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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL FABIANA MEIJON FADUL O TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS NO ÂMBITO DA PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA: diálogos e conflitos no campo discursivo da Assistência Social Belo Horizonte 2014

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO

MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL

FABIANA MEIJON FADUL

O TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS NO ÂMBITO DA PROTEÇÃO

SOCIAL BÁSICA: diálogos e conflitos no campo discursivo da

Assistência Social

Belo Horizonte

2014

FABIANA MEIJON FADUL

O TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS NO ÂMBITO DA PROTEÇÃO

SOCIAL BÁSICA: Diálogos e conflitos no campo discursivo da

Assistência Social

Dissertação apresentada ao Mestrado em

Gestão Social, Educação e Desenvolvimento

Local do Centro Universitário UNA, como

requisito parcial à obtenção do título de

Mestre.

Área de Concentração: Inovações sociais,

Educação e Desenvolvimento Local.

Linha de pesquisa: Gestão Social -

Processos político-sociais: articulações

interinstitucionais e desenvolvimento local

Orientadora: Drª. Maria Lucia Miranda

Afonso.

Belo Horizonte

2014

F146t Fadul, Fabiana Meijon

O trabalho social com famílias no âmbito da proteção social básica: diálogos e

conflitos no campo discursivo da Assistência Social. / Fabiana Meijon Fadul. –

2014.

152f..

Orientador: Profa. Dra. Maria Lucia Miranda Afonso

Dissertação (Mestrado) – Centro Universitário UNA, 2014. Curso do Mestrado

em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local.

Bibliografia f. 133-141.

1. Cidadania. 2. Política pública. 3. Assistência social. 3. Serviço social com a

família. I. Afonso, Maria Lucia Miranda. II. Centro Universitário UNA. III. Título.

CDU: 658.114.8

AGRADECIMENTOS

À Deus pela felicidade da vida e pela força para transformar as pedras do caminho

em alicerce para uma caminhada sólida;

À minha orientadora e amiga, Drª. Maria Lúcia Miranda Afonso, pessoa de rara

generosidade humana e acadêmica que me incentivou e acompanhou neste

trabalho contribuindo enormemente para o meu crescimento pessoal e profissional;

À minha família, meu pai, meus irmãos, meus sobrinhos, a qual amo muito, pelo

carinho, paciência e incentivo, especialmente a minha irmã Fabíola pelo seu apoio

fundamental;

Ao meu amado esposo Wander, que sempre esteve do meu lado pacientemente

durante toda essa trajetória;

À família da ‘Gerência de Benefícios’, que sempre acreditou no meu potencial;

Ângela e Edna por me ensinarem a paixão pela Assistência Social; Vilma e

Geraldina pelas gotas de sabedoria e cultura diárias contidas nas nossas conversas.

Elizete e Cristine pelo carinho, trocas e paciência infinita para a leitura dos meus

rascunhos;

À Shirley, pelo carinho, delicadeza e pelo exemplo a ser seguido, que acreditou

sempre no meu trabalho e me deu a oportunidade de evoluir profissionalmente;

Aos meus amigos que nunca estiveram ausentes, agradeço a amizade e o carinho

que sempre me disponibilizaram;

À todos os colegas de Mestrado que compartilharam as alegrias, os desafios e as

pizzas dessa jornada. Com especial carinho às amigas Ana Paula, Cátia, Michele,

Vanessa, Cristiana;

Às queridíssimas professoras Matilde Cadete e Wania Araújo que muito me inspiraram;

Aos gestores da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social de Belo

Horizonte, por possibilitarem a realização deste trabalho.

Aos meus colegas de trabalho da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência

Social, da GPSOB, das Equipes de Proteção Social Básica Regional e do CRAS

Novo Aarão Reis pelo incentivo contínuo.

À Andreia Barreto, coordenadora da Pós Graduação em Intervenção Psicossocial no

Contexto das Políticas Públicas – UNA, pelo incentivo e à Flavia Lemos Abade,

Coordenadora do Curso de Psicologia UNA, pelo compartilhamento de experiências.

Aos sujeitos da pesquisa pela disponibilidade e confiança;

A todos aqueles que acreditam em um sociedade mais justa,

Os mais sinceros agradecimentos.

RESUMO

A construção de políticas públicas voltadas para famílias em situação de vulnerabilidade social está impregnada de disputas e embates políticos e mostra-se como um grande desafio para profissionais que lidam diariamente com a exclusão e a pobreza. O Objetivo dessa dissertação foi investigar o campo discursivo composto pelas concepções e práticas de trabalho social com famílias no Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Pretende-se analisar como essas concepções e práticas se processam no âmbito do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), tendo como eixos organizadores: (a) as diretrizes nacionais da Assistência Social (PNAS) com ênfase no PAIF, (b) as condições socioinstitucionais locais para a implementação do PAIF e (c) as concepções e práticas desenvolvidas pelas equipes dos Centros de Referência da Assistência Social.A comparação entre esses eixos visou demarcar e analisar um campo discursivo onde dialogam e conflitam diferentes visões sobre o trabalho social com famílias e para tanto discutimos como as tensões entre os projetos societários presentes nos diferentes discursos sobre a proteção social no Brasil, após a Constituição Federal de 1988 a partir da contribuição de autores como Cotta (2009), Dagnino (1994) e Demo (1995), estão correlacionados às distintas concepções de proteção social, cidadania, família. Para discutir a política pública como um campo discursivo, trabalhamos com o modelo de Análise Crítica do Discurso (ACD) proposta por Norman Fairclough (2001). É importante enfatizar que a ACD não se constitui simplesmente em uma metodologia – um como fazer – mas apresenta fundamentos teóricos para a própria análise. Como forma de ampliação do debate apresentamos contribuições técnico metodológicas a respeito do planejamento e monitoramento das Oficinas com Famílias no âmbito do PAIF por se tratar de ação estratégica desse serviço na busca por horizontes mais ampliados de cidadania.

Palavras Chave: Cidadania, Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família,

Centro de Referência da Assistência Social, Gestão Social

ABSTRACT

The construction of public policies for families in situations of social vulnerability is

imbued with political disputes and conflicts and is seen as a major challenge for

professionals who deal daily with the exclusion and poverty . The goal of this

dissertation was to investigate the discursive field comprising the concepts and

practices of social work with families in the Unified Social Assistance System - HIS .

We intend to analyze how these concepts and practices are conducted within the

Service Protection and Integral Care of Family ( PAIF ) , with the organizers axes : (

a) national guidelines for Social Assistance ( PNAS ) with emphasis on PAIF , ( b )

local socio-institutional conditions for implementing the PAIF , and ( c ) the concepts

and practices developed by teams of Reference Centers for social view assistance

comparison between these axes aimed to mark and analyze a discursive field where

dialogue and conflict different views on work share with families and both discussed

the tensions between societal projects in the different discourses on social protection

in Brazil , after the Federal Constitution of 1988 from the contribution of authors like

Cotta (2009) , Dagnino (1994) and Demo (1995) , are correlated to the different

conceptions of social protection, citizenship , family. To discuss public policy as a

discursive field , we work with the model of Critical Discourse Analysis (ACD)

proposed by Norman Fairclough (2001) . It is important to emphasize that the ACD is

not simply a methodology - how to make one - but presents theoretical foundations

for the analysis itself . As a way to expand the debate present methodological

technical contributions regarding the planning and monitoring of Workshops Families

with under PAIF because it is strategic action that service in the search for more

expanded horizons of citizenship.

Keywords: Citizenship, Services Protection and Integral Care of Family, Reference

Center for Social Assistance, Social Management

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figuras

FIGURA 01: Dimensões dos grupos....................................................... 115

Quadros

QUADRO 01: Documentos utilizados para a análise documental.......... 52

QUADRO 02: Pares de oposição dialética dos vetores do proceso grupal………………………………………………………………………..…

117

QUADRO 03: Matriz de operacionalização das fases da OIP................ 123

QUADRO 04: Correspondência entre os indicadores os objetivos da PNAS (1ª coluna), os vetores do processo grupal (2ª coluna) e fatores dinâmicos da oficina (3ª. coluna).............................................................

124

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACD – Análise Critica do Discurso

BID – Banco Interamericano do Desenvolvimento

BM – Banco Mundial

BPC – Benefício de Prestação Continuada

CF – Constituição Federal

CRAS – Centro de Referência de Assistência Social

CREAS – Centro de Referencia Especializado de Assistência Social

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social

MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

NOB- Norma Operacional Básica

PAIF – Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família

PBF – Programa Bolsa Família

PNAS – Política Nacional de Assistência Social

PSB – Proteção Social Básica

PSE – Proteção Social Especial

SUAS – Sistema Único de Assistência Social

OIP – Oficina de Intervenção Psicossocial

UMEI – Unidade Municipal de Educação Infantil

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...............................................................................................

12

1 Diálogo e conflitos sobre o Trabalho Social com Famílias no campo discursivo da Assistência Social: Uma revisão teórica...................................................................................................

17

1.1 Introdução..................................................................................... 17

1.2 Proteção Social no Brasil após a CF1988: tensões entre projetos societários............................................................................

18

1.2.1 Diferentes visões de proteção social presentes na PNAS e no SUAS...............................................................................................

22

1.2.2 Diálogos e Conflitos entre Proteção Social, Cidadania e Participação.........................................................................................

28

1.3 A Política Nacional de Assistência Social como política de promoção de direitos..........................................................................

33

1.3.1 O lugar estratégico da Família nas políticas de promoção de direitos............................................................................................

36

1.3.2 O lugar estratégico do território nas politicas de promoção de direitos............................................................................................

40

1.3.3 A função estratégica do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF..............................................

41

1.4 Considerações finais...................................................................

45

2. DIÁLOGOS E CONFLITOS NO CAMPO DISCURSIVO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: UM ESTUDO SOBRE O TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS NO PAIF......................................................................................................

46

2.1 Introdução..................................................................................... 46

2.2 Metodologia.................................................................................. 47

2.2.1 Aspectos éticos......................................................................... 57

2.3 Resultados e análise dos dados................................................. 59

2.3.1 Categoria de análise 1: Concepções expressas sobre Proteção Social, Família e Cidadania................................................

59

2.3.1.1Proteção Social....................................................................... 59

2.3.1.2 Família..................................................................................... 66

2.3.1.3 Cidadania................................................................................ 71

2.3.2 Categoria de análise 2: Bases e condições socioinstitucionais para a realização do trabalho social com famílias.................................................................................................

77

2.3.3 Categoria de análise 3 : Interconexões entre as diretrizes nacionais, as condições locais existentes e a pratica do TSF no PAIF - Consensos e conflitos no debate sobre o TSF.....................

84

2.4 Considerações Finais..................................................................

91

3 A GESTÃO DO TRABALHO COM GRUPOS NA PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA: O GRUPO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GRUPO...........................................................................................

95

3.1 Introdução..................................................................................... 95

3.2 O trabalho com grupos na Proteção Social Básica: quais são as diretrizes da PNAS?...................................................................

96

3.3 O grupo no território.................................................................... 98

3.3.1 O princípio da intersetorialidade e a complexidade do território...............................................................................................

99

3.3.2 Metodologias participativas no território: um esforço para fazer valer a pena................................................................................

101

3.3.3 Intersetorialidade...................................................................... 105

3.3.4 Complexidade e Interdisciplinaridade da questão social no território...............................................................................................

108

3.3.5 Transformações necessárias - interdisciplinaridade e intersetorialidade................................................................................

111

3.4 Articulações do Trabalho com Grupos com o Território na

Proteção Social Básica....................................................................... 113

3.4.1 O Território do Grupo................................................................ 113

3.4.2 Gestão do trabalho com Grupos no PAIF................................ 121

3.4.3 Elementos referentes aos aspectos formais, dinâmicos e transversais das oficinas...................................................................

122

3.5 Considerações Finais...................................................................

127

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................

129

REFERENCIAS.....................................................................................

133

APÊNDICES E ANEXOS...................................................................... 143

14

INTRODUÇÃO

A presente dissertação propõe uma investigação sobre o campo discursivo

composto pelas concepções e práticas de trabalho social com famílias no Sistema

Único de Assistência Social – SUAS, com ênfase no Serviço de Proteção e

Atendimento Integral à Família (PAIF). Por que o PAIF e por que abordar a política

pública como um campo discursivo? Que concepções e tensões ganham

relevância nesse campo discursivo?

O trabalho social com famílias tem sido colocado no âmago da proteção

social no Brasil contemporâneo, especialmente quando se trata da Política Nacional

de Assistência Social (PNAS), promulgada em 2004, e do Sistema Único da

Assistência Social (SUAS), iniciado em 2005 e que hoje se faz presente em

territórios de alta vulnerabilidade social, em grande parte do país. Conforme

apontado pelo Censo SUAS 2010 (BRASIL, 2011), foram identificados 6.801

Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) distribuídos em 4.720

(equivalendo a 84,8%) dos municípios brasileiros.

Ora, a expansão de uma política pública não acontece baseada somente em

uma racionalidade técnica. Pode-se ponderar que os esforços de construção do

SUAS foram desenvolvidos no campo fértil da discussão sobre a natureza, o

alcance, a racionalidade da proteção social. Nesse contexto, o trabalho social com

famílias surge ao mesmo tempo como um grande desafio e uma grande

interrogação: Por que o trabalho social com famílias? Que concepções sustenta

essa proposição? Que práticas têm sido geradas? Qual é a coerência entre estas

práticas e as concepções de proteção social e de cidadania?

Trabalhar apenas comparando as diretrizes e as práticas profissionais junto

aos usuários seria meramente cumprir uma avaliação da implementação da política,

a partir do próprio olhar da política. Nessa dissertação, propomos incorporar essa

comparação e ir além. Trata-se de compreender a política como um campo

discursivo, onde diferentes posições se confrontam ou dialogam. O eixo que orienta

o projeto, isto é, o seu analisador ou mesmo a sua referência ética, é a relação

15

desse campo discursivo com a promoção da cidadania, tal como discutido no

referencial teórico.

No entanto, um recorte se faz necessário, uma vez que a PNAS abrange um

campo bem amplo. Assim, foi feita uma opção pelo trabalho social com famílias na

Proteção Social Básica (PSB), mais propriamente no Serviço de Proteção e

Atendimento Integral à Família (PAIF), serviço desenvolvido no Centro de

Referência da Assistência Social (CRAS).

Dessa forma, o campo discursivo em análise também passa por uma

delimitação para apurar o foco: trata-se do trabalho social com famílias no PAIF.

Busca-se compreender como o trabalho social com famílias no PAIF se constitui a

partir dos seguintes eixos organizadores: (a) as diretrizes da Politica Nacional de

Assistência Social (PNAS) com ênfase no PAIF, (b) as condições socioinstitucionais

locais para a implementação do PAIF e (c) as concepções e práticas sobre o

trabalho social com famílias, desenvolvidas pelas equipes dos Centros de

Referência da Assistência Social, que são as equipes responsáveis pela

implantação e implementação do PAIF.

A comparação entre esses eixos visa demarcar e analisar um campo

discursivo onde dialogam e conflitam diferentes visões sobre o trabalho

socioeducativo com famílias. Tal análise pode apontar elementos importantes para

a proposição de estratégias de intervenção social com famílias na Proteção Social

Básica, partindo de uma visão crítica do sistema e visando colaborar para o

aprimoramento das ações, tendo como referência ética a promoção da cidadania.

O método de análise que orientou a pesquisa foi o materialista dialético,

escolhido porque “caracteriza-se pelo movimento do pensamento através da

materialidade histórica da vida dos homens em sociedade, isto é, trata-se de

descobrir (pelo movimento do pensamento) as leis fundamentais que definem a

forma organizativa dos homens durante a história da humanidade” (PIRES 1997

p.87), porém atualizado pelas discussões contemporâneas sobre a análise critica do

discurso.

Os instrumentos de pesquisa eleitos como forma de ampliação do corpus de

análise do campo discursivo em questão valeram-se da triangulação dos seguintes

16

técnicas para apreender as características do discurso: (a) a análise de documentos,

(b) a entrevista semi estruturada e(c) a observação sistemática. A triangulação de

métodos nas pesquisas sociais se justifica segundo Minayo (2006) porque se mostra

capaz de agregar os múltiplos pontos de vistas para a compreensão das relações

envolvidas no presente campo discursivo.

Primeiramente, foi realizada a sistematização e análise documental da

produção proveniente do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome

(MDS) naquilo que se refere ao Serviço de Proteção e Atendimento Integral à

Família (PAIF) no período de 2004 a 20121, período este justificado por abranger,

até o presente momento, a produção de materiais de referência e orientação técnica

oficial sobre o referido serviço.

Em um segundo momento, foram escolhidos dois CRAS/PAIF do município

de Belo Horizonte para a observação e realização das entrevistas. Foram

entrevistados dois técnicos de nível superior e dois coordenadores, pertencentes às

duas equipes técnicas de referência2 do PAIF, cada qual em um dos CRAS

pesquisados. Diante da complexidade apresentada no decorrer da coleta de dados,

outros sujeitos foram incluídos no desenho original, a saber, dois gestores

responsáveis pala execução da Proteção Social Básica no município, totalizando

seis entrevistados. Destacamos ainda que durante o processo da análise dos dados

foi realizada mais uma entrevista com um ator social3 de extrema relevância dentro

do cenário da política de assistência social, contudo as informações coletadas não

foram incorporadas na análise de dados, mas foram extremamente uteis para a

compreensão do debate que se delineou na pesquisa.

Para a análise do material coletado foi eleita a abordagem da Análise Critica

do Discurso (ACD) desenvolvida por Norman Fairclough (2001), que considera que o

discurso está associado a uma prática social e, como tal, é espaço de lutas

1 Os textos selecionados podem ser consultados no Apêndice A.

2 Segundo a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos/NOBRH (2007) as equipes de

referencia do PAIF são compostas por, no mínimo, 4 profissionais de nível superior entre psicólogos e assistentes sociais. Além de um coordenador de formação superior (MDS, 2007). 3 Agradecemos a disponibilidade de Aidê Cansado Almeida, ex Diretora do Departamento de

Proteção Social Básica do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS, que gentilmente nos concedeu entrevista e que muito contribuiu para a compreensão das questões debatidas nessa dissertação.

17

hegemônicas repletas de contradições e tensões de poder. Diante da relação

dialética entre sociedade e discursos o modelo tridimensional da teoria social do

discurso de Fairclough (2001) considera três dimensões para a análise, a saber: (a)

o texto nos seus aspectos de vocabulário, gramática e estrutura textual, (b) a prática

discursiva enquanto produção, distribuição, consumo, contexto, coerência e

intertextualidade e finalmente (c) a prática social transversalizada pelo jogo de

ideologias e hegemonias.

Esta dissertação está organizada nos seguintes capítulos:

No primeiro capítulo, é feita uma revisão teórica e uma discussão sobre a

proteção social e a assistência social, no Brasil, após a Constituição Federal de

1988. Apresenta-se a PNAS e o SUAS, com ênfase no lugar estratégico do trabalho

social com famílias e abordando o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à

Família (PAIF). Introduz-se a compreensão da política pública como um campo

discursivo a partir das tensões entre diferentes projetos societários que entram em

conflito, após a Constituição Federal de 1988, e que ainda hoje estão presentes na

problemática estudada. É, então, tecida uma articulação entre o modelo de gestão

social e a análise da PNAS como uma política pública de defesa e garantia de

direitos, que inclui entre as suas diretrizes a participação e controle social das

políticas públicas, dentre outras.

O segundo capítulo delineia o percurso metodológico da pesquisa e, a partir

da discussão teórica desenvolvida no capítulo 1, apresenta a análise dos dados.

No terceiro capítulo, é feita uma síntese dos argumentos teóricos e da

pesquisa realizada, indicando a necessidade de uma contribuição técnica. Assim, é

construído um produto técnico, que consiste na proposição do ajuste do trabalho

com grupos de famílias aos propósitos definidos na PNAS.

Nas Considerações Finais, retorna-se às questões que estavam na base

desta dissertação: que tensões podem ser identificadas, hoje, no campo discursivo

da assistência social no que tange ao trabalho social com famílias? E que

contribuições precisam ser feitas para o fortalecimento da PNAS como uma política

de direitos? É feita uma pequena síntese das conclusões da pesquisa, e são

encadeadas sugestões para futuras investigações e avanços no campo da gestão

social.

18

Os anexos e apêndices, bem como o conjunto de referências utilizadas na

dissertação são incluídos ao final. Dentre os apêndices, destacam-se os artigos já

publicados pela mestranda no decurso da sua formação no Programa GSEDL, e que

foram relacionados à temática do presente trabalho de conclusão de curso.

19

1 DIÁLOGO E CONFLITOS SOBRE O TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS NO

CAMPO DISCURSIVO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL: UMA REVISÃO TEÓRICA

1.1 Introdução

Neste capítulo, fazemos uma revisão teórica sobre as concepções contidas nos

discursos sobre proteção social no Brasil, no período após a constituição Federal de

1988 (CF1988), buscando compreender a sua presença na Política Nacional de

Assistência Social (PNAS) e no Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

Discutimos como esses discursos apontam para diferentes concepções de

cidadania, com consequências para a organização e a efetivação da política pública.

Nosso objetivo foi construir a fundamentação teórica necessária para a análise

dos dados de uma pesquisa4 sobre o trabalho social com famílias no Serviço de

Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), desenvolvido no Centro de

Referência da Assistência Social (CRAS), no nível da Proteção Social Básica (PSB)

do Sistema Único da Assistência Social. O foco no trabalho social com famílias no

PAIF foi um recorte necessário no âmbito de uma pesquisa de mestrado diante da

amplitude atual do SUAS.

Para discutir a política pública como um campo discursivo, trabalhamos com o

modelo de Análise Crítica do Discurso (ACD) proposta por Norman Fairclough

(2001). É importante enfatizar que a ACD não se constitui simplesmente em uma

metodologia – um como fazer – mas apresenta fundamentos teóricos para a própria

análise5.

Na primeira parte do capítulo, discutimos as tensões entre os projetos

societários presentes nos diferentes discursos sobre a proteção social no Brasil,

após a Constituição Federal de 1988, período marcado por movimentos sociais,

demandas e conquistas de direitos de cidadania, mas também pelas pressões do

mercado na direção da adoção de um modelo de capitalismo neoliberal. A partir da

contribuição de autores como Cotta (2009), Dagnino (1994) e Demo (1995),

buscamos compreender como essas tensões estão presentes na concepção de

4 A pesquisa é apresentada no capítulo 2 desta dissertação.

5 No capítulo 2, é apresentada a ACD na parte da metodologia de pesquisa.

20

cidadania na assistência social e, mais especificamente, no trabalho social com

famílias no PAIF.

Na segunda parte, fazemos uma breve apresentação da PNAS como política

de promoção de direitos. Dentro desse contexto, refletimos sobre o lugar estratégico

da família e do território no discurso de proteção social. Em seguida, abordamos a

função estratégica do PAIF, no nível de proteção social básica do SUAS, e

levantamos questões sobre a sua importância para a efetivação da política como

política efetiva de promoção de direitos.

Por fim, tecemos as nossas considerações finais, visando articular o capítulo

à pesquisa desenvolvida em nosso mestrado e apresentada nesta dissertação.

1.2 Proteção Social no Brasil após a CF/1988: tensões entre projetos

societários

A Constituição Federal de 1988 é um marco na conquista e ampliação de

direitos sociais e na mudança de paradigma quanto ao papel do Estado, que é

instado a deixar de atuar de forma residual e subsidiária e é convocado a assumir a

sua primazia na promoção, proteção e defesa dos direitos dos cidadãos. Desde

então, a concepção e a prática da proteção social no Brasil têm sofrido profundas

mudanças (YASBEK, 2012).

A partir da Constituição Federal de 1988, o Sistema de Proteção Social

Brasileiro pode ser compreendido como:

o conjunto de políticas e programas governamentais destinados à prestação de bens e serviços e à transferência de renda, com o objetivo de cobertura dos riscos sociais, garantia dos direitos sociais, equalização de oportunidades e enfrentamento das condições de destituição e pobreza (CARDOSO JUNIOR; JACCOUD, 2005, p. 194 in ANDRADE, 2011, p. 20).

Jaccoud (2009) diferencia a proteção social e as políticas sociais, sendo estas

definidas como:

21

Parte de um conjunto de iniciativas públicas, com o objetivo de realizar, fora da esfera privada, o acesso a bens, serviços e renda. Seus objetivos são amplos e complexos, podendo organizar-se não apenas para a cobertura de riscos sociais, mas também para a equalização de oportunidades, o enfrentamento das situações de destituição e pobreza, o combate às desigualdades sociais e a melhoria das condições sociais da população (JACCOUD, 2009, p.60).

De acordo com Jaccoud (2009), a proteção social inclui quase sempre três

dimensões: (1) é endereçada ao enfrentamento de vulnerabilidades, riscos e níveis

de privação inaceitáveis, (2) através de políticas que são, (3) ao mesmo tempo,

sociais e públicas.

No entanto, o direito à proteção social (que se coloca desde a Declaração

Universal dos Direitos Humanos) poderia ficar à sombra de tal concepção, caso os

patamares inaceitáveis fossem determinados apenas pelos interesses do

desenvolvimento socioeconômico, interesses políticos ou racionalidade técnica.

Seria proteção para aqueles que estão temporária ou persistentemente abaixo dos

níveis aceitáveis de qualidade de vida mais do que a promoção de um padrão geral

de oportunidades e qualidade de vida para todos (NORTON, CONWAY & FOSTER,

2001 apud AFONSO, 2010).

Ora, é justamente em torno dessa questão que surge uma forte tensão entre

as concepções de proteção social no Brasil. Nas décadas de 1970 e 1980, a

sociedade brasileira foi sacudida por movimentos sociais que demandavam novos

direitos e a democratização do país. Embora a Constituição Federal, em 1988,

possa ser considerada um marco na defesa da cidadania, o período foi marcado por

projetos societários conflitantes sobre a relação do Estado com a sociedade. Sob a

influência de interesses políticos nacionais e internacionais, o Estado passava a se

definir por um modelo de gestão neoliberal, assim chamado Estado mínimo, com

baixo investimento no desenvolvimento social e desenvolvendo políticas públicas

compensatórias, voltado para as demandas de mercado (MAIA, 2005).

Como explica Pereira (2010), a partir dos anos 1970, com a crise dos

Estados-nação e a universalização do capital financeiro, confrontam-se dois projetos

societários:

o primeiro, pautado na perspectiva de universalização de direitos, de constituição de esferas públicas fortalecidas por participação societária para

22

controle social sobre as ações estatais e, o segundo, precursor do Estado mínimo, da participação consultiva e adesista, das políticas públicas focalizadas sobre os mais pobres, da cidadania de resultados (PEREIRA, 2010, p. 195).

Em 1995, acontece uma reforma de Estado que adota os princípios da

descentralização político-administrativa e da participação da sociedade civil, abrindo

as possibilidades para um novo modelo de gestão, a gestão social, que se

caracteriza por “um conjunto de processos sociais com potencial viabilizador do

desenvolvimento societário emancipatório e transformador” (MAIA, 2005, p. 78). Ou

seja, busca a reafirmação da cidadania e o enfrentamento da questão social, a

defesa dos interesses sociais e a garantia dos direitos humanos universais (MAIA,

2005).

É relevante, aqui, definir que a questão social diz respeito às expressões de

desigualdades sociais cujo enfrentamento requer a intermediação do Estado. Surge

do confronto de poder e da desigualdade social que pressiona os vínculos sociais,

ameaçando com a sua ruptura. A intermediação do Estado precisa se dar por meio

da implementação e condução de políticas econômicas e sociais visando à garantia

das necessidades humanas básicas (IAMAMOTO, 2001). O Estado Mínimo é o

termo aplicado quando essas políticas sociais se desenvolvem de maneira

compensatória, assistencialista, endereçando apenas as necessidades básicas para

a sobrevivência e sem qualquer preocupação com a participação e a defesa da

cidadania (IAMAMOTO, 2001).

Assim, nos anos 1990, intensifica-se a tensão entre o modelo neoliberal e os

movimentos históricos que buscavam construir uma sociedade baseada em direitos.

Nesse sentido, há uma crise dos modelos de proteção social, que gera um debate

intenso sobre o papel do Estado, da sociedade e da família na proteção social e no

desenvolvimento social.

Entretanto, é fundamental assinalar que, na visão de proteção social inscrita

na CF1988:

a questão social não se define como a questão da pobreza e sim como a questão dos direitos. A cidadania, referenciada aos direitos e deveres, está ancorada na noção de igualdade. Por isto mesmo, existe uma profunda contradição em uma ordem econômica que reproduz a miséria e uma ordem política que afirma a igualdade entre cidadãos (JACCOUD, 2009, p. 66).

23

Como outras políticas públicas elaboradas com base na CF88, a PNAS é

proposta como política universal “para quem dela precisa”, constituindo um tripé de

proteção social, junto com a saúde e a educação. Após a CF88 e a promulgação da

Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), que visava regulamentar os artigos 203

e 204 da Constituição Federal de 1988, a PNAS é aprovada em 2004, visando o

enfrentamento de vulnerabilidades sociais, o acesso aos direitos socioassistenciais e

a promoção da cidadania. Nesse sentido, propõe-se afiançar seguranças sociais

compreendidas como direitos socioassistenciais.

Todavia, como lembra Sposati (2009), em um cenário político, histórico e

cultural tradicionalmente marcado pela negação e restrição de direitos, o campo

discursivo da assistência social não escapa ao jogo de forças entre concepções,

interesses, perspectivas e tradições da sociedade brasileira (SPOSATI, 2009).

Nessa dissertação, procurarmos compreender como tais contradições e

tensões aparecem no campo discursivo da assistência social. A partir da Análise de

Critica Discurso (Fairclough, 2001), consideramos que o discurso é uma prática de

significação social associada às lutas pela hegemonia social. Nesse sentido,

procuramos formular questões sobre a PNAS, especialmente relacionadas ao

trabalho social com famílias, que possam contribuam para compreender melhor esse

campo. Nas palavras do autor:

O discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem: suas próprias normas e convenções, como também relações identidades e instituições que lhe são subjacentes. O discurso é uma prática, não apenas de representação, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado (FAIRCLOUGH, 2001, p. 91).

Os diferentes projetos societários apresentam e explicitam lutas pela

hegemonia presentes no debate sobre pobreza e proteção social, nos anos 1990 e

2000, e, como podemos supor, até o presente. É importante pensar como esses

discursos reverberam em relação ao desenvolvimento do trabalho social com

famílias, tal como vem sendo proposto dentro da PNAS. Estaria, de fato, o Estado

sendo capaz de proteger a família e seus membros mais vulneráveis possibilitando o

exercício da cidadania e o desenvolvimento social? Qual tem sido a visão de

24

proteção social predominante nos discursos relacionado à politica de assistência

social e a cidadania?

1.2.1 Diferentes visões de proteção social presentes na PNAS e no SUAS

Cotta (2009), em sua tese de doutoramento, identificou três tipos de visão de

proteção social que se refletiam nas políticas públicas, nas décadas de 1990 e 2000,

no Brasil, ora de maneira conflitante ora concomitante.

A primeira visão de proteção social é relacionada ao paradigma de

Desenvolvimento Econômico, com forte viés economicista, orientando-se pelos

princípios da eficiência e da autonomia individual. Nela, concebe-se o papel do

Estado como restrito à garantia das seguranças físicas e jurídicas. Apenas em

situações extremas, de forma mínima e temporária, o Estado poderia afiançar a

segurança material, que deveria ser regulada pela relação dos indivíduos com o

mercado. As diferenças distributivas do mercado são naturalizadas e relacionadas

ao mérito pessoal. Dessa forma, os pobres são os responsáveis (dito de outra forma,

culpabilizados) pela sua condição e a pobreza é um problema apenas na medida em

que impacta o consumo, a produção e a tributação, estando restrita à dimensão da

renda e sendo o seu enfrentamento reduzido a formas unidimensionais (COTTA,

2009). Na década de 1990 até 2000, essa concepção podia ser identificada nos

documentos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e Banco

Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Fundo Monetário

Internacional (COTTA, 2009).

É interessante observar, como Bronzo (2005), que a “forma como se concebe

a pobreza tem implicações não apenas em sua mensuração, ou seja, na

identificação dos pobres, mas também nas alternativas de intervenção desenhadas

para sua superação” (BRONZO, 2005 p. 2). Assim, a visão de desenvolvimento

econômico estaria associada a programas restritos ao apoio financeiro provisório e

compensatório, para estender oportunidades materiais para os que conseguissem

superar as suas vulnerabilidades a partir desse apoio. O desenvolvimento social

seria uma consequência do desenvolvimento econômico.

25

A segunda visão de proteção social está vinculada ao Paradigma de

Desenvolvimento Humano, que ganha força a partir dos anos 1990, influenciado

pela publicação do primeiro Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa

das Nações Unidas para o Desenvolvimento, e representa um deslocamento do foco

da produção para a distribuição (COTTA, 2009).

