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O Verão está mais clássico.

Vitor Hugo, Almeida Garrett,Camilo Castelo Branco, Maximo Gorki, Miguel de Cervantes,

Júlio Dinis, Leon Tolstoi,Eça de Queiroz, Dostoievski, Flaubert, Luis de Camões, A. Oliveira,

Jacobson, F. Norris, Multatuli, António Nobre, Marcelino Ferraz.

Grandes Clássicos da Literatura por apenas mais 1.Editados pela Civilização.

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O Livro da Gripe A 5

O guia dos leitores para a gripe A

Agripe A não domina as nossas vidas, mas enche-nos de dúvidas. Já se escreveram milhares de caracteres sobre a doença, mas quando alguém

espirra parece que esquecemos tudo o que lemos. Decidimos por isso, na edição online do PÚBLICO, pedir aos nossos leitores que enviassem as suas dúvidas. O que aconteceu? Sem surpresa, recebemos mais de 300 perguntas em poucas horas. Pessoas de todas as idades e regiões mandaram questões. Umas genéricas — quais são os sintomas? — outras muito específi cas. Os nossos leitores pediram informação sobre doenças graves, sobre

fi lhos e sobre gatos — e uma leitora quis saber se, à chegada ao aeroporto depois de uma viagem, deve pôr as malas de quarentena. Escolhemos 35 perguntas e agora, neste Livro da Gripe A, publicamos as respostas de dois especialistas, os médicos pneumologistas Filipe Froes e António Diniz, consultores da Direcção-Geral da Saúde. Juntámos também textos publicados recentemente no PÚBLICO que enquadram a pandemia. Agradecemos a todos, leitores e especialistas. Este não é um livro defi nitivo — isso é impossível. Mas esperamos que seja útil. A Direcção

06 As 35 perguntas dos leitores E as respostas de dois especialistas da Direcção-Geral da Saúde

12 A origem genética do vírus

14 O pior vai ou não vai acontecer?Ana Gerschenfeld

20 Os momentos decisivos

22 Isto é uma pandemia? Sim. Muito grave? Depende Ana Gerschenfeld

32 Vai haver vacinas, não se sabe é se na quantidade necessária Nicolau Ferreira

Director José Manuel FernandesCoordenação Bárbara ReisPaginação Nuno CostaIlustração de capa Mário CameiraInfografia Célia Rodrigues, Joaquim Guerreiro e José AlvesParticipam neste suplemento Ana Gerschenfeld, Catarina Gomes e Nicolau Ferreira (PÚBLICO) e Direcção-Geral da Saúde

Este suplemento é parte integrante do PÚBLICO do dia 31/07/2009 e não pode ser vendido separadamente

“Não é o fi m do mundo apanhar isto. Já tive gripes bem piores”pág. 28

Editados pela Civilização.

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35 perguntas dos nossos leitores sobre a gripe A

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As respostas dos especialistas Filipe Froes e António Diniz,

pneumologistas e consultores da Direcção-Geral da Saúde

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O Livro da Gripe A8

1. Quais as formas de contágio do vírus da gripe A?A forma de contágio da gripe A é idêntica à da gripe sazonal. Na comunidade, podemos contrair a doença quando a nossa boca, nariz ou os olhos fi cam expostos a gotículas respiratórias de doentes infectados com o vírus da gripe. Esta exposição pode ser por via directa quando estamos a menos de 1 metro de distância de um doente que expele gotículas quando fala, tosse ou espirra, sendo necessário, geralmente, mais de uma hora de exposição, excepto quando o doente infectado espirra ou tosse directamente para cima de nós. A exposição também pode ser por via indirecta através das mãos, quando as levamos à boca, nariz ou olhos após contacto com superfícies ou objectos onde se depositaram gotículas infectadas.

2. Quais são os tratamentos para a gripe A?No tratamento da gripe A são utilizados fármacos para alívio dos sintomas, por exemplo, antipiréticos para baixar a febre, e nalgumas situações de acordo com a gravidade e as características do doente podem utilizar-se fármacos dirigidos contra o vírus da gripe, dos quais o mais utilizado é o oseltamivir, de nome comercial Tamifl u®. Se ocorrerem complicações, das quais a mais frequente é a pneumonia, o tratamento pode incluir outros fármacos de acordo com a necessidade.

3. A gripe A é mais perigosa do que a sazonal?Actualmente não é possível estabelecer uma

Respostas de:

Filipe FroesMédico Pneumologista do Hospital de Pulido Valente — CHLNConsultor da Direcção-Geral da Saúde

António DinizMédico Pneumologista do Hospital de Pulido Valente — CHLNConsultor da Direcção-Geral da Saúde

comparação defi nitiva entre a gripe A e a gripe sazonal. A fase inicial da pandemia ainda não permite a caracterização completa das suas variáveis epidemiológicas e da gravidade. De igual modo, a incidência e a gravidade da gripe sazonal não são iguais todos os anos. Contudo, a inexistência de uma imunidade de grupo contra a estirpe pandémica, ao contrário do que existe para a gripe sazonal, permite prever uma taxa de incidência duas a três maior da gripe pandémica o que signifi ca que, mesmo mantendo as características de benignidade, o impacto em termos absolutos será muito superior ao da gripe sazonal.

4. Se uma pessoa que está infectada mas ainda sem sintomas pode transmitir o vírus a outra pessoa?Pode, embora o risco de transmissão não seja idêntico em todo o período de contágio. Uma pessoa infectada pode transmitir o vírus um dia antes e até 7 dias após o início dos sintomas. O período de maior risco de contágio corresponde à fase sintomática, sobretudo quando existe febre.

5. Posso ser portadora do vírus sem sintomas?Pode durante o período de incubação, que é o tempo que decorre entre o momento em que uma pessoa é infectada e o aparecimento dos primeiros sintomas. Este período pode variar entre 1 a 7 dias, mas tem uma duração média de cerca de 3 dias.

6. Continua a ser indicado tomar a vacina contra a gripe sazonal, como se faz todosos anos, ou esta vacina poderá ter alguma infl uência e provocar algo pior caso se apanhe a gripe A?A vacina da gripe sazonal deve continuar a ser utilizada de acordo com as indicações dos anos anteriores. Não confere protecção nem tem qualquer outra infl uência na gripe A.

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7. O Tamifl u evita que o vírus se manifeste e se transmita? Porque é que não se dá a toda a população este medicamento a título preventivo?A utilização profi láctica do oseltamivir previne a gripe em 70 a 90% dos casos, só é efi caz durante o período de administração, não permite a aquisição de imunidade, tem efeitos secundários, sobretudo náuseas, e a sua utilização em grandes quantidades potencia exponencialmente o desenvolvimento de resistências. De acordo com os registos anteriores, as pandemias têm duas a três ondas pandémicas com uma duração média de cada onda entre 8 a 12 semanas. Se utilizássemos o oseltamivir em quimioprofi laxia diária nos 10 milhões de portugueses gastávamos toda a nossa reserva estratégica ao terceiro dia e tínhamos que assegurar para cada dia extra um milhão de embalagens, caso esta quantidade estivesse disponível, além da logística complicadíssima de distribuição. No melhor dos cenários, no fi nal da primeira onda pandémica tínhamos gasto uma parte signifi cativa do Orçamento do Estado em Tamifl u®, não tínhamos prevenido a 100% a gripe na comunidade, muitas pessoas tinham interrompido a medicação devido aos efeitos secundários e devíamos ser o país com a maior taxa de resistência ao oseltamivir. Estávamos pior do que quando tínhamos começado e seria imprescindível comprar vacinas para toda a população para enfrentar as ondas pandémicas subsequentes.

8. Já existe vacina testada e comprovada contra a gripe A?No momento actual não existe nenhuma vacina que tenha terminado os teste de segurança e efi cácia contra a gripe A. Na melhor das hipóteses, não é provável que estes testes preliminares e sem envolvimento de crianças e grávidas estejam concluídos antes de Setembro ou Outubro.

9. Como será aplicado o processo de vacinação da população em Portugal?Ainda não foi divulgado pelo Ministério da Saúde o processo de administração da vacina pandémica no nosso país.

10. Quem trabalha no atendimento público e manuseia dinheiro, usa computadores, livros, jornais, DVD e CD partilhados, deve usar luvas?Não está recomendada a utilização de luvas. Estes profi ssionais devem lavar as mãos com mais frequência, sobretudo antes de mexerem na boca, nariz ou olhos. Deveriam ter os mesmos cuidados com as mãos mesmo se utilizassem luvas.

11. Como nos devemos organizar em nossas casas se um dos nós contrair gripe A?O doente que é tratado no domicílio deve cumprir todas as recomendações que lhe são transmitidas pelos serviços de saúde. Os coabitantes deverão estar particularmente atentos ao aparecimento de sintomas e, em algumas circunstâncias, poderão ter que fazer quimioprofi laxia, mas só com indicação médica. O doente deverá permanecer em casa até 7 dias após o início dos sintomas ou mais tempo se a febre persistir e manter-se o mais afastado possível dos outros coabitantes, sobretudo se estes pertencerem aos grupos

de risco, em particular, crianças com menos de 5 anos, grávidas e doentes

crónicos. Idealmente deverá fi car num quarto separado, se possível com casa de banho, mantendo a porta do quarto fechada e sem visitas. O doente deve cumprir sempre as medidas de higiene e etiqueta respiratória e se

necessitar de deslocar-se a zonas comuns ou contactar

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a menos de 1 metro com outras pessoas é aconselhável a utilização de uma máscara. Se possível, só um adulto saudável deverá tomar conta do doente e deverá lavar sempre as mãos após contactar com o doente ou com os seus objectos. As roupas e a louça dos doentes não necessitam de ser lavadas separadamente. As zonas comuns devem manter-se arejadas.

