o significado de "relaÇÕes humanasii

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o SIGNIFICADO DE "RELAÇÕES HUMANAS II LAERTE LEITE CORDEIRO Que atitude deve tomar o administrador, ao desper- tar para a importância das relações humanas na emprêsa ? Considerá-las panacéia para todos os males administrativos? A grande dificuldade que se apresenta aos administradores interessados no problema das "relações humanas no trabalho" é que esta expressão quer dizer tanta coisa diferente, para tanta gente diferente, que ninguém mais tem certeza do que realmente significa. Há os que acham que relações humanas e relações industriais são a mesma coisa. Outros consideram relações humanas como administração de pessoal e outros há, ainda, que empregam relações públicas e relações humanas como sinônimos perfeitos. Aquêles que entendem as relações humanas como uma área de prática administrativa, muitas vêzes empregam a expressão para significar "passar a conversa", "adoçar a pípula", "levar o operário no bico" e por aí afora. Há, ainda, outros que entendem por relações humanas a "arte de fazer amigos e influenciar pessoas" . Poderíamos prosseguir neste trabalho e arrolar outros signi- ficados emprestados atualmente à expressão "relações huma- nas", porém aquêles que mencionamos são talvez os mais repre- sentativos do conjunto e bastam para demonstrar a confusão reinante em tômo da matéria. LAERTE LEITE CORDEIRO - Professor-Adjunto, Departamento de Administração Geral e Relações Industriais e Conselheiro para o Centro Acadêmico. da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo.

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o SIGNIFICADODE "RELAÇÕES HUMANASII

LAERTE LEITE CORDEIRO

Que atitude deve tomar o administrador, ao desper-tar para a importância das relações humanas naemprêsa ? Considerá-las panacéia para todos osmales administrativos?

A grande dificuldade que se apresenta aos administradoresinteressados no problema das "relações humanas no trabalho"é que esta expressão quer dizer tanta coisa diferente, paratanta gente diferente, que ninguém mais tem certeza do querealmente significa. Há os que acham que relações humanase relações industriais são a mesma coisa. Outros consideramrelações humanas como administração de pessoal e outros há,ainda, que empregam relações públicas e relações humanascomo sinônimos perfeitos. Aquêles que entendem as relaçõeshumanas como uma área de prática administrativa, muitas vêzesempregam a expressão para significar "passar a conversa","adoçar a pípula", "levar o operário no bico" e por aí afora.Há, ainda, outros que entendem por relações humanas a"arte de fazer amigos e influenciar pessoas" .

• Poderíamos prosseguir neste trabalho e arrolar outros signi-ficados emprestados atualmente à expressão "relações huma-nas", porém aquêles que mencionamos são talvez os mais repre-sentativos do conjunto e bastam para demonstrar a confusãoreinante em tômo da matéria.

LAERTE LEITE CORDEIRO - Professor-Adjunto, Departamento deAdministração Geral e Relações Industriais e Conselheiro para oCentro Acadêmico. da Escola de Administração de Emprêsasde São Paulo.

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Nesta nossa discussão, tentaremos trazer alguma luz a êsteassunto tão controvertido, com o objetivo de oferecer umsubsídio aos administradores que, na prática, se defrontam,a todo instante, com problemas que são eminentemente huma-nos e que requerem, para sua solução, uma compreensão cor-reta do significado e das implicações das relações entre os.sêres humanos no ambiente de trabalho.

Retrospecto Histórico11'"Embora as relações humanas tenham existido desde os pri-mórdios da vida humana, a preocupação científica com essas.relações, no ambiente de trabalho, é relativamente nova. Nos.Estados Unidos, até 1940, a expressão "relações humanas notrabalho" era muito pouco usada (1) e o PROF. MÁRIO WAGNERVIEIRA DA CUNHA nos diz que, em 1945, ao findar a SegundaGrande Guerra, a mesma era pràticamente ignorada entre'nós (2).

