o rosto amado de deus

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PAULO BOTAS, mts EDUARDO SPILLER, mts O Rosto Amado de Deus

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Page 1: O Rosto Amado de Deus

PAULO BOTAS, mts EDUARDO SPILLER, mts

O Rosto Amado de Deus

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O Rosto Amado de Deus

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Para Madre Belém e Irmã Martha Maria,que celebram, na eternidade,

as bodas nupciais com o Amado.

Aos manos e manas da terna solidão, que nos revelam e nos entregam todos

os dias o Rosto Amado de Deus.

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A boca que beija seja o Verbo que se encarna; o beijado seja

a carne que Ele assume.(São Bernardo de Claraval)

Existe é homem humano. Travessia.(Guimarães Rosa)

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Grupo Marista 9

No princípio já existia a Palavrae a Palavra se dirigia a Deuse a Palavra era Deus.

Esta, no princípio, se dirigia a Deus.Tudo existiu por meio dela,

e sem ela nada existiu de tudo o que existe.Nela havia vida,

e a vida era a luz dos homens.A luz brilhou nas trevas,

e as trevas não a compreenderam...

A luz verdadeira que ilumina todo homemestava vindo ao mundo.

Estava no mundo, o mundo existiu por ela,e o mundo não a reconheceu.

Veio aos seus,e os seus não a acolheram.

Mas aos que a receberamos tornou capazes de ser filhos de Deus:os que creem nele,os que não nasceram do sanguenem do desejo da carne,nem do desejo do varão, mas de Deus.

A Palavra se fez homem e acampou entre nós.

PrólogO de SãO JoãO

Prólogo de São João (1-5.9-14), Bíblia do peregrino. São Paulo: Paulus, 2002. p. 2545-2546.

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Cabeça do Cristo (detalhe), c. 1648-56, Rembrandt H. van Rijn (1606-1669). Tinta a óleo sobre painel de carvalho, 35,8 x 31,2 cm, Museu de Arte da Filadélfia, Estados Unidos.

Page 12: O Rosto Amado de Deus

ProduçãoGrupo Marista | Setor de Pastoral

CoordenaçãoIr. João Batista PereiraCesar Leandro Ribeiro

TextosPAULO BOTAS, mts

EDUARDO SPILLER, mts

Colaboração e revisãoBruno Manoel Socher

José André de Azevedo

Projeto gráficoEstúdio Sem Dublê | Thais Scaglione

Diagramação e arte-finalEstúdio Sem Dublê | Bruno M. H. Gogolla e Thais Scaglione

Revisão ortográficaSolange Cohen

Apoio técnicoMarketing Grupo Marista

Imagem de capaMadonna de Port Lligat (detalhe), 1950, Salvador Dalí (1904-1989),

óleo sobre tela, 144 cm x 96 cm, coleção privada, Tóquio, Japão.

Setor de PastoralRua Imaculada Conceição, 1155, 9º andar – Prado Velho – Curitiba/PR

CEP: 80215-901Telefone: (41) 3271-6411

E-mail: [email protected]

Este livro, na totalidade ou em parte, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização expressa por escrito.

2014

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ApresentaçãO ______________________________________14

O RostO AmadO de Deus _____________________________16

AdventO __________________________________________27

Natal ____________________________________________65

Outras LeituraS _____________________________________99

Índice OnomásticO___________________________________121

Dos AutoreS_______________________________________125

SumáriO

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14 O Rosto Amado de Deus

ApresentaçãO

Assim nos afirma um dita-do indiano: “A amizade é como uma trilha em uma floresta: se não é pisada,

desaparece”. Nesse sentido, pode-mos dizer que Deus é aquele que pisa nossas trilhas, que toca nossa existência, que nos procura e se tor-na, Ele mesmo, “Caminho, Verdade e Vida” (Jo 14,6).

Em sua procura amorosa pelo humano, o ser de Deus se torna his-tória; a Encarnação, por conseguin-te, é o sinal distintivo da fé cristã (Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 463). Abrir o coração a Deus é, portan-to, permitir ser abraçado por Ele. Nesse abraço, Seu Rosto se revela e nosso “eu” se (re)constitui em uma dinâmica de relação: ser abraçado por Ele e abraçá-Lo com todo o nos-so ser torna-nos capazes de abra-çar todo irmão e irmã e sermos, ao mesmo tempo, abraçados por eles num real encontro de reciprocidade amorosa.

Percebemos, assim, que as rela-ções que travamos se efetuam por “revelação”. Quando dois indiví-duos se aproximam, só podem co-nhecer aquilo que mutuamente é revelado. O outro não é um conceito abstrato ou um objeto que está sob o domínio de um sujeito: ele sempre tem um “rosto”, que somente pode ser compreendido numa dinâmica de acolhimento, de abertura, de gra-tuidade. No Natal, o rosto de Deus vem a nós para nos revelar que Deus é Amor, um amor que tem ne-cessidade de alguém para receber seu beijo.

O Rosto Amado de Deus, obra de nossos “manos de caminhada”, Pe. Paulo Botas e Pe. Eduardo Spiller, nasce, portanto, de uma profunda necessidade pastoral: a celebração do Natal não se trata de um ritualis-mo sentimental, repleto de processos mercadológicos; o Natal deve revelar que toda a nossa vida consiste em vi-ver o Cristo, ou seja, amar.

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A obra em questão, que temos a honra de apresentar, é um convite ao silêncio orante: desde o Primei-ro Domingo do Advento até o Ba-tismo do Senhor somos levados a reconhecer o Rosto Amado de Deus nas Escrituras, na solidão, na con-templação, na beleza e no encontro. Com textos “escavados” de obras de grandes místicos, as reflexões aqui propostas são como pedras preciosas: encantam, embelezam, fascinam e ornamentam nossa vida interior.

Esperamos, pois, que essa obra seja uma referência para nossa me-tanoia cotidiana, uma conversão que não consiste em uma renúncia, aniquilação de si mesmo, mas em um deixar-se invadir por um amor maior, amor que nos abraça na in-teireza de nosso ser e nos revela seu Rosto.

Boa leitura, frutuosa oração e que possamos cantar em nosso Natal co-tidiano: “Ah, que alegria! Deus se faz

homem e também já nasceu! Onde? Em mim: ele me escolheu como sua mãe. Como pode acontecer? Minha alma é Maria, a manjedoura o meu coração e o corpo a gruta. A nova justiça são as fai-xas e os panos” (Angelus Silesius).

Ir. João Batista PereiraDiretor Institucional

Setor de Pastoral do Grupo Marista

Cesar Leandro Ribeiro Diretor Executivo

Setor de Pastoral do Grupo Marista

c

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16 O Rosto Amado de Deus

O RostO AmadO de Deus

Nestes tempos de um cristianismo comercializado em que as festas litúrgicas são reduzidas à “agregação de valor de mer-cado”, perdemos o significado da razão de ser tanto do Natal como da Páscoa da Ressurreição. Nossas igrejas barateiam

o Mistério por meio de slogans de caráter tanto duvidoso quanto de indi-gência teológica. Vivemos numa sociedade de um forte individualismo em que o consumismo foi eleito como a razão de ser: Tenho, logo existo! São considerados descartáveis para o mercado os que não dominam as novas formas de comunicação eletrônica que fazem perder o sentido do tocar e do sentir. A comunicação via Internet constitui uma forma virtual de rela-ção, paralela ao mundo real, que, muitas vezes, implica numa forte aliena-ção do contato físico e tátil. A cultura da suspeição marcante nos dias pre-sentes percebe o próximo como um perigo do qual devemos nos defender. Acabamos por acreditar que os outros são obstáculos e quase inimigos. Vale mais o preconizado por Sartre: “O inferno são os outros!”

Avesso a essa situação, o papa Francisco apela para nós recriarmos a cultura do encontro. Nela o abraço é o sinal de uma profecia, pois brota do coração e da convivência. Pelo abraço terno e amoroso, descobrimos o existir como um dom e podemos testemunhar que o outro não é o “in-ferno”. O abraço reconduz ao encontro primário, origem da nossa própria identidade relacional, pois o contato corpóreo com os outros é a fonte de bem-aventuranças, de alegria, de segurança, de calor e de predisposição a experiências sempre novas. Somente no encontro com o outro é que pode-mos romper o fechamento sobre nós mesmos que nos faz negar as relações pessoais e nos conduz à morte. Todo narcisismo é necrofilia, e a relação altruísta, pelo contrário, é biofilia. Todo ser humano é um ser-do-abraço. O coração que ama é o oposto do coração contraído e encurtado, aquele incapaz do dom e da acolhida, absorvido pelas relações parasitárias, pleno de ressentimento e emotivamente frio e avarento. Abrir o coração a Deus é permitir ser abraçado por Ele, e abraçá-Lo com todo o nosso ser torna-nos capazes de abraçar todo irmão e irmã e sermos, ao mesmo tempo, abraça-dos por eles num real encontro de reciprocidade amorosa.

Somente graças a esse encontro – ou reencontro – com o amor de Deus, que se converte em amizade feliz, é que somos resga-tados da nossa consciência isolada e da autorreferencialidade.

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Chegamos a ser plenamente humanos, quando somos mais do que humanos, quando permitimos a Deus que nos condu-za para além de nós mesmos a fim de alcançarmos o nosso ser mais verdadeiro.1

QUANDO CHEGOU A PLENITUDE DOS TEMPOS... (Gl 4, 4)

O envio do Filho coincide com a geração humana de Jesus: foi gerado no ventre de uma mulher pela vontade de Deus, que o coloca no mundo na qualidade de Enviado do Pai. Devemos aprender a discernir entre o ato genital de pais procriadores e o ato de paternidade e maternidade, que é de natureza relacional e se origina do amor que alimenta a alteridade.

O Pai existe no passado como memória de futuro, e o Filho no futuro como conhecimento e reconhecimento do passado; e o Espírito Santo no presente como desprendimento de amor, como puro esquecimento que suprime a barreira do passado e a irrestringibilidade do futuro, porque ele não se fixa a um, nem foge para o outro, mas vive de ambos como do puro instante que passa e não passa.2

O Advento e o Natal revelam que Deus tem sede e se coloca a caminho para nos encontrar. O élan de Deus, a sua comunhão de amor, é invadida por um desejo, uma impaciência e uma paixão: a de permanecer entre os homens (Dn 6, 27). De Abraão a Maria, o Espírito Santo prepara paciente-mente a pré-liturgia do Verbo. O Espírito reúne uma comunidade, suscita profetas que lhe revelam o sentido: a Páscoa e o Êxodo; a Aliança e o Reino; o Exílio e o regresso dos pobres; o Templo e a Lei. É um tempo da aventura de Deus e da sua pedagogia para com os homens. É um tempo da busca recíproca e da fidelidade do Senhor apesar das infidelidades do seu povo pecador. É um tempo de promessas que se desenrola, mas ainda vazio. Os acontecimentos da salvação, realizados pelo Deus vivo neste tempo de pro-

1 PAPA FRANCISCO. Evangelii Gaudium. São Paulo: Paulus, 2013.2 MOINGT, Joseph. O homem que vinha de Deus. São Paulo: Loyola, 2008.

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messas, eram apenas sombras e murmúrios. É um tempo que tende para a plenitude e para a presença que transcende a nostalgia. E “aquele dia”, após tantas preparações e personagens, será o da chegada do mistério. Todo o drama da história se situa entre este dom e este acolhimento: a paixão de Deus pelo homem e o homem, nostalgia de Deus. Este dom inesgotável só será reconhecido se for acolhido.

O “sim” de Maria é o fiat onde o Espírito une o Verbo, a energia divina e a energia humana. O Espírito do Pai é o artífice desta aliança consumada entre o Verbo e a carne. No princípio da Criação, a terra era um caos infor-me e sobre a face do abismo e da treva o Espírito de Deus, o Seu Alento, pairava sobre as águas (Gn 1, 2). Na primeira Criação tudo o que existe é chamado do nada à existência; nesta nova Criação que começa, Aquele que é gerado eternamente do Pai é formado de uma terra viva, de todo o ser da sua mãe.

Na Encarnação do Verbo, Maria não é um lugar inerte, pois todo o seu ser pessoal é oferecido, doado e entregue ao Espírito Santo. O Pai não en-via de longe o seu Espírito para executar o seu desígnio redentor: Ele dá--se, entregando o seu Filho único no seu Espírito de Amor. De hoje até o fim dos tempos, tudo o que é carne está impregnado da energia do amor. Quando o dom gratuito de Deus e seu élan se unem à energia do acolhi-mento, recebem um nome finalmente humano, no qual o Pai se diz e nos diz o seu Filho amado: JESUS. E quanto mais o nosso Deus Se entrega, mais Se revela. Desde então, a carne e o tempo, o homem e o mundo são penetrados pelo Verbo da Vida que os revestiu de uma vez para sempre.

Quando Cristo fala, os seus ouvintes escutam o homem Jesus, mas é o Pai que Se revela no seu Verbo encarnado, e o tempo é ungido com a sua plenitude. O Cristo está entre os homens como alguém que eles não conhe-cem (Jo 1, 26), mas está no meio deles como Emmanuel, Deus-Conosco. O élan de Deus aí está e é o coração do servo: encontro da paixão de Deus e da paixão do homem, encontro da compaixão: Deus nasceu no homem e o homem em Deus. Como escreve Santo Irineu: “O Verbo de Deus habitou no homem e se fez filho do homem para habituar o homem a receber Deus e habituar Deus a habitar no homem”. Só Jesus é o acontecimento de Deus

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para o homem, porque é a chegada de Deus como homem. Não só com palavras, anunciando a Boa-Nova, mas bebendo o cálice da nossa morte.3

ET VERBUM CARO FACTUM EST

“Nasceu sobre a terra para que o homem nasça para o céu.”(São Gregório Magno)

Nosso mundo está na noite. Nosso mundo tem frio. Os que não têm pão querem viver e os que têm não sabem por que viver. Nesta noite, neste frio e nesta desesperança, a carne veio habitar, de uma vez por todas, o único que ama os homens: o Filho Amado do Pai, a Palavra do Pai, Jesus. Do-ravante não estamos mais sós, a luz está dentro de nós, o fogo do amor se espalhou em nossos corações e a esperança nos faz nascer no próprio coração de Deus, nosso Pai. Nós, órfãos do mundo, nos tornamos filhos do Pai para que vivamos com Ele e por Ele. O Senhor nos espera, deseja-nos porque nos amou primeiro.

Deus, na sua encarnação, reuniu as duas extremidades mais afastadas e aparentemente opostas: o infinito ao finito; a divindade infinita ao homem finito. Dispôs todas as coisas de uma maneira suave, miraculosa e miste-riosa: “Renova os prodígios, repete os portentos” (Eclo 36, 6).

O Natal revela que toda a nossa vida consiste em viver o Cristo, ou seja, amar. O amor é a plenitude do ser pessoal. Somos marcados pela gratui-dade, pois o Pai amou tanto o mundo que, na plenitude dos tempos, enviou o seu Filho. Seremos gratuitos quando, libertados de todos os interesses egoístas, expandirmo-nos na espontaneidade do dom. Não há dom gratui-to sem acolhida gratuita. Nisto consiste o desafio da gratuidade: consentir-mos ser amados por Ele para amar como Ele nos ama, gratuitamente: “Dai de graça o que de graça recebestes” (Mt 10, 8). E João evoca: “Nós amamos porque ele nos amou primeiro” (1 Jo 4, 19).

A voz do Filho amado nos diz duas coisas: “Surgite et nolite timere” (Mt 17, 7). Temos um caminho a percorrer e uma missão a cumprir; um cami-nho e uma missão que nos conduzem, como Ele, até a Cruz. Levantar-se é

3 CORBON, Jean. Liturgie de source. Paris: Les Éditions du Cerf, 1980. (Incluindo a citação de Santo Irineu.)

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como ressuscitar: o hoje a ser vivido na dimensão do amanhã. Nosso Deus não necessita de mediações religiosas, instituições sacramentalizadas que podem trazer falsas seguranças e causar a evasão da nossa responsabilida-de humana. Ele oferece, de graça, para todos o seu amor e a sua compaixão. No entanto, o mundo terrificante do sagrado conduziu ao medo concreto da Cruz. Seguindo as suas pegadas, saberemos que o sinal do profeta, que devemos ser, não é nenhum triunfo vitorioso, nem milagres e nem curas.

O sinal profético é a Cruz. Na sua procura amorosa do homem, o ser de Deus se torna história. Jesus não é um revelador de Deus entre outros e nem mesmo o último e perfeito revelador. Ele é em pessoa revelação de Deus, presença de Deus no mundo – aqui e agora. O amor de Deus é a capacidade de renunciar a si até morrer por isso e de dar gratuitamente, sem esperar nada em troca.

O amor apaixonado de Deus pelo seu povo – pelo ser huma-no – é, ao mesmo tempo, um amor que perdoa. E é tão grande que chega a virar Deus contra si próprio, o seu amor contra a sua justiça. Nisso, o cristão já vê esboçar-se, veladamente, o mistério da cruz: Deus ama tanto o ser humano que, tendo-se feito, ele próprio, homem, segue-o até a morte e, desse modo, reconcilia justiça e amor.4

Deus se preparou para esvaziar-se de amor em seu Filho Amado, assim como Jesus, quando morre, não perde a vida, mas se abandona e confia a Deus o que, definitivamente, havia recebido Dele como um dom irrevogá-vel. O significado último da nossa corporeidade se desvela no evento da cruz em que, como uma espiral aberta entre as rochas, somos orientados ao mistério inefável do abraço de amor subsistente no Deus – Trindade – de Amor, raiz e modelo arquétipo de todo abraço.5

É o abraço que faz convergir, num diálogo de entranhas, Maria e Isabel e seus filhos Jesus e João. O profeta Simeão retém num abraço o Recém--Nascido e proclama: “Eis que este menino está destinado a ser uma causa de quedas e de soerguimento para muitos homens em Israel, e a ser um si-

4 BENTO XVI. Deus Caritas Est. 9. ed. São Paulo: Paulinas, 2008. p. 21-22.5 ROCHETTA, Carlo. Abbracciami. Bologna: Edizioni Dejoniane Bologna, 2013.

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nal que provocará contradições a fim de serem revelados os pensamentos de muitos corações” (Lc 2, 34-35). A acolhida incondicional é testemunha-da pelo abraço terno e compassivo do Pai ao filho que retorna: “Correu, o abraçou cobrindo-o de beijos” (Lc 15, 20). E, finalmente, o abraço de Jesus nas crianças, que nada tem a ver com o sentimentalismo adocicado ou de-vocional, mas é o sinal de como o Deus do Novo Testamento se fez próximo da humanidade ao abraçá-la. É isso que devemos fazer no abraço que vira do avesso a vida dos mais sofridos e indefesos.

A preferência de Jesus pelos mais humildes se une à sua identidade de Filho único, Amado do Pai, como é proclamado no seu batismo e na sua transfiguração – Hyiós Agapetos (Mc 1, 11 e Mc 9, 7). Jesus quer que os filhos sejam amados e defendidos, protegidos e abraçados, como filhos de Deus. Como afirma Bento XVI:

Agora, o amor torna-se cuidado do outro pelo outro. Já não busca a si próprio, não se busca a imersão no inebriamento da felicidade; procura-se, ao invés, o bem do amado: torna-se renúncia, está-se disposto ao sacrifício, e até o procura.6

Jesus nasce em Belém para se despojar de tudo e morre em Jerusalém para condenar o orgulho, as riquezas e a prepotência do poder civil e reli-gioso. Deus confirma o que Jesus ensinou: ser filho de Deus (Mt 16, 21.25-28) significa que o Filho sofrerá e será justificado. Declarando que Jesus é o seu Filho Amado, Deus faz ecoar a profecia: “Vede meu servo, a quem sus-tento; meu escolhido e meu amado.” (Is 42, 1). Este é o Servo de Deus que não usa a violência e a força imperial, mas sofre ao realizar os desígnios de Deus de implantar a justiça na Terra.

Sábia é a liturgia da Igreja que no dia seguinte ao Natal apresen-ta, sem nenhum pudor, o martírio de Estevão. Todo homem pode fazer a experiência de Deus mesmo sem o conhecer, basta amar o outro. O evan-gelista João é enfático ao afirmar: “Aquele que ama nasceu de Deus e co-nhece Deus (1 Jo 4, 7). Ele não diz “Aquele que ama Deus... conhece Deus”, mas apenas “Aquele que ama”. São Bernardo sublinhava no seu Tratado

6 BENTO XVI. Deus Caritas Est, p. 14.

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do Amor de Deus: “A razão pela qual amamos Deus, é o próprio Deus; e a medida deste amor é a de amar sem medidas”.

OSCULETUR ME OSCULO ORIS SUI (Ct 1, 1)

O mesmo São Bernardo de Claraval, nos seus sermões sobre o Cântico dos Cânticos, concebe a encarnação como um beijo de amor: “Deus é aquele que beija, o homem é aquele que é beijado. O beijo é a união de um com o outro e que faz dos dois uma única e mesma pessoa, que é ao mesmo tempo Deus e Homem”. Este beijo físico em Jesus, o Amado, é a própria união hipostática: a união pessoal da humanidade de Jesus com a pessoa do Filho de Deus. Este beijo une a carne ao Verbo e o homem a Deus. A palavra hebraica que designa o ato de beijar é nashak e invoca o fato de respirar junto, de sentir o mesmo odor, de se abraçar estreitamente num mesmo sentido.

Orígenes, nas suas homilias sobre o Cântico dos Cânticos, dizia: “Até quando meu Bem-Amado me enviará seus beijos por Moisés, me enviará seus beijos por seus profetas? São aos próprios lábios do meu Amado que eu desejo me unir, que Ele mesmo venha, que Ele mesmo desça”.7 Acabado o tempo dos profetas, que venha, finalmente, o Messias! Acabado o tempo dos mensageiros, dos enviados, que venha, enfim, o próprio Esposo.

