o tempo e o processo penal marileia … · o ritmo de vida da humanidade torna-se ......

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UNIVERSIDADE PARANAENSE - UNIPAR O TEMPO E O PROCESSO PENAL MARILEIA RODRIGUES MUNGO Umuarama 2007

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UNIVERSIDADE PARANAENSE - UNIPAR

O TEMPO E O PROCESSO PENAL

MARILEIA RODRIGUES MUNGO

Umuarama 2007

MARILEIA RODRIGUES MUNGO

O TEMPO E O PROCESSO PENAL

Trabalho de dissertação apresentado como requisito para a conclusão do Curso de Mestrado em Direito Processual e Cidadania da Universidade Paranaense - UNIPAR. Área de concentração: Processo Penal Linha de Pesquisa: Eficácia Processual Orientador: Néfi Cordeiro

Comissão Examinadora:

______________________________________ Dr. Néfi Cordeiro

______________________________________ Dra. Cleide Aparecida Gomes Rodrigues Fermentão

______________________________________ Dr. Cândido Furtado Maia Neto

Umuarama, 17 de agosto de 2007.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, pelo suporte espiritual o que o Senhor ofertou-me nesta

importante etapa da minha vida;

Ao meu orientador, professor e aliado nesta longa caminhada, Dr. Néfi

Cordeiro, agradeço pelo desprendimento em dispor do seu tempo e de seu vasto conhecimento

jurídico para prestar seu valioso auxílio, sem o qual, o presente trabalho não teria sido

realizado;

A meu pai Marisbel e minha mãe Mariza, que proporcionaram minha

formação pessoal, ensinando-me, desde a tenra idade, assumir com coragem as

responsabilidades impostas pela vida, ofereço-lhes os mais sinceros agradecimentos;

Aos meus irmãos Camila e Mateus, obrigado pela parceria nas horas de

alegria; pelo ombro amigo nos momentos de canseira e tristeza;

Ao meu noivo Rogério, companheiro, amigo e conselheiro, agradeço-lhe

imensamente pela inesgotável paciência, carinho e compreensão nos momentos de inevitável

afastamento em razão do tempo empreendido para a produção deste trabalho;

A todos os meus amigos que, de alguma maneira, ajudaram-me a chegar até

aqui, obrigada.

Agradeço, por fim, os queridos docentes do Curso de mestrado em Direito e

Cidadania da Universidade Paranaense que, de alguma maneira, contribuíram para esta

dissertação.

MUNGO, Marileia Rodrigues. O tempo e o processo penal. 2007. f. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito e CidadanIa da Universidade Paranaense – UNIPAR.

Resumo: Trata a presente dissertação dos efeitos da incidência do tempo no processo penal. Inicia o trabalho demonstrando as várias formas como o tempo é valorado pelo ser humano, demonstrando-se que, com a evolução das relações do homem com seus conviventes e com o Estado, diferentes concepções de tempo foram elaboradas. Noutro passo, explana-se acerca da influência do tempo sobre o Direito, abordando benesses e malefícios do transcurso temporal sobre institutos e relações processuais, averiguando-se que o tempo social e o tempo do direito são incompatíveis, pois, hodiernamente, vive-se numa sociedade em ritmo acelerado, e o direito necessita de um intervalo de tempo próprio para desenvolvimento de seus procedimentos. No capítulo seguinte, procede-se ao levantamento histórico dos acordos, tratados e diplomas internacionais preocupados em estabelecer, dentre suas normas, o direito fundamental do cidadão em assistir sua demanda apreciada em tempo razoável, culminando o estudo na análise da iniciativa do legislador brasileiro neste sentido, quando elaborou a Emenda Constitucional 45, de 08 de dezembro de 2004, que acrescentou o inciso LXXVIII, ao artigo 5° da Constituição da República. Após estas considerações, passa-se a abordar a eventual colisão de princípios constitucionais processuais com o princípio da celeridade, onde o direito fundamental em ter sua pretensão apreciada em tempo razoável pode chocar-se com a ampla defesa, o contraditório e outros princípios. Ato seguinte, elenca-se um apanhado de soluções adotadas por diversos países como forma de minimizar os efeitos do tempo no processo, buscando dirimir a problemática temporal com adoção de medidas que incluem reformulações legislativas, o que se demonstra ineficaz se não vierem acompanhadas de uma verdadeira reestruturação material do Poder Judiciário. Derradeiramente, explicitar-se-á os efeitos sofridos pelo indivíduo que compõe a relação processual penal no pólo passivo da ação, evidenciando o sofrimento causado pela estigmatização social, bem como o agravamentos de tais efeitos quando o Estado o submete a um processo com prolações indevidas. Demonstra-se, portanto, que o transcurso do tempo é necessário ao deslinde processual, mas seu escoamento acriterioso é demasiadamente prejudicial ao jurisdicionado, esteja ele livre ou recluso.

Palavras-chave: Prolação indevida. Razoável duração do processo. Tempo como pena.

MUNGO, Marileia Rodrigues. O tempo e o processo. 2007. f. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito e CidadanIa da Universidade Paranaense – UNIPAR, Umuarama.

Abstract:

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..............................................................................................................7

1 O TEMPO E SUA RELATIVIZAÇÃO NA SISTEMÁTICA PROCESSUAL......10

2 A PREOCUPAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL COM OS REFLEXOS DO TEMPO NO PROCESSO............................................................................................38

3 O TEMPO, OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS E AS SOLUÇÕES ADOTADAS...........................................................................................74

3.1 Dos princípios constitucionais processuais: direitos e garantias do acusado no processo penal ...............................................................................................................77

3.2 Posturas apontadas e adotadas com o escopo de dirimir a problemática da morosidade processual sem ferimento aos direitos fundamentais ...........................90

4 A INCIDÊNCIA DO TEMPO NO PROCESSO PENAL: PROCESSO COMO DOR LEGITIMADA PELO ESTADO ....................................................................124

4.1 Das penas .....................................................................................................................125

4.2 Os efeitos causados pelo processo penal, pela imposição da pena privativa de liberdade e agravantes com o indevido transcurso do tempo.................................141

CONCLUSÃO......................................................................................................................154

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................158

INTRODUÇÃO

Desde o surgimento da espécie humana no planeta, o homem vive em franco

processo de evolução. As formas de se relacionar com seus semelhantes e com o mundo que o

cerca, empreendimento de inúmeros estudos nas mais diversas áreas científicas e

tecnológicas, a busca pelo entendimento dos fenômenos da natureza, entre tantas outras

habilidades adquiridas e desenvolvidas com o passar do tempo.

O tempo. Eis um componente do cotidiano de todo ser vivo que o homem

não foi capaz de dominar, conseguindo, simplesmente, proceder ao levantamento de seus

efeitos, sendo incapaz de refrear seu transcurso. Por mais avançados que tenham sido os

estudos e as análises acerca da questão temporalidade, os únicos resultados obtidos pelo

homem foram a descoberta de que existe mais de uma maneira de conceber-se o tempo,

tratando-se das concepções objetiva e subjetiva de tempo, além de, em alguns casos, por meio

de estudos científicos e auxiliado por recursos tecnológicos, minimizar seus efeitos sobre a

matéria, como no caso, por exemplo, de restauração de uma obra antiga.

A concepção de tempo foi modificada no transcurso da história. O homem

acreditava que o tempo fluía de forma uniforme, para todas as pessoas, em qualquer que fosse

a situação vivida. Comprovou-se, entretanto, que o transcurso dos segundos, minutos, horas e

dias são diferentes para cada indivíduo, dependendo da situação pessoal, profissional e até

mesmo cultural que a pessoa vive. São as concepções objetiva e subjetiva de tempo, onde se

entendeu que o tempo não pode ser visto de forma absoluta, tendo-se em vista sua

relatividade, modificando-se sua concepção de acordo com seu observador.

Tendo o homem compreendido que o tempo não tinha o caráter absoluto

que se imaginava, a busca pelo viver intensa e desenfreadamente o tempo presente, passa ser

permanente e imperiosa na vida do ser humano. O ritmo de vida da humanidade torna-se

demasiadamente acelerado; a análise e o respeito às experiências passadas são obsoletas; a

projeção de planos futuros, torna-se incerta, pois o homem não é capaz nem de dominar o

tempo presente, quanto mais de prever o que se passará num tempo futuro.

Fulcrado nesta perspectiva está o presente trabalho de dissertação, o qual

propõe-se a, inicialmente, proceder a uma reflexão acerca dos efeitos do tempo no Direito,

elencando-se os prejuízos engendrados pela incidência temporal no processo penal, onde

verifica-se que um procedimento persecutório que se protrai no tempo indevidamente, sem

8

objetivos investigatórios, de cumprimento da busca de verdade real, ou para proporcionar a

ampla defesa, torna-se extremamente prejudicial ao réu.

Em contrapartida, esclarece-se que um processo criminal que acelera seu

ritmo normal e necessário para o amadurecimento dos atos, é passível de proceder à violação

de princípios constitucionais e direitos fundamentais do acusado, verificando-se, portanto, que

o tempo do Direito é absolutamente diferente do tempo social e que, jamais, pode-se imprimir

aos processos a velocidade que a sociedade deseja, o que gera, em razão da aceleração do

tempo social, um descontentamento generalizado em relação à prestação jurisdicional.

Entretanto, respeitadas as diferenças existentes entre o tempo do Direito e o

tempo social, o problema da morosidade na tramitação processual é real e enfrentado pela

grande maioria dos Estados, tratando-se de um mal generalizado, mas não imposto pelos

avanços da modernidade.

Assim, no capítulo seguinte, pode-se verificar que a lentidão da prestação

jurisdicional trata-se de uma situação globalizada e muito antiga, arraigada na formação dos

primeiros Estados e que, desde sempre, foi causa de preocupação da sociedade (de forma

geral) e da comunidade jurídica (de forma específica).

Proceder-se-á a um levantamento das preocupações doutrinárias e

legislativas (nacionais e internacionais) destinadas ao assunto, apontando-se que, a partir de

meados do século XX, a problemática foi arrostada com seriedade pela comunidade jurídica

internacional, estipulando-se, expressamente, em diversos diplomas jurídicos, a

obrigatoriedade dos Estados signatários em assistirem às lides de seus jurisdicionados em

tempo razoável, sob pena de estarem desatendendo as finalidades da justiça, haja vista que

houve a admissibilidade de que, uma vez que o Estado trouxe para si a responsabilidade de

administrar a composição de litígios, pacificou-se o entendimento que este serviço deve ser

prestado de forma eficiente.

Desta forma, passa-se a verificar que, em que pese ser óbvia a necessidade

do Poder Judiciário em responder, sem dilações indevidas, as demandas a ele propostas, a

busca pela celeridade não pode ferir os demais princípios norteadores do processo. Neste

sentido, elenca-se uma série de medidas elaboradas por diversos países, no intuito de buscar

alternativas agilizadoras da prestação jurisdicional, e que, ao mesmo tempo não firam

princípios processuais e direitos fundamentais do acusado, apontando-se, inclusive, a

iniciativa do legislador brasileiro em editar a Emenda Constitucional n° 45/2004, que

propugna por significativas mudanças no funcionamento da administração da justiça, bem

como insere, expressamente, o princípio da celeridade processual no rol dos direitos e

9

garantias fundamentais do homem e do cidadão, acrescentando o inciso LXXVIII ao artigo 5°

da Constituição da República Federativa do Brasil.

Por fim, propõe-se a verificação dos danos do transcurso indevido do tempo nos processos

penais, demonstrando-se que o cumprimento da pena privativa de liberdade (quando

acontece), passou a ser um complemento da nova modalidade de pena criada pela delonga

processual, vez que o próprio processo penal moderno, constitui uma forma do Estado punir o

infrator da lei material.

1 O TEMPO E SUA RELATIVIZAÇÃO NA SISTEMÁTICA

PROCESSUAL “[...] o verdadeiro detentor do poder é aquele que está em condições de impor aos demais o seu ritmo, a sua dinâmica, a sua própria temporalidade”. (LOPES JÚNIOR, 2005, p. 95)1

Algumas das funções e atribuições do Estado são a organização da ordem

jurídica por meio do Poder Legislativo e o exercício da jurisdição pelo Poder Judiciário. Cabe

ao Legislativo estabelecer e organizar a sistemática jurídica, fixando hipotética e

preventivamente as normas que possivelmente incidirão sobre as situações ou relações do

convívio social humano e, via de conseqüência, por meio da função judiciária, aplicar-se a

norma ao caso concreto.

Todavia, nem sempre foi assim. Num passado remoto, o Estado não

dispunha de força e mecanismos suficientes para dirimir os conflitos entre os particulares,

bem como as lides contra o próprio Estado.

Esclarece Souza Netto2 (2006, p. 19) que

[...] o processo penal, na sua origem histórica, não tutelava os fundamentais interesses da vida por meio de sanções punitivas. A ofensa era considerada lesão ao cidadão privado, o qual reagia por si, e a sua vingança constituía o meio rudimentar e o direito de reação contra o fato delituoso.

No mesmo sentido, Santos3 (1994) certifica que antigamente, se houvessem

conflitos de interesses entre os indivíduos, estes, utilizando-se se suas próprias forças e

meios,eram responsáveis pela resolução do problema.

Trata-se do sistema da autotutela, onde as partes conflitantes deveriam dar

solução ao litígio proposto. Cintra, Grinover e Dinamarco4 (2001, p. 21) esclarecem que

1 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005. 2 SOUZA NETTO, José Laurindo. Processo Penal: sistemas e princípios. 1. ed. 4. tiragem. Curitiba: Ed. Juruá, 2006. 3 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 17. ed. v. I. São Paulo: Ed. Saraiva, 1994. 4 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 17. ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2001.

11

existem “dois traços fundamentais característicos da autotutela: a) a ausência de juiz distinto

das partes; b) imposição da decisão por uma das partes à outra”. Os litígios eram resolvidos

particularmente, no calor da emoção, dentro do prazo de tempo querido pelas partes, já que

elas próprias prestavam soluções às demandas.

Nesta perspectiva, ilustra Prado5 (2001, p.82) que

[...] os primeiros grupos humanos, as primeiras tribos, desconheciam métodos mais sistematizados se solução dos conflitos de interesses penais, isto porque, como sociedades simples, rudes e incipientes, tendiam à concretização do seu direito[...] trata-se, sem dúvida, do período remoto daquilo que conhecemos hoje como direito processual, cuja concreção da atuação dos atores sociais sempre que comportamentos censuráveis eram praticados, operava a confusão entre ele próprio, direito processual, enquanto rede rudimentar de procedimentos, e o direito substantivo penal.

Foi a fase da vingança privada, superada na medida em que o homem passa

a entender que ele aparece na sociedade interagindo, conflitando e convergindo seus

interesses e expectativas, e, além disso, atinge um grau de evolução que percebe não ser capaz

de dirimir sozinho as lides decorrentes da convivência cotidiana, urgindo pela necessidade da

criação de um ente que traga para si esta responsabilidade, como pontua Zaffaroni e

Pierangeli6 (1999).

Nesse passo, “os institutos de caráter privado vão perdendo espaço para

aqueles de índole pública” (SOUZA NETTO, 2006, p.19)7, na medida em que os homens

começam a compreender que “os conflitos entre grupos se resolvem de forma que, embora

sempre dinâmica, logra uma certa estabilização, que vai configurando a estrutura de poder de

uma sociedade”(ZAFFARONI E PIERANGELI8, 1999, p. 60 e 61).

Analisando o propugnado, Prado9 (2001, p. 83) ensina que este processo

evolutivo e de aperfeiçoamento da organização social, somado à aquisição de consciência da

necessidade de encontrar “[...]uma plataforma sobre a qual pudessem ser erguidos os

procedimentos de resoluções de conflitos, de forma a preservar tanto quanto possível à

sociedade, foram as principais causas da sistematização contínua dos métodos de

implementação do Direito Penal[...]”, restando, portanto, que o próprio indivíduo, em razão

5 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2001. p. 82 6 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 2 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999. 7 SOUZA NETTO, José Laurindo. Processo Penal: sistemas e princípios. Curitiba: Ed. Juruá, 2006. 8 ZAFFARONI; PIERANGELI, op. cit., p. 60 e 61. 9 PRADO, op. cit., p. 83.

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do convívio em sociedade, concluiu ser necessária a criação do ente estatal, responsável por

promover a sustentação e organização da sistemática penal e processual.

Desta forma, o homem, no transcurso da história, foi sedimentando a

estrutura de poder da sociedade em que vivia. Neste processo evolutivo, em conseqüência,

criou-se a figura do Estado, o qual responsabilizou-se pela centralização do poder e controle

dos grupos sociais a ele submetido.

Hodiernamente, a função de pacificação social pertence ao Estado, que a

exerce por meio da jurisdição, definida nas palavras de Barros10 (2002, p. 20) como “[...] a

função do Estado mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito

para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve”, ou seja, a

terceirização da administração (ou “ministração”) da justiça, tirando da esfera de competência

do particular a solução dos conflitos (que antes eram resolvidos por eles mesmos), delegando-

se esta tarefa à um ente imparcial (o Estado).

No mesmo diapasão, o entendimento de Tucci11 (1997, p. 23) traduz que

O estado contemporâneo tem por escopo a manutenção da paz social, vetando a atuação autodefensiva dos direitos subjetivos, com a imposição de normas reguladoras da conduta dos membros da comunhão social. À antiga concepção duelística do processo de conotação privada haveria de substituir-se àquela autoritária, pela qual a idéia de processo aflora como instrumento de investigação da verdade e da distribuição da justiça. Os sintomas dessa metamorfose – de uma experiência jurídica primitiva àquela de comunidade politicamente organizada – vetando-se a autodefesa com a obrigatoriedade de conferir a terceira pessoa, imparcial e estranha ao litígio, a incumbência de dizer a quem assiste razão, representa uma conquista de época relativamente recente.

Complementando o explicitado, Tourinho Filho12 (2006, p. 3-4) pontua que

“o Estado avocou a tarefa de administrar justiça restaurando a ordem jurídica quando

violada”, por meio do exercício da jurisdição. No mesmo sentido posiciona-se Rodrigues13

(2005, p. 284) quando assertivamente escreve que “[...] o Estado, sem a jurisdição seria uma

instituição política desprovida de um instrumento legítimo, por meio do qual possa exercitar

seu poder, em última instância, na busca da pacificação social”.

10 BARROS, Antônio Milton de. Processo Penal segundo o modelo acusatório: os limites da atividade instrutória judicial. São Paulo: Editora de Direito, 2002. 11 TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo: uma análise empírica do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997. 12 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 8ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2006. 13 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ec N. 45: aceso á justiça e prazo razoável na prestação jurisdicional. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

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Assim, entende-se que a restauração da paz social proposta pelo ente estatal,

é feita mediante a atuação da norma de direito objetivo, aplicando-a ao caso concreto,

atividade esta exercida por órgão devidamente investido para o ato, ou seja, o Poder

Judiciário, que é o representante legítimo do poder estatal, por meio da jurisdição.

Complementando o conceito acerca de jurisdição, Barros14 (2002, p. 21)

acrescenta-lhe três características:

além da função do Estado, e monopólio estatal, a jurisdição é ao mesmo tempo, poder, função e atividade. Como poder, é manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Como função, expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação dos conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo e através do processo. E como atividade ela é o complexo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe compete. O poder, a função e a atividade somente transparecem legitimamente através do processo devidamente estruturado (devido processo legal) (destacou-se)

Contemporaneamente, o Estado encontra-se aparelhado para atender às

demandas judiciais, ao menos no que diz respeito aos institutos jurídicos. Portanto, no caso

em que duas pessoas entrem em litígio, basta a provocação do Judiciário para que o Estado

posicione-se e, utilizando o ordenamento jurídico, solucione a lide.

Ao Estado cabe a responsabilidade da tutela e garantia de efetividade dos

direitos do cidadão estatuídos pela Carta Magna e assegurados por leis regulamentadoras

infraconstitucionais. Para tanto, ele traz para si para responsabilidade do monopólio do jus

puniendi, e, desta forma, tem a obrigatoriedade de fazê-lo de maneira séria e eficiente, sob

pena de ferir os direitos estabelecidos pelo próprio ordenamento jurídico.

Titular da jurisdição no Estado Democrático de Direito, o ente estatal

necessita estabelecer os meios legítimos para a plena execução das ações impositivas

decorrentes da lei material. Assim, deve autolimitar-se quando sistematiza normas de

organização dos meios de execução da lei material, despontando o processo penal como a

forma da manutenção do equilíbrio social, buscando incansavelmente a pacificação das

relações intersociais, ao mesmo tempo em que procura conservar a liberdade individual.

Nesta esteira de conhecimento, Roxin15 (2000), assevera o entendimento de

que, na medida em que o Estado monopoliza a persecução penal, impõe a si mesmo a árdua

14 BARROS, Antônio Milton de. Processo Penal segundo o modelo acusatório: os limites da atividade instrutória judicial. São Paulo: Editora de Direito, 2002. 15 ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal. 25. ed. Buenos Aires: Ed. Del Peuerto, 2000.

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tarefa de estabelecer critérios e limites perquiritórios, como forma de coibir eventuais atitudes

geradoras de abuso de poder.

A função precípua do direito penal é garantir ao indivíduo que a sanção a ele

imposta em decorrência da prática de ato infringente corresponda a modelo descrito na lei. Ao

Estado é delegada a função de restabelecer a ordem jurídica violada, onde o processo penal é

veículo para a imputação do tipo penal transgredido, cominando, conseqüentemente, uma

pena ao transgressor.

Entretanto, vale relembrar que os poderes estatais são passíveis de restrição,

mesmo na tarefa de restabelecimento da ordem transgredida. Na hipótese de um indivíduo

desafiar as normas impositivas com comportamentos desvirtuados e vir a sofrer

sancionamento, o Estado, na utilização dos atributos pertinentes, não poderá exceder alguns

limites na tarefa persecutória.

Os limites impostos ao Estado são ditados pelo ordenamento processual e

pela Constituição, sendo certo que quanto mais civilizada é uma nação, mais bem estruturado

é seu ordenamento constitucional e processual, a fim de promover maior respeito aos

conviventes daquela comunidade.

Neste sentido, assevera Lopes Júnior16 (2005, p. 39), pontuando que quanto

mais avançam as civilizações, mais se estruturam suas sistemáticas processuais, cada vez mais

respeitam seus cidadãos, demonstrando que o ordenamento processual penal do Estado traduz

a cultura do povo e a importância dispensada a sua população. Veja-se que

O processo penal é uma das expressões mais típicas do grau de cultura alcançado por um povo no curso da sua história, e os princípios de política processual de uma nação não são outra coisa que segmentos da política estatal em geral. Nessa linha, uma Constituição Democrática deve orientar a democratização substancial do processo penal, e isso demonstra a transição do direito passado ao direito futuro. Num Estado Democrático de Direito, não podemos tolerar um processo penal autoritário e típico de um Estado-policial, pois o processo penal deve adequar-se à Constituição e não vice-versa. (sic)

Portanto, considera-se que para que haja verdadeiro respeito aos cidadãos de

uma nação, deve existir o pontual cumprimento das normas processuais e Constitucionais,

pois, como posicionado por Marques17 (1997), o processo penal trata-se do meio de execução

estatal das normas de direito material, cuja função é delimitar a justa consubstanciação do

16 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005. 17 MARQUES, José Frederico. Elementos do Direito Processual Penal. 7. ed. v. I. Campinas: Ed. Bookseller, 1997.

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Direito, aplicando-se, portanto, a lei penal ao fato concreto, devendo sua aplicabilidade

atender às necessidades e reclames sociais. A lei, portanto, ao mesmo tempo em que tutela os

direitos sociais, protege o cidadão de eventuais abusos estatais, afinal “o estado não está

autorizado a utilizar o processo penal como pena em si mesmo” (LOPES JÚNIOR, 2005, p.

8)18, mas sim utilizá-lo para aplicação de uma pena justa ao caso concreto.

Corroborando a idéia de limitação do poder estatal na atividade

persecutória, punitiva, de restabelecimento da paz social e, especialmente, sobre a

responsabilidade e função do direito penal e processual, Lopes Júnior19 (2005, p.37) escreve

que

O processo, como instrumento para a realização do Direito Penal, deve realizar sua dupla função: de um lado, tornar viável a aplicação da pena, e, de outro, servir como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdade individuais, assegurando os indivíduos contra os atos abusivos do Estado. Nesse sentido, o processo penal deve servir como instrumento de limitação da atividade estatal, estruturando-se de modo a garantir a plena efetividade aos direitos individuais constitucionalmente previstos, como a presunção de inocência, contraditório, defesa, etc. (sic)

Uma das disposições normativas de proteção ao indivíduo contra investidas

arbitrárias do Estado é a garantia de uma prestação jurisdicional num prazo razoável, ou seja,

o direito assegurado constitucionalmente de ter um processo de razoável duração, tendo-se em

vista, sobretudo, que na seara penal e processual penal, o bem tutelado é a liberdade humana.

Assim sendo, deve-se considerar que um processo não pode eternizar-se. A

sentença exarada de uma demanda processual penal deve atender às suas finalidades e o

decurso excessivo do tempo faz com que tais finalidades deixem de ser alcançadas, pois a

sociedade espera o restabelecimento da ordem e da paz com brevidade e o réu pretende

assistir seu veredicto com brevidade, podendo livrar-se, o mais rápido possível (mas com

segurança jurídica) do fardo de responder a um processo criminal.

Em que pese o estabelecimento legal de que um processo deve tramitar

dentro de um prazo razoável de duração, a realidade atual da prestação jurisdicional brasileira

e alienígena é absolutamente diversa. Merece proeminente destaque o fato de que nem sempre

a resposta do Judiciário é célere e, por conseqüência, eficaz como pretende a norma

constitucional. Falta, ainda, ao ordenamento jurídico pátrio, o aparelhamento indispensável

18 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005. 19 Ibid., p. 37.

16

para alcançar uma solução amplamente satisfatória ao litígio, ou seja, a fixação de sanção

cabível em tempo razoável.

Neste diapasão, apresenta-se o tempo como fator decisivo na prestação

jurisdicional, além de, certamente, impor-se como elemento na vida de todas as pessoas, ainda

que não relacionadas ao Direito.

O universo é regido pelo tempo. A sociedade moderna tem um ritmo de vida

acelerado; vida esta dada pelo tempo e tirada por ele, não restando dúvidas que “[...] entre

todos os acontecimentos da natureza que mais inquietam o homem centra-se o fenômeno

tempo”, nas palavras de Tucci20 (1997, p. 17), pois, em que pese as pesquisas científicas

empreendidas pelo homem e todos os avanços tecnológicos por ele conquistado, o ser humano

é incapaz de dominar o transcurso do tempo; este não pára, bem como seus efeitos não

deixam de incidir em todos os aspectos da vida de todos os seres vivos.

Assim, pode-se considerar que nos mais variados aspectos da vida dos seres

terrestres, o tempo é imperativo: tempo para nascer, crescer e morrer.

Neste passo, pode-se verificar que mesmo ns relações interpessoais, sejam

privadas ou profissionais, houve grandes modificações em decorrência da aceleração do ritmo

de vida social. Nas relações pessoais, a utilização de aparelhos celulares, por exemplo, oferece

conforto e agilidade na comunicação entre as pessoas, encurtando as distâncias e

proporcionando considerável economia temporal. Em contrapartida, provoca a contínua

disponibilidade para atendimento às chamadas, seja para compromissos particulares e,

sobretudo, para o trabalho. O homem pode ser instantaneamente localizado em qualquer lugar

do planeta com o simples discar de números. Não existe mais desligamento da tensão, da

urgência, do agora, do imediatismo.

No trabalho, a informática, por meio da rede mundial de comunicação –

internet -, possibilita a troca de informações em tempo real. Acabou o distanciamento entre a

ocorrência de um fato e sua propagação. Tudo é instantâneo.

A este respeito, Ost21 (2005, p. 328) escreve que

[...] nosso mundo tornou-se da presença virtual, da telepresença: não apenas telecomunicação mas também tele-ação(trabalho e compra a distância, por exemplo) e logo, tele-sensação (graças a data suit, combinação interativa de dados que permite sentir e tocar a distância). [...] o mundo deixa de nos opor qualquer resistência; os intervalos de tempo e de espaço remetem-se a zero ou quase; o tempo ultracurto, o instante de razão da conexão eletrônica. Um “muro do tempo” é

20 TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo: uma análise empírica do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997. 21 OST, Fraçois. O tempo do direito. Tradução de Élcio Fernandes. Bauru: Ed. Edusc, 2005.

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assim ultrapassado, transtornando nossos pontos de referência; escala, grandezas, horizontes, duração, tudo é rebaixado no espaço-mundo da comunicação planetária em tempo real. (destacou-se)

Neste sentido, vale ressaltar que a análise do tempo transcende àquela

medida pelo relógio. Brito22 (2004) ensina que o tempo, desde o surgimento das diferentes

civilizações e, de acordo com a época em que viveram, é analisado de forma particular,

adequando-se às necessidades e crenças de cada uma delas.

No mesmo norte, Ost23 (2005, p. 23-24) afirma que os calendários não

passam de um “sistema de medida social do tempo articulado, com base na recorrência de

certos fenômenos cósmicos atestados pela astronomia”.

Prossegue o autor ensinando que os cristãos, por exemplo, contam o tempo

baseando-se no nascimento de Jesus Cristo, seu messias. Todos os acontecimentos ocorridos

antes do nascimento de Cristo, são marcados pelo ano seguido da sigla A.C. (antes do

nascimento de cristo); os posteriores, de D.C. (depois do nascimento de Cristo).

Todavia, para os muçulmanos, a contagem cristã não tem significado, pois

eles têm como referência temporal a fuga do profeta Maomé para a cidade de Yatreb

(Medina), onde iniciou a pregação dos ensinamentos do seu deus, Alá24, fato histórico que a

doutrina islâmica nomina Hégira. Para os muçulmanos, o calendário correto é aquele onde se

inicia a contagem de tempo no ano de 622 D.C.25

Enfim, as medidas e instrumentos de elaboração do tempo “revelam sua

estreita dependência em relação às necessidades sociais e configurações sociais do momento”

(Ost, 2005, p. 24)26 e, na sociedade contemporânea, imediatismo é palavra do momento, visto

que o ritmo de vida acelerado da sociedade hodierna, leva somente à valorização do tempo

presente.

De acordo com Thums27 (2006, p. 21) “o desespero do homem

contemporâneo é não deixar o tempo fugir do seu controle. Não se trata de reter o fluxo do

tempo, mas de conferir maior intensidade na fruição”. O homem moderno vive intensamente

cada minuto, como se o instante presente fosse o último, demonstrando a existência de uma

variedade de concepções do vocábulo tempo. Existe um desespero coletivo quando se analisa 22 BRITO, Vladimir. Tempo e direito. A propósito de uma revisão constitucional. In Themis, Revista de Direito, ano V, n° 8, 2004, p. 65-94. 23 OST, Fraçois. O tempo do direito. Tradução de Élcio Fernandes. Bauru: Ed. Edusc, 2005. 24 Denominação do deus muçulmano. 25 O ano de 622 DC (depois do nascimento de Jesus Cristo) é a referência temporal dos cristãos para o ano em que ocorreu a Hégira. 26 OST, op. cit., p. 24. 27 THUMS, Gilberto. Sistemas processuais Penais. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006.

18

que o tempo não pára e que “[...] nada pode fazer o tempo voltar. Ninguém, nem mesmo Deus

[...]” (CARNELUTTI, 2006, p. 81)28, gerando intenso desconforto em não aproveitar o tempo

presente.

A análise temporal proposta, é exatamente aquela que aponta para o

desespero do homem contemporâneo: não deixar o tempo fugir, administrando, com

intensidade, o momento presente, sem análise do passado, nem previsibilidade para o futuro.

Ost29 (2005, p. 23), denomina este tempo de “tempo sócio-histórico”.

Consoante este viés analítico, o homem atual tem a previsibilidade de

somente um fato certo em sua vida: a morte. Messuti30 (2003, p.42) dispõe que “[...] a

indigência humana consiste precisamente na impossibilidade de dispor do futuro. A falta de

previsibilidade do futuro se origina na transitoriedade própria do ser humano, que por sua vez

se origina em sua única certeza: seu ser é um ser que caminha para a morte”.

Assim, cada sociedade encara a vida de uma maneira particular, o que

determina a importância de aproveitar-se mais ou menos o tempo. Acerca desta análise,

Thums31 (2006, p. 21-22) assevera que

As representações sobre o tempo e a concepção da temporalidade estão muito ligadas aos sistemas culturais da humanidade, bem como a forma que se constroem as diferentes concepções a respeito do mundo e do indivíduo. É absolutamente aceitável imaginar o fim da vida humana no planeta Terra; basta observar a escassez de recursos naturais e a progressão geométrica da população mundial. A destruição da camada de ozônio e outros fatores provocarão fenômenos imprevisíveis no planeta. [...] Com o avanço da ciência e o processo de secularização, modifica-se a ideologia cristã no mundo ocidental, que até então considerava a vida terrena sem importância em face da transcendência. O homem antigo procurava preparar-se para a vida após a morte, o que não ocorre mais com o homem moderno e contemporâneo, que passa a ter consciência da fugacidade e finitude da vida e começa a desenvolver tecnologias e modos de vida para usufruir ao máximo o tempo. (destacou-se)

As sociedades antigas acreditavam na vida após a morte e passavam toda a

vida terrena se preparando para este evento. Esta crença fornecia suporte para uma projeção

do seu futuro, fosse na Terra ou num plano desconhecido ao lado dos seus deuses. Diferentes

civilizações pautaram uma vida inteira em adorações a deuses que, supostamente, lhes

garantia, além de uma vida eterna, sua volta à vida terrena. O homem moderno, em razão dos

28 CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Trad.: Carlos Eduardo Trevelin Millan. São Paulo: Ed. Pillares, 2006. 29 OST, Fraçois. O tempo do direito. Tradução de Élcio Fernandes. Bauru: Ed. Edusc, 2005. 30 MESSUTI, Ana. O tempo como pena. Tradução de Tadeu Antônio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de Toledo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003. 31 THUMS, Gilberto. Sistemas processuais Penais. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006.

19

avanços científicos, conhecimentos e experiências agregadas com o passar do tempo, em

geral, perdeu a fé nessa crença.

Corroborando o registrado, Ost32 (2005, p. 23) ensina que o tempo sócio-

histórico é cultural, “[...] produto das construções coletivas da história [...]”, e que o homem

precisa analisar seu passado para evitar erros no futuro e, somente assim, traçar projeções

factíveis, o que se torna cada vez mais difícil, em razão da crença do não-futuro. Neste

sentido, o imediatismo, o presenteísmo toma conta das sociedades, pois

Nada de mais frágil que esta aliança entre o passado e o futuro; a “crise da cultura” propicia o cisma entre tempo, que parecem nada mais ter a se dizer: um passado repentinamente tornado estranho, um futuro opaco e improvável – e entre os dois: um presente reduzido às pancadas do instantâneo, aos sobressaltos da urgência, à insignificância do dia-dia. (Ost, 2005, p. 29) 33 (destacou-se).

Em verdade, o homem contemporâneo preocupa-se eminentemente com o

presente. Não existe mais análise reflexiva sobre o passado, nem projeções para planos

futuros, pois o futuro é extremamente distante e certeiro: resta ao homem somente um destino,

que é a morte.

Como asseverado por Carnelutti34 (2006, p. 82) a respeito da falta de análise

do passado e descrença no futuro,

A verdade intuída é que o remédio para o passado está no futuro. Não outra coisa que esta verdade intuída guia os homens a reconstruir a história. Em algum tempo, esta intuição tinha encontrado sua fórmula, quando se dizia que a história é mestra da vida atualmente, não se diz mais; e parece um passo adiante no caminho do saber. Também o caminho do saber, como todos os caminhos que conduzem ao alto, tem seus falsos planos e seus trajetos em declive; é certo que tendo perdido, por assim dizer, o contato entre passado e futuro, temos nos afastado mais do que aproximado do alto. Quiçá um dos caracteres da crise é precisamente este, que denomina o desinteresse pelo futuro. (destacou-se)

Esta cisão de vínculos entre o passado e o futuro, gera a crise que se vive no

presente. O homem pensa somente no hoje, em satisfazer suas vontades e resolver os

problemas apresentados no presente momento, sem medir conseqüências para o futuro.

Pelo mesmo viés do panorama traçado e explicando porquê a sociedade

atual age desta maneira, Lopes Júnior35 (2005, p. 25) analisa a temática pontuando que “[...]

32 OST, Fraçois. O tempo do direito. Tradução de Élcio Fernandes. Bauru: Ed. Edusc, 2005. 33 Ibid., p. 29. 34 CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Trad.: Carlos Eduardo Trevelin Millan. São Paulo: Ed. Pillares, 2006.

20

vivemos numa sociedade acelerada. A dinâmica contemporânea é impressionante [...] não só

nosso emprego é temporário [...] da mesma forma nossas “aceleradas” relações afetivas, com

a consagração do ficar e do no future”.

Ost36 (2005) denomina este fenômeno de urgência do presente. Desenvolve

seu raciocínio explicando que atualmente existe uma desvalorização do passado, porque se

entende que está acabado; quanto ao futuro, compreende-se como algo excessivamente

incerto e longínquo para ser coerente e, desta forma, não merece ser pensado. Estabelece

formação de um conceito de que tudo na vida das pessoas deve ser instantâneo, imediato,

urgente, acabando por criar uma “[...] cultura da impaciência, que transforma qualquer prazo

em prorrogação insuportável e qualquer transição por um bloqueio institucional, criticável”

(OST, 2005, p. 334-335). Os indivíduos não têm mais paciência para suportar tipo algum de

espera.

Propondo um aprofundamento no estudo da cultura da impaciência, o autor

demonstra que suas raízes estão numa verdadeira desvalorização de antigos modelos sociais,

escrevendo que

A desvalorização dos antigos modelos sociais, muitas vezes dogmáticos, sem dúvida, liberou um campo imenso de possibilidades; mas, carente de ideologia mobilizadora de mudança, ela engendrou ao mesmo tempo sentimentos de vazio e de incerteza, que não reduzem as representações do futuro, cada vez mais heterogêneas, e que percorrem o corpo social. (OST, 2005, p. 33)37

As sociedades perderam a crença nos modelos dogmáticos propostos por

seus ancestrais, todavia, não criaram valores subsistentes que pudessem substituir os modelos

antigos, o que causa enorme sensação de vazio no homem, provocando, conseqüentemente, a

descrença generalizada no futuro e gera a cultura da impaciência, do imediatismo, do

presenteísmo, mas, que ao mesmo tempo, busca incansavelmente e, em vão, construir novos

modelos. No mesmo norte escreve Lopes Júnior38 (2005, p. 53) que

Nessa busca de valores, devemos considerar que estamos numa sociedade pós-moralista39, que, liberta da ética de sacrifícios, é dominada pela felicidade, os

35 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005. 36 OST, Fraçois. O tempo do direito. Tradução de Élcio Fernandes. Bauru: Ed. Edusc, 2005. 37 Ibid., p. 334-335. 38 LOPES JÚNIOR, op. cit., p. 53. 39 O autor explica que “[...] existem três fases essenciais na história da moral ocidental. A primeira marca pelo momento teológico da moral, onde ela era inseparável dos mandamentos de Deus e da Bíblia. A segunda fase, que inicia no final do séc. XVII, é laico-moralista, onde busca-se fundar as bases de uma moral independente de

21

desejos, o ego e os direitos subjetivos, sem qualquer abnegação. E mais, tais benefícios devem ser obtidos a curto prazo, pois igualmente inseridos na lógica da aceleração, onde qualquer demora é vista como um sofrimento insuportável. (destacou-se)

Cabe analisar, também, que além das representações e significações dadas

ao tempo até o presente momento, ele pode ser visto por outros vieses, esclarecendo-se que, o

paradigma de representação absoluto do tempo fora quebrado há anos, sendo que,

hodiernamente, admite-se a concepção relativa de temporalidade, exatamente como trata

Lopes Júnior e Badaró40 (2006, p. 02) quando pontuam que “[...] o tempo é relativo à posição

e velocidade do observador, mas também a determinados estados mentais do sujeito”.

É indiscutível que o tempo passa de forma diferente para as pessoas,

variando de acordo com suas ocupações, emoções, estado mental, entre outros fatores. O

tempo para um indivíduo que está bem empregado, com suas emoções, saúde e relações

interpessoais estabilizadas, passa absolutamente mais rápido do que para alguém que se

encontra gravemente enfermo, com dores insuportáveis prostrado em uma cama.

Comparativamente, pode-se dizer que o tempo para quem se encontra

privado de sua liberdade transcorre de forma diferente do que para o liberto. Para o

encarcerado o tempo não passa; para o magistrado, falta tempo para julgar as causas que se

amontoam sobre sua mesa. São percepções do tempo diferentes, alterando-se, consoante

descrito, de acordo com o observador, como destacado por Tucci41 (1997, p. 19), quando

registra que “[...] apesar do relógio marcar as horas igualmente em qualquer lugar do planeta,

para muitos o tempo voa. Alguns deixam de contemplar o movimento do tempo. Para outros,

o tempo não passa”.

São as concepções diferentes de percepção do mesmo vocábulo, ou melhor,

de formas diversas de entender-se o que é tempo: trata-se das modalidades objetiva e o

subjetiva de análise do tempo, ou, melhor posicionando-se, são, respectivamente, o tempo

contado usualmente pelos relógios e calendários e o tempo da consciência, como ensina

Messuti42 (2003).

dogmas religiosos e da autoridade da igreja. É uma moral pensada a partir da racionalidade, onde o homem pode alcançar uma vida moral sem a ajuda de Deus e dos dogmas teológicos . por fim, a terceira fase é a “pós-moralista” e contínua com o processo de secularização posto em marcha nos séculos XVII e XVIII. É uma sociedade que estimula mais os desejos, a felicidade e os direitos subjetivos, sem a cultura da ética de sacrifícios. (p. 53). 40 LOPES JÚNIOR., Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006. 41 TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo: uma análise empírica do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997. 42 MESSUTI, Ana. O tempo como pena. Tradução de Tadeu Antônio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de

22

Propõe a autora que o tempo objetivo é a contagem feita pelo relógio, de

divisão dos períodos em vinte e quatro horas (falando-se do período de um dia, proposto pelo

calendário usual), o qual não transcorre mais velozmente ou lentamente caso seja para uma

criança, um idoso, um operário ou um rico empresário. Entretanto, o que diferencia o passar

do tempo é a projeção individual que cada pessoa faz em sua consciência, o denominado

tempo subjetivo ou tempo da consciência.

Têm-se, portanto, que o tempo objetivo é aquele contado segundo a segundo

pelos relógios de todo mundo, o que, no acúmulo de sua contagem, transforma-se em dias,

meses e anos, formando e delimitando o calendário. Já o tempo subjetivo, ou tempo de

consciência, é o tempo relativo, absolutamente dependente da situação em que se encontra seu

observador, o tempo que cada um percebe conforme suas situações particulares.

A este respeito, Thums43 (2006, p. 14-15) explica que

O tempo não flui de forma uniforme para todos os homens, nem para as ciências físicas, nem para o universo [...] experiências banais podem ser citadas no sentido de que o próprio tempo objetivo terrestre é percebido de forma diferente pelas pessoas. Encontros prazerosos com alguém passam extremamente rápidos, enquanto o sofrimento insuportável nunca passa. (destacou-se)

Demonstra-se, portanto, que o tempo é percebido de maneiras diferentes,

variando de acordo com o observador e com as circunstâncias em que ele se encontra, de

prazer ou de desconforto, de alegria ou tristeza, de liberdade ou de cárcere.

Mas, ultrapassando esta análise, cabe pontuar que o transcurso do tempo

transforma sensivelmente a vida das pessoas, deixando legados positivos e negativos. O

envelhecimento do corpo humano, por exemplo, é um inegável sinal do escoamento do tempo

objetivo; quanto mais o tempo passa, recrudescem na pele as marcas deixadas por ele.

Entretanto, quando esta análise é feita pela ótica do acúmulo de experiência e sabedoria, o

tempo é um grande aliado, pois somente com o passar dos anos é que, dia-a-dia, constrói-se

conhecimento; trata-se do tempo subjetivo.

A mesma proposta pode ser feita à Ciência do Direito, verificando-se quais

os principais efeitos que recaem sobre o Direito pelo transcurso do tempo. Tucci44 (1997, p.

15-16) registra que “[...] o fator tempo, que permeia a noção de processo judicial, constitui,

desde há muito, a mola propulsora do principal motivo da crise da justiça”, considerando, Toledo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003. 43 THUMS, Gilberto. Sistemas processuais Penais. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006. 44 TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo: uma análise empírica do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997.

23

inclusive, que a performance da administração da justiça fica “[...] muito aquém de atender às

expectativas e aos anseios da sociedade” (TUCCI, 1997, p. 16-17)45, causando os problemas

suscitados por Lopes Júnior46 (2005), ou seja, imensa insatisfação social com a prestação de

serviços do Poder Judiciário.

Num segundo e escorreito posicionamento a este respeito, Thums47 (2006),

refere-se aos efeitos do tempo no Direito como devastadores, explicando que quanto mais ele

transcorre, menos credibilidade aufere-se à prestação processual penal. Veja-se o

posicionamento proposto:

O tempo afeta o Direito, porque a sociedade somente existe no tempo presente. Para o Direito, o tempo provoca a prescrição do crime, define a vigência da lei, constitui a imputabilidade do réu, extingue a punibilidade, define o momento do crime, etc. O tempo determina a ordem dos atos processuais, o prazo para sua realização, a preclusão, fragiliza a persuasão do julgador; provoca descrédito no Judiciário pela demora da resposta do crime. O tempo diminui gradativamente os registros da consciência sobre os fatos no campo da prova, em especial das testemunhas, que ainda constituem a mais importante prova, lamentavelmente. (THUMS, 2006, p. 1-2)48 (destacou-se)

Corroborando a assertiva da necessidade de uma resposta jurisdicional

dentro de uma perspectiva temporal razoável, Tucci49 (1997, p. 27) estabelece que “O

processo é o instrumento destinado à atuação da vontade da lei, devendo, na medida do

possível, desenvolver-se sob a vertente extrínseca, mediante um procedimento célere, a fim de

que a tutela jurisdicional emerja realmente oportuna e efetiva”. (destacou-se)

Ainda acerca do conceito de tempo e sua incidência no processo, dispõe

Carvalho50 (2005, p. 218) que

O tempo implica no transcurso, sucessão dos anos, dos dias, das horas, etc., que envolve, para o homem, a concepção de presente, passado e futuro. Quer dizer que o tempo é medida de duração de algo que pode ser observado. O processo é conjunto de sucessão de atos que documentam a atividade jurisdicional daí dizer que o tempo tem significativa importância no processo, sobretudo porque essa série de atos que se sucedem e são ligados por uma relação causal não acontece de modo instantâneo, mas sim de maneira paulatina, com pequenos intervalos. (destacou-se)

45 TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo: uma análise empírica do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997. 46 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005. 47 THUMS, Gilberto. Sistemas processuais Penais. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006. 48 Ibid., p. 1-2. 49 TUCCI, op. cit., p. 27. 50 CARVALHO, Fabiano. EC n.° 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

24

Partindo-se da constatação que a sociedade atual pauta sua vida no tempo

presente, os autores consideram que uma prestação jurisdicional morosa é extremamente

prejudicial ao Direito, ou melhor, à credibilidade nele depositada, especialmente quando se

analisa os dizeres de Carvalho (2005, p. 218), onde se admite que o processo é uma cadeia de

atos que necessita de tempo para desenvolver-se, mas de intervalos pequenos de tempo entre a

realização de um ato e outro.

