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O Rei do Bixiga Contos inspirados nas músicas de Adoniran Barbosa Livro de contos dos alunos do 9º ano do Colégio HUGO SARMENTO em comemoração aos 100 anos de nascimento do compositor 2010

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Contos inspirados nas músicas de Adoniran Barbosa - Livro de contos dos alunos do 9º ano do Colégio HUGO SARMENTO em comemoração aos 100 anos de nascimento do compositor

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Page 1: O rei do Bixiga

O Rei do Bixiga

Contos inspirados nas músicas de

Adoniran Barbosa

Livro de contos dos alunos do 9º ano do

Colégio HUGO SARMENTO

em comemoração aos 100 anos de nascimento do compositor

2010

Page 2: O rei do Bixiga
Page 3: O rei do Bixiga

SAMBA ITALIANO

“Chega hoje um barco com migrantes italianos no Guarujá.” É o que dizia o jornal distribuído na

cidade. Porém entre todos os novos italianos que chegaram ali, havia um que fazia cada noite ter mais

graça. Seu nome era Marcelo (som de “Che” ao invés de “ce” por causa do sotaque italiano). Este, desde

que morava na Itália, tem uma paixão da qual nunca vai se separar: seu cigarro.

Ao desembarcar no Brasil, ficou na pousada da Dona Francisca, que tinha uma filha linda,

chamada Gigi. Durante seu primeiro jantar na pousada, Marcelo conheceu Gioconda, a Gigi, e logo viu que

tinha uma nova paixão para disputar com seu cigarro. Ela tinha longos cabelos cor de mel, era alta, um

corpo moreno e seus olhos eram azuis como o céu. Marcelo todas as noites ia à janela da moça e lhe

cantava músicas, enviava flores, poemas e a única coisa que recebia de volta era um balde cheio de água

na cabeça.

As noites com suas serenatas eram cheias de música e as ruas eram tomadas pelo cheiro das

deliciosas receitas vindas com os imigrantes.

Gioconda adorava o mar e Marcelo, sabendo disso, ia todos os dias à praia, ao seu encontro.

Em uma tarde chuvosa, ao se aproximar de Gigi, Marcelo começou a cantar:

Piove, piove

Fa tempo che piove qua Gigi

E Io, sempre io

Sotto la tua finestra

E vuoi senza me sentire

Ridere, ridere, ridere

Di questo infelice qui

Ti ricorda Gioconda

Di quela sera in Guaruja

Quando il mare ti portava via

E tu me chiamaste

Aiuto Marcelo

La tua Gioconda ha paura de questa onda

Ao terminar sua música, Gigi abriu a boca para falar alguma coisa, mas a fechou olhando para

algo atrás de Marcelo. Ao se virar, ele avistou um homem alto e forte que acenava para Gigi. Ele se

aproximou e sem nenhuma cerimônia abraçou Gioconda, que se virou para Marcelo, sem soltar nenhuma

palavra qualquer. Espantado com o abraço, Marcelo começou a caminhar para fora da praia, debaixo da

garoa que começava a cair, sem nem permitir qualquer explicação de sua amada.

Conto inspirado na canção Samba italiano, de Adoniran Barbosa.

Carolina Silveira Nemer – 9º ano

Page 4: O rei do Bixiga

SAPATOS, MEIAS: LEMBRANÇAS

Quinta-feira, primeiro dia do mês de abril, véspera de feriado. Minha mãe me dissera que

iríamos passar na casa de meu tio-avô Alberto antes de irmos viajar, já que ele não iria conosco para o

sítio. Munida de um ovo de páscoa, fui no banco de carona, quieta, ouvindo música.

Íamos bastante à casa de tio Alberto, mas ele era um livro fechado para o mundo. Nenhuma foto

em porta-retratos ou quadros, mas meias e sapatos antigos e femininos guardados no armário. Mesa posta

sempre para duas pessoas, mesmo quando comia sozinho; nunca andava de carro. Um ar triste e solitário

sempre pairava nele e ninguém nunca me explicara o porquê.

Ao chegarmos a sua casa, a mesma cerimônia de sempre. Entramos naquele lugar impecável e

grande demais para uma pessoa sozinha e conversamos banalidades até que o tio me pediu para trocar

uma lâmpada. “Estou muito velho para subir em escadas.” Minha mãe foi para casa arrumar as malas de

minha irmã e me disse para esperar lá, ajudando nosso tio.

Trocava a lâmpada quando não pude mais me conter:

– Tio, de quem são estes sapatos?

Ele pareceu surpreso e sentou-se na cama, olhando para o vazio.

– Ninguém te contou... – era uma afirmação, e parecia que ele estava falando sozinho – Por

quê?

Tio Alberto olhou para mim e começou a me contar a causa de seus mistérios:

– São de Iracema. São os seus sapatos. Eram seus... Iracema era uma mulher linda que

morava em meu bairro. Independente, alegre, baiana de sangue, viu em mim um espírito que nem eu sabia

que tinha. E então, ela era minha noiva. Eu passava em sua casa todos os dias e ela queria passear,

amante das ruas. E eu lhe dizia “Cuidado ao atravessar essas ruas!”, mas ela nunca me escutava,

respondendo só com um risinho de deboche.

– No dia 7 de outubro de 1942 – ele continuou –, vinte dias antes de nosso casamento, saímos

para passear no parque assim que voltei do trabalho no banco. Ela ia à frente, ansiosa, até que atravessou

a Avenida São João distraída. Passou um carro e então tudo o que vi foi Iracema, parecendo tão frágil no

chão, o sangue cobrindo sua pele morena. A assistência chegou e eu fui com ela, segurando sua mão até o

hospital. Não foi culpa do chofer, mas chegamos muito tarde. Ela já não tinha mais vida. – ele parou um

pouco de falar, os olhos inchados.

– Aquele foi o último dia em que andei de carro. E este é o primeiro dia em que conto isso para

alguém... Mas ela está bem, vive bem juntinho de nosso Senhor. Eu é que não estou, pois faz 68 anos que

espero pelo dia em que irei para junto de meu amor.

Ficamos em silêncio e eu me sentei ao seu lado. Ouvimos minha mãe buzinar, mas não nos

mexemos até que eu me levantei e disse:

– É, hoje será uma exceção. Por isso você vai viajar com a gente para passar a Páscoa com

toda a família! Vamos, arrume as malas que nós vamos te esperar no carro.

