o uso de cloro na desinfecção de Águas, a formação...

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Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (1): 99-110, jan/mar, 1994 99 ARTIGO / ARTICLE O Uso de Cloro na Desinfecção de Águas, a Formação de Trihalometanos e os Riscos Potenciais à Saúde Pública Chlorine Use in Water Disinfection, Trihalomethane Formation, and Potential Risks to Public Health Sheila T. Meyer 1 MEYER, S. T. Chlorine Use in Water Disinfection, Trihalomethane Formation, and Potential Risks to Public Health. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (1): 99-110, Jan/Mar, 1994. Before the development of the germ theory — relating microorganisms with disease transmission (1880) — people believed that diseases were transmitted by odours. Water and sewage disinfection emerged as a method for elimination of odours. There are many disinfecting agents, but chlorine is the main product used to disinfect water. Organic compounds present in water that is chlorinated can result in the formation of trihalomethanes. The latter are basically one atom of carbon, one of hydrogen, and three of a halogen (chlorine, bromine, or iodine). These are considered carcinogenic compounds and their presence in drinking water should therefore be avoided. Epidemiological research has shown an association between trihalomethane concentration and cancer morbidity and mortality for some types of carcinoma. Nevertheless, there may be more risk than benefit involved in replacing chlorine with other disinfecting agents, since the incidence of water-borne diseases only dropped after water chlorination became a routine procedure. Key words: Water Treatment; Chlorine; Trihalomethanes INTRODUÇÃO A desinfecção da água tem sido praticada por milênios, embora os princípios envolvidos no processo não fossem conhecidos. Existem indícios de que o uso de água fervida já era recomendado em 500 a.C., mas alguns historia- dores julgam que esta prática era adotada desde o começo da civilização (Iabusch, 1971). Até que a teoria dos microorganismos fosse es- tabelecia (Louis Pasteur, 1880), havia a crença de que as doenças eram transmitidas através de odores. A desinfecção da água e dos esgotos surgiu como uma tentativa de se controlar a propagação das doenças através dos odores. DESINFECÇÃO Os processos de desinfecção têm como objeti- vo a destruição ou inativação de organismos patogênicos, capazes de produzir doenças, ou de outros organismos indesejáveis. Esses organis- mos podem sobreviver na água por várias semanas, em temperaturas próximas a 21ºC e, em alguns casos, por vários meses, em baixas temperaturas (Cubillos, 1981). A sobrevivência desses organismos na água depende, não só da temperatura, mas também de outros fatores ecológicos, fisiológicos e morfológicos, tais como: pH, turbidez, oxigênio, nutrientes, com- petição com outros organismos, resistência a substâncias tóxicas, habilidade na formação de esporos (Rossin, 1987). A desinfecção não implica, necessariamente, a destruição completa de todas as formas vivas (esterilização), embora muitas vezes o processo de desinfecção seja levado até o ponto de esterilização. 1 Secretaria do Meio ambiente Ciência e Tecnologia do Distrito Federal. Instituto de Ecologia e Meio Ambiente. SRTVS Quadra 701, Centro Empresarial Assis Chateaubriand, 6º andar, Brasília, DF, 70340-906, Brasil.

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Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (1): 99-110, jan/mar, 1994 99

ARTIGO / ARTICLE

O Uso de Cloro na Desinfecção de Águas, a Formação deTrihalometanos e os Riscos Potenciais à Saúde Pública

Chlorine Use in Water Disinfection, Trihalomethane Formation, andPotential Risks to Public Health

Sheila T. Meyer1

MEYER, S. T. Chlorine Use in Water Disinfection, Trihalomethane Formation, and Potential

Risks to Public Health. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (1): 99-110, Jan/Mar, 1994.

Before the development of the germ theory — relating microorganisms with disease transmission

(1880) — people believed that diseases were transmitted by odours. Water and sewage

disinfection emerged as a method for elimination of odours. There are many disinfecting agents,

but chlorine is the main product used to disinfect water. Organic compounds present in water

that is chlorinated can result in the formation of trihalomethanes. The latter are basically one

atom of carbon, one of hydrogen, and three of a halogen (chlorine, bromine, or iodine). These

are considered carcinogenic compounds and their presence in drinking water should therefore

be avoided. Epidemiological research has shown an association between trihalomethane

concentration and cancer morbidity and mortality for some types of carcinoma. Nevertheless,

there may be more risk than benefit involved in replacing chlorine with other disinfecting

agents, since the incidence of water-borne diseases only dropped after water chlorination

became a routine procedure.

Key words: Water Treatment; Chlorine; Trihalomethanes

INTRODUÇÃO

A desinfecção da água tem sido praticada pormilênios, embora os princípios envolvidos noprocesso não fossem conhecidos. Existemindícios de que o uso de água fervida já erarecomendado em 500 a.C., mas alguns historia-dores julgam que esta prática era adotada desdeo começo da civilização (Iabusch, 1971). Atéque a teoria dos microorganismos fosse es-tabelecia (Louis Pasteur, 1880), havia a crençade que as doenças eram transmitidas através deodores. A desinfecção da água e dos esgotossurgiu como uma tentativa de se controlar apropagação das doenças através dos odores.

