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| 209 O SISTEMA DE PRECEDENTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015: UMA ANÁLISE CRÍTICA Herberte Felipe Silveira e Souza Acadêmico da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte Francisca Marta de Lima Costa Souza Professor orientador RESUMO A ampliação do acesso à justiça possibilitou que mais cidadãos obtivessem pronunciamentos judiciais. Todavia, o aumento da demanda levou o Judiciário a buscar formas de tornar a prestação jurisdicional mais eficaz, de sorte que o CPC/2015 inovou na criação de institutos, os quais, conquanto mereçam elogios por imprimir celeridade às demandas repetitivas, reclamam atenção redobrada da doutrina, sob pena de restarem violados o sistema representativo e a repartição dos poderes. Assim, espera-se que a aplicação de teses ou de enunicados fixados pelas Cortes Superiores e aplicados por Juízes e demais Cortes Judiciais, à pretexto de seguir os precedentes, não ignore o dever de obediência aos distames da coerência e da integridade, igualmente previsto no CPC, quando da prolação das decisões judiciais. Palavras-chave: CPC. Sistema de precedentes. Decisões judiciais. Coerência e Integridade. Herberte Felipe Silveira e Souza

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Page 1: O SISTEMA DE PRECEDENTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL … · novos ramos do Direito expandiram ... Civil de 2015 surge no intuito melhorar ... ( Curso didático de direito processual

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O SISTEMA DE PRECEDENTES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015: UMA ANÁLISE CRÍTICA

Herberte Felipe Silveira e SouzaAcadêmico da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte

Francisca Marta de Lima Costa SouzaProfessor orientador

RESUMO

A ampliação do acesso à justiça possibilitou que mais cidadãos obtivessem pronunciamentos judiciais. Todavia, o aumento da demanda levou o Judiciário a buscar formas de tornar a prestação jurisdicional mais eficaz, de sorte que o CPC/2015 inovou na criação de institutos, os quais, conquanto mereçam elogios por imprimir celeridade às demandas repetitivas, reclamam atenção redobrada da doutrina, sob pena de restarem violados o sistema representativo e a repartição dos poderes. Assim, espera-se que a aplicação de teses ou de enunicados fixados pelas Cortes Superiores e aplicados por Juízes e demais Cortes Judiciais, à pretexto de seguir os precedentes, não ignore o dever de obediência aos distames da coerência e da integridade, igualmente previsto no CPC, quando da prolação das decisões judiciais.

Palavras-chave: CPC. Sistema de precedentes. Decisões judiciais. Coerência e Integridade.

Herberte Felipe Silveira e Souza

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“Imperfeição da Justiça gera, a princípio, o terror; depois, a corrupção; e, por fim, a queda de qualquer regime”

(Jemery Bentham)1

1. INTRODUÇÃO

A massificação do acesso à justiça associada ao advento de novos ramos do Direito expandiram exponencialmente a possibilidade de os cidadãos obterem pronunciamentos judiciais, para além do poder econômico do jurisdicionado ou da expressão econômica da pretensão almejada.

Todavia, a multiplicação de órgãos judiciais por todo o país, cumulada, ainda, com a reforma do judiciário, decorrente da Emenda Constitucional nº 45/2004, não surtiu o efeito desejado quanto ao enfrentamento da alta demanda de ações que, diariamente, se avolumam nos foros da Justiça brasileira.

Nesse contexto de crise de eficiência, o Código de Processo Civil de 2015 surge no intuito melhorar o funcionamento do Poder Judiciário, a fim de tornar a prestação da tutela jurisdicional menos imprevisível, mais isonômica, célere e eficaz.

Aliás, a criação de um sistema de precedentes vinculantes no CPC/2015 teria como propósito conferir às decisões judiciais maior eficiência, isonomia e segurança jurídica, promovendo, pois, a redução do tempo de duração dos processos e evitando, assim, a produção de decisões díspares em casos assemelhados.

Desta feita, a observância obrigatória dos precedentes vinculantes por Juízes reduziria o trabalho dos tribunais, tendo em conta que estas cortes de justiça não precisariam reexaminar julgados cujos

1 Frase atribuída ao filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham (1748-1832).

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casos já teriam teses consolidadas, de modo que tais entendimentos seriam aplicados de forma automática.