É interessante compreender que entra em cena, nessa mudança

paradigmática, a compreensão de que era preciso desenvolver capacidades junto

aos grupos vulneráveis, para que pudessem, contando com o apoio material, agir

sobre as suas vulnerabilidades buscando superá-las. Uma noção de

desenvolvimento social já se delineia, porém ainda atrelada a uma compreensão

limitada ao individualismo e sem incorporar a ideia da participação social de maneira

mais ampla.

Em 2001, O Banco Mundial lança o primeiro documento setorial, defendendo

que a proteção social seria uma forma de superar a situação de pobreza. O conceito

de pobreza se amplia com o conceito de proteção social, envolvendo além da baixa

renda e consumo, também baixos indicadores de educação, saúde, nutrição e outros

(VAITSMAN, ANDRADE & FARIAS, 2009 apud AFONSO, 2010). Na concepção do

Banco Mundial, a proteção social passa a ser entendida como “ações públicas

desenvolvidas em resposta a níveis de vulnerabilidade, risco e privação que são

consideradas socialmente inaceitáveis dentro de uma dada sociedade ou sistema

político” (NORTON, CONWAY & FOSTER, 2001 p. 7, apud AFONSO, 2010).

Resulta daí uma mudança na própria concepção de desenvolvimento

humano, com o argumento de que existem “patamares inaceitáveis de privação” na

sociedade, o que provoca também uma “virada em relação à assistência social

tradicional” (VAITSMAN, ANDRADE & FARIAS, 2009, p. 732 apud AFONSO, 2010).

Com forte influencia nas ideias de Amartya Sen (2000), a concepção de

desenvolvimento humano passa a se relacionar à ampliação de liberdades, sejam

elas políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantia de

transparência e segurança protetora (SEN, 2000). Dessa maneira o crescimento

econômico passaria a ser um meio e não um fim, pois deve se traduzir na ampliação

dessas liberdades à medida que são oferecidas as condições para que os indivíduos

possam superar as suas privações (COTTA, 2009).

26

Embora haja o pressuposto de que “a privação de renda pode levar á

privação de capacidades” e “as assimetrias distributivas devem ser problematizadas”

(COTTA, 2009 p. 179), a igualdade proposta é a da ampliação das liberdades e não

de redução das desigualdades sociais. Como estratégia de enfrentamento da

pobreza a noção de “atenção integral” se apresenta diante da multidimensionalidade

do fenômeno em questão uma vez que a pobreza é consequência de contextos

históricos complexos que se reproduzem por falta de investimento em capital

humano e ausência de oportunidades (COTTA, 2009).

A rede de proteção social seria compreendida como um amortecedor da

pobreza e como um trampolim para se sair dessa situação, sendo comuns os termos

alivio da pobreza, círculos viciosos intergeracionais de pobreza e assim por diante

(COTTA, 2009). Como enfrentamento à pobreza, é necessária a ampliação da

capacidade de escolhas dos indivíduos, para que possa haver um impacto positivo

nas economias locais. Trata-se de um crescimento econômico que beneficiaria os

mais pobres, visando consolidar o capital humano (COTTA, 2009).

Finalmente, nesse campo de disputas ideológicas, há a Visão de Proteção

Social, vinculada ao paradigma de Desenvolvimento Social, sendo este definido

como, “um desenvolvimento que seja equitativo, inclusivo, sustentável, sensível às

demandas e passível de responsabilização, proporcionando a participação efetiva

das populações em situação de pobreza e marginalizadas” (COTTA, 2009 p.185). O

núcleo central proposto por esse paradigma de desenvolvimento é a

equidade/justiça distributiva entendida como a igualdade de oportunidades,

privilegiando as formas participativas de democracia, o que o aproxima da

compreensão de cidadania ativa e emancipatória. Nessa visão, “[...] a sociedade

deve ser socialmente inclusiva, equitativa do ponto de vista da distribuição dos

recursos, igualitária quanto aos direitos formais e substantivos e não discriminatória”

(COTTA, 2009 p. 185).

A exclusão social não é mais vista como culpa dos indivíduos ou da falta de

oportunidades (em um mundo naturalmente desigual). Passa a se compreendida

como dificuldade no acesso a direitos devido às relações de poder que geram

desigualdades. Os problemas sociais são vistos como estruturais e multifatoriais

fruto de “ações de atores pouco preocupados com a justiça distributiva e coesão

27

social” e, dessa maneira, necessitam de soluções adequadas ao contexto, sendo

fundamental a participação social (COTTA, 2009).

Cotta (2009) enfatiza que, não obstante as suas diferenças teóricas, essas

três visões se aproximam ou se distanciam, mesclam-se ou diferenciam-se, na

formulação de políticas públicas e programas sociais, tais como na PNAS ou no

Programa Bolsa Família. A dinâmica de sua interação não é de ordem acadêmica,

mas seguem razões políticas, administrativas, pragmáticas e até mesmo da

existência de recursos para fazer valer dadas proposições na prática.

Entendemos, a partir de Cotta (2009), que os três paradigmas subsistem,

especialmente as visões de desenvolvimento humano e desenvolvimento social de

maneiras variadas, no campo discursivo da assistência social, especialmente

considerando o amplo sistema do SUAS, a existência de um longo caminho entre a

formulação das diretrizes pelo MDS e a efetivação da política nas práticas dos

diversos municípios e pelas equipes técnicas com (ou sem) capacitação específica

para atuar na política de acordo com o paradigma do desenvolvimento social.

Nesse campo discursivo, encontramos também autores como Falck (2008)

que buscam comparar a visão de desenvolvimento humano e desenvolvimento

social, procurando compreender seus pontos de conflito e de diálogo. Para Falck

(2008), a visão de desenvolvimento social engloba e amplia a visão de

desenvolvimento humano à medida que a ampliação de capacidades individuais

requer necessariamente uma conexão com a garantia de direitos e, esta, uma

percepção mais equitativa da sociedade. Dessa forma é imperativo correlacionar as

condições sociais vigentes à responsabilidade do Estado e às implicações dos

indivíduos como sujeitos sociais e cidadãos. Falck (2008) pondera que a qualidade

das interações sociais deve estar em correspondência com o seu impacto na

sociedade, possibilitando uma transformação social. Falck (2008) resume: “Whereas

economic capital is in people’s bank accounts and human capital is inside their

heads, social capital inheres in the structure of their relationships” (FALCK, 2008

p.1).

Nesse sentido, os beneficiários dos esquemas de proteção social são titulares

de direitos e a proteção social deve ser entendida como política que produz

28

resultados para o desenvolvimento social, devendo impactar a ampliação das

liberdades humanas e de suas capacidades.

Retorna e amplia-se aqui a discussão sobre a “questão social” como uma

questão da pobreza, indo além do resultado da divisão social de classes e da

disputa e apropriação desigual da riqueza gerada socialmente (IAMAMOTO, 2001),

e incorporando a dimensão da cidadania, como afirmou Jaccoud (2009): “a questão

social não se define como a questão da pobreza e sim como a questão dos direitos”

(JACCOUD, 2009 p. 66). A cidadania, referenciada aos direitos e deveres está

ancorada na noção de igualdade. Por isto mesmo, existe uma profunda contradição

em uma ordem econômica que reproduz a miséria e uma ordem política que afirma

a igualdade entre cidadãos (JACCOUD, 2009). O avanço dos direitos de cidadania

vem reafirmar a indivisibilidade entre direitos civis, políticos e sociais implicando que

é necessário simultaneamente combater a pobreza e promover a igualdade. Só é

possível falar em direitos sociais se existem políticas de promoção dos direitos,

implementadas e garantidas pelo Estado.

Os diversos discursos presentes no debate sobre proteção social e pobreza

explicitam a argumentação da teoria de Análise Crítica do Discurso (Fairclough,

2001), que considera que o discurso está associado a uma prática social e como tal

possui duas implicações (1) de que ele é por si só um modo de ação e de

representação sobre o mundo e (2) implica uma relação dialética entre discurso e

estrutura social, existindo mais geralmente tal relação entre prática social e estrutura

social: sendo a última tanto condição como efeito da primeira (FAIRCLOUGH, 2001).

Além do que o discurso é espaço de lutas hegemônicas6 repletas de contradições e

tensões de poder. Por lutas hegemônicas compreendesse o equilíbrio instável

exercido pelo poder de determinados grupos sobre os demais. Nas palavras do

autor:

O conceito de hegemonia implica o desenvolvimento – em vários domínios da sociedade civil (como trabalho, educação, as atividades de lazer) – de práticas que naturalizam relações e ideologias específicas e que são na sua

6 Fairclough (2001), busca ancoragem teórica para a utilização do termo hegemonia conforme

referenciado em GRAMSCI (1988, 1995) ideologia em THOMPSON (1995) e disputas de poder conforme referido em FOUCAULT (1997).

29

maioria, práticas discursivas. A um conjunto específico de convenções discursivas [...] estão implicitamente associadas determinadas ideologias-crenças e conhecimentos específicos, posições específicas para cada tipo de sujeito social que participa nessa prática e relações específicas entre categorias e participantes (FAIRCLOUGH, 1997, p. 80 apud RESENDE, 2011 p. 44).

A busca sobre a explicitação das tensões dentro do campo discursivo do

trabalho social com famílias no PAIF é a busca pela identificação de como os

elementos ideológicos de uma determinada visão hegemônica de proteção social

influenciam as práticas sociais aproximando-as ou as afastando de uma concepção

de cidadania mais emancipatória. Sendo fundamental compreender o discurso na

sua tridimensionalidade, entre os campos ideacionais, relacionais e acionais para a

produção da prática social.

Finalmente, no presente capítulo, assinalamos o diálogo possível entre o

paradigma de proteção social do desenvolvimento social com os princípios da

gestão social à medida que defende estruturas descentralizadas de decisão e

ligadas à participação popular e à organização intersetorial.

Porém, também é importante lembrar, como discerne Maia (2005), que o

paradigma da gestão social, que nasceu na contramão dos modelos neoliberais, é

uma construção histórica e concretiza-se a partir dos processos sociais e projetos

societários explícitos ou implícitos, em disputa para a transformação da sociedade.

Daí a importância de se compreender que disputas são essas e como se expressam

no campo discursivo das políticas públicas.

Como argumentou Dagnino (2004), existe, no Brasil, uma confluência

perversa entre um projeto político democratizante, participativo, e o projeto

neoliberal, que às vezes esvazia e enviesa os esforços de organização e

participação popular. Os deslocamentos de sentido, nessa disputa político-cultural,

operam em três noções, quais sejam, sociedade civil, participação e cidadania.

Assim, na continuidade deste dissertação, discutiremos as tensões entre

cidadania e proteção social no campo discursivo da Assistência Social.

30

1.2.2 Diálogos e Conflitos entre Proteção Social, Cidadania e Participação

Considerando a cidadania como uma construção histórica, dois elementos

importantes devem ser destacados (1) que os direitos não surgem todos e ao

mesmo tempo nem da mesma forma e (2) inversão da aquisição de direitos,

primeiramente os direitos sociais seguidos pelos políticos e civis7. Não temos a

pretensão de exaurir a discussão teórica sobre o conceito, mas explorar a sua

relação com a discussão da cidadania enquanto conquista de direitos, e participação

ativa dos sujeitos na gestão da vida social à medida que a cada dia esse conceito é

influenciado e influencia as mudanças em sociedade.

Após a constituição de 1988, o termo cidadania ganha a cena nos diversos

discursos sociais e apresenta-se com sentidos e intenções diferenciadas, sendo

necessário ter em mente a presença de diversas disputas ideológicas que

transversalizam a sua fixação e uso como conceito nas ciências sociais e nas

ciências políticas (DAGNINO, 1994).

A noção da “nova cidadania” no Brasil possui uma influência direta dos

movimentos sociais e a luta por direitos a partir da construção democrática do

Estado de direito como estratégia que afirma o nexo constitutivo entre as dimensões

culturais e políticas da cultura democrática, portanto como estratégia de atuação

política. Ora, à medida que a cidadania se amplia na concepção e na efetivação de

direitos surge uma primeira reflexão que se refere à noção de “direitos a ter direitos”

8, em referência ao termo de Arendt, possibilitando o surgimento de novos sujeitos

de direitos (crianças, mulheres e outros) à medida que esses segmentos organizam

suas demandas e as imprimem na agenda política nacional.

7 Para análise aprofundada da construção histórica da cidadania no Brasil, consultar CARVALHO.M.J

(2006). 8 Conforme apresentado no texto de PALMA FILHO (1998).

31

À medida que esses novos atores sociais organizam a sua capacidade de

vocalização, pleiteando novos direitos acabam produzindo tensionamentos com o

Estado que se vê convocado a apresentar politicas públicas capazes de absorver

essas novas demandas.

Inojosa (2004) considera que as politicas públicas são influenciadas pela

forma como as demandas da população são introduzidas na arena politica, à medida

que quanto maior e melhor for a capacidade de vocalização maior será a

probabilidade de ações de caráter transformador que objetivam a reversão do

processo de exclusão ao passo que, vocalizações frágeis geram ações de caráter

pontual e compensatório, esse movimento refletiria assim a qualidade das relações

entre Estado e sociedade (INOJOSA, 2004).

A nova cidadania requer “a constituição de sujeitos sociais ativos, definindo o

que eles consideram ser os seus direitos e lutando pelo seu reconhecimento”

(DAGNINO, 1994 p.108). Se esse novo paradigma de cidadania relaciona-se à

possibilidade de busca do direito a ter direito pelos próprios agentes que o

reivindicam, é necessário “fazer que o povo se torne parte principal do processo de

seu desenvolvimento e promoção social” (COMPARATO, 1993 p.7), logo a ideia

central em relação a este novo paradigma é participação e neste sentido, abre-se

aqui espaço para reflexão dos princípios de gestão social.

Segundo Tenório (2008), um dos elementos fundamentais para a construção

do conceito de gestão social é a capacidade de participação dos sujeitos na

sociedade. A participação, para o autor, é um constante vir a ser, dessa forma é

processual na medida em que são conquistados e ampliados os espaços de seu

exercício. Assim ao valorizar, no debate da nova cidadania, a importância da

vocalização dos sujeitos quanto ao seu direito de participar efetivamente dos rumos

decisórios, desvela-se um novo campo nas relações entre Estado e sociedade

quanto às decisões da vida social. Podemos considerar que esse novo campo orbita

no âmbito da gestão social que, segundo Tenório (2008), pode ser definida nos

seguintes termos:

32

[...] o processo gerencial dialógico onde a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação (ação que possa ocorrer em qualquer tipo de sistema social – público, privado ou de organizações não-governamentais). O adjetivo social qualificando o substantivo gestão será entendido como o espaço privilegiado de relações sociais onde todos têm o direito à fala, sem nenhum tipo de coação (TENÓRIO, 2008, p. 158).

Conforme salientam Oliveira; Cansado e Pereira (2010) ao analisar o conceito

gestão social, para que a participação possa ser efetivada em sua plenitude, surge o

conceito de cidadania deliberativa, que pressupõe “que a legitimidade das decisões

deve ter origem em processos de discussão, orientado pelos princípios da inclusão,

do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e do bem comum”

(TENÓRIO, 2008 apud OLIVEIRA;CANSADO & PEREIRA, 2010 p.619).

Notamos que a noção de cidadania apresentada dialoga com a definição de

Demo (1995) que afirma tratar-se da “competência humana de fazer-se sujeitos,

para fazer história própria e coletivamente organizada” (DEMO, 1995 p.1). Portanto,

cidadania não se relaciona à esfera individual, mas sim a esfera social, sendo

dialeticamente construída, não se tratando apenas de consumo de direitos, mas sim

do seu exercício.

Demo (1995) ao apresentar sua tipificação de cidadania considerará três

dimensões: a cidadania tutelada como aquela que é concedida de cima,

representante do paternalismo que visa manter a não consciência crítica – pobreza

política dos indivíduos, em especial da camada mais pobre da população. Orbitar

nessa ótica significa continuar a produzir o seu “resultado mais típico que, na prática,

é a sua negação/repressão, é a reprodução indefinida da sempre mesma elite

histórica” (DEMO, 1995, p. 6). Outra forma de expressão da cidadania seria a

cidadania assistida, nela encontramos um “embrião” da noção de direitos, direito a

ter assistência, aqui a pobreza politica é mais amena, porém ainda impera, mas de

formas disfarçadas, a marginalização social. Não ocorre o enfrentamento direto com

as suas causas, tanto por parte dos cidadãos como por parte das políticas públicas

que se ancoram muito mais na oferta de benefícios do que na ampliação de direitos.

Finalmente a cidadania emancipatória estaria relacionada à capacidade dos sujeitos

33

negarem a condição de objetos, massa de manobra historicamente manipulada.

Essa capacidade seria alcançada via desenvolvimento de competências pessoais e

sociais para a compreensão das razões de exclusão e pobreza.

O que mais escraviza o homem é, primeiro, a ignorância, que o impede de saber-se escravo e, por consequência, de reagir, e segundo, a carência material que obriga a depender para sobreviver (DEMO, 1995, p. 136).

Esses tipos de cidadania não possuem necessariamente fronteiras rígidas,

pelo contrario, percebemos suas flutuações ao analisar a prática social e

principalmente os atores que a representam, configurando o campo histórico de

disputas ideológicas.

Podemos considerar que os tipos de cidadania apresentados por Demo

(1995) poderiam se correlacionar com as visões de proteção social segundo Cotta

(2009) predominantes nos discursos estabelecendo a seguinte correlação: (1) a

cidadania tutelada, aquela em que o Estado atua de forma residual representa a

predominância dos discursos atrelados à visão de proteção social econômica que

em última análise atribui ao desenvolvimento econômico peso fundamental e

considera o mérito diretamente proporcional ao esforço pessoal, sendo a pobreza

relacionada a características comportamentais, a atuação do Estado aconteceria em

momentos de retração econômica sendo os mecanismos de proteção social

seletivos e emergenciais (COTTA, 2009).

(2) Já na cidadania assistida, a visão predominante de proteção social é a de

desenvolvimento humano que apresenta a argumentação de que é necessário

ampliar as capacidades individuais para que os indivíduos sejam capazes de realizar

escolhas, essa ampliação de capacidades se correlaciona a oferta de esquemas de

proteção atrelados ao acesso a bens e serviços essenciais à satisfação de

necessidades básicas, combinando transferência de recursos com serviços sociais

básicos (COTTA, 2009). Apesar de ampliar o conceito de cidadania em relação ao

anterior, os elementos relacionados à participação são pouco evidentes nos

discursos e o imperativo das argumentações discursivas é o “direito a ter direito”.

(3) Na concepção de cidadania emancipatória em que há maior destaque

para a autonomia e protagonismo dos sujeitos enquanto sujeitos de direitos, os

34

elementos da visão de proteção social associada ao desenvolvimento social se

evidenciam, pois consideram que a equidade, no sentido de igualdade de

oportunidades deve nortear as ferramentas de proteção social do Estado. Segundo

Cotta (2009) [...] a sociedade deve ser socialmente inclusiva, equitativa do ponto de

vista da distribuição dos recursos, igualitária quanto aos direitos formais e

substantivos e não discriminatória (COTTA, 2009 p. 185). A origem das barreiras

para a concretização de direitos seria a exclusão social criada por relações de poder

assimétricas, consequência das ações de determinados atores sociais que resultam

em descriminação, marginalização e desigualdade. Sendo assim a vulnerabilidade,

exclusão e pobreza não seriam acidentais (COTTA, 2009). As formas de resolução

desse conflito estariam ancoradas, segundo Cotta (2009), em regras, direitos e

poderes, mediados pela participação ativa e responsabilização dos sujeitos, sendo a

proteção social fortemente influenciada por uma visão politica, que não apenas

garante direitos básicos, mas que promova a equidade, a autonomia e o

protagonismo na busca por direitos. Fazendo-se dessa forma uma passagem

paradigmática influenciada pelas visões de proteção social dos discursos de uma

cidadania assistida para a emancipatória.

Dessa maneira podemos considerar que as visões de proteção social

presentes nesses três discursos estariam diretamente relacionadas à produção de

determinados tipos de cidadãos em um movimento dialético onde a prática social se

faz através de lutas ideológicas e disputas de hegemonias presentes nos

argumentos discursivos, para Fairclough (2001), “o equilíbrio entre o sujeito ´efeito`

ideológico e o sujeito agente ativo seria uma variável que depende de condições

sociais, tal como estabilidade relativa das relações de dominação” (FAIRCLOUGH,

2001 p.121).

Dialogando com as concepções de cidadania apresentadas até aqui, o

trabalho social com famílias no âmbito do PAIF não poderia se restringir a uma

dimensão socioeconômica e nem mesmo a uma dimensão socioassistencial, em que

apenas as questões mais imediatas do combate à pobreza fossem destacadas, com

o apoio material e econômico. Devemos atentar para que o as ações do PAIF não

fortaleçam, conforme afirma Sposati (2003), a cultura do “indigente institucional’

como única estratégia de sobrevivência da população em situação de pobreza,

35

reforçando a perpetuação da pobreza política. Nota-se que para a concretização da

dimensão emancipatória proposta do PAIF seria necessário dialogar com a

perspectiva de que é necessário possibilitar uma certa instrumentalização dos

sujeitos para que consigam um diálogo efetivo com o Estado. Ao vislumbrar

horizontes mais ampliados para a prática do trabalho social, começamos a nos

aproximar do paradigma de uma cidadania emancipatória para os indivíduos e

famílias, contudo isso nem sempre é fácil.

Dessa maneira ao analisarmos o campo discursivo relacionado ao trabalho

social com famílias no PAIF buscamos a identificação das diversas posições de

diálogo e/ou conflito que compõem o atual debate sobre o trabalho social com

famílias no contexto de políticas públicas.

1.3 A Política Nacional de Assistência Social como política de promoção de

direitos

Historicamente, o campo da Assistência Social esteve ligado à atividade

voluntarista carregada por uma forte carga moralista de patrimonialismo, clientelismo

e das diversas expressões da cultura do favor e, portanto, vislumbrar e efetivar a

Assistência Social enquanto direito de Proteção Social demanda a redefinição e a

superação dos padrões subalternos em que se assentaram historicamente as

práticas ligadas a esta política, tais como a benemerência, caridade e sua ação

individualizada (ANDRADE, 2011, p. 28).

A Política Nacional de Assistência Social (PNAS), iniciada em 2004, com base

na Constituição Federal de 1988 e na Lei Orgânica da Assistência Social, de 1993,

possibilitou a inclusão da assistência social no tripé da seguridade social ampliando

o campo dos direitos humanos e sociais e “introduziu a exigência de a assistência

social, como política, ser capaz de formular com objetividade o conteúdo dos direitos

do cidadão em seu raio de ação, tarefa, aliás, que ainda permanece em construção”

(SPOSSATI, 2009, p. 14). Buscando assim romper com o paradigma anterior.

Ao adotar a concepção de que a assistência social é uma política que atende

determinadas necessidades de proteção social sendo, portanto, atuante no campo

36

em que se efetivam as seguranças sociais como direitos (SPOSSAT, 2009) o objeto

da assistência social busca se concretizar através do afiançamento das seguranças

básicas, compreendidas como as seguranças de: (1) Renda; (2) acolhida (inserção

na rede de serviços e provisão das necessidades humanas); (3) convívio familiar e

comunitário; (4) desenvolvimento da autonomia; e (5) sobrevivência a riscos

circunstanciais. Segundo Sposati, (2009),

“A segurança é uma exigência antropológica de todo indivíduo, mas sua satisfação não pode ser resolvida exclusivamente no âmbito individual. É também uma necessidade da sociedade que se assegure em determinada medida a ordem social e se garanta uma ordem segura a todos seus membros” (SPOSATI, 2009 p.21).

Objetiva tanto o provimento de necessidades e o enfrentamento de

vulnerabilidades quanto o incremento da autonomia dos usuários.

Em 2005, começa a implantação do Sistema Único da Assistência Social

(SUAS) como o modelo de operacionalização dos princípios e diretrizes

preconizados na PNAS cujos eixos estruturantes são: (a) Precedência da gestão

pública da política; (b) Alcance de direitos socioassistenciais pelos usuários; (c)

Matricialidade Sociofamiliar; (d) Territorialização; (e) Descentralização político-

administrativa; (f) Financiamento partilhado entre os entes federados; (g)

Fortalecimento da relação democrática entre Estado e Sociedade Civil; (h)

Valorização da presença do controle social; (i) Participação popular/cidadão usuário;

(j) Qualificação de Recursos Humanos; (k) Informação, monitoramento, avaliação e

sistematização de resultados (BRASIL, 2005).

Os princípios da matricialidade sociofamiliar e da territorialização são de

especial relevância para a análise proposta nessa dissertação, pois representam

algumas das mudanças substanciais propostas nessa politica que serão tratadas

mais especificamente na próxima sessão.

A matricialidade sociofamiliar centraliza na família a concepção e a

implementação dos benefícios e serviços. Compreende a família como núcleo

primário de proteção, sociabilidade e convívio que deve ser apoiado pelo Estado,

especialmente quando em situação de vulnerabilidade, para que possa

desempenhar as suas funções protetivas. Ressalte-se que, desde a Constituição

Federal de 1988, o discurso sobre as concepções de família ampliou-se para

37

abranger uma diversidade de arranjos familiares e o respeito à diferença

sociocultural e outras. A família é igualmente o espaço do apoio mútuo e um espaço

marcado por tensões e conflitos, por exemplo, relativos às relações de gênero e de

geração. Está em questão, portanto, um novo campo de saber: o significado da

capacidade protetiva de família, do âmbito dessa proteção e das fragilidades e riscos

sociais a que a própria família e seus membros estão sujeitos (SPOSSATI, 2009, p.

17).

A territorialização refere-se à centralidade do território como fator

determinante para a compreensão das situações de vulnerabilidade e risco sociais,

bem como para seu enfrentamento, organizando a oferta dos serviços

socioassistenciais em locais próximos aos seus usuários. O território se apresenta

como ator social à medida que é nele que se apresenta e se processa a questão

social sendo a compreensão de que os problemas concretos vividos pelas famílias

possuem sua gênese e sua solução nos próprios territórios.

Enquanto sistema o SUAS se divide em níveis de proteção diferenciados por

hierarquia e complexidade. Hierarquicamente há Proteção Social Básica (PSB) e

Proteção Social Especial (PSE), sendo que a PSB atende indivíduos, famílias e

grupos em situação de vulnerabilidade decorrente de pobreza, exclusão e/ou

violência, mas que mantêm os seus vínculos de pertencimento social. A PSE é

dirigida a indivíduos, famílias ou grupos em situação de violação de direitos e com

vínculos familiares e comunitários ameaçados ou rompidos.

A PSB visa prevenir e enfrentar situações de vulnerabilidades e riscos sociais

por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, do fortalecimento de

vínculos familiares e comunitários, e da ampliação do acesso aos direitos de

cidadania. O principal equipamento da proteção social básica é o Centro de

Referência da Assistência Social (CRAS), implantado em territórios com alta

vulnerabilidade social e que é o responsável por oferecer o Serviço de Proteção e

Atendimento Integral à Família (PAIF).

A Proteção Social Básica desenvolve, ainda, outros serviços voltados para

crianças, adolescentes, jovens, idosos e pessoas com deficiência. Os serviços,

desenvolvidos no território devem ser referenciados ao CRAS e manter articulação

com o PAIF, para garantir o trabalho social com as famílias dos usuários

38

identificando suas demandas e potencialidades e, dessa forma, possibilitando a

materialização da diretriz de matricialidade sociofamiliar no território.

Ao passo que a PSE objetiva o atendimento às famílias e/ou indivíduos mais

vulneráveis ou expostos a riscos mais graves de rompimento do vinculo social e

comunitário (BRASIL, 2004). O principal equipamento da proteção social especial de

média complexidade são os Centros de Referência Especializados de Assistência

Social (CREAS). Na alta complexidade, as instituições de acolhimento institucional

têm este papel.

Diante do modelo operacional proposto, considerando a politica de

assistência social como politica garantidora de direitos, debruçaremos a análise

sobre o papel estratégico de dois elementos fundamentais: a família e o território.

1.3.1 O lugar estratégico da Família nas políticas de promoção de direitos

Após a crise econômica mundial dos anos 1970, a família vem sendo

redescoberta como “importante agente privado de proteção social” (PEREIRA, 2010,

p. 25). Contudo, ela também é um ambiente contraditório, marcado por tensões que

se originam nas manifestações das relações de poder entre os seus diversos

membros, podendo se mostrar ora como reprodutora de desigualdades,

principalmente em relação aos seus membros mais frágeis como as crianças,

adolescentes e idosos e ora protetora (MIOTO, 2010, PEREIRA, 2006, AFONSO,

2010). Configurando-se, portanto como uma instituição que é ao mesmo tempo:

Forte porque ela é de fato um lócus privilegiado de solidariedades, no qual os indivíduos podem encontrar refúgio contra o desamparo e a insegurança [...]. Mas ela é também frágil pelo fato de não estar livre de despotismos, violências, confinamentos, rupturas [...] (PEREIRA, 2006, p.37).

Sendo assim, a família enquanto essa instituição dual construída

historicamente precisará, em certas circunstâncias, do apoio do Estado para o

desempenho de suas funções. Ao eleger a família como instituição a ser protegida o

Estado precisa ser capaz de absorver a mutabilidade de arranjos que a comporta e

39

chamar para si parte da responsabilidade, naquilo que compete à garantia de

direitos, formulando políticas sociais capazes de oferecer alternativas para a

participação cidadã de seus membros e não demandando às famílias que assumam

responsabilidades além de suas capacidades (PEREIRA, 2006).

Dessa forma a relação entre família e Estado, objeto de diversos estudos,

apresenta-se como um movimento conflitante e contraditório, pois no cerne da

discussão encontramos a relação entre as dimensões de público e privado.

[...] a relação família e Estado é conflituosa desde o princípio, por estar menos relacionada aos indivíduos e mais à disputa do controle sobre o comportamento dos indivíduos. Por essa razão, ela tem sido lida de duas formas opostas. Como uma questão de invasão progressiva e de controle do Estado sobre a vida familiar e individual, que tolhe a legitimidade e desorganiza os sistemas de valores radicados no interior da família. Ou como uma questão que tem permitido uma progressiva emancipação dos indivíduos. Pois à medida que o Estado intervém enquanto protetor, ele garante os direitos e faz oposição aos outros centros de poderes tradicionais (familiares, religiosos e comunitários), movidos por hierarquias consolidadas e uma solidariedade coativa (MIOTO, 2010 p. 45).

Conforme indicado por Afonso (2010), os argumentos que sustentam o papel

essencial da família na proteção social e, especialmente, nas políticas de combate à

pobreza, podem ser recapitulados em Souza (2000). O argumento básico está ligado

à lógica da organização socioeconômica nas economias capitalistas, o Estado e a

família são instituições fundamentais para a existência dos mecanismos de divisão

de trabalho e distribuição de recursos. Além do mercado, os indivíduos recorrem às

políticas sociais e ao apoio da família para o atendimento de suas necessidades.

A relação entre proteção social e famílias é pensada em duas dimensões

entrelaçadas que são a regulação da sociedade (promovida pelo Estado) sobre as

famílias e a importância destas para o funcionamento das políticas sociais. As

famílias seriam como um “filtro redistributivo” (SOUZA, 2000, p. 1) que influenciaria

na realocação de recursos e responsabilidades no que se refere ao bem-estar de

seus membros. Torna-se, assim, importante conhecer melhor a relação entre

famílias e a formulação de políticas públicas tendo em vista que: (a) as relações

entre membros da família podem ter implicações que geram externalidades positivas

ou negativas à sociedade; (b) as características das famílias podem ser usadas

como critérios de focalização; (c) as famílias podem ser usadas para conceber,

40

executar ou controlar programas; e (d) as políticas sociais podem tanto afetar como

ter seus objetivos afetados pelas diferentes formas de organização familiar.

Segundo Faria (2004) as políticas dirigidas às famílias podem ser

consideradas como “indiretas” quando possuem certos impactos na família apesar

de não se direcionarem diretamente sobre ela e “diretas” quando tem foco explícito

na família. De forma geral as políticas sociais têm se endereçado à família,

basicamente, de três maneiras (SOUZA, 2000; FARIA, 2004; FONSECA, 2006), que

podem ou não ser integradas em uma mesma política:

1) Como objeto de intervenção e controle;

2) Como instrumento das políticas sociais, cabendo-lhe um papel de colaborar

com a execução ou acompanhamento de ações;

3) Como instituições redistributivas, uma vez que as ações dirigidas às

famílias têm efeitos para os seus membros (e pode-se acrescentar, aqui, que, muitas

vezes, o inverso também ocorre).

Tradicionalmente, a família é uma instituição que preenche as lacunas do

mercado nas economias capitalistas (SOUZA, 2000, P.2). A proteção social afeta a

estrutura e a organização das famílias, na medida em que funções antes

desempenhadas pela família passam a ser desenvolvidas por outras instituições

sociais. A perda relativa das capacidades assistenciais da família muitas vezes está

associada à emergência de novos atores sociais que demandam direitos: mulheres,

crianças, idosos, dentre outros. Ou seja, há uma politização das relações privadas,

com forte impacto sobre a hierarquia, a organização familiar. Essas diferenciações

não apenas nas estruturas, mas também nos arranjos e na dinâmica familiar, criam

novos “riscos” e ameaça as relações familiares, como por exemplo, o cuidado com

os idosos e enfermos, dentre outras. Os riscos se referem também à coesão da

própria instituição familiar, cujas capacidades de proteção de seus membros ficam

também ameaçadas.

