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cultura 365

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  • cultura

    365

  • 366

  • Administrao, n. 36, vol. X, 1997-2., 367-381

    O SENTIDO DA EXPANSO PORTUGUESA NO MUNDO (SCULOS XV-XVII)

    Lus Filipe Barreto *

    I A partir dos sculos XV e XVI o mundo comea a viver uma imensa

    Revoluo Espacial com a exploso planetria do extremo ocidente da Europa. Ao longo dos sculos XVI e XVII, a Europa atlntica (mas muito em especial, holandeses e ingleses) acompanha esta abertura dos Mundos ao Mundo, iniciada pelos Portugueses e Espanhis.

    Entre os sculos XV e XVII comea a nascer toda uma estrutura de vida escala mundial. Nascem os primeiros elementos de um comrcio mundial com implicao na restante economia, bem como os primeiros traos de uma cultura mundial que troca, entre o Ocidente e o Oriente, o Norte e o Sul, ideias e livros, mas tambm, alimentos e costumes. Convm, no entanto, no exagerar a importncia desta expanso mar-tima dos europeus, pelos oceanos Atlntico, ndico e Pacfico, mesmo que o seu impacto inicie um comrcio internacional e uma cultura planetria atravs de uma ... tenso entre o extremo ocidente cristo, os mares que domina e o resto do mundo... as outras civilizaes solida-mente continentais, a Africa, a Asia, grande parte da Amrica; conti-nuam a sua vida prpria, a actividade dos europeus no os toca seno na epiderme...1.

    Portugal e os Portugueses desempenham um papel vanguardista e fundamental nesta exploso da Europa no mundo, ao longo dos sculos XV, XVI e XVII.

    Nos finais do sculo XIV o conhecimento mximo do planeta, com as correspondentes rotas e redes comerciais em que se baseia, corres-ponde a cerca de um quarto da sua real extenso e encontra-se na posse da Civilizao Islmica.

    * Historiador. Professor da Universidade de Lisboa. 1 Pierre Chaunu A Civilizao da Europa Clssica, Estampa, Lisboa,

    1987, vol. I, p. 20.

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  • Em meados do sculo XVI o conhecimento do planeta aproxima- -se, pela primeira vez, da sua prpria realidade e as rotas e as redes que o possibilitam, encontram-se na mo da Europa-Cristandade.

    A expanso martima da Europa, nos sculos XV a XVII, significa, antes de mais, esta imensa Revoluo Espacial, bem como a deslocao dos centros do poder internacional global, econmico, poltico e cultural, do Islo para a Cristandade.

    A expanso martima leva Portugal e os portugueses condio de intermedirios do planeta, de Mensageiros do Mundo. Os diferentes tipos de portugueses (navegadores, comerciantes, soldados, mission-rios, aventureiros), tornam-se os contaminadores mximos da Europa na frica, sia, Amrica e Oceania (e vice-versa).

    O Portugal dos sculos XV e XVI, atravs da expanso martima, realiza-se como os olhos e os ouvidos do Mundo na Europa e da Europa no resto do Mundo.

    A expanso dos portugueses pelos diferentes oceanos e continentes

    nasce de um conjunto de mltiplos e variados factores. Antes de mais, factores naturais e estratgicos da mais longa durao que um pequeno reino, com cerca de um milho a um milho e meio de habitantes, soube usar e potenciar, ao longo dos sculos XV e XVI.

    Portugal , em termos geogrficos e civilizacionais, um espao de mltiplos encontros.

    Encontros entre a Europa e a frica, porque a Pennsula Ibrica uma meia Europa e uma meia frica do Norte. Encontros entre europeus do sul e do norte, porque os mares e os litorais de Portugal so o espao de cruzamento das redes e das rotas martimas que ligam o Atlntico e o Mediterrneo: ...no existe em todo o Atlntico Norte um lugar mais adequado para a navegao at s guas quentes que a linha costeira que vai desde Lisboa a Gibraltar...2. Encontros ainda entre os univer-sos comerciais, tecnolgicos e polticos do Mediterrneo e do Atlntico e os valores, heranas e saberes das Civilizaes Crist, Islmica e Judaica.

    Todos estes factores de dilogo e concorrncia criam, em Portugal, um campo de grande circulao de informaes e de conhecimentos econmicos e tcnicos, em especial, nas reas martima e mercantil.

    A partir do sculo XIV, este campo de possibilidades incrementado e orientado para uma condio nacional de reforo da componente martima. Acentuao da dimenso martimo-mercantil, quer por inici-ativa do Estado-Coroa, como vemos, por exemplo, em 1317, quando o rei D. Dinis contrata o genovs Manuel Pessanha como Almirante-Mor,

    2 Pierre Chaunu Seville et L'Atlantique (1504-1650), vol. VIII, (1), Les Structures Geographiques, Sevpen. Paris, 1959, p. 52.

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  • quer por iniciativa de poderes econmicos e sociais, privados, como no caso dos mercadores de Lisboa e do Porto que, em l 353, celebram um tratado de comrcio com a Inglaterra, vlido por meio sculo: ... incontestvel que o prodigioso desenvolvimento colonial e comercial dos pases ibricos no amanhecer dos tempos modernos foi possvel, em grande medida por um crescimento gradual do seu comrcio externo, durante os sculos finais da Idade Mdia... 3.