No mesmo sentido, escreve Lopes Júnior51 (2005, p. 93) sobre a importância

do tempo, considerando que

No que se refere ao Direito Penal, o tempo é fundante de sua estrutura, na medida em que tanto cria como mata o direito (prescrição), podendo sintetizar-se essa relação na constatação de que a pena é tempo e o tempo é pena. Pune-se través de quantidade de tempo e permite-se que o tempo substitua a pena. No primeiro caso, é o tempo como castigo; no segundo, o tempo do perdão e da prescrição. [...] O processo não escapa do tempo, pois ele está arraigado na sua própria concepção, enquanto concatenação de atos que se desenvolvem, duram e são realizados numa determinada temporalidade. O tempo é elemento constitutivo inafastável do nascimento, desenvolvimento e conclusão do processo, mas também na gravidade com que aplicadas as penas processuais, potencializadas pela (de)mora jurisdicional injustificada. (destacou-se)

A sociedade exige que o Direito ofereça resposta no tempo em que ela vive,

ou seja, dentro do fenômeno da urgência52. Existe, sem laivos de dúvidas uma desvalorização

do passado e uma descrença no futuro, razões pelas quais o Direito deve ser aplicado no

presente e de forma extremamente rápida.

Lopes Júnior53 (2005, p. 27) escreve que esta reivindicação social de uma

resposta jurisdicional dentro dos parâmetros modernos de urgência é absolutamente inviável e

impossível de concretizar-se, pois os tempos social e processual são absolutamente diferentes,

pontuando que

[...] a velocidade da notícia e a própria dinâmica de uma sociedade espantosamente acelerada são completamente diferentes da velocidade do processo, ou seja, existe um tempo do direito que está completamente desvinculado do tempo da sociedade. E o Direito jamais será capaz de dar soluções à velocidade da luz. (destacou-se)

51 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005 52 Assim definido por OST, Fraçois. O tempo do direito. Tradução de Élcio Fernandes. Bauru: Ed. Edusc, 2005, p. 334) 53 LOPES JÚNIOR, op. cit., p. 27.

25

No mesmo sentido está a consideração de Silva54 (2000, p. 50), a qual

dispõe que “[...] criou-se atualmente o que a cultura cibernética define como sendo o tempo

real, a tornar pura irrealidade os tempos com os quais nos habituamos a conviver e sob os

quais até agora a humanidade fez a História” (sic). Prossegue desenvolvendo o raciocínio

baseando-se na propugnação de que esta jamais vista aceleração é representada pela

instantaneidade proporcionada pelos meios de comunicação, os quais convivem

[...] muito mal com o processo que, não apenas procura compreender e avaliar problemas temporais – enquanto pedaços da história humana -, mas que, ao fazê-lo, haverá de constituir-se, também ele, num episódio histórico e, portanto, temporal. Processo, qualquer que seja a sua natureza – não apenas os processos em que o direito se vale -, e a instantaneidade do tempo real são dois conceitos que se repelem. (destacou-se) (SILVA, 2000, p. 50) 55

Neste diapasão, deve-se considerar que a sociedade construiu um

parâmetro de tempo que lhe é próprio, diferente do tempo do processo. Isso não significa que

o tempo social é melhor ou pior que o processual (e vice-versa), mas que, simplesmente, são

diferentes. O processo precisa de um tempo determinado para constituir-se sem máculas;

temporalidade esta não compreendida pela sociedade. Neste sentido, converge a opinião de

Tucci56 (1997) quando dispõe que

O tempo do processo, sob o aspecto intrínseco, não é um tempo ordinário. Da mesma maneira que o espaço judiciário reconstrói um interior que encarna a ordem absoluta, o tempo do processo interrompe o desenvolvimento linear do tempo cotidiano. Ele se insinua, como uma ação temporária que, por sua ordem e regularidade, compensa as lacunas do tempo profano. O tempo do processo é um tempo inteiramente ordenado que permite à sociedade regenerar a ordem social e jurídica.

Os autores desenvolvem as premissas expostas apurando que, neste ritmo e

nível de exigência social, os juízes sentem-se pressionados a julgar rapidamente, regendo-se

pela teoria da urgência e pelo jargão de quanto mais rápido, melhor, onde Tucci57 (1997, p.

27-28) considera que o processo judiciário como instrumento resolutório de conflitos de alta

relevância social, “[...] reclama, em homenagem a um elementar postulado de segurança

jurídica, o respeito a uma série de garantias das partes (due process of law em senso

54 SILVA, Ovídio Baptista da. Celeridade versus economia processual, in Gênesis – Revista de Direito Processual Civil, n. 15. Curitiba, jan./mar., 2000. 55 SILVA, loc. sit. 56 TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo: uma análise empírica do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997 57 Ibid., p. 27-28.

26

processual), cuja observância se faz incompatível com a precipitação”, condenado, portanto,

a utilização do jargão tão somente para responder aos reclames de uma sociedade que impõe

ao judiciário uma resposta com rapidez exacerbada.

Os legisladores, por sua vez, também se obrigam a criar procedimentos que

satisfaçam o anseio social de rapidez processual, sendo que tais atitudes estão completamente

equivocadas, pois “[...] o tempo do direito sempre será outro, por uma questão de garantia.

[...]. Não podemos sacrificar a necessária maturação, reflexão e tranqüilidade do ato de julgar,

tão importante na esfera penal. Tampouco acelerar a ponto de atropelar os direitos e

garantias do acusado”, nas palavras de Lopes Júnior58 (2005, p. 28) (destacou-se), que vêm

em encontro ao pontuado por Tucci59 (1997) anteriormente. Leis elaboradas somente para

satisfazer a ansiedade social de imediatismo na prestação jurisdicional, não deveriam existir.

No mesmo passo, é sabido que as notícias no meio social são veiculadas em

tempo real, quase simultaneamente à ocorrência do fato e, da mesma proporção de rapidez e

agilidade da transmissão da notícia, a sociedade cobra uma resposta jurisdicional.

Também é inegável que os meios de comunicação influenciam nos fatos

pertinentes e relevantes à seara penal e processual penal, na medida em que transmitem sem

imparcialidade as ocorrências de crimes. Entretanto, deve-se pontuar que, os princípios que

regem a sistemática processual penal são distintos dos que norteiam as regras do mercado dos

meios de comunicação.

Tome-se como exemplo o princípio da publicidade dos atos processuais que,

nas palavras de Souza Netto60 (2006, p. 177) tem fundamental importância ao “[...] tornar

transparente o exercício da jurisdição, assegurando, desse modo a imparcialidade do juiz. A

publicidade constitui, pois, uma defesa contra todo o excesso de poder e um forte controle

sobre a atividade estatal”, entretanto, o que se constata é que, na medida em que a mídia

massifica a veiculação de determinados casos, afeta-se substancialmente a imparcialidade do

magistrado, que se sente pressionado pela comunidade a tomar providências jurídicas

imediatas, sob pena do Judiciário cair em descrédito perante a sociedade.

Certo é que os atos processuais devem ser públicos, pois senão perder-se-ia

a “nota de democracia”61 do processo penal brasileiro. Noutro ponto, insta ressaltar que a

58 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005. 59 TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo: uma análise empírica do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997. 60 SOUZA NETTO, José Laurindo. Processo Penal: sistemas e princípios. 1. ed. 4. tiragem. Curitiba: Juruá, 2006. 61 Expressão utilizada por PRADO, Geraldo, in Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis

27

exploração e a distorção do princípio da publicidade promovida pela imprensa é amplamente

explorada, prejudicando, em diferentes ocasiões, o andamento processual.

Corroborando o propugnado, Prado62 (2001, p. 179) assevera que

[...] o controle empresarial dos meios de comunicação de massas, a lógica da competitividade e do mercado que orienta a atuação deles e a distorção a própria noção de publicidade, que, antes de incentivar a participação democrática da maioria das pessoas relativamente aos negócios de sua cidade e de seu país, anula essa participação, constroem uma nova realidade, paradoxalmente virtual ou espetacular”. (destacou-se)

Evidentemente, a mídia é responsável pela construção do conceito de

urgência na sociedade “pós-moderna”63, pois é por meio da manipulação dos noticiários que

se formam ou destroem-se opiniões de uma grande parcela de indivíduos. Entende-se que “A

manipulação da mídia para criar clima de clamor social, exige respostas imediatas para fatos

determinados”, nas palavras de Thums64 (2006, p. 3), ou seja, determinados crimes, conforme

veiculados, já contêm, implicitamente, a pena a ser aplicada.

É fato que a superexposição de casos criminais constitui forma de vendagem

de notícias e, conseqüentemente, rentabilidade financeira aos empresários dos meios de

comunicação. Entretanto, deve-se observar que esta veiculação superficial e sensacionalista

não passa pela análise dos princípios e critérios que regem o processo penal.

Pautando-se tão somente no princípio da publicidade, reportagens são

editadas desrespeitando toda gama principiológica do ordenamento jurídico, gerando a

formação de juízos axiológicos equivocados acerca dos delitos veiculados. Nesse sentido,

Prado65 (2001) expõe que

A exploração das causas penais como casos jornalísticos, em algumas situações com intensa cobertura por todos os meios, tem levado à constatação de que, ao contrário do processo penal tradicional, no qual réu e a Defesa poderão dispor de recursos para tentar à pretensão de acusação em igualdade de posições e paridade de armas com o acusador formal, o processo paralelo difundido na mídia é superficial, emocional e muito raramente oferece a todos os envolvidos igualdade de oportunidade para expor seus pontos de vista”. (PRADO, 2001, p. 180) (destacou-se)

processuais penais. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2001, p. 178. 62 PRADO, Geraldo, in Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2001. 63 Utilizando-se a expressão “pós-moderna” empregada por Lopes Júnior (2005, p. 53) e já empregada e explicada noutra abordagem do presente trabalho. 64 THUMS, Gilberto. Sistemas processuais Penais. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006. 65 PRADO, op. cit., p. 180.

28

Vendendo a imagem de “jornalismo levado a sério”, com cobertura isenta de

partidarismos, os meios de comunicação manipulam os noticiários, condenando ou

absolvendo um acusado, dependendo de como veiculam a reportagem, ato este que engendra

uma série de conseqüências.

Outra das conseqüências perpetradas pela superficial análise dos delitos

pelos meios de comunicação, é a infringência ao princípio da presunção de inocência. Quando

há ocorrência de um delito grave e este é explorado pelo meio jornalístico, a imagem do

indiciado é divulgada como culpado pela infração e raramente se oferece a oportunidade de

defesa pelos próprios meios de comunicação.

São os casos dos delitos onde o acusado é flagrado no seu cometimento,

sendo que a mídia “[...] transmite a imagem do crime flagrado enquanto ocorre (a antiga

verdade real, agora com nova roupagem), amplamente documentado e provado, supostamente

cabendo à Justiça tão-só sacramentar o veredicto de condenação e punir o culpado.” (PRADO,

2001, p. 181)66

Importante é acusar, vender a notícia, sem se preocupar com as

conseqüências. Num segundo momento (quando e se existir, pois raramente acontece), é

ofertada a oportunidade de defesa ao pretenso acusado. É a influência da “[...] ideologia do ao

vivo, que encontra abrigo na lógica dominante do tempo curto e na cultura do instantâneo.

Como conseqüência, está reduzido o tempo da análise e da reflexão [...]” (sic) (LOPES

JÚNIOR, 2005, p. 189)67, sendo que os meios de comunicação, quando impõem o noticiário

aos espectadores, impõem também o racionamento do tempo de análise e reflexão, já trazendo

o problema e a solução que consideram mais viável, certamente a que renderá maiores lucros

a eles.

Neste modo de agir, há, portanto, inequívoca infringência do princípio da

presunção de inocência. Legitimando o proposto acerca do referido princípio, Lopes Júnior68

(2005, p. 187) escreve que

A pena pública e infamante do Direito Penal pré-moderno foi ressuscitada e adaptada à modernidade, mediante a exibição pública do mero suspeito nas primeiras páginas dos jornais ou nos telejornais. Essa execração ocorre não como conseqüência da condenação, mas pela simples acusação (inclusive quando ainda esta ainda não foi formalizada pela denúncia), quando, todavia, o indivíduo ainda

66 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2001. 67 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005. 68 LOPES JÚNIOR, op. cit., p. 187.

29

deveria estar sob o manto protetor do princípio da presunção de inocência. (destacou-se)

O direito de informação que assiste à sociedade contrapõe-se ao resguardo

do princípio constitucional da presunção de inocência, não porque inexistam meios e

condições de conjugar-se as duas coisas, mas simplesmente porque caso a imprensa seja

cautelosa e comedida na exploração dos fatos criminais, não existirá o retorno financeiro e

publicitário esperado pelo mercado.

Lopes Júnior69 (2005, p. 187) escreve exatamente sobre este aspecto de

manipulação de notícias, quando considera que “A informação é uma mercadoria e, como tal,

deve ser vendida ao maior número de interessados e também desinteressados, utilizando-se

para isso todos os instrumentos de marketing sensacionalista (inclusive alterar a verdade)

necessários para estimular e despertar o interesse”.

Outra conseqüência trazida pela superexploração dos fatos associados ao

mundo jurídico é a banalização da aplicação das medidas cautelares, que, acriteriosamente,

vêm sendo decretadas como forma a estancar a ansiedade social pela agilidade nos

procedimentos judiciais As medidas cautelares são exemplos de criação legislativa

preocupada em oferecer segurança à determinadas situação pré-processuais e processuais, mas

que, hodiernamente, vem sendo largamente utilizada para ofertar uma resposta célere aos

reclames sociais. Assim, tem-se que elas deveriam ser utilizadas com maior rigor de critérios

para sua decretação, fato este que, em decorrência da urgência imposta pela sociedade, não

vem ocorrendo, conforme dispõe Lopes Júnior70 (2005, p. 31),

[...] a urgência conduz a uma inversão do eixo ideológico do processo, pois agora, primeiro prende-se para depois pensar. Antecipa-se um grave e doloroso efeito do processo (que somente poderia decorrer de uma sentença, após decorrido o tempo para reflexão que lhe é inerente), que jamais poderá ser revertido, não só porque o tempo não volta, mas também porque não voltam a dignidade e a intimidade violentadas no cárcere. (destacou-se)

Insta lembrar que, conforme ensina Lopes Júnior71 (2005, p. 9) “O processo

penal está a serviço do Direito Penal, ou para ser mais exato, da aplicação desta parcela do

direito objetivo. Por esse motivo, não pode descuidar do fiel cumprimento dos objetivos

traçados por ele, entre os quais está o de proteção do indivíduo”, assim, “[...] nenhum sistema

69 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005. 70 Ibid., p. 31. 71 Ibid., p. 09.

30

tem valor em si mesmo, senão pelos objetivos que é chamado a cumprir”, concluindo-se, que

por vezes, o processo penal deixa de cumprir seu papel diante da sociedade pela pressa que

esta mesma sociedade tem em obter uma resposta jurisdicional, mesmo que seja desamparada

de segurança jurídica.

Quando o Judiciário é pressionado pela mídia à rápida prestação

jurisdicional, em diversas ocasiões acaba por exarar decisões que atropelam o regular tempo

do direito, como no caso de decretações de medidas cautelares que, ao invés de atenderem às

finalidades à que foram criadas, transformam-se em “instrumento de segurança pública[...]

especialmente a prisão preventiva para garantia de ordem pública” (LOPES JÚNIOR, 2005, p.

9)72, fato este que compromete, além do andamento processual, outros princípio pertinentes à

sistemática, como é o caso da imparcialidade do juiz.

Complementando a idéia proposta acerca da influência dos meios de

comunicação como fator de interferência na imparcialidade dos magistrados, Lopes Júnior73

(2005, p. 189) registra que “Não há dúvidas de que a exposição massiva dos fatos e atos

processuais, os juízos paralelos e o filtro do cronista afetam o (in)consciente do juiz, além de

acarretarem intranqüilidade e apreensão. O “livre” convencimento passa a ser utópico diante

do contaminado estado de ânimo do juiz”.

Contudo, não se deve olvidar que o magistrado é quem detém “[...] o poder-

dever de assegurar a trajetória regular do processo, já que é investido de amplas prerrogativas

para, de um lado, organizar a seqüência de atos, e, de outro, reprimir o comportamento

abusivo dos litigantes” (TUCCI, 1997, p. 35)74, cabendo a ele, desta forma, estabelecer a

(des)necessidade da decretação de qualquer medida em caráter preventivo ou do

(in)deferimento de outro ato processual, registrando o autor, a este respeito, que “O julgador

poderá, durante a fase instrutória, lastreado no poder inquisitivo que informa a busca da

verdade, determinar quaisquer diligências visando a dirimir a dúvida acerca do ponto reputado

relevante” (TUCCI, 1997, p. 37)75, mas sempre se atentando para o afastamento das provas

meramente procrastinatórias, bem como agindo com o devido cuidado para não gerar

cerceamento de defesa.

72 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005. 73 Ibid., p. 189. 74 TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo: uma análise empírica do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997 75 Ibid., p. 37.

31

No mesmo norte, deve-se ressaltar que a função outorgada aos juízes dentro

do processo, consoante explicado por Carvalho76 (2005, p. 219), vai muito além da simples

aplicação do texto legal, necessitando “[...] perquirir e realizar o valor da justiça nela contido”

para que não haja precipitação na decretação de qualquer medida ou ato processual.

Mas essa contaminação no estado de ânimo não afeta somente ao

magistrado. A maior parte da população que tem acesso aos noticiários veiculados, acaba por

formar juízos próprios (na grande parcela das vezes pautando-se em inverdades), procedendo

ao julgamento antecipado do caso exposto, sem, sequer, analisar a veracidade do trazido

dentro de suas casas, ocorrendo o clássico atropelo dos direitos e garantias fundamentais do

suposto autor do delito e exigindo-se do judiciário a decretação de medidas cautelares, por

vezes determinadas sem análise necessária dos requisitos preestabelecidos no ordenamento

jurídico.

Reportando-se aos pressupostos embasadores das medidas cautelares, quais

sejam, a demonstração da existência de amparo legal (fumus boni iuris) e o apontamento da

inevitável e irreparável lesão ao bem jurídico tutelado caso perdure a situação fática

(periculum in mora), esclarece-se que os referidos parâmetros não são corretamente utilizados

na seara criminal, como os são na seara cível. Sobre o assunto, expõe Choukr77 (1999, p. 121)

que no âmbito criminal

[...] a cautelaridade acabou por não merecer um tratamento sistematicamente adequado, deixando ao legislador em aberto a solução para várias questões, e não raramente construindo diplomas legais exclusivamente ao sabor de pressões sociais momentâneas, daí porque a discutível qualidade de muitas edições legislativas. (destacou-se)

A situação agrava-se porque além de não haver estabelecimento preciso das

situações de cabimento das medidas cautelares, tem-se, em lados antagônicos da relação

processual, a segurança e a ordem pública versus a liberdade individual. Somando-se a este

difícil panorama, apresenta-se a problemática da não-previsão do tempo de duração da medida

decretada, pois o Código de Processo Penal nada pontua sobre o assunto, que se encontra

silente também na Constituição da República.

Sobre a temática, expõe Choukr78 (1999, p. 122) que

76 CARVALHO, Fabiano. EC n. 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 77 CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal à luz da Constituição. 1. ed. São Paulo: Ed. Edipro, 1999. 78 Ibid., p. 122.

32

O sistema pátrio faz vistas grossas à relação entre cautelaridade e tempo do desenvolvimento da relação processual, encarando a medida excepcional, neste sentido, como verdadeira antecipação da pena (o que ontologicamente não é), e relegando ao réu a condição de objeto do processo, e não de sujeito na relação processual.

O ordenamento jurídico pátrio, ao contrário de outros sistemas processuais,

como, por exemplo, o italiano, o alemão, o português, entre outros, não dispõe sobre prazos

de manutenção das medidas cautelares, ficando a incumbência de decretação e cessação da

medida à responsabilidade do Judiciário.

Com referência a sistemas penais e processuais como delimitadores

temporais das medidas cautelares e procedimentos em geral, Lopes Júnior e Badaró79 (2006,

p. 99-102), apontam os seguintes ordenamentos jurídicos:

a) Código Penal Italiano: “para os crimes mais graves, punidos com prisão

perpétua ou com pena superior a vinte anos, o processo em primeiro

graus deve estar concluído no prazo máximo de 1 ano a 6 meses (art.

303, c, n° 3)” (p.99);

b) Sistema Alemão: “passou a ser previsto um prazo máximo de 6 meses

de duração para a prisão preventiva, que somente poderá ser exercido

“se as dificuldades particulares ou a anormal complexidade da

investigação ou outro motivo importante não permitem ainda a

sentença e justificam a continuação da prisão”” (p. 100);

c) Código de Processo Penal Português80: “o art. 215, n° 1, determina que:

“A prisão preventiva extingue-se quando, desde o início, tiverem

decorrido: a) 6 meses sem que tenha sido deduzida a acusação; b) 10

meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão

instrutória; c) 18 meses sem que tenha havido condenação em 1°

instância; d) 2 anos sem que tenha havido trânsito em julgado””. (p.

100);

d) Código de Processo Penal argentino: “estando preso o acusado, a

duração máxima do processo será de 2 anos” (p. 100-101),

consignando-se, entretanto, que em algumas situações é possível 79 LOPES JÚNIOR, Aury e BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006. 80 Quanto ao Código português, os autores registram que “cabe destacar que, posteriormente, a Lei n° 59/98, de 25 de agosto, acrescentou os n°s. 2 e 3 ao referido art. 215, prevendo prazos mais amplos para determinados crimes mais graves (n° 2), bem como criando uma regra geral que permite prazos mais longos de acordo com as características do delito” (p. 100).

33

dilatar-se o prazo prescrito pela lei, como no caso do processo

apresentar pluralidade de imputados ou grande complexidade81;

e) Código de Processo Penal chileno: estabelece “prazo máximo para as

prisões preventivas, tendo por base a metade da pena prevista em caso

de condenação. O desencarceramento, contudo, não é automático.

Atingindo tal limite temporal, o tribuna marcará uma audiência, com o

fim de considerar o término ou a prorrogação da prisão” (p. 101);

f) Código de processo Penal paraguaio: estabelece o prazo máximo de

três anos para a duração do processo (art. 136), contando-se da data do

primeiro procedimento, vislumbrando por termo final a sentença em

primeiro grau, estendendo-se o prazo em seis meses para tramitação de

recursos em segundo grau; caso a determinação legal não se cumpra,

estabelece o art. 137 que o processo deve ser extinto (p. 101-102)

Entretanto, muito embora tais legislações alienígenas trabalhem com prazos

objetivos, nem sempre na aplicação ao prazo concreto é possível o fiel cumprimento do

estabelecido pela lei. Diante deste fato, no capítulo 03, proceder-se-á a uma apanhado de

diferentes soluções jurídicas adotadas por alguns países como forma de driblar a morosidade

na prestação jurisdicional.

Por conseguinte, insta registrar que um processo excessivamente explorado

pelos meios de comunicação, gera danos irreparáveis ao acusado, desde o ferimento de

princípios e direitos consagrados constitucionalmente, como é o caso do princípio da

presunção de inocência, até mesmo à decretação de medidas cautelares impulsionadas e

pressionadas pela emoção da notícia, sendo que, em não raras oportunidades, a determinação

de tais medidas não encontra respaldo pontual no ordenamento jurídico pátrio.

Para que não haja atropelos nos direitos e garantias fundamentais do

acusado neste processo de julgamento público proposto pela mídia, Prado82 (2001) apresenta

como solução o desaforamento temporal do processo, suspendo-se o curso do procedimento

enquanto perdurar a agitação da sociedade em torno do fato.

Neste sentido, expõe ainda

81 Assim transcrevem os autores: “Si por la pluralidad de imputados o por la naturalza y/o circunstancias del o d los hechos en juzgamiento, resultare un caso de suma complejidad, deberá estarse al plazo razonable del artículo 2° de éste Código, sujeito a la apreciación judicial”. (p. 101) 82 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2001.

34

[...] o desequilíbrio de posições que os sujeitos têm de suportar durante o período de exposição do caso pela mídia transfigura os procedimentos seculares de apuração, passando sublinarmente a idéia do caráter obsoleto e ineficiente das garantias processuais, a que se soma à percepção do processo penal como meio mais demorado de se fazer justiça em comparação com a sumariedade e perfeição da investigação da mídia[...]. (PRADO, 2001, p. 181) 83

Em contrapartida, também há ferimento de direitos e garantias individuais

se o processo for suspenso para acalmar os clamores sociais e, em razão da suspensão, atrase

seu deslinde, haja vista que todo cidadão tem direito a obter a resposta do Judiciário em prazo

razoável e, como ensina Carvalho84 (2005, p. 219) é tarefa do Judiciário “[...] não apenas

aplicar o texto legal, mas perquirir e realizar o valor da justiça nele contido”. Decidindo pela

suspensão do processo até o abrandamento dos ânimos sociais, certamente se estará

desrespeitando a realização do valor da justiça e dos direitos assegurados aos cidadãos.

Noutro ponto, insta ressaltar que, apesar do acima demonstrado acerca dos

efeitos negativos da mídia no meio social, ela ocupa lugar relevante, pois da mesma maneira

que aos acusados assistem os direitos de preservação da imagem, de defesa, entre outros, os

quais raramente são respeitados pela imprensa, a sociedade tem o direito de se manter

informada e inteirada sobre os fatos a sua volta, tarefa esta desempenhada com excelência

pelos meios de comunicação.

Outra responsabilidade dos veículos comunicadores é a de manter vivo na

memória das pessoas os fatos passados. A memória social é curta. Os fatos criminosos são

rapidamente esquecidos. A crescente da criminalidade é responsável por trazer todos os dias

novos delitos, fazendo com que os que aconteceram ontem sejam esquecidos, a não ser que a

mídia os recrie ou e relembre-os. Nesse sentido, pontua Thums85 (2006, p.2) que

[...] quanto mais longo for o período de tempo entre a ocorrência do evento e seu julgamento, mais se apagará da memória (o tempo da consciência) sobre o ocorrido e a possibilidade de reconstrução processual. A própria sociedade “esquece” o crime, a não ser que a mídia o relembre. (destacou-se)

Por outro lado, o processo não pode eternizar-se, arrastar-se por tempo

indeterminado, sob pena de apresentar-se como negação da própria justiça, pois a vítima

encontra-se em situação de espera de apenamento ao acusado, o qual deverá pagar pelo delito. 83 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2001. 84 CARVALHO, Fabiano. EC n.° 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 85 THUMS, Gilberto. Sistemas processuais Penais. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006.

35

Enquanto isso, no lado oposto da relação processual, encontra-se o acusado, que por sua vez,

faz jus à resposta jurisdicional dentro de um prazo razoável, sob pena de ferimento de outros

princípios constitucionais e processuais.

Por fim, faz-se necessário pontuar na temática do transcurso do tempo e

seus efeitos no processo penal, o instituto da prescrição, definido por Zaffaroni e Pierangeli86

(1999, p. 753) como transcurso do tempo que faz com que cesse a coerção penal, ou melhor,

“[...] o decurso do tempo leva o Estado a renunciar ao seu poder-dever de punir, do mesmo

modo como se extingue a ação penal que não chega à sentença”.

Registram que “O fundamento da prescrição muda segundo a posição

assumida pelos autores a respeito da teoria da pena, isso é sobre seu próprio conceito de

direito penal” (ZAFFARONI E PIERANGELI, 1999, p. 752) 87 e complementam apontando

três fundamentos para a prescrição: que o tempo torna difícil a produção das provas; que o

tempo apaga a lembrança do delito e suas conseqüências morais para a sociedade e,

finalmente, que o acusado, em seu julgamento, estará diante de tribunal diverso daquele em

que da época do cometimento do delito.

Neste sentido Thums88 (2006) manifesta-se asseverando que o tempo apaga

os detalhes do crime da mente das testemunhas, além do que, quanto mais o tempo transcorre,

menos sentido faz a aplicação da pena, tanto para a sociedade, quanto para o apenado.

A este respeito, Tucci89 (1997, p. 58) assevera que

No âmbito penal, apesar de haver acentuada polêmica quanto ao seu fundamento, a prescrição da ação justifica-se sob o aspecto de conotação processual, uma vez que, com o decurso do tempo, os indícios e os elementos de prova que indicam a autoria e a materialidade do crime se debilitam. A excessiva demora, sobretudo na seara penal, conspira contra o vigor probatório.

Em sentido contrário, apresenta-se o posicionamento de Guaragni90 (2000,

p. 71), dispondo que a sistemática do Código Penal Brasileiro, no tangente à determinação dos

prazos prescricionais, merece reforma “[...] com o estabelecimento de prazos diversos e

maiores para o exercício da pretensão executória”, como forma de o acusado não utilizar-se

86 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 2 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999. 87 Ibid., p. 752. O presente estudo desenvolve-se no campo do direito processual, razão pela qual não será discutido a natureza do instituto da prescrição em razão das teorias da pena, assunto pertencente ao direito material. 88 THUMS, Gilberto. Sistemas processuais Penais. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006. 89 TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo: uma análise empírica do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997. 90 GUARAGNI, Fábio André. Prescrição penal e impunidade. Curitiba: Ed. Juruá, 2000.

36

do transcurso do tempo para extinguir sua punibilidade, vez que, se cometido o crime, deve

ser penalmente responsabilizado pelo mesmo. Entende o autor que a prescrição, por vezes,

geram impunidade.

Delimitando a temática prescricional proposta, Porfírio91 (2003, p. 128) faz

apontamentos direcionados ao instituo da prescrição retroativa, entende-o como fator

temporalmente delimitador dos atos processuais, asseverando que

Como garantia de um processo célere, a prescrição retroativa é limitação cronológica da persecução, pois situa temporalmente etapas processuais e atos dos partícipes processuais. Do descumprimento dos prazos prescricionais, sobrevém invalidação do processo consumado e absolvição. É pois única garantia efetiva da persecução penal que beneficia a liberdade ao funcionar como impedimento processual.[...] a prescrição retroativa é o único instituto que delimita no tempo e no espaço a atividade persecutória do Estado. É formulação que vincula os agentes da persecução penal à rapidez, sem supressão das etapas procedimentais à argüição da defesa e sem mitigação da persecução penal.

O entendimento da autora revela que a prescrição retroativa é um dos

fatores que impulsionam os agentes da persecução penal à prestação jurisdicional em tempo

razoável, além de garantir uma punição dentro de um tempo em que ela não venha a perder

suas funções, considerando que o instituo serve como um parâmetro temporal contra uma

persecução exacerbadamente prolongada, assim pontuando que:

A prescrição retroativa funciona, ao mesmo tempo, como determinação de um dever, temporalmente circunscrito, e a proibição de excesso ou abuso no cumprimento desse dever, tornando-o ineficaz para o fim ao qual se destina. [...] O decurso do tempo, nos diversos períodos aquisitivos, é pressuposto negativo da validade do título executório obtido. Significa dizer que a condenação ser válida se a seqüência de atos processuais no procedimento for obedecida no tempo aprazado. (Porfírio, 2003, p. 128-129)92

Finalizando o exposto, a autora consigna que a “[...] prescrição retroativa

funciona como delimitação para perseguir o suposto infrator dentro de um tempo definido,

seguindo um percurso previamente delimitado (procedimento) num espaço de tempo pré-

concebido (processo penal)” (PORFÍRIO, 2003, p. 133)93.

Por conseguinte, o fato é que uma vez que o Estado trouxe para si a

responsabilidade do jus puniendi, deve desenvolver os atos persecutórios processuais em 91 PORFIRIO, Geórgia Bajer Fernandes de Freitas. Celeridade do processo, indisponibilidade da liberdade no processo penal e prescrição retroativa. In Revista Brasileira de Ciências Criminais, n° 45. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, ano 11, outubro-dezembro de 2003. 92 Ibid., p. 128-129. 93 Ibid., p. 133.

37

lapso temporal hábil a prestar uma resposta à sociedade e ao acusado, não permitindo a

incidência do instituto da prescrição ou qualquer outro tipo de violação de direitos e garantias

do cidadão.

É certo que, conforme observado por Porfírio (2003), o processo penal foi

responsável por extinguir do poder penal a idéia de vingança, trazendo para o Estado a

responsabilidade de punir, utilizando-se, para tanto duas variáveis - tempo e forma - os quais,

se não administrados corretamente, reformulam o processo, fazendo-o a voltar à já superada

fase da vingança.

No intuito de evitar que este preocupante (entretanto verdadeiro) fato

ocorra, cabe a todos os operadores do direito não serem permissivos e tolerantes em relação

ao transcurso do tempo nas ações penais, passando de simples criadores e manipuladores da

lei a indivíduos reflexivos e que tomem posicionamento diante do assunto.

Assim, no intuito de demonstrar que há muito tempo a comunidade jurídica

vem se preocupando em assumir posturas coercitivas em relação ao excesso do transcurso do

tempo nos processos, reputa-se necessário passar-se à análise de acordos, pactos e diplomas

internacionais e nacionais, onde se verifica que os legisladores inseriram o direito do cidadão

a ter sua demanda assistida em tempo razoável de duração, no rol dos direitos fundamentais.

2 A PREOCUPAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL COM OS

REFLEXOS DO TEMPO NO PROCESSO

A relação do tempo e do processo é tema de relevante preocupação

doutrinária e legislativa. A garantia de uma prestação jurisdicional em tempo razoável, trata-

se de alvo perseguido pela comunidade jurídica nacional e internacional, pois, conforme

verificado e exposto até o presente, “[...] a complexidade das relações sociais bem como as

inúmeras necessidades da vida atual estão a exigir uma postura menos formal e mais efetiva

do Estado na solução dos conflitos” (SILVA, 2005, p. 785)94, postura esta que, muitas vezes,

é delegada tão somente à reformas legislativas, as quais têm-se revelado, quando aplicadas ao

caso concreto, ineficientes, pois falta aparelhamento aos órgãos estatais responsáveis pela

execução das leis reformuladas.

Assim, observa-se que em inúmeras ocasiões, os próprios operadores do

direito se esquecem que as leis, para serem colocadas em prática, dependem de pessoas que as

aplique com maior ou menor eficiência e agilidade. Assim, bem escreveu Porfírio95 (2003,

p.121) que “O processo é atividade, há homens que lhe dão movimento. Não há procedimento

por si só capaz de superar o passo lento”, lembrando e demonstrando que por mais estruturado

que seja um ordenamento jurídico na seara processual, de nada adianta se a administração

deste mesmo ordenamento é lenta e ineficaz, utilizando seus institutos para embargar o

andamento do processo, esquecendo-se de sua finalidade como “[...] veículo que conduz o

profissional do Direito ao seu objetivo, que é a justa solução do litígio” (CRUZ E ALMEIDA,

1996, p. 163) 96.

Em que pese as considerações iniciais acerca dos efeitos inócuos de

reformas legislativas quando não há existência de um aparelhamento estatal funcional, diante

dos reclames sociais por uma resposta judiciária num espaço temporal razoável, faz-se

imprescindível o estudo dos diplomas legais onde o legislativo estabeleceu a exigência (para o

94 SILVA, Valclir Natalino da. O princípio constitucional da razoável duração do processo (art. 5.°, LXXVIII, da CF), in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 95 PORFIRIO, Geórgia Bajer Fernandes de Freitas. Celeridade do processo, indisponibilidade da liberdade no processo penal e prescrição retroativa. In Revista Brasileira de Ciências Criminais, n° 45. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, ano 11, outubro-dezembro de 2003. 96 ALMEIDA, André Vinícius E. S. e; CRUZ, Rogério Schietti M. Celeridade-qualidade: um binômio possível, in Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Brasília, v. 01, n° 8, p 163-171, jul/dez, 1996.

39

judiciário) e o direito (para o cidadão) de se ter um processo penal encerrado em tempo hábil

ao atendimento de suas funções.

É sabido que desde que o Estado assumiu a tarefa de administração dos

litígios, existe o desassossego em solucionar as demandas propostas em tempo razoável para

que a prestação jurisdicional possa ser efetiva, pois, nas palavras de Bezerra97 (2005, p. 468)

“Para que a tutela seja efetiva, ela deverá se manifestar no tempo oportuno. Distanciando-se

deste momento, a sentença perderá seu caráter reparador, podendo se tornar até mesmo injusta

em razão da dinâmica social. A efetividade estará, portanto, indissociadamente ligada à

duração do processo”.

Entretanto, a projeção da prestação jurisdicional ideal é diferente da real,

pois diversos são os problemas históricos e estruturais apresentados na administração pública

no país, inclusive nos departamentos responsáveis pela distribuição da justiça.

Slaibi Filho98 (2005, p. 18) demonstra que os entraves na administração da

justiça brasileira remontam à época do descobrimento do país considerando que

Os entraves decorrem do traço cultural de nossa formação histórica, pois, diferentemente da colonização que se fez em outros países, a nossa decorreu da ação governamental, que o gênio português, no esforço de explorar as terras que originariamente lhe foram reservadas pelo Tratado de Tordesilhas, criou a sociedade dentro de seus desígnios, tanto quanto possível. Aqui, o Poder governamental construiu a sociedade, não esta aquele. Daí o empedernido ranço cultural de se vislumbrar nos Poderes Públicos a fonte das benesses e privilégios de dominação: em contrapartida, vem a postura de se tratar o cidadão com desprezo ou enfado, como se fosse lê um trambolho a impedir o livre desenvolvimento da soberana ação governamental. (destacou-se)

Além do aspecto histórico mencionado, outros fatores determinam a demora

na prestação jurisdicional brasileira, como assinalado por Palharini Júnior99 (2005, p. 767-

768), consignando que

A morosidade processual decorre de inúmeras situações de difícil superação, das quais se destacam os problemas estruturais do Poder Judiciário. O número reduzidos

97 BEZERRA, Márcia Fernandes. O direito à razoável duração do processo e a responsabilidade do Estado pela demora na outorga da prestação jurisdicional, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 98 SLAIBI FILHO, Nagib. Reforma da justiça: notas à Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004. Rio de Janeiro: Ed. Ímpetus, 2005. 99 PALHARINI JÚNIOR, Sidney. LVII – Celeridade processual – garantia constitucional pré-existente à EC n. 45 – alcance da “nova” norma (art. 5.°, LXXVIII, da CF), in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

40

de juízes e de servidores faz penoso o trabalho da judicatura, que também é dificultado diante das parcas condições materiais e organizacionais, uma vez que o Judiciário informatizado e catalogado ainda é sonho distante. Outro grande vilão da morosidade processual é intrínseco ao próprio processo, ou seja, o conjunto de regras que permitem que o inter processual se arraste de forma indefinida, retardando a entrega da prestação jurisdicional em tempo inaceitável. Essas situações colaboram com a estagnação da justiça, podem ser claras aos olhos dos operadores do direito que, por isso, enxergam o problema e suas causas.[...] Às partes, o direito parece diluir pelo caminho à espera pela prestação jurisdicional[...]. (destacou-se)

Entretanto, insta estabelecer que a problemática da morosidade da prestação

jurisdicional não se trata de problema contemporâneo, nem tampouco restrito à administração

da justiça brasileira. É um problema enfrentado por todos os países há mais de um século,

considerando-se, portanto, como globalizado. Assim dispõe Aragão100 (2001, p.51)

Da tendência de submeter ao exame dos juízes e tribunais a solução de todo e qualquer conflito decorre, naturalmente, a quantidade de litígios que incumbe aos órgãos judiciários dirimir, o que contribui, como é previsível, para aumentar a quantidade de casos a resolver e de serviço a desempenhar, do que resultam dificuldades, a acarretar a temida e criticada lentidão processual, que pode ser considerada mal antigo e universal. (destacou-se)

Prossegue o autor pontuando que há mais de um século dois doutrinadores

internacionais já tratavam do assunto com sopesada preocupação, quais sejam Roscoe Pound

e Chiovenda. Sobre este último escreve que

De Chiovenda podem ser evocadas duas afirmações cuja atualidade é inquestionável. Em suma, observou ele a realidade que perdura e extremamente agravada: “o desenvolvimento da civilização, o crescimento dos domínios territoriais e do intercâmbio comercial, ao multiplicar as relações, multiplica as lides e as torna mais graves e complicadas”. Em outra, registrou que “o direito é declarado e atuado através de demoras e complicadas formalidades”(destacou-se) (ARAGÃO, 2001, p. 52)101.

De Roscoe Pound, referindo-se à obra “As causas da Insatisfação Popular

com a Administração da Justiça”, de 29 de agosto de 1909, escreve que o doutrinador

trabalhava com a assertiva de que a insatisfação com a administração da justiça era tão velha

quanto o direito, e que este não tinha como responder celeremente numa época de

100 ARAGÃO, E. D. Moniz de. Procedimento: formalismo e burocracia, in Revista Forense, v. 358. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001. 101 Ibid., p. 52. Nesta citação o autor refere-se à obra Ensayos de Derecho Procesal Civil, trad. Santiago Sentis Melendo, Ed. Jur. Europa-América, Buenos Aires, 1949, II/123.

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transformações rápidas, gerando o sentimento generalizado na sociedade de que os órgãos

jurisdicionais eram ineficientes.

Observe-se que as duas obras utilizadas como referência por Aragão102

(2001, p. 51) datam do século passado – Chiovenda, 21 de janeiro de 1901; Roscoe Pound, 29

de agosto de 1909 -, ou seja, início do séc. XX, tempo histórico em que as evoluções

tecnológicas não eram tão exigentes quanto atualmente e, via de conseqüência, a sociedade

também não o era.

Neste período da história, os homens conservavam importante apego ao

passado, analisando-o, respeitando-o, cultuando os dogmas e tradições deixados pelos

antepassados, preocupando-se com as perspectivas para planos futuros. Não existia, tão

fortemente consubstanciada, a teoria da urgência e do presenteísmo, como posicionado por

Ost103 (2005). Todavia, já nesta época, julgava-se a administração da justiça morosa.

Com o passar dos anos, houve evolução dos meios de comunicação, de

relacionamento interpessoal e profissional, estreitando-se e aperfeiçoando-se laços pessoais e

comercias o que acarretou, naturalmente, uma rápida transformação social, exigindo-se,

conseqüentemente, maior rapidez na apuração das demandas judiciais propostas em razão da

ampliação do relacionamento social e comercial.

Quanto mais populosa é uma determinada comunidade, conjugando-se ao

fato desta se encontrar num patamar regular de avanço tecnológico, maiores e mais

numerosos são os problemas enfrentados nas relações pessoais e profissionais, acarretando

um crescimento no número de demandas a serem apreciadas pelo Judiciário, o que causa,

certamente, um acúmulo de trabalho, gerando demora na resposta.

Além disso, deve-se considerar que, conforme registrado por Theodoro

Júnior104 (2005, p. 74), a sociedade do século XX, após a implantação da “[...] democracia

ampla, com a valorização do direito cívico de todos serem ouvidos em juízo[...]”, perdeu a

capacidade de dialogar, levando qualquer tipo de problema – até mesmos os mais banais – à

apreciação do Judiciário, o que, via de conseqüência, acarretou um aumento considerável de

demandas a serem analisadas, causando uma demora na resposta judicial, haja vista que foi

ampliado o volume de lides desproporcionalmente ao número de funcionários da

administração da justiça. 102 ARAGÃO, E. D. Moniz de, in Procedimento: formalismo e burocracia, in Revista Forense, v. 358. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001. 103 OST, Fraçois. O tempo do direito. Tradução de Élcio Fernandes. Bauru: Ed. Edusc, 2005. 104 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais, in Revista de Processo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, n. 125, ano 30, jul./2005.

42

No mesmo sentido manifesta-se Aragão105 (2001, p. 58) quando considera

que “[...] nenhum resultado poderá ser atingido sem vigoroso esforço tendente a reeducar a

população a fim de fazê-la compreender que o acesso à justiça dever ser, jamais, o primeiro e

sim o último passo a dar na tentativa de resolver conflitos de interesses”, corroborando,

portanto, o exposto anteriormente.

Desta forma, quanto mais o Poder Público demora a oferecer uma resposta

(seja ela positiva ou negativa) sobre litígio demandado, mais se acentua, negativamente, a

imagem da prestação jurisdicional, conforme ensinado por Bezerra106 (2005), solidificando-se

a idéia de que o Judiciário é ineficiente, pois lembrando os ensinamentos de Ost107 (2005), na

sociedade do presenteísmo, a espera por qualquer prazo é situação absolutamente insuportável

e inadmissível, gerando angústia e profundo descontentamento.

A delonga nos serviços prestados aos que acessam o judiciário gera

inúmeras críticas e protestos por parte dos interessados na rapidez processual, sejam

doutrinadores, advogados ou operadores do direito.

Os serviços judiciais são formais e burocráticos, o que não deixa de ser uma

necessidade, entretanto, deveria existir aplicação de “considerável dose de bom senso”

(Palharini Júnior, 2005, p. 782)108 na utilização dos dois atributos, para que juntos não gerem

uma excessiva demora na prestação jurisdicional.

Neste sentido dispõe Aragão109 (2003, p. 52) que “[...] formalismo, apesar

das objeções, “deriva de forma”, vocábulo este último que, sabidamente, pode significar a

“substância” como simplesmente a “forma” em si mesma”, considerando a forma essencial ao

processo, sem a qual o mesmo não existiria.

Quanto à burocracia, Aragão (2003, p. 53) escreve que “[...] dada sua

própria etimologia (“bureau”, palavra francesa que corresponde a escrivaninha, também a

repartição, a órgão, e “kratos” , vocábulo grego que significa força, poder) o conceito de

burocracia - o poder das repartições, mas também o poder das escrivaninhas – tem sido

105 ARAGÃO, E. D. Moniz de, in Procedimento: formalismo e burocracia, in Revista Forense, v. 358. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001. 106 BEZERRA, Márcia Fernandes. O direito à razoável duração do processo e a responsabilidade do Estado pela demora na outorga da prestação jurisdicional, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 107 OST, Fraçois. O tempo do direito. Tradução de Élcio Fernandes. Bauru: Ed. Edusc, 2005. 108 PALHARINI JÚNIOR, Sidney. LVII – Celeridade processual – garantia constitucional pré-existente à EC n. 45 – alcance da “nova” norma (art. 5.°, LXXVIII, da CF), in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 109 ARAGÃO, op. cit., p. 53.

43

pejorativamente vinculado ao imobilismo [...]”, o que, sem laivos de dúvidas, aplica-se à

realidade brasileira e mundial contemporânea, ou seja, uma utilização exacerbada e acriteriosa

de formalismo e burocracia nas relações processuais.

Por fim, entende-se que ao atrair para si a tutela jurisdicional, o Estado não

se obrigou apenas a conferir uma solução ao caso apresentado, mas, também, coadunando-se

a tal solutio, encontra-se o compromisso da resposta em tempo razoável e com a segurança

jurídica pertinente, afinal “O cidadão tem direito à decisão do Poder Público, em qualquer

nível hierárquico ou esfera governamental, pois o Estado democrático está a serviço do

indivíduo, não este a serviço daquele”, conforme ensina Slaibi Filho110 (2005, p. 17), sendo

certo que esta solução deve lhe ser apresentada dentro de um lapso temporal razoável.

