o tempo justo do processo: as causas e as medidas para
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O tempo justo do processo: as causas eas medidas para reduzir a morosidadeprocessual
João Pedroso
Professor da FE e investigador do CES da U. Coimbra
Consultor do CFJJ (protocolo CES/CFJJ)
Centro de Formação jurídica e Judiciária: Conversas com…
[email protected] 5.07.19
Lentidão da Justiça - deficit de conhecimento
• A questão da "lentidão da justiça", apesar de ser talvez
o mais universal e um dos mais preocupantes dos
problemas com que se defrontam todos os Tribunais é
um tema sobre o qual existe um deficit de investigação
e conhecimento.
Lentidão da Justiça - indicador da qualidade da justiça, da democracia e da cidadania
• A "lentidão da justiça" constitui um importante interface
entre o sistema judicial e o sistema político, particularmente
em regimes democráticos, pelo que é parte integrante do
exercício e garantia dos direitos, sendo igualmente um
relevante indicador sociológico da qualidade da
democracia, da cidadania, da qualidade e da legitimidade
dos Tribunais.
Prazo razoável
• O art. 6º, n.º 1, da CEDH, prevê que "qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada (...) num prazo razoável por um Tribunal (...) o qual decidirá quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ele."
• Este prazo razoável é a garantia necessária de que os tribunaisasseguram o contraditório, produzem e apreciam as provasnecessárias, respeitam e não violam os Direitos Humanos/DireitosFundamentais (direitos individuais e coletivos) doscidadãos/pessoas.
Dessincronia entre tempo(s) sociai(s) - (Justiça; pessoal; mediático)
TEMPO SOCIAL - um tempo composto por muitos tempos
1. Tempo da Justiça (de interesse público)
2. Tempo biográfico ou das partes (interesse pessoal e privado)
3. Tempo mediático ( espaço público com interesse jornalístico ou de mercado de audiências)
Dessincronia entre tempos sociais (Justiça; pessoal; mediático)
TEMPO(S) SOCIAL DAS JUSTIÇAS 1. Tempos (público) da Justiça ( “normal” vs “urgente”)- tempo justo/prazo razoável (muda organização e processo
simples e garantístico) - Estado de Direito de forte intensidade - tempo burocrático, organizacional dos tribunais e do tempo
do processo (prazos legais) - Estado de Direito de fraca intensidade
- tempo emergência ou de exceção (sem garantia dos direitos humanos/fundamentais) Estado de direito em erosão/Estado de exceção
Dessincronia entre tempos sociais (Justiça; pessoal; mediático)
2. Tempo (privado) biográfico ou das partes. - resultante da combinação entre os ciclos de vida dos
indivíduos, das suas expectativas e motivações pesoais e doseu interesse estratégicos em prolongar ou encurtar aresolução do litígio.
3. Tempo mediático - Comunicação instantânea; efémera; sem contraditórioformal; do mercado das audiências
Dessincronia entre tempos sociais (Justiça; pessoal; mediático)
• Estes tempos sociais coexistem ( e devem coexistir) sempre nassociedades democráticas. A “cada tempo” corresponde uma funçãosocial e a sua articulação consolida o Estado de direito.
• As patologias de cada um dos tempos sociais ( a morosidadeprocessual; subordinação ao interesse e poder de uma parte; oespetáculo, a parcialidade e o mercado de audiências) tem serdemocraticamente e legalmente reguladas/ controladas.
• Essas patologias do “tempo da Justiça”, do “tempo biográfico” e do“tempo mediático” não podem capturar o tempo justo e razoável daJustiça.
Dessincronia entre tempos sociais (Justiça; pessoal; mediático)
• o tempo da justiça pode ser um tempo de cidadaniasocialmente útil quando compagina a resolução célere de umlitígio com os direitos e a segurança jurídica das partes, mastambém pode ser um tempo perverso quando constrange aprocura e a efetividade da justiça, permitindodesnecessariamente morosidade na resolução de um litígio.
