o renascimento de são luiz do paraitinga

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Livro sobre a cidade de São Luiz do Paraitinga, cidade no interior de São Paulo que passou por uma grande enchente no início de 2010 e teve grande prejuízo material e cultural. A produção, desenvolvida como Trabalho de Conclusão de Curso em Comunicação Social - Jornalismo, busca contextualizar e relatar a história da cidade, o momento em que a enchente começou a assolar o município e os primeiro meses de sua reconstrução.

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O renascimento deSão Luiz do Paraitinga

Felipe Guerra

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Ficha catalográfica elaborada peloSIBi – Sistema Integrado de Bibliotecas / UNITAU

C824r Correa, Felipe de Carvalho Guerra O Renascimento de São Luiz do Paraitinga / Felipe de Carvalho Guerra Correa - 2010. 144 f.:, il.

Projeto Experimental (Graduação em Comunicação Social comhabilitação em Jornalismo) – Universidade de Taubaté, Departamentode Comunicação Social, 2010.

Orientação: Prof. Dr. Robson Bastos da Silva, Departamento deComunicação Social.

1. Enchente. 2. Reconstrução. 3. História. 4. Tragédia. 5. São Luiz doParaitinga. I. Título.

Capa/foto: Felipe Guerra - 6 fev. 2010Produção gráfica e diagramação: Lincoln Santiago

Fotografias: Felipe Guerra, Paula Guerra, Roseli BernardoTexto: Felipe Guerra

Revisão jornalística, ortográfica e final: Lincoln Santiago e Robson Bastos da SilvaOrientação: Robson Bastos da Silva

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O renascimento deSão Luiz do Paraitinga

Felipe Guerra

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Agradecimentos

Agradeço a toda minha família, tanto Guerra como Corrêa, que sempre acreditou no meupotencial como jornalista e como alguém que pode fazer algo relevante pelo mundo. À minhamãe Paula Guerra, meu maior exemplo de vida, que sem saber me incentivou a escolher essetema para o trabalho. Ao meu pai, Fernando Corrêa, que ensinou de maneira firme os filhos acorrerem atrás de suas pretensões desde cedo, e à minha madrasta, Ivete Migliani, que sempretratou os enteados como se fossem seus filhos. Ao meu irmão mais velho, Rafael, e ao maisnovo, Victor, que sempre cuidaram de mim como se eu fosse o caçula. Ao meu tio HenriqueGuerra, que se desdobrou para me abrigar em sua pousada diversas vezes para que eu reali-zasse o trabalho. E, de maneira muito especial, aos meus tios-padrinhos Wilson e Carola, queme deram a grata oportunidade de estudar em minha área pretendida arcando com as mensa-lidades do curso.

Ao amigo Marcelo Moreira e sua família, que me abrigaram e aguentaram durante o mês dejaneiro. Ao amigo de curso Jaime Lemes e demais padres e seminaristas do Instituto Missioná-rio São José, que me acolheram pelo resto do ano como verdadeiros irmãos. Aos amigos deestágio na Câmara Municipal de Taubaté, com quem convivi nos últimos dois anos, dentre eleso professor Luiz Carlos Batista, um dos responsáveis pelo meu crescimento profissional naárea, Lincoln Santiago, amigo que, além de cumprir suas tarefas diárias como marido e pai, sedispôs a diagramar, revisar e dar sugestões para o trabalho, e Fernanda Maria Ribeiro, queacreditou na minha competência e me ajudou a calcar o primeiro passo na profissão além doestágio.

Ao orientador Robson Bastos, que pacientemente lidou com minhas ideias e atrasos; aoprofessor Judas Tadeu de Campos, por suas colaborações preciosas sobre a história da cidade,e aos demais colegas que participaram intensamente da minha vida nos últimos anos, dentreeles os irmãos de consideração de São Paulo, Laranjal Paulista e do Vale do Paraíba.

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A todos os luizenses, de sangue ou de coração, que sofreram mudançasapós a tragédia e trabalham intensamente para reconstruir suas vidas.

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Índice

Introdução ..................................................................................... 11

A história ........................................................................................ 17

A enchente ..................................................................................... 39

Janeiro ........................................................................................... 67

Fevereiro ........................................................................................ 73

Março ............................................................................................ 81

Abril ............................................................................................... 91

Maio .............................................................................................. 99

Junho ........................................................................................... 111

Julho ............................................................................................ 115

Agosto ......................................................................................... 121

Setembro ..................................................................................... 125

Epílogo ......................................................................................... 131

Índice fotográfico .......................................................................... 135

Bibliografia ................................................................................... 141

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Introdução

Este livro pretende mostrar o município de São Luiz do Paraitinga* em três momentos: oprimeiro é a história da cidade, desde a chegada dos colonizadores à região, além de tópicosque falarão da cultura local; o segundo abordará constatações técnicas e testemunhos daspessoas que estavam no município no momento da enchente ocorrida no início de 2010 e nosdias seguintes, quando as primeiras providências foram tomadas; a terceira e última parte dolivro, mais extensa, relatará diversas ações tomadas pelo governo, instituições privadas e pú-blicas, voluntários e pelos próprios luizenses no decorrer do ano, época em que foi feito omaior número de anúncios, promessas e obras da história da cidade. É importante ressaltarque, apesar da tentativa, o livro não será capaz de apontar todas as ações realizadas nessesmeses. O trabalho também dará atenção ao que os próprios luizenses viram mudar em suacidade nesse tempo. Certamente, nem todos os relatos serão agradáveis.

*Há grande confusãoquanto à grafia do

nome da cidade, que éescrito com “Luiz” ou

“Luís”. No própriomunicípio as placas decomércios e dos carrosapontam essa dúvida.

O autor optou pelagrafia utilizada pela

prefeitura.

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A cidade

São Luiz do Paraitinga é uma cidade situada no Vale do Paraíba, no Estado de São Paulo.Fica a aproximadamente 45 quilômetros de Taubaté, também no Vale do Paraíba, a 50 km deUbatuba, no litoral norte do Estado, e a 180 km da capital. É uma cidade pequena, comestimativa de 11 mil habitantes, sendo aproximadamente metade no centro urbano e a outrametade na área rural.

Apesar do pequeno número de moradores e de um centro e bairros adjacentes pequenos, acidade tem uma área territorial muito extensa. Por exemplo, Taubaté, com aproximadamente300 mil habitantes, tem uma área de 625 mil km². São Luiz, por sua vez, tem 617 mil km². Omunicípio possui 550 km de estradas rurais mapeadas, e estima-se que haja outros 150 km nãoreconhecidos.

Após aprovação de uma lei em 5 de maio de 2002, o município se tornou uma das estânciasturísticas do Estado, que hoje conta com 29 cidades com esse título. São Luiz possui o maiorconjunto de prédios tombados pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Históri-co, Arqueológico, Artístico e Turístico) no Estado - 436 imóveis. Desses, 89 foram afetadospela enchente.

Como estância turística, os maiores negócios da cidade - tirando os comércios que ofere-cem serviços básicos - são destinados ao turismo. Eventos como o carnaval, que atraiu 180mil pessoas em 2009, a festa do Divino Espírito Santo e a Semana da Canção Brasileira sãoresponsáveis pela aparição de milhares de visitantes anualmente. No carnaval, exclusivamen-te, era usual os moradores da cidade alugarem suas próprias casas para dezenas de pessoas,por um preço que lhes garantiria tranquilidade no orçamento pelo resto do ano. Esse mesmoevento, em outro ano, alcançou tamanho reconhecimento a ponto de ser mencionado pelojornal "New York Times" em 2008 em uma matéria especial sobre carnavais famosos emcidades não tão conhecidas do Brasil.

São Luiz é conhecida também como o lar dos músicos, pelo grande número de luizensesque aderem a essa arte - seja fazendo parte da fanfarra, da banda municipal ou tocando senta-do em um banco na praça. O ícone da música na cidade é o maestro Elpídio dos Santos, queviveu entre 1909 e 1970, e cujo nome se tornou também o nome do coreto central da cidade.Ele foi responsável por diversas trilhas sonoras dos filmes de Amácio Mazzaropi, ator e dire-

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tor de filmes que fez grande sucesso décadas atrás falando da imagem do homem caipira.Duas outras figuras ilustres nasceram em São Luiz do Paraitinga: o geógrafo Aziz Nacib

Ab'Saber e o médico sanitarista Oswaldo Cruz. Aziz nasceu em 1924 e é considerado referên-cia em assuntos relacionados ao meio ambiente e impactos ambientais. Mesmo debilitado pelaidade, ele foi ao município em maio de 2010 ministrar a palestra de abertura do Encontro deGeografia da Universidade de Taubaté, onde ele falou saudosistamente da história de suafamília. Oswaldo Cruz, que viveu entre 1872 e 1917, foi o pioneiro nos estudos e combate àfebre amarela, varíola e peste bubônica em épocas nas quais foi contrariado por grande parteda população brasileira até que suas ações surtissem efeitos positivos na saúde de seus compa-triotas.

A tragédia

O excesso de visitantes no carnaval de 2009 causou diversos problemas estruturais aomunicípio, sendo um deles a falta de água em diversas casas. Planejavam-se medidas paraconter o grande número de turistas nos carnavais seguintes. A ideia era fazer com que, a partirde 2010, o público da festividade fosse mais seleto, reduzindo o número de visitantes e man-tendo ou até aumentando o giro monetário.

No entanto, a enchente que atingiu o município nos primeiros dias de janeiro de 2010dispensou qualquer providência para evitar problemas consequentes do carnaval. A enchentevarreu parte do patrimônio histórico e cultural da cidade, destruiu propriedades, deixou osluizenses de sangue ou consideração em pânico, despertou a solidariedade de muitos e aganância de poucos e obrigou os poderosos a olharem mais atentamente à cidade, que cresceuenvolta a uma forte e perigosa natureza - os rios e os morros.

Uma única morte foi registrada na cidade, e ela não ocorreu diretamente pela enchente. Avítima foi atingida por um deslizamento de terra enquanto trabalhava no desbloqueio de umadas várias estradas rurais da cidade atingidas pelo excesso de chuva.

Poucos dias depois a cidade estava repleta de doações, voluntários, ideias para um recome-ço e também se tornara um dos compromissos na agenda de vários políticos. Com o passardos meses, voltou a ter parte das cores que tivera outrora, porém ainda parecia um palco de

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obras. Os munícipes já não estavam tão aflitos quanto no início do ano, mas provavelmentenunca mais sentirão a mesma tranquilidade de viver nas pacatas terras luizenses.

Atualmente

A aparência de São Luiz mudou notavelmente em 2010, tendo em vista a emergência na realiza-ção de obras que previnam outros acidentes e a urgência em restabelecer o cotidiano dos luizenses.Apesar da ênfase no patrimônio cultural e histórico da cidade, grande parte da população que viviaem pontos distantes, como a Várzea dos Passarinhos e o Alto do Cruzeiro - o primeiro foi parcial-mente destruído pela água, e o segundo pela terra -, foi severamente afetada pelas consequênciasda enchente.

Apesar das medidas tomadas para ajudar esses munícipes, como a construção de um con-junto habitacional, o auxílio do governo a famílias desamparadas e a doação monetária feitapor milhares de pessoas em uma conta de banco criada para arrecadar verba destinada aoapoio à população, nem todos voltaram a viver em condições dignas tão cedo.

Alegando a necessidade de preservar a segurança dos trabalhadores e moradores no localde trabalho, o terreno no qual foi construído o conjunto habitacional só foi liberado para asfamílias após a conclusão integral dos lotes, com 151 casas, no final de setembro. Até essasresidências serem liberadas, aproximadamente 20 famílias viveram sob o título de desabriga-das - pessoas que não puderam recorrer a parentes ou amigos para se alojarem - e ficaramimprovisadamente em uma pousada e uma casa alugadas pela prefeitura.

O auxílio-aluguel de 300 reais oferecido pelo Governo do Estado às famílias desalojadas edesabrigadas foi bloqueado a 178 das 308 famílias inscritas para receber o benefício no meiodo ano por supostos pagamentos indevidos a pessoas que não estariam passando por carênci-as causadas pela enchente. Em setembro, 130 famílias tornaram a receber o auxílio.

A conta aberta para doações ao município recebeu quase 540 mil reais até o início dosegundo semestre. Desses, 96 mil reais foram utilizados para a reforma do prédio da prefeitura- segundo a administração pública, o dinheiro foi doado por um banco, que permitiu à prefeiturausá-lo segundo suas prioridades -, o que gerou uma ação pública por uso indevido da verba, quedeveria ser utilizada prioritariamente na reestruturação social dos munícipes. Outros 55 mil reais

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teriam sido gastos com medicamentos, e o restante, quase 390 mil reais, estaria parado, segundo aprefeitura, enquanto a administração aguardava um levantamento das prioridades do município.Pouco tempo após a publicação da ação, a prefeitura publicou uma nota de esclarecimento afir-mando que as acusações eram inverídicas e que tinham cunho político e ideológico.

Outras situações negativas foram constatadas no decorrer do ano: o tradicional carnaval dacidade, que atraiu um número recorde de visitantes em 2009 e representa a maior circulaçãomonetária do ano, foi cancelado pelo estado crítico da cidade; o desabamento parcial da casaOswaldo Cruz, que teria ocorrido por descuido dos órgãos responsáveis pela preservação dolocal; o roubo de dois quadros que estavam no prédio do Ceresta (Centro de Reconstrução eDesenvolvimento Sustentável), que seriam leiloados para angariar fundos para a cidade (osquadros foram recuperados em seguida, enquanto tentavam comercializá-los); a queda de ummorro, localizado na via de acesso João Roman, onde estava sendo feito trabalho de conten-ção; a necessidade de alguns moradores retornarem a suas casas - escoradas e rachadas -também devido ao bloqueio do auxílio do Estado. Em certos casos, apesar da disposição parareformarem as residências, os munícipes foram prejudicados pela demora na aprovação deprojetos de reparo nas casas históricas por parte do Condephaat.

Apesar dos problemas e polêmicas gerados no decorrer do ano, há pontos positivos a sedestacar: a maior parte dos munícipes conseguiu voltar para casa e retomar as atividades nocomércio, mesmo que tenha sido a um alto custo. O calendário festivo foi retomado aospoucos, tendo excluído somente o carnaval (realizado de maneira singela pela população) eatraído um número satisfatório de visitantes a partir da festa do Divino Espírito Santo - quenesta edição, além de fiéis, fotógrafos e amantes da festa mais tradicional do município, con-tou com a presença de visitantes interessados em ver como a cidade se portava quatro mesesapós a tragédia; o turismo voltou a ganhar forças quando os visitantes constataram que acidade já possuía estrutura mínima para hospedá-los; determinados setores comerciais viram-se reanimados com a volta dos visitantes, enquanto outros (principalmente o alimentício) jácontabilizavam uma movimentação acima do normal com a presença de empresas que presta-vam serviços ao município.

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A história

São Luiz do Paraitinga completou oficialmente 241 anos em 2010, época marcada por umatragédia que poderia ter varrido a cidade. Pensando em seu caráter histórico e cultural, lamen-tou-se a perda de milhares de documentos, como cartas e fotos de famílias tradicionais dacidade. Cinira Pereira dos Santos, viúva do compositor Elpídio dos Santos, é o exemplo maisdestacado das pessoas que amargaram a perda de documentos familiares.

Felizmente, há quem tenha conseguido salvar as lembranças familiares da água. Além dis-so, parte dos documentos da cidade – históricos ou não – foi recuperada graças a entidadesespecializadas na preservação de materiais antigos danificados e à digitalização do que foirecuperado.

Há grande dificuldade em se conseguir acesso a documentos históricos que falem do passa-do de São Luiz. Além dos documentos em mãos de particulares, a história da cidade antes dadécada de 1930 quase desapareceu com os conflitos da Revolução Constitucionalista, e ahistória posterior foi prejudicada pela enchente. Em ambas as situações diversas casas e prédi-os públicos foram destruídos. O jornalista Judas Tadeu de Campos, que escreveu “São Luis:História, Cultura e Educação”1 (obra mimeografada), em parceria com a prefeitura, cedeu o livropara guiar as próximas páginas, que relatam a história de São Luiz do Paraitinga desde a vinda dosbandeirantes à região, no século XVII.

1 CAMPOS, 2009

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Os bandeirantes

O século XVII no Brasil foi marcado por empreitadas realizadas pelos bandeirantes – homensde São Paulo que tinham a tarefa de explorar terras distantes dos centros urbanos do país – a fim dedescobrirem fontes de riquezas, além de buscarem nativos para serem escravizados. Essas emprei-tadas foram responsáveis por grande parte da instalação de povoados em locais antes desconheci-dos por eles – e eventualmente habitados por índios, que eram expulsos, escravizados ou mortos.

O povoado de Taubaté, no interior de São Paulo, foi o núcleo regional dos colonizadores nestaépoca. É de lá que vieram os primeiros homens que se instalaram nas terras da atual São Luiz doParaitinga – que em pouco tempo havia sido habitada pelos agressivos índios Muiramomis, pelosTamoios, que dizimaram aqueles e posteriormente se dirigiram ao litoral sul, e por último os Puris –considerados índios de boa índole e medrosos. Taubaté foi fundada pelo bandeirante JacquesFélix, que recebeu terras no Vale do Paraíba em 1628. Nesta época, São Luiz, que no princípio dahistória do Brasil era quase totalmente isolada por sua densa vegetação característica da MataAtlântica, era um bairro do povoado de Taubaté.

Em 1641, o capitão Domingos Dias Félix, filho do fundador de Taubaté, seu filho, também JacquesFélix, e o escrivão Paulo Fernandes receberam sesmarias – terras doadas pelo rei de Portugal ou pelocapitão-general (equivalente a governador do Estado) da capitania a quem pretendesse cultivar olocal. Uma sesmaria media 1.800 hectares, ou 743,80 alqueires paulistas.

O povoado que se instalou no bairro não prosperou nos 45 anos seguintes à primeira ocupaçãofeita por bandeirantes e só começou a crescer em 1686, quando os bandeirantes taubateanoscapitão Mateus Vieira da Cunha e João Sobrinho de Morais receberam uma sesmaria no localonde São Luiz do Paraitinga se situa atualmente. Em 1707 os moradores construíram uma capelade pau-a-pique em louvor a Nossa Senhora do Rosário – representando a segunda fundação deSão Luiz, que sinalizou finalmente a prosperidade daquelas terras.

A descoberta das jazidas de ouro em Minas Gerais nesta época foi um dos fatores que contri-buiu para o povoamento de São Luiz, que era uma das paradas para reabastecimento de provisões natrilha criada pelos bandeirantes para fazer o transporte dos minérios até o litoral norte. O ouro vindodo outro Estado era cunhado em Taubaté, onde fora instalada a primeira fundição desse metal no país,e seguia por essa estrada até Ubatuba, onde embarcava para Portugal.

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Fundação

Apesar do povoamento na região, a fundação de São Luiz do Paraitinga nunca havia sido ofici-alizada até então devido às regras de reconhecimento existentes em Portugal. Para que uma terrafosse reconhecida era necessário que o seu fundador recebesse uma carta de autorização enviadapelo rei ou governador.

Isso só aconteceu em 8 de maio de 1769, depois de o sargento-mor Manoel Antônio deCarvalho “descobrir” São Luiz durante uma viagem a barco. O povoado continha aproxima-damente 50 residências, além da igreja construída com taipa de pilão em 1707.

Após pedido do sargento-mor, o capitão-general Luís Antônio de Souza Botelho Mourãoautorizou a fundação do povoado, que foi nomeado Vila Nova de São Luís do Paraitinga.Manoel Antônio de Carvalho foi apontado como fundador e dirigente do povoado. Ele semudou para o local e viveu na rua que levaria o seu nome posteriormente – rua do Carvalho.

São Luiz foi elevada à categoria de vila em 31 de março de 1773, o que lhe garantiu odireito de ter uma câmara e uma paróquia. No mesmo dia foi erguido um pelourinho na vila,simbolizando a presença de autoridade real. O pelourinho – uma coluna de pedra fincada nologradouro mais importante do lugar – servia também para atar criminosos e para o açoite e oenforcamento. Parte do pelourinho ainda era visível no centro de São Luiz até a época daenchente, apesar de ter sido parcialmente quebrada no dia 13 de maio de 1917 durante ascomemorações da abolição da escravidão.

Em 30 de abril de 1857 São Luiz deixou de ter os termos “Vila Nova” no nome, sendonomeada apenas São Luiz do Paraitinga após ser elevada à categoria de comarca e ser consi-derada cidade.

São Paulo e o caipira

A capitania* de São Paulo cresceu de maneira peculiar na época colonial devido ao seu isola-mento comparado a outras capitanias do Brasil. Até a repentina valorização do café, a produção

*As unidadesadministrativas do

Brasil se dividiam, damaior para menor,

em: capitanias,comarcas, termos,

freguesias e bairros.

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agrícola e comercial paulista possuía características de uma cultura de subsistência, o que impediao crescimento econômico local, diferente de outras capitanias, fortemente afetadas pela extraçãode ouro e produção de cana-de-açúcar.

As propriedades paulistas – a princípio, pertencentes a famílias independentes de sitiantesou posseiros, responsáveis pelo estabelecimento populacional nas regiões – não possuíamextensões tão significantes, e mesmo as famílias ricas moravam em sítios pequenos e médios.As principais plantações cultivadas nessas terras eram milho, mandioca, arroz, feijão, dentreoutros cereais, e frutas. Com relação ao gado, os produtores não costumavam ter mais de 400cabeças.

A evolução da região paulista foi significantemente mais lenta que outros polos do país, esuas principais mudanças eram as adaptações necessárias a que os moradores de determinadasregiões precisavam se habituar perante o clima e geografia local. Dois fatores contribuíampara o isolamento costumeiro dos moradores dessas terras: o recrutamento para o serviçomilitar e as cobranças de impostos e do dízimo. No caso de haver recrutamento militar, ostemerosos se refugiavam no mato para não serem convocados.

Para tornar a morada na Vila Nova de São Luís do Paraitinga atrativa, o fundador oficial dopovoado, sargento-mor Manoel Antônio de Carvalho obteve em 1769 uma licença especialdas autoridades portuguesas: os moradores daquelas terras estariam isentos de convocações acargos que não lhe fossem do interesse durante dez anos.

Nos três primeiros séculos de colonização os paulistas eram, em geral, mamelucos – mes-tiços filhos de colonizadores portugueses com mulheres indígenas. Os costumes dos doispovos também se misturaram. A língua usada por eles era uma variante dos índios tupis compalavras portuguesas; as técnicas de caça, pesca e coleta de frutos dos índios, tanto quanto ouso de roupas simples, a culinária, a posse de instrumentos de metal e armas de fogo e o usode lamparinas a óleo de mamona dos portugueses são algumas das características assimiladaspelos paulistas.

A mistura dessas características da região paulista resultou no que hoje é chamado “culturacaipira”: costumes simples somados à aparente, porém irreal, desunião dos moradores de residên-cias isoladas. A cultura caipira é considerada a forma mais antiga de cultura rural do país e predo-minou em São Paulo por séculos, tornando comuns as mesmas práticas culturais – como festivida-des e literatura oral – em toda a região.

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Apesar de dubitável para moradores de outras regiões, os paulistas tinham modos que demons-travam tamanha união a ponto de colaborarem para o bem comum do bairro* no qual viviam. Essaparticipação comunitária, que podia mobilizar poucas pessoas – como um casal para batizar umacriança – ou muitas – para a construção de uma residência ou a organização de festas tradicionais– já estava consolidada na época da colonização das terras luizenses.

Ciclo do café

A capitania de São Paulo passou por significantes transformações no século XIX, caracteriza-das principalmente pelo ciclo do café. Em 1821, quando se iniciara o processo de Independênciado Brasil (que viria a ocorrer no ano seguinte), a capitania se tornou província. Nesse mesmoséculo São Paulo perdeu território com a anexação de Lages à capitania de Santa Catarina e coma criação da província do Paraná, desmembrada das terras paulistas.

