melhor traduzir por “Ferir-te-ei com uma ferida grave” . É Deus quem fere, mas o ins

1. Op. cit., p. 378.

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 MIQUÉIAS 6.15

trumento usado pode ser uma calamidade natural (Am 4.6-9) ou um

inimigo humano (Am 4.10-12). Allen interpreta o versículo 13 comouma ameaça sinistra que sugere uma invasão inimiga.1 Em 5.5,Miquéias indicou a Assíria como o invasor. A mensagem de Miquéiasé de que a enormidade do pecado contra Deus na forma de opressãosocial (vv. 10-12) não pode ficar sem castigo. Entretanto, a cidade inteira é arrasada por causa do pecado de poucos. Habacuque traz amesma mensagem de co-responsabilidade (1.1-11).

14. Comerás, e não te fartarás. No versículo 13, a sentença é ex pressa em termos genéricos. Agora Miquéias indica maneiras específicas pelas quais a mão de Deus se abaterá sobre eles. A segunda pessoado singular personaliza a fome que alcançará toda a sociedade. A idéiaé de que haverá “comida”, mas ela não satisfará (cf. Is 9.19-20).  A 

 fome estará nas tuas entranhas.  A palavra traduzida por “fome”(yeshah) é de sentido incerto. Margolis interpreta-a como “humi

lhação”, mas alista uma ampla variedade de interpretações, desde“disenteria” (tradução siríaca) até “fome” (Ewald).2 A nota de Ryrieacerca da palavra é “lit., vileza, ou seja, vazio” (in loco).  Possivelmente se refere ao profundo anseio de ter algo que está em falta, apesar do estômago cheio. Removerás os teus bens, mas não os livrarás; e aquilo que livrares, eu o entregarei à espada. Aqui a palavra difícil é“removerás” (süg). Ela possui uma ampla gama de sentidos, a maioria

dos quais relacionados com “voltar” ou “mover”. Aqui o sentido édeterminado por pãlat, que a ARA traduz por “livrarás”. A idéia que o profeta transmite é clara: durante uma invasão, escondem-se os bensde valor na tentativa de salvá-los dos saqueadores. A sentença é clara:nada se salvará do invasor. O versículo 15 confirma esse sentido.

15. Semearás; contudo não segarás; pisarás a azeitona, porém  

não te ungirás com azeite; pisarás a vindima, no entanto não lhe be-berás o vinho. Se os bens duráveis não estarão seguros (v. 14), muitomenos os produtos da terra. Miquéias menciona três tipos: cereais,

1. Ibid.,p. 379.2. Op. cit., p. 67.

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 M1QUÉ1AS 6.16 

azeitonas e uvas. A colheita disso tudo se estendia por um período dequatro meses: começando pela primeira colheita de cereais e termi

nando com a colheita das uvas. O Antigo Testamento registra quefreqüentemente as invasões militares eram programadas para coincidircom as colheitas (cf. Jz 6.3-6; 2 Sm 11.1). Combinados, os versículos14 e 15 são uma espécie de maldição representada por esforços vãos,como os que aparecem em outros lugares do Antigo Testamento (cf.Ag 1.3-6; Ml 1.4, quanto a ocorrências posteriores. Is 9.19-20 é umtrecho da mesma época de Miquéias). Essa idéia de esforços vãos emrelação à aliança é apresentada pela primeira vez em Levítico 26.26. Éa idéia de inutilidade, no sentido de que, não importa quais sejam nossos planos e programas, não podemos controlar o futuro. Há muitascoisas que nos escapam ao controle, particularmente para os quemoram na cidade. O lavrador com freqüência reconhece que dependede Deus para ter boas colheitas; o habitante da cidade, com sua auto-suficiência, pérde de vista a providência divina.1Nesses três versículosMiquéias retoma ao tema desenvolvido em 3.9-12, em que a violência

social destrói o povo inteiro, não apenas os líderes responsáveis pelaviolência ou pela opressão específica.

16.  Porque observaste os estatutos de Onri e todas as obras da casa de Acabe e andaste nos conselhos deles.  Esse é um dos poucoscasos depois do capítulo 1 que indicaria uma data anterior a 722 a.C.Desejando maiores detalhes, veja na “Introdução” a discussão sobre a

data da profecia de Miquéias. Aqui faz-se referência a um período dahistória de Judá muito depois desses reis israelitas. Sua influência noReino do Sul se deu por meio de Atalia, filha de Acabe, que se casoucom Jeorão e foi mãe de Acazias, ambos reis de Judá. Ela os levou aandar nos caminhos da casa de Acabe (2 Rs 8.26-27). Ela própria governou Judá durante seis anos após a morte de Acazias (2 Rs 11.3).Embora Joás (e mais tarde Ezequias) tenham feito reparos no templo e

tenham procurado trazer o povo de volta a Deus, a reforma religiosanunca foi total. Que eram esses “estatutos”, “obras” e “conselhos”?

1. Jacques Ellul desenvolve amplamente esse assunto em The Meaning o f the City.

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 MIQUÉIAS 6.16 

Encabeçam três frases sem que cada um corresponda diretamente aostrês males introduzidos por Onri e Acabe. Em primeiro lugar e maisóbvio era a adoração de Baal introduzida por Jezabel, a esposa feníciade Acabe. O dano que isso provocou em Israel encontra-se relatado em1 Reis 16-21. Repare na condenação em 21.25. Em segundo lugar,havia a questão do oportunismo político. Onri acertou o casamento deAcabe com Jezabel como um pacto político (1 Rs 16.31). Os profetas,sobretudo Isaías, falaram abertamente contra os tratados com as naçõesímpias ao redor (Is 30.1-5). Em terceiro lugar, tanto o baalismo quantoos expedientes políticos representavam uma rejeição de Deus e sua

revelação. A confiança em tratados era um gesto de auto-suficiência.Era uma rejeição do Iavé soberano que os trouxera do Egito com amão forte (Mq 6.4). Era uma rejeição de seus profetas como mensageiros divinos. Que relação existe entre as acusações do versículo 16 e asdos versículos 10 a 12? São dois lados da mesma moeda: um lado évisto sob o aspecto social; o outro, sob o espiritual. Um exemplo dissoocorre no tratamento que Acabe dispensa a Nabote (1 Rs21.1-19). Sob

a influência do baalismo introduzido por Jezabel, Acabe fez o que eraimpensável (w. 4-6). Para que eu faça de ti uma desolação, e dos habitantes da tua ci-

dade, um alvo de vaias; assim trareis sobre vós o opróbrio dos povos  (ARA).  Eles pecaram para que Deus os desolasse. Obviamente, essenão era um propósito e um alvo conscientes. Creio que Margolis estáerrado em crer que a oração subordinada final seja irônica.1Nem Allen

está certo em diluir a frase em “De modo que sou obrigado a fazer deti...”.2 Pelo contrário, essa foi a escolha consciente de Judá, quando eleresolveu seguir Onri e Acabe. Judá escolheu não observar os estatutosde Moisés; escolheu não fazer as obras que Deus lhe tinha ordenado eescolheu não andar de acordo com o conselho dos profetas. Numa situação dessas, a própria escolha traz consigo a calamidade. Não se brinca com Deus. Escolher desobedecer é assinar sua própria sentença.Judá escolheu seguir Onri e Acabe para escapar da zombaria e do

desprezo dos vizinhos. Por isso, junto com a desolação virão tanto a

1. Op. cit., p. 69, v. também a r a , 2a. edição.2. Op. cit., p. 382.

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 M lQUtlAS  7

zom baria quanto o desprezo. A frase final do versículo é difícil de in

terpretar. O texto t raz tanto “habitantes dela” quanto “meu povo”. A

ARA acompanha a LXX. O hebraico traz “o desprezo merecido pelom e u p ov o ” .

vn. CAPÍTULO 7

Esse capítulo final é composto de três parágrafos que representamtrês temas específicos ou até três mensagens distintas. O primeiro (w.1-7) é um quadro bem deprimente de Judá nos dias do profeta. Em

suas palavras, “não há entre os homens um que seja reto”. Assimmesmo ele não se entrega ao desespero. O segundo parágrafo (w. 8-13) é uma promessa de reconstrução, de glória futura. Contudo, a

 promessa é mesclada com um lembrete de juízo. O último quadro (vv.14-20) é uma promessa de restauração final correspondente às profecias da primeira parte do capítulo 4. Na conclusão, Miquéias irrompeem louvor e em oração a Iavé.

A mistura de condenação em razão do pecado com promessa defuturo glorioso surge de modo bem natural no capítulo. Seria im possível separá-los, tomando por base as diferenças de estilo ou deestrutura. Esse fato é mais uma razão para rejeitar a conclusão dos que preferem afirmar que Miquéias foi um profeta sombrio e que todas as promessas foram inseridas por redatores numa data posterior. Veja em particular o comentário sobre 2.12-13.

O sentido escatológico que Miquéias dá a palavra dia  recebe

destaque nesse capítulo. Ele havia empregado a palavra 4 vezes noscapítulos 2 a 5; agora a emprega 4 vezes no espaço de 9 versículos.Geralmente ela é identificada como “aquele” (hahú’) dia. Não se develimitá-la a um período de 24 horas. Pelo contrário, “dia” refere-se aum acontecimento específico que em si mesmo poderá levar anos.Com a possível exceção de 3.6, Miquéias fala de dois acontecimentosescatológicos: o dia do juízo e o dia da restauração. Os dois são men

cionados como “aquele dia” e, desse modo, são vistos pelo profetacomo partes de um todo. Obviamente a destruição de Jerusalém, a ida para o cativeiro, a volta e a reedificação de Jerusalém não poderiam serespremidos num dia de 24 horas. Mas esse dia também não deve ser 

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 MIQUÉIAS7.1

visto como fantasia. Gerhard von Rad observa que a crença esca-tológica firmemente arraigada no Antigo Testamento é, em essência,

idêntica ao dia pós-exílico de Iavé.1“Aquele dia” pode ser visto comoum dia de ira em Jó e em Provérbios. “Dia de Iavé” toma-se um termotécnico em Joel. Amós, porém, insiste em que esse dia de julgamento é para Israel e não apenas para os gentios (Am 5.18,20). Ele tambémafirma ser esse um dia de restauração (Am 9.11). Agora Miquéias, uns40 anos depois, retoma, em suas profecias a Judá, esse mesmo tema de

 juízo e restauração escatológica.

Por fim, devemos reparar que, no capítulo 7, Miquéias debate-se procurando a maneira de encaixar a justiça e a graça. O povo tinha-sevoltado para Deus no grande reavivamento de Ezequias (2 Cr 29.31).Por isso insistiam em que Deus não faria nenhuma das coisas queMiquéias profetizava contra eles (2.6-7; 3.11). Tendo por base a justiçade Deus, Miquéias rejeitava a complacência deles. Mesmo assim, agraça de Deus existe. Esse paradoxo é uma antinomia constante emsua profecia desde o segundo capítulo. Parte da resposta encontra-se

no conceito de um “remanescente”, conceito usado extensamente porseu contemporâneo Isaías. Miquéias não apenas entende que o verdadeiro Israel está no remanescente, mas vai um passo além. Ele reconhece a pecaminosidade do remanescente. São julgados junto comos demais por causa de seu pecado (4.6,7); entretanto, pela graçadivina, suas transgressões são perdoadas (7.18).

1 .Ai de mim! Quem está falando? Luther Mays considera a passagem incoerente com a atitude de Miquéias na época de Ezequias.Para ele, quem fala é a própria cidade, que responde ao juízo anunciado em 6.9-16.2 Nesse caso, seria uma Jerusalém idealizada, totalmente distinta da que Miquéias critica. Para tanto, o versículo 1 deveser separado dos versículos de 2 a 7 e apenso ao capítulo 6 como suaconclusão. Também em oposição à interpretação de Mays está o fato

1. In: Kittel, ed., Theological Dictionary o f the NT   (Grand Rapids: Eerdman’s, 1964),v. ii, p. 943-947.

2. Op. cit., p. 150-151. Margolis concorda, afirmando que o profeta fala em nome dacomunidade (op. cit., p. 69).

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 MIQUÉIAS 7.2

de que o contexto dos versículos 2 a 6 não precisa ser procurado nosdias de Manassés nem num período pós-exílico. Pelo contrário, en

caixa-se bem no julgamento de 3.9-12.  Estou como qucmdo são colhi-das as frutas do verão, como os rabiscos da vindima. A época é julhoou agosto. A colheita não ocorrerá senão em setembro ou outubro.Faz-se referência às frutas que secaram por terem sido rejeitadas noano anterior. Sua fome é tão intensa que é capaz de comer qualquercoisa. Não há cacho de uvas para chupar, nem figos temporãos que a minha alma deseja.  Se não havia nada da colheita do ano anterior,

também não havia nada que indicasse a colheita vindoura (cf. Mt21.18-19). Essas metáforas traduzem bem o desespero de Miquéias. Otremendo reavivamento religioso ocorrido durante o reinado deEzequias não tinha produzido nenhum fruto quanto à justiça social.Miquéias sente um enorme vazio espiritual, sem que haja poder algumque o preencha. Seu desespero é expresso negativamente quando analisa a situação (vv. 2-6). Ainda assim, o desespero não é absoluto (w.7-9).

2. O versículo completa a introdução dessa mensagem. Oversículo anterior descreve o estado do profeta; este, o estado do povo.

 Pereceu da terra o piedoso, e não há entre os homens um que seja reto.  “Piedoso” e “ reto” talvez pareçam apontar para a questão daespiritualidade. No entanto, a primeira palavra é hãsíd, essencialmentea mesma traduzida por “misericórdia” (hesed)  em 6.8. Ali trata-se

especificamente de relacionamentos interpessoais. E a palavra “reto”(yãshar ) é a mesma empregada em 2.7. Ali Miquéias afirma que suacondenação da violência social (2.1-5) faz bem aos retos. Aqui, nestecontexto, nenhuma das duas palavras trata especificamente da espiritualidade (oração, louvor, pregação, estudo bíblico). Miquéias não dizque não há pessoas religiosas; também não declara que ninguém adoraIavé, nem guarda a lei cerimonial. O que ele proclama é que não guar

dam o segundo mandamento (Mc 12.31). Todos espreitam para der-ramarem sangue; cada um caça a seu irmão com rede.  “Todos”,mesmo entendido hiperbolicamente, é uma condenação terrível. Obviamente Miquéias não está falando apenas dos ricos e poderosos. O povo inteiro é posto debaixo desse juízo. “Cada um” . As duas linhas

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 MIQUÉIAS 7.3

desse versículo dizem a mesma coisa e, ao mesmo tempo, dizem coisas bem diferentes. Se “todos” é coletivo, “cada um” individualiza, apon

tando o dedo particularmente para cada pessoa, sem exceção. A primeira linha fala do mal passivo; a segunda, do ativo. Um fica àespreita, outro persegue com uma arma injusta. E, por fim, o primeiroé genérico; o segundo destrói o mais extreito dos vínculos. Mais tardeEzequiel discorreria, com outra metáfora, acerca de um julgamento total parecido. Deus procurou, mas não conseguiu encontrar uma só pessoa que prestasse (Ez 22.30). Aqui Miquéias condena a falta deconsciência social e o resultante esforço deliberado para destruir um aooutro.

3.  As suas mãos estão sobre o mal e o fazem diligentemente. Quando Miquéias entra em pormenores, sua referência ainda égenérica. Desse modo, “mãos” não significa indivíduos ambidestros,mas o trabalho coletivo de muitos. “Diligentemente”, como traduçãode yãtab,  foi escolhida a partir do contexto (vv. 2-3). A palavra refere-

se mais especificamente à habilidade com que faziam o mal. Aqui“mal”, como em 2.1-2,8-9, fala de maquinação perversa contra pessoas indefesas.

O príncipe exige condenação, o juiz aceita suborno, o grande  fala dos maus desejos de sua alma.  Aqui, como em 3.1,11, os líderescivis da sociedade são considerados responsáveis pelos males que o

 povo sofre. A diferença em relação ao capítulo 3 é que não há ne

nhuma referência aos líderes religiosos. Sacerdotes e profetas não sãomencionados, provavelmente por causa da opressão econômicaespecífica aqui analisada. A crítica contra esses guias trata quase exclusivamente de suas funções religiosas. Não existe aqui nenhuma

 palavra hebraica com o sentido de “condenação”. A Niv a interpretacomo “dádivas”. Ou a “exigência” do príncipe deve ser entendidacomo algo genérico (qualquer coisa que ele quisesse) ou, o que é mais

 provável, como um suborno, estando, portanto, em paralelo com o pedido do juiz. Essa interpretação corresponderia então a 3.1-3,11 quecoloca juntos governantes e juizes para receberem os subornos dos ricos. O “grande”, que em 3.11 é apenas uma sombra, aqui aparececlaramente. É o novo rico, que devora toda a terra e todas as casas (cf.

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 MIQUÉL4S 7.4

capítulo 2). Acerca dele o texto simplesmente diz que “fala do desejode sua alma”. A ARA inferiu do contexto que esse desejo é “mau”.  E  

assim todos eles juntamente urdem a trama.  A rede é preparada com a participação de todos. Cada um faz sua parte. Ninguém é inocente.Toda a liderança política é condenada conjuntamente. Quanto aos fracos, não têm meios de escapar da associação criminosa daqueles. O réunão tem nenhuma chance. O mal é premeditado; os resultados certamente virão.

4. Miquéias conclui que o melhor deles é como um espinheiro; o mais reto é pior do que uma sebe de espinhos.  Imagine como são osoutros, se o melhor é como um espinheiro! “Reto” é a mesma palavrausada no versículo 2. O mais reto está bem distante do que Deus exige.Lembre-se: são pessoas profundamente religiosas; pessoas que guardam a lei cerimonial de Deus. No entanto, não são nada melhores queuma sebe de espinhos.  E chegado o dia anunciado por tuas sentinelas, o dia do teu castigo.  O dia chegou. O dia anunciado pelos profetas é o

da intervenção de Deus. “Castigo” (peqüddâ) pode ser traduzido por“visitação”. Os profetas usam essa palavra para designar a atividadedivina tanto providencial quanto punitiva.1Aqui é evidentemente umareferência ao juízo vindouro (Mq 3.12). As “sentinelas” são os profetas enviados por Deus para advertir o povo (Is 21.6; Ez 33.2-7).  A í  está a confusão deles.  (cf. Is 22.5). Até aquele momento tudo tinhaacontecido conforme os líderes civis e econômicos haviam planejado.

Todos os seus desejos se cumpriam. Mas Deus entra no quadro contraeles, e eles ficam perplexos. Não conseguem imaginar como Deus lhes poderia fazer isso (3.11; cf. 2.6). Embora a ARA traga “aí”, a melhortradução é “agora” (assim ARC, IBB, TB). Quanto ao uso dessa palavra,veja o comentário sobre 4.9-11. A referência não é a “hoje”, nemmesmo obrigatoriamente a algum momento durante a vida do profeta.Parece referir-se à destruição de Jerusalém (3.12). No entanto, a

sentinela vê a visitação com tanta clareza e com tanta certeza que écomo se ela já estivesse acontecendo.

1. Margolis, op. cit., p. 71.

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 MIQUÉIAS7.7 

5. Por ter uma clara visão do tempo mau em que vive e do juízovindouro, Miquéias exorta seu ouvinte (ou leitor): não confie em nin

guém.  Não creiais no amigo, nem confieis no companheiro. A palavratraduzida por “amigo” compreende os sentidos de “vizinho”, “com panheiro” e “amante” ; já “companheiro” significa “amigo” , “chefede família” e até mesmo “animal doméstico”. Eliminando essa redede relacionamentos, em quem se pode confiar? Na esposa! MasMiquéias leva-nos ainda mais adiante nas profundezas do mal. Guarda a porta de tua boca àquela que reclina sobre o teu peito.

6. Porque o filho despreza o pai, a filha se levanta contra a mãe, a nora contra a sogra.  Os vínculos familiares naturais estão tão enfraquecidos, que a estrutura social será destruída. O quadro é de umestado de sítio. Na Rússia de Stalin e de Béria, ninguém sabia quemeram os informantes. Filhos denunciavam os pais. Em sentido bem literal, ali se experimentaram os horrores dos versículos 5 e 6. Os ini-migos do homem são os da sua própria casa. Será um período de cor

rupção absoluta, em que os laços mais fortes terão sido destruídos.Margolis interpreta os inimigos como os “empregados domésticos”(cf. Jó 19.15).' Embora “inimigos” seja substantivo masculino, o “os”(de “os da sua própria casa”) não deve limitar-se aos do sexo masculino. Em seu lugar é preferível “as pessoas”. Quem são? Amigos, vizinhos, esposa, filhos e até mesmo genros e noras. Aqueles que deviamestar mais próximos. A palavra 'ãyab é a que, no Antigo Testamento,

costuma designar inimigos de todo tipo. Jesus por certo tinha essa passagem em mente quando indicou o propósito de sua vinda (Lc 12.49-53).

7.  Eu, porém, olharei para o SENHOR; esperarei no Deus da minha salvação. Ombros de carne não nos ajudarão. Confiar na famíliae nos amigos é perder tudo nessa época terrível. Confie somente emDeus, Ele nunca falha. Quem é que fala nesse versículo? Mays nãodeve estar certo em atribuir essas palavras ao povo, tal como fez em

1. Ibid.,p. 72.

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 MIQUÉIAS 7.8

6.6-7 e 7 .I.1 É melhor entender o sujeito desse versículo como o próprio Miquéias, tal como fizemos em 7.1. A despeito da impiedade

generalizada (v. 2), a despeito da opressão política (v. 3), a despeito dadesagregação da família (vv. 5-6), ele olhará para Iavé, o Deus daaliança (cf. Js 24.14-15). Deus está presente, e Miquéias confiará, pormais que ele pareça “ausente”. “Esperarei” indica que sua confiançaestá no Deus que salva. Miquéias observa o futuro para ver Deus intervir. Desde o capítulo 2, isso tem sido uma constante em sua profecia. O mesmo conceito aparece com freqüência nos Salmos (cf.especialmente SI 38.15; 42.5; 130.5). Aqui, como em outras passagens,Miquéias depende totalmente de Deus para a salvação*. O meu Deus me ouvirá.  A opressão e a violência estão em toda esquina. Ele as condena, mas nunca recomenda que os pobres e oprimidos peguem em armas contra seus governantes. Esperar no Deus de salvação é a soluçãodo profeta. Ele ouvirá, ele agirá (cf. 3.12). Nasce a esperança, apesardo desespero (cf. vv. 8-9). “Meu Deus” com certeza não é um individualismo egoísta e muito menos um sentimento de posse da parte do

 profeta. Também não está fazendo distinção entre o seu Deus e o doslíderes políticos e econômicos de Jerusalém. Pelo contrário, ele seidentifica como alguém que pertence a Deus por intermédio da eleiçãode Israel. “Me ouvirá”. O Deus que elege ouvirá sua oração. Interessante: até esse momento não há nenhum indício de que Miquéiasorasse! No entanto, isso surge aqui de forma tão natural, que nos fazcrer que a oração era o esteio de todo o seu ministério. Caso contrário,

como poderia ser tão ousado em proclamar estar cheio do EspíritoSanto (3.8)?

8. Ó inimiga minha.  Embora a raiz hebraica seja a mesma, a “ inimiga” não é a mesma mencionada no versículo 6. Aqui a palavra estáno feminino singular (em oposição ao masculino plural do v. 6). Ali areferência é genérica, aqui é específica. Primeiro, deve-se observar

que, ao personificar grupos, Miquéias os coloca no feminino (v. 10; cf.1.11-13; Is 49.14). Em segundo lugar, aqui as palavras podem muito

1. Op. cit., p. 156.

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 MIQUÉIAS 7.9

 bem ser de Jerusalém, visto que o possessivo “teu” em “teu Deus” (v.10) é feminino. Mas quem é o inimigo? Tanto Allen quanto Mays en

tendem ser Edom, por acharem que o versículo 9 “remonta” à vitóriada Babilônia sobre Judá.1 Isso, porém, colocaria a profecia 100 anosdepois do término do ministério de Miquéias! Na verdade, poderia tersido qualquer dos inimigos tradicionais de Judá, após a invasão assíriacomandada por Senaqueribe (c. 700 a.C.), em particular os filisteus,visto que Ezequias os havia conquistado (2 Rs 18.8).

 Não te alegres a meu respeito; ainda que eu tenha caído, levan-tarmeei; se morar nas trevas, o SENHOR será a minha luz.  Tanto o

 juízo quanto a restauração de Judá são uma constante na profecia deMiquéias. Aqui ele se identifica com o povo de Deus, que tem de enfrentar a vanglória de seu inimigo tradicional. Algumas traduçõestrazem o segundo verbo no futuro do subjuntivo. Desse modo, “tenhacaído” (ríãpaltti) é lido “quando eu cair” pela TB. A ARA segue a LXX

e muitas traduções recentes. A questão, obviamente, é saber seJerusalém já tinha ou não caído. “Morar”, literalmente “sentar”, faz

lembrar o Salmo 1.1. “Trevas” pode referir-se à ausência de Deus ex perimentada no cativeiro (SI 42) ou a uma falta de visão provocada porIavé (3.6). As trevas espirituais são devidas ao pecado (Is 59.1-2).“Levantar-me-ei”, não mediante alguma força que ela própria tivesse,mas porque Iavé, o Deus da aliança, é a sua “luz” (cf. Jo 8.12). Dessemodo a afirmação baseia-se na promessa e na providência. Não é umadeclaração de independência e auto-suficiência.

9. Sofrerei a ira do SENHOR, porque pequei contra ele.  Aqui, na primeira pessoa do singular, está a admissão de culpa com o conseqüente juízo que fora negado em 3.11-12. Não conseguimos evitaros resultados do pecado, contando apenas com o fato de sermos o povode Deus e confessarmos nossos maus atos. Mesmo o pecado perdoadodeixa marcas no corpo e no espírito do povo, bem como do indivíduo

(cf. capítulo 6). “Contra ele”. Conforme indicado acima, o pecado social é, antes de tudo, pecado contra Iavé e, só por extensão, pecado

I. Allen, op. cit., p. 394; Mays, op. cit., p. 158.

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 MIQUÉIAS 7.10

contra nosso próximo (SI 51.4). Até que julgue a minha causa, e exe-cute o meu direito. Deus usou as nações como instrumentos para dar

vazão à sua ira contra Israel e Judá (Hc 1.5-6; Am 5.27). Embora tenham pecado contra Deus, ele próprio há de ser seu advogado. “Julgue”. Ou melhor, “defenda”, como é traduzido em 6.1. “Causa”origina-se da mesma raiz (ríb) e significa “disputa” ou “controvérsia” . O caso em questão era um processo contra as nações que estavamdispostas a destruir Judá (Is 10.5-11; SI 43.1). Mesmo reconhecendosua culpa e a necessidade de sofrimento, o povo está convencido de

que sua salvação virá de Iavé. Observe o paralelo com 6.1-8, emboraaqui o povo tenha por certo que Deus será seu advogado, ao passo queali ele era o promotor contra eles. “Direito” (mishpãt ). Os líderes queabandonaram a responsabilidade de cuidar dos direitos dos pobres(3.1) desejam aqui que seus direitos sejam defendidos por Deus.

 Ele me tirará para a luz, e eu verei a sua justiça.  “Tirará”( yãsã’) é a palavra usual para designar o êxodo. De novo o profeta levao leitor “ou ouvinte” de volta ao juízo do capítulo 6, ao fazer referên

cia ao livramento da escravidão (6.4). Em vez de escravidão e liberdade, aqui os extremos são trevas e luz (cf. 7.8). A questão é “ver” sua

 justiça. A promessa toma-se cumprimento. “Justiça” . Em Miquéias araiz tfdaqôt  ocorre apenas aqui e em 6.5. Aqui não se refere à justiça(eqüidade), mas à misericórdia (cf. Rm 3.21-22), sendo empregada nosentido de livramento (Is 46.13).

10.  A minha inimiga verá isso, e a ela cobrirá a vergonha, a ela que me diz: Onde está o SENHOR, teu Deus? Em geral apenas o que crêenxerga a ação de Deus na história. Entretanto a inimiga “verá” damesma maneira que o povo de Deus (“verei”, v. 9). Cada um, porém,vê algo bem diferente. Este vê livramento; aquela vê Deus rejeitar seuregozijo e sua incredulidade maligna. É interessante que Miquéias em

 pregue apenas 4 vezes esse verbo hebraico muito comum (“ver”), to

das elas nesses dois versículos e no versículo 16. A “vergonha”deveria ter coberto o povo de Deus (caído, morando nas trevas, sofrendo a ira de Deus - vv. 8-9). Em vez disso, houve uma paciente es pera pela intervenção divina a seu favor. Agora a vergonha cobriráaquela que ridicularizou a fé do povo de Deus. “Onde está o SENHOR,

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 MIQUÉIAS 7.1113

teu Deus?” Nos Salmos 42 e 43 é o escamecedor que faz essa dura pergunta. Aqui o drama é bem mais parecido com o que se desenrolou

entre Elias e Jezabel. A glória de Iavé está em jogo. Ridicularizar o povo de Deus é ridicularizar o próprio Deus.1No entanto, a comunidade daqueles que adoram a Deus não deve levar isso muito a sério,esquecendo-se de que o inimigo é constituído de pecadores. Às vezesele vindica a si mesmo e ao seu povo. Outras vezes, particularmente naera cristã, ele permanece oculto, acessível apenas pela fé.

Os meus olhos a contemplarão; agora, será pisada aos pés como 

a lama das ruas.  Quanto ao verbo “ver”, a ARA traz “contemplará”,no sentido de deliciar-se com a queda do inimigo. Embora essa atitudeseja uma reminiscência dos salmos imprecatórios, não é recomendada

 pelo Senhor Jesus em Mateus 5.43-48. Pelo contrário, é a mesma atitude que os inimigos de Judá tiveram, o desejo de vingança. Acerca da palavra “agora” , veja o comentário acima sobre 7.4. É possível queseja o mesmo “agora” de 4.11-13. “Pisada aos pés” pode ser umareferência a um costume do Oriente Médio, segundo o qual o vencedor punha o pé sobre o pescoço de inimigos derrotados (Js 10.24; SI110.1). Por outro lado, caso a frase esteja em paralelo com a últimalinha do versículo, ela representa o resultado de uma disparada provocada por um medo avassalador (cf. Jz 7.20-22). Talvez algo parecidotenha acontecido com o exército de Senaqueribe (2 Rs 19.35).

11-13. A relação desses versículos com o contexto é proble

mática. É excessivamente difícil interpretá-los, pois não se sabe aquem se dirigem. Parece que são dirigidos a uma única pessoa, em bora, no versículo 11o destinatário seja feminino e no versículo 12,masculino. Hoonacker, num excelente comentário sobre os profetasmenores, coloca os versículos l lò a 13 imediatamente depois doversículo 6 e antes de 7 a 1la. Ele interpreta, então, esse parágrafocomo uma referência a uma invasão de Judá.2 Allen, por outro lado,

entende que o parágrafo é uma profecia pós-exílica que diz respeito àreconstrução de Jerusalém sob a orientação de Neemias. Nesse caso os

1. A. Maillot e A. Lelièvre, Atualidade de Miquéias, p. 173-174.2. Op. cit., p. 405.

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versículos 11 e 12 falam de israelitas voltando à terra, não da invasãosugerida por Hoonacker.1O segredo da interpretação talvez se encon

tre no versículo 13. Quem são os moradores responsáveis pela desolação?

11.  No dia da reedificação dos teus muros, nesse dia, serão os teus limites removidos para mais longe.  Cada uma das linhas doversículo 11 e a primeira linha do versículo 12 começam com a palavra “dia” . Entretanto, o versículo 12 não é uma mera continuaçãodo anterior, visto que Miquéias emprega, no versículo 12, a definiçãoescatológica “aquele dia”. A restauração dos muros será concomitantecom a expansão dos limites territoriais. Mas a quem se refere? À “inimiga” censurada nos versículos 8 e 10? Afinal, aqui a segunda pessoado singular está no feminino como também o termo “inimiga”. No entanto, a promessa de restauração é sempre ao povo da aliança, devendocumprir-se depois que ele passar pelo juízo divino. Aqui temos maisum exemplo do estilo de Miquéias: a troca de orador no meio da pro

fecia. Nos versículos 8 a 10, ele se identificou com a comunidade deJerusalém, falando na primeira pessoa do singular. Agora ele profetizacomo alguém de fora do grupo. O fato de mencionar a “reedificação”dos muros não indica necessariamente uma data posterior a 587 a.C. Ésuficiente ele ter “visto” que a queda de Jerusalém estava próxima(3.12), bem como a reconstrução do templo (4.1) e, presume-se, dosmuros (4.12-13). A expansão das fronteiras de Judá certamente estáimplícita em 4.13, bem como nas profecias messiânicas (4.2-4; 5.4; cf.

Is 26.15). Contudo, não é de todo certo que  Hõq  siginifique “limite”,fronteira. Algumas traduções (por exemplo, Figueiredo e TB) seguem al x x e a Vulgata, que interpretam a palavra como lei ou ordem (4.2).Traduções mais recentes optam por fronteira geográfica (e.g., ARA,

BLH, AEC). Aquelas destacam o impacto do reino restaurado; estas, oseu tamanho.

12. Nesse dia virão a ti.  Quem virá a quem? Conforme assinaladoacima, o “ti” aqui é masculino, distinguindo-se do versículo 11, emque a segunda pessoa do singular é feminina. Se esses dois versículos

 MIQUÉIAS 7.11

1. Op. cit., p. 397.

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 MIQUÉIAS 7.13

estão em paralelo com a profecia dada em 4.2-4, os que vêm são gentios convertidos provenientes dos confins da terra e a pessoa a quem se

achegam é o Messias, que governa na Jerusalém restaurada. Caso o“ti” se refira à cidade propriamente dita (que, nesse caso, estaria identificado com o “teus” do v. 11), existem ainda dois outros grupos que podem ser identificados como aqueles que vêm: podem ser israelitasexilados que voltam do cativeiro (Mays) ou podem ser exércitos inimigos que procuram atacar e destruir a cidade (Hoonacker). Nestecaso, o versículo estaria em paralelo com 4.11-13. Naquele, com 4.6-8.É difícil harmonizar tanto uma interpretação como outra com uma data pós-exílica para a profecia, visto que a Babilônia não é mencionada na passagem.

 Desde a Assíria até às cidades do Egito, e do Egito até ao rio Eu  frates, e do mar até ao mar, e da montanha até à montanha. Repare nadiversidade quanto ao local de origem dos que vêm. Sejam eles convertidos, sejam israelitas retomando do exílio, sejam exércitos inimigos, procedem de todo o Oriente Médio do século VIII a.C. Ainda

assim existem omissões notáveis. Nada se diz acerca dos babilônios, persas ou gregos. “Do mar até ao mar” indicaria desde o Mediterrâneoaté o mar Morto, e “da montanha até à montanha” pode muito bemsignificar desde o monte Líbano até o Sinai. Dessa maneira, todos osvizinhos tradicionais de Judá estariam incluídos. Embora limitada aquiao Oriente Médio, de acordo com 4.3-4, a profecia é de âmbitomundial.

13. Todavia a terra será posta em desolação, por causa dos seus moradores.  Conforme assinala Hoonacker, esse versículo é um problema para aqueles que preferem interpretar os versículos 11 e 12como uma profecia acerca da restauração de Judá. Ou o versículo estádeslocado ou, conforme ele crê, o versículo 12 fala da supressão defronteiras diante de exércitos invasores.1Vimos outra transição igual

mente difícil entre 4.6-8 e 4.9-10. Pergunta-se, é claro, a quem édirigido esse versículo. A “terra” Çeres)  pode ser o planeta (4.13;

1. Op. cit., p. 405-406.

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5.4), pode ser as nações ao redor (1.2) ou pode ser aterra de Judá (1.3).

O julgamento pode ser universal, mas é mais provável que esteja limitado a Judá, embora também possa estar limitado à sua inimiga mencionada nos versículos de 8 a 10. Assim interpreta a BJ.  Por causa do 

 fruto das suas obras.  A calamidade ecológica liga-se aqui à res ponsabilidade humana. A desolação provocada'pelo pecado humanotranscende os que são oprimidos e atinge a própria natureza (Gn 3.17-19; Êx 20.5). A “terra” ficará desolada. Essa profecia, dita muito antesque qualquer preocupação ecológica se manifestasse em algum lugar,cumpriu-se completamente. Assim como Moisés (Êx 32.7-14),Miquéias não é vingativo. Embora 7.10 possa dar uma idéia contrária,Miquéias simplesmente declara o que agora sabemos ser a lei divina.Algo dessa ligação talvez esteja por trás da convocação divina paraque montes e fundamentos formem o júri no processo que Deus movecontra Judá (6.1-2). Paulo retoma essa mesma ligação em Romanos8.18-22, ao incluir na redenção a restauração da natureza. Pode-se ver

que essa profecia se cumpriu cabalmente não está só na Palestina mastambém em todo o Oriente Médio, desde a Mesopotâmia até o Egito.