Níveis de análise do Tempo da Justiça
• Os níveis de análise do Tempo da Justiça:
➢ individual ( partes e atores Judiciais)
➢ organizacional ( organização dos processos de
trabalho e práticas profissionais do Tribunal )
➢ Institucional ( Tribunal como órgão de soberania;
cultura jurídica)
➢ normativo ( Direito ; normas de procedimento)
Níveis de análise do Tempo da Justiça
• O estudo do tempo social e dos níveis de análise da justiçapermite dar resposta em termos da análise:- da relação entre o indivíduo, a ação e a estrutura (ou, dito
de outro modo, entre o subjetivo e o objetivo, entre omicro e o macro, ou entre a ação e as estruturas sociais,profissionais ou o Tribunal)
- mas também, à definição e às implicações de escolhas depolítica pública de administração da Justiça e das reformasjudiciais para reduzir a morosidade, legitimar os Tribunais epotenciar o acesso ao Direito e à justiça.
Uma imagem para morosidade processual
Estudos sobre a morosidade processual
Os (poucos) estudos sociojurídicos e de politica pública deadministração da Justiça sobre a morosidade tem-se centrado naanálise:• da oferta e da procura e da distribuição no território dos
serviços judiciais ( e não judiciais) ;• organizacional dos Tribunais;• desempenho dos Tribunais;• culturas jurídicas “nacionais”/”locais”;• com recurso à teoria dos papéis sociais;• jurídica da legislação processual, da organização Judiciária e
custas.
A construção teórica e analítica da duração dos processos
A construção teórica e analítica da duração dos processos deve distinguir:
• duração necessária do processo – o tempo justo; o “prazo razoável”
necessário à defesa dos direitos individuais e coletivos dos cidadãos.
• morosidade - ou seja toda a duração irrazoável ou excessiva do
processo desnecessária à proteção das partes intervenientes.
• morosidade legal - a própria lei é, em muitos tipos de processos,
causadora de morosidade (excesso de formalismo; formalismo
desnecessário; efeitos perversos não previstos).
A construção teórica e analítica da duração dos processos
• morosidade organizacional ou endógena ao sistema e resultar do volume de
serviço e/ou rotinas adquiridas, condições e organização do trabalho e dos
tribunais.
• morosidade causada ou provocada pelos atores judiciais (Juízes, Ministério
Público, Advogados, Partes, Polícia, Peritos, Funcionários judiciais, etc.).
- não intencional - decorre da morosidade organizacional e consubstancia-
se em comportamentos negligentes involuntários dos atores judiciários.
- intencional - é provocada por um dos atores judiciários em defesa de um
interesse de uma parte.
Metodologia da investigação das causa de morosidade
• Estudo da legislação – impacto na duração do processo;
• Estatísticas da Justiça;
• Amostra de processos em primeira instância ( fichas de processos; análise
“das paragens”; contagem de prazos da tramitação ) com duração até 5
anos e com mais de 5 anos de duração;
• Relatórios da Inspeção do CSM e do COJ;
• Entrevistas
• Focus grupos
• Presença e Observação nas secções de processos
Causas da morosidade – morosidade legal
1. A MOROSIDADE LEGAL
• A legislação, designadamente a processual e de custas, preveemprocedimentos processuais que podem vir a ser qualificadoscomo formalismo desnecessário à proteção das “partes”.
• Em Santos e al. 1996 simulámos a duração de uma açãodeclarativa civil, com processo comum sob a forma ordinária, em“condições ótimas” (intervenientes residem na comarca, não háincidentes, os progressos legais são todos respeitados) e pormero efeito dos prazos processuais, essa ação teria desde ainstauração até ao julgamento 16 meses e 21 dias “reais” detempo de vida.
