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3 O Limnoperna fortunei ou mexilhão dou- rado é um molusco bivalve originário de rios e arroios da China e sudeste da Ásia. Darrigran e Pastorino propuseram a hipótese da introdu- ção acidental desta espécie na América do Sul por meio de águas de lastro de navio. Devido à sua alta capacidade reprodutiva aliada à sua resistência a variações ambientais este molusco está invadindo rios e reservatórios brasileiros, onde já provocou sérios danos ambientais e econômicos. Este organismo possui uma glândula que secreta filamentos protéicos conhecidos como bisso o que permite que ele possa se fixar so- bre quase todo tipo de substrato natural ou arti- ficial, incluindo madeira, rocha, vegetação, tu- bulações, válvulas, telas, superfícies de concreto etc. Esta espécie suporta viver em densidades muito elevadas, de até 100.000 indivíduos/m 2 e representa hoje uma enorme preocupação para todos os setores que desenvolvem atividades associadas ao uso da água. No tocante ao sa- neamento, as preocupações são voltadas, prin- cipalmente, aos sistemas de captação, que são vulneráveis às infestações. Este mesmo organismo já invadiu o Ja- pão, Coréia e Taiwan onde esta espécie é con- siderada uma verdadeira praga. Estados Uni- dos e Canadá enfrentam uma situação muito semelhante, na região dos grandes lagos, desde 1988, com a espécie Dreissena polymorpha ou mexilhão zebra, que possui características bastante semelhantes ao Limnoperna fortunei. Na América do Sul a invasão do mexilhão dourado, ocorreu no ano de 1991 no litoral do Uruguai. Ao final de 1993 este organismo já O que é o mexilhão dourado era encontrado em Buenos Aires. Em 1994 ocorreu o primeiro caso de macrofouling ou assentamento dentro de encanamentos de água doce na cidade de La Plata (Argentina). Ao final de 1995 foram registradas as primeiras coletas deste indivíduo na bacia do Rio Paraná. No início de 1997 já era comum encontrar-se macrofouling no Rio Paraná. Em 1999 sua presença foi registrada no Lago Guaíba afluen- te da Lagoa dos Patos no Rio Grande do Sul. A partir desta data, o mexilhão dourado passou a ser encontrado progressivamente em estrutu- ras dos sistemas de tratamento de água manti- dos pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) de Porto Alegre e de indús- trias que possuem captação neste lago. Em 2000 ocorreu a invasão do Pantanal em sua porção brasileira e boliviana. No Estado do Paraná sua presença foi identificada em meados de 2002 no lago de Itaipu, no Rio Paraná, onde vem causando pro- blemas nos sistemas de captação de água ope- rados pela Sanepar em Foz do Iguaçu e em Santa Terezinha do Itaipu e nos sistemas de resfriamento da Usina Hidrelétrica de Itaipu. No tocante à saúde pública, de forma ge- ral, estes moluscos não conferem toxicidade à água. Não existe registro de problemas de saú- de associados à presença destes organismos. O processo convencional de potabilização da água retém os indivíduos adultos nos filtros por ação física e as larvas, que eventualmente pas- sam por este processo são extremamente vul- neráveis à desinfecção e dificilmente sobrevi- verão diante das concentrações de cloro usual- mente utilizadas. Desta maneira, os problemas Soraia Giordani desde 2002, o mexilhão dourado causa problemas aos sistemas de captação de água em Foz do Iguaçu e em Santa Terezinha do Itaipu Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.20, n.20, p. 03-05, jul./dez. 2003

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O Limnoperna fortunei ou mexilhão dou-rado é um molusco bivalve originário de rios earroios da China e sudeste da Ásia. Darrigrane Pastorino propuseram a hipótese da introdu-ção acidental desta espécie na América do Sulpor meio de águas de lastro de navio. Devido àsua alta capacidade reprodutiva aliada à suaresistência a variações ambientais este moluscoestá invadindo rios e reservatórios brasileiros,onde já provocou sérios danos ambientais eeconômicos.

Este organismo possui uma glândula quesecreta filamentos protéicos conhecidos comobisso o que permite que ele possa se fixar so-bre quase todo tipo de substrato natural ou arti-ficial, incluindo madeira, rocha, vegetação, tu-bulações, válvulas, telas, superfícies de concretoetc. Esta espécie suporta viver em densidadesmuito elevadas, de até 100.000 indivíduos/m2 erepresenta hoje uma enorme preocupação paratodos os setores que desenvolvem atividadesassociadas ao uso da água. No tocante ao sa-neamento, as preocupações são voltadas, prin-cipalmente, aos sistemas de captação, que sãovulneráveis às infestações.

Este mesmo organismo já invadiu o Ja-pão, Coréia e Taiwan onde esta espécie é con-siderada uma verdadeira praga. Estados Uni-dos e Canadá enfrentam uma situação muitosemelhante, na região dos grandes lagos, desde1988, com a espécie Dreissena polymorphaou mexilhão zebra, que possui característicasbastante semelhantes ao Limnoperna fortunei.

Na América do Sul a invasão do mexilhãodourado, ocorreu no ano de 1991 no litoral doUruguai. Ao final de 1993 este organismo já

O que é o mexilhão dourado

era encontrado em Buenos Aires. Em 1994ocorreu o primeiro caso de macrofouling ouassentamento dentro de encanamentos de águadoce na cidade de La Plata (Argentina). Aofinal de 1995 foram registradas as primeirascoletas deste indivíduo na bacia do Rio Paraná.No início de 1997 já era comum encontrar-semacrofouling no Rio Paraná. Em 1999 suapresença foi registrada no Lago Guaíba afluen-te da Lagoa dos Patos no Rio Grande do Sul. Apartir desta data, o mexilhão dourado passou aser encontrado progressivamente em estrutu-ras dos sistemas de tratamento de água manti-dos pelo Departamento Municipal de Água eEsgotos (DMAE) de Porto Alegre e de indús-trias que possuem captação neste lago. Em 2000ocorreu a invasão do Pantanal em sua porçãobrasileira e boliviana.

No Estado do Paraná sua presença foiidentificada em meados de 2002 no lago deItaipu, no Rio Paraná, onde vem causando pro-blemas nos sistemas de captação de água ope-rados pela Sanepar em Foz do Iguaçu e emSanta Terezinha do Itaipu e nos sistemas deresfriamento da Usina Hidrelétrica de Itaipu.

No tocante à saúde pública, de forma ge-ral, estes moluscos não conferem toxicidade àágua. Não existe registro de problemas de saú-de associados à presença destes organismos.O processo convencional de potabilização daágua retém os indivíduos adultos nos filtros poração física e as larvas, que eventualmente pas-sam por este processo são extremamente vul-neráveis à desinfecção e dificilmente sobrevi-verão diante das concentrações de cloro usual-mente utilizadas. Desta maneira, os problemas

Soraia Giordani

desde 2002, omexilhão

dourado causaproblemas aossistemas decaptação de

água em Foz doIguaçu e em

Santa Terezinhado Itaipu

Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.20, n.20, p. 03-05, jul./dez. 2003

4 Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.20, n.20, p. 03-05, jul./dez. 2003

relativos à presença deste organismo parecemrestringir-se a impactos ambientais e econô-micos.

Em relação aos impactos ambientais, res-salta-se que a introdução de organismos inva-sores em ambientes aquáticos naturais causaalterações nas características físicas, químicase biológicas das águas. No caso do mexilhãodourado estas alterações são decorrentes de suacaracterística filtrante que provoca, entre ou-tras, a redução das comunidades de fitoplânctone zooplâncton e aumento da transparência daágua o que incorre em um aumento da penetra-ção de luz através da coluna d´água. Por nãopossuírem predadores naturais espécies exóti-cas competem em vantagem com espécies na-tivas por recursos, tais como, alimento e espa-ço. Estas alterações influenciam toda a cadeiaalimentar provocando um desequilíbrio doecossistema invadido com comprometimento dabiodiversidade aquática. No rio de La Plata aintrodução deste organismo causou a mudançada dieta da “piava” (Leporinus obtusidens) queoptou pelo mexilhão dourado como seu princi-pal alimento.

No Lago Guaíba, a deposição de mexi-lhão dourado está impedindo o desenvolvimen-to normal de plantas palustres, como os juncais.A incrustação sobre estas plantas tem causadoa redução destas espécies que são mortas porsufocamento.

Através deles, também há possibilidade datransmissão de novas doenças, as quais podemvir a eliminar habitantes nativos vulneráveis.Desta forma, os organismos invasores podemprejudicar ou mesmo causar extinção de espé-cies nativas em muitos locais, constituindo-seameaça à biodiversidade.

Os problemas econômicos causados poresta espécie são decorrentes da deposição des-tes mexilhões que provocam a redução do diâ-metro, obstrução e aumento do processo decorrosão de tubulações. Como conseqüência,há redução na eficiência das bombas e aumen-to no consumo de energia para manter o funci-onamento normal dos sistemas. Além disso,paradas não-programadas, implantação de mé-todos de controle e custos com mão-de-obrapara a limpeza destes sistemas aumentam con-

sideravelmente as despesas de manutenção.Nos sistemas de tratamento de água, de-

vido à grande capacidade de filtração, estesorganismos podem proporcionar quantidade in-suficiente de matéria particulada para promo-ver a coagulação efetiva. Com isso, há neces-sidade de mudar a tecnologia de tratamento,caso o sistema tenha projetado em ciclo com-pleto e a existência do mexilhão dourado tornea coagulação ineficiente.

Para o controle dos sistemas invadidos,podem ser utilizados métodos físicos, químicose biológicos. Entre eles, cita-se os pulsos elétri-cos, ultra-som, temperatura, biocidas, substân-cias oxidantes (cloro, bromo, iodo,) remoçãomanual ou mecânica, filtros, radiaçãoultravioleta, ozônio, água sob-pressão, anoxia,pinturas antiincrustantes etc.

De forma geral, os impactos ambientaisdecorrentes da aplicação de métodos físicos equímicos são resultantes da mortandade de es-pécies nativas, uma vez que estes métodos nãosão capazes de selecionar os indivíduos quemata. Esta mortandade tem por conseqüênciaa liberação de matéria orgânica morta aoecossistema aquático, o que altera, de formasignificativa, sua composição.

No caso dos métodos químicos existe oagravante da adição de produtos químicos quepodem causar impactos ambientais considerá-veis. Os métodos biológicos baseiam-se na in-trodução de espécies predadoras o que tambémé bastante delicado, devido à dificuldade em sedeterminar o comportamento de uma nova es-pécie no ecossistema além de estar incorrendono perigo de se introduzir uma outra praga noambiente. Nota-se, pelo exposto, ser imprescin-dível uma avaliação ambiental preventiva na apli-cação dos diversos métodos de controle.

No tocante aos sistemas de tratamento deágua para consumo, no momento de se definira forma de controle a ser utilizada, deve-se le-var em consideração questões de saúde públi-ca. É necessário encontrar métodos de contro-le do mexilhão que resolvam de formasatisfatória os problemas de incrustações, semcausar danos à saúde da população que consu-mirá a água.

Para prevenir a invasão da América do

para o controledos sistemas

invadidospodem serutilizados

métodos físicos,quimicos ebiológicos

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Autora

Soraia Giordaniengenheira civil, MSc em Engenharia

Hidráulica (UFPR),engenheira da Unidade de Serviços de

Projetos Especiais (Uspe) Sanepar.

Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.20, n.20, p. 03-05, jul./dez. 2003

Sul por outras espécies exóticas foi lançandono Brasil o Programa Global de Gerenciamentode Água de Lastro (GloBallast). Este progra-ma tem a incumbência de propor medidasprotetivas aos ecossitemas brasileiros estabe-lecendo regras para o gerenciamento das águasde lastro.

Essa espécie exótica está causando tan-tos problemas que o Ministério de Meio Ambi-ente criou uma força-tarefa em nível nacional,envolvendo instituições do setor elétrico, sane-amento, órgãos ambientais, marinha etc. O ob-jetivo é estabelecer diretrizes quanto à preven-ção e controle na disseminação do mexilhãodourado.

O avanço contra corrente fluvial destaespécie é realizado por antropocoria (levado pelohomem), aderido nos cascos, sendo transporta-dos tanto por água como por terra, quando asembarcações ou também redes, trailer etc, sãolevados por estradas a outros corpos de água.

A prevenção é de simples implementaçãoe apresenta um custo bem menor em compara-ção a aplicação de métodos de controle. Destaforma, prevenir é o melhor remédio e cada umdeve fazer a sua parte. Algumas medidas paraevitar ou desacelerar a dispersão do mexilhãodourado envolvem a limpeza e desinfecção deembarcações, iscas, redes e qualquer equipa-mento que tenha contato com águas infestadaspelo mexilhão dourado antes de transportá-lapara outra área. A desinfecção pode ser reali-zada pela lavagem dos equipamentos com águasanitária doméstica. Se o tempo estiver quentee seco, basta deixar a os equipamentos secosfora da água, ao ar, por 6 ou 7 dias. Esta práticaé eficiente para eliminá-lo. Após a retirada, deve-se colocar os mexilhões numa lixeira ou enterrá-los. Nunca deposite em local próximo a corpode água ou em redes de esgoto.

Outra medida importante é nunca utili-zar a água dos rios e arroios invadidos paratransportar isca viva. Nunca transferir água deum ambiente aquático a outro. As larvas domexilhão dourado são microscópicas e podemser transportadas involuntariamente.

Não se conhece uma forma rápida e sus-tentável para ser aplicada no combate à disper-são ou controle desta praga. No entanto, pode-

se afirmar que, caso nenhuma medida seja to-mada, o mexilhão dourado se dispersará e au-mentará sua distribuição pelo resto dos corposde água doce da América do Sul. É recomenda-do, portanto que cada um faça a sua parte, re-passe as informações obtidas e pratique as me-didas preventivas sugeridas quando for navegarem rios e reservatórios invadidos entre eles oRio Paraná (represa de Itaipu) e Pantanal.

prevenir adispersão do

mexilhãodourado é odesafio a serenfrentadopelos órgãospúblicos e

principalmentepelos

pescadores

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Desinfecção de efluentes sanitárioscom uso de cloro: avaliação daformação de trihalometanos

Eloisa Helena PianowskiPaulo Roberto Janissek

Resumo

Poluição ambiental, e mais especificamente po-luição hídrica, tem sido assunto para debates,reuniões e preocupações em todo o mundo, dei-xando claro que muito ainda há para ser feito.Lançar no meio ambiente esgoto sanitário, mes-mo que tratado e ainda desinfetado, também nãoestá livre de causar sérios danos principalmentese a desinfecção for efetuada sem rigoroso con-trole. Visando colaborar com o tema, neste tra-balho foi avaliada a formação de trihalometanosnas dosagens de cloro recomendadas na litera-tura disponível para desinfecção de esgoto sa-nitário, utilizando-se amostras dos efluentes daETE Colombo-Sede. De propriedade daSanepar, a ETE localiza-se na cidade deColombo, que integra a Região Metropolitanade Curitiba no Paraná, cujo processo de trata-mento é composto de um Reator Anaeróbio deLeito Fluidizado (Ralf) e um Filtro BiológicoAnaeróbio (FA). Foram analisados os teores declorofórmio, bromofórmio, iodobromocloro-metano e dibromoclorometano por croma-tografia gasosa. Observou-se que dos THMsanalisados, houve formação significativa do clo-rofórmio, e os resultados obtidos para adiçãode cloro variando de 4 a 30 mg/L, com 30 mi-nutos de contato, foram de 16,80 a 936,40 mg/L. No entanto, para adições de cloro entre de 6e 10 mg/L e tempo de contato de 21 horas, asconcentrações de clorofórmio alcançaram347,60 e 474,30 mg/L respectivamente, cujosvalores são muito acima do permitido (100 mg/L). Os elevados resultados obtidos na dosagemdo clorofórmio podem ser justificados pelas

características do efluente pesquisado, devendoser observado principalmente, que o objetivodeste trabalho em hipótese alguma é contestar ouso do cloro na desinfecção, cuja tecnologia jádifundida no País, é atualmente, a que melhorse adapta à realidade econômica e cultural.

Palavras-chave: desinfecção; efluentes sanitá-rios; cloro; trihalometanos; cloraminas.

Abstract

Environment pollution, more specificallywater pollution, has been the topic of debates,meetings and much concern worldwide showingthat there is a lot yet to be done. Releasingsewage water (even if treated and furtherdisinfected) into the environment can also causeserious damage, especially if such disinfectionis not carried out under strict control. Aimingat providing some collaboration to the issue,in this paper we assessed the production oftrihalomethanes at different chloride concen-trations (recommended in literature) fordisinfection of sanitary sewage, using samplesfrom the effluents of the Water Treatment UnitETE Colombo-Sede. Run by Sanepar, the Unitis located in the city of Colombo, part of theMetropolitan Area of Curitiba, in Paraná, andthe treatment process consists of Fluidized BedAnaerobic Reactor (FBAR) and an AnaerobicBiological Filter (ABF). Chloroform,bromoform, bromoiodinechloromethane, anddibromochloromethate contents were analyzedthrough gas chromatography. We observed thatamong the THMs analyzed, there was

os elevadosresultadosobtidos na

dosagem doclorofórmiopodem serjustificados

pelascaracterísticas

do efluentepesquisado

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significant production of chloroform. Theresults of adding chlorine ranging from 4 to 30mg/L, for a 30-minute contact period, were16.80 to 936.40 g/L. However, for the additionof chlorine ranging from 6 and 10 mg/L – fora 21-hour contact period – chloroformconcentrations were 347.60 and 474.30 g/Lrespectively, amounts way beyond the allowedlimits. The high results for chloroform dosagemay be justified by the characteristics of theeffluent analyzed. We must stress, however,that with this paper we do not intend to contestthe use of chlorine for disinfection purposes,since such technology is widely used in thecountry and is, currently, the most suitable oneto our economic and cultural reality.

Key words: disinfection; sanitary effluents;chlorine; trihalometanes; cloramines.

Introdução

Preservar os recursos hídricos para garan-tir o abastecimento de água de boa qualidade aolongo das próximas décadas será o grande de-safio. O Brasil, como vários outros países domundo, vem enfrentando crises econômicas cadavez mais drásticas. O crescimento desordenadodos grandes centros e a falta de recursos parasaneamento básico colaboraram para que, nadécada de 90, ressurgissem doenças deveiculação hídrica, praticamente erradicadas noPaís, como, por exemplo, a cólera. Medidasemergenciais tiveram de ser tomadas para con-ter o surto que alarmou o Brasil entre 1991 e1994.

A partir destes acontecimentos, tornou-seacentuada a necessidade de tratamento e desin-fecção dos efluentes sanitários produzidos emtodo País, principalmente nos grandes centros,onde a poluição nos rios e córregos é mais evi-dente. A Resolução do Conselho Nacional deMeio Ambiente (Conama) n.º 20, de 16 de ju-nho de 1986, em especial os Artigos 21 e 23,que tratam de lançamento nos corpos d’água,passou então a ser exigida com maior rigor. Vi-sando atender às exigências do Conama 20, oInstituto Ambiental do Paraná (IAP), tomoucomo uma das metas o controle da desinfecção

do esgoto tratado, antes do lançamento no cor-po receptor. A Sanepar, responsável pela gran-de maioria dos Sistemas de Esgotamento Sani-tário (SES) do Estado, adotou então a cloraçãocomo uma das soluções para diminuir oscoliformes totais e fecais, conforme os limitesestabelecidos pela referida resolução. Esta al-ternativa de desinfecção é observada na grandemaioria dos projetos que tramita no IAP, o qualnão procede a aprovação dos projetos das Esta-ções de Tratamento de Esgoto (ETEs) sem uni-dade de desinfecção.

O cloro, substância largamente utilizadapara desinfecção da água de abastecimento emtodo o mundo, apesar da indiscutível eficiência,tem contribuído significativamente para o apa-recimento de subprodutos tóxicos na malhahídrica global. Entre os subprodutos, destacam-se os ácidos haloacéticos (HAA) e ostrihalometanos (THMs). Ao contrário do queacontece nas estações de tratamento de água,onde vários estudos referentes ao assunto já fo-ram realizados, nas estações de tratamento deesgoto o problema não é abordado com a mes-ma ênfase no Brasil. Em vários países comoFrança, Alemanha, Estados Unidos, Canadá,entre outros, desde que o problema da forma-ção de THMs foi detectado na água potável,observa-se a preocupação com as conseqüênci-as da utilização do cloro também nas plantas deesgotos.

A justificativa pela opção em estudar osefeitos do cloro como alternativa de desinfec-ção, respalda-se no fato de se tratar de tecnologiadominada, utilizada com este fim há quase doisséculos e de amplo emprego no Brasil. Os cus-tos de implantação e manutenção são reduzidosse comparados com as demais opções disponí-veis e ainda pouco exploradas no País, aliadasà disponibilidade de mão-de-obra operacionalqualificada ou de fácil treinamento.

Independentemente do método adotadopara a desinfecção, é indiscutível que a maioriadeles forma subprodutos indesejáveis ao meioambiente. Esses efeitos podem ser minimizadosou suplantados diante da real necessidade de seproceder a desinfecção. Não se questiona a con-taminação da malha hídrica do País, com o lan-çamento diário em torno de 15.500.000 m3/dia

o cloro, apesarda indiscutíveleficiência, tem

contribuídosignificativamente

para oaparecimento

de subprodutostóxicos na

malha hídricaglobal

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de esgoto. Desse valor, apenas um terço recebealgum tipo de tratamento o que representa 5%do volume diário de toda água distribuída. Emqualquer área de atuação da engenharia, funda-mentar a solução tecnológica apenas no custobenefício do processo, sem avaliar os aspectosambientais e ainda, a mão-de-obra disponível,é um princípio que está há décadas ancorado notempo. Hoje, compete ao profissional avaliarcriteriosamente sua função na sociedade, poisalém de eleger a melhor solução técnica dentrodo menor custo, não deve esquecer do fator hu-mano e da preservação do meio ambiente, poissoluções brilhantes podem ter resultados desas-trosos ao longo do tempo.

Considerando-se o consagrado uso do clorocomo alternativa de desinfecção e com o intuitode colaborar com tão relevante assunto, um es-tudo de caso foi realizado na ETE Colombo-Sede/PR. Amostras do efluente da ETE foramtratadas com várias dosagens de hipoclorito desódio e posteriormente analisadas para detectara formação de THMs.

Antes de comentar o estudo de caso e osresultados obtidos, faz-se necessária uma ex-planação de como este assunto está sendo abor-dado hoje no mundo e no Brasil, de que formase procede a desinfecção, as causas e efeitosdos subprodutos resultantes.

Desinfecção

No Brasil, a desinfecção tem por objetivoa redução de coliformes totais e fecais (indica-dores de contaminação por dejetos humanos) dosefluentes das ETEs, de modo a alcançar níveisque atendam os índices preconizados peloConama 20 (16/06/1986), em função da classi-ficação do corpo receptor.

Nos países mais desenvolvidos, a práticada desinfecção de esgoto cresceu lenta, mas con-tinuamente entre os períodos de 1910 e 1970.Desde o início, até a década de 70, o cloro foiutilizado quase que universalmente na desinfec-ção do esgoto; conseqüentemente, o desenvol-vimento da desinfecção do esgoto está atreladoao desenvolvimento do processo de cloração. Porvolta dos anos 70, a ênfase em padrões de qua-lidade foi para o reúso dos efluentes. Até então,

pouco controle e atenção existiam sobre as do-sagens de cloro. A toxicidade resultante dascombinações de cloro residual sobre os orga-nismos aquáticos não era reconhecida e não ti-nha grande importância. Só a partir da décadade 70 este assunto veio à tona com maior inten-sidade e começou a se pensar na real necessida-de da desinfecção (SELLECK e COLLINS,1974; CHEREMISSINOFF, 2002).

Segundo WHITE (1999), o primeiro casoregistrado na história, utilizando-se o cloro comodesinfetante em sistema de esgotamento sanitá-rio, foi em 1893, em Hamburgo, Alemanha. NoBrasil, até 1995, a cloração de esgoto bruto outratado era praticamente inexistente, em razãodo custo elevado e pela deficiência na capaci-dade de tratamento em todo o País (JORDÃO ePESSOA, 1995).

