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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ MARIANA PINHEIRO PESSOA DE ANDRADE AGUIAR O SIGNIFICADO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NA VIDA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA FORTALEZA - CEARÁ 2012

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

MARIANA PINHEIRO PESSOA DE ANDRADE AGUIAR

O SIGNIFICADO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NA

VIDA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

FORTALEZA - CEARÁ

2012

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MARIANA PINHEIRO PESSOA DE ANDRADE AGUIAR

O SIGNIFICADO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NA

VIDA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade, do Centro de Estudos Sociais Aplicados, da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestra em Políticas Públicas e Sociedade.

Orientador (a): Profa. Dra. Liduina Farias Almeida da Costa.

FORTALEZA - CEARÁ

2012

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Estadual do Ceará

Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho

A282s Aguiar, Mariana Pinheiro Pessoa de Andrade O significado do benefício de prestação continuada da política de

assistência social na vida das pessoas com deficiência / Mariana Pinheiro Pessoa de Andrade Aguiar. – 2012.

112f. : il. color., enc. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados, Curso de Mestrado acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade , Fortaleza, 2012.

Área de concentração: Políticas Públicas. Orientação: Prof. Dra. Liduina Farias Almeida da Costa.

1. Política de assistência social. 2. Deficiência. 3. Proteção social. 4. Avaliação de políticas públicas. 5. Serviço social. 6. Prestação continuada- benefício. I. Título.

CDD:361.615

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Ao meu esposo, Filipe, pelo seu amor e

companheirismo e ao meu irmão Yves, por me

ensinar a compreender as diferenças.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela força e perseverança que me concede, sempre, na busca pela concretização dos meus objetivos.

A minha mãe, Mirian e ao meu padrasto, Assis, pelo amor, ternura e pela dedicação em todos os momentos de minha vida.

Ao meu pai, Luis Fernando e a Nise, pelo amor, amizade e exemplo de determinação.

Ao meu avô, Miranda (in memoriam), pelo fato de estar sempre comigo em meu coração.

Aos meus irmãos, Patrick, Maria e Luigi, sinônimos de amizade e de ternura para mim.

À família do Filipe, meu esposo, por terem me recebido tão bem na família, bem como pelo fato de vibrarem com as minhas conquistas.

Aos meus grandes amigos, Eliene, Aninha, Diego, Melina e Ivana, pela amizade verdadeira de muitos anos e pelo apoio em todos os momentos de minha vida.

Aos meus amigos do Mestrado, representados por Denise, pela amizade, pela disponibilidade e pelas trocas.

A minha Orientadora, Profª. Doutora Liduina Farias Almeida da Costa, pela sua amizade, pelo seu exemplo como professora e pelo seu compromisso com a vida acadêmica.

Ao professor João Tadeu, pelas orientações.

Ao professor Cândido, pela revisão desta Dissertação.

Aos professores do MAPPS, pelos conhecimentos transmitidos.

Aos colegas de trabalho da APS de Itapipoca e aos chefes da APS, pelas contribuições com esta pesquisa e por terem me concedido tempo para que eu fizesse este mestrado, tão importante para mim; em especial, meus agradecimentos a Francisco das Chagas, a Antônio Giovanildo e a Alice.

Aos beneficiários do BPC, sujeitos desta investigação, pela disponibilidade e pelos muitos ensinamentos.

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Ninguém é igual a ninguém.

Todo indivíduo é um estranho ímpar.

Carlos Drummond de Andrade

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RESUMO Mudanças significativas têm ocorrido no Brasil, no campo da assistência social, cuja longa história de desvinculação do campo das políticas públicas e de constante remissão ao clientelismo passa por redefinições, como é possível percebermos, observando os diplomas legais definidores de suas atribuições, dinâmica de funcionamento e financiamento. Nas lutas por transformações da assistência social em política pública, merece destaque o Benefício de Prestação Continuada (BPC), instituído pela Constituição Federal de 1988, regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) de 1993, tendo sua implantação iniciada em 1996. Trata-se de benefício de caráter temporário, equivalente a 1 (hum) salário mínimo, destinado às pessoas com deficiência e comprovada incapacidade para a vida independente e para o trabalho, assim como para os idosos acima de 65 anos, cuja renda familiar per capita seja inferior a ¼ (hum quarto) do salário mínimo vigente. A pesquisa que deu suporte à presente dissertação, tem como objetivo compreender as repercussões do BPC na vida das pessoas com deficiência, tratando-se de pesquisa qualitativa, cujo percurso metodológico incluiu revisão bibliográfica, pesquisa de fontes documentais e pesquisa de campo. Na pesquisa de campo, utilizamos técnicas como a observação direta, a entrevista e a história de vida. Construiu-se amostra representativa, mediante critérios, tais como: beneficiários do BPC avaliados por assistente social do INSS durante o processo de requerimento do benefício, receber o benefício há dois anos ou mais, ter mais de dezoito anos, ser orientado e poder verbalizar, residir na sede do município de Itapipoca e aceitar participar da pesquisa. Os resultados obtidos na análise explicitaram os distintos protagonistas na dinâmica de instituição da política de assistência social como política pública; o BPC como forma de redistribuição de renda que também contribui na política de proteção social, embora seus critérios seletivos, fortemente, vinculados à renda deixam de considerar muitos outros ângulos importantes da vida social. Dois modelos interpretativos da deficiência conduzem a distintas ações destinadas aos deficientes – o modelo médico, que considera a deficiência como uma lesão corporal e o modelo social que entende a deficiência como resultante da interação entre a lesão no corpo e o ambiente em que vive a pessoa – influenciando que o BPC conjugue elementos de ambos. Constatamos que a situação de pobreza dos requerentes relaciona-se também aos problemas de acesso às demais políticas públicas, especialmente educação, saúde, emprego e renda. Uma das conclusões, entre as muitas a que se poderia chegar, diz respeito à percepção social da deficiência como algo constitutivo de grandes segmentos sociais, e que o direito à igualdade consiste no respeito às diferenças. É de fundamental importância uma integração entre as políticas e garantia destas, a fim de atender de forma condizente a população e dar-lhe condições necessárias para a superação da situação de vulnerabilidade social. Palavras-chave: Política de Assistência Social; Benefício da Prestação Continuada; Deficiência; Proteção Social; Avaliação de Políticas Públicas; Serviço Social.

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ABSTRACT

Significant changes have occurred in Brazil in the field of social welfare, whose long history of untying the field of public policy and constant reference to patronage goes through resets, as it is possible to realize, looking at the statutes defining its powers, dynamic operation and financing. In the struggle for social transformation of public policy, the Continuous Cash Benefit (BPC) deserves highlights, established by the Constitution of 1988, regulated by the Organic Law of Social Assistance (LOAS) 1993 and its implementation started in 1996. This is a temporary benefit, equivalent to one (1) minimum wage for persons with disabilities and proven inability to independent life and work, as well as for seniors over 65, whose family income less than ¼ (one quarter) of the minimum wage. The research that supports this thesis, aims to understand the implications of GCP in the lives of people with disabilities. The methodological approach included a literature review, survey of documentary sources and field research. In field research, we use techniques such as direct observation, interview and life history. The research included 1,375 persons. In the constitution of the sample, in a representative way, we used selection criteria such as: BPC beneficiaries evaluated by the INSS social worker during the benefit application process, receive the benefit for two years or more, have more than eighteen years old, be focused and able to verbalize, resident of Itapipoca city and agree to participate. The results of this analysis to the different actors in explicit dynamic institution of social welfare policy as public policy, whose difficulties are related to the permanence of clientelism and paternalism. The BPC as a form of income redistribution contributes decisively to the social protection policy. However, their selection criteria strongly linked to income fail to realize many other important angles of social life. Two interpretative models of disability lead to different actions for the disabled: the medical model, which sees disability as an injury on the body and the social model, which considers disability as resulting from the interaction between the injury on the body and the environment the person lives. BPC combines elements of both models. We found that the poverty situation of the applicants is also linked to problems of access to other public policies: education, health, employment and income. One of the conclusions, among the many ones that could be reached, concerning to the social perception of disability as something constitutive of society large segments, and that is the right to equal respect for differences. Integration is needed between policies and its guarantees in order to attend the population and give the necessary conditions to overcome the situation of social vulnerability. . Keywords: Social Policy; the Continued Provision Benefit, Disability, Social Protection, Evaluation of public policies; Social Service.

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LISTA DE SIGLAS

ABEPSS - Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço

ABONG - Associação Brasileira de Organizações Não-governamentais

APAES - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais

APS - Atenção Primária à Saúde

BPC - Benefício da Prestação Continuada

CFESS - Conselho Federal de Serviço Social

CIF - Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde

CNAS - Controle do Nacional de Assistência Social

CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNSA - Conselho Nacional de Segurança Alimentar

CRAS - Centro de Referência de Assistência Social

CRESS - Conselho Regional de Serviço Social

FGV - Fundação Getúlio Vargas

FLB - Fundação Legião Brasileira de Assistência

FNAS - Fundo Nacional da Assistência Social

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INSS - Instituto Nacional do Seguridade Social

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LBA - Legião Brasileira de Assistência

LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social

MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MPS - Ministério da Previdência Social

NOB – Norma Operacional Básica

PNAS - Política Nacional de Assistência Social

PUC – Pontifícia Universidade Católica

SESC - Serviço Social do Comércio

SESI - Serviço Social da Indústria

SUAS - Sistema Único de Assistência Social

UECE – Universidade Estadual do Ceará

UFC – Universidade Federal do Ceará

UNB – Universidade de Brasília

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Mapa do Estado do Ceará, com suas macrorregiões de planejamento. Ceará, 2007 ................................................................................................................. Figura 2: Mapa do Ceará, com divisão territorial de desenvolvimento agrícola. Ceará, 2007.................................................................................................................... Tabela 1: Número de pessoas idosas (a partir de 60 anos de idade), pelo Censo 2000

Tabela 2: Número de pessoas idosas (a partir de 60 anos de idade), pelo Censo 2010

Tabela 3: Número de pessoas com determinado tipo de lesão, pelo Censo 2000...........

Tabela 4: Número de pessoas com determinado tipo de lesão, pelo Censo 2000......... Tabela 5: Número de pessoas com determinado tipo de lesão, pelo Censo 2000 ........ Tabela 6: Número de pessoas com determinado tipo de lesão, pelo Censo 2000......... Tabela 7: Número de pessoas com determinado tipo de lesão, pelo Censo 2000.........

Tabela 8: Número de pessoas com determinado tipo de lesão, pelo Censo 2000.........

40

40

62

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74

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 11 1 O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BPC), NO CONTEXTO DA

POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL ...........................................................................

19 1.1 Benefício de Prestação Continuada ................................................................................. 33 2 SIGNIFICADOS DA DEFICIÊNCIA.................................................................................. 43 2.1 A deficiência em diferentes contextos............................................................................. 43 2.2 A emergência da ‘deficiência’ como objeto de reflexão teórica: visão panorâmica........ 45 2.2.1 O modelo ‘biomédico’ da deficiência e o estigma ................................................ 46 2.2.2 O modelo ‘social’ da deficiência e suas possibilidades.......................................... 48 2.3 Em busca de uma sociologia das ‘deficiências’.............................................................. 53 2.4 A inclusão social das pessoas com deficiências.............................................................. 55 3 CENÁRIO DA PESQUISA – área atendida pela Agência da Previdência Social de Itapipoca....................................................................................................................................

60

4 ENTRE A RESIGNAÇÃO E A ESPERANÇA: trajetórias de vida de pessoas com deficiência beneficiárias do BPC............................................................................................. 4.1 As entrevistadas: recortes de suas trajetórias de vidas .......................................................

75 75

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................... 96 REFERÊNCIAS........................................................................................................................ 99 APÊNDICE............................................................................................................................... 104 Apêndice : Roteiro de entrevistas............................................................................................. 105

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INTRODUÇÃO

A deficiência nem sempre foi tratada de forma igualitária ou sob a ótica dos

direitos humanos. No decorrer da história, ela foi concebida ora como um castigo ou milagre

divino, ora como uma tragédia pessoal.

No Brasil, essa realidade começa a mudar com a introdução de uma política de

assistência social na Carta Magna de 1988, haja vista que os princípios constitucionais

expressam, entre os objetivos dessa política, o que diz respeito à transformação de ações

fragmentadas e desarticuladas em um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes

públicos e da sociedade. A partir desse texto constitucional, a política de assistência social

tornou-se dever do Estado e direito do cidadão e, como política pública passou a significar a

possibilidade de garantia dos direitos dos cidadãos quanto a essa esfera e em relação às

demais políticas sociais, sem as quais é impossível se pensar em uma política consistente.

Nesta dissertação, tratamos do Benefício da Prestação Continuada (BPC)

destinado aos idosos e às pessoas com deficiência, um dos elementos constitutivos da política

de assistência social no Brasil.

A assistência social, segundo as leis brasileiras, é para os que dela necessitam –

aqueles que não têm renda ou que não dispõem de recursos suficientes e que, por conseguinte,

precisam do auxílio do Estado, que lhes deve assegurar os mínimos sociais, por meio de

políticas públicas sociais integradas.

A política de assistência social tem como objetivos a proteção à família, à

maternidade, à infância, à adolescência e à velhice, o amparo às crianças e adolescentes

carentes, a promoção da integração ao mercado de trabalho, a habilitação e reabilitação das

pessoas com deficiência e a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa com

deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios para prover a própria manutenção

ou de tê-la provida por sua família.

O modelo brasileiro de assistência social apresenta certa relação, com o modelo de

proteção social inglês de Beveridge, o qual se distinguia por garantir ou prever redistribuição

de renda com os mais pobres, independentemente de contribuições prévias.

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O Relatório de Beveridge, proposto pelo funcionário público William Beveridge,

em 1942, na Inglaterra, pretendia criar um modelo que atendesse toda a população, mediante

um esforço conjunto do Estado e da sociedade. O plano tinha, ainda, preocupações com a taxa

de natalidade e mortalidade, amparo à infância, proteção à maternidade, reforma do sistema

previdenciário, preocupação com doenças e incapacidades. Para que o mesmo tivesse êxito,

era necessário evitar o desemprego em massa.

As políticas sociais brasileiras são diferentes das existentes nos países capitalistas

avançados, que nasceram livres da dependência econômica e do domínio colonialista. A

proteção social no Brasil não buscou a garantia do pleno emprego, não ofereceu serviços

universais aos seus indivíduos, como também não elaborou uma rede de proteção impeditiva

da queda e da reprodução de segmentos sociais majoritários que encontram em situação de

extrema pobreza.

Só recentemente, juntamente com a política de assistência social foi instituído o

Benefício de Prestação Continuada (BPC), assegurado pela Constituição Federal de 1988 e

pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). O BPC é um benefício não vitalício e não

contributivo, que representa um mecanismo de transferência de renda no valor de um salário

mínimo às pessoas idosas, acima de 65 anos, e às pessoas com deficiência consideradas

incapazes para a vida independente e para o trabalho, e cuja renda per capita seja inferior a

um quarto do salário mínimo.

É necessário destacarmos, entretanto, que para receber este benefício, o indivíduo

tem que comprovar as situações de incapacidade e de velhice, como também a de miséria,

visto que o benefício é restrito às pessoas que se encontram nas condições ora referidas.

O BPC é o primeiro benefício não contributivo garantido pelo Estado, sendo

classificado como medida de proteção social aos idosos e às pessoas com deficiência que,

muitas vezes, não são alcançadas pelas demais políticas, embora todos os direitos

constitucionais e leis ordinárias federais, estaduais e municipais, comuns a todos, sejam

também direitos dessas pessoas.

A instituição de políticas sociais destinadas às pessoas portadoras de deficiência

inicia-se nos anos 1970, consolidando-se, do ponto de vista legal, apenas nos anos 1990,

apesar de as ações estatais, nessa área, ainda serem relativamente escassas. Ainda é na esfera

filantrópica que se situam as maiores redes de atendimento as pessoas com deficiência.

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De acordo com o Censo de 2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística (IBGE), o Brasil possui 24 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência,

cerca de 14,5% da população do país.

Esse dado demonstra a expressividade da questão da deficiência para a

organização da proteção social do país, especialmente quando se trata de políticas com caráter

distributivo e de proteção social.

Nosso interesse em realizar pesquisa acerca do BPC e da pessoa com deficiência

foi suscitado no âmbito do Instituto Nacional do Seguridade Social (INSS), local no qual

trabalhamos como assistente social, especificamente na Agência da Previdência Social (APS)

do município de Itapipoca, localizada na região Norte do Estado do Ceará e subordinada a

Gerência Executiva de Sobral.

A partir do trabalho que realizamos no INSS, e da nossa inserção no Curso de

Mestrado Acadêmico de Políticas Públicas e Sociedade, observamos que, embora o BPC seja

bastante demandado pelas pessoas com deficiência, que os gastos públicos com tal programa

sejam bastante significativos1 e que nem todas as demandas são atendidas, o tema não tem

merecido atenção suficiente de pesquisadores. Muito embora haja inúmeras pesquisas

relacionadas à política de assistência social, especialmente às formas de controle da

população, aos gastos públicos com a política e outros temas mais gerais, ou até mesmo os

instrumentos de avaliação social no contexto das perícias destinadas à seleção de portadores

de deficiência ao BPC, as repercussões do programa na vida dessas pessoas ainda não

despertam tanto interesse como objeto de investigação desses pesquisadores.

A situação dos beneficiários com deficiência, a composição e relações familiares,

a situação de pobreza vivenciada, as condições de deferimento de benefícios e o acesso dos

beneficiários às demais políticas sociais, tudo isso nos impeliu à reflexões, para as quais,

evidentemente, não havia respostas pré-elaboradas. Assim sendo, a perspectiva deste estudo é

contribuir no sentido de propiciar maior visibilidade ao tema, bem como estimular novos

estudos acerca do BPC como um direito prestado pelo Estado às pessoas com deficiência e

aos idosos pobres do país.

1 De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), em janeiro de 2012, foram

gasto R$1.483.894 com o BPC. Desse total, foram destinados R$ 1.291.989 para as pessoas com deficiência, e R$ 191.905 para os idosos. Em janeiro de 2002, segundo o MDS, foram gastos R$ 334.065 com o BPC, dos quais R$ 197.326 para o benefício destinado às pessoas com deficiência e R$ 36.739 aos idosos.

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A importância desta pesquisa relaciona-se, primeiramente, ao fato de existirem

poucos estudos sobre a questão levantada, assim como em razão da necessidade de entrarmos

no debate e por ser a academia o campo mais fecundo para isso. Além disso, os resultados da

pesquisa realizada poderão ser muito úteis para as equipes de trabalho do INSS, que lidam

diariamente com o BPC e necessitam de mais informações sobre o tema.

O objetivo geral da pesquisa é perceber as repercussões do BPC, na vida das

pessoas com deficiência que recebem BPC. Alguns objetivos específicos foram delineados,

tais como: compreender o BPC no contexto da política de assistência social no país; ampliar a

compreensão acerca dos conceitos de deficiência; compreender os caminhos percorridos pelas

pessoas com deficiência, tentativa de inclusão no programa; por fim, perceber a situação dos

beneficiários do BPC, na realidade da APS de Itapipoca.

Inúmeras questões foram suscitadas desde os estudos exploratórios desta pesquisa,

entretanto destacamos como pergunta norteadora, a seguinte: Quais as repercussões do

Benefício de Prestação Continuada (BPC) na vida das pessoas com deficiência, que recebem

o benefício?

A metodologia utilizada na pesquisa é de natureza eminentemente qualitativa,

em razão dos seus propósitos e pelo fato de nos permitir uma maior aproximação com a

realidade e a subjetividade dos indivíduos entrevistados. De acordo com Minayo (1994, p.21),

a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares ao trabalhar com o universo de

significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço

mais profundo das relações.

O percurso metodológico foi constituído de vários momentos, destacando-se a

pesquisa bibliográfica, a documental e a empírica.

Na pesquisa bibliográfica, analisamos produções relacionadas à temática, as quais

possibilitaram um esclarecimento acerca de nossas inquietações. Para compreendermos a

política de assistência social, bem como o BPC, priorizamos entre outras obras as de Sposati

(2009, 2010 e 2011); Potyara Pereira (1998 e 2011) ; Mota (2008) ; Mestriner (2011). Quanto

ao entendimento da dinâmica das relações de poder, cujos resquícios ainda se encontram na

base da referida política, expressando um entrecruzamento de novos e velhos elementos,

buscamos apoio em estudos clássicos como os de Faoro (2008). A fim de entendermos o

fenômeno da deficiência, as discriminações e preconceitos sofridos por este segmento, bem

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como as muitas tentativas de incluí-los socialmente de forma menos precária, recorremos a

Goffman (2008); Foucault (1977); Diniz (2006, 2007 e 2010); Bartalotti (2010) e a Wederson

Santos (2010), entre outros.

Durante a pesquisa a fontes documentais, examinamos os dados do Censo 2000 e

de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), delimitados neste período

pelo fato de terem sido os último censos colhidos; a Carta de Princípios de Gestão e

Governança do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o documento de Expansão da

Rede do INSS e o documento de Retratos da Deficiência no Brasil, elaborado pela Fundação

Getúlio Vargas (FGV).

A pesquisa de campo foi realizada nos meses de junho de 2011 e janeiro de 2012,

quando reconstruímos junto às pessoa com deficiência suas trajetórias de vida, cuja amostra

será detalhada a seguir.

Importante destacar que a APS de Itapipoca – onde realizamos a pesquisa de

campo – atende, além do próprio município, os de Amontada, Miraíma, Trairi, Tururu e

Uruburetama. Referida APS é responsável pela manutenção de 6.342 benefícios, sendo 5535

referentes às pessoas com deficiência e apenas 807 a idosos. O município de Itapipoca possui

uma população de 116.065 habitantes. Deste total, 66.909 pessoas residem na zona urbana e

49.156 pessoas na zona rural.

Não obstante os dados numéricos, a constituição de uma amostra representativa

obedeceu a critérios qualitativos, em razão dos propósitos da pesquisa, tais como:

entrevistados que apresentavam deficiências distintas (crônica, cardiovascular, câncer de

mama, paraplegia e sequela de poliomielite); estar recebendo o BPC há pelo o menos 2 anos;

ter idade igual ou superior a 18 anos; ter orientação e condições de verbalizar; ter passado

pela avaliação do Serviço Social do INSS durante o período de concessão do benefício; residir

na sede do município de Itapipoca.

Segundo Minayo (1993, p.102), ao discutir sobre a amostragem na abordagem

qualitativa, ela afirma que a preocupação deve ser menor com a generalização e maior com o

aprofundamento e a abrangência da compreensão.

Para a autora ora mencionada, a amostragem é realizada com base em uma parte

representativa para a pesquisa. Nesse processo, deve estar prevista uma triangulação, ou seja,

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não se deve restringir a apenas uma fonte de dados, mas sim, multiplicar as tentativas de

abordagem.

Assim, compreendemos que diversos são os fatores a serem levados em

consideração no momento de definição da amostragem. Apoiando-nos em Minayo (1993),

discutiremos alguns deles, destacando suas respectivas importâncias. O número de sujeitos a

serem investigados não deve ser muito grande, mas suficiente para permitir uma reincidência

de informações, assim como de forma a possibilitar que o pesquisador seja capaz de conhecer

bem o objeto de estudo. Além disso, outro ponto importante para definição da amostragem é

saber quais indivíduos sociais têm uma vinculação mais significativa para o problema

investigado. Afinal, são as pessoas mais envolvidas no problema que, normalmente, serão

mais relevantes para a pesquisa qualitativa. Nesse sentido, portanto, para a autora em questão,

uma amostra considerada ideal é aquela capaz de refletir a totalidade nas suas múltiplas

dimensões.

Quanto aos instrumentos utilizados durante a pesquisa de campo, recorremos às

observações em profundidade e histórias de vida, aqui consideradas à luz do pensamento de

Minayo (1993) como entrevistas prolongadas visando ao entendimento das distintas

trajetórias de vida das pessoas entrevistadas e o significado do BPC para elas.

De acordo com Cruz Neto (1994), a entrevista representa uma forma de o

pesquisador obter informações, a partir da fala dos atores sociais, uma conversa a dois com

propósitos bem definidos. Para Minayo (1993, p.107), a entrevista – tomada no sentido amplo

de comunicação verbal, e no sentido restrito de colheita de informações sobre determinado

tema científico - é a técnica mais usada no processo de trabalho de campo.

Segundo Minayo (1993, p. 127), vários cientistas que usam a técnica da história

de vida a colocam num papel complementar ao das entrevistas, dos questionários e das

observações participantes. Para esta autora, Becker, amplia o âmbito de importância da

história de vida ao dizer que ela serve como uma pedra de toque, através da qual teorias,

hipóteses e pressuposições possam ser avaliadas. Além disso, Becker, citado por Minayo

(1993, p.127), valoriza ainda mais as histórias de vida, ao acrescentar que elas têm o potencial

de conseguir dados difíceis e quase inacessíveis.

A pesquisa empírica foi realizada nas residências dos entrevistados, a partir do

consentimento dos mesmos. A decisão de entrevistá-los em suas residências fundamentou-se,

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também, em Minayo (1993), que considera essencial a interação entre o pesquisador e os

sujeitos quando se trata de pesquisa qualitativa.

Quanto ao processo de coleta de dados e informações, utilizamos a gravação do

relato oral da História de Vida dos narradores, mediante consentimento de cada um deles, a

fim de captar em máxima profundidade os depoimentos fornecidos. Esclarecemos que os

nomes de todas as entrevistadas (Ana, Joana, Iracema e Margarida são fictícios), a fim de

preservar a privacidade das mesmas.