Ele me olhou confuso, achando que era uma piada, até perceber que não era. Então, levantou-

se e começou a pegar roupas, olhando para os sapatos de Iracema com carinho, e não com culpa.

E este foi o primeiro dia em que, depois de seis décadas, meu tio-avô andou de carro. Um medo

tão simples para uma vitória tão grandiosa.

Conto inspirado na canção Iracema, de Adoniran Barbosa. Catarina Pasta Aydar – 9º ano

Page 5: O rei do Bixiga

JOGA A CHAVE

Gabriel saiu no meio da noite, deixou sua mulher Julia dormindo um sono pesado e retirou-se

pela porta da frente sem fazer barulho.

A rua estava silenciosa e vazia, era uma noite quente, as casas estavam apagadas, tranquilas.

Um grupo de jovens embriagados passou rindo e cantando, dois deles seguravam uma garrafa de vodka

quase vazia. Uma menina pediu uma das garrafas, tomou um gole generoso e eles seguiram cambaleando

pela pequena rua.

Gabriel seguiu a pé para a Vila Madalena, entrou no bar de esquina, visualizou seus amigos e

seguiu para o balcão, passando entre as mesas, evitando esbarrar nas pessoas.

Os cinco amigos começaram a conversar, beber, rir e cantarolar. O bar se esvaziava, os

funcionários limpavam as mesas e as cadeiras, colocando-as em seus lugares. Alguns foram embora,

acenando para os colegas.

Três dos cinco trabalhadores já haviam ido, um dormia sobre o balcão, enquanto Gabriel, que

terminava sua bebida sem pressa, chamou o garçom, que veio com um pano limpando a bancada.

- Sim? – disse o homem.

- Eu, por acaso, estou impedindo você e o resto dos funcionários de irem embora? Já são... -

olhou no relógio na parede de madeira com uma âncora ao lado -... 5 da manhã... Droga! – disse

desesperadamente.

Percebeu o horário, já devia ter voltado para casa, sua mulher acordaria em duas horas.

Desesperado, pediu para o garçom a conta e chamou um taxi.

O garçom dirigiu-se para o velho telefone na parede e pediu o taxi. Gabriel colocou algumas

notas de dinheiro na bancada, acenou para os últimos funcionários, que alegremente terminavam de fechar

o bar.

Gabriel seguiu para casa, percebeu que a luz do quarto estava acesa, baixou a cabeça, pagou o

taxista, procurou a chave no bolso da calça, do casaco, na carteira e nada de encontrá-la. Julia, ao ouvir o

barulho vindo da rua, abriu a janela com movimentos sonolentos, viu quem era, se apoiou no parapeito com

um olhar cansado.

- De novo? - perguntou para seu marido que apenas virou a cabeça e mexeu os ombros. Um

vento quente mexeu as árvores e colocou o cabelo loiro de Julia em seus grandes olhos castanhos que

ganhavam destaque naquele rosto angelical. Julia tirou o cabelo da face e esperou algum comentário,

como não teve resposta fechou a janela, virou-se, apagou as luzes e voltou para cama, mas não dormiu.

Levantou novamente quando Gabriel começou a bater a porta e jogar pedrinhas na janela. Abriu a janela

cuidadosamente para não levar pedradas na cara.

- Por favor? Não precisa nem descer, só joga a chave, meu bem.

- Qual a diferença? Você já me acordou... Eu aturei essas saídas por anos de casados, mas

agora, não mais. Encontre um lugar para dormir, eu preciso do meu sono, pois nos próximos seis meses

não vou mais dormir direito.

- Vamos querida, por favor, estou cansado.

-Você? Tá, finjo que acredito. Vá para outro lugar dormir ou aprenda a pegar a chave antes de

sair de casa, a não fazer barulho e a chegar antes de eu me levantar.

Page 6: O rei do Bixiga

Julia voltou para a cama, mas como não conseguia dormir, foi olhar pela janela. Gabriel ficou

sentado à frente da porta, olhando para a rua, levantou-se e sentou-se novamente esperando pelo horário

de ir trabalhar. Julia deitou-se e depois de alguns minutos voltou a dormir, acordou às 10 horas,

compensando o sono perdido na noite anterior, Gabriel já tinha ido trabalhar.

A partir de então, Gabriel não saiu mais, só saía de sexta ou sábado, levava a chave e

guardava uma de reserva perto da casa. Às vezes Julia ia junto, mas não podia beber, pelo menos por

alguns meses. Há muitos anos que Gabriel não perde a hora de voltar para casa, porque agora são duas

que não vão jogar a chave.

Conto inspirado na canção Joga a chave, de Adoniran Barbosa. Vitoria – 9º ano

Page 7: O rei do Bixiga

SAMBA NO ESCURO

À noite em uma favela da capital paulista, a luz acaba, deixando todos os moradores no

escuro, amedrontados e extremamente irritados.

Adoniran, sentado no sofá em sua casa, resolve procurar uma vela para tentar iluminar a

escuridão que o cerca. Vai até o quarto e abre a gaveta do criado ao lado da cama, acha uma vela,

acende-a e volta para o sofá, onde assistia a um de seus programas televisivos favoritos.

Após algum tempo sem nada para fazer, resolve sair, pois, andando pela cidade, poderia

encontrar alguma coisa para preencher a sua tão escura noite.

Caminhando pelas vielas escuras do morro e apontando a vela para tentar iluminar o

escuro horizonte, vê, ao longe, uma avenida iluminada. Lá, localidade dos nobres moradores da

cidade, a energia elétrica dificilmente acaba, diferentemente do morro, onde a eletricidade se retira da

vida dos humildes constantemente. Resolve se dirigir até aquele ponto iluminado e passa a descer o

morro com rapidez. Ao chegar à avenida, Adoniran segue caminhando, na tentativa de deixar sua

vida mais animada naquela quente noite de verão.

Chega à frente de um restaurante, olha, observa, analisa o público que o freqüenta e

resolve entrar para tentar matar a fome que tomava conta dele.

Lá, encontra dois amigos, que também moravam no mesmo bairro e que haviam saído

para também tentar fugir da escuridão. Marcos e Mário estavam ali já fazia algum tempo, bebiam e

petiscavam as mais diferentes porções. Adoniran senta-se passa a acompanhá-los.

Os três homens se divertem, falam dos mais diversos assuntos, falam do que não sabem

e maldizem a dura rotina do trabalho e os baixos salários, que reduzem e trituram seus sonhos.