No Natal, o beijo de Deus vem a nós para nos revelar que Deus é Amor e um amor que tem necessidade de alguém para receber o seu beijo de amor. O primeiro testemunho do êxito de Deus no seu desígnio de amor é o Fi-lho; e o beijo, como afirmam os Padres da Igreja, é o Espírito Santo. Fomos criados pelo beijo de Deus. O Espírito Santo é o beijo que a boca do Filho Amado imprime para sempre em nossos corações: “O amor de Deus se in-funde em nosso coração pelo dom do Espírito Santo” (Rm 5, 5). Os Padres da Igreja do século IV, Cirilo de Jerusalém e Ambrósio, na sua catequese pascal, ensinavam que é essencialmente pela eucaristia que se realiza o voto ardente do Esposo: “Quando o corpo do Cristo tocar teus lábios, en-tão se realizará para ti o desejado pelo Esposo ‘que me beije os beijos da tua boca’”. A unidade do amor no Espírito é então consumada.8

7 ORIGÈNE. Homélies sur le Cantique des Cantiques. Paris: Les Éditions du Cerf, 2007.8 ARMINJON, Blaise. La Cantate de L’Amour. Paris: Desclée de Brouwer, 1983.

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A boca designa a mediação, e o amor do outro é o lugar do amor de Deus: “um amigo que se afeiçoa a seu amigo, no Espírito do Cristo, torna--se com ele um só coração e uma só alma. Desta maneira, se elevando pelos degraus do amor à amizade para com o Cristo, faz com Ele um só espírito num único beijo”.9

O beijo de Deus é também um tempo de silêncio. É necessário se calar na oração – que é uma respiração da alma – e fazer silêncio no fundo de si mesmo para acolher o amor que vem de Deus, pois a vida cristã não é inicia-tiva nossa, mas uma resposta efetiva a um amor maior: “Segue-me” (Mt 9, 9). Somos atraídos por Jesus e o ponto desta atração se releva na Cruz: “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12, 32). A missão é um terno atrair e não um voluntarismo de conquista. Somos feitos para receber com o Filho, pelo Filho e no Filho, o beijo do Pai que é o Espírito: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrair” (Jo 6, 43). Jesus nos atrai não para nos reter a Si mesmo, mas para nos conduzir ao Pai.

Recebemos um apelo do Senhor e é a resposta a ele que nos faz seguir a Jesus nos caminhos de uma vida ordinária, simples e pobre, mas habitada por Deus. O Cântico entoa este apelo do Amado: “Levanta-te e vem a mim. Faz--me ver a tua face, descobre-me o teu rosto, tenho ouvidos para tua voz e olhos para teu rosto” (Ct 2, 10). É que Deus, no seu desejo de tocar o coração do ho-mem, não hesitou a lhe falar na linguagem mais acessível à sua sensibilidade: “Ele se rebaixou até a linguagem da nossa fraqueza” (São Gregório Magno).

A nova alegria a ser anunciada e testemunhada é a de que Deus, pela sua encarnação, entrou em fraternidade conosco. O Verbo se fez irmão e pela sua Ascensão a fraternidade entrará em Deus, pois o amor fraterno é a forma mais perfeita da eternidade no amor.

NATAL: MISTÉRIO E MINISTÉRIO

Jesus pede que fujamos de toda atitude proselitista e de toda tentação de narcisismo ou de passiva autocontemplação, pois proclamar que o Reino de Deus nos foi dado não equivale a proclamar nenhum gênero de quietis-mo ou passividade. A metanoia, a conversão, a que somos chamados não

9 CHERGÉ, Christian de. Retraite sur le Cantique des Cantiques. Nouvelle Cité, Domaine d’Arny, 2013.

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consiste em renúncia, aniquilação de si, mas em deixar-se invadir por um amor maior. Porque Deus não tira, mas dá; não rouba, mas presenteia. Deus não é um castrador da felicidade humana, mas sua máxima realiza-ção. E, nesse dar-se permanente, Deus oferece seu Reino universal prefe-rencialmente aos pobres e excluídos e essa afirmação é a que produz maior escândalo entre os cristãos que não se deixaram – e muitas vezes evitaram – ser atingidos pelo Mistério do Natal: a encarnação de Deus.10

Hoje, as comunidades fraternas, as igrejas, deixaram de existir para os outros e acabaram existindo para si mesmas. O Evangelho apresenta a maneira pela qual é preciso testemunhar: por atos de fraternidade e de união; pelas mensagens de amizade, de esperança e de alegria. A categoria de ministério pode nos ajudar a ordenar essa multiplicidade de ações. A palavra ministério significa, etimologicamente, serviço, e a prática de Je-sus é uma vida considerada desde o começo como tal: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate por todos” (Mc 10, 45). Jesus tem um tríplice movimento no seu servir: diz, faz e reza. O dizer é o anúncio do Reino; o fazer é o nome de uma práxis de libertação; e o rezar de Jesus se expressa em uma oração: ABBA!

O Concílio Ecumênico Vaticano II tem a consciência de que, na atuali-dade, temos por interlocutor um mundo emancipado da tutela das Igrejas. Ele fala de anúncio por meio de convites, e não de ensino autoritário, e en-coraja o testemunho por meio da exemplaridade dos atos, pela conduta de vida, mas, sobretudo, pelo compromisso com o serviço dos outros. A mis-são salutar confiada por Jesus à Igreja diz respeito ao seu Evangelho, que é uma escola de vida, fonte do humanismo, e não um código religioso, pois não se deve acreditar que a religião é o único caminho seguro de salvação – isto é exatamente o que não diz o Evangelho. Temos que descobrir um Deus que não quer dominar o homem, mas que o chama à liberdade. Um Pai que se interessa pela nossa vida sobre a terra, que compartilha nossos sofrimentos e aspirações. Talvez, pela nossa formação cristã, tardaremos a descobrir a fé no Deus de Jesus e no Cristo, mas, ainda que não chegue-mos a isto, teremos, ao menos, aprendido a orientar a nossa vida segundo os desígnios de Deus e o pensamento de Jesus. Temos que superar uma

10 BÉJAR, Serafín. Dios en Jesús. Madrid: San Pablo, 2008.

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Igreja centrada sobre o princípio do poder sagrado em que a maior parte dos fiéis foi habituada a se deixar conduzir passivamente pelos seus pas-tores, cumprindo seus deveres religiosos sem nenhuma responsabilidade nos afazeres da comunidade eclesial e do mundo. Temos que transpor o adágio “Fora da Igreja não há salvação!” que continua encalacrado como o pressuposto da teologia oficial da missão. Jesus esperava a chegada rápida do Reino de Deus e nunca construiu um projeto de Igreja chamada a durar per omnia saecula saeculorum. 11

Neste Natal, encontramos a Igreja do Ocidente numa situação inédita: é a primeira vez na sua história que ela deve anunciar o Evangelho a uma sociedade massivamente descrente, agnóstica e alheia de qualquer prática religiosa. No entanto, somos atraídos pelo humanismo que considera a éti-ca evangélica, o homem como um ser político e a renovação da sociedade humana. Existe uma fé em Deus que passa pela fé de Jesus em Deus. Uma fé que não é feita de enunciados dogmáticos, mas de uma forte orienta-ção humanista e universal. Jesus revela que a salvação é a humanização do próprio homem. Jesus humanizou Deus e nos ensina a olhar para Ele como Pai comum de todos os homens. Jesus nos ensina a adorar a Deus em Espírito e em Verdade e a honrá-Lo pelo perdão das ofensas e pelo amor aos inimigos. O espaço sagrado é o Corpo do Cristo: o conjunto de cristãos que se unem uns aos outros para fazer brilhar a fraternidade em volta de-les. “Vede como se amam!” foi a expressão captada por Tertuliano sobre como eram vistos os cristãos. E a Eucaristia nos ensina a respeitar digna-mente o corpo que formamos quando nos reunimos em torno de Jesus.

Nisto está a verdadeira compreensão do sagrado cristão. Jesus secula-rizou, Ele próprio, o sagrado. O sagrado não é o templo de pedra, mas o corpo que forma a multidão dos cristãos reunidos em nome de Jesus. Eles aprendem a se conduzir, reciprocamente, como irmãos e a fazer o mesmo com todos, crentes e não-crentes, pois todos são filhos do mesmo Pai.

Hoje sob céus e dias novos, emancipados da religião, a Igre-ja deve se apresentar como um povo inteiramente sacerdotal, corpo trans-histórico do Cristo, no qual os homens de todos

11 MOINGT, Joseph. Faire bouger l’Église catholique. Paris: Desclée de Brouwer, 2012.

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os países e de todas as culturas podem contemplar e recolher o germe divino da fraternidade universal que os reúne na he-rança do mesmo Pai.12

Por isso o desafio do profeta Malaquias continua atual: “Não temos um só Pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que trabalhamos tão perfida-mente uns contra os outros?” (Ml 2, 10).

Longe, definitivamente, de qualquer disputa religiosa – em nome de Deus – cantemos como o místico Angelus Silesius: “Ah, que alegria! Deus se faz homem e também já nasceu! Onde? Em mim: ele me es-colheu como sua mãe. Como pode acontecer? Minha alma é Maria, a manjedoura, o meu coração e o corpo, a gruta. A nova justiça são as faixas e os panos”.

É Natal e este menino frágil, este Emmanuel – Deus Conosco – está com-prometido com a nossa humanidade e seu Espírito nos conduz, peregri-nos, para sentarmos juntos, com os de Boa Vontade, de todas as raças, cre-dos e culturas, como filhos e filhas, no banquete e no abraço nupcial do Cordeiro!

O Verbo se fez carne e esta é a nossa única realidade!

12 MOINGT, Joseph. L’Évangile sauvera l’Église. Paris: Salvator, 2013. p. 65-66.

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O RostO AmadO de Deus

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Dia 0I Domingo do Advento Is 63, 16b-17.19b;64, 2b-7 1 Cor 1, 3-9 Mc 13, 33-37

ESCUTAR

Ah! se rompesses os céus e descesses! (Is 63, 19b).

Nele fostes enriquecidos em tudo, em toda palavra e em todo conhecimento, à medida que o testemunho sobre Cristo se confirmou entre vós (1 Cor 1, 5-6).

Para que não suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo. O que vos digo, digo a todos: Vigiai! (Mc 13, 36-37).

MEDITAR

Aquele que ensina o bem aos outros sem o praticar é como um cego que segura uma lanterna (Provérbio argelino).

Procurar Deus é se deixar constantemente questionar por Ele. Não se deve procurar Deus como se procura qualquer coisa que se pode comprar (Anselm Grün).

ORAR

Este novo ano litúrgico começa com o primeiro domingo do Advento. A liturgia da Igreja nos oferece dois acontecimentos. O primeiro, o Cristo que “desce” no meio dos homens perdidos em seus caminhos pela dureza do seu coração. Realiza-se, então, o ve-lho sonho do profeta: “Ah! se rompesses os céus e descesses!”. Deus não esconde mais o seu rosto. O segundo acontecimento é constituído pela vinda do Cristo para o Juízo Final. Duas vindas e manifestações de Jesus: na carne e na glória. As duas vindas e os dois acontecimentos nos interessam aqui e agora: o Cristo veio, mas é acolhido hoje; o Cristo deve vir, mas há de ser, hoje, esperado. É necessário despertarmos do torpor, da preguiça e do aborrecimento. Só podemos ser fiéis a um Deus em movimento, que toma a iniciativa e intervém em nossas vicissitudes, se assumirmos uma postura dinâmica de tomada de consciência e de responsabilidade. Este rosto surpreendente de Deus nos

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convida a frequentar caminhos de justiça. Ele nada vem exigir, mas dar. Acolher não significa preparar um espetáculo colossal em sua honra, mas nos apresentarmos com a nossa pobreza que é, essencialmente, a disponibilidade para receber. Quanto à segunda vinda, temos a curiosidade de saber “quando” ou, pelo menos, se seremos agraciados com um sinal: “Dize-nos, por que sinal se saberá que tudo isso se vai realizar?” (Mc 13, 4). A indagação assume, então, a dimensão da esperança. Este Deus que pode chegar à tarde, à meia-noite, de madrugada ou ao amanhecer, não pode ser anunciado por um sinal de alarme. Este Deus deve ser esperado com as portas abertas, de par em par; com os olhos liberados da fadiga e com o coração curado da dureza. Hoje, uma terceira vinda se faz presente: a dos cristãos marcados pela novidade, pois a manifestação de um cris-tianismo irrelevante, banalmente repetitivo, politicamente queixoso dos males do mun-do, não interessa a ninguém. Somos chamados a ser cristãos que surpreendem e que despertam os sonhos e desejos dos que dormem na passividade. Este é o momento, aqui e agora, para sairmos fora, na noite, e anunciarmos um cristianismo embalado numa canção de amor e fraternidade que “faça acordar os homens e adormecer as crianças”.

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CONTEMPLAR

Madona e Criança, Marianne Stokes (1855-1927), pintora austríaca, data, dimensões e local desconhecidos.

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Dia 1Mesmo quando tudo pedeUm pouco mais de calmaAté quando o corpo pede Um pouco mais de almaEu sei, a vida não paraA vida não para não

Será que é tempoQue lhe falta pra perceber?Será que temos esse tempoPra perder?E quem quer saber?A vida é tão raraTão rara

Mesmo quando tudo pedeUm pouco mais de calmaAté quando o corpo pedeUm pouco mais de almaEu sei, a vida é tão raraA vida não para não

A vida é tão rara

A vida é tão rara

Lenine (1959-), Paciência, 1999.

Mesmo quando tudo pedeUm pouco mais de calmaAté quando o corpo pedeUm pouco mais de almaA vida não para

Enquanto o tempoAcelera e pede pressaEu me recuso, faço horaVou na valsaA vida é tão rara

Enquanto todo mundoEspera a cura do malE a loucura fingeQue isso tudo é normalEu finjo ter paciência

E o mundo vai girandoCada vez mais velozA gente espera do mundoE o mundo espera de nósUm pouco mais de paciência

Será que é tempoQue lhe falta pra perceber?Será que temos esse tempoPra perder?E quem quer saber?A vida é tão raraTão rara

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Meus bem-amados, eu queria vos reve-lar minha presença, e tornar ativa em vós uma visão de mim mesmo.

Eu sou o Amor sem limites. Não co-nheço nenhum limite no tempo. Não co-nheço nenhum limite no espaço. Não há nenhum lugar em que eu não me encon-tre. Não há nenhum momento em que eu não exprima o que sou, quem eu sou. Eu sou a origem, e a raiz profunda, e o im-pulso (demais frequentemente recusado, desviado) do que vós sois. Eu sou a vossa verdadeira vida.

O mundo não me contém, mas, sem que eu me confunda com ele, ele está con-tido em mim. Eu não me confundo con-vosco, e, contudo, porque tendes em mim o vosso ser e toda graça, eu estou em vós, eu sou vós mesmos...

Muitos estão em mim e, contudo, não têm consciência desse impulso de Amor que vem de mim e que move o universo. Seus olhos só têm uma visão restrita, exígua. Eles não sentem que a terra treme e que o mundo inteiro vibra sob o sopro do Espírito.

Meus amados, ajustai vossos senti-mentos ao sopro, ao tato divino. Sede as cordas vibrantes que transmitem meu Amor sem limites. Ponde-vos no diapasão de toda voz humana. Esforçai-vos por per-correr toda a extensão dos sons que cada

voz pode emitir, até que as vossas vozes façam ouvir o mesmo canto, puro e justo.

Eu quero vos dizer isto que à primei-ra vista pode espantar, pode escandali-zar: sede o que eu sou. Direis que a cria-tura não pode ser o que é o seu Criador. É verdade, a natureza divina e a natureza humana não podem se identificar nem se confundir. Mas há o Dom. Há a comuni-cação. Eu quis vos comunicar o que está em mim. Eu quis entrar em comunhão in-terior, e em comunidade visível, convosco. Eu quis vos tornar participantes do meu ardor e de minha incandescência: numa palavra, de meu Amor.

Sede o que eu sou. Eu sou o Amor. Sede amor. Não vos é possível atingir a plenitu-de do Amor. Mas é possível a cada um, e sempre, orientar-se para ele, tender para ele, fazer alguns passos na via sagrada. Haverá muitos obstáculos, muitas que-das, muitos acidentes. Mas toda vontade de se dar ao Amor, todo movimento ver-dadeiro de Amor, tem um valor infinito. As derrotas podem se acumular. É preci-so, contudo, recomeçar sempre a amar.

Um monge da Igreja Oriental, “Sede o que eu sou”. In: Amour sans limites, Ed. Chevetogne, p. 100-102, apud Leituras do Povo de Deus, 5, Salvador: Editora Beneditina Ltda., 1974. p. 28-29.

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Diante de Pilatos, em um dos momen-tos mais solenes de sua vida, reveladores de sua missão, Jesus proclama: “Meu rei-no não é deste mundo. Se meu reino fosse deste mundo, meus homens teriam com-batido para que não fosse entregue aos ju-deus. Mas meu reino não é deste mundo... nasci e vim ao mundo para dar testemu-nho à verdade. Quem é da verdade escuta a minha voz!” (Jo 18, 36s). Não somente o convite do Pai se dirige a todos os homens, mas a própria ação redentora de Jesus pode ser participada por todos, pois o tes-temunho da verdade não conhece frontei-ras. A ação pois pela qual Jesus nos salvou pode ser vivida em todas as circunstâncias em que se encontram os humanos, sendo para cada um dos homens que a praticam, mediadora de salvação. Não é preciso o desejo explícito de imitar Jesus Cristo ou de lhe ouvir a Palavra: Todo homem que pratica a verdade, coloca-se a serviço da justiça e age por amor, está pelo fato mes-mo ligado a Jesus Cristo: Quem é da ver-dade escuta a sua voz! [...]

Com efeito, em toda e qualquer cir-cunstância, desde que despertou para a vida humana propriamente dita, o homem age movido por um certo amor. O amor é o movimento fundamental da vontade, do qual dependem todos os outros e, por con-

seguinte, toda a orientação da vida moral. Agindo movido por amor, qualquer coisa que faça, o homem está revivendo as cir-cunstâncias da morte de Cristo, em con-tinuidade com ela, salvando-se portanto. Quando ama o bem e se dá oblativamente ao próximo, associa-se a Jesus e, em união com ele, vive em comunhão com o Pai. Da mesma forma, quem se opõe ao bem, pra-tica ou se omite diante da injustiça, pac-tua com a inverdade e com a mentira, está em contradição com a morte de Cristo. E, pelo fato mesmo, recusa a salvação. Nes-se sentido é que São Paulo dizia comple-tar em sua carne as provações de Cristo (Cl 1, 24), e morrer todos os dias (1 Cor 15, 31), enquanto sua vida inteira, mas espe-cialmente seus sofrimentos apostólicos, eram atos de amor em comunhão com a Cruz. Em cada ato de amor há como uma morte a nós mesmos, uma entrega ao ou-tro, morte e entrega porém salutares pois repetição, retomada em profundidade, do ato salvador de Jesus. Mas onde quer que haja homens morrendo e se entregando por seus irmãos, aí está brotando a comu-nidade dos verdadeiros membros de Cris-to, da Igreja sem fronteiras.

Bernardo Catão (1927-). A igreja sem fronteiras: um ensaio pastoral. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1965. p. 65-67.

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Meus caminhos sempre foram agitados e arriscados. Hoje, eu os aceito como fazendo parte de minha vocação. O Senhor me chamou para os incrédulos. Ele me quis no âmago da vida profana. Conduziu-me à prisão. Jogou-me nos subterrâneos da vida e da história. Lá, onde não se imaginava outrora se-não mal, indiferença e pecado, encontrei graça e fidelidade, amor e esperança. Pode ser que os apóstolos não queiram ir longe demais, que eles prefiram a área limitada e tranquila da paróquia, do convento, das reuniões catequéticas, educati-vas, da casa burguesa onde o padre serve para abrilhantar as reuniões. Mas o Cristo, ele, vai mais longe. Ele não tem receio de ser tentado, difamado, de ser tratado de Belzebu, de amigo das prostitutas e dos pecadores. Não o preocupa ser acusado de bêbado, glutão, de não respeitar a lei e de ficar indiferen-te às tradições. O Cristo vai aonde não temos coragem de ir. No momento em que o procuramos no templo, ele se acha no estábulo; quando o buscamos entre os padres, ele está entre os pecadores; no instante em que o solicitamos em liberda-de, está detido; quando o procuramos ornado de glória, ele está coberto de sangue sobre a cruz. Somos nós que criamos os limites, que dividimos o mundo entre bons e maus; que pensamos que Deus submete-se às nossas ideias, aos nossos preconceitos, à nossa prudência. Quantas vezes ele sentou na escada da portaria, esperando um pouco de alimento...

Um cristão, “Os subterrâneos da História”. In: “Cartas de prisão”, Communion, Comunidade de Taizé, 1971-3, p. 57-58, apud Leituras do Povo de Deus, 7, Salvador: Editora Beneditina Ltda., 1975. p. 23-24.

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Deus meu, foi te buscandoQue alguém te encontrou,Eu, ao contrário, te encontrei fugindo de ti.Foi mediante a busca que alguém te achou,Eu descobri que eras Tu quem outorga a busca.Tu mesmo eras o caminho que permite chegar até Ti.Tu eras o princípio e serás o final.Tu eras tudo e isso me basta.Tudo mais é loucura.

Com coração sedento gemo por uma só gota de Ti.Mesmo com o que me dão de beber não se acalmará minha sede,Porque o que eu busco é o Mar.Abandonei mil fontes e riachos em minha esperança de encontrar o Mar.Viste alguma vez alguém afogar-se no fogo do Amor?Assim sou eu.Viste alguma vez alguém morrer de sede em pleno Mar?Esse sou eu.Sim, eis-me aqui, perdido, errante em pleno deserto.Vem rápido em minha ajuda,Porque por culpa do meu coração sou um mar de lágrimas.

Tua descoberta é uma aurora que surgeDe repente por si mesma.Quem te encontra não se abandona nem à alegria nem à pena.Senhor, leve a termo em mim Tua tarefa indizível.

Como poderia acabar o tormento de quem Tu eras o tormento?Quem vive sem Ti é como um morto no fundo de sua prisão.Quem está vivo graças a Ti, como poderá algum dia morrer?

Tu não estás longe para que te busquemosNem ausente para que te reclamemos.E não saberíamos te encontrar senão por Ti mesmo.