12. E pela comida servida em cafés e restaurantes, o vírus pode ser transmitido?O vírus da gripe A não se transmite pelos alimentos preparados e confeccionados de acordo com as normas habituais de higiene e segurança alimentar.

13. Uma pessoa que apanhe gripe A e se cura fi ca defi nitivamente imune ao vírus?Os doentes infectados com a gripe A adquirem imunidade natural e duradoura contra esta estirpe do vírus infl uenza. Se ocorreram mutações ou outras modifi cações na estirpe da gripe A, a imunidade pode perder efi cácia.

14. Ser-se hoje infectado com a gripe A pode proteger-nos melhor de eventuais estirpes mais mortais?A infecção pela gripe A confere imunidade natural apenas contra a estirpe causadora da doença. Esta imunidade embora possa dar algum grau de protecção cruzada contra outras estirpes semelhantes à estirpe pandémica, não é efi caz contra a generalidade das estirpes do vírus infl uenza.

15. Quem tem asma pertence aos grupos de risco? Há pessoas que não podem tomar vaci-nas porque são alérgicas aos seus componentes. Os asmáticos podem tomar Tamifl u?Os asmáticos pertencem aos grupos de risco, o que signifi ca que podem ter formas mais graves de doença e maior necessidade de hospitalização. O oseltamivir pode e têm sido administrado aos asmáticos. As contra-indicações da vacina da gripe são muito raras e consistem na alergia a algum dos componentes da vacina ou às proteínas dos ovos, em virtude da maioria das vacinas serem produzidas através de ovos embrionados de galinhas.

16. Fui submetida a uma mastectomia e estou a fazer quimioterapia. Terei direito à vacina? E se tiver gripe A terei que ter precauções adicionais?Os doentes submetidos a quimioterapia pertencem aos grupos de risco da gripe sazonal e pandémica. Têm indicação para fazer as duas vacinas. Em caso de infecção pela gripe A têm maior risco de complicações e de formas graves da doença, pelo que têm indicação para fazer terapêutica com oseltamivir e necessitam de maior vigilância. Os doentes devem cumprir as instruções recebidas e estar atentos ao aparecimento de sinais de gravidade, tais como, falta de ar, febre alta mantida e alterações do estado de consciência.

17. Os professores farão parte da população que vai ser vacinada ou seja, são um grupo de risco?A profi ssão de professor não é considerada factor de risco. Os professores para serem vacinados têm que apresentar uma das seguintes condições:— Doenças crónicas pulmonares (incluindo asma), cardiovasculares (excepto hipertensão arterial isolada), renais, hepáticas, hematológicas (incluindo a drepanocitose),

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neurológicas, neuromusculares ou metabólicas (incluindo a diabetes mellitus);— Obesidade mórbida (IMC>40);— Imunossupressão, incluindo a induzida por medicamentos ou infecção por VIH;— Gravidez.

18. Quais as profi ssões de maior risco de contágio?As profi ssões de maior risco de contágio são as que estão mais expostas aos doentes infectados com gripe A. Os profi ssionais de saúde envolvidos na prestação de cuidados aos doentes infectados são os grupos profi ssionais de maior risco pelo que têm indicações específi cas para a utilização de equipamentos de protecção individual.

19. O que acontece se o vírus H1N1 se cruzar com o vírus da gripe sazonal?Essa situação poderá ocorrer no próximo Outono e Inverno, uma vez que as duas estirpes virais poderão, simultaneamente, estar em circulação. Nessa altura, existirão pessoas infectadas pelo vírus da gripe A(H1N1) e outras pelo vírus da gripe sazonal, levando a um maior aumento do número de doenças respiratórias e, consequentemente, maior número de consultas, hospitalizações e absentismo (escolar e laboral). Daí a importância de todas as pessoas que têm indicação clínica (pertencentes aos grupos de risco), efectuarem a vacinação da gripe sazonal, a partir de Setembro.

20. Como posso distinguir a gripe A da gripe sazonal? Quais são os sintomas que a distinguem?Os sintomas de gripe A são sobreponíveis, no essencial, aos da gripe sazonal. Febre elevada,

tosse, nariz a pingar (rinorreia), dor de garganta (odinofagia), dores musculares (mialgias), dores nos ossos e articulações (artralgias), dor de cabeça (cefaleias), fadiga. Nalguns casos também se verifi cou a presença de sintoma gastro-intestinais, como diarreia e vómitos.

21. Durante quanto tempo é que o vírus sobrevive no ar?Como já foi referido, o vírus transmite-se de pessoa para pessoa através de gotículas, libertadas quando uma pessoa fala, tosse ou espirra. Os contactos mais próximos (a menos de 1 metro) com uma pessoa infectada representam, por isso, uma situação de risco. O contágio também pode ocorrer indirectamente, através do contacto com gotículas ou outras secreções do nariz e da garganta infectadas pelo vírus, presentes em qualquer superfície ou objecto com a qual contactemos, nomeadamente superfícies de utilização comum (maçanetas das portas, por exemplo). Vários estudos têm apontado que o vírus pode permanecer nessas superfícies entre 2-8h.

22. É possível curar a gripe A sem ir ao hospital, isto é, fi cando em casa e comprando remédios na farmácia?É. Não só é possível como essa será, provavelmente, a forma como a maioria das pessoas irá ser tratada: em casa, devidamente medicada, depois de observada e aconselhada pelos serviços de saúde. Se tiver necessidade de efectuar tratamento com antivirais, estes ser-lhe-ão distribuídos, gratuitamente, através das estruturas do SNS ou, eventualmente, por alguma outra estrutura, por delegação do SNS.

23. Que medidas estão a ser tomadas para garantir que grupos de risco tenham acesso garantido a antivirais quando necessário?O Estado português procedeu, em devido tempo, à reserva e armazenamento do número de doses de antivirais, sufi ciente para permitir o tratamento e profi laxia de todos os que tenham indicação médica para o efectuar.

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24. O uso de máscara protege efectivamente o próprio ou só impede o contágio dos outros? E que tipo de máscara é aconselhável?O uso de máscara cirúrgica protege o próprio, com elevado nível de segurança, tal como a sua utilização, por parte de quem está infectado, também o impede de transmitir esta infecção a outros. Como foi dito anteriormente, o tipo de máscara preconizado para a população, é a máscara cirúrgica, estando reservado apenas aos profi ssionais de saúde, em circunstâncias especiais, a utilização de outros tipos de máscara. Esta utilização deve ser sempre complementada pelas outras medidas de higiene que têm vindo a ser referidas.

25. Que especiais cuidados devem ter as grávidas?As grávidas têm constituído, no decurso desta infecção, um grupo com um risco acrescido para o desenvolvimento de complicações e hospitalização. Por isso, para além das reco-mendações preconizados pelos respectivos médicos assistentes para cada situação particu-lar, as grávidas devem ter particular atenção a todas as recomendações de protecção pessoal face a esta infecção (por exemplo: medidas de higiene e lavagem correcta das mãos, afasta-mento em relação a pessoas doentes) e a maior prudência (mesmo limitação) na deslocação a locais onde, potencialmente, o risco de con-trair o vírus da gripe é maior.

26. O que fazer com as malas no aeroporto, manuseadas por muitas mãos? Será possível exterminar os vírus existentes nas malas com an-ticépticos ou terei que deixar as ma-las no carro durante 8 a 10 horas?Embora a hipótese seja remota, os cuidados que se preconizam são apenas os cuidados de higie-ne recomendados para esta infecção, nomea-damente, a lavagem correcta das mãos após o contacto com essa bagagem. E não leve as mãos à boca, aos olhos ou ao nariz sem ter procedido anteriormente a essa lavagem.

27. Os elevadores não serão pos-tos de transmissão muito poderosos por falta de arejamento? O que fazer?Habitualmente, a transmissão do vírus requer que a pessoa infectada esteja a menos de 1 metro durante um período de tempo superior a uma hora. Portanto, se estivermos num ele-vador com alguém que apresente sintomas de doença respiratória (tosse, espirros, nariz a pingar) e não estiver protegido, procure pro-teger-se aumentando a distância em relação a essa pessoa (ofereça-lhe um lenço descartável) e apanhe outro elevador na primeira paragem. Já agora, e se o andar para que se dirige permitir uma ida pelas escadas, aproveite e vá a pé. Sem-pre faz exercício.

28. A gripe A transmite-se aos gatos domésticos?Não. Até hoje, não foi demonstrada a possibili-

dade de transmissão da gripe A aos animais de estimação habituais.

29. Na cozinha, se arrumarmos a loiça com as mãos não lavadas, as pessoas que irão usar essa loi-ça poderão contrair gripe A?A hipótese colocada é muito remota. Para

se verifi car teria que existir uma conjuga-ção de factores, altamente improvável: a pessoa que arruma a loiça estar infectada

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e não praticar medidas de protecção e a pessoa que vai usar esses objectos também não utilizar medidas de protecção, podendo introduzir o vírus no seu organismo (olhos, boca, nariz), através das mãos que contactaram com a referi-da loiça. Assim, mais uma vez, para reduzir este risco é importante, que quem está infectado e quem se quer proteger adopte as medidas de hi-giene preconizadas, nomeadamente a lavagem correcta das mãos.

30. Os grupos de risco devem em Setembro/Outubro tomar a vacina contra a gripe sazonal? E não haverá problema se tomarem depois a vaci-na contra a gripe A, quando estiver disponível?Sim, todas as pessoas que integram grupos de risco têm indicação para procederem à vacina-ção em relação à gripe sazonal. Não há qualquer problema ou limitação para, caso integrem grupos que venham a ser considerados como prioritários para vacinação em relação à gripe A(H1N1), também serem vacinados, de acordo com as indicações entretanto emanadas pelas autoridades de saúde.