Permanecem no restaurante por mais de três horas, saem animados, a bebida cria nesses

homens visões que a realidade sufoca e inibe. Deixam o restaurante e decidem voltar para suas

casas, torcendo para que luz tivesse voltado, devolvendo a eles a doce ilusão vendida pela televisão.

Voltam pelo mesmo trajeto, sem nenhum tipo de iluminação, passam a ser guiados pelos

pés, que conhecem e identificam cada pedrinha e desnível existentes no caminho. O morro ainda não

está iluminado, mas um som contagiante é ouvido pelos três amigos. Os moradores, gritam, cantam

e, num ritmo frenético, levantam a terra que daquelas ruas descuidadas pelo poder público. Algumas

frases podem ser ouvidas, mas uma canção é cantada por todos com muita animação: Lá no morro /

quando a luz da light pifa / a gente apela pra vela que alumeia também...

Os três amigos, contagiados pela canção, esquecem a angústia e o cansaço da semana e

chegam ao samba, completando a canção: a gente samba no escuro que é muito mais legal.

Conto inspirado na canção A luz da light, de Adoniran Barbosa.

Pedro Augusto – 9º ano

Page 8: O rei do Bixiga

CASAMENTO DE MOACIR

Moacir não está satisfeito com sua vida no Rio de Janeiro. Não tem amigos, esposa, sente-se

só e abandonado. Apenas sua mãe, uma senhora muito viva, porém insatisfeita com a irresponsabilidade

de seu filho, está próxima. Entretanto, ela vivia muito descontente com a vida que seu filho levava.

Moacir não era tão vagabundo como, agora. Cursara até o primeiro ano de faculdade, mas,

apesar disso, tivera ótimos e muito produtivos na escola. Este empenho o conduziu a uma das melhores

faculdades de medicina do país, mas desde o desaparecimento de seu pai, Moacir abandonou o curso e

nunca mais foi o mesmo.

Após este acontecimento, Moacir começou a trabalhar um pouco aqui, um pouco acolá, mas

nunca nada com muita responsabilidade. Ajudava um pouco a mãe em casa, mas não sempre e havia

apagado sua vida passada, que guardava em sigilo, com mulheres e filhos, os quais nem notícias de

Moacir tinham.

Querendo mudar sua vida, Moacir resolve abandonar a cidade maravilhosa e procurar outra

morada, na qual pudesse se dedicar a uma vida totalmente nova.

Com o pouco dinheiro que lhe restava, muda-se para a capital paulista, onde pretende retomar

os estudos e levar uma vida nova. Sua mãe aprovara a decisão e Moacir parte para São Paulo.

Diferentemente do que ocorria no Rio de Janeiro, Moacir vive rodeado de amigos, que em

poucos meses fizera no cursinho,e passa a ter uma vida noturna agitada.

Em uma dessas noitadas com os amigos, Moacir acorda em uma casa diferente, de uma mulher

que nunca vira antes, pelo menos não se lembrava. Moacir tenta sair dali sem que a moça o perceba e

consegue, entretanto não sabia que aquela mulher jamais sairia de sua cabeça. Ela passa a permear os

pensamentos de Moacir o dia todo. Ele não se concentra direito, pouco estuda e vê sua vida se alterando

novamente. Resolve procurar a mulher, liga para ela e marca um novo encontro. Encontros que se repetem

quase todos os dias. O namoro acontece naturalmente, os dois não vivem mais longe um do outro e

resolvem morar juntos.

Gabriella, este era o nome da grande paixão de Moacir, esta é a mulher que o enlouquece, que

o faz planejar casamento e até filhos.

Isso é o que acontece. Os dois decidem se casar. Amigos são convidados, padrinhos definidos,

igreja marcada, festa programada. Os dois estavam extremamente animados.

A igreja da Vila Ré estava linda, assim como os convidados e a mãe de Moacir com alguns

parentes que quiseram aparecer para comprovar se a mudança de Moacir era verdadeira.

Lá está Moacir, em pé, esperando Gabriella no altar da igreja. A noiva se dirige lentamente com

toda sua beleza ao encontro de Moacir. Os dois se olham e esperam com ansiedade as palavras do padre,

que, inclusive, as profere em latim, fazendo com que os convidados e os noivos não entendessem nada.

Estes até iniciam uma risada, mas conseguem controlá-la.

Tudo ocorre com perfeição, até que um homem entra brutalmente pela igreja, olha para o altar e

brada com uma voz rouca e grossa:

- Não case, Moacir já tem família e filhos no Rio de Janeiro.

Page 9: O rei do Bixiga

Gabriella se espanta, olha para Moacir e, com uma voz lastimosa, diz:

- O que ele está falando é verdade?

- Olha, amor, eu posso explicar tudo perfeitamente – disse Moacir desesperado.

Gabriella nem espera a explicação, solta o buquê e corre, corre para nunca mais ver Moacir.

Conto inspirado em O casamento do Moacir, de Adoniran Barbosa.

Mariaji – 9º ano

Page 10: O rei do Bixiga

GENTE DESAFINADA, ROSAS E CORAGEM

Sempre esse barulho, sempre o mesmo homem, todos os dias da semana. Ele vinha

novamente descendo pela rua com seu cavaquinho embaixo do braço, parava na calçada em frente a uma

casa, onde residia uma mulher, não tão bonita assim, mas isso pouco importa, pois gosto não se discute.

Parado ali, começava a me torturar. Tocava seu cavaquinho e, para piorar, cantava. Não agüentava mais,

sai de casa, me dirigi até este homem e disse:

– Não agüento mais, toma uma atitude de homem!

Apertei a campainha da casa da mulher, ela atendeu e eu logo disse, sem conversa fiada:

– Você precisa tomar uma atitude. Vá lá e diga que gosta dele ou termina com essa conversa de

uma vez. Aliás, o desfecho dessa história pouco me interessa, só o faça parar com esse barulho. Se ao

menos ele soubesse que há outras cordas, mas não, o infeliz só sabe tocar a Mi.

Voltei a minha casa e fui direto para janela ver no que ia dar. Não teve meia conversa, a mulher

começou a gritar com o homem e o mandou embora. Ali já dava meu problema como resolvido.