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Deus meu, a língua é impotente para decrever-te E pretender descrever a realidade de tua descoberta é mentir.Ante o assalto de Teu encontro,Que podem fazer o coração e os olhos?Como não pude descobrir antes que a utilidade da viagem é a amizade do companheiro?Eu pensava que a recompensa tinha que ser um grande objeto de honra.Como não pude saber antes que quem deseja um paraíso sem fim é um mercenário e que, pelo contrário, quem conhece a verdade é aquele que sóespera receber um olhar do Amigo?

Oh Deus!A todo pobre algo lhe alcança de teu ser.Por tua clemência, todo enfermo tem médico.Da amplitude de tua graça uma parte toca a cada um.De tuas firmes bondades aquele que necessita tem uma gota.Na cabeça de todo fiel pões uma coroa.No coração de todo enamorado, uma lâmpada.E todo louco tem algo a ver contigo.E todo aquele que aguarda, terá ao final visita e vinho.

Abdolah Ansari (1006-1089), Munayat. In: Javier Melloni, Voces de la mística II, Barcelona: Herder, 2012. p. 51-54.

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Viver – essa difícil alegria. Viver é jogo, é risco. Quem joga pode ganhar ou perder. O começo da sabedoria consiste em aceitarmos que perder também faz parte do jogo. Quan-do isso acontece, ganhamos alguma coisa extremamente preciosa: ganhamos nossa pos-sibilidade de ganhar. Se sei perder, sei ganhar. Se não sei perder, não ganho nada, e terei sempre as mãos vazias. Quem não sabe perder acumula ferrugem nos olhos e se torna cego – cego de rancor. Quando a gente chega a aceitar, com verdadeira e profunda hu-mildade, as regras do jogo existencial, viver se torna mais que bom – se torna fascinan-te. Viver bem é consumir-se, é queimar os carvões do tempo que nos constitui. Somos feitos de tempo, e isto significa: somos passagem, movimento sem trégua, finitude. A cota de eternidade que nos cabe está encravada no tempo. É preciso garimpá-lo, com incessante coragem, para que o gosto do seu ouro possa fulgir em nosso lábio. Se assim acontecer, somos alegres e bons, e a vida tem sentido.

****A coisa mais importante do mundo é a possibilidade de ser-com-o-outro, na calma,

cálida e intensa mutualidade do amor. O Outro é o que importa, antes e acima de tudo. Por mediação dele, na medida em que recebo sua graça, conquisto para mim a graça de existir. É esta a fonte da verdadeira generosidade e do autêntico entusiasmo – Deus comigo. O amor ao Outro me leva à intuição do todo e me compele à luta pela justiça e pela transformação do mundo.

****Dai-me, Senhor, o lábio puro,E a mão mais pura do que o lábio.Dai-me, Senhor, a pupila da pomba,E o pé mais sábio do que esta pupila.Pois com o lábio roçarei a pele do mundo,E com a mão me sentirei parente da pedra,E com a pupila verei a dança das palmas ao vento,E com o pé saberei o vasto rumor dos caminhos.

Hélio Pellegrino (1924-1988). Lucidez embriagada. São Paulo: Planeta, 2004. p. 44-47.

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II Domingo do Advento Is 40, 1-5.9-11 2 Pd 3, 8-14 Mc 1, 1-8

ESCUTAR

Falai ao coração de Jerusalém e dizei em alta voz que sua servidão acabou e a expiação de suas culpas foi cumprida; ela recebeu das mãos do Senhor o dobro por todos os seus pecados (Is 40, 2).

O que nós esperamos, de acordo com a sua promessa, são novos céus e uma nova terra, onde habitará a justiça (2 Pd 3, 13).

Esta é a voz daquele que grita no deserto: “Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas” (Mc 1, 3).

MEDITAR

Tomar consciência dos nossos medos nos permite superá-los e nos abrir a um mundo de possibilidades. Ao cessar de duvidar de nós mesmos encontramos ao mesmo tempo a coragem de assumir nossos erros (François Gervais).

Pelo amor de Deus, eu vos suplico: não tenhais medo de Deus, pois Ele não vos deseja nenhum mal. Ao contrário, amai-O com todas as vossas forças, porque Ele vos ama infinitamente (Padre Pio).

ORAR

João, o Batista, não é certamente um tipo fascinante para angariar simpatias e alcançar popularidade. No deserto, a palavra provoca o silêncio, e não os aplausos. João, para proclamar o único necessário, despoja-se de todas as vaidades e usa a linguagem da simplicidade, e não a do espalhafatoso. João não precisa falar de si mesmo, pois sua austeridade de vida e a seriedade de sua existência o tornam digno de confiança. João fala no deserto porque o deserto é a sua grande e incrível possibilidade: no deserto se realiza o encontro decisivo e pelo deserto passa o caminho do Senhor. João semeia a in-

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terrogação e as inquietudes, acende um desejo, suscita uma espera e solicita uma busca. Não tem a pretensão de entregar o Cristo, pois não O possui. É Judas quem O entregará. João dirá simplesmente que é o “amigo do Esposo” (Jo 3, 29). Temos que fazer alguma coisa para não perder o encontro. Os vales, abismos de insignificância, deverão ser pre-enchidos; montes e colinas de presunção devem ser rebaixados; terrenos acidentados deverão ser aplainados. Tudo isto nos prepara para o encontro e para que possamos antecipar os “novos céus e uma nova terra onde habita a justiça”. O Senhor, diz Pedro, está “usando de paciência para convosco, pois não deseja que ninguém se perca”. Para nós, sempre apressados, a paciência tem limites. No entanto, a paciência de Deus não os conhece e se esgota unicamente no exato instante em que aceitamos ser perdoados. O apelo de João para o batismo de conversão é o apelo para rejeitar uma vida de aparência, a fim de se colocar em busca do que é essencial e verdadeiro; de ousar pensar aquilo que jamais ousamos pensar. Somos muito mais ricos do que pensamos ser. Nossa alma é infinitamente mais bela do que imaginamos e nossa vida é plena de possibilidades. No meio do deserto, numa sede insaciável de Deus, João nos chama a sermos artesãos de nossas existências e nos oferece a sensatez do provérbio: “Beba abundantemente da água que brota do teu poço” (Pr 5, 15). E assim, convertidos à verdadeira essência que nos habita e consome, preparamos o caminho no deserto para o Menino que será um mistério entre os que O conhecerão, pois “Nele existia uma vontade mais profunda de estar à disposição dos homens com toda a sua humanidade divina” (Urs von Balthasar). Jesus vem para testemunhar que, diante do que é humano, temos somente duas atitu-des: servir-me do homem para dominá-lo ou servindo-o, despertá-lo para a sua mais ampla humanidade, que é divina.

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CONTEMPLAR

Madona e Criança e o Jovem São João Batista, c. 1490-95, Sandro Botticelli (1445-1510), têmpera sobre tela, 134 cm x 92 cm, Palácio Pitti, Florença, Itália.

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Eu me dei conta no fio do tempo que é importante distinguir bem a fe-licidade do amor.

Mesmo se a alegria do amor é incomparável a todas as outras e produz a maior das felicidades, ela é frágil e não impede os sofrimentos. Amar não impede, pois, o sofrer. Como a Virgem Maria disse a Bernadete de Lour-des, “nesta vida eu te prometo te ensinar a amar, mas não necessariamente ser feliz o tempo todo”.

Naturalmente todos os humanos procuram a felicidade. Mas viver uma vida cristã autêntica não é procurar a felicidade a todo custo. É procurar amar, qualquer que seja o preço a pagar.

Dizendo isto, estou consciente também de um desvio que é convenien-te evitar e no qual muitos cristãos assaz piedosos caem: o do dolorismo. Contrariamente ao que sempre nos ensinaram, o mérito não tem nenhuma relação com a dificuldade. O mérito se mede pelo amor com o qual um ato é realizado e não pelo que ele custa (dolorismo).

O dolorismo é uma abominação e uma caricatura da vida cristã que consiste em procurar o sofrimento, ou se comprazer nele, sob o pretexto de que Jesus sofreu. Não. É preciso simplesmente aceitar a vida como ela se apresenta, e se não se pode evitar um sofrimento, então melhor seria acei-tá-lo com amor do que se revoltar ou fugir fechando-se sobre si mesmo.

Abbé Pierre (1912-2007). Mon Dieu... pourquoi? Paris: Plon, 2005. p. 17-18.

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Ao entrar em Cafarnaum, aproximou-se dele um centurião, implorando-lhe: “Senhor, o meu criado está de cama, em mi-nha casa, paralítico e sofrendo terríveis dores”. Jesus lhe res-pondeu: “Eu irei curá-lo”. Mas o centurião lhe disse: “Senhor, não sou digno de que entres em minha casa; basta que digas uma palavra e o meu criado se recuperará. Pois sou um su-balterno e também estou debaixo de ordens, mas tenho solda-dos sob o meu comando e quando digo a um ‘Vai!’, ele vai, e a outro ‘Vem!’, ele vem; e quando digo a meu criado ‘Faze isto’, ele o faz”. Ouvindo isso, Jesus admirou-se, e disse aos que o seguiam: “Em verdade vos digo que nem mesmo em Israel en-contrei alguém que tivesse fé como esta. Eu vos digo que virão muitos do oriente e do ocidente e tomarão assento no Reino dos Céus à mesa de Abraão, Isaac e Jacó enquanto os filhos do Reino serão postos para fora, nas trevas, onde haverá cho-ro e ranger de dentes”. E Jesus disse ao centurião: “Vai! Como tiveste fé, que assim te seja feito!”. Naquela mesma hora foi curado o servidor do centurião (Mt 8, 5-13).

Quando ouço essa passagem dos Evangelhos [Mt 8, 5-13], pergunto-me como é possível haver pessoas acreditando que somente os católicos po-dem encontrar a salvação... É ridículo! Só se imaginarmos o Espírito Santo lá das alturas a procurar católicos, ou cristãos de um modo geral, para dar--lhes – e apenas a eles – o sopro divino...

É evidente que tal discriminação não pode ocorrer! Em qualquer parte do mundo, onde quer que haja uma criatura humana que tenha fome e sede de amar, de auxiliar seu próximo, de superar o egoísmo, que seja capaz de sair de si mesma para atender aos problemas alheios, que ouça o que lhe recomenda a consciência, que se esforce para praticar o bem, não resta a menor dúvida de que o Espírito de Deus estará com ela. Gosto mui-to de ouvir as palavras do Senhor quando diz “...virão muitos do oriente e do ocidente...”. Na casa de nosso Pai encontraremos budistas e judeus, muçulmanos e protestantes, bem como católicos! [...]

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É frequente julgarmo-nos donos da verdade. Mas temos que nos dar conta de quão imensa ela é! Deus, por exemplo. Vivemos dentro de Deus, e ele está dentro de nós. Mas Deus é de tal modo grande que, para compreen-dê-lo completamente – e compreender quer dizer abraçar –, teríamos que ser maiores do que ele!

Lembro-me da profunda emoção que tive quando, pela primeira vez, o homem conseguiu fotografar a face desconhecida, invisível, da lua. Qual não será nossa surpresa quando, chegado o nosso dia, pudermos estar frente a frente com o nosso Pai! Só então poderemos comprovar como era pobre, limitada, imperfeita, a visão de Deus que antes possuímos...

O mesmo se pode dizer a respeito da verdade. Não temos o monopólio dela. Não temos o monopólio do Espírito Santo. Devemos ter toda a hu-mildade diante daqueles que, mesmo não tendo jamais ouvido o nome de Cristo, talvez possam ser mais cristãos de que nós mesmos! [...].

Dom Hélder Câmara (1909-1999). O evangelho com Dom Hélder. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993. p. 78-79.

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Vocês são livres como os meus passarinhos. De manhã eu dou de comer a eles e depois a vocês. Só temos obrigação de ser apaixonados por Deus. Não tem obrigação nem espiritual e nem exterior. Vivam como os passarinhos.

A astúcia máxima da vida é se desinstalar. Vivemos valo-res que não precisam ser traduzidos para os outros nem para a Igreja. Vamos oferecer o desejo que temos de Deus, consa-grar o nosso ser, o que somos, nossa realidade humana, a vida natural que nós vivemos. A vida que segura sem laço. A fé é um fio de cabelo seguro com os dentes, no abismo!

O que Deus quer é uma intimidade cada vez maior com Ele. O espírito do cristianismo é a liberdade nunca estabeleci-da: sem laços nem obrigações. Liberdade dos filhos de Deus. Não devemos ser cúmplices de alguma coisa que não seja só de Deus. Para nossa existência subsistir, Deus nos fica re-criando e nos acalentando todos os dias. Se abrirmos a porta, Deus está em tudo o que fazemos e nos vela como uma mãe, mesmo se não sabemos e não lembramos. Fomos criados para viver no aconchego da Trindade...

Deus não é só Espírito, é pele. Nós nascemos para nos per-der em Deus e não para nos achar. A maior certeza que nós temos ao morrer é a certeza do amor de Deus por nós. Deus nos ama tanto que se a gente soubesse quem era Deus a gente não fazia outra coisa senão amá-Lo. “Apaixonite” aguda, agu-díssima, nos perder no amor de Deus.

Eu não recebo Deus como pessoa, eu recebo como ente vivo. Deus nos amou assim, eternamente, internamente ma-nifesta o Seu amor. Mas não acreditam muito, mas se já acre-ditassem seria uma consagração a Deus.

A Eucaristia para nós é a descida ao nosso nível e ao nos-so amor absoluto como Ele é. Deus é louco por nós. Se não nos amasse, Ele não dava tudo que precisava a nós. Àquilo que a Deus se pede, é uma graça. Isso é a verdadeira prova de amor. Qualquer coisa que vocês precisarem digam, essa é

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a maior prova de amor. Mas eu peço realmente o que o nosso Père disse: ser fiel ao amor de Deus! Sabe o que isto consiste? De ser um apaixonado de Deus. Por apaixonado de Deus se entende ser capaz de dar o que somos de amor possível para as pessoas. Que a gente ame a Deus, mas até que ponto a gente pode chegar a amar, esse amor que tem que ser total para ser verdadeiro?

A maior paixão que Deus podia nos dar ele nos deu. Nós nos sentimos obrigados a retribuir essa mesma paixão, até para morrer na cruz, como os monges de Tibhirine [que foram martirizados na Argélia, em 1996]. A nossa religião só chega à verdade nesse ponto. Ser capaz de entregar a vida, como os monges, sem o mínimo interesse, só por paixão. Nós fomos feitos para se perder em Deus. Se não soubermos nos perder em Deus nos perderemos na vida.

Deus se apresenta como possibilidade de amor total e nós temos que nos deixar impregnar no Espírito desse amor total. E esse amor total exige de nós uma entrega absolutíssima! É uma exigência de Deus, se soubermos ser fiel a essa paixão de Cristo, que é a paixão de sabê-Lo amá-Lo a esse ponto.

Madre Belém (1909-2011). Testamento espiritual e outros escritos, 2011.

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Exorto-te a unir-te a mim e a aproximar-te comigo de Jesus para rece-ber seu abraço, um beijo que nos santifique e nos salve. Escutemos nes-se sentido ao santo rei David, que convida a beijar devotamente ao Filho: “Beijai ao Filho”; porque este filho do qual fala aqui o profeta real não é outro a não ser aquele do qual disse o profeta Isaías: “Uma criança nasceu para nós, um filho nos foi dado: Puer natus est nobis, filius datus est nobis”.

Esta criança, Raffaelina, é aquele irmão amoroso, aquele esposo ama-díssimo de nossas almas, de quem a sagrada esposa dos Cânticos, figura da alma fiel, buscava a companhia e suspirava por seus beijos divinos: “Quem me dera se tivesse a ti por meu irmão, te buscaria e te beijaria! Beija-me com o beijo de tua boca”. Este filho é Jesus; e o modo de beijá-lo sem traí-lo, de estreitá-lo entre nossos braços sem aprisioná-lo, o modo de dar-lhe o beijo e o abraço de graças e de amor, que espera de nós e que nos promete devol-ver, é, segundo São Bernardo, servir-lhe com verdadeiro afeto, realizar em obras santas suas doutrinas celestiais, que professamos com as palavras.

Não deixemos, pois, de beijar desse modo a este Filho divino, porque se são assim os beijos que agora lhe damos, virá o mesmo, como o prometeu, cheio de misericórdia e de amor; virá a nos tomar em seus braços, a dar--nos o beijo de paz nos últimos sacramentos ao momento da morte; e assim terminaremos nossa vida com o beijo santo do Senhor, admirável beijo da condescendência divina, no qual, no dizer de São Bernardo, não se aproxi-ma a face da face, a boca da boca, e sim que se unem mutuamente por toda a eternidade o criador com a criatura, o homem com Deus.

Padre Pio (1887-1968). “Carta a Raffaelina Cerase, 07 de setembro de 1915”. In: Gianluigi Pasquale (ed.), 365 dias com o Padre Pio. Madrid: San Pablo, 2010. p. 372-373.

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Você sabe, Deus: eu vou fazer o meu melhor. Eu não vou me furtar a esta vida. Vou permanecer na rota e tratar de de-senvolver todos os dons que tenho, se tenho. Não vou fazer chantagem. Mas dê-me de tempos em tempos um sinal. E faça se elevar em mim um pouco de música, faça-a encontrar sua forma, que está em mim, à qual aspiro tanto [...]

Deus, tome-me pela mão, eu te seguirei gentilmente, sem grande resistência. Não me dobrarei a nenhuma das tempes-tades que se precipitarão sobre mim nesta vida, eu suportarei o choque com o melhor das minhas forças. Mas dê-me de tem-pos em tempos um curto instante de paz. E não acreditarei, na minha inocência, que a paz que desce sobre mim é eterna, eu aceitarei a inquietude e o combate que seguirão. Eu amo o calor e a segurança, mas não me revoltarei quando for preci-so afrontar o frio, desde que Você me guie pela mão. Eu irei por toda parte tendo Você na mão e me esforçarei para não ter medo. Onde quer que eu esteja, tentarei irradiar um pouco de amor, deste verdadeiro amor ao próximo que está em mim. (Mas não vá te gabar deste “amor ao próximo”. Você ignora se o possui verdadeiramente). Eu não quero nada de especial. Eu quero apenas tentar me tornar aquilo que já está em mim, mas que procura ainda sua plena manifestação. Chego a acre-ditar que aspiro à reclusão do convento. Mas é no mundo e entre os homens que eu terei que me encontrar.

Etty Hillesum (1914-1943). Les écrits d’Etty Hillesum: journaux et lettres, 1941-1943. Paris: Éditions du Seuil, 2008. p. 229-230.

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Pelo amor de DeusNão vê que isso é pecado, desprezar quem lhe quer bemNão vê que Deus até fica zangado vendo alguémAbandonado pelo amor de Deus

Ao Nosso SenhorPergunte se Ele produziu nas trevas o esplendorSe tudo foi criado – o macho, a fêmea, o bicho, a florCriado pra adorar o Criador

E se o CriadorInventou a criatura por favorSe do barro fez alguém com tanto amorPara amar Nosso Senhor

Não, Nosso SenhorNão há de ter lançado em movimento terra e céuEstrelas percorrendo o firmamento em carrosselPra circular em torno ao Criador

Ou será que o deusQue criou nosso desejo é tão cruelMostra os vales onde jorra o leite e o melE esses vales são de Deus

Pelo amor de DeusNão vê que isso é pecado, desprezar quem lhe quer bemNão vê que Deus até fica zangado vendo alguémAbandonado pelo amor de Deus

Edu Lobo (1943-) e Chico Buarque de Holanda (1944-). “Sobre Todas as Coisas”, O Grande Circo Místico, 1983.

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III Domingo do AdventoIs 61, 1-2a.10-11 1 Ts 5, 16-24 Jo 1, 6-8.19-28

ESCUTAR

O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu; enviou-me para dar a boa-nova aos humildes, curar as feridas da alma, pregar a redenção para os cati-vos e a liberdade para os que estão presos, para proclamar o tempo da graça do Senhor (Is 62, 1).

Estai sempre alegres! Rezai sem cessar... Não apagueis o espírito! (1 Ts 5, 16.19).

Veio como testemunha da luz, de modo que todos cressem por meio dele (Jo 1, 7).

MEDITAR

Não há nada de melhor no mundo do que estas amizades maravilhosas que Deus des-perta e que são como o reflexo da gratuidade e da generosidade do seu amor (Jacques Maritain).

Parti sem o mapa da estrada para descobrir Deus, sabendo que Ele está no caminho e não no fim desta mesma estrada (Madeleine Delbrêl).

ORAR

João nos inquieta com a frase: “Entre vós está alguém que vós não conheceis”. Conhecer é mais que decorar ideias e doutrinas. Conhecer, na linguagem bíblica, é o encontro de pessoas que expressam uma comunhão íntima. Conhecer não está vinculado ao saber, mas a uma experiência vital. A pergunta que devemos fazer é se temos, de fato, algu-ma coisa a ver com o Cristo. Se nossas vidas, preferências, ações têm algo a ver com o seu Evangelho. João nos arranca da acomodação e suas palavras afetam o nosso viver concreto. Se um profeta não incomoda e não nos coloca em crise, só pode haver duas

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razões: ou não é profeta ou somos alérgicos à profecia. Nossas instituições religiosas te-mem os profetas porque eles incomodam publicamente. Suas vozes não são domesticá-veis e estão fora do controle. Os que se deixam neutralizar pelo poder não são profetas, são apenas cortesões servis. Sempre existiu uma alergia incurável entre os homens do Livro diante dos homens da Palavra, pois a Palavra julga a instituição, as estruturas re-ligiosas e seus aparatos de poder. O verdadeiro profeta é insuportável e, por esta razão, é qualificado de falso profeta pelos que mantêm o poder religioso e civil. É uma tática desde há muito conhecida. O profeta é o que grita: “Endireitai o caminho do Senhor”, ao mesmo tempo em que os chefes asseguram que tudo está em ordem e que nada é preciso mudar. O profeta é difamado, excomungado, asilado e abandonado. Morre na infâmia e na suspeita para, pouco depois, ser exaltado e consagrado. Com as pedras que sobraram do seu apedrejamento, é construído um monumento em sua honra, pois o seu nome na lápide não incomoda mais. Teremos sempre a necessidade de uma voz insolente, pois, se ela faltar, o Senhor pode nos condenar a dormir para sempre e a paz dos nossos corações será a paz dos cemitérios. Devemos acolher a voz inoportuna do homem de Deus que grita: “Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara).

