o século xx foi efetivamente um século de intensa disputa em to

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Ciclo de seminários Fórum Social Brasileiro, Belo Horizonte, 7 e 8 de novembro de 2003 Um projeto Ibase, em parceria com ActionAid Brasil, Attac Brasil e Fundação Rosa Luxemburgo Limites e potencialidades da expansão democrática no Brasil Leonardo Avritzer Cientista político, Universidade Federal de Minas Gerais O século XX foi um século de intensa disputa em torno da questão democrática. Essa disputa, travada ao final de cada uma das guerras mundiais e ao longo do período da guerra fria, envolveu dois debates principais. Na primeira metade do século, o debate centrou- se na desejabilidade da democracia (Weber,1919; Schmitt,1926; Kelsen,1929; Michels,1949; Schumpeter,1942) 1 . Se, por um lado, tal debate foi resolvido em favor da desejabilidade democracia como forma de governo, por outro lado, a proposta que se tornou hegemônica ao final das duas guerras mundiais implicou em uma restrição das formas de participação e soberania ampliadas em favor de um consenso em torno 1 Este debate iniciara- se no século XIX pois até então e por muitos séculos a democracia tinha sido considerada consensualmente perigosa e, por isso, indesejada. O seu perigo consistia em atribuir o poder de governar a quem estaria em piores condições para o fazer:a grande massa da população, iletrada, ignorante e social e politicamente inferior. (Williams,1976:82;McPherson,1972) 1

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Page 1: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

Ciclo de semináriosFórum Social Brasileiro, Belo Horizonte, 7 e 8 de novembro de 2003

Um projeto Ibase, em parceria com ActionAid Brasil, Attac Brasil eFundação Rosa Luxemburgo

Limites e potencialidades da expansão democrática no Brasil

Leonardo AvritzerCientista político, Universidade Federal de Minas Gerais

O século XX foi um século de intensa disputa em torno da questão

democrática. Essa disputa, travada ao final de cada uma das guerras

mundiais e ao longo do período da guerra fria, envolveu dois debates

principais. Na primeira metade do século, o debate centrou- se na

desejabilidade da democracia (Weber,1919; Schmitt,1926; Kelsen,1929;

Michels,1949; Schumpeter,1942)1. Se, por um lado, tal debate foi

resolvido em favor da desejabilidade democracia como forma de

governo, por outro lado, a proposta que se tornou hegemônica ao final

das duas guerras mundiais implicou em uma restrição das formas de

participação e soberania ampliadas em favor de um consenso em torno

1

Este debate iniciara- se no século XIX pois até então e por muitos séculos a democraciatinha sido considerada consensualmente perigosa e, por isso, indesejada. O seu perigoconsistia em atribuir o poder de governar a quem estaria em piores condições para ofazer:a grande massa da população, iletrada, ignorante e social e politicamente inferior.(Williams,1976:82;McPherson,1972)

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Page 2: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

de um procedimento eleitoral para a formação de governos

(Schumpeter,1942). Essa foi a forma hegemônica de prática da

democracia no pós- guerra, em particular nos países que se tornaram

democráticos após a segunda onda de democratização.

O segundo debate que permeou a questão no pós- segunda guerra

mundial foi acerca das condições estruturais da democracia (Moore,1966;

O’Donnell,1973; Przeworski,1985), que foi também um debate sobre a

compatibilidade ou incompatibilidade entre a democracia e o capitalismo

(Wood,1996)2. Nos anos sessenta, Barrington Moore inaugurou esse

debate por meio da introdução de uma tipologia de acordo com a qual se

poderia indicar os países com propensão democrática e os países sem

propensão democrática. Para Moore, um conjunto de características

estruturais explicariam a baixa densidade democrática na segunda

metade do século XX: o papel do estado no processo de modernização e

sua relação com as classes agrárias; a relação entre os setores agrários e

os setores urbanos e o nível de ruptura provocado pelo campesinato ao

longo do processo de modernização. (Moore,1966).

O objetivo de Moore era explicar por que a maior parte dos países não

eram democráticos nem poderiam vir a sê- lo senão pela mudança das

condições estruturais. Entretanto, um segundo debate se articulava ao

dos requisitos estruturais da democracia, o debate sobre as virtualidades

redistributivas da democracia. Tal debate partia do pressuposto que na

medida em que certos países venciam a batalha pela democracia, junto

com a forma de governo, passavam a usufruir de uma certa propensão

distributiva caracterizada pela chegada da social democracia ao poder

(Przeworski,1985). Haveria, portanto, uma tensão entre capitalismo e

2 Este debate, como de resto quase todos os outros sobre a democracia, tinha sidoantecipado por Rousseau quando afirmava no Contrato Social que só poderia serdemocrática a sociedade onde não houvesse ninguém tão pobre que tivesse necessidadede se vender e ninguém tão rico que pudesse comprar alguém.

2

Page 3: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

democracia, tensão essa que, uma vez resolvida a favor da democracia,

colocaria limites à propriedade e implicaria em ganhos distributivos para

os setores sociais desfavorecidos. Por isso, no âmbito desse debate

discutissem- se modelos de democracia alternativos ao modelo liberal: a

democracia popular nos países da Europa de Leste, a democracia

desenvolvimentista dos países recém- chegados à independência.