No dia seguinte, acordei com o som da campainha, já achei que era algum vendedor ou

entregador no número errado, mas me enganei, estava diante de mim o cara do cavaquinho que tomou um

pé na bunda da vizinha. Abri a porta e ali estava ele, gritando, chorando e se engasgando ao mesmo tempo

com lágrimas e saliva:

– Eu estava quase reconquistando ela com a minha música e minha voz, mas você estragou

tudo. E agora? Eu fico como?

– Reconquistando? Você tá louco? Você tava fazendo com que ela e todos os vizinhos ficassem

loucos. Você não sabe cantar, muito menos tocar esse instrumento aí. Quando aprender, terá pelo menos

uma pequena chance de reconquistá-la.

Na hora ele parou com sua lamentação e disse que eu deveria ter jeito com as garotas, que

parecia muito bem saber do que elas gostam.

– Só sei que elas não gostam de caras que pensam que sabem tocar e cantar.

– Então me fale do que elas gostam.

– Você precisa ser romântico, verdadeiro e compreensivo porque se ela não quiser nada com

você, nada que você fizer mudará o que ela pensa.

– Entendi.

No dia seguinte, lá voltava o homem, descendo a rua com um buquê de flores. Já pensei:

– Tá melhorando, flores são românticas.

Ele tocou a campainha, entregou as flores e disse umas coisas, que não ouvi. Um minuto

depois, apareceu um carro, aqueles de telegrama animado.

Pensei comigo: meu Deus, o imbecil trouxe uma bandinha pra tocar pra ela, eu disse que

mulheres não gostam de caras que cantam e tocam mal, não disse a ele que chamar outros “músicos”,

iguais a ele, não resolveria o problema.

O trio do telegrama animado não conseguiu nem terminar a primeira música e já chegou uma

viatura da polícia. E lá veio ele novamente bater a minha porta.

– O que eu fiz errado?

– O que você fez de errado? Tudo, não era pra você trazer uma banda mais desafinada que

você pra tocar no meio da rua. Era pra você mesmo fazer alguma coisa romântica, como as flores. Essa

Page 11: O rei do Bixiga

sim foi uma boa cartada, mas a banda estragou tudo, eles não sabiam cantar, muito menos tocar alguma

coisa.

– Entendi.

No outro dia, veio ele, descendo pela rua, com rosas brancas e uma caixa de bombom. Tocou a

campainha, entregou as flores e a caixa. O homem voltou ao carro e pegou uma corda de cavaquinho, uma

corda mi como prova de seu amor a ela.

Ele me surpreendeu. Isso mostra que um ato romântico não precisa ser sofisticado e que uma

corda de cavaquinho não é cara, mas é um gesto extremamente gentil e romântico. Não foram as flores ou

bombons que a comoveram, mas sim a corda do cavaquinho, um pedaço de algo importante na para ele.

Conto inspirado na canção Prova de carinho, de Adoniran Barbosa.

Pedro Vitor – 9º ano

Page 12: O rei do Bixiga

AGUENTA A MÃO JOÃO

Era uma favela bem simples e com moradores miseráveis. Uns saiam de suas casas logo de

manhã para mais um dia de trabalho, outros já não estavam nem aí para a vida. Barracos de madeira e

alguns de tijolos, cada um com seu jeitinho, um do lado do outro. Crianças brincam nas ruas, sem

preocupação alguma, jogam futebol, pega-pega e outras brincadeiras mais.

Em um dia como todos os outros na favela, ventos começaram a surgir, nuvens negras tomaram

conta do céu e o ar começou a ficar gelado. Ninguém gostava desses dias, pois era sinal de tempestade e,

consequentemente, de destruição de inúmeros barracos.

Um dos moradores deste local, João, um homem honesto, passava o dia inteiro trabalhando

para ganhar o seu salário e conseguir sobreviver. Nesse dia, João ao voltar para casa, avistou pela janela

do ônibus a tempestade que se formava, o que o deixou extremamente preocupado. Ao entrar pelas vielas

da favela em que residia, viu cenas que o chocaram, João realmente não sabia o que fazer. Geladeiras

corriam em um rio de água, moradores fora de suas casas gritavam e choravam, pedaços de casas

encontravam-se destruídas sobre o chão. Parecia o fim do mundo.

Foi no meio desse universo caótico, que João viu seu barraco desmoronando, levado pela água

junto com seus móveis e todos os bens que ele tinha. João, tão destruído quanto seu barraco, desabou a

chorar.

Seus vizinhos olhavam aquela cena e se sensibilizavam, pois viram João construir aquela casa,

na qual ele morava há muitos anos.

Logo que a chuva passou, João começou a fazer planos. Pensava em sair daquela favela e

mudar a sua vida. Estava querendo pegar o salário que já juntava há meses e meses e comprar uma casa

decente para morar, ao invés de morar em barracos, que não são seguros e que caem com a chuva.

Uma festa de despedida foi feita para João e alguns amigos até contribuíram com um pouco de

dinheiro para a sua nova morada. Logo, João se despediu de todos e foi embora, sem a mínima intenção

de voltar para lá algum dia, apesar da imensa emoção que sentira ao se retirar daquele lugar, aliás, não

poderia ser diferente, pois ali, ele viu sua família crescer.

A história de João ficou nacionalmente famosa, pois uma emissora de tevê cobriu a catástrofe

que tomou conta da vida daquela gente. Um jornalista que acompanhou o caso, homem de família, classe

média alta, se comoveu com a história de sr. João e resolveu ajudá-lo.

Passaram-se alguns dias, até João ficar sabendo da ajuda que estava prestes a receber. Ficou

emocionado com tanta bondade do homem, mas advertiu o rapaz. Disse a ele que estava acostumado

com uma vida simples, cresceu na favela e não queria sair dessa vida.

O jornalista entendeu os motivos de João e resolveu fazer-lhe uma surpresa. Construiu uma

nova casa em uma favela para João, e o levou lá.

Chegando ao local, João teve uma surpresa: sua nova casa se localizava exatamente na

favela aonde seu barraco desmoronou. Ele ficou aliviado em ver que voltou para o lugar que já morava há

anos e, dessa vez, tinha uma casa decente ao invés de um barraco. Ficou feliz em saber que nada o

tiraria de lá agora.

Conto inspirado na canção Agüenta a mão João, de Adoniran Barbosa.

Juliana – 9º ano

Page 13: O rei do Bixiga

SAUDOSA MALOCA

Aquele lugar era inesquecível. Aos olhos de outro, simplesmente um barraco imundo e caindo

aos pedaços. Foi nele que passei os dias felizes e tristes de minha vida. Moraria ali por toda a eternidade.