Causas da morosidade – morosidade organizacional
2. A MOROSIDADE ORGANIZACIONAL OU ENDÓGENA - Causas gerais
• Condições de trabalho – organização de trabalho,afetação/distribuição de espaço e equipamentos;
• A irracionalidade na distribuição de funcionários judiciais edistribuição de magistrados (vacatura de lugares, excesso/falta demobilidade, adequação dos quadros de pessoal);
• Impreparação e negligência dos funcionários judiciais, Juízes e doMinistério Público (não cumprimentos dos prazos legais semjustificação);
Causas da morosidade – morosidade organizacional
2. A MOROSIDADE ORGANIZACIONAL OU ENDÓGENA - Causas gerais ( cont.) • Aumento da procura/volume de trabalho (litigação de massa; com oaumento da distribuição de processos sem alteração da organização detrabalho/de pessoal afeto ao trabalho);
•Recursos a perícias – o recursos a perícias de hospitais, Instituto deMedicina Legal e Polícia Judiciária atrasa os processos durante anos;
•Não cumprimento das cartas precatórias e rogatórias – as deprecadas paracitação e penhora são cumpridas muito para além dos prazos.
•Demora de entrega de relatórios sociais por entidade externa nosprocessos de justiça de menores.
Causas da morosidade – morosidade organizacional
2. A MOROSIDADE ORGANIZACIONAL OU ENDÓGENA em processos cíveis comduração superior a 5 anos - Causas específicas ( cont.)• A complexidade das ações - uma causa de pedir e uma fundamentação de
direito complexa (propriedade e responsabilidade contratual), ou váriasexceções dilatórias ou perentórias ou vários incidentes processuais.
• Especial negligência no cumprimento de prazos legais - ações paradas à esperade um despacho de citação ou de uma notificação e “esquecimento” deprocessos em armários ou nos “montes de processos”;
• Especial relevância do não cumprimento das cartas precatórias;
• Especial demora de atos a praticar por terceiros (conservatórias, hospitais,Institutos de Medicina Legal e polícias).
Causas da morosidade – morosidade organizacional
2. A MOROSIDADE ORGANIZACIONAL OU ENDÓGENA em processos executivoscom duração superior a 5 anos - Causas específicas ( cont.)• Não cumprimento atempado dos despachos pelos funcionários, pornegligência, excesso de trabalho, falta de transporte e falta de especialização;
• Grande demora no cumprimento das cartas precatórias;
• O incidente de reclamação de créditos;
• O registo das penhoras;• O desconto nos vencimentos;
• O sistema de venda judicial.
Causas da morosidade – ofício do J. Cível do Porto a J.C. de Lisboa
Causas da morosidade – morosidade organizacional
2. A MOROSIDADE ORGANIZACIONAL OU ENDÓGENA em processos crime comduração superior a 5 anos - Causas específicas ( cont.)• A Impossibilidade e/ou negligência dos Procuradores no cumprimento dos
prazos de investigação – os inquéritos “arrastam-se” à espera de diligências;• A articulação entre o Ministério Público e as polícias é deficitária – as polícias
não comunicam em tempo, no início do processo, nem o Ministério Públicodespacha, em tempo, requerendo novas provas;
• As entidades policiais – não investigam (ou não podem) “grandes grupos” deinquéritos (furtos contra desconhecidos; crimes de pequena e médiagravidade);
• Os peritos – do IML, das F. de Medicina, dos hospitais e dos peritos da PJ;• O processo de notificações - excesso de trabalho para as polícias;• Os magistrados permitem com facilidade os adiamentos nas audiências de
julgamento
Causas da morosidade – morosidade
3. A MOROSIDADE PROVOCADA PELOS ACTORES JUDICIAIS “INTERESSADOS”• Expedientes dilatórios – requerimentos não fundamentados, junção de
documentos, recursos “injustificados”;
• Falta de arguidos e testemunhas a atos de instrução e ao julgamento – oarguido “desaparece”, impossibilitando as notificações, e potenciando aprescrição do procedimento criminal;
• O interesse do devedor em atrasar o andamento das “cobranças” e execuções;
• A dificuldade ou negligência em dar o impulso processual;
• Solicitações de adiamentos e requerimentos de suspensão de instância “parachegar a acordo”.
