o programa “escola viva” no municÍpio...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS, NATURAIS E DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO, EDUCAÇÃO BÁSICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES BIANCA GONÇALVES O PROGRAMA “ESCOLA VIVA” NO MUNICÍPIO DE ALEGRE-ES: A IMPLEMENTAÇÃO A PARTIR DA PERSPECTIVA DOS PROFESSORES ALEGRE 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS, NATURAIS E DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO, EDUCAÇÃO

BÁSICA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

BIANCA GONÇALVES

O PROGRAMA “ESCOLA VIVA” NO MUNICÍPIO DE

ALEGRE-ES: A IMPLEMENTAÇÃO A PARTIR DA

PERSPECTIVA DOS PROFESSORES

ALEGRE

2019

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BIANCA GONÇALVES

O PROGRAMA “ESCOLA VIVA” NO MUNICÍPIO DE

ALEGRE-ES: A IMPLEMENTAÇÃO A PARTIR DA

PERSPECTIVA DOS PROFESSORES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino, Educação Básica e Formação de Professores do Centro de Ciências Exatas Naturais e da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ensino, Educação Básica e Formação de Professores, na área de concentração Prática escolar, Ensino, Sociedade e Formação de professores Orientadora: Raisa Maria de Arruda Martins

ALEGRE

2019

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DEDICATÓRIA

Á minha mãe, Adriana Peixoto Gonçalves, que me ensinou

desde pequena a acreditar em manhãs de sol e socialismo.

Ás escolas e trabalhadores docentes, colegas de luta e

profissão.

Em um período em que são exaltados tempos sombrios da

nossa história, dedico esse trabalho a todos aqueles que

lutaram (e deram suas vidas) por uma educação pública,

gratuita, laica e universal... Edson Luís e Honestino

Guimarães PRESENTES!

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AGRADECIMENTOS

Aos governos Lula e Dilma, que implementaram políticas educacionais que

permitiram que minha mãe fosse a primeira da família a ter acesso ao ensino

superior, mudando nossa realidade social e possibilitando que eu pudesse chegar a

uma graduação e, a partir daí, iniciar minha vida acadêmica até o momento de hoje,

que também só foi possível graças aos investimentos em pesquisa.

Pela capacidade teórica, pela profissional ética e admirável, pela solidariedade e

extrema generosidade em compartilhar o saber, pelo equilíbrio entre compreensão e

cobrança nos momentos em que se fizeram necessários e que foram fundamentais

a essa pesquisa, agradeço à minha orientadora Prof.ª Drª. Raisa Maria de Arruda

Martins.

As Prof.ª Drª. Marileide Gonçalves França e Prof.ª Drª Andréia Weiss que

acompanharam o desenvolvimento dessa pesquisa desde a defesa do projeto e

contribuíram imensamente para potencializá-la.

Ao Prof. Dr. Eduardo Augusto Moscon que participou da banca de qualificação e

defesa dando importantes contribuições a esta pesquisa.

Prof.ª Drª Joana D’Arc Germano Hollerbach pela disponibilidade e participação na

banca de defesa, a quem já deixo registrado também o agradecimento pelas futuras

considerações e colaborações ao trabalho.

Aos Mestres de Peso, ou turma 2 do PPGEEDUC, como queiram chamar, por terem

tornado esse processo humanizado e potente na formação e na partilha de

conhecimento e afeto.

Á meu tio Marcelo Peixoto Gonçalves e minha mãe Adriana Peixoto Gonçalves, por

me apoiarem incondicionalmente, me acolhendo, me fortalecendo e financiando, até

o 14º mês, essa pesquisa. Vocês são os alicerces da minha formação e da minha

força.

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Á Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelos

10 meses de financiamento a essa pesquisa.

Aos professores do PPGEEDUC, por dividirem conhecimento conosco no processo

de ensino-aprendizagem

A todos que de alguma forma estiveram atrelados a minha caminhada até aqui, aos

militantes que dividiram comigo o sonho e a luta por equidade, aos professores

desde a infância que são parte da minha formação, aos amigos, os pensadores que

compartilham com o mundo a suas ideias, a Marx por entender e compartilhar que

não basta pensarmos um mundo melhor, é preciso transforma-lo. A todos, o mais

sincero obrigada!

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Se o presente é de luta, o futuro nos pertence!

(Che Guevara)

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RESUMO

O presente trabalho está compreendido no campo da Educação Básica e tem como

seu objeto de estudo o “Programa de Escolas Estaduais de Ensino Médio em Turno

Único”, popularmente conhecido como Programa ‘Escola Viva’, implementado pelo

estado do Espírito Santo no ano de 2015. O objetivo principal dessa pesquisa

encontra-se na problematizaçãodos significados desse novo modelo de organização

e funcionamento proposto pelo programa para o desenvolvimento do trabalho

docente. Nessa perspectiva, realizou-se um estudo de caso na escola estadual

“Aristeu Aguiar”, localizada no município de Alegre, em que a partir das concepções

marxianas que orientam de modo teórico-metodológicoesse trabalho, tivemos

condições de compreender em certa medida os interesses e conceitos que estão

imbuídos no programa e as implicações da sua metodologia para o trabalho dos

professores. A partir dos princípios metodológicos com os quais buscamos construir

essa investigação, a historicidade, o materialismo histórico, a totalidade e o

movimento de contradição, que nortearam o processo de interpretação, análise e

discussões que foram realizadas, a pesquisa revela as premissas que atrevessam a

materialidade e institucionalidade do programa e,nos dá condições de responder ao

nosso objetivo principal constatando que, esse novo modelo de organização e

funcionamento implementado pelo Programa “Escola Viva” tem como significado

para o desenvolvimento do trabalho docente a sua instrumentalização, realizado a

partir de um modelo pedagógico e metodológico cheio de restrições que, planejado

pelo setor privado, reflete não só a sua mecânica gerencialista como,

principalmente, os seus interesses.

Palavras-chave: Escola de Turno Único. Ensino Médio. Escola Viva. Trabalho

docente.

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ABSTRACT

The present work is understood in the field of Basic Education and has as its object

of study the “Program of State High Schools in Single Turn”, popularly known as

“Escola Viva” Program, implemented by the state of Espírito Santo in 2015. The main

objective of this research is to discuss the meanings of this new model of

organization and operation proposed by the program for the development of teaching

work. From this perspective, a case study was carried out at the state school “Aristeu

Aguiar”, located in the city of Alegre, where from the Marxian conceptions that guide

this work theoretically and methodologically, we were able to understand to some

extent the interests and concepts that are embedded in the program and the

implications of its methodology for the work of teachers. From the methodological

principles with which we seek to build this investigation, the historicity, the historical

materialism, the totality and the movement of contradiction, which guided the process

of interpretation, analysis and discussions that were conducted, the research reveals

the premises that dare materiality and institutionality of the program, and enables us

to respond to our main objective by noting that this new model of organization and

functioning implemented by the “Escola Viva” Program has as meaning for the

development of the teaching work its instrumentalization, realized from a pedagogical

and methodological model full of restrictions that, planned by the private sector,

reflects not only its managerial mechanics but, mainly, its interests

Keywords: Single Shift School. High school.Living School. Éducatif work.

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LISTA DE SIGLAS

Ales – Assembleia Legislativa do Espírito Santo

CEEMTI – Centro Estadual de Ensino Médio em Tempo Integral

CEEGP - Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernambucano

CER – Centro Educacional Carneiro Ribeiro

CIEP – Centros Integrados de Educação Pública

CF- Constituição Federal

DCN – Diretrizes Curriculares Nacional

EC – Emenda Constitucional

EJA – Educação de Jovens e Adultos EM – Ensino Médio

ES – Espírito Santo

Fundeb – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica

Fundef – Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de

Valorização do Magistério IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICE - Co-Responsabilidade pela Educação

Ideb – Indice de Desenvolvimento da Educação Básica

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LC – Lei Complementar

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC – Ministério da Educação e Cultura MP – Medida Provisória

OCDE - Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico

ONG – Organização Não Governamental Paebes – Programa de Avaliação da

Educação Básica do Espírito Santo

PNE – Plano Nacional de Educação

Proemi – Programa Ensino Médio Inovador

PROFIC – Programa de Formação Integral da Criança

PME – Programa Mais Educação

Sedu – Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo

UBES – União Brasileira dos Estudantes Secundaristas

UNE- União Nacional dos Estudantes

UESES – União Estadual dos Estudantes Secundaristas

UFES – Universidade Federal do Espírito Santo

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LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 01 – Número de matrículas no ensino médio por rede de ensino e

localização.................................................................................................................69

GRÁFICO 02 – Porcentagem de jovens de 15 a 17 anos na escola........................71

GRÁFICO 03 – Porcentagem de jovens de 15 a 17 no Ensino

Médio........................71

GRÁFICO 04 – Taxas de Insucesso (Reprovação e Abandono)………....................72

GRÁFICO 05 - Distribuição das pessoas de 15 a 29 anos de idade, segundo a

condição de estudo e a situação na ocupação……………………………………....... 74

GRÁFICO 06 – Pessoas que não frequentavam a escola na população de 15 a 17

anos de idade por classe de rendimento nominal mensal domicilar per capita …….75

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 17

1 METODOLOGIA ............................................................................................. 26

1.1 OBJETIVOS DA PESQUISA ............................................................................... 30

1.2 ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA ......................................................................... 30

1.3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS OPÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS E

TEÓRICO-CONCEITUAIS ........................................................................................ 33

2 REFERENCIAL TEÓRICO-CONCEITUAL ..................................................... 35

2.1 A EDUCAÇÃO COMO CONSTRUÇÃO DO SER SOCIAL ................................. 35

2.2 TRABALHO E EDUCAÇÃO ................................................................................ 44

2.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-CONCEITUAIS SOBRE TRABALHO

DOCENTE ................................................................................................................. 51

3 ENSINO MÉDIO E DIREITO À EDUCAÇÃO: ENTRE A LITERATURA, A

LETRA DA LEI E A MATERIALIZAÇÃO DO ACESSO AO ENSINO PÚBLICO,

GRATUITO E DE QUALIDADE ................................................................................ 59

3.1 DIREITO À EDUCAÇÃO NO BRASIL: UM DIREITO DO CIDADÃO, UM DEVER

DO ESTADO ............................................................................................................. 61

3.1.1 Considerações sobre o financiamento do Ensino Médio ........................... 69

3.1.2 Oferta do Ensino médio ................................................................................. 82

3.2 EDUCAÇÃO BÁSICA E PROJETO DE SOCIEDADE: EM QUE ESTA PAUTADO

O ENSINO MÉDIO NO BRASIL ................................................................................ 96

3.2.1 Revisão Histórica: A trajetória do Ensino Médio no Brasil ........................ 97

3.2.2 Ensino Médio e Educação em Tempo Integral .......................................... 123

4 DA TEORIA A PESQUISA DE CAMPO: A ANÁLISE DO ESTUDO DE CASO

DO PROGRAMA ESCOLA VIVA ........................................................................... 141

4.1 A POLÍTICA DE ENSINO MÉDIO NO ESPÍRITO SANTO E A PROPOSTA DE

CONSTRUÇÃO DE UM NOVO MODELO DE ENSINO A PARTIR DA ESCOLA DA

ESCOLHA ............................................................................................................... 141

4.2 UMA ANÁLISE DO TRABALHO DOCENTE A PARTIR DE UM ESTUDO DE

CASO: A IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA ESCOLA VIVA NA ESCOLA

ARISTEU AGUIAR .................................................................................................. 158

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4.2.1 O trabalho docente e a “Escola da Escolha” no município de Alegre .... 164

CONSIDERÇÕES FINAIS ....................................................................................... 221

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 232

APÊNDICE A ........................................................................................................... 242

APÊNDICE B ........................................................................................................... 243

APÊNDICE C .......................................................................................................... 245

ANEXO – A ............................................................................................................. 246

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INTRODUÇÃO

No âmbito da Educação Básica, o ensino médio tem sido marcado por

importantes mudanças, as quais tem gerado, nos últimos anos, intensos e

necessários debates, tanto no ambiente acadêmico como na sociedade como um

todo.

No ano de 2016, logo após a Presidenta Dilma Vana Roussef, democrática e

legitimamente eleita, sofrer um processo de impeachment1 e ser retirada da

presidência em 31 de agosto, uma das primeiras medidas de Michel Temer, que

passou a ocupar o cargo, foi a Medida Provisória nº 746, editada em 22 de setembro

de 2016, a qual tratava da reformulação do ensino médio. Tão rápida quanto a

edição dessa medida, foi sua transformação na Lei nº 13.415, aprovada em 16 de

fevereiro de 2017.

De modo geral, a lei aprovada propõe a modernização da estrutura curricular

por meio da flexibilização dos currículos por área de conhecimento, o que, de acordo

com o discurso oficial, significa valorizar as aptidões dos alunos, que poderão

escolher seu itinerário formativo, eliminando disciplinas que julguem

desinteressantes ou inúteis para sua área de interesse de formação.

Com relação à urgência dessa reforma, justificou-se a necessidade de

impulsionar o desenvolvimento econômico, de modo a ampliar a competitividade

brasileira (nacional e internacionalmente) por meio da criação de condições de

empregabilidade. Em virtude dessa reforma, estudos como o realizado por Motta e

Frigotto (2017), indicam que por trás de uma suposta liberdade para escolher o

percurso formativo, o objetivo é administrar a questão social2. Os pesquisadores

1De acordo com Silva; Pires; Pereira (2016) o impeachment da presidenta democraticamente eleita

pode ser considerado um golpe jurídico-político-midiático-empresarial contra a democracia “capitaneado pelos políticos de oposição do Congresso Nacional e Senado (bancadas da “Bola, Bala e da Bíblia”), a classe média, os capitalistas neoliberais da FIESP – classe empresarial –” (SILVA; PIRES; PEREIRA, 2016, p. 9). A mídia que compõe o Partido da Imprensa Golpista (PIG), recorrentemente representado pela Rede Globo de televisão, também teve um papel fundamental nesse processo. Segundo os autores, “Grande parte dos membros dessas instituições tem em comum a ideia da política calcada no fetichismo da mercadoria e, consequentemente, da política como forma de acumular cargos e riqueza individual” (SILVA; PIRES; PEREIRA, 2016, p.9). 2De acordo com Motta e Frigotto (2017) a “questão social”, compreendida na perspectiva da teoria social crítica, trata-se das relações sociais produzidas pelo sistema capitalista no qual são assumidas as configurações mais ampliadas das desigualdades de classe e das relações de poder que são imprimidas por esse sistema. Segundo os autores, “A teoria social crítica contrapõe a concepção conservadora de que a “questão social” e suas expressões — pobreza, desigualdade social,

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ainda criticam o fato de que a lei aprovada parece desconsiderar as lutas que até o

momento buscaram superar o caráter dualista que marca histórica e estruturalmente

o ensino médio no Brasil.

Nesse sentido, esse cenário nos tenciona a pensarmos algumas

características que compõe a construção do ensino médio brasileiro. Se realizarmos

um traçado sócio-histórico do processo de construção dessa etapa, é possível

verificar que a mesma já teve em seu escopo diferentes finalidades, e que as

incongruências que a cercam historicamente e balizam seu campo de formação são

antigas, e parecem perdurar até os dias atuais.

Adotando uma perspectiva histórica, notamos que a partir da década de 1930

a configuração do ensino médio (ensino secundário à época) começa a sofrer

mudanças. Nesse período, a educação que não era concedida como um direito de

todos, passa por um processo de transformação na sua oferta em que, por

consequência do advento da industrialização, como forma de suprir com a demanda

de mão-de-obra gerada pelo setor industrial, estabelece uma educação profissional

destinada as classes populares. Essa educação, na qual não havia nenhuma

primazia pela qualidade, era utilitarista e tinha por objetivo atender aos interesses e

demandas do mercado, fazendo emergir nesse processo uma profunda dualidade3

na educação pública (FERREIRA, 2017).

Segundo Paolo Nosella (2011), a partir desse período passou-se a organizar

no Brasil um sistema de ensino voltado para a profissionalização, no qual ficou

estabelecida legalmente, a dualidade pedagógica, fortemente determinada pelas

questões de pertença social.

A escola e o ensino dual, que a partir desse período estabeleciam uma

formação propedêutica para os dirigentes advindos das elites condutoras e uma

formação profissional destinadas aos quadros do trabalho compostos massivamente

pelas classes populares, só não existiu, ironicamente, antes dessa necessidade de

desemprego, etc. — são fenômenos autônomos, de responsabilidade individual ou coletiva ou governamental, e que, com isso, poderiam ser corrigidos, também, por ações individuais ou coletivas ou amenizados por meio de políticas públicas focadas na camada mais “vulnerável” da população” (MOTTA; FRIGOTTO, 2017, p. 9). 3A respeito da dualidade na educação tomamos como referência as indicações de Gramsci para compreendê-la. Observa-se que ele nunca restringiu esse problema aos métodos de ensino. Para ele, a marca social da escola está no fato de existir um tipo de escola para cada grupo social. Segundo Gramsci, não é “a aquisição de capacidades diretivas, não é a tendência a formar homens superiores que dá a marca social da escola. A marca social é dada pelo fato de que cada grupo social tem um tipo de escola próprio, destinado a perpetuar nesses grupos uma determinada função tradicional, diretiva ou instrumental” (GRAMSCI, 1975, p. 49).

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mão-de-obra para o mercado, visto que eram os jovens destinados ao trabalho

simplesmente excluídos do acesso à educação formal e dos espaços escolares. Ou

seja, em outras palavras, o ensino só não foi dual quando era excludente

(NOSELLA, 2011).

Andrade (2012) faz uma boa reflexão quanto à dualidade dos princípios

educativos existentes dentro da sociedade capitalista onde há divisão de classes. Ao

analisar a relação educação e trabalho, o autor, expõe os desafios de se pensar a

oferta da educação pública, gratuita e de qualidade de modo equânime em uma

sociedade desigual, considerando o recorte de classes e a maneira como a escola

produz o saber e a formação de modo subordinado ao poder hegemônico do capital.

Nesse sentido, o autor afirma que:

[...] a escola intensifica a separação entre o dono do meio de produção e o proletariado na medida em que esta instituição reproduz o domínio da classe dominante. Depois, convoca‐se a escola para preparar esta mão de obra em consonância com a demanda produtiva. Essa preparação exige imediatismo, currículo mínimo, enfim, cursos que atendam ao mercado para produção de bens e serviços. Esse ciclo vicioso revitaliza‐se a cada nova demanda, aumentando assim o abismo daqueles que acumulam capital em detrimento dos que vendem a sua mão de obra para sobrevivência. Em síntese, sobressai a dualidade, o domínio de uma classe sobre outra, o trabalho manual versus o trabalho intelectual(ANDRADE, 2012, p.7).

A afirmação de Andrade (2012) quanto a dualidade formativa da educação

dentro do contexto capitalista foi escrita bem antes da Reforma do Ensino Médio e

da nova Base Nacional Comum Curricular. Entretanto, indica características como o

currículo mínimo e o imediatismo, que são traços que se assemelham as referidas

reformas. Desse modo, a visão do autor é interessante pois ajuda a pensar não só

essas semelhanças, mas também os princípios que as orientam e o motivo pelo qual

existem.

É importante falar que se vive numa sociedade marcada pela desigualdade

social, em que sua principal origem se encontra na má distribuição de renda. Essa

desigualdade acaba por contribuir para a formação de diferentes sujeitos, cuja

subjetividade é forjada à luz das desigualdades, e isso se reflete em suas “escolhas”

e em toda sua vida. Pensar o currículo existente no ensino básico e o seu propósito

formativo para os diferentes sujeitos dessa sociedade é fundamental para discutir

oferta e qualidade de ensino, visto que nesse sentindo, ensino de qualidade e

pertença social se fazem inerentes um ao outro. Essa colocação é igualmente válida

quando falamos em uma reforma no âmbito dessa etapa do ensino, cuja principal

característica que se sobressai historicamente é a dualidade formativa.

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Desse modo, um dos caminhos para minimizar os abismos sociais entre os

diferentes sujeitos que existem dentro de uma sociedade marcada por

desigualdades sociais é a busca por espaços que efetivem e garantam os direitos de

todos os cidadãos. O direito à educação escolar é um desses espaços (CURY,

2002).

Segundo Cury (2002, p.4),

A educação escolar é uma dimensão fundante da cidadania, e tal princípio é indispensável para políticas que visam à participação de todos nos espaços sociais e políticos e, mesmo, para reinserção no mundo profissional.

Com isso, entende-se a educação como um direito reconhecido, pois é ela,

instrumento fundamental para o exercício da cidadania. No entanto, para se tornar

um direito garantido e não apenas reconhecido, é preciso que essa, esteja

impreterivelmente inscrita em lei nacional. Dessa forma, ganhando contornos legais

e um sistema normativo, a educação passa a implicar diretamente no cotidiano das

pessoas, ainda que essas não a percebam (CURY, 2002).

A Constituição Federal de 1988 (CF88) estabeleceu um imenso avanço na

direção da garantia desses direitos. O acesso a uma educação pública, gratuita e de

qualidade é, como explicitado no art. 6º da referida Constituição, direito subjetivo de

todos. A legalidade desse direito é reforçada nos dispositivos do art. 205 ao colocar

à “educação como direito de todos e dever do Estado e da família visando o pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988).

A obrigatoriedade do ensino fundamental, fruto da redemocratização vinda

com a CF88 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, mudou a

dinâmica da educação com as classes populares e impulsionou significativa

expansão de acesso e permanência desses sujeitos nessa etapa do ensino, fazendo

com que o Brasil chegasse, no final do século XX, com praticamente quase todo o

ensino fundamental universalizado no que se refere ao ingresso nas escolas

públicas (OLIVEIRA, 2007).

A obrigatoriedade e universalização do ensino fundamental também contribuiu

para o aumento da demanda nas etapas seguintes. Um maior número de

concluintes no ensino fundamental resultaria no crescimento das matrículas do

ensino médio. No entanto, ainda que essa etapa do ensino tenha conhecido grande

expansão das suas matrículas nesse período, foi apenas em 2013, com a Lei nº

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12.796 de 2013, que o ensino médio é regulamentado e deixa de ser uma

progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade da educação básica para

passar a ser de fato obrigatório (FERREIRA, 2017).

Assim, ainda que assegurado por lei, um dos principais desafios da educação

básica no Brasil, mesmo nos dias atuais, é efetivar e universalizar com qualidade e

equidade a educação em todas as etapas de ensino, especialmente no ensino

médio.

Sob essa perspectiva, Castro (2016) afirma que, no Brasil, são expressivos os

desafios relacionados ao ensino médio que ainda precisam ser superados nos dias

atuais. Em um campo de contradições e instabilidades, os problemas encontrados

vão desde a universalização do ensino médio, para que este venha a ter qualidade e

equidade necessárias, até a promoção da educação integral, no sentido

constitucional do direito à educação, que consiga assegurar e conciliar a formação

intelectual, cidadã e profissional.

Desse modo, ao estabelecer-se com um caráter legal e configurar-se como

um direito, a educação passa a estar alinhada ao projeto de sociedade e aos

interesses daqueles que elaboram as leis, isso tem grande relevância,

principalmente para entender o processo de acesso e formação escolar das classes

populares (CURY, 2002).

Historicamente existe um caráter contraditório que pauta o tipo de formação a

ser ofertada no ensino médio. Um caráter dualista, que promove uma formação

diferente em um sistema que se sustenta das desigualdades. Sendo assim,

encontrar um equilíbrio entre as necessidades formativas que atendam a setores tão

complexos e distintos como a formação profissional para o mercado e a formação

cidadã para que os sujeitos se entendam como agentes transformadores do meio

em que vivem, representa, dentro do contexto capitalista, um grande desafio para as

políticas públicas educacionais (SAVIANI, 2012).

Gramsci (1979) dá uma boa contribuição a esse trabalho ao evidenciar em

suas obras a dinâmica entre educação e trabalho dentro da sociedade capitalista,

colocando-a como ponto fundamental na reflexão sobre o modo como a escola

busca formar seus alunos e para quais fins servem tal formação. Para o autor, em

uma sociedade marcada pela divisão de classes, o princípio formativo que busca

emancipar o aluno enquanto ser social esvazia-se em função do que determina as

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demandas do mercado. Não há princípio educativo emancipatório, pois ele está

desarticulado nessa relação educação e trabalho dentro do contexto capitalista.

No cenário atual da educação básica brasileira ainda é possível destacar

outras questões importantes que não dizem respeito diretamente ao ensino médio,

mas que o atingem em seu cerne e aprofundam ainda mais os desafios e a

superação desse caráter dualista. Motta e Frigotto (2017) destacam a tramitação do

Projeto de Lei nº 867 de 2015 – que visa instituir o Programa Escola Sem Partido – e

a aprovação, em 15 de dezembro de 2016, da Emenda Constitucional nº 95 (EC/95).

Este último, de acordo com Amaral (2017), insitui Novo Regime Fiscal, que congela

por duas décadas (2016-2036) os investimentos públicos em áreas sociais,

compreendidos, nessa perspectiva, como gastos que precisam ser controlados. Este

mesmo pesquisador questiona em seu trabalho como será possível atingir as metas

definidas no Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.005, de 24 de junho de 2014),

analisando que não se pode empreender melhorias na qualidade da educação sem

o aporte necessário de recursos.

Esse quadro parece indicar evidente retrocesso quando se pensa na

dimensão do direito à educação. Como conceber a garantia da oferta de uma

educação de qualidade e com uma formação integral dos sujeitos,se os recursos

destinados serão sistematicamente solapados ao longo de vinte anos?A legalização

de todas essas mudanças nos remete a ideiaapontada por Vieira (2007) e Cury

(2002) de que, através das leis e, quanto ao modo como a educação é por ela

abordada e contemplada, pode-se compreender a que, e a quem, ela está a serviço.

Essa relação fica ainda mais preocupante quando percebemos que, junto a

esse movimento de congelamento dos investimentos na educação ocorre também a

implementação da gerência empresarial das escolas públicas, intentado a

mercantilização da educação, análogos aos princípios gerais do capitalismo, por

meio da lógica de uma educação gerencialista, neutra e produtivista, ideias essas,

que se encontram expressas nas reformas educacionais recentes, e que puderam

ser vistas no processos de reorganizações das escolas para tempo integral em todo

o Brasil, inclusive no modelo que inspirou nosso objeto de estudo, o Programa

Escola Viva.

O ‘Escola Viva’ tem suas bases inspiradas no mesmo modelo de escolas (em

tempo) integral implementadas no estado de Pernambuco, e tem parceria firmada

com o Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação (ICE) para elaborar e gerir o

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programa no estado do Espírito Santo, o mesmo instituto que coordenou o projeto

do Centro de Ensino Experimental Ginásio Pernambucano (CEEGP). A preocupação

com a implantação de políticas educacionais que propõem mudar o contexto

educacional de maneira estrutural como faz o Programa “Escola Viva”, ocorre com a

necessidade de compreender se há de fato uma proposta que trará avanços e

benefícios a todos, ou, se essa, continuará beneficiando a uma parcela selecionada

da população e atendendo mais a setores externos, como o mercado, do que os

interesses e necessidades reais do campo da educação.

Assim, surge incialmente a proposta de problematizar esse programa, vindo

do entendimento de que o “Escola Viva” emerge a partir de um contexto bastente

complexo. Pois, além da relação com setores privados que fazem o gerenciamento

das escolas no estado, motivo que confere ao programa reflexos dos interesses

desse setor na sua formatação, o programa também era pouco esclarecido quanto

aos princípios formativos e metodológicos apresentados como inovadores para o

campo do conteúdo, método e gestão que iriam vir a ser implementados nas escolas

e que mudariam estruturalmente sua organização e funcionamento.

Desse modo, se compreendeu ser necessário entender quais os significados

desse novo modelo de organização e funciomento das escolas estaduais do Espírito

Santo. Estabelecida a problemática, buscamos compreender o que, dentre a

diversidade de temas possíveis no universo do programa, poderia nos orientar a

entender do que se tratava e quais eram as pretensões desse projeto.

A partir das leituras realizadas para construção teórica desta pesquisa e do

próprio processo de compreensão resultante da minha trajetória enquanto

profissional da educação, se entendeu, e foram assumidos para fins deste trabalho

acadêmico, serem os professores um dos principais canaispara se compreender

como é materializada e executada na prática do cotidiano escolar as propostas de

uma política educacional (FREIRE, 2000; DURKHEIM, 2012; MARX, 2010; SAVIANI,

2007; DUARTE, 2000, 2001). Mediante o exposto, e em vista do que se propõe o

programa, tivemos comoproblema depesquisa buscar compreender quais são os

significados desse novo modelo de organização e funcionamento das escolas

estaduais do Espírito Santo para o desenvolvimento do trabalho docente e,

consequentemente,à formação dos jovens.

Nessa perspectiva, acreditou-se que a realização de um estudo de caso na

escola estadual “Aristeu Aguiar”, localizada no município de Alegre, pudesse

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contribuir para entendermos quais eram os interesses e conceitos imbuídos no

programa e as implicações da sua metodologia para o trabalho do professor e o

processo formativo do aluno. Assim, de modo geral, esse trabalho pretendeu

analisar o modelo de organização e funcionamento das escolas de Ensino Médio

proposto pelo Programa Escola Viva e o seu significado para o desenvolvimento do

trabalho docente, e consequentemente, para a formação dos jovens da escola

Aristeu Aguiar.

Para que tal objetivo fosse alcançado, buscamos identificar a quais

concepções está alinhado o Programa “Escola Viva”, analisar o que são as

propostas de ações inovadoras estabelecidas pelo Programa no campo do

conteúdo, método e gestão e investigar qual a visão dos professores da escola

estadual “Aristeu Aguiar” acerca do Programa. No que tange a organização deste

trabalho, o mesmo se encontra estruturado em quatro capítulos. Se tratando o

primeiro da metodologia da pesquisa e o modo como esta se caracteriza. O

segundo, da fundamentação teórico-conceitual que serviu como pano de fundo para

este trabalho. O terceiro, da totalidade e historicidade no qual foi forjado o objeto de

estudo. O quarto, e último capítulo, trata-se da materialidade dessa pesquisa,

momento em que foi realizado a apresentação e análise dos dados.

Acreditamos nesse trabalho, que em um país onde o direito à educação e a

qualidade do ensino ofertado sejam de fato levados a sério, e sejam de fato

pensados à formação emancipadora dos sujeitos, os espaços de formação não

podem estar tomados por princípios de setores que buscam, sobretudo, ter

trabalhadores cujo custo dos seus serviços sejam menor do que o valor real do seu

trabalho. Pois nessa lógica, a formação a partir dos conhecimentos sociais, culturais

e historicamente produzidos pela humanidade, são esvaziados em detrimento

apenas dos conhecimentos técnicos, suficientes para a execução do trabalho que

atenda a esses setores. Trata-se pois, da corporificação do trabalho manual versus

intelectual.

Assinalamos, que não nos colocamos contrários a formação técnica, pois

entendemos que essa, é também parte do modo como os Homens produzem sua

existência dentro do sistema capitalista, portanto, se faz necessária. Entretanto,

entendemos que não deve ser uma – escolha – entre os saberes a serem

aprendidos. A escola tem que consolidar-se sob os princípios democráticos e de

formação integral dos sujeitos, promovendo formação omnilateral, algo que

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entendemos ser impossível de se conciliar com a visão incorporada por empresas

que visam ao lucro e a gerência do privado no setor público.

Nesse sentido, há importância de se entender o que tem buscado um

programa que está estabelecido dentro dessa relação com o setor privado e que

propõe modificar o currículo, o trabalho pedagógico e a gestão das escolas públicas

de maneira estrututral. A importância do presente estudo está em dimensionar os

pormenores de tal programa que afeta diretamente a formação daqueles que estão

no espaço público, os futuros trabalhadores da camada popular, visto que as

escolas particulares continuam a ofertar o ensino tradicional. Isto posto, vê-se

enquanto, urgente empreender essa pesquisa, para que não nos enganemos com a

crença e a falsa esperança ante um programa cujo discurso de receituário para

salvar a educação pública, possa estar na verdade, por provocar seu desmonte.

Em que pese não ter trajetória acadêmica vinculada diretamente a pesquisa

no campo das políticas educacionais, pois dediquei, durante minha graduação em

licenciatura em História (na qual me formei no ano de 2016) aos estudos sobre

gênero e classe, a minha relação com as pautas da educação transcendem os

espaço da academia. Militei durante toda minha adolescência e juventude no

movimento estudantil, fosse na União Brasileira dos Estudantes Secundáristas

(UBES) ou na União Nacional dos Estudantes (UNE), o movimento de base imprimiu

na minha formação o desejo e a clareza de lutar por uma escola que fosse capaz de

ofertar uma educação emancipadora com relação aos saberes, aos conhecimentos

tecnológicos e científicos, com direito à cultura e à diversidade.

