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Page 1: O teatro de opereta no Brasil: gênero e história · As histórias do teatro brasileiro geralmente constituem suas narrativas a partir de uma a trama de obras e autores principais,

O teatro de opereta no Brasil: gênero e história

Paulo M.C. Maciel e Maria de Lourdes Rabetti (Beti Rabetti)∗

Resumo

O texto apresenta resultados parciais da pesquisa de pós-doutoramento iniciada em setembro

de 2009, Mapa da opereta no Brasil na segunda metade do século XIX e primeiras décadas

do século XX. Primeira parte do Projeto História cultural das artes cênicas no Brasil:

programa interdisciplinar de estudos sobre relações música e teatro, em desenvolvimento no

Laboratório Espaço de Estudos sobre o Cômico, UNIRIO, em parceria com a Fundação Casa

de Rui Barbosa, com o apoio da FAPERJ.

Trata-se de uma primeira apreciação acerca da produção de um conjunto de dados segundo

levantamento de fontes primárias (partituras e libretos), em andamento junto aos acervos da

Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Temos em mente a questão da “defasagem” entre o

alardeado sucesso histórico do gênero no palco nacional, pela historiografia do teatro

brasileiro, e a memória informada pelo acervo. Um olhar de sobrevôo, antes que colado aos

textos - musicais e teatrais - por sua natureza distante, pode nos revelar planos diferenciados

de inteligibilidade.

Palavras-chaves: opereta, gênero, história

Abstract

Le texte présente les resultats parciels de la recherche post-doctorale, débutée en septembre

2009, “Mapa da opereta no Brasil na segunda metade do século XIX e primeiras décadas do

século XX”. (1) La première partie du projet, “História cultural das artes cênicas no Brasil:

programa interdisciplinar de estudos sobre relações música e teatro” (2), en développement au

“Laboratório Espaço de Estudos sobre o Cômico”, UNIRIO, en partenariat avec la “Fundação

Casa de Rui Barbosa”, avec le soutien de la FAPERJ.

Il s'agit d'une première évaluation sur la production d'un ensemble de données selon une étude

de sources primaires (partitions et livrets), en cours avec les collections de la “Biblioteca

Nacional do Rio de Janeiro”. Nous avons à l'esprit la question du «fossé» entre la réussite

ostentatoire historique du genre sur la scène nationale, l'historiographie du théâtre brésilien, et

∗ Paulo Maciel é bolsista da FAPERJ, com pós-doutorado sob supervisão da profa. dra. Maria de Lourdes Rabetti, do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da UNIRIO.

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2 le souvenir rapporté par l'acquis. Un rapide survol avant de se lier aux textes - musicaux et

théâtraux - par sa nature éloignée, peut nous révéler différents plans de l'intelligibilité.

Mots-clés: opérette, genre, histoire

Introdução

A pesquisa de fontes primárias (partituras e libretos) nos acervos da Divisão de Música e o de

Obras Raras da Biblioteca Nacional mostra antes de tudo uma quantidade de títulos, de

comédias, dramas, mágicas, tragédias, operetas, etc., aparentemente desconhecidos pelas

histórias do teatro brasileiro, a contar a coleção de obras clássicas publicadas. Inicialmente,

parece despontar uma série de informações e informantes que, em virtude de uma

historiografia de grandes autores e obras, permaneceu inexplorada. Mas, em que medida, a

memória, a história e o passado se correspondem ou se distanciam?

O objetivo é pensar no problema a partir da memória depositada nos fichários sobre partituras

e libretos de ópera bufa, ópera cômica e opereta das citadas seções e divisões, e a maneira

pela qual os dados levantados até o momento da pesquisa informam sobre o passado: autores,

arranjadores, títulos, gêneros; publicação, encenação e produção. Os registros dos três gêneros

levantados giram em torno de um determinado conjunto de títulos, autores e arranjadores, de

determinadas unidades musicais e instrumentação, no caso das partituras, ou então de um

mesmo tema ou procedimento, como no uso da paródia pelos autores brasileiros, conforme

mostram os dados da lista de libretos.

