o programa bolsa familia-seus efeitos sociais na região do nordeste

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    TTULO DO TRABALHO:

    O Programa Bolsa-Famlia: seus efeitos econmicos e sociais na regio Nordeste do Brasil

    RESUMO:

    Este trabalho se prope a realizar uma anlise sobre a atuao do Programa Bolsa-Famlia

    no Nordeste brasileiro. A escolha desse tema justifica-se medida que o padro de

    desenvolvimento adotado pela economia capitalista, fruto da reestruturao produtiva

    liderada pela hegemonia do capital financeiro, contrasta com a pobreza nordestina

    constituda no s mais pelos idosos e deficientes fsicos, mas tambm por trabalhadoresativos, pelas vtimas do desemprego estrutural, pelos jovens sem qualificao profissional,

    entre outras razes. neste contexto, que o debate ressurge frente s crescentes

    demandas sociais. Como procedimento metodolgico realizou-se uma reviso bibliogrfica

    abrangendo distintas interpretaes para trajetria histrica da poltica social. Assim,

    constata-se que as polticas sociais vm contribuindo para reduzir os elevados ndices de

    pobreza, melhorando o perfil das desigualdades sociais. O Bolsa-Famlia tem expandido

    gerando efeitos relevantes, mas ainda insuficiente para gerar mudanas estruturais. O

    ideal seria a poltica social estar articulada com a econmica criando mecanismos capazes

    de viabilizar projetos de desenvolvimento auto-sustentado.

    Palavras-Chave: Crescimento e Desenvolvimento Regional; Regio Nordeste; Poltica

    Social; Programa Bolsa-Famlia.

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    1 INTRODUO

    As recentes transformaes que ocorreram no interior da economia mundial, frutos

    da reestruturao produtiva capitalista, liderada pela hegemonia do capital financeiro,repercutiram diretamente na estrutura social dos pases, alterando sua tradicional

    capacidade e forma de interveno social. Neste contexto, a atual pobreza constituda no

    s mais pelos idosos e deficientes fsicos, mas tambm por trabalhadores ativos que

    possuem salrios deteriorados, pelas vtimas do desemprego estrutural, pelos jovens sem

    qualificao profissional que no conseguem se inserir no mercado de trabalho, entre outras

    razes, fez ressurgir o debate sobre as possibilidades e os limites dos tradicionais

    programas sociais frente s crescentes demandas sociais.

    No Brasil, a situao no diferente. Tendo em vista que, nas dcadas de 1980 e1990, o pas apresentou um baixo dinamismo econmico, com taxas de crescimento inferior

    mdia das economias emergentes, bem como dos pases latino-americanos, no seguindo

    a expanso mundial, somado, ainda, aos efeitos do processo de financeirizao da

    economia e da desregulamentao das relaes capital-trabalho, a sociedade brasileira

    passou a conviver com altos ndices de desemprego e, conseqentemente, com o

    crescimento da taxa de pobreza, incorporando novos processos de excluso social. Com

    isso, a poltica social teve que ser progressivamente redimensionada, procurando se

    adequar ao quadro de possibilidades oferecidas pela ordem econmica neoliberal.Esse padro de crescimento econmico adotado pelo Brasil contribuiu para

    aprofundar o processo acelerado de concentrao de riquezas, cujo resultado culminou na

    existncia de uma pequena parcela da populao que acumulou bens e capital, enquanto

    um conjunto significativo da populao permaneceu destituda da riqueza produzida no pas.

    No entanto, essa realidade social frente ao legado de assimetrias histricas e estruturais,

    incompatvel com o potencial de crescimento econmico socialmente construdo vem

    mostrando sinais de melhoria na condio de vida dos pobres, que alm da elevao da

    renda tambm tem tido um maior acesso aos bens durveis e de servios.

    Neste novo cenrio, as polticas pblicas estimuladoras do desenvolvimento social

    realizaram um papel estratgico. Com efeito, as mudanas que vem ocorrendo alteraram o

    bem-estar dos indivduos, gerando um considervel interesse entre os policy-makers,

    gestores pblicos, polticos, pesquisadores, acadmicos, entre outros, em ampliarem seus

    estudos, a fim de encontrar novas alternativas para os processos sociais. De modo geral, na

    literatura econmica parece consensual a discusso de que a principal causa da pobreza

    brasileira reside no grau de desigualdade na apropriao da riqueza, conformada

    historicamente. Por fora disso, o encaminhamento da questo social no Brasil requer uma

    transformao das estruturas econmica e poltica, ao mesmo tempo.

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    diante deste contexto, que os programas de transferncia direta de renda, mais

    especificamente o Programa Bolsa-Famlia (PBF), tm buscado compensar a populao de

    baixa renda dos efeitos do parco dinamismo econmico brasileiro, que predominou nos anos

    80, 90 e incio do sculo XXI, dando origem s novas propostas de gesto e operao dasprticas de proteo social. Para tanto, algumas questes surgem: possvel combater a

    pobreza apenas com transferncia monetria? Qual tm sido os alcances e os limites

    desses programas no enfrentamento da pobreza? A ampliao e a integrao das polticas

    de transferncia direta de renda, em particular do PBF, vm contribuindo para reduzir os

    problemas de pobreza e de desigualdade, ou, ao contrrio, so formas compensatrias que

    apenas aliviam esses problemas deixando intacta a velha questo social brasileira?

    Estas indagaes motivaram a realizao deste trabalho, partindo da constatao da

    importncia de aprofundar os estudos sobre os programas de transferncia direta de renda,em particular do PBF. Essa opo teve origem no conjunto de observaes empricas e

    questionamentos tericos e polticos por parte de vrios estudiosos e pesquisadores que

    vem mostrando a preocupao em dimensionar a existncia e a magnitude dos fenmenos

    sociais no Brasil. Uma vez que, o acesso a um bem ou servio deixou de ser um indicativo

    suficiente para a compreenso da condio de superao de pobreza, o desafio de se

    estudar e analisar esse tema elevou-se, deixando-o mais amplo e complexo.

    Nesta perspectiva, este trabalho se prope a realizar uma anlise de cunho

    econmico e social sobre a atuao do PBF na regio Nordeste do Brasil. Para tanto, como

    procedimento metodolgico, realizou-se um breve levantamento da literatura econmica,

    abrangendo distintas interpretaes para a trajetria histrica da poltica social brasileira.

    Alm disso, foi feito um tratamento estatstico para os dados coletados pela internet atravs

    dos sitesoficiais como IBGE, IPEA, MDS, PNUD, entre outros.

    A fim de cumprir o objetivo proposto acima, o presente texto, alm desta breve

    introduo, est assim organizado: na segunda parte uma sucinta trajetria histrica da

    Poltica Social Brasileira traada a partir da Constituio Federal de 1988 (CF/1988); na

    terceira parte examina-se, de forma simplificada, a temtica sobre os programas de

    transferncia direta de renda, tomando como ponto de partida as diferentes posies

    ideolgicas que vo desde a tica liberal at as que defendem uma viso mais redistributiva

    de cunho mais progressista; na quarta parte, destaca-se o PBF orientado pela perspectiva

    de contribuir para a incluso social de famlias pobres e extremamente pobres, para tanto

    uma discusso mais geral sobre a sua formulao e implantao realizada a partir da

    problematizao de alguns aspectos do desenho do programa; na quinta parte procura-se

    enfocar a atuao do PBF na regio Nordeste. Por fim, finaliza-se este trabalho tecendo

    algumas consideraes finais sobre as possibilidades e limites que o PBF apresenta para o

    crescimento e desenvolvimento da regio Nordeste do Brasil.

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    2 A TRAJETRIA HISTRICA DA POLTICA SOCIAL: O SISTEMA BRASILEIRO DEPROTEO SOCIAL (SBPS)

    As transformaes econmicas, polticas, sociais e culturais que ocorreram ao longo

    dos ltimos anos nas quais se deram o processo de industrializao e de urbanizao dasociedade brasileira resultaram na expanso das cidades, no aumento demogrfico e no

    aprofundamento da situao social. Assim, elevaes das taxas de pobreza, do

    desemprego, da falta de moradia, entre outras, colocaram em evidncia a questo social e o

    papel do Estado. Nas palavras de POCHMANN (2005, p. 23) [...] construiu-se um pas para

    poucos, em que a maior parte das transformaes ocorridas aconteceu sem mudanas de

    natureza estrutural, bloqueando a incluso social plena.

    O esforo estatal, reconhecido pela construo do SBPS, de estruturar um conjunto

    de polticas e programas, especificamente os das reas sociais previdncia, assistncia

    social, trabalho, alimentao, sade, educao, alm de habitao e saneamento,

    destinados prestao de bens e servios, bem como transferncia de renda teve como

    objetivo garantir direitos sociais; equalizar as oportunidades; reduzir os riscos sociais; e,

    enfrentar as condies de pobreza. Os amplos estudos desenvolvidos desde meados da

    dcada de 1980 vm caracterizando o SBPS como insuficiente para o progresso de uma

    sociedade mais justa e menos desigual (CARDOSO JNIOR; JACCOUD, 2005).

    Mesmo assim, o amplo SBPS concebido pelo Estado, dotado de instituies,

    recursos humanos e fontes de financiamento que garantem a implementao das polticas

    sociais, contribuiu para os crescentes avanos das condies de vida, inclusive da regio

    Nordeste do Brasil, expressos na melhoria de alguns indicadores sociais como a taxa de

    analfabetismo, a expectativa de vida e a mortalidade infantil (vide Tabela 7, p. 29). No

    obstante, a sua heterogeneidade e ineficincia so apenas algumas das dificuldades, no

    desprezveis, para a anlise acadmica, reafirmando sua importncia para um estudo mais

    detalhado do processo de reorganizao do sistema social.

    Neste contexto, a CF/1988 tentou superar o antigo sistema de proteo social

    marcado pelo autofinanciamento excludente e no-distibutivo, procurando instituir as bases

    para a organizao de um sistema universal e garantidor de direitos. Deste modo, ao

    mesmo tempo em que se exigiram esforos de reorganizao das polticas j existentes, a

    criao de novas garantias de proteo social levou criao de um novo conjunto de

    intervenes por parte do Estado brasileiro. Neste sentido, os autores CARDOSO JNIOR e

    JACCOUD (2005, p. 195) vo alm da anlise dos espaos abertos ao estatal, ao

    refletirem: [...] em que medida o campo da proteo social aberto pela nova Constituio

    provoca a construo ou reconstruo de eixos diferenciados de polticas sociais, em tornodos quais passam a se desenvolver polticas articuladas e tenses especficas? O

    redesenho da poltica social brasileira o tema do prximo subitem.

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    2.1 O REDESENHO DA POLTICA SOCIAL BRASILEIRA NA CF/1988

    A federao brasileira, ao longo de sua trajetria histrica, viveu ciclos alternados de

    centralizao e descentralizao, nos quais os governos subnacionais dispunham de maiorou menor autonomia poltica e oramentria. Com a redemocratizao poltica a partir de

    1984 deu-se incio a mais uma fase descentralizadora, culminando na promulgao da

    CF/1988. Neste processo, a redemocratizao, o reconhecimento dos direitos sociais e o

    reordenamento das polticas sociais marcaram os novos princpios de reestruturao do

    SBPS.