A discussão democrática da última década do século XX mudou os

termos do debate democrático do pós- guerra. A extensão do modelo

hegemônico e liberal – para o sul da Europa ainda nos anos setenta e,

posteriormente, para a América Latina e a Europa do Leste (O’Donnell e

Schmitter,1986) – tornou desatualizadas as análises de Moore e de

Przeworski. Parecem pouco atuais as perspectivas sobre a democracia da

segunda metade do século XX com as suas discussões sobre os

impedimentos estruturais da democracia, na medida em que passamos a

ter muitas dezenas de países em processo de democratização – países

esses com enormes variações no papel do campesinato e nos seus

respectivos processos de urbanização. Reabre- se, assim, a discussão

sobre o significado estrutural da democracia, em particular para os assim

chamados países em desenvolvimento ou países do Sul.

A medida que o debate sobre o significado estrutural da democracia

muda os seus termos, uma segunda questão parece também vir a tona: o

problema da forma da democracia e da sua variação. Essa questão

recebeu a sua resposta mais influente na solução elitista proposta por

Joseph Schumpeter, de acordo com a qual o problema da construção

democrática em geral deveria ser derivado dos problemas enfrentados na

construção da democracia na Europa no período de entre- guerras. A

partir dessa resposta funda- se o que poderíamos chamar de concepção

hegemônica da democracia. Os principais elementos dessa concepção

3

Page 4: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

seriam a tão apontada contradição entre mobilização e

institucionalização (Huntington,1968; Germani,1971); a valorização

positiva da apatia política (Downs,1956); a concentração do debate

democrático na questão dos desenhos eleitorais das democracias

(Lijphart,1984); o tratamento da pluralismo como forma de incorporação

partidária e disputa entre as elites(Dahl,1956;1971) e a solução

minimalista ao problema da participação pela via da discussão das

escalas e da complexidade (Bobbio,1986; Dahl,1991).Todos esses

elementos que poderiam ser apontados como constituintes de uma

concepção hegemônica da democracia não conseguem enfrentar

adequadamente o problema da qualidade da democracia que voltou a

tona com a chamada “terceira onda de democratização”. Quanto mais se

insiste na formula clássica da democracia de baixa intensidade, menos se

consegue explicar o paradoxo de a extensão da democracia ter trazido

consigo uma enorme degradação das práticas democráticas. No caso da

América Latina, em pouco mais de uma década de democracia, três

presidentes foram impedidos por corrupção e, no caso da Argentina, dois

em quatro presidentes eleitos não conseguiram completar os seus

mandatos.

Ao mesmo tempo e paradoxalmente, o processo de globalização (Santos,

2002) suscita uma nova ênfase na democracia local e nas variações da

forma democrática no interior do Estado nacional, permitindo a

recuperação de tradições participativas em países como o Brasil, a Índia.

Renova- se, assim, a propensão a se examinar a democracia local e

democracia participativa a partir da recuperação de tradições

participativas solapadas no processo de construção de identidades

nacionais homogêneas, tal como foi o caso no Brasil e na Índia. O Fórum

Social Mundial pode trazer contribuições decisivas nesse processo: por

um lado, ele coloca em evidência experiências participativas no Brasil,

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Page 5: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

especialmente o orçamento participativo que, tal como o Fórum, tem sido

reconhecido pela sua marca porto- alegrense. Mas, a contribuição do FSM

pode e deve ir muito mais além: pode colocar em contato as experiências

de países do Sul sem que elas passem pela mediação das experiências do

Norte. E pode, pela primeira vez, tornar as experiências dos países do Sul

referência no debate democrático global.

Nesse artigo, que faz parte do eixo extensão da democracia participativa

do seminário “Pos- neoliberalismo: alternativas estratégicas para o

desenvolvimento humano democrático e sustentável”, iremos partir da

experiência do OP para mostrar a sua contribuição para o debate atual

sobre democracia participativa. Também iremos apontar alguns dos

limites que, uma vez ultrapassados, podem tornar o OP referência

obrigatória no debate internacional sobre democracia participativa.

Surgimento do orçamento participativo

O Brasil é um dos países cujo panorama político foi profundamente

alterado pela terceira onda de democratização. Portador de um sistema

político altamente instável no período do pós- guerra, no qual todos os

presidentes enfrentaram tentativas de golpe de estado ou tiveram suas

eleições questionados como ilegítimas, o Brasil experimentou uma

ruptura da ordem democrática em 1964. Entre 1964 e 1985, o país

sofreu a sua pior experiência autoritária: o Congresso foi fechado duas

vezes pelo regime autoritário, uma em 1968 e a outra em 1977. As

eleições para presidente foram suspensas e a partir de 1968 a maior

parte das garantias civis também foi suspensa.

