o psicólogo no hospital

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Psicologia Hospitalar Teoria e Prtica 2 edio revista e ampliada Valdemar Augusto Angerami Camon (organizador) Fernanda Alves Rodrigues Trucharte Rosa Berger Knijnik Ricardo Werner Sebastiani Austrlia Brasil Japo Coreia Mxico Cingapura Espanha Reino Unido

Estados Un

Sumrio Apresentao .................................................. XI 1 O Psiclogo no Hospital ........................................ 1 Valdemar Augusto Angerami Camon Introduo .................................................... 1 A Despersonalizao do Paciente ................................. 2 Psicoterapia e Psicologia Hospitalar ............................... 4 OSetting Teraputico ........................................... 5 A Realidade Institucional......................................... 7 A Psicologia Hospitalar Objetivos e Parmetros .................... 10 Consideraes Finais............................................ 14 2 De Como o Saber Tambm Amor .......................... 15 Valdemar Augusto Angerami Camon

Introduo .................................................... 15 Doces Reminiscncias ........................................... 16 Outros Tempos................................................. 18 3 Atendimento Psicolgico no Centro de Terapia Intensiva ......... 21 Ricardo Werner Sebastiani Introduo .................................................... 21 Desmistificando oCTI ........................................... 21 Objetivos Gerais do Acompanhamento Psicolgico noCTI ............ 24 Fatores Pessoais Decorrentes da Interveno Cirrgica como Possveis Geradores de Complicaes na Evoluo do Ps-Operatrio ....... 27

Psicologia Hospitalar Atendimento ao Paciente em Ps-Operatrio Imediato ............... 28 Reao Cirurgia: Letargia e Apatia ............................... 30 Agressividade nos Pacientes Cirrgicos ............................ 32 Depresses no Paciente Ps-Cirrgico ............................. 34 Depresses no Hospital Geral .................................... 36 Reaes de Perda no Paciente Ps-Cirrgico ........................ 39 Atendimento Psicolgico ao Paciente No Cirrgico ................. 41 Fatores Ambientais como Causadores ou Agravantes do Quadro Psico-Orgnico do Paciente ................................... 42 Fatores Orgnicos como Reflexos Decorrentes do Perodo de Internao . 42 O Paciente Ansioso ............................................. 44 O Paciente Agressivo ........................................... 47 O Paciente com Agressividade Latente ............................. 48 Pacientes Suicidas noCTI ........................................ 50 O Paciente com Alteraes do Pensamento e Senso-Percepo: Consideraes Gerais ........................................ 53 Distrbios Psicopatolgicos e de Comportamento noCTI ............. 55 O Paciente em Coma noCTI ..................................... 60 Referncias Bibliogrficas ........................................ 63 Roteiro Complementar de Estudos ................................ 64 4 Estudos Psicolgicos do Puerprio ........................... 65 Fernanda Alves Rodrigues Trucharte e Rosa Berger Knijnik Introduo .................................................... 65 Objetivos ..................................................... 66 Metodologia................................................... 66 Fundamentao Terica ......................................... 66 Casos Ilustrativos ............................................... 72 Concluso..................................................... 89 Referncias Bibliogrficas ........................................ 90 5 Pacientes Terminais: Um Breve Esboo ....................... 91 Valdemar Augusto Angerami Camon

Introduo .................................................... 91 A Problemtica Social do Paciente Terminal ......................... 92 Alguns Dados Relacionados com a Vivncia do Paciente Terminal ...... 99 Referncias Bibliogrficas ........................................ 106 X

0 Psiclogo no Hospital 1 Valdemar Augusto Angerami Introduo A A inteno deste trabalho levantar alguns pontos de reflexo sobre o significado da Psicologia no Hospital e a atuao do psiclogo nesse contexto. A evidncia que me ocorre inicialmente que, apesar dos inmeros trabalhos e artigos que hoje norteiam a prtica do psiclogo no hospital, ainda assim notrio o fato de que apenas tartamudeam os as primeiras palavras nesse contexto. A prpria dinmica da existncia parece encontra r no contexto hospitalar um novo parmetro de sua ocorrncia, dando-lhe uma dimenso na qual questes que envolvem a doena, a morte e a prpria perspectiva existencial ap resentam um enfeixamento inerentemente peculiar. A Psicologia, ao ser inserida no hospital, reviu seus prprios postulados adquirin do conceitos e questionamentos que fizeram dela um novo escoramento na busca da compreenso da existncia humana. Assim, por exemplo, no mais possvel pensar-se em um curso de graduao em psicologia no qual questes como morte, sade pblica, hospitalizao e outras temticas, que em princpio eram pertinentes apenas Psicologia Hospitalar, no tenham prioridade ou no sejam exigidas como necessrias para a formao do psiclogo. O atual quadro da formao do psiclogo difere do que colocamos em texto anterior1 de 1984, quando afirmamos que a atuao do psiclogo no contexto hospitalar, ao menos no Brasil, uma das temticas mais revestidas de polmicas quando se evocam discusses sobre o pap el da Psicologia 1 - Angerami, V.A. Psicologia Hospitalar. A Atuao do Psiclogo no Contexto Hospitala r. So Paulo: Trao, 1984. Camon