    A seguir crise de 1383-1385 estas possibilidades e potencialida-des de uma condio nacional martima surgem como soluo e garantia de independncia nacional frente a Castela.

    O mar torna-se a fronteira aberta a explorar e, ao mesmo tempo, pelos lucros ao alcance e no desejo de muitos (Coroa, Nobres, Populao urbana e rural, desde comerciantes a carpinteiros e soldados), o seguro de vida da independncia dos indivduos, das famlias e da Comunidade.

    A condio martimo-mercantil , nos tempos do Infante D. Hen-rique (1394-1460), a aposta estratgica do grande poder senhorial, da Casa Real, de partes significativas da nobreza e do litoral urbano.

    A partir de D. Joo II (1455-1495) o sentido do Estado-Coroa que, orienta o essencial da sociedade e da vida nacionais para a Aventura Planetria.

    s potencialidades estratgicas (geogrficas e martimo-mercan- tis) junta-se um poder estatal/real forte e uma unidade conjuntural de vrios grupos-estratos sociais em torno da aposta na expanso martima como fronteira aberta: ...durante a totalidade do sculo XV Portugal foi um reino unido, virtualmente livre de lutas civis, enquanto que a Frana estava absorvida pelas etapes finais da guerra dos cem anos... e pela sua rivalidade com a Borgonha, a Inglaterra pela sua luta com a Frana e pela guerra das Rosas, e a Espanha e a Itlia por convulses dinsticas e outras de carcter interno...4.

    Portugal possui um conjunto de condies que possibilita uma aposta vivel na expanso martima, mercantil e senhorial no Atlntico e nos litorais da costa ocidental de frica.

    A essas condies geogrficas, tecnolgicas e socioeconmicas, junta-se a necessidade poltica da Coroa-Estado, da Nobreza das gran-des casas senhoriais, mas tambm da pequena Nobreza e dos grupos pri-vados, no nobilitados, mas com uma certa presena e dinamismo econmicos, em afirmarem e consolidarem, pela Via Atlntica, a sua diferena e sobrevivncia frente a Castela5. Juntam-se tambm, ao longo

    3 Charles Verlinden Deux Aspects de L'Expansion Commerciale du Portugal au Moyen ge m Revista Portuguesa de Histria, IV, 1939, p. 170. Veja- -se Bailey W. Deffie Preldio ao Imprio: Navegaes e Comrcio Pr- Henriquinos, Teorema, Lisboa, 1989 e Vitorino Magalhes Godinho A Expan so Quatrocentista Portuguesa, E.C.E., Lisboa, 1944.

    4 C. R. Boxer Four Centuries of Portuguese Expansion 1415-1825, Witswatersrand U. Press, Joanesburgo, 1961, p. 6.

    5 Veja-se Lus de Albuquerque Introduo Histria dos Descobrimen tos, Atlntida, Coimbra, 1962.

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  • do sculo XIV e incios do sculo XV, os contraditrios interesses, fruto da concorrncia mercantil no Mediterrneo e do sonho de Atlantizao, mesmo para sul, presentes, por exemplo, desde o sculo XIII, em Gnova.

    Portugal, no arranque da expanso martima-europeia, resulta, pois, de um complexo cruzamento de factores. Factores geogrfico-estratgicos que tornam esta periferia da Europa na estrada martima, por excelncia, do comrcio entre o norte e o sul da Europa, de tal modo que no sculo XIV ...a cidade e o porto de Lisboa. (So) o grande centro da mercancia genovesa...6.

    Factores geogrficos e estratgicos que tornam os portos e os barcos do litoral de Portugal snteses do encontro das nuticas cartografias e construes navais do sul e do norte da Europa e, mais do que isso, das marinharias do Islo (transportador da sia distante da vela latina, do cadaste do leme e da bssola) e da Cristandade.

    A todos estes factores que possibilitam, tecnolgica e economicamente, a aposta na expanso martima, enquadrando-se no quadro das necessidades e das potencialidades do sul e do norte da Europa e da Europa frente ao Islo, juntam-se, a partir dos finais do sculo XIV e dos incios do sculo XV, os factores de necessidade nacional (via centro do poder poltico) que encontram no mar, o seguro de fronteira terrestre frente a Castela. Junta-se tambm a crise global do sculo XIV: ...as viagens ocenicas e a disperso dos portugueses a todos os ventos, a sua fixao alm-mar afundam razes nas profundezas da vida nacional, antecedente, mas em conjugao com uma conjuntura geral de depresso longa...7.

    O sentido da expanso portuguesa no mundo pode ser pensado a partir

    de quatro categorias essenciais: Pioneirismo Temporal; Disper- so Espacial; Pluralidade Civilizacional e Universalidade Cultural.

    A expanso martima dos portugueses , em relao expanso dos outros europeus, temporalmente pioneira e espacialmente nica.

    Ao longo do sculo XV os portugueses avanam no Atlntico e na Costa Ocidental da frica. Nas dcadas de 1420-1430, atravs do povoamento da Madeira e das Ilhas Aoreanas.

