o serviço nacional de doenças mentais no governo jk: a

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O Serviço Nacional de Doenças Mentais no Governo JK: a Assistência Psiquiátrica Para o Distrito Federal. André Luiz de Carvalho Braga 1 1. Introdução. Desde 1937, o governo federal representado pelo Serviço de Assistência a Psicopatas buscava por meio de um inquérito nacional, conhecer sua própria estrutura assistencial psiquiátrica e avaliá-la. Tal estudo constitui-se em 1941 no Plano Hospitalar Psiquiátrico, que objetivou a concretização de solução frente às condições de tal assistência no Brasil. A conclusão era a de que os serviços ofertados eram insuficientes para atender a população de áreas fora do centro industrial e político do país (Fabrício, 2009, p.78). Tornando necessárias ações no sentido de nacionalizar o papel governamental nesta área médica para além do Distrito Federal. É dentro deste contexto que fora criado o Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM), juntamente com outros oito Serviços Nacionais 2 . O personagem escolhido para capitanear a expansão da assistência psiquiátrica pelo Brasil, através do SNDM, foi Adauto Botelho, exercendo essa função durante treze anos, de 1941, como o primeiro diretor da instituição, até o fim do segundo governo Vargas, logo após a morte do presidente em 1954. Dois anos depois, em 1956, Juscelino Kubitscheck é eleito o primeiro presidente civil do Brasil que cumpriria seu mandato até o fim. 1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz. 2 Além do Serviço Nacional de Doenças Mentais, foram criados os Serviços Nacionais: do Câncer, de Educação Sanitária, de Febre Amarela, de Fiscalização da Medicina, de Lepra, da Malária, da Peste e da Tuberculose.

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Page 1: O Serviço Nacional de Doenças Mentais no Governo JK: a

O Serviço Nacional de Doenças Mentais no Governo JK: a Assistência

Psiquiátrica Para o Distrito Federal.

André Luiz de Carvalho Braga1

1. Introdução.

Desde 1937, o governo federal representado pelo Serviço de Assistência a Psicopatas

buscava por meio de um inquérito nacional, conhecer sua própria estrutura assistencial

psiquiátrica e avaliá-la. Tal estudo constitui-se em 1941 no Plano Hospitalar Psiquiátrico, que

objetivou a concretização de solução frente às condições de tal assistência no Brasil. A conclusão

era a de que os serviços ofertados eram insuficientes para atender a população de áreas fora do

centro industrial e político do país (Fabrício, 2009, p.78). Tornando necessárias ações no sentido

de nacionalizar o papel governamental nesta área médica para além do Distrito Federal.

É dentro deste contexto que fora criado o Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM),

juntamente com outros oito Serviços Nacionais2. O personagem escolhido para capitanear a

expansão da assistência psiquiátrica pelo Brasil, através do SNDM, foi Adauto Botelho,

exercendo essa função durante treze anos, de 1941, como o primeiro diretor da instituição, até o

fim do segundo governo Vargas, logo após a morte do presidente em 1954. Dois anos depois, em

1956, Juscelino Kubitscheck é eleito o primeiro presidente civil do Brasil que cumpriria seu

mandato até o fim.

1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz-Fiocruz. 2 Além do Serviço Nacional de Doenças Mentais, foram criados os Serviços Nacionais: do Câncer, de Educação Sanitária, de Febre Amarela, de Fiscalização da Medicina, de Lepra, da Malária, da Peste e da Tuberculose.

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Em seu programa de governo para a área da saúde, o ainda candidato Juscelino

Kubitscheck (1955) determina que sua principal diretriz para a área de combate à doença mental

terá como objetivo a “descentralização da assistência psiquiátrica no Brasil, a fim de evitar o

encaminhamento de doentes mentais de vários pontos do país às principais organizações

hospitalares, saturando sua capacidade...” (Kubitscheck, 1955, p.32), ou seja, o objetivo era

nacionalizar as ações governamentais nesse campo, levando os cuidados médicos e profiláticos

aos habitantes das regiões mais afastadas do centro econômico do país. Essa posição de

abandono da assistência psiquiátrica do interior do país foi corroborada por Lysânias Marcelino

da Silva, primeiro diretor do SNDM durante a administração Kubitscheck, que em seu primeiro

