o que significam aas palavras - curso de semiótica medieval

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O QUE SIGNIFICAM AS PALAVRAS? O CURSO CONIMBRICENSE NO CONTEXTO DA SEMIÓTICA MEDIEVAL AMÂNDIO COXITO A semiótica está para o estudo dos sinais 1 como a física para o estudo da natureza. A física é simultaneamente a mais fundamental e a mais geral ciência da matéria: todos os processos naturais, desde o movimento dos planetas à divisão das células, são governados, embora não só, pelas leis da física. De modo semelhante, a semiótica é uma ciência fundamental e geral acerca dos sinais: estes, enquanto agentes no processo de significação, são governados, embora não só, por relações que os põem em jogo com os objectos e o espírito. Propomo-nos neste trabalho explorar sobretudo a seguinte questão: até que ponto a semiótica que nos é proposta pelo conimbricense Sebastião do Couto, na sua Lógica, soluciona o problema da significação dos sinais linguísticos? Num sentido, seria ocioso esperar dela uma teoria fundamen- tal e geral dos sinais que nos esclarecesse de um modo suficiente acerca da linguagem, tanto mais que a natureza desta é extraordinariamente complexa; noutro sentido, porém, justifica-se a expectativa de que ela ilumine o proeminente sistema de sinais que a linguagem encerra. 1 Servir-nos-emos sempre do termo «sinal», e não de «signo», pela complexidade desta última noção, considerando a primeira de sentido mais lato. Tal complexidade verifica-se na expressão «signo linguístico », que é interpretada de maneira diferente consoante os linguistas . Na concepção de F. de Saussure (Curso de Linguística Geral, ed., trad. de J. V. Adragão, Lisboa, D. Quixote, 1976, pp. 122-123), refere-se a «uma entidade psíquica de duas faces», unidas pelo laço da associação; com efeito, «o signo linguístico une não uma coisa e um nome, mas um conceito e uma imagem acústica». É, porém, outro o ponto de vista de J. H. de Carvalho («Signo linguístico», in Verbo. Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura). Neste mesmo autor (Teoria da Linguagem, I, Coimbra, Atlântida, 1967, pp. 106- -121) encontramos apoio para o uso exclusivo do termo «sinal». Revista Filosófica de Coimbra - n.° 25 (2004) pp. 31-61

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Curso de semiótica medieval - O que significam as palavras

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  • O QUE SIGNIFICAM AS PALAVRAS?O CURSO CONIMBRICENSE

    NO CONTEXTO DA SEMITICA MEDIEVAL

    AMNDIO COXITO

    A semitica est para o estudo dos sinais 1 como a fsica para o estudoda natureza. A fsica simultaneamente a mais fundamental e a mais geralcincia da matria: todos os processos naturais, desde o movimento dosplanetas diviso das clulas, so governados, embora no s, pelas leisda fsica. De modo semelhante, a semitica uma cincia fundamental egeral acerca dos sinais: estes, enquanto agentes no processo de significao,so governados, embora no s, por relaes que os pem em jogo com osobjectos e o esprito.

    Propomo-nos neste trabalho explorar sobretudo a seguinte questo: atque ponto a semitica que nos proposta pelo conimbricense Sebastio doCouto, na sua Lgica, soluciona o problema da significao dos sinaislingusticos? Num sentido, seria ocioso esperar dela uma teoria fundamen-tal e geral dos sinais que nos esclarecesse de um modo suficiente acercada linguagem, tanto mais que a natureza desta extraordinariamentecomplexa; noutro sentido, porm, justifica-se a expectativa de que elailumine o proeminente sistema de sinais que a linguagem encerra.

    1 Servir-nos-emos sempre do termo sinal, e no de signo, pela complexidade desta

    ltima noo, considerando a primeira de sentido mais lato. Tal complexidade verifica-se

    na expresso signo lingustico , que interpretada de maneira diferente consoante os

    linguistas . Na concepo de F. de Saussure (Curso de Lingustica Geral, 2 ed., trad. de J.

    V. Adrago, Lisboa, D. Quixote, 1976, pp. 122-123), refere-se a uma entidade psquica de

    duas faces, unidas pelo lao da associao; com efeito, o signo lingustico une no uma

    coisa e um nome, mas um conceito e uma imagem acstica. , porm, outro o ponto de

    vista de J. H. de Carvalho (Signo lingustico, in Verbo. Enciclopdia Luso-Brasileira de

    Cultura). Neste mesmo autor (Teoria da Linguagem, I, Coimbra, Atlntida, 1967, pp. 106-

    -121) encontramos apoio para o uso exclusivo do termo sinal.

    Revista Filosfica de Coimbra - n. 25 (2004) pp. 31-61

  • 32 Amndio Coxito

    Devemos, no entanto, chamar a ateno para o facto de - diferentementedo que sucede nos nossos dias - a semitica do Curso Conimbricense (talcomo a dos autores medievais) estar inserida na lgica: na anlise dostermos, das proposies e dos sistemas de inferncia, oferecendo-nosessencialmente uma teoria da linguagem enquanto instrumento do racio-cnio, ainda que v um pouco mais longe do que isso.

    H um outro ponto a que deve atender-se. Considerando as duas fun-es da linguagem, a interna e a externa, no que respeita segunda, trata-se de um instrumento de comunicao para satisfazer a necessidade derelao entre os homens, podendo ser assimilada ao domnio da acohumana em geral. Em termos de semitica, designa-se por pragmtica.Quanto primeira, a linguagem interpretada como um sistema de repre-sentaes que facilita o conhecimento, possibilitando informaes acercado mundo, do prprio pensamento e do das outras pessoas. Neste caso, elaassimila-se ao domnio do conhecimento em geral: palavras e expressesdirigem o esprito para objectos que elas significam. Aqui, o estudo dalinguagem pertence ao campo da semntica. Ora, os medievais no explo-raram a primeira funo (veremos, no entanto, que, surpreendentemente,no Curso Conimbricense est tomada em conta, embora, como natural,no de uma maneira satisfatria). Quer isto dizer que s a funo semnticafoi objecto de estudo. Mas o que que abarca e de que modo tal sistemade representaes? Na resposta a este quesito residiram as perplexidadesdos filsofos medievais e dos escolsticos em geral, como iremos com-provar.

    Algumas acepes de significao : Idade Mdia e CursoConimbricense

    Lemos no Dictionnaire de didactique des langues que o termo signi-ficao, na actualidade, utilizado em acepes radicalmente diferentes,por ser considerado como equivalente ou no a termos com acepes deigual modo muito complexas, como `sentido' ou 'significado'2. De ma-neira semelhante, na Idade Mdia os termos latinos significare e signi-ficatio tm um carcter plurvoco, consoante os pontos de vista dosautores. Importa, por conseguinte, apontar algumas das interpretaes queforam ento sugeridas ou sobre o meaning of meaning, para nos servir-mos da expresso consagrada pela clebre obra de Ogden e Richards3.

    2 Dictionnaire de didactique des langues, dir. de R. Galisson e D. Coste, Paris,

    Hachette, 1976, art. Signification.

    3 C. K. OGDEN e 1. A. RICHARDS, The Meaning of Meaning, Londres, Routledge. 1923.

    pp. 31-61 Revista Filo fica de Coimbra - n." 25 (2004)

  • O que significam as palavras? 33

    Nos primrdios da lgica terminista, o sentido dos termos referidos equvoco, remetendo indistintamente para a denotao de entes individuaise para a conotao de uma natureza ou forma universal a, o que indica quetais noes esto intimamente ligadas problemtica dos universais, cujaclarificao tornar possvel ao mesmo tempo uma compreenso mais

    4 L. M. DE RIJK, Logica rnodernortun. A Contribution to Historv of Early Terminist

    Logic, II, 1, Assen, Van Gorcum, 1967, pp. 597-598. Entendemos por denotao (ou

    extenso ) de urna palavra ou de um conceito o conjunto ou a classe dos objectos a que

    se referem ; por conotao ( ou compreenso , as propriedades ou caractersticas dadas

    a conhecer pela palavra ou pelo conceito e que tornam possvel a sua denotao. A

    conotao expressa - se, pois , pela definio . A oposio entre os termos denotao e

    conotao tem origem em J. Stuart MiII, tendo sido retomada pela filosofia da linguagem

    e pela lingustica contemporneas . Mas as doutrinas para que esses termos remetem

    reportam - se aos primrdios da semntica medieval, que usava , no entanto, para eles outras

    designaes , por vezes de sentido ambguo ( casos de significatio e consignificatio ).

    Na Escolstica , connotatio tem uma acepo mais restrita que a moderna conotao,

    havendo por outro lado exemplos pelos quais no parece possvel estabelecer entre esses

    conceitos qualquer parentesco . A ausncia de paralelismo ainda mais flagrante ente

    denotare ( e seus derivados ) e denotao.

    Na poca moderna , no existe concordncia sobre o sentido dos vocbulos referidos.

    Assim, E. Goblot (Trait de logique , 9 ed., Paris, 1952, pp. 89 e 102 ss.), apartando-se da

    doutrina clssica , inclui na compreenso de um conceito todos os atributos que dele podem

    predicar - se, isto , no apenas os que fazem parte da sua essncia e que sio expressos pela

    definio, mas tambm os que l he convm acidentalmente . Por outro lado, h filsofos

    contemporneos da linguagem que consideram como funes distintas entre si a

    compreenso e a conotao , como sucede com C. 1. Lewis ( Modes of Meaning, in Prob-

    lems in lhe Philosophv of Language, org. de T. M. Olshewsky. Nova Iorque, 1969, pp. 119-

    131). No domnio da lingustica , a distino entre conotao e denotao no entendida

    do mesmo modo por todos os autores . H casos em que ela aparece corno ns a mencio-

    nmos (v. g., em Dictionnaire de linguistique , ed. J. Dubois e outros, Paris, Larousse, 1973).

    Mas diferente o ponto de vista de J. H . de Carvalho (Teoria da Linguagens, 1, p. 167),

    para quem a denotao a representao mental do objecto e a conotao a repre-

    sentao de uma atitude subjectiva , mas ao mesmo tempo social perante ele.

    O termo conotao aparece tambm por vezes identificado com sentido, na

    acepo de Frege ( Sinn ) ou de Carnap ( sense , intention ). The concepts of sense

    and of intention reter to meaning in a stricte sense , as that which is grasped when we un-

    derstand an expression without knowing the facts (R. CARNAP, Meaning and Necessity,

    2' ed., Chicago/Londres, The University of Chicago Press, 1975, p. 125). E h demons-

    traes persuasivas de que no sculo XIV G. De Ockham usou significare deste modo,

    na discusso dos casos em que proposies conservam o seu sentido independentemente

    do facto de serem verdadeiras ou falsas (Cfr. PH. BOEHNER, Ockham's Tleory of Sig-

    nification, in Collected Articles on Ockham, ed. E. Buytaert, St. Bonaventure (Nova

    Iorque )/Lovaina/Paderborn , The Fransciscan Institute, 1958 , pp. 201-232).

    Revista Filosfica de Coimbra - n. 25 (2004 ) pp. 31-61

  • 34 Amndio Coxito

    precisa das doutrinas semnticas. A mesma equivocidade est tambmpresente na tradio lgico-gramatical, fortemente influenciada por Pris-ciano, que define o nome como significando substncia e qualidade s. E elamanifesta-se ainda mais tarde em Pedro Hispano, que entende a signifi-cao como a representao de uma coisa (res) por intermdio de umapalavra (vox), podendo essa coisa ser uma natureza universal ou umindivduo 6.