    Em 1434 os navios portugueses ultrapassam o Cabo Bojador, limite das tradicionais navegaes do Atlntico, abrindo a navegao da costa africana da Guin e o aproveitamento do arquiplago de Cabo Verde (dcadas de 1440 a 1460). Ao longo da dcada de setenta, as navegaes no Atlntico equatorial levam ao conhecimento e ao aproveitamento das

    6 Virgnia Rau Estudos de Histria, Verbo, Porto, 1968, p. 16. 7 Vitorino Magalhes Godinho Os Descobrimentos e a Economia

    Mun-dial, Arcdia, Lisboa, 1963, vol. I, p. 46.

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  • ilhas de Ferno P, S. Tom, Prncipe e Ano Bom. Os anos oitenta do sculo XV, so marcados pela chegada ao Congo-Zaire (Diogo Co em 1483) e pela ligao entre os oceanos Atlntico e ndico, ao dobrar-se o Cabo da Boa Esperana (Bartolomeu Dias, 1487-1488).

    Nos finais do sculo XV abre-se a comunicao martima regular entre a Europa e a sia, com a viagem de Vasco da Gama em 1497-1499 (a Rota do Cabo).

    Ao longo do sculo XVI a expanso planetria dos portugueses avana nos diferentes espaos martimos e litorais. Em frica (mesmo com certas tentativas de explorao do interior, como o caso do Monomotapa, desde 1514), na Amrica do Sul e do Norte, com lvares Cabral no Brasil e os irmos Corte Real na Terra Nova, em 1500 ou o papel decisivo de nobres e navegadores portugueses na explorao da Flrida, em 1539 e da Califrnia, em 1542-1543 (graas a, entre outros quadros nuticos, Joo Rodrigues Cabrilho).

    Expanso tambm e, sobretudo, nos mares e litorais asiticos. Do ndico ao Pacfico, o avano rpido com a chegada a Malaca e Insulndia, em 1509-1511 e com as relaes martimo-mercantis regu-lares para a China, a partir de 1513 e para o Japo, desde 1542-15438.

    disperso planetria dos outros europeus bastante posterior dos portugueses. O primeiro ano relevante da expanso espanhola 1492, ano em que Cristvo Colombo (1451-1506), ao servio dos reis catlicos, chega ao mar das Antilhas (a expanso atlntica dos portugue-ses de 1420-1430).

    As primeiras datas relevantes nas expanses martimas de france-ses e de ingleses surgem apenas nos anos 30 do sculo XVI e os anos de 1595-1597 marcam o incio da expanso martima holandesa9.

    A expanso martima dos portugueses , assim, pioneira frente s restantes expanses europeias antecedendo-as em cerca de 70 a 100 anos.

    Este factor, com frequncia no valorizado, ou mesmo, esquecido, tem uma importncia decisiva a partir dos finais do sculo XVI e, em especial, ao longo da primeira metade do sculo XVII.

    A prioridade, nas posies martimo-litorais e nas parcerias mer-cantis, permite aos portugueses retardar os efeitos da concorrncia

    8 Entre as mais recentes vises globais da expanso portuguesa destacam-se:

    B. W. Diffie e W. D. Winius Foundations of Portuguese Empire 1415-1580, Minnesota U. Press Minneapolis, 1977, (traduo portuguesa, Lisboa, 1993, 2 vols.); Lus de Albuquerque (Dir. de) Portugal no Mundo, 6 vols., Alfa, Lisboa, 1989-1990; Vitorino Magalhes Godinho Mito e Mercadoria, Difel, Lisboa, 1990; A. J. Russel-Wood A World on the Move: The Portuguese in Africa, Asia, and America 1415-1808, Carcanet, Manchester, 1992.

    9 Sobre os diferentes tipos de expanso europeia, veja-se G. V. Scammel The World Encompassed: the First European Maritime Empires c. 800-1650, Methuen, Londres, 1981.

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  • aberta movida por ingleses e holandeses10. A capacidade de resistncia frente concorrncia martimo-mer-

    cantil dos outros europeus, fazendo retardar, o mais possvel, os seus efeitos negativos sobre os interesses e as posies portuguesas, a partir da prioridade de conhecimentos e de contactos, daquilo a que podera-mos chamar o capital e a mais valia acumulados, processualmente, manifesta na sia, sobretudo, no Extremo-Oriente e em certas reas do Sueste Asitico.

    To importante quanto o facto de os Portugueses terem sido os primeiros europeus a sistematicamente estabelecerem comunicaes martimas regulares com diferentes partes do Mundo o facto de esta expanso ser no sculo XVI e, mesmo nos incios do sculo XVII, a nica com implantao em todos os litorais continentais (frica, sia, Amrica e Oceania) e nos mais importantes oceanos (Atlntico, ndico e Pacfico).

    A disperso por to grande distncia e variedade de mares, como diz Francisco Rodrigues Silveira, em 1599, a forma encontrada pela sociedade portuguesa com os seus cerca de um milho e quinhentos mil membros, no sculo XVI e cerca de dois milhes no sculo XVII (a mais baixa fora demogrfica da expanso europeia).

    Os portugueses e os luso-descendentes em frica, na Amrica e sobretudo na sia, so cerca de 200 000, no sculo XVI e 400 000, no sculo XVII.

    To limitadas foras demogrficas parecem impossibilitar ou, pelo menos, racionalmente, desaconselhar esta imensa disperso pelos mares e litorais do planeta: ...1527-1531, Portugal a primeira potncia martima do mundo, as suas velas sulcam os mares da Terra Nova ao Rio da Prata, do Mediterrneo Flandres, de Lisboa s Molucas, do Brasil ao Estreito de Meca; apesar disso, o volume demogrfico no alcana um milho e meio, deve andar volta de l 400 000... 11.