relatório anual (1956), informa que ao fazer uma viagem de inspeção por todos os estados da

federação, logo nos primeiros meses a frente do novo cargo, insistiu na impressão de abandono e

insuficiência que observou na maioria dos estados no campo da assistência aos psicopatas, “Os

ambulatórios, num total de dezessete vivem a míngua de escassos e duvidosos auxílios que de

vez em quando recebiam da sede do SNDM. Sendo assim, não podiam realizar uma assistência

aos seus doentes de forma adequada” (Ministério da Saúde, 1956, s/p). A partir do diagnóstico

do quadro assistencial do período, foi mantido o modelo de convênios realizados pelo SNDM

com as outras unidades federativas, nos quais o governo Federal mantinha a centralização

normativa e descentralização executiva, ou seja, o poder central custeava as obras de construção

e expansão de instituições psiquiátricas, a manutenção e o serviço de praxiterapia nos estados,

fiscalizando a execução dos serviços, que cabia ao governo estadual executar, seguindo mesma

tendência das relações que o governo Vargas mantinha com os governos locais no que se refere

às ações para a área de saúde como um todo (Fonseca, 2007; Fabrício, 2009). Nesse sentido as

diretrizes eram impostas de cima para baixo, ou seja, a União supervisionava e orientava estados

e municípios na organização local de suas assistências.

Desse modo, o presente trabalho pretende analisar a lógica assistencial psiquiátrica por

intermédio da atuação do Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM) na cidade do Rio de

Janeiro. Pois, como já mencionado, as atividades do órgão no restante do Brasil era feita de

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forma indireta, e toda a assistência ao Distrito Federal (Estado da Guanabara a partir de 1960)

era integralmente de responsabilidade do órgão, realizada de forma direta, tendo a

responsabilidade pela administração das instituições públicas destinadas ao tratamento dos

doentes mentais na capital do país, as quais seus diretores eram escolhidos diretamente pelo

governo federal e não sofriam ingerência de poderes locais. Além disso, em relação ao período, a

importância desta pesquisa se dá no fato do governo JK ter sido o primeiro eleito, com diretrizes

estabelecidas para a área de saúde, inclusive a doença mental, que não contou com a direção de

Adauto Botelho, seu primeiro diretor e mentor do modelo assistencial que este governo herdou.

Recorre-se aqui, principalmente, ao uso de fontes primárias, que permitirá a reflexão acerca

da constituição histórica do processo que auxilia no entendimento da estratégia definida pelo

governo de Juscelino Kubitscheck no campo da assistência pública psiquiátrica brasileira. Este

trabalho, portanto, tem um caráter de ineditismo, tendo em vista que poucos trabalhos no campo

da história da psiquiatria no Brasil contemplam tal período da história política do país, sobretudo

no campo das políticas públicas psiquiátricas. Apenas Medeiros (1977), Resende (1987) e Paulin

& Turato (2004) apresentam trabalhos realizados a partir da década de 1970 que, no intuito de

fazer uma reconstrução histórica da assistência psiquiátrica brasileira, analisam as diretrizes que

nortearam as ações do setor através de uma narrativa linear e cronológica, iniciando-a no período

de gênese da psiquiatria brasileira, na segunda metade do século XIX, perpassando pelas décadas

de 1950 e 1960 até o período contemporâneo à produção de tais textos. Nestes termos analisam o

processo de criação da assistência psiquiátrica, sua expansão a partir da atuação do SNDM no

Estado Novo Varguista e seu processo de degradação que culminou com uma forte contestação

do modelo assistencial vigente à época, por parte dos profissionais do setor, resultando na

chamada reforma psiquiátrica.

2. A lógica assistencial do Serviço Nacional de Doenças Mentais na cidade do Rio de

Janeiro.

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A partir da leitura dos relatórios anuais3 dos sucessivos diretores do SNDM, entre 1955 e

19604 e de sua Seção de Cooperação relativos aos anos de 1955, 1958 e 1960 é possível constatar

a existência de várias instituições destinadas aos cuidados dos doentes mentais na cidade do Rio

de Janeiro, além de uma lógica de atendimento e distribuição dos pacientes entre essas variadas

instituições.