Ao invés de encaminhar a questão da sua reconstituição formal e histórica como gênero, o que

levaria à pesquisa e à análise de autores e “textos”, musicais (partituras) e teatrais (libretos),

aqui, o objeto de nossa reflexão são as duas listas resultantes do processamento dos primeiros

dados coletados. Neste sentido e neste lugar, repetição será sinal de força. Não encontramos

um grande número de títulos e de autores, mas as listagens mostram sua capacidade de

multiplicação, pois, de um conjunto médio de autores e títulos chegamos a uma série mais

ampla. No caso das partituras, talvez se deva à própria estrutura musical livre da opereta, aos

variados arranjos, as edições, etc.

Entretanto, apesar de sua flexibilidade, os dados da lista permitem observar a existência de

constantes e possíveis variações, transformações. Por outro lado, os dados “de gênero” das

partituras, principalmente ópera bufa, ópera cômica e opereta, nos mostram como títulos,

autores, arranjadores, circulam entre estes e outros diferentes pertencimentos, diluindo a

noção e mostrando resistência ao exercício de organização e montagem classificatória do

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3 pesquisador. Assim, ao invés de focar o projeto numa das suas variantes, incorporamos um

universo maior da história da opereta com atenção voltada à identificação da estrutura musical

e teatral ligeira comum que as perpassa e, posteriormente, aos procedimentos, temas,

processos de construção adotados.

As histórias do teatro brasileiro geralmente constituem suas narrativas a partir de uma a trama

de obras e autores principais, e, os elegem como modelos de inteligibilidade dos próprios

gêneros, literários, dramáticos, teatrais, musicais, de uma escola, estilo ou movimento. O que

preocupa é uma concepção diria ontológica da noção de gênero literário, teatral, musical, sem

meditar sobre a interação entre teoria formulada e obras eleitas. Trata-se de compreender

como a própria opereta nos ensina a considerar o gênero como categoria de análise na teoria e

história do teatro, particularmente brasileiro, com cautela. Vejamos o que nos dizem os dados.

Entre passado e presente: a opereta e as fontes.

Os dados informados pelos arquivos percorridos até o momento revelam um universo nem tão

vasto quanto esperávamos encontrar pelo seu sucesso de palco, nem tão reduzido, quanto os

16 títulos citados geralmente pela historiografia1. Chegamos a um total de 146 registros de

partituras, com uma média de 60 títulos e 74 registros de libretos, com uma média de 57

títulos que reunidos revelam o percurso médio de um gênero: “Espécie de Jano morfológico,

com uma face voltada para a história e outra para a forma, o gênero é, portanto, o verdadeiro

protagonista desse tempo de meio da história literária, desse nível racional em que o fluxo

encontra-se com a forma” (MORETTI, 2008: 31).

Uma história da opereta como gênero, em sentido metodológico, torna-se um modo de

abordagem de sua estrutura em desenvolvimento, a maneira pela qual um gênero se faz

gênero na história por assim dizer. Para tanto, as listas elaboradas de partituras e libretos

diluem suas possíveis particularidades, percebidas como variantes formais do teatro ligeiro,

numa série de dados sobre sua estrutura e sobre seus procedimentos de escrita musical e

1 A historiografia do teatro brasileiro até o momento conta em geral com um total de 16 títulos, dentre os quais: Orphée aux enfers, música de Offenbach e texto de Hector Crémieux e Ludovic Halévy; a paródia Orfeu na Roça, de Francisco Correia Vasques; La Grande Duchesse de Gérolstein – texto de Henri Meilhac e Ludovic Halévy, música de Offenbach; a paródia A Baronesa de Caiapó, pelas mãos de Caetano Filgueiras, Manuel Joaquim Ferreira Guimarães e Antonio Maria Barroso Pereira (apresentada no Ginásio em 1868); Barba de Milho, título dado por Augusto de Castro à paródia de Barbe-Bleue, texto de Meilhac e Halévy e música de Offenbach. Essa mesma opereta ganhou ainda segunda paródia, feita por Joaquim Serra, com o titulo de Traga-moças. (CAFEZEIRO, 1996; FARIA, 2001; PRADO, 1997).