Após concluída a pesquisa empírica, realizamos a ordenação de dados e

informações, conforme Minayo citada por Gomes (1994, p.77), em que mapeamos tudo o que

obtivemos no trabalho de campo. Posteriormente, realizamos uma classificação do material

reagrupando-o em categorias que foram pensadas previamente, porém de modo flexível, e,

por fim, realizamos uma interpretação, mediante articulação entre o referido material e os

referenciais teóricos da pesquisa.

A presente dissertação encontra-se estruturada em quatro capítulos, mais a

introdução e as considerações finais.

O primeiro capítulo consta de explanação acerca da política de assistência social

brasileira, a partir de uma aproximação aos processos de constituição dessa política e das

ações estatais que a antecederam. Evidentemente, inclui reflexões sobre o BPC e sua

legislação específica, suas características e os contextos de instituição deste benefício, que é

parte intrínseca da política de assistência social.

No segundo capítulo, colocamos a deficiência em evidência. Por meio de estudos

bibliográficos, buscamos conhecer os modos e formas de tratamento da deficiência, conforme

exemplificado por meio do “modelo médico” e do “modelo social” da deficiência. Buscamos,

ainda, compreender os movimentos de segmentos sociais implicados no processo – sejam ou

não deficientes – para garantir uma inclusão menos precária das pessoas com deficiência,

como, também, acerca da responsabilidade estatal mediante políticas públicas,

particularmente as de caráter distributivo e as que visam à proteção social voltada para as

pessoas com deficiência.

O terceiro capítulo consta de um panorama acerca do cenário onde realizamos a

pesquisa, tratando-se da APS de Itapipoca, que abrange os municípios de Amontada,

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18

Itapipoca, Miraíma, Trairi, Tururu e Uruburetama. Os dados do IBGE foram de fundamental

importância na elaboração deste panorama, no qual se encontram também nossas

interpretações, assim como comparações entre as situações das políticas públicas dos

municípios. Esta fase do trabalho de pesquisa foi essencial na definição, posterior, da amostra

representativa para a coleta de dados e informações, conforme mencionado anteriormente

No quarto capítulo, nos aproximando da questão norteadora da pesquisa que

deu origem a esta dissertação, conforme descrito anteriormente, buscamos explicitar as

trajetórias de vida das pessoas com deficiência, beneficiárias do BPC. Diversos foram os

aspectos explicitados neste momento. Entre eles, o significado e o impacto da deficiência para

as pessoas com deficiência, segundo o qual procuramos entender como essas pessoas lidam

com a deficiência, a importância da espiritualidade e da família, o acesso das pessoas com

deficiência às políticas sociais, assim como a acessibilidade aos diversos ambientes na vida

cotidiana, a sociabilidade dessas pessoas, o entendimento delas acerca do BPC, bem como os

aspectos considerados por elas como positivos e/ou negativos deste benefício. Por fim,

procuramos entender a existência ou não de mudança de vida após o BPC, assim como as

sugestões apresentadas pelas entrevistadas acerca deste benefício.

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1 O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BPC) NO CONTEXTO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Falar do Benefício de Prestação Continuada garantido pelo Estado pós-

regulamentação da Política de Assistência Social requer a reconstituição, ou, pelo menos uma

aproximação aos processos de constituição dessa política e, por sua vez, das ações estatais que

a antecederam. Não obstante outras esferas da sociedade, especialmente as de cunho religioso,

mais especificamente a Igreja Católica, prestassem serviços assistenciais de natureza

caritativa no sentido da cristianização do capitalismo, prioriza-se para fins deste capítulo uma

rápida incursão sobre a criação, a estrutura e natureza institucional da Legião Brasileira de

Assistência (LBA) até o final do regime militar iniciado em 19641.

O objetivo é compreender a realidade da prestação de serviços assistenciais no

contexto das mobilizações sociais que levou a sociedade brasileira a empenhar-se na própria

redemocratização e na substituição de um modelo de assistência social – dentre outros, a

exemplo dos de saúde e previdência social – que não mais se adequava às reivindicações por

um Estado democrático de direito e, em consequência, um sistema orgânico de assistência

social como política de Estado e direito de cidadania, desvinculando-a do clientelismo e das

práticas eleitoreiras que, historicamente, foi alimentado por ações assistenciais entregues às

primeiras damas, numa perspectiva estratégica de reprodução do poder político.

Conforme Iamamoto (2005, p.78), passa-se da caridade tradicional levada a efeito

por tímidas e pulverizadas iniciativas das classes dominantes, nas suas diversas manifestações

filantrópicas, para a racionalização da atividade assistencial.

Após a norma constitucional de 1988, a assistência social ganha o status de

política pública não condicionada à necessidade de contribuição prévia, sendo ainda dever do

Estado e direito de todo cidadão que dela necessitar. Nos artigos 203 e 204 da referida

Constituição encontram-se seus objetivos, a garantia de fontes orçamentárias, assim como

1A Legião Brasileira de Assistência (LBA) é organizada em sequência ao engajamento do país na Segunda

Guerra Mundial. Tem como objetivo prover as necessidades das famílias cujos chefes foram para a Guerra. Surge da iniciativa de particulares, logo encampada e financiada pelo governo, contando também com o patrocínio das grandes corporações patronais e o concurso das senhoras da sociedade. A LBA procurará canalizar apoio político para o governo, movimentando sua ação assistencialista. Da assistência “às famílias dos convocados”, progressiva e rapidamente a LBA começa a atuar em praticamente todas as áreas da assistência social (CARVALHO; IAMAMOTO, 2005, p.250-253).

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estabelece muito de suas diretrizes.2

Já de início é fundamental afirmar que, na transformação da assistência social

brasileira em política pública, empreenderam-se amplos esforços de pesquisas sistemáticas,

especialmente acerca da proteção social em países centrais e da “periferia” tendo em vista a

conceituação da referida política no Brasil, desconstruindo as concepções assistencialistas,

especialmente a partir da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Universidade

Nacional de Brasília (cursos de Serviço Social), de modo que o tema adquire interlocutores

em âmbito nacional, chegando a todos os estados brasileiros e entidades representativas dos

segmentos atendidos por ações assistenciais no período de elaboração das leis concernentes ao

tema.

O empenho dessas instâncias de produção do saber, mas especialmente de um

saber direcionados às parcelas mais pobres do Brasil, propiciou a inclusão das professoras

Potyara Amazoneida P. Pereira (UNB) e Aldaíza Sposati (PUC) na elaboração das referidas

leis, de modo que sua difícil legitimidade foi conseguida em um longo processo.3

Como componente da seguridade social, conforme José Paulo Netto (MPAS,

1998), a assistência social trata-se de medida legal e legítima que visa oferecer segurança

social aos cidadãos não cobertos (ou precariamente cobertos) pela seguridade social em sua

perspectiva contributiva. Visaria livrar esses cidadãos dos infortúnios do presente e das

incertezas do amanhã, protegendo-os das adversidades causadas por enfermidades, velhice,

abandono, desemprego, desagregação familiar, exclusão social (Anais da II Conferência

Nacional de Assistência Social - 1997).

2

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis (BRASIL, 1988).

3 Sposati (2010) aborda, em A menina LOAS, o processo de construção da LOAS, que ocorreu de forma gradual, assim como foi permeado por um processo de embates e de dificuldades. Pereira (2011), em Necessidades Humanas: subsídios à crítica dos mínimos sociais, destaca que os conceitos de mínimo e de básico são assimétricos. Para esta autora, o conceito de mínimo deve ser revisto, passando de mínimo para básico, a fim de que se possa, realmente, falar em direitos fundamentais.

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Referente à gestão da política em referência, de 7 de dezembro de 1993,

estabelece os objetivos, princípios e diretrizes das ações, determinando que ela seja

organizada mediante sistema descentralizado e participativo, composto pelo poder público e

pela sociedade civil.

A Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) contempla as Definições e

Objetivos dessa política, conservando os constantes na Constituição Federal e referem-se à

proteção, à família, à infância, à adolescência e à velhice, à habilitação e reabilitação da

pessoa portadora de deficiência; traz os Princípios (universalização, a dignidade e a

autonomia) e Diretrizes (descentralização, o comando único em cada esfera de governo e a

participação da população na formulação das políticas e no controle das ações), deixando

clara a primazia e a responsabilidade do Estado na condução da referida política em cada

esfera de governo; trata da Organização e da Gestão da Assistência Social (sistema

descentralizado e participativo, cuja coordenação caberia ao então Ministério do Bem-Estar

Social) além de tratar das normas gerais para o funcionamento das entidades e organizações

da área; define os Benefícios, Serviços, Programas e Projetos, entre os quais Benefício de

Prestação Continuada (BPC), que compreende um salário mínimo de benefício mensal ao

portador de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria

manutenção ou de tê-la provida por sua família; em seguida, define que o financiamento

contará com recursos da União, dos Estados e dos Municípios. Define que a gestão do Fundo

Nacional da Assistência Social (FNAS) cabe ao órgão da administração federal, responsável

pela política nacional de assistência social, sob orientação e Controle do Nacional de

Assistência Social (CNAS). Finalmente, as Disposições Gerais e Transitórias, dizem respeito

ao reordenamento dos órgãos de assistência social em âmbito federal para a implantação da

Lei (BRASIL, 1993).

Ao completar 10 ANOS, a LOAS é discutida em linguagem coloquial por Sposati

que, em sua obra intitulada A menina LOAS (2010) fala do processo de construção dessa lei.

Entendemos, a partir da leitura desta obra, que a elaboração da LOAS transcorreu

à semelhança da construção de uma casa, lentamente, colocando-se tijolo por tijolo e

comemorando-se por cada material acrescido, pois todos teriam sido conseguidos, mediante

muita luta e dificuldade.

Desnecessário afirmar-se que, como toda política social, a de assistência social só

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firmou-se enquanto tal, após mobilizações de várias frentes da sociedade civil, tendo a frente

as instâncias organizativas da categoria dos assistentes sociais (Conselho Federal e Conselhos

Regionais), instituições como o IPEA, além do grande apoio teórico das universidades, já

mencionado.

Daí afirmar Sposati (2010) que a transformação da assistência social em política

pública, assim como a regulamentação da LOAS, só ocorreu mediante verdadeira luta, pois

ela não era considerada, por todos os grupos sociais como uma medida necessária. Não

obstante sua posição política, a autora afirma que os políticos, de uma forma geral, não

tinham interesse em tornar a assistência uma política pública, ao contrário do povo, que queria

ver isso se tornar realidade, bem como desejava participar dos processos de elaboração, assim

como decisório das políticas que lhes diziam respeito.

Desse modo, é só após a realização da IV Conferência Nacional de Assistência

Social entre os dias 7 a 10 de dezembro de 2003, 10 anos após a promulgação da LOAS que a

sociedade brasileira contará com a implantação de um Sistema Único de Assistência Social

(Suas), visto que o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) que

esteve à frente de sua implantação começou a garantir os meios necessários à sua

concretização, em conformidade com a nova Política de Assistência, aprovada pelo Conselho

Nacional de Assistência Social (CNAS) no ano de 2004.

Por sua vez, a gestão das ações socioassistenciais no âmbito de tal política tem

como suporte a Norma Operacional Básica, que disciplina a descentralização administrativa

do Sistema, a relação entre as três esferas do Governo e as formas de aplicação dos recursos

públicos.

É importante realçar particularidades da sociedade e do Estado brasileiro que,

supostamente teriam finalizado com a República Velha, mas ainda persistem nos moldes de

uma história que seria lenta, as quais, entre outros elementos históricos, determinariam que

até a década de 1940 do século passado ela conservasse as características que estão nas bases

da origem da assistência social brasileira, como a caridade, a filantropia e/ou a solidariedade

religiosa.

A respeito de tais particularidades, o clássico estudo de Faoro (1989) destaca,

acerca da República Velha, que o domínio efetivava-se e legitimava-se no interior das

instituições políticas, que perseguiam caminhos distintos daqueles que Weber teria

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classificado como inerentes ao Estado moderno, ou seja, o controle dos instrumentos de

dominação política.

De acordo com este autor, as instituições políticas daquele período nada tinham de

moderno, no sentido da expansão do espaço público, não obstante o país apresentasse os

primeiros sinais de modernidade como a ampliação dos serviços urbanos, do mercado interno

e a existência de considerável número de assalariados e funcionários públicos. Os instrumentos

de dominação, conforme Faoro, não teriam passado para um aparelho burocrático, não constituindo,

portanto, forma de dominação racional-legal nos moldes europeus. Esses instrumentos seriam

gerenciados principalmente por fazendeiros de café do Oeste paulista, que modernizavam o

processo produtivo, porém permaneciam com mentalidade escravocrata e autoritária.

Poder-se-ia generalizar tais particularidades para o restante do país durante longo

período da história e afirmar que alguns dos seus resquícios permanecem vivos por longo período,

até mesmo durante o Estado Novo quando tem início uma assistência social de perspectiva estatal

que teve como marco a criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA) que ocorre, após a

II Guerra Mundial, num clima de vibração cívica, tendo à frente a Primeira Dama do país,

Sra. Darcy Vargas e com o apoio da Federação das Associações Comerciais e da

Confederação Nacional da Indústria. Oliveira (2001) citando a Profa. Rita de Cássia Freitas

considera que a criação da LBA “demarcou uma redefinição no Estado brasileiro com a

incorporação da pobreza e da miséria no discurso oficial.”

De início, seu objetivo seria o atendimento às famílias dos ‘pracinhas’, ex-

combatentes da referida guerra e suas atividades relacionavam-se ao atendimento materno-

infantil. Entretanto, em razão de demandas sociais mais amplas de grandes parcelas

populacionais em situação de permanente empobrecimento, a entidade expande,

paulatinamente, sua linha programática. A instituição chegou a ter representação em todas as

unidades federadas do país e no Distrito Federal, chegando também a abranger ações tais

como: Assistência social; Assistência judiciária; Atendimento médico-social e materno-

infantil; Distribuição de alimentos para gestantes, crianças e nutrizes; Assistências integrais a

crianças, adolescentes e jovens (creches e abrigos);Qualificação e iniciação profissional;

Liberação de instrumentos de trabalho; Orientação advocatícia para a regularização e registro

de entidades; Programas educacionais para o trabalho; Geração de renda; Projetos de

desenvolvimento social local (serviços de microempresas – creches, cooperativas e outros);

Assistência ao idoso (asilos e centros de convivência); Assistência à pessoa portadora de

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deficiência; Assistência ao desenvolvimento social e comunitário; Programa nacional de

voluntariado (Capacitação de conselheiros estaduais e municipais, 2000).

Para tanto, a LBA mantinha articulação com cerca de 6.000 organizações não

governamentais, governos estaduais, cerca de 3.800 municípios, Conferência Nacional dos

Bispos do Brasil (CNBB), Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAES), Instituto

Pestallozzi, Caixa Econômica Federal, entre outros, assim como um Programa Nacional de

Voluntariado, com coordenação nos 26 Estados e no Distrito Federal (Idem).

Segundo Carvalho e Iamamoto (2005), a LBA teve grande importância nas

práticas da assistência social no Brasil, entre as quais destacamos: o sistema de bolsas de

estudo e da distribuição de recursos financeiros, assim como contribuiu para a implantação

institucionalização do Serviço Social.

A LBA era financiada pelo governo, contando, geralmente, com o patrocínio das

grandes corporações patronais e o concurso das senhoras da sociedade, inclusive, era comum

a presença da figura das Primeiras Damas, em nível Federal, Estadual e Municipal. Esta

instituição de assistência, ainda, foi marcante pelo fato de tornar-se a maior Agência de

Serviço Social do país, implementando políticas assistenciais, marcadas por ações

paternalistas e de auxílio emergencial e compensatório; a utilização de mão-de-obra

voluntária para desenvolver ações complementares; a prática da parceria, utilizando a relação

do público e do privado; o atendimento das demandas sociais de expressivos contingentes

populacionais de acordo com as suas necessidades, ensejando a fragmentação da pobreza em

grupos (menor, gestante, idoso e outros) ou em necessidades (lazer, educação alimentação,

etc), dando margem aos chamados critérios de elegibilidade para a concessão dos benefícios

ou prestação de serviços; o trabalho junto à população excluída do mercado.

No ano em que a sociedade brasileira conquista uma assistência social como

política pública, a LBA estruturava-se mediante três ações básicas: 1.Ações de apoio ao

cidadão e à família (Creche; Ações Básicas de Saúde; Apoio Nutricional; Banco de Leite

Humano; Educação Social; Documentação e Direitos Civis; Auxílio Econômico e

Financeiro); 2. Ações voltadas para o incentivo às oportunidades de trabalho e geração de

renda (Apoio às iniciativas das populações excluídas das áreas urbanas

e rurais. Fomento à cooperação técnica e financeira para atividades de formação e reciclagem

profissional, bem como para implantação de micro unidades produtivas); 3. Ações de apoio ao

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desenvolvimento comunitário (Prestação de assistência técnica e/ou financeira às

organizações da comunidade para realização de projetos voltados para melhoria habitacional.

Desde o seu primeiro estatuto, a LBA priorizava a proteção à maternidade, à

infância, aos velhos e desvalidos, expressando também a preocupação em auxiliar instituições

de assistência social com objetivos fins.

Destacamos, também, a execução indireta da LBA como alternativa de ampliação

do alcance das suas ações assistenciais, mediante convênios e contratos com entidades de

assistência social da sociedade civil.

Diante do quadro ora descrito acerca da estrutura e cobertura da LBA,

possibilita concordar-se com Sposati (2010) que, a assistência social era realizada, através de

ações que garantiam auxílios mínimos aos pobres, mas seus critérios de acesso eram bastante

restritivos. Além disso, tratada durante muito tempo como preocupação das primeiras damas

guardava características clientelísticas e assistencialistas. Ou seja, as ações caritativas das

primeiras damas não ocorriam em vão, mas sim representavam uma forma de atender algumas

necessidades da população, mas, também, de fazer “propaganda” dos políticos e de manter

aquela sempre “ligada” a estes. As ações da LBA, na verdade, representavam um reflexo das

tradições patrimonialistas brasileiras, que insistiam em colocar esposas de políticos na gestão

da LBA. Outro aspecto a evidenciar, é que essa forma de fazer assistência social era

descontínua e suas ações não eram fundamentadas pela ótica dos direitos sociais.

Portanto, transformar a maneira de fazer a assistência social no Brasil consistiu

de um processo árduo de muitas idas e vindas: a regulamentação da LOAS só ocorreu após 5

anos após promulgada a Constituição de 1988 e a criação da NOB/SUAS, após 12 anos de

regulamentada a LOAS.

Esse processo de idas e vindas seria mais profundamente compreendido mediante

reconstrução do contexto do final de regime militar. Pode-se dizer que desde a chamada ‘crise

do milagre’ fortalecem-se as mobilizações e lutas em torno da democracia, da reorganização

dos partidos políticos diante de uma sociedade sequiosa de mudanças cujo ápice é o ano de

1985 com as manifestações em torno das ‘diretas já’. Nesse contexto, a assistência social não

ficaria isenta de demandas por práticas inovadoras e democráticas, de modo que, desde então

uma intensa jornada foi trilhada rumo a uma política pública de assistência social que

respeitasse os direitos sociais.

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A partir da luta de diversos grupos e movimentos sociais, como sindicatos,

partidos políticos, trabalhadores da área, intelectuais, profissionais liberais, parcelas da igreja,

organizações públicas e privadas entre outros, foi-se discutindo e construindo uma proposta

de Lei Orgânica e de Política de Assistência Social em favor das pessoas em situação de

vulnerabilidade e exclusão (Capacitação de Conselheiros Estaduais e Municipais, 2000).

O documento ora referido propicia perceber as correlações de forças de interesses

contrários que se dinamizaram na consolidação de um direito que aos olhos de muitos

brasileiros ainda é uma “coisa menor”. Lembra o documento que a Constituição Federal de

1988 afirmava em suas disposições transitórias que a organização da seguridade social e dos

planos de custeio e de benefícios seriam apresentados (pelo Poder Executivo) no prazo

máximo de seis meses ao Congresso Nacional, que teria idêntico período para apreciá-los, ou

seja, desde 5 de outubro de 1989, o país deveria ter dotado o conjunto de lei regulamentador

da seguridade social, cuja implantação progressiva deveria ter acontecido até o prazo máximo

de 5 de abril de 1991, não obstante algumas tentativas de instituições como o IPEA e a UnB,

além do MPAS de apresentarem uma proposta da LOAS. Contudo, nenhuma delas prosperou

no sentido de induzir o Executivo a propor a regulamentação.

O mesmo documento lembra a realização dos vários eventos realizados com o

objetivo de colher subsídios para a elaboração da lei orgânica, de modo que em junho de

1989, o Legislativo toma a iniciativa de legislar sobre a matéria. É apresentado o Projeto de

Lei n.º 3099/89, de autoria do Deputado Raimundo Bezerra [médico cearense, presidente da

Comissão de Saúde, Previdência e Assistência no Congresso Nacional] o qual, após emendas

e dois turnos de votação, é aprovado pela Comissão Temática e aprovado pela Comissão de

Finanças em 23 de maio de 1990 e, posteriormente, pelo Senado. Porém, em setembro do

mesmo ano, através da mensagem n.º 672/85 ao Presidente do Senado, o Presidente da

República, Fernando Collor de Mello, veta integralmente a proposta da Lei Orgânica da

Assistência Social.

Conforme a mensagem n°. 672, o Presidente da República justificou o veto à

LOAS, pelo fato de considerar, na mesma, a proposição de dispositivos contrários aos

princípios de uma assistência social responsável, que se limite a auxílios às camadas mais

carentes da população, sem, contudo, comprometer-se com a complementação pecuniária e

continuada de renda.

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Em 11 de abril de 1991, ainda de acordo com o referido documento, a matéria

volta a ser colocada em pauta no legislativo por iniciativa do Dep. Geraldo Alckmim Filho e

Reditório Cassol, que reapresentam, com pequenas mudanças, o projeto do Deputado

Raimundo Bezerra, agora como Projeto de Lei.

Entre as muitas mobilizações em torno da LOAS, destaca-se o I Seminário

Nacional de Assistência Social, realizado em Brasília, em junho de 1991, por iniciativa de

diferentes entidades da categoria dos assistentes sociais.

Exemplificando o papel mobilizador da categoria referida, destaca-se no

“longínquo” do Estado do Ceará, a realização do Seminário preparatório ao referido seminário

nacional, intitulado Assistência Social: verso e reverso, sob os auspícios do então Benefício

da Prestação Continuada (BPC) – 3ª. Região), o qual contou com a participação do Deputado

Raimundo Bezerra e de professores da UFC (Manfredo Araújo Oliveira e Alba Maria Pinho

de Carvalho), da PUC de São Paulo (Ademir Alves da Silva) e da UECE (Neíse Távora de

França Silva) 4 e vários movimentos da sociedade civil, como representantes da LBA, da

Secretaria de Ação Social, da Fundação de Ação Social, da Superintendência do Serviço

Social do Município, do Centro Acadêmico dos Estudantes do Serviço Social e do Sindicato

dos Assistentes Sociais do Ceará. Buscando o fortalecimento do movimento, outro seminário

foi realizado pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), em 1992, contando

com a participação de Aldaíza Sposati e Carlos Nelson Coutinho.

Importante enumerar também o seminário denominado Assistência Social em

debate: os desafios da implementação da Lei Orgânica da Assistência Social, realizado pela

Secretaria de Ação Social, nesse mesmo contexto, contando com a contribuição do Conselho

Regional de Serviço Social (CRESS) que proferiu conferência.

Como resultante importante do I Seminário Nacional de Assistência Social,

constitui-se uma comissão pela LOAS, cujos trabalhos resultaram no documento “Ponto de

Vista que Defendemos”, que tinha por objetivo subsidiar novo Projeto de Lei , no caso,

projeto de n.º 3154, que foi encampado pelo Deputado Eduardo Jorge e outros, tendo a

Deputada Fátima Pelaes como relatora.

4 Temas do seminário ‘Assistência Social Hoje: verso e reverso”:a Assistência Social na nova ordem jurídico-

institucional; a relação entre o poder público e a prestação de serviços assistenciais e a competência profissional na Assistência Social.

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Segundo Sposati (2010) verificando a necessidade de união de forças, o Conselho

Federal de Serviço Social (CFESS), a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço

(ABEPESS), com a presença do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS), em 1993,

organizaram uma comissão interlocutora composta por Laura Lemos Duarte, Carmelita

YasbeK, Potyara Pereira, Aldaíza Sposati, Rosângela Batistoni e Ana Lígia Gomes.

Importante destacar nessa época, a realização de seminários regionais promovidos

pelo Ministério do Bem-Estar Social com a colaboração da LBA, Serviço Social do Comércio

(SESC) e Serviço Social da Indústria (SESI) visando ampliar as discussões em torno da

LOAS no país. A base de discussão era o referido Projeto, e dela participaram representantes

de organizações da sociedade civil, do Poder Legislativo, servidores e dirigentes da Fundação

Legião Brasileira de Assistência (FLBA), integrantes da Comissão de Seguridade e Família da

Câmara dos Deputados, representantes do Movimento pela Ética na Política, da Associação

Brasileira de Organizações Não-governamentais (ABONG) e do Conselho Nacional de

Segurança Alimentar (CNSA).