    No entanto, j antes se tinha feito sentir a necessidade de eliminar aambivalncia semntica do nome 7 motivada pela definio de Prisciano,distinguindo-se a significatio em sentido restrito, enquanto conotao dt.uma forma universal, e a appellatio (significatio em sentido lato),como denotao de um conjunto de objectos. Foi a partir da teoria daapelao que se desenvolveu a teoria da suposio (suppositio) oudenotao no contexto proposicional, acabando esta, conjuntamente coma da significao, por constiturem as duas funes fundamentais dadoutrina semntica. Mas - como assinala J. Pinborg - na prpria teoria dasuposio depara-se a mesma tenso entre conotao e denotao 9. Nal-guns contextos, como em algum homem corre, a palavra homem, emsuposio pessoal, denota indivduos humanos, mas em homem umaespcie, em que ao termo sujeito se atribui suposio simples, aquelapalavra, num contexto realista, conota uma natureza universal.

    A partir do sculo XIV, no seio do nominalismo, a significao aparecedefinida em termos de suposio 10, que no a suposio simples doslgicos realistas, no comportando, por isso, a conotao de formas ounaturezas. E foi na mesma poca que se sentiu a necessidade de ter emconta no apenas a significao dos nomes e dos verbos, mas tambm a dos

    5 Proprium est nominis substantiam et qualitatem significare (PRISCIANO, Inst.

    gramm. libra XVIII, II, IV, 18, ed. Hertz, Lipsiae, 1855, p. 55, 6-7).r Significatio termini, prout hic sumitur, est rei per vocem secundum placitum

    repraesentatio. Quare cum omnis res aut sit universalis aut particularis, oportet dictiones

    non significantes universale vel particulare non significare aliquid. Et sic non erunt termini,

    prout hic sumitur 'terminus'; ut sunt signa universalia et particularia (P. HISPANO, Tracr.,

    VI, ed. crtica L. M. de Rijk, Assen, Van Gorcum, 1972, p. 79, 11-16).

    7 L. M. DE RIJK, 'Significatio' y 'suppositio' en Pedro Hispano, Pensamiento, 25

    (1969), p. 228. Cfr. Logica modernorum, II, 1, p. 559.N L. M. DE RIJK, 'Significatio' y 'supopositio' en Pedro Hispano, loc. cit.9 J. PINBORG, Bezeichnung in der Logik des XIII. Jahrhunderts, in Miscellanea

    Mediaevalia. 8: Der Begriff der Repraesentatio im Mittelalter, ed. A. Zimmertnann, Berlim,

    Walter de Gruyten, 1971, pp. 242-243.

    10 Aliquid significare, vel supponere, vel stare pro aliquo (G. DE OCKHAM, Sum.

    log., 1, 4, ed. Ph. Boehner, p. 16, 26).

    pp. 31-61 Revi s ta Filosfica de Coimbra - n. 25 (2200.J)

  • O que significam as palavras? 35

    elementos do discurso que relacionam palavras ou proposies. Assim, como ockhamista Pedro d'Ailly e com os lgicos peninsulares dos finais dosculo XV e dos princpios do sculo XVI, a definio paradigmtica designificar representar alguma coisa ou algumas coisas ou de uma certamaneira faculdade cognoscitiva, produzindo uma modificao no seucomportamento 11, em que de uma certa maneira diz respeito aos sinca-tegoremas (como todo, algum, e, etc.), por determinarem o modode significar dos categoremas.

    Expendemos ainda o ponto de vista de um autor portugus da chamadaEscolstica decadente, Afonso do Prado, j dos princpios do sculo XVI,para quem significar pode ser tomado em trs sentidos, equivalendo a:manifestar, levar a formar (facere formare) e levar a conhecer(facere cognoscere). Uma palavra manifesta a presena de um conceitodo emissor, leva formao de um conceito no receptor e torna conhecido

    um objecto 12.

    Mais tarde, o conimbricense Sebastio do Couto no fornece uma

    definio explcita de significar. Declara, no entanto , que no o mesmo

    que representar, pois este segundo conceito tem uma acepo mais lata.

    A significao um caso particular de representao (tudo o que signifi-

    cativo representativo). Em conformidade com a definio de sinal

    (segundo a qual este representa potncia cognoscitiva alguma coisa

    distinta de si prprio) 13, pode ento dizer-se que significar uni

    processo que leva a que algo diferente do sinal se torne presente. Mas nem

    tudo o que representativo significativo, dado haver muitas coisas que

    se representam somente a si mesmas, no sendo, portanto, sinais14. Por seu

    lado, a representao um caso particular de cognio, uma vez que

    11 Significare autem est potentiae cognitivae, eam vitaliter immutando, aliquid, vel

    aliqua , vel aliqualiter repraesentare (P. D'AILLY, Concep. et insol., Paris, 1498, 1101.1 a].

    Cfr: J. DE CELAYA, Dial. intr., Paris, s. d., [fol. 4vb]; J. DULLAERT, Tract. term., Paris,

    1521, fl. 14vb; S. CARRANZA DE MIRANDA, Progym. log., Alcal, 1517, fl. 13va:

    F. DE ENZINAS, Terni. perut. et princ. dial., Toledo, 1533, [fol. l Ia].

    12 A. DO PRADO, Quaest. dial. supra libr Perih., Alcal, 1530, q. 1, a. 2, fol. 2va.13 Est nimirum signum omne id quod potentiae cognoscenti aliquid a se repraesentat

    (Comment. Co!!. Conimbr in univ. dial. Arist. , Hildesheim/Nova Iorque, Georg Olms, 1976:

    repr. da ed. de Colnia de 1607), In Iibr. Arist. de Interpr., q. 2, a. 1, col. 17). De futuro,

    designaremos esta obra por CD.

    14 Idem, q. 1, a. 2, cols. 14-15. No sculo XVII, Joo de S. Toms (Ars logica seu

    de forma et materia ratiocinandi , II, in Cursos philos. thomist., cd. B. Reiser, p. 691b)

    afirmar a mesma doutrina : Nam, `repraesentativum' est genus, siquidem est communnc

    ad id quod repraesentat a se, ut obiectum movens ad sui cognitionem, et id quod repraesentat

    aliud a se , ut signum.

    Revista Filosfica de Coimbra - n." 25 (2004) pp. 31-61

  • 36 Amndio Coxito

    objectivamente a coisa conhecida produz conhecimento ao apresentar-se asi prpria ao esprito como objecto a conhecer. Significar pode tambmdenominar-se manifestar, pelo facto de as palavras enquanto sinais darema conhecer os conceitos de quem se serve da lngua. A propsito, escreveo Conimbricense que as voces significam segundo a inteno doshomens no acto da sua imposio, a qual foi precisamente a de manifestara outrem os prprios pensamentos 15. (Este tema da manifestao serretomado mais adiante). Podemos, por isso, dizer que todo o manifestativo

    significativo, mas o inverso no se verifica, porque os sinais tambmdenotam coisas distintas dos conceitos. Significar aparece ainda equi-parado a indicar (indicare rem), estando certamente entendida por esteltimo termo a funo de designao que possuem uma palavra ou umconceito enquanto remetem para um objecto isolado que faz parte de umconjunto.

    Natureza e divises do sinal no Curso Conimbricense

    Antes de entrarmos no exame da questo principal e que agoralogicamente deveria ser trazida colao (O que significam as pala-vras?), vamos debruar-nos sobre o assunto em epgrafe.

    Como tinha ficado dito, o sinal, enquanto agente no processo significa-tivo, define-se como aquilo que representa potncia cognoscitiva algumacoisa distinta de si prprio. Sendo assim, nada pode ser sinal de si mesmo(nihil se ipsum proprie significat), como o comprova o Conimbricenseao longo de todo um artigo, invocando diversas autoridades, sobretudo ade Aristteles (os sons emitidos pela voz so smbolos dos estados dealma 16, donde se depreende que o significado distinto do significante)e a de Santo Agostinho (o sinal aquilo que se apresenta a si prprio aosensrio, manifestando, para alm de si, algo ao esprito) 17. Ainda queaquela definio seja vlida para toda a espcie de sinais, aplica-se emespecial aos instrumentais, ditos assim porque ao serem percebidos servemde instrumentos ou meios para o conhecimento dos objectos por elessignificados.

    15 Votes significant ex hominum intentione, ergo id omne significabunt ad quodintentio se extenderit; sed hominum intentio in vocibus imponendis fuit conceptuummanifestatio , ergo voces conceptuum signa sunt (CD, q. 3, a. 2, col. 37. Cfr. col. 39).

    16 ARISTTELES, Perih., 1, 16a 3-4.17 ST. AGOSTINHO, Princ. dial., V, in P. L., vol. 32, col. 1410. Cfr. De doctr. chrisi.,

    II, 1, 1, in P. L., vol. 34, col. 35.

    pp. 31-61 Revista Filosfica de Coimbra - a." 25 (2004)

  • O que significam as palavras? 37

    Mas a definio de Santo Agostinho considerada incompleta (comoj o tinha sido na Escolstica medieval ) 18 por atribuir ao sinal a funosignificativa apenas quando produz a sua prpria representao sensvel 11.Os exemplos dados pelo filsofo de Hipona abarcam tanto sinais naturaiscomo convencionais : as pegadas de um animal , o fumo, as palavras dalinguagem . Deste modo, a definio augustiniana no abrange os sinaisinteligveis ou os conceitos, mas somente os instrumentais. Por esse mo-tivo, deve atender- se a um duplo sentido de sinal : de um modo restritoe segundo a sua primeira instituio ou imposio , diz respeito a uma coisaapreendida pelo sensrio , a qual , uma vez conhecida, leva ao conhecimentode outras ; no sentido lato, relativo tanto aos sinais sensveis como aosinteligveis (tam sensibilia quam spiritualia)220.

    Diferente do sinal a imagem . Esta pode ser da mesma naturezadaquilo de que imagem , no sendo , no entanto , sinal dele; por exemplo,

    o filho, enquanto imagem ( propagativa ) do pai. E h muitos sinais que no

    so imagens : o fumo em relao ao fogo, o gemido em relao dor, etc.2'

    Encontramos , pois, no sinal , enquanto representa alguma coisa ao

    esprito , uma dupla relao: por um lado, orienta-se para a potncia a que

    torna presente aquilo a que se refere; por outro, dirige-se para o objecto

    significado , sendo esta a relao principal , pois nela que se encontra a

    verdadeira natureza do sinal 22.

    O sinal comporta vrias divises. Embora ela no seja muito habitual

    entre os escolsticos , deparamos no Conimbricense com uma primeira

    diviso em rememorativo , demonstrativo e prognstico, cuja funo ,

    respectivamente : trazer memria um acontecimento passado (v. g., para

    os cristos , a cruz sinal do sacrifcio de Cristo), mostrar um facto presente

    (o fumo como sinal do fogo) e prenunciar o futuro (as diferentes cores do

    cu, ao pr do Sol). No entanto , esta diviso no corresponde propriamente

    18 M. BEUCHOT, La filosofia del lenguaje en Ia Edad Media, Mxico, Universidad

    Nacional Autnoma de Mxico, 1981, p. 14. Cfr. Aspectos histricos de Ia semitica v la

    filosofia del lenguaje, Mxico, Universidad Autnoma de Mxico, 1987, p. 43.

    19 Signum est enim res, praeter speciem quam ingerit sensibus, aliud aliquid ex se

    faciens in cogitationem venire (ST. AGOSTINHO, De doca: christ., loc. cit. Cfr. Princ.

    dial., loc cir.).

    20 CD, c. 1, q. 1, a. 1, col. 7.

    21 Idem, c. 1, q. 2, a. 3, s. 1, col. 27.22 Certum ergo est signum formaliter significare habitudinem ad rem. Solum existit

    dubitatio an simul includat habitudinem ad potentiam, cuius partem affirmantem magis

    probabimus (...). Concedendum est respectum ad rem in quovis signo esse priorem illo qui

    est ad potentiam (Idem, c. 1, q. 1, a. 1, col. 10).

    Revista Filosfica de Coimbra - n. 25 (2004) pp. 31-61

  • 38 Amndio Coxito

    a diferentes espcies de sinais, uma vez que os referidos podem ter omesmo modo de significao ao significarem segundo aquelas diversidadesde tempo, como est patente nos dois ltimos exemplos: o fumo e a cor docu contribuem do mesmo modo para o conhecimento dos seus signifi-cados, pois ambos so sinais naturais. A significao segundo a diversidadede tempo meramente acidental (o que tambm sucede na linguagem comas diferentes formas dos verbos) 23.