Psicologia Hospitalar

na realidade institucional. A formao acadmica do psiclogo falha em relao aos subsdio ericos que possam embas-lo na prtica institucional. Essa formao acadmica, sedimentada em outros modelos de atuao, no prov o instrumental terico necessrio para uma atuao nessa realidade. E prat mente prevendo uma mudana nesse quadro, o mesmo texto coloca que apenas recentemente a prtica institucional mereceu preocupao dos responsveis pelos programas acadmicos em Psicologia.2 dentro dessa perspectiva que se abre ao psiclogo no contexto hosp italar que iremos tecer nossas reflexes na busca de um melhor dimensionamento dessa prtic a. na f inquebrantvel que o psiclogo adquire cada vez com mais nitidez um espao no hospital a partir de sua compreenso da condio humana. Iremos caminhar por trilhas e caminhos que nos conduziro a novos horizontes profissionais. A Despersonalizao do Paciente Ao ser hospitalizado, o paciente sofre um processo de total despersonalizao. Deixa de ter o seu prprio nome e passa a ser um nmero de leito ou ento algum portador de uma dete rminada patologia. O estigma de doente paciente at mesmo no sentido de sua prpria passividade perante os novos fatos e perspectivas existenciais ir fazer com que e xista a necessidade premente de uma total reformulao at mesmo de seus valores e conceitos d e homem, mundo e relao interpessoal em suas formas conhecidas. Deixa de ter signific ado prprio para significar a partir de diagnsticos realizados sobre sua patologia. Ber scheid e Walster3 destacam que fundamentalmente quando dizemos que sabemos qual a atitude de uma pessoa, queremos dizer que temos alguns dados, a partir do comportamento passado da pess oa, que nos permitem predizer seu comportamento em determinadas situaes.4 Tal afirmao, utilizada para embasar muit os princpios tericos em psicologia, perde sua fora e autenticidade ao ser confrontada com o comportamento de uma determinada pessoa em uma situao de hospitalizao. Embora sem querer negar que o passado de uma determinada pessoa ir influir no apenas em sua c onduta como at mesmo em sua recuperao fsica, ainda assim no cometemos erro ao afirmar que a situao de hospitalizao ser algo nico como vivncia, no havendo a possibilidade de previso anterior sua prpria ocorrncia. Goffman5 coloca que o estigma um sinal, um signo utilizado pela sociedade para discriminar os indivduos portadores de determ inadas 2 - Berscheid, E.; Walster, E.H. Atrao Interpessoal. So Paulo: Blcher, 1973. 3 - Ibid. Op. cit. 4 - Idem, Op. cit.. 5 - Goffman, E. Estigma. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. 2

O Psiclogo no Hospital caractersticas. E o simples fato de se tornar hospitalizada faz com que a pessoa ad quira os signos que iro enquadr-la numa nova performance existencial, sendo que at mesmo seu s vnculos interpessoais passaro a existir a partir desse novo signo. Seu espao vital no mais algo que dependa de seu processo de escolha. Seus hbitos anteriores tero de se tra nsformar diante da realidade da hospitalizao e da doena. Se essa doena for algo que a envolva apenas temporariamente, haver a possibilidade de uma nova reestruturao existencial quando do restabelecimento orgnico, fato que, ao contrrio das doenas crnicas, implica necessar iamente uma total reestruturao vital. Sebastiani6 explica que a pessoa deixa de ser o Jos ou Ana etc. e passa a ser o 21A ou o politraumatizado de leito 4 , ou ainda a fratura de baci a de 6o andar . 7 E, tentando aprofundar ainda mais tais colocaes, afirma que essa caracterstic a, que felizmente notamos em grande parte das rotinas hospitalares, tem contribudo m uito para ausentar a pessoa de seu processo de tratamento, exacerbando o papel de paciente .8 A despersonalizao do paciente deriva ainda da fragmentao ocorrida a partir dos diagnsticos cada vez mais especficos que, alm de no abordarem a pessoa em sua amplit ude existencial, fazem com que apenas um determinado sintoma exista naquela vida. Apesar disso, assistimos cada vez mais ao surgimento de novas especialidades que reduzem o espao vital de uma determinada pessoa a um mero determinismo das implicaes de certos diagnsticos, que trazem em seu bojo signos, estigmas e preconceitos. Tal c arga de abordagem e confrontos terico-prticos faz da pessoa portadora de determinadas pato logias algum que, alm da prpria patologia, necessitar de cuidados complementares para livrar-se de tais estigmas e signos. A especializao clnica, na maioria das vez es, ao aprofundar e segmentar o diagnstico, deixa de levar em conta at mesmo as implicaes dessa patologia em outros rgos e membros desse doente, que, embora possam no aprese ntar sinais evidentes de deteriorao e comprometimento orgnico, estaro sujeitos a um sem-nmero de alteraes. A situao de hospitalizao passa a ser determinante de muitas situaes que sero consideradas invasivas e abusivas na medida em que no se respeitam os limites e i mposies dessa pessoa hospitalizada. E, embora esteja vivendo um total processo de desper sonalizao, ainda assim algumas prticas so consideradas ainda mais agressivas pela maneira como so conduzidas no mbito hospitalar. Assim, ser visto como invasivo o fato de a 6 - Sebastiani, W.R. Atendimento Psicolgico e Ortopedia. Psicologia Hospitalar. A Atuao do Psiclogo no Contexto Hospitalar, Angerami, V.A. (org.). So Paulo: Trao, 1984. 7 - Ibid. Op. cit.

