o segredo do castelo

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QUEM É O AUTOR? O Segredo do Castelo CERTA NOITE, recentemente, narrei a um grupo de amigos uma história que li há muito tempo. Nenhum deles pode identificar-lhe o título ou o autor. Poderá o leitor fazê-lo? Eis a história: PRESSENTINDO que havia qualquer coisa de sinistro naquele velho castelo, com as suas janelas sombrias, suas portas cerradas, seu jardim abandonado, procurei informar-me sobre ele. Disseram-me que pertencera ao Conde e à Condessa de Merret. Era o conde um homem exaltado e orgulhoso, sendo a esposa pessoa afável, piedosa e de gracioso aspecto. Soube ainda que, durante alguns anos, a vida do casal parecera correr sem acidentes. Até que, um dia, o castelo apareceu deserto. Ninguém mais viu os seus proprietários em Vendôme. Monsieur de Merret morreu, pouco depois, em Paris e Madame passou a viver solitária, numa longínqua província, como um fantasma de cabeça branca. Ao descobrir que Rosalie, a rapariga que me servia no albergue, tinha sido criada da condessa, pedi-lhe me esclarecesse sobre o assunto. Ela se mostrou relutante, mas procurei empregar todo o meu poder de persuasão e, finalmente, após me ter arrancado mil promessas de segredo, ei-la a contar-me, comovida, a história que lhe ouvi com estranho alvoroço. Fora aquela uma casa tranquila, disse Rosalie. Monsieur de Merret era um tanto arrogante e exigente, porém Madame, extremamente bondosa, cedia-lhe em tudo. Ainda naquele verão em que, tendo sido ela acometida de ligeira enfermidade, o marido, para poupar-se a incômodos, se mudou para um quarto noutro andar, ninguém lhe ouviu a mais pequena queixa. Talvez até lhe sorrisse ficar dispondo, sozinha, do amplo quarto do andar térreo, que dava para o jardim, com vista sobre o rio. Havia uma chaminé, numa extremidade do quarto, e, na outra, um grande armário, onde estavam guardados os vestidos de Madame. Gostava de fazer-se bela, conquanto o marido já nem sempre o notasse. Durante a enfermidade da condessa, o conde passava as noites no clube da cidade, jogando cartas ou discutindo política. A cidade achava-se, então, repleta de espanhóis, prisioneiros de guerra a quem o Imperador Napoleão permitira andar soltos, sob palavra. Rosalie havia notado um jovem e belo grande de Espanha que se mostrava muito reservado, e saía sempre, à tardinha, para longos passeios. Um dos rapazes da estrebaria vira-o mesmo, certa feita, por altas horas da noite, a nadar, no rio, junto do castelo. Monsieur de Merret ia sempre diretamente para o seu quarto, ao regressar da cidade. Mas uma noite, no outono, voltando tarde do clube, deixou ficar a lanterna ao pé da escada, e desceu, pela passagem de pedra lavrada, ao quarto de Madame. Chegando em frente a este, pareceu-lhe perceber que fechavam depressa a porta do armário. Todavia, quando entrou, viu a condessa de pé, do outro lado do quarto, junto à lareira. - Chegou tarde, hoje, - disse ela, calmamente.

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CERTA NOITE, recentemente, narrei a um grupo de amigos uma história que li há muito tempo. Nenhum deles pode identificar-lhe o título ou o autor. Poderá o leitor fazê-lo?

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Page 1: O Segredo Do Castelo

QUEM É O AUTOR?

O Segredo do CasteloCERTA NOITE, recentemente, narrei a um grupo de amigos uma história que li há muito tempo. Nenhum deles pode identificar-lhe o título ou o autor. Poderá o leitor fazê-lo?

Eis a história:

PRESSENTINDO que havia qualquer coisa de sinistro naquele velho castelo, com as suas janelas sombrias, suas portas cerradas, seu jardim abandonado, procurei informar-me sobre ele. Disseram-me que pertencera ao Conde e à Condessa de Merret. Era o conde um homem exaltado e orgulhoso, sendo a esposa pessoa afável, piedosa e de gracioso aspecto. Soube ainda que, durante alguns anos, a vida do casal parecera correr sem acidentes. Até que, um dia, o castelo apareceu deserto. Ninguém mais viu os seus proprietários em Vendôme. Monsieur de Merret morreu, pouco depois, em Paris e Madame passou a viver solitária, numa longínqua província, como um fantasma de cabeça branca.

Ao descobrir que Rosalie, a rapariga que me servia no albergue, tinha sido criada da condessa, pedi-lhe me esclarecesse sobre o assunto. Ela se mostrou relutante, mas procurei empregar todo o meu poder de persuasão e, finalmente, após me ter arrancado mil promessas de segredo, ei-la a contar-me, comovida, a história que lhe ouvi com estranho alvoroço. Fora aquela uma casa tranquila, disse Rosalie. Monsieur de Merret era um tanto arrogante e exigente, porém Madame, extremamente bondosa, cedia-lhe em tudo. Ainda naquele verão em que, tendo sido ela acometida de ligeira enfermidade, o marido, para poupar-se a incômodos, se mudou para um quarto noutro andar, ninguém lhe ouviu a mais pequena queixa. Talvez até lhe sorrisse ficar dispondo, sozinha, do amplo quarto do andar térreo, que dava para o jardim, com vista sobre o rio. Havia uma chaminé, numa extremidade do quarto, e, na outra, um grande armário, onde estavam guardados os vestidos de Madame. Gostava de fazer-se bela, conquanto o marido já nem sempre o notasse.

