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Londrina PR, de 04 a 07 de Julho de 2017. II CONGRESSO INTERNACIONAL DE POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL: DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS III SEMINÁRIO NACIONAL DE TERRITÓRIO E GESTÃO DE POLITICAS SOCIAIS II CONGRESSO DE DIREITO À CIDADE E JUSTIÇA AMBIENTAL Política Social, Seguridade Social e Proteção Social O Sistema Único de Assistência Social na reinserção social de adolescentes através da redução de danos 1 . Cecilia Berger Geymonat 2 Resumo: Este artigo realiza uma análise sobre o lugar que ocupa o Sistema Único de Assistência Social na abordagem da reinserção social com adolescentes, considerando como método de trabalho a Redução de Danos. A metodologia da pesquisa utilizada é de caráter documental e resultou da análise das publicações sobre o tema e da prática profissional cotidiana. Embora o grande desenvolvimento nos últimos anos, a intervenção social sobre essa temática necessita espaços de intercâmbio e reflexão que iluminem a prática, principalmente no que tange às perspectivas de abordagem e atendimento social. Palavras-chave: Assistência social; Redução de danos; Reinserção social; Adolescentes. Abstract: This article analyzes the place occupied by the Unified Social Assistance System in the approach to social reintegration with adolescents, considering the Harm Reduction method as a working method. The methodology of the research used is documentary and resulted from the analysis of the publications on the subject and daily professional practice. Although the great development in recent years, social intervention on this theme requires spaces of exchange and reflection that illuminate the practice, especially regarding the perspectives of approach and social service. Key-words: Social Assistance; Harm Reduction; Social Reinsertion; Adolescents. 1 Artigo apresentado para a conclusão do curso de especialização "A Política Nacional de Assistência social na perspectiva do Sistema Único de Assistência Social", ofertado pela PUCPR, no ano de 2016, realizado com a orientação da Professora Doutora Solange Fernandes. 2 Licenciada en Trabajo Social pela Universidad de la República (2009), especialista em Assistência Social pela PUCPR (2016). Assistente Social no Centro Social Marista Propulsão, em Curitiba/PR. Centro que tem como objetivo a (re)inserção de adolescentes que fazem ou fizeram uso abusivo de alcool e outras drogas na perspectiva da redução de danos. E-mail. [email protected] 1

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Londrina PR, de 04 a 07 de Julho de 2017.

II CONGRESSO INTERNACIONAL DE POLÍTICA SOCIAL E SERVIÇO SOCIAL:DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS

III SEMINÁRIO NACIONAL DE TERRITÓRIO E GESTÃO DE POLITICAS SOCIAISII CONGRESSO DE DIREITO À CIDADE E JUSTIÇA AMBIENTAL

Política Social, Seguridade Social e Proteção Social

O Sistema Único de Assistência Social na reinserçãosocial de adolescentes através da redução de danos1.

Cecilia Berger Geymonat 2

Resumo: Este artigo realiza uma análise sobre o lugar que ocupa o Sistema Único deAssistência Social na abordagem da reinserção social com adolescentes, considerandocomo método de trabalho a Redução de Danos. A metodologia da pesquisa utilizada é decaráter documental e resultou da análise das publicações sobre o tema e da práticaprofissional cotidiana. Embora o grande desenvolvimento nos últimos anos, a intervençãosocial sobre essa temática necessita espaços de intercâmbio e reflexão que iluminem aprática, principalmente no que tange às perspectivas de abordagem e atendimento social.

Palavras-chave: Assistência social; Redução de danos; Reinserção social; Adolescentes.

Abstract: This article analyzes the place occupied by the Unified Social Assistance Systemin the approach to social reintegration with adolescents, considering the Harm Reductionmethod as a working method. The methodology of the research used is documentary andresulted from the analysis of the publications on the subject and daily professional practice.Although the great development in recent years, social intervention on this theme requiresspaces of exchange and reflection that illuminate the practice, especially regarding theperspectives of approach and social service.

Key-words: Social Assistance; Harm Reduction; Social Reinsertion; Adolescents.