14-20. Esse parágrafo final é constituído de três partes: umaoração, uma resposta divina e um arroubo final de louvor e oração.Percebendo o mal (vv. 1-7) e reação de Jerusalém diante do inimigoque a ridiculariza (w . 8-13), o profeta faz agora um pedido impres

sionante. Ele não é um pessimista inveterado, como alguns comentaristas preferem pintá-lo. É um realista que fundamenta sua mensagemna justiça do caráter divino. Ele, porém, não deixa de ver a misericórdia de Deus.

14.  Apascenta o teu povo com a tua vara, o rebanho da tua he-rança. Nessa oração Miquéias recorda o antigo conceito de Deus como

o pastor de seu povo (Gn 48.15; 49.24; SI 80.1). Se Deus é o pastor, o povo é o rebanho, a propriedade pessoal de Deus (Êx 19.5-6). Aorelembrar esse relacionamento, Miquéias também relembra a aliançaeterna estabelecida por Iavé com Israel. Jesus retomou esse mesmoconceito de “pastor” e aplicou-o a si mesmo em relação à igreja (cf.especialmente João 10). O pastor possui uma “vara”, um instrumento

 MIQUÉ1AS 7.1420

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 MIQUÉIAS 7.15

com muitos usos. Normalmente, serve para dirigir as ovelhas (SI 23.4).Mas também é sinal de autoridade para quebrar os que não aceitam

voluntariamente a sua autoridade (SI 2.8-9; cf. Mq 4.3). Após as duras palavras dos versículos de 1 a 13, a oração de Miquéias clama por misericórdia e orientação da parte de Deus. O profeta não é vingativo,nem procura o castigo deles por causa de seus pecados. Que mora a 

 sós no bosque, no meio da terra fértil; apascentemse em Basã e Gileade como nos dias de outrora. O  clamor da oração de Miquéiasestava na primeira linha do versículo. Agora ele indica a necessidadedo povo, voltando a seu pedido apenas na última linha do versículo.

Duas palavras criam aqui um problema de interpretação. A primeira,“bosque” (ya‘ar ), que também é empregada em 3.12, pode serqualquer coisa desde floresta densa até matagais ou capões. NaPalestina era muito mais provável ser este que aquele. Em segundolugar, “terra fértil” (karmet)  bem pode referir-se à região em que seencontra o monte Carmelo. Hoonacker levanta a seguinte questão: porque estariam escondidos num bosque no meio de uma terra fértil? Ele

conclui a favor do monte Carmelo e deduz que o versículo se refere a pequenas áreas do Reino do Norte, ao qual o Carmelo, Basã e Gileade pertencem. Parece, no entanto, mais razoável entender que o rebanhoestava próximo de pastagens preciosas do que interpretar karmel  comoum topónimo. Nesse caso, o rebanho estava de alguma forma sendoimpedido de ter acesso às terras férteis. Quanto a Basã e a Gileade,muito tempo antes tinham assumido o significado simbólico de terrasricas em pastagem. Desse modo, não se refere às regiões em si, mas a

seu sentido simbólico: uma “terra de abundância”.

15.  Eu lhe mostrarei maravilhas, como nos dias da tua saída da terra do Egito.  A resposta de Deus à oração de Miquéias (v. 14) promete livramento. É uma visão tanto do futuro como do passado. Areferência ao êxodo é uma constante em todo o Antigo Testamento.Quando Miquéias referiu-se a ele em 6.4, falava da libertação da

escravidão. Aqui, porém, a resposta de Deus ressalta os milagres que prepararam o caminho para o êxodo (Êx 3.20). Ele mostrará seu podersalvador ao “rebanho”. Mas não apenas ao remanescente. Na verdade,a demonstração de poder, tal como acontecera no Egito, seria para asnações incrédulas (cf. v. 16). Apesar de o TM trazer claramente a primeira pessoa do singular, os comentaristas o consideram incoerente

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com o contexto. Por isso seguem a LXX e optam pela segunda pessoado singular. O versículo 15 toma-se, então, parte da oração em vez de

uma resposta divina. Conforme traduz a BJ, “faz-nos ver maravilhas” .Mas dificilmente a coerência seria um argumento forte em Miquéias.Conforme vimos ao longo de toda a profecia, Miquéias passa rapidamente de um orador para outro. No capítulo 1, por exemplo, Miquéiasfala (w . 2-5), depois Iavé (vv. 6,7), aí Miquéias volta a falar (v. 8), eassim por diante ao longo da profecia.

16.  As nações verão isso e se envergonharão de todo o seu poder. 

Os versículos 16 e 17 são a resposta do profeta e seus desdobramentos,após ouvir a promessa divina. Aí ele indica claramente quem é o “lhe”do versículo 15. A reação ante a demonstração do poder divino será deconfusão e também de reconhecimento de que suas armas nada são

 para ele. De que elas “se envergonharão” ? Em primeiro lugar, decomo zombaram do Deus de Israel (v. 10); em segundo, de comotrataram o povo de Deus (v. 8) e, em terceiro, de sua própria fraqueza

diante de Deus. Aqui Miquéias refere-se à vitória do povo da aliança, já descrita em 4.13 e 5.9.Os comentaristas que modificam o verbo do versículo 15 para in

cluí-lo na oração também têm de modificar os daqui e os do versículo17. Com isso a leitura passa a ser: “Que as nações [...] que ponham amão [...] (16) que lambam o pó... (17)” etc. Em vez de entenderem osversículos 16 e 17 como respostas à promessa de Deus, interpretam-nos como pedidos adicionais. A atenção agora se volta para as nações

e para a reação que o profeta gostaria de ver nelas. Mas assim como vimos que a emenda do versículo 15 não é necessária, aqui, na realidade,a modificação quebra o estilo de Miquéias e introduz o tipo de oraçãoque gostaríamos de fazer hoje em dia.

 Porão a mão sobre a boca, e os seus ouvidos ficarão surdos. A  mão sobre a boca é um gesto cultural que revela confusão e embaraço.Margolis afirma que esse gesto indica mudez como resultado dedesconcerto. Aqui “surdos” não é uma condição física, antes indicaque as nações ficarão estupefatas com a dimensão da catástrofe.1 Avisão de Deus agindo na história bloqueará as funções da fala e da

 MIQUÊIAS 7.16 

1. Op. cit., p. 78.

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 MIQUÉIAS 7.1820

audição, impedindo-as de lidar com os acontecimentos. Daí a confusãodas nações.

17.  Lamberão o pó como serpentes; como répteis da terra, tre-mendo, sairão dos seus esconderijos.  Atônitas e confusas, as nações,tais como cobras, “lamberão o pó”. Esse é um sinal de humilhação, dederrota (Is 49.23; SI 72.9-11), e tem origem na sentença pronunciada àserpente em Gênesis 3.14. As nações se arrastarão amedrontadas e temerosas diante de Deus. Serão conquistadas, mas não pela violência. Éo “pavor” que as derrotará. Os “répteis”, conquanto semelhantes àscobras, são bem diferentes. Esse tipo de animal procura refugio em buracos e outros esconderijos. Ao sair trêmulas de suas tocas, representam os soldados que deixam suas fortalezas para prestar tributo aoconquistador.1

 E tremendo virão ao  SENHOR nosso Deus; e terão medo de ti. Claro está que essas nações que se achegam a Deus não o fazem porconversão ou piedade. É verdade que o princípio da sabedoria é o

temor de Iavé (Pv 1.7). Há três verbos usados no versículo 17: tremer(rãgaz), ficar apavorado (pãhad) e ter medo (yãrê ’). Embora a última palavra seja a mesma usada em Provérbios 1.7, tendo o sentido detemor reverente em 10% das vezes que aparece, nessa passagem nãohá nada que sugira adoração. Todo o contexto fala de pavor e deaflição na presença de Deus. A reação será parecida com a dos egípcios na época das pragas (v. 15).

18-20. Após ouvir a promessa divina ao povo de Deus (v. 15) e pronunciar essa condenação das nações inimigas (w . 16-17), Miquéiasirrompe num hino de louvor à pessoa e à obra de Deus (vv. 18-20). Elehavia principiado sua mensagem com um tom bem pessimista (a feridade Jerusalém era incurável, 1.9). Agora ele grita triunfante. E sua profecia termina nesse tom de exaltação. Os últimos três versículos são

como um epílogo do livro inteiro.

1. Hoonacker, op. cit., p. 410.

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 MIQUÈ1AS 7.18

18. Quem, ó Deus, é semelhante a ti, que perdoas a iniqüidade, e te esqueces da transgressão do restante da tua herança?  Miquéias

 principia com uma pergunta retórica que em si mesma indica que nãoexiste ninguém como Iavé. Mas não é em sentido genérico que ele pergunta. O sentido é, antes: que deus trata o pecado assim como Iavé? Éuma questão de caráter. E o caráter de Deus -mostra que ele não foifeito à imagem do homem (Feuerbach). O que caracteriza Iavé é seuamor inabalável (hesed) para com o seu povo, apesar do pecado deste.Ele é incomparável (Is 40.18-31). “Esqueces” não é uma tradução

muito boa de ‘abar , como se Deus não conseguisse manter os registrosem ordem. A palavra significa basicamente “cancelar” e indica umadecisão consciente de não lhes exigir pagamento pelos seus pecados.“Transgressão do restante”. Miquéias diverge ligeiramente de Isaíasem sua forma de compreender o remanescente. A idéia de um remanescente fiel dentro do antigo povo de Deus ganhou destaque noséculo VIII a.C., particularmente em Isaías e em Miquéias, embora otermo já tivesse sido usado por Amós (5.15). Isaías se detém na idéiade uma porção de Judá sendo poupada. Miquéias, porém, acrescentauma nova dimensão. O remanescente não é necessariamente fiel (7.18)e paga pelos seus pecados (4.6,7). Assim mesmo, a esperança lhe éestendida. Seus pecados são perdoados, e Deus o toma como base paraformar uma nação poderosa.

O SENHOR não retém a sua ira para sempre, porque tem prazer  na misericórdia.  Deus é justo. Ele é exigente com seu povo, mas seu

amor inabalável (hesed)  é maior que sua ira. Não se estabelece aquinenhuma condição prévia que o remanescente tenha de preencher.Esse retomo às bênçãos de Deus é um artigo de fé entre os profetas.Seu cumprimento depende apenas do caráter santo e amoroso de Deus.A salvação de Israel tem raízes na aliança original. Entretanto, esseamor inabalável não poupou Israel do cativeiro assírio (722 a.C.), nemJudá do babilónico (586 a.C.).

19. Tomará a ter compaixão de nós; pisará aos pés as nossas iniqüidades.  Ele perdoa os nossos pecados, e sua ira tem curta duração(SI 30.5). Assim mesmo, o juízo vem: seja cativeiro (1.16), sejamataques verbais do inimigo (7.8-10). Mas há esperança. Ele perdoará.

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NAUM, HABACUQUE E SOFONIAS

David W. Baker, A.B., M.C.S., M.Phil., Ph.D. Professor Associado de Antigo Testamento e Hebraico 

 Ashland Theological Seminary, Ohio, EUA

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PREFÁCIO DO AUTOR 

Ao viajar de carro pelas grandes planícies dos Estados Unidos emdireção ao oeste, as Montanhas Rochosas à distância parecem relativamente pequenas e insignificantes. Contudo, à medida que se vai entrando nelas, a cada curva a pessoa é confrontada com o poder e a

 beleza das obras-primas das mãos de Deus. A mesma sensação de ma jestade e deslumbramento é sentida em relação aos “profetas menores”, que só são menores no número de palavras, uma vez que,freqüentemente, são “maiores” na qualidade literária e na relevânciateológica. Assim como uma pessoa só pode ter a esperança de apreciaruma pequena fração do esplendor das altas montanhas, da mesmaforma, percebe-se que muito do potencial dos profetas também per

manecerá intocado. Em qualquer caso, espera-se pelo menos um contato com as paisagens mais significativas e tocantes de Naum, deHabacuque e de Sofonias.

O privilégio de fazer essa viagem agradeço ao Professor D. J.Wiseman. Reconheço com gratidão sua disposição em me deixar fazera viagem e sua orientação ao longo do caminho. Agradeço à Inter-Var-sity Press e à sua equipe a paciente orientação editorial. Meu mais profundo reconhecimento e amor são para Morven, pelo apoio e incentivo

constantes. Ela mal percebia que caminhos Deus reservava quandorepetiu o voto de Rute de acompanhar Noemi.

 David W. Baker 

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NAUM

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INTRODUÇÃO

I. O HOMEM

O nome “Naum” significa muito provavelmente “consolo” ou“conforto”. Aparece somente no primeiro versículo desse livro e emLucas 3.25 (com referência a um ancestral de Jesus, embora não se

trate da mesma pessoa). Ocorre com maior freqüência em fontes ex-trabíblicas e, na Bíblia, é comum a palavra afim “Neemias”. Nada sesabe do Naum dessa profecia senão que era um elcosita, oriundo da cidade ou região de Elcós.

Tudo começou com um casamento. Mas o casamento de Oséias eGômer não foi um patrimonio qualquer. Iniciado pela palavra de Deus,ele estava repleto de propósitos reveladores. Oséias ouviu um chamado

divino que transformou sua vida num santuário onde o sagrado amordivino seria conhecido. O tom do livro é estabelecido pela ordem deDeus para que Oséias tomasse uma esposa que se tomaria prostituta,tivesse filhos que se afastariam de Deus e, então, conhecesse a paixãode Deus por Seu povo da aliança.

São várias as suposições quanto à localização de Elcós. Há quema relacione com alQosh, 50 km ao norte da atual Mossul. Essa identi

ficação é relativamente recente e não tem conquistado muito apoio entre os estudiosos, visto que no próprio texto do livro não há indíciossuficientes a favor de uma origem assíria.1Jerônimo identificou Elcóscom uma pequena cidade no norte da Galiléia, e uma tradição posterior, corrente na região, associa Naum com o “vilarejo de Naum”, Ca-famaum. Uma identificação mais provável é Beit-Jebrin, em Judá,

 porque o Reino do Norte já estava em exílio, tomando realmente im possível uma localização em Israel. Além disso, o livro não apresenta

1. A. S. van der Woude, em seu artigo “The Book of Nahum: A Letter Written inExile”, OTS   20 (1977), p. 100-127, defende um pano de fundo assírio para a profecia.

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 NAUM 

nenhuma mensagem de esperança de regresso, tomando difícil uma localização e uma data no exílio.1

n. A ÉPOCA

A data não fica clara no livro de Naum, mas as evidências internas mostram a possibilidade de uma data em meados do século VII a.C.O Império Assírio está ainda em pleno vigor, o que indica uma dataanterior a 612 a.C., a queda de Nínive.2 Essa queda é o tema principalda profecia. A força do Império Assírio indica uma data anterior à da

morte de Assurbanipal (668-627 a.C.). Após isso, a nação entrou rapidamente em decadência, seguindo-se a ascensão da Babilônia.

 No livro, a referência histórica mais clara é à queda de Tebas (aatual Camaque ou Luxor, cerca de 530 km do Cairo, rio acima; 3.8),que caiu diante da Assíria em 663 a.C. Isso ocorreu apesar de ter pedido a ajuda dos países vizinhos para se defender dos atacantes.3Wellhausen argumentou que essa descrição deve ter surgido logo de

 pois que o fato ocorreu.4 Dentro desse período, o momento mais im piedoso da dominação assíria sobre Judá deu-se entre 687/686-672a.C., durante o reinado de Manassés, enquanto o jugo assírio foi removido no reinado de Josias (640-609 a.C.). Caso os acontecimentosregistrados em 2.2 estejam apontando para o futuro, devem ter ocorrido na época de Manassés. Todavia, caso estejam refletindo um acontecimento passado, devem ter sido registrados na época de Josias. A

confiança na queda da Assíria, tal como se encontra nessa profecia, pode ter dado início à rebelião de Manassés (2 Cr 33.14-16), ocorrida por volta de 652-648 a.C.5A queda da Assíria e de Nínive em particu

1. Rudolph, p. 149, vê uma possível associação com Edom pelo fato de o nome ser el qôs, “o Deus Qos  deus edomita.

2.  ANET,  p. 304. Veja uma discussão a respeito da capital assíria, em D. J. Wiseman,

“Nineveh”,  ibd ,  p. 1089-1092.3. Veja ANET,  p. 295, ii; J. Bright, História de Israel  (Paulinas, 1980), p.419.4. Citado por Maier, p. 36.5. Veja uma recente discussão quanto à data, em D. L. Christensen, “The Acrostic of

 Nahum Reconsidered”,  ZAW  87 (1975), p. 27-29; especialmente a p. 29, no que serefere a este último ponto.

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 INTRODUÇÃO

lar foi provocada por uma coligação militar de seus vizinhos, os babilônios e os medos, principiando com a morte de Assurbanipal em

627 a.C. e culminando com a destruição de Nínive em 612 a.C.’. Alguns supõem que Naum tenha sido escrito numa data posterior a 612a.C., argumentando que o livro foi composto como um responso litúr-gico sobre a queda de Nínive, mas essa proposta não tem tido muitaaceitação. No entanto, embora não visasse ao culto público, o livro pode muito bem ter tido esse uso depois que suas previsões se cumpriram. Serviria, assim, como uma confirmação do poder e da justiça de

Iavé.

m. O LIVRO E SUA ESTRUTURA

 Naum é o sétimo dos “doze”, também chamados profetasmenores. Todas as tradições canônicas situam-no antes de Habacuquee depois de Miquéias, com exceção da LXX, em que está depois deJonas.

O livro tem a forma de um oráculo (1.1). A palavra hebraicatraduzida por “oráculo” (IBB), massã  vem da raiz ns’. Ocorre no Antigo Testamento com dois sentidos diferentes. Não está claro se os doissentidos surgiram de uma palavra comum ou se de duas palavrasdistintas com a mesma forma léxica. Em vários casos, o significadoregular da raiz, i.e., tem de “levantar, levar”, é evidente em sentidoscomo “carga” (e.g., 2 Rs 5.17; 2 Cr 35.3; Jr 17.21). Esse uso chega aincluir não apenas pesos físicos, mas também qualquer dificuldade

(e.g., Nm 11.11; Dt 1.12). Sugeriu-se que essa conotação de “carga”ou peso é utilizada quando a palavra principia um oráculo (cf. ARA),

geralmente de juízo. O problema disso é que nem toda ocorrência da palavra está no contexto de juízo (cf. Zc 12.1). A interpretação da palavra como um homônimo que tem o sentido técnico de “oráculo, proclamação” encaixa-se melhor nesse contexto profético (BJ, cf., e.g.,Ez 12.10; Hc 1.1; Zc 9.1; Ml 1.1). O fato de existirem dois sentidos

distintos para a mesma forma explica o trocadilho existente em Jeremias 23.33-38.2

1. Veja ANET,   p. 304-305; Bright, História de Israel.2. Veja S. Erlandsson, The Burden o f Babylon: A Study o f Isaiah 13.214.23  (CWK 

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 NAUM 

A profecia trata da destruição do opressor assírio e a resultantelibertação do oprimido Judá. São variadas as formas literárias e os re

cursos estilísticos utilizados para expressar essa mensagem. A primeiraseção é um salmo de louvor descritivo ou um hino que exalta Deus porseu caráter (1.2-8). Segue-se então uma cena de tribunal. Aí vão-serevezando veredictos de condenação e de absolvição para a Assíria e para Judá, respectivamente (1.12-2.2). Há -uma descrição viva decerco e batalha (2.1,3—10; 3.2-3) e também um pranto ou lamento(3.1). O escritor utiliza metáforas e símiles em várias passagens (2.11-13; 3.4-7,15-17) e também em versículos isolados (e.g., 1.10,13; 2.7;3.12,13). Também emprega ironia (3.1,14). Todos esses elementos cooperam para que se alcance o objetivo da profecia, que é provocar umamudança nos ouvintes. Não existe certeza de que a destinátária dessa profecia fosse mesmo Nínive, visto que o Antigo Testamento contémsomente um registro de profecia que realmente se dirigia a outro povoque não Israel (Jn 3.4). Provavelmente, essa profecia foi dada para estimular Judá a crer que a tirania sob a qual vivia teria fim.

O principal problema literário do livro é a estrutura do hino no primeiro capítulo. A questão gira em tomo da existência e da extensãode um acróstico, onde cada linha começa com uma letra do alfabeto,em ordem. Exemplos disso encontram-se nos salmos (e.g., SI 119) eem Lamentações. Ainda que, em relação a Naum, isso tenha sido aventado pela primeira vez no século passado, hoje é amplamente aceitoque pelo menos parte do alfabeto, se não todo ele, está incluída no

acróstico.1No entanto, a fim de apresentar o alfabeto todo, os versículos têm de ser radicalmente reconstruídos, freqüentemente sem nenhum apoio de manuscritos ou de versões. Até mesmo a proposta maisconservadora de que metade do alfabeto hebraico ( ’— k) dirige a estrutura de 1.2-8 requer emendas em quatro das onze linhas em questão,ainda que nenhuma dessas linhas seja incompreensível tal como se en-

Gleerup, 1970), p.64-65; W. McKane, “Massa’ in Jeremiah 23.33-40”, in: J. A.Emerton (ed.),  Prophecy: Essays Presented to George Fohrer on his SixtyFifth 

 Birthday, 6 September, 1980 (W. de Gruyter, 1980), p. 35-54.1. Veja em Christensen, “ Acrostic of Nahum” , p. 17-19, um histórico acerca da

discussão até 1975.

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 INTRODUÇÃO

contra atualmente. Em outras palavras, a única razão para as mudançasé adaptar o texto a um padrão que teoricamente surgiu do próprio

texto, com o que temos um raciocínio circular.A natureza subjetiva da emenda hipotética, mesmo de forma rela

tivamente conservadora como a proposta por Christenson, 1não deixade ter seus críticos. Conforme J. M. P. Smith escreveu, “mediante procedimentos como esses, qualquer poema pode ser transformado numacróstico”,2 enquanto G. A. Smith assinalou que “conseguir um he braico castiço ou poético não é prova conclusiva de se ter recuperado o

original” .3 Conquanto seja muito que, originalmente, houvesse metadede um acróstico ou mesmo um acróstico completo, não conseguimosencontrar nem um nem outro no texto atual. Se o acróstico existiu ounão, isso tem importância para a forma literária, mas não para o significado e conteúdo da profecia em si. Embora sua existência possa fornecer uma prova objetiva a favor de uma nova seção de texto

 principiando em 1.9, de qualquer maneira isso já se demonstra pelamudança da forma gramatical, da terceira pessoa, falando-se a respei-to de Deus em 1.2-8, para a segunda pessoa, falando-se para alguém arespeito de Deus em 1.9-11.

IV. A MENSAGEM

A mensagem de Naum trata do caráter de Deus e do relacionamento dele com o mundo, não somente com o seu próprio povo, mastambém com aqueles que nem o reconhecem. O hino, no princípio dolivro (1.2-8), estabelece o contexto de toda a profecia. Iavé é zeloso desua posição singular como Deus e, como juiz, traz vingança sobreaqueles que se lhe opõem e oprimem seu povo (1.2). Embora demonstre paciência ao adiar, às vezes, a punição, ele é justo, devendo-seatender suas justas exigências, senão seguir-se-á o juízo (1.3). Isso nãoexclui o próprio povo de Deus, seja Israel, seja a igreja. O que Deusdeseja não é um relacionamento ou posição assumida devido a alguma

ação passada da parte de Deus, quer no Sinai, quer no Calvário, mas

1. Ibid., p. 21-22.2. J. M. P. Smith, p. 309.3. G. A. Smith, p. 82.

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 NAUM 

uma resposta contínua de confiança em Deus e de dependência dele(1.7).

O autor não está expressando algum sentimento pessoal de vingança por alguma ferida causada pelo opressor, nem mesmo um nacionalismo exacerbado, segundo o qual as nações pagãs devem ser

 punidas. Pelo contrário, Iavé está aplicando o seu padrão universalcontra o mal, não importa quem seja responsável (cf. Am 1.3-2.16).Embora Deus tenha escolhido a Assíria para agir como instrumento de

 punição contra o Israel rebelde e recalcitrante (Is 7.17; 10.5-6), eleconsidera aquela nação coletivamente responsável pelos excessos eatrocidades cometidos no desempenho desse papel (Is 10.7-19; cf. Sf2.14-15).

Talvez haja a preocupação de que Naum esteja sendo injustamente parcial ao repreender com severidade uma potência estrangeira ao mesmo tempo em que não censura o mal de seu próprio povo. Esse não é necessariamente o caso. Em algumas compilações deoráculos proféticos, as mensagens de juízo e de esperança são pregadas

ao mesmo tempo (e.g., Isaías, Oséias). Em outras, apresenta-se ou o juízo ou a esperança, com a virtual exclusão de um ou de outro (cf.Obadias, Amós). Mesmo neste último caso, apresenta-se freqüentemente todo o conselho de Deus, com outro profeta, na mesma época, pregando o lado oposto. No caso dos ouvintes de Naum, a palavra de juízo contra eles só recentemente lhes havia sido dita por boca deMiquéias. Os pecados deles não estão sendo de forma alguma desconsiderados. Naum, contudo, assinala a eqüidade da justiça de Deus.

Com freqüência aqui, como em outros livros, a punição correspondemuito bem ao crime. Deus não age por capricho, dominado por idéiasou caprichos repentinos, mas é justo (veja 1.14; 2.1,7 etc.).

Essa mensagem de Deus por meio de Naum tinha o propósito deencorajar o povo de Deus. Oprimido por um inimigo aparentementeinvencível que havia dominado toda a região desde o Nilo até o Tigre,Israel não tinha como depender de sua própria força para se libertar,

mas apenas de Deus. Entretanto, em poucos anos o invencível já nãoexistiria — derrotado pela mão de Deus, diante de quem nenhumanação consegue manter-se. A igreja, também enfrentando as ameaçasde potências ou ideologias, só consegue manter-se no mesmo lugaragindo como Israel, dependendo de Deus, que é “grande em poder”(1.3).

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ANÁLISE

I. TÍTULO (1.1)a. Tema (1.1a)

 b. Forma (1.1Z>)

II. UM SALMO AIAVÉ (1.2-8)a. O caráter de Deus (1.2,3a) b. O poder de Deus (1.3b-6)c. A percepção do caráter e do poder de Deus (1.7-8)

III. A IRA DE DEUS PERSONALIZADA (1.9-11)

IV. OS DOIS VEREDICTOS DE DEUS (1.12-2.2)a. Judá: o fim da opressão (1.12-13)

 b. Assíria: o fim da linha (1.14)c. Judá: as boas novas (1.15)d. Assíria: os preparativos para a batalha (2.1)e. Judá: a ruína restaurada (2.2)

V. BREVE DESCRIÇÃO DA BATALHA (2.3-10)

a. O ataque (2.3-5) b. A derrota (2.6-10)

VI. O LEÃO DA ASSÍRIA É DERROTADO (2.11-13)

VII. AI DE NÍNIVE (3.1-9)a. Ai (3.1)

 b. Luta e morte (3.2-3)c. A desgraça da meretriz (3.4-7)d. Assíria, a invencível? Uma sátira (3.8-17)

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i. A poderosa Tebas destruída (3.8-10)ii. A impotência da Assíria (3.11-13)

iii. Preparativos inúteis (3.14-17)e. Como os poderosos caíram (3.18-19)

 ANÁLISE 

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COMENTÁRIO

I. TÍTULO (1.1)

a. Tema (1.1a)

A profecia está em forma de “ oráculo” (IBB, BJ; “peso”, ARC) ou sentença  ( a r a ) , expressão que geralmente se refere a profecias concernentes a não-israelitas (e.g., Is 13.1; 15.1, mas cf. Zc 12.1; Ml 1.1;veja Jr 23.34-40). Aqui, o tema do oráculo é Nínive e, por extensão, aAssíria, da qual era capital desde a época de Senaqueribe (início doséculo VIII a.C.) até ser destruída pelos babilônios em 612 a.C. Emborao texto se refira aqui à cidade como tal, também pode ter conotações

simbólicas, representando todos os que se opõem a Deus e à sua obra(veja Jn; Lc 11.30), como Babilônia, capital do país de mesmo nome,em época posterior (cf. Ap 18.2,10,21).

b. Forma (1.1b)

A profecia está em forma de documento ou livro, mais provavelmente na forma de rolo (Jr 36.2; cf. Ez 3.1-3), contendo uma “visão”

ou “revelação” (cf. Is 1.1; Ob 1) da parte de Deus, que é a sua fonteoriginal. Por ser a única profecia descrita como livro, alguns são levados a crer que originalmente ela teria circulado como um panfletoclandestino durante a perseguição assíria, talvez no reinado deManassés.1 O profeta é “Naum de Elcós” (BJ), sendo esta provavelmente sua cidade natal. Localidades na Assíria, na Galiléia e na Judeia

 já foram identificadas com Elcós. A localização exata não é certa, em

 bora a última hipótese seja a mais provável (veja “Introdução”).

1. Veja Rudolph, p. 148; cf. Keil p. 9. Van der Woude, “Book of Nahum” , p. 122,acredita que a profecia originariamente foi uma “carta” dirigida aos exiladosisraelitas ou deles proveniente.

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 NAUM 1.2

Em forma de salmo descritivo, um hino que descreve o ser e as

características de Iavé (cf. SI 29; 33; 103; 104; Lc 1.46-55), apresenta-se vividamente a ira justificável de Deus contra seus inimigos e contraos inimigos de seu povo. Sem estar limitado no tempo ou no espaço,esse hino de abertura apresenta, por meio do exemplo da nação assíria,o contexto teológico do livro como uma demonstração do poder e da

 justiça universal de Deus.1 O escritor apresenta primeiramente ocaráter e o poder de Deus sob o aspecto cósmico (w. 2-6) e depois

num nível mais pessoal (vv. 7-8).

а. O caráter de Deus (1.23a)

2. O Deus pessoal de Israel, o Deus da aliança, “Iavé” (BJ; cf. Êxб.2-4), caracteriza-se por ser ciumento (BJ),  pois em sua santidade não

 permite rivais (Êx 20.5; Js 24.19; Zc 8.2). Essa é uma condição daaliança, indicando que, quando se estabeleceu o relacionamento entre

Deus e seu povo, os dois lados deviam excluir quaisquer outras partes(Êx 6.7; cf. Os 1.9; 2.23).2 Como um Deus de justiça, ele toma vin- gança  contra qualquer injustiça (Dt 32.35; cf. Rm 12.19). Qualquer juízo de Deus contra o pecado, seja o de seu próprio povo, seja o deoutros, não se baseia numa ira inesperada ou incontrolável, mas nocaráter imutavelmente santo de Deus. Ele responderá corretamente,nem a mais, nem a menos, de acordo com a ação, boa ou má. Níniveserve de exemplo dessa santidade característica de Deus, acentuada

 pela tríplice repetição, em um único versículo, de seus atos de vingança. O ciúme de Deus é estruturalmente posto em paralelo3 com sua

II. UM SALMO AIAVÉ (1.2-8)

1. B. S. Childs,  Introduction to the Old Testament as Scripture  (SCM Fortress, 1979), p. 443-444.

2. Veja J. G. Baldwin, Ageu, Zacarias e Malaquias (Vida Nova, 1982), p. 80-82.

3. A estrutura é um qu iasma ou paralelismo invertido, na form a a b b 'a 1, i.e.:A Deus é ciumento.B Iavé é vingador.B 1 Iavé é vingador.A1 “Deus” guarda rancor,

Veja M. Dahood, “Chiasmus” , IDBS, p. 145 e a bibliografia ali existente.

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 NAUM 1.3b5

ira, a reação indignada de um Deus santo diante do pecado, quer de pagãos, quer do próprio Israel (Rm 1.18). O alvo da vingança de Deus

são os  seus inimigos,  para quem ele reserva [indignação] (embora oobjeto direto entre colchetes não esteja no hebraico; cf. Lv 19.18; Jr3.5,12). O verbo tem o sentido de “guardar” ou “manter”, sugerindoque Deus ou está retendo sua ira até a hora devida (veja v. 3a) ou estáconstantemente irado. Outra possibilidade, que dispensa o objeto direto ausente, é interpretar o verbo como “indignar-se”, como ocorreno acadiano (cf. Am 1.11; Jr 3.5),1 com o que Deus estaria “ indignando-se” contra aqueles que se lhe opõem.

3a. A paciência de Deus (Êx 34.6,7; Nm 14.18; cf. a expressãoidiomática hebraica oposta em Pv 14.17) não nega o versículo anterior,mas revela sua paciência à espera da justiça inevitável. Sua espera nãoé interminável, visto que Deus não faz pouco caso do pecado. A paciência, associada ao seu “grande poder” (IBB) mostra dois ladoscomplementares do caráter de Deus e possui paralelos no Antigo Tes

tamento (Nm 14.17-18; Ne 9.17).

b. O poder de Deus (1.3b6)

3b-5. O poder de Deus na ordem criada é visto na íntima associação que ele tem com algumas das manifestações poderosas dacriação, como o “turbilhão” (IBB) e a tempestade  (cf. SI 83.15; Is29.6), em que ele percorre seu caminho levantando nuvens com os pés,

tal como os israelitas levantavam pó  em suas viagens. Seu poder tam bém é visto em sua capacidade de reverter a criação, secando o mar eos rios (cf. Is 42.15; 50.2; Jr 51.36; Ap 21.1) e fazendo murchar (Is16.8; 24.4; 33.9; J11.10,12) regiões de produtividade proverbial ( Basã, na Transjordânia; Carmelo, no norte de Israel e Líbano, cf. Is 33.9). Osfundamentos da própria terra reagem com terremoto (SI 46.3: Jr 4.24)e derretimento (SI 46.6; Am 9.5; cf. Am 9.13 quanto ao uso do verbo“derreter” com sentido positivo) diante da presença poderosa de Deus.

A conseqüência será que a terra  ficará “devastada” (IBB, BJ)2  jun-

1. Veja o verbete nadãru  em E. Reiner, The Assyrian Dictionary  11/1 (OrientalInstitute, 1980), p. 59-61; cf. Cathcart, p. 42-3; R. L. Smith, p. 72.

2. Uma emenda textual de pouca importância, fundamentada na Siríaca e Vulgata e

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 NAUM1.6 

tamente com todas as criaturas nela existentes, demonstrando o podertotal e universal de Deus em construir e destruir. Assim como Deuscriou do caos (Gn 1.2), também pode desfazer sua criação e devolvê-la

ao caos.

6. A ira de Deus é ressaltada mediante o uso de quatro diferentessinônimos hebraicos: indignação  (cf. Is 10.5;-Jr 10.10), furor da sua ira (uma combinação de duas palavras hebraicas, sendo cada uma delas usada separadamente para referir-se à ira, Êx 15.7; Ez 7.12 e Êx32.12; Ne 9.17) e ira  (v. 2; SI 59.13 [14]; Is 63.5). Tal é essa ira, que

nada consegue “manter-se diante” (IBB) dela, nem mesmo a natureza bruta (cf. Jr 4.26; Ml 3.2). A força enfática expressa-se não somentemediante o acúmulo de sinônimos, mas também mediante o empregode perguntas retóricas {Quem...? E quem...?)  que forçam a admitir:“Ninguém consegue subsistir diante da ira de Deus” (veja “Nota Adicional” abaixo).

Nota adicional sobre perguntas retóricas

Diferentes formas ou gêneros literários servem a diferentesfunções. A da profecia tem o objetivo de persuadir os ouvintes a adotardeterminado procedimento, tendo por base a revelação de Deus pormeio do profeta. Essa função persuasiva é também a da retórica clássica, a qual empregava certas técnicas para alcançar seus objetivos.Podem-se também discernir muitas dessas técnicas na profecia he

 braica, inclusive o uso de perguntas retóricas.Ao contrário da pergunta normal, que solicita informações, a pergunta retórica presume que a resposta já seja do conhecimento tanto doindagante quanto do indagado. Em vez da afirmação que poderia tersido utilizada em seu lugar, a pergunta retórica força o ouvinte a envolver-se ativamente na discussão. Mediante a resposta que dá, o próprio ouvinte toma parte no processo de persuasão. A técnica é utili

adotada por alguns exegetas contemporâneos, envolve a leitura de  s em vez de  s, que em hebraico é o deslocamento de um ponto por uma fração de centímetros,substituindo-se o difícil se levanta (watissã’) por “fica devastada” (w a t i s s ã cf. Is6.11; 17.12-13).

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 NAUM 1.78

zada em outras passagens de Naum (2.11; 3.7,8) e em outros textos proféticos.1

c. A percepção do caráter e do poder de Deus (1.78)

Em justaposição ao poder de Deus na ira, confronta-se novamentecom sua paciência e graça (cf. v. 2). O caráter benevolente de Iavé édemonstrado para com aqueles que o buscam como proteção em tem pos de opressão (angústia) em vez de dependerem de recursos próprios(cf. 2 Sm 22.31,33; SI 37.39-40; compare com Dt 32.37; Is 30.1-3).2Em contrapartida, os inimigos de Deus experimentarão trevasi e inun-dação, acabando “duma vez com o lugar dela” (IBB), numa aparentereferência a Nínive (cf. v. 1; a ARA traz, “desta cidade” ).4

1. Para uma análise mais completa do uso da retórica, inclusive as perguntas retóricasem outros textos proféticos, veja Y. Gitay,  Prophecy and Persuasion: A study o f  

 Isaiah 4048 (Linguistica Biblica, 1981).2. Alguns entendem que as duas primeiras palavras do v. 8 completam o v. 7. “Os

que nele se refugiam numa inundação transbordante” (Cathcart, p. 31; Rudolph, p.152), mas a conjunção “e” (IBB, a r c ; mas, ARA) toma sintaticamente improvávelessa proposição.