Como afirmam Carvalho e Almeida (2003), as condições e alternativas das

famílias também são definidas por condições exteriores a elas, isto é, por fatores

macroestruturais como a dinâmica da economia e das oportunidades ocupacionais.

De fato, para exercer o seu papel junto aos seus membros, a família precisa ser

apoiada por políticas sociais e os seus membros devem ter acesso aos direitos

41

universais de saúde, educação e demais direitos sociais. A família pode ser alvo ou

parceira de políticas públicas, mas a garantia do acesso aos direitos de cidadania de

crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, homens e mulheres é

responsabilidade do Estado. As políticas sociais voltadas para a família devem

apoiá-las e fortalecê-las, propiciando-lhes condições para o protagonismo social, em

vez de responsabilizá-las pelas suas mazelas.

Da relação entre a função protetiva da família e a função protetiva do Estado

e os papeis que ambas as instituições devem desempenhar com vistas a diminuir o

impacto ocasionado pelas manifestações da questão social, surge o debate sobre

políticas públicas de proteção social que focalizam na família a sua intervenção

fomentando estudos “não só das realidades familiares, mas também dos impactos

das políticas públicas que nelas se apoiam ou são focalizadas” (ITABORAÍ, 2005).

Sendo relevante ainda acrescentar mais um elemento à reflexão: como o Estado

atua e quais as consequências dessa ação na vida das famílias e das comunidades.

Teixeira (2009) salienta que muito embora a argumentação proposta pelas

politicas púbicas focalizadas nas famílias fortaleça a noção de “cuidar da família

para que ela possa cuidar de seus membros” seja um avanço, percebe-se que,

mesmo compreendendo as multiplicidades de arranjos existentes, ainda demanda-

se que as famílias exerçam, do ponto de vista funcional, os antigos modelos de

cuidado e proteção o que gera uma sobrecarga no membro responsável pelo

cuidado, muitas vezes a mulher, e acaba por aumentar a dependência de seus

membros mais vulneráveis (TEIXEIRA, 2009).

Sendo assim, nota-se um avanço quanto aos múltiplos desenhos estruturais

de família, mas ainda há uma nítida estagnação, como também um reforço quanto

às funções que compete à família desempenhar embasada nas antigas concepções

de família nuclear do século XIX (MIOTO, 2006, TEIXEIRA, 2009).

Diante da ausência de uma rede de serviços públicos que sejam capazes,

de fato, de apoiar às famílias na sua função de proteção como creches, cuidados

domiciliares as pessoas com deficiência e idosos, dentre outros, conforme ainda

salienta Teixeira (2009), o Estado acaba por fornecer serviços que visam reforçar as

funções familiares tradicionais e este fato acaba gerando “culpabilização" por não

42

poderem realizar “plenamente”, conforme o padrão essa função” (TEIXEIRA, 2009,

p.260).

Ao analisar o papel da família nos esquemas de proteção social Mioto (2006)

pondera quanto à existência de uma tensão entre dois projetos distintos de proteção

social e sociedade. O primeiro dito familista aposta na família como canal natural de

proteção possuindo forte influencia neoliberal. O segundo, de tendência protetiva,

prega que o desempenho de cuidado da família é diretamente proporcional ao

acesso a políticas públicas que lhe garantam cuidado e proteção (MIOTO, 2006).

Diante dessa tensão podemos nos perguntar em que medida a prática do trabalho

social com famílias no SUAS está sendo influenciada por esses projetos distintos e

quais os efeitos que essa influência exerce na constituição da cidadania de

indivíduos e famílias?

1.3.2 O lugar estratégico do território nas politicas de promoção de direitos

Na PNAS, a territorialização refere-se à centralidade do território como fator

determinante para a compreensão das situações de vulnerabilidade e de risco

social, bem como para seu enfrentamento, ofertando os serviços socioassistenciais

nos locais em que se organiza a vida dos usuários:

O princípio da territorialização significa o reconhecimento da presença de múltiplos fatores sociais e econômicos, que levam o indivíduo e a família a uma situação de vulnerabilidade, risco pessoal e social (BRASIL, 2005, p.90).

Na medida em que a politica de assistência social apresenta o afiançamento

das seguranças sociais e a garantia dos direitos socioassistenciais como os seus

objetos por excelência e que a materialização destes passa necessariamente pela

compreensão do território como espaço de manifestação dos fenômenos de

exclusão e pobreza, precisamos compreendê-lo, uma vez que o território é, ao

mesmo tempo, constituído por suas dimensões espaciais e psicossociais.

Território não é um simples espaço geográfico. É um espaço habitado, usado

e vivido, onde os sujeitos sociais exercem o seu modo de existir, sua linguagem,

43

representações, relações e práticas sociais. O território tem vida interna e também

existe na relação com outros espaços sociais, culturais e políticos, dentro de

contextos e processos históricos, estando sujeito a transformações (ROLNIK, 1989

apud JOVCHELOVICHT; PRIEGO-HERNÁNDEZ, 2013, p. 32).

Vale ressaltar que o trabalho com a territorialização pode servir como

estratégia de amenização dos conflitos sociais em nível local ou, diferentemente, ser

consonante com um projeto de universalização dos direitos, conforme a apropriação

e utilização discursiva que diferentes projetos societários e visões de proteção social

possam fazer sobre o termo à medida que visões contraditórias - entre o

assistencialismo e a cidadania - ainda se conflitam e se entrecruzam no campo da

assistência social no Brasil (PEREIRA, 2010).

Dessa forma cabe indagar como o princípio da territorialização no SUAS vem

sendo apropriado na prática social do trabalho com família? Tem sido a

territorialização um princípio de fato convergente com uma politica de garantia de

direitos? Essa apropriação tem gerado quais tipos de tensionamentos em relação ao

trabalho com famílias?

1.3.3 A função estratégica do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à

Família – PAIF

O PAIF consiste na oferta de trabalho social com famílias por meio de ações

de caráter continuado visando o fortalecimento da sua função protetiva, a prevenção

da ruptura de vínculos, a promoção dos acessos e da melhoria da qualidade de vida,

bem como potencializando o protagonismo e a autonomia.

É o principal serviço da Proteção Social Básica possuindo um papel

estratégico na oferta dessa proteção às famílias que vivenciam situações de

vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação e/ou fragilização de vínculos

e de pertencimento social, em especial famílias beneficiárias de programas de

transferência de renda e do Benefício de Prestação Continuada - BPC. Essa

priorização se explica pelo fato de que a pobreza é uma condição que afeta

sobremaneira não apenas a exposição a situações de vulnerabilidade como também

as possibilidades para o seu enfrentamento.

44

Para realizar os seus objetivos, o PAIF desenvolve atividades em quatro

eixos, articulados entre si: atividades de acolhida, atividades com famílias, atividades

coletivas/comunitárias e encaminhamentos à rede de serviços. A proposta do PAIF

é, com base na articulação dessas atividades, promover os acessos, desenvolver as

potencialidades e as aquisições e propor estratégias para o enfrentamento das

vulnerabilidades.

De acordo com a política, o trabalho social com famílias no PAIF baseia-se no

respeito à heterogeneidade dos arranjos familiares, aos valores, crenças e

identidades das famílias, no diálogo, no combate a todas as formas de violência e

discriminação. Busca fortalecer a assistência social como direito de cidadania e

trabalhar com as vulnerabilidades e potencialidades das famílias e das redes sociais.

Portanto, suas metodologias devem favorecer a reflexão sobre a situação de vida

das famílias, seus condicionantes socioeconômicos e culturais e as possíveis

estratégias de superação de vulnerabilidades, inclusive considerando-se a

diversidade sociocultural.

A democratização do acesso aos direitos socioassistenciais e o

aprimoramento permanente dos serviços socioassistenciais ofertados no CRAS

ainda devem ser garantidos por meio do estímulo à participação dos usuários nos

processos de planejamento e avaliação dos serviços da Unidade, seja mediante

realização de reuniões com os usuários ou fóruns com representantes das famílias

referenciadas e da rede socioassistencial local.

Até aqui, descrevemos os princípios e diretrizes para o trabalho social com

famílias no SUAS, tal como aparecem nos documentos oficiais até o primeiro

semestre de 2009. Entre 2009 e 2012, o MDS publica documentos novos orientando

as ações nos serviços do SUAS, em especial no PAIF. Ademais, as articulações

entre o Programa Bolsa Família e o PAIF também tiveram desdobramentos,

principalmente após o lançamento do Plano Brasil Sem Miséria.

Nota-se, a partir de então, uma preocupação por parte do MDS quanto a

avaliar a qualidade do serviço ofertado e quais os avanços seriam necessários para

a consolidação do PAIF conforme as diretrizes já explicitadas nos textos normativos.

Em 2010 é lançada a publicação “O CRAS que temos: O CRAS que

queremos – Orientações técnicas, metas de desenvolvimento do CRAS 2010/2011”

45

(BRASIL, 2010) em linhas gerais possui o intuito de colaborar para a qualificação do

PAIF tomando como base o desempenho dos equipamentos a partir das

informações do Censo CRAS9, vislumbrando a melhoria da qualidade do serviço

entregue a população, buscando uma uniformidade com os princípios e diretrizes da

politica de Assistência Social, além de reforçar a compreensão de que a oferta de

serviços depende de planejamento, organização e gestão tanto no âmbito do próprio

equipamento, mas como das secretarias municipais de assistência social.

O documento afirma que as razões de grande parte dos CRAS do país não

atingirem as metas estipuladas se correlacionam com as condições

socioinstitucionais do município, ausência de coordenador, equipes de referência

incompletas e, em sua maioria, com vínculo de trabalho terceirizado, ausência de

estrutura para viabilização das atividades, como carro para visita domiciliar, local do

equipamento afastado da população alvo e, ainda, fraca articulação entre a oferta

dos demais serviços da Proteção Básica e da Proteção Especial, como também com

os serviços das outras políticas públicas.

Na sequência a este esforço mais direto por parte do MDS em qualificar a

oferta do PAIF no país, em 2012 são lançadas duas orientações técnicas

“Orientações Técnicas sobre o PAIF – O Serviço de Proteção e Atendimento Integral

a Família segundo a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Vol. I”

(BRASIL, 2012a) e “Orientações Técnicas sobre o PAIF – Trabalho social com

Famílias do Serviço de Atendimento Integral a Família. Vol. II” (BRASIL, 2012b).

Nessas orientações percebemos o intuito de fazer dialogar os elementos de

concepção teórica referentes à família, proteção social, com as diretrizes

operacionais do PAIF, além de primeiramente apresentar a definição do que seria o

trabalho social com famílias no PAIF e a forma de organização do processo de

trabalho10.

Percebemos também o investimento por parte dos profissionais que atuam no

trabalho com famílias em compreender quais as especificidades das atuações

9 Censo que coleta informações anuais sobre o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), com

vistas ao seu monitoramento. Contém questionários sobre gestão, controle social, CRAS e Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS). As informações prestadas são de responsabilidade dos municípios, DF e estados (BRASIL,2010 p. 13). 10

Esses elementos serão explorados de forma aprofundada no capitulo 2.

46

técnicas, demonstrando que o campo discursivo onde acontece o trabalho está

repleto de tensões ainda não esgotadas, visto o significativo número de artigos

recentes que abordam o fazer profissional, principalmente do psicólogo, no

CRAS/PAIF11.

Assim, torna-se importante desenvolver pesquisas sobre o trabalho social

com famílias no SUAS, as concepções de cidadania e de proteção social presentes

nesse trabalho. Esta é a intenção do presente trabalho.

11

Para maiores informações ver: Andrade, Laura Freire de, Romagnolis, Roberta Carvalho O Psicólogo no CRAS: uma cartografia dos territórios subjetivos. Psicologia ciência e profissão., Set 2010, vol.30, no.3, p.604-619; Macedo, Joao Paulo et al. O psicólogo brasileiro no SUAS: quantos somos e onde estamos?. Psicol. estud., Set 2011, vol.16, no.3, p.479-489; Oliveira, Isabel Fernandes de et al. A prática psicológica na proteção social básica do SUAS. Psicol. Soc., 2011, vol.23; Silva, Janaína Vilares, Corgozinho, Juliana Pinto Atuação do psicólogo, SUAS/CRAS e Psicologia Social Comunitária: possíveis articulações. Psicol. Soc., 2011, vol.23, no.spe, p.12-21; Senra, Carmem Magda Ghetti and Guzzo, Raquel Souza Lobo Assistência social e psicologia: sobre as tensões e conflitos do psicólogo no cotidiano do serviço público. Psicol. Soc., Ago 2012, vol.24, no.2, p.293-299

47

1.4 Considerações finais

No presente capítulo buscamos realizar uma revisão de literatura relativa ao

diálogo e conflitos sobre o trabalho social com famílias na assistência social através

de análise da proteção social brasileira após a CF 1988 naquilo que configurou-se

como uma disputa entre dois projetos societários que influenciaram o debate sobre o

papel do Estado, da sociedade e da família na proteção social e no desenvolvimento

social.

Identificamos na literatura que diferentes visões de proteção social presentes

na PNAS e no SUAS estabelecem correlação com diferentes tipos de cidadania

atreladas com elementos ideológicos de determinada visão hegemônica de proteção

social, influenciando as práticas sociais aproximando-as ou afastando-as de uma

concepção de cidadania emancipatória.

A partir dessa problematização, buscamos analisar como a politica de

assistência social buscou se reafirmar como politica de promoção de direitos

rompendo com o paradigma do assistencialismo vigente antes da CF 1988, com

especial ênfase para os princípios da matricialidade sócio- familiar e territorialização,

destacando as vicissitudes relativas ao papel fundante que ambas ocupam no SUAS

e, especialmente, no PAIF.

Nesse debate, as concepções de cidadania e participação ocupam posição

crucial, levando-nos a tentar compreender como são integradas ao trabalho social

com famílias, hoje, no PAIF. É o que a nossa pesquisa tentará apresentar a seguir.

48

2 DIÁLOGOS E CONFLITOS NO CAMPO DISCURSIVO DA ASSISTÊNCIA

SOCIAL: UM ESTUDO SOBRE O TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS NO PAIF

2.1 Introdução

Este capítulo apresenta uma pesquisa, desenvolvida em 2013 e 2014, cujo

objetivo geral foi analisar o campo discursivo sobre o trabalho social com famílias no

Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), no Centro de

Referência da Assistência Social (CRAS) do Sistema Único da Assistência Social

(SUAS).

Pesquisando dois CRAS de Belo Horizonte, buscamos compreender e

analisar os tensionamentos ali existentes em torno de concepções e práticas

relativas à proteção social, à cidadania e às condições socioinstitucionais para

efetivação das diretrizes nacionais para a realização do trabalho social com famílias.

Nessa perspectiva, buscamos também analisar como tais concepções estão

interligadas a visões de proteção social que se confrontam no contexto da sociedade

brasileira após a Constituição Federal de 1988.

No primeiro capítulo desta dissertação, explicitamos o debate teórico que

ofereceu fundamentação para a pesquisa. Assim, neste capítulo, passamos à

explicitação de nossa metodologia e à análise dos dados.

49

2.2 Metodologia

Para a análise do trabalho social com famílias no PAIF, levamos em

consideração a sua materialidade do ponto de vista social e histórico. Isto é, como

se organizam, na relação com as diretrizes da política, as condições de produção e

a ação dos sujeitos que reproduzem e produzem esse trabalho no cotidiano de sua

práxis social. Assim, o método de análise que orienta este capítulo é o materialismo

dialético, escolhido porque “caracteriza-se pelo movimento do pensamento através

da materialidade histórica da vida dos homens em sociedade, isto é, trata-se de

descobrir (pelo movimento do pensamento) as leis fundamentais que definem a

forma organizativa dos homens durante a história da humanidade” (PIRES, 1997,

p.87), porém atualizado pelas discussões contemporâneas sobre a análise do

discurso, conforme veremos abaixo.

Em relação à metodologia de investigação, a pesquisa se organiza como um

estudo de caso que, segundo Yin (2001), possibilita o estudo de forma aprofundada

e empírica de uma dada realidade social buscando informações relevantes obtidas

por meio da vivência e experiência dos envolvidos com a questão problema que nos

propomos a investigar.

Permite uma investigação para se preservar as características holísticas e significativas dos eventos da vida real – tais como ciclos de vida individuais processos organizacionais e administrativos, mudanças ocorridas em regiões urbanas, relações internacionais e a maturação de alguns setores (Yin, 2001, p.21).

A validade de tal metodologia se justifica, segundo Yin (2001, p. 24), nas

situações em que as questões a serem respondidas são do tipo “como?” ou “por

quê?”, ao pouco controle sobre os eventos sociais e por ser o fenômeno em análise

complexo e contemporâneo.

Contudo vale destacar que o estudo de caso em questão refere-se ao campo

discursivo no qual o trabalho social com famílias no Serviço de Proteção e

Atendimento Integral à Família (PAIF), sendo este composto pelos (a) documentos

referentes às diretrizes nacionais sobre o serviço, (b) as condições

50

socioinstitucionais locais para a implementação do serviço e (c) o discurso e a

prática das equipes que desenvolvem o trabalho social com famílias no PAIF.

Elegemos para a análise do material coletado a abordagem da Análise de

Critica Discurso (ACD) desenvolvida por Norman Fairclough (2001), que considera

que o discurso está associado a uma prática social e, como tal, é espaço de lutas

hegemônicas repletas de contradições e tensões de poder. Nas palavras do autor:

O discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem: suas próprias normas e convenções, como também relações identidades e instituições que lhe são subjacentes. O discurso é uma prática, não apenas de representação, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado (Fairclough, 2001, p. 91).

Por discurso Fairclough (2001) compreende ser “o uso da linguagem como

forma de prática social e não como atividade puramente individual ou reflexo de

variáveis institucionais” (FAIRCLOUGH, 2001 p.91). A compreensão do discurso

como prática social requer a compreensão de que ele está historicamente situado

sendo “construído socialmente e constitutivo de identidades sociais, relações sociais

e sistema de conhecimento e crenças” (RESENDE, 2011 p.26).

Diante da relação dialética entre sociedade e discursos o modelo

tridimensional da teoria social do discurso de Fairclough (2001) considera três

dimensões para a análise, a saber: (a) o texto propriamente dito, nos seus aspectos

de vocabulário, gramática e estrutura textual, (b) a prática discursiva enquanto

produção, distribuição, consumo, contexto, coerência e intertextualidade e

finalmente (c) prática social transversalizada pelo jogo de ideologias e hegemonias.

Portanto a análise critica discursiva compreende o texto, a prática discursiva e

a práticas sociais manifestas através das (1) funções identitárias, ou ideacionais que

se relacionam ao modo como as identidades sociais são estabelecidas nos

discursos, (2) a função relacional a como as relações sociais entre os participantes

são negociadas durante o discurso e a (3) função acional como a forma em que

esses discursos se apresentam enquanto prática social em um movimento altamente

complexo, não linear e dialético (FAIRCLOUGH, 2001).

51

Segundo Maingueneau (1993), o discurso caracteriza o uso dos recursos

expressivos (ou seja, a linguagem) de uma língua para produção de sentido entre

interlocutores. Enquanto a língua se constitui em uma rede de propriedades formais,

a linguagem é que permite que se produza sentido para os sujeitos em interação a

partir de lugares sociais e operando uma estratégia de interlocução dentro do

contexto sócio histórico. Como “discurso”, desta maneira, assume um significado

muito amplo, Maingueneau (1993) propõe o enfoque das “formações discursivas”,

caracterizando o corpus das enunciações que foram produzidas a partir de

determinada posição sócio histórica onde os falantes individuais são substituíveis e

que podem ser relacionados a um quadro institucional que delimita a enunciação, a

conflitos sociais e históricos cristalizados e a um espaço próprio no exterior de um

interdiscurso limitado (um espaço próprio na confrontação dos discursos existentes

em um dado contexto sócio histórico). A presente análise adota esta referência,

buscando compreender as “formações discursivas” que podem ser mapeadas no

campo discursivo constituído pelas diretrizes, as condições de produção e as

práticas de trabalho social com famílias no PAIF.

Assim, a análise de discursos presentes no contexto sócio histórico engloba

as articulações entre a sua emergência, seus conteúdo e condições de produção.

Busca-se estudar as relações entre: (a) quem enuncia (pessoas/grupos/instituições),

(b) a partir de que lugares enuncia, e (c) que discursos são enunciados

(FOUCAULT, 1970; MAINGUENEAU, 1993, p. 53-54).

Sendo a relação com o outro o fundamento de toda discursividade, considera-

se o discurso sempre como um discurso para outro. Isso significa não apenas que

todo falante está em relação com outro falante, mas também que todo discurso está

em relação com outro discurso. Essa relação constitui a interdiscursividade. O

estudo da “interdiscursividade” é o discurso das relações entre discursos diferentes

no contexto social, mas que estão em constante interação, ora se apoiando ora se

contrapondo. Todo discurso é enunciado por grupos sociais e o estudo da

interdiscursividade abrange a relação entre estes grupos (MAINGUENEAU, 1993).

A interação entre discursos pressupõe um processo de “tradução”, ou seja,

uma reinterpretação de um nas categorias do outro, processo que muitas vezes é

conflitivo e expressa diferentes interesses sociais. Esse processo de tradução entre

52

discursos pressupõe um movimento de negação e reapropriação pelo qual cada

discurso busca preservar sua identidade, em constante polêmica. A polêmica de um

discurso pode ser analisada através de seus “pontos e temas fundamentais”. Pode-

se mostrar como a polêmica aparece, em que se sustenta e o que vem instaurar.

Pode-se, ainda, analisar os pontos de semelhanças e diferenças entre as duas

formações discursivas que polemizam entre si: como a sua identidade se sustenta

sobre essas diferenças e contrastes (MAINGUENEAU, 1993).

Entretanto, gostaríamos ainda de chamar atenção para o fato de que o campo

discursivo aqui analisado tem uma vinculação sócio histórica bastante específica:

trata-se de uma política pública, seu aparato e suas práticas. Assim, é preciso refletir

sobre como a especificidade do discurso deve nos orientar sobre a metodologia de

análise dessa pesquisa.

Para tal, trabalharemos com o referencial colocado por Fairclough (2001):

O discurso como prática ideológica, constitui, naturaliza, mantém e transforma os significados do mundo de posições diversas nas relações de poder como dimensão de exercício do poder e da luta pelo poder (FAIRCLOUGH, 2008, p. 94).

A análise crítica do discurso se diferencia da análise clássica de conteúdo por

sua concepção de linguagem, de sujeito e da própria relação entre o sujeito, o

discurso e o conhecimento. Embora autores como Maingueneau e Fairclough

tenham feito uma crítica ao positivismo que caracteriza a análise de conteúdo

clássica, eles também se perguntaram como poderiam desenvolver uma

metodologia para a análise crítica do discurso. Maingueneau apontou a importância

do trabalho com o nível semântico e sintático do texto identificando termos chave e

formas de expressão que possam conotar e denotar, de maneira implícita e explícita,

sentidos que são produzidos no contexto social e histórico.

A compreensão do discurso como prática social significa perceber que o

mesmo se dá de forma dialética entre os ambientes econômicos, políticos e

institucionais nos quais se insere. A investigação sobre as concepções de diversos

atores e em diferentes níveis permite delimitar um campo discursivo onde essas

53

diversas posições dialogam ou conflitam configurando um tensionamento, ou ainda,

uma disputa sobre a prática de trabalho social com famílias no PAIF e mostrando o

seu afastamento ou aproximação dos objetivos da promoção de direitos e ampliação

da cidadania.

Sendo assim o estudo de caso apresentado neste capítulo tem como objeto o

campo discursivo no qual o trabalho social com famílias no PAIF se processa, as

concepções de proteção social, cidadania e família presentes na prática social dos

agentes que o operacionalizam e como esses discursos, enquanto práticas sociais

contribuem para a construção da sociedade à medida que representam concepções

políticas e ideológicas, em um movimento dialético produzido pelos elementos

linguísticos do discurso e os elementos da prática social.

Primeiramente, realizamos a sistematização e análise dos principais

documentos do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS),

naquilo que se refere ao Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família

(PAIF) no período de 2004 a 2012, período este justificado por abranger, até o

presente momento, a produção de materiais de referência e orientação técnica

oficial sobre o referido serviço. Conforme quadro 01 abaixo:

54

Quadro 01 - Documentos utilizados para a análise documental

Nome dos documentos analisados

Conteúdo dos documentos analisados

Siglas utilizadas para os documentos

Lei 8742/1993 - Lei Orgânica de Assistência Social

Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências

Doc. 1

Política Nacional de Assistência Social – PNAS, (2004);

Dispõe sobre os princípios e diretrizes da Política de Assistência Social

Doc.2

Norma Operacional Básica -NOB/SUAS (2005)

Dispõe sobre a divisão de competências e responsabilidades entre as três esferas de governo; os níveis de gestão de cada uma dessas esferas; as instâncias que compõem o processo de gestão de cada uma dessas esferas; as instâncias que compõem o processo gestão e controle desta política e como elas se relacionam; a nova relação com as entidades e organizações governamentais e não governamentais; os principais instrumentos de gestão a serem utilizados; e a forma da gestão financeira, que considera os mecanismos de transferência, os critérios de partilha e de transferência de

recursos.

Doc.3

Orientações para o Dispõe sobre as Doc.4

55

acompanhamento das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família no âmbito do Suas.(2006);

possibilidades de interface metodologica entre o Programa Bolsa Família e o Serviço de Proteção e Atendimento Integral a Família.

Orientações Técnicas: Centro de Referência de Assistência Social – CRAS (2009);

Apresenta subsídios para o funcionamento do CRAS no país a partir da análise dos resultados do Monitoramento SUAS - Censo CRAS.

Doc.5

Protocolo de Gestão Integrada de Serviços, Benefícios e Transferências de Renda no âmbito do Sistema Único de Assistência Social - SUAS (2009);

Estabelece procedimentos necessários para garantir a oferta prioritária de serviços socioassistenciais para as famílias do Programa Bolsa Família, do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e do Benefício de Prestação Continuada, especialmente das que apresentam sinais de maior vulnerabilidade.

Doc. 6

Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (2009);

Apresenta uma matriz padronizada da oferta de serviços no Sistema Único de Assistência Social

Doc. 7

O CRAS que temos: O CRAS que queremos (2010);

Apresenta análises relativas às metas de desenvolvimento dos CRAS que, por sua vez, contribuem para a evolução do Índice de Desenvolvimento dos CRAS em todo o Brasil com o intuito de colaborar para a qualificação do PAIF,

Doc. 8

56

além de reforçar a compreensão de que a oferta de serviços depende de planejamento, organização e gestão.

Orientações Técnicas sobre o PAIF. Vol. 1. Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (2012)

Objetiva-se aprofundar o conhecimento sobre o conteúdo da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, em relação ao Serviço de Proteção e Atendimento Integral a Família.

Doc. 9

Orientações Técnicas sobre o PAIF. Vol. 2. Trabalho Social com Famílias do Serviço de Proteção e Atendimento. Integral à Família – PAIF (2012);

Dispõe sobre os objetivos e a estrutura do serviço, suas ações e formas de implementação e as metodologias, pautando-se em conceitos e diretrizes estabelecidos nas normativas vigentes e pesquisas realizadas sobre os temas abordados.

Doc.10

Norma Operacional Básica – NOB/SUAS (2012).

Dispõe sobre as novas estratégias de financiamento e gestão, a partir dos blocos de financiamento, apresenta a pactuação de prioridades e metas, um novo modelo de cooperação entre os entes e a valorização da informação, do monitoramento e planejamento.

Doc.11

Fonte: Elaboração do autor

57

Em um segundo momento, foram escolhidos dois CRAS/PAIF do município

de Belo Horizonte para observação sistemática e realização das entrevistas. Foram

considerados como sujeitos eleitos para essa pesquisa dois gestores da Secretaria

Municipal Adjunta de Assistência Social, sendo um sociólogo e um pedagogo, dois

coordenadores de CRAS, um psicólogo e um assistente social e dois técnicos que

atuam diretamente nas equipes de referência do PAIF, com formação em serviço

social, totalizando 06 sujeitos de pesquisa.

Neste ponto vale ressaltar que o cenário institucional do município de Belo

Horizonte-MG apresentou implicações na coleta de dados, uma vez que devido ao

concurso público de 2012, que na época da pesquisa estava em andamento, para o

cargo de Analista de Politicas Públicas/Assistente Social e Psicólogo os profissionais

das equipes de referência estavam em fase de transição. Foi feita a opção por

considerar sujeito da pesquisa apenas aqueles profissionais que já atuavam na

assistência social, sendo os profissionais novos, isso é recém-nomeados no

concurso, desconsiderados enquanto sujeitos. Essa medida se justificou devido à

multiplicidade de perfis profissionais que emergiam e que não necessariamente

possuíam atuação no campo discursivo em questão, fato que poderiam

comprometer a coleta dos dados12.

Como forma de ampliação do corpus de análise do campo discursivo em

questão, utilizamos a triangulação dos seguintes técnicas para apreender as

características do discurso: (a) a análise de documentos, (b) a entrevista semi-

estruturada e (c) a observação sistemática. A triangulação de métodos nas

pesquisas sociais se justifica segundo Minayo (2006) porque se mostra capaz de

agregar os múltiplos pontos de vistas para a compreensão das relações envolvidas

no presente campo discursivo.

12 Vale ressaltar que a ascensão de profissionais concursados no campo de uma política pública nova

e que precisa se reafirmar como tal é salutar e demonstra avanços. Certamente futuras pesquisas debaterão o impacto e as tensões produzidas nesse campo em decorrência da chegada de novos profissionais concursados. A consolidação do SUAS, que até então vinha sendo desenvolvidas por profissionais terceirizados, estará a cargo de um novo grande contingente profissional (cerca de 500 novos profissionais entre Assistentes Sociais e Psicólogos somente no município de Belo Horizonte - MG).

58

A análise documental enquanto técnica de pesquisa assemelha-se muito à

pesquisa bibliográfica, porém não deve ser confundida com ela. A pesquisa

bibliográfica utiliza-se fundamentalmente das contribuições dos diversos autores

sobre determinado assunto, enquanto a pesquisa documental utiliza-se de materiais

que não receberam tratamento analítico (GIL, 1991). No presente capítulo essa

técnica de coleta de dados ganha especial relevância, pois ao analisarmos os

documentos oficiais do MDS no período de 2004 a 2012 buscamos a compreensão

das formações discursivas oficiais sobre o trabalho social com famílias no PAIF.

Uma vez coletado o discurso oficial sobre o trabalho social com famílias

buscamos a aproximação com o discurso produzido na prática pelos profissionais

das equipes de referência do PAIF através da entrevista semi-estruturada. Esse tipo

de entrevista mescla perguntas abertas e fechadas possibilitando maior flexibilidade

e certo aprofundamento sobre a temática. As principais vantagens desse tipo de

entrevista encontram-se na sua flexibilidade e adequação ao entrevistado, pois à

medida que o entrevistador introduz a temática de forma geral e vai conduzindo a

conversação de acordo com seu roteiro as informações fluem de forma espontânea

e participativa como em uma conversa informal (MINAYO, 2006). Essas

características da técnica de entrevista semi-estruturada se mostram muito ricas

para a análise do discurso, pois permitem perceber estratégias de construção

simbólica do discurso sobre o trabalho social com famílias que emerge na fala dos

profissionais. O roteiro para a entrevista encontra-se no apêndice B dessa

dissertação.

Finalmente a terceira técnica, a observação sistemática (ver roteiro no

Apêndice C), também foi utilizada por constituir-se em uma importante oportunidade

para conhecer os fatos diretamente sem qualquer intermediação (GIL, 1991). No

presente estudo de caso observar como acontece a prática profissional imediata do

trabalho social com famílias é de grande valia para compreender as aproximações

e/ou afastamentos que a mesma possui com os objetivos oficiais, a construção

ideacional e a ação propriamente dita.

A atividade escolhida para a observação sistemática foi uma oficina com

ênfase na convivência realizada semanalmente com famílias com pessoas com

59

deficiência, que possui uma participação média de 10 famílias com duração de uma

hora.

A partir da triangulação dessas três técnicas buscamos contemplar as

interações entre o discurso e a prática social, demonstrando o que Fairclough (2001)

nomeia de significado identificacional ou ideacional, o significado representacional e

o significado acional. Ao analisar o presente campo discursivo buscamos descrever

o movimento dialético segundo o qual as diversas posições do discurso se afastam

ou se aproximam de um foco específico: os objetivos da promoção de direitos e

ampliação da cidadania.