METCALF e EDDY (1991), LIU (1999),WHITE (1992,1999), (QASIM, 1999), entreoutros autores, citam os principais fatores quedevem ser considerados na eficiência da desin-fecção, que são: tempo de contato, concentraçãoe tipo do agente químico, intensidade e naturezado agente físico, temperatura, número de orga-nismos, tipos de organismos e natureza doefluente.

Cinética da desinfecção

O objetivo da desinfecção é sempre a eli-minação ou inativação dos microorganismospatogênicos, tanto para Sistema de Abasteci-mento de Água (SAA) como para um SES. Con-tudo, o resultado final esperado é muito dife-rente para as duas situações. Na desinfecção daágua, a pretensão é a destruição total de todosos patógenos presentes e o risco de não alcan-çar este objetivo deve ser mínimo. No esgotosanitário, o resultado esperado na desinfecçãodepende do destino final do efluente a ser trata-do e, na maioria dos casos, a presença demicroorganismos é admissível, em maior oumenor escala (USEPA, 1999a; USEPA, 1999b).

Os efluentes sanitários contêm inúmeroscompostos e as reações na desinfecção são vari-adas, dependendo principalmente das substânci-as orgânicas e inorgânicas, resultantes do pro-cesso de depuração alcançado no efluente, e do

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amostras doefluente da ETEforam tratadas

com váriasdosagens de

hipoclorito desódio e

posteriormenteanalisadas para

detectar aformação de

THMs

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agente desinfetante. Segundo JORDÃO e PES-SOA (1991), as substâncias encontradas nos es-gotos sanitários que mais interferem na cloraçãosão: substâncias orgânicas nitrogenadas, aromá-ticas, certos metais e sulfetos.

A complexidade dos fatores que interfe-rem na desinfecção, qualquer que seja o proces-so ou oxidante escolhido, torna praticamenteimpossível transportar todas as reações, paraum modelo matemático livre de erros, lecionaDANIEL et al. (2001). A cinética da desinfec-ção segue os princípios das observações expe-rimentais, traduzidas em formulações matemá-ticas desde 1908, com a Lei de Chick, onde aconstante de decaimento k depende apenas daconcentração dos microorganismos, até a Leide Hom, que em 1972, desenvolveu um modeloempírico de decaimento de microorganismos,que considera a concentração de desinfetante eo tempo de contato.

METCALF e EDDY (1985), estabelecemmaior importância ao tempo de contato no pro-cesso de desinfecção, já HASSEN et al. (1998),concluíram que a concentração de cloro é maisimportante que o fator tempo. Na pesquisa, osautores aduzem que as reações do cloro comnitrogênio amoniacal1 , normalmente presente emefluentes sanitários, interferem de forma acen-tuada na cinética da inativação dos micro-organismos indicadores, de modo que o modelode Chick-Watson não pode descrevê-lo, na suaforma original. Os pesquisadores comprovamque considerar a taxa de inativação inicial, naqual a concentração de cloro é mais importanteque o tempo de contato, traduz de forma maisprecisa a cinética da desinfecção de esgoto, prin-cipalmente na presença de nitrogênio amoniacal.A alteração proposta resulta em:

- modelo original de Chik-Watson

)..( mn tCKo

eNN −=

- modelo proposto por HASSEN et al.,1998

N = número total de coliformesN0 = número de coliformes em tempo t0K = constante de decaimentoC = concentração de desinfetanten = número adimensionalt = tempo de contato em minutosm = constante (>1 índice de inativação diminuicom tempo e <1 índice aumenta com o tempo)A = taxa de redução inicial no momento do con-tato do efluente com a solução clorada

Subprodutos

A formação de subprodutos da cloraçãona água potável é reportada em centenas de ar-tigos em todo o mundo. USEPA, 1999b; eAWWA, 1994, enfocaram a formação inicial detrihalometanos (THMs), seguida de ácidoshaloacéticos (HAA), sendo os últimos notadosposteriormente como sendo mais tóxicos do queos primeiros.

A matéria orgânica dissolvida na água éapontada como precursora da formação dossubprodutos da cloração, em especial as de ori-gem vegetal, formada basicamente por ácidoshúmicos e fúlvicos. Os ácidos húmicos têmmaior potencial total na formação de THMs, secomparados com os demais precursores. A clo-rofila, presente em algas verdes e algas verde-azuis, e os compostos alifáticos de carbono tam-bém foram avaliados como precursores(ARGUELO et al.,1979; DOJLIDO et al., 1998;ZARPELON e RODRIGUES, 2002), emborasejam considerados menos importantes do queos ácidos húmicos.

Apesar da vasta literatura encontrada em todoo mundo sobre o tema, muitas reações não sãototalmente compreendidas. Estudos procuraram

)..(.mn tCK

oeA

NN −=

1 Os reatores anaeróbios, não promovem a oxidação necessária do nitrogênio amoniacal presente nos esgotos sanitári-os, encontrado, portanto, em grande quantidade nos efluentes já tratados por este processo.

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a matériaorgânica

dissolvida naágua é

apontada comoprecursora daformação dos

subprodutos dacloração

10

mio foi detectado com as maiores taxas em to-dos os efluentes pesquisados.

Efeitos nocivos dos subprodutos da cloração

Diversos estudos relacionam ossubprodutos da cloração com efeitos adversosà saúde humana destacando-se os estudos reali-zados por: VILLANUEVA et al. (2000), querelacionam o aumento da incidência de câncerde bexiga e cólon com os THMs na Espanha;TARDIFF (1979), que ressalta os efeitos noci-vos do clorofórmio; BROCK et al. (1998), res-saltando os graves efeitos prejudiciais à saúdehumana ocasionados pelos ácidos haloacéticos.

Os efeitos nocivos dos subprodutos dacloração ao meio ambiente, encontram-se sob oalvo de pesquisadores em todo mundo, da mes-ma forma que outros oxidantes como o ozônio edióxido de cloro. Um importante estudo reali-zado por MONARCA et al.(1999), avalia opotencial de mutagenicidade e toxicidade dosefluentes sanitários brutos e desinfetados pelosseguintes processos: cloro, dióxido de cloro, ozô-nio, ácido peracético e ultravioleta. A conclu-são foi que todos os processos resultaram emmutagenicidade das espécies bacterianas estu-dadas, com maiores problemas os efluentes tra-tados com dióxido de cloro e ozônio. Os testesde toxicidade mostraram os piores resultadosno efluente bruto e nos efluentes tratados comdióxido de cloro e ácido peracético. Portanto, odióxido de cloro, foi apontado por esta pesqui-sa, como o mais prejudicial ao meio ambiente.

Provavelmente o estudo mais compreensí-vel sobre a toxicidade do residual de cloro paraa vida aquática nos corpos receptores, foi re-portado em 1975, por ARTUR et al., citado porWHITE (1999). Os sistemas de desinfecção sobinvestigação, que utilizavam cloro e ozônio, fo-ram capazes de produzir um efluente com ní-veis de coliformes menores do que 1000 NMP/100 mL. Todos os estudos foram em rios de águadoce, portanto peixes e invertebrados foram in-cluídos. A pesquisa mostrou que o efluenteclorado foi mais letal que o efluente ozonizadoou clorado e desclorado, confirmando as obser-vações prévias dos investigadores, de que ospeixes foram mais sensitivos que os inverte-

Os resultados apresentados na tabela 1para os subprodutos da cloração, reforçam quea teoria da impossibilidade da formação deTHMs na presença da amônia deve ser descar-tada, corroborando com as conclusões obtidasnas pesquisas anteriormente comentadas (AMYet al., 1984; DORE et al., 1998; FIGUEIREDOet al., 1999). Denota-se também que o clorofór-

descrever modelações matemáticas ideais, capa-zes de traduzir em números as reações que ocor-rem (MORROW e MINEAR, 1985; AMY et al.1987; BOCCELLI et al., 2002; GALLARD eGUNTEN, 2002); porém, em escala real, os re-sultados têm demonstrado variações, com resulta-dos muito distintos da realidade, principalmentequando se trata de efluentes de esgotos sanitários(HASSEN et al., 1999).

Tendo sido observado que a amônia reagerapidamente com cloro, estudos foram feitos nosentido de comprovar a redução da formaçãodos THMs na presença da amônia e possivel-mente utilizá-la como produto secundário nadesinfecção. Pesquisas mais recentes (AMY etal., 1984; DORE et al., 1998; FIGUEIREDOet al., 1999) comprovaram a redução dossubprodutos, porém não descartaram a forma-ção dos mesmos em reações paralelas.

Como exemplo podem ser citados os re-sultados obtidos na pesquisa de DORE et al.(1998) apresentados no tabela 1, confirmandoa formação de THMs em reações paralelas dediferentes efluentes estudados, com dosagensvariadas de amônia e cloro.

DQOmg/L300340257216152515150

NH3

mg/L68.069.060.013.57.00.70.70.7

Cl2mg/L

68

106

10246

CHCl3mg/L

7692523134466

CHBrCl2mg/L

-----4

1422

CHBr2Clmg/L

-----148

Fonte – DORE et al. (1998)

TABELA 1 – FORMAÇÃO DE THMSDURANTE A CLORAÇÃO

estudos comamônia

comprovaram aredução dossubprodutos,porém não

descartaram aformação dosmesmos em

reaçõesparalelas

Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.20, n.20, p. 6-17, jul./dez. 2003

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Colombo-Sede/PR, de propriedade da Sanepar.Esta ETE, projetada para atender até 12.000habitantes, em agosto de 2002 operava comvazão média de 16,16 L/s. Além do tratamentopreliminar, a ETE conta com um Ralf seguidode um Filtro Biológico Anaeróbio, com capaci-dade operacional máxima de 24,03 L/s, ambosprojetados pelos engenheiros da Sanepar.

O corpo receptor dos efluentes da ETE éum córrego sem nome, Classe 2, que nasce nazona urbana da cidade e é afluente do Rio Atuba.Segundo informações obtidas na Unidade deHidrogeologia da Sanepar (USHG), o córregoé formado pelo Aqüífero Karst aflorante nomunicípio, pois se trata de uma região de des-carga do referido aqüífero. A vazão do córregoé sujeita a interferências meteorológicas e cli-máticas, conforme o comportamento doaqüífero. No ponto de lançamento dos esgotosda referida ETE, o corpo receptor é de portemuito pequeno e por interferência do aqüífero,apresenta vazões mínimas quase que desprezí-veis, em épocas de estiagem.

Metodologia

Os experimentos foram desenvolvidos noLaboratório de Saneamento e Meio Ambientedo Senai – CIC/Cetsam - Centro Integrado deTecnologia e Educação Profissional da CidadeIndustrial de Curitiba. Os trihalometanos anali-sados por cromatografia gasosa foram: cloro-fórmio, bromofórmio, diclorometano edibromoclorometano.

O efluente tratado foi coletado antes do lan-çamento, junto ao córrego e encaminhado dire-tamente ao laboratório. Uma parte do efluentefoi destinada às análises físico-químicas,microbiológica e cromatográfica, para caracte-rização do efluente tratado antes da cloração.Uma bancada visando simular as condições deadição de cloro no tanque de contato foi prepa-rada, utilizando um copo de béquer com um li-tro de efluente para cada dosagem de cloro aser pesquisada. O cloro, na forma de hipoclorito,foi acrescentado nas concentrações de 4, 6, 8,10, 12, 16, 20 e 30 mg/L. Após os 30 minutosde contato, as amostras para determinação deresidual de cloro seguiram para o laboratório

brados nos testes com efluentes clorados.Os franceses realizam um diferente e inte-

ressante controle no Rio Sena, com equipamen-tos destinados a mensurar a velocidade de des-locamento dos peixes correnteza acima. Quan-do eles observam que os peixes diminuem a ve-locidade do nado, comunicam imediatamente osoperadores dos sistemas de tratamento de esgo-to que estão à montante do ponto monitoradopelo equipamento, que provavelmente uma des-carga ofensiva ocorreu e providências devem sertomadas de imediato (WHITE, 1999).

Com a recomendação do uso de cloraminaspara controle de THMs na desinfecção da águae a formação dessas na desinfecção de afluen-tes sanitários ricos em nitrogênio, tem aumen-tado significativamente a presença deste com-posto nas águas de superfície, cuja toxicidadejá foi observada. O estudo descrito porPASTERNAK et al. (2003), traz importante in-formação sobre os efeitos das cloraminas aomeio aquático. Ressaltando os enfoques da pes-quisa nos efluentes sanitários, os autores se ba-searam em dados levantados entre 1995 e 1996,nos lançamentos nos corpos receptores e con-cluíram que a maior fonte de contaminação decloraminas nas águas de superfície do Canadáé por esgoto tratado, seguido da água tratada eos efluentes industriais em escala bem menor emenos importante. Os autores comprovam atoxicidade das cloraminas e do cloro residual,concluindo também que o esgoto não desinfeta-do é menos prejudicial à vida aquática do que oclorado e desclorado e este, menos tóxico doque o clorado que não sofreu descloração.

Diante do exposto, observa-se que a diversi-dade de pesquisas que comparam os subprodutosresultantes da desinfecção e a forma como estes secomportam no meio ambiente, tem levado os paí-ses mais desenvolvidos a rever as suas legislaçõescriadas há décadas e avaliar cada vez melhor anecessidade da desinfecção, exemplo que não estásendo aproveitado no Brasil.

Estudo de caso

Visando avaliar a formação de subprodutosna cloração de esgoto sanitário tratado, foi uti-lizada amostra do efluente advindo da ETE

pesquisadoresconcluíram queo esgoto nãodesinfetado é

menosprejudicial àvida aquática

do que oclorado e

desclorado

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de análises físico-químicas e as amostrascloradas destinadas a contagem de coliformestotais e fecais, acondicionadas em frascos este-rilizados, foram encaminhadas para o laborató-rio de análises microbiológicas. Os frascos des-tinados às análises cromatográficas eram pre-parados e lacrados pela autora, sendo imediata-mente encaminhados para leitura. Com o intui-to de avaliar a formação de THMs por um perí-odo de contato maior que o normalmente esta-belecido no cálculo do tanque de contato (30min), as amostras com adição de 6 e 10 mg/Lde cloro foram acondicionadas por 21 horasantes da análise no cromatógrafo.

Resultados e discussão

No intuito de proporcionar uma visão ge-ral da pesquisa, as tabelas 2 e 3 apresentam to-dos os resultados que caracterizam o efluentebruto e os residuais de cloro nos tempos de 30minutos e 21 horas de contato, respectivamen-te, juntamente com resultados cromatográficose microbiológicos.

Os resultados obtidos identificam que paraesse efluente, o THM formado em doses signi-

ìg/Lìg/Lìg/Lìg/LmgO2/LmgO2/Lmg/Lmg/Lmg/LmgN-NH3/L....oCmg/Lmg/LNMP/100 mLNMP/100 mL

0 mg/L< 2,0< 2,0< 2,0< 2,0

138,0565,41

486,00358,00128,0059,927,34

21,00< 0,10< 0,10

3,0 x106

1,7 x106

4 mg/L16,80< 2,0< 2,0< 2,0

7,3022,000,601,00< 2,0< 2,0

8 mg/L48,80< 2,0< 2,0< 2,0

7,3022,502,006,0080

< 2,0

12 mg/L97,10< 2,0< 2,0< 2,0

7,3022,004,009,00270

< 2,0

16 mg/L388,30< 2,0< 2,0< 2,0

7,3022,504,00

10,004

< 2,0

20 mg/L375,40< 2,0< 2,0< 2,0

7,2023,003,00

10,00< 2,0< 2,0

30 mg/L936,40< 2,0< 2,0< 2,0

7,1024,008,00

20,004

< 2,0

ETE COLOMBO - Tempo de contato 30 minutos - coleta 26/08/2002

Cloro adicionado

TABELA 2 – RESULTADOS OBTIDOS APÓS 30 MINUTOS DE CONTATO

Unidade

ClorofórmioBromofórmioDiclorobromometanoDibroclorometanoDQODBOSólidos TotaisSólidos Totais FixosSólidos Tot.VoláteisNitrogênio AmoniacalpHTemperaturaCloro Residual LivreCloro Residual TotalColiformes TotaisColiformes Fecais

Parâmetros

ficativas após a cloração foi o clorofórmio, sen-do que os demais alcançaram valores inex-pressivos ou nem existiram.

O gráfico 1 denota de forma mais clara aevolução da formação do clorofórmio, em fun-ção do tempo de contato e da dosagem de clorodisponível adicionada.

Os resultados obtidos a partir de 12 mg/Lsão preocupantes, e os que ficaram com tempode contato de 21 h são mais ainda, lembrandoque o limite admissível é de 100 mg/ L.

De acordo com a literatura já abordada,não se esperava a formação de THM, desde oinício da cloração. Muitos autores afirmam quenão há possibilidade da formação de THM en-quanto existir nitrogênio amoniacal disponível.Outros, mais cautelosos, já admitem que a for-mação das cloraminas consomem o cloro maisrapidamente, porém não descartam as possíveisreações paralelas do cloro com a matéria orgâ-nica.

Com relação aos resultados micro-biológicos apresentados, todos obtidos após 30minutos de contato, observa-se que a dosagemde 4mg/L (no caso desta amostra) já foi sufici-ente para alcançar os níveis admissíveis pelo

não seesperava a

formação deTHM, desde o

início dacloração

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2 THMFP- potencial de formação de trihalometanos, que mensura a taxa de reação dos precursores com a concentra-ção de cloro disponível.

ETE COLOMBO - Tempo de contato 21 horas - coleta 26/08/2002

Ensaio Unidade Cloro adicionado

TABELA 3 - RESULTADOS OBTIDOS APÓS 21 HORAS DE CONTATO

ClorofórmioBromofórmioDiclorobromometanoDibroclorometanoDQODBOSólidos TotaisSólidos Totais FixosSólidos Tot.VoláteisNitrogênio AmoniacalpHTemperaturaCloro Residual LivreCloro Residual TotalColiformes TotaisColiformes Fecais

ìg/Lìg/Lìg/Lìg/LmgO2/LmgO2/Lmg/Lmg/Lmg/LmgN-NH3/L....oCmg/Lmg/LNMP/100 mLNMP/100 mL

0 mg/L< 2,0< 2,0< 2,0< 2,0

138,0565,41

486,00358,00128,0059,927,34

21,00< 0,10< 0,10

3,0 x106

1,7 x106

6 mg/L(1) 347,6(1) < 2,0(1) < 2,0(1) < 2,0

7,3022,001,504,00

500 (2)

< 2,0 (2)

10 mg/L(1) 474,3(1) < 2,0(1) < 2,0(1) < 2,0

7,2022,502,406,004 (2)

< 2,0 (2)

(1) O tempo de contato com cloro antes da análise foi de 21 horas.(2) Os resultados microbiológicos foram obtidos após 30 minutos de contato, como os da tabela 1.

Conama 20, para o corpo receptor classe 2, ouseja, 1.000 NMP/ 100 mL para coliformes fecaise 5.000 NMP/ 100 mL para coliformes totais.

Fazendo uma análise crítica dos resulta-dos obtidos, avaliando mais detalhadamente oefluente pesquisado e as circunstânciasoperacionais do sistema, buscou-se uma possí-vel causa para os elevados índices de clorofór-mio encontrados. Uma das hipóteses pode estarrelacionada com a água que se infiltra na rede,advinda do Aqüífero Karst. Estima-se que 50%da vazão afluente é de origem cárstica, trans-formando o efluente num misto de água bruta eservida.

A suposição de que a invasão do AqüíferoKarst nas redes coletoras de esgoto possa estaracelerando as reações de formação de THM,baseia-se na pesquisa de GALLARD eGUNTEN (2002) que envolveu águas naturaise sintéticas de origens diversas (rio, lago e desubsolo). A amostra retirada do aqüífero

Porrentruy, de origem cárstica, teve a maior taxade reação entre a formação potencial inicial efinal de trihalometanos, (k= 0,124/mol.s), ouseja, maior potencial de formação detrihalometanos (THMFP2), em função do tem-po, valor 10 vezes maior que o encontrado paraáguas de superfície. Este valor foi justificadopela diferente natureza da matéria orgânica. Osautores comentam que é difícil esclarecer essesresultados, uma vez que não há valores dispo-níveis na literatura para avaliar as taxas de for-mação de THMs (ou o consumo de cloro)advindos da matéria orgânica natural ou mode-los de compostos orgânicos.

Os valores encontrados para os THMs sãono mínimo preocupantes, pois os graves efeitosnegativos desses elementos no meio aquático nãopodem ser desconsiderados. Deve ser ressalta-da a estabilidade do clorofórmio, sendo cumu-lativo e mutagênico podendo causar graves da-nos ao meio ambiente a médio e longo prazos,

buscou-se umapossível causa

para oselevados

índices declorofórmioencontrados

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GRÁFICO 1 - DOSAGEM DE CLORO E CLOROFÓRMIO PRODUZIDO COM 30 MINUTOS DE CONTATO

Estes danos se acentuam em corpos recepto-res dotados de pequena vazão e volume, sujei-tos a variações climáticas, como neste caso,onde o fator diluição não pode ser levado emconta durante vários períodos do ano. Lembran-do que a água do córrego é utilizada na agricul-tura, pela população que reside nas margens, orisco iminente à saúde e ao meio ambiente jáexiste hoje sem desinfecção e, com certeza, seintensificará com o tempo, caso não sejam to-mados os cuidados necessários ao se procedera desinfecção.

Conclusões

A formação de THMs só ultrapassou oslimites admissíveis, de 100 mg/ L, para dosa-gens de cloro superiores a 12 mg/L e tempo decontato de até 30 minutos. No entanto, para tem-po de contato superior a 20 horas, resultadospreocupantes com relação aos subprodutos dacloração foram observados, alcançando 347,60e 474,3 mg/L para dosagens de cloro de 6 e 10mg/L respectivamente. Vale ressaltar, que os ele-vados teores de clorofórmio encontrados nesteexperimento podem ser um caso isolado, relaci-onado às particularidades do efluente em ques-tão, conforme abordado anteriormente, o quevem reforçar a necessidade intrínseca em seconhecer todas as características do efluente aser desinfetado.

Com relação aos resultados obtidos, algu-mas observações merecem destaque:• As dosagens de cloro utilizadas se encontramdentro dos valores sugeridos pela literatura dis-ponível. Para a amostra pesquisada, o tempo decontato, passou a ser relevante face aos resulta-dos obtidos na mensuração dos subprodutos,principalmente naquelas que tiveram tempo dedetenção de 21 horas. Denota-se que as típicasvariações de vazão das ETEs, no decorrer das24 horas do dia, devem ser avaliadas com maisrigor, principalmente nos horários de vazão mí-nima, quando o tempo de contato poderá ser deaté 5 vezes o estabelecido no cálculo do tanquede contato. Uma das sugestões suportadas pe-los resultados obtidos, visando minimizar o pro-blema, é a interrupção da cloração no períodonoturno.• Observou-se que, para a amostra utilizada, asreações para formação dos THMs iniciaram si-multaneamente às das cloraminas, contrarian-do parte do que leciona a literatura disponível.• O conhecimento pleno do efluente a ser trata-do não pode ser desconsiderado, lembrando queas tabelas de valores sugeridos para cloraçãopodem não ser adequadas aos resultados dese-jados durante a desinfecção.• Devido à necessidade de se proceder a desin-fecção dos efluentes da ETE Colombo-Sede,pode-se concluir que, apesar da discussão gera-da no entorno dos subprodutos da cloração, a

os valoresencontradospara os THMs

são, no mínimo,preocupantes,pois os graves

efeitosnegativosdesses

elementos nomeio aquáticonão podem serdesconsiderados

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utilização do cloro ainda pode ser a alternativamais viável a ser implantada, pelas seguintesrazões:

- os resultados obtidos demonstram que acloração atende a contento a redução de indica-dores microbiológicos estabelecidos;

- a cloração é a tecnologia de maior domí-nio no País, cujos resultados (positivos e nega-tivos) são conhecidos, gerando maior garantianos resultados desejados;

- com o domínio da tecnologia do proces-so recomendado, os efeitos adversos podem sercontrolados com maior segurança;

- a mão-de-obra necessária (ou treinamen-to) para operação é encontrada mais facilmen-te, devido à larga utilização da cloração nosSAA;

- a literatura disponível demonstra que asdemais opções para desinfecção, ou estão emfase experimental no País, ou se referendam asexperiências dos países mais desenvolvidos.