3. A sintaxe abre possibilidade tanto de Deus ser o sujeito, sendo “trevas” o adjuntoadverbial de lugar ou de direção (“até nas trevas”, b j ; “até para dentro dastrevas”, i b b ; G-K 118, d-g; cf. Cathcart, p. 31), como de “trevas” ser o sujeitogramatical (ARC, LXX, Vulg., Sir.).

4. Alguns comentaristas, vendo a menção a Ninive como um acréscimo secundário, eassim ficando em 1.8 com um pronome sem antecedente (i.e., “acabará comele/ela”, onde a a r a   coloca “desta cidade”), propõem arbitrariamente que oobjeto direto do verbo é “seus inimigos”, uma emenda de meqômâh  parabeqamaw;  cf. SI 59.1; veja e.g., LXX; BHS; Cathcart. D. T. Tsumura, “JanusParallelism in Nah 1.8”,  JBL  102 (1983), p. 109-111, demonstrou que pode-seobter o significado de “rebelde” sem alterar o texto consonantal atual, lendo-omeqawmâ. Ele entende que as consoantes m  (na palavra acima) e b  (que significa

“em”), ambas labiais, têm sons suficientemente parecidos para permitirem umtrocadilho com dois possiveis significados da palavra: “seu lugar” , que une a linhaformando um paralelismo sintético com o v. 8a, e “(n)o(s) rebelde(s)”, que formaum paralelo sinônimo com os “inimigos” do v. 8c. Também ocorre que em algunscasos a palavra hebraica para “lugar” significa “o lugar dos inimigos de Deus”,ficando implicita a oposição ou opressão (cf. SI 37.10).

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 NAUM1.9

III. A IRA DE DEUS PERSONALIZADA (1.9-11)

9. Agora o estilo muda. O escritor dirige-se diretamente à Assíria

tratando-a por “vós” (o verbo hebraico está na 2a. pessoa do plural). Oque quer que a Assíria “planeje” (cf. Dn 11.24; Os 7.15) contra Iavédará em nada por causa das ações de Deus (veja v. 8). Esse fim é tãoabsoluto que a Assíria não será perturbada de novo, nem causará mais

 problemas, porque não mais existirá.

10. As dificuldades de texto e sintaxe tomam esse versículo um

dos mais difíceis de interpretar no Antigo Testamento. Ele apresentaos detalhes da destruição da Assíria assinalada no versículo 9 e o fundamento ou base para a declaração daquele versículo1acerca da intervenção de Deus, a qual é conhecida por causa do que será observado.A partícula empregada pode, por outro lado, ser entendida como umaforma de enfatizar a certeza da condição descrita nesse versículo, “certamente”,2 embora esse uso raro seja menos provável. A intensidade

ou a medida da punição de Deus é expressa pela sentença “ainda que3eles se entrelacem” (cf. Gn 22.13; Is 9.18) “como os espinhos” (IBB,a r c ) , que, conforme outra passagem, são vulneráveis à destruição pelofogo (Ec 7.6; cf. Jz 9.15; Is 9.18; 10.17 e outras passagens, onde diferentes palavras para “espinho” são usadas). A Assíria é incapaz delivrar-se do juízo abrasador de Deus. Será destruída ou consumida (Êx3.2) inteiramente,4 da mesma forma que o fogo devora a palha seca, aqual é conhecida não apenas por sua inflamabilidade (Êx 15.7; Is 5.24;

Ob 18), mas também por sua inutilidade (Jó 13.25), tal como os espinhos (Jz 9.15). A incapacidade de agir de modo correto diante da ira deDeus é acentuada com outra metáfora que compara os assírios a bê-

1. A BJ (cf. nota em bhs) traduz a partícula inicial hebraica kí   por k‘,  “como”,

embora a forma existente possua um emprego causal que se encaixe no contextosem emenda alguma (veja Gn 3.14;Is28.15).2. Para esse emprego asseverativo, veja G-K, parágrafo 149; R. J. Williams,  Hebrew 

Syntax: An Outline (University of Toronto, 1967), p. 74.3. 'ad, veja bdb, p. 724.4. O advérbio pode gramaticalmente qualificar a sequidão como absoluta.

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 NAUM 1.1213

bados saturados de vinho (cf. Pv 23.20).1A embriaguez pode ter resultado dos grandes goles que a Assíria tomou do cálice da ira de Deus(cf. Jr 25.27; 51.57). As duas metáforas, de fogo e embriaguez, estãomisturadas e a sintaxe não deixa clara a natureza exata da comparação,o que resulta em variações entre as diferentes traduções,2 mas o queestá claramente descrito é a certeza da punição de Deus.

11. A Assíria é acusada de dar origem àquele que maquina o mal  contra o Senhor  (veja o v. 9), referindo-se de modo genérico a todos osreis assírios ou, mais especificamente, a Senaqueribe, que comandou

uma invasão de Judá em 701 a.C. (2 Rs 18.13-19.36). Essa mesma pessoa também age “aconselhando maldade”, ou, lendo a segunda

 palavra como nome próprio, orienta “Belial”, que é um demônio, oumesmo o próprio Satanás (cf. v. 15; 2 Co 6.15; llQMelch; 1QS1.18,24 e passim).  Assim, o motivo específico para a destruição daAssíria, em consonância com o caráter judicial de Deus (vv. 2-6), é ovil ataque contra Deus e seu povo, e não qualquer nacionalismo

exagerado da parte de Israel.

IV. OS DOIS VEREDICTOS DE DEUS (1.12—2.2)

 Na forma de oráculo (v. 12, Assim diz o S e n h o r )  dirigido a duas partes envolvidas numa disputa legal, Deus pronuncia seus veredictosora a Israel, pronunciando sua absolvição e esperança (w . 12-13,15;2.2), ora à Assíria, pronunciando sua destruição (v. 14; 2.1).

a. Judá: o fim da opressão (1.1213)

A primeira mensagem a Judá é a de esperança; seus inimigosserão confundidos e ela achará alívio. A leitura exata é difícil,3 mas a

1. Lit., “ e bêbados quando bebem” , algo muito problemático gramaticalmente, sendoque a leitura proposta não pode ser definitiva.

2. A palavra hebraica 'ad   tem sido desconsiderada ou revocalizada, embora ocontexto pareça exigir uma comparação (BJ), que é um dos empregos da palavra(cf. 2 Sm 23.19; 1 Cr 4.27), embora não exatamente com a nuança exigida aqui.

3. A l x x   divide de forma diferente o texto consonantal do v. 12 e deixa de ladoquatro letras quando lê “um que dirige muitas águas” em vez de “ainda que eles

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 NAUM1.14

idéia transmitida é a de que nem quantidade nem força serão de alguma vantagem para a Assíria. Sua tirania opressiva (jugo,  cf. Jr

28.10-14; Ez 30.18; laços, ou “cadeias”, cf. Jr 2.20; 30.8) será retiradae a Assíria se acabará. Do ponto de vista de Judá, este encontrará alíviode sua antiga opressão.

b. Assíria: o fim da linha (1.14)

Por determinação de Iavé, a Assíria chegará ao fim devido a umafalta de posteridade1(cf. 1 Sm 24.21; Is 14.20-22) e será enterrada, tal

como algo desprezado e sem valor que se joga fora (cf. Gn 16.4-6).Assim como era prática assíria profanar os santuários conquistados (2Rs 18.33-35; cf. 25.9; 2 Cr 36.7; Ed 1.7), seus templos e ídolos tam bém seriam destruídos.

2c. Judá: as boas novas (1.15)

Em uma afirmação que lembra muito o texto messiânico de Isaías

52.7 (cf. Is 40.9), a atenção de Judá é voltada para a notícia de paz e bem-estar proclamada por um “mensageiro” (BJ; grego, “evangelista”) que atua como alguém que traz boas novas. Essa notícia surgecom a queda de seu opressor, designado como “belial” (BJ) ou o homem vil   (cf. v. 11). A Assíria não mais deve ser uma ameaça. Seudestino é ser inteiramente exterminada. Em vez de terror, agora Judá poderá cumprir suas obrigações religiosas na forma das festas que lheforam ordenadas (cf. Nm 28-29) e de seus votos sagrados (cf. Nm 30;

Dt 23.21-23).

d. Assíria: os preparativos para a batalha (2.1)

A Assíria, ela própria a eterna agressora, agora se defronta comum ataque do destruidor ,3 uma coligação militar de medos e babi

sejam fortes e numerosos” (rsv; cf. Sir., bhs).1. A emenda proposta em  BHS,  “sem nome não será lembrado”, não encontra

respaldo e é desnecessária.2. No texto hebraico e na BJ, este versículo está numerado como 2.1, refletindo assim

a falta de divisões em capítulos e versículos até o século xn d.C.3. O sujeito da sentença pode ser entendido de várias maneiras: como “espalhador”

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 NAUM 2.310

lônios (veja “Introdução”). Ela é satiricamente chamada a pôr guardasnas fortalezas e estradas (3.14; Jr 46.3-6). Contudo, por mais que se

 prepare, não terá condições de suportar o ataque avassalador, porquanto é Deus o seu adversário. Esse tema de preparativos para a

 batalha, encerrando os veredictos dirigidos à Assíria, liga esta seção àvívida descrição da batalha (2.3-10), onde é retomado e desenvolvido.

e. Judá: a ruína restaurada (2.2)

Há um desejo de que a restauração divina da glória1(“excelên

cia”, IBB, ARC) de Judá (“de Jacó”, ARA, TM, BJ), se iguale à de Israel,ao norte. Deseja-se uma reconstrução de todo o povo de Deus, vistoque a Assíria e a Babilônia  saquearam-no completamente (cf. Is24.1,3). Assim, mesmo depois da queda do reino do Norte, há um desejo de restauração completa da nação (cf. Ez 37.15-23; Zc 10.6-12),embora ainda não concretizado na forma de nação restaurada e unificada. O Novo Testamento interpreta uma passagem parecida, emAmós 9.11-12, para indicar a inclusão dos gentios no povo de Deuscomo o cumprimento de tal passagem (At 15.13-19), de forma que a

 passagem em questão também poderia ver sua realização na igreja,como a nação reunificada de Israel (cf. Tg 1.1).

V. BREVE DESCRIÇÃO DA BATALHA (2.3-10)

O julgamento de Nínive e da Assíria é expresso em termos claros,

com jargão militar. A descrição marcante dessa batalha tem levado alguns a propor uma data posterior a 612 a.C., ao menos para essa parteda profecia (veja “Introdução”). Tal conclusão não é obrigatória.Guerras e exércitos fizeram parte da experiência de Israel ao longo dequase toda a sua história, facilitando, assim, o uso das imagens empregadas.

ou “dispersador” de exércitos (cf. 2 Sm 22.15; SI 18.14; Is 24.1), ou como“destruidor” ou “esmigalhador” (cf. Jr 51.20), dependendo de ler-se a palavracomo rriêpits  (TM) ou rríSpSts.

1. Alguns substituem “glória” por “vinha” (b j ; cf. “sarmentos”, palavra que aparecemais tarde no versículo), mas sem apoio textual, sendo isso desnecessário, vistoque a poesia hebraica usava comumente a repetição.

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 NAUM 2.34

a. O ataque (2.35)

3-4. A figura da batalha é tirada do versículo 1 e desenvolvida emmais detalhes. A imagem viva de uniformes coloridos e armas reluzentes é acentuada pelo sonido de rodas estrepitosas e carruagens em carreira desabalada. Alguns lêem o aço dos carros  como “fogo detochas” (ARC; cf. v. 4), a partir de uma transposição de duas letras he braicas, embora seja forte o indício textual a favor da atual leitura. Aslanças  são provavelmente lanças mesmo ou outras armas feitas de

cipreste, e não a própria árvore, embora o texto hebraico traga apenas“ciprestes”.

5. Os guerreiros, reunidos por seu líder, tropeçam  na pressa dechegar ao muro, onde armam um “abrigo” (BJ; “manta”, IBB), umacobertura portátil usada para proteger os sitiadores de objetos atiradosdos muros atacados. Alguns interpretam isso como uma referência às

forças defensoras (e.g., ARA), mas melhor parece que o que convoca astropas (uma possível tradução é “ele convoca”), é “dispersador” doversículo l.1

b. A derrota (2.610)

A queda de Nínive em si é mencionada só de passagem (v. 6), enquanto suas conseqüências são tratadas com mais detalhes (w . 7-10).

6. É incerta a identificação das comportas dos rios.  Provavelmente faziam parte do canal e do sistema de abastecimento de água dacidade. Propõe-se uma inundação como fator que contribuiu para aderrota da cidade, fazendo entre outras coisas, com que o palácio  “sederretesse” (ARC) com a água,2 embora não haja documentação ex-trabíblica que apóie essa idéia, visto que a Crônica Babilónica acerca

1. A a r a , acompanhando a l x x , revocaliza o primeiro verbo do versículo, lendo-ocomo uma passiva no plural, i.e., “Os nobres são chamados”.

2. Veja Wiseman,  ib d ,  p. 1090.

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 NAUM2.10

da queda de Nínive interrompe-se nesse ponto.1 O verbo “derreter”(“se abala” , BJ) também é empregado metaforicamente com o sentidode “desmaio” (e.g., Is 14.31; Ez 21.15;).

7.  Está  “posto” (Gn 28.12; cf. decretado,  ARA, IBB),2 determinado por Deus que a Nínive cativa deve ser levada em cativeiro,  sofrendo o mesmo destino que a Assíria previamente impusera àquelesque havia conquistado, incluindo Israel (cf. 2 Rs 17). A derrota daAssíria é ressaltada pelo fato de que mesmo “suas servas”  gemem  ebatem no peito, manifestando angústia.

8-9. Agora o objeto dessa vívida descrição é nominalmente indicado como Nínive. Metaforicamente, suas tropas são comparadas a umaçude de águas,  daqueles usados em irrigação (Ec 2.6), mas cujaságuas3 escapam, tomando-o inútil. A avassaladora derrota das forçasassírias não é interrompida nem mesmo pelo grito:  Parai, parai. Todosfogem, ninguém se volta.  Em conseqüência, os inimigos de Nínive

 podem agora saquear e despojar a cidade outrora orgulhosa. Suas ri

quezas são imensuráveis, porquanto no passado ela própria havia saqueado outros.

10. Nínive, atingida, tem o seu pavor vividamente descritosegundo as manifestações fisiológicas do medo. Um trocadilho he

 braico em três partes serve ainda mais para realçar a sua desolação  eruína*

1.   anet  ,  p. 304-305.2. A interpretação de hussab é objeto de debates. Além da proposta apresentada aqui

(cf. J. M. P. Smith, p. 331), essa palavra é vista como um nome próprió, “Huzabe”(a r c ), até o momento não confirmado em nenhuma outra fonte (e,g., Maier, p.256, 261), ou como uma corruptela, sendo assim emendada, embora sem apoiotextual.

3. A estranha forma hebraica tem sido lida “todos os seus dias” (Keil, p. 25; cf.

Maier, p. 263), de acordo com a pontuação atual (mimê hí’),  ou “suas águas”,acompanhando a l x x  e exigindo emenda textual (mêmeykã; b h s ).

4. As etapas progressivas de desamparo crescente são indicadas por três palavrashebraicas, sendo que cada uma acrescenta uma sílaba à palavra anterior, i.e., búqâ, m‘kúqâ, rnkultãqâ.

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 NAUM 2.1112

VL O LEÃO DA ASSÍRIA É DERROTADO (2.11-13)

Deixando de lado a descrição da batalha prevista, o escritor passa

 para uma metáfora em que o leão assírio, anteriormente feroz, éafugentado.

11-12. Faz-se uma provocação em forma de pergunta retórica (cf.1.6; 3.7-8, e “Nota adicional sobre perguntas retóricas”) a respeito docovil  e do lugar de pasto1,  onde anteriormente o leão caçava sem nenhuma oposição. Aqui os leões matavam suas presas e garantiam adequadamente sua própria subsistência.

13. A oposição de Iavé a Nínive é declarada num oráculo (cf. omarcante contraste em Rm 8.31). A metáfora é uma mistura dos leões,cujos “filhotes” são destruídos e cuja presa   desaparecerá (BJ), e dacena anterior da batalha (vv. 3-10), com a queima das carruagens e osilenciamento dos “mensageiros” (BJ) militares em meio à destruição.Assim, do ponto de vista estrutural, este versículo une o capítulo e

leva-o a uma conclusão.

VII. AI DE NÍNIVE (3.1-19)

A queda de Nínive é descrita a partir de diferentes pontos notempo: visão prospectiva da oposição futura (vv. 5-12), preparação para o cerco e a batalha (vv. 14-17), participação de uma batalha real(w . 2-4) e visão retrospectiva da derrota sofrida (w . 13,18-19).

a. Ai (3.1)

A palavra ai,  interjeição normalmente empregada para lamentaros mortos (1 Rs 13.30; Jr 34.5; cf. Am 5.16), é, na literatura profética,utilizada com sentido ampliado para introduzir uma ameaça terrível (Is5; Hc 2). O significado dessa palavra é que a ameaçadora punição pre-

1. Assim traduzem a r a , ARC e vários comentaristas. Com a transposição de umaletra, tem-se “caverna”; veja b j  e outros comentaristas.

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 NAUM 3.56 

nunciada é tão certa que aqueles a quem é dirigida estão virtualmentemortos. No hebraico, isso é acentuado pela expressão de lamentação

ou padrão métrico do tipo qinâ (3+2) na primeira metade do versículo.Aqui, o emprego dessa forma é irônico, visto que seria bem-vinda adeposição da tirana, e não pranteada. Há um lamento pela cidade 

 sangüinária, Nínive. Ela, que era o lugar de mentiras  (Os 7.3), “rapina” (ARC, IBB, BJ) e “presas” (esta última é uma lembrança do oráculode 2.11-13), agora se verá em posição invertida, recebendo a destruição que havia anteriormente promovido.

b. Luta e morte (3.23)

O quadro vivo da batalha é retomado de 2.3-10, com as cenas e ossons dos atacantes em movimento (v. 2) e com o resultado inevitávelda guerra, cadáveres sem fim (v. 3).

c. A desgraça da meretriz (3.47)

A causa da queda da Assíria é apresentada na forma de outrametáfora, a de uma prostituta (cf. Is 23.16; Ez 16; 23; Ap 17-18) que,tendo corrompido outros, receberá agora a recompensa, a sua própriacorrupção.

4. Não somente a prostituição irrefreada da Assíria contribui parasua ruína, como também suas feitiçarias (cf. 2 Rs 9.22; 2 Cr 33.6; Mq5.12), as práticas ocultas para determinar a vontade divina (cf. Is47.9,12-13). Ela utilizou ambos os recursos para subjugar outrasnações, e agora eles contribuirão para o julgamento dela própria.

5-6. Em outro confronto em forma de oráculo, demonstrandoconclusivamente a certeza do juízo de Deus ao empregar as mesmas palavras que deram início ao oráculo de 2.13, Iavé inverte a situação

diante da frente Assíria. Porque ela, tal qual prostituta, havia expostoavidamente sua nudez  como parte de seu negócio, da mesma forma,essa sua nudez será exposta para vergonha sua diante das nações (cf. Is47.3; Jr 13.22,26; Ez 16.37-39; Os 2.3,9). Elas manifestarão seudesprazer ao lançarem imundícias  sobre a meretriz (Ml 2.3; cf. 2 Rs

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 NAUM3.7 

10.27) e ao fazerem dela um espetáculo para o desprezo dos passantes,correspondendo isso ao uso do tronco ou do pelourinho no passado

mais recente.

7. A repugnância dos espectadores (rõ’ayik , um trocadilho com a palavra “espetáculo”, tfrõ’iy, no v. 6) leva-os a afastarem-se enojados.A pergunta retórica indaga se alguém pranteará. A resposta, comoacontece freqüentemente em tais perguntas (cf. 1.6; 2.11; 3.8, e a“Nota adicional sobre perguntas retóricas”), é negativa — ninguém”:ninguém para ter compaixão  e ninguém para servir de consolador.Aquela que não demonstrou misericórdia, não receberá misericórdia.

d. Assíria, a invencível? Uma sátira (3.817)

O precedente de outra capital cujo poder não a salvou da destruição (a egípcia Tebas) é apresentado como vara para fustigar a jádesmoralizada capital assíria. Comparada a Tebas, Nínive é medíocre.

A cena volta agora no tempo até um ponto anterior ao ataque emquestão (cf. 2.3-10; 3.2-3), para o qual ainda se têm de fazer os preparativos.

i. A poderosa Tebas destruída (3.810).  8-9. “Tebas” (IBB; heb.,riõ’ ’ãmôn, cf. ARA, ARC, BJ), apesar de suas defesas hídricas naturais1e de suas alianças com a Etiópia (cf. Sf 2.12),  Pute  (Gn 10.6) e Líbia (2 Cr 12.3), foi reduzida a nada (veja Is 11.11; 19-20 e “Introdução”).A Nínive pergunta-se retoricamente se ela se considera equivalente aTebas, e novamente a resposta deve ser “não” (cf. 1.6; 2.11; 3.7).

10. O final de Tebas é descrito em termos que fazem lembrar adegradação infligida a outros pelos mesopotâmios: exílio  (2 Rs 17.6;18.11; 24.15); cativeiro  (2 Cr 30.9 [cf. 2 Cr 30.6b]; Is 20.4; Jr 41.10;

1. Estando Tebas situada entre os canais do Nilo, a água desempenhava papelimportante na vida da cidade. Ela fica bem no interior egípcio, de forma que umareferência ao mar como parte de sua defesa seria algo inexato não fosse o fato de a palavra hebraica yam   aplicar-se em outras passagens a rios importantes, como o Nilo (e.g., Is 18.1-2; Ez 32.2) e o Eufrates (Jr 51.36).

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 NAUM 3.1416 

Ob 11); matança de “crianças” (BJ; Os 10.14; 13.16; cf. 2 Rs 8.12; SI137.9; Is 13.16);  sortes  lançadas sobre os nobres  para determinar o

lugar onde deviam ser exilados (J1 3.3; Ob 11) e  grilhões  (cf. 2 Rs25.7; SI 149.8; Jr 40.1,4). O destino de Tebas levaria Assíria a esperarque sua punição seguisse o mesmo padrão.

ii.  A importância da Assíria (3.1113). O paralelo entre Nínive eTebas (vv. 8-10) fica explícito quando se diz que Nínive sofrerádestino semelhante.

11. Um paralelo lingüístico com a descrição do destino de Tebasé a partícula “também/todavia” (gam), encontrada duas vezes noversículo 10 e repetida duas vezes neste versículo. O estado da Assíriaserá de embriaguez cambaleante por causa do vinho da ira de Deus (Jr 25.15-17; Ob 16; Hc 2.16) e de um medo covarde diante do inimigo.

12. A vulnerabilidade da Assíria é bem ilustrada pela metáfora dofruto tão maduro de apanhar que cai nas bocas abertas daqueles que sacodem a árvore. Esse pode ser outro eco do quadro do voraz leãoassírio (2.12).

13.0 poder da Assíria é ridicularizado. Esse poder baseava-se emtropas  que,1 em força e ferocidade, são como mulheres,  o sexo maisfraco (cf. Is 19.16; Jr 50.37; 51.30). Também se baseava na falsa pro

teção das portas das cidades, agora abertas devido aos ferrolhos que brados (cf. Dt 3.5; Jz 16.3). Nada disso consegue cumprir sua funçãode defesa. A segurança se foi.

iii. Preparativos inúteis (3.1417). 14-16. Com sarcasmo, ordena-se à Assíria que ajunte suprimentos e fortifique suas  fortalezas, 

 preparando-se para um sítio, entretanto o fogo (cf. Is 1.7; Jr 49.27; Am

7.4) e a espada  (cf. Jó 1.15-17; Ez 38.21,22) a consumirão. A perdacompleta é comparada à destruição causada pelo  gafanhoto  (veja SI

1. A palavra hebraica 'am refere-se primeiramente a pessoas em geral, mas também,num sentido mais restrito, a “tropas” (Nm 20.20; 21.23).

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 NAUM 3.17 

78.46; J1 1.4), que devasta tudo o que encontra no caminho. A Assíriaé lembrada de seus negociantes  (Ez 17.4; 27; Ap 18.11-20), os quais

haviam-se multiplicado em grande número, conforme se sabe a partirde registros históricos de lugares tão longínquos quanto a Capadócia,na Ásia Menor.1Esses mercadores são descritos de forma negativa, aoserem comparados em voracidade e transitoriedade à nuvem de gafanhotos.

17. A última característica mencionada do gafanhoto, sua presença passageira, também é empregada para descrever os  príncipes (“guardas”, BJ) e chefes2  da Assíria, os quais desaparecem apresentando as mais infundadas desculpas. Assim sendo, a burocraciaeconômica (v. 16) e militar (v. 17) da qual a Assíria depende não pro porciona o apoio esperado, mas, antes, em pânico, dá início à fuga dediante dos invasores.

e. Como os poderosos caíram (3.1819)

Em uma mensagem final dirigida diretamente ao monarca assírio,a total falta de apoio ao líder e à população revela a situação irreversível da nação.

18. É dito ao rei que seus pastores, investidos de responsabilidade pela direção e governo do povo (Jr 17.16; Zc 10.2-3), e seus nobres dormem em serviço. Eles não darão ajuda alguma durante a invasãovindoura. Nem a população em geral, que está dispersa. Restaurar o povo “espalhado” (IBB) devia ser o dever dos pastores, mas eles não oestão cumprindo.

1. Veja J. D. Hawkins (ed.), Trade in the Ancient Near East   (British School ofArchaelogy in Iraq, 1977); E. Lipinski, State and Temple Economy in the Ancient   Near East  (Leuven University, 1979).

2. Derivado da palavra acadiana que designa os “escribas” como uma classe defuncionários públicos às vezes envolvida em tarefas de alistamento militar; cf. Jr51.27.

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 NAUM3.19

19. Assíria, a poderosa, está morrendo de uma ferida  incurável.Devido à sua própria “crueldade que nunca se acaba” (blh) e à ex

 ploração de outros, esse fim é visto não com compaixão, mas com e-xultação, pois aqueles que ouvem a seu respeito rejubilam-se batendo

 palmas  (cf. SI 47.1; 98.8; Is 55.12; Ez 25.6). Entre os primeiros que seregozijam estaria Judá, para cujo encorajamento e apoio a profecia édada. Nesse contexto, o júbilo não é a satisfação prazerosa diante doinfortúnio dos outros (cf. SI 22.17; Ob 12; Ap 11.10), atitudeinaceitável para o povo de Deus. Pelo contrário, é prazer com a vindi-

cação de Deus e de suas promessas. Sua justiça e santidade são mantidas porque ele não é apenas gracioso em abençoar aqueles que,arrependidos, voltam-se para Ele, mas também justo em lidar com o pecado e a rebelião contra ele próprio e contra o seu povo (cf. Ap11.16-18; 15.3-4; 16.4-7). A reação positiva ou negativa que, quercomo indivíduo quer como nação, se tenha diante de Deus e de suavontade tem, assim, implicações importantíssimas quanto às bênçãosou condenações.

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HABACUQUE

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INTRODUÇÃO

I. O HOMEM

Habacuque amava a Deus, mas estava preparado, como bem poucas pessoas, para envolvê-lo num diálogo questionador sobre a justezade suas ações. Naturalmente, a maioria dos crentes enfrenta, na vidaespiritual, um período em que duvida de Deus ou o questiona. Poucos,cpntudo, fazem como Jó, debatendo os problemas abertamente. Aindamais raro é o indivíduo que se coloca diante de Deus e confronta-o arespeito das aparentes anomalias de suas ações sobre a humanidade.Foi isso que o profeta Habacuque fez, chegando até além, ao questionar Deus quanto à resposta que dera à sua pergunta inicial.

Uma das funções do profeta era servir de intermediário entre o

Deus de Israel e o seu povo. Era ele quem devia indicar quando as pessoas se afastavam da aliança que voluntariamente haviam firmado, einstar com elas para que a retomassem. Habacuque assume a tarefa deir na outra direção, chamando Deus para prestar contas das ações quenão pareciam corresponder às prescritas na aliança. A situação de um profeta já era suficientemente precária quando confrontava seu povo;imagine-se, então, quão raro seria o indivíduo que se arriscasse a con

frontar o seu Deus. Habacuque era um desses.Fala-se menos na Bíblia acerca de Habacuque do que quase

qualquer outro profeta. Não são mencionados nem mesmo o seu pai,sua tribo ou cidade natal. Aparentemente, seu nome não é hebraico,mas vem da palavra acadiana que designa alguma planta ou árvorefrutífera.1

A tradição posterior procurou identificar melhor Habacuque. O

livro apócrifo “Daniel, Bei e o Dragão” apresenta Habacuque trazendo

1. Veja o verbete habbaququ  em A. L. Oppenheim, The Assyrian Dictionary,  6(Oriental Institute, 1956), p. 13. Pessoas de língua acadiana estavam intimamenteenvolvidas na vida de Israel naquele período (veja a página seguinte).

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 HABACUQUE 

comida a Daniel para sustentá-lo durante a semana que passou na covados leões. Um manuscrito descreve-o como filho de Jesus, um levita.

Essa observação, a par com a associação de Habacuque com a música,especialmente o salmo do capítulo 3 (veja w . 1,19), um aspecto daadoração especialmente associada aos levitas (Ed 3.10; Ne 12.27), eseu título de “profeta” (1.1) têm sugerido a algumas pessoas que eleera um profeta profissional do templo, embora não esteja comprovadaa existência de tal cargo.1

n. A ÉPOCA

A questão dos períodos durante os quais Habacuque profetizou eo livro foi escrito tem sido debatida.2 Com base em 1.6, parece queuma invasão de babilônios ou “caldeus”, como eram chamados pelosescritores bíblicos,3 surgia no horizonte. Por volta de 625 a.C., sob oreinado de Nabopolassar, o império neobabilônico começou a aumentar seu poder, ganhando força em 612 a.C. com a destruição da capital

assíria, Nínive, e, sob o comando de Nabucodonosor, atingiu o apogeuem 605 a.C., com a derrota do Egito e seus aliados em Carquemis, naSíria (Jr 46.2).4 A invasão prevista por Habacuque pode ter-se dado emqualquer momento antes de 587 a.C., quando Jerusalém foi finalmentedestruída pelos babilônios. Essas profecias foram provavelmente apresentadas algum tempo antes. Um período possível seria o do reinadode Jeoaquim (609-598 a.C.), quando a presença babilónica fazia-sesentir cada vez mais.5 Em 598 a.C., os babilônios marcharam contraJudá, e então Jeoaquim morreu, provavelmente assassinado (cf. Jr22.18-19; 36.30). O conhecimento pessoal da brutalidade babilónica(cf. 1.12-17) ajusta-se bem a esse período. Dessa forma, Habacuquefoi contemporâneo de Naum, Sofonias e Jeremias.

1. Veja J. A. Motyer, “Prophecy, Prophets”,  ib d ,  p. 1283.

2. Veja Jõcken, p. 3-106, para uma discussão das várias opções propostas.3. Veja D. J. Wiseman, “Caldéia, Caldeus” ,  ndb ,  p. 234, e W. G. Lambert, “TheBabylonians and Chaldeans”, POTT,  p. 179-196.

4. Veja A. K. Grayson, Assyrian and Babylonian Chronicles  (J. J. Augustin, 1975), p. 99.

5. Veja J. Bright, História de Israel  (Paulinas, 1980), p. 440.

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 INTRODUÇÃO

Judá presenciara a queda e o exílio de seu irmão do norte, Israel,havia pouco mais de um século. O próprio Judá, contudo, não havia

aprendido que suas repetidas violações da aliança não ficariam eternamente sem punição. Agora, de acordo com o profeta, Judá se defrontaria com um destino semelhante.

A profecia prevê a derrota da Babilônia, o que finalmente ocorreudiante das forças conjuntas dos persas e medos indo-arianos, as quais,sob o comando de Ciro, capturaram a Babilônia em 539 a.C.

m . O LIVROHabacuque ocupa a oitava posição entre os Profetas Menores,

estando entre Naum e Sofonias, que atuaram aproximadamente namesma época e tinham em comum a posição quanto à justiça, a soberania e à graça de Iavé.

A estrutura do livro é objetiva, com duas perguntas levadas porHabacuque diante de Deus, cada uma delas sendo seguida pela res

 posta de Deus. A primeira refere-se à aparente tolerância de Iavé emrelação ao pecado, especialmente a injustiça (1.2-4), seguida da garantia de que Deus lidará com isso, usando o império caldeu ouneobabilônico como instrumento (1.5-11). Assim, essa primeira res posta parece estar apontada para a destruição de Jerusalém pelos babilônios em 587 a.C. (veja a página precente). Mas isso levanta um problema moral ainda maior para Habacuque. Como Deus pode usar

como instrumento de juízo um povo muito mais cruel e desumano doque aquele que está sendo punido (1.12-17)? Com expectativa,Habacuque aguarda uma resposta (2.1), que vem quando Iavé promete

 julgar a Babilônia (2.2-20). A segunda resposta de Deus relaciona-se, portanto, à conquista da Babilônia pelos persas, em 539 a.C. (vejaacima). Habacuque responde a essa garantia da justiça e do amor deDeus com um salmo de adoração (cap. 3) que relembra a vinda de

Deus para encontrar-se com Israel no Sinai (3.3-7) e também a suaatuação como um poderoso guerreiro em defesa do seu povo (3.8-15).O livro termina com uma comovente expressão da confiança do profeta em seu Deus (3.16-19«).

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 HABACUQUE 

Dois importantes problemas de interpretação surgem com o estudo do livro. O primeiro envolve a identidade dos ímpios cuja exis

tência permanentemente impune deixa Habacuque tão perplexo (1.4).Quem são eles e qual a relação deles com os ímpios de 1.13? Damesma forma, quem são os justos mencionados nesses versículos?Tem-se apresentado toda uma gama de hipóteses que dependem, entreoutras coisas, da data proposta para o livro. As possibilidades incluemos assírios, os egípcios, os caldeus, os gregos, os selêucidas e até segmentos de Judá. No último grupo, têm-se proposto algumas facções

específicas,1mas não há dados suficientes que nos permitam ser assimtão específicos. É mais provável que os ímpios de 1.4 sejam parte do povo de Judá que, por darem as costas ao javismo e à lei de Moisés,causam aflição àqueles que ainda seguem os caminhos de Deus. O

 juízo de Deus sobre eles tomará a forma de invasão pelos exércitos babilónicos, o que Habacuque considera intolerável, visto que, com parados com os desapiedados babilônios, mesmo os ímpios de Judá

são “mais justos” (1.13).Os ímpios de 1.4 e 1.13 devem referir-se a dois grupos diferentes, pois, se os ímpios do primeiro versículo fossem ou assírios ou egípcios, os quais por vezes importunaram Judá2 então o justo teria de serJudá como um todo. Todavia, embora então se pudesse ver por queHabacuque instou Iavé a punir o opressor estrangeiro e livrar o seu povo, a reação dele à resposta de Deus não seria compreensível, pois

ele não teria nenhuma dificuldade moral, qualquer que fosse otamanho da punição aplicada a opressores pagãos. A reação do profetasó faz sentido caso os ímpios de 1.4 sejam um grupo dentro de Judá eos ímpios de 1.13, os invasores babilônios enviados por Deus para

 puni-los. Segue-se que os justos de 1.4 são aqueles dentro de Judá queexperimentam e lamentam a injustiça e a opressão, ao passo que em1.13 os justos são Judá visto como um todo, em contraste com os

 babilônios, muito piores.

1. Veja E. Nielsen, “The Righteous and the Wicked in Habaqquq” , Studia Theologica 6   (1953), p. 54-78; M. D. Johnson, “The Paralysis of the Torah inHabakkuk i4”, n 3 5  (1985), p. 257-66.

2. Veja Bright, História de Israel  p. 417-436.

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 INTRODUÇÃO

O segundo problema envolve o lugar do capítulo 3 dentro dolivro. O material de Qumran inclui um comentário sobre os dois

 primeiros capítulos do livro, mas não sobre o terceiro.1 Com base naausência do salmo nesse material, aventa-se que ele seja um acréscimosecundário ao livro. O problema dessa hipótese refere-se à época emque isso poderia ter ocorrido, visto que ele se encontra em todos osmanuscritos da LXX e em vários textos dos sécülos II e III a.C.2 É mais provável que a sua inexistência em Qumran se deva à sua menor im portância diante das necessidades e dos interesses da comunidade, em

comparação com o material dos dois primeiros capítulos. Sua não-in-clusão não prova sua não-existência, assim como a omissão de muitas

 passagens e livros do Antigo Testamento na pregação contemporâneanão prova que eles foram retirados do cânon das Escrituras.