    A mais conhecida diviso considera, por uni lado, os sinais formais eos instrumentais e, por outro, os naturais e os convencionais (ex insti-tuto), tendo os segundos a sua inspirao em Aristteles 224,e Santo Agos-tinho225, enquanto os primeiros no foram tidos em conta pelos antigos,certamente por julgarem que os sinais formais so menos propriamentesinais 26. Esta dupla diviso a preferida pelo Conimbricense, pelo factode situar os sinais segundo uma decomposio analtica contrastante (suntmodi ex diametro repugnantes), maneira da rvore porfiriana.

    O sinal formal uma semelhana das coisas - e, portanto, um sinalinterno ou um conceito (conceptus, species) -, mediante o qual aque-las se conhecem. uma forma que determina o entendimento, procedentedo objecto cujo lugar ocupa e induzindo a potncia a conhecer, sem que,

    no entanto, ela seja conhecida 27. De facto, ningum percebe em primeirolugar um conceito para atravs dele perceber um objecto. Os conceitos sso percebidos em si mesmos de um modo reflexo, por um acto posteriorde conhecimento, atravs do qual de sinais passam a objectos conheci-dos 28. Como escreve J. Maritain, os sinais formais para exercerem a suafuno de sinais so conhecidos no enquanto `aparecem' como objectos,mas `desaparecendo' perante os objectos29.

    No que respeita aos sinais instrumentais - j ficou atrs referido -,identificam-se por serem aqueles que, conhecidos como objectos, represen-tam outros objectos: a pegada de um animal impressa no p sinal do ani-

    23 Idem, c. 1, q. 2, a. 1, cols. 15-16.24 ARISTTELES, Op. cit., 2, 16a 19 e 27-29.25 Signorum igitur alia sunt naturalia, alia data (ST. AGOSTINHO, De doca: christ.,

    11, 1, 2, cols. 36-37).

    26 CD, col. 17.27 Idem, c. 1, q. 2, a. 3, s. 1, col. 25.,s J. H. DE CARVALHO, Segno e significazione in Joo de So Toms, in Asfstze

    zur portugiesischen Kulturgeschichte, vol. 2, ed. E. Reihe, Mnster Westfalen, Aschen-

    dorffsche Verlagsbuchhandlung, 1961, p. 157.

    29 J. MARITAIN, Quatre essais sur 1'esprit dans sa condition charnelle, 2'. ed., Paris,

    Alsatia, 1956, p. 71.

    pp. 31-61 Revista Filosfica de Coimbra - n." 25 (20041

  • O que significam as palavras? 39

    mal; o fumo sinal de fogo; a esttua de Csar sinal de Csar; a palavrahomem sinal de um objecto que homem 30.

    Por seu lado, os sinais naturais, caracterizam-se por significarem omesmo para todos (quae apud ommes idem significant), pelo que existeuma certa proporo real e intrnseca entre eles e as coisas significadas, talcomo a do efeito em relao causa e vice-versa (o gemido sinal de dor;a nuvem negra sinal de chuva; o conceito sinal de um objecto querepresenta). Ao contrrio, o fundamento dos sinais convencionais est numaimposio voluntria (ex hominum voluntate) e no numa denominaointrnseca (a palavra cavalo, para significar o objecto cavalo). Destespodem distinguir-se os sinais consuetudinrios (ex consuetudine), que

    tm o seu fundamento no costume ou no uso, isto , na repetio constante

    de um acto (as coisas penduradas s portas so sinais de locais de venda).

    No entanto - como escrever mais tarde Joo de S.Toms -, podem reduzir-

    se quer aos convencionais, quer aos naturais 31.

    No que concerne diviso dos sinais em formais e instrumentais, est

    baseada numa falsa analogia. Podemos aceitar que os segundos represen-

    tam de um modo genuno os seus objectos, pois temos possibilidade de

    comparar uns com os outros (por exemplo, um retrato recorda-nos a pessoa

    figurada, o fumo faz-nos lembrar o fogo, as palavras originam efectiva-

    mente conceitos). Mas no caso dos sinais formais a comparao directa no

    vivel, por no haver processo para confrontar os objectos enquanto

    representados nos conceitos com os objectos reais ou com a coisa em si

    que era suposta recair sob a representao 32.

    311 CD, c. 1, q. 2, a. 1, col. 17. Pedro da Fonseca (Inst. dial., 1, 8, ed. J. F. Gomes.

    Coimbra, Universidade de Coimbra, pp. 34 e 36) caracteriza-os do seguinte modo: Estes

    sinais dizem-se instrumentais ou porque por eles, como instrumentos, significamos a outros

    os nossos conceitos, ou porque - do mesmo modo que o artfice para mover a matria com

    o instrumento necessita de mover o instrumento - as potncias aptas para o conhecimento,

    para conhecerem alguma coisa por meio deste gnero de sinais, necessitam de perceb-los.

    Servimo-nos da traduo de J. F. Gomes, retocando-a, por motivo de maior clareza.

    31 J. DE S. TOMS, Op. cit., p. 719b.

    32 The maio difficulty with a representative theory of perception is that the notion of

    resemblance between the things we perceive, the sense data, and the thing that the sense

    data represent, the material object, must be unintelligible since the object term is by defi-

    nition inacessible to the senses (J. SEARLE, Ittentionality, Cambridge, Cambridge Uni-

    versity Press, 1983, p. 59. Cit. por J. B. MURPHY, in Language, Communication, and

    Representation in the Semiotic of John Poinsot, The Thotnist, 58, 4 (1994), p. 586, nt. 25).

    Revista Filosfica de Coimbra - ti." 25 (2004) pp. 31-61

  • 40 Amndio Coxito

    O que significam as palavras?

    Voltemo-nos agora exclusivamente para os sinais lingusticos, tendo emvista esclarecer de que modo se ajustam ao modelo cognitivo da signifi-cao.

    Numa passagem famosa do incio do Peri hermeneias, Aristtelesdescreve o modo como as palavras se orientam, por um lado, para osconceitos (estados de alma) e, por outro, para as coisas:

    Os sons emitidos pela voz so smbolos dos cstados'dc alma e as palavras

    escritas smbolos das palavras emitidas pela voz. E tal como as palavras no

    so as mesmas em todos os homens, as palavras faladas no so tambm as

    mesmas, ainda que os estados de alma, dos quais essas expresses so os

    sinais imediatos, sejam idnticos em todos, como so idnticas tambm as

    coisas das quais esses estados so imagens 33.

    Estamos em presena daquilo que se designa por tringulo semn-tico: tringulo, em virtude dos trs vrtices (palavras, conceitos, coisas):semntico, porque tem sido interpretado como um esquema da significaodas palavras e do modo como se referem realidade.

    A passagem citada, como escreve N. Kretzmann, encerra a doutrinamais influente na histria da semntica 34, tendo tido enorme repercussona tradio filosfica subsequente a respeito das inter-relaes da lingua-gem, do esprito e do mundo. Isso aplica-se em particular Idade Mdia,durante a qual se levantou, no entanto, a questo se os sinais da linguagemsignificam em primeiro lugar conceitos - referindo-se apenas atravs destesa objectos - ou se significam directamente objectos 35

    Alguns comentadores de Aristteles, como Amnio e Bocio, supuse-ram que naquela passagem se estabelece que as voces significam imedia-tamente conceitos 36 e at - como opina o Conimbricense na sua interpre-tao do texto boeciano - apenas conceitos 37, no pressuposto de que as

    33 ARISTTELES, Perih., 1, 16a 3-8.

    1` N. KRETZMANN, Semantics, History of, in The Encvclopedia of Philosophv, ed.

    P. Edwards, Nova Iorque/Londres, The Macmillan Company & The Free Press/Collier

    Macmillan Publishers, 1972.

    35 U. ECO, Denotation, in On the Medieval Theorv of Sigas, ed. U. Eco e C. Marmo,

    Amesterdo/Filadlfia, John Benjamin Publishing Company, 1989, p. 48.36 E. J. ASHWORTH, Do Words Signify Ideas or Things?, Journal of lhe History

    qf Philosophv, 19 (1981), pp. 311-312.

    37 CD, c. 1, q. 3, a. 1, col. 35. O texto de Bocio (/n libe: de Interpr., ed. secunda, in

    P. L., vol. 64, col. 405A) diz: Sunt ergo ea quae sunt in voce earum quae sunt in anima

    pp. 31-61 Revista Filu. d/i(a de Coimbra - n." 25 12004)

  • O que significam as palavras? 41

    palavras teriam sido impostas para substitu-los, de modo a que os homenspudessem comunicar entre si os seus pensamentos de uma maneira sens-vel, pois os contedos mentais no so audveis nem visveis 38. Umargumento invocado em apoio dessa teoria que palavras como quimeras manifestam conceitos, no havendo motivo para no dizer o mesmo detodas as outras, se forem nomes, por possurem idntico modo de significar.Outro tanto acontece com os sincategoremas, que no significam coisas(aliqua) mas apenas de unia certa maneira (aliqualiter), exercendouma funo determinada sobre outro termo (categoremtico). Eles devemser considerados sinais naturais, no necessitando de uma correspondnciana realidade, da qual no so abstrados. ainda o caso da linguagem dosanjos (um tema que para as sensibilidades dos nossos dias tem um carcterextico e at excntrico, mas que era considerado totalmente pertinentepara os escolsticos), aos quais toda a gente recusa uma linguagem ex-terna, admitindo, no entanto, eles poderem conversar, servindo-se deconceitos 39. (A. Tabarroni, glosando um texto de Ockham, escreve que,na opinio deste, existe entre os puros espritos uma certa forma de tele-patia, pela qual se realiza uma comunicao: Por parte do anjo `falante',como sendo uma srie de actos intuitivos ou abstractivos, dirigidos para osobjectos exteriores; por parte do anjo receptor, ela consiste numa srie deactos intuitivos, por intermdio dos quais o segundo anjo `regista' ou `v'

    os actos/palavras do primeiro anjo. Em resumo, trata-se de uma leitura de

    pensamentos, no pleno sentido da expresso) 40.

    A concepo psicolgica da significao de Bocio expandir-se- a

    partir do incio do sculo XII, pelo que a influncia deste autor se tornou

    incontestvel e preponderante, ainda que a outra teoria tivesse tido tambm

    os seus adeptos, razo por que esta problemtica motivou desde ento

    acesas controvrsias 41. A verdade que com aquela concepo entrou em

    concorrncia uma outra de Aristteles, afirmada nos Elencos Sofsticos:

    passionum notae, et ea quae scribuntur eorum quae sunt in voce. Ac quemadmodum nec

    litterae eaedem omnibus , sic nec eaedem voces. Quorum autem hae primo notae sunt.

    eaedem omnibus passiones animae sunt , et quorum hae similitudines sunt, res eacdcm.38 A propsito , Santo Agostinho (De ord., II, XII, 35, in P. L., vol. 32, col. 1012)

    escreve: Ut, quoniam [homines ] sentire animos suos non poterant, ad cos sibi copulandos

    sensu quasi interprete uterentur.39 CD, loc. cit..40 A. TABARRONI, Mental Signs and Representation in Ockham, in On the Medi-

    eval Theory of Signs, p. 210.41 Solet autem esse quaestio an sermo significat proprie cogitationem an res ipsas quac

    cadunt in cogitationem (Tract. de propr serin ., in L. M. de RIJK, Op. cit., 11, 2, p. 707,

    18-19).

    Revista Filosfica de Coimbra - n. 25 (2004 ) pp. 31-61

  • 42 Amndio Coxito

    Dado que no possvel trazer discusso as prprias coisas, devendoservir-nos em lugar das coisas dos seus nomes como smbolos, supomosque aquilo que se passa com os nomes se passa tambm com as coisas,como no caso dos seixos com que contamos 422.