    Sem pretender esgotar o assunto, alguns pontos merecem ser analisados, por

    caracterizarem um campo de divergncias tericas, tendo na CF/1988 o elemento-chave

    para a luta pela redefinio da poltica social brasileira. O primeiro ponto diz respeito criao do Sistema de Seguridade Social, que engloba a Previdncia, a Sade e a

    Assistncia Social, incorporando cidadania uma maioria que vivia margem do mercado

    de trabalho formal e sempre esteve fora de qualquer mecanismo pblico de proteo social.

    O segundo ponto tem por referncia as possibilidades de uma cidadania ativa, dada pela

    CF/1988, uma vez que os programas sociais foram colocados sob a gide de polticas

    pblicas, pautadas pelos critrios universais da cidadania, dando maior visibilidade aos

    direitos sociais.

    Pode-se ento afirmar que, a sociedade brasileira decidiu, atravs de seusrepresentantes na CF/1988, por um novo pacto social, por novas formas de financiamento

    das polticas pblicas, nas quais os oramentos pblicos passaram a incorporar parcelas

    crescentes de recursos para o financiamento da seguridade social e das polticas sociais

    direcionadas para o combate pobreza e fome. Tal pacto esteve, desde o seu incio, em

    consonncia com as propostas dos organismos internacionais, entre os quais as

    recomendaes emanadas da Organizao Internacional do Trabalho (OIT), que tem

    concentrado seus esforos na defesa de condies bsicas de trabalho e no

    estabelecimento de determinados padres mnimos sociais. Essa instituio, assim como o

    Banco Mundial favorvel s polticas de combate pobreza com o objetivo de garantir o

    exerccio da cidadania frente ao avano da desregulamentao econmica.

    Foi nesse contexto, que o governo brasileiro passou a desenvolver iniciativas de

    integrao das polticas sociais, iniciadas pela agregao das trs polticas, com o intuito de

    garantir o acesso e os recursos a toda populao, de acordo com os princpios que orientam

    todo o sistema: a universalidade da cobertura e do atendimento; a uniformidade e

    equivalncia dos benefcios rurais e urbanos; a seletividade e distributividade na prestao

    de servios; a irredutibilidade no valor dos benefcios; a diversidade da base de

    financiamento estruturada no Oramento da Seguridade Social; a eqidade na forma de

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    participao no custeio; e o carter democrtico dos subsistemas da seguridade social, ou

    seja, a Previdncia, a Sade e Assistncia (IPEA, 2007; CF/1988, Ttulo VIII, Cap. II, Seo

    I, art. 194, pargrafo nico).

    Entre os estudiosos da ao pblica, no existe consenso quanto integrao dastrs polticas acima referidas. Ao contrrio, as iniciativas de integrao das polticas sociais

    suscitaram diferentes reaes, argumentos e manobras polticas, desde o seu incio. A

    literatura de cunho mais ortodoxa deixa claro que a juno da Previdncia, Sade e

    Assistncia Social no um arranjo adequado. Nesta defesa argumenta que essas polticas

    so constitudas por programas distintos, com diferentes fontes de financiamentos e

    objetivos diversos. Na verdade, mesmo reconhecendo a importncia e os avanos no s

    na rea de sade, mas tambm nas reas da previdncia e assistncia social, no se pode

    negar que a Seguridade Social da forma como foi pensada nunca foi efetivamenteimplantada no Brasil.

    J os defensores da integrao argumentam que foi um mecanismo indispensvel

    para a concretizao dos direitos sociais, guiados pelos princpios da universalizao.

    Entretanto, tais inovaes coincidiram com o perodo da ascenso neoliberal, que imps

    uma srie de limites e desafios efetivao de um padro de cidadania social-democrata. O

    conjunto de direitos, arduamente conquistados, ao ser submetido aos princpios neoliberais

    apresentou um descompasso entre o que constava formalmente na CF/1988 e a sua

    operacionalizao.

    Na verdade, com a CF/1988, o direito social tornou-se o fundamento do redesenho

    da poltica social. O comprometimento do Estado com o sistema, projetando um acentuado

    grau de proviso estatal pblica e o papel complementar do setor privado tambm foi

    garantido. A concepo da seguridade socialcomo forma mais abrangente de proteo e,

    no plano organizacional, a descentralizao das polticas sociais e a participao social

    como diretrizes do reordenamento institucional do sistema, foram estabelecidos e

    normatizados. As polticas sociais passaram a ter como objetivo fundamental o atendimento

    de necessidades e direitos sociais que afetavam vrios dos elementos que compem as

    condies bsicas de vida da populao, principalmente, aqueles que diziam respeito

    pobreza e desigualdade social.

    Em sentido mais amplo, pode-se dizer que a poltica social passou a garantir

    segurana ao indivduo em determinadas situaes de dependncia, entre as quais se

    podem citar: incapacidade de ganhar a vida por conta prpria em decorrncia de fatores

    externos, que independem da vontade individual; posio vulnervel no ciclo vital do ser

    humano (crianas e idosos, por exemplo); ou situaes de risco, como em caso de

    acidentes (invalidez por acidente). Alm disso, buscou-se atender s demandas por maior

    igualdade, seja de oportunidade ou de resultados entre os indivduos.

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    Os avanos legais concedidos pela CF/1988 projetavam a conformao de um novo

    padro social para o Brasil, partindo da garantia de um conjunto de direitos universais e de

    polticas pblicas de proteo social. As novas formas de expresso da questo social

    brasileira, materializada no aumento da pobreza, na precarizao do trabalho, nodesemprego estrutural, entre outras, finalmente tinham sido alcanadas pela ampla agenda

    de reformas democrticas que o pas vivenciou no final dos anos 80. Todavia, partes desses

    anseios no se concretizaram. Apesar de uma agenda social progressiva, o pas vivia numa

    economia semi-estagnada, com altas inflaes e na busca pela retomada do crescimento

    econmico.

    Dessa forma, o conjunto dessas polticas sociais viveu sob forte embate terico entre

    duas correntes de pensamento distintas: de um lado, reconheceu-se a ampliao legal da

    cobertura e do perfil redistributivo que a CF/1988 promoveu a poltica social, e de outro, asmesmas foram condicionadas pela combinao dos fatores macroeconmicos, que

    resultaram nas reformas liberalizantes ocorridas na dcada de 1990, como a privatizao da

    oferta de servios pblicos, a focalizao das polticas resultando no corte do gasto social, o

    aumento da participao no-governamental e o desvio de recursos para o processo de

    financeirizao da riqueza, onde o Estado foi o espao de intermediao dos interesses das

    elites econmicas e polticas do pas, intensificando o conflito distributivo, como ser visto, a

    seguir (SALAMA; VALIER, 1997; IPEA, 2007).

    2.2 O PERFIL DA POLTICA SOCIAL BRASILEIRA NA DCADA DE 1990

    Na dcada de 1990, o Brasil aderiu ordem neoliberal que prometia uma soluo

    para a retomada do crescimento econmico, uma ampla modernizao e avanos no que se

    refere tambm questo social. Essas mudanas se dariam mediante a integrao do pas

    ao movimento geral da globalizao e da implementao de um conjunto de reformas

    estruturais, como a reforma gerencial do Estado, a abertura comercial e financeira, a

    privatizao, e, uma ampla reforma social. Todavia, passados mais de uma dcada, essesintentos reformistas ainda no se concretizaram, a ponto de poder visualizar transformaes

    geradas pelo modelo em curso de desenvolvimento. De forma geral, a questo social em

    meio a movimentos regressivos foi sendo redimensionada e se adequando s possibilidades

    oferecidas pela ordem econmica.

    Apesar disso, pode-se dizer que, no campo social, foi decisiva a regulamentao da

    legislao complementar a CF/1988, fator fundamental para a consolidao dos direitos

    sociais conquistados na dcada anterior. Na realidade, como bem indica FAGNANI (2005), o

    que se viu foi uma contra-reforma truncada. Atravs de um movimento liberal e conservador,promoveu-se um novo ciclo de reformas na trajetria histrica da poltica social brasileira,

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    com a finalidade de desestruturar as bases institucionais e financeiras que tinham sido

    formalmente esboadas na CF/1988. Neste sentido, a estratgia governamental caminhou

    simultaneamente em duas direes, como descreve Fagnani:

    De um lado, ela foi marcada pela formulao de uma nova agenda de reformas,visando reviso constitucional, prevista para ocorrer em 1993. De outro lado,enquanto as elites engendravam essa reviso que acabou no ocorrendo aestratgia do governo visava a obstruir ou desfigurar os direitos sociais no processode regulamentao da legislao constitucional complementar. (FAGNANI, 2005, p.396).

    Assim, sob a lgica desse projeto neoliberal hegemnico, as transformaes de

    ordem econmica mundial mudaram completamente a agenda social governamental. O

    debate sobre a forma de como retomar o crescimento, ser competitivo, combater a pobreza

    e reduzir as desigualdades passou a ser prioritrio, na reestruturao dos programas

    sociais. A recomendao neoliberal era descentralizar parte das atribuies fiscais da Uniopara os estados e municpios, focalizar as polticas, os programas e os gastos sociais sobre

    a parcela considerada mais pobre da populao, alm de aumentar a participao social

    organizada, atravs da criao de inmeras Organizaes No-Governamentais (ONGs)

    sem fins lucrativos, para prestao de servios de cunho social e de defesa dos direitos

    humanos. O tradicional universo da filantropia foi dando lugar a vrios fruns com a

    representao e participao popular.

    A descentralizao das polticas sociais ocorreu de forma desordenada e acelerada o

    que provocou vazios institucionais e superposies em alguns setores. Em termos gerais, a

    descentralizao acabou se transformando em parte da estratgia social do governo federal

    ao transferir responsabilidades e gastos aos governos subnacionais. Na contramo dos

    preceitos universalizantes impressos na CF/1988 surgiu um novo princpio ideolgico, a

    focalizao das polticas sociais que objetivava o combate direto pobreza, supostamente

    tido como sendo mais eficiente para a aplicao dos recursos pblicos. Na verdade, o

    objetivo era criar direitos flexveis, de natureza precria e que fossem facilmente

    modificveis. O aumento da participao social ligado idia de maior envolvimento da

    sociedade civil na formulao, implementao, controle e avaliao das polticas sociais

    tambm trouxe uma nova forma de contribuio em relao democratizao da gesto e

    da execuo das polticas pblicas.

    Foi neste contexto que uma ampla reestruturao dos programas sociais para

    enfrentamento da pobreza ocorreu seguindo o paradigma neoliberal defendido pelas

    instituies internacionais de fomento. As bases do Estado social pontilhado pela CF/1988

    foram progressivamente sendo deslocadas em direo aos programas baseados na

    transferncia monetria aos mais pobres. Os chamados programas sociais de transferncia

    direta de renda ganharam espao focalizando suas aes em grupos diferenciados, de

    acordo com as polticas pblicas adotadas e direcionados para a reduo da pobreza.

