o trombone

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O Trombone

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O Trombone

Uma ocasião, no Beco das Sardinheiras, regressou o Tó Valente que tinha ido à terra por uns dias.

Com a família vinha o tio Bento que enviuvara por essa altura e definhava de só e desacompanhado lá em cima. Que passasse ali com eles, no Beco, o resto dos seus dias . O tio Bento suspirou, acedeu, e lá veio.

E todos no Beco se habituaram a ver o tio Bento à porta, sentado numa cadeira de palhinha, por horas esquecidas. À noite, recolhia a cadeira, tomava o lugar entre os seus e, depois da refeição, ala para a cama de onde saía para, ao nascer do Sol, se plantar outra vez à porta.

O Tó Valente desconsolava-se com aquela tristeza do tio. Sabia que ao velho faltavam as terras, os animais, o ciclo das estações, os horizontes desimpedidos e temia-se de o ver finar-se, mais cedo que o mercado, se continuasse naquele pasmo.

Levaram-no um dia ao Jardim Zoológico, outro dia ao Castelo, para que se distraísse e espairecesse. Mas o velho dizia : - Pois, bichos; pois, pedras velhas – e recaía no seu desconsolo.

Uma noite o Tó teve uma ideia. Lembrou-se de que o velho tocava na banda de música da aldeia e que vendera o saxofone para pagar o funeral da tia. Pensou em comprar-lhe um saxofone. Foi então procurar o Virgolino Alpoim, que na altura estanciava na taberna da Marta, a despender aqueles dinheiros que lhe vinham de vez em quando milagrosamente.

Era ao Virgolino que o pessoal do Beco recorria quando queria coisas. O Virgolino anotava num caderno de capa preta umas garatujas esquisitas e, dias mais tarde, apresentava, por módico preço, o objecto pretendido, quase sempre em bom estado. Todos preferiam desconhecer a proveniência dos bens requisitados e preferiam acreditar que o Virgolino tinha contactos “com certos meios especiais”, lá para a Baixa, o que até era verdade. Assim o Tó requereu ao Virgolino que lhe arranjasse um saxofone em bom estado, por um preço em conta, já se vê. O Virgolino fez um ar condescendente, anotou laboriosamente o pedido no seu canhenho preto e disse paternalmente ao Tó: - Conta cá c'o rapaz…

No Domingo seguinte estava Virgolino à porta de casa do Tó com uma grande caixa preta debaixo do braço. Cumprimentou o tio Bento e gritou para dentro:- Ó Tó!Veio o Tó, veio a família e todos convidaram o Virgolino para casa, onde ele abriu o estojo em cima da mesa de jantar. Revelou-se um objecto enorme, torcido e rebrilhante, a sobressair de entre veludinho azul às florinhas.O Tó aproximou-se, coçando o queixo, sem se deixar impressionar com o triunfante – Que tal, hã? – do Virgolino.

- É que isso não é um saxofone, caraças, isto é um trombone, ou lá o que for – comentou o Tó com cara de poucos amigos.- Ah, lá isso tem paciência… - respondeu o Virgolino. – Foi o que se pôde arranjar que isto aqui não é forja de ferreiro. E nem calculas o trabalhão que me deu. Foi meter empenho e mais empenhos… E pelo preço, caramba, olha que ainda fico a perder dinheiro.

- Mas se era um saxofone… - retorquiu o Tó, disposto a não se deixar levar.- Ó homem – veio a mulher do Tó - , que diferença faz? Quem toca uma coisa toca a outra. Isto é preciso é que o velhote se entretenha.- Deixe ficar, pai, vai ver que o tio gosta –diziam as crianças. E o Tó, meio contrariado, lá foi passando para a mão do Virgolino, uma a uma, as notas do preço. Mas resmungava:- Parecido com isto de trocares um saxofone por um trombone só aquela de confundir género humano com Manuel Germano…

O tio Bento não mostrou um excessivo entusiasmo pela oferta, mas aceitou-a com delicadeza. Durante alguns dias, porém, não tocou. Sentava-se com o objecto entre os joelhos, acariciava-o com as mãos, aflorava-lhe o bocal com os lábios, mas nada.

- Toque, senhor, toque, alegre lá o Beco –diziam as vizinhas.- Há tempo – respondia o velho – Atrás de tempo tempo virá…Até que um belo dia, em sons graves, compactos, pausados, desdobrou-se uma bela valsa pelo Beco. O pessoal veio às janelas , às portas, e sorriu:- Aí está. O tio Bento começou a tocar.

Em muitas casas trauteava-se e dava-se até um pezinho de dança ao som do trombone de Mestre Bento. Mas a Micas costureira, que tinha a máquina plantada em frente da janela que dava para a casa do Tó, e ia vendo e ouvindo o velho enlevo, entre duas pedaladas fez-se de repente muito séria, parou o movimento, e ficou-se a olhar basto compenetrada…

É que um vaso com sardinheiras que estava mesmo à beira do tio Bento havia começado a alongar-se, a alongar-se em direcção do trombone… e tinha desaparecido, de súbito, no ar.

Ainda não se recompusera da surpresa a Micas quando um fogareiro que ali estava na rua começou também a ficar comprido, comprido, cresceu em direcção ao trombone e sumiu-se, num credo. A Micas levantou-se e foi fazer alarido em grande corrida. Que viessem ver aquilo, que viessem daí. Mas o tio Bento não parecia aperceber-se de nada. E vá de atacar um pot-pourri com energia e convicção, o olho reluzente e o pé a dar no empedrado.Logo um caixote do lixo daqueles enormes, altos, da Câmara, começou a tremer, a fazer-se elástico, a subir, a derreter-se, e - pft! – desfez-se no ar.

Quando o Zeca da Carris interveio e tirou com vigor, embora com delicadeza, o trombone das mãos do tio Bento já a parede da casa do Tó mostrava uma enorme bolha, do tamanho dum pneu de camião que se prolongava numa espécie de mamilo a procurar o trombone. Mais uns segundos e toda aquela parede teria sido engolida pelo instrumento …

O tio Bento, muito contrariado, indiferente aos estragos, reclamava o trombone, com a birra própria dos velhos. Choramingava, gesticulava e as mulheres tentavam acalmá-lo.-Não há dúvida! – dizia o Tó chamado à pressa.-Dar-lhe isto para as mãos … Nem pensar em tal semelhante. Prá próxima dou-lhe uma gaita-de-beiços e é um pau! -A bolha ficou no sítio, mas já firme, consolidada. O trombone foi remetido para um canto da casa no seu estojo, bem fechado. O tio Bento continuou a sentar-se melancolicamente à porta. E o Virgolino esteve largos dias sem dar parte de si que, quando o Tó se zangava, era um bocado escanifobético.Um caso sério.

Trabalho realizado por:

Inês Arede nº 14 8ºA

Mariana nº19 8ºA

Yurika nº 25 8ºA