A considerar mais uma vez o campo de forças em torno da transformação da

assistência social em política pública, esses debates ampliam suas possibilidades de

institucionalização com a realização da Conferência Nacional de Assistência Social, em junho

de 1993, que é dos seus frutos.

Encontra-se também no documento em análise, que por ocasião dessa conferência

o executivo havia produzido uma nova versão da LOAS, contrária à que estava em

negociação até aquele momento, especificamente quando se referia à organização dos órgãos

integrantes do sistema de assistência social, o qual é revertido em plenária que apóia o Projeto

3154, contando com o apoio de entidades e especialistas na área, tendo à frente a vereadora

Aldaíza Sposati.

Todo esse movimento de debates, acerca do texto constitucional, no qual foram

debatidos artigo por artigo do projeto de lei entre representantes dos vários estados e dos

movimentos pró Loas, implicou um momento ímpar. O mesmo se tornou conhecido como

Conferência Zero da Assistência Social (SPOSATI, 2010, p.59).

Finalmente, a proposta de Projeto de Lei da LOAS foi encaminhada pelo MBES

em 13 de julho de 1993 para aprovação do Presidente Itamar Franco. Remetido ao Congresso

e encaminhado à Comissão de Seguridade Social e Família, o projeto chegou às mãos da

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Deputada Fátima Pelaes e foi aprovado em setembro de 1993 pela Câmara, e em novembro do

mesmo ano pelo Senado.

Após a apresentação, discussão e negociação de vários projetos e emendas, a

LOAS foi sancionada pelo Presidente Itamar Franco, em 7 de dezembro de 1993 e publicada

no Diário Oficial da União no dia seguinte, embora ainda inexistisse qualquer consenso entre

os órgãos gestores quanto ao reordenamento ou extinção das instituições gestoras da

Assistência Social no Brasil.

A aprovação da LOAS, em 1993, ocorre durante o governo do Presidente Itamar

Franco, após o impeachment sofrido pelo Presidente Fernando Collor de Mello, que adotou a

política neoliberal, assim como apresentou uma visão despótica em um momento em que o

país, depois de ter vivido um período de ditadura, buscava a democracia social e política.

Concorda-se com o documento em apreciação que a LOAS propõe a

introdução de mudanças estruturais e conceituais na assistência social pública, transformando

e criando, através dela, um novo cenário com novos atores e, seguramente, novas estratégias e

práticas, além de novas relações interinstitucionais e com a sociedade (Capacitação Regional

de Conselheiros Estaduais e Municipais de Assistência Social, 2000).

De acordo com Silveira (1996), para efetivação dessa nova forma de fazer

assistência, faz-se necessário colocar as necessidades sociais acima das exigências

econômicas, tornar o destinatário da Assistência Social alcançado pelas demais políticas, bem

como garantir o respeito à dignidade do cidadão e a sua autonomia, sem exigir do mesmo uma

comprovação vexatória da necessidade.

No sentido de refletir acerca das instituições como campos de força contraditórias

que se travam não ideologicamente, mas também em razão da permanência no trabalho,

considera-se importante afirmar que quando a LOAS foi aprovada, a LBA tinha capilaridade,

praticamente por todo o país e, não obstante suas origens, ela já havia passado por tantas

mudanças a ponto de haver implantado uma estrutura matricial com linha programática e

gerências regionais destinadas à implantação do sistema descentralizado e participativo da

assistência social preconizado pela LOAS.

Contando com um quadro multidisciplinar de 6.375 servidores entre assistentes

sociais, médicos, psicólogos, pedagogos, administradores, bacharéis em direito, enfermeiros e

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auxiliares de enfermagem e social, entre outros , a LBA atuou em parceria com o CNAS para

a implementação da LOAS e com a Secretaria de Promoção Humana, Estados e Municípios,

para a construção da Política de Assistência Social e da Política Nacional do Idoso, até a sua

extinção em 1995, durante o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Uma vez

criada a Secretaria de Assistência Social, vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência

Social, esta passou a negociar com os Governadores de cada Estado uma fase de transição

para a implementação da LOAS5.

Em dezembro de 1998 foi aprovado, por unanimidade pelo CNAS, a Política

Nacional de Assistência Social (PNAS) e a primeira Norma Operacional Básica de

Descentralização. Entretanto, a assistência social passou a contar com menos de 700

servidores, em razão da redistribuição dos demais para outros Órgãos públicos. Em 1999,

ainda durante o governo do Fernando Henrique Cardoso, é criada a Secretaria de Estado de

Assistência Social, responsável pela implementação da referida política.

As discussões em torno da elaboração da LOAS são alimentadas, do ponto de

vista conceitual, pelo debate que se trava no mesmo período em relação à finalização ou à

permanência do Estado de bem estar social, configurado na Europa ocidental nos anos

dourados do capitalismo, após a II Guerra Mundial, quando se consolidam sistemas de

proteção social.

No pós-guerra, os sistemas de proteção social transformam-se na principal forma

de intervenção do Estado, nos países desenvolvidos, chegando a consolidar uma determinada

forma de organização, conceituada como Estado de bem estar social (MOTA, 2008, p.128).

Para Pochmann (2004, p.3), o chamado Estado de bem estar social cumpriu

5 Os Estados assumiram todos os serviços de ação continuada, a partir de 1996. Estabeleceu-se ainda um

compromisso com os governadores, mediante um convênio de cooperação técnica e financeira que os espaços da das Superintendências Estaduais deveriam também abrigar os conselhos de direitos das áreas afins (assistência social, criança e adolescente, idoso e outros). Além deste fator efetivou-se também o compromisso de criar os instrumentos previstos na LOAS: Conselhos, Fundos e elaboração dos Planos de Assistência Social.Os serviços operacionais de execução direta da LBA, tais como creches, centros de convivência, asilos, centros sociais, foram cedidos e/ou doados às prefeituras por intermédio de convênio de cooperação técnica e financeira, com a responsabilidade de não haver descontinuidade dos serviços e, paralelamente, a implementação da LOAS.Esta Secretaria realizou ampla articulação com Estados e Municípios para estruturar o sistema descentralizado e participativo da assistência social. Negociou-se arduamente para colocar a assistência como política pública na agenda governamental. Organizaram fóruns e debates e houve a participação ativa de servidores nas conferências Estaduais e Municipais de Assistência Social, além de subsidiar e cooperar com o FONSEAS e com o CONGEMAS. Conseguiu ainda incorporar o orçamento da LBA e parte do CBIA, além de iniciar a implantação do benefício de prestação continuada de atenção ao idoso e da pessoa portadora de deficiência (Capacitação Regional de Conselheiros Estaduais e Municipais de Assistência Social, 2000).

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distintas funções estratégicas, todas consagradas ao enfrentamento da pobreza, do desemprego

e da desigualdade.

De acordo com Galper, citado por Mota (2008, p.128), na Europa ocidental

foram criados amplos e universais sistemas de proteção social, como é o caso da Inglaterra.

Por outro lado, no Brasil, conforme Médice, citado por Mota (2008, p.128), os

países periféricos, de que é exemplo o Brasil, estruturaram a assistência aos pobres e

prevalência nos assalariados.

Nesse período, os problemas sociais começam a ser tratados no âmbito estatal e

pelo direito formal, destacando-se nessas sociedades a difusão do fordismo, enquanto modelo

de organização industrial e social, bem como as propostas keynesianas que reconhecem a

impossibilidade de autorregulação mercantil, bem como defendem a intervenção do Estado, a

fim de garantir o aumento do emprego, da renda e do consumo.

No caso da Inglaterra, especificamente, o sistema de proteção social foi orientado

pelo modelo Beveridge, que de acordo com Vianna (1998), oferece benefícios básicos e iguais

para todos, serviços que independem de contribuições ou situações de mercado. Além disso,

esta autora acrescenta que o Plano Beveridge demarcou um novo ethos para a política social e

reforça a ideia de que o mesmo influenciou reformas implementadas durante os anos 40 e 50

em diversos países.

Apesar destas influências, as medidas de proteção social adquiriram perfis

diferenciados em cada país, de acordo com a trajetória econômica e política que particulariza

o desenvolvimento do capitalismo e as lutas dos trabalhadores em cada realidade nacional.

A discussão atrai o Brasil por caminhos diversos em relação aos países ricos do

ocidente. Nestes países, já a partir da segunda metade dos anos 1970, são discutidos os

destinos das políticas de proteção social e são ameaçadas as suas bases. Tratava-se de

estratégia de redução dos gastos do Estado diante da crise do capitalismo.

No Brasil, de acordo com Pereira (2011), o país vivenciava o regime militar; nesse

período, a política social foi intensificada, não com o objetivo de dar respostas sociais, mas

com uma via de reaproximação do Estado com a sociedade que se mostrava descontente com

o governo vigente.

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Os gastos realizados, durante a dominação dos militares, implicaram uma situação

de crise no Brasil. Além disso, os setores populares, ao se sentirem insatisfeitos com as

medidas autoritárias determinadas pelo governo, organizaram-se através de movimentos

sociais, em torno dos pleitos por democracia.

Segundo essa autora, durante esse período de transição para a democracia, a

política social recebeu atenção especial, haja vista que ocorreu nesta época a inclusão, pela

primeira vez na história do país, da assistência social numa Constituição Federal, na condição

de componente do Sistema de Seguridade Social e de direito da cidadania.

É possível afirmar que a Constituição Federal de 1988 implicou uma

transformação no padrão de proteção social brasileiro, consolidando as pressões que já se

faziam sentir há mais de uma década, a partir da organização dos diversos setores, em busca

da democracia, tais como, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), União Nacional dos

Estudantes (UNE), Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Acrescente-se a isso os

movimentos de outras categorias como de feministas, assim como da combativa classe

operária.

O novo modelo de seguridade social, conforme Art. 194 da constituição ora

referida, buscou a efetivação da universalização da cidadania, tentou romper com as noções

de cobertura restrita a setores inseridos no mercado formal, assim como buscou estender

benefícios para a população, gerando mecanismos mais solidários e redistributivos. A partir de

então, os benefícios passam a ser concedidos a partir das necessidades, com fundamentos nos

princípios da justiça social, o que obriga a estender universalmente a cobertura e integrar as

estruturas governamentais (BRASIL, 1988).

Nesse sentido, o texto constitucional trouxe inovações, em relação às formulações

legais anteriores, ao garantir um conjunto de direitos sociais, a partir da Seguridade Social,

que é entendida como um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da

sociedade, destinados a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência

social.

Em 1995, o antigo ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso é eleito

Presidente da República do Brasil, permanecendo na gestão do país até 2002 e a quem caberia

iniciar o processo de implementação da LOAS. Distintamente da versão encontrada no

documento preparado para a formação de conselheiros (analisado anteriormente), encontra-se

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nas discussões de Sposati (2010, p. 68) que neste mesmo ano, a LBA foi dissolvida,

substituída pela Comunidade Solidária, e seus servidores foram espalhados nos mais distintos

órgãos.

A Comunidade Solidária, de acordo com Sposati (2010), apresentava múltiplos

objetivos, não se resumindo apenas a ações seletivas, de caráter restritivo e emergencial, mas,

apresentava uma maneira diferenciada de gerenciamento e articulação de programas

governamentais para resolver a descontinuidade, descoordenação, centralização, clientelismo,

superposição, pulverização de recursos e fragmentação de ações.

Conforme a autora, o Presidente, ora referido, em vez de efetivar, na Assistência

Social, a regulação do Estado e direito do cidadão, preconizada pela LOAS, optou por colocar

em prática uma relação solidária, influenciada pelo neoliberalismo. Esse fato, certamente,

contribuiu para a não concretização da lei, durante seus primeiros anos.

O Presidente seguinte, Luiz Inácio Lula da Silva, de acordo com Lesbaupin citado

por Freitas (2007), teria aplicado a mesma política neoliberal que FHC, porém com mais

competência.

Nesse sentido, Lula deu continuidade às políticas compensatórias implantadas no

governo anterior, assim como as ampliou, como é o caso do Programa Fome Zero, que depois

deu origem ao Programa Bolsa Família.

O Programa Bolsa Família, conforme Freitas (2007) prevê a transferência direta

de renda, com condicionalidades, que beneficia famílias pobres e extremamente pobres. Lula,

também, permaneceu concedendo o BPC para a pessoa idosa e para o deficiente, atendendo a

determinados critérios, tais como nível de renda e de idade.

Assim, verificamos que essas políticas compensatórias ajudam na diminuição da

pobreza e indigência da população do Brasil, impedindo que a sua população morra de fome,

contudo não implicam o desenvolvimento do país. Na verdade, ambos os benefícios são

temporários, podendo ser suspensos a qualquer momento.

1.1 O Benefício de Prestação Continuada (BPC)

Na exposição anterior, vimos que o processo de regulamentação da LOAS foi

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permeado por muitos debates e discussões. O mesmo, ainda, representou um processo de

luta, bem como de articulação dos atores envolvidos, que pressionaram o governo para que

fossem realizadas mudanças na assistência social.

Desta forma, e neste momento, busca-se refletir acerca do BPC e suas

características, assim como do contexto de surgimento deste benefício, a partir da política de

assistência social.

O BPC foi instituído pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela

Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), nº 8742, de 07 de dezembro de 1993. A

implantação do BPC se deu apenas em 1996, três anos após a LOAS, que foi responsável pela

sua regulamentação. Ele é compreendido, atualmente, como o primeiro benefício não

contributivo garantido na CF/1988, sendo uma transferência de renda para idosos com 65

anos ou mais, ou pessoas com deficiência, incapacitadas para a vida independente e para o

trabalho que comprovem não possuir meios para prover a própria manutenção e nem de tê-la

provida por sua família, o que representa uma comprovação de renda familiar per capita

inferior a um quarto de salário mínimo (R$ 136,25 em maio de 2011). O valor do benefício é

igual a um salário mínimo mensal (R$ 545,00 em dezembro de 2011). Ou seja, destacamos

que o valor do BPC é bem maior do que o do programa Bolsa Família.

Historicamente, conforme Gomes (2011), as ações de assistência social para a

população idosa e para as pessoas com deficiência eram sinônimo de programas descontínuos,

incertos e desarticulados, marcados por características assistencialistas. A partir do BPC,

iniciou-se um padrão de assistência social com certeza e regularidade, rompendo-se com o

tradicional campo de ações da assistência social em que predominava a ausência de regras

claras e definidas para acesso, dependente da disponibilidade financeira.

Na prática, a maior parte das pessoas com deficiência que requerem o BPC na

APS de Itapipoca – onde se realizou a pesquisa empírica para fins desta dissertação –

atendem o requisito da renda, haja vista o fato de serem extremamente pobres, muitas vezes

sobrevivendo apenas da agricultura de subsistência e tendo como única renda fixa o Programa

Bolsa Família (PBF). Por conseguinte, verificamos que o BPC representa uma transferência

incondicional de renda para os idosos ou pessoas com deficiência extremamente pobres.

As transferências do BPC são realizadas mensalmente, usando o sistema

bancário. Entretanto, não são vitalícias, são intransferíveis, independentes de contribuições

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prévias para o sistema de seguridade social e não podem ser acumuladas a outros benefícios

da seguridade social com exceção da assistência médica e da pensão especial de natureza

indenizatória.

Assim, o BPC representa um benefício que deve estar integrado às demais

políticas setoriais e que visa ao enfrentamento da pobreza, à garantia da proteção social, bem

como ao provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização dos

direitos sociais.

De acordo com Lavinas (2006),

O modelo de proteção social que o Brasil vem adotando, na prática, é contrário à visão universalista corroborada constitucionalmente. Se a ação do governo federal resumir-se a transferir renda aos mais pobres sem promover o aumento do gasto per

capta em educação, saneamento básico, habitação, a possibilidade de se equacionar a questão da desigualdade será comprometida.

Conforme previsto na Lei orgânica de Assistência Social (LOAS), o benefício

deve ser revisto a cada dois anos, para reavaliar se os beneficiários permanecem com os

requisitos necessários para continuarem recebendo o benefício.

Na Atenção Primária à Saúde (APS) de Itapipoca, a revisão acontece, mas não

com a periodicidade prevista por lei, que seria a cada dois anos. No momento, as revisões do

Benefício de Prestação Continuada (BPC) são realizadas pelos assistentes sociais e peritos

médicos do próprio Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), mediante uso de

formulário específico, constando de aspectos, tais como condições de moradia, renda, assim

como a vulnerabilidade social.

Apesar de ser operacionalizado no INSS, o BPC diferencia-se dos benefícios

previdenciários, tendo em vista tratar-se de benefício não condicionado à contribuição prévia,

diferentemente dos primeiros. As características do BPC estão intrinsecamente relacionadas às

da assistência, na medida em que ambos apresentam como meta garantir o enfrentamento da

pobreza, a partir de critérios de distribuição de renda, ou melhor, de mínimos sociais à

população que se encontra em vulnerabilidade social.

O artigo 1º da LOAS afirma que,

A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.

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Pereira (2011, p.26) discorda do conceito de mínimo social utilizado neste artigo,

pois afirma que mínimo e básico são conceitos distintos. O primeiro tem a conotação de

menos, de menor, enquanto o segundo expressa algo fundamental, primordial.

A autora citada complementa que mínimo pressupõe supressão ou cortes de

atendimentos, tal como propõe a ideologia neoliberal, já o básico requer investimentos sociais

de qualidade.

Além disso, lembram Diniz, Medeiros e Squinca (2006) que o BPC,

diferentemente do programa Bolsa Família, não é um benefício para a família, mas sim

individualizado, levando em consideração características das pessoas e de suas famílias.

Anteriormente a 2003, tratava de benefício destinado às famílias que não recebiam nenhum

outro tipo de transferência de renda. A mudança relaciona-se com o Estatuto do Idoso, o qual

determina que o valor das transferências de assistência social recebido por outros membros

idosos da família não deve ser levado em conta nos cálculos de renda per capita para o BPC.

Nos primeiros anos, a implementação e gestão do BPC esteve sob forte

influência da Previdência Social, percorrendo uma trajetória distanciada da assistência social

e implicando a identificação equivocada como benefício previdenciário.

Com o início da organização do Sistema Único da Assistência Social (SUAS), a

partir de 2005, um novo modelo de gestão da Política de Assistência Social foi definido,

alcançando o BPC. É, portanto, no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que há a

tentativa de que o BPC restaure a sua identidade como benefício da política de assistência

social, destinado à proteção de dois segmentos em situação de vulnerabilidade, um pela idade

e outro pela situação de deficiência, mas ambos atingidos pela situação de pobreza.

Nesse momento, o acompanhamento do BPC é entendido como atribuição do

sistema de Proteção Básica da Assistência Social e, mais especificamente deveria ocorrer,

através do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), instância responsável pelo

atendimento às pessoas em situação de vulnerabilidade social, entre elas os idosos e as

pessoas com deficiência.

Por conseguinte, o BPC começa a ser compreendido como uma das prestações do

SUAS, competindo ao MDS, por intermédio da Secretaria Nacional de Assistência Social

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(SNAS), a implementação, financiamento, coordenação geral, monitoramento e avaliação da

prestação desse benefício, enquanto que ao INSS cabe a sua operacionalização.

Os assistentes sociais responsáveis pelo atendimento nos CRAS participam, com

frequência, da fase inicial de organização, preenchimento da documentação, assim como

realizam o agendamento dos interessados para atendimento no INSS. Posteriormente,

acompanham os beneficiários, quando solicitados, através de relatórios ou de

encaminhamento.

O BPC é requerido nas Agências da Previdência Social (APS), presentes em

grande parte dos municípios brasileiros. Atualmente, conforme INSS (2011), há cerca de

1.227 APS no Brasil, o que equivale a uma cobertura de cerca de 17,41% dos municípios

brasileiros.

As pessoas com deficiência e interessadas pelo benefício são submetidos a três

fases, sendo duas, de avaliações. Relativamente à primeira fase, os assistentes sociais dos

CRAS e das Secretarias de Desenvolvimento Social são responsáveis por prestar toda a

orientação inicial dos interessados, informando-os quanto à documentação exigida, bem como

as organizam. Além disso, fazem o agendamento para o atendimento e encaminham, por fim,

a população ao INSS, para que iniciem o processo.

Em seguida, são realizadas duas avaliações, sendo a primeira uma avaliação

social, realizada por um assistente social, e a segunda, por um médico perito. Para avaliar os

interessados pelo benefício, os assistentes sociais e os médicos peritos utilizam um formulário

padronizado, equivalente a um questionário, o qual foi concebido por um grupo de trabalho do

INSS, a fim de dar objetividade ao processo de avaliação dos interessados pela concessão do

BPC, para que o processo torne-se menos subjetivo e discricionário.

Esse novo modelo de avaliação foi implantado em 2009, após determinação do

decreto 6.214, de 26 de setembro de 2007 que regulamenta o benefício de prestação

continuada da assistência social devido à pessoa com deficiência e ao idoso6.

Conforme o decreto ora mencionado,

6 Antes do decreto 6.214, a pessoa com deficiência era avaliada apenas por um perito médico, que avaliava a

incapacidade para a vida independente e para o trabalho da pessoa com deficiência, levando em consideração apenas a dimensão biológica e individual do indivíduo, sem considerar a dimensão social.

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A concessão do benefício à pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de incapacidade, com base nos princípios da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde - CIF, estabelecida pela Resolução da Organização Mundial da Saúde no 54.21, aprovada pela 54a Assembleia Mundial da Saúde, em 22 de maio de 2001 (Art. 16). § 1o A avaliação da deficiência e do grau de incapacidade será composta de avaliação médica e social. § 2o A avaliação médica da deficiência e do grau de incapacidade considerará as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo, e a avaliação social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, e ambas considerarão a limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação social, segundo suas especificidades. § 3o As avaliações de que trata o § 1o serão realizadas, respectivamente, pela perícia médica e pelo serviço social do INSS. § 4o O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e o INSS implantarão as condições necessárias para a realização da avaliação social e a sua integração à avaliação médica (BRASIL, 2007).

O modelo ora referido baseia-se nos critérios da Classificação Internacional de

Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, para subsidiar a avaliação das pessoas com

deficiência, quanto à incapacidade para a vida independente e para o trabalho. A

Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) leva em conta não

só os aspectos biológicos e físicos da doença, mas também considera o ambiente e a

influência que implica, na condição de saúde das pessoas.

Ressalta-se, todavia, que apenas as pessoas com deficiência são submetidas a esse

processo de avaliação, para constatar a incapacidade para a vida independente e para o

trabalho, haja vista que, para a concessão do BPC para o idoso, é necessário apenas constatar

a idade (65 anos) e a renda per capita que deve ser inferior a um quarto do salário mínimo

vigente no país.

Os critérios de acesso ao BPC são os seguintes:

§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto. (nova redação dada pela Lei nº. 9.720/98). § 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. § 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. § 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência média. § 5º A situação de internado não prejudica o direito do Idoso ou do portador de deficiência ao benefício. § 6º A concessão do benefício ficará sujeita a exame médico pericial e laudo realizados pelos serviços de perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS. (nova redação dada pela Lei nº. 9.720/98).

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§ 7º Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura. [...] (BRASIL, 1993).

Tais critérios de acesso indicam que o BPC tem caráter seletivo e focalizado nas

pessoas absolutamente incapazes de prover sua subsistência, e se encontram em situação de

vulnerabilidade social praticamente irreversível (GOMES, 2011).

Essa autora citada destaca, ainda, que o BPC apresenta distorções no que tange

sua qualidade de direito, pois não é prestado a todos que dele necessitam, alcançando somente

aqueles que vivem abaixo da linha de indigência.

Em razão disso, Pereira, citada por Silva (2010) acrescenta, ainda, que o rigoroso

critério de elegibilidade associado à inexistência de articulação com outros programas e

serviços, acaba por privilegiar o seu caráter emergencial, constituindo-se numa “armadilha da

pobreza” e, perversamente, reforço das desigualdades sociais.

Santos (2010), concorda com Pereira, ao afirmar que as políticas de proteção

social somente atacam as manifestações da pobreza e que não seria objetivo do Estado acabar,

estruturalmente, as desigualdades, mas apenas desenvolver ações destinadas a amenizar seus

impactos.

Por tudo isso, o BPC é um direito que, na sua materialização, apresenta-se

aprisionado, contido, encerrado pelos imperativos do comando da ideologia neoliberal.

(GOMES, 2011, P.216).

Conforme o MDS (2010), o BPC foi destinado a 346.219 idosos e pessoas com

deficiência em 1996, ano de sua implantação. Em maio de 2010, o número de beneficiários

aumentou aproximadamente 842% em comparação a todo o ano de 1996, sendo destinado a

mais de 3,2 milhões de pessoas no Brasil.

De acordo com Silva (2010), no ano em que a operacionalização do benefício

foi iniciada, os idosos representavam apenas 12,13% do total de beneficiários, enquanto as

pessoas com deficiência representavam 87,87%. Os dados mais recentes evidenciam uma

proporcionalidade diferente, uma vez que os idosos representam aproximadamente 48,22% do

total dos beneficiários e as pessoas com deficiência representam aproximadamente 51,78%.

As pessoas com deficiência ainda expressam a maior parte dos beneficiários atendidos pelo

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BPC, no entanto podemos observar um crescimento significativo dos idosos atendidos pelo

benefício.

O aumento da população idosa, como beneficiária do BPC ocorreu na medida em

que houve, também, um aumento relevante de idosos na população brasileira, haja vista o fato

de a expectativa de vida desses ter aumentado significativamente. As tabelas 1 e 2 revelam,

respectivamente, os resultados do Censo/2000 e do Censo/2010.

