o que fazem mulheres - camilo castelo branco

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  • 8/11/2019 O Que Fazem Mulheres - Camilo Castelo Branco

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    Camilo Castelo Branco

    O que fazem mulheres

    Publicado originalmente em 1858.

    Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco(1825 1890)

    Projeto Livro Livre

    Livro 433

    Poeteiro Editor DigitalSo Paulo - 2014

    www.poeteiro.com

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    Projeto Livro Livre

    O Projeto Livro Livre uma iniciativa que propeo compartilhamento, de forma livre e gratuita, de

    obras literrias j em domnio p!blico ou quetenham a sua divulga"#o devidamente autori$ada,especialmente o livro em seu formato %igital&

    'o (rasil, segundo a Lei n) *&+-, no seu artigo .,os direitos patrimoniais do autor perduram porsetenta anos contados de / de janeiro do ano

    subsequente ao de seu falecimento& O mesmo se observa em Portugal& 0egundoo 12digo dos %ireitos de 3utor e dos %ireitos 1one4os, em seu captulo 56 e

    artigo 7), o direito de autor caduca, na falta de disposi"#o especial, 8- anosap2s a morte do criador intelectual, mesmo que a obra s2 tenha sido publicadaou divulgada postumamente&

    O nosso Projeto, que tem por !nico e e4clusivo objetivo colaborar em prol dadivulga"#o do bom conhecimento na 5nternet, busca assim n#o violar nenhumdireito autoral& 9odavia, caso seja encontrado algum livro que, por algumara$#o, esteja ferindo os direitos do autor, pedimos a gentile$a que nos informe,a fim de que seja devidamente suprimido de nosso acervo&

    :speramos um dia, quem sabe, que as leis que regem os direitos do autor sejamrepensadas e reformuladas, tornando a prote"#o da propriedade intelectualuma ferramenta para promover o conhecimento, em ve$ de um temvel inibidorao livre acesso aos bens culturais& 3ssim esperamos;

    3t l, daremos nossa pequena contribui"#o para o desenvolvimento daeduca"#o e da cultura, mediante o compartilhamento livre e gratuito de obrassob domnio p!blico, como esta, do escritor portugu isso;

    5ba [email protected]

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    BIOGRAFIA

    Camilo Castelo Branco nasceu em Lisboa, no Largo do Carmo, a 16 de Maro de

    1825. Oriundo de uma famlia da aristocracia de ro!ncia com distanteascend"ncia crist#$no!a, era fil%o de Manuel &oa'uim Botel%o Castelo Branco,nascido na casa dos Correia Botel%o em (#o )inis, *ila +eal, a 1 de -gosto de18, e 'ue te!e uma !ida errante entre *ila +eal, *iseu e Lisboa, onde faleceua 22 de )eembro de 18/0, tomado de amores or &acinta +osa do srito(anto erreira.

    Camilo foi assim erfil%ado or seu ai em 182/, como 3fil%o de m#e inc4gnita.icou 4rf#o de m#e 'uando tin%a um ano de idade e de ai aos de anos, o 'uel%e criou um carter de eterna insatisfa#o com a !ida. oi recol%ido or uma tia

    de *ila +eal e, deois, or uma irm# mais !el%a, Carolina +ita Botel%o CasteloBranco, nascida em Lisboa, (ocorro, a 27 de Maro de 1821, em *ilarin%o de(amard#, em 18/, recebendo uma educa#o irregular atra!9s de dois :adresde ro!ncia.

    ;a adolesc"ncia, formou$se lendo os clssicos ortugueses e latinos e literaturaeclesistica e contatando a !ida ao ar li!re transmontana.

    Com aenas 16 anos

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    )e!ido a esta desa!ena, 9 esancado elo 3Ol%os$de$Boi, caanga do>o!ernador Ci!il.

    -s suas irre!erentes corresond"ncias Aornalsticas !aleram$l%e, em 1878, no!a

    agress#o a cargo de Caadores.

    Camilo abandona :atrcia nesse mesmo ano, fugindo ara casa da irm#,residente agora em Co!as do )ouro.

    Eenta ent#o, no :orto, o curso de Medicina, 'ue n#o conclui, otando deoisor )ireito. - artir de 1878, fa uma !ida de bo"mia releta de ai@Fes,reartindo o seu temo entre os caf9s e os salFes burgueses e dedicando$seentretanto ao Aornalismo. m 1850, toma arte na ol"mica entre -le@andreGerculano e o clero, ublicando o o?sculo O Clero e o (r. -le@andre Gerculano,

    defesa 'ue desagradou a Gerculano.

    -ai@ona$se or -na -ugusta *ieira :lcido e, 'uando esta se casa, em 1850,tem uma crise de misticismo, c%egando a fre'uentar o seminrio, 'ue abandonaem 1852.

    -na :lcido tornara$se mul%er do negociante Manuel :in%eiro -l!es, umbrasileiro 'ue o insira como ersonagem em algumas das suas no!elas, muitas!ees com carter dereciati!o. Camilo sedu e rata -na :lcido. )eois de

    algum temo a monte, s#o caturados e Aulgados elas autoridades. ;a'uela9oca, o caso emocionou a oini#o ?blica, elo seu conte?do tiicamenteromntico de amor contrariado, H re!elia das con!enFes e imosiFes sociais.oram ambos en!iados ara a Cadeia da +ela#o, no :orto, onde Camilocon%eceu e fe amiade com o famoso salteador I9 do Eel%ado. Com base nestae@eri"ncia, escre!eu Mem4rias do Crcere. )eois de absol!idos do crime deadult9rio elo &ui &os9 Maria de -lmeida Eei@eira de Jueir4s

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    m 180, de!ido a roblemas de sa?de, Camilo !ai !i!er ara *ila do Conde,onde se mant9m at9 181. oi a 'ue escre!eu a ea de teatro 3O Condenado

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    u@ando or cem mil reis em notas entregou$as ao intor. O san%ol,surreendido com a'uela inter!en#o 'ue esta!a longe de eserar, n#o ac%ouuma ala!ra ara resonder. )uas lgrimas, or9m, l%e desliaram silenciosaselas faces, como ?nica demonstra#o de recon%ecimento.

    m 1885 9$l%e concedido o ttulo de 1. *isconde de Correia Botel%o. - / deMaro de 1888, casa$se finalmente com -na :lcido.

    Camilo assa os ?ltimos anos da !ida ao lado dela, n#o encontrando aestabilidade emocional or 'ue ansia!a. -s dificuldades financeiras, a doena eos fil%os incaaes

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    sobre!i!eu em coma agoniante at9 Hs cinco da tarde. - de &un%o, Hs seis datarde, o seu cad!er c%ega!a de comboio ao :orto e no dia seguinte, conformeo seu edido, foi seultado eretuamente no Aaigo de um amigo, &o#o-ntKnio de reitas ortuna, no cemit9rio da *ener!el rmandade de ;ossa

    (en%ora da Laa.

    (#o suas rinciais obras -ntema

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    NDICE

    A todos os que lerem....................................................................................

    A alguns dos que lerem.................................................................................

    Captulo avulso.............................................................................................Captulo 1......................................................................................................

    Captulo 2......................................................................................................

    Captulo 3......................................................................................................

    Captulo 4......................................................................................................

    Captulo 5......................................................................................................

    Captulo 6......................................................................................................

    Captulo 7......................................................................................................

    Captulo 8......................................................................................................

    Captulo 9......................................................................................................Captulo 10....................................................................................................

    Captulo 11....................................................................................................

    Captulo 12....................................................................................................

    Captulo 13....................................................................................................

    Captulo 14....................................................................................................

    Cino p!ginas que " mel#or n$o ler..............................................................

    Captulo 15....................................................................................................

    Captulo 16....................................................................................................

    Captulo 17....................................................................................................

    Conlus$o......................................................................................................

    %uplemento...................................................................................................

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    A TODOS OS QUE LEREM

    uma histria que faz arrepiar os cabelos.

    H aqui bacamartes e pistolas, lgrimas e sangue, gemidos e berros, anjos edemnios.

    um arsenal, uma sarrabulhada, e um dia de juzo!

    sto sim que romance.

    "#o romance$ soalheiro, mas trgico, mas horr%el, soalheiro em que o sol

    esconde a cara,

    &omo da se%a mesa de 'iestes

    (uando os filhos por m#o de )treu comia.

    *scre%e+se esta crnica enquanto as imagens dos algozes e %timas me cruzam

    por diante da fantasia, como bando de a%es agoureiras, que espirram de

    pardieiro esboroado, se as acossa o archote dum fantasma.

    'enebroso e medonho! uma dana macabra! um trip-dio infernal! &oisa s

    semelhante a uma no%ela pa%orosa das que aterram um editor, e se perpetuam

    nas estantes, como espectros im%eis.

    H a almas de pedra, coraes de zinco, olhos de %idro, peitos de asfalto/

    (ue %enham para c.

    )qui h cebola para todos os olhos$

    0roca para todas as almas$

    &adinhos de fundi#o metal-rgica para todos os peitos.

    "#o se resiste a isto. H+de chorar toda a gente, ou eu %ou contar aos pei1es,

    como o padre 2ieira, este miserando conto.

    3s dias atuais s#o melanclicos$ a humanidade quer rir+se$ muita gente, sria e

    sisuda, se compra um romance, para dar trguas 4s despoetizadas e pecas

    realidades da %ida.

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    5ei+o demais. *u tambm compro os li%ros dos meus amigos, para espairecer de

    meditaes sorumbticas em que me anda trabalhado o esprito.

    5ei quanto de%o, e que fa%ores impag%eis me de%eria, leitor bilioso, se eu lhe

    encurtasse as horas com pginas galhofeiras, pitorescas, salitrosas, tra%andobem 4 malagueta, nos beios de toda a gente, afora os seus.

    'enha paci6ncia7 h+de chorar ainda que lhe custe.

    5e respeita a sua sensibilidade, fique por aqui$ n#o leia o resto, que est a

    adiante uma, ou duas s#o elas as cenas das que n#o le%am ao cabo, sem destilar

    em lgrimas todos os lquidos da economia animal.

    *ste romance foi escrito num subterr8neo, ao bru1ulear sinistro duma l8mpada.

    )lfredo de 2ign9 n#o diz que escre%eu um drama, 4s escuras, em %inte dias/ *

    :rederico 5ouli n#o se rodea%a de esqueletos e esquifes/

    * outros n#o se espertaram com todos os estmulos imagin%eis de terror/

    ;enos o do subterr8neo... este meu, se d#o licena.

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    precisa mais alguma coisa7 intelig6ncia$ e, se n#o bastar esta, %alha+se da

    resigna#o.

    3ra, est dito tudo.

    @eiam isto, que %erdadeiro como o =)giolgio> de Aibadaneira, como as

    = de :ern#o ;endes, como todos os li%ros legados de gera#o a

    gera#o com o sinete da crena uni%ersal.

    A ALGUNS DOS QUE LEREM

    "#o ser uma a#o meritria emoldurar em formas %erosmeis a %irtude, que ospessimistas acoimam de impratic%el neste mundo/ H#o de s crer nas

    faanhas do crime, nas hiprboles da maldade humana, e negar as perfeies

    do esprito, descrer o que ultrapassa as balizas duma certa %irtude con%encional,

    que n#o custa dores a quem a usa/

    5e os espanta as e1cel6ncias da mulher que %ou debu1ar, antes de mas

    impugnarem, afiram+nas pela natureza, interroguem+se, concentrem+se no

    arcano imaculado da sua consci6ncia. 5e me rejeitam a %erdade de @udo%ina,

    sabem o que esse descrer/ apoucamento de alma para idear o belo$ o

    regelo do cora#o que rebate as imagens ainda aquecidas do hlito puro da

    di%indade.