1 Artigo apresentado para a conclusão do curso de especialização "A Política Nacional de Assistência social naperspectiva do Sistema Único de Assistência Social", ofertado pela PUCPR, no ano de 2016, realizado com aorientação da Professora Doutora Solange Fernandes. 2 Licenciada en Trabajo Social pela Universidad de la República (2009), especialista em Assistência Social pelaPUCPR (2016). Assistente Social no Centro Social Marista Propulsão, em Curitiba/PR. Centro que tem comoobjetivo a (re)inserção de adolescentes que fazem ou fizeram uso abusivo de alcool e outras drogas naperspectiva da redução de danos. E-mail. [email protected]

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Londrina PR, de 04 a 07 de Julho de 2017.

1. INTRODUÇÃO

O tema escolhido para este artigo é o papel que ocupa o Sistema Único de

Assistência Social (SUAS), na (re)inserção social de adolescentes que fazem ou fizeram uso

abusivo de álcool e/ou outras drogas e que estão em tratamento e/ou atendimento na

perspectiva de redução de danos (RD).

O Sistema Único de Assistência Social, como política unificada de Assistência Social

e componente da seguridade social, tem como dever a garantia dos direitos dos cidadãos e

cidadãs nas situações de vulnerabilidade ou risco pessoal e social. Nesse sentido,

considerando usuários de álcool e/ou outras drogas, o Estado, através do SUAS, tem a

responsabilidade de acolher e buscar modos de (re)inserções para estes sujeitos, sendo

esta uma realidade cada vez mais frequente. Entende-se que o uso abusivo de álcool e

outras drogas afeta todas as dimensões da pessoa, em nível individual, familiar e social,

impactando no convívio familiar e comunitário e colocando ao sujeito num lugar de risco e

isolamento cada vez maior. Neste contexto entra a RD como um método de intervenção que

implica um novo paradigma, um novo olhar sobre a temática e, portanto, um novo modo de

agir, de acompanhar e /ou tratar as pessoas que se encontram fazendo uso abusivo (ou

não) de alguma droga. Enfatiza-se a importância da articulação intersetorial e

interinstitucional como elemento essencial para qualquer ação eficaz, entendendo que o

tema é a manifestação de múltiplas determinações sociais. Por último, entende-se que no

processo de formação do assistente social o tema adquire uma grande relevância, já que o

mesmo faz parte de nosso campo de atuação profissional.

2. CONTEXTUALIZANDO AS POLÍTICAS SOCIAIS NO BRASIL

Para compreender o papel atual desenvolvido pelo SUAS é necessário um breve resgate da

trajetória do desenvolvimento das políticas sociais no Brasil. Partimos da concepção de que

elas têm sua origem vinculada ao desenvolvimento urbano industrial. Um desenvolvimento

que implicou aspectos econômicos, políticos, sociais e culturais entre os anos 1930 e 1960.

Estas mudanças incluíram a substituição de um modelo até então baseado no setor agrário

e comercial.

O cenário político é caracterizado pela ascensão de Getúlio Vargas ao poder, Estado

de carácter democrático-populista, e no qual se produziram mudanças sociais profundas

que tem início o desenvolvimento das primeiras políticas sociais no Brasil, com o surgimento

de um moderno Estado de Bem Estar Social. Estado que redefiniu suas funções e passou a

utilizar mecanismos institucionais de controle, até então fora de sua esfera de intervenção.

Anteriormente a essas mudanças, não existia no país uma separação entre Estado e Igreja

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Católica na prestação de assistência, deste modo, a assistência social era compreendida

como sendo de responsabilidade da sociedade civil.

Nesse contexto, desenvolveu-se processos de expansão urbana, grandes migrações

do campo à cidade, aumento do desemprego, crescimento da pobreza e sua contrapartida:

concentração da renda e da riqueza. A questão social assumiu grande importância,

reconhecendo e regulando o conflito capital-trabalho. É assim que as políticas sociais

surgem como produto dessas relações conflitivas, como resposta ao fortalecimento das

lutas sociais e trabalhistas, procurando legitimar a ordem vigente e como instrumento

redistributivo, sendo uma estratégia para o barateamento da força de trabalho.

Ao considerar os anos que vão desde 1964 até o ano 1985, encontra-se um cenário

marcado pela regressividade tributária, privatizações, concentração de poder no que tange

às decisões. Frente a esse quadro de retrocesso, se produz uma ampliação da frente

política de oposição ao regime militar que estava no poder, com mobilizações sociais

representada no Novo Sindicalismo, no Movimento Sem Terra (MST) e posteriormente no

Partido dos Trabalhadores (PT), por meio dos quais se tentava que o projeto neoliberal não

fosse implementado.