A instalação da Corte Real portuguesa na cidade do Rio de Janeiro em 1808 estimulou aprodução de alimentos na capitania paulista, em especial no Vale do Paraíba, levando a regiãoa ter uma cultura de produção agrícola excedente, permitindo maior acúmulo de capitais pelosproprietários com mais terras.

Em 1817 foi fundada a primeira fazenda cafeeira da região. Após a Independência, o culti-vo de café na região ganhou forças, e cidades como Guaratinguetá, Pindamonhangaba, Bana-nal e Lorena se enriqueceram rapidamente – o Vale do Paraíba foi a região mais importante nociclo do café. A partir de 1830 se constatara uma monocultura cafeeira, que influenciou mu-danças na economia e nos costumes da sociedade com a singela introdução do capitalismo econsumismo à região. A repentina e elevada produção e exportação do produto transformouo sudeste no polo econômico do Brasil e garantiu a São Paulo poder econômico e políticodesconhecido outrora.

A população do Vale do Paraíba cresceu concomitantemente com a produção cafeeira, eSão Luiz do Paraitinga chegou a ter uma população quase três vezes maior que a registrada atual-mente na cidade (10.404, segundo o censo do IBGE de 2010). Em 1836, época em que o cafécomeçou a ganhar importância, São Luiz tinha 5.296 habitantes. Em 1900, esse número chegou a29.535. Como usual em parte do ciclo do café, parte da população no município era composta por

*Bairro, nessa época,era um termo

utilizadoexclusivamente em

São Paulo esignificava um meio

termo entre anatureza e a vila oucidade que emergia

naquele local,sinalizando a

instalação de umpovoado em regiões

ainda nãomodificadas pelo

homem.

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escravos. Em 1854 o maior número de escravos na cidade foi registrado: de 10.393 habitantes,2.392 viviam em absoluta sujeição a um senhor, sendo que este número decaiu posteriormenteantes mesmo da abolição. A época do café tornou São Luiz atrativa também para imigrantes. Em1886 registrou-se a presença de 255 estrangeiros, principalmente italianos e portugueses, númeronunca mais atingido nos anos seguintes.

Apesar do enriquecimento nacional devido ao café, ao contrário de ser inserido nos moldescapitalistas vigentes, o homem caipira foi rejeitado pelo novo sistema econômico do país. ALei nº 601, sancionada em 18 de setembro de 1850 e apelidada Lei da Terra, acabou com oregime de posses, permitindo o reconhecimento de propriedades rurais somente perante com-provante de compra e venda ou sucessão. Os caipiras, que eram analfabetos, desconhecedoresde procedimentos burocráticos legais e acostumados com o reconhecimento de propriedadespor sucessão familiar, passaram a depender principalmente de terras improdutivas doadaspelos grandes proprietários.

Ainda no auge da monocultura do café, D. Pedro II homenageou centenas de fazendeiros,políticos e personalidades do Segundo Império com títulos de barão. Dos 900 homenageados,um era de São Luiz do Paraitinga. O fazendeiro e político Manoel Domingues de Castro, quenasceu e viveu no município, recebeu o título de Barão do Paraitinga em 1871. Ele viveu entre1810 e 1887, se casou duas vezes e teve quinze filhos.

O barão foi considerado um dos chefes políticos mais respeitados de São Paulo, pela influ-ência que tinha em boa parte da região norte da província. Ele morou em um dos sobrados docentro histórico do município – o único que continha uma flor-de-lis, símbolo da nobrezaimperial, esculpida acima da porta principal da propriedade.

O crescimento de São Luiz

Com o enriquecimento de São Paulo, as cidades mudaram significantemente. A partir de1850 as ruas das cidades foram calçadas e iluminadas, os mercados municipais, teatros e colégiosforam construídos; surgiram os primeiros jornais, as santas casas de misericórdia e asilos começa-ram a aparecer, e as igrejas passaram a ser construídas por arquitetos; durante as missas, haviacorais e orquestras entoando os cânticos religiosos.

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Apesar da contribuição do café para o crescimento da região, São Luiz do Paraitinga não aderiuà monocultura desse fruto. Pelo contrário, a produção agrícola se concentrou em uma cultura dealimentos diversificados para abastecimento do mercado e distribuição em cidades da região, vistoque grandes partes delas estavam tomadas pelas plantações de café.

A economia diferenciada luizense permitiu que, com os anos, a nobreza no município cons-truísse sobrados, casarões senhoriais e igrejas, que posteriormente foram tombados e conside-rados o maior núcleo arquitetônico antigo do Estado de São Paulo. O município já possuía,em 1845, um colégio mantido pelo padre doutor Joaquim Domingues de Lameda, no qualestudavam filhos de fazendeiros da região.

Em 1852 uma lei provincial criada pela Inspetoria Geral de Instrução Pública (equivalenteà Secretaria de Estado da Educação) instituiu o ensino público em São Paulo, e periódicos quecirculavam na província registravam, em 1856, a existência de professores de escolas públicasna cidade. Em três décadas o município já possuía duas escolares particulares e classes espa-lhadas pela região central e bairros rurais. Em 11 de junho de 1873, Sua Majestade Imperialagraciou o município com um título real, este que passou a se chamar Imperial Cidade de São Luizdo Paraitinga.

Naquele mesmo ano, o vigário da cidade, cônego Benjamin de Toledo Mello, enviou umacarta ao Conselho Municipal denunciando o tumulto causado ao lado da Igreja Matriz noperíodo da missa, visto que o comércio de feira era feito ao redor da igreja, e exigindo oencerramento da movimentação que atrapalhava os cultos. Como providência, o MercadoMunicipal da cidade foi construído em 1875 em um terreno próximo ao rio. Além de ponto deescoamento da produção agrícola da região, o mercado era, a princípio, o local onde os pro-prietários vendiam e trocavam seus escravos.

O prédio, que foi construído com arcadas e no formato de um largo quadrado descobertocircundado por um corredor, passou por uma reforma em 1902. Durante décadas as tradiçõesdo município – seja na produção alimentícia e artesanal ou nos costumes comerciais e de lazer– levaram grande parte dos moradores para o mercado. A partir da década de 1940, os costu-mes e produtos tradicionais começaram a desaparecer, restando quase somente vendedores decarne, verdura, fruta e cereais. Em 2005 outra reforma foi concluída no mercado, e dentre outrasações um dos acessos ao local foi reaberto após quatro décadas, deixando o prédio mais seme-lhante ao projeto original.

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Na década de 1890 o capitão Francisco Estevam Gomes de Godoi e sua esposa doaram umalqueire de terra à paróquia de São Luiz do Paraitinga, onde foram construídos uma igreja eum cemitério. O terreno, localizado a quase 20 quilômetros da cidade, começou a ser povoa-do nos anos seguintes, e após diversas nomeações passou a se chamar Vila de Catuçaba,distrito de São Luiz do Paraitinga.

A vila, que cresceu com o desenvolvimento da pecuária leiteira da cidade, chegou a ser umdos principais produtores de cebola e arroz no Estado na década de 1950. Atualmente háaproximadamente 800 moradores nessas terras, que contam com serviços básicos de estrutu-ra, incluindo uma estação de tratamento de esgoto e estrada pavimentada. No âmbito cultural,Catuçaba possui a única cavalhada do município, que anualmente se apresenta na festa Divinodo Espírito Santo.

A fábrica de São Luiz

Na segunda metade do século XIX, São Luiz assistiu à instalação de um tipo de comércioinédito na cidade até então: uma fábrica de tecidos, que apontou o passo que o município deuem direção à industrialização após o crescimento baseado em uma estrutura agrária. A Fábricade Tecidos Santo Antônio foi uma das primeiras indústrias instaladas no Vale do Paraíba e sesituava na área rural do município, no local conhecido atualmente como Bairro da Fábrica, asete quilômetros do centro da cidade.

Indícios apontam que o coronel José Domingues de Castro, irmão do Barão do Paraitinga,aproveitou a queda da produção de itens baseados em algodão nos Estados Unidos da Amé-rica durante a Guerra da Secessão para instalar a fábrica, que chegou a produzir 1.500 metrosde tecidos por dia em seu apogeu.

No auge da produção, a fábrica possuía uma turbina de 50 cavalos de força movida a água,25 teares para o trabalho em tecidos finos e trançados e 35 operários assalariados, indício deque os trabalhadores eram homens livres ou camaradas, sendo possivelmente antigos trabalhado-res rurais que precisaram se adaptar a um sistema diferenciado de produção.

A estimativa é de que a produção da fábrica tenha ficado em alta por aproximadamente umadécada, até a morte do coronel José Domingues de Castro, em 1881. A má administração realizada

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pelos herdeiros do local, junto ao fim da Guerra Civil nos Estados Unidos, que consequentementepermitiu a alta da indústria algodoeira naquele país, levaram a fábrica à falência e ao fechamento em1882.

O que restou da fábrica nos dias de hoje é o sobrado da fazenda Cantagalo – onde a fábricafuncionou –, paredes de taipa e o compartimento que represava as águas levadas para asturbinas. O sobrado, bem conservado no estilo original, se situa no quilômetro 48 da rodoviaOswaldo Cruz, no trecho da estrada que liga São Luiz do Paraitinga a Ubatuba.

A decadência do café

Apesar de não ter investido exclusivamente na produção do café, São Luiz do Paraitingasofreu com a decadência do fruto na região, iniciada na década de 1870. De sua parte, o mauaproveitamento do solo junto à acidentada topografia do município iniciaram a crise luizense.Na região, a rota costumeira percorrida pelas tropas que transportavam o produto de Taubatéa Ubatuba, que passava por São Luiz do Paraitinga, tornou-se desimportante para esse propó-sito após a abertura da estrada de ferro D. Pedro II no Vale do Paraíba, em 1877, que dispen-sou as longas e demoradas viagens com direito a pausas na pequena cidade entre o ponto departida e o destino. A estrada de ferro, que entrou em funcionamento em 1858 ligando duasestações no Estado do Rio de Janeiro, tomou maiores proporções nas décadas seguintes,permitindo que a maior parte do café fosse transportada rapidamente ao porto de Santos, nolitoral de São Paulo2.

Na década de 1890 empresários e fazendeiros da região de Taubaté planejaram reativar oescoamento do café pelo porto de Ubatuba através da instalação de uma estrada de ferro quepartiria daquela cidade. Após construção parcial da estrada e das estações, a ferrovia teve suaconcessão suspensa pelo governo federal. Em 1905 o projeto foi abandonado definitivamente,após diversas tentativas de retomada das obras.

Além do prolongamento da estrada de ferro D. Pedro II, o esgotamento progressivo das terras,o maior endividamento dos proprietários rurais, a concorrência das novas áreas produtoras do caféno chamado Oeste Paulista, as leis abolicionistas e a mentalidade conservadora dos fazendeirosagravaram a decadência do cultivo do fruto na região. No ano da Abolição da Escravatura, 1888,

2 DNIT (site). Acessoem 23 jul. 2010

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75% da mão-de-obra escrava existente no Império – aproximadamente 150.000 escravos – resi-diam nas fazendas de café do Vale do Paraíba fluminense e paulista.

Diferente do restante do Vale do Paraíba, onde o café resistiu até a década de 1920, aprodução em São Luiz do Paraitinga foi afetada gravemente em 1918 por uma geada quedestruiu grande parte dos cafezais, deixando o cultivo abaixo do que era costumeiro nosúltimos anos. No primeiro quartel do século XX, a produção cafeeira no município era aquarta maior, com 134 toneladas, abaixo do feijão, com 408, do milho, com 3.100, e da cana-de-açúcar, produzida em quantidade expressivamente maior, com 20.979 toneladas.

Os animais criados no município tinham as principais finalidades de serem utilizados nacozinha e no transporte. Nos primeiros 25 anos do século XX a criação de porcos contabili-zou quase 11 mil cabeças – atividade bem maior do que com os bovinos, segundo animal maiscriado no município, com pouco menos de quatro mil cabeças – com a principal finalidade dacriação do animal para a obtenção de banha para uso culinário. As principais frutas cultivadasno município nessa mesma época eram laranja, em menor quantidade, abacate, manga, pera, ebanana, com o maior número de pés – 300 mil.

A modernização

Nas últimas décadas do século XIX o perfil da zona rural sofreu mais alterações que noinício do século, quando o homem caipira começara a perder espaço na sociedade. Aconteci-mentos políticos e econômicos no país levaram os empresários, que antes investiam nas lavou-ras, a destinarem suas verbas em atividades típicas do centro urbano. Nessa época, a taxa deurbanização de um município é o que apontava o seu crescimento, e a sociedade brasileira,considerada “atrasada” por países mais desenvolvidos, buscou implementar costumes da altasociedade às atividades da população. Em São Paulo, essa mudança fez surgir um preconceitocultural com o caipira, vista a sua simplicidade, e tornou o termo um estereótipo de pessoasprimitivas e preguiçosas – como apontado por Monteiro Lobato na figura do Jeca Tatu.

As atuais diferenças estruturais entre escolas rurais e urbanas são o reflexo dessa tendência aosnovos costumes e do agravamento do preconceito com os moradores da roça. No início do séculoXX, pregava-se a importância de, enquanto se construía escolas de alto nível na área urbana,

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investir na “regeneração moral” do caipira, que estaria se sentindo sem espaço na sociedade daépoca. No entanto, nessa mesma época São Luiz tinha apenas 250 alunos – de 16 mil habitantes –matriculados nas escolas do município, dada a falta de apoio governamental e consequente preca-riedade das escolas, que muitas vezes funcionavam em cômodos residenciais.

Apesar dos preconceitos típicos da área urbana, os caipiras tinham gosto pelo trabalho naspropriedades rurais e sabiam dividir o horário entre o trabalho e o lazer. Mesmo dando aten-ção a suas tarefas diárias, eles conseguiam passar bastante tempo realizando atividades quelhe agradassem – característica confrontada pela modernização do sistema de trabalho, queexigia longas horas de trabalho e obediência a uma hierarquia trabalhista.

Usina hidrelétrica

Com a boa renda adquirida a partir da produção agrícola em São Luiz do Paraitinga, fazen-deiros e comerciantes – e a prefeitura em menor grau – resolveram investir na instalação deuma usina hidrelétrica no município, que começou a ser construída em 1923. O local escolhi-do beirava o Rio Chapéu e ficava a cinco quilômetros da cidade, em uma área de aproximada-mente três alqueires. Parte da aparelhagem da usina tinha procedência alemã, e a energiagerada por ela era suficiente para o município nessa época.

As preparações mínimas para o funcionamento esperado – conclusão das obras na usina einstalação de postes – levaram aproximadamente dois anos. Após experimentos durante o dia,a luz foi ligada definitivamente na noite de 6 de janeiro de 1925, acontecimento comemoradocom retreta na praça central e baile no sobrado de um coletor de impostos da cidade. Paraevitar sobrecarga na usina, a energia era ativada apenas durante a noite e madrugada, funcio-nando entre dez e doze horas diariamente.

Em menos de duas décadas a energia gerada pela usina já não era mais suficiente paraabastecer o município eficientemente, e as sobrecargas, seguidas de desligamentos do sistema eapagões, se tornaram constantes. Mediante protesto dos munícipes, a prefeitura resolveu comprara energia elétrica vinda da Usina Félix Guisard, situada em Redenção da Serra, propriedade daCompanhia Taubaté Industrial. Além de gerar energia para Redenção da Serra e Taubaté, elaabastecia Natividade da Serra, Ubatuba e, posteriormente, São Luiz do Paraitinga.

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Nas décadas seguintes, o que restou da Usina do Chapéu se tornou sucata. Em 1970 a estatalCesp (Companhia Elétrica - depois Energética - de São Paulo) se tornou proprietária do local e aconcessionária de energia elétrica do município. Na década seguinte ela destruiu a casa de máqui-nas e levou as peças que restaram para um lugar desconhecido. Atualmente podem-se ver restos darepresa, totalmente abandonados, da ponte do Rio Chapéu, na altura do quilômetro 46 da rodoviaOswaldo Cruz.

O Vale do Paraíba em guerra

O Vale do Paraíba paulista foi considerado o principal palco de combates da RevoluçãoConstitucionalista de 1932, iniciada após a revolta dos paulistas com o golpe militar que levouGetúlio Vargas ao poder em 1930, por ser um ponto de acesso estratégico entre São Paulo eo Rio de Janeiro. Cidades como Lorena e Cruzeiro chegaram a ser ocupadas pela tropa fede-ral, e de Cunha saiu um dos heróis do conflito: o agricultor Paulo Virgínio, que não revelou alocalização das tropas paulistas, mesmo sob tortura. Sua morte pelas tropas ditatoriais foiconsiderada a mais bárbara – por se recusar a revelar a posição de seus aliados, ele foi obriga-do a cavar a própria sepultura3.

Os munícipes de São Luiz do Paraitinga também estiveram perto do conflito. Na cidadeforam montados quartel e hospital de campanha, que entraram em funcionamento com a che-gada das tropas paulistas ao município no dia 10 de junho. Nesse mês de estadia antes doinício da guerra, que eclodiu oficialmente no dia 9 de julho, os soldados constitucionalistasviveram o cotidiano do município e se tornaram amigos da juventude luizense. Voluntários dacidade formaram o Batalhão Oswaldo Cruz.

Nos primeiros meses do conflito São Luiz do Paraitinga não passou por dificuldades, po-rém em setembro a situação se agravou a ponto de os soldados aconselharem os moradores asaírem da cidade. A fim de evitarem as tropas federais que avançavam pelo leste, vindas de Paratye Cunha, quase todos os munícipes – dentre eles o padre Ignácio Gióia – foram para sítios efazendas distantes localizadas no sul e oeste do município. A principal batalha entre as tropas pau-listas e as de Getúlio Vargas ocorreu em um campo no bairro rural do Rio Acima, situado a seisquilômetros ao leste da cidade e distante dos refugiados.

3 RevoluçãoConstitucionalista de1932 (site). Acesso em30 jul. 2010.

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No mês seguinte os moradores começaram a retornar à cidade e se depararam com um cenáriodeplorável: as casas haviam sido invadidas, saqueadas e vandalizadas, e havia frases humilhantesescritas nas paredes. A maioria dos documentos guardados em uma escola que serviu como hospi-tal foi queimada, e isso dificulta até hoje a obtenção de informações a respeito do sistema educaci-onal na cidade antes da década de 1930. O cabo José Benedito Salinas, que vivia em São Luiz doParaitinga, foi morto em combate na Serra da Mantiqueira e se tornou o herói da cidade. O eventomarcou o município tanto em questões históricas e culturais quanto estruturais e econômicas – asduas últimas impactadas negativamente apenas –, porém se tornou um dos maiores orgulhos de suahistória.

O crescimento pela pecuária

No início do século XX o Vale do Paraíba passou a dar mais atenção à pecuária leiteira após adecadência da cultura do café e da produção agrícola. Entre as décadas de 1930 e 1940 a regiãorecebeu migrantes de Minas Gerais, que levaram consigo criações de gado leiteiro – a produçãoleiteira marcou a economia de São Luiz do Paraitinga posteriormente.

O principal fator que atraiu os mineiros para a região foi o baixíssimo preço das proprieda-des rurais. Em Minas Gerais, um hectare de terra chegava a ser 20 vezes mais caro que umsítio ou fazenda no Vale do Paraíba. A alimentação do gado era garantida pelo capim-gordura,que nascia nas colinas limpas dos cafezais mortos. Essas condições permitiram que as propri-edades voltassem a ser tão extensas quanto na época do café, após divisões ocorridas com adecadência da monocultura do fruto.

A produção leiteira na região, que serviu para abastecer tanto o Vale do Paraíba quanto SãoPaulo, teve impacto positivo em São Luiz do Paraitinga. Os caipiras se adaptaram facilmentea essa atividade, tornando-a um novo modo de sustento; os proprietários de terrenos derrubaramas últimas plantações de café, diminuíram suas lavouras de feijão e milho e transformaram as mon-tanhas em pastos.

As exigências técnicas de manipulação e transporte do leite acarretaram em melhores con-dições das estradas e a viagem diária de caminhões leiteiros. Os motoristas desses veículos acaba-ram sendo responsáveis pelo aumento no contato entre o caipira e a cidade, já que eles se respon-

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sabilizavam pela compra de itens de consumo e faziam o transporte gratuito de moradores da árearural. Essa característica facilitou, até metade da década de 1990, a eleição de carreteiros a vere-adores.

Os produtores de São Luiz do Paraitinga forneciam leite para três companhias de benefici-amento, sendo que uma delas – a Usina Vigor – se localizava no município. Estima-se que omunicípio chegou a produzir mais de um terço do leite do Vale do Paraíba, que de quatro millitros de leite diários em 1920 passou a produzir quase 140 mil litros por dia em 1960, duranteo auge da cultura leiteira da região. Com a decadência do cultivo alimentício e o crescimentoda produção leiteira, que exigia menos mão-de-obra, a população do município caiu drastica-mente entre as décadas de 1910 e 1940: na primeira o município tinha mais de 25 mil morado-res; na segunda o número caiu para pouco mais de 11 mil.

Outro destaque dessa época é a construção da Vila de São Vicente de Paulo, destinada aamparar pessoas idosas necessitadas, em 1938. O idealizador do projeto foi o comerciante epirotécnico Idalício dos Santos, que apesar de não ter nascido em São Luiz do Paraitingamorou no município desde a infância. A vila, cujo espaço – fruto de doação em 1936 – se situana rua Coronel Domingues Castro, foi ampliada em 1958 com a construção de mais casas euma capela em devoção a São Vicente. O fundador do local, no entanto, faleceu em 1939,logo após o início das atividades no local.

As últimas mudanças econômicas (até a enchente)

A vida no município mudou consideravelmente nos últimos 40 anos, desde o início dadecadência da pecuária leiteira, ocorrida também pelo empobrecimento dos terrenos ondenascia o alimento dos rebanhos. Os caipiras foram bastante afetados, visto que grande partedeles se viu obrigada a viver na zona urbana devido à recorrente venda de posses rurais a morado-res de cidades grandes. Os compradores costumavam deixar somente um pequeno grupo de rura-listas como responsáveis pelas terras, que não necessitavam de tanta mão-de-obra.

A maioria dos proprietários passou a utilizar as propriedades para lazer ou para plantar eucalip-to – que corresponde à atual monocultura no município. Mesmo com a queda na comercializaçãodo leite, a sua produção diária atual passa dos 20 mil litros. Com relação à plantação de eucalipto,

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estima-se que a área destinada ao seu cultivo seja de aproximadamente quatro mil hectares, e que80% dos 350 empregados para a sua produção residam na cidade. As plantações são destinadasprincipalmente a duas companhias produtoras de papel e celulose: a Suzano Papel e Celulose e aVotorantim Celulose e Papel. A produção alimentícia, que em 1940 ocupava quase quatro milhectares no município, atualmente ocupa 450.

A estrutura econômica urbana do município ainda pode ser considerada pré-capitalistadevido a sua baixa densidade demográfica e ao pequeno número de empregos gerados porcada empresa. Não há qualquer estabelecimento industrial que empregue mais de 20 pessoas,e o maior empregador é o setor público – há cerca de 850 servidores na prefeitura.

A cidade histórica

O Estado passou a reparar na riqueza do acervo cultural de São Luiz do Paraitinga em1969, durante a comemoração do segundo centenário da fundação do município. No eventoforam expostos diversos documentos e objetos antigos da cidade, após aprovação do profes-sor Luiz Pola Baptista ao pedido de um grupo de jovens que adornavam o município.

Notando a importância do município na história regional, o Condephaat nomeou São Luizdo Paraitinga “a mais brasileira das cidades paulistas” no início da década de 1970. Em 1982,o órgão promoveu o tombamento de dezenas de casas, sobrados e igrejas, além de seu entor-no paisagístico, após levantamento do patrimônio arquitetônico da cidade.