    Na procura de solues de compromisso, os filsofos medievais con-

    cordavam em geral que, falando com propriedade, no pode dizer-se que

    as palavras significam apenas conceitos ou apenas coisas, podendo signifi-

    car uns e outras. O problema estava na prioridade de significao e se

    deveria atender-se a um s ou a um duplo processo. sobre este assunto

    que o Conimbricense apresenta trs solues possveis. So elas: a) as

    palavras tm uma nica significao, dirigida primariamente aos conceitos

    e secundariamente s coisas (no significando, portanto, de um modo

    igualmente imediato uns e outras, separadamente, mas as segundas atravs

    dos primeiros); b) as palavras possuem uma s significao, visando

    primariamente as coisas (quanto aos conceitos, isso acontece de uma

    maneira secundria, atravs das coisas); c) as palavras esto dotadas de dois

    tipos de significao, dirigidos imediatamente quer s coisas quer aos

    conceitos 43.

    A primeira soluo a de S. Toms e dos tomistas; a segunda caracte-rstica dos escotistas (embora j R. Bacon tivesse argumentado a favor dela,tendo-se tornado at a partir do incio do sculo XIV a opinio commu-nis em Oxford) 44; a terceira, eclctica, cremos ser da responsabilidade doprprio Conimbricense. Mas h outras opinies que o professor de Coimbrano teve em conta e que certamente no conheceu (pensamos sobretudo emAbelardo e em Buridano, considerando somente aqueles a que de seguidafaremos referncia). Vamos aludir a pontos de vista de alguns autores sobreo assunto agora em causa, que estabelecem um contexto suficientementeelucidativo.

    No sculo XII, Pedro Abelardo procura integrar a significatio numateoria da lgica como scientia sermocinalis, apartada de pressupostosontolgicos, mas a sua doutrina resulta ambgua. Ele distingue uma duplasignificao das palavras, a das coisas e a das inteleces, sendo aquelaanterior a esta: E necessrio que exista primeiro na natureza das coisas

    42 ARISTTELES, De soph. elenc., 1, 165a 5-9.43 An voces eadem significationene primo et immediate signiticant conceptus, secundo

    res; vel e contra , primo res , secundario conceptus ; vel denique res et conceptus immediate

    et per diversas significations (CD, c. 1, q. 3, a. 2, col. 38).

    44 A. TABARRONI, Op. cir., p. 196. Sobre a semntica de R. Bacon, ver J. PINBORG.Roger Bacon on Signs : A Newly Recovered Part of the Opus Maius , Misce/lanea

    Mediaevalia , 13, 1 (1981), pp. 403-412.

    pp. 31-61 Revista Filos/ica de Coimbra-n." 25 (200-1

  • O que significam as palavras? 43

    o que a inteleco possa conceber; e aquele que inventou uma palavra('vocabulum') considerou antes de mais a natureza de uma coisa, impondo-lhe um nome para signific-la. Por esse motivo, as inteleces, que devemseguir a natureza das coisas, so naturalmente posteriores e as coisasanteriores 45. Depreende-se, portanto, que a eficcia das palavras usadasnos raciocnios exige que sejam fixadas as suas relaes com a naturezadas coisas.

    A significatio de rebus precisamente a significao visando essasnaturezas, que, no entanto, no so essncias reais, mas semelhanas entreos indivduos significados pelas palavras enquanto eles se relacionam emvirtude de um status comum. Assim, Scrates e Plato so significados pelapalavra homem por convirem entre si pelo facto de serem homens, tioser homem (in esse hominem) (mas no, como supem os realistas, inhomine ou numa mesma essncia). Tal convenincia ou conformidade no uma coisa a mais entre as coisas (embora tambm no seja um nada): um status hominis 46. Por seu lado, a significatio de intellectibusconsiste em constituir uma inteleco (intellectum constituere) sobre anatureza das coisas, pois aquele que profere uma palavra leva o ouvinte aformar um conceito acerca delas.

    Diferente da significao das coisas a sua denominao (nominatio)ou designao, a no ser que a entendamos em sentido lato. A palavrahomem, por exemplo, designa cada um dos homens, isto , as mesmascoisas que os nomes prprios 47. Pode concluir-se daqui a presena emAbelardo de uma distino tematizada entre significatio e suppositio'?Afirmar isso seria com certeza um anacronismo.

    Vemos, pois, que os significados dos vocabula se situam entre doisplos: a natureza das coisas e as inteleces. Parece, assim, legtimo falar

    45 P. ABELARDO, Log. ingr., ed Geyer, p. 112, 31-37. A respeito da concepo

    abelardiana da significao, M. T. Fumagalli (La logica di Abelardo, Florena, 1969. p. 40)

    distingue duas fases ( no cronolgicas ), presentes por vezes no mesmo texto: na primeira.

    atribuda ao nome a dupla funo significativa (significatio rerum e significatio

    intellectuum ); na segunda , s a ltima daquelas funes tida como relevante, sendo a

    outra identificada com a appellatio ou a nominatio " Mas esta ltima declarao no

    de todo correcta: a nominatio no propriamente significatio, a no ser em sentido lato.

    De Rijk (Op. cit., 11, 1, p. 193), por seu lado, prefere falar de dois aspectos ou de dois pontos

    de vista diferentes no pensamento de Abelardo. Ns, no entanto, mostramos aqui que eles

    esto intimamente relacionados.46 P. ABELARDO. Op. cit., p. 19, 21-26.

    47 Cfr. J. F. BOLER , Abailard and the Problem of Universais, Journal of tlte His-

    tory of Philosophv, 1 (1963), p. 41.

    Revista Filosfica de Coimbra - n." 25 (2004) pp. 31-61

  • 44 Amndio Coxito

    de uma terceira esfera em que eles se entrelaam 48, sendo ela a prprialinguagem: no seio desta que os significados tm o seu domiclio. Comoassinala J. Jolivet, Abelardo (...), atento s palavras e s suas relaes,como gramtico e leitor da logica vetus, v na linguagem o `interface' entreo intelecto e as naturezas das coisas 49. Os significados so ento detect-veis pela vis verborum, pela vocum proprietas, quer dizer, justificadospela prpria linguagem e que a lgica assume como seus. No precisosair do domnio lingustico para estabelecer o valor semntico das palavrase explicar o conhecimento que por meio delas se pode objer (e que se supeter correspondncia na realidade). por essa razo que animal nosignifica homem, mas substncia animada sensvel; e branco nosignifica corpo, mas informado de brancura. Dito de outro modo, osnomes significam, falando com propriedade, o que permitem conceber(quae per vocem concipiuntur) 50

    Esclarecendo melhor este ponto, Abelardo, na Dialectica, declara terdefendido inicialmente que para estabelecer a validade das consequnciastinha restringido o significado definio das palavras, acabando, porm,por consider-lo insuficiente. Ainda que uma palavra (v. g., homem) ea sua definio (animal racional mortal) se refiram mesma substn-cia, no do a conhecer o mesmo acerca dela 51, pois, enquanto o definido(homem) d a perceber todas as suas diferenas, a definio no

    18 Foi isso que levou S. V. Rovighi (Intentionnel et universel chez Ablard, inAblard: Le Dialogue. La philosophie de Ia logique, Agites du Colloque de Neuchtel,16-17 Novembre 1978, Genebra/Lausana/Neuchtel, 1981, p. 28) a escrever que "a signi-ficao [ou o significado?] um ser ideal".

    av J. JOLIVET, Trois variations mdivales sur l'universel et 1'individu: Roscelin,

    Ablard, Gilbert de Ia Porre, Revire de Mtaphvsique ei de Morale, 97, 1 (1992), p. 141.

    50 Esta doutrina estabelecida por Abelardo (Dial., ed. L. M. De Rijk, 2. ed., pp. 112,

    22 - 114, 15) ao tomar partido numa controvrsia acerca da imposio das palavras. J.

    Jolivet (Aras du langage et thologie chez Ablard, Paris, J.Vrin, 1969, pp. 97-98) ter sido

    o primeiro a apontar para esta dimenso intralingustica dos significados. Apoiando-se num

    texto das primeiras Glosas sobre as Categorias, ele considera que a palavra homem

    significa alguma coisa qualificada (aliquid quale), informada na sua constituio por

    uma palavra qualificativa (racionalidade), pelo que a decomposio do universal

    homem numa matria (animal) e numa forma (racional) quer dizer que perma-

    necemos no plano de uma gramtica repensada pelo dialctico: a construo 'animal

    racional', equivalente a 'homem', que decompomos numa palavra que matria, ou gnero,

    e numa palavra que forma, ou diferena. A matria em questo , portanto, vocalis et

    non realis.

    51 Sed non secundum idem eamdem rem demonstrant (P. ABELARDO, Op. cit.,

    p. 334, 28); "Saepe tamen non idem prorsus de ipsa notant" (Idem, p. 335, 34-35).

    Pp. 31-61 Rei'i.rta Filouiluu de Coimbra - n. 25 (2004)

  • O que significam as palavras? 45

    representa mais que duas (racionalidade e mortalidade). Por tal motivo, falsa a consequncia: se homem, animal racional mortal. Da aconcluso: Deve sobretudo considerar-se a significao das palavras, que o mais importante, isto , aquilo que na prpria palavra se d a conhecer('denotatur') - segundo o qual ela foi imposta - e no aquilo a que foiimposta (...). Uma vez que tanto a definio como o definido tm umaimposio e uma enunciao a respeito da mesma substncia, muitas vezes,no entanto, no do a conhecer exactamente o mesmo acerca dela. Comefeito, `animal racional mortal' foi atribudo substncia de homem apenaspelo facto de se tratar de um animal informado de racionalidade e demortalidade; `homem', porm, tambm em virtude de outras formas corres-pondentes a outras diferenas 52. O que deve, pois, ter-se em conta apropria vocum demonstratio, a vis verborum, a vocum proprietas,que possibilitam o conhecimento de outras propriedades no expressas peladefinio, mas que so igualmente significadas no interior da linguagem,segundo outra amplitude semntica.

    O passo transcrito deveras elucidativo, revelando, para alm do queficou dito, o propsito de Abelardo de identificar a significao lingustica

    das palavras com a sua referncia natureza das coisas, a qual, no sendo

    uma essncia, , no entanto, um status. Por este motivo, ele no conseguiu

    libertar a lgica de pressupostos ontolgicos; manteve-se, assim, numa

    posio ambgua, no interior da linguagem e para alm dela, esforando-

    se, todavia, por encontrar um domnio que fosse comum a uma lgica for-

    mal e a uma lgica real 53. Oscilando entre aqueles dois domnios, v-se

    arremessado quer para o lado do nominalismo, quer para uma forma de

    platonismo 54

    O representante clssico da primeira soluo apontada pelo Conim-

    bricence S. Toms. Em In Aristotelis libros Peri hermeneias expositio,

    no promio, aps ter distinguido a primeira operao do esprito (indivi-

    sibilium intelligentia) da segunda (operatio intellectus scilicet compo-

    nentis et dividentis), o Doutor Anglico define interpretao, maneira

    de Bocio, como palavra ('vox') significativa que por si significa outra

    coisa, quer complexa, quer incomplexa 55. Mas imediatamente corrige este

    ponto de vista, dizendo que os nomes e os verbos so princpios da

    interpretao e que a interpretao propriamente dita apenas a oratio,

    quer dizer, a proposio que comporta verdade ou falsidade. A este

    52 Idem, p. 335, 30-38.

    53 J. JOLIVET, Op. cit., pp. 171-174; L. M. DE RIJK, Op. cit., pp. 193-197.54 J. JOLIVET, Trois variations mdivales sur l'universel et 1'individu, loc. cit.