O regimento do SNDM aprovado pelo decreto-lei 17.185, de 18 de novembro de 1944,

organizou o SNDM da seguinte forma: órgãos centrais, órgãos locais e a Escola de Enfermagem

Alfredo Pinto. De acordo com os relatórios anuais do SNDM e de sua Seção de Cooperação,

anteriormente citados, é possível observar que durante o governo JK tal organização se manteve,

na qual os órgãos centrais correspondiam à Seção de Administração (S.A) e à Seção de

Cooperação (S.C). O primeiro era responsável pelas medidas referentes à administração de

pessoal, material, orçamento, comunicações, biblioteca e portaria do SNDM, além disso, era a

seção responsável por realizar inquéritos administrativos que tinham como finalidade apurar

irregularidades cometidas no SNDM (Ministério da Saúde, 1956, s/p). Suas ações tinham o

intuito de manter a organização interna do órgão e de seus servidores. Já o segundo órgão, a

Seção de Cooperação, ainda baseado nas informações dos relatórios, mais especificamente dos

produzidos por essa seção (1955), (1958) e (1960), tinha funções mais ampliadas, tais como

elaboração de inquéritos e investigações sobre a incidência e a profilaxia das doenças mentais;

divulgação de novas aquisições científicas; auxilio aos órgãos de propaganda de higiene mental;

organização dos ambulatórios de Higiene Mental junto às Delegacias de Saúde em todo o Brasil;

cooperação e ajuda aos serviços estaduais no campo da assistência psiquiátrica, orientando-os,

coordenando e fiscalizando no que tange a organização, instalações e funcionamento. A SC

também opinava sobre os projetos de instalação de novas instituições psiquiátricas ou a expansão

das já existentes, sendo públicas ou privadas, cooperando com a Divisão de Obras do

3 Todos os relatórios localizam-se no Centro de Estudos do IMASJM (Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira). 4 A exceção do relatório referente ao ano de 1959, pois este não foi localizado no IMASJM.

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Departamento de Administração do Ministério da Saúde; organizava o cadastro dos

estabelecimentos oficiais e particulares; e era responsável por fiscalizar o cumprimento das

exigências estabelecidas pelo poder executivo central nos processos de subvenção federal às

instituições de assistência psiquiátrica.

Durante a administração JK foi realçada a vocação do SNDM como um órgão voltado

para a assistência psiquiátrica nacional, principalmente após 1958, quando encerrou-se a ligação

da S.C com órgãos “tipicamente locais” (Ministério da Saúde, 1958, s/p), quando esta devolveu o

Ambulatório de Higiene Mental de Jacarepaguá para a administração da CJM, e obrigou a

transferência do ambulatório que funcionava na Praia Vermelha para um prédio ao lado do

Hospital de Neuro-Sífilis. Desse modo, retornando em fins de 1958 a sua tarefa de órgão central,

voltando toda a sua atenção a unidades psiquiátricas em todo o território nacional, e ficando os

Ambulatórios de Higiene Mental cariocas a cargo dos órgãos locais (Ministério da Saúde, 1958,

s/p). Tal informação é corroborada no relatório da S.C enviado ao diretor do SNDM referente ao

ano de 1960, quando são listados vinte e três Ambulatórios5 subordinados à seção, e nenhum

deles localiza-se na cidade do Rio de Janeiro (Ministério da Saúde, 1960, p.3).

Os órgãos locais correspondiam às três instituições psiquiátricas federais localizadas na

cidade do Rio de Janeiro e administradas pelo SNDM, o Manicômio Judiciário6, o Centro

Psiquiátrico Nacional (CPN), composto por nove setores com finalidades médicas e terapêuticas,

ao qual sua clientela era encaminhada de acordo com suas necessidades de tratamento, e a

5 Os vinte e três ambulatórios eram os seguintes: Manaus, São Luiz, Teresina, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Campina Grande, Maceió, Aracajú, Salvador (Itapagipe), Salvador ( Páu Miudo), Vitória, Niterói, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Pelotas, Goiânia, Cuiabá. Outros três estavam a espera de sua reabertura (Belém, Recife e Olinda). 6 O Manicômio Judiciário, inaugurado em 1921, recebeu o nome de Heitor Carrilho (MJHC) a partir do decreto Nº 37.990, de 27 de setembro de 1955, Era destinado aos delinquentes isentos de responsabilidade por motivo de afecção mental, assim determinado por juiz competente, condenados recolhidos às prisões federais que apresentassem sintomas de perturbação mental, ou acusados de algum crime que deveriam ser submetidos à observação ou tratamento psiquiátrico, todos sob o regime de internação fechada. Por ter função especificamente jurídica e, desse modo, alheia as vicissitudes do atendimento padrão aos afligidos por moléstias mentais na cidade, não me debruçarei na análise desta instituição.

