o que é a maçonaria – princípios e valores fundamentais

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O que é a Maçonaria – Princípios e valores fundamentais. Carlos Jaca Conferencia proferida no auditório da Escola Secundária de Alberto Sampaio em 15 / 11 / 2002. Antes de mais, sinto-me na obrigação, e por o julgar conveniente, apresentar as razoes que, em minha opinião, justificaram o tratamento deste tema. Não foi deliberadamente uma opção. Aconteceu. Ao receber, em finais de Junho, o semanário “Jornal de Coimbra”, deparei com a seguinte notícia: «O novo Grão – Mestre da Maçonaria, António Arnaut, afirma que a Maçonaria não é que detém poderes ocultos em Portugal» A título meramente informativo, devo esclarecer que António Arnaut para além de ser um dos fundadores do Partido Socialista, foi fundador do Serviço Nacional de Saúde, Ministro dos Assuntos Sociais, e em Portugal um prestigiado especialista em Miguel Torga, tendo sido um dos seus maiores amigos. Diz o advogado e escritor conimbricense: «Há poderes ocultos que actuam em Portugal como verdadeiras ditaduras, na economia e na área da comunicação social. Há poderes ocultos, mas os poderes ocultos não são a Maçonaria, observa, aludindo aos poderes ocultos económicos e mediáticos, que são aliados». Não sei se a Maçonaria detém ou não poderes ocultos, nem tão pouco me interessa; quanto ao resto, às referências aos poderes económicos e mediáticos, direi como dizem os italianos: «se non é vero è bene trovato» (Se não é verdadeiro é bem achado) Depois, bem, depois recordo que a partir do segundo quartel do séc. XVIII, a Maçonaria passa a desempenha papel relevante na História e Portugal, particularmente em períodos de grandes convulsões, que viriam a transformar profundamente o País, como terão oportunidade de constatar. Considerei, também, que a Maçonaria, e em particular a Maçonaria portuguesa é ainda mal conhecida – refiro-me à sua história e ao seu processo evolutivo. 1

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O que é a Maçonaria – Princípios e valores fundamentais.

Carlos Jaca Conferencia proferida no auditório da

Escola Secundária de Alberto Sampaio em 15 / 11 / 2002.

Antes de mais, sinto-me na obrigação, e por o julgar conveniente, apresentar

as razoes que, em minha opinião, justificaram o tratamento deste tema. Não foi

deliberadamente uma opção. Aconteceu.

Ao receber, em finais de Junho, o semanário “Jornal de Coimbra”, deparei com

a seguinte notícia:

«O novo Grão – Mestre da Maçonaria, António Arnaut, afirma que a Maçonaria

não é que detém poderes ocultos em Portugal»

A título meramente informativo, devo esclarecer que António Arnaut para além

de ser um dos fundadores do Partido Socialista, foi fundador do Serviço Nacional de

Saúde, Ministro dos Assuntos Sociais, e em Portugal um prestigiado especialista em

Miguel Torga, tendo sido um dos seus maiores amigos.

Diz o advogado e escritor conimbricense: «Há poderes ocultos que actuam em

Portugal como verdadeiras ditaduras, na economia e na área da comunicação social.

Há poderes ocultos, mas os poderes ocultos não são a Maçonaria, observa,

aludindo aos poderes ocultos económicos e mediáticos, que são aliados».

Não sei se a Maçonaria detém ou não poderes ocultos, nem tão pouco me

interessa; quanto ao resto, às referências aos poderes económicos e mediáticos, direi

como dizem os italianos: «se non é vero è bene trovato» (Se não é verdadeiro é bem

achado)

Depois, bem, depois recordo que a partir do segundo quartel do séc. XVIII, a

Maçonaria passa a desempenha papel relevante na História e Portugal,

particularmente em períodos de grandes convulsões, que viriam a transformar

profundamente o País, como terão oportunidade de constatar.

Considerei, também, que a Maçonaria, e em particular a Maçonaria portuguesa

é ainda mal conhecida – refiro-me à sua história e ao seu processo evolutivo.

1

Embora não seja minha intenção formular quaisquer juízos de valor sobre esta

instituição, posso garantir, que tenho para mim, como dado adquirido, o facto de a

Maçonaria dos nossos dias pouco, ou nada ter a ver com a Maçonaria dos sécs. XVIII

e XIX e mesmo do primeiro quartel do séc. XX, quando era conspiradora, ou

conspirativa, e revolucionária.

Concluindo: Devo esclarecer que não sou maçon, nem pro – maçon, mas tão

pouco sou, porém, antimaçon – não posso ser anti, de uma coisa que intrinsecamente,

na sua essência desconheço.

Enfim, já agora, e para que não fique no ar qualquer dúvida sobre este aspecto,

porquanto já me foi posta a questão (extemporaneamente), devo dizer, e digo-o com

toda a naturalidade, que me situo na área da Igreja Católica e Apostólica Romana.

Posso afirmá-lo com à vontade, tanto mais que, como professor, deixei de

existir, e assim, já não se põe a questão de poder , eventualmente, susceptibilizar as

várias convicções dos alunos.

A Maçonaria, não me interessa e nunca me interessou como realidade do

presente Interessou-me, sim, como fenómeno histórico, como objecto do

conhecimento.

Interessou-me, ou interessa-me, como elemento interventor, directa ou

indirectamente, nos sucessos históricos, e, nomeadamente, no que diz respeito a

Portugal.

Este trabalho não é, portanto, um libelo nem uma apologia. Constitui uma

narrativa, e até certo ponto uma interpretação, mas o que pretendo, será apenas

informar para que, cada qual, possa fazer um juízo (o seu juízo) objectivo.

.

Maçonaria vem provavelmente do francês “maçonnerie”, que significa

uma construção qualquer, feita por um pedreiro, o “maçon”. A Maçonaria terá

assim como objecto essencial, a edificação de qualquer coisa. O “maçon”, o

pedreiro-livre, podendo traduzir-se, modernamente, por livre-pensador, será

portanto o construtor, o que trabalha para erguer um edifício.

Maçonaria significa pois, “construção”. O “maçon” pretende construir o

seu próprio futuro, tornando-se um homem melhor. A Maçonaria pretende

construir o futuro da Humanidade, tornando-a mais justa e perfeita. Este

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objectivo está inscrito, como pedra angular, nas Constituições maçónicas do

mundo moderno. A Constituição do Grande Oriente Lusitano, de 1926, define a

Maçonaria como “uma instituição essencialmente humanitarista, procurando

realizar as melhores condições de vida social”. A Constituição em vigor, de

1985, aponta como seu escopo o “aperfeiçoamento da Humanidade através da

elevação moral e espiritual do indivíduo”.