Como aponta Colin (2014), a proteção social brasileira destes anos se desenvolveu

tendo por base o seguro social e, portanto, excluindo os grupos sociais não participantes do

mercado de trabalho formal e, ainda, o acesso às políticas se realizava pela participação do

trabalhador ao seguro social previdenciário.

Entrando nos finais de 1980, com a Constituição Federal proclamada em 1988 –

conhecida como a “constituição cidadã” – se abre um novo momento histórico, de controle

social através da participação cidadã e de um marco institucional ao apresentar um novo

modelo de seguridade social, passando a organizar o formato da proteção social brasileira.

De acordo com Fleury, a inclusão da previdência, da saúde e da assistência no

âmbito da seguridade social introduziu a noção de direitos sociais universais como parte da

condição de cidadania, sendo que antes, esses direitos eram restritos à população

beneficiária da previdência (2004, 113).

2.1. Assistência Social pós a Constituição Federal de 1988

A Política de Assistência Social a partir da Constituição Federal de 1988 assume um

lugar de maior relevância, adquirindo um status legal de política pública, e que tenta romper

com a herança histórica de uma Assistência Social conservadora, clientelista, filantrópica e

assistencialista. Este movimento, que se vê refletido na Constituição Federal, continua e se

impulsiona pela promulgação de várias leis como a Lei Orgânica de Assistência Social

(LOAS), em 1993. Com o intuito de afirmar a Assistência Social como política pública

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universal e de gestão participativa foi criado o Conselho Nacional de Assistência Social

(CNAS). Em 1997 e 1998 foi criada a primeira e a segunda Norma Operacional Básica da

Assistência Social dando lugar à primeira Política Nacional de Assistência Social. Em 2004

foi criado o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, e nasce a PNAS. Em

2003, com 10 anos do LOAS, se delibera pela implementação do SUAS no Brasil, o qual

será aprovado em 2005 quando se cria a Norma Operacional Básica do SUAS, e em 2006 a

NOB/RH/SUAS, com o objetivo de regular a gestão do trabalho no âmbito do SUAS.

Todos estes avanços em leis, e seus conseguintes planos, projetos e programas,

implicaram uma mudança de paradigma onde a Assistência Social passa a ser um direito,

de responsabilidade estatal e a partir de uma concepção contextualizada das situações,

procurando o desenvolvimento individual, familiar e coletivo.

3. A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL UNIFICADA.

O SUAS é a unificação e organização da Política de Assistência Social (PNAS). Nele

se organiza a oferta de programas, serviços, projetos e benefícios, assegurando uma

direção única da área no país. Dentre os objetivos do SUAS estão: a gestão e organização

das ofertas da Assistência Social; a cooperação técnica e corresponsabilidade dos entes na

gestão, organização e financiamento; integração entre rede pública e rede privada; a gestão

do trabalho e educação permanente na Assistência Social; gestão integrada de serviços e

benefícios; e vigilância social e garantia de direitos.

O SUAS apresenta diferentes ofertas de atendimento por níveis de proteção, os

quais refletem determinados riscos e vulnerabilidades, quais sejam: Proteção Social de Alta

Complexidade, o qual implica um acolhimento personalizado e procura um resgate do

convívio social; Proteção Social de Média Complexidade, o qual inclui um acompanhamento

personalizado e tenta prevenir a institucionalização dos indivíduos acompanhados; e

Proteção Social Básica, a qual visa prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento

de potencialidades e aquisições e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.

Assim, o SUAS se caracteriza por uma atuação preventiva, protetiva e proativa.

3.1. CRAS E CREAS

De forma sintética e para o interesse do presente artigo serão mencionados dois

Centros da assistência social: por um lado, o Centro de Refêrencia da Assistência Social

(CRAS), inserido na Proteção Social Básica e que de acordo com o PNAS, o CRAS é uma

unidade pública estatal de base territorial que organiza e coordena a rede de serviços

socioassistenciais. O público alvo destes equipamentos é a população em situação de

vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação ou fragilização de vínculos afetivos.