Ao mesmo tempo, a forte desigualdade social que caracterizava o país

cresceu. Em 1984, o último ano de vigência do autoritarismo no país,

5

Page 6: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

mais que 35% da população era pobre ou muito pobre e, no caso do

Nordeste, mais de 50% da população era pobre ou muito pobre. O

processo de modernização econômica do Brasil gerou enormes

iniqüidades sociais no âmbito local. As maiores cidades brasileiras

cresceram a taxas inacreditáveis entre 1950 e 1980 e se tornaram os

principais locais de concentração da pobreza. No caso da cidade de São

Paulo, a sua população passou de 2.198.000 habitantes para 8.493.000

habitantes nesse período; no caso de Belo Horizonte, sua população

passou de 352.000 habitantes para 1.780.000 e, no caso de Porto

Alegre, a sua população passou de 394.000 habitantes para 1.125.000

nesse mesmo período (IBGE,1983). O aumento da população urbana e a

criação e expansão de uma administração pública racional não foram

seguidas por um aumento proporcional dos serviços públicos. Pelo

contrário, na maior parte das cidades brasileiras as carências de serviços

urbanos eram enormes no início da década de 80. Em 1984, somente

80,2% da população do Sudeste do Brasil – a região mais rica do país – e

59,6% da população da região Sul tinha acesso à água tratada. O acesso à

rede de saneamento era ainda menor: somente 55% da população urbana

tinha acesso à rede de saneamento (Santos, 1985).

A democratização brasileira envolveu momentos de continuidade política

e momentos de inovação democrática derivadas de propostas trazidas

pelos movimentos populares para o interior da Assembléia Nacional

Constituinte. No interior da Assembléia Nacional Constituinte propostas

de fortalecimento do poder de influência dos atores sociais foram

apresentadas através das chamadas “iniciativas populares”, levando, com

a sua aprovação, a um aumento da influência dos atores sociais em

diversas instituições. O artigo 14 da Constituição de 1988 garantiu a

iniciativa popular como iniciadora de processos legislativos. O artigo 29

sobre a organização das cidades requereu a participação dos

6

Page 7: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

representantes de associações populares no processo de organização das

cidades. Outros artigos requereram a participação das associações civis

na implementação das políticas de saúde e assistência social. Sendo

assim, a Constituição foi capaz de incorporar novos elementos culturais

surgidos no âmbito da sociedade na institucionalidade emergente. São

esses elementos que estão na origem do orçamento participativo.

O orçamento participativo é uma política participativa local que responde

a demandas dos setores desfavorecidos da população urbana por uma

distribuição mais justa dos bens públicos nas cidades brasileiras. Ele

inclui atores sociais, membros de associações de bairro, e cidadãos

comuns em um processo de negociação e deliberação dividido em duas

etapas: uma primeira etapa na qual a participação dos interessados é

direta e uma segunda etapa na qual a participação corre por meio da

constituição de um conselho de delegados.

O orçamento participativo foi implantando pela primeira vez na

administração Olívio Dutra, em Porto Alegre no ano de 1990. O Partido

dos Trabalhadores3 venceu as eleições para a Prefeitura de Porto Alegre

em 1988 e, depois de um ano de gestão, começou a implementá- lo. O

orçamento participativo em Porto Alegre consiste em um processo de

decisão pela população sobre as prioridades de obras da Prefeitura do

município. Esse processo envolve duas rodadas de assembléias regionais

intercaladas por uma rodada de assembléias em âmbito local. Em uma

segunda fase, ocorre a instalação do Conselho do Orçamento

3 Está além dos objetivos desse artigo traçar uma história dos Partido dos Trabalhadoresno Brasil. Valeria a pena, no entanto, ressaltar que o PT é criado no decorrer do processode organização da sociedade brasileira contra o autoritarismo e teve como seusfundadores membros do chamado novo sindicalismo, membros das Comissões de Baseda Igreja Católica e intelectuais e membros dos movimentos de classe média. Nessesentido, ele esteve próximo à luta dos movimentos comunitários no Brasil desde a suafundação ainda que a sua concepção de governo não fosse a princípio dirigida paraesses atores. Vide (KECK, 1991 E UTZIG, 1996).

7

Page 8: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

Participativo, um órgão de conselheiros representantes das prioridades

orçamentárias decidas nas assembléias regionais e locais. A confecção

administrativa do orçamento ocorre no Gaplan (Gabinete de Planejamento

da Prefeitura), órgão ligado ao gabinete do prefeito.

Porto Alegre é uma cidade dividida em 16 regiões administrativas (vide

mapa 1). Na primeira fase do OP são realizadas 16 assembléias regionais

e as assembléias temáticas (vide figura 1 abaixo).

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Page 9: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

01 Humaitá/Ilhas/Navegantes02 Noroeste03 Leste04 Lomba do Pinheiro05 Norte06 Nordeste07 Partenon08 Restinga09 Glória10 Cruzeiro11 Cristal12 Centro Sul13 Extremo Sul14 Eixo Baltazar15 Sul16 Centro

9

Page 10: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

As assembléias são realizadas em cada uma das 16 regiões com a

presença do prefeito. O número de participantes constituirá a base para

o cálculo do número de delegados que irão participar na próxima fase

nas assembléias intermediárias e nos fóruns de delegados. Os moradores

se inscrevem nas assembléias individualmente. No entanto, a sua

participação em associações civis é indicada no processo de inscrição nas

assembléias. Critério para retirada dos delegados: até cem presentes na

primeira assembléia regional, 1 delegado para cada dez presentes; entre

101 e 250 presentes, 1 delegado para cada 20 presentes; entre 251 e

400, 1 delegado para cada 30 presentes; mais de 401 presentes, 1

delegado para cada 40 presentes. Todos os presentes têm direito a um

voto.

