O SISTEMA SOVITICO. Aula 3

Os resultados do grande debate dos anos 20, que foi o tema da aula anterior, foram a favor das teses da esquerda. Ou seja, o pas deveria industrializar-se, concedendo prioridade ao desenvolvimento da indstria pesada; o que foi expresso nas cifras do primeiro plano qinqenal 1928-1933: na verso otimizada do plano, para um aumento previsto da produo industrial, de 136%, a produo agrcola deveria aumentar 55%; e entre os dois setores da indstria, o da produo de bens de produo deveria crescer 201% e o de bens de consumo 104%.

E o financiamento da industrializao seria feito atravs da coletivizao da agricultura e da extrao da renda agrcola, atravs de vrios instrumentos. Inicialmente esta coletivizao deveria ser voluntria, convencendo os camponeses a ingressarem nas unidades coletivizadas. Com a vitria de Stalin na luta interna do partido bolchevique, esta coletivizao foi feita compulsoriamente e acompanhada por uma diretriz poltica - a deskulaquizao da agricultura que implicava na eliminao dos kulaks (camponeses ricos), como inimigos de classe.

Atravs de um decreto emitido em 30 de junho de 1930, as velhas organizaes comunitrias das aldeias (mir) foram formalmente dissolvidas nas reas submetidas coletivizao, sendo as suas funes assumidas pelas fazendas coletivas e pelos soviets locais.

Daqui para a frente, vamos ver como este processo de coletivizao, assim como o de industrializao do pas, foram constituindo os traos do sistema econmico sovitico.

Gradualmente os camponeses foram sendo coletivizados; segundo dados apresentados por Nove, com base em estatstica sovitica, o incremento de famlias camponesas coletivizadas passou de 23,6% em 1930 para 52,7% em 1931, 61,5% em 1932, 64,4% em 1933, 71,4% em 1934, 83,2% em 1935 e 89,6% em 1936.

A rea coletivizada, envolvendo fazendas estatais (sovkhoz) e reas alocadas para as famlias[1], passou de 33,6% em 1930 para 67,8% em 1931, 77,6% em 1932, 83,1% em 1933, 87,4% em 1934 e 94,1% em 1935. [1] Esta rea foi concedida aos camponeses para explorao individual na produo de alimentos e manuteno de um limitado rebanho de animais domsticos. Os camponeses tinham liberdade de vender o excedente de sua produo e produtos derivados desse rebanho a preos de mercado, aps terem cumprido a entrega das cotas fixadas no plano de compra do estado. Tradicionalmente, embora com suspenso e restabelecimento do direito de explorao destas unidades individuais, elas eram responsveis pelo grosso da produo de vegetais, ovos e carne consumidos pela populao.

Neste ano foi realizado um congresso, no qual foi definido um estatuto modelo para os kolkhozes. Este foi considerado uma cooperativa voluntria, cujos membros juntaram seus meios de trabalho para produzir em comum. Os membros conduziam seus prprios afazeres e elegiam um presidente e um comit responsvel pelas reunies de todos os membros.

O kolkhoz era, entretanto obrigado a seguir instrues das organizaes locais do estado e do partido em relao produo e sua venda s organizaes estatais, tendo com isso limitaes sua autonomia. O secretrio do partido do distrito tinha o poder efetivo de fazer indicaes e de demitir. O pagamento aos membros do kolkhoz era proporcional s jornadas dirias de trabalho (trudodni) realizadas por cada um, sendo este maior dependendo da qualificao do trabalho.

Embora provocando situaes caticas no abastecimento nos anos iniciais, por conta mesmo da precipitada eliminao da propriedade privada e da presso sofrida para a entrega da produo ao estado, esta conformao da propriedade agrcola permaneceu durante todo o perodo de existncia do sistema sovitico.

A produo industrial foi tendo suas metas fixadas nos planos qinqenais, os dois primeiros dos quais constituram o chamado grande passo frente e configuraram o modelo econmico que foi seguido pelo sistema, no obstante as mudanas nele introduzidas, especialmente depois da reconstruo do ps-guerra e da morte de Stalin.