A despeito de a jurisprudência ser uma realidade, máxime ante a eficácia na solução de casos repetitivos em todos os rincões do país, esta ferramenta merece especial atenção da comunidade jurídica e da sociedade em geral, porquanto seus uso desmedido e sem critério pode levar a subversão da ordem democrática, acaso a função legiferante venha ser suplantada pelo alargamento do poder decisório do Judiciário.

Com efeito, a aplicação do sistema de precedentes nos moldes do common law reclama cautela, dado que a função dos tribunais não é produzir regras gerais em abstrato como o faz o Parlamento.

Nada obstante, as cortes de justiça vêm formulando enunciados de súmulas e consolidando teses que, não raro, encerram o debate sobre o temas controvertidos, esvaziando a discussão e gerando sua reprodução em casos assemelhados. Valendo-se de um paralelo com a escola da exegese, em vez da lei, agora a premissa maior é a jurisprudência dominante, súmula ou julgado proferido em técnicas repetitivas que, por subsunção, são aplicados repetidamente.

Sobreleva notar que nem sempre a importação de institutos estrangeiros são ideais ao nosso modelo de jurisdição, sobretudo se comparado aos países do common law, nos quais os precedentes, para serem aplicados, são comparativamente analisados com os demais, a fim de se saber em que medida a solução anterior poderá servir de parâmetro, permitindo-se, dessa forma, que a questão amadureça nos tribunais e, ao final, o entendimento consolidado possa ser replicado.

Desse modo, o presente estudo se afigura relevante ante a contemporaneidade do tema em apreço, dada a incoporação pelo CPC/2015 desse modelo que pretende diminuir o volume de ações judicias, bem como incitar o debate sobre os reflexos dele advindos para a comunidade jurídica e cidadãos de forma geral.

Assim, o objetivo do presente estudo é promover uma análise sobre o sistema de precedentes do CPC/2015, à luz da Costituição Federal de 1988, em especial no que toca ao sistema represantitvo e à

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tripartição dos Poderes. Para tanto, far-se-á uso do método dedutivo,

porquanto elaborado a partir de conceitos jurídicos gerais apreendidos da legislação que disciplina a matéria, bem assim de artigos científicos, livros e precedentes dos Tribunais.

2. SISTEMA DE PRECEDENTES VINCULANTES

2.1 A incorporação do common law e o perigo subversão do sistema representativo

A jurisprudência do direito ocidental tem como base os sistemas common law e o romano-germânico. Este prevalece no Brasil, de sorte que a norma jurídica, principal fonte do direito, constitui comando geral e abstrato, devendo regular, por raciocínio dedutivo, situações particulares. Ao revés, as decisões judiciais, em regra, não produzem efeito vinculante para o julgamento de casos futuros e desempenham papel secundário como fonte do direito.

Por outro lado, no common law o uso da lei é menos usual, sendo as decisões judiciais sua principal fonte, de modo a produzir efeitos gerais e vinculantes.

Não obstante suas dessemelhanças, é forçoso reconhecer uma aproximação entre essas duas searas, isso porque o aprimoramento da democracia e a necessidade irrefragável de se implementar mudanças sociais rápidas contribuíram para uma maior edição de leis em Estados que adotam o common law, ao passo em que nos países de direito romano-germânico evidencia-se uma tendência em atribuir efeitos vinculantes e gerais às decisões judiciais proferidas pelas cortes constitucionais (BARROSO, 2015).

Aliás, nesse sentindo se pronunciou o Ministro Edson Fachin, redator do Acórdão do RE 655.265, para quem o CPC/2015 adotou a regra do stare decisis. Confira-se:

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“[...] 3. O papel de Corte de Vértice do Supremo Tribunal Federal impõe-lhe dar unidade ao direito e estabilidade aos seus precedentes. 4. Conclusão corroborada pelo Novo Código de Processo Civil, especialmente em seu artigo 926, que ratifica a adoção – por nosso sistem a – da regra do stare decisis, que “densifica a segurança jurídica e promove a liberdade e a igualdade em uma ordem jurídica que se serve de uma perspectiva lógico argumentativa da interpretação”. (MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016)[...]” (RE 655265, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-164 DIVULG 04-08-2016 PUBLIC 05-08-2016).