    5e a mulher assim fosse imposs%el, o romancista que a in%entou, seria mais que

    Beus.

    CAPTULO AVULSO:

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    H apelidos que parecem os epitfios dos talentos.

    Cm escritor "unes morre ao nascer.

    0em o sabia ele.

    Hou%e em

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    =)s m#os que te enrolaram, charuto infame, sequem+se e mirrem+se como as

    das m-mias de ;6nfis.

    =* para %s, contratadores, cai1as, comarqueiros, e estanqueiros do contrato do

    tabaco, para %s o inferno ilimitado, a regi#o tenebrosa dos condenados, ondeh o ranger dos dentes, e o sempiterno horror!

    =

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    "#o %os faz melancolia %er a lombada desses enormes %olumes aprumados

    numa estante/ "#o h naquele aspeito triste alguma coisa que %os faz crer que

    o in+flio chora pelo frade/

    )gora n#o se escre%e daquilo, posto que o saber humano seja mais %asto, eopulentado com as %iglias de dois sculos laboriosos. Aeina o romancista, que

    o sucessor do frade, na ordem das intelig6ncias produti%as. 3ra, o romancista

    h+de, por fora da sua natureza cientfica, despejar no romance a ci6ncia que

    lhe traz entumecido o estmago intelectual$ e o romance, assim, dei1ar de ser

    lido, se o conselho superior de instru#o p-blica n#o organizar os estudos de

    modo que as ci6ncias transcendentes, em consrcio com as da natureza fsica,

    desbra%em o esprito+charneca de muito leitor sandio, que n#o pode entender a

    irac-ndia qumica de :rancisco "unes.

    3 qual continuou assim7

    =H cinco sculos que a raa proscrita de srael sofreu em

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    =) Aoma pag# era o santurio da justia. ) os propinadores de %enenos eram

    clandestinos. ) m#o cruenta do %erdugo ia arranc+los ao segredo das suas

    fornalhas, e manda%a+os de presente ao diabo.

    =@ucius &ornelius 59la, a tua lei de suplcio para os empeonhadores %ale s deper si uma legislatura desta horda de togados rotos, que nos espremem da

    algibeira EKLG ris dirios, por cabea.

    =)qui, h o morrer sem recurso de re%ista, o e1pirar em %mitos negros, o tossir

    rspido da bronquite, as asmas ofegantes, o ronco profundo da pieira larngea,

    os delquios da cabea atordoada, a podrid#o dos dentes, as fendas

    carboniformes dos beios, os abcessos pulmonares, as hemorragias de sangue

    apostemado7 + h tudo isto, debai1o deste cu impass%el, na presena docdigo criminal num pas, onde trabalha a eletricidade por arames, onde se

    comem omelettes sucres e soufls, e donde se mandam rapazes para o

    estrangeiro estudar 0*"*:&M"&).

    =;entira! ;entira e escrnio!

    =5e quereis beneficiar este pas, n#o mandeis l fora, par%os go%ernadores da

    0arataria, n#o mandeis l fora estudar o processo de bem+fazer.

    =2ede+me este moo, que tem apenas %inte e dois anos, e j precoces sulcos da

    doena lhe enrugam a fronte. ) c-tis macilenta, onde de%iam %icejar as rosas da

    adolesc6ncia, adere aos ossos, desmedulados e cariados, uma tosse %iolenta lhe

    retesa os m-sculos do pescoo, e1pedindo das gl8ndulas sali%ares um pus

    granuloso, pardo, e alcalino. )s faculdades intelectuais est#o entorpecidas

    nesse mancebo. *stimulando+se com cognac e absinto, esta espcie de cretino,

    bestificado por uma enfermidade incur%el, apenas consegue dizer tr6s tolices

    acerca de Bonizetti, sentado num mocho de botequim, encostando o corpo

    ener%ado 4 banca dos licores incitantes.

    =5abeis quem reduziu esse %egetal a t#o quebrantado estiolamento/

    =:oi o charuto!

    =3 contrato do tabaco empeonhara a sei%a desse moo, que os fados, menos

    poderosos que os cai1as, tal%ez ti%essem destinado para e1ercer o magistrio do

    folhetim, m1imo esforo de intelig6ncia, numa poca, e num pas, cujo amor 4s

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    letras n#o %ale a correspond6ncia de uma local bem potica como a do baile do

    senhor fulano.

    =2oltai para esse corpo achacadio e apodrentado o %osso 8nimo beneficente,

    5anchos+

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    *, assim rugindo, numa como impreca#o de moribundo atormentado,

    arremessou o charuto por cima do muro para o quintal.

    CAPTULO 1: 3 (C* :)N*; ;C@H*A*5

    + @udo%ina, j pensaste a resposta que hs de dar a teu pai/

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    + *u n#o sei se amas outro homem... 5ei que namoras outro homem, e entre

    namorar e amar est o refletir, menina. *sse rapaz que te manda romances e

    cartas entre as pginas... In#o te inquietes, que eu sei tudo, e tudo pouco

    %ale...J esse rapaz quem / Cm filho+famlia, sem posi#o, sem modo de %ida,

    que te ama, que ser teu marido, se tu quiseres$ que %i%er das tuas sopas, se as

    ti%eres para ti, que se en%ergonhar da sua depend6ncia, quando o amor

    obedecer 4 raz#o$ que se enfastiar dos teus carinhos, se quiseres prend6+lo

    com eles a ti, ou ao bero de teu filho. 5e quisesses e1emplos, da%a+tos. 'ens

    ou%ido censurar duas ou tr6s amigas, que tens, casadas com homens ricos de

    cabelos brancos/

    + )inda ontem li um folhetim contra as mulheres que se dei1am seduzir pela

    =fortuna> de est-pidas criaturas...

    + @este/ Be quem era o folhetim/ 5e o autor for rico, e ti%er quarenta anos, o

    autor insuspeito, e, nesse caso, digo+te que sujeites o teu destino 4

    determina#o do folhetim. *scre%e uma carta ao autor, e conta+lhe que s uma

    menina pobre, %irtuosa, com e1celentes jias de esprito. 3ferece+lhe o teu

    cora#o, e promete que hs de le%ar+lhe a felicidade com a pobreza. 5e ele te

    %ier buscar, peso+te a oiro ao santo que fizer o milagre. 3ra, se o folhetinista

    um talento raro, um elegante de grande bigode e luneta, mas pobre, faz+lhe omesmo oferecimento, pre%enindo+o de que s t#o pobre como ele.

    5e o folhetinista te %ier pedir, um dia de festa nesta casa...

    =)prende, criana. 3s rapazes pobres, se %i%em na boa sociedade, criam a

    ambies, que uma menina sem riqueza n#o satisfaz.

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    disto/ 5acrificam, tal%ez, a sua indigna#o ao amor do se1o7 n#o dizem nada, e

    rebentam por outro lado em imprecaes contra a mulher, que os elegantes

    ricos rejeitam, e os ricos sem eleg8ncia procuram.

    =3lha, filha, se te n#o fosse penosa a e1peri6ncia, dei1a%a+te casar por pai1#o,como se diz, com o primeiro moo pobre que te encantasse. Bepois, quando

    sasses a passeio com teu marido, le%arias um %estidinho de chita, por n#o

    poderes le%ar um de glac. 3s tais censores de folhetim %er+te+iam mal trajada,

    e diriam, no auge de sua pena7 = )o

    teu lado passaria uma das tuas amigas, ricamente %estida, pelo brao dum %elho

    com quem a casaram as con%eni6ncias. 3s mesmos censores diriam7 =(ue mal

    empregada mulher em semelhante alar%e!> ? %6s que o estmulo da

    compai1#o, que fizeste, era o teu %estido de chita$ e o estmulo de in%eja, que

    fez a tua amiga, era o %estido de seda.

    + ;as se eu fosse feliz com o meu %estido de chita, e o homem do meu cora#o/

    + sso romance, menina. "unca feliz com um %estido de chita a mulher que

    tem amigas com %estidos de seda. Hoje reina a opini#o p-blica, @udo%ina, n#o

    a consci6ncia de cada um. 3 agente principal do esprito duma mulher a

    modista. 5e h casadas que en%elhecem disputando 4s netas a melhor elei#odum talhe de %estido, que far#o as solteiras/

    =0asta de razes insignificantes, que de%em humilhar a tua raz#o, @udo%ina. *u

    nunca embaracei esse ligeiro conhecimento que tens com o Aicardo de 5, por

    saber que nunca seriam tardias as refle1es que te fao agora. "#o podes casar

    com esse homem sem desgostar teus pais, e granjear para ti o infort-nio, e para

    ele o arrependimento. 5e soubesses o que de%e ser o arrependimento entre

    casados, a maior pro%a de amor que podias dar a esse rapaz, seria esquec6+lo.

    'u sabes que %i%emos do ordenado de teu pai7 temos podido manter a dec6ncia

    e o lu1o at dos teus caprichos de formosa$ porm, nada mais podemos. 5e

    ti%esses um grande dote, a primeira a diligenciar o teu casamento com Aicardo

    de 5, seria eu. )ssim, repro%o+o, oponho+me, e serei eu a encarregada de dizer

    a esse ca%alheiro que a tua %ontade n#o li%re, ou que a tua escolha foi outra.

    + "#o diga tal, mam#. 5e casar com o homem que me destinam, a escolha n#o

    minha. Bei1em+me, ao menos, este desforo... :ique a responsabilidade da a#o

    a quem me obriga.

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    +

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    desbarata a pequena mesada nas casas de pasto, e n#o se assusta da

    inapet6ncia.

    Aicardo cr6 que o seu estmago destacou tecidos para o cora#o, reser%ando

    para o funcionalismo alimentcio um estmago+miniatura, o quantum satisdascompleies silfidicas. &on%icto da e1cresc6ncia espiritual, cr6+se dotado de

    fluidos nr%eos, magnetismo, eletricidade, eteriza#o. ?ulga+se enfim

    anestsico, espasmdico, din8mico, enfim tudo o mais que n#o se entende.

    "#o ama as mulheres, pranteia+as como %timas do seu poder fascinante.

    )lgumas %ezes, tem a piedade de as n#o encarar para as n#o abismar. 3utras,

    e1erce a crueza da e1peri6ncia, fitando+as com o olho carregado de eletricidade,

    fala+lhes com um timbre magntico que ele sabe, e, n#o h que %er, osonambulismo pronto, a atra#o irresist%el como a da cobra+casca%el do

    &anad aps o tangedor de flauta.

    &r6 tudo isto o bacharel, e h %elhacos que lho ou%em com a sisudeza da

    crena, e lhe n#o receitam um curati%o de custicos.

    B. @udo%ina

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    + @udo%ina fica hoje no quarto + disse B. )nglica, respondendo 4 pergunta

    admirada do bacharel.

    + Boente/

    + 5im, passageiramente doente$ mas t#o dbil a pequena, t#o melindrosa...

