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P or mais de cinco décadas, Lasier Martins foi uma das principais vozes da imprensa gaúcha contra a corrupção e os desmandos da gestão pública. Cansado, contudo, dos poucos efeitos práticos das críticas, resolveu mudar de lado. Na primeira eleição, concorreu ao Senado pelo PDT, recebendo mais de 2,1 milhões de votos e derrotando, de uma só vez, dois ex-governadores: Olívio Dutra (PT) e Pedro Simon (PMDB), de quem herdou a cadeira. Desde que estreou na tribuna, Lasier não tem poupado o g overno Dilma Rousseff. Em especial, por conta da crise econômica e da situação política agravada pelo escândalo da Petrobras.

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VOTO - política, cultura e negócios - março/abril - 201564

Em seus primeiros meses no Senado,

o gaúcho Lasier Martins quer a

independência do PDT em relação

ao governo e defende a reforma política focada em uma nova cultura

eleitoral

PONTO DE VISTALasier Martins

DISSIDENTEO trabalhista

P or mais de cinco décadas, Lasier Martins foi uma das principais

vozes da imprensa gaúcha contra a corrupção e os desmandos da gestão pública. Cansado, contudo, dos pou-cos efeitos práticos das críticas, resol-veu mudar de lado. Na primeira elei-ção, concorreu ao Senado pelo PDT, recebendo mais de 2,1 milhões de votos e derrotando, de uma só vez, dois ex-governadores: Olívio Dutra (PT) e Pedro Simon (PMDB), de quem herdou a cadeira. Desde que estreou na tribuna, Lasier não tem poupado o g overno Dilma Rousseff. Em espe-cial, por conta da crise econômica e da situação política agravada pelo escândalo da Petrobras.

Com poucos meses de mandato, já transita com desenvoltura pelos corre-dores do Salão Azul do Senado, onde defende a instalação de CPIs que in-vestiguem não apenas a corrupção na estatal, mas também os empréstimos do BNDES. Para o senador, que pre-ga a independência do PDT junto ao governo, o País precisa de uma refor-ma política enxuta, que acabe com o financiamento privado de campanha. Da capital federal, o parlamentar tam-bém não se descuida da situação do Rio Grande do Sul, mergulhado em uma das maiores dívidas estaduais do

Brasil. “Será uma árdua luta para en-contrar recursos para o Estado”, admi-te. A seguir, os principais trechos da en-trevista concedida à VOTO, em Brasília.

O senhor chega ao Congresso em um momento difícil para a economia. Que análise é possível fazer deste cenário?

O momento de turbulência não é repentino. Vem de um processo longo, que vinha crescendo para de-sencadear no momento que vivemos hoje, um dos mais críticos da história do Brasil e que não oferece perspec-tiva de solução em curto prazo. Nós estamos vendo tudo muito sombrio à frente. Não há uma ideia do que pos-sa acontecer de reviravolta. Em um re-sumo, a situação decorre no seguinte: houve um agravamento da taxa de juros, desestimulando a tomada de empréstimos e novos empreendimen-tos. Além dos juros altos, temos os impostos estratosféricos – 37% do PIB em tributos. Há uma política de falta de estímulos ao nosso desenvolvimen-to em qualquer área. Soma-se a isso o descontrole da inflação. Havia uma previsão do crescimento da meta de inflação de 4,5%, conforme o governo anunciou em fins de janeiro de 2014. Terminou o ano em 6,5%. E hoje esta-mos chegando a 8%.

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tares envolvidos se afastassem para tratar de suas defesas, dan-do lugar aos suplentes. Assim, não correríamos o risco de votar matérias importantes e que po-dem ser inquináveis, tratadas como ilegais, anuláveis. O eleito-rado brasileiro quer um Senado e um Congresso transparentes e, na medida em que tantos são suspeitos de crime, essa transpa-rência não existe.

A reforma política promete ser o grande tema de discussão nes-te semestre. O Senado já tem vários projetos sobre o assunto em pauta. Como o senhor vê a questão?

Entendo que a reforma políti-ca seja a mãe das reformas por-que tudo na vida está interliga-do. Economia e política. Houve um prêmio Nobel de economia dos Estados Unidos [Douglass North] que, em um evento no Rio Grande do Sul, fez a seguinte pergunta ao auditório: o que é mais importante no Brasil: políti-ca ou economia? Diante do silên-cio e das controvérsias, ele disse: evidente que é a política. Por-que é ela quem dita as regras do jogo. A nossa política está muito viciada e foi caindo numa derro-cada provocada por duas pragas que se chamam patrimonialismo – isto é, a mistura do dinheiro público com o dinheiro privado para beneficiar personalidades físicas ou determinadas empre-sas – e clientelismo, que tem por sinônimo o toma lá dá cá. E para intervir nisso é preciso fazer uma reforma política, haver mudan-ças mais constantes dos nomes que compõem a política, tanto

nos governos como nos parla-mentos. Ou seja, uma nova cul-tura eleitoral.

Quais as suas propostas para que haja uma reforma política no Brasil?