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Por outro lado, o CREAS é uma unidade pública estatal de abrangência municipal ou

regional. Tem como função a inclusão e proteção social de indivíduos e/ou famílias em

situação de risco pessoal e social e de violência expressos em maus-tratos, negligência,

abandono, discriminações, afastamento do convívio familiar, pessoas em situação de rua,

mendicância, abandono, vivência de trabalho infantil e/ou outras formas de violação de

direitos decorrentes de discriminação/submissões a situações que provocam danos e

agravos a sua condição de vida e os impedem de usufruir autonomia e bem-estar. O CREAS

apresenta um caráter mais protetivo que busca resgatar vínculos familiares e sociais

rompidos, apoiando a construção e/ou reconstrução de projetos pessoais e sociais. (Brasil,

2011) Nestes equipamentos existem vários programas e serviços de abordagem,

acompanhamento e atendimentos que visam a promoção e defesa de direitos.

4. O PROCESSO E A PROPOSTA DE REDUÇÃO DE DANOS.

Considera-se a RD como uma estratégia de abordagem que envolve medidas que

diminuam os danos provocados pelo uso das drogas, mesmo quando as pessoas não

conseguem ou pretendem interromper o uso das mesmas. A RD inclui também uma

perspectiva na qual o sujeito possa refletir e pensar qual é o seu vínculo com as drogas, que

lugar ela ocupa em sua vida, colocando o sujeito num lugar central, e não a droga.

Assim, a RD é um “caminho” de intervenção que abrange uma perspectiva de

respeito à liberdade de escolha do usuário em interromper ou não, nesse determinado

momento, o uso das drogas. Reconhecido em sua singularidade, busca-se desenhar

estratégias para o usuário que não se encontram voltadas para a abstinência como objetivo

único a ser alcançado, mas sim para a defesa da sua vida. Isto implica uma “quebra de

paradigma”, de olhares, onde o sujeito, longe de ser re-vitimizado e culpado pela sua

condição de usuário, deve ser entendido como sujeito de direitos, muitos dos quais se

encontram violados ou fragilizados.

Na segunda metade do século XX, as políticas para usuários de drogas

caracterizaram-se pelas abordagens repressivas que visavam à diminuição da oferta de

drogas pela repressão da produção, distribuição e consumo de drogas ilícitas. Essa

estratégia foi denominada, no governo Reagan (Estados Unidos da América), de política de

“Guerra às Drogas”. Embora essas estratégias adquiriram força, não tiveram os efeitos

desejados no sentido da erradicação das mesmas.

Em 1984, em Amsterdã, uma associação de usuários de drogas injetáveis, na

tentativa de melhorar a qualidade do uso e de sua vida (preocupados pelo aumento do vírus

da Hepatite B), iniciaram um programa experimental de troca de seringas usadas por novas,

método utilizado, mais tarde, também para combater a contaminação do vírus HIV. Esse,

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pode-se dizer, foi o começo de diversas ações, em nível mundial, inspiradoras para as

políticas de RD.

No Brasil, em 1989 o município de Santos realizou a primeira tentativa de implantar

um programa de RD, impedidos pelo Ministério Público3 de São Paulo de fornecer seringas

para usuários de drogas injetáveis como forma de evitar a contaminação pelo vírus HIV, as

equipes de trabalho promoviam o uso de hipoclorito de sódio para a desinfecção de agulhas

e seringas reutilizadas. Só em 1995, a partir da iniciativa do Centro de Estudos e Tratamento

de Abuso de Drogas – CETAD, da Escola de Medicina da Universidade Federal da Bahia e

com o suporte do Estado e do governo de Salvador que foi implementado o primeiro

programa brasileiro de trocas de seringas em Salvador, Bahia. Em 2003 o Ministério da

Saúde, através da Política de Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas,

adotou e divulgou o conceito de RD.

4.1. O SUAS4, abordagem às drogas e Redução de Danos com adolescentes

Vários são os marcos normativos e avanços nas leis sobre a abordagem as drogas.

Um exemplo destas pode ser dado pela Política Nacional sobre Drogas, PNAD, de 2005. A

partir da PNAD, inicia-se um esforço governamental, orientado pelo Governo Federal, na

procura de construir uma nova política de atenção ao usuário de drogas, percebendo esse

indivíduo como sujeito de direito. O Programa “Crack é possível vencer”, lançado pelo

Governo Federal em dezembro de 2011, apesar de ressalvas, faz parte desse esforço e tem

como foco mais especificamente a prevenção e (re)inserção social.