    55 S. TOMS, In Perih ., ed. Marietti , Promio, 1 e 3.

    Revista Filosfica de Coimbra - n." 25 (2004) pp. 31-61

  • 46 Amndio Coxito

    propsito, usa o termo significar para os nomes e para os verbos 56, assimcomo para outros sinais que significam naturalmente (os queixumes dosenfermos) e ainda para os sons emitidos pelos animais, deixando muitoclaro que por significado deve entender-se em primeiro lugar umcontedo mental:

    No pode aceitar-se que [as palavras] significam imediatamente as prprias

    coisas (...), pois o vochulo 'homem' significa a natureza humana abstrada

    dos singulares. Por isso, no pode dizer-se que significa de unia maneira ime-

    diata um homem singular. Os platnicos afirmaram que significa a prpria

    ideia de homem separada. Mas, dado que ['homenr'] por virtude da sua

    abstraco no subsiste realmente, em conformidade com a doutrina de

    Aristteles, mas existe apenas no entendimento, foi preciso que Aristteles

    dissesse que as palavras significam concepes do entendimento de unia

    maneira imediata e, mediante elas, coisas 57.

    S. Toms define de uma maneira precisa o caminho que deveriamseguir os filsofos realistas sobre esta matria: por um lado, qualquer teoriaconsistente deve evitar identificar o significado dos nomes com objectosindividuais; por outro, deve abster-se do seu oposto, isto , de conceberesse significado como uma entidade separada. Tal soluo semntica estintimamente unida posio tomista sobre os universais. O fundamentoimediato da relao de universalidade a uniformidade da natureza comumenquanto apreendida pelo esprito; ou, por outras palavras, a naturezasegundo o modo de existncia que possui no entendimento. O universaltem, pois, um fundamento imediato no esprito e um fundamento mediatona realidade 58.

    No entanto, no aspecto semntico o pensamento do Doutor Angliconem sempre consequente, pois deparamos com expresses que parecemcontrariar o esquema por ele normalmente aceite da relao indirecta daspalavras s coisas 59. Como quer que seja, para ele a significao das

    56 Idem, 1, 11, n. 14.57 Idem, n. 15.58 R. W. SCHMIDT, The Domain of Logic according to Saint Thomas Aquinas, Haia,

    Martinus Hijhoff, 1966, pp. 191-192; R. W. CLARK, Saint Thomas Aquinas's Theory of

    Universais, Monist, 58 (1974), pp. 164-165.59 Illa ergo prima significatio, qua voces significant res (...); sed quia ipsae res

    signihcatae per voces rerum possunt esse signa (S. TOMS, Sum. theol., 1, q. 1, a. 10.

    ed. P. Caramello, p. 9. Cfr.: J. P. O"CALLAGHAN, The Problem of Language and Mental

    Representation in Aristotle and St. Thomas, Revoe de mtaphvvsique, 50 (1997), pp. 504-

    -509; U. ECO, Op. cit. pp. 54-55.

    pp. 31-61 Revista Filos/ica de Coimbra - n." 25 12004)

  • O que significam as palavras? 47

    palavras nica e no dupla, por ser a mesma a relao que as une aosconceitos e s coisas, o que no quer dizer que no desempenhem duasfunes: uma, pela qual so veculos de um contedo objectivo; outra, pelaqual manifestam algo subjectivo ou a situao ntima da pessoa que seserve delas. evidente que o exerccio da linguagem acompanhado depensamentos (e no s de pensamentos, mas tambm de desejos, senti-mentos, etc.); daqui no deve, porm, inferir-se que os sinais lingusticosse referem a certas entidades chamadas conceitos ou coisas do gnero, sepor isto se entender que tais entidades so os objectos imediatos doconhecimento facultado pela linguagem. Mas se, por outro lado, se inter-pretar a teoria semntica de S. Toms no sentido de que as palavras signi-ficam directamente objectos - como alguns textos parecem sugerir -, nodeve concluir-se que o significante pode exercer uma funo significativapor si s, com independncia do indivduo pensante que se serve dele.

    Dentro do esquema da relao voces/res, confrontamo-nos agoracom o ponto de vista de Duns Escoto, alis bastante complexo, como oatestam as anlises dos historiadores da filosofia. O prprio Conimbricensedistingue nele duas fases, declarando que Escoto, na sua opinio, ainda queconsidere mais provvel a doutrina exposta no livro primeiro das Sentenas- segundo a qual as palavras significam apenas coisas -, acaba por declarar,em conformidade com o parecer de alguns autores, serem os conceitossignificados primeira e imediatamente e as coisas apenas de uma maneiraremota e segundo a mesma significao 60. Mas at nos nossos dias afilosofia do Doutor Subtil permanece ambgua. Para U. Eco, possveldetectar nas suas obras duas teses opostas, expressas, por exemplo, nestestermos: A palavra externa sinal de coisas e no de intelecessignificar formar um conhecimento ('intellectus') de alguma coisaH outros historiadores, como G. Nuchelmans e Ph. Boehner, que tm

    Escoto como um sequaz da primeira tese e, por isso, como um exten-

    sivista: Duns Escoto declarou que o que significado pelas palavras

    faladas uma coisa e no um conceito, com referncia ao comentrio

    sobre as Sentenas 63. A ltima interpretao que conhecemos - e

    60 CD, c.l, q. 3, a. 2, col. 38.61 J. D. ESCOTO, Ord., 1, 27, 1, ed. Vaticana, VI. Cit. por U. ECO, Op. cit., p. 63.62 J. D. ESCOTO, In I et II Perih., in Opera Oninia, II, ed. Wadding, p. 541a. Cit. por

    U. ECO, Op. cit., loc. cit.

    63 G. NUCHELMANS, Theories of Propositions. Ancient and Medieval Conceptions

    of lhe Beares of Truth and Falsity, Amesterdo/Londres, North Holland, 1973, p. 196; PH.

    BOEHNER, Ockham's Theory of Signification, p. 219; A. MAURER, William of

    Ockham on Language and Reality, Miscellanea mediaevalia, 13, 2 (19881), pp. 799-800.

    Um dos textos da referida obra de Escoto (ia Sent. 1, d. 27, q. 3, n. 19, in Opera Onutia,

    Revista Filosfica de Coimbra - a. 25 (2004) pp. 31-61

  • 48 Amndio Coxito

    possivelmente a mais plausvel - pertence a C. Marmo, que se refere a duasvias, sendo a primeira a de S. Toms e a outra de Escoto. Em confor-midade com esta, as voces significam directamente res, no enquantoexistentes, mas s como so pensadas ou conhecidas, pois, se assim nofosse, cair-se-ia no platonismo 64. Esta ter sido a posio mais amadu-recida de Escoto, que lhe permitiu subtrair a significao ao modelo for-mal da relao vox/conceptus 65.

    . interessante verificar que tal interpretao tambm a mais aplaudidapelo Conimbricense, ao escrever que Escoto no tratado sobre as Sentenasensina que pela palavra significada uma coisa enquanto conhecida ('remut cognitam'); adverte, porm, que ela no significa este conjunto - a coisaconhecida -, pois neste caso tratar-se-ia de um significado composto aci-dental; e, no entanto, ele diz que designada ('indicar[') uma coisaenquanto recai sob um acto de conhecimento; o que no parece ser possvelexplicar de um modo mais simples do que dizer que com uma nicasignificao visada em primeiro lugar a coisa e depois o seu conceito 66

    Esta interpretao joga com o parecer do Doutor Subtil sobre os uni-versais. Para ele, no seio dos entes individuais no existem singularidadesabsolutas, puras diversidades ou diferenas sem identidade, mas tambmsemelhanas, igualdades, contrariedades, preexistentes ao pensamento, nosendo forjadas pelo esprito, que apenas causa do acto de conhec-las.Elas so por isso reais, se considerarmos real tudo aquilo que no produ-zido pelo entendimento. Ora, se h um fundamento real para toda a seme-lhana, h um aliquid que uma certa natureza comum a vrias coisas- no sendo ela prpria uma coisa -, indiferente a cada uma delas, masestando, no obstante, presente em todas. Isto possvel em virtude daunidade real dita unitas minor. Mas o entendimento opera a passagemdesta comunidade da natureza disseminada nas coisas universalidade,separada delas. No entanto, a universalidade como tal no est contida no

    V, 2, ed. Wadding, pp . 1146-1147 ) reza assim : Ad secundum , licet magna altercatio tiat

    de voce , utrum sit signum rei vel conceptuum , tamen breviter concedo quod illud quod

    significatur per vocem proprie est res.64 Transcrevemos dois passos citados por C. Marmo (Ontology and Semantics in the

    Logic of Duns Scotus , in On the Medieval Theorv of Signs, p. 164): Dicitur quod res

    primo significatur , non tamen secundum quod existir , quia nec sic per se intelligitur, sed

    secundum quod per se percipitur ab intellectu (J. D. ESCOTO, li? 1 et 11 Perih., q. 12.

    n 2, in Opera Omnia, 1, ed. Wadding , p. 201); Plato tamen , lib. de recta nominum racione,

    posuit nomen significare rem ut existit ; quia dixit rem eo modo existere quo intelligitur

    ( 1. D. ESCOTO , In duos libr. Perih ., q. 1, n. 5, in Opera Omnia, 1, ed. Wadding , p. 213).65 C. MARMO , Op. cit ., p. 164.66 CD, loc. cit.

    pp. 31-61 Revista Filosciica de Cuinrhra - a." 25 (2004)

  • O que significam as palavras? 49

    conceito abstracto que capta a natureza comum, sendo antes o modo deconceber esse conceito: o conceito da res ut intelligitur (uma intenosegunda), cuja anlise da competncia da lgica e no da metafsica 67.

    No sculo XIV, Guilherme de Ockham outro representante da soluode que as voces denotam imediatamente objectos extra-mentais, noobstante o seu pensamento se revelar bastante obscuro. Na Expositio aurea,aludindo doutrina de Aristteles no Peri /lernieneias - que aparentemente

    comporta a teoria da significao psicolgica -, Ockham declara que oPerpato no pretendeu dizer que as palavras significam primo et proprieos estados de alma, em virtude de uma pretensa imposio original nesse

    sentido, mas somente que h uma ordem de prioridade no processo signi-

    ficativo: as mesmas coisas so significadas em primeiro lugar pelas pas-

    siones animae e secundariamente pelas votes 68 (mas as palavras signi-

    ficam as mesmas coisas que so significadas pelos conceitos e no signi-

    ficam os conceitos?!), ainda que muitas palavras e muitos nomes de

    inteno primeira sejam impostos em primeiro lugar para significar coisas,

    como acontece com a palavra `homem', que imposta para significar todos

    os homens 69. Na Summa logicae, aquela ordem de prioridade ainda

    mais acentuada: a significao das voces est subordinada dos con-

    ceptus: tanto estes como aquelas denotam os mesmos objectos, mas as

    palavras, enquanto sinais convencionais, foram impostas para significar

    aquilo que os conceitos significavam j de uma maneira natural 70.

    Esta teoria est associada soluo nominalista a respeito dos univer-

    sais. Ockham escreve, como ficou dito, que homem significa todos os

    homens, quer dizer, entes individuais como simples absolutos, no havendo

    67 Cfr. O. BOULNOIS, Relles intentions: nature commune et univcrsaux selon Duns

    Scot, Revue de inlaphysique ei de morale, 97 (1992), pp. 3-32; J. OWENS, Common

    Nature: A Point of Comparison between Thomistic and Scotistic Metaphysics, iii lnquir-

    ies isto Medieval Philosophuy. A Collection in Honor of Francis P Clarke, ed. J. Ross,

    Westport (Connecticut), Greenwood Publishing Co., 1971, pp. 185- 209: C. MARMO. Op,

    cit. pp. 160-164.

    fi8 Tamen dicit Philosophus quod vox primo est nota passionis animac, proptcr

    quemdam eorum ordinem in significando, quia primo passio significat res, et postea vox

    non passionem animae sed ipsas res, quas passiones significam, significant (G. DE

    OCKHAM, Exp. aurea. Cominent. in Perdi., Prlogo, s. I., s. d.

    69 Idem, ibid.7o G. DE OCKHAM, Sum. log., 1, 1, ed. Ph. Boehner, p. 9, 25-34. Cfr. PH. BOEHNER,

    Ockham's Theory of Signification, pp. 218-221; T. DE ANDRS, El nominalismo de

    Guillermo de Ockham como filosofia del lenguaje, Madrid, Gredos, 1969, pp. 142-146; U.