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    3 OS PROGRAMAS DE TRANSFERNCIA DIRETA DE RENDA

    Desde a dcada de 1990 que os programas de transferncia direta de renda vm

    ganhando crescente importncia como instrumento de distribuio de renda e de reduo dapobreza, e, tambm, como objeto de estudo em centros de pesquisas universitrios

    pblicos e privados , e, em outros tipos de organizaes do Estado e da sociedade civil,

    nacionais e internacionais. A lista dessas organizaes imensa. Apenas a ttulo de

    exemplo, podem ser citados os estudos financiados ou produzidos pelo Banco Mundial e

    pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ou ento, as pesquisas realizadas

    por grupos institucionalmente consolidados, como o caso do Ncleo de Estudos em

    Polticas Pblicas (NEPP), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); do Instituto

    de Pesquisa Econmicas Aplicadas (IPEA); e da Fundao Getlio Vargas (FGV), querealizam pesquisas nessa rea.

    Esses estudos produzidos por essas organizaes possuem uma grande amplitude

    ideolgica, que vai desde a tica liberal, caracterizada pelas chamadas polticas

    compensatrias e focalizadas, at as que defendem uma viso mais redistributiva, de cunho

    mais progressista, que se caracteriza pelo repasse de um valor monetrio s famlias

    pobres, com base em critrios de universalidade e de integrao com outras polticas de

    gerao de ocupao e renda. Na realidade, tal amplitude ideolgica reflete o contexto

    internacional, no qual a formulao e a implementao de um variado conjunto dessesprogramas foram influenciados por diferentes perspectivas tericas.

    No Brasil, a efetiva concretizao desses programas deu-se ao longo da dcada de

    1990, num momento de fortes contradies tericas no campo das polticas sociais. De um

    lado, vivia-se um processo de mudana, representado pela implantao do Sistema de

    Seguridade Social, norteado pelos princpios da descentralizao das polticas sociais e pela

    maior participao social, conforme previam a CF/1988. De outro lado, tinha-se uma postura

    restritiva do aparelho governamental que impunha limites expanso dos programas

    sociais, acompanhadas de aes de desmonte dos direitos sociais universais.

    Deste modo, verificou-se que um novo formato foi institudo no Sistema de Proteo

    Social Brasileiro. O debate nacional sobre a transferncia de uma renda se ampliou,

    direcionando-o para o enfrentamento da questo social. Assim, passaram a ser

    considerados como programas de transferncia direta de renda, todos aqueles destinados a

    efetuar uma transferncia monetria, independentemente de prvia contribuio, a famlias

    pobres, consideradas a partir de um determinado corte de renda per capita,

    predominantemente, no caso dos programas federais brasileiro, de meio salrio mnimo

    (SILVA, YAZBEK; GIOVANNI, 2007).

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    neste contexto que os programas de transferncia direta de renda tornaram-se um

    elemento importante no debate nacional, passando a fazer parte da agenda pblica

    brasileira com a aprovao no Senado Federal do Projeto de Lei n 80/1991, de autoria do

    Senador Eduardo Suplicy. Essa proposta, apresentada ao Legislativo, institua um Programade Garantia de Renda Mnima (PGRM), de abrangncia nacional, destinado a todos os

    brasileiros residentes no pas, maiores de 25 anos, que auferissem rendimentos brutos

    mensais inferiores a Cr$ 45.000,00, o correspondente a R$ 498,00, em valores corrigidos

    pelo IGP-DI com a mdia do ano de 2007.

    Deste modo, as primeiras iniciativas concretas de implantao dos programas de

    transferncia direta de renda datam de 1995, originadas pela perspectiva de redistribuio

    da riqueza, em nvel municipal. Entre elas, as cidades de Campinas, Ribeiro Preto, Santos

    e Braslia. Na sua maioria, esses programas tomaram a famlia como unidade beneficiria econdicionaram a transferncia monetria s polticas de educao e sade, embora em

    graus diferenciados. A partir de ento, esses programas ganharam destaque em nvel

    nacional, servindo de modelo para a implantao dos programas federais.

    Inaugurou-se, ento, um novo momento histrico no campo das polticas sociais

    brasileiras, onde as polticas de transferncia direta de renda se ampliaram nos anos

    subseqentes, com a implantao de uma srie de programas no contributivos, entre os

    quais se destacaram os Programas Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentao, Auxlio-Gs e o

    Carto-Alimentao. A forma descentralizada de implementao desses programas

    possibilitou o alcance das populaes pobres na maioria dos municpios brasileiros,

    resultando numa abrangncia geogrfica significativa, o que contribuiu para a construo da

    Poltica Nacional de Transferncia de Renda. Em 2003, com a criao do PBF, esses

    programas acima relacionados foram unificados, dando origem a um novo desenho

    institucional das polticas de transferncia direta de renda no Brasil, no qual a integrao, a

    transparncia e a descentralizao institucional foram as suas marcas fundamentais.

    Vale dizer que a natureza desses programas tambm teve orientaes poltico-

    ideolgicas diferenciadas, que vo desde o apoio funcionalidade do mercado com carter

    compensatrio e residual, cujos fundamentos se encontram nos pressupostos neoliberais,

    tendo como objetivo a focalizao das aes na extrema pobreza, at a perspectiva de que

    a riqueza socialmente produzida deve de alguma forma, ser redistribuda, orientada pelo

    critrio de Cidadania Universal, conforme ser visto no subitem, a seguir.

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    3.1 AS CONTRAPOSIES ENTRE OS PRINCPIOS DA UNIVERSALIZAO VERSUSFOCALIZAO

    De acordo com os recentes estudos do IPEA (2007), o embate entre essas duas

    correntes envolvem orientaes terico-metodolgicas e ideolgicas distintas. Deste modo,ainda, que de modo sucinto, busca-se distinguir as polticas sociais universais das polticas

    focalizadas de combate pobreza. A universalizao das polticas sociais foi erguida sobre

    o princpio moral da equidade e defende a repartio dos recursos de forma a garantir,

    igualmente, a cada pessoa, os bens e servios necessrios a satisfao de suas

    necessidades bsicas e, portanto, o respeito aos direitos sociais. Deste modo, as polticas

    sociais universais esto diretamente ligadas noo de cidadania e requer uma maior

    atuao do Estado para garantir nveis aceitveis de sade, educao, renda, moradia,

    entre outras necessidades, independentemente do poder de barganha.

    J a concepo de focalizao aplicada s polticas sociais rene diferentes

    interpretaes. Em sentido geral, a perspectiva neoliberal de privilegiar o mercado atribui

    focalizao objetivos meramente econmicos. Os organismos financeiros internacionais

    (BIRD, BID, FMI, FED) tm difundido a focalizao como forma de maior eficincia para os

    gastos pblicos, direcionando os programas sociais para os mais desfavorecidos. Neste

    sentido, as estratgias de reduo do Estado, de um no investimento nas polticas sociais

    universais e de reduo destas ao atendimento da populao mais pobre, so explcitas no

    pacote de ajuste fiscal promovido aos pases em desenvolvimento, entre eles o Brasil.

    Na tica progressista, a focalizao no significa totalmente o desmonte de direitos

    j conquistados. Ao contrrio, vista como um instrumento que direciona recursos e

    programas para determinados grupos populacionais, considerados vulnerveis no conjunto

    da sociedade, tornando esse mecanismo, aparentemente, de acordo com os princpios da

    justia social. Segundo esses os mais desfavorecidos deveriam ser priorizados, por

    entenderem de se tratar de um nivelamento social que contribui para a reduo da

    desigualdade. Sob esse ponto de vista, defende-se a adoo da focalizao para os pases

    com renda per capitamediana e com elevada desigualdade de renda, como o Brasil. Isso

    porque apenas uma pequena parcela da populao dispe de recursos prprios para

    satisfazer as suas necessidades bsicas, e, portanto, pode auto-garantir os seus direitos

    sociais, enquanto, a outra parcela da populao, formada pela maioria, precisa do Estado

    para ter seus direitos respeitados.

    Nesta perspectiva, a focalizao torna-se um componente da racionalidade do

    sistema. SALAMA e VALIER (1997), ao argumentarem sobre o assunto concordaram com

    essa concepo, mesmo seguindo uma linha de argumentao crtica s idiasliberalizantes. Em seus estudos, os autores reconheceram que diante da insuficincia das

    receitas fiscais e tributrias, bem como da quantidade excessiva de excludos do sistema de

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    proteo social, a universalizao efetiva dos direitos sociais e da proteo social no

    poderia ser um objetivo de curto prazo. Assim, propuseram a adoo de polticas pblicas

    focalizadas, porm de natureza muito distinta das propostas idealizadas pelos neoliberais.

    importante enfatizar que a operacionalidade dos programas focalizados no seexplica simplesmente pela adequao ou no dos instrumentos utilizados para a focalizao

    da pobreza. Na defesa pela focalizao das aes, um elemento fundamental que entra no

    debate a correta identificao e seleo dos beneficirios. Um fator a ser considerado

    como limitante nas polticas focalizadas a utilizao da renda como mecanismo exclusivo

    de identificao e caracterizao da populao pobre de um pas.

    Vale lembrar que, no Brasil, os programas nacionais de transferncia direta de renda

    utilizaram a renda familiar per capita, em termos de salrios mnimos, para selecionar os

    beneficirios. No entanto, em se tratando de pobreza essencial que se compreenda o seucarter multidimensional. Alm da renda, outros aspectos determinantes de pobreza como

    as condies de moradia, saneamento bsico, acesso aos servios pblicos bsicos,

    agravado pela situao atual do mercado de trabalho marcado pela informalidade,

    instabilidade e rotatividade, podem deixar de fora dos programas inmeras famlias que

    estejam acima da renda considerada, mas que vivem em situaes de precariedade.

    neste sentido, que o debate se torna mais controverso, pois alm de ser insuficiente para

    atender a todos, tambm requer dos beneficirios o cumprimento de condicionalidades,

    como ser visto, a seguir.

    3.2 O PAPEL DAS CONDICIONALIDADES NOS PROGRAMAS DE TRANSFERNCIADIRETA DE RENDA

    Desde 2001, que os programas de transferncia direta de renda implantados no

    Brasil tm mantido como caracterstica marcante um conjunto de condicionalidades, tambm

    chamadas de contrapartidas ou co-responsabilidades das famlias beneficiadas. Essa

    questo geradora de polmicas vista pelos seus defensores como uma inovao e tem

    como objetivo incentivar o ncleo familiar a demandar servios essenciais associadas s

    polticas de carter universal como educao e sade, j garantidas constitucionalmente

    como um direito social. Em geral, para que as condicionalidades sejam cumpridas, os

    argumentos apresentados s famlias so no sentido de tornar possvel a esses o acesso s

    demais polticas sociais, como sendo uma oportunidade de incluso social, oferecida pelo

    Estado como forma de suprir as deficincias estruturais, procurando, assim, atender a um

    conjunto de carncias da populao mais empobrecida.