8 - Ibid. Op. cit.

Psicologia Hospitalar enfermeira acordar o paciente para aplicar injeo, ou a atendente que interrompe um a determinada atividade para servir-lhe as refeies. Tudo passa a ser invasivo. Tudo passa a ser algo abusivo diante de sua necessidade de aceitao desse processo. E at mesmo a presena do psiclogo, que, se no se efetivar cercada de alguns cuidados e respeito p rpria deliberao do doente, implica ser mais um dos estmulos aversivos e invasivos existen tes no contexto hospitalar, e, em vez de propiciar alvio ao momento da hospitalizao, es tar contribuindo tambm para o aumento de vetores que tornam o processo de hospitalizao extremamente penoso e difcil de ser vivido. O hospital, o processo de hospitalizao e o tratamento inerente que visa ao restabelecimento, salvo aqueles casos de doenas c rnicas e degenerativas, no fazem parte dos projetos existenciais da maioria das pessoas. Nesse sentido, toda e qualquer invaso no espao vital algo aversivo que, alm do carter abus ivo, apresenta ainda componentes de dor e desalento. E at mesmo evidencia que muitos processos de hospitalizao tm o reequilbrio orgnico prejudicado por causa do processo de despersonalizao do doente, que, ao sentir sua desqualificao existencial, pode con comitantemente, muitas vezes, abandonar seu processo interior de cura orgnica e at mesmo emocional. Ao trabalhar no sentido de estancar os processos de despersonalizao no m bito hospitalar, o psiclogo estar ajudando na humanizao do hospital, pois seguramente ess e processo um dos maiores aniquiladores da dignidade existencial da pessoa hospita lizada. Um trabalho de reflexo que envolva toda a equipe de sade uma das necessidades mais prementes para fazer com que o hospital perca seu carter meramente curativo para transformar-se em uma instituio que trabalhe no apenas com a reabilitao orgnica, mas tambm com o restabelecimento da dignidade humana. Psicoterapia e Psicologia Hospitalar A Psicologia Hospitalar, assim como a Psicoterapia, tem seu instrumental terico d e atuao calcado na rea clnica.9 Apesar dessa convergncia, haver pontos de divergncia que mostram os limites de atuao do psiclogo no contexto hospitalar, bem como questes que tornam totalmente inadequada a inteno de muitos profissionais da rea de tentare m 9 - Existem muitos profissionais da rea que defendem que a Psicologia Hospitalar, mesmo tendo como referencial os princpios da rea clnica, seja considerada uma nova ramificao da Psicologia. Assim, alm da clssica diviso em Clnica, Educacional e Organizacional, haveria tambm uma quarta ramificao: a Psicologia Hospitalar. E embora seja uma questo que envolva bastante celeuma quando de seu a profundamento, evidenciase tambm a necessidade de uma nova tica sobre a Psicologia Hospitalar, seja pelo s eu crescimento,