Nessa perspectiva, insere-se o princípio da celeridade processual, a partir de

onde se percebe que o Estado demonstra preocupar-se em atender aos clamores e reclames

sociais por uma prestação jurisdicional em tempo razoável.

Faz-se imperioso, para seu completo entendimento, resgatar sua trajetória no

ordenamento jurídico, buscando, por meio do método histórico-normativo, proceder ao

levantamento dos momentos em que ele esteve presente tácita e expressamente nas

legislações internacional e pátria, revelando-se importante a análise proposta para que se

possa verificar que a preocupação com a prestação jurisdicional em tempo razoável é assunto

que atormenta os doutrinadores e legisladores há anos, e que este é um problema de várias

causas e poucas soluções, ao menos por enquanto.

Assim, pode-se iniciar a perquirição proposta considerando que, como já

explanado em outra oportunidade, o processo apresenta-se como instrumento por meio do

qual a jurisdição opera e, via de conseqüência, realiza o exercício de direitos tutelados pelo

ordenamento jurídico. Trata-se de meio de resguardo da segurança individual e coletiva do

cidadão, sendo que, sem laivos de dúvidas, encontra obstáculos para sua efetividade. Um

deles é o fenômeno jurídico da morosidade processual.

Os motivos responsáveis pelo retardo na entrega da prestação jurisdicional

são diversos, podendo-se enumerar alguns, tais como o desaparelhamento do Poder Judiciário,

que conta com número insuficiente de Juízes e insuficiência de recursos financeiros, o número

excessivo de recursos inscritos na legislação, o crescimento populacional desordenado, o

aumento considerável da quantidade das demandas propostas.

110 SLAIBI FILHO, Nagib. Reforma da justiça: notas à Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004. Rio de Janeiro: Ed. Ímpetus, 2005

44

Ruiz111 (2005, p. 293) vai mais além no rol dos motivos elencados e afirma

que, na verdade, o Poder Judiciário passa por severa crise, a qual culmina, como conseqüência

direta, na demora da prestação jurisdicional. Dispõe que o desaparelhamento material e

pessoal do Poder Judiciário é fator crucial da crise, explicando que

A questão da crise do Poder Judiciário pode ser examinada por várias vertentes, a começar pela crise do ensino jurídico nos cursos de direitos, com repercussão nas carreiras jurídicas, desaparelhamento do Poder Judiciário, em seu aspecto material e pessoal e, ainda, a própria organização judiciária.

No mesmo sentido, manifesta-se Góes112 (2005, p. 262) quando registra que

as causas da morosidade no andamento processual, vão além dos motivos já explicitados

(incluindo a “crise do Judiciário”, nas palavras de Ruiz113 (2005, p. 293), agravando-se a

situação quando se verifica o não cumprimento dos prazos procedimentais, por parte dos

magistrados, bem como a existência de uma sobrecarga de processos para os membros do

Judiciário. Assim, registra a autora que

[...] a) os agentes públicos – magistrados – não se vinculam a prazos, pois os escopos da jurisdição, na lição de Dinamarco, são: político – Estado detém a força expropriatória, por isso ele exerce a tutela jurisdicional; social – a paz social; e jurídico – a resolução dos conflitos, por intermédio da tutela jurisdicional e, desse modo, inviável impor a situação de lapsos temporais; e b) no Brasil, a questão que permeia a discussão é a de que há um problema estrutural gravíssimo, em que os juízes são seriamente afetados, perante a sobrecarga de processos e a ausência de número suficiente de magistrados e servidores, o que leva a postergar naturalmente o tempo das demandas e isso somado ás distâncias interiores, falta de papel, computador, etc., torna impossível o pro próprio. [...] As causas existem, são plausíveis e traduzem a realidade brasileira, sem fax, computador, papel, assessores, auxiliares, tais como escrivães, escreventes e oficiais de justiça e até juízes e desembargadores [...] (destacou-se)114

Hodiernamente, têm-se observado a existência de uma crescente quantidade

de processos que se protraem anos nas instâncias iniciais, amontoando-se nos cartórios

forenses. Num segundo grau de jurisdição a situação é a mesma: meses ou até anos de espera

111 RUIZ, Ivan Aparecido. Primeiras impressões acerca da competência prevista no art. 114 da CF/1998, de acordo com a reforma constitucional (EC n. 45, de 08.12.2004), in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 112 GÓES, Gisele Santos Fernandes. Razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 113 RUIZ, loc. cit. 114 GÓES, loc. cit. A autora faz referência na p. 262 a DINAMARCO, Cândido Rangel na obra Instrumentalidade do processo. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1990.

45

por uma resposta. Daí advém o sentimento de revolta e a decepção da comunidade jurídica e

da sociedade relativamente aos serviços prestados pelos administradores da justiça.

Passos115 (1999), numa severa crítica acerca do tema dispõe que, por vezes,

a comunidade jurídica centraliza excessivamente poderes nos tribunais, em detrimento dos

juízes do primeiro grau, o que gera, além de acúmulo desnecessário de demandas, uma

desvalorização do judiciário de primeiro grau. Prossegue considerando que, nesta forma de

agir, permeia-se na sociedade um verdadeiro descrédito na magistratura de primeira instância,

razão pela qual as partes ingressam com demandas alimentando, previamente, a certeza de

que se não obtiverem êxito em primeiro grau de jurisdição, poderão assistir a novos

julgamentos em instâncias superiores, o que gera mais processos num segundo grau de

jurisdição e, conseqüentemente, mais demora em seus respectivos julgamentos.

Mas a verdade é que a referida crise na prestação da atividade jurisdicional

dentro de um prazo razoável não é problema circunscrito ao Brasil. Pode-se afirmar que é

problema generalizado, enfrentado até pelos que dispõem de vasto aparato legislativo e

suporte material para aplicabilidade das leis. Leia-se que

O Mundo civilizado, em seus principais países, assiste a um generalizado clamor contra a pouca eficiência da justiça oficial para solucionar a contento os litígios que lhe são submetidos. Conseqüência imediata desse quadro de insatisfação social é a onda de reformas das leis processuais da qual não escapa ninguém, nem mesmo aqueles povos que se gabam de ter produzido, em campo da ciência jurídica, monumentos gloriosos na edição de seus Códigos. (destacou-se) (THEODORO JÚNIOR, 2005, p. 61)116

Preocupando-se demasiadamente com a realidade da morosidade processual,

legisladores de diversos países passaram a estabelecer expressamente nos diplomas,

convenções e acordos internacionais, o direito fundamental da prestação jurisdicional em

tempo razoável, erigindo-o à categoria de direito fundamental, garantindo-se, a todo cidadão,

um processo sem prolações e dilações indevidas, o que, conseqüentemente, aumenta a

probabilidade de se ter uma resposta judicial às demandas propostas perante o Judiciário em

menos tempo que habitualmente costuma-se assistir.

115 PASSOS, Calmon de. Direito, Poder, Justiça e Processo - Julgando os que nos Julgam. in CELERIDADE PROCESSUAL E SEGURANÇA JURÍDICA; Revista do TST. Disponível em http://www.tst.gov.br/ArtigosJuridicos/GMLCP/CELERIDADEPROCESSUAL.pdf. Acessado em 07/03/2006. 116 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais, in Revista de Processo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, n. 125, ano 30, jul./2005.

46

Em decorrência a esta determinação legal, ressurge com viveza o princípio

da celeridade processual, trazido à baila como garantia constitucional da efetividade da

resposta do judiciário.

Sant Anna117 (2005) afirma que a problemática da morosidade processual

principiou a ser notada e combatida já nas épocas do Direito Romano. Apresentou-se como

importante instrumento de sumarização do procedimento o instituto da Clementina Saepe,

constitucionalizada com o procedimento sumaríssimo, no Direito Canônico, demonstrando

que a preocupação do legislador com o problema da razoável duração do processo remonta à

Idade Contemporânea.

Cruz118 (2005) discorre sobre o instituto pontuando que “Por influência da

Decretal de Clemente V, de 1306, alcunhada 'Clementina Saepe', surge o procedimento

sumário, mais simplificado, seja com cognição plena ou sumária, designado por executivos”,

simplificando os procedimentos processuais do Direito Canônico.

Ainda como característica do procedimento sumário na seara do Direito

Canônico, pode-se citar, pautado na exposição do autor, a dispensa do libelo, da contestação

da lide, concentração dos atos processuais numa única audiência e privilégio na oralidade,

tudo perante um juiz com amplos poderes. Essas características buscavam, desde aquela

época, aprimorar a celeridade processual, ou seja, assegurar a efetividade e rapidez no

saneamento dos litígios proposto perante o Judiciário.

Como ensina Theodoro Júnior119 (2005, p. 61), desde o nascimento do

Direito a evolução dos institutos de direito processual fez parte do aprimoramento das

relações do homem com o Estado. Desta forma, como demonstrado com a preocupação no

Direito Canônico, é natural que se encontrem institutos que, ao longo dos séculos, venham

buscando o aperfeiçoamento dos sistemas processuais. Pontua o autor que

De velhas e arraigadas concepções aristocráticas e autoritárias, no desempenho do poder público, a humanidade evoluiu para a democracia e a república, fundada primeiro nas solenes declarações de direitos fundamentais, e, finalmente, na inclusão

117 SANT ANNA , Everton. Rito Sumaríssimo e a celeridade processual no Direito do Trabalho. Artigo publicado em 12/06/2005. Disponível em: http://www.odireito.com/default.asp?SecaoID=2&SubSecao=1&ConteudoID=000288&SubSecaoID=28. Acessado em 13/03/2006. 118 CRUZ, André Luiz Vinhas da. A evolução histórica das tutelas de urgência: de Roma à Idade Média. Artigo publicado em 26/8/2005. Disponível em http://www.odireito.com/default.asp?SecaoID=10&SubSecao=1&SubSecaoID=39&ConteudoID=000139. Acessado em 13/03/2006. 119 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais, in Revista de Processo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, n. 125, ano 30, jul./2005.

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dentre os deveres estatais o de tornar efetivo os declarados direitos fundamentais. Os direitos dos cidadãos, em nosso tempo, saíram do âmbito das meras declarações solenes para entrar no campo das missões práticas que ao Estado cumpre implementar.

No mesmo norte, relembra Vargas120 (2005, p. 343) que no Estado medieval

já existia a preocupação com a prestação jurisdicional em tempo razoável, escrevendo que “A

preocupação de evitar a demora na prestação jurisdicional não é de agora, o direito a ter uma

resposta do Judiciário em prazo razoável já foi consagrado na Carta Magna de 1215, também

chamada de a “Grande Carta do Rei John”, em que consta, no § 40 que lhe foi agregado: “a

ninguém venderemos, negaremos ou retardaremos direito ou justiça”, revelando que numa

época de Estados absolutistas, já existia preocupação do legislador em assegurar o direito do

cidadão em ter sua pretensão assistida num espaço temporal razoável.

Superando-se a fase do Absolutismo, já na contemporaneidade, passa-se à

análise da Declaração dos Direitos Humanos121, de 10 de dezembro de 1948. Esta não

estabelece, de forma expressa, inquietação no tangente à duração razoável dos processos,

visto que a humanidade encontrava-se num período de resguardo e tutela de direitos coletivos,

o que era absolutamente justificável, visto que o mundo acabara de assistir aos horrores

perpetrados pela Segunda Guerra Mundial, com o genocídio de judeus pelos fascistas

alemães.

Assim, os diplomas internacionais concentraram-se na formulação de

normas que assegurassem, primordialmente, direitos coletivos, não se focando nos direitos

individuais do cidadão. Mesmo assim, o diploma em comento dispôs em seu artigo VIII que

Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei. (destacou-se)

No contexto histórico da elaboração do documento, conforme exposto

anteriormente, entende-se que o remédio efetivo tratado pelo legislador é o processo, o qual

deveria ser justo, atendendo aos reclames da sociedade da época.

120 VARGAS, A garantia fundamental contra a demora no julgamento dos processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 121 Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em http://www.dhnet.org.br/inedex.htm. Acessado em 11/03/2006.

48

Do mesmo raciocínio compactua Hogemann122, quando ensina que, embora

não expressamente transcrito pelo legislador, já existia uma cristalina preocupação, por parte

do legislativo, em estabelecer um processo justo, que prestasse ao jurisdicionado uma resposta

efetiva, dentro de um prazo razoável. Assim, escreve que

Na normatização do Direito Internacional, consubstanciam-se declarações, pactos, convenções e protocolos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos congrega regras de Direito Internacional e princípios gerais do direito. Conforme texto citado acima, vê-se a preocupação do legislador internacional em moldar uma sociedade justa, e célere na aplicação do direito ao caso concreto, o que entendemos por “remédio efetivo”. (destacou-se)

Entende-se, portanto, que desde as pretéritas épocas da criação dos institutos

do Direito Canônico, passando pela Carta Inglesa de 1215, saltando-se ao ano de 1948, na

Declaração dos Direitos Humanos, muito embora não houvesse previsão expressa, o homem

contemporâneo entende que não basta o Estado prever, por meio de norma materiais e

processuais, a correta resolução do caso concreto proposto perante o Judiciário; é preciso,

ainda, procurar meios para garantir a ágil aplicação desta norma ao caso em espécie,

satisfazendo os litigantes e cerceando a auto-tutela, sob pena de não se alcançar uma medida

justa aplicada pelo órgão estatal ao cidadão.

No mesmo norte escreve Rodrigues123 (2005, p. 284), ensinando que

O Estado contemporâneo se caracteriza, em especial, pela sua função social – o seu objetivo é assegurar o bem comum, realizar a justiça social. E no exercício de sua atividade jurisdicional, esse escopo também se mantém. A demora na prestação jurisdicional é descumprimento absoluto da sua função social. Não há justiça social quando o Estado, por meio do Poder Judiciário, não consegue dar uma pronta e efetiva resposta às demandas que lhes são apresentadas. (destacou-se)

Com a preocupação acima demonstrada, outros diplomas internacionais

exararam a estipulação do direito do cidadão em assistir à apreciação de sua demanda judicial

em tempo razoável. Um dos diplomas que merece proeminente destaque é a Convenção

122 HOGEMANN, Edna Raquel R. S. Direitos humanos: sobre a universalidade rumo a um direito internacional dos direitos humanos. O documento disponível somente em versão eletrônica, não contém a data de produção. Disponível em http://www.dhnet.org.br/direitos/brasil/textos/dh_univ.htm. Acessado em 14/03/2006 123 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. EC n. 45: acesso á justiça e prazo razoável na prestação jurisdicional. in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

49

Européia dos Direitos do Homem124 - CEDH, datada de 04 de novembro de 1950,

estabelecendo os seguintes direitos concernentes à razoável duração dos processos125:

Art. 5°, § 3°: Toda pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1°, c, do presente artigo, deve ser trazida prontamente perante um juiz ou um outro magistrado autorizado pela lei a exercer a função judiciária, e tem o direito de ser julgado em um prazo razoável ou de ser posto em liberdade durante a instrução. O desencarceramento pode ser subordinado a uma garantia que assegure o comparecimento da pessoa à audiência.

Art. 6°, § 1°: Toda pessoa tem o direito a que sua causa seja ouvida com justiça, publicamente, e dentro de um prazo razoável por um Tribunal independente e imparcial estabelecido pela Lei, que decidirá sobre os litígios sobre seus direitos e obrigações de caráter civil ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. (destacou-se) (Convenção Européia dos Direitos do Homem. Disponível em http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/euro. Acessado em 11/03/2006)

Os artigos supramencionados aclaram a preocupação do diploma em

comento com a célere prestação da tutela jurisdicional, destacando-se que o art. 5° evidencia o

desassossego iminente com o acusado que se encontra privado do seu direito de liberdade,

enquanto o art. 6° vela pelo igual direito à pessoa que não está encarcerada.

Neste sentido, preocupando-se com o resguardo do direito do cidadão em ter

sua lide apreciada em tempo razoável, como resultado de justa prestação jurisdicional,

manifesta-se Rodrigues126 (2005, p. 285) quando dispõe que

O processo não deve apenas se preocupar em garantir a satisfação jurídica das partes, mas principalmente, para que essa resposta aos jurisdicionados seja justa, é imprescindível que se faça em um espaço de tempo compatível com a natureza do objeto litigado. Do contrário, torna-se utópica a tutela jurisdicional de qualquer direito.

Prosseguindo-se a perquirição histórica, apresenta-se o Pacto Internacional

dos Direito Civis e Políticos, adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de

dezembro de 1966, ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, que traz, no artigo 9°, n° 1

e art. 14, parágrafo 3º, os seguintes apontamentos sobre o tema: 124 Convenção Européia dos Direitos do Homem. Disponível em http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/euro. Acessado em 11/03/2006. 125 As informações históricas sobre a preocupação legislativa disposta nos diplomas internacionais, foram, em sua maioria, extraídas de LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006, p. 20 a 32. Quando houver outra fonte direta de pesquisa, será consignada a referência. 126 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. EC n. 45: acesso á justiça e prazo razoável na prestação jurisdicional. in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

50

Art. 9°, n° 1: Qualquer pessoa, presa ou encarcerada em virtude de infração penal, deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, à execução da sentença.. [...] Art. 14: 1. Todas as pessoas são iguais perante os Tribunais e as Cortes de Justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. [...] 3. Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: [...] c) a ser julgada sem dilações indevidas; (destacou-se) 127

No artigo 9°, sem laivos de dúvidas, houve premente preocupação com o

acusado preso. Percebe-se que no referido artigo, em sua primeira parte, existe a cautela em

estabelecer-se agilidade na condução do acusado perante o juízo competente (“Qualquer

pessoa, presa ou encarcerada em virtude de infração penal, deverá ser conduzida, sem

demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções

judiciais[...]”)128.

Já num segundo momento, o artigo revela a preocupação na prestação

jurisdicional célere, sob pena de, em havendo prolações indevidas no processo, o Judiciário

ter que colocar a pessoa acusada e detida em liberdade (“[...] e terá o direito de ser julgada em

prazo razoável ou de ser posta em liberdade[...]”)129.

Procedendo-se à leitura do artigo 14, há evidente reforço do estabelecido

pelo artigo 9°. Todavia, o enfoque dado pelo legislador é o resguardo do direito da pessoa em

liberdade, assegurando-se inicialmente o direito à igualdade dos acusados perante qualquer

tribunal, bem como, especificamente na letra c, o direito a ser julgado sem dilações

processuais indevidas.

Insta ressaltar que o item 3 do artigo referenciado, estatui o direito a um

julgamento sem dilações indevidas como garantia mínima no processo, podendo-se, portanto,

concluir que caso haja desrespeito à observância de prestação jurisdicional dentro de um

prazo razoável, estará concretizado o desrespeito aos direitos fundamentais do cidadão. 127 Pacto Internacional sobre os direitos Civis e Políticos. Disponível em http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/textos/tratados05.htm. Acessado em 11/03/2006. 128 Art. 9° do Pacto Internacional sobre os direitos Civis e Políticos. Disponível em http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/textos/tratados05.htm. Acessado em 11/03/2006. 129 Art. 9° do Pacto Internacional sobre os direitos Civis e Políticos. Disponível em http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/textos/tratados05.htm. Acessado em 11/03/2006.

51

Por conseguinte, encerrando-se a abordagem no âmbito dos tratados,

acordos e convenções internacionais, apresenta-se a Convenção Americana sobre os Direitos

Humanos - CADH, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de

novembro de 1969, que em seu artigo 8º, item I, apresenta as garantias judiciais a serem

observadas pelos Estados que subscreveram o documento:

Artigo 8º - Garantias judiciais 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza130. (destacou-se)

Ressalte-se que a Convenção entrou em vigor em 18 de julho de 1978,

conforme explica Lopes Júnior e Badaró131 (2006, p. 23), e que o Brasil, somente quatorze

anos depois, por meio do Decreto Legislativo n° 27, de 26 de maio de 1992, aprovou o texto

da Convenção, e em 25 de setembro de 1992 ratificou o documento, o qual foi promulgado

por meio do Decreto n° 678, de 06 de novembro de 1992, e publicado três dias depois,

veiculando-se a adesão no Diário Oficial.

Nessa perspectiva, trabalhando-se com a realidade de que o Brasil já era

oficialmente signatário do Pacto desde 06 de novembro de 1992, conclui-se que o direito do

cidadão brasileiro em ter sua demanda apreciada dentro de um prazo razoável, não se trata de

novidade no âmbito legislativo brasileiro, visto que as normas dos tratados, acordos e pactos

internacionais são recepcionadas pelo ordenamento pátrio, nos termos e condições constantes

da Constituição da República.

Entretanto, analisando-se o ordenamento jurídico brasileiro, verifica-se que

o legislador pátrio há muito vem se inquietando com a demora na apreciação dos processos,

em primeira ou segunda instância.

É certo que a morosidade na prestação jurisdicional no Brasil é uma

realidade e que o direito de se ter o litígio apreciado sem dilações indevidas, transformou-se

em verdadeira utopia na sistemática jurídica nacional, não havendo dúvidas de que “[...] os

processos judiciais são demorados, constituindo verdadeira negação de justiça, o que enseja a

realização da chamada “justiça privada”, ou seja, pela própria vítima descrente do Poder

130 Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Disponível em http://www.portaldafamilia.org/artigos/texto065.shtml. Acessado em 11/03/2006. 131 LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006.

52

Judiciário” (MACHADO, 2005, p. 65)132, situação que jamais poderia ocorrer, quanto mais

ser recorrente, comum e banalizada como é, pois

A inexistência de tutela adequada para uma determinada situação conflitiva corresponde á negação da tutela pela qual o Estado se obrigou quando proibiu a autodefesa e assumiu o monopólio da jurisdição. Com a proibição da autotutela por parte do indivíduo, assumiu a responsabilidade pela adequada solução dos conflitos de interesses. (Rodrigues, 2005, p. 287)133

O Estado, portanto, tem a obrigação de oferecer ao jurisdicionado uma

prestação de serviço de qualidade satisfatória, o que, na percepção de Vargas134 (2005, p.

345), enquadra a prestação jurisdicional nos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor

– Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990.

Nesta perspectiva, o autor trabalha com o viés analítico de que o Estado

oferece ao jurisdicionado a prestação de um serviço, qual seja a prestação jurisdicional e,

assim sendo, quando esta prestação é ineficiente, deve o fornecedor do serviço (neste caso, o

Estado) ser responsabilizado (pecuniariamente) ao ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo

consumidor (cidadão que se socorreu à tutela do Poder Judiciário). Dispõe o autor que

Não se pode esquecer que a jurisdição é um serviço público prestado pelo Estado ao consumidor deste serviço, que é o jurisdicionado. [...] a Lei 8.078, de 11.09.1990, em seu art. 3° preceitua que, dentre outras hipóteses, é fornecer a pessoa jurídica de direito público que desenvolve atividade de prestação de serviços. Conseqüentemente, o Estado, como pessoa jurídica de direito público e prestador de serviço jurisdicional, está sujeito às normas da referida lei. No art. 14 da citada lei consta que “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços (...)”, e o § 1.° completa dizendo: “O serviço é defeituoso quando não fornece(...) II - o resultado (...) que razoavelmente dele se esperam”. O que significa dizer que o serviço judiciário é defeituoso quando não fornece ao jurisdicionado o resultado que razoavelmente dele se espera; não o resultado de procedência ou improcedência do pedido, porque isso depende de existir ou não o direito material reclamado, mas o resultado de haver uma resposta do Judiciário – positiva ou negativa – em relação ao pleito formulado, em tempo razoável. Se não houver esta resposta, em tempo razoável, o serviço é defeituoso, e pelos prejuízos daí decorrentes o fornecedor (o Estado) responde independentemente da existência de culpa.

132 MACHADO, Agapito. A nova reforma do poder judiciário: PEC n. 45/2004, in Revista CEJ, n. 28, p. 64-70. Brasília, jan/mar., 2005. 133 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. EC n. 45: acesso á justiça e prazo razoável na prestação jurisdicional, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 134 VARGAS, A garantia fundamental contra a demora no julgamento dos processos, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

53

Assim como em âmbito internacional, no Brasil também são diversos os

fatores contributivos para este fenômeno jurídico, como, por exemplo, o aumento

populacional combinado com a burocracia processual, gerada pelo excesso de formalismo, o

crescimento desordenado da violência, a multiplicidade de demandas e a falta de recursos e de

investimento do Estado no Judiciário, entre outros.

Sobre este último fator, especialmente, escreve Bezerra135 (2005, p. 467)

que a preocupação dos legisladores e doutrinadores é antiga, desenvolvendo estudos e

buscando soluções para o problema, considerando que

Há muito que a doutrina nacional se debruça sobre o tema, diagnosticando e buscando formas de combater os efeitos decorrentes da demora no trâmite dos processos. É a partir deste sistemático estudo que se conclui que a postergação não está associada apenas às inúmeras etapas procedimentais previstas na legislação, mas está estritamente ligada à própria estrutura do Poder Judiciário. (destacou-se)

Correto é afirma que a sociedade, cada vez mais, sente-se insegura ao

acessar a justiça, pois espera ter sua pretensão assistida de forma satisfatória e confiável, sem

dilações indevidas, sendo que quando não obtém a resposta da maneira pretendida, gera-se

descontentamento generalizado e um manifesto desrespeito à previsão constitucional de

resolução do litígio em tempo razoável.

No mesmo sentido manifesta-se Rodrigues136 (2005, p. 285) quando expõe

que “as pessoas que precisam acudir ao poder Judiciário para resolver algum conflito, muitas

vezes deixam de fazê-lo tendo em vista que o tempo da tramitação processual, quando findo,

não irá conceder-lhes uma definição satisfatória. E esse problema não foi ainda atacado de

forma efetiva, gerando descrença na eficácia da justiça estatal”.

Ressalte-se que quando se fala em prestação jurisdicional eficiente, não se

exige que a resposta jurisdicional seja positiva ou negativa, mas sim que atenda aos seus fins,

que seja prestada em tempo razoável.

Nessa perspectiva, todos aqueles que estão envolvidos na resolução do

litígio proposto sentem-se numa situação angustiante frente à demora da tramitação

135 BEZERRA, Márcia Fernandes. O direito à razoável duração do processo e a responsabilidade do Estado pela demora na outorga da prestação jurisdiciona, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 136 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ec N. 45: aceso á justiça e prazo razoável na prestação jurisdiciona, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

54

processual, sejam as partes envolvidas ou o Judiciário. A este respeito, escreve Almeida e

Cruz137 (1996, p. 163) consignando que

Tal angústia muitos a sentem. É a aflição de ver anos de investigações policiais jogados à lama e de instruções criminais tornadas imprestáveis. É a vergonha de mostrar ao público as deficiências da justiça (aqui entendida como englobando todos os órgãos incumbidos de sua Administração), impotente diante de dificuldades criadas ora pela burocracia, ora pela falta de boa vontade dos operadores jurídicos, ora pela insensibilidade dos legisladores ou pelo fetichismo legalista dos acomodados.

Dois fatos são certos e indiscutíveis: o primeiro é que o processo é

demorado e que são inúmeros os fatores contributivos para o fenômeno; o segundo, é que o

transcurso do tempo exigido pela tramitação processual, se ultrapassado os limites realmente

necessários para a prestação da justiça segura, acarretará prejuízos irremediáveis às partes,

sobretudo na seara penal, onde se objetiva a tutela de direitos primeiros do homem, como a

vida e a liberdade.

Entretanto, infelizmente, a descrença no Judiciário,que foi anteriormente

traçada por Rodrigues138 (2005, p. 285) e a crise sofrida pelo Judiciário, pela delonga no

julgamento dos processos, como destacado por Ruiz139 (2005, p. 293), tratam-se de tradição

histórica no direito processual brasileiro.

A enfadonha herança procrastinatória remonta à legislação pretérita do

direito lusitano. A lei portuguesa da Boa Razão140, de 18 de agosto de 1769, verbis, determina

que:

[...] por quanto a experiência tem mostrado que as sobreditas interpretações dos Advogados consistem ordinariamente em raciocínios frívolos, e ordenados mais a implicar com sofismas as verdadeiras disposições das leis, do que a demonstrar por elas a justiça das partes: mando, que todos os advogados que cometerem os referidos atentados, e forem convencidos de dolo, sejam nos autos, a que se juntarem os Assentos, multados, pela primeira vez em $ 50000 reis.

137 ALMEIDA, André Vinícius E. S. e; CRUZ, Rogério Schietti M.;. Celeridade-qualidade: um binômio possível, in Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Brasília, v. 01, n° 8, p 163-171, jul/dez, 1996. 138 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ec N. 45: aceso á justiça e prazo razoável na prestação jurisdiciona, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 139 RUIZ, Ivan Aparecido. Primeiras impressões acerca da competência prevista no art. 114 da CF/1998, de acordo com a reforma constitucional (EC n. 45, de 08.12.2004), in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 140 Disponível em http://www.tst.gov.br/Artigosjuridicos/GMLCP/CELERIDADEPROCESSUAL.pdf. Acessado em 20/03/2006.

55

Nesta esteira de conhecimento, Costa141 (1941) dispõe que com o edito,

buscava-se acabar com a eternização das demandas

Em 1341, para combater a chicana dos procuradores, que protelavam quanto podiam o andamento dos feitos, a lei de 23 de agosto proibiu-lhes receber honorários antes da causa finda, expediente que já em 1603, as Ordenações Filipinas ainda irão empregar [...]. Para abreviar a marcha do processo, a lei de 15 de setembro de 1532 aplicou o depois chamado ‘princípio da eventualidade’ (no mesmo dia em que fosse citado, o réu deveria oferecer todas as exceções dilatórias) e não deu recurso das interlocutórias. Os longos prazos, a prorrogação deles, a necessidade de suavizar a rigorosa separação das fases processuais iriam entretanto impedir a celeridade do movimento dos feitos, determinando, muita vez, não um processo, mas um retrocesso na marcha regular das causas.

Logo, como demonstrado anteriormente, corrobora-se a assertiva de

Aragão142 (2001, p.51) de que a problemática da morosidade processual é fato que remonta há

séculos, permeando os ordenamentos jurídicos internacionais e nacional, além de se

apresentar como um problema globalizado, registrando, Theodoro Júnior143 (2005, p. 68), a

respeito do assunto que

Ao findar do século XX, nem mesmo as nações ricas e civilizadas da Europa se mostram contentes com a qualidade da prestação jurisdicional de seu aparelhamento judiciário. A crítica, em todos os quadrantes, é a mesma: a lentidão da resposta da justiça, que quase a torna inadequada para realizar a composição justa da controvérsia. Mesmo saindo vitoriosa no pleito judicial, a parte se sente, em grande número de vezes, injustiçada, porque justiça tardia não é justiça, e. sim, denegação da justiça. (destacou-se)

Constata-se, ante ao exposto pela lei portuguesa da Boa Razão144, de 18 de

agosto de 1769, que o sistema processual brasileiro nasceu com o vício da morosidade

arraigado em seus institutos, mas que esse problema não é de exclusividade nacional, e sim

um fenômeno generalizado, como demonstrado nas palavras de Theodoro Júnior145 (2005, p.

68).

141 COSTA, Lopes da. Direito Processual Civil Brasileiro. v. 1, p. 16. In Revista do TST. Disponível em http://www.tst.gov.br/ArtigosJuridicos/GMLCP/CELERIDADEPROCESSUAL.pdf. Acessado em 06/03/2006. 142 ARAGÃO, E. D. Moniz de. Procedimento: formalismo e burocracia, in Revista Forense, v. 358. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001. 143 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais, in Revista de Processo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, n. 125, ano 30, jul./2005. 144 Disponível em http://www.tst.gov.br/Artigosjuridicos/GMLCP/CELERIDADEPROCESSUAL.pdf. Acessado em 20/03/2006. 145 THEODORO JÚNIOR, loc. cit.

56

Partindo-se da constatação de que a lentidão da tramitação dos processos é a

realidade brasileira, o legislador pátrio, no afã de dirimir a problemática, vem tentando

estruturar o ordenamento processual, buscando não se esquecer de manter resguardados os

direitos fundamentais do jurisdicionado na relação processual, como, e, especialmente, a

ampla defesa e o contraditório, os quais jamais podem ser suprimidos em nome de uma

prestação jurisdicional célere.

Em busca do atendimento deste fim, têm-se assistido a criação de um sem

número de reformas legislativas, instituindo-se no ordenamento processual um número

infindável de institutos recursais, que são amplamente utilizados, muitas vezes

acriteriosamente, somente em caráter procrastinatório, o que causa, sem dúvidas, a demora ao

fim do processo.

Assim, reside justamente neste ponto o desafio aos poderes Legislativo e

Judiciário do país: a conjugação dos trabalhos de ambos os Poderes deve viabilizar a criação e

bom funcionamento de institutos que assegurem um processo que tenha seu deslinde em

tempo razoável e, ao mesmo tempo, proporcione a salvaguarda dos direitos fundamentais

aplicáveis ao processo, conforme estipulado pela Constituição da República Federativa do

Brasil.

Pautando-se nesta realidade, o legislador pátrio, ao longo dos anos e,

acompanhando e estudando as tendências do direito alienígena, bem como o estipulado nos

tratados, convenções e acordos internacionais, tem pretendido mitigar a problemática, que,

sem laivos de dúvidas, compromete a própria concepção de direito processual como

instrumento de soluções de litígios.

Neste passo, há anos o legislador pátrio implementa o sistema jurídico com

medidas legislativas, como forma de minimizar a utilização do tempo no processo, fazendo

com que sua finalização se dê em tempo razoável ao atendimento de seus fins.

A mais recente delas á a inserção expressa do princípio da celeridade

processual na Carta Magna de 1988. O inciso LXXVIII do artigo 5º, garante que “a todos, no

âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios

que garantam a celeridade de sua tramitação”, afirmando ao cidadão a eficiência da prestação

jurisdicional no que diz respeito ao tempo da tramitação do processo.

Entretanto, cabe advertir que na legislação brasileira, em diversos

dispositivos (processuais e constitucionais) e, por meio de vários institutos, o referido

57

princípio vinha, gradativamente, sendo consolidado, como ensina Carvalho146 (2005, p. 215):

“[...] apesar da omissão do legislador, por meio de breve pesquisa na doutrina processual, fácil

constatar a preocupação dos estudiosos com relação à duração do processo, pois, em verdade,

trata-se de objeto nuclear das queixas de todos os operadores do direito”.

Relembra Palharini Júnior147 (2005, p. 770) que a preocupação remonta à

Constituição Imperial, escrevendo que

A celeridade processual e a adoção de procedimentos simplificados que buscam a conciliação não são preocupações coevas e já na Constituição do Império preconizava: “sem se fazer constar que se tenha intentado o meio da reconciliação, não se começará processo algum”. No dispositivo seguinte, dispunha que “para esse fim, haverá juízes de paz, os quais serão eletivos (..)”

Ensina o autor que a criação da justiça de Paz, em 15 de outubro de 1827,

tinha o escopo de conciliação prévia, ou seja, os juízes de paz tinham função conciliatória,

sendo que o jurisdicionado deveria passar primeiro pela juntas de conciliação como pré-

requisito ao ingresso perante o Judiciário.

Ressalta, entretanto, que as funções judiciárias e conciliatórias jamais se

confundiam. A conciliação servia para apaziguar os ânimos dos pretensos litigantes,

vislumbrando-se evitar a instauração de demanda judicial por meio de um acordo pactuado,

privativamente, entre as partes, o que gerava, por conseqüência, um desafogamento do serviço

do Judiciário, proporcionando maior agilidade na prestação jurisdicional. A função do Poder

Judiciário era de, quando não possível um acordo entre as partes, estabelecer uma solução ao

problema proposto dentro dos trâmites e determinação da lei.

Ainda a este respeito, considera o autor que

Na “instância conciliatória” somente procurava apaziguar as partes. Se este objetivo não fosse alcançado, o autor pedia a citação do réu para comparecer na primeira audiência, quando este deduzia sua defesa. Se o réu não comparecesse à audiência, tinha-se por aceitas as provas indicadas pelo autor, que eram tomadas em audiência, seguida da sentença. Destaca-se,aqui, a ausência de revelia nos procedimentos perante os juizados de Paz. Nesta situação, as causas que eram julgadas conforme as alegações e as provas promovidas pelo autor. Comparecendo o réu, deduzia este sua defesa, tomavam-se as provas e, ao final, o juiz proferia a sentença. Outro destaque aqui se faz: na conformidade do art. 32 do Regulamento de 15.03.1841, das

146 CARVALHO, Fabiano. EC n. 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 147 PALHARINI JÚNIOR, Sidney. LVII – Celeridade processual – garantia constitucional pré-existente à EC n. 45 – alcance da “nova” norma (art. 5.°, LXXVIII, da CF), in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

58

sentenças dos Juízes de Paz não cabia qualquer recurso, nem mesmo de revista. (PALHARINI JÚNIOR, 2005, p. 770)148

Em diplomas processualísticos do direito pátrio mais recentes, a inquietação

com a celeridade processual pode ser depreendida nas mais variadas formas, como por

exemplo, nas disposições normativas que impõem sanções aos Magistrados e demais

componentes do Poder Judiciário e membros do Ministério Público, caso venham provocar o

retardamento nos atos que, pelo exercício da função, deveriam praticar no prazo estipulado

pela lei. Estas disposições podem ser encontradas nos artigos 193, 194, 198, 199 e outros do

Código de Processo Civil, bem como nos artigos 799, 801 e 802 do Código de Processo

Penal.

Também nas disposições regulamentadoras do Direito do Trabalho,

consubstanciadas na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) insculpiu-se, em seus

princípios, a celeridade processual, como desdobramento do princípio do protecionismo,

consistente na proteção à parte hipossuficiente na relação jurídico-trabalhista.

É notável que, embora a legislação trabalhista não abordasse abertamente a

temática morosidade versus celeridade, o diploma em comento, em suas disposições

processuais, cedeu especial atenção ao tema, na medida em que simplifica os ritos de

tramitação dos processos propostos perante a Justiça do Trabalho, como forma de atender,

mais rapidamente, às necessidades do trabalhador, que é a parte hipossuficiente na relação

laboral e processual.

No âmbito das normas constitucionais, são elencadas uma série de garantias

voltadas a resguarda do direito de acesso à justiça de forma eficiente, bem como mecanismos

de restauração de direitos fundamentais no caso de haver violação destes pela demora na

tramitação processual, tais como os seguintes incisos do artigo 5.°, que estatuem que

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; [...] XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

148 PALHARINI JÚNIOR, Sidney. LVII – Celeridade processual – garantia constitucional pré-existente à EC n. 45 – alcance da “nova” norma (art. 5.°, LXXVIII, da CF), in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

59

Além das previsões normativas acima expostas, existem os remédios

constitucionais a serem aplicados ao caso concerto na hipótese de haver descumprimento das

regras constitucionalmente impostas ao resguardo dos direitos fundamentais, como o habeas

corpus, o mandado de segurança, o mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção e

o habeas data, que, além de se constituírem em via especial do resguardo de direitos, em

última análise, propiciam célere prestação jurisdicional em casos de tutela urgente de direitos

transgredidos.

Imbuído da mesma preocupação com o rápido deslinde processual, houve a

promulgação da Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995 e da Lei nº 10.259 de 12 de julho de

2001, as quais instituíram a criação, implementação e funcionamento dos Juizados Especiais

Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Estadual e os Juizados Especiais Cíveis e Criminais

no âmbito da Justiça Federal, pretendendo-se aliviar o volume de processos que tramitavam

perante os Juízos Comuns da esfera Estadual e Federal, agilizando, por conseqüência, a

resposta jurisdicional aos litígios propostos perante o Judiciário.

A criação dos Juizados Especiais vem atender aos anseios sociais em assistir

a apreciação das demandas propostas com celeridade e eficiência. Para tanto, fez-se

necessária a observação e respeito a alguns princípios norteadores como o da oralidade, da

informalidade da economia processual ou celeridade.

Em relação aos princípios basilares dos Juizados, Palharini Júnior149 (2005,

p. 772) considera que o princípio da oralidade “[...] é a base propulsora dos demais princípios

que norteia o sistema especial de jurisdição, pois é sinônimo de simplicidade, representa o

informalismo e visa à celeridade, o que propicia uma economia processual”.

Insta ressaltar, ainda, que a realizabilidade dos atos processuais previstos

pela Lei n° 9099/95, que se pauta nos princípios acima referidos, devem, impreterivelmente,

respeitar os direitos fundamentais dispostos pelo texto Constitucional, pois em se

comprovando efetivo prejuízo às partes, no tangente à informalidade, por exemplo, deve-se

haver pronunciamento de nulidade do ato, consoante disposto por Palharini Júnior150 (2005, p.

774).

149 PALHARINI JÚNIOR, Sidney. LVII – Celeridade processual – garantia constitucional pré-existente à EC n. 45 – alcance da “nova” norma (art. 5.°, LXXVIII, da CF), in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 150 Ibid., p. 774.

60

Ainda acerca da criação dos Juizados Especiais, Rodrigues151 (2005, p. 285)

tece importantes observações, consignando sua relevância na administração da justiça, e, ao

mesmo tempo, apontando a ineficiência da aplicabilidade da lei diante da desestruturação do

Poder Judiciário. Escreve que

Não se descartam os efeitos positivos das reformas processuais e do advento das leis de arbitragem e dos Juizados Especiais. Contudo, são instrumentos paliativos de um sistema precário que urge por modificações estruturais. Não se resolverão os problemas da administração da justiça sem uma política séria de ampliação do alcance do acesso à justiça que passe por uma melhor distribuição de renda, pela ampliação do alcance do acesso à justiça que passe por uma melhor distribuição de renda, pela ampliação das oportunidades de trabalho, pelo pleno acesso à educação de qualidade, pelo combate à corrupção e ao nepotismo ainda presentes em parte da estrutura estatal e judicial e por uma verdadeira revolução no campo da técnica processual, que deve passar não mais por meras reformas, mas reformas radicais ou, quem sabe, pela substituição do próprio sistema.

Pelas considerações acima propugnadas, entende-se que o autor não

desmerece o esforço legislativo em implementar a legislação no intuito de garantir uma

prestação jurisdicional célere, todavia, pontua também que de nada adiantam as reformas

empreendidas na lei, sem que o Estado ofereça aparato material de execução eficiente.

Elencadas as situações normativas onde a preocupação do legislador em

proporcionar uma duração do processo em tempo razoável aparecia, desde muito na legislação

pátria, passa-se a tecer considerações sobre a ordem constitucional brasileira após a Emenda

Constitucional n. 45/2004.

Como anteriormente exposto, desde o Pacto de São José da Costa Rica,

ratificado pelo Brasil em 25 de setembro de 1992 e promulgado por meio do Decreto n° 678,

de 06 de novembro de 1992, a atual ordem constitucional recepcionou em seus princípios os

pilares reconhecidos internacionalmente no referido tratado, incorporando, assim, mesmo que

tacitamente, a obrigação constante do art. 8°, item 1, que estabelece que “Toda pessoa terá o

direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável [...]”152,

comprometendo-se, portanto, o ordenamento brasileiro e a administração da justiça, em

dirimir a problemática da morosidade.

Este primeiro passo foi dado pelo Poder Legislativo, quando em 08 de

dezembro de 2004 editou a Emenda Constitucional n.°45 (EC n.° 45), a qual empreendeu

151 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ec N. 45: aceso á justiça e prazo razoável na prestação jurisdicional. in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004.Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et all. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 152 Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Disponível em http://www.portaldafamilia.org/artigos/texto065.shtml. Acessado em 11/03/2006.

61

diversas mudanças no funcionamento do Judiciário brasileiro, mas, especialmente,

acrescentou o inciso LXXVIII ao artigo 5° do diploma, o qual garante que a “todos, no âmbito

judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que

garantam a celeridade de sua tramitação”, consagrando, expressamente o pactuado em

acordos, tratados e convenções internacionais onde o Brasil é signatário.

Com a publicação da Emenda Constitucional n.º 45, houve a consagração

expressa do princípio da celeridade processual no ordenamento jurídico brasileiro, vez que,

conforme se verificou, o desassossego com a demora na tramitação processual não havia sido

elevado (até a promulgação da Emenda) à categoria de direito fundamental do cidadão. Havia,

por certo, uma orientação doutrinária de que um processo não deveria eternizar-se nos

cartórios forenses e um incômodo generalizado pela demora no julgamento das demandas

propostas perante o Judiciário, mas a ordem jurídica não dispunha nada a este respeito, ao

menos expressamente.

Neste sentido, vislumbra-se a relevância da publicação da referida Emenda,

pois, como ensina Santos153 (2005, p. 201), ela traz consigo uma das mais ambiciosas

pretensões dos últimos tempos: traçar novas diretrizes para a atuação do Poder Judiciário,

agilizando a prestação jurisdicional brasileira.

Considera ele que as medidas adotadas pela Emenda, no intuito de alcançar

maior celeridade na tramitação processual, podem ser resumidas da seguinte maneira:

[...] a) o processo deverá durar por prazo razoável e todo jurisdicionado deve ter acesso aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5.°, LXXVIII); b) o ingresso na carreira da magistratura exige experiência mínima de três anos de comprovação na atividade jurídica (art. 93, I); c) a promoção n carreira da magistratura passa a depender do desempenho profissional de cada juiz (art. 93, II, c) e dela não poderá se beneficiar aquele que, injustificadamente, não propicie o devido impulso processual (art. 93, II, e); d) a “atividade jurisdicional” é declarada “ininterrupta”, inclusive com a extinção das férias coletivas dos magistrados (art. 93, XII); e) deverá ser estabelecida uma proporção mínima entre número de juízes e de demandas judiciais (art. 93, XIII); f) servidores do Judiciário poderão receber, Poe delegação, a competência para a realização de atos de cunho não decisório (art. 93, XIV); g) os processos devem ter distribuição imediata (art. 93, XV); h) súmula vinculante (art. 103 – A), entre outras. (SANTOS, 2005, p. 201)

Não obstante, o autor analisa as medidas implementadas não como uma

simples reforma a fim de criar mais direitos materiais ou processuais aos cidadãos, mas sim

153 SANTOS, Evaristo Aragão. A EC n. 45 e o tempo dos atos processuais, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

62

como um estabelecimento de vetores, para a administração da justiça, no sentido de

reaparelhar o Poder Judiciário. Neste sentido, pontua que

[...] a implantação da reforma, no atual estágio, deverá ser, principalmente, de cunho estrutural. Por mais criativas que possam ser as soluções legislativas tendentes a aprimorar e modernizar nosso sistema processual (por exemplo), pouco ou nada valerão se o Poder Judiciário não estiver aparelhado com um número mínimo de juízes (art. 93, XIII), sempre que possível mais experientes, preparados e comprometidos com o resultado final da atividade do Estado que exercem no caso concreto (art. 93, I e II, c e e).

Nessa perspectiva, conclui-se que o transcurso do tempo exigido pela

tramitação processual geralmente causa prejuízos irremediáveis às partes, acarretando na

sociedade insegurança ao acessar a justiça e descrédito no Poder Judiciário. Assim, a Emenda

Constitucional n.° 45, preocupou-se em estabelecer que, além do direito ao acesso à justiça, o

cidadão tem direito a uma prestação jurisdicional em tempo razoável.

Em que pese a relevância jurídica do inciso LXXVIII do art. 5°, bem como

da festejada Emenda, ainda paira um problema a ser dirimido pelo Direito: estabelecer o que é

tempo razoável de duração de um processo, ou melhor, qual seria a definição de tempo

razoável aplicável à resolução de um caso concreto discutido em uma demanda?