O conselho do Orçamento Participativo é instalado no mês de julho de

cada ano. Sua composição é a seguinte: dois conselheiros por cada

regional (32) + dois conselheiros eleitos por cada assembléia temática

(10) + um representante da Uampa (União das Associações de Moradores

de Porto Alegre) e um do Sindicato dos Servidores da Prefeitura. Total de

membros: 44. Suas atribuições são: a) debater e aprovar a proposta

orçamentária do município confeccionada no Gaplan, tendo como base as

decisões sobre hierarquização e prioridades de obras tomadas nas

assembléias intermediárias; b) rever a proposta orçamentária final

elaborada pela Prefeitura; c) acompanhar a execução das obras

aprovadas; discutir os critérios técnicos que inviabilizam a execução de

obras aprovadas.

É possível afirmar que a introdução do orçamento participativo pela

administração Olívio Dutra durante o ano de 1990 marca um divisor de

águas em termos de políticas participativas no Brasil. Se, por um lado, é

verdade que a conjuntura política da democratização já apontava na

10

Page 11: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

direção de políticas participativas, devido à introdução da forma conselho

e de outras formas de participação durante o processo constituinte

(Raichellis, 1999; Dagnino, 2002), por outro lado, nenhuma cidade

abraçou tão rapidamente e tão amplamente a idéia de participação

quanto Porto Alegre. Alguns dados empíricos podem corroborar essa

afirmação: em primeiro lugar, a baixa participação inicial no orçamento

participativo em algumas regiões de Porto Alegre como a do Cristal,

Navegantes e a Glória com médias entre 10 e 15 participantes mostram a

enorme vontade política por trás da decisão inicial de implantação do OP.

Em segundo lugar, o enfrentamento do conflito político criado pelo OP,

que levou a demissão do primeiro secretário do Planejamento da

administração Olívio Dutra e à criação do Gaplan (Fedozzi,1997), mostra

uma determinação de enfrentar os conflitos políticos em torno da

continuidade e das características do OP. Em terceiro lugar, o enorme

envolvimento das associações civis nos primeiros anos do OP, período no

qual 71,28% dos participantes eram vinculados a associações

comunitárias (Fedozzi et all,1993), mostra o apoio à proposta no interior

da sociedade civil. Todo esses dados quando comparados, por exemplo,

com a experiência limitada do orçamento participativo em São Paulo no

mesmo período, mostram que a introdução da proposta e a vontade

política capaz de forjar o seu sucesso inicial apenas poderiam ter

ocorrido em Porto Alegre devido às condições anteriormente descritas.

É possível também caracterizar o sucesso distributivo do orçamento

participativo em Porto Alegre. Se partirmos de um conjunto de variáveis

relacionadas com a desigualdade social em cidades brasileiras: baixo

rendimento nominal médio do chefe de família; porcentagem de mães

com primeiro grau incompleto; número de domicílios irregulares e o

número de habitantes com menos de quinze anos por família podemos

perceber que o orçamento participativo tem um impacto na redução

11

Page 12: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

dessas realidades na cidade de Porto Alegre (Marquetti,2003). Esse

argumento é extremamente importante para a discussão sobre

democracia participativa porque consegue corroborar a idéia de formas

de racionalidade associadas às formas ampliadas de participação4, isto é,

mostra que os atores sociais quando devidamente munidos da

capacidade de deliberação conseguem identificar lacunas distributivas na

sociedade e agir de forma a corrigi - las. O argumento mostra também

que os atores sociais são capazes de realizarem rankings de prioridades

e, até mesmo, agirem altruisticamente na medida em que o ator médio

que participa do OP de Porto Alegre – caracterizado como um indivíduo

de renda familiar até quatro salários mínimos (Baierle, 1999) – consegue

identificar que existem indivíduos mais carentes do que eles e privilegiá-

los no processo de distribuição de bens públicos.

É possível mostrar também, no caso do orçamento participativo, o

impacto da forma ampliada de democracia na organização do Estado.

Dois tipos de evidências podem corroborar esse argumento: a

capacidade do Estado de melhorar a proporção entre o número de

funcionários dedicados às atividades meio em relação aos funcionários

que se dedicam às atividades fins da administração pública; a capacidade

do estado de melhorar o seu desempenho em áreas críticas, tais como, a

coleta de lixo e a capacidade de instalação de pontos de luz. Esse

argumento é relevante para nos posicionarmos em relação à

determinadas discussões sobre reforma do Estado e teoria do Estado.

Afinal, o espectro huntingtoniano da pressão das massas ainda assombra

4 Essa é uma questão polêmica no interior da teoria democrática contemporânea. Ateoria hegemônica a esse respeito, o assim chamado elitismo democrático, supõe que aparticipação constitui apenas uma forma de pressão das massas sobre o sistemapolítico. Apesar de uma série de críticas teóricas a essa perspectiva terem sidoformuladas (Avritzer,1996), o trabalho de Marquetti aponta na direção de uma críticaempírica.