Tabela 1: Número de pessoas idosas (a partir de 60 anos de idade), pelo Censo 2000

Ano = 2000 Brasil e Unidade da Federação

Brasil 14.536.029

Ceará 658.989 Fonte: IBGE, 2000

Tabela 2: Número de pessoas idosas (a partir de 60 anos de idade), pelo Censo 2010

Ano = 2010

Brasil e Unidade da Federação Brasil 20.590.597

Ceará 909.475 Fonte: IBGE, 2010

A partir das tabelas pudemos verificar que a população idosa brasileira cresceu

cerca de 30%, do ano de 2000 para o ano de 2010. Quanto à população idosa do Ceará, esta

teve um crescimento de cerca de 27,5%, durante o mesmo período.

Na APS de Itapipoca, em que a maior parte da população é rural, é facilmente

perceptível o número elevado de aposentadorias dos trabalhadores rurais, assim como de BPC

para os idosos.

Dessa forma, ressaltamos a importância do BPC para a população pobre, idosa ou

deficiente, especialmente em razão da ausência de pleno emprego e da situação de falta de

renda para grande parte da população.

Nesse sentido, Mota (2008) afirma que, após a Constituição de 1988, há,

realmente, uma tentativa de inclusão de trabalhadores anteriormente excluídos às políticas de

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assistência social, contudo a efetivação dessa proteção social é sempre condicionada por

processos reais e que não estão subordinados aos estatutos legais, mas às relações de forças

entre as classes.

Gomes (2011) concorda Mota e acrescenta, dizendo que o BPC está condicionado

à disponibilidade orçamentária, que depende de decisões políticas com base em prioridades,

sendo, assim, guiado pelo princípio da rentabilidade econômica sobre a necessidade social.

Segundo Diniz, Medeiros e Squinca (2006), durante muito tempo, o BPC foi o

maior programa não contributivo de transferências de renda no Brasil e, hoje, somente é

menor do que o Programa Bolsa Família.

Vale destacar, todavia, que o BPC não é o único mecanismo de transferência de

renda para deficientes, funcionando no Brasil. Existe, também, a aposentadoria por invalidez,

que funciona na forma de um seguro para trabalhadores do setor formal, ou seja, pessoas que

contribuíram com o sistema de seguridade social, assim como da Renda Mental Vitalícia –

criada em 1974 e 1975 como benefício básico, direcionado aos inválidos ou pessoas com 70

anos de idade, ou mais, que não eram capazes de prover o próprio sustento ou de serem

sustentados por suas famílias. Para receber esse benefício, era necessário ter um mínimo de

12 contribuições à Previdência Social, ou seja, somente as pessoas que já houvessem

trabalhado tinham direito ao benefício. Por conseguinte, aqueles que nunca haviam

trabalhado não tinham o direito ao benefício, bem como grande parte das pessoas com

deficiência (QUERINO E SCHWARZER, 2002).

Ao contrário da aposentadoria por invalidez e da Renda Mensal Vitalícia, o

BPC não exige do interessado uma contrapartida, ou seja, uma contribuição financeira. Para

recebê-la, basta que ele apresente os requisitos exigidos, quanto à idade, renda ou

incapacidade para a vida e para o trabalho, no caso dos deficientes, conforme explicitado

anteriormente.

Dessa forma, constatamos a importância do BPC, que ultrapassa a segurança de

renda, haja vista que amplia a proteção social brasileira, fortalecendo a perspectiva de

seguridade social. Entretanto, é necessário que, simultaneamente ao recebimento da renda

básica, exista o acesso dos beneficiários a outras políticas públicas, tais como as de

assistência, educação e saúde, pois somente, assim, acreditamos que esses poderão ter acesso,

realmente, à cidadania, à independência e à autonomia.

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Nesse sentido, Sen (2010, p. 33) destaca,

a relação de mão dupla existente entre capacidade e política pública, haja vista que as capacidades podem ser aumentadas pela política pública, mas, também, a direção da política pública pode ser influenciada pelo uso efetivo das capacidades participativas do povo.

Por conseguinte, entendemos que o acesso integrado às políticas públicas implica

uma melhora da qualidade de vida do indivíduo, assim como favorece o processo de

desenvolvimento do mesmo, aumentando a sua liberdade, bem como a sua capacidade de

participar da vida social, política e econômica da comunidade em que vive.

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2 SIGNIFICADOS DA DEFICIÊNCIA

2.1 A deficiência em diferentes contextos

A deficiência tem sido vista e tratada de diferentes formas. Houve períodos em

que foi tratada a partir de uma lógica religiosa; em outros momentos, foi explicada a partir de

saberes médico e, por fim, está sendo vista como resultado da interação entre a lesão e o

contexto em que a pessoa vive.

De acordo com Casanova (2008), o Modelo Social e da Classificação

Internacional de Funcionalidade e Saúde (CIF) fala, não em deficiência, mas em deficiências

e incapacidades. Para esse autor a operacionalização do conceito em referência envolve a

diferenciação analítica de duas dimensões: alterações ao nível das funções, deficiências e as

limitações das atividades, incapacidades (2008, p.4).

Segundo Amiralian, citado por Bartalotti (2010), as concepções sobre

deficiência podem ser divididas em pré científicas e científicas. Nas concepções pré

científicas, predominantes na Antiguidade e na Idade Média, a compreensão sobre deficiência

estava muito ligada ao sobrenatural. Nesse período, a deficiência era vista como possessão

demoníaca ou como um castigo divino, inclusive, sendo comum as pessoas assim

consideradas serem eliminadas, seja pelo sacrifício ou pelo próprio abandono.

Nesse sentido, entende-se que, nesse período, existia toda uma situação de

repulsa em relação às pessoas com deficiência, consequência da falta de entendimento acerca

da situação diferenciada vivenciada por essas pessoas que apresentavam características

diferentes da maioria da população.

Essas pessoas com deficiência, que, em sua grande maioria, não conseguiam

ser submetidas pelas instituições, e utilizadas de forma eficiente, geralmente, eram excluídas.

Por outro lado, amparando-nos na obra Vigiar e Punir de Michel Foucault (1977),

verificamos que os indivíduos que tinham condições de serem utilizados, transformados e

aperfeiçoados eram chamados de corpos dóceis.

Ainda conforme Amiralian, citado por Bartalotti (2010), ao final da Idade

Média, com o fortalecimento do cristianismo, é difundida a ideia de que todos são filhos de

Deus, por conseguinte, essa lógica impede a eliminação pura e simples das pessoas com

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deficiência. Nesse período, tem-se, então, a notícia dos primeiros espaços assistenciais, em

organizações religiosas que abrigavam desprotegidos e doentes de todos os tipos.

Os espaços assistenciais, posteriormente, darão origem aos primeiros hospitais,

cuja missão na Idade Média era essencialmente espiritual, de modo que, eles prestavam

atendimento religioso e socorriam, gratuitamente, doentes e moribundos (ROSEN apud

RIBEIRO, 1993, p.23).

Em síntese, durante um longo período da história, as ações públicas

direcionadas às pessoas com deficiência eram, em sua maioria, marcadas por práticas

caritativas.

A entrada do período renascentista, segundo Bartalotti (2010), traz consigo o

florescimento das artes, a busca pelo conhecimento, a preocupação com o indivíduo e com as

explicações científicas para os males que o afligem. Emergem e se multiplicam buscas por

concepções científicas também sobre a deficiência. Assim, as explicações acerca das pessoas

com deficiência não estava mais nos deuses, mas sim, nos corpos das pessoas que não mais

são consideradas possuídas e passam a ser vistas como doentes.

A religião, assim como a própria sociedade, já não estava mais conseguindo

explicar as diversas formas de existência dos indivíduos em sociedade. Desta forma,

entendemos que o modelo biomédico, presente no contexto da modernidade, pós-colonial,

retirou a deficiência da autoridade religiosa e, a partir de então, o corpo deficiente passou a

ser entendido como uma variação indesejada e patológica do corpo considerado normal.

A partir do século XVIII e, com maior ênfase no século XIX, assiste-se à

evolução da medicina, dos conhecimentos específicos sobre o desenvolvimento do ser

humano e sobre os males que podem provocar alterações nesse desenvolvimento

(BARTALOTTI, 2010, p.42). De acordo com essa autora, a partir desse período, as pessoas

com deficiência, vistas como doentes, passam a ter direito a tratamento, levando ao

crescimento das técnicas, das intervenções e ao surgimento das instituições especializadas no

tratamento dessa parcela da população.

Segundo Diniz (2007), essas instituições confinavam as pessoas com diferentes

lesões, pelo fato de, geralmente, terem o objetivo de afastá-las do convívio social ou de

normalizá-las, para, apenas, posteriormente, devolvê-las à família ou à sociedade.

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Durante o século XX, ampliam-se as buscam em torno da classificação das

deficiências, do diagnóstico e da aplicação de tratamentos especializados. O tratamento

objetivaria minimizar os sintomas para que o sujeito pudesse conviver da melhor forma

possível em seu seio familiar e social.

Inquestionavelmente, houve um grande avanço, quanto aos estudos acerca da

deficiência, contudo este campo continua sendo pouco explorado no Brasil, tanto pelo fato de

não ter se libertado da autoridade biomédica e, principalmente, porque ainda é considerada

uma tragédia pessoal e não uma questão de justiça social.

2.2 A emergência da ‘deficiência’ como objeto de reflexão teórica: visão panorâmica

Ao refletir acerca das perspectivas sociológica e estudos interdisciplinares sobre a

“deficiência”, Pereira (2007, p. 12) situa nos anos 1960 o gérmen dos movimentos políticos

que impeliram ações do Estado e reflexões acadêmicas a ampliarem as perspectivas de

compreensão do tema. A autora remete crescimento do Independent Living Movement nos

Estados Unidos, ao Self-advocacy Movement na Suécia as lutas das pessoas portadoras de

deficiências na Grã-Bretanha, especialmente as que viviam em instituições e lutavam por mais

direitos e uma vida mais condigna. Nesses países, as formas de proteção garantidas ou não

pelo Estado, diferiam, em razão da sua configuração.

Em termos teóricos, a autora evidencia a contribuição das primeiras organizações

na Grã-Bretanha, criadas POR e PARA pessoas portadoras de deficiências, a exemplo da

Union of the Physically Impaired Against Segregation (UPIAS), de modo que a deficiência é

posta como objeto teórico pelas próprias pessoas portadoras de deficiências, implicando

mudanças de ângulo de reflexão: uma crítica ao modelo de abordagem dominante trazido pela

modernidade, o modelo biomédico, depois conhecido como “modelo individual” (citando

BARNES apud PEREIRA, 2007, p. 15).

Este modelo explicativo, ainda conforme Pereira (2007), procura um diagnóstico e

uma cura, enfatizando a tragédia pessoal, a vitimização e a existência de algo errado naquele

corpo que precisaria ser “regularizado” ou “normalizado”. Nesse contexto de

questionamentos e análises críticas, é introduzido, no debate, um outro modelo que ficou

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conhecido por “modelo social” (social model) – segundo esta autora, termo cunhado por

Michael Oliver em 1983. Este “modelo” permite questionar o poder da biomedicina e

conceber o social como gerador de incapacidade e fonte essencial de exclusão.

Amparando-se teoricamente nas reflexões de Boaventura de Sousa Santos, acerca

da racionalidade ocidental – ou “razão indolente” –, Pereira (2007), compreende tratar-se de

uma narrativa totalizante que a modernidade impõe sobre as pessoas portadoras de

deficiências, e deve-se, em larga medida, ao fato de a biomedicina, com o advento da

modernidade, se ter tornado o poder regulador absoluto e inquestionado sobre os corpos.

Quanto ao modelo social, anteriormente mencionado, teria buscado inspiração no

marxismo e, segundo a autora ora citada, concentraria sua abordagem nas causas externas, ou

seja, nos obstáculos impostos às pessoas com deficiências, que limitam as suas oportunidades

de participar integralmente na Sociedade, de modo que apresentaria uma reformulação radical

nas reflexões sobre a deficiência. Apesar de dominante na Grã-Bretanha, existem em outros

países diversos modelos teóricos. Nos EUA o modelo dominante é o chamado “minority

group model” e sua ênfase principal é nos direitos civis e no questionamento do modelo

biomédico, existindo também outros modelos relevantes a exemplo do Nagi, o de Verbrugge e

Jette, e o da Organização Mundial de Saúde.

Entretanto, todos esses modelos teriam algumas linhas comuns, de modo que,

segundo a autora, seria fulcral “interrogar o modelo médico acerca da deficiência que a

posiciona ao nível do déficit individual, sendo igualmente muito importante explorar esta

questão nas suas várias vertentes”. (Pereira, 2007, p.19)

2.2.1 O ‘modelo biomédico’ da deficiência e do estigma

Conforme Diniz (2007), o modelo médico afirma que a deficiência é uma

consequência natural da lesão de um corpo, e a pessoa deficiente deve ser objeto de cuidados

médicos. Segundo essa lógica explicativa, a deficiência seria algo anormal, devendo ser

tratada com a finalidade de maior aproximação possível da normalidade. Nesse sentido, a

pessoa com deficiência é vista como um sujeito passivo, que precisa de cuidados.

Mediante tal lógica, é atribuída ao corpo lesado uma série de insucessos, tais

como a experiência de segregação, o desemprego, a baixa escolaridade, resultantes da

inabilidade do corpo para o trabalho produtivo.

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Esse modelo explicativo favorece a construção de fortes estigmas relacionados às

pessoas com deficiência, em razão de serem elas consideradas anormais, quando comparadas

às ditas normais.

O estigma, conforme se lê no clássico estudo de Goffman (2008, p. 11), é um

termo criado pelos gregos para se referirem a sinais corporais com os quais se procurava

evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de que os apresentava.

Atualmente, conforme o autor, o termo é amplamente usado de uma maneira um tanto

semelhante ao sentido literal original, porém é mais aplicado à própria desgraça do que à sua

evidência corporal. De acordo com Goffman, logo que conhecemos alguém, tratamos de

analisá-lo, a sua categoria e os seus atributos, a fim de traçarmos sua identidade pessoal,

sempre partindo de uma perspectiva daquilo que é considerado por nós e pela sociedade, de

uma forma geral, como normal. Para este autor, normais, nesse sentido, seriam aqueles que

não se afastam negativamente das expectativas particulares em questão.

Seguindo raciocínio semelhante Guimarães (2010) afirma que o estigma

representa uma marca social que os indivíduos carregam por apresentarem características

diversas daquelas padronizadas por uma sociedade. Nesse sentido, o corpo com impedimentos

seria estigmatizado e discriminado pelas normas hegemônicas que privilegiam a experiência

da não deficiência.

Conforme Crochick, citado por Bartalotti (2010, p.25), o preconceito, em relação

à pessoa com deficiência, que é considerada diferente, está relacionado às reações frente ao

estranho, a algo que parece ameaçador.

Bartalotti afirma que para compreender por que o outro é diferente, estranho, é

preciso entender que existem parâmetros socialmente aceitos que definem o que pode ser

considerado igual ou dentro dos limites aceitáveis da diferença.

Segundo Diniz e Santos (2010, p. 10), não há corpos naturalmente em

desvantagem, mas simplesmente uma ideologia da normalidade que classifica determinados

corpos como inferiores a um ideal de produtividade, independência e de vida boa.

Nesse sentido, o modelo médico da deficiência apóia-se em concepções de

normalidade, assim como favorece situações de desigualdade social e de discriminação. Isso

demonstra o caráter limitado deste modelo que percebe a deficiência como uma tragédia

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pessoal e como uma expressão de inferioridade pelo corpo, no qual o indivíduo é

culpabilizado por sua situação de fracasso.

Diniz (2007), afirma que não há como descrever um corpo com deficiência como

anormal, haja vista que a anormalidade é um julgamento estético e, portanto, um valor moral

sobre os estilos de vida. Conforme esta autora, como o julgamento de normalidade ou

anormalidade é subjetivo, envolver questões morais, para alguns a vida de um indivíduo com

deficiência pode ser considerada uma tragédia, enquanto para outros, uma vida com várias

possibilidades de existência humana.

A construção de uma sociedade democrática de direitos humanos requer uma nova

visão de deficiência, assim como a superação de inúmeros preconceitos e barreiras

vivenciadas na sociedade.

Para Diniz e Santos (2010, p. 11), um novo momento não significa ignorar os

saberes biomédicos para o bem estar das pessoas com deficiência, mas representa a

constatação de que este modelo tem um caráter insuficiente para a promoção da igualdade.

Assim, esses autores ora mencionados acrescentam que um importante desafio é o

de aproximar a questão da deficiência da cultura dos direitos humanos. Para isso, destacam

que é necessário uma discussão sobre igualdade, liberdade e justiça para as pessoas com

deficiência, vítimas de discriminação e opressão, em sociedades pautadas pela ideologia da

normalidade (2010, p.11).

2.2.2 O ‘modelo social’ da deficiência e suas possibilidades

Conforme referido no início deste capítulo, os modelos explicativos da

deficiência não se excluem mutuamente, sendo importante explorar esta questão nas suas

várias vertentes.

Se nos países relacionados, anteriormente, como centros do início do debate

acerca dos modelos explicativos, as discussões sobre deficiência ocorreram, inicialmente, na

década de 1960, no Brasil, conforme Diniz e Santos, os movimentos sociais das pessoas com

deficiência veio a se fortalecer, a partir da segunda metade dos anos 1980 e sua história se

confunde com a reconstrução democrática do país. Tais movimentos representaram formas de

denúncias da situação de opressão a que as pessoas deficientes estavam submetidas e, a partir

de então, a deficiência começou a ser tratada, também, sob a perspectiva social e não apenas

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biomédica.

Nesse período, o debate em torno da deficiência representa um deslocamento da

deficiência de uma questão individual para uma questão de justiça. Ou seja, sai do âmbito

privado, doméstico, familiar, para o público, político.

Nesse sentido, podemos citar a Constituição Federal de 1988 como um

dispositivo legal que contribuiu para a garantia dos direitos e a proteção para as pessoas com

deficiência. Além disso, o texto constitucional promove a igualdade e a justiça entre as

pessoas com deficiência. As lutas em torno da transformação da assistência social em política

pública e garantia constitucional, assim como a inclusão do BPC como garantia dos mínimos

sociais às pessoas com deficiência, conforme analisado no capítulo anterior desta dissertação,

é exemplar quanto à eclosão de tais movimentos no país, assim como suas conquistas.

Podemos dizer que a sociedade brasileira, através dos movimentos organizados e

institucionalizados, impôs a criação de norma legal criando políticas públicas e reconhecendo

direitos sociais, a fim de reparar as injustiças e desigualdades que oprimiram as pessoas com

deficiência ao longo dos anos.

Certamente, ao se falar em políticas públicas para a pessoa com deficiência, deve-

se falar sobre a questão dos direitos humanos. Para Sen (2010), a garantia dos direitos

humanos está intimamente ligada ao alcance de uma discussão pública. Por exemplo, esse

autor destaca que se alguém possui a possibilidade plausível de fazer algo eficaz para prevenir

a violação de um direito, então essa pessoa tem a obrigação de fazer exatamente isso. Além

disso, acrescenta, ainda, que o papel dos direitos humanos no desenvolvimento representa,

também, levar em conta a importância instrumental dos direitos civis e liberdades políticas.

O modelo social tem toda uma visão ligada à lógica dos direitos humanos e da

liberdade, na medida em que busca tratar a pessoa com deficiência de uma forma igualitária,

sem promover a discriminação, a segregação e exclusão.

Na verdade, a deficiência não representa isolamento ou sofrimento, haja vista

que não há uma sentença biológica de fracasso somente pelo fato de alguém apresentar uma

lesão.

Nesse sentido, Sen (2010), em seu livro Desenvolvimento como Liberdade,

destaca que a privação de liberdade pode surgir em razão de processos inadequados ou de

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oportunidades inadequadas que algumas pessoas têm para realizar o mínimo que gostariam.

Além disso, acrescenta que a visão de liberdade envolve tanto os processos que permitem a

liberdade de ações e decisões como as oportunidades reais que as pessoas têm, dadas as

circunstâncias pessoais e sociais.

Diniz (2007) afirma que há quem considere um corpo com deficiência como algo

trágico, mas há também quem considere que essa é uma entre as várias possibilidades para a

existência humana.

O modelo social entende, por exemplo, que deficiência não é apenas a restrição da

funcionalidade ou habilidade, mas sim, representa um conceito mais complexo, que reconhece

o corpo com lesão, contudo denuncia a estrutura social que oprime a pessoa deficiente. Desta

forma, o movimento social descortina uma ideologia opressora que humilhava e segregava o

deficiente (DINIZ, 2007, p.10).

A autora ora mencionada afirma, ainda, que, a partir do modelo social, o tema

deixou de ser exclusivo dos saberes biomédicos e começou a ser matéria de ações políticas e

de intervenção do Estado. Por conseguinte, o objetivo do modelo social seria ir além da

medicalização, da lesão e atingir as políticas públicas para a deficiência.

Para o modelo social, a deficiência deveria ser compreendida como consequência

de estruturas sociais pouco sensíveis aos impedimentos corporais.

Conforme Diniz (2007), o modelo social separou lesão de deficiência. Nesse

sentido, a primeira passou a ser objeto das ações biomédicas do corpo e a segunda representa

uma desvantagem social sofrida pelas pessoas com diferentes lesões.

O modelo social da deficiência foi marcado por duas gerações de teóricos. A

primeira centrava-se na idéia de independência da pessoa com deficiência e a outra na questão

do cuidado.

De acordo com Diniz (2007), os teóricos da primeira geração acreditavam que

as desvantagens resultavam mais das barreiras do que das lesões, além disso, consideravam

que com a retirada das barreiras, os deficientes seriam independentes.

Nesse contexto, percebe-se a importância da independência como valor ético

central e, ainda, que as barreiras arquitetônicas, de transporte e a inacessibilidade

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representavam sérios impedimentos, para a garantia da independência.

Vida independente, para Mello (2010, p.5), significa que as pessoas com

deficiência têm o direito de fazerem suas próprias escolhas, sem as interferências

institucionais e familiares. A autora destaca que, pelo fato de a maioria dos teóricos dessa

geração serem deficientes físicos, as lutas giravam, normalmente, em torno dos interesses

dessa categoria.

Os teóricos da primeira geração não falavam sobre lesões, haja vista o fato de não

quererem ser vistos como coitados, assim como atribuíam à falta de acesso ao ambiente como

a razão para as desigualdades vivenciadas pelas pessoas com deficiência e, por fim,

centravam-se nas dificuldades dos deficientes físicos, haja vista que a maior parte deles era

formada por indivíduos com essa deficiência.

Na segunda geração, há três pontos que apresentam destaque. São eles: a crítica ao

princípio da igualdade, a emergência do corpo com lesões e a discussão sobre cuidado.

As teóricas feministas, que fazem parte da segunda geração do modelo social,

acreditavam na diversidade da experiência da deficiência. Elas partiam da ideia de que as

pessoas experimentavam a deficiência de diferentes formas, dependendo das oportunidades

que tinham. Essas teóricas levavam em conta, também, os interesses de diferentes grupos de

deficientes, não somente dos físicos. Por fim, valorizavam a importância do cuidado, haja

vista o fato da existência de pessoas que necessitam do cuidado, para a própria sobrevivência.

Desta forma, elas conseguiram ampliar a compreensão da desigualdade pela deficiência, ao

argumentarem que há pessoas com deficiência que jamais serão independentes e terão

autonomia, embora sejam eliminadas as barreiras.

Guimarães (2010) concorda com Diniz, quando diz que um grande número de

pessoas com deficiência, necessita de cuidado para terem direitos básicos garantidos. Destaca,

também, que a família é a principal instituição que oferece o cuidado, embora podendo

também ser realizadas pelas instituições públicas ou privadas. Para essa autora, o cuidado

humano representa uma atitude ética, em que pessoas percebem e reconhecem os direitos

umas das outras e buscam tomar atitudes que garantam tanto o bem próprio como o social.

Ela destaca também ser a família a instituição que costuma se responsabilizar pelo

cuidado da pessoa com deficiência. Alerta, contudo, que quando não existem relações

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familiares, ou, quando essas relações significam uma ameaça à pessoa, a responsabilidade é

transferida para o Estado ou para terceiros.

Guimarães (2010), complementa afirmando que, normalmente, dentro do âmbito

familiar, o cuidado é uma tarefa das mulheres. Esse fato tem relação com a estrutura antiga

das sociedades que destinam às mulheres as tarefas domésticas e aos homens o trabalho e o

sustento familiar.

Por outro lado, o cuidado pode expressar relações de desigualdade ou

autoridade, quando a pessoa que estiver cuidando da pessoa com deficiência impuser sempre

a sua vontade e não levar em conta as necessidades, assim como a autonomia da pessoa que

está sendo cuidada.

Conforme Guimarães (2010), muitas vezes as necessidades da pessoa com

deficiência são definidas pela cuidadora. Esse fato pode gerar relações opressivas que não

representam mais o cuidado.

No presente momento, um grande desafio acerca da deficiência é deslocar o

cuidado da esfera doméstica, para uma questão de ética pública. Ou seja, é necessário que a

questão do cuidado e, principalmente, a da deficiência, saia do âmbito privado, restrito ao lar,

para o âmbito público, político, para a ótica de direitos.

Para Santos (2010), apesar de o Brasil apresentar sensibilidade às

reivindicações das pessoas com deficiência, principalmente a partir da Constituição Federal

de 1988, as concepções defendidas pelo modelo social ainda apresentam pouca ressonância no

estabelecimento de legislações que garantam os direitos das pessoas com deficiência.