Com o tombamento, os munícipes entenderam que São Luiz poderia se tornar um lugaratraente, o que eventualmente acarretaria em uma economia baseada no turismo e serviriacomo alternativa para os problemáticos modelos econômicos anteriores. Na década de 1970 omunicípio começara a receber diversas melhorias na infraestrutura, incluindo a vinda das estataisCesp e Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), que cuidavam dadistribuição de eletricidade e água respectivamente.

A instalação do Núcleo Santa Virgínia, no Parque Estadual da Serra do Mar, foi um dosincentivos ao desenvolvimento do turismo no município pela extensão do território e a riquezada fauna e flora preservada no local. O turismo ecológico, incluindo a recente chegada do rafting– passeios em grupos utilizando botes infláveis em corredeiras – é um dos grandes atrativos da

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cidade.Apesar do desejo dos munícipes em transformar o município em uma das estâncias turísti-

cas do Estado existir, no mínimo, desde o final da década de 1960, São Luiz do Paraitinga sórecebeu esse título em 5 de maio de 2002, pela Lei nº 11.197. Com isso o município dispõe,além de uma nomeação mais atraente, de uma verba maior do governo estadual para a promo-ção do turismo regional.

No início do século XXI os munícipes já percebiam um dinamismo maior na indústriaturística da cidade, que conta com diversos restaurantes, hotéis e pousadas, além de um fartocalendário festivo tradicional ou não. Pelo menos nas datas festivas mais culturais, como afesta do Divino Espírito Santo, vários artigos tradicionais da cidade são expostos. Duranteesses eventos variados grupos de danças, como a congada, o moçambique e o maracatu seapresentam espontaneamente, sem aviso prévio aos turistas, sinalizando que suas tradiçõessão preservadas principalmente pela devoção dos participantes. Confusos e fascinados, osturistas acabam se encantando pelo que veem, ou ingenuamente considerando o evento malorganizado.

Com a enchente no início de 2010 e, mesmo com um cenário diferenciado, a retomada doturismo nos meses seguintes, as discussões no município passaram a ser não só a necessidadede se atrair mais turistas, mas também a de haver uma economia alternativa no município, tãoou mais forte que o turismo. Na opinião dos comerciantes, isso colaboraria para evitar que omodo de economia ascendente fosse tão prejudicado quanto no início do ano, quando a tragédiaacarretou o cancelamento de parte do calendário festivo do município – o carnaval, que não ocor-reu como previsto, atraiu mais de 180 mil turistas em 2009 – e, consequentemente, em um lucromuito menor do que o esperado nos primeiros meses de 2010.

As igrejas luizenses

Até o início de 2010, os moradores de São Luiz do Paraitinga e seus visitantes encontravamfacilmente as três principais igrejas da cidade: a Igreja Matriz, a Igreja das Mercês e a Igreja doRosário. As duas primeiras ruíram com a tragédia, e a última, que já carecia de manutenções, foiinterditada para restauro. Essa igreja se situa no local em que foi construído o primeiro templo da

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cidade, em 1707, e posteriormente uma igreja em taipa e pilão, em 1767. O templo foi demolidoem 1915, e a atual igreja construída no local foi inaugurada em 1921, sempre em louvor a NossaSenhora do Rosário. O cemitério mais antigo da cidade, de 1844, fica aos fundos dessa igreja.

A Igreja Matriz foi construída em 1840, dez anos após o início das obras, pela necessidade dehaver um templo maior que a capela do Rosário para acolher os fiéis da cidade. A estrutura originaltinha apenas uma torre, na qual um relógio foi instalado em 1875. A segunda torre da igreja foiconstruída em 1894. A igreja passou por duas grandes reformas – em 1925 e 1945 – sob o apoiodo vigário padre Ignácio Gióia. Em 1972 o pintor Álvaro Pereira, de Taubaté, executou os afrescosexistentes na igreja até sua queda.

A Igreja das Mercês, construída em 1814, era a mais antiga construção ainda de pé nomunicípio e o único edifício que restava do período colonial. A imagem de Nossa Senhora dasMercês foi trazida por Maria Antônia dos Prazeres no início do século XIX em sua mudança deGuaratinguetá a São Luiz do Paraitinga. Até ruir, quase tudo o que havia na igreja, como os sinos eo altar, era da época colonial. A igreja, também conhecida como Capela das Mercês, foi o primeiroedifício da cidade a ser tombado pelo Condephaat, em 1982.

Eventos religiosos

Diversos eventos religiosos costumavam ser realizados grandiosamente em São Luiz do Parai-tinga até anos atrás, como a festa de São Sebastião, um dos santos nomeados protetores dosportugueses na época da colonização do Brasil, e a festa do padroeiro da cidade, São Luís deTolosa. Atualmente, a festa do Divino Espírito Santo é a festa religiosa mais conhecida da cidade eatrai milhares de turistas anualmente. O costume desse evento surgiu na Alemanha medieval e che-gou ao Brasil através da França e Portugal. Registros indicam que a festa é realizada no municípiodesde o início do século XIX, porém estudiosos acreditam que ela tenha começado a ser realizadaainda no século XVIII.

A cada ano um festeiro é escolhido para ser o responsável pela organização do evento,preparado com centenas de voluntários. Os devotos participantes costumam portar bandeirasvermelhas com fitas coloridas e imagens de membros de suas respectivas famílias a fim de pedirproteção e saúde a elas. A festa dura dez dias, começando na noite de uma sexta-feira com uma

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novena e bênção às bandeiras. Os principais acontecimentos são realizados nos finais de semana,incluindo o encontro das bandeiras, que termina no Império – casa ornamentada que se torna ocentro das devoções populares durante a festa –, a distribuição do afogado – comida tradicional dafesta – na tarde e noite de diferentes dias, e a Procissão do Divino, na qual os devotos são acom-panhados pela banda musical do município durante as orações e a caminhada, que termina nocentro da cidade. Até 2009, a procissão era encerrada dentro da Igreja Matriz, na qual era iniciadauma missa logo após a caminhada. Em 2010 a procissão terminou na praça central da cidade (emfrente ao local da caída igreja) em um espaço preparado para a realização das novenas e missas.

Diversas apresentações culturais são realizadas durante a festa: congadas, moçambiques, dan-ça-de-fitas, pau-de-sebo, o casal de bonecões João Paulino e Maria Angu – que correm pelacidade atrás dos munícipes e visitantes –, e a tradicional cavalhada de Catuçaba, cuja performanceretrata a luta entre mouros e cristãos difundida desde a Idade Média por Carlos Magno e os 12pares da França.

Outro evento religioso tradicional é a visita de pastorinhas – grupo de meninas que mantémuma tradição secular na cidade – entre o Natal e o Dia de Reis (6 de janeiro) às residências nasquais foram colocados presépios. Elas entoam um cântico, tão antigo quanto o costume,acompanhadas por um grupo de instrumentistas da banda musical de São Luiz. Não se sabequando começou o costume das pastorinhas na cidade, e é comum que diversas gerações decada família atualmente já tenham participado do grupo.

Os grupos musicais

São Luiz do Paraitinga possui atualmente dois conjuntos musicais clássicos: a CorporaçãoMusical São Luís de Tolosa e a Famig (Fanfarra Monsenhor Ignácio Gióia). A primeira foicriada no meio da década de 1950 após a separação das três bandas que se apresentavam nomunicípio e disputavam o reconhecimento. Quando criada, a corporação continha músicos einstrumentos das findadas bandas.

A Famig foi criada no final da década de 1980 como parte da escola com o mesmo nome.

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Dentre diversos títulos conquistados pelo grupo está o de tricampeã brasileira. Pela sua qualidade,foi convidada a se apresentar em eventos importantes da região, como o lançamento do aviãoTucano, da Embraer, e as visitas de governadores do Estado e presidente da República. Boa partedos membros da fanfarra também são músicos da Corporação Musical São Luís de Tolosa. Ogosto pela música atrai a juventude luizense a ponto de não ser raro os músicos iniciados no muni-cípio se mudarem para se tornar maestros ou fazerem parte de orquestras.

O cinema

Segundo antigos moradores da cidade, a primeira sala de cinema de São Luiz do Paraitingafoi instalada no centro em 1915, antes mesmo da chegada da luz elétrica à cidade, por Sebas-tião Procópio, que dava funcionamento ao projetor utilizando uma manivela. Em 1925, jácom a eletricidade instalada, foi criado o Cine Éden, na rua Coronel Domingues de Castro,próximo à Capela das Mercês. Os filmes silenciosos apresentados no Cine Éden eram acom-panhados de um conjunto musical com piano, flauta, violino e saxofone.

Em 1936 o cinema passou para outro prédio, na rua Trinta e Um de Março, onde se situa o“calçadão” do município. O novo cinema, que tinha cerca de 300 lugares, também era palcode apresentações teatrais e, por isso, foi denominado Cine Theatro São Luís. Nas décadasseguintes o cinema se tornou a principal diversão da cidade, e era comum haver grandes filaspara a compra de ingressos. No final da década de 1960, com a chegada de um aparelhorepetidor de sinais de televisão os moradores começaram a deixar de frequentar o cinema, queentrou em decadência e fechou em 1975. Em 1977 ele foi reaberto por uma empresa deTaubaté que possuía diversas salas de exibição pelo Vale do Paraíba, e após duas trocas de donoo cinema encerrou suas atividades definitivamente em 1981.

Seis filmes cinematográficos usaram São Luiz do Paraitinga como cenário: O Jeca e aFreira (1967) e No Paraíso das Solteironas (1969), ambos de Amacio Mazzaropi; O Profetada Fome (1969), de Maurício Capovilla; A Marvada Carne (1985), de André Klotzel; Divino96 (1996), de Ugo Giorgetti, e The Flying Virus (O vírus voador, em tradução livre, EUA,2001)

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O carnaval

Há registros da realização do carnaval em São Luiz do Paraitinga desde 1880, época em que oevento durava três dias, se chamava “entrudo”, e a principal diversão consistia em jogar água,farinha e até dejetos uns nos outros. Era costumeiro iniciar os festejos com um banquete compostoprincipalmente pelo afogado, prato típico da região, que ricos da cidade ofereciam aos foliões. Nofinal do século XIX o nome do evento mudou para carnaval, e sua realização seguia o modelo docarnaval de Veneza, na Itália. Os objetos arremessados entre os foliões eram limpos e cheirosos,havia apresentações musicais, teatrais e desfiles de blocos montados a cavalos. O novo vigário deSão Luiz do Paraitinga no início do século XX, o padre italiano Ignácio Gióia, que procuravasubstituir o catolicismo de origem colonial e caipira pelos costumes ditados pela Cúria Romana,usou do prestígio que a Igreja Católica tinha na época para proibir a realização do carnaval nomunicípio na década de 1920. A proibição durou aproximadamente quatro décadas.

Em 1962, após a morte de Ignácio Gióia, o Clube Imperial Luisense promoveu o primeiro baileapós a proibição. Os bailes na época eram esporádicos, e o carnaval de rua não voltara a serrealizado até 1981, quando o clube promoveu um desfile pela cidade com a colaboração da prefei-tura, que promoveu um concurso com premiação e contratou uma bateria que dava ritmo aosblocos que passavam. Em 1982 o carnaval de rua ganhou autonomia em relação às realizações doclube e ao desfile organizado pela prefeitura com a criação de um bloco cuja saída às ruas conflita-va com o horário dos outros eventos.

Nos anos seguintes as marchinhas, já costumeiras nas apresentações musicais durante oevento, passaram a ser dominante nos festejos. Em 1984 foi realizado o primeiro Festival de Mar-chinhas Carnavalescas promovido pelo Clube Recreativo Paraitinga, no qual foram selecionadasdoze músicas. Em 1985 foi criado o bloco Juca Teles, que se tornou o principal bloco a desfilar nacidade até os dias de hoje. A cultura popular do evento começou a ser perdida a partir de 1989,com a divulgação das festividades pela TV Globo do Vale do Paraíba, que havia se instalado naregião. O festival passou a se constituir em uma manifestação própria de cultura de massa, e a cadaano o número de visitantes crescia consideravelmente. Com os visitantes, os problemas estruturaisda cidade – principalmente falta de água e mobilidade, e excesso de lixo espalhado –, que recebeuaproximadamente 180 mil pessoas em 2009 (quase 40 vezes o número de habitantes da zonaurbana da cidade), se tornaram cada vez mais prejudiciais à vida dos luizenses.

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A natureza

São Luiz do Paraitinga possui 73.700 hectares, sendo que 15.946 (21,6%) são recobertos poruma flora pertencente à Mata Atlântica. Dessa cobertura florestal, 7.700 hectares (10,5%), encon-tram-se no interior do Parque Estadual da Serra do Mar – Núcleo Santa Virgínia, sob proteçãolegal. Somando a área do núcleo à área encontrada na zona de amortecimento – ao redor do local–, 22.100 hectares (30%) do município possuem cobertura florestal nativa – número consideradoirregular pelo Código Florestal Brasileiro.

O Núcleo Santa Virgínia, criado em 1989, possui áreas florestais de São Luiz do Paraitin-ga, Natividade da Serra, Cunha e Ubatuba, e abrange 70% da Mata Atlântica das duas primei-ras cidades. Em sua vasta área pesquisadores catalogaram 39 espécies de mamíferos, 41 espé-cies de anfíbios e 36 espécies de cobras, além de espécies em extinção (o parque estadualabriga 276 espécies de mamíferos, 567 espécies de répteis e anfíbios e pelo menos 700 espé-cies de aves). As nascentes provenientes das cachoeiras do núcleo são as principais formado-ras do rio Paraíba do Sul e abastecem nove milhões de pessoas que vivem no Vale do ParaíbaPaulista e Fluminense. As estradas e trilhas encontradas no interior do local foram construídaspelos escravos no século XVIII, comandados por engenheiros do exército português, e de-monstram a importância da travessia da Serra do Mar pelas tropas de burros como parte darota comercial entre o porto de Ubatuba e o Vale do Paraíba. O núcleo recebe aproximadamentecinco mil visitantes por ano, e o seu relevo tem altitudes que variam entre 860 e 1.650 metros.

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A enchente

O Estado de São Paulo registrou índices de chuva acima do normal no final de 2009, épocaem que centenas de famílias, principalmente da capital, tiveram de deixar suas casas devido àsconsequências trazidas pelo fenômeno meteorológico. Os institutos responsáveis pela previ-são do tempo não esperavam por melhorias nessa época, e tornou-se corriqueiro enviar aler-tas às cidades que poderiam ter chuvas fortes. As cidades do Vale do Paraíba e litoral nortetambém foram afetadas nos últimos meses do ano. Em novembro uma enchente atingiu 500casas em Guaratinguetá, e em dezembro uma criança morreu soterrada após fortes chuvas emUbatuba.

Em São Luiz do Paraitinga, a chuva alcançou nos três primeiros dias de dezembro a médiaesperada para um mês inteiro no verão. O nível do rio ficou dois metros acima do normal,alcançando algumas ruas e residências da cidade – o que se tornou frequente nos últimos anosse comparado a décadas anteriores –; a intensidade da chuva prejudicou a estrutura de resi-dências, e deslizamentos dificultaram o tráfego em diversos pontos das estradas rurais e isola-ram centenas de moradores da região. Nos dias seguintes, o acesso ao distrito de Catuçabaficou interditado pela elevação do rio Chapéu, e os deslizamentos no município nessa épocacomeçaram a acontecer no bairro do Cruzeiro, levando a Defesa Civil do município a alertaros moradores da área quanto à possibilidade de agravamento da situação, visto que eles resi-diam em uma área de risco. Ainda na primeira quinzena de dezembro algumas famílias ficaramdesabrigadas, e o município teve problemas com o fornecimento de eletricidade e água.

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Ano novo

O município não passou por novos transtornos durante duas semanas, porém a chuva vol-tou a trazer graves problemas durante a passagem para o ano novo. No dia 31 de dezembroduas famílias se viram obrigadas a deixar suas residências. Na manhã do dia 1° de janeiro amídia já informava que mil moradores teriam deixado suas casas devido aos problemas trazi-dos pelo rio Paraitinga, que estava 3,5 metros mais alto que o normal. O principal acesso àcidade foi interditado, e o município ficou sem água e telefone. No final da tarde, quando aágua passou dos 4 metros de altura, a prefeita Ana Lúcia Bilard Sicherle decretou estado decalamidade pública. Desde o início da tarde os munícipes já discutiam a possibilidade de aágua subir um pouco acima do esperado.

O luthier (fabricante de instrumentos musicais) Silvio Oryn, que dá aulas e produz instru-mentos musicais no centro da cidade, possui uma residência na Várzea dos Passarinhos, bairromuito afetado pelas águas. Ele explicou que estava no centro com amigos na manhã do dia 1°e que só ficou sabendo dos problemas em sua residência após um telefonema. “Uma amiga deUbatuba me ligou próximo das 10 horas da manhã para dizer que minha casa estava sendoatingida pela água. Demos uma grande volta pelo pasto para contornar um trecho alagado e,quando chegamos (ele e a esposa), vimos quase 2 metros de água em casa. Felizmente alguémarrombou a porta para salvar nossos cachorros. Nessa hora o meu carro já estava coberto.”

Ele afirmou que os moradores da Várzea estavam se concentrando em uma capela, situadaem um ponto elevado do bairro, e que se surpreendeu ao voltar para o centro. “Chegamos aolocal e encontramos nossos cachorros na capelinha, junto a vários moradores. O rio continu-ava subindo, e em uma hora estávamos ilhados no local. Algum tempo depois os rapazes dorafting vieram até nós para saber se alguém estava precisando de alguma coisa, mas como eue a Adriana (esposa) estávamos bem, resolvemos voltar à loja contornando o bairro pelopasto, sob chuva fina. Chegando ao centro, minha loja tinha 30 centímetros de água, algo quenunca tinha acontecido. Levamos alguns móveis e instrumentos para cima, mas não mexemosnas peças que estavam em pontos mais altos, pois não achamos necessário. Quando voltamospara o andar de baixo, 40 minutos depois, a água já tinha passado de um metro. A porta estavaaberta, e dois amigos instrutores de rafting estavam passando em um bote. Eles nos levarampara um lugar seco. Restou a nós ajudar quem estava precisando”, contou. Silvio falou tam-

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bém do desespero de alguns turistas. “Alguns deles chegaram ao ponto de querer processar aspousadas por ter perdido o carro na enchente. Como se os comerciantes fossem São Pedropara decidir se chovia ou não”, ironizou.

No caso da balconista Claudinéia dos Santos, ela desacreditou nos alertas, visto que residiano bairro Verde Perto. Apesar de ficar ao lado do rio, parte do Verde Perto é elevada, dificul-tando a entrada da água nas casas.

“Os rapazes do rafting passaram em casa pouco depois do almoço dizendo que a águachegaria perto de casa, mas eu não acreditei, imaginando o prejuízo que a cidade teria se aágua elevasse ao ponto de atingir minha residência. No final da tarde eles pediram novamenteque saíssemos lá, pois a água estava a um metro do portão. Meus pais quiseram ficar, e nãopodia deixá-los sozinhos. Continuamos em casa pelas horas seguintes, acreditando que a águapararia de subir.”

Com a desaceleração na subida das águas, os munícipes do centro elevaram como possívelos objetos em suas residências e comércios, acreditando que o rio não subiria mais. No entan-to, passadas algumas horas desde o decreto da prefeita, o rio voltou a subir violentamente –sem que houvesse chuva na cidade. O comerciante Edvaldo dos Santos “Pipoca”, que moravaao lado do rio e tem um restaurante e uma locadora de filmes próximos ao local em queresidia, contextualizou a situação explicando que até a pausa da enchente sua casa e a locado-ra haviam sido parcialmente atingidas. O restaurante, no andar de cima do edifício, teria sidoatingido somente após a retomada da subida do rio Paraitinga, no final da noite do dia 1°.

“A primeira parte da enchente não alcançou o restaurante – parou nos degraus. No entanto,a água voltou a subir rápida e inesperadamente, e tivemos que pegar uma carona de barcosaindo pela janela do lugar. Se soubéssemos que a enchente não pararia por ali teríamos tiradotudo de casa e levado para nossa outra propriedade, no São Benedito (bairro elevado que nãofoi atingido). Tivemos que deixar tudo para trás, tanto em casa quanto no restaurante e nalocadora.”

O resgate

Mesmo os moradores que se precaveram levando seus pertences a pontos mais altos da

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residência tiveram o mesmo destino de Edvaldo nas horas seguintes. Conforme o rio subia, osmunícipes tiveram que se preparar fisicamente para saírem de suas residências. A principalmaneira para isso foi o resgate: apesar de o Corpo de Bombeiros navegar em botes motoriza-dos, os luizenses afirmam que os principais responsáveis pelo resgate da maioria da populaçãoforam os praticantes de rafting que residem na cidade. Desde o início da tragédia eles teriamsaído às ruas em seus botes buscando dar suporte à população, trabalho que teriam realizadoaté não haver mais munícipes necessitando de resgate. Durante todo esse tempo o trabalho foiintenso e repetitivo para mais de 40 voluntários, que utilizaram cerca de dez botes. Os prati-cantes de rafting teriam passado mais de 24 horas remando pela cidade e fazendo todo oesforço necessário para salvar as pessoas: ao resgatarem idosos em locais complicados (mui-tas pessoas tiveram que sair pela janela de casa), por exemplo, eles deviam carregá-los ecolocá-los cuidadosamente nos barcos. Conforme as horas passavam e o resgate continuava,casas em diversos pontos da cidade iam submergindo – algumas delas começaram a ruir aindade madrugada.

Apesar de o problema ganhar destaque somente ao atingir o centro histórico, as águas jáhaviam atingido parte do município na manhã do dia 1°. O instrutor de rafting Hélio Alexan-dre, conhecido no município como “Helinho Dindon”, conta que os resgates começaram pou-cas horas depois de os luizenses dormirem após o réveillon. “Recebi uma ligação às sete horasda manhã com um pedido de ajuda para levantar móveis das residências que já estavam sendoatingidas pelas águas. Às nove e 20, indo tomar o café da manhã, as pessoas estavam desespe-radas, pois havia um senhor preso na Várzea dos Passarinhos, bairro mais baixo da cidade.Uma hora depois pediram ajuda para o segundo resgate, e assim foi sucessivamente. De ma-drugada mal conseguíamos remar, já que o peso dos botes dobrava quando colocávamosquatro ou cinco resgatados nele, e puxávamos fios da rede telefônica para chegarmos aodestino.”

Os três principais pontos aos quais os resgatados podiam ser levados eram os bairros SãoBenedito, Santa Terezinha e Benfica – os dois primeiros não tiveram agravos nem pela en-chente nem por deslizamentos, e o último foi parcialmente atingido. O São Benedito fica notrecho entre o centro histórico e a saída da rodovia Nelson Ferreira Pinto, que liga o municípioà rodovia Oswaldo Cruz em um sentido, e à Lagoinha no outro. O Santa Terezinha fica próxi-mo à entrada principal da cidade, popularmente conhecida como “trevo de Ubatuba”. A Igreja

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do Rosário, no Benfica, virou uma das bases de distribuição de suprimentos básicos nos diasseguintes. Outros pontos, como o Alto do Cruzeiro, Verde Perto e Várzea dos Passarinhos,tiveram mais problemas por pelo menos uma das consequências do excesso de chuva.