    , no entanto, possvel ver nesta imensa disperso, a resposta possvel de um aparelho central e de uma comunidade que no possuem foras, demogrfica e econmica, suficientemente fortes para apostas nicas, decisivas e especializadas. Vo, por isso, gerindo os mais escassos meios, comparativamente a outros europeus, em mltiplas frentes e tentativas, procurando encontrar na multiplicidade de lances e de espaos, compensao equilibradora dos jogos de poder.

    A miscigenao por todo o lado e o esclavagismo africano e

    10 Sobre a concorrncia europeia e a decadncia/sobrevivncia dos portu-

    gueses nos mares da sia, veja-se A. R. Disney A Decadncia do Imprio da Pimenta, ed. 70, Lisboa, 1981; G. Bryan Souza The Survivel of Empire, C. U. Press, Cambridge, 1986 e Niels Steensgaard Carracks, Caravans and Companies. The Structural Crisis in the European-Asian Trade in the Seventeenth Century, Institute of Asian Studies, Copenhague. 1973.

    11 Vitorino Magalhes Godinho A estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa, Arcdia, Lisboa, 1971, p. 12.

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  • amerndeo sero mecanismos de compensao demogrfica. Mecanis-mos que, mesmo assim, apenas parcialmente, esbatem a diferena demogrfica frente a outras sociedades europeias que no sculo XVI j acentuada. Frente a um milho e meio de portugueses existem j trs milhes de habitantes em Inglaterra, sete milhes em Espanha e catorze milhes em Frana.

    O pioneirismo e a funo econmica de intermedirio martimo -mercantil, local e internacional, constituem elementos que permitem superar ou aligeirar a limitao demogrfica. Limitao que, ao longo da segunda metade do sculo XVII e medida que aumenta a concorrncia entre as expanses martimas europeias, ser cada vez mais um factor de peso.

    Entre os meados dos sculos XV e XVII este pequeno nmero de portugueses e de luso-descendentes uma das foras mais determinantes na abertura dos Mundos ao Mundo, a mola social mais dinmica na origem da construo do mundo, como rede comunicativa global.

    Ao longo do sculo XV a expanso martima dos portugueses

    conhece duas grandes fases de desenvolvimento, separadas, por menos de uma dcada, os anos de 1460-1469, de algum bloqueamento e indefinio geoestratgica.

    A primeira dessas fases vai de 1415 (conquista de Ceuta)-1420 (via atlntica) at 1460 (Serra Leoa). o nascimento de toda uma estrutura social e cultural vocacionada para o alargamento atlntico-africano das fronteiras do poder.

    De 1415 a 1460, as vias de expanso dos portugueses orientam-se para trs objectivos chave: a implantao, no Norte de frica e o nascimento do espao produtivo dos arquiplagos da Madeira e dos Aores, as viagens para ultrapassar o Cabo Bojador e o navegar para sul do mesmo, a caminho do Equador.

    Esta primeira fase encontra no Infante D. Henrique (1394-1460) a individualidade empreendedora e aglutinadora, por excelncia. A sua aco empresarial, martimo-mercantil, procura coordenar e conciliar os meios e os interesses senhoriais, da Coroa e de privados, bem como regular as actividades, ora contraditrias, ora conciliveis, de nobres e de mercadores (em busca de riquezas, de recursos agrrios, de conquista ou de domnio/participao em redes e produtos mercantis).

    Procura tambm integrar num mesmo sentido a Expanso e a Cristandade-Europa, as actividades martimo-mercantis e a ideologia religiosa (relaes com o Papado, o grande centro de legitimao das relaes internacionais para os estudos e o uso dos bens e foras da Ordem de Cristo).

    A segunda grande fase vai de 1469 a 1498, ou seja, desde o estabe-lecimento do contrato entre o rei D. Afonso V e o mercador Ferno Gomes, para explorao da costa africana, at chegada de Vasco da

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  • Gama a Calecute, na ligao martima entre a Europa e a sia. O rei D. Joo II (1455-1495) o centro organizador do essencial

    deste movimento de conquista tcnica dos mares, ilhas e litorais do Atlntico-Sul e da ligao Atlntico-ndico.

    Atravs da sua aco poltica, de centralizao e de planificao, a expanso portuguesa toma, ento, uma forma, essencialmente, estatal e de mercantilismo senhorial, define as zonas de influncia frente concorrncia de Castela (Tratado de Tordesilhas, 1494), orienta-se para o objectivo supremo do Oriente (como atestam, entre muitos outros factos, as viagens terrestres de Pro da Covilh) e especializa-se nos campos da tcnica e da cincia nuticas.

    Ao longo do sculo XVI a disperso planetria dos Portugueses assenta em toda uma iniciativa e regulao estatais. Poder central organizador, aberto aventura privada senhorial e mercantil. Aberto a uma autonomia prtica dos espaos e dos homens no alm-mar, direc-tamente proporcional distncia e durao das viagens, frente ao poder central, poltico e econmico, de Lisboa ou de Goa.