IV. A MENSAGEM

O papel dos profetas era fazer a nação e seus líderes voltar a obe

decer à aliança que Deus havia feito com seu povo no Sinai. Se asobrigações da aliança eram negligenciadas ou abandonadas, o profeta,freqüentemente correndo algum perigo pessoal, confrontava os infratores e, em nome de Iavé, exigia arrependimento. No caso deHabacuque, correndo um risco pessoal ainda maior, o profeta confronta o próprio Iavé. Nesse caso, não está pedindo ajuda para a nação,conforme ocorre alhures (cf. SI 10; 12; 44; 60; 74), mas clama por

 juízo sobre aqueles que pecam (1.2-4). Esses ímpios têm sido identificados de diversas maneiras (veja tópico anterior), mas aparentementesão pessoas de Judá que abandonaram as leis de Deus. Assim como Israel não pode quebrar impunemente a sua aliança, Iavé também não pode permitir que sua aliança seja quebrada sem reagir. Como pareceque Deus está agindo contrariamente a seu caráter justo e reto ao nãotomar alguma atitude (v. 2), o profeta chama-o à tarefa. Esse ato de

questionar se Deus está realmente controlando o mundo é parecido

1. Veja Brownlee.2. Veja Brownlee e J. T. Milik, Ten Years o f Discovery in the Wilderness o f Judah 

(A. R. Allenson, 1957), p. 14,18.

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 HABACUQUE 

com o de Jó. Ele também se defrontou com uma situação em que sua“teologia sistemática” de Deus não correspondia à sua experiência

concreta dos caminhos de Deus (cf. Jó 6.28-30; 7.11,20-21; 9,21; etc.;veja também Jr 12).

Diferentemente de Jó, Habacuque recebe uma resposta direta(1.5-11): a punição virá, mas mediante os babilônios. Isso suscita

 problemas teológicos e morais ainda maiores para o profeta, visto quea “cura” de uma invasão babilónica é pior do que a “enfermidade” do

 pecado de Judá. Os babilônios eram pagãos e não adoravam de forma

alguma a Iavé. Como, então, Deus os usaria para punir o seu próprio povo? Além disso, a crueldade deles era proverbial, e a punição parecia maior do que a que o crime pedia (1.12-17).

Deus responde dizendo que o instrumento que escolheu para adisciplina de Judá é moralmente responsável por suas ações e que nãoescapará sem a devida punição (2.2-20). Isso é apresentado não apenasde forma negativa, descrevendo o julgamento e a morte do infrator,mas também com uma mensagem positiva de vida. Em uma das declarações do Antigo Testamento que têm exercido profunda influênciana história da igreja, Judá ouve que os infratores serão punidos porseus atos, mas que “o justo viverá pela sua fé” (2.4). Se Judá, ouqualquer pessoa do povo da aliança com Deus, age de acordo com asestipulações da aliança de Deus, sejam antigas, sejam novas, aqueleem quem crê e a quem serve cuidará para que viva. Habacuque reage aessa promessa de esperança e julgamento com uma oração de temor e

fé (cap. 3). Ele recorda como Iavé cuidou de seu povo no Sinai (vv. 3-7) e seu poder como o guerreiro poderoso (vv. 8-15). A luz dessas demonstrações do passado acerca da existência e do poder de Deus,Habacuque, numa atitude de submissão temente, mas jubilosa, coloca-se sob o domínio e o cuidado daquele que pode prover, e provê,mesmo quando falham todos os outros meios de apoio e sustento (w.16-19).

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ANÁLISE

I. TÍTULO (1.1)

II. O PROBLEMA DA IMPIEDADE SEM PUNIÇÃO (1.2-4)

III. A PRIMEIRA RESPOSTA DE IAVÉ (1.5-11)

IV. O PROBLEMA DA PUNIÇÃO EXCESSIVA (1.12-17)

V. À ESPERA DE UMA RESPOSTA (2.1)

VI. A SEGUNDA RESPOSTA DE IAVÉ (2.2-20)

a. Uma visão (2.2-5)i. Anúncio (2.2-3)ii. Vida e morte (2.4-5)

 b. Ais sarcásticos (2.6-20)i. O saqueador (2.6-8)

ii. O conspirador (2.9-11)iii. O promotor de violência (2.12-14)iv. O depravador (2.15-17)

v. O idólatra pagão (2.18-20)

VII .0 SALMO DE HABACUQUE (3.1-19)a. Comentários musicais (3.1,19 b)

 b. Petição (3.2)c. A poderosa presença de Deus na história (3.3-15)

i. A vinda de Deus (3.3-7)

ii. O combate de Deus (3.8-15)d. Temor e fé (3.16-19a)

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COMENTÁRIO

I. TÍTULO (1.1)

O “oráculo” {sentença, ARA; veja Naum “Introdução”) foi rece bido “em visão” (BJ) por Habacuque, que aqui é chamado de profeta. 

Esse designativo é raro nos cabeçalhos (veja Ag 1.1; Zc 1.1) e indica, para alguns, que Habacuque era um profeta profissional, alguém queganhava a vida servindo como profeta no templo ou na corte, diferentemente de Amós (cf. Am 7.14). Embora não se tenha certeza quanto aisso, pelo menos ele era reconhecido, nesse período de apostasia, comoalguém que comunicava a mensagem de Deus.

II. O PROBLEMA DA IMPIEDADE SEM PUNIÇÃO (1.2-4)

Essa seção é em forma de queixa, ou salmo de lamento, em quese descreve uma necessidade e se busca a ajuda de Deus (cf. SI 3; 13;22 etc.). A justiça de Deus é posta em dúvida pelo fato de seu julgamento estar muito atrasado.

2. Até quando é uma introdução queixosa (cf. SI 13.1,2), que demonstra que o profeta não tem medo de questionar Iavé, seu Deus (cf.Is 6.11; veja “Introdução”). Perguntas assim angustiadas são especialmente relevantes quando os clamores a Deus aparentemente não sãoouvidos nem respondidos (cf. SI 22.14). Aqui, o problema expressa-seno clamor por ajuda, pois a violência,  a opressão contínua (cf. Gn6.11; Jz 9.24 e seis vezes em Habacuque), faz o autor duvidar da capacidade de Deus ou de seu desejo de intervir ou salvar (cf. Dt 20.4; SI18.41; 33.16-19; Is 59.1,2; Jr 42.11). A compreensão teológica que o

 profeta tem de Deus, como alguém justo e reto, não se encaixa em suaexperiência de Deus, problema semelhante ao conhecido por Jó (vejaJó 6.28-30).

3. A severidade da opressão é indicada mediante o ajuntamentode sinônimos: iniqüidade  (cf. Pv 19.28; Is 29.20; 59.4,6,7), opressão

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 HABACUQUE 1.4

(cf. Pv 24.2; Is 10.1), destruição (cf. Is 22.4; Hc 2.17), violência (v. 2;2.17), contendas  (cf. Pv 17.1; Jr 15.10) e litígio  (cf. Pv 15.18; 16.28).

 Por que, pergunta Habacuque numa típica pergunta de lamento (vejav. 2; cf. 1.13; SI 22.1; Jr 20.18), “todas essas coisas estão presentes navida do profeta?”

4. O resultado dessas injustiças sem fim é que a lei (a principalforça que devia tê-los sob controle) se afrouxa.1 A lei deveria ser oalicerce da ordem divina para a sociedade (cf. Êx 18.16,20; Is 2.3; Jr32.23), mas isso já não serve para tal. O resultado é a ausência de

 justiça  (cf. Is 1.17; Mq 6.8), ou antes, a sua distorção. Portanto, em Israel os justos estão sendo destratados pelo perverso,  que os cerca.  Aidentidade destes últimos é uma das questões polêmicas do livro (veja“Introdução”). Aqui parecem ser as pessoas rebeldes e não tementes aDeus que faziam parte do próprio Israel (contraste com 1.13). Issoacentua o aspecto oposto do problema de Habacuque. Não só a in

 justiça caminha sem restrições (v. 2), como também as forças da

 justiça enfrentam oposição.

HL A PRIMEIRA RESPOSTA DE IAVÉ (1.5-11)

Iavé responde a Habacuque num oráculo. Aquele que fala nãoestá explicitamente identificado na frase inicial ou final, mas Iavé estáfalando na primeira pessoa. A resposta que a queixa, ou lamento, acalentava (cf. 1.2-4) era um oráculo de salvação, mas aqui a resposta é

um oráculo de juízo. Não porque Iavé ignore a queixa e os pedidos deajuda, antes, porque o pedido do profeta é, na realidade, um apelo aDeus para que mostre sua justiça e retidão enviando juízo aonde necessário.

5-6. Juntos, o profeta e o povo são chamados a olhar, maravilhados, entre as nações,2 onde algo sem precedentes está para aconte

1. Veja Johnson, “Paralysis of the Torah” , p. 257-266.2. A lx x  e, portanto, At 13.41 trazem “ó desprezadores”; cf. Hc 1.13; 2.5, onde essa

 palavra ocorre no TM. É pequena a variação entre as duas palavras hebraicas, e nãohá motivo que nos force a alterar o texto aqui. Veja 1.6, onde ocorre no singular amesma palavra hebraica deste versículo, dando seqüência ao desenvolvimento

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 HABACUQUE 1.89

cer por meio da mão de Deus. O sujeito “eu”, aqui oculto, aparece naLXX e em várias traduções, com base no versículo 6. Os dois verbos

iniciais do versículo, vede  e olhai,  associam a resposta de Iavé diretamente à queixa de Habacuque, onde são empregados os mesmos doisverbos (1.3). O acontecimento surpreendente é Deus levantar dentre os povos vizinhos aquela nação amarga e impetuosa,  uma nação conhecida por sua ferocidade e impulsividade (cf. Jz 18.25). Aparentemente isso é referência à rápida ascensão dos caldeus (ARA, ARC, IBB,

BJ; “babilônios”, BLH), os quais são descritos no restante desta seção.Sua prática contumaz de desalojar povos por toda a largura da 

terra,  i.e., o Crescente Fértil, tinha o objetivo de tomar propriedadesnão suas,  um trocacilho de dois homônimos hebraicos (i.e., palavrasde sons semelhantes), lõ’ e lô.

7. Naqueles com quem os babilônios tinham contato, o efeito erauma sensação terrível e pavorosa, palavra geralmente empregada paradescrever a reação de assombro diante do próprio Deus por parte

daquele que experimenta sua presença (cf. Êx 34.10; Dt 7.21; Sf 2.11;Ml 1.14). Os babilônios eram arrogantes, colocando-se no lugar deDeus e chegando até a promulgar o seu próprio direito e a honrar a simesmos (cf. Gn 49.3; Os 13.1; veja v. 11b). O poder e o orgulhofreqüentemente caminham juntos.

8-9. O poder de seus cavalos, ou cavalaria, é comparado aos leo- pardos e aos lobos ao anoitecer  (cf. Sf 3.3)1em sua ligeireza2 e ferocidade. Sua aproximação a galope (BJ, BLH),3 vindos de longe (veja v. 6,cf. Is 39.3), é comparada à arremetida de uma águia (“urubu”, NIV; cf.Jó 9.26; Jr 4.13; Lm 4.19) em sua voracidade e violência resoluta.

A oração no meio do versículo 9 é obscura, havendo discussãoem torno do sentido de duas de suas três palavras. No contexto deexércitos que avançam, parece falar de hordas (“seus rostos”, ARA,

literário do oráculo, que ficaria sacrificado caso o texto fosse emendado.1. Uma alteração na vocalização resulta em “lobos do deserto” , ou da planície ( b l h ;

cf. Jr 5.6), ou “Arábia” (LXX).

2. Os m m m trazem “voz”, devido a uma simples transposição de duas letras na horade copiar.

3. Uma palavra hebraica rara, de significado incerto.

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 HABACUQVEÎ.ÎO U 

ARC; “sua face ardente”, BJ; “sua vanguarda”, IBB; “totalidade, todos” , Holladay1), cujas “ faces” principiam a  seguir avante. A última

 palavra também tem sido interpretada como “vento oriental” , que vemdas regiões tórridas do deserto e resseca a terra (IBB, BJ; cf. ARC). Otema do vento ressecante é válido aqui pelo fato de ser usado em outros trechos para simbolizar a devastação vinda do oriente em geral (cf.Jr 18.17; Os 12.1; 13.15), e explicitamente da Babilônia (Ez 17.10).Também é apropriado ao símile que vem logo em seguida e é retomado no versículo 11. Contudo, a estrutura gramatical é difícil.

Em seus avanços militares, os vorazes babilônios reúnem os ca-tivos como presa. Tão numerosos são estes, que são incontáveis comoa areia. O símile teria causado impacto, visto que, com maior freqüência, é usado em sentido positivo de bênção e de forte potência militar(cf. Gn 32.12; 41.49; Is 48.19 e Js 11.4; Jz 7.12; 1 Sm 13.5). Aqui acomparação é invertida; em vez de seu significado positivo costumeiro, é encontrada no contexto da derrota de Judá. Esta é uma parteda surpreendente resposta à oração de Habacuque a respeito da violên

cia (vv. 2-3) — mais violência. É um exemplo da lei de talião, a punição equivalente ao crime (cf. Gn 9.6; Lv 24.19,20; SI 7.16).

10-11. O poder relativo da nação arrogante revela-se em sua ha bilidade de escarnecer de reis e príncipes', os “governadores” (BLH) deoutras nações são ridicularizados. Não apenas os líderes de outros países são desprezíveis, mas também suas fortalezas,  i.e., suas cidadesfortificadas, são invadidas pelo recurso de chegar ao topo dos murosamontoandose terra (cf. 2 Sm 20.15; Ez 4.2).2 Depois de derrotar pormeio do cerco, a cavalaria (w. 8-9) pode continuar avançando, passando como o vento (ARA, ARC, IBB, BLH).3

1. W. L. Holladay,  A Concise Hebrew and Aramaic Lexicon o f the Old Testament  (Wm. B. Eerdmans, 1971), p. 182.

2. Veja Y. Yadin, The Art of Warfare in Biblical Lands  (McGraw-Hill, 1963) e as

ilustrações em J. B. Pritchard (ed.), The Ancient Near East,  1 (PrincetonUniversity, 1958), ilustração 101.

3. Em hebraico a palavra está no acusativo, indicando modo, cf. G-K 118, r. A bj coloca o “vento” como sujeito, o que é possível, sendo um símbolo do poderarrasador da Babilônia (cf. v. 9), embora geralmente, mas nem sempre, “vento”esteja no feminino no hebraico, enquanto o verbo está aqui no masculino.

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 HABACUQUE 1.12

A última oração é gramaticalmente difícil, mas trata do já mencionado orgulho arrogante dos babilônios (v. 7), pelo qual endeusam

seu próprio poder,  fazendo-se culpados,1 falha comum entre grandes potências que atribuem a seus próprios feitos sua posição no cenáriomundial (cf. Is 47.8,10; Sf 2.15).

IV. O PROBLEMA DA PUNIÇÃO EXCESSIVA (1.12-17)

Habacuque levanta outro salmo de lamento (veja vv.2-4) quandoouve a resposta de Iavé. Principia pelo caráter de Deus em sua santi

dade e justiça (w . 12,13a) e depois questiona a forma de Deus punir,tendo em vista seu caráter (vv. 136-17). Sua confiança em Deusrevela-se não apenas no primeiro versículo do salmo, mas também noversículo após o salmo, em que pacientemente aguarda a resposta a seu pedido.

12. A seção começa com uma pergunta retórica (veja a “Nota

adicional sobre perguntas retóricas”) que aguarda uma resposta positiva. A fé israelita sustentava que Iavé existia desde a eternidade  (cf.Dt 33.27; SI 55.19). O uso de seu nome da aliança, Iavé, não somentemostra a eternidade de Deus, mas também seu envolvimento ativo nahistória de Israel (cf. Êx 6.2-8). Esse Ser grandioso é personalizado efica mais íntimo quando chamado meu Deus (cf. SI 3.7; 7.1), um Deusreal de poder objetivo, em vez do endeusamento subjetivo da força

deles mesmos, “adorada” pelos babilônios (v. 11). Esse Deus caracteriza-se como meu santo. Sua santidade fornece o fundamento sobre oqual se pode chegar a ele em busca de ajuda (veja SI 22.3). Por causadele e de seu caráter, o profeta e Israel, a quem ele representa, podemdizer:  Não morreremos}   pois o contrário significaria uma quebra daaliança.

1. Na leitura dos m m m , que trazem “levantou seu altar a seu deus”, perde-se arecapitulação.

2. A tradição rabinica vê esse verbo como um exemplo das emendas dos escribas,alterando o impensável “vós morrereis” (veja  idbs,  p. 263-264).  Nâo há nenhumindício nos manuscritos a favor da alteração, e os argumentos não sãoconvincentes.

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Iavé é chamado de Rocha  (cf Dt 32.18; SI 19.14), indicando suaimutável estabilidade. Ele “fundou” a nação babilónica com um

 propósito, a saber, o de executar juízo  e “castigar” (BJ). Dessamaneira, o profeta afirma que o poder criador de Deus levanta e atéutiliza nações que não o reconhecem como Deus. O primeiro propósitoé intencionalmente escolhido para contrapor-se ao lamento deHabacuque em 1.4, que surgiu da aparente falta de justiça. Na realidade, a justiça e a correção redentora (cf. Jó 5.17; Pv 3.12) são esta belecidas pelo próprio Deus, não importando o instrumento que ele

escolha para produzi-las.

13. A citação dos atributos de Deus prossegue com a descrição desua pureza, que é uma total separação do pecado e do mal. As leis de

 purificação de Israel tinham o objetivo de purificar ritualmente o povoda contaminação resultante do contato externo com a impureza (vejaLv 11-12; Nm 19), embora a pureza de coração em relação ao pecado

seja o objetivo maior (veja SI 51.7; Ez 36.25; Hb 1.3; 9.14). Isso é necessário porque Deus rejeita por completo o pecado; fato aqui indicadometaforicamente pela menção a seus olhos, que não suportam enxergaro mal  e a opressão  (SI 5:4-5). Os verbos (“ver” e “contemplar”) e oobjeto direto do segundo verbo (opressão) são aqui tomados do primeiro lamento, no versículo 3. A fé do profeta num Deus santo édesafiada pela realidade de Iavé escolhendo os babilônios como instrumento de punição. Isso leva Habacuque a indagar uma vez mais:  por  quê (cf. 1.3)?.

O conteúdo de seu problema moral encontra-se detalhado nosversículos 136-17. Em termos gerais, é tolerar os traidores (BJ, BLH; “os que procedem perfidamente”, ARA; “os que procedem aleivosamente”, ARC, IBB), que rompem os relacionamentos estabelecidos comDeus ou com os homens. Aqui eles se equiparam ao  perverso  (veja1.4), que, como um animal voraz (cf. Êx 7.12; Jn 1.17), devora o povo

de Judá, o qual, embora peque contra Deus, é mais justo   (cf. 1.4) doque aqueles que são o instrumento da punição divina sobre eles. A palavra “perverso” mudou de referente, deixando de designar os infiéis de Israel para indicar os próprios babilônios (veja “III - OLivro”). O que deixa Habacuque atônito é que Deus se cale diante

 HABACUQUE 1.13

336

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 HABACUQUE 1.1 Sd, 16 

dessa nova série injusta de acontecimentos (cf. Gn 34.5; Et 7.4; SI50.21; Is 42.14) tendo por base seu caráter, tal como o entendiaHabacuque, ele devia estar fazendo algo para corrigi-los.

14-15c. Mas Deus não somente permite que o mal ocorra ao justo(v. 13), como também parece estar ativamente preparando o mal, conforme as imagens e descrições empregadas aqui. Deus faz os homens,i.e., a humanidade em sua totalidade, até mesmo Judá, serem como os 

 peixes do mar  e répteis  (“coisas rastejantes”, RSV), criaturas pré-hu-

manas de Deus (cf. Gn 1.26-28). Dentre os da sua espécie, eles nãosomente não têm quem os governe (cf. Pv 6.7; 30.27), mas estão sob odomínio de outros, a saber, do homem (cf. Gn 9.2; SI 8.6-8).

A analogia do peixe é aplicada ao tratamento dispensado pelaBabilônia a Judá, em que violentamente “puxa-os” (BJ; cf. Pv 21.7)com o anzol  (cf. Jó 41.1; Is 19.8; Am 4.2) e a “rede” (IBB; cf. Ec 7.26;Ez 32.3; Mq 7.2) e os ajunta na sua rede varredoura  (1.9; cf. SI

141.10; Is 19.8; 51.20), símbolos de juízo e conquista não somente noAntigo Testamento, mas também no antigo Oriente Médio, onde se encontram desenhos de cativos vencidos presos em redes.1Arrancar cativos de seu próprio ambiente, de sua terra natal, e exilá-los outransplantá-los em uma região estranha era prática costumeira entre osassírios e babilônios (veja 2 Rs 17.5-6,24; 24.12-16; 25.11-12,18-21).Essa separação da própria terra natal apagava as chamas de rebelião

que poderiam ainda estar acesas, visto ser improvável que alguém lutasse pela libertação de um país que não fosse o seu.

15d, 16. Por ser capaz de explorar os judeus como se fossem peixes, a Babilônia  se alegra e  se regozija.  Com freqüência, emboranão exclusivamente, a razão de tais reações é Deus e seus atos (cf.3.18; SI 9.14; 32.11). Aqui, o orgulho da Babilônia (1.7,11) leva-a arejubilar-se consigo mesma. Como parte desse júbilo e presunção, elaendeusa sua rede  (v. 15), e oferece sacrifício  e queima incenso a ela.As formas específicas dos dois verbos encontrados aqui são freqüente

1. Veja Pritchard, Ancient Near East,  1, ilustração 121, e O. Keel, The Symbolism of  the Biblical World  (Seabury, 1978), p. 90.

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 HABACUQUE 1.17 

mente empregadas para designar a adoração falsa, idólatra (e.g., 1 Rs11.8; 12.32; SI 106.38; Os 11.2 — sacrifício; Jr 44.23; Am 4.5 — in

censo), ainda que nem sempre (e.g., 1 Rs 8.5; 2 Cr 30.22 — sacrifício;1 Sm 2.16 — incenso). Toda vez em que os dois verbos são usados

 juntos, invariavelmente se referem à adoração pagã numa fórmulaquase fixa de condenação (cf. 2 Rs 12.3; 14.4; 2 Cr 28.4; Os 4.13;11.2). De modo que, simplesmente pelas palavras que escolheu,Habacuque está condenando a prática babilónica. A essas redes, não aIavé, atribuíam-se a “luxúria” (RSV, NIV; lit., riqueza,  “gordura”; cf.

Gn 49.20; Is 30.23) e a abundância de comida  (também lit., “gordura”; Gn 41.2; Jz 3.17; a idéia de “comida” é retomada de 1.8) daBabilônia.

17. Retoma-se o questionamento de 1.131, perguntando se “ele”(sujeito oculto que aponta para o rei ou a nação da Babilônia) continuará esvaziando a sua rede2 (veja vv. 15-16) e ainda prosperar comsua opressão. O que vem em seguida é ambíguo. Gramaticalmente éuma referência ao verbo seguinte, “matar” (cf. ARC), mas uma o alteração textual sem muita importância, que se vê como um exemplo deditografia ou duplicação errônea, resulta em que o advérbio se refira aoesvaziar das redes (lQpHab,  BHS, ARA, IBB, BLH). A menção a seguir,da matança sem piedade, que não poupa ninguém, é, portanto, um resumo do tratamento literal dispensado pela Babilônia, o qual já foi ex

 presso nas imagens evocativas da pesca.

V. À ESPERA DE UMA RESPOSTA (2.1)

Tendo em vista suas perguntas a Deus e sua crença na fidelidadedele, Habacuque, empregando terminologia militar, aguarda a respostade Deus, “o que ele pode me dizer”. Ele se põe de vigia (cf. Is 21.8;Ez 33.7), tomando posição a fim de manter-se alerta (cf. SI 5.3; Mq

1. lQpHab traz a frase como uma afirmação e não como uma pergunta, comotambém o fazem outras traduções, de forma que o texto permite ambas as leituras,mas o TM leva naturalmente a 2.1, onde se espera uma resposta.

2. lQpHab traz “desembainhar a espada’ (veja b l h ), devido a um pequeno erro deleitura por parte de um copista.

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 HABACUQUE 2.23

7.7), à espera da resposta de Deus. Essa vigilância atenta é uma dasfunções do profeta, o qual, à semelhança de uma sentinela, deve se

colocar de guarda contra a possibilidade de o povo de Deus ou seuslíderes se afastarem dos parâmetros da aliança de Deus (cf. 2 Sm 12; 1Rs 17-22; Am 7.8,9). Habacuque, contudo, olha em outra direção. Eleespera para ver como Deus agirá à luz da estipulação encontrada naaliança, da qual ele também é um dos signatários, de que o pecado necessita de punição (Dt 28.15-68). O profeta não apenas aguarda a res

 posta divina, mas também aguarda para ver como ele próprio reagirá,

como ele próprio responderá (cf. IBB) no diálogo com Deus. Umaemenda proposta, sem apoio textual, e, assim, com poucos méritos, lêo texto como se ele buscasse saber de que forma o próprio Deus res ponderia (cf. BHS).

VL A SEGUNDA RESPOSTA DE IAVÉ (2.2-20)

Com base nas perguntas de Habacuque acerca da conveniência de

utilizar um instrumento violento e pagão para punir o povo de Deus,Iavé fala da destruição, cada vez mais próxima, da Babilônia. Isso pormeio de uma visão (w. 2-3), que inclui cinco cânticos que insultam ouridicularizam os caldeus.

a. Uma visão (2.25)

i. Anúncio (2.23).  Iavé responde a Habacuque, tal como ele es

 perava (v. 1) — contudo, não para benefício exclusivo do profeta, mastambém para a informação de outras pessoas. Habacuque recebeu instrução de escrever de modo claro a visão (“revelação”, NIV), para que pudesse ser preservada e transmitida, visto que sua mensagem não teria cumprimento imediato (cf. Is 30.8). Haveria de ocorrer no tempo designado,  aquele escolhido por Deus, e não antes. O propósito deDeus está-se revelando em seqüência e em ordem, no curso dos acon

tecimentos históricos. A história não é cíclica, não é uma constante recorrência de acontecimentos numa repetição fútil; antes, é linear.Está-se encaminhando rumo ao alvo, que é o dia do Senhor e o esta belecimento do reino de Deus. Acontecimentos históricos específicosou momentos determinados como esse são especialmente significa

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 HABACUQUE 2.23

tivos no progresso rumo a esse objetivo final. Conquanto essa mensagem de Deus talvez não tenha cumprimento imediato, Habacuque

está seguro de que se cumprirá no momento escolhido pelo próprioDeus.

A mensagem devia ser escrita sobre tábuas,  i.e., tábulas, suportecostumeiro de escrita entre os babilônios, embora não desconhecidoem Israel (cf. Êx 24.12; Dt 4.13; 1 Rs 8.9). Aparentemente, a escolhado suporte se devia à sua durabilidade, o que era imprescindíveldevido à possível demora do cumprimento. É escrita “a fim de que

aquele que a lê possa correr”, mas a interpretação disso é incerta.Talvez se tratasse de transeuntes, que teriam condições de ler a mensagem enquanto passassem pelo local e então a transmitiriam, informalmente àqueles com quem se encontrassem, ou talvez significasseum “arauto”, cuja função específica seria espalhar a mensagem portodo o país (assim traduzem a NEB e a Niv; veja também BLH marg.).

 No contexto da cruel opressão babilónica e do resultante abatimentodo povo de Deus, essa deve ser uma mensagem revigorante de esperança para reanimar os deprimidos a “correrem”, como o fazem o poder e a presença de Deus em outra passagem de conforto em face do poder babilónico (veja Is 40.31).

 Não se explicita o conteúdo da mensagem, mas deve conter es perança para aqueles que a lêem. Já se deram várias opiniões quanto aoseu conteúdo,1 mas não há nenhuma certeza. Talvez esteja em vistatoda a profecia encontrada atualmente em Habacuque, uma mensagem

de esperança para o povo escolhido, mensagem que surge da próprianatureza de seu Deus.2

O profeta deve conter sua impaciência (cf. 1.2) e esperar queDeus atue à sua própria maneira, no devido tempo. Deve ser como alguém que aguarda juízo (cf. Sf 3.8) ou bênção (cf. SI 33.20; Is 64.4).Ainda que adiado, o fim é  certo, i.e., o cumprimento da palavra deDeus (cf. 2 Pe 3.3-9).

1. Veja Johnson, “Paralysis of the Torah” , p. 259.2. Veja 1:1, onde a mesma raiz hebraica é utilizada para descrever o livro.

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 HABACUQUE 2.4

ii. Vida e morte (2.45). O triunfo da fidelidade é contrastado coma agitação arrogante e a falta de realização daqueles que não dependem

de Deus. A centralidade da fé é retomada no Novo Testamento (cf. Rm1.17; G1 3.11; Hb 10.38), tomando-se o estímulo que levou Lutero areexaminar sua própria teologia (veja “IV - A Mensagem”), com vastas conseqüências para a Reforma. Também forneceu a resposta para o problema moral apresentado em 1.13.

4. Faz-se um contraste entre o justo   (veja 1.4,13) e uma pessoa

não identificada cuja alma (“desejos”, Niv) não é reta,  tendo-se desviado da norma moral (cf. Dt 12.8; SI 32.11; Is 26.7). Com base nocontexto, este último são os babilônios opressores de Judá, cuja alma“se incha” (ARC) e é soberba' (ARA, IBB; cf. 1.7,10,11). Essa justiça

 própria babilónica, que busca os seus próprios fins, não apenas conduzao orgulho e aos atos pecaminosos dos versículos seguintes, mas tam

 bém leva à morte (cf. Pv 14.12; 16.25). Em contraste com a vida que

espera pelo justo, essa morte é o fim implícito, não declarado, deles.Essa almejada preservação da vida ocorrerá com Judá caso ele demonstre fé ,  aguardando com paciente certeza que Iavé aja conforme prometeu no versículo 3. Embora todas as probabilidades possam estarcontra eles, em vista da Babilônia aparentemente todo-poderosa, Deusvindicará seu povo dando-lhe vida, em termos tanto temporais (emcontraste com os babilônios, que logo desapareceriam do cenáriomundial, veja “III - O Livro”) quanto escatológicos. Nesse contexto, avida prometida é política e nacional, em contraste com o iminente fimdo país opressor.

O hebraico deixa um pouco ambígua a questão de quem possui afé ou fidelidade em questão. A leitura mais objetiva é a adotada acima,em que o justo é o sujeito; ele demonstra fé. Outra interpretação atribuia fidelidade a Deus, que dá vida em decorrência das promessas de suaaliança de preservar o seu povo. Pode ser essa a leitura que levou a

l x x a modificar o pronome para “minha fé/fidelidade” nesse contexto

1. Veja Nm 14.44, onde um verbo da mesma raiz indica a presunção arrogante. Aforma feminina da palavra hebraica que aqui aparece pode concordar com “ alma”,tomando desnecessária a emenda proposta em b h s .

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 HABACUQUE 2.4

de Deus dirigindo-se ao profeta. Outra leitura da LXX remete esse pronome a “meu justo”, que viverá por causa da fé. Aparentemente é assim que entende o escritor de Hebreus, que incentiva aqueles queestavam desanimados devido à demora da volta de Cristo (Hb 10.38),dizendo-lhes que perseverassem, confiando em Deus de que “aqueleque vem” (Hb 10.37, uma revocalização de Hc 2.31) por fim chegará.A idéia de uma chegada iminente é partilhada por Habacuque e He breus, mas a mensagem mais geral do primeiro encontra-se personalizada no último como o Messias.

Há duas citações dessa passagem nas epístolas de Paulo. Em Romanos 1.17, Paulo discute a retidão que é imputada ou dada por Deussomente com base na fé. Esse é o evangelho, a boa notícia dirigida atodos (Rm 1.16), de que, pelo fato de crer em Deus, persuadido de quesuas promessas da aliança são confiáveis (veja Hc 2.4), a pessoa é considerada justa (veja Rm 3.22; 4.11,13; 5.1 e outras passagens) e recebea vida. A ambigüidade em tomo da questão da justiça permanece na

construção gramatical de Romanos, mas o contexto deixa claro queaqui ela é um dom de Deus, não um atributo dele; aqui a justiça não ocaracteriza, mas é, antes, outorgada por ele.

A ambigüidade fica ainda mais claramente solucionada emGálatas 3.11, pois lá Paulo contrasta possíveis fontes de justiça. Emvez de uma justiça própria, alcançada mediante atos piedosos, a saber,mediante “a lei”, que a ninguém justifica (i.e., ninguém se toma justo

diante de Deus mediante a observância da lei), a fonte verdadeira é afé, uma entrega de coração à fidelidade de Deus. O referente é tãoclaro que Paulo nem mesmo emprega pronome — simplesmente a fé(aquela que o filho de Deus tem nele) é que é eficaz.

Embora o conceito da imprescindibilidade da fé, uma atitude docoração em vez de ações exteriores, seja potencialmente ambíguo emHabacuque, não é estranho ao Antigo Testamento (cf. Gn 15.6; Am5.21-24). De sorte que o evangelho pregado com tanta diligência porPaulo faz parte da antiga aliança tanto quanto da nova. Vê-se que, na

1. Em vez do bõ ’ yãbõ',   “certamente virá” do TM, em 2.3, Hebreus personaliza aforma, revocalizando o infinitivo como um particípio (bã ’ yãbõ  ’, “ aquele que vemvirá”).

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 HABACUQUE 2.5

realidade, é ilusória a falsa dicotomia “Antigo Testamento = Lei; Novo Testamento = Graça” .

5. Depois do interlúdio da esperança viva para o fiel (v. 4),Habacuque olha de novo (“além disso”, IBB)  para seu oponente, anação arrogante  (cf. Pv 21.24), orgulhosa, que se compraz em seus próprios poderes (cf. 1.7,10-11,16; 2.4). A Babilônia está bêbada devinho,  que é parte dos despojos de guerra (cf. 1 Sm 30.16; 1 Rs20.12,16; Is 5.11,12,22).' Sua embriaguez (tanto literal quanto figu

rada), com a vitória subindo-lhe à cabeça, ao mesmo tempo em que incentiva seus “heróis”, na realidade os debilita, e o vinho revela-se“traidor” (IBB; cf. Pv 20.1; 23.21,29-35; Is 28.7). A Babilônia é associada ao vinho e à embriaguez em outras passagens (cf. Jr 51.7; Dn5.1-30). Um objetivo das conquistas é encontrar espaço para expandire instalar os seus rebanhos e manadas, de modo que possam multiplicar-se. A Babilônia, contudo, não conseguirá instalar-se nem “encon

trar pastagem” (“não permanecerá/permanece”, BJ, IBB)2, de modoque seus objetivos serão frustrados por Deus.Em seguida, numa série de quatro orações, a primeira das quais é

uma oração que principia com “ele” (IBB), o arrogante é descrito commais detalhes. É voraz e “insaciável” (BJ; “nunca se pode fartar” , IBB;

cf. Pv 30.15,16; Is 9.20; Ez 16.28,29), devorando seus inimigos comoo “Seol” (IBB, BJ; “o sepulcro”, ARA, ARC), i.e., o lugar dos mortos(veja BLH, cf. Nm 16.30; SI 49.14; Is 5.14), e como a própria morte (cf. Pv 27.20; Ez 31.14). Essa insaciabilidade é identificada com suaconquista de nações  e povos,  todos os quais são ajuntados como sefossem grãos na colheita (cf. Êx 23.10; Dt 11.14; Rt 2.7). Esse desejode expansão e conquista, retomado de 1.15-17, é desenvolvido e con-

1. Os mmm trazem “riqueza” que engana (cf. BJ, blh), que se encaixa no contexto decobiça existente nesse versículo, mas, uma vez que “vinho” também faz sentido,não há motivo que nos force a modificar o texto. Há muito menos indícios textuaisapoiando a modificação do texto para “ai” (bhs),  forma hebraica parecidaempregada cinco vezes no capituJo (vv. 6,9,12,15,19).

2. Esse verbo só aparece essa vez na Bíblia, mas substantivos da mesma raiz denotam pastagens e locais de habitação (cf. 2 Sm 7.8; SI 23.2; Is 32.18; Jr 10.25; Am 1.2).Isso será negado à Babilônia.

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 HABACUQUE 2.6 

denado em 2.6-7. Esse versículo serve, portanto, de transição para a próxima parte da mensagem de Deus a Habacuque.

b. Ais sarcásticos (2.620)

 Numa série de cinco oráculos distintos, com ais,  zomba-se daBabilônia. Judá não está pranteando a queda iminente de seu suserano,mas emprega a forma literária de um pranto para ridicularizá-la. Em bora ela parecesse invencível quando Habacuque falava, o poder deDeus a derrubaria em 539 a.C. (veja “ III - O Livro”). Cada oráculo dá

em detalhes os crimes perpetrados e as diferentes reações a eles.

O saqueador (2.68).  6. Servindo de introdução aos oráculosque se seguem, a primeira linha estabelece o seu tom de desprezo(BLH; “sátira”, BJ). As três palavras empregadas aqui, “sátira”, “epigrama” e “enigma” (BJ marg.), são empregadas com maior freqüênciana literatura e no ensino de sabedoria. Portanto, aqui a Babilônia servede lição objetiva do tipo proverbial sobre aqueles que ultrapassam oslimites de Deus.