A implementao dos planos constituiu uma tarefa poltica, de construo de uma nova sociedade e com isso, alm do emprego de mtodos repressivos e trabalho forado de prisioneiros, e camponeses e outros deportados, o lan revolucionrio impulsionou o esforo dirigido implantao de grandes projetos, realizada em meio a duras condies de trabalho, especialmente entre os jovens trabalhadores.

O estmulo a este lan continuou durante a implementao das metas do segundo plano qinqenal (1933-37), com o movimento stakhanovista, nomeado segundo o mineiro de carvo que o iniciou, aps ter atingido uma norma de produtividade superior em 14 vezes a estabelecida no plano, em setembro de 1935[1]. Vai se ver mais tarde que, no obstante algum tempo tenha se passado e o lan revolucionrio tenha arrefecido, Khrushev tambm convocou a juventude para a conquista de amplo espao siberiano e a explorao de suas riquezas minerais. [1] Este movimento surgiu com a chamada competio socialista, mediante a qual se pretendeu encorajar as empresas a alcanar maior progresso tecnolgico, maior produo com reduo de custos e aumento da produtividade, do que originalmente proposto no plano.

O sistema de planejamento e gesto, durante o primeiro plano qinqenal, sofreu mudanas organizacionais que levaram estrutura organizacional que caracteriza o sistema econmico sovitico, tal como ser apresentado posteriormente. Essas mudanas consistiram basicamente no seguinte:

i) introduo do princpio da gerncia de uma nica pessoa, ou seja de responsabilidade pessoal do diretor da empresa sobre as atividades empresariais, no devendo sofrer interferncia do comit do partido e dos sindicatos, aos quais cabia a funo de organizar a atividade produtiva e estimular a iniciativa dos trabalhadores;

ii) a empresa, a partir de decreto de dezembro de 1929 passou a ser a unidade bsica da administrao econmica, no mais os trustes; a empresa deveria apoiar sua atividade no clculo econmico e para isso, passou a gozar de personalidade jurdica e autonomia financeira;

iii) os departamentos (glavki) do VSNKHA foram eliminados e suas funes de controle da indstria entregues a associaes de empresas; iv) devido s complexidades e dificuldades da alocao de recursos, foram re-examinadas as funes atribudas ao VSNKHA e GOSPLAN, que teve sua posio reforada com o estabelecimento da obrigatoriedade de cumprimento de suas metas; a implementao das metas dos planos formulados pela GOSPLAN, passou a ser uma ordem e o rgo central de estatstica do pas passou a subordinar-se GOSPLAN.

Ao longo dos anos foram introduzidas outras modificaes, a mais importante das quais para o objetivo desta aula, a transformao dos departamentos (glavki) do VSNKHA em ministrios industriais setoriais. O processo foi o seguinte: em 5 de janeiro de 1932, o trabalho desses departamentos foi dividido, devendo a maior parte deles trabalhar com o Comissariado Popular da Indstria Pesada.

Outros comissariados industriais assumiram a indstria leve e a indstria madeireira. A indstria da alimentao e a produo do acar j tinham sido transferidos para o Comissariado do Comrcio Interno e Externo em junho de 1930; em 1932 estes dois sub-setores de produo foram entregues ao Comissariado do Aprovisionamento, que tambm conduzia o comrcio interno.

Estes comissariados foram transformados em ministrios em 1946, que foram sub-divididos, mas se mantiveram em funo at 1957, quando foram eliminados com a reforma Khrushev. Com a queda deste, voltou-se ao sistema ministerial de gesto econmica.

Outra reforma importante, que marcar o funcionamento do sistema econmico sovitico, foi a monetria, afetando crdito e bancos. Com base em decreto assinado em 30 de janeiro de 1930, foi introduzido crdito bancrio direto do Banco Estatal e abolido o sistema de crditos entre empresas e entre trustes. No decreto de 23 de maio do mesmo ano, foi estabelecido um plano financeiro unificado, incorporando todos os recursos financeiros do setor socializado da economia

Foi decidido que os investimentos financiados pelo oramento estatal s empresas socializadas no seriam retornveis e seriam distinguidos dos crditos de curto prazo concedidos pelo Banco para despesas correntes. Uma srie de medidas posteriores endureceu o controle sobre os crditos bancrios, ligando-os mais com o plano de produo e com contratos assinados com clientes designados pelo plano; uma distino mais firme foi feita entre o capital circulante prprio da empresa e o financiado por crditos bancrios.