    + * um corpo que n#o pode com o esprito... *u compreendo o que s#o esses

    desfalecimentos de alma. ) filha de 2. *1P tem uma organiza#o muito

    semelhante 4 minha. )s minhas enfermidades s#o sempre quebrantos,

    esterismos, letargias, procedentes das fadigas intelectuais, ou dos anseios do

    cora#o. &ompleies infelizes, n#o acha, minha senhora/

    + 3h! infelicssimas, decerto...

    + 5e, toda%ia, 2. *1P ti%esse a bondade de dizer a sua filha que fizesse um esforo

    para me %ir contar os seus padecimentos, tal%ez que uma medicina toda

    espiritual...

    + ) curasse/... tal%ez...

    + 5orriso de incredulidade, n#o assim/ 2. *1P sobejamente espirituosa para

    desconhecer a influ6ncia que e1erce uma alma sobre outra, quando as

    correntes magnticas...

    + "#o lhe d trguas a sua pai1#o magntica, 5r. 5!... ) @udo%inazinha quei1a+se

    de en1aqueca... *u %oto, desta %ez, por medicamentos caseiros... 'al%ez que uns

    sinapismos... + prosseguiu ela, rindo, sem ferir o rg#o manaco do bacharel +

    dispensem uma descarga eltrica.

    + 2. *1P n#o quis entender+me, ou eu tenho sido confuso na e1posi#o dasminhas con%ies.

    + clarssimo sempre, 5r. 5$ mas desconfio da ineficcia da sua %ontade sobre a

    en1aqueca de @udo%ina. * depois, con%m+nos que ela esteja doente por um

    quarto de hora. 2amos falar a respeito dela. 'enho razes para suspeitar que

    minha filha n#o indiferente a 2. *1P.

    + Becerto, n#o.

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    +

    3 monlogo continua%a, quando @udo%ina, conduzida maquinalmente por sua

    m#e, se coloca%a atrs duma %idraa da alco%a imediata 4 sala.

    B. )nglica era um assombro de esperteza. ) leitora j admirou a eloqu6ncia

    persuasi%a com que ela abalou o cora#o da filha$ j disse, de si para si, que,

    com tal m#e, n#o h filha que rejeite o casamento dum brasileiro rico$ j leu as

    pginas que a ficam 4 m#ezinha para que ela saiba os argumentos com que se

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    %ence a desobedi6ncia das filhas, em casos id6nticos. como 2. *1P diz... 2amos 4 nossa prtica interrompida

    que muito sria7

    =Bisse o 5r. 5 que minha filha lhe merecia um sentimento profundamente

    respeitador, uma afei#o nobre e desinteressada, um amor refletido e bem+

    intencionado, e finalmente uma pai1#o, que n#o era bem uma pai1#o,

    porquanto desiluses, re%eses, et coetera, lhe ha%iam... n#o me recordo...

    + *sterilizado a alma...

    + :oi isso... *m toda a sua resposta s h de desagrad%el essa esterilidade dealma$ toda%ia, eu creio que t#o boa alma h+de sempre florescer e frutificar,

    quando a cultura for confiada a uma mulher de bom cora#o, meiga, dcil,

    ma%iosa, enfim, a uma que n#o in%eje as boas qualidades de minha filha.

    + Becerto... assim o penso, minha senhora + balbuciou o bacharel, forado pelo

    sil6ncio interrogador de B. )nglica.

    + ;inha filha ama+o, 5r. 5. )ma+o delirantemente, perdidamente, quer ser sua

    ou da sepultura, n#o aceita admoestaes nem esperanas tardias, quer unir+se

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    ao esposo da sua alma, mas j, sen#o... diz que, mais tarde, ser %tima da sua

    pai1#o. 5abia 2. 5P que era tamanho o seu domnio naquela inocente alma/

    + 5abia... esgraadamente sabia.

    + Besgraadamente!... essa pala%ra traz tristeza!

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    n#o entrar na carreira da magistratura, e o cabedal dos meus estudos n#o me

    abona tanto quanto 2. *1P imagina que pode proporcionar+me a intelig6ncia.

    +

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    para pedir ao seu ca%alheirismo que n#o a inquietasse, porque %ai esposar um

    homem que seu pai lhe escolheu. 2. 5P alumiou+me o entendimento, deu+me

    um alegr#o inapreci%el, e %oltou as minhas ideiaspara o lado oposto. :ui buscar

    minha filha para assistir ao espetculo do cora#o de 2. 5P, e dei+lhe um belo

    espetculo. 5r. 5, a sua posi#o desagrad%el, e faz+me pena, por n#o dizer

    tdio. Cm homem como 2. 5P nunca de%era erguer os olhos para uma menina

    honesta.

    B. )nglica retirou+se da sala, soberba como uma rainha na descida do trono.

    3 autor poss%el do 5&C@3

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    + um pobre diabo que l6 no%elas, e n#o mau rapaz + respondeu o 5r.

    ;elchior, limpando o suor da testa.

    + "o%elas!... hum! + este hum do 5r. ?o#o ?os Bias uma coisa semelhante a um

    rudo roufenho$ aquele hum a tese duma disserta#o que ele, em tempooportuno, h+de fazer contra a leitura imoral dos romances. + ) sua filha l6

    no%elas, 5r. ;elchior/ + continuou ele pondo os olhos de esguelha, como

    molosso desconfiado.

    + *ntretm+se com a m#e, 4s %ezes, nessa leitura$ mas l6 somente as que a m#e

    j tem lido.

    +

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    cartilagens, de%ia ser a desespera#o de :alpio e de 0ichat7 rompiam+lhe de

    entre os olhos as %entas j formadas, com a ponta arregaada, e as asas

    con%e1as, dilatando+se at 4s alturas dos ossos malares, entupidos nas

    bochechas gordurentas. 3s beios eram bicolores7 nacarinos no centro e ro1os

    para as e1tremidades quase in%is%eis sob os refegos rela1ados dos m-sculos

    limtrofes. ?o#o ?os tinha quatro dentes incisi%os de brilhante esmalte,

    entalados nos outros quatro, formando de comum acordo as sali6ncias

    irregulares dum pedao de cristal bruto. 3s dentes laniares ou caninos tinham

    uma crusta de crie, e algumas luras chumbadas. 3s %inte malares esta%am no

    gozo das suas funes triturantes, conquanto amarelados de sais trreos, e

    regurgitamentos do bolo indigesto.

    ?o#o ?os n#o tinha pescoo7 as espduas ladea%am+lhe os bcios da garganta,

    alteando+se ao n%el das orelhas escarlates, com bolbos da mesma cor, e n#o sei

    que e1cresc6ncias no lbulo, simulando pingentes de coral.

    Bisse+se que era todo barriga o homem, j que 0ufon e &u%ier asse%eram que

    homem, feito 4 imagem e semelhana de... n#o ousamos escre%er a blasf6mia.

    3 que se n#o sabe que a barriga lhe marinha%a peito acima, at le%ar de

    assalto o campo onde fora o pescoo.

    )s pernas de ?o#o ?os eram dois cepos, postos em peanha a uma esfera

    armilar.

    '#o curtas eram elas, e t#o desmesurados os ps, que me n#o seria dificultoso

    con%encer+%os de que a natureza, em hora de tra%essura, fez da por#o de

    matria, destinada para a perna e p, duas partes iguais, juntou+as, e o ponto de

    jun#o denominou+o calcanhar.

    )s botas de ?o#o ?os tinham incr%eis e1panses de couro7 eram um oceano de

    bezerro cortado de ilhas. 3s joanetes do p direito forma%am um arquiplago.

    "o remanescente das milhas despo%oadas, o p era raso e ch#o como uma loisa

    de merceeiro.

    Beram+se uns longes para au1iliar a fantasia de quem n#o conhece o 5r. ?o#o

    ?os Bias.

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    2amos 4 biografia da pessoa, e %eremos que boa alma se anichou neste

    hediondo in%lucro.

    ?o#o foi cachopo para o 0rasil, e estreou+se numa loja de molhados, onde

    granjeou renome de rapaz %ideiro e possante. )braa%a uma tanha de azeite detr6s almudes, e aguenta%a com ela do armazm para a loja, sem impar.

    @e%anta%a do sobrado para o balc#o o peso de tr6s arrobas com os dentes.

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    os julgaria. )ceitou os enormes crditos que lhe ofereceram, estabeleceu+se, e

    dentro de doze ou treze anos pagou as d%idas de seus scios, e liquidou cem

    contos de ris fortes, entre os quais, diz ele, e dizem todos os que o

    conheceram, n#o ha%ia cinco ris adquiridos desonrosamente.

    &hegou a

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    + sto um modo de falar... + obser%ou ?o#o ?os. + 5em que sua filha d6 o sim,

    nada feito. *u sei que estou no calado %elho, e n#o trajo c 4 moda dos janotas,

    como por a dizem. ) sua filha muito no%a, e querer um rapaz. :ale com ela,

    diga+lhe a %erdade, eu irei l se o senhor quiser$ se ela quis, muito bem$ se n#o

    quis, ficamos amiguinhos como dantes.

    + ) minha filha dcil e ajuizada7 h+de querer o que eu quiser. :oi educada por

    uma m#e, que te%e melhores princpios que eu, e faz com que ela lhe obedea,

    tratando+a como irm#.

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    H#o de %er com que isen#o de 8nimo se escre%e nesta pro%ncia das letras.

    )cabou+se o eplogo, e pre%eniu+se uma crise literria no 0rasil.

    CAPTULO 4

    + *nt#o a pequena est incomodada/ + perguntou ;elchior a sua mulher, que

    n#o declina%a os olhos do cepo informe do 5r. ?o#o ?os Bias.

    + Cm pouco incomodada.

    + 2ais dizer+lhe que %enha 4 sala, menina/

    + rei.

    + *stou boa, pap + disse @udo%ina entrando subitamente, e cortejando o

    hspede, que ela conhecera de o ter %isto outra %ez.

    + 'ema bondade de sentar+se, 5r. Bias/ + disse ;elchior ao acanhado brasileiro,

    que mal pudera gaguejar um =criado de %ossa senhoria> que corrigiu

    bruscamente em =%ossa e1cel6ncia>. + ;inha filha, quando ontem te disse que a

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    + Ba minha parte, hei de fazer o poss%el por n#o lhe dar desgosto, porque o

    meu natural bom, e ningum, at hoje, se deu mal comigo.

    @udo%ina ergueu+se, e pediu licena de retirar+se por um instante. B. )nglica

    entendeu+a, e seguiu+a, pouco depois. :oi encontr+la no quarto, afogada emsoluos, cur%ada sobre o leito.

    + (ue isto, filha/

    + "ada, minha m#e...

    + muito, @udo%ina$ que tens/

    +

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    sou mais uma das mulheres que se %enderam 4 riqueza. 3 que nunca ningum

    dir que eu infamei o homem que me comprou... nunca, meu Beus!...

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    numa sociedade onde a formosura se estima, como um meio de alcanar

    =fortuna>, e a =fortuna> como um meio de se alcanar tudo. *ntendeste+me,

    filha/

    + *ntendi, meu pai.

    @udo%ina entrou jo%ialmente na sala.

    + ;inha senhora + disse o brasileiro, gaguejando +, eu fui toda a minha %ida

    negociante, apenas sei ler e escre%er, e digo as coisas assim como elas me %6m 4

    ideia.

    3ra bem$ a menina est resol%ida a ser minha companheira de toda a %ida/

    + 5im, senhor, disse ainda h pouco que sim.

    + %erdade que disse$ mas pode ser que o dissesse para contentar seu pai, e l

    no interior sentisse outra coisa.