Inicialmente, deve-se pontuar que “[...] a razão primária de formação de um

processo é a necessidade da solução de um conflito de interesses, pela inibição da lesão ou

reparação do direito apontado como lesado” (SANTOS, 2005, p. 204)154 e que, a partir do

momento que as partes ingressam em juízo, é porque não conseguiram, amigavelmente,

formar uma composição para reparação do bem jurídico tutelado pela norma.

Prosseguindo-se neste raciocínio, conclui-se, então, que caberá ao Poder

Judiciário, a função de solucionar este conflito, dando a cada parte o que lhe seu de direito.

Entretanto, de nada ou de muito pouco adianta, se o direito lhe for dado após o transcurso de

um longo período de tempo, devendo-se sempre considerar o conceito relativo de tempo e as

peculiaridades das partes.

Neste diapasão, considera-se que as particularidades das partes envolvidas

no litígio devem ser respeitadas e analisadas para proceder-se à verificação se o processo deu-

se por findo em tempo razoável ou em espaço temporal demasiadamente longo, pois

determinado espaço de tempo pode ser curto para um jovem de vinte anos e extremamente

154 SANTOS, Evaristo Aragão. A EC n. 45 e o tempo dos atos processuais, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

63

longo para um idoso de setenta, em que pese ambos esperarem ansiosamente por uma resposta

jurisdicional.

No mesmo sentido escreve Bezerra155 (2005, p. 470) quando trata dos

critérios analíticos de determinação de razoabilidade do prazo para deslinde processual,

considerando que “[...] a delimitação do conceito de razoabilidade no caso concreto deve

partir, também, das peculiaridades que envolvem seus participantes. Isso porque o tempo que

é razoável para uns pode não sê-lo com relação a outros”.

Além deste critério, a doutrina internacional e nacional vem firmando seus

posicionamentos a partir de diretrizes traçadas pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos

(TEDH) que, ao invés de estabelecer prazos rígidos a serem observados pelos ordenamentos

jurídicos, preocupou-se em nortear a análise dos casos concretos.

Explica Lopes Júnior e Badaró156 (2006, p. 39-40) que a formulação de

critérios norteadores de parâmetros à apuração do que é um tempo razoável de duração de um

processo, deu-se a partir de um processo de origem alemã, levado pela Comissão Européia de

Direitos Humanos à apreciação do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que, pautando-se

num caso concreto, onde havia alegação de prazo numa prisão cautelar (caso “Wemhoff”)157,

estipulou sete critérios analíticos os quais deveriam ser aplicados nos casos onde houvesse

suspeita de dilações indevidas no trâmite dos procedimentos, procedendo-se a análise em

conjunto “[...] com valor e importância relativos, admitindo-se, inclusive, que um deles fosse

decisivo na aferição do excesso de prazo” (LOPES JÚNIOR E BADARÓ, 2006, p. 40) 158.

Foram os seguintes critérios adotados:

a) a duração da prisão cautelar; b) a duração da prisão cautelar em relação à natureza do delito, à pena fixada e à provável pena a ser aplicada no caso de condenação; c) os efeitos pessoais que o imputado sofreu, tanto de ordem material como moral ou outros; d) a influência da conduta do imputado em relação à demora do processo; e) as dificuldades para a investigação do caso (complexidade dos fatos, quantidade de testemunhas e réus, dificuldades probatórias, etc.); f) a maneira como a investigação foi conduzida;

155 BEZERRA, Márcia Fernandes. O direito à razoável duração do processo e a responsabilidade do Estado pela demora na outorga da prestação jurisdicional, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 156 LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. 1. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006. 157 PASTOR. Daniel. El plazo razonable en el proceso del estado de derecho. Buenos Aires: Ed. Ad Hoc, 2002. 158 LOPES JÚNIOR; BADARÓ, op. cit., p. 40.

64

g) a conduta das autoridades judiciais. (LOPES JÚNIOR E BADARÓ, 2006, p. 40)159

Pastor160 (2002, p. 111-117) explica o caso “Wemhoff” esclarecendo que a

partir dele estabeleceu-se a teoria dos sete critérios. Informa o autor que Wemhoff (de origem

alemã) foi um caso onde o réu estava sendo processado por fraude bancária com

conseqüências internacionais. Para a apuração dos fatos, o Judiciário determinou o exame de

159 (cento e cinqüenta e nove) contas bancárias (na Alemanha e na Suíça), além de proceder-

se a inúmeras oitivas de testemunhas e interrogatórios, realização de mais de quinze auditorias

financeiras, contando com laudos de 1500 (um mil e quinhentas) páginas, reunindo-se todo

este contexto probatório em um processo com 45 volumes de, aproximadamente, 10.000 (dez

mil) páginas.

Wemhoff foi detido em 09 de novembro de 1961, sendo que a sentença, em

primeira instância, fora prolatada somente em 07 de abril de 1965, ou seja, três anos e cinco

meses depois, tempo este que ensejou a propositura da ação perante o Tribunal Europeu de

Direitos Humanos (levada pela Comissão Européia dos Direitos Humanos) para analisar se

houve violação do prazo razoável de duração do processo.

Por fim, relata Pastor (2002, p. 117)161 que o Tribunal Europeu de Direitos

Humanos decidiu que, em razão da complexidade do caso e das diligências que foram

necessárias realizar, não houve excesso de tempo na duração do processo, mas que, mesmo

assim, conclusões importantes devem ser extraídas do parecer. Considera o autor que, mesmo

com o estabelecimento dos critérios exarados pela Comissão, não foi possível estabelecer o

que, objetivamente, considera-se um tempo razoável à desenvoltura de um processo,

concluindo-se que, em exame ao caso “Wemhoff”, a Comissão e o Tribunal Europeu de

Direitos Humanos não chegaram a um consenso sobre qual seria um prazo razoável aplicável

ao caso concreto162.

159 LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. 1. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006. 160 PASTOR. Daniel. El plazo razonable en el proceso del estado de derecho. Buenos Aires: Editoral Ad Hoc, 2002. 161 Ibid., p. 117. 162 A íntegra da citação: “Las conclusiones que deben ser extraídas de esta sentencia no son significativas para la resolución del problema analizado. La doctrina de los siete criterios, pergeñada por la Comisión, no ofrece respuesta alguna para la cuestión, dado que, como lo señaló el gobierno afectado, dicha doctrina no establece cuál es el plazo razonable, en qué momento ha sido violado y cuáles son las consecuencias por ello. Además, por ello mismo, podría pensarse en un caso en el cual, por circunstancias excepcionales, todos los criterios inclinaran el fiel de la evaluación en el sentido de admitir como razonable la duración del procedimiento o de la detención, aun cuando, p. ej., ella sobrepasara, hipotéticamente, de los 20 o 30 años. En el caso “Wemhoff” la Comisión dictaminó, sin fundamentos jurídicos racionales, que la detención había traspasado su límite razonable de

65

Portanto, extrai-se da conclusão do autor que, tanto para a Comissão

Européia de Direitos Humanos quanto para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, é

extremamente dificultoso estabelecerem o conceito de prazo razoável, todavia, como informa

Carvalho163 (2005, p. 220), apesar das dificuldades encontradas e enfrentadas para fixar-se o

que é um prazo razoável de um processo, entre os anos de 1997 e 2000, a Itália sofreu 65

(sessenta e cinco) condenações perante a Corte Européia de Direitos Humanos, sob o motivo

de ter retardado a entrega de prestação jurisdicional, demonstrando que, não obstante a

imprecisão temporal objetiva de razoável duração, a análise embasada em critérios diretivos

gerou efeitos condenatórios perante o Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

Corroborando a informação prestada de que a Itália sofreu diversas

condenações por provocar dilações indevidas em processos, Bezerra164 (2005, p. 471)

propugna que

Foi evocando este direito que muitos cidadãos italianos ingressaram em recursos junto à Corte Européia visando a acelerar o trâmite de processos na justiça italiana e a obter reparação por eventuais danos derivados da morosidade em sua condução. Diante da repercussão negativa dos inúmeros recursos pelos cidadãos italianos á corte européia, a Itália viu-se obrigada a criar mecanismos, em sua própria legislação, que assegurassem a razoável duração do processo e o ressarcimento dos danos derivados da demora do seu trâmite.

Entretanto, da orientação doutrinária fixada pelos sete critérios estatuídos

pela Comissão Européia de Direitos Humanos, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

procedeu a uma adaptação, reduzindo de sete para três os critérios analíticos adotados: “a)

complexidade do caso. b) a atividade processual do interessado; c) a conduta das autoridades

judiciárias” (LOPES JÚNIOR E BADARÓ, 2006, p. 40) 165.

duración y el Tribunal, a su vez, sentenció, también sin fundamentación adecuada, que no había sido violado tal límite. Ello es demonstrativo no sólo de las graves dificultades interpretativas de la expresión “plazo razonable”, sino, antes bien, del norme campo para la arbitrariedad que él brinda: para un mismo caso, la Comisión y el Tribunal europeos encontraron, con la misma arbitrariedad, interpretaciones y consecuencias diferentes” in PASTOR. Daniel. El plazo razonable en el proceso del estado de derecho. Buenos Aires: Ed. Ad Hoc, 2002. 163 CARVALHO, Fabiano. EC n. 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 164 BEZERRA, Márcia Fernandes. O direito à razoável duração do processo e a responsabilidade do Estado pela demora na outorga da prestação jurisdicional, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 165 LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. 1. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006.

66

Os critérios acima dispostos foram adotados como norteadores, sendo

lembrado por Notariano Júnior166 (2005, p. 60) que “[...] para se inferir se no caso concreto

houve dilação indevida do processo, ao arrepio da garantia constitucional da razoável duração

do processo, há que se perquirir detalhadamente cada um dos critérios fixados”.

Além da análise dos critérios propostos, para se aferir a ocorrência de

transgressão do razoável prazo de duração de uma demanda, entende-se que o processo deve

ser revisto desde seu início e não se considerar tão somente a data de sua finalização, ou seja,

deverá ser investigado o conjunto dos atos processuais, averiguando se houve prolação

indevida em algum(uns) dele(s), conforme assevera Carvalho167 (2005, p. 221): “É importante

dizer que a duração do processo não está relacionada única e exclusivamente ao desfecho,

mas sim com todos os atos praticados pelas partes e pelos órgãos jurisdicional e

administrativo”.

Pautando-se nesta análise globalizada do processo e nos três critérios

estabelecidos pelo Tribunal, Lopes Júnior e Badaró168 (2006, p. 42-43) esclarecem que na

aplicação dos critérios norteadores, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos fulcra-se nos

princípios da razoabilidade e proporcionalidade, ou seja, auferindo ao caso concreto se a

delonga processual é em razão da complexidade do caso proposto, por exemplo, o que

justificaria, razoavelmente, que o tempo de deslinde processual fosse mais longo,

proporcional ao tempo necessário de produção de todas as provas, pois não se pode esquecer

que direitos como a ampla defesa e o contraditório jamais poderão ser suprimidos em nome da

celeridade.

Descreve os autores que “com base na proporcionalidade, tanto o Tribunal

Europeu de Direitos Humanos, quanto a Corte Interamericana, decidiram que uma prisão

cautelar pode superar o prazo fixado no ordenamento jurídico interno e, ainda assim, ser

considerada justificada (a partir da complexidade, da conduta do imputado, da

proporcionalidade, etc.)” (LOPES JÚNIOR E BADARÓ, 2006, p. 43) 169, apontando,

portanto, que não existe como traçar diretrizes objetivas para definir razoabilidade e

proporcionalidade, por tratarem-se de conceito eminentemente subjetivos.

166 NOTARIANO JÚNIOR, Antônio de Pádua. Garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 167 CARVALHO, Fabiano. EC n. 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 168 LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. 1. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006. 169 Ibid., p. 43.

67

No mesmo norte, embasando-se no critério de complexidade do caso,

propugna Bezerra170 (2005, p.470) que “[...] o tempo razoável deverá ser avaliado no caso

concreto, a partir, principalmente, da matéria debatida na causa. A duração razoável, portanto,

será compatível com a natureza do objeto litigioso e com o número de atos praticados ao

longo do trâmite processual (provas realizadas, diligências necessárias...)”, corroborando a

assertiva de ser extremamente difícil traçar parâmetros objetivos de duração razoável do

processo.

Compartilhando do mesmo entendimento, Carvalho171 (2005, p. 220),

escreve que

A complexidade do processo está diretamente relacionada com a duração do processo. Uma demanda que encerra grande número de litigantes (autores, réus em litisconsórcio, terceiros, etc.), muitos elementos fáticos, com diversos fatos controversos, a necessitar de realização de provas a respeito deles, ou suscitar matéria divergente, a cujo respeito merece maior cuidado pelo órgão julgador, evidentemente não pode ter seu desfecho antes de uma demanda constituída por duas partes (autor e réu), formada por poucos (ou sem) elementos fáticos, e que compreenda a matéria exclusivamente de direito ou sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência.

Certamente que um processo embasado por um inquérito policial que

contenha provas da materialidade delitiva, com indiciado preso em flagrante delito e

testemunhas do fato criminoso, é de mais fácil elucidação e provável finalização célere do que

um processo com vários réus e que dependa de produção de prova testemunhal por precatória,

por exemplo. Assim asseveram Lopes Júnior e Badaró 172 (2006, p. 66-67) quando escrevem

que

As dificuldades da instrução, enquanto critério determinador da razoabilidade da duração do processo, podem ser enfocadas sob duplo aspecto: a complexidade objetiva e a complexidade estrutural. A complexidade objetiva ocorre nos processos relativos a certos tipos de delitos, como os econômicos ou falimentares. A necessidade de realização de uma ou mais perícias também pode justificar um tempo mais longo de duração do processo, assim como a dificuldade encontrada para o cumprimento de cartas rogatórias. O grande

170 BEZERRA, Márcia Fernandes. O direito à razoável duração do processo e a responsabilidade do Estado pela demora na outorga da prestação jurisdicional, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 171 CARVALHO, Fabiano. EC n. 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 172 LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. 1. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006.

68

volume de documentos escritos a se examinarem também é dado idôneo a determinar uma duração mais longa do processo. Quanto à complexidade estrutural, seria o caso de um processo como um grande número de partes ou de co-réus no processo penal, ou a presença, no inter processual, de uma autônoma fase instrutória.

Como observação derradeira acerca deste critério, insta registrar que, além

da complexidade do caso proposto, deve-se atentar à natureza do problema, visto que algumas

situações concretas merecem apreciação urgente em vista de outras, como nos casos de lesão

iminente e irreversível de um bem juridicamente tutelado, fazendo-se necessária uma

prestação de providência cautelar.

É certo que determinados casos concretos necessitam demandar menos

tempo que outros para a resolução, mesmo porque se houver delonga processual, de nada

adiantaria a prestação jurisdicional. Neste sentido, expõe Carvalho173 (2005, p. 219) que

De acordo com a natureza do caso concreto, v.g., “tutela de urgência”, que ocorre quando há possibilidade de lesão iminente e irreversível do direito, liberdade e garantias, impõe-se ao órgão judiciário apresentar providências imediatas, de maneira a responder às exigências do caso posto em juízo, acomodando-o da melhor forma possível, em termos de proteção jurídica, dando-lhe o trato de “causa prioritária”. A demora de uma decisão judicial nessa matéria é suscetível de acarretar perda definitiva e irreversível do direito fundamental, situações de fatos consumados ou a iminência de prejuízos significativos, o que é claramente violadora do princípio da efetividade da tutela jurisdicional e do direito à prestação de decisão num prazo razoável.

Resta, portanto, “[...] em relação ao significado de tempo razoável para

duração de um processo, significativa dose de bom senso deve orientar nessa conclusão, que

deverá ser analisada de forma casuística, considerando a complexidade da matéria e o

comportamento dos litigantes[...]”, na expressão exata de Palharini Júnior174, fazendo-se

necessário, portanto, a investigação do segundo critério, qual seja a atividade processual do

interessado, ou melhor dizendo, o comportamento das partes litigantes.

É certo que o ordenamento processual pátrio é sistematizado de modo a

oferecer e garantir ao acusado diversas possibilidades de defesa dentro do processo.

Entretanto, é certo também que uma das regras embasadoras de toda relação jurídica é a boa-

173 CARVALHO, Fabiano. EC n. 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 174 PALHARINI JÚNIOR, Sidney. LVII – Celeridade processual – garantia constitucional pré-existente à EC n. 45 – alcance da “nova” norma (art. 5.°, LXXVIII, da CF), in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

69

fé e a lealdade das partes, desde a propositura da ação penal, passando por todo seu deslinde

e, estendendo-se, inclusive, à fase recursal.

Quanto aos recursos, cabe ao magistrado como sujeito processual que

preside a ação penal, verificar se sua interposição é de real necessidade, atendendo sua

finalidade de revisar um despacho ou decisão, ou se fora interposto em caráter meramente

dilatório ou procrastinatório.

Nesta perspectiva, esclarece Notariano Júnior175 (2005) que caso o

comportamento das partes ou seus procuradores se desvie dos trâmites ordinários, somente

buscando a procrastinação do feito, caberá ao juiz, presidente do processo, coibir as atitudes

desnecessárias que buscam, tão somente, promover a delonga processual.

Pontua Carvalho176 (2005, p. 220) que

Na hipótese de remanescer desrespeitado o dever de probidade e lealdade processual das partes, de seus procuradores ou de todos aqueles que, de qualquer forma participam do processo, evidentemente estará comprometido o desfecho do processo em tempo razoável. Daí dizer que cumpre ao órgão judicial tomar todas as providências para evitar a ocorrência de manobras que ponham em risco a tempestividade da tutela jurisdicional. (destacou-se)

Destaca Almeida e Cruz177 (1996, p. 165-166) que em razão da sobrecarga

de trabalho atribuída aos membros do Judiciário, agindo com competência e bom senso, as

partes devem trabalhar, “[...] sempre que possível, com simplicidade e brevidade nas

manifestações processuais. Peças enxutas é o que almeja, evitando-se rodeios inúteis, clichês

batidos, reproduções e citações inseridas com o único propósito de avolumar a peça”.

Todavia, infelizmente, sabe-se que, mesmo conhecendo o volume de trabalho que acumula o

Poder Judiciário, inúmeros “maus” operadores do direito insistem em rechear peças

processuais com informações inúteis, atitude esta que deve ser reprimida pelos magistrados.

Como finalização do pertinente aos critérios estabelecidos pelos Tribunal

Europeu de Direitos Humanos, cumpre destacar o último: a conduta das autoridades

175 NOTARIANO JÚNIOR, Antônio de Pádua. Garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 176 CARVALHO, Fabiano. EC n. 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 177 ALMEIDA, André Vinícius E. S. e; CRUZ, Rogério Schietti M. Celeridade-qualidade: um binômio possível, in Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Brasília, v. 01, n° 8, p 163-171, jul/dez, 1996.

70

judiciárias ou o comportamento das autoridades judiciárias no desenvolvimento de suas

atribuições processuais.

Sublinhe-se que o magistrado é titular da jurisdição, agente estatal imbuído

da administração da justiça, a qual deve ser prestada de forma eficiente, resguardando todos

os direitos do cidadão assegurados constitucionalmente.

Partindo-se desta constatação, observa Lopes Júnior e Badaró 178 (2006, p.

69) que

Cumpre ao Estado prover o órgão judiciário e estruturar eficientemente sua organização judiciária para que o processo possa se desenvolver sem retardos indevidos. Trata-se, nesse aspecto de responsabilidade da Administração Pública, e não de um problema apenas interno do Pode Judiciário, como é no caso dos seus magistrados ou Tribunais não desempenhe, corretamente sua tarefa. De qualquer forma, os direitos assegurados constitucionalmente e nas Declarações Internacionais são direitos dos indivíduos frente ao Estado como um todo, e não em relação a alguns de seus “Poderes”. De qualquer setor ou atividade estatal que advenha violação, esta não será admitida. (destaco-se)

Coadunando com o exposto, Carvalho179 (2005, p. 220) assevera que “[...]

órgão julgador tem o dever de dar cumprimento cabal às suas obrigações, incluindo julgar em

prazo razoável”, corroborando a idéia de que uma vez que o Estado traz para si a

responsabilidade jurisdicional, deve fazê-la eficientemente.

Além disso, a duração razoável do processo foi erigida à categoria de direito

fundamental do homem e do cidadão pelos diplomas internacionais e nacional180, traduzindo

que na hipótese de desrespeito a este direito fundamental por ato omissivo ou comissivo do

Poder Público, poderão ocorrer as conseqüências constantes do art. 2° da Lei n.° 9.882 de 03

de dezembro de 1999, lei esta que dispõe sobre o processamento e julgamento de argüição de

descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1°, do art. 102 da Constituição

Federal.

O referido artigo estabelece que as pessoas legitimadas constitucionalmente

para proporem ação direta de insconstitucionalidade, também as são para argüirem, perante o

Supremo Tribunal Federal, o descumprimento de preceito fundamental, situação em que se

178 LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. 1. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006. 179 CARVALHO, Fabiano. EC n. 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 180 Registre-se que a partir da ratificação do Pacto de San José da Costa Rica pelo Brasil em 1992, a Constituição Nacional recepcionou a determinação de razoável duração do processo como direito fundamental.

71

enquadraria a propositura de argüição quando houvesse um processo que desobedecesse ao

prazo razoável de duração.

Neste sentido, propugna Carvalho181 (2005, p. 217-218) que em se tratando

a razoável duração do processo como direito fundamental garantido constitucionalmente,

[..] o ato comissivo ou omissivo do órgão jurisdicional ou do órgão administrativo que resultar violação à garantia constitucional de duração razoável do processo, judicial ou administrativo, poderá dar ensejo à propositura de argüição de descumprimento de preceito fundamental pelos legalmente habilitados (art. 2° da Lei 9.882/1999) perante o STF.

Desta forma, entende-se que é de responsabilidade do Judiciário a

fiscalização das partes no processo para que não excedam prazos e, por outro lado, deve

monitorar-se a si próprio para que não aja comissiva ou omissivamente na atividade

jurisdicional, de modo a ensejar a oportunidade de argüição de descumprimento de preceito

fundamental.

Diante do analisado até o presente momento, insta registrar,

derradeiramente, que muito se discute e se escreve acerca da razoabilidade temporal no

processo, todavia, pouco se definiu sobre os parâmetros objetivos de seu conceito, afinal,

conforme explicitado, trata-se de tema de extrema dificuldade de precisão exata e numérica,

vez que o tempo é entendido, visto e tratado de maneiras diferentes caso a caso, dependendo

de inúmeros fatores para que se possa classificar um processo como moroso ou não.

Assim, a doutrina enfrenta colossais dificuldades no estabelecimento de

parâmetros exatos para a definição de duração razoável de um processo. Entretanto, não

obstante as dificuldades reconhecidamente existentes, hodiernamente considera-se que se trata

de um conceito subjetivo, devendo ser analisado à luz dos demais direitos e garantias

fundamentais e, especialmente, estudado o caso concreto apresentado. Sobre as dificuldades e

imprecisão do conceito pretendido, Bezerra182 (2005, p. 470) escreve que

O que se pode dizer é que razoável é o tempo suficiente para a completa instrução processual e adequada decisão do litígio e, ao mesmo tempo, hábil para prevenir danos derivados da morosidade da justiça e para assegurar a eficácia da decisão. Em outras palavras, o processo julgado de forma célere, mas que prescinda de prova necessária à sua adequada instrução, terá duração tão desarrazoada quanto aquele

181 CARVALHO, op. cit., p. 217-218. 182 BEZERRA, Márcia Fernandes. O direito à razoável duração do processo e a responsabilidade do Estado pela demora na outorga da prestação jurisdicional, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

72

que, embora tendo solução acertada, gera danos às partes e comprometa a eficácia da decisão. (sic)

Na análise de Carvalho183 (2005, p. 218), “Por ser um conceito jurídico

indeterminado ou aberto, e de caráter dinâmico o prazo razoável requer um processo

intelectivo individual de acordo com a natureza de cada caso”, complementando o transcrito

no parágrafo anterior, ou seja, que a razoável duração do processo deve ser considerada como

o intervalo temporal necessário e suficiente para que seja possível a finalização da instrução

processual, sem ferimento a outros direitos constitucionalmente previstos, devendo ser

analisado qual quantidade de tempo é preciso dispender em cada caso concreto.

Palharini Júnior184 (2005, p. 782) propugna que para aferição de tempo

razoável de duração de um processo, faz-se imperioso que a partes observem os prazos

estipulados pela lei, que o magistrado aja com pontualidade no cumprimento de suas

obrigações oficiais, mas que, sobretudo, exista sensatez dos sujeitos processuais em não

utilizar os institutos do ordenamento jurídico para procrastinar o andamento da demanda.

Defendendo o exposto, escreve o autor que

[...] o processo que encerra em prazo razoável é aquele que as partes tenham observado os prazos estipulados para a prática dos atos processuais e, ao mesmo tempo, aquele cujo órgão jurisdicional, por seus representantes, não tenha sido inerte na direção das etapas do processo que lhe incumbia impulsionar. Esta “regra”, mais do que parâmetros estatísticos, é dependente, para sua justa aferição, de considerável dose de bom sendo.

Por conseguinte, como transcrito nas palavras de Lopes Júnior e Badaró 185

(2006, p. 44) “[...] o processo no prazo razoável não é o processo em sua celeridade máxima.

Para se respeitar o direito a um processo no prazo razoável, a busca da celeridade não pode

violar outras garantias processuais como a ampla defesa e o direito a defesa possuir o tempo

necessário para seu exercício adequado”, entendendo-se que a razoabilidade deve ser vista

como “garantia da jurisdição para o indivíduo”, tratando-se de “uma garantia do indivíduo

183 CARVALHO, Fabiano. EC n. 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 184 PALHARINI JÚNIOR, Sidney. LVII – Celeridade processual – garantia constitucional pré-existente à EC n. 45 – alcance da “nova” norma (art. 5.°, LXXVIII, da CF), in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 185 LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. 1. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006.

73

dentro do sistema jurídico” (LOPES JÚNIOR E BADARÓ, 2006, p. 45) 186, não se podendo

empreender celeridade máxima ao processo penal em detrimento dos demais direitos e

garantias assegurados ao acusado pela Constituição Federal.

Nesta perspectiva, conclui-se que a publicação da Emenda Constitucional

n.°45 de 2004 foi de significativa importância para o ordenamento jurídico, mas que, para sua

aplicabilidade real, faz-se necessário o respeito absoluto aos demais direitos fundamentais do

jurisdicionado, garantidos pela Constituição Federal, bem como se proceder à verdadeira

reestruturação da administração da justiça brasileira.

Passa-se, portanto, ao estudo dos direitos fundamentais constitucionalmente

assegurados que podem vir a sofrer violações quando se transgride a razoabilidade de duração

de um processo.

186 LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. 1. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006.

3 O TEMPO, OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS E

AS SOLUÇÕES ADOTADAS

“[...] o direito processual oscila entre a necessidade de decisão rápida e a segurança na defesa do direito dos litigantes”. (TUCCI, 1997, p. 38)187

Desde o momento que o Estado avoca para si a responsabilidade de

administrar a justiça, é sua obrigação oferecer uma prestação jurisdicional eficiente. Para

tanto, necessitou criar um instrumento hábil e capaz de atingir este fim, surgindo o processo, o

qual deve ser entendido, nas palavras de Almeida e Cruz188 (1996, p. 164) como o “veículo

que conduz o profissional do Direito ao seu objetivo, que é a justa solução do litígio”.

Para que atinja esta finalidade, o processo compõe-se de diversos atos

encadeados, sendo que a realização do posterior depende do fiel cumprimento do anterior.

Neste sentido, ensina Carvalho189 (2005, p. 218) que “o processo é o conjunto de sucessão de

atos que documentam a atividade jurisdicional”, sendo certo que para seu deslinde, faz-se

imperiosa a incidência do tempo, afinal, os atos processuais são ligados por uma relação

causal, demandando do elemento temporal para serem realizados, pois ocorrem

gradativamente, e não concomitante ou instantaneamente.

Como disposto nos capítulos anteriores, para que o processo realmente

atenda às suas finalidades, faz-se necessário que a prestação da tutela jurisdicional se dê em

tempo razoável sem deixar de respeitar aos outros direitos e garantias fundamentais dispostos

pela Constituição da República, afinal a Emenda Constitucional n.° 45/2004, elevou o direito

do jurisdicionado a ter uma prestação jurisdicional sem prolações indevidas à categoria de

direito fundamental, o que implica em assistir-se o julgamento de um ´processo em tempo

razoável, respeitando, concomitantemente, os demais direitos e garantias fundamentais do

cidadão dispostos no artigo 5° da Carta Magna. 187 TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo: uma análise empírica do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997 188 ALMEIDA, André Vinícius E. S. e; CRUZ, Rogério Schietti M. Celeridade-qualidade: um binômio possível, in Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Brasília, v. 01, n° 8, p 163-171, jul/dez, 1996. 189 CARVALHO, Fabiano. EC n. 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

75

Neste passo, os sujeitos responsáveis pela manipulação do direito no

processo, devem observar que nem sempre um processo sem dilações indevidas revela-se um

processo célere, além de que nem sempre um resultado rápido é sinônimo de um resultado

seguro e efetivo, pois, por vezes, quando existe somente a preocupação em atender à

celeridade processual, pode-se olvidar em manter o respeito a outros direitos fundamentais.

Neste sentido ensina Carvalho190 (2005, p. 221) que

A celeridade processual, conquanto sendo um valor que deve presidir a administração da justiça, não poderá, claramente, ser erigida a tal ponto que, em seu nome, vá sacrificar outros valores que, afinal, são componentes de direitos fundamentais, tais como os do acesso aos tribunais em condições de igualdade e de uma efetividade de defesa.

Postas as considerações iniciais, entende-se imperiosa a análise de alguns

dos direitos fundamentais do jurisdicionado face à nova determinação constitucional da

prestação célere da justiça – inserindo-se o inciso LXXVIII no artigo 5° da Constituição

Federal -, destacando-se que é direito do cidadão ter uma prestação jurisdicional em tempo

razoável, mas que em determinadas situações, os efeitos do processamento de atos com

demasiada rapidez, podem causar prejuízos irremediáveis às partes componentes do litígio.

Para tanto, parte-se da análise das características da garantia constitucional

do prazo razoável de duração do processo que, nas palavras de Carvalho191 (2005, p. 217),

podem ser resumidas da seguinte maneira:

[...] (i) universalidade, porquanto é destinada a todos que estão submetidos à jurisdição brasileira; trata-se, portanto, de um direito fundamental assegurado a todos, indistintamente; (ii) limitabilidade, os direitos fundamentais não são absolutos; isso quer dizer que a garantia da razoável duração do processo deve ser interpretada à luz do sistema e que duas garantias constitucionais podem chocar-se, como, v.g., celeridade e contraditório. Tal fenômeno é denominado conflito positivo, resolvido pelo princípio da proporcionalidade, também chamado de princípio absoluto; (iii) cumulatividade, vez que essa garantia pode, e não raras vezes, é cumulada com outras; finalmente, (iv) irrenunciabilidade, na medida em que os titulares da garantia constitucional não podem dela dispor.

Pela transcrição proposta, vislumbra-se, claramente, que, não somente o

princípio da celeridade processual apresenta estas características, mas sim toda a gama de

direitos assegurados pela Carta Maior, o que obriga ao aplicador do direito observar as

190 CARVALHO, Fabiano. EC n. 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 191 Ibid., p. 217.

76

peculiaridades de cada princípio processual, sob pena de o cumprimento de um ferir o

cumprimento de outro.

No mesmo sentido, manifesta-se Notariano Júnior192 (2005, p. 61), quando

propugna que “Na busca da celeridade na prestação jurisdicional a qualquer custo, o que se

pretende é um processo em que sejam respeitadas todas as garantias, porém sem dilações

indevidas”, pois, conforme preceitua Barros e Romão193 (2006, p. 118) “Justiça lenta, tardia,

não é justiça verdadeiramente eficaz, e tampouco atende ao clamor dos jurisdicionados.

Entretanto, o seu oposto, justiça rápida, veloz, também não garante, por si só, o melhor

julgamento ou a efetividade da Justiça. Entre esses extremos deve prevalecer o ponto de

equilíbrio ou da razoabilidade”, entendendo-se, desta forma, que jamais deverá imprimir-se

velocidade em excesso no cumprimento dos atos processuais, prestigiando a celeridade, em

detrimento aos demais direitos e princípios fundamentais garantidos constitucionalmente ao

cidadão acusado, pois se agindo desta maneira, haverá prejuízo igual a que se estivesse sendo

desrespeitado a duração razoável do processo.

Na perpétua e incansável busca pelo ponto de equilíbrio entre o desenrolar

de todos os atos processuais sem infringência de qualquer direito fundamental em nome da

celeridade processual, inúmeras reformas processuais já foram empreendidas (não somente no

Brasil, mas em diversos países do mundo, assunto este a ser abordado no tópico 3.2), mas,

infelizmente, nem sempre obtém êxito, pois, como descreve Porfírio194 (2003, p.118) “Em

processo penal, a idéia de celeridade tem se apresentado com dupla formulação. Na

horizontal, por meio de fórmulas negociadas da Justiça. Na vertical, encurtando-se o tempo de

duração, suprimindo-se fases processuais”.

Entende-se, assim, que no afã de proporcionar uma aceleração processual,

desafogando o volume de serviço do Poder Judiciário e, principalmente, atendendo à

determinação constitucional da prestação jurisdicional com qualidade e celeridade, suprime-se

fases processuais, o que, em processo penal, não se traduz como eficiência, e sim como

ferimento de direitos do acusado, como preceitua, acertadamente, Porfírio195 (2003, p. 117)

quando dispõe que

192 NOTARIANO JÚNIOR, Antônio de Pádua. Garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 193 BARROS, Marco Antônio de; ROMÃO, César Eduardo Lavoura. Internet e videoconferência no processo penal, in Revista CEJ, n. 32, p. 116-125, jan./mar. 2006. 194 PORFIRIO, Geórgia Bajer Fernandes de Freitas. Celeridade do processo, indisponibilidade da liberdade no processo penal e prescrição retroativa. In Revista Brasileira de Ciências Criminais, n° 45. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, ano 11, outubro-dezembro de 2003. 195 Ibid., p. 117.

77

Quase sempre a rapidez tem servido a apressar a condenação ao invés de assegurar em definitivo, no menor tempo possível, o estado de liberdade. Daí vem o paradoxo do direito à celeridade do processo: antecipam-se a condenação ou seus efeitos, suprimindo-se direitos e garantias do acusado. Vê-se que os meios utilizados para garantir a celeridade como direito do acusado suprimem direitos e garantias de defesa do próprio acusado. Perverte-se o próprio sentido de garantia processual. É preciso considerar, então, em que termos a celeridade deve ser compreendida no processo penal.

Partindo-se da necessidade proposta pelo autor, passa-se à analise da

celeridade processual, enquanto princípio constitucionalmente assegurado ao cidadão,

contraposto aos demais princípio processuais, os quais, igualmente, são expressos pela Carta

Magna e que, da mesma maneira, devem ser respeitados durante o deslinde processual.

3.1 Dos princípios constitucionais processuais: direitos e garantias do acusado no

processo penal

O principal objetivo dos princípios que servem de alicerce à estrutura dos

direitos fundamentais é servir como obstáculo às normas inferiores que vão de encontro ao

sistema constitucional de garantias processuais. O ordenamento jurídico de um Estado

Democrático de Direito somente pode ser concebido a partir de uma ordem axiológica de

princípios fundamentais, “[...] cuja função é o orientar o legislador na edição de leis

infraconstitucionais e os intérpretes na aplicação dessas leis, a fim de que toda ordem jurídica

tenha a formatação definida pelo sistema de princípios” (THUMS, 2006, p. 94)196.

Neste diapasão, antes de se proceder ao estudo de alguns dos princípios

constitucionais que são passíveis de ferimento pelo cumprimento do princípio da celeridade

de forma acriteriosa, faz-se imprescindível mencionar a conceituação de princípios.

Para tanto, recorre-se à Canotilho (2000, p. 1.215)197, que apregoa que

“Princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo

com as possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem

algo em termo de tudo ou nada; impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico,

tendo em conta a reserva do possível, fáctica ou jurídica”, compreendendo-se, portanto, que é

196 THUMS, Gilberto. Sistemas Processuais Penais: tempo, tecnologia, dromologia, garantismo. 1º ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006. 197 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000.

78

a partir dos princípios que o sistema jurídico pode ser direcionado “[...] no intuito de fazer

com que os operadores do Direito não se tornem meros reprodutores de concepções forjadas

pela dogmática conservadora, que sofre a influência dos mais variados matizes políticos e

ideológicos” (THUMS, 2006, p. 94)198, pois, como ensinado por Althusser199 (1998), as leis

assumem tarefa de aparelhos repressores de cada Estado, e, como tal, fundam-se na ideologia

particular de cada um deles.

Entende-se, portanto, que é de responsabilidade dos princípios nortearem

todo ordenamento jurídico, resguardando os direitos fundamentais dos cidadãos, tutelando-os

em relação aos avanços e investidas arbitrárias do Estado.

Como a temática principiológica é demasiadamente extensa, delimitar-se-á

o estudo neste trabalho, elegendo-se somente alguns dos princípios constitucionais inseridos

no art. 5º da Magna Carta como alvo de discussão, pois insta relembrar que apresentam

relevância para a presente dissertação, os princípios diretamente afetados pelo cumprimento

ou não de um dos princípios constitucionais: o da celeridade processual.

Neste diapasão, vale ressaltar que os princípios constitucionais não são

absolutos, visto que podem se chocar entre si, hipótese em que o exercício de um implicará na

invasão do âmbito de proteção de outro. É o que vem ocorrendo após a edição da Emenda

constitucional nº 45/2004, já que o legislador incluiu no rol dos direitos e garantias

fundamentais o princípio da celeridade, impresso no inciso LXXVIII do referido art. 5º, com a

seguinte redação: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável

duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, sendo que,

como disposto anteriormente, nem sempre é possível proceder-se ao cumprimento deste

inciso sem ferir outros princípios constitucionais.

Por meio do princípio da celeridade processual, a Carta Maior insere o

direito fundamental de que o cidadão brasileiro que acesse a justiça tenha a prestação do

serviço jurisdicional finalizado em intervalo de tempo razoável, pretendendo que o resultado

processual seja efetivo e, ao mesmo tempo, célere.

No entanto, nem sempre imprimir celeridade a um processo é o

procedimento mais vantajoso ao réu, existindo casos em que, se utilizada acriteriosamente,

prejudicará outros direitos do acusado, desrespeitando princípios processuais como o da

ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, entre outros. 198 THUMS, Gilberto. Sistemas Processuais Penais: tempo, tecnologia, dromologia, garantismo. 1º ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006. 199 ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado. Introdução crítica de J. A. Guilhon Albuquerque. 7. ed. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1998.

79

Em verdade, quando as situações cotidianas da vida do cidadão o levam a

recorrer às leis penais e processuais penais, percebe-se que a intervenção estatal em sua vida

privada é excessivamente severa, pois uma pessoa acusada do cometimento de um delito, tem,

além de sua liberdade cerceada, uma série de outros direitos fundamentais afetados, tais como

sua privacidade e intimidade - em razão do princípio da publicidade dos atos processuais -, e,

primeira e especialmente, sua dignidade enquanto pessoa.

Neste sentido manifesta-se Lopes Júnior200 (2005, p. 95) quando dispõe que

“É inegável que a submissão ao processo penal autoriza a ingerência estatal sobre toda uma

série de direitos fundamentais, para além da liberdade de locomoção, pois autoriza restrições

sobre a livre disposição de bens, a privacidade das comunicações, a inviolabilidade do

domicílio, e a própria dignidade do réu”.

Nesta perspectiva, percebe-se que não há como se falar em princípios

constitucionais sem abordar o cerne de todos eles, a partir do qual os demais derivam e restam

garantidos: o princípio da dignidade da pessoa humana, no qual o ordenamento jurídico

reconhece o homem como o centro e o fim do direito.

O princípio da dignidade da pessoa humana é decorrente da evolução da

sociedade. Após longo período de escravidão, em diferentes momentos da história das

civilizações humanas, que implicava na privação de liberdade do indivíduo, coube ao

pensamento cristão fundado na fraternidade, provocar a mudança de mentalidade em direção à

igualdade dos seres humanos. Esta inclinação acabou por ser reforçada por séculos de

aplicação pública de penas de suplício e, mais recentemente, pelas barbáries praticadas pelos

fascistas italianos e, principalmente, alemães, durante a Segunda Guerra Mundial.

Neste contexto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamou,

em 1948, que a pessoa humana era sujeito de direitos na ordem internacional. A partir de

então, não há como se conceber um Estado Democrático de Direito que desrespeite o

princípio da dignidade da pessoa humana.

Para Canotilho (2000, p. 225)201, este princípio é definido como

[...] o princípio atrópico que acolhe a idéia pré-moderna e moderna da dignitas-hominis, ou seja, do indivíduo conformador de si próprio e da sua vida segundo o seu próprio projecto espiritual. (...) sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República. Neste sentido, a República é uma

200 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005. 201 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000.

80

organização política que serve o homem, não é o homem que serve os aparelhos político-organizatórios.

Assim, ao se proclamar que o homem não se confunde com o Estado e que o

homem existe antes do Estado, reconhece-se um valor distinto da pessoa humana, como

possuidor de direitos específicos, indisponíveis e inalienáveis.

No mesmo sentido, Thums (2006, p. 101)202 relembra os ensinamentos de

Kant, registrando que, “[...] no reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando

uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra coisa como equivalente;

mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então

ela tem dignidade”, restando, assim, que ao ser humano não há como se atribuir um preço,

pois sua existência está absolutamente acima da cominação de qualquer importância

monetária, entendendo-se, desta forma, que ele tem dignidade.

Entende-se que a dignidade, a partir desta perspectiva, é decorrente da

natureza, e não da posição social que o homem ocupa, afinal, ele (o homem) é a base de toda

estrutura social. Resta, então, que quanto mais evoluída é uma sociedade, maior é (ou deverá

ser) o respeito à dignidade da pessoa humana e, conseqüentemente, menos autoritário traduz-

se o sistema processual. Tal assertiva é corroborada pelos ensinamentos de Thums (2006, p.

104)203, que propugna que ainda que a dignidade humana não seja reconhecida pelo Direito, a

ordem jurídica deve exercer importante papel na proteção e promoção dessa condição.

Pode-se considerar, portanto, que a dignidade da pessoa humana é a matriz

dos direitos fundamentais, tratando-se da fonte ética que confere unidade de sentido ao

sistema de direitos fundamentais, e por fim, é o valor básico fundamentador dos direitos

humanos.

Nesta senda, insta registrar que o princípio da dignidade da pessoa humana,

ao lado do princípio da celeridade processual, faz parte da formação do rol dos direitos

fundamentais do homem, elencados pelo artigo 5° da Constituição Federal e, na qualidade de

cláusula pétrea do Documento Maior, devem ser respeitados em patamar de igualdade, haja

vista a inexistência de hierarquia principiológica.

Todavia, quando um processo criminal deixa de ser concluído dentro de um

prazo razoável, expondo o réu a um ritual processual demasiadamente longo, cansativo e

estafante, fere, em todos os sentidos sua dignidade enquanto ser humano, vez que protrai no

202 THUMS, Gilberto. Sistemas Processuais Penais: tempo, tecnologia, dromologia, garantismo. 1º ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006. 203 Ibid., p. 104.

81

tempo a estigmatização e empobrecimento social do acusado e de seus familiares, quando, na

verdade, é direito garantido constitucionalmente que a resposta do Poder Judiciário seja-lhe

oferecida em tempo razoável. Assim, correto é afirmar que para a manutenção do direito à

dignidade humana, há de se observar a prestação jurisdicional em tempo razoável, sob pena

de ferimento do princípio da dignidade da pessoa humana, os termos propostos.

Partindo-se do mesmo viés analítico, deve-se considerar que a celeridade,

imprimida com a segurança jurídica, não somente beneficia a administração da justiça, como

deve ser vista como requisito indispensável à realização da mesma, pois, como disposto em

outras oportunidades, a resposta jurisdicional tardia não equivale à justiça, mas sim à

injustiça. Passa-se, assim, a análise do princípio do acesso à justiça, que se encontra

disciplinado na Carta Magna de 1988, em seu art. 5º, inciso LXXIV, o qual garante que o

Estado prestará assistência jurídica integral aos comprovadamente necessitados, bem como,

de uma forma generalizada, encontra-se em outros incisos do artigo, quando a lei garante a

todo cidadão meios jurídicos de pleitear, perante os tribunais, o cumprimento de seus direitos

por meio do habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, mandado de injunção.

O direito ao acesso à justiça, como ensinam Cappelletti e Garth (2002, p.

12-13)204, pressupõe um dos mais relevantes princípios norteadores de um ordenamento

jurídico, pois num Estado onde se busca a igualdade entre os cidadãos, deve-se oferecer a

oportunidade de todos (com a igualdade pretendida), lutarem pela preservação dos seus

direitos. Neste sentido, escrevem que

O acesso à Justiça, pode [...] ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos. [...] o “acesso” não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica.

A garantia do acesso à justiça, conforme leciona Tucci (1993, p. 95)205, “[...]

é conferida aos membros da comunidade sob duas diferenciadas formas: uma referente ao

custo do procedimento econômico (acessibilidade econômica), e outra à atuação, no seu

interesse de pessoa profissional e legalmente habilitada (acessibilidade técnica)”, pois é

204 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução e revisão: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor: 1988/Reeditado 2002. 205 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. São Paulo: Ed. Saraiva, 1993.

82

sabido que somente os advogados têm capacidade postulatória, salvo em raras exceções,

como, por exemplo, a impetração do habeas corpus.

No entanto, o acesso à justiça não pode ser resumido ao simples conceito

formal de garantir a todos os cidadãos o amplo acesso ao Poder Judiciário, tratando-se de

conceituação muito mais abrangente do que isto. Por acesso à justiça deve-se entender o

direito oferecido e garantido pelo Estado ao cidadão de que, quando tiver lesionamento de

outro direito qualquer, o Estado garantirá a tutela do direito ofendido, oferecendo a

oportunidade de ingresso de demanda perante o Judiciário, sem que haja a imposição de

barreiras econômicas ou postulatórias.

Desta forma, entende-se que o Estado deve assegurar a todos os cidadãos a

prática do justo, como garantia de proteção material do direito de acesso à justiça,

independente a qual classe social que pertençam, mas que possam os cidadãos ofendidos em

seus direitos, buscar, livre de restrições, a prestação do serviço jurisdicional. O acesso à

justiça não deve se limitar a possibilitar simplesmente o acesso aos tribunais, deve ir além

desta função, devendo principalmente viabilizar o acesso à ordem jurídica justa, o que

implica, necessariamente, numa prestação jurisdicional em tempo razoável, sob pena de

tornar-se injusta, como ensina Thums206 (2006).

Nesse contexto, faz-se imperioso assegurar aos indivíduos o mínimo de

direitos e garantias formalmente previstos, incluindo-se neste rol de direitos e garantias, a

celeridade na outorga da prestação jurisdicional. Desta forma, entende-se que não há como se

falar em garantia de acesso à justiça sem que haja a devida contraprestação jurisdicional

célere, capaz de oferecer ao cidadão a satisfação de seus direitos em tempo razoável, pois de

nada adiantaria o Estado garantir o amplo acesso ao Judiciário se este acesso não for efetivo,

ou seja, que proporcione ao jurisdicionado a satisfação da lide proposta em tempo razoável.