Foram eleitas as seguintes categorias para análise:

Categoria de análise 1: Concepções expressas sobre Proteção social,

cidadania e família;

Categoria de análise 2: Bases e condições socioinstitucionais para a

realização do trabalho social com famílias;

Categoria de análise 3: Interconexoes entre as diretrizes nacionais, as

condições locais existentes e a pratica do TSF no PAIF. Consensos e conflitos no

debate sobre o TSF;

Em cada uma dessas categorias, será discutida a presença das visões de

proteção social de desenvolvimento econômico, humano e social bem como a

identificação do paradigma assistencialista e/ou o paradigma da garantia de direitos,

conforme abordado no capitulo de discussão teórica dessa dissertação.

2.2.1 Aspectos éticos

Esta pesquisa se submeteu a análise e deliberação do Comitê de Ética em

Pesquisa do Centro Universitário UNA (CEP/UNA). Sendo devidamente aprovada

em abril/2013 e a coleta de dados só foi iniciada após geração CAAE

13839513.7.0000.5098.

Conforme as deliberações da Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012,

do Conselho Nacional de Saúde, esta pesquisa seguiu todos os aspectos éticos

envolvendo seres humanos e resguardou os sujeitos, garantindo o anonimato e a

60

confidencialidade dos dados no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(Apêndice D e E).

61

2.3 Resultados e análise dos dados

A discussão de dados apresentadas nesta seção objetiva identificar os pontos

de tensionamento em relação ao trabalho social com famílias no serviço do PAIF

dada a sua substancial relevância dentro do Sistema Único de Assistência Social

que notoriamente vem buscando implantar uma mudança paradigmática na forma

como o campo da assistência social vem sendo concebido neste país. As análises

produzidas visam contribuir para a ampliação do debate na politica de assistência

social na medida em que ainda se identificam a presença de tensões entre projetos

societários distintos que interferem no fortalecimento do seu caráter de politica

publica estatal e estratégica focada na garantia de direitos e ampliação da cidadania

de indivíduos, famílias e territórios.

2.3.1 Categoria de análise 1: Concepções expressas sobre Proteção

Social, Família e Cidadania

Nesta categoria foram investigadas quais as concepções de proteção social,

cidadania e família estão presentes no campo discursivo do trabalho social com

famílias no PAIF e quais suas prováveis causas e impactos na prática social.

2.3.1.1Proteção Social

Conforme debatido anteriormente ao buscarmos analisar as concepções

presentes no campo discursivo em questão sobre proteção social nosso objetivo foi

identificar possíveis dissensos e consensos em torno do termo à medida que estes

podem influenciar o trabalho com familiais no PAIF.

A primeira tensão identificada refere-se ao papel da assistência social na

proposta de ampliada de proteção social e para demonstra-la apresentamos os

fragmentos a seguir:

A LOAS cria uma nova matriz para a política de assistência social, inserindo-a no sistema do bem-estar social brasileiro concebido como campo de

62

seguridade social configurando o triangulo juntamente com a saúde e a previdência social. A inserção na Seguridade Social aponta, também, para seu caráter de política de Proteção Social articulada a outras políticas do campo social, voltadas à garantia de direitos e de condições dignas de vida (Doc. 03 p.31, grifo nosso).

E ainda conforme expressado na fala do entrevistado:

“A minha concepção de proteção social... ela vai um pouco além da assistência social. Eu acho que engloba diversas políticas públicas. Então engloba saúde, educação, assistência social. As políticas sociais de uma forma geral e porque não, urbanas também” (Coordenador 02, grifo nosso).

O expresso nos fragmentos em tela explicita que a assistência social é parte

integrante de um desenho de proteção mais abrangente. Ainda que a assistência

social se apresente como um dos pilares de sustentação do modelo de seguridade

social, conforme proposto pela Constituição Federal de 1988, poderíamos considerar

que, na atualidade, esse tripé deveria ser constituído de mais hastes, além da

assistência, saúde e previdência social, uma vez que outras políticas sociais se

fazem necessárias para o enfrentamento da realidade vivenciada.

A proteção social, portanto é um conceito histórico e dialeticamente

construído em relação às pressões e necessidades apresentadas pela sociedade. A

proposta de proteção representada pela CF. 1988 apresentava-se como relevante

diante de um cenário em que a proteção do Estado era reduzida e não universal,

vinculada a um determinado modelo de contribuição, portanto universalizada

(SPOSSATI, 2009). Atualmente, a concepção avança na medida em que para se

garantir direitos, é necessário prover um conjunto mais amplo de acessos em

conexão com outras políticas públicas.

A argumentação discursiva identificada aqui é a de que a proteção social

deve ser encarada como uma oferta pública de políticas sociais relacionadas não

apenas à área da assistência social. Contudo explicita-se uma tensão tácita entre as

definições de proteção social e assistência social identificadas tanto no texto oficial

da politica como na fala dos sujeitos entrevistados.

Segundo Di Giovanni (1998:10), entende-se por Proteção Social as formas “institucionalizadas que as sociedades constituem para proteger parte ou o

63

conjunto de seus membros. Tais sistemas decorrem de certas vicissitudes da vida” (Doc. 03 p, 31).

Notamos que quando o texto oficial da politica apresenta outra voz na

proposição argumentativa, ele está recorrendo a uma estratégia denominada de

intertextualidade. A intertextualidade pode ser definida como o processo de

construção de sentidos através de outros textos. Para Ramalho (2011), a

“intertextualidade é a combinação da voz de quem pronuncia um enunciado com

outras vozes que lhe são articuladas” (REZENDE, 2011 p. 65).

Segundo Fairclough (2001), a estratégia de mesclar discursos técnicos e não

técnicos como marcadores de autoridade busca solidificar uma posição discursiva

emergente, no caso a nova concepção de proteção social. Esse processo é

fundamental para que novas hegemonias se estabeleçam encontrando apoio no

embate dos discursos sociais (FAIRCLOUGH, 2001, grifo nosso).

Resende (2011) afirma que textos (aqui tomados de uma forma geral) são

partes de eventos sociais e como tal possuem efeitos causais que produzem

mudanças de crenças, atitudes e valores. Quando, na voz da política, um texto

oficial utiliza-se do recurso da citação acadêmica para compor a definição ‘oficial’ de

proteção social, o objetivo é buscar através de estratégias de uso de outra

autoridade (a científica), consolidar o poder de uma visão, isto é, um novo consenso.

Essa é uma estratégia utilizada com recorrência nos textos oficiais do MDS

principalmente nos Doc. 02; Doc.03, Doc.09; Doc.10. Dessa forma o conceito de

hegemonia, enfatiza a importância da ideologia no estabelecimento e na

manutenção da dominação, na medida em que hegemonias são relações de

dominação baseadas mais no consenso do que na coerção (RESENDE, 2011).

Podemos supor que o efeito esperado com essas estratégias argumentativas,

o uso de vozes científicas, busca reforçar uma ruptura com o paradigma anterior de

proteção social, vinculado a esquemas contributivos e parca presença Estatal.

Consideramos que esse objetivo foi alcançado, porém, a reboque, produziu um

segundo efeito na prática social no campo da Assistência Social, efeito este que se

manifestou em certa aglutinação na compreensão de que a assistência social seria

ela mesma a responsável pela proteção social, em vez de ser uma das políticas

64

componentes do sistema de proteção social mais amplo e de responsabilidade do

Estado, como expressa o trecho de entrevista a seguir:

“Então proteção social está ligada à segurança que a gente dá à família, que em determinado momento está vivendo uma situação de vulnerabilidade e essa proteção pode ser num caráter mais básico, de acordo com o que está posto… se a gente for pensar na legislação, onde você tem ainda condições de resgatar, dentro da própria família, situações onde essa família consegue se fortalecer para sair de situações de vulnerabilidade que ela se encontra ou então você vai precisar de outras ajudas, vamos pensar assim,... de outras diretrizes onde essa proteção precisa ter um acompanhamento mais sistemático. O que ela vai ter??? Talvez num nível de uma proteção especial, um acompanhamento mais sistemático àquela família, ainda tentando resgatar vínculos mínimos, ou então o estado vai ter realmente que entrar numa proteção, quando a família não dá mais conta de proteger os seus membros vulneráveis, digamos assim” (Coordenador 01, grifos nossos) .

O fragmento acima apresenta-se relativamente confuso em relação ao

conceito e demonstra que há uma simbiose entre proteção social, conceito mais

amplo, com o lógica de proteção estabelecido na PNAS em níveis de organização

do Sistema Único de Assistência Social (Proteção Social Básica e Proteção Social

Especial). Essa simbiose não seria preocupante se não fosse pelo fato de que a

proteção social exige articulações complexas e, dessa maneira, não poderia ser

operacionalizada apenas por uma única politica pública.

Fundamental é reconhecer que a complementariedade entre as políticas é

amplamente apresentada no texto legal – dimensão ideacional do discurso. Porém,

como explicitado no fragmento de entrevista, ou seja, no campo relacional do

discurso, o ator se confunde, sendo essa confusão justificada tacitamente no próprio

texto legal que não explicita a diferenciação entre proteção social e proteção social

de assistência social.

Como efeito dessa ‘confusão’ discursiva a noção de complementariedade

entre as politicas se esvai entre a teoria e a prática, pois os profissionais acabam

atribuindo a responsabilidade de intervenção apenas à assistência social. Essa

polêmica discursiva gera efeitos no cotidiano das práticas de trabalho social com

famílias na medida em que produzem ações descoordenadas com as demais

políticas públicas.

65

“É muito bonito no papel. Colocar no papel como que tem que ser feito, o que é direito... Mas, no efetivo, mesmo, como que eu vou fazer… um exemplo, é disponibilizado para as famílias que fazem parte de um projeto que para ela vai ser dado a garantia de ter vaga de zero a seis anos… de zero a dois… se ela tiver um filho de zero a dois anos, precisando de vaga na UMEI, pode vir até uma carta do conselho tutelar, do juizado, que ela não vai ter, porque não tem vaga. É pouca UMEI. Não adianta, não tem vaga. Eu falo com elas, eu oferto para elas, eu falo com elas: olha, você vai ter direito, vai ter prioridade numa vaga de uma consulta. Não tem, porque tem uma lista. Tem uma norma que tem que ser seguida” (Técnico 01).

Um outro ponto relevante na análise dos dados refere-se a afirmações

expressas nos discursos em relação à correlação entre proteção e oferta/garantia de

seguranças sociais básicas aos cidadãos:

A LOAS (1993) apresenta em seu primeiro artigo a finalidade da assistência

social e a sua entrega no campo da assistência social e neste ponto gostaríamos de

chamar atenção para a expressão ‘mínimos sociais’.

Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (Doc. 01, p.1).

Lembrando que a dimensão de produção textual é relevante à análise,

ressaltamos que o cenário institucional no qual a LOAS (1993) foi promulgada

estava fortemente influenciado pelas disputas entre o projeto neoliberal o e projeto

democrático de Estado. Onde a discussão de ‘mínimos’ se fazia em relação à

ausência do Estado em relação à proteção do cidadão.

Um longo e expressivo debate acadêmico em relação aos mínimos sociais é

encontrado em Spossati (1997), Pereira (2002) e Yasbeck, (2004) e o nosso

interesse nesse termo diz respeito a influência que ele possui dentro da formulação

de politicas públicas e ampliação da cidadania, ora, por trás da noção de patamares

mínimos aceitáveis parece haver tacitamente nesse discurso, uma visão de proteção

social que associa apenas garantias mínimas de sobrevivência aos indivíduos, como

alimentação, moradia e vestuário, sendo a perspectiva de garantia de direitos,

apresentada de forma secundaria.

Podemos nos indagar se essa concordância tácita em relação ao termo se

daria em direção a uma visão neoliberal de desenvolvimento ou se representaria

66

uma dificuldade de aproximação e articulação maior com o paradigma da garantia

de direitos? Acreditamos que ambas as hipóteses se apresentam no debate, uma

vez que no contexto politico em questão havia grande influência das concepções

neoliberais sobre proteção estatal que tensionavam a emergência do paradigma de

direitos enquanto projeto societário no inicio dos anos de 1990.

Nesse caso, os mínimos sociais, poderiam ser encarados como elementos

associados à constituição de um cidadão “mínimo”, para quem apenas os direitos

básicos deveriam ser garantidos. O debate em questão concentra-se na interface

com a noção de que a cidadania não representa apenas o consumo de direitos

prontos e sim a invenção, a conquista de novos direitos. O discurso da emancipação

social proposto pelo paradigma da cidadania emancipatória, rejeitaria a noção de

mínimos sociais, na verdade ampliaria a discussão incorporando outros elementos

na medida em que pensar em ‘mínimos’ em relação a direitos já conquistados se

correlacionaria apenas a uma referência quanto ao financiamento e padrão de ação

técnica a ser estabelecido.

Contudo ainda que haja uma justificativa histórica para o uso do termo, e que

ele possua historicamente determinadas tensões que procuraram ser rebatidas ao

longo dos anos, as contradições que ele representa podem ainda ser identificadas

nas falas dos entrevistados quando expressam a finalidade da assistência social:

“Acho que é o processo de você garantir os mínimos para a população que a gente atende. Levando em consideração a vulnerabilidade que a família está, a área em que ela reside, território em que ela reside” (Técnico 02, grifo nosso).

Podemos inferir que a análise desse corpus discursivo demonstra que há uma

contradição histórica nessa noção de proteção social, pois a proteção se faria

presente somente em situações extremas e para determinada parcela da população

– ‘para quem dela precisar’ a contradição está posta no sentido de que os direitos

sociais precisam ser assegurados a todos os cidadãos e essa contradição se

materializa em aproximação aos conceitos de cidadania tutelada e assistida

conforme proposto por Demo (1995).

Por mais que o discurso da assistência social pós CF 1988 rebata essa noção

de residualidade das politicas públicas e de ação pontual, percebe-se que os

67

elementos do paradigma anterior ainda se fazem presentes, tensionando a

argumentação discursiva expressa pelos fragmentos de discursos em tela, uma vez

que se identifica uma disputa ideológica entre subalternidade e a emancipação, o

que causa um efeito de sustentação das relações de dominação na prática social do

trabalho com famílias.

Dessa forma o trabalho social com famílias, enquanto expressão da prática

social relativa a um determinado discurso, estaria pressupondo um cidadão mínimo,

naquilo que Thompson (1995 apud Resende, 2011), considera ser os elementos

estratégicos de construção simbólica de ideologias de dissimulação, em que

relações de dominação são obscurecidas através do uso do deslocamento

contextual e da eufemização da expressão “mínimos sociais” (RESENDE, 2011).

Podemos concluir que as concepções de proteção social presentes nesse

campo discursivo apresentam dois tensionamentos expressivos, a saber:

(1) uma redução da proteção social ao campo da politica de assistência social e (2)

uma visão de proteção social que produz uma cidadania ‘mínima’.

Por que é relevante explicitar esses tensionamentos? Ora, ainda que, no

campo ideacional do discurso, os tensionamentos não se apresentem de forma

clara, na sua dimensão representacional eles se instalam como uma poderosa

indução de fragmentação das práticas.

Conforme já explicitado, esses tensionamentos aparecem dentro de uma

prática discursiva. Na prática dos profissionais em campo, que buscam romper com

um paradigma anterior, há uma expressiva intenção em realizar o paradigma da

garantia de direitos. Entretanto, ele não consegue se desenvolver dada à ausência

de condições objetivas para tal, o que pode gerar uma postura de pragmatismo, na

qual os sujeitos tanto podem se guiar pela descrença quanto pelos esforços para

fazer acontecer, dentro das condições possíveis, pelo menos parte das propostas da

política de direitos.

É importante também observar que, neste hiato, pode acontecer a

emergência do paradigma anterior, mesmo que não explicitamente, pois ainda são

travadas lutas ideológicas, sustentando e produzindo novas polêmicas diante da

produção, reprodução e transformação de práticas de dominação. Além disso, à

medida que o paradigma emergente da garantia de direitos procura se firmar no

68

campo discursivo da assistência social, ele também produz suas próprias

contradições.

Dessa maneira em relação à categoria proteção social foi identificada a

presença de tensões em relação aos paradigmas assistencialista e de promoção de

direito à medida que elas representam um embate mais significativo nas dimensões

relacionais e acionais do discurso sobre o trabalho social com famílias. E, ainda, que

exercem influência em relação à compreensão da especificidade e da

complementariedade da assistência social no campo das politicas públicas, bem

como em uma relação ambivalente entre a visão de desenvolvimento humano e a

visão de desenvolvimento social, conforme debatido no capitulo 1.

2.3.1.2 Família

A relevância da categoria de análise ‘família’ se assenta no fato de que a

mesma ganha centralidade no desenho das políticas públicas, em especial na

politica de assistência social, que possui como um dos seus princípios básicos a

matricialidade sociofamiliar13 Dessa forma ao analisarmos o texto legal nos

deparamos com uma concepção de família que apresenta influência da antropologia,

sociologia e psicologia social, na sua definição:

[...] grupos de pessoas com laços consanguíneos e/ou alianças e/ou de afinidades, cujos vínculos circunscrevem obrigações recíprocas, e está organizada em torno de relações de gênero e de geração (Doc.03 p. 90).

A noção de família adotada no texto da politica de assistência social busca

dialogar com diversas disciplinas por tratar-se de um conceito complexo e que como

tal possui enormes implicações empíricas, incorporando a ele parte do debate

acadêmico conforme já salientava Bruschini (1989). Essa definição de família media

certo consenso entre a dimensão teórica e as diretrizes para o trabalho social à

medida que, no campo das políticas públicas, a eleição da família como elemento

chave de intervenção, demanda uma definição o mais abrangente possível uma vez

que a família ganha status de sujeito de direito. Essa proposição discursiva foi

13

Conforme já debatido no primeiro capitulo.

69

amplamente incorporada pelos atores sociais como demonstram os fragmentos a

seguir:

“[...] família hoje é todas aquelas pessoas que por laços, seja por afetividade, seja por laço consaguíneos, estão vivendo num determinado local. Estão sob o mesmo teto, uma mesma residência, então isso vai ser o conceito básico de família” (Coordenador 01).

E ainda,

“Então, família eu acho que é um núcleo de convivência de pessoas que tem vinculo afetivo. E que esse vinculo afetivo, ele é, não necessariamente, pessoas têm que morar no mesmo domicílio para ser uma família” (Coordenador 02).

Os dois fragmentos acima apresentam semelhanças na definição sobre

família, contudo há um tensionamento que precisa ser explicitado em relação à

família e grupo domiciliar. Ao nomear a família não podemos nos referir apenas às

pessoas no mesmo domicilio, pois existem dimensões do vínculo afetivo, social e

politico que ultrapassam os muros da residência. Ainda que a abertura no conceito

de família seja um avanço considerável no campo discursivo em debate, algumas

outras questões sobre tipos e qualidades dos vínculos emergem no debate.

Principalmente em relação às dimensões jurídicas e sociais dos vínculos conforme

problematizado em PBH, (2007).

Os fragmentos das entrevistas demonstram consistente incorporação por

parte dos atores sociais sobre as multipossibilidades de arranjos familiares, contudo

alguns pontos merecem reflexão:

O primeiro deles estaria relacionado a um efeito discursivo de aparente

consenso sobre a categoria família. O contexto sociohistorico no qual se assenta o

conceito e a ruptura com o paradigma de família nuclear burguesa possibilitaram

certo grau de compartilhamento e repetição do conceito. Essa cooperação discursiva

em torno da categoria família representaria um posicionamento ideológico dos

atores sociais que contem certo entendimento hegemônico sobre a categoria em

análise.

O compartilhamento e a repetição podem ser encarados como elementos

demarcadores de um paradigma conceitual sobre família que busca se estabelecer,

70

em espacial após os anos 1990. Contudo, tensões podem ser identificadas à medida

que notamos, no trabalho de campo, que, apesar do paradigma emergente declarar

a aceitação de múltiplas formas de família, o paradigma anterior ainda se faz

presente, de maneira tácita, no discurso sobre o trabalho social com famílias,

através do que Fairclough (2011) nominou de presunções valorativas. Nas

presunções valorativas, os valores estão mais profundamente inseridos no texto e

dessa forma são de especial relevância ideológica: “pode-se dizer que relações de

poder são mais eficientemente sustentadas por significados tidos, amplamente,

como tácitos” (RESENDE, 2011 p. 80). O trecho de entrevista abaixo pode servir de

exemplo:

“Então família para mim é tudo junto e misturado. São pessoas que convivem no mesmo espaço, algumas numa configuração diferenciada, [leve tom de ironia] até daquilo que a gente já viveu no passado de família, tem uma configuração diferenciada hoje”. (Técnico 02, grifo nosso).

Podemos identificar um tensionamento entre as concepções relativas à

família nuclear, como modelo hegemônico, e os diferentes arranjos familiares, no

contexto contemporâneo, o que pode ser evidenciado no fragmento abaixo:

“Acho que a gente ainda vive com formato de família Doriana. Eu acho que a gente ainda tem aquela expectativa, nosso preconceito de que a gente tem que ter a família burguesa assim, então quando você entra dentro daquele território, que você identifica que essa família traz uma complexidade para gente, porque é diferente... às vezes, até da nossa formação, da nossa trajetória de vida, a gente acha que a nossa intervenção é para deixar essa família no que a gente tem de ideal de família.” (Gestor 01, grifo nosso).

Evidentemente, o debate discursivo dentro desse campo altamente complexo,

sobre a categoria família, apresenta contradições que precisam ser explicitadas,

como algumas identificadas no texto oficial:

[...] a família é o núcleo social básico de acolhida, convívio, autonomia, sustentabilidade e protagonismo social [... ] a família deve ser apoiada e ter acesso a condições para responder ao seu papel no sustento, na guarda e na educação de suas crianças e adolescentes, bem como na proteção de seus idosos e portadores de deficiência; o fortalecimento de possibilidades de convívio, educação e proteção social, na própria família, não restringe as responsabilidades públicas de proteção social para com os indivíduos e a sociedade (Doc. 02 p. 17).

71

Mioto (2013) ao analisar a categoria família na politica de assistência social

identifica que há uma disputa entre diferentes concepções no texto legal desde a

LOAS até os documentos mais recentes corroborando a contradição também

apontada por Teixeira (2009), entre cuidar e proteger as famílias ou propiciar-lhes

meio para que elas mesmas desempenhem o cuidado com seus membros,

Portanto, conceitualmente, não se tem centralidade na família para independentizar os indivíduos e a família de papéis tradicionais, criando, em função disso, uma rede de serviços públicos que geram autonomização de seus membros, da vizinhança, da parentela, inclusive com serviços domiciliares de cuidados e socialização de crianças, adolescentes, jovens e idosos – membros que requerem maior atenção dos familiares e demandam mais cuidados – para diminuir a carga horária de trabalho doméstico das mulheres. Antes, ao contrário, fornecem serviços para reforçar as tradicionais funções da família, de proteção social, aumentando a dependência dos indivíduos da família e exigindo-se delas mais responsabilidades e serviços, como condição para poder ter acesso a algum benefício ou serviço público; responsabilidades que, geralmente, recaem sobre as mulheres (TEIXEIRA, 2009 p.259, grifos nossos).

Podemos ver que as práticas de intervenção com famílias realizadas pelos

atores sociais, produzidas dentro de um contexto contraditório, apesar de ‘aceitar’ os

múltiplos arranjos familiares, demandam, do ponto de vista do exercício das funções

e papeis familiares, os mesmos padrões do paradigma tradicional. Isto gera uma

sobrecarga de responsabilização para as mulheres em relação às suas capacidades

protetivas e contribui para a culpabilização diante do que seria a capacidade

protetiva da família.

Os discursos dos especialistas ainda se apresentam como um mecanismo

que acentua essa contradição, demonstrando que o uso na linguagem de relações

assimétricas de poder ainda é influente no campo discursivo do trabalho social com

famílias:

“Porque é muito fácil, eu, enquanto técnica, eu sei qual é a vulnerabilidade daquela família! Mas não adianta eu saber! A família, ela tem que entender que ela está no meio daquele risco. Então, o que ela, enquanto família pode contribuir para que ela possa sair daquela situação de vulnerabilidade? Porque é muito fácil a gente chegar e dar tudo pronto. Eu acho que não é isso. A gente tem que chamar o sujeito à responsabilidade. Ele tem que

72

entender o risco que ele está correndo e o que ele pode fazer para estar saindo desse risco” (Técnico 01, grifo nosso).

Mioto (2013) considera que no debate atual sobre família no campo da

assistência social, duas concepções estão em disputa e que interferem a prática

social, a saber, (a) aquela que entende a relação entre família e assistência social

como ajuda pública e (b) a que estabelece essa mesma relação como direito de

cidadania (MIOTO, 2013). A autora chama atenção ainda para o efeito que essa

tensão produz na prática profissional na medida em que se intercruzam distintos

projetos societários.

Portanto os tensionamentos ideológicos quanto à categoria família

apresentam-se em todas as dimensões discursivas, ainda que em algumas haja um

aparente ‘calmaria’. Por que esses tensionamentos são tão importantes no debate

do campo discursivo do PAIF? Ora simplesmente porque o fortalecimento da função

de proteção familiar é ponto nodal de intervenção do serviço e dessa maneira faz-se

necessária à clareza sobre as concepções em disputa para que a prática de trabalho

social com famílias se faça de forma critica. A função protetiva familiar deverá

possuir correlação, portanto com o paradigma da garantia de direitos, em especial

dos membros mais vulneráveis, e a garantia de direitos parte primeiramente do

Estado enquanto seu papel de agente protagonista dessa ação.

Podemos concluir assim que em relação às questões levantadas nessa

pesquisa sobre a interface que as distintas visões de proteção social possuem com

a categoria família a tensão encontrada nessa categoria se refere ao fato de que,

apesar da incorporação da existência de múltiplas formas de família, paradigma dos

direitos em ascensão, do ponto de vista do funcionamento familiar ainda espera-se

que o desempenho familiar seja tradicional, portanto o paradigma assistencialista

retorna.

A relevância dessa análise se assenta em três motivos: (1) a lógica de

constituição do SUAS se organiza em grande parte em torno desse conceito, (2) as

concepções diversas sobre família produzem práticas sociais que podem reforçar os

papeis de subalternidade (3) que podem ter como consequência ao invés da

promoção das famílias a sustentação da ideologia das famílias incapazes versos as

73

incapazes, depositando apenas sobre a família o peso referente ao exercício da

função protetiva.

2.3.1.3 Cidadania

A cidadania enquanto uma categoria de análise no campo discursivo do PAIF,

e consequentemente no campo discursivo da assistência social, se apresenta como

elemento fundamental para a análise da mudança paradigmática que ela vem

atravessando. Primeiramente, o contexto histórico de criação e implementação do

SUAS foi fortemente marcado pelo zeitgeist14 da época em que a luta por direitos e

reafirmação da cidadania esteve em foco muito relacionada à atuação organizada de

expressivos segmentos da sociedade que buscavam a democratização do país.

Esse aparente consenso sobre o termo cidadania refletia uma prática social atrelada

às lutas sociais vigentes para que o Estado ascendesse como protagonista na

garantia de direitos.

A noção de cidadania mais expressa pelos entrevistados encontrada diz

respeito à concepção clássica do termo como o “direito a ter direitos”, aí embutidas

as noções de capacidade de exercício de direitos políticos e de participação na vida

em sociedade:

“Direito. Direito que ele (cidadão) tem a ter direito” (Técnico 01).

“Liberdade com direitos e deveres. A liberdade de assumir responsabilidades, a liberdade de votar e ser votado, a liberdade no controle, no controle social, dos gastos do governo [...] o cidadão é aquele que acompanha a vida da sua cidade, sabendo que ele tem tantos direitos quanto ele tem deveres também” (Técnico 02).

Silva (2009), ao realizar um resgaste histórico sobre o termo aponta que essa

compreensão mais generalista e reducionista sobre cidadania possui bases histórica

antigas que remetem a Roma antiga:

14 Zeitgeist é um temo alemão que significa clima intelectual e cultural do mundo, numa certa época,

ou as características genéricas de um determinado período de tempo.

74

No Brasil, o conceito de cidadania apresenta diferentes concepções, o que não muda o caráter público e social que engloba a palavra; já que cidadão, desde Roma antiga, indica a situação política de uma pessoa e os direitos que ela pode exercer na sociedade em que vive (SILVA, 2009 p. 125).

Uma polêmica discursiva se apresenta à medida que o discurso de ascensão

do Estado na garantia de direitos produziu uma noção de que a cidadania seria algo

muito mais “dado pelo Estado e não uma conquista diária, histórica e dos sujeitos

que lutaram por esses direitos fundamentais, cujo único objetivo era garantir a

dignidade humana em sentido amplo” (SILVA, 2009, p.130). Essa noção de

cidadania ‘dada’ pode ser identificada nas expressões discursivas associadas às

concepções convergentes com o paradigma da cidadania tutelada e ainda na

assistida de Demo (1995). Que pode nos levar a pensar nas dificuldades de

transição entre os discursos.

Um tensionamento, então se explicita, a cidadania, até então ainda abstrata,

precisaria se transformar em ação, em práticas sociais que representassem esse

discurso. Na tentativa de transformação dessas práticas sociais os discursos das

legislações oficiais do MDS a categoria cidadania é amplamente abordada, porém

não foi identificada nos documentos uma conceituação especifica sobre o termo. O

conceito é recorrentemente associado à garantia de direitos, participação e

protagonismo social, e por diversas vezes como horizonte e resultados esperados

das intervenções desenvolvidas no âmbito do SUAS, em especial no PAIF,

contrapondo-se a uma prática de intervenção no campo da assistência social não

relacionada a direitos sociais e socioassistenciais e sem a presença do Estado como

protagonista.

A Assistência Social, a partir dos resultados que produz na sociedade – e tem potencial de produzir –, é política pública de direção universal e direito de cidadania, capaz de alargar a agenda dos direitos sociais a serem assegurados a todos os brasileiros, de acordo com suas necessidades e independentemente de sua renda, a partir de sua condição inerente de ser de direitos (Doc. 03 p, 89).

A não explicitação de uma conceituação mínima para o termo cidadania, não

seria um ponto de tensão dentro do campo discursivo da assistência social se os

elementos de referência a ela explicitados nas diretrizes oficiais fossem

75

incorporados com clareza e intencionalidade na prática do trabalho social com

famílias. Como destacamos nas falas a seguir:

“E a cidadania é uma lacuna... um exemplo claro que a gente tem é que de repente a gente descobriu que o básico do direito de cidadania, que é a documentação civil, não é uma pergunta feita no atendimento do CRAS. Então a gente tinha famílias atendidas pelo CRAS que não tinha a documentação civil completa!!! Então isso mostra a nossa fragilidade” (Gestor 01).

Apesar do discurso das diretrizes nacionais ser explícito quanto aos

elementos constitutivos da cidadania a sua incorporação ainda se apresenta como

desafio, pois a contradição entre os discursos de ampliação de direitos e sua

restrição permeia a prática social no campo da assistência social. Esse é um ponto

crucial para a análise, pois o construto social ‘cidadania’, não está claro enquanto

conceito, enquanto entrega de serviço e nem enquanto metodologia de intervenção.

Ele aparece, em todos os documentos analisados como um vir a ser, mas que vir a

ser é este, pois conforme já discutimos a cidadania pode ser tutelante,

assistencialista, ou emancipatória. Qual é a concepção de cidadania proposta pela

politica de assistência social atualmente?

A busca pela hegemonia relacionada à categoria cidadania, entretanto,

apresenta instabilidades, conforme aponta Resende (2011) “a dominação,

entretanto, sempre está em equilíbrio instável, daí a noção de luta hegemônica”

(RESENDE, 2011 p. 43). O conceito de luta hegemônica está em relação à dialética

discursiva à medida que a luta hegemônica assume-se enquanto determinados

formatos de práticas discursivas e que a própria capacidade hegemônica de

determinados grupos precisa gerar discursos e práticas que a sustentem

(RESENDE, 2011). Dessa forma quando o discurso referente à cidadania apresenta

ênfase para a mudança paradigmática de garantia de direitos, as práticas sociais

decorrentes dessa concepção precisam reverberar em consonância com essa ideia.

Sendo assim, a prática de trabalho social com famílias no PAIF precisaria refletir, no

campo acional do discurso, essa noção.

Identifica-se essa intencionalidade quando analisamos o desenho

metodológico do trabalho social com famílias proposto no PAIF, desde os

76

documentos mais antigos aos mais recentes, em especial em relação às oficinas

com famílias:

As ações com famílias envolvem o reconhecimento da organização do cotidiano, o exercício dos papéis e funções na família, as relações de geração e de gênero, de autoridade e afeto; os valores, as representações e práticas de cuidado e socialização de seus membros; e, ainda, a convivência, a participação e a ação na comunidade. (Doc. 04 p, 32).

E ainda,

As oficinas com famílias têm por intuito suscitar reflexão sobre um tema de interesse das famílias, sobre vulnerabilidades e riscos, ou potencialidades, identificados no território, contribuindo para o alcance de aquisições, em especial, o fortalecimento dos laços comunitários, o acesso a direitos, o protagonismo, a participação social e a prevenção a riscos. (Doc. 10 p. 24).