DESINFECÇÃO

Os processos de desinfecção têm como objeti-vo a destruição ou inativação de organismospatogênicos, capazes de produzir doenças, ou deoutros organismos indesejáveis. Esses organis-mos podem sobreviver na água por váriassemanas, em temperaturas próximas a 21ºC e,em alguns casos, por vários meses, em baixastemperaturas (Cubillos, 1981). A sobrevivênciadesses organismos na água depende, não só datemperatura, mas também de outros fatoresecológicos, fisiológicos e morfológicos, taiscomo: pH, turbidez, oxigênio, nutrientes, com-petição com outros organismos, resistência asubstâncias tóxicas, habilidade na formação deesporos (Rossin, 1987). A desinfecção nãoimplica, necessariamente, a destruição completade todas as formas vivas (esterilização), emboramuitas vezes o processo de desinfecção sejalevado até o ponto de esterilização.

1 Secretaria do Meio ambiente Ciência e Tecnologia do

Distrito Federal. Instituto de Ecologia e Meio Ambiente.

SRTVS Quadra 701, Centro Empresarial Assis

Chateaubriand, 6º andar, Brasília, DF, 70340-906,

Brasil.

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Segundo Laubush (1971), os fatores queinfluem na desinfecção e, portanto, no tipo detratamento a ser empregado, podem ser resumi-dos em:• espécie e concentração do organismo a ser

destruído;• espécie e concentração do desinfetante;• tempo de contato;• características químicas e físicas da água;• grau de dispersão do desinfetante na água.

A resistência de algumas espécies de microor-ganismos a desinfetantes específicos variaconsideravelmente. Bactérias não-esporuladassão menos resistentes que as formadoras deesporos; formas encistadas e vírus podem serbastante resistentes (Rossin, 1987).

A concentração de microorganismos é umoutro fator importante, já que uma densidadeelevada significa uma maior demanda de desin-fetante. A aglomeração de organismos podecriar uma barreira para a penetração do desinfe-tante.

A morte de organismos pela ação de umdesinfetante, fixando-se os outros fatores, éproporcional à concentração do desinfetante eao tempo de reação. Deste modo, pode-seutilizar altas concentrações e pouco tempo, oubaixas concentrações e um tempo elevado.

As características da água a ser tratada têminfluência marcante no processo de desinfecção.Quando o agente desinfetante é um oxidante, apresença de material orgânico e outros compos-tos oxidáveis irá consumir parte da quantidadede desinfetante necessária para destruir osorganismos (Degrémont, 1979). Alguns desin-fetantes, quando em contato coma água, so-frem hidrólise e se dissociam, formando com-postos com ação germicida diferente daquela dasubstância inicial. A temperatura do sistemainfluencia o caráter químico da água, já quealguns compostos podem se apresentar sobformas diferentes, conforme a temperatura domeio. Em geral, temperaturas elevadas favore-cem a ação desinfetante.

Os desinfetantes químicos necessitam seruniformemente dispersos na água, para garantiruma concentração uniforme; portanto, a agi-tação favorece a desinfecção.

A ação dos desinfetantes na destruição ouinativação dos microorganismos não é instantâ-

nea. Em geral, o processo se desenvolve demaneira gradativa, ocorrendo etapas físicas,químicas e bioquímicas.

A desinfecção da água pode ser obtida pelautilização de diversos meios. Durante os proces-sos numa estação de tratamento de água (ETA)convencional, as etapas de sedimentação, coa-gulação e filtração removem parte dos organis-mos patogênicos e outros presentes na água. Osprocessos específicos de desinfecção podem serclassificados como (Laubusch, 1971):

• tratamento físico – aplicação de calor; irra-diação, luz ultravioleta e outros agentes fí-sicos;

• íons metálicos – cobre e prata;• compostos alcalinos;• compostos tensoativos – sais de amônia qua-

ternários;• oxidantes – halogênios, ozônio e outros com-

postos orgânicos e inorgânicos.

As características necessárias para um bomdesinfetante podem ser resumidas em (Fair etal. apud Rossin, 1987):

• capacidade de destruir, em um tempo razoá-vel, os organismos patogênicos a serem elimi-nados, na quantidade em que se apresentam enas condições encontradas na água;

• o desinfetante não deve ser tóxico para ohomem e para os animais domésticos e, nasdosagens usuais, não deve causar à águacheiro e gosto que prejudiquem o seu consu-mo;

• seu custo de utilização deve ser razoável,além de apresentar facilidade e segurança notransporte, armazenamento, manuseio e apli-cação;

• a concentração na água tratada deve ser fácile rapidamente determinável;

• deve produzir concentração residuais resis-tentes na água, de maneira a constituir umabarreira sanitária contra eventual recontami-nação antes do uso.

EVOLUÇÃO DOS PROCESSOSDE CLORAÇÃO DA ÁGUA

O uso de cloro na desinfecção da água foiiniciado com a aplicação do hipoclorito de

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Desinfecção de Águas

sódio (NaOCl), obtido pela decomposiçãoeletrolítica do sal.

Inicialmente, o cloro era empregado na desin-fecção de águas somente em casos de epide-mias. A partir de 1902, a cloração foi adotadade maneira contínua na Bélgica. Em 1909,passou a ser utilizado o cloro guardado emcilindros revestidos com chumbo.

