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RESUMO: A presente investigação seconfigura em termos qualitativos de pesquisacomo um estudo de caso dos alunos de umaescola estadual integrante do programa especialde Educação de Jovens e Adultos – EJA. Taisalunos estavam matriculados na 3ª e na 4ª etapasdo programa, cujo formato curricularcorresponde às quatro últimas séries do EnsinoFundamental de 5ª a 8ª séries, cujaoperacionalização concentra conhecimento,espaço e tempo uma vez que cada etapa édesenvolvida em um ano letivo. A escolaescolhida se localiza em área geográfica de'ocupação' cuja comunidade vive na condição deexclusão social, justamente no entorno de duasuniversidades públicas. Os jovens e adultosoriginados desse contexto, que estudam nessaescola, vivenciaram uma trajetória escolarmarcada por impedimentos de estudar,reprovações e interrupções escolares que osimpediram de concluir o Ensino Fundamental.Por essas razões, nos propusemos investigarpara conhecer, no âmbito do ensino daMatemática, elementos que contribuem para a(re)inclusão escolar com sucesso desses alunos,bem como elementos que acabam por incidir nasua (re)exclusão escolar, um fenômeno queretroalimenta o processo inevitável de exclusãosocial desses alunos. Para tanto, assumimos aconstrução de uma trama narrativa relativa aocontexto dessa escola, envolvendo e interagindodialogicamente os seus sujeitos nesta pesquisa,quais sejam, alunos, professores e funcionáriosda escola. Consideramos suas historicidades esuas interpretações dos eventos pedagógicosvividos por eles em relação ao ensino de

Matemática, objetivando produzir outrossentidos, relações e nexos que respondam ao

e ao os elementos de análisedestacados contribuem e incidem no processo deinclusão ou exclusão escolar.As análises por nósprocedidas possibilitam evidenciar os termos daindiferença escolar e do despreparo docentequer pela desconsideração da história doalunado quer pela visão distorcida de “currículojusto” e “igualdade de oportunidades” nacomparação com os alunos legalmente ditosvinculados ao “ensino regular”.

educação matemática,processos de exclusão e inclusão escolar esocial, educação de jovens e adultos.

This investigation is framed in terms ofqualitative research as a case study of students ina public school member of the special programof Youth and Adults - EJA. These students wereenrolled in the 3rd and 4th stages of the program,whose curriculum format corresponds to the lastfour grades, from 5th to 8th grades, whoseoperation is concentrated knowledge, space andtime as each step is developed in a schoolyear.The chosen school is located in thegeographic area of 'occupation' which thecommunity lives in conditions of socialexclusion, precisely in the vicinity of two publicuniversities. Young and adults people thiscontext, studying at the school, experienced aschool career marked by impediments to study,school failures and interruptions that preventedthem from completing the elementary school.For these reasons, we decided to investigate tolearn under the teaching of mathematics,elements that contribute to inclusion in school

'como' 'por que'

Palavras-chave:

ABSTRACT

¹ Mestre do Programa de Pós Graduação em Educação em Ciências e em Matemática – Universidade Federal do Pará –

[email protected]² Orientadora, Docente e pesquisadora do Programa de Pós Graduação em Educação em Ciências e em Matemática –

Universidade Federal do Pará – [email protected]

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O SENTIDO E OS SIGNIFICADOS DO ENSINO DE MATEMÁTICA EMPROCESSOS DE EXCLUSÃO E DE INCLUSÃO ESCOLAR E SOCIAL NA

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

The Sense and the meanings of mathematics education in cases of exclusion andinclusion school and social at young and adult education.

Ana Maria Sgrott Rodrigues¹Rosália M. R. de Aragão²

AMAZÔNIA - Revista de Educação em Ciências e Matemáticas V. 5 - n. 9 - jul. 2008/dez. 2008, V. 5 - n. 10 - jan 2009/jun. 2009

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with success for these students, as well aselements that ultimately relate to schoolexclusion, a phenomenon that feeds back theinevitable process of social exclusion of thesestudents. To this end, we assume theconstruction of a narrative plot on the context ofthe school, involving and interactingdialogically their subjects in this study, namely,students, teachers and school staff. Considertheir histories and their interpretations of eventsexperienced by teaching them about theteaching of mathematics, aiming to produceother meanings, relationships and connectionsthat meet the 'how' and 'why' analysis elementscontribute outstanding and concern the processinclusion or exclusion from school. Analysesproceeded possible for us to show the terms ofthe indifference of the school and teachersunprepared either by ignoring the history of thestudents either by distorted view of "curriculumfair" and "equal opportunities" in comparisonwith students told legally bound to "regulareducation".

mathematics education, processesof exclusion and inclusion school and social,youth and adults education.

A diversidade de nossas vivênciasprofissionais no campo da educação emcontextos onde se evidencia a exclusão socialcontribuiu para aguçar nossas percepções tantoem relação às implicações e aos impactos que aexclusão social promove quer no indivíduo quernos grupos sociais, quanto em relação aoprocesso de exclusão escolar vivenciado porparte de muitos alunos, em virtude de seremreprovados múltiplas vezes pela escola, ou porse envolverem intensamente na luta pelasobrevivência.