    ECO, Op. cit., p. 64; A. TABARRONI, Op. cit., pp. 196 ss.

    Revista Filosfica de Coimbra - n.^ 25 (2004) pp. 31-61

  • 50 Amndio Coxito

    lugar para naturezas ou essncias que no processo significativo possam serobjecto de representao inteligvel.

    A respeito do acto de representao em Ockham h um ponto impor-tante que deve ser abordado. Nos comentrios s Sentenas, este autor- aps ter caracterizado em primeiro lugar a natureza do conceito comosemelhana aparente ou fictcia do objecto (quoddam fictum) ouenquanto entidade eminentemente lgica que se supe representar objectose, em segundo lugar, como qualitas mentis distinta do acto do enten-dimento, comportando uma coisificao dos contedos mentais - apresentaa sua teoria definitiva, interpretando o conceito como intellectio ipsamet,expresso equivalente ao actus intelligendi da Sumnia logicae 11. E nestabase que T. de Andrs considera que a semntica do ockhamismo comportauma estrutura lingustico-gramatical do conceito, evitando o esquemaconceito/imagem, que implicaria uma viso figurativa do conhecimento 72.

    Neste pressuposto, cremos no trair o pensamento de Ockham se dissermosque os verbos conhecer, significar e outros afins so logicamenteintransitivos, de modo que, falando com propriedade, no deveramosafirmar que existe uma coisa ou uma entidade a respeito da qual puds-semos dizer: isto conhecido; apenas seria lcito admitir que algumpossui um determinado conhecimento, que est circunscrito s correspon-dentes formas da linguagem ou a conceitos lingusticos. Tudo se passacomo se os contedos mentais fossem autnomos face realidade; esta ,em ltima instncia, concebida em funo da significao inerente sexpresses lingusticas, que se supe estarem no lugar dos objectos 73.Encontramo-nos, assim, perante uma significao gramatical realizada nalinguagem, que no tem como termo prprio os objectos do mundo real emsi mesmos, uma vez que nas prprias formas lingusticas encontramos osdiversos modos de apreenso cognitiva.

    No mesmo sculo XIV, um exemplo de acolhimento da concepo psi-colgica Joo Buridano. Este nominalista, partindo do princpio de quesignificar formar um conceito (aliquem conceptum constituere), concluique as palavras faladas (dictiones) significam intenes do esprito 74.

    71 G. DE OCKHAM, Super IV Sent., 1, d. 2, q. 8, E e Q, Lio, 1495; Suin. log.. 1, 12,p. 39, 37-38.

    72 T. DE ANDRS, Op. cit., pp. 168-176.73 Sobre a significao das proposies em Ockham, que limita o conhecimento

    humano quilo que pode ser formulado pela linguagem governada pela sintaxe conven-

    cional, ver M. MCCANLES, Peter of Spain and William of Ockham: from Metaphysics

    to Grammar, The Modera: Scoolinan, 43 (1966), pp. 133-141.74 Sed tamen oportet scire quod omnis dictio quae potest intrare in propositionem est

    per se imposita ad aliquam significationem, scilicet ad significandum aliquem mentis

    pp. 31-61 Revista Filosfica de Coimbra -n." 25 (2004)

  • O que significam as palavras? 51

    E, precisando melhor, acrescenta que a sua funo semntica ambi-valente: por um lado, significam os conceitos daquele que as profere; poroutro, originam - constituem - no esprito do ouvinte conceitos seme-lhantes aos do falante (a no ser que este pretenda enganar ou falar apenaspara si prprio) 75.

    A insistncia de Buridano nesta doutrina justifica-a ele com o argu-mento de que a imposio de uma significao s palavras tem como fimmanifestar uma intentio, quando elas so usadas no discurso: Importasobretudo atender s intenes, pois no nos servimos das palavras a noser para exprimir intenes 76. Mas essas intenes obedecem a unicritrio relativamente constante? Ou podem variar consoante a vontade doshomens? Neste segundo caso, todo o tipo de discurso poderia considerar-se igualmente vlido, mesmo se fosse de todo arbitrrio ou em desuso. Ea verdade que Buridano - para alm do sentido prprio das palavras, emconformidade com a sua significao instituda segundo o modo maiscomum e mais principal 77 ou segundo o seu emprego mais generalizado,correspondente a uma imposio que possa considerar-se primria face aquaisquer outras imposies eventuais - considera que o sentido imprprio tambm de virtute sermonis, quer dizer, legtimo dentro de uma lingua-gem correcta e, por isso, igualmente vlido, se for dependente do primeiro

    por uma relao de semelhana ou por qualquer outro tipo de relao 7". As

    palavras tm o valor semntico que lhes imposto voluntariamente pelos

    utentes da lngua, podendo estes outorgar-lhes uma significao diferente da

    habitual ou principal, como quando so usadas em sentido metafrico, e at

    diametralmente oposta, quando se fala em sentido irnico 71'.

    Esta teoria tem acima de tudo em vista justificar os discursos das

    autoridades consagradas quando estas se exprimiram impropriamente. Dado

    que as autoridades tm sempre razo , na leitura dos livros de Aristteles e

    de outros filsofos ou telogos, bem como das Sagradas Escrituras, devem

    aceitar-se as suas expresses como esto enunciadas, mesmo que o seu

    sentido seja imprprio: elas so verdadeiras precisamente nesse sentido, pois

    no sentido prprio poderiam ser falsas e at blasfemas e herticas 80.

    conceptum (J. BURIDANO, Tract. de suppos., Il. ed. M. E. Reina, in Rivista critica di

    storia delia filosofia, 12 (1975), p. 188, 114-116).75 Idem, 1, pp. 181-182, 55-61.76 J. BURIDANO, Sopli., 11, 6 [Ego dico falsuml, Paris, F. Balligault, 1493, 1lol. 9h1.77 J. BURIDANO, Tract. de suppos., 111, p. 203, 129-130.78 J. BURIDANO, Sum. de dial., ed. M. E. Reina, in Rivista critica di storia delta

    filosofia, 15 (1960), p. 275.79 Idem, pp. 256-257.

    80 Ideai, ibid.

    Revista Filosfica de Coimbra - a." 25 (2004) pp. 31-61

  • 52 Amndio Coxito

    primeira vista , parece legtimo pensar que estamos perante umasubjectividade absoluta no que concerne atribuio das significaes. MasBuridano est longe de abraar esta concluso, mantendo um notvel equi-lbrio. Com efeito , a significao de intenes do esprito pelas voces noobsta a que estas representem verdadeiramente objectos. por este motivoque possvel a diversas pessoas pensar a mesma coisa atravs de concei-tos distintos , pois no se trata de diferentes significaes em funo decoisas exteriores diferentes , mas s em funo de conceitos distintos signi-ficados pelos termos , mediante os quais so significadas aquelas coisas 8'

    A este propsito, Buridano acentua que, se os conceitos so os significaraimmediata , as coisas so os significata ultimata 82 . O fim ltimo do pro-cesso significativo tornar conhecida uma realidade extralingustica.

    Por fim , antes entrarmos no exame da teoria do Conimbricense, faa-mos uma pequena aluso de Joo de S. Toms, do sculo XVII. Tendoem conta a dupla relao da palavra enquanto sinal , este filsofo consideraque uma s a significao pela qual ela visa o conceito e o objecto, porduas razes : porque apenas uma a imposio que serve de base quelarelao; e porque a palavra no significa o conceito e o objecto de ummodo igualmente imediato, mas este atravs daquele 83 . Pode, no entanto,admitir- se que as palavras significam realmente conceitos , mas apenascomo sinais internos que por sua vez significam coisas.

    Adoptando uma atitude eclctica, o professor de Coimbra, Sebastio doCouto, abraa a terceira soluo - que considera intermdia em relao soutras 84-, para a qual no conhecemos equivalncia na semntica escols-tica. Ela pe em realce que, quando ouvimos as palavras, h dois acon-tecimentos: temos a percepo de objectos actualmente existentes e conhe-cemos os juzos do falante acerca deles. Esta dualidade corresponde a uma

    H' J. BURIDANO, Soph., 1, 6 [Nullus homo mentitur], [fol. 4b].82 J. BURIDANO, Tract. de suppos., 111, p. 202, 62-64.s3 Votes unica signitcatione significant res et conceptus. Fundamentum est, guia sig-

    nificant utrumque eadem impositione, ergo eadem significatione; et secundum, quia signifi-

    cant res et conceptus non aeque immediate, et unum seorsum ab alio, sed unum mediante

    alio et ut subordinatum alteri. Ergo sufficit eadem significatio ad utumque (J. DE S.

    TOMS, Op. cit., 1, p. 105 a). Cfr: J. B. MURPHY, Op. cit., p. 592; J. H. DE CARVALHO,

    Op. cit., p. 165.14 Tertia vero sententia est in voce reperiri diversas significationes, unam conceptus

    alteram rei, et utramvis immediate attingere suum terminum (CD, c. 1, q. 3, a. 2, col. 39).

    pp. 31-61 Revisa Filosfica de Coimbra -n." 25 (2004)

  • O que significam as palavras? 53

    dupla imposio (diramos ns, a dois actos de um mtico legislador lin-guista que tivesse fixado correspondncias entre as expresses e osobjectos, por um lado, e, por outro, entre as expresses e os conceitos) xs.De incio, os homens desejaram comunicar os seus pensamentos e desco-briram que o modo para o conseguirem era falar sobre as coisas. Da quea linguagem tenha uma dupla funo: Quando ouvimos as palavras,imediatamente o nosso esprito impelido para a percepo de coisasdeterminadas, certificando-se ao mesmo tempo dos conhecimentos dofalante; assim, ouvidas as palavras, apercebemo-nos dos juzos e dasapreenses dos homens acerca das coisas 86. por esse motivo que elassignificam tudo aquilo que a inteno dos homens abarca (id omne adquod intentio se extendit).

    Que atravs das palavras pretendamos significar imediatamenteconceitos provm do facto de a inteno do emissor no uso da linguagemser sobretudo a de comunicar os seus pensamentos, como o exigem asrelaes dos indivduos enquanto seres sociais. A funo da linguagemcomo veculo de comunicao tinha j sido posta em realce por Arist-teles 87 e Santo Agostinho 88, estando tambm presente em S. Toms, aodeclarar que o indivduo humano um animal social e poltico, razo porque se tornou necessrio que os conceitos de um homem se dessem aconhecer aos outros por intermdio da palavra 89. Acresce ainda que, se

    as palavras no fossem sinais de conceitos, no seria possvel a mentira,

    pois mentir, em conformidade com a (suposta) etimologia do vocbulo,

    quer dizer contra mentem ire e, portanto, exprimir o que no existe na

    mente. Escreve a propsito Santo Agostinho: Se a palavra veculo doverbo interior e se interiormente no existe verbo (coisa que, no entanto,

    dissimulas ter associado ao veculo), ento ests enganando claramente os

    outros 90. Dito de outra maneira: se normalmente no mentimos ao ser-

    85 Deparamos aqui mais uma vez com o problema da origem da linguagem, que o

    Conimbricense no encarou ( como o fizeram certos autores medievais, ao falarem de uma

    original lngua admica ) e no qual mesmo hoje no se deve entrar.$6CD , col. 37.

    87 Se o homem infinitamente mais socivel que as abelhas e todos os outros animais

    (...), a palavra foi-lhe concedida para expressar o bem e o mal e, por conseguinte, o justo

    e o injusto (ARISTTELES, Pol., 1235 a 5-15).88 Nem um homem poderia associar- se de um modo duradoiro a outro homem se no

    conversassem , como que fundindo as suas mentes e os seus pensamentos (ST".

    AGOSTINHO, De ord., II, XII, 35, in P. L., vol. 32, col. 1012).