Observações importantes

A partir das conclusões obtidas nos expe-rimentos com os efluentes da ETE Colombo, deuma forma generalizada pode-se dizer que:• Atualmente, a sugestão quanto ao controle nadosagem de cloro na desinfecção dos efluentessanitários, reporta a sistemática utilizada nossistemas de tratamento de água. Esta pode nãoser uma boa alternativa, especialmente com re-lação ao resultado final desejado. Nas plantasde abastecimento de água, o cloro residual é fi-xado, não só para garantia da inativação doscoliformes na saída da ETA, mas também comopreventivo na distribuição, devido ao longo ca-minho muitas vezes percorrido pela água, entrea ETA e a torneira da residência do usuário.Para os efluentes sanitários, a abordagem é to-talmente diversa, já que o único objetivo da de-sinfecção é a inativação imediata dosmicroorganismos presentes, com o menor resi-dual de cloro possível tanto livre como combi-nado, pois o custo da descloração é proporcio-nal à quantidade de cloro residual no fim doprocesso.• A real necessidade de proceder a desinfecçãodos efluentes deve ser melhor avaliada, caso a

caso. Atualmente, a Sanepar não aprova umprojeto de implantação de sistema de tratamentode esgoto sanitário, que não venha previamen-te dotado de desinfecção. Se o objetivo destaexigência é garantir melhoria da qualidade devida da população, obtendo pleno controle so-bre as doenças de veiculação hídrica, esta con-quista pode ficar comprometida, sem o meioambiente equilibrado e salubre. Até o momen-to, pode ser entendido que o primeiro objetivoserá facilmente alcançado por meio da desin-fecção, mas o equilíbrio do meio ambiente po-derá ser irreversivelmente atingido. Assim, ga-rantir saúde diante deste contexto é utopia. Nãohá como separar esses aspectos, pois a saúdee o bem-estar da população estão obviamentevinculados ao meio ambiente.• Finalizando, as normas vigentes precisam serrevistas, pois os exemplos citados no decorrerdeste texto não podem ser desconsiderados.

Agradecimentos

À Sanepar, por meio do seu corpo técnico,especialmente os engenheiros Celso Savelli,Rosilete Busato, Gil Mochida, Décio Jurgensene Luís César Baréa. Ao Senai, pelas análisesefetuadas. Aos professores do curso de pós-gra-duação em Engenharia de Recursos Hídricos eAmbiental da UFPR.

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os elevadosteores de

clorofórmioencontrados

nesteexperimento

podem ser umcaso isolado,

relacionado àsparticularidades

do efluente

Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.20, n.20, p. 6-17, jul./dez. 2003

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de acordo comos resultadosobtidos, uma

das sugestões,para minimizaro problema, éinterromper acloração no

período noturno

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Autores

Eloisa Helena Pianowski,engenheira civil, mestre em Engenharia de

Recursos Hídricos e Ambiental pela UFPR,especializações em Engenharia Urbana pela

UFSCar e Engenharia de Segurança pelaUFGO.

Paulo Roberto Janissek,químico industrial, doutor em Química

Orgânica pela USP-São Paulo,professor do Curso de Engenharia de Recursos

Hídricos e Ambiental da UFPRe do Centro Universitário Positivo (Unicenp).

a realnecessidade de

proceder adesinfecção

dos efluentesdeve ser melhor

avaliada

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Resumo

Este artigo traz conceitos relacionados à ética eética empresarial, responsabilidade socialcorporativa e filantropia, da maneira como estãosendo compreendidos e aplicados por empresári-os, especialistas, e pelo mundo acadêmico. Apre-senta algumas ferramentas para avaliar o graude responsabilidade social das empresas, e, commaior destaque, o balanço social. Discorre sobrea Certificação Social, que está começando a serutilizada pelas organizações brasileiras.Responsabilidade social é a maneira de condu-zir os negócios na forma de uma parceria em-presa-comunidade onde a empresa é co-respon-sável pelo desenvolvimento social da comuni-dade. Responsabilidade social não é sinônimode filantropia, mas representa a sua evoluçãoao longo do tempo. Enquanto a filantropia tratadas ações de benemerência da empresa por meiode participações em campanhas isoladas ou do-ações aleatórias que faz a instituições sociais, oconceito de responsabilidade social possui umaamplitude muito maior. Ao exercer a responsa-bilidade social corporativa, a empresa colocatodos os seus produtos, serviços e seus recursosfinanceiros a serviço da comunidade, tornando-se co-responsável, juntamente com o poder pú-blico, por seu desenvolvimento.Serão utilizados, neste artigo, os termos respon-sabilidade social empresarial, responsabilidadesocial corporativa ou responsabilidade social nosnegócios, querendo sempre significar a respon-sabilidade social das empresas ou organizações.

Palavras-chave: responsabilidade social,filantropia, balanço social.

Abstract

This article deals with concepts regarding

Responsabilidade social ou filantropia?Elenice C. Roginski M. Santos

corporate social responsibility and philantropy,as they are being understood and practiced byentrepreuneurs, specialists, and the academy.Herein are presented some tools used to evaluatecorporate social responsibility, especiallyunderlining the so-called “Social BalanceSheet”. This article also presents the “SocialCertification”, which is a new concept withinBrazilian organizations.Social responsibility means running businessaiming at building partnerships betweenorganization and community so that theorganization is partly responsible for thedevelopment of the community. Philanthropicactions were the first step towards corporatesocial responsibility. Philanthropy and socialresponsibility have different meanings. Whilstphilantropy deals with charity actions promotedby the company, such as participating in isolatedcampaigns or random donations to charityorganizations, the concept of socialresponsibility is broader. In performing its so-cial responsibility, an organization uses all itsproducts, services and financial resources topromote the community’s well-being. Thecompany, jointly with the Government, becomesco-responsible for the development of thecommunity. In the article, the terms “socialresponsibility in business” and “corporate soci-al responsibility” shall be used in the sense of“an organization’s social responsibility for thecommunity”.

Key words: social responsibility, philanthropy,“social balance sheet”.

Introdução

É possível que, no futuro, os nossos tem-pos sejam lembrados como a época em que ohomem definitivamente reconheceu a limitada

responsabilidadesocial não ésinônimo de

filantropia, masrepresenta asua evoluçãoao longo do

tempo

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o lucro comoindicativo deempresa de

sucesso não émais umaverdadeabsoluta

capacidade de recuperação do meio ambiente, eentendeu que o progresso tecnológico e a exis-tência de empresas eficientes e lucrativas nãorepresentam o desenvolvimento sustentável deuma sociedade. Hoje, o lucro como indicativode empresa de sucesso não é mais uma verdadeabsoluta, a menos que venha acompanhado dofortalecimento dos vínculos comerciais e soci-ais da empresa.

No cenário econômico nacional e mundialo quadro social atual é preocupante. Particular-mente no Brasil, a estrutura social se caracterizapor uma série de iniqüidades distributivas. Jun-ta-se a pobreza estrutural, que se caracteriza pordéficits de infra-estrutura, com a pobreza de ca-pacidade de geração de recursos e produção deriqueza. Além da distância entre o desempenhoeconômico e a situação social, tem-se um grandecontraste interno: o IDH1 do Brasil, igual a 0,777,está em 65.o lugar dentre os 175 países da ONU,conforme o Instituto de Pesquisas EconômicasAplicadas (2003); no entanto, o IDH do estadode Santa Catarina é equivalente ao 45.o mundial,próximo de países como o Chile, enquanto que oIDH do Maranhão é bastante inferior à médianacional e equivale à 123.a posição na escalamundial (FRIGOLETTO, 2003).

Para mudar esse quadro de déficits e desi-gualdades será necessário um elevado grau dematuridade social, formado por pessoasengajadas em ações sociais e por empresas so-cialmente responsáveis.

Para ASHLEY (2002), a responsabilida-de para com o próximo é também um valor cul-tural. No Brasil, é bastante difundida a lei deGerson, que estimula as pessoas a levar vanta-gem em tudo. Assim, no país do jeitinho, existeum conflito entre os valores culturais da inte-gridade e o oportunismo. Entretanto, cultura éalgo dinâmico e as sociedades se transformam.Pode-se estar presenciando o crescimento deuma nova cultura no Brasil: a cultura da res-ponsabilidade social empresarial e da respon-sabilidade social dos cidadãos. Isto significa,segundo a autora, que novos padrões éticos e

novos valores culturais estão sendo assimiladospela sociedade e no mundo dos negócios.

O Brasil passou por uma série de crises deidentidade no século passado e a lei de Gérsonfez parte de uma época em que se acreditou que:herdamos dos escravos a aversão ao trabalho,dos índios a preguiça, e que os imigrantes re-cém-chegados eram uma mão-de-obra muitomelhor do que a nacional. A lei de Gérson sim-bolizou a falta de ética do povo brasileiro. Se-gundo a lei de Gerson, o mundo é dos espertos,e o malandro brasileiro era aquele que semprese dava bem com pouco esforço.

Hoje, a idéia de que somos um povo tra-balhador, que produz, que ajuda, respeita e con-fia no próximo, parece estar sendo absorvidapela população brasileira. Dirigentes, clientes,e a sociedade em geral, já estão se preocupandoem avaliar o grau com que a responsabilidadesocial está sendo exercida por uma empresa, e asociedade começa a ter expectativas com rela-ção à responsabilidade das empresas com quemse relacionam. As empresas estão cada vez sen-do mais cobradas para que deixem transparenteaos consumidores a sua preocupação com acomunidade e o que estão fazendo de concreto.

Para medir o grau de desenvolvimento eco-nômico de uma nação existe um grande númerode indicadores. Pode-se conhecer o grau dematuridade política de um país pela forma comque são realizadas eleições e pela liberdade deexpressão existente. Para avaliar o grau de ma-turidade social de uma nação também existemindicadores, dentre eles o índice de alfabetiza-ção da população, renda média, e o próprio IDH,dentre outros. Mas, como avaliar o nível dematuridade social das empresas?

Revisão bibliográfica

ÉticaA questão da ética empresarial é impor-

tante e delicada, e já existe o profissional encar-regado de cuidar da ética da empresa, odeontologista (MAIA, 2002). Isto porque os

1 O IDH é um indicador rápido do estado de desenvolvimento humano. Foi introduzido pelo Programa das Nações Unidas parao Desenvolvimento (PNUD, ou UNDP em inglês), em 1990, a partir de indicadores de educação: alfabetização e taxa dematrícula, longevidade: esperança de vida ao nascer, e renda: PIB per capita. (United Nations Development Programme, 2003)

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a declaraçãodos valoreséticos da

organização dáo suporte

necessário paraque os

empregadostomem

decisõesalinhadas comos valores com

que estãocomprometidos

conceitos de ética e ética nos negócios são ofundamento da atuação responsável de uma em-presa. São a base do comportamento moral, dojulgamento do que é certo e o que é errado, edos padrões de conduta em uma sociedade.

Uma definição de ética, segundo MANK-KALATHIL e RUDOLF (1995), poderia ser operfeito entendimento do que é o bem comum equais os padrões de conduta necessários paraalcançá-lo. O termo “padrões éticos” é usadopelos autores para estabelecer a conformidadecom padrões aceitáveis de conduta. Deve-se terem mente que os padrões aceitáveis de condutasão diferentes em cada sociedade, em funçãoprincipalmente dos valores e costumes adotadospor essa sociedade, e seria impossível criar umúnico padrão de procedimento ético para as em-presas em todo o mundo. No entanto, algumasnormas de ética são comuns à grande maioria,como honestidade, integridade e lealdade.

Sobre a ética, escreveu HUMBERTO ECO“que o fundamento para o comportamento éti-co, produto de crescimento milenar, é o reco-nhecimento do papel das outras pessoas e danecessidade de respeitar nelas aquelas exigên-cias que para nós são inabdicáveis”. (INSTI-TUTO ETHOS, 2002b).

Por outro lado, para DUBRIN (1998, p.34) ética nos negócios é um conceito estrito,relativo a comportamento e moralidade. Defineético como “o resultado da obrigação moral, ouda separação do que é certo e do que é errado”.Cita como exemplo de atitude antiética umaempresa usar de suborno para obter um contra-to junto ao governo.

As discussões sobre a ética das corpo-rações traz aos executivos em todo o mundo aantiga pergunta: “Se é legal, isso quer dizer queé ético?” O foco acaba caindo no julgamento doque é certo ou moral e o que é errado e imoral.No entanto, o aspecto legal, segundoMANKKALATHIL e RUDOLF (1995), é ape-nas uma subcategoria da questão ética, e, umadas mais inferiores no contexto das teorias deética predominantes no ocidente nos dias de hoje.Afirmam que a dificuldade de se discutir pa-drões de ética vem da falta de um padrão uni-versal para definir uma ação social.

Segundo ASHLEY (2002) os argumen-

tos a favor da responsabilidade socialcorporativa dividem-se em conceitos éticos einstrumentais. Os conceitos éticos se referemao comportamento segundo normas existentese preceitos religiosos, sobre o que é uma açãocorreta e moral. Na linha instrumental, os ar-gumentos a favor da responsabilidade socialda empresa se baseiam na avaliação positivaque existe do desempenho econômico da em-presa como conseqüência de sua atuação soci-al. Para a autora, são muitas as interpretaçõesda expressão responsabilidade social, e paraalguns o aspecto legal é o mais relevante e re-presenta um dever fiduciário; para outros é umafunção social da empresa, e há quem conside-re responsabilidade social um comportamentoeticamente responsável.

Estabelecer os valores éticos de uma em-presa pode ajudá-la a criar relações sólidas comos seus acionistas, fornecedores, clientes, en-fim, todos os seus parceiros, além de ajudá-la acumprir a lei, a reduzir os conflitos internos e onúmero de processos legais. A declaração dosvalores éticos da organização dá o suporte ne-cessário para que os empregados tomem deci-sões alinhadas com os valores com que estãocomprometidos.

Filantropia e Responsabilidade SocialFilantropia é uma ação de caridade dirigida

à comunidade, desvinculada do planejamento es-tratégico da empresa.

Para MAIA (2002), a filantropia difere deresponsabilidade social basicamente porquefilantropia é uma ação social, seja praticada iso-ladamente ou sistematicamente, e nada diz sobrea visão da empresa e sobre o planejamento es-tratégico de sua atuação social. MAIA enfatizao que não é responsabilidade social: ações espo-rádicas, doações e outros gestos de caridade nãovinculados à estratégia empresarial.

Diferem também quanto à divulgação,porque na filantropia não se procura associar aimagem da empresa com a ação social, e noscompromissos de responsabilidade social exis-te transparência na atuação da empresa paramultiplicar as iniciativas sociais. (MOROSINI;ARAUJO, 2002)

Segundo GRAJEW (2001), o conceito de

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aresponsabilidade

socialpreconiza queas empresas

possuemdeveres para

com asociedade

responsabilidade social está se ampliando, pas-sando de filantropia, a relação socialmentecompromissada da empresa com a comunida-de, para abranger todas as relações da empresa:com seus funcionários, clientes, fornecedores,acionistas, concorrentes, meio ambiente e orga-nizações públicas e estatais. Da mesma formaASHLEY (2002) acredita que responsabilida-de social é um conceito ainda em construção.

O Instituto Ethos de Empresas e Responsa-bilidade Social (2002a), reconhecida instituiçãobrasileira que se dedica à disseminação da práti-ca da responsabilidade social empresarial, expli-ca a diferença entre responsabilidade social efilantropia: “A filantropia trata basicamente daação social externa da empresa, tendo comobeneficiário principal a comunidade em suas di-versas formas (conselhos comunitários, organi-zações não-governamentais, associações comu-nitárias etc.)”. Sobre a responsabilidade social,explica, esta faz parte do planejamento estratégi-co da empresa, é instrumento de gestão: “A res-ponsabilidade social foca a cadeia de negóciosda empresa e engloba preocupações com o pú-blico maior (acionistas, funcionários, prestadoresde serviço, fornecedores, consumidores, comu-nidade, governo e meio ambiente), cujas deman-das e necessidades a empresa deve buscar enten-der e incorporar em seu negócio. Assim, a res-ponsabilidade social trata diretamente dos negó-cios da empresa e como ela os conduz”.

Segundo DUBRIN (1998), está surgindouma nova concepção de empresa, a empresasocialmente responsável, que tem como objeti-vo atender a uma demanda da sociedade, e aatuação social das organizações torna-se o ele-mento propulsor do desenvolvimento sustentá-vel da nação. Para o autor, a responsabilidadesocial é um conceito mais amplo, que vai alémda ética e se refere a todo o impacto que a atu-ação da empresa tem sobre a sociedade e o meioambiente. A responsabilidade social preconizaque as empresas possuem deveres para com asociedade, além de suas obrigações econômicasjunto aos proprietários e acionistas, e tambémalém das obrigações legais ou contratuais.

Para CERTO E PETER (1993, p. 21)“responsabilidade social é a obrigação admi-nistrativa de tomar atitudes que protejam e

promovam os interesses da organização junta-mente com o bem-estar da sociedade como umtodo”, e complementam: “reconhecer que taisobrigações existem, tem necessariamente, umimpacto sobre o processo de administração es-tratégica”.

REA e KERZNER (1997) afirmam que aresponsabilidade social é um ativo intangível,embora seja considerada um ativo tangível poralguns, e que pode incluir temas desde a prote-ção ambiental até a defesa do consumidor. Fa-zendo uma alusão aos impactos que a respon-sabilidade social traz a uma empresa, afirmamque a responsabilidade social pode transformarum desastre em uma vantagem competitiva paraa organização. Entretanto, a imagem da empre-sa pode ficar arranhada se não souber agir comresponsabilidade social.

MELO NETO e FROES (2001), por suavez, sugerem que a responsabilidade social podeser vista como uma prestação de contas da em-presa para com a sociedade, uma vez que osrecursos que a organização consome fazem partedo “patrimônio da humanidade”, ao utilizá-los,a empresa contrai uma dívida para com a soci-edade.

CERTO e PETER (1993) descrevem aspartes interessadas em um negócio, para quema empresa tem obrigações e responsabilidades:- os acionistas ou proprietários, para quem de-vem aumentar o valor da empresa;- os fornecedores de materiais e revendedoresde produtos;- os emprestadores de capital, para reembolsá-los;- as agências do governo e a sociedades, paraobedecer as leis;- os grupos políticos, para considerar seus ar-gumentos;- os empregados e sindicatos, para garantir am-bientes seguros de trabalho e reconhecer seusdireitos;- os consumidores, para fornecer e comercializareficientemente produtos seguros;- os concorrentes, para evitar práticas que des-virtuem o comércio;- a comunidade local e a sociedade como umtodo, para evitar práticas que prejudiquem oambiente.

MELO NETO e FROES (2001, p.100) pro-

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aresponsabilidadesocial utilizada

comoferramenta de

gestão pode serainda umelemento

motivador docorpo funcional

puseram o seguinte conceito de empresa- cidadã:“Uma empresa-cidadã tem no seu compromissocom a promoção da cidadania e o desenvolvi-mento da comunidade os seus diferenciais com-petitivos. Busca, desta forma, diferenciar-se dosseus concorrentes assumindo uma nova posturaempresarial – uma empresa que investe recursosfinanceiros, tecnológicos e de mão-de-obra emprojetos comunitários de interesse público”. Aempresa-cidadã cria uma imagem de excelênciapor sua atuação junto à sociedade, que se refleteem aumento da confiança, do respeito e da admi-ração de seus consumidores.

Segundo a Business for Social Respon-sibility (BSR), organização sediada nos Esta-dos Unidos que forma parcerias com empresaspara o sucesso comercial com responsabilidadesocial, a responsabilidade corporativa ajudaempresas nos seguintes aspectos:- facilita o acesso ao capital de investidores;- aumenta as vendas e reforça a visibilidade damarca;- atrai e mantém uma força de trabalho produtiva;- ajuda a gerenciar riscos;- facilita a tomada de decisões.

A gestão da responsabilidade social ocor-re em duas dimensões, basicamente, segundoMELO NETO e FROES (2001): a responsabi-lidade social interna e a responsabilidade socialexterna à empresa. Enquanto a responsabilida-de interna tem como foco os funcionários daempresa e suas famílias, a dimensão externa estárelacionada com a responsabilidade da empre-sa para com a comunidade onde está inserida ea sociedade como um todo. Atuando em ambasas dimensões a empresa exerce a sua cidadaniaempresarial e torna-se uma empresa-cidadã.Todas as partes interessadas no negócio, quesão a interface da empresa com a sociedade,estão presentes em uma das dimensões.

A responsabilidade social interna é consi-derada por MELO NETO e FROES (id.) comouma prioridade inquestionável sobre a atuaçãode responsabilidade externa. Justificam sua po-sição afirmando que ao privilegiar ações exter-nas em detrimento de benefícios ao quadro fun-cional cria-se descontentamento, ansiedade edesmotivação.

Da mesma forma, a professora MARIA

CECÍLIA COUTINHO ARRUDA, citada porASHLEY (2002), acredita que é incoerente aempresa desenvolver grandes projetosassistenciais para a comunidade e não tratar bemseus funcionários.

Uma empresa responsável é aquela queouve os interesses de todos o segmentos da so-ciedade, como acionistas, funcionários, forne-cedores, prestadores de serviços, consumidores,comunidade, governo e meio ambiente, e buscaatendê-los. A empresa socialmente responsávelnão atende somente as demandas de seus acio-nistas ou proprietários, mas de todos os agentescom quem interage.

A responsabilidade social utilizadacomo ferramenta de gestão pode ser aindaum elemento motivador do corpo funcional.A imagem de empresa-cidadã está sendo cadavez mais percebida e valorizada pelos clien-tes e consumidores, e ainda está sendo im-portante para atrair e manter uma força detrabalho produtiva. ROCHA, no artigo Poruma boa causa: Quer trabalhar bem e ain-da cuidar de sua carreira? O caminho é tra-balhar em uma empresa socialmente respon-sável, aborda o aspecto de motivação dospróprios funcionários em conseqüência daatuação responsável da empresa. Rocha afir-ma que muitos profissionais hoje buscamfazer alguma diferença na vida das pessoas,além de obter o sucesso na carreira (RO-CHA, 2001).

Como medir a ResponsabilidadeSocial Corporativa

Segundo CERTO e PETER (1993) nãoexiste consenso sobre o significado exato de res-ponsabilidade social e do grau ideal, ou míni-mo, da responsabilidade de uma empresa.

Para ASHLEY (2002), as empresas estãosentindo a necessidade de utilizar um modeloconceitual e analítico para avaliar a sua respon-sabilidade social, e evidentemente, diversasabordagens conceituais levam a um grande nú-mero de metodologias operacionais.

Dentre elas, MELO NETO e FROES(2001) propõem uma matriz para avaliar o ní-vel de responsabilidade social de uma empresa.Utiliza-se uma escala de 0 a 3 para avaliar cada

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a empresa podedefinir sua

estratégia deatuação

privilegiando asatividades demaior nível deagregação devalor social

um dos seguintes vetores de responsabilidadesocial:- grau de apoio ao desenvolvimento da comuni-dade;- grau de investimento na preservação do meioambiente;- grau de investimento no bem-estar dos funcio-nários e de seus dependentes;- grau de investimento na criação de um ambi-ente de trabalho agradável;- grau de transparência das comunicações den-tro e fora da empresa;- grau de retorno aos acionistas;- grau de sinergia com os parceiros, grau de sa-tisfação dos clientes e/ou consumidores.