Na esteira dessas idéias, buscamos orientarnossa reflexão para compreender a participaçãoda educação, suas inserções e ocultações, nessesprocessos sociais, uma vez que perpassa eparticipa dessa dinâmica na relação que éestabelecida através da escola. Nesse sentido,focamos nosso olhar ao tratamento que é dado aoensino da Matemática, em virtude de nossaspercepções em relação aos sentimentosmanifestados pelos alunos sobre a disciplina.Manifestam desejar aprender conteúdos, no

Keywords:

INTRODUÇÃO

entanto, paradoxalmente, manifestamsentimentos de insegurança e rejeição emperseguir esse objetivo. Tomamos essasmanifestações como indícios de que aMatemática vem contribuindo claramente paraa exclusão escolar, posto que ainda é umindicador presente na maioria das pessoas quese encontram excluídas socialmente em nossoPaís.

A expressão exclusão social por nósreferida consiste em um processo sócio-histórico, por que passam indivíduos e grupossociais, de distanciamento da vivência dosdireitos, nos termos de Sposatti (1996) não setrata de um processo individual, embora atinjapessoas, mas de uma lógica que está presentenas várias formas de relações econômicas,sociais, culturais e políticas da sociedadebrasileira. Esta situação de privação coletivainclui pobreza, discriminação, subalternidade,não eqüidade, não acessibilidade, nãorepresentação pública.

Por considerarmos que a Educaçãoconsiste em um processo que constróipossibilidades de (re)inclusão escolar e social,buscamos estabelecer relação com a Educaçãode Jovens eAdultos – EJAcomo uma estratégiaque pode favorecer a (re)inclusão escolar e apermanência com sucesso de jovens e adultosnessa modalidade de ensino, na perspectiva dese incluir socialmente, através da EJA.

Isto pode justificar nossa opção pelatemática e pela metodologia de pesquisa, umestudo de caso – na modalidade investigativa-narrativa em virtude da complexidade do temaque exige uma análise relacional entre oselementos que emergem a partir das vozes dossujeitos constituindo uma teia de informaçõesque se entrecruzam, fundamentada emproposições teóricas, reflexões e registros que asustentam. Telles (2005) e Connelly &Clandinin (1995).

Elegemos para explorar nesse artigo ametodologia de pesquisa que utilizamos e emlinhas gerais os três núcleos de análise queorientaram a tessitura dessa trama narrativa,uma vez que compõem a tríade relacionalaluno-professor-conhecimento, organizadosnos seguintes eixos temáticos: 1) Alunos ealunas da EJA: sujeitos deste contexto, 2) Acondução do processo de ensino e

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aprendizagem da matemática em classes da EJAe 3) Desafios do Ensino da Matemática deJovens eAdultos no tempo presente.

Por se tratar de um fenômeno complexoiniciamos nosso estudo por uma análise maisampla do contexto sócio-econômico e histórico-cultural dos sujeitos envolvidos nesse estudo eda comunidade local que acolhe a escola.Voltamos nosso foco de análise para a escolalócus da investigação, na qual estivemospresente durante aproximadamente quatromeses acompanhando a dinâmica de seufuncionamento geral e, mais especificamente, aevolução de algumas aulas de matemática nasturmas de 3ª e 4ª etapas da Educação de Jovens eAdultos – EJA.

Tomamos, pois, esta escola como espaçoreal de pesquisa, definindo o processo deinclusão ou exclusão escolar e social comofenômeno enfocado na pesquisa. Por isso,buscamos desenvolver um estudo de caso - namodalidade investigativa-narrativa – queconforme nos ensina Telles (2005) se processa:...Quando o professor-pesquisador desejaenfocar um determinado evento pedagógico,componente ou fenômeno relativo à sua práticaprofissional. Fundamentando-se na definição deJohnson (1992) diz que nos estudos de caso opesquisador enfoca sua atenção para uma únicaentidade, um único caso, provindo de seupróprio ambiente profissional Os objetivos dosestudos de caso estão centrados na descrição eexplicação de um fenômeno único isolado epertencente a um determinado grupo ou classe.

Nesse estudo, orientamo-nos porprocedimentos metodológicos numa lógica querompe com o determinismo pré-concebido edurante o percurso da investigação as conexõesde análise emergiram destacando os elementosque se entrelaçam e constituem uma teia deinformações articuladas a partir de uma lógicarelacional fundamentada em proposiçõesteóricas, reflexões e registros bibliográficos quesustentam as análises desses elementos vários.

Durante o período em que estabelecemosalgum tipo de interação com os professores,alunos e as equipes escolares, uma relação decooperação entre nós foi estabelecida de forma

PRINCÍPIOS METODOLÓGICOS DAINVESTIGAÇÃO: PERCURSOS PORONDE TRILHAMOS

tal que nos possibilitou um ir e vir em relação àconstrução dos relatos. Isto porque, emm o m e n t o a l g u m , n o s f o i n e g a d oesclarecimentos e emissão de opiniões sobre ostemas em pauta e, da mesma forma, esse foi onosso procedimento diante dessas equipes,interagindo com os sujeitos e com os processosde ensino e de aprendizagem. Ilustramos nossaatuação quando assumimos as duas turmasconduzindo as aulas nos dias em que osprofessores de matemática estiveram ausentes.A substituição docente nos oportunizou maioraproximação e conhecimento dos alunos bemcomo e lemen tos pa ra d i a loga rmos ,posteriormente, com os professores.

Utilizamo-nos da narrativa, nos termos deAragão (2004), como abordagem metodológicade pesquisa para reconstruir/transcrever ashistórias vividas pelos alunos e professores emseus percursos escolares e formativos, as quaisforam compartilhadas conosco, Além disso,utilizam-nos da narrativa para relatar oscontextos e os processos de ensino e deaprendizagem desenvolvidos nas aulas dematemática, identificando elementos de análiseque nos possibilitaram retomá-las e discuti-las,posteriormente, com os professores.