seja ainda pela sua diversidade terica. 4

O Psiclogo no Hospital definir a atuao no contexto hospitalar como sendo prtica psicoterpica, ainda que rea lizada no contexto institucional. A seguir descrevemos alguns desses pontos. Objetivos da Psicoterapia A Psicoterapia, independentemente de sua orientao terica, tem como principais objet ivos levar o paciente ao autoconhecimento, ao autocrescimento e cura de determinados sintomas. O enfeixamento desses objetivos, ou ainda de algum deles isoladamente, desde que l eve esse paciente a um processo pleno de libertao existencial, , por assim dizer, o ideal qu e norteia o processo psicoterpico. A Psicoterapia, ademais, tem como caracterstica principal o fato de ser um processo no qual a procura e a determinao de seu incio se d pela mobilizao do paciente. Assim, um paciente, ao ser encaminhado para um processo psicoterpico , muitas vezes demora um perodo bastante longo entre esse encaminhamento e a procur a propriamente dita desse processo. Chessick10 adverte que a psicoterapia falha qu ando no existe uma afinidade precisa entre aquilo que busca o paciente em sua psicoterap ia e aquilo que o psicoterapeuta tem condies de oferecer-lhe. At mesmo a falta de definies precis as dos objetivos do processo poder determinar implicaes que seguramente emperraro o processo, alm de arrast-lo ao longo de um perodo de maneira indevida. Ao decidir pela psicoterapia, o paciente j realizou um processo inicial e introsp ectivo da necessidade desse tratamento e suas implicaes em sua vida. Isso tudo evidenteme nte alm da insero de suas necessidades aos objetivos da psicoterapia. O Setting Teraputico

Ao procurar pela psicoterapia, o paciente ser ento enquadrado no chamado setting t eraputico. Assim as normas e diretrizes do processo sero colocadas de maneiras bastante claras e precisas pelo psicoterapeuta, formalizando-se assim as nuances sobre as quais se nortear esse processo. Detalhes como horrio de durao de cada sesso, eventuais reposies de sesses, prazo de aviso para eventuais faltas etc. so esboados e o processo se desenvolve ento em perfeita consonncia com esses preceitos. E at mesmo alguma event ual resistncia inicial do paciente em procurar pela psicoterapia, bem como outras imp licaes, sero resolvidas em um processo cujo contrato estabelecido em acordo com as duas p artes envolvidas. Embora seja notrio o nmero de casos encaminhados psicoterapia que, 10 - Chessick, D.R. Why Psychotherapists Fail. Nova York: Science House, 1971.

Psicologia Hospitalar por alguma forma de resistncia, demoram muito para procurar por tal processo, ain da assim conveniente estabelecer que, pelo fato de o paciente estar totalmente frag ilizado e necessitando desse tipo de tratamento, a busca por tal processo se dar nica e to so mente quando esse paciente romper com determinadas amarras emocionais. Ainda que surja m outras dificuldades e resistncias ao longo do processo, a resistncia inicial ao tr atamento transposta pelo simples fato de o paciente procurar pela psicoterapia. A psicoterapia ainda tem outra caracterstica bastante peculiar de ser um processo em que o psicoterapeuta tem no paciente algum que caminha sob sua responsabilidad e, mas que de forma simples tem nesse vnculo seu objetivo em si. Assim, um psicotera peuta no precisar prestar conta de seu paciente a nenhuma entidade, salvo naturalmente a queles casos nos quais o atendimento vinculado a algum processo de superviso. O processo em si conduzido pelo psicoterapeuta com anuncia do paciente e, no caso de algum impe dimento, a relao se resolve apenas e to somente pelas partes envolvidas nesse processo. O setting teraputico impe ainda uma privacidade ao relacionamento que torna toda e qualquer interferncia externa ao processo plausvel de ser analisada e enquadrada n os parmetros desse relacionamento. Chessick11 salienta que o psicoterapeuta descende diretamente do confessor relig ioso ou ento do mdico de famlia, aquele profissional que, alm de cuidar dos males do organismo, escutava as angstias e dificuldades do paciente. O psicoterapeuta em s ua linhagem apresenta tambm resqucios do curandeiro das antigas formaes tribais, encarregado de trazer bem-estar e alvio aos membros dessa comunidade. A proteo sentida pelo paciente nos limites do setting teraputico mostra ainda que essa ori gem no apenas perpetuada, mas apresenta requinte de evoluo no resguardo dos aspectos envo lvidos nesse processo. E at mesmo um qu de samaritanismo presente no processo psicoterpico tambm resduo dessas marcas que o psicoterapeuta traz de sua origem e desenvolvimento. A emoo presente na atividade psicoterpica outro fator que faz com que nenhuma outra forma de relacionamento possa ser comparada com sua performanc e. E nesse sentido temos tambm a colocao de muitos especialistas de que a psicoterapia o sustentculo do homem contemporneo dentre outras tantas formas buscadas para alvio e crescimento emocional. Ainda no chamado setting teraputico vamos encontrar a peculiaridade de que a maio ria dos processos jamais tem suas sesses interrompidas, seja por solicitaes externas, s eja

11 - Ibid. Op. cit.