Naquele espaço, em que vi a consciência democrática da juventude ser

construída na organização e no debate, entendi que não é só pelo direito de estudar,

é pelo direito de estudar com qualidade, de ter acesso e poder permanecer naquele

espaço, de poder ter educação que ofereça condições aos jovens para acessarem a

universidade se assim quiserem. Esse espaço também contribuiu para forjar minha

consciência de classe e perceber que eu, fruto das escolas públicas do estado do

Espírito Santo, que vi a condição social da minha família ser transformada quando

eu e minha mãe, a primeira e segunda geração da famíliaa ingressar no ensino

superior através das políticas educacionais, passamos a ocupar espaços que nem

sempre (e nem todos) conseguem ocupar, por terem de muitas formas diferentes, as

suas condições de acesso negado. Desse modo, assumo como sendo um

compromisso social e éticopesquisar e publicar sobre esse programa.

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1 METODOLOGIA

O presente trabalho está compreendido no campo da Educação Básica e tem

como seu objeto de estudo o “Programa de Escolas Estaduais de Ensino Médio em

Turno Único”, popularmente conhecido como Programa ‘Escola Viva’, tendo como

foco de investigação o trabalho docente e os significados desse novo modelo de

organização e funcionamento para o desenvolvimento do mesmo.

De acordo com a Lei Complementar n° 799 de 12 de junho de 2015, que

instituiu o Programa Escola Viva no estado do Espírito Santo, fica definido que:

Art. 1º Fica criado, no âmbito do Estado, o Programa de Escolas Estaduais de Ensino Médio em Turno Único, denominado “Escola Viva”, vinculado à Secretaria de Estado da Educação – SEDU, com o objetivo de planejar, executar e avaliar um conjunto de ações inovadoras em conteúdo, método e gestão, direcionadas à melhoria da oferta e da qualidade do ensino médio na rede pública do Estado, assegurando a criação e a implementação de uma rede de Escolas de Ensino Médio em Turno Único.

As discussões levantadas nessa pesquisa foram realizadas considerando a

construção histórica do ensino médio. Pois entendemos que, ao propor como objeto

de investigação uma política educacional, esta, não pode ser refletida de modo

dissociado da materialidade histórica em que foi produzida. Considera-se importante

também, compreender a empiria que cerca o nosso objeto, já que pressupomos, que

a empiria e a materialidade histórica, em uma relação dialética, são capazes de

expressar a dimensão da totalidade que representa as relações sociais e o sistema

de produção de uma determinada sociedade, em seu determinado contexto e

período histórico, algo que julgamos fundamental para entendermos o objeto de

estudo.

Nesse sentido, tentamos construir essa pesquisa metodologicamente à luz

dos fundamentos teóricos-metodológicos da epistemologia marxiana. Portanto, essa

pesquisa teve seu desenvolvimento ancorado no materialismo-histórico-dialético e

na concepção desse método de interpretar a realidade.

É necessário assinalar de antemão que em toda a sua vasta obra Karl Marx

não escreveu um tratado específico sobre o método do materialismo-histórico-

dialético, tampouco elaborou um conceito pronto e acabado do seu método. Em

vista disso, para desenvolver a pesquisa a partir do método marxiano, buscamos

subsidio em autores marxistas, como: Manacorda (1991, 2006), Nosella (2011),

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Frigotto (1984; 2003; 2010), Ciavatta (2003; 2013), Saviani (1995; 2007; 2008; 2012;

2012), Gramsci (1978), Lombardi (2011) e Duarte (2012).

Com relação as obras de Marx, com efeito para uma tentativa de

compreensão metodológica, foram realizadas consultas nos seguintes trabalhos:

“Manuscritos econômicos-filosóficos de 1844”(2010), Contribuição a Crítica da

Economia Política – Prefácio à segunda edição de “O Capital” (2003). Para o

desenvolvimento mais geral das concepções marxianas, os textos: “Instruções aos

Delegados do Congresso da Assembleia Internacional dos Trabalhadores” (2008),

“Manifesto do Partido Comunista” (2009) e os escritos das onze “Teses sobre

Feuerbach” (1984).

Assumimos como método de análise o materialismo-histórico-dialético por

entendermos que este “[...] estuda as leis sociológicas que caracterizam a vida da

sociedade, de sua evolução histórica e da prática social dos Homens, no

desenvolvimento da humanidade” (TRIVIÑOS, 1987. p. 51). Trata-se de um

movimento realizado através de um conjunto de fenômenos sociais e históricos, que

resultam em um sistema político, econômico, social e cultural definido a partir das

contradições e dos antagonismos de classe, essa disputa implica no processo da

materialidade histórica e dialética que compreende o Homem em sua condição de

sujeito central na produção de sua própria existência, em um movimento de

transformação de si e do meio em que vive (SAVIANI; DUARTE, 2012).

A pesquisa teve como caráter o estudo de caso, realizado a partir da

abordagem dialética. A abordagem dessa pesquisa é compreendida como dialética

ao invés de qualitativa, por entendermos que “o marxismo dispensa a adoção das

abordagens qualitativas na legitimação da cientificidade de seus métodos de

investigação, pois dispõe de uma epistemologia suficientemente elaborada para o

fazer científico” (MARTINS, 2006, p.2).

Os procedimentos realizados foram a revisão bibliográfica, consulta

documental e pesquisa de campo. A coleta de dados da pesquisa de campo se deu

a partir de entrevista semiestruturada com os professores da instituição Aristeu

Aguiar, tendo perguntas abertas e fechadas, e o diário de campo, em que são

registrados as percepções e detalhes que compõe o cotidiano escolar observado

pela pesquisadora.

A escolha pela utilização da entrevista semiestruturada e o diário de campo

se deram por ver-se, nesses dois instrumentos de pesquisa, modos de trazer para

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esse trabalho a visão da pesquisadora, constituida e pontencializada na própria

trajetória de produção da pesquisa, e a visão do professor, que ao ser entrevistado,

pode contribuir com um olhar único de sujeito ativo e participante, já que o mesmo

tem relação direta com o objeto investigado. Para tal, sendo esses instrumentos

fundamentais para o desenvolvimento dessa pesquisa, estabelecemos alguns

critérios para coletar os dados.

O Diário de Campo, que é ummecanismo que dá condições ao pesquisador

de potencializar seu trabalho, dando a ele uma compreensão maior dos movimentos

da/na pesquisa e do seu contato com o sujeito-objeto, teve sua confecção pensada

como um lugar de registro das observações que ocorreram/ocorrem no campo de

pesquisa (no espaço escolar) e como tais movimentos observados (vistos, ouvidos e

vividos) conversam com as leituras realizadas e são refletidos pela pesquisadora.

É nesse sentido que fizemos a opção pela utilização do diário de campo, e

não apenas a entrevista semi-estruturada. Os diários serão referentes as

observações feitas em cada momento vivenciado na instituição, mas,

principalmente, aos momentos de acompanhamento do planejamento, que é o foco

das idas a escola.

Como já evidenciado, o outro instrumento utilizado para coletar os dados foi a

entrevista semiestruturada. Para Manzini (2003), a entrevista é fundamental para

uma pesquisa que busque olhar um tema sob dimensões diversas, pois ela

proporciona a visão e versão de diferentes pessoas sobre um mesmo assunto, o que

torna a investigação mais completa.

Para as entrevistas estabelecemos como único critério, que houvessem, no

universo de entrevistados, pelo menos 1 professor de cada uma das grandes áreas

do conhecimento (Ciências Humanas e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e

suas Tecnologias, Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Matemática e suas

Tecnologias). Desse modo, as entrevistas foram realizadas com 9 professores (as),

sendo, 4 da área de matemática, 3 da área de ciências humanas, 1 da área de

ciências da natureza e 1 da área de linguagens, atendendo assim ao critério

estabelecido.

Vale ressaltar que entre os professores entrevistados há aqueles que atuem

em disciplinas da parte diversificada como estudo orientado e eletivas. E há também

aqueles que atuem, ou atuaram, como professor coordenador de área (PCA). Nos

apêndices deste trabalho encontra-se uma tabela em que são apresentados os

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perfis dos docentes e onde são apresentadas tais informações. No entanto, em uma

breve caracterização, o universo de entrevistados foi configurado por:

a) formação acadêmica: licenciados (3), pós-graduandos em nível Lato

Sensu (3) e pós-graduados em nível Stricto Sensu (3);

b) regime de atuação: professores que atual em regime de Designação

Temporária (4) e efetivos (5);

c) tempo de atuação na docência: professores com 3 a 25 anos de atuação;

d) tempo de atuação no “Escola Viva”: professores com 5 meses a 2 anos de

atuação;

Os entrevistados, cujas identidades serão mantidas sob sigilo, estão

representados nas letras do alfabeto de A até a letra I. Para apresentarmos os

dados coletados, nos organizamos em 2 eixos que serviram para nortear a análise e

discussão. Essa estrutura organizada em eixos se mostrou como sendo a ideal para

expressar os objetivos propostos para este trabalho, sendo eles: eixo I – Quais são

as concepções que estão alinhadasao Programa “Escola Viva”; eixo II – Quais são

as ações inovadoras no campo do método, gestão e conteúdo propostos pelo

Programa. Separamos dentro do universo de perguntas realizadas nas entrevistas

aquelas que consideramos que teriam condições de responderem aos eixos que

elaboramos.

Inicialmente, havíamos tido a necessidade de nos planejar para apresentar a

discussão e análise dos dados em três eixos, visto que tivemos nesse trabalho três

objetivos específicos propostos, mas na medida em que os eixos I e II foram sendo

desenvolvidos, compreendemos que um terceiro eixo, que seria a visão dos

professores com relação ao Programa, na verdade, é algo que se apresentava de

maneira transversal nas discussões que haviam sido realizadas nos eixos

anteriores.

Desse modo, diante das limitações temporais, do volume de dados coletados

e das dificuldades de permear o campo de estudo, tivemos que reorganizar os eixos,

apresentando a visão dos professores, que seria um terceiro objetivo e que estaria

diretamente ligado a identificação e sistematização do objetivo geral, de maneira

transversal nos eixos I e II. Entendemos que dessa forma estamos cumprindo os

objetivos inicialmente propostos pela pesquisa.

Esses dados coletados foram sendo analisados a partir do método da

triangulação de dados que, de acordo com Minayo (2010), é procedimento de

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“combinação e cruzamento de múltiplos pontos de vista” que contribuem para a

análise do “contexto, da história, das relações, das representações [...], visão de

vários informantes e o emprego de uma variedade de técnicas de coleta de dados

que acompanha o trabalho de investigação” (MINAYO, 2010, pp. 28- 29).

1.1 OBJETIVOS DA PESQUISA

De modo geral, esse trabalho pretendeuanalisar o modelo de organização e

funcionamento das escolas de Ensino Médio proposto pelo Programa Escola Viva e

o seu significado para o desenvolvimento do trabalho docente, e consequentemente,

para a formação dos jovens da escola Aristeu Aguiar.

Para atender aesse objetivo geral, tivemos como objetivos específicos:

I – identificar quais concepções estão alinhadasao Programa “Escola Viva”;

II – analisar o que são as propostas de ações inovadoras estabelecidas pelo

Programa no campo do conteúdo, do método e da gestão;

III – investigar qual a compreensão dos professores acerca do programa;

Ao propor tais objetivos tivemos a intenção de contribuir com um

entendimento maior quanto ao que sabe com relação a este Programa, visto que

essa, é uma política educacional ainda muito recente e com poucos trabalhos a

respeito.

1.2 ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA

O primeiro capítulo, como já observado, consiste na caracterização

metodológica, na organização da estrutura e na apresentação dos objetivos da

pesquisa e do percurso realizado para alcança-los.

O segundo trata-se do desenvolvimento teórico dos conceitos que serviram

como fios condutores para compreendermos os sujeitos deste trabalho. Esses

conceitos teóricos atuaram como pano de fundo da pesquisa, sendo eles: a

educação como construção do ser social, trabalho e educação e algumas

considerações acerca do trabalho docente. Os conceitos foram escolhidos e

teoricamente construídos tendo em vista o materialismo histórico dialético elaborado

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por Marx (2010; 2003; 2009; 1984), que é o modo como escolhemos analisar nosso

objeto de estudo, o Programa “Escola Viva”.

Noterceiro capítulo,construímos o arcabouço teórico e empírico que foram os

insumos para responder aos objetivos e, assim, responder ao objetivo dessa

pesquisa, que foi entender os significados dessa política educacional para o trabalho

docente e a formação dos jovens.

Esse terceiro capítulo está dividido em dois subcapítulos sendo que cada um

dos subcapítulos conta com duas seções. De modo geral, nessa etapa, realizamos a

análise documental das legislações com o objetivo de compreender como a

educação básica vem sendo posta como direito nas constituições e demais

dispositivos legais que a abarcam. Analisamos também como se constitui o

financiamento da educação básica, tendo como foco o Ensino Médio e a Educação

(em tempo) Integral, bem como os indicadores educacionais sobre oferta e acesso

para essa mesma etapa e modalidade de ensino.

Ainda nessa primeira etapa do terceiro capítulo, com o intuito de entender

melhor como se constituiu o processo de garantia da educação e como se

estabeleceu, e vem se estabelecendo, os desenhos do modelo de formação do

Ensino Médio e da Educação (em tempo) Integral, adentramos no campo histórico

da educação básica, buscando compreender o processo de construção do ensino

médio e como ele se alinha à reformas educacionais que vem acontecendo nos

últimos anos no Brasil, inclusive com o Programa “Escola Viva”.

O quarto capítulo desse trabalho foi organizado em dois subcapítulos, sendo

um delescomposto por duas seções. No primeiro, apresentamos alguns elementos

que caracterizam a política de educação básica, em especial o Ensino Médio, no

estado do Espírito Santo e algumas características mais gerais do Programa Escola

Viva como, os seus objetivos e metodologias, os agentes por trás do planejamento

desse projeto e um breve panorama do seu conturbado contexto de implementação.

Esses elementos foram discutidos de maneira pontual, dentro de um caráter

exploratório.

No segundo subcapítulo foram apresentadas as características da educação

básica do município, as atividades realizadas pela pesquisadora na escola “Aristeu

Aguiar” e os sujeitos da pesquisa.Na primeira seção mostramos o processo de

implementação do programa em Alegre, bem como a configuração da realidade

educacional do município. Na segunda seção, apresentamos o percurso realizada

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para a coleta de dados: as atividades realizadas na escola, as características dos

sujeitos participantes, os documentos da escola que subsidiaram o trabalho e, ainda

dentro dessa seção, apresentamos a discussão e a análise dos dados que estão

organizados a partir de eixos que serelacionam com os nossos objetivos específicos,

afim de responder o objetivo geral que orienta essa pesquisa.

De antemão, esclarecemos que, no ano de 2018, mais especificamente no

mês de dezembro, depois de um longo processo burocrático que teve início no

começo do segundo semestre do mesmo ano e envolveu a Secretária de Estado da

Educação (SEDU) e o Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos

(CEP/Alegre/UFES), formos autorizados a finalmente iniciarmos a pesquisa na

escola Aristeu Aguiar.

Entretanto, devido às limitações temporais, visto que o ano letivo já se findava

e os professores estavam encarando uma rotina de final de ano que não era

exatamente a rotina que os mesmos encaravam durante o ano letivo, os

planejamentos que acompanhamos acabaram sendo pouco produtivos, no sentido

de produção de dados, pois estavam sendo voltados para fechamento de notas e

correções de avaliações finais, o que afetou bastante as observações do diário de

campo e as entrevistas. Apesar de termos conseguido cumprir com nosso critério

entrevistando professores de cada uma das áreas, a coleta de dados para o diário

de campo não se fez suficiente naquele momento.

Devido a isso, retornamos a escola em 2019 para dar continuidade a coleta

de dados para o diário de campo e, além do acompanhamento dos planejamentos,

ainda tivemos a oportunidade de participar de outras atividades que potencializaram

os dados coletados. No quarto capítulo, na seção em que tratamos diretamente do

que foi realizado no campo de pesquisa, elaboramos um quadro descritivo que

explicita com mais detalhes as atividades foram realizadas.

Importante assinalar que, no processo de desenvolvimento da pesquisa

algumas outras questões foram emergindo e sendo aderidas a esse trabalho como

forma de contribuir com reflexão acerca do nosso objeto de pesquisa, indagações

como: a que está alinhada à concepção de educação (em tempo) integral do

Programa Escola Viva? quais os significados e impactos da relação pública e

privado que são estabelecida no Programa, e como isso reflete no trabalho docente,

na formação dos jovens e na parte física – infraestrutura – e de investimento –

financiamento – da escola? qual a relação do programa com as mudanças que estão

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acontecendo no campo da educação em âmbito nacional e o que isso representa

(ou qual caminho aponta) para a formação dos jovens e para o trabalho docente?

Essas questões ao longo do trabalho foram se mostrando cada vez mais evidentes

em nosso objeto de estudo, o que contribuiu em grande medida para responder aos

objetivos propostos.

É importante ressaltar também que, se tratando de um estudo de caso, as

concepções desenvolvidas a partir desse trabalho levam em consideração que há

especificidades em cada escola e município que o Programa Escola Viva vem sendo

implementado. Mas, ainda assim, é possível evidenciar a partir desse estudo,

algumas características mais gerais de caráter metodológico e ideológico que

fundamentam a política estadual para as escolas de nível médio em todo o estado e

implicam diretamente no desenvolvimento do trabalho dos professores.

1.3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS OPÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS E

TEÓRICO-CONCEITUAIS

Compreender a relação sujeito-objeto é fundamental para que se tenha

condições de interpretar e discutir os paradigmas da realidade. Ter essa relação

como questão central de uma pesquisa é, sobretudo, entender “como o ser humano

se relaciona com as coisas, com a natureza, com a vida” (PIRES, 1997, p. 83).

Existem diferentes tipos de abordagem no campo das ciências para se chegar

à compreensão e interpretação dos paradigmas que constituem a realidade. E

dentre elas, a abordagem dialética, especificamente a dialética desenvolvida por

Marx a partir do materialismo-histórico-dialético, é a que tem se mostrado mais

competente nesse processo de interpretação. (GRAMSCI, 1991; OIZEMANN, 1973

apud PIRES, 1997). Os princípios com os quais buscamos compreender o método

dialético de Marx nesse trabalho foram: historicidade, materialismo histórico, a

totalidade e o movimento da contradição (PIRES, 1997; MARTINS, 2006).

Ao pensarmos os sujeitos, precisamos primeiramente situar as relações de

produção que ele está condicionado, que nesse caso, são as produções do sistema

capitalista. Nesse sentido, “[...] a dialética marxista é aquela teoria científica que

explica o comportamento dos indivíduos por seus interesses materiais, sobretudo os

econômicos” (LOWY, 1998, p.17 apud FRANCO, 2012).

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Essa lógica de produção é o meio pelo qual determina-se o processo que

constrói a totalidade da vida humana, e, portanto, a consciência que determina o ser

social. Logo, entendemos que não é a consciência, com uma ação essencialmente

natural, que determina o ser, mas o contrário, o seu ser, condicionado pelas

relações de produção, que nesse momento são as relações capitalistas, que produz

a consciência que moverá suas ações e vontades, ou seja, sua vida em

sociedade.(MARX, 1982).

Partindo dessa compreensão de construção do ser social, apresentamos no

capítulo a seguir, um referencial teórico-conceitual que aborda, a partir da categoria

trabalho e da formação omnilateral pensada por Marx, a construção desse ser social

considerando a relação trabalho e educação e o papel do professor a partir do seu

trabalho docente na construção desse ser. Acreditamos que iniciar esse trabalho a

partir desses três elementos – construção do ser social, educação e trabalho e

trabalho docente – será fundamental para entender a relação sujeito-objeto dessa

pesquisa.

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2 REFERENCIALTEÓRICO-CONCEITUAL

Nesse capítulo explicitamos nosso entendimento sobre a educação como

sendo instrumento fundamental para a construção do ser social, e a relação trabalho

e educação, e trabalho docente, como forma de pensar os processos formativos a

serem ofertados aos sujeitos a partir do modo como tais conceitos estão situados

nas relações de produção de um determinado sistema, neste caso, o sistema

capitalista.

2.1 A EDUCAÇÃO COMO CONSTRUÇÃO DO SER SOCIAL

“O Homem é um ser político e está em sua natureza o viver em sociedade” (Aristóteles em Ética a Nicômaco).

Compreender a natureza da educação, implica no desvelamento das estruturas

sócio-histórico-culturais e econômicas de um determinado período, que

consequentemente, acabam por revelar que, esse processo formativo do ser, ou

seja, a educação, se mostra como resultado dessas condições sociais. Realizar

essa discussão, permite não apenas interpelar e refletir os significados da educação

para a formação do ser social, mas também, debater os fundamentos teóricos e

filosóficos sobre o sentido da educação, que mesmo sendo um debate secular,

ainda se coloca como um desafio para os educadores e para o pensamento

formativo da sociedade.

Nesse sentido, buscou-se nessa sessão, compreender o papel da educação

para a construção do ser social inerente a figura do aluno e do professor,

entendendo ser esse processo de busca na historicidade, parte fundamental para a

reflexão do modo como o sujeitos, a partir da educação, estão sendo pensados e

formados para compor a sociedade.

Na perspectiva ontológica, a educação sempre foi tida pela cultura ocidental

como a própria humanização do Homem, já que esse, é concebido como um ente

que não nasce pronto, que está inacabado e que está sempre em busca do

aprimoramento do seu modo de (ser) humano. Freire (2004, p.58), ao expressar-se

sobre isso em seu conceito de educabilidade diz que, “mulheres e homens se

tornaram educáveis na medida em que se reconheceram inacabados”.

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A consciência do inacabado torna o ser humano cognoscente, e o coloca em

um movimento que Freire designa como, ‘a vocação para o ser mais’. Para o autor,

esse movimento é a construção contínua de produção de conhecimento do ser

humano enquanto sujeito histórico, social, cultural, e, portanto, político. A “educação

não vira política [...] ela é política” (FREIRE, 2004, p.124), essa é a afirmação que o

autor faz ao se referir a educação como um instrumento de intervenção no mundo.

Ele chama essa ação de ‘politicidade da educação’.

No entanto, ao elevar a educação ao status de política, se assume o fato de

que a política é um terreno de disputa de interesses, onde suas estruturas culturais e

sociais, já estabelecidas, antecedem a existência dos sujeitos que serão educados

dentro, e para, esse sistema. Nesse sentido, um ser inacabado, a partir do seu

processo de politicidade pode intervir no sistema, ou, servir a ele. De acordo com

Freire (2000, p.58):

A educação que, não podendo jamais ser neutra, tanto pode estar a serviço da decisão, da transformação do mundo, da inserção crítica nele, quanto à serviço da imobilização, da permanência possível das estruturas injustas, da acomodação dos seres humanos na realidade tida como intocável.

Nessa perspectiva, é possível buscar nos clássicos uma contribuição que

reforce essa reflexão sobreo conceito de “educação” ligada a essa ideia de uma

formação alinhada aos ideais do Estado, e, portanto, a uma construção do ser social

que corresponda a esses ideais, como coloca Paulo Freire.

Para tais contribuições que corroborem para a discussão acerca da educação

e os processos formativos dos sujeitos em uma determinada sociedade, trazemos as

concepções de Durkheim (1858 – 1917) e Marx (1813 – 1873), que tiveram em suas

obras, ao investigar os fenômenos sociais, uma vasta produção que analisa de

forma articulada a relação das estruturas do sistema capitalista, ou seja, da política

vigente, com a educação e o processo formativo dos sujeitos.

Os autores apresentam visões antagônicas desse processo formativo, mas

ambas trazem o Estado como força motriz definidora das estruturas da educação.

Desse modo, pensar as contribuições desses dois teóricos se mostra relevante para

esse trabalho e para entendermos o conceito de educação a medida em que essa

relação de Estado e Educação, que é o que norteia cosmovisão dos teóricos aqui

citados, se fazem de extrema importância para a compreensão daquilo que está

sendo produzido na contemporaneidade.

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Considerando a teoria de Durkheim (2012), as crianças nascem em uma

sociedade com um conjunto de valores e crenças já determinados, que se

distinguem entre um conjunto para a vida em coletividade e um conjunto designado

especificamente para o seu grupo social (família, profissão, classe). Assumindo uma

postura metodológica apoiada na observação, indução e experimentação, o autor

formula uma teoria que explica a relação do Homem com os fenômenos e estruturas

sociais. A esse conceito, Durkheim deu o nome de “fatos sociais”, que vem como um

modo de compreender a maneira como a sociedade se apresenta e estabelece a

sua interação com os indivíduos.

O autor postula que, a sociedade se estrutura como um todo, capaz de

exercer sobre o indivíduo uma força coercitiva, que impõe e molda nele determinado

conjunto de comportamentos, normas morais, costumes e hábitos que derivam do

meio social em que se vive, e dos quais a estrutura social depende para manter uma

realidade externa, que por sua vez, independe da vontade do indivíduo, pois a ele

cabe apenas o papel de integra-la. Para Durkheim (2012), o todo e a consciência

coletiva da sociedade, são mais expressivas e importantes do que o exercício da

vontade individual, e nesse sentido, é preciso que cada sujeito venha a assumir seu

papel no contexto social já pré-estabelecido e coopere com o coletivo fazendo sua

parte (DURKHEIM, 2012).

O processo educativo, segundo o autor, é incorporado nesse sistema como

representação desse consciente coletivo que constitui uma sociedade que é

concreta, e tem seu estado sociocultural e econômico já estabelecido antes da

existência desses sujeitos. Assim, a educação tende a elaborar para si um ideal de

cidadão, ou seja, um Homem feito conforme a idealização daquilo que se entende

ser o tipo certo ético, físico, moral e intelectual. Esse ideal de construção do ser

social cabível a essa sociedade tem que ser factível a todos os sujeitos que

compunham o coletivo, e ao mesmo tempo, ser diferente conforme “os meios

singulares que toda sociedade compreende em seu seio” (DURKHEIM, 2012, p. 52).

O autor sintetiza bem essa concepção ao colocar que:

[...] a sociedade só pode viver se existir uma homogeneidade suficiente entre seus membros; a educação perpetua e fortalece esta homogeneidade gravando previamente na alma da criança as semelhanças essenciais exigidas pela vida coletiva. No entanto, por outro lado, qualquer cooperação seria impossível sem uma certa diversidade; a educação assegura a persistência desta necessária diversidade. (...) A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não estão maturas para a vida social. Ela tem como objetivo suscitar e desenvolver na

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criança um certo número de estados físicos, intelectuais e mentais exigidos tanto pelo conjunto da sociedade política quanto pelo meio específico ao qual ela está destinada em particular (DURKHEIM, 2012, p. 53).

Nesse sentido, essa educação teorizada por Durkheim seria uma bifurcação

entre uma formação homogeneizadora e uma diferenciadora. Ou seja, uma

educação que tem como principal função, no seu sentido homogeneizador, o de

formar todos os cidadãos dentro de certos parâmetros sociaisjá determinados, como

costumes, leis, valores, direitos e deveres; e uma educação promotora de formação

diferenciada, que é designada a uma determinada classe ou grupo social, tendo o

objetivo de ensinar aos membros dessas classes, quais seus papeis na sociedade,

qual sua função, seu trabalho e qual parte ele ocupa dentro da coletividade,

acreditando, desse modo, que a educação com esse caráterteria condições de

manter a ordem social e o funcionamento daquela organização de sociedade,

evitando que essa estrutura sofresse colapso.

Outro agente importante nesse processo são os professores. Com uma ação

de coação sistemática, segundo Durkheim (2012), os professores educam as novas

gerações com a finalidade de torná-las sujeitos capazes de se integrarem ao meio

social em que vivem e ocupar os lugares que estão socialmente destinados a eles.

Com o tempo, na medida em que essa ação educativa deixa de ser sentida como

uma coação, entende-se que a mesma foi internalizada, e se constitui agora como

um hábito, o que indica que os Homens que foram educados estão de fato inseridos

dentro da coletividade.

Além da educação e da ação do professor sobre os mais novos, um elemento

que não poderia deixar de ser citado, pois se mostra fundamental na elaboração das

teses de Durkheim, é a divisão do trabalho social, caracterizada na cooperação e

consenso dos membros que compõe o coletivo e que se estabelecem sobre dois

pilares: solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica.

Na solidariedade mecânica, o indivíduo se encontra tão imerso no consciente

coletivo, que segue as normas do grupo sem contestar. Não há uma prática

voluntária da sua ação, mas sim uma ação movida por um comportamento

automático e dirigido pelas iniciativas do ideal de coletividade. Já na solidariedade

orgânica, os indivíduos praticam sua ação como uma reação que eles compreendem

como natural do ser, como se exercessem aquela ação por uma vontade

genuinamente própria. É na construção desse sentido de naturalização da vontade

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de exercer a ação, que o autor, considera que deva ser trabalhado o processo

educativo. A concepção do autor para explicar a autonomia dos indivíduos elucida

bem isso (DURKHEIM, 2012).

A autonomia para Durkheim (2012), consiste na ideia de que, abrir mão da

sua liberdade e vontade individual, é o resultado de uma realização enquanto

membro de um grupo. Desse modo, aceitar as normas morais e sujeição a elas, é

uma escolha autônoma, e por isso, deve ser sentida como tal pelo indivíduo. Apesar

de reconhecer que há um valor intrínseco a cada indivíduo, e que esse valor é

resultado dessa estrutura de divisão social do trabalho, fruto das sociedades

industriais capitalistas, Durkheim acaba por extinguir uma autonomia que seja

emancipadora a partir do momento que promove a subordinação induzida e

falsamente consciente desses indivíduos ao todo social, e a aceitação, dessa

condição de divisão do trabalho, como forma de contribuir coletivamente.

É possível dizer então, que a função da educação nas postulações de

Durkheim (2012), se dão mais como uma forma de garantir a preservação da ordem

social capitalista, do que formar de modo efetivo e emancipado os sujeitos. Esse

modelo de educação promove grande conformismo com a sociedade vigente, e

acaba por reduzir e naturalizar, o papel dos indivíduos à ocupação de lugares já

socialmente estabelecidos, transformando assim, o professor, em um assegurador

dessa estabilidade social que perpetua, a partir do ensino de normas morais, regras

e hábitos, a manutenção do todo social e das estruturas que mantem a

“coletividade”.

Ao contrário de Émile Durkheim, que elaborou suas teses sobre a educação

em obras como, “A Divisão do Trabalho Social” (1893), “A Educação Moral” (1925) e

“Educação e Sociologia” (1938), Karl Marx não se preocupou em escrever nenhum

documento especificamente para tratar do tema da educação. Com uma abordagem

que abrangia várias áreas do conhecimento, suas obras como, “Instruções aos

Delegados do Congresso da Assembleia Internacional dos Trabalhadores” (1866),

“O Capital” (1867), “Manifesto do Partido Comunista” (1948) ou seus escritos das

“Teses sobre Feuerbach” (1845), fizeram alusão a temática da educação e

ilustraram o modo como Marx a compreendia ao correlacioná-la com os processos

sociais, econômicos e históricos e que se mostram antagônico a essa visão

conservadora de Durkheim.

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Com uma crítica direta ao modo de produção capitalista, ao poder econômico,

suas relações sociais e suas instituições, o autor estabelece um método que busca

romper com o idealismo e cria o materialismo histórico – dialético, que promove a

ideia de união da teoria com a prática, movimento que ele chamou de práxis, como

um modo de ação capaz de transforma a realidade. O autor explicita que:

[...] na produção social de sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. [...] o modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência (MARX, 2003, p.5).

Na teoria de Marx (2003), as relações sociais, as ideias e consciência coletiva

que regem uma determinada sociedade, estão ligadas diretamente ao modo de

organização da produção, do consumo e do comércio. O caminho proposto pelo

materialismo-histórico-dialético vem como meio para teorizar, e afirmar, que é na

produção da sua existência que os indivíduos determinam e constroem suas ideias e

consciência, e não o contrário. Assim como Durkheim, Marx também concorda com

o fato de que os indivíduos são produzidos e moldados pelo meio social. No entanto,

Marx reconhece a possibilidade e a necessidade de transformação da sociedade a

partir da tomada de consciência dos indivíduos e da sua ação ativa para a mudança

do contexto social.

A Sociedade em Marx não é estática, ela passível de transformação por meio

da ação dos sujeitos e da tomada de consciência do modo produtivo em que

funciona o capital. O autor enfatiza frequentemente que não há indivíduo fora da

sociedade, e que a maneira como se estabelece a existência social de um sujeito, é

também a maneira como se estabelece a sua condição humana, pois estão as duas

coisas ligadas por uma infinidade de relações. Ao fazer essa análise, é considerado

na dimensão social dos indivíduos, dois tipos fundamentais de relações que são

distintas entre si: arelação de participação e de criação.

Na relação de participação, o indivíduo tem estabelecido o seu tipo de

interação social, o grupo que pertencerá, como fará parte da coletividade e como se

dará suas relações com os processos produtivos a partir da posição socioeconômica

que ele ocupa. Na esfera criativa, independentemente da posição social, o indivíduo

se vê capaz de mobilizar para si suas habilidades e recursos, o que torna possível,

que o mesmo, possa participar e interferir no processo de produção da realidade. É

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nessa dimensão, da atividade criativa, que Marx insere a relação de trabalho, e

consequentemente, de educação que ele defende.