Os relatos, depoimentos, histórias de vida emanifestações de sentimentos na forma escrita eoral consistiram em riquíssimo material depesquisa de onde emergiram os elementos deanálise, uma vez que funcionam como contextosde produção de significados para osacontecimentos ocorridos na escola e na vidados sujeitos envolvidos. As histórias narradaspelos professores, alunos e funcionários daescola são, ao mesmo tempo, método e objeto depesquisa. (Cf.Telles, 2005).

Adotamos essa modalidade metodológica,por nos possibilitar interagir com os nossossujeitos, não nos mantendo numa postura neutra,mas nos envolvendo e compartilhandoexperiências, interpretando, expondo,discutindo e buscando contrapontos naliteratura, nos deixando livres para evidenciar ossentimentos e utopias sentidas e manifestadasem termos correspondentes aos mencionadospor Gonçalves (T.V.O., 2000).

Encontramos em teóricos como Capra(1982), Morin (2004), Reigota (1998) e Santos(2003), um outro tipo de fomento que nos

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Ana Maria Sgrott Rodrigues, Rosália M. R. de Aragão

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sustenta para tratar as questões emergentesnuma dimensão relacional sistêmica emultidimensional, conduzindo nossa percepçãosobre o objeto por nós constituído na suatotalidade. Isso implica dizer que não nosdetivemos somente aos momentos pedagógicosde ensinamentos de matemática durante asaulas, mas ampliamos nosso foco de atençãopara o funcionamento da escola como um todo,como se apresenta e se organiza na condição deespaço educacional, bem como voltamo-nospara as relações que nela se estabelecem, suaproposição político-pedagógica e as relaçõespor ela estabelecidas com a comunidade em queestá inserida.Ampliamos ainda mais nosso olharanalisando e levando em conta a dinâmica dessecenário maior que exerce decididas influênciassobre a escola e os nossos alunos sujeitos destapesquisa.

O nosso envolvimento nesses meandrosmetodológicos que caracterizam a pesquisanarrativa foi possível a partir de um processoorganizativo e preparatório tendo em vista traçarum caminho para sentir o chão que iria trilhar.Um desses aspectos fundamentais consistiu emdefinir os sujeitos e demais elementos definindopari pasu onde e quando poderia buscarinformações e dados para identificar ecaracterizar elementos ou indicadores deanálise. A seleção de aspectos a seremobservados e registrados foi se definindo àmedida que o processo evoluía, na dinâmica doir e vir, indagando, dialogando, entrevistando,ajustando e observando, quando necessário,para complementar nossos registros com basenas orientações pré definidas. Os elementos deanálise que emergiram foram organizadosdidaticamente em três núcleos de análise que seintegram e se interralacionam, e em linhas geraisapresentamos em seguida

Nesse primeiro núcleo de análise voltamosnossa atenção para os alunos e alunas de duasclasses da EJA – da 3ª e 4ª etapas, devidamentematriculados na escola lócus deste estudo. Saberdesses alunos e dessas alunas foi nossa primeirapreocupação quando lá chegamos. Com suasdevidas permissões após saberem do que setratava essa pesquisa, procuramos saber quemeram, o que faziam além de estudar, por quaismotivos optaram pela EJA; procuramos

ALUNOS E ALUNAS DA EJA: SUJEITOSDESTE CONTEXTO

conhecer os seus sentimentos e as percepções desi, da escola e dos professores, especialmente osde matemática; quisemos saber suascompreensões do ensino da matemática, suasperspectivas de vida após a conclusão do EnsinoFundamental e até mesmo seus sonhos do futuro.

Nessa pesquisa mantivemos o propósito defazer uma leitura positiva desses alunos,seguindo como Brunel (2004) uma dasorientações de Charlot (2000) em relação aosestudos sobre alunos que sofreram algumahistória de “fracasso na escola”, que implicaramreprovação, “repetição de ano” ou abandonoescolar. Tais características estão presentes nosalunos da EJA, razão pela qual vimos com opropósito de não só evidenciar seus “fracassos”,deficiências e carências, mas com o intuito deconhecer esses alunos como pessoas e cidadãos.

Asduas classes sob consideração totalizam 99alunos, dos quais 47% são do sexo masculino e53% são do sexo feminino. Apesar de terem sidomatriculados 50 alunos numa classe e 49 naoutra, a freqüência diária dos alunos atinge emmédia 32 alunos por classe e se todosfreqüentassem as aulas a dimensão das salas deaula não suportaria esses quantitativos. Umindicativo de que os resultados dos censosescolares que são realizados de acordo com onúmero de matrículas efetivadas no início doano letivo não correspondem aos alunos queestudam, como também revelam a concepção deque já se inicia o ano com a prerrogativa dofracasso escolar.

Embora os alunos, a direção e a secretaria daescola não saibam precisar o motivo pelo qualgrande parte dos alunos deixam de freqüentar asaulas, relacionam as causas a um possíveltrabalho que o aluno faltoso poderia terconseguido depois da matrícula, bem comoremetem a problemas de trabalho, problemasfamiliares ou de saúde. A secretaria tambémlevantou a hipótese (ou usou como evasiva) deque muitos se matriculam com interesse emconseguir tão somente a carteira de estudantepara pagar 'meia passagem' em transporteurbano.