O Psiclogo no Hospital ainda por outras variveis decorrentes, muitas vezes, do prprio processo em si. Ass im, praticamente impossvel, por exemplo, que um psicoterapeuta interrompa uma sesso estancando o choro de angstia do paciente para simplesmente atender uma ligao telefn ica. Ou ainda que uma sesso seja igualmente interrompida para que o psicoterapeuta possa recepcionar algum amigo que eventualmente v visit-lo. O setting teraputico as sim resguarda a sesso para que todo o material catalisado naqueles momentos seja apre endido e elaborado de maneira plena e absoluta. Tais caractersticas fazem, inclusive, co m que seja muito difcil avaliar-se um processo psicoterpico que no seja fundamentado nesses moldes. A Realidade Institucional Uma das primeiras dificuldades surgidas quando se pensa na atividade do psiclogo na realidade hospitalar sua insero na realidade institucional. J afirmamos que:12

a formao do psiclogo falha em relao aos subsdios tericos que possam embas-lo na pr institucional. Essa formao acadmica, sedimentada em outros modelos de atuao, no o prov com o instrumental terico necessrio para uma atuao nessa realidade. Torna-se ento abismtico o hiato que separa o esboo terico de sua formao profissional e sua atuao prtica. Apenas recentemen e a prtica institucional mereceu preocupao dos responsveis pelos programas acadmicos em Psicolo gia. Ainda que hoje em dia seja notrio o nmero de cursos de graduao em Psicologia que tm dedicado grande espao para o contexto institucional em seus programas de formao, estamos distantes daquilo que seria o ideal em termos de sedimentao tericoprtica. E na medida em que o hospital surge como uma realidade institucional com caractersticas bastante peculiares, embora reproduzindo as condies de outras realid ades institucionais, apresenta sinais que evidenciam tratar-se de amplitude sequer im aginvel em uma anlise que no tenha um real comprometimento com sua verdadeira dimenso.13 12 - Psicologia Hospitalar. A Atuao do Psiclogo no Contexto Hospitalar. Op. cit. 13 -Escrevemos um trabalho intitulado Elementos Institucionais Bsicos para a Impl antao do Servio de Psicologia no Hospital (in A Psicologia no Hospital. So Paulo: Trao, 1988) e surpreendentement e percebemos, a partir de sua adoo em vrios cursos e seminrios realizados sobre realidade institucional, no ape nas a precariedade de publicaes a respeito como principalmente a maneira como esse trabalho tornou-se um verdadeiro paradigma a tantos que procuravam pela implantao de um Servio de Psicologia no Hospital Geral .

Psicologia Hospitalar Tambm inegvel que, a partir do surgimento das reflexes realizadas principalmente pelos profissionais da Argentina sobre a realidade institucional, esse aspecto g anhou uma corporeidade bastante precisa e importante na esfera contempornea da Psicologia. Assim, o termo anlise institucional deixou de ser uma mera citao abstrata de alguns textos para tornar-se realidade, ao menos de discusso terica, para um sem-nmero de acadmico s que, a partir de ento, passaram a interessar-se pela temtica. E apesar do psiclogo ainda estar iniciando uma prtica institucional nos parmetros d a eficcia e respeito s condies institucionais que delimitam sua situao nesse contexto, a busca de determinantes nessa prtica o levou de encontro a convergncias bastante signific ativas na estruturao terica dessas atividades.14 fato que a realidade hospitalar apresenta celeumas e condies que exigiro do psiclogo algo alm da discusso meramente terico-acadmica. Valores ticos e ideolgicos surgiro ao longo do caminho e exigiro performances sequer imaginadas antes de sua ocorrncia. Como ilustrao dessa afirmao cito o grande nmero de crianas que padecem nos hospitais de So Paulo de insuficincia heptica causada por inanio. Deparar com crianas que padecem vitimadas pela fome em plena cidade de So Paulo algo que nenhum acadmico imagina quando idealiza efetivamente uma atividade no hospital. Ou ento, que dizer dos casos de crianas atacadas por ratazanas enquanto dormem, em uma evidncia da precariedade e da falta de condies mnimas de dignidades existencial e habitacional em que a falta de saneamento bsico to abismante que conceitu-lo de absurdo nada mais do que aproximar-se da verdadeira realidade dessa populao? O psiclogo, no contexto hospitalar, depara-se de forma aviltante com um dos direi tos bsicos que esto sendo negados maioria da populao, a sade. A sade, em princpio um direito de todos, passou a ser um privilgio de poucos em detrimento de muitos. A precariedad e da sade da populao , sem dvida alguma, um agravante que ir provocar posicionamentos contraditrios , e, na quase totalidade das vezes, ir exigir do psiclogo uma reviso de seus valores acadmicos, pessoais e at mesmo sociopolticos.15 14 -Psicologia Hospitalar. A Atuao do Psiclogo no Contexto Hospitalar. Op ci Op. .. cit tt. .. 15 -Ibid. Op. cit.