No mesmo sentido, escreve Carvalho207 (2005, p. 216-217) relembrando a

decisão do Tribunal Constitucional de Portugal, o qual asseverou que,

para além do direito de acção, que se materializava através do processo, compreendem-se no direito de acesso aos tribunais, nomeadamente: a) o direito a prazos razoáveis de acção ou de recurso; b) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas; c) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade no caso daqueles direitos cujo exercício poder ser

206 THUMS, Gilberto. Sistemas Processuais Penais: tempo, tecnologia, dromologia, garantismo. 1º ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006. 207 CARVALHO, Fabiano. EC n. 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

83

aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas; d) o direito a um processo de execução, ou seja, o direito a que, através do órgão jurisdicional se desenvolve e efective toda a actividade dirigida à execução da sentença proferida pelo tribunal. O Tribunal Constitucional tem caracterizado o direito ao acesso aos tribunais como sendo, entre o mais, um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um concreto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras. (Tribunal Constitucional de Portugal, rel. Monteiro Diniz, j. 20.11.1996). (destacou-se)

Nesta perspectiva, conclui o autor que “A prestação da tutela jurisdicional

em tempo razoável garante o efetivo acesso à justiça, porquanto o direito à prestação

jurisdicional dentro de um tempo aceitável é uma exigência da tutela jurisdicional efetiva”

(CARVALHO, 2005, p. 216)208, afinal, como anteriormente sustentado, de nada adiantaria o

Estado preocupar-se em garantir o acesso ao Judiciário se não provesse os meios suficientes

para que este acesso seja satisfatório, pois a demora das decisões judiciais traz um risco às

partes, acarretando muitas vezes danos irreparáveis aos litigantes. Embora a Constituição

garanta o acesso à justiça, a morosidade do judiciário acaba por negar este direito à

população.

Insta salientar que o problema do acesso à justiça no Brasil não está no

início da trajetória que busca a solução de conflitos, já que o ingresso perante o Poder

Judiciário pode ocorrer por meio de advogado constituído e remunerado privativamente, ou,

por outro turno, por procurador patrocinado (financeiramente) pelo Poder Público, sendo certo

que ao término da trajetória processual, independentemente do procurador que a parte

“utilizou” para acessar o Judiciário, poucas são as oportunidades em que se consegue concluir

o processo em um prazo razoável.

Em regra, a prestação jurisdicional é lenta; sendo lenta, traduz-se em

insuficiência; sendo insuficiente, resulta em ineficácia das decisões perante as partes

integrantes e, por vezes, perante a sociedade (especialmente quando se trata de lide processual

penal). A lerdeza crônica que assola os mecanismos de concessão da tutela jurídica é a mais

sagaz negação da própria justiça, como exposto no capítulo anterior.

Outro princípio constitucional aplicado à sistemática processual penal é o

próprio direito ao processo ou garantia do devido processo legal, o qual, de acordo com a

208 CARVALHO, Fabiano. EC n. 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

84

orientação de Souza Netto209 (2006, p. 114) fulcra-se na Declaração Universal dos direitos do

Homem, formulada pela Organização das Nações Unidas (ONU), que em seu artigo 8º assim

o consagrou: “Toda pessoa tem recurso perante os tribunais nacionais competentes, que a

ampare contra atos que violem os seus direitos fundamentais, reconhecidos pela Constituição

ou pela lei”. Posteriormente, a orientação fora encampada pela Convenção Européia dos

Direitos Humanos, a qual estabeleceu em seu artigo 5.1 o direito da pessoa inocente não ser

condenada.

Entretanto, a origem do esboço da atual garantia do devido processo legal

remonta à cláusula law of the land, encontrada na Carta Magna de 1215, do alcunhado rei

João Sem-Terra, que evidenciou pela primeira vez que o princípio seria um direito a um

julgamento legal pelo costume da terra, a fim de limitar as ações reais no campo material.

Noutra oportunidade, tal garantia fora incorporada à 5ª Emenda

Constitucional Americana, passando a ter uma concepção focada na regularidade do processo

penal com o objetivo de contrabalançar o direito punitivo do Estado frente aos direitos

individuais de liberdade.

Hodiernamente está inserido no rol de direitos e garantias fundamentais da

Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LIV, que afirma enfaticamente que

“ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

É de cediço saber que a prestação jurisdicional é um dever do Estado, pois

ele, quando extinguiu a autotutela, trouxe para si a tarefa de administrar a justiça. Entretanto,

para desenvolver este trabalho sem agir arbitrariamente, autolimitou-se, impondo, a si mesmo,

regras para o trâmite processual, concluindo-se, então, que a atividade jurisdicional somente

pode ser prestada de forma válida quando amparada pelo devido processo legal.

Neste sentido, apregoa Barros (2002, p. 34)210 quando propõe que o Estado

deve garantir ao jurisdicionado um conjunto de situações que salvaguardem seus direitos

perante seus concidadãos, mas direitos também que os assegurem segurança perante

arbitrariedades estatais dentro do processo. Considera que

O conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, de outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição. Garantias que não servem apenas aos interesses das partes, como direitos públicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais) destas, mas que configuram, antes de mais nada, a salvaguarda de próprio processo, objetivamente considerado, como fator legitimante do exercício da jurisdição.

209 SOUZA NETTO, José Laurindo de. Processo Penal: sistemas e princípios. Curitiba: Ed. Juruá, 2006. 210 BARROS, Antonio Milton de. Processo Penal segundo o Modelo Acusatório – os limites da atividade instrutória judicial. Leme-SP: LED Editora de Direito: 2002.

85

Entende-se, desta forma, que não basta ao Estado editar leis. É também

necessário que crie mecanismos de aplicação dessas leis ao caso concreto. Para tanto, utiliza-

se o processo, traduzindo-se como instrumento por meio do qual o Estado presta o serviço

jurisdicional. Como ensina Thums211 (2006, p. 139), o processo deve ser visto, ao mesmo

tempo, como um instrumento de garantia e proteção de direitos do acusado.

Manifestando-se sobre a temática do devido processo legal, Canotilho

(2000, p. 481)212 assevera que o princípio

[...] significa a obrigatoriedade da observância de um tipo de processo legalmente previsto antes de alguém ser privado da vida, da liberdade e da propriedade. Nestes termos, o processo devido é o processo previsto na lei para a aplicação de penas privativas da vida, da liberdade e da propriedade. Dito ainda por outras palavras: due process equivale ao processo justo definido por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicação de sanções criminais particularmente graves.

Partilhando do entendimento proposto, Tucci (1993, p. 28-69)213 acrescenta

que além da observância do devido processo legal, o aplicador do direito não pode jamais

olvidar em realizar a cadeia de atos processuais dentro de um “prazo razoável”. O autor

afirma que para que exista “[...] a consecução dos direitos denominados fundamentais,

mediante a efetivação do direito ao processo, materializado num procedimento regularmente

desenvolvido, com a concretização de todos os seus respectivos componentes e corolários

[...]” é imprescindível que o processo finalize-se dento de um prazo razoável, sob pena de

ferimento do princípio do devido processo legal.

Por derradeiro, insta reforçar o entendimento de que, como corolário do

devido processo legal, expressamente assegurado ao membro da comunhão social por norma

de aplicação imediata, está o direito ao processo sem dilações indevidas, que está intimamente

ligado ao devido processo legal, conforme explica Thums (2006, p. 148)214, quando dispõe

acertadamente que

O devido processo legal, como instrumento do qual se serve a jurisdição para realizar sua atividade constitucional de julgar um fato e aplicar a lei penal, exige que tal proceder deva ocorrer dentro de um prazo razoável, a fim de que o acusado não seja mantido sub judice como forma de punição. Por

211 THUMS, Gilberto. Sistemas Processuais Penais: tempo, tecnologia, dromologia, garantismo. 1º ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006. 212 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000. 213 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. São Paulo: Ed. Saraiva, 1993. 214 THUMS, op. cit. P. 148.

86

outro lado, também não permite a utilização de procedimentos sumários, que restringem o campo de defesa do acusado. (destcou-se)

Demonstra o entendimento transcrito que o direito a uma prestação

jurisdicional em tempo razoável é direito inequívoco do acusado, mas que, por outro lado, não

deve ser motivo suficiente para cercear os meios de defesa ou prejudicar o réu, pois é sabido

que para que a decisão judicial seja justa e respeitadora dos demais direitos do acusado, o

processo cognitivo deve ser exauriente, o que por sua vez demanda tempo. A eficácia do

princípio da celeridade não pode suprimir garantias conquistadas ao longo dos séculos através

lutas árduas pela proteção de direitos fundamentais, até a humanidade atingir o Estado

Democrático de Direito, como ensinado por Lopes Júnior215 (2005).

Ainda sob a égide do princípio do devido processo legal preleciona

Thums216 (2006, p. 141), quando ensina que “[...] não há espaço para soluções simplistas ou

processos sumários sem que se observem as garantias processuais fundamentais. O processo

deve ser efetivo no sentido de assegurar os direitos fundamentais do acusado”, assertiva esta

corroborada com o pensamento de Canotilho217 (2000), que considera que a aceleração

processual, de fato, gera um resultado final mais rápido, todavia, nem sempre justo, pois pode

atropelar garantias que deveriam ser observadas, como a do devido processo legal.

Conclui-se, portanto, que “[...] a garantia do devido processo legal e a

garantia da razoável duração do processo não podem ser examinadas como forças opostas,

mas sim fenômenos que se interagem dentro do processo”. (CARVALHO, 2005, p. 221)218,

pois, conforme preceitua Canotilho (2000, p. 487)219,

[...] a exigência de um processo sem dilações indevidas, ou seja, de uma protecção judicial em tempo adequado, não significa necessariamente justiça acelerada. A aceleração da protecção jurídica que se traduza em diminuição de garantias processuais e materiais (prazos de recurso, supressão de instâncias excessiva) pode conduzir a uma justiça pronta mas materialmente injusta. Noutros casos, a existência de processos céleres, expeditos e eficazes – de especial importância no âmbito do direito penal mas extensiva a outros domínios -, é condição indispensável de uma proteção jurídica adequada. (destacou-se)

215 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005. 216 THUMS, Gilberto. Sistemas Processuais Penais: tempo, tecnologia, dromologia, garantismo. 1º ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006. 217 CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2000. 218 CARVALHO, Fabiano. EC n. 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 219 CANOTILHO, op. cit., p. 487.

87

Da mesma maneira pode-se estudar os princípios do contraditório e da

ampla defesa, ambos previstos pela Constituição Federal de 1988 em um único dispositivo,

qual seja o artigo 5º, inciso LV, havendo, todavia, uma diferença entre eles, conforme analisa

Barros (2002, p. 44)220. Para ele, o princípio do contraditório

[...] consiste na regra segundo a qual, sendo formulado o pedido ou aposto um argumento a ser culpada certa pessoa, deve-se dar a esta a oportunidade de se pronunciar; isso significa que em todos os atos processuais às partes deve ser assegurado o direito de participar, em igualdade de condições, para que se produza a verdade processual com equilíbrio e não unilateralmente.

Corrobora a afirmação proposta o entendimento de Tucci (1993, p. 211) de

que “O contraditório deve ser efetivo, real, em todo o desenrolar da persecução penal, a fim

de que perquerida à exaustão, a verdade material, reste devidamente assegurada a liberdade

jurídica do indivíduo enredado na persecutio criminis”.

Noutro ponto, destaca-se o conceito de ampla defesa, tratando-se, ao olhar

criterioso de Souza Netto (2006, p. 122)221, de conceituação mais ampla pois “[...]

compreende a faculdade de o acusado intervir no processo, depois de citado, para levar a cabo

todas as atividades necessárias para esvaziar a resposta penal ou atenuar a conseqüência

jurídico-penal”.

A análise do autor é também compartilhada por outros, como observa Tucci

(1993, p. 206)222, que dispõe que

A concepção moderna da ampla defesa, reclama, induvidosamente, para sua verificação, seja qual for o objeto do processo, a conjugação de três realidades procedimentais, a saber: a) O direito de informação (nemo inauditus damnari potest); b) A bilateralidade da audiência (contrariedade); e c) O direito à prova legitimamente obtida ou produzida (comprovação da inculpabilidade).

Em análise aos conceitos propostos, não se pode perder de vista que

ambos, juntamente com o direito à prestação jurisdicional em tempo razoável, fazem parte do

conjunto de direitos e garantias do acusado dentro do processo penal, bem como componentes

da gama principiológica norteadora do processo brasileiro.

220 BARROS, Antonio Milton de. Processo Penal segundo o Modelo Acusatório – os limites da atividade instrutória judicial. Leme-SP: LED Editora de Direito: 2002. 221 SOUZA NETTO, José Laurindo de. Processo Penal: sistemas e princípios. Curitiba: Ed. Juruá, 2006. 222 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. São Paulo: Ed. Saraiva, 1993.

88

E assim sendo, mais uma vez frisa-se que a celeridade imprimida em um

processo, jamais poderá ferir o direito do acusado em contradizer amplamente, por todos os

meios de provas admitidos em Direito, as acusações a ele perpetradas no caderno processual.

Neste norte, demonstrando que, por vezes, prestigia-se demasiadamente a

celeridade, gerando franco desrespeito aos demais direitos do acusado, manifesta-se

Porfírio223 (2003, p. 124), apregoando que no direito brasileiro, buscando-se atingir a

celeridade na prestação jurisdicional, instalaram-se alguns mecanismos de abreviação que não

apresentam amparo legal, desrespeitando-se o devido processo legal e a ampla defesa.

Descreve, a autora, os seguintes mecanismos:

A defesa por escrito, do art. 514, CPP, é considerada despicienda. O Ministério Público desiste de testemunhas , quando considera existir matéria probatória suficiente para a condenação e o juiz homologa. Os defensores dativos são chamados a desistir de testemunhas, porque considerados inócuos seus testemunhos para a solução da causa. Também se abreviam ou se ignoram os prazos de diligências, adiantando-se as alegações finais. É ainda freqüente a recusa do defensor dativo de recorrer da sentença condenatória de modo a receber seus honorários em tempo curto. Provas requeridas pela defesa lhe são negadas, impedindo-se a busca da verdade importante para a afirmação da inocência. Consideram-se, ainda, sanadas as nulidades não argüidas oportunamente, esquecendo-se que o momento pra argüi-las é justamente o deixado às alegações finais. Advogados são obrigados, em processos com acusados diversos, a consultar mais de nove volumes no balcão e ali preparar suas alegações finais, sob o amparo legal, é verdade, mas sem que haja tempo e possibilidade de defesa efetiva. O procedimento é modificado e encurtado a critério do magistrado, sob pressão do Ministério Público. Note-se, ainda, que o excesso de prazo na instrução, provocado por atos da defesa, não é considerado por nossos tribunais como causa de constrangimento ilegal. Tudo isso acontece em nome da celeridade. Todos esses mecanismos de abreviação processual têm em comum a supressão ou mitigação da defesa no procedimento.

Considera a autora que a defesa no processo penal tem sido vista como ato

dilatório e não como “[..] mecanismo integrado à ação judiciária” (PORFÍRIO, 2003, p. 124)

224, o que, por óbvio, trata-se de uma visão absolutamente distorcida do propósito verdadeiro

dos princípios em pauta.

A busca pela celeridade a qualquer preço, por vezes, pode acabar por

sumarizar o procedimento, privando a parte do tempo necessário para a formulação de teses, e

alguns casos limitando a produção de provas. Isto se deve ao fato de que a ampla

argumentação, embora esteja limitada pela preclusão e não possa ir além do tempo do

223 PORFIRIO, Geórgia Bajer Fernandes de Freitas. Celeridade do processo, indisponibilidade da liberdade no processo penal e prescrição retroativa. In Revista Brasileira de Ciências Criminais, n° 45. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, ano 11, outubro-dezembro de 2003. 224 PORFIRIO, loc. cit.

89

processo, também não pode ser mínima a ponto de privar a parte do tempo mínimo concedido

para sua formulação, gerando um processo nulo.

Neste passo, a ampla defesa deve ser vista principalmente como a garantia

irrestrita de produção de provas dentro de um lapso temporal devidamente

procedimentalizado, que assegure tanto ao autor quanto ao réu a simétrica paridade e o

próprio contraditório.

Para que todo o exposto ocorra de forma harmoniosa, ao se aplicar o

princípio da celeridade, respeitando o deslinde processual dentro de um tempo razoável de

duração do processo, deve-se observar o princípio da proporcionalidade/razoabilidade, com o

intuito de assegurar que o processo não se estenda além do prazo razoável, nem tampouco

venha comprometer a plena defesa e o contraditório.

O princípio da proporcionalidade/razoabilidade surgiu no Direito

Administrativo e posteriormente alastrou-se a todo o Direito Público, inclusive ao Direito

Penal. De acordo com os ensinamentos de Souza Netto225 (2006, p. 62-63), deriva do latim

proportionalis, de proportio (proporção, correspondência, relação), de onde se depreende que

“[...] o que se mostra de uma relação de igualdade ou de semelhança entre várias coisas. É o

que está em proporção, isto é, apresenta a disposição ou a correspondência devida entre as

partes e o seu todo”.

Na mesma esteira de conhecimento, Lopes Júnior226 (2005, p. 240)

assevera que “O princípio da proporcionalidade tem como ponto nevrálgico a ponderação dos

interesses em conflito e realiza uma importante missão na regulamentação e aplicação das

medidas limitativas de direitos fundamentais”, o que revela que, para saber-se se o tempo

empregado para o deslinde de determinado processo foi razoável ou não, deve-se analisar o

caso concreto, ou seja, como concluído anteriormente, não existem fórmulas objetivas para

medir o que é um tempo razoável dentro do processo penal.

O princípio da proporcionalidade é uma construção do pensamento

jurídico, inerente ao Estado Democrático de Direito que exige de si mesmo o exercício

moderado de seu poder e, como expõe Souza Netto227 (2006, p. 65), torna-se um princípio

constitucional com expressão geral da liberdade frente ao Estado, “[...] pois atua como meio

de proteção do status civitatis, estabelecendo limites à intervenção estatal, somente justificada

quando não ultrapassa o estritamente necessário à consecução do fim pretendido”. 225 SOUZA NETTO, José Laurindo de. Processo Penal: sistemas e princípios. Curitiba: Ed. Juruá, 2006. 226 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005. 227 SOUZA NETTO, op. cit., p. 65.

90

No processo penal, o princípio da proporcionalidade/razoabilidade adquire

relevância quando a aplicação de determinados meios processuais podem vir a limitar os

direitos fundamentais, pois, conforme o entendimento de Lopes Júnior (2005, p. 241)228 , “[...]

as normas que dispõem sobre os direitos fundamentais têm caráter principiológico [...]”,

devendo o legislador ordinário limitar o alcance das leis por ele formuladas, de modo a não

ferir qualquer outro princípio que engendre outro direito fundamental.

Desta forma, resta esclarecer que entre princípios não existe hierarquia

preestabelecida. Assim, na hipótese de existir conflito principiológico (entre o princípio da

celeridade ou o direito fundamental de ter uma prestação jurisdicional em tempo razoável e

outro princípio constitucional ou direito fundamental), caberá ao órgão jurisdicional sopesar

os bens e interesses conflitantes para determinar a aplicação de um ou outro princípio ou

direito fundamental e, via conseqüência, limitar a proteção do princípio ou direito

fundamental sacrificado.

Assim, para que o acusado não sofra além do necessário a ponto de perder

a sua dignidade no desenrolar do processo penal, mas também possa dispor das garantias

constitucionais previstas no devido processo legal, no contraditório e na ampla defesa, o

judiciário deve aplicar o princípio da celeridade observando os ditames e contornos jurídicos

do princípio da proporcionalidade/razoabilidade, buscando a solução dos conflitos de modo a

oferecer à sociedade, em tempo razoável, uma prestação jurisdicional eficaz.

3.2 Posturas apontadas e adotadas com o escopo de dirimir a problemática da

morosidade processual sem ferimento aos direitos fundamentais

Como anteriormente exposto, o grande desafio dos sistemas processuais

contemporâneos consiste em harmonizar uma prestação jurisdicional em tempo razoável com

o respeito devido aos direitos fundamentais do cidadão, conciliando às duas exigências, a

celeridade processual, como forma de garantir uma resposta judiciária que atenda às

finalidades a que se dispõe.

Constatou-se também, diante do propugnado nos tópicos anteriores, que a

angústia que permeia a sociedade quando se trata da questão morosidade processual, é assunto

antigo e globalizado, pois mesmo os países considerados avançados economicamente, passam

228 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005.

91

pelo problema e buscam soluções, as quais são apresentadas na medida de suas limitações e

realidades diferentes.

Por vezes, em análise mais acurada, constata-se que inúmeras das saídas

apontadas pela legislação ou doutrina, tratam-se de soluções paliativas. Entretanto, cabe

ressaltar que, mesmo paliativas, são uma tentativa de dirimir esta problemática que há tempos

embargam o regular andamento da administração da justiça mundial.

Assim, passa-se a elencar algumas sugestões e medidas adotadas por

diferentes países, na busca de solucionar a problemática. Insta esclarecer que a tarefa de

resolver os atrasos causados pela má administração da justiça está longe de ser alcançada,

todavia, a doutrina desdobra-se em estudos e apontamentos aos caminhos pertinentes.

Alguns doutrinadores consideram que uma das primeiras soluções viáveis à

extirpação do mal da morosidade da justiça seria a implementação de reformas no sistema

processual, simplificando seu funcionamento.

Um exemplo deste viés analítico é a proposta de Cláudio Lembo, o qual

registra seu ponto de vista propugnando por uma reformulação nas leis processuais brasileiras.

Muito embora o foco de suas propostas concentre-se na seara processual civil, entende-se

importante conhecer a análise desenvolvida por Lembo em entrevista concedida à Revista

Consultor Jurídico, em 20 de novembro de 2005229, pois as considerações tecidas são

aplicáveis à grande maioria dos institutos e áreas do ordenamento jurídico pátrio.

Declara que Código de Processo Civil brasileiro foi idealizado e escrito por

intelectuais que importaram modelos da Europa e, desta forma, complica-se demasiadamente

a aplicabilidade destas leis aqui no Brasil, pois a realidade européia é totalmente diferente da

brasileira, inclusive no tangencial de administração da justiça.

Exemplifica sua argumentação com o emprego do recurso cível de agravo, o

qual era utilizado nos autos do processo, contando com baixo custo financeiro e simplificação

no uso. Hodiernamente, prossegue explicando, utiliza-se o agravo de instrumento, que

apresenta um alto custo e, segundo Lembo, tumultua o andamento processual, além de

provocar o encarecimento das custas.

Noutro passo, discordando parcialmente da argumentação acima registrada,

expõe Theodoro Júnior230 (2005, p. 68-69) que somente reformulações no ordenamento

jurídico, sem que o Estado ofereça estruturação adequada do Poder Judiciário, capacitando-o

229 Entrevista disponível em http://conjur.estadao.com.br//static/text/39583,2. Acessado em 06/03/2006. 230 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais, in Revista de Processo. São Paulo: RT, n. 125, ano 30, jul./2005.

92

de fato para que coloque em prática as reformas empreendidas pelo Poder Legislativo, de

nada adiantam.

Relata o autor que a experiência de empreender somente reformas

legislativas, sem oferecer o aparato material para sua execução, já foi experimentada por

diversos países da Europa, tais como Itália, França e Alemanha, e que os resultados não foram

satisfatórios, gerando o mesmo descontentamento e problemas existentes antes da

reformulação. Neste sentido, consigna o autor que

Na Itália, que como no Brasil, passou e vem passando nos últimos anos, por uma sucessão de reformas de seu Código de Processo Civil, TARZIA, relator do último projeto, adverte que as simples alterações legislativas, por si só jamais terão força para combater a crônica e ineficiência dos serviços judiciários, cujas raízes são profundas e ultrapassa, amplamente, o mero esquema procedimental. Qualquer reforma da lei processual, segundo o jurista italiano, será impotente para desatravancar a prestação jurisdicional [...] [...] Na França, ROGER PERROT faz interessantes observações sobre a reforma operada no século expirante e nos procedimentos co CPC, dentre os quais destaca como as mais importantes inovações a antecipação da tutela (référé-privision) e o procedimento monitório (injonction de payer). Registra, no entanto, que continua a existir um descompasso entre a demanda e a oferta dos serviços judiciários, frustrando a garantia constitucional do acesso à justiça. [...] [...]. a Alemanha também não está satisfeita com a prestação jurisdicional. Reclama a sociedade tedesca da sobrecarga de processos em seus tribunais e o seu volume não pára de crescer. (destacou-se) (THEODORO JÚNIOR, 2005, p. 68-69) 231

Corroborando a insuficiência das reformas legislativas como resolução do

problema da morosidade processual, sem que se apresente um aparelhamento material e

pessoal do Poder Judiciário, suficiente para colocar em prática as alterações propostas pela lei,

Santos232 (2005, p. 203), dispõe que

Por mais criativas que possam ser as soluções legislativas tendentes a aprimorar e modernizar nosso sistema processual (por exemplo), pouco ou nada valerão se o poder judiciário não estiver aparelhado com um número mínimo de juízes (art. 93, XIII), sempre que possível mais experientes, preparados e comprometidos com o resultado final da atividade do Estado que exercem no caso concreto (art 93, I e II, c e e).

231 THEODORO JÚNIOR, loc. cit. O Autor cita Giusepe Tarzia e Roger Perrot, referenciado as seguintes obras: TARZIA, Giusepe. Lineamenti del nuovo proceso de cognizione. Milano: Giuffrè, 1996, n. 10, p. 54). PERROT, Roger. O processo civil francês na véspera do século XX. Trad. De Barbosa Moreira, Rev. Forense, v. 342, pp. 161-168. 232 SANTOS, Evaristo Aragão. A EC n. 45 e o tempo dos atos processuais, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

93

No mesmo sentido manifesta-se Theodoro Júnior233 (2005, p. 77-78) quando

preceitua que

O que é lícito esperar é que, por meio de modernas técnicas de gerenciamento de qualidade, os responsáveis pela Justiça brasileira assumam posturas de maior ousadia e criatividade. Ousadia para traduzir em provimentos práticos aquilo que a ideologia da Carta Magna assegura aos cidadãos em termos de garantias fundamentais e da respectiva tutela jurisdicional. Criatividade, para superar vícios e preconceitos arraigados nas arcaicas praxes de foro para forjar “uma vontade firmemente voltada à edificação de uma nova Justiça. Mais transparente e efetiva, econômica e, sobretudo, rápida”.234

Por outro lado, em que pesem as considerações sobre a insuficiência das

reformas que se restringem tão somente ao plano legislativo, sob a ótica de outros

doutrinadores, as reformulações procedimentais são um primeiro passo à melhoria da

prestação jurisdicional, pois consideram que simplesmente culpar o Judiciário pela demora na

entrega da prestação jurisdicional também não resolverá o problema.

Neste diapasão, consigna Aragão235 (2001, p. 27-28) que

Com respeito ao processo e à administração da justiça, a equação do problema, sem o que será impossível sequer tentar solucioná-lo, passa no mínimo, pela revisão do procedimento judicial, a fim de simplificá-lo, o que somente será alcançado com a abolição de todo formalismo desnecessário e toda a burocracia dispensável.[...] A mais importante reforma que a legislação processual reclama, pois, é a simplificação do procedimento, para adaptá-lo, adequá-lo, quiçá aproximá-lo do anseio de celeridade e eficiência por todos manifestado. (destacou-se)

Certamente, o ideal de prestação jurisdicional seria uma reformulação

legislativa combinada a uma reestruturação do Poder Judiciário, que hoje desempenha sua

função pautando-se em leis que atrasam o andamento do processo e submetendo-se a

condições de trabalho ruins. Assim, em que pesem as dificuldades existentes e vividas pelo

Judiciário brasileiro, a magistratura procura, na medida do possível, desempenhar suas

funções regularmente, sendo certo que jamais se deve olvidar da relevância da prestação

jurisdicional para o Estado.

233 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais, in Revista de Processo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, n. 125, ano 30, jul./2005. 234 Nesta citação, o autor faz referência à seguinte bibliografia: NALINI, José Renato. A gestão de qualidade na Justiça. Revista dos Tribunais, n. 722, p. 373. 235 ARAGÃO, E. D. Moniz de. Procedimento: formalismo e burocracia, in Revista Forense, v. 358. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001.

94

Neste sentido, destacando a proeminente importância do Poder Judiciário,

descreve Santos236 (2005, p. 203) que

É valiosíssimo o papel da magistratura em nosso país. A situação do Estado, hoje, praticamente inviabiliza melhores resultados, por mais esforços que os juízes, individualmente, consigam lançar mão. É difícil exigir demais. Seja como for, a cobrança por melhores resultados não pode ficar restrita apenas aos magistrados. É imprescindível que os demais protagonistas da administração da justiça também estejam cada vez mais preparados e conscientes de seu papel social. Aqui fazemos menção, especificamente, á classe dos advogados. A melhoria do Judiciário não passa apenas pelos juízes, mas incluiu, impreterivelmente, a melhor qualificação da atividade da advocacia.

Diante do posicionamento transcrito, esclarece-se que não se pretende

culpar exclusiva e insistentemente o Poder Judiciário pela morosidade na resposta

jurisdicional, havendo plena compreensão de todos os fatores intervenientes e co-responsáveis

pelos atrasos processuais, tampouco eximí-lo das responsabilidades que lhes são cabíveis.

Intenta-se proceder ao levantamento das causas da morosidade na prestação jurisdicional e

possíveis soluções apontadas pela doutrina como forme de dirimir este problema que corrói a

administração da justiça brasileira, diminuindo-lhe a credibilidade depositada pela sociedade.

Registre-se que há reconhecimento de que os magistrados desenvolvem um

trabalho imprescindível e de valor inestimável no Estado, todavia, o que se pretende salientar,

é que eles necessitam de aparato material suficiente para que a prestação deste serviço seja

eficiente, atendendo aos reclames sociais.

Neste passo, merece proeminente destaque que uma das soluções que

poderia ser adotada pelo Poder Judiciário brasileiro para melhoria da prestação jurisdicional,

agilizando-se a ritualística processual, é, além da simplificação legislativa, o aproveitamento

das tecnologias de mercado, colocando a computação e a internet, por exemplo, à serviço da

administração da justiça.

Nesse sentido, manifesta-se Cláudio Lembo dizendo que

Até hoje o auto do processo é um monte de papel amarrado com cordinha, como se fazia na Idade Média. Quando a Igreja Católica instituía os tribunais da Inquisição, o processo tinha que ser muito demorado, porque assim o réu, que era um herético, pagava custas continuadamente. E assim a máquina ficava sobrevivendo. É o que nós estamos fazendo no Brasil, nós todos ficamos presos nos autos como heréticos da Idade Média. (destacou-se)

236 SANTOS, Evaristo Aragão. A EC n. 45 e o tempo dos atos processuais, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

95

(disponível em http://conjur.estadao.com.br//static/text/39583,2. Acesso em 06/03/2006)

Partilhando da mesma percepção acerca do atraso tecnológico na

administração da justiça como forma de minimizar o problema da morosidade na resposta

jurisdicional, Aragão237 (2001, p. 54) assevera que

[...] têm-se que, ao invés de atualizar-se para enfrentar a situação, os órgãos estatais conservam regras e procedimentos antiquados em que preponderam demoradas e complicadas formalidades. Ao passo que o trepidante mundo contemporâneo busca a simplicidade e a eficiência e para alcança-las emprega com intensidade crescente os instrumentos que o progresso da ciência e da técnica estão a oferecer, procura o resultado enfim, no que tange ao direito essa preocupação parece não atrair simpatias. (destacou-se)

Aplicando-se os ensinamentos de Ost238 (2005), numa sociedade regida pela

urgência, qualquer espera torna-se uma situação insustentável, ou melhor, insuportável.

Partindo-se da realidade de que não existe tolerância ou espaço para esperas que são

consideradas como necessárias, jamais será admitido ou terá cabimento, nesta mesma

sociedade, prolações indevidas num processo.

Numa tímida iniciativa de promover a celeridade dos processos judiciais, a

partir de 1999, por meio da Lei 9.800 de 26 de maio de 1999, passou a ser permitida a

utilização de sistema de transmissão de dados para a prática de atos processuais. Portanto, a

utilização do fax ou de outro sistema similar de transmissão de dados e de imagens para a

prática de atos processuais, que dependam da petição escrita, foi permitido a partir desta

inovação legislativa.

Aproveitando-se da abertura oferecida pela lei, em alguns estados do Brasil,

houve a implantação dos serviços de recepção eletrônica de petições, concedendo a

oportunidade de seu envio, bem como de documentos, por via de e-mail, diretamente ao

endereço eletrônico da Vara perante a qual tramita o processo, sendo este recebimento

automaticamente respondido ao peticionário, apresentando a validade equivalente do

protocolo. A este respeito, escreve Barros e Romão239 (2006, p. 118) que

237 ARAGÃO, E. D. Moniz de, in Procedimento: formalismo e burocracia, in Revista Forense, v. 358. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001. 238 OST, François. O tempo do Direito. Tradução de Élcio Fernandes. Bauru: Ed. Edusc, 2005. 239 BARROS, Marco Antônio de; ROMÃO, César Eduardo Lavoura. Internet e videoconferência no processo penal, in Revista CEJ, n. 32, p. 116-125, jan./mar. 2006.

96

Utilizar a rede mundial de computadores para desburocratizar o tradicional ritual na realização de atos forenses já não é apenas um sonho, mas uma necessidade. Impõe-se a modernização do Judiciário para tornar possível o envio da denúncia do Ministério Público, de petições de defesa, a interposição de recursos e o próprio ajuizamento de ações por meio da internet, utilizando-se procedimento semelhante ao envio de e-mail, inclusive com a possibilidade de certificação de data e da hora de entrada da peça. Esse sistema de documentação digital, pelo qual os documentos são produzidos e armazenados nos computadores, carece de regulamentação, mas é utilizado com freqüência no setor privado. (destacou-se)

Entretanto, para validar e auferir autenticidade ao conteúdo da

correspondência enviada por meio de transmissão de dados, o art. 2º da Lei 9.800/99240

estabelece o prazo de 05 (cinco) dias para apresentação da petição ou documento original, o

qual, obviamente, deve conter exato teor do enviado anteriormente.

Todavia, o que se percebe no âmbito jurídico, é que inobstante todas as

tecnologias colocadas à disposição da sociedade com o escopo de estreitar e facilitar a

comunicação, são notáveis as dificuldades e resistências que os operadores do Direito têm em

encampar as novas tendências tecnológicas. A este respeito, escrevem Barros e Romão241

(2006, p. 117), considerando que

Embora bem aceitas nas relações sociais comuns do indivíduo, a tecnologia moderna ainda não sedimentou, com velocidade que a caracteriza, suas raízes simplificadoras e úteis no processo criminal. Enquanto em outras áreas da Justiça tornou-se comum a adoção de um processo virtual, como por exemplo, nas varas judiciais federais que julgam benefícios previdenciários, realizando-se ali a prática de atos em ambiente virtual, por meio da internet e outros meios de comunicação, no processo criminal existe uma barreira intelectual que oferece significativa resistência a esse tipo de progresso. Com efeito, no campo processual penal, um dos grandes entraves ao real cumprimento da norma constitucional que garante a razoável duração do processo e a celeridade da prestação jurisdicional é a própria dificuldade que tem o Poder Judiciário em tentar dinamizar os ritos e reciclar os procedimentos processuais. (destacou-se).

Diante da constatação feita por estes autores, muito embora nas relações

pessoais as tecnologias modernas da internet tenham boa aceitação, existe uma relutância dos

próprios sujeitos dependentes do direito em implantá-la como meio facilitador da

administração da justiça, o que, sem laivos de dúvidas, geraria uma economia temporal

significativa.

240 Art. 2o: A utilização de sistema de transmissão de dados e imagens não prejudica o cumprimento dos prazos, devendo os originais ser entregues em juízo, necessariamente, até cinco dias da data de seu término. Parágrafo único. Nos atos não sujeitos a prazo, os originais deverão ser entregues, necessariamente, até cinco dias da data da recepção do material. 241 BARROS, Marco Antônio de; ROMÃO, César Eduardo Lavoura. Internet e videoconferência no processo penal, in Revista CEJ, n. 32, p. 116-125, jan./mar. 2006.

97

Tome-se como exemplo de efetiva redução de tempo incidente nos atos

processuais, o acompanhamento do processo realizado por meio virtual. Já há algum tempo os

Tribunais Superiores, Tribunais Regionais e a grande parte dos Tribunais Estaduais

implantaram o sistema de consulta e acompanhamento processual via internet, oferecendo

acesso, inclusive, a pesquisa jurisprudencial, iniciativa esta que promoveu ampla facilitação e

economia de tempo a advogado, permitindo também a consulta pelo jurisdicionado e por

todos que tenham interessa na demanda.

Assim, propugnando pela relevância da utilização da internet como meio

facilitador do trabalho perante o Judiciário, escrevem Greco e Martins242 (2001, p. 85)

dispondo que

Além de facilitar o exercício profissional pelos advogados que, sem sair de seus escritórios, obtêm informações oficiais sobre o andamento dos processos de seu interesse em qualquer parte do país, e sobre os avanços da jurisprudência, esses serviços são importantes instrumentos de acesso a essas informações por parte dos próprios jurisdicionados e cidadãos em geral.

Entende-se ser possível a aproximação a real virtualização do processo

judicial por meio da prática de diversos atos em ambiente eletrônico. Entretanto, para a

realização deste propósito, faz-se imprescindível que o Poder Judiciário obtenha os recursos

materiais e disponha de profissionais aptos e treinados para a efetivação dos atos processuais

virtuais. Além disso, no outro pólo da relação jurídica-virtual, os advogados deverão contar

com o aparelhamento apropriado e os conhecimentos pertinentes para acessar o que lhes é

colocado à disposição na rede.

O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, faz utilização de uma

tecnologia denominada “Push”. Por meio dela, o Tribunal expede e-mails aos advogados,

informando-os do andamento dos processos cadastrados. Entretanto, de nada adianta o STJ

dispor deste serviço se os advogados não se mantiverem atualizados em relação às tecnologias

computacionais que são colocadas à disposição da administração da justiça.

Não obstante, existem tecnologias e propostas ainda mais modernas a fim de

implantar severas transformações no processo brasileiro: trata-se do processo virtual, o ícone

do maior progresso no campo da informática aplicável ao Direito, sendo possível ser o feito

inteiramente virtual, desde a propositura da petição inicial até a formação da coisa julgada.

242 GRECO, Marco Aurélio; MARTINS, Ives Granda da Silva. Direito e Internet – Relação jurídicas na sociedade informatizada. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001.

98

De acordo com a pesquisa realizada por Greco e Martins243 (2001, p. 93),

constatou-se que em alguns países já existem sistemas de Administração do Judiciário que

permitem a propositura das ações por comunicação eletrônica, como é o caso da Finlândia,

onde “[...] a comunicação escrita entre as partes e o tribunal pode ser feita eletronicamente via

e-mail (sistema de caixa postal), opção que muita gente faz bom uso”.

Nos Estados Unidos inseriu-se o “digital case file”, que consiste na prática

de que em alguns tribunais, as petições apresentadas pelos advogados são escaneadas e

publicadas na Web, o que possibilitou uma transformação na virtualização do Poder Judiciário

daquele país, além de consagrar a publicidade dos atos processuais.

Uma outra referência a ser destacada é o procedimento adotado pela Corte

da Califórnia, onde os advogados recebem um nome de usuário (login) e uma senha que

permite a entrada em uma área restrita no site do Tribunal, peticionando nos processos de seus

clientes.

Além dos sistemas de software já implantados, pretende-se Greco e Martins 244 (2001, p. 94) afirmam que “Estuda-se o aperfeiçoamento do software do e-mail que

permitirá registrar se o réu abriu o arquivo da petição inicial ajuizada, dele tomando ciência”,

o que dispensaria a citação pessoal do réu, economizando tempo e movimentação da máquina

judiciária para a realização deste ato.

No Brasil, anos após a permissão de utilização de transmissão de dados pelo

judiciário (Lei n.° 9.800 de 26 de maio de 1999), o legislador preocupou-se em adequar a

norma jurídica às novas tecnologias da informática, promulgando a inovadora Lei n.° 11.419,

de 19 de dezembro de 2006, a qual dispõe sobre a informatização do judiciário brasileiro.

Em seu primeiro capítulo, a lei em comento trata da informatização do

processo judicial, estipulando regras acerca do uso dos meios eletrônicos na tramitação de

processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais, isto é, a

admissibilidade do meio digital para atos processuais e para a consulta processual, aplicando-

se a normatização ao processo civil, penal e trabalhista, incluindo também sua utilização nos

juizados especiais, e em qualquer grau de jurisdição, nos termos do artigo 1°.

O § 2º do mesmo artigo explica o que, para fins de aplicação da Lei n.°

11.419/06, entende-se como meio eletrônico, transmissão eletrônica e assinatura eletrônica:

meio eletrônico é qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos

243 GRECO, Marco Aurélio; MARTINS, Ives Granda da Silva. Direito e Internet – Relação jurídicas na sociedade informatizada. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001. 244 Ibid., p. 94.

99

digitais; transmissão eletrônica é toda forma de comunicação à distância com a utilização de

redes de comunicação, preferencialmente a rede mundial de computadores; e assinatura

eletrônica é forma de identificação inequívoca do signatário.

No art. 2º é determinado que o envio de petições por meio eletrônico

somente será aceito por meio de uma assinatura eletrônica e um credenciamento prévio no

Poder Judiciário. Nos parágrafos do referido artigo estipula-se a forma com que deve ser

realizado este cadastramento.

Como comprovação dos atos realizados em meio eletrônico, o artigo 3º

afirma que só serão considerados os atos realizados por meio eletrônico, com protocolo

eletrônico onde será certificada a data e a hora em que os atos foram enviados ao sistema do

Poder judiciário.

O segundo capítulo da lei trata da comunicação eletrônica dos atos

processuais, onde há estipulação que para a publicação de atos judiciais e administrativos

próprios, os tribunais poderão criar um Diário da Justiça eletrônico, devendo o conteúdo deste

Diário apresentar uma assinatura digital para comprovar sua validade, determinando, ainda,

que sua criação deverá contar com ampla divulgação.

Desta forma, as publicações eletrônicas irão substituir qualquer forma de

publicação oficial, contando-se os prazos a partir do primeiro dia útil após a data da

publicação, considerando-se a data da publicação o dia um que a informação for

disponibilizada no Diário da Justiça eletrônico.

As intimações também poderão ser feitas por meio de um portal eletrônico

do tribunal, sendo a parte considerada intimada quando fizer a consulta eletrônica do teor da

intimação. Estas intimações eletrônicas têm valor equivalente às pessoais, para todos os

efeitos legais.

Quanto às cartas precatórias, rogatórias, de ordem e todas as comunicações

oficiais que tramitem no Poder Judiciário, tudo poderá ser feito por meio eletrônico.

No capítulo seguinte, a lei dispõe sobre o processo eletrônico, prevendo que

os atos do processo podem ser feitos de forma eletrônica, permitindo aos órgãos do Poder

Judiciário desenvolver sistemas eletrônicos para os processos digitais, tendo parte ou todo o

processo digitalizado.

Nesta perspectiva, no processo eletrônico as citações, intimações e

notificações devem ser realizadas de forma eletrônica e, quando for viabilizado o acesso na

íntegra do processo, será considerado como vista pessoal do interessado. Quando não for

100

possível realizar citações, intimações ou notificações por meio eletrônico, estas poderão ser

feitas na forma ordinária.

A distribuição dos processos eletrônicos, a juntada da defesa, os recursos e

as outras formas de petições serão digitalizadas e serão feitas diretamente pelos procuradores

das partes, não passando pelos cartorários, sendo que a autuação destas petições será

automática, fornecendo aos mesmos recibos eletrônicos ou protocolos demonstrando

efetivamente que o ato foi realizado.

Quanto aos documentos produzidos eletronicamente e juntados na forma

digital, dispôs-se que serão considerados originais para todos os efeitos legais, sendo que a

argüição de falsidade será processada eletronicamente, nos moldes da lei processual que esteja

em vigor na ocasião da oposição.

Para a instrução do processo, o magistrado poderá determinar que sejam

enviados e exibidos, por meio eletrônico, documentos e dados, podendo ser usados quaisquer

meios eletrônicos disponíveis, dando preferência aos de menor custo, levando-se em

consideração sua eficiência.

O capítulo das disposições finais desta Lei demonstra como serão os

programas eletrônicos do Poder Judiciário e apresenta algumas formalidades que deverão ser

seguidas nos processos eletrônicos.

Por fim, no capítulo quatro, a Lei n.° 11.419/06 traz as disposições finais

acerca do assunto, estipulando, resumidamente, que os sistemas usados pelo Poder Judiciário

deverão ser programas com códigos abertos e acessíveis pela rede mundial de computadores,

a Internet.

Estipula também que, salvo impossibilidade que comprometa o acesso à

justiça, a parte deverá informar, ao distribuir a petição inicial de qualquer ação judicial, o

número no cadastro de pessoas físicas ou jurídicas, conforme o caso, perante a Secretaria da

Receita Federal.

Determina ainda que as peças de acusação criminal serão instruídas pelo

Ministério Público e pelas autoridades policiais com os números de registro dos acusados no

Instituto Nacional de Identificação do Ministério da Justiça e que os livros cartorários e

demais repositórios dos órgãos do Poder Judiciário poderão ser gerados e armazenados em

meio totalmente eletrônico.

É inquestionável que a resistência do Poder Judiciário em ceder às

facilidades das tecnologias proporcionadas pela rede mundial de comunicação tem que acabar

dentro em breve, visto que as hodiernas relações sociais são regidas pelo tempo imposto por

101

estes avanços tecnológicos. Quando a administração da justiça encampar as benesses

oferecidas pela internet e demais meios tecnológicos, por certo, haverá abrandamento da

incidência prejudicial do tempo nos atos processuais.

Neste sentido, manifestam-se Barros e Romão245 (2006, p. 119) quando

consideram a utilidade da internet em procedimentos como intimações e precatórias, dispondo

que

Também pode ser usada a rede mundial no caso de intimações e de comunicações do juízo com os atores processuais, bem como nas comunicações entre os órgãos do Poder Judiciário, abandonando-se a técnica milenar de expedição de ofícios e requerimentos impressos para o cumprimento de uma diligência como, por exemplo, a realização de atos por cartas precatórias. A comunicação desses atos pela internet pode facilitar a comunicação entre os órgãos que compõem o aparelho estatal de repressão à criminalidade, acelerando o cumprimento das diligências. [...] (destacou-se)

Além do emprego da internet, como meio de imprimir maior agilidade aos

procedimentos judiciais, existe outro tipo de tecnologia colocada à disposição do Poder

Judiciário com a finalidade de agilizar a prestação jurisdicional: trata-se da videoconferência,

a qual surge de maneiras diferenciadas na realização de atos processuais.

As formas mais comuns de utilização da videoconferência são:

a) telessessão: prevista pelo § 3° do artigo 14 da Lei n.° 10.259 de 12 de

julho de 2001246, trata-se de um procedimento que “[...] permite a

integração de diversos órgãos do Poder Judiciário sem a necessidade de

deslocamento físico dos magistrados[...]”(Barros e Romão, 2006, p.