Os grandes valores da Maçonaria estão sintetizados na sua divisa

universal: Liberdade, Igualdade, Fraternidade – Liberdade com ordem,

Igualdade com respeito e Fraternidade com justiça. A Maçonaria portuguesa

tem ainda por lema: Justiça, Verdade, Honra e Progresso.

A Maçonaria não é uma moral nem uma religião.

Admite todas as crenças e pratica a moral universal, que tem por base a

primeira de todas as virtudes: amar o próximo. A doutrina maçónica é livre de

todas as limitações, escolas, teorias ou preconceitos. O livre-pensamento é o

único caminho da procura da verdade e não pode, por isso, sofrer qualquer

entrave. O livre-pensamento, ou livre-exame, pressupõe a tolerância e o

respeito pelas ideias dos outros. É essa a segunda virtude cultivada pelos

maçons. A crença numa sociedade mais perfeita é a sua terceira virtude e a

força aglutinadora que, em todos os tempos e em todos os lugares, congregou

os “homens livres e de bons costumes” para a tarefa, sempre inacabada, de

construir a fraternidade universal. Este objectivo, verdadeira ideia-força,

exprime-se, na linguagem maçónica, por “construção do Templo”.

Sendo a Maçonaria uma organização comprometida com o mundo, na

medida em que pretende moldá-lo pelos seus ideais, poderá objectar-se que

não se justifica a sua existência nas sociedades democráticas modernas. Não

são os partidos o elemento privilegiado para realizar as transformações

político-sociais que os maçons tanto desejam?

Argumentam, porém, estes últimos, que o objectivo essencial da

Maçonaria é o aperfeiçoamento moral e espiritual dos seus membros e a

defesa da moral universal. Esta função escapa aos partidos e a outras

organizações, e é assaz relevante numa sociedade cada vez mais

desumanizada e mercenária, que perdeu quase todas as referências ético-

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culturais e erigiu o dinheiro como valor supremo. Por outro lado, os partidos

são, em geral, simples máquinas de conquista do poder, praticamente

despojados dos seus princípios programáticos por um carreirismo desenfreado

e tentacular, que ameaça subverter o ideal democrático.

Ora, pertencendo ou simpatizando os maçons com as várias correntes

partidárias, poderão aí, mais frutuosa e consistentemente, pugnar pela

efectivação das reformas necessárias à construção da nova sociedade. De

facto, a Maçonaria não intervém, e não deve intervir, como tal, na vida política.

A sua influência manifesta-se apenas indirectamente, através da acção

individual e do exemplo dos seus filiados. E sendo a Ordem Maçónica um

espaço de diálogo fraterno entre pessoas de todas as ideologias democráticas,

pode e deve continuar a desempenhar, por esta via, um papel importante no

aperfeiçoamento das instituições, insuflando-lhes os valores morais que são o

apanágio de um verdadeiro maçon.

A Maçonaria não aceita dogmas, pratica a tolerância e respeita a

liberdade absoluta de consciência. O maçon tem o direito de examinar e de

criticar todas as opiniões e de discutir todos os problemas, sem quaisquer

peias ou limitações. A Maçonaria é anti-dogmática, tanto no aspecto político,

como religioso ou filosófico. A política e a religião pertencem ao foro íntimo de

cada um e não podem ser discutidas, salvo nos termos genéricos já referidos,

para não abalar a união do povo maçónico, a instituição congrega pessoas de

todas as crenças ou sem crença nenhuma, e de todas as ideologias não

totalitárias.

Assim, é rotundamente falsa a acusação que vem dos tempos do “Santo

Ofício” e que foi retomada pela ditadura deposta em 25 de Abril de 1974 de que

o maçon, ou pedreiro livre, é contra a religião. Muitos e ilustres membros da

Ordem foram e são crentes e, até, bispos e cardeais.

A Maçonaria aceita, aliás, a existência de um princípio superior,

simbolizado no “Supremo Arquitecto do Universo”, que não tem definição e

que cada um interpreta segundo a sua sensibilidade ou convicções. Para uns

será o Deus em que acredita, para outros o Sol, fonte da vida, a própria

natureza, a lei moral ou ainda resultante de todas as forças que actuam no

universo. Esta ideia implica o respeito por todas as religiões, pois todas são

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igualmente verdadeiras, sem prejuízo do necessário combate ao fanatismo e à

superstição.

Deste modo, a Maçonaria é uma casa de união entre ateus, agnósticos

e pessoas dos mais diversos credos, que não se discutem por pertencerem à

zona inviolável da consciência de cada um.

Mas não se pense, ninguém pensará, nem os próprios, que os maçons

são pessoas perfeitas; ao longo da História cometeram erros e mais erros.

Origens e evolução da Maçonaria. Maçonaria operativa e Maçonaria ideológica, especulativa ou filosófica.

A Ordem da Maçonaria antiga está envolta na névoa dos tempos, das

lendas e dos mitos. Sobre as suas origens têm-se gasto rios de tinta e escrito

as mais fantasiosas histórias. Desde os mistérios de Elêusis ao rei Salomão e à

Ordem do Templo, tudo tem servido a maçons, desejosos de exaltar a

antiguidade da Ordem, e a profanos, não menos desejosos de denegrir essa

mesma Ordem, para escreverem patranhas e balelas, confrangedoras pela

ingenuidade e ignorância que revelam.

Nos exageros de imaginação houve até quem a fizesse nascer no

paraíso terreal, tendo por primeiro Mestre Adão, ou, mais tarde, na época do

dilúvio, na construção da Arca de Noé, o qual teria sido, neste caso, o primeiro

Grão-Mestre.

Historicamente apenas podemos afirmar que a Ordem Maçónica está

ligada às corporações de pedreiros da Idade Média. A religiosidade então

dominante exprimiu-se, sobretudo, na construção de templos e catedrais

góticas, todas, de resto, semeadas de sinais maçónicos, como acontece, entre

nós, na Batalha, em Tomar e nos Jerónimos.

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Os arquitectos e construtores desses monumentos tinham de ser

dotados de profundos conhecimentos técnicos, científicos e artísticos.