A sociedade capitalista se estrutura sobre dois grupos antagônicos: um

constituído por aqueles que detêm os meios de produção,e outro, constituído por

aqueles que detêm como único bem, a força de trabalho. Dentro da lógica do capital,

o trabalho se torna mercadoria, majoritariamente barata, que o trabalhador vende

para manter sua subsistência. Para Marx, se o trabalhador produz muita riqueza,

mais pobre ele fica. Isso porque ele atrela ao processo de riqueza a desvalorização

e alienação do Homem e do trabalho. Em outras palavras, os objetos e

mercadorias,passam a ter mais valor que os Homens:

Quanto mais o trabalhador produz, tanto menos tem de consumir; quanto mais valores cria, tanto mais sem valor e mais indigno se torna; quanto mais refinado o seu produto, tanto mais deformado o trabalhador; quanto mais civilizado o produto tanto mais bárbaro o trabalhador; quanto mais poderoso o trabalho, tanto mais impotente se torna o trabalhador; quanto mais brilhante e pleno de inteligência o trabalho, tanto mais o trabalhador diminui em inteligência e se torna servo da natureza. [...] o trabalho produz maravilhas para os ricos, mas produz a privação para o trabalhador (MARX, 2010, p.161).

O sujeito, como apresentado também por Durkheim (2012), ao estar

condicionado a repetir padrões já socialmente estabelecidos, a repetir ações que

não foram por ele pensadas ou criadas e que estão postas por uma realidade

externa e interdependente dele, acabam por assumir o processo de produção, sem

modificá-lo, tocá-lo ou construí-lo. Sua ação consisti na manutenção da ordem social

e do status de subsistência. Isso é o que Marx relacionou ao processo de

participação, que pode ser visto no processo de alienação do Homem com relação

ao trabalho. No processo criativo ocorre o contrário. O indivíduo estabelece relação

com o processo de produção da sua existência, que o leva a atuar no próprio

processo de transformação da sociedade, pois ele atua sobre, e nas, relações e

forças sociais.

Nesse sentido, para Marx, as ações da educação podem refletir essas duas

relações. Na relação da participação, o ato de educar se vê ligado ao processo de

reprodução dos conhecimentos acumulados e transmitidos pela sociedade. No

entanto, se ação do professor e o interesse do processo educativo for o de estimular

o indivíduo a ter um olhar crítico sobre esse conhecimento e pensá-lo como meio de

inovação e transformação das realidades, então, essa relação passa a se articular

com a dimensão criativa do sujeito.

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Considerando isso, o autor questiona em suas teorias o papel da educação.

Para ele, dentro do contexto da sociedade capitalista, a educação, que se mostra

sempre alinhada a limitante relação de participação dos sujeitos nos processos e a

alienação do trabalhador quanto aos meios de produção, cumpre a função de

sustentar a ordem social e operar na articulação da divisão social do trabalho.

O ponto chave para a sociedade industrial, que se estrutura nas

desigualdades sociais geradas pelo conflito de classes, é impor, a partir de um

processo formativo, a alienação política, intelectual e cultural dos setores opostos a

classe dominante, para que estes, não se deem conta de como funciona a interação

entre poderes econômicos e políticos, e como ambos afetam a vida dos indivíduos

que partilham o todo social.

Nesse sentido, concordamos com os apontamentos levantados por Marx, e

compactuamos, nesse trabalho, com o posicionamento que suas concepções

postulam para educação e a construção do ser social.

É necessário salientar que a ideia de construção do ser social que aborda

esse trabalho se vê por uma perspectiva ontológica e materialista, que considera o

caráter essencialmente histórico da relação entre educação e sociedade, e a

maleabilidade que envolvem esses processos. Nesse sentido, as concepções aqui

apontadas inerentes a ação educativa e formação desse ser, não assumem um

princípio maniqueísta, e sim, de possibilidades, de relação que se estabelece entre o

dever e o ser. Gramsci (1978, p. 47) conceitualiza essa relação:

A possibilidade não é a realidade, mas é, também ela, uma realidade: que o Homem possa ou não fazer determinadas coisas, isto tem importância na valorização daquilo que realmente se faz [...] Mas a existência das condições objetivas – ou possibilidades, ou liberdade – ainda não é suficientemente: é preciso “conhece-las” e saber utilizá-las. Querer utilizá-las (1978, p. 47).

Diante de uma questão teórico-conceitual, filosófica por excelência, a

educaçãopode ser, por fim, considerada como definição para a formação humana.

Voltamos então a ideia de “politicidade da educação”, defendida por Paulo Freire, ao

dizer que a educação, ao ser constatada como meio primário e primordial da

formação do Homem, pode servir como forma de educá-lo para uma vida de

adestramento e conformidade com o meio social, ou, como forma de emancipação,

dando a ele condições de socializar e transformar o meio.

Essas concepções puderam ser vistas sob o olhar de Durkheim e Marx. Os

dois autores consideram que o Homem é um ser situado e determinado pelas

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condições do meio sociopolítico, cultural e econômico, e que são essas condições

que moldam seu ser social. No entanto, assumem caráter distinto para essas

relações.

Enquanto Durkheim tem um caráter conservador e em defesa dessa estrutura

vertical do Estado, Marx tece, para essa mesma estrutura, duras críticas, atribuindo

a essa relação o processo de alienação do Homem quanto ao modo de produzir sua

existência. Os indivíduos também assumem papeis diferentes nas teorias dos

autores. Para Durkheim, os indivíduos que integram o meio devem ocupar seus

lugares já determinados de modo a colaborar com a coletividade. Marx, defende que

os indivíduos produzam sua própria existência, não apenas integrando, mas também

transformando o meio e por consequência o coletivo.

As visões dos autores, apesar de antagônicas em diferentes aspectos,

confirmam a ideia de Freire quanto a “politicidade da educação”, nos mostrando que

a educação, fundamento de humanização do Homem e condição para a produção

da sua existência, é histórica e se constrói a medida em que se organizam as

relações sociais, a medida em que se determinam as estruturas da vida pública, do

Estado e da política, assim se dará a construção do ser social. Desse modo,

retomamos, e em certa medida até ressignificamos, a celebre frase de Aristóteles de

que “O Homem é um ser político e está em sua natureza o viver em sociedade”.

Em face de uma formação cujo os indivíduos, sujeitos históricos, se

constituem como síntese de relações sociais, ao tencionar essas relações,

percebemos que a educação é atravessada por vários interesses que

majoritariamente estão em confluência com os ideais das classes dominantes, que

atuam sempre no sentido de fazer com que a educação ocorra de forma dual e

desigual, e que ocasione por consequência da divisão social do trabalho, um

estranhamento do trabalhador com esse o processo de produção da sua existência,

ou seja, o trabalho.

Com o intento de compreender melhor como se deu/dá esse processo entre

classes, entre dominantes e dominados, foi realizado, na próxima seção, uma

explanação da relação educação e trabalho. Acreditando que isso nos ajuda a

entender questões que se estabeleceram ao longo da pesquisa, como por exemplo,

a concepção que orienta a formação escolar para o mundo do trabalho e a ação

docente nesse contexto.

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2.2 TRABALHO E EDUCAÇÃO

Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir

Por me deixar respirar, por me deixar existir Deus lhe pague

(Chico Buarque – Construção)

Nesse subcapítulo, situamos o nosso debate no entendimento da categoria trabalho,

pensado por Marx, articulada à concepção de formação humana omnilateral, visto

que, pelo viés marxista, sendo o trabalho principal atividade humana, torna-se ele

também fundamental para uma educação integral que seja capaz de dar aos sujeitos

condições para constituir seu ser social.

Pensou-se nessa discussão pelo fato da educação pública brasileira está

posta sob um prisma que considera a educação e o trabalho elementos inerentes à

uma formação integral e emancipatória dos sujeitos. Isso é contemplado e

observado na Constituição Federal de 1988, e na própria Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional (LDB) de 1996, e por consequência, estando na condição de

política elaborada nesse contexto, também no Programa “Escola Viva”.

Para uma melhor compreensão de como se estabelece essas relações entre

Trabalho e Educação, procuramos explicitar alguns conceitos à luz da obra

Manuscritos econômicos-filosóficos de 1844 (MARX, 2010) e da corroboração de

outros autores que abordaram o tema em questão sob essa perspectiva.

Marx, ao analisar o processo de formação humana, apresenta em seus

Manuscritos que é por meio do trabalho que podemos diferenciar as atividades

produtivas humanas das atividades realizadas pelos animais, pois o trabalho, em

forma de categoria humana, é, diferentemente das atividades produzidas por outros

animais, projetado primeiramente na mente humana, pensada de acordo com as

necessidades que promovam a vida daquele indivíduo.

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele constrói o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e, portanto, idealmente (MARX, 2010, p. 149-150).

O autor aponta, que a espécie humana se objetiva como gênero humano e

ser social, e o que torna um ser representante do gênero humano, é a atividade vital

por ele desenvolvida, que nesse caso, é definida por Marx (2010) sendo o trabalho.

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O trabalho é determinado como atividade vital porque, sendo uma atividade

consciente, ele passa a ter uma função objetiva na vida humana, que é a de produzir

sua própria vida, seu meio de existência e sobrevivência. Assim, diferente dos outros

animais, que sobrevivem por um processo de adaptação a natureza, o Homem, por

sua vez, inverti o processo, fazendo com que seja a natureza a se adaptar as suas

necessidades, transformando-a, e produzindo a partir disso, sua vida material, que

será subsídio para a constituição do seu ser social:

Podemos distinguir o Homem dos animais pela consciência, pela religião ou por qualquer coisa que se queira. Porém, o Homem se diferencia propriamente dos animais a partir do momento em que começa a produzir seus meios de vida, passo este que se encontra condicionado por sua organização corporal. Ao produzir seus meios de vida, o Homem produz indiretamente sua própria vida material. (MARX & ENGELS, 1974, p. 19 apud FRIGOTTO, 2017, p.3)

Podemos, pois, dizer, que o trabalho se materializa na forma como o Homem

age sobre a natureza. Ao transformar a natureza em meio à luta pelas necessidades

exigidas para nossa existência, o Homem transforma ele mesmo. Assim, o trabalho

torna-se a essência do próprio Homem, um produto de auto formação e

autoatividade de si. O que os indivíduos são, eles são pelo trabalho,

Se a existência humana não é garantida pela natureza, não é uma dádiva natural, mas tem de ser produzida pelos próprios Homens, sendo, pois, um produto do trabalho, isso significa que o Homem não nasce Homem. Ele forma-se Homem. Ele não nasce sabendo produzir-se como Homem. Ele necessita aprender a ser Homem, precisa aprender a produzir sua própria existência. Portanto, a produção do Homem é, ao mesmo tempo, a formação do Homem, isto é, um processo educativo. A origem da educação coincide, então, com a origem do Homem mesmo (SAVIANI, 2007, p.160).

Assim, em um processo de formação e transformação, a partir da

necessidade humana de buscar por algo que assegure a sua existência, o trabalho

se torna insumo para produzir a vida material, social, cultural e intelectual, essa é a

dimensão ontológica do trabalho (SAVIANI, 2007).

Já que o Homem se constituiu em um processo subjetivo de si para si através

do trabalho, fazendo com que esse viesse a ser a sustentação das relações sociais

de produção e formação histórica dos Homens, torna-se indispensável, enquanto

categoria, a análise das formas organizativas do trabalho.

Com efeito, é possível dizer que, o Homem não vive sem o trabalho, pois é

ele quem define a existência humana. É preciso agir sobre a natureza, para

adequar, para transformar, para garantir as condições de existir, já que por si só a

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natureza não o faz, e sem isso o Homem perece. “Daí o adágio: ninguém pode viver

sem trabalhar” (SAVIANI, 2007, p.155).

No entanto, com desenvolvimento da produção, a sociedade conduziu-se ao

advento da propriedade privada, que resultou na divisão social do trabalhoe,

cimentou, o surgimento das classes e de uma nova realidade de trabalho em

que,todos continuavam a depender do trabalho, porém nem todos trabalhavam

(SAVIANI, 2007).

O “controle privado da terra onde os homens vivem coletivamente tornou

possível aos proprietários viver do trabalho alheio” (SAVIANI, 2007, p.155)

imputando aos não-proprietários a venda do seu único bem, a força de trabalho.

Dessa forma mantinham a si, e, ao mesmo tempo, os donos das terras.

Todavia, essa divisão dos homens em classes consumou não apenas uma

nova organização do modo de produção, ou seja, a divisão social do trabalho, como

também provocou uma cisão na educação, que antes era identificada no próprio

processo do trabalho. Agora, com o processo de acumulação de capital, que gera o

enriquecimento burguês e o empobrecimento dos trabalhadores, a educação, ao se

adequar a essa nova organização social e econômica, é apartada desse processo e

se torna instrumento para a manutenção das muitas formas de desigualdade que

passam a ser produzidas em meio a esse novo modelo de organização (SAVIANI,

2007).

É a partir dessa cisão entre trabalho e educação que se fez possível a

organização de um espaço físico que separasse o processo educativo do processo

produtivo, é o que conhecemos como escola. Desse modo, a separação entre

educação e trabalho nos termos da sociedade de classes é também, a manifestação

da separação entre escola e produção.

Saviani (2007) traz uma reflexão interessante sobre esse aspecto de rupturas

ao explicitar o pensamento de Baudelot e Establet, que ao produzirem três hipóteses

acerca do trabalho em uma análise da escola capitalista na França, apontam em sua

terceira hipótese que:

Enfim, nós colocaremos a hipótese, e será preciso buscar verificá-la, que a realização da forma escolar no aparelho escolar capitalista é diretamente responsável pelas modalidades segundo as quais este concorre para a reprodução das relações de produção capitalistas. Isto supõe evidentemente que nós elaboraríamos pouco a pouco uma definição sistemática da forma escolar, da qual nós simplesmente indicamos que ela repousa fundamentalmente sobre a separação escolar, a separação entre

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as práticas escolares e o trabalho produtivo. (BAUDELOT & ESTABLET, 1971, p. 298 apud SAVIANI, 2007)

O autor continua a corroborar dizendo que“essa hipótese sugere o peso

decisivo, senão exclusivo, da escola, na responsabilidade pela reprodução do modo

de produção capitalista. E a via para o cumprimento desse papel reprodutor é o

desenvolvimento da escola como uma instituição apartada do trabalho produtivo”

(SAVIANI, 2007, p.157).

Essa divisão entre escola e trabalho produtivo foi fundamental para os

desdobramentos que culminaram e alicerçaram o trabalho manual versus trabalho

intelectual. Entretanto, por um prisma ontológico da formação do ser, essa cisão não

necessariamente refletiu na separação total entre trabalho e educação. O que ela

produziu,na verdade,foi uma dupla identidade para esses dois processos. O

trabalho,ganha um sentido de produção, ao mesmo tempo que, no caso do trabalho

manual, continua a compor o processo formativo do indivíduo. Em outras palavras,

no trabalho manual a educação continua a se realizar através do próprio processo

do trabalho. Concomitante a isso, a educação do tipo escolar, destinada à educação

para o trabalho intelectual, assume um papel formativo reconhecido e legitimado

pela sociedade.

Com a consolidação do sistema capitalista, o modelo econômico que pautava

a sociedade feudal é superado e substituído por um modelo que agora funciona a

base da produção para a troca, o modelo tal qual conhecemos como mercado.

Nesse novo modo de organização da economia e da sociedade, em que o consumo

passa a determinar as formas sociais, a relação trabalho e educação também é

modificada e tem seus efeitos mais intensos a partir da Revolução Industrial.

Os impactos trazidos pela Revolução Industrial resultaram na reorganização

das relações sociais, que se caracterizou por um profundo processo de urbanização

e de necessidade de mão de obra capaz de trabalhar com o maquinário que

passoua ser o centro das indústrias e do modo de produção. Esse processo

produtivo por via das máquinas, solicitou uma força de trabalho com funções

intelectuais que atendesse as demandas do mercado, assim, o instrumento para a

condução de uma formação que possibilitasse o cumprimento dessa demanda, foi a

escola.

Desse modo, a escola erigiu-se com princípios de uma educação escolar

básica, que tivesse como centro do processo formativo a máquina, garantindo o

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mínimo de saber ao trabalhador, o necessário para ter domínio no cumprimentodo

ofício. Com relação a essa afirmativa Saviani assina-la que:

A universalização da escola primária promoveu a socialização dos indivíduos nas formas de convivências próprias da sociedade moderna. Familiarizando-os com os códigos formais, capacitou-os a integrar o processo produtivo. A introdução da maquinaria eliminou a exigência de qualificação específica, mas impôs um patamar mínimo de qualificação geral, equacionado no currículo da escola elementar. Preenchido esse requisito, os trabalhadores estavam em condições de conviver com as máquinas, operando-as sem maiores dificuldades (SAVIANI, 2007, p. 159).

No entanto, as relações sociais e produtivas, principalmente no que tange a

perspectiva do materialismo e da dialética marxista, sofrem constantemente com o

seu processo orgânico de mutabilidade e transformação. Nesse sentido, as

demandas e necessidades do mercado tenderam a se alterar à medida que o

próprio processo produtivo avançava. Surge então no interior da produção outras

tarefas como, manutenção e ajustes, dentre outras urgências, que passaram a exigir

qualificação especifica do trabalhador para além do trabalho com as máquinas. Essa

qualificação, que necessitava de conhecimento intelectual especifico, também

provocou a organização dos cursos profissionais, ofertados em sistemas de ensino,

ou pela própria empresa, que tinha, como referencial, o padrão escolar. Os cursos

eram focados diretamente para atender as necessidades dos setores produtivos

(MARX, 2010).

Essa super produtividade pormenorizou a divisão do trabalho, que na

sociedade capitalista passou a se configurar nas formas de divisão e subdivisão.

Assim, essa “[...] divisão social do trabalho divide a sociedade entre ocupações,

cada qual apropriada a certo ramo de produção” (BRAVERMAN, 1987, p. 72),

gerando profunda fragmentação das tarefas, o que acarretou em demanda ampla de

mão de obra que carecesse de qualificação específica. Esse movimento de

especialização do trabalho foi denominado por Marx como, alienação do trabalho

(MARX, 2010).

Para o autor, ao vender a sua força de trabalho em troca de sobrevivência, a

alienação já é consumada. Mas, ao aprofundar-se na especialização do trabalho, a

alienação ganha sua face mais severa, porque o trabalhador não mais se reconhece

na atividade do trabalho, pois agora, o trabalho se resume na exteriorização do

produto. “O trabalhador põe a sua vida no objeto; porém agora ele já não lhe

pertence, mas sim ao objeto. Quanto maior a sua atividade, mais o trabalhador se

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encontra objeto. Assim, quanto maior é o produto, mais ele fica diminuído”

(DANGEVILLE, 1978 p. 112).

Desse modo, essa super especialização e fragmentação das tarefas se

realiza principalmente por meio de mecanismos de controle social, que conduzem a

uma apropriação e transmissão de saberes que buscam atender impreterivelmente

as demandas das fábricas. Esse mecanismo dentro do contexto capitalista

industrialé a educação escolar. Ao ter que capacitar o trabalhador para que não se

perca de vista o fio do desenvolvimento, o sistema capitalista através dos seus

mecanismos de controle cria no trabalhador um estranhamento com seu próprio

processo produtivo, isso porque essa relação antagônica entre trabalho manual

(simples) versus trabalho intelectual (complexo) gera uma inesgotável fonte de

Capital Humano e impede que o sistema sucumba (SAVIANI, 2007).

Constatamos dentro desse contexto, que os impactos da Revolução Industrial

impuseram a sociedade capitalista burguesa a ligação, de alguma forma, da

educação escolar ao mundo produtivo. Essa ligação, claro, se deu da maneira mais

superficial e instrumentalizada possível, sempre coerente aos interesses do

mercado.

Com mais de um, senão todos, os atributos a serem problematizados, é

necessário reconhecer que são nesses movimentos contraditórios que se constrói os

processos do materialismo e da dialética. A escola, separada entre uma formação

limitada para aqueles que ocupariam as profissões manuais e uma com maior

domínio dos fundamentos teóricospara os representantes da classe dirigente que

ocupariam as profissões intelectuais, mesmo em sua dualidade, acabou por inserir a

classe trabalhadora no espaço escolar.

O resultado dessa entrada foi uma dupla proposta de escola. A primeira, se

configurava na escola dualista, que implicava em uma escola profissional para forjar

os trabalhadores, e a outrade ciências e humanidades, para formar as elites

condutoras da sociedade. A segunda proposta era a da escola única diferenciada,

que faria essa formação separada de modo interno, distribuindo os sujeitos para um

ensino que se relaciona-se a sua função social, que estava, notoriamente, atrelada a

uma questão econômica.

Esse modelo de educação está na contramão do que Marx defendia.

Pautando uma escola gratuita e igualitária, a formação em Marx, era a do homem

omnilateral. O conceito de conceito de omnilateralidade opõe-se à formação do

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homem unilateral, que é exatamente o tipo de formação que resulta da divisão do

trabalho e da fragmentação das tarefas (MANACORDA, 1991).

Para Marx, a educação precisa ser emancipatória, ela não deve desenvolver

as capacidades humanas apenas para desempenharem tarefas que servem aos

propósitos do grande mercado. A educação tem que capacitar os sujeitos para que,

esses, tenham conhecimento acerca de todos os procedimentos, principalmente, os

tecnológicos, na totalidade da produção. A formação do homem omnilateral deve se

dar de modo integral, ou seja, o conjunto da formação intelectual, tecnológica e dos

instrumentos elementares de todos os ramos industriais (MANACORDA, 1991).

Entretanto, o que identificamos dentro do capitalismo como reflexo da

sociedade de classes e da divisão social do trabalho na sua forma industrial é uma

estrutura que separa as funções de modo a determiná-las como trabalho simples e

trabalho complexo, sendo esse, o mesmo modus operandi da educação escolar, que

também se divide em escola de conhecimentos técnicos e propedêuticos,

assumindo um caráter dualista, de uma escola para formar a elite dirigente e uma

escola destinada a formar os trabalhadores a serem dirigidos.

Na lógica do capital, que divide o homem entre os que dominam o “fazer” e os

que dominam o “saber”, na lógica de um sistema que promove a qualificação da

mão de obra de forma mínima e limitada, para poder nivelar o trabalhador por baixo,

e por custo baixo, transformando o seu trabalho na mercadoria mais barata do

mercado, é nessa lógica, que parafraseando Chico Buarque (1971), os homens

agradecem alienados o pão para comer, o chão para dormir, a concessão para

sorrir.

É na senda de um sistema que gera desigualdades brutais em função da

perpetuação da riqueza da classe dominante, que os dominados vão constituindo

seu ser social, e expropriados da sua força de trabalho ” agradecem por poder

existir”, sem se darem conta que são eles, através do trabalho, que produzem a sua

própria existência. E nesse sentido, a partir do que foi apresentado, podemos dizer

que a educação escolar tem cumprido o papel importante de esvaziamento do

sentido de trabalhho dentro do sistema capitalista. Assim, a escola forma, mas, não

necessariamente, transforma.

Como problematizado ao final dessa discussão, foi o papel da educação

escola, pautado sobdualismo formativo, que cumpriu, e tem cumprido, a manutenção

do sistema capitalista e da divisão social do trabalho. No subcapítulo a seguir, para

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complementar essa discussão, pensando o objeto de estudo e os sujeitos desta

pesquisa, refletimos acerca do desenvolvimento do trabalho docente dentro da

lógica do sistema capitalista e tecemos algumas considerações sobre o mesmo.

2.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-CONCEITUAIS SOBRE TRABALHO

DOCENTE

A temática proposta nesse subcapítulo se mostrou relevante a medida em

que a escola é identificada como o espaço onde são atravessados os ideais que

fundamentam as sociedades. É possível observar, a partir da educação, isto é, da

organização da escola, como são as relações sociais produzidas nos diferentes

contextos históricos.

Os professores, figuras indissociáveis da escola nesse processo, também são

por definição, uma representação do ethos social e da construção do espaço

escolar, no sentido de pertencerem aquele local, que é extremamente importante

para a manutenção das produções sociais. Por isso, cabe problematizar como, e de

que forma, vem sendo configurado o trabalho docente, e o que influiência tais

sujeitos, tão sumamente importantes,na condução e participação nos processos

formativos do ser social dos sujeitos que se encontram em formação naquele

espaço.

Com feito, sendo coerente com o método marxista, ao partir do pressuposto

de que a “educação é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada

indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo

conjunto dos homens” (SAVIANI, 2008, p. 11), discutimos como vem se

caracterizando o trabalho docente, e como podemos encarar a produção do

processo educativo entendendo que esse se, constitui como aspecto ou dimensão

da vida social, que surge no interior de um modo de produção determinado dentro

de uma superestrutura reprodutora da ordem vigente, e que gera, em seu

movimento contraditório, os processosde antagonismo da luta de classes.

No esteio da história, até o século XVI, a educação,e portanto, o trabalho

didático, ainda preservava características das sociedades medievais, em que, a

burguesia, querendo imitar a nobreza, contratava o preceptor para educar os filhos

em casa.Essa, era uma relação individual e de mestre, que remetia a características

do trabalho artesão, ou seja, a ideia do artesão da oficina que ensina seu discípulo

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seus conhecimentos. No caso do professor, ao invés do trabalho manual da

confecção de um produto palpável, ele ensinava aos filhos dos burgueses os

clássicos gregos (ALVES, 2005, p.59).

Nos séculos que se seguiram, por influência das transformações das forças

produtivas capitalistas, tanto a formação acadêmicaquanto a formação escolar,

metamorfosearam-se. A fragmentação das tarefas e a especialização do trabalho,

uma demanda da era industrial da qual já fizemos a explanação no subcapítulo

anterior, exigiu uma reformulação para o trabalho docente, embutindo na prática

pedagógica a ideia de transmissão de saberes escolares que atendesse as

necessidades das mudanças que aconteciam no cenário do econômico.

Agora, a escola que atendia aos trabalhadores, assim como no mundo do

trabalho, em que se tornará setorizado e especializado, a educação também foi

compartimentalizada, os conteúdos foram progressivamente fragmentados e o

conhecimento a ser ofertado era generalizado e tecnicizado. Logo, a concepção

pedagógica burguesa sinalizava para que, e para quem, servia a formação escolar

dos trabalhadores (LOMBARDI, 2011).

No que tange o trabalho docente, “foi patenteado o reconhecimento de que

um mestre que ‘especializou-se numa lição’ tem condições de ‘conhecer’, todos os

procedimentos peculiares deste ensino” (ALVES, 2005, p. 62), assim, como no eixo

do trabalho, em que o trabalhador artesanal foi substituído pelo trabalhador

manufatureiro, essa mesma lógica foi aderida a educação.

Essa concepção de trabalho docente supramencionada teve notável destaque

nos tratados que orientaram o pensamento pedagógico à época, é o caso de

Comenius, com a sua obra Didática Magna. Nas palavras de Alves (2005), o autor

explica essa transição entre o professor artesão e o manufatureiro sob essa ótica,

colocando que:

O primeiro, um sábio que, na condição de preceptor, realizava um trabalho complexo, desde as operações correspondentes à alfabetização até a transmissão das noções humanísticas e científicas mais elaboradas, cedia lugar ao professor manufatureiro, que passava a ocupar-se de uma pequena parte desse extenso e complexo processo. Como consequência da divisão do trabalho didático em níveis de ensino, em séries e áreas do conhecimento, tal como a concebera Comenius, o professor especializava-se em algumas operações, constitutivas de unidades identificadas como etapas da escolarização, tornando-se dispensável o domínio prático do processo de formação da criança e do jovem como um todo. Em consequência, do ponto de vista teórico o professor poderia conhecer menos, do que se conclui que estava submetendo-se a um processo de especialização idêntico ao que atingira o artesão (ALVES, 2005, p. 68).

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A chegada da modernidade, embalada nos avanços tecnológicos

desencadeados pela pós-revolução industrial, não só conserva as características

elitistas historicamente construídas para a educação, e por consequência para o

trabalho docente, como aprofunda a ideia ideologizada do professor manufatureiro.

Rente a esse ideal, se constrói também a formação desse educador, “para este

modelo, a formação do professor esgota-se na cultura geral e no domínio específico

dos conteúdos da área de conhecimento correspondente à disciplina que irá

lecionar” (SAVIANI, 2008, p. 8).

No fulcro da mentalidade burguesa, o trabalho docente é construído de modo

correspondente as forças produtivas, sendo consumido pelas demandas do mercado

que, a cada modificação, e a cada nova tendência, recai sobre a educação ditando

como formar e para que formar.

Na virada do século XX para o XXI, o capitalismo contemporâneo, ou pós-

moderno, passa por uma nova onda de reformismos para se adequar aos novas

faces da mundialização do mercado e das novas tecnologias. O “professor

manufatureiro”, também denominado como o professor “treinador”, cujo modo de

ensinar era fragmentado, utilitarista e prático ao sistema produtivo capitalista, agora,

adere a tendência do “professor reflexivo”, no qual a prática pedagógica passa a

estar voltada para a escola que se intitula democrática, que busca a formação

autônoma de sujeitos com competências e habilidades para se inserirem na vida

social e profissional inerente a globalização.

A escola agora sustenta um discurso de formar sujeitos que possam fazer

escolhas, ser criativos e capazes de responder as mudanças e transformações do

mundo. Nesse novo formato de escola, os sujeitos passariam a se formar em um

espaço democrático e de modo a promoverem a sua autonomia, algo que, em um

primeiro momento, aparenta avanços, principalmente no que tange a qualidade da

educação ofertada.

No entanto, segundo Duarte (2000; 2001), ao analisar as concepções

pedagógicas que estão alinhadas ideologicamente ao liberalismo, no que ele coloca

como uma versão “novidadeira” (o neoliberalismo), identifica-se uma série de

modismos que, além de um caráter conservador, que expressa mais do mesmo em

uma “nova roupagem”, ainda enfrenta sérios problemas de efetivação na prática.

Em uma crítica pontual da qual o autor alcunhou de “pedagogias do aprender

a aprender”, Duarte (2000; 2001) apresenta a relação entre o leque de pedagogias

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que vem se estabelecendo como novas, e que no ideário dos professores se

mostram diferentes e distintas entre si, como sendo, na verdade, pedagogias

conservadoras que estão em interface umas com as outras. Ele elenca o

escolanivismo, a pedagogia dos projetos, pedagogia das competências,

construtivismo e a pedagogia do professor reflexivo como exemplos, e as coloca

como modismos que pertencem ao mesmo universo e buscam um mesmo princípio

formativo, e que como em outros tempos, tem como premissa principal, atenderem

ao mercado.

O autor desenvolve melhor essa concepção ao fazer a análise de alguns

posicionamentos valorativos atrelados ao lema da pedagogia do “aprender a

aprender” e como isso foi concatenado a algumas falsas ilusões que ele denominou

como “sociedade do conhecimento”.

Ao investigar a essência dessa qualidade formativa relacionadaas pedagogias

do “aprender a aprender”, em sua obra Vigotski e o “aprender a aprender”, o autor

critica as apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana e busca

identificar de que forma está posta a presença desse lema “aprender a aprender” em

dois documentos, um de influência mundial, que é o Relatório Jacques Delors

produzido pela UNESCO (DELORS, 1998), e outro que tem impacto

especificamente no educação brasileira, que são os Parâmetros curriculares

nacionais (BRASIL, 1997, p. 33-55). Desse modo, a análise oferece uma visão

macro da situação do trabalho docente e, ao mesmo tempo, uma visão mais

centrada no território nacional (DUARTE, 2000).

Apesar de ser uma obra densa e extensa, para efeito deste trabalho, vamos

dar enfoque aos quatro posicionamentos que o autor destacou em seu texto “As

pedagogias do aprender a aprender e algumas ilusões da assim chamada sociedade

do conhecimento” (DUARTE, 2001). Entendemos que tais posicionamentos

apresentaram maior relevância para as discussões que foram realizadas no

trabalho.

O primeiro posicionamento apontado pelo autor é a valoração do auto

aprendizado, para Duarte, esse é o cerne do significado do “aprender a aprender”,

pois indica que, “aquilo que o indivíduo aprende por si mesmo é superior, em termos

educativos e sociais, aquilo que ele aprende através da transmissão por outras

pessoas” (DUARTE, 2001, p.36).

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O segundo posicionamento é a valoração do desenvolvimento do método

científico realizado por si, isto é, o aluno busca a “aquisição, elaboração, descoberta

e construção do conhecimento sob a simples descoberta e assimilação dos

conhecimentos já historicamente construídos” (DUARTE, 2001, p.36), nesse sentido,

esse posicionamento reforça a ideia que é mais efetivo e válido conhecer o método

científico do que o conhecimento científico já existente.

É interessante perceber que, ao constatar que as novas tendências

pedagógicas ligadas ao “aprender a aprender”, e presentes em documentos como o

Relatório Delors e os PCN’S, ao inferirem essa ideia de que é mais válido conhecer

o método ao invés do conhecimento já produzido, se contradizem ao se colocarem

parte de uma “nova” concepção pedagógica que preza pela autonomia do aluno,

visto que, é o conhecimento, historicamente produzido, que dá condições do homem

construir seu ser social, e, a partir da apropriação do conhecimento, se essa

formação for de fato emancipatória, então poder converter isso na produção do seu

“órgão da individualidade” (MARX, 1978).