    Esta organizao mercantil-senhorial afirma-se, essencialmente, atravs de duas modalidades diversas: a da intercomunicao martimo-mercantil e da criao espacial.

    O Estado e a carreira da ndia formam a intercomunicao martimo-mercantil mais relevante com a rede de rotas, que desde o Cabo da Boa Esperana ao Japo, encontra a unidade de funo na Rota do Cabo, ligao martima Lisboa-Goa.

    O Estado da ndia representa o mximo de mobilidade da expanso dos portugueses que, desde os litorais da frica Oriental at aos litorais do Extremo-Oriente, praticam uma disperso, metamorfose e miscigenao, baseadas numa unidade mnima de lngua, religio e poltica.

    O Estado da ndia uma organizao martimo-mercantil segundo um mnimo de territorialidade (as feitorias-fortalezas em lugares estratgicos para o controlo ou a participao nas rotas comerciais por mar) para um mximo de espacialidade.

    Para se alcanar um mximo de participao ou de domnio espacial com um mnimo de territorialidade e de gente, necessria uma hegemonia martima, que acontece, na verdade, no ndico, ao longo de grande parte do sculo XVI. Hegemonia martima apoiada em pontos e portos estratgicos, como Ormuz, Goa e Malaca.

    A partir de 1502, com a orgnica dos Cartazes, ou seja, dos salvo-condutos passados pelos portugueses navegao no crist e com a aco de Afonso de Albuquerque, entre 1509 e 1515, criam-se as condies para uma hegemonia martima dos portugueses que, parcial-mente, controla os mares e a circulao dos produtos e dos navios em zonas chave do ndico: ... Durante todo o sculo XVI, as esquadras portuguesas detm incontestvel hegemonia no Oceano ndico e at 1570, nos mares malaios; o Atlntico entre a frica e o Brasil est sob a sua dominao. Durante um sculo, o comrcio portugus usufrui o

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  • monoplio da Rota do Cabo e dos Tratos Cristos de Moambique e Malaca...12.

    As caractersticas dominantes do Estado da ndia so: a activida--de martima, a economia mercantil e o carcter urbano. A unidade social fundamental o indivduo ligado ao Estado-Igreja ou em iniciativa particular e de grupo. Em especial, estes ltimos, os lanados e os casados, criam um processo de aculturao realidade oriental que os afasta, total ou pontualmente, da lgica oficial do aparelho de Estado da ndia.

    A base econmica do Estado da ndia, bem como da iniciativa privada dos portugueses acomodados condio oriental, martimo-mercantil. Toda uma rede martimo-mercantil que serve e promove a troca entre diferentes regies asiticas e entre a Europa e a sia.

    Os grandes produtos em jogo nesta estrutura de servios comuni-cativos so, de uma forma muito breve: a pimenta e o gengibre do Malabar e da Indonsia-Malsia; o macis e a noz moscada de Banda; a canela de Ceilo; o cravo-da-ndia de Ternate; os cavalos da Prsia e da Arbia; o ouro, as sedas e as porcelanas da China; a prata e o cobre do Japo; o ouro do sudeste africano (Monomotapa) e de Samatra, etc.

    Toda esta rede de rotas martimas de especiarias e de metais preciosos, de manufacturas de luxo, mas tambm de alimentos e de produtos do dia a dia, encontra os seus pontos de apoio em Ormuz, Goa, Cochim, Malaca, Macau, lugares de feitoria-fortaleza ou de cidade-porturia.

    Ao longo do sculo XVI e at meados do sculo XVII possvel apontar trs grandes fases na presena dos portugueses no Oriente.

    A primeira vai desde as viagens de Vasco da Gama 1497-1499 e Pedro lvares Cabral 1500-1501 at morte de Afonso de Albuquerque, em 1515. Fase marcada por uma muito rpida disperso, desde a costa oriental de frica at aos litorais do sul da China e pela criao de um oficial poder martimo hegemnico no ndico com a fundao do Estado e da Carreira da ndia.

    Organizao poltico-martima estatal assente na feitoria-fortale-za, nas armadas (o poder dos canhes e das velas nos mares) e nos cartazes, uma espcie de imposto alfandegrio martimo-mercantil destinado a excluir ou a esbater o peso martimo-mercantil islmico.

    A segunda grande fase, de 1515 a cerca de 1560, corresponde a uma ascenso do poder oficial portugus nos mares do Oriente. Goa , ento, a grande capital do Estado e da Carreira da ndia, o centro do comrcio martimo euroasitico. Comrcio cada vez mais assente no controlo ou na participao em mltiplas rotas e redes inter-regionais no Indico e no Pacfico.

    O terceiro perodo, desde 1560 a meados do sculo XVII, marca o

    12 Vitorino Magalhes Godinho Os Descobrimentos e a Economia Mundial, Arcdia, Lisboa, 1963, vol. I, p. 45.

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  • retrocesso do poder oficial portugus, a gradativa decadncia do Estado e da Carreira da ndia. Retrocesso frente, antes de mais, aos portugueses acomodados lgica oriental, os lanados e os casados.

    O peso crescente dos portugueses aculturados e no integrados na lgica oficial e dos luso-orientais, manifesta-se no recuo, gradativo e jamais contnuo, da Rota do Cabo frente s redes do comrcio local. Comrcio local no ndico (caso, por exemplo, da Baa de Bengala), no arquiplago Indonsio e nos Mares da China (Macau-Manila-Nagasaqui).