Surgiram, assim, corporações de arquitectos, escultores, lavradores de pedra e

operários especializados. Para garantir o emprego da mão-de-obra associada,

mantinham secretos certos processos técnicos de trabalho profissional,

servindo-se para comunicar entre si de formas vocabulares, sinais e toques

esotéricos, tendentes a assegurar o monopólio da sua arte qualificada.

Tais conhecimentos eram interditos a elementos estranhos, pois a sua

divulgação e entrada no domínio público implicava a perda de prerrogativas.

Por isso, apenas eram transmitidos secretamente nas lojas (local de reunião

dos maçons) pelos mestres aos discípulos de reconhecida aptidão e

honorabilidade, após um juramento solene. Assim surgiu a Maçonaria operativa (de operários construtores) e o segredo maçónico ou iniciático.

Estas confrarias ou associações de construtores, com o andar do tempo,

foram perdendo a sua grandeza, sofrendo uma evolução no decorrer dos sécs.

XVI e XVII.

A Reforma de Lutero e o livre-pensamento dela emergente abriram

fissuras no poder pontifício de Roma. Uma nova classe, constituída

principalmente pela burguesia, pela intelectualidade laica, por magistrados,

universitários, nobreza progressista e militares, submergiu a antiga casta

católico-romana.

A Reforma vibrou, assim, um rude golpe nas corporações de maçons

que, pouco a pouco, se foram extinguindo por ter cessado a febre da

construção de templos.

O ocaso da arte gótica marca também o declínio das corporações de

canteiros, embora persistissem vestígios delas, onde se manteve o gosto da

cantaria lavrada, sobretudo nos países da Europa do Norte até ao séc. XIX.

Em 1703 só subsistiam na Inglaterra. E foi justamente aí que

provavelmente, para evitar o seu completo desaparecimento, a Loja de S.

Paulo franqueou as suas portas a pessoas não iniciadas na construção.

A visão ideológica do mundo na Maçonaria corporativa alterou-se, então,

completamente.

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A nova situação e a filosofia dominante, contrária ao absolutismo e ao

poder aristocrático e clerical, impuseram a adopção de novos prosélitos.

Manteve-se, porém, a forma gremial – iniciação, rito, segredo – mas alterou-se

o seu conteúdo e objectivos. A Maçonaria operativa transformou-se em

Maçonaria filosófica ou especulativa, também conhecida por Franco -

Maçonaria.

A arquitectura revestia sentido puramente alegórico. Em vez da erecção

de catedrais de pedra, o ideal devia ser, agora, a construção de catedrais humanas, ou homens ideais, para honra do Grande Arquitecto Universal (Deus). As marcas e ferramentas da pedra lavrada (círculos, compassos,

esquadros, etc.) tornavam-se, doravante, puros símbolos. O uso do avental

retinha-se como sinal de trabalho.

Em 1717, quatro lojas de pedreiros de Londres, organizaram-se numa

espécie de federação a que dera o nome de Grande Loja, elegendo um

primeiro Grão-Mestre como autoridade sobre todos os maçons. Quatro anos

mais tarde era redigido um primeiro regulamento e, em 1723, cometido ao

pastor escocês James Anderson o trabalho de redigir umas Constituições (A Magna Carta da Maçonaria) que todos aceitassem. Anderson, com a ajuda de

vários, incluiu no seu texto – ainda hoje venerado

e respeitado por toda a Maçonaria –, não só os deveres e os direitos dos

maçons, mas também a história lendária da nova Fraternidade.

Na década de 1720-1730 introduziram-se, por influência ou impacte

directo britânico, as primeiras lojas maçónicas em França. O ambiente do

Século das Luzes era extremamente favorável a tudo o que proviesse das

Ilhas Britânicas, então havidas como pátria da liberdade.

Nas décadas de 1720-1730 e 1730-1740, a Maçonaria penetrou em toda

a Europa e fora dela. Foi um avanço de rapidez impressionante, que assustou

sobretudo a Igreja.

O Papa Clemente XII, logo em 1738, promulgou a primeira bula de

excomunhão contra os pedreiros livres. Mas a bula pouca impressão fez. Em

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alguns países, nem sequer foi promulgada. O número de maçons seguiu em

aumento, para jamais se deter até ao séc. XX.

É que a Maçonaria correspondia aos ideais e às preocupações do

tempo. Tornara-se igualmente numa moda, que o seu carácter secreto e

misterioso propagava. Todo o aristocrata, todo o clérigo, todo o burguês bem -

pensante aspirava a fazer parte da instituição, que lhe concedia foros de

homem corajoso e avançado, cônscio dos problemas do tempo e desejoso de

os resolver.

Quando das Revoluções Americana e Francesa, os pedreiros livres

eram já aos milhares. Mas a acção directa da Ordem na feitura dos

movimentos revolucionários não está comprovada documentalmente, A

Maçonaria actuou por trás, nos bastidores, sobre o ideário e a actividade dos

pedreiros-livres que, interessados noutras organizações mais pragmáticas

lutaram seguindo a via revolucionária e política.

Nos meados da centúria de Setecentos foram instituídas as chamadas

lojas de adopção, destinadas às mulheres. Embora um dos “landmarks”

britânicos fosse, exactamente, a exclusividade masculina, tentou ladear-se a

questão por meio de sistema dito adoptivo. Qualquer loja regular adoptava

uma loja feminina, que lhe ficava subordinada na essência.

As invasões francesas dos finais do séc. XVIII e começos do XIX

contribuíram para uma maior difusão dos princípios maçónicos e das lojas que,

por toda a parte, se fundaram por influência dos oficiais invasores, de Portugal

à Rússia e da Suécia ao Egipto. O regresso a regimes reaccionários, que

dominaram a Europa até meados do

século, não enfraqueceu a Maçonaria, antes a estimulou, por lhe dar uma

razão de combate contra a opressão e a intolerância. Uma das características

fundamentais da Maçonaria, quer no séc. XVIII quer no XIX quer no XX,

parece ter sido quase sempre a de se encontrar numa posição de vanguarda,

antecipando-se às conquistas políticas e sociais do tempo. Não assombra,

portanto, a ligação intima, muitas vezes existente, entre Maçonaria e

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liberalismo monárquico, primeiro radicalismo republicano, depois e socialismo,

por fim.

Este avanço da Maçonaria não se processou, aliás, sem dificuldades.

Progressistas e conservadores travaram, no seio da Ordem, rudes combates,

que terminaram, por vezes, na cisão e no cisma. Na segunda metade do séc.