Com referência à gestão de uma organiza-ção que cumpre todos os requisitos legais, éoportuno lembrar que segundo ARRUDA, ci-tada por ASHLEY (id.), a lei tem brechas quepermitem injustiças sociais.

ASHLEY (2002) apresenta ainda outrosmodelos existentes para analisar a responsabi-lidade social corporativa. Entre eles, o modeloproposto por Ederle e Tavis propõe três níveisde desafios éticos a serem enfrentados pela em-presa:- nível 1, a empresa atende aos requisitos éticosmínimos;- nível 2, a organização atende além do nívelético mínimo;- nível 3, a empresa tem aspirações de atender aideais éticos.

MARTIN (2002) traz mais uma propostapara medir o grau de responsabilidade social deuma empresa. Trata dos obstáculos que os exe-cutivos que desejam transformar suas empre-sas em empresas-cidadãs enfrentam. Se inves-tem pesado em iniciativas que seus rivais nãoadotam, podem ser derrotados pela concorrên-cia; caso adotem uma política de recursos hu-manos digna de uma democracia, podem estardirigindo empregos para países com leis traba-lhistas menos rígidas e custos de produção infe-riores. Com o nome de “A Matriz da Virtude:Calculando o Retorno da ResponsabilidadeCorporativa”, o autor apresenta uma ferramen-ta para ajudar os executivos nessa difícil tarefa(MARTIN, 2002).

Para avaliar as atividades sociais com re-lação ao custo e ao valor social agregado,MELO NETO e FROES (2001) estabelecemuma metodologia que permite medir o valor dobenefício social gerado e o custo/benefício deum determinado projeto ou atividade. Sugeremque sejam avaliados os valores sociais agrega-dos em todas as etapas do projeto, com a utili-zação da “cadeia de valor” que propõem. Rea-lizada a análise, a empresa pode definir sua es-tratégia de atuação privilegiando as atividadesde maior nível de agregação de valor social eeliminando aquelas de maior custo/ benefício eque geram menor valor social.

Dentre as ferramentas anteriormente cita-das, e outras tantas existentes, para medir o graude responsabilidade social de uma organização,destaca-se o balanço social. O balanço socialsurgiu nos anos 60, quando parte da populaçãoda Europa e Estados Unidos realizou um movi-mento de boicote às empresas ligadas à guerrado Vietnã. A sociedade estava exigindo umaprestação de contas por parte dessa empresas.Muitas organizações em diversos países passa-ram então a divulgar suas ações no campo soci-al, o que resultou na criação de um instrumentochamado balanço social (IBASE, 2002). NoBrasil, a Revista de Estudos de Administraçãon.º 10, da FAAP (1978), apresentou na décadade 70 um artigo sobre o balanço social e suaiminente utilização no Brasil. Entretanto, a idéiado balanço social foi se consolidar somente noinício da década de 80 em nosso País. Um deseus defensores foi o sociólogo Herbert de Sou-za, através do Instituto Brasileiro de AnálisesSociais e Econômicas (Ibase), que presidia. OIbase, desde a sua criação, incentiva as empre-sas a se tornarem empresas responsáveis, com-prometidas com a qualidade de vida da comuni-dade, com o meio ambiente e com o bem-estarda população em geral, e também a divulgaremseus investimentos em ações sociais através dapublicação anual do balanço social.

Segundo NEVES (1998), o balanço soci-al é o conjunto de despesas feitas pela empresa,exigidas ou não por lei, que afetam positiva-mente a qualidade de vida da comunidade e dasociedade em geral. Exemplifica as ações: saú-de, alimentação, transporte, creches, ecologia,

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o balançosocial fornece

dadosimportantes

para tomada dedecisões

estratégicaspelos dirigentes

educação, treinamento, etc.O balanço social reúne informações sobre

ações, projetos e benefícios voltados ao públicointerno, seus empregados e colaboradores, in-vestidores, acionistas, analistas financeiros demercado e a própria comunidade. Representaum grande passo em direção à transparência degestão e à valorização da atuação social de umaempresa, conciliada com seus objetivos econô-micos. Como fundamento desse movimento es-tão a ética corporativa, o conceito de desenvol-vimento sustentável e a expectativa de que asempresas possam atender as necessidades dasociedade, no exercício de sua responsabilidadesocial. O balanço social fornece dados impor-tantes para tomada de decisões estratégicas pe-los dirigentes, estimula e motiva os funcionári-os a se integrarem no esforço pelo bem-estar edesenvolvimento da comunidade, e mostra aosclientes, fornecedores e investidores a maneiracomo a empresa é administrada.

Existem, basicamente, duas correntesquanto à elaboração do balanço social empre-sarial. A primeira é a corrente francesa, quesurgiu com a “Le Bilan Social” de 1977, volta-da para o bem-estar do empregado, sua famíliae o ambiente de trabalho. A segunda corrente,que prevalece em nosso País, é a corrente ame-ricana. Esta defende uma abordagem mais am-pla quanto à atuação da empresa em todos osaspectos e atores envolvidos em seu negócio:geração de emprego e renda, meio ambiente, in-vestimentos em tecnologia, ambiente de traba-lho, bem-estar dos funcionários, apoio ao de-senvolvimento tecnológico e também quanto aoambiente de trabalho e assistência médica.(MELO NETO e FROES, 2001).

O Global Reporting Initiative (GRI), em-preendimento de abrangência internacional quese propõe a desenvolver e disseminar diretri-zes para o desenvolvimento do relatório soci-al, elaborou um modelo de balanço social ba-seado no conceito de sustentabilidade de ges-tão. Enfoca os aspectos econômicos e socialdo negócio. A Natura, empresa brasileira deperfumaria de cosmética, foi a primeira em-

presa brasileira a publicar seu balanço socialdo ano 2000, no modelo GRI, composto por95 indicadores econômicos, sociais eambientais. (INSTITUTO ETHOS, 2001)

O modelo sugerido por SOUZA em 1977,citado por HERZOG (2001), para as empresasbrasileiras, conhecido como o balanço socialmodelo Ibase, é quantitativo e é composto pordados de investimentos em creches, alimenta-ção, salários, capacitação dos funcionários, par-ticipação nos lucros, entre outros.

O Instituto Ethos criou um modelo basea-do nos modelos existentes: Ibase, GRI, e nospreceitos do Institute of Social and EthicalAccountability – ISEA2 .

O relatório de responsabilidade social doInstituto Ethos possibilita a todas as empresasa busca das melhores práticas sociais, exercidaspelas empresas com os melhores indicadores.

Este relatório enfoca a gestão de uma em-presa sob os seguintes aspectos:

• Econômico: valor adicionado, produtivi-dade, investimento

• Social: bem-estar da força de trabalho,direitos do trabalhador e direitos humanos, pro-moção da diversidade, investimentos na comu-nidade, entre outros

• Ambiental: impactos dos processos, pro-dutos e serviços no ar, água, terra, biodiver-sidade e saúde. (INSTITUTO ETHOS, 2001,p.15)

Herbert de Souza dizia que o balanço soci-al não tem donos, mas tem muitos beneficiários,pois todos os grupos que interagem com a em-presa são beneficiados com sua publicação. Sejaqual for o modelo utilizado, o importante é que obalanço social seja utilizado para mostrar à soci-edade quais são as empresa responsáveis, e paraconscientizar as empresas do quanto elas aindapodem fazer pela comunidade.

A Certificação Social

A primeira norma de certificação social, a“Social Accountability 8000” (SA 8000) foicriada em 1977 pelo Council on Economic

2 O ISEA é responsável pela Accountability 1000 (AA 1000), uma norma básica em responsabilidade social e ética,com enfoque de auditoria e relato.

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ações defilantropia sãomotivadas por

razõeshumanitárias,

e naresponsabilidadesocial impera osentimento de

responsabilidade

Priorities Accreditation Agency (CEPAA), fun-damentada nas normas da Organização Inter-nacional do Trabalho, na Declaração Universaldos Direitos Humanos e na Declaração Univer-sal dos Direitos da Criança. A SA 8000 funcio-na como um verificador dos princípios éticosdas relações da empresa com todos os agentescom quem interage. São avaliados os processosprodutivos, relações com a comunidade e rela-ções com os empregados e seus dependentes.Seus principais pontos de análise são o traba-lho infantil, constrangimento no trabalho, saú-de e segurança, liberdade de associação e direi-to de negociação coletiva, discriminação, práti-cas disciplinares, horas de trabalho, remunera-ção justa e a administração de sua aplicação(PACHECO, 2001).

A SA 8000 segue os moldes dos esquemasinternacionais de avaliação de conformidade daInternational Organization for Standardization(ISO)3 , e, da mesma forma, tem a validade deum ano, com auditorias semestrais, e tambémprevê ações corretivas e preventivas. O proces-so de certificação é igualmente lento e trabalho-so, mas hoje já tem-se dezenas de projetos decertificação sendo realizados no Brasil. Avondo Brasil, ALF do Brasil, BRINOX, De Nadaisão algumas empresas que já possuem acertificação SA 8000. (BALANÇO SOCIAL,2003)

Outra norma que busca assegurar padrõesde conduta éticos das empresas, a AA 1000,que foi criada em 1999 pelo ISEA, é uma nor-ma de contabilidade e auditoria baseada em prin-cípios éticos e sociais, que enfatiza o diálogoentre empresas e partes interessadas e oengajamento dos stakeholderes4 . (MELONETO; FROES, 2001).

Conclusão

A filantropia foi o passo inicial em dire-ção à responsabilidade social.

Estudiosos, especialistas e empresáriostêm proposto definições para o conceito res-ponsabilidade social, com diferentes aborda-gens, diferentes enfoques, mas que secomplementam. Pode-se entender a responsa-bilidade social corporativa como a capacidadedesenvolvida pelas organizações de ouvir, com-preender e satisfazer expectativas e interesseslegítimos de seus diversos públicos. Ações defilantropia são motivadas por razões humani-tárias, e na responsabilidade social impera osentimento de responsabilidade. As ações defilantropia são isoladas e reativas, e na maio-ria das vezes trata-se de opção pessoal do diri-gente, enquanto os compromissos de respon-sabilidade social compreendem ações pró-ati-vas, integradas, inseridas no planejamento es-tratégico e na cultura da organização e envol-vem todos os colaboradores.

O conceito de responsabilidade social ébastante amplo, e como conseqüência, a avalia-ção do grau de responsabilidade social de umaorganização não é uma tarefa simples. O balan-ço social é hoje uma ferramenta de gestão utili-zada por empresas, em todos os países, paraavaliar o nível da responsabilidade corporativa.É o instrumento que permite à empresa demons-trar todas as ações sociais de cidadania desen-volvidas em um determinado período. Já exis-tem, e estão começando a ser utilizadas pelasempresas brasileiras, normas de Certificaçãoquanto à sua atuação socialmente responsável.A SA 8000 e a AA 1000 certificam que umaempresa possui produtos ou serviços executa-dos de forma socialmente correta. Podem sercomparadas à ISO 9000, de certificação de qua-lidade, e à ISO 14000, de certificação ambiental.

Ao assumir um efetivo compromisso coma ética e a sustentabilidade social e ambientaldo planeta, as empresas estão exercendo plena-mente sua responsabilidade social e ajudando aconstruir um mundo melhor para todos. E estãolucrando com isso!

3 Rede de institutos de padronização de 145 países, que trabalham em parceria com organizações internacionais,governos, indústrias e representantes de consumidores. A SA 8000 pode ser vista como um sistema de verificação decondições dignas de trabalho. Também pode ser utilizada pela comunidade e pela sociedade em geral para monitoraresse aspecto da gestão da empresa.4 Stakeholders são os públicos interno e externo da empresa; representam todos os envolvidos e interessados no negócio.

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o balançosocial é hoje

uma ferramentade gestão

utilizada porempresas, em

todos os países,para avaliar o

nível deresponsabilidade

corporativa

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Autora

Elenice C. Roginski M. Santos,engenheira civil, pós-graduada em

Finanças, Master in Business Administrationpela Baldwin-Wallace College/ OHIO-USA, edissertação de mestrado defendida e aprovada

na área de Responsabilidade Socialpela BW-FAE/CDE.

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a SA 8000 e aAA 1000

certificam queuma empresa

possui produtosou serviços

executados deforma

socialmentecorreta

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Julio Caetano TomazoniAndré Virmond Lima BittencourtErnani Francisco da Rosa FilhoLuiz Eduardo Mantovani

A qualidade da água das bacias dosrios Anta Gorda, Brinco e Jirau –Sudoeste do Estado do Paraná

Resumo

A qualidade da água dos rios Anta Gorda, Brin-co e Jirau, situados no Sudoeste do Estado doParaná, foi determinada através de índices dequalidade de água. Utilizando-se de parâmetroslevantados pela Companhia de Saneamento doParaná (Sanepar) em estações de tratamento deágua nas três bacias do período de 1984 a 2001,foram avaliados o Índice de Qualidade de ÁguaAditivo (IQAa) e o Índice de Qualidade de ÁguaMultiplicativo (IQAm). Através do IQAa e doIQAm, avaliou-se o comportamento médio dosparâmetros: coliformes fecais, pH, turbidez,sólidos totais dissolvidos (STD), temperatura,gás carbônico (CO2), nitrato (NO3), alcalinidadee matéria orgânica (MO). As águas das trêsbacias, em média para o IQAa e o IQAm, foramclassificadas na condição de qualidade boa epodem ser destinadas ao abastecimento públi-co, após tratamento convencional.

Palavras chaves: índice de qualidade da água;qualidade da água; poluição da água; água po-tável.

Abstract

The water quality of the Anta Gorda, Brin-co and Jirau rivers in Southeastern Paraná wasassessed by means of water quality indexes.Based on parameters provided by Companhiade Saneamento do Paraná – Sanepar (the Water& Sewage Utility of Paraná) from surveys

carried out in water treatment units in thewatersheds from 1984 to 2001, we used theAdditive Water Quality Index (IQAa) and theMultiplicative Water Quality Index (IQAm).Through the IQAa and the IQAm, we assessedthe average behavior of the followingparameters: fecal coliforms, pH, turbidity, totaldissolved solids (TDS), temperature, carbondioxide (CO2), nitrate (NO3), alkalinity andorganic matter (OM). The waters from the threewatersheds, according to IQAa and IQAm, wereconsidered to be of good quality and may beused for public supply after conventionaltreatment.

Key-words: water quality index; water quality;water pollution; drinking water.

Introdução

As discussões atuais sobre problemas re-lacionados ao meio ambiente e seus reflexos naqualidade de vida de diversas comunidades esobre o futuro do planeta, têm levado em conta,cada vez mais, o papel dos recursos geológicos,pedológicos, hídricos, atmosféricos e biológi-cos, nos quais ocorrem as maiores agressões eimpactos ao meio ambiente (WHITE et al 1992).

As bacias hidrográficas são segmentosdo meio ambiente, definidos no espaço e re-conhecidas em função de características e pro-priedades que sejam razoavelmente estáveisou ciclicamente previsíveis, incluindo aque-las da atmosfera, do solo, do substrato geoló-

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as águas dastrês bacias

foramclassificadas na

condição dequalidade boae podem ser

destinadas aoabastecimentopúblico, apóstratamento

convencional

29

gico, da hidrologia e do resultado do sistemade ocupação do solo (RAMOS et al. 1989).Portanto, a bacia hidrográfica inclui em suascaracterísticas os aspectos físico-químico e alimnologia de suas águas. Esses fatores de-terminam o potencial de uso dos recursoshídricos.

Vários métodos têm sido desenvolvidos eutilizados no estudo dos recursos hídricos, emuitos deles são constituídos de modelos mate-máticos. Por isso a forma mais fácil de assimi-lar e disseminar informações sobre a qualidadeda água é por meio da definição de índices oupadrões de alguns parâmetros físico-químicose/ou bacteriológicos.

Utilizando-se o IQAa e o IQAm, avaliou-seo comportamento médio de qualidade da águano período de 1984 a 2001, das baciashidrográficas dos rios Anta Gorda, com área de1.212,4 ha, situada no município de Santa Izabeldo Oeste, Brinco, com área de 1.487,6 ha, situa-da no município de Clevelândia, e Jirau comárea de 2.472,5 ha, situada no município de DoisVizinhos. Todas essas bacias, conforme demons-trado na figura 1, estão localizadas no Sudoestedo Estado do Paraná, em locais estratégicos, com

FIGURA 1 - LOCALIZAÇÃO DAS BACIAS DOS RIOS ANTA GORDA, BRINCO E JIRAU,NO SUDOESTE DO ESTADO DO PARANÁ

características físicas diferenciadas, principal-mente no que tange a solos, clima e geomor-fologia, e compreendem as áreas de contribui-ção dos mananciais de captação da Companhiade Saneamento do Paraná (Sanepar). O conteú-do desse artigo é parte da tese de doutorado:Morfodinâmica e Transporte Fluvial no Sudo-este do Estado do Paraná pelo Método de Le-vantamento de Microbacias Hidrográficas Atra-vés de Geoprocessamento, elaborada e defendi-da pelo doutor Julio Caetano Tomazoni, juntoao curso de pós-graduação em Geologia Am-biental da UFPR.

Materiais e métodos

Neste artigo foram determinados os índi-ces médios de qualidade das águas a partir deparâmetros dos boletins da Sanepar, das Esta-ções de Tratamento de Água (ETAs) dos riosAnta Gorda, Brinco e Jirau.

Os dados resultam do resgate de dados his-tóricos da Sanepar no período compreendidoentre 1984 e 2001. Como o número de informa-ções era elevado, utilizou-se a média dos dadosdesse intervalo de tempo.

utilizando-se oIQAa e o IQAm,avaliou-se o

comportamentomédio de

qualidade daágua

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LAMONTAGNE (1979, p. 10 a 39).Para determinação do IQA, primeiro fo-

ram selecionados os parâmetros disponíveis dosresgates históricos dos dados da Sanepar comoos coliformes fecais, o pH, a turbidez, os sóli-dos totais dissolvidos (STD), a temperatura, ogás carbônico (CO2), o nitrato (NO3), aalcalinidade e a matéria orgânica (MO), quepossibilitassem a determinação desse índice. Aimportância desses parâmetros na qualidade daágua será mostrada a seguir.

A presença de coliformes fecais (CF) indicaa contaminação da água por matéria fecal recentee serve como indicador da provável existência demicroorganismos intestinais patogênicos.

O pH da água indica o caráter ácido <7,alcalino >7, ou neutro 7. O pH da água pura a25 ºC é 7 (pH neutro). As concentrações de car-bonato, bicarbonato, CO2 dissolvido e ácidosfúlvicos e húmicos controlam o pH das águas.Variações do pH em trechos de um rio, ou emum ponto do rio em determinados períodos po-dem indicar a contaminação por esgotos domés-ticos ou industriais. Constitui um parâmetroimportante por interferir nos processos depotabilização da água como coloração, coagu-lação e corrosão da água.

A turbidez de uma água é causada pelapresença de partículas em suspensão. Ela reduza eficiência da cloração, pois impede o contatodireto do desinfetante com os microorganismos.

Os sólidos totais dissolvidos (STD) sãoresultantes da soma de todos os constituintesminerais presentes na água. O limite máximona água para consumo é de 1000 mg/L, dificil-mente atingido no Brasil, exceto no Sertão Nor-destino e em certas áreas litorâneas. A concen-tração total de sólidos dissolvidos é uma indi-cação geral de adequabilidade da água para usodoméstico e industrial.

As taxas das reações, da solubilidade en-tre sais e gases, aumentam e diminuem em fun-ção da temperatura da água, portanto afetamsignificativamente os processos biológicos, fí-sicos, químicos e bioquímicos que ocorrem noambiente hídrico.

O gás carbônico (CO2) origina-se principal-mente pela decomposição de plantas e animais e apartir de produtos da excreção desses organismos.

Índice de Qualidade da Água - IQA

Os processos de assimilação e dissemina-ção de índices sobre a qualidade da água de for-ma abrangente e de utilidade para especialistas eleigos, não é tarefa fácil (CETESB, 1979). Essefato levou ao desenvolvimento, em vários países,de índices, que representassem essas informações.As primeiras pesquisas foram realizadas pelaNational Sanitation Foundation dos EUA, queem 1970 desenvolveu o IQA - Índice de Qualida-de da Água. O IQA é uma espécie de nota atribuí-da à qualidade da água que varia de 0 a 100.

Pesquisas realizadas em Quebec, no Ca-nadá, levaram a um método para estabelecimen-to do índice de qualidade da água (IQE ou IQA)(PROVENCHER & LAMONTAGNE,1979).O Qi, Qualidade do i-ésimo parâmetro, cujovalor varia de 0 a 100, e do Wi – peso relativodo i-ésimo parâmetro que varia de 0 a 1, foicomposto a partir de uma pesquisa com 159usuários da água de Quebec, de diferentes cate-gorias de uso (indústrias, água potável e usoecológico). O valor relativo do Qi (0 a 100) foideterminado a partir de curvas e de acordo coma concentração atribuiu-se uma nota para cadaparâmetro. O Wi foi estabelecido a partir dapesquisa, quando atribuiu-se o peso relativo decada parâmetro, cujo valor varia de 0 a 1 e aΣWi=1. O conjunto de parâmetros usados e seuspesos variaram para cada categoria de uso, sen-do que os dados da pesquisa permitiramselecioná-los e determinar o valor de Wi. Paracálculo do IQA, os mesmos autores citam quepodem ser usados os métodos aditivo emultiplicativo.Método aditivo

Método multiplicativo

Determinação do IQA -Índice de Qualidade da Água

Na aplicação do IQA, para determinaçãodo Qi, foram usados como referência os traba-lhos de RIZZI (2001, p. 12 a 18) e SUDERHSA(1997, p. 10 a 16), para determinação dos pe-sos (Wi), o método de PROVENCHER &

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o conjunto deparâmetros

usados e seuspesos variaram

para cadacategoria de

uso

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(*) Q

ualid

ade

- Q

i

O CO2 é formado por um grupo de compostosdiferenciados biológica e quimicamente. Os prin-cipais componentes são proteínas, carboidratos,lipídios e compostos húmicos. A concentração deCO2 está relacionada com o estado trófico daságuas superficiais e com a influência à qual estásubmetida (muita contribuição alóctone, lançamen-to de esgotos, etc.) (ESTEVES, 1998).

O nitrato (NO3) nas águas ocorre em teo-res menores do que 5mg/L. O nitrogênio é con-tinuamente reciclado pelas plantas e animais epode então entrar nas águas pela poluição orgâ-nica, quando na forma de nitrito e amônia, ouinorgânica, através de adubos químicos. Naságuas, as bactérias os convertem rapidamenteem NO3 (ESTEVES, 1998).

A alcalinidade (CaCO3) indica a capaci-dade da solução em neutralizar um ácido. É aquantidade de substâncias que atuam como tam-pão em uma água. Portanto, numa água comalcalinidade adequada à adição de pequenaquantidade de ácidos, não provocará alteração

(*) Valores adaptados de RIZZI (2001);(+) Valores calculados pelo método de PROVENCHER & LAMONTAGNE (1979).

do pH, porque os íons presentes o neutralizarão(CHAPMAN, 1992).

A matéria orgânica (MO) pode entrar naágua pela decomposição de vegetais e animais,ou por excrementos humanos e de animais. Asformas pela qual adentram ao ambiente hídricosão por escoamento superficial e esgotos.

O Qi – qualidade do i-ésimo parâmetrovariando de 0 a 100, cujo valor está relaciona-do à concentração ou teor de cada parâmetro,consta na tabela 1.

Os pesos de Wi – peso relativo do i-ésimoparâmetro ( ), que constam nas tabelas 1e 2 foram determinados usando a sistemática ado-tada PROVENCHER & LAMONTAGNE(1979, p. 25 a 38).

Primeiro determinou-se a importância relati-va de cada parâmetro para as bacias em estudo,atribuindo uma escala numérica de 1 a 4, da se-guinte maneira: 1 - parâmetro muito importante; 2 -parâmetro importante; 3 - parâmetro pouco impor-tante; 4 - parâmetro muito pouco importante.