31. Como se distingue a gripe A de uma constipação normal num bebé? Li que os sintomas nos bebés podem não ser óbvios.É verdade que, nas crianças, os sintomas po-dem não ser tão óbvios nem de fácil identifi ca-ção. Nesse caso, perante uma criança com febre e sintomas respiratórios ou gastro-intestinais (os quais podem ocorrer com maior frequência que no adulto) ou a presença de prostração, sono-lência, irritabilidade ou recusa alimentar, deve proceder ao seu aconselhamento através da Linha de Saúde 24, para posterior orientação.

32. Pode haver contágio nas piscinas? Como?Pode, tal como em qualquer outro local. Se já leu outras respostas utilize a resposta 24. E pode estar mais descansado, porque que o vírus não se transmite através da água da piscina.

33. Se não há razão para alarme, porquê tantas reuniões e decisões da OMS?Porque, na verdade, estamos perante uma in-fecção nova, com distribuição mundial e cujas características e evolução ainda não conhece-mos em toda a sua extensão. Neste contexto, a melhor forma de evitarmos uma situação de alarme é conseguirmos, em permanência, ava-liar a situação e transmitirmos a informação disponível para, rapidamente, tomarmos as me-didas mais adequadas ao conhecimento técnico e científi co existente, em cada instante. O papel centralizador de toda essa informação e das me-didas a adoptar encontra-se, acertadamente, na OMS e nas estruturas nacionais de saúde.

34. Em caso de viagem para países com muitos casos, é aconselhável levar Tamifl u? O que fazer?Uma vez que, a nível mundial, não existem res-trições à livre circulação, a decisão de viajar pa-ra um país que apresenta muitos casos de gripe A é uma decisão individual, a qual deve ser ba-seada em critérios de necessidade dessa viagem e no estado de saúde do viajante. De qualquer forma, uma vez tomada essa decisão, não está indicado levar Oseltamivir (Tamifl u ). Tal como em qualquer outra situação, a auto-medicação é desaconselhada. Em caso de sintomas, o viajan-te deve recorrer às instituições locais de saúde, para confi rmação ou não do diagnóstico e insti-tuição do tratamento adequado a essa situação.

35. O que fazer com os computadores nas escolas usados por muitas crianças?A aplicação das medidas de higiene habitual-mente preconizadas é uma forma correcta de proceder. É importante, por exemplo, a exis-tência de meios de lavagem das mãos próximo dos locais de utilização dos computadores e o reforço da necessidade da sua efectivação an-tes e depois da utilização dos computadores. Dependendo do contexto, pode ser necessário tomar outras medidas como, por exemplo, a limitação da sua utilização. a

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O Livro da Gripe A14

Aves

Cocktail de três vírus da gripe, existente desde 1998

H1N1

Hemaglutinina

Receptor da célula

H3N2

n

H1N1 no porco americano

H3N2 no porco europeu

Fontes: CDC, OMS, El País, PÚBLICO

Suínos

Homem

Homem

Vírus da gripe de Hong-Kong (1968), presente no porco desde 1992

Se se generalizar a transmissão entre humanos pode ocorrer uma pandemia

2 Libertação do material do vírus (função da proteína M2) Tratamento: Amantadina e rimantadina bloqueiam a libertação do vírus. Não funcionam com esta estirpe

1 União do vírus com a célula (função da hemaglutinina)Tratamentos: Vacina – Com a vacina, o sistema imunitário produz anticorpos que bloqueiam a hemaglutinina e o vírus não entra na célula

4 Montagem dos novos vírus (função da neuraminidase) Tratamento: Zanamivir e oseltamivir Impedem a acção da neuraminidase, prejudicando a formação de novos vírus. O tratamento é eficaz com esta estirpe.

Fases da infecção

A origem genética do víruA actual estirpe da nova gripe teve muitos antepassados. Mas o evento mais recente — e o Mesmo assim, o novo vírus herdou de um dos seus dois antepassados de origem suína d

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O Livro da Gripe A 15

Materialgenético

Neuraminidase

Co-infecção no porco

+

NÚCLEO

CÉLULA

Na formação desta estirpe misturou-se o material dos vírus anteriores

A nova estirpe H1N1 é a responsável pelo

surto actual

Já se confirmaram dezenas de contágios do

novo vírus a humanos

3 Criação de cópias dos genes e proteínas

que formam o vírus

5 Libertação dos novos vírus

6 Nova infecção

Fabrico da vacinaDemora uns seis meses

Isolar o vírusJá foram obtidas amostras dos casos confirmados da nova gripe

Identificar uma variante adequadaMistura do exterior do vírus patogénico e do interior de um vírus standard utilizado nas vacinas

Cultura em massaObtenção de grandes quantidades do vírus em ovos de galinha

Atenuar o vírusPara o injectar nas pessoas

VacinaçãoAs pessoas vacinadas irão desenvolver imunidade contra o novo vírus

Proteína M2

ruse o mais relevante — foi um rearranjo genético de duas estirpes de vírus suínos. a dois genes de origem aviária, resultado de uma anterior evolução desse antepassado

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ANA GERSCHENFELD

Adela Gutiérrez tocou à campainha de uma modesta residência. O seu dia de trabalho estava quase a acabar e ainda bem, porque Adela sentia-se muito doente. A constipação que tinha apanhado há mais de uma semana continuava a piorar. Mas como era uma inspectora dos impostos empenhada na sua tarefa e talvez também porque os seus superiores teriam torcido o nariz se fi casse em casa por uma insignifi cância, Adela tinha continuado a fazer as suas visitas porta a porta dentro e fora da cidade de Oaxaca, no Sul do México, onde vivia.

Só que nesse fi m de dia já não aguentava o cansaço, as dores musculares, os arrepios, a dor de cabeça lancinante que não parava, as noites a fi o sem conseguir dormir. Tinha febre.

Andava a tomar antibióticos há cinco dias, receitados por um médico particular para tratar a dor de garganta que tinha aparecido no meio disto tudo, mas o medicamento não parecia estar a fazer efeito. Felizmente que o dia seguinte era o feriado de quintafeira santa. Ia fi nalmente poder enfi ar-se na cama e descansar.

O que Adela não sabia é que, ao longo de todos esses dias, um perigoso micróbio tinha irreme-diavelmente invadido o seu organismo. Um vírus totalmente novo, que o seu organismo nunca tinha encontrado e contra o qual não tinha quaisquer defesas.

Enquanto esta jovem mulher de 39 anos completava a sua ronda, ao nível microscópico o vírus completava ciclos e ciclos de replicação.

As partículas virais que tinham dado origem à infecção e que Adela tinha inalado, à boleia de minúsculas partículas de saliva suspensas no ar, vindas da expiração, da tosse ou dos espirros de outra pessoa infectada com quem se tinha cruzado ao acaso das suas andanças, não tinham parado de multiplicar-se freneticamente e eram agora milhões nos seus pulmões, na sua garganta, no seu nariz.

As células da parede dos seus brônquios não tinham oferecido grande resistência às proteínas virais encarregadas de incrustar os vírus na sua membrana para libertar dentro delas o seu material genético. E a partir daí o mal estava feito: outras proteínas faziam inúmeras réplicas dos genes do vírus dentro da célula, como autênticas fotocopiadoras; a seguir os genes eram muito bem empacotados dentro de invólucros proteicos individuais e, uma vez os embrulhos prontos, zarpavam em direcção à membrana celular, onde formavam protuberâncias que se transformavam em novas partículas virais.

Uma última proteína encarregava-se, no fi m deste processo, de cortar as amarras das novas partículas, ainda presas à membrana celular, libertando-as e lançando estas invisíveis bolinhas (com apenas cem milionésimos de milímetro de diâmetro) à conquista de novos alvos. Uma a uma, as células que permitiam que Adela respirasse iam morrendo, numa

O pior vai ou não vai aO novo vírus da gripe, que galvaniza as notícias há uns meses, é um descendente directo do vírus que causou a maiorpandemia de sempre da história da humanidade, a “mãe de todas as pandemias”, como dizem alguns: a gripe espanhola de 1918. Estará a história prestes a repetir-se?

O Livro da Gripe A16

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i acontecer?cascata imparável de infecção e inflamação.

No dia seguinte, Adela não foi capaz de fi car em casa a descansar. Mal conseguia aspirar para dentro dos pulmões o ar do qual a sua sobrevivência dependia, a tal ponto que tinha as pontas dos dedos azuis, por falta de oxigénio. O marido, Luis Ramírez, contaria mais tarde a um grupo de jornalistas que tinha chamado uma ambulância, mas que, como o transporte demorava a chegar, ele e as fi lhas tinham optado por levar Adela no carro familiar até às urgências do grande hospital público de Oaxaca. Aí, tiveram ainda de esperar três horas para Adela poder ser vista pelos médicos. E não havia cama nem ventilador disponíveis.

Quatro dias depois, na tarde de 13 de Abril, Adela morria nos cuidados intensivos do hospi-tal, afogada nos seus próprios fl uidos.

Os médicos diriam ao marido que a sua mu-lher tinha sucumbido a um vírus desconhecido. Tinham de facto detectado, nos testes que lhe fi ze-ram, um vírus invulgar, contra o qual nenhum tratamento funcionara. Como relataria o New York Times, que falou com eles e visitou mais tarde o hospital, os mé-dicos declararam um alerta epidemiológico três dias mais tarde, com base no caso de Adela e outros semelhantes.