O Psiclogo no Hospital O contexto hospitalar dista de forma significativa daquela idealizao feita nas lid es acadmicas. Assiste-se, nesse contexto, condio desumana a que a populao, j bastante cansada de sofrer todas as formas possveis de injustias sociais, tem de se submete r em busca do recebimento de um tratamento adequado. Cenas ocorrem fruto das mais lamentveis situaes a que um ser humano pode submeter-se. E o que mais agravante: tudo passa a ser considerado normal. Os doentes so obrigados a aceitar como norma is todas as formas de agresso com as quais se deparam em busca de sade. Tudo visto como normal; passa a ser normal ficar seis horas em uma fila de esper a em busca de atendimento mdico, e muitas vezes aps vrios retornos instituio hospitalar, derivados de encaminhamentos feitos pelos especialistas, por sua vez decorrentes de exames realizados especulativamente. Tambm passa a ser normal o fato de ser atendido um nmero imenso de pacientes em um perodo de tempo absurdamente curto. Tudo passa a ser normal. E os profissionais que atuam na rea de sade assistem desolados e conformad os a esse estado de coisas. Tornam-se praticamente utpicas outras formas de atendime nto que no essas que impiedosamente so impostas populao. O psiclogo est inserido nesse contexto da sade de forma to emaranhada quanto outros profissionais atuantes na rea da sade e, muitas vezes, sem uma real conscinc ia dessa realidade. Contradies inmeras sucedem em todos os nveis no contexto hospitalar. E se por um lado os hospitais apresentam essas enormes filas de pacientes que, padecendo em corredores, minguam por algum tipo precrio de atendimento, por outro encontraremo s algumas instituies nesse mesmo contexto que apresentam alta especializao resultante do enorme processo do conhecimento na rea das cincias humanas. Descobriremos, nessa realidade, profissionais altamente especializados. Sempre m uito bem informados das tcnicas existentes, esto constantemente aprimorando-as em curso s e congressos nos centros mais desenvolvidos da Europa e Estados Unidos. possvel, por exemplo, a utilizao do mtodo Sahling de anlise do metabolismo do feto, bem como o acompanhamento eletrnico do eletrocardiograma fetal. Os avanos na rea da Obstetrcia permitem ainda a previso do sexo do feto ou uma possvel malformao congnita. No entanto, em termos de realidade, temos, segundo relatrios sobre estudos realizado s em vrias regies brasileiras, dados alarmantes informando que 95% dos partos so realiza dos em casa e sem o menor acompanhamento pr-natal. E o nmero de pessoas que recebem algum tipo de assistncia quase nulo. Esse contexto contraditrio e incongruente rec ebe o psiclogo, que tem sobre si outras contradies que o envolvem diretamente desde as lides de sua formao acadmica. E o psiclogo percebe no contexto hospitalar que os ens

inamentos

Psicologia Hospitalar e leituras tericas de sua prtica acadmica no sero, por maiores que sejam as horas de estudo e reflexo terica sobre a temtica, suficientes para embasar sua atuao. E aprende que ter de apre nder apreendendo, como os pacientes, sua dor, angstia e realidade. E o paciente, de modo peculiar, ensina ao psiclogo sobre a doena e sobre como lidar com a prpria dor diante do sofrimento.16 A Psicologia Hospitalar Objetivos e Parmetros

A Psicologia Hospitalar tem como objetivo principal a minimizao do sofrimento prov ocado pela hospitalizao. Se outros objetivos forem alcanados a partir da atuao do psiclogo com o paciente hospitalizado inerente aos objetivos da prpria psicoterapia antes citado s , trata-se de simples acrscimo ao processo em si. O psiclogo precisa ter muito claro que sua atuao no contexto hospitalar no psicoterpica dentro dos moldes do chamado setting teraputico . Como minimizao do sofrimento provocado pela hospitalizao, tambm necessrio abranger no apenas a hospitalizao em si em termos especficos da patologia que eventualmente tenha originado a hospitalizao , mas principalmente as sequelas e decorrncias emocio nais dessa hospitalizao. Tomemos como exemplo, arbitrariamente, uma criana de 3 anos de idade que nunca tenha vivido longe do seio familiar. Em dado momento, simples mente coloquemos essa criana em uma escola maternal durante apenas um perodo do dia. Ess a criana, em que pese a escola ser um ambiente em princpio agradvel e repleto de outr as crianas, se desarvorar e entrar em um processo de pnico e desestruturao emocional ao se perceber longe da proteo familiar. E tantos casos ocorrem nesse enquadre que a maioria das escolas possui o chamado perodo de adaptao, no qual algum dos representantes de sse ncleo familiar se faz presente na escola para acudir essa criana nos momentos agud os de dificuldade. E isso tudo em um ambiente agradvel de escola onde muitas vezes a cr iana ir se deparar com estimulaes e recreaes sequer imaginveis sem seu universo simblico. O que dizer ento de uma criana que em um determinado momento se v hospitalizada17 sem a presena dos familiares e em um ambiente na maioria das vezes hostil?! Certa mente ela entrar em um nvel de sofrimento emocional e muitas vezes at fsico em decorrncia dessa hospitalizao. Sofrimento fsico que transcende at mesmo a patologia inicial e q ue se origina no processo de hospitalizao. 16 - Ibid. Op. cit. 17 - Embora seja alentador o fato de que hoje muitos hospitais peditricos adotem a presena da me ou de algum outro familiar durante o processo de hospitalizao da criana, ainda assim a grande m aioria dos hospitais no apresenta sequer uma maior flexibilizao at mesmo quanto ao horrio de visitas. 10