Se pudéssemos, fazendo voltar os ponteiros do relógio no,tempo, observar o desenrolar dos acontecimentos no início daRevolução Industrial, veríamos que, então, os sêres humanos.eram incluídos no processo de produção apenas como maisum recurso produtivo, ao lado das matérias-primas e das má-quinas, sem qualquer consideração especial. Em outras pala-vras, o homem nada mais era do que uma máquina que ope-rava outra máquina. À medida que as organizações indus-triais se desenvolviam, mais se perdia a possibilidade de con-tato pessoal direto entre o trabalhador e seu empregador. Aênfase, naquele momento, era colocada sôbre a produção, comum conseqüente desinterêsse pela sorte do trabalhador. Este,então, era obrigado a trabalhar longas horas, em condiçõesdesfavoráveis e sob padrões de supervisão tão rígidos e rigo-rosos que quase não podia manter contato informal com seuscolegas. Na maioria dos casos, êsse contato humano ocorriafora do ambiente de trabalho, porém, ainda assim, limitado-pelas longas horas de atividade na fábrica.

(1) Keith Davis, Human Relations in Business, McGraw-Hill Book.Company, New York, N. Y., 1957, pg. 5.

(2) Mario Wagner Vieira da Cunha, «A Ideologia das Relações Hu-manas na Indústria» em Problemas Psieoléglcos da Indüstrta, Edita-do pelo Serviço de Publicações da FIESP e CIESP, 1959, pg. 87.

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:E. KEITH DAVIS quem nos fala do aparecimento, nesse momentoda História, de dois homens que representaram uma filosofiapioneira, na consideração 'do fator humano no esfôrço deprodução: ROBERT OWEN e ANDREW URE (3). OWEN, um indus-trial galês, foi talvez o primeiro hómem de emprêsa a sepreocupar, por volta do ano de 1800, com o problema dasnecessidades dos trabalhadores. O segundo, ANDREW URE.publicou, em 1835, um livro intitulado a "Filosofia da Indús-tria", no qual apontava aos industriais da época o fator huma-no como merecedor de considerações especiais, devido a suaimportância para o processo produtivo.

As idéias dêsses dois pioneiros tiveram fria acolhida na épocae, na maioria dos casos, descambou-se para um paternalismoexagerado, ao invés de chegar-se a um reconhecimento sadioe genuíno da importância dos trabalhadores em relação àprodução. Embora fôsse possível notar alguns esforços iso-lados, na direção de dar maior relevância ao fator humanono trabalho, a verdade é que os rápidos progressos, nas ciênciasfísicas, feitos nos séculos imediatamente anteriores a êstedesviaram a preocupação científica com os problemas huma-nos para outros mais materiais.

Somente no início dêste nosso século é que se pôde notar umnôvo esfôrço no sentido de olhar para o homem como fatorimportante na indústria. Nesse momento, surge o americanoFREDERICK WINSLOW TAYLOR,hoje chamado de "o pioneiro da or-ganização racional do trabalho", Sua contribuição ao campo.das relações humanas no trabalho é relevante, por ter sidoêle o primeiro a chamar a atenção para os sêres humanos notrabalho como fatôres importante para a eficiência da pro-dução, A preocupação de TAYLOR, na época, era dirigida paraa produção e sua consideração para com o fator humanoprendia-se apenas a sua produtividade, no sentido da racio-nalização e eficiência do processo produtivo, Contudo, sebem que seu objetivo fôsse diferente, as inovações que intro-duziu na administração abriram o caminho para as posterio-res contribuições ao campo das relações humanas no trabalho,

