o teatro da loucura pelbart

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    119Politca. So Paulo, v. 1, n. 1, pp. 119-129, 2013.

    O teatro da loucura

    Peter Pl Pelbart*

    Resumo:Neste argo fao um relato de fragmentos de uma experincia de te-atro com pacientes psiquitricos que atuam na Companhia Teatral Ueinzz, deum hospital-dia em So Paulo. Os relatos dizem respeito parcipao da Com-panhia no Fesval de Teatro de Curiba, ao primeiro ensaio da Companhia nohospital-dia A Casa, e experincia de convvio da Companhia com os atoresdo Thatre du Radeau, no Sul da Frana. A parr desses relatos levanto algumasquestes que devero servir de contexto para pensar a relao entre pracasestcas e vidas precrias na contemporaneidade. Nesse contexto de controleda vida podemos notar que as modalidades de resistncia vital proliferam demaneiras inusitadas, como a colocao em cena da vida em estado de variao.

    Palavras-chave:loucura; teatro; vida; resistncia.

    Abstract:The Theater of madness. In this arcle I report a fragment of theater

    experience with psychiatric paents who play in Ueinezz Theatre Company of

    a Day Hospital in So Paulo. The reports relate to the Companys parcipaon

    in the Fesval de Teatro de Curiba, the rst rehearsal of the company in A

    Casa Day Hospital and the experience of living with the actors of the Companys

    Thtre du Radeu in south of France. From these reports, I raise some issues

    that should serve as context to think about the relaonship between esthec

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    Eu gostaria de dar eco a uma experincia muito concreta no cam-

    po da loucura. No vou falar da Histria da Loucura, nem da Nau dos

    Insensatos, nem do silenciamento da Desrazo. No pretendo fazer um

    disurso de denncia, nem sequer uma anlise do papel dessa discursivi-

    dade ao longo das lmas dcadas, nesse mbito especco. Limito-me a

    relatar fragmentos de uma experincia de teatro com pacientes ditos psi-

    quitricos, desde o lugar de coordenador desse projeto, de ator espor-

    dico, mas tambm, no vou neg-lo, desde minha sensibilidade losca.

    Somos a Cia. Teatral Ueinzz, nascida h dez anos num hospital-

    -dia em So Paulo. Fomos dirigidos desde o incio por Srgio Penna e Re-

    nato Cohen, h alguns anos deixamos o hospital-dia e nos constumos

    como uma companhia autnoma, ensaiamos semanalmente, zemos trs

    peas, vemos mais de 150 apresentaes, viajamos muito pelo Brasil e

    tambm no exterior, tudo isso faz parte de nosso currculo, mas toda essa

    concretude no garante nada. Por vezes, passamos meses no marasmo

    de ensaios semanais inspidos, s vezes nos perguntamos se de fato al-

    gum dia nos apresentamos ou voltaremos a nos apresentar, alguns atores

    desaparecem, o patrocnio mngua, textos so esquecidos, a companhia

    ela mesma parece uma virtualidade impalpvel. E de repente surge uma

    data, um teatro disponvel, um mecenas ou um patrocinador, o vislumbre

    pracces and precarious lives nowadays. In this context of control of life we can

    see that the arrangements for vital resistance proliferate in unusual ways, like

    pung on scene life in a state of variaon.

    Keywords:Madness; theatre; life; resistance.

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    de uma temporada, um convite para o Cariri ou para Paris... O gurinista

    recauchuta os trapos empoeirados, atores sumidos h meses reaparecem,

    s vezes fugidos at de uma internao... Um campo de imantao rea-

    vado, os solitrios vo se enganchando, os dispersos se convocam mutu-

    amente, um colevo feito de singularidades dspares se pe em marcha,

    num jogo sul de distncias e ressonncias, de celibatos e contaminaes

    compondo o que Guaari chamaria de um agenciamento colevo deenunciao. Mas mesmo quando tudo vinga, no limite tnue que se-

    para a construo do desmoronamento. Eu gostaria ento, nesse diapa-

    so, contar alguns fragmentos que ilustrem essa sensao.