119) 247, propiciando sessões e reuniões sem que se exija deslocamento

dos juizes, o que acarretou a integração dos Tribunais Regionais

Federais, ocasionando uma redução de gastos desnecessários de tempo

e dinheiro;

b) a telessustentação: permite que, por meio da videoconferência, o

advogado sustente oralmente sua defesa sem que haja seu deslocamento

perante o Tribunal onde tramita o processo. Diante da realidade

econômica brasileira, sabe-se que, em inúmeras ocasiões, o cliente não

245 BARROS, Marco Antônio de; ROMÃO, César Eduardo Lavoura. Internet e videoconferência no processo penal, in Revista CEJ, n. 32, p. 116-125, jan./mar. 2006. 246 A Lei n.° 10.259 de 12 de julho de 2001 dispõe sobre a criação dos Juizados Especiais Federais. Disponível em http://www.trt02.gov.br/geral/tribunal2/Legis/Leis/10259_01.html. Acessado em: 08 de fevereiro de 2007. 247 BARROS; ROMÃO, loc. cit.

102

dispõe de condições financeiras para arcar com as despesas de viagem

de seu procurador para que o mesmo recorra às instâncias superiores.

Assim, a utilização da telessustentação apresenta-se como verdadeiro

aliado do princípio da ampla defesa, além de, obviamente, acelerar o

trâmite recursal em instâncias superiores, onde se apresentam os

mesmos problemas de morosidade do primeiro grau.

c) o telereconhecimento: o reconhecimento de pessoas é meio de prova

previsto pelo Código de Processo Penal, havendo previsão para que

este procedimento se dê de forma pessoal ou quando, não for possível,

por fotografias apresentadas pela autoridade competente. A proposta do

telereconhecimento é a substituição do reconhecimento pessoal ou

fotográfico por vídeo, nos casos em que a(s) vítima(s) ou testemunha(s)

não possam comparecer pessoalmente para a realização do ato.

d) o teledepoimento: trata-se do emprego da tecnologia da

videoconferência para “[...] colher declarações das vítimas e das

testemunhas, sem que estas ou o réu estejam fisicamente presentes na

vara criminal” (Barros e Romão, 2006, p. 120) 248, ato este que pode

trazer benefícios a todas as partes e sujeitos do processo, vez que é

notória a dificuldade que o Poder Judiciário depara-se cotidianamente

para promover o deslocamento de acusados até o ambiente forense com

o escopo de acompanhar depoimentos de testemunhas e que, por vezes,

sentem-se constrangidas com a presença do réu e dele são separadas

para prestar suas declarações, nos termos do artigo 217 do Código de

Processo Penal249. Haveria, portanto, uma economia de custos

(evitando-se o deslocamento do réu), de tempo e de desgaste emocional

da testemunha, que não se sentiria constrangida com a presença do

acusado proporcionando maior transparência nas declarações;

e) teleinterrogatório ou interrogatório on line: é o “[...] ato judicial,

presidido pelo juiz, em que se indaga ao acusado sobre os fatos

imputados contra ele advindos de uma queixa ou denúncia, dando-lhe 248 BARROS, Marco Antônio de; ROMÃO, César Eduardo Lavoura. Internet e videoconferência no processo penal, in Revista CEJ, n. 32, p. 116-125, jan./mar. 2006. 249 Estabelece o Artigo 217 do Código de Processo Penal: “Se o juiz verificar que a presença do réu, pela sua atitude, poderá influir no ânimo da testemunha, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará retira-lo, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. Neste caso, deverão constar do termo a ocorrência e os motivos que a determinaram.”

103

ciência ao tempo em que oferece oportunidade de defesa, realizado

através de um sistema que funciona com equipamentos e software

específicos”, consoante define Bezerra250 (2005).

As vantagens desse tipo de procedimento são, em linhas primeiras e gerais:

a diminuição dos gastos públicos, visto que, em cidades grandes, o deslocamento do réu até o

fórum torna-se mais oneroso que este tipo de interrogatório; agilização do procedimento,

acarretando uma aceleração na prosseguibilidade dos atos processuais; diminuição de fugas de

acusados presos durante o deslocamento da prisão até o Fórum; integridade das informações

prestadas no interrogatório, na medida em que a videoconferência é gravada em disquete ou

compact disc e arquivada.

Corroborando o rol de vantagens elencadas, Aras251 (2004) Escreve que

Pequenas reações corporais e faciais e tênues variações da voz podem ser captadas e transmitidas pelas mídias mais modernas. Não há assim razão para temer a impossibilidade de feedback entre o juiz e o interrogado, nos sistemas de videoconferência, cujas vantagens são predominantes, pois: - evita deslocamentos de réus, peritos, testemunhas e vítimas a grandes distâncias, com economia de tempo e recursos materiais; - evita o cancelamento de audiências em função de características particulares (pessoais e profissionais) das testemunhas, como enfermidades; - aumenta a segurança pública, diminuindo o risco de fugas e de resgate de presos perigosos; - economiza recursos públicos hoje empregados na escolta e no transporte de presos; - permite que policiais civis, militares e federais e também agentes penitenciários atuem em outras missões de segurança pública e de investigação, sem perda de tempo útil em escoltas; - acelera a tramitação dos feitos judiciais, eliminando cartas precatórias, cartas rogatórias e cartas de ordem; [...] - propicia contato direto das partes e dos advogados com a prova que seria produzida por precatória, por rogatória ou por carta de ordem; - privilegia os princípios do juiz natural e do promotor natural e o princípio da imediação; - aproxima o processo penal do princípio da identidade física do juiz, porquanto podem ser preservadas provas para memória futura a serem utilizadas pelo juiz processante, qualquer que seja ele; - favorece o contato direto do réu (preso ou solto) com o seu juiz, em situações em que isto dificilmente ocorreria; - contribui para facilitar a tomada de depoimentos de vítimas de crimes violentos e de vítimas, testemunhas e réus colaboradores, impedindo o confrontamento destes com os acusados;

250 BEZERRA, Ana Cláudia da Silva. Interrogatório íon line e ampla defesa. Disponível em: http://www.advogado.adv.br/artigos/2005/anaclaudiadasilvabezerra/interrogatorioonline.htm. Acessado em: 03 de fevereiro de 2007. 251 ARAS, Vladimir. Sociedade digital - Teleinterrogatório não elimina nenhuma garantia processual. Disponível em: http://conjur.estadao.com.br//static/text/30301,1 Acessado em: 03 de fevereiro de 2007. O artigo é de data de 28 de setembro de 2004. Não é possível especificar a página, pois o formato eletrônico impossibilita sua menção.

104

- incrementa o princípio da publicidade geral, permitindo o acesso aos atos judiciais a qualquer do povo, pela Internet ou por outro sistema; - otimiza o tempo de advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público; - evita prejuízos para a acusação e a defesa, no processo penal, quando da coleta de depoimentos por precatória, quando os atos são acompanhados por membros do Ministério Público designados e por defensores ad hoc, que pouco sabem sobre detalhes do feito e as estratégias e teses do caso concreto; - poupa recursos de réus, evitando gastos com diárias e viagens de seus defensores. (destacou-se)

Note-se que o elenco de vantagens colocadas à disposição da administração

da justiça com a adoção do interrogatório on line é grande e, caso seja realmente

regulamentado, trará inúmeros benefícios a todos os sujeitos do processo. Ressalte-se que os

demais atos processuais realizados via internet ou com utilização de outros meios

tecnológicos, também podem valer-se das benesses acima propostas, pois encamparão a

economia temporal, financeira, a consagração da publicidade dos atos, etc.

Entretanto, há considerações e ressalvas quanto à utilização da

videoconferência no interrogatório. Questiona-se sua validade argüindo-se que não há

preservação de certos direitos e garantias processuais asseguradas pela Constituição Federal,

argumentando-se que, pelo fato de não haver presença física entre os sujeitos da demanda,

haveria ferimento da ampla defesa, por exemplo.

Neste ponto, Barros e Romão 252 (2006, p. 120) explicam que para o pleno

funcionamento do procedimento eletrônico sem infringência de princípios, direitos e garantias

fundamentais, bem como, não contrariando o estabelecido pelo artigo 185 do Código de

Processo Penal253, são necessárias adaptações nos locais de realização das audiências.

Explicitam que em algumas varas criminais do Estado de São Paulo já foi adotada a prática e

descrevem da seguinte maneira:

[...] são instalados televisores, câmaras e aparelhos telefônicos nas salas de audiência, nos fóruns e nas prisões. Ressalte-se que as transmissões e filmagens das audiências não são realizadas no interior do estabelecimento prisional, mas sim em sala reservadas próximas, para que seja possível a assistência por qualquer pessoa interessada. Com esses equipamentos é possível captar o áudio e o vídeo da figura do réu, que estará obrigatoriamente acompanhado por um advogado e por serventuários da

252 BARROS, Marco Antônio de; ROMÃO, César Eduardo Lavoura. Internet e videoconferência no processo penal, in Revista CEJ, n. 32, p. 116-125, jan./mar. 2006. Os autores explica neste trecho, pormenorizadamente, como funciona o sistema de teleinterrogatório em algumas varas criminais do estado de São Paulo. 253 O artigo 185, § 1° do Código de Processo Penal diz que: “O interrogatório do acusado preso será feito no estabelecimento prisional em que se encontrar, em sala própria, desde que estejam garantidas a segurança do juiz e auxiliares, a presença do defensor e a publicidade do ato. Inexistindo a segurança, o interrogatório será feito nos termos do Código de Processo Penal”.

105

Justiça, os quais, em tese, garantirão a integridade do ato. Na outra ponta do sistema, estarão o juiz, o promotor e mais um advogado. Como se vê, o réu preso conta com assistência, no ato do interrogatório, de pelo menos dois advogados (um na sala do juiz e outro ao seu lado). Os modernos aparelhos de áudio e vídeo permitem a captação dos mínimos detalhes, das modificações na voz e das expressões corporais, e ainda podem ser repetidas inúmeras vezes, pois o ato é gravado em compact disc. Ademais, caso o advogado constituído esteja na sala de audiência, poderá utilizar o aparelho telefônico e assim ter uma conversa reservada e sigilosa com seu cliente.

Percebe-se que o procedimento acima narrado procura cercar-se de todas as

cautelas possíveis e necessárias para não desrespeitar qualquer disposição legal constante do

artigo 185, § 1° do Código de Processo Penal, vez que separa o réu pra o interrogatório,

deixando-o em sala reservada e aberta aos assistentes (garantindo-se a publicidade do ato),

acompanhado de serventuários da justiça (que estão de corpo presente), bem como de seu

procurador; do outro lado da câmera, faz-se presente o juiz, o promotor e mais um advogado,

vislumbrando-se, portanto, que tal procedimento agiliza o trâmite processual e atende ao

disposto pela Constituição e normas infraconstitucionais no tangente à preservação dos

princípios, direitos e garantias fundamentais.

De acordo com o exposto, conclui-se, em primeira análise, que o

interrogatório por videoconferência não difere muito do habitualmente realizado no sistema

processual penal brasileiro. Os atos praticados neste tipo de inquirição são os mesmos

utilizados no interrogatório realizado pessoalmente (com as presenças físicas de todos os

sujeitos processuais necessários ao ato).

Todavia, a diferença subsistente encontra-se no uso de equipamentos e

softwares específicos, bem como o emprego da Internet e da gravação da filmagem em

compact disc, o que possibilita que qualquer pessoa interessada tenha acesso ao referido ato,

com as riquezas de detalhes revelados pela expressão corporal e tom de voz do acusado, como

se estivesse assistindo o momento exato de sua realização.

O legislador, preocupado em atender a modernização na administração da

justiça, e satisfazendo as exigências impostas pelas inovações tecnológicas, propõe, por meio

do Projeto de Lei n.° 7227/2006254, a regulamentação do interrogatório por videoconferência,

o qual será aplicável ao Processo Penal Brasileiro, modificando o artigo 185, § 1° do Código

de Processo Penal, que passaria a ter a seguinte redação:

254 Projeto de Lei nº 7227/2006 disponível em http://www.camara.gov.br/Sileg/Prop_Detalhe.asp?id=327898. Acessado em 09 de fevereiro de 2007.

106

§ 1º Os interrogatórios e as audiências judiciais serão realizados por meio de videoconferência, ou outro recurso tecnológico de presença virtual em tempo real, assegurados canais telefônicos reservados para a comunicação entre o defensor que permanecer no presídio e os advogados presentes nas salas de audiência dos Fóruns, e entre estes e o preso; nos presídios, as salas reservadas para esses atos serão fiscalizadas por oficial de justiça, funcionários do Ministério Público e advogado designado pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Note-se que o procedimento descrito por Barros e Romão 255 (2006, p. 120)

e realizado em algumas varas criminais do estado de São Paulo, segue, mesmo sem a referida

regulamentação, o que propõe o projeto de lei e, no mesmo sentido, firmam-se,

paulatinamente, entendimentos jurisprudenciais:

Interrogatório Judicial on-line.Valor - Entendimento – O sistema de teleaudiência utilizado no interrogatório judicial é válido à medida que são garantidas visão, audição, comunicação reservada entre o réu e seu defensor e faculta, ainda, a gravação em compact disc, que será anexado aos autos para eventual consulta. Assim, respeita-se a garantia da ampla defesa, pois o acusado tem condições de dialogar com o julgador, podendo ser visto e ouvido, além de conversar com seu defensor em canal de áudio reservado. (TACRM/SP – Apelação nº 1.384.389/8 – São Paulo – 4ª Câmara – Relator: Ferraz de Arruda – 21.10.2003 – V.U., Voto nº 11.088)256.

Recurso de habeas corpus. Processo Penal. Interrogatório feito via sistema conferencia em real time. Inexistindo a demonstração de prejuízo, o ato reprochado não pode ser anulado, ex vi artigo 563 do CPP. Recurso desprovido. (STJ, RHC 6272/SP, 5ª Turma, Rel. Ministro Félix Fischer, j. 3/4/97, impetrante Evaldo Aparecido dos Santos)257

Noutro ponto, parte diversa da doutrina, apresenta receios quanto à adoção

da prática, manifestando-se contrariamente ao interrogatório virtual. Os doutrinadores e

juristas que são contrários a sua utilização, entendem que este tipo de interrogatório não pode

ser aplicado pela falta de lei regulamentadora, além de argüirem que a prática vai de encontro

a princípios, direitos e garantias assegurados constitucionalmente, sustentando ferimento da

ampla defesa.

255 BARROS, Marco Antônio de; ROMÃO, César Eduardo Lavoura. Internet e videoconferência no processo penal, in Revista CEJ, n. 32, p. 116-125, jan./mar. 2006. Os autores explica neste trecho, pormenorizadamente, como funciona o sistema de teleinterrogatório em algumas varas criminais do estado de São Paulo. 256 Disponível em: http://64.233.167.104/search?q=cache:_iAMpoCokHYJ:www.tacrim.sp.gov.br/jurisprudencia/ementario/html/ementario50.html+%22Apela%C3%A7%C3%A3o+n%C2%BA+1.384.389/8%22&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=3&gl=br. Acessado em 03 de fevereiro de 2007. 257 Disponível em http://www.amb.com.br/portal/index.asp?secao=artigo_detalhe&art_id=157. Acessado em 03 de fevereiro de 2007.

107

Nesse passo, considera Aras258 (2004.) que os que se posicionam contrários

à utilização da videoconferência para tomada de declarações de suspeitos ou acusados,

pautam sua desconfiança na argumentação de que, eventualmente, poderá haver transgressão

da ampla defesa, do contraditório ou, até mesmo, do devido processo legal.

Não obstante as desconfianças plantadas pela doutrina quanto ao

interrogatório eletrônico, insta registrar que, uma vez informatizado o processamento dos atos

das lides penais, haverá, por certo, regulamentação adequada para tanto. Ainda o sistema

jurídico pátrio não conta com normatização para o interrogatório on line, o que, naturalmente,

gera divisão de opiniões a este respeito, em especial no que diz respeito à transgressão do

devido processo legal, pois há alegação de que se não existe legalização do procedimento, ele

não pode ser executado, sob pena de decretação de nulidade.

Entretanto, já existem entendimentos de que, de acordo com a forma com

que vem sendo realizado o interrogatório eletrônico, em nada se fere a ampla defesa, o

contraditório ou o devido processo legal. É neste diapasão que se firma o posicionamento de

Bezerra259 (2005), quando expõe que:

A presença do acusado, do defensor, do magistrado e demais pessoas presentes no interrogatório on line é uma presença em tempo real. O juiz ouve e vê o acusado, sendo a recíproca verdadeira. Imagens e sons são transmitidos e recebidos reciprocamente, sem interferências ou falhas. A tecnologia é de “ponta”, considerada de alta qualidade e eficiência. Na verdade, a tecnologia utilizada no interrogatório on line só difere do interrogatório “frente a frente” quanto ao espaço, ou seja, um é virtual o outro não. O fato do espaço ser virtual não traz prejuízos aos procedimentos a serem adotados e não tira do acusado a sua possibilidade de exercer a sua autodefesa, o seu silêncio, a sua ampla defesa. (destacou-se)

Corroborando o acima transcrito, Barros e Romão 260 (2006, p. 122) também

se posicionam pelo viés de inexistência ao ferimento da ampla defesa ou do contraditório,

pois relembram que não existe, no processo penal brasileiro, o princípio da identidade física

do juiz, e, “[...] dessa forma não se tem a garantia inequívoca de que o magistrado que

interrogar o acusado e colher as provas será efetivamente o que dará a sentença final”, razão

258 ARAS, Vladimir. Sociedade digital - Teleinterrogatório não elimina nenhuma garantia processual. Disponível em: http://conjur.estadao.com.br//static/text/30301,1 Acessado em: 03 de fevereiro de 2007. O artigo é de data de 28 de setembro de 2004. Não é possível especificar a página, pois o formato eletrônico impossibilita sua menção. 259 BEZERRA, Ana Cláudia da Silva. Interrogatório on line e ampla defesa. Disponível em: http://www.advogado.adv.br/artigos/2005/anaclaudiadasilvabezerra/interrogatorioonline.htm. Acessado em: 03 de fevereiro de 2007 260 BARROS, Marco Antônio de; ROMÃO, César Eduardo Lavoura. Internet e videoconferência no processo penal, in Revista CEJ, n. 32, p. 116-125, jan./mar. 2006. Os autores explica neste trecho, pormenorizadamente, como funciona o sistema de teleinterrogatório em algumas varas criminais do estado de São Paulo.

108

pela qual a presença física entre o acusado e o juiz é dispensável. Se assim não fosse, a

legislação não permitiria o interrogatório por carta precatória.

Prosseguem os autores em sua argumentação explicitando que

O fato de o réu não ser levado fisicamente para entrevistar-se pessoalmente com o magistrado, em nada atrapalha a ampla defesa, pois seu advogado estará na sala de audiência do fórum com o juiz e o promotor, enquanto na sala de audiência do estabelecimento prisional estarão oficiais de justiça, escreventes judiciários e mais um advogado para acompanhar o réu. Se não bastasse isso, ainda há um telefone, que permite o contato direto e sigiloso entre cliente e advogado, garantindo-se, assim, a amplitude da defesa. Posto isso, não há falar em limitação da defesa ou da autodefesa, pois o réu é colocado defronte o juiz, podendo ele comunicar-se em tempo real, na presença de seu defensor. Este, a seu turno, tem plenas condições de apontar falhas e desvios no interrogatório que poderão prejudicar o exercício da defesa, cabendo-lhe registrar a termo nos autos as eventuais ilegalidades. (BARROS E ROMÃO, 2006, p. 122) 261

Quanto à alegação de transgressão do princípio do devido processo legal,

entende-se que, de fato, no ordenamento jurídico atual não existe previsão constante da

Constituição da República ou do Código de Processo Penal. Todavia, é inegável a

permeabilidade da tecnologia nas práticas processuais, haja vista que em algumas disposições

contidas em normas esparsas, já há previsibilidade para adoção destas práticas. Deste modo,

consignam Barros e Romão 262 (2006, p. 122), que

O Código de Processo Penal de 1941 não prevê o emprego dessa tecnologia, mas nosso ordenamento jurídico já possui normas que contemplam o referido sistema, nesse sentido é a regra do art. 69, n. 2, do Decreto n. 4.388, de 25/9/2002, o qual recepcionou em nosso ordenamento o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional [...].263

Em que pesem as considerações tecidas com relação às vantagens oferecidas

pela utilização de tecnologias eletrônicas a serviço da administração da justiça, continuam a

261 BARROS, Marco Antônio de; ROMÃO, César Eduardo Lavoura. Internet e videoconferência no processo penal, in Revista CEJ, n. 32, p. 116-125, jan./mar. 2006. Os autores explica neste trecho, pormenorizadamente, como funciona o sistema de teleinterrogatório em algumas varas criminais do estado de São Paulo. 262 BARROS; ROMÃO, loc. cit. 263 Preceitua o art. 69, n. 2, do Decreto n. 4.388, de 25/9/2002: 2. A prova testemunhal deverá ser prestada pela própria pessoa no decurso do julgamento, salvo quando se apliquem as medidas estabelecidas no artigo 68 ou no Regulamento Processual. De igual modo, o Tribunal poderá permitir que uma testemunha preste declarações oralmente ou por meio de gravação em vídeo ou áudio, ou que sejam apresentados documentos ou transcrições escritas, nos termos do presente Estatuto e de acordo com o Regulamento Processual. Estas medidas não poderão prejudicar os direitos do acusado, nem ser incompatíveis com eles. Disponível em http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/decreto/2002/D4388.htm. Acessado em 30/03/2007. Estipula o art. 24, item 2, b, do Decreto n. 5.015, de 12/03/2004, que sancionou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transacional:

109

existir posicionamentos contrários à adoção do sistema de teleconferência e, neste sentido,

apresenta-se parte do entendimento jurisprudencial:

Interrogatório on line – Nulidade: – O interrogatório judicial realizado a distância, por sistema de videoconferência, que tem sido denominado interrogatório on line, revela patente nulidade por violar princípios de natureza constitucional, em especial os da ampla defesa e do devido processo legal. (TACRIM/SP - Apelação nº 1.393.005/9 – São Paulo – 10ª Câmara – Relator: Ary Casagrande – 22.10.2003 – V.U.)264.

Partilhando do mesmo entendimento, Jesus265 (2005, p. 176) preceitua que

“Com o novo § 1º (da Lei 10.792/03), entendemos superada a possibilidade de realização do

interrogatório on line. Estando o réu preso, deve o interrogatório ser realizado no

estabelecimento que ele está encarcerado, conquanto sejam garantidas condições de

segurança”, restando, na fundamentação oferecida pelo autor, que não se justifica a realização

do procedimento eletrônico nos casos de réu preso, visto que a o Código de Processo Penal é

claro ao estabelecer que nestes casos a audiência deve ocorrer in locu.

Demonstrando que é possível aliar qualidade da prestação jurisdicional, ao

mesmo tempo em que se asseguram direitos e garantias fundamentais dos cidadãos acusados,

vários países já adotaram e normatizaram a utilização de meios eletrônicos nos procedimentos

judiciais, modernizando e agilizando o trabalho desenvolvido pela administração da justiça.

Ensinam Barros e Romão 266 (2006, p. 121) que os Estados Unidos, a Itália,

o Reino Unido, a Espanha, a França, entre outros, já dispõem de previsão legal que

regulamenta a utilização dos meios eletrônicos no processo, o que demonstra que existe a

possibilidade de sua adoção sem ferimento de direitos e garantias fundamentais.

Por consideração derradeira acerca dos procedimentos processuais efetuados

eletronicamente, insta registrar que, apesar de parte da doutrina considerar que os atos

264 Disponível em: http://www.tacrim.sp.gov.br/jurisprudencia/ementario/html/ementario50.html. Acessado em 03 de fevereiro de 2007. 265 JESUS, Damásio Evangelista de. Código de Processo Penal anotado. 22. ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2005. 266 BARROS, Marco Antônio de; ROMÃO, César Eduardo Lavoura. Internet e videoconferência no processo penal, in Revista CEJ, n. 32, p. 116-125, jan./mar. 2006. Os autores escrevem que: “Nos Estados Unidos, desde 1983, o vídeo-link tem previsão na legislação processual, tanto no âmbito federal como no estadual, sendo possível a realização de depoimentos e interrogatórios com o fito de evitar o contato das vítimas com seus agressores e preservar a integridade dos acusados nos casos de grande repercussão social. A Itália também adotou esse sistema em 1992, visando reprimir a máfia. Atualmente emprega a tecnologia para a oitiva de presos perigosos, em hipóteses definidas por sua legislação. No Reino Unido, com a adoção da Lei Geral sobre Cooperação Internacional em matéria criminal, desde 2003 é possível que testemunhas na Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte ou no País de Gales prestem depoimentos por meio dessa tecnologia. A Espanha também tem regulamentação sobre a matéria e emprega o sistema, principalmente para a preservação de vítimas e testemunhas. Já o Código Penal francês, desde 2001, prevê a utilização de meios eletrônicos de comunicação para a oitiva de testemunhas e o interrogatório dos acusados”.

110

procedimentais on line podem ferir direitos e garantias fundamentais assegurados

constitucionalmente, é inegável sua contribuição para a celeridade processual, princípio este

que fora elevado à categoria de direito fundamental por meio da previsão de razoabilidade da

duração do processo, disposto no artigo 5°, inciso LXXVIII do Diploma Maior.

Em assim sendo, a celeridade deve ser interpretada em conjunto com o rol

de direitos e garantias constitucionais para aferir se, realmente e, até que ponto, a utilização

dos procedimentos eletrônicos fere o referido rol insculpido pelo artigo 5° da Constituição da

República.

Preocupando-se com a morosidade na prestação jurisdicional, a qual

acarreta uma série de danos efetivos ao jurisdicionado, o legislador pátrio insere no sistema

jurídico nacional a Emenda Constitucional n.° 45/04 que, como explicitado no capítulo

anterior, traz, expressamente, a implantação de importantes mudanças na administração da

justiça, ou melhor, propugna por mudanças na estrutura e na postura do Poder Judiciário,

proporcionando, via de conseqüência, uma aceleração na resposta jurisdicional às demandas

em andamento.

Insta ressaltar que a celeridade na prestação jurisdicional, sem deixar de

lado a segurança jurídica, é preocupação antiga no ordenamento brasileiro e que nos diversos

tratados internacionais estudados no capítulo anterior, onde houve ratificação do Brasil,

recepcionou-se automaticamente as determinações concernentes à tutela dos direitos

humanos, sendo que a apreciação de um processo em tempo razoável, sem dilações indevidas,

fez parte de diversos deles.

Resta, portanto, que a obrigatoriedade do Poder Judiciário brasileiro em

entregar uma resposta às lides a ele proposta em tempo razoável, já existe há anos no sistema

jurídico, todavia, somente com a Emenda Constitucional n.° 45/2004 elevou-se

expressamente esta obrigação à categoria de direito fundamental.

Assim, corroborando o acima afirmado, firmam-se as palavras de

Rodrigues267 (2005, p. 288):

Pode-se dizer que essa emenda, relativamente ao tema tempo e processo, guarda importância em pelo menos quatro aspectos: a) no campo constitucional torna expressamente obrigatória a prestação jurisdicional em um prazo razoável. Embora essa garantia já integrasse o ordenamento jurídico, de forma expressa na Convenção Americana de Direitos Humanos e, de forma derivada, nas garantias constitucionais da inafastabilidade do Poder judiciário e do devido processo legal, a sua inclusão em

267 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ec N. 45: aceso á justiça e prazo razoável na prestação jurisdicional. in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004 .Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

111

texto próprio possui significado político fundamental, pois elimina qualquer discussão que ainda testasse sobre a sua existência; b) estabelece, pelo menos de forma indireta, a definição de que prazo razoável é o prazo legal; c) juntamente da garantia em si da prestação jurisdicional em um prazo razoável, trouxe o Texto Constitucional também, de forma expressa, a exigência da existência dos meios que garantam a celeridade processual; e d) traz um conjunto de determinações relativamente à organização do poder judiciário que se adequadamente implementadas podem auxiliar decisivamente no cumprimento do mandamento constitucional.[...]

A referida Emenda traz uma série de modificações estruturais no Judiciário

e a estipulação de regras e sanções para os membros deste Poder que descumprirem o

determinado pela mesma. Além disso e, especialmente, apresenta duplo direcionamento a

inserção do inciso LXXVIII do artigo 5°, na medida em que estatui o tempo razoável de

duração do processo como direito fundamental do cidadão e exige que o Poder Público crie

condições de efetivar a prestação jurisdicional sem existência de dilações indevidas no

deslinde processual.

Para o cumprimento do direito constitucional de prestação jurisdicional em

tempo razoável, apresentam-se como alterações impostas, com relação à administração da

justiça, as abaixo descritas por Carvalho268 (2005, p. 222):

(i) aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento; (ii) não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolve-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão; (iii) a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e nos tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente; (iv) o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população; (v) os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório; (vi) a distribuição de processos será imediata em todos os graus de jurisdição; (vii) as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo STF, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e á administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal; (viii) no recurso extraordinário, o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusa-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (ix) os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais Regionais do Trabalho instalarão a justiça itinerante com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da respectiva jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários; (x) Os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais Regionais do Trabalho poderão funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno

268 CARVALHO, Fabiano. EC n. 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

112

acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo; (xi) o Tribunal de Justiça poderá funcionar descentralizadamente constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo. (xii) o Tribunal de Justiça instalará a justiça itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade jurisdicional, nos limites territoriais da jurisdição, servindo-se de equipamentos públicos e comunitários; (xiii) para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça proporá a criação de varas especializadas com competência exclusiva para questões agrárias; (xiv) a distribuição de processos no Ministério Público será imediata;[...]

Percebe-se que na descrição dos itens (i) e (ii) a intenção do legislador é,

sem laivos de dúvidas, coibir a omissão de magistrados descomprometidos com seu labor, na

medida em que prevê maior “valorização” na carreira àquele que se mantiver atualizado com

cursos oficialmente promovidos pela Instituição ou outro de aperfeiçoamento, bem como abre

preferência à promoção aos magistrados que não retêm processos injustificadamente,

estipulando ainda que escoado o prazo legal para despacho, os autos não podem ser

devolvidos ao cartório sem manifestação do juiz.

Dos itens (iii) a (xiv) há o elenco de medidas de reestruturação do Poder

Judiciário, consignando-se que há de se considerar que as reformas implementadas pela

Emenda Constitucional n.° 45/2004 acima dispostas, foram um grande avanço na

administração da justiça brasileira, entretanto, é imperioso destacar que serão medidas inócuas

se o Estado não oferecer condições materiais a sua execução, especialmente nas reformas

estruturais, pois apenas a apresentação das mesmas são insuficientes quando se trabalha com

leis que procrastinam desnecessariamente o deslinde processual, concluindo-se que, ainda, a

solução ideal para dirimir a problemática do atraso na prestação jurisdicional é a combinação

entre a implantação de reestruturação do Poder Judiciário com uma reforma na legislação

processual, extirpando recursos desnecessários e de caráter unicamente procrastinatórios, bem

como estabelecendo sancionamento severo aos sujeitos processuais que desrespeitem os

prazos estabelecidos pela lei.

Neste sentido, manifesta-se Machado269 (2005, p. 66) pontuando que “Para

uns, tal Reforma270 vai resolver o problema, de pronto, as mazelas do Poder Judiciário,

enquanto para outros, é indispensável uma outra reforma: a das leis processuais, sem as quais,

de nada adianta o alarde feito...”.

269 MACHADO, Agapito. A nova reforma do poder judiciário: PEC n. 45/2004, in Revista CEJ, n. 28, p. 64-70. Brasília, jan/mar., 2005. 270 O autor refere-se ás reformas na estrutura do Poder Judiciário trazidas pela Emenda Constitucional 45/2004.

113

Sob o ponto de vista de Theodoro Júnior271 (2005, p. 70-71), o início de

qualquer modificação, seja ela legislativa ou na estrutura do Poder Judiciário, somente pode

ocorrer quando houver, primeiramente, um estudo pormenorizado das atividades forenses,

traçando estatísticas que levantem as causas reais da demora na prestação jurisdicional para

que, após a conclusão da pesquisa, soluções com embasamento científico possam ser

apontadas como viáveis e cabíveis a dirimir a problemática da morosidade. Assim, escreve o

autor que

Não há o mínimo de racionalidade administrativa, já que inexistem órgãos de planejamento e desenvolvimento dos serviços forenses, e nem mesmo estatística útil se organiza para verificar onde e porque entrava a marcha dos processos. Sem apoio de dados cientificamente pesquisados e analisados, a reforma legislativa dos procedimentos é pura inutilidade, que só serve para frustrar, ainda mais, os anseios por uma profunda e inadiável modernização da Justiça. Sem estatística idônea, qualquer movimento reformista perde-se no empirismo e no desperdício de energias por resultados aleatórios e decepcionantes.

Mesmo com a falta de estatísticas e embasamento científico, há quem

aponte sugestões no intuito de contribuir com o fim dos indevidos atrasos processuais, como

demonstrado pelas palavras de Machado272 (2005, p. 66), onde o autor consigna a necessidade

em se tomar algumas atitudes de caráter reformista (na lei processual), bem como se adotar

medidas de reestruturação do Poder Judiciário, elencando, para tanto, as seguintes hipóteses:

[...] a) eliminar alguns recursos desnecessários, bem como o duplo grau de jurisdição; b) especificamente quanto ao gravo de instrumento, restringir sua utilização perante os tribunais; c) ensejar a efetiva criação de vagas para provimento, via concurso público, de juízes e servidores, uma vez que hoje há um magistrado para uma média de 14.000 habitantes; eliminar prazos processuais em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer, para a Fazenda Pública, notadamente em matérias de mera interpretação de lei ou já provada por documentos juntados aos autos, hipóteses que não demandam nenhuma dependência de seus órgãos a quem pede dados para a respectiva defesa; [...]

As considerações acima tecidas são voltadas à seara processual civil,

todavia podem ser vertidas à análise no plano processual penal, como, por exemplo, quando

aponta para a realidade da insuficiência do número de magistrados atuantes no país, o que

271 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais, in Revista de Processo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, n. 125, ano 30, jul./2005. 272 MACHADO, Agapito. A nova reforma do poder judiciário: PEC n. 45/2004, in Revista CEJ, n. 28, p. 64-70. Brasília, jan/mar., 2005.

114

gera uma sobrecarga desumana de trabalho, e, via de conseqüência, morosidade na resposta

jurisdicional.

Outro apontamento estabelecido no trecho anteriormente transcrito que

poderia ser aplicado ao direito processual penal, é a eliminação de recursos desnecessários,

bem como do duplo grau de jurisdição. Insta relembrar que as leis são executadas por homens

e, por maiores que sejam os cortes estabelecidos na área recursal, os institutos que restarem

podem ser manipulados pelos operadores do direito para procrastinarem o andamento

processual. Necessita-se, portanto, de uma verdadeira conscientização da função dos recursos

previstos na legislação brasileira.

Num segundo momento, o autor propugna a extinção da possibilidade de

reexame das decisões exaradas em primeira instância por tribunal superior. A proposta de

abolir-se o duplo grau de jurisdição implicaria, especialmente no direito penal e processual

penal, no ferimento de inúmeras outras garantias processuais, como, por exemplo, ampla

defesa, o que, conseqüentemente, é inadmissível, vez que ambas garantias processuais

encontram-se salvaguardadas pela Constituição Federal e por diversos tratados, acordos e

convenções internacional ratificadas pelo Brasil.

Mas, em verdade, como preceitua Theodoro Júnior273 (2005, p. 71), de nada

adianta desdobrar-se em análises isoladas de reforma legislativa ou judiciária no ordenamento

jurídico ou administração da justiça, seja no Brasil ou em qualquer outro país, pois o que o

ambos poderes precisam entender é que

O que urge enfrentar e analisar, não é a lei em si, mas seu impacto entre a ação da parte que postula a prestação jurisdicional e a conduta dos órgãos encarregados de realizá-la. E o que, empiricamente, se constata é que, malgrado as sucessivas alterações das leis processuais, a Justiça continua rotineira e ineficiente”, apegada a métodos arcaicos e que, fatalmente, redundam em “julgamentos tardios”, que mais negam do que distribuem a justiça.

Questiona o autor que nada adianta fixar prazos processuais para as partes,

se nos cartórios demoram-se meses para promover uma publicação em diário oficial.

Considera que “O que retarda intoleravelmente a solução dos processos são as etapas mortas,

isto é, o tempo consumido pelos agentes do Judiciário para resolver a praticar os atos que lhes

competem, o processo demora é pela inércia e não pela exigência legal de longas diligências”

273 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais, in Revista de Processo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, n. 125, ano 30, jul./2005.

115

(THEODORO JÚNIOR, 2005, p. 71) 274, corroborando seu posicionamento de que não

adianta reformas na lei processual se não houver modificação real da postura daqueles a quem

o Estado atribuiu a missão de administrar a justiça e, derradeiramente, considera que não é por

simples mudanças nas leis processuais que irá tornar-se realidade

[...] as garantias cívicas fundamentais de acesso à justiça e de efetividade do processo. O tão sonhado processo justo, e empolgou e dominou os processualistas no final de século XX continua a depender de reformas, não de leis processuais, mas da justiça como um todo.[...] É preciso que os juristas tenham humildade e sabedoria de reconhecer que a modernização e aperfeiçoamento da Justiça não é tarefa que eles sozinhos possa executar (THEODORO JÚNIOR, 2005, p. 73-74) 275

Neste passo, insta relembrar o anteriormente exposto em relação à

globalização da crise da morosidade da prestação jurisdicional, elencando, assim com fez-se

com o Brasil, as principais medidas adotadas por diferentes países na busca da minimização

da incidência do tempo nos processos.

Aponta Porfírio276 (2003, p. 122) que países como França, Alemanha e

Portugal, no intuito de desafogar o número de demandas penais procederam à criação de

ilícitos de mera ordenação social para coibir preventivamente na forma administrativa, condutas danosas nas áreas de saúde, educação, economia, meio ambiente, trânsito, consumo e outras mais, adotando-se a fórmula de um pseudo-direito penal, aplicado por procedimento simplificado, administrativo, flexível, sem regras rígidas, no qual as agências reguladoras (agencies, autoridades independentes, unidades administrativas independentes) assumem o papel repressivo, acumulando funções administrativas, legislativas e jurisdicionais. Também o procedimento é menos coativo, pois se excluem medidas privativas de liberdade, sejam cautelares sejam a título de apenação.

Nesta atitude dos países retronominados, vislumbra-se, claramente, a

iniciativa em minimizar o campo de alcance do direito penal, delegando à seara administrativa

os ilícitos de menor potencial ofensivo, o que desafoga o trabalho do Poder Judiciário, vez

que deixam de trabalhar em grande número de lides penais que passam a ser resolvidas de

forma simplificada, célere e, ao mesmo tempo, recebendo tratamento repressivo pelos agentes

274 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais, in Revista de Processo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, n. 125, ano 30, jul./2005. 275 Ibid., p. 73-74. 276 PORFIRIO, Geórgia Bajer Fernandes de Freitas. Celeridade do processo, indisponibilidade da liberdade no processo penal e prescrição retroativa. In Revista Brasileira de Ciências Criminais, n° 45. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, ano 11, outubro-dezembro de 2003.

116

apontados pelo Estado para o ato, configurando-se a estes países a adoção do direito penal de

intervenção mínima, gerando um direito de mera ordenação social.

Mas além da citada medida, Porfírio277 (2003, p. 126) elucida outras

adotadas por países europeus, tais como a utilização, pela Itália, de cinco procedimentos

processuais penais diferentes, aplicados conforme a análise da complexidade do caso

concreto, chegando-se, consoante relatado pela autora, a suprimir o princípio da nulla poena

sine judicio em determinadas situações.

Não obstante, ainda na Itália, a preocupação de incorporar ao texto

constitucional a garantia de duração razoável de um processo, surgiu somente em 1999,

ocasião em que o país sofreu uma série de condenações (conforme exposto no capítulo 2). A

partir daí, em 2001, estipulou-se no ordenamento jurídico italiano a existência do

ressarcimento por danos materiais e morais ao jurisdicionado que padecesse pela excessiva

demora (injustificada) da prestação jurisdicional.

Completando o consignado, escreve Bezerra278 (2005, p. 472) que “Percebe-

se, portanto, que na singular experiência italiana, a previsão do direito à razoável duração do

processo foi também acompanhada da criação de um mecanismo que, se não previa na

integralidade, ao menos previa na reparabilidade os eventuais danos decorrentes do

desrespeito a este preceito”, demonstrando que o referido ordenamento jurídico buscou

soluções reparadoras àqueles que sofreram danos em razão da morosidade da prestação

jurisdicional.

Na Alemanha, conforme relatado por Porfírio279 (2003, p. 126), houve uma

mudança legislativa em 1994, procurando-se cada vez mais acelerar o processo. Na busca de

soluções para imprimir maior agilidade à reposta jurisdicional, houve delegação ao juiz da

oportunidade de analisar, no caso concreto, a possibilidade de julgamento imediato da

demanda, modificação esta implantada na legislação e que vem refletir a “[...] política

criminal do voltada ao Estado-providência”, adotada pelos alemães desde 1975.

No sistema francês utiliza-se um procedimento que, diante dos parâmetros

processuais adotados no Brasil, é absolutamente inaceitável. Elide-se a fase instrutória,

277 PORFIRIO, Geórgia Bajer Fernandes de Freitas. Celeridade do processo, indisponibilidade da liberdade no processo penal e prescrição retroativa. In Revista Brasileira de Ciências Criminais, n° 45. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, ano 11, outubro-dezembro de 2003. 278 BEZERRA, Márcia Fernandes. O direito à razoável duração do processo e a responsabilidade do Estado pela demora na outorga da prestação jurisdicional, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 279 PORFIRIO, loc. cit.

117

passando-se, diretamente, ao julgamento e à aplicação de pena pelo Ministério Público, não

havendo, nesta forma de agir, oportunidade ofertada ao acusado em produzir provas.

Sob o ponto de vista de Almeida e Cruz280 (1999, p. 166-167) a solução para

extirpar as delongas desnecessárias do processo deve partir dos aplicadores do direito, por

meio de uma conscientização coletiva - de magistrados, promotores e advogados - de que suas

funções dentro da demanda são importantes e que sua forma de agir individual, somada à dos

demais sujeitos processuais, é determinante para a decisão de quanto tempo um processo

demora a ser decidido.

Além disso, os autores consideram que os prazos processuais estipulados

pelo Código de Processo Penal devem ser encarados como parâmetros temporais ao

cumprimento de atos procedimentais e que, não necessariamente, precisam ser utilizados

inteiramente e, jamais, podem ser desrespeitados, propugnando, ainda como solução à

morosidade, pela simplificação dos procedimentos, atentando-se ao cuidado de não expor a

parte a qualquer risco de lesão a direitos e garantias fundamentais. Neste sentido, escrevem

que

A concentração dos atos processuais – subprincípio da oralidade chiovendiana – deve ser buscada ainda quando a lei não o determina. Para tanto a anuência das partes e a certeza que nenhum prejuízo advirá da eliminação de um prazo estabelecido em garantia do acusado. Ad exemplum, nada impede que, sob a concordância do acusado e de seu defensor, se realize uma única audiência para a oitiva das testemunhas de acusação e de defesa. Ainda com o consenso das partes, por que não produzires, oralmente, as alegações finais ao encerramento da audiência de instrução, naquelas situações em que os fatos restam induvidosamente demonstrados, de tal modo a ensejara brevidade nas derradeiras alegações? Quanto aos processos, procuramos iniciá-lo com denúncias concisas, inclusive no que respeita ao rol de testemunhas, o qual deve ter sua abrangência limitada às pessoas cujos depoimentos sejam efetivamente relevantes. Por que arrolarmos todas as pessoas ouvidas no inquérito policial se apenas uma parte delas tem algo útil a dizer em juízo? Ainda no terreno da prova testemunhal, insistência em ouvir determinada testemunha que não compareceu à audiência, somente se justifica pela absoluta imprescindibilidade de seu depoimento. (ALMEIDA E CRUZ, 1999, p. 166-167) 281

Como se observa no trecho acima transcrito, há acentuada tendência em

comprovar-se que a solução à demora na resposta jurisdicional encontra-se nas mãos dos

sujeitos responsáveis pelo deslinde processual, ou seja, o magistrado, o promotor e o

280 ALMEIDA, André Vinícius E. S. e; CRUZ, Rogério Schietti M.;. Celeridade-qualidade: um binômio possível, in Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Brasília, v. 01, n° 8, p 163-171, jul/dez, 1996. 281 ALMEIDA; CRUZ, loc. cit.

118

advogado de defesa. Acredita-se que as leis não precisam ser modificadas; o que é preciso

modificar-se é a postura das pessoas que trabalham com as leis.

Complementando a idéia proposta, Rodrigues282 (2005, p. 285) assevera que

são absolutamente inócuas as reformas legislativas e estruturais do Poder Judiciário se não

houver uma transformação social e econômica no país, pois considera que o problema da má

administração da justiça, que gera a morosidade na prestação jurisdicional, resultando uma

resposta ao jurisdicionado que não atende aos anseios sociais, tem suas raízes em problemas

diversos aos propriamente processuais. Assim, escreve que todas as soluções apresentadas

pelo legislador e doutrinadores são paliativas, considerando que

[...] são instrumentos paliativos de um sistema precário que urge por modificações estruturais. Não se resolverão os problemas da administração da justiça sem uma política séria de ampliação do alcance do acesso à justiça que passe por uma melhor distribuição de renda, pela ampliação das oportunidades de trabalho, pelo pleno acesso à educação de qualidade, pelo combate à corrupção e ao neopositivismo ainda presentes em parte da estrutura estatal e judicial e por uma verdadeira revolução no campo da técnica processual, que deve passar não mais por meras reformas, mas por reformas radicais ou, quem sabe, pela substituição do próprio sistema. Os instrumentos existentes nos ordenamentos jurídicos são ineficazes para resolver aspectos do problema que transcendem o universo formal e esbarram nos aspectos políticos, econômicos e social.

No processo penal, os resultados da incidência do excesso de tempo no

processo são nefastos, causando desde o empobrecimento do réu e seus dependentes até danos

irremediáveis no psicológico do acusado, temas estes a serem abordados com maior

profundidade no capítulo 4.

Isto posto, como considerações derradeiras, cabe registrar que, diante da

realidade de que a prestação jurisdicional é responsabilidade estatal e o jurisdicionado tem o

direito, constitucionalmente assegurado, em assistir a resposta de sua demanda em tempo

razoável, livre de prolações indevidas, é imperioso que acaso venha o Estado, no

desenvolvimento das atribuições jurisdicionais, a ocasionar prejuízo ao cidadão que acessou a

justiça, deverá compensá-lo.

Como forma de dirimir a problemática das compensações devidas (ou não)

aos jurisdicionados, a doutrina criou as soluções compensatórias (no âmbito civil e penal),

282 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ec N. 45: aceso á justiça e prazo razoável na prestação jurisdicional. in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004.Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

119

processuais e sancionatórias, soluções estas que serão explicadas baseando-se nos

ensinamentos de Lopes Júnior e Badaró283 (2006, p. 119-131).