12

Page 13: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

alguns intelectuais brasileiros (Reis,2000). O OP nos fornece elementos

para pensarmos as sinergias entre reforma do Estado e formas ampliadas

de participação ao mostrar que a pressão da população sobre a

administração local melhora a performance da máquina administrativa.

É possível mostrar também que existe uma correlação entre o efeito

distributivo do OP e a capacidade da administração municipal de

aumentar a oferta de serviços públicos. Em 1990, a capacidade de

investimento da prefeitura era de 8,4% do orçamento municipal. Nos

anos de consolidação do OP (1992,1993 e 1994) passa para 14,5%

chegando a 18,6% em 1994. A variável capacidade financeira de realizar

investimentos foi fundamental para que as obras decidas no OP

pudessem de fato ser realizadas. Essa questão pode ser mostrada

avaliando o aumento da oferta de três serviços: coleta de lixo, número de

pontos de iluminação pública e metros quadrados de asfalto utilizados

na conservação ou construção de novas vias. Em todos os três itens,

aumentos significativos que implicam em melhora da capacidade

administrativa: a quantidade de lixo coletada dobra entre 1988 e 1998 ao

passo que ela havia diminuído ligeiramente nos seis anos anteriores

(1982- 1988); o número de pontos de luz instalados se multiplica por

quatro, e mais uma vez, é necessário observar que esse número diminuiu

entre 1982 e 1988; e, finalmente, a quantidade de metros quadrados de

asfalto usados na construção e manutenção de novas vias praticamente

triplica ao passo que ela havia pouco mais que duplicado entre 1982 e

1988 (Marquetti,2003).

Assim, podemos afirmar que o sucesso do orçamento participativo em

Porto Alegre se assenta em pelo menos quatro pilares, todo seles

ligados, a uma proposta alternativa de democracia que tem sido

discutida pelo Fórum Social Mundial: o primeiro deles é o pilar da

13

Page 14: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

ampliação da democracia expresso no caso da experiência porto

alegrense tanto na capacidade de crescimento da participação no OP. O

FSM trabalha com a idéia de uma democracia de alta intensidade, isso é,

uma democracia na qual atores sociais com preferências fortes têm um

papel ampliado no sistema político. OP reforça essa visão ao mostrar a

viabilidade das formas de participação ampliadas. O segundo pilar é o

associativo- deliberativo, expresso no caso porto alegrense por diversos

elementos tais como, a presença constante das associações de

moradores no OP e a capacidade do OP de ter se tornado a forma

dominante de distribuição de recursos públicos na cidade, diminuído

sensivelmente, senão anulando, o papel do clientelismo na distribuição

de bens públicos. Mais uma vez, o Fórum Social Mundial e o OP parecem

ter uma afinidade eletiva.

Uma das linhas norteadoras do FSM é a idéia de uma contribuição

positiva das associações civis e ONGs no debate público. O OP mostra

essa viabilidade e reforça essa concepção. O terceiro desses pilares é

constituído pelas características específicas do desenho institucional: a

capacidade de introduzir as assembléias regionais conciliando- as com a

forma conselho, assim como a capacidade de redesenhar as regiões da

cidade de modo a adequá- las ao processo deliberativo e a capacidade de

criar novas instituições. Mais uma vez, acreditamos existir uma relação

entre essa característica do OP e concepções de fundo presentes no FSM.

Nesse caso, trata- se de reforçar uma visão de democracia que não aceite

como dadas as instituições políticas existentes, mas vá mais além

incentivando o surgimento de instituições que associem mais

intimamente participação e distribuição, dois dos eixos fundamentais dos

debates propostos pelo FSM.

14

Page 15: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

O quarto elemento é a capacidade distributiva do OP abordada acima e

sua vinculação com o processo de reforma do Estado. Nesse caso, o OP

aponta para uma diferente perspectiva de entender o estado, que

poderíamos localizar justamente no eixo do pós- neoliberalismo. Nessa

perspectiva, a eficiência estatal não se dá pela diminuição do tamanho do

estado e sim pela inversão da relação entre funcionários ligados à

máquina e funcionários ligados a atividades fins das políticas sociais.

Mais uma vez, entendemos haver uma afinidade eletiva entre essa visão e

as concepções defendidas pelo FSM.

No entanto, defender a adoção do orçamento participativo como

paradigma de uma possível extensão da democracia participativa exige

mais do que apontar essas afinidades recíprocas. Afinal, não poderia o

OP ser um caso de “glocalização” (Robertson,1992; Santos, 1996), isto é,

de experiências locais que se tornam conhecidas globalmente mas que

são indissociáveis do seu contexto de surgimento? Na próxima seção

deste artigo, irei discutir a expansão do orçamento participativo no

Brasil.