    O primeiro fragmento diz respeito nossa apresentao do Fes-

    val de Teatro de Curiba, h alguns anos atrs. Faltavam poucos minutos

    para a trupe entrar em cena. O pblico se apinhava nas arquibancadas

    laterais do teatro, um assombroso galpo envolto em brumas e mergu-

    lhado na atmosfera da msica estrepitosa. Cada ator se preparava para

    proferir em grego o embate agonsco que d incio a esse espetculo

    sem p nem cabea, conforme o comentrio elogioso de um crco da

    Folha de S.Paulo. Eu aguardo tenso, repasso na cabea as palavras que

    devemos lanar uns contra os outros, em tom inmidatrio e desenfre-

    ada correria. Passeio os olhos em meio ao pblico e percebo nosso nar-

    rador recuado do microfone alguns metros ele parece desorientado.

    Aproximo-me, ele me conta que perdeu seu texto. Eno a mo no bolso

    de sua cala, onde encontro o mao de folhas por inteiro. O ator olha os

    papis que estendo sua frente, parece no reconhec-los, pe e ra os

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    culos, e murmura que desta vez no parcipa da apresentao esta

    a noite de sua morte. Trocamos algumas palavras e minutos depois,

    aliviado, vejo-o de volta ao microfone. Mas sua voz, em geral to trmula

    e vibrante, soa agora pastosa e desmanchada, como a dramazar o texto

    que reza: Minha memria anda fraca.. Sinto as palavras viscosas, desli-

    zando umas sobre as outras, diluindo-se progressivamente, e aquilo que

    deveria servir de o narravo para nossa labirnca montagem teatraldesgua lentamente num pntano escorregadio. Na cena seguinte dessa

    pea intulada Ddalus, eu sou Hades, rei do Inferno, e ele o barqueiro

    Caronte, que levar Orfeu at Eurdice. Mas entre uma remada e outra,

    bruscamente ele interrompe a cena, faz uso de suas lmas reservas,

    atravessa o palco na diagonal e dirige-se sada do teatro, uma por-

    nhola que d para a rua. J ali, eu o encontro sentado na mais cadavrica

    imobilidade, balbuciando sua exigncia de uma ambulncia chegou a

    sua hora. Ajoelho-me ao seu lado e ele diz: Vou para o charco. Como as-

    sim? pergunto eu. Vou virar sapo. O prncipe que virou sapo, respondo,

    pensando que nesta nossa primeira turn arsca ele viaja com sua na-

    morada recente, como uma lua de mel. Mas ele retruca, de modo ines-

    perado: Mensagem para o ACM. Sem tubear digo que estou fora,

    no sou amigo do ACM, melhor mandar o ACM para o charco e carmos

    ns dois do lado de fora. Depois a situao se alivia, ao invs da ambu-

    lncia ele pede um cheesburger do McDonalds, conversamos sobre o

    resultado da loteria em que apostamos juntos e o que faremos com os

    milhes que nos esperam. Ouo os aplausos nais vindos de dentro do

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    teatro, o pblico comea a rerar-se. O que eles vem quando saem pela

    mesma pornhola que d para rua Hades, rei do inferno (meu persona-

    gem) ajoelhado aos ps de Caronte morto-vivo, pelo que recebemos uma

    reverncia respeitosa de cada espectador que passa por ns, para quem

    essa cena nma parece fazer parte do espetculo. Foi tudo por um triz,

    por um triz que nos apresentamos, por um triz que no morremos, mas

    nada disso deve ser ocultado, um ingrediente que faz parte e faz partedessa estca, ou dessa ca.