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4 teatral. Por meio dos totais gerados pelo processamento inicial buscamos traçar suas linhas

gerais, pois a pesquisa quantitativa dá-nos dados, mas não interpretações (IDEM, 2008: 21).

Do total de 176 registros de partituras temos a seguinte distribuição por gênero: 53 operetas,

40 óperas cômicas, 13 óperas bufas e 40 sem definição. Enquanto de libretos temos: 35 óperas

cômicas, 26 operetas, 3 óperas bufas, 3 óperas burlescas, 2 paródias phantásticas, 2 sem

categorização, 1 ópera semi-séria e 1 denominada peça cômica e lyrica. Podemos observar

por este quadro numérico como a noção de gênero no interior do teatro ligeiro parece

caracterizar-se por um constante deslizamento e uma grande mistura. Pois, muitos registros,

especialmente das partituras, indicam o pertencimento de um mesmo título ora à ópera cômica

ora à ópera bufa e ou à opereta, ópera burlesca, quando não salientam o caráter misto, por

exemplo, vaudeville-opereta.

Produção marcada por uma ausência de fronteira entre gêneros e pela presença de uma

circulação de autores, arranjadores, também temas, processos e procedimentos de escrita

musical e teatral, aspectos que, segundo Beti Rabetti, caracterizam a comediografia ligeira:

Neste sentido, todos os elementos necessários ao empreendimento teatral marcam

sua presença também no ato de composição dramatúrgica como componentes

internos. Trata-se a dramaturgia da comediografia ligeira não de obra de fora

desenhada por olhos dirigidos a uma cena imaginada ou desejada, mas de parte da

encenação; continuadamente em construção e reconstrução, efêmera como o

espetáculo, passageira como o olhar do espectador, e que desta transitoriedade

compartilha, em fluxo interminável de produção, reprodução, reaproveitamentos

(RABETTI, 2007: 14-15).

Este modo de produção ligeira marca a própria recepção das operetas européias pelos autores

brasileiros que se valem de expedientes como tradução livre, paródia, adaptação, imitação,

paródia fantástica, em virtude dos distintos procedimentos de composição e escrita adotados,

a mobilidade, o re-aproveitamento, caracterizam o sistema. Fica ainda por estudar através da

análise dos textos cada um destes procedimentos e o tipo de diálogo que travam com o

original, especialmente as paródias, pois costumam ser vistas como momento de transição

entre importação e produção nacional. Dos originais europeus passando pelas paródias até o

aparecimento de partitura e autor nacional, este percurso, definido em linhas gerais, pela

historiografia, parece também caracterizar a distribuição temporal dos dados das duas séries.

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5 Podemos traçar uma linha cronológica de partituras que vai de 1867 até 1946 e de libretos de

1842 até 1983 com um pico de produção em 1880 e, logo depois, com a entrada em cena da

“opereta brasileira” 2, uma relevante continuidade até 1920, quando então os dados começam

a escassear. A trajetória pode ser acompanhada através dos libretos: 1840-1850 (2), 1850-

1860 (2), 1860-1870 (5), 1870-1880 (5), 1880-1890 (15), 1890-1900 (8), 1900-1910 (8),

1910-1920 (3), 1920-1930 (3), 1930 – 1983 (5), s/d (17), e partituras: 1860-1870 (3), 1870 –

1880 (1), 1880-1890 (11), 1890-1900 (nenhuma), 1990-1910 (nenhuma), 1910-1920 (2),

1920-1930 (1), 1930 – (9), 18.. (4) e 19.. (3). Os poucos registros de partituras que

contemplam não nos impede de, pela série listada, alcançar uma razoável idéia aproximativa.

