o sentido do estético na modernidade e na pós-modernidade

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PAR'A'IWAREVISTA DOS PS-GRADUANDOS DE SOCIOLOGIAUNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA Centro de Cincias Humanas, Letras e ArtesCampus I - Bloco V - Cidade Universitria Castelo Branco - Joo Pessoa - PB - Brasil - CEP: 58.051-970 Fone/ Fax: (83) 216-7204 E-Mail: [email protected] Nmero 4- Joo Pessoa - Setembro de 2003

ISSN 1518-9015

O SENTIDO DO ESTTICO NA MODERNIDADE E NA PS-MODERNIDADEPaulo Marcondes F. Soares Departamento de Cincias Sociais UFPE

Pode-se identificar, com relao idia de Modernidade, duas perspectivas para o entendimento dos elementos de tenso envolvidos na tentativa de sua delimitao. De um lado, a modernidade se torna um termo relativamente intercambivel com o de modernizao, o que a leva a ser identificada como uma modalidade de modernidade liberal-burguesa, largamente fundada numa cultura utilitarista de razo instrumental, e que se fundamenta num princpio hegemnico da ideologia do progresso e do industrialismo, bem como, num forte racionalismo cientificista. De outro, temos uma modernidade cultural, cujos princpios a situam como autoconscincia de uma poca, assumindo uma atitude crtica de recusa do burocratismo e da racionalizao em prol de um iderio que releve os processos da percepo sensorial, da intuio e do exerccio livre da imaginao. Com efeito, meu interesse particular, aqui, para com essa segunda modalidade de Modernidade, definida como Cultural. De acordo com Jauss (1996), o termo Modernidade revelador de um paradoxo: identificado pelo esforo intelectual de construo da idia de autoconscincia do tempo presente, em contraposio ao passado da tradio, revela-se pelo desmentido dessa pretenso, visto que parece apontar para um retorno histrico cclico ao menos de um ponto de vista retrospectivo da tradio literria. O termo no foi criado em nossa poca e no se presta exclusivamente sua definio. Diz o autor que o surgimento da palavra Modernidade situa-se no limite do horizonte cronolgico que separa a percepo do mundo histrico familiar desse passado que j no nos acessvel sem a mediao da compreenso histrica (idem, p.47). Nessa direo, o sentido de moderno no se faz sem o confronto com o que se lhe aparea por um modo de oposio. Assim, o objetivo do autor o de identificar como se d, na origem e histria do termo, a conscincia da ruptura entre a tradio e a novidade; e como se pode configurar a modernidade como autoconscincia de seu tempo, considerando a histria das contradies que o termo tem incorporado ao longo de sua experincia no tempo (idem, p.51). Aps um extenso percurso na histria filolgica do termo, o autor localiza o ponto inicial

em que a acepo do termo moderno vai se caracterizar na perspectiva da autoconscincia. Trata-se da experincia paradoxal da modernidade vivida pelos romnticos, onde a tenso do moderno no se faz mais em relao ao antigo, mas em relao ao seu prprio presente. Isso se expressa na descoberta romntica do tempo cristo, finito, da Histria como natureza perdida e remota, a um s tempo, estranha e familiar (idem, p.74). Com efeito, diz o autor: Se cristalizarmos nessa definio o romntico da histria, o lao que o une ao romntico da paisagem torna-se evidente. Pois, o sentimento romntico busca, tambm na percepo da natureza, algo que no est presente, mas, ao contrrio, algo ausente, distante (...) (idem, ibidem). E complementa: Paisagem como natureza sob a forma do passado, como sentimento da harmonia perdida com o conjunto do universo. Esta atitude, que consiste em buscar nos tempos longnquos da histria a verdade de uma natureza abolida, e, na proximidade da natureza presente, a ausncia do todo e a infncia perdida da humanidade, estabelece entre a histria e a paisagem uma relao recproca (idem, p.74-5). E finaliza: O denominador comum de todos os romnticos, conservadores ou progressistas o sentimento de insatisfao em relao com seu prprio presente inacabado, sentimento que nos levar rapidamente ao momento em que uma nova gerao fundar o moderno sobre uma nova relao com a histria (idem, p.75). Uma novidade se dar, contudo, na evoluo do termo de um modo especfico, e que culminar por desfazer a identificao entre moderno e romntico (idem, ibidem): a ausncia de uma definio da modernidade em termos de oposio a uma poca passada. No lugar de o moderno se ver identificado em termos de uma Era universalizada com a crist, passa agora a ter sua durao definida em termos geracionais ou, mesmo, em termos de uma mudana de estilo ou gosto esttico configurador de uma moda (idem, ibidem). Neste caso, o novo sentido de ruptura da autoconscincia do moderno se caracteriza pela abolio da antinomia entre o antigo e o novo, entre o romntico e o clssico; antinomia essa apenas reconhecida em funo de critrios menos rgidos do que seja ou no atual entre uma gerao ou outra: Da reflexo sobre o processo acelerado de uma revoluo histrica da arte e do gosto, pode surgir agora uma conscincia de modernidade que, no final, define-se to-somente por oposio a si mesma (idem, p.76). E se pergunta Jauss sobre a condio de permanncia da categoria do belo, considerando o intenso processo de transformao que finda por logo designar como clssico o que era tido como atual. A interrogao que ele se coloca a de saber como pode a beleza satisfazer s exigncias de um ideal de nouveaut sempre mvel, como pode, simultaneamente, corresponder efemeridade do tempo presente (modernidade) e a perenidade do tempo clssico. A resposta vem com o recurso a Baudelaire, que v a moda como continente possvel do potico no histrico, que permita extrair o eterno do transitrio (idem, p. 78). A moda representa o ponto de partida para a esttica moderna de Baudelaire, porque ela possui um duplo atrativo. A moda encarna o potico no histrico, o eterno no transitrio; a beleza que nela se manifesta no , pois, um ideal atemporal, mas sim a idia que o homem tem do belo, em que se revela a moral e a esttica de seu tempo e que lhe permite tornar-se semelhante ao que gostaria de ser. A moda revela o que Baudelaire chama a dupla natureza do belo, e que ele identifica, no plano conceitual, modernit: A modernidade o transitrio, o fugidio, o contingente, a metade da arte