Em relação à faixa etária, este conjunto dealunos apresenta variação entre 15 e 62 anos deidade, com maior incidência de jovens entre 15e 24 anos de idade, que equivalem a 71% dosalunos matriculados. Dentre esses jovens, 25%

Identificando os alunos sujeitos desse estudo:

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O SENTIDO E OS SIGNIFICADOS DO ENSINO DE MATEMÁTICA EM PROCESSOS DE EXCLUSÃO E DE INCLUSÃO ESCOLAR E SOCIAL NA EJA

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deles ainda são adolescentes, pois se encontramna faixa etária entre 15 e 17 anos de idade. Essasduas classes refletem uma das mudanças e umdos novos desafios observados a partir de 1990em relação ao público da EJA, uma vez que opúblico vem se constituindo com um perfil cadavez mais jovem, trazendo consigo novasdemandas nos campos didático-metodológico,curricular, de conteúdos e espaços. Nessesentido, Brunel (2004) desenvolveu um estudosobre a temática do rejuvenescimento dasturmas de EJA, onde encontramos ressonânciapara essa análise. Os jovens vêm encontrandona EJA uma forma de 'acelerar' o processo deconclusão do Ensino Fundamental, por seencontrarem 'atrasados nos estudos' como assimmesmo afirma a maioria dos jovens, em virtudeprincipalmente de reprovações que sofreramnas séries anteriores e dos abandonos escolaresefetivados.

Refletindo com a diretora da escola sobreessa questão, deparamo-nos, então, com outroelemento que mereceu nossa atenção, pois serefere aos procedimentos utilizados pela escolarelativos a critérios de transferência de alunosdo ensino regular diurno para as classes do turnonoturno da EJA. Segundo a diretora da escola,os alunos são transferidos por 'serem maisvelhos e muito desenvolvidos se comparadoscom os demais alunos'; diz que assim procede'quando os alunos maiores aprontam algumacoisa durante o dia', referindo-se a algum ato deindisciplina por parte de um aluno com mais de14 anos. As famílias dos adolescentes não sãoenvolvidas nessas decisões tomadas, afinal, doseu ponto de vista, sua atitude representa“proteção” aos demais alunos. Com esse mesmoargumento de “proteção”, nos disse queconversa muito com o pai ou mãe de alunos,tentando convencê-los do contrário (da nãotransferência para a EJA), quando estes vêm lhepedir a 'transferência de um aluno muito bomque estuda de dia, para estudar na EJA à noite,por motivo de trabalho'.

São atitudes como essas que revelamnuances de punição ao aluno que é transferidocompulsoriamente para a EJA, e nas duassituações revelam uma atitude clara dedesvalorização e discriminação em relação àmodalidade de ensino da EJA, assim como emrelação ao seu público estudantil.

A maioria dosRelação com o trabalho:

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escola se desincumbem de uma carga horária detrabalho que varia entre 4 e 10 horas/dia. Emalguns casos chegam a extrapolar 10 horas detrabalho diário

De modo geral os alunos trabalhadores,desempenham ocupações pouco valorizadas,nas quais despendem muito tempo, muitaenergia e grande esforço físico. Razão pelasquais muitos chegam excessivamente cansadosou deixam de freqüentar as aulas devido afreqüentes atrasos de horário, dado que a escoladesconsidera e não permite nem admite suaentrada se não no horário determinado. Sobreessa situação, um dos alunos da 3ª etapa –

Rosivaldo de 36 anos – nos disse: 'Eu mesmo sóestou freqüentando às aulas regularmentedurante este mês, porque estou de férias do meutrabalho, mas quando recomeçar a trabalhar nãocomando mais o meu horário'. Esse alunotrabalha em uma madeireira e faz ocarregamento dos navios, assim, sua liberaçãode fim de jornada depende da hora que conclui ocarregamento. 'Acabo faltando às aulas e não éporque eu queira, é que tenho que optar entre aaula e o trabalho; acabo ficando com o trabalho,pois preciso trabalhar para sustentar minhafamília'. Como ele tantos outros nos disseramque apresentam dificuldades em compatibilizaro horário de aula com o de trabalho, por issofaltam, ou se chegam atrasados são impedidosde entrar na escola. Um impedimentoburocrático sobremaneira desestimulante queos alunos vivenciam no cotidiano escolar de re-inclusão.

Dos alunosrespondentes ao questionário, 52% nunca paroude estudar, no entanto, encontram-se emdefasagem de idade/série por duas razões, (1) ouiniciaram tardiamente os estudos, (2) ou foramreprovados durante o percurso escolar. Para48% dos alunos essa situação soma-se com a deinterrupções escolares, por terem sido levados aabandonar a escola.

Quanto aos motivos que levaram essesalunos a abandonar a escola por algum tempo,foram destacados pelas mulheres a gravidezprecoce, o casamento e a necessidade de cuidardos filhos. Citam ainda a necessidade detrabalhar para sustentar a família, mudanças delocal de moradia, dificuldades financeiras,grande distância entre a escola e a residência,problemas de saúde, problemas familiares e

Avida escolar desses alunos:

Ana Maria Sgrott Rodrigues, Rosália M. R. de Aragão

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pessoais, bem como as dificuldades de aprender(de decorar) e a fal ta de interesse(preguiça/brincadeiras), mencionada por úmerobastante reduzido.

Conforme registro dos 49 alunos que foramvárias vezes reprovados, quando da indicação dequal havia sido a disciplina que mais osreprovou, as respostas incidiram sobre adisciplina 'matemática' que foi indicada por 13alunos. A maioria dos alunos (30 alunos) nãosoube precisar em qual disciplina foramreprovados, em virtude de a reprovação terocorrido nas séries iniciais do EnsinoFundamental, razão que os levaram a repetirtodas as disciplinas das respectivas séries nasquais vivenciaram essa experiência. A alunaEdilene que foi reprovada oito vezes emmatemática na 1ª série e duas vezes emmatemática na 4ª série, teve que repetir tambémtodas as disciplinas tantas vezes quantas foireprovada em matemática.