Expansão do orçamento participativo no Brasil

O orçamento participativo constitui hoje, no Brasil, o principal motor da

expansão da democracia participativa no país. Entre 1989 e 1992,

apenas 12 municípios praticaram o OP em todo o Brasil. Entre 1993 e

1997, 36 municípios realizam o OP e entre 1997 e 2000, 103 municípios

praticaram o OP. (Teixeira, 2003). Estamos falando, portanto, de uma

forte expansão do OP como prática democrática – ainda que

percentualmente essa prática vigore apenas em 5% do total dos

municípios brasileiros. O que torna o OP influente enquanto proposta de

democratização do orçamento é o peso dos municípios nos quais ele é

15

Page 16: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

praticado. No ano de 2002, o OP foi praticado nos municípios de São

Paulo, Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre, cidades com um enorme

peso nacional e regional. No entanto, discutir, a prática do OP é também

reconhecer as enormes variações que existem entre essas cidades ou

entre os 103 municípios que praticaram o OP entre 1997 e 2000. O OP

foi praticado entre 1997 e 2000 em 9 cidades com mais de 500 mil

habitantes (entre elas, 4 cidades com mais de 1 milhão de habitantes).

(Teixeira, 2003, Ribeiro e Grazia, 2003). Por outro lado, o OP tem a

maioria das experiências a ele relacionadas localizadas em cidades entre

20 mil e 100 mil habitantes. Assim vemos dois elementos distintos na

extensão do OP: a sua extensão para pequenas cidades das regiões Sul e

Sudeste e sua extensão para grandes capitais das regiões Sul, Sudeste e

Nordeste (no caso a cidade do Recife).

Estimativas preliminares apontam para mais de 300 experiências de

orçamento participativo no Brasil entre 2000 e 2004 (Avritzer, 2003). O

orçamento participativo tem mostrado também uma capacidade de

expansão em países da América Latina: o Peru recentemente aprovou

uma lei propondo a realização de um orçamento participativo nacional; a

Venezuela tem discutido essa proposta. Existem rudimentos de

experiências de orçamento participativo em diversas cidades latino-

americanas, entre as quais valeria a pena destacar, Montevidéo, Buenos

Aires, Córdoba e Vila Salvador, esta última no Peru. Portanto, a questão

que se coloca no debate sobre a extensão do orçamento participativo é a

seguinte: teria o OP potencial para se tornar uma política participativa

geral, capaz de organizar, a distribuição de políticas sociais, a

incorporação de minorias culturais e o debate participativo? Ou, estaria o

OP condicionado às pré- condições que o geraram, isto é, uma situação

de alta organização da sociedade civil e dos movimentos comunitários

em uma situação de carências urbanas acentuadas? Se for possível

16

Page 17: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

estender o OP, em quais condições ele pode funcionar? Dois tipos de

evidências contraditórias podem ser apresentadas para

problematizarmos essa questão: (1) o desempenho do OP no decorrer

das tentativas de torná- lo uma política social; (2) o desempenho do OP

em relação a integração de setores desfavorecidos, minorias culturais e

problemas de gênero.

Em relação aos problemas de política social foram feitas algumas

tentativas em Porto Alegre e em Belo Horizonte de expandir o OP nessa

direção. Afinal, se tomamos os planos de obras do OP em Porto Alegre,

Belo Horizonte e na recente experiência na cidade de São Paulo esse

parece ser um problema constante: o OP parece ser uma boa forma de

discutir novos investimentos em infra- estrutura, mas não parece ter sido

capaz até o momento de introduzir novas políticas sociais. A Tabela 1

mostra as principais prioridades do OP de Porto Alegre por região no ano

1999. A análise da Tabela 1 mostra que, no caso das chamadas

assembléias regionais em Porto Alegre, a grande maioria das decisões

continua envolvendo distribuição de recursos materiais e não programas

de governo. No caso das primeiras prioridades em Porto Alegre em 1999,

6 decisões foram relativas à pavimentação, 6 foram relativas à política

habitacional, perfazendo um total de 12 decisões relativas à questão

material no total de 16. Em apenas uma região a educação apareceu

como prioridade. Ou seja, a maioria das decisões são decisões sobre

obras públicas. Tais decisões não envolvem alteração do perfil dos

gastos de custeio das prefeituras e tampouco envolvem uma

democratização das decisões sobre alternativas de políticas, tais como, o

tipo de educação pública, a concepção de saúde pública, a concepção de

preservação do meio ambiente.

17

Page 18: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

Tabela 1

Prioridades escolhidas em Porto Alegre em 1999Região 1ª Prioridade

Nota 5

2ª Prioridade

Nota 4Humaitá/

Navegantes

/Ihas

Saúde – ampliação e

construção de postos de

saúde

Saneamento básico – Esgoto

pluvial –

DEPNoroeste Áreas de lazer Política habitacional –

Reassentamento

Leste Política habitacional –

Regularização fundiária

Pavimentação

Lomba do

Pinheiro

Pavimentação Saneamento Básico – Esgoto

cloacal

Norte Política habitacional –

Regularização fundiária

Saneamento básico – Arroio

(drenagem e dragagem)Nordeste Educação – Ensino

fundamental

Política habitacional –

UrbanizaçãoPartenon Pavimentação Política habitacional –

Regularização fundiáriaRestinga Saneamento básico –

Esgoto cloacal

Educação – Educação infantil

Glória Pavimentação Saneamento básico – Esgoto

pluvial –

DEPCruzeiro Política habitacional –

Regularização fundiária

Pavimentação

Cristal Política Habitacional-

Regularização Fundiária

Saneamento básico – Esgoto

pluvial –

DEPCentro- Sul Pavimentação Saneamento básico – Esgoto

pluvial –

DEP

18

Page 19: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

Extremo- Sul Pavimentação Saneamento básico – Rede de

água –

DMAEEixo da

Baltazar

Política Habitacional –

Reassentamento

Saúde – Reforma, ampliação

e construção de postos de

saúdeSul Pavimentação Saneamento básico – Esgoto

pluvial –

DEPCentro Política habitacional

Construção de U.H.