Voltando aos posicionamentos, o terceiro é a valoração da atividade

educativa impulsionada pelos interesses e vontades advindas genuinamente do

sujeito. Ou seja,“para ser verdadeiramente educativa, deve ser impulsionada e

dirigida pelos interesses e necessidades da própria criança” (DUARTE, 2001, p.37).

E por último, o quarto posicionamento, que consiste na valoração de uma

formação que prepare os sujeitos para acompanhar o mundo no processo de

mudança que vem se tornando cada vez mais acelerado, seja nos conhecimentos

produzidos, ou no modo de relaciona-los ao modo de vida social. Esse quarto

posicionamento se mostra tão relevante para pensarmos o propósito formativo, e

consequentemente a orientação do trabalho docente, que nos parece interessante

trazer na íntegra as palavras do autor,

O quarto posicionamento valorativo é o de que a educação deve preparar os indivíduos para acompanharem a sociedade em acelerado processo de mudança, ou seja, enquanto a educação tradicional seria resultante de sociedades estáticas, nas quais a transmissão dos conhecimentos e tradições produzidos pelas gerações passadas era suficiente para assegurar a formação das novas gerações, a nova educação deve pautar-se no fato de que vivemos em uma sociedade dinâmica, na qual as transformações em ritmo acelerado tornam os conhecimentos cada vez mais provisórios, pois um conhecimento que hoje é tido como verdadeiro pode ser superado em poucos anos ou mesmo em alguns meses (DUARTE, 2001, p.38).

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Considerando o que nos foi apresentado por Duarte (2001), o lema “aprender

a aprender” apresenta intrínseco em seus posicionamentos questões que são

preocupantes, tornando o professor adjeto, ao invés de parte organicamente integral

do processo. Atribuindo ao aluno volição, mas ignorando o modo como a produção

social incide sobre a construção daquele ser, e que essa, tem sua ligação com as

forças produtivas do capital, o que coloca em xeque a questão do desenvolvimento

autônomo do sujeito, visto que são pedagogias com uma concepção fragilizada

quanto a apropriação dos conhecimentos historicamente produzidos. O que fica

muito claro com esse último posicionamento, é que, o núcleo dessas pedagogias

representadas pelo “aprender a aprender” tem como finalidade a formação da

capacidade adaptativa dos sujeitos às competências necessárias às novas

demandas sociais, o que significa dizer, as novas demandas do capital.

Importante evidenciar que Duarte sinaliza para a relação que é atribuída a

essas pedagogias no que tange a formação de “sujeitos criativos”. O autor aponta

que as concepções do “aprender a aprender” como sendo uma pedagogia capaz de

formar sujeitos criativos, solapa no seu devir que “essa criatividade não deve ser

confundida com busca de transformações radicais na realidade social, “mas sim

criatividade em termos de capacidade de encontrar novas formas de ação que

permitam melhor adaptação aos ditames da sociedade capitalista” (DUARTE, 2001,

p.38).

Desse modo, ao problematizar o fascínio dos docentes por essas práticas

que, segundo o autor, em nada cumprem com o que se comprometem no discurso,

ele chega à teoria que, por aparentarem ser tão transformadoras, essas pedagogias

acabam fabricando ilusões no ideário docente. Duarte (2001) elenca no texto que

usamos como referência cinco ilusões, mas com efeito para este trabalho, apesar de

todas serem relevantes, gostaríamos de enfatizar a quarta e a quinta ilusão, pois

essas se mostraram capazes de sintetizar com primazia o que sustenta a crença nos

posicionamentos que apresentamos.

Nas ilusões que emergem na “sociedade do conhecimento” motivadas pelos

lemas das pedagogias do “aprender a aprender” elencamos:

Quarta ilusão: Os conhecimentos têm todos o mesmo valor, não havendo entre eles hierarquia quanto à sua qualidade ou quanto ao seu poder explicativo da realidade natural e social. [...] Quinta ilusão: O apelo à consciência dos indivíduos, seja através das palavras, seja através dos bons exemplos dados por outros indivíduos ou por comunidades, constitui o caminho para a superação dos grandes

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problemas da humanidade. Essa ilusão contém uma outra, qual seja, a de que esses grandes problemas existem como consequência de determinadas mentalidades. As concepções idealistas da educação apoiam-se todas nessa ilusão. É nessa direção que são tão difundidas atualmente pela mídia certas experiências educativas tidas como aquelas que estariam criando um futuro melhor por meio da preparação das novas gerações. Assim, acabar com as guerras seria algo possível através de experiências educativas que cultivem a tolerância entre crianças e jovens. A guerra é vista como consequência de processos primariamente subjetivos ou, no máximo intersubjetivos. Nessa direção, a guerra entre os Estados Unidos da América do Norte e Afeganistão, por exemplo, é vista como consequência do despreparo das pessoas para conviverem com as diferenças culturais, como conseqüência da intolerância, do fanatismo religioso. Deixa-se de lado toda uma complexa realidade política e econômica gerada pelo imperialismo norte-americano e multiplicam-se os apelos românticos ao cultivo do respeito às diferenças culturais (DUARTE, 2001, p. 39).

Noutras palavras, é uma ilusão acreditar que a escola pode ser capaz de

solucionar os problemas existentes da sociedade (o que talvez nem seja seu

interesse), inclusive no que diz respeito ao ensino utilitarista e a formação

heterônoma dos sujeitos. Entretanto, mesmo que a escola não se encontre

descolada da produção material e social, no ideário dos professores, ao aderirem os

discursos que embasam teoricamente essas pedagogias, a ilusão de que a escola

possuí essa capacidade, acaba se tornando real, e a educação ganha com isso o

status de tábua de salvação. O que poderia ser uma possibilidade, se não fosseo

fato de que, como assegura Marx (2010), a consciência dos homens fosse

determinada pelo ser social, e não o inverso.

Acrescenta-se a isso o fato de que, o trabalho do professor nessa conjuntura,

seria o de conhecer a realidade social, mas não para questioná-la, para refleti-la ou

transformá-la. O professor deveria conhecer a realidade para que tivesse condições

de identificar melhor quais competências que aquele contexto social exige dos

sujeitos a serem formados. Isto é, seguindo a lógica da pedagogia do “aprender a

aprender”, o professor precisa compreender qual a melhor forma de adaptar os

indivíduos as demandas decorrentes do capitalismo. Assim, a ideia de uma

formação emancipadorae comprometida com a formação de sujeitos que sejam

capazes de transformarem a si e ao meio social é exígua, quase nula (DUARTE,

2000).

Essa concepção de instrumentalização do trabalho docente e do

esvaziamento da educação já era uma temática problematizada por Marx. O autor

defendia a ideia de que não seria possível realizar uma educação igualitária e

emancipadora para todos dentro do capitalismo, já que fornecer esse tipo de

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formação para o proletariado (modo como Marx denomina a classe trabalhadora)

não é um interesse da burguesia. Por isso, ao compreender que a educação e

escola são fundamentais na manutenção do sistema capitalista, Marx em sua tese

de número três sobre Feuerbach, questiona,“Quem educará os educadores?”.Ao

levantar essa questão o próprio autor responde:

A doutrina materialista sobre a mudança das contingências e da educação se esquece de que tais contingências são mudadas pelos homens e que o próprio educador deve ser educado. Deve por isso separar a sociedade em duas partes – uma das quais é colocada acima da outra. A coincidência da alteração das contingências com a atividade humana e a mudança de si próprio só pode ser captada e entendida racionalmente como práxis revolucionária (MARX, 1978, p. 51).

A questão que pairou em forma de interrogação sobre Marx é a mesma que

nos é remetida aqui, após tudo o que foi apresentado com relação ao trabalho

docente e como isso se alinha com as pedagogias contemporâneas que são postas

para educação. A indagação que deve ser feita é a de que forma a humanidade irá

se dotar de consciência crítica uma vez que “as ideias dominantes de uma época

sempre foram as idéias da classe dominante” (MARX, 2001, p.12).

Pode se dizer, então, que os educadores também carecem de serem

educados, entretanto, esses não estão apartados da égide das forças produtivas,

pelo contrário, são feitos por essa matéria. A saída para esse processo é apontada

por Marx como sendo a dialética contínua, o processo da práxis, com a teoria e

prática como forma de se transformar e dessa forma transformar o outro.

Mas como promover essa dialética? Quem vai educar os docentes a essa

percepção do real? A resposta de Marx é múltipla. Para ele a educação não é algo

concebido apenas através da instrução, nos âmbitos dos quais a sociedade afirma

serem os que devem cumprir essa tarefa, como é o caso da escola. Para ele, os

processos revolucionários são educadores, pois é a da “visão sempre a ruptura com

antigas ordens” (MARX, 2001, p.45), onde o autoconhecimento é educador, e o

trabalho é educador quando realizado de modo reflexivo.

Marx (2001), enfatiza que o homem feliz é aquele que se emancipa, que se

desaliena, e que ainda que a sua teoria geral esteja situada na desalienação da vida

material, ele afirma que para iniciar esse processo é necessário que primeiramente o

homem se aproprie dos conhecimentos de forma crítica.

Para superar essa contradição acerca do trabalho docente, a nossa reflexão

nos guia para pensarmos muito além das fórmulas de receita ditadas pelas

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pedagogias milagrosas e novidadeiras da contemporaneidade, para além

dessaformação para o século XXI ou para as competências.

Para que se realize uma ação efetivamente transformadora, é necessário que

se compreenda a totalidade social e o modo de organização da sociedade,

consolidando desse modo a formação cimentada pela práxis “com uma aguda

consciência da realidade onde vão atuar, com uma adequada fundamentação

teórica que lhes permitirá uma ação coerente e com uma satisfatória instrumentação

técnica que lhes possibilitará uma ação eficaz” (SAVIANI, 2008, p. 152).

Acrescente-se a isso que a educação deve ser equânime, pública, gratuita e

que promova a apropriação dos conhecimentos e da cultura historicamente

acumulados, com uma reflexão da realidade existente sob perspectivas históricas,

políticas e filosóficas, cumprindo o chamada para uma sociedade que consiga

formar seus indivíduos verdadeiramente de forma autônoma e crítica.

No capítulo 3 desse trabalhos pretendemos discutir como a educação básica,

mas especificamente o Ensino Médio, vem se caracterizando no Brasil. Através das

legislações, dos indicadores educacionais, dos recursos disponibilizados para

assegurar a oferta da educação pública e a partir da trajetória socio-histórica do

Ensino Médio e da Educação (em tempo) Integral, buscaremos compreender para

quais caminhos apontam as políticas públicas educacionais, incluindo o Programa

Escola Viva.

3 ENSINO MÉDIO E DIREITO À EDUCAÇÃO: ENTRE A LITERATURA, A LETRA

DA LEI E A MATERIALIZAÇÃO DO ACESSO AO ENSINO PÚBLICO, GRATUITO

E DE QUALIDADE

O Ensino Médio no contexto da educação pública no Brasil é, no mínimo, algo

complexo de ser problematizado e discutido. São muitas as tramas que caracterizam

essa etapa do ensino e, para além das já conhecidas carências que afetam a

educação básica de modo geral, o Ensino Médio, em específico, sofre também

historicamente com a sua falta de definição e de clareza no propósito formativo.

O reflexo disso se dá em uma série de contradições que permeiam as

concepções dessa etapa do ensino e suas legislações: ora o pensam como um

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processo de transição entre o ensino fundamental e o ensino superior e, ora, como

uma etapa final de um ciclo que tem como função preparar o sujeito para mundo do

trabalho, que nesse contexto, está compreendido pela prática direta do processo de

produção do mercado.

É necessário salientar que, historicamente, na organização do Ensino Médio,

também está materializado, além das condições socioeconômicas do país, o

panorama político e os interesses e disputas que marcaram os diferentes períodos,

e que, consequentemente, atravessaram a elaboração das políticas educacionais e

as concepção que vão orientar o tipo de formação a ser ofertada (LIBÂNEO, 2012).

Ao pensar questões como a construção e organização do Ensino Médio no

Brasil, sua identidade e seu propósito formativo, assumimos para esse trabalho

algumas reflexões que acreditamos estarem entrepostas e que são indispensáveis

para compreender esse processo e os resultados que surgem dele. Desse modo,

assumimos em primeiro lugar que, a educação, é característica fundamental para

que os sujeitos possam projetar sua existência no mundo e serem parte ativas da

produção social do/no mesmo.

Em vista disso, buscamos na literatura uma definição para um conceito de

educação que fosse capaz de pensar os sujeitos com base em uma formação

socialmente atuante, autônomae crítica. Esclarecemos o conceito que buscamos

para educação por considerar que, a história humana,se pauta em uma disputa de

forças políticas e sociais que determinam os lugares ocupados pelos sujeitos e as

suas formações, sendo assim, entendemos existir a ideia de diferentes conceitos

para o que é educação.

Dito isso, como consequência de ser a educação princípio fundamental para

formação humana e de estar em um terreno de disputa política de forças, é

necessário que se realize uma discussão quanto ao direito de acesso dos indivíduos

a ela. Marshall (1967, p.73), ao referir-se sobre o que é o direito à educação, coloca

que esse é “um direito social de cidadania genuíno”, e acrescenta dizendo que “a

educação é um pré-requisito necessário da liberdade civil”. Portanto, torna-se a

educação uma premissa para o exercício de outros direitos.

Essas questões supracitadas sobre o conceito de educação e o direito dos

indivíduos a ela,se fazem pertinentes por nos dar a possibilidade de um

aprofundamento mais reflexivo no tema que nos interessa neste capítulo, a trajetória

da educação pública no Brasil, mais especificamente a etapa do ensino médio, e os

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contextos legais, socioculturais e políticos inerentes a ela. Todo o

percursotraçadoteve como intuito finalbuscar nos referenciais teóricos, nos dados

empíricos e nas perspectivas construídas ao longo dos movimentos da

história,subsídio para analisar e discutir o objeto de estudo deste trabalho, o

Programa “Escola Viva”, e o significado disso para o trabalho docente.

Buscar entender, em certa medida, como está idealizada e vem se

materializado uma política educacional requer, sobretudo, o entendimento da

conjuntura na qual ela se encontra e, também, dos processos que a precedem, visto

que esses influem na sua materialização.

Nesse sentido, a partir da escolha do materialismo histórico dialético como

método para este trabalho, buscamos realizar nesse capítulo a revisão histórica do

Ensino Médio e da Educação (em tempo) Integral e a apresentação de dados

empíricos dessa etapa do ensino. Este capítulo se inicia pela via da compreensão de

como tem se realizado a garantia do direito à educação no Brasil, visto que, as vias

legais são o primeiro passo para garantia do acesso (e permanência) à educação

pública, gratuita e de qualidade, que seja capaz de formar integralmente os sujeitos.

3.1 DIREITO À EDUCAÇÃO NO BRASIL: UM DIREITO DO CIDADÃO, UM DEVER

DO ESTADO

"A Crise da Educação no Brasil não é uma Crise, é um Projeto"

(Darcy Ribeiro, 1977).

Os debates que retratam o sistema educacional brasileiro têm apresentado

uma percepção consensual: o Ensino Médio é a etapa da educação básica que mais

provoca controversas, seja na discussão dos persistentes problemas de acesso e

financiamento, seja com relação a sua identidade formativa, ou no que tange a

questão da qualidade da educação oferecida.

As normatizações que seguem balizando o direito à educação básica

atualmente, buscam assegurar a igualdade de condições de acesso e oportunidade

para todos. Todavia, apesar desses ideais estarem prescritos na letra da lei, não

significa necessariamente que serão efetivados ou postos em prática. Por isso, é

relevante fazer o seguinte questionamento: de que forma esses problemas

interferem na questão do direito à educação? Lembrando que a educação nem

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sempre esteve sob o status de direito socialmente reconhecido na Constituição

brasileira.

Nesse sentido, discutir as questões relacionadas a educação básica no Brasil,

especialemnte o Ensino Médio, requer, sobretudo, uma interpretação dos textos

legais. Além dos textos constitucionais, ao buscarmos nos referenciais teóricos

sobbre a temática do direito e acesso à educação, encontramos nos trabalhos de

Vieira (2007), Cury (2002) e Ferreira (2017) o embasamento para compreender a

importância de observar como se expressa a educação enquanto matéria nas

legislações.

A educação, segundo Cury (2002), é um direito fundante da cidadania, e a

negação da sua oferta ou acesso intefere diretamente no exercício pleno da

democracia. Desse modo, compreender as constituições é fundamental para se

entender os desejos expressos nas reformas da sociedade, já que neles que são

evidenciados o grau de importância da educação para determinado período.

Nos textos constitucionais ao longo da história, percebe-se que o tema sofre

com muitas transformações, algumas profundas, outras superficiais. Os textos de

1824 e 1891, denotam uma presença quase escassa sobre a matéria da educação,

tendo mudanças consideravelmente mais significativassomente nos textos

posteriores, de 1934, 1937, 1946, 1967, e no atual texto, de 1988, no qual de fato a

educação recebe um espaço maior e com delineamento mais democrático e popular,

o que deu à Constituição Federal de 1988 a alcunha de “Constituição Cidadã”

(VIEIRA, 2007).

Nesse sentido, em uma investigação exploratória da última etapa da formação

básica, pois não pretendemos nos imiscuir nos problemas que atingem a educação

em todos as suas etapas, denotamos que o Ensino Médio no Brasil já teve em seu

escopo diferentes finalidades, e as incongruências que o cercam historicamente e

balizam seu campo de formação são antigas e perduram até os dias atuais.

Adotando uma perspectiva histórica, nota-se que essa etapa da educação básica foi

implantada no Brasil com o intuito de preparar os filhos das elites dominantes para o

curso superior, sendo a natureza do ensino então ofertado estritamente

propedêutica (FERREIRA, 2017).

Essa oferta restritiva do ensino durou até a década de 1930, quando, pelo

advento da industrialização que se instalou no país, foi impulsionado um forte

processo de desenvolvimento que demandou mão de obra adequada para ocupar os

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postos de trabalho que começaram a surgir. A mudança nas relações produtivas

acabou ocasionando a abertura das escolas públicas para o atendimento mais

amplo das matrículas, que passaram a ser ofertadas também para a classe

trabalhadora, entretanto, com um ensino profissional e utilitarista, que tinha por

objetivo atender aos interesses e demandas do mercado (FERREIRA, 2017).

A dualidade da educação emerge nessa época e corporifica dois contextos: a

educação propedêutica vislumbrando a universidade para elites, e a educação

profissionalizante vislumbrando o preparo para o mundo do trabalho destinado à

classe popular. Segundo Paolo Nosella (2011), a partir desse período passou-se a

organizar no Brasil um sistema de ensino no qual ficou estabelecida legalmente a

dualidade pedagógica, fortemente determinada pelas questões de pertença social.

O autor continua a corroborar colocando que, a entrada dos trabalhadores da

classe popular massivamente na escola só existiu, irononicamente, graças ao ensino

dualista, visto que antes disso os jovens destinados ao trabalho eram simplesmente

excluídos do acesso à educação formal e dos espaços escolares. Em outras

palavras, o ensino só não foi dual quando era excludente (NOSELLA, 2011).

Segundo Vieira (2007), a Constituição Federal de 1934 (CF/34), trazia

concepções liberais que buscavam o fortalecimento do sentimento nacionalista, algo

que expressava bem o momento vivido pelo país à época com o governo

constitucional de Getúlio Vargas (1930-1945). Essa primeira constituição dedicou um

espaço significativo a matéria da educação, pois, tornava obrigatória a oferta do

ensino primário, que perfazia um ciclo de quatro anos, de modo gratuito em todos os

estabelecimentos educacionais públicos. Outra importante mudança foi o papel do

Estado na garantia do ensino, que na CF/34 ficou melhor definido, o que, de modo

geral, representava avanços e dava à CF/34 um caráter mais democrático.

Com a oficialização do golpe do Estado Novo – terceira e última fase do

governo Vargas – os princípios totalitaristas que se espalhavam por toda a Europa

tiveram sua face no Brasil, e os reflexos disso para a educação foram a

reformulação do seu texto na nova Constituição de 1937 (CF/37), e, com um espírito

de segregação e cerceamento de direitos, a CF/37 representou um grande

retrocesso em vista do que já havia sido conquistado. Nesse período, as dualidades

pedagógicas são aprofundadas e institucionalizadas, e o processo de

industrialização reverbera para a educação brecando os avanços e reforçando a

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formação tecnicista e profissional para as massas populares, e a permanência do

ensino propedêutico apenas para a elites condutoras (VIEIRA, 2007).

Nessa perspectiva, Dagmar (2005) afirma que:

Como desdobramento da Constituição de 1937, a Lei Orgânica do Ensino Secundário, de 1942, estabeleceu a dualidade do sistema, explicitando que a escolarização, depois do primário obrigatório de quatro anos, teria duas vertentes: o ensino secundário regular – em dois ciclos perfazendo sete anos – destinado às “elites condutoras” e o ensino profissionalizante –também em dois ciclos em sete anos – para as classes populares (DAGMAR, 2005, p. 4).

Após a derrocada do Estado Novo com a vitória de Gaspar Dutra em 1946, o

ainda chamado Estados Unidos do Brasil, ganhou uma nova constituição. A

Constituição Federal de 1946 (CF/46). Nessa nova legislação, a matéria da

educação, em decorrencia do momento político vivido, ganhou um caráter reformista

e acendeu timidamente a concepção de educação pública como sendo direito de

todos. No entanto, é preciso salientar que o Brasil só despertou de fato para

assegurar esse direito na Constituição de 1988. Um elemento que o documento de

1946 também traz e que o difere do seu antecessor é o estabelecimento da União

como instância competente para "legislar sobre as diretrizes e bases da educação

nacional" (BRASIL, 1988).

Desse modo, os Estado passam a ter competência residual sobre os assuntos

educacionais, afetando a relação entre União e estados no que dizia respeito à

vinculação dos recursos destiandos à educação para a sua manutenção e

desenvolvimento. Reorganizou-se também os novos princípios do ensino, que

reafirmava o primário obrigatório e gratuito, e, agora, previa o provimento de

concurso para professores que atuariam na docência, além da liberdade cátedra

desses profissionais.

A Constituição de 1946 estabelecia que:

Art. 166. A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. Art. 167. O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos poderes públicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem. Art. 168. A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: I - o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional; II - o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos; III - as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de cem pessoas, são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos destes;

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IV - As empresas industrias e comerciais são obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores, pela forma que a lei estabelecer, respeitados os direitos dos professores; V - O ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável; VI - Para o provimento das cátedras, no ensino secundário oficial e no superior oficial ou livre, exigir-se-á concurso de títulos e provas. Aos professores, admitidos por concurso de títulos e provas, será assegurada a vitaliciedade; VII - é garantida a liberdade de cátedra (BRASIL, 1946).

O resgate dos princípios democráticos e que asseguravam avanços no rumo

da garantia dos direitos da cidadania teve vida breve, pois, em 1964, o Brasil sofre

com o golpe civil-militar, que se estendeu por uma ditadura de 21 anos, e sob um

cenário de cerceamento das liberdades políticas e sociais, se concebe a

Constituição Federal de 1967. É importante ressaltar que nos primeiros anos do

regime esse cerceamento ainda se encontrava em uma fase menos aguda,

caracterizando-se na mudança apenas de alguns dispositivos legais no texto da

educação, mas sem romper totalmente com o que já estava previsto nos textos

constitucionais anteriores. No entanto, essa realidade foi se modificando com as

emendas que iam se estabelecendo ao longo da ditadura civil-militar.

Com um pretexto de dissolver o modelo de escola secundária que promovia

um ensino verbalista e elitista, o governo ditatorial instituiu a escola unitária com

profissionalização compulsória, criada por meio da Lei nº 5.692 de 1971. De acordo

com Nosella (2016), o grande ideal que fundamentava o projeto educacional dos

militares era, na verdade, a universalização de uma escola apenas de técnicos

submissos. Nesse ideário, se exclui toda e qualquer formação humanista e crítica do

currículo, fazendo da “unitariedade” uma via para formar operadores práticos. Logo,

fica clara a ineficácia do sistema que é evidenciado pelos inúmeros prejuízos

advindos dos técnicos habilitados, porém, sem habilidades. Com o erro reconhecido,

determina-se, em 1982, a partir da Lei nº 7.044, que a profissionalização

compulsória não fosse mais obrigatória.

Esse momento da história da educação coloca no centro do debate uma

importante questão quanto aos princípios formativos, mostrando que, a educação

dualista, precisa ser superada, mas não sob quaisquer pilares. Nesse caso, a

educação unitária dos militares se mostrou extremamente problemática. A escola

única, e concorda-se nesse trabalho com tal sentido, é portanto, aquela visionada

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por Marx, com a formação omnilateral, integral e desinteressada em apenas suprir

as demandas do mercado.

Na década de 1980 tem início o processo de redemocratização do Brasil, e

com isso, sua nova, e nossa atual, Constituição Federal de 1988 (CF/88), que define

o caráter democrático e igualitário, tendo finalmente um texto que torna a educação

direito social reconhecido e garantido de todos por lei. O acesso a uma educação

pública, gratuita e de qualidade é, como explicitado no art. 6º da CF/88, um direito

social de todos. A legalidade desse direito é reforçada nos dispositivos do art. 205

ao colocar a “educação como direito de todos e dever do Estado e da família

visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da

cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988).

A Emenda Constitucional nº 59/2009, que estabelece a obrigatoriedade e

gratuidade na oferta da educação básica dos 04 aos 17 anos, fruto da

democratização vinda com a CF/88 e a LDB de 1996 (LDB/96), foi fundamental para

universalização do ensino fundamental, pois, mudou a dinâmica da educação com

as classes populares e impulsionou uma significativa expansão de acesso e

permanência desses sujeitos nessa etapa do ensino, fazendo com que o Brasil

chegasse no final do século XX com praticamente todo o ensino fundamental

universalizado no que se refere ao ingresso nas escolas públicas (OLIVEIRA, 2007).

A obrigatoriedade do ensino fundamental também contribuiu para o aumento

da demanda nas etapas seguintes. Um maior número de concluintes no ensino

fundamental resultaria no crescimento das matrículas do ensino médio. No entanto,

ainda que o ensino médio tenha conhecido grande expansão de suas matrículas

nesse período, não foi suficiente para vencer os obstáculos postos para educação

secundária ao longo da história, e foi apenas em 2013, com a com a Lei nº 12.796,

que o ensino médio é regulamentado e deixa de ser uma progressiva extensão da

obrigatoriedade e gratuidade da educação básica para passar a ser de fato

obrigatório (FERREIRA, 2017).

Ainda que assegurada por lei, a universalização e o acesso da educação a

todos,não resolve um dos principais desafios da educação básica, o conflito

existente quanto a garantia de equidade e condições de permanência, sobretudo

quando nos referimos aos jovens que necessitam trabalhar para complementar a

renda familiar e se inserem no mercado de trabalho sem uma formação que dê

condições de superar a exploração e alienção do mundo do trabalho, o que gera no

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sujeito um estranhamento quanto a sua capacidade produtiva e sua constituição

como ser social. Essa estrutua também acaba por impedir a ruptura das dualidades

do currículo, agora, expressas na oferta de formação diferenciada entre escola

pública e escola privada.

Para tanto, os textos legais, ainda mais no contexto histórico brasileiro,

tendem a serem contraditórios, cumprindo muitas vezes o papel de apontar

possibilidades sem viabilizar os meios de assegurar garantias. Concordamos com

Vieira (2007, p.03) ao colocar que “[...] o aprofundamento do tema permitiu apreciar

o contraditório movimento da educação enquanto um valor que passa a incorporar-

se aos anseios sociais sem, contudo, oferecer a cidadania plena”. As reformas para

a educação em ambiência nacional se apresentam como mostras desse processo.

A Reforma do Ensino Médio, Lei nº 13.415, cuja necessidade de análise com

escrutínio se faz necessária, denota, segundo Silva e Scheiber (2017), uma linha de

argumentação que incorpora em seu texto legal um sentido de disputa partidária,

algo que corrobora bastante com essa ideia de contraditoriedade apresentada.

Segundo as autores, ainda que no discurso oficial a reforma se apresente com o

objetivo de promover a autonomia dos jovens, o que se compreende a partir da

leitura de seu projeto de lei é, que mesma, parece sesustentarna visão de uma

educação a serviço do mercado de trabalho, com um ensino médio que busque,

sobretudo, se adequar aos requisitos postos para suprir as demandas do setor

empresarial.

Consonante a essa reforma, temos a EC nº 95, a qual institui o congelamento

dos gastos com educação por 20 anos (2016-2036) e, não obstante, na esteira

dessas mudanças, o Projeto de Lei nº 7.180 de 2014 4 - Programa Escola Sem

Partido, que vem tentando ser insistentemente legitimado pela ala conservadora da

direita na câmara dos deputados.

Quanto a este último, o Escola Sem Partido, é válido salientar que ao final de

2018, por pressão popular e do Supremo Tribunal Federal (STF), o mesmo havia

sido arquivado pela comissão especial responsável pelo PL. No entanto, uma nova

versão já foi novamente protocolada pela deputada federal Bia Kicis, do Partido

Social Liberal (PSL),via PL nº 246/2019. Na versão protocolada pela deputada do

PSL, foi adicionado ao texto a seguridade ao aluno de filmar as aulas sob a

4 O Projeto de Lei Escola Sem Partido foi apensado em seis versões: PL nº 7.181/2014, PL nº 1.859/2015, PL nº 867/2015, PL nº 5.487/2016, PL nº 6.005/2016, PL nº 8.933/2017, PL nº 9.957/2018 e PL nº 246/2019

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justificativa de dar aos pais a condição de monitorar os conteúdos dado em sala de

aula prevenindo assim qualquer tipo de doutrinação por parte dos professores, além

de vedar aos estudantes a promoção de atividades político-partidárias pelos grêmios

estudantis. A compreensão do que seriam consideradas “atividades político-

partidárias” não ficam claras no texto do PL. O Escola Sem Partido, se aprovado,

representará a retomada de reetrocesso arduamente superados, nos remetendo ao

cerceamento de direitos que já fora visto em outros momentos da história da

educação no Brasil, como foi o caso do Estado Novo e do Regime Militar.

Salienta-se, então, que essa disputa de interesses e os atrasos vistos não

são novidadeiros, pois recrudesceram e se fizeram presentes no modo como foi

estruturada a educação, especialmente o ensino médio, desde a década de 1930,

quando, motivado pelo processo de industrialização, a classe trabalhadora é inserida

via constitucional ao ambiente escolar.

Uma reforma do Ensino Médio construída e instituída sem diálogo com a

comunidade escolar e que traz um escalonamento dos problemas que se produzem

historicamente nessa etapa do ensino no Brasil; congelamento dos recursos da

educação que coloca em xeque a garantia da oferta de uma educação pública,

gratuita e de qualidade; e, como um instrumento de manutenção de toda essa

desordem, temos o Escola Sem Partido, que atenta inclusive contra a liberdade de

cátedra assegurada pela Constituição Federal desde 1946. Os elementos acima

relacionados ajudam a compor um cenário cuja materialidade parece indicar

evidente retrocesso quando se pensa na dimensão do direito à educação.

Podemos considerar que hoje vivemos em uma democracia representativa,

que assegura, na letra da lei, o acesso a uma educação igualitária, pública, gratuita

e de qualidade. Contudo, ao tencionar um ponto nevrálgico da sociedade capitalista,

os conflitos de classe que nela e por ela são gerados, percebemos que o direito à

educação é atravessado por vários interesses, dentre os quais se fazem valer

aqueles das elites dirigentes que atuaram historicamente – e ainda atuam– no

campo da educação. E por meio de uma escola dual, garantem que na prática e na

gestão das políticas públicas, esses direitos encontrem dificuldades de serem

efetivados.

Por fim, com base no exposto até aqui, e nas concepções marxianas de que a

educação deve ser entendida como preparo para o trabalho na sua forma mais

simples, que é aquela em que se compreende o trabalho como meio de transformar

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a si, e desse modo, tranformar o mundo, é que buscamos analisar e refletir como o

Estado vem assegurando e possibilitando a efetivação dessa educação pública,

gratuita e de qualidade. Elegemos como primordial para tal compreensão que essa

análise fosse realizada a partir das políticas de financiamento e de oferta do ensino

médio, visto que assumimos para este trabalho que para se assegurar o direito à

educação estabelecido pela constituição é necessário, sobretudo, que se tenha

disponível recursos para efetivá-lo.

Nesse sentido, na seção a seguir faremos algumas breves considerações

acerca da situação de financiamento da educação, especificamento do ensino

médio, considerando que seja importante que se entenda melhor o financiamento da

educação, não apenas por ser esse um elemento essencial para que se exista a

escola, mas também, por entendemos que mediante a tantas mudanças no cenário

educacional brasileiro, como a Reforma do Ensino Médio e a EC nº 95, é preciso

que se discuta como ficarão os recursos disponíveis para cumprir com as demandas

dessas reformas e se os mesmo serão suficientes.