    Passo agora a meu segundo exemplo. o primeirssimo ensaio

    da Cia. realizado ainda nas dependncias do Hospital-Dia A Casa. Num

    exerccio teatral sobre os diferentes modos de comunicao entre seres

    vivos, pergunta-se a cada pessoa do grupo que outras lnguas fala, alm

    do portugus. Um paciente que nunca fala, apenas emite um som anasa-

    lado semelhante a um mantra disforme, responde imediatamente e com

    grande clareza e segurana, de todo incomuns nele: alemo! Surpresa

    geral, ningum sabia que ele falava alemo. E que palavra voc sabe em

    alemo? Ueinzz. E o que signica Ueinzz em alemo? Ueinzz. Todos riem

    eis a lngua que signica a si mesma, que se enrola sobre si, lngua

    esotrica, misteriosa, glossollica. s vezes ela acompanhada de um

    dedo em riste, outras de uma excitao que desemboca num jorro de

    urina cala abaixo. Inspirados no material coletado nos laboratrios, os

    diretores trazem ao grupo sua proposta de roteiro: uma trupe nmade,

    perdida no deserto, sai em busca de uma torre luminosa, e no caminho

    cruza obstculos, endades, tempestades. Ao cruzar um orculo, em sua

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    lngua sibilina, ele deve indicar o rumo que convm aos andarilhos. O ator

    para o orculo prontamente designado: este que fala alemo. Ao lhe

    perguntarem onde ca a torre Babelina, ele deve responder: Ueinzz. O

    paciente entra com rapidez no papel, tudo combina, o cabelo e bigode

    bem pretos, o corpo macio e pequeno de um Buda turco, seu jeito es-

    quivo e esquizo, o olhar vago e perscrutador, de quem est em constante

    conversao com o invisvel. verdade que ele caprichoso, quando lheperguntam: Grande orculo de Delfos, onde ca a torre Babelina? s ve-

    zes ele responde com um silncio, outras com um grunhido, outras ele

    diz Alemanha, ou Bauru, at que lhe perguntam mais especicamente,

    Grande orculo, qual a palavra mgica em alemo? E a vem, infalvel,

    o Ueinzz que todos esperam. De qualquer modo, o mais inaudvel dos

    pacientes, o que faz xixi na cala e vomita no prato da diretora, caber a

    ele a incumbncia crucial de indicar ao povo nmade a sada das Trevas

    e do Caos. Depois de proferida, sua palavra mgica deve proliferar pelos

    alto-falantes espalhados pelo teatro, girando em crculos concntricos e

    amplicando-se em ecos verginosos, Ueinzz, Ueinzz, Ueinzz. A voz que

    em geral desprezvamos porque no ouvamos, a ruptura a-signicante,

    como diria Guaari, encontra a, no espao cnico e ritual, uma eccia

    mgico-poca. Quando a pea bazada com esse som, temos dicul-

    dade em imaginar como se escreve isto: Wainz, ou weeinzz, ou ueinz? O

    convite vai com weeinz, o folder com ueinzz, o cartaz brinca com as pos-

    sibilidades de transcrio, numa grande variao bablica. Hoje somos a

    Cia. Teatral Ueinzz.

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    A vai, por m, um lmo fragmento, que extrapola o domnio te-

    atral. Fomos convidados, recentemente, para um convvio de uma sema-

    na com os atores do Thtre du Radeau, no Sul da Frana, num projeto de

    afetao recproca. O diretor daquela trupe Franois Tanguy, um maluco

    genial, que entrou com nossa trupe num grau de empaa, corpo-a-corpo,

    comunicao xamnica dicilmente imaginvel, apesar da barreira abso-

    luta da lngua. Ele circulava com uma barra de madeira que termina numpente, um objeto que ns usaramos para coar nossas costas, mas que