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Colônia Juliano Moreira (CJM), destinada ao tratamento de crônicos. É a partir dessas duas

últimas instituições, mais os Ambulatórios de Higiene Mental, que buscarei analisar a diretriz da

política assistencial psiquiátrica durante o governo JK para a cidade do Rio de Janeiro.

2.1 O Centro Psiquiátrico Nacional (CPN)

Criado em 1944, o CPN origina-se da Colônia de Alienadas do Engenho de Dentro,

fundada em 1911 no bairro do subúrbio carioca do Engenho de Dentro, a qual tinha como

objetivo inicial abrigar as indigentes que superlotavam o Hospital Nacional de Alienados

(Oliveira, 2004, p.50). A partir da direção de Gustavo Riedel (1918-1932) há uma reformulação

no papel da instituição dentro da lógica assistencial da cidade, dando a ela destaque na

assistência psiquiátrica do período com a inauguração do Ambulatório Rivadávia Correa,

primeiro ambulatório psiquiátrico da América Latina, que teve um papel importante na profilaxia

de doenças mentais; a criação da Escola de Enfermeiros Alfredo Pinto, fundamental na

profissionalização e especialização em psiquiatria; o Serviço Hétero-familiar, que era realizado

através de casas habitadas por funcionários que cuidariam de doentes postos sob sua guarda

domiciliar; o Instituto de Profilaxia Mental, primeiro órgão responsável pela divulgação da

higiene mental no Brasil; por fim, a criação, em 1923, do Laboratório de Psicologia

Experimental da Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro que, em 1932, se transforma no

Instituto de Psicologia, uma extensão do curso de Psicologia e Psiquiatria, “trazendo o saber para

junto da prática” (Oliveira, 2004, p.51). Toda esta reordenação assistencial vai fazer este lugar

ocupar um destaque especial na assistência psiquiátrica do Rio de Janeiro.

Em 1938, quando Adauto Botelho assume a direção da Assistência aos Alienados, propõe a

criação do Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM) e a transformação da Colônia em

Centro Psiquiátrico Nacional. Desde então, a idéia de Adauto Botelho era transferir o Hospício

Nacional de Alienados para o Engenho de Dentro (Oliveira, 2004, p.59), o que ocorre de forma

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definitiva em 1943 e, no ano seguinte a publicação do decreto-lei Nº 7.055 de 18 de novembro de

1944 cria o Centro Psiquiátrico Nacional, transformando-o num complexo hospitalar.

De acordo com o regimento do SNDM produzido em 1944 e o relatório da Seção de

Cooperação (1960b), último ano do governo JK, é possível perceber que a estrutura

organizacional do CPN não sofreu alterações, sendo composta por: além de laboratório e

farmácia próprios, um Bloco Médico-Cirúrgico (B.M.C.), uma Seção de Fisioterapia e

Fisiodiagnóstico (S.F.F.), o Instituto de Psiquiatria (I.P.) e os Hospitais Pedro II (H.P.II),

Gustavo Riedel (H.G.R.), de Neuro-Psiquiatria Infantil (H.N.P.I.) e de Neuro-Sífilis (H.N.S.). O

funcionamento desses órgãos internos correspondia a uma função dentro da lógica assistencial na

cidade, na qual a clientela tinha como destino as instituições que ofertavam serviços que melhor

atenderia as suas necessidades específicas.