É assim que o SUAS, através de seus programas e benefícios, por meio da Proteção

Social Básica e Proteção Social Especial, ocupa um lugar de grande relevância nas ações

de proteção ao uso abusivo de álcool e outras drogas. Embora as diretrizes e políticas ao

respeIto são de caráter nacional, dependerá da situação política-ideólogica de cada

município a criação e o modo de implementar programas e serviços sobre drogas. No que

tange especificamente a Curitiba, o SUAS faz parte do programa Curitiba Mais Humana,

produto de um trabalho intersetorial realizado por diversos órgãos da Prefeitura de Curitiba,

como a FAS, Fundação Cultural de Curitiba, secretarias de Governo, Saúde, Educação,

Esporte e Lazer e a Assessoria de Direitos Humanos, além de movimentos sociais, ONGs e

de parcerias com instituições como FIEP-PR, SESI e SENAI. Dois serviços novos se

destacam no atendimento por conta do uso abusivo: o ônibus Intervidas e o Consultório na

Rua, que, embora não seja específico de abordagem das drogas, faz parte, pelo perfil do

projeto, do atendimento cotidiano dessa realidade. Tanto o Intervidas quanto Consultório na

3 O Ministério de São Paulo embargou o projeto com base no artigo No. 6.368/76, pois o considerou estimulador da disseminação e do consumo de drogas.4 É importante aclarar que neste artigo o analise do SUAS focaliza-se nos equipamentos de caráter governamental.

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Rua são serviços que têm como objetivo promover o resgate da cidadania e a inserção

dessa população nos serviços públicos municipais. O ônibus Intervidas conta com equipes

multidisciplinares para realizar abordagens a sujeitos que fazem uso abusivo de alcool e

outras drogas em locais públicos; e o trailer do Consultório na Rua é uma unidade móvel

composta por equipes de saúde para fazer o atendimento à população em situação de rua

prestando atendimento médico e odontológico, além da realização de testes rápidos de

HIV/Aids.

A Assistência Social, nessa intersetorialidade, entra em cena junto com os CRAS e

CREAS, dialogando com os diferentes equipamentos das redes. Para começar a análise de

quais são as ações dos equipamentos na abordagem do tema em questão, é importante

considerar o espaço físico, geográfico e social onde eles estão inseridos, já que não por

acaso se definem e limitam os territórios de implantação desses equipamentos. Estes

territórios estão determinados pelas desigualdades sociais, a discriminação, a reprodução

da pobreza e exclusão social, elementos que caracterizam a vulneração ou violação de

direitos da população residente. Por isso uma das funções principais do SUAS – e portanto

dos equipamentos – é a realização de um diagnóstico do território, a partir de informações

da vigilância social e da busca ativa, o qual permite identificar potencialidades dos espaços

de convivência social e familiar, bem como o conhecimento de situações de vulnerabilidade

e/ou risco social, situações que fazem parte da realidade do uso abusivo e da

comercialização de drogas.

Tanto nos CRAS quanto nos CREAS, existe um atendimento individual através da

acolhida, da informação, do diálogo na qual as famílias e seus membros são acompanhados

e ou encaminhados, dependo a singularidade das situações. Procurando gerar espaços de

convivência que estimulam a participação, sendo agregadores e motivadores, já que

propõem gerar uma identidade grupal, em especial para crianças e adolescentes. Cobrando

uma grande importância a adaptação que os profissionais possam fazer das políticas sociais

considerando as características específicas da população desse bairro, desse contexto.

No aspecto preventivo, destacam-se os atendimentos coletivos, por meio de oficinas

com famílias e ações comunitárias, como campanhas, debates, palestras, e outros. Assim,

considerando a política de “enfrentamento” ao CRACK, o SUAS, por meio dos seus

programas de fortalecimento comunitário e ações de prevenção, contribui para o reforço do

vínculo familiar, no desenvolvimento infanto-juvenil através da oferta de atividades lúdicas,

esportivas, educacionais, no desempenho escolar, dentre outras.

Assim mesmo, nos CREAS é ofertado o serviço especializado de abordagem social,

o qual, de forma continuada e programada tem a finalidade de assegurar um trabalho social

de abordagem e busca ativa que identifique, nos territórios, a incidência de situações de

risco pessoal e social, por violação de direitos, como: trabalho infantil, exploração sexual de

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crianças e adolescentes, situação de rua, uso abusivo de crack e outras drogas, dentre

outras. Sendo um serviço que deve estar necessariamente articulado, já que é de um

grande potencial no sentido de ir na procura, de encontrar-se com o outro que está em

situação de rua, que precisa de forma urgente – muitas das vezes – algum apoio e

intervenção mas não só de caráter imediato.