    Retrocesso do poder martimo oficial frente ao poder martimo privado ou semi-oficial que contemporneo do retrocesso do Estado e da carreira da ndia portugueses frente crescente concorrncia doutros poderes martimos europeus (holandeses e ingleses) e, mesmo, micro-poderes martimos orientais locais13.

    O Brasil, bem ao contrrio do Estado da ndia, assenta a unidade social bsica na famlia colonial latifundiria. A vida aristocrtica e escravocrata e a base econmica encontra-se na riqueza agrria e no trabalho do escravo com a cultura intensiva da cana-do-acar, a criao de gado, etc. A actividade martimo-mercantil , to s, um complemento da explorao agrria, da fazenda e da vila.

    A disperso no Oriente e a criao de um espao civilizacional no Brasil so, antes de mais, respostas funcionais, no plano sociocultural, s condies de cada espao, s regras, possibilidades e limites de cada urna das distintas realidades.

    O Estado da ndia e o Brasil representam, cada um a seu modo, o princpio de adaptao e de intercomunicao da expanso dos portu-gueses no Mundo. Adaptao aos mais diferentes espaos, regras de poder, maneiras de ser e de estar dos povos.

    Esta capacidade de adaptao ao diverso que, no sculo XVI surge nas formas estabelecidas de cariz mercantil, no Oriente e de criao agrria no Brasil, j se manifesta no sculo XV.

    Ento, sob formas ainda embrionrias ou mesmo experimentais, para os casos do sculo XVI, surge uma rede intercomunicativa marti-ma no Atlntico africano (ouro, malagueta, escravos) e uma criao espacial agrria (com as monoculturas do trigo e da cana-do-acar, na Madeira).

    Esta oposio entre intercomunicao martimo-mercatil e espa- cialidade produtiva, ao longo dos sculos XV e XVI, deve ser avaliada como complementar, uma adaptao s condies e aos limites de possibilidade existente. Oposio complementar e gradativa, como vemos, por exemplo, na funo dos portos, nos espaos produtivos da Madeira e do Brasil: . . . um imprio escala do globo ocenico, o

    13 As mais recentes vises globais dos portugueses no Oriente so: Lus Filipe Thomaz De Ceuta a Timor, Difel, Lisboa, 1994 e Sanjay Subramanyam The Portuguese Empire in Asia 1500-1700: A Political and Economic History, Longman, Londres, 1993 (traduo portuguesa, Difel,1996).

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  • mesmo dizer, comercial, sem dvida, mas tambm fundirio e agrco-la...14.

    A capacidade intercomunicativa, a resposta positiva s necessida-des e s possibilidades, faz dos portugueses dos sculos XV e XVI, os grandes misturadores das raas e dos espaos, os grandes transportado-res dos produtos e dos valores, os sincretizadores das religies e dos costumes, como vemos, por exemplo, na troca de plantas e alimentos (batata doce, banana, caju, amendoim, etc.) e de bebidas, gostos e prazeres (ch, vinho, tabaco, etc.).

    Esta imensa ...revoluo geogrfica que a comercializao do globo... (Vitorino Magalhes Godinho) uma Abertura dos Mundos ao Mundo: .. .a expanso europeia dos sculos XV e XVI que se processa fundamentalmente por mar mesmo quando acaba por penetrar a massa dos outros continentes, consiste antes de mais na abertura e traado de rotas novas, atravs de espaos at ento no frequentados (ou raro frequentados), a ligar complexos sociais-econmicos e de civilizaes j por outros lados em conexo mas tambm com mundos que permane-ciam margem e mal comunicavam entre si. Porque movimento, ou melhor, multiplicidade de movimentos de homens e de bens, a inova-o de uma teia de rotas, com as inerentes transferncias e trocas, a interconectar a maioria das regies do globo...15.

    A expanso dos Portugueses, devido ao pioneirismo temporal,

    mxima disperso espacial e capacidade de adaptao pluralidade das condies, , nos sculos XV e XVI, o maior contributo para o nascimento de uma cultura mundial16.

    A lngua portuguesa torna-se, nesta poca, a lngua por excelncia da comunicao martima e mercantil (lngua franca) em especial nos litorais africano e oriental, sob a forma de crioulos locais.

    Fruto desse dilogo civilizacional no campo lingustico o facto de a lngua portuguesa ser, na poca e ainda hoje, a lngua europeia com maior incorporao de vocbulos de origem asitica, africana e amerndia.

    O contacto com as diferentes lnguas de frica, da sia e da Amrica, leva formao de um vasto nmero de vocbulos, de dicio-nrios e de gramticas, em portugus, de lnguas desconhecidas do Ocidente.

    Tomemos, por exemplo, os casos do Dicionrio Portugus-Chi-

    14 Vitorino Magalhes Godinho Os Descobrimentos e a Economia Mun dial, Arcdia, Lisboa, 1963, vol. I, p. 45.

    15 Vitorino Magalhes Godinho Os Descobrimentos e a Economia Mun dial, Arcdia, Lisboa, 1965, vol. II, p. 593.

    16 Sobre a dimenso cultural da expanso portuguesa, vejam-se as obras globais de J. S. Silva Dias Os Descobrimentos e a Problemtica Cultural do Sculo XVI, Presena, Lisboa, 1982 e Lus Filipe Barreto Descobrimentos e Renascimento, I. Nacional, Lisboa, 1982.