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cuja outra metade o eterno e o imutvel (idem, p.78-9). Caberia, ainda, indicar uma passagem em Baudelaire (1991) em que procura discutir a idia do belo, recusando concebe-lo como categoria do nico e do absoluto, e apontando-lhe por uma caracterstica assentada numa dupla composio. Diz Baudelaire: Na verdade, eis aqui uma bela ocasio para estabelecer uma teoria racional e histrica do belo, em oposio teoria do belo nico e absoluto; para mostrar que o belo sempre, inevitavelmente, de uma dupla composio, embora a impresso que lhe produza seja nica; pois a dificuldade de discernir os elementos variveis do belo na unidade da impresso no invalida absolutamente a necessidade da variedade em sua composio. O belo feito de um elemento eterno, invarivel, cuja quantidade excessivamente difcil de determinar, e de um elemento relativo circunstancial que ser, por assim dizer, sucessivamente ou ao mesmo tempo, a poca, a moda, a moral, a paixo. Sem esse segundo elemento, que como o envoltrio gracioso palpitante, estimulante, da divina iguaria, o primeiro elemento seria indigervel, inaprecivel, noadaptado e no-apropriado natureza humana. Desafio qualquer um a descobrir um espcime qualquer de beleza que no contenha esses dois elementos (idem, p.104). Com efeito, o sentido da Modernidade a que aqui se chegou, ainda se apresenta, segundo Jauss, como definio forte de nossa poca; tendo, portanto, no seu modo de ver, chegado ao seu limite histrico. Esse sentido o autor remonta autoconscincia esttica e histrica de Baudelaire e seus contemporneos, o estgio de nossa prcompreenso do moderno (idem, p.79). Considerando esse aspecto do fugidio e do transitrio, podemos entender quando Paz (1984) afirma ser a modernidade uma autodestruio criadora. Para ele, a ruptura o elemento de distino da modernidade presente em relao s anteriores. Ela tanto crtica do passado prximo como interrupo de continuidade. Tanto expresso da crtica, quanto de autocrtica. a crtica o que desfaz as oposies entre o antigo e o novo (idem, p.20-1). Uma questo central a ser posta, diz respeito ao fato de o projeto de modernidade ter estado, desde o seu incio, vinculado a um projeto amplo de emancipao social, econmica, poltica e cultural. Ademais, na base desse conceito, encontrava-se um iderio de fundo iluminista capaz de informar tanto a perspectiva afirmativa do liberalismo burgus da sociedade quanto a vertente negativa da crtica socialista, notadamente a corrente marxista. Por certo, a contradio mais fundamental desse processo pode ser identificada no descompasso entre o que propunha a razo da modernidade iluminista, em termos das liberdades individuais e da igualdade de direitos, bem como, da democrtica institucionalizao contratual das relaes de foras (polticas, econmicas e sociais) entre iguais, em que o estado estabeleceria a funo conciliadora de arbitragem de interesses tanto particulares quanto universais sendo a razo, assim, promotora dos princpios de emancipao scio-histrica fundamentados nos critrios que regem os reinos da liberdade e da necessidade, de um lado; e, de outro, a falncia de um modelo, dominado por uma racionalidade dos fins, que, no fundo, acaba por denunciar a hegemonia de um processo tanto idealista quanto alienante de configurao do Estado burgus e seu iderio modernizante, que alicera a sociedade capitalista segundo uma lgica desumanizadora (Pico, 1988: 14-5). Marx vai traar uma verdadeira anatomia da estrutura produtiva desse modelo fetichizador, mostrando que o seu idealismo apenas favorece, pela ideologia, formas de justificao que levem a um apaziguamento assimilativo da explorao do trabalho alienado, contribuindo para a manuteno de relaes sociais injustas. Com Weber, temos o reconhecimento de que a modernizao fundada na razo dos fins, apenas levar a sociedade para um crescente processo de racionalizao e sua conseqente burocratizao.