(3) Keith Davis, op. cit., pgs, 5-6',

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A Fase Contemporânea ,Em 1924, um grupo de pesquisadores, chefiado pelo pSlCO-logo GEORGEELTON MAYO, dava início, na fábrica "Hawthorne",da "Companhia Western Electric", em Chicago, a uma pes-quisa que visava estudar a relação entre a eficiência do tra-balhador e a iluminação no ambiente de trabalho. As pre-missas sôbre as quais se baseava esta pesquisa eram aindaas mesmas da época de TAYLOR, o que vale dizer que se su-punha: (1.0) que os trabalhadoresdeviam ser estudados comounidade isolada; (2.°) que, em muitos aspectos, o trabalha-dor era uma máquina cuja eficiência podia ser cientifica-mente estimada; e (3. 0) que os fatôres que influenciavam suaeficiência eram o mau contrôle dos seus movimentos ao exe-cutar a tarefa, a fadiga e as más condições de trabalho. Le-:ve-se em conta, também, que todo o incentivo oferecido aostrabalhadores, na época, girava em tôrno de recompensas mo-netárias, uma vez que a premissa era a de que, no trabalho,o homem buscava apenas a satisfação de sua necessidadeeconômica.

Para essa pesquisa, cuja hipótese era a de que quanto melhora iluminação no ambiente melhor o trabalho, escolheram-sedois grupos de operários: o grupo de contrôle e o grupo ex-perimental. Num dêles, - o de contrôle - a iluminaçãomantinha-se inalterada durante todo o experimento, ao passoque, no outro, a iluminação aumentava em intensidade.Como era esperado pelos pesquisadores, a produção do grupoexperimental aumentou. Aconteceu, porém, que, no grupode contrôle onde a iluminação tinha sido mantida, a produçãotambém aumentou. Este resultado inicial foi, naturalmente,incompreensível para os investigadores, que decidiram, então,reduzir a intensidade da iluminação para o grupo experimen-tal. a fim de ver o que acontecia. Resultou que a produção,ainda uma vez, aumentou. A conclusão a que chegaram ospesquisadores foi a de que, obviamente, algum outro fatornão controlado e não previsto atuava sôbre os grupos, fazen-'do com que a produção aumentasse, independentemente damaior ou menor intensidade da luz no ambiente de trabalho.

O grupo de pesquisadores concluiu, então, pela necessidadede um nôvo experimento para descobrir qual a natureza do

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fator desconhecido. Foram selecionadas duas operárias, aquem se pediu que escolhessem outras quatro, compondoum pequeno grupo de seis môças. Sua tarefa era a de mon-tar peças para aparelhos telefônicos. Foram separadas dasdemais operárias, passando a trabalhar numa sala especial,com um observador que permanecia entre elas anotando tudoo que acontecia, dando e pedindo informações sôbre o desen-volvimento do experimento e ouvindo suas queixas. A pes-quisa foi realizada com a introdução de várias modificaçõesna situação de trabalho das môças. O ponto de partida era oseguinte: sob condições normais, com 48 horas semanais detrabalho - sábados inclusive - e sem pausas para descansodurante o dia, cada môça produzia 2.400 peças por semana.BROWN nos descreve, resumidamente, a experiência e seusresultados: (4)

I - Introduzem-se duas pausas para descanso: 5minutos pela manhã e 5 minutos à tarde. Aprodução aumenta.

11 - As pausas passam a ser de 10 minutos. Nôvoaumento na produção.

111 - Seis pausas de 5 minutos são introduzidas. Aprodução cai, tendo as môças reclamado queo ritmo de trabalho estava sendo prejudicadopelas pausas freqüentes.

IV - Volta-se às duas pausas anteriores, oferecen-do-se, em adição, uma refeição quente,grátis.A produção volta a subir.

V - Permi te-se às môças saírem meia hora maiscedo. A produção sobe ainda mais.

VI Outra meia hora é suprimida. A produção per-manece estável .Suprime-se o trabalho aos sábados. A produ-

••

VIIção novamente aumenta-o

VIII - Tôdas as concessões são suprimidas, tendo asmôças voltado a trabalhar exatamente nas mes-mas condições do comêço do experimento, isto

(4) J. A. C. Brown, The Social Psyehology of Industry, Penguin BooksLtd., Harmondeworth, Middlesex, Inglaterra, 1954, pgs. 70 -72.