3.1.1 Considerações sobre o financiamento do Ensino Médio

Nessa seção buscamos compreender melhor o ensino médio dentro do

campo do financiamento, e partimos do pressuposto basilar que, para se ofertar uma

educação de qualidade, assegurando o direito social à educação pública e gratuita,

é necessário que essa, se realize associada a fontes estáveis, regulares e

suficientes de recurso. Caso contrário, o texto constitucional que garante a educação

como um direito social de todos e dever do Estado, acaba por se caracterizar em

letra morta.

A “Constituição Cidadã” de 1988 deu a educação, como já supracitado, um

capítulo próprio em seus textos passando a institui-lá como um direito social, o que

já caracterizava um grande avanço diante das constituições que a antecederam.

Para além desse feito, a CF/88 também promoveu uma descentralização da

educação ao determinar a organização de um regime de colaboração entre os entes

federados, o que culminou em uma considerável ampliação do percentual mínimo de

receitas para o financiamento da educação básica (BRASIL, 1988).

Sob o regime de colaboração, passa-se a delimitar a cargo de quem ficariam

as diferentes etapas da educação básica e o percentual de investimento que cada

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ente da federação deveria destinar a educação. Na competência dos Municípios,

ficam o ensino infantil e fundamental; para os Estados e Distrito Federal,

prioritariamente o ensino médio, e o ensino fundamental quando o município não

puder cumprir com sustentação das demandas; para a União, prioritariamente o

ensino superior, e o ensino médio quando o estado não puder cumprir as demandas.

A vinculação constitucional de recursos para a educação por parte dos Estados,

Distrito Federal e Municípios é de 25%, estipulado pela Emenda Calmon, e, com

relação a União, a destinação encontra-se na casa dos 18% da sua arrecadação de

impostos. Esse percentual da União é estipulado também a partir da CF/88,que

ampliou o percentual que antes era de 13%, outra mostra de mais um dos avanços

concretizados pela Constituição Cidadã.

O percentual encontra-se disposto no art. 212 como é possível observar,

Art. 212. União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Esses 25% vinculados aos Estados, Distrito Federal e Municípios e os 18%

da União são provenientes dos 13 impostos que constituem os tributos brasileiros,

que são, por instâncias: IPTU; ITBI; ISS arrecadados pelos Municípios, ICMS; IPVA;

ITCM arrecadadospelos estados e Distrito Federal e II; IE; IR; IPI; IOF; ITR; IGF

arrecadados pela União.

Apesar de constarem como 13 impostos, apenas 12 são arrecadados, já que

o IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas) não é cobrado no Brasil. O repasse desses

recursos ocorrem da seguinte maneira: União para os Estados - IPE; IPI; IOF; IR.

União para os Municípios - FPM; IOF; IR; ITR. Estados para os Municípios - ICMS;

IPVA; IPI.

Essas são as grandes fontes de captação de recursos tanto para o país,

quanto para a educação, e é a partir dessas transferências constitucionais que se dá

a sustentação e manutenção da educação pública. Um dos principais impostos que

custeiam o país é o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços)

que é captado pelos Estados e Distrito Federal e que corresponde a 90% da

arrecadação. O ICMS é regulamentado pela Lei Complementar 87/1996, também

chamada por "Lei Kandir", e de acordo com a lei, os Estados possuem autonomia

quanto ao estabelecimento das regras de cobranças desses impostos, desde que

respeitem as normas já previstas no texto constitucional.

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De acordo comAmaury Gremaud, professor da Faculdade de Economia,

Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

(FEA-RP-USP), em uma reportagem veiculada pela página do “Todos Pela

Educação” 5, Gremaud discute que há um grande quantitativo de municípios (para

não dizer a maioria) que não consegue suprir as demandas com renda própria, ele

ressalta que “90% dos que têm menos de 50 mil habitantes vivem de transferências,

sem orçamento próprio” no caso da renda municipal a maior parte vem do Fundo de

Participação dos Municípios (FPM), que também incide no recurso do estado, visto

que o ICMS, principal fonte de arrecadação e transferência estadual, tem seu cálculo

de distribuição com base no Índice de participação dos Municípios (IPM).

Gremaudainda recorda que “há também as transferências voluntárias do

governo federal, que passam pelo MEC (Ministério da Educação) e pelo FNDE

(Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação)”. Caso os Estados, Distrito

Federal e Municípios não cumpram com os repasses e/ou apresentem insuficiência

de recursos, a instância superior pode intervir. Isso só não se aplica no caso da

União, haja vista que ela é a maior instância, o que significa dizer que não há quem

a regulamente nesse sentido.

Segundo Oliveira (2011), essa estrutura de sistema pode se apresentar

problemática na medida em que se promovam políticas educacionais que não

garantam permanência de recurso. Podemos fazer essa reflexão ao pensarmos

como exemplo a Reforma do Ensino Médio ou a meta do Plano Nacional de

Educação (PNE/2014-2024) de reorganizar 50% das escolas para tempo integral até

2024, que fora da alçada do âmbito federal não teria condições de arcar por todos os

estados com recursos próprios.

Ainda sobre o estabelecimento do regime de colaboração, além de determinar

o percentual de investimento de cada instância, a CF/88 também define que esse

investimento deva ser utilizado para as despesas de manutenção e desenvolvimento

do ensino, mas, sem dar maiores especificações da aplicação ou fiscalização

desses recursos, o que acarretou em um grande problema. A falta de especificações

para a aplicação dos recursos, junto a realização dos repasses baseados apenas na

participação dos municípios, resultou em uma alocação desregulada dos gastos

5 Reportagem veiculada pelo “Todos pela Educação” com o professor Amaury Gremaud https://www.todospelaeducacao.org.br/conteudo/municipios-devem-gastar-no-minimo-25-dos-seus-orcamentos-com-educacao

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públicos, o que ocasionou o aprofundamento de uma série de desigualdades para o

desenvolvimento e manutenção da educação nas diferentes regiões do país

(BRIÃO, 2006).

Com forma de solucionar a desregulação, foram elaborados documentos

norteadores para a educação que tivessem condições de cumprir o papel de

determinar a destinação, aplicação e fiscalização do percentual da receita de

impostos na manutenção do ensino público. Temos criado então a Lei de Diretrizes

e Bases da Educação Nacional (LDB/96), com base na nova CF88; O Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do

Magistério (FUNDEF/96) e o Plano Nacional de Educação (PNE, 2001- 2010). Cada

um desses docuemntos contribuiu para que fosse possível organizar um sistema de

financiamento da educação, além de estabelecerem diretrizes, metas e estratégias.

O primeiro deles, a LDB/966, proveniente da CF/88, estabeleceu em uma

série de diretrizes, com o que se poderia, ou não, serem gastos esses recursos

provinentes dos 25% dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Fica estabelecido

pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/1996 (LDB) que:

Art. 70. Considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a: I – remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação; II – aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino; III – uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino; IV – levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando precipuamente ao aprimoramento da qualidade e à expansão do ensino; V – realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino; VI – concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas; VII – amortização e custeio de operações de crédito destinadas a atender ao disposto nos incisos deste artigo; VIII – aquisição de material didático-escolar e manutenção de programas de transporte escolar (LDB, 1996). Art. 71. Não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com: I – pesquisa, quando não vinculada às instituições de ensino, ou, quando efetivada fora dos sistemas de ensino, que não vise, precipuamente, ao aprimoramento de sua qualidade ou à sua expansão;

6 Cabe ressaltar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação é um documento que regulamenta e

normatiza a educação e esse documento se faz referente as Constituições. Desse modo, a cada nova constituição temos a formulação de uma nova LDB baseada no diploma daquele período. A primeira referência a LDB foi na Constituição de 1934, mas apenas em 1961, na gestão de João Goulart, que veio a ser aprovada primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

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II – subvenção a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial, desportivo ou cultural; III – formação de quadros especiais para a administração pública, sejam militares ou civis, inclusive diplomáticos; IV – programas suplementares de alimentação, assistência médico- -odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social; V – obras de infraestrutura, ainda que realizadas para beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar; VI – pessoal docente e demais trabalhadores da educação, quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino (LDB, 1996).

Sendo assim, destacamos como interessante a observância de que,

constituem em despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino o pagamento

e aperfeiçoamento de profissionais da educação, materiais de ensino de modo geral

e aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos

necessários ao ensino. Destacamos estar estritamente fora do que se constituem

essas despesas questões como, obras de infraestrutura, um aspecto relevante e

importante de ser assinalado já que se caracterizou como um meio de evitar desvios

de verbas e obras que não estivessem diretamente relacionadas com o equipamento

escolar, e também o pagamento de serviço de instituições assistenciais e

desportivas. Com relação aos serviços assistenciais, desportivos e culturais, pode

ocorrer o questionamento: a escola pode vir a ofertar esse tipo de serviço? Sim,

principalmente se considerados os princípios constitucinais. No entanto, não podem

retirar para tais despesas o dinheiro dos recursos da vinculação, isso deve ser feito

a partir de uma ação de intersetorialidade entre as secretarias.

Evidenciamos esses elementos para mostrar que, ainda que se tenha

solucionado o problema da falta de especificação da aplicação da vinculação dos

recursos do pacto federativo por parte da CF/88, essas soluções acabaram se

apresentando sob duas faces. Se por um lado se mostrou positivo o investimento em

áreas como o pagamento de profissionais e em materiais de ensino, por outro é

necessário que se reflita que ainda havia uma disparidade entre os valores

disponíveis por regiões, e se colocamos essa realidade no âmbito municipal, a

situação financeira desses entes era ainda mais complexa, pois eram extremamente

dependentes de transferências intergovernamentais, o que torna a execução das

normas para a aplicação dos recursos com esses gastos específicos bem disforme.

Ou seja, se especificou a aplicação, mas sem pensar em uma equalização nos

recursos para esses gastos.

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As restrições do uso dos recursos é algo a ser tencionado também no sentido

de que, as medidas, apesar de apontarem caminhos, acabam também por

inviabilizar a autonomia local dos sistemas de educação, principalmente dos

municípios, ao realizarem mudanças e investirem em setores de acordo com suas

demandas. Desse modo, os entes acabam tendo comprometidas suas ofertas de

serviços educacionais ao terem que trabalhar sem equalização dos recursos

vinculados para efetivação das aplicações, e, limitados ao que fora definido

constitucionalmente. Segundo Vazquez (2003, p.43):

[...] a qualidade de ensino de cada escola dependia da capacidade fiscal da instância de governo à qual estava administrativamente relacionada, causando diferenças de ensino entre municípios de um mesmo Estado.

Para solucionar esse problema foi criado o Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério

(FUNDEF), em setembro de 1996, via Emenda Constitucional n.º 14, e logo depois,

no mesmo ano, regulamentado pela Lei n.º 9.424 de 24 de dezembro, e em seguida

pelo Decreto nº 2.264 de junho de 1997. O FUNDEF só veio a ser implementado de

fato em território nacional em 1º de janeiro de 1998, tendo como objetivo uma nova

sistemática de distribuição dos recursos para a educação tendo em vista a

superação das desigualdades e a equalização dos recursos a partir do

estabelecimento de um padrão mínimo para o ensino e a aplicação das

transferências (LEI Nº 9.424, 1996).

Segundo Diniz (2012), em termos gerais, é possível dizer que as grandes

inovações advindas do FUNDEF, além de promover uma tentativa de equalização

dos recursos, compõe as mundanças estruturais, e de extrema relevância e

importância, para o campo do financiamento do Ensino Fundamental. A vinculação

constitucional determinada na CF/88 é, como já explicitado aqui, de 25% das

receitas dos Estados e Municípios à Educação. A Emenda Constitucional nº 14/96,

depois regulamentada em lei (LEI Nº 9.424/96), define uma subvinculação de 60%

dos recursos do pacto federativo destinado à educação para etapa do Ensino

Fundamental (o que equivale a 15% da arrecadação total de Estados e Municípios)

como forma de organizar uma distribuição mais igualitária para a etapa do Ensino

Fundamental considerando as diferentes realidades dos Estados e municípios.

O FUNDEF também estabelece uma série de novos critérios para a

distribuição, assumindo como um dos principais critérios para a partilha dos recursos

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o número de alunos matriculados em cada rede do ensino. Outra norma de natureza

contábil do fundo é que, dos 15% destinados ao Ensino Fundamentalque saem dos

25% da vinculação, devem ser utilizados não menos que 60% para a valorização do

magistério, em outras palavras, dos 15% destinados ao Ensino Fundamental 60%

tem que ser para o pagamento de professores e o restante deve ser aplicado no

conjunto de gastos já previstos na LDB/96 (DINIZ, 2012).

Na esteira dessas mudanças, em 2001 é aprovada a Lei n.º 10.172, que

institui o Plano Nacional de Educação (PNE) com vigência de 2001 a 2010. O

PNE/2001 é considerado o primeiro plano nacional aprovado por lei, e teve como

objetivo a construção de programas e políticas educacionais que buscassem a

melhoria da educação a partir de um conjunto de metas estipuladas no plano. No

PNE/2001 foram dispostas 295 metas gerais, e junto aos demais dispositivos que a

antecedeu, como o FUNDEF/96 e a LDB/96, tinha sua regulamentação completa

(BRASIL, 2014).

Segundo Saviani (2013), para assegurar o cumprimento do direito à

educação, estabeleceu-se na CF/88, e consequentemente na LDB/96, o

compromisso com a elaboração de um plano nacional para a educação

determinando metas e estratégias que pudessem assegurar a progressiva melhoria

da manutenção e do desenvolvimento da oferta do ensino escolar, prevendo a

realização de políticas

integradas entre os entes públicos.

Com a concretização do PNE/20017, a demanda é cumprida, entretanto, ela

não veio acompanhada de instrumentos que dessem condições de efetivar todas as

metas que foram estabelecidas, principalmente as que se dirigiam a etapa do ensino

médio, que sofria especialmente com relação aos recursos. Em 2002 chegava ao fim

o mandato de FHC, e sob a nova administração de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula),

as expectativas de mudança quanto as fragilidades do financiamento da educação

básica como um todo se tornaram um sentimento geral.

7No que tange as metas previstas no PNE/2001 para o Ensino Médio, é posto que, até o prazo final

do referido plano, o ensino médio regular deveria comtemplar o atendimento de 50% da demanda de jovens com idade entre 15 a 17 anos até metade do período estipulado (cinco anos) e 100% da demanda de jovens com idade entre 15 a 17 anos até o final do período estipulado (dez anos). Além disso, também previa assegurar a formação superior para todos os docentes e escolas com padrão mínimo de infraestrutura até metade do período estipulado para conclusão do plano (cinco anos). Também constava no plano a previsão de formação emergencial para professores especialmente das áreas de ciências e matemática (AGUIAR, 2010).

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A entrada de Lula no entanto não se materializou em mudanças profundas.

No governo FHC o PNE/2001 sofreu constantemente com uma avalanche de vetos

no que se referia ao financiamento, a expectativa de que esses vetos não fossem

uma realidade no novo governo, para que dessa forma as metas pudessem ser

cumpridas, se tornaram uma perspectiva cada vez mais distante.

Na concepção de Britto (2015), a autora sugere que o Plano Nacional de

Educação que foi aprovado em 2001 “[...] não gerou grande inflexão na educação

brasileira, nem contribuiu para a definição de uma política de Estado orgânica para o

setor”. Ela ainda reitera que “[...] possa ter inspirado o desenho de alguns programas

e delineado determinadas opções políticas, mas na prática, sua configuração

restringiu-se ao plano formal ” (BRITTO, 2015, p. 21).

De acordo com Aguiar (2010), a Associação Nacional de Pós-Graduação e

Pesquisa em Educação (ANPEd), importante mecanismo promotor de reflexões e

análises acerca das políticas educacionais no país, também teceu duras críticas, à

época, ao PNE/2001. Segundo a autora, para a ANPEd, o PNE, ao se consolidar

sob o discurso da descentralização e do princípio federativo, acabou omitindo o

papel da União ao colocar grande parte das metas propotas sob responsabilidade

dos estados e municípios. Além disso, o plano também desconsiderou várias

reinvindicações da área da educação, como por exemplo, o conceito de Sistema

Nacional de Educação. O plano também estava permeado por fragilidade quanto ao

financiamento, tendo em vista que o mesmo, não acompanhava as projeções do

crescimento demográfico. Nessa perspectiva, Aguiar (2010, p. 711) aponta que:

Não parece que tais críticas tenham encontrado eco no âmbito ministerial. O projeto do Executivo tramitou no Congresso Nacional e o PNE teve sua aprovação consumada mediante a Lei n. 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Os vetos que lhe foram interpostos pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, ao sancioná-lo, evidenciam as tensões e os conflitos que estão presentes na luta secular da sociedade brasileira pelo reconhecimento da educação como um direito social.

Durante a vigência do PNE (2001/2010) a Lei 9.424/1996 do Fundef foi

revogada e substituída pela Lei nº 11.494/2007, Decreto nº 6.253/2007, que criou o

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização

dos Profissionais da Educação (FUNDEB), que vai vigorar até 2020. Diferentemente

do FUNDEF, que vigorou somente até 2006, o FUNDEB, que também se trata de

uma subvinculação constitucional, agora distribui os 25% destinados à educação por

parte dos estados, Distrito Federal e municípios, não somente para a etapa do

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Ensino Fundamental, como fazia o fundo que o antecedeu, mas para toda a

educação básica, com um novo tratamento e uma nova forma de operacionalização.

Ainda que utilizada a mesma metodologia (baseando no número de

matrículas), o novo fundo representou uma grande evolução se comparado ao

antigo mecanismo, pois, além de passar a atender a todas as matrículas da

educação básica, o fundo também estipulou um valor diferente de acordo com as

etapas e modalidades de ensino, ou seja, um aluno no ensino médio de tempo

integral passou a ter um valor-aluno maior que um aluno de ensino médio regular.

Essa diferença também existirá no valor de um aluno das séries iniciais do

fundamental para um aluno do ensino médio.

A ação do fundo nas redes de ensino tem apresentado dados positivos.

Segundo um estudo técnico 8que foi realizado pela Câmara dos Deputados, a

política de fundo possibilitou uma diminuição considerável das desigualdades de

distribuição de recursos no setor educacional. De acordo com o estudo, na ausência

do fundo, a desigualdade estaria na casa dos 10.000%, entretanto, com base na

regra de distribuição essa distância entre as redes foi reduzida para 564%.

Com relação ao repasse realizado com base nas matrículas, o cálculo é feito

em cima dos dados do Censo Escolar do ano anterior. Nesse sentido, os repasses

de 2019 serão feitos baseados no número de alunos que constam na rede no Censo

Escolar de 2018. Assim, considerando o tamanho das redes de ensino, e as

matrículas para diferentes etapas e modalidades, distribui-se os recursos. Esse valor

é estabelecido no valor-aluno, que considera o que chamamos de – fatores de

ponderação –.

Na tabela a seguir, são indicados os fatores de ponderação em 2007, quando

surge o FUNDEB, até 2018. Na tabela, o valor inicial que vai balizar esse fator é de

0,73, e quanto mais próximo desse valor, menores são os recursos por aluno para

etapa/modalidade:

ETAPAS/MODALIDADES

2007

2018

8 Link para consulta do Estudo Técnico realizado em 2017 pela Câmara do Deputados - Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira - http://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/estudos/2017/et-24-2017-univers-qualidade-equidade-fundeb

COEFICIENTE- DISTRIBUIÇÃO DOFUNDEB

BALIZAS DE 0,73 A 1,30

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1 – Creche pública em tempo

parcial

0,80 1,00

2 – Creche pública em tempo

integral

1,30

3 – Creche conveniada em tempo

parcial

0,80

4 – Creche conveniada em tempo

integral

1,10

5 – Pré-escola em tempo parcial 0,90 1,00

6 – Pré-escola em tempo integral 1,30

7 – Anos iniciais do ensino

fundamental urbano

1,00 1,00

8 – Anos iniciais do ensino

fundamental no campo

1,05 1,15

9 - Anos finais do ensino

fundamental urbano

1,10 1,10

10 – Anos finais do ensino

fundamental no campo

1,15 1,20

11 – Ensino fundamental em

tempo integral

1,25 1,30

12 – Ensino médio urbano 1,20 1,20

13 – Ensino médio no campo 1,25 1,30

14 – Ensino médio em tempo

integral

1,30 1,30

15 – Ensino médio integrado a

educação profissional

1,30 1,30

16 – Educação especial 1,20 1,20

17 – Educação indígena e

quilombola

1,20 1,20

18 – Educação jovens e adultos

com avaliação no processo

0,70 0,80

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19 – Educação jovens e adultos

integrada o ensino profissional médio

com avaliação no processo

0,70 1,20

Fonte: Fonte: FNDE/MEC. Elaborada pela autora

Desse modo, a educação básica tem seu sistema de financiamento

estruturado a partir do percentual da vinculação dos impostos, e, agora, com base

nos repasses do quantitativo de matrícula estipulados a partir dos fatores de

ponderação. Ou seja, de acordo com as etapas e modalidades que aquela rede de

ensino oferta.

É certo levar em conta que, as etapas e modalidades, por terem diferentes

exigências para sua oferta, necessitam de investimentos diferentes também. Porém,

uma reflexão que deve ser feita, é que, até que ponto, estipular valores diferente

para as etapas ou modalidades pode, ao invés de se caracterizar como modelo de

financiamento de cooperação, caracterizar-se como modelo de competitividade

(MENEZES, 2012).

Uma importante mudança a ser observada é com relação a educação integral.

Na tabela apresentada anteriormente, é possível notar que há um movimento de

fortalecimento por parte do FUNDEB para essa modalidade. Ele traz recursos

diferenciados para o tempo integral, visto que sua vinculação é destinada a

modalidade de extensão da jornada, sendo assim, se o aluno do ensino urbano

parcial recebe um determinado valor, o aluno de ensino integral recebe um valor

com um plus de 30% em termos de valor-aluno.

Porém, o FUNDEB é uma política temporária, no sentido das suas regras, se

as regras são mudadas na sua próxima formulação, no caso em 2020, e não houver

mais esse mesmo modelo de distribuição, como ficam os recursos para manter as

escolas que, por exemplo, aderiram a extensão da jornada escolar? Não iremos nos

imiscuir nesse assunto agora, apenas colocamos em pauta para que isso possa ser

pensado durante a leitura do texto quando forem apresentados dados com relação a

etapa do ensino médio e a modalidade de tempo integral, principalmente no que diz

respeito as matrículas dessa etapa/modalidade, assunto que discutiremos na

próxima seção.

Outra normatização que passa a implementar novas mudanças e que também

traz grande valorização, especialmente para a educação em tempo integral, é o

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novo Plano Nacional da Educação de 2014 a 2024, inscrito na Lei nº 13.005/2014,

aprovado em junho de 2014. O novo PNE (2014/2024) possui 20 metas voltadas

para a promoção de uma educação de qualidade para todos os brasileiros, com um

conjunto de estratégias que buscam efetivar as metas e ampliar o acesso da oferta

da educação básica, com ações que vão desde a valorização docente, e passam

por todas as etapas da educação, do ensino superior até a alfabetização.

No que tange o financiamento, o plano traz a meta 209, na qual ficou

estabelecido que, essas,tem por objetivo, até 2019, aumentar o investimento na

educação pública para 7% do Produto Interno Bruto (PIB) e elevar esse quantitativo

a 10% do PIB até 2024, prazo final do plano em vigor (Observatório PNE, 2019).

Entretanto, a efetivação e alcance de resultados dessa meta tem encontrado

enormes desafios nos últimos acontecimentos ocorridos no campo da educação. Em

16 de dezembro de 2016 é aprovado pela Câmara dos Deputados a PEC 241/55,

agora como EC nº 95, que institui um novo regime fiscal, ou teto de gastos públicos,

como é comumente referenciada.

A PEC do Teto de Gastos Públicos, estabelece que a parir do ano de 2017 os

gastos primários – educação, saúde, assistência social, ou seja, todo tipo de

encargos sociais e investimentos – passariam a ser reajustados no prazo de vinte

exercícios financeiros – por vinte anos – de acordo com a inflação acumulada em

doze meses e gerada mediante ao limite total do Índice de Preços ao Consumidor

Anual (IPCA).

Isso também significa dizer que, aqueles 18% resultante dos impostos que

eram exigidos pela Constituição que fossem aplicados pela União na educação, com

a EC nº 95, é modificado, passando a partir de 2018, a investir o mesmo percentual

que foi investido em 2017, porém, com acréscimos da inflação do ano anterior, que

será medida com base no IPCA. Ou seja, o investimento na educação não receberá

o percentual com base nos impostos e também não acompanhará o crescimento do

PIB, sendo impossível nessas condições cumprir com a meta 20 do PNE/2014.

Essa ação teve impacto direto nas demais metas e estratégias que estão

dispostas no PNE/2014, como por exemplo, a meta 3, referente ao Ensino Médio,

que tem o objetivo de garantir a expansão do acesso a essa etapa do ensino

9 No site do Observatório do PNE não constam na área destinada a meta 20 nenhum indicador de resultados, como existem por exemplo nas metas 3 do Ensino Médio, ou na meta

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elevando para até 85% dos jovens de 15 a 17 anos até o prazo de 2014, e a meta 6,

referente a Educação Integral – de tempo integral – que tem como objetivo ofertar

em até no mínimo 50% das escolas jornadas diárias de sete ou mais horas até 2024,

fazendo com que no mínimo 25% dos alunos já estejam matriculados nessa

modalidade de ensino até esse mesmo prazo. Porém, tais expansões requerem

investimentos que não cabem apenas nesse reajuste baseado em inflação e IPCA.

Essas metas, além de terem um alto custo de manutenção, carecem de serem

realizadas conforme as necessidades reais e locais, que são imprevisíveis e se

mostram em constante crescimento.

Uma análise realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e

Estudos Socioeconômicos (DIEESE, 2016), divulgado através da nota técnica n.

16110, ao investigar os impactos da EC nº 95, descobriu que, caso a mesma tivesse

entrado em vigor desde 2003, os gastos em áreas sociais vitais para o

desenvolvimento social teriam sido reduzidos drasticamente, no caso da educação,

foi concluído que essa redução chegaria a até 47% a menos do período de 2002 a

2015. Em outras palavras, nenhuma das políticas que foram essenciais para

assegurar o direito à educação, como foi o caso do FUNDEB, teriam condições de

serem realizadas.

É indiscutível que, para que se consigga comprir com as metas e estratégias

do PNE/2014-2024, se faça uma ampliação dos investimentos a serem aplicados.

Além disso, é uma realidade também que, para se manter uma modalidade que

propõe uma extensão da jornada escolar e da carga horária dos docentes,se faça

ampliação dos investimentos. Também é um fato que, para se expandir o ensino

médio, como pretender o PNE/2014, se faça ampliação dos investimentos.

Entretanto, em meio a tantas necessidades de ampliação, a ação do governo foi a

de estrangulamento dos investimentos em áreas essencialmente fundamentais para

assegurar o direito à educação. Medidas como a do congelamento dos gastos

públicos,nos quais os recursos tem seus valores totais super reduzidos, política

como as metas do Plano Nacional de Educação dificilmente se tornam possíveis de

se concretizar.

6 da Educação Integral. Caso haja interesse em maiores informações, consultar http://www.observatoriodopne.org.br/indicadores/metas/20-financiamento/indicadores 10 Nota técnica completa do DIEESE (2016) https://www.dieese.org.br/notatecnica/2016/notaTec161novoRegimeFiscal.pdf

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A EC nº 95 definiu um teto não apenas para os gastos, mas também para os

direitos sociais, principalmente o direito à educação. As implicações de tal medida

para o financiamento recaem diretamente na maneira como esses jovens irão

acessar e permanecer na escola.

Na seção a seguir, articulado ao que apresentamos até o momento com

relação aos textos legais e ao financiamente da educação, realizamos uma

discussão relacionada as taxas e indicadores educacionais, especialmente os de

matrícula, e buscamos compreender como tem se configurado a oferta do ensino

médio público.Entendemos que tal compreensão se faz necessária por nos dar

condições de observar, a partir das taxas de avaliações, da evolução das matrículas,

dos números de concluintes do ensino médio, da distorção idade-série dentre outros

fatores, como vem sendo assegurando o acesso e permanência dosjovens nas

escolas brasileiras.

3.1.2 Oferta do Ensino médio

As matrículas do ensino médio ganharam significativo impulso nas duas

últimas décadas com a Lei de Diretrizes e Bases Nacional da Educação – LDB

9.394/1996 – que estabelece a responsabilidade prioritária dos sistemas estaduais

na oferta e gratuidade do Ensino Médio, com duração de três anos, e a

institucionalização da EC 59/2009,que aumentou consideravelmente o número de

jovens matriculados na escola e cursando essa etapa do ensino.

A EC nº 59/09 tem como intuito a universalisação da educação básica e a

extensão progressiva de todas as etapas de ensino, especialmente o ensino médio.

Nessa conjuntura de instrumentos que reforçam o impulsionamento das matrículas,

temos mais recentemente, o Plano Nacional de Educação (PNE - 2014 – 2024).

Como nosso foco é o Ensino Médio, ressaltamos no PNE a meta 03, pois é a que

mais nos interessa. A meta 03 vem para endossar a expansão da oferta do ensino

médio, prevendo a universalização do antendimento escolar de toda a população de

15 a 17 e, até o final da sua vigência – 2024 – elevar a taxa líquida de matrículas no

Ensino Médio para 85%.

É indubitável o fato de que houve um aumento de matrículas na escola

impulsionados pela LDB/96 e a EC nº 59/09. Vemos esses números se

materializarem ao observarmos que em 1995, antes da LDB/96, haviam em valores

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absolutos 5.374.831 de matrículas no ensino médio, sendo 2,1% na rede federal,

70% na rede estadual, 5,4% na rede municipal e 21,9% na rede privada. Cinco anos

após a referida lei, em 2001, esse números já tinham se modificado para 8.398.008

de matrículas no ensino médio, ou seja, 3 milhões a mais, sendo 1,1% na rede

federal, 82,9% na rede estadual, 2,8% na rede municipal e 13,3 na rede privada. Os

movimentos que se apresentaram no curto prazo de cinco anos resultou no grande

aumento das matrículas do ensino médio, principlamente na dependência

administrativa estadual, e uma queda consideravel das matrículas em instituições

privadas.

Em dados gerais da educação básica, o Brasil hoje conta com

aproximadamente 184 mil escolas em todo o território nacional, dessas, 84% estão

na rede pública e 17% na rede privada. É nesse contexto que se encontra o

atendimento dos 48,6 milhões de alunos que estão matrículados na educação

básica no censo de 2017.

Na tabela 01 é possível observar a evolução do número de matrículas no

ensino médio de 1995 até 2017.

Tabela 01 – Número de matrículas de Ensino Médio por dependência

administrativa – 1995-2017

Ano Total de Matrículas

Federal Estadual Municipal Privada

Data Nº % % % %

1995 5.374.831 2,1 70,9 5,4 21,7

1996 5.739.007 2,0 72,1 5,4 20,5

1997 6.405.057 2,0 72,5 5,7 19,8

1998 6.968.531 1,8 76,1 4,6 17,6

1999 7.769.199 1,6 79,1 3,6 15,8

2000 8.192.948 1,4 81,3 3,2 14,1

2001 8.398.008 1,1 82,9 2,8 13,3

2002 8.710.584 0,9 83,8 2,4 12,9

2003 9.072.942 0,8 84,5 2,2 12,4

2004 9.169.537 0,7 85,1 2,1 12,1

2005 9.031.302 0,8 85,1 2,0 12,2

2006 8.906.820 0,8 85,2 2,1 12,0

2007 8.369.369 0,8 86,5 2,0 10,7

2008 8.366.100 1,0 85,8 1,6 11,6

2009 8.337.160 1,1 85,9 1,3 11,7

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2010 8.357.675 1,2 85,9 1,1 11,8

2011 8.400.689 1,4 85,5 1,0 12,2

2012 8.376.852 1,5 84,9 0,9 12,7

2013 8.312.815 1,7 84,8 0,8 12,8

2014 8.300.189 1,8 84,7 0,7 12,9

2015 8.076.150 1,9 84,4 0,6 13,0

2016 8.133.040 0,7 84,8 2,0 12,5

2017 7.930.384 2,4 84,8 0,6 12,2

Fonte: Mec/Inep. – Tabela elaborada pela autora.

As considerações que podemos fazer dessa tabela evolutiva do número de

matrículas são: a rede privada, se comparado o percentual de matrículas antes da

LDB/96, teve uma brusca queda, no entanto, nos últimos anos é quem tem se

mantido mais estável. Levando em conta que a rede privada é a que mais recebe

matrículas do ensino médio depois da rede estadual, essa estabilidade mostra um

bom fluxo do ensino médio na rede privada.

As redes federais e municipais se mostram muito ocilantes, tendo mais queda

do que crescimento. No caso das redes municipais, esses números se mostram

compreensiveis se considerarmos que a oferta do ensino médio não é de

competência dos municipios. Porém, a rede municipal, segundo os dados do censo

escolar da educação básica de 2017, é responsável pelo maior número de

atendimento da educação básica, e consequentemente do ensino médio, nas zonas

rurais, com 19,9% das matrículas. Adependência adminitrativa estadual, via pela

qual deveria ocorrer de fato a oferta do ensino médio, no caso dos alunos com

matrículas localizadas nas zonas rurais, se encontra com apenas 4,5% do

atendimento nessa dependência.