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Baseados inicialmente nessas duas modalidades de crtica, qual seja, da alienao fantasmagrica e do domnio da racionalidade dos fins, os tericos crticos de Frankfurt, vo apresentar o primado da razo iluminista por uma crtica negativa, que se esfora por denunciar a qualidade de um pensamento que, fundado inicialmente numa recusa do obscurantismo absolutista, termina por cair, contraditoriamente, num processo de mistificao das massas. Em que a racionalidade tcnica se converte em racionalidade de dominao, levando a prpria sociedade a um processo de alienao, padronizada pela indstria cultural. Com Benjamin, a modernidade ser pensada a partir de uma constelao de elementos fragmentrios que o historiador dever montar como se fossem imagens de instantneos fotogrficos, cuja definio, no presente, ser dada pela sincronicidade que essas imagens do passado mantm com o agora, mas um agora da recognoscibilidade. No que o passado lance luz ao presente ou vice-versa. A imagem tomada como uma dialtica parada. Presente e passado tm uma relao de natureza temporal; j pretrito mantm uma relao dialtica com o agora (de ordem imagtica, no temporal). Essa a estrutura metodolgica do seu materialismo histrico. Com ela Benjamin orienta o Trabalho das Passagens, a partir do qual tenta traar um perfil assumido pela Modernidade, atravs do que se mostra como encoberto ou marginalizado na constelao de fragmentos que se espalha atravs de um longo percurso na arquitetura da cidade e que pode ser encarnado na moda, no jogo, na prostituio, e em figuras como o flneur, por exemplo. Seu trabalho teve na Paris do sculo XIX o lugar da observao e em Baudelaire a fonte principal das imagens-roteiro para aquela observao. Ainda sobre o sentido da Modernidade, Gumbrecht (1998) comea o seu livro assinalando que o marco das inovaes que caracterizaram o Incio da Modernidade aponta para a emergncia de um tipo ocidental de subjetividade, centrada na idia do sujeito como observador de primeira ordem e produtor de conhecimento. Nesse estgio, o homem abandonava tanto a imagem que fazia de si mesmo como parte da Criao de Deus quanto a idia de verdade como revelao, assumindo a condio de sujeito da produo do conhecimento, no sendo parte do mundo, v a si mesmo como excntrico a ele, e, em vez de se definir como uma unidade de esprito e corpo, (...) pretende ser puramente espiritual e do gnero neutro (idem, p.11-2). A dicotomia sujeito/objeto, dentro de um princpio de horizontalidade em que o sujeito o observador espiritual e o objeto a instncia da observao, o que inclui o prprio corpo do sujeito, ser uma das precondies estruturais necessrias ao Incio da Modernidade. A outra precondio, que se segue como complemento da primeira, assume um sentido de campo hermenutico, em que um movimento de verticalizao apresenta o sujeito como o leitor/intrprete do mundo dos objetos. Diz o autor: Penetrando o mundo dos objetos como uma superfcie, decifrando seus elementos como significantes e dispensando-os como pura materialidade assim que lhes atribudo um sentido, o sujeito cr atingir a profundidade espiritual do significado, i.e., a verdade ltima do mundo (idem, ibidem). A Modernidade Epistemolgica de nossa poca se diferencia do Incio da Modernidade, segundo o autor, pelo fato de no termos a mesma confiana que ela no conhecimento produzido pelo observador de primeira ordem. No lapso entre um e outro momento, a modernizao ocorrida deslocou o observador para uma condio relacionalmente mais reflexiva em que no mais foi possvel observar o mundo sem deixar de se observar. Condio essa advinda com a emergncia das cincias humanas. Essa condio nova do sujeito da reflexividade levou a trs importantes mudanas epistemolgicas: a autoconscincia do corpo (humano, sexual, individual); multiplicidade de representaes possveis do mundo fenomnico, sem que nenhuma possa pretender

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ser o sentido adequado ou epistemologicamente superior; temporalizao ou acelerao do tempo como crise da representatividade: o descrever os fenmenos por suas evolues ou por suas histrias como uma estratgia de chegar a um acordo com a infinidade agora potencial de suas representaes (idem, p. 13-5). Por outro lado, a crise de representatividade parece engendrar o acmulo das inovaes, experimentos e efeitos estticos, que acaba tendo um impacto erosivo sobre o campo hemenutico o que levou a um efetivo desequilbrio daquele eixo vertical que conecta significante e significado. Isso se tornou patente no chamado Alto Modernismo. Gumbrecht, por sua vez, identifica uma distino de propsitos entre o Alto Modernismo central, que se d nos principais centros de prestgio cultural europeus, do Alto Modernismo perifrico, que ir se manifestar ao sul da Europa e nas Amricas: que, no segundo caso, por mais radicalmente inovador e experimental que se mostre a produo artstica desses pases, a funo de representao no rompida, comparativamente ao mesmo perodo das manifestaes do Centro, notadamente no que se refere s vanguardas histricas das primeiras dcadas do sculo XX. Como indica Gumbrecht, analisando a situao europia central: O que os historiadores culturais tm chegado a rotular como Alto Modernismo, o momento dominado pelas vanguardas histricas (para ns) da primeira dcada e dos anos vinte deste sculo, o nvel mais radical nessa perda do equilbrio entre significante e significado um estgio que artistas e autores competem entusiasticamente para conquistar. Nunca antes e nunca depois estiveram os poetas to convencidos de estar desempenhando a misso histrica de ser subversivos ou mesmo revolucionrios (o que pode, ao menos em parte, explicar o enorme prestgio das vanguardas entre os intelectuais de hoje). Em vez de tentarem (como fez Balzac) preservar a possibilidade de representao, em vez de apontarem para os problemas crescentes com o princpio da representabilidade (a principal preocupao de Flaubert), os surrealistas e os dadastas, os futuristas e os criacionistas ao menos em seus manifestos se tornaram cada vez mais decididos a romper com a funo da representao (idem, p.18-20). Em relao Ps-Modernidade, o autor considera que uma interpretao mais convincente a de que ela consiste em conceber nosso presente como uma situao que desfaz, neutraliza e transforma os efeitos acumulados dessas modernidades precedentes. Isso implica em reconhecer que o que est sendo problematizado aqui tanto as caractersticas da subjetividade e a funo hermenutica, quanto o tempo histrico e mesmo, de um certo ngulo (talvez pela sua radicalizao), a crise de representao (idem, p.21). Mas o autor indica uma outra questo que leva a compreender a Ps-Modernidade como longe de ser vista como mais uma Modernidade que se segue Alta Modernidade. Diz respeito, tal questo, a fenmenos que no se pode observar facilmente: que o aspecto no-destrutivo que se poderia observar no Alto Modernismo, ao invs de sua superao, parece ter sido absorvido como parte da Ps-Modernidade; que uma espcie de destemporalizao pode ser percebida no momento atual (implica isso na impresso de uma desacelerao no ritmo da mudana hoje em relao a momentos anteriores). Falando mais diretamente do tempo presente, em sua caracterstica distino ps-moderna dos momentos anteriores da Modernidade, Gumbrecht acentua que: Algumas das impresses dominantes que associamos cultura do nosso presente poderiam desse modo ser subsumidas no conceito de destemporalizao. A inovao dos hbitos e formas de comportamento certamente no mais uma obrigao absoluta salvo se houver argumentos pragmticos convincentes em favor de mudanas, como a funcionalidade e o lucro econmico. Como conseqncia, o tempo no mais aparece como um agente absoluto de mudana. Se, portanto, o futuro no se apresenta como um horizonte a ser moldado e determinado no presente, se o temor de conseqncias no-planejadas pesa mais que a escolha racional, ento a destemporalizao neutraliza ou pelo menos enfraquece aquele aspecto de ao que o papel do sujeito assimilou ao