O Psiclogo no Hospital A minimizao do sofrimento provocado pela hospitalizao implicar um leque bastante amplo de opes de atuao, cujas variveis devero ser consideradas para que o atendimento seja coroado de xito. Uma mulher mastectomizada, em outro exemplo, te r no processo de extirpao do tumor, na maioria das vezes, a extrao dos seios com todas as implicaes que tal ato incide. O processo de hospitalizao deve ser entendido no apenas como um mero processo de institucionalizao hospitalar, mas, e principalment e, como um conjunto de fatos que decorrem desse processo e suas implicaes na vida do paciente. No podemos, assim, em um simples determinismo, aceitar que o problema d a mulher mastectomizada se inicia e se encerra com a hospitalizao. Evidentemente que muitos casos abordados pelo psiclogo no hospital exigiro, aps o processo de hospita lizao, encaminhamentos especficos para processos de psicoterapia tal a complexidade e o emaranhado de sequelas e comprometimento emocional. Embora muitas vezes seja bastante tnue a separao que delimita tais aspectos, ainda assim muito importante o clareamento desse posicionamento para que o processo em si no se perca em mera e v digresso terica. A Psicologia Hospitalar, por outra parte, contrariamente ao processo psicoterpico , no possui setting teraputico to definido e to preciso. Nos casos de atendimentos reali zados em enfermarias, o atendimento do psiclogo, muitas vezes, interrompido pelo pessoa l de base do hospital, seja para aplicao de injees, prescrio medicamentosa em determinado horrio, seja ainda para processo de limpeza e assepsia hospitalar. O atendimento, dessa forma, ter de ser efetuado levando-se em conta todas essas variveis, alm de o utros aspectos mais delicados que citaremos a seguir. Descrevemos no trecho inerente ao setting teraputico a mobilizao do paciente rumo ao processo psicoterpico: a importncia de uma reflexo e de uma posterior constatao da necessidade de se submeter a esse processo. No hospital, ao contrrio do paciente que procura pela Psicoterapia aps romper eventuais barreiras emocionais, a pessoa hospitaliza da ser abordada pelo psiclogo em seu prprio leito. E, em muitos casos, esse paciente sequ er tem claro qual o papel do psiclogo naquele momento de sua hospitalizao e at mesmo de vida.18 18 - Nesse sentido, muito importante que o psiclogo seja inserido na equipe de pr ofissionais de sade que atuem em um determinado contexto hospitalar. Tal insero determinar que sua abordagem seja fruto de encaminhamento realizado por intermdio de outros profissionais com esse paciente com a anuncia de le para que, acima de qualquer outro preceito, seu arbtrio de querer ou no essa abordagem seja respeitado. Esse um aspecto importante a ser observado, pois determina muitas vezes at mesmo o xito

da abordagem do psiclogo. Ainda que o paciente necessite de maneira premente da interveno psicolgica , seu arbtrio deve ser considerado para que a condio humana seja respeitada em um de seus preceitos f undamentais.