O triste alvorecer

Na manhã do dia 2 a água havia parado de subir – dados da Defesa Civil Estadual apontamque o nível do rio subiu aproximadamente 15 metros. Grande parte da cidade estava submer-sa. Do Mercado Municipal só se via os pontos mais altos do telhado, reconhecíveis peloformato quadrado do prédio, e a ausência da ponta da Capela das Mercês denunciava suaqueda. Estima-se que mais de nove mil moradores (cerca de 90% da população) tenhamdeixado suas casas. A rodovia Oswaldo Cruz estava interditada no quilômetro 44 também

devido à enchente. Se-gundo os moradores, omomento mais crítico deelevação da água ocorreudurante a madrugada,mas os resgates só encer-raram no final da manhã.Havia todo um esquematático para o trabalho: emcertos pontos da cidade,os munícipes eram leva-dos até locais nos quaispoderiam ser puxados.Próximo à entrada do“trevo de Ubatuba”, osmunícipes eram levadosaté um barranco, poronde eram puxados com

Vista da enchente nobairro Verde Perto. Ao

fundo, homem comprancha resgata

cachorro

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uma corda de rapel até a estrada.Claudinéia e seus pais, que insistiram em ficar em casa crentes de que a água não a atingiria,

foram levados de canoa a outra residência em um ponto mais alto durante a noite. Com a retomadada subida da água, eles ficaram ilhados no local até o amanhecer. “Até tirarem a última pessoa denossa casa, a água estava atingindo nossa cintura. Em meia hora parte da residência para qual

Momento em queapenas uma das torresda Igreja Matriz haviacaído

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fomos também alagou e ficamos presos lá. Não tínhamos como pedir ajuda dali e achamos que sósairíamos de helicóptero. Os homens do rafting passaram perto de lá em um barco às 9 horas damanhã, quando a água nos cercava. Gritamos por ajuda, e felizmente eles nos viram. Quandovieram a nós, explicaram que todos pensavam que não havia mais moradores presos naquela área.”

Aproximadamente às 11 horas da manhã, enquanto os munícipes ainda não tinham ideia de qualseria o destino de cada um – pois portavam apenas poucos pertences fundamentais –, aconteceu oevento mais exibido pela mídia em rede nacional: a queda da Igreja Matriz, cujo desmoronamento

contribuiu com a devastação degrande parte do centro históricocom a queda da segunda torre doedifício. No blog Diários do Reti-ro4 a artesã Paula Guerra fez umrelato minucioso do seu testemu-nho na enchente, no qual ela tam-bém apontou o momento da que-da.

“Quando cheguei lá em cima,assim que consegui aprumar o cor-po, olhei para a cidade lá embaixoe tomei a igreja matriz como pon-to de referência... só que ela de-sabou naquele exato instante diantedos meus olhos, e fez uma enormeonda de água na praça, que der-rubou os casarões históricos como

um dominó... cara, a gente simplesmente não acredita, fica todo mundo em silêncio, de boca aber-ta, olhar fixo, pensando que se enganou. Daí eu entendi o que eram os barulhos horríveis queescutava durante a madrugada, pensei que eram transformadores elétricos estourando, mas eramdesabamentos, seguidos dos gritos de pessoas apavoradas, que estavam na água fria e no escuro.”

Dentre observadoresno “trevo” de Ubatuba,

havia viajantes epessoas resgatadas

4 GUERRA (site).Acesso em 6 fev. 2010

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Abrigo e comida

Os munícipes, desolados com acena, não tinham outra opção se-não começar a pensar no que fa-zer. Os principais comércios da ci-dade foram atingidos, e aos pro-blemas anteriores – falta de água eluz – foram adicionadas as preocu-pações com abrigo e comida – estaque se tornou escassa. Diversosmoradores da cidade ofereceramsolidariamente suas residênciascomo abrigo aos flagelados.

Um dos exemplos de abrigo ficano bairro do Orrs (conhecido tam-bém como Rio Acima, pela estra-da que o acompanha). A chácaraNossa Senhora das Brotas, propri-edade do casal de produtores Hé-lio Ozório e Benedita Pereira, foiatingida em todo o trecho de aces-so à residência, porém a casa ficouintacta. O local abrigou 56 pesso-as, sendo que algumas delas fica-ram duas semanas na chácara. Hé-lio explicou que doava parte do leiteque produzia e recebia mantimen-tos diariamente. “Na medida emque os bombeiros e os rapazes dorafting nos traziam mantimentos,

Fotos da Igreja Matriztiradas em 2006; àdireita, suas ruínas noinício de 2010

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separávamos 10 litros de nosso leite para consumo do grupo e entregávamos os outros 40 litrosque produzíamos diariamente para que fossem distribuídos na cidade. Não tínhamos o que fazercom tanto leite”. O casal chegou a cozinhar cinco pacotes de macarrão ou arroz a cada refeição.

As pousadas próximas ao centro que não foram atingidas também fizeram o possível para abri-gar os munícipes, mesmo estando totalmente lotadas pelas reservas do réveillon. Os locais públi-cos amplos e cobertos que não foram atingidos tornaram-se imediatamente abrigos e centros dedistribuição de itens de consumo.

A prefeitura e Defesa Civil emitiram notas ainda na manhã do dia 2 pedindo doações, dentre elasalimentos, que estariam escassos na cidade. Imediatamente a Polícia Militar e a Câmara Municipalde Taubaté, além da Defesa Civil Estadual e inúmeros grupos e instituições de São Paulo e outrosEstados, se mobilizaram para arrecadar os itens básicos dos quais os luizenses necessitavam –água, comida, roupas colchões e produtos de limpeza, que começaram a chegar no dia seguinte. Aprincípio, as doações que chegavam ao município eram depositadas em locais improvisados, vistoque os pontos mais apropriados para isso estavam submersos. Junto aos primeiros caminhõesvindos de Taubaté, as primeiras doações foram feitas principalmente por moradores que não foramafetados, mas nem todos os testemunhos são tão agradáveis: os luizenses contam que alguns co-merciantes das partes altas da cidade, que não foram prejudicadas por enchente ou deslizamento,supervalorizaram os itens de consumo que vendiam para aproveitarem-se do excesso de demanda.Segundo Silvio Oryn, parte dos comércios reduziu o valor de venda dos itens de consumo devidoà desvalorização do dinheiro, porém outros comerciantes teriam se aproveitado da situação.

“A princípio conseguíamos comprar um ou outro produto mesmo com pouco dinheiro no bolso,porém, nos dias seguintes, alguns comerciantes elevaram drasticamente o valor deles. Um ovochegou a custar dois reais, um pacote de arroz chegou a 25 reais, e um litro de leite passou dos oitoreais. O comerciante acabou sendo preso por isso. Independente disso, o dinheiro perdeu o valore uniu grande parte da população.”

Noite sem casa

Sem qualquer alternativa, a maior parte dos munícipes precisou recorrer a residências de amigosou estabelecimentos aos quais frequentavam para ter um lugar fechado para dormir. A escola esta-

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dual Monsenhor Ignacio Gioia – a única da zona urbana que não foi atingida – virou abrigo paradezenas de pessoas nos primeiros meses. Claudinéia, que se juntou ao resto da família na noite dodia 2, optou por ficar em uma casa própria em Taubaté até a entrada de sua residência ser liberada.Edvaldo, que teve a casa, o restaurante e a locadora de filmes atingidos, revezou sua estadia entrea casa de parentes e o abrigo na escola estadual. Silvio Oryn passou as primeiras noites em residên-cias de amigos no município. “Nos primeiros dias recebemos uma cesta básica para dividir comtodos, até conseguirmos comprar algo”, explicou. A funcionária pública Maria Aparecida Cabral,que vivia em uma casa na rua Barão do Piratininga, a poucos metros do centro histórico, tombadacomo patrimônio e que desmoronou, passou os primeiros dias na igreja evangélica que frequenta-va. Ela ficou em três lugares nesses nove meses, nem sempre junto a uma boa vizinhança.

“Quando cheguei do réveillon, a cidade estava embaixo d’água e não tive o que fazer. Conseguium lugar na igreja e fiquei por lá uns 20 dias, recebendo doações, mas a convivência era difícil, poisoutros moradores pegavam o que era nosso. Resolvi ir para o [Monsenhor] Ignacio Gioia, abrigoorganizado onde passei dois meses, e desde o final de março estou vivendo no local improvisadopela prefeitura – a pousada Caravela. A vida piorou nesses seis meses ali, pois o desrespeitocresceu. Já roubaram dois celulares meus, além de roupas minhas e do meu filho. Atualmente algunsmoradores fazem festa a qualquer hora, e há pessoas que acordam de madrugada e ligam o rádiona cozinha, ao lado do meu quarto.”

A dificuldade nas doações

O terceiro dia do ano amanheceu com a chegada de carros e caminhões com doaçõesvindas de outros municípios. A água ainda estava começando a descer, e a prefeitura não tinhaum local adequado para depositar os produtos doados, pois a cidade continuava quase inteira-mente alagada. Os munícipes se ofereceram a estocar os produtos trazidos de fora, e centenasde voluntários – luizenses ou não – apareceram para ajudar a administrar e distribuir os itens.Naquela amanhã se constatara a grande probabilidade de o município ter um grande estoquede doações. A TV Vanguarda, afiliada regional da Rede Globo de Televisão, gravou umareportagem5 em frente a uma delegacia que estava recebendo doações em Taubaté. Segundo ojornal, dez carros com doações pararam em frente ao local em apenas 15 minutos que a equipe da

5FEREZIM e PEREIRA.(site). Acesso em

8 fev. 2010

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emissora ficou no local.A coordenadora das doações nessa delegacia, Elisângela Oliveira, explicou que o problema

com as doações era o transporte até São Luiz do Paraitinga. Quatro caminhões da equipeteriam ido ao município no dia anterior, mas pela dificuldade de transportar as doações nocentro, através de barcos, eles ainda não haviam voltado. “Chegou muita doação aqui nadelegacia da JK (a delegacia se situa na avenida Juscelino Kubitschek), mas o problema é otransporte para levarmos tudo isso até São Luiz. Reabastecer uma cidade inteira com apenasquatro caminhões é muito pouco. Eles estão lá, ilhados, sem água, luz, comida, nada. Por issoé importante cada um ajudar de alguma forma”, explicou.

Apesar da dificuldade no transporte, um grande número de veículos levou doações aomunicípio. Até o final do dia a água havia descido aproximadamente 5 metros. Ainda nodomingo o então governador José Serra passou o dia no Vale do Paraíba, região em que váriascidades tiveram problemas com enchentes e deslizamentos. Durante visita a São Luiz, ele ofereceuà prefeita Ana Lúcia Bilard Sicherle apoio do Estado e pediu que o calendário festivo fosse manti-do, pensando na proximidade do carnaval. A prefeita afirmou que o município não estava em con-dições para receber o evento, e que ele deveria ser cancelado.

Perdas na região

Além de São Luiz do Paraitinga, municípios como Natividade da Serra, Cunha, São José dosCampos, Caçapava e Guaratinguetá tiveram problemas com enchentes e deslizamentos. Nessaúltima cidade, cerca de 200 famílias ficaram desalojadas, sendo que 70 não puderam retornar àssuas casas. Em Cunha, houve queda de ao menos 600 barreiras e de 300 pontes. Nessa mesmacidade a chuva causou o deslizamento que soterrou sete pessoas de uma mesma família no dia 1°.Seis delas morreram.

Em São Luiz do Paraitinga, quatro pessoas foram atingidas por um deslizamento na estra-da rural do bairro Bom Retiro. Três delas foram resgatadas, porém o quarto homem só foiencontrado soterrado dez dias depois. A Associação Luizense Protetora dos Animais, a oitoquilômetros da cidade, também foi atingida pela enchente. Os 80 gatos que viviam no localmorreram afogados, pois o gatil era totalmente fechado, diferente do canil, que tinha uma abertura

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na parte de cima, por onde os cachorros puderam escapar. Apesar da fatalidade, a presidente daassociação, Eva Vilma Siqueira, assegurou a intenção de retomar as atividades no local. “Mais doque nunca precisamos continuar com o nosso trabalho. As pessoas foram embora da cidade edeixaram seus animais abandonados.”6

Solidariedade

O município chegou a registrar furtos em algumas residências durante a queda do nível da água,porém as mais de duas toneladas de doações feitas até o dia 4 para o município é que chamaram aatenção da mídia. Os coordenadores de grupos voluntários continuaram pedindo a outras pessoasque colaborassem com serviços braçais, visto o estrago que a água tinha causado.

A estudante universitária Darly Gonçalves, que trabalhava na biblioteca da cidade e tentarasalvar bens do local antes de a água levá-los embora à noite, passou a madrugada na rua, emchoque, para começar a ajudar os outros ao amanhecer.

“Não sei como, nem em que sequência, mas comecei a me envolver na ajuda às pessoas,carregando objetos, descendo e subindo morros. Depois de uma noite e manhã difíceis descanseialgumas horas, mas logo em seguida comecei a ajudar na distribuição de alimentos, pão, suco ecomida na Igreja do Rosário, ponto de referência para quem buscava alimentos. Era tanta coisa afazer que não conseguia parar para pensar. Depois desse momento emergencial trabalhei na áreasocial da prefeitura, distribuindo produtos de limpeza, higiene pessoal e roupas. Lá as pessoasviram que o que mais vale é ajudar, fazer o máximo que se pode nas condições disponíveis, e ver agratidão nos olhos de pessoas simples que, perdendo tudo que haviam conquistado, não perderama esperança.”

Helinho Dindon foi um dos protagonistas no trabalho voluntário na cidade. Ele é um doshomens que utilizaram botes por aproximadamente 24 horas para fazer resgates, e estima-seque ele tenha salvado 350 pessoas. Sem imaginar a consequência de sua afirmação à reporta-gem da rede Vanguarda, sua entrevista foi exibida em rede nacional no horário nobre. Emoci-onado com a situação delicada da cidade, falou: “A gente tem força pra se reerguer. A gentevai colocar grão por grão, tijolo por tijolo, telha por telha, coração por coração. E vamos reerguera cidade, deixá-la mais bonita ainda pra que os turistas possam vir e vamos mostrar para o Brasil

6 CARUSO (site).Acesso em

10 fev. 2010.

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inteiro, pro mundo inteiro, que São Luiz é forte como todo brasileiro”7.

Problemas na zona rural

As consequências na área rural do município também foram grandes, apesar de a mídia não terdado muita atenção ao assunto. Diversas pontes quebraram, dificultando o acesso às residências, edezenas de famílias ficaram ilhadas por vários dias. O diretor de Agricultura e Abastecimento dacidade, Donizete José Galhardo, explicou que os prejuízos nessa região vinham ocorrendo desde ofinal do ano passado.

“Nessa época contabilizamos aproximadamente 30 pontes quebradas. Foram mais de 50 desliza-mentos, e também mais de 50 residências inundaram. Mas os problemas já vinham se agravandodesde antes da virada do ano. Os bairros Santa Cruz e Bom Retiro passaram por três enchentes nosúltimos meses de 2009, e a chuva incessante dificultava até mesmo o reparo emergencial das pontesda área. Muitas das famílias atingidas não puderam voltar tão cedo aos seus lares.”

Segundo Donizete, o prejuízo dos moradores da zona rural só não foi agravante com relação àperda de gado. “Quem criava gado não perdeu os animais, pois eles foram aos pontos mais altosdas propriedades e sobreviveram. No mais, os produtores de leite não tinham para onde levar oque produziram, restando descartar o produto estragado, e as lavouras ficaram embaixo d’água,tornando-se improdutíveis por algum tempo.”

Mesmo com a descida da água, dezenas de moradores da área rural continuaram ilhadas.Em matéria apresentada pela Vanguarda sobre o número otimista de doações, o coordenadorde um grupo voluntário, Luís André de Carvalho, pediu apoio aos moradores da zona rural.“Precisamos dos barcos para retirar as pessoas ilhadas das residências. Temos gente doente,passando mal, e outras que precisam receber alimento e água, pois estão isoladas desde oinício da enchente.”8

Cenário de guerra

O nível da água caiu consideravelmente no dia 4, permitindo uma visão geral do que havia

8 Doações não paramde chegar à São Luiz.(site). Acesso em10 fev. 2010

7 Solidariedade aosdesabrigados de SãoLuiz (site). Acesso em10 fev. 2010

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Dentro de casa, móveis e eletrodomésticos foram revirados. Na cozinha, o mau cheirodenunciava a perda total dos alimentos. Na última foto, Paula Guerra separa bens a serem

reaproveitados

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acontecido na cidade antes do previsto. As diversas cores chamativas nas fachadas das casas,antes uma marca de São Luiz do Paraitinga, deram lugar ao marrom monótono da lama que tomouconta da cidade. Apesar de grande parte das casas estar interditada pela Defesa Civil Estadual, osmunícipes começaram a retornar ao centro para ver de perto o que havia acontecido. Desolados,não sabiam se iam checar primeiro o que sobrara de suas residências ou as ruínas das duas igrejasque caíram durante a enchente.

Várias casas históricas desapareceram, enquanto outras, mesmo com avarias considerá-veis, resistiram à força das águas. De qualquer modo, a avaria de cada propriedade era incal-culável a princípio, e os luizenses partilhavam a dor de verem a cidade antes colorida e pacataagora destruída e caótica. Antes vizinhas da Igreja Matriz, diversas propriedades tombadas,incluindo o casarão no qual funcionava a escola municipal Waldemar Rodrigues, tiveram suas estru-turas misturadas às do local sacrossanto. Visando preservar os símbolos cristãos na cidade, muní-cipes trataram de procurar as imagens religiosas – ou o que havia sobrado delas – das igrejascaídas. Em meio aos escombros, as primeiras peças encontradas foram as imagens de São Luís deTolosa e de São Tarcísio do Bom Jesus, além do sino da Igreja Matriz.

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Outros pontos da cidade, mesmo os que não possuíam casarões, estavam tomados por entu-lhos. Dezenas de veículos, móveis, eletrodomésticos, além de itens inusitados ficaram espalhadospelas ruas, telhados ou rio. Havia carros empilhados ou pendurados em árvores, caixões boiandonas águas, e uma geladeira passou os primeiros dias do ano no telhado do Mercado Municipal.

Segundo estimativas da Defesa Civil, na primeira semana do ano, caminhões carregando entu-lhos precisariam fazer pelo menos duas mil viagens para limpar o município, que continha tambémuma quantidade considerável de restos de grandes propriedades. Segundo o engenheiro Jairo Bo-nielo, a maioria dos casarões históricos foi gravemente afetada. “De 15 a 20 dos quase 90 casarõestombados devem se salvar. São os que passaram por restauração recentemente. Os demais caíramou estão condenados.”9

A maior parte dos munícipes continuara com as ações solidárias no meio da cidade durante odia, enquanto a luz natural permitia a contemplação e a ação no território afetado. À noite, o ritmodas pessoas desacelerava, segundo Silvio Oryn.

“A noite era mais triste, pois todos se recolhiam para os seus abrigos. Eu levava o violão à

Nesta página e nasanteriores, casarões

históricos que nãoruíram sofreram

graves danos. Nasruas, trechos foram

interditados pelodescarte de imóveis

das residências

9 MANSO (site).Acesso em 10 fev. 2010

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escadaria da igreja do Rosário para tocar com os amigos. Chegamos a ser filmados por pessoasque queriam mostrar o luizense, em meio à tragédia, tentando animar o local.”

Somando prejuízos

No dia seguinte a Defesa Civil começou a vistoriar as propriedades do município. Cerca de 200residências foram liberadas no primeiro dia de análises. Ao final do dia, o balanço do órgão indicouque 2.400 moradores ainda estavam desalojados, e que 50 estavam em abrigos da prefeitura. Obairro Verde Perto, por ser elevado, além do trecho que entorna a rodoviária, estava mais seco queos demais pontos da cidade. A prefeitura escolheu o ginásio poliesportivo, próximo à rodoviária,para se tornar o depósito definitivo das doações enviadas aos luizenses. Em pouco tempo o localcomeçava a receber osprimeiros itens doados.

A primeira impres-são de Claudinéia dosSantos, que foi resga-tada com os pais, aoentrar em casa, comode se esperar, foi cho-cante. “Havia pelo me-nos três palmos de lodopor todos os lugares,nas ruas e nas residên-cias, e era difícil cami-nhar por isso. Fomosbasicamente patinandoaté nossa casa e, che-gando ao local, vimosnossos carros embaixodo lodo, a cozinha ar-

Em poucos dias oespaço chegou àcapacidade máxima dedoações. Prefeitacogitou fazer doaçõesao Haiti, masdescartou ideia poraltos custos paratransportar roupas

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rombada e tudo fora do lugar. Não tínhamos como começar a limpar o lugar decentemente, já queo abastecimento de água cessava a quase todo instante.”

No centro, era óbvio que os comerciantes perderiam tudo o que havia para ser vendido. Oproprietário do único posto de gasolina da cidade, Odiney Graça Pezoto, calculou suas perdas em700 mil reais. O comerciante Edson Anacleto, que teve casa e três comércios atingidos pela en-chente, estimou os prejuízos em 400 mil reais.

Outro problema constatado pelos comerciantes foi a perda de produtos estocados para o car-naval, época em que se estima a circulação de pelo menos 25 milhões de reais na cidade. Muitosdos comerciantes garantem dinheiro suficiente para aguentar, no mínimo, o orçamento da maioriados meses do ano, até o próximo carnaval, em um processo cíclico. Washington Rodrigues daSilva, dono de um restaurante, tinha recebido produtos pouco antes da tragédia. “O estoque que euencomendei chegou na quarta-feira que antecedeu a tragédia na passagem de ano. Além dos milha-res de reais que serão usados na reforma do restaurante, contabilizei essa perda considerável devi-do aos investimentos geralmente feitos para a alta temporada.”

Eles não deveriam estar ali

Como previsto, a cidade não demoraria a ter uma sobrecarga de doações. Apesar do grandevolume de itens doados, muitas pessoas de fora da cidade, além de grupos pertencentes a variadasinstituições, mostraram-se dispostas a fazer o possível para ajudar os munícipes. Comerciantes deprodutos de limpeza passaram o dia rodeando a cidade e distribuindo gratuitamente o que antes eradestinado à venda. Cozinheiros fizeram o possível para bater de porta em porta e entregar umarefeição decente a cada luizense recoberto pela lama de sua residência. Qualquer pessoa comdisposição e espaço no veículo enchia-o de água e itens que dessem maior proteção aos munícipesdurante a limpeza, evitando ferimentos, infecções e desidratação.

O trabalho ficou longe de se limitar a pessoas solidárias das classes baixa e média. Os ricos,além de enviarem itens ao município, decidiram participar fisicamente do recomeço da cidade.Passados quase nove meses da tragédia, Paula Guerra contou, aos prantos, a memória dessaimagem de solidariedade. “A cidade estava inteira suja, e de repente apareceu um homem dirigindoum carro importado, distribuindo itens de consumo a todos os moradores daquela rua sem se

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preocupar com o veículo.Aquele homem vive emoutra realidade, totalmen-te diferente da nossa, prin-cipalmente naquele mo-mento. Ele não precisava– e não deveria – estar ali,parando de porta em por-ta, e mesmo assim foi nosajudar. Esse é um dosexemplos de solidariedadeque me fascina até hoje.”

A dor da saudade

Aos poucos, os luizen-ses faziam o possível parase acomodar na casa deparentes ou amigos, ou então nos abrigos preparados pela prefeitura. No entanto, nem todos pas-saram por esse desafio de buscar um novo local para morar provisoriamente – em nome da saúde.Os 16 moradores do Lar São Vicente de São Luiz do Paraitinga viram a água invadir o asilorapidamente no dia 1° de janeiro e mal tiveram tempo para retirar seus pertences de casa. Rece-bendo o apoio dos munícipes após deixarem a residência apenas com os itens do corpo, elespassaram dois dias em alojamentos.