Educação – Programa SEJA

Fonte: Prefeitura de Porto Alegre.

Em 1999, Belo Horizonte começou um movimento no sentido de delegar

à população que participa do OP o controle sobre algumas políticas de

governo em um processo chamado de “OP Cidade”. A alteração

introduzida pela Prefeitura de Belo Horizonte tem a intenção de tornar a

população co- partícipe na decisão sobre prioridades de políticas sociais.

No assim chamado “OP Cidade”, a Prefeitura apresenta à população a

forma como ela prioriza programas de diversas secretarias e a população

através da sua participação pode aceitar o ranking proposto pela

Prefeitura ou propor um ranking alternativo. No caso de divergência uma

assembléia da cidade com poder de decisão de 50 + 1 porcento decide a

ordem de prioridades. É muito cedo para avaliar os resultados desse

processo, mas tudo parece indicar que um movimento na direção da

participação da população no estabelecimento de prioridades entre

programas é o caminho que o OP deve seguir para ampliar a participação

da população na gestão local.

A Tabela 2 mostra o tipo de priorização de políticas sociais feita pelo OP-

Cidade. Na curta experiência em Belo Horizonte, foi possível observar

19

Page 20: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

que à medida que avança o OP-Cidade encontra mais opositores na

administração pública e entre o pessoal técnico da prefeitura. Tal

oposição parece lógica, tendo em vista que esses são os casos nos quais

o OP redireciona preferências da máquina administrativa ou exige dos

administradores públicos mudanças nas suas preferências em relação a

políticas. No entanto, se o OP não pode ser apenas um programa de

ampliação do acesso a obras públicas, ele tem que envolver ampliação do

acesso a políticas e em alguns casos, mudanças na orientação dessas

políticas.

Tabela 2

Prioridades do “OP Cidade” em Belo Horizonte na área de assistência

social

Programas da

Secretaria de

Assistência Social

Classificação dos

programas segundo

critério interno da

Secretaria

Classificação do

programa segundo

decisão do OP

Cidade”

Resultado

final

Criança e

adolescente

1° 1° 1°

Qualificação

profissional

2° 2° 2°

Portadores de

deficiência

3° 6° 5°

Criança 00 a 06 4° 4° 4°Famílias 5° 3° 3°População carente 6° 8° 6°Meninos de rua 7° 9° 9°Idosos 8° 7° 8°População de rua 9° 10° 10°Geração de renda 10° 5° 7°

20

Page 21: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

Adolescente

infrator

11° 11° 11°

Dependente

químico

12° 12° 12°

Criterio da Prefeitura. Peso: 0,49 Decisão do “OP Cidade”.

Peso:0,51

Fonte: Prefeitura de Belo Horizonte

Um segundo fator parece importante de ser discutido em relação à

participação: trata- se das desigualdades internas da população,

especialmente na sua composição de gênero e de minoriais culturais, e a

forma como ela tem afetado a participação no OP. Em relação à questão

de gênero essa parece ser uma variável relevante no conjunto dos

movimentos sociais brasileiros. A maior parte desses movimentos

especialmente aqueles com dimensões comunitárias tem uma forte

participação das mulheres, mas os dados não indicam uma representação

similar das mulheres em posições de liderança (Alvarez, 1990). Pesquisa

da organização não- governamental Cidade em conjunto com a Prefeitura

de Porto Alegre mostra uma evolução no padrão de participação das

mulheres no OP ao longo do tempo. Essa participação saltou de 46,7%

em 1993 para 51,4% em 1998, passando então a constituir a maioria dos

participantes do OP5. Se esse fato parece ser positivo no que diz respeito

à possibilidade de políticas participativas virem a se constituir em formas

igualitárias de participação, é necessário notar que a participação das

mulheres diminui à medida que passamos da participação em

assembléias para a participação qualificada como conselheiros do OP, tal

como mostra a Tabela 3.

5 É necessário mencionar que a margem de erro da pesquisa é de aproximadamente 5%.No entanto, a margem de erro da pesquisa não invalida o fato de haver uma sériehistórica com margem de erro semelhante e nessa série histórica a participação dasmulheres ter aumentado em cada uma das pesquisas realizadas.

21

Page 22: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

Os dados da Tabela 3 nos permitem afirmar que a eqüidade entre

gêneros se expressa mais na participação ampliada do que na escolha de

lideranças compatíveis com o perfil dos participantes. Fenômeno

semelhante pode ser identificado no OP-SP, como no caso de Porto

Alegre, a participação das mulheres é alta, mas não se traduz em

presença semelhante nas formas de coordenação do OP. Essa questão se

torna ainda mais grave quando pensamos em setores mais

marginalizados na sociedade brasileira, como, por exemplo, os

indígenas. Na experiência de orçamento participativo estadual no Rio

Grande do Sul, os índios guaranis que somam setecentas pessoas no

estado não foram atendidos em suas reivindicação de demarcação de

terras, entre outros motivos, porque não conseguiram maiorias em

reuniões do OP.

