o ser o sujeito de direitos: uma anÁlise do ...paulo velten o justo e o sujeito de direitos: uma...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
PAULO VELTEN
O SER O SUJEITO DE DIREITOS: UMA ANÁLISE DO CONTRAMAJORITARISMO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
RIO DE JANEIRO
2015
PAULO VELTEN
O JUSTO E O SUJEITO DE DIREITOS: UMA ANÁLISE DO CONTRAMAJORITARISMO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Estácio de Sá, como pré-requisito para obtenção do título de Doutor em Direito.
Área de Concentração: Direito Público e Evolução Social.
Orientador: Prof. Dr. Rafael Mario Iório Filho.
RIO DE JANEIRO
2015
A Cris, Lara, Isadora, André, Conceição e Bonaldi que
pagaram conjuntamente o preço da minha loucura.
Prometo que dias melhores virão.
AGRADECIMENTOS
Aos Professores Doutores Rafael Mario Iório Filho, Vanice Regina Lírio do Valle e Nilton César Flores
que, quando tudo parecia perdido, com sensibilidade e dedicação, conseguiram recolocar as coisas
em ordem. Aos amigos Braz Valério Brandão, Renato Porto, Júlio Pompeu e Valfredo Aguiar Dias,
pelos incentivos nos momentos de desesperança bem como, pelos debates e trocas de ideias que
fizeram pavimentar este caminho. E ainda a Giany Terra, Alyna Bonella, Nevitton Vieira Souza e
Agatha Brandão, todos artífices cuidadosos desse trabalho, finalmente, a turma 2013.2 do doutorado
que trouxeram leveza e alegria a essa jornada.
[...] era uma vez, em algum remoto canto do universo cintilante, derramado por incontáveis sistemas solares, houve um astro em que animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da história universal: foi, porém, apenas um minuto. Depois de uns poucos fôlegos da natureza o astro congelou-se e os animais inteligentes tiveram de morrer. É notável que o intelecto chegue a isto, logo ele, que foi concedido aos mais infelizes, delicados e perecíveis seres apenas como meio auxiliar para que possam existir por um minuto.
(Friedrich Nietzsche)
RESUMO
A filosofia tradicional considera o Ser a partir de sua essência. Já na filosofia
moderna, ele se transforma em Sujeito que, de acordo com a influência do tempo e
da complexidade social, outrora desconsiderados, se constrói e reconstrói segundo
suas vontades. Se, antes era apenas um componente da realidade, agora tem o
poder de defini-la. Esse Ser, transformado em Sujeito, é caracterizado pelo exercício
de uma liberdade substantiva capaz de produzir uma existência posterior à
consciência, uma identidade. O exercício dessa liberdade, a partir de uma
perspectiva democrática, levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a enfrentar as
novas fronteiras conceituais a respeito desse sujeito de direitos nos julgamentos das
Ações de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132, nº 54-8, nº 54 e nº 186,
bem como na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3.510. Este trabalho se
propõe, por meio dos métodos descritivo e indutivo, buscar referências que permitam
identificar o atual estado da arte da filosofia praticado na Suprema Corte, no que se
refere à qualificação relativa ao Ser ou aos Sujeitos de direitos. Em três dos quatro
casos analisados, a manipulação do conceito contra-hegemônico serviu de
motivação e justificou a legalização de uniões homoafetivas, o reconhecimento da
autonomia feminina e o estabelecimento de cotas educacionais para negros na UnB.
Fato que não ocorreu na ADI nº 3.510 e que serve de contraponto. O trabalho revela
que, apesar da aparente atualização do STF no que tange ao reconhecimento de
identidade desses sujeitos de direitos, a Corte demonstrou apego a uma ética
individual, utilitária e dependente de fatores pessoais e intrínsecos, tipicamente
aristotélica, e, ainda, uma disposição impregnada (habitus) de se fazer protagonista
na distribuição de direitos, a partir da manipulação de conceitos (bricolagem). A
identificação do argumento contra-hegemônico motivador das decisões demonstra
que as alegações, como preconceito, vulnerabilidade e infortúnio histórico, servem
para, a partir da obra de Nietzsche, ilustrar uma estrutura de pensamento que
mantém intactos os pilares filosóficos tradicionais, uma repetitiva omissão no que diz
respeito ao reconhecimento da complexidade social atual, bem como de uma
identidade paritária a ser construída a partir da filosofia contemporânea.