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  • ns, de cerca de 1580-1588 (organizado em grande medida, de um modo colectivo, em Macau e coordenado por Ricci e Ruggiero), que o primeiro dicionrio de chins numa lngua ocidental; tambm o colec-tivo Vocabulrio da Lingoa de Iapam, Nagasaqui, 1603 e a Arte Breve da Lingoa Japoa de Joo Rodrigues Tuzzu SJ., impresso em Macau, 1620, que so os primeiros vocabulrio e gramtica elementar ociden-tais da lngua japonesa.

    Ao mesmo tempo e em consequncia directa desta funo de intermedirio lingustico dos mundos extra-europeus, a lngua portu-guesa possui nas elites intelectuais, comerciais e polticas, da Europa, um estatuto de ateno e aceitao.

    As obras dos portugueses e em portugus so traduzidas e editadas nas mais diferentes lnguas (latim, italiano, alemo, ingls, francs, espanhol, etc.) e cidades da Europa (Roma, Veneza, Basileia, Paris, Londres, etc.)17.

    A expanso martima dos portugueses vai criando toda uma cultura prpria que, no sculo XV, apresenta uma forma predominantemente emprico-comportamental, mas que, ao longo do sculo XVI, vai ga-nhando consistncia intelectual e discursiva, todo um extenso quadro de produtos de linguagem, pensamento e aco.

    O centro cultural formado por um campo de marinharia tcnico-prtica, isto , um saber til e objectivo, sobre os oceanos, os regimes de ventos e de mars, as rotas, os navios, etc.

    Este campo central resulta do encontro de obras de astronomia nutica, com produtos de cartografia e objectos e tratados prticos de construo naval. Esta trilogia de conhecimentos verdadeiros tem como objectivo ultrapassar os obstculos, naturais e tcnicos, que se colocam conquista dos mares e da navegao astronmica e transocenica.

    A astronomia nutica apresenta como tipos essenciais de obras, os Livros de Marinharia, os Roteiros, os Dirios de Navegao e os Guias Nuticos.

    Todos estes textos so compndios acumulativos de normas e de informaes nuticas. A parte normativa enuncia princpios e regras prticas e elementares, para a formao e a orientao em nutica astronmica, atravs de Tbuas Solares e de Regimentos do Sol, da Estrela do Norte, do Cruzeiro do Sul e da Estrela do Sul.

    A parte informativa enuncia mil e um dados sobre as condies de navegao no Atlntico, no ndico e no Pacfico. Em suma, apresenta os clculos de latitude alcanados a bordo e em funo coordenadora da viagem ocenica, bem como elementos sobre a declinao magntica, as conhecenas e os regimes de ventos e correntes.

    A Cartografia Nutica, com as suas cartas, planisfrios e mapas-

    17 Veja-se Lus de Matos L'Expansion Portugaise dans la Littrature Latine de la Renaissance, Gulbenkian, Lisboa, 1991 e A. Banha de Andrade Mundos Novos do Mundo, J. I. U., Lisboa, 1972, 2 vols.

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  • -mundi, produz, pela primeira vez, representaes objectivas e aproxi-madas dos oceanos e dos litorais dos continentes.

    Os mapas portugueses so cartas rumadas que, no entanto, trans-cendem as tradicionais cartas-portulano da navegao mediterrnica, graas introduo da escala de latitudes e aos complementares planos hidrogrficos com vistas de costas rebatidas no plano horizontal e registos de sondas.

    A cartografia da expanso planetria dos portugueses um conjunto de cartas nuticas de grande preciso na representao dos complexos martimos costeiros e com a mxima elucidao dos ncleos geogrficos com importncia para a navegao (cabos, baas, golfos, ilhas, portos, etc.).

    A cartogragia nutica portuguesa comea, a partir de 1443, a representar zonas at ento ignoradas na Europa e, em 1502, com o Planisfrio annimo, dito de Cantino, cria o primeiro mapa nutico moderno.

    Os tratados prticos de construo naval como, por exemplo, o Livro de Traas de Carpintaria, 7676, de Manuel Fernandes, so compndios que do a conhecer as regras e os procedimentos adequados boa produo da mquina que o navio (caravelas, naus, galees), atravs da elaborao de princpios gerais normativos e quantitativos.

    O campo da marinharia tcnico-prtica apresenta duas constantes chave: (I) Capacidade de adaptao, utilizao e transformao criati-vas do saber tradicional, manifesta, por exemplo, em instrumentos como o astrolbio nutico e (II) Normalizao e tipificao dos conhecimen-tos atravs da ideia de ordem que disciplina as prticas empricas.