Uma delas, que eu defendo e acho a mais importante de todas as questões, diz respeito ao financiamento. Acredito que o financiamento por empresa privada é a fonte da corrupção. Na medida em que as empresas patrocinam as campanhas dos candidatos, elas subjugam o candidato. O que torna ele de-pendente, comprometido. Ora, quando o eleito passa a dever fa-vor para o seu financiador e não mais para o povo que o elege, isto é a maior aberração de to-das. É preciso um prazo de desin-compatibilização para quem está em cargo público. Quem concor-rer à reeleição tem que sair três ou seis meses antes. Outro item que defendo é a questão das coligações. Hoje nós temos mui-tos partidos de aluguel, partidos pequenos. O Brasil não tem 32 ideologias, o País tem quatro a cinco ideologias. Então, para que esse mundo de partidos?

Em seu primeiro discurso, na tribu-na do Senado, o senhor fez críticas à forma como o governo vem rea-gindo diante da crise da Petrobras. Qual seria a maneira mais adequa-da de responder aos pedidos de mudança da população sobre a questão da corrupção?

O governo atual foi muito omisso, muito leniente, mas com a definição de leniente no pior sentido – não aquele de suavizar

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auditorias ou investigações. Foi leniente no sentido de desleixo, e levou muito tempo para mu-dar, por exemplo, a diretoria da Petrobras, quando todos sabiam que essa diretoria não soube fis-calizar, não cuidou da empresa. A própria presidente da Repúbli-ca, que presidiu o Conselho de Administração da Petrobras, foi ministra de Minas e Energia, não viu nada disso. Como é possível não enxergar tanto desvio, ten-do em vista que o petróleo dá lu-cro em qualquer parte do mun-do? Tomara que tudo isso venha à tona com a CPI e as investiga-ções que o Ministério Público entregou ao Judiciário. Acredito que o Senado precisa fazer mais uso da CPI no combate à cor-rupção. A CPI dispõe de grande margem para trabalhar, amplifi-cando fatos minimizados, inibin-do tentativas de abafamento e escancarando corruptos.

O senhor defende a necessida-de de implantação de uma nova cultura gerencial no Brasil. Como funcionaria?

Eu venho de iniciativa priva-da. Trabalhei em três grandes empresas na minha vida. Em to-das sempre vi muito rigor na co-brança das tarefas a que todos os funcionários são submetidos. Eu não vejo isso na atividade pública. Ao contrário. São colo-cados em cargos-chave da admi-nistração pública os apadrinha-dos políticos que não entendem nada do ramo e que estão lá apenas como cabos eleitorais, ou por gratidão pela contribuição que deram. É preciso colocar na gestão pública pessoas do ramo,

que conheçam o assunto e que tenham currículo respeitado. De-ve-se valorizar e estimular cada vez mais concursos públicos, onde vencem os que estão mais preparados, além da adoção da meritocracia. Nada disso está acontecendo na cultura viciada da gestão pública no Brasil.

Como é assumir a cadeira que foi, por muitos anos, do senador Pedro Simon?

Uma honra e uma responsa-bilidade. Eu sempre reconheci a competência, a compenetra-ção, a seriedade e a integridade moral dele. Chego ao Congresso com as pessoas querendo saber de onde eu vim para ter vencido uma eleição e tomar a cadeira dessa verdadeira estrela da po-lítica brasileira. Estou consciente da responsabilidade que tenho e quero seguir a mesma linha, com o mesmo respeito à ética e o pa-triotismo.

O senhor entende que o PDT deve ir para a oposição?

Sim. No meu entendimento não deveria nem ter entrado na base aliada. Eu prego a inde-pendência, a altivez do PDT. O centro do trabalhismo brasileiro está no Rio Grande do Sul, os maiores personagens da história do trabalhismo vêm de lá, como Getúlio Vargas, Jango, Alberto Pasqualini, Brizola, Alceu Colla-

O Brasil não tem 32, mas quatro ou cinco ideologias. Então, para que esse mundo de partidos?

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“A nossa política está muito viciada e foi caindo numa

derrocada provocada por duas pragas que se chamam

patrimonialismo e clientelismo.”

Nesse contexto de fragilidade econômica, o País vive também uma crise política e ética. Como o senhor pretende atuar frente ao governo?

Estamos diante do maior es-cândalo da história do Brasil, o da Petrobras, numa suces-são de outros que caracteriza-ram um festival nos últimos dez anos. Isso por negligência, por omissão, ou até coisa pior. Então, o conjunto todo faz com que es-tejamos vivendo este momento de total turbulência. Pretendo ir às últimas consequências, fazen-do oposição a qualquer governo que compactue com a corrupção e a falta de ética na política.

E essa crise se agrava diante dos inquéritos abertos com a operação Lava Jato, que atinge senadores e deputados suposta-mente envolvidos no esquema – inclusive o presidente do Sena-do, Renan Calheiros?

É um dos episódios mais tris-tes da história política brasileira. O ideal seria que os parlamen-

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