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No gráfico disponibilizado pelo censo escolar de 2017, em que constem essas

informações, estão dispostos os seguintes dados:

GRÁFICO 01 – Número de matrículas no ensino médio por rede de

ensino e localização

Fonte: Inep/MEC – Gráfico elaborado pelo censo escolar da educação básica de 2017 .

No que confere a rede federal isso se mostra mais preocupante, as mudanças

percentuais nessa rede são muito pequenas, em 1995 o número de matrículas se

encontrava em 2,1, e entre altos e baixos, chegou 22 anos depois (2017) com o

número de matrículas em 2,4. O Censo Escolar da Educação Básica, em

públicação da nota estatística dos dados, fazendo uma avaliação comparativa só

entre 2016-2017 relata que “a matrícula integrada à educação profissional cresceu

4,2% no último ano, passando de 531,843 em 2016 para 554,319 matrículas em

2017” (INEP/MEC, 2017). Se comparado ao ano anterior (2016) foi umas das redes

que mais cresceu em pontos percentuais. Entretanto, se esses dados forem

observados com maior amplitude em uma linha evolutiva das matrículas como

apresentado na tabela 01, podemos constatar que o crescimento foi ínfimo.

As redes estaduais, que são as que abarcam o maior contingente de alunos

no ensino médio, também aprensentou nos últimos anos movimento decrescente,

chegando em 2017com uma queda de 2,5 (p.p) se comparado ao ano anterior

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(2016),tendo o fatidico resultado de quase meio milhão de alunos evadidos, e com

apenas 2,5 milhões de alunos a mais se comparado a 1995, isso em um período de

22 anos.

Segundo as notas estatísticas do Censo Escolar 2017 “a queda observada

nos últimos anos se deve tanto a uma redução da entrada proveniente do ensino

fundamental [...] quanto pela melhoria no fluxo11 no ensino médio” (INEP/MEC,

2017).

Entretanto, dessas considerações apresentadas, o que obervamos no

movimento da realidade revelam outras premissas. Vinte e dois anos depois da

LDB/96, onze anos da EC nº 59/09 e 3 anos do PNE 2014/2024, o ensino médio

mostra que ainda é o maior gargalo da educação básica, tendo uma queda em 2017

para 7.930,384 de matrículas, o menor número de matrículas desde 1999.

De acordo com dados do Observatório do PNE, a taxa de escolarização de

jovens entre 15 e 17 anos tem crescido. Na educação básica encontrava-se em

2015 matrículados cerca de aproximadamente 8,3 milhões de alunos nessa faixa

etária, o que signifca dizer que 84,3% dos jovens entre 15 e 17 anos se

encontravam na escola, e pouco mais de 1,5 milhão estavam fora do sistema

educacional. Contudo, esses dados não refletem o número de alunos matrículados

no Ensino Médio, em outras palavras, não é necessariamente porque houve um

aumento da taxa de matrículas entre jovens de 15 a 17 anos na escola que

signifique que esses jovens estejam no ensino médio, e tal afirmativa encontra seu

fundamento ao observarmos os gráficos 2 e 3, disponibilizados no próprio site do

observatório.

11 A taxa de aprovação do ensino médio subiu 2,8 p.p. de 2013 a 2017.

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GRÁFICO 02 – Porcentagem de jovens de 15 a 17 anos na escola

Fonte: IBGE/Pnad –Gráfico elaborado pela autora

GRÁFICO 03 – Porcentagem de jovens de 15 a 17 no Ensino Médio

Fonte: IBGE/Pnad –Gráfico elaborado pela autora.

Esses resultados apontam para o fato de que houve um aumento nas

matrículas entre os jovens dessa faixa etária, fazendo com que fosse possível

alcançar com êxito o que havia sido estipulado como primeiro objetivo da meta 03 do

PNE/2014, no qual é proposto matricular todos os jovens de 15 a 17 anos na escola

até 2016. Contudo, nos mostra uma fragilidade no que se refere ao segundo

objetivo, que é o de garantir, até 2024, que 85% dos jovens de 15 a 17 anos estejam

no Ensino Médio, mostrando que apesar de 84.3% dos jovens entre 15 e 17 anos

estarem na escola, apenas 62,7% estão no ensino médio. Tais dados nos levam a

crer que de fato tem ocorrido umainserção desses jovens na escola, no entanto, os

Meta - 100%

2024

2019

84.3

15.7

Meta - 100%

2024

2019

22.3

62.7

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mesmos sujeitos inseridos, não estão chegando na última etapa, e ainda que

cheguem, não significa que irão conseguir concluí-la.Segundo dados do Inep, as

maiores taxas de reprovação se encontram exatamente no primeiro ano do ensino

médio, uma série muito pontual para que os estudantes possam prosseguir, como

podemos observar no gráfico 4.

GRÁFICO 04 – Taxas de Insucesso (Reprovação e Abandono) – 2017

Fonte: Mec/Inep/Deed/Indicadores Educacionais – Gráfico elaborado pela autora.

O gráfico mostra que existem dois grandes gargalostanto na entrada da etapa

final do ensino fundamental, quanto na etapa inicial do ensino médio. Os jovens se

veem retidos no ensino fundamental, o que gera grande desânimo nesses sujeitos

de prosseguirem com os estudos e promove a evasão de muitos ainda nas séries

iniciais, e, mesmo que passem para o ensino médio, o número de reprovação na

primeira série é bastante alto, o que evidencia a permanência do desafio da evasão.

Isso explica bem os gráficos do PNE em que são mostrados os aumentos

22.8

10.5

7.2 6.9

15.5

13.5

11.310.4

23.6

15.3

9.5

0

5

10

15

20

25

1 º EF 2º EF 3º EF 4º EF 5º EF 6º EF 7º EF 8º EF 9º EF 1ª Série 2ª Série 3ª Série

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consideráveis das matrículas entre jovens de 15 a 17 anos. Haja vista, tal êxito não

se e no ensino médio.

Segundo um estudo realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância

(Unicef), intitulado “Panorama da distorção de idade-série no Brasil” (2018), foi

identificado que existem no Brasil mais de sete milhões de alunos em situação de

“distorção idade-série”, e que desses, mais de dois milhões se encontram no Ensino

Médio, fazendo dessa, a etapa com mais alunos que tem dois ou mais anos de

atraso escolar, cerca de 28% dos jovens.

Desse ponto de vista, é possível assegurar que a expectativa projetada para

a meta 03 ainda se mostra distante, pois além da urgente necessidade de inclusão

de mais de 1,5 milhão de jovens que se encontram fora da escola, ainda urge a

superação da distorção entre idade e série, que é o principal fator contribuinte para

que os alunos não cheguem ao ensino médio e pra que os mesmos evadam.

Esse contingente de evadidos é muito alta segundo a pasta da Educação, o

equivalente a 11,2% abandonam as salas de aula. Voltamos a tabela 01 aqui

explicitada, em que podemos acompanhar essa queda, com 8,133 milhões de

matrículas em 2016, caindo para 7,930 milhões de matrículas em 2017. Segundo o

membro responsável pela Diretoria de Estatísticas Educacionais (DEED) do INEP,

Carlos Eduardo Moreno Sampaio12, relatou que essa queda nas matrículas ocorreu

por dois motivos: redução dos concluintes do Ensino Fundamental, e o alto

percentual de evasão de 11,2%. Ele diz que, “a taxa de evasão do Médio se

manteve em 2017, mas o dado positivo é que o número de concluintes da etapa

aumentou”.

Entretando, eis que se ponderar sobre esse “positivo” ao qual se refere o

representante do Inep. Considerando os dados apresentados, vimos que 21,2% dos

jovens que estão matriculados na Educação Básica, não estão no Ensino Médio,

que nesse conjunto, 11,2% acabam evadindo,o que resultado disso é 1,5 milhão de

jovens fora da escola. Nesse sentido, cabe dizer que com um déficit tão grande,

ainda que tenha havido um aumento no número de concluintes, o quantitativo de

alunos que veem se formando no ensino médio ainda é baixíssimo, e na busca de

mais dados nos é revelado que além dos fatores ligados a taxas de reprovação,

12 A fala de Carlos Moreno foi feita durante a apresentação dos dados da edição 2017 do Censo Escolar no dia 31/01/2018 – disponível no site do Inep.

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esse números de evasão também estão relacionados a aspectos de condições

econômicas e socias, e qualidade da educação.

Segundo a pesquisa Educação 201713 realizada pelo IBGE e divulgada

recentemente, dos 5.871.191 de jovens matrículados no ensino médio com a idade

certa, apenas 1.951.586 concluem até os 19 anos. Esses dados ficam mais crueis

quando pensado no contexto das distorções de idade-série. Os principais motivos

relacionados a interrupção dos estudos apresentados pela pesquisa foi o de

ocupação (trabalho), uma média de 35,0% estão ocupados e não estão estudando.

A pesquisa revelou também que há um perfil desses jovens que abandonam a

escola para poder trabalhar. Na grande maioria, são homens, negros e com mais de

18 anos. Veja o gráfico disponibilizado na pesquisa.

GRÁFICO 05 - Distribuição das pessoas de 15 a 29 anos de idade, segundo a

condição de estudo e a situação na ocupação

Gráfico elaborado pelo IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento,

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2016-2017

Desse modo, podemos compreender de qual perfil de pessoas estamos

falando quando nos referenciamos aos evadidos, aos alunos que se encontram em

distorção de idade-série, e aqueles que se quer estão matrículados, e pelo mesmo

13 Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua) para evidenciar o panorama da educação básica e o problema do analfabetismo no Brasil.

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binóculo podemos ver quem são os concluintes que estão inserido no resultado

“positivo” que expressou o representante do Inep. Não poderia deixar de agregar a

esse quadro a relação de classe em que esses mesmo sujeitos estão inseridos.

Com base nos dados do Censo Demográfico do IBGE 2010, constatamos de que

classe são os jovens que se contram fora da escola.

GRÁFICO 06 – Pessoas que não frequentavam a escola na população de 15 a

17 anos de idade por classe de rendimento nominal mensal domicilar per

capita, segundo grupos de idade – Brasil – IBGE – 2010

IBGE- Censo demográfico 2010 – Gráfico elaborado pela autora

Segundo os dados apresentados, 21% dos jovens fora da escola não

possuem rendimento ou se encontram em famílias em que a renda per capta não

ultrapassa ¼ do salário mínimo.Isso reflete o quadro cruel de como a grande maioria

da classe trabalhadora mais pobre tem frequentado as escolas públicas. Jovens

homens, negros dos estratos sociais mais baixos, estão, em maioria esmagadora,

fora das salas de aula. Isso se aprofunda mais ainda quando pensamos no contexto

das zonas rurais. A realidade vai revelando que as desigualdades sociais influem

fortemente na sobre a permanencia (ou a não permanencia) da classe trabalhadora

na escola pública, que por falta de condições econômicas não tem como manter

seus filhos na escola, fazendo com que esses jovens precisem trabalhar cada vez

mais cedo para auxiliar na renda e garantir o sustento da família. Nessa relação de

M A I S D E 3 S A L Á R I O S M Í N I M O S

M A I S D E 2 A 3 S A L Á R I O S M Í N I M O S

M A I S D E 1 A 2 S A L Á R I O S M Í N I M O S

M A I S D E 1 / 2 A 1 S A L Á R I O M Í N I M O

M A I S D E 1 / 4 A 1 / 2 S A L Á R I O M Í N I M O

S E M R E N D I M E N T O A 1 / 4 D O S A L Á R I O M Í N I M O

6.4

9.2

13.4

16.6

18.7

21.1

JOVENS DE 15 A 17 ANOS

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disparidade econômica e de classes, são os direitos dos jovens trabalhadores a uma

educação pública, gratuita e de qualidade que são solapados.

Todo esse cenário reforça a importância do nosso debate, de que garantir os

direitos por vias legais é fundamental, e tem que ser o primeiro passo. Mas ter essa

garantia na letra da lei não significa a sua efetivação, tampouco a sua oferta para

todos com equidade. Falar de uma educação com qualidade, que garanta o acesso,

a permanência e que seja emancipadora, como prevista na CF88, quando posta

dentro de uma sociedade pautada na desigualdade de classes,necessita de

elementos para sua materialidade que estão muito além dos muros da escola.

O Governo Federal no entanto parece acreditar que os números e as

avaliações são capazes de direcionar um caminho melhor para a solução de

problemas estruturais. Alguns índices de avaliações relacionadas a qualidade do

ensino público que sairam nos dois últimos anos (2017-2018) foram fundamentais

para solidificar e justificar as mudanças que estão para ser implementadas no

Ensino Médio.

Um desses indices foi o IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação

Básica – que é divulgado todo ano pelo ministério da Educação e pelo Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). No caso de

2018 os resultados foram deficitários. A meta que era projetada para 4,7 não foi

atingida por nenhum dos 27 estados brasileiros e Distrito Federal. O estado que

chegou mais próximo de atingir a meta foi o Espírito Santo com 4,4, seguindo por

Goiás (4,3), São Paulo (4,2), Pernambuco, Ceará, Santa Catarina e Distrito Federal

(4,1) e por último Paraná e Rondônia (4,0). Na média nacional o IDEB foi de 3,8.

O Ideb tem seu cálculo estatístico feito através dos resultados do Saeb –

Sistema de Avaliação da Educação Básica – e do Censo Escolar da Educação

Básica. O Censo, como já explicitado na tabela 01 e no gráfico 04, apresentou uma

grande queda no número de matrículas, com 2,5 (p.p) de diferença entre 2016 e

2017, e as taxas de insucesso correspondentes a reprovação e abandono ficaram

elevadas em 11,2%. Em sequência, os resultados do Saeb também se

apresentaram bem problematicos em 2017. A Prova Brasil, cujo as avaliações nas

áreas de Língua Portuguesa e matemática são os componentes que gera os

resultados do Ideb e que fazem parte do Saeb, classificou o Ensino Médio com nível

2 de proficiência, indicando que 7 em cada 10 alunos que concluem o ensino médio

não tem conhecimento suficiente em português e matemática. Em números isso

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significa que 71,67% dos alunos têm níveis insuficinetes em matemática e, 23%

estão no nível 0 da escola de proficiência, e 70,88% dos alunos têm nível

insuficientes em português, sendo 23% com nível 0. Na média nacional, só 4% dos

alunos no ensino médio têm conhecimento adequado.

Dessas considerações revelam-se premissas circunstanciais que se fazem de

extrema importância para entender o contexto atual de reformas. De acordo com as

falas do ministro da Educação à época Rossieli Soares, o ensino médio “está falido”,

e tende a chegar ao “fundo do poço”. É um modelo que não está agregando

conhecimento aos alunos, e por isso necessita de reformas.

Essa fala de Rossieli expressa a discurso que endossa e justifica as

mudanças que são propostas pela administração de Michel Temer (MDB). A grande

aposta do MEC nessa administração para reverter esse quadro de probemas do

ensino médio foi a educação em tempo integral e os novos programas e políticas

que já estão sendo anunciados desde 2016, são eles: Reforma do Ensino Médio,

nova Base Nacional Comum Currícular (BNCC), Programa Mais Alfabetização e

Residência Pedagógica. Portanto, as mudanças propostas tem o objetivo de

impactar o currículo, a estrutura e organização do modelo de Ensino Médio, é

provavelmente também vai apresentar efeitos na formação inicial e continuada do

professor e nos livros didáticos.

A proposta de organização das escolas para tempo integral, é algo já previsto

da LDB/96 e no PNE/2014-2024 para ser realizado progressivamente, de modo que

fosse sendo implementado conforme a demanda, especificidade e possibilidades de

cada lugar. No entanto, essa implementação tem sido realizada de modo aligeirado,

já que foi posta como prioritária na Lei 13415/2017da reforma do ensino médio. Na

contramão da queda do ensino médio regular, o ensino médio em tempo integral

teve uma alta,as matrículas nessa modalidade apresentaram um aumento de 20,3%

em 2017, representando um total de 7,9% das matrículas nessa etapa do ensino, em

2016 o número era de 6,4%. A meta 6 do PNE estabelece que deve ser ofertada

educação em tempo integral em 50% das escolas públicas até 2024, alcançando

pelo menos 25% dos alunos da educação básica nesse mesmo ano, se mantido

esse mesmo fluxo de crescimento, a estimativa é de que 95% da meta seja

concluida até a data final do PNE 2014/2024.

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94

A tabela a seguir apresentada pelo Censo Escolar 2017 mostra a evolução

dos números de matrícula nessa modalidade.

TABELA 02 - Evolução do número de matrículas no ensino médio por

dependência administrativa, segundo a duração do turno de escolarização -

Brasil - 2013-2017

Tabela elaborada pelo - MEC/Inep/DEED – 2017.

A modalidade foi uma das apostas do governo Michel Temer para alavancar a

qualidade da etapa, e o fato de apresentar bons números nos índices da educação

básica, parace cimentar a ideia de qualidade atrelada a educação em tempo integral

defendida e implementada pelo administração de Temer. Outro fator que corroborou

para justificar a eficácia da reorganização do tempo e do funcionamento das escolas

foi o Ideb, que se observado os dados que explicitamos anteriormente, é

evidenciado que, dos estados que tiveram melhores colocações em 2017 no Ideb,

Espírito Santo, Goiás, São Paulo e Pernambuco, são, por acaso, os estados com

maior destaque na implementação de programas em tempo integral.

Mediantea esse contexto e aos dados apresentados até aqui, é possível

concluir que o acesso a escola em tempo integral tende a ser desigual pois, os

jovens de estratos sociais mais baixos que não conseguem se manter na escola de

tempo regular, não terão condições de se manterem na escola em dois turnos. O

que cabe dizer que os problemas relacionados a evasão e a inserção desses jovens

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não sofrerá grandes impactos, a escola me tempo integral, nessa lógica, atendem

aos alunos com melhor situação socioeconômica.

O coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara,

ao ser referenciado em uma reportagem da Folha de S.Paulo 14 que tratava da

questão do número de evadidos do ensino médio diz que, "os governos consideram

que incluir esses jovens é um problema, porque a inclusão tende a reduzir o

desempenho nas avaliações de larga escala. Quando eles entram no sistema,

chegam com déficit.”

Concordamos com Cara, e defendemos na perspectiva desse trabalho que as

ações pautadas apenas em dados tem se mostrado excludente com aqueles que

mais interessam estarem sendo inseridos, e no que tange o currículo, o que se vê é

uma grande preocupação quanto a reforma e a nova BNCC, se as mesmas poderão

fornecer uma formação que atenda as necessidades dos jovens e que os prepare

intelectualmente de forma emancipatória para a transformação da realidade a para a

concorrencia condições menos desiguais para o mundo do trabalho. No entanto,

essa lógica, quando confrontada com os dados mostra que os problemas com

acesso, permanência e qualidade estão longe de encontrarem solução.

Esses problemas apresentados e que se materializam em dados, tem raízes

em um longo processo histórico, que desenvolveu para a educação pública brasiliera

um ensino médio com inúmeras fragilidades. Como citado na epígrafe da primeira

seção “A Crise da Educação no Brasil não é uma Crise, é um Projeto" (Darcy

Ribeiro, 1977).

No subcapítulo a seguir discutiremos o processo de construção histórica do

ensino médio. Nele, buscamos compreender como se configurou essa etapa do

ensino, e de qual modo os problemas que o atinge na atualidade já se mostravam

sendo pautados há muito tempo.

14 Link para a reportagem com a referência de Daniel Cara: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2018/01/1954625-ensino-medio-perde-alunos-apesar-de-pais-ter-15-mi-de-jovens-fora-da-escola.shtml

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3.2 EDUCAÇÃO BÁSICA E PROJETO DE SOCIEDADE: EM QUE ESTA PAUTADO

O ENSINO MÉDIO NO BRASIL

“[...] que o caminho do futuro seja aquele que o passado nunca soube percorrer” (MANACORDA, 2006, p.360).

De acordo com Saviani (2013), para que se possa entender a legislação do

ensino, ou consequentemente a política educacional que dele se origina, é

fundamental que seja feita uma análise de como “o produto foi produzido” e quem

são os sujeitos que o produz. Nesse diapasão, não só concordamos com o referido

autor, como compreendemos que é central para desenvolvimentos desse trabalho

que os aspectos históricos sejam revisitados e articulados aos movimentos que se

materizam atualmente na realidade da educação pública e especialmente no ensino

médio e na modalidade de educação (em tempo) integral.

Esse subcapítulo será discutido em duas seções. A primeira, se tratara de

uma revisão histórica da trajetória do ensino médio no Brasil, apresentando os

contextos sociopolítcios e os princípios que regimentavam a educação nos seus

diferentes períodos. Nessa seção demos ênfase ao curriculo, trabalho docente e aos

princípios formativos. Na segunda seção apresentaremos uma breve revisão do

histórico da educação (em tempo) integral de modo mais específico, para poder

trazer à luz como a educação (em tempo) integral foi se constituindo historicamente

e para compreendermos de que tipo de educação e formação estamos falando.

Adotando uma perspectiva histórica, partimos da década de 1930, momento

em que ocorre no Brasil um forte processo de industrialização que acaba por

estabelecer, mediante a necessidade de mão de obra para o mercado, a dualidade

da educação, que emerge nessa época com um ensino profissional e utilitarista

voltado para a formação das massas populares com o objetivo de atender aos

interesses e demandas do setor econômico (FERREIRA, 2017).

No entanto, para melhor introduzir e contextualizar essas mudanças que

ocorrem a partir da década de 1930, falaremos muito brevemente, sem a intenção

de aprofundamento, de como estava pautada a educação no período que antecede

ao do nosso recorte, apenas para efeito de melhor compreensão do tempo histórico.

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3.2.1 Revisão Histórica: A trajetória do Ensino Médio no Brasil

Preliminarmente, enfatizamos ser o processo geral e histórico de produção do

capitalismo e os interesses de um determinado grupo social, a classe

burguesabrasileira, o pano de fundo das nossas reflexões, visto que são, esses

mesmos interesses, que marcaram as reformas políticas e educacionais no Brasil.

Desse modo, demostramos nessa seção um breve percurso do Ensino médio

no Brasil, denotando algumas características do início do século XX, no entanto,

dando ênfase ao processo histórico iniciado a partir da década de 1930, cujo os

motivos da delimitação já foram explicitados. Priorizamos também as configurações

curriculares e o trabalho docente, sob o prisma do princípio pedagógico resultante

das estruturas sócio-políticas e econômicas, por considerar serem essas

observações fundamentais para compreensão futura do status quo da nosso objeto

de investigação, o trabalho docente no programa “Escola Viva”.

O Ensino Secundário, nome dado a etapa do Ensino Médio até meados do

século XX, era de ingresso quase que restrito de alguns grupos socias. Esses

grupos, pertencentes ao que seria naquela época a classe média urbana, eram

basicamente membros de famílias de grandes comerciantes, profissionais liberais

oriundos da burguesia emergente e os herdeiros das oligarquias agrárias.

Segundo Souza, essa estrutura educacional pensada para o Ensino

Secundário, que tinha em vista o ensino superior, sinalizava para “manutenção de

uma alta cultura assentada sobre a conciliação precária entre os estudos literários e

científicos” (2008, p.89), estando sempre os estudos literários sobrepostos aos

científicos, já que, sob o olhar da elite burguesa à época, não lhes era interessante

um ensino direcionado ao mundo do trabalho, visto que essa, era uma escola que

formava a classe dirigente, ou seja, os patrões.

Nessa época, a pedagogia era marcada por um ensino verbalista, com

exames que exaltavam, sobretudo,o mérito. O currículo por sua vez, tinha como

prevalência o ensino das artes (desenho) e o ensino de latim e línguas modernas.

Durante um tempo, o Ensino Secundário chegou inclusive a certificar com o grau de

Bacharel em Ciências e Letras os seus concluintes. A escola, e o seu currículo,

eram a representaçãomáxima do predomínio da burguesia na sociedade à época.

As escolas públicas, local em que hoje a classe trabalhadoramantém em grande

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parte os seus filhos, era, desse modo, um espaço privilegiadoede perpetuação dos

costumes da elite brasileira (SOUZA, 2008).

Essa relação da escola pública e dos seus ingressantes é inclusive um

aspecto interessante de ser posto à reflexão. Nesse período, ocupadas as escolas

públicas pelos filhos da elite burguesa, era notável a diferença no que diz respeito a

qualidade do ensino e o trato com a coisa pública. Hoje, em um movimento

contrário, onde quem ocupam esses espaços são os filhos da classe trabalhadora, a

escola vem passando por um profundo processo de sucateamento, precarização e

desqualificação, não apenas do aparato público, mas também do serviço prestado,

ou seja, o trabalho docente.

Dando continuidade a trajetória do Ensino Médio, a partir da década de 1930,

com o crescimento urbano e o recrudencimento do processo de industrialização,

resultado do avanço tecnológico iniciado em 1870 com a segunda Revolução

Industrial, as relações de trabalho passam a ser profundamente modificadas. Com o

agigantamento e fortalecimento de seguimentos industriais de grande porte, como

automobilísticas, siderúrgicas, petroquímicas e metalúrgicas, o setor de serviços se

tornou uma realidade ainda maior e passou a demandar cada vez mais de mão de

obra qualificada para o mercado latente.

Nesse cenário de carência de mão de obra qualificada para o mercado, surge

uma nova escola secundária, que agora, passa a atender as classes populares

trabalhadora, e que, consequentemente com a sua adesão, causa um reverse no

currículo escolar. Um novo modelo de Ensino Secundário direcionado para o mundo

do trabalho emergiu e implicou em “(..) uma adesão total aos estudos científicos em

substituição às humanidades” introduzindo no universo educacional brasileiro um

“(...) ensino técnico profissional marcadamente vinculado à formação dos

trabalhadores e das camadas populares” (SOUZA, 2008, p. 132).

Um grande movimento envolvendo a classe burguesa e educadores da época

se inicia por conta desse processo. De um lado havia uma grande resistência pelas

elites, que não viam nessa formação para o trabalho um modelo adequado de

educação para os seus filhos, e, por outro lado, os educadores liberais da época que

questionavam o caráter extremamente profissionalizante e vazio do que eles

chamavam de “reestruturação do Ensino Secundário”. Todavia, os interesses do

capital sobrepujaram toda e qualquer outra necessidade de se ofertar uma formação

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mais integral, mais desinteressada das questões do mercado e mais interessada na

formação humanística (AZEVEDO, 1960).

A partir desse período inicia-se uma nova fase do Ensino Secundário,

grandes mudanças e reformas são colocadas em marcha no campo educacional, e a

mais importante para esse contexto de dualidades em que passaria a viver a

educação pública brasileira foram sem dúvidas as Reformas de Capanema. No

entanto, antecedendo este momento, é preciso fazer uma breve menção as

“Reformas de Francisco Campos”, uma das primeiras investidas reformistas no

campo da educação do governo, ainda provisório naquele momento, de Getúlio

Vargas.

Já findando o ano de 1930, durante o governo provisório de Getúlio Vargas,

foram empreendidas algumas mudanças de caráter muito significativos para

entender a construção da educação básica, e principalmente, do Ensino Médio no

Brasil. Como marco inicial desse período, temos a criação do Ministério da

Educação e da Saúde Pública, que teve como primeiro titular a frente do ministério a

figura de Francisco Luís da Silva Campos, advogado, professor, jurista e político

brasileiro (PRM), relator da reforma e pessoa a quem é atribuído o nome da mesma

em homenagem.

A reforma feita por Francisco Campos não rompeu, ou alterou

substancialmente, a hegemonia burguesa arraigada na educação pública, no

entanto, ela foi fundamental para modernizar a educação e reorganizar o ensino

secundário, a reforma foi oficializada pelo Decreto nº 18.890, de 18 de abril de 1931,

sendo definitivamente efetivada pelo Decreto nº 21.2141, de 4 de abril de 1932

(BICUDO, 1942, p. 9-51; MORAES, 2000, p. 216-232).Essa modernização da

educação em nível nacional estabeleceu uma série de estratégias educacionais que

fixavam mudanças no ensino secundário dando a ele organicidadee modificando o

que Dallabrida (2008, p.186) chamou de “cultura escolar”, fator que, segundo o

autor, rompeu com estruturas que eram seculares nessa etapa do ensino.

A primeira mudança fixada foi a expansão do número de anos em que se

cursaria essa etapa escolar, que passou de cinco para sete anos de duração, e a

divisão dessa etapa em dois ciclos. A primeira etapa do ciclo, ao qual foi chamado

de “fundamental”, tinha a duração de cinco anos, era direcionado a todos os

secundaristas e tinha um caráter formativo geral. A segunda etapa do ensino,

chamada de “ciclo complementar”, tinha o caráter formativo propedêutico e se

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direcionava especificamente para a instrução dos alunos que buscavam o ensino

superior. Como nos apresenta Dallabrida (2008), é possível observar que havia um

núcleo pequeno e limitado dos cursos a serem ofertados. O autor diz,

A segunda fase do ensino secundário, o “ciclo complementar”, formado por dois anos, era propedêutico para o curso superior e apresentava um leque de três opções: “para os candidatos à matrícula no curso jurídico”, “para os candidatos nos cursos de medicina, farmácia e odontologia” e “para os candidatos nos cursos de engenharia ou de arquitetura”. (...) O ensino secundário que surgia no início da década de 1930 era um ciclo de estudos longos e teóricos, que contrastava com os estudos curtos e práticos do ensino técnico-profissional ou normal(DELLABRIDA, 2008, p.182).

Nesta sentido, Nunes (1962), citado por Dallabrida (2008, p.187), contribui

dizendo que: “O caráter enciclopédico de seus programas a tornava [a Reforma

Francisco Campos] educação para uma elite, que, naquela conjuntura da vida

brasileira, podia dar-se ao luxo de levar cinco anos formando sólida cultura geral.”

Nesta linha argumentativa, é propicio pensar como o contexto desse momento

histórico do ensino secundário evidenciam importância de se conhecer os ideais que

mobilizam uma reforma e a consequencia dela para os que nela não veem a

condição de serem inseridos. Nesse caso, o aumento do número de anos imprimiu

um carater extremamente eletista, que, mesmo anunciando-se com um discurso de

mudança que beneficiaria todos os estudantes secundaristas em todo o território

nacional, acabava por meio de medidas como essa perpetrando um modelo de

escola pública que tinha como prioriodade a formação das elites dirigentes que

miravam o ensino superior.

A segunda medida importante implementada pela Reforma de Francisco

Campos foi a normatização de um quantitativo obrigatório de presença dos alunos,

que ficou estabelecido em no mínimo três quartos das aulas. A presença obrigatória

é explicitada de modo claro no artigo 33 do decreto, que diz: “Será obrigatória a

frequência das aulas, não podendo prestarexame, no fim do ano, o aluno cuja

frequência não atingira três quartos da totalidade das aulas da respectiva série”

(BRASIL, 2007, p. 5).

Além da obrigatoriedade na presença, é implementado a partir do art. 35

doDecreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931, um rígido e estruturado sistema de

avaliação discente, que expressa o oposto do antigo sistema de cursos

preparatórios e exames parcelados, em que o aluno só fazia uma avaliação ao final

de cada disciplina. Nesse novo sistema de avaliação, o aluno prestaria durante o

ano letivo quatro provas discursivas em cada uma das disciplinas e, em caso de

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reprovação, teria direito aos exames finais, que consistia em uma prova oral que o

aluno faria perante uma banca examinadora que contaria com dois professores do

colégio e seria presidida pelo inspetor federal. Além desses exames, os alunos ainda

poderiam realizar mais um último exame, uma segunda tentativa, caso não

atingissem a meta estipulada. Desse modo, a partir de um longo processo avaliativo,

o ensino passava a constituir um sentindo regulador e progressivo (DELLABRIDA,

2008).

Para complementar essa restruturação projetada para o campo formativo,

outro elemento que passa a compor a reforma é a uma seriação anual das

disciplinas que seriam ministradas em cada um dos ciclos. No primeiro ciclo, o

fundamental, estaria seriada nos cinco anos as seguintes disciplinas: História da

Civilização, Geografia, Desenho, Português e Matemática. Havia também a divisão

de algumas disciplinas que eram ofertadas somente em uma determinada série, por

exemplo, Ciências Físicas e Naturais eram previstas para as 1ª e 2ª séries, e Física,

Química e História Natural para as outras três séries finais do fundamental.

Os cursos complementares, que intuíam a formação dos alunos direcionados

aos cursos superiores, apresentavam conteúdo específico para cada ramo. Sendo

assim, Física, História Natural e Química constituíam o currículo para o ingresso em

Medicina, Farmácia e Odontologia; Latim e Literatura o currículo para o ingresso no

curso de Jurídicas; e Matemática para o ingresso em Engenharia e Arquitetura.

Segundo Dellabride, essa “seriação do conhecimento escolar tinha o intuitode

enquadrar o aluno secundarista, procurando coibir oaprendizado avulso

característico do regime de cursospreparatórios e de exames parcelados” (2008,

p.188).