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é, 48 horas semanais, sem pausas para descansoe sem refeição quente gratuita. Resultado: Aprodução bate todos os recordes, assinalando3.000 peças por semana para cada operária.

STUART CHASE, conceituado autor americano, é quem oferece,em nosso entender, a melhor contribuição para explicar osresultados desta pesquisa. Diz êle que "em se solicitando oauxílio e a cooperação das môças para o experimento, ospesquisadores fizeram com que elas se sentissem importantes.Deixaram de sentir-se como peças de uma máquina para secolocarem na posição de um grupo coeso que tentava ajudara companhia a resolver um problema. Encontraram esta-bilidade, um grupo ao qual sentiam pertencer e um trabalhocujo objetivo podiam claramente perceber. Devido a isso,trabalharam mais e melhor de que em qualquer época de suasvidas" (5) .

O grupo dirigido por ELTON MAYO passou vanos anos pesqui-sando o trabalho humano na fábrica "Hawthorne" e os resul-tados das várias pesquisas levadas a efeito foram ampla-mente divulgados, não cabendo, nesta nossa breve apreciaçãohistórica, o seu exame mais minucioso (6). Podemos, porém,resumir suas conclusões genericamente, para dizer que as ex-periências realizadas mostraram que o operário não era umasimples peça do processo, mas sim um indivíduo com umapersonalidade complexa, relacionando-se com os demais numasituação de grupo, motivado não só pela busca do confôrto ma-terial, mas também por necessidades de natureza social epsicológica.

Desta breve investigação a respeito dos sêres humanos notrabalho deduzimos que a História se divide, grosso modo,em três grandes fases:

1.o - O Homem existindo apenas como um recursoprodutivo ao lado das matérias-primas e dasmáquinas, sem nenhuma consideração espe-cial. (Fase em que aparecem OWEN e URS).

(5) Stuart Chase, Men at Work, Harcourt, 1945..(6) F. J. Roethlisberger e W. J. Díckson, Managemll!nt and the Worker

Harvard University Press, 1939.

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••

2. o - O Homem como uma peça extremamente im-portante para o processo de produção, moti-vado o seu comportamento pela busca da satis-fação de suas necessidades materiais (fase de

TAYLOR) .

3.0- O Homem como mais do que uma simples

peça de processo produtivo, merecedor de con-siderações especiais, motivado o seu compor-tamento não só pela necessidade de satisfazerseus desejos materiais, como também pelabusca constante. da satisfação de suas necessi-dades sociais e psicológicas. (Fase iniciadapor ELTON MA YO e seus colaboradores).

Esta última fase é contemporânea, pois as pesquisas de Mayoe seus colegas foram o ponto de partida para um grande núme-ro de outras pesquisas, na área de estudo do fator humanono trabalho, e chamaram a atenção dos homens de emprêsae dos estudiosos para o que hoje conhecemos como "relaçõeshumanas no trabalho".

o Significado de "Relações Humanas"

A expressão "relações humanas" significa, literalmente, o es-tabelecimento e/ou a manutenção de contatos entre sêres hu-manos (7). Como tal, ocorrem, diária e freqüentemente, navida de todos nós. Acontecem em casa, com a nossa espôsae nossos filhos; no clube, quando integramos a nossa valo-rosa equipe de futebol; no bar da esquina, com o rapaz quenos serve um refresco no dia de calor; no ônibus, com o co-brador a quem pagamos a passagem; e, principalmente, noambiente de trabalho - onde passamos a maior parte denosso tempo útil-, com nossos colegas, superiores e subordi-nados. Temos, então, que, no seu sentido estritamente li-teral, a expressão "relações humanas" quer dizer todos aquê-les contatos entre os sêres humanos que se processam emtôdas as situações.