Um serviço que merece também um destaque especial implementado também pelos

CREAS, é o Serviço de Proteção Social a adolescentes em cumprimento de medida

socioeducativa de liberdade assistida (LA) e de prestação de serviços à comunidade (PSC).

Nesse serviço, desenvolve-se um Plano Individual de Atendimento de cada adolescente,

procurando entender o adolescente, seu contexto sócio-histórico familiar e comunitário e

assim traçar, em conjunto, ações para seu desenvolvimento. Vários são os casos onde o ato

infracional do adolescente vê-se relacionado com o uso ou o tráfico de drogas.

Existe uma bateria muito importante de espaços que provocam e procuram o

cuidado, atendimento e acompanhamento dos adolescentes que encontram-se de alguma

forma vinculados ao uso abusivo e/ ou tráfico de drogas. Porém, acredita-se que ainda o

simples fato de falar sobre drogas, manifestar a necessidade de um apoio ou tratamento,

provoca situações de receio, vergonha, frustração por quem está envolvido (usuário,

família). Isto acontece não por acaso, já que desde um tempo até agora, para poder falar

sobre drogas tinha que ter conhecimento – ser “especialista” no tema –, ou seja, ter

legitimidade para opinar, sugerir, controlar, e se for necessário, punir. Por sua vez, a pessoa

usuária de drogas é considerada ainda como “coitada”, vítima” ou, dependendo do contexto,

“criminosa”, “marginal”, e por tanto “perigosa”. Historicamente o usuário de álcool e outras

drogas esteve mais estritamente ligado com o tratamento e o estigma social, pouco ou nada

existia em matéria de (re)inserção social.

As diretrizes do SUAS, estabelecem que o atendimento deve ser ético, de respeito à

diversidade, singularidade, dignidade e não discriminação. Neste sentido, continuando como

a análise desde uma perspectiva histórica do trabalho social, as vezes acontece que quando

uma família ou indivíduo vai procurar algum tipo de atendimento, encontra-se com um agir

profissional se colocando numa posição vertical, de prestação de favores, portanto, não

partindo de uma concepção de cidadão, de sujeito de direitos, e de um profissional –

trabalhador – que deveria ofertar todas as possibilidades de acompanhamento e

atendimento para a contribuição da melhora das situações que são apresentadas. A isto se

soma o ser adolescente, "menor de idade", o que implica, no vinculo social cotidiano e, não

escapando disso nos atendimentos, uma forma de relação hierárquica, desigual entre adulto

e o "menor de idade". Reforçando uma ideia de saber representada no mundo adulto,

ausente de erros, que fortalece o lugar do adolescente carente de autonomia, decisão e

liberdade de escolha. O que se coloca assim como um desafio é poder olhar ao contexto,

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mas tentando objetivar a reflexão, a avaliação, sobre o devir sócio-histórico dessa

família/indivíduo e suas múltiplas determinações: suas relações familiares, comunitárias,

interações sociais, vida ocupacional, etc.

É assim que uma atenção qualificada ao usuário e sua família exige uma

compreensão complexa da questão. Deixando do lado culpabilizações, preconceitos e

posturas moralistas. A qualificação implica um conhecimento especializado em

determinadas temáticas, justamente para evitar julgamentos sem fundamentos o que pode

gerar mal estar no usuário e até afastar aquela pessoa, aquela família da procura de

atenção socio-assistencial, de saúde, etc.

Uma outra questão apresentada ainda como um desafio, é o desvínculo do

atendimento depois do encaminhamento. Assim, o trabalho profissional muitas vezes se vê

fragmentado, encapsulado e não consegue ter uma continuidade de uma abordagem

multidisciplinar e de conformação intersetorial. É neste sentido que a política de assistência

junto com a saúde, educação, esporte e lazer, órgãos de defesa de direitos (Conselho

Tutelar, Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública) precisam estar se

articulando constantemente através de um atendimento sensibilizado, conscientizado com a

realidade do usuário. Ou seja, na intervenção das equipes profissionais, em constante

articulação e fazendo parte das redes de proteção de cada região.5

Até agora foram apresentadas funções e abordagens do SUAS no que tange ao

atendimento e contribuição sobre a temática de drogas assim como alguns desafios pela

frente. Embora haja diversos avanços na definição de leis, programas e iniciativas, as

mudanças culturais e sociais, muitas vezes, não acompanham de forma paralela estes

desenvolvimentos. A RD é trazida a discussão já que considerada como um método,

caminho para tratar o usuário, deveria ser parte do processo de sensibilização e formação

das equipes, ou seja, de quem se encontra trabalhando com esses sujeitos. A RD, desta

forma, implica um estabelecimento de vínculo profissional-usuário, já que também os

profissionais “passam a ser corresponsáveis pelos caminhos a serem construídos pela vida

daquele usuário, pelas muitas vidas que a ele se ligam e pelas que nele se expressam”