O modelo social da deficiência apresentou um avanço, a partir da utilização da

Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), aprovada pela

Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2001. A CIF busca agregar tanto as perspectivas

do modelo biomédico quanto as do modelo social, para descrever o corpo deficiente, em uma

abordagem bipsicossocial.

O objetivo geral da classificação é proporcionar uma linguagem unificada e padronizada, assim como uma estrutura de trabalho para a descrição da saúde e de estados relacionados com a saúde. A classificação define os componentes da saúde e alguns componentes do bem-estar relacionados com a saúde (tais como educação e trabalho). Os domínios contidos na CIF podem, portanto, ser considerados como domínios da saúde e domínios relacionados com a saúde. Estes domínios são

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descritos com base na perspectiva do corpo, do indivíduo e da sociedade em duas listas básicas: (1) Funções e Estruturas do Corpo, e (2) Atividades e Participação. Como classificação, a CIF agrupa, sistematicamente, diferentes domínios de uma pessoa com uma determinada condição de saúde (e.g., o que uma pessoa com uma doença ou perturbação faz ou pode fazer). A Funcionalidade é um termo que engloba todas as funções do corpo, atividades e participação; de maneira similar, Incapacidade é um termo que inclui deficiências, limitação de atividade ou restrição na participação. A CIF também relaciona os fatores ambientais que interagem com todas estes constructos. Neste sentido, a classificação permite ao utilizador registrar perfis úteis da funcionalidade, incapacidade e saúde dos indivíduos em vários domínios (CIF, 2001, p.3).

A referida classificação, cuja publicação representou um marco para o tema da

deficiência como justiça social, foi posteriormente incorporada pela legislação do BPC em

2007, visto que a partir dela busca-se utilizar um conceito de deficiência mais coerente com

os objetivos da política de assistência social.

De acordo com Casanova (2008), levando em consideração a CIF, para definir

um perfil de pessoa com deficiência e incapacidade é necessário sublinhar a importância de

ter em conta não apenas as alterações nas funções do corpo, mas também as limitações das

atividades decorrentes da interação entre as características bipsicossociais e o meio em que o

indivíduo se move, onde se incluem tanto as estruturas físicas, como as estruturas sociais que

estão na base dos processos de discriminação.

Segundo Santos (2010), os conceitos de justiça e igualdade que embasam o

BPC têm o objetivo de eliminar a desigualdade e opressão vivenciada pelas pessoas com

deficiência. As avaliações destas, quando requerem o BPC, têm que levar em consideração

além das condições de saúde, as sociais e ambientais.

Portanto, podemos constatar que a mudança de perspectiva sobre a deficiência

implicou a transição de uma abordagem individual com soluções medicalizantes para uma

social, assim como influenciou a elaboração de políticas públicas, em prol das pessoas com

deficiência.

2.3 Em busca de uma sociologia das ‘deficiências’

Os principais estudos acerca da deficiência encontram-se na sociologia da saúde,

na sociologia da medicina ou na sociologia do corpo, sendo exemplares, conforme Pereira

(2007), os estudos clássicos de Talcott Parsons que, em clássico livro The Social System,

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publicado em 1951, no qual define a saúde como um estado ‘normal’ e estável em oposição à

doença que seria algo ‘anormal’ e desestabilizador, tornando o indivíduo ‘improdutivo’” e

‘dependente’.

Desse modo, a autora chama a atenção de que T. Parsons considera a doença como

um comportamento desviante e algo temporário, dando uma preponderância enorme ao papel

da biomedicina no controle social da doença, mesmo assim a influência do seu modelo teórico

continuaria a ser significativa na Sociologia da Saúde e da Doença.

Entretanto, esta proposta teórica teria ensejado nova discussão na área da

Sociologia da Medicina e nas novas reflexões acerca da doença e da deficiência,

especialmente nos EUA e na Grã-Bretanha, que se distanciaram dela desde o início,

apresentando outros modelos teóricos como alternativa, a exemplo do modelo social.

As críticas ao pensamento de Parsons originar-se-iam de duas correntes principais,

segundo Pereira (2007, p. 22), o pós-estruturalismo, influenciado pelo pensamento de Michael

Foucault e a fenomenologia influenciada pelo pensamento de Merleau-Ponty. Ela acrescenta

que a perspectiva da sociologia tem sido a de tornar o corpo presente, a de ver no sentido do

corpo uma perspectiva essencial para o tratamento da questão da “deficiência” e da doença

crônica.

O diálogo entre as correntes de pensamento ora mencionados não tem sido

pacífico. Segundo a autora, alguns sociólogos americanos acusam o ‘modelo social’ de ser

demasiado materialista e enfático demais no social, desvalorizando a ‘incapacidade’, do corpo

e da experiência. Em perspectiva contrária, os estudos da sociologia (da medicina e do corpo)

centrar-se-iam demasiadamente na doença, no corpo, no modelo individual e na experiência

pessoal da ‘incapacidade’, não dando a devida ênfase à forma como a ‘deficiência’ é cultural e

socialmente construída – o que para eles é essencial.

Entretanto, segundo a autora, a tendência recente dos estudos sobre a deficiência e

da sociologia é a de estarem mais conscientes da perspectiva do outro lado e tentarem

construir opções teóricas que permitam avançar no debate.

A proposta de Hughes, citado por Pereira (2007) seria a formulação de uma

sociologia da incapacidade, considerando a questão do corpo como essencial no contexto da

deficiência. A autora enfatiza que, também, alguns teóricos ligados ao modelo social, têm

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tentado trazer outras abordagens teóricas que permitam avançar nesta área, principalmente

pela incursão numa pesquisa e teoria emancipadora, compreendendo não ser útil uma

perspectiva demasiadamente centrada no corpo e na experienciação da ‘incapacidade’.

A posição de Pereira (2007) é a de que as várias perspectivas trazidas pela

sociologia e pelos estudos sobre a deficiência não são antagônicas, nem irreconciliáveis, nem

totalitárias. Ela propõe, como forma de criar uma inteligibilidade recíproca entre ambas, que

se efetue um procedimento de tradução, tal como é proposto por Boaventura de Sousa Santos.

Para este autor,

A tradução é o procedimento que permite criar inteligibilidade recíproca entre as experiências do mundo [...]. Trata-se de um procedimento que não atribui a nenhum conjunto de experiências nem o estatuto de totalidade exclusiva, nem o estatuto de parte homogênea”. Na minha opinião, a utilização deste procedimento poderia permitir uma inteligibilidade entre as várias perspectivas teóricas possibilitando assim a criação de uma teoria, ainda parcial, mas mais inclusiva que permite olhar para a questão da ‘Deficiência’ a partir de vários ângulos, pois como refere Santos: ‘O trabalho de tradução permite criar sentidos e direções precários, mas concretos, de curto alcance, mas radicais nos seus objetivos, incertos, mas partilhados’ (SANTOS apud PEREIRA,2007, p. 29).

A autora, amparando-se no autor ora citado, propõe também uma ecologia dos

saberes enquanto alternativa à lógica da monocultura do saber e do rigor científicos que seria

útil para o estudo da questão da ‘deficiência’, ao trazer outras perspectivas e saberes além dos

apresentados pelo modelo de racionalidade ocidental. E fortalece seus argumentos a este

respeito, lembrando que a ‘deficiência’, por ser em parte um fenômeno culturalmente

construído, não pode ser pensada como algo que tem a mesma expressão universal nem algo

que se manifesta da mesma forma em todas as sociedades.

2.4 A inclusão social das pessoas com deficiência

Todo um período de discussão acerca da deficiência desemboca no século XX,

mais precisamente, em movimentos que objetivam a inclusão social das pessoas com

deficiência.

Atualmente, a busca da inclusão social representa um tema central nas discussões

em vários âmbitos da sociedade. Pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, sob os

auspícios da Fundação Banco do Brasil, cujo relatório é intitulado Retratos da Deficiência no

Brasil, ao alertar que toda pessoa é passível de adquirir alguma deficiência física ou mental,

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ao longo do seu ciclo de vida, traz importante panorama expressando a realidade brasileira da

deficiência; afirma que cerca de 14,5% da população brasileira é formada por pessoas com

deficiência, o que representa cerca de 24,5% em milhões de pessoas. O estado brasileiro que

apresenta a maior taxa de pessoa com deficiência é o da Paraíba (18,76%), enquanto o estado

que apresenta a menor taxa é o de São Paulo (11,35%) .

A partir do final do século XX, intensificam-se os debates em torno da inclusão

social de amplos segmentos, como, também, acerca da responsabilidade estatal a este respeito,

mediante políticas públicas, particularmente para as de caráter distributivo, bem como as que

visam à proteção social voltada para as pessoas com deficiência. Esse fato é constatado, na

medida em que consideramos que o BPC está a cada dia sendo mais intensificado no

respeitante à garantia de recursos, assim como nos planejamentos governamentais, a exemplo

do atual PPA 2012-2015, que deixa clara essa responsabilidade.

Do ponto de vista teórico, os estudos de Amartya Sen, embora não relacionados

diretamente ao tema da deficiência, mas ao das capacidades, em geral trazem importantes

subsídios para se pensar a questão em estudo. Conforme Sen (2010), a expansão das

capacidades das pessoas de levar o tipo de vida que elas valorizam pode ser aumentada

através das políticas públicas. Seus argumentos a este respeito são fortalecidos, quando ele

destaca que todo indivíduo, em qualquer lugar do mundo, independentemente das

características particulares do lugar, tem certos direitos básicos que devem ser respeitados.

Os direitos humanos requeridos pelas pessoas com deficiência tratam do direito

de viver livre da discriminação, de preconceitos. Ou seja, representa o anseio dessas pessoas

terem oportunidades para viverem em sociedade.

Conforme Bartalotti (2010) existem muitas formas de exclusão e,

consequentemente, diferentes formas de se tentar uma superar essa condição. A idéia de

exclusão leva à ideia de inclusão, pois de acordo com Martins, citado por Bartalotti (2010,

p.8), a exclusão de fato não existe, e sim formas de inclusão precárias, visto que todos fazem

parte de uma mesma sociedade. Por isso ele diz: “o que vocês estão chamando de exclusão é,

na verdade, o contrário da exclusão. Vocês chamam de exclusão aquilo que constitui o

conjunto das dificuldades, dos modos e de uma inclusão precária e instável, marginal”.

A autora ora mencionada fortalece este argumento, referindo que uma pessoa pode

ser excluída de certo espaço ao qual ela não pertence. Contudo, certamente, pertence a algum

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outro, no qual se inclui, haja vista que todos os indivíduos estão sempre incluídos em algum

espaço ou situação, apesar de nem sempre esta inclusão ocorrer da forma que deveria. E

exemplifica: “as pessoas com deficiência, em grande parte, estão precariamente incluídas no

campo da saúde, da educação, do trabalho e dos direitos sociais” (BARTALOTTI, 2010, p.9).

Na verdade, de acordo com Bartalotti (2010), não são todas as pessoas que

vivenciam uma inclusão de uma forma precária. Há pessoas com deficiência que têm

oportunidades e que, realmente, estão inclusas nos inúmeros dispositivos sociais, não

vivenciando,portanto, a exclusão. Assim, não podemos generalizar e afirmar que todas as

pessoas com deficiência são excluídas ou incluídas precariamente.

Entende-se que a inclusão representa o acesso, a abertura dos espaços sociais que,

durante muito tempo, foram fechados para as pessoas com deficiência, haja vista o fato de

estas terem sido segregadas das demais, pelo fato de serem consideradas inferiores e

improdutivas.

Para Bartalotti (2010), a inclusão social é uma proposta de mudança de lugar

social; significa retirar alguém de um lugar e colocar em outro. É tirar uma pessoa de um

lugar em que está sendo excluída e colocá-la em um espaço em que ela terá oportunidades, ou

seja, que esteja incluída.

Sen (2010), afirma que ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas para

cuidar de si mesmas e para influenciar o mundo. Desta forma, falar em inclusão social

representa falar em democracia nos espaços sociais, em crença na diversidade como valor, em

uma sociedade para todos. Significa, também, falar em participação e não em isolamento.

Incluir, ainda, não é apenas colocar junto, ou seja, levar a pessoa com deficiência

para o convívio social, como também não é negar a diferença, mas respeitá-la como

constitutiva do humano (Bartalotti, 2010, p.2010).

Conforme Sassaki citado por Bartalotti (2010), embora o chamado movimento de

inclusão social tenha se iniciado na segunda metade dos anos 80, foi apenas na década de 90

que tomou impulso. De acordo, ainda, com Sassaki, citado por Bartalotti (2010),

O modelo médico tem sido responsável, em parte, pela resistência da sociedade em aceitar a necessidade de mudar as suas estruturas e atitudes para incluir em seu seio as pessoas portadoras de deficiência e/ou outras condições atípicas para que estas possam, aí sim, buscar o seu desenvolvimento pessoal, social, profissional.

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Bartalotti (2010) destaca que a inclusão social é um processo de mão dupla. Para

acontecer, é necessário que a pessoa com deficiência se modifique, assim como a sociedade

também precisa se modificar.

Essa autora, ainda afirma que:

Para que possamos efetivamente falar em inclusão social é preciso um movimento de transformação das relações sociais, que só se dará, acredito, a partir da superação de concepções sobre deficiência que a ligam à doença, ao sofrimento, à desgraça, ao castigo, e de tantas outras que já pudemos apontar aqui. Para que as pessoas com deficiência sejam consideradas cidadãos de fato é fundamental que deixem de ser consideradas como cidadãos de segunda classe, aqueles a quem deve ser destinada a caridade e a comiseração (BARTALOTTI, 2010, p. 47).

Ou seja, não basta que as pessoas com deficiência compartilhem os mesmos

espaços que os demais, é preciso que haja a permanência, assim como que alcance o sucesso

neles.

Esse processo de inclusão social das pessoas com deficiência ocorrerá, desde que

exista um processo de convivência e de conhecimento. Para Bartalotti (2010), é preciso

conviver, para entender as particularidades de cada ser humano, e tomar a diversidade como

parte integrante da vida humana. Além disso, é importante que se respeite a diferença, e para

respeitar é preciso conhecer a verdade, e não a partir de estereótipos. Assim, o conhecimento

acerca das deficiências tem sido uma ferramenta importante para a desmistificação dessa

condição.

Santos (2010) destaca que o Brasil deu um importante passo em relação aos

direitos das pessoas com deficiência, ao adotar a CIF como catálogo de avaliação das pessoas

com deficiência solicitantes do BPC.

O autor ora mencionado acrescenta que o BPC é uma das principais políticas

de proteção social para pessoas com deficiência e tem sido, nos últimos anos, importante

instrumento de combate à pobreza e de redução das desigualdades sociais no país, ao proteger

socialmente mais de três milhões de pessoas, das quais mais de 1,6 milhão são deficientes.

Com a utilização da CIF, busca-se modificar concepções restritas e

estigmatizantes acerca da deficiência, visto não constituir-se, segundo Diniz (2007) como

instrumento destinado à identificação de lesões nas pessoas, mas à descrição de situações

particulares em que as pessoas podem experimentar desvantagens. Ela se baseia na integração

dos dois modelos opostos (social e médico) e almeja atingir uma síntese, a fim de propiciar

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uma visão coerente de diferentes perspectivas da saúde, a partir das perspectivas biológicas,

individual e social.

A adoção da CIF representou um avanço, pois dá subsídios aos médicos e

assistentes sociais, durante a avaliação das perícias médicas e sociais realizadas no INSS, para

qualificar a incapacidade para o trabalho e para a vida independente, assim como torna o

processo de avaliação mais inclusivo, haja vista que não leva em conta apenas o aspecto

biológico e individual dos requerentes do BPC, como também os aspectos sociais, de

interação com o meio.

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3 CENÁRIO DA PESQUISA – ÁREA ATENDIDA PELA AGÊNCIA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL (APS) DE ITAPIPOCA

A constituição do INSS, Autarquia Federal vinculada ao Ministério da

Previdência Social, ocorre em junho de 1990, durante o curto Governo Fernando Collor de

Melo.

Conforme Borro Júnior (2004), durante o governo do Collor, ganhavam força, na

conjuntura ideológica brasileira, ideias como modernização, concorrência, privatização e

abertura ao capital estrangeiro. Tais ideias se fortaleciam em detrimento das bandeiras e

concepções operárias, populares e anti-imperialistas, como lutas de classes, reformas

distributivas, soberania nacional e independência econômica.

Diante dessa lógica, entendemos que o governo do Collor, com a criação desta

autarquia, não tinha o objetivo de realizar uma reforma distributiva, nem de modificar a

situação da população, mas pretendia apenas modificar o nome e dar um status de

modernidade, realizando uma mudança apenas superficial.

Referido instituto concretizou-se mediante fusão do Instituto de Administração

Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS) com o Instituto Nacional de

Previdência Social (INPS), então existentes no país. Na qualidade de autarquia teria por

finalidade promover o reconhecimento, pela Previdência Social, de direito ao recebimento de

benefícios por ela administrados, assegurando agilidade, comodidade aos seus usuários e

ampliação do controle social (BRASIL, 2010, p.4).

Não obstante a missão prevista pelo Instituto relacionar-se à garantia de “proteção

ao trabalhador e sua família, por meio de sistema público de política previdenciária solidária,

inclusiva e sustentável, com o objetivo de promover o bem-estar social”, tratava-se de uma

proteção social restrita a determinados segmentos sociais, haja vista o fato de o INSS basear-

se na lógica do seguro e, por conseguinte, sua vinculação a uma contribuição prévia, para os

trabalhadores urbanos e de uma comprovação de trabalho na agricultura, para os trabalhadores

rurais.

Constitui a estrutura organizacional do INSS uma Administração Central,

constando de órgãos de assistência direta e imediata ao presidente, Órgãos Seccionais

(Auditoria-Geral, Procuradoria Federal Especializada, Diretoria de Orçamento, Finanças e

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Logística, Diretoria de Recursos Humanos e Corregedoria-Geral), Órgãos Específicos

Singulares (Diretoria de Benefícios, Diretoria de Saúde do Trabalhador e Diretoria de

Atendimento) e Unidades e Órgãos Descentralizados como as Superintendências Regionais,

as Gerências-Executivas, as Agências da Previdência Social, Procuradorias Regionais,

Procuradorias Seccionais, Auditorias Regionais e Corregedorias Regionais. (BRASIL, INSS,

2010, p.9).

Na prestação dos serviços administrados pela Previdência Social, assim como de

benefícios assistenciais previstos na Lei nº. 8.742 , de 07 de dezembro de 1993¹, o INSS conta

com canais remotos, nos quais é possível fazer o agendamento dos serviços e o requerimento

de benefícios, e com unidades de atendimento onde são realizados atendimentos presenciais.

Esses canais remotos, representados pelo número 135, assim como pelo site da previdência,

ainda são pouco utilizados pela população, haja vista a falta de informação sobre os mesmos.

O INSS conta, atualmente, com uma rede de atendimento composta por 1.227

Agências da Previdência Social (APS). Na verdade, a cobertura da rede física da Previdência

Social atinge apenas 17,41% dos municípios brasileiros, o que corresponde a 969 municípios

do total de 5.564. (BRASIL, INSS, 2011 p.5).

No Estado do Ceará, existem três Gerências Executivas: a de Fortaleza, a de

Juazeiro do Norte (Sul do Estado) e a de Sobral (Norte do Estado), estando a APS de

Itapipoca vinculada a esta última.

Essas três Gerências Executivas fazem parte da Superintendência Nordeste, que

tem a sua sede em Pernambuco. Antes de serem denominadas APS, essas unidades do INSS

eram denominadas apenas de agências.

A agência de Itapipoca foi fundada em setembro de 1975, com um quadro de 80

servidores, ocupantes dos diversos cargos, dentre eles: Servidores Administrativos, Médicos

(de diferentes especialidades), Odontólogos, Enfermeiros e Técnicos de Enfermagem. A

estrutura organizacional da agência era formada por uma chefia administrativa, denominada

de Agente da Previdência Social, que comandava os demais setores (Arrecadação, Benefício,

Orçamento e Finanças).

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Figura 1: Mapa do Estado do Ceará, com suas macrorregiões de planejamento. Ceará, 2007

Fonte: IPECE, 2007.

Ainda, sob a subordinação administrativa da agência, funcionava um

Posto Médico, que prestava diversos serviços aos clientes do Instituto Nacional do Seguro

Social (INPS), nas áreas médicas, odontológicas e farmacêuticas.

De acordo com Oliveira (2003), neste período, devido ao incentivo ao processo de

privatização na saúde e na previdência social, foi institucionalizado o modelo médico

assistencial privatista, que representava o serviço de assistência médica voltado para atender

ao indivíduo numa perspectiva curativa. Esse modelo atendia apenas à população segurada da

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previdência social, haja vista que a população não segurada não tinha acesso a nenhum

benefício. Na saúde, essa população excluída era atendida somente pelas instituições

filantrópicas ou por alguns serviços estaduais e municipais.

Na década de 1990, com a reforma no Sistema de Previdência Social, na qual se

destaca a criação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), as referidas agências

passaram por algumas alterações que, posteriormente, implicaram a criação das APS, que

constituem um novo modelo de gestão.

A APS de Itapipoca atende, além do próprio município de Itapipoca, os

municípios Amontada, Miraíma, Trairi, Tururu e Uruburetama.

Itapipoca é, entre esse municípios, o que apresenta a maior população, assim

como o que possui o território de maior extensão territorial e, portanto, tem o maior número

de requerentes do BPC.

Conforme o Censo do IBGE (2010), o município de Itapipoca possui uma

população de 116.065 habitantes, com uma extensão territorial de 1.603,654Km² e uma

densidade demográfica de 72,38 hab.Km².

Os primórdios da cidade relacionam-se às trocas comerciais de algodão entre 1844

a 1850, quando a localidade adquire o papel de receptora do produto oriundo da serra e

destinado à capital do estado. O intercâmbio comercial termina por atrair mais e mais famílias

para o local, principalmente, entre os anos de 1860 a 1865, quando o algodão cearense

alcança preços altos no mercado exterior. Em decorrência dessa dinâmica, ocorre o

desenvolvimento do local e sua consequente emancipação política, que, na ocasião, passa a

chamar-se de Vila da Imperatriz. Seis anos depois de instalada a nova vila, esta passa a

funcionar como matriz, a princípio, em torno da capela de Nossa Senhora das Mercês.

Posteriormente, em 1915, essa vila elevou-se à categoria de Cidade de Itapipoca.

Itapipoca é conhecida, no Estado, como a cidade dos três climas, haja vista o fato

de existir três formas distintas de vegetação, na região; a caatinga arbustiva (sertão), a zona

litorânea (praia), e o complexo de matas secas e úmidas (serra).

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Figura 2: Mapa do Ceará, com divisão territorial de desenvolvimento agrícola. Ceará, 2007. Fonte: IPECE, 2007.

Atualmente, as principais atividades econômicas desenvolvidas, na cidade de

Itapipoca são a agricultura, a indústria e o turismo que, atualmente, está despertando como

uma grande possibilidade para aquecer a economia local.

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Segundo o Censo do IBGE (2010), do total de habitantes, 66.909 pessoas residem

em zona urbana e 49.156 pessoas em zona rural, totalizando 116.065 pessoas. Esse fato

influencia o maior ou menor acesso às políticas sociais, haja vista que a maior parte da

população residente em zona urbana tem acesso menos precário às políticas sociais, dentre

elas, saneamento, saúde e educação. Além disso, a maior parte da população é formada por

homens, o que equivale a 58.243, já o número de mulheres é igual a 57.822 mulheres. A maior

população masculina concentra-se na faixa etária de 15 a 19 anos. Enquanto isso, a

preponderância da população feminina ocorre na idade de 10 a 14 anos.

Ainda em conformidade com o Censo (2010), do total de 40.858 domicílios,

17.674 domicílios apresentam abastecimento de água e 29.165 domicílios têm energia

elétrica. Verifica-se, ainda, que menos da metade dos domicílios de Itapipoca apresenta

sistema de abastecimento de água, ou seja, a maior parte da população não tem acesso ao

saneamento básico, situação que dificulta os cuidados com a higiene e, consequentemente, a

saúde.

O município apresenta um total de 9.912 pessoas com rendimento mensal de

apenas até 1/4 de salário mínimo. Relacionando com a população total do município, este

dado representa quase 10% da população. Ou seja, esse é o quantitativo de pessoas que estaria

apta a requerer o BPC, pelo critério seletivo de renda, adotado para concessão deste benefício.

Por conseguinte, destacamos que, no município de Itapipoca, os dados obtidos no

censo coincidem com a pesquisa realizada de agosto a setembro de 2009 na APS de Itapipoca.

Em ambas, constatou-se a predominância de pessoas do sexo masculino, com idade jovem,

bem como tendo um número expressivo de pessoas, vivendo com uma renda muito baixa e

insuficiente para atender as necessidades básicas da população.

Em conformidade com o Censo do IBGE (2010), podemos destacar que cerca de

10% da população de Itapipoca possuem mais de 60 anos de idade, ou seja, é um grupo que

atenderia ao critério da idade, exigido pelo BPC. A tabela 3 revela os resultados do

Censo/2000 sobre a representação de pessoas com lesões, em números.