De acordo com Rossin (1987), os processosde cloração evoluíram com o tempo, podendoesta evolução ser caracterizada em diferentesdécadas:

• 1908 a 1918 – início da cloração das águas;aplicação de uma pequena quantidade decloro;

• 1918 a 1928 – acentuada expansão no uso decloro líquido;

• 1928 a 1938 – uso de cloraminas, adiçãoconjunta de amônia e cloro, de modo a seobter um teor residual de cloraminas. Aindanão eram empregados testes específicos parase determinar os residuais de cloro;

• 1948 a 1958 – refinamento da cloração; deter-minação das formas de cloro combinado elivre; e cloração baseada em controles bacte-riológicos.

PRINCÍPIOS DA CLORAÇÃO DA ÁGUA

O uso de cloro no tratamento da água podeter como objetivos a desinfecção (destruiçãodos microorganismos patogênicos), a oxidação(alteração das características da água pelaoxidação dos compostos nela existentes) ouambas as ações ao mesmo tempo. A desin-fecção é o objetivo principal e mais comum dacloração, o que acarreta, muitas vezes, o usodas palavras “desinfecção” e “cloração” comosinônimos (Bazzoli, 1993).

O cloro e seus compostos são fortes agentesoxidantes. Em geral, a reatividade do clorodiminui com o aumento do pH, e sua velocida-de de reação aumenta com a elevação da tem-peratura.

As reações do cloro com compostos inorgâni-cos redutores, como sulfitos, sulfetos, íonferroso e nitrito, são geralmente muito rápidas.Alguns compostos orgânicos dissolvidos tam-bém reagem rapidamente com o cloro, mas, em

geral, são necessárias algumas horas para que amaioria das reações do cloro com compostosorgânicos se complete.

Quando o cloro é adicionado a uma águaquimicamente pura ocorre a seguinte reação(Degrémont, 1979):

Na temperatura ambiente, o tempo de reaçãoé de décimos de segundo (Van Bremem, 1984).Em solução diluída e pH acima de 4, o equilí-brio da reação é deslocado para a direita, fican-do pouco Cl

2 em solução. Em valores de pH

mais baixos, a reação predominante é no sen-tido de formação do cloro.

O ácido hipocloroso (HOCl), formado pelaadição de cloro à água, se dissocia rapidamente(Degrémont, 1979):

A ação desinfetante e oxidante do cloro écontrolada pelo ácido hipocloroso, um ácidofraco. Em solução aquosa e valores de pHinferiores a 6, a dissociação do ácido hipocloro-so é fraca, sendo predominante a forma não-dissociada (HOCl).

Em soluções de pH menor que 2, a formapredominante é o Cl

2; para valores de pH

próximo a 5, a predominância é do HOCl,tendo o Cl

2 desaparecido. A forma ClO predo-

mina em pH 10 (Bazzoli, 1993; Degrémont,1979).

As águas de abastecimento, em geral, apre-sentam valores de pH entre 5 e 10, quando asformas presentes são o ácido hipocloroso(HOCl) e o íon hipoclorito (OCl).

O cloro existente na água sob as formas deácido hipocloroso e de íon hipoclorito édefinido como cloro residual livre (Opas,1987; Rossin, 1987).

O cloro também pode ser aplicado sob asformas de hipoclorito de cálcio e hipoclorito desódio, os quais, em contato com a água, seionizam conforme as reações:

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O íon hipoclorito também estabelece umequilíbrio com os íons de hidrogênio, dependen-do do pH, ou seja, da concentração de íons dehidrogênio na água. Uma parte do cloro dispo-nível reage com água para formar ácido hipo-cloroso, íons hipoclorito e ácido clorídrico. Oácido clorídrico formado combina-se com aalcalinidade natural da água ou com a alcalini-dade introduzida para fins de tratamento, redu-zindo-as e alterando, desta forma, o pH, o qual,por sua vez, influi no grau de dissociação doácido hipocloroso.

Quando existem, na água, amônia e compos-tos amoniacais, com a adição de cloro sãoformados compostos clorados ativos, denomina-dos cloraminas.

O cloro presente sob a forma de clorami-nas é denominado cloro residual combinado(Opas, 1987; Rossin, 1987).

O cloro sob a forma de ácido hipoclorosocombina-se com a amônia presente na água,formando monocloramina (NH

2Cl), dicloramina

(NHCl2) e tricloramina ou tricloreto de nitrogê-

nio (NCl3).

A adição de cloro em águas que contenhamnitrogênio amoniacal poderá produzir uma sériede reações, que dependerão da relação entre ocloro dosado e o nitrogênio amoniacal presente,do pH, da temperatura e do tempo de reação(Rossin, 1987; Van Bremem, 1984). O clororesidual (cloro residual combinado) inicialmenteaumenta com o aumento do cloro aplicado,passando por um máximo, e, em seguida,diminui até um mínimo; a partir deste mínimo,o cloro residual, agora sob a forma de clororesidual livre, aumenta proporcionalmente coma quantidade de cloro aplicada. O ponto deinflexão encontrado é chamado de breakpoint

(cloração ao breakpoint). Com o início dacloração, o nitrogênio amoniacal consome ocloro na formação de cloraminas. O pontomáximo é atingido quando toda a amônia

disponível se combinou com o cloro para aformação de cloraminas. Como são compostosquimicamente instáveis, quando a curva atingeo máximo, com a continuação da adição decloro à água as cloraminas são oxidadas edestruídas, formando produtos inertes, como N

2

e HCl. O ponto mínimo de inflexão é atingidodepois da destruição das cloraminas.