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longo do sculo XVIII. Enquanto sustentarmos que o aspecto de ao essencial subjetividade, podemos conceituar essa mudana como dessubjetivao. No entanto, uma configurao de sujeito cujo aspecto de ao se apresenta to enfraquecido (ou mesmo neutralizado) no perde necessariamente sua complexidade e sua sofisticao como observador do mundo. Portanto, embora nossas observaes do mundo continuem a produzir uma infinidade de representaes (entre as quais impossvel distinguir entre verses mais adequadas ou menos adequadas), percebemos que elas j no se encontram sintetizadas em narrativas de desenvolvimento. Isso significa que, conforme o paradigma j descrito de variao sem originais, distines como aquelas entre representao e referente, superfcie e profundidade, materialidade e sentido, percepo e experincia perdem sua pertinncia. Estamos longe de conceituar (para no dizer: de ter analisado suficientemente) a conseqncia desses colapsos conceituais. Mas podemos cham-los, focalizando uma terceira tendncia epistemolgica atual, de desreferencializao (idem, p.23-4). O pressuposto central de que parte o autor o de que os processos da destemporalizao, da dessubjetivao e da desreferencializao se apresentam segundo condies estruturais amplamente institucionalizadas no conjunto quase global do tempo presente. Sua percepo a de que parece haver uma ao recuperadora da funo de representao na condio ps-moderna da arte e da literatura atuais (idem, p.24). Importante, pois, a essa altura, pensar a passagem de um possvel esgotamento da Modernidade para a emergncia de um momento Ps-Moderno, com o fim de se colocar a questo da cultura no contexto da atualidade. Muito se tem perguntado sobre se a PsModernidade se explica como uma fase sucessora da era moderna, ou, por outras palavras, se possvel estabelecer a identificao de elementos de continuidade e/ou de descontinuidade entre os aspectos configuradores da esfera cultural no auge do capitalismo moderno e os aspectos formadores da lgica cultural da atual sociedade de consumo no capitalismo tardio (Jameson, 1996). Certas caractersticas mais gerais desse perodo poderiam ser identificadas: por exemplo, expanso da sociedade dos servios, definida pela idia do surgimento de uma sociedade ps-industrial (em socilogos como Bell e Touraine); pelo crescimento sem precedentes do volume das informaes, levando ao ponto da saturao; total penetrabilidade dos mass media na esfera pblica e privada dos cidados; tendncia configurao de um mundo virtual, esteticamente associado a um forte hiperrealismo; aumento da capacidade tcnica de produo, reproduo e acumulao de informaes, cujo surgimento se d com tal dinamismo e velocidade que se pode logo identificar o aspecto da obsolescncia a que essas tecnologias so levadas a experimentar; por fim, h que se perceber a nova condio vivida pelo pblico face aos produtos culturais, no sentido de uma maior possibilidade de interveno, criao e emisso de novos cdigos e mensagens, o que os transforma em algo alm de simples receptores. Assim, para certos crticos do ps-moderno, a cultura atual resulta numa expresso do pastiche (onde no h originalidade e sim cpia e revivncia do passado, num clima profundamente nostlgico), do simulacro (virtualismo hiperreal em troca de uma realidade que parece frustrar os mais candentes desejos dos indivduos), de uma cultura multimdia. Se seguirmos o horizonte do debate assumido por Jameson (1985, 1993, 1994, 1996, 1997), vamos identificar a presena significativa de uma crtica assumidamente perplexa. Comearia por uma concluso a que o autor tem chegado, quando se pergunta sobre o valor crtico da arte mais recente: para ele, se consenso que o modernismo parece ter funcionado contra a sua sociedade; se, no caso do ps-modernismo, parece haver uma repetio ou reforo ou reproduo da lgica do capitalismo de consumo; a questo a saber se h maneiras de resistncia a essa lgica pelo ps-modernismo, se possvel afirmar o seu funcionamento contra a sua sociedade: de que haja nele e em seu momento social algo prximo ao que caracterizou o modernismo em seus primrdios. E o