TABELA 1 - VALOR DE QI (QUALIDADE DO I-ÉSIMO PARÂMETRO) UTILIZADO NO CÁLCULO DO IQAParâmetro

(+) Peso Wi10095908580757065605550454035302520151050

pH

0,14—7,5

6,8 (7,5 a 8,0)6,6 (8,0 a 8,1)6,5 (8,1 a 8,2)6,4 (8,2 a 8,3)6,3 (8,3 a 8,4)6,2 (8,4 a 85)5,9 (8,5 a 8,6)5,8 (8,6 a 8,7)5,7 (8,7 a 8,8)5,6 (8,8 a 8,9)5,5 (8,9 a 9,0)5,4 (9,0 a 9,3)5,3 (9,3 a 9,5)5,1 (9,5 a 9,7)4,8 (9,7 a 9,9)4,5 (9,9 a 10,3)4,0 (10,3 a 10,5)3,0 (10,5 a 11,0)

MOmg/L0,15

01

1,71,82

2,53

3,54,55657

7,58,510

12,515

17,52030

>30 i=2

STDmg/L0,07<100175250375500625750875

1.0001.2501.5001.7502.0002.5003.0004.0005.0007.50010.00015.000>20.000

TemperaturaºC

0,06—0

1,25 e (0 a -1)2,1 (-1 a -1,1)

2,1 (-1,1 a -2,5)2,6 (-2,5 a -3)3,3 (-3 a -3,8)3,75 (-3,8 a -4)

4,1 (-4 a -5)4,4 (< -5)

4,64,85

6,16,37,58,7510,112,5>15

CO2

mg/L0,11

013579101315182025303336405055

>55 i=10

NO3

mg/L0,11

0234567891012131518202533405070

>100 i=5

CFNº/100mL

0,1101234581017254875100180320600

1.0001.2007.00050.000

>50.000 i =5

CaCO3

mg/L0,11

<5 i=1008121519222550628710030050058062575010001250

>1250 i=10

TurbidezNTU0,15

03568101518202530374555657590100

> 100 i=5

a concentraçãode CO2 estárelacionada

com o estadotrófico das

águassuperficiais

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Qualidade da Água de acordocom o IQAa e IQAm

Verificando os parâmetros avaliados queconstam na tabela 4, cujas origens resultam dedados da Sanepar, constata-se pela tabela 3, queas águas das três bacias têm o seguinte enqua-dramento, conforme Resolução número 20 doConselho Nacional de Meio ambiente (Conama- 1986): pelo método aditivo IQAa, os dados fi-nais das três bacias variaram de 64,65 a 66,75,portanto as águas enquadram-se em condiçõesmédias na classe 2. Pelo método multiplicativoIQAm, considerando as três bacias, os valoresvariaram de 51,00 a 55,81, portanto as águastambém se enquadram em condições médias naclasse 2.

As águas enquadradas na Classe 2 podemser destinadas: a) ao abastecimento doméstico,após tratamento convencional; b) à proteção dascomunidades aquáticas; c) à recreação de con-tato primário (esqui aquático, natação e mergu-lho); d) à irrigação de hortaliças e plantas frutí-feras; e) à criação natural e/ou intensiva(aqüicultura) de espécies destinadas à alimen-tação humana

Em períodos chuvosos, as águas das trêsbacias estudadas enquadram-se na Classe 3 epodem ser destinadas: a) ao abastecimento do-méstico, após tratamento criterioso; b) à irriga-ção de culturas arbóreas, cerealíferas e

forrageiras; c) à dessedentação de animais.Outro aspecto a ser observado é que, nas

três bacias, os parâmetros coliformes fecais,turbidez, gás carbônico (CO2), nitrato (NO3) ea matéria orgânica (MO) estão diretamente li-gados à contribuição do interflúvio, via proces-so erosivo ou descargas de esgotos (pocilgas edomésticos) e seus teores são mais afetados nosperíodos chuvosos. Portanto, a melhoria da qua-lidade da água em relação a esses parâmetrosdeve passar, necessariamente, pelo controle nointerflúvio das principais fontes poluidoras.

Conclusões

O estudo sobre a qualidade das águas dastrês bacias demonstra que os principais conta-minantes têm origem principalmente nas formasde poluição orgânicas de origem animal e vege-tal. As bacias dos rios Anta Gorda, Brinco eJirau, têm a qualidade da água comprometidapela expansão urbana sobre a área do mananci-al, e isso constitui um foco importante de polui-ção por dejetos humanos. Nas bacias dos riosAnta Gorda e Jirau, a falta de manejo adequadodos dejetos de suínos contamina a rede de dre-nagem. Outras formas de contaminação têmorigem na piscicultura, que está presente nabacia do Rio Anta Gorda.

Os valores finais obtidos pelo IQA – Índi-ce de Qualidade da Água, pelo método aditivo

TABELA 2 - DETERMINAÇÃO DO PESO Wi UTILIZADO NO CÁLCULO DO IQA

Parâmetro

pH

Turbidez

STD

Temperatura

CO2

Nitrato

Coliformes fecais

Alcalinidade

MO

Total

Importância

relativa - Ir (1 a 4)

1,6

1,5

3

4

2

2

2

2

1,5

Peso relativo - Wir

( )

0,63

0,67

0,33

0,25

0,50

0,50

0,50

0,50

0,67

4,54

Peso final - Wi

( )

0,14

0,15

0,07

0,06

0,11

0,11

0,11

0,11

0,15

1,00

Importância

relativa - Ir (1 a 4)

1,6

1,5

3

4

2

2

2

2

1,5

Importância

relativa - Ir (1 a 4)

1,6

1,5

3

4

2

2

2

2

1,5

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determinou-se aimportância

relativa de cadaparâmetro paraas bacias em

estudo,atribuindo umaescala numérica

de 1 a 4

33

os principaiscontaminantestêm origem nas

formas depoluição

orgânicas deorigem animal e

vegetal

TABELA 3 - QUALIFICAÇÃO DA ÁGUA IN NATURA EM FUNÇÃO DO IQAIQA

0 a 19

20 a 36

37 a 51

52 a 79

80 a 100

Qualidade

“imprópria”

“imprópria para tratamentos convencionais”

“aceitável”

“qualidade boa”

“qualidade ótima”

Enquadramento nas classes da

Resolução 20 do CONAMA (1986) (*)

Excede os limites da IV

IV

II e III

I

(*) Enquadramento efetuado pela SUDERHSA (1997, p. 10).

ParâmetroUnidadeWiAnta GordaBrincoJirauAnta GordaBrincoJirauAnta GordaBrincoJirauAnta GordaBrincoJirau

Qi

Diversos

WiΣ = 1,00------

65,4066,7564,6551,0055,8152,53

TABELA 4 - ÍNDICE DE QUALIDADE DA ÁGUA - IQA MÉDIO DOS RIOS ANTA GORDA,BRINCO E JIRAU, NO PERÍODO DE 1984 A 2001 IQA

Conc

entra

ção

IQAa

IQAm

IQA a

IQA m

pHpH

0,136,906,106,8090,0060,0090,0011,707,8011,701,791,701,79

TurbidezNTU0,1537,2620,7054,0045,0060,0035,006,759,005,251,771,851,70

STDmg/L0,0766,1948,00100,00100,00100,00100,007,007,007,001,381,381,38

TemperaturaºC

0,0619,0018,0018,005,005,005,000,300,300,301,101,101,10

CO2

mg/L0,113,194,231,7685,0085,0090,009,359,359,901,631,631,64

NO3

mg/L0,110,920,200,5795,0095,0095,0010,4510,4510,451,651,651,65

Coliformes fecaisNº/100mL

0,111723,00808,00860,0010,0020,0020,001,102,202,201,291,391,39

Alcalinidade (CaCO3)mg/L0,11

28,1713,6119,7575,0080,0075,008,258,808,251,611,621,61

MOmg/L0,152,872,124,1070,0079,0064,0010,5011,859,601,891,931,87

IQAa, e pelo método multiplicativo IQAm, sãodados dependentes de um conjunto de variáveise uma metodologia de atribuição de valores.Nesse estudo, os dados finais das três baciasdemonstram um comportamento médio da qua-lidade das águas no período compreendido en-tre 1984 a 2001. Ressalta-se também, que nes-sas bacias, os valores de IQA têm amplitudesdiferenciadas entre o comportamento médio eos dias chuvosos. Portanto, pode-se concluir quea água das três bacias pode ser destinada aoconsumo humano, desde que o tratamento sejamais criterioso em períodos chuvosos, quandoos índices de qualidade da água in natura sãopiores e pode-se adotar o tratamento convencio-nal apenas em ocasião de tempo de pouca chu-va, pois nesses períodos diminuem as concen-trações de contaminantes nas águas.

Finalizando, pode-se concluir que a siste-mática de avaliação dos padrões de potabilidadedas águas pelo IQA se caracteriza como umindicativo de contaminação que pode ser utili-zado, mas com certa precaução, no diagnósticoe prognóstico dos problemas ambientais em umapequena (micro) bacia hidrográfica.

Referências

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CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBI-ENTE. Resolução n. 20 de 18 de junho de 1986.Classifica as águas doces, salobras e salinas do

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Autores

Julio Caetano Tomazoni,geógrafo, doutor em Geologia Ambiental,

professor do Cefet - PR - Unidade de Ensinode Pato Branco.

André Virmond Lima Bittencourt,engenheiro químico, doutor em Geologia,

professor docurso de Geologia da UFPR.

Ernani Francisco da Rosa Filho,geólogo, doutor em Geologia,

professor do curso de Geologia da UFPR.

Luiz Eduardo Mantovani,geólogo, doutor em Geologia,

professor do curso de Geologia da UFPR.

território nacional, em nove classes, segundo seuuso preponderante. Diário Oficial da Repúbli-ca Federativa do Brasil, Brasília, 1986.

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a falta demanejo

adequado dosdejetos de

suínoscontamina a

rede dedrenagem

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Resumo

Este trabalho salienta a importância da carto-grafia temática na análise do espaço geográfi-co. A eficácia do mapa temático está atrelada àqualidade da linguagem cartográfica inerente aoprocesso de comunicação, onde o pesquisadordeverá materializar os dados de sua pesquisaatravés dos símbolos representados no mapa.Quanto maior a acuracidade dos dados e preci-são na simbologia utilizada, melhor será a com-preensão do usuário à análise do espaço geo-gráfico. O Aglomerado Metropolitano deCuritiba compreende a capital do Estado doParaná e seus municípios limítrofes, sendo alvode migrações constantes. Com a crescente ur-banização, acelerada nas últimas duas décadas,a qualidade da água tende a piorar, devido aolançamento de esgotos domésticos nos corposd’água da Bacia do Alto Iguaçu. O mapatemático proposto demonstra as áreas mais afe-tadas dessa região.

Palavras-chaves: comunicação cartográfica,análise do espaço geográfico, linguagem gráfi-ca, mapa temático, qualidade de água, Aglome-rado Metropolitano de Curitiba.

Abstract

This paper underlines the importance of thematiccartography in analyzing geographic space. Theefficacy of a thematic map depends on the quality

A importância da cartografia temática naanálise do espaço geográfico: qualidade deágua versus ocupações irregulares noAglomerado Metropolitano de Curitiba

Denise Pinheiro Francisco

of the cartographic language inherent tocommunication processes, through which theresearcher must present data using the symbolsrepresented on the map. The greater the accuracyof data and symbology used, the better for theuser to understand the analysis of a givengeographic space.The Metropolitan Area of Curitiba includes themunicipalities adjacent to the capital of the Stateof Paraná, a target for constant migration. Withthe increased urbanization, accelerated in thepast two decades, water quality tends to getworse due to domestic wastewater thrown intobodies of water of the Alto Iguaçu catchmentbasin. The proposed thematic map shows themost affected areas in the region.

Key words: cartographic communication,analysis of the geographic space, graphiclanguage, thematic map, water quality,Metropolitan Region of Curitiba.

Introdução

O ramo da cartografia trata, entre outroselementos, de temas ligados às diversas áreasdo conhecimento. Os produtos gerados consti-tuem documentos cartográficos em diversas es-calas, onde, sobre uma “base cartográfica” (ex-traída da cartografia topográfica), são represen-tados os fenômenos geográficos, geológicos,demográficos, econômicos, sociais, biológicosetc., visando ao estudo, à análise e à pesquisa

com acrescente

urbanização,acelerada nasúltimas duasdécadas, a

qualidade daágua tende a

piorar

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dos temas, no seu aspecto espacial.De acordo com a definição apresentada pela

Associação Cartográfica Internacional (ICA,1973), a Cartografia é “o conjunto de estudos eoperações científicas, artísticas e técnicas que,tendo por base os resultados das observaçõesobtidas pelos métodos e processos diretos, indi-retos ou subsidiários de levantamento ou explo-ração de documentos existentes, destinam-se àelaboração e à preparação de mapas e outras for-mas de expressão, assim como a sua utilização”.

Atualmente, a ICA considera que a Carto-grafia também pode ser definida como uma or-ganização, apresentação, comunicação e utiliza-ção da geo-informação nas formas gráfica, digi-tal ou tátil, podendo incluir todas as etapas desdea apresentação dos dados, até o uso final na cri-ação de mapas e produtos relacionados com ainformação espacial. Ou seja, a cartografia nãoé simplesmente uma técnica, mas se pretende in-vestigar e representar conteúdos espaciais pormeio desses modelos, não se poderá fazê-los semo conhecimento prévio da essência dos fenôme-nos que estão sendo representados bem como osuporte das ciências que os estudam.

Os mapas temáticos são mapas projetadospara apresentar características ou conceitosparticulares do espaço geográfico em estudo.As feições necessárias para esta representaçãodevem prestar clareza e precisão para que pos-sam efetivamente comunicar o objetivo propos-to e construir conhecimento. Atualmente, a pro-dução de mapas temáticos consolidou-se comoum importante ramo da Cartografia(MARTINELLI, 1986). Tais mapas constitu-em-se não apenas em meios de registro da in-formação, mas também como instrumentos depesquisa e em formas de divulgação dos resul-tados obtidos.

O objeto de estudo da Geografia é o espa-ço geográfico, ou seja, o objeto da representa-ção é este espaço, um espaço social resultanteda produção humana ao longo do tempo. É inad-missível o pesquisador da atualidade menospre-zar o papel dos mapas, quando se trata de umaGeografia atual e crítica, com a clara finalida-de de informar, mediar conhecimento e servirao progresso social. Conforme LACOSTE,1980, “...a confecção da carta de um territó-

rio não é um pequeno empreendimento”, é pre-ciso dar-se conta da massa de esforços envolvi-dos nos levantamentos, nas medições e cálcu-los, na aplicação de métodos geodésicos, topo-gráficos, astronômicos, fotogramétricos, gráfi-cos, até se chegar ao estabelecimento da carta.É o chamado processo cartográfico, o qual en-volve a coleta de dados, estudo, análise, com-posição e representação de observações e demedidas, de fatos, fenômenos e dados pertinen-tes a diversos campos científicos, associados àsuperfície terrestre ou a qualquer figura plane-tária. Enfim, para se analisar o espaço geográ-fico em suas mais variadas vertentes das ciên-cias, podemos utilizar a cartografia temáticacomo um instrumento primordial de compreen-são espacial e, por excelência, para o desenvol-vimento do conhecimento geográfico.

O Aglomerado Metropolitano de Curitiba

Foi escolhida como área a ser mapeada aRegião Metropolitana de Curitiba em sua por-ção central, ou seja, o Aglomerado Metropoli-tano de Curitiba (AMC), por estar sob o enfoquedo tema a ser trabalhado: qualidade de águaversus poluição.

O Aglomerado Metropolitano de Curitiba,segundo FIRKOWSKI, 2001, é assim deno-minado por constituir-se na grande concentra-ção de estabelecimentos que ocorre em “man-cha contígua” (com alta densidade e manchade ocupação independente, com tendência atornar-se única), ou seja, naquele espaço in-termediário entre Curitiba e a Região Metro-politana, caracterizado, sobretudo, pela expan-são da mancha urbana e conurbação deCuritiba aos municípios limítrofes da capitalparanaense, quais sejam: AlmiranteTamandaré, Colombo, Campina Grande doSul, Quatro Barras, Piraquara, Pinhais, SãoJosé dos Pinhais, Fazenda Rio Grande,Araucária, Campo Magro e Campo Largo,além de Curitiba. É nessa porção do AMC quea população adensa-se com maior velocidade,devido principalmente às migrações constan-tes, oriundas de municípios do interior do Es-tado ou ainda de outros estados federados, re-sultantes em parte, da propaganda realizada

mapasconstituemmeios pararegistro de

informações,instrumentosde pesquisa ede divulgaçãodos resultados

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através do city-marketing de Curitiba e da po-lítica industrial do Paraná.

Curitiba tem passado por um desenvolvi-mento urbano com expressividade em âmbitolocal-regional, nacional e até internacional, res-saltando uma imagem positiva, tais como“exemplo de planejamento urbano” (1970), “ca-pital do primeiro mundo” (1980/1990), “capi-tal ecológica” (1990) e “capital social” (2000)(MENDONÇA, 2001). A Região Metropolita-na de Curitiba, que em 1978 contava com cercade 875 mil habitantes, possui hoje 2,7 milhões eprojeta uma população de mais de 3,5 milhõespara o ano de 2010 (COMEC, 2001). Mas, sepor um lado, o crescimento da metrópole levaao desenvolvimento industrial econômico,notadamente às parcelas privilegiadas da socie-dade, por outro, efeitos negativos conseqüentespodem ser verificados especialmente em rela-ção à degradação socioambiental especialmen-te nas camadas mais carentes da população.

O processo de ocupação irregular na por-ção leste da AMC, em especial nos municípiosde Pinhais, Piraquara e São José dos Pinhais, ondese localizam mananciais fundamentais para abas-tecimento público, reflete a postura injusta de umplanejamento urbano direcionado às camadasmais privilegiadas da população (LIMA, 2001).

Nos municípios do AMC, a poluiçãohídrica é gerada pelo processo contínuo e acele-rado dessa urbanização sem planejamento, re-sultante da influência da ocupação irregular emáreas de mananciais, culminando no despejobruto de esgotos domésticos em corpos d’águae na disposição inadequada de resíduos sólidos,e na dificuldade do poder público em fiscalizare conter o lançamento de efluentes líquidos in-dustriais sem tratamento, abusivamente, em riosda Bacia do Alto Iguaçu. Portanto, a necessida-de do mapeamento se faz para uma análise dapotencialidade de risco de contaminação demananciais da Bacia do Alto Iguaçu. De possedesse mapa, poder-se-á direcionar as ações defiscalização mais efetiva.

Objetivos

O presente trabalho relaciona a importân-cia da Cartografia para a análise do espaço geo-

gráfico e descreve a elaboração do projeto deum mapa temático fundamentado em conceitos,metodologia e técnicas discutidas durante o cur-so de pós-graduação em Geografia, da discipli-na Cartografia Geral, Departamento deGeomática, Setor Ciências da Terra, Universi-dade Federal do Paraná, ministrada pela pro-fessora doutora Cláudia Robbi Sluter. O mapatemático “Qualidade de Água versus OcupaçõesIrregulares no Aglomerado Metropolitano deCuritiba” é discutido em seguida.

Metodologia e procedimentos

A Cartografia deriva das necessidades dohomem para a localização dos fenômenos e aná-lise do espaço geográfico, nos mais variadosmatizes do pensamento. Sendo assim, tanto aelaboração como a utilização de mapas deve serde igual interesse para o cartógrafo (aqui deno-minado como o elaborador do mapa) bem comopara o geógrafo (ou simplesmente o usuário domapa). A função principal do mapa, no maisamplo sentido, é a comunicação, que vem sen-do beneficiada com o surgimento dos sistemasmultimídia, com inúmeras possibilidades deinteração e interatividade.

Para conceber um mapa que seja suficien-temente legível a um usuário interessado em suainterpretação, exige-se entendimento e habilida-de; e a criação de uma composição original eestética requer do cartógrafo um grande talentoindividual. Seja qual for o método adotado paraa aquisição dos dados, o construtor do mapadeve prever e prover a informação sobre a dis-tribuição espacial de fe nômenos; sendo sua ta-refa primordial fazê-lo da maneira mais ade-quada, de tal forma que a comunicação pelomapa seja a melhor possível, e que seja acessí-vel aos mais variados usuários.

No que diz respeito a este assunto,BERTIN, 1967, sugeriu uma linha de trabalhovinculada ao que ele denominou “SemiologiaGráfica”. Ao identificar variáveis gráficas (ta-manho, valor, textura, cor, orientação e forma),foi o pioneiro na sistematização das relaçõesentre os dados e sua representação gráfica, dan-do suporte à caracterização de uma linguagemcartográfica.

a poluiçãohídrica é

gerada peloprocesso

contínuo eacelerado daurbanização

semplanejamento,resultante dainfluência da

ocupaçãoirregular em

áreas demananciais

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Processo de Construção do mapa

A figura 1 mostra a relação entre as fontesde informação e a Cartografia dentro do pro-cesso de construção do mapa como um todo,segundo KEATES, 1989.

FIGURA 1 - CONSTRUÇÃO DO MAPA ECARTOGRAFIA: FATORES E VARIÁVEIS

(ADAPTADO DE KEATES, 1989)

o conteúdoinformativo égeralmente a

ligação entre arepresentação

cartográfica e aconstrução do

mapa

As fontes de informação podem ser des-critas como fontes primária e secundária e em-bora haja uma distinção relativamente claraentre tais fontes, há outras que se encontramentre estes dois extremos e são denominadasintermediárias. Fontes primárias de informaçãosão levantamentos topográficos, hidrográficos,geomorfológicos; enquanto fontes secundáriassão por exemplo, censos estatísticos de popula-ção, observações de temperatura e precipitação.As intermediárias podem ser citadas como le-vantamentos fotogramétricos, imageamento porsensoriamento remoto, entre outros.

A informação primária é base da constru-ção do mapa, dando entrada a partir de opera-ções de levantamento, as quais incluem coletade dados especializados, realizados para tal pro-pósito. Nesse processo, mapas já existentes po-dem ser utilizados como fontes de informaçãoprimária e o ato de retrabalhar os dados podeser considerado uma tarefa cartográfica. Fon-tes secundárias, embora supridas por outrosmeios que se enquadram fora do processo de

construção de mapas, podem também ser utili-zadas, como por exemplo, dados estatísticospreviamente organizados por instituições públi-cas, por exemplo, a Coordenação Metropolita-na de Curitiba (Comec).

Os métodos de representação definem amaneira pela qual os símbolos cartográficos re-presentam os fenômenos. Os símbolos pontuais,lineares e de área provêem a base cartográfica epor sua vez, a estes símbolos têm que ser dadauma forma específica, dimensão e cor no projetode mapas, sendo especificado na legenda. Emmuitos casos, usar um mapa é uma atividade so-fisticada e complexa, na qual a informação sele-cionada do mapa é combinada com o conheci-mento do usuário para aumentar a compreensão,propor uma solução ou resolver um problema,planejar ações e desenvolver projetos, entre ou-tras finalidades diversas.

Projeto do Mapa Qualidade de Água versusOcupações Irregulares no AglomeradoMetropolitano de Curitiba

A decisão sobre a área geográfica vem emprimeiro lugar, uma vez que é impossível consi-derar qualquer mapa até que a área seja conheci-da. O conteúdo informativo é geralmente a liga-ção entre a representação cartográfica e a cons-trução do mapa. A escala deve ser definida a partirdas considerações dos dados obtidos para a cons-trução, analisando-se previamente a comunica-ção final com o usuário. Normalmente, utiliza-se uma escala apropriada às feições que serãoutilizadas para representar o fenômeno.