XIX, por exemplo, a questão da crença num Deus criador, e a sua identificação

com o Supremo Arquitecto do Universo, dividiu os maçons de todo o mundo.

Também já no séc. XX, a Maçonaria houve, por toda a parte, de sofrer

perseguições demoradas, só comparáveis, na sua violência, às dos tempos da

Inquisição e do Absolutismo monárquico-clerical. Ligada indissoluvelmente à

tolerância e ao respeito pela individualidade, teria de ser mal vista por doutrinas

e regimes que os menosprezassem ou rejeitassem “in limine”. Havida por

burguesa e acusada de conexões íntimas com os grupos dirigentes, não tardou

a ser identificada com a plutocracia ou olhada como instrumento nas mãos

desta. Assim, para os comunistas, a Maçonaria definiu-se como instituição

burguesa e reaccionária, conluiada com os grandes interesses financeiros.

Para os fascistas em suas várias expressões nacionais, definiu-se como

plutocrática também, mas ligada ao comunismo e ao judaísmo internacional.

Para os católicos romanos, era tudo isto e, ainda mais, ateia e satânica.

O triunfo das várias ideologias comunistas e fascista havia de implicar,

portanto, uma onda de perseguições contra a Ordem Maçónica. Na União

Soviética – e em quase todos os outros países comunistas após a Segunda

Guerra Mundial – a Maçonaria foi extinta. Na Itália, fascista, na Alemanha

nacional-socialista, na Espanha de Primo de Rivera e de Franco, nas nações

balcânicas sujeitas a regimes autoritários, na França de Pétain, os maçons

sofreram perseguições sem conta, traduzidas muitas vezes pela própria morte.

Finda a guerra, tempos melhores voltaram para a Maçonaria, com base

em maior compreensão e tolerância para com os seus ideais. A Igreja Católica,

com o seu novo espírito ecuménico, tem ultimamente procurado ou sido

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receptiva a certa aproximação, que poderá culminar numa plataforma de

entendimento.

Também o ideal de uma Europa unida – de nações livres e iguais,

baseada na paz e na justiça social – foi sempre uma aspiração da Maçonaria,

ponto de partida para um mundo igualmente unido pelos grandes valores da

Ordem. Muitos dos que ajudaram a construir a Comunidade Europeia beberam

nos princípios maçónicos o melhor da sua motivação.

Ritual, iniciação, esoterismo e segredo maçónico.

Não cabe aqui nem tão pouco a mim fazer a abordagem, ainda que ligeira, destes

aspectos.

Apenas arrisco uma breve referência ao segredo maçónico passando a

citar na integra, o Dr. António Arnaut, Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano.

“A Maçonaria não é uma organização secreta, pelo menos, nos regimes

democráticos que garantem o direito de livre associação para fins lícitos. A sua

existência, regulamentos e locais de reunião são conhecidos pelas autoridades

e por muitos cidadãos. É, pois, uma organização discreta, na medida em que

não está aberta ao público e reserva apenas aos seus membros o

conhecimento de certas práticas e saberes. Nisso consiste o segredo

maçónico. Contudo, qualquer cidadão, acompanhado por um maçon, pode

visitar o Museu e frequentar o bar-restaurante instalados no rés-do-chão.

Porém, o conteúdo do segredo não é tanto o que se vê e ouve, mas o

que se sente e, por isso, não pode, verdadeiramente, exprimir-se. De facto, o

segredo maçónico é incomunicável, pois reside essencialmente no

simbolismo dos ritos, sinais, emblemas e palavras. E estes, embora possam

ser conhecidos e divulgados, só são compreensíveis pelos iniciados. Como um

maçon escreveu “não há nenhum segredo nos nossos mistérios para além dos

que residem na guarda inviolável das palavras”. Assim como um poema pode

ter uma interpretação que transcende a sua literalidade e que escapa, por

vezes, ao próprio autor, devendo o seu sentido captar-se com os olhos da alma

(e por isso se fala no mistério da poesia, que alguns ligam à alquimia da

palavra), também o essencial dos rituais está para além dos órgãos sensitivos,

devendo a sua interpretação procurar-se no subconsciente. Subconsciente (ou

inconsciente) que, no caso do maçon, é iluminado pela iniciação.

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Finalizando este capítulo, e pelo que já foi dito, pode concluir-se que a

Maçonaria se considera, pois, uma Ordem iniciática e ritualista, universal e

fraterna, filosófica e progressista, baseada no livre-pensamento e na tolerância,

que tem por objectivo o desenvolvimento espiritual do homem com vista à

edificação de uma sociedade mais livre, justa e igualitária.

A MAÇONARIA EM PORTUGAL – DA SUA

INTRODUÇÃO AOS NOSSOS DIAS

A – Os primeiros maçons em Portugal; Perseguições; Consolidação; Cisões.

A introdução da Maçonaria em Portugal remonta ao segundo quartel do século

XVIII.

Talvez por 1727, foi fundada por comerciantes britânicos residentes em

Lisboa uma loja que ficou conhecida nos registos da Inquisição como dos

Herejes Mercantes, por serem protestantes quase todos os seus membros.

Esta loja veio a regularizar-se em 1735, filiando-se na Grande Loja de Londres.

A Inquisição não a incomodou, por certo devido à nacionalidade e à

homogeneidade profissional dos seus participantes, protegidos pelos tratados

com a Inglaterra.

Em 1733 fundou-se uma segunda oficina em Lisboa, denominada Casa

Real dos Pedreiros-Livres da Lusitânia.

Os seus obreiros eram agora predominantemente católicos. Conhecem-

se os seus nomes, nacionalidades e profissões. Tratava-se sobretudo de

irlandeses, tanto comerciantes como mercenários no exército português, mas

havia também marítimos, médicos, três frades dominicanos, um estalajadeiro,

um cabeleireiro e até um mestre de dança.

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Em 1738, ao ser promulgada a bula condenatória de Clemente XII, a loja

dissolveu-se, mas alguns dos obreiros, nomeadamente os protestantes, não

acataram a decisão papal, ingressando na outra loja.

A terceira oficina criada em terra portuguesa conheceu destino mais

trágico. Fundou-a, em 1741, em Lisboa, o lapidário de diamantes John

Couston, nascido na Suíça mas naturalizado, depois, inglês. Eram quase todos

católicos, embora Couston, o venerável, fosse protestante.