Conforme asseveram Nunes e Bahia (2015), o direito jurisprudencial seria uma solução supostamente idônea para conflitos de litígios repetitivos, tendo em vista a crença de que as normas já não dariam mais conta da nova realidade, conduzindo vários países do civil law a buscar no stare decisis2 uma resposta a contento para esses problemas dos novos tempos.

À vista disso, alguns doutrinadores passaram a defender o posicionamento de que a função de atribuição de sentido ao direto ou de interpretação é reservada às Cortes Supremas que, após a discussão de razões em torno do significado do texto legal, criam o precedente que deve ser seguido por demais juízes e tribunais (MARINONI, MITIDIERO, ARENHART, 2015).

Contudo, o precedente no common law não foi criado com a finalidade de solucionar o problema da alta demanda do judiciário.

2 Em bom português, pode-se afirmar que stare decisis corresponde ao sistema da força obrigatória dos precedentes. A ideia de que os tribunais devem respeitar seus próprios precedentes (vinculação interna de suas próprias decisões) é denominada

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Sem embargo, parcela da comunidade jurídica e da doutrina brasileira idealizou de forma tal do precedente vinculante a ponto de ignorar a legislação pátria e a própria Constituição, ao passo em que são delegadas às cortes de vértice (STF e STJ) o poder de fixar as teses, às quais passam a ser seguidas por demais juízes e tribunais (STRECK, 2015).

Dessa forma, dotados de generalidade e de abstração como as normas editadas pelo Parlamento, esses enunciados jurisprudenciais produzidos por essas cortes de precedentes terminam por subverter a ordem natural do sistema representativo ora vigente no Brasil, onde somente a lei, elaborada por legítimos representantes do povo, seria capaz de criar direito e impor obrigações. Vale dizer, os enunciados são elaborados e aplicados seguindo a mesma racionalidade do discurso legislativo, para o qual a Constituição prevê um complexo processo legislativo próprio.

Diante desse cenário de enfraquecimento das disposições constitucionais e de crise de identidade entre os Poderes, notadamente nesse momento em que a representação política experimenta amplo descrédito, é temerário que deixemos a cargo de um só Poder, qual seja, do Judiciário a competência constitucionalmente conferida aos demais Poderes.

Ora, as deficiências do Legislativo e a crise de credibilidade vivenciada por esse Poder não podem servir de incentivo para o deslocamento automático do eixo das escolhas públicas do Parlamento para Cortes Superiores, formada por magistrados não eleitos, sob pena de inobservância às regras do sistema representativo (TORRANO, 2015).

2.2 O problema metodológico da teoria dos precedentes no Brasil

“stare decisis horizontal”. Por outro lado, “stare decisis vertical” significa a vinculação externa das decisões aos demais órgãos do Poder Judiciário, e à Administração Pública. ( Curso didático de direito processual civil / Elpídio Donizetti. – 19. ed 1. ed. em e-book baseado na 2. ed. impressa. São Paulo: Atlas, 2016)

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É consabido que antes mesmo da entrada em vigor do CPC/2015 o uso de julgados para fundamentar decisões já era prática comum em diversos Juízos espalhados pelo país.

Registre-se que se tornou rotina a reprodução mecânica de ementas e enunciados de súmulas, não raras vezes descontextualizados, como bases primordiais para as decisões, seguindo uma racionalidade muitas vezes distante das disposições normativas atinentes aos temas em discussão. De igual modo, julgar com base em suposto precedente, desprezando as decisões anteriormente proferidas, a doutrina e a própria essência do caso em discussão é prática corriqueira nos tribunais pátrios em dias atuais (NUNES, HORTA, 2015).

Assim, a pretexto de se resolver o problema da morosidade da prestação jurisdicional, o judiciário brasileiro vem firmando teses a partir de julgados a fim de prevenir-se contra a avalanche de demandas que gravita em torno de matérias repetitivas, enquanto o direito posto sucumbe frente a essa postura.