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autor deixa em aberto a sua indagao (1993: 43-4). Para ele, s possvel demonstrar a estreita relao entre o novo momento do capitalismo tardio e o ps-modernismo e de como este ltimo expressa formalmente aspectos e fundamentos da lgica do primeiro, na medida em que essa crtica se possa valer de um grande tema, como o do sentimento do desaparecimento da histria: ou de como a sociedade contempornea parece ter perdido a capacidade de reter seu prprio passado - vivendo um presente perptuo e uma perptua mudana obliteradora do tipo de tradies preservadas por formaes sociais anteriores (Idem, ibidem). Em seu modo de ver, o ps-modernismo revela um momento-espao de mutao ainda no acompanhada por nossa percepo. Isto pelo fato de nossa percepo estar formada ainda sob os matizes do modernismo cannico. O autor procura deixar, contudo, certas pistas do que pode ser entendido como um momento psmoderno, distinto do que pode ter sido a Modernidade. Para ele, a modernidade se baseou na inveno de um estilo pessoal e privado: sua esttica liga-se a uma concepo de um eu e de uma identidade privada nicos e singulares - a partir da ideologia do individualismo burgus. Com o declnio desta ideologia, a modernidade cede espao ao ps-modernismo. Sendo assim, a morte do sujeito compe o novo elemento caracterizador desta ps-modernidade. Ademais, se h alguma unidade do psmodernismo, ela advm do prprio modernismo a que ele se contrape. Alis, segundo a afirmao de Jameson, o que tem caracterizado o ps-modernismo a forma como ele se volta contra o establishment formado em torno do modernismo. Alm do mais, preciso encara-lo mais como uma dominante cultural do que como um estilo. Quer dizer, pelo reconhecimento da presena e coexistncia de caractersticas distintamente postas, mesmo que algumas se encontrem subordinadas a outras. Com efeito, Jameson argumenta que a mutao verificada na esfera cultural ampla da sociedade revela o quanto as atitudes modernistas se tornaram arcaicas. Mas, como enfatiza o autor, no se trata apenas de considerar esse arcasmo como resultado da canonizao e institucionalizao acadmica do modernismo no ps-guerra; preciso ter em conta, tambm, que a revolta ps-modernista contra o cnone modernista no mais se apresenta com poder de choque, gozando ainda de uma recepo complacente e de uma atitude consoante com a cultura pblica ou oficial da sociedade ocidental, visto que, como atesta, a produo esttica se encontra atualmente completamente integrada produo de mercadorias em geral (1996: 29-30). Nesse sentido, o autor considera necessria a caracterizao de uma periodizao para melhor se identificar as possveis distines entre modernismo e ps-modernismo. E assinala Jameson: O primeiro argumento em favor de um concepo da periodizao segundo a dominncia e, ento, que mesmo se todos os elementos constitutivos do psmodernismo fossem idnticos e contnuos aos do modernismo e a meu ver possvel demonstrar que ees ponto de vista errneo, mas somente uma anlise ainda mais ampla do prprio modernismo poderia refuta-lo os dois fenmenos ainda continuariam radicalmente distintos em seu significado e funo social, devido ao posicionamento muito diferente do ps-modernismo no sistema econmico do capitalismo tardio e, mais ainda, devido transformao da prpria esfera da cultura na sociedade contempornea (idem, p.31) Assim sendo, falar de ps-modernidade implica fazer uso de um conceito periodizante, cuja funo correlacionar a emergncia de novos aspectos formais da cultura com a emergncia de um novo tipo de vida social e com uma nova ordem econmica (idem, p.27). Um importante elemento denunciador dessa transformao o do esmaecimento tanto de algumas fronteiras ou separaes fundamentais, como no caso das antigas distines tericas entre alta cultura e cultura de massa ou popular; quanto das antigas categorias de gnero e discurso: em que desaparece o campo academicamente delimitado das antigas disciplinas, em favor de uma teoria que todas ou nenhuma dessas coisas ao mesmo tempo (idem, p.26-7). Na sociedade de

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consumo, que a forma caracterstica do capitalismo tardio, a esttica configuradora da ps-modernidade parece ser aquela em que os signos se liberam da funo de referir-se ao mundo (Connor, 1992:45), tal como era a forma na modernidade (percebemos aqui uma certa aproximao do pensamento jamesoniano com a idia de simulacro em Baudrillard): disto resulta que a experincia ps-moderna a do pastiche, intimamente relacionado moda nostlgica (Idem, ibidem). Mas, apesar de tais consideraes, e s de passagem, Jameson parece deixar a pista a partir da qual se pode pensar um vis emancipador no mbito de uma sociedade dominada por essa atual lgica cultural que o ps-modernismo. Trata-se, no meu modo de ver, de, numa linha benjaminiana, operar pelas imagens dialticas aquilo que em Williams, citado pelo autor, significa o residual e o emergente na produo cultural. No trecho que se segue, possvel perceber tais questes: Pareceu-me, entretanto, que apenas luz de algum tipo de concepo de uma lgica cultural dominante, ou de uma norma hegemnica, seria possvel medir e avaliar a real diferena. No me parece, de modo algum, que toda produo cultural de nossos dias ps-moderna no sentido amplo em que vou suar esse termo. O ps-moderno , no entanto, o campo de foras em que vrios tipos bem diferentes de impulso cultural o que Raymond Williams chamou, certeiramente, de formas residuais e emergentes de produo cultural tm que encontrar seu caminho. Se no chegarmos a uma idia geral de uma dominante cultural, teremos que voltar viso da histria do presente como pura heterogeneidade, como diferena aleatria, como a coexistncia de inmeras foras distintas cuja efetividade impossvel aferir. De qualquer modo, foi esse o esprito poltico em que se planejou a anlise que segue: projetar uma certa concepo de uma nova norma cultural sistemtica e de sua reproduo, a fim de poder fazer uma reflexo mais adequada a respeito das formas mais efetivas de poltica cultural radical em nosso dias (idem, p.31-2). Se a modernidade estava dominada pela pardia, como forma singularizada de uma imitao cmico-irnica excentricamente contraposta a uma linguagem normatizada e dominante na poca; na ps-modernidade, o pastiche parece assumir a forma de uma imitao desmotivada, aparentemente neutra e sem o impulso satrico da sensibilidade que identifica algo (a linguagem normal) a que se contrapor. Sendo assim, o que resta ps-modernidade a impregnao da moda nostlgica e do fracasso do esttico, da arte, do novo etc.: isto tudo quer dizer de como a ps-modernidade, no podendo mais inventar novos estilos e mundos (posto que todo o poder de inveno j se encontraria completamente esgotado desde a experincia da modernidade em seu processo individualizante e de singularidades), cai numa vasta esfera da pastichizao dos estilos mortos, de um museu imaginrio (1993: 31). Assim que o pastiche foi apresentado como a revivncia de uma totalidade do passado e das sensaes e formas dos objetos de arte do passado pela ps-modernidade. Mas essa incapacidade de formular representaes estticas de nossa experincia atual se mostra como uma sria acusao contra o capitalismo de consumo: por no se saber lidar com o prprio tempo e a prpria histria, procede-se pela esteriotipao de um passado que se torna longnquo. Ao lado disso, uma mutao do espao - o hiperespao ps-moderno finalmente conseguiu transcender a capacidade do corpo humano individual de se localizar, de organizar perceptivamente seu meio imediato, e de mapear cognitivamente sua posio num mundo externo mapevel (idem, p.39). Assim, esse alarmante ponto de desarticulao entre o corpo e seu meio ambiente construdo (...) pode figurar, ele prprio, como smbolo e anlogo do dilema ainda mais agudo que a incapacidade de nossa mente, pelo menos na atualidade, de mapear a grande rede global multinacional e descentralizada das comunicaes em que nos vemos apanhados