Denunciados à Inquisição em 1742, os maçons da loja de Couston foram

presos, torturados e sentenciados, sendo o venerável e os dois vigilantes

condenados a vários anos de degredo e serviço nas galés. Por intervenção

estrangeira, porventura de outros maçons, libertaram-nos, porém, ao fim de

algum tempo, com a condição de saírem do país.

A perseguição de 1743 desmantelou este primeiro esboço de

organização maçónica em terra portuguesa.

A Maçonaria só tomou de novo força e vigor na década de 1760-70,

mercê de uma maior tolerância governativa; abranda a repressão maçónica e a

Ordem viveu um período de paz e crescimento.

Õ Marquês de Pombal – homem esclarecido e estrangeirado que,

porventura, se documentara sobre a Maçonaria ou fora mesmo iniciado no seu

período de residência fora do país – deixou os pedreiros-livres em paz, ao

mesmo tempo que quebrava as garras da Inquisição e a convertia em dócil

instrumento do poder do estado.

Derrubado o Marquês, a Maçonaria voltou a conhecer a perseguição.

Efectivamente, com a “viradeira” do reinado de D. Maria I e a diligência policial

de Pina Manique, e ante a subversão revolucionária soprada de França,

acende-se a perseguição à “pedreirada”, cujo volume ia avultando e

inquietando os defensores da ordem estabelecida. Por volta de 1778 havia

oficinas perfeitas ou simplesmente maçons desgarrados em vários pontos do

País, como Lisboa, Coimbra, Valença e Funchal.

A Maçonaria nacional recrutava-se, sobretudo, entre a oficialidade do

exército e da marinha, o professorado, o comércio e a indústria, a burocracia

civil e eclesiástica.

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Em menor percentagem existiam irmãos clérigos e aristocratas

terratenentes. Era, em suma, a burguesia esclarecida quem sobretudo

preenchia os lugares das oficinas.

Nos começos do século XIX, o número de lojas e de filiados justificava já

uma organização bastante completa da Ordem, consoante os modelos

britânico e francês.

Em 1801 reconheceu-se a necessidade de criar uma Grande Loja ou

Grande Oriente Português, que substituísse a Comissão de Expediente de seis

membros, instituída para coordenar as actividades da Ordem. Para o efeito,

deslocou-se a Londres, em 1802, o irmão Hipólito José da Costa, que

negociou e obteve o reconhecimento. Nasceu assim o Grande Oriente Lusitano. Como seu primeiro Grão-Mestre foi eleito o desembargador

Sebastião José de São Paio de Melo e Castro, neto do marquês de Pombal, e,

quatro anos mais tarde, em Julho de 1806, votava-se a primeira Constituição

Maçónica Portuguesa.

Embora, no decurso das Invasões Francesas, se tivessem forjado na

metrópole condições propícias ao engrossamento dos quadros maçónicos, em

1809-10 desencadeou-se a terceira grande vaga de perseguições e prisões

que, uma vez mais, desmantelaram a Maçonaria. Só findo o período das

Invasões Francesas e restaurada a paz interna se assistiu a um renascimento

da Ordem. Mas foi sol de pouca dura. Em 1817, a quarta perseguição,

terrivelmente feroz, levou ao cadafalso em S. Julião da Barra o Grão-Mestre

Gomes Freire de Andrade e vários companheiros seus, executados no Campo

de Santana, em Lisboa.

A Maçonaria Portuguesa, sem nunca paralisar de todo, reentrou na

clandestinidade.

Porém, estas perseguições não impediram a difusão dos ideais

maçónicos, nem a luta da Ordem contra o obscurantismo e o poder absoluto.

Em 22 de Fevereiro de 1818 é fundada no Porto a Loja Sinédrio, fonte da

Revolução Liberal de 1820.

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Eram maçons as grandes figuras do vintismo: Fernandes Tomás,

Ferreira Borges, Silva Carvalho e Borges Carneiro.

A Maçonaria congregava, aliás, a maior parte da intelectualidade e da

burguesia progressista, incluindo magistrados, professores universitários,

eclesiásticos, profissões liberais, oficiais do exército e mesmo certa

aristocracia.

De 1820 a 1823 a Maçonaria Portuguesa conheceu o seu primeiro

período de apogeu e de aparecimento à luz do dia. O número de lojas

multiplicou-se, existindo cerca de 40 tanto em Lisboa como na província.

Com a Vilafrancada, a Abrilada e o regresso do absolutismo, os maçons

voltaram a ser perseguidos, encarcerados e mortos. Foi a quinta perseguição.

As actividades à luz do dia tiveram de ser suspensas até 1826. De 1826 a 1828

manifestou-se um curto renascimento, de que se sabe hoje muito pouco, e que

logo soçobrou na sexta e violenta perseguição do Miguelismo.

O triunfo definitivo do liberalismo em 1834 e a ascensão de D. Pedro IV,

Grão-Mestre da Maçonaria brasileira e portuguesa, trouxe os maçons ao poder,

marcando um período de apogeu da Ordem que só viria a terminar com a

Revolução de 28 de Maio de 1926.

Porém, como os políticos e a política, também os maçons conheceram

períodos de crise e períodos de divisão ao lado de outros de robustecimento e

incontestável unidade.

De facto, desde 1826 e até meados da centúria, o Grande Oriente

Lusitano, representou a corrente conservadora da Maçonaria, ligada à

ideologia política do “cartismo”, tendo como Grão-Mestre Silva Carvalho e

Costa Cabral. Este comprometimento provocou várias cisões. Estas cisões

corresponderam às diversas correntes do liberalismo e consequente conquista

do poder, funcionando as respectivas lojas como células partidárias, como

aconteceu com a Loja “Liberdade”, fundada em Coimbra em 1863 por lentes da

Universidade e intelectuais. Por isso, as vicissitudes da política repercutiram-se

negativamente no prestígio e coesão da Ordem Maçónica.

Por seu turno, o próprio Grande Oriente Lusitano, havia de gerar a cisão

de Silva Carvalho que, com outros, constituiu o Oriente do Rito Escocês.

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Contudo, em 1869 foi possível reconciliar os “irmãos” desavindos, com a

criação do Grande Oriente Lusitano Unido, sob o Grão-Mestrado do Conde de

Paraty. Desde então, e exceptuando pequenas convulsões, reinou a unidade

da família maçónica. Foi o período áureo da Maçonaria Portuguesa.