No dia seguinte, os luizenses foram acolhidos pelas Casas Pias de Taubaté, onde já viviamoutros 38 idosos. Imediatamente a instituição começou a receber doações de roupas e alimentosprincipalmente para os novos moradores. Mas não era exatamente esse tipo de doação que elesqueriam. Segundo o diretor do Lar São Vicente, Alexandre Mendes, a única doação da qual osnovos moradores careciam era a atenção dos visitantes. Ele explicou que a visita de parentes eamigos sempre foi um fator essencial no tratamento dos idosos, sendo que nem todos têm família, e

Asilo passou pordiversas reformasdurante o anoenquanto moradoresficaram em Taubaté

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que eles teriam maior chance de ficar deprimidos por viverem em um local bastante diferente dacidade em que moraram por décadas. “O que falta mesmo é o povo vir visitá-los, conhecer a casa,vir conversar com eles, porque é a falta do povo de São Luiz e dos familiares; é o que eles maissentem falta.”10

Há dois detalhes na história recente do Lar São Vicente: o primeiro é que antes da enchente oasilo estava passando por uma reforma, que estava próxima de ser concluída. Com a tragédia, amaior parte do trabalho foi perdida, e levaria meses para o local receber os antigos moradoresnovamente. O segundo detalhe é que o diretor Alexandre Mendes foi denunciado pelo MinistérioPúblico em 2009 por tentativa de venda do imóvel onde o asilo funciona desde a sua fundação, em1939. Segundo a denúncia, a intenção de Alexandre era fechar os asilos que administra na região elevar todos os idosos para as Casas Pias. O processo está tramitando na Justiça para julgamento.

Prédios públicos

Vários prédios públicos da cidade foram danificados. A prefeitura, ligada por dois prédios –sendo um casarão histórico do centro e uma propriedade atual que margeia o rio – sofreu abalos naparte da frente do prédio. Nos fundos, a estrutura não sofreu abalos, e o prejuízo ficou em tornodos bens materiais, como computadores e documentos que estavam no local. O Poder Executivoprecisou se sediar improvisadamente em outra propriedade pelas semanas seguintes.

A biblioteca municipal, também no centro histórico, ruiu, e com ela todos os livros foram perdi-dos. Além da escola Waldemar Rodrigues, que desabou, duas escolas na entrada do centro foramseveramente atingidas. A única escola da área urbana que ficou a salvo foi a Monsenhor IgnácioGióia, situada em um ponto fora de risco por enchente ou deslizamentos. Dois postos de saúdeforam atingidos, sendo que um deles foi destruído. Os cartórios da cidade também foram atingidos,mas parte dos documentos foi recuperada e digitalizada nos meses seguintes. A casa OswaldoCruz, que não foi atingida pela enchente, viria a mostrar as consequências das chuvas e da falta decuidado nos meses seguintes, quando uma parte do prédio desabou. A prefeitura estimou os preju-ízos da cidade em 50 milhões de reais, valor duas vezes maior que o orçamento da cidade para2010, 21 milhões de reais, não incluindo os prejuízos ao patrimônio histórico – como a queda dasigrejas e dos prédios da prefeitura.

10Lar São Vicente deSão Luiz do Paraitinga

necessita de ajuda.(site). Acesso em

10 fev. 2010

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As causas

O nível incomum das chuvas registrado desde o inverno de 2009 é considerado por especialis-tas uma das razões de a água ter subido tanto no município ainda no final do ano. Com isso, noúltimo dia de dezembro foi registrada queda d’água em um nível esperado para todo o mês em SãoLuiz. O solo da cidade, ficando encharcado, não conseguia mais reter água e despejava-a no rioParaitinga.

O diretor do Núcleo Santa Virgínia do Parque Estadual da Serra do Mar, João Paulo Villani,explicou que é comum a passagem de nuvens carregadas vindas da região Norte do país sobre oVale do Paraíba e a Serra da Bocaina, onde nasce o rio Paraitinga. No entanto, a formação de umciclone no Estado do Rio de Janeiro teria impedido a passagem dessas nuvens para o mar, pren-dendo-as entre São Luiz do Paraitinga e Cunha, cidades mais afetadas pelas águas em São Paulo.

“Com isso, se formou uma área de baixa pressão sobre esse bloco de nuvens, provocando a suacondensação, ou seja, o grande volume de chuvas que prejudicaram também aquelas cidadesfluminenses. A maior intensidade caiu nos rios Jacuí e Jacuizinho, em Cunha, que fazem parte dabacia do Paraitinga. Foi tanta a precipitação de água que na cidade de São Luiz o rio subiu cerca de12 metros, provocando a maior tragédia da nossa história.”11

João Paulo também acredita que a compactação do solo, decorrente das pastagens que seformaram no município nas últimas décadas, também contribuíram com a tragédia, visto quedificultaram ainda mais a absorção de água.

Para o geógrafo Aziz Nacib Ab´Saber, nascido em São Luiz do Paraitinga, o excesso deplantações de eucalipto no município também facilita a elevação de água, uma vez que asmargens dos rios ficam cada vez menores devido ao plantio. Ele desacredita que o problema tenhasido proporcionado pelo aquecimento global, e, segundo seus estudos, São Luiz passou pelo reiní-cio de um evento cíclico propício para a tragédia.

“Isso é bobagem [a ideia do aquecimento global]. Este é um período anômalo, de grandesinterferências na climatologia da América do Sul, provocadas por um aquecimento relacionado ao[fenômeno climático] El Niño. Primeiro foi no nordeste de Santa Catarina, depois no Rio e noEspírito Santo, depois em São Paulo, depois em Minas, depois no sul do Mato Grosso. A coisa foise ampliando por espaços do tropical atlântico e por outras áreas do planalto brasileiro. Na épocada enchente catarinense, fiz uma listagem da periodicidade climática de exemplos bastante prejudi-

11 Como tudoaconteceu. Jornal daReconstrução.13 mar. 2010

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cais para cidades e campos. Essetrabalho mostra que, de 12 em 12,ou de 13 em 13, ou de 26 em 26anos, desde 1924 até dezembro de2008 e dependendo do lugar, hou-ve essa periodicidade. Quandopassei a visitar de novo o municípiopara conhecer melhor minha terri-nha, não senti a possibilidade deinvasão de águas pegando a Praçada Matriz. Tanto que insisti muitoem trazer a biblioteca de ciências,que estava na ex-casa de OswaldoCruz, para um lugar mais baixo efrequentado por crianças. A gentenão sabia que ia chegar o dia dos13 em 13 e dos 26 em 26.”12

Retomada

Até o dia 6 de janeiro, 250 das400 propriedades vistoriadas pelaDefesa Civil haviam sido liberadas.Os proprietários dos comércios eresidências não perderam tempopara acessar e limpar as respecti-vas propriedades, e logo as ruas,principalmente do centro, haviamsido tomadas por toneladas de en-tulhos. A cidade, desacostumada

Acesso entrerodoviária e centrohistórico passou o

ano inteirobloqueado para

cortes de terra eobras de reparo

12 MANIR (site).Acesso em 10 fev. 2010

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com o acesso de caminhões ao cen-tro histórico devido a restrições quevisavam facilitar o tráfego e preser-var o ambiente, chegou a recebermais de dez caminhões ao mesmotempo para retirar entulhos e mó-veis espalhados.

Na mesma semana, a maior par-te das propriedades voltou a rece-ber fornecimento de água e luz, eos locais sem os serviços estavamsob os cuidados de técnicos daárea. A Elektro, que administra adistribuição de energia elétrica nomunicípio, enviou mais de 70 pro-fissionais para atenderem ocorrên-cias. Mesmo com o fornecimentode água quase normalizado no cen-tro, caminhões pipas percorrerama cidade para ajudar em casos maisurgentes. Os munícipes reclamaramdo excesso de curiosos que entra-vam na cidade somente para ob-servar a situação. Paula Guerra de-finiu-os como “turistas de tragédia”.

No dia 7, a Defesa Civil do Es-tado obteve um diagnóstico da ci-dade: 80 edificações foram destru-ídas, 125 interditadas, 20 pontescaíram e 15 estradas estavam in-terditadas. Cerca de 100 pessoas

Homenagem póstumaa vítima de acidenteque passava peloacesso também foiafetada

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estavam desabrigadas, e 600 desalojadas. Apesar da queda no nível da água, o rio Paraitinga aindaestava a 2,5 metros da altura normal. A Aeronáutica e o Exército, além de trabalharem na distribui-ção de donativos, ainda realizavam resgates na área rural.

A prefeita Ana Lúcia Bilard Sicherle passou a maior parte de janeiro atendendo os munícipes napraça Oswaldo Cruz, até uma casa ser liberada pela Defesa Civil e preparada por técnicos parafuncionar provisoriamente como prefeitura. A princípio, as centenas de atendimentos sob o sol nãotinham assunto certo: as pessoas estavam confusas e precisavam desabafar com uma autoridade.“As pessoas vinham a nós para falar sobre tudo, e só de estarmos perto já podíamos ajudá-lasresolvendo alguma coisa”, explica. A prefeitura improvisada foi utilizada por aproximadamente trêsmeses, até que o prédio oficial fosse liberado, no final de abril.

A primeira missa

Desnorteados com a ausência de duas das três igrejas da cidade, os munícipes realizaram emo-cionadamente a primeira missa do ano na manhã do dia 7, em frente à Igreja do Rosário, que serviude base para estocar e distribuir doações nos primeiros dias do ano. Os munícipes aproveitaram aocasião para fazer agradecimentos aos conterrâneos e aos voluntários. Eles ressaltaram o valor daunião no momento delicado pelo qual passavam.

Findado o primeiro evento marcante desde o começo do recomeço, a maior parte dosmunícipes dividia o tempo entre limpar as casas, ir atrás de alimentos, conseguir o básico dahigiene pessoal e improvisar um local para dormir nas primeiras semanas. Órgãos públicos, institui-ções, organizações não-governamentais, além de grupos voluntários tiveram forte presença desdeos primeiros dias do ano, e as campanhas de arrecadação monetária, doação de itens de consumoe mobílias perdurariam grande parte do ano. Aos poucos, a vida dos luizenses voltaria ao normal –na medida do possível.

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Janeiro

O início do ano foi marcado por catástrofes nacionais e internacionais. No Brasil, além daenchente em São Luiz do Paraitinga e cidades da região, como Cunha, onde centenas de casasalagaram e seis pessoas de uma mesma família morreram, houve deslizamentos de terra emAngra dos Reis, no Rio de Janeiro, que mataram 52 pessoas. No dia 12, um terremoto demagnitude 7 devastou o Haiti, matando 200 mil pessoas, ferindo 300 mil e desabrigando maisde um milhão (esses números representam cerca de 20% da população do país). Além demilitares brasileiros em missão de paz e de um diplomata, a fundadora da Pastoral da Criança,Zilda Arns, foi soterrada em uma igreja.

Em São Luiz, o desastre que prejudicou quase toda a população despertou atenção nacio-nal e resultou em matérias curtas internacionais, sempre associando o município à culturacarnavalesca. O suporte à cidade foi imediato, e as teorias a respeito do evento foram várias.A população imediatamente mostrou-se deprimida, mesmo com o amparo recebido por vo-luntários, e não previa uma retomada em suas vidas, visto que a economia dependente doturismo fora visivelmente abalada. Mesmo sem saber para onde ir ou o que fazer, eles não sederam ao luxo de ficar parados e fizeram o possível para restabelecer suas vidas ainda nocomeço do ano.

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Política no município

O então governador José Serra foi ao Vale do Paraíba no dia 3 conferir a situação dosmunicípios que tiveram problemas com a chuva. Ele passou a tarde em São Luiz do Paraitin-ga, quando o nível do rio tinha abaixado cerca de quatro metros, sobrevoando-a em um heli-cóptero e andando de bote. Na ocasião, ele afirmou que um levantamento dos prejuízos deve-ria ser feito e assegurou que o Estado colaboraria com o município. “Agora, estamos dandoassistência em saúde, alimentação e água potável. O importante é resolver a situação a curtoprazo. Mais adiante, o Estado vai ajudar na reconstrução do centro histórico de São Luiz doParaitinga, que é um patrimônio não só do município, mas do Estado e também do Brasil.”

O governador pediu à prefeita Ana Lúcia Bilard Sicherle que mantivesse o calendário fes-tivo do município, levando em consideração a proximidade do carnaval. A prefeita estimou areconstrução da cidade, sem incluir a reconstrução do centro histórico, em 100 milhões dereais, valor reduzido posteriormente a 50 milhões, e afirmou que o momento não era favorá-vel para a realização da festividade, que logo foi cancelada. “Vai ter de construir tudo de novo.Os prédios que não caíram estão condenados. Não vai ter jeito de receber turistas.”13

Em sua segunda visita, José Serra anunciou a liberação de 1.500.000 reais pela Secretariade Saúde do Estado para a retomada de funcionamento das unidades de saúde da cidade,como a UBS (Unidade Básica de Saúde).

Na área da habitação, o governador informou que 100 casas populares seriam construídas,e que uma linha de crédito seria disponibilizada para financiar a reforma de casas de famíliasque ganhavam até dez salários mínimos. Máquinas da Codasp (Companhia de Desenvolvi-mento Agrícola de São Paulo) chegaram à cidade em janeiro para desobstruir estradas e libe-rar pontes. O governador anunciou a liberação de dois milhões de reais para pavimentação e1.500.000 reais para outras ações de recuperação. Ele cobrou agilidade aos órgãos patrimoni-ais no processo de restauração das casas tombadas, visto que o trabalho só poderia ser permi-tido perante apresentação de projeto aprovado pelo Condephaat e Iphan. A população passouos primeiros meses do ano isentas de tarifas de água e impostos. No dia 8, a prefeitura criouuma conta para receber doações (no semestre seguinte a administração da verba doada setornaria alvo de uma polêmica).

O senador Eduardo Suplicy também visitou a cidade nos primeiros dias de janeiro e enviou

13 PAGNAN eCARAZZAI (site).Acesso em10 fev. 2010

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uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedindo uma visita junto a uma comitiva deministros. No dia 12, o ministro interino da Cultura, Alfredo Manevy, foi a São Luiz e anun-ciou a liberação de dez milhões de reais para a recuperação do patrimônio histórico da cidade.No dia 15, a então primeira-dama do Estado, Mônica Serra, visitou o município e doou cemcomputadores às escolas.

Campanhas

A OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil) solicitou ao Tribunal de Justiça de SãoPaulo a suspensão dos processos tramitando no município, visto que o fórum da cidade ficouembaixo d’água, e não se sabia quando ou quais documentos poderiam ser salvos posterior-mente.

A ordem suspendeu por 90 dias o pagamento da anuidade de 2010 para os 55 advogadosinscritos no município, cuja maioria teve os escritórios atingidos pela enchente, e organizouuma campanha para arrecadar provisões aos desabrigados. Quartéis da Polícia Militar de todoo Estado também fizeram campanhas para ajudar os munícipes, e na semana seguinte encerra-ram-nas por ter alcançado a meta: foram arrecadados 295 colchões, 340 mil peças de roupas,2.500 litros de leite e 54.800 litros de água potável, entre outros produtos. Também em umasemana de arrecadações, a Sabesp enviou ao município 21,3 toneladas de alimentos não-perecíveis e mais de 11 mil itens de limpeza e higiene. No final de janeiro a prefeitura anunciouque receberia doações por mais 45 dias, tempo estimado da duração dos itens que chegaramà cidade: mais de 100 toneladas de alimentos e 66 toneladas de roupas. A Secretaria Estadualde Saúde enviou nos primeiros dias de janeiro 345 mil unidades de medicamentos variados aomunicípio, além de equipes das vigilâncias Epidemiológica e Sanitária para auxiliar no contro-le de possíveis doenças trazidas pelas águas da chuva, como a leptospirose.

Diversas ONGs, além de grupos militares e humanitários, como o Exército e a Cruz Ver-melha, fizeram mutirões de limpeza nas ruas e residências da cidade e colaboraram com adistribuição de mantimentos aos munícipes. ONGs de cuidados aos animais também articula-ram campanhas para materiais de construção e doação de alimentos para ajudar os cães egatos sobreviventes e reconstruir o canil e gatil municipal. Artistas de diversas regiões, como

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Renato Teixeira e Arnaldo Antunes, que já tocaram na cidade, se dispuseram a realizar eventospara angariar fundos. Diversos grupos culturais independentes realizaram apresentações co-brando alimentos e roupas como ingresso. As equipes de futebol Corinthians e Palmeirasiniciaram no final de janeiro leilão de duas camisas, uma de cada equipe, com autógrafos deestrelas no uniforme do rival. O leilão, encerrado no dia seguinte à partida entre os times,arrecadou 29 mil reais para São Luiz.

Ações para o recomeço

Os comerciantes não receberam tanto suporte dos bancos quanto esperado. No dia 13, cemcomerciantes participaram de uma reunião com representantes da prefeitura e da Nossa CaixaDesenvolvimento e assinaram documento pedindo uma linha de financiamento com juros sub-sidiados e carência de dois anos. Segundo o presidente da Associação Comercial da cidade,José Roberto da Silva, os juros apresentados pela agência estadual de financiamento eramdesfavoráveis à situação dos comerciantes, que tiveram prejuízo estimado em 18 milhões dereais.

A Caixa Econômica Federal liberou os recursos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo deServiço) dos moradores de São Luiz do Paraitinga, Cunha, Guaratinguetá e Lagoinha queforam prejudicados pelas chuvas, visando apoiá-los no recomeço de suas vidas. O valor máxi-mo de saque era 4.600 reais.

Visitas técnicas, prevenção e preservação

Técnicos do Iphan e do Condephaat foram ao município realizar um diagnóstico dos preju-ízos da cidade. Pelas previsões, os quase 70 casarões tombados que ruíram ou foram abaladosdeveriam ser reerguidos usando concreto armado e alvenaria nas estruturas, diferentes dosmateriais usados na época da construção dessas casas – a taipa de pilão e pau-a-pique. Aestimativa dada para a reconstrução de cada residência com as técnicas atuais é de um milhãode reais. Apesar das novas técnicas para a reconstrução das casas, técnicos da prefeitura

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foram instruídos a resgatar peças antigas que poderiam ser reutilizadas nas residências ou na mode-lação de réplicas.

Aproveitando a semelhança na tragédia patrimonial, o Iphan decidiu utilizar em São Luizdo Paraitinga a experiência adquirida na reconstrução do município de Goiás Velho, em Goi-ás, cujo centro histórico foi destruído em uma enchente em 2001. Três profissionais que atu-aram na reconstrução daquela cidade foram a São Luiz atuar em conjunto com o Condephaat,o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e a prefeitura. Psicólogos também foram enviadosao município devido à constatação, em Goiás Velho, de que pessoas que passam por tragédiasficam deprimidas e tendem a desprezar objetos remanescentes. O órgão nacional resolveuacelerar o processo de tombamento nacional da cidade, como estratégia para ter maior facili-dade na destinação de ferramentas para a reconstrução da cidade. Dentre as possibilidadesestão o financiamento para a reconstrução de imóveis privados a juros zero e a promoção deatividades econômicas ligadas à cultura da cidade.

O Comitê da Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul anunciou a destinação de 462 mil reaispara a instalação de estações de medição e sinalizadores na bacia do rio Paraitinga e propôs aconstrução de barragens de contenção de suas águas, visando evitar novas catástrofes nomunicípio.

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Fevereiro

O segundo mês de 2010 representou, principalmente, o início da retomada da vida dosluizenses. A cidade ainda carregava boa parte da tonalidade marrom que veio junto à enchen-te, mas a mentalidade das pessoas já havia mudado. Os munícipes notaram que nem tudoestava perdido, como parecia ter acontecido no início do ano, e, apesar da dificuldade, tenta-ram se habituar à ideia de trabalhar excessivamente para reconstruir suas casas e negócios.Nenhum morador deixou de ser amparado, independente de a ajuda ter vindo do poder públi-co, de organizações, de voluntários ou de amigos. O apreço pelos luizenses foi um dos fatoresque os incentivaram a seguir em frente. O cancelamento do carnaval não os impediu de sair àsruas na época da festividade para gritar e mostrar que a cidade ainda estava viva.

O mundo registrou outro terremoto de alta escala nesse mês: no dia 27, um tremor demagnitude 8,8 (o quinto maior da história) atingiu o Chile, e mais de dois milhões de pessoasforam afetadas pelos sismos e tsunamis. A tragédia deixou mais de 800 mortos e 500 feridos,além de milhões de desabrigados.

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O reinício da economia

Quase todos os comércios da cidade foram severamente afetados pela enchente, e, além detempo para limpar os estabelecimentos, os comerciantes precisariam investir consideravel-mente para reabrir os seus negócios, que invariavelmente perderam todos os produtos queoutrora estavam à venda. Acima da placa do supermercado Cursino, localizado no centrohistórico, foi estendida uma placa onde se podia ler: “Vamos juntos construir uma cidadeainda melhor”. Os proprietários do local estimaram os prejuízos em 1.200.000 reais.

O comerciante Edson “Anacleto” Pires dos Santos (o apelido Anacleto provém dos seusascendentes, tradicionais agricultores da cidade) foi o primeiro a reabrir um ponto de vendasde produtos de consumo. Além de ter a casa atingida, seus três pontos comerciais tambémforam afetados pelas águas. Ele fez o possível para reabrir um dos comércios – uma mercearia– em um mês, o que lhe garantiu uma renda semelhante à de antes da enchente. “Somando osprejuízos materiais às vendas que deixei de fazer, a perda deve ter chegado a 400 mil reais.Quando reabri a mercearia o movimento era quase igual ao de antes, mesmo com as doaçõesde cestas básicas, pois as pessoas não tinham onde comprar pão, não tinham onde comprarnada.”

Os Anacletos – Edson, seu irmão e o seu pai, Benedito Pires dos Santos, ou “Dito Anacle-to” – possuem propriedades rurais no bairro Bom Retiro e tiveram dificuldades no início doano pelos problemas causados nas estradas pelas chuvas. Em fevereiro, a situação ainda nãohavia melhorado muito, e Dito, que produz leite, tinha dificuldades para transportar o produ-to. “Eu produzo de 80 a 100 litros de leite diariamente, e um caminhão vem buscar o produto.Na época da enchente ficamos isolados (além das estradas obstruídas, as pontes de acesso àpropriedade de Dito ruíram), e tivemos que improvisar para transportar o leite. Perdemosmuito.”

Edvaldo “Pipoca” contabilizou menos prejuízos e também conseguiu reabrir o comércio nomeio de fevereiro. Igual a todos os atingidos pela enchente, parte dos investimentos foi feitapara adquirir novos equipamentos, reparar e pintar a propriedade. Washington Rodrigues daSilva, dono de um restaurante no centro, precisou improvisar na reabertura do comércio, queocorreu no final de fevereiro. “O andar de baixo do casarão continuava impróprio para serutilizado, então reabri o restaurante no andar de cima, até pensando em manter o comércio

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nos dois andares.”

Benefícios do governo

José Serra foi ao município no dia 12 de fevereiro assinar um convênio que beneficiariafamílias prejudicadas pelas chuvas em todo o Estado. Cada família recebeu mil reais, além dos300 reais mensais do auxílio-moradia que o governo começara a pagar em fevereiro (Serraentregou cheques de 900 reais às famílias referentes a três mensalidades do benefício). Acondição para receber os mil reais, pertencentes ao programa Novo Começo, era a famíliaprejudicada residir em uma cidade em estado de calamidade pública, dentre as quais São Luizdo Paraitinga.

No mesmo dia, o então governador criticou a “tentativa de politização” das enchentes queatingiram o Estado no início do ano. “Tem muita gente jogando e se deliciando com ‘o quantopior, melhor’. Mas eu não presto atenção nisso. O importante é trabalhar. A politização, inclu-sive eleitoral, é natural. Eu encaro isso, não com agrado, mas com certa naturalidade e frieza,porque não tem remédio”, afirmou14. A entrega dos cheques aos luizenses não foi consideradailegal, visto que ele não pediu votos nem falou de sua possível candidatura à presidência.

Carnaval à moda antiga

Depois de receber centenas de milhares de turistas nos últimos anos, São Luiz não esperavapor visitas em 2010. Antes mesmo de os foliões chegarem, ela já estava suja o suficiente paradispensá-los, e desde o cancelamento da festividade anunciado pela prefeita no início do anonão se esperava manifestações em meio às ruínas. Especialistas alertavam que as caixas desom instaladas nos arredores da cidade nos anos anteriores, para reproduzirem em alto e bomsom as marchinhas tocadas, poderiam danificar gravemente os casarões históricos, facilitandoum desmoronamento. Dessa vez não houve caixas de som, e mesmo assim havia casas caídas.E, mais importante, sem caminhões nem turistas, houve carnaval.