O primeiro oráculo propriamente dito principia no versículo 6b com um ai  característico que se encontra em todos os outros quatro(w . 9,12,15,19). Tal expressão é freqüentemente empregada em cantosfúnebres (cf. 1 Rs 13.30; Jr 22.18; 34.5; 48.1), dos quais estes são

 paródias (veja também Is 14, que, embora não inclua um “ai” , échamado de zombaria, v. 4).1

O primeiro ai é dirigido àqueles que adquirem bens desonestamente. Os dois meios de aquisição envolvem jogos de palavras emhebraico, o que é uma das características dos ditos sapienciais hebraicos (veja v. 6a). O primeiro envolve um acúmulo de bens que não sãoseus, quer por meio do roubo quer mediante a fraude. O jogo de

 palavras envolve homonímia (veja 1.6).2 O segundo meio é a extorsãomediante o acúmulo de penhores (cf. Dt 24.10-13). Tais itens são em

1. Para uma comparação mais detalhada dessas duas passagens, veja D. E. Gowan,The Triumph ofFaith in Habakkuk  (John Knox, 1976), p. 61-62.

2. Um jogo com o som semelhante de duas palavras diferentes, no caso tõ’elô.

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 HABACUQUE 2.8

 pregados como garantia no caso de falta de pagamento de um em préstimo. Era muito freqüente confiscá-los prematuramente ou sem le

var em consideração as necessidades do endividado. Às vezes essa prática conduzia à escravização dos pobres que necessitavam tomardinheiro emprestado (cf. Ne 5.1-5), visto que o último bem ou garantiaque alguém poderia oferecer e perder seria a sua própria pessoa. Pode-se ler penhores como uma combinação de duas palavras hebraicas como sentido de “nuvem de poeira” (veja “argila grossa”, AV; MMM), um

 jogo de palavras entre a impureza do pecado e o pântano devorador aque a dívida forçada conduz, condição da qual a pessoa não se libertafacilmente. O caráter odioso da extorsão é indicado pelo grito apavorado: “Até quando? quando isso acabará?”.

7. A punição está à altura do crime, e as vítimas serão vitoriosas.A extorsão se tomará tão grande que no fim, de repente, despertarão de sua letargia apática e elas mesmas “sacudirão” ( n e b ) o  opressor.As vítimas são definidas como “devedores” (credores, ARA, BJ), numa

referência aos pobres explorados do versículo 6b, dos quais foram co brados juros exorbitantes (cf. Dt 23.19-20). Uma leitura literal, aqui,do conceito de juros é “dar uma mordida” em alguém (veja ARC), umaidéia e expressão que, infelizmente, nos é por demais familiar hoje emdia.

8. A relação de olho-por-olho entre o crime e sua punição é ex

 plicitamente mencionado no saque feito nos saqueadores. Todos osque foram feridos e sobreviveram, mesmo que somente na condição deremanescentes (BJ), incluindo os devedores do versículo 7, se levantarão contra os destruidores de países e povos. Isso poderia significarviolência e derramamento de sangue literais, ou a prática da usura poderia estar sendo metaforicamente comparada com o ato de sugar osangue, como se usa dizer atualmente.

ii. O conspirador (2.911). O  segundo oráculo condena nãosomente a exploração que visa ao ganho pessoal, mas também a quetem por objetivo o engrandecimento nacional ou dinástico.

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 HABACUQUE 2.9

9. Esse ai  (veja v. 6) é dirigido àqueles que buscam bens,  não porque isso seja em si errado, visto que o conceito é moralmente neu

tro (cf. Jó 22.3; SI 30.9 [v. 10 no hebraico]; Mq 4.136; Ml 3.14), mas porque freqüentemente eles são mal adquiridos  (“injustos”, b j ; cf. 1Sm 8.3; Pv 1.19; Jr 6.13). Um jogo de palavras baseia-se na repetiçãoda mesma raiz hebraica,1a qual pode ser traduzida por “pegar a sua

 parte” . A culpa da nação por esse pecado revela-se pelo fato de seu beneficiário ser a sua própria casa  ou “dinastia”. Há um jogo de palavras entre esse sentido de sucessão real e o outro uso, mais

comum, de habitação física (cf. 2 Sm 7.5,11,16). O lugar de sua habitação tomar-se-á invulnerável, tal qual um ninho posto em lugar alto (cf. Nm 24.21; Jó 39.27,28; Ob 4), a fim de livrar-se de todo tipo demal  (“calamidade”, IBB; “desgraça”, BJ) que eles procuram infligir.

10-11. Em vez de alcançar sua invulnerabilidade arrogantemente pretendida (v. 9), a trama (“planos” , b l h ), que buscava aniquilar outros povos, destruindo a própria vida e existência deles com o intuito

de explorar suas terras e posses, trará vergonha à sua própria “dinastia” (casa, cf. v. 9), em nome de quem as injustiças foram cometidas.

Tentando fazer mal aos outros colocam “a sua própria vida em perigo” (BLH). O verbo  fiãtã’,  aqui empregado, (“perdendo”,  NIV) dáa idéia de estar em erro devido a alguma falta (cf. Pv 8.36) e à culparesultante (cf. Gn 43.9; 1 Rs 8.46). Mesmo a criação inanimada, o

 próprio material para a construção da “casa” projetada (veja vv. 9-10),clamará em protesto diante da injustiça perpetrada a fim de beneficiá-la (cf. Jr 22.13-17).

iii. O promotor de violência (2.1214).  12. Os próprios alicercesdo cerne da sociedade estão fundados sobre o sangue (cf. BLH; cf. v. 8;

 Na 3.1, em referência específica a Nínive; Mq 3.10, a Jerusalém) e a

“iniqüidade” (cf. Is 59.3; Mq 3.10). As formas utilizadas aqui são ad jetivos verbais, mostrando que as ações não são isoladas, mas caracterizam aqueles que as realizam.

1. bosea' besa

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 HABACUQUE 2.15

13. Aqui, a descrição da punição ou é tomada emprestada da profecia de Jeremias, feita na mesma época, ou nela se reflete (Jr 51.58).

Em Jeremias a profecia também se refere à iminente destruição daBabilônia. Todos os esforços de construção e autoengrandecimento não terão valor duradouro algum e literalmente se desfarão em fumaça.Tais juízos são certos, por serem vindos de “Iavé dos exércitos”, oDeus guerreiro, que luta a favor de seu povo (3.8-15; cf. 1 Sm 17.45; 2Cr 20.15— 17; Is 47.4).

14. O clima deprimente dos ais anteriores e posteriores quebra-secom um raio de luz que brilha em meio às trevas do interesse pessoal.

 Não apenas acontecerá de a opressora de Judá, a avara Babilônia, ser julgada, mas o conhecimento, a compreensão e o reconhecimento deIavé e de sua presença encherão a terra  (cf. Nm 14.21; Is 6.3), permeando todos os lugares como água.  O conhecimento teórico não ésuficiente, mas, sim, um encontro íntimo com o Deus da aliança, o queresulta num viver ético (cf. SI 36.10; 91.14; Pv 3.5-6; contraste com Is

1.3-4; Os 4.1-2,16). Esse versículo, uma citação modificada da descrição do reinado messiânico pacífico, feita por Isaías (Is 11:9), elevao oráculo, que deixa de ser uma simples referência à derrota daBabilônia, atingindo o nível de escatologia. Nos últimos dias, Deusagirá poderosamente, trazendo seu reino a toda a criação. A violênciada Babilônia será por fim substituída pela tranqüilidade de Deus, aqual será desfrutada universalmente. O aspecto específico que se res

salta em Iavé, embora não mencionado no original de Isaías, é a sua glória, o aspecto externo do ser divino, sua majestade real e seu podertemível (cf. Êx 40.34; SI 63.2) — o Deus ilimitado, em contraste coma humanidade limitada, avarenta. O triunfo derradeiro desse Deus

 poderoso sobre o homem ímpio, tema que começa aqui, é tratado emmaiores detalhes no capítulo 3.

iv. O depravador (2.1517).  15. Agora a Babilônia é condenada por levLr outros, o seu companheiro, à depravação ao fazê-los ingerir bebida alcoólica. No hebraico a segunda oração tem um texto difícil, parecendo misturar uma palavra dirigida à Babilônia com outradirigida a Iavé, visto que traz “aquele que derrama a tua ira”, forma

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 HABACUQUE 2.16 

sempre associada à ira de Deus no juízo (cf. SI 79.6; Jr 10.25), o quenão se encaixa neste contexto. O texto de Qumran traz “sua [dele]

ira”, referindo-a aos babilônios, o tema do contexto imediato. Algunsentendem a oração como um erro de duplicação de uma letra, um sim ples erro de cópia, que, suprimida, resulta na idéia de fazer beber “ [d]ocopo” (BLH; “odre”, ARC), palavra em outros lugares associada à em briaguez (cf. Zc 12.2). Embora não dispontía de apoio textual, aemenda encaixa-se bem no contexto.

O propósito de levar outros à bebedeira é ter uma visão lasciva de“sua nudez” (IBB, ARC, BJ). Exibir alguém nessa condição era uma

forma de punição (cf. o comentário sobre Na 3.5, e as referências aliexistentes). Observar inadvertidamente a nudez e não ter uma atitudede respeito diante dela foram tratados com dureza no caso de Noé eseu filho Cão (Gn 9.22-27), em que a embriaguez também teve partici

 pação (Gn 9.21). A condenação da Babilônia é maior, visto que suaação foi deliberada, não acidental.

16. Como punição apropriada por tentar corromper seus vizinhos,o país ficará “coberto de vergonha” (BLH; cf. ARA). A Babilôniaestava tentando glorificar-se a si mesma enquanto corrompia outros,mas isso não acontecerá, pois a nação já bebe (veja v. 15) e, bêbada,revelará sua própria nudez (nessa linha traduzem ARA, BJ). Uma inversão de duas letras hebraicas resulta, por outro lado, em Babilôniacambaleando (PIB),1 o que tem sentido lógico e também algum apoio

em manuscritos (Qumran, LXX, Sir., Vulg.; cf. Zc 12.2). Esta últimainterpretação ganha apoio mediante a justaposição de formas da palavra hebraica com um cálice de Iavé (Is 51.17,22; cf. Zc 12.2). Enquanto a Babilônia utilizava um cálice literal de bebida alcoólica, Javéutiliza um cálice figurado, estendido por sua mão direita.  Tal cálicecontém a ira e o juízo de Deus (cf. SI 75.8; Lm 4.21; Ez 23.33; Lc22.42). O versículo conclui com uma redisposição das palavras de suaoração inicial, fazendo um trocadilho sobre a ignomínia,  i.e., a vergonha da Babilônia.2 Uma leitura alternativa dessa palavra final per

1. v‘he'arêl  (tm ), para ser lido v‘hera‘el.2. qãlôn no inicio do versículo e qíqãlôn aqui.

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 HABACUQUE 2.1819

mite uma interpretação possível associada com “vômito” (veja ARC),1

resultado natural do excesso de bebida (cf. Jr 25.27).

17. A Babilônia cometeu violência (veja 1.9) não somente contraJudá, mas também sobre outras nações conquistadas, das quais o Líba-no,  que historicamente deve ter sentido o abuso cruel por parte daBabilônia após a batalha de Carquêmis, em 605 a.C. (veja “II - A Época”). O Líbano, afamado por sua vegetação luxuriante e florestas im ponentes (cf. SI 72.16; Os 14.5-7), pode muito bem ter sido usadometaforicamente aqui, ao dizer que os babilônios chegaram a desnudaras terras, antes cobertas de árvores. Essa interpretação metafórica temapoio no contexto, uma vez que também se diz que a Babilônia, emsua selvageria, além de derramar o sangue dos homens, chegava a destruir animais e mesmo a própria terra. Recebem condenação não apenas atrocidades entre os seres humanos, mas também os excessosecológicos.

v. O idólatra pagão (2.1820).  A Babilônia busca seu próprio bem-estar não apenas mediante a violência e o saque, mas também pormeio do recurso a ídolos impotentes. Na forma, o oráculo difere ligeiramente dos quatro anteriores pelo fato de que o “ai” específico ocorreno meio (v. 19) e não no início (vv. 6,9,12,15). Não há base nosmanuscritos para inverter a ordem dos versículos 18 e 19, conformefaz a BJ. Aqui se demonstra juridicamente futil apelar a ídolos, devido

à sua incapacidade de ajudar.

18-19. Os babilônios, com o intuito de alcançar revelação e a orientação divinas, inventaram ídolos. Empregam-se três palavras distintas para designar os deuses falsos, feitos pelo homem, embora nessaépoca as diferenças iniciais na nuança das palavras talvez estivessemobscurecidas. As primeiras duas dizem respeito à sua forma de fabri

cação, aquelas esculpidas (IBB, BJ, ARC) em madeira ou pedra (2 Rs21.7; Is 45.20) e aquelas fundidas em metal (Êx 32.4; Lv 19.4; cf. Is

1. Com a leitura qi ’ qalôn, “vomitar de vergonha” .

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40.19). A terceira palavra é um trocadilho com a palavra costumeira para o Deus de Israel ( ’elõhim), em que eles são chamados de ’elilim, literalmente “coisas sem valor” (Jr 14.14; cf. Jó 13.4; Zc 11.17). Essesobjetos, que se esperava fornecessem orientação oracular, são, na realidade, mudos. Quem neles confiar, invocando-os em busca de resposta,ficará decepcionado, visto que não têm vida nem respiram (cf. SI135.15-17). Em vez de encontrar uma fonte que mostre a verdade,quem se acerca dos ídolos encontra um mestre de mentiras  (cf. Is9.15), algo que não somente não realiza a função pretendida, mas na

realidade leva seus adoradores ao erro, afastando-os do Deus verdadeiro, que se revela a si mesmo (cf. 1 Co 12.2).

20. Em compensação, a verdadeira fonte de revelação está presente naquele lugar onde sempre esteve, em  seu santo templo  (cf. SI11.4; Mq 1.2). A pessoa aproxima-se de Iavé em silêncio, atitude adequada diante de sua santidade e majestade e sinal de respeito diante do

ser divino — dependência de sua graça e submissão à sua vontade (cf.SI 46.10; Is 41.1). Requer-se esse silêncio não apenas de Judá, mas detoda a terra, a qual por fim reconhecerá Deus como o verdadeiro ou-torgador de conhecimento (cf. Sl 22.7; Is 2.2-3). Isso contrasta com aatividade frenética do homem de criar “deuses que falam” e com osgritos clamorosos dos adoradores para fazer os ídolos mudos falarem,ídolos sem vida, dos quais as pessoas se acercam clamando, permanecem calados, ao passo que o Deus vivo, do qual se acercam em silên

cio e reverência, fala.O versículo fornece uma ponte para a importante seção seguinte

da profecia, em que ela se volta para o que é positivo, i.e., olha paraDeus, depois de dar atenção ao que é negativo, o pecado da Babilônia.

v n . O SALMO DE HABACUQUE (3.1-19)

 Na forma canônica do livro, Habacuque reage às respostas que

Deus dá às suas perguntas, fazendo uma oração. Ele glorifica Deus porsua pessoa (vv. 2,36, 4) e por seus atos na criação (w. 3a,  5-15). Emreação à sua experiência da presença de Iavé, Habacuque faz uma dasmais tocantes declarações de fé e confiança encontradas nas Escrituras(vv. 16-19).

 HABACUQUE 2.20

350

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 HABACUQUE 3.2

a. Comentários musicais (3.1,19b)

O capítulo principia e termina com observações técnicas queencontram estreita correspondência no conjunto da literatura litúrgicaencontrada nos salmos e que indicam que, durante algum tempo, podeter circulado separadamente do restante do livro (veja “ III - O Livro”).É chamado de oração, palavra que encabeça os salmos de lamento oude petição (SI 17.1; 86.1; 90.1; 102.1; 142.1; cf. SI 72.20). Atribui-se aHabacuque a autoria ou pelo menos alguma relação com a preser

vação do salmo (veja 1.1). Também se diz que o salmo está “sobreSigionote” (ARC; “no tom das lamentações”, BJ), expressão rara (SI7.1) usada somente em casos de total dependência da fidelidade deDeus. É tocado com instrumentos de corda  (SI 4.1; 6.1; 54.1; 55.1;67.1; 76.1), talvez uma harpa (cf. 1 Sm 16.16-23), e sob a regência deum músico profissional, alguém que aparece no título de 55 outrossalmos.

Outra notação ( selãh), existente apenas na literatura dos salmos,encontra-se três vezes neste capítulo (vv. 3,9,13). Talvez seja umaorientação musical ou litúrgica, mas seu significado é desconhecido.

b. Petição (3.2)

Com base no “relato” (RSV) do que Iavé fez no passado, o sal

mista reage de duas maneiras. A expressão me sinto alarmado (“temi”, IBB, ARC, BJ) revela sua reação pessoal diante do poder e dasoberania do Deus criador e sustentador (cf. Gn 22.12; SI 15.4; Pv 1.7;Is 50.10), em quem não pode deixar de confiar e a quem não podedeixar de obedecer. Alguns invertem a ordem de duas letras hebraicas,resultando em que o salmista “vê” a obra de Deus (cf. PIB,  bhs  ).  Masencontra-se pouco apoio apoio nos manuscritos a favor da mudança.Além do temor, o escritor espera que aquele que agiu poderosamente

no passado (cf. 1.12) assim proceda no presente, agora, “no meio dosanos” (IBB, ARC; “em nosso tempo”, BJ), mediante o cumprimento das

 promessas dos capítulos 1—2. Os atos passados devem ser “avivados”(cf. a idéia de tomar a fazer, na BLH) de modo que a obra de Deus,

 junto com ele próprio, possa uma vez mais tomar-se conhecida  (cf.

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 HABACUQUE 3.2

2.14).1Essa obra de Iavé na história está descrita nos versículos de 3 a15, sob aspecto de poder e julgamento.

A ira  e o juízo trovejantes não constituem a essência total deDeus, embora façam parte da revelação de seu ser e reflitam sua atitude para com aqueles que quebram a sua aliança, e, dessa forma, se

 jam inevitáveis no contexto atual que o profeta apresenta de uma naçãoímpia (veja 1.2-4). Ele também é um Deus què demonstra misericórdia àqueles que obedecem às suas leis (cf. Êx 34.6; Dt 4.31; 30.3). Emmeio à punição lançada sobre os adversários de Deus e de sua lei, se

 jam eles seu próprio povo (cf. 1.2-4), sejam eles seus inimigos (cf. 2.2-20), Habacuque suplica a Deus que se lembre do lado misericordiosode seu caráter e também o manifeste. Essa expressão é empregada emoutras passagens para designar a graça da aliança de Deus, graça estaque é manifesta às pessoas que o reconhecem (cf. Gn 8.1; 9.15; Ne 1.8;Jó 14.13; Lc 1.54,72). O amor de Deus é tão forte que, mesmo quandoé ostensivamente desconsiderado, abandonado ou rejeitado, ele é levado a amar, tal qual o marido em relação à esposa ou a mãe em relação ao filho, a despeito das ações do outro (cf. Is 1.2,18-20; Os11.8-11). Os erros são reais, mas igualmente o são a compaixão e o desejo de perdoar, caso a “condição” para a restauração — interesserenovado por conhecer Deus — esteja presente, permitindo que se dêvazão aos vagalhões de sua misericórdia. Essa misericórdia é descritana parte final do salmo (vv. 16-19). Assim, o versículo 2 serve de síntese da mensagem do livro e de oração, oração esta que todos hoje ne

cessitam fazer ao Deus eternamente justo, mas também eternamentecompassivo.

1. A LXX dá origem à tradição de animais ao redor da manjedoura em Belém aoaparentemente trazer “no meio de duas criaturas vivas (stínayim hayyím)  serásconhecido”, em vez de “no meio dos anos será avivado (shãnim hayyêhü),  nomeio dos anos farás saber”. Isso é resultante de interpretações alternativas devocalização e da elisão de duas palavras repetidas, mas o hebraico é perfeitamenteaceitável e não requer emenda.

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 HABACUQUE 3.34

c. A poderosa presença de Deus na história (3.315)

O poder de Deus expressa-se nesse salmo sob o aspecto de duasdiferentes manifestações do seu caráter. Sua vinda é descrita na linguagem de teofania, em que a aproximação e a chegada de Deus sãoexpressas sob o aspecto de extraordinários fenômenos da natureza (w .3-7; cf. Êx 3.1-5; 19.16-19; 24.15-17; 1 Rs 19.11-12). Ele também édescrito como o Guerreiro Divino, que luta tanto contra os elementosda natureza como contra os inimigos de seu povo, por amor de seu

nome e de seu reino (vv. 8-15; cf. Êx 15.1-18; SI 24.7-10; 68; Is 34.1-15; 51.9-10). Os dois temas estão intimamente misturados no salmo

 por meio do vocabulário e das referências históricas feitas.

/'. A vinda de Deus (3.37).  A partir de sua posição no meio dahistória israelita (veja v. 2), o salmista olha para o passado, para osatos poderosos de Deus no êxodo, e pondera sobre o futuro.

3-4. A vinda de Deus é expressa primeiramente em termos quefazem lembrar a teofania no monte Sinai.  Deus  (Habacuque está em pregando a antiga forma poética ’elôah; cf. Dt 32.15,17 e especialmente Jó, em que ocorre mais de 40 vezes) é descrito como o Santo (cf. 1.12), forma associada em outras passagens com o poder de Deusno êxodo (cf. Lv 11.44-45). Ele “vem vindo” (BLH) de Temã,  localidade em Edom ou Seir (cf. Jr 49.7,20; Ob 9) e do monte de Parã, tam

 bém em território edomita (cf. Gn 21.21; Nm 10.12; 12.16). Essaregião de Edom/Seir, e especificamente de Parã, tem profundas ligações com o avanço de Iavé para ajudar Israel no êxodo e na conquista (cf. Dt 33.2; Jz 5.4-5).

As manifestações externas do ser divino são detalhadas tal comoteriam sido percebidas por aqueles que viram esse avanço. A luz de

sua glória é descrita como resplendor  (ARA, IBB, ARC; “glória”, BJ; cf.Jó 37.22; 40.10; SI 104.1-2), brilhante (cf. Pv 4.18; Is 60.3) como raios gêmeos1 (cf. Êx 34.29,30,35). Esta última palavra também é usada

1. Forma gramatical hebraica que indica dualidade.

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 HABACUQUE 3.6 

 para designar “chifres” (BJ, marg.; cf. 1 Sm 16.13; 1 Rs 22.11), quesão eles próprios símbolo de força e poder  (cf. 1 Sm 2.10; Lm 2.3,17),

idéia que também se encontra nesses versículos. Isso pode ser um trocadilho deliberado com esses dois significados, fazendo correspondero resplendor da vinda de Deus com o seu grande poder, o que aindaserá detalhado. Esse esplendor e o louvor   a que dá origem inundamtoda a criação (os céus e a terra; cf. Gn 1.1; SI 104.2-5).

5. Em seu avanço, Deus é acompanhado por peste  e pestilência. Esses fatores estiveram associados com o êxodo (cf. Êx 9.3,15; SI78.48,50) e com o encontro de Deus com Israel no monte Sinai (cf. Êx5.3; Nm 14.12). No antigo Oriente Médio, as pessoas importantesestavam acostumadas ate r a companhia de ajudantes (cf. 1 Sm 17.7; 2Sm 15.1). Assim, aqui Iavé tem seus dois ajudantes personificados,que estão sujeitos ao seu controle (cf. SI 91.6), exemplificando o seu

 poder. Os dois são também divindades cananéias, aqui conduzindo auma polêmica oculta contra a adoração pagã, visto que não são seres

divinos com existência própria, mas, sim, manifestações físicas agindosob a ordem de Iavé (cf. esse mesmo tipo de “desmitologização” dosdeuses estelares em Gn 1.16).

6. Assim como a natureza entrou em convulsão quando Iavé encontrou-se com seu povo (Êx 19.16-19), da mesma forma, agora, suaaproximação conduzirá a terremoto1 e a um tremor de medo (cf. Jó

37.1) entre as nações.  Isso alarga muito mais os acontecimentosespecíficos do êxodo e da peregrinação no deserto, visto que os montes e os outeiros são eternos e permanentes (cf. Gn 49.26; Dt 33.15). Elessimbolizam o que dura séculos e será afetado pelo Deus permanente eeterno (cf. SI 90.2) em todos os seus caminhos. Esse versículo volta-se para os aspectos cósmicos e escatológicos da vinda de Iavé (cf. SI97.4-5; Is 29.6; J1 3.16; Na 1.5; Zc 14.4; Ap 16.18). Passa de uma ex

 periência singular de Deus, quando ele tirou seu povo do Egito, para

1. A palavra “abater-se” não é encontrada em nenhum outro lugar, enquanto“esmigalhar-se” é traduzida por outras palavras, com o sentido de “despedaçar”(Jó 16.12; Jr 23.29).

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 HABACUQUE 3.815

uma declaração acerca do caráter de Deus, a maneira como ele é emtodas as épocas e, conseqüentemente, como ele será de novo.

7. A teofania dessa seção termina como começou, i.e., olhando para o sul (veja v. 3), para dois povos que teriam sido os primeiros a perceber a vinda de Deus daquela direção. Esses nômades, beduínos,caracterizados por tendas,  são Cusã  e  Midiã.  O primeiro é desconhecido fora dessa passagem, mas pode ser um sinônimo ou indicarum subgrupo dos midianitas, nômades das regiões do Sinai e do

 Neguebe (cf. Gn 37.28,36; Êx 2.15; 3.1; Nm 22.4,7). A razão da “agitação” emocional (BJ; “medo”, BLH) dessas pessoas é a injustiça, casoas primeiras palavras do versículo sejam entendidas com o sentido de“por causa da (cf. 2 Sm 19.22) injustiça”, i.e., o mau procedimentodas pessoas observadas pelo profeta. Essa interpretação, que entende‘ãven como “injustiça” e não aflição (veja 1.3, onde é usada com essesentido), é válida, mas não parece encaixar-se no contexto e, portanto,não se reflete em nossas traduções. Uma vez que o pecado não é mencionado na teofania e esses povos não aparecem em nenhum outrolugar do livro, e muito menos recebem condenação, muitos estudiososrevocalizam as duas primeiras palavras hebraicas para ter o sentido deterror (cf.  BHS, RSV, NIV).1 Isso ajusta-se bem no contexto e certamenteé uma causa de angústia.

/'/. O combate de Deus (3.815).  Esta é uma nova seção, pois

dirige-se a Iavé diretamente, usando a segunda pessoa do singular,“tu”, em vez de ele ser simplesmente o assunto da discussão. As imagens evocativas também mudam, porquanto aqui Deus é apresentadocomo o Guerreiro Divino, aquele cujas ações fazem temer, assim comonos versículos anteriores o seu próprio ser causou temor (w. 3-7). Essa

 passagem e a precedente estão ligadas por referências em comum aacontecimentos do êxodo, do Sinai e da conquista.

1. tahat ‘ãven  (“por causa da injustiça”) para  fê hste ’nâ  ou  fhitteynâ (“aterrorizado”); cf. as palavras acadianas ha 'attu,  “pânico, terror” (Oppenheim,

 Assyrian Dictionary, 6, p. 1), e hattu, “pânico, medo” (ibid., p. 150).

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 HABACUQUE 3.8

8. Iavé, o destinatário da mensagem, primeiramente enfrenta omar  e os rios  com sua ira e furor. Na mitologia cananéia, Baal havia

enfrentado o deus personificado Yam (mar), também chamado o RioJuiz.1 Israel tomou emprestado esse tema, mas abandonou toda idéiade que fenômenos da natureza sejam divindades personificadas. Aquiapresenta-se Iavé em combate com o mar por ocasião da criação e deoutros períodos não especificados (cf. Jó 26.12: 13; SI 29; 89.9-10). Omesmo tema também é retomado e empregado no contexto dos poderosos atos salvíficos de Deus no êxodo e na conquista, quando omar Vermelho e o rio Jordão foram fendidos pelo poder de Deus (cf.Êx 13.17— 14.31; Js 3.13-17; 4.21-24; Is 10.26; 43.16; 50.2). Cavalos e carros estão associados ao acontecimento do mar Vermelho (cf. Êx14.5-28; Dt 11.4; Js 24.6), sendo que só aqui em Habacuque elesfazem parte do próprio exército de Deus (cf. 2 Rs 2.11-12; Jr 4.13; Zc6.1-7; Ap 9.7-9; 19.11-21) em vez do de seus inimigos. Trazem salvação ao povo de Deus ao invés de matança (veja vv. 13,18).

O controle de Deus sobre as extensões de água é também um

tema escatológico, mostrando seu poder ininterrupto sobre sua criação(cf. Is 11.15; Na 1.4; Mt 14.22-33; Ap 21.1).

9a. Ainda mais recursos do arsenal divino juntam-se às forças decarruagem do versículo 8. Ele prepara seu arco  (uma possível alusãoao dilúvio, Gn 9.13-16) e suas flechas  (lit., “bastões”, veja v. 14), desembainhando-os (RSV). O adjetivo que descreve as flechas é ambíguo.

 No hebraico a mesma raiz siginifica “jurar” (cf. ARC) ou “sete”, onúmero, e as duas leituras contam com algum apoio. Os recursos bélicos de Israel incluíam o disparo de sete saraivadas,2 embora não haja

 provas de sua utilização no período em discussão. Na mitologia deBaal, as flechas da divindade são relâmpagos (sete, em um dos textos3), de forma que poderíamos ter aqui outro eco da poesia cananéia.

1. Veja M. D. Coogan, Stories from Ancient Canaan (Westminster, 1978), p. 75-115.2. Veja G. Vermes, The DeadSea Scrolls in English (Penguin, 1975), p. 131,134.3. Veja J. Day, “Echoes of Baal’s Seven Thunders and Lightnings in Psalm xxix and

Habakkuk hi 9 and the Identity of the Seraphim in Isaiah vi”, vt   19 (1979), p.143-151, onde ele entende que os sete relâmpagos aqui fazem paralelo com os setetrovões da voz de Deus em SI 29.3,4a, 4b, 5,7,8,9.

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 HABACUQUE 3.12

São comuns na poesia a imagem de flechas utilizadas por Iavé para punir e julgar (cf. v. 11; Dt 32.23; SI 7.13; 18.14). O conceito de “con

sagrar” as armas, empregando o sentido alternativo da palavra “sete”,também é conhecido em Israel (cf. Dt 32.40-42) e parece encaixar-semelhor no contexto. Aqui a dedicação é feita oralmente, por meio deuma “palavra” (ARC).

96-11. O impacto profundo da presença do Guerreiro Divino nanatureza é vividamente descrito. A superfície da terra sofre modifi

cação. É fendida, como ocorreu na criação (cf. SI 74.15) e na época dodilúvio (Gn 7.11), por rios,  da mesma forma que as próprias águasforam fendidas por Deus no mar Vermelho (Êx 14.16,21; Ne 9.11; SI78.13; Is 63.12). Os montes [...] se contorcem  como alguém aterrorizado ou com dores (cf. Dt 2.25; Is 26.18). Esse quadro também está associado com a travessia do mar Vermelho, quando a água  e as

 profundezas  agitaram-se profundamente (SI 77.16), em torrentes  (cf.SI 77.17), tal qual fazem aqui com barulho ensurdecedor e “ondas”que se levantam (heb., “mãos”, cf. BLH, BJ, marg.).

Os corpos celestes são também afetados pelo poder de Deus. Emvez de continuarem em sua órbita perpétua, o sol e a lua param, comohaviam feito sob a ordem de Deus num momento durante a conquistacomandada por Josué (Js 10.12-14; cf. 2 Rs 20.9-11; Is 38.8). Nessecaso, permanecem nas suas moradas,  expressão geralmente utilizada

 para designar o lugar da habitação de Deus, o Templo (1 Rs 8.13; Is

63.15). Esse é o oposto dos acontecimentos de Josué, quando se prolongou o período de exposição ao sol (cf. BLH e BJ, que interpretamesse acontecimento como de uma iluminação ininterrupta). Trevas emvez de luz são um sinal da poderosa presença de Deus (Dt 4.11; 2 Sm22.12) e do seu juízo (J1 2.31; cf. Êx 10.21-22; Ez 32.8). Na presençado poderoso Guerreiro, as únicas fontes de luz são as flechas e a lança de Deus, o relâmpago  (cf. SI 18.14-15; 77.17-18; 144.6; Zc 9.14) que

reluz em teofanias (cf. Êx 19.16) e também no juízo (cf. Dt 32.41-42).

12. Não somente a natureza, mas também as nações  estrangeirassentirão a presença do Guerreiro Divino. Assim como esses gentiossentiram o poder de Deus durante o êxodo e a conquista (cf. Dt 4.38;

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 HABACUQUE 3.13

7.1; SI 9.5), de igual forma o sentirão de novo (cf. SI 9.15-20; Is 10.7).Entre eles estará o opressor, a Babilônia (2.4-20; cf. Is 13.4; 14.3-6).Para concretizar isso, Deus marcha pela terra. Esse verbo é empregadoem outras passagens para descrever a marcha militar (cf. 2 Sm 5.24;22.37), dando assim continuidade às imagens militares (veja vv. 8-9,11). Ele se movimentará com ira  (cf. v. 8), pisando-os tal qual umdebulhador debulha os grãos (1 Cr 21.20; cf. Is 25.10; Am 1.3; Mq4.13).

13. Em contraste com a ira de Deus contra a Babilônia, a qualameaça esmagar o povo de Deus, há uma promessa de esperança, de

 salvamento, feita ao próprio povo da aliança com Deus. Essa palavra éespecialmente escolhida como indicação de um relacionamento exclusivo com Iavé, relacionamento este não desfrutado pelos gentios (cf.Êx 3.7; Dt 7.6; Os 1.9; 2.1). O povo também é chamado de seu ungido (Messias), palavra que geralmente se refere a um indivíduo. Aqui

 poderia estar falando do rei, alguém que costumeiramente é ungido (cf.1 Sm 10.1; 16.12-13; 24.6,10; 2 Sm 12.7). Ele é o representante do

 povo (cf. Is 7.8-9), e, conseqüentemente, sua consagração, mediante aunção, também seria a consagração do povo.

A primeira metade do versículo fornece a chave para entender arelação deste capítulo com o restante do livro. Em vez de fazer vistagrossa para o procedimento errado (1.2-4) ou de permitir que a

opressão de seu povo fique sem castigo (1.12-17), Deus recorda-se desua aliança e age a favor deles. Todo propósito do salmo e da teofaniade Deus é apontar para a presença ininterrupta do cuidado gracioso

 juntamente com o juízo divino. Temos aqui a resposta de Deus àsqueixas de Habacuque (1.12-17) — seu povo será salvo.

Retoma-se o tema da conquista militar da Babilônia, a ímpia,utilizando-se a imagem evocativa de “ferir a cabeça” (ARC, IBB). Essegesto é usado, em outras passagens, como expressão idiomática que indica uma derrota militar (SI 68.21; 110.5; cf. Nm 24.17),1mostrandoDeus uma vez mais como o guerreiro. Essa também poderia ser uma

1. Veja D. W. Baker, Idiomatic Expressions in Hebrew and Akkadian Relating to the  Head  (University of London, 1976), p. 53-67, especialmente p. 54-56.

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 HABACUQUE 3. J 619a

alusão ao “cabeça” que era o governante, o rei da Babilônia, que seriagolpeado e completamente derrotado (cf. 2 Sm 22.39; Jó 26.12; SI

18.38; 89.10). Isso coloca em contraste a cabeça ferida e derrotadacom a cabeça ungida e vencedora. O inimigo de Deus será não apenasderrotado, mas também totalmente “desnudado” (BJ; 3.9; veja umaação semelhante em 2.16), descoberto da cabeça aos pés, em sinal dehumilhação (cf. Is 47.3; Lm 4.21; Ez 16.37).

14. A destruição do inimigo de Israel será uma surpresa para o

 povo de Deus, porquanto os guerreiros  dos ímpios (v. 13) como tem- pestade avançam  (cf. 1.9,11) contra o povo de Deus para devastá-lo edispersá-lo como palha (IBB, ARC, BJ; cf. Is 24.1; 41.16; Jr 13.24;18.17; Sf 3.10). O inimigo esperava vitória para si, a chance de ocultar-se e devorar   os bens de suas infelizes vítimas, tal qual uma feracarnívora (cf. 1.8,13; 2.5). O papel de vencedor/vítima é repentinamente invertido sob o poder de Deus. Em vez de triunfar, a cabeça daBabilônia, ou seu “chefe” (BJ; “comandante”, BLH; veja v. 13), serátraspassada; a Babilônia será derrotada, e isso por suas próprias lanças (lit., “bastões” , v. 9; cf. v. 11, onde se emprega outra palavra para designar “lança”), possível referência à queda da Babilônia diante deCiro, sem nenhuma luta.1Os pobres, aqueles que sofrem opressão e dificuldades (cf. SI 10.2,9; Is 14.32; 54.11; Sf 3.12), e os que são totalmente opostos aos ímpios (v. 13), receberão os benefícios da poderosavitória de Deus.