D. Firmina começou a freqüentar a escolacom 59 anos e no relato de sua história de vida,fez a seguinte reflexão: É importante estudarporque uma pessoa que não sabe ler e nemescrever é uma pessoa 'cega'. Olha, quando eunão sabia nada... fico agora pensando... Quantasvezes eu peguei ônibus errado por que eu nãosabia ler!? Quantas cartas eu deixei de ler eescrever!?... Então, a minha finalidade éaprender a ler bem e escrever!!!...Por isso estounessa 'guerra', nessa 'luta' para aprender a ler eescrever. Usa a autoridade de sua idade econdição para apelar aos jovens: 'Também digopara vocês, jovens que ainda são, nãoabandonem os estudos, porque sem os estudos émuito difícil de viver. Eu lhes digo isso porexperiência própria'. Este conselho DonaFirmina, com muita propriedade, dirigiu aosdemais alunos que estavam conversandoconosco em sala de aula sobre a importância decontinuar estudando pela vida a fora, e os alunosa ouviam com respeito e com expressãoreflexiva.

A auto-imagem dos alunos configura o seu parâmetrode autovalorização, de auto-estima e deautoconfiança. O sentimento de confiança sobresi lhe possibilita mais facilmente superar asdificuldades e os desafios que se apresentamquando do seu retorno ao contexto escolar. Paraesses alunos da EJA esses sentimentos

Percepções de si próprios:

apresentam-se abalados em virtude dascondições limitadas da própria vida e dasvivências escolares anteriores que não lhesforam agradáveis tais como as lembranças dasreprovações, as determinações escolares ousociais impondo as muitas desistências egerando frustrações por não terem tido chancesde estudar na infância e na adolescência.

São situações que alteram as energias deautoconfiança e de auto-estima e que podemcriar bloqueios psicológicos de aprendizagem,justamente pela inibição da capacidade de criar,de conhecer, de estudar e de realizar, em muitosmomentos influenciados pelos sentimentosadversos de incapacidade, de falta de confiançaem si próprios, e de medo de se frustrarnovamente.

A exaltação por parte da escola e dospróprios professores responsáveis pelasreprovações que promovem de que 'a culpa doinsucesso escolar está unicamente nos alunos',faz com que essa idéia seja absorvida pelosalunos, comprometendo sua autoconfiança ea u t o - e s t i m a , m a s r e s g u a r d a n d o ar e s p o n s a b i l i d a d e o u i s e n t a n d o d eresponsabilidade os demais sujeitos envolvidosno processo ensino-aprendizagem, como assimmanifesta a aluna Joana, de 46 anos, aluna da 3ªetapa da EJA: ...Eu não consigo aprender nadade matemática... nunca consegui!. O problemanão está nos professores, eles explicam bem, eu éque não aprendo. Joana – 46 anos.

São questões de ordem afetiva que serevelam por reações emocionais que podemcriar bloqueios de aprendizagem que necessitamser vencidos, daí a importância de o professorconhecer seus alunos especiais deste contexto,suas histórias de vida escolar e ter um olharsingular nessas situações. Em função dasinformações que obtiverem, podem procurarformas de contribuição, ao nível do ensino e daorientação pedagógica, para que os alunossuperem essas dificuldades e encontrem nasaulas e na escola espaços de realização e defelicidade.

Para os jovens e adultos que buscam a EJApara concluir seus estudos, a escola tem umgrande significado, ela funciona como um“portal” para a inclusão social, na perspectiva deuma vida melhor, uma vez que nas sociedadesmodernas o estudo passou a ser requisitoprimordial para conseguir um emprego, mesmo

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que nem sempre seja requisito suficiente paragarantia de emprego. Os alunos perseguem essesobjetivos, fazendo um grande esforço parafreqüentar as aulas na escola, após uma longajornada de trabalho, para perseguir e obter'conquistas pessoais.

Privilegiamos nesse núcleo um professor dematemática da 4ª etapa e uma professora dematemática da 3ª etapa. Através de entrevistas,diálogos e observações de algumas de suas aulasdestacamos os elementos de análise a partir deeixos temáticos, quais sejam:

Nesse processo ficou marcada adificuldade que os professores apresentam emfazer alguma auto-reflexão crítica sobre suasposturas nas relações interpessoais e didático-pedagógicas assumidas em suas aulas.

Transferem as dificuldades que sentem nacondução do processo ensino-aprendizagem aosalunos ou ao processo organo-funcional daescola e do sistema educacional nos diversosâmbitos. Assim expressou um dos professoressobre a dificuldade que sente ao ensinar aosalunos da EJA que, para ele, se funda ...Na faltade conhecimento [matemático] dos alunos e nafalta de base que apresentam. Os alunos, por suavez, absorvem para si a responsabilidade de“seus insucessos e fracassos escolares”, muitoembora, ao nosso ver, estes na verdade nãosejam deles.

Conduzir-se no processo de se perceberimplica ao professor se dispor a fazer umareflexão sobre si mesmo e sobre sua práticapedagógica. Nos termos de Arroyo (2004), oexercício de lembrar nossas próprias vivências...pode ser um bom exercício para melhor entendersua centralidade em nossa formação e até melhorentender os educandos.