Durante a enfermidade da condessa, o conde passava as noites no clube da cidade, jogando cartas ou discutindo política. A cidade achava-se, então, repleta de espanhóis, prisioneiros de guerra a quem o Imperador Napoleão permitira andar soltos, sob palavra. Rosalie havia notado um jovem e belo grande de Espanha que se mostrava muito reservado, e saía sempre, à tardinha, para longos passeios. Um dos rapazes da estrebaria vira-o mesmo, certa feita, por altas horas da noite, a nadar, no rio, junto do castelo.

Monsieur de Merret ia sempre diretamente para o seu quarto, ao regressar da cidade. Mas uma noite, no outono, voltando tarde do clube, deixou ficar a lanterna ao pé da escada, e desceu, pela passagem de pedra lavrada, ao quarto de Madame. Chegando em frente a este, pareceu-lhe perceber que fechavam depressa a porta do armário. Todavia, quando entrou, viu a condessa de pé, do outro lado do quarto, junto à lareira.

- Chegou tarde, hoje, - disse ela, calmamente.

Mal acabava de falar, Rosalie entrou, vindo do hall. Não fora portanto esta quem havia fechado o armário. A criada lobrigou uma expressão de dúvida e, logo a seguir, de ódio, no rosto do conde. Apressou-se em deixar o quarto, mas, de fora, ainda lhe pode ouvir a voz glacial:

- Madame, há alguém naquele armário?

- Não, não há ninguém . Respondeu a condessa, muito naturalmente.

Ele dirigiu-se para o armário, mas ela o deteve:

- Se não encontrar ninguém ali, tudo estará terminado entre nós!

Ele desferiu-lhe um olhar profundo:

Page 2: O Segredo Do Castelo

- Muito bem; não o abrirei. Olhe: a salvação de sua alma e a esperança que tem na eternidade, significam tudo, para você. Jure que não há ninguém ali dentro, e a porta permanecerá fechada.

Trouxe-lhe então o crucifixo – um curioso trabalho espanhol em marfim e prata esculpida. Sem o menor tremor, Madame pôs as mãos sobre a cruz, dizendo: “Juro”.

- Chame a sua criada, - ordenou-lhe então.

Quando Rosalie entrou, disse-lhe o conde:

- Vá buscar Gorenflot, o pedreiro. Diga-lhe que traga o martelo, os tijolos e a cal que ficaram no estábulo novo.

Horrorizada, Rosalie correu a cumprir a ordem. Ao chegar o pedreiro, atônito, Monsieur lhe disse bruscamente:

-Faça um muro sobre a porta deste armário, depressa e em silêncio. Execute bem a tarefa, e nunca lhe faltará dinheiro... enquanto guardar em segredo o que se passa. Assim também, Rosalie.

Ficou a encarar o operário que se preparava para o serviço. A certa altura, Madame pediu a Rosalie que lhe trouxesse um chale. Aas suas mãos geladas apertaram os dedos da rapariga.

-Diga a Gorenflot que deixe uma abertura... seja lá como for, - murmurou, acrescentando, em voz alta: - Vá buscar mais velas, para que o pedreiro possa ver melhor.

A não ser o barulho do martelo, o silêncio era completo. Quando o trabalho ia em meio, Gorenflot, aproveitando um momento em que o seu patrão virara as costas, voltou-se para quebrar, com um golpe do instrumento que trazia nas mãos, o pequeno quadrado de vidro encaixado na parte superior do armário. Um par de olhos, a fuzilar de horror, mergulhou, de dentro, nos seus, sem que se ouvisse, contudo, o mínimo ruído. Desapareceram, porém, ao volver-se o conde. Quando a obra terminou, alvorecia. Monsieur de Merret chamou o seu mordomo:

- Minha senhora está enferma, - disse ele. – Não a quero deixar um só instante. Sirva-nos as refeições aqui.

Durante 20 dias, Monsieur de Merret permaneceu no quarto da condessa. Certa feita, ainda no curso dos primeiros dias, ouviram-se uns ruídos abafados que vinham do armário, e Madame, prestes desmaiar, soltou um grito. Mas Monsieur interrompeu, com uma frase, as palavras que adivinhou lhe iam sair dos lábios:

- Você jurou sobre a cruz que ali não havia ninguém! É o que basta.

Algum tempo depois, os sons cessaram. Ouvia-se apenas Madame, que chorava baixinho.

Fonte: Seleções do Reader’s Digest – Abril de 1942