As orientações acerca das oficinas com famílias possuem inclinação para a

ampliação da participação e protagonismo de indivíduos e famílias no seu território à

medida que considera que os problemas vivenciados são resultado da conjuntura

social na qual estão todos inseridos e, portanto o compartilhamento, a reflexão e

ação conjuntas seriam formas de enfrentamento e transformação social e ampliação

da cidadania.

Ora mais de qual cidadania estaria o PAIF falando uma vez que não

encontramos uma definição clara do termo? Como garantir determinado paradigma

de cidadania seja efetivado?

De acordo com Suely Rolnik (apud JOVCHELOVICHT; PRIEGO-

HERNÁNDEZ, 2013), os territórios são constituídos por dimensões espaciais e

psicossociais, contendo, dentre outros elementos, linguagens, modos de existir,

representações, práticas e relações dentro e fora de seus limites. Ao mesmo tempo

em que se pensa em sua materialidade geográfica, é preciso pensar em suas

fronteiras e suas interações em relação a outros espaços e a territórios mais amplos.

Essas relações são mutáveis, dentro do contexto social e histórico.

Entretanto, as proposições teóricas sobre território e territorialização não são

suficientes para delas se deduzir procedimentos para o trabalho social e é

necessário um investimento para afinar as metodologias e práticas propostas pela

PNAS para o trabalho no território.

77

As metodologias participativas podem se dirigir ao processo de formação para

a cidadania, fortalecendo a capacidade dos atores sociais para atuarem nos

processos decisórios do território. Mas é preciso lembrar que as decisões sobre as

quais esses processos decisórios se referem abrangem um amplo leque de

questões sobre o modo de organização da vida e das relações no território.

Poderíamos pensar que as metodologias participativas atuam diretamente na

escuta das demandas dos usuários, possibilitando ações de promoção e defesa dos

direitos e que, indiretamente, contribuem para a formação de capital social, desde

que feita a sua articulação com o território, tomado como um espaço usado, como já

abordado neste capítulo.

Enquanto ferramenta metodológica estratégica de intervenção do PAIF as

atividades coletivas, baseadas em metodologias participativas, se apresentam, em

última instância no discurso oficial, como um catalizador na efetivação de ‘horizontes

mais ampliados de cidadania’.

Entretanto como discutimos, em torno da categoria cidadania há uma serie de

tensionamentos que refletem concepções distintas de proteção social e, portanto ao

considerar que o trabalho social com famílias, especialmente através das atividades

coletivas, visa a ampliar os horizontes de cidadania, cabe uma maior explicitação de

qual paradigma estamos falando. Na dimensão ideacional discursiva pode-se dizer

que há uma inclinação na busca pelo paradigma emancipatório, contudo na

dimensão acional qual seria a direção? Poderia uma política pública, que necessita

de certa uniformização de entrega de serviços não considerar os elementos de

planejamento, monitoramento e avaliação dessas ações? Como monitorar, do ponto

de vista da gestão do PAIF, a capacidade que as atividades coletivas possuem em

relação à garantia dos objetivos do serviço? Constituindo assim como ferramenta

para uma maior aproximação assim com a dimensão acional discursiva.

Atualmente as ferramentas de monitoramento15 do MDS em relação ás

atividades coletivas se relacionam apenas aos aspectos formais do grupo (nº de

participantes, encontros e etc). Seriam necessário avançar nessa discussão a fim de

15 Conforme CIT 04/2011 que Institui parâmetros nacionais para o registro das informações relativas

aos serviços ofertados nos Centros de Referência da Assistência Social - CRAS e Centros de Referência Especializados da Assistência Social - CREAS.

78

que, se especialmente as oficinas com famílias, que são uma das principais

tecnologias de intervenção do PAIF, consigam afiançar as seguranças sociais e

contribuir na construção da cidadania evitando que as contradições entre o

paradigma da tutela e da emancipação se apresentem dentro das atividades

coletivas e influenciem o tipo de cidadania que está sendo promovida. E como

estamos atuando no campo de políticas públicas, elementos de monitoramento

precisam ser efetivos para que haja clareza sobre qual o tipo de entrega em

cidadania o PAIF se destina. Evidentemente essa tarefa não é fácil, mas o debate

sobre esses elementos precisa ser evidenciado.

Esse ponto é relevante no debate conforme explicitado no fragmento abaixo:

“[...] por exemplo, uma oficina de reflexão que você tinha um agregador nessa oficina, que era, por exemplo, uma arte ou um artesanato, que fazia com que aquelas famílias se envolvessem mais naquela atividade. Depois a gente para de fazer um pouco isso, por que… eu mesmo questionei muito quando eu cheguei aqui, eu falava assim: qual é o objetivo de eu sair pintando? Que prática é essa e que objetivo que a gente tem com isso? E a gente começou a construir sim, algumas artes, digamos assim, mas muito ligada àquilo que a gente estava fazendo. Se eu vou fazer o mosaico, para que eu estou fazendo mosaico? Fazendo mosaico tem a ver com a reflexão que eu estou fazendo com a família? Eu lembro que a gente fez uma oficina sobre diversidade, com família que tem pessoa com deficiência. Então você trabalhava o mosaico, mas você refletia que aquelas peças ali eram uma representação simbólica daquelas famílias e que cada uma tinha um tamanho diferenciado, tinha uma cor diferenciada, tinha um formato diferenciado. Esse é o respeito que a gente tem que ter com os membros também, dentro da nossa casa, com as pessoas com os quais a gente convive. Então você começa a dar uma liga e não fica uma coisa muito solta, porque eu achava que não tinha sentido [...] Então acho que essa intencionalidade que você dá às ações que você executa, eu acho que elas são extremamente importantes” (Coordenador 01, grifos nossos).

O fragmento explicita a cumulatividade dos eventos discursivos sobre as

contradições sociais à medida que o ator social questiona sua própria prática social,

no caso em questão, a intencionalidade da oficina com famílias, ao identificar a sua

própria contradição, contradição essa presente no campo discursivo que atua, esse

ator pode ser capaz de transformar, recriar a sua intervenção.

À medida que os produtores e os interpretes combinam convenções discursivas, códigos e elementos de maneira nova em eventos discursivos inovadores estão, sem duvida, produzindo cumulativamente mudanças estruturais nas ordens de discurso: estão desarticulando ordens de discursos existentes e rearticulando novas ordens de discursos, novas hegemonias

79

discursivas. Tais mudanças estruturais podem afetar apenas a ordem do discurso ‘local’ de uma instituição, ou podem transcender as instituições e afetar a ordem do discurso societária” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 128).

Podemos considerar que, em relação à categoria cidadania, existe uma

ambivalência entre as visões de proteção social de desenvolvimento humano e a

visão de desenvolvimento social. Nota-se que a visão de desenvolvimento humano

é mais predominante no campo acional do discurso, o que produz uma cidadania

assistida. Contudo, podem ser identificados significativos esforços dos atores sociais

nas dimensões ideacionais e relacionais para uma aproximação com a visão de

desenvolvimento social.

Consideramos que, ainda que existam tensões relativas às concepções sobre

cidadania, há um horizonte favorável à emergência do paradigma emancipatório,

tanto no que se referem às diretrizes oficias do MDS como em relação à capacidade

de reflexão sobre a própria prática dos profissionais que operam o PAIF, uma vez

que há a identificação de que a cidadania, como uma categoria fundamental de

intervenção do PAIF, precisa ser explicitada com maior intencionalidade na oferta do

serviço para que se diminua o hiato entre teoria e prática e evite-se a contradição

entre o discurso e a prática social.

2.3.2 Categoria 2: Bases e condições socioinstitucionais para a realização do

trabalho social com famílias

As bases e condições socioinstitucionais podem ser compreendidas nessa

dissertação como (a) condições de materialidade para a execução do trabalho social

com famílias tais como espaço físico, composição equipe técnica, materiais de

consumo, (b) o modelo de gestão organizacional praticado pelo município e (c) a

expressão das convergências e/ou tensões discursivas, em um determinado cenário

institucional, em torno de uma prática social.

Essa prática social está intimamente influenciada pela ação dos atores

sociais, seus valores, concepções e, em um determinado tempo e lugar, permeadas

por relações de disputas de poder.

80

Em relação à materialidade para a execução do trabalho do PAIF os

entrevistados apontam que a infraestrutura existente, ainda que por vezes não ideal,

é relativamente satisfatória, ainda que existam desafios.

“Quanto ao materiais para fazer as oficinas, a gente não pode reclamar não... não falta” (Técnico 01).

“Então a gente, por exemplo, a sala que a gente tem de atendimento, não é uma sala que tem sigilo, porque as janelas dão justamente para a sala de entrada da população. Então todo mundo que entra ali vê quem está sendo atendido” (Técnico 02).

A materialidade dos CRAS/PAIF vem se apresentando como um ponto de

atenção por parte do MDS que, desde 2009, aponta em seus documentos a

preocupação com estes aspectos para a execução do PAIF, especialmente nos

textos Doc. 05 e Doc.08. Desde 2009 foi criado o Índice de Desenvolvimento do

CRAS (IDCRAS) que possui quatro indicadores dimensionais, relativos às atividades

realizadas, horário de funcionamento, recursos humanos e estrutura física. A análise

dessas dimensões é classificada como insuficiente, regular, suficiente ou superior e,

monitoradas anualmente no Censo SUAS (BRASIL, 2010).

Outro aspecto importante diz respeito aos recursos humanos, um dos

elementos fundamentais para a consolidação de politicas públicas que está

correlacionado aos trabalhadores que a operam. No campo da assistência social

esse debate é vigoroso tanto no meio acadêmico, em especial para os profissionais

de psicologia16, como pelas próprias diretrizes e alterações nas legislações do MDS,

que visam reafirmar o papel dos profissionais efetivos na execução do SUAS.

Outro aspecto relevante diz respeito à composição das equipes de referência

do PAIF. Conforme já estabelecido pela Resolução CIT 17/2011, os profissionais

aptos a compor as equipes de referência do PAIF são os assistentes sociais e

psicólogos em um número proporcional ao porte do município. No caso de

metrópoles, a equipe é composta por quatro técnicos, contudo questionamentos

quanto a esse número ganharam destaque na fala dos entrevistados:

16

Na literatura acadêmica é grande o número de artigos que discutem o papel do psicólogo no SUAS em especial no CRAS conforme debatido no capitulo 1 dessa dissertação.

81

[...] “quando a gente olha o volume de trabalho que é para o técnico e a responsabilidade que o técnico tem com o PAIF, quatro técnicos é pouco, [...] Então a questão de recursos humanos é uma questão que sempre a gente tem que pensar” (Técnico 02).

Contribuindo para as tensões no campo em análise, no momento da pesquisa

o município de Belo Horizonte passava por uma fase de transição dos profissionais

terceirizados para os efetivos que assumiam o cargo público, fato este que impactou

a execução do trabalho com famílias no PAIF à medida que uma grande troca de

know how estava sendo processada. Ainda que esse fato tenha gerado grande

impacto na oferta dos serviços, podemos considerar que uma vez que os gestores

compreendem o papel da assistência social como politica pública estatal e autorizam

o concurso público, isso corrobora para a consolidação da política pública.

Podemos compreender que as condições de materialidade disponíveis em

uma determinada política pública possuem correlação com sua robustez, no que se

refere a questões de financiamento público e prioridades estratégicas de gestão. A

politica de assistência social, que busca se firmar no campo das politicas publicas,

vem vivenciando e evoluindo nesse debate à medida que busca o aprimoramento do

Sistema Único de Assistência Social.

A mudança do discurso da visão de desenvolvimento humano para a visão de

desenvolvimento social pode ser vista na evolução da Norma Operacional Básica

(NOB/2005) de 2005 para a Norma operacional Básica de 2012 (NOB/2012). Na

NOB/2005 o foco eram as questões de responsabilidade entre os entes federados,

critérios de partilha e no repasse financeiro através das transferências fundo a

fundo, foram relevantes para a fase inicial de implantação do SUAS. À medida que o

debate dentro desse campo discursivo foi evoluindo, culmina, em 2012, como uma

nova Norma Operacional Básica, que buscou incorporar os avanços da política

durante esses anos. Estes avanços estão refletidos especialmente nos Doc. 06 e

Doc. 07 que apresentam protocolos padronizados para uma maior sinergia entre

serviços e benefícios e cria uma matriz padronizada de oferta de serviços dentro do

SUAS, respectivamente. A NOB/2012 direciona-se para o aprimoramento do SUAS

82

à medida que os novos desafios de gestão se apresentam, em especial em relação

à vigilância socioassistêncial17. (BRASIL, 2012c).

As mudanças presentes nas diretrizes demonstram que o discurso ideacional

da Politica de Assistência Social está em fase de transformação, por vezes se

reeditando e por outras reafirmando pontos de tensionamento em relação à sua

constituição como politica publica, tanto para si própria como na relação com as

demais políticas. Entendemos que essas transformações estão sendo debatidas e

elaboradas no âmbito da prática social pelos atores que compõem esse cenário e

certamente produziram impactos:

“Acho que até a gestão atual, de governo, que trabalha nesse enfoque de resultado, também ajudou a gente pensar que não dá para você disputar orçamento discutindo caso. Você tem que apresentar de fato qual é o seu significado dentro daquele território, qual é o impacto, qual é o custo disso. Então a gente só consegue fazer isso se a gente começar a trabalhar com fenômenos” (Gestor n1, grifos nossos).

E neste ponto se faz necessário considerar que esses debates acontecem

nos municípios em todo o Brasil que possuem características institucionais próprias

que contribuem para o acirramento das tensões, e no caso em análise, destacamos

algumas características específicas da gestão local que se complexificam, a saber:

(a) descentralização administrativa do município, (b) disputas de poder entre as

Secretárias Temática de Politicas Sociais e a Adjunta de Assistência Social e (c) o

modelo de gestão intersetorial territorial do BH Cidadania.

A descentralização administrativa do município foi um processo de

descentralização da gestão municipal que teve seu inicio nas reformas

administrativas de 2000-2001 e 2004-2005 que criaram um formato de gestão em

que há existência de secretárias temáticas, que são responsáveis pelas diretrizes

municipais das politicas e as secretarias regionais que são responsáveis pela

execução da politica em âmbito local (MOURÃO, 2011). Essa lógica de gestão

representou avanços no modelo de gestão do município, mas também acabou

produzindo duas estruturas de poder que se intercambiavam na prática cotidiana 17 A vigilância socioassistencial é uma das funções do SUAS e deve produzir apoio efetivo às

atividades de planejamento, gestão, monitoramento, avaliação e execução dos serviços socioassistenciais, imprimindo caráter técnico à tomada de decisão; de contribuir para a efetivação do caráter preventivo e proativo da política de assistência social, assim como para a redução dos agravos, fortalecendo a função de proteção social do SUAS (BRASIL, 2004).

83

produzindo tensões, uma vez que há disputas de poder e ideologias políticas

permeando tacitamente esse modelo.

“Às vezes, eu tenho que ficar batendo cabeça, porque uma não sabe o que a outra está fazendo. E aí as coisas ficam muito sobrepostas. Às vezes, um relatório que a gente faz, por exemplo, lá para a temática, poderia ser o mesmo relatório para a regional. E às vezes, são relatórios distintos, com dados, que eles pedem, distintos, e aí dá um retrabalho para a gente” (Técnico 01, grifo nosso).

Historicamente, no campo da assistência social, que era atrelado à caridade,

ao favor político e à tutela, os perfis dos profissionais dos gestores locais acabavam

por refletir características politicas indesejáveis que atrelavam a oferta de ação

pública a favorecimentos políticos e caridade, contudo à medida que o paradigma da

garantia de direitos ganha espaço há um questionamento quanto aos perfis dos

gestores locais na busca de uma ruptura com essa forma de gestão tradicional, uma

vez que a entrega final dos serviços fica atrelada às formas de gestão local:

“A gente tem um esforço também de discutir com os gerentes regionais, para entender esse planejamento do CRAS e a gente evitar uma sobreposição de ação, porque aí você dizendo a competência de cada um nesse processo, você consegue ser mais efetivo” (Gestor n1, grifo nosso).

E ainda,

“Quando um gerente regional fala com o CRAS para ele parar de fazer o que ele esta fazendo para ele fazer a ação tal, ele acaba desconsiderando o objeto do PAIF que é o trabalho social com famílias” (Gestor 02, grifo nosso).

O tensionamento entre os discursos da ‘central’ e da ‘regional’ em relação à

gestão amplia os elementos de polêmica discursiva, pois inserem mais atores

sociais, com posições ideológicas, mecanismos de coerção e manutenção de poder

distintos dentro do campo discursivo do trabalho social com famílias que

consequentemente irão produzir efeitos na intervenção local.

Esses efeitos refletem na execução do trabalho com famílias em relação à

posição institucional que a assistência social ocupa no organograma do município.

Neste ponto identificamos que há divergências quanto ao fato da secretaria de

84

Assistência Social ser adjunta à secretaria de Políticas Sociais, como o explicitado

nos fragmentos abaixo:

“Eu acho que a gente tem muita militância, mas pouca efetividade”. Eu acho que para ser uma secretaria temática, eu acho que ela precisa ainda avançar nessa construção de indicadores, ela precisa dizer com mais clareza o seu objeto, falar do custo do seu serviço, falar do impacto dele dentro da sociedade. Eu falo isso, eu sou uma pessoa que observo muito e cito isso como exemplo, em fevereiro do ano passado, [...] exoneraram praticamente quase onze coordenadores de CRAS, e isso é um prejuízo muito grande para o PAIF, um prejuízo enorme para essa política de assistência, [...] não veio nenhuma demanda da sociedade, não bateu nada no gabinete do prefeito. Quando que você exonera um gerente do centro de saúde que não vai ter manifestação? Quando você exonera um diretor de uma escola, a escola fica sem diretor, você não vai ter manifestação? Isso mostra uma fragilidade da nossa política. Isso eu acho que é um dado real que a gente tem que ficar atento quando a gente fica nesse discurso, nesse vislumbre de ser uma secretaria plena” (Gestor n1).

Atrelado a isso nota-se que há um acirramento nas relações de poder entre

as secretarias à medida que as competências institucionais de cada uma não estão,

na dimensão acional do discurso, bem definidas, principalmente entre BHCidadania18

e CRAS:

“Eu considero o BH Cidadania uma forte estratégia de gestão. Faço uma defesa de que o governo deveria abraçar essa estratégia, porque quando ele surgiu, ele foi uma estratégia de gestão, [...] ele veio com essa orientação, de otimizar recurso, de fazer uma intervenção mais eficaz, articular políticas e, a partir dessa proposta deu uma institucionalidade na secretaria municipal de políticas sociais. Só que, de repente, isso se perdeu” (Gestor n1, grifo nosso).

A proposta do BHCidadania busca o fortalecimento da articulação intersetorial

na base local à medida que possibilita um espaço comum de convergência e oferta

de diversas politicas públicas em territórios de maior vulnerabilidade (MOURÃO,

2011), os entrevistados destacam que, apesar de, ideacionalmente, a proposta ser

congruente com os princípios da intersetorialidade, na dimensão acional

18

BHCidadania foi elaborado e implementado no contexto da reforma política –administrativa da

Prefeitura de Belo Horizonte introduzida no ano de 2001, a partir da identificação de problemas recorrentes no âmbito da administração pública que impossibilitavam a efetivação de políticas mais abrangentes e incisivas, em especial junto a populações mais vulneráveis do município. [...] a partir da identificação dos problemas , procurou-se consolidar modelos integrados de atuação na área social, por meio dos seguintes eixos: descentralização, intersetorialidade, participação e informação (MOURÃO, 2011 p, 17).

85

apresentam-se obstáculos e estes podem ser problematizados à luz das discussões

sobre intersetorialidade.

[...] Eu acredito que a (o Programa) Família Cidadã tem muito haver com o serviço do Paif, contanto que: assistência social, porque é um programa intersetorial, e nós também, no CRAS, é uma proposta da gente trabalhar intersetorialmente no território. Então, em tese, não teria tanto problema, mas a questão é que fica para o coordenador de cada equipe do CRAS essa tarefa, essa obrigação, quase que convocar o parceiro da saúde e da educação para participar do programa. Acho que isso sobrecarrega, essa cobrança em cima da assistência social como se fosse um único parceiro do programa e que fica responsável de articular com todo mundo (Coordenador 02).

Podemos compreender essas disputas como a representação, no campo

acional do discurso, de tensão entre proteção social x assistência social já discutida

na categoria de análise I, acrescida de disputas por poder e representatividade

política dentro do município estudado.

“Então acho que isso também dificulta, porque eu particularmente ainda acho que tem uma outra questão, articulação não dá placa, não dá visibilidade e num lugar de disputa realmente isso dificulta, porque (é) a entrega final que aparece” (Gestor n1).

O reflexo dessas tensões na execução do PAIF aparece quando deveria se

dar a consolidação da assistência social perante as demais políticas públicas, no

entendimento da oferta específica do serviço e na construção identitária de seus

operadores:

“Acho que precisa ficar claro para os outros setores,... porque se você faz matricula de EJA, você não está fazendo intersetorialidade, você está fazendo a tarefa que é da educação, eles é quem devem fazer matricula, garantir a matricula de jovens e adultos, agora nós (PAIF) podemos encaminhar, podemos incentivar, articular, porque isso é direito [...] eu não posso é efetivar o direito que está na outra politica” (Gestor 02).

E ainda:

[...] “em BH também nós temos a particularidade do CRAS ser dentro de um espaço BH Cidadania, que é onde coexistem diversas políticas de áreas distintas, não só da assistência social, e o coordenador de CRAS é também coordenador de BH Cidadania e se o coordenador que está ali nessa dupla função, se ele não tem uma clareza do que é um CRAS, do que é um PAIF,

86

do que é um centro de convivência e que ele está na coordenação desse complexo, ali que é a porta de entrada da política de assistência social, o Sistema Único de Assistência Social, provavelmente ele não vai adotar a mesma metodologia que o CRAS” (Coordenador 02).

Não é objetivo deste capítulo aprofundar a análise do município19, mas não

seria possível deixar de considerar essas características locais na discussão uma

vez que elas se localizam no âmbito acional da prática discursiva do trabalho social

com famílias no PAIF e contribuem para a ampliação das vozes e interesses desse

campo discursivo ampliando os desafios da prática social no âmbito do SUAS e em

especial do CRAS/PAIF.

2.3.3 Categoria de análise 3 : Interconexões entre as diretrizes nacionais, as

condições locais existentes e a pratica do TSF no PAIF - Consensos e conflitos

no debate sobre o TSF

Nesta categoria de análise, a intenção foi investigar a capacidade local dos

operadores do trabalho social com famílias se apropriarem das diretrizes para o

trabalho social com famílias, já apresentadas no capitulo 1, dando a elas

materialidade dentro de determinadas condições locais, a partir da identificação de

aspectos de continuidade, fragmentação ou negação das diretrizes, na produção de

práticas sociais convergentes ou desviantes do paradigma proposto, que se nomeia

como emancipatório.

Um ponto importante dentro do campo discursivo do trabalho social com

famílias no PAIF diz respeito à sua metodologia de intervenção. Ao longo do

processo de implementação e evolução do PAIF, o mesmo se inicia como projeto

piloto – Programa Núcleo de Apoio à Família – NAF – em meados do ano 2001 e

passa por modificações e ressignificações até ascender a serviço em 2009 (BRASIL,

2012a).

O PAIF é um serviço que tem por objetivo fortalecer a função protetiva da

família via promoção do acesso e do usufruto aos direitos humanos e sociais, com

melhoria da qualidade de vida, para que se previna a ruptura de vínculos familiares e

19

Para aprofundamento quanto as questões da intersetorialidade do Programa BHCidadania em Belo

Horizonte consultar BRONZO, C,VEIGA. L, 2012.

87

comunitários e se promova aquisições sociais e materiais para as famílias,

potencializando o protagonismo e a autonomia das famílias e das comunidades

(BRASIL, 2012a). Nesse amplo desafio, precisa de um desenho metodológico

uniforme e suficientemente flexível para se adequar às especificidades locais. Essa

metodologia vem sendo desenvolvida ao longo dos anos, com colaboração de vários

atores sociais.

Nesse processo as diretrizes nacionais e locais, relacionadas à metodologia

de intervenção, apresentaram convergências e tensões que se polemizavam na

prática dos profissionais.

A análise documental apresenta uma uniformidade em relação a dois

princípios fundantes da PNAS e que se tornam mais enfáticos em relação ao PAIF, a

saber, a matricialidade sociofamiliar e a territorialização, como elementos

organizadores da intervenção.

Ao abordar a família como um todo em suas necessidades, disponibilizar sua oferta em locais próximos da moradia dos usuários e prever a busca ativa, pelos profissionais, das famílias que vivenciam situações de maior vulnerabilidade social, tem o desafio de romper com a lógica da fragmentação (Doc. 09 p. 9).

A ênfase dada a esses princípios no SUAS visam reforçar o paradigma

emergente naquilo que chama a atenção para o fato de que as situações de

vulnerabilidade vivenciadas pelas famílias são reflexo de contextos internos e

externos ao núcleo familiar que se manifestam em um determinado lugar social – o

território, que é transversalizado por relações de poder dentro de um tempo e

espaço.

Ainda que seja identificada no campo ideacional do discurso a constância no

uso desses termos, Resende (2011) ressalta que,

[...] a relação entre palavras e significados não é uma constante transhistórica, ao contrario, muitos significados potenciais são instáveis, o que pode envolver lutas entre atribuições conflitantes de significados (RESENDE, 2011, p. 75).

Podemos considerar que a evolução da documentação oficial sobre o PAIF

produzida pelo MDS, associada a outras documentações mais recentes sobre o

SUAS, tem explicitado no campo ideacional do discurso uma busca pela

88

consolidação do paradigma da garantia de direitos. Na medida em que essas

orientações são acessadas pelos profissionais, nota-se um processo de

confrontação, reapropriação e incorporação delas no campo relacional discursivo,

conforme apontado por Resende (2011). O significado relacional do discurso está

associado às diferentes visões de mundo, das relações que as pessoas

estabelecem e de qual lugar ocupam no mundo. Dessa forma o fomento ao debate

local sobre essas mudanças e, consequentemente, a explicitação das tensões e

convergências no âmbito do trabalho social com famílias são pontos cruciais para

que a dimensão relacional discursiva se processe e produza efeitos na dimensão

acional discursiva.

Constatamos nas colocações dos entrevistados uma tensão entre três

posições distintas em relação às alterações observadas ao longo do tempo no

desenho metodológico do PAIF. Uma primeira aponta que as orientações de 2012

são diferentes daquelas já praticadas,

“Então assim, como nós nunca fizemos, nunca fiz da forma que foi colocado, que eu já tenho muito tempo... De alguma forma, a gente acompanha, não da forma como está sendo colocado (pelos cadernos de orientação técnica do PAIF), mas a gente… eu já trabalhei com outras famílias, já acompanhei algumas, mas do jeito que está sendo colocado agora é um jeito novo para mim” (Técnico 02, grifo nosso).

A segunda posição considera que as mudanças estão mais correlacionadas à

nomenclatura do que a um conteúdo substancialmente novo:

“Então como que essas mudanças na nomenclatura, porque algumas ações é mudança de nomenclatura, porque é uma ação que a gente já praticava, é uma atividade que já faz parte da nossa rotina de trabalho, então a gente tem que agora vivenciar essas novas nomenclaturas, acostumar com elas, fazer as adaptações que são necessárias, fazer uma inversão de prioridades” (Coordenador 01).

Encontramos ainda uma terceira posição, a do gestor, que considera que a

orientações metodológicas contribuem para uma maior clareza da entrega do

serviço:

89

“Eu acho que o Caderno 20

, ele consegue dar uma clareza da nossa entrega, eu acho que antes tínhamos uma boa metodologia, que eu acho que a gente ainda utiliza, quando vai para o atendimento em grupo, mas esse olhar sobre a família, sobre a vulnerabilidade que ela apresenta, acho que isso tinha se perdido. Então acho que o caderno, ele consegue dar esse foco, a gente tem mais clareza do nosso objetivo e de onde quer chegar” (Gestor 01).

Notamos que essa nomeação varia conforme as posições institucionais

ocupadas: técnico, coordenador e gestor. Essa visível tensão pode ser explicada

porque “os diferentes discursos não apenas representam o mundo ´concreto`, mas

também projetam possibilidades diferentes da `realidade’, ou seja, relacionam-se a

projetos de mudança do mundo de acordo com perspectivas particulares”

(RESENDE, 2011 p.70-71).

Esta apropriação relacional discursiva é incorporada de forma distinta pelos

atores sociais. E essas diferenças podem representar, segundo Fairclough (2011),

cooperação, competição ou dominação discursiva que podem ser explicadas pelo

fato dos discursos serem parte das estratégias dos atores sociais (Resende, 2011),

sendo assim as diferenças notadas nas três posições distintas, no momento atual do

debate discursivo, ainda que pareçam diferentes estão, a nosso entender, em

cooperação. Já que é possível notar uma complementariedade entre elas o que

pode ser interpretado como fruto de um processo de reflexividade da prática social.

Mas para que o explicitado acima saia da dimensão relacional discursiva e

ascenda à dimensão acional do discurso de forma mais propositiva, esses atores

sociais que ocupam posições distintas precisam ter ferramentas, canais

comunicacionais para que a reflexão de um seja de fato complementada, ampliada e

debatida pela reflexão do outro e para que haja uma transformação da prática social

no trabalho com famílias no PAIF, isso é, os processos de transformação discursiva

precisam ser minimamente coerentes e convergentes desde os níveis mais

estratégicos de gestão, passando pela gestão local e alcançando o âmbito da

execução. Essa transversalidade discursiva poderá então gerar efeitos sobre a

consolidação do paradigma emergente, desde que bem processadas, ou poderá,

20

Refere-se aos cadernos de Orientações Técnicas sobre o PAIF. Vol. 1. Tipificação Nacional dos

Serviços Socioassistenciais (2012a) e Orientações Técnicas sobre o PAIF. Vol. 2. Trabalho Social com Famílias do Serviço de Proteção e Atendimento. Integral à Família – PAIF (2012b).

90

dada a polêmica discursiva que cria no campo, fortalecer o paradigma anterior à

medida que enfraquecerá a possibilidade da criação de consensos.

Acreditamos que o momento atual no campo discursivo é profícuo para a

explicitação dos debates, pois é terreno fértil para uma construção identitária de

convergência em relação ao PAIF, o que Resende (2011) nomeia como identidade

de projeto que ascende quando os “atores sociais buscam redefinir a sua posição na

sociedade e constitui recurso para a mudança social” à medida que as concepções

também sofrem mudanças (RESENDE, 2011 p. 78). Contudo vale lembrar, que os

processos de construção identitária estão sempre atrelados a contextos de disputa

de poder e que a disputa de poder entre concepções sobre proteção social,

cidadania, e família, conforme já debatido nas demais categorias de análise desse

capítulo, ainda estão fortemente presentes.

Quando analisamos que os impactos das orientações técnicas do PAIF de

2012 têm produzido no campo discursivo da assistência social, identificamos nas

falas dos entrevistados, que a maior ênfase na sistematização das informações

sobre a família, a maior participação da família no processo de intervenção,

compreensão dos fenômenos e a possibilidade de avaliação dos avanços

alcançados são os elementos em debate.

“Primeiramente que é coisa é muito mais sistematizada, vai haver mais registro dessa ação. Esse registro não havia. Eu trabalho em CRAS há muito tempo, desde dois mil e cinco. Se falava em fazer acompanhamento familiar. Da forma que eu tenho lido e participei da capacitação e o pessoal tem colocado é muito diferente, não que a outra forma também seja incorreta, nada disso não, mas agora as coisas estão mais esquematizadas, tem realmente uma preocupação de entender a situação que aquela família está, o arranjo daquela família de como que a gente, juntamente com a família, aí eu acho que é um ponto interessante, apesar dessa fala nossa de assistente social, que a gente faz junto com a família, mas não fazia coisíssima nenhuma junto com a família, a gente acabava colocando muita coisa para a família. [...] Vai ter uma avaliação desse trabalho, eu acho isso super bacana, porque a gente não tinha nada disso” (Técnico 02, grifos nossos).

Podemos considerar, que os elementos apontados pelos entrevistados como

relevantes no Caderno de Orientações Técnicas do PAIF -2012 não são

necessariamente novos, pois identificamos essa direção argumentativa em outros

documentos oficiais (Doc. 05; Doc. 09), a novidade talvez seja a maior

sistematização e intencionalidade expressa nas orientações atuais, que podem ser

91

encaradas como reflexo da evolução discursiva dentro da politica de assistência

social em especial da proteção básica que possui correlação com o amadurecimento

no campo das políticas públicas.