Entretanto, antes de ingressar no esclarecimento de cada uma delas, cumpre

registrar, como ensinado nas palavras de Rodrigues284 (2005, p. 290)

Essa demora, para ferir a garantia constitucional, deve decorrer de inércia ou omissão do órgão jurisdicional, quer seja ela voluntária ou involuntária. Ela é voluntária quando o órgão jurisdicional propositalmente não cumpre os prazos estabelecidos, inverte a ordem de julgamentos dos processos, beneficiando alguns litigantes e prejudicando outros, não decide ou adia a tomada de decisões. É involuntária quando decorre do excesso de trabalho, da falta de material humano e de estrutura e de problemas contidos na própria legislação processual. Quando a demora é voluntária, a culpa é do Estado, pois ele é o responsável direto pelos atos dos seus agentes. Quando a demora é involuntária, também a culpa é do Estado, que não pode alegar para o não cumprimento de seus deveres o fato e ser incompetente na gestão pública.

Assim, entende-se que, independentemente de contribuir voluntária ou

involuntariamente na demora na prestação jurisdicional, o Estado sempre será

responsabilizado pela procrastinação indevida dos feitos jurisdicionais, pois a tarefa de

administrar a justiça é, indiscutivelmente, do Poder Público e o cidadão não pode pagar por

uma irresponsabilidade (voluntária ou não) dos órgãos estatais.

Nesse passo, destacam-se as soluções doutrinárias oferecidas ao

jurisdicionado lesado pela infringência do preceito constitucional de razoável duração de um

processo, quais sejam:

a) soluções compensatórias civis: o jurisdicionado faz jus ao recebimento

de certa importância em dinheiro como compensação pelo “tempo

perdido”, pois, como propugna, com propriedade Lopes Júnior e

Badaró285 (2006, p. 121) , “não resta dúvida que a violação do direito

ao julgamento num prazo razoável deve ser reparada” o que, não

obstante na seara penal, trata-se de uma solução simbólica e não real,

pois “[...] o tempo perdido não poderá mais ser efetivamente

ressarcido”, vez que “A flecha do tempo é irreversível e o tempo que o

Estado indevidamente se apropriou, jamais será suficientemente

283 LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2006. 284 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ec N. 45: aceso á justiça e prazo razoável na prestação jurisdicional. in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004.Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 285 LOPES JÚNIOR; BADARÓ, op. cit., p. 121.

120

indenizado, pois não pode ser restituído” (LOPES JÚNIOR E

BADARÓ, 2006, p. 129) 286.

Neste sentido, corroborando o exposto, posiciona-se Pastor287 (2002, p. 523)

quando propugna que a solução compensatória constitui apenas uma reparação simbólica, não

pretendendo buscar, no caso concreto, restabelecimento do status quo ante, mesmo porque

isso é impossível, constituindo-se, assim, em uma simbólica prestação pecuniária de

reconhecimento, por parte do infrator, de que se apossou, ilegalmente, do tempo do acusado,

infringindo um direito constitucionalmente assegurado.

Contudo, apesar de ser assentado o entendimento positivo pelo

ressarcimento civil ao jurisdicionado que sofreu lesão em razão da morosidade indevida do

processo, esbarra-se num segundo problema: a falta de legislação que normatize o

procedimento, o que gera outra batalha judicial entre o demandante e, desta vez, o próprio

Estado.

b) soluções compensatórias penais: no âmbito do direito penal, entende-se

ser possível que, se um processo dura, injustificadamente, mais tempo

que o necessário à persecução da verdade real, ao atendimento do

devido processo legal e de sua própria finalidade, já consiste, em si

mesmo, uma punição, devendo, portanto, esta punição ser descontada

na ocasião da fixação da pena. Ensina Lopes Júnior e Badaró288 (2006,

p. 124) que

[...] a duração irrazoável do processo, que por certo constitui uma espécie de sanção antecipada, pela incerteza que tal estado acarreta, bem como pelos danos morais, patrimoniais e jurídicos, deve ser considerada circunstância relevante posterior ao crime, caracterizando-se como circunstância atenuante inominada, nos termos do art 66 do CP. Assumindo o caráter punitivo do tempo, não resta outra coisa ao juiz senão (além da elementar detração em caso de prisão cautelar) compensar a demora reduzindo a pena aplicada, pois parte da punição já foi efetivada pelo tempo.

286 LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2006. 287 PASTOR. Daniel. El plazo razonable en el proceso del estado de derecho. Buenos Aires: Ed. Ad Hoc, 2002. Citação na íntegra: En verdad, la solución compensatoria constituye solo una “reparación simbólica”, esto es, en el caso concreto, no busca restituir al status quo ante, porque no puede hacerlo, sino, tan sólo, compensar en bienes futuros (dinero, falta de cumplimiento total o parcial de la pena justa, según reglas del derecho penal) los bienes pasados que estaban en el poder del portador de la garantía y que le fueron sustraídos ilegítimamente. En sí o procura restituir la dignidad avasalada, sino reconocer, la injerencia ilegítima y compensar la pérdida, simbólicamente. Por ello, no tiene carácter preventivo para el caso concreto y posee escaso valor preventivo para casos futuros. 288 LOPES JÚNIOR; BADARÓ, op. cit., p. 124.

121

Por outro lado, há quem entenda que jamais um Estado pode permitir que

um processo penal dure a ponto de tornar-se, em si mesmo, uma pena ao acusado em razão de

sua excessiva duração, pois, senão, perderia sua função social, inadmitindo-se, portanto, a

utilização da solução compensatória penal acima proposta, como é o caso de Pastor289 (2002,

p. 529), assumindo posicionamento contrário à utilização de soluções compensatórias penais,

propugnando trata-se de uma afronta ao Estado Democrático de Direito, o qual assume a

responsabilidade exclusiva pela administração da justiça penal.

c) soluções processuais: consideram os doutrinadores que no caso de

haver delonga injustificada no deslinde do processo penal, a postura a

ser adotada pelo Poder Judiciário é a extinção do feito, pois

argumentam que se o Poder Público não é suficientemente competente

para solucionar os litígios que lhes são propostos em tempo aprazível, o

jurisdicionado não é obrigado a pagar por isso e, além deste fato,

consideram que a continuação do processo além do prazo razoável “[...]

não é mais legítima e vulnera o Princípio da Legalidade, fundante do

Estado de Direito, que exige limites precisos, absolutos e categóricos –

incluindo-se o limite temporal – ao exercício do poder penal estatal”.

(LOPES JÚNIOR E BADARÓ, 2006, p. 126) 290.

Neste sentido já se posicionou a legislação alienígena, onde países como a

Itália, a Alemanha, Portugal, Argentina, Chile, e Paraguai estabelecem um prazo dentro do

qual o Poder Judiciário deve prestar uma solução á demanda, sob pena de extinção do feito.

Registre-se que os prazos determinados por cada país, bem com a solução compensatória

apresentada por cada legislação já foram tratados no capítulo 1.

d) soluções sancionatórias: trata-se do único tipo de solução prevista pela

lei brasileira, determinando punições ao servidor que retardar a entrega

na prestação jurisdicional. A Emenda Constitucional n.° 45/2004 trouxe

esta solução ao ordenamento jurídico, na medida em que alterou a

redação do artigo 93, inciso II, alínea e, da Carta Magna estipulando

que “não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos

em seu poder além do prazo legal, não podendo devolve-los ao cartório 289 PASTOR. Daniel. El plazo razonable en el proceso del estado de derecho. Buenos Aires: Ed. Ad Hoc, 2002. Citação na íntegra: “La utilización de la falacia compensatoria penal representa solo uma forma arbitraria, preilustrada y, en fin, inaceptable desde el punto de vista del principio del Estado de derecho, de conformar la justicia”. 290 LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. 1. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006.

122

sem o devido despacho ou decisão”, reiterando o já estipulado pelo

artigo 801 do Código de Processo Penal, o qual assevera que “Findos

os respectivos prazos, os juízes e os órgãos do Ministério Público,

responsáveis pelo retardamento, perderão tantos dias de vencimentos

quantos forem os excedidos. Na contagem do tempo de serviço, para o

efeito de promoção e aposentadoria, a perda será em dobro dos dias

excedidos”, providências estas que, conforme informação prestada por

Lopes Júnior e Badaró291 (2006, p. 124), nunca foram aplicadas em um

caso concreto, tornando-se, desta forma, inócuas.

Em verdade, todas as soluções apontadas até o presente momento, sejam as

adotadas pelo Brasil ou por outros países, vislumbram solucionar os problemas gerados pela

morosidade na prestação jurisdicional, e, ao que parece, não trouxeram nada de decisivo,

traduzindo-se numa tarefa árdua a ser explorada pelos juristas e doutrinadores.

Certo e relevante é que a constatação de que a sociedade hodierna, com sua

estrutura politicamente organizada, entende, finalmente, que não pode permitir que o Estado

traga para si a responsabilidade de punir os cidadãos transgressores da lei e execute essa

missão de forma ineficiente, pois

Os longos prazos que transcorrem entre o ingresso em juízo e o resultado final dos processos fazem com que, em muitos momentos, haja uma série de questionamentos sobre a legitimidade do próprio sistema. Isso afasta dele uma série de conflitos que passam a ser solucionados por vias alternativas, muitas das quais significam, na prática, o retorno à autotutela e à barbárie. (destacou-se) (RODRIGUES, 2005, p. 286)292

Retornar à origem da organização política das sociedades, permitindo-se que

o cidadão, ao invés de acessar ao Estado utilize-se de meios próprios para compor seus

litígios, é permitir-se, de fato, o retorno às práticas de barbárie, cabíveis no regime da

autotutela, o que, para o Estado atual, seria inadmissível. Para conter essa situação, o Poder

Público deve atentar-se aos prazos, impedindo a demora na prestação de respostas às

demandas perante ele propostas, evitando que os litigantes busquem vias alternativas de

composição.

291 LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. 1. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006. 292 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ec N. 45: aceso á justiça e prazo razoável na prestação jurisdicional. in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004.Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

123

Neste passo, faz-se imperioso transcrever a constatação de Theodoro

Júnior293 (2005, p. 68), onde explica que, mesmo após a conscientização coletiva da

necessidade de prever expressamente em seus respectivos diplomas o direito fundamental do

cidadão a ter uma resposta judicial num prazo razoável, a crise da procrastinação do processo

continua. Dispõe o autor que

Ao findar o séc. XX, nem mesmo as nações mais ricas e civilizadas da Europa se mostram contentes com a qualidade da prestação jurisdicional de ser aparelhamento judiciário. A crítica, em todos os quadrantes, é a mesma: a lentidão da resposta da justiça, que quase sempre a torna inadequada para realizar a composição justa da controvérsia. Mesmo saindo vitoriosa no pleito judicial, a parte se sente, em grande número de vezes, injustiçada, porque justiça tardia não é justiça e, sim, denegação de justiça. (destacou-se)

Portanto, conclui-se que não basta almejar a possibilidade de uma prestação

jurisdicional liberta de prolações indevidas, sem que antes se extinga a morosidade, pois são

condições opostas - na ausência de uma, impera a outra – e diversos países do mundo estão

adotando medidas para tentar dirimir a problemática da morosidade, sem, contudo, obterem

grandes êxitos.

293 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais, in Revista de Processo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, n. 125, ano 30, jul./2005.

4 A INCIDÊNCIA DO TEMPO NO PROCESSO PENAL: PROCESSO

COMO DOR LEGITIMADA PELO ESTADO

“[...] o tempo é usado para punir, porque o réu é condenado para “pagar” com tempo sua privação de liberdade e resgatar sua dívida com a sociedade que agrediu com a conduta criminosa”. (THUMS, 2006, p. 2)294

A evolução das relações sociais obrigou o homem a organizar-se e delegar a

função de composição de litígios a terceiros estranhos à lide, conforme estudado nos capítulos

anteriores. Tratou-se da superação da autotuleta ou da vingança privada, sendo que a função

jurisdicional passa a ser de responsabilidade do Estado.

Corroborando o acima escrito, Tucci295 (1997) ensina que “O Estado

contemporâneo tem por escopo a manutenção da paz social, vetando a atuação autodefensiva

dos direitos subjetivos, com a imposição de normas regulamentadoras da conduta dos

membros da comunhão social”, constatando-se que quando os membros desta sociedade

transgridem as normas impostas pelo Estado a que eles se submetem, surge a necessidade de

imposição de sanções, as quais são direcionadas ao restabelecimento da ordem social, bem

como à punição do indivíduo infrator.

Não obstante, para chegar-se à aplicação de uma sanção à pessoa que

infringiu uma regra imposta a um determinado grupo social, o Estado necessita de uma

seqüência de procedimentos que seja uniforme, impessoal, que obedeça a uma ordem

predeterminada e que depende de tempo para ser concluída.

Surge, nesta perspectiva, o processo penal, instrumento responsável pela

verificação da real existência do cometimento de um delito tipificado pelo direito penal e

voltado a medir o quantum de tempo o criminoso deve ceder de sua vida particular para pagar

à sociedade o crime que cometeu.

Neste passo, pode-se afirmar que, hodiernamente, a sociedade seqüestra do

indivíduo infrator da lei material a sua liberdade e, conseqüentemente, seu tempo de convívio

com a própria sociedade, na qual ele violou direitos alheios e que, por isso, condenou-lhe ao

isolamento. 294 THUMS, Gilberto. Sistemas Processuais Penais: tempo, tecnologia, dromologia, garantismo. 1º ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006. 295 TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997.

125

Nas palavras de Carvalho296 (2005, p. 218), considera-se que “[...] tempo

implica transcurso, sucessão dos anos, dos dias, das horas etc., que envolve para o homem a

concepção de presente, passado e futuro. Quer dizer que o tempo é medida de duração de algo

que pode ser observado”, podendo-se concluir, então, que na medida em que o Estado priva o

indivíduo do transcurso do tempo em liberdade, convivendo com a sociedade de forma geral,

seqüestra o tempo do apenado, forçando-o à privação de sua liberdade, obrigando-o a

aguardar o tempo passar, detido ou recluso em um estabelecimento prisional, em cárcere

privado legitimado pelo Estado.

Todavia, nem sempre foi assim. Houve épocas na história da humanidade

onde o Estado infligia penas corporais aos acusados, as quais se revelavam verdadeiros

espetáculos para a sociedade que assistia sua execução. Com o transcurso dos séculos, este

panorama modificou-se, transcendendo das penas corpóreas às incorpóreas, onde não existe

mais o contato físico direto entre o representante do Estado e o apenado, substituindo-se as

penas aflitivas pelo seqüestro da liberdade do condenado.

Desta forma, entende-se necessário proceder a um breve registro acerca da

evolução das penas, desde a forma de aplicação até sua finalidade, acompanhando-se suas

gradativas modificações, que tomam o mesmo direcionamento das alterações de

comportamentos da sociedade primitiva à contemporânea.

4.1 Das penas

Desde os primórdios da civilização humana, a organização das relações

sociais fulcra-se no direito à propriedade. Nas sociedades primitivas a terra era considerada o

único bem de produção e pertencia à comunidade, onde se estabelecia a comunhão de direitos

e deveres de forma democrática, inexistindo relações de subordinação ou opressão, sendo que

o direito à sua exploração era pertinente a todos de forma igualitária, e qualquer problema

advindo desta condição de compartilhamento era resolvido entre os conflitantes, conforme

explicado anteriormente em relação ao sistema da autotutela.

Entretanto, com a evolução da humanidade, a natureza dos problemas

surgidos em razão das relações interpessoais foi sofrendo gradativa modificação, bem como

296 CARVALHO, Fabiano. EC n. 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

126

também houve transformações na qualidade e gravidade dos delitos cometidos em razão

destes novos problemas gerados.

Assim, o homem organizado socialmente, sentiu a necessidade de delimitar

de maneira objetiva quais eram seus direitos individuais e coletivos dentro da comunidade a

qual pertencia, buscando sistematizar normas a serem cumpridas e prevendo sanções aos

eventuais transgressores das referidas normas.

Neste processo, quando se procede à perquirição histórica da busca pela

delimitação de direitos e obrigações do homem no meio social em que habita, apura-se que tal

necessidade surgiu em razão dos conflitos advindos da transgressão ao direito de propriedade,

ou melhor, a supervalorização da terra em detrimento dos bens e direitos elementares

inerentes à pessoa humana, tais como o respeito à vida e a integridade física.

Isso ocorreu porque, na medida em que o homem aprimorou seus

relacionamentos sociais e intersociais, surgiu o sistema de apropriação privada dos bens

imóveis, instalando-se as primeiras relações de subordinação e opressão, que foram as causas

dos conflitos por posse e propriedade de bens imóveis, desencadeando uma variedade de

transgressões de outros direitos do cidadão, até então não experimentados pela sociedade,

havendo, portanto, a necessidade da preocupação em se tutelar os direitos acima

mencionados.

Consoante explicitado, na sociedade primitiva os bens pertenciam à

coletividade, verificando-se uma comunhão democrática de direitos, onde não havia opressão

política, social ou relações de subordinação. Entretanto, com o desenvolvimento do sistema de

apropriação privada, os proprietários dos meios de produção (donos das terras), passaram a

impor-se sobre os não proprietários, instaurando-se as primeiras relações de subordinação,

surgindo as figuras dos patrícios romanos, que eram as pessoas pertencentes à mais alta

camada social da sociedade antiga e, posteriormente, os senhores feudais, revelando-se como

indivíduos compositores do primeiro testamento social na sociedade medieval, tratando-se de

nobres detentores dos meios de produção – terras e implementos – e que gerenciavam o modo

de vida de grande parte da Europa medieval.

Já na formação das relações entre os detentores dos meios de produção e

seus subordinados, verificadas na época do império romano, constata-se a preocupação da

sociedade em minimizar os sofrimentos e injustiças advindas das desigualdades sociais

geradas pela má distribuição dos bens de produção, levando aos legisladores da época a

engendrarem institutos como a Lei de Valério Publícola (Roma), que proibia as penas

corporais infligidas contra os cidadãos e o Interdicto de Homine Libero Exhibendo, que é

127

fundamento do atual instituto do habeas corpus, instituindo a proteção jurídica da liberdade

do homem.

Entretanto, insta registrar que a necessidade do homem estabelecer regras de

convívio social, não surge somente nos limites do Império Romano ou na Europa Medieval,

mas sim anteriormente a estes fatos, sendo que no terceiro milênio A.C., na região do Egito e

da Mesopotâmia, estatui-se um conhecido documento de imposição de respeito aos direitos

individuais: a Lei do Talião ou Código de Hamurabi297, lei babilônica elaborada há mais de

três mil anos que preconizava a defesa absoluta da propriedade e que, por outro lado, em que

pese discriminar timidamente a tutela à vida, impunha castigos físicos desumanos a

criminosos, tais como empalamento, açoitamento até a morte, decepamento de mãos e outras

partes do corpo. Note-se que a tônica do documento do “olho por olho, dente por dente” é a

tutela do direito à propriedade e não a proteção de direitos inerentes ao homem como a vida, a

liberdade, a integridade física.

Todavia, com o transcurso dos séculos, a filosofia, a religião, a democracia e

demais institutos de ordem social, partindo de estudos da Lei do Talião, vislumbraram a

imprescindibilidade da humanização dos sistemas jurídicos, momento este em que surge o

Jusnaturalismo, corrente filosófica que preconiza a existência de um Direito Natural

considerado superior ao ordenamento jurídico escrito e organizado pelo homem. Originava-

se, então, a Lei da Doze Tábuas, sistema ordenado de leis ocidentais, considerado como

primeiro documento efetivamente consagrador dos valores de liberdade, propriedade e

proteção aos direitos dos homens.

Mas, para que a evolução do sistema jurídico alcançasse estas conquistas,

inúmeras pessoas tiveram seus direitos oprimidos, especialmente suas vidas suprimidas, pois,

consoante exposto, desde o início da organização do homem em sociedade, primou-se pela

proteção do direito à propriedade e, posteriormente, houve preocupação com os demais

direitos do homem.

Neste sentido, afirma Coelho298 (1991) que em todas as sociedades,

independente dos fatores culturais, econômicos e outros, impreterivelmente se instaura uma

relação de dominação e subserviência entre os conviventes, onde os opressores, por meio da

legitimação de direitos e manipulação dos oprimidos, vislumbram um único objetivo, qual

297 A cronologia atribuída ao Código de Hamurabi é controversa. A história coloca com incerteza as seguintes datas: 1792, 1750, 1728, 1730, 1698 AC, conforme informações extraídas de MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 3 ed. São Paulo: Ed. Atlas, 1997. 298 COELHO, Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito. 2. ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991.

128

seja, a obtenção do poder, instrumento da dominação do Estado. Em contrapartida, ressalta o

autor que, para que as massas oprimidas consigam o resguardo de seus direitos (oprimidos

pelos detentores do poder), sempre foi (e é) necessário o empreendimento de muita luta.

Corroborando a assertiva acima propugnada, afirma Bobbio299 (1992) que

não existem direitos fundamentais que o homem possa fazer jus somente por sua existência

humana, sublinhando que, ao longo da história, travaram-se inúmeras batalhas sangrentas para

que os direitos fundamentais pudessem ser legitimados pelos ordenamentos jurídicos.

No campo do direito penal, a dinâmica das relações do homem com sua

comunidade e do homem com o Estado foram fatores determinantes na evolução do

ordenamento material e processual, pois na medida em que a sociedade transformava o

estabelecimento de vínculos com seus membros e com o Estado, a prestação jurisdicional

penal ocorria de maneiras diferenciadas.

Superada no direito penal a fase talional, onde o Estado autorizava o

particular a compor privativamente sua lide, executando por ele mesmo a pena ao

transgressor, passa-se a analisar as penas aplicáveis quando da formação dos Estados

absolutistas europeus, destacando que a imposição da força e do poder do rei era o foco das

preocupações do século XVII e meados do século XVIII.

Em verdade, com a evolução das organizações comunitárias, surge o clamor

pela estruturação na maneira de punição ao infrator das normas sociais, cobrando-se do

Estado uma garantia de ordem social, razão pela qual o sistema de apenamento foi evoluindo,

bem como o modo e a forma de aplicação das penas. A este respeito, considera Dotti300 (1998,

p. 31) que

A idéia da pena como instituição de garantia foi obtendo disciplina através da evolução política da comunidade (grupo, cidade, Estado) e o reconhecimento da autoridade de um chefe a quem era deferido o poder de castigar em nome dos súditos. É a pena pública que, embora impregnada pela vingança, penetra nos costumes sociais e procura alicerçar através das formas do talião e da composição. E expulsão da comunidade é substituída pela morte, mutilação, banimento temporário, perdimento de bens.

No mesmo norte, ensina Foucault301 (2000) que o direito penal no regime

absolutista é exercido pela autoridade total de um poder judiciário centralizado na figura do

299 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 8. ed. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1992. 300 DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas. 2 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998. 301 FOUCALT, Michael. Vigiar e punir. 23 ed. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 2000.

129

rei, disseminando a idéia de que qualquer ato ilícito deve ser considerado um delito contra o

poder real, o qual deve ser visto pela população como intocável e ilimitado.

Nesta perspectiva, aos desafiadores das leis ditadas pelo governante

absolutista, eram impostas penas exemplares, como forma de aviso e intimidação a toda

população. É nesta época que as penas de suplício foram amplamente utilizadas na Europa.

O suplício caracterizou-se pela aplicação de penas corporais repletas de

crueldades e atrocidades, as quais eram executadas em locais públicos e que atendiam à

finalidade de demonstrar para toda sociedade qual era o apenamento imposto àqueles que

desrespeitassem as leis impostas pelo monarca.

Para obter-se a dimensão exata dos horrores sofridos por um réu condenado

a uma pena de suplício, Foucault302 (2000, p. 15) descreve as seguintes maneiras de aplicação

da sentença imposta:

[...] arrebentar um condenado sobre a roda, depois açoitá-lo até a perda dos sentidos, em seguida suspendê-lo com correntes, antes de deixá-lo morrer lentamente de fome. [...] o condenado era arrastado sobre uma grade (para evitar que a cabeça arrebentasse contra o pavimento), seu ventre aberto, as entranhas arrancadas às pressas, para que ele tivesse tempo de as ver com seus próprios olhos ser lançadas ao fogo[...]

Não obstante, insta registrar que o suplício não constituía a pena mais

freqüentemente aplicada na Europa medieval, sendo as penas de banimento ou multa as mais

comuns, compondo, estas últimas, cerca de noventa por cento das condenações exaradas na

época303.

Todavia, mesmos as penas que eram caracterizadas como não corporais,

vinham, na maioria das vezes, acompanhadas de penalidades acessórias com caráter de

suplício, pois cumulativamente ao banimento ou à multa, eram aplicadas a pena de açoite,

marcação com ferro candente, utilização pública de coleira de ferro, entre outras.

Interessante ressaltar que a função das penas de suplício era implantar no

homem a certeza de que se ele transgredisse uma norma, seria exposto aos horrores de uma

condenação pública e fisicamente dolorida, além de provocar intenso sofrimento aos parentes

e amigos que assistiam, juntamente com toda a comunidade local, a execução da sentença.

302 FOUCALT, Michael. Vigiar e punir. 23 ed. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 2000. 303 Informações baseadas em FOUCALT, op. cit., p. 30-31.

130

Entretanto, com o passar dos anos, já ao final do século XVIII despontam na

Europa as tendências filosóficas iluministas, apregoando a abolição dos castigos corporais

impostos pelos regimes absolutistas e propugnando a humanização dos direitos do cidadão.

O discurso propalado pelos filósofos iluministas, acabou por transformar a

percepção humana em relação às penas corporais. Argumentavam que na medida em que o

governo impunha castigos desumanos aos condenados, procedia-se a uma verdadeira inversão

de papéis, pois ele passava a ser visto pelos governados como um verdugo, o real infrator das

normas, vez que retribui o mal infligido pelo delinqüente com outro mal infinitamente maior,

“[...] fazendo o carrasco se parecer com criminoso, os juízes aos assassinos, invertendo no

último momento os papéis, fazendo o supliciado um objeto de piedade e admiração”

(FOUCAULT , 2000, p. 15) 304.

Neste passo, as penas corporais foram gradativamente sendo substituídas

pelas não corporais, constando-se que já ao final do século XVIII e início do século XIX elas

praticamente deixaram de existir. Entretanto, o marco definitivo de abolição das penas de

suplício foi a transição de uma sociedade feudal para uma sociedade capitalistas, fenômeno de

duração de quase três séculos que culminou com a Revolução Industrial, a qual iniciou-se na

Inglaterra, irradiando-se, posteriormente, aos demais países europeus.

Nesta nova sociedade, incipiente no modelo capitalista, o mercado é regido

pela lei da oferta e da demanda, observando-se que nos primeiros anos da industrialização, em

razão da decadência do sistema feudal, um sem número de servos migra para os centros

urbanos, gerando um excessivo e descontrolado aumento da concentração de pessoas nas

cidades o que, via de conseqüência, aumenta a oferta de mão-de-obra nas fábricas, fazendo

com que os detentores dos meios de produção remunerem mal seus operários.

Estes, por sua vez, sem a opção de voltar para a vida nos feudos, submetem-

se a prestar serviços durante doze, quatorze horas diárias, trabalhando, muitas vezes, somente

para suprir suas necessidades de sobrevivência, como alimentação e moradia.

Por outro turno, remunerando mal seus funcionários, os proprietários das

fábricas acumulavam mais capital, que era reinvestido no aumento da escala de produção,

comprando-se mais máquinas e abrindo novas vagas de trabalho. Assim, com o tempo, o

problema gerado pela excessiva oferta de mão-de-obra foi sanado, pois alargando a produção

de bens de consumo, existiu a necessidade de proceder-se a novas contratações.

304 FOUCALT, Michael. Vigiar e punir. 23 ed. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 2000.

131

Contudo, durante este processo de assentamento das massas servis no

espaço das urbes, as cidades contaram com uma superpopulação faminta, desempregada e

desesperada, capaz e disposta ao cometimento de qualquer atitude delinqüente para

manutenção de sua subsistência.

Os ilícitos praticados colocavam em risco a segurança almejada pela

sociedade capitalista, pois famintos poderiam invadir as fábricas e até mesmo as casas dos

manufatureiros buscando o resguardo de sua própria sobrevivência e, em última análise,

pleiteando o estabelecimento legal de uma igualdade social, haja vista que grande parte da

população passava por difícil situação econômica, enquanto uma minoria privilegiava-se com

a exploração do trabalho desta maioria desesperada.

Nesta perspectiva, os capitalistas necessitavam da imposição de um poder

fortificado, que controlasse a situação perigosa que se instalava gradativamente. Para tanto,

socorreram-se ao contratualismo proposto por Hobbes no século XVII, que concebia a paz

social por meio de imposição de um governo forte, que impusesse a definição exata das

atitudes proibidas e permitidas, firmando um contrato entre o governante e os governados e

estabelecendo sanções àqueles que descumprissem as condições avençadas.

Numa sociedade capitalista, entretanto, um operário que, eventualmente, se

envolvesse no cometimento de um crime, não poderia sofrer sanção corporal como as de

suplícios aplicadas nos dois séculos passados, afinal não se cobrava mais da pessoa

sofrimento e padecimento, mas sim uma reparação indenizatória pelo mal causado à

coletividade.

Como, em geral, os operários eram mal remunerados, não dispunham de

condições materiais para prestar qualquer tipo de indenização financeira à parte prejudicada

pelo cometimento de um delito, passou o Estado a tomar-lhe a única coisa capaz de produzir

algo que pudesse ser de valor financeiro, ou seja, sua capacidade de trabalho, possibilidade de

gerar lucros mediante a venda da mão-de-obra.

Para que houvesse beneficio extraído da capacidade de trabalho do infrator,

o Estado deveria manter cativa a pessoa do delinqüente, ocasião esta em que se seqüestra a

liberdade do ofensor para a prestação de serviços em prol do governo, havendo, portanto, o

surgimento da pena privativa de liberdade.

Analisam Zaffaroni e Pierangeli305 (1999, p. 263) que

305 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 2 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999.

132

Essa forma de pena – privativa de liberdade – era um modelo ideal para ser quantificado, o que também coincidia com as práticas do momento: a privação de liberdade pode ser medida em tempo, concebido este como algo linear, que se projeta em linha reta do passado até o futuro (esta visão de tempo já não é hoje admissível) e que, portanto, pode ser medida da mesma forma que as mercadorias e a moeda, de modo análogo aos das práticas comercias da época.

Corroborando a assertiva, expõe Foucault306 (2000) que, sob a perspectiva

da evolução de um modelo social feudal ao capitalista, a expiação da pena pela privação da

liberdade toma a forma de salário, vista na sociedade industrial como forma de reparação-

indenização do dano que o delinqüente causou no corpo social.

Trata-se de um raciocínio lógico para o período histórico em que foi

adotado, vez que cada hora que um operário cedia sua mão-de-obra no labor das fábricas,

revertia-se em moeda, em salário ao final de um período preestabelecido (dia, quinzena, mês,

por exemplo). Desta forma, o Estado procedia à conversão do tempo em que o acusado

deveria permanecer no cárcere em valores devidos a título de indenização pelo cometimento

do delito, sendo, portanto, o tempo da pena, medido de acordo com a gravidade e natureza do

crime cometido pelo delinqüente.

Todavia, ressalte-se que, como demonstra Zaffaroni e Pierangeli307 (1999,

p. 276), o desenvolvimento desta ideologia pautada no paradigma contratual, buscava

legitimar a aplicação da pena privativa de liberdade, revertendo-a em moeda, em indenização

“pecuniária” à sociedade e à vítima, vez que, na esmagadora maioria, os apenados eram

pessoas pobres, os quais deveriam vender sua força de trabalho para indenizar os prejuízos

decorrentes do cometimento do delito, tornando-se, portanto, prisioneiros do Estado.

A verdade é que os delinqüentes suscetíveis ao cumprimento das penas

privativas de liberdade, eram trabalhadores rurais, com habilidades de desenvolvimento de

atividades braçais voltadas para a vida no campo, sem aptidões suficientes ao labor nas

fábricas, o que tornava o encarceramento um ato simbólico, um meio de deter as multidões

famintas e, ao mesmo tempo, justificar socialmente as reclusões perpetradas.

Além destes fatos, resultantes da evolução histórica das relações de

trabalho, surgem, ao final do século XVIII, pensamentos filosóficos que se manifestam

contrariamente ao caráter desumano das penas de suplício, apregoando que, além do

abrandamento das penas, fazia-se necessário repensar a criação de mecanismos que fossem

suficientes a proporcionar a redução no cometimento de delitos.

306 FOUCALT, Michael. Vigiar e punir. 23 ed. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 2000. 307 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 2 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999.

133

Como todo processo, o amadurecimento das idéias propostas também foi

desenvolvendo-se gradativamente. Ensina Foucault308 (2000, p.14-15) que em 1791 a França

estatui em seu ordenamento jurídico a determinação que, nos casos em que o Estado

entendesse que era necessária a aplicação da pena capital, deveria o condenado ser executado

de forma instantânea, sem delongas ou torturas físicas, cuidando-se para que o sentenciado

não ficasse tempo demasiadamente longo em exposição ao público, bem como demonstrando

preocupação em minimizar o sentimento de dor e aflição de sua família.

Relata, ainda, que o hábito de marcar com ferro candente os condenados às

penas de banimento foi abolido em território francês em 1832; já em terras britânicas, em

1834, mantendo-se apenas o açoitamento por chicote, prática conservada pela Prússia e pela

Rússia, ressaltando, entretanto, que as penas de suplício, em geral, foram extintas das práticas

costumeiras dos europeus a partir do ano de 1840.

Em verdade esta preocupação um humanizar as penas vinha se

manifestando há tempos na Europa. Pode-se citar como exemplo a invenção de uma máquina

de enforcamento, testada em 1760 na Inglaterra e a utilização da guilhotina, a partir do mês de

março de 1792, onde “A morte é então reduzida a um acontecimento visível, mas instantâneo.

Entre a lei, ou aqueles que a executam, e o corpo do criminoso, o contacto é reduzido à

duração de um raio. Já não ocorrem as afrontas físicas; o carrasco só tem que se comportar

como um relojoeiro meticuloso” (FOUCAULT , 2000, p. 16) 309.

Derradeiramente, compete destacar que, sob a perspectiva analisada, o que

se pretende no século XIX é proscrever os suplícios perpetrados no passado, impingindo nova

conceituação à pena, qual seja, uma pena que aprisione a alma do condenado e não violente o

seu corpo.

Neste sentido, escreve Foucault310 (2000, p.18), esclarecendo que, em

razão da modificação de pensamento da sociedade ao final de século XVIII, existe uma

verdadeira transformação na postura assumida quanto à aplicação das penas, abandonando-se,

paulatinamente, a idéia de necessidade de expiação do suplício de forma degradante, expondo

308 FOUCALT, Michael. Vigiar e punir. 23 ed. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 2000. 309 Ibid., p. 16. A respeito do gradual desaparecimento das penas de suplício, insta registrar as seguintes considerações do autor (p. 17): “[...] embora se tenha alcançado o essencial da transmutação por volta de 1840, embora os mecanismos punitivos tenham adotado novo tipo de funcionamento, o processo assim mesmo está longe de ter chegado ao fim. A redução do suplicio é uma tendência com raízes na grande transformação de 1760-1840, mas que não chegou ao termo. E podemos dizer que a prática da tortura se fixou por muito tempo – e ainda continua – no sistema penal francês. A guilhotina, a máquina das mortes rápidas e discretas, marcou na França, nova ética da morte legal. Mas a Revolução logo a revestiu de um grandioso rito teatral. Durante anos, deu espetáculos. [...]” 310 Ibid., p. 18.

134

o corpo e a dignidade do condenado e de sua família a um sofrimento desumano e de acesso

livre ao público. Propugna o autor que

Se não é mais ao corpo que se dirige a punição, em suas formas mais duras, sobre o que, então, se exerce? A respostas dos teóricos – daqueles que abriram, por volta de 1780, o período que ainda não se encerrou – é simples, quase evidente. Dir-se-ia inscrita na própria indagação. Pois não é mais o corpo, é a alma. À expiação que tripudia sobre o corpo deve suceder um castigo que atue, profundamente, sobre o coração, o intelecto, a vontade, as disposições.

Desta forma, visto o momento histórico e as razões que levaram as penas a

evoluírem da modalidade de suplício às privativas de liberdade, faz-se relevante tecer

considerações acerca da finalidade da pena dentro da sociedade contemporânea.

Inicialmente, deve-se proceder à menção do significado do vocábulo pena.

Messuti311 (2003, p. 19) registra que a palavra é de origem grega, significando “[...] vingança,

ódio: a retribuição destinada a compensar um crime, a expiação de sangue [...]”,

complementando que “Daí que também se dê a transposição afetiva em ódio, vingança

considerada como retribuição”, entendendo-se, assim, que o termo, desde sua origem, encena

a situação de aplicação de um castigo retributivo, ou melhor, caso alguém desenvolva uma

ação ou omissão em desfavor de outrem, haverá a possibilidade de, por meio da pena, vingar-

se do mal injusto executado.

No mesmo sentido posiciona-se Benthan312 (2002, p. 17-21), que propõe a

análise da palavra atribuindo-lhe significado de castigo, “[...] impor o mal a uma pessoa com

intenção direta relativamente ao mal, em razão de alguma ação que parece que se fez ou que

se deixou de fazer”313.

A humanidade, desde sua primitiva organização social até os dias atuais,

nutre, como escreve Messuti314 (2003, p. 19), sentimentos profundamente arraigados em

311 MESSUTI, Ana. O tempo como pena. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. A autora utiliza como fonte de informação a obra de Benveniste, E. Le vocabulaire des institutions indoeuropéennes, Paris, Lês Éditions de Minuit, 1969, vol 1, p. 68. 312 BENTHAN, Jeremy. Teoria das penas legais e tratado dos sofismas políticos. São Paulo: Ed. Edijur, 2002. 313 Considera-se necessário registrar algumas considerações do autor sobre o desenvolvimento da idéia da pena como castigo (p. 17-18): “[...] A intenção direta, relativamente ao mal, que se impõe é essencial. Se faço mal a um sujeito sem a intenção de lhe fazer, é um mero acaso: se lhe fiz para o salvar de algum perigo, ou para me salvar, ou por outro motivo que nada tem com o prejuízo que sente, um semelhante ato não se pode chamar de castigo. A declaração do motivo, em tal caso, não é menos essencial do que a intenção direta relativamente ao mal, que se impõe. Se não houve ação anterior, ou presumida da parte do ofendido, que desse motivo ao mal, que lhe faço, ninguém poderá reputar este mal na razão de castigo. Se em conseqüência de uma ação, que fez o meu vizinho, o mal vem a recair não sobre ele, mas sobre outro indivíduo, em razão de alguma relação, que tem com o primeiro, que fez a ação, este mal vem a ser propriamente um castigo para meu vizinho”. 314 MESSUTI, loc. cit.

135

relação à pena, “[...] como o sentimento de culpa que aparentemente desperta”, ensejando

questionamentos sobre sua finalidade, sobre quais os parâmetros deve-se adotar para que, com

justiça, a sociedade possa retribuir a maldade ao infrator que cometeu uma atitude desvirtuada

do permitido, ou, simplesmente, que se possa demonstrar, também por meio da pena, que o

delinqüente e toda a comunidade não devem agir daquela forma errada, pois, caso venham a

delinqüir, serão apenados da mesma maneira.

Fulcrando-se em tantos questionamentos, coube ao direito penal a

elaboração das teorias da pena, as quais pretendem, cada qual sob seu entendimento,

demonstrar qual é a finalidade da pena na sociedade contemporânea.

Neste passo, ensinam Zaffaroni e Pierangeli315 (1999, p. 120), que houve

uma estruturação de teorias da pena, seguindo três vieses diferentes, o que engendrou a teoria

absoluta ou retributiva da pena, a teoria relativa ou preventiva da pena e as teorias mistas ou

unificadoras da pena.

A teoria absoluta ou retributiva da pena apregoa que a pena imposta ao

condenado corresponde à retribuição que a sociedade presta ao infrator pelo mal cometido, ou

seja, a razão de existir da pena seria, tão somente, retribuir com um castigo a infringência de

uma norma. De acordo com a doutrina, seus principais defensores Hegel, Kant Welzel,

Mezger, entre outros.

O conceito de retribuição é inerente ao ser humano. Todas as atitudes e

atividades desenvolvidas no meio social visam a uma retribuição do próprio meio em que se

vive. Assim, perante a realização de uma atitude de bondade, espera-se um retorno à mesma

altura, ou seja, bondoso. Do mesmo modo, à realização de um ato de maldade, espera-se,

naturalmente, um retorno negativo, o que corresponde à retribuição do ato ruim.

Nesta perspectiva manifesta-se Messuti316 (2003, p. 20), escrevendo que

O conceito de retribuição tem uma importância fundamental para a vida social, responde à estrutura do intercâmbio, sem a qual a vida social não existiria. Cada prestação dá lugar a uma contraprestação. E, ao aceitar com toda a naturalidade que a prestação qualificada como positiva dê ligar a uma contraprestação qualificada como positiva, haveria também que se aceitar que uma prestação negativa dê lugar a uma contraprestação negativa.

Esta analogia aplica-se, segundo a teoria absoluta ou retributiva da pena, ao

cometimento de delitos, pois quando há ferimento de normas que tutelam bens jurídicos, 315 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 2 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999. 316 MESSUTI, Ana. O tempo como pena. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003.

136

sejam eles individuais ou coletivos, “[...] não só constitui-se uma lesão a um dos membros da

comunidade de pessoas, mas à lei dessa comunidade de pessoas. Altera o equilíbrio em dois

planos: o individual e o social.” (MESSUTI, 2003, p. 20) 317, por isso, em consonância com a

teoria exposta, cabe à sociedade impingir-lhe uma penalização que, ao mesmo tempo,

indenize a pessoa lesionada e satisfaça a sociedade, pois

[...] o que corresponde à vítima fundamenta-se no direito desta a receber uma reparação pelo dano sofrido. Mas a pena, como correspondente ao delinqüente, funda-se também em um direito, que é por sua vez um dever não só da vítima, mas da comunidade de pessoas, porque a comunidade de pessoa converte-se dessa forma na destinatária indireta de toda lesão sofrida por uma pessoa, posto que considera que cada lesão a uma pessoa ameaça, põe em perigo, toda a comunidade. Daí que não só interessa “aquilo que se restitui à vítima”, mas principalmente “aquilo que se sucede ao agente”. E o que acontece ao autor do delito é precisamente a pena como retribuição da comunidade de pessoas que se viu ameaçada pelo seu ato. E a retribuição da pena é uma retribuição negativa, porque pretende negar o delito. (MESSUTI, 2003, p. 22)

318

A este respeito, estuda-se em Guaragni319, (2005, p. 279-289) a postura

assumida por Hegel, onde “[...] vê-se uma maneira de fundamentar a pena de modo absoluto

ou retributivista”, fundamentado na ordem jurídica e explicado por Zaffaroni e Pierangeli320

(1999, p. 284) da seguinte maneira:

Para Kant a fundamentação é de ordem ética, para Hegel é de ordem jurídica

A pena, para Hegel, impunha-se como uma necessidade lógica e também tinha caráter retributivo talional, por ser a sanção à violação do contrato: se o delito é a negação do direito, a pena é a negação do delito e (conforme a regra de que a negação da negação é uma afirmação) a pena seria a afirmação do direito, que se imporia simplesmente pela necessária afirmação do mesmo. Mas essa era a pena para os homens “livres”, isto é, pena retributiva (com medida máxima), mas quando se tratava daqueles que estavam excluídos da comunidade jurídica, a pena retributiva já não tinha sentido, como tampouco admitir que pudesse atuar juridicamente – defende-se legitimamente, por exemplo -, porque sua condição de marginalizados somente podia faze-los credores de uma “medida” que neutralizasse o seu perigo. (destacou-se)

E quando a comunidade assume a postura de negar o delito, retribuindo

negativamente com a pena imposta ao acusado, coloca-o à margem desta sociedade,

317 MESSUTI, Ana. O tempo como pena. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003. 318 Ibid., p. 22. 319 GUARAGNI, Fábio André. As teorias da conduta em direito penal: um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 320 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 2 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999.

137

impedindo-o de conviver, por tempo determinado, com os indivíduos respeitadores das regras

comunitárias, e propiciando ainda à sociedade capitalista emergente “[...] os instrumentos para

excluir o “louco” e o recalcitrante, ou sejam todos os etiquetados como estranhos à

“racionalidade” imposta pelo sistema de produção industrial, da possibilidade de que se

beneficiassem com a garantia do máximo da pena ou com as causas de justificação”

(ZAFFARONI E PIERANGELI, 1999, p. 284-285) 321, reservando a estes as medidas de

segurança ilimitadas, afastando os desinteressantes ao sistema do convívio dos demais, por

tempo indeterminado, mas com medida legitimada pelo Estado.

Esta teoria também era defendida por Kant, o qual defendia que a

fundamentação da pena é de ordem ética, entendendo, também que o delinqüente deveria ser

punido pelo simples fato de haver delinqüido, sendo desnecessário que a punição tivesse

alcance maior que a simples retribuição do mal causado pela atitude infratora.

Em que pese parecer que o pensamento hegeliano e kantiano possam ferir os

direitos fundamentais do encarcerado, propugna Messuti322 (2003) que, em análise a esta

teoria, pode-se considerar que esta retribuição negativa não fere os direitos humanos do

delinqüente, em especial o da dignidade humana, visto que a intenção não é, em momento

algum, o de desrespeitar o apenado, mas, ao contrário, respeitá-lo como ser humano e, nesta

condição, ser racional, capaz de entender perfeitamente que a sociedade está fazendo-o

cumprir seu desígnio de mantê-lo enclausurado, separado dos demais membros da

comunidade em que convive, porque foi autor de um ato delituoso, que desestabilizou a

ordem social e que, em razão da sua atitude desvirtuada, está pagando, com a justiça

pertinente, o mal anteriormente causado.

Por fim, considera a autora que o direito penal, quando trabalha com a

privação da liberdade como pena, emprega o aprisionamento do tempo do réu como forma de

retribuir a ele a má atitude desenvolvida perante a sociedade, considerando que “Trata-se de

um emprego muito particular que o direito faz do tempo. Se a pena é retribuição, como a pena

de prisão consiste fundamentalmente no transcurso de determinado tempo, empregar-se-ia o

tempo como castigo” (MESSUTI, 2003, p. 34)323.

Resta, desta forma, que para a teoria absoluta ou retributiva, a função da

pena esgota-se no mal que impõe ao apenado como forma de compensação ao dano que

321 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 2 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999. 322 MESSUTI, Ana. O tempo como pena. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003. 323 Ibid., p. 34.

138

produziu à sociedade (pela transgressão de uma norma estatuída pelo Estado) e à vitima (pelo

prejuízo particular sofrido na seara de seus direitos como ser humano).

Isto posto, passa-se à análise das teorias relativas ou preventivas da pena,

que tem como principais defensores Feuerbach, Bentham, Schopenhauer, Röder. Seus

idealizadores entendem que a pena deve conter a capacidade e a função de prevenir o

cometimento de delitos, o que se resume nas palavras de Becarria324 (1999, p. 52): “O fim da

pena, pois, é apenas o de impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e

demover os outros de agir assim”.

As teorias relativas ou preventivas subdividem-se em: teoria da prevenção

geral, a qual traduz a idéia de que a pena deve imprimir tamanha pressão psicológica na

sociedade, que seja capaz de afastar todos os indivíduos da possibilidade de cometer um

delito; e teoria da prevenção especial, que vislumbrava atingir a pessoa do transgressor, pois

entende que a pena evita que, no futuro, o apenado volte a delinqüir.