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CONTEMPLAR

A decapitação de São João, o Batista, c. 1869, Pierre-Cécile Puvis de Chavannes (1824-1898), óleo sobre tela, 240 x 316 cm, Galeria Nacional, Londres, Reino Unido.

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Não desfaleças,

Deixa-te absorver pelo amor.

Não podes saber para onde te levo.

Acredita que é o melhor se fores fiel.

Não esperes, sobretudo, velhice tranquila, pacífica, considerada.

Teu caminho é luta sem tréguas, até o fim, até o impossível.

Tuas dificuldades poderão mudar, jamais desaparecerão;

Elas te salvam.

Sem elas, sucumbirias no orgulho.

Apraz-me conservar-te na incerteza e no fracasso;

Essa é a tua sorte, a tua vantagem, a tua graça,

Pois eu te amo.

Associei-te a uma parte ínfima da minha intervenção na humanidade;

Foi um dom valioso que te fiz, pura misericórdia.

Serás sempre incompreendido. É preciso. É isso que te obriga a renovar os esforços a todo o momento.

Fazes bem pouco, exatamente o que te reservei.

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Mas, tudo o que reservei aos que amo é imenso.

Não são as obras que contam, mas o amor tão fraco, ainda, com que as realizas.

Obrigo-te a purificar o amor. Estás ainda muito longe.

Medes, ainda, em termos de influência, se não de sucesso.

Mas não é disso que se trata, e sim de arrojar-te corajosamente, convicta-mente, na minha obscuridade, e amar realmente os que se opõem, amar a humanidade com amor mais puro.

Muitas vezes, te deténs, ainda, em ti mesmo. És impedimento à minha for-ça invasora. Não amas bastante os que junto de ti coloquei. Não transbor-das sobre eles a minha caridade.

Coragem! Quis servir-me de ti para o advento do meu reino. Não desani-mes. Não afrouxes. Não te esquives. Mergulha na aventura desconhecida da minha noite. Então te salvarei de ti mesmo, e te ensinarei a imensidão do amor fraternal.

Tua atitude de recuo é de desespero, não de fé.

Deixa que te sepulte em meu amor.

J. L. Lebret (1897-1966). “Fizeste o dom de ti mesmo a Deus, ouve agora o que ele tem a dizer-te”. In: Dimensões da caridade. São Paulo: Livraria Duas Cidades, 1959. p. 98-99.

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Deve-se estar sempre embriagado. Nada mais conta. Para não sentir o horrível fardo do Tempo que esmaga os vossos ombros e vos faz pender para a terra, deveis embriagar-vos sem tréguas.Mas de quê? De vinho, de poesia ou de ternura, à vossa escolha. Mas embriagai-vos. E se algumas vezes, nos degraus de um palácio, na erva ver-de de uma vala, na solidão baça do vosso quar-to, acordais já diminuída ou desaparecida a em-briaguez, perguntai ao vento, à vaga, à estrela, à ave, ao relógio, a Deus, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que can-ta, a tudo o que fala, perguntai que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, a ave, o relógio e Deus vos responderão: "São horas de vos embriagar-des! Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de ternura, à vossa escolha".

Charles Baudelaire (1821-1867). Embriagai-vos, 1864.

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Os cristãos não se diferenciam dos ou-tros homens nem pelo país, nem pela lín-gua, nem pelas instituições. De fato, não moram em cidades próprias, nem empre-gam linguagem estranha, nem levam uma vida diferente. Não foi por imaginação ou complicadas elaborações que vieram ao conhecimento desta doutrina, nem se apoiam em dogmas humanos, como tan-tos outros. Moram em cidades gregas ou bárbaras, conforme o acaso os colocou; seguem os costumes do povo local em ma-téria de roupas e de alimentos e, quanto ao mais, manifestam seu admirável modo de viver e propõem ao consenso de todos o incrível estado de sua vida. Habitam em suas pátrias, mas como inquilinos; têm tudo em comum com os outros como ci-dadãos e tudo suportam como peregrinos. Todo país estrangeiro lhes é pátria e toda pátria, terra estrangeira. Casam-se como todo mundo e procriam, mas não rejei-tam os recém-nascidos. Têm em comum a mesa, não o leito.

Estão na carne, porém, não vivem se-gundo a carne. Moram na terra, mas têm no céu sua cidade. Obedecem às leis pro-mulgadas, e com seu gênero de vida, ul-

trapassam as leis. Amam a todos e por to-dos são perseguidos. São ignorados e, no entanto, condenados; entregues à morte, dão a vida. Mendigos, enriquecem a mui-tos; tudo lhes falta e vivem na abundância. Vilipendiados e no meio das infâmias en-chem-se de glória; cobertos de ignomínia, cresce sua reputação; por isso mesmo ob-têm a glória. Destruída sua fama, a justiça dá-lhes testemunho. Repreendidos, ben-dizem. Tratados com desprezo, prestam honra. Ao fazerem o bem, são castigados como maus; punidos, alegram-se como se revivessem. [...]

Numa palavra: o que é alma para o corpo, assim são no mundo os cristãos. A alma está em todas as partes do corpo; e os cristãos em todas as cidades do mun-do. A alma está no corpo, mas não vem do corpo; os cristãos estão no mundo, mas não são do mundo. A alma invisível é guardada pelo corpo visível. Todos veem os cristãos, pois habitam no mundo, con-tudo, sua piedade é invisível. [...]

Carta a Diogneto (final do século II, d. C.). “Os cristãos no mundo”. In: Liturgia das horas. Ofício das Leituras. São Paulo: Paulinas, 1985. p. 419-420.

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Deus se rebaixou em Jesus Cristo: o Deus-homem na história é sempre o Deus-homem rebaixado, da manjedoura até a cruz. Em que consiste o seu abaixa-mento? Em que Jesus se reveste da carne do pecado. O rebaixamento do Deus-ho-mem é condicionado pelo mundo subme-tido à maldição. Em seu rebaixamento, Je-sus entra de sua plena vontade no mundo do pecado e da morte.

Ele aí entra de modo a se esconder na fraqueza e a tornar impossível que seja descoberto como o Deus-homem. Ele não se pavoneia nos hábitos reais duma “forma de Deus”. A pretensão de que ele faz prova como Deus-homem, deve suscitar, sob essa forma, a contradição e a hostilidade.

Incógnito, ele se coloca como mendigo entre os mendigos, como réprobo entre os réprobos, como moribundo entre os mori-bundos. Ele se põe também como pecador entre os pecadores, mas como aquele que é isento do pecado.

O Deus-homem rebaixado é escândalo para os judeus, para o homem piedoso. Porque o devoto e o justo não agem como ele: ora, ele declara ser não somente pie-doso, mas o Filho de Deus, quebrando ao mesmo tempo todas as suas leis. “Os anti-gos vos disseram..., mas eu, eu vos digo...”.

É aí o núcleo do escândalo: se Jesus não

tivesse sido inteiramente homem, ter-se--ia admitido a sua reivindicação. Mas ele se retira incógnito, sem fornecer legitima-ção visível.

Quanto mais insistente se torna a ques-tão crística, mais impenetrável se torna o incógnito. Isto significa que a forma do escândalo é aquela pela qual Jesus Cristo permite a fé.

A forma do seu abaixamento é a for-ma do Cristo-para-nós. Sob esta forma, ele nos quer na liberdade de o acolher. Se Jesus se tivesse deixado assinalar pelo mi-lagre, na sua vinda, nós acreditaríamos na sua epifania, mas isto não seria a fé no Cristo-para-mim. Nós o reconheceríamos sem passar por uma conversão íntima.

A fé existe onde eu me abandono ao Deus-homem rebaixado, de tal maneira que eu exponho a minha vida por causa dele, mesmo se isto parece absurdo.

A fé em Cristo existe lá onde eu renun-cio à tentação de garanti-la pelo visível. A única segurança que a minha fé em Cristo suporta é a própria Palavra que pelo Cris-to se aproxima de mim.

Dietrich Bonhoeffer (1906-1945). “Ele se rebaixou”. In: La personne du Christ, p. 140-142, apud Leituras do Povo de Deus, 1. Salvador: Editora Beneditina Ltda., 1975. p. 39-40.

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Senhor, eu te agradeço porque não sou uma engrenagem do poder. Eu te agradeço porque sou um daqueles que o poder esmaga...

Sim, Tu me deste muito. Mas eu te peço muito mais.

Não venho a ti só por um gole d’água. Quero a fonte.

Não venho para que me levem apenas até a porta. Quero ir até a sala do Senhor.

Não venho apenas para receber o dom do amor. Desejo o próprio amante...

Que teu amor brinque em minha voz e descanse em meu silêncio.

Que ele passe por meu coração e transborde em todos os meus movimentos.

Que teu amor brilhe como as estrelas na escuridão de meu sono e amanheça em meu despertar.

Que ele arda na chama de meus desejos e flua na torrente de meu próprio amor.

Deixa que eu carregue teu amor em minha vida, assim como a harpa leva consigo sua música. No fim, eu o devolverei a ti com minha própria vida.

Rabindranath Tagore (1861-1941). Poesia mística. São Paulo: Paulus, 2003. p. 333-335, 429.

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Não consideremos suficiente para a realização de nossa salvação apresentar à mesa sagrada um vaso de ouro enriqueci-do de pedrarias, após havermos despojado as viúvas e os órfãos. Quereis honrar este sacrifício? Oferecei vossa alma pela qual Cristo foi imolado; tornai-a de ouro... Não tenhamos, pois, por cuidado único ofere-cer cálices de ouro, mas cálices adquiridos com justiça... A Igreja não é um museu de ouro e de prata; é uma assembleia... Deus só admite vasos aqui em vista das almas. Não era de ouro a mesa, não era de ouro o cálice em que o Cristo ofereceu aos dis-cípulos seu sangue a beber e, no entanto, tudo não era menos precioso, nem me-nos digno de respeito, porque tudo estava cheio do Espírito divino. Queres honrar o corpo de Cristo? Não o desprezes quando nu; não o honres aqui com vestes de seda e abandones fora no frio e na nudez o afli-to... Deus não precisa de cálices de ouro, mas de almas de ouro...

Digo isto, não para proibir que haja dá-divas desse tipo, mas que com elas e antes delas os pobres não sejam negligencia-dos... Que proveito haveria, se a mesa de Cristo está coberta de taças de ouro e ele próprio morre de fome? Sacia primeiro o faminto e, depois, do que sobrar, adorna sua mesa. Fazes um cálice de ouro e não dás um copo de água? Que necessidade

há de cobrir a mesa com véus tecidos de ouro, se não lhe concederes nem mesmo a coberta necessária? Que lucro haverá? Dize-me: se vês alguém que precisa de alimento e, deixando-o lá, vais rodear a mesa, de ouro, será que te agradecerá ou, ao contrário, se indignará? Que acontece-rá se ao vê-lo coberto de andrajos e morto de frio, deixando de dar as vestes, mandas levantar colunas douradas, declarando fazê-lo em sua honra? Não se julgaria isto objeto de zombaria e extrema afronta?

Pensa também isto a respeito de Cristo, quando errante e peregrino vagueia sem teto. Não o recebe como hóspede, mas or-nas o pavimento, as paredes e os capitéis das colunas, prendes com cadeias de pra-ta as lâmpadas, e a ele, preso em grilhões no cárcere, nem sequer te atreves a vê-lo. Torno a dizer que não proíbo tais adornos, mas que com eles haja também cuidado pelos outros. Ou melhor, exorto a que se faça isto em primeiro lugar. Daquilo, se al-guém não o faz, jamais é acusado; isto, po-rém, se alguém o negligencia, provoca-lhe a geena e fogo inextinguível, suplício com os demônios. Por conseguinte, enquanto adornas a casa, não desprezes o irmão afli-to, pois ele é mais precioso que o templo.

São João Crisóstomo (século IV). “Homilias sobre São Mateus”. In: Liturgia das horas IV. São Paulo: Vozes, Paulinas, Paulus e Ave-Maria, 1999. p. 155-157.

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IV Domingo do Advento 2 Sm 7, 1-5.8-12.14.16 Rm 16, 25-27 Lc 1, 26-38

ESCUTAR

Assim fala o Senhor: “Porventura és tu que me construirás uma casa para eu habitar?” (2 Sm 7, 5).

Glória seja dada àquele que tem o poder de vos confirmar na fidelidade ao meu evan-gelho e à pregação de Jesus Cristo, de acordo com a revelação do mistério mantido em sigilo desde sempre (Rm 16, 25).

Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc 1, 37).

MEDITAR

Eu não quero orar para estar protegido dos perigos, mas para poder enfrentá-los (Ra-bindranath Tagore).

Diz-se que é bendito o homem, é bendito o pão, é bendita a mulher, é bendita a terra e as outras criaturas que pareçam dignas de serem benditas; mas de modo especial é bendito o fruto do teu ventre, porque sobre todas as coisas ele é Deus bendito por todos os séculos. Portanto, bendito é o fruto do teu ventre. Bendito por seu perfume, bendito por seu sabor, bendito por sua beleza (São Bernardo de Claraval).

ORAR

Os textos deste último domingo de advento desvelam duas maneiras de acolher o Ama-do. A primeira, a de Davi, preocupado em construir um espaço externo para Deus: um templo mais monumental do que os santuários pagãos. A segunda, a de Maria, dispo-nível para oferecer a Deus o espaço interior das suas entranhas de escuta e acolhida.

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O Senhor não está de acordo com os sonhos de grandeza do rei Davi, ainda que gene-rosos. Deus não quer habitar uma casa de pedras, mas fazer de um povo a sua própria habitação e caminhar com ele, pois prefere as pedras vivas aos monumentos. Deus pri-vilegia como seu Templo a comunidade humana: “Ele, que é Senhor do céu e da terra, não habita em templos construídos por homens, nem pede que o sirvam mãos huma-nas, como se precisasse de algo” (At 17, 24-25). Nestes dias que antecedem a chegada do Menino, estamos ansiosos e mais envolvidos com a lista de presentes, com a receita das comidas, com as vestimentas para a noite de festa e com o esplendor da árvore na-talina. Tudo está pronto como o programado. Nada falta do que pensamos, mas falta Alguém. Ainda bem que existe Maria para conduzir-nos na simplicidade ao essencial e Deus tem necessidade dela. Tem necessidade de poder dispor de uma criatura que não coloque resistência à sua ação; uma criatura não encouraçada pelas coisas nem por si mesma. Uma criatura que não diga: “Eis o que decidi e preparei”, mas apenas pronun-cie: “Eis-me aqui!”. Maria de Nazaré oferece ao seu Senhor o único espaço de que Ele necessitava: o seu corpo, a sua pessoa e todo o seu ser. Para o Senhor, o templo-monu-mento é estreito demais porque somente um templo de carne pode conter a sua glória. Só as pequenas entranhas de uma jovem conseguem abraçar a grandeza divina e nelas Deus finalmente encontrou uma casa. Nestes dias que faltam para o Natal, devemos deixar de imitar Davi com seus preparativos suntuosos e nos identificarmos com Maria na calma, na paz e na oração. O Emmanuel não reconhece seu espaço nas coisas, nos shoppings, nos salões, nos frenesis das compras e desvarios dos presentes. O Emmanuel se encontra no humilde e sussurrante Sim de quem, silenciosamente, acolhe-O nas en-tranhas do seu ser e O embala nas vísceras de ternura do seu corpo, adormecendo-O com o ritmo do seu coração. O Natal é, antes de mais nada, um convite para redescobrir a nossa humanidade, a nossa interioridade e o nosso peregrinar para as Bodas nupciais do Cordeiro, que já está no meio de nós.

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CONTEMPLAR

A Anunciação, 1898, Henry Ossawa Tanner (1889-1930), óleo sobre tela, 57,0" x 71,25", Museu de Arte da Filadélfia, Estados Unidos.

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Ave Maria, tua graça,Oh Maria, tão bonita,Tão sereno, teu sorrisoOh Maria, teu sorrirÉ mais que tudoAmor ausente,Tão distante,És tanta coisa que não éMas que vai ser,Ave MariaMe perdoa este amorQue é o meu amorAmor profanoAmor que trazÀ nossa horaAmor que vemTão cedo vaiAve MariaVem sem medo de pecar.

Que sem amarA pedra é friaA carne é tristePor morrer.

Ave Maria, ave amor.

Francis Hime (1939-) e Ruy Guerra (1931-), Ave-Maria, 1973.

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Ser um com Deus: este é o primeiro passo. Mas, o segundo é a consequência do primeiro. Cristo sendo a cabeça e nós membros do corpo místico, estamos uni-dos elo a elo, todos somos um em Deus, uma única vida divina. Se Deus é Amor e está em nós, então não pode ser diferente o nosso amor para com os irmãos. Por isto o amor humano é a medida do nosso amor a Deus. Mas, é algo mais do que o simples amor humano. O amor natural se dirige a um outro, ligado pelos laços do sangue ou por afinidades de caráter ou por interes-ses comuns. Os outros são “estranhos”, que “não nos importam”, talvez até por seu jeito antipático, de forma que mante-mos a devida distância. Para o cristão não existe “gente estranha”. Próximo é aquele que encontramos em nosso caminho e que mais necessita de nós; indiferentemente, se é parente ou não, se a gente gosta dele ou não, se ele é “moralmente digno” da nossa ajuda ou não. O amor de Cristo não tem limites, ele nunca termina, ele não recua diante da feiura ou sujeira. Ele veio por causa dos pecadores e não por causa dos justos. E se o amor de Cristo mora em nós, então, façamos como Ele, indo ao en-contro das ovelhas perdidas. [...]

O Deus-Menino se tornou nosso per-manente mestre para nos dizer o que de-vemos fazer. Para que a vida humana seja inundada da vida divina, não basta uma vez por ano, ajoelhar-se diante do pre-sépio e deixar-se cativar pelo encanto da Noite Santa. Para isto, devemos estar em comunicação diária com Deus, ouvir as palavras que Ele falou e que nos foram transmitidas, e segui-las. [...] Os misté-rios do cristianismo são um todo indi-viso. Quando nos aprofundamos num deles, seremos conduzidos para todos os outros. Assim, o caminho de Belém con-duz, seguramente, para o Gólgota... No esplendor da luz, que sai do presépio, cai a sombra da cruz. A luz se apaga nas tre-vas da sexta-feira santa, mas se levanta com mais fulgor, como sol da graça, na manhã da ressurreição. Através da cruz e da paixão para a glória da ressurreição, foi o caminho do Filho de Deus encarna-do. Chegar com o Filho do Homem, pela paixão e morte à glória da Ressurreição, é o caminho de cada um de nós, por toda a humanidade.

Edith Stein (1891-1942). O mistério do Natal. Bauru-SP: Edusc, 1999. p. 21, 27, 30-31.

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Hoje, o grão de trigo foi disposto numa terra virgem. O mundo afaimado exulta e bendiz de alegria. A natureza inteira pre-para os dons que oferecerá para o meni-no. A terra irá oferecer uma manjedoura e as cidades vão oferecer Belém. Os ven-tos oferecerão sua obediência e o mar sua submissão. As profundezas do mar ofere-cerão os peixes da pesca miraculosa e os peixes eles mesmos uma peça de moeda. As águas vão oferecer o Jordão, as fontes vão oferecer a Samaritana e o deserto, João Batista. Os animais oferecerão um jumen-to e os pássaros uma pomba. As estéreis oferecem Isabel e as virgens Maria. Os sa-cerdotes vão oferecer Simeão e as viúvas Ana. Os pastores vão oferecer seus cantos e as crianças seus ramos. Os perseguido-res oferecerão Paulo e os pagãos uma ca-naneia. A hemorroíssa oferecerá sua fé e a prostituta seu perfume. As árvores ofe-recerão Zaqueu e as florestas uma cruz. O Oriente oferecerá uma estrela e Gabriel sua saudação: “Alegra-te, tu a quem uma graça foi feita, o Senhor está contigo; ele é mesmo de ti e em ti. Em ti, para onde veio segundo seu bom agrado. De ti, da qual sairá, pois ele desejou que fosse assim. Ele próprio antes de ti, pois antes de todos os

séculos, sem alteração e de maneira inefá-vel, ele foi engendrado pelo Pai”.

Maria é mãe, pois ela colocou no mun-do aquele que quis nascer. Ela se disse serva, e dizer que ela é serva, é confessar sua natureza humana e a graça de Deus. Ela é uma arca que porta não mais a lei, mas o autor da lei.

“O Senhor está contigo”: ele está de hoje em diante com nós todos, Emmanuel, Deus Conosco. O Senhor está conosco, e agora todo erro desaparece; agora os de-mônios tremem e estão em fuga. O Senhor está conosco: a morte ficará adormecida, os mortos vão ser libertados. O Senhor está conosco, não mais um subalterno, nem um anjo, mas o Senhor ele mesmo. Ele vem para nos salvar.

Aquele que os céus não podem conter, uma virgem o recebeu; nela ele se fez carne.

Hoje, o grão de trigo foi disposto numa terra virgem. O mundo exulta e bendiz de alegria.

Proclo de Constantinopla (412-485). “O consagrado que nascer de ti será chamado Filho de Deus”. In: Jean-René Bouchat, “Lectionnaire”, Le Cerf, 1994, p. 405 ss.., apud Daniel Bourguet, L’Évangile médité par les Pères. Luc, Lyon: Éditions Olivétan, 2008. p. 15-16.

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Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo Is 52, 7-10 Hb 1, 1-6 Jo 1, 1-18

ESCUTAR

Como são belos, andando sobre os montes, os pés de quem anuncia e prega a paz, de quem anuncia o bem e prega a salvação (Is 9, 7).

Muitas vezes e de muitos modos falou Deus outrora aos nossos pais, pelos profetas; nestes dias, que são os últimos, ele nos falou por meio do Filho, a quem ele constituiu herdeiro de todas as coisas e pelo qual também ele criou o universo (Hb 1, 1-2).

E a Palavra se fez carne e habitou entre nós (Jo 1, 14).

MEDITAR

O homem é uma criatura que recebeu a ordem de se tornar Deus (São Basílio).