A continuação da adição de cloro significaráum aumento do cloro residual livre, já que todaa demanda de cloro pela água foi satisfeita(Opas, 1987).

A cloração ao breakpoint pode ser aproveita-da de forma a garantir um teor de cloro residualnum sistema de distribuição de água (Bazzoli,1993). A água clorada sofre adição de compos-tos de amônia, formando as cloraminas. Du-rante a distribuição da água tratada, as clorami-nas funcionarão como uma fonte de cloro frentea qualquer substância oxidável que surgir narede (recontaminação). O pH da solução influ-encia as quantidades relativas das cloraminaspresentes.

As dicloraminas têm maior efeito bactericidado que as monocloraminas. As tricloraminasnão apresentam efeito desinfetante.

Essas reações podem ocorrer simultaneamen-te, e o aumento de acidez e da relação cloro/ni-trogênio favorece a formação dos derivadosmais clorados.

As reações são mais rápidas em valores depH mais baixos, onde é elevada a concentraçãode ácido hipocloroso não-dissociado (VanBremem,1984).

A presença de ferro e manganês na águatambém afeta a cloração. Caso o pH seja eleva-do o bastante para que haja a formação dehidróxidos e a quantidade de cloro presente sejasuficiente, as formas reduzidas desses metaisserão oxidadas às suas formas de hidróxidosinsolúveis.

Os nitritos também podem estar presentes naágua, sendo rapidamente oxidados pelo cloro.

Uma grande quantidade de compostos orgâni-cos presentes na água pode exercer influênciano consumo de cloro, dependendo da quantida-de de cloro disponível e do tempo de reação.

O mecanismo de desinfecção com o uso decloro não é ainda completamente conhecido. Acomprovação experimental de que pequenasconcentrações de ácido hipocloroso destroem

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Desinfecção de Águas

bactérias levou Green & Stumpf (apud Lau-busch, 1971) à formulação da hipótese de quea morte da célula bacteriana era resultado dareação química do ácido hipocloroso com umaenzima, triosefosfato dihidrogenase, essencial naoxidação da glicose e, portanto, na atividade dometabolismo celular (funções respiratórias).Essas interações também ocorrem com outrasenzimas. Entretanto, esta enzima, quando isola-da, era oxidada por outros agentes que não ocloro, o que não ocorria com a enzima decélulas intatas. Esta observação indicou que afacilidade de penetração do desinfetante nacélula é um fator importante. Em relação aosesporos, provavelmente sua inativação ocorrepor métodos distintos daqueles das célulasvegetativas, conforme observações de que a suasobrevivência não é dependente da capacidadedo cloro de oxidar a glicose. A sobrevivênciados esporos é determinada por sua capacidadede formar células vegetativas e, mesmo após ocontato com o cloro, é possível que os esporoscontinuem capazes de produzir a enzima, o quenão acontece com as formas vegetativas, queperdem esta capacidade de regenerar a enzima.

A superioridade da eficiência de desinfecçãodo ácido hipocloroso em relação a outras formasde cloro é atualmente creditada não somente àsua forte capacidade de oxidação, mas tambémao pequeno tamanho de sua molécula e suaneutralidade elétrica, que permitem uma rápidapenetração nas células. A reduzida ação bacteri-cida dos íons hiploclorito é relacionada à suacarga negativa, que provavelmente impede suapenetração na célula (Fair et al. apud Laubusch,1971).

FORMAÇÃO DE TRIHALOMETANOS

A reação do cloro com alguns compostosorgânicos leva à formação de trihalometanos(THM). A água bruta contém ácidos fúlvicos ehúmicos (fórmulas ainda não completamenteconhecidas), resultantes da decomposição defolhas da vegetação (Opas, 1987). A maioriadesses ácidos contém radicais cetona, quepodem causar a formação de halofórmiosapós a reação com o cloro (Van Bremem,1984).

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Entre os compostos relacionados, os que têmconcentração mais significativa em água potávelsão os quatro primeiros: triclorometano, bromo-diclorometano, dibromoclorometano e tribromo-metano (Santos, 1987). Portanto, quando se fazreferência aos THM (trihalometanos), na reali-dade estão sendo mencionados os quatro com-postos citados.

O THM mais facilmente detectável é o cloro-fórmio.

Os ácidos húmicos e fúlvicos são chamados“precursores” dos trihalometanos.

A reação de formação dos THM se iniciaquando há o contato entre os reagentes (cloro eprecursores) e pode continuar ocorrendo pormuito tempo, enquanto houver reagente disponí-vel (principalmente o cloro livre).

Segundo Perry (1983), o equilíbrio na clora-ção entre as reações de substituição envolvendo,inicialmente, a formação de ligações carbo-no-cloro, ou nitrogênio-cloro, e reações geraisde oxidação é importante na formação dosTHM. Reações adicionais não têm muita impor-tância, porque são, em geral, bem mais lentas.