A 20 de Abril, os EUA notifi caram o México de que tinham sido detectados na Califórnia dois ca-sos de gripe com componentes humana e porcina e, a 22 de Abril, as autoridades mexicanas envia-ram amostras biológicas colhidas em Adela e em outros doentes (incluindo um rapazinho de quatro anos, da aldeia de La Glória, que sobreviveu à do-ença), ao Laboratório Nacional de Microbiologia de Winnipeg, Canadá - um dos dois no mundo com capacidade para detectar este tipo de vírus. Um

dia depois, tinham o veredicto e Adela tornava-se ofi cialmente a primeira vítima mortal de um novo tipo de gripe.

Ataque em vagas“Você nota uma dor de cabeça difusa. Os seus olhos começam a arder. Tem arrepios e deita-se na cama, o corpo feito numa bola. Não há cobertores que cheguem para o aquecer. Adormece, mas o seu sono é agitado por pesadelos típicos do delírio, à medida que a febre sobe. E, quando acorda, é para uma espécie de estado semiconsciente, com os músculos doridos e uma dor de cabeça atroz. (...) Isto pode durar uns dias, ou algumas horas, mas não há nada a fazer para travar o avanço da doença. (...) Com o rosto a virar roxo acastanhado, você começa a cuspir sangue. Os seus pés tornam-se pretos. Perto do fi m, tenta desesperadamente respirar. Uma espuma de saliva tingida de sangue escorre da sua boca. Você morre, de facto afoga-

se, à medida que os seus pulmões se enchem de um líquido avermelhado.”

O paralelo entre a lenta agonia de Adela e esta descrição não escapa a ninguém. Só que não é dela que se trata, mas da descrição genérica de um caso de gripe espanhola, extraída do livro de Gina

Crianças Se suspeitarem que as crianças estão doentes (e as crianças até aos cinco anos têm sido mais afectadas), os pais devem telefonar para a Linha Saúde 24 (808242424) antes de irem ao médico. A gravidade do estado da criança será avaliada e decidido se deve fi car em vigilância em casa ou ir directamente ao médico, diz a subdirectora-geral da Saúde Graça Freitas. Os melhores sítios para levar as crianças são os espaços ao ar livre, pois locais fechados, como centros comerciais, têm menos circulação de ar.

O Livro da Gripe A 17

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Kolata, jornalista do New York Times, sobre a pan-demia de gripe que varreu o mundo há 90 anos, no fi m da I Guerra Mundial, intitulado Flu: The Story of the Great Infl uenza Pandemic of 1918 and the Search for the Virus that Caused It e publicado em 1999. Mas é de admitir que, nas suas linhas gerais, estas frases poderiam aplicarse ao que aconteceu a Adela há três meses e meio, no início do que viria a ser uma nova pandemia de gripe.

As potenciais semelhanças entre a pandemia de nova gripe que se declarou em Abril no México e nos EUA e a pandemia de gripe do início do século XX não se fi cam por aí. A julgar pela demografi a das hospitalizações devido a problemas respira-tórios, o novo vírus tem demonstrado uma forte propensão para infectar pessoas jovens e de boa saúde, tal como aconteceu em 1918 – o que não é habitual nos surtos ou epidemias de gripe sa-zonal, que são aquelas que surgem no Inverno e que põem em risco de vida sobretudo as crianças muito pequenas e as pessoas idosas ou de fraca imunidade.

Por enquanto, a nova gripe tem, contudo, dado mostras de ser, globalmente, bastante suave. De facto, Adela era diabética, donde particularmen-te vulnerável a diversas doenças, o que poderá explicar o trágico desfecho de casos como o seu. Mas essa relativa “benignidade” do vírus pode

ser apenas uma miragem. Não é possível ignorar que a gripe espanhola também surgiu, primei-ro, durante a Primavera de 1918, e também sob uma forma muito mais suave. Só revelaria a sua verdadeira personalidade a partir de Setembro de 1918, acabando por matar entre 20 milhões e

100 milhões de pessoas no mundo, segundo as diversas estimativas.

As pandemias têm essa característica: vêm por vagas, começam suavemente uns meses antes e dão o golpe de misericórdia mais tarde, por ve-zes repetidamente. Será esta a primeira vaga de algo muito mais assustador? Serão casos como o de Adela um prenúncio do que ainda está para vir? Actualmente, não é ainda possível saber com certeza se a história de terror de 1918 se vai repetir – se uma praga como essa, que “fez mais mortos em poucos meses do qualquer outra doença na história do mundo”, como escreve ainda Gina Ko-lata, está ou não às nossas portas.

Hoje como ontem?Alguns cientistas avançaram cenários possíveis. Neil Ferguson, do Imperial College de Londres, e colegas, por exemplo, publicaram há semanas um artigo na edição online da revista Science onde esti-mam, com base nos dados então disponíveis que, embora não chegue a ser tão mortífera como a gripe espanhola, a actual pandemia tem potencial para se transformar numa pandemia comparável à da gripe asiática de 1957, que vitimou mais de dois milhões de pessoas no mundo. A título compara-tivo, a gripe sazonal mata, todos os anos, cerca

de meio milhão de pessoas (mesmo assim, um número assustador), a maior parte nos países mais pobres.

Outros cientistas têm andado a dissecar os ge-nes do vírus para determi-nar a sua perigosidade e as suas conclusões têm sido animadoras. A equipa de Wendy Barclay, do Impe-rial College de Londres, disse por exemplo que a nova estirpe parece ser

das que infectam as vias respiratórias superiores (nariz, garganta, traqueia, brônquios primários), provocando por isso sintomas mais ligeiros do que as estirpes com propensão para infectar os pulmões.

Tom Slezak, especialista de bioinformática do Laboratório Lawrence Livermore, nos EUA, ana-lisou padrões de pequenas variações no material genético do vírus e especula que esta pandemia pode acabar por não ser muito grave. Andrew

Infecção Apanhar o vírus A (H1N1) nesta fase pode não ser mau, do ponto de vista individual, pois os serviços têm mais capacidade de resposta já que os casos são ainda escassos. Mas apanhar já a doença em grupo é um comportamento irracional e a evitar, defende Mário Carreira, coordenador da Direcção-Geral da Saúde. E é importante retardar este processo, até que a vacina seja produzida e esteja pronta para ser distribuída.

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Rambaut, da Universidade de Edimburgo, e ou-tros estimaram, a partir dos genes do novo vírus, que ele poderá ter na realidade surgido meses antes de ser detectado, o que signifi caria que não está a espalhar-se assim tão furiosamente.

Uma nota de maior prudência, neste coro alen-tador. “Acho muito, muito difícil fazer previsões, porque não fazemos ideia do número de pessoas infectadas pela nova gripe e é portanto impossível calcular a taxa de mortalidade do novo vírus”, dizia por seu lado há umas semanas ao PÚBLICO Mark Miller, epidemiologista dos National Ins-titutes of Health norte-ameri-canos, em conversa telefóni-ca. “As pandemias do pas-sado vêm de facto por vagas, e entretanto o vírus pode mudar e tornar-se menos patogénico e de-saparecer ou, pelo contrário, mais patogéni-co. Mas temos tão pouca experi-ência disto que não conseguimos dizer o que vai acontecer neste caso.”

Radiografi a de um vírusOs vírus da gripe são muito primitivos. O seu patri-mónio genético nem sequer está codifi cado dentro de uma dupla hélice de ADN, como o nosso, mas apenas numa simples hélice de ARN. Ora, ao con-trário do ADN, o ARN não possui os mecanismos de correcção de erros, de “gralhas”, causados pela sua replicação; portanto, de cada vez que faz có-pias de si próprio, surgem mutações.

É essa mutabilidade dos vírus da gripe que os torna extremamente imprevisíveis.

A maior parte das vezes, essas mudanças são pequenas, fazendo com que o vírus só gradual-mente se vá tornando diferente dos seus anteces-sores. Mas, mesmo assim, os especialistas vêem-se obrigados a repensar todos os anos a composição da vacina contra a gripe sazonal do ano seguinte. Porque a do ano anterior já não nos protege tão

bem, uma vez que o vírus já não é bem o mesmo.Os vírus da gripe têm uma outra originalidade,

que lhes confere a capacidade de sofrer mudan-ças ainda maiores: o seu ARN nem sequer é uma simples molécula; é, pelo contrário, composto de oito fragmentos separados, cada um deles a comandar o fabrico de uma ou duas proteínas virais (11 no total).

Assim, embora só se verifi que muito mais raramente (três ou quatro vezes por século), a mudança sofrida pelo vírus pode ser muito mais radical, com duas estirpes de vírus a dar origem, literalmente por mistura genética, a uma terceira, totalmen-

te diferente de ambas. Isto acontece nomeadamente quando dois vírus da gripe infectam ao mesmo tempo um mesmo porco, porque têm então mais facilidade em trocar entre si es-ses seus pedaços inteiros de material genético. O resultado, totalmente iné-

dito, tem o potencial de ser devastador. É aí que nascem as pandemias.

Duas proteínasTal como o vírus de 1918, o novo vírus da gripe é uma estirpe de vírus “de tipo A e de

subtipo H1N1”.Basicamente, os vírus da gripe, que são ca-

pazes de infectar uma série de espécies animais, entre as quais porcos, aves e humanos, podem ser de tipo A, B ou C, sendo o tipo A o único com potencial pandémico (o tipo C não infecta os se-res humanos).

Entre os vírus de tipo A, contam-se vários sub-tipos, cuja designação é defi nida por duas das proteínas fabricadas pelo vírus: a hemaglutinina, HA, que lhe permite incrustar-se na membrana das suas células-alvo, e a neuraminidase, NA, que permite que os vírus recém-formados se soltem da membrana e abandonem a célula onde foram criados. As características destas duas proteínas, que se encontram à superfície dos vírus, condi-cionam em grande parte a forma como o nosso organismo vai reagir contra um dado vírus e, por

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O Livro da Gripe A20

isso, dá-se aos vírus da gripe A nomes como A H1N1, A H2N3 ou A H5N1.