Pelo menos nesse ano, a festividade voltou a ser como era décadas atrás: um evento reali-

14 AMORIM (site).Acesso em 15 fev. 2010

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zado pelos luizenses para os luizenses, sem a preocupação de os comerciantes estocaremmilhares de produtos, nem de os munícipes se depararem com uma cidade emporcalhada aofinal da festa. Os instrumentos só eram ouvidos das proximidades, como se quem chegasseperto pudesse sentir um coração batendo cada vez mais forte. O coração de todos ali realmen-te batia forte, e essa folia foi uma mistura de diversão com demonstração da esperança comque cada morador contava para superar as dificuldades impostas pela tragédia.

Para Darly Gonçalves, o carnaval de 2010 foi o melhor que já presenciou. “Apesar de sever, por onde quer que passasse, destruição e tristeza, o carnaval foi um momento de uniãoentre todos da cidade. Foram momentos em que se demonstrou e comprovou que, indepen-dentemente de termos perdido valiosos tesouros para todos, além de coisas pessoais e famili-ares, o que é essencial continua intacto. Mostrou a força de nossa cultura, dos nossos músicose do povo luizense. Fez-se perceber que somos fortes e amamos a cidade na qual vivemos,nascemos ou fomos criados. Foi um carnaval só para quem é daqui, e diferente daqueles feitospara ganhar dinheiro, o que valia era a simplicidade, como o fato de cantarmos junto a outrosluizenses no meio da rua, acompanhados de batuques e violeiros. Foi uma felicidade únicadepois de tanta tristeza. Era a maneira de nos desligarmos daquilo tudo e percebermos quãomaravilhosa e rica é São Luiz. Que enchentes podem levar tudo, menos a cultura única exis-tente ali. Era magnífico ver cores onde predominava o marrom do barro da enchente e ouvirmúsica local.”

Fora da cidade, os blocos mais tradicionais – Juca Teles, Barbosa, Maricota e Pé na Cova– foram chamados para se apresentar em diversos municípios, como Taubaté, Pindamonhan-gaba, Caçapava, Caraguatatuba, Bertioga, Serra Negra, Amparo e Campinas, geralmente acom-panhados das bandas luizenses Estrambelhados e Confrete.

Câmara de Desenvolvimento Sustentável e Ceresta

Uma comissão de profissionais de diversas áreas importantes no processo de reconstruçãodo município passou a se reunir em fevereiro para discutir alternativas que pudessem reanimara cidade mais rapidamente. O grupo, denominado Câmara de Desenvolvimento Socioeconô-mico, contava com profissionais da Unesp (Universidade Estadual Paulista), Unitau (Univer-

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sidade de Taubaté) e USP (Universidade de São Paulo), e foi criado com o intuito de apontarpossíveis saídas para o restabelecimento estrutural, econômico e educacional da cidade.

Um dos coordenadores do projeto, arquiteto José Xaides de Sampaio Alves, professor daUnesp de Bauru, apresentou um mapeamento completo do município durante uma das reuni-ões da Câmara e acrescentou aos poucos ideias inovadoras para a cidade – talvez mirabolan-tes e inconvenientes para quem estivesse acostumado com o cenário clássico de São Luiz –,como a instalação de um teleférico e de um acesso que ligasse o “trevo de Ubatuba” ao centrohistórico. “O teleférico atrairia o turista tanto para a área urbana quanto para a rural, o que éfundamental. Uma maneira de fazer isso é promover um circuito turístico com a construção deum teleférico ligando o Alto do Cruzeiro às margens do rio Paraitinga. Dali, o turista poderiair de barco até a zona rural e voltar à cidade utilizando uma charrete.”

O engenheiro da Unitau Edson Wanderley Alves, que também coordena o projeto, afirmouque o grupo conhecia a situação da cidade no início do ano, pensamento confirmado apósreunião com empresários do município. Ele ressaltou que o momento emocional da tragédiahavia passado, e que a empregabilidade deveria ganhar foco.

“No começo, num momento de comoção, havia a preocupação com doações de alimentose remédios, mas agora devemos pensar nos empregos. Se não houver estímulo para novospostos de trabalho, como traremos as pessoas que saíram da cidade e estão ganhando mais emoutros lugares?”

Outro projeto realizado para facilitar a comunicação entre órgãos e população é o Centrode Reconstrução Sustentável de São Luiz do Paraitinga, ou Ceresta, uma alusão à seresta,antiga tradição de cantoria popular. A ideia começou a ser debatida em fevereiro, e em maiofoi inaugurada uma sede que reúne as instituições e órgãos públicos envolvidos no processode reconstrução da cidade. Dentre elas, estão as assessorias de Planejamento, Obras, Culturae Turismo da prefeitura, a Defesa Civil municipal e estadual, o IPT, a Casa Civil do Estado, oPrograma Cidade Legal, o Acessa São Paulo, o Condephaat e a coordenação da CDHU (Com-panhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, responsável pela construção de casaspopulares e financiamento de manutenções em residências).

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Jornal da Reconstrução

Apesar de composta por profissionais de fora de São Luiz do Paraitinga, a Câmara deDesenvolvimento Socioeconômico fez questão de ressaltar a importância da contribuição dosluizenses na elaboração dos projetos.

Pensando em acolher assuntos diversos relacionados ao cotidiano e à cultura luizenses,contando com o retorno da população, a Câmara determinou a criação do Jornal da Recons-trução, veículo feito com o intuito de facilitar à comunidade o entendimento do que se passavana cidade. O início do projeto foi possível graças à colaboração entre prefeitura (que cedeuespaço provisoriamente à equipe de redação), Câmara Municipal de Taubaté (que cedeu veí-culos para levar os estagiários de jornalismo a São Luiz), Unitau, Unesp, Câmara de Desen-volvimento Socioeconômico e Imprensa Oficial, que fechou um acordo para imprimir noveedições quinzenais do informativo, a partir da primeira quinzena de março (pelas regras doórgão, o contrato em 2010 dificilmente se estenderia por ser ano eleitoral).

Edson explica a importância do projeto, ressaltando o envolvimento dos luizenses na re-construção da cidade. “Um passo importante era cuidar da comunicação na cidade, e o Jornalda Reconstrução é um instrumento que serve a todos, população e poder público, pois a partirdele podemos entender como ajustar as ações que planejamos. A criação do jornal, cuja inten-ção é ser fonte de entendimento da comunidade sobre o que se passa no município, servetambém para reiterar que a Câmara de Desenvolvimento depende da comunidade para formu-lar e executar os seus planos.”

Volta às aulas

Os estudantes da cidade tiveram um começo de ano confuso com relação ao reinício doano letivo: a escola municipal Waldemar Rodrigues caiu, e as escolas municipais CoronelDomingues de Castro e João Batista Cardoso foram atingidas. A única escola que não foiatingida, a estadual Monsenhor Ignácio Gióia, tinha tornado-se abrigo.

Em fevereiro a situação já estava mais esclarecida: duas salas emergenciais foram constru-ídas para acolher os 441 alunos da Waldemar Rodrigues na escola estadual, que já não era

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mais abrigo no final domês. As vizinhas Coro-nel Domingues de Cas-tro e João Batista Car-doso foram reformadasrapidamente para rece-ber os alunos, de diver-sas idades, na data cer-ta de início do ano leti-vo municipal.

A coordenadora daescola Monsenhor Igná-cio Gióia, Solange Apa-recida de Oliveira, ex-plicou que a volta àsaulas não teve prejuízosno calendário letivo.“As aulas voltaram nodia 22 de fevereiro para

os quase 600 alunos, dois dias após o início do calendário letivo da rede estadual de ensino, ea reposição dos dias perdidos será feita ainda neste semestre.”

Quanto às aulas na escola de ensino infantil João Batista Cardoso, a coordenadora CileneAparecida Freitas explicou que as obras para a reabertura do prédio foram realizadas até ofinal de fevereiro, sendo concluídas no final de semana anterior ao início das aulas. “Estivemostrabalhando na limpeza da escola desde o início de fevereiro para que pudéssemos oferecer onecessário às crianças logo que as aulas voltassem. Nas semanas seguintes pudemos limpar oparque, que não pudemos aproveitar, e instalar um novo.”

Bens das escolasforam trocados com

urgência para retornoàs aulas dentro docronograma letivo

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Março

O terceiro mês de 2010 já indicava uma notável mudança na rotina dos luizenses. Grande partedos comércios atingidos estava funcionando normalmente, e um dos maiores símbolos remanes-centes da cidade, o Mercado Municipal, foi finalmente reaberto. A primeira audiência pública paradebater as consequências da enchente foi realizada por um defensor público de Taubaté, quesolicitava esclarecimentos do poder público.

A maioria dos documentos de registro de pessoas e imóveis foi recuperada pelas associa-ções responsáveis pelas respectivas áreas, e, no meio de escombros, uma cápsula do tempo foiencontrada na área da Igreja Matriz. Para sinalizar a retomada do calendário cultural, muníci-pes realizaram a encenação da Paixão de Cristo, evento que se tentava realizar havia oitoanos.

A pior tragédia registrada nesse mês, longe de ter as proporções dos abalos sísmicos noinício do ano, foi um terremoto de magnitude 6 no leste da Turquia, que matou 57 pessoas edeixou mais de 100 feridas. As casas do vilarejo destruído eram feitas de tijolos de argila debaixa qualidade.

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Canteiro Aberto, cores e cápsula do tempo na Matriz

A Igreja Matriz tornou-se palco de visitações a partir de março, quando interessados ecuriosos começaram a acompanhar o processo de resgate de cada peça do local. O projetoCanteiro Aberto, realizado em parceria entre a prefeitura, Iphan, Unitau e Unesp, abriu asnovas portas da igre-ja para o público emgeral, mas principal-mente acadêmicos devariados cursos e ins-tituições, que pude-ram ver, sendo aplica-do naquele local, mui-to do que lhes foi ditonas salas de aula. Emtroca, o denominado“turismo acadêmico”colaboraria com ogiro monetário na ci-dade, visto que prin-cipalmente pousadas erestaurantes teriamum público para aten-der.

Nos arredores daigreja, os tapumes fi-caram coloridos com os desenhos feitos por alunos da escola municipal Waldemar Rodrigues(apesar de estudarem nas salas improvisadas da escola estadual Monsenhor Ignácio Gióia, emseus cadastros consta que estudam na escola que perdeu o prédio). Não improvisadas, as artesforam definidas pelos grupos de alunos responsáveis por cada peça em fevereiro.

No final do mês, técnicos responsáveis pela separação das peças colhidas na Igreja Matriz

Peças encontradas emdiversas condiçõesforam encaminhadasao reparo; estrutura deuma das cruzes resistiuem seu suporte

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se surpreenderam ao encontrar uma cápsula do tempo, datada de 1927. Na velha caixa demadeira havia diversos documentos, entre eles um cartaz anunciando um sorteio acumuladoem 500 contos de réis, um exemplar do jornal O Luizense, de 18 de dezembro, a programaçãodo Cine Éden Paulista e do Teatro Santinha, e o anúncio para a contratação de dez professorescom segundo grau para trabalhar na escola rural da cidade. A caixa foi colocada no meio daestrutura pelo coletor de impostos Romillo Guimarães durante uma das grandes reformas noprédio. A caixa foi aberta na presença do filho de Romillo, Ary Guimarães. O documentocontendo a autorização para a inserção da cápsula na igreja foi reproduzido no Jornal daReconstrução15:

“Acta de encerramento deste livro. Aos seis dias do mêz de fevereiro do anno do Nasci-mento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil novecentos e vinte oito pelas doze horas naigreja Matriz desta cidade de São Luiz do Parahytinga presente o Rev. mo padre Ignacio Gioiavigário desta Parochia e por sua ordem autoriza que nessa igreja ficasse archivado para que osfuturos encontrasse este calendário da atualidade do corrente anno constatando de tudo quenela contem pedindo a quem esse encontrar fazer público tudo o que aqui existe para engran-decimento desta terra natal. Nesse mesmo, vai assignado por mim encarregado e o Rev.mopadre o empreiteiro e seus auxiliares aqui presentes. Nada mais havendo a desejar encerro,pedindo a este encontrado uma missa pelas almas deste aqui presentes, digo desses nomesaqui transcriptos. São Luiz 6 de fevereiro de 1928. [O documento é concluído com as assina-turas do vigário, do encarregado, do empreiteiro, pedreiros, serventes, e demais pessoas pre-sentes no momento]”.

Não são anônimos

Se por uma parte registros históricos foram perdidos, empenhos de diversas partes procu-raram resolver o problema dos luizenses com a documentação básica pessoal e de suas propri-edades. Quanto aos documentos pessoais, os munícipes tiveram o primeiro mês do ano paraobter a segunda via das carteiras de identidade e de trabalho através do serviço estadualPoupatempo, que realizou atendimento itinerante no município.

Desde o início de 2010 os documentos de cartórios – registros pessoais e de imóveis –

À direita, estudantescoloriram e

escreveram frasesmotivacionais aos

moradores da cidadenos tapumes que

cercam ruínas

15 O tempo não para.Jornal daReconstrução,24 abr. 2010

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receberam tratamentos dos órgãos res-ponsáveis por cada uma das áreas. AArisp (Associação dos Registradoresde Imóveis de São Paulo), que se res-ponsabilizou pela recuperação do acer-vo dos registros de locação, matrículae transcrição de imóveis do município,além de documentos históricos do sé-culo XIX e do poder judiciário, entre-gou 135 registros recuperados ao mu-nicípio no dia 15 de março. O investi-mento para o trabalho foi de aproxi-madamente 200 mil reais. A Arpen (As-sociação dos Registradores de Pesso-as Naturais do Estado de São Paulo),responsável pela recuperação das cer-tidões de nascimento, casamento eóbito do município, entregou totalmen-te recuperados 167 dos 188 livros deregistros civis que outrora ficaram co-bertos de lama (todos os livros que aassociação conseguiu pegar).

Reabrindo as portas do

Mercadão

Mesmo carecendo de diversas re-formas, o Mercado Municipal da cida-de foi reaberto em março, após inten-so serviço de limpeza para permitir a

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venda de produtos alimentícios no local. As obras – novo revestimento nas paredes, pintura,recolocação de telhas e reparo nos banheiros –, foram orçadas em 612 mil reais e tinham inícioprevisto para abril. Indepen-dentemente do que passou, oMercadão voltou a ser o queera antes da tragédia: ponto deconversas, música, venda dealimentos e jogos.

Para os luizenses mais tra-dicionais, a reabertura do lo-cal aliviou a dor da ausênciade pontos de frequência recor-rentes desde suas infâncias.Tereza Mota, que aos 70 anosvende verduras no local, con-sidera na verdade a fofoca seuprincipal ofício no Mercadão.“Eu não aguentava esperar oMercadão abrir. Sempre vimaqui bater papo, trabalhar, to-mar um café com leite e fazerfofoca. Enquanto o local nãoabria, eu vinha fiscalizar a lim-peza para contar aos outroscomo estava o trabalho aqui.”

Silvio Oryn, que não tem ocostume de infância de fre-quentar o local, considera-o oponto mais importante da ci-dade. “O Mercadão é o cora-ção da cidade. Moro aqui há cinco anos, mas frequento o local desde que conheci a cidade, há

Mercadão passou maiorparte do tempo dasreformas com as portasabertas

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27 anos. É lá que você pode sentar em uma roda de viola, prosear e obter informações, alémde escolher carnes e verduras para comprar ou até ganhar os produtos dos vendedores, que tetratam como amigo.”

Além de alimentos tradicionais e prosas, jogos como baralhos, palitos e adivinhações sãocostumeiros no Mercadão. Antonio Lobo, que mora na zona rural, frequenta o local aos finsde semana para fazer compras e aproveita a passagem para conversar e jogar. Aos gritos eblefes, ele e os amigos se divertem tentando adivinhar quantas pedras cada jogador tem emmãos a cada rodada. “Esse jogo não tem nome. Pode chamar de ‘diversão de véio’. É o quefazemos aqui. Compramos alguma coisa, brincamos e vamos embora”, explica, mostrandocomo a sobrevivência do Mercadão permitiu que os luizenses continuassem praticando seusantigos costumes.

Tombamento nacional

O Iphan, que desde 2007 realiza estudos para realizar o tombamento nacional de São Luizdo Paraitinga (eles até então foram feitos somente pelo Condephaat, em caráter estadual),tombou provisoriamente 400 imóveis do centro histórico da cidade no final de março. Dessamaneira, qualquer processo de reconstrução e reparo das residências com esse título precisa-ria também do aval do Iphan, além da permissão da prefeitura e do Condephaat.

A superintendente do Iphan em São Paulo, Anna Beatriz Galvão, afirmou em uma audiên-cia pública em abril que os munícipes não teriam maiores dificuldades para reformar as propri-edades por haver mais um órgão para analisar os projetos. “Na atual situação da cidade, nãopoderia haver mais dificuldades para os munícipes. O Iphan, o Condephaat e a prefeitura farãoum trabalho conjunto para que os projetos sejam aprovados uma única vez, e ofereceremossuporte para a elaboração deles”. Nos meses seguintes munícipes estariam voltando para suascasas quebradas, sem poderem reformá-las, devido à demora na aprovação dos órgãos.

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Primeira audiência pública

O defensor público de Taubaté, Wagner Giron de La Torre (que no segundo semestreentrou com ação cobrando esclarecimentos da prefeitura quanto ao uso da verba doada emconta pública), organizou a primeira audiência pública do município, a fim de esclarecer medi-das que órgãos públicos poderiam tomar para evitar novos prejuízos aos munícipes.

Na ocasião, a prefeita esclareceu dúvidas relacionadas ao auxílio-moradia, loteamentosirregulares, problemas de munícipes que receberam casarões como herança, construção doconjunto habitacional, isenção temporária de impostos e despejo das terras cortadas. Confor-me ela e representantes de outras empresas que prestam serviço ao município esclareciamdúvidas, Wagner contrapunha as afirmações com sugestões – em alguns casos mirabolantes,como a isenção das contas de eletricidade de todos os munícipes atingidos durante um ano,que por minutos iludiu alguns munícipes crentes de que isso seria possível.

O consultor da Elektro, empresa fornecedora de energia elétrica para a cidade, presente naaudiência, Márcio Ribeiro, explicou a impossibilidade de realizar tal ação pelos prejuízos quea empresa teria. “Não temos como isentar a população das contas, pois, se o fizermos, aempresa terá problemas. O que poderemos fazer é parcelar as primeiras contas do ano, paraque os munícipes paguem valores menores no começo do ano.”

Comércio aguardando turistas

O calendário cultural da cidade voltou à ativa com a encenação da Paixão de Cristo, que foiretomada após oito anos de tentativas. Apesar da bela e emocionante apresentação, o municí-pio ainda carecia de atrativos que convidassem os turistas a permanecerem no município.Cerca de 80% do comércio já havia reaberto, e os pontos focados no turismo tiveram dificul-dades para manter as portas dos negócios abertas. O secretário da AHP-SLP (Associação deHotéis e Pousadas de São Luiz do Paraitinga), Henrique Guerra, manteve as portas de suapousada fechadas durante a Semana Santa, afirmando que a cidade estava apta a recebervisitantes, mas que ainda não tinha uma aparência convidativa.

“Até o início da Semana Santa eu havia recebido apenas uma reserva, e não valia a pena

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abrir as portas. Apesar dos prejuízos, aproveitei o momento para realizar melhorias no local. Aspousadas que têm algum movimento atualmente estão atendendo gente daqui, com diárias reduzi-das. O comércio básico da cidade já voltou a funcionar. É importante que haja o embelezamento dacidade, como a pintura das residências, deixando tudo alegre novamente.”

Ressaltando a importância da estética do município, ele criticou a colocação de tapumesem espaços além das residências danificadas, o que, além de prejudicar o visual da cidade,estaria dificultando a passagem de pedestres e veículos. O assessor de Turismo da prefeitura,Eduardo Coelho, explicou que os tapumes colocados além das residências visam trazer segurançaaos pedestres, distanciando-o de ruínas que podem quebrar e feri-los durante a sua passagem.

Para reviver o turismo, ambos sugeriram investimentos no turismo ecológico, como orafting e o arborismo. Quanto às festividades, Eduardo afirmou que em março a prefeitura jáfazia o possível para divulgar a festa do Divino Espírito Santo, realizada em maio. “Tivemosmais de quatro mil cartazes e folders para divulgar o evento, além da internet. Tomamos todosos cuidados com a cidade, pensando nos acessos, por exemplo, e os empresários previammelhorias no turismo nos meses seguintes.”

O presidente da Associação Comercial do município, José Roberto Filho, concordou comessa previsão. “Em março não havia atrativos para os turistas passarem a noite aqui, masacreditamos que até a Festa do Divino a situação melhoraria, com mais eventos disponíveis, eesperávamos uma retomada no turismo ainda no primeiro semestre.”

Contextualizando as dificuldades de se manter os comércios focados no turismo, Henriqueexplicou que até setembro dez pousadas (da área urbana e rural) fecharam as portas definitiva-mente ou desativaram o comércio aguardando a retomada das visitas à cidade. “A economiafocada no turismo deve se apoiar em um tripé: hospedagem, alimentação e entretenimento. Sea cidade carece de uma delas, as duas outras terão problemas, e, consequentemente, o muni-cípio também terá.”

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Abril

O quarto mês de 2010 começou a gerar certa expectativa nos luizenses, que aguardavam aretomada do turismo na cidade com a chegada da festa do Divino Espírito Santo. O festeiro jáprovidenciava as doações para a preparação da festa, que inclui a distribuição de alimentos acentenas de pessoas em dois dias de evento, enquanto os moradores da cidade e o poderpúblico faziam sua parte divulgando o calendário festivo a pessoas de outras regiões. A rotina,com as devidas adaptações, voltou a se estabilizar para boa parte dos munícipes.

A única igreja do centro que ainda funcionava foi interditada para reparos, e os heróis dorafting receberam uma homenagem na capital do Estado. Passados três meses da tragédia, osproprietários de residências tombadas ainda amargavam a dificuldade de obter aprovaçãopara realizar manutenções nas casas.

No Brasil, a enchente ocorrida no Estado do Rio de Janeiro em abril matou mais de 120pessoas, sendo considerada a quarta tragédia desse tipo que mais matou pessoas nos últimos12 meses. Em Santa Catarina, uma forte chuva deixou uma dezena de cidades em estado deemergência. Aproximadamente 3.500 pessoas ficaram desalojadas, 400 desabrigadas, e quase800 casas foram destruídas. Na China, um terremoto de magnitude 6,9 atingiu uma regiãoremota e montanhosa matando quase três mil pessoas, a maioria tibetana.

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Igreja do Rosário fechada e desrespeito à cultura

No início do mês a Prefeitura de São Luiz do Paraitinga decidiu interditar a Igreja doRosário, que vinha apresentado deficiências estruturais que poderiam comprometer a integri-dade física dos fiéis e turistas que a visitavam. O prédio foi interditado parcialmente em 2003,tendo sido o seu uso reduzido a eventos mais importantes e visitações, e um laudo atual doIPT indicou aumento nas chances de o local ruir, causado principalmente pelo excesso dechuva do início do ano.

A arquiteta Lívia Vierno, da Diocese de Taubaté, considerou o laudo do IPT exagerado,servindo apenas para chamar atenção para a precariedade do prédio. Ela, que também é res-ponsável pelo projeto de reconstrução da Igreja Matriz, elaborou há dois anos um estudo paraa restauração do templo interditado, orçado em um milhão e 450 mil reais, mas não conseguiuparceria com empresas que se dispusessem a financiar a obra. O novo projeto elaborado paraa reforma do local terá o custo de aproximadamente três milhões de reais.