Sua lógica assistencial, de acordo com os relatórios analisados para a realização dessa

pesquisa, determinava que cada indivíduo ao dar entrada no Centro Psiquiátrico Nacional era

encaminhado primeiramente ao Instituto de Psiquiatria, uma espécie de pronto socorro

psiquiátrico, ou aos ambulatórios de Higiene Mental. Ao todo eram cinco ambulatórios

espalhados pela cidade, os quais apresentavam um modelo híbrido de funcionamento,

contemplando ações de prevenção ao realizar serviços de higiene mental no Distrito Federal;

pesquisas em colaboração com a Seção de Cooperação e os órgãos federais de ensino da

psiquiatria sobre as causas das doenças nervosas e mentais, com objetivos sociais e eugênicos; e

prestavam assistência, ao observar, examinar e tratar os recém-chegados e egressos, ou mesmo

realizando a triagem para outra unidade dentro do próprio CPN logo após a identificação de sua

moléstia. A partir daí, o paciente poderia ter um dentre vários possíveis destinos no próprio CPN:

se a sua moléstia fosse derivada da sífilis era encaminhado para o ambulatório de Neuro-Sífilis

(AHM-NS) ou ao Hospital de Neuro-Sífilis, que tinha como função o tratamento, a profilaxia e a

realização de estudos e pesquisas no domínio das doenças nervosas e mentais causadas pela

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sífilis. Caso o paciente ainda estivesse na fase pré-puberal7 seria encaminhado para o

ambulatório de Neuro-Psiquiatria Infantil (AHM-NPI) ou ao Hospital de Neuro-Psiquiatria

Infantil (HNPI), ao qual cabia a responsabilidade de receber crianças anormais do ponto de vista

neuro-psiquiátrico; para isso, mantinha uma escola médica-pedagógica para educação e instrução

dos menores, com classes separadas entre perfectíveis e imperfectíveis ou ineducáveis.

Para os casos sub-agudos o destino era o Hospital Gustavo Riedel (HGR), sob o regime de

internação mista, onde os pacientes eram examinados e tratados. Entretanto, o HGR durante o

ano de 1957 detinha sob seus cuidados 250 enfermos crônicos, antigos pacientes do Hospital da

Praia Vermelha (Ministério da Saúde, 1957, s/p). As informações relativas ao momento da

chegada desses pacientes e quais seus destinos ainda não foram encontradas nos relatórios já

analisados. Já os casos classificados como agudos eram enviados ao Hospital Pedro II, que tinha

como funções a observação e o tratamento de doentes mentais de ambos os sexos, com

perturbações mentais agudas. Recebia “...todos os psicopatas agudos indigentes da cidade do Rio

de Janeiro e mais os psicopatas de estados próximos, principalmente de Minas Gerais e Rio de

Janeiro” (Ministério da Saúde, 1957, s/p).

2.2 A Colônia Juliano Moreira

Inaugurada em 1924, em substituição às colônias de Barão de Mesquita e de São Bento no

bairro da Ilha do Governador, na cidade do Rio de Janeiro, ainda com o nome Colônia de

Psicopatas-Homens. Em 1935 passa a ser chamada de Colônia Juliano Moreira (CJM), em uma

homenagem póstuma ao psiquiatra. Tinha por finalidade a internação visando à assistência aos

doentes mentais crônicos de ambos os sexos, sobretudo os que podiam ser beneficiados pela

praxiterapia. Outra diretriz assistencial central da CJM era a assistência hétero-familiar,

implantada naquela instituição desde sua criação a partir da instalação de seus funcionários sem

7 Fase anterior à puberdade.

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casas, construídas no interior da colônia para que os mesmo pudessem receber pacientes para o

convívio doméstico e saudável,

O modelo de isolamento dos pacientes em área rural, longe dos centros urbanos era

considerado uma medida terapêutica, pelo alienismo e seu 'tratamento moral', buscando-se com

isso prevenir o contato do doente com os excessos da vida urbana “moderna” (Venancio, 2011,

p. 36). Contudo, o tratamento não se compunha apenas no isolamento, mas também no trabalho,

basicamente rural8, no qual sua produção era vendida e o lucro destinado ao custeio da própria

instituição. Já na década de 1940 a Colônia Juliano Moreira passou por um processo de expansão

de sua estrutura física e das terapias disponíveis a seus internos, transformando-a de colônia

Agrícola em hospital-colônia, dentro de um novo contexto de política assistencial psiquiátrica

ocorrida na gestão de Adauto Botelho no SNDM, o padrão ‘hospital-colônia’ foi amplamente

instituído em diferentes estados brasileiros: quatorze das vinte unidades federativas (incluindo-se

o Distrito Federal) foram contempladas com a construção ou ampliação de hospital-colônia ou

colônia (Venancio, 2011, p. 46).