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como sujeitos individuais (Idem, ibidem). Voltando-se indagao em aberto de Jameson, cr-se que toda a sua reflexo revela um grande esforo para localizar o momento de uma vocao utpica em todo o sentido recm reificado da ps-modernidade (1992:57). Contudo, crticos como Foster (1989) e Huyssen (1991) fazem a distino entre um ps-modernismo acrtico e um ps-modernismo crtico. Num geral, poderamos dizer que, no ps-modernismo acrtico, assiste-se restaurao da aura sunturia da obra de arte, ao resgate da nostalgia antimodernista, o estabelecimento de uma confuso de cdigos, enfim, todos aqueles aspectos j apontados de uma lgica restauradora do cnone modernista. Em contrapartida, o ps-modernismo crtico se apresentaria, particularmente, pela manifestao de formas radicais de reconhecimento da alteridade: em termos tnicos, de gnero, tico-estticos, ecolgicos. Nesse sentido, o ps-modernismo crtico seria uma ruptura com a modernidade por criticar nela a presena do mesmo iderio contido no pensamento relacionado noo de modernizao social e industrial, ideologicamente marcante no positivismo, no evolucionismo clssico e em muitas das subseqentes teorias do desenvolvimento econmico. Em contraposio a Habermas (1987), o ps-modernismo crtico se negaria, assim, necessidade de se completar o projeto (inacabado) da modernidade, necessidade de se cair na irracionalidade e, tambm, necessidade de se perseguir um telos. Como se sabe, o argumento de Habermas segue a direo de uma defesa da incompletude do projeto da razo iluminista, que deve ser contraposto ao pensamento do que considera um novo conservadorismo que poderia ser detectado tanto em tendncias nitidamente conservadoreas, como a de Daniel Bell, quanto em relao ao ps-estruturalismo francs. Com efeito, para Huyssen (1991), a negatividade percebida na ps-modernidade crtica, teria aberto um novo leque de possibilidades criativas atuais. Para o autor, alis, pode-se falar de quatro fenmenos constitutivos da ps-modernidade crtica: 1) crtica ao vis imperialista da cultura modernista, marcada pelo iderio de uma modernizao desenfreada; 2) existncia de mudanas nas atitudes culturais e da estrutura social a partir do movimento feminista e dos diversos movimentos de minorias; 3) surgimento das preocupaes com as questes de meio-ambiente, como ampla crtica da modernidade e da sua ideologia da modernizao, atingindo desde as subculturas poltico-regionais at chegar as vrias formas de arte; 4) o despertar de uma conscincia de outras culturas, no-ocidentais, e conseqente retorno ao tnico (Idem, p. 77-8).

Ainda segundo Huyssen, ao contrrio do que afirma Jameson, o potencial crtico percebido no ps-moderno tende a se negar idia da morte do sujeito, afirmando uma subjetividade livre das amarras do individualismo burgus (Idem, p.73-80): visto que a questo da constituio da subjetividade por cdigos, textos e imagens no psmoderno se apresenta como uma questo histrica, no sentido de uma produo da subjetividade. Tudo isso inviabiliza, como cr Huyssen, falar de continuidade entre modernidade e ps-modernidade, visto que mesmo a modernidade crtico-negativa do marxismo, como de resto, todo o modernismo crtico, esteve marcado pela ideologia iluminista do progresso e da modernizao. Com j foi visto, estaria a ps-modernidade voltada essencialmente para uma outra forma de concepo do mundo: a do cotidiano espao de contestao e de ao que inclui o lugar de trabalho e o Estado, mas sem se limitar a estes. Com vistas a se pensar mais especificamente a categoria do cotidiano, tal como apontada por Huyssen, que o faz referindo-se a Lefebvre, pode-se buscar um entendimento do estudo deste sobre a vida cotidiana no mundo moderno a partir de sua proposio de que o procedimento a ser tomado deve, antes de tudo, se orientar por a