Nesse ponto, aliás, merece especial atenção a diferença no emprego do precedente à brasileira comparado ao stare decisis. Primeiro porque nos países que adotam esse último é imprescindível a aplicação de súmulas e precedentes acompanhados dos seus casos origem, porquanto seus enunciados ou teses não encerram a discussão, mas apenas a principiam, ao passo em que no Brasil a jurisprudência se esforça para, logo, formatar um enunciado de súmula ou tese, buscando encerrar o debate sobre o tema, não permitindo, pois, que a questão amadureça nos Tribunais para, ao final, consolidar-se o entendimento sobre a matéria.

Noutro quadrante, deve-se atentar para o fato de que a aplicação de um precedente apenas pode ser feita, como ocorre no common law, a partir de minuciosa análise entre os casos, de tal sorte que os Tribunais procedam ao reexame com vagar da discussão e, por fim, formulem as teses serem fixadas, bem como replicadas em casos futuros (STRECK, 2015).

Importa registrar, ainda, que o CPC/2015 quando tratou da fundamentação das decisões judiciais, em plena conformidade com o

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disposto no art. 93, IX, da CF/88, aduziu em seu art. 489, § 1º, V, não se considerar fundamentada qualquer decisão judicial que se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos.

Ora, é dever que se impõe ao julgador que pretenda aplicar precedente a um caso que reputa assemelhado não se restringir a explicitar as questões fático-jurídicas deste, procurando, pois, recuperar os casos que deram origem ao precedente paradigma, realizando-se, portando, o devido paralelo entre as hipóteses em apreço.

2.3 Distinção e Superação: hipóteses de não aplicação do precedente

No regime do stare decisis, o juiz dispõe de técnicas que podem ser empregadas para afastar do caso concreto a aplicação do precedente. Aliás, tais ferramentas também foram incorporadas pelo CPC/2015, quais sejam overruling (superação) e distinguinshing (distinção).

No distinguinshing, faz-se necessário demonstrar existirem razões fáticas peculiares que desautorizam a aplicação do precedente ao caso em exame. Por seu turno, o overruling importa na rejeição do precedente em decorrência de eventual resultado injusto ou desarrazoado acaso tese nela inserida venha a ser aplicada (ZANETI, 2015).

Conforme preconiza o Código de Processo Civil, em seus §§1º a 4º do art. 927, as referidas alterações de entendimentos sedimentados devem ser realizadas pela ampliação do debate por meio de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.

Ora, nada obstante as técnicas de distinção e de superação façam parte da rotina forense de países de common law, nos quais a comunidade jurídica os utiliza para flexibilizar o enrijecimento que poderia advir do stare decisis, no Brasil, onde sequer aplica-se o precedente em sua essência, de igual modo deve-se promover o debate das teses que se pretendem

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superar.Verifica-se, portanto, que os precedentes não são teses estanques,

mas entendimentos que se consolidam por meio do aprimoramento de suas discussões nos tribunais, bem como do debate promovido pela doutrina. Assim, a jurisprudência pátria ainda carece desse refinamento que torna o precedente do common law uma fonte robusta, advinda do confronto de casos e do contraditório.

3. CONCLUSÕES

A despeito de o Novo Código de Processo Civil ter promovido grande avanço no reconhecimento do papel das decisões judiciais como importante fonte do direito, o sistema de precedentes dele decorrente, com amplitude inovadora em nosso sistema normativo, merece especial atenção no que toca ao seu alcance.

Isso porque parcela da doutrina pátria vêm trilhando caminho perigoso para o futuro do Direito, na medida em que enuncia serem as Cortes Supremas verdadeiras responsáveis por definir as linhas jurisprudenciais a respeito de pontos controvertidos, projetando, pois, soluções para o futuro a serem automaticamente reproduzidas por demais tribunais e juízos de primeiro grau, como se a esses últimos não coubesse a função de interpretar, mas apenas tão somente reproduzir teses fixadas pelas Cortes de Vértice.