No contexto da EJA, perceber os alunoscomo “alunos-problema” ou “fracassados”,implica apostar em um novo “fracasso”, quepode conduzir os alunos para uma novadesistência e, quem sabe, dessa vez para sempreexcluídos da escola em virtude de que hásempre o risco de que seja quebrado ou desfeito

A CONDUÇÃO DO PROCESSO DEE N S I N O E A P R E N D I Z A G E M D EMATEMÁTICA NAEDUCAÇÃO DE JOVENS EADULTOS

Percepção de si próprios e de seusalunos:

um sonho. Brunel (2004).

Na classe da 3ª etapa, os alunosestavam estudando 'expressões numéricas comnúmeros naturais', em seguida, iniciaram osestudos sobre 'números inteiros relativos',através de incansáveis cópias de síntese dosconteúdos escritas no quadro de escrever pelaprofessora, sem que houvesse qualquerexplicação prévia. Copiavam durante mais deuma aula, sem nada compreender e resolviamem seguida repetidos exercícios. Uma aluna nosdisse, ...não consigo copiar rápido do quadro eao mesmo tempo prestar atenção para o que diz aprofessora.

O conteúdo de geometria foi abordado emum caderno/apostila sem que tivesse sidoapresentado em sala de aula. Os alunos, por suavez, diziam não compreender aquele assunto....Não entendo nada desses desenhos, nuncaestudei isso, dizia um deles. A professora, porsua vez, nos explicou que tomou essa atitudeporque não daria tempo de abordar o assunto emsala de aula, assim complementou ...O assuntoestá muito fácil de compreender é só ler comatenção... O problema é que eles têm dificuldadede leitura. Mesmo reconhecendo essadificuldade a professora adotou essametodologia criando um obstáculo didático paraa aprendizagem desses novos conceitos degeometria. Pais (2001)

Na 4ª etapa, os assuntos eram 'expressõesalgébricas' inicialmente, e em seguida'polinômios'. Os dois professores utilizavam amesma metodologia sendo que o professor da 4ªetapa não interrompia as cópias ou explicaçõespara contar 'causos' fatos ou fazer comentárioscomo a professora da 3ª etapa assim procedia ;sua postura era de pouca conversa com os alunosposto que não havia interação entre eles. Por essemotivo, uma aluna em seus registros pediu que oprofessor olhasse para eles quando estivesse emsala de aula explicando algo. Em uma avaliaçãoas questões sobre operações entre monômiosforam ditadas e os alunos as escreviam deq u a l q u e r j e i t o , p o i s n ã o e s t a v a mcompreendendo esse assunto, não sabiam aindaregistrar na linguagem matemática o que oprofessor estava ditando. Conseqüentementecomo era de se esperar os resultados foramdesastrosos. O professor nos mostrou as notas e

Metodologias de ensino e abordagensadotadas:

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comentou, ‘veja só, eles não têm base nenhuma’.

Os alunos fazem um grande esforço paraaprender, na tentativa de vencer as dificuldades,uma vez que acreditam que estas estejamcentradas unicamente em si.

Os professores trabalham isoladamente enão dialogam entre si, não preparamplanejamento e nem as aulas em curso, elegemde modo aleatório os conteúdos orientando-sepor um livro ou dizem seguir uma programaçãoproposta pela Secretaria de Educação.

Marcar a diferença e atuar com autonomia,implica em não nos pautarmos em conteúdos ouem séries, pré-definidos em currículos econfinados em 'grades', registrados nos livros eprogramações distribuídas pelas Secretarias deEducação entre as escolas.

A partir de nossasobservações e registros percebemos que aspráticas pedagógicas desenvolvidas pelosprofessores de matemát ica da EJA,predominantemente, se caracterizam como“educação monocultural”, uma vez que aabordagem dos conteúdos em aula se processa demaneira estática, reprodutivista, replicadora,repetitiva, conteudista, memorística edescontextualizada para os dias atuais. De outraforma, o conhecimento matemático éapresentado aos alunos como verdadeiro,inquestionável, imutável, a-histórico e a-crítico,pronto, acabado e definitivo (Cf. ARAGÃO,2000). Além disso, as relações que seestabelecem são apenas formais porqueimpessoais, uma vez que faltam laços afetivos,falta aproximação, falta emoção, pontosconsiderados chaves, segundo Gasparetto(2000), para desencadear a motivação no aluno.

Práticas presentes no ensino de matemáticaque vêm sendo reproduzida entre os professores,promovendo grande prejuízo aos alunos poisprevalece uma aprendizagem mecânica dec o n h e c i m e n t o s q u e n ã o s ã o(re)recontextualizados, longe de desenvolvercapacidades cognitivas, de análise e de críticados conhecimentos.

(Re)contextualizar o conhecimentocientífico implica em o professor saber traduzi-lo em uma linguagem apropriada para o ensinoem sala de aula, de modo que faça sentido e sejacompreensivo para as pessoas que estão

?Caracterização das práticas pedagógicas deensino e de aprendizagem:

envolvidas no processo ensino-aprendizagem.Nesse sentido, Stoer (1999) propõe que oprofessor selecione a parte mais importante doconteúdo. Para tanto, o professor define valores,objetivos e os métodos mais adequados ao grupode alunos com quem irá atuar. Pais (2001)denomina transposição didática o estudo decomo se processa essa escolha, bem como adefinição de prioridades dos conteúdos para aeducação escolar, referenciada na história dasciências e demais influências. Por maior quefosse o envolvimento e a vontade dosprofessores em propiciar aos alunos condiçõespara aprenderem aqueles assuntos que estavamabordando, lhes faltava apropriação de outrosconhecimentos docentes, para além dosespecíficos da disciplina.