Palavras Chave: O Ser. O Sujeito de Direitos. Contramajoritarismo. Identidade. STF.
ABSTRACT
The traditional philosophy considers the Being from its essence, but in the modern
philosophy it becomes the Subject, that from the influence of time and from the
contemporary social complexity once not regarded, builds and rebuilds itself starting
from its wills. Thus, if once it was just a component of reality, now it has the power to
define the same reality. This Being transformed into Subject is characterized by the
performance of a substantive freedom able of producing an existence subsequent to
consciousness; an identity. The exercise of this freedom and of this identity, from a
democratic perspective, has led the Federal Supreme Court to face the new
conceptual boundaries concerning these subjects of rights and on the trial of non-
compliance actions of fundamental precept 132, 54-8, 54 and 186, as well as the ADI
3510. This study aims to analyze, through descriptive and inductive methods,
references to identify the current state of the philosophy art practiced in the Supreme
Court regarding the relative qualifications related to Being or to the Subjects of rights.
In three of the four cases examined, the manipulation of the against hegemonic
concepts worked as motivation and justified the legalization of the homo affective
relationship, the recognition of women's autonomy and the establishment of
educational quotas for black people in UnB, which did not occur in the ADI 3510 and
works as a counterpoint. The work shows that despite the apparent update of the
Supreme Court regarding the recognition of identity of these subjects of rights, the
Court demonstrated a clinging to individual, utilitarian and dependent ethics on
personal and intrinsic factors, typically Aristotelian and also a disposition impregnated
(habitus) of making protagonist in the distribution of rights from the manipulation of
concepts (bricolagem), which together with an argumentative opportunism puts itself
on the service for controlling social tensions. The identification of the argument
against hegemonic motivators decisions show that the allegations, as prejudice,
vulnerability and historical misfortune serve to, according to Nietzsche's work,
demonstrate structure of thinking that keeps intact the traditional and philosophical
pillars, a repetitive omission considering the recognition of the current social
complexity as well as in relation to the recognition of a joint identity built from a social
contemporary philosophy.
Keywords: The Being. The Subject. Hegemonic. Identity. Federal Supreme Court.
RÉSUMÉ
La philosophie traditionnelle considère l'Être de son essence. Dans la philosophie
moderne, il devient le sujet, que de l'influence du temps et de la complexité sociale
contemporaine pas considéré avant, construit et se reconstruit à partir de ses
volontés. Ainsi, si une fois qu'il était juste un élément de la réalité, maintenant il a le
pouvoir de définir la même réalité. Cet Être transformée en Sujet est caractérisée par
la performance d'une liberté substantif capable de produire une existence ultérieure à
la conscience; une identité. L'exercice de cette liberté et de cette identité, à partir
d'un point de vue démocratique, a conduit la Cour suprême fédérale considerer
nouvelles frontières conceptuelles concernant ces sujets de droits et sur le procès
d'actions de non-conformité de précepte fondamental 132, 54-8, 54 et 186, ainsi que
la ADI 3510. Cette étude propose d’analyser, à travers des méthodes descriptives et
inductives, les références qui reflètent l'état actuel de la philosophie pratiquée à la
Cour suprême sur les qualifications liées à l'Être ou les Sujets de droits. Dans trois
des quatre cas examinés, la manipulation de un concept contrehégémonique etait la
motivation et justifié la légalisation de la relation homo-affective, la reconnaissance
de l'autonomie des femmes et l'établissement de quotas d'éducation pour les
personnes noires dans UnB – ça n'a pas eu lieu dans l'ADI 3510 et indique un
contrepoint. Le recherche montre que, malgré la mise à jour apparente de la Cour
suprême concernant la reconnaissance de l'identité de ces Sujets de droits, la Cour a
démontré un attachement à l'éthique individuelle, de la même façon qui se fond sur
l’utilitarisme et dépend de facteurs personnels et intrinsèques - généralement
aristotéliciens et surtout avec une disposition imprégné (habitus) de se faire
protagoniste dans la répartition des droits dès la manipulation de concepts
(bricolage). L'identification des argument contrehégémoniques de motiver les
décisions montrent que les allégations, comme préjugé, vulnérabilité et malheur
historique servent à, selon l'œuvre de Nietzsche, de démontrer la structure de la
pensée qui maintient intacts les piliers philosophiques traditionnels - une omission
répétitif compte tenu de la reconnaissance du courant complexité sociale ainsi que
par rapport à la reconnaissance d'une identité commune construite à partir d'une
philosophie sociale contemporaine.