(Brasil, 2003). O profissional deve entender a escolha e o momento do processo em que o

usuário se encontra, para isso é preciso realizar um trabalho de rodeio, na compreensão de

que o uso abusivo de drogas é, muitas vezes, um sintoma, uma manifestação individual de

uma complexa situação social.

Nesta leitura, a abordagem da RD implica em uma compreensão da realidade da

pessoa em sua singularidade e procura construir em conjunto o que pode ser feito, sempre a

5 As redes entendidas como espaços estratégicos de discussão de casos, de diálogo sobre ascompetências de cada serviço, seus limites de atuação, elaboração de intervenções em conjunto eelaboração de plano de acompanhamento.

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partir da participação ativa dos envolvidos. Para que este processo não seja entendido

apenas como uma mudança comportamental, a RD deve se dar como ação de (re)inserção

no território, entendendo o sujeito como parte dele e em constante interação com ele, mas

também procurando e fortalecendo novos horizontes, criando outros movimentos possíveis.

Neste contexto, as ações da rede socio-assistencial para a oferta de tratamentos e

processos de (re)inserção precisam ser eficazes aos usuários.

4.2. RD como caminho e processo de (re)inserção social

O processo de entendimento do que é a abordagem através de RD na procura da

(re)inserção social é um caminho já iniciado e com vários avanços. A (re)inserção social

assume um lugar central para o sujeito. Esta tem o caráter de reconstrução e seu objetivo é

a capacitação da pessoa para exercer em plenitude seu direito à cidadania. Esse exercício

varia de pessoa a pessoa, dependendo da sua realidade, desde o resgate de uma rede

social e familiar, até a volta à escola, ou o ingresso em algum curso profissionalizante.

A inserção ou reinserção social visa tirar a pessoa dos processos de exclusão social,

seria (re)colocar ou (re)inserir o indivíduo de onde ele veio, isto implica no sujeito fazer parte

ou voltar a fazer parte de um grupo na sociedade, no qual fazia (ou não) parte e por algum

motivo o abandonou. Então cabe se perguntar, esse processo de (re)inserção na escola, na

comunidade, teria como objetivo voltar tudo a ficar novamente igual? É tentar com que a

pessoa supere seu uso abusivo, seu vínculo com o tráfico e volte para seu estudo, seus

espaços, sua vida cotidiana? Implicaria manter a ordem vigente, com as desigualdades

existente? “Questionar os ideais de reformatório presentes no signo reinserção social dá

conta, se tanto, de parte do problema. Cabe ampliar a discussão para as diferentes

concepções ou paradigmas de território – quando versam que o sujeito, conquistando ou

não sua abstinência, precisará voltar para seu bairro (ou sua comunidade) e ali aprender a

lidar com as ofertas de uso e a precariedade das ações do poder público no que diz respeito

a lazer e cidadania”. (FREI: 2016, 51)

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste ponto aparecem alguns elementos que já foram mencionados e que fazem

parte de um processo histórico das políticas de abordagem às drogas e do lugar em que tem

sido colocadas quando algumas delas se tornaram ilícitas. O questionamento do porque

algumas drogas são lícitas e outras não? O que traz na discussão o atrelamento histórico do

tratamento das drogas com a repressão, com a “segurança”. Repressão para quem?

Seguranças para quem? São questões que precisam uma determinada análise da

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sociedade, da compreensão da realidade e suas múltiplas facetas. A tão mencionada

“prevenção”, de quê? Para quem?

O conhecimento sobre o uso, abuso e dependência de drogas deve alimentar o

planejamento e o desenvolvimento de políticas preventivas nos territórios. Mas esse

conhecimento deve ser também criticado, refletido, pensado: saber de onde vem e qual é

seu objetivo de ação. E como, quanto profissionais, somos agentes multiplicadores dessa

informação.