    J presente nos antigos programas como o Bolsa-Escola e o Bolsa-Alimentao, as

    exigncias davam-se de forma distinta. No Programa Bolsa-Escola a condicionalidade

    atribuda s famlias carentes era a de freqncia escolar das crianas a pelo menos 85%

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    das aulas. Em relao ao Programa Bolsa-Alimentao, a famlia beneficiada se

    comprometia a duas condicionalidades: a primeira era atualizar o carto de vacinao das

    crianas que estivessem na faixa etria de 0 a 6 anos e a segunda era fazer visitas

    regulares ao posto de sade para o pr-natal e enquanto estivesse no perodo deamamentao, alm de participar das atividades educativas oferecidas pelas equipes de

    sade a comunidade.

    Do ponto de vista dos resultados, da necessidade e dos impactos, o tema das

    condicionalidades bastante controverso na literatura contempornea. Estudos publicados

    pelo IPEA (2007) ressaltam que no se sabe ao certo quo necessrio so as

    condicionalidades, nem quanto se gasta para control-las, e, qual seria o seu custo-

    benefcio. Deste modo, levantam como hiptese que talvez a existncia das

    condicionalidades nos programas de transferncia direta de renda deva servir como pano defundo para as questes polticas e ticas.

    Assim, em parte, as condicionalidades atenderiam s demandas daqueles que

    julgam que para se receber algum benefcio necessrio que exista uma contrapartida por

    parte do beneficirio. Neste caso, as condicionalidades seriam algo equivalente ao suor do

    trabalho, sem essa simbologia, o programa correria o risco de perder apoio na sociedade.

    (MEDEIROS; BRITTO; SOARES, 2007, p.18) Assim, a existncia das condicionalidades

    ligadas s reas de educao, sade e, em alguns casos, de contrapartidas de trabalho, nos

    programas de transferncia direta de renda brasileiro se assemelham com vrios outros

    programas implementados em outros pases, como os existentes nos Estados Unidos que

    adotam a idia do workfare1 para os programas do campo da Assistncia Social.

    No esforo de possibilitar uma viso mais completa sobre a concepo e

    funcionamento dos programas de transferncia direta de renda, implantados no Brasil e

    criados numa conjuntura scio-econmica marcada pelo crescimento do desemprego,

    acompanhado do incremento de formas de ocupaes precrias, crescimento da violncia,

    entre outros, o prximo item tomar como exemplo o Programa Bolsa-Famlia como

    expresso atual do desenvolvimento desses programas, tendo como princpio orientador a

    focalizao do pblico-alvo, as condicionalidades e o seu financiamento.

    1 O workfareprope que todos os beneficirios de algum auxlio social aptos ao trabalho para no carem napassividade tenham a obrigao de se qualificar para trabalhar, ou a procurar ativamente um emprego, ou aindaa aceitar uma funo que lhes sejam propostas. (AZNAR, 1996 apudLAVINAS; VARSANO, 1997)

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    4 O PROGRAMA BOLSA-FAMLIA (PBF)

    Como visto, o Brasil chega ao sculo XXI, com um modelo de proteo social

    complexo que conta com diversos programas sociais em desenvolvimento nas esferasmunicipais, estaduais e federais. Segundo o diagnstico realizado pela equipe de transio

    do Governo Lula, as experincias em torno dos programas de transferncia direta de renda

    representaram um avano no campo das polticas pblicas. No entanto, a pluralidade

    desses programas tornou a operacionalidade dispersa e ineficiente, no sendo possvel

    superar caractersticas marcantes das polticas sociais tradicionais, tais como: elevado custo

    administrativo, fragmentao, superposies de pblicos-alvo, sistema de cotas de

    atendimento, competio entre as instituies, entre outras, o que levou a equipe do

    governo de Lula a propor a unificao de alguns programas mediante a criao doPrograma Bolsa-Famlia (PBF).

    Deste modo, no final de 2003, o governo federal instituiu o PBF, integrando quatro

    programas federais (Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentao, Auxlio-Gs e o Carto-Alimentao),

    no mbito do Programa Fome Zero, como parte do eixo articulador n1, denominado acesso

    aos alimentos, sob a justificativa de combater fome e a pobreza. Para tanto, pela tica do

    governo federal, o PBF possui dois objetivos bsicos: o primeiro combater a misria e a

    excluso social, por meio da transferncia do benefcio financeiro associado garantia do

    acesso aos direitos sociais bsicos como a sade, educao, assistncia social e seguranaalimentar; e o segundo promover a incluso social contribuindo para a emancipao das

    famlias pobres e extremamente pobres.

    Embora, no primeiro ano de governo do Presidente Lula, o Programa Fome Zero

    tenha obtido maior repercusso na mdia e at mesmo no prprio discurso do governo, o

    PBF acabou tornando-se o carro-chefe da poltica social implementada pelo governo federal.

    Este programa caracterizado como sendo de transferncia condicionada de renda, voltado

    para um pblico especfico, notadamente a parcela da populao mais desassistida,

    inaugurou uma nova agenda social tendo como princpios gerais a integrao dos

    programas, a racionalizao dos recursos financeiros e a ampliao de cobertura. Ao

    contrrio da corrente de pensamento de polticas de renda bsica universal, onde o

    benefcio monetrio transferido deveria ser direcionado para cada cidado, independente da

    sua situao socioeconmica.

    Dessa forma, existem vrios argumentos levantados a favor e contra ao PBF, que

    vo desde a fragilidade poltica de um programa seletivo segundo a renda menor

    capacidade de reduzir desigualdades atravs de um programa focalizado. Assim, o

    programa vem sendo abordado por instituies de pesquisas como o Centro Internacional

    de Pobreza, o Centro de Polticas Sociais da FGV e pelo Instituto de Pesquisa Econmica

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    Aplicada (IPEA), alm das prprias avaliaes contratadas pelo MDS para o programa,

    objetivando potencializar suas aes.

    Em termos legais, o PBF foi institudo por meio de uma medida provisria,

    transformada em lei e regulamentada atravs de decretos e normas do Executivo 2. Por nopossuir uma definio na CF/1988, a legislao criada para o PBF condiciona a seleo de

    beneficirios, a alocao oramentria e os convnios entre os entes federados. Dessa

    forma, caracteriza-se por ser um programa de governo cuja exigibilidade judicial por uma

    famlia pobre ainda no claramente assegurada. Vale lembrar que, os direitos sociais

    estabelecidos pela Constituio Federal tm carter mais permanente e no so associados

    a nenhum governo especfico.

    Inicialmente, a operacionalizao do PBF ficou vinculada a uma Secretaria Executiva

    ligada diretamente Presidncia da Repblica. Somente em 2004, aps a criao doMinistrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS) que o PBF passou a ser

    gerenciado por esse Ministrio, sob a coordenao da Secretaria Nacional de Renda de

    Cidadania (SENARC). Desde ento, o programa vem tendo o empenho governamental para

    a disseminao e expanso, sendo revertido em crditos polticos para o Governo Lula.

    Neste sentido, o prximo subitem busca abordar o pblico-alvo do PBF, mostrando

    os critrios de elegibilidade, bem como a sua expanso, tomando como base os anos de

    2004 a 2007.

    4.1 O PBLICO-ALVO DO PROGRAMA BOLSA-FAMLIA

    Considerando as recentes transformaes na configurao das famlias, o PBF

    seguindo os demais programas de transferncia de renda e polticas que tomam a famlia

    como sujeito importante no processo de proteo social incorporou um conceito de famlia

    mais amplo. Neste sentido, conforme consta no art. 2, 1 da Lei de criao do PBF,

    aceito como famlia a unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivduos que

    com ela possuam laos de parentesco ou de afinidade, que forme um grupo domstico,vivendo sob um mesmo teto e que se mantm pela contribuio de seus membros.

    Dessa forma, o PBF ao priorizar o ncleo familiar como unidade de interveno

    social, volta-se para as famlias que se encontram em situao de pobreza ou de extrema

    pobreza. Para tanto, o programa estabelece duas linhas de corte para a entrada de

    beneficirios delimitando tambm o valor do benefcio a ser concedido. Assim, a realizao

    do clculo adota como critrio seletivo a renda familiar mensal per capitae a composio

    familiar, conforme mostra a Tabela 1.

    2 O PBF foi lanado mediante a publicao da Medida Provisria n 132, de 20 de outubro de 2003 e,posteriormente, convertida na Lei n 10.836, de 09 de janeiro de 2004, sendo regulamentado pelo Decreto n5.209, de 17 de setembro de 2004.

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    Tabela 1 PBF: critrios de elegibilidade do pblico-alvo e o valor do benefcio

    Situao dasFamlias

    Renda Familiar Mensal(per capita) Benefcio Mensal do PBF

    Valor Mnimo(R$)

    Valor Mximo(R$)

    2004 20063 2004 20074 2004 2007 2004 2007

    ExtremamentePobres

    At R$50,00

    At R$60,00

    Sem filhosPiso Bsico:

    R$ 50,00Piso Bsico:

    R$ 58,00 50,00 58,00 50,00 58,00

    Com filhos(at 3 filhos)

    Piso Bsico:R$ 50,00 +Varivel:R$ 15,00

    Piso Bsico:R$ 58,00 +Varivel:R$ 18,00

    65,00 76,00 95,00 112,00

    Pobres

    Superior aR$ 50,00 einferior a R$

    100,00

    Superior aR$ 60,00 e

    inferior a R$120,00

    Com filhos(at 3 filhos)

    Varivel:R$ 15,00

    Varivel:R$ 18,00

    15,00 18,00 45,00 54,00

    Fonte: MDS, SAGI Matriz de Informao Social, 2007. (Elaborao prpria)

    Diferentemente dos programas de transferncia direta de renda anteriores, em seu

    desenho, o PBF tem como pblico-alvo dois grupos distintos. No primeiro, desde 2006, o

    programa direciona-se para as famlias que auferem uma renda familiar mensal per capita

    de at R$ 60,00 independentemente de sua composio. Para essas famlias,

    considerando-se o ano de 2007, o benefcio monetrio mensal fixo transferido correspondia

    a R$ 58,00. Neste caso, pode-se dizer que o PBF amplia, at certo ponto, o seu pblico-alvo

    ao permitir o acesso de famlias sem filhos ao programa. No entanto, se na composio

    dessas famlias existem crianas e/ou adolescentes com at 15 anos de idade, a esse valor

    fixo transferido podia se acrescido R$ 18,00, por cada filho, at o limite de trs filhos,

    totalizando um valor mensal mximo de R$ 112,00 por famlia.

    O segundo grupo mais restrito, pois considera inelegveis as famlias sem filhos. O

    acesso permitido apenas para as famlias que se encontram em situao de pobreza, ou

    seja, a renda familiar mensal per capita considerada desde 2006 deve ser superior a R$

    60,00 e inferior a R$ 120,00 e devem ter em sua composio familiar crianas e/ou

    adolescentes (at com 15 anos de idade). Neste caso, o valor da transferncia monetria

    varivel e podia chegar at R$ 54,00 por famlia, sendo R$ 18,00 por cada filho, no limite de

    trs, tomando como base de anlise o ano de 2007.