No regimento do SNDM de 1944 a CJM era composta pelo Bloco Médico Cirúrgico

Álvaro Ramos (BMCAR), um pavilhão de isolamento para recolher doentes mentais, de ambos

os sexos, com intercorrências médicas-cirúrgicas ou que fossem portadoras de moléstias infecto-

contagiosas; os núcleos masculinos Ulisses Viana (NUV-CJM) e Rodrigues Caldas (NRC-CJM)

e os núcleos femininos Teixeira Brandão (NTB-CJM) e Franco da Rocha (NFR-CJM). Cada um

desses núcleos era composto de pavilhões para dormitório dos doentes e dispunha de setor de

terapêutica ocupacional, gabinete dentário, cozinha, lavanderia, funcionando de forma autônoma

em relação aos demais. Os Núcleos Rodrigues Caldas e Franco da Rocha possuíam, cada um

deles, um pavilhão para adolescentes. Também compunha a CJM a Seção de Praxiterapia – que

organizava e dirigia os serviços de trabalho terapêutico para os doentes internados na instituição

8 Além da venda de leite de vaca, verduras, leitões e carne de boi, também eram comercializados cestas e cadeiras de vime fabricadas pelos internos da CJM.

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– e a Farmácia que supria com serviços farmacêuticos os diversos setores da CJM. Até então o

momento, nos documentos pesquisados não foi encontrada nenhuma menção de que tal estrutura

tenha sido modificada, ao invés disso, nos relatórios do SNDM (1957) e da S.C (1958) são

citados os quatro núcleos (NUV, NRC, NTB e NFR) e o BMCAR como recebedores de

melhorias por parte da Seção de Cooperação. O que demonstra que tal estrutura organizacional

manteve-se no período estudado.

2.3 Os Ambulatórios de Higiene Mental

Apresentando características de “laboratórios de observação” de viés profilático,

permitindo assim, conciliar a estratégia de reclusão com a de prevenção (Oliveira, 2004, p.53),

os ambulatórios de higiene Mental administrados pelo SNDM eram num total de cinco

ambulatórios9 na cidade do Rio de Janeiro e outros dezessete espalhados por todo o território

nacional no início do governo JK (Ministério da Saúde, 1958, s/p), já no último ano de sua

administração, 1960, o número já subiu para vinte e três abertos e outros três estavam na

iminência de reabrir (Ministério da Saúde, 1960, s/p). Assim como o Instituto de Psiquiatria do

CPN, os ambulatórios também funcionavam como porta de entrada na rede pública psiquiátrica

de indivíduos que apresentavam moléstias mentais. Realizavam a primeira consulta, a triagem ou

um tratamento psicoterapêutico. O programa de profilaxia das doenças mentais, a cargo da Seção

de Cooperação, intensificou-se, durante a administração Kubitscheck, em todos os Ambulatórios,

sobre os quais a afluência de consulentes aumentava ano a ano (Ministério da Saúde, 1958, s/d).

A intensificação desse atendimento pode ser percebida pelo aumento do número de pessoas que

recebiam cuidados médicos-psiquiátricos nos ambulatórios. Em 1955, ano anterior ao início do

governo JK o número de atendimentos nos Ambulatórios de Higiene Mental no Distrito Federal

foi de 26.275, enquanto no último ano de seu governo, no então Estado da Guanabara10, esse

9 Os cinco ambulatórios são os seguintes: da Praia Vermelha; ambulatório de Jacarepaguá; ambulatórios do Hospital de Neuro-Psiquiatria Infantil e do Hospital de Neuro-Psiquiatria; por fim, o ambulatório do Instituto de Psiquiatria. 10 Em 21/04/1960 Brasília foi inaugurada, com isso a capital da república transferiu-se para o centro do país. A cidade do Rio de Janeiro, que desde a proclamação da república em 1889 era o Distrito Federal, com essa transferência, transformou-se em Estado da Guanabara.