Um último elemento muito importante que foi articulado ao aumento dos anos,

a obrigatoriedade da presença, sistema de avaliação e seriação das disciplinas foi a

criação de um órgão que viesse a servir como um fiscalizador desse conjunto de

medidas. Previsto no decreto nº18.890, de 18 de abril de 1931, a respeito disso fica

exposto no “Título II – Inspeção do Ensino Secundário”, que o monitoramento das

escolas seria realizado de modo sistemático e acurado (BRASIL, 2007, p. 6-10 apud

DALLABRIDA, 2008, p.188). Dellabrida acrescenta mais,

O Ministério da Educação e Saúde Pública criou o “serviço da inspeção aos estabelecimentos de ensino secundário”, subordinado ao Departamento Nacional de Ensino, que passou a operacionalizar a fiscalização nesse nível de escolarização no território nacional. Os estabelecimentos de ensino secundário eram livres para se estabelecer, mas passaram a ser

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submetidos à “inspeção preliminar”, por um prazo não inferior a dois anos, e, posteriormente, à “inspeção permanente ou equiparação” (2008, p.188).

Segundo o Dallabrida, uma consequência positiva desse processo foi a

abertura considerável de novas instituições por todo o território nacional, que com

“aliberdade de instituir estabelecimentos deensino secundário sob inspeção do

Ministério da Educação e Saúde Pública” (2008, p.189)deu início a um movimento,

ainda que muito tímido e lento, de inserção da classe média no espaço escolar

público brasileiro, terreno esse que até então era pisado somente pela aristocracia

nacional.

Em suma, a Reforma Francisco Campos teve a finalidade de estabelecer uma

lógica de procedimentos didático-pedagógicos que, além de homogeneizar o ensino

por todo o território nacional, tinha também o intuito de fortalecer a (re)produção de

um pensamento coletivo nos estudantes do que Bourdieu (1979), citado por

Dallabrida (2008, p.189), chamou de “habitus burguês”.

A Reforma no seu campo mais estrito, poderia ser considerada um conjunto

de medidas, formando um sistema, no seu sentido formativo, que seria entendido

como a superação de um modelo de educação ultrapassado e a defesa de uma

formação integral, abrangendo os saberes intelectuais, físicos e patrióticos,

direcionada prioritariamente a elite dirigente que eraendereçada ao ensino superior

(DALLABRIDA, 2008).

Mas de modo mais amplo, as Reformas de Francisco Campos “fixou uma

nova agenda para osestabelecimentos de ensino secundário no Brasil, em quea

tônica fosse o incitamento dos estudantes ao trabalho regular, progressivo e

produtivo, consolidando o espíritoburguês na cultura ginasial e colegial”

(DALLABRIDA, 2008, p.190). Essa modernização do ensino secundário, que

agradou imensamente a elite do país, foi fundamental para preparar o terreno para

os passos seguintes, o rearranjo realizado pela Reforma Capanema, também

conhecida como Lei Orgânica do Ensino Secundário de 1942, que, seguindo a

mesma lógica burguêsa e nacionalista, agregou ao ensino secundário algumas

novas nuances como a profunda dualidade do ensino que passa a ser

institucionalizada a partir desse período.

A Reforma Capanema, em vigor de 1942 a 1946, caracterizou-se por um

conjunto de Leis Orgânicas (Decretos-Leis), elaboradas e instituídas pelo ministro da

educação e saúde pública (MESP) à época, Gustavo Capanema (ARENA). As Leis

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orgânicas equivalem ao que são as Medidas Provisórias hoje. Nesse período o

Brasil vivia um regime ditatorial conhecido como Estado Novo (1937 a 1946), que

era chefiado pela figura de Getúlio Vargas. É importante salientar esse contexto em

que se deram as leis orgânicas, visto que, a conjuntura que configurava a política

naquele momento influenciou de forma expressiva as reformas do ensino secundário

com concepções bastante “fascistas”, tipicas de governos autoritários como foi o de

Getúlio Vargas (ROMANELLI, 2005).

As leis orgânicas (Decreto-Lei) instituídas por Capanema no ensino

secundário cria as seguintes modalidades:

Leis: 1) Decreto-Lei nº 4.048, de 22 de janeiro de 1942, que cria o SENAI; 2) Decreto-lei nº 4.073, de 30 de janeiro de 1942: Lei Orgânica do Ensino Industrial; 3) Decreto-Lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942: Lei Orgânica do Ensino Secundário; 4) Decreto-Lei nº 6.141, de 28 de dezembro de 1943: Lei Orgânica do Ensino Comercial; 5) Decreto-Lei nº 8.529, de 2 de janeiro de 1946: Lei Orgânica do Ensino Primário; 6)Decreto-Lei nº 8.530, de 2 janeiro de 1946: Lei Orgânica do Ensino Normal;7) Decreto-Lei nº 8.621,de 10 de janeiro de 1946, que cria o SENAC; 8) Decreto-Lei nº 9.613, de 20 de agosto de 1946: Lei Orgânica do Ensino Agrícola(SAVIANI, 2007,p. 254).

Esses oito decretos que constituíram a Reforma Capanema foram sendo

implantados parcialmente, sendo emitidos do início do Estado Novo, em 1937, tendo

em 1942 iniciada a reforma do Ensino Secundário com o primeiro Decreto-Lei e

terminando com a implementação dessas reformascom último decreto, o da Lei

Orgânica do Ensino Agrícola, apenas em 1946.

Os decretos se referiam a cada esfera do ensino de modo isolado, o que

concedeu um caráter bem específico aos diferentes ciclos formativos, essas

diferenças também serviram para colocar em oposição o ensino secundário e o

ensino profissional. Pautado na divisão social de classes, a Reforma Capanema

consolidou na educação básica, principalmente na etapa que corresponde ao ensino

médio, um profundo dualismo. O decreto-lei de número 4.244, de 9 de abril de 1942

do ensino secundário, se traduz na perpetuação revigorada da formação das elites

condutoras, assim chamada pelo ministro, que explicita bem na sua exposição de

motivos o teor dessa reforma. Capanema diz,

O ensino secundário se destina à preparação das individualidades condutoras, isto é, dos homens que deverão assumir as responsabilidades maiores dentro da sociedade e

da nação, dos homens portadores das concepções e atitudes espirituais que é preciso

infundir nas massas, que é preciso tornar habituais entre o povo. (BRASIL, 1942, p.

1).

As leis orgânicas reforçam a formação intelectual, física e patrióticados

homens que tem a responsabilidade de assumir o comando da nação, segundo

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Capanema, e institucionalizam uma formação de saberes gerais e práticospara

aqueles a quem cabem a responsabilidade, enquanto dominados, de servirem como

mão de obra. É a expressão do trabalho intelectual versos trabalho manual

(SAVIANI, 2007).

A fala do ministro denota de maneira clara qual era a intenção do ensino

secundário e a quem ele se destinava. Além do fortíssimo estimulo ao patriotismo,

ao delegar aos sujeitos formados nessa modalidade de ensino a responsabilidade

pela nação, o ensino secundário fazia-se valer de um conjunto de elementos

formativos e ideológicos que tinham como proposito formar sujeitos que ocupassem

os mais altos cargos do país, e para isso, o Decreto-lei nº4.244, de 09 de abril de

1942 explicitava algumas finalidades do ensino secundário e enfatizava o

prosseguimento para a formação superior dos egressos do ensino secundário.

1. Formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário, a personalidade integral dos adolescentes. 2. Acentuar e elevar, na formação espiritual dos adolescentes, a consciência patriótica e a consciência humanística. 3. Dar preparação intelectual geral que possa servir de base a estudos mais elevados de formação especial (art. 1º)

É importante asssinalar também alguns outros aspectos que diferiam as

modalidades de ensino secundário e profissional. O ensino secundário apresentava

o curso ginasial, uma etapa do ensino de formação mais geral, que tinha duração de

quatro anos e antecedia o curso colegial de três anos. O colegial dividia-se em dois

tipos de curso: O colegial clássico, com contava no currículo com Línguas

estrangeiras (Grego e Latim) nos 3 anos, Física, Química e Filosofia nos 2º e 3º

anos e História Natural apenas no 3º, nessa modalidade os alunos não cursavam a

disciplina de desenho. E tínhamos também o colegial científico, que contava com

Química e Física nos 3 anos, História Natural nos 2º e 3º anos e Filosofia apenas no

3º ano, nessa modalidade não cursavam as disciplinas de Latim nem Grego. Haviam

também as disciplinas que eram comuns aos dois cursos que eram: “Português,

Matemática, Francês, Inglês, Espanhol, História Geral, História do Brasil, Geografia

Geral e Geografia do Brasil” (PILETTI, 1996, p. 90).

A educação técnico-profissional objetivava à formação de trabalhadores, e se

resumia a quatro decretos que, alinhados aos interesses globais do mercado e da

economia, configuraram-se nos cursos de Ensino Industrial, Ensino Comercial,

Ensino Agrícola e o Ensino Normal, esse último com uma característica bem

especifica, pois destinava-se apenas as mulheres para a formação de professoras,

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e, apesar de compor a formação profissional, tinha um caráter elitizado. Os decretos

foram implementados respectivamente na ordem apresentada e os cursos tinha a

duração equivalente à do ensino secundário, e também era desenvolvido em dois

ciclos. O ensino fundamental (ginasial) de quatro anos, e o ensino técnico (colegial)

de três anos, sendo o último divido nas três modalidades já supracitadas

(ROMANELLI, 2005).

Segundo Piletti, evidencia-se nas Leis Orgânicas do ensino técnico

profissionalizante um perfil formativo com um modus operandi bem especifico que

direciona as modalidades todas para um mesmo caminho: “1) Formação de

profissionais para suprir as necessidades de setores específicos; 2) Proporcionar

aos jovens e adultos não diplomados a qualificação técnica e profissional necessária

para o aumento da eficiência e produtividade; 3) Dar suporte de capacitação a

profissionais diplomados e habilitados” (1996, p. 91).

Uma característica que era fundamental a esse sistema dualista que, segundo

Saviani (2007), alijava o ensino secundário, “destinado às elites condutoras”, do

ensino profissional, “destinado ao povo conduzido”, eram, além dos itinerários

formativos diferentes e os princípios e ideologias que embasavam os currículos, a

severa restrição de acesso ao ensino superior, permitido apenas ao ensino

secundário.

Em suma, a Reforma Capanema evidenciava um caráter corporativista, que

imprimia uma ideologia autoritária, elitista, centralizadora e dogmática, proveniente

do contexto que a mesma foi elaborada. Esse elementos serviam como viga mestra

de um estatuto pedagógico que não considerava a visão dos educadores, muito

menos da opinião pública. Com decretos, que assinala Saviani, “vinculava

estreitamente cada ramo ou tipo de ensino às profissões e ofícios requeridos pela

organização social” (2007, p. 269).

Apesar de surgirem ao longo dos anos algumas medidas paliativas que

contribuíram para inserção de jovens estudantes advindos dos cursos

profissionalizantes, como é o caso das Leis de Equivalência, a Reforma Capanema

perdurou com sua estrutura profundamente dualista até a publicação da Lei

4.024/61, primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, que começou a

promover, ainda que timidamente, mudanças no cenário educacional brasileiro

(MANFREDI, 2002).

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A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei nº 4.024/1961

(LDB/61) - foi um marco para a etapa do ensino médio e para educação básica

como um todo. As tentativas de se conciliar uma formação humanista com uma

formação para o trabalho, fosse essa conciliação no campo da diplomação ou na

articulação do currículo, parecia algo quase impossível dentro da realidade

conjuntural brasileira após tantos anos de uma política educacional afundada no

dualismo gerado pelas leis orgânicas de Capanema. No entanto, a LDB/61 se

apresentou como uma prerrogativa para mudanças significativas no campo formativo

do ensino médio. A lei, dentre algumas modificações de grande relevância,

estabelecia uma nova composição, agora mais abrangente, dos ciclos, que

consequentemente resultaram em uma nova configuração do currículo (SOUZA,

2008).

No Art. 34 da lei 4.024/61, é posto que o Ensino Médio, agora abrangendo os

cursos de secundário, técnico e normal, entre outros, seria realizado em apenas dois

ciclos, ginasial e colegial, ou seja, o colegial que antes era dividido em várias

modalidades nos diferentes cursos, agora vai ser apenas o colegial, de modo

equivalente, para todos. O currículo a partir disso passa a adquirir uma organização

cientifica e técnica, segundo o Art. 46, em seu § 2º, “terceira série do ciclo colegial

será organizada com currículo diversificado, que vise ao preparo dos alunos para os

cursos superiores e compreenderá no mínimo, quatro e, no máximo, seis disciplinas,

podendo ser ministrada em colégios universitários” (PETERLE, 2016, p.91).

Logo de início a LDB/61 também já alterou um dos princípios mais aviltantes

da reforma que a antecedia, que era a restrição de entrada dos jovens egressos do

ensino profissionalizante no curso superior, a partir da LDB/61 passa a serem

autorizados os diplomados na escola técnica o ingresso no ensino superior. Nosella

(2016) cita um registro muito interessante a respeito dessa mudança, uma fala do

Prof. Paschoal Lemme, assessor de Jorge Amado (PCB), deputado à época,

comentando o epsódio. Lemme (1988) diz,

[...] eu resolvi fazer um projetozinho para ele apresentar na Câmara. Esse projeto, com apenas dois artigos, dizia o seguinte: Todos os estudantes que completarem os sete anos de ensino de grau médio, não importa o tipo, teriam o direito de concorrer ao vestibular para as universidades. Engtreguei a ele e, com aquela confusão, não pude explicar exatamente o alcance daquilo. Ele começou a receber telegramas elogiosos de todo o Brasil. Ficou pasmo. Expliquei a ele que só quem fazia o curso secundário é que tinha o privilégio de fazer o vestibular para o ensino superior. Os outros faziam sete anos, às vezes rapazes mais amadurecidos até que esses meninos de famílias mais ricas e, no entanto, estão proibidos. Só o ensino

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comercial, de nível bastante mais elevado, mais tarde permitia chegar ao curso de administração. Era isso que estava acontecendo. Eu generalizava o privilégio para todos os que tinha grau médio; todos tinha o direito de provar sua capacidade no vestibular, em igualdade de condições. De certa forma quebrava um pouco aquela organização de Capanema que reconhecia as classes existentes. Sem mascara-las num tipos de ensino unitário como o profissionalizante compulsório (apud p.324-325).

Na educação esse debate que começa a aproximar a formação propedêutica

de uma formação técnica vai ganhando força de acordo com as modificações que

iamocorrendo no campo político.Ao contrário das leis orgânicas de Capanema

(ARENA), que vinham de uma concepção hegemonicamente neoliberalista, elitista e

corporativa, que espelhavam no ensino o reflexo da sociedade de classes, a LDB/61

foi composta em um campo um pouco mais diversificado, com disputas de força, o

que deu a ela um caráter menos excludente, ainda que não o suficiente para superar

no ensino a oposição entre trabalho intelectual e trabalho manual. As visões

antagônicas que formulavam as políticas naquele período fizeram com que casos

como o do deputado Jorge Amado, membro do partido comunista e defensor das

bandeiras do proletário, fossem fundamentais para vislumbrar a possibilidade de

uma educação mais unitária e equânime.

A última fala de Lemme (1988), citado por Nosella (2016), é uma referência

especifica “à reforma educacional dos governos militares, Lei 5.962/71,

aparentemente o ponto mais alto da evolução da ideia de escola média única, para

todos” (NOSELLA, 2016, p.55).No ano de 1964, sob o discurso de uma eminente

ditadura comunista no Brasil, com o apoio da mídia e da população, os militares

tomam o poder e dão início a um regime ditatorial que se estenderia por 21 anos no

governo.

Após o golpe de 1964 os militares voltam-se para educação sob o argumento

de extiguir aquele modelo de escola secundaria elitizada e verbalista, pra instituir no

ensino brasileiro uma escola única. No decorrer do processo, com uma forte

influência do setor empresarial, a Lei 5.692/71 ganha uma configuração diferente ao

do discurso, mostrando o caráter hipócrita da defesa feita em torno da suposta

escola unitária a todos. Estabelecendo três anos de ensino médio, que seriam

cursados por jovens de 15 a 16 anos, essa etapa do ensino contaria com uma

profissionalização compulsória (NOSELLA, 2016).

Essa obrigatoriedade da profissionalização dos jovens evidenciava que a Lei

5.692/71 com o seu projeto de escola unitária ocultava na verdade a inteção que se

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tinha de extinguir uma escola que formava dirigentes, “(...) universalizar uma escola

de técnicos submisso, operadores práticos, ou seja, criava-se a unitariedade do

sistema escolar contando a parte crítica e humanistica do currículo” (NOSELLA,

2016, p. 58).

No que diz respeito ao currículo do 2º grau (antigo colegial), era previsto na

legislação que fosse feito uma matriz curricular com uma base comum e obrigatório

a todo o território nacional, e que houvesse uma parte diversificada que seria

determinada de acordo com as demandas locais de cada região, essas demandas

estavam ligadas as necessidades do mercado, ou seja, seriam definidas a parte

diversificada de acordo com o perfil econômico de cada lugar. Apesar de uma

enorme expansão não houve uma busca muito rigorosa por qualidade, essa era na

verdade bem questionável, e se mostrava como um problema preocupante, afinal,

para uma ampliação e adaptação desse porte era preciso um investimento

proporcional (NOSELLA, 2016).

Os efeitos da profissionalização compulsória evidenciaram o tamanho

equívoco e fracasso que fora a lei 5.692/71. Com uma massa de profissionais mal

qualificados, com uma formação defasada, já que nesse processo se esvaziaram a

escola humanista e o ensino tecnico, não restaram-se alternativas a não ser a de

reconhecer o erro cometido. Pressionados até pela população civil, que também

percebeu os efeitos desastrosos da profissionalização compulsória, em 1982, sob

decreto da lei nº 7.044, a obrigatoriedade da profissionalização foi revogada,

tornando-se assim uma formação opcional dos sujeitos, indiferente ao seu grupo ou

pertença social (NOSELLA, 2016).

Na sequencia desse episódio, o debate sobre o ensino médio esmorece em

alguns setores da sociedade, mas, mediante a essa conquista, a camada popular da

classe trabalhadora se fortaleceu e se sentiu mais encorajada em pressionar o

governo por mais garantias de acesso, principalmente nessa etapa do ensino médio,

aonde já se havia dado passos significativos. As conquistas foram sendo

angariadas, no entanto com o processo de expansão aprofundou-se também o

problema da qualidade. “Democratizava-se a clientela, mas deformava-se o método”

(NOSELLA, 2016, p.57).

Em 15 de março de 1985, José Sarney, vice-presidente eleito do Brasil,

assume o posto de primeiro presidente civil depois de 21 anos de duração do regime

militar. O presidente eleito, Tancredo Neves, não pode comparecer a posse pois

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havia sido internado horas antes da cerimônia por complicações médicas, vindo a

falecer um mês depois, no dia 21 de abril de 1985, sem assumir o cargo. Na

biografia de Tancredo, escrita por Plínio Fraga (2017), o príncipe civil, como é

chamado pelo autor, foi primordial para o processo de redemocratização do Brasil.

A historiografia considera que o restabelecimento da democracia foi uma

transição negociada entre o presidente militar Figueiredo e Tancredo, que naquele

momento representava os anseios de uma elite que já não se sentia mais

confortável com a continuidade do governo militar. Tancredo que criou o Partido

Popular (PP), depois difundido no PMDB, foi capaz não apenas de articular a

transição e representar os interesses da elite interessada em um governo que dessa

maior amplitude e abertura as demandas do capital, mas conseguiu também

aglutinar as forças populares, mobilizadas através de sindicatos e setores ligados a

luta dos trabalhadores. Isso resultou em uma nova constituição (CF88) construída no

campo do antagonismo ideológico e da ambivalência das pautas prioritárias para

sociedade vigente (FRAGA, 2017).

A elaboração da Constituição Federal de 1988 evidencia a significativa força

que os movimentos civil-democráticos exerceram sobre o texto constituinte na busca

por legitimar e garantir direitos sociais básicos, principalmente direitos referentes a

educação, desafiando “o Estado ali onde ele era mais fraco, no capítulo das

políticas sociais, das políticas públicas” (OLIVEIRA, 2002, p.42). Desse modo, o art.

205, do Capítulo III - Da Educação, da Cultura e do Desporto, Seção I, estabelece

que:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).

De acordo com Cunha (1991), esse período de transição da ditadura civil-

militar para o processo de redemocratização do Brasil teve sua travessia marcada

por uma intensa movimentação do campo popular e educacional. Os educadores,

representando instituições educacionais, científicas, sindicais, culturais e políticas

pressionaram o governo para que o texto constituinte, principalmente no Capítulo III

– Da Educação, da Cultura e do Desporto, integrasse o projeto de desenvolviento

nacional popular, garantindo conquistas importantes de direitos economicos, sociais

e políticos. Nesse contexto é que se inicia também “a construção do projeto da Nova

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Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/96) e do Plano Nacional de

Educação (PNE)” (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003).

No entanto, o projeto nacional popular que vinha se desenvolvendo

prossegue desconexo com a classe popular e termina de modo inconcluso. A

resposta para essa mudança de percurso se encontra na vitória de Collor de Mello

(1990 a 1992/ PRN ATUAL PTC) para a presidencia, que se deu durante a

ocorrência desse processo.

O herdeiro das oligarquisas nordestinas, encarregado de firmar um projeto de

sociedade conectado e ajustado a nova ordem mundial, representada pela

mundialização do capital, ganha, principlamente com o apoio da mídia, palanque

para difundir o seu discurso ideológico da chegada dos “novos tempos”, que trazia

como símbolos de valor social as leis de competitivida de mercado mundial e dos

setores internos que estavam associados a ele. Todavia, Collor mostrou-se incapaz

de firmar esse projeto, ressultando em um enorme fracasso que levou ao seu

impeachment, um movimento que dominou as ruas do Brasil através dos “caras

pintadas” e que recebeu o apoio das mesmas forças que outrora o colocará no

groverno (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003).

Em 1995, com as novas eleições presidenciais, a elite brasileira vê

reascender na figura de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) a confiança na

solidificação de um projeto hegemônico, agora projetado a longo prazo e

subordinado a nova ordem mundial do mercado e do capital, para a política

brasileira. Do ponto de vista da educação, a vitória de FHC representava o

alinhamento do sistema educacional a esses setores. Com efeito de analise, Frigotto

e Ciavatta tecem críticas ao período da administração de Cardoso dizendo que, esse

se tratou de um governo “que conduziu as diferentes políticas de forma associada e

subordinada aos organismos internacionais, gestores da mundialização do capital e

dentro da ortodoxia da cartilha do credo neoliberal, cujo núcleo central é a idéia do

livre mercado e da irreversibilidade de suas leis” (2003, p.103).

É nesse contexto que a Lei 9.934/96 que determina as Diretrizes e Bases da

Educação Nacional é concluida. A nova LDB de 1996, aprovada no governo de FHC,

passa a organizar o ensino básico nos níveis fundamental e médio, estipula temas

como a universalização do ensino fundamental, a progressão do ensino médio e a

autonomia universitária, além de tocar em questões como a formação e

aperfeiçoamento de professores e avaliações para a averiguação da melhoria na

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qualidade educacional. As diretrizes da educação tem “por finalidades desenvolver o

educando, assegurando-lhe a formação comum indispensável para o exercício da

cidadania, e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”

(Lei nº 9.394/96, art. 22).

É preciso assinalar que, apesar das forças neoliberais que buscavam uma

política educacional mais alinhavada e subordinada ao mercado capital, a

construção da LDB não se deu em um contexto sem discuções e contradições.

Houveram avanços significativos na elaboração da lei de diretrizes, assim como

ocorreu com a Constituição. A sociedade brasileira, cuja a desigualdade e divisão de

classes é fulcro da sua formação histórica, não estaria isenta de ter refletido em

suas leis as diferentes concepções ideológicas que sustentam a sociedade, ainda

mais considerando o contexto pós-ditatorial que vivia o Brasil e que culminou no

forte engajamento das forças opositoras no processo de redemocratização.

Tomamos como importante esclarecer isso para se fazer saber que havia

uma disputa de grupos políticos que buscavam estruturar e definir um projeto de

nação e um projeto de educação, e ainda que as forças neoliberais que defendiam

uma política educacional corporativista e privatista, tivessem tido mais apoio e

representatividade, por outro lado, o projeto de uma política educacional

democratica, autonoma e popular pautada em uma visão de uma escola que fosse

pública, também exerceu, até certo ponto, alguma influência. Batista (2002) qualifica

bem a nossa fala dizendo que:

A promulgação de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação a exemplo do que ocorreu durante o processo Constituinte para a elaboração da nova Constituição Federal, não se deu sem embates e divergências entre, de um lado parlamentares que juntamente com algumas entidades educacionais privadas defendiam um projeto de LDB voltado para o privatismo e, de outro, associações da sociedade civil, com representantes no parlamento, reunidas em um movimento educacional que, ainda inspiradas nos ideais dos pioneiros, representavam um projeto de LDB que priorizasse definitivamente a escola pública. (BATISTA, 2002, p. 5).

Uma forte influência para as reformas legais no campo da educação no

processo de redemocratização do Brasil foram as entradas dos organismos

internacionais, que traziam com proposta uma nova organização pedagógica para o

sistema educacional. Essas propostas foram colocadas em pautas em importantes

eventos que marcaram as políticas de educação não apenas no Brasil, mas nos

países ditos emergentes como um todo. Um dos primeiros eventos foi a

“Conferência Mundial sobre Educação para Todos” realizada em Jomtien, na

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Tailândia em 1990. Esse evento, que postulou um projeto educacional a nível global,

se tornou fundamental para as ações posteriores que viriam a acontecer no Brasil,

com o financiamento de organizações como a UNESCO, UNICEF, PNUD e Banco

Mundial, a Conferência de Jomtien veio indicar uma “visão para o decênio de 1990”

(FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003).

A Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI, organizada

pela UNESCO, é outro elemento que exerceu muita influencia na configuração das

políticas educacionais no Brasil nos anos de 1990, mais especificamente no governo

de FHC. Formada por diversos especialistas que desenvolviam estudos sobre a

relação da educação no globalismo e coordenada pelo francês Jacques Delores, foi

produzido por essa comissão um relatório, conhecido como Relatório Delors, no qual

é realizado uma análise do “contexto planetário de interdependência e globalização”

(FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003, p. 99). Esse relatório estabelecer que a educação

para o século XXI merecia ser abordada por outros prismas, e define desse modo

quatro metas a serem cumpridas no campo da educação para o milênio: 1. aprender

a conhecer, 2.aprender a fazer, 3. aprender a conviver e 4. aprender a ser.

O documento indicava que fosse uma estratégia para as novas demandas da

mundialização que a educação seguisse um carater de cooperação, solidariedade,

conciliação e consenso com relação aos novos desafios que surgiam com a nova

ordem mundial e suas novas tendencias para o capital. A educação é tomada nesse

sentido como um instrumento que se mostra imprescindível para que os sujeitos

desses novos tempos fossem capazes de responder aos desafios dessa era de

acordo com o que era indicado pelo documento. Segundo Frigotto e Ciavatta (2003),

ao explicitarem sobre o tema, é dito que, o ensino médio era um ponto basilar para a

efetivação das propostas trazidas pelo relatório e foi por ele a etapa mais afetada.

Além do Relatório Delores posto pela UNESCO, o Banco Mundial também

teve sua parcela significativa de influência nas políticas educacionais no cenário

nacional. Adotando as indicações da Conferência de Jomtien, o Banco Mundial

publicou um documento chamado “Prioridades y estratégias para la educación” que

estabelecia uma série de diretrizes políticas para a educação a partir das décadas

subsequentes a 1990. O documento, que reforçava objetivos como a erradicação do

analfabetismo e uma maior eficácia do ensino, tinha como proposta inovadora e uma

saida eficiente para os deificites da educação aplicar “a reforma do financiamento e

da administração da educação, começando pela redefinição da função do governo e

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pela busca de novas fontes de recursos” (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003, p. 99).

Desse modo, a um profundamento da relação público e privado na oferta da

educação e no proposito formativo da educação pública. As mudanças ocorrem no

campo avaliativo, pedagógico, de conteúdo e na parte administrativa, que passa a

ganhar um caráter descentralizado com relação a função da gerencia do Estado na

educação básica.

O projeto educacional do governo de Fernando Henrique Cardoso firma-se

sob a lógica do pensamento pedagógico empresarial, corporativista e que cumpria a

cartilha estabelecida pelas diretrizes dos organismos e das agências internacionais e

regionais. Nesse sentido, as praticas pedagógicas adotadas nesse período sofriam

grande influência da perspectiva unidimensional do mercado, que acabava por

atribuir a educação características dualistas e fragmentária, coesos com o ideário da

privatização, flexibilização e desregulamentação do Estado Captalista. Uma

consequência disso é a ridicularização que sofreu o projeto de desenvolvimento

“nacional popular” e autônomo em função de um projeto marcado pelo ideial de

competências e de empregabilidade, que passam a ser os parâmetros para a

elaboração das diretrizes e que orienta os mecanismos de avaliação (SAVIANI,

2003).

Desse modo, analisando a educação sob esse ponto de vista, damos ênfase

na reflexão trazida por Demerval Saviani no prefácio da 20ª edição de sua obra

“Escola e Democracia”, em que o autor, ao discutir sobre a conjuntura do Estado na

década de 1990 e apontar os impactos dessa conjuntura para o sistema

educacional, coloca que: “A orientação dita neoliberal assumida por Fernando Collor

e agora pelo governo Fernando Henrique Cardoso vem se caracterizando por

políticas educacionais claudicantes: combinam um discurso que reconhece a

importância da educação com a redução dos investimentos na área e apelos à

iniciativa privada e organizações não governamentais” (SAVIANI, 1995).

Em suma, pode-se dizer que o projeto educacional adotado e executado no

governo de Fernando Henrique Cardoso se julga coerente a partir do momento em

que se vê totalmente articulado aos ajustes de uma sociedade que busca atender

as demandas do capital. De acordo com as prioridades postas por esse ajuste, as

demandas da sociedade civil são subtraídas e substituídas por medidas que são

produzidas por especialistas e tecnocratas, essas medidas são instituidas de cima

para baixo, assim, as diretrizes gerais são sempre selecionadas e alinhadas aos

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propositos do mercado. Cunha (1995), ao fazer uma análise comparativa

observando as propostas educacionais no projeto de governo de Fernando Henrique

Cardoso e no governo de Luiz Inácio da Silva (Lula), o autor coloca que:

A plataforma de Lula resultou de um processo mais indutivo, de modo que segmentos de interesse social e partidário tiveram especial espaço nos documentos (negros, mulheres “profissionais da educação”), o que exigiu maior insistência nos princípios gerais, de modo que se mantivesse a unidade. (...) O documento de FHC foi elaborado por especialistas em planejamento governamental, razão pela qual se pôde selecionar as demandas que seriam incorporadas a partir das diretrizes gerais (Cunha, 1995, p. 95).

As concepções em que embasaram-se os especialistas que produziam os

documentos norteadores do campo educacional na época de FHC, assumiam para a

construção desse projeto um movimento de reformas que acompanhava à rigor as

tendências mundiais que apontavam na direção de uma educação atrelada as

demandas do capital. Segundo Ball (2002), em uma tendência nomeada como “a

nova ortodoxia”, os especialistas definiram e caracterizaram as mudanças que

estavam ocorrendo no cenário mundial e que vinham transformando as relações

entre o Estado e a educação com os seguintes elementos:

1. A melhoria da economia nacional por meio do fortalecimento dos vínculos entre escolaridade, emprego, produtividade e comércio. 2. A melhoria do desempenho dos estudantes nas habilidades e competências relacionadas ao emprego. 3. A obtenção de um controle mais direto sobre o currículo e a avaliação. 4. A redução dos custos da educação suportados pelos governos. 5. O aumento da participação da comunidade local a partir de um papel mais direto na tomada de decisões relacionadas com a escola e através da pressão popular por meio da livre-escolha de mercado (Ball, 2002, p. 110).

Dentro desse quadro de degradação da educação, que não atendiam

pricipalmente aos principios postos como direitos sociais na Constituição de 1988, a

vitória de Lula em 2002 veio repleta de um sentimento de esperança por parte da

classe popular trabalhadora, e dos intelectuais e políticos do campo progressista. A

promessa de um Brasil com maior justiça social e menos desigualdades, que

rompesse com essa lógica de educação voltada somente para o mercado, reduzida

a um sistema de avaliação pautado em numeros e com um investimento que não

priorizasse a qualidade e sim o que coubesse no “bolso do governo”, nutria as

expectativas de muitas mudanças e tranformações, principalmente em setores como

a educação, dita em período eleitoral, como prioridade para o governo Lula.

Nesse sentido, cabe perguntar, os governos de FHC e Lula eram

essencialmente diferentes? Foram promovidas mudanças substanciais? Foi um

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governo de continuismos ou de rupturas? Os dois governantes introduziam em seus

discursos que era um compromisso de seus mandatos transformar a educação.

Nesses vinte e dois anos entre governos do PSDB e PT de fato houveram

mudanças, mas a quem serviram essas mudanças?