O sagrado no Cristo não é qualquer coisa que existe sob os ferrolhos ou que é colocada atrás das grades ou ainda sob véus impenetráveis. O sagrado em Jesus é o homem, é o próprio homem. São as nossas mãos, o trabalho de nossas mãos; são os nossos olhos e a luz que os preenche; são os nossos corações e esta maravilhosa capacidade de amar. Isto tudo é o que constitui o sagrado que perpetua a Encarnação e que não cessa de tornar presente o Cristo entre nós (Maurice Zundel).

ORAR

Natal significa que “um Menino nos nasceu” e este é o sinal para a Humanidade. Nada de grandioso ou espetacular, pois Deus para nos encontrar escolhe o caminho da mo-déstia e da pequenez. O Natal significa que o sorriso divino pousou sobre as nossas misérias, devolveu a esperança e nos abriu todas as possibilidades futuras. Este rosto do Menino não é mais o de um Deus distante, carrasco; nem o de um Deus desiludido e traído. Este rosto terno e carinhoso revela a única condição para conquistarmos a vida eterna: deixarmo-nos amar. O Natal não é apenas uma data inventada, mas o início da

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Boa-Nova que nos faz saber que um escapou do censo ordenado por Cesar Augusto e que, portanto, não foi incluído como um dado estatístico. Não comemoramos uma data que colocou tudo em ordem, mas um início de um tempo em que a justiça de Deus se manifesta em toda a sua plenitude. A solidão acabou porque os homens e mulheres têm a mão que os guia, que os salva e os consola. O evangelista revela que o Verbo não somente entra no mundo, mas se torna um membro da humanidade e declara que a pre-sença de Deus (Shekinah), até então na tenda da Aliança, está agora plenamente realiza-da na tenda de carne do Emmanuel. A divindade não se sobressai como um árbitro des-tacado e eterno do contexto terrestre, mas está implicada na complexidade da realidade humana. O evento decisivo da nossa existência e o artigo de fé fundamental do cristia-nismo é a encarnação do Verbo. No Natal, é desvelado que o Cristo é a Palavra que exige escuta; é a Vida que exige adesão do coração; é a Luz que exige a luta contra a cegueira para que possamos todos juntos, peregrinos, construir a cada nova geração um mundo de justiça e paz. No entanto, alguns natais são anunciados sem nenhum engajamento de fé. Um natal folclórico, mercantilizado, ruidoso e de um ritualismo consumista; um natal emotivo, marcado pelo infantilismo e que, apesar dos sentimentos, sabe calcular os impulsos de generosidade; um feriado natalino para ser aproveitado em viagens es-nobes, que nos levem o mais distante possível de todos. Finalmente, um natal dos que foram um dia batizados e que, ao menos uma vez por ano, vestem o disfarce de cristãos para poder passar pelo umbral das igrejas mais próximas que lhes ofereça um horário de celebração mais cômodo para não atrapalhar a ceia natalina e a troca de presentes. Outros natais são possíveis de ser acrescentados à lista uma vez que são apenas pretex-tos para qualquer coisa. Que neste dia de Natal sejamos capazes de colocar nas nossas vidas um pouco menos de qualquer coisa, como os restos de nossas ceias. Que sejamos capazes de conseguir um pouco menos de alienada religiosidade e um pouco mais de fé comprometida com Aquele cujo nome é “Conselheiro Admirável, Deus Guerreiro, Pai dos Tempos Futuros e Príncipe da Paz” (Is 9, 5).

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CONTEMPLAR

A Natividade, 1950, Marc Chagall (1887-1995), guache, aquarela, giz de cera, pena e tinta nanquim sobre papel, 38,1 cm x 55,9 cm, Galeria Ferrero, Genebra, Suíça.

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Tudo que move é sagradoE remove as montanhasCom todo o cuidado, meu amorEnquanto a chama arderTodo dia te ver passar

Tudo viver a teu ladoCom o arco da promessaDo azul pintado pra durar

Abelha fazendo o melVale o tempo que não voouA estrela caiu do céuO pedido que se pensouO destino que se cumpriuDe sentir seu calor e ser tudoTodo dia é de viverPara ser o que for e ser tudoSim, todo amor é sagradoE o fruto do trabalhoÉ mais que sagrado, meu amorA massa que faz o pãoVale a luz do seu suor

Lembra que o sono é sagradoE alimenta de horizontesO tempo acordado de viver

No inverno te protegerNo verão sair pra pescarNo outono te conhecerPrimavera poder gostarNo estio me derreterPra na chuva dançar e andar juntoO destino que se cumpriuDe sentir seu calor e ser tudo.

Sim, todo o amor é sagrado,Todo o amor é sagrado,Sim.

Beto Guedes (1951-) e Ronaldo Bastos (1948-), Amor de Índio, 1978.

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Deus, no seu Cristo, mudou de condição. Viveu a condição humana, para que todos os homens entrem na Sua própria condição de Deus. Cris-to, que é de condição divina, quis que O tomassem por ninguém. Cristo, que é de condição divina, não guardou o seu lugar. Por quê? Pura e sim-plesmente porque nos ama. E como é possível amar sem se ser ambicioso para aqueles que se ama?

A amizade não pode acomodar-se às distâncias, quando elas existem. A amizade tende, logicamente, a reduzir as distâncias. Por quê? Porque mente aquele que ama sem procurar viver com aqueles que pretende amar.

E assim, porque Deus nos ama, não por palavras, mas em ato e em ver-dade, vem viver em comunidade com os homens. Vence a distância que O separa de nós. Torna-se homem. Torna-se homem para que nos tornemos deuses. Compromete-se conosco. Por quê? Porque amar é comprometer-se.

Não sei como acontece convosco. Mas, comigo, creio ter encontrado um amigo a partir do momento em que ele se comprometeu comigo; e, na ver-dade, não sou amigo de outrem senão quando me comprometo com ele. Deus tornou-se dependente dos homens, porque não é possível amar sem livremente depender de quem se ama.

E eis que devemos adorar, meus irmãos, essa maravilha: Deus tornou--se vulnerável porque o amor implica sempre uma certa mágoa. É norma-líssimo os homens procurarem Deus. Não há aqui motivo algum de es-panto. Mas só conhecemos o intempestivo, o extraordinário, a Boa-Nova, quando descobrimos que Deus procurou os homens.

Como, pouco mais ou menos, o disse Péguy, não é o mundo pagão que depende do mundo cristão, mas é o cristão que depende do pagão; e acres-centou: não são os homens que dependem de Deus, mas Deus que depende dos homens. Porque não é o ser amado que depende do ser amante, mas o ser amante é que depende do ser amado.

Jean Cardonnel, o.p. (1921-2009). O evangelho e o mundo novo. Porto: Livraria Figueirinhas, 1966. p. 46-47.

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Sagrada FamíliaGn 15, 1-6; 21, 1-3 Hb 11,8.11-12.17-19 Lc 2, 22-40

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ESCUTAR

Sara concebeu e deu a Abraão um filho na velhice, no tempo em que Deus lhe havia predito (Gn 15, 2).

Foi pela fé que Abraão obedeceu a ordem de partir para uma terra que de-via receber como herança, e partiu, sem saber para onde ia (Hb 11, 8).

O menino crescia e tornava-se forte, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava com ele (Lc 2, 40).

MEDITAR

Deus diz: “Eu sou a bondade soberana de todas as coisas. Eu sou o que faz você amar. Eu sou o que faz você durar e desejar. Eu sou isto – o cumpri-mento sem fim de todos os desejos” (Julian de Norwich).

Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas es-tradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agar-rar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada em ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos (Francisco, Bispo de Roma).

ORAR

Neste domingo, a liturgia nos faz contemplar Abraão e Maria e a sua respos-ta de fé alicerçada numa esperança absoluta. Abraão tinha noventa e nove anos e o Senhor lhe promete um filho com Sara que, ao ouvir a promessa do

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Senhor, diz: “Eu já estou seca, será que irei sentir prazer, com um marido tão velho?” (Gn 18, 12). O Senhor anuncia a Maria, a favorecida, um filho ainda que ela não convivesse com o seu noivo José. Abraão responde “Eis--me aqui” e antecipa a resposta da Virgem: “Eis aqui a serva do Senhor, que sua palavra se cumpra em mim”. As descendências prometidas ultra-passam a carne, pois o Senhor desafia: “Olha para o céu e conta as estrelas, se fores capaz! Assim será tua descendência”. E Deus não trapaceia! Para Deus, não existe uma vida leiga, pois toda a vida é totalmente e eternamen-te consagrada. E esta vida consagrada ao amor conduz todos os homens e mulheres que a escolhem a uma santidade mais radical e mais essencial: a de não trapacear! Os que trapaceiam com a vida e com Deus se afastam da justiça e da verdade e neste cego afastamento testemunham que trapacear é necessariamente trair e matar. É no silêncio que esta família de Deus se expande e que o Espírito do Senhor a conduz. É nos braços acolhedores de Simeão, movido pelo Espírito, que a fragilidade do Menino se confia à humanidade e se cumpre a última profecia: “Agora, Senhor, segundo a tua promessa, deixas teu servo ir em paz, porque meus olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as na-ções e glória de Israel, teu povo”. Deus se faz dom para que possamos nos doar uns aos outros, especialmente aos que ainda não conhecem o Cristo, e só assim O encontramos. Caso contrário, ainda que sejamos batizados, não conheceremos Aquele que é puro Dom e nos esconderemos em aconchegos imaturos armados pela mediocridade das nossas instituições religiosas. No silêncio é que Maria quer ser acolhida por nós, pois é por ela que Jesus nos é dado e que o Espírito nos habita. No silêncio, José acolhe o Mistério e se coloca peregrino para que o dom de Deus não se esvaia e o Menino seja a Luz das Nações. No silêncio, Simeão soube esperar e ultrapassar os limites do seu próprio eu que poderia se opor à passagem da Luz, que tudo transforma em visibilidade e transparência. No silêncio, tudo o que somos, temos e fazemos, recebemos do Espírito que nos ensina a vigiar, como José e Maria, contemplando a face do Menino que nos foi confiado. É nesta con-templação silenciosa que Ele abrirá nossos corações para que, olhando os outros, não a nós mesmos nem a nossa igreja, saibamos “ver a salvação”.

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Aprendamos da sabedoria africana que “a palavra digna de veneração é o silêncio”, pois aquele que não sabe guardar silêncio, não sabe falar. Os Padres da Igreja chamam os que não sabem guardar e zelar pelo silêncio de “Stabulum sine janua” – estábulos sem porta. A Sagrada Família nos en-sina o recíproco zelo para que não se esmoreça o cumprimento do destino pleno de Deus. Temos que ir às últimas consequências, pois o amor é o vín-culo da perfeição e o nosso primeiro próximo é esta Vida Divina colocada em nossas mãos para que, como manjedouras de Deus, desde agora e para sempre, tornemo-nos uma autêntica maternidade divina. Esta é a razão por que Jesus nos deixou uma pequena frase perturbadora, mas irresistí-vel: “Vede minha mãe e meus irmãos. Quem cumpre a vontade de meu Pai do céu, esse é meu irmão, irmã e mãe” (Mc 3, 34-35).

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CONTEMPLAR

A Fuga para o Egito, s.d., Arcabas (Jean-Marie Pirot) (1926-), óleo sobre tela, 81 cm x 100 cm, França.

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Maria está pálida e olha para o menino com um encantamento ansioso que não apareceu senão uma vez sobre uma figu-ra humana. Porque Cristo é o seu menino: a carne de sua carne, o fruto das suas en-tranhas. Cresceu nela durante nove meses e Maria dar-lhe-á o seu seio e o seu leite se tornará o sangue de Deus. Por longos momentos, invadida pelo mais forte dos amores humanos, ela esquece que ele é Deus. E aperta-o nos seus braços dizendo “Meu pequenino”. Mas noutros momen-tos ela suspende esse movimento e pensa, abismada: Deus está aqui! E fica possuí-da por um certo temor religioso, por este Deus calado, por esta Criança incrível. É certo que todas as mães passam por estas provas e sentem-se, às vezes, paralisadas diante desse fragmento rebelde da sua car-ne que é o seu filho, tendo a sensação de estarem no exílio diante dessa vida nova que se fez a partir da sua. Sentem-se, en-tão, todas elas habitadas por pensamentos estranhos. Mas nenhuma criança, porém, foi tão cruelmente e tão rapidamente ar-rancada de sua mãe: aquela criança é Deus e ultrapassará sempre tudo o que Maria possa sequer imaginar. E esta é uma dura prova para uma mãe, a de ter vergonha de si e de sua condição humana. Contudo, eu imagino que existem outros momentos,

igualmente, rápidos e escorregadios, em que Maria sente que Jesus é seu filho, in-teiramente seu, e que ele é Deus. Ela con-templa e medita: “Este Deus é meu filho. Esta carne divina é minha carne. Ele é feito de mim, tem meus olhos, e essa forma da sua boca é a forma da minha. Ele se asse-melha a mim. É Deus, mas semelhante a mim”. Nenhuma mulher teve, assim, seu Deus só para si. Um Deus muito pequeni-no, que se pode tomar nos braços e cobrir de beijos, um Deus bem quentinho, que sorri e respira. Um Deus que se pode tocar e está vivo. É por isso mesmo, por ter sido ela a única a quem Deus se entregou tão completamente, deixando-a vê-Lo assim tão absolutamente tal qual Ele é, que nós dizemos que ela é cheia de graça e bendita entre as mulheres. E, se eu fosse pintor, seria nestes momentos que pintaria Maria e ten-taria colocar em seu rosto, um ar de terna ousadia e timidez, representado pela mão estendida, desejando tocar a pele macia do Menino-Deus, sentindo sobre os joelhos o doce peso da criança que lhe sorri.

Jean-Paul Sartre (1905-1980). Bariona ou o Filho do Trovão, 1940 (grifos no original), tradução de Júlio Martin da Fonseca. In: Bariona ou le Fils du Tonnerre. Paris: Éditions Marescot, 1967. Ver também L'avant-scène théâtre, n. 402-403, maio 1968.

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Nós nunca saberemos quanto bem pode fazer um simples sorriso. Falamos que nosso Deus é bom, clemente e compre-ensível: será que somos disto a prova viva? Será que os que sofrem podem sentir que em nós palpita esta bondade, este perdão, esta compreensão?

Nunca permitas que alguém venha a ti sem que se retire melhor e mais feliz. Toda a gente deveria enxergar a bondade em teu rosto, em teus olhos, em teu sorriso.

Dentro das favelas, nós somos a luz da bondade de Deus.A cortesia é o início da santificação. Se aprenderdes a arte

de ser cortês, tornar-vos-ei cada vez mais semelhantes a Cris-to, pois o Seu coração era manso, e Ele sempre pensava nos outros. A nossa vocação, para ser bela, deve ser cheia de aten-ções para com os demais. Jesus fez o bem por toda a parte. Nossa Senhora, em Caná, nada mais fez do que pensar nas necessidades alheias, e informar Jesus a respeito delas. [...]

O que para nós importa, é o indivíduo. Para amar uma pes-soa, é preciso chegar bem perto dela. Se esperarmos que haja número, ficaremos perdidos na quantidade, e jamais pode-remos demonstrar respeito nem amor para com essa pessoa. Para mim, qualquer pessoa é única no mundo... Eu nunca trato das multidões, mas só de uma pessoa. Se eu consideras-se as multidões, jamais começaria. O amor sempre é fruto da maturidade.

Nesta época de desenvolvimento, toda a gente tem pres-sa e se atropela; e, pelo caminho, há pessoas que caem, que não têm força para correr. A essas nós queremos acudir. Há faminto, não só de pão, mas também de existir para alguém; nudez, não só por falta de roupa, mas também por falta de compaixão, pois muito pouca gente a concede a desconheci-dos; desabrigo, não só dum abrigo feito de pedras, mas dum coração amigo, de quem a pessoa possa afirmar que tem al-guém por si. [...]

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Caríssimas irmãs, não imagineis que o amor, para ser ver-dadeiro, deva ser extraordinário. O que nós precisamos, é ter continuidade no amor. Como é que uma lâmpada arde? Pelo afluxo constante de gotinhas de óleo. Não havendo mais gotas de óleo, não haverá mais luz e o Esposo dirá: “Não te conhe-ço”.

Filhas minhas, que são essas gotas de óleo em nossas lâm-padas? São as coisas miúdas da vida cotidiana: a fidelidade, a pontualidade, as insignificantes expressões de bondade, um simples pensamento voltado para os outros, nosso modo de guardar silêncio, de olhar, de falar e agir. Eis as verdadeiras gotas de amor que fazem arder nossa vida religiosa com tão viva chama.

Não procureis Jesus muito longe; lá Ele não está. Está den-tro de vós. Alimentai a lâmpada e o vereis.

Madre Teresa de Calcutá (1910-1997). Trago-vos o Amor. Escritos espirituais. São Paulo: Loyola, 1978. p. 35-37, 67-68.

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Jesus realizou uma verdadeira revolução nos introduzindo na intimida-de de um Deus que é interior a nós mesmos. É evidente que, se Deus está em nós, ele passeia pelas ruas de Lausanne, como pelas ruas de Jerusalém ou de Nazaré, na medida em que nós façamos o mesmo.

Um Deus interior, aquele da experiência agostiniana, um Deus interior é um Deus que não desce de um céu imaginário: o céu, ele mesmo está den-tro de nós, e se Deus é interior, se ele é mais íntimo a nós do que nós mes-mos, nós não podemos encontrá-lo a não ser num universo interpessoal.

E eis, justamente, o que importa essencialmente: Jesus nos ensinou ou, ao menos, quis nos ensinar a situar Deus num universo interpessoal, isto é, um universo onde tanto se o conhece como se o ama. Este universo, é o universo de nossa humanidade, é o universo de nossas ternuras e de nos-sos amores, o único universo respirável, o único no qual nós podemos nos situar, se nós não quisermos renunciar à nossa dignidade.

O que nós procuramos uns nos outros? O que nós aspiramos a encon-trar por detrás do rosto dos outros senão, justamente, este espaço de luz e de amor onde nós podemos nos sentir inteiramente livres, em comunhão com a intimidade d’outrem, sem violar sua clausura e sem que ele viole a nossa? Há aí um tipo de troca onde o que conta unicamente é a luz da presença, esta luz da presença que se alcança fazendo-se a si mesmo presente ao outro.

“Não procures Deus sobre as montanhas, não procures Deus sobre Ga-rizim ou sobre a colina de Sion, procura Deus em ti como uma fonte que jorra em vida eterna”. Se Deus se situa neste universo interpessoal, ele sur-ge tão imediatamente que não pode se manifestar a não ser sob a forma da encarnação. Isto quer dizer mais exatamente: uma vez que ele é interior, uma vez que ele é pura intimidade, uma vez que ele está no mais dentro de nós, uma vez que ele não está fora, uma vez que ele é essencialmente, eminentemente pessoal, ele não pode, pois, se manifestar a nós a não ser na medida em que nós o acolhemos e o deixamos transparecer em nós.

Maurice Zundel (1897-1975). Au miroir de l’évangile. Québec: Anne Sigier, 2007. p. 27-28.

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Jesus circulou tocando as pessoas. Ele tocou os corpos dos doentes. Ele tocou os leprosos. Ele tocou até os mortos, o que o teria tornado ritualmente impuro. Ele fi-cava perfeitamente à vontade de ser toca-do também. Lembrem-se daquela mulher que tinha sido provavelmente uma prosti-tuta. Ele a deixa lavar seus pés e secá-los com seus cabelos. Eu acho a ideia de ter alguém lavando meus pés com seus ca-belos um tanto estranha e pouco atrativa. Mas Jesus estava à vontade com seu corpo e com os corpos das outras pessoas. Por que o tato era tão importante?

São Tomás de Aquino, nosso grande professor, disse que ele era o mais huma-no dos sentidos. As águias veem melhor do que nós. Comparado aos cães, mal te-mos narizes dignos de se falar. Os morce-gos ouvem coisas que não podemos ouvir. Assim, quando vocês realmente amam as pessoas, o primeiro desejo de vocês é o de tocar nelas.

Por que isto é tão evidente no amor? Porque quando vocês amam, então o tato é sempre mútuo. Quando vocês tocam al-guém que vocês amam, então eles tocam em vocês. Vocês podem ver ou ouvir sem serem vistos ou ouvidos. Vocês podem cheirar sem ser cheirados, ao menos por seres humanos. Mas vocês não podem to-car sem serem tocados. Assim, a Encarna-

ção é quando Deus nos toca e nós somos tocados por Deus. Isto é a consumação do nosso amor mútuo.

Isso explica porque o toque abusivo ou não amoroso é tão terrível, uma vez que destrói a essência do tato, que é a mutu-alidade. Gandhi recusou deixar que os da casta mais baixa no hinduísmo fossem chamados de “intocáveis”. É claro, isso significava que os outros não se deixavam ser tocados por eles. A compaixão nos dá um coração de carne. Isto significa que nós desejamos alcançar e tocar as pessoas que os outros rejeitam.

No ano passado, o Dalai Lama veio vi-sitar a minha comunidade, dos Blackfriars, para participar de uma discussão sobre a contemplação em nossas diferentes tradi-ções. Paul Murray, o Dominicano irlandês, deu uma maravilhosa palestra e havia um Carmelita. E o Dalai Lama correspondeu. Nós não resolvemos nossas diferenças, mas nós escutávamos uns aos outros com os ou-vidos abertos. Mas o que saltou aos nossos olhos não foi o que o Dalai Lama disse, mas o que ele fez. Uma amiga da comunidade estava lá numa cadeira de rodas. Ela havia ficado paralítica devido a uma terrível ba-tida. E quando o Dalai Lama entrou ele fez uma pausa perto da sua cadeira de rodas e encostou sua face na dela em silêncio. Ele permaneceu mais tempo com ela do que

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com qualquer um. Aquilo foi a personifica-ção da compaixão.

Quando eu fiquei envolvido um pouco no trabalho com pessoas com Aids, no iní-cio dos anos oitenta, eu descobri a impor-tância do tato. Minha comunidade organi-zou uma conferência sobre Igreja e Aids e nós ficamos surpreendidos pela resposta. Doutores, enfermeiras, capelães, pessoas com aids e seus amigos, todos quiseram vir. Eram os dias iniciais. A maior parte da gente nunca havia encontrado alguém com aids. Nós estávamos um pouco nervosos em como lidaríamos com isso. Mas ao final da missa, um jovem homem chamado Be-nedito que tinha aids veio para mim para o beijo da paz. E quando o abracei, pensei, “este é o corpo do Cristo, precisando de um abraço hoje”. Em Cristo, Deus veio e nos to-cou. Deus está em contato conosco mesmo neste dia. Precisamos partilhar este tato.