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Desinfecção de Águas

A reação do halofórmio envolve uma série dereações básicas catalíticas de substituição de umgrupo a-carbonil, seguida, eventualmente, pelahidrólise para produzir o trihalometano. Para oscompostos simples que contêm acetil, o patamarde determinação de baixa velocidade é a desa-gregação do próton, que é independente daconcentração de halogênios, mas altamentedependente do pH.

As variáveis que influenciam a reação deformação dos THM são (Khordagui & Mancy,1983; Santos, 1987; Van Bremer, 1984):

1. TempoEm relação ao tempo, a formação de trihalo-

metanos em condições naturais não é instantâ-nea. Em princípio, quanto maior o tempo decontato entre o cloro e os precursores, maiorserá a probabilidade de formação dos THM.

2. TemperaturaO aumento da temperatura significa um au-

mento na probabilidade de formação dos THM.

3. pHA formação dos THM aumenta com a ele-

vação do pH, pela sua ação catalítica sobre ohalofórmio.

4. Concentração de brometo e iodeto.Os brometos e iodetos, na presença de cloro

aquoso, são oxidados a espécies capazes departicipar da reação de substituição orgânica,resultando na formação de THM puro ou mistu-rado (um ou mais de um dos compostos). Obromo tem vantagens sobre o cloro nas reaçõesde substituição com os compostos orgânicos,mesmo que o cloro esteja presente em excessoquando comparado com o bromo inicial.

5. Características e concentrações5. dos precursores

Quanto maior a concentração de ácidos húmicose fúlvicos, maior será a formação de THM. Ascaracterísticas da água e dos precursorespresentes também irão influenciar a formaçãode THM.

6. Concentração de cloroQuanto maior a dosagem de cloro, maior será

a probabilidade de formação de THM. A forma

sob a qual o cloro se apresenta também éimportante; o cloro livre tem maior poder deformação de THM do que o cloro combinado.

IMPORTÂNCIA DOS TRIHALOMETANOS

A relação entre o uso de cloro nas estaçõesde tratamento de água, suas reações com oscompostos orgânicos presentes e a formação decompostos que o poderiam ter efeitos negativossobre a saúde humana foi estudada pela primei-ra vez por R. H. Harris, na década de 70 (San-tos, 1987). A partir de suas indicações pioneirassobre a possibilidade de existir uma correlaçãoentre águas de abastecimento e câncer, outrospesquisadores passaram a estudar o assunto,como Rook, na Holanda, e Bellar, Litchtemberg& Krones, nos Estados Unidos.

O aumento da preocupação com os níveisdesses compostos presentes na água tem levadoa amplas discussões sobre a legislação eminúmeros países (Perry, 1983).

A Agência de Proteção Ambiental dos Esta-dos Unidos (USEPA), em um estudo no qualforam analisadas amostras de água provenientesde 113 estações de tratamento, detectou apresença de 27 compostos orgânicos comprobabilidade de serem causadores de doenças(op. cit). Nessa relação de compostos, os quatrotrihalometanos foram considerados muito im-portantes, porque surgiram com freqüênciamuito grande em todas as pesquisas realizadasnas águas de abastecimento cloradas. Comoconseqüência deste estudo, a EPA propôs, em1978, o limite máximo permissível de 100 µg/lTHM para águas de abastecimento. Embora nãoexistissem provas cabais de que esses compos-tos pudessem ser nocivos à saúde, o limite foiproposto com objetivos preventivos. Em 1979,o critério adotado de 100 µg/L (média deconcentração anual) foi regulamentado, apesardas evidências de carcinogenicidade do cloro-fórmio terem sido obtidas apenas em estudoscom animais (Khordagui & Mancy, 1983).Posteriormente, alguns estudos realizados noCanadá considerando a cloração de água bruta(Wigle apud Santos, 1989) indicaram uma asso-ciação entre a dosagem de cloro e o câncer deestômago, e entre a quantidade de carbonoorgânico (COT, indicador de THM) e o câncer

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do intestino grosso em homens. Também houveassociações positivas entre o clorofórmio naágua tratada e o risco de morte por câncer decólon (homens e mulheres), câncer de estôma-go, entre dosagem de cloro e câncer retal(homens e mulheres) e câncer de tórax. Paramulheres também houve associação entredosagem de cloro ou água clorada sujeita acontaminação por substâncias orgânicas ecâncer do cólon e cérebro.

O clorofórmio induz ao câncer de fígado,tiróide e rins em ratos e camundongos, masassociações significantes não foram observadasno homem.

Outros países seguiram os Estados Unidos emrelação à legislação, sendo adotados os padrõesde 350 µ/l, no Canadá, 25 µ/l, na Alemanha, 75µ/l, na Holanda, e 10 µ/l, na França (Perry,1983). A controvérsia que cerca a formação dosTHM é cientificamente complexa e as al-terações que estão sendo introduzidas emlegislação estão baseadas em dados incomple-tos.