As proposições definidas para a Educaçãode Jovens e Adultos, na perspectiva de exercer afunção de reparação de um direito negado aosjovens e adultos excluídos do sistema escolarquando crianças e adolescentes, permeiam aEducação Matemática que nesse âmbito serealiza. Daí nosso propósito em abordar essatemática nesse estudo, tendo em vista fazer umareflexão sobre as demandas e contribuições queo ensino da Matemática exerce na EJA.

Nos termos de Fonseca (1999), ainterrupção ou o impedimento de suas trajetóriasescolares não implica somente em um episódioisolado de não-acesso a um serviço, mas, numcontexto mais amplo de exclusão social ecultural. No tempo presente encontram-seincluídos em um Programa Especial deEducação Básica, visando a continuidade ou ainiciação de seus estudos e que, em grandemedida, condicionará também as possibilidadesde re-inclusão que se forjarão nessa nova (ouprimeira) oportunidade de escolarização.Motivo maior para que nós professoresrevisemos nossas práticas pedagógicasdesenvolvidas junto a esse público específico eaqui nos detemos ao ensino de Matemática, queassume um papel de destaque na vida escolardesses alunos.

A partir de nossas vivências comoprofessoras de alunos que apresentavamcondições de vida pessoal e sócio-escolarsemelhantes aos alunos da EJA, sujeitos desse

D E S A F I O S D A E D U C A Ç Ã OMATEMÁTICA DE JOVENS E ADULTOSNO TEMPO PRESENTE

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O SENTIDO E OS SIGNIFICADOS DO ENSINO DE MATEMÁTICA EM PROCESSOS DE EXCLUSÃO E DE INCLUSÃO ESCOLAR E SOCIAL NA EJA

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estudo, com os quais tivemos oportunidade devivenciar proposições pedagógicas emetodológicas da Educação Matemática,consideramos algumas propostas que parecemadequadas para esse contexto da EJA. Dentreesses paradigmas destacamos a Resolução deProblemas, a Modelagem Matemática, aEtnomatemática e outras Tendências atuaisrelativas ao ensino de matemática que dêemmaior sentido ao que os alunos estão estudando.Consistem em ações educativas que seaproximam mais da condição social e culturaldos alunos, especialmente, por proporcionar anós, educadores matemáticos, subsídiosfilosóficos e teórico-metodológicos que nospossibilitam compreender os alunos da EJAcomo sujeitos de conhecimento e aprendizagem.

Pautadas nesse tipo de proposta,analisamos a manifestação dos sentimentosdeclarados pelos alunos em relação aosprofessores de matemática e à própria disciplinaque marcaram e marcam suas trajetóriasescolares. Cujo elemento destacado se refere aotratamento que o professor lhes proporciona,principalmente atenção e paciência em relaçãoàs suas dificuldades de aprendizagem. Os alunosexpressaram que o que qualifica um professor éa sua postura alegre, seu interesse pela matéria eo tratamento respeitoso que lhes dispensaquando lhe pedem uma explicação. Gostaria queo professor explicasse melhor e com calma, foi amanifestação de vários alunos. Principalmentedaqueles que ainda apresentam muitadificuldade em relação à leitura e escrita. Nãoconsigo copiar e prestar atenção ao que oprofessor fala, nos disse D. Firmina, ...as minhascolegas copiam para mim quando dá tempo.

Como professores de matemáticaprecisamos compreender que a abordagem deconteúdos matemáticos não pode ser/estardesvinculada do processo de leitura e escritura.Nos termos postos por D'Ambrósio (2004), aescritura e a matemática se desenvolvem emsimbiose, sob a influência de inúmeros fatoresnaturais e culturais. Portanto, há a necessidadede dispensar à matemática um tratamento decaráter inter-relacional com as demais formas decultura, uma vez que se desenvolvemsimultaneamente e se delineiam de acordo comsuas especificidades e características próprias.

Sentimentos dos alunos em relação aosprofessores de matemática e à própriadisciplina:

Conceber a matemática a partir de umavisão holística da história cultural implica paraos professores construir estratégias de ação quepossibilitem desenvolver um processopedagógico de educação matemática comjovens e adultos, de modo a contribuir com aconstrução da autonomia desses alunos nodesvencilhar das situações de suas vidas e lutasdiárias.

Vale ressaltar que abordar a educaçãomatemática de jovens e adultos, no âmbitoescolar, nos remete a essa preocupação com suadimensão utilitária, uma vez que, além dejustificar o conhecimento matemático éoportuno, fornecer ao aluno adulto uma relaçãoadulta com o objeto de conhecimento, algumaschaves de interpretação e produção de sentido,elementos indispensáveis na relação de ensino-aprendizagem permeada pelo respeito e espíritode construção da autonomia (Fonseca, 2004:28).

Diante doscenários de exclusão social em nosso país, nósprofessores de Matemática, não podemos perderde vista o que ressalta Aragão (2005:22), emrelação à nossa postura profissional diante dosprojetos políticos vigentes, quando nos ensina,que educar é sempre um ato político, sendoassim torna-se imprescindível definir nossaopção/posição se é a de reforçar as forças quelutam para perpetuar ou optar pelas forças quelutam para transformar as relações sociais embusca da emancipação e da liberdade.