Porque nossa sociedade é tão preocu-pada com o risco e por causa dos temores do abuso sexual, nós ficamos nervosos com o toque. As preocupações são certa-mente justificadas. Têm havido muitos toques abusivos e destrutivos que têm machucado profundamente as pessoas. Mas nós devemos nos reerguer recupe-rando este modo mais humano e cristão de sermos o Corpo do Cristo. Nós nos pri-

varemos profundamente uns dos outros, parecendo nos desfazer da Encarnação, se mantivermos o tempo todo a nossa dis-tância, enquanto Deus se faz próximo. E, então, isto é um desafio para nós cristãos? Como podemos personificar o abraço de Cristo aos outros?

Assim, a minha esperança é a de que vocês personificarão o Cristo hoje. Vocês são chamados a ser a face do Cristo, os seus ouvidos, a sua boca, o seu tato. Isto requer coragem. Há a coragem de vocês se deixarem ser vistos pelos outros, deixar que sorriam a vocês como vocês a eles. Há a coragem de escutar, especialmente as pessoas de quem vocês divergem, confian-tes de que se vocês abrem os seus corações e mentes a elas, então o Senhor dará a vo-cês uma palavra para lhes falar. Há a co-ragem de falar a Palavra de Deus. Acima de tudo, isto requer resistência ao cinismo corrosivo de nossa sociedade, que é des-confiada de tudo, especialmente da Igreja. E então há a coragem de se estender para tocar os outros com a compaixão do Cristo e sermos tocados por eles.

Bon courage!

Timothy Radcliffe, o.p. (1945-). “O Tato”, trecho final da palestra realizada para os jovens da comunidade de Taizé, França, como preparação para a Jornada Mundial da Juventude: Madri, 2011.

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Terá sido minha solidão ou Sua fra-grância que me levaram até Ele? Foi uma fome em meus olhos que desejavam a be-leza, ou foi a Sua beleza que procurou a luz de meus olhos?

Ainda hoje não sei.

Caminhei para Ele com minhas roupas perfumadas e com minha sandália doura-da, a mesma sandália que o capitão roma-no me dera, e quando O alcancei, eu disse: “Bom dia para Ti”. “Bom dia, Miriam”, disse Ele.

E Seus olhos de noite me viram como nenhum homem jamais me vira; e de re-pente me senti como se estivesse nua, e senti vergonha.

Todavia, Ele só me dissera “Bom dia”.

E então eu Lhe disse: “Não queres en-trar em minha casa?”, e Ele disse: “Não estou já em tua casa?”.

Eu não sabia então o significado da-quelas palavras, mas agora eu sei.

Eu disse: “Não queres dividir o vinho e o pão comigo?”.

E Ele: “Sim Miriam, mas não agora”.

Não agora, não agora, Ele disse. E a voz do mar estava nestas duas palavras, e a voz do vento e das árvores. E quando Ele as disse, a vida falou à morte.

Pois creia, meu amigo, eu estava morta. Eu era uma mulher que se tinha divorcia-do de sua alma. Vivia eu separada deste “eu” que agora vês. Eu pertencia a todos os homens, e a nenhum. Eles me chama-vam de prostituta, uma mulher possuída por sete demônios. Eu era amaldiçoada, e era invejada.

Mas quando Seus olhos de aurora fi-taram os meus olhos, todas as estrelas da minha noite desvaneceram, e eu me tornei Miriam, só Miriam, uma mulher perdida para a terra que conhecera, que encontra-va a si mesma em outros lugares.

E novamente eu Lhe disse: “Venha até minha casa, dividir o vinho e o pão comigo”.

Ele disse: “Por que me convidas para ser teu hóspede?”, e eu disse: “Eu te con-vido para que entres em minha casa”. E tudo em mim que era terra, e tudo em mim que era céu clamava por Ele.

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Então Ele olhou para mim, o meio-dia de Seus olhos estava sobre mim, e disse: “Tens muitos amantes, e todavia só Eu te amo. Os outros homens amam a si mes-mos em tua intimidade. Eu amo-te por ti mesma. Outros homens veem em ti a be-leza que desvanecerá mais cedo que seus próprios anos. Mas Eu vejo em ti a beleza que não desvanecerá, e que no outono de teus dias não receará olhar-se no espelho, e não será ofendida.

“Só Eu amo o que é invisível em ti”.

Então Ele disse em voz baixa: “Vá agora. Se este cipreste é teu, e não quiseres que me sente à sua sombra, Eu irei embora”.

E eu gritei para Ele, e disse: “Mestre, vem à minha casa. Tenho incenso para queimar para ti, e uma bacia de prata para teus pés. Tu és um estranho e, todavia, não és um estranho. Rogo-Te, vem à mi-nha casa”.

Então Ele se levantou e olhou para mim como as estações devem olhar para os campos, sorriu, e novamente disse: “Todos os homens te amam por eles mes-mos. Eu te amo por ti mesma”.

Em seguida, saiu caminhando.

Mas nenhum outro homem jamais ca-minhou como Ele caminhava. Seria uma brisa surgida no meu jardim, soprando para o leste? Ou seria uma tempestade que veio a sacudir tudo, até as fundações?

Eu não sabia, mas nesse dia em que o ocaso de Seus olhos matou o dragão que havia em mim, eu me tornei uma mulher, me tornei Miriam, Miriam de Mijdel.

Khalil Gibran (1883-1931). Jesus, o Filho do Homem. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 20-21.

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O infinito íntimoEis o que aspiramos conhecer:O infinito íntimoRevelado pelo espírito de DeusAo próprio DeusQue se comunica ao homemEncarnando-se nele.O infinito íntimoQue inventou o primeiro germeDesdobrado em planos múltiplos.Assim compreendemos nascimento e sucessão de mundosAté o desenlace final do tempo:Pois é preciso consumir o tempoSituando-se o homem no infinito íntimoQue o tempo não atinge na sua essência,O infinito na sua célula mais íntima,Na sua virtualidade, no seu núcleo de amor,Na sua ínfima oferenda, na sua minúscula doaçãoQue a rosa fechada e o pássaro percebemQue o relógio recusa.O infinito íntimoDe onde nada se retiraE a que nada se pode acrescentar,O infinito íntimoCalculado humanamenteEm número, peso e medida,O infinito ao seu mínimo reduzido,O infinito que a cruz indica,Ante o qual a mesma história é serva:Só no tempo exterior dependemos da história,Intimamente não.Em nós princípio e fim se avizinham

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Para manifestação do infinito íntimo,O infinito pelo qual o homem se conheceEm curvas e espirais,O infinito íntimoQue independe da natureza, tempo e espaço,Que registra o passado, o presente, o futuroE que os transcende.O infinito íntimo,O núcleo simplicíssimo de DeusQue em nós anônimo resideE pelo qual amamos e nos restauramos,Que inspira a paternidade de Deus,Sua encarnação e processão.

Murilo Mendes (1901-1975). “Primeira Meditação”, Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 771-772.

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Epifania do SenhorIs 60, 1-6 Ef 3, 2-3a.5-6 Mt 2, 1-12

ESCUTAR

Levanta-te, acende as luzes, Jerusalém, porque chegou a tua luz, apareceu sobre ti a glória do Senhor (Is 60, 1).

Os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associa-dos à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho (Ef 3, 6).

Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, seguin-do outro caminho (Mt 2, 12).

MEDITAR

É por meio da prática daquilo que é bom nas suas próprias tradições religiosas, e se-guindo os ditames da sua consciência, que os membros das outras religiões respondem afirmativamente ao convite de Deus e recebem a salvação em Jesus Cristo, mesmo se não o reconhecem como o seu Salvador (cf AG 3, 9, 11) (Diálogo e Anúncio, Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso).

O que se espera do missionário [...] não é que pregue sobre a Igreja e a torne atraente por uma exaltação humana de seu poder, de seu prestígio, de sua prudência, de sua ci-ência, de todas as suas riquezas, enfim. A Igreja deve desaparecer diante de Jesus para quem aponta, como João Batista (Bernardo Catão).

ORAR

Os textos deste domingo revelam que o poder de Deus é o da inclusão sem discriminação: “Os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associa-dos à mesma promessa em Jesus Cristo por meio do evangelho”. Os magos, desconhecidos

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e pagãos, representam todos os não-judeus que pela graça de Deus têm o mesmo direito à herança de Israel. Herodes exerce um poder de exclusão. Os magos procuram o rei dos judeus e suscitam, por esta busca, um conflito mortal e impiedoso com o rei Herodes, que se apresentava como o rei do povo consagrado a Deus e o rei herdeiro de Davi. Herodes é um usurpador, assassino e mentiroso, e o seu poder real é mantido pelo massacre e pelo derramamento de sangue dos seus opositores. O reino de Herodes representa todos os reinos deste mundo mantidos pelos assassinatos, pela barbárie e pela dissimulação: “Ide e procurai obter informações exatas sobre o menino. E, quando o encontrardes, avisai--me, para que também eu vá adorá-lo”. O reino do Cristo não significa que o Menino, um dia, sucederá a Herodes, como ele temia, e nós, muitas vezes desejamos. Jesus, o Cristo, não vem limitar para nós a compreensão de Deus, mas alargá-la ao infinito. O combate que O conduz à morte na Cruz é um maravilhoso combate pela liberdade humana: “O sá-bado foi feito para o homem, não o homem para o sábado” (Mc 2, 27). O sinal de uma igreja autêntica é o testemunho de que a única maneira de ser cristão, no Espírito de Jesus, é não ter fronteiras. O encontro com a manifestação de Deus nas outras religiões é um convite para iluminar a nossa ignorância, corrigir os nossos defeitos e descobrir as novas rique-zas da Epifania de Deus que a estreiteza das burocracias religiosas não permite vislum-brar. É hora da acolhida e da expansão e precisamos romper, definitivamente, as certezas defendidas por cada tradição religiosa de que a sua religião está no centro do mundo e que as outras gravitam em sua periferia. Jesus revela que, nos espíritos medíocres, e por isto mesmo autoritários, a pretensa universalidade só se efetiva com a exclusão dos diferentes de nós. O diálogo supõe um mistério de unidade: uma única família humana, um desígnio divino de salvação e a presença ativa do Espírito Santo na vida religiosa da humanidade. Jesus, o Cristo, testemunha que o Pai que se revela a nós, pelo Espírito, não é e não será jamais alvo de nossa tentativa de posse e, muito menos, um meio de salvação exclusivo, pois o seu amor e salvação são destinados a todos. Não podemos nos tornar os Herodes de nossos irmãos e nos apresentarmos diante de Deus com as nossas mãos sujas do sangue de inocentes. Neste domingo, conduzidos pelo Espírito de Jesus, sejamos como os magos que viram a estrela; uma estrela que brilhou nos seus corações e que os conduziu ao en-contro inefável com o Coração Divino que os esperava. Um coração que sempre nos fará trilhar caminhos de liberdade e de amor e nos afastará dos caminhos enganosos dos po-derosos que se mantêm pelo medo, pelo terror e pela barbárie: “Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, seguindo outro caminho”.

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CONTEMPLAR

A noite estrelada, 1889, Vincent van Gogh (1853-1890), óleo sobre tela, 73 cm x 92 cm, Museu de Arte Moderna, Nova York, Estados Unidos.

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Amor é privilégio de madurosEstendidos na mais estreita cama,Que se torna a mais larga e mais relvosa,Roçando, em cada poro, o céu do corpo.É isto, amor: o ganho não previsto,O prêmio subterrâneo e coruscante,Leitura de relâmpago cifrado,Que, decifrado, nada mais existeValendo a pena e o preço do terrestre,Salvo o minuto de ouro no relógioMinúsculo, vibrando no crepúsculo.Amor é o que se aprende no limite,Depois de se arquivar toda a ciênciaHerdada, ouvida. Amor começa tarde.

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). “Amor e Seu Tempo”. In: As impurezas do branco. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 43.

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As coisas estão relacionadas umas com as outras e umas estão compre-endidas em outras e estas outras em outras, de modo que todo o universo é uma só e vasta coisa.

A natureza toda se toca e se entrelaça entre si. Toda a natureza se abra-ça. O vento que me acaricia e o sol que me beija e o ar que respiro e a pele que nada na água e a estrela longínqua, e eu que a vejo: todos estamos em contato. O que chamamos de vazios interestelares estão formados da matéria que forma os astros, mesmo que tênue e rara, e os astros não são senão uma concentração maior desta matéria interestelar, e todo o univer-so é como uma imensa estrela e todos participamos neste universo de um mesmo ritmo: o ritmo da gravidade universal, que é a força de coesão da matéria caótica, e a que une as moléculas e faz com que as partículas de matéria se reúnam num ponto determinado do universo, e que as estrelas sejam estrelas, e este é o ritmo do amor. [...]

Quando os monges cantam em coro estão cantando em nome da criação inteira, porque também tudo na natureza, desde o elétron até o homem, é um só salmo. E nós não podemos descansar até encontrar a Deus. Só en-tão se aquietará em nosso coração a grande angústia cósmica, se aquietará este imenso amor que oprime o pequeno coração do homem com toda a força da gravidade universal: até que nós encontremos este Tu ao qual ten-dem todas as criaturas.

E todas as coisas nos falam de Deus, porque todas as coisas suspiram por Deus: o céu estrelado e mesmo as cigarras, as imensas galáxias e o es-quilo listrado que brinca todo o dia com tudo que o rodeia e se esconde de tudo (e tudo que faz é um movimento inconsciente até Deus).

Até Ele se movem todos os astros e a expansão do universo se faz até Ele, até Ele de onde têm saído todos os astros e de onde saiu o primeiro sopro original, e só Nele descansará o universo.

Ernesto Cardenal (1925-). Vida en el amor. Madri: Editorial Trotta, 2010. p. 21-22.

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Nada é grave senão perder o amor. Descobrir uma intimidade com Deus... Contem-plá-lo também no rosto do homem... Devolver fisionomia humana ao homem desfigu-rado... Eis uma única e mesma luta: a do amor. Sem o amor, para que a fé? Para que chegar a queimar nossos corpos nas chamas? Nas nossas lutas... nada é grave a não ser perder o amor.

****Minha fé é que o Cristo ressuscita hoje em todo homem que sofre, em toda situação

de opressão e que é vivendo o amor com que o Cristo amou que podemos transformar nosso mundo. Dar minha vida, deixá-la ser tomada, isto tem sido e é, dia após dia, por meio das tentativas da oração e da ação, reconhecer que o Cristo é o centro de minha vida e eu não posso mais viver fora de seu amor.

Isso não me levou a pregar nas praças públicas nem a qualquer ato extraordinário, mas o meu modo de ver, de situar-me e de reagir em relação às coisas, aos homens e aos acontecimentos, transformou-se. Amar é não desesperar de uma pessoa ou de uma si-tuação, é contemplar com um olhar que não condena nem rejeita ninguém. Para mim, a contemplação é isto. Viver minha vida cotidiana com esta atitude interior de confiança, de esperança, voltada para o amor do Cristo; é olhar minha vida, o mundo, com amor, eu diria quase com ternura, sobretudo nos conflitos. Esta atitude é o contrário de uma observação neutra, desengajada. Ela me leva sempre a saber mais quem sou, o que pen-so, o que quero, para ser capaz de amar o outro como ele é; é um olhar contemplativo para viver com um coração reconciliado nessa luta para o amor.

****Um traço, entre outros, me parece caracterizar a nova face da Igreja: a pobreza, e, em

particular, a renúncia a uma autoridade exercida como um poder, pois “não deve ser assim entre vós!”.

Roger Schutz (1915-2005). “Pedro, tu me amas?”. In: Carta de Taizé, outubro de 1973, apud Leituras do Povo de Deus, 5. Salvador: Editora Beneditina Ltda., 1975. p. 26-27.

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Se se pressupõe o homem como homem e sua relação com o mundo como uma relação humana, só se pode trocar amor por amor, confiança por confiança, etc. Se se quiser gozar da arte deve-se ser um homem artisticamente educado; se se quiser exercer influência sobre outro homem, deve-se ser um homem que atue sobre os outros de modo realmente es-timulante e incitante. Cada uma das relações com o homem – e com a natureza – deve ser uma exteriorização determina-da da vida individual efetiva que se corresponda com o objeto da vontade. Se amas sem despertar amor, isto é, se teu amor, enquanto amor, não produz amor recíproco, se mediante tua exteriorização de vida como homem amante não te convertes em homem amado, teu amor é impotente, uma desgraça.

Karl Marx (1818-1883). Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 32 (grifos no original).

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Meu Deus, quando eu me aproximar do altar para comungar, fazei com que eu discirna de hoje em diante as infinitas perspectivas escondidas sob a pequenez e a proximidade da hóstia em que vós vos ocultais. Já me habi-tuei a reconhecer, sob a inércia deste pedaço de pão, uma potência devora-dora que, segundo a expressão de vossos grandes doutores, assimila-me, antes de deixar-se assimilar por mim. Ajudai-me a ultrapassar o resto de ilusão que tenderia a fazer-me crer que vosso contato é circunscrito e mo-mentâneo.

Começo a compreender: sob as espécies sacramentais, é primeiramen-te através dos “acidentes” da matéria, mas é também, em contrapartida, graças ao universo inteiro que vós me tocais, à medida que este reflui e influi em mim sob vossa influência primeira. Em um sentido verdadeiro, os braços e o coração que vós me abris são mais do que todas as potências reunidas do mundo que, penetradas até ao fundo de si mesmas por vossa vontade, por vossos gostos, por vosso temperamento, dobram-se sobre o meu ser para formá-lo, para alimentá-lo e para arrebatá-lo até aos ardores centrais de vosso fogo. Na hóstia é a minha vida que vós me ofereceis, ó Jesus.

O que poderia eu fazer para receber este amplexo envolvente? O que poderia eu fazer para responder a este beijo universal? “Quommodo compreendam ut comprehensus sum?” (“Como compreenderei assim como fui compreendido?”).

Pierre Theilhard de Chardin (1881-1955). O meio divino. Petrópolis-RJ: Vozes, 2010. p. 99.

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Penso que, fundamentalmente, o religioso e o espiritual não se confun-dem. Eles certamente podem, num indivíduo, num grupo, se conciliar por um tempo. Mas o religioso, como sabemos, pode associar-se a tudo, ao feti-chismo, ao ritual, à credulidade, e por vezes misturar-se a eles, ao fanatis-mo também, e pode, então, sufocar o espiritual. [...]

Aquilo que pertence ao domínio do espiritual é sempre livre, sutil, im-perceptível. Isso é consciente? Não creio. O que temos em nós de espiritual nunca pode ser dito, tampouco sabido. Pode coexistir com comportamen-tos fracos, delinquentes ou marginais, ou estar adaptado a um conformis-mo ambiente. [...] O que é espiritual não é testável – nenhum calibre, ne-nhum medidor, nenhuma tabela pode confirmar sua presença.

Conheci seres espirituais. A experiência que se pode ter com eles é ínti-ma. As palavras para relatá-la podem nada evocar de espiritual para quem as ouve. Tudo depende da experiência íntima de quem fala e de quem escuta.

O homem espiritual, por sua presença, por suas proposições, por suas atenções, difunde uma alegria serena nos que dele se aproximam. O espi-ritual em uma pessoa é notado por uma qualidade de alegria; é fácil que os outros não o percebam, que afastem essa aparente fragilidade ou não lhe deem importância. O homem espiritual pode suscitar incompreensão, ou até mesmo hostilidade – ele está engajado em sua própria estrada.

Um ser espiritual irradia o amor em que vive e não busca doutrinar, convencer. Não é nada mais que um outro. Faz o que tem de fazer. É ele mesmo quase sem se dar conta. Sentimos seus efeitos, mas não podemos captar nada, nem por suas palavras nem por seu aspecto físico. Pode-se falar dele, de seu comportamento, mas o que emana de sua pessoa é inex-plicável, pertence ao que há de mais vivo, de mais estimulante. Ele é sur-preendente, até mesmo “chocante”, mas esse choque é revelador de uma outra coisa que não pode ser explicada – ele está com Deus.

Françoise Dolto (1908-1988). A fé à luz da psicanálise. Entrevista dada a Gérard Sévérin. Campinas-SP: Verus, 2010. p. 39-40.

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O cristianismo é tudo menos um sonho, um mito, uma his-tória para crianças na qual não existiriam senão os super-he-róis e os mágicos: ele nos faz “mergulhar” na realidade vio-lenta do nascimento de um homem e de um mundo que não é perfeito e que ainda está por se fazer. O nascimento de Jesus é em si uma palavra que convida cada ser a nascer a si mesmo na pobreza do desejo, despojando-se de toda sua onipotência arcaica, saindo de sua identidade primeira, seu “eu infantil”, saindo de tal maneira para encontrar um outro que ele trata de fazer e inventar (o verbo “inventar” vem do latim invenire, que quer dizer “achar”): trata-se de uma prova na qual o preço é a liberdade. A palavra de Jesus... é uma palavra que corta, que rompe, que separa, uma palavra que dessa maneira dá a vida: “Não vim trazer-vos a paz, mas a espada” (Mt 10, 34), “uma espada que te transpassará a alma” (Lc 2, 35), “de sua boca saía uma espada afiada de dois gumes” (Ap 1, 16).