“O [primeiro] projeto chegou a ser liberado para captação de recursos por meio do Pronac(Programa Nacional de Apoio à Cultura), do Ministério da Cultura, mas o prazo venceu emnovembro de 2009, e não conseguimos o dinheiro, apesar de termos batido em muitas portas.É difícil captar recursos numa situação dessas, quando não há interesse do patrocinador, jáque muitas empresas alegam que a igreja não tem visibilidade.”16

O historiador Marcelo Toledo, que cobrou atenção do poder público, afirmando que “tam-bém deveria se responsabilizar pelas obras das igrejas, já que se trata de um patrimônio impor-tante para a cidade e o Estado”, se queixou de um problema trazido por grandes empresas quese instalaram no município: os bancos Santander-Banespa e do Brasil. Marcelo, que foi vere-ador por dois mandatos, criou um projeto – rejeitado pela Câmara Municipal em 1998 – queproibia, dentre outras ações, a instalação de placas luminosas e acrílicas no trecho histórico dacidade. O projeto entrou em vigor posteriormente, quando a Promotoria Pública entrou como pedido.

No entanto, após a enchente os bancos do centro da cidade se preparavam para utilizardefinitivamente placas luminosas – um deles chegou a deixá-la ligada durante as noites. “Oscomerciantes acataram ao pedido e mudaram o modelo de suas sinalizações, utilizando placasde madeira e ferro, que além de tudo geram trabalho na cidade, já que temos pessoas que

16 FARIA (site). Acessoem 20 abr. 2010

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trabalham na produção desses itens. O que os bancos fizeram é lamentável, deram um péssimoexemplo. É ruim fazer uma representação contra bancos, mas eles devem obedecer às leisvigentes no município e utilizar placas discretas. Afinal, para que deixar placas grandes eluminosas, se todos sabem onde funciona cada banco, padaria e farmácia da cidade? O turistaque não souber só precisa perguntar a um morador.”

O comerciante Antonio Augusto de Souza “Peixinho”, proprietário de uma papelaria napraça central, é responsável pela instituição de normas e critérios semelhantes para a limitaçãonos tipos e tamanhos de sinalizações dos comércios na área central. Vereador na década passada,ele inseriu as normas no Código de Obras da cidade seguindo modelos de outros municípios.

“Fiz o projeto a partir de trabalhos semelhantes em Taubaté e Redenção da Serra, que haviainundado. Nos meses seguintes a lei entrou em vigor, e anos depois os bancos internacionais des-respeitam as normas. O que deve chamar atenção é o prédio tombado, e não a placa. Eles sóquerem lucro na cidade. Se não ganharem, vão embora. Será que em seus países de origem fariamalgo assim?”

A questão foi tratada em uma reunião do Conselho Gestor do Patrimônio Cultural em abril,levando o Condephaat a entrar em contato com os bancos solicitando a adequação das placas.A prefeitura baixou um decreto inspirado nas normas vigentes em Ouro Preto, no Estado deMinas Gerais, e posteriormente os bancos trocaram a sinalização dos prédios.

Dificuldade nos reparos

Apesar de os reparos no Mercado Municipal terem iniciado em abril, os proprietários decasas tombadas ainda tinham dificuldades em obter aprovação para a restauração dos prédios.Passados mais de três meses desde a tragédia, o Condephaat e Iphan ainda não haviam apro-vado um projeto sequer de reforma em casarões e sobrados afetados pela enchente.

Além da pressa em iniciar a manutenção para poder voltar a morar em casa, alguns muní-cipes se preocuparam com a pior das consequências possíveis causadas pela burocracia para orestauro: a deterioração dos prédios, que poderia levá-los a ruir. Marcelo Toledo, que enviouaos órgãos um projeto de restauro no início de março, foi um dos temerosos a essa burocracia.

“Faz mais de 30 dias que entreguei meu projeto para o Condephaat, e até agora não obtive uma

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resposta. O prédio está cheio de infiltrações e pode tombar. Quem vai pagar esse prejuízo e resga-tar o valor histórico de minha casa? Além de tudo, minha mãe está sendo obrigada a ficar fora decasa esse tempo todo. Não é justo. Essa burocracia e essa falta de bom senso não podem atrapa-lhar nossa cidade.”17

O tempo de espera destacado por Marcelo é exatamente o período de análise apontadopelo arquiteto do Condephaat Vinícius de Oliveira, que alegou o trabalho minucioso realizadopelo órgão para justificar o tempo para liberação dos projetos. “O Condephaat está analisandomais de 40 pedidos para reformas das casas tombadas, mas não é tão simples assim. Depois de oproprietário formalizar o pedido de restauro, o grupo analisará detalhadamente o projeto, levandomais de 30 dias para dar uma resposta.”18

A casa Oswaldo Cruz, que abrigou os técnicos do Condephaat e Iphan antes da inaugura-ção do Ceresta, ironicamente ou não, ruiu parcialmente enquanto eles estavam lá. Partes deuma parede e do telhado caíram devido à deterioração do imóvel, prejudicado ainda mais comas chuvas recorrentes dos últimos meses. O arquiteto do Condephaat Paulo Sérgio Galeãoafirmou que os problemas da casa são antigos. “Não podem jogar a culpa na gente ou noIphan. É uma culpa conjunta. Esse prédio não deteriorou apenas nos últimos dois meses”19,explicou. O prédio, tombado pelo Iphan em 1956 e em 1973 pelo Condephaat, não foi atingi-do pela enchente.

Homenagem aos heróis

A Defesa Civil de São Paulo realizou no dia 20 de abril evento comemorativo dos 34 anosda criação do órgão. Na solenidade, como de costume, houve uma homenagem a pessoasfísicas e jurídicas que ajudaram significativamente alguma comunidade em tempos difíceis.Em 2010, parte dos homenageados foi responsável por ações em municípios fortemente atin-gidos pelas chuvas no início do ano: Cunha, São Luiz do Paraitinga e Jardim Pantanal.

Os agraciados de São Luiz, que receberam a Medalha de Defesa Civil representando osdemais parceiros da cidade, foram: representantes das três companhias de rafting da cidade –Hélio Alexandre de Souza, Diogo Custódio e Cleiton Benetati –, a prefeita Ana Lúcia BilardSicherle, a assessora de Educação Nilde Cristine Pola Batista, o coordenador municipal da Defesa

À direita, crianças dacidade

homenagearam heróiscom pinturas nos

tapumes da IgrejaMatriz

17 CALIXTO (site).Acesso em 20 abr. 2010

18 idem

19 Estragos também nocasarão de OswaldoCruz (site). Acesso em20 abr. 2010

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Civil José Carlos Luzia Rodrigues,Valdir Tobias Rocha, representando afamília Rocha, o engenheiro civil vo-luntário Jairo Sebastião Barreto Bar-celo, e o 1º sargento da Polícia Mili-tar Luiz Sergio Eleutério.

Apesar da homenagem, HelinhoDindon afirmou em outubro que amedalha não corresponde ao reco-nhecimento dado aos heróis no de-correr do ano. Afirmou:

“Sinceramente? Se a medalha fos-se de ouro eu a derreteria para con-seguir algum dinheiro para poderinvestir no meu crescimento pesso-al. O Estado não deu reembolso al-gum às empresas, que tiveram umaperda muito grande. No nosso caso,passamos mais de um dia fazendoresgates, e os materiais utilizadosnesse tempo foram bastante preju-dicados. Sem uma restituição financeirapor esse trabalho, nós basicamentepagamos para salvar as pessoas. Nos-sa estimativa é que, sem o rafting, 400pessoas morreriam na cidade. Que-bramos muitos paradigmas com essesresgates (a profissão era marginaliza-da até então) e agora estamos à deri-va aguardando alguma ajuda.”

Para Dindon, a profissão tem pas-

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sado por uma crise no município, visto que os passeios turísticos caíram abruptamente. “O raftingnão pode nem mais ser considerado trabalho prioritário dos instrutores, pois não rendeu durantenove meses. Antes fazíamos aproximadamente 15 passeios por mês e agora mal chegamos a 15durante todo o ano. Só em outubro nossa expectativa começou a melhorar. O Estado podia, nomínimo, colaborar conosco na compra de novos equipamentos, pois além de tudo isso faria nossosclientes se sentirem mais seguros.”

Helinho ressaltou que os luizenses o param até hoje para falar do heroísmo desses homens.Ele contou que receberam diversas homenagens no decorrer do ano, e que sua aparição emrede nacional no início do ano, falando do empenho dos luizenses em reconstruir a cidade,rendeu o contato de amigos distantes. “Eu recebi e-mails de amigos que vivem na Austrália,Nova Zelândia, França e Argentina pelo que falei à repórter. Agi como um torcedor esportivofanático naquele momento, pois a repórter perguntou o que eu achava de ver a minha cidadedestruída, e não aceitei aquela colocação. Não concordei em ser julgado como um morador deuma cidade destruída, e falei que a reconstruiríamos, deixando-a mais bonita ainda.”

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Maio

No mês de aniversário da cidade, os luizenses finalmente voltaram a ver um grande número deturistas, com a realização da festa do Divino Espírito Santo. Diferente das outras edições da festa,muitos curiosos foram ao município ver, além das dezenas de manifestações culturais, a maneiracomo se portavam os moradores de uma cidade ainda renascendo. Os tapumes – e as ruínas malescondidas por eles – não eram obstáculos para que cada grupo que foi ao município realizasseseus agradecimentos pelo ano que tiveram. Muitas adaptações foram feitas, como a mudança dolocal da distribuição do afogado e da realização das missas e novenas.

O Ceresta foi inaugurado nesse mês, concentrando diversos grupos de trabalho no município.Em São Paulo, obras foram leiloadas para arrecadar fundos à cidade, e músicos de variados estilosde São Luiz tocaram em diversos eventos, como a Virada Cultural e o Paraitinga Corpo e Alma,realizado no Memorial da América Latina. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Eco-nômico e Social) fechou acordo para doar um milhão de reais ao Instituto Elpídio dos Santos, comobjetivo de recuperar a sede do instituto, a Igreja do Rosário e a Casa Oswaldo Cruz.

Apesar da emergência em vários pontos do país, como São Luiz do Paraitinga e outras cidadesdo interior de São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina, o Governo Federal anunciou o forneci-mento do equivalente a 526 milhões de reais ao FMI (Fundo Monetário Internacional) para cola-borar com a contenção da crise financeira pela qual a Grécia passava após acúmulo de dívidasexorbitantes.

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A festa do Divino

São Luiz do Paraitinga é uma das poucas cidades brasileiras que ainda realizam todas as mani-festações tradicionais – folclóricas, religiosas e profanas – da festa do Divino Espírito Santo, prove-niente da Portugal medieval do século XIV, quando havia distribuição de alimentos e esmolas aospobres como agradecimento pelo que foi colhido e pela esperança de um futuro melhor. A festa temtraços pagãos (assimilados pela Igreja Católica no século XIV), da época em que festas eramrealizadas durante os solstícios* para comemorar, dentre outras coisas, a colheita realizada naqueleano e o otimismo em uma boa produtividade no ano seguinte.

Em São Luiz do Paraitinga, registros indicam a realização da festa desde o início do século XIX.No entanto, estudiosos acreditam em sua existência desde os últimos anos do século XVIII, vistoque há provas documentais de uma casa localizada na praça central construída para ser o Império– centro das devoções populares durante a festa. A festa na cidade deixou de ser realizada durantetrês décadas no início do século XX, porém voltou integralmente em 1940.

A folia do Divino – homens que percorrem toda a cidade tocando, cantando e carregando abandeira do Divino – inicia o trabalho poucos meses depois do encerramento da festa daquele ano.Eles visitam todas as residências do município como parte do ritual da festa do ano seguinte, paraque cada casa e seus moradores sejam abençoados. Geralmente, cada família porta uma bandeira,na qual anexa fitas e fotos de parentes.

A festa, iniciada 50 dias após a Páscoa, tem a duração exata de nove dias, a partir de umasexta-feira à noite, quando os fiéis saem do Império em procissão até o ponto de realização danovena, onde também são abençoadas as bandeiras (até 2009, as novenas eram realizadas naIgreja Matriz). O encerramento religioso da festa se dá com a realização de uma procissãoseguida de missa na tarde do domingo da outra semana. Para o povo, no entanto, a festa sóacaba na última hora do dia, com a queima de fogos de artifício, geralmente realizada apósalguma apresentação cultural no centro da cidade.

No dia seguinte ocorre o encontro das bandeiras, quando a bandeira que percorreu a cida-de durante dez meses se encontra com as bandeiras dos fiéis. Todas elas costumam ficarguardadas no Império – que a cada ano é preparado delicadamente em uma propriedadediferente –, sendo retiradas somente no momento das novenas realizadas em cada noite.

A distribuição do afogado, realizada duas vezes em cada festa, sendo uma delas em um sábado

*Os solstícios ocorremduas vezes por ano:em dezembro e emjunho. Quando ocorreno verão significa quea duração do dia é amais longa do ano. Nocaso do inverno, anoite mais longa doano. Essas datas eramsimbolicamenteimportantes para aspessoas daquelaépoca erepresentavam o iníciode novos ciclos.

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à noite, e a outra no sábado seguinte de manhã, é realizada a partir de voluntários que passarammeses arrecadando alimentos – que se tornam um ensopado de carne com diversos ingredientes –e é responsável por filas imensas que surgem horas antes da distribuição. Uma das últimas apresen-tações religiosas do evento é a cavalhada, realizada pela Cavalhada São Pedro de Catuçaba, naqual se encena a luta entre cavaleiros mouros e cristãos, difundida pelo imperador Carlos Magno naera medieval. Esse evento é realizado há mais de cem anos nas festas do Divino de São Luiz doParaitinga.

Dezenas de grupos de dança, como moçambique, congada e maracatu se espalham pelacidade durante a festa para realizar suas manifestações de agradecimento ao Divino. SegundoPaula Guerra, a festa, com teor principalmente religioso, desagrada turistas acostumados comgrandes eventos, acompanhados de uma organização responsável pelo aviso de cada etapa dafesta. Seu texto, de 2009, retrata um desses casos:

“Hoje tive o desprazer de me sentar perto de uma senhora que veio ver a festa e achou tudomuito ‘pobrinho’... ‘a comida distribuída é ruim (ela acha que nos pousos de tropeiros serviamcaviar?), as congadas são cafonas e a festa é em si desorganizada’. Pergunto, o que ela veiofazer aqui? Ela veio ver uma festa antiga, popular, da época do Brasil colônia e império, ondeos pobres agradecem o pouco que recebem, e achou pobre? Não me lembro exatamente quan-do, mas num ano em que eu ainda tinha uma loja uma mulher encostou no café e começou adesfiar o rosário: ‘é um desorganização, eles dançam e tocam todos ao mesmo tempo.... deviaanunciar o nome do grupo que vai se apresentar e dar 30 minutos para cada um’.... aquilo mesubiu na garganta e eu disse ‘MAS AQUI NÃO É A SAPUCAÍ !!! Senhora, esta música edança é a forma de oração deles! Ninguém veio aqui desfilar para turista, eles vieram pordevoção! Obviamente na hora que antecede ao culto principal eles todos querem tambémfazer sua orações em forma de canção e dança....’”20

Nesse ano, a festa foi realizada com as devidas adaptações pós-tragédia. A distribuição doafogado, que nos últimos anos aconteceu no recinto de exposições da cidade, próximo aoterminal rodoviário, ocorreu no Mercado Municipal, a exemplo das épocas tradicionais dacidade. As missas e novenas, antes realizadas na Igreja Matriz, aconteceram em um espaçocoberto preparado pela prefeitura na praça central, em frente às ruínas da igreja. No mais, acidade contou, como sempre, com as cores vibrantes dos trajes dos grupos que visitaram a cidade.As brincadeiras foram as mesmas, os bonecões João Paulino e Maria Angu saíram às ruas corren-

20GUERRA (site).Acesso em 3 mai. 2010

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do atrás das crianças – e turistas que não esperavam ser alvos dos bonecos –, as jovens luizensespraticaram a famosa dança de fitas, e a cavalhada foi apresentada no mesmo local dos últimos anos.

A estudante universitária Ana Luiza Dolabella, que está produzindo um fotodocumentário sobrea cidade e seus moradores como trabalho de conclusão do curso de jornalismo na PUC (PontifíciaUniversidade Católica) de Campinas, afirma que conheceu São Luiz depois de sua repetitiva apa-rição nos noticiários após a tragédia. Pensamento coincidente com o de grande parte dos turistas,Ana Luiza afirma que esperava encontrar uma cidade sem forças para a retomada.

“Desde que pisei na cidade fui cativada pelos seus moradores. Todos foram simpáticos e solíci-tos. Eu acreditava que ia chegar e encontrar a cidade destruída, com uma população revoltada como que aconteceu e com suas perdas, mas felizmente não foi o que vi. A felicidade, a alegria e a féestão presentes a todo o momento em São Luiz, e admiro a população local por isso.”

Josiane Portela, parceira de Ana Luiza no trabalho, conta que ainda nota nos moradores osentimento de perda de parte da história da cidade. “Parece que aos poucos os luizenses foramretomando o ritmo e o cotidiano normais. Ainda sentem um pouco as consequências que aenchente trouxe, principalmente a perda da [Igreja] Matriz, mas estão seguindo em frente,pensando no futuro e tentando manter a cidade como era anteriormente. A fé e a religiãocontinuam forte na cidade. Mesmo com as perdas, os luizenses mantiveram suas tradições,como a festa do Divino.”

À direita, adorno doDivino Espírito Santo

colocado no coreto

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Preparação do afogado, no MercadoMunicipal. Abaixo, Novena realizadaem frente às ruínas da Igreja Matriz

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Acima, encontro das Bandeiras. Ao lado,

Império repleto da cor vermelha, igual às

bandeiras dos fiéis, e enfeite em bandeira

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Procissão do Mastro Bonecões João Paulino e Maria Angu

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Mobilização da cidade durante a última procissão da festa e crianças se divertindo em apresentação cultural

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Prêmio aos queconseguiremalcançar o topo dopau-de-sebo

À direita,apresentação teatral

e musical na praçacentral

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Junho

A Unesp de Guaratinguetá divulgou em junho o resultado de uma pesquisa realizada com turistasdurante a festa do Divino Espírito Santo. A ideia era identificar os tipos de visitantes que foram aomunicípio e questionar se cada um deles aprovou a festividade. Apesar do resultado otimista, osluizenses sabiam que a grande aprovação do evento não necessariamente seria sinal de uma forteretomada do turismo ainda esse ano. Por isso, voluntários passaram a organizar aulas ensinandoestratégias a interessados em colaborar atraindo turistas à cidade.

Nesse mês São Luiz foi incluída no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) das Cida-des Históricas, ação de investimentos voltada a municípios tombados nacionalmente, disponibili-zando recursos para diversas áreas.

No país, uma enchente muito maior do que a que atingiu São Luiz deixou 30 municípios emPernambuco e Alagoas em estado de emergência. Algumas cidades foram quase totalmentedestruídas. A tragédia deixou mais de 50 mortos e 80.000 desabrigados. O presidente Lulavisitou locais atingidos pela tragédia e anunciou a disponibilização de 550 milhões de reaispara a recuperação dos danos.

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Cidade pronta para o turismo?

A Unesp conduziu uma pesquisa para a qual foram entrevistados 374 turistas que visitaram SãoLuiz durante a festa do Divino Espírito Santo. Segundo os resultados, o município estaria apresen-tando infraestrutura suficiente para voltar a receber os turistas. Satisfeitos, 99% dos entrevistados,com idades entre 20 e 70 anos, afirmaram que pretendem retornar à cidade. A média de valoresgastos diariamente na festa foi de 50 reais por pessoa, e subiu para 100 reais por pessoa hospeda-da em pousadas e hotéis locais. Quase dois terços dos entrevistados aprovaram a velocidade dareconstrução de São Luiz, contrariando a imagem de que ainda estaria destruída.21

Apesar do bom resultado, que mostra a aptidão da cidade a receber visitas a partir da visão dospróprios turistas, os comerciantes reconhecem que muito deverá ser feito para que o turismo voltea ser expressivo em outras épocas do ano, quando não há eventos tão renomados como a festa doDivino Espírito Santo. Por isso, a Unitau, a prefeitura e o Comtur (Conselho Municipal de Turismo)fecharam uma parceria em junho para a realização de um curso gratuito de planejamento estratégi-co voltado para o turismo, aplicado pelo professor da Unitau José Felício Goussain Murade. Asaulas, iniciadas sem prazo para término, visavam ensinar aos proprietários de hotéis e pousadas,além de interessados, estratégias de marketing direcionadas ao turismo, como a identificação dopúblico-alvo e a maneira correta de se fazer propaganda da cidade.

O vice-presidente do Comtur, Sérgio Costa, ressaltou que, apesar das boas iniciativas, o retor-no não será imediato. “Estamos em uma situação emergencial, todos querem resultados imediatos,mas não é bem assim. A resposta ao nosso trabalho virá no médio prazo, precisamos ser pacientes.Mas ter um diagnóstico do turismo do município, algo que não tínhamos antes, já é uma conquis-ta.”22

Projetos para a reconstrução

São Luiz do Paraitinga foi incluída no PAC das Cidades Históricas em caráter emergencialdevido à gravidade da situação da cidade após a tragédia. O plano, lançado pelo Ministério daCultura em outubro de 2009, é voltado aos municípios tombados ou em processo de tombamentono âmbito federal, além das cidades dotadas de bens materiais e imateriais (como tradições e

21Pesquisa revela queSão Luiz do Paraitingaestá ‘pronta’ apóstrágica enchente(site). Acesso em26 jun. 2010

22 Ideias para arrumaro turismo. Jornal daReconstrução.19 jun. 2010

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festividades) considerados Patrimônio Cultural do Brasil. O plano, no qual São Luiz está incluídadesde março, prevê o investimento de 222 milhões de reais nos próximos quatro anos para 11cidades do Estado de São Paulo.

Um dos principais objetivos do PAC das Cidades Históricas é o desenvolvimento da infra-estrutura dessas localidades, como ações nas áreas da educação e saneamento básico, requa-lificação de espaços públicos e aterramento de fiação elétrica. Como divulgado no DiárioOficial da União no dia 26 de março de 2010, a principal área do município que receberáatenção do plano integra o centro histórico e o entorno delimitado pelas cumeeiras dos mor-ros que cercam a zona urbana, pontos tombados como patrimônio nacional.

O projeto de reconstrução da Igreja Matriz foi concluído na primeira quinzena de junhopelo Condephaat e pela Diocese de Taubaté – proprietária legal do local. O governo estadualdestinou 15 milhões de reais para as obras no local, consideradas prioridade no processo derenascimento da cidade.

O novo prédio deverá conter bastantes características semelhantes à igreja antiga, porémoferecerá mais conforto e facilidade aos fiéis, visitantes e párocos, como o uso de sistema devídeo e áudio, a instalação de um sistema de ar condicionado e mudanças da posição dosaltares, facilitando o trânsito nos corredores.

Apesar do trauma causado pela queda de vários prédios construídos com a taipa de pilão,cogitou-se reconstruir a Igreja Matriz com essa técnica, porém com métodos mais recentes. Aideia foi descartada também pelo prazo da construção nesse estilo, previsto em seis anos,contra dois anos estimados para a reconstrução do local com técnicas mais atuais.

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Julho

O sétimo mês do ano apresentou complicações para muitos luizenses, que aguardavam melho-rias notáveis no segundo semestre. A entrega das primeiras casas do conjunto habitacional nomea-do Residencial Casinha Branca, que estava prevista para esse mês, foi adiada por decisão dasempresas responsáveis pela construção das residências.

Na área da saúde, os luizenses, principalmente da zona rural, amargavam um semestre dafalta de médicos, precisando recorrer a profissionais de outras cidades. Quanto à verba destinadaao município, o Ministério Público local instaurou inquérito para investigar o possível paga-mento indevido do auxílio-moradia a famílias que não se encontravam nas condições exigidaspelo poder público.

O Fórum de São Luiz do Paraitinga, cujos documentos passaram por um longo processode limpeza e recuperação, teve os dois mil processos digitalizados pelo Tribunal de Justiça. Ofórum se tornou a 12ª unidade do Estado a ser completamente digitalizada. O pároco domunicípio, Monsenhor Tarcísio de Castro Moura, faleceu aos 94 anos na manhã do dia 9.