    89 S. TOMS, ln Perih., 1, 2, n 12, p. 10.

    yn ST. AGOSTINHO, Sermo CXCV1, in Fiar . loan. Bap., in P L., vol. 39, col. 2108.

    Revista Filosfica de Coimbra - ri." 25 (2004) pp. 31-61

  • 54 Amndio Coxito

    virmo-nos da linguagem, procede do facto de possuirmos pensamentoscomo significados imediatos das palavras que proferimos.

    No , porm, pacfico - dizemos ns - afirmar que os sinais lingus-ticos tenham sido impostos para significar conceitos. Na verdade, podeargumentar-se que o que acontece que, ao imp-los para se referir scoisas, o homem se apercebe da sua prpria inteno significativa, em queno existe apenas um sinal e uma coisa denotada, mas um sinal usadoconscientemente por um sujeito para se referir a um objecto "'

    Reforando este argumento , bvio existirem muitos casos em que alinguagem usada na ausncia de conceitos correspondentes ou adequados.O prprio Conimbricense enumera vrios deles, aparentemente proce-dentes, ao examinar as alegaes a favor da tese de que so as coisas e noos conceitos os objectos primariamente significados. Santo Agostinhoescreve que muitas vezes as palavras significativas (verba significantia)so proferidas sem a precedncia de um contedo mental. E S. JooCrisstomo afirma que dizemos muitas coisas acerca de Deus que noentendemos; que as pessoas enquanto dormem articulam palavras a que nocorrespondem pensamentos; e que o mesmo sucede com os mentirosos 9=.

    O Conimbricense refere ainda o caso de uma pessoa que recita o Latim noconhecendo a lngua ou que, conhecendo-a, no presta ateno ao que diz.Tambm se interroga se quando algum usa a linguagem deliberadamentee significando alguma coisa no seu esprito deve formar necessariamenteo conceito dela, pois, quando pronuncia as palavras de modo diferente, issono de modo algum necessrio 93. Mas em relao a esta pergunta, a suaresposta acaba por ser afirmativa, em virtude do requisito geral de que aconexo (habitudo) entre o sinal convencional e a coisa significadaenvolve actividade da mente. E acerca do facto de que quando por vezesfalamos sem tomar ateno no preceder um conceito, ele no viola a teoriasegundo a qual os sinais da linguagem significam imediatamente conceitos,dada a conexo usual entre ambos 94. Quanto aos casos especficos referi-dos, replica que no contrariam a sua doutrina, pois Santo Agostinho falouapenas de palavras usadas irreflectidamente (indeliberate prolatae).S. Joo Crisstomo exagerou a respeito do nosso desconhecimento de

    91 Cfr. J. H. DE CARVALHO, Op. cit., p. 161.

    922 CD, c. 1, q. 3, a. 1, cols. 34-35.93 Idem , e. 1, q. 3, a . 3, col. 43.94 His probatis , ad quartam rationem occurimus absolute loquendo non esse

    incommodum cum nine advertentia loquimur nullos in mente conceptus praecedere ; ad huncenim votes cos exprimunt , quia communis naturalis loquendi modus cui votes conformanturest ut praecedant conceptus (CD, cols. 43-44).

    pp. 31-61 Reri .clu Filosfica de Coimbra,-n." 25 (2004)

  • O que significam as palavras? 55

    Deus, sendo, no entanto, correcto afirmar que no estado de sono estamosprivados de pensamentos, devendo, porm, admitir-se que mesmo ento onosso esprito opera, porque sonhamos. Finalmente, tem de recusar-se queos mentirosos no possuem pensamentos das coisas de que falam: mentirno contra mentem ire no sentido de que s palavras ditas pelo men-tiroso no correspondem pensamentos de coisas, mas no sentido de que taispalavras significam o oposto daquilo que conhecido como verdadeiro.Com efeito, quem mente conhece o verdadeiro e o falso, mas s manifestao que falso 95

    Podemos ento dizer que para o Conimbricense no existe um usosignificativo da linguagem sem estabelecer um lao directo entre a palavrainterior e a palavra externa. No obstante, no possvel propor a pre-sena de conceitos particulares como critrio daquele uso em ocasiesconcretas.

    Importa acrescentar que os conceitos no so significados comoqualidades ou enquanto determinaes da substncia espiritual e, por isso,enquanto objectos de conhecimento, mas no sentido de que so formasatravs das quais as coisas se tornam conhecidas no interior da potncia,como sua semelhana e imagem interna, pelo que nenhum processosignificativo pode fixar-se no conceito, mas todo ele (...) deve em ltimo

    caso recair sobre a coisa, como termo da representao do conceito 911. Se

    assim no fosse, todos os conceitos seriam reflexivos. Naturalmente,

    podemos usar, por exemplo, a palavra homem para nos referirmos ao

    conceito homem, mas neste caso o conhecimento tem o seu termo no

    conceito, no atingindo o homem real. Se todos os conceitos fossem

    reflexivos, representando-se apenas a si prprios, nada poderamos conhe-

    cer para alm deles e, uma vez que as representaes mentais so privadas,

    isso equivaleria a um radical solipsismo, uma porta aberta ao cepticismo.

    Mas h um ponto na teoria do Conimbricense, intimamente relacionado

    com o anterior, que no podemos deixar em claro e que tem a ver com a

    inconsistncia da definio de sinal dentro do seu modelo cognitivo da

    significao. Se o sinal algo que representa ao esprito uma coisa distinta

    de si prprio, se a representao um caso particular de cognio e se, por

    conseguinte, a significao tambm o , ento, dado que as palavras

    significam factos mentais, so estes que se conhecem. Tal o resultado -

    que, no entanto, se pretendia evitar - da ausncia de uma terminologia

    adequada na semitica dos autores medievais e escolsticos para expressar

    as diversas relaes que a linguagem implica.

    95 Idem, col. 44.ye Idem, c. 1, q. 3, a. 2, col. 38.

    Revista Filosfica de Coimbra - n." 25 (2004 ) pp. 31-61

  • 56 Amndio Coxito

    Para alm de conceitos, as palavras significam tambm directamentecoisas. A significao uma consequncia da imposio (nominisimpositio), que, como ficou assinalado, distinta consoante vise as resou os conceptus. Mas h uma diferena: o primeiro caso est expressoem cada uma das palavras, pois so as coisas o que estas do a conhecer;o segundo verifica-se apenas de um modo virtual e implcito, mas talimposio irrecusvel, dado que os homens pretenderam antes de maismanifestar os seus contedos cognitivos. Para se compreender melhor oestatuto de uma e de outra imposio, podemos raciocinar desta maneira:na obteno dos meios em funo de um fim (comunicar pensamentos),embora se exija expressamente a volio dos meios (a imposio daspalavras s coisas), basta, no entanto, a volio implcita dos fins (isto ,do acto de comunicar e, por conseguinte, da imposio das palavras aosconceitos).

    Esta dupla imposio - supe o Conimbricense - no posta em causapela doutrina de Aristteles. Quando este diz que as voces so smbolosdos estados de alma, isso no deve entender-se significative - como seelas remetessem imediatamente s para os conceitos - mas impositive,

    no sentido de que entre as palavras e as coisas medeiam os conceitos, queforam impostos para manifestar ou comunicar os pensamentos sobre ascoisas. Pode ento concluir-se que a condio indispensvel para que umapalavra signifique uma coisa o conceito, uma vez que a coisa no significada enquanto tal, mas na medida do nosso modo de conhecer ('promensura nostrae aprehensionis') 97.

    Afinal, o Conimbricense, tendo argumentado em prol de uma soluoprpria, parece acabar por assumir a doutrina de Escoto. Mas no vemosnisso qualquer incoerncia. E asseverando que o seu ponto de vista tersido tambm o de Aristteles, esclarece que os conceitos so significadosem primeiro lugar segundo uma primazia de inteno (primitas inten-tionis), uma vez que o fim imediato da criao da linguagem comunic-los, embora no que diz respeito primazia relativa ao resultado da comu-nicao (primitas exsecutionis), as coisas sejam primeiramente significa-das: 98 o que na linguagem objecto de transferncia para a posse deoutrem o pensamento sobre as coisas.

    Pelo que ficou exposto, vemos que o Conimbricense, pesem embora asnaturais limitaes das suas anlises, atendeu - como ningum antes dele

    97 Idem, col. 40.

    91 Respondemus Philosophum voluisse conceptum significari primo primitate

    intentionis, id est, principaliter, quia propter ipsum ut propter finem imponitur vox, quamvis

    primitate exsecutionis prius significatur res, hoc est, significatio rei semper praessuponatur

    ad significationem conceptus, tametsi diversae sint (Idem, ibid.).

    pp. 3 1-61 Revista Filosfica de Coimbra - n." 25 (2004)

  • O que significam as palavras? 57

    o tinha feito, tanto quanto do nosso conhecimento - dimenso pragm-tica, para alm da semntica, do sinal lingustico. O acento tnico que elepe na linguagem como instrumento de comunicao - e no apenas comosistema semntico de representaes - de facto uma surpresa muito posi-tiva. Por essa razo, a sua anlise dos sinais lingusticos est predominan-temente orientada para o ponto de vista do emissor. Sendo assim, a questopara ele no deveria ser apenas: O que significa um sinal lingustico?.Mas tambm: O que que um emissor pretende significar com um sinal?.

    Deve, porm, notar-se que, ao contrrio do que o Conimbricense supe,a funo externa da linguagem posterior, na ordem ontolgica, interna,por ser esta que possibilita ao homem um sistema de representaes, querdizer, o exerccio da faculdade de pensar, tanto sobre o seu prprio espritocomo sobre o mundo. Alis, sem ela, a outra nem sequer poderia existir.Esta funo interna, que consiste no conhecimento, deve considerar-se afuno primria da linguagem, quer do ponto de vista do indivduo falante,quer sob a perspectiva da prpria comunidade 99.

    Na peugada de Aristteles, os autores medievais, excepto os nomina-

    listas, proclamaram que os conceitos referentes a objectos extralingusticos

    so idnticos em todos os homens (esse eosdem apud omnes). O Conim-

    bricense, propondo-se esclarecer este princpio gnosiolgico, escreve que

    ele no legitima a concluso de que todas as pessoas constituem o mesmo

    conceito singular acerca da mesma coisa (o conceito do Sol estabelecido

    por um campons diferente do de um astrlogo) nem muito menos, como

    bvio, que o conceito formado por uma pessoa pode ser usado por outras.

    A explicao do princpio est em que o conceito, se for universal, como

    espcie inteligvel ou representao intelectual e abstracta do objecto,

    cuja essncia no pode mudar, e referindo-se a ele de um modo transcen-

    dental, como sua medida e causa exemplar, tem por isso mesmo tambm

    uma natureza ou essncia, pela qual conserva inalterada a sua repre-

    sentao e pela qual induz a potncia ao conhecimento do objecto 10.

    Tenhamos isto em mente quando, j de seguida, discorrermos um pouco

    sobre a teoria semntica do empirismo lockeano.

    A modo de concluso

    Para nos apercebermos melhor da natureza da doutrina semntica do

    Conimbricense, confrontemo-la com a do instaurador do empirismo

    clssico, J. Locke.

    99 J. H. DE CARVALHO, Teoria de Linguagem, 1, p. 34.

    too CD, c. 1, q. 4, a. 1, col. 49.

    Revista Filosfica de Coimbra - ti.' 25 (2004 ) pp. 31-61

  • 58 Amndio Coxito

    Em vrias passagens do seu Essav, Locke afirma que as palavrassignificam primariamente ideias, por exemplo na seguinte:

    As palavras no significam, pois, na sua primeira e imediata significao,

    seno as ideias que esto no esprito de quem delas se serve (...). Quando uni

    homem fala a um outro, para poder ser compreendido; e o fim da linguagem

    que estes sons ou marcas possam dar a conhecer as ideias do que fala aos

    que o escutam. Por conseguinte, das ideias daquele que fala que as palavras

    so marcas e ningum pode aplic-las imediatamente, como marcas, a alguma

    outra coisa que no s ideias que ele prprio tem no esprito 101

    Acontece, porm, que, precipitadamente, as pessoas atribuem s pala-vras uma dupla relao secreta: que elas so marcas das ideias que seencontram tambm no esprito das outras pessoas com quem comunicam;e que significam a realidade das coisas 102.