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uma anlise crtica do cotidiano vivido na sociedade burocrtica de consumo dirigido, estabelecendo-se conexes entre a crtica do cotidiano e a de outros fenmenos, como o caso do urbano, do economismo, do lazer e da cultura etc. Nestes termos, s uma crtica do cotidiano vai possibilitar uma teoria da cotidianidade, no seu modo de ver to necessrio ao estudo da sociologia do mundo moderno. A sada apontada por Lefebvre para se pensar o cotidiano, procura no espao ldico e da esfera cultural a dimenso qualitativa dos contrastes. Com efeito, o que importa aqui no a superao das diferenciaes histricas institudas em espaos qualitativos. Contrariamente, estes espaos tendem a se articular de forma a que o quantitativo seja sobre-determinado pelo qualitativo. Para o autor, a estes espaos cabe aplicar princpios formalizados de diferenas e de articulao, de superposio nos contrastes. Os espaos sociais assim concebidos se aderem a tempos e ritmos sociais que passam a primeiro plano (Idem, p.157). nesse sentido, que o autor aponta para o aspecto ldico como o elemento vital da reorientao do cotidiano e de resgate do homo-ludens. O autor frisa a necessidade de se orientar por aquele ncleo gerador da centralidade ldica a fim de se ter uma idia mais substantiva do mundo contemporneo; caso contrrio, at ento, as transformaes permanecero na superfcie, no nvel dos signos e do consumo dos signos, da linguagem e da metalinguagem (discursos em segundo grau, discursos sobre discursos precedentes) (1978b:168). Para Lefebvre, a necessidade de verificar uma tal dimenso do ldico no interior da vida cotidiana, ir mais fundo que uma mera considerao do seu uso econmico, visto que , at mesmo, no centro urbano que se aporta s pessoas da cidade movimento, improvisao, possibilidade e encontro. No que o autor exclama: o teatro espontneo ou no nada (Idem, p.157). Seguindo agora mais de perto a elaborao feita por Foster a propsito da polmica surgida na atual situao cultural americana, possvel identificar, a, a distino entre duas posies especficas sobre o ps-modernismo que, em todo caso, partilham de uma mesma identidade histrica, embora ambas difiram quanto a sua posio frente ao modernismo visto que, enquanto a primeira parece assumir uma posio de adeso ao modernismo, a segunda assinala a dissoluo do modelo modernista. A primeira dessas posies encontra-se identificada com as polticas neoconservadoras e a outra com a teoria ps-estruturalista. (op. cit., p. 89). A mais conhecida dessas posies a do ps-modernismo conservador, quase sempre definida num sentido mais estilstico, e humanista, cuja referncia o prprio cnone moderno que, reduzido sua imagem mais formalista, confrontado com um regresso narrativa, ao ornamento, e figura (idem, ibidem). J a segunda posio, do psestruturalismo, seria a de um ps-modernismo anti-humanista e crtico, que tanto assume a perspectiva da fragmentao da histria quanto da disperso do sujeito, pelo reconhecimento de seu descentramento. Por outro lado, mesmo que por uma posio de recusa, o ps-modernismo ps-estruturalista tambm deriva do modernismo. A exemplo disso, pode-se perceber, com o autor, a orientao discursiva em ambos os paradigmas (modernista e ps-modernista crtico, ou ps-estruturalista): enquanto o modernismo se definiu por um autocriticismo, o ps-modernismo assume uma posio marcada pelo desconstrucionismo (p. 97). Enquanto os neoconservadores procedem pela separao entre modernidade cultural e modernizao econmica (que, de algum modo, se constitui numa base que lhe relacional), e acusam a cultura por todos os efeitos sociais negativos; o psmodernismo crtico, que em geral recusa a pureza formal dos meios artsticos tradicionais, assume a idia de uma textualidade impura ou, mais apropriadamente falando, uma intertextualidade, que a operao que toma em considerao as