(7) Aníbal Bonfim, «Relações Humanas», em Arguivos Brasileiros dePsicotécnica, junho 1954, ano 6, n." 2, pg. 71.

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Porém, paralelamente ao significado literal, surgiu um outrosignificado para a expressão "relações humanas", que é maisamplo do que o primeiro. Modemamente, entende-se porrelações humanas uma atitude que deve prevalecer no esta-belecimento e na manutenção dos contatos entre pessoas.Essa atitude deve estar assentada no princípio do reconhe-cimento dos sêres humanos como entes possuidores de umapersonalidade própria que merece ser respeitada. Isso im-plica numa compreensão sadia de que tôda pessoa traz con-sigo, em tôdas as situações, necessidades materiais, sociaise psicológicas que procura satisfazer e que dirigem seu com-portamento neste ou naquele sentido. Assim como as pes-soas são diferentes entre si, também a composição e estruturadas necessidades variam de indivíduo para indivíduo.

Praticar relações humanas significa, portanto, muito maisdo que estabelecermos e/ou mantermos contatos com outrosindivíduos. Significa estarmos condicionados, nessas nossasrelações, por uma atitude, um estado de espírito ou umamaneira de ver as coisas, que nos permita compreender o nossointerlocutor, respeitando a sua personalidade, cuja estruturaé, sem dúvida, diferente da nossa. Isto quer dizer que pra-ticar relações humanas não equivale simplesmente a "amarao próximo como a nós mesmos" pois o que é bom parauns não é necessàriamente válido para outros, em decorrênciadas diferenças de composição e estrutura de suas necessi-dades.

De acôrdo com êsse significado mais amplo, podemos dizerque, onde quer que se estabeleçam e/ou mantenham contatosentre pessoas, poderá ou não estar presente aquela atitudeque chamamos de "relações humanas". Na ausência dessaatitude, o que resulta é um clima de ressentimento, resistên-cia, incompreensão, falta de colaboração e iniciativa, enfim,uma atmosfera que não conduz a um aproveitamento positivona relação que se estabelece. É nesse momento que, porvêzes, temos as nossas "brigas" com a espôsa, somos mal ser-vidos no restaurante, discutimos com o inquilino do andar decima e perdemos a boa vontade e a cooperação espontâneade nossos subordinados.

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Se, por outro lado, se manifesta a prática de relações huma-nas, então podemos afirmar, sem mêdo de errar, que o conta-to humano que se estabelece tenderá para um resultado posi-tivo, eliminando, "a priori", a possibilidade de conflito bá-sico entre as partes, dando a cada uma um crédito prelimi-nar que facilitará o desenvolvimento da relação.

É nossa intenção, nesta discussão genérica do significado dotêrmo, deixar claro que a conceituação atual de relações hu-manas se aplica a qualquer situação. esse fato é fàcilmenteconstatável através de uma análise sumária da variedade ter-minológica que se pode observar na literatura, nos artigosde jornais, nas revistas especializadas, nas conferências e emoutros meios de divulgação, atribuindo um qualificativo aessa expressão genérica. Encontramos, então, relações hu-manas "na família", "na indústria", "para vendedores", "naescola", "no trabalho" e assim por diante, refletindo umapreocupação atual e geral pelo aspecto positivo das rela-ções entre pessoas.

Para efeito dêste artigo, todavia, nosso interêsse é mais res-trito, pois nos permitimos afirmar, ao início, que tentaríamosoferecer um subsídio aos administradores, no sentido de umacompreensão mais ampla do significado das relações huma-nas no trabalho. Assim, além dos comentários genéricos queintentamos, vale dizer que tôdas as pesquisas realizadas nes-se campo, a partir de MAYO, nos levam a concluir que, nas,suas atitudes para com os demais membros da organização,os administradores deverão sempre reconhecer que cada umde seus colegas, chefes e subordinados, mais do que o simplesexecutor de uma tarefa específica, é um ser humano, e queembora fôsse desejável - por vêzes - que os indivíduos, naorganização, se comportassem única e exclusivamente de acôr-do com a "nossa" lógica e com os "nossos" padrões de ex-pectativa, isso nem sempre acontece, pois os sentimentos, asensibilidade e as emoções são qualidades inerentes aos sêreshumanos, das quais não se desvestem ao entrar no escritório,na fábrica ou na loja.