    Vale salientar o baixo valor do corte de renda, principalmente para a definio de

    extrema pobreza, o que na realidade representa um grande risco de excluir muitas famlias

    pobres, j que acima desse corte as famlias que no possuem filhos no tm o direito ao

    3 Em abril de 2006, de acordo com o Decreto n 5.749 foi ampliado de R$ 50,00 para R$ 60,00 o teto da rendafamiliar mensal per capitaque d direito de acesso ao benefcio do PBF s famlias consideradas extremamentepobres. E para as famlias em situao de pobreza o valor mximo da renda familiar mensal per capitapassoude R$ 100,00 para R$ 120,00. Entretanto, vale ressaltar que no h nenhuma forma automtica de indexao

    para esses valores.4 Em julho de 2007, foi assinado o Decreto n 6.157 determinando o reajuste do valor mensal do benefcio doPBF. Assim, o benefcio bsico passou de R$ 50,00 para R$ 58,00, um reajuste de 16%, enquanto o valorvarivel passou de R$ 15,00 para R$ 18,00, o equivalente a um aumento de 20%.

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    benefcio bsico. A aplicao do dinheiro pelas famlias livre podendo permanecer no

    programa enquanto houver a manuteno dos critrios de elegibilidade, desde que

    cumpram as condicionalidades impostas pelo programa, conforme ser visto mais adiante.

    Em 2007, alm da recomposio dos valores dos benefcios (videnota de rodap n4, pg. 16), o governo tambm ampliou a faixa etria dos adolescentes de 15 anos para 17

    anos, como forma de estimul-los a permanecer na escola, concedendo um benefcio

    mensal varivel no valor de R$ 30,00, at o limite de dois adolescentes por cada famlia.

    Deste modo, com essa variao o valor mximo a ser recebido por uma famlia em situao

    de pobreza passou de R$ 54,00 para R$ 114,00, desde que em sua composio existam

    trs crianas na faixa etria de 0 a 14 anos e dois adolescentes com idade entre 15 a 17

    anos. Com esta mesma composio familiar, o valor mximo a ser recebido pelas famlias

    consideradas extremamente pobres passa de R$ 112,00 para R$ 172,00, o que significa umacrscimo de 53,6% na renda familiar.

    Na configurao atual do desenho do PBF, o governo federal com o objetivo de

    garantir o poder de compra das famlias beneficirias do programa, defasado em virtude do

    aumento dos preos dos alimentos, concedeu mais um reajuste mdio de 8% ao valor do

    benefcio mensal transferido. Deste modo, o valor do piso bsico passou de R$ 58,00 para

    R$ 62,00 e o valor varivel de R$ 18,00 para R$ 20,00. O valor destinado aos adolescentes

    correspondente a R$ 30,00 permaneceu inalterado. Com esses novos valores, dependendo

    da composio, uma famlia extremamente pobre poder receber at o mximo de R$

    182,00 por ms. Enquanto, os valores pagos pelo programa para uma famlia pobre podero

    variar de R$ 20,00 at o mximo de R$ 120,00. Essa recomposio dos valores teve como

    base a variao do ndice Nacional de Preo ao Consumidor (INPC), calculado pelo IBGE,

    ocorrida entre junho de 2007 e maio de 2008.

    O ingresso das famlias no PBF ocorre por meio do Cadastramento nico do governo

    federal institudo em 2001, ainda, no governo de FHC. O objetivo desse cadastro

    uniformizar as informaes socioeconmicas da populao de baixa renda, a fim de mapear

    e identificar possveis beneficirios do PBF e dos demais programas sociais, propondo-se

    tambm a subsidiar o planejamento de polticas pblicas dos diferentes nveis de governo.

    Para tanto, cabe aos municpios o papel de executar o processo de coleta, incluso,

    atualizao e excluso sistemtica dos dados referentes ao Cadastro nico. As principais

    informaes que constam neste cadastro dizem respeito s caractersticas do domiclio, a

    composio familiar, qualificao escolar e profissional, grau de parentesco e rendimentos e

    despesas familiares.

    Vale ressaltar que, o enfrentamento dos problemas sociais brasileiros no pode

    prescindir do Estado como agente central na coordenao e na execuo da poltica. Para

    exercer essas funes e, ao mesmo tempo, assegurar a sustentabilidade das aes

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    necessrio redesenhar a relao que se estabelece entre Estado, em suas trs esferas e a

    sociedade civil, na perspectiva de consolidao da prpria democracia brasileira.

    A expanso do PBF retratado pelos dados de cobertura apresentados no Grfico 1

    merece ser destacado pelo seu rpido avano. Em 2004, o nmero de famlias atendidastotalizava 6,5 milhes, o que representava uma cobertura de 59,2%, considerando a

    existncia de 11,1 milhes de famlias pobres, de acordo com os dados estimados pelo

    IPEA. No ano seguinte, o PBF alcanava um total de 8,7 milhes de famlias, o que

    representava um crescimento de 32,4% e uma cobertura de 78,4%. Em 2006, o PBF j

    atingia quase a meta prevista de 11,1 milhes de famlias atendidas, com uma cobertura de

    98,8%. Em 2007, o PBF estava presente em todos os municpios brasileiros, atendendo

    pouco mais de 11 milhes de famlias, o que mostra que entre 2004 a 2007, o PBF

    apresentou um crescimento mdio geomtrico anual de 13,9% a.a..

    Fonte: MDS, SAGI Matriz de Informao Social, 2007. (Elaborao Prpria)

    Grfico 1 Brasil: evoluo da taxa de cobertura do PBF (2004-2007)

    Vale lembrar que, as famlias oriundas dos programas de transferncia direta de

    renda (Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentao, Auxlio-Gs e Carto-Alimentao) tm prioridadessobre as famlias novas para ingressarem no PBF, de modo a cumprir com o objetivo de

    integrao. Alm disso, desde 2007, o governo federal incluiu tambm as famlias indgenas

    e quilombolas dando-lhes acesso prioritrio.

    A distribuio espacial dos beneficirios do PBF pelas grandes Regies do Brasil

    apresentada na Tabela 2. possvel observar que a regio Nordeste, como era de se

    esperar, concentra metade das famlias beneficiadas pelo PBF. Em 2004, a regio totalizava

    3,3 milhes de famlias, o equivalente a 50,5% do total das famlias beneficiadas pelo PBF.

    Em 2007, o nmero de famlias atendidas pelo PBF j era de 5,6 milhes, representando50,47% do total de famlias atendidas, um crescimento de 67,9% em relao ao ano de

    2004. Em seguida, a regio Sudeste apresenta a segunda maior participao. Em mdia,

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    considerando os anos de 2004 a 2007, a regio teve uma participao de 26,3%, enquanto

    as demais regies (Sul, Norte e Centro-Oeste) apresentaram uma distribuio espacial

    mdia de 10,0%, 8,8% e 5,1%, respectivamente.

    Tabela 2 Brasil/Grandes Regies: nmero de famlias atendidas pelo PBF (2004-2007)

    Brasil/GrandesRegies

    Total de Famlias BeneficiadasPrograma Bolsa-Famlia

    2004(%)

    partic. 2005(%)

    partic. 2006(%)

    partic. 2007(%)

    partic.Centro-Oeste 292.405 4,45 444.786 5,11 596.620 5,44 583.672 5,29Nordeste 3.320.446 50,53 4.245.574 48,80 5.442.567 49,63 5.573.605 50,47Norte 527.652 8,03 697.644 8,02 1.023.507 9,33 1.081.636 9,79Sudeste 1.730.675 26,33 2.325.379 26,73 2.875.677 26,22 2.848.034 25,79Sul 700.661 10,66 987.062 11,34 1.027.439 9,37 956.129 8,66BRASIL 6.571.839 100,00 8.700.445 100,00 10.965.810 100,00 11.043.076 100,00

    Fonte: MDS, SAGI Matriz de Informao Social, 2007. (Elaborao prpria)

    Esse resultado reflete, evidentemente, a desigualdade regional existente no pas que

    entre outras manifestaes se expressa na enorme diferena de renda entre as famlias das

    diferentes regies, especialmente, entre o Nordeste e o Centro-Sul do pas. O Grfico 2, a

    seguir, mostra a distribuio espacial mdia das famlias beneficiadas pelo PBF entre as

    regies geogrficas brasileiras, tomando como base de comparao os anos de 2004 a

    2007.

    Fonte: MDS, SAGI Matriz de Informao Social, 2007. (Elaborao prpria)

    Grfico 2 Brasil: distribuio espacial por regio geogrfica das famlias beneficiadas peloPBF a mdia entre os anos de 2004-2007

    A focalizao do PBF nas famlias pobres tomando como critrio nico de seleo a

    renda levanta uma srie de crticas pelo seu carter restritivo. Se considerado o conceito de

    pobreza multidimensional, j mencionado, somente a renda no suficiente para qualificar a

    pobreza. Desse ponto de vista, a vulnerabilidade social engloba outras dimenses como

    sade, esperana de vida, educao, saneamento e acesso a bens e servios pblicos, indo

    alm da privao de bens materiais. Neste caso, o PBF tende a impossibilitar a incluso de

    famlias que apesar de estarem situadas em uma faixa de renda um pouco acima do valordefinido encontram-se tambm em situao de pobreza.

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    Ademais, outro aspecto preocupante refere-se desvinculao da renda familiar

    mensal per capitaadotada como referncia para definio da linha de pobreza do salrio

    mnimo. Vale ressaltar que, nos programas de transferncia direta de renda, vistos no item

    3, o corte de renda para acesso aos programas estavam vinculados a fraes do salriomnimo vigente. Desta forma, para as famlias consideradas pobres era considerada uma

    renda familiar mensal per capita de salrio mnimo, enquanto para as famlias

    extremamente pobres o corte equivalia a uma renda familiar mensal per capita de do

    salrio mnimo. Se tomarmos como base o salrio mnimo vigente em 2008, as famlias

    pobres corresponderiam quelas que totalizariam uma renda familiar mensal per capitaigual

    a R$ 207,50 e as famlias extremamente pobres teriam como renda familiar mensal per

    capitao valor de at R$ 103,75, cerca de 72,9% a mais do valor atualmente considerado

    (R$60,00), o que tornaria a focalizao mais abrangente.Segundo ROCHA (2006), em um pas de dimenses continental e de diferenas

    regionais de desenvolvimento to marcantes como o Brasil, nem a simples utilizao do

    salrio mnimo como parmetro para definir a linha de pobreza retrata a realidade brasileira,

    porque acaba sendo ignoradas as diferenas regionais e urbano-rural de custo de vida para

    os pobres. Portanto, na sua concepo a definio de uma linha de pobreza para o Brasil

    exige-se a adoo de parmetros que levem em conta as especificidades de cada regio.

    Desta forma, a estrutura de consumo das famlias seria a forma mais adequada para

    estabelecer a linha de pobreza.