Mais uma vez, esse tipo de questão parece ser extremamente relevante

quando pensamos na extensão da experiência do OP para outros lugares

da América Latina ou do mundo na medida em que minorias étnicas são

mais importantes em países como Peru ou tradição de exclusão das

mulheres são ainda mais fortes em alguns desses países. Por outro lado,

valeria a pena saber quais tentativas de inclusão das mulheres foram

tentadas nessas outras experiências e quais aportes elas poderiam

fornecer ao OP.

Tabela 3

Participação no OP por gêneroSexo IBGE/POA 1993 1995 1998 Delegados(as) Conselheiros

(as)Mulhere

s

53,2% 46,7% 46,8% 51,4% 45,3% 48,7%

Homens 46,8% 47,6% 52,2% 48,4% 54,7% 51,3%Nr – 5,7% – 0,2% – –

22

Page 23: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

Fonte: Cidade

Reflexões pouco conclusivas: OP e o FSM

A guisa de conclusão, podemos afirmar que o orçamento participativo no

Brasil avança a prática democrática em dois pontos fundamentais:em

primeiro lugar, na capacidade de associar mais participação com mais

eqüidade distributiva. Por muito tempo, esse elemento esteve no debate

sobre a democracia associado exclusivamente à criação de condições

para a limitação do capitalismo (Przeworski, 1978; Moore, 1966) ou

criticado devido aos seus elementos corporativistas (Lowi,1970;

Schimtter, 1980).

O orçamento participativo abre uma outra via para pensá- lo que é a da

integração de atores sociais menos favorecidos no próprio processo de

discussão e deliberação. Isso torna o OP menos corporativista do que

versões anteriores das políticas participativas, tal como, as diversas

formas de corporativismo sindical ou de acesso de grupos privilegiados a

recursos públicos (vice a experiência dos vigilantes na Bolívia).

Um segundo aspecto que o OP avança em relação a políticas

participativas anteriores é na maneira como integra a participação com a

institucionalidade política. O OP consegue ser uma política participativa

de esquerda, ligado a vitórias político- eleitorais dos partidos de

esquerda, sem se tornar uma política distributiva atacada pelos setores

conservadores. Os motivos que explicam essa façanha são

provavelmente, a sua capacidade de aumentar a eficiência da máquina

administrativa, como mostramos acima, de aumentar o controle da

população sobre o gasto do governo. Mais uma vez, o OP aporta uma

23

Page 24: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

contribuição ao debate democrático porque esse tendia a identificar o

aumento da participação com a instabilidade institucional ou com o que

ficou conhecido como “pretorianismo das massas”. Hoje e dia o debate

sobre participação se move na direção da melhor distribuição dos gastos

públicos na direção dos setores desprivilegiados, da melhor utilização

dos recursos públicos, da correção em deixar a própria população

apontar suas prioridades. Provavelmente, esses são os fatores que fazem

do OP uma forma de deliberação sobre recursos públicos tão atraente no

Brasil e em outros países da América Latina.

No entanto, é preciso notar que o OP só realizará o seu potencial de se

tornar uma política participativa de referência se ele superar a

contradição entre participação e distribuição, de um lado, e pluralização

e integração de minorias de outro. Sem nenhuma dúvida o OP se

qualifica como a experiência mais avançada de distribuição de bens

públicos para populações carentes implantada nos últimos anos. No

entanto, ele necessita de alguma maneira se livrar da oposição entre

distributivismo e pluralismo. Para tal, ele precisa ser capaz de integrar

grupos minoritários que demandam direitos (caso dos indígenas no

Brasil) ou grupos majoritários cuja participação não corresponde as suas

posições de liderança (caso das mulheres no Brasil). Tornar o OP mais do

que uma forma de deliberação sobre obras públicas deve envolver uma

tentativa de fundir diversos “horizontes de políticas participativas” em

diferentes tradições nacionais, isso é, deve procurar associar elementos

positivos da experiência do OP com elementos positivos de outras

experiências, em particular em países da América Latina e do Sudeste

Asiático que tem demonstrado uma preocupação semelhante com a

participação. No caso da índia, os Panchayats, uma instituição secular de

participação foi retomada com força nos anos 90 tanto na região de

Bengal quanto na região de Kerala. Alguns sucessos da experiência dos

24

Page 25: O século XX foi efetivamente um século de intensa disputa em to

Panchayats devem ser apontados: a sua capacidade de integrar a

participação das mulheres, pelo menos no caso da experiência de Bengal

que reservou 40% das posições de coordenação de Panchayats para as

mulheres com resultados extremamente positivos. Vale a pena também

pensar algumas experiências de participação popular mais ampliada que

conseguiram incluir a discussão de um cardápio mais ampliado de

políticas públicas, tal como parece se o caso de Vila Salvador em Lima.

Entendemos que o Fórum Social Mundial pode desempenhar um papel

central na fusão de horizontes participativos.

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