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interligaes do poder e do conhecimento nas representaes sociais (p. 97-8). E indica o autor, ainda com referncia perspectiva crtica da posio ps-moderna frente cultura contempornea: nestes termos que o objeto da arte de fato, o campo da arte mudou, a obedincia ao velho decoro iluminista de distintas formas de expresso (visual versus literrio, temporal versus espacial) deixou de ser possvel, medida que este se passou a fundamentar em distintas reas de competncia. E a acompanhar esta desestruturao do objeto, o descentramento do sujeito, simultaneamente, artista e espectador (p.98). Sem querer caminhar para uma concluso, Foster indica que o carter ambivalente da cultura atual. Nesse sentido, se pergunta se o reconhecimento do sujeito fragmentado da contemporaneidade implica no pressuposto de um sujeito total ou completo da modernidade, ao invs de v-lo como dividido em relao ao desejo ou descentrado relativamente linguagem. E afirma: tal concepo quer seja heurstica ou histrica, problemtica. direita, leva responsabilidade pela decadncia cultural, e chamada da velha pragmtica, e eu patriarcal. esquerda, as reaes so apenas um pouco menos preocupantes. Denunciar a cultura como regressiva ou esquizofrnica pode preservar este sujeito burgus apenas por oposio ou por omisso. (...) Entretanto, celebraes desta disperso, a posio radical de vrios crticos franceses, podem apenas conluiar os seus agentes; de fato, o resultado pod ser um posicionamento fictcio face a esta fragmentao cultural, e no face ao seu contra discurso (p.99-100). E, finalmente, conclui: Ento agora comeamos a ver o que est em jogo nesta disperso do sujeito. Porque que este sujeito, to ameaado com a perda, to lamentado? Burgus, mas patriarcal e falocntrico, certamente. Para alguns, para muitos, esta pode ser de fato uma grande perda, uma perda que conduz a lamentos narcsicos e a negaes histricas do fim da arte, da cultura do Ocidente. Mas para outros, e precisamente para Outros, no de fato uma grande perda (p.101). Em todo caso, o recado essencial fica dado pelo prprio Huyssen e, tambm, por Jameson e Foster: a questo que se impe, hoje, menos a da adeso fcil ou da condenao abrupta de um momento ps-moderno; e, mais, a da procura de matizes que nos permitam melhor situar a complexidade dos problemas culturais por ns vivenciados e de suas mediaes com os demais processos do todo social que caracterizam o presente estgio da sociedade capitalista de consumo. Por outro lado, uma posio menos apaixonada da questo pode revelar o momento atual como contnuo e descontnuo em relao modernidade: com relao lgica geral do capitalismo, ele no processa uma ruptura como a que se deu entre capitalismo e feudalismo - vivendo, portanto, uma continuidade; com relao ao estgio atual de uma cultura do consumo, ele se apresenta como uma nova etapa da sociedade, totalmente paroxista em relao extenso da prpria cultura capitalista, chegando mesmo a se definir na forma de um processo de mundializao configurador de uma ainda maior complexidade de sua cultura urbana, nos termos da cidade-mundo apresentando, assim, uma descontinuidade interna prpria lgica capitalista de mercado: que, certamente, vende objetos que se encontram cada vez mais regidos por imagens de um mundo de significantes, embora no possa suplantar o cotidiano como histria. Dito isto, talvez fosse conveniente apresentar a ps-modernidade como a caracterstica bsica da tenso existente entre continuidade e descontinuidade da prpria modernidade; sendo, pois, o modelo assumido pela modernidade em sua fase atual: na perspectiva dada por Paz (1984) da modernidade como tradio da ruptura.

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Se tomarmos em considerao as idias lanadas pelo autor na busca de uma melhor caracterizao da modernidade, teremos dado um passo decisivo na direo dos aspectos mais gerais desse fenmeno. Defendendo a idia da modernidade como um conceito exclusivamente ocidental, que no aparece em nenhuma outra civilizao, motivado que pela crena da sociedade crist medieval em um tempo histrico como um processo finito, sucessivo e irreversvel, onde, uma vez esgotado, reinar um presente eterno, Paz assinala: claro que a idia de modernidade somente poderia nascer dentro desta concepo (...); claro, tambm, que s poderia nascer como uma crtica da eternidade crist (p.43-4). Nesse sentido, caracteriza-se a modernidade pela sua oposio noo crist de eternidade: a modernidade sinnimo de crtica e se identifica com a mudana; no afirmao de um princpio intemporal mas, o desdobrar da razo crtica que, sem cessar, se interroga, se examina e se destri para renascer novamente (...) No passado, a crtica tinha como objetivo atingir a verdade; na idade moderna, a verdade crtica (p.47). Nesse sentido, Paz lana uma questo que pretende ser o aspecto central da modernidade: se a modernidade a ciso da sociedade crist e se a razo crtica, como fundamento, permanente ciso de si mesma, como nos curarmos da ciso sem negarmos a ns mesmos e negar nosso fundamento? como resolver em unidade a contradio sem suprim-la? (Idem). Assim, que o autor incorpora sua teoria a noo da modernidade como tradio da ruptura. Com efeito, a ambigidade desta terminologia expressa bem o carter essencial da modernidade; com ela, inaugura-se um modo de tradio peculiar, que difere estruturalmente do conceito habitual de tradio: enquanto este ltimo aponta para os elementos de continuidade, dando uma idia de unidade entre o passado e o presente; aquele outro modo de se pensar a tradio remete-nos ao fenmeno de pluralidade, de heterogeneidade da cultura, em que se d a ruptura tanto em referncia ao passado, quanto em relao ao prprio presente. Em muitas de suas obras mais violentas e caractersticas - penso nessa tradio que vai dos romnticos aos surrealistas - a literatura moderna uma apaixonada negao da modernidade (p.53.). Sendo assim, convm finalizar este apndice a propsito da modernidade como a tradio da ruptura, transcrevendo, em toda a sua extenso, um trecho lapidar de Paz a este respeito: A modernidade uma tradio polmica e que desaloja a tradio imperante, qualquer que seja esta; porm desaloja-a para, um instante aps, ceder lugar a outra tradio, que, por sua vez, outra manifestao momentnea da atualidade. A modernidade nunca ela mesma: sempre outra. O moderno no caracterizado unicamente por sua novidade, mas por sua heterogeneidade. Tradio heterognea ou do heterogneo, a modernidade est condenada pluralidade: a antiga tradio era sempre a mesma, a modernidade sempre diferente. A primeira postula a unidade entre o passado e o hoje; a segunda, no satisfeita em ressaltar as diferenas entre ambas, afirma que esse passado no nico, mas sim plural. Tradio do moderno: heterogeneidade, pluralidade de passados, estranheza radical. Nem o moderno a continuidade do passado no presente, nem o hoje filho do ontem: so sua ruptura, sua negao. O moderno auto-suficiente: cada vez que aparece, funda a sua prpria tradio (p.18.Grifei). Pelo que se pode ver, essa problemtica, bem como, de forma bastante distinta, aquela levada a efeito por Foster e Huyssen, parecem ser as posies que melhor situam o entendimento dos problemas culturais da atualidade; devendo figurar como pontos de referncia a serem considerados neste trabalho, no tocante ao debate atual em relao ao estado da cultura e idia de sua configurao como cultura ps-moderna. Bibliografia

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