O formato do mapa temático também ne-cessita ser bem estudado e previamente dese-nhado, a fim de que seja a melhor solução grá-fica, compatível à finalidade e propósito da co-municação cartográfica, não esquecendo dos ob-jetivos que são inerentes ao usuário. Neste caso,utilizou-se o software ArcView para o desen-volvimento do mapa digital. Na prática, as re-lações entre esses fatores são também depen-dentes do nível de recursos disponíveis para asoperações de construção do mapa, incluindo ahabilidade e recursos técnicos dos produtores.Um bom cartógrafo pode produzir um mapagraficamente legível com menos recursos do que

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um cartógrafo munido de toda a logística, po-rém sem criatividade, o que afetará o nível deinformação do produto final. Mas em outroscasos o nível de informação será limitado devi-do ao fato de que os recursos disponíveis para arepresentação cartográfica são restritos, comopode ocorrer, por exemplo, em uma ilustraçãomonocromática.

1. UsuáriosEste item deve ser muito bem analisado, a

fim de que o propósito da comunicaçãocartográfica seja a mais adequada possível. Osusuários potenciais para o mapa em questão sãoos técnicos relacionados com a gestão ambientalurbano-regional pública e/ou privada no Aglo-merado Metropolitano de Curitiba, bem comopesquisadores da temática.

2. ObjetivosO objetivo principal do projeto de um mapa

temático é refletir o destino de sua utilização. Omapa Qualidade de Água versus Ocupações Ir-regulares no Aglomerado Metropolitano deCuritiba, pretende servir de subsídio aos órgãospúblicos, tendo por base os instrumentos daPolítica Nacional de Meio Ambiente, fundamen-tado na legislação ambiental. A necessidade delocalizar pontualmente as causas e elementosformadores da poluição em mananciais de abas-tecimento, e o comprometimento da qualidadede água têm a finalidade de melhor controlar agestão ambiental no AMC.

3. Caracterização do AMCA caracterização do espaço expressa os ele-

mentos geográficos do objeto de estudo e deveser precisa. Os dados coletados são adicionadosao projeto de forma a elucidar aos usuários ascondições geoambientais da região e deve conterminimamente as seguintes informações:• Localização geográfica: Primeiro Planalto

Paranaense• Clima: Subtropical úmido• Bacia Hidrográfica: Alto Iguaçu, rios:

Atuba, Barigüi, Belém, Iraí, e tributários• Temperatura média: Verão 22oC / Inverno

12oC• Índice pluviométrico: 1.500 mm/ano

• Relevo: levemente ondulado• Altitude: 908 m• Uso do Solo: urbano, industrial, comercial e

serviços.

A construção do mapa

Os trechos de rios amostrados foram sele-cionados conforme o trabalho de monitoramentoda qualidade da água da Bacia do AltíssimoIguaçu e Ribeira na Região Metropolitana deCuritiba, do Instituto Ambiental do Paraná(IAP), no período de 1992 a 2001 (BRUNKOWe TONIOLLO, 2001). Utilizou-se a localiza-ção dos pontos de ocupações irregulares noAMC, conforme LIMA, 2001.

Com os recursos do software, delinou-seáreas (polígonos) concomitantes às estações decoleta, ao longo dos trechos selecionados, a fimde permitir uma melhor visualização gráfica, uti-lizando-se valor de cor (luminosidade), sendoque para os trechos de pior qualidade hídrica,os valores são mais escuros e vice-versa, con-forme o esquema:a) Qualidade da água (baseado em BRUNKOWe TONIOLLO, 2001)Representação gráfica• primitiva gráfica: área (para cada trecho derio em relação à estação de coleta do IAP/Sema);• variável visual: luminosidade (qualidade daágua, considerando para a pior qualidade deágua, o valor mais escuro);• nível de medida: ordinal – parâmetros bacte-riológicos (conforme os padrões das classes dosrios, enquadramento pela Resolução Conama20/86, coletas efetuadas pelo Instituto Ambientaldo Paraná (IAP), período 1995 a 2001).b) Ocupações Irregulares (conforme LIMA, 2001)b) 1: Ocupações de até 1.000 unidadesb) 2: Grandes ocupações (mais de 1.000 unidades)Representação Gráfica• primitiva gráfica: ponto• variável visual: tamanho• nível de medida: numérico

Resultados

O mapa temático elaborado, após análisedos dados coletados, trabalhados e espacia-

os dadoscoletados sãoadicionados ao

projeto deforma a

elucidar aosusuários ascondições

geoambientaisda região

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lizados, pode demonstrar que as ocupações ir-regulares, ora localizadas no AMC, contribu-em para a poluição hídrica desta região, resul-tante principalmente dos despejos de esgotosdomésticos lançados aos rios da Bacia do AltoIguaçu, como pode ser visualizado na figura 2.

Ressalta-se que, embora a poluição dessescorpos d’água não se resuma aos indicadores bac-teriológicos, são os dados que melhor exprimemas condições de risco ao comprometimento dasaúde pública.

Conclusões

Para se aprender a fazer bons mapastemáticos é necessária a conscientização sobreseu poder de comunicação visual, e com isso ser-vir a sociedade no esclarecimento e na desmis-tificação das representações cartográficas. Para

isso, é importante dinamizar-se tal forma de co-municação para o entendimento do espaço geo-gráfico enquanto produto social.

Na pesquisa, ela deve constituir um meiológico capaz de revelar, sem ambigüidades, oconteúdo embutido na informação disponi-bilizada, e portanto, dirigir o discurso do traba-lho científico de forma abrangente, esclarecedorae crítica, socializando o mapa, enaltecendo as-sim, a finalidade social da Ciência Cartográfica(MARTINELLI, 1994).

À Geografia cabe analisar e compreendero espaço produzido e em produção pela socie-dade, as questões ambientais da atualidade emconformidade com os preceitos básicos das ci-ências versus natureza. Trata-se de abordar cri-ticamente a realidade, tendo em vista sua trans-formação consciente voltada para o futuro bem-estar da sociedade.

FIGURA 2 - CONSTRUÇÃO DO MAPA E CARTOGRAFIA - QUALIDADE DA ÁGUA X OCUPAÇÕESIRREGULARES NO AGLOMERADO METROPOLITANO DE CURITIBA

os trechos derios amostrados

foramselecionadosconforme otrabalho de

monitoramentoda qualidade

da água

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Ao poder público cabe o dever de fiscali-zar e tutelar o meio ambiente, de maneira efi-ciente e econômica, dentro dos preceitos legaise da política ambiental, sob o enfoque do de-senvolvimento sustentável socioambiental ur-bano.

Referências

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Autor

Denise Pinheiro Francisco,bióloga pela Pontifícia Universidade

Católica do Paraná,mestranda em Geografia,

área de Análise e Gestão Ambiental, pelaUniversidade Federal do Paraná.

ao poderpúblico cabe o

dever defiscalizar e

tutelar o meioambiente, de

maneiraeficiente eeconômica

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Tratamento por processos oxidativosavançados, uma nova ferramentapara remediação de resíduos

Patricio Peralta-Zamora

Resumo

Embora grande parte dos processos industriaisseja autorizada - o que pressupõe a existênciade condições para gerenciar o impacto ambientalprovocado pela atividade - são freqüentes asnotícias de não-conformidade, principalmenteem relação ao tratamento dos resíduos. Normal-mente, o problema é tratado de maneiraamadora, prevalecendo a necessidade de de-monstrar preocupação, em vez de interesse pelaremediação efetiva dos resíduos. Desta forma,os processos “convencionais” continuam sendomaciçamente adotados, mesmo em situações emque a sua eficiência é discutível. O principalobjetivo deste trabalho é demonstrar a existên-cia de novas alternativas para a resolução dosvelhos problemas de remediação de resíduos, sa-lientando-se os eficientes processos fundamen-tados na geração de radical hidroxila (Proces-sos Oxidativos Avançados, POAs).Em geral, a eficiência dos processos em rela-ção à degradação de substratos resistentes ésuperior a qualquer outra alternativa conheci-da, o que faz com que a sua potencialidade parao tratamento de resíduos líquidos seja bastan-te promissora. Alguns inconvenientes de ordemprática, principalmente relacionados com anecessidade de fontes artificiais de radiação,têm retardado a massiva adoção destes pro-cessos. Entretanto, observa-se que o desenvol-vimento de sistemas cada vez mais eficientes erápidos tem viabilizado a sua utilização emgrande escala, principalmente quando outrasferramentas disponíveis se mostramineficientes.

Palavras-chave: resíduos industriais; reme-diação; processos oxidativos avançados.

Abstract

Although most industrial processes have beenduly authorized (which leads to the assumptionthat the necessary conditions to manage the impacton the environment caused by the relevant activitydo indeed exist), many non-compliance casesoccur, especially involving the failure to correctlytreat residues. Usually the problem is dealt within an unprofessional way: the liable partiesshowing concern instead of attempting toeffectively solve the residue problem. Therefore,“conventional” processes are still widely adopted,even when their efficacy is unproved. The mainpurpose of this article is to present new optionsto solve old residue problems, especially theefficient processes based on generating the radi-cal hydroxyl (“advanced oxidative processes” -AOPs). By and large, the efficacy of such pro-cesses in degrading resistant substrates is higherthan any other known option; therefore, they havea very promising potential for the treatment ofliquid residues. A few inconvenient practicalaspects – especially related to the need of artifi-cial radiation sources – have been delaying themassive use of such processes. However, thedevelopment of increasingly efficient and fastersystems has enabled them to be used in the large-scale, especially when other available tools pro-ve to be ineffective.

Key words: industrial residues; remediation;advanced oxidative processes.

apresenta-sealternativas

pararemediação de

resíduos,salientando-seos eficientes

processosfundamentadosna geração de

radicalhidroxila

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Introdução

O desmedido crescimento populacionaldos nossos dias, junto com a popularização domodelo consumista gerado nos países do pri-meiro mundo, tem propiciado a explosão indus-trial que caracteriza as últimas décadas. A ati-vidade industrial é responsável pela produçãode inúmeros produtos de primeira necessidade,razão pela qual tem-se transformado em verda-deiro símbolo das sociedades desenvolvidas.Além de proporcionar alimentos, materiais eserviços, a atividade industrial costuma ser res-ponsabilizada, muitas vezes com justa razão,pelo fenômeno de contaminação ambiental, temaque deixou de ser preocupação exclusiva de ci-entistas e ambientalistas e transformou-se emclamor geral de uma sociedade que testemunhaa deterioração progressiva do planeta.

Embora exista uma preocupação univer-sal por se evitar episódios de contaminaçãoambiental, estes prejudiciais eventos continuamocorrendo, principalmente porque grande partedos processos produtivos é intrinsecamentepoluente. Em primeiro lugar, a necessidade detransportar e armazenar grandes quantidades dematérias-primas e insumos envolve sérios ris-cos de contaminação por eventos acidentais. Emsegundo lugar, o processo produtivo implica natransformação química de grandes quantidadesde matérias-primas, usualmente com rendimen-tos bastante afastados do ideal, o que obviamenteimplica na geração de resíduos contendoinsumos e matérias-primas não-esgotadas, as-sim como subprodutos sem valor comercial.Finalmente, as espécies químicas que surgemem uma linha de produção são de natureza tãovariada que dificilmente pode se contar com umarotina de tratamento que permita a remediaçãode todos os parâmetros de relevância ambiental.Com estes ingredientes, o impacto ambientalprovocado pela atividade industrial é apenasuma questão de tempo.

Tratamento convencional de resíduos industriais

Em função da problemática mencionadaacima, muitos estudos têm sido realizados como objetivo de desenvolver tecnologia capaz de

minimizar o volume e a toxidez dos efluentesindustriais. Atualmente, por exemplo, existe umaforte tendência dentro do âmbito da indústria depapel e celulose pelo estabelecimento detecnologias limpas, as quais poderiam permitir,em princípio, atingir o estado de descarga zero(HABETS e HEINS, 1997).

Infelizmente, a aplicabilidade deste tipo desistemas está subordinada ao desenvolvimentode processos modificados e ao estabelecimentode sistemas de reciclagem de efluentes, ativida-des que requerem tecnologias em evolução, nãouniversalmente disponíveis. Por este motivo, oestudo de novas alternativas para o tratamentoe a remediação dos inúmeros efluentes industri-ais atualmente produzidos continua sendo umadas principais armas de combate contra o fenô-meno de contaminação antropogênica.

Com este propósito, muitas técnicas têmsido exploradas: a incineração, por exemplo, seconstitui como um dos procedimentos mais clás-sicos para a degradação de espécies contami-nantes. No entanto, a sua utilidade é bastantediscutida, fundamentalmente porque pode levarà formação de compostos mais tóxicos que opróprio efluente, tipicamente dioxinas(BABUSHOK e TSANG, 2003). Outras alter-nativas, que se fundamentam em processos detransferência de fases (ex.: adsorção, precipita-ção, e “air-stripping”), mostram-se bastante efi-cientes em relação à depuração de efluentes, comcustos relativamente baixos. Entretanto, existeuma forte tendência a evitar este tipo de proces-sos, principalmente porque não permitem a eli-minação das substâncias contaminantes, masapenas a transferência para uma nova fase. Adisposição destas novas fases, nas quais oscontaminantes encontram-se concentrados, con-tinua sendo um problema de difícil solução.Motivos similares têm impedido a proliferaçãode processos baseados na utilização de mem-branas. Estudos na área de tecnologia depolímeros têm contribuído com um grande nú-mero de novos materiais, que viabilizam a utili-zação de processos de micro, ultra, nano-filtra-ção e osmose reversa (CHAKRABORTY et al.,2003). Contudo, por se tratar de processos não-destrutivos, o problema da disposição final con-tinua latente.

estudo dealternativas

para otratamento e aremediação dos

efluentesindustriais

continua sendouma dasprincipaisarmas de

combate contrao fenômeno decontaminaçãoantropogênica

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Tratamentos baseados em processos bio-lógicos são freqüentemente utilizados, já quepermitem a transformação de compostos orgâ-nicos tóxicos em CO2 e H2O, nos processosaeróbios, ou CH4 e CO2, nos anaeróbios; comcustos relativamente baixos. Contudo, trata-sede procedimentos que, além de requerer um lon-go tempo de execução, não apresentam umaadequada eficiência na remoção de cor ou naeliminação da toxicidade crônica.

Novas alternativas biotecnológicaspara o tratamento de resíduos

Dentro do contexto da biotecnologia mo-derna, uma das maiores contribuições para aquestão do tratamento de resíduos é representa-da pelo desenvolvimento de processos fundamen-tados em fungos, principalmente os de decompo-sição branca. Trata-se de uma família de fungosque apresenta elevada eficiência para degrada-ção de lignina e de inúmeros substratos de natu-reza fenólica similar (DITTMANN, 2002; RUIZ-AGUILAR et al., 2002; ZHONGMING eOBBARD, 2002).

Fungos como Phenerochaete chrysosporium,Trametes villosa e Trametes versicolor, têm sidoutilizados com sucesso na degradação de inúmerossubstratos de relevância ambiental, dentre os quedestacam lignina, fenol, fenóis clorados, pesticidas,corantes etc, espécies estas de reconhecida resistên-cia à degradação biológica convencional.

Embora eficientes, os processos de reme-diação fundamentados na utilização de fungoscostumam ser bastante demorados, fato que re-almente dificulta a sua aplicação em grande es-cala. Para contornar este inconveniente novossistemas de tratamento foram propostos, destavez envolvendo a utilização de enzimas produ-zidas a partir de culturas fúngicas.

É sabido que fungos deste tipo, em meioslimitados em carbono e nitrogênio, produzemuma família de enzimas extracelulares, princi-pais responsáveis pela enorme capacidade degra-dativa dos fungos. Assim, enzimas como lacase,lignina e manganês peroxidase têm sido utiliza-das com sucesso em inúmeros estudos de de-gradação. Nestes casos, a necessidade de de-senvolver sistemas imobilizados tem se tornado

uma prioridade, principalmente para garantir oreaproveitamento das enzimas (XIA et al., 2003;PERALTA-ZAMORA et al., 2003). Infelizmen-te, encontrar um suporte que permita a imobili-zação enzimática e a manutenção da sua ativi-dade tem sido uma tarefa pouco frutífera, prin-cipalmente em função de os materiais propos-tos apresentarem uma elevada capacidade deadsorção dos substratos que desejasse degra-dar. Desta forma, a remoção de poluentes porenzimas imobilizadas costuma se dar mais porprocessos adsortivos que enzimáticos, fato nor-malmente negligenciado nas comunicações ci-entíficas especializadas.

Em função das dificuldades comentadasacima, e sabendo-se que a capacidade degra-dativa das enzimas depende exclusivamentedo seu sítio ativo, uma tendência surgiu re-centemente nesta área, visando prescindir dovetor microbiológico. Trata-se da síntese quí-mica de espécies mimético-enzimáticas e o es-tudo da sua potencialidade em relação à de-gradação de substratos de importância. Den-tro deste contexto, especial destaque deve serdado ao uso de complexos porfirínicos de fer-ro, espécie que apresenta estrutura análogaao sítio ativo das enzimas, antes menciona-das, e elevada capacidade de degradação(MACHADO et al., 2002; NAKAGAKI et al.,2002). Entretanto, uma análise minuciosa dasreações envolvendo espécies químicas destetipo permite constatar a existência de ummecanismo redox, envolvendo, essencialmen-te, ferro e peróxido de hidrogênio. Obviamen-te, não se trata de um processo biotecnológico,e sim de uma das mais novas tendências naárea de tratamento de resíduos. Isto é, pro-cessos oxidativos avançados.

Uma representação da evolução dos siste-mas de tratamento, a partir dos fungos de de-composição branca, é apresentada na figura 1.

Processos oxidativos avançados

Processos oxidativos avançados são, por de-finição, sistemas que se fundamentam na gera-ção de radical hidroxila (OH), de característicasfortemente oxidantes (PIRKANNIEMI eSILLANPÄÄ, 2002). As vantagens mais signi-

uma dasmaiores

contribuiçõespara o

tratamento deresíduos é

representadapelo

desenvolvimentode processos

fundamentadosem fungos,

principalmenteos de

decomposiçãobranca

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FIGURA 1 - REPRESENTAÇÃO DA EVOLUÇÃO DOS PROCESSOS BIOTECNOLÓGICOS,A PARTIR DOS FUNGOS DE DECOMPOSIÇÃO BRANCA

ficativas deste tipo de procedimentos estãorepresentadas pela relativa simplicidadeoperacional dos sistemas e pela elevada eficiên-cia de degradação de compostos orgânicos tóxi-cos e persistentes (CHIRON et al., 2000).

A elevada reatividade do radical hidroxila, eo conseqüente baixo tempo de meia-vida, faz comque seja necessária a sua produção no próprio meioreacional. Com este propósito, várias alternativastêm sido propostas, dentre as quais destacam-seas apresentadas na tabela 1, na página seguinte.

A fotocatálise heterogênea corresponde auma das alternativas mais estudadas, principal-mente com a utilização de dióxido de titâniocomo fotocatalisador. A elevada eficiência dosistema tem sido exaustivamente reportada nosúltimos anos, principalmente em relação à de-gradação de substratos sabidamente resistentese tóxicos (KSIBI, 2003; KONSTANTINOU eALBANIS, 2003; GUILLARD et al., 2003).Embora a eficiência do processo seja superiorao de muitas outras técnicas convencionais, di-ficilmente podem ser encontradas rotinas paratratamento contínuo de grandes volumes de re-síduo, principalmente em função de dois incon-venientes crônicos do sistema: dificuldades paraa separação da fina suspensão de fotocatalisa-dores e necessidade de fontes artificiais de radi-ação. Deste ponto de vista, os sistemas homo-gêneos tornam-se mais interessantes, e dentreeles, um dos poucos que permite a utilização deradiação visível é o sistema foto-Fenton.

Quando associado à radiação visível, oprocesso Fenton torna-se extremamente efici-ente, permitindo a completa mineralização desubstratos em tempos bastante reduzidos. Parailustração, apresenta-se na figura 2 os resulta-dos de um estudo de remediação de efluente têx-til, recorrendo-se a um sistema foto-Fenton embatelada. Tal como explicitado pelo gráfico, adescoloração completa do resíduo se processaem tempos da ordem de 20 minutos, enquantoque em tempos algo maiores (30 minutos) a re-dução de DQO corresponde a aproximadamen-te 60%. A redução destes parâmetros se acom-panha de remoção sistemática da toxicidadeaguda (frente a E. coli), sendo praticamentecompleta em tempos de reação de 120 minutos.Considerando-se o caráter resistente deste resí-duo, e a completa inadequação dos processosbiológicos convencionais, os resultados aquicomentados conferem ao processo um excelen-te potencial de aplicação.

Resultados similares a este têm sido con-seguidos em matrizes tão complexas quanto:percolado de aterro sanitário, efluentespapeleiros, resíduos de pesticidas e águas con-taminadas com BTXs.

Conclusões

Nos últimos anos, a implementação de pro-gramas de gerenciamento de resíduos e a ado-ção de políticas que conduzam à tão desejada

os sistemashomogêneos

tornam-se maisinteressantes, edentre eles, umdos poucos que

permite autilização de

radiação visívelé o sistemafoto-Fenton

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condição de desenvolvimento sustentado têm setornado freqüentes no meio industrial. Estasações, e particularmente a sua ampla divulga-ção, podem dar a falsa impressão de que os pro-cessos industriais deixaram de ser atividadesimpactantes. Entretanto, cada vez que um epi-sódio agudo de contaminação ocorre, os pro-blemas particulares de cada tipo de processoprodutivo ficam expostos, demonstrando queainda há necessidade de muitas mudanças.

Dentro deste contexto, a necessidade de de-senvolver novas e melhores tecnologias deremediação de resíduos torna-se fundamental. Apesquisa brasileira tem competência para isto,faltando, apenas, apoio por parte dos donos do

problema e visão, para perceber que há vida alémdos processos convencionais de tratamento.

Dia após dia, os processos oxidativos avan-çados demonstram o seu valor, principalmentena degradação de substratos resistentes a ou-tros tipos de tratamento. Entretanto, quandoaspectos econômicos são levantados, surgemantecedentes que dificultam a sua aplicação emgrande escala, principalmente quando os pro-cessos envolvem radiação ultravioleta.

Nos processos irradiados, grande partedo custo está representada pelo consumoenergético associado ao processo de irradia-ção. Entretanto, unidades pequenas, com ca-pacidade para o tratamento de volumes da

SISTEMA

Fotocatáliseheterogênea

Sistemasfoto-eletroquímicos

Fenton

O3-OH-

UV-H2O2

Foto-Fenton

REAÇÃO

S + hν → S(e-, h+)OH- + h+ → OH.

S: fotocatalisador semicondutor.(e-, h+): par elétron-lacuna.

Ver anterior

Fe2+ + H2O2 → Fe3+ + OH- + OH.

O3 + OH- → O2- + HO2

.

O3 + HO2. → 2O2 + OH.

H2O2 + hν(254 nm) → 2OH.

Fe3+ + H2O + hν → Fe2+ + H+ + OH.

OBSERVAÇÕES

Utilizam-se semicondutores como:TiO2, ZnO, Fe2O3, na forma de suspen-sões. A energia requerida depende do“band gap” do semicondutor.

Sistema fundamentado na utilização deeletrodos que contém uma fina cama-da de fotocatalisador. A aplicação decorrente externa favorece o processo deseparação de cargas.

Sistema fundamentado na reação deíons ferrosos e peróxido de hidrogênio(analogia com sistema enzimático).

Em meio alcalino, o potencial oxidantedo ozônio aumenta significativamente,graças à formação de radical hidroxila.

Radiação da ordem de 254 nm provo-ca cisão homolítica da molécula deH2O2, gerando 2 equivalentes de radi-cal hidroxila.

Sistema que complementa o processoFenton, fechando um ciclo catalíticocom geração de 2 equivalentes de ra-dical hidroxila.