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Tabela 3: Número de pessoas com determinado tipo de lesão, pelo Censo 2000. 6

População total de Itapipoca 94369

Pelo menos uma das deficiências enumeradas 18734

Deficiência mental permanente 1835

Deficiência física - tetraplegia, paraplegia ou hemiplegia permanente 615

Deficiência física - falta de membro ou de parte dele (perna, braço, mão, pé ou dedo polegar) 352

Deficiência visual - incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de enxergar 14429

Deficiência auditiva - incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de ouvir 3991

Deficiência motora - incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de caminhar ou subir escadas

6085

Nenhuma dessas deficiências 74596

Sem declaração 1039

Fonte: IBGE,2000.

Em Itapipoca, há a presença de 73 estabelecimentos de saúde, de acordo com o

caderno de informações de saúde do Ceará (2010). A rede conta com 28 unidades básicas de

saúde, 3 unidades da atenção secundária e 1 Centro de Apoio Psicossocial, responsável pela

saúde mental de Itapipoca.

Há, ainda, em Itapipoca, 186 estabelecimentos de ensino, sendo a população

alfabetizada composta de 81.900 pessoas. Esse número representa cerca de 70% da população

do município de Itapipoca. Acreditamos que o fato de predominar a população urbana no

município implica um aumento do nível de escolaridade da população. O segundo município

a ser estudado é o de Amontada que, inicialmente, foi denominado São Bento de Amontada,

passando a se chamar, posteriormente, de São Bento, em 1938 e, em seguida, em 1943 de

Amontada, seu atual nome. O mesmo figurou como município de Itapipoca, em alguns

momentos, e em outros foi desmembrado deste em 1979, ocasião em que foi elevado a

categoria de município.

O município de Amontada conta com uma área territorial de 1.179,031 Km². A

população aí residente é de 39.232, com 2/3 delas morando na zona rural. O fato de a área da

localidade ser extensa, bem como a prevalência de indivíduos residindo na zona rural,

contribui para a dificuldade de acessibilidade aos dispositivos sociais, que, muitas vezes, são

restritos, bem como se concentram na zona urbana.

Em Amontada, o número de homens é mais elevado do que o de mulheres. Além

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disso, prevalece a idade de 15 a 19 anos e de 10 a 14 anos, respectivamente.

A população idosa do município, com mais de 60 anos de idade, representa,

aproximadamente, cerca de 10% do total geral de pessoas. Quanto à população com

deficiência, a tabela 4 revela os resultados do Censo/2000 sobre a representação de pessoas

com lesões, em números.

Tabela 4: Número de pessoas com determinado tipo de lesão, pelo Censo 2000

População total de Amontada 32333

Pelo menos uma das deficiências enumeradas 6371

Deficiência mental permanente 868

Deficiência física - tetraplegia, paraplegia ou hemiplegia permanente 233

Deficiência física - falta de membro ou de parte dele (perna, braço, mão, pé ou dedo polegar)

104

Deficiência visual - incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de enxergar

4710

Deficiência auditiva - incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de ouvir

1300

Deficiência motora - incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de caminhar ou subir

Escadas 1827

Nenhuma dessas deficiências 25481

Sem declaração 481

Fonte: IBGE, 2000

Além disso, consideramos necessário destacar a existência, em Amontada, de 26

instituições de saúde, segundo o caderno de informações de saúde do Ceará (2010), sendo

formada por oito unidades básicas de saúde, uma unidade responsável pela saúde mental do

município, não apresentando, todavia, nenhuma instituição de saúde secundária.

Quanto ao número de escolas, o município apresenta uma rede constituída de 90

instituições de ensino, e a população alfabetizada é composta de 26.334 pessoas. Em

Amontada, 9.294 dos domicílios contam com energia elétrica e 3.735 com sistema de

abastecimento de água. Quanto à renda, 4.155 pessoas apresentaram um rendimento mensal

de até ¼ do salário mínimo. Constatamos, portanto, que a população de Amontada é

predominantemente rural, formada, em sua maioria, por homens jovens. Além disso,

verificamos que a maioria da população possui acesso precário às políticas sociais, haja vista

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que o sistema de saneamento básico não atende nem a metade dos domicílios do município.

Destacamos outro município, Miraíma, que é atendido também pela APS de

Itapipoca. Ele representa uma recente formação gregária, da qual constam como principais

fatores ascendentes a construção do açude de igual nome e a ferrovia Sobral-Fortaleza. Foi

chamado, primitivamente, São Pedro da Timbaúba, sendo vinculada, juridicamente, ao

município de Itapipoca.

Como Amontada, Miraíma, também, durante longos anos, permaneceu como

distrito de Itapipoca e, em outros anos, foi considerada independente deste, todavia o

desmembramento definitivo somente ocorreu em 1988. Conforme Censo do IBGE (2010), a

população de Miraíma é composta de 12.800 pessoas. Como os primeiros municípios,

também apresenta a maior parte da população do sexo masculino. Todavia, diferentemente de

Amontada, Miraíma possui um maior número de indivíduos residindo na zona urbana. Cerca

de 10,7% da população do município é considerada idosa, haja vista possuir pessoas com 60

anos ou mais. Já a população com deficiência do município de Miraíma tem seus dados

representados na tabela 5.

Tabela 5: Número de pessoas com determinado tipo de lesão, pelo Censo 2000

População total de Miraíma 11417

Pelo menos uma das deficiências enumeradas

2151

Deficiência mental permanente 218

Deficiência física - tetraplegia, paraplegia ou hemiplegia permanente

75

Deficiência física - falta de membro ou de parte dele (perna, braço, mão, pé ou dedo polegar)

35

Deficiência visual - incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de enxergar

1628

Deficiência auditiva - incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de ouvir

416

Deficiência motora - incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de caminhar ou subir escadas

549

Nenhuma dessas deficiências 9228

Sem declaração 38

Fonte:IBGE, 2000.

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Miraíma apresenta, conforme dados do caderno de informações de saúde do Ceará

(2010), apenas 5 estabelecimentos de saúde, constando de 4 unidades básicas de saúde, sem o

apoio de instituições de saúde secundária, nem de saúde mental.

Quanto ao sistema educacional, o município apresenta 42 estabelecimentos de

ensino, Conforme dados do Censo do IBGE (2010), do total da população, 8.113 são

alfabetizadas. Em Miraíma, existe um número pequeno de equipamentos e serviços sociais, o

que implica a necessidade de deslocamento da população desta cidade para outra mais

próxima, a fim de ter acesso à rede de serviços.

Em Miraíma, há 3.237 domicílios com energia elétrica e apenas 1.937 moradias

com abastecimento de água. Ou seja, apreendemos que, apesar de a população residir, em sua

maior parte, na zona urbana, ainda é pequeno o número de indivíduos que dispõem de água

encanada. Além disso, verificamos um número acentuado de pessoas com rendimento mensal

de até ¼ do salário mínimo.

Verificamos que a população de Miraíma, diferentemente da de Amontada,

apresenta a maior parte de sua população residente na zona urbana. O município de

Uruburetama, de acordo com o Censo do IBGE (2010), tem uma unidade territorial de

107,566 Km² e uma população de 19.765 habitantes. A densidade demográfica é de 183,75

(hab/Km²).

A serra de Uruburetama dista 108 km da Capital e é localizada em uma terra

bastante fértil, sendo regada por águas mansas de vários regatos, dentre os quais o rio

Mundaú.

O município passou a denominar-se Uruburetama em 1938. O termo

Uruburetama, em língua indígena, significa Região de Urubus. A população de Uruburetama é

denominada de uruburetamense.

A população residente na zona urbana é, aproximadamente, três vezes maior do

que a população que mora na zona rural. Além disso, o número de homens é maior do que o

número de mulheres; como em todos os municípios estudados, a população feminina é quase

igual à masculina, em números. A população idosa é menor do que nas demais cidades, e

representa cerca de 9,95% do número de pessoas. O número de pessoas com lesão está

expresso na tabela 4, do Censo 2000.

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Tabela 6: Número de pessoas com determinado tipo de lesão, pelo Censo 2000

População total de Uruburetama 16444

Pelo menos uma das deficiências enumeradas 2758

Deficiência mental permanente 148

Deficiência física - tetraplegia, paraplegia ou hemiplegia permanente 91

Deficiência física - falta de membro ou de parte dele (perna, braço, mão, pé ou dedo polegar)

14

Deficiência visual - incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de enxergar

2047

Deficiência auditiva - incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de ouvir

651

Deficiência motora - incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de caminhar ou subir escadas

801

Nenhuma dessas deficiências 13657

Sem declaração 30

Fonte: IBGE, 2000.

Uruburetama apresenta 15 estabelecimentos de saúde, de acordo com o caderno

de informações de saúde do Ceará (2010), sendo 8 de unidades básicas de saúde, 1 de unidade

secundária e 1 de unidade de saúde mental.

Esse município tem um total de 7.740 domicílios, sendo 5.538 urbanos e 2.002

rurais. Do total de domicílios, 5.104 apresentam energia elétrica e 3.744 têm sistema de

abastecimento de água. Constatamos, assim, que ainda é pequeno o número de domicílios que

conta com o sistema de saneamento básico.

A população alfabetizada é de 14.022 pessoas. Ou seja, quase 70% dos indivíduos

sabem ler e escrever. Este fato, possivelmente, sofreu influência do processo de urbanização

do município. Para atender a essa população, o município conta com 35 estabelecimentos de

ensino. Um quinto município a ser abordado é o de Tururu. Esse tem sua história

vinculada ao município de Uruburetama, e durante muito anos fez parte deste. Em 1963,

conseguiu desmembrar-se, tendo alcançado a sua autonomia. Nesse mesmo ano, todavia, foi

extinto e voltou a fazer parte de Uruburetama, como um distrito, até 1987, quando novamente

consegue ser elevado a categoria de município.

O município de Tururu, segundo o Censo do IBGE (2010), apresenta uma

população de 14.408 habitantes, que ocupam uma área de 202,275 Km². A população de

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71

Tururu é denominada de tururuense.

A população urbana do município é de 5.288 pessoas, enquanto que a rural é de

9.120 pessoas, ou seja, a rural é quase o dobro da urbana. A população masculina é composta

de 7.473 homens e a feminina de 6.935 mulheres. Há a predominância de homens e de

mulheres na faixa etária de 15 a 19 anos. Já a população idosa representa cerca de 11,9% da

população. A tabela 7 destaca o número de pessoas com deficiência no município de Tururu.

Tabela 7: Número de pessoas com determinado tipo de lesão, pelo Censo 2000 População total de Tururu 11.498

Pelo menos uma das deficiências enumeradas 2.205

Deficiência mental permanente 219

Deficiência física - tetraplegia, paraplegia ou hemiplegia permanente 53

Deficiência física - falta de membro ou de parte dele (perna, braço, mão, pé ou dedo polegar)

16

Deficiência visual - incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de enxergar

792

Deficiência auditiva - incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de ouvir

376

Deficiência motora - incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de caminhar ou subir escadas

618

Nenhuma dessas deficiências 9.229

Sem declaração 64

Fonte:IBGE, 2000.

Tururu apenas apresenta, conforme o caderno de informações de saúde do Ceará

(2010), 7 unidades de saúde básica, não apresentando nenhuma instituição de atenção à saúde

da pessoa com transtorno mental, nem de atenção secundária, dispondo apenas de unidades

básicas de saúde.

O município apresenta 2.286 endereços urbanos e 3.403 endereços rurais, o que

totaliza 5689 endereços. Desses, 2.960 apresentam sistema de abastecimento de água e 3.724

possuem energia elétrica. Ou seja, apesar de ter uma população, predominantemente rural, em

mais da metade de seus domicílios, há a existência de sistema de abastecimento de água,

assim como de energia elétrica.

Tururu possui 25 estabelecimentos de ensino, número, certamente, insuficiente

para atender as necessidades da população tururuense, embora considerada pequena. Tal fato

pode ser percebido pela quantidade de pessoas alfabetizadas que é de 9.677 pessoas.

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72

Outro fato que reforça essa ideia é a quantidade de pessoas com rendimento

nominal mensal de 1/4 do salário mínimo, que é 1.341 pessoas, ou seja, equivalente a

aproximadamente 10% da população.

Assim, percebemos que o fato de o município ter uma população eminentemente

rural, bem como de disponibilizar um número reduzido de dispositivos sociais, dificulta o

acesso aos dispositivos sociais, assim como favorece a migração da população para outros

municípios.

Os municípios maiores e mais populosos, atendidos na APS estudada, são

Itapipoca e Trairi. Além disso, são os que, por conseguinte, apresentam uma maior demanda

por requerentes do BPC.

Segundo o Censo do IBGE (2010), em 1955, Trairi é elevado à categoria de

município. O início da ocupação do território que viria a ser, posteriormente, Trairi, se deu em

meados do século XVIII, quando um colonizador construiu a nove quilômetros do litoral, à

margem esquerda do Rio Trairi, sua moradia. Em seguida, outros exploradores ergueram suas

casas no local.

De acordo com o Censo do IBGE (2010), o Trairi apresenta uma população de

51.422 habitantes, distribuídos em uma área de 925,717 Km². A população do município é

denominada trairiense. Ainda, conforme o censo, a população urbana é formada de 18.784

pessoas, e a rural de 32.638 pessoas. Pudemos verificar que a população do Trairi é

predominantemente rural, inclusive, a população rural é quase o dobro da que mora na cidade.

A população masculina é de 26.437 homens e de 24.985 a feminina. O maior

quantitativo de homens e de mulheres encontra-se na faixa etária entre 10 a 14 anos. Ou seja,

como em todos os outros municípios estudados neste capítulo, destaca-se a predominância da

população jovem e masculina.

A população idosa do município é de 10,8% do número total de pessoas. A tabela

8 revela os resultados do Censo/2000 sobre a representação de pessoas com lesões, em

números.

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73

Tabela 8: Número de pessoas com determinado tipo de lesão, pelo Censo 2000

População total do Trairi 44527 Pelo menos uma das deficiências enumeradas 6754 Deficiência mental permanente 723 Deficiência física - tetraplegia, paraplegia ou hemiplegia permanente 261 Deficiência física - falta de membro ou de parte dele (perna, braço, mão, pé ou dedo polegar)

212

Deficiência visual - incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de enxergar

4930

Deficiência auditiva - incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de ouvir

1561

Deficiência motora - incapaz, com alguma ou grande dificuldade permanente de caminhar ou subir escadas

2207

Nenhuma dessas deficiências 37519 Sem declaração 254 Fonte: IBGE, 2000.

O município apresenta 17, segundo o caderno de informações de saúde do Ceará

(2010), estabelecimentos de saúde. Composto por uma rede de dez unidades básicas de saúde,

uma unidade de atenção secundária e uma unidade de atenção à saúde mental.

Trairi conta com 114 estabelecimentos de ensino, sendo a população alfabetizada

de 36.322 pessoas. O município apresenta 13.366 domicílios. Destes, 2.733 apresentam

sistema de abastecimento de água e 12.877 têm energia elétrica. Portanto, é ínfimo o número

de domicílios com sistema de saneamento básico, não representando nem 20% do total dos

domicílios. Enquanto isso, quase a totalidade das moradias apresentam energia elétrica.

Quanto ao critério de renda, cerca de mais de 10% da população do Trairi, mais

precisamente, 6.308 possuem um rendimento nominal mensal de até 1/4 de salário mínimo.

Podemos entender que esse fato, também, resulta da ausência de política de trabalho e renda

para atender a população.

Dos municípios estudados, verificamos que a maior população é de Itapipoca,

enquanto Miraíma é constituída pelo menor número de pessoas. Esse fato explica uma maior

demanda pelo BPC, advindo de Itapipoca.

Constatamos, ainda, que 3 municípios têm um maior número de pessoas residindo

na zona rural. São eles: Amontada, Tururu e Trairi. Enquanto Uruburetama, Miraíma e

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74

Itapipoca possuem um maior número de pessoas na zona urbana.

O município que apresenta a maior porcentagem de pessoas idosas, em relação à

população total, é o de Tururu. Por outro lado, Uruburetama possui o menor número de

pessoas acima de 60 anos de idade.

Trairi possui a menor porcentagem de pessoas com algum tipo de lesão, enquanto

Itapipoca, proporcionalmente, apresenta o maior número de pessoas com algum tipo de

deficiência. Em todos os municípios, a lesão que ocorre com mais frequência é a visual.

Quanto ao sexo, destacamos que em todas as cidades há o predomínio de pessoas

do sexo masculino e estas se encontram, em maior número, na faixa etária de 15 a 19 anos.

O município que apresenta o maior número de pessoas alfabetizadas é o de

Uruburetema (70,94%); já o município de Miraíma têm o menor número (63,38%). Esses,

todavia, não são os que apresentam o maior e o menor número de escolas, respectivamente.

Na verdade, Itapipoca é o que dispõe de mais estabelecimentos de ensino (183), e de saúde

(73), e Tururu é o que contém o menor número de estabelecimentos de ensino (25), e de saúde

(5).

Itapipoca representa o município de maior área territorial, enquanto Uruburetama

é o de menor extensão. O município que apresenta o maior número de domicílios com sistema

de abastecimento de água é Miraíma (59,83%), e o que apresenta o menor número é o de

Trairi (20,44%).

Consideramos que o fornecimento de saneamento básico à população influencia

nos cuidados quanto à higiene pessoal, assim como, consequentemente, em relação aos

cuidados com a saúde. Quanto aos domicílios com energia elétrica, Itapipoca é a cidade que

tem mais residências com energia elétrica (97,40%) e Tururu é o que possui menos

residências com energia elétrica (65,45%).

Ressaltamos que os municípios com maior população residindo na zona urbana

apresentam uma maior porcentagem de domicílios com abastecimento de água e energia

elétrica, assim como um maior número de estabelecimentos de ensino e de saúde, enquanto os

que têm um maior número de indivíduos domiciliados na zona rural apresentam os piores

índices.

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4 ENTRE A RESIGNAÇÃO E A ESPERANÇA: TRAJETÓRIAS DE VIDA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA BENEFICIÁRIAS DO BPC

4.1 As entrevistadas: recortes de suas trajetórias de vidas

Ana tem 24 anos. Reside, desde o seu nascimento, no bairro de Picos, cidade de

Itapipoca/Ceará/Brasil, juntamente com os seus pais e sua irmã de 16 anos. O bairro em que

moram é bastante tranquilo. Além disso, é muito familiar e as pessoas são muito cordiais, haja

vista que a maioria dos moradores do local faz parte de duas famílias, uma delas a de Ana. Ela

cresceu rodeada de familiares. Um aspecto ruim da localidade é a dificuldade de acesso. Ana

afirma ter tido uma infância feliz, especialmente, graças às brincadeiras com as primas. Nessa

fase, ela gostava também de ir à escola e de ir à missa, aos domingos.

Na adolescência, Ana vivia para os estudos, se divertia com as festas de final de

ano do colégio, em que só podia ir acompanhada pelos adultos. Quando tinha 16 anos, um

fato modificou sua vida. Ela foi passear com uns amigos nas proximidades de um rio e, ao se

balançar em uma rede, as paredes da casa onde se encontravam romperam-se e ela caiu da

rede e fraturou a medula. Depois disso, Ana ficou paraplégica, não podendo mais andar. Teve

que aprender uma nova forma de viver. No hospital Sarah Kubitschek, em Fortaleza, ela relata

ter aprendido muita coisa, inclusive conseguiu ter mais independência, pois, inicialmente,

achava que não era capaz de nada.

Apesar de o acidente e das dificuldades de locomoção, Ana continuou os estudos,

com professores que compareciam a sua casa e concluiu o 2º grau. Ela relata também que

contou bastante com o apoio da família, de um modo geral. Na sua família que pode ser

classificada como nuclear, a proximidade de Ana é maior com o pai, pois o mesmo ficava

mais tempo em casa, pelo fato de ser agricultor. A mãe, como professora, sempre trabalhou

fora de casa.

Ana relatou que no início da vida adulta, após o acidente, teve um relacionamento

amoroso passageiro com um amigo, de quem engravidou e teve um filho que hoje está com

quase 3 anos de idade. Ele é sua prioridade, embora considere não cuidar totalmente dele, em

razão de suas limitações, quanto à locomoção.

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Ana refere-se a seus medos quanto às saídas de casa, considerando as dificuldades

de acesso, haja vista morar em um bairro localizado em um morro, cujas vias nem sempre são

pavimentadas. Assim, Ana termina vivendo mais em casa e busca o entretenimento ao assistir

programas de televisão e filmes, bem como leituras. Ela também relata que sempre foi muito

caseira e depois do acidente intensificou o gosto por ficar em casa. Ela diz que o melhor canto

do mundo é o seu quarto (Entrevistada nº1).

Joana tem 36 anos, nasceu na cidade de Itapipoca, é a terceira de seis filhos. Ela

tem três irmãs e dois irmãos. Sempre teve a família como grande apoio, especialmente os

pais. Outra fonte de apoio de Joana é a religião. Ela é católica e costuma ir à missa,

semanalmente. Joana tem 3 filhas (de 17, 12 e 10 anos). A filha mais velha reside com a

família paterna, em Fortaleza; somente as mais novas residem com Joana. Embora resida

longe da filha de 17 anos, Joana declara ter muita proximidade com ela, encontrando-a, com

frequência, pois é ela quem acompanha Joana na maior parte de suas consultas.

Na infância, Joana brincava muito com os irmãos, inclusive, relata que, pelo fato

de serem muitos (seis), eles mesmos faziam a festa. Joana brincou de boneca até ficar moça.

Sempre foi muito presa e não podia ir a festas. Depois dos quatorze anos, começou a namorar.

Casou-se aos 16 anos, pois queria se soltar. Ela relata que teria casado mais tarde, caso o pai

tivesse sido menos rigoroso. Interrompeu os estudos cedo, com apenas 15 anos, tendo

estudado apenas até a 5ª série. Chegou a ser reprovada duas ou três vezes.

Joana diz já ter iniciado a vida adulta, casada. Aos 19 anos, nasceu a primeira

filha, e a única do casal. Nesse período, morava em Fortaleza. Trabalhava, como atendente,

em um restaurante Japonês. Com o trabalho, aumentou seu círculo de amizades. As saídas

com os colegas de trabalho incomodavam o marido que a prendia muito e não gostava que ela

saísse, embora ela declare que ele vivia viajando, pois era músico. O casamento logo

terminou. Em seguida, Joana teve um relacionamento com um advogado, que tinha mais

posses, tendo tido com ele a segunda filha, que, hoje, tem 12 anos. Este nunca assumiu a filha.

Por fim, Joana teve um último relacionamento, com um rapaz com quem está até hoje, mas

não convive com ele na mesma casa. Com ele, teve sua filha mais nova, que tem hoje 10 anos.

Joana diz que ele é um bom rapaz e sente-se satisfeita por ele aceitá-la, apesar de sua

deficiência (câncer e ausência de uma mama). Joana, em 2008, descobriu a doença, quando,

ao tomar banho, sentiu um nódulo em seu seio. Em seguida, foi ao médico, este fez a biopsia

e constatou que Joana se encontrava com um câncer bastante agressivo. Rapidamente, teve

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que retirar a mama. De lá para cá, teve que tirar os ovários, pois nasceram 10 nódulos no

local. No momento, está com pedras e nódulos, em crescimento, no rim esquerdo, inclusive,

sentindo muitas dores. Depois da doença, ela relata que não tem mais coragem de se ajeitar,

assim como não tem interesse de colocar uma prótese. Joana morou longe dos pais, durante

muito tempo; após a deficiência, voltou a residir em Itapipoca, próximo à casa dos mesmos.

Ela considera isso uma coisa positiva da doença (Entrevistada nº2).

Iracema tem 48 anos. Ela nasceu em Morrinhos, município próximo à Itapipoca,

em 6/7/1963. Seu pai teve dois relacionamentos. No primeiro relacionamento, com a mãe

dela, teve cinco filhos, duas mulheres e três homens, sendo Iracema a 4ª filha. A mãe dela

faleceu precocemente. Em seguida, o pai de Iracema teve um segundo relacionamento, com

quem teve mais cinco filhos, sendo dois homens e três mulheres. O pai de Iracema era de uma

família com recurso, na cidade; já a mãe de Iracema era costureira, de uma família muito

pobre. Eles namoravam desde novos, porém nunca casaram, assim como o pai nunca residiu

com a mãe dela. Ele apenas frequentava a casa da família de vez em quando.

Durante a infância, Iracema brincava de carimba, de corda, de roda. Relata que

gostava de ir à missa das crianças, que ocorria aos domingos. Iracema conta que uma coisa

que marcou sua infância era à época natalina, em que a mãe dela a levava para comprar

calçados, assim como para escolher panos e lhe fazia um belo vestido de babados. Um fato

triste que ela declarou foi que perdeu a mãe muito cedo, aproximadamente com oito anos de

idade. Após a morte de sua mãe, o pai dela casou-se com a madrasta dela. Iracema foi, então,

morar com ambos.

Na adolescência, ela relata que não brincou muito, pois estava morando com a

madrasta. Durante o dia, ela fazia as tarefas domésticas e, à noite, frequentava a escola. A

madrasta sempre a matriculava, à noite, na escola. Em casa, quando acontecia algo de errado,

Iracema diz que era sempre culpada pela madrasta. Ainda nessa época, ela declarou que

entrou em um grupo de oração. O divertimento dela era tomar banho no rio e conversar nas

calçadas.