Minha maloquinha precisava de uma reforma, mas o dinheiro estava curto, trabalho de gari

garantia apenas um salário mínimo. Pensava seriamente em trabalhar no tráfico para ganhar um dinheiro

extra, entretanto sabia que esse era um caminho sem volta.

Fui à rua varrer a sujeira, só assim poderia juntar as merrecas pra reformar minha maloca.

Cheguei em casa cansado e com fome. Coloquei a água para ferver no caneco e fiz meu miojo, cozinhei a

salsicha e corri para o banho. Acrescentei mais água, porque meu irmão já estava pra chegar.

Ao sair do chuveiro, ouvi a campainha tocar, abri a porta e vi um moço bem vestido, de terno e

gravata. Achei que era um testemunha de Jeová, mas lembrei que eles só apareciam no domingo de

manhã e ainda era segunda-feira. Perguntei a ele o que queria e me pediu para entrar, pois assim

poderíamos conversar melhor. Eu concordei.

- Eu sou oficial de justiça - disse ele.

- Tem algum problema com a casa? – perguntei.

- Trago aqui uma ordem de despejo, expedida pelo juiz.

- Por quê?! Minha casa não está legalizada? – perguntei assustado.

- Não, essa área corre sério risco de alagamento. Antigamente aqui ficava a mata ciliar do Rio

Tietê, com o êxodo rural, a cidade ficou superlotada e os trabalhadores vieram construir casas na

periferia.

- Mas se eu sair daqui eu não tenho para onde ir!!! Meu salário mínimo não dá para comprar

nem alugar outra casa!

- Não se exalte! Vá morar por um tempo com algum familiar, enquanto não acha uma casa.

- O único familiar que eu tenho em São Paulo é o meu irmão, que mora aqui comigo! Não

tenho para onde ir, eu vou ter que morar na rua?

- Isso não é problema meu! Eu só vim aqui cumprir o meu trabalho!

- Então já que você cumpriu seu trabalho, pode ir.

- Já estou indo.

Quase chegando à porta o oficial disse:

- Mais uma coisa, você deve desocupar essa casa até às 12h00 de amanhã. Tenha uma boa

noite.

Eu estava arrasado, perdi a fome e o meu cansaço aumentava. Logo depois, meu irmão

chegou, não sabia como contar este fato a ele.

- Boa noite! - disse

- Boa noite! Você já jantou? - perguntou meu irmão.

- Ainda não, estou sem fome! – respondi.

- Mas eu estou com uma fome, minha barriga tá até roncando! - disse ele.

Page 14: O rei do Bixiga

- Preciso de contar uma coisa muito séria. – falei.

- Então desembuche homem! - disse ele.

- Um pouco antes de você chegar, um oficial de justiça apareceu por aqui...

- E o que ele queria? – perguntou me interrompendo.

- Ele entregou uma ordem de despejo, a gente tem que sair daqui até às 12:00 de amanhã. –

disse a ele.

- Como assim? Ordem de despejo? Amanhã? - perguntou desesperado.

- É, homem, isso mesmo que tu ouviu !

Meu irmão ficou pálido e não disse mais nada, ficou mudo até o amanhecer. Quando

acordamos, ele disse:

- Vamos embalar tudo naquelas caixas que você trouxe do trabalho.

- Vamos sim – respondi.

Nós dois faltamos no trabalho e ficamos embalando tudo. Quando terminamos, eram 11h42.

Nesse mesmo momento, os homens responsáveis pela demolição chegaram.

Eles prepararam tudo para a demolição, o coração começou a apertar e para amenizar a dor

nóis dois cantemo assim: :

Saudosa Maloca Maloca querida Que Dim dim dondi nóis passemos Dias felizes de nossa vida.

Conto inspirado na canção Saudosa maloca, de Adoniran Barbosa.

Ariel – 9º ano

Page 15: O rei do Bixiga

TRISTE MARGARIDA

Tarde de sexta feira, Mario se arrumava para ir a um bar como sempre fazia.

Mario era um cara que sempre estava contente, não tinha filhos nem mulher, era alto, magro,

negro, forte e como qualquer pessoa procurava uma chance para aparecer no mundo. Seu sonho era o de

se casar com uma bela mulher.

Naquela noite, Mario chegara ao bar, que estava cheio de mulheres e homens de todas as

idades. Como todo jovem, logo percebeu que se divertiria muito e, por isso, escolheu uma mesa para se

sentar, enquanto esperava pelos amigos.

Da mesa, Mario avistou uma bela garota que entrava no bar, ela se dirigia ao balcão para pedir

uma bebida e arrumar um local para se sentar, pois o boteco já estava cheio. Ele se apaixonou

imediatamente, se encantou pelo andar da garota. Ela era morena, alta, com lindos cabelos longos, estava

maquiada, porém sem muito exagero, parecia muito decidida pelo jeito que andava.

Mario tomou coragem e assim que seu primeiro amigo chegou, deixou a mesa e foi falar com

ela. Mario convidou a garota para dançar e, depois, pagou um drink para ela. Neste papo à beira do balcão,

Mario descobriu muitas coisas sobre a garota, inclusive, que ela tinha sonhos que ele, um jardineiro da

prefeitura, jamais poderia realizar.

Decidiu, então, contar uma pequena mentira para impressionar a garota. Disse a ela que

trabalhava de engenheiro e que o metrô de São Paulo estava em suas mãos e que se desse tudo certo, ela

seria a primeira passageira na inauguração.

Os dois trocaram telefones e partiram apaixonados para seus lares, aguardando ansiosamente

o próximo encontro. Entretanto, o encontro tão esperado por ambos foi trágico. A garota, a bela morena,

dirigia-se ao trabalho de ônibus e, ao passar pela via 23 de maio, avistou Mario. Ao invés de um belo

sorriso e um aceno, a morena se entristeceu e se sentiu traída, pois da janela do coletivo ela viu Mario,

plantando grama no barranco da avenida.

Conto inspirado em Samba do Metrô (Triste Margarida), de Adoniran Barbosa.

Victor Aguiar – 9º ano

Page 16: O rei do Bixiga

SAMBA NO BEXIGA

Num domingo de folga, meu amigo Nicola me chamou pra um samba em sua casa com

pizza e chopp. Ele residia na Rua Major, bairro do Bexiga. Para não ir sozinho, tive a idéia de chamar meu

amigo João para me acompanhar no samba.