    + Bisse o que sentia, e repito o que disse.

    + (uem sabe se a senhora tinha alguma simpatia por a, e que l por eu ter

    alguns %intns seu pai a fizesse %oltar+se para outro lado/

    + "#o, senhor, eu n#o tenho afei#o a algum.

    +

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    + ? disse a 2. 5P que desejo ser sua esposa$ n#o sei que mais de%a dizer+lhe. "#o

    me hei de arrepender, porque espero merecer sempre a sua estima e confiana$

    mas tenho um fa%or a pedir+lhe.

    + Biga l, seja o que for.

    + Beseja%a que ficssemos na companhia de meus pais.

    + :icaremos$ e quando formos passar algum tempo 4 nossa casa de &elorico, a

    nossa famlia ir connosco. *ra s isso/

    + "#o tenho outra ambi#o.

    + sso pouco ... H+de se fazer tudo que a menina quiser7 graas a Beus, temosmais que o preciso para satisfazer as nossas %ontades. )gora, se quiser dizer a

    seu pai que j lhe disse o que tinha a dizer, % l, que eu fico 4 espera dele e de

    sua m#ezinha para me despedir, at 4 noite.

    B. @udo%ina chamou o pai, sem sair da sala. ;elchior, lendo o bom resultado

    das suas refle1es na cara jubilosa do radioso capitalista, con%idou+o a jantar,

    quando ele se despedia. ?o#o ?os disse que jantara tr6s horas antes, e jantaria

    segunda %ez com t#o am%el companhia. *sta%a inspirado!

    * cumpriu a promessa. ?antou, fez muitos brindes, e o -ltimo, e mais solene que

    fez foi o seguinte7

    ) sa-de de quem de hoje a um ano h+de ser meu compadre, e minha comadre!

    ;elchior

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    CAPTULO 5

    n%entou+se uma lua para os casados.

    3s irracionais t6m uma lua$ essa entende+se, sabe+se o que . ;as o aluarem+se, 4 fora, os casados, uma ideia ingrata 4 dec6ncia, feia, e desonesta.

    Cma senhora inocente que diz7 =lua de mel> suja os lbios, se preza a pureza

    deles$ se, porm, sabe o que diz, se sabe o que o fa%o, o mel da lua, desdenha

    o pudor, e despreza+se.

    3s noticiaristas das gazetas aforaram a frase, sem saberem, tal%ez, que

    desafora%am as pala%ras. 3s dirios do

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    @ua de fel da terra$

    @ua de salsaparrilha$

    @ua de raspa de %eado$

    @ua de jalapa.

    @uas tnicas, luas antiflogsticas, luas irritantes, luas %mitas, luas drsticas, etc.

    &on%m, de seguida, obser%ar, que a lua n#o influi por igual nos dois noi%os.

    &ada um de%e ter sua, nos casos e1cetuados de casamento por pai1#o

    recproca.

    'al marido aluado em o%os moles, e sua mulher em jalapa.

    'al noi%a saboreia+se nos dulcssimos fa%os da colmeia lunar, e o homem enjoa

    um cozimento salobre de raspa de %eado, animal que muitas %ezes lhe lembra,

    por causa das %irtudes medicinais, e outras causas.

    (ual dessas luas influiria em ?o#o ?os Bias, e qual em B. @udo%ina da Dlria/

    *u n#o decido, porque sou supinamente ignorante em astrologia judiciria.

    &onto os fatos, e dei1o as luas ao arbtrio do leitor.

    :ez+se o casamento, e efeti%amente partiram os cnjuges para &elorico de

    0asto.

    B. )nglica tambm foi. ;elchior

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    'em a honra de participar a 2. *1P o casamento de sua filha

    ) *1.ma 5rP

    B. @CB32") B) D@WA)

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    )nua o cnjuge, folgaz#o no rosto, e zangado por dentro. 3 bom siso dizia+lhe

    que sua mulher era uma criana, %ezada a bailes, e ainda %erde para gostar da

    quieta#o domstica. 0em %ia ele a inocente alegria com que @udo%ina anda%a

    nos honestos brinquedos, e o desapercebimento, se n#o desprezo, com que ela

    aceita%a as lou%aminhas dos primos.

    B. )nglica entendia o que seu genro cala%a$ conhecia a %iol6ncia que ele fazia

    ao g6nio e aos anos ronceiros, para andar naquela lufa+lufa de %isita em %isita,

    bifurcado num macho, que lhe contundia as carnes com o chouto ingrato.

    Aeceosa de que a impaci6ncia rebentasse enfim por algum dito menos delicado

    4 mulher, quis ela pre%enir o desgosto de ambos, dizendo uma %ez 4 filha7

    + &on%m conformarmo+nos um pouco aos costumes de teu marido, @udo%ina.'eu homem n#o foi assim educado, e os anos estranham esta transi#o.

    + (ue quer a m#e que eu faa/

    + (ue espaces os teus passeios e %isitas, que %i%as mais em tua casa, que tenhas

    com ele algumas horas mais de con%i%6ncia.

    + (ue hei de eu dizer+lhe/!

    + 3 que hs de tu dizer+lhe/!...

    + 5im, mam#. 'emos ocasies de estar duas horas juntos sem trocarmos tr6s

    pala%ras. 5ou amiga dele$ mas n#o sei como hei de mostrar+lho doutro modo. 5e

    querem que eu n#o receba %isitas, nem % a casa de quem me %isitou, estarei

    em casa, contemplando os car%alhos e os castanheiros$ mas eu n#o creio que se

    possa %i%er assim na aldeia. 5e ele ainda me n#o disse nada, porque h+de a

    minha m#e censurar+me este desabafo que eu preciso/ *u a fugir de falar na

    minha situa#o, e a m#e a lembrar+ma! &uida que sou feliz/ Biga, m#e, est

    persuadida que eu de%o estar e1tasiada de contentamento diante de meu

    marido/

    + "#o creio que te de%as e1tasiar, mas tambm n#o apro%o que te arrependas.

    &omo e1plicas tu a considera#o, o respeito com que s tratada/

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    + ) felicidade n#o coisa nenhuma desta %ida, e, se alguma e1iste c, a que d

    4 consci6ncia da mulher casada o prazer de n#o en%ergonhar seu marido.

    + (ue pala%ras! sso que quer dizer, minha m#e/

    + "#o tas aplico, @udo%ina7 respondi 4 tua pergunta. ) felicidade no amor uma

    criancice dos quinze anos, e as %ezes dos quarenta$ mas o desengano %em com

    todos os homens e com todas as idades. "#o te persuadas que a %ida te seria

    aqui mais risonha, por muito tempo, com um marido de tua escolha. *ste

    homem, daqui a tr6s meses, hs de am+lo como se ama um amigo. 3 outro,

    daqui a tr6s meses, am+lo+ias com o afliti%o amor da mulher que enfastia, que

    se %6 cada %ez mais aborrecida, e compara os ardores dos primeiros meses de

    casada com a fria sequid#o dos que traz o cansao.

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    ao %estir a casaca no%a, que seu sogro lhe manda%a ao quarto numa bandeja,

    %iu uma comenda pregada nela, e sobre uma sal%a de prata um colar com a cruz

    da ordem de &risto, pendente dum %istoso lao de fita.

    + (ue diabo isto/ + disse ele ao criado, no requinte do pasmo.

    + um presente que faz a 2. *1P o 5r. ;elchior.

    + Biz+lhe que %enha c, e pega l para cigarros + dizendo isto, o comendador

    lanou 4 sal%a... setecentos e %inte.

    "#o %os assombre este lance dadi%oso de grandeza. *m sucessos de me+nor

    estmulo 4 munific6ncia, sei doutros arrojos de liberalidade, que desbancam

    ?o#o ?os Bias.

    ) %#o, de passagem, dois e1emplos7

    Cm %isconde, opulentado pelos dons duma bestial fortuna que o ama como a

    coisa sua, com pra um quarto de bilhete da lotaria espanhola. 3 rapaz que, 4

    custa de muito teimar, lho %endera, %ai dar+lhe a no%a de que a cautela fora

    premiada com quatro mil duros. 3 %isconde manda esperar o al%issareiro moo,

    e traz+lhe umas calas de cotim sem fundilhos.

    3utro, na passagem do rio Bouro, escorrega do barco para a corrente, e

    mergulha$ passados instantes, emerge 4 tona de gua resfolegando, e pedindo

    socorro. 'ra%am+no os braos robustos do barqueiro, que, em risco de morte,

    consegue sal%+lo. 2ai le%+lo 4 famlia, mandam+no esperar 4 porta da rua, e

    recebe, como sal%ador duma %ida cara aos seus, uma %ida que os jornais

    pranteariam com tarjas da grossura dum dedo, e %inhetas das mais f-nebres da

    tipografia, recebe, finalmente, setecentos e %inte em cobre.

    sto p-blico e notrio$ mas n#o esta%a em crnica. Aeceio magoar a modstia

    dos generosos ca%alheiros, por isso ressal%o os nomes. "a quinta edi#o deste

    li%ro, ha%idos os consentimentos respeti%os, ser#o postos em estampa, para

    in%eja de miser%eis so%inas, e estmulo 4 profus#o da presente raa.

    3 comendador n#o era fona. *sse cainho feio n#o desluz os bizarros presentes

    que fazia 4 esposa, e aos sogros. @udo%ina era o primor da casquilhice, e do mais

    rico em gosto e droga.

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    %estido n#o %isto, s compar%el aos que trajara antes, e sempre inferior aos

    que trazia depois.

    3s =lees> sertanejos, estes cinco ou seis pataratas, senhores duma glria t#o

    produti%a, que faz lembrar a dos domnios da &oroa portuguesa na *tipia,)rbia, e

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    B. )nglica, que espia%a o sucesso da sala pr1ima, acercou+se de Aicardo de 5,

    fitou+o com fulminante soberania, e disse+lhe a meia %oz7

    + 3 senhor um miser%el tolo, que incomoda. 5e se estima alguma coisa, n#o

    me obrigue a encarregar o boleeiro de minha filha de responder 4s suaspro%ocaes.

    + ;ude de se1o como 'eresias, e fale+me depois + disse Aicardo, dando 4 perna

    direita o costumado repu1#o dos elegantes.

    3 comendador %eio ao encontro de B. )nglia, e disse+lhe7

    + )quele sujeito com quem a senhora falou agora, n#o um homem que eu

    encontrei em sua casa a primeira %ez que l fui/

    + .

    + (ue diabo anda ele a prantar+se diante de @udo%ina/

    + ? reparei nessa a#o repetida. *u lhe conto7 d6 um passeio comigo. Q *

    tomando+lhe o brao, B. )nglica continuou7 + *ste homem foi uma afei#o

    inocente de minha filha, e hoje um ente desprez%el para ela e para mim.

    + *scre%iam cartas um ao outro/ + interrompeu o comendador, bufando.

    + *scre%eram, sim...

    +

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    + 2amos + disse a m#e.

    + "esse caso, %ou chamar a carruagem$ esperem um pouco, que eu %enho j +

    disse o comendador.

    )s senhoras foram esperar na sala menos concorrida. B. @udo%ina arqueja%a em

    8nsias, e fala%a aceleradamente a sua m#e.

    *ntretanto, ?o#o ?os Bias entrou na sala onde se dana%a, e %iu na porta

    fronteira Aicardo de 5 encostado, com a luneta em a#o, e o coto%elo direito

    apoiado na m#o esquerda.