Os níveis de THM refletem claramente aspráticas adotadas no tratamento e na distri-buição da água em países diferentes, além daqualidade das águas brutas (op. cit). Na Ale-manha, por exemplo, onde são utilizadas águasque possuem níveis de carbono orgânico totalreduzidos (2 mg/l) e a dosagem de cloro élimitada a menos de 1 mg/l, os níveis de THMsão bem mais baixos do que nos Estados Uni-dos, onde os processos de precloração levam aníveis mais altos de THM na água. No ReinoUnido, os níveis consideravelmente elevados deTHM são associados à precloração e à utiliza-ção de águas com alto teor de carbono orgânicototal (COT).

No Brasil, a partir da promulgação da Porta-ria Nº 36, de 19/01/90, do Ministério da Saúde,foram estabelecidos novos padrões de potabili-dade da água, os quais passaram a vigorar em23/01/92. Conforme essa legislação, o teormáximo de trihalometanos em água potável foifixado em 100 µg/l.

A qualidade da água e sua origem, seja elaproveniente de planícies, planaltos ou do solo,é importante em relação à formação dos THM,já que este é um processo relacionado com anatureza do conteúdo orgânico da água. Osmateriais húmicos e fúlvicos são considerados

os precursores de THM de maior importânciapresentes em águas naturais (Van Bremem,1984).

As variações sazonais nas concentrações deTHM ocorrem em função das variações datemperatura da água, mas também tem relaçãocom as alterações nas concentrações dos precur-sores. A concentração de algas também influen-cia a formação dos THM (Perry, 1983).

DEFINIÇÕES DAS CONCENTRAÇÕESDE TRIHALOMETANOS

Santos (1989) relacionou algumas definiçõesusuais de concentração de trihalometanos: THMtotais, THM instantâneo, THM final, potencialde formação de THM e precursor total.

THM Totais (THMT) — é a soma das con-centrações dos quatro THM encontrados commaior freqüência, expressa em µg/l. As concen-trações desses quatro compostos são medidasconjuntamente, uma vez que eles são formadospor reações similares, medidos por técnicassimilares (cromatografia), podem ter os mesmosefeitos tóxicos e são passíveis de controle portécnicas similares de tratamento.

THM Instantâneo (THMinst) — é a concen-tração de HM na água no momento da amos-tragem. Deve ser expressa em termos detipo individual ou a soma do total de THM(TTHM). É o parâmetro medido no sistema dedistribuição para fornecer os dados necessáriospara que seja verificado o MCL (nível decontaminante máximo).

THM Final (THMf) — é a concentração de

THM que ocorre na determinação da medidadeste parâmetro. Para medir a concentração deTHM, as condições de reação cloro-precursorsão selecionadas de acordo com o tratamentoque é dado à água em questão. Em geral, umaamostra de água é clorada sob estas condiçõese o clorofórmio e outros tipos de THM

f são

medidos após um período de tempo específico.O THM

f é importante também para se ava-

liar os riscos do consumidor, assim como oTHMinst. Devido ao fato deste parâmetro seruma medida do somatório das quantidades deTHM já presentes (instantâneos), e estes seremformados durante o tempo de reação, um tercei-ro parâmetro útil para a avaliação da permanên-

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cia ou não de processos unitários para remoçãodos precursores deve ser definido.

Potencial de Formação de Trihalometanos(THMFP) — é a diferença aritmética entre oTHM final e o THM instantâneo, e representaa concentração de precursor que não reagiu eque está presente na água na hora da amostra-gem original. O THMFP é uma medida daquantidade do material precursor total que estána água em um dado ponto do sistema detratamento, sendo de grande interesse para ooperador da estação. Este parâmetro, quandodeterminado nas amostras de água do afluentee do efluente da estação de tratamento, pode serusado para verificar a eficiência do processoadotado para a remoção dos precursores.

Precursor Total — é a concentração de todomaterial precursor de THM presente na águaque pode reagir com os halogênios sob con-dições que maximizem a produção de THM. Éimportante a distinção entre o THMFP e oprecursor total. Não existe nenhum processopadronizado para esta medida (precursor total).Entretanto, pesquisas devem ser realizadas paraque seja estabelecida a condição ótima em quepossa ser conseguida a reação completa detodos os precursores para se produzir as con-centrações de THM máximo teóricas. Como ascondições de cloração para as medidas deTHM

f são de alguma forma menores que as

condições ótimas para a formação de THM, oTHM

f obtido em qualquer teste será menor que

o teórico. Portanto, o valor obtido para oTHMFP nessas condições será menor que oprecursor total teórico. Embora os valoresobtidos de THMFP não sejam do “precursortotal”, o THMFP é um índice de concentraçãode materiais da maior importância em relação àformação de THM para uma estação de trata-mento de água e para o sistema de distribuição.Para se comparar os resultados do tratamentode uma estação para outra, ou dentro de umamesma estação onde as condições de reaçãosejam causadas por diferentes condições detratamento, é aconselhável que a seleção sejafeita com base num conjunto único de testespadrões. Esta comparação, entretanto, não é tãoeficiente quanto a avaliação direta de remoçãode precursores na estação, onde é avaliada a suaprópria capacidade para encontrar o limite(MCL) para THM.

CONTROLE DOS TRIHALOMETANOS

As recomendações para o controle dos THMvariam de pequenas alterações nos tipos detratamento existentes até mudanças de altocusto nos sistemas de tratamento. O importanteé que qualquer mudança proposta para umsistema de tratamento não acarrete uma deterio-ração na qualidade da água pronta para o con-sumo.