    Como se v a construo de critrios e mecanismos de seleo uma das tarefas

    mais difceis na formulao de programas focalizados. Em um pas, como o Brasil, marcado

    pela heterogeneidade e por uma cultura poltica muito influenciada pelo clientelismo,

    focalizar o pblico de um programa sempre muito difcil.

    4.2 AS CONDICIONALIDADES DO PROGRAMA BOLSA-FAMLIA

    O PBF ao unificar os programas de transferncia direta de renda seguiu a mesmatrajetria de definir o cumprimento de condicionalidades associadas a polticas de carter

    universal educao e sade j garantida constitucionalmente populao como um

    direito. Deste modo, o PBF vincula o pagamento do benefcio ao cumprimento de

    contrapartidas comportamentais por parte das famlias beneficiadas. Na tica do governo

    federal essa uma forma de possibilitar o acesso e a insero da populao pobre nos

    servios sociais bsicos, contribuindo para a interrupo do ciclo de reproduo da pobreza.

    Assim, em relao educao, o objetivo da condicionalidade associar o

    complemento de renda ao acesso das crianas e adolescentes a educao bsica, bemcomo a permanncia na escola. Para tanto, o PBF exige 85% de freqncia escolar das

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    crianas e dos adolescentes na faixa etria de 6 a 15 anos. A partir de 2007, com a incluso

    dos adolescentes de 16 e 17 anos no PBF, a freqncia escolar exigida pela

    condicionalidade para essa faixa etria de 75%.

    No que tange aos servios de sade, o PBF determina que gestantes, nutrizes ecrianas menores de sete anos de idade sejam acompanhadas do ponto de vista nutricional

    mantendo a caderneta de vacinao atualizada. Alm disso, as gestantes devem participar

    das consultas de pr e ps-natal e, assim como as mes de crianas de 0 a 7 anos

    incompletos devem tambm fazer parte das atividades socioeducativas sobre sade e

    nutrio.

    O PBF tambm condiciona aes na rea da assistncia social. Assim, os

    beneficirios do PBF devem participar das aes socioeducativas destinadas para as

    crianas em situao de trabalho infantil. Alm disso, o PBF recomenda a adoo deprogramas complementares voltados gerao de emprego e renda, tais como: cursos

    profissionalizantes, programas de microcrdito, compras de produo agrcola familiar, entre

    outros. No entanto, essas aes no fazem parte do conjunto de condicionalidades impostas

    pelo programa.

    Portanto, verifica-se que a exigncia de contrapartidas comportamentais por parte

    dos beneficirios um ponto central do desenho do PBF e vem se tornando numa questo

    bastante polmica. O debate em torno desse tema abarca diferentes posies. Para os

    formuladores do PBF, a condicionalidade apresentada como sinnimo de incluso social e

    emancipao. A exigncia favorece a ampliao do exerccio do direito a servios sociais de

    carter universais como a educao e a sade. Todavia, uma vez exigida essas

    condicionalidades, faz-se necessrio criar mecanismos consistentes de acompanhamento

    social das famlias beneficirias, tendo em vista ser uma oportunidade de insero social.

    Sob essa perspectiva, as aes de controle e acompanhamento exigem um esforo

    conjunto dos trs ministrios (MDS, MEC e Sade).

    4.3 O FINANCIAMENTO DO PROGRAMA BOLSA-FAMLIA

    Entre os desafios enfrentados pelo PBF est o seu financiamento. Em termos

    oramentrios, o MDS executa duas unidades que possuem fins distintos: o seu prprio

    oramento, onde fica alocada a maior parte dos recursos financeiros destinados ao PBF, e o

    do Fundo Nacional da Assistncia Social (FNAS). A dotao oramentria prpria do MDS

    destina-se a atender, alm do PBF, as aes e programas relacionados com a Segurana

    Alimentar e de combate fome, bem como a gesto do Sistema nico da Assistncia Social

    (SUAS). J os recursos do FNAS financiam os benefcios previstos e regulamentados pela

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    Lei Orgnica da Assistncia Social (LOAS), os servios, programas e projetos de assistncia

    social, tais como o PETI, o Agente Jovem, o Sentinela, o BPC, entre outros.

    Em relao aos recursos destinados para o financiamento do PBF, a anlise dos

    dados mostra que h um predomnio crescente na participao dos recursos nosoramentos da Seguridade Social, do MDS e da unidade oramentria prpria do MDS. Em

    2004, os recursos do PBF representavam 1,3% do OSS, trs anos depois o peso relativo

    havia mais que dobrado (2,7%), um crescimento equivalente a 107,7%. Comparando os

    recursos do PBF com o oramento total do MDS, verifica-se que em 2004, os mesmos

    representavam 21,9%, j em 2007, essa representatividade foi de 36,6%, um crescimento

    no perodo de 67,1%. Por fim, tomando como base os recursos prprios da unidade

    oramentria do MDS, a proporo dos recursos do PBF cresceu 63,8%, ou seja, passou de

    55,5%, em 2004, para 90,9%, em 2007, conforme destaca os dados da Tabela 3.

    Tabela 3 Participao do PBF nos Oramentos da Seguridade Social, do MDS e daunidade oramentria prpria do MDS (2004-2007)

    R$ mil

    ANOS OSS(1)

    (A)MDS (2)

    (B)

    Unid. Or. Prpriado MDS (2)

    (C)

    PBF (3)(D) % (D/A)

    %(D/B)

    %(D/C)

    2004 258.651.659 15.483.779 6.095.734 3.385.356 1,3 21,9 55,52005 279.719.372 16.712.441 5.510.998 3.893.634 1,4 23,3 70,72006 311.105.571 22.235.642 9.182.573 7.860.261 2,5 35,3 85,62007 328.651.284 24.503.304 9.866.194 8.965.500 2,7 36,6 90,9

    Fonte:(1)

    Cmara dos Deputados. Consultoria de Oramento e Fiscalizao Financeira e PRODASEN. Banco de Dados do

    SIAFI/STN;(2)

    Senado Federal. SIGA Brasil SIAFI/SIDOR/SELOR. Acompanhamento da Execuo Oramentria da Unio(LOA) 2004-2007. Valor pago no ano de referncia;

    (3)MDS, SAGI Matriz de Informao Social, 2007. Valores

    deflacionados pelo IPCA com base mdia do ano 2007. (Elaborao prpria)

    Vale ressaltar que nos anos de 2004 e 2005, o PBF tambm teve recursos alocados

    no Ministrio da Sade, mais especificamente no Fundo Nacional de Sade (FNS), num

    montante correspondente a R$ 932,4 milhes e R$ 2.238,6 milhes destinados para as

    despesas relacionadas com o cumprimento das condicionalidades na rea de sade.

    Considerando a dimenso dos recursos financeiros referentes ao PBF, no perodo de

    2004 a 2007, verifica-se que houve um significativo crescimento. Em 2004, o valor investido

    para o programa somou R$ 4,3 bilhes (corrigidos pelo IPCA, considerando como ano-base

    o ano de 2007). Em 2007, o gasto anual registrado foi de R$ 8,9 bilhes, mais que o dobro

    do valor repassado em 2004, o que representa um crescimento mdio anual de 20,0% a.a..

    Na Tabela 4, ao examinar a distribuio espacial mdia dos recursos do PBF entre

    as grandes Regies do Brasil, durante os anos de 2004 a 2007, constata-se que a regio

    Nordeste foi detentora de mais da metade dos recursos (53,8%). Em seguida, vm as

    regies Sudeste (23,9%), Norte (9,4%), Sul (8,9%) e por ltimo, o Centro-Oeste (4,3%). No

    entanto, a proporcionalidade dos recursos direcionados para o Nordeste no total dos

    recursos do PBF, ao longo desses quatro anos, reduziu-se. Em 2004, os recursos da regio

    Nordeste representavam 57,3% do total dos recursos do PBF. J em 2007, a proporo era

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    de 52,8%, o que mostra uma reduo de 7,9% da participao na totalidade dos recursos.

    Por sua vez, as regies Centro-Oeste e Norte foram as que apresentaram o maior

    crescimento em relao participao das grandes Regies brasileiras no total dos

    recursos do PBF. Neste sentido, em 2004, o Centro-Oeste participava com 3,5% do totaldos recursos e passou a 4,8%, em 2007, revelando um crescimento de 38,5%. A regio

    Norte, por sua vez, era detentora de 8,6% do total dos recursos do PBF em 2004 e trs anos

    depois essa participao era de 9,4%, o que representou um aumento de 23,5%.

    Tabela 4 Brasil e as Grandes Regies: evoluo e distribuio regional dos recursos doPBF (2004-2007)

    R$ milBrasil/Grandes

    RegiesRecursos do Programa Bolsa-Famlia

    2004 (%) 2005 (%) 2006 (%) 2007 (%) Mdia

    Centro-Oeste 149.287 3,5 258.271 4,2 367.628 4,7 429.386 4,8 4,3Nordeste 2.474.946 57,3 3.214.537 52,4 4.123.945 52,5 4.735.067 52,8 53,8Norte 369.989 8,6 529.466 8,6 766.551 9,8 948.452 10,6 9,4Sudeste 939.145 21,8 1.530.056 25,0 1.899.111 24,2 2.123.533 23,7 23,6Sul 384.355 8,9 599.874 9,8 703.026 8,9 729.062 8,1 8,9BRASIL 4.317.723 100,0 6.132.205 100,0 7.860.261 100,0 8.965.500 100,0 100,0

    Fonte: MDS, SAGI Matriz de Informao Social, 2007. Valores deflacionados pelo IPCA com o ano-base de 2007.(Elaborao prpria)

    No que se refere ao valor mdio do benefcio do PBF, a Tabela 5 apresenta a sua

    evoluo, tomando como referncia o perodo analisado neste trabalho. Ao longo desses

    quatro anos, constata-se um crescimento real anual contnuo do valor mdio da

    transferncia monetria recebida pelas famlias. Em 2004, verifica-se que o valor mdionacional alcanado foi de R$ 54,75. Somente as regies Nordeste e Norte tiveram um valor

    mdio maior que a mdia nacional, sendo R$ 62,11 e R$ 58,43, respectivamente. Em 2007,

    o valor mdio nacional foi de R$ 67,66, o que significa dizer que, entre os anos de 2004 a

    2007, a taxa mdia anual de crescimento foi de 23,6%.