Iracema declara nunca ter sido namoradeira. Teve apenas um relacionamento

amoroso rápido, com um rapaz, e engravidou, nascendo uma filha, que hoje se encontra com

11 anos. Ela declarou que o pai de sua filha é muito amigo dela. Declarou que eles costumam

conversar e ele ajuda-a com as despesas da casa e da filha. Ela reside em Itapipoca. Iracema

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relata que descobriu a doença, quando, um dia, após ter se alimentado, começou a sentir o

coração bater mais forte. Na ocasião, passou uma semana internada, tendo, em seguida, sido

encaminhada para Fortaleza. Lá, o médico fez um cateterismo e diagnosticou a doença.

Depois disso, ela relata que já teve alguns infartos e que realizou, inclusive, cirurgia no

coração. Iracema diz que, quando se sente desamparada, fica com a filha, que a tranquiliza.

Ela considera que a filha é tudo para ela e que foi a melhor coisa que lhe aconteceu na vida.

Ela relata, também, que se sente satisfeita com a amizade e solidariedade dos vizinhos, assim

como com o relacionamento com os irmãos e as cunhadas (Entrevistada nº3).

Margarida tem 45 anos. Ela nasceu em Itaquatiara, distrito de Arapari, zona

serrana do município de Itapipoca. Ela é a terceira de oito filhos. Os pais foram casados

durante 51 anos, até o falecimento dele, há cerca de dois anos. Itaquatiara é um local bastante

precário, inclusive diversos partos de sua mãe foram feitos em casa. Margarida era gêmea,

mas sua irmã faleceu logo após nascer. A gêmea dela nasceu em casa. Já, Margarida, na

cidade de Itapipoca, tendo a mãe dela sido trazida para a cidade em uma rede. A principal

atividade realizada, em Itaquatiara, é a agricultura.

Margarida relata que adoeceu, quando pequena. Ela teve poliomielite, não foi

vacinada, devido à falta de informação dos pais, assim como não realizou tratamento de

saúde. Quando perceberam, Margarida já se encontrava deficiente do membro inferior e não

andava. Margarida conta que começou a se movimentar após a mãe ter lhe dado umas

gotinhas de aguardente. Ela não participou de brincadeiras na infância, inclusive diz não ter

tido infância. Sempre ajudou a mãe em casa com as tarefas domésticas. Começou a estudar,

aos 10 anos de idade. Os recursos da família eram escassos; ela declara que, na época em que

ela e os irmãos estudavam, muitas vezes um caderno era para dois.

Na adolescência, Margarida continuou seus estudos. Ela relata que não brincou

com os irmãos, pois não podia, devido ao acesso ruim, à localidade. Na verdade, ela diz que

gostava de ficar na residência da família e de fazer as coisas de casa, ajudando a mãe.

Aos 20 anos, declara que teve um namoro, mas durou pouco tempo. Margarida

relata que sempre foi muito pacata. Nunca gostou de curtir. Participava apenas das novenas.

Ela diz que não casou, nem teve filhos. Ela se divide em Itaquatiara onde a mãe mora e a

cidade de Itapipoca, onde moram os irmãos, bem como onde realiza um tratamento de saúde.

Ela afirma que tem um problema na medula. Precisa fazer cirurgia, mas é de alto risco e ela

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não tem coragem. Tem fortes crises; ultimamente, inclusive, diz que teve uma dor tão forte

que teve um desmaio. Margarida relata que não gosta de sair, nem para casa de membros bem

próximos da família. Ela tem uma família unida, que se preocupa com o bem estar dela.

Margarida afirma que, em momentos de desespero, quer cair, mas recorre a Deus para

conseguir se erguer novamente (Entrevistada nº4).

Significados da deficiência para os deficientes

Consideramos que apesar de o Brasil apresentar sensibilidade às reivindicações

das pessoas com deficiência, desde a Constituição Federal de 1988, as concepções defendidas

pelo “modelo social” (discutido em capítulo anterior) parecem ter tido pouca ressonância. Por

outro lado, o “modelo médico”, apesar de bastante criticado do ponto de vista teórico, na

realidade, ainda permanece, de certa forma, hegemônico no cotidiano das práticas

profissionais efetivadas no âmbito das políticas públicas destinadas às pessoas com

deficiência. Segundo os defensores desse modelo, a experiência de segregação, desemprego,

baixa escolaridade e demais questões que restringiriam a vida, seriam ocasionados

exclusivamente pela inabilidade do corpo lesado.

Embora o modelo médico, ainda possa ser predominante no sentido ora

mencionado, influenciando muito na forma de tratamento da deficiência, tanto a sociedade em

geral como as pessoas que vivenciam essa situação, encontram-se entre os deficientes, alguns

que buscam ultrapassar essa postura. Os depoimentos das entrevistadas, a seguir, relativos às

formas de lidar com a situação da deficiência, são exemplares a tal respeito:

Eu lido numa boa, graças a Deus. Por mais dificultoso, nunca me desesperei (entrevistado nº1).

Eu lido muito bem com a minha deficiência. Só peço a Deus que me dê saúde e força (entrevistada nº2).

Eu já me conformei. Antes, eu chorava. Eu penso nisso que eu posso dormir e não acordar. Hoje, penso que não posso ficar impressionada. Quero levar uma vida normal (entrevistada nº3).

Momentos difíceis e outros não. Tem muita coisa que não posso fazer por causa do cansaço (entrevistada nº4).

Todas as entrevistadas associaram sua deficiência a distintas formas de

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dificuldades, seja de maneira implícita, como é o caso da entrevistada nº. 2, que afirma: “só

peço a Deus que me dê saúde e força”, seja de uma maneira explícita, conforme a entrevistada

nº 4 ao demarcar: ”tem muita coisa que não posso fazer”.

Nos relatos ora mencionados, são visíveis muitos aspectos negativos da

deficiência, inclusive pelo fato de terem ciência das situações de desigualdade social e

discriminação sofridas por causa da deficiência. Entretanto, embora sejam claras nesses

mesmos relatos que essas pessoas, apesar das suas condições, buscam lidar – evidentemente

que por múltiplos e variados caminhos, como o da espiritualidade, da leitura ou ainda do

entretenimento possível – com a situação de uma forma natural, como a que afirma “lido

numa boa, graças a Deus, nunca me desesperei”.

Impactos da deficiência nas vidas dessas pessoas

A deficiência, segundo os entrevistados, é sempre um grande impacto na vida de

uma pessoa, especialmente quando ela era “normal” e algum acontecimento da sua existência

ou a ela relacionado, transformou-a num ser deficiente que terá de re-inventar uma nova

forma de viver em um corpo que apresenta algum tipo de limitação.

Significaria, talvez, para muitas pessoas, uma “certa sentença” em razão da

impossibilidade de realização de uma série de atividades. Entretanto, é necessário

verificarmos que a deficiência é percebida e encarada pelos sujeitos de formas diversas, visto

que cada um reage de forma diferenciada, tanto em razão do curso clínico de cada um, que é

variável e incerto, como também em razão de suas distintas experiências vitais, construídas no

transcurso das suas trajetórias de vida que são singulares, a exemplo das distintas narrativas

das entrevistadas:

De início, você acha que não é capaz de nada. Depois do Sarah, foi que eu consegui aprender a ficar mais independente, pois lá eles ensinam, ajudam e informam (entrevistada nº1).

Com base nesses relatos, percebemos que a deficiência, a princípio, pode ser vista

pelos sujeitos como algo trágico, podendo, em seguida, mediante apoio do poder público

recebido no contexto de atendimento especializado, ser vista como algo que aponta novas

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possibilidades.

Mediante acompanhamento de outra trajetória de vida verificamos outra forma,

distinta, de significação do impacto da deficiência, conforme narra outra entrevistada:

[...] eu morava longe dos meus pais, uma coisa foi boa: voltar a morar perto deles (entrevistada nº2).

É interessante observar que essa entrevistada percebeu a deficiência como algo

positivo, que implicou uma nova aproximação dela com a família, haja vista que, a partir de

então, retornou a morar perto dos pais.

Entretanto, é importante realçar que as dinâmicas das famílias que possuem

integrantes com deficiência (ou diferenciações de outras ordens), são extremamente

complexas, estando a exigir grande esforço de reflexão sistemática na academia – não basta

dizer que a família é importante na ressignificação, é preciso mergulhar nas suas profundezas

e entender sua complexidade –, especialmente nos casos de pessoas/famílias atendidos pelo

BPC, normalmente com enormes dificuldades financeiras que, entretanto não deixam de ter

suas subjetividades em jogo quando se trata de um ente querido (ou não) que precisa de

atenção especial e que, muitas vezes passa a ser o único da família “agraciado” por ganhar um

salário mínimo que será também objeto de intrigas familiares de diversas ordens.

É possível compreendermos, relativamente ao primeiro desses dois últimos relatos

que a independência que pode ser incentivada e orientada por especialistas integrantes de

instituições competentes para atuar com pessoas deficientes, assim como o apoio familiar são

de fundamental importância para a ressignificação da vida e o redimensionamento das

atividades vitais das pessoas com deficiência, visto tratar-se de meios que podem ajudá-las a

perceber que têm condições de viver com a deficiência e de realizar tais atividades.

Outros depoimentos demonstram formas diversas de percepção da deficiência, em

relação às que ora foram descritas e analisadas:

A gente não é a mesma pessoa. Eu não posso mais ter uma raiva, carregar peso. Não posso arribar um balde, carregar uma criança. Eu não tinha isso (entrevistada nº3).

Se é para sair, para fazer viagem muito longa eu não posso fazer. Não posso calçar todo tipo de calçado. Meu calçado só pode ser assim [...]. Mostrou uma havaiana, que é um chinelo de dedo.(entrevistada nº4).

Tais depoimentos trazem ideias de como a deficiência é encarada como algo

trágico e incapacitante, haja vista que as entrevistadas enfatizaram as diversas atividades que

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não podem mais realizar, devido à deficiência. Uma questão pode estar relacionada a tal

ênfase, como a perspectiva de suspensão ou perda do BPC, que poderia ocorrer nos casos em

que a pessoa já não é mais considerada incapaz para a realização de atividades que, de alguma

forma, servem para o sustento pessoal de inúmeras delas.

Em síntese, é possível afirmar que, para uns, a doença pode implicar algo

negativo, que é determinante, na medida em que causa limitações na realização das

atividades; já, para outros, é visto como algo positivo, que motivou mudanças na vida

familiar, incluindo a aproximação entre pais e filhos.

Finalmente, são grandes as mudanças ocorridas na vida dos indivíduos, em

decorrência da deficiência, mas há também buscas desses indivíduos por alternativas de

superação das limitações impostas nos distintos casos.

A busca pela espiritualidade

A busca pela espiritualidade foi um dos pontos comuns encontrados em quase

todas as entrevistas realizadas. Afirmam os entrevistados:

Tomo um banho e rezo. Eu sou católica (entrevistada nº1).

Rezo e peço a Deus (entrevistada nº2).

Fico com a minha filha. A minha filha me tranquiliza. Gosto também de ler um livro de religião (entrevistada nº3).

Fico só na minha mesmo. Acredita? Peço muito ao Deus que me dê força. Tem momento que a gente quer cair...Mas tem que se erguer...(entrevistada nº4).

Dessa forma, percebemos que o cultivo da espiritualidade por parte dessas pessoas

tem efeitos positivos, para além da invocação a Deus, ou a resignação, propiciando também a

tranquilidade, a crença no seu poder interior, a força e a esperança, frente às dificuldades

impostas pela situação de deficiência.

A religião, aqui entendida como cultivo à espiritualidade, parece oferecer algumas

respostas e conforto a pessoas com deficiência que, não raro, buscam entender porque foram

acometidas de determinadas lesões. Nesse campo, da espiritualidade, elas parecem encontrar

um alento, não encontrado apenas pelas explicações científicas ou mediante o uso das técnicas

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que também podem aliviar suas dores, mas não podem ser acionadas a qualquer momento.

Chegamos a uma, entre as muitas conclusões de que, acreditar em Deus e cultivar

a espiritualidade, nos casos em discussão, contribui para que a pessoa com deficiência tenha

uma vida com fé e esperança, em dias melhores, em detrimento de apresentar sentimentos

negativos, de depressão e de tristeza. Entendemos que a pessoa com deficiência se “agarra” a

Algo – mais profundo – a fim de não se entregar ao fracasso.

Acessibilidade da pessoa com deficiência

Todas as entrevistadas mencionaram situações de dificuldade quanto ao acesso à

locomoção, entre outros direitos e prioridades relacionados à acessibilidade, garantidos pela

legislação brasileira pertinente ao problema, tal como a Lei nº 10.098, que estabelece as

normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de

deficiência ou com mobilidade reduzida. Todavia, as entrevistadas explicitam em seus relatos

que o acesso prioritário não lhes está sendo garantido.

No bairro e na cidade não tem acesso. Só se for construir algo novo [...]. O que é antigo eu não vejo acessibilidade (entrevistada nº 1).

Não tem prioridade. As coisas são por ordem de chegada. Só se eu chegar dizendo que sou deficiente, mas eu fico mais na minha (entrevistada nº3).

Com base nas situações com que nos deparamos, observamos que, muitas vezes, o

Poder Público não garante, de fato, o acesso assegurado por leis, conforme ora mencionadas,

não cumprindo suas obrigações, como no caso da entrevistada nº3, que afirma não haver

prioridade, assim como explicitar que as coisas são por ordem de chegada.

Muitas questões podem ser pensadas a esse respeito. O Poder Público não

compreende as necessidades das pessoas com deficiência? A deficiência pode ser

imperceptível para as demais pessoas? As pessoas com deficiência que não têm uma lesão

visível não falam que apresentam deficiência?

Na verdade, os direitos à acessibilidade ainda são pouco conhecidos pelos

indivíduos com deficiência e desrespeitados por grande parte da sociedade e do poder público.

Supomos que o cumprimento das leis referidas ao tema não têm merecido o devido apoio ou

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até mesmo respeito, por vários motivos: um deles, porque, em torno das pessoas com

deficiência, construiu-se socialmente o estigma da “anormalidade”, cujas características são,

muitas vezes, consideradas “insuportáveis” e até abjetas como diria Goffman (2008), portanto

o seu isolamento evitaria o “chocar” os “normais”. Outro motivo seria a noção do senso

comum de que essas pessoas são improdutivas para a sociedade e, portanto, não justificariam

tantos gastos públicos sem perspectiva de retorno econômico.

Considera-se que o cerceamento aos movimentos das pessoas com deficiência é

uma das formas mais exacerbadas, embora veladas, de preconceito, a contrariar não só as leis

específicas, mas outras garantias constitucionais relacionadas ao direito de ir e vir a que

fazem jus todos os cidadãos brasileiros.

Acesso da pessoa com deficiência às políticas sociais

As entrevistas com os sujeitos da pesquisa nos permitiram entrar em maior

contato com o que eles pensam acerca das diversas questões voltadas para as pessoas com

deficiência, entre elas o acesso às demais políticas sociais que, segundo a Lei Orgânica que

disciplina a Política de Assistência Social, devem ser realizadas através de um conjunto

integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade.

A entrevistada nº1 considera muito difícil o acesso das pessoas com deficiências

às políticas sociais, assim como acredita que os políticos conhecem as necessidades da

população, todavia não se empenham em atendê-las. Ela expressa a compreensão de que a

participação deles se restringe ao período das eleições. Em sua fala, há um tom de hostilidade

em relação aos políticos, quando diz:

Acho o acesso difícil. Eu me vejo com dificuldades. Os políticos têm consciência de que as pessoas têm necessidades, mas só aparecem na época das políticas.

Percebemos que a falta de acesso vivenciada pela entrevistada nº1, que é

paraplégica e reside em uma zona serrana do município de Itapipoca, deixa-a tolhida de seus

movimentos e, por isso, insatisfeita, especialmente em relação às graves barreiras que

impedem sua participação nas atividades da vida comunitária. Podemos cogitar que, se

houvesse na comunidade mais acesso para a pessoa com deficiência, inclusive às demais

políticas sociais, a forma de viver seria outra e o BPC terminaria por surtir muitos outros

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efeitos positivos para a sociedade em geral. Como afirma Pereira (1998), o critério de

elegibilidade do BPC associado à inexistência de articulação com outros programas e

serviços, acaba por privilegiar o seu caráter emergencial, constituindo-se numa “armadilha da

pobreza” e, perversamente, reforço das desigualdades sociais.

Para outras entrevistadas, a exemplo das de nº2 e nº3, respectivamente, as

políticas sociais destinadas às pessoas com deficiência estariam relacionadas apenas aos

recursos financeiros que elas recebem do governo, conforme estão explicitados nos seguintes

depoimentos:

A assistência que eu tenho é isso e o Bolsa Família. Eu dou graças a Deus.

O que eu ganho mesmo é o benefício. Às vezes, eu me consulto.

Entendemos que por uma ausência de integração das políticas, bem como devido

a uma própria falha do SUS, que não oferece determinadas consultas e exames, os

beneficiários do BPC, terminam tendo que recorrer à rede privada de saúde, utilizando o

benefício, para pagá-los.

Por fim, temos a entrevistada nº 4, que nos pareceu bastante satisfeita com a

assistência recebida e, talvez em razão disso, não tenha feito qualquer referência às demais

políticas sociais:

Eu acho que para nós que somos deficientes é feito o melhor para o nosso bem-estar...

Em síntese, enquanto a entrevistada de nº4 considera que as políticas sociais

atendem as suas necessidades, as entrevistadas de nº2 e nº3 demonstraram, embora de forma

implícita, que as políticas sociais destinadas a este grupo são restritas, pois, para elas, são

representadas apenas pelo BPC e pelo programa Bolsa Família – que é definido, segundo

dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), como um

programa de transferência direta de renda com condicionalidades que beneficia famílias em

situação de pobreza e de extrema pobreza. O Programa integra o Fome Zero que tem como

objetivo assegurar o direito humano à alimentação adequada, promovendo a segurança

alimentar e nutricional, e contribuindo para a conquista da cidadania pela população mais

vulnerável à fome. O Bolsa Família atende mais de 13 milhões de famílias em todo o

território nacional. A depender da renda familiar por pessoa (limitada a R$ 140), do número e

da idade dos filhos, o valor do benefício recebido pela família pode variar entre R$ 32 a R$

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306. Enquanto isso, a entrevistada nº1 considera o acesso às políticas sociais pela pessoa com

deficiência está muito aquém do que é, realmente, necessário. As posições a respeito de tal

acesso não são unânimes, significando que os beneficiários do BPC têm percepções distintas

acerca das políticas sociais implementadas pelo Estado.

Sociabilidade da pessoa com deficiência

A sociabilidade das pessoas com deficiência é atravessada por várias

singularidades, entre as quais destacamos, além do quase cerceamento dos acessos, conforme

ora mencionado, o fato de serem essa pessoas estigmatizadas em razão de uma suposta

anormalidade. Como diria Goffman (2008), o estigma é usado em referência a um atributo

profundamente depreciativo. O estigma faz do sujeito coisa. Ao fazer isso, retira do sujeito a

possibilidade de colocar-se como tal; assim, não há mais o sujeito, porém apenas o deficiente,

categoria que lhe determina seu lugar social e as características que, supostamente,

encontram-se presentes em todos os que a constituem.

A narrativa da entrevistada de nº4 é exemplar a este respeito. Ela afirma ter

grandes dificuldades de participar das atividades da comunidade, em virtude de suas

limitações físicas e, por isso permanecer muito restrita ao seu ambiente doméstico. Ela diz:

Eu sempre fui assim, parada. Não participo de nada. Nem a missa. Eu tenho uma amiga que, às vezes, vem conversar comigo. Gosto dessa vida. Ficar em casa, assistir uma televisão (entrevistada nº4).

Em sentido semelhante, a entrevistada de nº1 também afirmou que costuma se

relacionar mais com pessoas que já conhece há algum tempo. Entendemos, acompanhando

mais uma vez, o raciocínio de Goffman (2008) que, essa reclusão que se expressa como se

fosse deliberada pelos indivíduos deficientes, só pode ser compreendida no contexto das

relações interpessoais e sociais, sendo relacionada diretamente ao preconceito, como ilustrado

a seguir:

Uma enfermeira do hospital Sarah disse para eu não ter pena de mim e nunca esqueço, também, de um anestesista que disse para mim que eu era capaz de tudo. Acaba que as pessoas me olham diferente [...]. De certa forma, é preconceito. No início, as pessoas se lamentavam muito. O vínculo é maior com as pessoas que eu conheço há mais tempo (entrevistada nº1).

É possível afirmar que as manifestações de sentimentos de pena das pessoas com

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deficiência têm relação, não só com antigas visões de mundo sobre o fenômeno, mediante

influencia da narrativa religiosa que o concebia como uma verdadeira tragédia, mas também

com o modelo biomédico, para o qual a deficiência representa uma anormalidade do corpo

que precisa de uma correção, para que se torne hábil.

Em síntese, podemos afirmar que, para uns, a deficiência pode significar

preconceito ou vontade de isolar-se, como é o caso, respectivamente, dos depoimentos das

entrevistadas nº1 e nº4. Entretanto, há situações em que a deficiência não traz prejuízo a

sociabilidade das pessoas com deficiência, como pode ser exemplificado a seguir. Uma

entrevistada afirma:

Me relaciono bem. Está tudo muito bem. Vou à praça. Falo com todo mundo. Converso com todo mundo. Às vezes, sento nas calçadas. [...] quando fiquei doente, os vizinhos me davam comida, arrumavam a casa e lavavam as minhas roupas, até eu ficar boa, durante mais ou menos um mês (entrevistada nº3).

É válido notarmos que os sujeitos da pesquisa manifestaram formas diferentes de

lidar com a deficiência e com a sociabilidade. Uns buscam o isolamento ou a proximidade

apenas com pessoas que já eram próximas, outros continuam participando das atividades

comunitárias, normalmente, assim como interagindo com os demais.

Importante realçar que as entrevistadas com deficiências físicas aparentes são as

que afirmam restringir a vida mais ao âmbito doméstico, seja por uma questão de vergonha

das demais pessoas, ou pela falta de acesso da localidade em que vivem. Além das questões

relacionadas com a suposta “normalidade” e a suposta anormalidade, há também na

atualidade, uma cobrança pelo corpo belo e perfeito. Amaral, citada por Bartalotti (2010),

chama isso de “tipo ideal”. Esse é o critério mais impregnado de crenças, valores, ideologia.

Corresponde à comparação de uma pessoa (ou grupo de pessoas) com um padrão definido

como “ideal” pelo grupo dominante. Um exemplo disso são os critérios de beleza feminina

propagados, atualmente, ligados, entre outras coisas, à magreza extrema, que é algo

inatingível para a maioria da população.

Relação familiar e cuidado

A relação familiar, apesar de todas as suas ambiguidades, tem papel de grande

importância e significados singulares na vida de cada indivíduo, especialmente se ele é uma

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pessoa com deficiência. No contexto do presente estudo, os informantes expressam que suas

famílias lhes prestam os devidos cuidados e apontam para as relações no espaço privado, na

casa onde residem.

Meu pai é mais presente. Eu termino conhecendo mais... Sou mais próxima dele (entrevistada nº1).

Quando não estou me sentindo bem, vou com as meninas para a casa dos meus pais. A minha mãe me ajuda muito. Minhas filhas e minha mãe me apoiam. Minha relação familiar é muito boa, com meus pais e irmãos (entrevistada nº2).

Minha relação familiar é boa. Relaciono-me bem com meus irmãos. Acho graça com as cunhadas. Elas telefonam para mim, para saber se eu estou melhor. Sou amiga do pai da minha filha. Ele vem aqui e a gente conversa. A minha filha é tudo para mim. Ela foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida (entrevistada nº3).

Somos uma família unida, no termo de ajudar aos outros. Na medida do possível, quando pode. Sempre os meus irmãos e a minha mãe estão preocupados com a minha pessoa. Eles se preocupam porque eu não quero sair. Perguntam se é porque eu não me sinto bem nas partes...(entrevistada nº4).

Com base nos casos ora mencionados, entendemos que um bom convívio familiar,

o cuidado e a preocupação com o bem estar das pessoas com deficiência representam

importante apoio a essas pessoas. Verificamos, também, que o cuidado e a preocupação maior

com as pessoas deficientes, no contexto da presente pesquisa, ocorrem no âmbito da família

nuclear, composta pelos pais e irmãos.

Conforme Osterne (2001, p. 90), nas famílias pobres, prevalece os padrões e

hábitos tradicionais. Em via de regra, estruturam-se como um grupo hierárquico mais

próximo do padrão de autoridade patriarcal, cujo preceito básico é a primazia do homem

sobre a mulher, dos pais sobre os filhos e dos mais velhos sobre os mais novos. Nesse

contexto, o núcleo doméstico organiza-se tendo como referência a tradicional divisão sexual,

na qual o homem é o provedor e a mulher a dona-de-casa.

Para além dessas narrativas, é importante realçar que as relações familiares com

uma pessoa deficiente podem constar de aspectos muito positivos, muito ambíguos, ou muito

negativos, já que se trata de uma relação de via dupla e, sendo a família uma instituição

profundamente complexa, atravessada por subjetividades, ela pode proteger, acolher, mas

também pode renegar, violentar, ignorar, desprezar nas ruas, se aproveitar financeiramente e

afetivamente de um membro familiar deficiente, ou até matá-lo.

Mas isso tem vários agravantes, entre eles, o fato de serem essas famílias carentes

de amparo do poder público para cuidar, de fato, dos seus idosos, dos seus

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desinstitucionalizados em geral, a exemplo dos que sofrem de transtornos mentais e outros,

cujas ações e programas não suprem as necessidades das famílias que enfrentam o problema

do subemprego e da não contratação legal, que não lhes proporcionam qualquer flexibilidade

de horário, descanso semanal etc., especialmente as famílias que só auferem ¼ do salário,

como as que recebam o BPC.