    :oi ao p dele e disse+lhe7

    + 3 senhor sabe quem eu sou/

    + &reio que j o %i em alguma parte.

    + :az fa%or de %ir aqui que lhe quero falar/

    Aicardo seguiu+o maquinalmente, atra%essou um corredor, e parou num

    patamar deserto7

    + *u sou o marido daquela senhora que %ossemec6 insultou l dentro.

    + *ssa muito boa! *u n#o insultei senhora alguma!

    + 5e insultou ou n#o, sei eu. :ique+lhe de a%iso que a senhora B. @udo%ina tem

    um marido de quarenta e tantos anos, isso %erdade, mas capaz de pegar numa

    orelha dos pandilhas como %ossemec6, e dar+lhe com a cabea numa esquina,

    tem percebido/

    3 comendador desceu as escadas, e Aicardo de 5, estupefato e aturdido,

    atra%essou o corredor, e entrou nas salas.

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    CAPTULO 6

    *sta inquieta#o danificou a %ida menos m do comendador, e o sossego,

    aparentemente feliz, de @udo%ina. ) paz e1istia$ era, porm, como a serenidade

    pressagiosa de tro%oada.

    3 marido recebia os con%ites para bailes, e queima%a, 4 sorrelfa, as cartas.

    @udo%ina admira%a o esquecimento, sem a%enturar uma pergunta. *stes

    rebuos s#o a desgraa das famlias, e o rastilho de pl%ora que espera uma

    fasca.

    )o teatro iam raras %ezes. 3 comendador adoecendo quase sempre no dia da

    rcita, suportou no estmago muitas papas de linhaa, sem precis#o. 3 seu

    achaque postio era uma inflama#o intestinal.

    B. )nglica censura%a o procedimento do genro$ mas cala%a+se, para n#o dar

    auso 4 filha de romper em quei1umes, que abafa%a com a esperana de melhor

    %ida, ou desafoga%a em carpir+se sozinha. ;elchior

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    + 2i%er!... n#o creio. 3 senhor, quando esti%emos em &elorico, di%ertia+se nas

    sociedades, e j no

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    + )final de contas, 5rP B. )nglica, eu estou em minha casa, e entendo que fao

    bem. "#o se lucra nada em aparecer. 3 mundo est uma pouca+%ergonha. *u j

    sei como est o

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    H maridos que n#o desconfiam das mulheres$ mas n#o %#o aos bailes para que

    os outros n#o desconfiem$ escre%am por bai1o + 3 &omendador ?3X3 ?35

    B)5.

    )s pessoas, que melhores ideias engendraram, n#o t6m sido as mais felizes. 3comendador pertence ao martirolgio dos grandes pensadores. 3s fados, os

    est-pidos fados h#o de castig+lo por essas poucas pala%ras com que ele

    arranjou um nicho, podre de barato, no templo da memria.

    3 castigo comea.

    CAPTULO 7

    @udo%ina disse um dia a sua m#e7

    + *stou casada h treze meses, e sinto+me %elha. )t aqui obedeci como criana,

    a minha m#e, a meu pai, e a esse homem, que entrou na nossa famlia com

    certa autoridade que me intimida%a. *u fui sempre dcil, dcil at 4

    pusilanimidade. 5e a %iol6ncia n#o fosse tamanha, este homem, que chamam

    meu marido, teria feito a escra%id#o da minha alma para sempre. )ssim n#o

    pode ser. 5into+me outra$ perdi os costumes de criana$ en%elheceram+me comos desgostos contnuos, e por isso h#o de sofrer+me agora emancipada.

    + (ue %em tudo isso a dizer, @udo%ina/

    + (ue quero a minha liberdade, que hei de passar por cima da opress#o 4 custa

    de tudo.

    + @udo%ina! que linguagem essa/

    + a da desespera#o, e da justia. "#o pratiquei sombra de mau ato, por onde

    merea este amargo %i%er que me d#o. (uero saber porque %i%o apartada das

    minhas amigas, e dos recreios, donde a minha reputa#o saiu sempre sem

    mancha.

    + ) quem o perguntas, a mim/

    + 5im, 4 m#e, ao pai, e depois pergunt+lo+ei ao dono desta casa, ao dono dos

    meus %estidos e dos meus braceletes. 5e este me disser que a minha liberdade

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    o preo dessas coisas, dei1o+lhas, e peo a meu pai a subsist6ncia que me da%a

    dantes. 5e ma negarem, Beus me inspirar o destino que me con%m. sto h+de

    decidir+se hoje.

    "ingum sofria tanto tempo, por amor+prprio, ou pela %irtude da paci6ncia.

    + 'ens direito a interrogar teu marido, @udo%ina$ mas s6 prudente$ %ence+o com

    razes moderadas, por n#o dizer humildes.

    + * se ele, por maldade ou por ignor8ncia, suspeitar da pureza das minhas

    intenes/

    + :ala+lhe como de%e falar uma senhora, e confundi+lo+s.

    2eio o comendador cortar o colquio. "unca t#o achamboada e trombuda se

    mostrara a lerda fisionomia do personagem. "essa ocasi#o, o achaque intestinal

    era %erdico, segundo o testemunho do semblante. *ra o ideal da fealdade,

    ent#o, o 5r. Bias!

    B. )nglica, instada por um gesto da filha, dei1ara+os ss.

    + a primeira %ez + disse @udo%ina, sentada numa cadeira de braos estofada,

    com a formosa face encostada 4 palma da m#o direita, e uma perna sobre a

    outra baloiando+se, dei1ando %er o p de fada, atra%s do rendilhado da saia

    que a %ela%a. + * a primeira %ez que falo a meu marido como se de%e falar a um

    marido. )t aqui tratei+o como se trata um amigo que se respeita, um tio, um

    pai desses com quem se n#o tem muita confiana.

    3 5r. Bias abriu a boca para entender melhor. B. @udo%ina prosseguiu7

    +

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    sua mulher aos comentrios ofensi%os que a sociedade h+de ter feito 4 minha

    aus6ncia repentina. Beu um esc8ndalo, sem necessidade de e%itar outro.

    Bisse 4 sociedade que n#o tinha bastante confiana em mim para me le%ar onde

    h o bom e o mau.

    + *sts enganada, menina, eu n#o disse isso a ningum + interrompeu o

    comendador, que andou 4s aranhas muito tempo antes que traduzisse para

    %ulgar o estilo sentencioso da filha e discpula de B. )nglica.

    + "#o disse com a pala%ra$ mas disse+o com as aes.

    + Aespeite minha m#e, senhor! *u n#o falo pela boca de minha m#e$ o meu

    sil6ncio at hoje n#o era estupidez nem insensibilidade7 era amor+prprio, e

    outro sentimento mais nobre que o senhor n#o entende. 2amos ao essencial,

    5r. Bias. 'e%e alguma raz#o para me pri%ar de %i%er como %i%em todas as

    mulheres casadas da boa sociedade/

    + "#o, j disse que n#o. ) coisa outra...

    + (ual essa outra coisa/

    + )s boas pagam pelas ms, e n#o h mulher honrada para certa gente que %ai

    aos bailes e aos teatros.

    +

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    + *ssa de cabo de esquadra!

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    + *1cedeste+te, @udo%ina + disse ela +, mas fizeste+me orgulhosa de ser tua m#e.

    )ceito, de hora em diante, a responsabilidade das tuas pala%ras, seja ela qual

    for.

    ?o#o ?os Bias nem pala%ra naquele dia e no seguinte. )o terceiro ha%ia teatrolrico. B. @udo%ina mandou buscar camarote. Vs sete horas e meia mandou pr

    os ca%alos 4 sege, e disse a seu marido se a acompanha%a ao teatro. 3

    comendador fez+se %erde+garrafa, desenrugou as plpebras quanto pde, e

    pasmou os olhos sunos na atitude imperiosa de @udo%ina, que aperta%a o bot#o

    da lu%a, e enrosca%a no colo as martas.

    + 2em, ou n#o/ + repetiu ela.

    + *spera, que eu %isto+me + disse o comendador, tomado duma espcie de susto

    irrefletido, que em muitos maridos o corolrio de demorados raciocnios.

    :ez impress#o o aparecimento de @udo%ina. )charam+na mais donosa os

    amadores do plido. 3 %io da floresc6ncia tinha murchado ao lento dessecar da

    melancolia. :icara a pele acetinada, com as al%uras do desmaio, realando o

    %%ido fulgor dos olhos negros, assombrados da cor %ioleta, que tanto encarece

    o rosto dolorido.

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    ;as o interior de ?o#o ?os/ *ra um inc6ndio para que a filosofia humana n#o

    in%entou ainda bomba eficaz! *ra o inferno do moiro de 2eneza churriscando

    aquele humano torresmo!

    (ue %ia ele para se moer assim/ "ada. @udo%ina nem, sequer, dana%a jdanas de roda, de contato, de aperto, e raras contradanas aceita%a. 3s

    ca%alheiros, que se a%izinha%am dela, com liberdade, eram os amigos de seu

    pai, ou de seu marido. 3s outros, repelidos pela sisudez e gra%idade com que os

    ela recebia, denomina%am+na uma %irtuosa grosseira, e aposta%am que anda%a

    ali influ6ncia de capel#o incgnito.

    (ue sandeus ci-mes eram, pois, os do comendador, que a fortuna poupa%a 4

    sorte de pessoas t#o conspcuas, e bem ajeitadas de corpo e alma/

    0atei nesta sfara, entendedores do cora#o humano, esmerilhadores do ntimo

    dos predestinados e minotauros, e 5ganarellos ao alcance da ci6ncia humana.

    &ansar+%os+ei sem achar a raz#o da coisa. 3 a1ioma foi proferido h quatro

    anos, e j tem tr6s edies com esta7

    H maridos que n#o desconfiam das mulheres$ mas n#o %#o aos bailes, para que

    os outros n#o desconfiem.

    3 comendador ?3X3 ?35 B)5 IpassimJ.

    CAPTULO 8

    Aai%ando contra si prprio, o bar#o de &elorico...

    3 bar#o de &elorico!

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    :inaliza%a o captulo 2 por um baile de regozijo, que o no%o titular estimado

    pelo sogro, resol%era dar aos seus colegas, e mais amigos, que o felicitaram da

    merc6.

    *sse baile correra amargurado para o bar#o de &elorico.

    )o cair da noite, recebera ele uma carta annima, da qual n#o pude ha%er

    cpia, e, podendo in%entar uma, n#o o fao, que mo %eda o propsito de

    fidelidade.

    certo, porm, que o conte-do dessa carta entendia com @udo%ina, meiga

    criatura, organiza#o melindrosa, que tanto a pesar meu hei de nomear

    baronesa de &elorico.

    "#o se pode aferir o grau de cal-nia dessa carta pelas carantonhas do bar#o,

    que a lia. *m carantonha perene esta%a ele sempre, lastimoso )nfitri#o, desde

    que a sombra dum ?-piter de casaca lhe assombra%a os encantos da inocente

    )lcmena. (ual seria o esprito rasteiro que se quisesse %azar nas formas de ?o#o

    ?os para enganar+lhe a esposa/ *sta pergunta fao+a aos que leram

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    + (ue modo esse de responder/ + tornou ela, %oltando+se de s-bito para o

    bar#o, que passea%a, ou antes se rola%a de parede a parede com acha%ascada

    impetuosidade.