15. A seção termina com o tema com que começou no versículo8: os cavalos de Deus marchando sobre o mar, uma alusão à travessiado mar Vermelho (cf. Êx 14.21-29; veja comentário sobre o v. 8).

d. Temor e fé (3.1619a)

Muda de novo a pessoa que fala, sendo que desta vez o profetafala na primeira pessoa, descrevendo suas próprias experiências (cf. introdução aos vv. 8-15). As perguntas de Habacuque são respondidas de

1. Veja ANET,  p. 315-316.

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 HABACUQUE 3.16 

tal forma que ele é capaz de pronunciar uma das mais vigorosas declarações de fé registradas nas Escrituras.

16. O salmista registra suas reações pessoais de medo e temor diante do poder do Deus Guerreiro (vv. 8-15). Tais reações são descritasem termos fisiológicos (cf. Na 2.10), ocorrendo em suas “entranhas”(IBB, ARC; cf. Gn 25.23; Pv 18.8; Os 12.3), lábios, ossos e os membrosinferiores (joelhos,  ARA; “pernas”,  NIV; “pés”, cf. b l h , b j). A

 primeira e última resposta são expressas com o mesmo verbo, “tre

mer”, cuja raiz já ocorreu duas vezes no capítulo (w. 2,7), ainda quecom nuanças diferentes.A resposta do salmista não se interrompe com o medo. Ele possui

um relacionamento suficientemente íntimo com Deus para ser capazde questioná-lo, e também sabe que pode depositar a fé nele, crendoque ele agirá com responsabilidade. Portanto, confiando no caráter deDeus, ele pode esperar  que Deus aja, tomando providências contra o povo que invade (acomete,  ARA; “ataca”, BJ; “oprime”, IBB) Israel.Isso acontecerá num dia  calamitoso para a Babilônia, não o “Dia deIavé” específico e escatológico (veja Sofonias  “ui - A Mensagem”),mas um dia vindouro de juízo, reservado especialmente para eles. Issorevela-se pela ausência do artigo definido no hebraico, “um dia” emvez de “o dia”. Este, tal como dias semelhantes de juízo sobre Israel eas nações, é apenas uma representação antecipada daquilo que será odia final, uma garantia de sua vinda e uma indicação de seu caráter de

 punição para os ímpios, mas de júbilo para os que seguem a Deus. Odia da Babilônia finalmente veio em 539 a.C., quando caiu diante dosmedos e persas (veja “ III - O Livro”).

17-19a. O salmista percebe que seguramente pode depositar a féna graça de Iavé, não apenas em questões de sobrevivência nacional,mas também de bem-estar e até mesmo existência pessoais. Judá vivia

fundamentalmente de uma economia agrícola. A maior parte de seusustento provinha de figos, uvas, azeitonas e outros produtos da lavoura, bem como de criações de ovelhas, cabras e gado. Embora essasfontes possam de alguma forma esgotar-se, o salmista vê que, emúltima instância, sua própria existência não depende delas, mas da

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 HABACUQUE 3.1719a

fonte delas, Iavé. Ele é o Deus da aliança, que cumpre suas promessase que, em períodos de aflição para o seu povo da aliança, é também o

Deus da sua salvação  (vv. 8,13; cf. Êx 15.1-2; 2 Sm 22.3; SI 18.2,46;Mq 7.7). Mesmo agora, em meio a dúvidas e opressão, o escritor deseja exultar (cf. SI 32.11; Is 25.9; J1 2.23). A razão disso não é nenhum

 bem de sua parte, nem alguma fraqueza por parte de seus opressores.O fundamento e a fonte desse júbilo é o relacionamento que Deus temcom ele e com seu povo. Despojado de tudo mais, o escritor nunca poderá ser afastado do seu Deus da aliança (cf. Js 1.5; Rm 8.38,39).

Isso vê-se na própria palavra que ele utiliza para descrever o Deus salvador. Habacuque, em meio a privações e sofrimentos, ainda se sentecapaz de dizer “meu Senhor” (BJ; cf. SI 63.1). É firme e segura a intimidade do relacionamento, baseado que está no sólido alicerce dasdivinas promessas da aliança, promessas estas de um relacionamentoeterno com seu povo (cf. Dt 7.6,9), em vez de fundamentar-se nasemoções ou em idéias humanas passageiras (cf. Nm 23.19; Os 11.9).

Esse é um comentário prático e um exemplo da fé assinalada em 2.4.Qualquer força ou confiança que o salmista possua deve-se aosenhorio de Iavé e dele surge (cf. SI 18.32,39; J1 2.25). Deus nãosomente dá o ânimo para suportar as agruras, mas também proporcionaa vitalidade para andar nas “alturas” (BJ, ARC) como uma corça (cf. 2Sm 22.34; SI 18.33). As empinadas e as disparadas dessas criaturas podiam refletir o júbilo saltitante do salmista (cf. Jó 21.11-12; Ec 3.4; Mt11.17). Outra passagem fala de ajuda nas alturas (Dt 32.13), embora

use um verbo diferente, no contexto da conquista da terra e da exultante posse dela (cf. Dt 33.29). Se esse é o referente aqui, então ocapítulo todo está unido por suas referências implícitas e explícitas aocomplexo de acontecimentos êxodo-Sinai-conquista. Habacuque, quecomeça deprimido e em dúvida quanto à retidão e à justiça de Deus,termina com alegre confiança na provisão e no poder sustentador deDeus.

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SOFONIAS

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INTRODUÇÃO

I. A ÉPOCA E OS POVOS

Josias (640-609 a.C.) foi o décimo sexto rei de Judá (2 Rs21.26—23.30; 2 Cr 33.25—35.27), o reino do sul que permaneceu naterra após o exílio de Israel, situado no norte, em 722 a.C.1 As profecias que levam o nome de Sofonias são situadas no reinado de Josias(1.1), e não tem havido uma contestação séria quanto a essa data.2 Assim, o profeta teria sido contemporâneo de Naum, de Habacuque e deJeremias. Tem havido, contudo, disputa quanto ao período em que, durante o reinado desse rei, as profecias podem ter sido entregues.Ezequias, o bisavô de Josias, havia restaurado a adoração iavista, quecaíra no descaso, sendo substituída pela idolatria e pelas práticas pagãs

(veja 2 Rs 18.4-6). A reforma, contudo, pouco durou, pois seu filho,Manassés, trouxe de volta, e em grande escala, essas práticas proibidas(2 Rs 21.1-18), e o filho de Manassés, Amom (2 Rs 21.9-16), nada fez para corrigir a situação. Foi somente durante o reinado de Josias (c.621 a.C.) que o iavismo foi de novo oficialmente restaurado e as práticas pagãs foram proscritas. Pode-se argumentar que, à luz dessa proscrição e dos dados de 1.4-9, que indicam uma influência pagã ininter

rupta, as profecias devem ter precedido à reforma de Josias. Isso é possível, mas não é certo, visto que não era sempre nem em todos oslugares que a política oficial se evidenciava na prática em público,mesmo entre os governantes da nação. Ainda que os delitos docapítulo 1 possam refletir uma situação anterior à reforma, também podem ser vestígios sincretistas não erradicados em Judá após o inícioda reforma.

1. Cf. J. Bright, História de Israel  (Paulinas, 1978), p. 426-436.2. L. P. Smith e E. R. Lacheman, “The authorship of the book of Zephaniah”, j n e s  9

(1950), p. 137-142, propuseram uma data de c. 200 a.C. para essa obra pseudepigráfica, mas a sugestão dos dois não recebeu boa acolhida.

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SOFONIAS 

A tese de que essa profecia é contemporânea pelo menos do princípio do ministério de Jeremias sustenta-se no fato de que este

condenou algumas das mesmas influências pagãs (Sf 1.4,5; cf. Jr 2.8;8.2; 19.5,13; 32.35). A existência dessas práticas, que ainda precisavam da condenação de Jeremias mesmo depois do ministério de So-fonias, daria apoio à opinião de que a reforma de Josias não foi tãoradical e universal quanto poderia parecer com base em Reis e Crônicas.

Uma detalhada análise histórica dos acontecimentos do reinado

de Josias favorece o argumento de que pelo menos os capítulos 2 e 3datam do último decênio antes da reforma de Josias.1 Tal enfoque baseia-se principalmente na descrição das interações históricas entreJudá e as nações mencionadas em 2.4-15. Durante esse período Josias procurou fortalecer Judá e também expandir sua soberania sobre osterritórios vizinhos (cf. 2 Rs 23.15-20, onde, como parte de suas reformas, conseguiu exercer controle sobre o território vizinho da Samaria).

Os filisteus tinham sido adversários dos israelitas de longa data, já desde a época da conquista. Eles cresceram em poder até o início doregime monárquico, quando Davi os subjugou, embora não tenha sidocapaz de erradicar a ameaça que representavam.2 A Filístia movia-seem tomo de cinco cidades-estados adjacentes ao mar Mediterrâneo.Eram elas Asdode, Ascalom, Ecrom, Gaza e Gate. Esta última havia perdido sua importância quando Sofonias iniciou seu ministério, masas outras quatro permaneciam. Elas receberam advertências de juízono primeiro oráculo contra as nações (2.4-7; cf. Is 14.28-32; Jr 47; Am1.6-8; Zc 9.5-7). O oráculo de Sofonias pode muito bem ter refletidoos desejos expansionistas de Josias. Há dados extrabíblicos que indicam que, durante seu reinado, Judá teve controle de pelo menos parteda Filístia.3

Moabe e Amom, dois vizinhos transjordanianos de Israel, são et-nicamente aparentados de acordo com o registro bíblico (Gn 19.36-

1. D. L. Christensen, “Zephaniah 2.4—15: A Theological Basis for Josiah’s Programof Political Expansion”, C b q  (1984), p. 669-682.

2. Veja POTT,  p. 53-78; NDB,   p. 628-631.3. Veja em a n e t ,   p. 568, a observação sobre um governador judeu na região.

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 INTRODUÇÃO

38). Algumas vezes também opuseram-se ativamente a Israel (cf. Nm22—24; Js 24.9; Jz 3.12-30; 11.17; 1 Sm 11.1-11; 12.12; 14.47; 2 Rs1.1; 3.4-27; 2 Cr 20.1-30) e, naturalmente, pela proximidadegeográfica, também estariam sujeitos às idéias expansionistas de Josias(2 .8- 11).1

Cuxe, ou Etiópia, havia alcançado o auge de seu poder quandocontrolou o Egito durante a vigésima quinta dinastia (c. 716-663 a.C.).Esse controle acabou em 663 a.C. com a invasão do Egito pelaAssíria.2 A destruição mencionada por Sofonias (2.12) pode estar re

montando a esse acontecimento,3 ou a indicação geográfica talvezfosse empregada para designar de forma menos exata o Egito como umtodo (cf. Is 20.4; Ez 30.4-9). Na qualidade de uma das duas principais potências na região, ele também se defronta com o poder do Deus deIsrael, Iavé (2.12; cf. 3.10).

A Assíria era a outra nação importante entre os séculos VII e VIII

a.C.4 Havia derrotado Israel em 722 a.C, exilando os líderes do país

(cf. 2 Rs 17.4-41; 18.9-12), e na época de Josias parecia uma nação invencível. Entretanto, até 612 a.C., sua capital, Nínive (2.13), seriatomada, e até 605 a.C. todo o império teria caído diante dos babilônios.A profecia de Sofonias (2.13-15) deve ter sido, portanto, escrita algumtempo antes de 612 a.C.

A profecia é, antes de mais nada, dirigida contra Judá (1.4; cf.1.1) e mais especificamente contra sua capital, Jerusalém (1.4,12;

3.14,16). Esta última é também chamada de Sião (3.14,16), rememorando a captura por parte de Davi da cidade jebusita (cf. 2 Sm 5.6-10;1 Rs 8.1). Também é conhecida como a santa cidade de Deus (cf. SI48.1-2; J1 3.16-17). Seu pecado significa que ela não merece essaconotação (1.4-9), mas pela graça de Iavé será restaurada a sua posiçãoespecial e poderá voltar a usar esse nome (3.14-17).

1. VejaiWT, p. 229-58; n d b ,   p. 68-69,1058-1060.2. Bright,  História de Israel , p. 418-419; E. Ullendorff,  Ethiopia and the Bible 

(Schweich Lectures; Oxford University Press, 1968); K. A. Kitchen, “Cush”, in:n d b ,   p. 381, 382.

3. Veja Christensen, “Theological Basis” , p. 681.4. VejaiWT, p. 156-78; n d b ,   p. 157-164.

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SOFONIAS 

Pouco mais se sabe acerca do profeta Sofonias além do breve es

 boço biográfico encontrado no primeiro versículo de sua profecia. Nesse versículo, a mais longa das genealogias de profetas, é dito queele descende de Ezequias. Essa é, aparentemente, uma referência aodécimo quarto rei de Judá (716-686 a.C.), que também foi um antepassado do rei Josias, durante cujo reinado Sofonias profetizou (1.1). Seunome, que tem o sentido de “Iavé escondeu/protegeu”, pode ser umaindicação do favor divino sobre uma criança nascida durante o san

grento e perigoso reinado de Manassés (686-642 a.C.; cf. 2 Rs 21.16;24.3-4).

O conhecimento que Sofonias tem da geografia e da demografiade Jerusalém (1.10-13; 3.1-4) deixa implícito que, se não era alguémnascido na capital, pelo menos ali residia fazia muito tempo. O interesse do profeta pelas coisas sacerdotais e sacrificiais (1.4-5,7-9;3.4,18) tem sugerido a alguns estudiosos que ele era um profeta ofi

cialmente relacionado com o Templo, mas o argumento não é convincente. Todos os iavistas dedicados, especialmente aqueles chaniados por Deus para ser profetas ao seu povo, sentiriam atração e interesse pelo templo como a habitação terrestre de seu rei celestial. De modoque esse interesse não prova aquilo que afirmam e seria muito maisnotável caso não existisse.

in. A MENSAGEMO núcleo das profecias de Sofonias — que dão ao livro unidade

não apenas estrutural (veja a Análise) mas também teológica — é oconceito do Dia de Iavé. Embora não seja o primeiro (cf. Am 5.18-20;8.9-14; Is 2; 13; 34; J12) nem o último (cf. Jr 46-51; Ez 7) dos profetasa escrever sobre o assunto, tal devoção a um único tema não se encontra em nenhum outro.

O fato de esse dia ser como uma moeda, bifacetada abrangendoduas faces distintas, porém relacionadas, é desenvolvido mais completamente aqui do que em outros profetas, que salientam um elementoem detrimento ou com exclusão do outro. As duas facetas do mesmoDia do Senhor são o juízo e a bênção. O dia caracteriza-se por ambos;

II. O HOMEM

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 INTRODUÇÃO

cada um afeta as mesmas pessoas e ocupa um plano temporal semelhante, mas possui uma causa diferente.

O anúncio do iminente juízo de Deus sobre a humanidade emgeral (1.2-3) e sobre o seu povo em particular (1.4-6) conduz a umaconsideração daquele aspecto do Dia do Senhor (1.8-18; 2.4-3.8). Essedia está próximo (1.7,14) — próximo, cada vez mais próximo. Está-se precipitando em virtude dos pecados do povo da aliança de Iavé, Israel, e também dos erros da humanidade em geral. A primeira causaenvolve quebras repetidas, básicas, das promessas da aliança, por parteda população como um todo (1.4-6,12) e também dos líderes (3.3-4).Esses pecados incluem elementos de sincretismo (1.4-5), com a quebrado primeiro mandamento (Êx 20.3; Dt 5.7). Prevalece também a apatia, uma atitude que assim raciocinava: “Se o Deus que faz a aliança jánão está mais interessado no povo, então por que o povo deve reagirobedientemente diante de Deus?” (1.12). Isso está associado ao orgulho, a certeza da auto-suficiência (cf. 2.3).

Os pecados das nações também contribuem para seu julgamento

nas mãos de Deus (cf. Gn 6.5-7; Am 1.3—2.3). Embora nem todanação mencionada seja acusada de erros específicos, existem duas quesão identificadas e cujos erros correspondem àqueles condenados emJudá. Os insultos e as ameaças de Moabe contra o povo de Deus (2.8)eram um insulto contra o próprio Iavé na qualidade de rei. A falta deinteresse nele e em seu poder, demonstrada pelo seu próprio povo(1.12), levou as nações vizinhas a ter a mesma atitude. Achavam que

 podiam, com impunidade, menosprezar ostensivamente a Deus. Issoestá associado ao próprio orgulho deles (2.10; cf. v. 15), a confiançaem seus próprios recursos, que equivale ao do próprio Judá.

Por causa dessa provocação universal, Iavé será levado a exercerum julgamento universal. O soberano de toda a terra exercerá globalmente sua soberania e punirá todos os que se lhe opõem. A resposta deDeus, contudo, não é em absoluto gratuita nem movida por capricho,mas é precisamente isto, uma reação baseada em seu caráter como

Deus justo e santo que, estando ele próprio comprometido com aaliança, também impõe aos outros as suas obrigações de aliança. Esse

 juízo, conquanto universal, não é permanente, visto que ainda existeoutro aspecto do Dia do Senhor.

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SOFONIAS 

A segunda faceta desse dia envolve bênçãos. Esse não é o resultado de um impulso externo, mas surge, sim, do caráter de Iavé, um

Deus fiel à aliança. Ele oferece esperança a seu próprio povo (3.11-20)não somente porque alguns retomarão à aliança (cf. Dt 30, esp. o v. 2),mas também porque ele nunca a abandonou; suas promessas serãocumpridas. Aqueles que serão abençoados são o remanescente (2.3,9;3.12-13), i.e., aqueles que humildemente confiam nele, em sua capacidade de fazer o bem, em vez de confiarem em seu próprio orgulho (cf.1.12; 2.3). A esperança é estendida também às nações (3.9-10). Em

 bora não fossem beneficiárias da aliança mosaica, são os receptáculos

da graça de Iavé.Ambos os aspectos do Dia de Iavé partilham de dois planos tem

 porais. A mensagem imediata a Judá é de que ele e as nações rece berão punição num futuro bem próximo (1.4-18), mas que a esperançatambém é uma possibilidade a curto prazo (2.3). Entretanto, a mensagem expande-se, uma vez que os dois aspectos deixam o âmbito da

 proximidade histórica e caminham para o cumprimento escatológico.

 Num futuro não especificado, tanto Judá quanto as nações não apenasenfrentarão o juízo (3.11 e 8, respectivamente), mas também desfrutarão benefícios (3.13-17 e 9, respectivamente).

Outro aspecto importante da profecia surge quando se percebe aséria decadência moral e espiritual que se seguiu às abrangentes reformas de Ezequias (veja p. 87), que, por sua vez, seriam seguidas poraquelas levadas a efeito pelo contemporâneo de Sofonias, Josias (veja

2 Rs 23.31—24.4). Não é suficiente depender da fé e da piedade deuma geração precedente. Fazia-se necessária uma dedicação pessoal àaliança por parte de cada rei e geração de Israel que surgissem, comoainda acontece com cada geração da igreja. Nem a igreja do século XX,

nem o Israel da monarquia podem ser netos de Deus. Cada um precisaassumir o compromisso individual e pessoalmente.

IV. O LIVROTem-se questionado a integridade do livro, mas não existem

 provas objetivas de que Sofonias tenha tido circulação em algumaoutra forma que não a atual. O único comentário editorial do livro é o

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 INTRODUÇÃO

título, e não é possível precisar quando se acrescentou tal nota àcoleção de oráculos. O momento mais lógico para os acréscimos seria

a ocasião da própria compilação, o que pode muito bem ter ocorridotanto durante os últimos anos da vida do profeta, como durantequalquer período posterior.

Vários estudiosos têm cogitado a possibilidade de acréscimossecundários ao livro e, em geral, fundamentam essas cogitações emdois argumentos diferentes. Em primeiro lugar, existem aquelas passagens que poderiam representar um período histórico após o reinado

de Josias, durante o qual o livro afirma estar situado. Por exemplo,2.15 descreve Nínive já destruída e, assim, pressupõe sua queda em612 a.C. Contudo, uma forma verbal comum na profecia hebraica é o“perfeito profético”, que indica uma ação completada. Quando Deusfazia uma declaração de intenção ou de predição, os profetas hebreusviam tais eventos como algo certo e praticamente realizado, devido àsoberania e ao poder de sua fonte. Por isso, com freqüência, tais acontecimentos eram descritos como já ocorridos. Em segundo lugar,aventa-se que no período pré-exílio a mensagem profética era de julgamento, alcançando as pessoas em sua necessidade: o arrependimentodo pecado. Durante o exílio, contudo, a necessidade mudara. As pessoas que sofriam com o exílio e estavam questionando a fidelidade oumesmo a presença de Iavé precisavam não de uma mensagem de juízo,mas, sim, de esperança. Assim sendo, as passagens de esperança devem ser de exílio (3.9-20). O argumento, no entanto, é evasivo e

 baseia-se mais em pressuposições que em provas. O único indício ob jetivo é o texto canônico, no qual tanto o juízo quanto a esperançaestão mesclados, às vezes em proporções diferentes, mas ainda com a presença de ambos. Caso uma pessoa chegue com sua própria hipótesee emende o texto para que ele se adapte à hipótese, não estará tratandoos dados com integridade.

Pode-se ver claramente a unidade lógica do livro em seu con

teúdo: o juízo (1.2-6) leva o profeta a pensar no juízo derradeiro, o Diade Iavé (1.7—3.20), o qual é descrito em ambos os seus aspectos.Aquele dia envolve juízo para aqueles que não guardam a aliança deDeus (1.8—3.8), mas também envolve esperança mediante a graça deDeus (3.9-20).

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SOFONIAS 

A profecia, conquanto uma unidade, é composta de unidadesmenores caracterizadas por mudanças de destinatário, conteúdo, forma

literária, etc. Os gêneros literários empregados incluem oráculos de julgamento (1.2-3,4-6,8-9, etc.), convocação a tomadas de atitude (1.7;2.1-3; 3.8) — com um chamado ao louvor e um salmo de louvor (3.14-17) — e também oráculos de salvação (3.9-13,18-20). As unidades demonstram a integridade interna, confprme se vê especialmente nosalmo de júbilo (3.14-17). Sua estrutura literária é a do paralelismoconcêntrico, em que o primeiro elemento corresponde ao último, osegundo ao antepenúltimo e assim por diante, com o clímax, “sem

mais temor”, no centro. Aqui, no início do salmo, o regozijo do povo por causa do amor de Deus corresponde, na conclusão do salmo, ao júbilo de Iavé, ocasionado pela volta do povo para ele. Deus, o poderoso agente, e sua presença permeiam a mensagem central de es perança a Jerusalém, a cidade de Deus, de tal maneira que as pessoasnão devem temer. Pode-se ver isso no diagrama seguinte:

A O cântico de Sião (3.14a)B As exultações de Israel (3.14b)C O júbilo de Jerusalém (3.14c)D O livramento de Iavé (3.15a, b)E A presença de Iavé, o rei (3.15c)F Fim do temor (3.15d)G A futura mensagem a Jerusalém (3.16a)F1 Fim do temor (3.16b, c)E 1 A presença de Iavé, o Deus (3.1 la)D1 O poderoso libertador (3.17b)C1 O júbilo de Deus (3.17c)B1 O silêncio de Iavé (3.17c?)A1 O cântico de Iavé (3.1 lé)

Os dois últimos versículos da profecia também estão unidos pela

repetição de uma forma de paralelismo sintético. Tanto no versículo 19quanto no 20, a locução adverbial de tempo “naquele tempo” ajuda ainiciar o primeiro elemento, que tem como principal componente o ar-rebanhamento do povo de Deus. Os dois elementos seguintes envolvem a outorga de “louvor e honra”, que terá lugar no mundo inteiro

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 INTRODUÇÃO

(“em toda a terra”, v. 19; “todos os povos”, v. 20). Pode-se diagramaresse paralelismo da seguinte forma:

A Naquele tempo — arrebanhamentoB Louvor e honra

C Em toda a terraA1 Naquele tempo — arrebanhámento

B 1 Louvor e honraC1 Entre todos os povos

A mensagem toda de Sofonias é finalmente unida em uma únicainclusio,1 que começa e termina com Iavé, o Deus da aliança com Israel, Deus justo porém cuidadoso, cuja palavra (1.1) é falada (3.20).

1. Repetição dos elementos-chave, sejam palavras, sejam temas, no início e no fim deuma peça literária.

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ANÁLISE

I. TÍTULO (1.1)

II. JULGAMENTO (1.2-6)A. A humanidade (1.2-3)

B. Judá e Jerusalém (1.4-6)

III. O DIA DE IAVÉ (1.7—3.20)A. Anúncio (1.7)B. A natureza do dia — julgamento (1.8-18)

i. O julgamento do povo de Deus (1.8-13)ii. O julgamento do mundo (1.14-18)

C. A reação exigida (2.1-3)D. Cenas específicas do julgamento (2.4—3.8)

i. Filístia (2.4-7)ii. Moabe e Amom (2.8-11)

iii. Cuxe (2.12)iv. Assíria (2.13-15)v. Jerusalém (3.1-7)

a. Pecados acumulados (3.1-5) b. Demonstração desconsiderada (3.6-7)vi. O mundo (3.8)

E. A natureza do dia — esperança (3.9-20)i. Nações convertidas (3.9-10)

ii. O remanescente preservado (3.11-13)iii. Um salmo de júbilo (3.14-17)iv. A promessa de Deus (3.18-20)

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COMENTÁRIO

I. TÍTULO (1.1)

O livro recebe a designação bem genérica de  Palavra do Senhor  (cf. Jr 1.2; Ez 1.3; Os 1.1; J1 1.1; Jn 1.1; Mq 1.1; Ag 1.1; Zc 1.1; Ml1.1), com o que indica que sua fonte é o Deus da aliança de Israel (cf.

Ex 6.2-6). O receptor da mensagem é Sofonias, que é ainda mais identificado na mais longa genealogia dentre as dos profetas (cf. Jr 36.14),sendo aparentemente um descendente de Ezequias, o décimo quarto reide Judá (716-686 a.C.; cf. 2 Rs 18.1—20.21). A genealogia pode tersido estendida a esse ponto para mostrar que o escritor era um israelitae não um etíope, como alguém poderia traduzir o nome de seu pai,Cusi  (cf. Gn 10.6; 2 Rs 19.9; Is 18.1). Todavia, sua nacionalidade é

clara, pois todos os demais nomes de sua genealogia, incluindo o do próprio profeta, contêm o sufixo “Yah” (proveniente de Yahweh, i.e.,Iavé), que é uma forma do nome do Deus de Israel.1 A ausência daidentificação de Ezequias (nome comum em Israel, cf. 1 Cr 3.13; Ed2.16; Ne 7.21; 10.17) como “rei de Judá” não desabona essa interpretação, visto que a expressão é empregada em outra parte do versículo para identificar Josias, o décimo sétimo rei de Judá (640-609 a.C.), em

cujo reinado Sofonias profetizou (cf. 2 Rs 22.1—23.30). Talvez tenhasido empregada só uma vez a fim de evitar repetição.

II. JULGAMENTO (1.2-6)

As primeiras palavras de Deus são de juízo, dirigidas inicialmente a todos os seres vivos (vv. 2-3), afunilando então até chegar aseu próprio povo, Judá, e mais especificamente aos habitantes de

Jerusalém (vv. 4-6). Não somente são identificados os que serão punidos, mas também são indicados alguns de seus pecados. Iavé apre-

1. Em português, esse sufixo revela-se no sufixo “ ias” .

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SOFONIAS 1.23

senta-se como alguém pessoalmente envolvido no julgamento que faz,o qual será completamente devastador.

a. A humanidade (1.23)

Esses dois versículos estão unidos pelo conceito de “exterminar” ,que ocorre quatro vezes no hebraico, revelando a natureza enérgica eabrangente da ação (cf. Et 9.28; SI 73.19; Jr 8.13).1Essa ênfase é reforçada pelos objetos dos verbos; todas as coisas, os homens e os ani-mais  e até as aves  e os peixes  serão exterminados. Com esse juízo

Deus estará desfazendo sua criação, porquanto todas essas palavras en-contram-se em Gênesis (1.20,24,25,26-28). A face da terra  (cf. Gn2.6; Jr 28.16) será varrida de tudo. A humanidade é indicada demaneira especial, pois é ela que será exterminada, palavra pesada, queindica aniquilamento (1.4; cf. Lv 26.22; 1 Rs 9.7; 11.16; Ez 14.13). Àsvezes se usa essa palavra com o sentido técnico de execução da penade morte (cf. Êx 31.14; Lv 20.3-6).

A severidade das afirmações e a certeza de sua concretização sãorealçadas pelas declarações de Iavé: diz o Senhor,  registradas duasvezes.

b. Judá e Jerusalém (1.46)

4. Conquanto todos os seres vivos da criação venham a ser destruídos (1.2-7),  Judá e sua capital e principal cidade  Jerusalém,  rece

 bem menção especial, porque são o povo de Deus. Todos são cul pados, mas o povo de Deus é mais ainda, visto que voluntariamentefez aliança com Iavé (cf. Am 1.3—2.16, em que as nações são julgadas, mas Judá e Israel com maior severidade). Num gesto de castigoe juízo, Deus estenderá sua mão contra  Israel (cf. 2.13; Is 5.25; Jr51.25; Ez 16.27; 25.7).

O registro daqueles a ser exterminados,  punidos em decorrência

de seus pecados, está relacionado, mediante uma exata repetição da

1. A primeira forma hebraica pode ser repontuada de modo que indique que a açãoestava sendo repetida, feita de novo, referência a Gn 8.21, embora não hajanenhum indicio em manuscritos a favor da mudança.

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SOFONIAS 1.5

forma verbal (cf. v. 3), com a descrição da destruição universal. Serãoremovidos deste lugar,  referindo-se pelo menos a Jerusalém e provavelmente, de forma mais específica, ao Templo, que é o “Lugar” por

excelência (cf. Dt 12.5,11; 1 Rs 8.29,30; Ez 42.13).O restante desses três versículos contém uma lista daqueles a ser

destruídos. O resto de Baal  são aqueles que ainda adoram esse deus estrangeiro. Em geral, a palavra, que literalmente significa “senhor,dono”, refere-se ao deus cananeu Hadade,1cuja adoração foi uma armadilha permanente para Israel (cf. Jz 6.25; 1 Rs 16. 31-32; 18). Durante esse período da vida do profeta, Judá esteve sob o controle da

Assíria, que também possuía um Deus de nome Bei (Baal) e utilizava a palavra como se ela indicasse um deus.2 Essa então poderia ser umareferência ao sincretismo mesopotâmico, que seria de esperar duranteesse período de dominação assíria. Tem-se argumentado que a presença de uma adoração ininterrupta de Baal situa a profecia numaépoca anterior às reformas de Josias em 621 a.C. Argumenta-se que,após a reforma, essa adoração teria desaparecido. Essa data talvez este

 ja correta, mas uma menção ao resto de Baal  poderia indicar que, em bora nem todos, a maioria dos vestígios de adoração pagã havia sidoeliminada. Todavia, mesmo durante o auge da reforma não se erradicaram todos os traços da influência pagã, visto que ela tomou a ressurgir logo após a morte de Josias (cf. 2 Cr 36.13-14; Jr 9.13; 19.4-5).

 Não somente são exterminados os deuses estrangeiros, como tam bém é apagada a própria menção (nome) aos sacerdotes... dos ídolos? 

Usa-se a palavra para designar somente sacerdotes não iavistas (cf. 2Rs 23.5; Os 10.5). Essa forma rara é explicada mediante a palavra he braica costumeira que designa sacerdote.

5. O culto aos deuses astrais (o exército do céu, cf. Dt 4.19; 2 Rs17.16; 21.3,5; Jr 8.2) realizava-se “sobre os telhados” (IBB; “terraço”,

1. Veja j so, p. 153 e referências ali existentes.2. Veja o artigo sobre belu  em I. J. Gelb et al.  (eds.), The Assyrian Dictionary,  2

(Oriental Institute, 1965), p. 193.3. kõmer, possivelmente um empréstimo do acadiano kumru, “sacerdote” (veja ibid.,

8(1971), p. 534-535).

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SOFON1AS 1.6 

BLH; Jr 19.13; cf. 32.29). Esses deuses também eram adorados tanto pelos cananeus quanto pelos assírios (cf. o zodíaco), de modo que aquia referência pode ser a qualquer um dos dois.

Também são condenadas as práticas religiosas sincretistas. Muitos adoradores de Iavé que juram por ele também fazem o mesmo por“seu rei” ( n jb   marg., TM). Alguns revocalizam essa expressão, acom

 panhando uma recensão da LXX, de modo que se leia Milcom (“Molo-que”, BLH), Deus amonita (cf. 1 Rs 11.5,33; 2 Rs 23.13), embora aforma existente também corresponda a uma divindade babilónica.1Qualquer que seja a interpretação, o que se condena energicamente é a

mistura da adoração do Deus verdadeiro, o Deus da aliança de Israel,com outro deus (cf. Êx 20.3; Dt 5.7). Jurar por outro deus significavaadmitir sua autoridade, algo que era negado a Israel.

6. Há, finalmente, um resumo e uma recapitulação dos delitosmediante a observação de que “os que se afastam” (BJ) tomam-seapóstatas (cf. SI 53.3; 78.57; Is 59.13) e já não seguem Iavé, nem o 

buscam  (2.3; cf. SI 27.8; 105.4; Os 5.6) como seu Deus, “nem o consultam” (BJ; cf. 2 Rs 22.13; SI 105.4; Is 55.6; Am 5.6) em busca deorientação e de esperança. Existe, portanto, nesse versículo, uma gamade atitudes religiosas: indo desde a almejada entrega total e exclusiva aIavé, passando por uma mistura sincretista de adoração iavista e pagã echegando a um paganismo absoluto e a um verdadeiro ateísmo diantede Iavé, o qual é totalmente abandonado. O povo devia guardar-se de

todas essas práticas paganizadoras e permanecer santo para Iavésomente. Contudo, por ter falhado nesse ponto, o próprio Deus efetuará a sua purificação.

III. O DIA DE IAVÉ (1.7—3.20)

O caráter multifacetado do Dia de Iavé é apresentado no restantedo livro. É um dia de julgamento (1.8-3.8) e de esperança (3.9-20). É

um dia especialmente relevante para Deus e seu povo da aliança (1.8-13; 2.1-3; 3.1-7), mas também significativo para outras nações (1.14-

1. Veja o artigo sobre malku, B, ibid., 10 (1977), p. 168-169.

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SOFONIAS 1.8

18; 2.4-15). É um dia de cumprimento histórico (2.4-15), mas tambémde expectativa escatológica e apocalíptica (1.14-18; 3.8-13). É o dia

em que Iavé agirá com toda a sua justiça e retidão, juízo e misericórdiaamorosa; somente ele estará no centro do palco, e, portanto, esse será oseu dia.

a. Anúncio (1.7)

 Na presença do “Senhor Iahweh” (BJ, ARC; Senhor Deus,  ARA,

IBB), o governante e Deus supremo (cf. Dt 10.17; Js 3.13), os ouvintes

recebem a ordem de estarem em “silêncio”, uma interjeição de temore respeito, usada principalmente nos projetos (cf. Am 6.10; 8.3; Hc2.20; Zc 2.13; mas veja também Jz 3.19). Neste caso, a presença deIavé é evidente devido à proximidade (cf. v. 14; Is 13.6; Ez 7.7; 30.3;J1 1.15; 2.1; 3.14; Ob 15) do Dia de Iavé. Não somente está perto, mastambém Iavé fez os preparativos necessários para tal dia. Ele preparou  um  sacrifício ou banquete sacrificial, evento associado às vezes com o

 juízo (cf. Is 34.6; Jr 46.10; Ez 39.17-20). Os “chamados” ou convi-dados  por Iavé para participar do banquete são  santificados,  i.e.,separados para uma função específica (cf. Êx 28.41; Lv 21.8; 2 Sm8.11; Is 13.3). A ironia aí existente é que aparentemente os convidadosaos festejos sacrificiais vão eles próprios servir de sacrifício (cf. Gn22, esp. vv. 7,9). Um sacrifício que agrade a Iavé é feito mediante aoferta daqueles que o desagradaram.

b. A natureza do dia  — julgamento (1.818)

A experiência mais imediata que Israel e as nações terão do Diade Iavé é a de um dia de juízo. Em primeiro lugar, são enumeradas

 para o castigo as outras faltas específicas do povo de Deus, concentrando-se principalmente em Jerusalém e nas práticas religiosas eeconômicas ali existentes (vv. 8-13). São então detalhadas a natureza

do dia e suas conseqüências para toda a humanidade (w. 14-18), em bora a recapitulação de alguns temas una as duas seções.

i. O julgamento do povo de Deus (1.813).  8. Tem início umanova seção com uma referência temporal, “acontecerá” (BJ). Essa pas-

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SOFONLAS 1.9

sagem, contudo, está diretamente relacionada com a anterior, pois descreve algumas das coisas que acontecerão no dia do sacrifício  (cf. v.7), combinando os dois temas anteriormente separados porém relacionados: o Dia de Iavé e o sacrifício. A primeira etapa é a punição(cf. w . 9,12; 3.7) dos oficiais  e dos filhos do rei. A identidade exatadessas pessoas é assunto de debates. Caso a profecia tenha ocorrido noinício do reinado de Josias (veja v. 4), esses oficiais podem ter sidohomens que exerceram autoridade enquanto o rei era menor de idade(cf. 2 Rs 22.1), não sendo tão devotados a Iavé como era preciso. Osfilhos do rei, ou príncipes, poderiam ser aqueles da linhagem real que,

exceto o próprio piedoso Josias, também tinham falta de devoção. Nãoimportando a quem exatamente se refira o texto, o fato é que, no geral,a liderança civil falhou em seus deveres e está sob a condenaçãodivina.