Frente à essas questões, não se pode maisconceber que o ensino, especialmente o dema temá t i ca , en fa t i z e un i camen te amemorização, a reprodução ou replicaçãotécnica de algoritmos, sem significado e semcompreensão, bem como conceba os educandoscomo meros receptáculos de informações. Essaprática, ainda se encontra muito presente nasclasses da EJA, causando um grande prejuízoem relação à aprendizagem, além da dificuldadeque se cria em relação à compreensão, por setratar de conteúdos descontextualizados,desconexos e desatualizados. A aprendizagemmemorística ou mecânica não contribui emquase nada para o desenvolvimento dascapacidades cognitivas, de análise e depercepção crítica dos conhecimentos/conteúdosescolares. Impossibilita, pois, aos educandos aprodução e a (re)significação de conhecimentos

O lugar da Educação Matemática na(re)inclusão/exclusão social:

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Ana Maria Sgrott Rodrigues, Rosália M. R. de Aragão

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matemáticos, de forma tal que esses sejam úteisna conquista de uma vida de melhor qualidade.

No ensino de Matemática para jovens eadultos, precisamos não perder de vista asexpectativas dos alunos, bem como, a garantiade um ensino de qualidade dos conteúdosabordados e necessários ao aluno, quer seja emrelação aos correspondentes à etapa em cursoquer seja os que lhes darão sustentação para acontinuidade da escolaridade. Para tanto, nãopodemos perder de vista os parâmetros dosprogramas oficiais e a possibilidade decontinuidade dos estudos. Dessa forma,assumimos com Fonseca (2002), o valor de umareflexão que envolva alunos e professores nabusca de definir o que seria essencial naEducação Matemática no nível do EnsinoFundamental e do Ensino Médio na EJA.

Vale ressaltar que na definição do essencialnão podemos simplesmente eliminar conteúdosconsiderando unicamente o grau de dificuldadeque apresentam para esse grupo. Pelo contrário,há necessidade de ser construída coletivamenteuma programação cuja qualidade, seja tantomelhor na medida em que é consciente ehonestamente elaborada e assumida por aquelesque se dispõem a desenvolvê-la.

Consideramos que uma proposição comoessa se apresenta como viável para a formaçãodos professores de jovens e adultos, posto quepode contribuir para que, de forma amadurecida,se compreenda a importância de mudança deconcepção em relação à definição de conteúdos,deixando de considerar o “que dá pra ensinar” deMatemática numa escola para Jovens e Adultospara buscar a inserção do ensino da Matemáticana Educação Fundamental de pessoas jovens eadultas.

Nosso processo reflexivo nos proporcionoualguns aprendizados e ao nosso ver deixa ocaminho aberto para outras reflexõesimprescindíveis a essa temática.

Atuar na EJA exige de nós comoprofissionais atuantes na Educação um olharespecial e uma prática pedagógica realmenteeficaz, impedindo que esses alunos jovens eesses adultos que buscam na escola uma via parasua (re)inclusão social venham a ser(re)excluídos desse Programa de Ensino, de

À G U I S A D E C O N C L U S Ã O :APRENDIZADOS QUE FICAM

forma tal que não consigam mais retornar.

Essa situação constitui um paradoxo nessecontexto de exclusão, uma vez que a escolarepresenta para os jovens e adultos um espaçoconcreto um tipo de 'fortaleza' para abrigá-los eàs suas lutas por inclusão social, no entanto,grande parte das escolas não se organiza nemsocial nem pedagogicamente para acolher osalunos da EJA, sendo assim corrobora com oprocesso de exclusão de seus alunos. O currículoescolar, via de regra, é desconectado dasrealidades, não levam em conta as necessidadesdos alunos.

Por razões como essas, como professores dematemática não podemos perder de vista nonosso cotidiano escolar o importanteaprendizado que se refere ao conhecimentosócio-antropológico de nossos alunos,favorecendo a (re)contextualização dosconhecimento. Os assuntos ou os temas dasaulas quando apresentados da forma maissimplificada possível, contribui fortemente paraa incompreensão de seus significados e aausência total de sentido para o alunado. O queobservamos é que na abordagem dos conteúdosdeixava de haver qualquer preocupação com aseleção e a organização dos conteúdos, bemcomo predominava a simplificação de conceitose de processos para 'não complicar' oaprendizado dos alunos.

Discorrer sobre os elementos quecontribuem para a exclusão escolar dos alunosda EJA, por outro lado, implica sinalizar oselementos que contribuiriam para a inclusãosocial, neste caso analisado, uma vez que are lação inc lusão-exc lusão soc ia l secomplementa e se imbrica justamente em funçãodesses elementos.

A complexidade desse tema requer umaanálise relacional entre os elementos queparticipam, mobilizam e promovem a exclusãoescolar dos alunos, não podendo se restringirpuramente ao ensino de matemática, comosendo o responsável único, mas ao conjunto defatores que incidem sobre esse processo.

Há, portanto, necessidade de ampliar o raiode análise articulando questões mais amplas queenfrentam a educação e as políticas sociais emnosso País tais como (i) a criação de uma políticanacional de educação de jovens e adultos, (ii) adefinição do financiamento no orçamento

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O SENTIDO E OS SIGNIFICADOS DO ENSINO DE MATEMÁTICA EM PROCESSOS DE EXCLUSÃO E DE INCLUSÃO ESCOLAR E SOCIAL NA EJA

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público, (iii) a função social da escola, (iv) osentido social do currículo, (v) critérios e formasdiferenciadas no processo de avaliação e (vi) aformação de professores para trabalhar na EJA.Certamente, seriam aspectos como esses a seremconsiderados na construção de uma políticaeducacional que tenha por objetivo ademocracia, e a inclusão social e educacional deadolescentes, jovens e adultos.

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Os lugares da exclusãosocial:

É Pesquisa é? Ah, não quero, nãobem!:

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Ana Maria Sgrott Rodrigues, Rosália M. R. de Aragão

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