TABELA 1- PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DE ALGUNS PROCESSOS OXIDATIVOS AVANÇADOS

Sistemas heterogêneos

Sistemas homogêneos, não-irradiados

Sistemas homogêneos, irradiados

os processosoxidativosavançados

demonstram oseu valor,

principalmentena degradaçãode substratosresistentes a

outros tipos detratamento

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FIGURA 2 - ESTUDO DE DEGRADAÇÃO DE EFLUENTE TÊXTIL POR PROCESSO FOTO-FENTON

Efluente: 300 mL (DQO: 1200 mg O2 L-1); pH: 2; Fe+2: 15 mg.L-1;

H2O2: 200 mg.L-1; O2: 100 mL.min-1; RADIAÇÃO: VISÍVEL

ordem de alguns metros cúbicos, podemser implementadas com lâmpadas a vapor demercúrio de 250 W. Nesta configuração, oconsumo de energia não é tão significativo,principalmente levando-se em consideração osbaixos tempos de reação necessários.

Dentro deste contexto, os processosFenton merecem um especial destaque, uma vezque podem ser aplicados na presença de radia-ção solar ou, dependendo do substrato, na au-sência de qualquer tipo de radiação. Nestes ca-sos, o custo é sensivelmente reduzido, tornan-do o processo comparável a qualquer outra al-ternativa convencional.

Finalmente, é importante salientar queuma análise comparativa de custos quedesconsidere aspectos relacionados com aeficiência do processo carece de sentido. As-sim, mesmo que a aplicação de processosavançados implique maiores custosoperacionais, a sua utilização é indicada emcasos em que os processos convencionais,

reconhecidamente mais econômicos, não ope-ram adequadamente.

Referências

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Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.20, n.20, p. 42-48, jul./dez. 2003

grande parte docusto está

representadapelo consumo

energéticoassociado aoprocesso deirradiação

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ectomycorrhizal pine seedlings. Chemosphere,v. 49, n. 3, p. 297-306, 2002.

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Autor

Patricio Peralta-Zamora, químico, mestre em

Química Analítica e doutor emCiências, professor do

Departamento de Químicada Universidade Federal do Paraná.

Coordena o Grupo Tecnotrater, grupo depesquisas da UFPR, orientado ao desenvolvi-

mento de técnicas avançadas para otratamento de resíduos.

os processosFenton

merecem umespecial

destaque, poispodem ser

aplicados napresença de

radiação solar ena ausência dequalquer tipode radiação

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Eficiência agronômica e produçãovegetal de cinco biossólidos aplicadosa dois solos tropicais

Rodrigo Studart CorrêaAnelisa Studart Corrêa

Resumo

Uma amostra de lodo de esgoto de tratamentoterciário foi coletada e subamostras foram esta-bilizadas por meio de processos para significan-temente reduzir patógenos: compostagem, apli-cação de CaO, radiação solar sob clima austra-liano e secagem a 250oC em uma fornalha. Osbiossólidos produzidos e o lodo fresco foramaplicados em dez doses diferentes (0,25 - 8,0Mg ha-1, base seca) em dois solos, um Espodos-solo arenoso e um Latossolo argiloso, que ser-viram de substrato para o crescimento de Loliumperenne. A eficiência agronômica e a produçãovegetal máxima dos tratamentos foram medi-das. Os resultados mostraram que a eficiênciaagronômica dos biossólidos e a produção máxi-ma de biomassa vegetal variaram em função doprocesso de estabilização utilizado no lodo deesgoto e do tipo de solo. No solo argiloso, asecagem a 250oC foi o processo que produziu obiossólido de melhor performance e no solo are-noso, o biossólido irradiado foi o de maior efi-ciência agronômica.

Palavras-chave: biossólidos, lodo de esgoto, efi-ciência agronômica.

Abstract

A sewage sludge sample, generated from thebiological nutrient reduction process at tertiarylevel, was collected and underwent the Proces-ses for Significantly Reducing Pathogens:composting, lime treatment, solar irradiation and250oC-heat drying. The biosolids and the fresh

sludge were applied to a Podosol and to aFerrosol soil, Australian classification, at 0,25- 8,0 Mg dry solids ha-1 to work as growingmedium for Lolium perenne. Biosolids’agronomic effectiveness and maximum biomassproduction were measured. Results showagronomic effectiveness and maximum biomassproduction depending on both the stabilizationprocess and the soil type. Pellets generated at250oC showed the best performance in theFerrosol soil while the solar-irradiated biosolidachieved the highest agronomic effectiveness inthe Podosol soil.

Key words: biosolids, sewage sludge,agronomic effectiveness.

Introdução

A crescente produção de resíduos urbanostem levado ao seu uso como fontes alternativasde matéria orgânica. A produção constante e ines-gotável desses materiais, aliada ao baixo custode obtenção, torna-os atrativos para serem usa-dos na agricultura, paisagismo, florestas e recu-peração de áreas degradadas. Além disso, consi-derando que a geração de resíduos é por si só umproblema, o reaproveitamento deles contribuipara aliviar a pressão sobre o meio ambiente.Retornar ao solo e aos respectivos ciclos natu-rais os nutrientes e a matéria orgânica retiradospor meio de safras agrícolas é a base conceitualpara a aplicação de esgoto doméstico a solos.Existe atualmente um amplo espectro debiossólidos, que são produtos derivados de esgo-to. Biossólidos são reputados por melhorarem a

os resíduosurbanos são

atrativos paraserem usadosna agricultura,

paisagismo,florestas e

recuperação deáreas

degradadas

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estrutura de solos, a disponibilidade de nutrientes- principalmente nitrogênio e fósforo - e aumen-tarem a produtividade agrícola. Entretanto, háriscos ambientais e de saúde pública que devemser gerenciados quando se decide pela utilizaçãode biossólidos. Questões sanitárias podem sersuperadas por meio do manejo adequado do lodofresco ou pelo emprego de processos que ohigienizem e o estabilizem.

A Agência Norte-Americana de ProteçãoAmbiental (Usepa) regulamenta em sua norma“Title 40 of the Code of Federal Regulations(CFR), Part 503” o uso benéfico de biossólidos,relacionando-os ao risco potencial que repre-sentam para a saúde humana e para o meioambiente. Essa norma enumera os possíveis usosde um determinado biossólido, após ser estabi-lizado/higienizado, com base na concentraçãode organismos patogênicos remanescentes. Des-sa forma, os Processos para SignificantementeReduzir Patógenos – PSRP (compostagem, se-cagem a calor, caleação e radiação solar)objetivam aumentar a segurança de aplicação ede utilização de biossólidos, tornando-os está-veis, inócuos, inodoros, estocáveis e até comer-cializáveis, em alguns casos.

Porém, é necessário um melhor conhecimentoacerca das propriedades agronômicas debiossólidos estabilizados. Um melhor manejo des-ses materiais como fontes de nutrientes e de maté-ria orgânica demanda um melhor conhecimentodo seu potencial agronômico, para que sejam uti-lizados de forma eficiente e com baixo riscoambiental. De acordo com MAGUIRE et al.(2000), poucos estudos tentaram determinar a re-lação entre o processo de estabilização emprega-do para a produção de um determinado biossólidoe a sua capacidade e eficiência para promover ocrescimento de plantas. Por isso, este trabalho visaavaliar o potencial agronômico de cinco biossó-lidos, que foram produzidos por meio dos cincoprocessos mais comuns de estabilização de lodosde esgoto: digestão aeróbica, compostagem,caleação, secagem a calor e radiação solar.

Material e métodos

Estabilização do lodo de esgotoUma amostra de 0,5 tonelada de lodo de

esgoto terciário, originado por tratamento delodos ativados e prensado mecanicamente, foicoletada da “Coliban Water TreatmentWorks”, em Victoria, Austrália. Esse materi-al, denominado neste trabalho de lodo fresco,foi estabilizado em triplicata de acordo comos Processos para Significantemente ReduzirPatógenos – PSRP (USEPA, 1995). Acompostagem utilizou misturas do lodo fres-co com serragem, conforme CORRÊA et al.(2000). A caleação foi realizada com aplica-ção de cal virgem (CaO) na proporção de 30%do peso de matéria seca presente no lodo fres-co, de acordo com CORRÊA et al. (1999). Asecagem a calor deu-se em uma fornalha a250oC, por 1 hora, e o tratamento por radia-ção solar ocorreu ao longo de 15 dias, a céuaberto e sob condições de verão (14 horas deluz, temperatura média matutina e vespertinade 23oC). Todas as amostras frescas não uti-lizadas prontamente foram congeladas (-20oC± 1oC) e as processadas (biossólidos) forammantidas em uma câmara fria (5oC ± 0,5oC)até a data das análises laboratoriais. Tanto olodo compostado quanto o lodo seco a 250oCforam passados em uma peneira de 2 mm an-tes de serem analisados. Uma amostra com-posta de cada tipo de biossólido produzidofoi coletada para análise e para ser aplicadaaos solos deste experimento.

Análises laboratoriaisAs análises laboratoriais consistiram na ava-

liação da água gravimétrica (110oC por 48 ho-ras), densidade global (método do cilindro), ni-trogênio total (N-total), nitrogênio mineral (N-mineral), fósforo total (P-total), fósforo disponí-vel (P-disponível) e carbono total (C-total). Ni-trogênio e carbono totais foram analisados emuma auto-analisadora Carbo-Erba NA 150 decombustão seca. Os valores de C-total foram mul-tiplicados por 1,7 para obterem-se as porcenta-gens de matéria orgânica. N-mineral foi avalia-do pelo método Kjeldahl de destilação. P-totalfoi avaliado por meio de digestão ácida (HNO3 +H2SO4) a 300oC e posterior análise do extratoem espectofotômetro de absorção óptica (UVV).P-disponível foi extraído com uma mistura de HCle NH4F (Bray-1) e analisado UVV a 882nm. Os

este trabalhovisa avaliar o

potencialagronômico de

cincobiossólidos,

produzidos pordigestãoaeróbica,

compostagem,caleação,secagem a

calor e radiaçãosolar

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Parâmetro

*Umidade%

*Matéria orgânica%

N-totalg kg-1

N-mineralmg kg-1

P-totalg kg-1

P-disponívelmg kg-1

Lodofresco87,8± 0,28,2

± 0,37,9

± 0,176,1± 6,68,8

± 0,232,7± 2,1

Lodocompostado

55,1± 0,928,3

± 0,057,1

± 0,1124,5± 2,210,9± 0,3169,1± 0,4

Lodocaleado

76,3± 0,29,1

± 0,19,5

± 0,422,2± 1,112,0± 0,22,8

± 0,1

Lodo secoa calor (peletes)

3,4± 0,160,2± 3,962,6± 0,9345± 1569,9± 1,4655± 29

Lodoirradiado

80,1± 0,211,2± 0,213,0± 0,8159,8± 2,614,5± 0,139,5± 6,9

*massa/massa; média ± desvio padrão

resultados dos parâmetros analisados encontram-se na tabela 1.

Solos

Dois solos foram selecionados para rece-berem os biossólidos: um “Podosol” e um“Ferrosol”, de acordo com a classificação aus-traliana (ISBELL, 1996). Pela classificação bra-sileira, os solos correspondem respectivamente aum Espodossolo Cárbico Órtico e a um LatossoloVermelho Perférrico (EMBRAPA, 1999).“Podosol” é um solo arenoso, distrófico, muitopermeável e limitado para o uso agrícola.“Ferrosol” é um solo argiloso, mesotrófico, bemdrenado e facilmente compactado por más práti-cas agrícolas. A camada superficial (10 cm) dosdois solos foi retirada antes da coleta, para sesimular a condição de área de solo degradado,desprovido de matéria orgânica e de nutrientes.Tal condição pode melhor isolar os efeitos de cadabiossólido daqueles proporcionados pela maté-ria orgânica e pelos nutrientes originalmente pre-sentes nos dois solos. Uma amostra de 200 kg deEspodossolo foi coletada entre 10 e 30 cm deprofundidade e uma outra amostra de 200 kg deLatossolo foi coletada entre 10 e 50 cm de pro-fundidade. Os dois solos foram deixados parasecar à sombra por duas semanas, passados empeneira de 4 mm e analisados conforme os méto-dos citados acima. Textura (argila, silte e areia)foi analisada pelo método do densímetro

(Bouyoucos), conforme descrito em ISBELL(1996). Os resultados dos parâmetros analisa-dos encontram-se na tabela 2.

Tratamento dos solos

Um experimento em vasos foi escolhidopara testar a produção de matéria seca, uma vez

TABELA 1 - RESULTADOS DOS PARÂMETROS LABORATORIAIS ANALISADOS (BASE ÚMIDA)

Espodossolo0,38

± 0,030,1

± 0,010,15

± 0,014,5

< ± 0,16.080

± 34,9

± 0,11,6

± 0,148± 337± 1915± 21

Latossolo1,6

± 0,15,0

± 0,10,40

± 0,0214,6± 0,5

13.000± 55,0

± 0,10,9

± 0,1499± 38145± 9356± 19

TABELA 2 - ALGUMAS PROPRIEDADESDOS DOIS SOLOS SELECIONADOS

média ± desvio padrão

ParâmetroN-totalg kg-1

N-mineralmg kg-1

P-totalg kg-1

P-disponívelmg kg-1

C-totalmg kg-1

pH1:5 água (m/v)

Densidade globalMg m-3

Argilag kg-1

Silteg kg-1

Areiag kg-1

a camadasuperficial dosdois solos foiretirada antesda coleta, para

se simular acondição deárea de solodegradado

Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.20, n.20, p. 49-57, jul./dez. 2003

52

TABELA 3 - DOSES DE BIOSSÓLIDOS CALCULADAS EM MG HA-1 (BASE SECA)E APLICADAS EM M3 HA-1 (BASE ÚMIDA)

Base seca

0,250,501,02,03,04,05,06,07,08,0

Lodofresco

1,83,57,1

14,121,228,335,342,449,456,5

m3 ha-1 (base úmida)

Lodocompostado

1,12,24,58,913,417,822,326,731,235,7

Lodocaleado

1,22,44,99,7

14,619,524,329,234,138,9

Lodo secoa calor (peletes)

0,30,71,53,04,45,97,48,9

10,411,9

Lodoirradiado

0,91,83,67,2

10,814,418,021,525,128,7

que, nessa escala, é menos custoso, mais rápidoe pode ser melhor controlado (Weatherley et al.,1988). Amostras de 1,8 kg de solos receberamos biossólidos relacionados na tabela 3, em do-ses equivalentes a 0,25 - 8,0 Mg ha-1 (base seca),antes de serem colocados em vasos de 2 L, emtriplicata. Os solos foram regados com águadestilada até a capacidade de campo e deixadospara descansar sobre pires por uma semana emcasa de vegetação e à temperatura de 25oC (±2oC). Amostras não tratadas de cada tipo de solo(“blanks”) foram colocadas entre aqueles quereceberam biossólidos, para efeitos de controle.

Teste com plantas

Após uma semana do tratamento dos so-los, cada vaso recebeu dez sementes de Loliumperenne cv.concord (azevém), a 0,5 cm deprofundidade, e entre 10 e 20 mL de água des-tilada. Os vasos foram sorteados semanalmen-te na casa de vegetação, para se garantir maiorhomogeneidade no experimento. Duas sema-nas após a semeadura, as plantas foram des-bastadas, deixando-se as cinco plantas mais uni-formes em cada vaso. O regime de rega foidiário e procedeu-se à colheita da parte aéreade todas as plantas oito semanas após o des-baste. O material vegetal coletado foi seco emestufa a 70oC (± 1) por 72 horas, deixado esfri-ar em um dessecador e pesado em balança ana-lítica digital. Resultados de produção de

Y = A - BRX, R positivo e < 1[Equação 1]

Mg ha-1

biomassa vegetal são dados em base seca.

Análise dos dados

Os resultados de produção de biomassavegetal foram plotados no eixo das ordenadasde um gráfico, tendo as doses de biossólidosaplicadas aos solos (m3 ha-1 em base úmida) naabscissa. A função resposta de cada tratamentofoi ajustada pelo método modificado demaximização de probabilidades de Newton(Equação 1), utilizando-se o programa GenStat®

para Windows 5.a edição:

Em que Y é a produção (mg de biomassaaérea seca/vaso), X é a quantidade de biossólidoaplicado (equivalente a m3 ha-1), R é a inclina-ção da reta, A é a produção máxima e B é aresposta de produção a doses crescentes debiossólido. Um fator de curvatura (C) foi deri-vado de -ln R para o cálculo da eficiência decada produto em relação à resposta de produ-ção do lodo de esgoto fresco. A Equação 1 aci-ma é equivalente à Equação de Mitscherlich (Y= A - B-CX). À medida que C aumenta, menosbiossólido é necessário para se produzir a mes-ma biomassa ou menos biossólido é necessáriopara se atingir a produção máxima (BOLLAND,1997). A eficiência agronômica de um insumo

os resultadosde produção de

biomassavegetal foramplotados no

eixo dasordenadas de

um gráfico

Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.20, n.20, p. 49-57, jul./dez. 2003

53

RE = RBiossólido/RLodo fresco[Equação 3]

se Y = A - BRX dy/dx = - BRX ln R = BRX C

quando x = 0, RX = 1 dy/dx = BC

pode ser definida como a função resposta deprodução vegetal à unidade de aplicação doinsumo em questão (BOLLAND, 1997).

Sendo assim, a eficiência agronômica de cadabiossólido em cada um dos dois solos foi calcula-da pelo produto entre B e C (BC), desde que:

A razão entre BC de cada biossólido esta-bilizado e BC do lodo fresco (B1C1/B2C2) apli-cados a cada solo dá a eficiência relativa (RE)de cada biossólido em relação ao lodo de esgotofresco, como descrito em WEATHERLEY et al.(1988). Quando RE = 1, os tratamentos com-parados são de igual eficiência; quando RE < 1or RE > 1, um dado tratamento é menos ou maiseficiente que o tratamento referência.

Valores de desvio padrão para B e R (SEBe SER respectivamente) foram estimados peloprograma GenStat® para Windows. O desviopadrão para BC (SEBC) e para RE foram deri-vados da Equação 2 abaixo, como descrito emBEERS (1957):

Quando o modelo assimptótico não preen-cheu adequadamente a Equação 1, equações li-neares de regressão foram utilizadas para ocálculo de RE, de acordo com a Equação 3 abai-xo, descrita em WEATHERLEY et al. (1988):

Resultados e discussão

Os processos de higienização/estabilizaçãoreduziram a quantidade de água existente no lodofresco e alteraram as concentrações de matériaorgânica, N-total, N-mineral, P-total e P-dispo-nível nos produtos gerados, tanto em base úmida(tabela 1) quanto em base seca. O processo desecagem a calor para produção de peletes, porexemplo, aumentou em três vezes a concentra-ção de P-disponível (base seca), enquanto a apli-

cação de cal reduziu a 15% a concentração ori-ginal de N-mineral e a 5% o P-disponível origi-nalmente presentes no lodo de esgoto fresco (baseseca). Entretanto, a perda de água durante a es-tabilização do lodo fresco prevaleceu em todosos processos de estabilização empregados, queresultou em biossólidos com maiores teores dematéria orgânica e de nutrientes na matéria úmi-da, salvo N-total no lodo compostado, N-minerale P-disponível no lodo caleado (tabela 1). Combase nos parâmetros analisados, cada Processopara Significantemente Reduzir Patógenos(PSRP) produziu um biossólido diferente quantoao potencial agronômico de fornecer matéria or-gânica para solos e/ou nutrientes para plantas.Em relação à estabilidade, os peletes e o lodocompostado mostram-se inertes e inodoros sobcondições de armazenamento, enquanto os lo-dos fresco, caleado e irradiado continuaramputrescíveis sob condições ambientais. Essas ca-racterísticas diferentes dos biossólidos acarreta-ram, de fato, em diferentes eficiências agronô-micas, quando utilizados nos dois solos escolhi-dos para o experimento.

A eficiência agronômica dos biossólidosvariou em função do processo de estabilizaçãoempregado e do tipo de solo (tabela 4). Porém,independente da eficiência relativa (RE) de cadabiossólido em relação ao lodo fresco, a espécieteste - Lolium perenne - respondeu positivamen-te às doses crescentes aplicadas aos dois solos(tabela 3). Valores de RE maiores que 1 indi-cam que o processo de estabilização tornou obiossólido mais eficiente para a produção vege-tal. Apesar de os PSRP visarem à redução depatógenos, e não à alteração de propriedadesagronômicas, efeitos colaterais causados peladesidratação do lodo fresco e pela mineralizaçãode sua matéria orgânica mais do que duplica-ram e eficiência agronômica do lodo irradiadonos dois solos testados (tabela 4). A maior dis-ponibilidade de nutrientes (tabela 1) é prova-velmente a causa da melhor performance do lodoirradiado em relação ao lodo fresco.BAMFORTH (1996) sugere que lodos frescose caleados devam ser incorporados a solos tro-picais seis semanas, no mínimo, antes da seme-adura, para que haja significativa liberação denutrientes antes da fase de germinação de plan-

a eficiênciaagronômica decada biossólido

em cada umdos dois solosfoi calculadapelo produtoentre B e C

(BC)

Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.20, n.20, p. 49-57, jul./dez. 2003

SEBC = (SER2 + SEB

2)0,5

[Equação 2]

54

Biossólido

Lodo fresco

Lodo compostado

Lodo caleado

Lodo seco a calor (peletes)

Lodo irradiado

Lodo fresco

Lodo compostadoLodo caleado

Lodo seco a calor (peletes)

Lodo irradiado

A

2,24±0,020,99

±0,021,98

±0,091,29

±0,031,93

±0,01

1,91±0,15

1,53±0,202,85

±0,162,11

±0,03

B

2,07±0,020,84

±0,031,79

±0,011,25

±0,041,89

±0,02

1,84±0,15

1,15±0,222,80

±0,151,92

±0,04

R

0,931±0,0120,962

±0,0160,911±0,010,891

±0,0090,851

±0,007

0,961±0,004

0,942±0,0080,895

±0,0020,893

±0,013

C

0,071

0,039

0,093

0,115

0,161

0,040

0,060

0,110

0,113

BC

0,147±0,0320,033±0,0010,166±0,0170,144±0,0010,304±0,004

0,314±0,009

0,309±0,0120,968±0,0530,802±0,025

Médias com mesma letra não diferem estatisticamente pelo teste de Tukey (p= 0,05).

TABELA 4 - COEFICIENTES PARA AS RESPOSTAS DE PRODUÇÃO, AJUSTADOS PELO O MODELOASSIMPTÓTICO OU PELO O MODELO LINEAR (COEFICIENTE ± DESVIO PADRÃO)

Produção de biomassa no Latossolo

Produção de biomassa no Espodossolo

Linear, R2 = 0,94 y = 0,014x + 0,042

tas. Portanto, deixar que biossólidos minera-lizem antes do estabelecimento de uma culturaaumenta a concentração de nutrientes pronta-mente disponíveis para as plantas, tornando-seprática eficiente para aumentar a produtividadevegetal.

Porém, houve efeito colateral negativo dosPSRP naqueles biossólidos que apresentaramRE < 1 (tabela 4). Redução da eficiência agro-nômica de biossólidos estáveis, aplicados a vá-rios solos para a produção de várias culturas, étambém relatado por SÜSS (1997). A compos-tagem reduziu a eficiência agronômica do lodofresco a cerca de 20%, independentemente dotipo de solo (tabela 4; RE = 0,22-0,24). Para secompostar lodo de esgoto, há a necessidade dese adicionar duas partes de material carbonáceo(ex: serragem) para cada parte de lodo fresco,visando a uma relação carbono-nitrogênio de20-30:1 (CORRÊA et al., 2000). Portanto, hágrande diluição de nutrientes, principalmente ni-trogênio, que reduz substancialmente a capaci-

dade desse material promover o crescimento deplantas. Resíduos compostados são, sobretudo,fontes de matéria orgânica (tabela 1) demineralização lenta (CORRÊA et al., 2000).