Os métodos para o controle da formação dosTHM podem ser classificados em redução daconcentração dos precursores e uso de proces-sos alternativos para a desinfecção. Outraalternativa de controle é a retirada dos THM jáformados (Bazzoli, 1993; Khordagui & Mancy,1983).

Redução da Concentração de Precursores

A diminuição da concentração dos precursorespode ser conseguida através da aplicação dediversas técnicas de acordo com Perry (1983) eSantos (1989):

1. Clarificação

A coagulação é considerada uma técnica detratamento para a redução de turbidez, mastambém apresenta um grande significado naremoção de orgânicos. Alguns compostosorgânicos são, provavelmente, absorvidos juntocom as partículas em suspensão (turbidez),entre os quais os ácidos húmicos e fúlvicos.Esses compostos são parcialmente removidosnos processos de coagulação/precipitação numaestação de tratamento de água. Os ácidos húmi-cos são responsáveis, em parte, pela coloraçãode algumas águas, podendo ser removidos pelaaplicação de coagulantes à água, como os saisde ferro e alumínio. A remoção de orgânicospela coagulação é melhor realizada sob con-dições levemente ácidas (pH 4 a 6).

2. Controle de precursores no manancial

A realização de determinações periódicas daconcentração de precursores de THM em águabruta pode revelar medidas de controle quepoderiam ser tomadas para minimizar essasconcentrações. Entre tais medidas deveriam ser

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incluídos o controle de algas, a prevenção doavanço de água salina (presença de compostosbromados) e a seleção de mananciais alternativos.

3. Aeração

A aeração já foi aplicada como uma técnicaalternativa de remoção dos precursores deTHM. Entretanto esta técnica não foi eficiente,o que é explicado pelo conhecimento atual deque as moléculas dos ácidos fúlvicos e húmicostêm peso molecular elevado.

4. Oxidação

O uso de agentes oxidantes capazes de oxidaros precursores de THM tem como objetivo adiminuição do potencial de formação de trihalo-metanos pela ação de produtos químicos (alte-rando os precursores) e a completa oxidaçãoquímica dos precursores (até a forma de dióxi-do de carbono), a fim de se eliminar o proble-ma potencial da presença depois do tratamentode subprodutos da oxidação, os quais podem seraté mais perigosos do que os THM.

Os oxidante que podem ser usados são osseguintes: ozona, dióxido de cloro, permangana-to de potássio, radiação ultravioleta e peróxidode hidrogênio. As dosagens necessárias dessesoxidantes para reduzir o potencial de formaçãode THM são elevadas e o tempo de contato émaior que o normalmente usado na desinfecção.

A alternativa de oxidação dos precursores atéhoje foi realizada somente a nível de estudos,não tendo sido implementada como rotina emsistemas de tratamento de água. Existe a possi-bilidade de que a utilização desta técnica impli-que a geração de subprodutos indesejáveis. Asreações de oxidação dos precursores são bastan-te complexas e os subprodutos obtidos podemvariar com as condições da reação de remoçãodo potencial de formação de trihalometanos.

Águas que apresentam concentração elevadade bromo produzem teores elevados de trihalo-metanos. Tais águas podem ser tratadas comozônio para retardar ou prevenir a formação deTHM contendo bromo, o que resulta numadiminuição da concentração total de trihalome-tanos.

5. Adsorção em carvão ativado em pó

Os precursores de THM são uma mistura demuitos produtos químicos, e esta mistura variaconforme o corpo hídrico em questão. O trata-mento por adsorção dessas substâncias é maisdifícil que o tratamento de produtos identifica-dos individualmente.

Os materiais húmicos aquáticos são os maisrelevantes dentre os precursores dos THM enão são uma única substância. As característicasdesses compostos são influenciadas por numero-sos fatores que alteram sua capacidade deadsorção, tais como distribuição do peso mole-cular, pH, íons inorgânicos presentes, fonte dosprecursores e frações relativas dos ácidoshúmicos e fúlvicos. Essas variáveis influenciamas características físico-químicas da solução ea própria superfície do carvão ativado (o queafeta a adsorção, mesmo de substâncias pu-ras).

6. Adsorção em carvão ativado granular

O carvão ativado granular é eficiente naremoção da maioria dos precursores dos THM.Entretanto, ele tem a desvantagem de necessitarque o carvão ativado granular seja substituídocom freqüencia, para manter a eficiência deremoção do material orgânico. A freqüência deregeneração do meio filtrante depende da cargaorgânica sobre os filtros e do tipo de precurso-res a serem removidos.

7. Resinas trocadoras de íons

Algumas resinas trocadoras de ânions jáforam testadas na remoção dos precursores deTHM, apresentando resultado satisfatório.

Processos Alternativos de Desinfecção

Os processos alternativos de desinfecção daágua, que evitam a formação de THM, sãoaqueles que não utilizam cloro livre, tais como:cloraminas (cloro combinado), dióxido de cloro,ozonização, permanganato de potássio, peróxidode hidrogênio, cloreto de bromo, bromo, iôdo,íon ferrato, alto pH e radiação utravioleta(Laubusch, 1971; Santos, 1987). Destes, os

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mais utilizados são as cloraminas, o dióxido decloro e a ozona.