    + *st bom$ dei1e+me, que eu n#o estou bom, e qualquer dia dou um estoirocomo uma castanha.

    + 3 senhor est disparatando! e1plique+se.

    + :oi o diabo o nosso casamento, 5rP B. @udo%ina!

    + "ada de e1clamaes$ clareza e franqueza, meu amigo! (ue isso/

    + os meus pecados$ o que eu lhe tenho dito duzentas %ezes, e a senhora n#oquer crer que a sociedade do

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    *sta rajada sacudiu todas as febras bambas do bar#o. "#o te%e remdio sen#o

    sentar+se, a ressumar camarinhas de suor, impando, e arfando como fole de

    forja.

    @udo%ina, mais assustada que compadecida, tomou+lhe a m#o, e com a outraen1ugou+lhe a face.

    + 5ofre porque me n#o ama, porque me n#o cr6... + disse ela.

    + "#o faas caso disto, n#o nada... n#o nada + regougou ele.

    + 5eja superior aos infames que nos in%ejam, meu amigo. "#o lhes d6 o prazer

    da %ingana. ) pessoa que lhe escre%e um miser%el inferior ao meu desprezo.

    + ? sei tudo... n#o falemos nisso mais. Beite+se, que eu preciso de tomar ar.

    + 3nde %ai/

    + 2ou ao jardim.

    + *u %ou consigo... espere um bocadinho.

    + "#o %enhas c$ deita+te, que est fria a madrugada.

    :oi.

    *ram tr6s horas e meia da manh#. )s tre%as descondensa%am+se. ) neblina do

    mar serpentea%a por entre as ribas marginais do Bouro. 3 clar#o da luz ia+se

    descorando ao arraiar do crep-sculo. *ra a hora menos potica das %inte e

    quatro da rota#o deste planeta, onde, 4s tr6s horas e meia da manh#, dorme

    toda a gente que tem juzo, e sabe um pouco de higiene.

    3 bar#o de &elorico n#o da%a f das belezas matutinas que o rodea%am.

    )tra%essou, sor%endo haustos de ar fresco, o passeio central do seu jardim, at

    parar no muro, que o estrema%a de outra rua. *sta rua justamente aquela por

    onde %imos passar :rancisco "unes, rai%ando imprecaes garrafais contra o

    charuto incombust%el. "esse muro ha%ia uma gradaria de ferro, e portadas

    interiores. 3 bar#o abriu maquinalmente a janela, e %iu apro1imar+se dela um

    %ulto embuado, que lhe disse7

    + &uidei que tinhas adormecido! que demora foi essa/

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    + 3 que + e1clamou o bar#o atordoado.

    3 %ulto coseu+se com a parede, e, a passo rpido, desapareceu na meia

    escuridade.

    @ongo tempo agarrado 4s grades, o bar#o de &elorico parecia ter perdido a

    memria, a sensibilidade, o senso ntimo. ) patrulha, que recolhia ao quartel,

    %endo aquele im%el espetculo, atra%s das grades, imaginou primeiro se seria

    esttua do jardim$ reparando atentati%amente, ou%iu o sussurro da respira#o

    ca%ernosa, e decidiu que esta%a ali um homem.

    + 3l! + disse um soldado.

    + (ue / + respondeu o bar#o, espertando da letargia.

    + da dessa casa/

    + 5ou o dono dela.

    + *nt#o perdoar. :izemos esta pergunta, porque h+de ha%er cinco dias que

    %imos sair 4s quatro horas da manh# um encapotado daquela porta que ali est

    abai1o, chammo+lo, ele deu 4 canela, e sumiu+se+nos l em bai1o na tra%essa.

    + Besta porta que est na parede deste jardim/ + e1clamou o bar#o.

    + como diz.

    + ) que horas/

    + ) estas horas, pouco mais ou menos.

    + Cm homem de capote/

    + 'al e qual.

    + * n#o %iram mais ningum/

    +

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    imagina%a. )inda me n#o disse que dei1asse o lugar da alf8ndega, nem me

    ofereceu um emprstimo com que eu possa tentar demanda contra os

    possuidores da minha casa. 'enho remorsos de ter dado a este alar%e uma

    criatura t#o perfeita como a nossa @udo%ina!

    B. )nglica n#o respondeu.

    + )inda te di a cabea, )nglica/

    + 0astante.

    + ? esta%as a dormir, quando o bar#o gritou!.TG

    + Bormita%a.

    + ;as eu fui ao teu quarto, e j te n#o encontrei l!

    + 'inha corrido sobressaltada.

    + *nt#o pelo que eu %ejo tinhas+te deitado %estida...

    + * %erdade, nem foras ti%e para desapertar os colchetes.

    +

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    *u abri loja, e %ou com os outros.

    "#o me entrem, pois, a desconfiar que os pontinhos juntos fazem borr#o neste

    painel de bons costumes.

    ) 5rP B. )nglica e1celente m#e, no meu conceito$ e, no conceito do 5r.

    ;elchior

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    + *sta cha%e daquela casa bai1a que tem o n-mero doze, defronte da janela do

    jardim. 2ai 4 loja de ferragem no @argo de 5. 0ento, com este bilhete. H#o de

    entregar+te umas armas, e um embrulho.

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    @udo%ina esta%a aterrada, e julgou+se em risco, ali, sozinha. Aecuara para se

    e%adir com dignidade, honrando a retirada, quando o bar#o lhe disse7

    + 3lhe, senhora!

    ) baronesa %oltou+se, e %iu o brao do bar#o erguido em atitude proftica, e l

    em cima no cocuruto da m#o sebcea... 3 &H)AC'3!...

    + (ue isso/! + perguntou ela com mais curiosidade que espanto.

    + "#o sabe o que isto / chegue+se c!

    @udo%ina, indo receosa, disse7

    + um charuto... pois n#o /!

    + um charuto! um charuto! um charuto! mulher traidora! + ululou o

    bordalengo com a grenha eriada.

    @udo%ina recuou tr6s passos, tolhida de medo. 3 bar#o crescia sobre ela, com o

    brao no ar, ar%orando o charuto. ) pobre menina temeu as f-rias dum doido, e

    chamou com afliti%o grito a m#e.

    )cudiu B. )nglica, j quando o bar#o, metendo as m#os nas portinholas da

    japona, 4 laia de dolo chin6s, %olta%a as costas a sua mulher.

    + sto que /! + e1clamou B. )nglica.

    + *st doido rematado, minha m#e! + disse, a meia %oz, a baronesa.

    + 2ai+se chamar teu pai, que chegou agora. "s n#o podemos %i%er com um

    demente...

    + ?anta+se, ou n#o se janta/ + disse o bar#o, caminhando para elas com

    sossegado semblante.

    + (ue desordem foi esta, 5r. bar#o/

    + Besordem! ora essa fresca! )qui, que eu saiba, n#o hou%e desordem

    nenhuma... :oi sua filha que %iu uma coisa que a fez gritar... ) culpa dela.

    + (ue %iste, @udo%ina/

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    3 bar#o n#o come, apesar do esforo. 3 bocado entala+se+lhe na garganta

    comprimida pelos soluos. Bepe o garfo, e descai o rosto, coberto de lgrimas,

    sobre as m#os. 3 preto, que n#o ousara sentar+se, %endo chorar o amo, cujo

    p#o comera em liberdade, no espao de %inte anos, chora tambm, e pergunta

    a medo a causa daquela afli#o. Aesponde+lhe em gemidos o benfeitor, e ergue+

    se e1tenuado, e %acilante, como se os sentidos o desamparassem. 3 preto quer

    conduzi+lo ao quarto$ mas o bar#o, um momento indeciso, pede o chapu e sai.

    )s ang-stias deste homem condenam @udo%ina/

    "#o. @udo%ina inocente como os anjos.

    ) peonha mortal, que espedaa o cora#o deste homem, tem+na ele na

    algibeira7 o charuto de :rancisco "unes.

    CAPTULO 10

    meia+noite e um quarto no relgio da @apa.

    ) casta lua d a sua luz potica a muitas impudiccias, e tolera o esc8ndalo

    resignada. &asta lhe chamam os poetas, e bem posto o epteto. 5 ela seria

    capaz de manter+se pura com tantos e1emplos de corrup#o. Be mim creio que

    a tem sal%ado a dist8ncia que a separa dos bardos que a namoram$ e, se n#o a

    dist8ncia, a impertin6ncia das cartas rimadas que lhe mandam. ;uitas

    mulheres, menos castas que a lua, t6m sido sal%as pelo mesmo teor. 3s poetas,

    que amam em %erso, s#o uns puros desinfetantes da p-trida impureza. 5e todos

    fizssemos %ersos, e nos amssemos em oita%a rima, eu lhes asseguro que este

    Dlobo era um %i%eiro de anjos. ) teoria de Hobbes seria uma cal-nia, e a de

    ;altus um absurdo. "#o andaramos tra%ados em permanente luta, nem ae1uber8ncia da propaga#o assustaria os economistas. Ha%ia s o risco de nos

    matar a fome$ mas cada cisne teria um canto derradeiro com que esforar a

    guerra 4 prosa que in%entou os cereais, o boi cozido, as aes do banco, e a

    troca dum romance por quinhentos ris.

    sto ocorreu naturalmente da castidade da lua.

    *ra, pois, meia+noite e um quarto no relgio da @apa, e fazia luar como de dia.

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    Ys dez horas e meia, tinha entrado para a casa nZE[, da rua... um %ulto

    sinistramente rebuado7 era o bar#o de &elorico de 0asto. ) casa tinha uma

    janela tosca de madeira, que se abriu coisa de meio palmo, depois que o

    encapotado entrou. Be %ez em quando, um raio de luz, caindo sobre a fresta das

    duas portadas, res%ala%a no nariz do bar#o, dando+lhe o colorido duma cidra

    a%elada.

    5oara o quarto depois da meia+noite, quando a janela interior da grade do

    jardim se abriu cautelosamente.

    Cm objeto branco sobressaa na sombra7 de%ia ser o leno duma mulher.

    &inco minutos depois, numa e1trema da rua apareceu um %ulto encapotado,

    que fuma%a, caminhando cosido com o muro do jardim. ) figura da janela

    desapareceu, e em seguida ou%iu+se o ranger subtil da lingueta duma cha%e. *ra

    a porta do jardim que se abria, ao a%izinhar+se o %ulto.

    ) dist8ncia de tr6s passos da porta, o homem que fuma%a ou%iu o rudo duma

    janela que se abria, e parou, %oltando+se para a janela. 3 que ele %iu foi o

    lampejo da detona#o dum tiro, e le%ou a m#o ao ombro esquerdo. 5eguiu+se

    um pulo incr%el do bar#o fora da janela, a fuga precipitada do %ulto, e um

    segundo tiro, que redobrou a fora motriz do fugiti%o.

    )pitara uma patrulha ao cabo da rua, duas, tr6s, %inte patrulhas apitaram. )

    cem passos de dist8ncia do local dos tiros, encontraram um homem estendido

    na rua, e disseram em %oz alta, que o bar#o ou%ira7 + parece que est morto.

    3 bar#o, sem apressar o passo, entrou na porta do muro, e deu %olta 4 cha%e.

    3lhou ao longo do jardim, e %iu, por entre as sombras dos arbustos, contguos 4

    casa, perpassar um %ulto, e sumir+se.

    )briu outra %ez a janela da grade, ao tempo que as janelas das casinhas

    fronteiras se abriam. )lguns soldados pergunta%am onde se deram os tiros.