    Tabela 5 Brasil e as Grandes Regies: valor mdio e taxa de crescimento anual dobenefcio do PBF (2004-2007)

    R$ 1,00

    Brasil/GrandesRegies

    Programa Bolsa-Famlia

    2004 2005 2006 2007 MdiaTaxa Anual de

    Crescimento Real2007/2004 (%)

    Centro-Oeste 42,55 48,39 51,35 61,31 50,90 44,1Nordeste 62,11 63,10 63,14 70,80 64,79 14,0Norte 58,43 63,24 62,41 73,07 64,29 25,1Sudeste 45,22 54,83 55,03 62,13 54,31 37,4Sul 45,71 50,64 57,02 63,54 54,23 39,0BRASIL 54,75 58,73 59,73 67,66 60,22 23,6Fonte: MDS, SAGI Matriz de Informao Social, 2007. Valores deflacionados pelo IPCA com o ano-base de 2007.(Elaborao prpria)

    Ressalta-se, ainda, que o benefcio do PBF pode ser cancelado mediante as

    seguintes ocorrncias: a) caso o benefcio no seja sacado pelo beneficirio no prazo de 90

    dias, sendo o valor restitudo ao programa; b) comprove-se o trabalho infantil na famlia; c)

    existncia de fraudes e informaes incorretas no ato do cadastramento; d) descumprimento

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    das condicionalidades; e) desligamento do ato voluntrio do beneficiado ou por

    determinao judicial; f) alterao cadastral da famlia que a exclua dos critrios

    estabelecidos pelo programa para incluso; e g) a ocorrncia de regras excludentes

    existentes nos programas de transferncia de renda anteriores ao PBF.No entanto, importante dizer que o desligamento de uma famlia um processo

    longo, sendo adotada uma abordagem mais educativa e de orientao do que punitiva. A

    seguir, este trabalho apresenta a atuao do PBF na regio Nordeste do pas.

    5 O PROGRAMA BOLSA-FAMLIA NO NORDESTE BRASILEIRO

    Espacialmente, segundo os dados do IBGE, a regio Nordeste com uma extenso

    territorial de 1.554.257,0 km2 representa 18,3% do total da rea do Brasil. Em 2007, com

    uma populao de 51,5 milhes de habitantes, totalizando 28% da populao total do pas,

    cerca de 42,2% dos seus habitantes viviam em condies de pobreza,conforme estimativa

    do IPEA. Como se observa no Grfico 3, todos os estados do Nordeste possuam um

    percentual de pobreza acima da mdia brasileira (27,8%). Dessa forma, verifica-se que a

    regio concentra um imenso bolso de pobreza, constituindo-se de fato num espao com

    enormes carncias, se comparada com as demais regies brasileiras.

    Fonte: MDS, SAGI Matriz de Informao Social, 2007. (Elaborao prpria)

    Grfico 3 Percentual de pobreza: estimativa de pobres (IPEA, 2004) em relao populao (IBGE, contagem de 2007) dos estados do Nordeste, da regioNordeste e do Brasil

    Todavia, nos ltimos anos, o espao nordestino sofreu importantes mudanas,

    resultando numa grande diversidade e crescente heterogeneidade em sua estrutura

    econmica. De tal modo que, reas com elevado grau de modernizao passaram a

    conviver com reas de intensa pobreza, diferenciando o seu crescimento e o seu

    desenvolvimento. A tradicional viso assistencialista, marcada fortemente pelas secas,

    agora contrasta com a formao de novas reas modernas e dinmicas que foram se

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    desenvolvendo, ao longo do processo de desconcentrao espacial da atividade econmica,

    denotando um crescimento desigual e seletivo da regio. Desta forma, a riqueza local

    tornou-se cada vez mais concentrada, uma caracterstica marcante da prpria regio,

    criando profundos contrastes sociais. Desse ponto de vista, pode-se dizer que a presenado grande capital na regio contribuiu para o crescimento econmico e em menor

    intensidade para reduzir os dficits sociais.

    Nesta realidade, a importncia do PBF evidenciada atravs dos dados mostrados

    no Grfico 4. Apesar das inmeras crticas ao programa, tomando como base os dados para

    o ano de 2007, o percentual das famlias atendidas sobre o total das famlias residentes nos

    estados nordestinos bastante elevado variando entre 35,8% a 51,8%. Em termos

    proporcionais, o estado de Sergipe correspondia ao estado com o menor nmero de famlias

    atendidas pelo PBF (35,8%), em relao ao total de famlias existentes. Ao contrrio doMaranho, onde mais da metade das famlias residentes, o equivalente a 51,8% do total das

    famlias, recebiam o benefcio. Nos demais estados, o percentual mdio das famlias

    atendidas pelo PBF correspondia a 42,8%, considerando a estimativa das famlias para o

    ano de 2007, realizada pela contagem do IBGE. Esses dados mostram a importncia do

    programa na promoo da distribuio da renda e da atividade econmica, nas reas mais

    pobres do Nordeste.

    Fonte: Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS), SAGI Matriz de Informao Social, Ano de2007. (Elaborao Prpria)

    Grfico 4 Regio Nordeste: total de famlias residentes x total de famlias atendidas peloPBF Ano de 2007

    Apesar de se circunscreverem a mudanas incrementais e de estarem longe de

    mudanas estruturais relacionadas com a distribuio da renda e da riqueza, as avaliaes

    realizadas pelo MDS mostram que o PBF tambm contribuiu para a movimentao das

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    economias locais das regies mais pobres do pas, o que sugere a realizao de estudos

    mais aprofundados que simulem os efeitos combinados das polticas sociais, com os

    repasses das transferncias constitucionais, por exemplo.

    Neste sentido, do ponto de vista dos recursos destinados ao PBF, verifica-se que osdispndios realizados no Nordeste em 2007, no foram desprezveis. Ao contrrio,

    representaram 52,8% do total investido pelo programa. O Grfico 5 apresenta a relao

    percentual entre o valor anual despendido do PBF, no ano de 2007, comparativamente ao

    Fundo de Participao dos Estados (FPE) transferido pelo governo federal a cada estado da

    Regio Nordeste. A Bahia foi o estado que teve a maior proporo relativa (40,0%),

    enquanto Sergipe a menor, com 12,3%. No Rio Grande do Norte, os valores transferidos

    pelo Programa Bolsa-Famlia representaram 18,2% do valor repassado pelo FPE para o

    estado. Enquanto, em Pernambuco e no Maranho, essa proporo foi de 33,7% e 28,8%,respectivamente.

    Fonte: Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS), SAGI Matriz de Informao Social, Ano de2007. (Elaborao Prpria)

    Grfico 5 Regio Nordeste: FPE x dispndio anual do PBF Ano de 2007

    Esses dados revelam que o programa vem assumindo um peso significativo na

    composio da renda de alguns estados. Em relao ao valor monetrio transferido

    diretamente s famlias, nota-se que extremamente baixo e insuficiente para atender s

    necessidades bsicas. No entanto, este limite resulta da concepo neoliberal sobre os

    programas de transferncia direta de renda, segundo a qual uma transferncia monetria

    no deve contribuir para desestimular os indivduos para o trabalho. Dessa forma, o impacto

    que o programa tem na reduo da pobreza ainda nfimo, mas necessrio.

    Teoricamente, MARQUES (2005) chama ateno para o efeito multiplicador de

    inspirao keynesiana, admitindo que o gasto governamental, assim como o privado, gere

    uma renda de valor maior do que o do gasto realizado no conjunto global da economia. Isso

    acontece porque as compras que o governo efetua resultam em novas demandas para as

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    27

    empresas que, ao aumentarem sua produo, elevam os pedidos junto a seus fornecedores,

    aumentando o nvel de contratao de trabalhadores. Esse processo tem continuidade na

    cadeia produtiva, tanto das empresas inicialmente beneficirias da maior demanda estatal,

    como daquelas vinculadas ao consumo dos trabalhadores e dos demais segmentos dapopulao que aumentaram sua renda.

    Neste sentido, as transferncias de renda s famlias proporcionam um impacto

    econmico tanto maior quanto maior for a propenso marginal a consumir, isto , quanto

    maior for a parcela destinada ao consumo quando a renda aumentada em uma unidade.

    Neste caso, a populao alvo do PBF, principalmente, as famlias definidas como

    extremamente pobres, possui uma propenso marginal a consumir das mais elevadas,

    quando no igual a um. O aumento da renda dessa populao, resultante da poltica

    pblica, retorna, em parte, aos cofres pblicos, sob a forma de incremento na arrecadaode tributos. (MARQUES, 2005)

    Tomando-se como referncia o perodo de 1990 a 2006, os indicadores de renda

    apresentados na Tabela 6 mostram que na regio Nordeste a intensidade de indigncia

    reduziu mais da metade (54,3%), ou seja, passou de 41,8% para 19,1%. Nesse mesmo

    perodo, a intensidade de pobreza da regio caiu de 69,6% para 46,3%, uma reduo de

    33,5%. Esses resultados tm registrado uma melhoria nas condies de vida da populao

    mais pobre, representada pela reduo das desigualdades sociais, calculada atravs do

    ndice de Gini, que apresentou uma reduo de 8,5%. Vale salientar que no existe um

    consenso entre os pesquisadores que atribui esse fato aos programas sociais, entre eles o

    PBF. BARROS, CARVALHO, FRANCO e MENDONA (2006), assim como HOFFMANN

    (2006) consideraram em suas anlises os efeitos positivos desses programas

    especificamente para a regio Nordeste. Na viso de DELGADO (2006) a melhora na

    distribuio de renda, vai alm da contribuio do PBF, deve-se ser levada em conta,

    principalmente, a contribuio dos benefcios da seguridade social pagos pelo INSS, cujo

    perfil fortemente concentrado no salrio mnimo.

    Entretanto, deve ser enfatizado que o PBF promove o acesso renda para uma

    grande parcela da populao no assistida pela Previdncia Social, por estar margem do

    mercado de trabalho. Nesse sentido, verifica-se que o PBF est pautado em combater a

    extrema pobreza que impe a populao a situaes de riscos. Embora os resultados,

    preliminarmente observados, ainda sejam modestos para superar essa pobreza, os

    repasses do benefcio contribuem para melhorar a renda das famlias beneficiadas, visto

    que se encontram num nvel econmico de mera subsistncia. A sua importncia eleva-se

    ao tentar articular o programa aos servios de sade e educao. Essa proposta

    intersetorial vista como um aspecto inovador que incentiva o rompimento da

    fragmentao, ao buscar estabelecer um vnculo mais efetivo da Assistncia Social com as

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    Polticas Sociais de carter estrutural. Alm disso, favorece ao exerccio da cidadania, que

    segundo os formuladores do PBF sinnimo de incluso social.

    Tabela 6 Estados do Nordeste e Brasil: indicadores de renda PIB per capita (2005),ndice de Gini, intensidade de pobreza e de indigncia (1990/2006)

    Estados doNordeste e Brasil

    PIB*per capita(R$ 1,00)

    ndice de Gini Intensidade de Pobrezapessoas pobres** (%)Intensidade de Indignciapessoas indigentes*** (%)

    2005*IBGE

    1990IPEA

    2006IPEA

    TaxaCresc.

    (%)

    1990IPEA

    2006IPEA

    TaxaCresc.

    (%)

    1990IPEA

    2006IPEA

    TaxaCresc.