O batismo de Jesus não é aquele de João, “o Batista”, no qual o alvo não era senão o de purificar o homem de suas fal-tas... Ele é – e esta é a novidade radical do gesto, toda a dimen-são do sacramento – palavra que corta o cordão umbilical que ligava o indivíduo ao fantasma arcaico da onipotência, uma palavra que lhe dá a liberdade de viver seu destino de homem como sujeito que deseja na sua singularidade e que se inscreve na dimensão do outro; uma palavra que lhe faz então nascer a ele mesmo, conferindo-lhe um estatuto de criador (de autor e de intérprete) e de coautor com Deus. O batismo é por sua vez, como diz o ritual, morte e nascimento, mistura de violência e amor. Um ato cirúrgico que, ao nível simbólico, “salva” da morte (da repetição) o indivíduo e lhe dá a vida. Ele é origem. Mas o importante, aqui, é ver que este batismo é separação e, portanto, também ferida que permanece aberta sem cessar, uma fenda na qual se trata de certo modo habitar e de onde o ser-sujeito pode falar e desejar... é ao mesmo tempo o espa-ço onde o ser faz a experiência da ausência do outro, onde ele

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o “espera”, onde ele o chama na esperança de o encontrar, o lugar onde inventar com ele uma nova maneira de amar “em verdade”. É a promessa de existir num vir-a-ser, de se situar na realidade do outro e dar por sua vez e com o outro a vida, de criar enfim e de entrar na dinâmica de um futuro possível... O batismo de Jesus é fundamentalmente separação que faz o ser entrar no real. [...]

É Roland Barthes que narra este koan budista: “O mestre manteve a cabeça do discípulo sob a água, por muito tempo, muito tempo: pouco a pouco as bolhas rarearam; no último momento, o mestre tirou o discípulo, o reanimou: quando tu desejares a verdade, como tu desejastes o ar, então tu saberás como ela é”. Como não pensar no batismo tal como ele foi pra-ticado pelos primeiros cristãos? O diácono mergulhava três vezes a cabeça do catecúmeno na água e a mantinha até que ele sufocasse para que ele experimentasse em seu corpo a ne-cessidade da salvação.

Daniel Duigou (1948-). Naître à soi-même. Les Évangiles à la lumière de la psychanalyse. Paris: Presses de la Renaissance, 2007. p. 38-41.

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Batismo do SenhorIs 42, 1-4.6-7 At 10, 34-38 Mc 1, 7-11

ESCUTAR

Eis o meu servo – eu o recebo; eis o meu eleito – nele se compraz minh’alma; pus meu espírito sobre ele, ele promoverá o julgamento das nações (Is 42, 1).

De fato, estou compreendendo que Deus não faz distinção entre as pessoas. Pelo con-trário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que perten-ça (At 10, 34-35).

Tu és o meu Filho amado, em ti ponho meu bem-querer (Mc 1, 11).

MEDITAR

Quando dispomos da missão de Deus, como se fosse nossa, consumimos inutilmente a graça, ignoramos o amor que existe na vontade divina e nos atiramos no abismo do nosso próprio eu. Quanto mais esta autonomia adota uma atitude piedosa, tanto mais se distancia do Espírito Santo (Hans Urs von Balthasar).

A alegria durável nasce das bodas do amor de Deus e do amor do próximo no coração de nossa pessoa, no coração de nossos vínculos e de nossos serviços. Viver as beatitu-des é reativar a Presença que nos habita, é marchar e divinizar nossa existência e a dos nossos irmãos e irmãs segundo o sonho de Deus (Yvan Portras).

ORAR

O profeta Isaías fala do eleito do Senhor que não é mais o povo de Israel. A aliança com Israel esteve selada há muito tempo, mas Israel a rompeu e agora um eleito virá para concluir esta Aliança de um modo novo e definitivo. “Eu te formei e te constituí como o centro de aliança do povo, luz das nações”. Jesus vingará esta luz prometida para o mundo na humildade e no silêncio de um homem concreto que “não clama nem levanta a voz” nem atua com violência porque “não quebra uma cana rachada nem apaga um

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pavio que ainda fumega”. Ele não esmorecerá enquanto não estabelecer a justiça da Aliança do Senhor em toda a terra. Ele trará a verdade à tona, abrindo os olhos dos cegos e livrando da prisão os que vivem nas trevas. O evangelista afirma que o batismo de todos os cristãos e cristãs é o mesmo de Jesus, o Cristo, e, portanto, é o Espírito de Jesus que nos anima, conduz e fortalece. Jesus, o Filho Amado, mergulha nesta história da salvação integrando todos os seus antigos sinais: a travessia da arca de Noé pelas águas do dilúvio, “símbolo do batismo que agora nos salva, o qual não consiste em lavar a sujeira do corpo, mas em comprometer-se diante do Senhor com uma consciência limpa” (1 Pd 3, 21); a travessia do Mar Vermelho “onde todos foram batizados na nu-vem e no mar, vinculando-se a Moisés”(1 Cor 10, 1-2) e, finalmente, o batismo por João Batista, expressão do amor trinitário, no qual o Pai, pelo Espírito, declara o seu Filho, Bem-amado. Pedro, após o batismo do centurião romano Cornélio, exorta-nos a com-preender que o Senhor não faz distinção entre as pessoas, mas aceita quem pratica a justiça qualquer que seja a nação a que pertença. Os Evangelhos revelam esta dimensão universal de Jesus: a salvação é para todos os povos e para todos os tempos. E a nós cabe vingarmos este desígnio de justiça e amor. Como batizados pelo Espírito, precisamos nos abrir à liberdade do amor e acreditarmos na declaração do Pai, que também é feita a nós: somos seus filhos e filhas, amados e amadas, e em nós repousa, terna e eternamen-te, o seu bem-querer. O cardeal Lustiger, de Paris, exortava: “Aquele que vem do Alto penetra no mais profundo do abismo. Aquele que é o amor assume o lugar do amado. Aquele que é o perdão assume o lugar do pecador. Aquele que se entrega e se dá assume o lugar daquele que é incapaz de se entregar e se dar. Aquele que é luz assume o lugar do cego. Aquele que é a Palavra, sem dizer nada, assume o lugar dos mudos que nós somos para que do céu se faça ouvir a Voz. E sobre Ele o Espírito se espalhou. Sobre ele o perdão dos pecados se realizou, pois o perdão dos pecados é a efusão do Espírito. E, para nós, a graça é conhecer esta libertação e esta alegria e, no mistério do Cristo, receber o mesmo batismo e o mesmo perdão”. Resta-nos testemunhar ao mundo que o Pai julga tudo e todos em função da prática da justiça e do amor. E é o seu Filho Amado, nosso irmão, que realiza este julgamento no Espírito de Liberdade e de Ternura. Como apregoa São Gregório de Nazianzeno: “Sede como luzes no mundo, isto é, como uma força vivificante para os outros homens. Permanecendo como luzes perfeitas diante da grande luz, sereis inundados com maior pureza e fulgor pela Trindade”.

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CONTEMPLAR

O batismo do Cristo, s.d., Daniel Bonnell, óleo sobre tela, 92” x 46”, Igreja Missionária Baptista do Monte Calvário, Carolina do Sul, Estados Unidos.

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Outras LeituraS

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Barco é pra quem podebarco é pra quem querpássaro que pousa onde vê

Onde está entregatua vibraçãonum abraço, um beijoé teu coração

Tá tudo o que importacoisa de irmãoque nunca terminaé só conhecer

Raiva, me ajudaque a morte é solidão

Conhecer, vibração, onde quertudo o que importaonde quer, vibraçãotudo o que importa

Barco é só um nomee é tudo de vocêé chamada, é vindaé o fundo, é se ver

Tá tudo o que importaonde está o irmãopássaro que pousabarco é o coração

Rubén Hada (1943-), Hugo Fattoruso (1943-) e Milton Nascimento (1942-), Tudo, 1981.

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Outras LeituraS

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Quem governa a Igreja?O Papa conta que, no final do dia em que anunciou o Concílio, sentia

dificuldade em adormecer:João, por que não dormes? És tu, Papa, quem governa a Igreja, ou é o Espírito

Santo? É o Espírito Santo, não é verdade? Então dorme, João!

O ConclaveAo ouvir, por acaso, numa rua de Roma, uma mulher, impressionada

pela rotundidade do Papa, dizer a outra: “Meu Deus, como ele é gordo!”, João XXIII volta-se e diz-lhe:

Saiba, minha senhora, que o conclave não é um concurso de beleza!

O Vigário e a SuperioraJoão XXIII visita, em Roma, o hospital do Espírito Santo, dirigido por

religiosas. A Superiora aparece muito confusa, e diz-lhe, apresentando-se:“Santíssimo Padre, sou a Superiora do Espírito Santo!”– Está bem! Tem sorte, respondeu o Papa, eu sou apenas o vigário de Cristo.

Sacudir a poeira imperialQue esperava João XXIII do Concílio?Sobre este complexo assunto explicou-se ele profusamente. Mas um dia

teve este gesto e estas palavras, tão eloquentes na sua simplicidade francis-cana:

O Concílio?, disse, aproximando-se da janela e fazendo menção de a abrir. Espero que traga um pouco de ar puro...

Há que sacudir a poeira imperial que, desde Constantino, se vem acumulan-do no trono de S. Pedro.

João XXIII (1881-1963). In: Henri Fesquet, Fioretti do Bom Papa João. Lisboa: Livraria Duas Cidades, 1964. p. 38, 57, 59, 132.

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Outras LeituraS

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Nesse processo de conhecer o que denominamos divino, o Deus que é amor aos poucos se transforma no amor que é Deus. Repetindo: nesse processo, o Deus-amor transforma--se aos poucos no amor-Deus – sem fronteiras, eterno, ultra-passando todo e qualquer limite e nos chamando para seguir esse amor em todos os recantos da criação. Caminhamos para dentro desse Deus e nos deixamos absorver por esse amor ex-pansivo, abundante e gratuito. Quanto mais nos adentramos nesse amor e partilhamos dele, mais nossa vida se abre para novas possibilidades, para a sacralidade transpessoal e para a transcendência ilimitada.

Enfim, descobrimos que nossa experiência de Deus é como o ato de nadar num eterno oceano de amor ou intera-gir com a presença despercebida do ar: inspiramos amor e expiramos amor. Essa experiência é onipresente, onisciente e onipotente. Jamais se esgota, sempre se expande. Quando procuro descrever essa realidade, as palavras me falham, en-tão simplesmente digo o nome Deus. Esse nome, entretanto, para mim não é mais o nome de um ser – nem mesmo um ser sobrenatural ou supremo. Não é o título de um taumaturgo ou mágico nem de um salvador, mas é algo tão nebuloso e tão real quanto a presença divina. É um símbolo daquilo que é imortal, invisível, atemporal.

Esse amor é algo semelhante às pegadas de Deus nas quais procuro andar, mesmo quando descubro que esse caminho me leva a lugares que temo. Porém, quando olho à frente, vejo adiante, escondendo-se nas esquinas do desconhecido, o que poderia ser chamado de as costas do divino. Então descubro que o motivo pelo qual não consigo ver Deus, mas só o lugar por onde ele passou, é o fato de que Deus está nitidamente dentro de mim, assim como diante de mim. Deus é parte de quem sou e parte de quem você é. Deus é amor, portanto amor é Deus. Eis minha segunda definição de um Deus não-teísta:

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Outras LeituraS

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Deus é a fonte primordial do amor. E a maneira de adorar esse Deus é amando abundantemente, espalhando amor frivola-mente e distribuindo amor sem parar para fazer a conta. [...]

Esse Deus não é uma entidade sobrenatural que cavalga no tempo e no espaço para socorrer os desaventurados. Esse Deus é a própria fonte da vida, a fonte do amor e a Base da Existência. O Deus teísta de ontem é na verdade um símbolo da essência, da existência de vida que compartilhamos. Deus é vida, então adora-se esse Deus amando generosamente. Deus é existir, então adora-se esse Deus tendo a coragem de ser tudo o que puder. Resumindo, é no ato de viver, de amar e de existir/ser que conseguiremos ir além dos limites de nos-sa existência e conhecer a transcendência, o transpessoal, a eternidade.

John Shelby Spong (1931-). Um novo cristianismo para um novo mundo: a fé além dos dogmas. Campinas-SP: Verus, 2006. p. 87-90.

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Outras LeituraS

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De Deus é a honra. Quem são os que honram a Deus? São os que deixaram totalmente a si mesmos e, de modo algum, nada buscam do que é seu em nenhuma coisa, seja o que for, grande ou pequeno; não veem nada abaixo nem acima de si, nem ao seu lado nem em si mesmos; que não procuram bem, honra, conforto, prazer, utilidade, nem interioridade, nem santidade, nenhuma recompensa nem mesmo reino dos céus e que se tornaram exteriores a tudo isso, a tudo que é seu. Dessas pessoas Deus recebe honra. E elas honram a Deus, no sentido próprio, dando a Deus o que é de Deus. [...]

Muitas pessoas, porém, querem ver a Deus com os mes-mos olhos com que veem uma vaca, e querem amar a Deus como amam uma vaca. Amas uma vaca por causa do leite e do queijo, e por causa do teu próprio proveito. Desse modo com-portam-se todas aquelas pessoas que amam a Deus por causa da riqueza exterior ou de consolo interior. Elas, porém, não amam propriamente Deus e sim o próprio proveito. Sim, digo em verdade: Tudo para que diriges teu empenho, não sendo o próprio Deus em si mesmo, jamais pode ser tão bom a ponto de não ser para ti nunca um empecilho para alcançares a ver-dade suprema. [...]

Só que muitas pessoas esperam ser muito mais santas e perfeitas estando às voltas com grandes coisas e grandes pa-lavras. Buscam e desejam muitas coisas, querendo também as possuir; não obstante olharem tanto para si e para isso e aqui-lo, e pensarem estar se empenhando atrás do recolhimento interior, não podem acolher uma palavra. Estejais verdadeira-mente certos de que essas pessoas estão longe de Deus e fora dessa união. [...]

Muita gente parece dar, mas na verdade nada dá. São as pessoas que entregam seu donativo a outros que possuem mais do que o bem recebido, pois possuem mais do que os doadores. São pessoas que dão talvez o que não seja nada de-

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sejado ou onde, em troca da doação recebida, se lhes deva ren-der algum serviço, se lhes deva retribuir em recompensa, ou onde os doadores querem ser honrados. A doação dessa gente pode ser chamada mais propriamente um ato de pedir do que dar, pois na verdade essa gente não doa. Em todas as doações que generosamente nos dispensou, Nosso Senhor Jesus Cris-to permaneceu vazio e pobre. Em todos os seus dons, nada buscou para si, desejando apenas o louvor e a honra do Pai e nossa bem-aventurança. Sofrendo e entregando-se à morte por amor. Um homem que quer dar a Deus por amor, deve dar bens materiais só por amor a Deus. Não deve ter em vista serventia, retribuição ou honra transitória, nem nada buscar para si, a não ser o louvor e a glória de Deus.

Mestre Eckhart (1260-1328). Sermões alemães. Petrópolis-RJ: Vozes e Bragança Paulista-SP: Editora Universitária São Francisco, v. 1, 2006. p. 69, 124, 242, 272 (grifos no original).

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O Deus meu e de todos,Que tenho feito até hoje no mundo,Senão te invocar para que surjas,Senão me desesperar porque sou pó?Dilata minha visão,Dilata poderosamente minha alma,Faze-me referir todas as coisas ao teu centro,Faze-me apreciar formas vis e desprezíveis,Faze-me amar o que não amo.Tudo o que criaste no universoÉ a divisão de uma vasta unidadeEm espaços e épocas diferentes.Liga-me a todas as coisas em tiE ilumina-nos fora do tempo, a todos nósQue esperamos tua divina Parusia.

****Eu te proclamo grande, admirável,Não porque fizeste o sol para presidir o diaE as estrelas para presidirem a noite;Não porque fizeste a terra e tudo que se contém nela,Frutos do campo, flores, cinemas e locomotivas;Não porque fizeste o mar e tudo que se contém nele,Seus animais, suas plantas, seus submarinos, suas sereias:Eu te proclamo grande e admirável eternamentePorque te fazes minúsculo na eucaristia,Tanto assim que qualquer um, mesmo frágil, te contém.

Murilo Mendes (1901-1975). “Salmos nº2 e nº3”, Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 250-252.

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Por que não pensar que Ele é o vindou-ro, aquele que está por vir desde a eter-nidade, o futuro, o fruto final da árvore de que nós somos as folhas? Que é que o impede de projetar o seu nascimento para os tempos posteriores e viver a sua vida como um dia belo e doloroso de uma gran-diosa gravidez? Não vê como tudo o que acontece é sempre um começo? Não po-deria ser, então, o começo d’Ele, pois todo começo em si é tão belo? Se Ele é o mais perfeito, não deve ter havido algo menor antes d’Ele para que Ele se pudesse es-colher a si mesmo dentro da plenitude e abundância? Não deverá ser Ele o último, para encerrar tudo em si? Que sentido te-ria a nossa vida se Aquele a que aspiramos já tivesse sido? Como as abelhas reúnem o mel, assim nós tiramos o que há de mais doce em tudo para o construirmos. Come-çamos pelo pormenor, pelo insignificante (posto que venha do amor), depois pelo trabalho e pelo repouso, por um silêncio ou por uma pequena alegria solitária; por tudo o que fazemos, sem participantes ou aderentes, iniciamos Esse que não pode-mos compreender, do mesmo modo que

os nossos antepassados não nos puderam compreender a nós mesmos. No entanto, esses seres desaparecidos há muito estão em nós, em nossos pendores, pesando sobre nosso destino, zumbindo em nosso sangue, emergindo num gesto que sobe do âmago dos tempos.

Existe algo que lhe possa tirar a espe-rança de estar futuramente n’Ele, no lon-gínquo, no extremo?

Festeje o Natal, caro sr. Kappus, com o pio sentimento de que talvez Ele, para começar, aguarde do senhor justamente essa angústia de viver. Talvez justamente esses dias de transição sejam o tempo em que tudo no senhor trabalha n’Ele, como outrora, quando criança o senhor n’Ele trabalhou palpitante. Não seja impacien-te e mal-humorado. Lembre-se de que a menor coisa que podemos fazer consiste em lhe dificultar tão pouco o nascimento quanto a terra dificulta o advento da pri-mavera, quando ela tem de vir.

Fique alegre e tranquilo.

Rainer Maria Rilke (1875-1926). Cartas a um jovem poeta. São Paulo: Globo, 2013. p. 50-51.

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Ah, mas, ah! – enquanto que me ou-viam, mais um homem, tropeiro tam-bém, vinha entrando, na soleira da porta. Aguentei aquele nos meus olhos, e recebi um estremecer, em susto desfechado. Mas era um susto de coração alto, parecia a maior alegria.

Soflagrante, conheci. O moço, tão varia-do e vistoso, era, pois sabe o senhor quem, mas quem, mesmo? Era o Menino! O Me-nino, senhor sim, aquele do porto do de--Janeiro, daquilo que lhe contei, o que atra-vessou o rio comigo, numa bamba canoa, toda a vida. E ele se chegou, eu do banco me levantei. Os olhos verdes, semelhantes grandes, o lembrável das compridas pes-tanas, a boca melhor bonita, o nariz fino, afiladinho. Arvoamento desses, a gente es-tatela e não entende; que dirá o senhor, eu contando só assim? Eu queria ir para ele, para abraço, mas minhas coragens não de-ram. Porque ele faltou com o passo, num rejeito, de acanhamento. Mas me reconhe-ceu, visual. Os olhos nossos donos de nós dois. Sei que deve de ter sido um estabe-lecimento forte, porque as outras pessoas o novo notaram – isso no estado de tudo percebi. O Menino me deu a mão: e o que mão a mão diz é o curto; às vezes pode ser o mais advinhado e conteúdo; isto também. E ele como sorriu. Digo ao senhor: até hoje para mim está sorrindo...

Para que referir tudo no narrar, por menos e menor? Aquele encontro nosso se deu sem o razoável comum, sobrefal-seado, como do que só em jornal e livro é que se lê. Mesmo o que estou contando, depois é que eu pude reunir relembrado e verdadeiramente entendido – porque, enquanto coisa assim se ata, a gente sen-te mais é que o corpo a próprio é: coração bem batendo. Do que o que: o real roda e põe adiante: – “Essas são horas da gente. As outras, de todo tempo, são as horas de todos” – me explicou o compadre meu Quelemém. Que fosse como sendo o tri-vial do viver feito uma água, dentro dela se esteja, e que tudo ajunta e amortece – só rara vez se consegue subir com a cabeça fora dela, feito um milagre: peixinho pe-diu. Por que? Diz-que-direi ao senhor o que nem tanto é sabido: sempre que se co-meça a ter amor a alguém, no ramerrão, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na ideia, querendo e ajudando; mas, quando é des-tino dado, maior que o miúdo, a gente ama inteiriço fatal, carecendo de querer, e é um só facear com as surpresas. Amor desse, cresce primeiro; brota é depois.

João Guimarães Rosa (1908-1967). Grande Sertão: veredas. 18. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. p. 129-130.

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Toca-nos a nós,de nós depende

que as palavras de Deusnão se percam

depende de nós,de nós

que não somos nada de nada,de nós

que só passamos na terra uns anos de nada,

depende de nósassegurar a estas palavrasuma segunda eternidade eterna.

****Há que salvar-se juntos.Há que chegar juntos

à casa de Deus.Não vamos nos encontrar

com Deusestando uns separadosdos outros.

Há que pensar um pouconos outros,há que trabalhar um poucopelos outros.

O que nos diria Deusse chegássemos até Eleuns sem os outros?

Charles Péguy (1873-1914). Palabras cristianas. Salamanca: Ediciones Sígueme, 1964. p. 64, 112.

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CONTEMPLAR

Midrash IX (detalhe), 2004, Yara Martins (1946-), óleo sobre tela, 80 cm x 80 cm, Curiti-ba, Brasil. Midrash é a leitura-busca amorosa do Senhor, do sentido de sua Palavra, para atualizá-la e colocá-la em prática.

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“O Senhor não fará justiça aos que cla-mam por Ele dia e noite?”. Em vigília, na oração, a Igreja influencia o ritmo cósmico do tempo:

“Pelas preces, cheios de esperança, apressais a vinda do Senhor” (2 Pd 3, 12).

Aquele que se instala na vigília, carre-ga toda a esperança da Igreja que, no Es-pírito Santo, espreita seu Senhor...

Em vigília e em oração, ele apressa o Dia do Senhor.

Viver assim em vigília, é instalar-se em algum lugar, no limite das trevas e da luz, lá onde o Senhor está sempre para chegar. A força da vigília reside na força da ora-ção que o Espírito nos ensina e que pro-nuncia em nós:

“Marana tha! Vem, Senhor Jesus!” (Ap 22, 20). É a oração da Esposa que espera seu Esposo: ela está em vigília, uma vigí-lia de amor; descobre o mundo diante de Deus, toca o coração de Deus e O inclina a descer ao mundo.