Dessa forma as interconexões identificadas na análise em relação à

capacidade de apropriação local das diretrizes nacionais estão mais inclinadas à

continuidade dos processos, ainda que sejam identificados alguns pontos de

fragmentação em relação às diretrizes, conforme exposto na discussão. Não

identificamos elementos de negação das diretrizes. Talvez o mais adequado fosse

considerar que o campo discursivo do trabalho social com famílias do PAIF estaria

em processo de apropriação, portanto a dimensão relacional discursiva é mais

saliente. As transformações na prática social ainda são incipientes, como demonstra

o fragmento abaixo:

[...] “eu penso que tudo é desafio, que a gente tem que fazer as experimentações. Se vai dar certo ou não a gente tem que ver, inclusive tentar contribuir de alguma forma para que outras mudanças ocorram” (Coordenador 01).

Podemos considerar que essa dificuldade estaria relacionada à forma como o

manejo técnico das metodologias de intervenção constitui uma aproximação ou

afastamento do paradigma da garantia de direitos e representa distintas visões de

proteção social.

Afonso (2010) ao realizar extensa análise sobre as metodologias de trabalho

social com famílias desenvolvidas no âmbito do PAIF aponta uma diversidade de

experiências metodológicas, especialmente com grupos, que tensionam entre a

aproximação e o afastamento com os princípios de diretrizes do SUAS bem como a

necessidade das metodologias estarem ligadas à existência de diagnósticos e de um

planejamento das ações no território, incluindo indicadores para a ação e avaliação

(AFONSO, 2010).

A explicita ênfase que as recentes orientações técnicas sobre o PAIF vêm

apontado em direção a uma maior robustez do desenho metodológico do PAIF

reflete a busca por uma maior consistência desse serviço como elemento estratégico

dentro do SUAS e o seu papel dentro de um sistema de proteção social mais

ampliado, ainda que possamos supor que tensões no próprio MDS em relação a

92

essas orientações possam existir. Essa inferência se faz com base na análise de

que as orientações técnicas são de 2012 e apenas recentemente, em abril de 2014,

o MDS realizou teleconferência apresentando nacionalmente o documento à

comunidade SUAS.

Como estamos analisando um campo discursivo repleto de disputas

ideológicas, vale a pena salientar que as diretrizes nacionais são fios condutores da

execução do trabalho social com famílias, que ainda assim possuem tensões, ainda

que mais sutis, sobre o papel que o PAIF deve assumir como serviço estratégico da

PSB, especialmente em relação à articulação entre PBF e PAIF.

Dessa forma, a análise das interconexões entre diretrizes e condições locais

de implementação do PAIF aponta para a necessidade de ampliação do debate local

sobre as recentes diretrizes do SUAS e o impacto na prática social, em especial do

PAIF, no que diz respeito: às questões do diagnóstico local para a identificação dos

fenômenos; à incorporação de elementos de planejamento e avaliação das ações do

PAIF juntamente com as famílias, associados à vigilância sociassistencial; e à

reflexão sobre a pertinência de práticas metodológicas locais articuladas ao modelo

proposto.

93

2.4 Considerações Finais

No presente capítulo, buscamos discutir as tensões presentes no campo

discursivo da assistência social em especial do PAIF, através da identificação de

consensos e dissensos em relação às categorias de (a) Proteção Social, família e

Cidadania, (b) as bases e condições socioinstitucionais para a realização do trabalho

social com famílias e (c) as interconexões entre as diretrizes nacionais e as

condições locais existentes para a execução do PAIF correlacionando-as com as

tensões explicitadas entre distintas visões de proteção social vigentes no campo

discursivo e as tensões entre o paradigma assistencialista e da garantia de direitos.

As análises apresentadas visaram apontar elementos importantes para a

proposição de estratégias de intervenção social com famílias na Proteção Social

Básica, partindo de uma visão crítica do sistema, mas, ao mesmo tempo, com o

intuito de colaborar para o aprimoramento da política, tendo, como referência ética,

a promoção da cidadania.

Em relação à categoria de analise ‘Proteção Social’, houve a identificação de

duas tensões significativas, a saber: (1) uma visão de proteção social que produz

uma cidadania ‘mínima’ (2) uma redução da proteção social ao campo da politica de

assistência social.

Essas tensões explicitam que as disputas ideológicas entre distintos projetos

societários ainda se fazem presentes no campo da assistência social.

Além disso, os dados mostraram uma segunda tensão, pois foi possível

estabelecer uma conexão argumentativa robusta entre a assistência social e a

proteção social, como se esta fosse responsabilidade apenas do SUAS e não de

todo um sistema que articula diversas políticas públicas. Essa segunda constatação

pode gerar certo estranhamento. Mas consideramos que representa, diante das

armadilhas ideológicas discursivas, uma das razões da fragilidade de compreensão

da oferta especifica da politica de assistência social e, consequentemente, uma das

causas (embora não a única) da sua fragilidade diante de outras politicas públicas.

Essa tensão emerge, ainda, de forma tácita quando, na análise dos dados,

aparecem reiteradamente as dificuldades enfrentadas na articulação intersetorial,

uma vez que os operadores da politica de assistência social se sentem confusos do

94

ponto de vista operacional, guardadas as devidas especificidades de posição no

desenho institucional, quanto ao seu papel dentro de um modelo mais ampliado de

proteção social. Isso tende a gerar ações isoladas e desconectadas dos demais

atores, ao passo que também absorvem para si demandas e responsabilidades de

outras politicas públicas. Essas tensões produzem, especificamente no trabalho

social com famílias do PAIF, uma deturpação da dimensão de atenção integral em

relação à dimensão de atenção totalizante da intervenção.

Em relação à categoria ‘Família’ cabe ressaltar que, apesar do conceito mais

abrangente de família ter sido satisfatoriamente incorporado pelos atores sociais,

ainda impera, em relação à compreensão das dimensões de funcionamento familiar,

o modelo de família tradicional, o que gera uma sobrecarga de responsabilização

para a família, em relação ao exercício da sua função de proteção em um contexto

marcado pela fragilidade da rede de serviços e ausência de estruturas que

garantam às famílias os seus direitos e o apoio que necessitam.

Os tensionamentos identificados podem produzir efeitos diretos na execução

do trabalho social com famílias à medida que as ações técnicas podem reforçar a

visão economicista (ou a visão de desenvolvimento humano) de proteção social e

corroborar para a manutenção do paradigma assistencialista, o que não é

consistente com a ampliação da emancipação de indivíduos, familiais e territórios.

Na categoria ‘Cidadania’ constatamos, ainda, que embora este seja um termo

utilizado com frequência e constância argumentativa, apresenta-se obscurecido

como construto social, entrega de serviço e metodologia de intervenção. Esse

achado foi de fundamental relevância para a análise proposta nesse capítulo,

desnudando que a cidadania, categoria que reflete um ‘vir a ser’ dentro do SUAS,

sofre impactos relativos à ambivalência entre as visões de proteção social

economicista, a de desenvolvimento humano e a de desenvolvimento social.

Identificamos, nos dados da pesquisa, que a visão de desenvolvimento

humano é a mais predominante no campo acional do discurso sobre cidadania,

ainda ligada a uma cidadania assistida. No entanto, merece destaque a busca pelo

paradigma emancipatório e da visão de desenvolvimento social, tanto nas diretrizes

oficiais do MDS como no que se refere à busca dos profissionais que operam o

PAIF, seus esforços por construir a reflexão e a prática do trabalho social com

95

famílias, ou seja, a prática dos atores sociais nas dimensões ideacionais e

relacionais discursivas. Atualmente a cidadania produzida no PAIF se mostra

ambivalente entre a cidadania assistencialista e a emancipatória, conforme

definições de Demo (1995).

Em relação à categoria ‘Condições socioinstitucionais locais de execução do

PAIF’ constatamos que o desenho organizacional do município bem como disputas

de poder entre compreensões locais referentes à forma como o trabalho social com

famílias deve ser materializado nos territórios geram fortes tensões quanto à

identidade local da politica de assistência social, especialmente do CRAS/PAIF, visto

que, na prática, o Programa BHCidadania tem se mostrado mais como um

concorrente do que um aliado. Como efeito produziu um enfraquecimento da

identidade institucional da assistência social local e da capacidade de articulação

intersetorial (a contradição posta entre a intencionalidade do programa e seu efeito

na prática fica evidente), impactando diretamente na qualidade do serviço ofertado,

visto que a entrega do PAIF esta intimamente ligada às demais políticas públicas.

E finalmente, quanto à categoria ‘Interconexões existentes entre as diretrizes

para o trabalho social com famílias e as condições locais’, constatamos haver um

terreno fértil e profícuo para a explicitação dos debates, visto que os elementos

identificados estão em cooperação dentro do campo discursivo. Cabe aos gestores

locais fomentar os processos de transformação discursiva para que eles sejam

coerentes com a visão de proteção social e convergentes com o paradigma da

garantia de direitos. Esse ponto é fundamental, pois é dele que depende a criação

de consensos em torno da emancipação social que poderá se refletir em todos os

níveis, da gestão a execução, do trabalho com famílias no PAIF, especialmente em

relação às estratégias de planejamento e monitoramento das atividades,

possibilitando contribuir para uma solidificação da sua identidade e maior robustez

no campo das politicas sociais.

Ao buscarmos responder ao problema inicialmente proposto na pesquisa,

constatamos que o trabalho social com famílias no PAIF é ferramenta fundamental

para a superação de políticas compensatórias e emergenciais, tradicionalmente

construídas ao longo dos anos, desde que os tensionamentos em relação às

96

distintas visões de proteção social sejam explicitados, debatidos e transformados na

prática social – e não apenas nos discursos.

Este capítulo não esgota a discussão, mas apresenta uma problematização

critica e apontamentos que podem ser uteis para o apoio à PNAS e a construção de

um Sistema Único de Assistência Social mais fortalecido e convergente com a sua

concepção fundante: Garantir que a assistência social seja política pública estatal

que opere em prol da garantia de direitos de indivíduos, famílias e territórios,

contribuindo para uma sociedade mais justa e equitativa.

97

3 A GESTÃO DO TRABALHO COM GRUPOS NA PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA: O GRUPO NO TERRITÓRIO E O TERRITÓRIO DO GRUPO

3.1 Introdução

Neste capitulo, delineamos uma proposta de trabalho com oficinas de

intervenção psicossocial (OIP) no nível de Proteção Social Básica da Política

Nacional de Assistência Social. Partimos do pressuposto da compreensão que as

realidades sociais vivenciadas pelas famílias são compartilhadas em contextos

sociocomunitários e são reflexos de contextos sociais desiguais, portanto refletem a

questão social, exercendo influência nas suas dinâmicas internas e externas e no

exercício da cidadania emancipátoria.

Iniciamos por uma breve revisão sobre as diretrizes para o trabalho com

grupos no nível da proteção social básica da PNAS para, em seguida, refletir sobre a

atuação com grupos no território, discutindo a sua correlação com os princípios da

intersetorialidade e da interdisciplinaridade e buscando refletir sobre suas

implicações para a equipe interdisciplinar no PAIF21. Em seguida, apresentamos

uma proposta de matriz para planejamento e monitoramento das oficinas com

famílias, desenvolvida a partir da discussão teórica, dos resultados da pesquisa já

abordados nos capítulos anteriores. Ao detalhar a metodologia, procuramos

descrever os seus componentes e refletir sobre a sua articulação com os objetivos

da política e sua contextualização dentro de um plano de ação no território.

Procuramos adequar a metodologia da OIP aos objetivos e ao contexto da política

de assistência social, partindo da compreensão de que, embora haja uma

diversidade possível de metodologias a serem utilizadas no contexto da política

21

Parte das discussões apresentadas nesse capítulo já foram socializadas nos artigos AFONSO, M. L. M.; VIEIRA-SILVA, M.; ABADE, F. L.; ABRANTES, T. M.; FADUL, F. M. A psicologia no Sistema Único de Assistência Social. Pesquisas e Práticas Psicossociais, vol. 7, n. 2, São João del-Rei, julho/dezembro, 2012. e em FADUL,F.M, AFONSO. M.L.M. Construção da Interdisciplinaridade no Território na Pnas: Exercícios para uma Psicologia da Cidadania IN ROMAGNOLI, Roberta Carvalho e MOREIRA, Maria Ignez Costa. o Sistema Único de Assistência Social - SUAS: a articulação entre psicologia e o serviço social no campo da proteção social, seus desafios e perspectivas Curitiba: Editora CRV, 2014

98

pública, é necessário que elas estejam em convergência com os princípios e

diretrizes do SUAS e inclinadas na direção de uma cidadania emancipatória.

Por fim, apresentamos nossas considerações finais, enfatizando a relevância

de se criar estratégias de acompanhamento e monitoramento das oficinas com

famílias, dada a importância que essa estratégia de intervenção possui no desenho

metodológico do PAIF, a fim de que se consiga estabelecer parâmetros mínimos de

qualidade em relação a entrega de serviço no âmbito da assistência social a que

elas se propõem e diminuindo as tensões relativas a concepções distintas de

proteção social, família e cidadania.

3.2 O trabalho com grupos na Proteção Social Básica: quais são as diretrizes

da PNAS?

A Política Nacional de Assistência Social (PNAS), promulgada em 2004, com

base na Constituição Federal de 1988 e na Lei Orgânica da Assistência Social de

1993, foi proposta como política respaldada no direito à proteção social, na

universalização dos direitos de cidadania e no princípio da responsabilidade do

Estado. Como política de seguridade social visa à proteção a seguranças básicas,

que equivalem aos direitos sócioassistenciais, definidas como: (1) Acolhida (inserção

na rede de serviços e provisão das necessidades humanas); (2) convívio familiar e

comunitário; (3) desenvolvimento da autonomia individual e familiar; e (4)

sobrevivência a riscos circunstanciais.

Em 2005, começa a implantação do Sistema Único da Assistência Social

(SUAS), que se divide em Proteção Social Básica (PSB) e Proteção Social Especial

(PSE). A PSB atende indivíduos, famílias e grupos em situação de vulnerabilidade

decorrente de pobreza, exclusão e/ou violência e que mantêm os seus vínculos de

pertencimento social. A PSE é dirigida a indivíduos, famílias ou grupos em situação

de violação de direitos e com vínculos familiares ameaçados ou rompidos.

A PSB visa prevenir e enfrentar situações de vulnerabilidades e riscos sociais

por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, do fortalecimento de

vínculos familiares e comunitários e da ampliação do acesso aos direitos de

cidadania. O Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) foi definido como o

99

principal equipamento da PSB, devendo ser implantado em territórios com alta

vulnerabilidade social.

Dentre as suas diretrizes, a PNAS define a matricialidade sociofamiliar,

centralizando na família a concepção e a implementação dos benefícios e serviços.

Compreende a família como núcleo primário de proteção, sociabilidade e convívio

que deve ser apoiado pelo Estado, especialmente quando em situação de

vulnerabilidade, para que possa desempenhar as suas funções protetivas. Porém, a

família pode igualmente ser um espaço de apoio mútuo ou um espaço marcado por

tensões e conflitos. Ressalte-se que, desde a Constituição Federal de 1988, a

concepção de família ampliou-se para abranger uma diversidade de arranjos

familiares, em respeito às diferenças socioculturais e outras.

Uma das diretrizes fundamentais para a organização da PSB é a

territorialização que se refere à centralidade do território como fator determinante

para a compreensão das situações de vulnerabilidade e risco sociais, bem como

para seu enfrentamento, ofertando os serviços socioassistenciais nos locais em que

se organiza a vida dos usuários. Outras diretrizes que nos interessam especialmente

nessa dissertação são aquelas da intersetorialidade e da interdisciplinaridade para

a oferta dos serviços.

A Proteção Social Básica desenvolve, ainda, outros serviços voltados para

crianças, adolescentes, jovens, idosos e pessoas com deficiência. Os serviços,

desenvolvidos no território, devem ser referenciados ao CRAS e articulados ao

PAIF, para garantir o trabalho social com as famílias dos usuários, identificando suas

demandas e potencialidades e possibilitando a materialização da diretriz de

matricialidade sociofamiliar.

O Serviço de Proteção e Atenção Integral à Família (PAIF) tem por objetivos

“fortalecer a função protetiva da família, promovendo o acesso e usufruto de direitos

humanos e sociais e da melhoria da qualidade de vida das famílias; prevenir a

ruptura de vínculos familiares e comunitários, possibilitando a superação de

situações de fragilidade social e, ainda, promover aquisições sociais e materiais às

famílias, potencializando o protagonismo e a autonomia das famílias e comunidades”

(BRASIL, 2009, p. 4-5).

100

O público do PAIF é composto por famílias em situação de vulnerabilidade

social decorrente da pobreza, privação e/ou fragilização de vínculos e de

pertencimento social, em especial famílias beneficiárias de programas de

transferência de renda e do Benefício de Prestação Continuada - BPC. Essa

priorização se explica pelo fato de que a pobreza é uma condição que afeta

sobremaneira a exposição a situações de vulnerabilidade tanto quanto as

possibilidades para o seu enfrentamento. O acesso ao serviço se dá por

encaminhamentos da rede de serviços, por busca ativa efetuada pela equipe do

CRAS no território ou por demanda espontânea.

Para realizar os seus objetivos, o PAIF desenvolve atividades articuladas

entre si: atividades de acolhida incluindo encaminhamentos à rede de serviços;

atividades grupais e atividades coletivas / comunitárias. É na articulação destas

atividades que os acessos podem ser promovidos, potencialidades desenvolvidas e

propostas estratégias para o enfrentamento de vulnerabilidades.

O trabalho social com famílias no PAIF é proposto baseado no respeito à

heterogeneidade dos arranjos familiares, aos valores, crenças e identidades das

famílias, no diálogo, no combate a todas as formas de violência e discriminação.

Busca fortalecer a assistência social como direito de cidadania e trabalhar com as

vulnerabilidades e potencialidades das famílias e das redes sociais. Portanto, suas

metodologias devem favorecer a reflexão sobre a situação de vida das famílias, seus

condicionantes socioeconômicos e culturais e as possíveis estratégias de superação

de vulnerabilidades, inclusive considerando-se a diversidade sociocultural dos

territórios atendidos (BRASIL, 2004).

3.3 O grupo no território

O planejamento do trabalho com grupos no território referenciado pelos

serviços de Proteção Social Básica precisa ser intimamente articulado com o

diagnóstico das necessidades e demandas sociais da população atendida.

101

Porém, elaborar um diagnóstico é uma tarefa complexa22 que envolve

processos e passos diferenciados. Que tipo de dados levantar? Onde? Quem deve

participar desse levantamento? Como sistematizar os dados levando a uma reflexão

produtiva para o trabalho a ser desenvolvido? Como articular, no contexto da

Política, as demandas que a população apresenta e a análise de suas necessidades

sociais, e que nem sempre são coincidentes? Como, enfim, elaborar um

planejamento, a partir do diagnóstico, que garanta a participação dos usuários, ainda

que esta participação varie de intensidade e abrangência nos diferentes territórios?

3.3.1 O princípio da intersetorialidade e a complexidade do território

De acordo com Suely Rolnik (apud JOVCHELOVICHT; PRIEGO-

HERNÁNDEZ, 2013), os territórios são constituídos por dimensões espaciais e

psicossociais, contendo, dentre outros elementos, linguagens, modos de existir,

representações, práticas e relações dentro e fora de seus limites. Ao mesmo tempo

em que se pensa em sua materialidade geográfica, é preciso pensar em suas

fronteiras e suas interações em relação a outros espaços e a territórios mais amplos.

Essas relações são mutáveis, dentro do contexto social e histórico.

Entretanto, as proposições teóricas sobre território e territorialização não são

suficientes para delas se deduzir procedimentos para o trabalho social e é

necessário um investimento para afinar as metodologias e práticas propostas pela

PNAS para o trabalho no território.

De fato, como Pereira (2010) argumenta, a dimensão espacial sempre fez

parte da história da assistência social no Brasil. As propostas de trabalho sobre a

territorialização poderiam ser pensada como estratégias de amenização dos

conflitos sociais em nível local, ou, diferentemente, ser consonantes com um projeto

de universalização dos direitos. Nos anos 1970, a crise dos Estados-nação e a

22

Na literatura, existem diferentes propostas para a elaboração de diagnósticos participativos, tais como o Marco Lógico, o Método dos Doze Passos, a experiência do Orçamento Participativo. Não é nosso propósito, neste artigo, nos estendermos neste ponto e sugerimos a leitura de Markus Brose, Metodologia Participativa: uma introdução a 29 metodos. Tomo Editorial, Porto Alegre, Brasil, 2010, dentre outros.

102

universalização do capital financeiro contribuíram para reafirmar o papel do território

para a reprodução do capital. A partir daí:

Colocam-se, claramente, frente a frente, dois projetos societários: o primeiro pautado na perspectiva de universalização de direitos, de constituição de esferas públicas fortalecidas por participação societária para controle social sobre as ações estatais e, o segundo, precursor do Estado mínimo, da participação consultiva e adesista, das políticas públicas focalizadas sobre os mais pobres, da cidadania de resultados (PEREIRA, 2010, p. 195).

Assim, conforme Pereira (2010), para afirmar-se como política pública de

cidadania, a PNAS precisa consolidar processos participativos e fortalecer o controle

social sobre a política pública. O foco no território não leva, automaticamente, a

processos democratizantes ou à garantia de direitos e é fundamental fomentar a

participação efetiva dos diversos atores sociais. Entretanto, visões contraditórias -

entre o assistencialismo e a cidadania - ainda se conflitam e se entrecruzam no

campo da assistência social no Brasil: “Essas contradições expressam, em alguma

medida, diferenças em torno da compreensão de território e da contribuição deste na

universalização de direitos de cidadania” (PEREIRA, 2010, p.196).

Dentro das limitações dessa dissertação, gostaríamos de refletir sobre as

metodologias participativas como um dos instrumentais possíveis, dentre outros e na

articulação com outros elementos, para a promoção da participação no território,

visando ao fortalecimento dos objetivos da PNAS como uma política de direitos. E,

dentre as metodologias participativas, focalizaremos a Oficina de Intervenção

Psicossocial.

Para deixar claro os riscos do metodologismo, gostaríamos de tecer algumas

considerações sobre a questão da participação, enfatizando aqueles aspectos que

podem ajudar a refletir sobre os limites e as potencialidades das metodologias

participativas para a gestão do trabalho social no território.

103

3.3.2 Metodologias participativas no território: um esforço para fazer valer a

pena

A gestão social incorpora estratégias como a descentralização, a participação,

o controle democrático e a intersetorialidade. Assim, a intersetorialidade tem sido

colocada como uma estratégia para operacionalizar a gestão social.

Conforme Iizuka et al (2011), a gestão social afirma e exige a participação

ampla dos atores sociais envolvidos nos processos decisórios. A cidadania

deliberativa “significa que a legitimidade das decisões políticas deve ter origem em

processos de discussão, orientados pelos princípios da inclusão, do pluralismo, da

igualdade participativa, da autonomia e do bem comum” (IIZUKA et al., 2011, p.

749). Porém, o fluxo de ações presentes nos processos decisórios da cidadania

deliberativa é permeado por fenômenos diversos que nem sempre são considerados

na literatura (IIZUKA et al., 2011). Assim, é preciso indagar pelos fatores que

facilitam ou entravam a participação, pela diversidade dos atores sociais e de

interesses envolvidos, pelos aspectos culturais e relacionais que atravessam os

processos decisórios, dentre outras questões (IIZUKA et al., 2011, p. 773). Seria um

equívoco supor que os sujeitos sociais, em um território, são todos orientados por

interesses iguais e bem definidos e que os processos decisórios sejam

absolutamente racionais, lineares e claros. A complexidade dos processos

participativos abrangem fatores diversos, imbricados no contexto social, cultural e

relacional do território (IIZUKA et al., 2011)

Ou seja, estimular a participação no território pode ser um processo

complexo, em especial quando se trata de territórios atingidos pela violência urbana,

o tráfico de drogas ou outros elementos que somam novos riscos sociais à questão

da pobreza e das desigualdades tais como de gênero, etnia, geração e outros. No

contexto da complexidade contemporânea, onde novos atores sociais também

apresentam as suas demandas, a participação encontra novos desafios. A demanda

por direitos sociais se mescla à demanda pelo reconhecimento das identidades,

introduzindo a questão dos direitos civis e políticos de grupos sociais que até então

se encontravam silenciados. Essas contradições podem ser vistas quando se trata

da relação das mulheres com a assistência social ou no caso dos direitos das

104

pessoas com deficiência, ou ainda na emergência das questões da identidade étnica

no território.

Ou seja, o princípio da participação social no território – e a sua não menos

importante articulação com a participação em âmbitos maiores como o município, o

estado e o país – é um argumento forte que devemos sustentar para a efetivação da

proposta da PNAS como política de direitos. Entretanto, não podemos desconhecer

que a promoção da participação no território encontra novos desafios que precisam

ser discutidos em sua complexidade, na capilaridade das ações, nas

particularidades dos atores sociais e na multiplicidade das questões pertinentes ao

modo de vida e à qualidade de vida no território. Uma pequena digressão relativa à

discussão do conceito de participação vale a pena, para introduzirmos a questão das

metodologias participativas na Proteção Social Básica, ressaltando a complexidade

do seu objetivo, no contexto específico da política.

Segundo Bobbio et al (1998), “o ideal democrático supõe cidadãos atentos à

evolução da coisa pública, informados dos acontecimentos políticos, ao corrente dos

principais problemas, capazes de escolher entre as diversas alternativas

apresentadas pelas forças políticas e fortemente interessados em formas diretas ou

indiretas de participação.” (BOBBIO et al, 1998, p. ).

Assim, a expressão participação política tem sido usada para designar

atividades de diversas naturezas como o voto, a militância política, a participação em

manifestações e outras práticas inseridas nas democracias ocidentais. Bobbio et al

(1998) enfatizam três formas de participação política: (1) presença, composta de

comportamentos de simples presença em ações ou eventos, nos quais o indivíduo

não faz contribuições pessoais; (2) ativação, quando o sujeito desempenha tarefas

que lhe foram confiadas por outros a partir de estruturas ou planos existentes; e (3)

participação, tomado em sentido estrito, quando o indivíduo contribui direta ou

indiretamente para uma decisão política (BOBBIO et al, 1998). A essa forma,

podemos também nos referir como participação plena ou protagonismo social.

A participação política acontece, na maioria das vezes, condicionada pelas

estruturas ou ocasiões que permitem ou medeiam a participação no contexto social,

sendo que raramente são promovidas pelos indivíduos mas refletem as formas do

sistema político (Bobbio at al, 1998). Pensando nos territórios referenciados pelo

105

CRAS, podemos nos perguntar sobre as estruturas ali existentes que viabilizam a

participação dos diferentes atores sociais tanto em nível local quanto na articulação

com outras instâncias da sociedade, como o município ou mesmo com outras

políticas públicas. Ora, promover a participação por meio de metodologias

participativas é importante, mas não supre a carência de estruturas que tornem

possível a participação no território.

Além disso, a propósito do processo de participação na sociedade, Milani

(2008) busca avançar a discussão indagando, dentre outras questões, quem

participa, em que, para que, como, em que espaços ou canais de decisão? Como o

processo de participação contribui para a construção do interesse coletivo? (Milani,

2008, p. 9-10) Essas e outras questões poderiam servir como norteadoras na

promoção da participação no PAIF/CRAS por meio das metodologias participativas.

Sem dúvida, para a efetivação da PNAS, é essencial considerar a

participação dos usuários, por meio de conferências, conselhos e outras estruturas,

porventura existentes, em nível local ou em outros níveis, visando primordialmente

ao controle social da política pública. Contudo, outras dimensões da participação

podem ser consideradas, principalmente levando-se em conta a diversidade cultural

dos territórios atendidos e dos sujeitos sociais que os compõem. Por exemplo, a

participação cultural ou em elementos do modo de vida no território, quando se

pensa, por exemplo, na defesa dos direitos da criança, no combate à violência

doméstica ou na promoção da igualdade racial. Essas ações podem ter um efeito de

promover o capital social no território e, no processo, vir a estimular a participação

de alguns dos usuários, como lideranças ou não, no controle social das políticas

públicas.

Podemos sugerir que não se deve perder de vista essa articulação, evitando

fragmentar as ações focadas nas demandas específicas de indivíduos, famílias ou

grupos comunitários, limitando-se a respostas imediatas possibilitadas com os

recursos da política, mas que não fazem qualquer correlação com as estruturas para

o controle social da política e não convergentes com uma visão de proteção social

emancipatória.

Porém, aqui, mais uma vez a complexidade reclama o seu quinhão: não são

necessariamente os usuários atendidos, ou que tiveram uma participação cultural no

106

território, que se engajarão na participação política, no território ou para além dele.

Cabe perguntar pelos fluxos e processos da participação no território levando em

conta essa complexidade. Não necessariamente o grupo da oficina com jovens de

hip-hop comparecerá a uma conferência local... talvez seja o jovem que assistiu ao

show! Nesse sentido, vale lembrar Bobbio et al (1998), quando afirmam que, apesar

do interesse pela política ser circunscrito a alguns grupos, novas formas de

participação podem apontar para uma revitalização da política.

As metodologias participativas podem se dirigir ao processo de formação para

a cidadania emancipatória, fortalecendo a capacidade dos atores sociais para

atuarem nos processos decisórios do território. Mas é preciso lembrar que as

decisões sobre as quais esses processos decisórios se referem abrangem um amplo

leque de questões sobre o modo de organização da vida e das relações no território.

Poderíamos pensar que as metodologias participativas atuam diretamente na

escuta das demandas dos usuários, possibilitando ações de promoção e defesa dos

direitos e que, indiretamente, contribuem para a formação de capital social, desde

que feita a sua articulação com o território, tomado como um espaço usado, como já

abordado anteriormente.

O capital social corresponde a recursos cujo uso abre caminhos para o

estabelecimento de novas relações entre os habitantes de uma determinada região

(ABRAMOVAY, 2000). Diz respeito a “características da organização social, como

confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da

sociedade, facilitando ações coordenadas” (PUTAM, 1993. apud ABRAMOVAY,

2000, p. 45). Pode-se distinguir dois tipos fundamentais de vínculos entre os

indivíduos (ABRAMOVAY, 2000): os laços de “tipo cola”, que se refere à confiança

que se forma com base na identidade social dos atores, em seu sentimento

comunitário de pertencer ao mesmo universo, à partilha de tradições e valores

comuns. Como lembra Abramovay (2000), embora importantes, esses laços não são

suficientes para estimular iniciativas inovadoras, podendo inclusive levar ao

fechamento do conjunto social sobre si próprio, dificultando a incorporação de novas

demandas. Assim, outro tipo de vínculo ganha importância, trata-se do “formato de

ponte”, que implica na capacidade de um determinado grupo de ampliar o círculo de

relações e a sua vida social (LIZUKA, 2011).

107

Uma noção equivocada de capital social levaria a uma intervenção fechada,

focalizada em resultados de curtos prazos, com um conjunto limitado de

instrumentos para construir a articulação dos atores sociais. Entretanto, conforme

sugerem Martins;Vaz;Caldas (2010), é necessário “encarar essa complexidade, que

é a da articulação simultânea entre instrumentos e atores, na forma de estratégias

situacionais de desenvolvimento local, absolutamente singular no tempo e no

espaço, ressaltando o caráter multidimensional e multiescalar desses processos”

(MARTINS;VAZ;CALDAS, 2010, p. 586).

É nesse sentido que as metodologias participativas podem atuar. Talvez

possam facilitar a consecução de objetivos delimitados, a curto prazo, como a

escuta da demanda e a construção de ações setorializadas e intersetoriais para

responder a essa demanda. Porém, no que tange aos aspectos imateriais, pouco

mensuráveis, mas, todavia, essenciais à participação, o caminho pode ser mais

complexo, uma vez que implicaria em abrir espaço e expressão para os diversos

atores sociais e as suas diferentes questões, mesmo considerando que o trabalho

esteja focalizando no âmbito dos objetivos da política da assistência social na

articulação com as demais políticas que visam à concretização da proteção social no

território.

Assim, a compreensão do território e do diagnóstico local andam lado a lado

com a discussão dos princípios da intersetorialidade e da interdisciplinaridade na

PNAS bem como das estratégias para sua efetivação no território.

3.3.3 Intersetorialidade

Como lembram Monnerat e Souza (2011), a PNAS adota a intersetorialidade

como fundamental para garantia dos direitos de cidadania e a operacionalização do

SUAS precisa da sua articulação com outras políticas públicas. Não obstante, a

PNAS tem sido frágil para garantir a intersetorialidade, tanto no que diz respeito aos

recursos materiais quanto à capacitação de seus operadores para atuarem dentro

desse novo paradigma. Coloca-se o desafio de resgatar.

Como vimos, a intersetorialidade é um princípio não apenas da PNAS como

da proposta mesma de proteção social no Brasil. É por meio da articulação entre

108

políticas públicas que a proteção social pode se efetivar, contribuindo para o

desenvolvimento social. Para Inosoja (2001), desenvolvimento social implica na

“repartição mais equânime das riquezas existentes na sociedade em determinado

momento histórico, com a redução das desigualdades (que todas essas políticas

assistencialistas jamais pretenderam resolver) e, portanto, com a reversão da

exclusão social” (INOSOJA, 2001, p. 107).