Embora o uso desses compostos na desin-fecção ofereça a vantagem de não contribuirpara a formação dos THM, outros subprodutospodem ser produzidos, conforme o teor dematéria orgânica presente na água (Santos,1989). Esses subprodutos apresentam a mesmadificuldade de remoção que os THM, sendo queseus efeitos sobre a saúde não foram aindacompletamente avaliados. Além disso, cada umdos desinfetantes apresenta outras desvantagens:a ozona não produz residual para o sistema dedistribuição; a cloramina é um desinfetante maisfraco que o cloro livre, podendo ter algumatoxicidade; e o dióxido de cloro produz cloritose cloratos como subprodutos, bem como outrasespécies aniônicas, cujo efeito à saúde é des-conhecido.

Remoção dos THM

A alternativa de remoção dos THM já forma-dos significaria a construção de mais umaunidade numa estação de tratamento de água,existindo, entretanto, a possibilidade de aprovei-tamento das unidades já existentes.

O carbono granular ativado é considerado,segundo Perry (1983), o método mais eficientena redução da concentração de THM, sendorecomendado seu uso pela EPA (também servepara remover outros contaminantes ainda nãodeterminados). Entretanto, a necessidade deregenerar o meio filtrante com freqüência, demodo a garantir a eficiência da remoção dematerial orgânico, é uma desvantagem dométodo.

CONCLUSÕES

Os levantamentos epidemiológicos relacionan-do a concentração dos THM com a morbidadee a mortalidade por câncer não são estatistica-mente conclusivos, mas evidenciam associaçõespositivas em alguns casos de carcinomas. Asubstituição do cloro por outro desinfetante notratamento da água pode trazer mais riscos doque benefícios. A diminuição da incidência dedoenças transmissíveis pela água somente foialcançada com a difusão do emprego da técnicada cloração.

O monitoramento da concentração de THMem águas (brutas e distrbuídas) e a avaliaçãode sua formação durante o processo de trata-mento devem preceder qualquer decisão queacarrete alguma mudança em um sistema detratamento de água.

A legislação brasileira de padrões de potabili-dade da água recentemente adotou um novovalor para a concentração dos THM em águas(Portaria Nº 36, de 19/01/90). Contudo, namaioria dos estados brasileiros não é realizadoum monitoramento da concentração do parâme-tro. Além do monitoramento na própria estação,é necessário que esta avaliação também sejarealizada nas pontas de rede (final da linha dedistribuição). Como a reação de formação dosTHM é lenta, ela pode ser iniciada no processode cloração e continuar acontecendo até a águaser utilizada pelo consumidor.

A ocorrência da cólera no Brasil, a partir de1991, provavelmente resultou num aumento nasdosagens de cloro usadas em muitos sistemas.A avaliação dos riscos de uma elevação daconcentração de cloro (possibilidade de for-mação dos THM) e a necessidade de existiruma barreira sanitária para se evitar a propaga-ção da doença constituem uma questão delica-da, que deve ser estudada para cada manancialusado como fonte de abastecimento, já que ascaracterísticas da água desempenham um papelimportante na formação dos THM.

Finalmente, deve ser enfatizado que os THMnão são o único risco existente em relação àcloração das águas. Em função dos compostosorgânicos presentes na água bruta, outros sub-produtos da cloração, mais perigosos que osTHM, podem ser formados. Portanto, além doseu próprio significado, os THM servem comoindicadores da existência de outros compostos,possivelmente ainda mais perigosos que elesmesmos. A eliminação de todos esses compos-tos na água consumida, sem que seja perdidaa sua qualidade sanitária, é um problema com-plexo e de difícil solução.

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Meyer, S. T.

RESUMO

MEYER, S. T. O Uso de Cloro naDesinfecção de Águas, a Formação deTrihalometanos e os Riscos Potenciais àSaúde Pública. Cad. Saúde Públ., Rio deJaneiro, 10 (1): 99-110, jan/mar, 1994.Antes do desenvolvimento da teoria dosmicroorganismos como causadores de doenças(1880), acreditava-se que estas eramtransmitidas através de odores. A desinfecção,tanto da água de abastecimento como dosesgotos, surgiu como uma tentativa daeliminação desses odores. Existem muitosagentes desinfetantes, mas, em geral, o cloro éo principal produto utilizado na desinfecção deáguas de abastecimento. A presença decompostos orgânicos em águas que sofrem oprocesso de cloração resulta na formação dostrihalometanos, compostos formados por umátomo de carbono, um de hidrogênio e três dehalogênio (cloro, bromo, iôdo). Ostrihalometanos são considerados compostoscarcinogênicos e sua presença na água deveser evitada. Levantamentos epidemiológicosrelacionando a concentração dostrihalometanos com a morbidade e amortalidade por câncer evidenciaramassociações positivas em alguns casos decarcinomas. Entretanto, a substituição do cloropor outro desinfetante no tratamento de águapode trazer mais riscos do que benefícios,considerando-se que a diminuição daincidência de doenças transmissíveis pela águasomente foi alcançada com a difusão doemprego da técnica de cloração.Palavras-Chave: Tratamento da Água; Cloro;Trihalometanos

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