Não raro, os filhos menores dessas famílias permanecem nas ruas enquanto as

mães trabalham fora, porque os postos de trabalho tradicionalmente masculinos no Brasil,

sofreram grande redução por muito tempo. No caso estudado, algumas famílias da zona rural

do município de Itapipoca, este agravante é dado pela falta de investimento na pequena

agricultura, por muito tempo e, portanto, o desestímulo dos homens para o trabalho agrícola,

aliada a questões de ordem subjetiva fazendo com que a mulher “vá à luta pela

sobrevivência”, lecionando, vendendo produtos de porta em porta, fazendo faxina, muitas

vezes, em noutros municípios, de modo que há uma “reviravolta” na sociabilidade em geral e,

especialmente, nas famílias, que precisa ser mais bem aprofundada.

Entendimento dos entrevistados acerca do BPC

O BPC representa um direito da assistência social, que não exige nenhuma

contrapartida do indivíduo. Este benefício, no valor de um salário mínimo, indica, pelo menos

em tese, seu caráter de provisão de necessidades básicas.

Esse benefício representa uma transferência de renda para as pessoas idosas e para

as pessoas com deficiência. Conforme descrito em outro capítulo, para recebê-lo, esses

segmentos precisam atender a determinados critérios: os idosos necessitam ter idade a partir

de 65 anos, assim como auferir renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo. Já as

pessoas com deficiência, também, precisam apresentar o critério de renda e, além disso, têm

que ser consideradas, por um assistente social e um médico perito do INSS, incapazes para o

trabalho e para a vida independente.

Os critérios necessários para a concessão do BPC nem sempre são esclarecidos

para a população que, muitas vezes, apresenta pouca ou nenhuma informação acerca do

mesmo, fato que dificulta o processo de seu requerimento, conforme exemplificado a partir

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dos seguintes depoimentos.

Não sei. Eu quero entender, mas não entendi nada (entrevistada nº2).

Sei que ajuda as pessoas doentes. Pelo menos para mim. Eu compro os remédios (entrevistada nº3).

Ouvi pela televisão. É para os deficientes (entrevistada nº4).

Verificamos que embora as entrevistadas recebam este benefício, há mais de dois

anos, ambas demonstram possuir poucas informações sobre o programa. Isso é bastante

prejudicial, haja vista que pode dificultar o acesso dos mesmos ao benefício. Assim sendo,

entendemos ser, cada vez mais, urgente a necessidade de ampliar a socialização das

informações acerca do BPC junto aos diversos segmentos da sociedade, para que seja,

também, ampliado o acesso aos direitos a ele vinculados.

Aspectos positivos do BPC, segundo os entrevistados

A Constituição Federal (BRASIL, 1988) deslocou a responsabilidade de

atendimento das necessidades das pessoas com deficiência do âmbito privado para o âmbito

público. Essa modificação foi bastante inovadora, pelo fato do Estado passar a tratar o

fenômeno no âmbito das políticas públicas, de responsabilidade do poder público, e não como

atividades e atendimentos eventuais.

Nesse sentido, verificamos que com esta norma constitucional começa-se a

ampliar as antigas formas de proteção social. Não obstante o caráter seletivo do programa

significa um mínimo vital, indispensável para a sobrevivência daqueles que o conseguem. O

BPC foi analisado de forma positiva por todas as entrevistadas. Elas afirmam:

O BPC só dá para o necessário, para o principal. A prioridade é saúde, remédio. A questão da saúde, a gente sabe que vai ter a independência. Sabe, se adoecer, vai ter (entrevistada nº1).

O benefício é bom demais. Com ele, eu pago o aluguel, as contas e a alimentação para mim e para as minhas duas filhas. As condições da pessoa que melhora. Se você tem alimentação e moradia, você tem condição de ter uma vida digna (entrevistada nº2).

Eu pago água, luz, compro comida, uma roupinha. Compro os remédios em dias. Não

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é a coisa melhor do mundo? Os exames que eu faço não têm pelo SUS. Não é bom poder fazer (entrevistada nº3)?

Ele me deu oportunidade de possuir as minhas coisas. Outra coisa, também, me deu oportunidade. O benefício foi de eu comprar as coisas que eu mesmo gosto. Agora eu me sinto uma pessoa realizada com esse dinheiro que eu ganho (entrevistada nº4).

Dessa forma, as vantagens trazidas, a partir do BPC, ficaram patentes. As formas

por meio das quais elas informam sobre esses benefícios variam entre, “ter os remédios em

dia. não é a coisa melhor do mundo?”, passando por “se você tem alimentação e moradia você

tem condição de ter uma vida digna” até chegar a “o benefício foi de eu comprar as coisas que

eu mesmo gosto”.

Percebemos, em relação ao caso estudado, que o recurso recebido contribui para

melhorar as condições de saúde, moradia e alimentação, assim como a perspectiva de

autonomia, na medida em que possibilita aos seus beneficiários adquirir algo que eles

próprios escolhem.

Aspectos negativos do BPC, conforme os entrevistados

Quando se trata de compreender as políticas sociais, entendemos que elas se

constituem mediante forças e interesses antagônicos. A política de assistência social não foge

a essa regra. Ela se encontra no meio de duas concepções: uma que busca configurá-la como

política de Estado e direito da população e outra que interpreta a Constituição Federal de 1988

pelo princípio da subsidiariedade, conforme analisado por Sposati (2009), que argumenta ser

o Estado a última instância a agir.

Na verdade, o modelo de concessão do BPC, é um direito que, na prática, é

limitado, haja vista que sofre grande influência da ideologia neoliberal que ressignificou em

grande medida o texto constitucional de 1988, contribuindo para que o programa adquirisse a

marca da focalização e da seletividade até dos miseráveis, na medida em que o acesso pela

renda termina tendo enorme peso, talvez o principal. Esse fato é demonstrado nas entrevistas

abaixo, quando as entrevistadas falam acerca dos aspectos negativos do BPC.

A questão que eles olham primeiro para a renda (entrevistada nº1).

O aspecto negativo é que a pessoa tem necessidade de receber o benefício e ele ser

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cortado (entrevistada nº4).

O fato de que tais depoimentos deixam clara a discordância, em relação ao critério

da renda, assim como ao fato de o benefício ser cortado, embora a pessoa com deficiência

apresente limitações e necessite do mesmo para sobreviver, nos conduz à ideia de que este

benefício tem muitas falhas que precisam ser superadas, ou melhor, há critérios exigidos,

como o da renda, que precisa ser reformulado, para que seja mais justo e para que esteja em

conformidade com os preceitos de igualdade e de universalidade, estabelecidos nas normas

legais, dentre elas, na CF de 1988.

Mudança de vida, após o BPC

A maior mudança ocorrida, após o recebimento do BPC, foi referente à condição

de saúde da população, segundo afirmam as entrevistadas. Elas afirmam ter conseguido um

melhor acesso à medicação e demais produtos destinados aos cuidados gerais com a saúde de

uma pessoa deficiente. Isso pode ser exemplificado a partir dos seguintes depoimentos:

Muita coisa mudou em minha vida com o BPC, pois hoje eu sei que terei a medicação do mês [...]. Isso é o principal. Tem três medicações que eu preciso comprar todo mês. A minha prioridade é a saúde, é comprar os remédios (entrevistada nº1).

Melhorou a minha vida. Não fico pensando que eu não vou ter remédio, que não vou ao médico, que não vou fazer exames (entrevistada nº3).

Ai mudou e como mudou. Só para melhor. É, através dele, que eu me mantenho. Principalmente, na minha saúde. Antes de receber meu benefício, eu vivia de ajudas (entrevistada nº4).

Com base nestes depoimentos, vimos que, muitas vezes, o recurso recebido do

BPC é utilizado para comprar medicamentos, haja vista o fornecimento restrito de medicações

necessárias às pessoas com deficiência pelas instituições públicas.

Dessa forma, seja por conta de suas estruturas burocráticas, seja pela falta de

integração entre as políticas, especialmente as de seguridade social (assistência, previdência e

saúde) o Estado tem garantido apenas parcialmente o acesso aos direitos dos cidadãos,

segurados ou não, estabelecidos por lei.

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Assim, um recurso como o BPC, que deveria ser utilizado também para

proporcionar uma situação de autonomia, bem como para garantir a promoção da pessoa com

deficiência termina sendo quase que, inteiramente, utilizado para compra de medicamentos,

nos casos em que as famílias assim propiciam.

Constatamos que o BPC, para que cumpra realmente seus objetivos relacionados à

proteção social, deveria estar necessariamente vinculado a um conjunto de serviços.

Entendemos que, enquanto o BPC atuar de forma isolada, desintegrado as demais políticas e

programas sociais, ele não proporcionará aos seus beneficiários a situação de inclusão prevista

nos planejamentos governamentais, no sentido de acesso, pertencimento, igualdade e

equidade nas relações.

Entendemos que um modelo novo de proteção social, em implantação a partir da

LOAS, representa uma construção que exige muito esforço de mudanças, mas já o

consideramos de grande importância, pelo fato de funcionar como um parâmetro, um

direcionamento para a política de assistência social.

Sugestões das entrevistadas em relação à proteção social da pessoa com deficiência

A proteção social destinada às pessoas com deficiência tem sofrido

transformações, ao longo do tempo. Inicialmente, era permeada por ações caritativas. Na

segunda metade dos anos 1980, o movimento das pessoas com deficiência se fortaleceu,

alcançando com a Constituição Federal de 1988 o reconhecimento de dispositivos, assim

como os direitos para as pessoas com deficiência.

O tema da deficiência ganhou certo destaque nos últimos anos, conforme

exemplificado nas diretrizes de diversas políticas públicas, tais como na educação, no mundo

do trabalho, na assistência social e na saúde.

Consideramos, entretanto, que existiram avanços, mas que esses ainda foram

modestos ao lado de uma série de desafios, como a necessidade de inclusão nas políticas de

educação, na inclusão no mundo do trabalho, na questão da saúde, na remoção de barreiras

arquitetônicas, entre outras políticas destinadas às pessoas com deficiência.

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Do ponto de vista dos próprios deficientes, é interessante observarmos que as

mudanças sugeridas para a proteção social das pessoas com deficiência são postas de

diferentes formas. A este respeito sugere uma entrevistada:

Eles não deveriam ver a questão da renda. Era para ser direito e pronto. Não olhar a renda. Acho que a renda não deveria ver. A gente paga imposto em tudo o que compra [...] (entrevistada nº1).

Constatamos que o depoimento reforça a ideia de que a proteção social deveria

ser destinada às pessoas com deficiência, sem levar em consideração o critério da renda, haja

vista que, segundo esta entrevistada, o interesse deve ser de incluir as pessoas e não de excluí-

las.

Em outras histórias de vida, verificamos percepções diferentes, acerca das

modificações que deveriam ser realizadas nos sistema de proteção social destinado às pessoas

com deficiência.

É assim [...] uma assistência melhor. Tem muita gente doente e não tem(...) só um faz de conta para os deficientes (entrevistada nº2).

Gostaria que a saúde melhorasse mais (entrevistada nº3).

Nos depoimentos das entrevistadas nº2 e nº3, percebemos que ambas gostariam

que ocorresse uma melhoria na atenção à saúde.

A entrevistada seguinte já apresenta uma sugestão distinta das demais, em relação

“Às políticas sociais”. Para ela, a necessidade de garantir emprego e oportunidade pode ser

percebida como uma das formas sugeridas para modificar o sistema de proteção social

destinado às pessoas com deficiência. Conforme verificamos a seguir:

Aqui já tem associações. Acho que deveria haver mais emprego para o deficiente, para que ele tivesse mais oportunidade (entrevistada nº4).

Verificamos que as pessoas com deficiência vivenciam, de uma maneira geral,

situações de inclusão precária. Assim, essas formas de inclusão, muitas vezes, não são

favoráveis ao desenvolvimento da pessoa, a sua sobrevivência. No entanto, isso não nos dá o

direito de afirmar que todas as pessoas com deficiência partilham dessa mesma condição. A

generalização não é coerente, pois ignora os contextos particulares de cada inclusão.

Castel, citado por Bartalotti (2010, p.11) aponta que a palavra exclusão, em vez de

motivar uma prática transformadora, acaba por induzir, muitas vezes, uma prática

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empobrecida, calcada em uma visão estereotipada daqueles a que a ação se destina.

Entendemos que, quando a sociedade ou o Poder Público percebe a pessoa com

deficiência apenas como excluídas, as ações desenvolvidas para essa parcela da população são

baseadas no assistencialismo, na caridade e na pena, ao invés de proporcionar transformação

da condição social dessas pessoas, terminam por mantê-las.

Dessa forma, compreendemos que para existir a inclusão é necessário que ocorra

uma democratização dos espaços sociais, ou seja, que estes sejam acessíveis a todos, para que

as pessoas com deficiência tenham a possibilidade de ir e vir, com autonomia. Para isso

acontecer, de fato, é preciso uma articulação das políticas sociais. Além disso, é preciso que a

sociedade aceite e respeite a diversidade, não corroborando com atitudes preconceituosas,

excludentes e que reproduzam desigualdade e descriminação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo acerca do BPC nos mostrou aspectos relevantes tanto sobre a proteção

social que está sendo dispensada às pessoas com deficiência, no âmbito da assistência social,

quanto dos significados e conceitos que permeiam a questão da deficiência.

Foi possível conhecermos o contexto de formulação, bem como de

regulamentação da LOAS; inclusive consideramos tal processo bastante complexo, haja vista

que com a criação desta lei tentou-se implantar uma nova forma de fazer assistência social.

Tentar implantar uma política pública não é algo fácil, principalmente quando na

realidade dada. Existe um processo cultural fortemente arraigado de relações de clientelismo,

de assistencialismo e de favor, como é o caso da política de assistência social brasileira. Nesse

sentido, verificamos que é necessária a elaboração de inúmeras estratégias, a fim de

rompermos com determinadas situações, assim como para efetivarmos as políticas.

Percebemos que a partir da Constituição Federal de 1988, bem como da LOAS,

ocorreram grandes melhoras quanto à efetivação de uma nova maneira de fazer assistência,

todavia ainda não acabamos com a forma assistencialista e seletiva das políticas.

De fato, a focalização das políticas públicas e a dificuldade de acesso às mesmas,

ainda é algo a ser superado, haja vista o fato de ainda haver muitas pessoas que estão

incluídas precariamente nos espaços, assim como no acesso às diversas políticas. Verificamos

esse fato, principalmente quando estudamos as pessoas com deficiência que têm, de uma

maneira geral, acesso insatisfatório à educação, saúde, emprego, embora representem uma

parcela significativa da população, excedendo a 10% da mesma.

Foi possível percebermos, ainda, a partir desta pesquisa, que há dois modelos que

tratam da deficiência: o médico e o social. O modelo médico considera a deficiência como

uma lesão existente no corpo, que necessita de um tratamento ou de uma reabilitação; já o

modelo social entende a deficiência como resultante da interação entre a lesão existente no

corpo e o ambiente em que vive a pessoa. Para a avaliação atual do BPC, são considerados os

aspectos biológicos do indivíduo e, também, o contexto em que o mesmo vive, ou seja,

podemos dizer, portanto, que o novo modelo de avaliação se baseia no modelo social da

deficiência.

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Constatamos que o BPC é uma expressão da nova forma de proteção social

destinada às pessoas com deficiência. Representa uma transferência de renda,

independentemente de contribuição para os idosos e para aqueles considerados pelos peritos

médicos, bem como pelos assistentes sociais do INSS como incapazes para a vida

independente e para o trabalho. Além disso, em ambos os casos, deve ser atendido ao critério

da renda per capita, que deve ser inferior a um quarto do salário mínimo.

Sem dúvidas, compreendemos que o BPC representa um avanço quanto à política

de assistência social, já que ele garante “uma sensação de autonomia” para as pessoas com

deficiência, seja pelo fato de as mesmas terem a oportunidade de comprar e/ou possuir o que

elas mesmas escolhem ou pela possibilidade de favorecer o ir e vir desta parcela da

população. Por outro lado, constatamos que o benefício precisa ser reformulado para

apresentar critérios mais justos, especialmente quanto à questão da renda. Isso, inclusive, foi

uma sugestão de duas das entrevistadas, durante a pesquisa empírica.

Constatamos, também, que a deficiência deve ser percebida como uma maneira

constitutiva de existência humana. Além disso, a pessoa com deficiência merece respeito nas

formulações de políticas públicas, sejam elas de educação, de saúde, de assistência social, de

infraestrutura, dentre outras. Neste sentido, precisamos compreender que as pessoas são

diferentes, que suas especificidades precisam ser pensadas, pois o direito à igualdade consiste

no respeito a estas diferenças.

As trajetórias de vida elaboradas, durante esta pesquisa, proporcionaram uma

complementação e uma confirmação do que foi estudado, anteriormente, no referencial

teórico, pois pudemos verificar que houve grande modificação na vida das pessoas com

deficiência, após o recebimento do BPC, como também que o processo de concessão deste

benefício apresenta algumas limitações. A transformação se deve ao fato de que, com a renda

fornecida, as pessoas com deficiência melhoraram seus cuidados com a questão da saúde,

assim como com o fato de apresentaram condições de vida mais dignas, haja vista terem

acesso melhor à alimentação, à habitação, dentre outros aspectos.

Foi possível evidenciarmos que conviver com uma deficiência altera o cotidiano,

como também a história de vida, a espiritualidade e as relações familiares, influenciando a

maneira de conviver com a deficiência.

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Na vida cotidiana, as pessoas com deficiência demonstraram encontrar na

espiritualidade esperança em dias melhores. Quanto à sociabilidade das pessoas com

deficiência, constatamos, a partir da pesquisa que esta é, algumas vezes, comprometida, pelo

fato de as pessoas sentirem-se descriminadas perante as consideradas “normais”. Entendemos

que o culto à beleza, presente na atualidade, contribui para acentuar esse processo de

estigmatização existente na sociedade.

Sabemos que o BPC foi um benefício criado com o objetivo de garantir uma

proteção social às pessoas com deficiência e aos idosos. Assim, para cumprir sua meta deve

basear-se nos preceitos igualitários e aplicá-los, na prática. Nesse sentido, entendemos que é

necessária uma integração entre as políticas, assim como é preciso que exista uma

transformação de mão dupla, tanto da pessoa com deficiência, como também da sociedade

para que exista, realmente, uma inclusão satisfatória das pessoas com deficiência às diversas

políticas.

Por fim, entendemos que, concretamente, é possível colocar em prática o que

acima está posto, por meio de políticas que não utilizem um discurso retrógrado sobre a

pessoa com deficiência como vítima, haja vista o fato de constatarmos que o sentimento de

pena, diante dessas pessoas, não favorece a existência de ações transformadoras, mas sim de

práticas caritativas baseadas no assistencialismo e não na lógica do direito.

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APÊNDICE

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APÊNDICE

Roteiro da história de vida

1. Identificação

Nome (fictício ou número da entrevista):

Idade:

Sexo:

Escolaridade:

Atividade:

2. O contexto socioeconômico e cultural

Onde nasceu?

Quando?

Era “ano de inverno” ou de seca? Comentários: Como era o lugar (ou lugares) onde o senhor (ou senhora) viveu? Qual era o principal meio de vida das pessoas? O que havia no lugar (ou lugares) em termos de infraestrutura? Comércio? Sim ( ) Não ( ) Comentários. Indústria? Sim ( ) Não ( ) Comentários. Escola? Sim ( ) Não ( ) Comentários. Transporte? Sim ( ) Não ( ) Comentários. Serviços de Saúde? Sim ( ) Não ( ) Comentários. Saneamento Básico? Sim ( ) Não ( ) comentários. Como se davam as comunicações? (correios, rádio etc.) 3. Sociabilidade

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Como ocorriam as manifestações culturais? ( festas religiosas ou profanas, folclore, danças típicas etc.)? Quais as formas de lazer? Quais as formas de diversão? Relações de mando e poder (como se relacionavam ricos e pobres, pretos e brancos, homens e mulheres, adultos e crianças, políticos e não políticos, polícia e população, polícia e população pobre, “normais” e “deficientes” etc.)? Havia espaço público? Sim ( ) Não ( ) Caso afirmativo, comente (Por quem era frequentado? Homens, Mulheres, crianças, jovens, deficientes? O que conversavam? Como se relacionavam com as demais pessoas? etc.). Como era a Política? ( tempo de campanha, tempo ordinário) E as manifestações religiosas? Como se dava o controle social no cotidiano? Como as pessoas do lugar se relacionavam com os deficientes? E com os doentes em geral ? E com os homossexuais? A quem a população recorria quando adoecia? 4. Família Pai? Mãe? Irmãos? Quantos irmãos (homens e mulheres)? Tipo de família (extensa, nuclear etc.) Tipo de “contrato conjugal”? Tipo de “contrato conjugal” dos pais (juntos, civil, religioso etc.) Você era qual (pela ordem de nascimento)? Seus pais tinham estudo? Sim ( ) Não ( ) Se afirmativo, qual o grau de estudos do seu pai?

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E da sua mãe? O que seu pai achava do estudo? E sua mãe? Fale sobre a rotina diária de casa (divisão das tarefas entre os irmãos [homens] e as irmãs [mulheres]: Quem decidia sobre a “criação dos filhos em geral”? Você e seus irmãos frequentavam a escola do lugar [se existia] ou saiam para estudar fora? Acesso à leitura? Comente. Vocês frequentavam os espaços religiosos? Comente. A religião era valorizada na sua casa? Comente. Participavam de grupos culturais (populares, folclóricos etc.)? Comente. Participavam da vida política? Comente Divertiam-se? Comente. Adoeciam? Comente. Como se “tratavam” (Remédios caseiros, rezas, promessas, remédios da bodega, remédios receitados pelo “prático”, remédios receitados pelo dono da farmácia, remédios receitados por médico). Comente. Quem fazia os partos? Comente. Tomavam vacinas? Comente. Como era a convivência com os deficientes na sua casa? 5.Trabalho Você já trabalhou? Seu pai trabalha(va)? Comente. Sua mãe trabalha(va)? Comente. Seus irmãos trabalhavam? Comente. Suas irmãs trabalhavam? Comente.

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6.Consumo (Como se dava o suprimento de): Alimentos? Roupas? Calçados? Remédios? Material escolar? Moradia? Produtos de limpeza? Produtos de higiene? (sabonete, outros) Produtos de beleza? 7. Subjetividade 7.1- Infância Brinca(va)? De que? Com quem? Comente. Estuda(va)? O que? Como? Onde? Comente. Trabalha(va)? Com que? Em que? De que modo? Comente. Reza(va) ou ora(va)? Onde? Com quem/ Comente. Vacinava-se? Comente. Adoecia? Quem cuida(va)? Como era cuidado (a)? Comente. 7.2 - Adolescência (“falavam nisso”?) Brinca(va)? De que? Com quem? Comente. Estuda(va)? O que? Como? Onde? Comente. Trabalha(va)? Com que? Em que? De que modo? Comente. Reza(va) ou ora(va)? Onde? Com quem/ Comente. Namora (va)? Comente. Divertia-se? Comente. Participa(va) da “vida social” do lugar? Comente.

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7.3 - Juventude Brinca(va)? De que? Com quem? Comente. Estuda(va)? O que? Como? Onde? Comente. Trabalha(va)? Com que? Em que? De que modo? Comente. Reza(va) ou ora(va)? Onde? Com quem/ Comente. Namora(va)? Comente. Divertia-se? Comente. Participa(va) da “vida social” do lugar? Comente. Adoecia? Comente. Como era cuidado (a) ao adoecer? Comente. 7.4 - Maturidade (Vida adulta) Constituiu família? Comente. Teve filhos? Comente. Casou-se, juntou-se? etc. Comente. Quem ajudou a cuidar dos seus filhos (?) Comente. E da saúde da sua família? Comente. 7.5 - Velhice O que acha do (s) modo (s) como as pessoas cuidam da saúde, hoje? Com quem vive hoje? Comente. Destino do cônjuge ? Comente.

Destinos dos filhos? Comente.

Autocuidados com a saúde? Comente.

O que acha da vida? E da finitude? Comente. 8. Você sabe o que é Benefício de Prestação Continuada? 9. Como tomou conhecimento do benefício?

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10. Quanto recebe? 11. Quem administra seu benefício? 12. Com que é gasto? 13. Após o BPC, algo mudou em sua vida? 14. Em caso positivo, o que? 15. Como você avalia o acesso da pessoa com deficiência às políticas sociais? 16. O que você gostaria que ocorresse, mas que ainda não ocorre no sistema de proteção social destinado à pessoa com deficiência? 17. Como você lida com a situação de deficiência? 18. Poderia comentar como surgiu a sua deficiência? 19. A quem recorre quando se sente desamparada? (Arte? Poesia? Oração? Outras formas de Espiritualidade?) 20. Lado afetivo ( e/ou sexualidade)? 21. Relação familiar e cuidado 22. Sociabilidade da pessoa com deficiência 23. Acessibilidade da pessoa com deficiência 24. No ambiente em que vive, considera existir muitas barreiras para a pessoa com deficiência? 25. Quais os impactos sociais da deficiência física na vida de uma pessoa? 26. Percepção quanto à situação de autonomia e liberdade 27. Condição de realizar trabalho e ter vida independente 28. Aspectos positivos do BPC? 29. Aspectos negativos do BPC? 30. Sugestões