O que os dados dos registros das partituras nos informam é um crescimento concomitante de

músicos nacionais e de títulos designados como opereta. Temos o seguinte quadro até agora:

26 títulos e 20 autores entre registros de partituras nacionais, enquanto de libretos temos: 13

títulos nacionais, 39 estrangeiros e 5 paródias. Trata-se de saber como os modos de escrita

trabalham as noções e as fronteiras de nacional e estrangeiro, os procedimentos

disponibilizados para imprimir as categorias de gênero, e de suas relações temáticas e formais,

pois, a insistir no caminho tradicional, se a ópera bufa é francesa e a ópera cômica italiana, a

opereta aguarda nacionalidade. Perante este conjunto de dados não podemos esquecer como

uma média de títulos e autores se multiplica pelas casas editoriais e suas coleções3, pelos

arranjos, teatros, empresas teatrais, tournées estrangeiras4. Por esse caminho de

entrecruzamentos, resgates e aproveitamentos, emerge uma presença efetivamente

2 Conforme observou João Roberto Faria: Com Os Noivos e A Princesa dos Cajueiros, encenadas em 1880, a opereta nacionalizou-se por completo, pois a música é de autoria de Sá Noronha, compositor português radicado no Brasil (FARIA, 2001: 147). 3 Dentre as casas editoriais informadas pelos registros destacam-se: E. S. Mangione; Lith. À vapor de J. Alves Leite Succ., Narciso e Arthur Napoleão; Brian, Barreto, Boudraux e Montenegro; José Gertam; A.J. D’Azevedo; Fillipone e Tornagui; Narciso, Arthur Napoleão e Migués; Buschman, Guimarães & Irmão; Irmãos Vitalle; Isidoro Bevilacqua; Arthur Napoleão & Cia; Viúva Machado & Cia; Victor Prialle; Ed. Propaganda Grave & Cia; V. Sidow & Cia; Imperial Estabelecimento de Narciso e Arthur Napoleão; Sotero de Souza; Typografia do Diário da Manha. 4 Dentre os libretos localizados 12 indicam data e local da primeira representação, a companhia ou empresa responsável pela encenação: Teatro Phoenix Dramática: 1869: Barba de Milho, 1879: Les cloches de corneville, 1880: Os noivos e A Princesa dos Cajueiros, 1881: Fatinitza; Teatro Lyrico Fluminense: 1854: La fille du regiment; Tournée Rentini: La mascotte (s/d), O conde de Luxemburgo (s/d); Teatro Ginásio: 1869: Traga Moças (Empreza do ator Furtado Coelho); S/teatro – Empreza do artista Heller: 1890: Les chavaliers de la table ronde; Teatro São Luiz: 1872: El Jovem Telêmaco; Teatro República: 1918: A bilha quebrada; Teatro Sant’Anna: 1882: Le droit du seigneur (A Flor de Liz), 1883: Donna Juanita, 1887: L’Amour Mouillé (Amor Molhado).

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6 intensificada, conforme revela, agora, o cruzamento dos dados das séries resultantes da

pesquisa nos acervos: de partituras e libretos, sobretudo, dos anos de 1880.

Essa força multiplicadora de sua presença conta ainda com os procedimentos de escrita

musical adotados, em virtude da livre composição, as unidades são relativamente autônomas,

porém, a repetição de algumas delas indica a existência de uma estrutura comum e ou formato

original e também das modificações vivenciadas pela nacionalização do gênero: valsa e suas

variantes (valsa-romanza, manola-valsa, valsa brilhante, suíte de valsas, valsa popular): 36;

Canção: 4; Tango e variantes (tango-havanera, tango brazileiro, havanera, tanguinho): 20;

Polca e variantes (polca militar, polca brilhante, polca-tango): 12; Quadrilha e variantes

(grande quadrilha, quadrilha brilhante): 27; Fantasia e variantes (fantasia de salão, fantasia

brilhante): 13; Fado e variantes (fado Gonzaga, fado brasileiro - lundu): 3; Fox-blue: 1;

Romance: 2; Modinha: 1; Trio: 1; Marcha: 5; Marchinha: 1; Samba: 3; Pout-pourri: 3;

Desafio e bate pé: 1; Ballada Romatica: 1; Recitativo: 1; Entrada: 1; La sevillana: 1; Dueto: 1;

Cake-walk: 1; Coro: 1; Barcarola: 1; Hino: 1; Cena dos pandeiros: 1; s.i. (3).