    Aespondiam unanimemente que foram dados dali, e mostra%a+se uma bucha

    ainda fumegando, no meio da rua.

    + (uem est a nessa janela/ + bradou um soldado ao bar#o, que esti%era calado.

    + 5ou eu, o dono desta casa.

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    + * quem o senhor/

    + o senhor bar#o + responderam os %izinhos. + "#o, dali decerto n#o foi.

    + 3s tiros/ + perguntou o bar#o.

    + 5im, senhor, dois tiros que se deram aqui agora.

    + *u tambm os ou%i, e por isso c %im. ;ataram algum, ou foi patuscada/

    + "#o foi m a patuscada! *st ali adiante um sujeito estendido nas pedras, e, se

    n#o est morto, pouco lhe falta.

    + (uem / conhecem/

    + *st#o l dois camaradas que o conhecem. Bizem que um doutor duma casa

    rica, chamado... lembras+te, TS/

    + )cho que ele disse... )lmeida.

    + isso, )lmeida. 3 5r. bar#o conhece+o/

    + "#o me lembro desse nome. *le ainda l est/ *u %ou %er se o conheo...

    3 bar#o seguiu a patrulha, at parar num grupo de soldados e paisanos, que

    rodea%am uma cadeira, onde esta%a sentado o ferido. *ra coragem de cnico, ou

    desatino de demente/ ;ais que tudo isso7 era o ci-me!

    + *u conheo este sujeito + disse o bar#o com admir%el placidez. + * ele tambm

    me h+de conhecer, se esti%er %i%o. 3l, 5r. doutor! *st aqui o bar#o de

    &elorico, conhece+me/

    3 ferido abriu a custo os olhos, e fez um aceno afirmati%o.

    + *u oferecia+lhe a minha casa, mas a dele perto daqui, acho eu.

    + "s sabemos + disseram os soldados.

    +

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    p do leito, e %ascolejou nas mandbulas al%ares uma gargalhada estrondosa. )

    baronesa acordou, sentou+se no leito estremunhada sem saber o que ou%ira,

    nem o que %ia.

    3 bar#o tirou da algibeira o charuto, chegou+lho ao p dos olhos, e bradou7

    + 3 tal patife n#o fuma outro.

    + (ue diz/ + e1clamou @udo%ina.

    + :az+te de no%as, mulher perdida! reza+lhe por alma, que a minha honra est

    %ingada. )gora que digam o que quiserem.

    * saiu do quarto, dei1ando apa%orada a pobre senhora, que o julgou numterceiro ataque de loucura.

    @udo%ina %estiu+se apressadamente, e correu ao quarto da m#e.

    *ncontrou+a %estida, prostrada sobre o tapete do guarda+cama, com a face

    cada sobre os degraus do leito. )joelhou ao p dela, chamou+a, ergueu+a,

    agitou+a com a fora da afli#o, e caiu com ela sobre a cama.

    B. )nglica abrira os olhos p%idos, e %endo a filha, escondeu a face nas m#os,e1clamando7

    + ?esus, meu Beus!

    + (ue te%e, m#ezinha, isto que foi/

    + "ada, infeliz$ foi um acidente...

    +

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    ) baronesa amparou a m#e at 4 janela, que abriu. B. )nglica rasga%a com as

    m#os os espartilhos compressores do colete, e finca%a entre os cabelos os

    dedos com %ertiginoso desespero. "este frenesi, suste%e+se, comprimindo a

    respira#o, para escutar as %ozes que %inham da rua contgua ao muro do

    jardim.

    Cma dizia7

    + a morto.

    3utra7

    + ) bala entrou+lhe no peito.

    3utra7

    +

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    B. )nglica lanou+lhe um olhar tor%o, e fulminante$ fugiu, dum repel#o, aos

    braos da filha$ correu para ele com a sanha duma possessa, e atirou+o fora do

    quarto com o choque dos punhos furiosos, e1clamando7

    + )ssassino! )ssassino!

    "ingum me soube dizer a qual g6nero do sublime truanesco pertencia, neste

    conflito, o bar#o de &elorico. *u tambm n#o me cansei em a%eriguaes,

    porque o resultado delas seria sujar com salmouras despicientes um quadro de

    ang-stias, que n#o no%o na %ida, mas afouto+me a diz6+lo que no%o no

    romance.

    ;elchior

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    ) baronesa mudou de semblante e de carinho, sentiu+se gelada e inerte ao p

    da m#e, logo que meia luz do enigma lhe aclarou o entendimento.

    + ) m#e precisa descansar + disse ela com afetado gesto de carinho. + Beite+se,

    que eu ajudo+a a despir+se, e ficarei ao p da sua cama.

    + "#o, filha$ eu n#o tenho descanso neste mundo, nem no outro. 5e ainda tenho

    algum direito 4 tua obedi6ncia, dei1a+me s$ preciso de chorar lgrimas que

    nunca Beus permita o teu cora#o as chore. "#o podes respeitar esta agonia,

    porque a n#o compreendes, inocente mrtir. 5e soubesses... poderias

    abominar+me agora, para te compadeceres depois.

    + 5ei, m#e.

    + (ue sabes tu, @udo%ina/! + e1clamou )nglica, abranando+a con%ulsi%amente.

    + 3 meu sil6ncio responde+lhe, m#e... "#o sofra por causa da minha desonra.

    Beus sabe tudo$ n#o me importa o mundo$ a

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    + "#o fale nessa infeliz a ningum, 5r. Bias, a ningum. )qui a desonrada sou eu.

    5e o descobrirem como assassino de )ntnio de )lmeida, diga, se quer que eu o

    n#o amaldioe, diga que esse homem era o meu amante$ mas n#o fale em

    minha pobre m#e...

    + (ue dizes tu, @udo%ina/

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    "#o podemos superintender no foro do cora#o, porque a nossa jurisprud6ncia

    toda de cabea, e o nosso cdigo em pleitos de alma est-pido ou hipcrita.

    (uem o juiz da mulher/ 3 homem que a despenha do abismo, onde a lanou

    o amor, ao abismo do oprbrio.

    o homem, que lhe entalha o ferrete da ignomnia na face onde imprimira o

    beijo da perdi#o.

    3 altar onde se adora uma mulher ao mesmo tempo a asa onde ela se d em

    holocausto.

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    ano em casa dum doutor, que tinha duas filhas, e um filho que se forma%a nesse

    tempo. *sse filho era o )ntnio de )lmeida, que o senhor conhece, e B.

    )nglica amou desde os quinze anos, com o amor imenso das simpatias

    contrariadas.

    =3 doutor descobriu a afei#o do filho, e imps+lhe um %iolento termo,

    proibindo+o de %ir ao

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    de meu pai o sacrifcio da minha dignidade, e castigo um homem que me

    comprou.>

    =?ulguei+a des%airada pela ang-stia, e reser%ei para melhor ensejo os conselhos

    que os meus %inte e cinco anos, j palpados por amarguras de cora#o, podiamdar+lhe.

    =*feti%amente, )ntnio de )lmeida %oltou formado, e frequentou a casa de

    ;elchior

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    =;elchior

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    *ntretanto foi ?esus para o monte 3li%ete7

    *nt#o lhe trou1eram os escribas e os fariseus uma mulher que fora apanhada

    em adultrio7 e a puseram no meio.

    * lhe disseram7 ;estre, esta mulher foi agora mesmo apanhada em adultrio.

    * ;oiss, na lei, mandou+nos apedrejar estas tais. (ue dizes tu logo/

    ?esus, inclinando+se, escre%eu com o dedo na terra.

    *, como eles teima%am em interrog+lo, ergueu+se ?esus, e disse+lhe7 3 que de

    entre %s est sem pecado seja o primeiro a apedrej+la.

    *, tornando a cur%ar+se, escre%ia na terra.

    *les, porm, ou%indo+o, saram um a um, sendo os mais %elhos os primeiros$ e

    ficou s ?esus e a mulher que permanecia, no melo, de p.

    *nt#o ergueu+se ?esus, e disse+lhe7 ;ulher, onde est#o os que te acusa%am/

    ningum te condenou/

    "ingum, 5enhor + respondeu ela. *nt#o, disse ?esus7

    "em eu t#o+pouco te condenarei7 %ai e n#o peques mais.

    3 5)"'3 *2)"D*@H3 B* ?*5C5 &A5'3, 5*DC"B3 5. ?3X3 Q &aptulo 2.

    CAPTULO 12

    *nquanto B. )nglica dormita os sonos curtos e sobressaltados da febre, a

    baronesa despertou o pai, chamando+o 4 antec8mara.

    ;elchior

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    + 3 necessrio sairmos$ mas a m#e est muito incomodada...

    + (ue tem ela/!

    + 3s meus desgostos afligiram+na a tal ponto que est ardendo em febre, e n#osei se poder transportar+se.

    + 2amos %6+la.

    +

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    + 0ons dias, 5r. bar#o.

    + sso hoje foi madrugar!

    + )ssim preciso.

    + 5e n#o tem muita pressa, d6+me aqui uma pala%ra.

    + "#o posso, 5r. bar#o, %ou com pressa.

    + 3lhe c, 5r. ;elchior, preciso que nos entendamos.

    + ) que respeito/

    + ) respeito destas poucas+%ergonhas que aqui %#o.

    + (ue chama o senhor poucas+%ergonhas/

    + Homem! %amos falar claro$ eu sei tudo, e o senhor, se o n#o sabe, saiba+o, e

    tome tento na sua %ida.

    + 3 5r. bar#o que j perdeu o tento da sua. *ssa cabea est desmanchada.

    + Besmanchada est a sua, e bem desmanchada, 5r. ;elchior. *ntre c, e h+deagradecer+me o que eu fiz, %ingando a sua honra.

    + ) minha honra n#o pode ser ofendida nem %ingada pelo 5r. bar#o.

    + *stou a ter pena do 5r. ;elchior! 2enha aqui dentro que eu conto+lhe tudo.

    + (ue me h+de o senhor contar/! + disse ;elchior entrando na sala. Q (uer

    contar+me a histria do charuto/

    + 3 charuto! o charuto agora j me n#o ser%e a mim$ ao senhor$ %eja l se o

    quer, que eu dou+lho de boa %ontade.

    + * para isso que me chama, 5r. bar#o/ Be que me ser%e a mim esse ridculo

    instrumento com que o senhor est representando perfeitamente o papel de

    doido/!

    + Boido quer o senhor fazer+me, mas h+de+lhe custar... digo+lhe eu... 5ente+se

    a, e d6+me aten#o, que o caso muito srio...

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    ;elchior

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    %erdade/ *ssa cal-nia foi um desatino, uma irrefle1#o, n#o foi, meu amigo/ B6

    uma satisfa#o a meu pai, que est aflito como %6, ou ent#o cra%e+me um

    punhal no seio, antes de repetir na minha presena que minha pobre m#e est

    infamada.

    + 'ens raz#o, @udo%ina + murmurou o bar#o, com as lgrimas nos olhos. Q *u

    estou doido$ o que disse uma mentira$ se for necessrio, eu peo perd#o ao

    5r. ;elchior, e 4 5rP B. )nglica.

    + 3u%iu, meu pai/ 2 agora, %. )ssim fez o que lhe pedi/

    + :oi ele que me arrastou para esta sala... 5abe que mais, 5r. bar#o/ 3 senhor o

    que de%e fazer recolher+se a um hospital, antes que as autoridades o

    amarrem. *u %ou requerer um e1ame 4s suas faculdades intelectuais...