Psicologia Hospitalar Dessa forma, muito importante que o psiclogo entenda os limites de sua atuao para no se tornar ele tambm mais um dos elementos abusivamente invasivos que agridem o processo de hospitalizao e que permeiam largamente a instituio hospitalar. Ainda que o paciente em seu processo de hospitalizao esteja muito necessitado da interveno e seguramente muitos dos pacientes encaminhados ao processo de psicoterapia tambm esto necessitados de tratamento, mas preservam a si o direito de rejeitar tal enc aminhamento , a opo do paciente de receber ou no esse tipo de interveno deve ser soberana e deliberar a prtica do psiclogo. Balizar a sua necessidade de intervir em determi nado paciente, a prpria necessidade desse paciente em receber tal interveno, delimitao imprescindvel para que essa atuao caminhe dentro dos princpios que incidem no real respeito condio humana. De outra parte, tambm muito importante observar-se o fato de que, ao atuar em uma instituio, o psiclogo, ao contrrio da prtica isolada de consultrio, tem que ter bastan te claros os limites institucionais de sua atuao. Na instituio o atendimento dever ser n orteado a partir dos princpios institucionais.19 Esse aspecto , por assim dizer, um dos de terminantes que mais contribuem para que muitos trabalhos no sejam coroados de xito na instituio hospitalar. Ribeiro20 pontua que o doente internado , em sntese, o doente sobre o qual a cincia mdica exacerba o seu positivismo, e pode afirmar a transposio da lin ha demarcatria da normalidade. Sua patologia reconhecida e classificada precisa ser tratada. Ao contrrio do paciente do consultrio que mantm seu direito de opo em aceitar ou no o tratamento e desobedecer prescrio, o doente acamado perde tudo. Sua vontade apla cada; seus desejos, coibidos; sua intimidade, invadida; seu trabalho, proscrito; seu m undo de relaes, rompido. Ele deixa de ser sujeito. apenas um objeto da prtica mdico-hospital ar, suspensa sua individualidade, transformado em mais um caso a ser contabilizado.2 1 Esse aspecto inerente institucionalizao do paciente enfeixa um dimensionamento de abrangncia de interveno do psiclogo rumo humanizao do hospital em seus aspectos mais profundos e verdadeiros. A Psicologia Hospitalar no pode igualmente perder o parmetro do significado de adoecer em nossa sociedade, eminentemente marcado 19 - No caso de divergncia dos princpios e preceitos da instituio onde o psiclogo des envolve sua atuao, poder haver um trabalho de direcionamento de transformao desses princpios. A transformao da realidade institucional, muitas vezes, pode ser determinante de uma reformulao rumo prpria hu manizao da instituio. O que no pode ocorrer , diante da discordncia, negar-se os princpios instit ucionais e tentar a efetivao de um trabalho sem levar em conta tais especificidades.

20 - Ribeiro, H.P. O Hospital: Histria e Crise. So Paulo: Cortez, 1983. 21 - Ibid. Op. cit.

O Psiclogo no Hospital pelo aspecto pragmtico de produo mercantilista. Ou nas palavras de Pitta,22 o adoec er nesta sociedade , consequentemente, deixar de produzir e, portanto, de ser; vergo nhoso; logo, deve ser ocultado e excludo, at porque dificulta que outros, familiares e amigos, tambm prod uzam. O hospital perfaz este papel, recuperando quando possvel e devolvendo sempre, com ou sem cul pa, o doente sua situao anterior. Se um acidente de percurso acontece, administra o evento desmoral izador, deixando que o mito da continuidade da produo transcorra silenciosa e discretamente A interveno d o psiclogo nesse sentido no pode prescindir de tais questionamentos com o risco de tornar-se algo desprovido da profundidade necessria para abraar a verdadeira essncia do sofrimento do paciente hospitalizado. E a prpria direo contempornea de desospitalizao do paciente tem no psiclogo um de seus grandes aliados na medida em que poder depender desse profissional uma avaliao mais precisa sobre as condies emocionais desse pacien te. No se pode, no entanto, perder o parmetro de que a psicologia deve se aliar a outr as foras transformadoras para no se incorrer em meramente ilusionistas. Ou nas pa ras Ou nas pal lla aav vvras de Ribeiro:23 h, no entanto, vrios fatores que favorecem a desospitalizao, alm daquel es apontados sculos antes. O intervencionismo e a onipotncia da medicina so olhados com maiores reservas. Cada vez mais contestada por doentes, familiares, instituies seguradoras e pelo Estado a ab usiva utilizao dos recursos tecnolgicos hospitalares. Novos conhecimentos nas reas da fisioterapia, p ropedutica e teraputica vm permitindo diagnsticos e tratamentos que tornam prescindvel a interveno ou a encur tam. A Psicologia Hospitalar no pode se colocar dentro do hospital como fora isolada so litria sem contar com outros determinantes para atingir seus preceitos bsicos. A humaniz ao do hospital necessariamente passa por transformaes da instituio hospitalar como um todo e evidentemente pela prpria transformao social. O psiclogo, assim, no pode ser um profissional que despreze tais variveis com o risco de tornar-se alijado do pr ocesso de transformao social. Ou ainda, o que pior, ficar restrito a teorizaes que isolam e atomizam o paciente de conceituaes e conflitos sociais mais amplos. O hospital, assim como toda e qual quer instituio, reproduz as contradies sociais, e toda e qualquer interveno institucional no pode prescindir de tais princpios. O psiclogo reveste-se de um instrumental muito poderoso no processo de humanizao

do hospital na medida em que traz em seu bojo de atuao a condio de anlise das relaes interpessoais. A prpria contribuio da psicologia para clarear determinadas 22 -Pitta, A. Hospital, Dor e Morte como Ofcio. So Paulo: Hucitec, 1990. 23 -O Hospital: Histria e Crise. . c O OOp pp. ci iit tt. ..