    J tinha havido quem desde o sculo XVII tivesse declarado que aspalavras significam ideias. Assim aconteceu com os autores de Port--Royal 103, embora num contexto diferente, de carcter racionalista. Foi,porm, Hobbes na poca moderna o primeiro defensor da teoria, queconstitui o princpio fundamental da sua anlise da linguagem 1114, tendotornado ociosa a disputa com implicaes metafsicas vigente na Escols-tica sobre se as palavras significam naturezas universais ou indivduos.Esto, por isso, a os antecedentes da concepo empirista.

    11 J. LOCKE, An Essav Concern. Hum. Underst., 111, 11, 2, Londres. G. Routledgc &

    Sons, s. d., p. 323. Servimo-nos da traduo da edio portuguesa: JOHN LOCKE, Ensaio

    sobre o Entendimento Humano, intr., notas e coord. da trad. de E. A. de Soveral, verit. da

    trad. de G. Cunha e A. L. Amaral, Lisboa, Fundao C. Gulbenkian, 1999.102 Idem, III, II, 4 e 5, pp. 324-325.1113 Ainsi les mots sont signes d'institution des penses et les caracteres des [noto

    (A. ARNAULD e P. NICOLE, La logique ou /"art de penser, ed. crtica de P. Clair e F.

    Girbal, Paris, P. U. F., 1965, 1, 4, p. 54). Cfr. A. ARNAULT e C. LANCELOT, Grantntaire

    gnrale et raisonne ou Ia grcumnaire de Port-Roval, ed. crtica de H. E. Brekle, Estu-

    garda-Bad Cannstatt, F. Fromman, 1966, 1, p. 27.104 E. CASSIRER, La philosophie desformes svinboliques. Le langage, trad. de O.

    Hansen-Love e J. Lacoste, Paris, Les ditions du Minuit, 1972, p. 79. Quoniam autem

    nomina (...) disposita in oratione signa sunt conceptuum, manifestum est ea non esse signa

    ipsarum rerum; quo sensu enim intelligi potest sonum huius voeis 'lapis' esse signum

    'lapidis', alio quam ut is qui vocem eam audisset colligeret loquentem de lapide cogitasse?

    (T. HOBBES, Elent. philos. I: De corp., Londres, 1655, 1, 11, 5, p. 10). Cfr.: F. DUCHES-

    NEAU, L'entpirisnte de Locke, Haia, M. Nijhoff, 1973, p. 131; G. A. GUTIRREZ LPEZ,

    Estructura de lenguaje v conocimiento. Sobre Ia epistentologa de Ia semitica, Madrid,

    Fragua, 1975, p. 63.

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  • O que significam as palavras? 59

    Na opinio de N. Kretzmann, esta tese, segundo o modo como Lockea apresenta, um dos disparates clssicos em teoria semntica 105. Lockepretendeu que, em princpio, a sua teoria se aplicasse a todas as espciesde palavras, ainda que no breve captulo sobre as partculas introduzaexcepes relativas quilo que na tradio medieval se designa por sin-categoremas, que no so nomes de ideias, mas servem somente parasignificar a conexo que o esprito estabelece entre ideias e proposies,vinculando umas s outras 106. A tese funciona, portanto, somente emrelao aos nomes (substantivos e adjectivos); pelo menos s estes soinequivocamente considerados 107.

    Para ilustrar o seu ponto de vista, o filsofo ingls serve-se de umexemplo esclarecedor. Uma criana que tenha ouvido pronunciar a palavraouro acompanhada da indicao do objecto, poder reter apenas a coramarela e brilhante do metal, motivo por que de futuro aplicar essa palavra ideia de amarelo e a nada mais; e d por isso o nome de `ouro' mesma cor que v na cauda de um pavo 1111. Outra pessoa, tendo obser-vado melhor, poder aperceber-se de que o ouro pesado; e outra de quese trata de uma substncia fusvel e malevel. Nestes casos, a palavra emcausa significa tambm para essas pessoas as ideias daquelas propriedades,mas no de outras que, podendo pertencer mesma substncia, no so,no entanto, conhecidas; mas evidente que nenhuma delas a pode aplicara no ser sua prpria ideia e que no podia torn-la sinal de uma ideiacomplexa que no tem no esprito. E no mbito desta concepo que ofilsofo portugus Lus A. Vernei, discpulo de Locke, estabelece o seguintecorolrio: A mesma palavra, para diferentes pessoas, nem sempre significaa mesma ideia 109

    Tal doutrina semntica, dada a sua dimenso psicolgica, implica unidivrcio entre a linguagem e a realidade. Na linguagem nunca transparece

    a natureza daquilo de que se fala, mas exclusivamente o modo subjectivosegundo o qual o esprito humano procede quando selecciona as suas ideiasprovenientes do sensrio. O esprito no est vinculado a um modelo subs-

    105 N. KRETZMANN, La tesis principal de Ia teoria semntica de Locke, in 1. C.

    TIPTON, ed., Locke v el entendimiento humano, trad. de J. Ferreira Santana, Mxico, Fondo

    de Cultura Econmica , 1981, p. 227. Cfr. The Maior Thesis of Locke's Semantic Theory,

    Philosophycal Review , 77 (1968), p. 177.106 J. LOCKE, Op. cit., III, VII, p. 381.107 N. KRETZMANN, La tesis principal de Ia teoria semntica de Locke, pp. 231-

    -233.108 J. LOCKE, Op. cit., III, II, 3, p. 324.

    109 Hinc eadem vox apud diversos homines non semper eamdem ideam significat

    (L.A.VERNEI, De te log., III, II, 1, Y. ed ., Lisboa, 1762, p. 90.

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  • 60 Amndio Coxito

    tancial representativo da essncia real das coisas, pois no sentido prprioe original essncia significa o que uma coisa em toda a sua realidadeconcreta; mas esta palavra, em virtude da subtileza das escolas, foi quaseexclusivamente aplicada constituio artificial de `genus' e de `spe-cies' 110. o que Vernei, declara explicitamente: As palavras nada maissignificam para alm daquilo que os falantes estabelecem; com efeito,ignorando os homens qual seja a essncia e a natureza das coisas, nopodem com alguns vocbulos compreender a sua natureza e todas as suaspropriedades 111. Estamos perante uma atitude filosfica que rejeita ametafsica das significaes: os conceitos ou as ideias implicam apenasuma relao a ns prprios, isto , nossa organizao psicolgica e aoconjunto das nossas faculdades de conhecer.

    No obstante, Locke compreendeu que a linguagem s tem um usolegtimo como factor de conhecimento da natureza e de comunicao en-tre os homens se as palavras tiverem uma significao constante, compar-tilhvel por todos. Justifica-se, assim, que a anlise lockeana da linguagemacabe por se propor ultrapassar as limitaes impostas pelos pressupostosempiristas, em funo das exigncias da sua utilizao na cincia experi-mental 112, que funciona com conceitos rigorosos e bem definidos. Poroutro lado, o filsofo ingls sentiu a necessidade de construo de umacincia moral em forma de demonstrao geomtrica 113. Da a apresenta-

    110 J. LOCKE, Op. cit., III, III, 15, p. 333.111 L. A. VERNEI, Op. cit., III, 11, 1, p. 91. Cfr. III, 11, 6, p. 117. E. J. Ashworth realizou

    dois estudos (Do Words Signify Ideas or Things?, Journal of the Historv of Philosophy,19, 3 (1981), pp. 299-326 e Locke on Language, Canadian Journal of Pilosophy, 14, 1(1984), pp. 45-75) em que se prope reabilitar Locke, declarando que este acreditou que

    as palavras se referem a objectos e a processos fsicos e que tal referncia tem prioridadeem relao mental. Mas, para fundamentar a sua tese, situa-se sobretudo (e no primeirodaqueles estudos, quase exclusivamente) numa chamada de ateno para o contexto em queLocke escreveu, uma vez que quando se trata de grandes figuras da filosofia moderna sempre um erro esquecer o fundo em que se movem (p. 299 do primeiro estudo). Alude,por isso, s discusses que tiveram lugar em Oxford no sculo XVII sobre a linguagem

    mental e ateno particular que Locke lhes teria dedicado, bem como a obras de autoresmais significativos , designadamente s dos filsofos jesutas ( com destaque para a doconimbricense Sebastio do Couto), que seriam por certo conhecidas na Universidade

    inglesa . Pretende, assim, deixar claro que o seu ponto de vista que a teoria da linguagem[de Locke] foi produzida dentro de um contexto escolstico (ibid.), pelo que no podiadeixar de manifestar as suas influncias. Mas acrescenta, surpreendentemente: Locke foi

    original e inovador, mas no quando diz que as palavras significam ideias (p. 300).112 F. DUCHESNEAU, Op. cit., p. 199, nt. 70.113 T. MELENDO, J. Locke: Ensayo sobre el entendimiento humano, Madrid, Ed.

    Magisterio Espanol , 1978, pp. 152 ss.

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    o de certas regras para remediar a subjectividade das significaes, a cujaexposio dedicado um captulo inteiro do livro III do Essav. O queLocke procura uma reviso da lngua ou a instaurao de um sistema desinais unvocos em que a relao entre o significante e o significado perma-nea constante. Mas este intuito no tem um fundamento legtimo nafilosofia lockeana: apenas se justifica por necessidades prticas de comu-nicao e de transmisso do saber. Filosoficamente, Locke, se pretendesseser consequente, deveria permanecer na afirmao da subjectividade dassignificaes, caso em que o nico termo de referncia so as ideias forma-das com base numa experincia sempre mutvel e contingente e em grandeparte heterognea em relao ao mundo exterior. Tal atitude conduzirialogicamente ao cepticismo gnosiolgico.

    Mas a interpretao da moderna semitica no vai nesse sentido.O argumento que o modelo lockeano de focagem da questo das relaesentre linguagem e pensamento comporta dois aspectos altamente positivos:a elevada valorizao da situao factual do uso da linguagem e o temada crtica analtica e lingustica da metafsica 114. por essa razo que teoria de Locke atribuda uma nova postura no que respeita dimensopragmtica da linguagem , na base de que no s o significante conven-cional, mas tambm as ideias significadas, resultando da que a escolhaconceptual que constitui os significados no estvel nem exaustiva, mas,ao contrrio, varia com as necessidades da comunicao (que levam a prem evidncia certos aspectos daquilo de que se fala em vez de outros), comos hbitos lingusticos do meio cultural ou da classe social dosinterlocutores, etc.

    A teoria de Locke - e de outros empiristas - foi a origem remota deuma controvrsia que tem animado muitas discusses no mbito da filo-sofia da linguagem e da filosofia do esprito na poca contempornea,comportando quer uma crtica da representacionismo mental ou da tesesegundo a qual o objecto imediato do conhecimento so certas entidadesinternas (conceitos, ideias ou imagens ), quer sobretudo da afirmao de quea linguagem nunca consegue alcanar a realidade, permanecendo irreme-diavelmente circunscrita ao interior do esprito 115. Mas no esta a comuminterpretao no seio da Neo-escolstica, ao proclamar que a funo instru-mental ou, mais precisamente, mediadora da linguagem significa que eladeve ser entendida, em primeiro e em ltimo lugar, como referindo-sequilo que est para alm dela: as coisas e os seres do mundo 116.

    114 GUTIRREZ LPEZ, Op. cit., p. 169.115 J. P. O'CALLAGHAN, The Problem of Language and Mental Representation in

    Aristotle and Si. Thomas, Review of Metapln'sics, 50 (1997), pp. 502-503.116 M. RENAUD, Linguagem, in Logos. Enciclopdia Luso-Brasileira de Filosofia.

    Revista Filo sfica de Coimbra - n." 25 (2004) pp. 31-61