A teoria da prevenção geral direciona-se os todos os componentes da

sociedade, entendendo que a imposição de pena àqueles que infringem o ordenamento

jurídico é capaz de inibir potenciais e futuras ações delituosas e que, além da intimidação

geral que proporciona, pode também resgatar a confiança desta comunidade no poder do

Estado de manter a ordem e a paz social.

Zaffaroni e Pierangeli325 (1999, p. 268) expõem que Paul Johann Anselm

Ritter von Feuerbach (1775-1833) foi eminente defensor da teoria da prevenção geral.

Explicam que para Feuerbach

[...] a pena é aplicada em razão de um fato consumado e passado e tem por objeto conter todos os cidadãos para que não cometam delitos, isto é, almeja coagi-los psicologicamente. Daí que não só seja necessária uma comunicação, mas também a execução, e que a conexão do mal com o delito deve ser feita por uma lei, de forma a não lesar direitos de ninguém, pois a ameaça abstrata opera quando tenham sido lesados direitos e cria a certeza de que a pena se seguirá ao delito.

Nesta mesma perspectiva de análise da teoria da prevenção geral, ensina

Guaragni326 (2005, p. 279-289) que, no pensamento e nas palavras de Jakobs, a “Missão da

pena é a manutenção da norma como modelo de orientação para contratos sociais. Conteúdo

324 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de J. Cretella Júnior e Agnes Cretella. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999. 325 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 2 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999. 326 GUARAGNI, Fábio André. As teorias da conduta em direito penal: um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

139

de uma pena é uma réplica, que tem lugar à custa do infrator, frente ao questionamento da

norma. [...] a pena é sempre a reação ante a infração de uma norma”327, concluindo que “[...]

em Jakobs a pena está fundada de modo relativo, dentro do marco de uma teoria relativista ou

preventivista da pena, porquanto relacionada a finalidades que dizem respeito ao papel de

estabilização de expectativas normativas do subsistema penal dentro do sistema social”.

Assim, conclui-se que para os defensores da teoria da prevenção geral, as

finalidades da pena são de infligir temor na sociedade, fazendo com que seus membros,

intimidados com a possibilidade de sofrerem condenações, deixem de praticar delitos e, ao

mesmo tempo, ao assistirem o apenamento dos infratores, reconheçam que o Estado em que

vivem é capaz de restabelecer a ordem jurídica e a paz social, fazendo-se com que, cada vez

mais, deposite-se credibilidade no ordenamento jurídico.

Noutro passo, passando-se à análise da teoria da prevenção especial, que

assume a tarefa de evitar a reincidência do réu, apontando-lhe, por meio de cumprimento da

pena, que o cometimento do crime é um caminho desvirtuado e não compensatório. Zaffaroni

e Pierangeli328 (1999, p. 288) indicam Karl David August Röder como expoente defensor

desta teoria, a qual denominam de correcionalismo. Escrevem os autores que

Para o correcionalismo de Röder, o direito penal – e a pena como seu instrumento – tem uma missão moral: mostrar ao homem o caminho de sua liberdade, que se encontra em sua aproximação a Deus. A natureza claramente mística desta teoria faz com que não seja mais uma simples teoria da prevenção especial, orientada a evitar o cometimento de delitos, e sim uma teoria em que a prevenção especial é um resultado anexo a seu objetivo principal, que é o melhoramento do homem, entendido idealisticamente.

Para esta teoria, a pena jamais pode assumir um caráter de retribuição ao

mal feito pelo acusado à sociedade ou ao indivíduo-vítima. Não existe apego ao fato delituoso

passado, mas sim uma prevenção para que, no futuro, outro delito não seja cometido pelo

mesmo réu.

Sob esta perspectiva, os autores tecem as seguintes considerações:

A pena é a manifestação da coerção penal [..] A coerção penal se distingue do resto da coerção jurídica porque – como dissemos – procura evitar delitos com a

327 GUARAGNI, Fábio André in As teorias da conduta em direito penal: um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005, nesta citação, refere-se à seguinte obra: JAKOBS, Günther. Derecho penal – Fundamentos y teoría de la imputación. Parte general. Trad. Joaquin Cuello Coentras e José Luis Serrano G. De Murillo. Madrid: Marcial Pons, 1995. 328 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 2 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999.

140

prevenção especial e a reparação extraordinária. [...] A pena não pode perseguir outro objetivo que não seja o que persegue a lei penal e o direito penal em geral: a segurança jurídica. A pena deve aspirar e provar a segurança jurídica, pois seu objetivo deve ser a prevenção de futuras condutas delitivas. (destacou-se) (ZAFFARONI E PIERANGELI, 1999, p. 103-104) 329

Prosseguindo pelo mesmo diapasão, para que a prevenção especial possa

funcionar efetivamente, faz-se necessária a observância de alguns critérios. Zaffaroni e

Pierangeli330 (1999, p. 108) enumeram tais critérios propondo que “[...] a prevenção especial

penal não pode consistir em qualquer constrangimento físico, como a chamada “pena de

morte”, as mutilações, os controles eletrônicos ou químicos, o encarceramento como mero

constrangimento, etc.[...]” , pois, de acordo com a prevenção especial o acusado não deve ser

intimidado a deixar de delinqüir, mas sim estimulado a não voltar à criminalidade.

Num segundo momento, consideram que jamais a pena pode ser vista como

um tratamento médico ou reeducativo, pois a teoria da prevenção relativa não vislumbra o

criminalizado como um doente, mas sim como uma pessoa portadora de todas as capacidades

jurídicas e humanas, apto a assumir erros e falhas, bem como de dispor-se a não mais cometê-

las, porque entendeu que seu comportamento desvirtuado foi prejudicial e não pretende mais

desenvolvê-lo.

Derradeiramente, insta considerar que a conscientização de que cometeu

uma atitude maléfica à sociedade e à vítima, deve ser incutida no réu por meio de uma pena

que se traduza em uma pluralidade de objetivos e, ao mesmo tempo, não seja rígida porque

“A plasticidade da prevenção especial penal deve permitir uma pluralidade de soluções que

possibilite selecionar o sentido mais adequado às características do conflito manifestado na

criminalização” (ZAFFARONI E PIERANGELI,1999, p. 108)331, significando que a cada

caso concreto deve-se proceder à análise de qual a penalidade mais adequada a ser aplicada,

ou melhor, deve-se analisar qual pena seria capaz de promover no caso apresentado à

apreciação, uma reforma no comportamento do agente criminoso.

Por fim, as teorias mistas ou unificadoras são aquelas que, em geral partem

das teorias absolutas, socorrendo-se das teorias relativas quando necessário para encobrir as

falhas da primeira. Consignam Zaffaroni e Pierangeli332 (1999, p. 108) que seus seguidores

“[...] por um lado, pensam que a retribuição é impraticável em todas as suas conseqüências e,

329 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. 2 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999. 330 Ibid., p. 108. 331 ZAFFARONI; PIERANGELI, loc. cit. 332 ZAFFARONI; PIERANGELI, loc. cit.

141

de outro, não se animam a aderir a prevenção especial. Uma de suas manifestações é o lema

seguido pela jurisprudência alemã: “prevenção geral mediante retribuição justa”, o que

demonstra que existe a tentativa de agrupar-se em um conceito único as teorias absoluta ou

retributiva e a relativa ou preventiva.

Sob a perspectiva acima discorrida, registre-se os ensinamentos de Lopes

Júnior333 (2005, p.16), que apregoam a ineficiência da pena com escopo de reintegração

social, ressocialização do apenado, entre outras funções propostas pela doutrina, escrevendo

que “A pena de prisão não ressocializa, não reeduca, não reinsere socialmente. Do discurso

“re” somente se efetivam a reincidência e a rejeição social. É um discurso ao mesmo tempo

real e falso. É falso o conteúdo, mas o discurso é real, ele existe e produz efeitos (legitimantes

do poder de punir)” (destacou-se).

Prossegue o autor considerando que a pena, além de não atender às

finalidades a que se propõe, ao invés de “limpar” a reputação do infrator, considerando sua

dívida social paga pelo cumprimento da pena, age de modo contrário, manchando a honra do

infrator, estigmatizando-o como criminoso.

Diante do exposto acerca das penas, partindo-se de sua origem e culminando

em sua finalidade, resta, portanto, a análise derradeira da temática, qual seja, a estigmatização

proporcionada pelo processo penal, pela infligência de pena ao acusado e, especialmente, o

agravamento da situação do processado criminalmente em razão do excessivo transcurso do

tempo incidente no processo penal.

4.2 Os efeitos causados pelo processo penal, pela imposição da pena privativa de

liberdade e agravantes com o indevido transcurso do tempo

Desde a abolição das penas de suplício estudadas anteriormente, o processo

penal assume uma característica diferente, buscando não mais a expiação do corpo, mas sim

da alma, como ensina Foucault334 (2000, p.18).

Nas penas de suplício, a condenação não se restringia à pessoa do

delinqüente, mas era extensiva à sua família, a qual permanecia estigmatizada por várias

gerações em razão do espetáculo público protagonizado pelo Estado - como órgão impositor

333 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005. 334 FOUCALT, Michael. Vigiar e punir. 23 ed. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 2000.

142

da sanção - e pelo réu - “vítima” da pena de suplício imposta pelo Estado -, concluindo-se

que, com o transcurso do tempo, as penas de suplício passaram a operar uma inversão de

papéis, visto que o acusado passava de infrator a vítima, e o Estado, responsável pelo

restabelecimento da ordem jurídica e manutenção da paz pública, transformava-se de

“justiceiro”, em carrasco, na medida em que impunha publicamente terríveis atrocidades

físicas ao acusado.

Esta situação arrastou-se por longas décadas, até que, ao final do século

XVIII, governantes e governados entenderam que “É indecoroso ser passível de punição, mas

pouco glorioso punir” (FOUCAULT , 2000, p. 13) 335, ocasião em que, gradativamente,

instituiu-se a substituição da penas corpóreas pelas incorpóreas, ou seja, houve a mudança de

aplicação das penas de suplício para as penas privativas de liberdade.

Em verdade, desde a época da propagação das idéias iluministas e,

especialmente, das Revoluções Francesa e Industrial, o suplício foi substituído por outras

medidas apenadoras, entretanto, não menos estigmatizadoras. Instaurou-se, então, o processo

penal em sua versão atual, de uma seqüência de procedimentos perquiritórios de caráter

público que vislumbram esclarecer a autoria de fatos criminosos imputados a determinada

pessoa.

Em se tratando de estigmatização proporcionada pelo processo penal, pode-

se considerar que houve somente uma substituição do labéu infligido pelo processo penal

medieval (onde o apenado era condenado a cumprir uma pena de suplício por meio de um

processo inquisitório, sem o amparo dos institutos da ampla defesa e contraditório), por um

processo repleto de direitos e garantias ao réu, que conta com atos públicos, proporcionando

oportunidade de oferecimento de defesa e que é analisado por um órgão imparcial, mas que,

não obstante os direitos e garantias nele assegurados, é incapaz de proporcionar ao acusado a

tranqüilidade e a paz de não ser estigmatizado negativamente pela sociedade em razão de ser

processado criminalmente.

Neste sentido escreve Foucault336 (2000, p. 13) que

Desde então, o escândalo e a luz serão partilhados de outra forma; é a própria condenação que marcará o delinqüente com sinal negativo e unívoco: publicidade, portanto, dos debates e da sentença; quanto à execução, ela é uma vergonha suplementar que a justiça tem vergonha de impor o condenado; ela guarda distância, tendendo sempre a confiá-la a outros e sob a marca do sigilo.

335 FOUCALT, Michael. Vigiar e punir. 23 ed. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 2000. 336 FOUCALT, loc. cit.

143

Percebe-se pelo ensinamento acima transcrito que o Estado abandona a

execução pública das penas de suplício, trocando-as pelas penas privativas de liberdade, as

quais, doravante, serão responsáveis por marcar com “[...] sinal negativo e unívoco [...]”

(FOUCAULT, 2000, p. 13) 337 o condenado, mesmo que para a aplicação da pena dispense-se

a protagonização de um espetáculo público supliciante.

A propugnação do autor vislumbra trazer à baila o indiscutível caráter

estigmatizador do processo penal. Na dinâmica da sociedade moderna, os processados

criminalmente (sem adentrar ao mérito de que são ou não culpados pelas infrações a eles

atribuídas), levam consigo a mesma marca de ferro candente imposta a delinqüentes da Idade

Média. Entretanto, esta marca não é visível aos olhos; ela fere a alma do acusado,

acompanhando-a por toda a vida.

Na Europa medieval, a estigmatização imposta por um processo penal

existia, de fato, a partir do momento em que se iniciava a execução das penas de suplício.

Hodiernamente, não. A marca imposta pelo processo criminal não se inicia quando do

cumprimento da pena, mas sim, desde o instante em que o indivíduo é considerado acusado e

contra ele instaura-se o procedimento persecutório.

Um exemplo que pode ser citado a este respeito é a decretação de medidas

cautelares acriteriosamente, o que Lopes Júnior338 (2005) denomina de banalização das

medidas cautelares. Considera-se atualmente que a estigmatização engendrada pelo processo

penal é ainda mais profunda que nos idos da era medieval, pois, como se demonstrou no

primeiro capítulo, as marcas deixadas por uma medida cautelar desnecessária e decretada em

razão da extremada pressão exercida pelos órgãos de imprensa, nunca mais serão apagadas da

alma do acusado, bem como causam máculas incomensuráveis na imagem do acusado, para o

resto de sua vida.

De acordo com o apontado no tópico anterior, com o transcurso dos anos,

houve evolução das penas processuais, passando-se da talional à de suplício e, enfim,

atingindo a forma atual, a privativa de liberdade, observando-se um aclarado processo

evolutivo das penas estritamente corporais à prisão.

Expendeu-se que esta evolução ocorreu em conseqüência de diversas

transformações na sociedade medieval, sendo que de um modelo feudal evoluiu-se ao

capitalismo e, para tanto, foi necessário abandonar a aplicação das penas suplício aos

337 FOUCALT, Michael. Vigiar e punir. 23 ed. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 2000. 338 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005.

144

infratores e, como substituição aos castigos corporais, passou-se a seqüestrar o tempo do

condenado, como forma de pagamento indenizatório pelo cometimento do delito.

Neste passo, pôde-se depreender que ao sistema capitalista era interessante a

modificação das penas, pois é sabido que as massas famintas recém-migradas dos feudos para

as cidades, não eram absorvidas na oferta de vagas de empregos nas fábricas, o que gerou um

aumento desordenado da criminalidade, pois o grande número de indivíduos recém-chegados

às cidades e, na maioria, desempregados, não dispunha de outro meio de sobrevivência senão

saquear aqueles que detinham os meios de produção, ou melhor, os burgueses.

Desta forma, o encarceramento da massa desordeira e desocupada foi uma

solução encontrada pela burguesia da época para diminuir a os problemas causados pelo

desemprego e pela falta de infra-estrutura das cidades européias, além do fato de que, quando

saíssem da prisão, estas pessoas que, durante tanto tempo mantiveram-se longe do convívio

social, poderiam oferecer mão-de-obra braçal mais barata, haja vista que se encontravam em

situação de “desqualificação” profissional e pessoal frente às pessoas que não estiveram

encarceradas.

Sob este enfoque, considera Lopes Júnior339 (2005, p. 20) que ao egresso de

um estabelecimento prisional, não restava outra alternativa profissional senão submeter-se a

“[...] empregos degradados e degradantes em razão do seu status judicial infamante” e, caso

não aceitasse esta condição ou, ainda que aceitasse, não conseguisse reingressar no mercado

de trabalho, sua única saída era voltar às práticas delituosas, provendo sua subsistência e de

sua família, com o cometimento de crimes.

Este ciclo repete-se desde a Idade Média até os dias atuais. Escreve

Beccaria340 (1999, p. 83) que, ao seu tempo,

O confisco coloca a prêmio a cabeça dos fracos e faz recair sobre o inocente a pena do culpado, deixando-o na desesperada necessidade de cometer delitos. Que espetáculo mais triste do que o da família arrastada à infâmia e à miséria pelos crimes do chefe, cujos atos, por causa da submissão imposta pelas leis, ela não poderia impedir mesmo que dispusesse dos meios de fazê-lo?

Na idade medieval, as penas de suplício (que eram extremamente

estigmatizadoras ao réu e a sua família), vinham acompanhadas de penas acessórias, como

banimento e confisco de bens. Hodiernamente, apesar de abolidos os suplícios, existem as 339 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005. 340 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de J. Cretella Júnior e Agnes Cretella. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999.

145

medidas assecuratórias do processo penal (como, por exemplo, o arresto e o seqüestro), que

acompanham a habitual estigmatização infligida pelo processo, levando, via de conseqüência,

toda a família do réu a partilhar do cumprimento da pena, voltando-se às práticas medievais.

Todavia, a estigmatização não é observada apenas nos condenados a penas

privativas de liberdade. Percebe-se que, somente pelo fato de uma pessoa ser acusada de

infração de uma norma penal e responder a um processo, o ciclo se repete, pois o estigma

proporcionado por uma acusação criminal permanece com a mesma importância e intensidade

das marcas perpetradas nos acusados da Idade Medieval, denominando-se este fenômenos de

labeling approach, o qual é explicado da seguinte maneira nas palavras de Lopes Júnior341

(2005, p. 96):

O labeling approach, como perspectiva criminológica, entende que o self – a identidade – não é um dado, uma estrutura sobre a qual atuam as “causas” endógenas ou exógenas, mas algo que se vai adquirindo e modelando ao longo do processo de interação entre o sujeito e os demais. Nesse panorama, o processo penal assume a atividade de etiquetamento, retirando a identidade de uma pessoa, para outorgar-lhe outra, degradada, estigmatizada.

Entende-se, desta forma, que a partir do momento em que uma pessoa é

processada criminalmente, sua identidade vai sendo modelada, ou seja, que durante o deslinde

processual, a identidade do indivíduo sofre modificações em razão da forma com que os

demais (componentes da sociedade em que vive) passam a tratá-lo.

Como já estabelecido pelo estudo proposto, inexistem laivos de dúvidas

quanto ao caráter estigmatizador do processo penal. Assim, conforme o indivíduo processado

continua estabelecendo relações em seu meio social, recebe pressões dos conviventes, que

passam a lançar-lhe olhares de condenação, pelo simples fato de figurar no pólo passivo de

um processo criminal, o que torna o princípio constitucional da presunção de inocência

inaplicável cotidianamente, visto que há sumária condenação do acusado, não importando se

ele é ou não culpado pela atitude criminosa a ele imputada.

Desta forma, o transcurso do tempo toma proporções importantes na

estigmatização engendrada pelo processo penal, pois quanto maior o lapso de tempo entre a

acusação e a prestação jurisdicional, mais o réu e a sociedade vivem na incerteza. O réu tem

que conviver com a angústia da incerteza de uma condenação; a sociedade, por sua vez, com a

incerteza de conviver com um delinqüente. Cria-se, portanto, um enorme desconforto para

341 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005.

146

ambas as partes, expondo os sujeitos desta relação a níveis de estresse inimagináveis, o que,

indiscutivelmente, causa prejuízos psíquicos de grande monta, como preceitua Lopes Júnior342

(2005).

Além do estresse causado pela situação de tensão instaurada entre acusado e

sociedade, submete-se o réu a um ritual processual aterrorizante, sob o ponto de vista

psicológico. Mesmo as práticas de direito modernas, além de “etiquetar” o acusado como

“provável autor de um crime”, proporcionam um ambiente processual em que o indigitado é

submetido a situação de inferiorização diante do Poder Judiciário, assumindo, ainda que em

seu inconsciente e no da coletividade, seu papel de “ser inferior” diante da respeitosa

“máquina estatal de fazer justiça”. Descreve Lopes Júnior343 (2006, p. 59-60) a este respeito

que

A arquitetura das salas dos Tribunais configura um plágio das construções religiosas, com suas estátuas e inclusive um certo vazio, onde se verá ser “exposto” o acusado. Tudo isso traduz, em ultima análise, que o binômio crime-pecado ainda

não foi completamente superado pelo homem. Os membros do Estado – juízes, promotores e auxiliares da justiça, movem-se em um cenário que lhes é familiar, com a indiferença de quem só cumpre mais uma tarefa rotineira. Utilizam uma indumentária, vocabulário e todo um ritualismo que contribui de forma definitiva para que o indivíduo adquira plena consciência de sua inferioridade. Dessa forma, o mais forte é convertido no mais impotente dos homens frente à supremacia punitiva estatal. [...] Enquanto dura o processo penal, dura a incerteza e isso leva qualquer pessoa a níveis de estresse jamais imaginados. Não raros serão os transtornos psicológicos graves, como a depressão exógena. O sofrimento da alma é um custo que terá que pagar o submetido ao processo penal, e tanto maior será sua dor como maior seja a injustiça a que esteja sendo submetido. (destacou-se)

Percebe-se que as considerações tecidas por Foucault344 (2000), no sentido

de propugnar que a pena privativa de liberdade vinha em substituição às penas de suplício,

mas com a característica de ferrete que marcava a alma dos apenados (e não mais o corpo),

são repetidas novamente no trecho acima transcrito, restando, portanto, que o indivíduo que

passa por um processo criminal, tem sua alma e reputação social marcadas para sempre.

Lê-se, também, que ao final da citação, o autor afirma que quanto maior o

tempo de duração do processo, maior é a dor sentida pelo acusado. Não obstante, faz-se

referência a proporcionalidade entre a dor e a injustiça a que esteja sendo submetido. A

injustiça a que se faz referência, pode ser interpretada de duas maneiras diversas: porque o

acusado é inocente ou porque o próprio processo em si já é uma pena. 342 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005. 343 Ibid., p. 59-60. 344 FOUCALT, Michael. Vigiar e punir. 23 ed. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 2000.

147

Conjeturando-se a primeira hipótese, há ferimento explícito do princípio

constitucional da presunção de inocência, o qual estabelece que todo acusado é considerado

inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, entendendo-se, portanto,

que o processo penal confronta-se com o princípio, vez que se assiste, diuturnamente, a

sociedade (não raras vezes induzida pela mídia), proceder a um julgamento sumário de um

acusado, tão somente por ser indicado como suposto autor de conduta delituosa em processo

criminal.

A este respeito, posiciona-se Thums345 (2006, p. 153), escrevendo que

Na imprensa, este princípio é desconhecido ou propositadamente ignorado em prol do sensacionalismo e do interesse mesquinho de algumas pessoas. A concepção popular é no sentido de que, desde logo, após cometido um crime e apontado o suspeito, este deve ser preso e iniciar o cumprimento da pena antecipadamente, ignorando-se completamente a existência da garantia do devido processo legal.

E, na prática cotidiana, é exatamente isso que acontece. Por vezes, um

indivíduo é simplesmente apontado com provável suspeito de ação criminosa e, socialmente,

é tratado como culpado desde o momento da veiculação da notícia. Neste sentido, o processo

assume papel de pena, ainda que o acusado, ao final do processo perquiritório, seja julgado

inocente pelo Poder Judiciário, carregará o estigma de “culpado” pelo resto da vida, afinal,

para a imprensa a rentabilidade da notícia está em vender o fato criminoso, pouco importando

o desfecho processual.

Assim, vislumbra-se o processo como um pagamento antecipado da pena,

pois é possível afirmar que o acusado cumpre sua pena antecipadamente em razão da

estigmatização proporcionada pelo processo penal, ainda que não seja considerado culpado no

veredicto final, nos termos explicativos anteriormente expostos.

Posteriormente, pode-se estender a análise proposta pelo autor, pelo viés da

delonga processual desnecessária, ou melhor, da prolação indevida do processo penal. Já se

falou em oportunidade anterior, que os processos judiciais demorados constituem uma “[...]

verdadeira negação de justiça, o que enseja a realização da chamada “justiça privada”, ou seja,

pela própria vítima descrente do Poder Judiciário” (MACHADO, 2005, p. 66) 346, voltando o

acusado, novamente assumir o papel de “vítima” e o Estado de carrasco, como era na Idade

Média. 345 THUMS, Gilberto. Sistemas Processuais Penais: tempo, tecnologia, dromologia, garantismo. 1º ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2006. 346 MACHADO, Agapito. A nova reforma do poder judiciário: PEC n. 45/2004, in Revista CEJ, n. 28, p. 64-70. Brasília, jan/mar., 2005.

148

Além disso, deve-se observar que, especialmente no processo penal, é

necessária a preocupação de assegurar a satisfação jurídica das partes, ofertando-se uma

resposta jurisdicional satisfatória, sendo para isso “[...] imprescindível que se faça em um

espaço de tempo compatível com a natureza do objeto litigado. Do contrário, torna-se utópica

a tutela jurisdicional de qualquer direito” (RODRIGUES, 2005, p. 285)347, reafirmado-se a

necessidade de obter-se uma prestação jurisdicional em tempo razoável o que, em absoluto,

traduz-se numa prestação célere, capaz de atropelar atos procedimentais e direitos e garantias

constitucionais.

Neste sentido, manifesta-se Lopes Júnior348 (2005, p. 33-34), quando

considera que o Estado deve garantir a célere prestação jurisdicional, não se devendo esquecer

que se trata de um direito constitucionalmente estatuído e garantido, mas jamais esta garantia

poderá atropelar as demais, pois

O processo deve durar um prazo razoável para a necessária maturação e cognição, mas sem excessos, pois o grande prejudicado é o réu, aquele submetido ao ritual degradante e à angústia da situação de pendência. O processo deve ser mais célere para evitar o sofrimento desnecessário de quem a ele está submetido. É uma inversão na ótica da aceleração: acelerar para abreviar o sofrimento do réu. (destacou-se)

Trabalha-se, portanto, na perspectiva de que o réu tem o direito,

constitucionalmente assegurado de assistir sua pretensão punitiva apreciada dentro de um

tempo razoável, como forma de minimizar o sofrimento e a estigmatização a que o expõe o

processo penal. Entretanto, o direito em assistir sua prestação jurisdicional apreciada em

tempo razoável não pode ser traduzido no atropelo dos outros direitos e garantias

fundamentais assegurados constitucionalmente.

Entende-se, desta forma, que, como explicitado no capítulo 1, o tempo do

processo é diferente do tempo social, pois o homem vive num estado permanente de urgência,

com preceitua Ost349 (2005), o que é absolutamente incompatível com o tempo processual,

que necessita do “correr dos dias” para amadurecimento e desenvolvimento dos atos

processuais. Assim, cabe ao juiz a apreciação da razoabilidade temporal aplicável a cada caso,

347 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ec N. 45: aceso á justiça e prazo razoável na prestação jurisdicional. in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004.Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 348 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005. 349 OST, François. O tempo do Direito. Tradução de Élcio Fernandes. Bauru: Ed. Edusc, 2005.

149

com a finalidade de harmonizar todos os direitos e garantias fundamentais do acusado com a

prestação jurisdicional apresentada em tempo razoável.

Neste diapasão, pode-se afirmar que o processo é capaz de estigmatizar o

acusado criminalmente e que, diante do etiquetamento proporcionado pelo processo, existem

uma série de efeitos devastadores, especialmente quando o indigitado encontra-se preso.

Todavia, “[...] a questão da dilação indevida do processo também deve ser reconhecida

quando o imputado está solto, pois ele pode estar livre do cárcere, mas não do estigma e da

angústia” (LOPES JÚNIOR, 2005, p. 95)350 proporcionada pelo processo criminal,

registrando-se, então, que independentemente da condição de liberdade ou não do réu, os

efeitos estigmatizatórios do processo penal persistem como marcas eternas no acusado.

No mesmo sentido e de acordo com o já estabelecido, o decurso do tempo

incidente no processo penal gera efeitos negativos variados, tais como dificuldade na

perquirição da verdade real, ferimento de direitos e garantias fundamentais (como por

exemplo a ampla defesa e o contraditório, estudados no capítulo 3), além de graves abalos

psicológicos, financeiros e sociais suportados pelo réu, sendo estes fenômenos registrados por

Lopes Júnior351 (2005, p. 98), da seguinte maneira:

O direito de defesa e o próprio contraditório também são afetados, na medida em que a prolongação excessiva do processo gere graves dificuldades para o exercício eficaz da resistência processual, bem como implica um sobre-custo financeiro para o acusado, não apenas com os gastos com honorários advocatícios, mas pelo empobrecimento gerado pela estigmatização social. Não há que olvidar a eventual indisponibilidade patrimonial do réu, que por si só é gravíssima, mas que se for conjugada com a prisão cautelar, conduz à inexorável bancarrota do imputado e de seus familiares. A prisão (mesmo cautelar) não apenas gera pobreza, senão que a exporta, a ponto de a “intranscendência da pena” não passar de romantismo do Direito Penal. (destacou-se)

A análise proposta aprofunda-se na questão dos efeitos negativos gerados

pelo processo criminal, propondo, inclusive, que, além da estigmatização social e

empobrecimento do réu, existe uma exportação dos efeitos da pena a seus familiares, visto

que sofrem também com o apenamento imputado do réu.

Faz-se referência ao princípio da intranscendência da pena, o qual aduz que

a pena e seus efeitos não podem transcender à pessoa do réu. Não obstante, pode-se

questionar o alcance real do presente princípio, visto que, de acordo com a exposição

350 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005. 351 Ibid., p. 98.

150

apresentada, assim como em épocas que se aplicavam as penas de suplício, hodiernamente a

família do apenado sofre drásticas conseqüências em razão do processo criminal, como a

privação de bens materiais e o empobrecimento moral gerado pela estigmatização social.

Esta situação agrava-se ainda mais quando o processo procrastina-se no

tempo em razão de delongas desnecessárias, engendrando, indubitavelmente, uma série de

prejuízos ao réu, pois além da pena, ele acaba por arcar com outras conseqüências advindas da

má administração da justiça. A este fenômeno, Lopes Júnior352 (2005, p. 34) propõe a

denominação de “nova pena processual” e escreve a este respeito que

Entendemos adequado falar-se em uma nova pena processual, decorrente desse atraso, onde o tempo desempenha uma função punitiva no processo. É a demora excessiva, que pune pelo sofrimento decorrente da angústia prolongada, do desgaste psicológico (o processo como gerador de depressão exógena), do empobrecimento do réu, por toda estigmatização social e jurídica gerada pelo simples fato de estar sendo processado. (sic)

No mesmo diapasão, ensina Carvalho353 (2005, p. 217) que em inúmeros

países do mundo a preocupação na procrastinação processual vem-se intensificando, pois sob

o ponto de vista econômico, a demora processual apresenta efeitos devastadores, já que

quanto mais o lapso temporal se estende, mais a parte se sente pressionada financeiramente,

pois sabe que deve arcar com custas e honorários advocatícios, além de suportar as

conseqüências da rejeição no mercado de trabalho gerada pela estigmatização de ser

processado criminalmente.

Corroborando as assertivas anteriores, pode-se considerar que, consoante

ensinamentos de Pastor354 (2002), o tempo é empregado para o regular desenvolvimento dos

atos processuais, mas pode ser (irregularmente) utilizado como pena, na medida em que

angustia o réu que aguarda uma resposta do Poder Judiciário, impingindo-se, via de

conseqüência, um cumprimento antecipado da pena a ser exarada ao final da atividade

persecutória, em razão da angústia e da depreciação pessoal do acusado, que sofreu seus

efeitos no desenrolar do processo.

352 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005. 353 CARVALHO, Fabiano. EC n. 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. Coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, et al. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005. 354 PASTOR. Daniel. El plazo razonable en el proceso del estado de derecho. Buenos Aires: Ed. Ad Hoc, 2002, p. 85.

151

No mesmo passo segue Lopes Júnior355 (2005, p. 96) quando considera que

“O caráter punitivo [do tempo do processo penal] está calcado no tempo de submissão ao

constrangimento estatal, e não apenas na questão espacial de estar intramuros”, traduzindo-se

da assertiva consignada, que o fato de encontrar-se encarcerado é prejudicial ao acusado,

todavia, a submissão do acusado a um processo demasiadamente demorado, também é

importante como fator punitivo, visto que o processo penal, em si mesmo, já constituiu uma

dolorosa pena.

Assim, “[...] quando a duração de um processo supera o limite da duração

razoável, novamente o Estado se apossa ilegalmente do tempo do particular, de forma

dolorosa e irreversível. E esse apossamento ilegal ocorre ainda que não exista uma prisão

cautelar, pois o processo em si mesmo é uma pena” (LOPES JÚNIOR, 2005, p. 95)356.

Consolida-se, desta forma, o entendimento de que um processo

demasiadamente longo é apossamento ilegal do tempo do acusado, estando o réu preso ou

solto, pois, uma vez que o Estado avocou para si a responsabilidade do jus puniendi, deve

desenvolvê-la de maneira satisfatória, não permitindo que um instrumento legítimo de

realização da punição devida ao infrator – que é o processo penal -, torne-se um instrumento

ilegítimo – que é o desenvolvimento da atividade persecutória do Estado em um tempo

desproporcionalmente longo ao necessário para o cumprimento dos atos imprescindíveis à

instrução e julgamento da demanda.

Como discorrido no tópico anterior, quando houve a superação das penas de

suplício e a opção estatal pela adoção das penas privativas de liberdade, o Estado deixou de

condenar o delinqüente ao cumprimento de penas corporais e passou a seqüestrar sua

liberdade e, por conseqüência, seu tempo, como forma de indenizar a sociedade pela infração

cometida e pela desagradável desestabilização da ordem social.

A este condenado, portanto, resta o cumprimento do veredicto, qual seja,

permanecer, por lapso temporal determinado em sentença, apartado da sociedade que feriu

quando transgrediu a norma de direito material. Mas, como assinalado por Beccaria357 (1999),

para que o cumprimento da pena imposta pelo Estado surta efeitos no condenado, é

imprescindível que sua decretação não seja tardia, ou melhor, que não haja longo transcurso

de tempo entre o cometimento do fato delituoso e do cumprimento da pena, para que o

355 LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2005. 356 Ibid., p. 95. 357 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de J. Cretella Júnior e Agnes Cretella. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999.

152

condenado mantenha vivo em sua memória que aquela imposição estatal de encontrar-se

isolado do tempo social, foi-lhe impingida em razão do ato criminoso que cometeu.

Entende-se, assim, que o Estado deve trabalhar com a maior agilidade

possível na imposição da pena ao infrator, como forma de manter vivo o vínculo entre o

cometimento do delito e a obrigação de cumprir a pena como indenização à sociedade pelo

mal causado.

A sociedade, por sua vez, procura com a imposição da pena, além de

confirmar que irá seqüestrar o tempo do condenado, privando-lhe de sua liberdade, excluí-lo

do convívio comunitário. Comprova-se este fato, quando se dedica a observar a arquitetura

reservada à construção dos presídios, constatando-se que, geralmente, são edificados em

locais afastados dos centros das cidades, contando com muros altos e protegidos,

simbolizando o rompimento das relações da sociedade com o indivíduo infrator, numa

aclarada e confirmadora atitude de exclusão.

Além disso, ensina Messuti358 (2003, p. 33) que a arquitetura imponente das

prisões simboliza a imobilização do tempo do condenado, visto que, conforme os conceitos de

tempo objetivo e subjetivo estudados, o tempo social (extramuros da prisão), transcorre de

maneira bem diferente daquele tempo que o apenado deve “gastar” dentro dos muros da

prisão. O condenado é obrigado a conviver com a realidade de que o que o separa da

sociedade que ele ofendeu é a forma com que transcorre o tempo, pois dentro da prisão o

transcurso dos fatos sociais é inexistente, em razão do isolamento imposto. Neste sentido,

escreve a autora, propugnando que

Ao construir a prisão, pretende-se imobilizar o tempo da pena. Separá-lo do tempo social que transcorre no espaço social. A prisão é uma construção no espaço para calcular de determinada maneira o tempo. O fluir do tempo se opõe à firmeza do espaço. O ordenamento jurídico, mediante a prisão, procura dominar o tempo. Pareceria que o tempo no qual transcorre a vida social normal fosse um tempo relativo, e que o tempo da pena, que transcorre na prisão, assumira um caráter absoluto.

Este fenômeno ocorre porque o tempo vivido pelo apenado dentro dos

muros da prisão é diferente daquele observado pela sociedade extramuros. Ao encarcerado, a

visão do tempo presente é obscura, pois não tem alternativas para aproveitamento deste tempo

presente que está escoando-se e sabe que o tempo perdido dentro de um estabelecimento

prisional é irresgatável, porquanto

358 MESSUTI, Ana. O tempo como pena. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003.

153

O tempo (independentemente das condições em que transcorra) operará gradual transformação. Porque o tempo da pena, por mais peculiar que seja, escoa-se em comum com o tempo que transcorre livre da pena – o tempo de vida de um ser humano. E, na medida em que vão se descontando os anos de pena, igualmente vão se descontando os anos de vida. (MESSUTI, 2003, p. 50) 359

Assim, considera-se que o tempo, seja ele tratado nas denominações de

objetivo ou subjetivo, tem papel definitivo nas relações humanas, sejam elas particulares ou

jurídicas e que os efeitos de seu transcurso são delimitadores de inúmeros efeitos.

Na seara jurídica processual penal, deve-se considerar que o deslinde de um

processo penal regular, com razoável duração de tempo, estigmatiza uma pessoa a ponto de

causar-lhe danos em vários aspectos de sua vida. Assim, quando se assiste a um processo que

se protrai no tempo indevidamente, a situação torna-se ainda mais complicada, em razão da

maximização dos danos causados ao acusado, esteja ele encarcerado ou não.

Conclui-se, portanto, que, indubitavelmente, quanto maior a duração

temporal do processo, maior será o grau de estigmatização a que se submete o réu. Tampouco

pode o atropelo processual da rapidez impedir o devido processo legal. Cabe ao Estado, titular

do jus puniendi, administrar com competência e seriedade a justiça no país, não permitindo

que o direito do jurisdicionado a ter sua demanda assistida em tempo razoável, seja infringido

ou caia no esquecimento pelo decurso do tempo.

359 MESSUTI, Ana. O tempo como pena. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003.

CONCLUSÃO

Diante do exposto no presente trabalho, resta pontuar as seguintes

considerações derradeiras:

1) Nas sociedades primitivas, a organização e realização da justiça eram

tarefas de ordem privada, imperando o sistema da autotutela, ou seja, quando surgia algum

conflito entre os integrantes da comunidade, o litígio deveria ser resolvido entre as próprias

partes conflitantes, sem intervenção estatal;

2) Com o transcorrer dos anos, a situação modificou-se, pois com o

aumento populacional e o aprimoramento das relações comunitárias, sedimentou-se a

necessidade de constituir e organizar um Estado, capaz de gerir, por meio de normas, as

relações dos conviventes de determinada sociedade;

3) Dentro deste processo evolutivo, o Estado avocou para si a

responsabilidade de compor os litígios a ele apresentado, tarefa esta desenvolvida, até os dias

atuais, por meio da jurisdição, que é competente pelo restabelecimento da paz social quando

existe a violação de alguma norma, sendo certo que, como forma de autolimitar-se, o Estado

impôs regras para a aplicação de sanção aos transgressores das normas; regras estas

representadas pelos princípios, direitos e garantias fundamentais do homem inscritos na

Constituição Federal, bem como insculpidas em leis infraconstitucionais, como as leis

processuais penais;

4) Dentre os limites impostos ao Estado na tarefa persecutória, apresenta-

se a obrigatoriedade do ente estatal, por meio do Poder Judiciário, apresentar prestação

jurisdicional em tempo razoável, sob pena de transgredir uma série de outros direitos

fundamentais do cidadão;

5) Ocorre que o homem, dentro do processo evolutivo da espécie e de suas

relações interpessoais e com o Estado, foi capaz de desvendar inúmeros “mistérios” de sua

existência por meio de estudos científicos nas mais diversas áreas, todavia, até hoje, é incapaz

de dominar os efeitos do transcurso do tempo, registrando que o tempo incide em todas as

esferas da vida humana, incidindo, inclusive, nos processos que tramitam perante a

administração da justiça, que é responsabilidade do Estado;

6) Comprovou-se, por meio de inúmeros estudos empreendidos, que o

tempo não é absoluto, rompendo-se um antigo paradigma. Demonstrou-se sua relatividade de

155

acordo com seu observador, engendrando-se as teorias do tempo objetivo e subjetivo,

propugnando-se que o tempo objetivo é o contado a cada segundo, de forma uniforme, pelos

relógios, enquanto o tempo subjetivo é o tempo da consciência, aquele medido por cada

pessoa, de acordo com a situação atual em que vive.

7) Apurou-se que o homem moderno tem extrema pressa em viver

intensamente cada momento, pois a única certeza sobre seu futuro é a morte. Contando com a

certeza de morrer, o homem da sociedade hodierna deixa de analisar seu passado como forma

de aprender com eventuais erros e, então, traçar planos factíveis para o futuro, pois, pautando-

se na certeza da morte, considera o passado extremamente longínquo, e o futuro

absolutamente incerto e improvável de concretizar-se, visto que tem pleno conhecimento de

sua condição de mortal. Esta situação gera um constante estado de urgência (de viver com

intensidade somente o momento do presente), sendo certo que a sociedade moderna fulcra

seus relacionamentos (pessoais e profissionais) na obrigatoriedade de obter resultados rápidos,

instantâneos, não importando quais os meios utilizados para a obtenção dos resultados

pretendidos;

8) Esta necessidade premente de obtenção de respostas imediatas, acaba

por incidir na tarefa estatal da prestação jurisdicional, vez que quando um conflito de

interesses é levado a conhecimento do Poder Judiciário, as partes, bem como toda a

sociedade, espera uma providência quase instantânea, esquecendo-se, entretanto, que o tempo

do Direito é diferente do tempo social, ou melhor, que o tempo que os atos processuais

precisam para desenvolver-se, nem sempre é o tempo que a sociedade espera que eles se

desenvolvam, o que causa um descontentamento com a administração da justiça, gerando

desconfianças sobre sua eficiência;

9) Neste passo, consolidou-se, de forma errônea, a concepção de que uma

prestação jurisdicional célere é a mais adequada e eficiente para os dias atuais. Refere-se a

formação de uma concepção errônea porque, como exposto, o tempo do direito não é o igual

ao tempo social. Assim, o Poder Judiciário, que se encontra pressionado pela urgência social e

por julgamentos antecipados veiculados pela mídia, tem emitido pareceres e exarado

decretações de medidas cautelares “de urgência”, sem a análise e a cautela devida, ferindo

direitos e garantias do jurisdicionado, os quais, assim como o direito a uma prestação

jurisdicional célere (mas com segurança jurídica), encontram-se tutelados pela Constituição

da República Federativa do Brasil;

10) Constatou-se, também, que o problema de receber do Estado uma

prestação jurisdicional morosa não se trata de um mal contemporâneo, tampouco exclusivo do

156

Brasil, mas sim de diversos países do mundo, e que tem sua existência há muitos anos. Por

esta razão, a obrigatoriedade do Estado em proceder a uma prestação jurisdicional em tempo

razoável, sob pena de ferimento de princípios, direitos e garantias fundamentais do cidadão,

foi inserida em acordos, convenções e pactos de direito internacional desde meados do século

XX. Destacou-se, como forma de demonstrar a preocupação da comunidade jurídica

internacional com a celeridade na prestação jurisdicional, os artigos 5°, § 3° e 6°, § 1 da

Convenção Européia dos Direitos do Homem, os artigo 9°, n° 1 e 14, parágrafo 3º do Pacto

Internacional dos Direito Civis e Políticos, adotado pela Assembléia Geral das Nações

Unidas, em 16 de dezembro de 1966, ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, e artigo

8º, item I da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (CADH), também conhecida

como Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969, que em 25 de setembro

de 1992, foi ratificado pelo Brasil, e foi promulgado por meio do Decreto n° 678, de 06 de

novembro de 1992, assumindo, desta forma, a administração da justiça brasileira o

compromisso de oferecer resposta às demandas propostas perante o Poder Judiciário dentro de

um prazo razoável. Além disso, apresentou-se a teoria dos critérios formulados pelo Tribunal

Europeu dos Direitos Humanos para servir de parâmetro de análise, verificando-se se um

processo excedeu o tempo razoável de duração;

11) Na legislação brasileira, pôde observar-se que, em que pese o Brasil,

desde 1992 ser signatário do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da

Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, o direito do cidadão brasileiro a obtenção

de uma resposta jurisdicional sem dilações indevidas, somente foi inserido expressamente no

rol dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, no ano de 2004, quando, por meio da

Emenda Constitucional n° 45, erigiu à categoria de direito fundamental o princípio da

celeridade processual, inserindo o inciso LXXVIII ao artigo 5° do Diploma Maior;

12) Sob a égide do inciso anteriormente citado, entendeu-se que o ideal de

uma prestação jurisdicional que não se protraia no tempo além do necessário, traduz-se na

resposta do Judiciário dentro de um prazo razoável, ou melhor, dentro de lapso temporal que

seja capaz de respeitar os princípios constitucionais e processuais, bem como os direitos do

acusado. Assim, cabe registrar que o processo não poderá ser expedito demais a ponto de

prejudicar direitos como devido processo legal, ampla defesa e contraditório, nem

demasiadamente moroso, pois assim, além de ferir os direitos supramencionados, infringirá o

direito do réu em assistir sua demanda apreciada em tempo razoável;

13) No mesmo passo, constatou-se que antes da iniciativa brasileira, outros

países já vinham se preocupando em assumir posturas legislativas e administrativas para

157

acelerar a prestação do serviço judiciário, sem deixar de primar pela segurança jurídica,

imprescindível ao processo penal. Partindo-se desta constatação, procedeu-se, ao

levantamento das soluções adotadas por alguns países que, da mesma forma que o Brasil,

vislumbram dirimir os problemas concernentes a demora na prestação jurisdicional. Em sua

maioria, averiguou-se que as medidas adotadas se resumem em reformas legislativas e

simplificação de procedimentos já existentes. No entanto, foi possível verificar que somente a

reformulação legislativa ou a simplificação de procedimentos preexistentes, desamparadas de

suporte material para sua execução, tornam-se medidas inócuas, frustrando ainda mais a

sociedade e a comunidade jurídica;

14) Por outro lado, apurou-se grande relutância por parte da administração

da justiça quanto à adoção de meios tecnológicos capazes de agilizar a prestação jurisdicional,

haja vista que, mesmo com os mais amplos recursos tecnológicos colocados à disposição do

cidadão comum e da justiça, o legislativo nacional posterga a formulação de leis que

regulamentem a utilização de recursos como a internet, que já é adotada por diversos países

do mundo, inclusive pelo Brasil, operando com satisfação de resultados nos Juizados

Especiais Federais e no Superior Tribunal de Justiça;

15) Por fim, insta registrar que a dilação indevida do processo, por si só,

torna-se uma pena para o acusado. Verificou-se que, em que pese as penas supliciantes terem

sido abolidas da maioria dos ordenamentos jurídicos, os efeitos estigmatizatórios das penas

privativas de liberdade, bem como do processo penal em si, são tão marcantes na vida e na

alma do acusado e de sua família, quanto as penas de suplício executadas publicamente em

meados dos séculos XVIII e XIX.

Resta, portanto, que o processo penal é o instrumento legitimador do poder

estatal de punir e que o acusado, uma vez que infringe uma norma material, deve submeter-se

a esta cadeia de procedimentos que vislumbra apurar, com segurança, a necessidade de

aplicação de uma pena ao infrator. Entretanto, uma vez que este processo protrai-se no tempo

indevidamente, constitui, por si só, uma pena antecipada cumprida, também indevidamente,

pelo réu.

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