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Falta de médicos

Certos pontos da cidade passaram grande parte do ano sem clínicos gerais ou especialistas,principalmente no bairro São Sebastião, onde os moradores não contavam com um médicodesde a época da enchente. Visando amenizar o problema, profissionais do Programa SaúdeFamília – um enfermeiro, dois auxiliares e seis agentes – percorreram a área oferecendo aten-dimento aos munícipes. Para os que ainda assim necessitavam de uma consulta ou procedi-mento mais complexo, a solução encontrada foi se dirigir à área urbana, a mais de dez quilô-metros do bairro, e sem garantia de atendimento.

Os munícipes fizeram um abaixo-assinado reivindicando melhorias no atendimento médicona área, cujas dificuldades foram confirmadas pela prefeitura. A diretora do Centro de Saúdemunicipal, Lidia Faria, explicou que novos médicos seriam contratados.

“O pediatra ficou 15 dias afastado do serviço por questões de saúde. O ginecologista e oclínico geral pediram demissão. Ficamos abertos à contratação e logo tivemos um médicointeressado em atender no Centro de Saúde. No ano que vem queremos abrir um concursocom novos salários.”23

Apesar de a Santa Casa, na área urbana do município, contar com uma equipe médica deseis plantonistas – entre eles ginecologista e pediatra –, São Luiz passou a maior parte do anosem assistir ao nascimento de uma criança no local. A falta de obstetras, registrada desde osúltimos meses de 2009, é um dos problemas apresentados pela entidade filantrópica, custeadapela prefeitura e pelo SUS (Sistema de Único de Saúde).

A Santa Casa dispõe de 30 leitos, duas ambulâncias e uma sala radiológica com equipamen-tos ultrapassados, e enfrenta – como costumeiro nos hospitais brasileiros – problemas com adisposição de verbas. A entidade, onde trabalham 45 funcionários, além do provedor AlfredoNocera Filho, não contou com o plano de ajuda emergencial oferecido pelo Governo doEstado. Diferente dos casos simples, que podem ser atendidos no local, os médicos indicamque os pacientes carentes de atendimentos mais complexos se encaminhem a hospitais decidades próximas.

23 Moradores de SãoLuiz do Paraitingasofrem com a falta demédicos (site). Acessoem 12 jul. 2010

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Casas adiadas

Os desabrigados que aguardavam ansiosamente a entrega do primeiro lote das casas do con-junto Casinha Branca, que estava prevista para julho, receberam uma má notícia no decorrer domês. Preocupados se seriam contemplados com a propriedade, tiveram que aguardar mais algunsmeses para saberem o resultado da decisão da prefeitura devido ao adiamento da entrega dasresidências. As empresas atuantes no local da construção, Terracom e Royal do Brasil Technologi-es – responsáveis pela adaptação do terreno e pela construção das residências em PVC –, opta-ram por aguardar a conclusão integral do conjunto ao invés de liberar 45 das 150 casas inicialmen-te.

A assessora de Serviço e Desenvolvimento Social no município, Cristina de Toledo, expli-cou que a alternativa escolhida pelas empresas visava manter a integridade física das pessoasno local.

“Os responsáveis pelo serviço temem a movimentação de crianças e idosos em um espaçocheio de máquinas que podem trazer risco de vida a elas. Não há uma previsão para a conclu-são de todo o conjunto, mas enquanto a obra segue estamos garantindo a estadia dos muníci-pes sem casa em seus abrigos.”

Ela explicou que em julho o Serviço Social já havia definido os fatores prioritários para obenefício dos flagelados, mas a lista de contemplados ainda não havia sido concluída. “Faze-mos uma análise geral de cada família que se inscreve, levando em consideração fatores comoo número de pessoas, a renda familiar mensal, e se elas são proprietárias ou inquilinos dasresidências atingidas. O processo de avaliação das casas ainda está ocorrendo, não temos asoma de todas as casas condenadas e, consequentemente, a relação de famílias passíveis de rece-ber o benefício. O número de pessoas aptas a receber o benefício até o momento passa dos 70.”

Enquanto isso, moradores do abrigo principal mantido pela prefeitura – a pousada Caravela –continuaram sonhando com a retomada de suas vidas, sabendo que não seria fácil pela perda detodos os bens de suas antigas residências. Cassilda dos Santos, que morava na Várzea dos Passa-rinhos, teve a casa completamente atingida e, apesar de ter tirado os móveis da propriedade, nãosabe em que condições os itens foram preservados e nem se poderão ser aproveitados.

“A enchente pegou minha casa inteira, e perdi praticamente tudo, inclusive meu animal de esti-mação. Depois da enchente ainda tentei salvar a televisão, mas, como todos os outros, estamos

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enrolados com essa situação, e torço para que tenhamos logo um lugar para morar. Pudemos tiraralgumas coisas, mas a mudança quebrou os objetos. O que sobrou está no centro pastoral, masnão sabemos que cuidados estão sendo tomados com objetos, e nem em que condições os encon-traremos.”

Outra desabrigada, Joana Maria dos Santos, que vivia no Alto do Cruzeiro, começou aviver na pousada com sua família em março, visto que sua propriedade foi interditada pelorisco de deslizamentos no bairro. Apesar de sua residência não ter sido atingida pela enchente,ela também estava crente de que seu nome estaria entre os 45 escolhidos para o primeiro lote,sem saber que, independente da decisão, deveria aguardar pelo menos mais três meses peloresultado.

“Acho que saio na primeira lista, pois estou fora de casa desde o início do ano, mesmo comela não tendo sido atingida pela enchente. Acredito também que a prioridade será ajudar as pesso-as que não têm um lugar tão confortável para ficar, como nós, que estamos com nossas famílias empequenos quartos, sem espaço para muita coisa. Nossas roupas estão embolorando aqui.”

Auxílio indevido

O Ministério Público do município instaurou inquérito para avaliar o suposto pagamentoindevido do auxílio de 300 reais que parte dos munícipes recebeu. Em fevereiro, 306 famíliasse cadastraram e começaram a receber o auxílio do Governo do Estado. Apesar de o númeroter caído para 178 em junho, a Justiça suspeitou de famílias não inseridas nas exigências parareceber o suporte, e o benefício foi bloqueado provisoriamente durante as investigações. Se-gundo o Ministério Público, as famílias irregularmente cadastradas deveriam devolver a verbaconcedida pelo governo e, caso fosse identificada má-fé das pessoas, elas responderiam criminal-mente pelo recebimento do recurso.

Cristina de Toledo explicou que, no início do cadastramento das famílias, a prefeitura nãotinha recursos para identificar as condições de cada uma delas. “O que ocorreu é que noprimeiro momento, de atendimento emergencial, não tínhamos estrutura, nem para fazer a checa-gem de cada situação. Naquele momento valeu a palavra das pessoas que iam até a prefeituraalegando estarem desabrigadas.”24

24 FERNANDES (site).Acesso em 12 jul. 2010

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A prefeitura interveio na ação a fim de evitar o bloqueio do auxílio, alegando que apesar darelevância da investigação, famílias – principalmente vivendo no abrigo – dependiam do auxí-lio para pagar a estadia fora de casa. O suporte voltou a ser concedido em setembro a 130 das 178famílias cadastradas até maio, após análise feita pela prefeitura a pedido do Ministério Público. Noentanto, foi a vez de a Defensoria Pública de Taubaté entrar com uma ação contra o governomunicipal e estadual alegando que as 48 famílias que deixaram de receber o auxílio necessitavamdele. Após decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, o apoio às famílias que seriam excluídas dalista foi mantido.

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Agosto

A Prefeitura de São Luiz do Paraitinga foi alvo de uma polêmica gerada pela DefensoriaPública de Taubaté em agosto, que viu irregularidades na utilização da verba doada no decor-rer do ano – no segundo semestre aproximadamente 540 mil reais haviam sido doados. Naação movida pela Defensoria constavam outros questionamentos, dentre eles um relacionadoao desassoreamento do rio, que passou o ano em um nível acima do normal, haja vista aquantidade de entulho acumulada no leito após a tragédia.

A Igreja Matriz e a Capela das Mercês começaram a ganhar estruturas metálicas com oformato dos templos. Na primeira, a previsão era de que o local voltasse a ser palco de missas,aos finais de semana, quando os trabalhadores no local estivessem de folga. Dois quadrosdestinados a uma exposição para levantar fundos ao município foram roubados do Ceresta eencontrados no dia 17 pela polícia, que flagrou dois homens tentando comercializá-los.

No Paquistão, enchentes ocorridas durante agosto deixaram mais de seis milhões de desa-brigados e matou 1.600 pessoas. Nos primeiros dias da tragédia foram registrados mais de 40mil casos de diarreia aguda, potencialmente fatal, devido ao contato dos paquistaneses com aágua.

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Ação pública

A Defensoria Pública de Taubaté entrou com uma ação contra a prefeitura e o governo estadual,alegando omissão dos poderes com relação ao uso das verbas doadas em contas públicas nodecorrer do ano. Dentre as denúncias, estaria o restauro de parte do prédio da prefeitura comverba doada (que, segundo a ação, deveria ser usada no atendimento à população) e o descasocom os desabrigados da cidade. A Defensoria solicitou o bloqueio dos 388 mil reais restantes nascontas (pedido acatado pela Justiça nos dias seguintes), o pagamento de multa para indenizaçãodos moradores no valor de 66 milhões de reais e a elaboração urgente de um projeto para odesassoreamento do rio Paraitinga.

Como resposta, a prefeitura publicou uma nota de esclarecimento, nas quais conta a lega-lidade das ações realizadas pela prefeitura. Com relação à reconstrução da sede, os 96 milutilizados na obra teriam sido doados por um banco privado (na nota consta a doação de 100mil reais) para que o Executivo utilizasse segundo prioridades definidas pela própria prefeitu-ra. Outros 55 mil utilizados pelo Executivo reais teriam sido doados pela CAF (CorporaçãoAndina de Fomento), destinados exclusivamente à aquisição de medicamentos. Toda a verba res-tante, segundo a nota, estaria depositada em contas bancárias abertas especificamente para doa-ções. O restante da verba da conta estaria aguardando uma relação com as prioridades do municí-pio.

Quanto às condições de vida dos desabrigados, a prefeitura esclareceu que os flageladosestavam recebendo auxílio-moradia e alimentação, e que a prefeitura contratou uma cozinhei-ra e um guarda municipal para cuidarem das pessoas. O jornal Valeparaibano relatou quemoradores desalojados estariam voltando para suas residências situadas em áreas de risco,porém a prefeita negou tal situação25.

Com relação às alegações da Defensoria de que o município teria recebido oito alertasmeteorológicos antes da enchente, que poderia resultar em ações planejadas para a retirada depessoas e móveis das casas, a prefeitura afirmou que nenhum aviso de catástrofe chegou aomunicípio. O final da nota aponta a ação da Defensoria Pública como sensacionalista e irres-ponsável.

A prefeita Ana Lúcia Bilard Sicherle contou em outubro, enquanto falava da situação dacidade, ter sentido medo de o município cair em descrédito após a polêmica. “Felizmente

25 Auxílio sob suspeitaem São Luís (site).Acesso em 12 ago. 2010

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tivemos três projetos do FID (Fundo Estadual de Defesa dos Interesses Difusos) relacionados aoatendimento de interesses da área urbana e rural aprovados. Eles foram elaborados não só porfuncionários da prefeitura, como por voluntários de outros lugares – a Unesp é um exemplo. Essapolêmica podia ter atrapalhado a aprovação dos projetos, e consequentemente o município sairiaperdendo por conta dessas ações mal intencionadas.”

Quanto à lista de prioridades, que até agosto não foi apresentada, a prefeita explicou que omantimento da verba das doações paradas não implicou o desatendimento à população. "Nãohouve demora em gastar essa verba com situações emergenciais, pois em nenhum momentodeixamos de atender quem precisava. Os governos já estavam colaborando com o que faltavano município, e pudemos guardar as verbas para outra ocasião."

Novas igrejas

A Igreja Matriz e a Capela das Mercês começaram a receber em agosto uma estrutura metálicacom formato semelhante aos templos originais. As peças, produzidas em São Paulo, ficarão noslocais até que as obras de reconstrução sejam concluídas. Além do eventual sentimento de que aigreja ainda existe, mesmo que de forma diferente, a estrutura ajudará a proteger o canteiro deobras e as peças recuperadas nos escombros das intempéries.

O coordenador da ação do Iphan no município, Leonardo Falangola, ressaltou a utilidadepsicológica das estruturas. “As igrejas, principalmente a Matriz, são marcos históricos e cul-turais do município. Com a colocação dessas estruturas, a sensação de vazio deixada desde adestruição dos dois patrimônios deve diminuir, até que a reconstrução das igrejas seja finalizada.”26

Apesar do formato semelhante, as estruturas são um pouco mais largas que os prédios originais.Por isso, os técnicos poderão trabalhar na reconstrução das igrejas sem dependerem da retiradadas peças metálicas. A previsão dos órgãos patrimoniais é que as obras nas igrejas comecem aindano final do ano. O projeto de reconstrução da Igreja Matriz foi concluído em junho pela Diocese deTaubaté e pelo Condephaat, e a estimativa era que o projeto da Capela das Mercês fosse conclu-ído até outubro.

26 LEIMING (site).Acesso em 5 ago. 2010

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Setembro

O nono mês do ano apresentou diversas mudanças no município, indicando finalmente umaproximidade maior da independência da cidade perante as grandes festividades. A previsãopara a conclusão das obras em dois dos três acessos à cidade, que ficaram interditados durantetodo o ano, era dezembro.

Com a finalidade de atrair turistas em todos e quaisquer finais de semana, uma feira deartesanato foi instalada no calçadão da cidade. Uma má notícia para o turismo, no entanto, foiregistrada no mês seguinte: a 4ª Semana da Canção Brasileira, que havia sido adiada de setembropara novembro, foi cancelada por falta de recursos.

O município recebeu uma réplica da imagem do Menino Jesus de Praga, doada pela IgrejaNossa Senhora Vitoriosa da República Checa, como motivo para a retomada da cidade, e oGoverno do Estado entregou as 151 casas do Residencial Casinha Branca ao município. Naocasião, representantes estaduais também assinaram a autorização para o início das obras dedesassoreamento do rio Paraitinga. O Daee (Departamento de Águas e Energia Elétrica),também responsável pelo desassoreamento, instalou dois medidores – um pluviômetro e umfluviômetro – no município para acompanhar o nível das águas.

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Limpando o rio

O Daee abriu no dia 8 de setembro concorrência para contratar uma empresa que se responsa-bilizasse pela limpeza do rio Paraitinga. No dia 24, representantes do Estado assinaram em SãoLuiz a autorização para o início das obras com a empresa vencedora da licitação, a FBS Constru-ções. A empresa deverá também desassorear (tirar obstáculos que permitam o fluxo da água) ederrocar (retirar rochas) do rio.

Pelas estimativas do Governo do Estado, deverão ser investidos 17 milhões de reais nosserviços realizados no rio Paraitinga e seus afluentes, de onde deverão ser retirados 300 milmetros cúbicos de sedimentos em um espaço de oito quilômetros. A empresa realizará tam-bém o alargamento da calha e a instalação de contenções.

Segundo a diretora do Daee para assuntos ligados à bacia do Paraíba do Sul e LitoralNorte, Marli Reis Leite, as obras evitarão as pequenas enchentes, recorrentes no município.“As obras deverão minimizar as cheias na cidade, com a melhoria da calha do rio, mas elas vãoconter as enchentes frequentes na cidade, e não o evento crítico que ocorreu no início do ano.Neste caso, terá que ser feito um estudo amplo em separado.”27

Além da limpeza no rio, o Estado anunciou a contratação do Plano Diretor de Macrodre-nagem da Bacia do Rio Paraitinga, no qual serão definidas as obras necessárias para controlede enchentes, como a canalização, a retificação e a criação de “piscinões”. A empresa respon-sável pelo serviço realizará o estudo em uma área de 2.500 quilômetros quadrados, ondevivem 58 mil pessoas espalhadas por dez municípios. Mais de 100 cursos de água serão estu-dados, incluindo os do rio Paraitinga, Ribeirão do Chapéu, Jacui, Turvo, do Peixe e do Ribei-rão dos Macacos.28

Novo lar

Representantes do Governo do Estado entregaram no dia 24 o conjunto de 151 casas doResidencial Casinha Branca, que custou 17.400.000 reais aos cofres do CDHU. Dois tipos deresidências foram construídos: 45 delas são isoladas e térreas, com 65,90 metros quadrados, e106 foram feitas em sobrados divididos em quatro, com 54,86 metros quadrados por casa.

27GONÇALVES (site).Acesso em 8 set. 2010

28São Paulo (site).Acesso em26 set. 2010

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Nem todas as residências ganharam donos com a liberação do residencial, tendo em vista que oServiço Social do município identificou parte das famílias cadastradas como aptas a retomaremsuas vidas, alugando uma propriedade tradicional. Para preencher as casas restantes, a prefeiturarealizou um sorteio no mês seguinte, visto o número excedente de famílias aguardando o benefíciocomparado ao de casas remanescentes. A prefeita Ana Lúcia Bilard explicou que, em alguns casos,

Construções feitascom PVC deram mais

agilidade à construçãodo conjunto

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os munícipes não contemplados com a casa também deixarão de receber o auxílio-moradia devidoao fim do estado de emergência da cidade.

“Passados nove meses da tragédia na cidade, que já não estava mais em estado de emergên-cia, entendeu-se que parte das famílias já tinha condições de viver normalmente. Por isso, oauxílio-moradia continuaria sendo destinado somente aos munícipes que ainda precisavamrealizar obras nos casarões até que eles tivessem condições para o trabalho.”

No dia da entrega das casas a Secretaria de Estado da Cultura e a CDHU assinaram umconvênio de 8.400.000 reais para concessão de crédito a proprietários de moradias atingidaspelas inundações no centro histórico. No entanto, Ana Lúcia destacou a importância de havermudanças nos requisitos para o benefício, que deverá ser utilizado para reformas e serviços derecuperação dos imóveis.

“Um dos requisitos para o financiamento é que os beneficiados sejam donos de apenas umapropriedade. Se além da casa eles tiverem outra construção, não poderão recorrer ao benefí-cio da CDHU, que entenderá que eles poderiam vender a segunda propriedade para realizar asreformas na primeira.”

Os beneficiados com as casas assinaram um termo de permissão de uso oneroso (contratoque permite um particular utilizar um bem público para os fins predestinados, gratuitamenteou não) válido por 12 meses, com opção de compra e venda, e pagaram uma taxa de ocupaçãode 76,50 reais. Após o encerramento desse período, os moradores do conjunto assinarãocontratos de financiamento para pagar prestações subsidiadas pelo governo calculadas deacordo com a renda familiar. O valor da menor prestação é o mesmo da taxa de ocupação queeles pagarão no primeiro ano na casa.

Apesar do aparente bom momento, munícipes acionaram a Defensoria Pública do Estadode São Paulo por se sentirem pressionados a acatarem as exigências para tomar posse dasnovas moradias. A prefeitura exigia que os antigos moradores de áreas de risco assinassem umtermo se comprometendo a não realizar novas construções no espaço de suas antigas moradias.

A exigência foi feita a fim de evitar que os munícipes novamente construíssem residênciasem áreas de risco. Segundo a administração municipal, o valor da residência da CDHU seriauma indenização pelo valor do terreno.29 29Grupo se recusa a

deixar terrenos em SãoLuís do Paraitinga (site).Acesso em 26 set. 2010

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Epílogo

As eleições de 2010, cujo primeiro turno foi realizado no dia 3 de outubro, coincidiramcom os nove meses passados desde a tragédia que assolou São Luiz do Paraitinga e, por uminstante, fez desaparecer qualquer sinal de esperança que os luizenses tinham em conquistarsuas singelas aspirações ou de que eles voltariam a viver a rotina do passado.

Desesperados, os moradores do centro histórico passaram as primeiras semanas do anodesnorteados, sem imaginar como recomeçar suas vidas do zero. Por outro lado, moradoresde ruas à beira do rio Paraitinga sabiam que, no fundo, a enchente poderia levar e destruirtudo, menos a fé na possibilidade do recomeço. Afinal, eles se acostumaram nos últimos anosa saírem de suas casas, deixando tudo para trás, para dar lugar às águas que mais e mais vezeslhes fizeram importunas visitas.

A princípio, a decisão de acompanhar nove meses da reconstrução da cidade, além derelatar a sua história e testemunhos dos primeiros dias do ano, foi tomada pelo caráter simbó-lico do nascimento de um ser humano, e, no caso da cidade, do seu renascimento. Completadoesse prazo, nota-se que o renascimento foi muito além da simbologia, visto que a cidademudou significantemente.

Seria ingenuidade afirmar que a reconstrução da cidade está próxima de ser concluída –não só no âmbito material, mas também no psicológico de sua comunidade –, mas é sabívelque o município aparecerá muito mais que o normal na mídia nos próximos anos – sinal deuma intensa realização de inúmeros projetos que ainda aparecerão em São Luiz –, diferente docostumeiro nos anos passados, quando o município ganhava destaque somente durante ocarnaval e a festa do Divino Espírito Santo. Os munícipes, por sua vez, já sorriem e aparentamviver uma vida normal, omitindo involuntariamente o fato de que muitas testemunhas da tra-gédia têm pesadelos relacionados à água e lama até hoje, e muitas vezes optam por realizartratamentos psicológicos como meio para superar o trauma e a depressão.

Os novos olhares e suportes dados ao município nesse tempo indicam que a situação pode-ria ter sido pior – as principais tragédias do ano foram relatadas neste livro a fim de indicar

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que, apesar da catástrofe ocorrida na humilde cidade, nenhum governo poderia dar toda a atençãorequerida (e talvez merecida) pela população. No Brasil, e na mesma semana do ocorrido nacidade histórica, uma tragédia no Rio de Janeiro contabilizou algo que a enchente em São Luiz nãoregistrou: mortes. Meses depois, cidades de Alagoas e Pernambuco foram devastadas pela forçadas águas, também contabilizando mortes, enquanto o maior prejuízo dos luizenses foi a perdaparcial do patrimônio cultural da cidade, tão valorizado por moradores, turistas e estudiosos.

Mesmo com as discussões relacionadas à reconstrução aos moldes das antigas estruturas, a fimde a cidade voltar a ter a mesma aparência de antes, todos sabem, no fundo, que uma réplica nuncaserá o original. No caso da Igreja Matriz, nos próximos anos as missas, batizados e casamentostornarão a ser realizados em meio a um espaço adornado segundo os preceitos da Igreja Católica,como era até o fim de 2009. Apesar da cautela na reconstrução à imagem e semelhança do que atépouco tempo atrás existiu, basta perguntar no futuro aos velhos e experientes luizenses se elessentem ao pisar na nova igreja o mesmo que sentiam ao adentrar na secular.

Esse é o sinal de que a cidade vai muito além de um conjunto de casarões antigos e coloridos: hápessoas. E, junto às pessoas, há memórias e sentimentos. Sempre dispostos a contar os causos desuas vidas aos risos, mesmo que com a dor da saudade – afinal, quem é que não tem? –, osluizenses mostram que a nova estrutura da cidade não apagou sua história e que, como qualquerépoca de nossas vidas, as novas linhas a serem escritas serão acompanhadas, muitas vezes, porlágrimas e risos. Mas sempre de maneira viva. Afinal, São Luiz do Paraitinga renasceu.

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Felipe Guerra

Estudante de jornalismo, músico efotógrafo, mudou-se no final de 2006para São Luiz do Paraitinga, onde

morou até o início de 2010. Atingidopela enchente como a maioria dos

moradores da cidade, decidiu mudar otema previamente escolhido de seuTrabalho de Conclusão de Curso parapreservar a memória de uma cidade que

marcou sua vida.