Ao chegar ao típico bairro de italianos, comecei a escutar o samba e sentir um ótimo

cheiro ótimo de pizza e de brachola que exalava da casa de meu amigo.

Estacionei o carro e toquei a campainha. Após 5 minutos de espera, percebi que ninguém viria

abrir a porta, pois, provavelmente, o ensurdecedor barulho do samba não permitiria a ninguém ouvir a

companhia. Então, eu e meu amigo, João, deixamos a vergonha de lado e decidimos pular o portão, que

não era alto para os padrões de uma cidade como São Paulo.

Entramos na festa e cumprimentamos Nicola, que tomou um susto ao nos ver ali, entrando

pelos fundos da casa. Explicamos toda a história a ele e começamos a comer pizza, pois morríamos de

fome e não víamos a hora de matá-la.

Já não bastava o barulho ensurdecedor e toda aquela gente, começou uma discussão sem

muito sentido sobre quem iria sentar-se na única mesa da festa. Um minuto depois, inicia-se uma baita

briga; era pizza e cadeiras voando por todo lado. Sem querer nos intrometer, eu e João fomos para

debaixo da mesa nos protegendo de qualquer objeto voador. A briga cada vez mais piorava, quando

escutamos um barulho ameaçador de uma viatura policial chamada pela vizinha.

Dali a pouco, entrou casa adentro o Sargento Oliveira, sargento conhecido por todos no bairro

pela sua rigidez e força física. Ele, com uma voz muito grossa e em um tom cínico, anuncia:

- Calma, pessoal, vamos nos acalmar, todo mundo pro chão. A situação aqui está muito cínica.

Vou conduzir todo mundo pra delegacia e os mais pior vou mandar direto pras clínicas.

Assim a festa acabou, alguns na delegacia e outros no hospital. Eu, depois desse sufoco, prefiro

ouvir meu Adoniran Barbosa no carro e a minha pizza em casa. Já meu amigo João até o samba largou,

agora só ouve música clássica.

Conto inspirado na canção Samba no Bexiga, de Adoniran Barbosa.

Pedro Attie – 9º ano

Page 17: O rei do Bixiga

VIADUTO SANTA EFIGÊNIA

Eugênia cresceu numa comunidade pobre, que se abrigava embaixo do Viaduto Santa Efigênia.

Sua família é de quatro irmãos, um pai alcoólatra e uma mãe dependente de drogas, que por tanto

consumo, teve um distúrbio mental e, por isso, agredia os filhos.

Ter uma infância doce de baixo daquele viaduto era um sonho, uma situação utópica, que todas

as crianças abrigadas naquele lugar desejavam. Apesar de não ter brinquedos de primeira mão, se

entretiam com pouco, fazendo um lugar miserável se tornar rico.

É incrível como um lugar tão simples e sujo consegue trazer tantas lembranças boas e

experiências importantes para a vida. Eugênia retrata aquele viaduto como um lugar que lhe ensinou a viver

e lhe deu a oportunidade de conhecer seu grande e doce amor. Com um sorriso no rosto, sempre conta a

linda e sincera história de seu amor. Começa com a sua conclusão de que não importa onde você esteja ou

como você esteja, o amor e a alegria falam mais alto. Eugênia conheceu Martins, seu marido, durante a sua

infância embaixo do viaduto, os dois eram amigos e se cuidavam juntos, sempre um ao lado do outro nas

horas mais difíceis.

Com 15 anos, Eugênia e Martins foram para um abrigo e começaram a estudar, pois os dois

tinham um grande sonho de cursarem uma faculdade. Com muita dedicação, os dois se empenharam e

conseguiram vaga em uma faculdade pública, Martins no curso de jornalismo e Eugênia no curso de

pedagogia. Com o dinheiro que ganham em seu trabalho ajudam seus pais e as famílias que se abrigam

embaixo do Viaduto Santa Efigênia e em outras regiões pobres, pois não desejavam aquilo que passaram a

ninguém.

O casal fala do viaduto com muito respeito, Eugênia principalmente, porque foi naquele lugar onde

conheceu seus melhores amigos e também muitas pessoas que a ajudaram. Seu amor por aquele local era

tão grande, que se demolissem o viaduto, ela poderia entrar numa grande depressão e se ausentaria da

cidade grande.

Conto inspirado na canção Viaduto Santa Efigênia, de Adoniran Barbosa.

Marina – 9º ano

Page 18: O rei do Bixiga

NÓIS NÃO USA OS BLEQUE TAIS

Sábado à tarde, andava com minha menina na rua, de mãos dadas como todo o casal de

terceira idade como nós. Aline podia estar com seus 75 anos, mas pra mim seria sempre a minha

pequena, aquela que eu vi 60 anos atrás andando pela rua com seu gingado, seduzindo todos os homens

por onde passava e que, pela minha sorte, se interessou só por mim.

Lembro-me, como se fosse ontem, de como Aline e eu nos apaixonamos, foi de forma simples.

Eu estava num samba, vendo as moças do lugar, todas bem comportadas e com vergonha de parecerem

indecentes ao rebolar no ritmo do pandeiro. Estava monótono aquele baile, até que eu peguei em meu

violão e toquei uma modinha da época. Quando notei, Aline dançava, graciosa e delicada, a mais bela

menina da festa. Nas semanas seguintes, saímos para tomar sorvete em praças e com o consentimento

do pai dela, nos tornamos namorados.

Estamos casados há 50 anos e não me arrependo de nenhum desses dias, pois sempre

lembro de um amigo meu. Amigo rico que começou um namoro com uma menina tão rica quanto ele.

Começaram a namorar no mesmo período em que se iniciou meu romance com Aline. Ela chamava-se

Eliza. Berço de ouro, aquela moça tinha.

O tamanho da conta que a família dela tinha nos bancos era do tamanho de sua inteligência.

Eliza era brilhante, sua caderneta escolar era cheia de notas altas, era prendada de dotes culinários e

artesanais; era uma dama. Mas com todas essas qualidades, Eliza tinha um defeito que destruía qualquer

chance de um amor com ela; Eliza era fria.

Não tinha saudades, não demonstrava o amor que sentia, seus abraços eram frouxos, não

gostava dos carinhos do namorado. Eliza era a menina perfeita, sozinha. Esse meu amigo, Gustavo,

sofreu nas mãos dessa menina rica. O romance deles terminou num baile de carnaval, onde Eliza

encontrou outro e o trocou-o sem nem mais nem porquê. Sempre disse pro Gustavo que não devia correr

atrás dos bleque tais, esse povo do rai soçaite vê o mundo de outro jeito, de uma forma que nós aqui da

periferia não entendemos.