Cabe ao administrador, cujo poder de decisão influencia eorienta o sentido das relações entre os indivíduos, na orga-nização, estabelecer um clima positivo e favorável para que

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a emprêsa possa contar com um ponto de apoio para a reali-zação e execução de suas funções essenciais. Essa tarefa su-perlativa que se espera seja executada em todos os níveis desupervisão só poderá ser levada a cabo se os próprios admí-nistradores estiverem condicionados pela atitude que aquichamamos de "relações humanas".

Às emprêsas cabe a formulação e o estabelecimento de dire-trizes administrativas que traduzam uma preocupação como clima de relações humanas que deve permear a organização,a fim de que seus objetivos possam ser alcançados ao mesmotempo que se promove, tanto quanto possível, a satisfaçãodas necessidades de seus membros.

Eliminando a Confusão

Cabe-nos, agora, tentar eliminar algumas das confusões quemencionamos ao início dêste trabalho e aquelas que maisfreqüentemente lemos, ouvimos e vimos, no decorrer dos nos-sos contatos com a literatura, com os jornais, com muitosadministradores e com muitas emprêsas.

A - Relações Humanas e Relações Industriais.

Relações Industriais é uma função dentro da estrutura orga-nizacional que tem, por objetivo, "planejar, encaminhar e in-tegrar os recursos humanos da emprêsa" (8). Inclui a admi-nistração de pessoal e vai além, estabelecendo programas detreinamento, mantendo ambulatórios médicos, operando res-taurantes, publicando o jornal da emprêsa, etc.. É o depar-tamento, a divisão ou o serviço ao qual cabe implementar asdiretrizes de relações humanas formuladas pela emprêsa, quercuidando da satisfação das necessidades materiais dos mem-bros da organização, quer treinando êsses membros - prin-cipalmente os supervisores dos vários níveis - para a práticade relações humanas no trabalho. Em muitas emprêsas, infe-lizmente, o departamento de relações industriais é conside-rado como o departamento "quebra-galho", pois somente de-pois que o conflito se estabeleceu entre as pessoas se cor-re ao médico, na esperança de que, aplicando o remédio "re-

(8) Dalton E. McFarland, Management, Princlples and Pratiees,McGraw-Hill Book Company, New York, N. Y., 1958, pg. 356.

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fações humanas", o paciente melhore. O problema que se co-loca para êsse departamento é que "relações humanas", emgeral, é, antes de tudo, uma vacina.

Cabe aqui observar, resumindo, que relações industriais éuma função definida dentro da estrutura da organização daemprêsa e que, portanto, difere de relações humanas, que setraduz numa atitude que deve condicionar os membros daorganização nas suas inter-relações pessoais. Não se deveainda confundir relações humanas com administração de pes-soal, uma vez que esta função se refere principalmente aosproblemas de seleção, colocação, avaliação e contrôle dosempregados.

B - Relações Humanas e Relações Públicas

Esta é, provàvelmente, a confusão mais generalizada. Deve-mos, antes de mais nada, definir relações públicas: "é oprocesso contínuo através do qual a emprêsa, como entidade,procura obter e manter a boa vontade e a compreensão deseus fregueses, dos seus empregados e do público, emgeral" (9).