À meia-noite, de repente, o grito res-soará:

“Eis o Esposo que vem! Ide ao seu en-contro!”...

Velar com Jesus, é velar sempre em tor-no de sua Palavra, pois a Palavra de Deus é como “Uma lâmpada que brilha num lugar escuro até o momento em que o dia surge,

onde aparece no horizonte a estrela da ma-nhã”, no coração daqueles que velam.

A única luz de que dispomos em nossas trevas é a Palavra de Deus. Esperando que surja o Dia do Cristo, Jesus, pela sua Pala-vra, resplandece no mais profundo de nosso coração: sua vinda no fim dos tempos está desde agora antecipada em nosso coração quando velamos em torno da Palavra.

O Jesus que, no momento da oração, resplandece em nosso coração, traz um antegozo da Parusia: Ele sobrevém no ín-timo de nós mesmos.

Na noite dos tempos em que vivemos ainda hoje, a vigília de oração é uma pri-meira luz, ainda vacilante, que se levan-ta sobre o mundo, o sinal de que Jesus se aproxima. Mais ainda: para aquele que vela, Jesus já veio.

“Pela sua vigília, o monge se encontra em pouco tempo nos braços de Jesus”, diz Santo Isaac, o Sírio. No entanto, ele conti-nua a velar e a espreitar a vinda definitiva de Jesus.

A vigília nunca pode cessar e a oração deve sempre aumentar.

André Louf, ocso (1929-2010). “Vigília com Jesus!” In: Apprends-nous à prier, Paris, Foyer N. Dame, 1973. p. 130-132, apud Leituras do Povo de Deus, 11. Salvador: Editora Beneditina Ltda., 1975. p. 25-26.

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Por que as autoridades religiosas e os fariseus não podiam crer em Jesus? Por-que não percebiam o sentido de urgência. Quando as pessoas não meditam com simplicidade sobre as leis de Deus e sim começam a pensar nelas e, como os fari-seus, estão apegadas à aplicação concre-ta destas leis demandadas pelos homens, elas começam, sem o saber, a viver dentro da segurança de seu próprio mundo. E tudo isto em nome de Deus. A Lei de Deus está em suas mentes, mas não em sua pró-pria carne. Não têm nem mais a mínima ideia de que a Lei de Deus não é nada mais do que “urgência”!

Uma vez um ermitão perguntou ao de-mônio: “Quando tentas a um ermitão, o que fazes em primeiro lugar?”. O demô-nio lhe respondeu: “Deixo que organize a sua vida”. Vivemos na ilusão, se pensa-mos que organizando perfeitamente nos-sa vida mediante a cuidadosa observância de uma ordem do dia, hora de levantar-se, de rezar, etc., estamos servindo a Deus. Este não pode ser um critério autêntico de vida espiritual. Na paz superficial e na segurança, não há lugar para a confiança. [...]

Se eu fosse um demônio, para tentar a um grupo religioso sério, pedir-lhe-ia que criasse muitas leis e regras e que logo or-ganizassem sua vida. Os membros desse grupo poderiam pensar que a observância destas leis é o caminho para servir a Deus, mas gradualmente Deus se retiraria. Logo após isto, em nome da busca da verdade, eles propagariam essas leis mediante pa-lavras e ideias. E isso significaria apenas que estavam conscientemente dando vol-tas e voltas, e sua vida de dedicação esta-ria vazia. Quanto mais sentissem o vazio, tanto mais iriam querer organizar diver-sos encontros e atividades, tudo isso em nome de Deus. Pouco a pouco, eles mes-mos tomariam o lugar de Deus. Se ade-mais, lhes fosse permitido possuir muitos bens, o demônio e o mundo não precisa-riam persegui-los, porque já seriam seus aliados.

Shigeto Oshida (1922-2003). Takamori Soan: enseñanzas de Shigeto Oshida, um maestro Zen. Buenos Aires: Continente, 2005. p. 72-73, 74-75.

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O amor do próximo é o amor que des-ce de Deus para o homem. Ele é anterior àquele que sobe do homem para Deus.

Deus tem pressa de descer para os in-felizes. Desde que uma alma está disposta ao consentimento, ainda que ela fosse a última, a mais miserável, a mais disforme, Deus se precipita nela para poder, através dela, olhar, escutar os desgraçados. Só com o tempo, ela toma conhecimento des-ta presença. Mas ainda que ela não achas-se nome para nomeá-la, onde quer que os infelizes são amados por eles mesmos, Deus está presente.

Deus não está presente, mesmo se é invocado, onde os infelizes são simples-mente uma ocasião para se fazer o bem, mesmo se eles são amados nisso. Porque, neste caso, estão em seu papel natural, em seu papel de matéria, de coisa. Eles são amados impessoalmente. É preciso dar--lhes, em seu estado anônimo, inerte, um amor pessoal.

Por isto, expressões tais como amar o próximo em Deus, por Deus, são expres-sões enganadoras e equívocas. [...]

Assim como há momentos em que é

preciso pensar em Deus, esquecendo-se de todas as criaturas sem exceção, há mo-mentos em que, olhando a criatura, não se deve pensar explicitamente no Criador. Nestes momentos, a presença de Deus em nós tem por condição um segredo tão pro-fundo, que ela mesma deve ser um segre-do para nós. Há momentos em que pensar em Deus nos separa dele. O pudor é a con-dição da união nupcial.

No amor verdadeiro, não somos nós que amamos os infelizes em Deus, é Deus em nós que ama os infelizes. Quando esta-mos na desgraça, é Deus em nós que ama aqueles que nos querem bem. A compai-xão e a gratidão descem de Deus e, quando elas trocam entre si um olhar, Deus está presente no ponto de encontro dos olha-res. O infeliz e o outro amam a partir de Deus, através de Deus, mas não pelo amor de Deus; eles se amam por amor um do outro. Isto é algo impossível. Eis por que isso só se opera, vindo de Deus.

Simone Weil (1909-1943). “Amar em Deus”. In: Attente de Dieu. Paris, La Colombe, 1950, p. 110-111, apud Leituras do Povo de Deus, 6. Salvador: Editora Beneditina Ltda., 1975. p. 38-39.

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Amanhecia ao nosso redor, um amanhecer cinza. Cinza era o céu e cinza a neve à pálida luz da aurora; cinza os farrapos que mal cobriam os corpos dos prisioneiros e cinza seus rostos. Enquanto trabalhávamos, eu falava em voz baixa imaginando que estava junto a minha esposa, ou quiçá esti-vesse debatendo-me por encontrar a razão de meus sofrimentos, de minha lenta agonia. Num último e violento protesto contra o inexorável da minha morte iminente, senti como se meu espírito traspassasse a melancolia que nos envolvia, senti-me transcender àquele mundo desesperado, insensato, e de alguma parte escutei um vitorioso “Sim!”, como resposta a minha per-gunta sobre a existência de uma intencionalidade última da vida. Naquele momento, numa vala longínqua acenderam uma luz, que permaneceu lá fixa no horizonte como se alguém a houvesse pintado em meio ao mise-rável cinza daquele amanhecer na Baviera. Et lux in tenebris lucet [“E a luz resplandeceu sobre as trevas”, Jo 1, 5]. [...]

O homem tem a peculiaridade de que não pode viver se não mira o fu-turo como uma eternidade. Isto constitui sua salvação nos momentos mais difíceis da existência, mesmo quando às vezes tenha que se esforçar nisto com os cinco sentidos. Sei por experiência própria.

O que na verdade necessitamos é uma mudança radical em nossa atitu-de diante da vida. Temos que aprender por nós mesmos e, depois, ensinar aos desesperados que na realidade não importa que não esperemos nada da vida, mas sim que a vida espera algo de nós. Temos que deixar de fazer perguntas sobre o significado da vida e, em vez disso, pensar em nós como seres aos quais a vida interpela contínua e incessantemente.

Viktor Frankl (1905-1997). O homem em busca de sentido. In: Javier Melloni, Voces de la mística I. Barcelona: Herder, 2009. p. 131-132.

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Eu não tenho asas pra voar Nem sonho nada que não seja de sonhar Sou um homem simples que nasceu Das entranhas de um ato de amor Seria primavera feliz Se a voz dos homens entoasse a paz Se o dom dos homens fosse a arte de amar Se a luz dos homens Fosse Emmanuel

Michel Colombier (1939-2004), Flávio Venturini (1949-), Milton Nascimento (1942-), Emmanuel, 1971.

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O coração é o símbolo do amor e os puros de coração verão a Deus. “Ubi caritas et amor Deus ibi est”, reza um popular can-to paralitúrgico cristão.

A mística de todos os tempos e de todos os continentes nos deixou pérolas sobre o amor. “Eu sigo a religião do amor”, dis-se o grande místico murciano do século XII-XIII [Ibn’Arabi], acrescentando que, “onde quer que vão os camelos do Amor, aqui estão minha religião e minha fé”. O coração (qalb) é uma noção fundamental do sufismo.

O coração, símbolo quase universal do amor, é um órgão humano. Com isso se nos afirma a unidade do amor. “É com o coração que se conhece a verdade”, diz outro texto sagrado (BU III, 9, 23).

O amor é um, já dissemos. Esta unidade é uma unidade não dualista. Não há dois amores, não podem separar-se, em-bora devam distinguir-se. Quando a distinção se converte em cisão, esta ruptura é o pecado.

Dificilmente se pode gozar da experiência do amor a Deus se se desconhece o amor humano. Dificilmente se pode per-severar no amor humano se não se descobre nele uma alma divina, por assim dizê-lo. O verdadeiro amor é algo mais do que uma projeção voluntarista ou um mero sentimentalismo. Não se trata de “superar” o amor às criaturas, abandoná-las e remontar-se ao amor divino. Deus não habita só nos montes do nada; também tem sua morada nos “vales frondosos” dos seres humanos. É o mesmo amor humano em que reside a Di-vindade. Um amor divino que não se encarne no amor ao pró-ximo, para citar a frase evangélica, é pura mentira (1 Jo 4, 20).

Raimon Panikkar (1918-2010). Ícones do mistério: A experiência de Deus. São Paulo: Paulinas, 2007. p. 162-163.

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Enquanto éramos ainda inimigos, o Cristo nos amou e morreu por nós (Rm 5, 8).

Este dado elementar, sobre o qual re-pousa tudo o que é cristão, não pode ser esquecido no amor cristão que tende à imitação de Cristo.

O “próximo” do Cristo é aquele que está mais distanciado. Quando ele nos faz notar, na descrição do último Juízo, que, atrás desse homem aparentemente o mais distante, é ele que está presente, es-condido, mas realmente visado, não sen-tido, mas tocado em verdade, é impossível que este “próximo”, que ele veio procurar, amar e reconduzir ao aprisco, pelo dom da sua vida, não tenha sido para ele mais do que uma simples alma perdida e um homem qualquer. O amor não pode amar senão o amor.

O amor de Deus não pode, através de todo mundo e de toda a perdição, amar senão a Deus. Se o Filho parte para lon-ge a procurar o seu inimigo, e lhe trazer o amor que este não tem, ele deve ver Deus nele e atrás dele. Mais exatamente: ver a Deus Pai, que criou este homem, que o formou à sua imagem, que o amou, cha-mou e marcou com um sinal indelével: o sinal de pertença ao Filho, ao Verbo, à Re-denção e à Igreja.

A este homem, o amor o ama finalmente por amor de Deus que se manifestou tem-

poralmente em Jesus Cristo e que criou na Igreja um campo onde alguma coisa da rea-lidade do Cristo se tornou visível.

O amor deve permanecer nesta regra e não deve se deter no homem, ainda que o mais miserável e mais indigente de amor; e é por isso que o amor cristão se distingue de toda outra forma de humanitarismo puramente terrestre.

O cristão ama a Deus através do seu irmão em humanidade: Deus em si, Deus por nós, em Cristo e na Igreja.

O amor cristão só pode ser assim, por-que o amor divino, vindo de Deus, é infini-to: ele não pode se estender senão a Deus mesmo. E ele tem o direito de ser assim, porque a pessoa criada, que é o seu objeto, não é percebida em sua realidade verda-deira senão quando é compreendida em sua relação com Deus: em sua natureza de ser que vem de Deus e vai para Deus, objeto duma vocação particular devida à graça de Deus...

Um ser finito só pode ser amado nessa abertura para este Absoluto. Sem esta re-lação, não haveria amor, mas cobiça dum simples “objeto”.

Hans Urs von Balthasar (1905-1988). “O próximo do Cristo”. In: Le coeur du monde, Paris, Desclée, p. 286-289, apud Leituras do Povo de Deus, 11. Salvador: Editora Beneditina Ltda., 1975. p. 39-40.

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Outras LeituraS

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DeusCanto pra pedirLindas canções pros sonhos meusA me ensinarem esse ofício que me deuQue ainda não seiAinda não souDeusCanto pra partirEm busca de outros sons ateusA traduzirem todo esse povo meuA vida que ganheiSina que nem seiSó sei sentir a força das cançõesComo se o mundo fosse aliNum só compasso, um pedaço, um mundo, um somE eu afino e desafino em verso, em sombra, em luzE posso ouvir cançõesSerá que são de DeusPalavras, músicas, violões, tambor de couroE toda a voz vem me ensinarDo amor, do rio, fogo e arPrazer e dorA luz que atendeu aos sonhos meusMe fez cantar um som, um pedaço de DeusDeus

Consuelo de Paula (1962-) e Kleber Quintão, Pedaço de Deus, 2010.

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CONTEMPLAR

Maria de Magdala, 2014, Martha Reichmann (1940-), técnica mista, folha de ouro e acrí-lico sobre tela, 50 cm x 60 cm, Curitiba, Brasil.

Outras LeituraS

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Índice OnomásticO

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Índice OnomásticOANDRADE, Carlos Drummond de ______________________________________________________________________________________________ 88

ANSARI, Abdolah ___________________________________________________________________________________________________________________36

ARGELINO, Provérbio _____________________________________________________________________________________________________________28

ARMINJON, Blaise __________________________________________________________________________________________________________________22

BALTHASAR, Hans Urs von ____________________________________________________________________________________________ 39, 96, 117

BASÍLIO, São ________________________________________________________________________________________________________________________ 66

BASTOS, Ronaldo ___________________________________________________________________________________________________________________ 69

BAUDELAIRE, Charles ____________________________________________________________________________________________________________54

BÉJAR, Serafín ______________________________________________________________________________________________________________________ 24

BELÉM, Madre __________________________________________________________________________________________________________________5 e 45

BENTO XVI, Papa _______________________________________________________________________________________________________________20, 21

BONHOEFFER, Dietrich ___________________________________________________________________________________________________________56

BONNELL, Daniel __________________________________________________________________________________________________________________ 98

BOTTICELLI, Sandro ______________________________________________________________________________________________________________ 40

CALCUTÁ, Madre Teresa de ______________________________________________________________________________________________________77

CÂMARA, Dom Hélder _______________________________________________________________________________________________________ 43, 50

CARDENAL, Ernesto ______________________________________________________________________________________________________________ 89

CARDONNEL, Jean, o.p. __________________________________________________________________________________________________________ 70

CATÃO, Bernardo ______________________________________________________________________________________________________________ 33, 85

CHAGALL, Marc ____________________________________________________________________________________________________________________ 68

CHARDIN, Pierre Theilhard de ___________________________________________________________________________________________________92

CHAVANNES, Pierre-Cécile Puvis de ___________________________________________________________________________________________ 51

CHERGÉ, Christian de ______________________________________________________________________________________________________________23

CLARAVAL, São Bernardo de ______________________________________________________________________________________________ 7, 22, 59

COLOMBIER, Michel ______________________________________________________________________________________________________________ 115

CONSTANTINOPLA, Proclo de _________________________________________________________________________________________________ 64

CORBON, Jean ________________________________________________________________________________________________________________________ 19

CRISÓSTOMO, São João ___________________________________________________________________________________________________________58

CRISTÃO, Um ________________________________________________________________________________________________________________________34

DALÍ, Salvador ________________________________________________________________________________________________________________________ 1

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Índice OnomásticODELBRÊL, Madeleine ______________________________________________________________________________________________________________ 49

DIOGNETO, Carta a _________________________________________________________________________________________________________________55

DOLTO, Françoise ___________________________________________________________________________________________________________________93

DUIGOU, Daniel _____________________________________________________________________________________________________________________95

ECKHART, Mestre _________________________________________________________________________________________________________________ 105

FATTORUSO, Hugo _______________________________________________________________________________________________________________ 100

FRANCISCO, Bispo de Roma ______________________________________________________________________________________________16, 17, 71

FRANKL, Viktor ____________________________________________________________________________________________________________________114

GERVAIS, François __________________________________________________________________________________________________________________38

GIBRAN, Kalil ________________________________________________________________________________________________________________________82

GOGH, Vincent van __________________________________________________________________________________________________________________87

GRÜN, Anselm _______________________________________________________________________________________________________________________28

GUEDES, Beto _______________________________________________________________________________________________________________________ 69

GUERRA, Ruy ________________________________________________________________________________________________________________________62

HADA, Rubén ______________________________________________________________________________________________________________________ 100

HILLESUM, Etty ____________________________________________________________________________________________________________________ 47

HIME, Francis ________________________________________________________________________________________________________________________62

HOLANDA, Chico Buarque de ___________________________________________________________________________________________________ 48

INTER-RELIGIOSO, Pontifício Conselho para o Diálogo ___________________________________________________________________85

JOÃO XXIII, Papa __________________________________________________________________________________________________________________101

LEBRET, J.L. __________________________________________________________________________________________________________________________53

LENINE ________________________________________________________________________________________________________________________________ 31

LOBO, Edu____________________________________________________________________________________________________________________________ 48

LOUF, André, ocso __________________________________________________________________________________________________________________ 111

MARIA, Martha _______________________________________________________________________________________________________________________ 5

MARITAIN, Jacques ________________________________________________________________________________________________________________ 49

MARTINS, Yara _____________________________________________________________________________________________________________________110

MARX, Karl ___________________________________________________________________________________________________________________________ 91

MENDES, Murilo ______________________________________________________________________________________________________________84, 106

MOINGT, Joseph _____________________________________________________________________________________________________________ 17, 25, 26

Page 124: O Rosto Amado de Deus

124 O Rosto Amado de Deus

Índice OnomásticOMONGE da Igreja Oriental, Um ___________________________________________________________________________________________________32

NASCIMENTO, Milton ______________________________________________________________________________________________________ 100, 115

NORWICH, Julian de ________________________________________________________________________________________________________________ 71

ORIGÈNE (Orígenes) ________________________________________________________________________________________________________________22

OSHIDA, Shigeto ____________________________________________________________________________________________________________________ 112

PANIKKAR, Raimon _______________________________________________________________________________________________________________116

PAULA, Consuelo de _______________________________________________________________________________________________________________118

PÉGUY, Charles ________________________________________________________________________________________________________________ 70, 109

PELLEGRINO, Hélio ________________________________________________________________________________________________________________37

PIERRE, Abbé ________________________________________________________________________________________________________________________41

PIO, Padre ________________________________________________________________________________________________________________________ 38, 46

PIROT, Jean-Marie (Arcabas) ______________________________________________________________________________________________________74

PORTRAS, Yvan ____________________________________________________________________________________________________________________ 96

QUINTÃO, Kleber __________________________________________________________________________________________________________________118

RADCLIFFE, Timothy, o.p. _______________________________________________________________________________________________________ 80

REICHMANN, Martha ____________________________________________________________________________________________________________119

RIJN, Rembrandt H. van ________________________________________________________________________________________________________ 10, 11

RILKE, Rainer Maria ______________________________________________________________________________________________________________ 107

ROCHETTA, Carlo _________________________________________________________________________________________________________________ 20

ROSA, João Guimarães _________________________________________________________________________________________________________7, 108

SARTRE, Jean-Paul ______________________________________________________________________________________________________________16, 75

SCHUTZ, Roger _____________________________________________________________________________________________________________________ 90

SPONG, John Shelby ______________________________________________________________________________________________________________ 103

STEIN, Edith __________________________________________________________________________________________________________________________63

STOKES, Marianne _________________________________________________________________________________________________________________ 30

TAGORE, Rabindranath _______________________________________________________________________________________________________57, 59

TANNER, Henry Ossawa __________________________________________________________________________________________________________ 61

VENTURINI, Flávio________________________________________________________________________________________________________________ 115

WEIL, Simone _______________________________________________________________________________________________________________________ 113

ZUNDEL, Maurice ______________________________________________________________________________________________________________ 66, 78

Page 125: O Rosto Amado de Deus

Grupo Marista 125

Dos AutoreS

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126 O Rosto Amado de Deus

Paulo Botas, mts (1944 -)Nascido em Jacarezinho, Paraná, é sacerdote católico, membro e fundador

da Comunidade dos Manos da Terna Solidão. Doutor em Filosofia Política pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (Sorbonne), Paris, França. Au-tor, entre outros artigos e livros, de Benção de abril: “Brasil, urgente”, memória e engajamento católico no Brasil, 1963-1964, Petrópolis-RJ, Vozes, 1983; Carne do sagrado: Edun Ara – devaneios sobre a espiritualidade dos orixás, Petrópo-lis, Vozes, 1996; Xirê: a ciranda dos encantados, São Paulo, Ave-Maria, 1997; e O confronto na solidão, Curitiba, Grupo Marista/Setor de Pastoral, 2014.

Eduardo Spiller, mts (1960 -)Nascido no Rio de Janeiro, é sacerdote católico e membro da Comunida-

de dos Manos da Terna Solidão. Mestre em História Social pela Universi-dade Federal do Paraná e Doutor em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), São Paulo. Autor, entre outros artigos e livros, de Jogo da face: a astúcia escrava frente aos senhores e à lei na Curitiba provincial (1853-1888), Curitiba, Aos Quatro Ventos, 1999; Pajens da Casa Imperial: juris-consultos, escravidão e a lei de 1871, Campinas-SP, Editora da Unicamp, 2001; e O confronto na solidão, Curitiba, Grupo Marista/Setor de Pastoral, 2014.

Dos AutoreS

cOs autores Eduardo Spiller (à esquerda) e Paulo Botas (à direita).

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