Mots-clés: L’Être. Le Sujet de droits. Contrehégémonique. Identité. Cour suprême
fédérale.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................. Erro! Indicador não definido.
1 O ESTADO NATURAL ........................................................................................... 19 1.1 O ESTADO NATURAL E A VIRTUDE .................................................................. 22 1.1.1 Escolhas e opiniões ....................................................................................... 25 1.1.2 A natureza cristianizada ................................................................................. 25 1.2 O SUJEITO INVENTADO .................................................................................... 30 1.2.1 A bifurcação: a analítica da verdade e a ontologia do presente ................ 35 1.2.1.1 A analítica da verdade ................................................................................... 36 1.2.1.2 A ontologia do presente ................................................................................. 38 1.3.2 A virada linguística ......................................................................................... 39
2 OS CONFLITOS ÉTICOS A RESPEITO DO SER E DO SUJEITO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ........................................................................................... 44
2.1 OS CASOS ESTUDADOS .................................................................................. 44
2.2 ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF)
Nº 132 ................................................................................................................. 49
2.2.1 A premissa do amor como precondição do pensamento ........................... 49
2.2.2 O pragmatismo a respeito do Ser ................................................................. 55
2.2.3 Busca da felicidade como princípio ............................................................. 56
2.2.4 O contramajoritarismo ................................................................................... 57
2.3 ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF)
Nº 54 ................................................................................................................... 58
2.3.1 As circunstâncias da liminar ......................................................................... 58
2.3.2 A premissa kantiana: mulher como um fim em si mesmo .......................... 60
2.3.3 O Estado laico e a dignidade ......................................................................... 62
2.3.3.1 A dignidade autônoma ................................................................................... 62
2.3.4 A negação da vida como direito absoluto .................................................... 63
2.3.4.1 A divergência sobre o direito à vida ............................................................... 66
2.3.4.2 A vida sem qualquer essência ....................................................................... 66
2.3.5 A dogmática da vida ....................................................................................... 67
2.3.5.1 A oposição ..................................................................................................... 69
2.3.6 Interpretação evolutiva .................................................................................. 70
11
2.3.7 Autodeterminação feminina .......................................................................... 71
2.3.7.1 A transcendência do direito da mulher .......................................................... 72
2.3.8 A negação da vontade do legislador............................................................. 73
2.3.9 A ponderação e as razões de decidir ............................................................ 75
2.4 ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF)
Nº 186 ................................................................................................................. 76
2.4.1 A igualdade como argumento suficiente ...................................................... 78
2.4.2 Premissas e omissão do legislativo ............................................................. 79
2.4.3 Justiça distributiva e reivindicação do reconhecimento ............................ 81
2.5 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE nº 3.510.................................. 85
2.5.1 A escolha do caso .......................................................................................... 85
2.5.2 O paradoxo ..................................................................................................... 86
2.5.3 O feitiço da ciência ......................................................................................... 87
2.5.4 Interpretação aditiva limitadora do alcance do texto da lei ........................ 88
2.5.5 A oposição ao conceito aristotélico de potência ........................................ 89
2.5.6 A dignidade intermediária e a desqualificação ontológica do embrião ..... 90
2.5.7 Constitucionalismo fraternal e busca da felicidade .................................... 92
2.5.8 Direito ao planejamento familiar ................................................................... 94
2.5.9 Liberdade científica ........................................................................................ 94
3 LEGITIMAÇÃO DOS DISCURSOS ....................................................................... 96
3.1 O SUJEITO DE DIREITOS .................................................................................. 97
3.1.1 O verso da moeda .......................................................................................... 98
3.1.2 Sujeitos morais em sua complexa identidade ............................................. 99
3.1.2.1 O contraponto .............................................................................................. 103
3.2 A FELICIDADE VISTA COMO DIREITO ............................................................ 106
3.3 O CONTRAMAJORITARISMO .......................................................................... 110
3.3.1 Critérios contramajoritários ........................................................................ 112
3.3.2 Da teoria de reconhecimento da identidade frasiana ................................ 117
3.4 OS CONSENSOS E O DIREITO À VIDA .......................................................... 121
CONCLUSÕES ....................................................................................................... 124
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 139