    lhe foi presenteado pelo Laymert Garcia dos Santos, que por sua vez o

    recebeu de algum cacique do Xingu, e fez longas sesses com nossos ato-

    res. Para os ndios, esse instrumento serve para ir escaricando as cos-

    tas do interlocutor durante uma conversa, e deixar no seu corpo alguma

    marca do encontro. Tanguy usou esse mesmo princpio com nossos ato-

    res. Enm, tudo ali era surpreendente. Almovamos ouvindo o Franois

    ler em voz alta O suicidado da sociedade, ao lado de um antroplogo mui-

    to velho, amigo pessoal e editor de Artaud, e nessa atmosfera em que se

    cruzavam arstas vindos de vrias partes, um de nossos atores perguntou

    certa vez a Franois se fomos convidados porque ramos anjos decados.

    No lmo dia, antes de nossa apresentao, Franois colocou sobre as

    costas desse ator uma imensa asa feita de pano cada, corroborando a

    imagem do anjo decado, e foi com ela que ele se apresentou. Foi nesse

    nterim que aconteceu o mais inusitado. Esse ator havia proposto a Lau-

    rence, uma das atrizes da Cia. francesa, um casamento. Ela era bem mais

    velha, talentosssima, e quando compreendeu de maneira performca o

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    teor da proposta, acolheu-a imediatamente. Terminada a apresentao,

    ento, ele lembrou do casamento, e num clima ferico, aconteceu um

    casamento fesvo, com vu de noiva, o noivo foi vesdo com uma suntuosa

    capa de prncipe russo, uma giganesca mscara de veado, rendada e trans-

    parente, todos os convivas vesram perucas excas, e assim deu-se o

    casamento do anjo cado e a atriz calejada. Algo do limite entre razo

    e desrazo, loucura e sanidade, fantasia e realidade, foi a deslocado, eassumido colevamente, ritualmente, performacamente. A atriz, que

    nunca havia casado, agradeceu a ele e insistu que ele era a nica pessoa

    no mundo que poderia ter-lhe proposto isso.

    Bem, no sou especialista da rea de teatro, performance, nem

    sequer das artes, mas a parr de minha frequentao nessa interface en-

    tre a losoa, o domnio subjevo e uma certa dimenso micropolca,

    gostaria de levantar algumas questes que talvez possam servir nesse

    contexto, sobretudo para pensar a relao entre prcas estcas e vidas

    precrias no contexto contemporneo, e que eu vou chamar, por como-

    didade, de contexto biopolco, onde o embate se d em torno da vida,

    do seu domnio, do seu estatuto, da sua potncia.

    Partamos do mais simples. A matria-prima nesse trabalho tea-

    tral a subjevidade singular dos atores, e nada mais. Isto , o que est

    em cena uma maneira de perceber, de senr, de vesr-se, de mover-se,

    de falar, de pensar, mas tambm uma maneira de representar sem repre-

    sentar, de associar dissociando, de viver e de morrer, de estar no palco

    e senr-se em casa simultaneamente, nessa presena precria, a um s

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    tempo plmbea e impalpvel, que leva tudo extremamente a srio e ao

    mesmo tempo no est nem a, como o deniu depois de sua parcipa-

    o musical numa das apresentaes o compositor Livio Tragtemberg ir

    embora no meio do espetculo atravessando o palco com a mochila na

    mo porque sua parcipao j acabou, ora largando tudo porque che-

    gou a sua hora e vai-se morrer em breve, ora atravessar e interferir em to-

    das as cenas como um lbero de futebol, ora conversar com o seu pontoque deveria estar oculto, denunciando sua presena, ora virar sapo... Ou

    ento grunhir, ou coaxar, ou como os nmades de Kaa em A Muralha

    da China, falar como as gralhas, ou apenas dizer Ueinzz... O cantor que

    no canta, quase como Josena, a danarina que no dana, o ator que

    no representa, o heri que desfalece, o imperador que no impera, o

    prefeito que no governa a comunidade dos que no tm comunidade.