A adição de 30% (massa/massa seca) decal virgem (CaO) ao lodo fresco reduziu muitoa concentração de N-mineral e P-disponível nobiossólido caleado (tabela 1) sem, entretanto,alterar substancialmente a sua eficiência agro-nômica (tabela 4). A caleação do lodo frescovisa aumentar para valores próximos a 12 o pHe, nesse nível, o nitrogênio amoniacal volatiliza,os fosfatos são imobilizados sob a forma defosfato de cálcio e a mineralização da matériaorgânica cessa, devido ao pH inapropriado paraa maioria das formas de vida. Ao ser misturadoa solos, ocorre a redução do pH do lodo caleado,havendo conseqüentemente a liberação defosfatos e a amonificação da matéria orgânica,com liberação de N-mineral e outros nutrientes.O valor de RE = 1,13 (tabela 4) indica que hou-ve um ligeiro aumento da eficiência agronômi-

a compostagemreduziu aeficiência

agronômica dolodo fresco acerca de 20%

Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.20, n.20, p. 49-57, jul./dez. 2003

RE

0,22a

1,13b

0,98c

2,07d

0,24a0,98c

3,08e

2,56f

55

FIGURA 1 - RESPOSTAS DE PRODUÇÃOVEGETAL À APLICAÇÃO DE BIOSSÓLIDOS

NO ESPODOSSOLO

FIGURA 2 - RESPOSTAS DE PRODUÇÃOVEGETAL À APLICAÇÃO DE

BIOSSÓLIDOS NO LATOSSOLO

ca do lodo caleado no Espodossolo, que apre-senta baixa capacidade de tamponamento parapH (WHITE, 1997). A adição de lodo caleadoem doses de 1,2 a 38,9 m3 ha-1 (tabela 3) elevouo pH do Espodossolo de 4,9 (tabela 2) para va-lores entre 5,5 e 7,5. A disponibilidade de al-guns nutrientes no solo, sobretudo fósforo, au-menta em pHs próximos a 6. A alteração de pHdo Espodossolo tratado com lodo caleado podeexplicar o valor de RE > 1 para esse tratamen-to, enquanto no Latossolo, que apresenta gran-de poder de tamponamento para pH (WHITE,1997), não houve alteração de pH, nem de efi-ciência agronômica (tabela 4).

O comportamento do lodo seco a 250oC(peletes) variou bastante nos dois solos usados.A eficiência agronômica dos peletes foi compa-rável a do lodo fresco no Espodossolo (RE ~ 1),mas triplicou (RE = 3,08) no Latossolo (tabela4). O processo de secagem a calor concentranos peletes a matéria orgânica, os nutrientestotais e os nutrientes disponíveis. A aplicaçãode biossólidos em base volumétrica (m3 ha-1 -tabela 3) significa prover nas respectivas medi-das cerca de cinco vezes mais matéria orgânicae nutrientes via peletes do que via lodo de esgo-to fresco. Porém, o lodo seco a calor possui gran-de estabilidade, que dificulta a sua degradaçãoquando incorporado a solos de baixo potencialde mineralização, como o Espodossolo(WHITE, 1997). A mineralização é essencialpara que os nutrientes dos peletes sejam utiliza-dos pelas plantas. Nesse aspecto, o Latossolopossui maior potencial, pois apresenta melho-res condições de mineralização de matéria or-gânica (WHITE, 1997), pois a taxa demineralização de biossólidos peletizados é qua-tro vezes maior no Latossolo do que noEspodossolo (CORRÊA, 2001). A eficiênciaagronômica de biossólidos é fortemente gover-nada pelo tipo de solo (PALMER e GILKES,1983) e a combinação de altas concentraçõesde nutrientes (tabela 1) com condições edáficasfavoráveis à mineralização fez dos peletes apli-cados ao Latossolo o biossólido de maior efici-ência agronômica (RE = 3,08) entre todos osutilizados neste trabalho (tabela 4).

Não apenas a eficiência agronômica, mastambém a produção máxima de biomassa seca

dependeu do biossólido e do solo utilizados (fi-guras 1 e 2). A dose de 8,0 Mg ha-1 (base seca)foi suficiente para que a produção máxima fossealcançada em todos os tratamentos, exceto nossolos que receberam lodo compostado. O mode-lo assimptótico foi satisfatoriamente preenchidono Espodossolo que recebeu esse biossólido (ta-bela 4), mas permaneceu na parte linear da cur-va no Latossolo (figura 2). Doses de lodocompostado superiores a 35,7 m3 ha-1 seriam ne-cessárias para se completar as curvas de respos-ta nos dois solos. BARROW E BOLLAND(1990) explicam que fontes menos solúveis po-dem liberar nutrientes a uma taxa muito lentapara se alcançar a produção máxima de umacultura em determinados solos, principalmentenaqueles de maior produtividade. Nesse caso,doses mais altas dessa fonte seriam necessáriaspara se atingir um platô máximo de produção.Mesmo assim, esse platô seria atingido em nível

o lodo seco acalor possui

grandeestabilidade,

que dificulta asua degradação

quandoincorporado asolos de baixopotencial de

mineralização

Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.20, n.20, p. 49-57, jul./dez. 2003

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abaixo do máximo possível para fontes mais so-lúveis de nutrientes (BARROW E BOLLAND,1990). Apesar de não testada neste trabalho, acombinação de lodo compostado com fertilizan-tes químicos pode surtir melhores efeitos noLatossolo. Alguns estudos têm mostrado que ouso de composto com fertilizantes é a prática maiseficiente e econômica para o manejo de resíduosem solos agrícolas, principalmente quando o re-síduo é estabilizado pelo processo decompostagem (KLASINK, 1998).

O ponto de inflexão de cada tratamento(produção máxima), a partir do qual doses cres-centes de biossólidos não acarreta em aumentossignificativos de produção, situa-se a diferentesvolumes de biossólido aplicado (m3 ha-1) e emdiferentes níveis de biomassa seca produzida(mg de matéria seca/vaso) (figura 1 e figura 2).O lodo fresco não foi o biossólido de maior efi-ciência agronômica no Espodossolo (tabela 4),porém foi o de maior produção de matéria seca,à dose de 56,5 m3 ha-1 (figura 1). NoEspodossolo, a maior concentração de N-mine-ral no lodo irradiado (tabela 1) parece ser o fa-tor responsável por sua maior eficiência agro-nômica em relação ao lodo fresco.

A comparação horizontal de produtividade(BOLLAND, 1997) mostra que aplicação de cercade 10 m3 ha-1 de lodo irradiado no Latossolo produ-ziu cerca de 2,5 vezes mais biomassa vegetal secaque a mesma dose de lodo caleado incorporado aesse solo (figura 2). Mas foram os peletes que con-jugaram a maior eficiência agronômica (tabela 4)com a maior produção vegetal no Latossolo (figura2). Para os demais biossólidos aplicados a esse solo,eficiências agronômicas mais altas corresponderama maiores produções de matéria seca (tabela 4, fi-gura 2). Essa regra não valeu para o Espodossolo.A diferença de comportamento entre os dois solosnesse aspecto deve-se às características inerentesde cada um deles (tabela 2). As plantas cultivadasno Espodossolo arenoso dependem muito dos nu-trientes prontamente disponíveis nos biossólidos(CORRÊA, 2001), haja vista a baixa capacidadedesse solo mineralizar matéria orgânica (WHITE,1997). A estabilidade de cada produto exerceu for-te influência quando o solo arenoso foi o meio decrescimento, pois os biossólidos menos estáveis, e,portanto, mais putrescíveis (lodo fresco, irradiado

e caleado), apresentaram produções maiores do queaqueles biossólidos mais estáveis (lodo compostadoe peletes).

Conclusões

Os Processos para Significantemente Re-duzir Patógenos (USEPA, 1995), que visam àhigienização de lodos de esgoto, alteraram a efi-ciência agronômica e a capacidade de produçãovegetal do lodo de esgoto fresco. Cada processoresultou em um biossólido de característica agro-nômica particular. Porém, a eficiência agronô-mica dos biossólidos e a produção máxima debiomassa variaram também em função do tipode solo. Em um solo com alto potencial de pro-dução, como o Latossolo, a secagem a 250oC foio processo que produziu o biossólido de maioreficiência agronômica e de maior produção ve-getal. Seguem o lodo irradiado, o lodo fresco, ocaleado com CaO a 30% massa/massa, e o lodocompostado, com apenas 20% da eficiência dolodo fresco. Para um solo arenoso e com baixacapacidade de mineralização de matéria orgâni-ca, como o Espodossolo, prevaleceram osbiossólidos menos estáveis: o lodo irradiado foio de maior eficiência agronômica, seguido do lodocaleado, do lodo fresco e, finalmente, do lodocompostado, que também apresentou apenas 20%da eficiência do lodo fresco. Há grande diluiçãode nutrientes e aquisição de estabilidade duranteo processo de compostagem, que tornam o lodocompostado preferencialmente uma fonte de ma-téria orgânica de mineralização lenta.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimen-to Científico e Tecnológico - CNPq e à Secreta-ria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos doDistrito Federal (Semarh-DF) por financiaremeste trabalho. Ao Centro de Estudos Sociais eAmbientais e a Universidade de Melbourne(Austrália), pelo apoio logístico.

Referências

BAMFORTH, I. The growth and yieldresponse of a range of summer crops to

estudos têmmostrado que o

uso decomposto com

fertilizantes é aprática maiseficiente e

econômica parao manejo deresíduos em

solos agrícolas

Sanare. Revista Técnica da Sanepar, Curitiba, v.20, n.20, p. 49-57, jul./dez. 2003

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Autores

Rodrigo Studart Corrêa,Ph.D em Manejo de Recursos Naturais da

Semarh-DF e da Universidade de Brasília-EFL.

Anelisa Studart Corrêa,bióloga do Centro de Estudos Sociais e

Ambientais.

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N.E. As demais referências utilizadas na elabora-ção deste trabalho estão sendo publicadas na ver-são eletrônica da Sanare - Revista Técnica daSanepar (www.sanepar.com.br), em Publicações.

cada processoresultou em umbiossólido decaracterísticaagronômicaparticular

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O saneamento básico/ambiental eo problema do entulho

Richard Poli Soares

Resumo

Este trabalho enfoca a problemática da disposi-ção inadequada dos resíduos de construção e de-molição de obras civis (RCDs), popularmenteconhecidos como “entulhos”, abordando desdeaspectos históricos referentes à questão, comoconseqüências de caráter socioeconômico-ambientais , origens do problema, alternativas eresultados esperados de uma gestão preventivados RCDs. O equacionamento desse problemaconstituir-se-á em significativa contribuição daengenharia civil para a consecução de planos dedesenvolvimento ambientalmente sustentável.

Palavras-chave: entulho, deposição, resíduos,reciclagem, aproveitamento, resultados.

Abstract

This paper focuses on the problem of inadequatedisposal of construction debris (the so-calledRCDs), popularly known as “debris”, addressinghistorical aspects of the problem such as thesocioeconomic/environmental consequencesthereof, origins of the problem, solution options,and expected results of preventive RCDmanagement. The study of the problem isexpected to provide a significant contributionfrom civil engineering for sustained developmentplanning.

Key words: debris, deposit, waste, recycling,benefiting , results.

Introdução

A construção civil é uma das atividades maisantigas que se tem conhecimento, e desde os

primórdios da humanidade foi executada de for-ma artesanal, gerando como subproduto grandequantidade de entulho mineral. Tal fato desper-tou a atenção dos construtores já na época daedificação das cidades do Império Romano e,desta época datam os primeiros registros dereutilização de resíduos minerais da construçãocivil na produção de novas obras. Porém, a pri-meira aplicação significativa de entulho reciclado,só foi registrada após o final da Segunda GuerraMundial, na reconstrução das cidades européias,que tiveram seus edifícios totalmente demolidos,e o escombro resultante foi britado para a produ-ção de agregados, visando atender à demanda naépoca. Assim, pode-se dizer, que a partir do anode 1946 teve início o desenvolvimento datecnologia da reciclagem do entulho da constru-ção civil.

Embora as técnicas de reciclagem dos re-síduos minerais de construção civil tenham evo-luído, não se pode afirmar, com absoluta con-vicção, que a reciclagem tenha se tornado umaidéia amplamente difundida.

É inegável que a enorme quantidade deresíduos produzidos pela indústria da constru-ção civil (entulho) vem, há um bom tempo, cau-sando sérios problemas urbanos, sociais e eco-nômicos. O gerenciamento desses resíduos tor-na-se mais complicado, quanto maior a quanti-dade produzida; tecnologias para sua reciclagemestão e precisam continuar sendo desenvolvi-das e precisam ser melhores difundidas, e final-mente, é preciso que se esclareça, cada vez mais,a boa qualidade dos materiais confeccionados apartir da reciclagem do entulho, de forma aampliar a aceitação deste produto por consumi-dores e construtores.

Por ser produzido num setor onde há umagama muito grande de diferentes técnicas e

equacionarsoluções para a

questão doentulho é

significativacontribuição daengenharia civil

para aconsecução de

planos dedesenvolvimentoambientalmente

sustentável

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metodologias de produção e cujo controle daqualidade do processo produtivo é recente, ca-racterísticas como composição e quantidadeproduzida dependem diretamente do estágio dedesenvolvimento da indústria de construção ci-vil local (qualidade da mão-de-obra, técnicasconstrutivas empregadas, adoção de programasde qualidade etc.)

Daí, a importância da caracterização dosresíduos de construção e demolição de obrascivis (popularmente, conhecidos por “entulho”)na região exata onde pretender-se-á inseri-lo.Em suma, a caracterização média deste resíduoestá condicionada a parâmetros específicos (lo-cais) da região geradora do resíduo analisado.

Números

a) Entulhos: de 60 a 80% dos resíduos sólidosurbanos;

b) Perdas na indústria da construção civilbrasileira: 20 a 30% do peso de materialque entra em cada obra;

c) De 50 a 70% dos entulhos, ao contrário doque se pensa, é proveniente de pequenasreformas;

d) Quantidade de entulho gerado no Brasil:230 a 760 kg/hab.ano (mediana: 500 kg/hab.ano).

Classificação

Quanto aos riscos potenciais ao meio am-biente, segundo a norma ABNT-NB 10.004:

• Inerte.

Composição

De acordo com CASTRO (2000), os ma-teriais presentes no entulho podem ser classifi-cados em 12 grupos:a) grupo 1: ferro;b) grupo 2: concreto e argamassa;c) grupo 3: mistura de solo e areia;d) grupo 4: material de acabamento;e) grupo 5: tijolo, telha e manilha;f) grupo 6: espuma, couro, borracha e tecido;g) grupo 7: papelão;h) grupo 8: poda de jardim;

i) grupo 9: madeira;j) grupo 10: pneu;k) grupo 11: asfalto;l) grupo 12: concreto armado.

O entulho, geralmente, é lançado em encostasou terrenos problemáticos, gerando depósitos ins-táveis que podem causar deslizamentos, ou ainda,em terras baixas, junto a drenagens, e até, direta-mente, no leito de canais, levando à obstrução doescoamento e provocando inundações.

Definição

Os RCDs “aqueles provenientes de cons-truções, reformas, reparos e demolições de obrasde construção civil, e os resultantes da prepara-ção e da escavação de terrenos, tais como: tijo-los, blocos cerâmicos, concreto em geral, solos,rochas, metais, resinas, colas, tintas, madeiras ecompensados, forros, argamassa, gesso, telhas,pavimento asfáltico, vidros, plásticos, tubulações,fiação elétrica etc, comumente chamados de en-tulhos de obras, caliça ou metralha”. (ResoluçãoConama n. º 137, de 5.7.2002).

Legislação

O Conselho Nacional do Meio Ambiente(Conama), pela Resolução n. º 307 (5.7.2002),considerou que há necessidade de reduzir os im-pactos ambientais negativos gerados pela cons-trução civil. De acordo com o documento, a colo-cação dos resíduos em locais inadequados contri-bui para a degradação da qualidade ambiental,principalmente considerando que o segmento daconstrução civil é responsável por grandepercentual dos resíduos sólidos gerados nos cen-tros urbanos.

As maiores vítimas da ação predatória da de-posição inadequada dos entulhos são os fundos devale, áreas consideradas de proteção ambiental per-manente. As conseqüências da utilização irregulardessas áreas são gravíssimas. Nascentes estão sen-do aterradas, os fundos de vale estão sendodestruídos e a saúde da população que vive nas pro-ximidades desses “depósitos” corre risco.

A conciliação dos fatores escassez de áreadisponível e a crescente geração de entulho,

a colocação dosresíduos em

locaisinadequados

contribui para adegradação da

qualidadeambiental

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culminou com a necessidade de um gerencia-mento adequado para tais resíduos, tendo emvista os grandes prejuízos causados à adminis-tração pública e ao meio ambiente, pela deposi-ção em locais inadequados como, por exemplo,em encostas ou terrenos problemáticos, geran-do depósitos instáveis que podem causardeslizamentos; ou ainda, em terras baixas juntoa drenagens, e até diretamente, no leito de ca-nais, levando à obstrução do escoamento e pro-vocando inundações.

Origens do problema

Os entulhos têm presença assegurada emqualquer tipo e porte de obra e são originados,quase sempre, da junção de fatores que, se nãoplenamente superáveis, certamente têm sua in-terferência minorada. Os principais fatores quecontribuem para a geração dos entulhos são:

• insuficiência de definição de projetos (fôr-mas, projetos, instalações);

• ausência de qualidade dos materiais ecomponentes de construção civil ofertados aomercado;

• ausência de procedimentos e mecanismosde controle na execução, que acabam provocan-do perdas na estocagem e transporte no cantei-ro de obras;

• carência de controle geométrico (nive-lamento, planicidade, prumo), exigindo maiorconsumo de material para recuperação da geo-metria.

Devido à enorme quantidade gerada (che-gando a responder, em alguns casos, por até 70%da massa dos resíduos sólidos urbanos produ-zidos) e à falta de espaço ou solução que absor-va toda essa produção, as soluções normalmen-te empregadas para este problema sempre fo-ram os aterros ou lixões, que possuem váriosinconvenientes ambientais e, cada vez mais, setornam mais caros pela escassez de espaço.Além disso, a simples disposição do entulhodesperdiça um material que pode ter um destinomais nobre, com sua reutilização e reciclagem.

O reaproveitamento deste resíduo, além deproporcionar melhorias significativas do pontode vista ambiental (diminuindo a quantidade de

aterros, propiciando maior vida útil aos exis-tentes, preservando os recursos naturais, impe-dindo a contaminação de novas áreas), consti-tui uma alternativa economicamente vantajosade gerenciamento de resíduos, pois introduz nomercado um novo material com grandepotencialidade de uso, transformando o entu-lho, novamente, em matéria-prima.

Há algum tempo, soluções para o empre-go do entulho reciclado vêm sendo pesquisadase desenvolvidas, e, algumas delas, já sendo em-pregadas com sucesso em algumas cidades bra-sileiras, como Belo Horizonte (MG) e RibeirãoPreto (SP).

Conseqüências do problema

As principais são:a) prejuízos às condições de tráfego de pe-

destres e de veículos, devido a uma parcela sig-nificativa dos entulhos depostos, incorretamen-te, na malha urbana;

b) grande participação de resíduos de cons-trução na totalidade dos resíduos sólidos urbanos;

c) oferta insatisfatória de locais para dis-posição final regular, em condições atraentes aoscoletores;

d) fiscalização insuficiente (equipe e pro-cedimento) para atuação satisfatória na preven-ção e punição das atuações incorretas;

e) ausência de informação aos agentes en-volvidos com a questão dos resíduos de cons-trução, sobre locais corretos para a disposição;

f) concentração das deposições irregula-res em regiões com população de menor renda;

g) deposições irregulares constituídas, pre-dominantemente, por pequenos volumes;

h) prejuízos operacionais à drenagem ur-bana (obstrução de córregos, por exemplo);

i) sobrecustos para os construtores, com adestinação de resíduos;

j) sobrecustos para a administração muni-cipal, com a disposição final dos resíduos e paracorreção dos problemas ambientais causadospela disposição incorreta;

k) sobrecustos para os coletores de resí-duos, no momento em que as áreas para dispo-sição correta escasseiam, e as distâncias a per-correr se tornam maiores;

a simplesdisposição do

entulhodesperdiça

material quepode ter umdestino mais

nobre, com suareutilização e

reciclagem

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l) sobrecustos para os proprietários de ter-renos particulares, no momento em que ocor-rem deposições em sua propriedade, provocan-do remoção deste material às suas custas;

m) custos sociais de natureza diversificada,causados pela agressão ambiental.

Alternativas de reciclagem

A seguir, estão listadas algumas possibili-dades de reciclagem para este resíduo que, cadavez mais, se apresenta como um material deconstrução com desempenho satisfatório emaplicações específicas:1. pavimentação;2. argamassas;3. artefatos de concreto;4. blocos de concreto;5. preenchimento de vazios em construções

(aterros);6. reforço de aterros (taludes).

Contudo, o gerenciamento adequado destesresíduos deve priorizar a redução/reutilização/reciclagem, diminuindo a extração de matérias-primas (mineração), a ocupação de áreas paradisposição final e minimizar os riscos à saúde.

Neste sentido, o conhecimento e a posteriordivulgação pública da potencialidade dereaproveitamento dos resíduos de construção edemolição de obras civis, constitui-se importan-te ferramenta para que se possa solucionar o graveproblema ambiental e sanitário gerado pelos mes-mos, notadamente em grandes centros urbanos.

Resultados

Segundo PINTO e VAZ (1994), os resul-tados garantidos com a aplicação do conceitodos 3Rs na indústria da construção civil são:

AmbientaisOs principais resultados produzidos pela

reciclagem do entulho são os benefícios ambien-tais. A equação da qualidade de vida e da utili-zação não-predatória dos recursos naturais émais importante que a equação econômica.

Os benefícios são conseguidos não só porse diminuir a deposição em locais inadequados

(e suas conseqüências indesejáveis já apresenta-das) como também por minimizar a necessidadede extração de matéria-prima em jazidas, o quenem sempre é adequadamente fiscalizado. Re-duz-se, ainda, a necessidade de destinação deáreas públicas para a deposição dos resíduos.

EconômicosAs experiências indicam que é vantajoso,

também economicamente, substituir a deposi-ção irregular do entulho por sua reciclagem. Ocusto para a administração municipal é de US$10 por metro cúbico clandestinamente deposi-tado, aproximadamente, incluindo a correção dadeposição e o controle de doenças. Estima-seque o custo da reciclagem significa cerca de 25%desses custos. A produção de agregados combase no entulho pode gerar economia de maisde 80% em relação aos preços dos agregadosconvencionais. A partir desse material é possí-vel fabricar componentes com uma economiade até 70% em relação a similares com matéria-prima não-reciclada.

Esta relação pode variar, evidentemente,de acordo com a tecnologia empregada nas ins-talações de reciclagem, o custo dos materiaisconvencionais e os custos do processo dereciclagem implantado. De qualquer forma, nagrande maioria dos casos, a reciclagem de en-tulho possibilita o barateamento das atividadesde construção.

SociaisO emprego de material reciclado em pro-

gramas de habitação popular traz bons resulta-dos. Os custos de produção da infra-estruturadas unidades podem ser reduzidos.

Como o princípio econômico que viabilizaa produção de componentes originários do en-tulho é o emprego de maquinaria e não o em-prego de mão-de-obra intensiva, nem sempre sepode afirmar que a sua reciclagem seja gerado-ra de empregos.

Conclusão

Deve-se, sempre, ter consciência de que aexecução das idéias para resolver o problemada destinação final dos resíduos sólidos não é

é vantajoso,também

economicamente,substituir adeposição

irregular doentulho pela

sua reciclagem

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Autor

Richard Poli Soares,engenheiro civil, especialista em Tecnologia

Ambiental, mestrando em Engenharia deEdificações e Saneamento,

atua como engenheiro de planejamento e desen-volvimento de operações e gestor ambiental daSanepar, na Unidade de Serviços de Operação

de Sistemas Cinzas.

tão simples e nem imediata, e também dependeda participação de todos.

Munícipes, poder público, sociedade ci-vil organizada, instituições de pesquisa e ini-ciativa privada, concessionárias de saneamen-to básico e ambiental, e os geradores do pro-blema, precisam com urgência aplicar as solu-ções que já tiveram a eficiência e eficácia com-provadas e também buscar outras alternativaspara preservar um bem comum, que é o meioambiente.

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nem sempre sepode afirmar

que a suareciclagem seja

geradora deempregos.

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