Se uma pessoa for imune às proteínas HA ou NA de uma dada estirpe do vírus, ou seja, se tiver anticorpos contra elas, esse vírus particular será menos perigoso para essa pessoa. É exactamente para isso que servem as vacinas sazonais contra a gripe (e mais geralmente todas as vacinas): ao desafi ar a nossa imunidade com versões atenuadas das estirpes do vírus da gripe que mais circulam entre nós a dada altura, incitam o nosso sistema imunitário a fabricar anticorpos que nos protege-rão contra os ataques do verdadeiro vírus.

Assim, por exemplo, a vacina da gripe da tem-porada 2008-2009 continha componentes de uma estirpe particular de vírus da gripe A H1N1 huma-na. Infelizmente, ela pouco ou nada tem nada a ver com a estirpe A H1N1 da nova gripe – seria bom que tivesse, porque seríamos então relativamente imunes à nova doença.

Quando temos de nos defrontar com um vírus que o nosso sistema imunitário nunca viu na vida, não temos anticorpos, defesas imunitárias, para lhe fazer face. Daí o receio dos especialistas, de há uns anos para cá, em relação ao vírus da gripe das aves, que não é de tipo A H1N1 como o actual, mas de tipo A H5N1. Não é um vírus que passe fa-cilmente para os humanos (é uma gripe das aves, não dos humanos), mas quando isso acontece é extremamente letal, matando cerca de 50 por certo das suas vítimas.

Imagine-se o que aconteceria se, ao recombi-nar-se dentro de um porco com um vírus huma-no, ele passasse a transmitir-se entre nós como os vulgares vírus da gripe humana, de cada vez que espirramos ou tossimos. É fácil perceber a catástrofe que isso signifi caria...

Desta vez, isso não aconteceu, como se rece-ava, com o vírus A H5N1 das aves, mas com um vírus A H1N1 suíno. E não aconteceu no Sudeste asiático, como se receava, mas na América do Norte. E ainda pode ser que não seja assim tão grave... ou talvez sim. a

Confusão de nomesMuito se falou e debateu sobre os possíveis nomes a dar à nova gripe

Existe um problema de fundo com o nome fi nalmente escolhido pela Organização Mundial de Saúde, entre outras coisas para agradar aos suinicultores e que em Portugal foi adoptado por quase todos sem pensar duas vezes. É que esse nome cria ainda mais confusão na nomenclatura e nas pessoas. A denominação “ofi cial” que está a ser utilizada faz com que muitas estirpes do vírus, que na realidade são totalmente diferentes, mereçam o mesmo nome. Sem ir mais longe: o nome do vírus da nova gripe é igual ao nome de um dos vírus da gripe sazonal 2008-2009: A H1N1. Por que será então que não temos imuni-dade contra este novo vírus, se ele tem o mesmo nome dos habituais vírus da gripe sazonal?, poder-se-á perguntar. E pergunta-se. “A H1 e N1 porcinas são diferentes da H1 e N1 humanas”, disse ao PÚBLICO, por email, Steven Salzberg, especialista de bioinformática da Univer-sidade de Maryland. E explica o porquê dessa aparente e enganadora identidade entre os dois vírus: “É muito confuso, eu sei, mas tem alguma razão de ser: o vírus A H1N1 dos porcos [o da nova gripe] é um descendente da gripe de 1918, tal como o vírus A H1N1 humano.” Só que as seme-lhanças acabam aqui; trata-se na realidade de dois primos muito afastados – por 90 anos de evolução, mais precisamente. “[A nova gripe] tem estado a circular exclusi-vamente entre os porcos nos últimos 90 anos”, salienta Salzberg. “As respectivas estirpes [H1N1 humana e H1N1 suína] tor-naram-se portanto muito, muito diferentes. E o resultado é que o nível de protecção cruzada de que poderemos benefi ciar [por causa da nossa imunidade contra as estirpes A H1N1 humanas] é muito baixo e muito provavelmente inexistente.” Talvez algumas pessoas mais idosas possam ter alguma imunidade, mas a maior parte da população mundial jamais se cruzou com o novo vírus. a

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O Livro da Gripe A 21

“De facto, a actual estirpe de nova gripe teve mui-tos antepassados. Mas o evento mais recente e o mais relevante foi um rearranjo genético de duas estirpes de vírus suínos, e foi isso que conduziu ao novo surto”, explica-nos ainda Steven Salzberg. Por outras palavras – e é preciso aceitar essa reali-dade –, a nova gripe é de origem suína, quer os sui-nicultores gostem, quer não. Não é por acaso, aliás, que virtualmente toda a imprensa britânica e nor-te-americana continua a falar irreverentemente em swine fl u e que os artigos científi cos referem a “gripe A H1N1 de origem suína”. O lado suíno da gripe é fundamental. Chamar-lhe simplesmente “gripe A H1N1” não conta a história toda. Aliás, a análise genética do vírus sugere fortemente que o novo vírus terá efectivamente surgido, algures no mundo, em populações de suínos, onde terá passado despercebido durante anos.

Mesmo assim, o novo vírus herdou de um dos seus dois antepassados de origem suína dois genes de origem aviária, resultado de uma anterior evolução desse antepas-sado – mais precisamente, dois dos três genes que lhe servem para replicar o seu material genético dentro das suas célu-las-alvo.

E, segundo explicava a New Scien-tist, os peritos receiam que estes dois genes lhe confi ram grande efi cácia na replicação e portanto maior virulência.

Resumindo: o novo vírus da gripe, que não é novo nos porcos, mas apenas nos humanos, “saltou” de repente para a nossa espécie. É um des-cendente directo do vírus responsável pela pande-mia de gripe de 1918, a que alguns chamam “a mãe de todas as pandemias” pelo seu efeito devastador, e possui genes aviários que o podem tornar mais agressivo. E como não temos estado em contacto com ele nas últimas décadas, porque tem perma-necido circunscrito aos suínos, não temos pratica-mente nenhuma imunidade contra ele.Nestas condições, o que poderá acontecer a seguir? Ninguém sabe nem deseja realmente apostar no cenário mais optimista, a julgar pelo empenho que as autoridades de saúde nacionais

e internacionais demonstraram em lidar com a pandemia mesmo antes de saber se era ou não uma pandemia, nomeadamente em termos do fabrico de uma vacina contra o novo vírus.

“As vacinas são o melhor seguro que temos contra qualquer eventualidade e parece uma precaução básica fabricar uma vacina contra o novo vírus”, frisara Mark Miller. Vai-se por-tanto fabricar uma nova vacina e, embora ela talvez não chegue a tempo para o início de uma eventual segunda vaga, irá sem dúvida permitir salvar muitas vidas nos países mais favorecidos. Mas o que acontecerá nos países mais pobres? Naqueles países onde, todos os anos, já se con-tam 96 por cento das vítimas mortais da vulgar gripe sazonal? Por outro lado, é óbvio que, pelo menos nos países ricos, os sistemas de saú-

de melhoraram radicalmente desde a pandemia de gripe espanhola.

Naquela altura, pensam hoje os especialistas, uma grande parte

das vítimas terá sucumbido a outras infecções, nomea-damente bacterianas (não havia antibióticos) e não directamente ao vírus. E se

tivesse havido mais ventila-dores e cuidados médicos adequados, ter-se-iam poupado ainda mais vidas.

Também não se pode ignorar o facto de que, na altura, o mun-

do estava a sair de quatro anos de guerra e de penúrias de todo o tipo, que

tinham minado seriamente a saúde das popula-ções.

Tudo isto não é, por si só, razão para entrar em pânico, pois não signifi ca que a nova gripe seja muito perigosa – apenas que se espalha muito facilmente. Mas também não é uma razão para baixar a guarda: se a catástrofe não aconte-cer desta vez, fi ca para a próxima. a

É mesmo uma gripe suínaA genealogia do vírus é complexa

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O Livro da Gripe A22

AS FÉRIAS O OUTONO

AS AULAS

A VACINA

O RECUO DO SURTO?

1.º momento 3.º

7.º momento

6.º momento

2.º

mom

ento

A pandemia de gripe A está em evolução. Em Junho a OMS elevou para 6 o nível de alertae com a sua dispersão mundial. Em Portugal estão aumentar as situações de transmissãoNos próximos meses adivinham-se momentos que podem ser decisivos.

A explicação para a rápidapropagação do vírus dagripe A está associada àmobilidade de pessoas. Com a chegada das férias os fluxos e movimentações aumentam e isso implica também o aumento do risco de disseminação do H1N1 na comunidade. Não é por acaso que a grande maioria dos casos é importada.

No regresso de férias os pais devem estar atentos a sinais de gripe antes de voltarem a pôr os filhos nas escolas, refere o pneumologista Filipe Froes. As crianças com menos de cinco anos, e, sobretudo, as com menos de dois estão entre os grupos mais vulneráveis em caso de infecção. O início do ano escolar é potencialmente um momento de maior risco de contágio..

A OMS não espera que a vacina estejapronta antes do final de Novembro.“Quanto mais cedo chegar mais cedopoderá vir reduzir o impacto”, nota omédico. Ao contrário da vacina contra a gripe normal nunca será comparticipada e vendida em farmácias. Está previsto “um circuito especial” para uma campanha de vacinação em massa.

É previsível que no final do Inverno, início da Primavera, tudo deva amainar, uma vez que a subida das temperaturas torna o vírus menos resistente. Neste período pode dar-se o final da primeira onda pandémica, devendo iniciar-se oinício da preparação para umaeventual segunda onda, sendo quenormalmente existem duas a três,explica o pneumologista.