Até hoje, quando acordo e vejo o rosto cheio de rugas de Aline, entornado de seus

cabelos grisalhos, não me arrependo de ter juntado meus trapos com uma moça ao meu alcance. Porque

o nosso amor é mais gostoso, a nossa saudade dura mais, o nosso abraço é mais apertado, o jeito de

minha mulher é mais jeitoso, nossas juras são mais juras, nosso carinho é mais carinhoso, suas mãos são

mais puras e principalmente; porque nóis não usa os bleque tais.

Conto inspirado na canção Nóis não usa bleque tais, de Adoniran Barbosa.

Sofia – 9º ano

Page 19: O rei do Bixiga

BOM DIA TRISTEZA

Aquele dia acordei e percebi que receberia sua visita, a visita daquela que já não via há muito tempo.

Mas aquele dia eu tinha a certeza de que ela viria. A noite anterior fez com que ela acordasse, lembrasse de

mim e viesse me visitar.

Ela chegou, abri a porta e nos sentamos para conversar, mas resolvemos sair e nos sentar em uma

mesa de bar. Lá eu lhe contava as minhas mágoas e ela as dela. Disse que no dia anterior, ela tinha partido e

ela me falou que se lembrava de sua amiga saindo para buscar alguém. Ela falava das pessoas felizes que

encontrou pelo caminho e eu, diferentemente dela, das tristezas que vi, vejo e verei ainda nesta vida.

Como é bom conversar com alguém que te compreende, alguém que sabe como é sentir vontade de

morrer. Existe melhor companhia para ouvir suas tristezas do que a própria tristeza?

A tristeza é aquela quem traz as lágrimas, é a que faz você se sentir um nada, é a que faz com que

você sinta que nada pode ser pior do que aquele sentimento, é a que te faz pensar sobre cada momento e

palavra da sua vida. A tristeza faz com que todos os momentos bons de sua vida se apaguem e te faz pensar

que nunca mais vai sorrir ou encontrar algo que te proporcione isso. Mas imagina conversar com a própria

tristeza? Ver como está se sentido mal, e se sentir pior ainda. Foi isso que fiz aquela noite no bar, conversei,

discuti, chorei, debati, gritei, fiz com que todos a nossa volta olhassem para nós. Mas não me importava com

os outros naquela hora, apenas existíamos eu e ela

No meio de tanta tristeza, percebi que viver sem ela não fazia sentido.

Peça para virem me buscar também, me levar para perto dela - falava desesperado.

Não se apresse, ainda temos muito o que conversar - respondia ela, calmamente.

Eu queria vê-la para que pudesse ser feliz novamente, poderia reviver cada momento feliz que

passamos juntos. Poderia passar algum tempo com ela antes que o mundo acabasse de vez. O que eu mais

queria naquele momento era tê-la novamente perto de mim.

Deixe-me ir, não quero mais viver- gritava, berrava, desesperado.

Não se apresse, ainda temos muito que conversar - respondia novamente, com a maior serenidade

do mundo.

Cada vez que ela me respondia isso, sentia mais vontade de ir.

Eu podia estar naquele carro para irmos juntos, ficarmos juntos, mas não, eu tinha que ter discutido

com ela, fazendo-a fugir de mim, correndo desesperadamente na chuva.

Eu sempre conversava com a tristeza e sempre a fazia ir embora com um sorriso no rosto. Mas dessa

vez eu queria ir com ela e com a amiga dela, para que pudesse encontrar a minha razão de viver, na morte.

Vou ao banheiro - foi o que consegui dizer depois da enorme quantidade de água presente em

meus olhos.

Vá, mas volte, ainda temos muito que conversar - respondia novamente

Eu fui e quando voltei, ela não estava mais lá, nem ela nem ninguém. Andei, andei, até que a

encontrei, não a tristeza, mas sim o motivo da minha felicidade. A tristeza me trouxe a felicidade, corri para

alcançá-la, para alcançar a luz, e encontrei a escuridão.

Conto inspirado na canção Bom dia tristeza, de Adoniran Barbosa.

Bia – 9º ano

Page 20: O rei do Bixiga

DEIXAR O SAMBA PELO IÊ, IÊ, IÊ? NUNCA!

Infeliz foi o dia em que me apaixonei por uma mulher vinte anos mais nova. Eu, com meus trinta e

cinco anos, gostava de uma mulher que ainda nem era mulher! Para piorar, ela tinha levado meu bem mais

precioso, meu violão.

No dia em que ela levou o Tod, meu violão, foi um dia confuso para mim, pois me chateei muito

com o crime cometido por Mariana, mas, ao mesmo tempo, fiquei feliz porque pela primeira vez ela declarou

seu amor por mim.

- Bom dia, meu amor! – disse Mariana com sua doce voz.

- Bom dia – respondi seco ao telefone.

- Não fique chateado, você só precisa cumprir o que pedi.

- Eu não vou trocar meu samba pelo “iê, iê, iê”. Nem sei o que é isso!

- Isso é a moda! Você tem que se atualizar, amor.

- Não canto a moda, canto a música.

- Então nada feito – desligou o telefone rispidamente.

Ela estava pedindo demais. Era ela e o “iê, iê, iê” ou o violão e o samba. Eu nem pensava em

comprar outro violão, pois o Tod era meu amigo há muitos anos! Liguei para ela de novo.

- Mariana, posso atravessar a Rua dos Gusmões enquanto leio “ Ali babá e os 40 ladrões”! – propus

a ela.

- E pra que eu ia querer isso? – perguntou

- Não sei, mas meu samba eu não deixo.

- É... Não tem jeito. É o violão ou eu! – falou decidida.

- Sinto muito.

Depois dessa dolorosa conversa, não vi mais Mariana.

Dez anos se passaram e eu, com quarenta e cinco anos, ainda tocava samba com meu velho violão

Tod. E avistei Mariana. Com seus lindos cabelos loiros e agora, definitivamente uma mulher.

- Mariana! – gritei da janela de minha casa

- Jorge? Não acredito, quanto tempo! Desce aqui para conversarmos.

Desci correndo as escadas. Eu ainda amava aquela mulher. Dei um longo abraço nela.