Uma questo que surge nesta esfera a que se refere ao financiamento dos projetos de investimento pelo Estado; ou seja, o da provenincia dos recursos financeiros para os investimentos. Nove indica trs fontes: i) a venda compulsria de bnus estatais, ii) a emisso de moeda; iii) tributao, cujo grosso era recolhido atravs do imposto de circulao ( recaindo tremendamente sobre os bens de consumo) e, em menor volume, do imposto sobre os lucros das empresas.

Um aspecto importante o da relao entre o partido e o estado na gesto da economia, que naturalmente evoluiu em relao ao papel desempenhado pelo partido na administrao das atividades do primeiro plano qinqenal.

Entretanto, o esprito da poca, que via nos insatisfatrios resultados da atividade econmica nas diversas regies/setores, independentemente das condies de suprimento de materiais e pessoal, ao de sabotadores e inimigos do sistema, no s levou forte represso que marcou os anos 30, com o chamado grande expurgo[1] e o reforo do poder de Stalin, como se manteve at o final do sistema. [1] O grande expurgo, como ficou conhecido teve srias conseqncias para a evoluo do sistema, inclusive para as grandes perdas sofridas pela URSS durante a II Guerra Mundial. Ele implicou na armao de processos em geral falsos contra os opositores de Stalin, dentro do partido e na sua condenao e extermnio, incluindo vrios companheiros de Lnin e defensores do sistema durante a guerra civil. Para levar avante o expurgo e identificar inimigos, foram utilizados os servios da polcia poltica, cujos dirigentes em dois momentos, Iagoda e Ezhov acabaram sendo vitimados posteriormente. O grande expurgo envolveu altas patentes militares, em 1937, com base em falsa informao de exilados russos e diplomatas alemes, de que eles estariam tentando um golpe militar contra a liderana do partido. Ele comeou com a oposio poltica , mas disseminou-se com base em cascadas de denncias de milhes de pessoas envolvidas com a descoberta de espies e sabotadores. E o nmero de perseguidos alcanou a casa dos milhes. Segundo Sunin, as prises e execues em massa levou concentrao do poder no centro e lanou as fundaes para o que no ocidente se chama o estado totalitrio, mas que era no verdade um leviatan desorganizado, ineficiente e no responsivo.

Como dito acima, o papel repressivo alterou-se ao longo da evoluo do sistema, especialmente depois da morte de Stalin e da realizao do XX Congresso do PC, no qual Khrushev apresentou o famoso relatrio sobre os crimes de Stalin, e cujas conseqncias foram o fim dos GULAGS e o chamado degelo. Com este, foram estimuladas as atividades culturais de crtica ao sistema, e a dissidncia ganhou maior visibilidade. O autoritarismo se manteve e o papel do Partido como condutor da economia e do pas constituiu, como se ver, o principal obstculo realizao das reformas profundas que as mudanas estruturais e o desenvolvimento social exigiam.

Cabe ressaltar, como faz Nove, de que o ritmo com que a construo da indstria pesada se fez, teve, sem dvida a preocupao com a ameaa militar e a segurana do pas; e que, sem esta base, a URSS no teria conseguido defender-se da invaso nazista e sair-se vitoriosa na II Guerra Mundial. A histria desta guerra mostra, por outro lado, o quanto de erros e a liderana exercidos por Stalin, impactou sobre a populao sovitica e a levou, em fervor patritico, a lutar bravamente contra os invasores.

BIBLIOGRAFIA:NOVE, A. An Economic History of the USSR. Cap. 7 The Soviet Great Leap Forward: Collectivization; Cap. 8 The Soviet Great Leap Forward: Industry, Labor and Finance; Cap. 9. From Leap Forward to War. Cap. 10. The Great Patriotic War.Suny, R.G. The Soviet Experiment. Cap. 11. Building Stalinism. The Great Purges.Cap. 14 The Great Fatherland War.