Outro grupo sob juízo, grupo esse aparentemente numeroso, inclui aqueles que usavam vestiduras estrangeiras. Eles poderiam estarvestindo roupas especiais usadas em práticas religiosas pagãs (cf. 2 Rs

10.22), visto que o adjetivo está relacionado a deuses pagãos (cf. Ml2.11). No mínimo, a ameaça indica uma repulsa diante de influênciasestrangeiras, as quais com demasiada freqüência conduziam ao sincre-tismojá condenado (1.4-6; cf. 1Rs 11.1-8; Ne 13.30).

9. Um terceiro grupo de infiéis são aqueles que “saltam” (IBB)como um cervo (cf. Is 35.6) “sobre o umbral”, palavra sempre asso

ciada com algum templo (cf. 1 Sm 5.4-5; Ez 9.3; 10.4,18; 46.2; 47.1).O problema na interpretação dessa passagem obscura é que a última palavra não é compreendida de forma suficientemente clara, e, portanto, também não se compreende sua prática, embora o contexto dê aentender que esse também seja um ritual pagão. Pode ser uma referência ao fato de que a prática dos filisteus de não pisar no umbral  dotemplo de Dagom (1 Sm 5.4,5) tenha sido adotada em Israel, mas nãoexistem indícios que nos forcem a aceitar essa posição. E possíveloutra explicação quanto ao que acontecerá naquele dia, caso a segundaoração do versículo seja vista como uma explicação da primeira, obscura. Gramaticalmente isso é possível, o que resultaria num delito nãoreligioso, mas social. Essas pessoas enchem... a casa dos seus senhores

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SOFONIAS 1.1011

com violência  (cf. Gn 6.11; Hc 1.2-3,9) e engano. Isso pode referir-sea seus palácios reais tomados de violência, a ponto de transbordar (cf.

Am 3.10), em lugar da justiça e retidão que se espera de um rei. Commaior probabilidade, no contexto de delitos religiosos, os  senhores mencionados seriam referência aos deuses pagãos (cf. BLH,), expressãoempregada em outros lugares para descrevê-los.1 Isso está em contraste e oposição direta a Iavé, o verdadeiro Senhor (v. 7). A adoraçãodeles é fraudulenta e violenta, não contendo verdade, nem esperança,nem paz.

10-11. Dando seguimento a sua solene declaração (veja vv. 2-3) arespeito daquele dia (veja vv. 7,8,9) de sacrifício, o profeta descreve asreações dos habitantes dos distritos e arredores de Jerusalém. Levantarão um grito  em aflição (cf. Gn 27.34; SI 9.12; Jr 48.3) e um uivo (v.11; cf. Is 15.8; Jr 25.36; Zc 11.3) diante da destruição e do juízo queocorrerá (veja v. 13). A terceira reação é, literalmente, “um granderompimento” , expressão geralmente interpretada como o ribombar que

acompanha a destruição (cf. ARC, IBB, BJ). É, contudo, também utilizada no contexto de gritos angustiados (cf. ARA, BLH; cf. Is 15.5;65.14; Jr 48.5; 51.54), um emprego que se encaixa bem nesse contexto.

Os pontos geográficos específicos de Jerusalém são indicadoscomo locais onde tiveram origem tais clamores. A  Porta do Peixe  ficava no lado norte da cidade (cf. 2 Cr 33.14; Ne 3.3; 12.39), sendo provavelmente a principal porta ali.2 Por causa dos aclives acentuados

nos outros lados de Jerusalém, a cidade era mais vulnerável ao norte.A “segunda parte” (IBB, ARC) ou “cidade nova” (BJ; Cidade Baixa, ARA; cf. BLH) era, de acordo com o nome, uma ampliação mais recenteque ficava ao norte do Templo e da parte principal da cidade (cf. 2 Rs22.14; possivelmente Ne 11.9).3 “Os montes” (BLH, BJ; os outeiros ARA, IBB, ARC) são uma descrição mais genérica, embora àquela época

1. Veja C.-F. Jean e J. Hoftijzer,  Dictionnaire des inscriptions sémitiques de l'ouest  (E. J. Brill, 1965), p. 5.

2. Veja uma possível localização em Y. Aharoni e M. Avi-Yonah, The Macmillan  Bible Atlas (Macmillan, 1968), mapa 170.

3. Ibid., mapa 114.

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SOFON1AS 1.1213

 pudessem muito bem ter sido uma referência mais específica, conhecida na região. Uma vez que os dois locais anteriores ficavam no

norte de Jerusalém, esses montes talvez ficassem também naquelaregião.O mesmo tema de desolação iminente prossegue, embora agora

as pessoas recebam ordens para uivar, porquanto chegou a hora do juízo. Os destinatários da mensagem são aqueles que moram no“morteiro” (PIB),  possivelmente uma pedreira escavada que fazia lem

 brar um morteiro ou pilão (cf. Jz 15.19; Pv 27.22). Devido aomovimento de progressão pelos locais anteriores, essa região provavelmente se situa ao sul da “segunda parte”. O contexto que segue sugereque é uma área comercial (cf. “a Rua dos Padeiros” em Jr 37.21). Omotivo da angústia é a destruição (ARA, IBB, ARC; cf. 2 Sm 21.5; Os4.6; Ob 5) ou aniquilamento (BJ) daqueles que lidam com prata, sejameles banqueiros, sejam negociantes (cf. IBB marg., BJ marg.). Numaafirmação paralela, eles são chamados de o povo de Canaã, nação cujahabilidade comercial foi-se desenvolvendo ao longo dos séculos poste

riores quando ficou conhecida com o nome de Fenícia, e cujas atividades mercantis mesmo em tempos mais remotos parecem ter sido

 proverbiais (cf. Jó 41.6; Pv 31.24; Is 23.8; Ez 16.29; Os 12.7). Serãoarrasados não somente as práticas religiosas pagãs, mas também ocomércio, em particular sua influência estrangeira (cf. 1 Rs 5.11; 9.26-28). Aqui não se apresenta razão alguma para esse colapso comercial,mas os negócios desonestos provavelmente eram um fator prepon

derante, como foram para outros profetas (Am 8.5,6; Mq 6.10,11). Desorte que Deus se preocupa não somente com a perversão religiosa,mas também com os delitos econômicos.

12-13. Iavé volta então sua atenção para o futuro, naquele tempo (cf. vv. 7,8,9,10), para Jerusalém  em sua totalidade, culminando comsua entrada na cidade pelo lado norte (w. 10-11). Ele esquadrinhará 

ali com lanternas,  de forma que ninguém poderá escapar (cf. 1 Rs20.6; 2 Rs 10.23; Lc 15.8). Ao contrário de Diógenes, filósofo grego pré-cristão que estava à procura de um homem honesto, neste contextoIavé não procura a retidão, mas o pecado, para castigá-lo e erradicá-lo(cf. Is 10.12; Jr 6.15; 44.13). Nesse caso o pecado não é de comissão

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SOFONIAS 1.1213

(cf. w . 4-11), mas de omissão. Descrevem-se os homens1 que serão punidos, utilizando-se uma metáfora que se baseia num aspecto do processo de fermentação do vinho. Quando o vinho é posto para des

cansar, as partículas sólidas mais pesadas sedimentam-se, deixando a borra no fundo do jarro ou da garrafa. Isso pode ocasionar um espes-samento ou numa coagulação, caso o vinho fique repousando tempodemais (cf. Êx 15.8; Jó 10.10). Em vez de serem úteis, como o bomvinho envelhecido (cf. Is 25.6), as pessoas ricas (cf. IBB, BJ) e influentes de Jerusalém, aquelas que possuem casas, vinhas  e vinho  estagnarão na indiferença e na inação. G. A. Smith expressou claramente o

 problema quando escreveu: “As grandes causas de Deus e da Humanidade não são derrotadas pelos assaltos violentos do Diabo, mas pelamassa de gelo lenta, esmagadora, composta por milhares e milhares de

 joões-ninguém indiferentes. As causas de Deus jamais são destruídas pela explosão, mas pelo abafamento“ .2

Em lugar de condenar o uso do álcool, conforme se poderia entender a passagem (NEB), Sofonias condena a apatia. Esse problema é

exacerbado pelo virtual ateísmo do povo. Embora não neguem obrigatoriamente a existência de Iavé na teoria, na prática negam sua atividade, quer para o bem,  quer para o mal. Nem bênçãos, nem tristezas

 brotam dele.Essa idéia do não-envolvimento de Deus na vida nacional é uma

heresia séria por parte de Israel, opondo-se à idéia israelita de queDeus está ativa e continuamente envolvido na história, desde a criação,

 passando pelo chamado de Abrão, o êxodo, seu encontro com Israel noSinai, a conquista, indo até sua constante atenção para com as questõesdo estado israelita. A ausência de uma intervenção real, histórica deDeus nos acontecimentos do mundo, para trazer tanto bênçãos quantocastigos, importaria em que a fé deles seria tão sem sentido quanto o

1. Uma emenda textual sugerida, que envolve o deslocamento uma letra e aduplicação de outra, resulta em “aqueles que estão à vontade” (veja  niv;  cf. Is

32.9,11; Am 6.1; Zc 1.15). A complacência e a falsa segurança encaixam-seexatamente no contexto tal qual interpretado no caso desse versículo, mas militacontra ela o fato de os manuscritos carecerem de indícios que favoreçam a leitura

 proposta.2. G. A. Smith, p. 54.

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SOFONIAS 1.14

seria a fé cristã, caso Jesus não tivesse real e historicamente ressuscitado dentre os mortos.1

Sofonias mostra que essa teologia irresponsável é simplesmentetão negativa quanto uma revolta ostensiva contra Deus. Resultará nadestruição e no confisco das próprias fontes do poder pertencenteàqueles que se recusam a se mover para usá-lo em prol do bem (cf. Dt28.30-42; Am 5.1 l :M q 6.15).

ii. O julgamento do mundo (1.1418).  Agora Sofonias passa a

uma descrição do Dia de Iavé (veja v. 7), com suas batalhas cataclísmicas que afetarão o mundo inteiro e contra as quais as riquezas nãoservirão de proteção. Assim, o foco da profecia deixa de lado umamensagem nacionalista a Judá e passa para uma advertência universal,escatológica, a todas as pessoas.

O conceito acerca do dia deixa de lado um entendimento ingênuo, popular, de que esse dia implica apenas o ato de Iavé conduzir seu

 povo à exaltação final para a supremacia global, simplesmente porqueele escolheu aquela nação (veja Am 5.18-20). A eleição também im plica responsabilidade (Am 3.2), de forma que nos profetas o Dia deIavé também mostra o aspecto de julgamento, caso não se leve emconta a responsabilidade. Ademais, o dia tem importância não apenasnacional, mas é visto aqui como algo que afeta todas as nações. Essedesenvolvimento da natureza bifacetada e da universalidade do dia es-catológico culmina com a segunda vinda de Cristo, o dia derradeiro(cf. 2 Ts 2.2), o qual é ao mesmo tempo bifacetado e universal (cf. Mt24.3-33; 1 Co 5.5; Ap 19—22).

14. Para o profeta, um aspecto importante do Dia de Iavé (cf. Is2.6-22; J1 2.1-11; Am 5.18-20) é que está perto no tempo (veja v. 7),algo que se salienta aqui mediante a repetição e a posição enfática da

 palavra no início do versículo hebraico. Está perto e se aproxima rapi-

1. Veja a apresentação clássica da importância que a realidade histórica tem para umafé significativa em L. B. Gilkey, “Cosmology, Ontology, and the Travail of theBiblical Language”, JR  41 (1961), p. 194-205.

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SOFONIAS 1.1516 

damente.1O dia também é grande  (cf. J1 2.11,31; Ml 4.5) em sua im portância para toda a criação.

A descrição de algumas das características do dia prossegue até oversículo 16, iniciando aqui com uma palavra ambígua que poderia seruma “voz” (IBB) que é amarga, mas é difícil entender o Dia de Iavé

 possuindo uma voz. Outros têm visto aqui uma referência ao“sonido”, “barulho” ou “clamor” (BJ) daquele dia. Possivelmente,

 pelo contexto, o mais satisfatório seria uma exclamação equivalente a“escuta/ouve”; é audível uma voz (cf. Is 40.3,6), e sua mensagem en

volve não somente amargura, mas também um “grito de batalha” dado por “ soldados mais valentes” (BLH; cf. Is 42.13; cf. Sf 3.17).

15-16. Uma relação de características aterradoras daquele dia (veja v. 14) é dada no estilo de  staccato,  com a palavra dia repetidaseis vezes nesses dois versículos, um possível eco dos seis “bons” diasda criação (Gn 1.1-31).2 Esse dia é vividamente descrito como repletode indignação por parte de Iavé (cf. v. 18; Ez 7.19; Os 5.10; Hc 3.8).Cinco pares de palavras sinônimas descrevem seus efeitos no homem.O primeiro envolve “tribulação” (IBB, BJ; a ARA omite essa palavra) eangústia (veja também ARC; cf. v. 17; Gn 35.3; Jó 15.24; SI 25.17; Ob12,14; Na 1.7). O par seguinte envolve “destruição” e “devastação”(BJ; cf. Jó 30.3; 38.27; SI 35.8; Is 47.11) física, um jogo de palavrascom duas formas da mesma raiz hebraica.3 O pavor é acentuado pelaescuridade (cf. Jó 3.4; J1 2.2; Am 5.18,20) e negrume (cf. Êx 10.22; Is

8.22; 58.10; J1 2.2), nuvens  (cf. SI 97.2; Ez 30.3; 34.12; J1 2.2) e den- sas trevas  (cf. Is 60.2; Jr 13.16; Ez 34.12). Essas manifestações, bemcomo o “toque de trombeta” (RSV, cf. Is 27.13; Ez 33.3; Am 2.2) e o“grito de guerra” (BJ; cf. Js 6.5; Jz 7.18,22; Am 1.14; 2.2), são características do tumulto e do pavor de uma teofania, quando o Deus todo-

1. A forma adverbial hebraica “apressando-se” pode ser entendida, a partir de fontes

extrabíblicas egípcias, fenícias e ugaríticas, como uma espécie de soldado — umametáfora para Iavé, o Guerreiro Divino — que está se aproximando, num paralelismo sinônimo com o dia que vem vindo. Veja A. F. Rainey, “Thesoldier-scribe in Papyrus Anastasi I”, j n e s  26 (1967), p. 58-60.

2. Veja Craigie, p. 116.3.  shõ ’âh, meshô ‘âh.

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SOFONIAS 1.1718

 poderoso encontrava-se com seu povo (cf. Êx 19.16-19; 20.18; Dt4.11). Deus, o guerreiro, está-se lançando numa batalha não somentecontra os inimigos de seu povo (veja o comentário sobre 3.17), mastambém contra o seu próprio povo, visto que, a essa altura, está agindocomo inimigo de Deus. No caso do público de Sofonias, a avassaladora presença de Iavé, em seu dia, não objetiva bênçãos, tal comoexperimentaram no monte Sinai, mas juízo. Mesmo os baluartes deJudá, fossem “cidades fortificadas” (IBB; cf. Nm 13.28; Dt 3.5; Is36.1; Os 8.14) ou cidades com torres altas  (cf. 2 Cr 26.15), não conseguiriam suportar a ira de Deus.

O possível eco de Gênesis 1, mencionado acima, pode indicar quese deve ver o juízo aqui descrito como uma inversão da criação. O pecado do homem conduz à punição divina, a qual, em conseqüência,leva a criação de volta aonde estava antes de Deus formar o universo.A luz dá lugar às trevas, e a ordem da criação bem estabelecida retomaà desordem (cf. Gn 1.2; Jr 4.23-26). Substitui-se pelo juízo a soberana benevolência que Deus tem em suas boas provisões, e retêm-se suas

 bênçãos.

17-18. Iavé, cuja presença foi poderosamente sentida na descriçãode seu dia (w . 14-16), agora fala pessoalmente. Ele mostra que o juízonão se restringe unicamente a Judá, mas aplica-se a todos os homens (cf. Gn 1.26-27). Sobre eles Iavé trará angústia  (cf. v. 15; Dt 28.57; 1Rs 8.37; Jr 10.18), de modo que hesitarão e desesperadamente bus

carão um rumo como se fossem cegos,  em que sua cegueira é umamaldição pelas ações erradas (cf. Dt 28.28,29; Is 59.10; Lm 4.14; At9.8) de pecar contra  o próprio Senhor.  Aparentemente essa últimaoração é um comentário do profeta, porquanto fala acerca de Iavé, emvez de transcrever sua fala. Serve de transição entre a primeira metadedo versículo, na qual Iavé está ativamente envolvido como sujeito doverbo, e a última metade, em que os verbos estão na voz passiva. Iavéainda é aquele que provoca as ações, mas não é mencionado explicitamente. Assim como o pó é  barato e tem bem pouco valor devido àsua abundância (cf. 2 Rs 13.7; Is 41.2; Zc 9.3), também será o  sangue derramado dos pecadores (cf. Gn 9.6; SI 79.3). O mesmo verbo estáimplícito na frase seguinte (cf. IBB; mas veja a ARA), onde está ligado

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SOFONIAS 2.12

a um segundo objeto direto, tão sem valor quanto o esterco  (cf. 1 Rs14.10; Jó 20.7; Ez 4.12,15). Não é clara a exata identidade desse

segundo objeto sem valor. O único outro emprego da palavra (Jó20.23) não fornece ajuda alguma para o atual contexto, e as traduçõesexistentes parecem basear-se no contexto {carne, ARA, IBB, ARC; “cor

 pos” , BLH; “entranhas”, BJ). Outra possibilidade que merece consideração é ler a palavra revocalizada como “seiva”, o fluido da vidaque, na frase, faz paralelo com “sangue” .1

A humanidade procurou na  prata   e no ouro  o livramento do

 juízo, talvez uma referência a suas riquezas (vv. 11,13; cf. Jr 4.30),mas mais provavelmente a ídolos que costumavam ser feitos dessesmateriais (cf. Is 2.20; 30.22; Ez 7.19-20). Objetos ou símbolos

 palpáveis de deuses inexistentes não salvarão nesse dia, novamentecaracterizado pela indignação  de Iavé (v. 15). Seu  zelo,  a feroz proteção da posição singular de Deus como único criador e Deus daaliança (veja p. 27; cf. SI 79.5; Ez 16.38,42; 36.5), “destruirá o mundo

inteiro” (BLH; veja vv. 2-3; 2 Pe 3.10-12) como que com fogo  (3.8; cf.Dt 4.24). Essa última frase é repetida em 3.8 como uma espécie de refrão. São esses, especificamente, os moradores da terra chegarão totale rapidamente ao fim (cf. Is 10.23; 28.22; Jr 30.11; Na 1.8). Dessamaneira, a punição divina, à semelhança do pecado que a ocasionou, é,ao mesmo tempo, universal e radical.

c. A reação exigida (2.13)

A atenção volta-se de novo para o próprio povo de Deus (veja1.4-13), após uma visão mais ampla do julgamento universal (1.14-18), que é assunto mais tarde retomado (w. 14-15). O juízo severoainda está presente (v. 2), mas agora poderia ser temperado com esperança caso se tivesse a reação correta para com Iavé (v. 3).

1-2. Nesta altura o povo de Deus é chamado de nação (gôy),  adescrição usual das pagão. Embora eventualmente empregada paradesignar o próprio Israel (e.g., Êx 19.6; Dt 4.6; Is 1.4; 9.3; 10.6; cf. Sf 

1. têah com mem  enclítico; veja Sabottka, p. 57; R. L. Smith, p. 128.

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SOFONIAS 2.3

2.9), a expressão pode ter sido deliberadamente empregada para nivelar Israel “sem pudor” (IBB; “sem vergonha”, BLH) com as nações

 pagãs, no que diz respeito a seu comportamento e atitude diante deDeus. Eles não o reconhecem, embora isso seja o pré-requisito paraverdadeiramente serem o povo da aliança ( ‘am)  de Iavé (vv. 8-9; cf.Êx 6.7; Dt 7.6). São chamados a se “congregarem” (IBB) antes  queseja tarde demais. Não é clara a descrição que se faz das pessoas. É

 possível que sejam caracterizados por uma falta de vergonha (cf. ARA,

IBB), acompanhando a LXX, mas o verbo geralmente se refere a desejoou anseio (cf. ARC; Gn 31.30; SI 84.2). Tem-se sugerido que a

 partícula negativa não  (vista, na IBB, na preposição “sem”) deve serentendida como “nada”, o objeto do verbo, numa referência a ídolos,como são depreciativamente chamados em outras passagens (e.g., 2 Rs17.15; Jr 2.5).1O povo anseia pela ajuda de deuses que “nada” são, enão pela ajuda do Criador do universo (cf. Jr 2.11-13). Isso estabeleceria uma relação de sentido com aquilo que já se declarou acerca do

 povo em 1.6,12. No entanto, a sugestão parece ultrapassar o uso nor

mal da partícula. Embora a designação esteja obscura, não é lisonjeira,devido às atitudes negativas expressas, nesse contexto, em relação ao

 povo de Deus.O povo deve reagir rapidamente, pois algumas coisas são iminen

tes e devem logo acontecer, conforme se vê na tríplice repetição de an-tes que, outra alusão à proximidade do Dia de Iavé (1.7,14). Aí o dia édescrito na relação que tem com sua ira  (cf. Lm 2.22), sua “ardente

ira” (BJ; 3.8; cf. Êx 32.12; Is 13.9,13; Os 11.9; Na 1.6), que vem sobrea nação em resultado do pecado.

3. É dada uma incumbência positiva aos “humildes”  (BLH; man- sos, ARA, IBB, ARC) da terra, Israel, a terra e nação escolhida por Deus(cf. v. 1). Esses são os que, em pobreza de espírito (cf. BJ; 3.12; Is11.4; Am 8.4; Mt 5.3) dependem, para sua defesa, de Deus e não deseu próprio poder ou de suas próprias maquinações. Sua humildadeestá no fato de saberem que estão desamparados, de modo que são

1. Sabottka, p. 62-3.

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SOFONIAS 2.3

chamados a buscar   três coisas (cf. a tríplice repetição de “antes que”,v. 2). Devem, primeiramente, buscar Iavé, seu Deus da aliança. Será

dele a indignação e o juízo que o dia de Iavé trará sobre aqueles que, àsemelhança de alguns em Israel, não o buscam (cf. 1.6). Também, emcontraste com aqueles que o abandonaram, os humildes devem ter vidas piedosas, caracterizadas pela “prática da justiça” (“vós [...] que realizais a sua ordem”, BJ). Nas Escrituras, com freqüência a justiça vemacompanhada da retidão (cf. Is 1.21; 9.7; Am 5.24), que também deveser procurada, assim como a “humildade” (BLH; mansidão,  a r a , IBB, 

ARC), uma obediência submissa a Deus (cf. PIB; cf. Nm 12.3; 2 Sm22.36; SI 45.4; Pv 15.33). Devem-se buscar todos esses atributos positivos e piedosos, em vez do paganismo obstinado que não tem limites,mas mesmo então, a salvação — estarem “protegidos” (BJ) da destruição provocada pela ira de Iavé — não estará garantida. Deus podesalvar, mas também pode punir, de forma que é concedida esperançaaos piedosos, mas sem garantias. Pois mesmo os mais piedosos estãoentre aqueles que têm inflingido a lei de Deus, à qual são chamados a

voltar, de maneira que a decisão de salvar é, em última instância eacima de tudo, uma decisão da graça de Iavé.

 Nesse versículo a palavra teologicamente significativa a respeitoda ajuda divina é porventura  (“talvez”, BJ; cf. Êx 32.30; Am 5.15).Pode-se sugerir que “talvez” se refira à possibilidade do arrependimento e da subseqüente salvação de Judá, havendo incerteza quanto àreação do povo, não à de Deus. Sofonias, contudo, não parece ter

muita esperança de que esse arrependimento venha a acontecer (3.7).Essa interpretação pode ser teologicamente mais digerível, mas não parece ter apoio na sintaxe do texto. Em sua santidade e justiça, Deus pode e deve punir o pecado; essa é a verdade de que seu povo é constantemente lembrado. Isso, todavia, não é tudo o que Deus é; caso contrário, a humanidade toda estaria perdida. O fato de ela não ser destruída reside na misericórdia, na compaixão e no amor de Deus, que

igualmente constituem partes de seu ser. O pecado conduzirá à punição, algo de que Israel podia ter certeza, mas também podia estar certode que o arrependimento e uma volta a um relacionamento de aliançacom Deus o levariam à sua salvação e restauração (cf. Êx 34.6,7; Dt30.1-10; Ne 9.17; SI 130.4; Dn 9.9; 1 Jo 1.9). “Talvez” salvaguarda a

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SOFONIAS 2.4

soberana liberdade de Deus, mas a plenitude de seu ser alivia esse“talvez” de qualquer ansiedade ou incerteza, porquanto se pode con

fiar que Deus, na qualidade de justo Juiz de toda a criação, fará o que écorreto (Gn 18.25). Do lado humano, não se deve usar erroneamente o perdão divino como uma “graça barata”, uma garantia contra a punição do pecado (cf. Rm 6.1); mas, do lado divino, em face do arre pendimento verdadeiro não existe nenhuma outra reação possívelsenão o perdão. Exige-se do povo pecador a reação para com Deus, e areação de Deus para com eles pode, com segurança, ser deixada emsuas próprias mãos.

d. Cenas específicas de julgamento (2.4 — 3.8)

i. Filístia (2.47). Voltando seu olhar novamente para o juízo conforme será experimentado por outras nações (cf. 1.18), Sofonias utilizao exemplo daquilo que aguarda as nações vizinhas como uma advertência, dando a Judá bons motivos para arrepender-se, como já os

havia advertido a fazer (vv. 1-3). Essa relação causal entre os versículos 2.1-3 e 2.4—3.8 é vista na partícula porque  (ARA, ARC; cf. “sim”,BJ), que liga esses oráculos contra as nações com a descrição do Dia deIavé, mas a BLH perde esse significado ao omiti-la.

4. As quatro principais cidades dos filisteus são advertidas de destruição iminente. A apresentação da primeira e da última envolve aliteração, jogo com os sons das consoantes empregadas.1As quatro ci-dades-estados são apresentadas progressivamente do sul para o norte.Gaza, Ascalom, Asdode  e  Ecrom  serão, respectivamente, “desam parada” (cf. Is 17.9; Jr 4.29), deserta (cf. Lv 26.33; Jr 4.27; 9.10), des povoada pela expulsão de seus habitantes (BJ, BLH; cf. SI 78.55; 80.8;Mq 2.9) e desarraigada  (cf. Ec 3.2). Diz-se que o infortúnio de Asdode terá lugar ao meiodia,  possivelmente referindo-se à sua re pentina e inesperada derrota sob o calor soporífero do dia (cf. 2 Sm

4.5; 1 Rs 20.16; Jr 6.4; 15.8) ou à força do ataque, que prevaleceria emapenas meio dia.

1. ‘azzâh “zúbâh e ‘eqron fê ‘aqer.

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SOFONIAS 2.67 

5. Por meio do profeta, Iavé dirige-se agora diretamente aosfilisteus. São chamados de quereítas  (cf. 1 Sm 30.14; 2 Sm 15.18; Ez25.16), uma menção a seus antigos elos geográficos com Creta. O fatode morarem no litoral   (v. 6) é salientado nesse oráculo de ai  (cf. Am5.18; 6.1; Hc 2.9,12,15,19). São advertidos de que são os destinatáriosda  palavra   de Iavé. A destruição deles recebe a sanção do próprioDeus, que declara que causará o aniquilamento dos habitantes daFilístia. Num título estranho, a terra dos filisteus  é chamada de Canaã. Em geral se emprega esse termo para designar o território dos naturais

da terra, antes das incursões dos israelitas e filisteus. Aparentementetambém se emprega para indicar as regiões litorâneas ao sul (cf. Js13.3). Essa pode ser uma referência ao intercâmbio comercial realizado na região (veja o comentário sobre 1.11).

6-7. Descreve-se o futuro da região filistéia, não sob o aspecto deum abandono permanente, mas de reocupação por pastores e seus cur-

rais. A oração do meio do versículo 6 propicia dificuldades gramaticais, mas parece que os quereítas são mencionados de novo (veja v. 5)1como donos de pastagens  (cf. SI 23.2; Jr 23.3; J1 2.22; Am 1.2) queserão expropriadas por outros, a saber, os restantes de Judá.

O conceito do remanescente possui dois aspectos, revelando tantoo santo juízo quanto sua bênção graciosa de Deus (cf. a análoganatureza bifacetada do Dia de Iavé). O juízo de Deus contra o pecador

será tão devastador, que a nação será reduzida a tal ponto que somenteum remanescente, uns poucos sobreviventes massacrados, permanecerá (cf. Gn 7.23; Is 17.6). No entanto, em cada um desses e de outrosexemplos, o aspecto da esperança está, no mínimo, implícito, visto queas pessoas não são totalmente destruídas (cf. Js 10.40; Jr 50.26). Pelomenos um remanescente, uns poucos sobreviventes massacrados, permanecerá. O remanescente aqui (cf. 1.4; 2.9; 3.13), os refugiados da punição divina, é um símbolo de esperança para Israel, uma vez que o

 julgamento prometido não será total. O tema do remanescente é

1. Parece que houve uma alteração vocálica na palavra keret,  resultando numaassonância com “pastagens”, i.e., nevõt kerõt.  Também foi sugerida outra raizcom o sentido de cavar, resultando em “escavações” ou refúgios (a r a ).

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comum nos profetas (cf. Jr 23.3; Am 5.15; Mq 2.12; 5.7,8), exemplificando tanto a severidade da punição de Deus como também a graciosi

dade de sua misericórdia. Virá a destruição, mas não a aniquilação.Os novos moradores também utilizarão as habitações dos filisteus

 para se instalarem (2.14; 3.13). O motivo dessa bênção é que o próprioIavé, o fiel Deus da aliança de Israel, os “visitará” (ARC; cf. Gn 21.1;Jr 15.15). Em vez das privações experimentadas anteriormente, serárestaurada a sorte do povo de Deus (veja o comentário sobre 3.20).

Vê-se que a passagem concernente aos filisteus é uma unidade

devido à estrutura de inclusio ou inserção, em que um elemento que dáinício à unidade é repetido no seu final. Nesse caso, a partícula causal porque (v. 4), que introduz a visita divina de cuidado para com Israel,também conclui o versículo 7 (veja ARA, ARC, BJ, IBB).

ii. Moabe e Amom (2.811).  Deus continua falando na primeira pessoa (veja 2.5), agora dirigindo sua atenção para dois povos daTransjordânia. Embora, segundo a narrativa bíblica, etnicamente aparentados dos israelitas (veja Gn 12.4-5; 19.30-38), freqüentementeestavam em confronto com eles, quer ativamente se opondo a Israel,quer verbalmente os atacando, como fazem aqui (vv. 8,10). Cada umadas duas nações é tema de outros oráculos (Is 15—16; Jr 48; 49.1-6;Ez 25.1-11; Am 1.13—2.3), embora nunca num oráculo conjuntocomo o que se encontra aqui. O profeta também emprega o oráculo

 para declarar um futuro retomo universal a Iavé (v. 11).

8. Os erros de Moabe e dos amonitas são apresentados em detalhes (cf. v. 15; 3.1-4,7), além das formas de punição que sofrerão.Ataques verbais, escárnio  (3.18; cf. Is 25.8; 51.7; Ez 16.57; 36.15) einjuriosas palavras ou blasfêmias (cf. Nm 15.30; 2 Rs 19.6,22; Is 51.7;Ez 5.15) são dirigidos contra o povo da aliança de Iavé, Israel (veja ocomentário sobre Hc 3.13). A última frase do versículo também pode

referir se a uma investida verbal, embora o seu sentido não fique claro.Literalmente “expandiram sua fronteira”, essa oração tem sido vistacomo uma descrição da expansão territorial à custa dos israelitas (IBB),

embora não se encontre em mais nenhum lugar uma construçãoexatamente igual a essa, com esse sentido. A construção é empregada

SOFONIAS 2.8

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SOFONIAS 2.9

em outras passagens para indicar a vanglória (ARA, BJ; cf. SI 55.12;138.2; Jr 48.26,42; Ez 35.13), o que se encaixaria no contexto aqui, de

regozijo à custa de seus inimigos.

9. Declara-se com grande solenidade e força o juízo resultante.Sua certeza é garantida mediante a invocação de nomes e títulos

 poderosos de Deus como “Iavé dos exércitos” , realçando sua naturezade Guerreiro Divino (veja o comentário sobre Hc 3.8-15) e tambémcomo o  Deus de Israel.  Ele é, portanto, universal, mantendo, ao

mesmo tempo, um relacionamento individual com seu próprio povo daaliança. Sua declaração é fortalecida por um juramento feito em nomede sua própria vida (cf. 1 Sm 14.39,45; 19.6; Is 49.18; Jr 22.24; 46.18),

 juramento de que a temível advertência concretizar-se-á. A puniçãodessas duas nações será partilharem da terrível destruição de Sodoma eGomorra, as duas cidades próximas ao mar Morto completamente destruídas por causa de seus pecados (Gn 19.24-26; cf. Dt 29.23; Is 1.9),A comparação é deliberada, visto que os progenitores dos povosmoabitas e amonitas foram concebidos num incesto, no episódio bíblico seguinte ao da destruição das duas cidades (Gn 19.30-38). Ressalta-se a perda do verdor e da fertilidade mediante o contraste com ur-tigas  (ARA, ARC, IBB; “espinheiros”, BJ; cf. Jó 30.7; Pv 24.31), poços de sal  (“montão de sal” , BJ; cf. SI 65.13)1e “assolação perpétua”. Todos os três aspectos da comparação são extraídos do episódio das duascidades: a vegetação (Gn 19.25; Dt 29.23), o sal (Gn 19.26; Dt 29.23)

e a longa duração da desolação (cf. Is 13.19-20; Jr 50.39-40). Os beneficiários dessa punição serão aqueles de quem Moabe e Amom tinhamescarnecido (veja v. 8), o restante  (cf. v. 7; 3.13) e os  sobreviventes (cf. Mq 5.3; Zc 14.2) do povo da aliança com Deus (v. 8). Em lugar desuportarem o peso do ataque das incursões estrangeiras, agora os

 próprios israelitas saquearão seu inimigo (cf. Is 11.14; 24.3; Am 3.11),tirando-lhes a posse da terra tal qual haviam feito com os primeiros

habitantes cananeus (cf. Gn 15.7; 22.17; Dt 1.8, embora seja usado um

1. Esta última baseia-se no cognato acadiano karü  (montão), mas a primeiraharmoniza-se bem com a raiz hebraica kãrâh,  “cavar, escavar” (cf. Gn 50.5; SI7.15; 40.6).

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SOFONIAS 2.10

verbo diferente nesses versículos). Demonstra-se aí a justiça de Deusna exaltação que faz dos oprimidos e na eliminação dos opressores.

10. Agora fala o próprio profeta, fazendo, em prosa, um resumodo oráculo de Iavé que acabou de ser dado (w . 8-9). Descreve o con

 junto de erros que resultam da  soberba  (cf. v. 15; SI 59.12; Is 13.11;16.6; Ez 16.49). As ações detalhadas são uma reprise do versículo 8, eo nome e o título de Iavé são tirados do versículo 9.