- Como anda sua vida, Mariana? – perguntei.

- Eu estou bem... Casei-me.

Aquilo foi uma pontada em meu coração.

- Casou? Com quem?! – perguntei desesperado.

- Com o Duani, sabe?

- O sambista?! – perguntei indignado.

- Esse mesmo – falou sorrindo

- Ainda bem que não perdi meu tempo comprando “Ali babá e os 40 ladrões” – falei e fui embora,

com meu samba e minha dignidade.

Conto inspirado na canção Já fui uma brasa, de Adoniran Barbosa.

Carolina Alves – 9º ano

Page 21: O rei do Bixiga

ABRIGO DE VAGABUNDOS

La estava eu, à beira da falência, com dois amigos na mesma situação. Largado na calçada, lendo o

jornal, logo abri um sorriso quando vi minha solução.

Eram apenas 3 vagas em uma cerâmica, chamei meus amigos, mas eles disseram que não. Já

estavam em um rolo, um outro negócio que prometia render muito dinheiro. Então, deixei-os sozinhos para

seguir em frente.

Trabalhei um ano inteiro nessa empresa e lá no alto da Mooca, comprei com meus míseros

rendimentos um lindo lote, onde construí minha maloca.

Disseram-me que sem planta não dava para construir, mas com trabalho duro, tudo se pode

conseguir. Um grande amigo meu, João, funcionário da prefeitura, arranjou toda papelada para mim e com a

burocracia resolvida, terminei minha maloca, o que me deixou imensamente feliz.

Imagino então, onde andam meus dois amigos. Penso que podem estar jogados na São João ou

guardados nas celas da prisão. Mas logo, esses pensamentos fugiram da minha cabeça, pois olhava a minha

maloca, a mais linda que já vi, hoje está legalizada e ninguém pode demolir. A minha maloca, a mais linda

deste mundo, ofereço aos vagabundos, que não têm onde dormir.

Lembro daquela noite, 13 de setembro, três batidas na porta, foi o suficiente, havia dois mendigos

bem na minha frente.

Acolhi aqueles dois homens que tinham um jeito muito estranho. Então, ao cair da noite, percebi o

meu engano. Facas e um isqueiro foram sacados, levaram tudo que puderam e o que sobrou foi queimado.

Lá se foram meu trabalho e minha linda maloca, antes de perceber eu estava de porta em porta, mas

com uma faca e um isqueiro na mão.

A primeira casa foi mais simples, havia uma senhora, entrei como um coitado precisando de ajuda,

quando a senhora foi pegar água para mim saquei a faca e peguei dinheiro, jóias e um aparelho de TV que

consegui carregar. Quando estava prestes a queimar a casa, me lembrei do que havia ocorrido comigo, então,

achei melhor não incendiar o local.

Saí correndo e ouvi a velha gritando, José, José pega esse ladrão, José.

Então um velho apareceu (devia estar no banheiro, pois não o tinha visto), com uma espingarda ele

atirou em mim. O tiro acertou minha perna direita, cai na hora e o velho se aproximou , pegou as coisas de

volta e me deu chutes na barriga e na cara.

Da maloca para a prisão, esse foi um destino que previ aos meus amigos, mas, infelizmente, foi o

rumo que a minha vida seguiu.

Conto inspirado na canção Abrigo de vagabundos, de Adoniran Barbosa.

Tiago – 9º ano

Page 22: O rei do Bixiga

SAMBA DO ARNESTO

Arnesto, sujeito de aproximadamente 40 anos, adorava ouvir e tocar um bom samba. Sábado à

tarde, o relógio apontava quase 5h, o sol ainda queimava intensamente, apesar de quase estar no horário de

se pôr. Arnesto assistia um telejornal que informava o tempo da cidade interiorana, mostrava que durante toda

semana o clima estaria seco e quente. Cansado, dirigiu-se até o telefone, o qual não havia tocado ainda, ligou

para um de seus amigos e disse:

- Ói, eu tô te ligando pá convidar vocês pá que toquemos um bom samba.

Arnesto resolveu sair, foi até o centro da cidade, pois não agüentava mais aquela tarde calorosa de

sábado. Enquanto caminhava, sentia o cheiro de comida, ouvia mais barulho do que estava habituado e

respirava um ar não tão fresco quanto o de sua vila, sentia-se satisfeito com o tempo agradável do local. O

primeiro convidado de Arnesto apareceu na sua casa, bateu palma e chamou-o pelo nome, sem nenhum

resultado. Pensou então:

- Ara, será que o danado do Arnesto chamou nóis pra vir cá e cabou durmindo?

Tentara mais algumas vezes o mesmo procedimento e, mais uma vez, não obteve resultado. Aos

poucos mais pessoas chegavam, faziam barulho para que Arnesto atendesse, mas nada disso adiantava.

Cerca de 20 pessoas se encontravam ali, todas insatisfeitas e irritadas gritavam: "Da outra vez nós num vai

mais", "Nós não semos tatu!".

No centro da cidade, Arnesto perguntou o horário para um morador simples da região, que

lentamente olhou em seu relógio de pulso, mesmo com dificuldade para ver a hora, disse já passava das seis.

Arnesto ficou nervoso, lembrou-se do compromisso que havia marcado e saiu correndo para sua

casa, corria tão depressa, que algumas vezes seu chapéu caía no meio do caminho, pegava-o com rapidez e

voltava a correr. Chegando em frente de sua casa, sua vila estava quieta e vazia. Perguntava em voz alta:

- Mais será que eles se esqueceram de mim?

Mesmo confuso com a situação, entrou em sua casa, leu a primeira página do jornal e no sofá

mesmo encostou sua cabeça e dormiu. No dia seguinte, acordou pensando ainda no fato que acontecera no

dia anterior, todos sempre adoraram tocar samba em sua casa. Abriu sua porta e viu seu amigo, o primeiro que

havia convidado para o samba em sua casa.

Com um tom muito áspero, o homem disse a ele disse que todos haviam o esperado e que ele não

havia atendido ninguém. Arnesto percebeu o que havia feito, desculpou-se. O homem não aceitou suas

desculpas e disse:

- Mas você devia ter ponhado um recado na porta, um recado assim ói: "Ói, turma, num deu pra

esperá, aduvido que isso, num faz mar, num tem importância, assinado em cruz porque não sei escrever"

Arnesto.

Conto inspirado em Samba do Arnesto, de Adoniran Barbosa.

Felipe – 9º ano

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