Nesse sentido, a pretexto de solucionar o problema da alta demanda a que está sujeito o Judiciário, a solução foi deslocar para as Cortes Superiores a padronização decisória. Sendo assim, essas ficariam encarregadas da formulação de teses e proposições com vetor normativo vinculante a serem seguidas pelas demais Cortes de Justiça, às quais devem apenas fazer juízos de facticidade, a subsunção.

Vale dizer, tal postura termina por atribuir valor às decisões judiciais não em razão o enfrentamento do direito, advindo da análise detida do caso confrontado com o debate produzido pelo contraditório,

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mas em virtude da autoridade de uma suposta tese ou precedente oriunda de uma Corte de Vértice.

Ora, é relevante frisar que as prerrogativas de juízes e tribunais da República, cuja autonomia lhes permite dizer o direito, interpretando e aplicando a lei, não devem se curvar aos precedentes e teses abstratas e gerais, sob pena esvaziamento da atividade judicante.

De outra parte, importa registrar, ainda, que quando se autorizam tribunais a fixarem teses com efeitos vinculante e prospectivo, não raras vezes apartadas dos casos que as deram origem, permite-se que o Judiciário crie regras abstratas e generalizantes, muitas vezes contra o espírito das normas, que, fundamentalmente, são de competência do Legislativo. Nesse ponto, é imperioso reconhecer que a Constituição Federal conferiu aos representantes eleitos pelo povo o poder-dever de legislar, e não ao Judiciário.

De mais a mais, registre-se que o projeto original do Código exigia apenas que a jurisprudência guardasse “estabilidade”. Todavia, acolhendo sugestão da Comissão de Juristas (por todos, Lenio Streck), foram incluídos os pressupostos Coerência e Integridade. Assim, haverá coerência se preceitos e princípios que foram aplicados em decisões forem replicados em casos idênticos. Por seu turno, a Integridade exige que os juízes construam seus argumentos de em harmonia com o conjunto do Direito.

Diante do exposto, se afigura dispensável insistir na vinculação formal de acórdãos, súmulas e outros enunciados quando a Decisão obedece rigorosamente aos ditames da coerência e da integridade, temperada pelo debate produzido pelo contraditório, resultando, portanto, na vinculação orgânico-material ínsita à prestação jurisdicional.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito brasileiro. 7. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2015.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Recurso Extraordinário 655265, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-164 DIVULG 04-08-2016 PUBLIC 05-08-2016 Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=11465268. Acessado em 10-06-2017.

DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito processual civil. 19. ed. em e-book baseado na ed. impressa. São Paulo: Atlas, 2016.

MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. ARENHART, Sérgio Cruz. O novo processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 105.

NUNES, Dierle; HORTA, André Frederico. A doutrina do precedente judicial: Fatos operativos, argumentos de princípio e o novo Código de Processo Civil. BUENO, Cássio Scarpinela (org.). Novo CPC. São Paulo: Editora Artmed Panamericana/IBDP. 2015.

NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Franco de Melo. Precedentes no CPC-2015: por uma compreensão constitucionalmente adequada do seu uso no Brasil. Salvador: Juspodivm, 2015.

STRECK, Luiz Lenio. Por que commonlistas brasileiros querem proibir juízes de interpretar?. Conjur. São Paulo, set/2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-set-22/senso-incomum-commonlistas-brasileiros-proibir-juizes-interpretar/>. Acesso em

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15/06/2017.

TORRANO, Bruno. Democracia e respeito à lei: entre positivismo e pós-positivismo. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2015.

ZANETI, Hermes. O Valor Vinculante dos Precedentes. Salvador: JusPodivm, 2015.

THE STUDY OF THE PRECEDENT IN THE NEW CIVIL PROCESS CODE: A CRITICAL ANALYSIS.

ABSTRACTIncreasing access to justice has enabled more citizens to obtain judicial pronouncements. However, increasing demand has led the judiciary to seek ways to make jurisdictional provision more effective, so CPC / 2015 has innovated in the creation of institutes that need greater attention to doctrine, otherwise the representative system and democracy will be violated . Thus, it is expected that the application of precedents in judicial decisions will not ignore the duty of consistency and integrity of the regulatory system provided for in the CPC.

Keywords: CPC. System of precedents. Judicial decisions. Consistency and Integrity.

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