Passaram pelo Grão-Mestrado figuras tão ilustres como Elias Garcia,

António Augusto de Aguiar, Bernardino Machado, mais tarde Presidente da

República e Sebastião de Magalhães Lima. Foram igualmente maçons nomes

prestigiados como Mouzinho da Silveira, Alexandre Herculano, o cardeal

Saraiva, patriarca de Lisboa,

Machado Santos, Afonso Costa, António José de Almeida, António Maria

da Silva, Miguel Bombarda, Sidónio Pais, Camilo Castelo Branco, Antero de

Quental, Eça de Queirós, Rafael Bordalo Pinheiro, Egas Moniz (Prémio Nobel)

e Teixeira de Pascoais.

B – A República

Nos finais do século XIX e princípios do século XX, o ideário maçónico

começou a identificar-se com a ideologia republicana, apesar de haver muitos obreiros

monárquicos.

Esta simpatia não deve surpreender numa organização progressista,

que sentia na alma as agruras da Pátria e a decadência da nação. Por isso a

República foi, essencialmente, obra de maçons, entre os quais se destacam

alguns dos nomes já referidos.

O advento do novo regime havia, contudo, de enfraquecer a Maçonaria, na

medida em que ela se envolveu directamente na luta político-partidária,

dividindo-se entre o apoio ao Partido Republicano e ao Partido Democrático.

Esta politização da Maçonaria resultou numa multiplicação de interesses

na Ordem, dirigidas a finalidades que de maçónico só tinham parte. Com a

implantação da República, a Maçonaria passou a ser olhada como qualquer

coisa de útil, de pragmaticamente necessário no curriculum do candidato a

ministro, a deputado ou a simples funcionário público. No Parlamento, metade

ou mais de metade dos representantes do povo pertencia à Ordem. No

Governo Provisório (1910-1911). 50% dos ministros eram maçons,

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percentagem que, “grosso modo” continuou a existir nos muitos governos

republicanos até 1926. Quanto às presidências, mais de metade dos

ministérios foram presididos por maçons. Três presidentes da República –

Bernardino Machado, Sidónio Pais e António José de Almeida – pertenciam à

Ordem Maçónica. Tal como durante a Monarquia Constitucional, algumas

medidas mais progressistas adoptadas pelo regime republicano tiveram

participação das lojas e foram subscritas por ministros maçons. O âmbito da

Maçonaria durante a 1ª República está ainda por determinar cabalmente, mas

não parece exagerado afirmar que a história das duas instituições apresenta

paralelos do maior interesse e que o declínio de uma corresponde ou foi em

grande parte, o causador do declínio da outra.

Ora, a aproximação entre Maçonaria e Partido Republicano, acentuada

desde a proclamação da República, houve de reflectir também as dissensões

dentro daquele Partido.

Não admira, pois, que em 1914 se verificasse uma cisão entre a ala

direita e a ala progressista, agora representada pelo Grande Oriente Lusitano.

Foi criada uma segunda potência, o Grémio Luso-Escocês, que apoiou a

ditadura de Sidónio Pais.

Estas dissensões descontentaram, naturalmente, muitos filiados que não

se reviam nas posições da Ordem e não aprovavam a sua intromissão na

política. Os factos iriam demonstrar que a Maçonaria só progride quando, em

coerência com a sua doutrina, se mantém afastada do confronto partidário,

embora não lhe seja indiferente o rumo da História. Mas, para actuar neste

campo e poder iluminar o caminho do futuro, é imperioso que mantenha

inviolável o princípio do apartidarismo e que as suas “oficinas” continuem a

ser o lugar onde se trabalha, fraternalmente, pela concórdia nacional e

universal.

A cisão duraria até Março de 1926, quando já se pressentia o Movimento

que havia de eclodir dois meses após e que desencadeou a mais larga ditadura

da nossa História. Os maçons das duas obediências tiveram consciência dos

perigos que ameaçavam a democracia e voltaram a unificar-se sob os

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auspícios do grande Oriente Lusitano, sendo Grão-Mestre Sebastião de

Magalhães Lima, jornalista, caudilho republicano e fundador da Liga

Portuguesa dos Direitos do Homem (1926).

Era tarde, porém, para conseguir vencer. Passados dois meses

sobrevinha o movimento militar de 28 de Maio e a instauração da Ditadura.

Para a Maçonaria portuguesa era o começo da agonia. Identificada com a

República, caía agora com ela.

C – O Estado Novo

O movimento de 28 de Maio não se repercutiu directa e indirectamente na

Maçonaria. Alguns dos seus chefes, a começar pelo próprio Carmona, eram pedreiros-

livres. Até 1929, a Maçonaria teve plena liberdade de acção, embora recrudescessem

contra ela os habituais ataques e se começasse a notar certo afrouxamento de actividade

devido às hesitações e ao receio de muitos filiados.

A entrada de Salazar para o governo e a sua rápida ascensão tutelar, aliada à crescente

influência da direita reaccionária, reavivou os velhos ódios das forças obscurantistas.

Em 16 de Abril de 1929, sendo Grão-Mestre, António José de Almeida, o

Palácio do Grémio Lusitano, sede da Ordem era assaltado por elementos da Guarda

Nacional Republicana e da Polícia, com a participação de numerosos civis, onde se

destacava o jovem Marcelo Caetano.

Muitos maçons foram presos e muitos documentos confiscados. Foram

praticados actos de vandalismo, incluindo destruição de símbolos, móveis e obras de

arte. Era o início da “longa noite fascista”, expressão que, no caso, não constitui uma

simples metáfora, mas uma tenebrosa realidade que levou muitos obreiros à cadeia, ao

exílio e à demissão.

De facto, o Estado Novo instituiu a Maçonaria como seu inimigo principal. O

golpe que a ditadura supunha mortal foi desferido em 19 de Janeiro de 1935 com a

apresentação na recém instalada Assembleia Nacional, de um projecto de Lei subscrito

pelo deputado José Cabral, proibindo as “associações secretas” e confiscando-lhes todos

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os bens. É claro que, embora o projecto o não referisse, o seu único alvo era a

Maçonaria.

As reacções não se fizeram esperar. Em 4 de Fevereiro Fernando Pessoa publica

no “Diário de Lisboa” um vigoroso artigo em defesa da Maçonaria (um segundo artigo

foi cortado pela censura).

O Grão-Mestre Norton de Matos expôs o protesto da Ordem ao presidente da

Assembleia Nacional, Dr. José Alberto dos Reis, ele próprio maçon. Tudo em vão,

porque o ditador já tinha decidido varrer os “pedreiros - livres” da terra portuguesa, à

semelhança do que, séculos antes, fora tentado pela Inquisição.