    No consigo deixar de pensar que esta vida em cena, vida por

    um triz, que faz uma das peculiaridades desse trabalho, e que d s ve-

    zes a impresso, para alguns espectadores, de que so eles os mortos-

    -vivos, e que a vida verdadeira est do lado de l do palco. Num contexto

    marcado pelo controle da vida (biopoder), as modalidades de resistn-

    cia vital proliferam de maneiras as mais inusitadas. Uma delas consiste

    em pr literalmente a vidaem cena, no a vida nua e bruta, como diz

    Agamben, reduzida pelo poder ao estado de sobrevida, em meio ao nii-

    lismo terminal que presenciamos a cada dia, a vida besta, a vida bovina,

    o ciberzumbi, o homo otarius que cruzamos a cada esquina e que ns

    mesmos somos diariamente, mas a vida em estado de variao, modos

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    menores de viver que habitam nossos modos maiores e que no palco

    ou fora dele ganham s vezes visibilidade cnica ou performca, mes-

    mo quando se est beira da morte ou do colapso, da gagueira ou do

    grunhido, do delrio colevo, da experincia-limite. No mbito restrito ao

    qual me referi aqui, o teatro pode ser um disposivo, entre outros, para a

    experimentao hesitante e sempre incerta, inconclusa e sem promessa,

    de reverso do poder sobrea vida em potncia davida, do biopoder embiopotncia, redesenhando inteiramente a geograa de nossa perverso,

    expropriao, clausura, silenciamento, injusa.

    nesse horizonte que, a meu ver, seria possvel situar a referida

    experincia de teatro. H dcadas atrs, Foucault cou seduzido pelos ho-

    mens infames, suas vidas insignicantes, sem glria, que por um jogo do

    acaso foram iluminados por um mo pelo holofote do poder com o qual se

    defrontaram e cujas palavras pareciam atravessadas por uma intensidade

    inslita. Talvez j no encontremos essas existences fulgurantes, embora

    inessenciais, esses poemas vidas, parculas dotadas de uma energia tanto

    maior quanto menores e mais diceis de serem detectadas. Diludos entre

    os mlplos mecanismos de poder annimos, as palavras no gozam mais

    daquela fulgurao teatral e vibrao fugaz que Foucault saboreava nos

    arquivos a banalidade que toma o proscnio. Mas no seio dela, a par-

    r de uma autosubjevao tateante, emisses de singularidade parecem

    armar o desejo de outra coisa. Como diz Deleuze, estamos em busca de

    uma vitalidade. Mesmo a psicanlise tem necessidade de dirigir-se a uma

    vitalidade no doente, que a doena perdeu, mas a psicanlise tambm.

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    nesse diapaso que eu diria que na esquizocenia, termo cunha-

    do por um de nossos diretores para designar essa nossa prca, a loucura

    pode tornar-se fora biopolca, biopotncia. Mas o alcance dessa arma-

    o extrapola em muito a loucura ou o teatro, e permiria pensar a fun -

    o de disposivos mulfaccos ao mesmo tempo polcos, estcos,

    clnicos na reinveno das coordenadas de enunciao da vida. Nas con-

    dies subjevas e afevas de hoje, um disposivo minsculo como oque apresentei poderia ressoar com as urgncias maisculas do presente.

    __________

    Notas

    * Possui graduao em Filosoa pela Sorbonne (Paris IV- 1983) e doutorado emFilosoa pela Universidade de So Paulo (1996). Atualmente professor tular da

    Poncia Universidade Catlica de So Paulo. Trabalha com Filosoa Contempornea,atuando principalmente nos seguintes temas: Deleuze, Foucault, tempo, loucura,subjevidade, biopolca. bolsista de Produvidade em Pesquisa do CNPq.

    Referncias Bibliogracas

    ARTAUD, Antonin - Van Gogh O Suicida Da Sociedade. Traduo: Ferreira Gullar. Riode Janeiro: Ed. Jos Olympio, 2007