De acordo com Inosoja (2001, p. 105):

Retomando o conceito, estamos definindo intersetorialidade ou transetorialidade como a articulação de saberes e experiências com vistas ao planejamento, para a realização e a avaliação de políticas, programas e projetos, com o objetivo de alcançar resultados sinérgicos em situações complexas. Trata-se, portanto, de buscar alcançar resultados integrados visando a um efeito sinérgico. Transpondo a idéia de transdisciplinaridade para o campo das organizações, o que se quer, muito mais do que juntar setores, é criar uma nova dinâmica para o aparato governamental, com base territorial e populacional (INOSOJA, 2001, p. 105).

Ora, Inosoja (2001) lembra que a intersetorialidade não se limita à

justaposição de um conjunto de projetos que continuem sendo formulados e

realizados setorialmente (INOJOSA, 2001, p. 105). A intersetorialidade implica em

uma mudança de paradigma sobre como abordar a realidade, na elaboração de

projetos transformadores, no planejamento e avaliação participativa, com base

regional e na atuação em rede de compromisso social (INOJOSA,2001, p. 106).

Trata-se, portanto, do desenvolvimento de um olhar e de um fazer transetoriais, em

que dialoguem as várias dimensões da mudança, orientados, sempre, pelas

necessidades integradas da população e por uma perspectiva política de

desenvolvimento social e de superação da exclusão. (INOSOJA, 2001, p.109).

Entende-se que, para serem efetivas, as políticas públicas precisam

desenvolver o modelo intersetorial, no qual a dimensão assistencial possa apoiar e

se apoiar no acesso as outras políticas sociais (SCHUTZ; MIOTO, 2010, p. 70).

Entretanto, a intersetorialidade não se revela como uma estratégia de fácil

realização e coloca grandes desafios para a gestão social.

Assim como a interdisciplinaridade opera sobre questões delimitadas, que

exigem a articulação de saberes, na busca de formular novas interpretações e

maneiras de fazer, a intersetorialidade se constitui no esforço de solucionar

109

problemas sociais cuja complexidade exige a articulação de diferentes políticas

públicas e de diferentes setores da sociedade. Assim, como lembram Garajau e

Afonso (2012), a intersetorialidade não é um arranjo espontâneo, e sim um esforço

diferenciado para a obtenção de resultados integrados. Para o enfrentamento de

fenômenos complexos ligados à questão social, a gestão social encampa, dentre

outras, a estratégia da intersetorialidade.

Garajau e Afonso (2012) sugerem que a intersetorialidade se realiza em três

dimensões que podem ser articuladas entre si. A primeira é um nível básico de

funcionamento, que requer o mapeamento e conhecimento da rede no espaço

territorial e o diagnóstico dos atores sociais envolvidos no enfrentamento das

questões colocadas pelo processo de intervenção social. Nesse caso, por exemplo,

é possível articular as políticas em nível local para fazer acontecer

encaminhamentos, com indicações de referência e contrareferência. Pode-se ainda

conciliar ações. Embora não se trate, ainda, de integrá-las. Na segunda dimensão,

que necessita do conhecimento já desenvolvido na primeira, as relações são

estreitadas, visando articulação e suporte para o desenvolvimento de ações comuns,

integradas, visando atingir os mesmos objetivos. Nesse caso, é necessário - como já

afirmara Bronzo (2007) - a interação entre dois eixos: o dos conhecimentos

necessários à ação técnica e o da capacidade relacional entre atores e políticas. Na

sequencia, Garajau e Afonso (2012) falam, ainda, de uma terceira dimensão, onde o

desenvolvimento de ações conjuntas segue um planejamento integrado incluindo,

dentre outras possibilidades, o diagnóstico conjunto do território e processos de

avaliação que levem em conta a intersetorialidade. Ou seja, a gestão social

precisaria se colocar como cooperativa e inclusiva, sendo que as políticas sociais

seriam, nas palavras de Santos (2011), ao mesmo tempo autônomas e

interdependentes.

Passam pela complexidade dos sistemas: que saberes seriam necessários

para desenvolver atividades com indivíduos, famílias e grupos sociais, atividades

que possibilitassem realizar os objetivos da política e, portanto, concretizassem a

entrega de seu objeto?

110

3.3.4 Complexidade e Interdiciplinariedade da questão social no território

O diálogo interdisciplinar se mostra relevante para o trabalho social com

famílias, desde que se proceda à sua adequação ao campo da assistência social,

aos objetivos e às diretrizes da PSB. Assim, é preciso lembrar que cada metodologia

(mesmo aquelas consideradas participativas) tem a sua contextualização histórica e

que a sua utilização no campo da assistência social não pode se dar como mera

repetição de procedimentos e técnicas. Pelo contrário, precisa acontecer de maneira

crítica, analisando suas possíveis contribuições e limites.

Nesse sentido, podemos pensar, dentre outras, no diálogo com a educação

popular, também compreendida como educação crítica e problematizadora, e a

intervenção psicossocial, oriunda da área da psicologia social. É relevante então

indagar sobre seus princípios, propostas, procedimentos e possibilidades de

contribuição para o trabalho na PSB, ou seja, para a concretização da entrega do

produto da PSB enquanto politica pública.

O trabalho social envolve sempre, em alguma medida, a transmissão de

informações e a discussão de conteúdos. Isto gera a questão sobre estratégias que

possam tornar essa transmissão mais participativa e operativa uma vez que as

diretrizes para o trabalho social na PSB recomendam a adoção de metodologias

participativas.

O diálogo com a educação popular prontamente nos remete a pedagogia da

autonomia, de Paulo Freire (2003), mas também a diversos outros autores que hoje

se colocam como referência na área. Nas diferentes formas de pedagogia de

problematização, há ênfase nas concepções de sujeito ativo e interativo, apropriação

crítica de conteúdos, reflexão e capacidade de resolução de problemas de forma

individual e coletiva, dentre outros princípios. As experiências de trabalho social

podem utilizar recursos como dinâmica de grupo, fotografia, teatro e outras formas

culturais, mas sempre abrindo espaço para o diálogo e a comunicação do grupo em

torno de seus objetivos.

Seus procedimentos, de maneira geral, incluem: conhecimento da realidade

dos sujeitos e de suas principais questões, que devem ser priorizadas segundo a

importância que os sujeitos lhe atribuem vis a vis a sua importância na realização

111

dos objetivos da política; encontros onde se buscar problematizar as questões e

ampliar o debate, sempre por meio de estratégias participativas, visando a

apropriação dos conhecimentos pelos usuários e a sua utilização referenciada no

contexto social e histórico para gerar possibilidades de respostas às vulnerabilidades

existentes.

Porém, é importante lembrar que a pedagogia da autonomia e a pedagogia da

problematização foram muito utilizadas em contextos que envolvem reflexão mas

não necessariamente ação na sociedade. Seria interessante considerar como

poderiam contribuir para o trabalho com famílias no PAIF, considerando-se

principalmente o seu potencial para as atividades grupais e coletivas.

Também o campo da intervenção psicossocial propõe metodologias

participativas para a escuta e a participação dos sujeitos, dentro de seu contexto

sociohistórico. São metodologias voltadas para o trabalho com grupos, instituições e

territórios de vida e ação. Enfocam, no território, ou seja, no nível local, as

representações sociais, as identidades sociais, os processos de comunicação social,

os modos de vida, os vínculos sociais, a dinâmica das relações sociais de poder –

como gênero e etnia – em contextos microssociais, dentre outras questões. Aqui,

está em jogo a interação entre o sujeito, a sociedade e a cultura. Ora, indaga-se,

não seriam estes elementos fundamentais a um processo de diagnóstico do território

e de planejamento das atividades da PSB? Sim, podemos responder, desde que

estejam articulados ao combate às vulnerabilidades e ao desenvolvimento das

potencialidades e à proteção dos vínculos que respaldam o acesso aos direitos de

cidadania e aos direitos humanos.

E como se poderia fazer esta ligação? De acordo com Lévy (2001), os

processos de intervenção psicossocial devem incluir a produção do conhecimento

social dos grupos sobre si mesmos (reflexão), a sua organização e ação no

contexto. A intervenção psicossocial parte da problematização da realidade pelos

atores sociais, e busca ir além, desenvolvendo a participação e a ação no contexto.

Trabalha a dimensão subjetiva na medida em que tal análise possa contribuir para a

análise crítica da realidade sociocultural e colaborar na construção de novas

representações sociais, identidades sociais e formas de interação.

112

No trabalho com grupos, dentro do território, parte-se da análise de uma

demanda existente: o que é uma questão para o grupo, para qual grupo, por que e

em que direção se produzir mudanças? Procede-se a um diagnóstico participativo

da realidade vivida e a análise dos seus elementos críticos para se considerar as

diferentes possibilidades e estratégias de mudança. São então definidos os objetivos

prioritários enquanto se busca construir contextos de participação e de autonomia

(como um processo contínuo).

A intervenção psicossocial conta com diferentes instrumentais, podendo ser

citados a Pesquisa-Ação, o Grupo Operativo, a Oficina de Intervenção Psicossocial

e as Rodas de Conversa.

Na América Latina, a partir dos trabalhos de Martin-Baró (1996), Paulo Freire

(2003), e outros, entendemos que houve um encontro fértil entre a Educação

Popular e Intervenção Psicossocial. Dentre as suas expressões, reconhecemos a

Pesquisa-Ação, método iniciado por Lewin (ainda na Alemanha da ascensão e

resistência ao nazismo) e, posteriormente, reapropriado no contexto da luta contra

regimes opressivos, revalorizando a participação das populações na produção de

conhecimentos que concernem à organização de sua vida e das ações que

impactam a sua qualidade de vida.

Entretanto, uma coisa é a proposta teórica de uma metodologia e outra é a

sua aplicação em um contexto histórico definido. Trata-se, em princípio, de buscar a

afinidade teórica dessas metodologias com a PSB, no que concerne à defesa dos

direitos e da cidadania. Mas logo em seguida surge o desafio de adaptá-las para

serem efetivadas no campo da assistência social, de acordo com o seu objeto e

objetivos e isto sem que percam a sua dimensão ético-teórica, isto é, sem que sejam

desvestidas de seus princípios básicos, da complexidade de seus conceitos e das

possibilidades de suas aplicações práticas.

Para que? Garantir direitos, cidadania, qualidade de vida e direitos humanos

(porque quando buscamos uma operacionalização da qualidade de vida, corre-se o

risco de reducionismos novamente). Assim, cidadania é mais do que um conjunto de

direitos de cidadania. É mais do que uma concepção teórica. É um valor sobre o

qual se debruçam as diferentes visões de mundo e que se encontra em disputa

entre os diferentes interesses sociais. Não é apenas um conceito que expressa algo

113

ou sintetiza algo, é um objeto de luta e de desejo. Se esquecemos esse horizonte, e

os perigos que ele apresenta, pois está povoado por distintas concepções, caímos

novamente na fragmentação e na banalização, conforme já discutimos nos capítulos

anteriores dessa dissertação. Nesse horizonte, a participação é um elemento

fundamental da cidadania, especialmente a cidadania emancipatória, conforme

proposto por Demo (1995). Mas a participação precisa que o grupo sujeito

desenvolva saberes sobre si mesmo, formas de agir e pensar o seu mundo e o

mundo que se abre a partir de suas ações em seu mundo.

3.3.5 Transformações necessárias - interdisciplinaridade e intersetorialidade

As políticas públicas instauradas, após a CF88, visam mudanças sociais em

diversas áreas. Mudanças sociais são mudanças na teia do cotidiano, envolvendo os

sujeitos e seus modos de vida. É necessário indagar como a mudança é processada

e os seus efeitos. No processo de mudança, quem, com quem e para quem se

decide, se planeja e se faz?

A PNAS exige metodologia de trabalho interdisciplinar e intersetorial.

conhecimentos e técnicas diversos, tais como Serviço Social, Sociologia,

antropologia, Psicologia Social e Psicologia precisam ser articulados pelas

necessidades específicas do campo de aplicação (AFONSO, 2010).

Se, na multidisciplinaridade, as disciplinas cooperam em projetos, mas cada

uma trabalha um aspecto do objeto, com limites definidos e sem mudanças de

método, na interdisciplinaridade, busca-se compartilhamento de métodos e

integração do campo de intervenção. O foco da intervenção é integrado e para ele

concorrem os conhecimentos mobilizados na relação interdisciplinar (SANTOS,

2011).

Entretanto, as experiências interdisciplinares precisam se dar em focos

definidos de atuação e reflexão. A construção de metodologias participativas visa o

desenvolvimento das potencialidades e da autonomia dos sujeitos e seus grupos de

pertencimento (incluindo a família, mas não apenas ela). Cada situação específica

lança luz sobre os saberes e práticas envolvidos e suas possíveis articulações.

114

Na interdisciplinaridade, busca-se o diálogo entre disciplinas diferentes. Não

se trata apenas de conciliar pesquisas e métodos e sim de construir novas formas

de interpretar e de operar no mundo (SANTOS, 2007). É compreensível que isso

crie tensões e disputas internas, tendo em vista que a formação acadêmica ainda

ocorre de modo bastante focalizado em disciplinas, o que pode gerar dificuldades de

articulação e reforçar a disputa entre os saberes, revelando jogos de poder no

cenário de intervenção. Mas também é possível que novos saberes e práticas

resultem da empreitada.

Na mudança do paradigma assistencialista para o paradigma dos direitos,

surge o desafio da produção de conhecimentos e metodologias de ação. É tão

importante utilizar o conhecimento já produzido quanto produzir novos

conhecimentos escutando as demandas que chegam dos usuários e da própria rede

de serviços. Há que se considerar que o campo de conhecimento impacta a prática

tanto quanto a prática impacta o campo de conhecimento.

Aprofundando a discussão, é importante lembrar que, no contexto do Sistema

de Garantia de Direitos, a integração entre as políticas públicas é fundamental para

garantir a cidadania. Dessa maneira, a intersetorialidade deve andar lado a lado com

a interdisciplinaridade no SUAS.

Em sua versão mais básica, a intersetorialidade responde pelo fluxo de

encaminhamentos de indivíduos e famílias para a rede de serviços, mas não deve

ser pensada apenas neste âmbito. Abrange formas de pensar e intervir de maneira

integrada e conjunta, compreendendo a complexidade da questão social. Assim,

identificamos também práticas como discussão de caso em rede, planejamento e

realização de ações compartilhadas pelas diferentes políticas setoriais, de maneira

pontual ou continuada.

Argumentamos, portanto, que os saberes e práticas do campo psi no SUAS

precisam ser articulados (e, como efeito, transformados) não apenas de maneira

interdisciplinar, mas também a partir de ações intersetoriais. Tanto na PSB quanto

na PSE, a interdisciplinaridade complementa, na prática, a intersetorialidade,

traçando rumos para a ação profissional.

115

3.4 Articulações do Trabalho com Grupos com o Território na Proteção Social

Básica

3.4.1 O Território do Grupo

O contexto de intervenção apresentado pela Politica de Assistência Social

demanda, do ponto de vista metodológico, que as ferramentas de intervenção com

famílias sejam sensíveis às especificidades do campo em questão.

Como forma de contribuição ao campo das metodologias de trabalho

comunitário apresentaremos a Oficina de Intervenção Psicossocial como estratégia

de intervenção.

A Oficina de intervenção Psicossocial (2000) é uma metodologia desenvolvida

desde a década de 2000 é tem sido amplamente utilizada no contexto de

intervenção em politicas publicas, em especial na saúde e assistência social.

Apresenta linhagem teórica embasadas nas teorias de Pichon-Rivière, da

Pedagogia de Paulo Freire, da pesquisa-ação crítico-colaborativa, da Psicodinâmica

(visão psicanalítica) do Processo Grupal e das teorias psicossociais (AFONSO;

ABADE; SILVA, 2009) e pode ser definida como:

[...] um trabalho estruturado com grupos, independentemente do número de encontros, sendo focalizado em torno de uma questão central que o grupo se propõe a elaborar, dentro ou fora de um contexto institucional. A elaboração que se busca na Oficina não se restringe a uma reflexão racional, mas envolve os sujeitos de maneira integral, suas formas de pensar, sentir e agir (AFONSO, 2000, p.34).

A escolha do termo oficina remete à noção de que há algo que precisa ser

realizado, uma ‘tarefa’ precisa ser executada e é neste sentido que se nota uma

clara aproximação com os conceitos de grupo operativo de Pichon-Rivière (1998)

que define o grupo

“como um conjunto de pessoas, ligadas no tempo e espaço, articuladas por sua mútua representação interna, que se propõem explícita ou implicitamente a uma tarefa, interatuando para isto em uma rede de papéis, com o estabelecimento de vínculos entre si” (PICHON-RIVIÈRE, 1998 p.57).

116

A tarefa em questão tem como ferramentas os processos identitários,

relacionais, representacionais envolvidos na situação grupal e desse em relação ao

seu contexto social. A concepção de tarefa é fundante nesta teoria, pois ela é

considerada como elemento de organização de processos de pensamento e de

comunicação que acontecerão no grupo (AFONSO; ABADE; SILVA, 2009).

Sendo assim a tarefa interna refere-se à elaboração das relações no e do

grupo para que este consiga realizar o seu trabalho e a tarefa externa aos objetivos

conscientes/diretos no e do grupo. Apresentam-se então a tarefa interna e externa

do grupo como conceitos fundamentais à intervenção, uma vez que para que a

Oficina alcance seus objetivos são necessários dois elementos fundamentais (1)

compreensão pelos participantes do grupo da sua dinâmica interna e externa,

referida ao contexto sócio-histórico, e (2) que experiências e análises de seus

vínculos sociais e afetivos, das relações interpessoais, sejam construídas e vividas

através da comunicação e da linguagem (AFONSO; ABADE; SILVA, 2009).

Neste sentido a noção de que o grupo sempre está inserido em um

determinado contexto social que o influência e é influenciado por ele nos leva a

aproximá-lo da noção de território, pois como, já apresentado, é no território que se

processa a vida cotidiana e se materializa a questão social.

Todos os grupos são constituídos pelas dimensões da convivência

(interação), da produção de sentidos sobre si mesmo e sobre o seu contexto

(reflexão) e da ação (operatividade). Dependendo da maneira como são organizadas

as dimensões de interação, reflexão e ação no grupo, teremos grupos de

convivência ou de apoio mútuo, grupos de reflexão ou de problematização, grupos

operativos (AFONSO; ABADE; SILVA, 2009). Vale destacar que essas dimensões

precisam ser manejadas conforme o tipo de trabalho que se pretende realizar, elas

precisam dialogar com a execução da tarefa interna e externa para que se consiga,

em ultima instância, possibilitar a aprendizagem no grupo. Essa aprendizagem não

se resume a aquisição de conteúdos, mas implicará em insight (reflexão) sobre a

própria experiência (convivência) e em mudança de postura (ação) nas relações do

sujeito com o mundo.

117

Figura 01 – Dimensões do grupo

Fonte: Elaboração do autor a partir de AFONSO; ABADE; SILVA, 2009.

Para manejar essas dimensões é preciso trabalhar com o processo grupal e

tudo o que ele implica em termos de fases, resistências, formas de comunicação e

de cooperação, processos decisórios e dessa forma outro elemento teórico

importante para a compreensão da Oficina de Intervenção Psicossocial se relaciona

aos vetores do processo grupal.

Conforme salienta Ogioni et al (2009) eles precisam ser compreendidos como

“pares de oposição dialética,

Isto é, para cada categoria existe outra, oposta e contraditória, que ajuda a configurar um campo de intervenção no grupo. Por exemplo: a cooperação no grupo está dialeticamente relacionada à competição. Assim, quando se pretende ajudar a construir práticas de cooperação, é preciso perceber e discutir (ao invés de negar) as formas de competição e rivalidades presentes, compreender o seu sentido, construir com o grupo respostas a esses conflitos e formas possíveis de cooperação (OGIONI et al, 2009, p. 105).

Os vetores do processo grupal são nomeados como de

afiliação/pertencimento, comunicação, cooperação, pertinência, aprendizagem e tele

e aprentaremos breves descrições de cada um deles conforme proposto por Ogioni

et al (2009).

O primeiro vetor é a Afiliação, compreendida enquanto o primeiro grau de

identificação com a tarefa e com o grupo e que no momento seguinte evolui para a

noção de pertencimento onde há um maior grau de identificação e integração grupal,

permitindo a elaboração da tarefa;

CONVIVÊNCIA

REFLEXÃO

AÇÃO

Contexto

118

O vetor da Cooperação representa a implicação com as atividades do grupo,

a troca de vivências e experiências se destaca e também aparecem os elementos

relacionados à distribuição de poder entre os participantes do grupo.

Pertinência é o vetor que representa a coerência no grupo em torno da tarefa

à medida que “participantes constroem saídas para as suas dificuldades, de maneira

criativa e contextualizada, manejando limites e possibilidades nas situações

enfrentadas” (OGIONI et al, 2009).

O vetor Comunicação é fundamental nesse processo de interação grupal uma

vez que a produção de sentido esta diretamente correlacionada ao ato de

comunicar, podendo ser verbal, pré-verbal ou gestual. A comunicação diz respeito

não apenas à fala, mas à forma como alguém se faz presente no grupo.

A Aprendizagem é caracterizada por uma mudança qualitativa do grupo,

implicando em criatividade, resolução das ansiedades e uma adaptação ativa à

realidade vivida.

E finalmente o último vetor se refere a Tele, isto é o clima, o vínculo de

confiança em que se desenvolve o grupo, resultado de uma transferência positiva ou

negativa para trabalhar a tarefa grupal (OGIONI et al, 2009).

De forma esquemática podemos visualizar os pares de oposição dialética dos

vetores no Quadro 02 abaixo:

119

Quadro 02 - Pares de oposição dialética dos vetores do proceso grupal.

VETORES PARES DE OPOSIÇÃO

AFILIAÇÃO/PERTENCIMENTO

O desejo de cada

participante de ser

reconhecido como

membro identificado

aos objetivos do

grupo;

Versus O

reconhecimento pelo

grupo de um desejo

singular em cada

participante;

PERTINENCIA

Construção de

autonomia e

protagonismo;

Versus Conformismo;

COMUNICAÇÃO

Construção de

contextos de diálogo,

participação e

significação;

Versus Dificuldades

históricas, sociais,

culturais, intersubjetivas

e subjetivas de

comunicação;

COOPERAÇÃO

Necessidade e desejo

de cooperar para

construir um projeto

em comum;

Versus Relações de

competição no interior do

projeto coletivo;

APRENDIZAGEM

Interesse e o desejo

de aprender tanto

assuntos técnicos

quanto vivenciais;

Versus Dificuldades para

aprender e dificuldades

para se posicionar como

alguém que tem o direito

a aprender e a

capacidade de aprender;

TELE

Disposição para agir

em conjunto ;

Versus Falta de

confiança no vínculo e

no projeto grupal;

Fonte: Elaboração do autor a partir de Ogioni et al, 2009.

O movimento destes vetores acontece de forma espiralada dentro do grupo,

sendo a imagem de ‘cone invertido’ a representante gráfica dessa noção em que há

na superfície do cone conteúdos explícitos e na saída conteúdos implícitos.

120

Uma vez apresentados os conceitos principais da Oficina de Intervenção é

preciso debruçar sobre a sua forma de realização e para tanto discutiremos a

Análise da Demanda, Pré-análise, Foco, Enquadre e papel da Coordenação.

A Análise da Demanda é o momento em que o profissional precisa decodificar

a demanda do grupo (e também do território) (AFONSO, L. ABADE, F.& SILVA, M.V,

2009). Na presente proposta a decodificação da demanda implica na habilidade de

identificar o que não está explicito e para isso é fundamental a articulação com o

contexto sócio cultural para interpretá-la e propor um trabalho assertivo aos

participantes. Podemos considerar que a análise da demanda estaria intimamente

relacionada ao afiançamento da segurança de acolhida da PNAS naquilo que ela

representa enquanto decodificação das demandas da população em oferta de

serviços.

A fase de Pré Análise consiste no levantamento de dados e aspectos

importantes das questões apontadas na demanda que poderão ser relevantes para

o trabalho na Oficina (AFONSO; ABADE; SILVA, 2009). Pensamos que é nessa fase

que o profissional é motivado a conhecer melhor os objetivos de sua politica de

atuação e os demais elementos que transversalizam as demais politicas que se

relacionam à demanda apresentada. A capacidade de compreensão de

complexidade dos fenômenos sociais é exigida, sendo terreno fértil para práticas

intersetoriais e o estabelecimento de elos na rede, uma vez que a própria noção de

intervenção psicossocial demanda a articulação de vários ângulos.

Fica aparente a aproximação dessa fase com os elementos de planejamento

e a coordenação do grupo é substancialmente exigida. Geralmente é nessa fase que

se encontram os equívocos de execução, pois muitas vezes elementos de

institucionais se apresentam como entrave.

O foco representa o tema geral da Oficina, é em torno dele que serão

elaborados os temas geradores que ajudarão a compor o trabalho. Ao passo que o

enquadre remete aos aspectos formais do grupo, como número e tipo de

participantes, o contexto institucional, o local, os recursos disponíveis, o número de

encontros (AFONSO; ABADE; SILVA, 2009). Ou seja, é preciso preparar uma

estrutura para o trabalho e essa estrutura precisa estar correlacionada

121

especialmente com a fase de pré analise para que a materialização da oficina seja

assertiva aos anseios do território e da política pública na qual se opera.

A função de coordenação do grupo precisa ser compreendida enquanto

agente de facilitação e mobilização dos processos envolvidos na situação grupal e

para tanto demanda certo conhecimento teórico quanto as fases e vetores do

processo grupal. A relação deste com o grupo precisa ser horizontalizada já que a

sua função é mediar no grupo os processos de comunicação e aprendizagem para

que as respostas sejam forjadas, construídas entre os participantes (AFONSO;

ABADE; SILVA, 2009). Esse ponto é de extrema relevância, pois a forma como a

coordenação se porta diante do grupo está relacionada à sua concepção de

proteção social, cidadania, família, pobreza e exclusão social, portanto relacionada à

sua forma de conceber os fenômenos sociais.

Em relação ao trabalho social com famílias as estratégias de intervenção

devem levar em consideração as influências da evolução histórica do conceito de

família, o contexto politico e institucional no qual estamos inseridos (ITABOARÍ,

2005).

Afonso (2010), ao realizar levantamento quanto às práticas metodológicas de

trabalho com famílias no âmbito do PAIF, salienta que os grupos não podem se

limitar a intervenções feitas no âmbito socioeducativo, sem fazer articulação entre os

princípios da PNAS e as estratégias adotadas para alcançá-los. Os processos

subjetivos dos participantes dos grupos, das famílias, não podem ser priorizados

sem correlaciona-los com os fatores socioculturais e estruturais presentes, correndo-

se o risco de se criar um efeito de “quase culpabilização” dos participantes, pois as

mudanças precisam encontrar ancoragem em formas mais tangíveis de apoio

socioeconômico e cultural (AFONSO, 2010).

Propomos para fins didáticos uma matriz de raciocínio que represente

esquematicamente o discutido e auxilie na compreensão e operacionalização das

fases da OIP.

122

Quadro 03 - Matriz de operacionalização das fases da OIP

Fonte: Elaboração do autor

A Oficina de Intervenção Psicossocial se apresenta como uma metodologia

relevante para o desenvolvimento do trabalho social com famílias nas politicas

públicas, incluindo a politica de assistência social, uma vez que seus pressupostos

teóricos e metodológicos possuem afinidade com as mudanças introduzidas pela

Constituição Federal de 1988, pela LOAS (1993) e pela PNAS (2004) como a

centralidade do território, interdisciplinaridade e intersetorialidade, à medida que

favorece os vínculos entre os participantes, a reflexão sobre o cotidiano e o

protagonismo (AFONSO, 2010).

Ao adequarmos metodologias a um determinado cenário de intervenção,

principalmente ao contexto das políticas públicas, no caso a politica de assistência

social, algumas adaptações e construções precisam ser realizadas. Um exemplo se

refere à necessidade de criação de mecanismos de monitoramento e avaliação

dessa metodologia atrelados às diretrizes da Política de Assistência Social. Como

forma de contribuir para a ampliação do debate apresentaremos, na seção seguinte,

uma proposta de monitoramento da metodologia de OIP no contexto da politica de

Assistência Social.

ANALISE DA DEMANDA

PRE ANÁLISE

FOCO

ENQUADRE

COORDENAÇÃO

Análise da realidade a ser transformada

Definição dos objetivos e formas de atuação

Áreas a serem trabalhadas,

Identificação do público, de recursos necessários: Financeiros, humanos, materiais

Implantação

123

3.4.2 Gestão do trabalho com Grupos no PAIF

O trabalho social com famílias desenvolvido através das Oficinas de

Intervenção Psicossocial, enquanto uma possibilidade de atuação no campo da

Politica de Assistência Social demanda formas de monitoramento e avaliação para

uma fidelização aos princípios e diretrizes da PNAS na medida em que elementos

de gestão relativos ao acompanhamento da intencionalidade, qual o tipo de

cidadania elas fomentam, e da qualidade da oferta de serviços sejam debatidos e

explicitados.

Não basta apenas ‘fazer grupos no CRAS’ é preciso uma clareza na

compreensão do porquê a estratégia coletiva é relevante neste contexto e qual

oferta de serviço à população ela se destina. Ao analisarmos as recentes

orientações sobre do trabalho com famílias no PAIF é notória a ênfase depositada

na intervenção coletiva com as famílias, uma vez que parte-se do pressuposto de

que “os membros familiares, se realizam no grupo familiar, ao passo que as famílias

se percebem nos contextos comunitários e territoriais em que estão inseridas, ou

ainda na interação com suas redes (que podem não estar no mesmo território)”

(BRASIL, 2012 b p. 24).

Os objetivos das oficinas no âmbito do PAIF são a (1) contextualização

situações de vulnerabilidade e risco através da (2) reflexão sobre direitos sociais,

proporcionando uma nova compreensão e (3) interação com a realidade vivida,

negando-se a condição de passividade e (4) favorecendo processos de mudança e

de desenvolvimento do protagonismo e da autonomia diante de riscos e

vulnerabilidades sociais (BRASIL, 2012b). Essa entrega, um tanto quanto abstrata,

precisa ser mensurada para que esses elementos sejam traduzidos em parâmetros

objetivos para a mensuração e qualificação do PAIF, produzindo substratos

relevantes à vigilância socioassistencial23 no SUAS.

23 A vigilância socioassistencial é uma das funções do SUAS e deve produzir apoio efetivo às

atividades de planejamento, gestão, monitoramento, avaliação e execução dos serviços socioassistenciais, imprimindo caráter técnico à tomada de decisão; de contribuir para a efetivação do caráter preventivo e proativo da política de assistência social, assim como para a redução dos agravos, fortalecendo a função de proteção social do SUAS (BRASIL, 2004).

124

Diante do explicitado o presente capítulo visa apresentar parâmetros para

monitoramento da Oficina de Intervenção Psicossocial no âmbito do PAIF. Não é

seu objetivo apresentar uma discussão sobre indicadores e nem tão pouco esgotar

o debate, apenas apresentamos alguns ensaios quanto ao exercício dessa

construção a partir dos achados da pesquisa de campo, de experiências vivenciadas

no cotidiano no acompanhamento às equipes técnicas e no trabalho com o

CRAS/PAIF.24

3.4.3 Elementos referentes aos aspectos formais, dinâmicos e transversais nas

oficinas

Os elementos formais são aqueles referentes às características que organizam

o grupo, ou o chamado “enquadre”, tais como número de participantes,

periodicidade, tempo de reunião, etc. São quantificáveis e nesse sentido são

importantes para o acompanhamento do desenvolvimento de grupos, no serviço, a

curto, médio e longo prazo.

Geralmente estes são os elementos mais habitualmente monitorados na gestão

do trabalho com grupos, porém o uso apenas dos aspectos formais do grupo não os

interligam ao contexto institucional ao qual se aplicam. Sendo assim outras

dimensões precisam ser avaliadas e dessa maneira propomos que elementos

dinâmicos sejam considerados.

Os elementos dinâmicos dizem respeito ao processo grupal, envolvendo tanto

a tarefa interna quanto a tarefa externa. Para avaliar a oficina, foram escolhidos

fatores dinâmicos que são relevantes para os objetivos do PAIF. Procurou-se fazer

uma correlação entre: (1) os objetivos da PNAS que podem ser trabalhados através

do grupo, (2) os elementos para o grupo na sua especificidade dentro da Proteção

Social Básica (3) os vetores do processo grupal, conforme a teoria do grupo

24

Essa discussão teve inicio a partir da consultoria prestada a Prefeitura de Belo Horizonte relativa a execução de grupos com famílias em situação de descumprimento de condicionalidades do Programa Bolsa Família no Serviço Regional de Atenção Básica à Familia –SRABF durante o ano de 2012 pela profa. Drª. Lucia Afonso e que motivou a entrada da pesquisadora no Mestrado Profissional de Gestão Social e Desenvolvimento Local –UNA , bem como pelas reflexões desenvolvidas no percurso da dissertação.