A lei foi votada por unanimidade e publicada no “Diário do Governo” em 21 de

Maio (Lei 1901). A partir daí todos os que quisessem exercer funções públicas tinham

que declarar, por sua honra, que não pertenciam, nem jamais pertenceriam, a qualquer

associação secreta.

A Maçonaria fora, assim, “legalmente” dissolvida em Portugal. O Palácio

Maçónico foi confiscado e nele instalado um quartel da Legião Portuguesa. Muitos

maçons e outros democratas começaram então a frequentar as masmorras da ditadura.

D – Revolução de Abril – Figuras públicas da Maçonaria

É claro que a Ordem Maçónica não se extinguiu.

Pode-se eliminar as pessoas, e algumas foram mesmo eliminadas, e destruir os

seus bens, mas não se podem eliminar as ideias, sobretudo as ideias generosas que

visam a libertação do homem, e são tão velhas como a Humanidade.

Algumas lojas mantiveram-se na mais rigorosa clandestinidade.

Ao sobrevir a Revolução de 25 de Abril de 1974, a Maçonaria, conquanto fraca

e debilitada, mantinha galhardamente o facho aceso mais de dois séculos atrás.

De todas as organizações políticas e parapolíticas existentes em 1926, só ela e o

Partido Comunista subsistiam. Este facto permitiu-lhe retomar quase imediatamente

uma actividade efectiva e intervir desde logo na vida nacional.

Muitas lojas adormecidas foram reactivadas. Outras foram criadas para

enquadrar os novos iniciados.

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A Revolução de Abril restituiu a liberdade aos Portugueses, e,

consequentemente, o direito de associação. A ditadura não conseguiu extinguir a

Maçonaria, mas a repressão fascista reduzira a poucas dezenas os maçons activos.

Foram estes que se reorganizaram em comissão e reclamaram a restituição do

Palácio Maçónico, sede do Grande Oriente Lusitano, numa altura em que o Primeiro

Governo Provisório era chefiado pelo Maçon Prof. Adelino da Palma Carlos.

Outras figuras públicas, e algumas já foram referidas, tanto nacionais como

estrangeiras, de várias sensibilidades político-religiosas estiveram, ligadas à Maçonaria.

Muitos dos presidentes dos Estados Unidos, da França e de Portugal foram maçons. As

casas reais europeias deram à Maçonaria vários monarcas.

Foram também iniciados Eldwin Aldrin, o primeiro homem a pisar o solo lunar,

Alexandre Fleming, inventor da penicilina, o pintor Marc Chagall, Churchill, Garibaldi,

Simon Bolivar, Salvador Allende...

Das figuras portuguesas que deixaram rasto na nossa história destaco apenas

alguns nomes da 2ª metade do século passado: o general Norton de Matos e Humberto

Delgado, o escritor Vitorino Nemésio, o cardeal Costa Nunes (vice-camarlengo da

Santa Sé), os deputados e advogados Nuno Rodrigues dos Santos (presidente do

Partido Social Democrata), António Santos Silva, António Macedo e Teófilo Carvalho

Santos (aquele Presidente do Partido Social e este Presidente da Assembleia da

República), o médico e filantropo Bissaya Barreto, o advogado e Provedor de Justiça

José Magalhães Godinho e o Prof. João Lopes Soares (pai de Mário Soares). Dos vivos

refira-se o Dr. Fernando Vale, médico, fundador do PS e antigo Governador Civil de

Coimbra e o Dr. Emídio Guerreiro, professor e antigo Presidente do PSD, que escapou à

morte na Guerra Civil de Espanha, porque o comandante do pelotão de fuzilamento era

maçon e, como tal, se reconheceram.

Por curiosidade, refira-se que foram maçons os autores da música e da letra do

Hino Nacional, Alfredo Keil e Henrique Lopes de Mendonça, respectivamente.

E – Maçonaria Feminina

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A Maçonaria Moderna (1723) é, na sua origem, composta exclusivamente por

homens. Aliás, o seu texto fundador não deixa margem para dúvidas.

Com efeito, os velhos regulamentos excluíam as mulheres da Maçonaria,

certamente por razões históricas, pois entendia-se que o risco inerente à condição de

iniciado e a coragem necessária para agir como maçon eram próprios do homem. Nos

tempos antigos a iniciação compreendia um conjunto de provas tão duras que se

tornavam incompatíveis com a suposta fragilidade feminina. De resto, a mulher estava

ainda longe de desfrutar dos direitos que mais tarde, por influência da própria

Maçonaria, lhe haviam de ser reconhecidos.

Assim, quando mais tarde, elas passam a ser admitidas no seu seio é criada uma

figura jurídica que define claramente o modo como essa participação era entendida.

As lojas femininas que são então admitidas chamam-se de adopção. Isto é, as

mulheres eram “adoptadas” por uma loja masculina e ficavam dela dependentes. Não

gozavam aliás, como parte da organização, dos mesmos direitos. Nem a sua presença

era entendida com os mesmos objectivos.

A oposição dos homens é intensa e após o período napoleónico as mulheres não

têm expressão na Maçonaria. Isto é, à medida que o espírito aristocrático dá lugar ao

burguês a resistência é maior. Só em 1882 a polémica se relança.

A oposição é ainda de tal modo violenta que os poucos homens que apadrinham

essa presença vêem-se forçados a abandonar as suas organizações, e a criar,

conjuntamente, uma estrutura mista que ainda hoje subsiste. E só pelo fim do século o

movimento das lojas de adopção renasce.

A adopção contrapõe-se assim à emancipação, isto é, a uma independência. Uma

independência baseada em organizações autónomas, compostas exclusivamente por

mulheres, só se manifesta no pós 2ª Guerra Mundial e são hoje dominantes.

Também em Portugal funcionam lojas femininas.

A Marquesa de Alorna, a Viscondessa de Juromenha e Ana de Castro Osório

foram algumas das mais destacadas figuras da Maçonaria feminina.

F – Relações com a Igreja Católica

A Maçonaria não é uma religião e, por isso, aceita todas as religiões, embora,

coerentemente, combata o fanatismo e a superstição. Assim, sempre houve na

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Maçonaria prosélitos de várias confissões, predominando em Portugal os católicos e

protestantes.