    + ;eu pai! + murmurou afliti%amente @udo%ina + pelo amor de Beus lhe peo

    que se retire, quando n#o, %6+me cair aqui morta.

    + *u %ou, menina.

    * saiu, reatando a medita#o no di%rcio e nos %inte contos.

    + "#o lhe disse eu j, 5r. Bias + continuou @udo%ina, bai1ando a %oz com ma%iosa

    brandura, e assumindo ares de penitente + n#o lhe disse eu j que o homem

    ferido pelo senhor era meu amante/ que a mulher da janela do jardim era eu/

    que a culpada, a ad-ltera, a infame, a digna de morte ou do seu desprezo sua

    mulher/

    + ;entes, mentes, @udo%ina! eu ou%i tudo o que tua m#e te disse no quarto.

    + (ue importa o que o senhor ou%iu/ 'udo o que meu marido disser contramim, tudo o que a sociedade in%entar contra a minha dignidade, hei de

    certific+lo com o meu sil6ncio, e com o meu di%rcio. 'udo o que o senhor

    disser contra minha m#e, hei de desmenti+lo em p-blico, pondo em mim as

    ndoas que o senhor puser na reputa#o dela. Be maneira que meu marido,

    quando cuida sal%ar a sua honra, sacrifica+a, e pro%oca o escrnio do p-blico. 26

    quais s#o as minhas tenes, meu amigo/

    + 'u n#o fazes isso, @udo%ina! + rugiu iracundo o deplor%el homem. + 5e fazes

    tal... @udo%ina, se fazes tal...

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    + (ue se h+de seguir/

    + *u sei!... tu queres matar+me, mulher! mata+me, mas dei1a+me a honra, que

    eu estimo mais que tudo. Bou+te tudo quanto tenho, dei1o+te em liberdade,

    torno para o 0rasil$ mas n#o digas que me foste infiel$ n#o digas que essehomem era teu amante.

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    minha desgraada m#e que o chora. 5e ela era amante dele, eu, como filha, n#o

    tenho direito a censur+la$ como mulher de cora#o creio que lhe perdoaria.

    'enho dito mais do que de%o, e importa ao senhor Bias. *ntendeu+me bem,

    quer que eu repita por outras pala%ras o que disse/

    + "#o preciso... entendi bem...

    + (ual a sua resposta/

    + * preciso pensar, @udo%ina.

    + "#o lhe dou tempo a demoradas refle1es. *u hei de sair daqui logo que meu

    pai %olte.

    + "esse caso faz o que quiseres$ mas eu hei de dizer em toda a parte que

    )ntnio de )lmeida era o amante de tua m#e.

    + * eu direi que era o meu amante$ darei em p-blico quantas pro%as puder dar

    para o desmentir$ hoje mesmo irei ser a enfermeira desse homem, se ele n#o

    ti%er morrido. 3 5r. Bias ser tido na conta de assassino, e assassino ridculo,

    que mata o amante de sua mulher, e denuncia ad-ltera sua sogra, para que se

    suponha que os seus merecimentos n#o podia ser %encidos por um ri%al.

    + 'u s uma serpente, mulher! + bradou o bar#o, fazendo com os braos e a

    cabea as asas dum alambique + s um drag#o! foste o demnio que me

    apareceste em corpo e alma! 2ai+te para as profundas do inferno, e nunca

    descanso tenhas noite e dia enquanto me n#o %ieres pedir perd#o de quereres

    desonrar teu marido, que te deu palcios, e quintas, e carruagens, e tudo

    quanto cobre o sol. 2ai+te para onde quiseres, ingrata mulher, e quando

    souberes que eu morri doido %em tomar conta de tudo isto que teu, porque o

    que %oc6s querem todos acabar comigo, para ficarem com isto que eu ganhei

    com honra a trabalhar como um moiro!

    @udo%ina %oltara as costas ao berreiro %irulento de ?o#o ?os Bias.

    *ntrou no quarto de sua m#e, que n#o ressurgira ainda do terror febril. ) criada,

    que lhe assistia, entregou 4 baronesa uma carta, subscritada a B. )nglica. *ra+

    lhe conhecida a letra de )ntnio de )lmeida. )l%oroada com a apraz%el

    certeza de que )lmeida %i%ia, @udo%ina abriu a carta sem refletir. )penas %iu notopo do papel =)nglica>, simplesmente =)nglica>, estremeceu, caindo em si.

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    *ra uma carta do amante, do amante de sua m#e. Aepugna%a+lhe l6+la, mas a

    amizade instiga%a+a, desprezando os escr-pulos duma %irtude intempesti%a.

    @eu o seguinte7

    =)nglica, fui ferido com um tiro quando entra%a no jardim dessa casa. 3

    segredo do meu assassino morrer comigo. 3 meu ferimento dizem ser mortal.

    "#o importa. ;orro amando+te. *spera%a assim morrer. ;as a tua honra,

    minha amiga/ "#o bastar a minha %ida para sal%+la/ B um beijo a tua filha,

    ao nosso anjo que eu n#o %erei jamais. 5acrificmo+la ambos, ao %erdugo de... )

    febre deu+me este inter%alo. )deus, at ao cu dos desgraados. + ). de ).>

    @udo%ina rompeu em gemidos, e caiu de joelhos orando com o fer%or da

    desespera#o. "ada mais triste neste mundo que o espetculo daquele quarto!

    "#o preciso grande cora#o e poder de fantasia para aceitar um quinh#o de

    tamanha ang-stia. ) alma de pedra estala de encontro a este conflito que

    esmorece na pintura.

    &ada lgrima ardente de @udo%ina bastaria a reacender a luz de piedade

    apagada no cora#o humano. ? imaginastes uma %ida com este imenso horto

    de agonia/ "a pre%is#o de todos os infort-nios, concebeu algum as torturas

    daquela m#e, e da filha que aceita a desonra para sal%ar+lhe o nome/

    Besamparados da esperana e de Beus, cobrai alento nas dores com que n#o

    podeis, agradecei ao %osso anjo mau os suplcios %indos, pedi+lhe mais, pedi+

    lhos todos, menos o clice de )nglica, e @udo%ina, porque h a o suco de todos

    os %enenos pro%ados neste inferno da %ida, obra+prima duma causa eterna,

    obra que mais me espanta a mim que a cria#o dos astros, do mar, e do

    homem.

    ) minha grande pro%a de Beus, da justia, e da condena#o este inferno. 3

    outro... inferior 4 3nipot6ncia que dei1ou, no seio da criatura, aberta a

    garganta do abismo, onde a alma se despenha a de%orar+se.

    CAPTULO 13

    *u costumo reunir alguns peritos em letras magras como estas, e leio+lhes

    alguns captulos dos meus romances, com ador%el modstia e e1emplar

    submiss#o. Aecito+lhes sempre um pre8mbulo impro%isado que estudo cinco

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    horas, no qual os con%ido, com humildade de aprendiz ine1perto, a que me

    corrijam as hiprboles desgrenhadas, me desbastem as e1cresc6ncias da

    tamarelice a que sou atreito, e me recomponham os desata%ios da forma em

    que me descuido, se a imagina#o desfila comigo pelos prados floridos do

    in%erosmil.

    '#o atilado o arrolamento que fao dos meus rbitros, que raro de entre eles

    se Besac edita admoestando ou corrigindo as perfeies que me escorregam do

    bico da pena, com primores de fundi#o esmerada. *sse raro, porm, se encalha

    em eleg8ncia que n#o percebe e deturpa, c o inscre%o no meu canhenho de

    pasccios, e nem sequer desagra%o o meu talento ofendido com resposta

    comedida. ) minha docilidade chega at este ponto, e n#o h a que %er mais

    lhano e brando do que eu sou 4 opini#o cordata dos meus amigos, que me

    fazem o obsquio de trazer da rua quatro superlati%os encomiastas, antes de

    saberem que pbulo %ou dar+lhes 4 sua admira#o faminta.

    H pouco acabei eu de ler os doze captulos passados a quatro luzeiros do orbe

    literrio, e um deles, acabada a gir8ndola dos elogios, te%e a descocada

    impertin6ncia de me dizer uma coisa assim7

    + 3s teus romances do meio em diante adi%inham+se.

    + 3ra essa!

    + )di%inham+se, e co1eiam por isso. 3 se1to sentido do romancista o in%ento

    da surpresa. ) concatena#o lgica e natural dos sucessos danifica a peripcia, e

    aguarenta a curiosidade do leitor.

    + 3 leitor que n#o capaz de entender+te essa linguagem assaralhopada. 'u

    calunias o gosto dos meus leitores. 5ou informado pelo rg#o da opini#op-blica, o rg#o que eu mais respeito, o meu editor, que o bom siso dos

    consumidores escolhe o romance %erosmil, amalgamado com arte e

    discernimento, escrito de modo que seja o refle1o da sociedade, e que possa de

    per si refletir tambm na sociedade, amoldurando+se nas formas costumeiras e

    e1equ%eis.

    + *nfreia l os mpetos, modesto escritor! n#o soltes a parlenda ine1or%el.

    &oncordo com o bom senso p-blico. 3 natural e o refletido da %ida apraz e

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    cati%a o leitor$ mas a pre%id6ncia dos captulos ad%enientes esfria o empenho, e

    dessabora a curiosidade.

    + )ceito a corre#o, e tu aceita a aposta. 5e adi%inhares o enredo dos captulos

    subsequentes, eu prescindo dos meus ttulos de Henri Heine, )lphonse Rarrportugu6s, e escre%o repertrios de hoje em diante. 5e n#o adi%inhares,

    escre%e+me uma crtica literria em que hs de pro%ar aos incrdulos basbaques

    que eu alojo na cabea um desses lobinhos cerebrais que chamam =g6nio> os

    galiparlas da nossa terra.

    + )ceito, e a %ai o desen%ol%imento do teu romance, nos pontos essenciais7 B.

    )nglica pode morrer duma congest#o cerebral, ou dum tifo. "#o questiono a

    morte$ certo que a matas bre%emente, e fazes pedir, na hora derradeira,perd#o do esc8ndalo 4 filha, e da trai#o ao marido. )ntnio de )lmeida j nos

    disse que morria, e ele que o diz porque o sabe, e tu j o sabias antes dele. B.

    @udo%ina %ai para a casa paterna, e, a pedido de ;elchior

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    CAPTULO 14

    )ntnio de )lmeida espera%a em 8nsias o aparecimento de B. )nglica. "#o lhe

    pedira, como %imos, essa derradeira e aflitssima pro%a dum amor de %inte e

    dois anos$ mas %6+la, apertar+lhe a m#o, e1piar nos braos dela, igualar oesc8ndalo ao flagelo de lance tal, isso al%oroa%a+lhe o esprito, atraindo+lho

    para a -nica %is#o apraz%el e ao mesmo tempo angustiada que o detinha entre

    a %ida e a morte.

    )s irm#s de )lmeida ignora%am tudo o que se passara, e1ceto o ferimento

    mortal de seu irm#o. ) den-ncia do bar#o de &elorico fora segredada ao

    enfermo pelo proprietrio da casa, seu antigo criado. ) polcia de%assara do

    crime e nada a%eriguara das respostas concisas e obscuras de )lmeida.5uspeita%am as atribuladas irm#s que seu irm#o ti%esse tentado um suicdio,

    por