Prazo razoável
Causas da morosidade – sistema de feedback
As medidas a adoptar para combater a morosidade têmde ser tomadas de forma coordenada de modo a evitaros referidos efeitos de transferência, de potenciação, deacumulação e de desculpabilização, resultantes daactuação das causas de morosidade em sistema defeedback.
Causas da morosidade – medidas
Os estudos de caso que efetuámos em Portugal
permitiu-nos concluir que para além de alterações às
leis adjetivas, a redução da morosidade no sistema
judicial exige medidas concertadas de estudo e
desenvolvimento de novos sistemas de gestão de
processos, recursos humanos e informação que
permita eliminar ou diminuir a morosidade
organizacional ou endógena e facilite a deteção em
tempo útil da morosidade provocada de modo aatenuar os seus efeitos.
Causas da morosidade – medidas
A - Reformas legais• o Recentramento dos Tribunais nas suas funções essenciais de promoção e
garantia dos direitos com o desvio da “litigação de rotina e de certificação”(dívidas, cheques, algumas situações familiares, etc.), - para procedimentos(automáticos) administrativos ou judiciais (desenvolvimento da injunção eoutros procedimentos), bem como para meios alternativos de resolução delitígios
• Reorganização Judiciária desenvolvimento ou a criação de estruturas de“justiça de proximidade” designadamente serviços de conciliação e mediação(v.g. conflitos laborais, familiares, ou mesmo, penais) e de arbitragem (v.g.consumo, ambiente, conflitos civis e comerciais).
Causas da morosidade – medidas
• Reforma da legislação processual designadamente civil:- da supressão de fases e incidentes em todos os processos.- o processo tipo deve aproximar-se do modelo petição inicial
e contestação, julgamento (preparação e realização) edecisão.
- práticas de organização e de automatização que eliminematos processuais ou reduzam o tempo de outros;
- reforço da oralidade e gravação de prova;- desmaterialização, processo eletrónico e comunicações
eletrónicas.- a criação do sistema de assessoria técnica relativamente a
estes processos de família e menores.
Causas da morosidade – medidas
B – Formação profissional inicial e complementar
EXIGENTE de Juízes, Procuradores, Oficiais de Justiça,
Advogados, Policias, Peritos, e demais profissionais
C– A reforma administrativa e da gestão do sistema
judiciário:
• programas de informatização judiciária, processual e de
• gestão de processos
• programas de modernização e gestão das secretarias e
secções judiciais (ex: Oficina Judicial de Espanha )
• programa de melhoria da qualidade do atendimento ao
público.
Causas da morosidade – medidas
D – A reforma da gestão de recursos humanos • “Bolsa” de Juízes, Procuradores e oficiais de justiça (açãoconcertada)• mobilidade por pequenos períodos ( evitar vacatura de lugares )
E – Controle interno • reforçar as Inspeções aos Tribunais pelos CSMJ • é necessário criar “auditorias de qualidade dos serviços”
F – Medidas Sistémicas para regular a procura • regulação do crédito ao consumo ; • necessidade de certificação judicial ( crédito incobrável; ou ação de RRP
de mães solteiras para atribuição de casa social )
Causas da morosidade – conclusão
EM CONCLUSÃO, a diminuição da redução da duração dosprocessos tem de ser feita, assim, através de medidasconcertadas de reforma de natureza legislativa (judicial ouprocessual); do espaço e das condições de trabalho; da distribuiçãoe gestão e da formação e qualificação de Juízes, Procuradores eOficiais de Justiça; das comunicações entre tribunais e outrasentidades; de reforma da organização e gestão dos processos, dassecções e secretarias judiciais; de desenvolvimento do programa deinformatização judiciária e de automatização dos processos, deinspeção e auditoria, no contexto de medidas sistémicas pararegular a procura.
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