11. Nesse ponto, o oráculo termina, deixando o foco histórico egeográfico limitado, colocado sobre Moabe e Amom, passando aabranger o restante do mundo. O terrível poder de Iavé (cf. Êx 34.10;SI 47.2; 66.5; 89.7) manifesta-se diante dos países transjordanianosquando age contra todos os seus deuses. A forma verbal que descreveo que Iavé faz ocorre somente aqui, mas a raiz parece ter o sentido de“causar magreza ou perda” (cf. Is 10.16; 17.4; Mq 6.10). Deus está,

 portanto, exibindo as fraquezas dos deuses e a diminuição do poder

deles, visto que, em última instância, ele destruirá o poder de seusadoradores e seus exércitos (cf. 3.8,19). Não apenas o poder dosdeuses terá desaparecido, mas aqueles que os adoram “prostrar-se-ão”(BJ) diante de Iavé. Eles, os próprios povos pagãos em suas “regiões”mais distantes, adorá-lo-ão, cada um vindo da própria região em quehabita. Isso pode significar que estrangeiros irão afluir para Jerusalém(cf. Is 2.3; Mq 4.1; Zc 14.16) ou então que o culto a Iavé já não estará

geográfica ou etnicamente limitado a um único local e povo, mas todoso reconhecerão (veja 3.9). Existe um paralelo estrutural no final decada metade do versículo (veja IBB, ARC, BJ), em que a totalidade (“todos”) dos deuses sob condenação é contrastada com a extensão universal (“todos”) da adoração do Deus verdadeiro.

iii. Cuxe (2.12).  Dirigindo-se para o sul de Israel, o oráculo

seguinte diz respeito aos etíopes ou cuxitas. Essa é provavelmente umareferência ao Egito, uma das duas principais potências, que, no fmal doséculo VIII e início do século VII a.C., estivera sujeito à vigésimaquinta dinastia etíope (cf. 3.10; Is 11.11; 18; 20.3-6). Pode, contudo,referir-se à derrota do Egito diante de Cambises II da Pérsia, em 525

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SOFONIAS 2.14

a.C. Caso se refira à Etiópia e não ao Egito, sabemos que Cambisestambém realizou uma campanha no Alto Egito durante o mesmo

 período. Essa nação, à qual Iavé se dirige aqui diretamente, encontraráa destruição militar, a morte (cf. Nm 19.18; Is 22.2; Jr 14.18) pela própria espada de Iavé (cf. Is 34.5-6; 66.16).

iv. Assíria (2.1315).  Dirigindo-se agora para o norte,  Iavé agecontra a segunda grande potência da época, a Assíria,  e sua capital,

 Nínive  (cf. Naum). Num gesto de julgamento, Iavé decide estender a 

 sua mão (veja 1.4 e referências) a fim de destruí-los (cf. v. 5; Dt 11.4;SI 5.6; 21.10; Is 26.14). Mesmo a poderosa cidade deles, Nínive (cf. Jn1.2; 3.3), tomar-se-á uma desolação  (cf. vv. 9,15) e transformar-se-ánum deserto árido (cf. SI 63.1; Jr 2.6; 50.12; 51.43; J12.20).

14. Acentua-se a profunda desolação mediante a enumeração dealguns ocupantes da cidade. Dentre eles, rebanhos  da nação (cf. Gn

39.19; SI 78.52; Is 40.11) e “animais selvagens” (BLH; “feras”, IBB),forma textualmente difícil.1Ao que parece, a menção aos dois grupostem o propósito de abranger a totalidade do reino animal, animais querdomésticos, quer selvagens (cf. Gn 1.24; SI 50.10). Essas criaturas terrestres têm, no restante do versículo, a companhia dos habitantes docéu.

Os capitéis,  o topo das colunas das paredes destruídas dos

edifícios (cf. Am 9.1), tomar-se-ão o poleiro das aves. Embora haja de bate quanto à exata identificação das aves [pelicano, ARA, IBB, ARC, BJ;

“corujas”, BLH; cf. Lv 11.18; Dt 14.17; SI 102.6; ouriço,  ARA, IBB,

ARC, BJ; “corvos”, BLH; cf. Is 14.23), as duas aves são, em outras passagens, associadas com o abandono e a ausência de habitação humana

1. Lit., “feras da nação” (gôy,  cf. B B , marg.), há um aparente erro de leitura,  ge ',“vale” ou “campo” (cf. LXX, ib b ; veja J. Barr, Comparative Philology and the Text o f the Old Testament   [Oxford University Press, 1968], p. 144, 324).Expressões sinônimas são comuns, e.g., “animais do campo” ( ib b ) ou “da terra”(Gn 1.24,25,30; 2.19,20; 3.1; “bestas feras do campo”, a r c ). A BJ (cf. IBB, marg.)traduz a construção por “animais de toda a espécie”, aparentemente numatentativa de dar algum sentido ao texto difícil, mas sem apoio textual prontamentevisível.

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SOFONIAS 2.15

(cf. Is 14.23; 34.11). Dá-se destaque à desolação com uma partículaantes de cada palavra, mostrando que “até” (BJ; assim... como, ARA,

ARC; “tanto... como”, IBB; mas omitida na BLH) essas duas aves, queem circunstâncias corriqueiras não morariam em cidades, habitarãonesse local agora deserto. Um “assobio” (PIB),  provavelmente dasaves, retinirá  (“se ouvirá”, IBB; “gritará”, BJ; cf. 2 Cr 29.28). Os

 próprios edifícios formam um monturo  tão grande (“desolação”, IBB;

cf. Is 61.4; Jr 49.13; Ez 29.10),1 desde os limiares  das portas (cf. Jz19.27; Is 6.4; Ez 40.6) até o madeiramento de cedro  (cf. Nm 24.6; Is41.19) das paredes ou teto, madeiramento que ficará “posto adescoberto” (IBB) devido à destruição e à falta de manutenção. Essaespécie de abandono à natureza não é incomum para aqueles que seopõem a Deus (cf. Is 13.19-22; 34.11-15; Jr 50.39).2

15. O motivo da queda dessa cidade outrora alegre  (cf. 3.11; Is22.2; 23.7) e confiante (cf. 3.2; Lv 25.18,19; Is 47.8; Jr 23.6; Zc 14.11)é seu orgulho e arrogância, considerando-se (cf. 1.12) sem-igual (Is

47.8; cf. Sf 3.11). Sua insolente afirmação de auto-suficiência e singularidade colocaria a Assíria em choque com o primeiro dos dez mandamentos de Deus a Israel (Êx 20.3), o qual recebera a ordem de terexclusivamente Iavé por Deus. Nínive estava arrogando a si essa posição, usurpando um privilégio reservado somente a Deus. A semelhança do rei da Babilônia que estava para vir (veja Is 14.3-23, esp. v.14), a orgulhosa Nínive seria destruída. O profeta exclama maravi

lhado diante da queda e da degradação que se viam na grande cidade,que se tomara um “deserto” (BLH, p ib ; desolação,  ARA, IBB, BJ; cf.1.13; 2.4,9,13; Is 5.9; Mq 6.16) e “covil de feras” (IBB; cf. v. 14; Ez25.5). Mesmo os transeuntes comuns reagem com zombaria e surpresa, produzindo sons (iassobiará, Jr 19.8; Lm 2.15,16; Ez 27.36) e fazendo

1. A LXX, acompanhada pela BJ e BLH, traz “corvo[s]” em lugar de “monturo”, umaalteração de uma letra, o que facilmente pode ter ocorrido caso o texto tenha sidocopiado mediante ditado. A ave encaixar-se-ia no contexto mais amplo doversículo, mas sua associação com a soleira de uma porta cria problemas.

2. Veja D. Hillers, “Treaty-Curses and the Old Testament Prophets”,  Biblica et  Orientalia 16 (Roma, 1964), p. 44-54.

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gestos, agitando as mãos.1Essa menção das mãos constitui um inclu  sio, abrindo e fechando esse oráculo. A mensagem começa com a mão

de Deus erguida para julgar e termina com uma mão erguida, numa ex pressão de surpresa em face do julgamento efetuado.

v.  Jerusalém (3.17).  Como recurso retórico, o profeta gradualmente chegou ao cerne de sua mensagem de juízo tratando primeirodos povos vizinhos. Os destinatários da mensagem concordariam emque os outros mereciam o que Deus lhes estava dando, portanto não

estariam preparados para uma exposição semelhante de suas própriasfaltas (cf. Am 1.3—2.16). Agora o momento está retoricamentemaduro para confrontar o próprio povo de Deus, Judá, e sua capital,Jerusalém, com o seu pecado (vv. 1-4), sua falta de vergonha (v. 5) ede arrependimento (vv. 6-7).

a. Pecados acumulados (3.15). A identidade da cidade pranteadanesse lamento (cf. 2.5) não está clara. O contexto precedente poderia

sugerir que ainda se faz referência a Nínive, de modo que Israel continuaria concordando com os oráculos em que Deus condena essa cidade. Esse tipo de recurso retórico leva a mensagem a atingir seu objetivo, fazendo com que os destinatários se identifiquem com ela ao concordarem com seu conteúdo. É um recurso de grande força retórica

 porque os ouvintes logo se apercebem de que não é absolutamente Nínive que está sendo condenada, mas Jerusalém, sua própria capital, eque não é o inimigo deles que está sendo julgado por Deus, mas elesmesmos. A falta de reação para com Iavé (v. 2), que é o Deus de Israele não da Assíria, e que está intimamente associado com a cidade condenada (v. 5), apóia a sugestão de identificar Jerusalém com a cidadeaqui mencionada. Essa idéia também tem apoio na semelhança com aestrutura literária de Amós 1.3—2.16. Ali também o próprio povo deDeus, o alvo maior da condenação, é apresentado por último numa série de oráculos contra as nações e assim serve de clímax da passagem.

SOFONIAS 3.15

1. A reação comum diante de um quadro como esse é de menear a cabeça (cf. SI22.7; 109.25; Is 37.22; Lm 2.15). Ao contrário de um movimento agressivo (ARA, 

b j ),  parece que um gesto de comiseração ou zombaria encaixa-se melhor nessecontexto.

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SOFONIAS 3.1

1. Em vez de ser a cidade fiel, a cidade da aliança com Deus, numcontraste com seus vizinhos pagãos, Jerusalém, está na realidade unida

com eles em sua pecaminosidade e infidelidade (cf. Is 1.21). A mensagem é dirigida a ela num lamento (cf. Jr 22.18; 34.5), pois seudestino está selado devido à sua rebeldia (cf. Jr 4.17; 5.23; Os 14.1),contaminação (cf. Is 59.3; 63.3; Ml 1.7,12) e brutalidade opressiva (cf.Jr 25.38; 46.16; 50.16).

2. Prossegue a acusação mediante a apresentação de mais outros pecados da cidade como um todo, entre os quais falta de obediência

(lit., “ouvir à voz” ; cf. 1 Sm 8.7; Jr 3.13) e rejeição da disciplina (v. 7;Jr 2.30; 5.3; 7.28). Iavé, o Deus que firmou aliança com seu povo paradesfrutar um relacionamento todo especial com ele (cf. Ex 19.5-6; Dt4.7,31), é agora rejeitado por seu povo. Eles demonstram falta de confiança (cf. 2 Rs 18.5; SI 13.5; 25.2; 26.1; Is 26.4) e distanciam-se deDeus por não o servirem nem o adorarem como deveriam (cf. Ez44.15).

3-4. Os líderes civis e religiosos dentro da cidade são tambémacusados de atitudes incompatíveis com seus cargos. As duas categorias de liderança civil, oficiais (1.8; Jr 2.26) e juizes, são comparadasa animais selvagens, leões  (cf. Jz 14.5; Pv 28.15; Am 3.8; Na 2.12) elobos da tarde  (cf. Gn 49.27; Is 11.6; Jr 5.6; veja o comentário sobreHc 1.8), ambos conhecidos por sua ferocidade impiedosa (cf. espec. Ez22.25,27). Em lugar de proteger e conduzir o rebanho que lhes foi con

fiado, os líderes devoram o povo com vista a um lucro pessoal (cf. Is56.11; Jr 23.1; Ez 34.2). Realizam tão bem o seu trabalho que nemmesmo restam ossos para serem roídos  (Nm 24.8; cf. Gn 49.14; Pv17.22)' no dia seguinte, um período associado ao julgamento legal e à

 justiça (v. 5; 2 Sm 15.2; SI 101.8; Jr 21.12).

1. Não é claro o exato sentido da oração que indica as ações dos dirigentes, devido à

raridade da raiz verbal (grtn) empregada. Embora possa ter havido algumacorrupção textual (veja W. L. Holladay,  A Concise Hebrew and Aramaic Lexicon o f the Old Testament  [Wm. B. Eerdmans, 1971], p. 64), não existe nos manuscritosuma forte evidência a favor da emenda (cf.  bhs  , nota a., adotada e modificada pelan i v ) . Os outros contextos em que aparece a raiz indicam, na realidade, umaassociação com ossos, de modo que a interpretação proposta possui méritos.

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SOFONIAS 3.5

Os líderes religiosos não são melhores. Os profetas deveriam seros intermediários entre Deus e o homem, apresentando com exatidão e

sem hesitação a vontade divina. Em vez de basear suas palavras nofundamento seguro e fiel da revelação de Deus, falam palavras de simesmos, as quais não possuem nenhum fundamento mais sólido doque as agitadas águas do mar (Gn 49.4; cf. Jz 9.4; Jr 23.32). As

 palavras fiéis de Iavé são substituídas pelos dizeres  pérfidos  dehomens mentirosos (cf. Is 24.16; Jr 3.20). Por outro lado, os  sacer-dotes  tinham a responsabilidade de representar o homem diante deDeus mediante a apresentação de sacrifícios, bem como de ensinar a

lei de Deus ao povo (cf. Lv 1—7; Dt 17.8-13; 21.5). Eles pervertemflagrantemente esses dois encargos. Em vez de santificarem o povomediante rituais de sacrifício, eles  profanam   ou tomam inadequado para o Deus santo (cf. Lv 10.10; 19.8; Ez 20.13) aquilo que é “osanto” (b j ), muito provavelmente uma referência ao Templo (ARA,

IBB, ARC, BLH; cf. 2 Cr 29.7; Is 43.28; Dn 8.13; Ml 2.11). Em vez deguardarem a lei ou a instrução de Deus (cf. Is 30.9; 42.21,24) e de ins

truírem outros a respeito, eles a violam e pervertem (cf. Ez 22.26). Todos aqueles que deviam ter conduzido o povo de Deus num viver justoe santo estão, em vez disso, desencaminhando-o.

5. Iavé também está no meio da cidade (cf. v. 3), mas seu carátere suas ações contrastam com as qualidades dos líderes da cidade (w .1-4). Em particular, sua retidão, que se explica como uma ausência de“iniqüidade” (v. 13; cf. Mq 3.10; Hc 2.12; Ml 2.6), está em contraste

com o mau comportamente deles. Também, a justiça de Iavé revela-sede modo contínuo e confiável (cf. Lm 3.22-23; Os 6.3). O próprio Iavéé infalível e nada lhe falta (cf. 2 Sm 17.22; Is 40.26), jamais é culpadode um erro judiciário, ao contrário do iníquo  (cf. “iniqüidade”, noinício desse versículo; Jó 18.21; 27.7; 31.3), que jamais experimenta avergonha (v. 19; cf. Is 30.3; Jr 2.26; Hc 2.10). Em todos os pontos emque os líderes nomeados da cidade eram negligentes quanto ao caráterou ao cumprimento do dever, Iavé, seu chefe supremo, é fiel em seuser e em suas ações. A despeito de Israel desconsiderar a promessa demanter um relacionamento monogâmico com Deus, exclusivamente(veja 1.4-6), Iavé continua dedicado a seu povo. Ele está ali na própriacapital deles, embora não mais o reconheçam.

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SOFONIAS 3.67 

b. Demonstração desconsiderada (3.67).  Iavé não se caracteriza por uma atitude de capricho nem por uma sofreguidão em punir seu

 próprio povo. Ele agiu contra as nações pagãs (v. 6; cf. 2.4-15) comoexemplo e advertência para seu próprio povo e cidade. Esse aspecto docaráter de Deus, paciência e disposição em adiar ou reter a punição,não é incomum na Bíblia (cf. Êx 34.6-7; Nm 14.18-19; Am 4.6-11;7.1-6; Rm 9.22-24). Essa advertência o povo optou obstinadamente

 por desconsiderar. Tanto a história quanto os acontecimentos correntesrevelam indícios do desprazer divino com o pecado, mas as lições não

são aprendidas.

6. Iavé mesmo fala, contando em detalhes suas ações vigorosascontra as nações1e suas cidades que não o reconheceram como Deus.Os verbos empregados são fortes, indicando grande destruição {exter-minei,  1.3-4; 3.7; cf. Am 1.5; Mq 5.9; Zc 9.6; “estão assoladas”, 1.13;2.4,9,13,15; cf. J1 1.17; Am 7.9; fiz desertas,  Jz 16.24; 2 Rs 19.17; Is42.15; “foram devastadas”,2 BJ; cf. destruídas, ARA, ib b , ARC). Os ob

 jetos de destruição são apresentados como seres animados — nações, transeuntes e moradores — e também inanimados — cidades, praças (cf. Am 5.16; Na 3.10; Zc 10.5) e fortificações defensivas (1.16; cf. Is28.16; Jr 51.26; Zc 10.4). Tudo se tomará em nada.

7. Convoca-se a cidade (vv. 1-5) a adorar Iavé pelo temor (2.11;cf. Gn 22.12; SI 55.19; Is 25.3; 59.19; Ml 2.5; veja Sf 3.15,16) ou uma

vida respeitosa para com ele. Essa não deve ser uma simples reaçãoemocional, mas deve envolver uma mudança de comportamento pelaaceitação da “correção” ( ibb ; v . 2; Pv 1.3; 15.33) ou renovação daobediência a Deus (cf. SI 111.10; Pv 1.7). Caso houvesse a reação correta, não seria destruída  (cf. v. 6) a sua morada.  Isso contrasta fla

1. A  NEB traz “orgulhosos”, acompanhando a leitura da l x x , a qual surge dadiferença de uma letra. Tal como - está, o texto hebraico é  perfeitamentecompreensível, e a emenda proposta não é necessária.

2. Esse é o único uso dessa palavra no Antigo Testamento, de forma que seu sentidosó pode ser inferido a partir de seu uso neste contexto, não sendo portanto,definitivo.

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SOFONIAS 3.7 

grantemente com o destino dos pagãos quando Deus os visitar para punir   (cf. Jó 35.15; Jr 5.9). Essa possibilidade, contudo, não se con

cretizaria pois nem mesmo a catástrofe recente, ocorrida ali ao lado,atingindo Israel, tivera o impacto desejado em Judá.

Ao contrário da esperada reação pronta e positiva diante de Iavé,as pessoas estavam ávidas por continuar em sua corrupção (cf. 4.16; SI14.1; Is 1.4). Isso se revelava em todos os seus atos (v. 11; cf. SI 99.8).Graça ofertada, mas rejeitada desdenhosa e frivolamente — umepitáfio constrangedor para a cidade de Davi.

vi. O mundo (3.8). Num “oráculo” culminante, Iavé promete umfinal cataclísmico a todos os habitantes da terra. “Portanto” (IBB), dizDeus, por terem optado pela rebelião (v.7), as pessoas são orientadas aesperar por Iavé. Freqüentemente o verbo “esperar” tem uma conotação positiva de bênçãos aguardadas (cf. SI 33.20; Is 8.17; 30.18; Mq7.7). Embora isso seja o que as pessoas podem aguardar, não será oque virá. O profeta toma uma frase familiar e transforma-a num

 poderoso recurso de retórica, realçando a questão junto aos ouvintes.Virá o dia em que Iavé se levantará com ira, para exercer juízo (cf. SI76.9; Is 2.19,21), a fim de ser “testemunha” contra todas as pessoas(BJ; para o despojo,x cf. Jr 29.23; 42.5; Mq 1.2; Ml 3.5). A “decisão”(RSV) justa de Iavé (2.3; 3.15 [mispat],  indicando uma “ decisão legal”sendo tomada em cada versículo) é de ajuntar  (w . 18-20; Is 66.18; J13.2; Mq 4.12; Mt 25.32) todas as nações. O objetivo disso é dispensar

o juízo de Iavé sobre eles e fazer cair   (1.17) sobre eles a sua “indignação” (IBB, ARC; cf. Is 10.5,25; 30. 27; Lm 2.6) e a sua ira  (2.2; cf.Lm 4.11). Num refrão que faz ecoar o final da descrição do julgamentodo Dia de Iavé (1.18), essas cenas terminam com fogo consumindo aterra (veja o comentário sobre 1.18). Tanto nos casos gerais (1.8-18)quanto nos específicos (2.4—3.8), a depravação do homem só pode serconfrontada pela ira de Deus, visto que um componente do caráterdivino é a santidade e a incapacidade de tolerar o pecado.

1. O TM, acompanhado pela ARA, ib b   e ARC, traz  Ie‘ad,  “saque” (cf. Gn 49.27; Is33.23). Isso não cabe no contexto da passagem, em que Iavé não saqueia, masdestrói. A leitura adotada aqui, que segue a l x x , encaixa-se muito melhor nessecontexto forense e requer somente uma mudança de vocalização no hebraico.

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SOFONIAS 3.9

e. A natureza do dia  — esperança (3.920)

Conquanto o caráter de Iavé inclua a santidade, a justiça, aretidão e a intolerância para com o pecado (cf. v. 8), também incluigraça, amor e perdão. O juízo ígneo será ministrado com justiça sobretodos os povos, mas não para o aniquilamento completo deles (v. 8).Ao contrário, será para purificação (v. 9) das nações (w. 9-10). Um remanescente justo, dentre o próprio povo de Deus, permanecerá após aremoção da escória do pecado e da rebelião (w . 11-13). O profeta con

voca o povo a rejubilar-se nessa graça (w . 14-17), que é ministradaexclusivamente pelo próprio Iavé (vv. 18-20).

i. Nações convertidas (3.910). 9. Em contraste com seus papéisde juiz e meirinho, executando a punição determinada (v. 8), Iavé assume um novo papel como salvador.  Então,  de conformidade com o

 processo acrisolador de seu julgamento e em conseqüência dele, Deus

transformará (“mudarei”, RSV) os lábios  (“falar”, RSV) dos  povos (1.4; 3.12,19-20), purificando-os (cf. Jó 33.3) como o serafim de Deus purificou Isaías (Is 6.5-7). Poder-se-ia ver isso como uma inversão deBabel (cf. Gn 11.1,6-7,9),* com uma língua comum substituindo uma

 pluralidade de idiomas. Parece que o contexto sustenta melhor uma interpretação teológica do que uma antropológica. A unidade é apresentada não como uma unidade de forma, mas de função. O propósito da purificação, tal como aconteceu com Isaías, é dirigir-se devidamente aDeus. É para invocar o nome de Iavé (cf. Gn 4.26; 1 Cr 16.8; SI 105.1;Is 12.4) em adoração e serviço (cf. Êx 10.26; Nm 8.11; Js 24.14-15,18-19,21-22). Esse serviço não somente será realizado num espírito deunidade (de comum acordo;  “ombro a ombro” no hebraico, cf. ex pressões semelhantes com diferentes partes do corpo em 1 Rs 22.13; Jr 32.39), mas também será universal, pois todos os povos tomarão parte.O propósito da punição, não apenas de Judá mas de todas as nações, é

a restauração de todos, a conversão dos pagãos a Iavé. Desaparecerãoas dissensões e a inimizade, e o resultado será harmonia, e paz, e uma

1. Cf. Craigie, p. 128.

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SOFONIAS 3.12

adoração conjunta de Iavé (cf. 1 Rs 8.41-43; SI 22.27; 102.22; Is 2.2-4;56.1—7; Ml 1.11).

10. Acentua-se a diversidade geográfica dos povos que se voltarão para Deus (v. 9) com a descrição de um desses grupos, um doalto rio Nilo (rios da Etiópia ,  cf. Is 18.1; Sf 2.12). Esse povo trará“oferta” a Deus (IBB; cf. Gn 4.3; SI 72.10; Os 10.6). Tais pessoas sãodescritas como aquelas que oram a Deus (adoradores, ARA, IBB, ARC,

BJ; cf. Gn 25.21; Ex 8.30; Jó 33.26), indicando uma conversão a elecomo Senhor e Sustentador. Estão espalhadas e dispersas (cf. Gn 11.4;

 Nm 10.35; Zc 13.7), geograficamente separadas do centro das açõesgraciosas de Deus na terra prometida. Até os etíopes estão sob seu cuidado soberano, e ele os chama meus  (cf. Is 18.7; 19.18-25; 45.14; At8.26-39).

11. O remanescente preservado (3.1113). Falando outra vez maisespecificamente a Jerusalém e seus habitantes (vv. 1-7), Iavé apresenta-lhes esperança a despeito de seu pecado. Elementos impuros

serão removidos da nação (cf. v. 9) de maneira que permaneça um remanescente justo.

11. Aquele dia, o Dia de Iavé, trouxe castigo e ignomínia devidoaos pecados do povo de Deus (1.7-10,14-15). Esse não é, contudo, ofim, visto que o dia é também uma época de esperança e ajuda. A“vergonha” (BJ, BLH) de Jerusalém (cf. vv. 5,19; Is 54.4; J1 2.26-27)

não continuará existindo, em que pesem suas “más ações” do passado(BJ; v. 7). Para neutralizar tais ações, o próprio Iavé “afastará” (BJ,

PIB; v. 15; cf. 1 Sm 17.26; 2 Rs 18.4,22; Ez 11.19) os criadores de problemas, os “orgulhosos fanfarrões” (BJ; 2.15; Is 13.11; Jr 48.29). Omonte do Templo, o  santo monte  de Deus (cf. Is 2.2; JI 2.1; Ob 16),estará dessa forma livre de arrogância e  soberba  (cf. Is 3.16; Ez28.2,17), um dos principais pecados implicados na tentativa de viversem Deus.

12. Em vez de arrogantes (v. 11), aqueles que ficarem (“o restante”, 1.4; 2.7,9; 3.13) dentre o povo de Deus serão um povo “humilde” (IBB, PIB; 2.3; Mt 5.3; Lc 6.20) e “pobre” (IBB, PIB; Am 2.7;

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SOFONIAS 3.13

8.4). Dessa maneira, a pobreza é vista aqui não como um juízo da partede Deus, mas, sim, uma indicação do amor e do cuidado especiais da

aliança de Iavé para com os empobrecidos. Eles podem confiar   (SI2.12; 22.8; 57.1) no poder de seu nome (v. 9; cf. SI 20.1; Pv 18.10; Os12.5; At 2.21; Fp 2.9-10). Ele continuará sustentando-os, embora tenham vivido no meio de um povo pecador.

13. Em contraste com seus irmãos pecadores, esses restantes  (cf.v. 12) partilharão de características do próprio Iavé, uma vez que não

se cometerá iniqüidade alguma (v. 5) e suas palavras não serão falsas(cf. Jr 9.2-8; Ez 13.6-8). Palavras puras de adoração a Iavé (v. 9) substituirão a confiança nos deuses pagãos (1.5). Blasfêmia e língua en-

 ganosa  (cf. SI 119.118; Jr 8.5; 14.4) não existirão. A fé resultará emobras éticas. Como um beneficio da fidelidade humilde, em vez de necessidades e contendas, haverá pastagens (2.7; cf. Mq 7.14; Zc 11.7) edescanso (2.7,14; SI 23.2), livres de temor (cf. Lv 26.6; Jr 30.10; Mq4.4; Na 2.11). Quando o Criador é adorado e servido como deve, recu-

 pera-se o paraíso.

Ui. Um salmo de júbilo (3.1417).  Situando-se a si mesmo notempo futuro em que o remanescente será abençoado ou no antegozoconfiante dessa bênção, o autor convoca o povo de Deus a rejubilar-se.De forma parecida com outros salmos de salvação (cf. SI 98; Is 12.1-6;52.7-10), o profeta ordena louvor (v. 14) não somente pelo que Iavéfez no passado (v. 15a) e também pelo livramento futuro (v. 17), mas pela própria presença de Iavé no meio da nação como o rei amorosoque inspira confiança (w . 15-17).

Esse pequeno salmo independente pode ter sido escrito por So-fonias para essa profecia, ou talvez já fosse usado na liturgia do povode Deus, tendo sido adotado como uma reação apropriada à graça deIavé, que foi outorgada uma vez mais a seu povo. Dá seqüência aotema da presença ininterrupta de Deus em Sião, a cidade de Davi, con

forme prometido na aliança de 2 Samuel 7 e retomado em Isaías e emalguns salmos (e.g., SI 2; 89).1

1. Veja J. Bright, Covenant and Promise  (SCM Press/Westminster, 1977), esp. p.49-77,94-110.

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14-15. Num exemplo de tríplice paralelismo sinônimo, em que amesma idéia se repete três vezes com palavras diferentes, o povo de

Deus é chamado a cantar   (cf. v. 17; Is 54.1; Zc 2.10), dar gritos (BJ;cf. Is 44.23; Os 5.8; Zc 9.9) e regozijarse. Isso não é conseqüência desuas próprias ações arrogantes (cf. 2.15; 3.11), mas daquilo que Iavéfez ao livrá-los (v. 11) de seu inimigo que não é especificado e tambémdo castigo ( sentenças, ARA, BLH, BJ; “juízos”, ib b , ARC; cf. 1 Rs20.40) que mereciam. Descreve-se de três maneiras o povo de Deus —duas geográficas e uma étnica. É descrito como Sião, a cidade de Davi(v. 16; cf. 2 Sm 5.7; Is 1.8; 10.32), e Jerusalém ,! nomes que aparentemente são anteriores à época de Davi. Etnicamente é chamado de  Is-rael,  em homenagem ao progenitor do povo (Gn 22.10-15; 32.28).Cada nome faria os ouvintes relembrar um período de atividades significativas da parte de Iavé na vida de seu povo.

Enumeram-se dois outros motivos de júbilo. O primeiro é a presença do  Rei de Israel,  Iavé, bem no meio  (ARA, IBB, ARC, BJ, PIB;

“com vocês”, BLH) de seu povo (vv. 15,17; cf. 2 Sm 7.9). Ao invés de

ser ausente ou impotente, como diziam alguns (cf. 1.12), Iavé é o so berano Deus da aliança de Israel. E o Deus que está presente. Em conseqüência de sua benevolente presença, não há mais necessidadealguma de “medo” (BLH; vv. 7,16).2 O mal,  que outrora havia sidomotivo de preocupação, agora se mostrará impotente diante de Iavé.Os inimigos (cf. 2 Sm 7.1; SI 89.42,51) serão expulsos, e o castigo deDeus sobre seu povo será “retirado” (cf. 2 Sm 7.15, em que se em

 prega o mesmo verbo no contexto original da aliança eterna de Deuscom Davi e com Sião).

16-17. Agora o profeta faz com que o povo volte a pensar, destavez em maior profundidade, sobre aquele dia, o Dia de Iavé, que anteriormente fora descrito como dia de juízo e de condenação (cf. ocomentário sobre o v. 11 e as referências ali citadas). Agora ele diz

1. VejaATOB, p. 804-10.2. Não é obrigatória a leitura “não vereis”, apoiada pela l x x   e pela Sir.. No TM, o

verbo em questão ocorre no versículo seguinte numa construção concêntrica, aqual ficaria perdida caso a palavra fosse emendada.

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SOFONIAS 3.18

que, em decorrência da graça de Deus para com os humildes que oseguem (v. 12), não se deveria experimentar o “medo” (BLH), nem sua

manifestação fisiológica, a impotência (lit., “mãos fracas”; cf. Is 13.7;Jr 6.24; 50.43).

A razão dessa confiança destemida é a presença de Iavé, agoradescrito como o Deus de Israel e também como o seu rei (v. 15). Eleatua poderosamente como um salvador heróico (1.14; 3.19; cf. Êx14.30; Is 9.6). Assim como o Guerreiro Divino conduziu Israel parafora da escravidão e ao longo da conquista da terra prometida (cf. Dt

4.34; Js 4.24; Jz 6.12), o seu mesmo poder ainda está à disposição deIsrael em sua necessidade, como também o está para a igreja (cf. SI24.8; Is 9.6; 10.21; Mc 9.1; 2 Co 10.4). Iavé também reage como um

 pai abandonado ou um amante rejeitado para quem a pessoa amada retoma. Ele reage com júbilo (cf. Is 62.5; 65.19; Lc 15.11-32). Isso envolve tanto uma expressão vocal de alegria (v. 14; cf. Is 54.1; 55.12)quanto uma quietude e um silêncio (ARC; cf. Jó 11.3) na presença detamanho amor.  O grito de guerra do dia do juízo (1.14) será substituído pelo pungente silêncio no reencontro de duas pessoas que seamam.

iv. A promessa de Deus (3.1820). A profecia não termina com a jubilosa reação do povo diante da bondade de Deus (vv. 14-17), mascom outras bênçãos prometidas por Deus. Haverá alívio da opressão,da separação e do sofrimento, tudo isso substituído pelo repatriamento,

 pela ovação e pela abundância.

18. A obscuridade textual desse versículo reflete-se na diversidade de traduções. A primeira expressão diz respeito a “dias de festa”(BJ), que eram dias especiais de periodicidade determinada nocalendário religioso hebreu (cf. Gn 1.14; Lv 23.2,4; Ez 46.9,11; Os2.11; 9.5; 12.9). A LXX liga essa expressão ao versículo 17 (cf. tam

 bém BJ, BLH), refletindo as situações rituais em que se experimentariaa jubilosa presença de Deus. Essa leitura restaura, no hebraico, a estrutura dupla de cada linha nos versículos 17 e 18, o que ficou rompidacom a atual divisão dos versículos. (Caso o quiasma ou paralelismoconcêntrico proposto para os vv. de 14 a 17 seja válido, esse versículo

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SOFONIAS 3.1920

não faz parte da unidade, visto que fica fora dessa estrutura.) Também parece desconsiderar a primeira palavra desse versículo, que aparente

mente tem o sentido de “tristeza” (IBB, cf. Lm 1.4) como resultadodessas festas.1Os entristecidos não se adaptam ao contexto da alegriado versículo 17, mas recebem melhor acolhida no ambiente mais som

 brio do versículo em que atualmente se encontram.Os dois últimos substantivos do versículo dizem respeito a um

“peso” (IBB, ARC; cf. Am 5.11, AV) ou a um aumento da dificuldade provocada pela “afronta” (ARC; cf. o comentário sobre 2.8 e as

referências ali existentes) ou pela “desgraça” (BLH) experimentada pelo povo de Deus. É possível que isso tenha sido causado pela antiganegligência para com as obrigações rituais tais como os dias santos estabelecidos, mencionados um pouco antes.

As duas expressões estão separadas por dois verbos. O primeirosugere, com muita clareza, os entristecidos sendo juntados por Deus(ARA, IBB, ARC; cf. o comentário sobre o v. 8 e as referências ali existentes), mas não é dito em detalhes nem está claro o propósito de talação nesse contexto de júbilo. De outro lado, se interpretarmos comouma forma verbal com o sentido de eliminação (BLH, BJ; cf. o comentário sobre 1.2 e as referências ali existentes) da tristeza e da vergonha,o versículo se liga a seu contexto mais amplo de júbilo em Deus. Diz-se das tristezas que  são de ti,  i.e., surgem do próprio povo de Deus,que é o destinatário da mensagem (vv. 15,17,19-20), mas de Deus é asua dispersão. Os fiéis e verdadeiros adoradores de Iavé podem, dessa

maneira, ser assegurados de que se restaurará aquela observância significativa.

19-20. É iminente a intervenção da graça de Deus. Um advérbioexpressa o aspecto imediato (cf. BJ; cf. Gn 6.17; Ex 10.4; Jr 30.10) desuas providências (cf. Ez 22.14; 23.25; Mq 5.15 [v. 14 no hebraico])

 junto àqueles que, até esse momento, vêm afligindo (cf. Gn 16.6; Jz

16.5; Is 60.14) o povo de Deus. Quer opositores internos de Deus e de

1. Uma possível ocorrência da mesma raiz numa forma verbal diferente, com osentido de “livrar-se de, abandonar” (2 Sm 20.13), referindo-se aqui àqueles queabandonaram ou negligenciaram essas festas, foi proposta por R. L. Smith, p. 143.

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I

seu povo (cf. Ne 4.10,12; 5.1,2), quer inimigos externos (cf. Ne4.1,3,7,11; 6.1-2), todos se acharão sob o controle de Iavé.

Mencionam-se benefícios específicos que serão concedidosnaquele tempo ao povo da aliança com Deus. Aqueles desfavorecidos,quer por problemas físicos, como os que coxeiam  (Mq 4.6,7; cf. Gn32.32), quer por despojamento ou expatriação geográfica ou social, os“espalhados” (BLH, expulsos,  ARA; cf. Dt 30.4; Jr 40.12; 43.5; Mq4.6), experimentarão a bênção do resgate ativo de Deus (v. 17) e deserem por ele ajuntados (vv. 8,20; cf. Mq 4.6) para pertencerem a ele e

receberem seu cuidado. Os rejeitados são restaurados, e os aleijadosrecebem cuidado. Será revertida a sorte deles em todas as circunstâncias em que esses desafortunados foram envergonhados (v. 5) e vili

 pendiados. Em vez de serem um motejo, serão objetos de louvor   (v.20) e “glória” (BLH, 1.4; 3.9,12,20; cf. 26.19; Jr 13.11; 33.9). Isso nãose deve ao mérito deles próprios, mas às ações de Deus.

Reiteram-se o ajuntamento e o engrandecimento, e amplia-se suaaplicação no versículo final da profecia.  Naquele  mesmo tempo,  Iavéfará voltar  o seu povo. Isso é explicado como a restauração deles à suaantiga posição. Às vezes a sentença é empregada para designar umarestauração após um cativeiro (cf. Jr 29.14), o que se harmonizariacom o contexto lingüístico da passagem (cf. vos fare i voltar). A idéiamais ampla de mudar a sorte  (veja 2.7, cf. Jó 42.10; Ez 16.53) talvezseja mais apropriada aqui. A passagem toda ocupa-se da restauraçãodo que é bom que com algum livramento do cativeiro.

As bênçãos são certas, e as promessas podem e serão cumpridas porque é o próprio Iavé, o Deus que cumpre a aliança, que os livra. Amensagem de arrependimento e de esperança termina, dessa maneira,tal como começou, com a identificação de sua fonte divina em Iavé

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