Tendo por base essa série a respeito de sua conformação musical podemos observar, na

estrutura livre de sua composição, como a opereta incorporou novos ritmos ao seu repertório

mais tradicional de valsas, polcas, quadrilhas, mostrando possibilidades e constrangimentos

segundo a cultura, instrumentação e técnica musical compartilhada. Vejamos sempre o que os

registros de partituras indicam: Piano: 80; Piano e sexteto: 2; Canto: 4; Canto e orquestra de

salão: 1; Canto e piano: 32; Flauta: 2; Orquestra de salão: 1; Bandolim (ou violino ou flauta)

piano: 5; s.instr. (19).

Desta forma, aos poucos emerge um contexto cultural musical envolvendo a produção,

circulação e consumo das partituras de ópera bufa, ópera cômica e opereta. Segundo a

bibliografia especializada, a partir de meados do século XIX surgiram condições para o

desenvolvimento da música no Brasil, por exemplo, aparecimento de casas de espetáculo, de

instituições públicas e privadas de formação musical, etc. Em virtude dos novos incentivos e

das iniciativas, e da mudança no cenário político com o Segundo Reinado, os espetáculos

líricos voltam ao palco, dando continuidade ao gosto da corte portuguesa pela ópera italiana,

sobretudo5.

No estudo de Ayres de Andrade, as temporadas líricas voltam a fazer parte da vida cultural da

cidade a partir de 1844. Especialmente pelas tournées de companhias francesas e italianas, o 5 Maiores detalhes ver: ANDRADE, 1967. 2 vols.

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7 público teve a oportunidade de contato com um repertório operístico maior, a maioria de

títulos e autores italianos e com uma presença reduzida de óperas cômicas, conforme revela a

sua lista das temporadas líricas de 1844 até os anos de 1860. Dentre as peças informadas

temos: Elisir d’amore, La fille du regiment, Os salteadores, Cenenterola (ANDRADE, 1967:

7-29. Vol. 2)

Neste sentido, a presença da opereta no palco brasileiro acompanharia as iniciativas voltadas

para a ópera e mais particularmente para a edificação e o melhoramento das casas de

espetáculo, a formação de músicos e técnicos nacionais, o desenvolvimento em geral do

canto, medidas estas que devem ter influenciado direta ou indiretamente o quadro musical,

teatral e cultural do período que, com a encenação em 1865 de Orphée aux enfers, incorpora

também os gêneros cômicos, como a ópera bufa francesa e a ópera cômica italiana.

Mas a presença da música e da opereta na história do teatro brasileiro deve ser pensada para

além do drama ou teatro lírico, para perceber como aos poucos a música e a ópera influencia a

sua produção dramática e cênica, como mostra Beti Rabetti acerca de O diletante, de Martins

Pena. Conforme observou, a respeito do ritmo - dramático e cênico – da trama e do jogo entre

as personagens, “o empenho maior é formal, musical, e não apenas o de retratar, ou fixar, um

quadro real, que não subsistiria frente a qualquer realidade, mesmo que para fins de crítica

feroz”, pois, antes mesmo do piano adentrar e tornar-se artigo indispensável nas casas da

aristocracia local “já era utilizado para tocar músicas mais populares; além da ópera, a música

e as danças afro-brasileiras, a modinha” (RABETTI, 2007: 72).

A presença da música em cena revela um terreno fértil para a recepção das operetas a partir de

meados do século XIX, por sua vez, a sua nacionalização é mediada por um dos gêneros

dramáticos mais persistentes do teatro brasileiro, a comédia de costumes, cujo aproveitamento

pelos autores passa pela incorporação de ritmos musicais como o lundu, a modinha, etc.