O Inverno é por excetempo de sobrevivêpandémica. Ao mesmchuva e o vento, as pmais em espaços fecpessoas com maior pde propagação do vcampanha de vacinaapenas para gruposprevisto para cerca em circulação “é impnão existe a nova va

Os momentos decisivos

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O Livro da Gripe A 23

O AUGE

A MUDANÇA DE GOVERNO3.º momento

5.º momento

lerta, o que está relacionado com o aumento do número de casos ssão secundária, mas está-se ainda numa fase inicial, de contenção e controlo.

O auge desta crise de saúde pública deverá acontecerentre Dezembro e Março. No pior dos cenários hipotéticos traçados para Portugal, pelo Observatório Nacional de Saúde (ONSA), do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, poderão chegar a ser infectadas cerca 2,5 milhões de pessoas em Portugal. Se no Reino Unido se prevê que o ritmo de casos possa acelerar e chegar até aos 100 mil por dia, extrapolar esta estimativa para Portugal significa que se poderia chegar aos 15 mil casos por dia, refere Filipe Froes, um número que lhe parece pecar por excesso.

Uma eventual mudança deGoverno ou de equipaministerial depois daseleições legislativas não devemudar a estratégia no terreno para tentar controlar a pandemia, afirma o pneumolo-gista. E não é expectável que hajaalterações de rumo, uma vez que as decisões que estão a ser tomadas têm uma componente política mas são sobretudo “de ordem técnica”.

a

r excelência o tempo das gripes porque o frio aumenta o evivência do vírus, o que também se aplica à estirpe

mesmo tempo, com a descida das temperaturas, a o, as pessoas tendem a passar menos tempo ao ar livre e os fechados, o que resulta em crescente aglomeração de

maior proximidade física. Resultado: aumenta o potencial do vírus. É em Outubro que se inicia o início da

vacinação para a gripe normal (sazonal) que se mantém rupos de risco (como os doentes crónicos e grávidas), erca de 1,5 milhões de pessoas. Havendo duas estirpes

“é importante a protecção contra uma delas”, enquanto va vacina para a estirpe pandémica, sublinha o médico.

4.º momento

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O Livro da Gripe A24

Chile

GuatemalaHonduras Colômbia

Argentina

Uruguai

Paraguai

Evoem

1

239

1801034

14 861

9717

11 159

9135

2677

1566

123 Costa Rica

277

152

118

550

339

43 771

PortugalEntre 25 e 40 % da população considerada de risco (idosos, doentes crónicos e alguns profissionais) e jovens

EspanhaReservou 18 milhões de doses, o que possibilita vacinar 40% da população

ItáliO Miafirmnão ttomamediapennos a

BrasilO Ministério da Saúde ainda estuda os possíveis cenários de incorporação de um imunizante para a gripe A no País

Canadá A Agência de Saúde Pública afirma que o plano é distribuir vacinas para toda a população

MéxicoVacinação em massa

39

302

138

21

3

4

3

9

38

19

82

30

2

Sintomas da Gripe AIntensaInício súbito a 39ºFrequentesLeveSeca e contínua

Pouco comumIntensasIntenso

Dor de cabeçaFebreCalafriosDor de gargantaTosseCongestão nasal(pingo)Dores muscularesArdor de olhos

EUA 300 milhões de pessoas, 600 milhões de doses, em especial crianças e adultos abaixo de 50 anos

Casos confirmados passaram a barreira dos 159 000. Doença já mato

Dados fornecidos pelo OMS, actualizados dia 27 Julho

4 M

Isto é uma pandemia? Sim

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O Livro da Gripe A 25

5000

500

x

Áustrália

Nova Zelândia

Japão

TailândiaFilipinas

Evolução de casos declaradosem Portugal

1 220

239

180222 2474

16 768

1555

2428 1709

2273

ItáliaO Ministério da Saúde afirma que o governo não tem planos de tomar nenhuma medida por hora, apenas há fiscalização nos aeroportos

China13 milhões de pessoas até o final de Setembro, dando prioridade à população que apresenta mais risco de contaminação pela doença

GréciaDeve gastar 55 milhões de euros para comprar oito milhões de doses da vacina

Reino UnidoMetade da população – cerca de 30 milhões – mais vulnerável (idosos, grávidas e doentes crónicos)

9 1

47

6

50 000

Casos confirmados

Mortes

matou mais de 970 pessoas

1 Julho1 Junho4 Maio

m. Muito grave? Depende

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O Livro da Gripe A26

ANA GERSCHENFELD

O acontecimento era esperado, pois tudo parecia indicar que o mundo estava a ser confrontado com uma pandemia de gripe – a primeira do século XXI. Pelo menos era o que qualquer um podia deduzir da leitura da defi nição de pandemia dada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que estipula que uma pandemia está em curso (o que corresponde à fase, ou nível, 6 da escala) a partir do momento em que uma doença contagiosa – nes-te caso a nova gripe A (H1N1) – demonstra ter uma grande capacidade de transmissão entre pessoas, com focos epidémicos independentes a declara-rem-se em pelo menos duas regiões geográfi cas diferentes do globo. Ora, a julgar pelo que estava a acontecer na América do Norte, Europa, Japão e depois Austrália, essa era precisamente a situação que já se verifi cava há semanas no mês de Junho.

Mesmo assim, a OMS demorou bastante a de-cidir-se a declarar ofi cialmente o estado de pan-demia. Os seus responsáveis disseram repetida-mente que estávamos cada vez mais próximos da fase 6, mas ao mesmo tempo hesitaram em dar o passo defi nitivo para esse patamar. Porquê?

Uma das razões invocadas para a posição ofi cial da organização foi o cuidado em não desenca-dear uma vaga contraproducente de ansiedade e medo: “Uma das questões cruciais é que não queremos que as pessoas entrem em pânico”, disse Keiji Fukuda, vice-director-geral da OMS. Essa prudência foi ainda acompanhada por uma certa renitência em exigir dos países mais des-favorecidos que redobrassem os esforços de lu-

ta contra a nova gripe e pusessem em marcha os seus planos de contingência – consequência imediata de uma declaração de pandemia. Não levaria isto, interrogavam-se, a um desperdício prematuro de recursos?

Mesmo hoje, ainda não se sabe bem como é que a doença vai evoluir, se vai ou não tornar-se mais perigosa. E há que admitir, olhando de mais perto para as características da nova gripe, como fazia um interessante artigo no Washington Post, que ela não está a comportar-se como os especialistas tinham previsto. Ninguém estava à espera que uma doença pandémica pudesse ser tão... “sua-ve”, por assim dizer, que é o que esta dá sinais de ser até aqui. Por enquanto, na maioria das pessoas infectadas, o novo vírus provoca sintomas muito leves, por vezes até indetectáveis.

É verdade que não é uma vulgar gripe sazo-nal, visto que vitima mais jovens do que os vírus da gripe que habitualmente circulam; é verdade que não temos imunidade contra ela pois o vírus é inédito. Mas as fases defi nidas pela OMS para avaliar a progressão de um surto infeccioso para uma epidemia e a seguir para uma pandemia fo-ram concebidas para alertar o mundo para um grande perigo iminente, para a disseminação rápida e global de uma doença infecciosa alta-mente letal, susceptível de paralisar as economias

A OMS decidiu em Junho elevar o nível de alerta contra a nova gripe para o seu máximo de 6, o que signifi ca que o mundo está perante uma pandemia. Mas só depois de muitas hesitações. É que, por várias razões, a escala que é utilizada está longe de se adequar à situação

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O Livro da Gripe A 27

nacionais, confi nando a casa milhões de pessoas e sobrecarregando de forma quase insustentável os sistemas de saúde, cujo pessoal também seria atingido pela doença. Por exemplo, se a gripe das aves se transformasse de repente numa doença humana (o que ainda não aconteceu) e começasse a disseminar-se pelo mundo a grande velocidade, isso confi guraria um cenário indubitável de pan-demia, uma vez que esta doença é extremamente mortífera, tendo matado cerca de metade das pessoas a quem as aves a transmitiram até agora.

Mas o que aconteceu com a nova gripe foi di-ferente: surpreendendo a generalidade dos pe-ritos, ela não veio donde mais se esperava (das aves) nem apareceu onde mais se esperava (no Sudeste asiático, onde se tem verifi cado a maio-ria dos casos de gripe das aves). Veio dos porcos e apareceu no México.

E foi assim que a escala defi nida pela OMS, baseada nos cenários mais pessimistas, mais horrífi cos, fi cou de repente desadequada para descrever a situação actual e para lidar com ela. Donde as hesitações da OMS.

A OMS organizou então uma consulta junto de governos e de um painel de especialistas para tentar clarifi car as coisas e começou-se a falar em alterar a escala. “As pessoas que consultámos en-corajaram-nos a modular a passagem para a fase 6 com avaliações da severidade da doença”, disse Fukuda, citado pelo site da revista Science.

Nem países nem pessoas são iguaisPor enquanto, porém, todos concordaram que devia continuar a utilizar-se a escala de fases ac-tual. Por isso, a OMS limitou-se a dizer, em ter-mos qualitativos, que considera a severidade da nova pandemia “moderada”. “Temos algumas reservas em qualifi car esta doença como ligei-ra”, diz o mesmo responsável, lembrando que ela se revelou capaz de matar pessoas que até aí estavam de perfeita saúde (ao contrário da gripe sazonal, que vitima idosos, de saúde mais frágil).

Mas para além desta pequena alteração, a defi -nição de pandemia continua a ser essencialmente baseada em critérios geográfi cos de disseminação da doença.