Porém, verificaram-se alguns graves conflitos com a Igreja Católica Romana. As

perseguições desencadeadas na sequência da bula “In Eminente”, que fulminava com a

excomunhão os maçons católicos, são hoje um facto histórico, que não deve ser

esquecido, mas que se tem de enquadrar no espírito da época.

Actualmente a Igreja, sobretudo após João XXIII e o Concílio Vaticano II,

encara com outros olhos o fenómeno maçónico, até porque o tempo demonstrou que as

“lojas” não são antros demoníacos, onde se realizam “missas negras”, mas locais de

concórdia, onde se trabalha para o bem da Humanidade.

À intolerância sucedeu a compreensão e uma certa simpatia. A esta mudança de

mentalidade não foi, seguramente, alheia a circunstância de muitos católicos e altos

dignitários da Igreja serem maçons. Aliás, há espaços comuns de preocupação e

identidade de propósitos entre a Maçonaria e a Igreja progressista.

O diálogo franco e desinibido interessa às duas entidades. E já começou a realizar-se

com resultados animadores. A Maçonaria não é concorrente e, muito menos, inimiga da

Igreja Católica.

A este propósito não posso deixar de registar aqui, algumas palavras dirigidas

pelo Arcebispo – Bispo do Porto, D. Júlio Tavares Rebimbas, na abertura da Semana

de Estudos da Faculdade de Teologia, realizada na referida cidade entre 1 e 4 de

Fevereiro de 1994, e subordinada ao tema, Maçonaria, Igreja e Liberalismo.

Diz o ilustre prelado: “Não estamos inocentemente aqui a abordar problemas

fáceis de Maçonaria, Igreja e Liberalismo cuja vastidão e complexidade é evidente e

com tempos diversos de expressão e altos e baixos de reacção. Mas somos a mesma

humanidade, as mesmas pessoas, a mesma paz e a mesma guerra. Por isso, e não só, a

via do diálogo, o espaço de liberdade que nos leva à missão de «fazedores de pontes» e

de usá-las.

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Não estamos aqui para converter maçons, nem para laicizar cristãos, nem para

aclarar tudo o que é problemática séria do liberalismo.

Mas, também não estamos aqui para quatro dias de inutilidades, mais ou menos

brilhantes. Estamos aqui nos caminhos da procura da verdade, da parcela de verdade

que todos têm. Porque a verdade total será noutra instância, é noutra onda e mesmo

assim leva muito tempo para chegar lá.

Felicito a Faculdade de Teologia do Porto por esta iniciativa e por estes

assuntos e desejo que os seus objectivos sejam alcançados.”

Porto, 1 de Fevereiro de 1994

Júlio, Arc. - Bispo do Porto

Curiosamente, um mês depois, mais precisamente, entre 23 e 26 de Março, o

Instituto de Sociologia e Etnologia das Religiões da Universidade Nova de Lisboa, em

colaboração com o centro de Estudos Afonso Domingues, organizou um debate em

torno das relações entre a Maçonaria e as Igrejas.

O Prof. José Esteves Pereira, Presidente do Conselho Científico da Faculdade de

Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, presidiu à Sessão de

Abertura, sendo os debates coordenados por Manuel Villas-Boas (Rádio T.S.F.),

António Marujo (Jornal “O Público”), Virgílio Prazeres Pedroso (Instituto de Sociologia

e Etnologia das Religiões), Luís Marinho Antunes (Director do Centro de Estudos

Pastorais da Universidade Católica) e José Eduardo Medeiros ( Centro de Estudos

Afonso Domingues).

Logo nas palavras de Apresentação, na Sessão de Abertura, foi fácil constatar

que o debate iria girar, fundamentalmente, à volta das convergências entre Religião e

Ideal Maçónico, ao afirmar-se que, “para a generalidade, em Portugal e não só, a

Maçonaria e as Igrejas foram consideradas instituições incompatíveis, orientadas por

valores radicalmente diferentes. Essa ideia vai-se contradizendo ainda que permaneçam

grandes zonas de desconhecimento mútuo. Contudo, desde há alguns anos, por parte

tanto das Igrejas como da Maçonaria, tem havido uma reflexão sobre o que há de

comum entre elas.

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Um debate sobre este assunto terá, mesmo assim, que ter em conta a especificidade de

cada uma das instituições. Enquanto as Igrejas são a emanação de religiões reveladas, a

Maçonaria é uma instituição exclusivamente humana; no entanto, ela baseia-se em

princípios que são comuns às religiões, como seja, a promoção dos valores espirituais ,

éticos e culturais, a solidariedade humana e o aperfeiçoamento dos sistemas sociais.

Está também em questão a reflexão que a Maçonaria e as Igrejas vêm

promovendo sobre as suas práticas do passado recente e recuado.

Para além de outras questões, a grande divergência – que foi empolada de ambos

os lados – incidiu sobre a crença num Deus Criador. A acusação de ateísmo de que a

Maçonaria foi alvo durante décadas, expressa aliás por alguns dos seus membros, vai

perdendo consistência. A Maçonaria, nos seus fundamentos e nos seus projectos, não é

uma organização ateia como pretende o vulgo, uma vez que os seus trabalhos são

executados sob os auspícios do Supremo Arquitecto do Universo que é uma maneira

de referir o Criador, e regida por valores espirituais e morais, reivindicando uma via

de acesso ao sagrado sem uma interpretação dogmática dos fenómenos religiosos.

No caso português esta reflexão vai permitindo que as Igrejas e a Maçonaria

encontrem plataformas de discussão e de entendimento sobre os grandes problemas que

afectam a Humanidade como, por exemplo, a guerra, a intolerância, a xenofobia e a

exclusão social que invadem o nosso quotidiano.

Concluindo, julgo não haver grandes dúvidas relativamente à posição assumida

pelo Prof. Moisés Espírito Santo, Presidente do Instituto de Sociologia e Etnologia das

Religiões da Universidade Nova de Lisboa, quando afirma que, “as Igrejas e a

Maçonaria têm de facto origens, justificações, objectivos e estruturas diferentes mas,

desde o momento em que as Igrejas assumem também um ideário humanista, Igrejas e

Maçonaria passam a percorrer alguns caminhos em comum.”

Aliás, posso acrescentar que esta posição corresponde no essencial às conclusões

a que chegaram os especialistas destes assuntos, defendendo respectivamente, pontos de

vista da Maçonaria e das Igrejas, assim como outros universitários portugueses e

estrangeiros, participantes nestas jornadas.

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Carlos Jaca

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