    O segundo campo cultural o terico-crtico. Trata-se de um espao cientfico-filosfico formado por uma componente essencial de marinharia e uma outra complementar de botnica mdica. Ambas ...desempenham igual funo cultural porque se afirmam como explo-rao terica, ou seja, investigao de problemas deixados em aberto (ou nem sequer abordados) ao nvel emprito-imediato...18.

    uma zona de criao em que a informao nutica, cartogrfica ou mdica surgem potenciadas por uma formulao crtica, por uma teo-ria crtica da cincia, o Experiencialismo.

    este o lugar por excelncia das individualidades culturais e das obras que alcanaram, na poca ou posteriormente, maior visibilidade, como o atestam os casos de Duarte Pacheco Pereira (c. 1460-1533) com o Esmeraldo de Situ Orbis, escrito ao longo dos anos de 1505-1508; D. Joo de Castro (1500-1548); Pedro Nunes (1502-1572); Fernando Oliveira (1507-c. 1581) e na matria mdica Garcia de Orta (c. 1503-1568), autor dos Colquios..., Goa, 1563 e Cristvo da Costa (c. 1525-1593).

    O terceiro grande campo cultural gerado pela expanso dos Portu-

    18 Lus Filipe Barreto Portugal Mensageiro do Mundo Renascentista, Quetzal, Lisboa, 1989, p. 30. 379

  • gueses no mundo o da geografia descritiva/antropolgica. um conjunto de obras essencialmente informativas que transmite

    uma vasta, concreta e pormenorizada informao sobre a geografia fsica dos litorais ou interiores da frica, sia e Amrica.

    Ao mesmo tempo, estes textos so compndios da vida do Outro Civilizacional informando sobre as maneiras de ser e de pensar de diversas sociedades e culturais africanas, asiticas e americanas.

    a zona quantitativamente mais vasta desta cultura e, possivel-mente, aquela que mais impacto teve nas ideias europeias dos sculos XVI e XVII, sobre a Natureza e o Homem.

    A mero ttulo de exemplo, podem citar-se entre as obras mais relevantes, o Tratado Descritivo do Brasil, de 1587, de Gabriel Soares de Sousa ou o Tratado dos Rios da Guin de Andr lvares de Almada, escrito em 1590.

    O Oriente o grande territrio da geografia descritiva e da antro-pologia dos portugueses. todo um imenso universo de cartas-relatrio, de viagens martimas e terrestres, de dicionrios, vocabulrios e catecis-mos, de tratados globais ou locais, etc.

    Inextenso e mltiplo campo que vai desde o annimo Relato da primeira Viagem de Vasco da Gama ndia, 1497-1499, at Monar-quia da China do jesuta Antnio de Gouveia, escrita em 1654, obra que traduz para portugus e sintetiza as crnicas chinesas, tendo um notvel captulo sobre Confcio.

    A propsito da sia, entre os finais do sculo XV e meados do sculo XVII, surgem, por exemplo, obras portuguesas como as primei-ras descries sistemticas e globais do Oriente (O Livro das Coisas da ndia, 1511-1516, de Duarte Barbosa e a Suma Oriental, 1512-1515, de Tom Pires), a primeira geografia-antropologia da China impressa no Ocidente, o Tratado das Coisas da China de Frei Gaspar da Cruz, vora, 1570, o colectivo Livro que Trata das Coisas da India e do Japo, organizado em 1548, contendo informao sobre o Extremo-Oriente dos anos de 1530 a 1545.

    O ltimo campo cultural o da doutrina-ideologia. Trata-se de um espao perifrico e de transio entre a cultura da e sobre a Expanso.

    Espao, tambm mltiplo, de formas literrias, polticas, artsticas, etc., que encontra unidade na problemtica do valor e do sentido da disperso dos portugueses pelos diferentes mares e litorais procurando respostas pergunta ...para que existo eu como Nao? Que fim existo para servir na histria da Civilizao e do Mundo? . . . (Fernando Pessoa).

    A resposta dominante acentua a componente religiosa da expanso, vista como realizao da Cidade de Deus Crist, bem como o valor da novidade dos novos horizontes abertos ao Mundo.

    O sentido da Expanso Portuguesa assenta, pois, neste contributo, decisivo e nico, nos planos material e cultural, para a Abertura dos Mundos ao Mundo.

    Os portugueses, ao longo dos sculos XV, XVI e XVII, contribuem

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  • para o nascimento de uma Civilizao Planetria que, sem dvida, repousa em mecanismos de troca desigual mas que, ao mesmo tempo, cria um primeiro sistema global de trocas entre as diferentes sociedades e culturas: . . .a imagem da histria do mundo de 1400 ou de 1450 a 1850-1950 a de uma igualdade antiga que se rompe sob o efeito de uma distoro multisecular iniciada no fim do sculo XV. Tudo secundrio em relao a esta linha dominante...19.

    Atravs da expanso martima, os portugueses realizam ... aquisi-es capitais para o conjunto da espcie humana... (C. Verlinden), participando, decisivamente, no Universo Aberto, de contactos e de trocas, entre os diferentes espaos e homens, em que cada vez mais vivemos e viveremos: .. .o mundo bruscamente tornou-se muito mais vasto. A civilizao e a economia no so mais exclusivamente euro-peias. O horizonte alargou-se; a Humanidade toma conscincia da sua unidade. Uma economia mundial est em vias de nascer... foram os portugueses que deram o primeiro impulso a este prodigioso movimento de expanso...20.

    19 Fernand Braudel Civilizao Material, Economia e Capitalismo (scu los XV-XVIII), vol. III, Teorema, Lisboa, 1993, p. 461.

    20 Charles Verlinden Introduction L'Histoire conomique Gnrale, I. Universidade, Coimbra, 1958, p. 87-88.

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    O sentido da expanso portuguesa no Mundo (Sc. XV-XVII)