Então é importante saber de que público faz-se referência. Aqui entra uma questão

histórica da necessidade de controle social, daquelas pessoas que, estando em uma

situação de vulnerabilidade, desigualdade social, são marginalizadas, excluídas das próprias

atividades produtivas, tendo muitos de seus direitos violados. Estas pessoas, podendo se

tornar ameaças da ordem vigente, precisam ser vigiadas e controladas, o que faz parte de

uma expansão de um poder punitivo em escala mundial, desde as últimas décadas do

século XX. Este processo reforça os círculos de violência marcada nos territórios por uma

guerra às pessoas envolvidas no uso e no tráfico de drogas. Desta forma, a sociedade é

protagonista de mortes de crianças, adolescentes, mulheres, homens, que fazem parte

desses territórios.

Neste contexto, a abordagem das políticas sociais precisam ser repensadas pelos

profissionais para não cair em uma ação que reforce esse estigma, essa violência (nos

atendimentos), que já é vivida cotidianamente por esses sujeitos. Sendo justamente as

causas socio-econômicas que marcam a maioria das vezes a modalidade do uso abusivo, o

tipo de droga, onde é consumida, com quem, e o porquê. E estes pensamentos questionam

o desempenho profissional, até quanto reforça-se ainda uma sociedade de cidadãos com

direitos desiguais.

De outra face, já as palavras utilizadas no que tange à temática de drogas tem um

tom “bélico”: “vencer as drogas”, “combater as drogas”, “contra as drogas”, fazendo-se

imperativo erradicar as drogas, ou o consumo delas, mas as drogas em si mesmas não

produzem, não atacam nem matam. Aqui entra na reflexão outra palavra, com seu forte

conteúdo: a prevenção. Gilberta Acselrad, explica sobre a importância da educação sobre

drogas e, portanto, “...educação para a autonomia e não falar tanto de prevenção, o que traz

uma ilusão perigosa no sentido de evitar que o próprio uso aconteça, traz concepções ou

sistematizações fictícias, dependência, abstinência, internação como ideal de tratamento”.

(Acselrad:2013,96)

Então, a prevenção traz essa visão de enfrentamento e não de saber lidar, estar

informado e portanto de poder optar. Dessa forma, pensar a educação sobre drogas para

autonomia, implica redefinir o papel do educador e do educando (ou do usuário

adolescente/profissional), superando assim o lugar de vigiar e controlar e colocando o

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Londrina PR, de 04 a 07 de Julho de 2017.

profissional no lugar da escuta, gerando um vínculo dialógico e assim também o usuário se

posicionando, e refletindo criticamente. Desta forma, poder gerar condições para que o

sujeito possa reconhecer e se conhecer enquanto ao contexto social e político em que está

inserido, assim como nas suas limitações psíquicas e físicas, aprendendo e ter cuidado com

as substâncias psicoativas.

Finalizando, cabe ressaltar uma vez mais os grandes avanços em políticas e

iniciativas para o atendimento\tratamento das drogas. Mas também reconhecer os muitos

desafios que ficam pela frente. Reconhecer o usuário como sujeito de direitos e fazer valer

esses direitos implica ter um pensamento crítico na hora do atendimento, como também um

olhar incisivo frente a história da punição, das leis que regulamentam o uso de drogas, dos

adolescentes em privação de liberdade, do estado de “guerra” onde a droga (seu uso, seu

tráfico) ocupa, muitas vezes, o lugar de pretexto para uma violência sobre um setor

específico da sociedade.

REFERÊNCIAS

ACSELRAD, Gilberta. Drogas, a Educação para a Autonomia como garantia de direitos.

Acesso em: 10 fev. de 2016.

COLIN, Denisse. Desafios para a consolidação do SUAS. Disponível em:

www.assistenciasocial.al.gov.br. Acesso em 20 de fev. 2016.

FLEURY, Silvia. Seguridade Social. INESC, Brasília, pp. 110-119, 2004. Disponível em:

<http://www.inesc.org.br/> Acesso em: 2 de mar. 2016.

FREI, Altieres Edemar. Reinserções, inserções e deserções. Cadernos de Subjetividade.

Núcleo de Estudos e Pesquisas da Subjetividade. PUCSP. Ano 12, n 18, p. 35-54, 2015.

SIMOES, Carlos. Teoria e Crítica dos Direitos Sociais: Editora Cortez, 2014.

BRASIL. A Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a usuários de álcool e

outras drogas. 2ª Edição .Brasília, 2004.

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