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número subiu para 41.777, observando-se um aumento de 58%. Em relação aos exames

realizados11, também houve um acréscimo substancial relativo ao mesmo período: em 1955

foram realizados 7.717, em 1960 o número aumentou para 10.087, crescimento de 30%

(Ministério da Saúde, 1960, s/d).

Tais números mostram que a importância do trabalho desses ambulatórios aumentou

durante o referido governo. Tratava-se de um modelo assistencial voltado para os doentes que

não necessariamente precisariam de internação, já que nesses órgãos também eram distribuídos

remédios aos pacientes e realizado tratamento de psicoterapia, eletrochoque e através do uso de

insulina (Ministério da Saúde, 1958, s/d), impedindo-se assim a transferência para um hospital

especializado, pois quando possível, o tratamento era realizado no próprio ambulatório.

3. Conclusão

Esse trabalho apresentou sucintamente o atual estágio de minha pesquisa de mestrado.

Mostrando através da leitura dos relatórios produzidos pelo SNDM e sua Seção de Cooperação,

que o órgão era o responsável direto pela assistência pública psiquiátrica na cidade do Rio de

janeiro, o qual não sofria ingerências do poder local sobre suas decisões. Suas ações eram

baseadas em três tipos de instituições voltadas exclusivamente para o tratamento psiquiátrico: o

Centro Psiquiátrico Nacional, a Colônia Juliano Moreira e os Ambulatórios de Higiene Mental.

A ação deste último foi encorajada pelo SNDM, que os via como uma possibilidade de diminuir

a superlotação dos hospitais psiquiátricos.

Também foi possível demonstrar que os Ambulatórios tiveram seus trabalhos

incentivados, perceptível através do aumento do número dessas instituições em todo o Brasil,

aumentando de 17 no primeiro ano da administração JK para 23 (com mais 3 na iminência de

11 Nos relatórios e nos mapas de movimentação de pacientes dos ambulatórios de Higiene Mental os exames são classificados como: liquor, sangue e diversos.

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serem reabertos) em 1960. Além disso, houve o aumento da oferta dos serviços prestados pelos

ambulatórios cariocas já existentes, especificamente nas consultas e nos tratamentos.

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• Fontes Documentais

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Núcleo de Documentação e Pesquisa do IMASJM/SMS, Caixa 356 / Envelope 2452.

BRASIL/MS/DNS/SNDM. Relatório de atividades do SNDM ao diretor do DNS. 1955b. Núcleo

de Documentação e Pesquisa do IMASJM/SMS, Caixa 566 / Envelope 4530.

BRASIL/MS/DNS/SNDM. Relatório de atividades do SNDM ao diretor do DNS. 1956. Núcleo

de Documentação e Pesquisa do IMASJM/SMS, Caixa 417 / Envelope 3106

BRASIL/MS/DNS/SNDM. Relatório de atividades do SNDM ao diretor do DNS. 1957. Núcleo

de Documentação e Pesquisa do IMASJM/SMS, Caixa. 570 / Envelope 4554.

BRASIL/MS/DNS/SNDM. Relatório da Secção de Cooperação ao diretor do SNDM. 1958.

Núcleo de Documentação e Pesquisa do IMASJM/SMS, Caixa 154 / Envelope 1605.

BRASIL/MS/DNS/SNDM. Relatório da Secção de Cooperação ao diretor do SNDM. Volume I,

1960a. Núcleo de Documentação e Pesquisa do IMASJM/SMS, Caixa 567 / Envelope

4535.

BRASIL/MS/DNS/SNDM. Relatório da Secção de Cooperação ao diretor do SNDM. Volume II,

1960b. Núcleo de Documentação e Pesquisa do IMASJM/SMS, Caixa 566 / Envelope

4528.

Page 15: O Serviço Nacional de Doenças Mentais no Governo JK: a

• Legislação

BRASIL. Decreto-Lei 17.185, 18 de novembro de 1944. Aprova Regimento do Serviço Nacional

de Doenças Mentais do Departamento Nacional de Saúde do Ministério da Educação e

Saúde.

BRASIL. Decreto-Lei 7.055, 18 de Novembro de 1944. Cria o Centro Psiquiátrico Nacional e

extingue o Conselho de Proteção aos Psicopatas e a comissão inspetora, e dá outras

providências.