A preocupação básica na execução desta função, como vemos,é criar uma imagem favorável da emprêsa perante os vários"públicos" com quem ela se relaciona. Seria possível, toman-do-se para esta expressão um sentido ultra amplo, que apreocupação com as relações humanas no trabalho estivessenela incluída. Porém, na prática, as relações públicas significammais esfôrço funcional para divulgar do que implementar a ati-tude de relações humanas. Não nos esqueçamos ainda que,para efeito de relações públicas, os membros da organizaçãoconstituem-se em apenas um dos muitos "públicos" daemprêsa.

C - Relações Humanas como Artifício de Manipulação

"Levar os outros no bico", "adoçar a pílula" e "passar a con-versa" são, para alguns, a aplicação das técnicas (sic) de rela-ções humanas. Quando se tenta manipular o indivíduo, explo-

(9) Bertrand R. Canfield, Public Relations, Richard D. Irwin, Ine.,Homewood, Illinois, 1956, Ed. Revista, pg. 19.

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rando seus sentimentos para um fim que é apenas nosso, nãoé "relações humanas" que estamos praticando, mas sim ma-nipulação, no sentido mais deplorável da palavra. O exem-plo clássico é o do administrador que finge estar interessadonos seus subordinados e nas suas sugestões, mas somentepara disfarçar a sua atitude essencialmente autoritária.Porém, a maioria das pessoas descobre fàcilmente quando háou não sinceridade na atitude expressa e, então, a situaçãose torna muito mais difícil, pois, além da resistência lógicaque poderiam oferecer, as pessoas ressentem-se ainda da máfé envolvida na tentativa de manipulação. As relações huma-nas presumem uma atitude que envolve uma compreensãomútua e sincera dos sentimentos e anseios que todo serhumano leva consigo.

D - Relações Humanas e a "Arte de Fazer Amigos"Já tivemos a oportunidade, por vêzes, de perceber que existemadministradores que entendem relações humanas como uma"arte de fazer amigos". Um sorriso sempre plantado na face,memorização forçada dos nomes dos funcionários e "tapinhas"generalizados nas costas de todo mundo são algumas das obri-gações a que se comprometem êsses administradores. Não que-remos aqui negar o mérito dêstes comportamentos recomen-dados por muitos. É preciso deixar bem claro, todavia, quese usados apenas como artifícios, sem uma atitude corres-pondente que lhes empreste autenticidade e sinceridade, denada valerão.

Da prática de relações humanas deve fluir, necessàriamente,um comportamento natural e sincero que não implica emser "bonzinho", paternal ou sorridente a todo instante. Aemprêsa tem seus objetivos a alcançar e, no cumprimento desuas funções, o administrador não tem por meta fundamental"fazer amigos", mas sim providenciar para a execução do tra-balho. Claro está que, em criando um clima saudável derelações humanas, êsse objetivo poderá ser alcançado commais facilidade. Ainda assim, porém, haverá momentos nosquais, mesmo condicionado por essa atitude, o administradorterá que responsabilizar pessoalmente êste ou aquêle subor-dinado, tomar decisões práticas e objetivas e "botar na ruaquem não presta".

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ConclusõesPara resumir esta discussão sôbre o significado de relaçõeshumanas, queremos, uma vez mais, insistir em que falamos daatitude de reconhecimento dos indivíduos como sêreshumanos, na sua mais ampla acepção, que deve condicionaros administradores nas suas relações com os demais membrosda organização e nas suas decisões administrativas:

Assim, "relações humanas" não pode ser compreendida comouma função a ser executada, como um artifício de manipu-lação ou maneira de tomar todos felizes e contentes. Na em-prêsa, as relações humanas agem como um lubrificante, evi-tando os atritos e tomando o funcionamento mais suave.Nada mais. Mas, assim como uma máquina não funcionaapenas com uma boa lubrificação, a emprêsa precisa de muitascoisas, além de relações humanas.

Não se pretende assim, que estas sejam um substituto paraas demais funções do administrador. "Relações humanas"não é pois, uma panacéia que, por si só, cure todos os males.