125

operativo e que servem para acompanhar e avaliar o grupo. O quadro 04 abaixo

sistematiza essas escolhas:

Quadro 04 - Quadro de correspondência entre os indicadores os objetivos da PNAS (1ª coluna), os vetores do processo grupal (2ª coluna) e fatores

dinâmicos da oficina (3ª. coluna).

1. OBJETIVOS DA PNAS

2. DINÂMICOS DAS OFICINAS NO PAIF

3. VETORES DO PROCESSO GRUPAL

Participação Participação dos usuários Pertencimento

Desenvolvimento de habilidades e do Capital Social

Troca de experiências Comunicação

Desenvolvimento de habilidades e de Capital Social

Vínculo grupal (entre os participantes)

Cooperação

Vínculo usuário-serviço e vínculo usuário-SUAS

Vínculo coordenação-grupo Tele

Ampliação da informação; Desenvolvimento de percepção dos direitos. Sensibilização para enfrentamento de vulnerabilidades e protagonismo social;

Problematização das questões (relativas aos direitos);

Aprendizagem

Acolhida, Inserção na rede, encaminhamentos, apoio ao protagonismo e aos projetos de enfrentamento de vulnerabilidades e de desenvolvimento de aquisições dos indivíduos e das famílias.

Acompanhamento das famílias a partir do grupo;

Pertinência

Fonte: Elaboração do autor

Os fatores dinâmicos são qualitativos e podem variar dentro de um padrão de

qualidade. Apresentam-se correlacionados, mas, ao mesmo tempo, cada grupo

pode, em seu processo, desenvolver melhor um ou mais elementos do que outros.

Por exemplo, um grupo pode ser muito dinâmico na troca de experiências, mas

pouco dinâmico no que diz respeito à elaboração de saídas para o enfrentamento

126

das vulnerabilidades. Assim, é necessário adotar uma escala de avaliação que

permita uma codificação, que no nosso caso varia entre ““(0) nada), “(1) pouco, “(2)

muito” e (3) totalmente”.

Quadro 05 - Matriz para monitoramento das oficinas com famílias no âmbito do PAIF

Fonte: Elaboração do autor

Quantos aos elementos dos fatores transversais, eles buscam estabelecer uma

conexão mais clara entre a eficácia do grupo e a política, visando responder à

questão: é eficaz utilizar Oficinas no âmbito da Proteção social Básica? Quais são os

Dimensão Item Aspectos Dinamicos a considerarEm uma escala

qualitativa:

Tarefa interna0. Nada; 1. Pouco; 2.

Muito; 3. Totalmente

Tarefa externaDesenvolvimento dos objetivos da

política de assitência social

Por ex: desenvolvimento de capacidades; enfrentamento de

vulnerabilidades; fortalecimento da função familiar, etc

0. Nada; 1. Pouco; 2.

Muito; 3. Totalmente

Enquadre Escolha do enquadreBoa escolha de aspectos “formais” como número de

participantes, periodicidade, duração dos encontros, etc.

0. Nada; 1. Pouco; 2.

Muito; 3. Totalmente

Coordenação dinâmicaDinamismo (sem “carregar” o grupo) na proposição de

atividades, informações, etc.

0. Nada; 1. Pouco; 2.

Muito; 3. Totalmente

Coordenação democráticaIncentivo ao funcionamento democrático, manejo das

dificuldades do grupo para desenvolver autonomia.

0. Nada; 1. Pouco; 2.

Muito; 3. Totalmente

Acolhimento Capacidade de empatia e vínculo, escuta qualificada0. Nada; 1. Pouco; 2.

Muito; 3. Totalmente

Facilitação do processo grupal Promoção da interação no grupo e dos vetores do processo0. Nada; 1. Pouco; 2.

Muito; 3. Totalmente

Promoção da autonomia

Apoio às iniciativas do grupo, apoio às lideranças positivas,

incentivo aos projetos, promover a auto-confiança e o

protagonismo do grupo.

0. Nada; 1. Pouco; 2.

Muito; 3. Totalmente

Escolha e uso de técnicas e

atividades

Respeito ao grupo e aos indivíduos quando na aplicação de

técnicas, técnicas auxiliam a compreensão e a reflexão, auxiliam

na interação e no sentimento de pertencimento e nos demais

vetores do processo grupal.

0. Nada; 1. Pouco; 2.

Muito; 3. Totalmente

Vínculo entre a coordenação e o

grupo

Confiança e estímulo mútuo, capacidade de abordar conflitos e

dificuldades sem desqualificar ou “excluir” os participantes e sem

paralisar o processo do grupo.

0. Nada; 1. Pouco; 2.

Muito; 3. Totalmente

Impacto positivo/negativo do

grupo sobre o contexto

Efeitos da participação no grupo sobre as famílias e o contexto,

impactos do grupo na comunidade, contribuições do grupo para

o trabalho social no território.

0. Nada; 1. Pouco; 2.

Muito; 3. Totalmente

Impacto positivo/negativo do

contexto sobre o grupo

Apoio institucional, Apoio das famílias e outros atores

correlacionados, dificuldades encontradas para a realização do

grupo no contexto (de condições materiais até resistências em

nível local, etc).

0. Nada; 1. Pouco; 2.

Muito; 3. Totalmente

Matriz para monitoramento das Oficinas com Famílais no Ambito do PAIF

Relação entre Grupo

e Contexto

Relação da

Coordenação com o

Grupo

Desenvolvimento das relações no

e do grupoObjetivos do grupo (por ex: refletir sobre violência doméstica)

127

possíveis efeitos da utilização dessa forma de intervenção a longo prazo? Eles

estariam relacionados às aquisições sociais esperadas no PAIF?

Nas diretrizes oficiais do MDS, o objetivo da politica de assistência social estão

correlacionado ao afiançamento das seguranças sociais25 que são compreendidas

como “as garantias sociais, que devem nortear todas as ações da política de

assistência social, buscam assegurar a concretização de alguns direitos sociais

reconhecidos pelo Estado brasileiro (BRASIL, 2012a p.62). Ou seja, o afiançamento

das seguranças representaria a resolutividade e a efetividade dos serviços, portanto

a sua entrega enquanto politica pública.

No texto da Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (BRASIL,

2009) encontramos a correspondência26 de uma serie de aquisições sociais em

relação às seguranças a serem afiançadas pelos serviços, aqui no caso em análise,

o PAIF como “medidas da resolutividade e efetividade dos serviços, a serem

aferidas pelos níveis de participação e satisfação dos usuários e pelas mudanças

efetivas e duradouras em sua condição de vida, na perspectiva do fortalecimento de

sua autonomia e cidadania (BRASIL, 2009 p. 5). Mas como mensurar?

Essa discussão não é tão fácil como possa aparecer, pois conforme já

indagava Bronzo (2005), ao analisar as diferentes concepções de pobreza e as

estratégias para sua mensuração “Que elementos devem ser considerados, ainda

que não sejam por si só suficientes, de modo a viabilizar o desenvolvimento de

estratégias efetivas para o enfrentamento da pobreza e da vulnerabilidade social?”

(BRONZO, 2005 p.14). E ampliando a discussão, como as questões relativas à

sustentabilidade das ações do PAIF, compreendidas como (1) condições

institucionais para realização das atividades, (2) o diagnóstico local, (3) o

planejamento estratégico e (4) a articulação intersetorial, interferem na entrega final

do serviço e consequentemente na sua mensuração?

25

As seguranças são: a acolhida, o convívio familiar e comunitário, a renda, o desenvolvimento da autonomia e a sobrevivência a riscos circunstanciais (BRASIL, 2004) 26

São exemplos de aquisições a serem afiançadas aos usuários do PAIF: em relação a segurança de acolhida – “Ter acolhida suas demandas, interesses, necessidades e possibilidades”; em relação a segurança de convívio familiar e comunitário – “Vivenciar experiências que contribuam para o estabelecimento e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários”; em relação a segurança de autonomia –“ Vivenciar experiências que contribuam para o estabelecimento e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários” (BRASIL, 2009 p.8).

128

A discussão sobre aquisições sociais propostas para o PAIF, a nosso ver

encontram-se mais em nível ideacional do discurso da assistencial social. O

desenvolvimento do SUAS e a literatura acadêmica disponível27, até o presente

momento, ainda não foram capazes de produzir parâmetros para uma indicação

mais concreta quanto a mensuração das aquisições sociais, mas há horizontes

extremamente favoráveis, conforme o identificamos nas diretrizes para o

aperfeiçoamento do SUAS propostas pela Norma Operacional Básica 2012.

Contudo a tensão existente no campo discursivo da assistência social, já

debatida nos capítulos 1 e 2 em relação à conexão argumentativa robusta com o

conceito de proteção social, aparece neste momento dado que a fragilidade de

compreensão da oferta especifica da politica de assistência social produz

consequentemente uma das causas da sua fragilidade interna e diante das outras

politicas publicas do ponto de vista acional do discurso.

Ao propormos os fatores transversais de monitoramento das oficinas com

famílias estamos procurando estabelecer uma amarração entre os fatores formais do

grupo e os seus elementos dinâmicos em relação ao funcionamento da politica de

assistência social. A fim de que ao estabelecermos essa conexão entre os fatores

que ligam o processo grupal aos objetivos da politica procuramos correlaciona-los ao

efeito que essa metodologia de intervenção gera para os participantes, nos âmbitos

individuais, familiares e comunitários. Evidentemente que esses efeitos precisam

estar ligados ao diagnóstico tanto social como local, ao planejamento e

acompanhamento das ações e as interfaces intersetoriais necessárias.

E quando discutimos elementos de monitoramento para as oficinas com

famílias no PAIF essas tensões ganham mais força, pois atravessam diretamente o

objeto de análise. Portanto é preciso desatar esses nós para que possamos propor

com concretude elementos mensuráveis para os fatores transversais das oficinas.

27 Contudo ressaltamos o trabalho de BRONZO, (2011) Efeitos de programas de proteção social

sobre aspectos menos tangíveis da pobreza. – Fundação João Pinheiro, Belo Horizonte, 2011.

129

3.5 Considerações Finais

No presente capitulo, procuramos apresentar nossas contribuições técnicas

diante dos desafios do trabalho social com famílias no âmbito do PAIF, com o foco

no planejamento e monitoramento das oficinas com famílias.

A compreensão de que a realidade social vivenciada por indivíduos, famílias e

territórios é reflexo de contextos sociais desiguais e, dessa forma, pode ser

compreendida como expressão da questão social, foi o norte adotado para

correlacionar e destacar a Oficina de Intervenção Psicossocial (AFONSO, 2000)

como metodologia convergente com a intervenção nesse cenário.

Para tanto, recorremos a breves considerações sobre o território, participação

social e ampliação de capital social, visando dar sustentação ao papel que os grupos

assumem no desenho metodológico do PAIF, bem como para contribuir com a

compreensão intersetorial e interdisciplinar dos fenômenos sociais em

correspondência com as possibilidades de transformação social que essa

metodologia pode produzir.

Procuramos discutir a importância estratégica que essas atividades assumem

como forma de intervenção social e destacar as contradições que distintas

concepções de proteção social, família e cidadania podem trazer para os objetivos

de emancipação social e ampliação da cidadania.

Como forma de contribuir para a ampliação das reflexões sobre o trabalho

social com famílias no PAIF propusemos uma articulação entre a teoria de OIP

conforme estabelecido por Afonso (2000) em relação aos objetivos e diretrizes do

SUAS, em especial do PAIF/CRAS (BRASIL, 2010; BRASIL, 2012).

Discutimos a correspondência entre os indicadores da PNAS, os vetores do

processo grupal e os fatores dinâmicos das oficinas no PAIF, a fim de imprimir maior

conexão entre a teoria de OIP e o seu contexto de intervenção na politica de

assistência social. E, como resultado, apresentamos uma matriz de monitoramento

das oficinas no âmbito do PAIF.

Na continuidade, problematizamos a necessidade de mensuração dos efeitos

que as oficinas com famílias podem produzir em relação à superação de

vulnerabilidades e à materialização de uma cidadania emancipatória, lançando

130

questões quanto à sustentabilidade das ações, que requer (1) condições

institucionais para realização das atividades, (2) articulação com um diagnostico

local, (3) articulação com um planejamento estratégico e (4) articulação intersetorial.

Enfatizamos que todos esses fatores, e não apenas as metodologias de trabalho

internas ao grupo, interferem na entrega final do serviço do PAIF.

Longe de ter a pretensão de esgotar a presente discussão, buscamos

desenvolver subsídios, teóricos e metodológicos para a ampliação do debate, na

busca por contribuir com o aperfeiçoamento do Sistema Único de Assistência Social,

especialmente do PAIF, e por acreditarmos no seu papel estratégico para a

consolidação do paradigma da garantia de direitos.

131

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente dissertação se propôs a investigar o campo discursivo composto

pelas concepções e práticas de trabalho social com famílias no Sistema Único de

Assistência Social – SUAS, com ênfase no Serviço de Proteção e Atendimento

Integral à Família (PAIF).

Através de revisão teórica sobre as concepções de proteção social, que

emergem após a constituição Federal de 1988 (CF1988), procuramos fundamentar

nossas análises identificando como as diferentes visões de proteção social se

refletem na Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e no Sistema Único de

Assistência Social (SUAS). Nesse sentido, buscamos explicitar os diálogos e

conflitos entre cidadania e participação social à medida que consideramos que as

distintas visões de proteção social se correlacionam à produção de tipos de

cidadão em um movimento dialético entre discurso e prática social, conforme

proposições teóricas da Análise Critica do Discurso segundo Norman Fairclough

(2001).

A análise dos dados da pesquisa possibilitou a explicitação das tensões

presentes no campo discursivo da assistência social, em especial do PAIF, através

da identificação de consensos e dissensos em relação às categorias de (a) Proteção

Social, família e Cidadania, (b) Bases e condições socioinstitucionais para a

realização do trabalhos social com famílias e (c) Interconexões entre as diretrizes

nacionais e as condições locais existentes para a execução do PAIF. Buscamos

correlacionar estas tensões com as distintas visões de proteção social e as tensões

entre o paradigma assistencialista e da garantia de direitos, existentes no campo

discursivo analisado.

Em relação à categoria de analise ‘Proteção Social’, houve identificação de

duas tensões significativas, a saber: (1) uma redução da proteção social ao campo

da politica de assistência social, (2) uma visão de proteção social que produz uma

cidadania ‘mínima’.

Essas tensões explicitam que as disputas ideológicas entre distintos projetos

societários ainda se fazem presentes e que, na tentativa de contrapor esses projetos

em prol de uma assistência social vinculada ao campo dos direitos sociais, a

132

argumentação discursiva produziu uma segunda tensão. Isto é, acabou por

estabelecer uma conexão argumentativa robusta entre a assistência social e a

proteção social, que ficou parecendo restrita ao campo da assistência social. Não

obstante o estranhamento que essa conclusão pode gerar, é preciso atentar que

restringir a proteção social à assistência social é uma das bases (mesmo que não

seja a única) da fragilidade própria da política e, ainda, de sua fragilidade diante das

outras políticas públicas.

Essa tensão emerge, ainda que de forma tácita, quando na análise dos

dados, aparecem reinteradamente dificuldades na articulação intersetorial. Os

operadores da politica de assistência social se sentem confusos, do ponto de vista

operacional, quanto ao seu papel dentro de um modelo mais ampliado de proteção

social, tendendo a deslanchar ações isoladas e desconectadas dos demais atores,

ao passo que também absorvem para si, demandas e responsabilidades de outras

politicas públicas. Essas tensões produzem, especificamente no trabalho social com

famílias do PAIF, um desvio da dimensão de atenção integral em relação à

dimensão de atenção totalizante da intervenção.

Em relação à categoria ‘Família’ constatamos a incorporação satisfatória do

conceito de família mais abrangente e flexível, considerando os múltiplos arranjos

possíveis, contudo identificamos tensões quanto às concepções relativas às funções

familiares ainda associadas ao modelo tradicional de família. Alertamos que esse

tensionamento pode produzir efeitos variados na execução do trabalho social com

famílias à medida que as ações técnicas reforcem uma visão economicista de

proteção social e/ou contribuam para a manutenção do paradigma assistencialista,

não produzindo uma convergência com a visão a defesa da cidadania e da

emancipação de indivíduos, famílias e territórios.

A categoria de análise ‘Cidadania’ foi a que apresentou uma das análises

mais expressivas dessa pesquisa, pois constatamos que, ainda que seja um termo

utilizado com frequência e constância argumentativa, apresenta-se, como construto

social, obscurecido. Ou seja, não fica clara a sua articulação como entrega de

serviço e metodologia de intervenção. Esse achado foi de fundamental relevância

para a análise proposta nesse trabalho, visto que a cidadania, como categoria que

reflete um ‘vir a ser’ dentro do SUAS, sofre impacto relativo à ambivalência entre as

133

visões de proteção social economicista, de desenvolvimento humano e de

desenvolvimento social.

Identificamos, nos dados da pesquisa, que a visão de desenvolvimento

humano é a mais predominante no campo acional do discurso sobre cidadania,

ainda ligada a uma cidadania assistida. No entanto, merece destaque a busca pelo

paradigma emancipatório e da visão de desenvolvimento social, tanto nas diretrizes

oficiais do MDS como no que se refere à busca dos profissionais que operam o

PAIF, seus esforços por construir a reflexão e a prática do trabalho social com

famílias, ou seja, a prática dos atores sociais nas dimensões ideacionais e

relacionais discursivas. Atualmente a cidadania produzida no PAIF se mostra

ambivalente entre a cidadania assistencialista e a emancipatória, conforme

definições de Demo (1995).

Em relação à categoria ‘Condições socioinstitucionais locais de execução do

PAIF’, constatamos que o desenho organizacional do município, bem como disputas

de poder entre compreensões locais referentes à forma como o trabalho social com

famílias deve ser materializado nos territórios, geram fortes tensões quanto à

identidade local da politica de assistência social, especialmente do CRAS/PAIF, visto

que, na prática, o Programa BHCidadania tem se mostrado mais como um

concorrente do que como um aliado. Isto produz, a nosso ver, um enfraquecimento

da identidade institucional da assistência social local e da capacidade de articulação

intersetorial, impactando diretamente a qualidade do serviço ofertado, uma vez que

a entrega do PAIF está intimamente ligada às demais políticas públicas.

E finalmente, na categoria ‘Interconexões existentes entre as diretrizes para o

trabalho social com famílias e as condições locais’, constatamos haver um terreno

fértil e profícuo para a explicitação dos debates, visto que os elementos identificados

estão em cooperação dentro do campo discursivo. Cabe aos gestores locais

fomentar os processos de transformação discursiva para que os mesmos sejam

coerentes com a visão de proteção social e convergentes com o paradigma da

garantia de direitos. Esse ponto é fundamental, pois é dele que depende a criação

de consensos em torno da emancipação social que poderá se refletir em todos os

níveis, da gestão à execução do trabalho com famílias no PAIF, especialmente em

134

relação às estratégias de planejamento e monitoramento das atividades,

contribuindo para consolidar a sua identidade no campo das politicas sociais.

Como forma de contribuição, a partir da revisão teórica realizada e da análise

dos dados, propusemos algumas contribuições teórico-metodológicas para

planejamento e monitoramento das atividades coletivas, no âmbito do PAIF,

buscando construir uma interface entre a metodologia de Oficinas de Intervenção

Psicossocial (AFONSO, 2000) e os objetivos da PNAS. Assim sugerimos uma matriz

para o monitoramento das oficinas com famílias no PAIF.

Em seguida, problematizamos a necessidade de mensuração dos efeitos que

as oficinas com famílias podem produzir em relação à superação de vulnerabilidades

e à materialização de uma cidadania emancipatória, lançando questões quanto à

sustentabilidade das ações, cuja realização precisam de (1) condições institucionais

para realização das atividades, (2) articulação com um diagnóstico local, (3)

articulação com um planejamento estratégico e (4) articulação intersetorial. Esses

elementos, como concluímos, interferem na entrega final do serviço mais ainda do

que as metodologias internas aos grupos e atividades coletivas.

Ao buscarmos responder aos problemas inicialmente propostos na pesquisa,

constatamos que o trabalho social com famílias no PAIF é ferramenta fundamental

para a superação de políticas compensatórias e emergenciais, tradicionalmente

construídas na história do Brasil, desde que se consiga estabelecer um trabalho de

diálogo e superação dos tensionamentos entre as distintas visões de proteção

social, trazendo mudanças na prática social e não apenas nos discursos.

O debate aqui apresentado não esgota a discussão, mas objetivou oferecer

uma problematização critica e traçar apontamentos que podem ser uteis para a

construção de um Sistema Único de Assistência mais fortalecido e convergente com

a sua concepção fundante: garantir que a assistência social seja uma política pública

estatal que opere em prol da garantia de direitos de indivíduos, famílias e territórios,

contribuindo para uma sociedade mais justa e equitativa.

135

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144

145

APENDICES E ANEXOS

APÊNDICE A – Relação de documentos oficiais sobre o trabalho social com famílias

no âmbito do PAIF

1. BRASIL. Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS). Lei 8724/1993. Brasília. 1993.

2. BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome (MDS) Política Nacional de Assistência Social (PNAS). Brasília. 2004.

3. BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome (MDS). Norma Operacional Básica (NOB/SUAS). Brasília. 2005.

4. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS). Proteção Básica do Sistema Único de Assistência Social. Orientações para o acompanhamento das famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família no âmbito do Suas. Brasília: MDS, 2006.

5. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações Técnicas: Centro de Referência de Assistência Social – CRAS. Brasília: MDS, 2009.

6. BRASIL. Comissão Intergestores Tripartite. Protocolo de Gestão Integrada de Serviços, Benefícios e Transferências de Renda no âmbito do Sistema Único de Assistência Social - SUAS (Resolução n. 07, de 10 de setembro de 2009). Brasília, MDS: 2009.

7. BRASIL. Conselho Nacional de Assistência Social. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (Resolução n. 109, de 11 de novembro de 2009). Brasília, MDS: 2009.

8. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS). O CRAS que temos: O CRAS que queremos. Brasília,MDS: 2010.

9. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS). Orientações Técnicas sobre o PAIF. Vol. 1. Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais. Brasília, MDS: 2012.

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10. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS). Orientações Técnicas sobre o PAIF. Vol. 2. Trabalho Social com Famílias do Serviço de Proteção e Atendimento. Integral à Família - PAIF. Brasília, MDS: 2012

11. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS). Norma Operacional Básica (NOB/SUAS). Brasília. 2012.

147

APÊNDICE B - Roteiro da entrevista semi estruturada:

1. Qual é a sua concepção de proteção social, família e cidadania? Como você vê a

relação entre elas?

2. Na sua visão quais os objetivos e diretrizes do PAIF?

3. Quais os documentos de orientação técnica que vocês têm utilizado para embasar

a sua prática do Trabalho social com famílias no PAIF? Quais são mais

orientadores? Geralmente como você tem acesso a eles?

4. Que metodologias de TSF têm sido utilizadas por você e por sua equipe na

execução do PAIF relacionadas ao trabalho realizado com indivíduos, grupos,

famílias e com o território. Dê exemplos.

5. Essa(s) metodologia(s) tem contribuído para a materialização dos objetivos e

diretrizes do PAIF?

6. Quais as dificuldades, potencialidades e desafios vocês têm encontrado para

cumprir os objetivos do TSF no PAIF aqui no seu CRAS?

7. Exemplifique como o contexto socioinstitucional, (politica de assistência social do

município, infraestrutura, características do território, dentre outros fatores) que

influenciam a prática do TSF, no que se refere a práticas metodológicas e

concepções de famílias.

8. Gostaria de acrescentar algo mais sobre o assunto?

148

APÊNDICE C – Roteiro para observação sistemática

1. Apresentação do corpus de análise/experiências analisadas

1.1 Descrição da atividade (Contexto de realização da atividade, tipo e quantidade

de famílias atendidas, características do território, e outros aspectos);

2. Abordagem da relação entre famílias, proteção social e política social

2.1 Concepção da relação política entre família e proteção social;

2.2 Concepção de “família” e de “matricialidade sociofamiliar”;

2.3 Concepção da relação entre a responsabilidade do Estado e a(s) família(s) na

busca de superação de vulnerabilidades;

3. Concepções, diretrizes e estratégias metodológicas

3.1 Relação entre o planejamento das atividades do trabalho com as famílias e as

demandas existentes no contexto de atuação, inclusive considerando: participação

das famílias; formas de registro; utilização de cadastros como apoio ao trabalho

social; existência de indicadores; resultados esperados e obtidos; avaliação dos

atores envolvidos sobre a experiência;

3.2 Atividades realizadas: (a) objetivos; (b) abordagens utilizadas; (c) concepções,

(d) tipo de atividades dirigidas a famílias e ao território; (c) relação proposta entre o

sentido, o tipo e a dinâmica interna das atividades desenvolvidas e os processos das

vulnerabilidades e de promoção de capital humano e de capital social, (d) relação

proposta entre a dimensão socioassistencial e socioeducativa, (e) vínculo entre as

famílias e a equipe técnica, (f) interdisciplinaridade das atividades e formas de

apropriação das metodologias dentro dos objetivos e diretrizes do PAIF, (g)

sustentabilidade do trabalho socioeducativo, (h) formas de participação dos

usuários.

149

APÊNDICE D – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - Entrevista

Título da Pesquisa: “O TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS NO ÂMBITO DA

PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA: Diálogos e conflitos no campo discursivo da

Assistência Social”

Nós, Fabiana Meijon Fadul e Maria Lúcia Miranda Afonso, aluna e professora

do Centro Universitário UNA, convidamos o (a) Sr. (a) para participar de um

pesquisa que estamos realizando e que tem como finalidade analisar o campo

discursivo sobre o trabalho social com famílias no Serviço de Proteção e

Atendimento Integral à Família (PAIF), no Centro de Referência da Assistência

Social (CRAS), a partir da comparação entre três analisadores: (a) o discurso

expresso nas diretrizes e normativas nacionais, (b) as condições socioinstitucionais

municipais e locais para a implementação do serviço em Belo Horizonte e (c) o

discurso e a prática das equipes que desenvolvem o trabalho social com famílias no

PAIF em dois CRAS de Belo Horizonte.

Ao participar deste estudo o (a) sr. (a) contribuirá para a produção de novos

subsídios para o trabalho social com famílias no PAIF, no sentido de contribuir para

a superação de modelos assistencialistas e compensatórios, reforçando o

paradigma da garantia de direitos e da cidadania das famílias.

O (A) sr. (a) tem liberdade de desistir de participar e ainda deixar de continuar

participando em qualquer momento do trabalho, sem qualquer prejuízo para o (a) sr.

(a). Sempre que quiser, o (a) sr (a) poderá pedir mais informações sobre este

trabalho através do telefone da aluna e da professora e, se necessário por meio do

telefone do Comitê de Ética em Pesquisa da UNA.

Gostaria, então, que o (a) sr. (a) respondesse umas perguntas que lhe farei. E

que serão gravadas se assim o permitir. Seu nome não será mostrado em nenhum

momento. Sua participação neste trabalho não traz problemas legais e se sentir com

desconforto ou não quiser continuar respondendo às perguntas, poderá interromper

a entrevista ou deixar de continuar participando deste trabalho.

150

Os passos adotados neste trabalho obedecem aos Critérios da Ética em

Pesquisa com Seres Humanos conforme Resolução nº.196/96 do Conselho Nacional

de Saúde. Nenhum dos procedimentos usados oferece riscos à sua dignidade.

Toda a nossa conversa durante a entrevista é sigilosa e somente a aluna e a

professora terão conhecimento dos dados.

O (A) sr. (a) não terá nenhum tipo de despesa para participar deste trabalho,

bem como nada será pago por sua participação.

Após estas informações, pedimos o seu consentimento de forma livre

esclarecida para participar deste trabalho. Portanto, complete, por favor, os itens que

se seguem.

Obs: Não assine esse termo se ainda tiver dúvida a respeito.

Consentimento Livre e Esclarecido

Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida, deixo

claro que aceito participar deste trabalho. Declaro que recebi cópia deste termo de

consentimento, e autorizo a realização da entrevista e a divulgação dos dados

obtidos neste estudo.

Nome do Participante da Pesquisa: __________________________________

Assinatura do Participante da Pesquisa: ______________________________

Assinatura da Pesquisadora: _______________________________________

Assinatura da Orientadora: _________________________________________

Aluna: Fabiana Meijon Fadul (31) 3486-4134 ou (31) 8698-8098

Professora: Drª. Maria Lucia Miranda Afonso (31) 9613-8057

Comitê de Ética em Pesquisa: Rua Guajajaras, 175, 4o andar – Belo

Horizonte/MG Contato: email: [email protected]

151

APÊNDICE E – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – Observação

Sistemática

Título da Pesquisa: “O TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS NO ÂMBITO DA

PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA: Diálogos e conflitos no campo discursivo da

Assistência Social”

Nós, Fabiana Meijon Fadul e Maria Lúcia Miranda Afonso, aluna e professora

do Centro Universitário UNA, convidamos o (a) Sr. (a) para participar de um

pesquisa que estamos realizando e que tem como finalidade analisar o campo

discursivo sobre o trabalho social com famílias no Serviço de Proteção e

Atendimento Integral à Família (PAIF), no Centro de Referência da Assistência

Social (CRAS), a partir da comparação entre três analisadores: (a) o discurso

expresso nas diretrizes e normativas nacionais, (b) as condições socioinstitucionais

municipais e locais para a implementação do serviço em Belo Horizonte e (c) o

discurso e a prática das equipes que desenvolvem o trabalho social com famílias no

PAIF em dois CRAS de Belo Horizonte.

Ao participar deste estudo o (a) sr. (a) contribuirá para a produção de novos

subsídios para o trabalho social com famílias no PAIF, no sentido de contribuir para

a superação de modelos assistencialistas e compensatórios, reforçando o

paradigma da garantia de direitos e da cidadania das famílias.

O (A) sr. (a) tem liberdade de desistir de participar e ainda deixar de continuar

participando em qualquer momento do trabalho, sem qualquer prejuízo para o (a) sr.

(a). Sempre que quiser, o (a) sr (a) poderá pedir mais informações sobre este

trabalho através do telefone da aluna e da professora e, se necessário por meio do

telefone do Comitê de Ética em Pesquisa da UNA.

Gostaria, então, que o (a) sr. (a) autorizasse a nossa observação sistemática

durante as atividades realizadas no PAIF (atividades de acolhida, atividades com

famílias, atividades coletivas/comunitárias, visitas domiciliares, dentre outras). Seu

nome não será mostrado em nenhum momento. Sua participação neste trabalho não

traz problemas legais e se sentir com desconforto ou não quiser continuar, poderá

152

interromper a observação sistemática ou deixar de continuar participando deste

trabalho.

Os passos adotados neste trabalho obedecem aos Critérios da Ética em

Pesquisa com Seres Humanos conforme Resolução nº.196/96 do Conselho Nacional

de Saúde. Nenhum dos procedimentos usados oferece riscos à sua dignidade.

Toda a nossa conversa durante a entrevista é sigilosa e somente a aluna e a

professora terão conhecimento dos dados.

O (A) sr. (a) não terá nenhum tipo de despesa para participar deste trabalho,

bem como nada será pago por sua participação.

Após estas informações, pedimos o seu consentimento de forma livre

esclarecida para participar deste trabalho. Portanto, complete, por favor, os itens que

se seguem.

Obs: Não assine esse termo se ainda tiver dúvida a respeito.

Consentimento Livre e Esclarecido

Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida, deixo

claro que aceito participar deste trabalho. Declaro que recebi cópia deste termo de

consentimento, e autorizo a realização da observação sistemática e a divulgação

dos dados obtidos neste estudo.

Nome do Participante da Pesquisa: ___________________________________

Assinatura do Participante da Pesquisa: _______________________________

Assinatura da Pesquisadora: ________________________________________

Assinatura da Orientadora: _________________________________________

Aluna: Fabiana Meijon Fadul (31) 3486-4134 ou (31) 8698-8098

Professora: Drª. Maria Lucia Miranda Afonso (31) 9613-8057

Comitê de Ética em Pesquisa: Rua Guajajaras, 175, 4o andar – Belo

Horizonte/MG Contato: email: [email protected]

153

APENDICE F:

AFONSO, M. L. M.; VIEIRA-SILVA, M.; ABADE, F. L.; ABRANTES, T. M.; & FADUL, F. M. A psicologia no Sistema Único de Assistência Social. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 7(2), São João del-Rei, julho/dezembro 2012.

Disponível em: http://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/revistalapip/Volume7_n2/Afonso,_Maria_Lucia_Miranda,_et_al.pdf

154

APENDICE G: FADUL, Fabiana Meijon, AFONSO. Maria Lucia Miranda.

Construção da Interdisciplinaridade no Território na Pnas: Exercícios para uma

Psicologia da Cidadania IN ROMAGNOLI, Roberta Carvalho e MOREIRA, Maria

Ignez Costa. o Sistema Único de Assistência Social - SUAS: a articulação entre

psicologia e o serviço social no campo da proteção social, seus desafios e

perspectivas Curitiba: Editora CRV, 2014