Por outro lado, a maioria dos registros de libretos indica uma estrutura dramática mais

tradicional com a divisão da sua matéria em atos e quadros. Em geral três atos, poucos casos

de um ou dois atos, mas, com um número cada vez maior de quadros que aponta para a

diluição ou alteração da rigidez dramática mais tradicional, comum à ópera, ao drama ou

teatro clássico, pois, o recurso tende à dispersão ao invés da concentração exigida pelas

unidades, de tempo, lugar e ação. Problemática que poderá ser esclarecida melhor pela análise

dos textos.

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8 As duas listas, de partituras e de libretos, ressaltam um universo mais amplo e complexo da

opereta no Brasil do que costumam nos oferecer, até o momento, as histórias gerais do nosso

teatro. Seus indicadores quantitativos trazem indícios das características mais gerais de sua

produção no Brasil, de suas relações com a comédia de costumes, dos elementos de sua

escrita musical e teatral. Indícios que ainda necessitam de um tratamento mais pontual, e

ajudam a diminuir a distância existente entre a (s) memória (s) dos seus arquivos e as

narrativas da sua história.

Bibliografia ANDRADE, Ayres de. Francisco Manuel da Silva e seu tempo. 1808-1865: uma fase do passado musical do Rio de Janeiro à luz de novos documentos. Rio de Janeiro: edições Tempo Brasileiro, 1967. Vols. 1 e 2. CACCIAGLIA, Mario. Realismo e decadência. In. Pequena história do teatro no Brasil (Quatro séculos de teatro no Brasil). São Paulo: T.A.Queiroz: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1986. PP. 77-84. CAFEZEIRO, Edwaldo. Romantismo: a comédia da libertação. In. História do teatro brasileiro: de Anchieta a Nelson Rodrigues. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, EdUERJ, FUNARTE, 1996. PP. 203-327. CHIARADIA, Maria Filomena Vilela. A companhia de revistas e burletas do Teatro São José: a menina-dos-olhos de Paschoal Segreto. Dissertação (Mestrado em Teatro). Centro de Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Teatro, UNIRIO, 1997. COELHO, Lauro Machado. A Ópera Romântica Italiana. São Paulo: Perspectiva, 2002. ______________________. A Ópera Inglesa. São Paulo: Perspectiva, 2005. ______________________. A Ópera na França. São Paulo: Perspectiva, 2009. FARIA, João Roberto. O Teatro cômico e musicado. In. IdéiasTeatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 2001. PP. 145-147. MAGALDI, Sábato. Um grande animador. In. Panorama do teatro brasileiro. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1962. PP. 141-154. MOREIRA, Inês C. Martins. A dramaturgia de Ariano Suassuna: procedimentos analíticos. In. O percevejo. Revista de Teatro, crítica e estética. Ano 8, N.8, 2000. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, pp. 150-155 MORETTI, Franco. A literatura vista de longe. Porto Alegre: Arquipélago editorial, 2008. ________________. Um mapa do romance europeu 1800-1900. São Paulo: Boitempo editorial, 2003. PRADO, Décio de Almeida. A comédia brasileira (1860-1908). In. Seres, coisas e lugares. Do teatro ao futebol. São Paulo: Companhia das letras, 1997. PP. 15-63. Escrito originalmente em 1993. RABETTI, Maria de Lourdes. Estudos sobre “modos de atuação” no teatro do passado: a “formação” de Maria Baderna em escolas e palcos italianos do século XIX em meios românticos e melodramáticos de vida e da cena. Programa de Estudos e Relatório de pesquisa de pós-doutorado. Turim; Rio de Janeiro: UNIRIO; UNITO; CAPES, 2007/2008. ----------------------------------Presença musical italiana na formação do teatro brasileiro. ArtCultura: Revista de História, Cultura e Arte, V. 9, N. 15, 2007. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, Instituto de História. PP. 61-81.

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9 -----------------------------------. Teatro e comicidades 2: modos de produção do teatro ligeiro carioca. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007. WEHRS, Carlos. Machado de Assis e a magia da Música. Rio de Janeiro: C. Whers, 1997 (Rio de Janeiro: Sette Letras). WHERS, C. Carlos J. O Rio Antigo -Pitoresco e Musical. Memórias e diário. Rio de Janeiro, 1980.