    (%)Alagoas 4.687 0,574 0,627 9,2 72,0 55,0 -23,6 37,0 24,0 -35,1Bahia 6.583 0,647 0,556 -14,1 68,0 44,0 -35,3 39,0 17,0 -56,4Cear 5.054 0,627 0,548 -12,6 73,0 45,0 -38,4 46,0 19,0 -58,7Maranho 4.150 0,563 0,595 5,7 71,0 53,0 -25,4 46,0 25,0 -45,7Paraba 4.690 0,655 0,565 -13,7 69,0 42,0 -39,1 46,0 15,0 -67,4Pernambuco 5.931 0,602 0,583 -3,2 65,0 48,0 -26,2 36,0 20,0 -44,4Piau 3.700 0,666 0,599 -10,1 80,0 50,0 -37,5 59,0 23,0 -61,0

    Rio Grande do Norte 5.948 0,609 0,561 -7,9 66,0 39,0 -40,9 39,0 14,0 -64,1Sergipe 6.821 0,567 0,560 -1,2 62,0 41,0 -33,9 28,0 15,0 -46,4Nordeste 5.498 0,626 0,573 -8,5 69,6 46,3 -33,5 41,8 19,1 -54,3Brasil 11.658 0,614 0,563 -8,3 40,4 25,2 -37,6 18,2 8,4 -53,8

    Fonte: IBGE, PIB per capita Contas Regionais do Brasil 2002-2005, n21, 2007. * PIB per capita (Ano de 2005) atualizado conformea nova metodologia do IBGE para apurao do PIB, divulgada em maro de 2007. IPEA Ipeadata. ** Percentual de pessoas comrenda familiar per capita inferior a linha de pobreza, estimada pelo IPEA, como sendo duas vezes o valor da linha de extrema pobreza.*** Percentual de pessoas com renda familiar per capita inferior a linha de extrema pobreza, estimada pelo IPEA, tomando-se comobase o valor da cesta bsica de alimentos que satisfaa os requisitos nutricionais em cada regio brasileira. (Elaborao prpria)

    Analisando a evoluo de alguns indicadores sociais expostos na Tabela 7, entre os

    anos de 1991 a 2006, verifica-se que importantes avanos tambm foram registrados na

    regio Nordeste. Na educao, a taxa de analfabetismo para as pessoas de 15 anos ou

    mais caiu de 36,6% para 20,7%, o equivalente a uma reduo de 43,3%. Nesse perodo, o

    estado do Piau apresentou o pior resultado da regio, conseguindo reduzir apenas 35,2%,

    ficando abaixo da mdia regional (43,3%). Quanto esperana de vida ao nascer, a regio

    elevou de 63 anos para 69 anos. Mesmo assim, continua abaixo da mdia nacional, que em

    2006 era de 72 anos. O estado de Pernambuco foi quem obteve a maior taxa de

    crescimento, em 1991 a esperana de vida era de 61 anos e passou a 68 anos, em 2006. A

    mortalidade infantil tambm apresentou uma significativa reduo na regio Nordeste. Em

    1991, a taxa de mortalidade infantil era de 69,6% e passou para 36,9%, em 2006, uma

    reduo de 46,9%. O melhor desempenho foi do estado do Piau, que conseguiu reduzir

    54,7% o ndice referente mortalidade infantil. Por ltimo, o trabalho infantil tambm

    apresentou uma queda significativa na regio. Considerando a faixa etria entre 10 a 14

    anos, em 1992 cerca de 8,4% desempenhavam algum tipo de trabalho na regio. Em 2006,

    esse ndice caiu para 3,4%, o que significa uma reduo de 59,5%. A Paraba foi o estado

    que teve a maior reduo nesse perodo, cerca de 68%.

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    Tabela 7 Estados do Nordeste e Brasil: indicadores sociais taxa de analfabetismo,expectativa de vida, mortalidade infantil (1991/2006) e trabalho infantil(1992/2006)

    Estados doNordeste e

    Brasil

    Taxa de Analfabetismo

    (15 anos ou mais) (%)

    Esperana de vida

    ao nascer (anos)

    Mortalidade Infantil

    (at 1 ano de idade) (%)

    Trabalho Infantil

    (10 a 14 anos) (%)1991IBGE

    2006IBGE

    TaxaCresc.

    (%)

    1991IBGE

    2006IBGE

    TaxaCresc.

    (%)

    1991PNUD

    2006IBGE

    TaxaCresc.

    (%)

    1992IBGEPNAD

    2006IBGEPNAD

    TaxaCresc.

    (%)

    Alagoas 44,0 26,4 -39,9 59,7 66,4 11,2 74,5 51,9 -30,3 6,8 3,9 -42,6Bahia 34,5 18,6 -46,2 65,3 71,7 9,8 70,9 34,5 -51,3 8,0 2,9 -63,8Cear 36,1 20,6 -42,9 64,0 69,9 9,2 63,1 30,8 -51,2 8,1 3,8 -53,1Maranho 40,7 22,8 -44,0 62,1 67,2 8,2 82,0 40,7 -50,3 11,0 4,9 -55,5Paraba 40,6 22,7 -44,0 61,7 68,6 11,2 74,5 39,4 -47,1 9,1 2,9 -68,1Pernambuco 32,9 18,5 -43,8 60,7 67,9 11,9 62,6 39,8 -36,4 8,1 3,5 -56,8Piau 40,5 26,2 -35,2 62,5 68,6 9,8 64,7 29,3 -54,7 9,9 3,5 -64,6Rio Grandedo Norte 34,9 21,8 -37,5 63,3 70,1 10,7 67,9 36,1 -46,9 6,5 2,3 -64,6

    Sergipe 35,0 18,2 -47,9 63,4 70,6 11,4 65,8 35,0 -46,8 5,4 2,8 -48,1Nordeste 36,6 20,7 -43,3 62,8 69,4 10,5 69,6 36,9 -46,9 8,4 3,4 -59,5BRASIL 19,4 10,4 -46,5 66,9 72,4 8,2 48,7 25,1 -48,5 5,3 1,9 -64,2Fonte: IBGE Sntese de Indicadores Sociais 2007, n 21, 2007. IBGE PNAD 2006, v.27, 2007. PNUD Atlas dedesenvolvimento humano no Brasil. (Elaborao prpria)

    6 CONSIDERAES FINAIS

    Os desafios da atual conjuntura brasileira levaram o Estado a adotar polticas

    pblicas de promoo do desenvolvimento econmico. Dessa forma, um conjunto de

    programas vem marcando a atuao do governo federal na rea social, caracterizando-se

    pela predominncia das polticas focalizadas de cunho neoliberal. Mesmo assim, muito

    pouco tem sido realizado para combater as causas estruturais da pobreza. A reduo do

    dficit habitacional, a eliminao do analfabetismo, do desemprego, da fome, do trabalho

    infantil, alm da garantia do acesso educao gratuita, aos servios bsicos de sade e o

    bem-estar social continuam precisando de aes eficientes e eficazes.

    Como se viu, desde os anos 90, que os programas de transferncia direta de renda

    transformaram-se num instrumento valioso, com implicaes econmicas e sociais, para o

    enfrentamento da pobreza massificada no Brasil. Neste sentido, o principal programa dessa

    natureza, o PBF tem se expandido e gerado efeitos relevantes, mas ainda insuficientes

    sobre os ndices sociais, no estando isento de crticas e problemas. Na verdade, os

    estudos realizados tm apontado que, apesar dos limites, o PBF tornou-se um indicador do

    quanto possvel fazer com polticas pblicas.

    Como esse processo ainda est em curso h um debate em aberto sobre esse tema.

    Preliminarmente, uma anlise do PBF aponta alguns aspectos problemticos que

    necessitam de estudos aprofundados. Os autores SILVA, YAZBEK e GIOVANNI (2007), ao

    elencarem algumas questes levantaram alguns pontos que podem ser destacados como: a

    obrigatoriedade de freqncia escola, no basta criana estar matriculada e

    freqentando a escola, o ensino precisa ser de boa qualidade; a condicionalidade queassocia transferncia monetria a participao das famlias s questes de sade, o que

    implica numa ampliao e democratizao dos servios de atendimento sade; o

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    monitoramento e avaliao do programa necessitam de uma maior abrangncia para o seu

    dimensionamento dos impactos de mdio e longo prazo; por fim, a sustentabilidade

    expressa pela continuidade do programa evidencia a fragilidade da organizao popular

    enquanto fora de presso reduzindo as possibilidades de impactos estruturantes.Embora se reconhea o mrito e o efeito distributivo do PBF, a focalizao das suas

    aes no combate pobreza, sem integrao com outras polticas que atendam as

    necessidades bsicas da populao e que forneam bens e servios pblicos de qualidade,

    pode gerar o enfraquecimento da consolidao da cidadania. Portanto, para o

    enfrentamento da pobreza brasileira primordial que os programas venham acompanhados

    de uma ativa e permanente poltica de gerao de emprego e renda e de um ambiente

    macroeconmica favorvel s polticas sociais, o que requer que se faa um mnimo de

    incurso sobre o comportamento recente e as perspectivas que se abrem para a economiabrasileira e para as polticas sociais (CARDOSO JUNIOR; JACCOUD, 2005).

    Portanto, do que foi exposto, conclui-se que sintetizar os avanos e os retrocessos

    da poltica social brasileira constitui uma tarefa complexa e difcil. Cabe destacar que,

    apesar de todos os esforos do governo federal na rea social, a poltica macroeconmica

    deveria est articulada com as variveis estruturais, produtivas e financeiras, como bem

    alertou Carneiro (2006, p.7): a dinmica da economia brasileira no pode ser compreendida

    apenas como o resultado da interao entre as polticas econmicas. O ideal seria construir

    polticas de estabilizao conjuntamente com as polticas de crescimento e

    desenvolvimento, partindo-se de negociaes entre governo, empresrios, trabalhadores e

    sociedade civil organizada. Para isso, preciso trabalhar arduamente para a criao de

    mecanismos capazes de viabilizar um projeto de crescimento auto-sustentado. E assim,

    chegar mais perto das solues para a pobreza, pois o futuro do pas depende do modelo

    de desenvolvimento adotado no presente.

    7 REFERNCIAS

    AZNAR, G. Pour un revenu de vagabondage. La Revue Du M.A.U.S.S., Paris, LaDcouverte, n.7, p. 291-296, 1 Semestre de 1996.

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    BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil (1988). Miranda, Sandra Julien(Coord.). So Paulo: Rideel, 2001. (Coleo de leis Rideel. Srie compacta)

    ______. Cmara dos Deputados. Consultoria de Oramento e Fiscalizao Financeira ePRODASEN. Oramento Brasil. Lei Oramentria Anual (LOA). Banco de Dados do

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    ______. Senado Federal. Banco de Dados SIGA Brasil. SIAFI/SIDOR/SELOR.

    Acompanhamento da Execuo Oramentria da Unio LOA (2004-2007), 2008.Disponvel: http://www9.senado.gov.br/portal/page/portal/orcamento_senado/SigaBrasil.Acesso: 2 set. 2008.

    CARDOSO JNIOR, J. C.; JACCOUD, L. Polticas sociais no Brasil: organizao,abrangncia e tenses da ao estatal. In: JACCOUD, L. (Org.) ... [et. al.]. Questo social epolticas sociais no Brasil contemporneo. Braslia: IPEA, 2005. p. 181-260.

    CARNEIRO, R. (org.)... [et al.]. A supremacia dos mercados e a poltica econmica dogoverno Lula. So Paulo: Editora UNESP, 2006.

    DELGADO, G. C. Melhorias na distri