Diversos especialistas têm entretanto refl ectido sobre possíveis maneiras de introduzir a severi-dade na avaliação das pandemias. Mas isso não é tão simples como poderia parecer. É que nem os países nem as pessoas são todos iguais perante uma gripe como esta: o risco é muito maior para certos grupos de pessoas e para os países com as condições de higiene, alimentação e cuidados de saúde mais frágeis. O organismo de um europeu de classe média não reagirá à infecção da mesma forma que o de uma criança subalimentada do Mali. E em caso de complicações, o doente eu-ropeu poderá dirigir-se a um hospital equipado com a tecnologia mais moderna e a factura será paga pelo seu seguro de saúde.

“Vamos ter de introduzir uma dose de fl exibi-lidade na avaliação da severidade”, frisa Fukuda. Uma possibilidade seria desenvolver uma escala de três níveis, mas que dependesse do país consi-derado, explica a Science: a avaliação poderia ser de fase 6, nível 3 de severidade num dado sítio, enquanto noutro seria de fase 6, mas apenas de nível 1 de severidade.

Num artigo publicado no site huffington-post.com, Richard Wenzel, antigo presidente da Sociedade Internacional de Doenças Infec-ciosas, considera que, pela definição actual

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O Livro da Gripe A28

de pandemia, as gripes sazonais também de-veriam ser consideradas pandémicas e até as constipações, o que é claramente um absurdo.

“Para mim”, escreve, “uma pandemia é uma ameaça infecciosa que exige uma resposta inter-nacional com capacidade de obtenção de novos recursos, de comunicação e de cooperação.” (...) “Assim, uma pandemia de constipação nunca

atingiria um nível elevado na escala das pande-mias, uma vez que poucos novos recursos seriam necessários.” Interrogado via email sobre esta questão pelo PÚBLICO, o virologista português João Vasconcelos Costa, que desde o início tem acompanhado a progressão da nova gripe (ver jvcosta.planetaclix.pt/ gripe.html), deu-nos al-gumas pistas para a defi nição de uma escala de severidade das pandemias: “Pode-se estabelecer um conjunto diversifi cado de taxas, tendo como denominador o número de casos. Por exemplo: mortalidade, casos de complicação por pneumo-nia bacteriana, dias de hospitalização, necessida-de de consumo de medicamentos, idade média dos doentes, etc. Também parâmetros socioeco-nómicos, como perdas de dias de trabalho, custos de encerramento de estabelecimentos, conse-quências no PIB, custos do reforço do pessoal médico e de enfermagem no SNS, etc. No entanto, é difícil estabelecer uma regra única de classifi ca-ção para todas as doenças. Cada uma tem aspec-tos específi cos de saúde pública a ter em conta.”

Quem vacinar? Todos os governos querem reconfortar os seus cidadãos, o que é compreensível. Mas esta tal-vez não seja a melhor maneira de lutar contra a disseminação da doença. Há, por um lado, os países mais desenvolvidos, alguns dos quais já anunciaram que iriam dispor de vacinas para a sua população (que nunca serão sufi cientes, re-

pita-se). Por outro, a OMS tem apelado à solida-riedade dos mais ricos para com os mais pobres, mas não existem directivas claras sobre o que deveria ser feito em concreto.

“Nenhum país deve fi car esquecido e sem ajuda”, disse Margaret Chan, directora-geral da OMS. Mas sem especifi car, salienta ainda a Science, como é que entende que a distribuição

da vacina deve processar-se para garantir que seja justa. Já para não falar da eficácia, puramente em termos de saúde pública, das eventuais medidas – al-go que, nesta altura, se tor-na absolutamente crucial.

Hitoshi Oshitani, virolo-gista da Universidade de Tohoku, em Sendai, no Ja-pão, citado pelo já referido

artigo do Washington Post, resume bem a situa-ção, pelo menos nos países mais desenvolvidos: “[Esta é] uma epidemia suave mas que ao mesmo tempo é muito grave para algumas pessoas, um cenário que não foi incluído na maior parte dos planos de luta contra as pandemias.” De facto, o vírus parece ser muito perigoso para algumas categorias de pessoas: mulheres grávidas, doentes com HIV, doentes com outros problemas médicos subjacentes. E esta faceta deve ser considerada antes de distribuir vacinas a torto e a direito.

Num estudo publicado na revista Epidemiolo-gy and Infection, Thomas House e Matt Keeling, biólogos da Universidade de Warwick, simula-ram a disseminação da nova gripe com a ajuda de computadores e concluem que vacinar em primeiro lugar as crianças poderia ser uma ma-neira efi caz de utilizar as reservas limitadas da no-va vacina para controlar a difusão da pandemia.

“Os nossos modelos sugerem que quanto maior for a família – o que signifi ca, em ge-ral, quanto maior for o número de crianças –, maiores serão as hipóteses de disseminação de uma infecção”, explica Keeling em comunica-do. “Isso não signifi ca que toda a família deva ser vacinada, mas sugere que os programas de vacinação dirigidos às crianças poderão ajudar a controlar [a] pandemia.” a

Higiene A higiene é muito importante para evitar o contágio e lavar frequentemente as mãos é a melhor medida de prevenção. Devem ainda manter-se limpas as superfícies que estão mais vezes em contacto com as mãos (como telefones, mesas de refeições, bancas de cozinha, puxadores de porta, torneiras), usando um desinfectante (água com lixívia).

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O Livro da Gripe A30

CATARINA GOMES

“A pandemia, o alerta não sei o quê e a Organização Mundial de Saúde diz isto e aquilo.” Motivo para pânico? Não, especialmente se já se teve gripe A.

João não é médico de saúde pública, mas a sua mensagem parece a de um técnico encarregue pelo Governo de sossegar os ânimos: “Se quiserem ter cuidado tenham, mas não é o fi m do mundo apanhar isto. É uma gripe como outra qualquer. Já tive gripes bem piores.”

As histórias são muito semelhantes: no início as pessoas pensaram que tinham uma gripe comum mas, como todos tinham viajado, havia dúvidas e os serviços de saúde foram a casa buscá-los. Confi rmada a infecção, estiveram em isolamento uns dias. E no fi m, quando fi caram bem e “livres”, a vida continuou.

O PÚBLICO falou com quatro portugueses que tiveram gripe A e, até agora, o seu desfecho é comum à quase totalidade dos mais de 230 casos confi rmados em Portugal — nos mais recentes está-se a vigiar a evolução clínica. Ou seja, reiterou o Ministério da Saúde em comunicado: os casos de gripe A em Portugal estão a ter uma evolução clínica favorável e “as pessoas retomaram as suas vidas”.

Se João fosse susceptível de ser assustado, nada teria sido pior do que “a chegada dos astronautas” a sua casa, em Aveiro. Depois de discar o número 808 24 24 24 (Linha de Saúde 24) com receios de ter sido infectado com a estirpe pandémica do vírus da gripe — tinha vindo de Valência (Espanha) e tinha tosse, dor de cabeça e alguma febre — não demorou muito a que chegasse à sua porta uma ambulância do

INEM com dois homens vestidos com luvas, óculos, cobertos da cabeça aos pés com fatos brancos especiais, com os pés protegidos para o levar a ele, que nesse dia até estava com menos febre do que na véspera. Mas lá foi até um dos hospitais de referência para a gripe A, os Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC).

Aí chegado, João foi colocado num quarto de isolamento onde não podia receber visitas e onde apenas podiam entrar médicos e enfermeiros protegidos.

Praia depois do isolamento“Foram duas noites e dois dias. Foi aborrecido de morte. Até achei que a gripe não me matava, mas o tédio.” Os médicos que tem na família já tinham desdramatizado o sufi ciente a gripe A para não se chocar com a confirmação laboratorial do diagnóstico: “A coisa que mais me incomodou era que tinha que fi car no hospital mais tempo.” O que lhe valeu foi Ana, que estava no quarto ao lado com sintomas ainda “mais brandos” e a quem ligava pelo telefone interno para trocar impressões e “brincar com a situação”. Foi o João quem contaminou a Ana? Ou foi a Ana que infectou o João? É indiferente, o vírus A (H1N1) viajou com os dois amigos no carro durante as nove horas que demorou o percurso de Valência, em Espanha, a Aveiro. João, de 26 anos, está lá a tirar um mestrado em Audiovisual e Ana, engenheira do ambiente com a mesma idade, está a trabalhar na cidade espanhola. Voltavam os dois para umas férias portuguesas que tiveram que ser adiadas.

Quando o isolamento acabou, João foi à praia. Aos dias de quarto de isolamento somaram-se os que fi cou em casa a tomar Oseltamivir (Tamifl u), evitando contactos com os habitantes da casa. Ana

“Já tive gripes bem piO vírus viajou no carro com o João e a Ana durante nove horas, mas não sabem quem o apanhou primeiro. O que sabem é que apanharam gripe A e sobreviveram

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O Livro da Gripe A 31

piores”almoçava no seu quarto com medo de contaminar os pais. “Hoje é o meu último dia em clausura, amanhã já estou livre”, disse Ana há uns dias. E ela já sabe qual é a primeira coisa que vai fazer quando sair: “Ir à praia dar um mergulho.”

Num “quarto de hotel”Paulo, gestor de 39 anos, acha que teve tratamento VIP, talvez porque foi um dos primeiros: o número quatro da lista. Na unidade de doenças infecto-contagiosas do Hospital Curry Cabral, em Lisboa, os quartos de isolamento “têm óptimas condições” e ele sentiu-se ali como “num quarto de hotel”: com casa de banho privativa, televisão, rádio e Internet. E sempre que entravam no seu quarto, enfermeiros e médicos, com máscaras e fatos de protecção, saíam, despiam-se e tomavam banho. Quando ainda não estava confi rmado o seu caso, Paulo mandou um e-mail para que avisassem o grupo dos 32 portugueses que viajaram consigo para os EUA, numa semana internacional integrada num MBA. Ficou apenas um dia no Curry e depois voltou a casa.

O potencial contagioso de André, de 25 anos, tornou-se bastante claro quando abriram alas para ele: levaram 15 minutos para eva-cuar todo um corredor dos HUC para o deixar passar e ainda no hospital de Leiria — o primeiro sítio onde foi depois de sentir febre e ter tosse — havia uma porta especial onde o re-ceberam profi ssio-nais de saúde vestidos de fatos verdes. Foi da unidade leiriense que ligaram para a Linha de Saúde 24, que o

instruiu a fi car em casa e medir a febre de qua-tro em quatro horas, depois de uma viagem de férias a Palma de Maiorca. Tomou paracetamol e quando a febre não baixou teve o mesmo des-tino de Ana e João: um quarto de isolamento e uns dias fechado em casa.

Além dos colegas de trabalho, a quem teve que avisar, poucos mais souberam da sua sorte. A vítima “da gripe suína” é piada no trabalho, mas isso é porque lá já estão informados.

André vê medo à sua volta, o que faz com que seja discreto e conte a pouca gente, pelo menos enquanto as pessoas não entenderem que “isto não é uma coisa do outro mundo”.

Ficaram com uma história para contar e sentem que a vida continua e as viagens também. “Sem medos e sem máscara”, diz Ana, que não vai deixar de ir de férias para a Turquia. André voltava a Palma de Maiorca se lhe oferecessem “uma viagem grátis”. A eles a gripe A já “não

assusta nada”, o receio que tinham antes vinha do natural medo “do

desconhecido”, diz João, e do alarde feito pela comunicação social. A crítica é comum: “Não é nada como dizem nos jornais. Não é nada do outro mundo. Os jornais é

que alarmam as pessoas”, diz André. “Toda a gente vai tê-la”, diz João. “Não há volta a dar,

mas uma pessoa saudável não morre disto.” a

Os nomes usados no texto são fi ctícios

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O Livro da Gripe A32

NICOLAU FERREIRA

O mundo tem um limite real para a produção de vacinas contra a gripe A e a Organização Mundial de Saúde (OMS) já o estimou. Na melhor das hipóteses e partindo da experiência adquirida durante a crise da gripe aviária H5N1, podem ser produzidas 4,9 mil milhões de doses durante 12 meses. Mas há duas incógnitas: a rapidez de produção deste vírus e a quantidade de antigénio necessária para desencadear uma resposta imunitária suficiente para que os indivíduos fi quem imunizados. Por isso, logo a seguir, a OMS atira com um número bastante mais cauteloso entre 1 e 2 mil milhões de doses durante o mesmo período de tempo.

As companhias farmacêuticas que estão com as mãos na matéria-prima sabem disso. Das que o PÚBLICO contactou — Novartis Farma, Sanofi Pasteur, Glaxo SmithKline e Baxter —, todas receberam as primeiras amostras do vírus entre Abril e Maio, e acreditam ter as vacinas no mercado entre Setembro e Dezembro deste ano com o tempo aproximado de produção entre os quatro a seis meses.

Mas nenhuma se atreveu a prever o número de doses que vai conseguir produzir.

A Novartis Farma, a primeira empresa a anun-ciar que tinha conseguido produzir a vacina, disse que o tempo de desenvolvimento foi relati-vamente curto. Os primeiros casos da estirpe de gripe A foram identifi cados em Abril e a empre-sa iniciou a produção a 6 de Junho. “Contudo, antes da disponibilização, a vacina está a ser objecto de estudos clínicos que documentam a sua segurança e efi cácia para uso público”, garantiu por e-mail Luís Rocha, director de re-lações externas da empresa.

Há mais de meio século de experiência na produção de vacinas contra a gripe. Todos os anos a OMS prevê quais as três estirpes que têm mais probabilidades de correr os dois hemisférios durante a próxima estação fria, desencadeando a gripe sazonal que mata entre 250 e 500 mil pessoas por ano — na grande maioria dos casos, idosos. A partir desta previsão, as farmacêuticas produzem com meses de antecedência a vacina adequada.

“As vacinas sazonais levam entre três a quatro meses a ser produzidas”, disse por telefone Albert Garcia, médico e porta-voz da Sanofi -Pasteur.

As farmacêuticas contactadas pelo PÚBLICO terminaram a produção da vacina contra a gripe sazonal para o Hemisfério Norte, que para a OMS continua a ter o mesmo grau de importância.

A Sanofi Pasteur está a dedicar-se exclusiva-mente à gripe suína. “Há três semanas que esta-mos a produzir a vacina”, revela o médico.

Vai haver vacinas, nãé se na quantidade neArma contra a gripe só para o fi nal do ano. Mas teme-se que uma grande mutação do vírus venha tornar obsoletas as vacinas que estão a ser produzidas a partir das primeiras amostras da estirpe

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O Livro da Gripe A 33

não se sabe ecessária

Entre o fi nal deste mês e início de Agosto devem começar os testes clínicos — a Austrália é para já o único país que avançou.

“Vai-se fazer diferentes estudos com diferentes formulações da vacina para diferentes idades. A vacina vai ser comparada com e sem adjuvante [um composto independente que intensifi ca a resposta imunológica do corpo humano, permitindo utilizar menos antigénio, que empresas como a Glaxo SmithKline e a Novartis já garantiram utilizar na nova vacina]”, explicou o porta-voz da Sanofi Pasteur, acrescentando que estes testes servem para verifi car a efi cácia do produto. “É esta a razão porque não se sabe o número de doses que se vai conseguir produzir.”

Doses para a OMSUm dos problemas com que o mundo se

defronta é a capacidade de mutação do vírus da gripe. Já foram descritas casos de resistência ao Tamifl u, um dos dois antivirais que respondem bem à estirpe A H1N1. Teme-se que uma mutação sufi cientemente grande venha a tornar obsoletas as vacinas que estão a ser produzidas a partir das primeiras amostras da estirpe.

Para responder a este problema a Klaxo Smi-thKline resolveu vender o adjuvante separada-mente do antigénio para que, no pior dos cená-rios, seja só “uma questão de substituir o anti-

génio”, explicou Marta Mello Breyner, assessora da empresa.

Antes de as vacinas serem postas à venda terão que passar pelo crivo da OMS para poderem ser registadas.

A corrida contra-relógio não pára. A OMS ainda não sabe que grupos de risco devem ser os primeiros a receber a vacina, mas se a popu-lação activa for a mais afectada, os países sem capacidade de produção ou de compra da va-cina arriscam-se a fi car paralisados.

A Glaxo SmithKline e a Sanofi Pasteur já garantiram que vão doar respectivamente 50 e 100 milhões de doses de vacinas à OMS destinadas aos países com mais difi culdade. a

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O Livro da Gripe A34

SintomasNão é possível distinguir com exactidão os sinto-mas da gripe normal dos da gripe A, embora a gripe pandémica tenda a ter mais problemas de tipo gastrin-testinal, como diarreias e vómitos (25 por cento dos casos). Mas também há es-tirpes da gripe sazonal que podem dar esses sintomas, pelo que é, do ponto de vista clínico, muito difícil distin-gui-la da gripe A, sobretudo quando chegar o frio.Esta é uma das razões por-que é importante vacinar os grupos de risco contra a gripe sazonal. Para saber se alguém fi cou infectado é preciso conjugar os sinto-mas de uma gripe comum a ter viajado para um país afectado ou ter tido contacto com alguém infectado.

Vírus O período de incubação da gripe A (H1N1) pode variar entre um e sete dias e os do-entes podem contagiar ou-tras pessoas por um período até sete dias. É prudente, contudo, considerar que um doente mantém a capacida-de de infectar outras pesso-as durante todo o tempo em que manifeste sintomas. O vírus transmite-se de pes-soa a pessoa através de go-tículas libertadas quando se fala, tosse ou espirra.

Vacinas Não há evidência científi ca de que a vacina da gripe sazonal ofereça protecção contra a nova gripe.Os grupos de risco devem assim ser duplamente vacinados, com a vacina normal, que começa a ser distribuída em Setembro, e a vacina pandémica, quando esta estiver disponível. Para a vacina da gripe sazonal os grupos de risco em Portugal são os idosos, doentes crónicos, crianças com determinadas patologias, grávidas nos dois últimos trimestres de gravidez e profi ssionais de saúde. Para a vacina pandémica a OMS está a estudar se faz sentido incluir também os idosos e os jovens adultos. Também o grupo das grávidas está a merecer uma atenção acrescida, após a morte de duas mulheres nesta situação.

Mortes Na origem da mortalidade por gripe A têm estado pneumonias e problemas associados a patologias de que as pessoas já sofriam. Estima-se que a taxa de mortalidade por gripe A ande entre os 0,15 e os 0,4 por cento, mas, em alguns países, começa a haver mortalidade superior à que acontece todos os anos com a gripe normal (cerca de 0,1 por cento).

Máscaras Não está provado que o uso de máscaras ofereça protec-ção efi caz ou reduza o risco de contágio. O Centro Euro-peu de Prevenção e Controlo das Doenças nem sequer recomenda o seu uso, a não ser aos prestadores de cui-dados de saúde. Mas o uso de máscaras por pessoas com sintomas de gripe aju-da a reter as secreções res-piratórias quando tossem ou espirram, o que reduz o risco de espalharem o vírus.

Reinfecção Não é possível ser reinfectado com a nova estirpe do vírus A (H1N1). Quando se é infectada com a nova gripe e nos curamos, fi camos naturalmente imunizados. Pode é ser-se infectado por outras estirpes do vírus.

O que se sabe sobre o vírus