Segundo a professora-pesquisadora da Universidade Federal de Minas

Gerais, Dalila Andrade Oliveira (2009), ao realizar um estudo sobre as rupturas e

permanências das políticas educacionais do governo Lula com as do seu

antecessor, é identificado que foram instituidos políticas sociais muito revantes de

distribuição de renda aos sujeitos com maiores necessidades de serem assistidos,

principalmente no primeiro mandato de Lula, e que essas políticas cumpriram um

importante papel pra mudanças significativas no campo da educação, ainda que não

tivessem ligação de forma direta. Segunda a autora, em novembro de 2005 foi

lançado um relatório da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD/IBGE

que mostrava uma diminuição expressiva nas taxas de miséria com uma queda de

4% no período de um ano, entre 2003 e 2004. Isso dava evidências de que o

governo de Lula estava conseguindo promover o projeto político de um Brasil menos

desigual.

No entanto, nas contradições que materializam-se na realidade, e no qual não

esta isento o governo de Lula, a autora segue a reflexão expondo que, esse

programas mostravam-se mais como uma saida assistencialista e compensatória, e

que não rompiam de fato com a velha estrutura do governo que o precedeu e que

era por Lula tão criticado. É claro que tais políticas não trouxeram apenas onus, é

preciso salientar que programas como Bolsa-Família, Projovem, Primeiro Emprego,

e outros mais, ainda que não superassem as distorções das desigualdades sociais

que assolavam o território nacional e apresentassem vários problemas de execução

e fiscalização, ainda assim, acabavam, talvez não propositalmente, exercendo um

importante papel para o incentivo, inserção e permanência das camadas mais

pobres nas escolas.

Houveram outras medidas, que até certo ponto rompeu com algumas

estruturas existentes no governo FHC. O fortalecimento da participação popular,

fator importante de ser assinalado, deu espaço para o debate e a visibilidade de

muitos grupos marginalizados em outros períodos tais como: quilombolas, indigenas,

mulheres e LGBTQIA+. Esse fortalecimento foi fundamental para que o governo

fosse precisonado na efetivação de muitas pautas, incluive pautas na área da

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educação. Um exemplo disso foi a meta 20 do Plano Nacional de Educação (PNE)

2014/2024 que pretendia ter inicialmente uma destinação de apenas 7% do Produto

Interno Bruto (PIB), valor que se diferia muito do pouco dos 4% que eram previstos

no PNE 2001/2010 sancionados por FHC, porém, os movimentos sociais e

entidades estudantis, insatisfeitos com a o valor previsto, se organizaram e

precionaram o governo, que terminou por rever a proposta o que resultou no

aumento de 7% para 10% do PIB, valor hoje previstos na meta 20. Caminho

semelhante foi o da Lei Nº 12.858, que destina 75% dos royalties do petróleo para

a educação, conquista adquirida por meio de mobilização, resistencia e pressão

popular (BRASIL, 2013 - 2010).

Outro avanço importante foi a regulamentação do piso salárial para os

professores EC Nº 53, regulamentado pela Lei Nº 11.738. O piso para os

professores é algo que já estava contemplado na Constituição de 1988, no entanto

não havia sido regulamentado ainda, e a consituição também não previa se esse

piso deveria ser o mesmo para todo o território nacional. Apesar de importante, é

necessário salienar que a regulamentação não serviu como instrumento de

valorização do magistério, pois, como é colocado na exposição de motivos do

projeto de lei, o valor do sálario seria calculado com base na “média mensal dos

salários pagos aos profissionais da educação”. Ou seja, seriam realizados os

calculos com base nos já baixíssimos salários dos professores, sem maiores

melhorias, e nem grandes mudanças. Os professores receberiam 950,00 no

cumprimento de 40 horas semanais (BRASIL, 2008).

A criação de mais de 500 novos campis entre 2003 e 2016 referentes aos 38

Institutos Federais espalhados por todo Brasil, oferecendo ensino médio integrado,

qualificação, e cusos superiores nas áreas tecnicas e nas licenciaturas, também são

importantes concretizações no campo da educação que merecem ser pontuados. A

expansão do acesso as universidades através do REUNI e da criação de novos

campus, e as políticas de cotas podem ser entendidas como um reflexo da tentativa

democratização da educação pública (OLIVEIRA, 2009).

Ainda que seja possível ressaltar relevantes mudanças trazidas pela gestão

petista, em síntese, o governo de Lula foi marcado muito mais por continuismos do

que por rupturas. Apesar das duras críticas que o Partido dos Trabalhadores faziam

as políticas neoliberais instituidas pelos peemedebistas, nos 14 anos em que os

mesmos estiveram a frente do poder, o sistema educacional manteve as velhas

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práticas herdadas da política neoliberal, empresarial e corporativista. Talvez, as

mudanças mais profundas tenham vindo de um processo orgânico de organização e

conscientização das massas que se fortaleceu a partir do momento em que esses

grupos começaram a ocupar lugares que antes não ocupavam, como as

universidades por exemplo, mas não se pode alegar que esse processo é fruto de

um projeto de governo que foi pensado para essa finalidade. Em um campo onde a

educação deveria ter como vies o social frente ao capital, o que foi feito na verdade

é um novo modo de inserir as políticas educacionais na economia-mundo

(OLIVEIRA, 2009).

A permanência da parcerias com o Banco Mundial, e a acatação de normas e

orientações colocadas como prioridades para o desenvolvimento da educação nos

documentos e relatórios produzidos, não apenas pelo Banco mundial, mas também

por outros organismos internacionais como a UNESCO, é um grande indicador dos

continuismos que marcam a gestão de Lula. O sistema de avaliação se mostrava

mais do mesmo também, com uma reforma superficial no Sistema Nacional de

Avaliação da Educação Básica (SAEB), as ações se resumiram na criação do

Exame Nacional do Ensino Médio, que já direcionava essa etapa formativa e o que

seria avaliado nela a uma educação mais relacionada ao mercado de trabalho, com

forte apelo à empregabilidade. Para o Ensino Superior o antigo “Provão” que era o

instrumento de avaliação do governo de FHC foi substituido pelo Exame Nacinal de

Desempenho do Estudante, mas os princípios e propósitos da matéria do exame de

avaliação eram extremamente semelhantes ao do “Provão” de FHC (OLIVEIRA,

2009).

Outro elemento que entra em cena reforçando as contradições que jazem no

seio da gestão de Lula e o seu projeto para educação é a criação, elaborada pelo

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do

Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) por meio do decreto n. 6.094

de 24 de abril de 2007 (BRASIL, 2008).

O IDEB vem para assumir nesse período um plano de metas que tinha como

intuito estabelecer um padrão de qualidade para educação, no entanto, esse plano

de metas estava vínculado aos ideais e metas postos em um documento lançado

por um movimento denominado Todos Pela Educação, surgido no ano de 2006 e

composto por grupos do setor privado como a Fundação Bradesco, Instituto

Unibanco, Itau Social, Instituto Natura, Fundação Lemann, Fundação Roberto

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Marinho, Grupo Gerdau dentre outros, que tinha como objetivo interferir na

educação em todas as esferas, desde a construção da política, passando pela

gestão escolar e tendo como resultado a formação do ser social, disseminando no

meio educacional o ethos mercantil. E é em parceria com essa organização, que

prestaria assistencia tecnica e financeira, que foram pensadas as metas de

avaliação da qualidade da educação pública que viriam a ser verificadas através do

IDEB.

Assim é assinado e implementado o Plano de Metas Compromisso Todos

Pela Educação com avaliações de desempenho bianuais, a proposta também

indicava que era necessário que houvesse o envolvimento de todos os entes

federados, da sociedade civil e da comunidade escolar, pois todos tinha a sua

parcela de responsabilidade com a educação, é desse modo que o setor privado

vem influir na educação pública a partir do ano de 2007 (SAVIANI, 2008).

Além da parceria público e privado que se solidifica, há continuismos no

campo do financiamento. Uma falha quase não passível de explicações, se

considerarmos que esse era um governo com um discurso em defesa do social, foi a

prorrogação da emenda constitucional de Desvinculação da Receita da União (DRU)

que foi aprovada no governo do PSDB e mantida no governo PT até 2009 quando a

emenda constitucional (EC) Nº 59 previa que a desvinculação fosse extinguida

gradualmente até 2010 (BRASIL, 2009).

No entanto, a DRU, que consistia na retirada de partes dos recursos

vinculados à educação, causou um rombo de dezenas de bilhões de reais as contas

da educação em todos os âmbitos, Federal, Distrital, Estadual e Municipal. A demora

em revogar uma lei que imputava tantos prejuízos ao setor educacional não

encontra coerência no discurso de projeto de educação defendida pela

administração à época. O mesmo pode ser atribuidos as medidas de desoneração

tributária ou renúncia fiscal, que somatizam uma perda substancial para a educação,

já que ao incidirem sobre o PIB estão incidindo também nos 10% direcionados a

educação (OLIVEIRA, 2009).

As políticas educacionais desenvolvidas na gestão petista podem ser

caracterizadas como medidas ambivalentes, que costuram o projeto político dessa

gestão com rupturas e continuismos, tanto relacionados aos governos anteriores,

como com as suas próprias propostas ditas asseguradoras dos direitos

constitucionais e da democratização da educação. Ao mesmo tempo que tenta-se

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garantir a matéria educativa um carater democrático, popular e alinhado a

Constituição de 1988, se adota na mesma medida o estabelecimento de nexo com

desempenho educativo através de avaliações e estatísticas e atrabuiem isso a

qualidade da educação, além de imbuirem no processo formativo a competitividade

e preparo exigidos pelo mercado.

A ideia de “todos pela educação” naturaliza uma outra concepção

contraditória e duvidosa das intenções desse governo, ao vincular a tranformação

institucional e os resultados dos baixos níveis de desempenho a um compromisso

de “todos pela educação”, como se a ação individual de cada sujeito ou grupo

tivesse responsabilidade pelos problemas enfrentados no campo da educação,

como se esses não fossem consequências de uma série de outras carências que

estão para além da capacidade desses atores locais e individuais, o Estado acaba

por atribuir à educação um certo voluntarismo dos sujeitos e um distanciamento do

seu papel administrador e provedor, o que coloca em contradição todo o discurso de

garantia e asseguramento do direito social constitucional.

Mesmo considerando as dificuldades estruturais em que estava envolvida a

área da educação, especialmente pela complexidade que existe em articular as três

esferas do poder que exercem diferentes responsabilidades com a pomoção dessa

educação, é possível dizer que as reformas dos governos petistas passaram longe

de modificar de forma efetiva os graves problemas da educação e da escola pública

brasileira. Para além das problemáticas de operacionalização do sistema, nesse

período de gestão petista se consolidaram grande parte das óbices sumarizadas

pelos especialistas como necessárias de serem rompidas para que ocorresse um

desenvolvimento da educação democratica e emancipadora que tanto permeou os

discursos do projeto popular nacional defendido pelo governo.

A adesão incondicional à agenda do Banco Mundial, do Todos pela

Educação e de outros organismo internacionais, sem ter se quer um subterfúgio

para outras ações, atestam o que os especialistas do campo progressista já

alertavam, que a reforma era frágil, e que nenhuma ruptura ocorreu de fato, visto

que continuou a ser o governo Lula assentado no tripe mercantil dos setores de

commodities, exportação e agronegócio, setores esses que não exigiam da nação

uma formação complexa para os sujeitos, que não precisava de universidades

públicas gerando massivamente conhecimentos novos (SAVIANI, 2008).

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Esse quadro, que sugeria a subordinação da gestão petista à divisão

internacional do trabalho, solidificava o intenso processo de mundialização mercantil

que comportava as novas demandas do capital e quebrava com a esperança de

superação desse sistema que surgiu com a eleição de Lula em 2003. Esse era um

claro indicador de que o passado seguia a oprimir os processo de democratização e

do projeto nacional popular.

Christian Laval (2004), em sua obra “A escola não é uma empresa – O

neoliberalismo em ataque ao ensino público” teoriza que as reformas

contemporaneas de inspirações liberais seguem um perfil congênere e que se ligam

entre si, as instituições, instrumentalizadas, acabam por seguir uma mesma direção

que ele definiu em três elementos: a desinstitucionalização, a desvalorização e a

desintegração.

Ao desistituicionalizar as instituições o Estado capitalista as transforma em

prestadoras de serviços, que assumem um caráter empresarial, sujeitas a

gerenciamento e obrigação de metas e resultados. A desvalorização promove a

ideia de insuficiência na capacidade de mediação de cultura e saberes atribuidos a

função emancipadora, esses ideais são substituidos pela lógica de eficácia e

produtividade que garantem a entrada dos sujeitos no mundo profissional. Por

último, ao introduzir no meio educacional as premissas do mercado, é criado em

decorrência disso mecanismos capazes de distorcer e dissimular através do

discurso os objetivos e principios educativos, tornando a instituição desintegrada

(LAVAL, 2004).

Se consideramos o desmonte que a educação vem sofrendo, tendo o

aparelho público socateado, a sua capacidade de ser gerida pelo setor público

constantemente atacada com base nos número do Ideb e de queda das matrículas,

como se o problema fosse o sistema público educacional e não os outros inúmeros

fatores sociais que geram a desigualdade e as limitações no acesso e permanência

dos jovens, principalmente da classe popular trabalhadora, na escola. A maneira

como é abordada a ideia de que – na mão do setor privado – esses índices podem

melhorar, o falseamento no discurso de que esse formato de educação empresarial

é a opção mais moderna e atrativa para compor o itinerario formativo, que precisa

ser “enxugado” e “delimitado” para ser atraente, além de uma distorção na ideia de

autonomia e emancipação desse aluno nesse processo e do trabalho dos

professores, se considerado todo esse contexto, podemos dizer que os elementos

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elencados por Laval (2004) compõe a atual Reforma do Ensino Médio (Lei nº

13.415, de 16 de fevereiro de 2017).

Podemos observar na exposição de motivos da MP 746/2016, como na

concepção do ministro da Educação à época Mendonça Filho se justifica a

necessidade dessa reforma, o ministro afirma que:

Atualmente o ensino médio possui um currículo extenso, superficial e fragmentado, que não dialoga com a juventude, com o setor produtivo, tampouco com as demandas do século XXI. Uma pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - Cebrap, com o apoio da Fundação Victor Civita - FVC, evidenciou que os jovens de baixa renda não veem sentido no que a escola ensina. Um novo modelo de ensino médio oferecerá, além das opções de aprofundamento nas áreas do conhecimento, cursos de qualificação, estágio e ensino técnico profissional de acordo com as disponibilidades de cada sistema de ensino, o que alinha as premissas da presente proposta às recomendações do Banco Mundial e do Fundo das Nações Unidas para Infância - Unicef. (MP 746, de 22 de setembro de 2016).

A concepção bancomundialista que se mostra como referência na Exposição

de Motivos revela a influência desses organismos internacionais na formulação das

políticas educacionais brasileiras, essa postura de adesão as determinações do

Banco Mundial não são novidadeiras e nem sui generis da gestão de Michel Temer,

contudo esse governo mostra bastante comprometimento na incorporação dessas

determinações que possuem uma perspectiva economicista, pautada em princípios

formativos que atendem ao ethos mercantil e são norteadas pela eficácia,

produtividade, competitividade, eficiência etc. Nessa lógica, a reforma do ensino

médio segue na mesma esteira:

Neste sentido, a presente medida provisória propõe como principal determinação a flexibilização do ensino médio, por meio da oferta de diferentes itinerários formativos, inclusive a oportunidade de o jovem optar por uma formação técnica profissional dentro da carga horária do ensino regular. (MP 746, de 22 de setembro de 2016).

Como uma política educacional de cunho neoliberal, que carrega marcas que

se constituiram historicamente, essa reforma também possui como um forte

elemento a dualidade pedagógica e formativa. Tal afirmativa se confirma com base

na oferta dos itinerários formativos em que de acordo com o art. 35 – Fica definido a

obrigatoriedade de Língua Portuguesa e Matemática nos três anos do ensino médio,

bem como o ensino da língua inglesa, sendo os demais itinerários como ciências da

natureza e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas, e formação

técnica e profissional ofertados de acordo com a disponibilidade do sistemas de

ensino (art. 36). A situação deficitária da educação pública quanto a recursos já é

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uma realidade antiga conhecidade de todos nós, no entanto, como atenuante, essa

mudança que coloca os itinerários formativos para serem ofertados de acordo com a

disponibilidade ocorrem em consonância com a aprovaçãoda PEC 55/2016 que,

congela por vinte anos gastos com educação, o que coloca em cheque a capacidade

das escolas de ofertarem os demais itinerários quando os mesmo já não forem

obrigatórios.

Todavia, a formação nas escolas particulares, que preparam as elites,

continuará a ter um itinerário completo focado no acesso a uma formação cultural

sólida e à preparação para ingresso no ensino superior. Isso expressa a dualidade

histórica do ensino médio, que já se instituia desde a Reforma Capanema, e que

pelo visto, mantiveram-se presentes no hodierno.

Um último aspecto dessa reforma que gostariamos de ressaltar é o fomento

às escolas de ensino médio em tempo integral que tenham seus projetos político-

pedagógicos como o disposto no art. 36 da LDB 9.394/96, e nesse caso, o

questionamento que se formula é mesmo da reforma do ensino médio, como haverá

investimento com a política do teto em vigor? Na seção que discutimos a oferta do

ensino médio, apontamos como o ensino médio em tempo integral (EMTI), junto a

reforma do esnino médio, o novo BNCC, o programa de residência pedagógica e o

Mais Alfabetização veio sendo a grande aposta do chefe da gestão de Michel

Temer. Todos demandam recursos, e dentre os que nos debruçamos a entender

(EMTI, Reforma do Ensino Médio e BNCC) os principios formativos se apresentam

com caráter muito duvidoso, e muito distante da perpectiva de educação de

qualidade, emancipadora, ou seja, omnilateral, que esse trabalho assume.

É nesse sentido, que sendo o programa “Escola Viva” parte dessa realidade,

e por derivar-se desse contexto e dessas narrativas de ensino médio em tempo

integral que se encontram em pauta no âmbito nacional, é que buscaremos na

seção a seguir entender um pouco melhor como se deu a construção da educação

(em temppo) integral no Brasil, e se assim como o próprio ensino médio, essa

modalidade de ensino já teve outras características, ou, se é limitada a um

acumulado histórico de concepções liberalistas (neoliberais) que desagregam os

processos formativos da construção efetiva do ser social.

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3.2.2 Ensino Médio e Educação em Tempo Integral

Nessa seção versaremos sobre a educação (em tempo) integral, tomando

como ponto central o Ensino Médio, visto que,essa etapa da educação básica tem

sido palco de várias reformas nos últimos anos, sendo as taisreformas de caráter

muito controversos, pois ora apontam para uma formação integral do ser humano,

visando a educação escolar como forma de desenvolver potencialidades, e noutrora,

referem-se a uma formação como forma de integração entre escola e mercado de

trabalho, e essa última, dentro da concepção de trabalho tomada no contexto

capitalista, significa oferta uma formação direcionada para a ocupação profissional

com o ensino dos conteúdos e dos conhecimentos históricos, sociais e culturais

esvaziados.

Buscando compreender como se apresentam as concepções que orientam a

educação integral e a ampliação da jornada escolar no contexto da educação

pública brasileira, faremos a revisão da construção sócio-histórica da Educação em

Tempo Integral apoiados nos fundamentos teóricos da perspectiva escolanovista, no

Manifesto de 1932 , em contraponta com a perpectiva marxista, colocando em

evidencia os conceitos de hegemonia, modos de vida, trabalho e formação

omnilateral como viga mestra para pontuar as diferenças na defesa de formação

humana e sociedade que são aventadas por essas teorias e seus teóricos,

possibilitando desse modo analisar os limites e possibilidades da educação (em

tempo) integral dentro do sistema capitalista.

Para tanto, objetivamos também compreender a gênese histórica da

educação (em tempo) integral no sistema educacional brasileiro e os seus

desdobramentos que acabaram por culminar em programas educacionais como o

Programa Mais Educação, Programa Ensino Médio Inovador, Escolas de Referência

de Ensino Médio, e nesse contexto, o surgimento do ideário formativo do nosso

objeto de pesquisa, o Programa “Escola Viva”.

Por fim, para a reflexão aqui proposta, faz-se imprescindível sublinhar que por

assumirmos o ponto de vista de teóricos marxistas que evidênciam as contradições

e a dinâmica de uma sociedade com classes antagônicas e com interesses

divergentes, para esse trabalho a educação integral não se esgota na discussão de

documentos, desenhos curriculares ou até mesmo nos fundamentos teóricos

apresentados. A educação integral, e portanto a formação integral dos sujeitos, é

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parte articulada e conectada de uma mudança cultural, social, que influi no processo

educativo de modo a expandir a capacidade dos indivíduos a compreenderem a

produção de sua existência a partir do trabalho e da produção social de sua vida.

Feita as justificativas, vamos ao tema em questão. Segundo Freitas e Galter

(2007), se fizermos uma breve busca na história, veremos que a partir da

modernidade o termo educação integral foi usado recorrentemente para explicitar

um ideal de formação. No entanto, o uso do termo nem sempre é expressado com o

mesmo significado, nesse sentido os autores apresentam três concepções que

apontam que a educação integral,

Pode significar apenas ensinar a criança durante todo o dia, como ocorria nos liceus. Por outro lado, para Marx e Bakunin educação integral deve desenvolver todas as potencialidades humanas, integrando-as para que o homem vivesse numa nova sociedade sem classes. Já com o escolanovismo no Brasil, a educação integral volta-se para a formação de um ‘novo cidadão’, a escola integraria o sujeito na medida em que o alfabetizasse e o preparasse para o novo contexto econômico social (FREITAS; GALTER, 2007, p.135).

Nesse sentido, podemos afirmar que as definições de educação integral

apresentamum entendimento muito específico, a exemplo dessas elencadas pelos

autores, e que essas,assumem suas distinções conforme o contexto sócio-histórico

e a teoria que as fundamentam, de modo a significarem de formascompletamente

diferentes os fins formativos e de inserção do homem na vida social. É necessário

assinalar que a perspectiva que busca a integração do sujeito à sociedade é

alinhada a um caráter liberal (FREITAS; GALTER, 2007).

Nessa direção, em 1932, meio ao (re)estabelecimento e reconstrução das

estruturas políticas, principalmente dos setores socias, surge no Brasil a partir do

movimento escolanovista, expresso por um documento denominado Manifesto dos

Pioneiros da Escola Nova, uma proposta dita inédita e inovadora para a educação

brasileira que se apresentava como uma alternativa de superação do modelo

tradicional, que era traduzido pelos escolanovistas como ultrapassado. A experiência

de Educação Integral no Brasil de modo sistematizado tem seu processo inicial

nesse momento.

Sílvia Mota (2006) coloca que,

[...] a ideia de uma educação que pretende trabalhar com um aluno de forma integral surgiu com o movimento da Escola Nova e foi desenvolvida, principalmente por Anísio Teixeira, que além de elaborar alguns de seus princípios conceituais e práticos, constrói escolas modelos para consolidação desta educação (MOTA, 2006, p. 4).

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A Escola Nova defendia um sistema público de ensino integral, laico, gratuito,

obrigatório e único para todo o territorio nacional, em seu documento central, “O

Manifesto dos Pioneiros”, ela exibia uma nova concepção de educação e de

metodologia que tinha como fundamentação as ideias de John Dewey (1859-1952) e

Émile Durkheim (1858-1917), que defendiam que a educação era uma necessidade

social (FREITAS; GALTER, 2007).

A proposta escolanovista indicava que o sistema de ensino brasileiro deveria

ser reformulado de acordo com as novas demandas mundiais com inspiração nos

paises mais adiantados, isto é, de primeiro mundo. Desse modo era preciso uma

reorganização curricular, pedagógica e “administrativa do instrumento educacional

público que buscasse fazer da formação um modo de integração dos indivíduos na

sociedade de forma que esses fossem capazes de acompanharem o ritmo do

desenvolvimento das forças produtivas (MANIFESTO, 2006).

De modo geral, no Manifesto dos Pioneiros é bem evidente a ideia de uma

educação integral que estivesse alinhada a integração do indivíduo no meio social. A

defesa por um sistema nacional de ensino público que preparesse o jovens para

serem capazes de atender as exigências sociais e das forças produtivas era muito

presente no documento, eram muitas as observações quanto ao fato de que a

educação escolar deveria ocorrer relacionada com as questões sociais, solicitando

inclusive, que fosse averiguado quais eram os aspectos que figuravam os principais

valores da educação, aqueles que seriam permanente e imutáveis, pois julgava-se

que isso fosse importante paraformar “homens cultivados e úteis sob todos os

aspectos” (MANIFESTO, 2006, p. 192)

Os valores que foram considerados permanentes curiosamente indicavam

que a escola deveria galgar uma formação de jovens firmada em ideais de

cooperação, solidariedade social e que primasse pelo incentivo aos sentimentos

nacionalistas, o amor ao trabalho e a integração as normas da sociedade

democrática. Uma caracteristica importante a ser ressaltada era que os

escolanovistas faziam forte defesa a constituição e construção de uma identidade

nacional (MANIFESTO, 2006).

Além desses atributos valorativos, eramtambém comportadas nas defesas

inscritas no Manifesto que o conhecimento científico ofertado pela escola pública

deveria estar concatenado ao desenvolvimento tecnológico e industrail capitalista,

desse modo, a educação seria capaz de conduzir os jovens a uma formação que os

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habilitariam a colaborar com o vida social nos seus eixos produtivo, moral e

intelectual (MANIFESTO, 2006).

Deste modo, a educação escolar brasileira, dentro das concepções

escolanovistas, deveria prelimirnamente buscar entender quais eram as

necessidades e demandas da sociedade e, em conseguinte a isso, associar essas

necessidades ao processo formativo que seria instituido nas escolas públicas.

Sendo assim, considerando os aspectos sociais da época, os jovens brasileiros

deveriam ser formados para a sociedade industrial capitalista, contribuindo com

desenvolvimento nacional e retirando o país do “atraso” em que ele se encontrava

quando comparado aos outros países mais desenvolvidos na europa e na américa

do norte.

É possivel ver essas concepções sendo expressas já logo inicialmente no

primeiro parágrafo do Manifesto:

Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade (MANIFESTO, 2006, p. 188).

Com base nessa perspectiva apresentada, em crítica ao sistema escolar

vigente, ou seja, a Escola Tradicional, os pioneiros da escola nova alegavam que a

educação brasileira precisava de uma urgente reorganização que promovesse um

ensino que capacitasse os alunos a integrar o setor produtivo, e mais, que o aluno

desenvolvesse a sua habilidades de invenção, de criatividade, pois eram

características fundamentais para produção.

Assim, propunham que o conhecimento científico escolar fosse introduzido de

uma maneira que o aluno fosse capaz de assimilar aquele conhecimento no seu

cotidiano, defendiam que o conhecimento deveria ajudar os alunos a resolverem os

seus problemas diários. Para os escolanovistas, essa era uma pedagogia que

despertava nos jovens alunos interesse por buscar caminhos mais práticos, de modo

– autônomo –, era posto que essa metodologia, que era considerada ativa, tinha

como consequência a motivação do aluno, orientado pelo professor incentivador, a

querer aprender a aprender (MANIFESTO, 2006).

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Segundo Freitas e Galter (2007), o ensino escolar ofertado nas escolas de

modelo tradicional, na perspectiva dos formuladores do Manisfesto, eram limitantes

ao processo criativo dos indivíduos. Eles outorgavam ao modelo tradicional a ideia

de uma formação desagregada das necessidades apresentadas pela sociedade,

pois era um ensino de conteúdo abstrato e vazio de significados para a realidade

dos alunos.

O propósito da Escola Nova era então definido, a reforma educacional deveria

propiciar uma formação em que os sujeitos desenvolvessem suas aptidões e sua

“personalidade integral” de modo que o tornasse capaz de se adaptar e se adequar

a todas as mudanças sociais, assim, envolvido no processo das forças produtivas,

participando e colaborando, nação e cidadãos, escola e sociedade, todos estariam

sendo beneficiados.

Duarte (2001) alerta que, nos pressupostos liberal-burguês acerca da

educação, essa concepção de “benefício” é atrelada ao fato de que ao se formarem

para compor as forças produtivas, a medida que os sujeitos vão aumentando a

produtividade eles também aumento a porção que cabe a eles (trabalhador) receber,

ou seja, o valor que é compreendido pelo salário, o pagamento pelo trabalho que

está contido no produto. Nos ideais liberalistas é assim que se entende esse

benefico e é por essa via que se integra o sujeito à vida industrial.

O pionerismo da Educação Integral no Brasil pode ser considerado então a

partir do movimento da Escola Nova em 1932, em que, defendiam-se os intelectuais

que compunham a organização, a universalização da escola pública, laica e gratuita

e concernida com o desenvolvimento industrial.

Em 1950, com o Centro Educacional Carneiro Ribeiro (CECR) em Salvador-

BA é inaugurado o projeto escolanovista. As Escolas-Classe e Escolas-Parque, que

juntas eram onde se realizava o itinerário formativo dos estudantes, se estruturaram

no formato de quatro prédios, no qual cada um receberia mil alunos, totalizando

quatro mil alunos que ocupariam a escola em turnos alternados para a empreitada

da nova experiência. Segundo Teresinha Eboli (1960), a escola-parque objetivava

ofertar uma Educação que fosse integral, e que assegurasse à criança maior

socialização, incentivando a discussões sobre cidadania e cultura colaborativa,

acesso a atividades esportivas, artísticas, alimentação, e claro, uma preparação

para o mundo do trabalho. Ainda no século XX, com a aproximação do novo século

e as mudanças que iriam vir junto a ele, a escola da partida a um novo processo de

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reformulação teórica das pedagogias que atendece as necessidades da educação

para o século XXI e em meio a isso, nos anos 1980,outra importante experência com

a Educação Integral passa a ganhar destaque.

Os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs). Segundo Cavaliere

(2009),foi um grande passo em direção a real filosofia do que rege a Educação

Integral. Criados no governo de Leonel Brizola (PDT) e idealizados por Darcy Ribeiro

(PDT), os CIEPs faziam o atendimento específico ao ensino fundamental nos anos

iniciais e promoviam a prática de uma educação pautada na valorização da

construção do conhecimento a partir da apropriação dos saberes científicos e

culturais historicamente acumulados, e defendiam que para uma boa aprendizagem

era necessário também uma boa estrutura para a realização das atividades, por isso

era necessário garantir umas boa estrutura física as escolas, que desse condições

também de integrar a criança com o meio ambiente e os espaços sociais da escola

(CAVALIERE, 2009).

Foram construidos no estado do Rio de Janeiro aproximadamente 500

prédios para atender aos Centros Integrados, que receberam cerca de mil

estudantes por unidade. Os prédios, projetados pelo arquiteto Oscar Niemeyer,

expressavam a imponência a que se pretendia as ideias de Darcy Ribeiro de

implementar no sistema educacional brasileiro uma educação integral em uma

escola de horário integral. Nos CIEP’s os itinerários priorizavam as atividades

pedagógicas tradicionais articuladas a outras atividades educativas, culturais e

recreativas, tudo isso com trabalho intersetorial entre assistência social, saúde e

educação, garantido assim o tripé da seguridade social (MOTA, 2017).

Nesse mesmo período, surge também no estado de São Paulo o Programa

de Formação Integral da Criança (PROFIC), Decreto nº 25469 de 7 de junho de

1986, em que eram firmados parcerias entre prefeituras, secretarias e organizações

não governamentais com o objetivo de complementar a formação das crianças

ampliando a jornada escolar e utilizando espaços não formais de ensino. Esse

movimento marca as primeiras parcerias entre os setores públicos e privados

(terceiro setor), que teria forte influência nas políticas de educação (em tempo)

integral nos anos que se seguiriam (FONSECA, 1986).

Em 1988 com o processo de redemocratização a educação passa a ganhar

contornos de formação integral dos sujeitos na própria base legal constitucional. A

Carta Magna brasileira ao estabelecer nos seu dispositivo do art. 205 que a

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“educação como direito de todos e dever do Estado e da família visando o pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988), reforça o ideial de uma formação

emancipatória, que formaria os indivíduos para cidadania ao mesmo tempo que para

o trabalho, entendendo que essas duas coisas se fazem inerentes. Porém, no

contexto social e histórico das sociedades capitalistas isso se torna subjetivo.

Na mesma medida em que a CF/88 culminou em documentos norteadores de

extrema importância para educação básica e para a normatização da educação

integral, como foi o caso da Lei de Diretrizes e Bases Nacional (LDBEN) nº.

9.394/96, que figurou no art. 34 da leio plano de implementar progressivamente a

Educação Integral que seguia o mesmo caráter formativo democrático e

emancipador da constituição, ela também abriu brecha para ações que

descaracterizam e colocam em cheque esse princípio formativo, um exemplo claro é

o art.175 que dispõe sobre regime de concessão e permissão de prestação de

serviços públicos por empresas privadas, essa brecha culminaria em dispositivos

como a Lei Federal n. 8.987, de 1995, que consolidou as parcerias público e privado

principalmente no setor educacional, conferindo sério risco a essa “qualificação para

o trabalho” que postula a CF/88, visto que, haveria nessa relação de parceria

conflitos de interesse (BRASIL, 1988).

As experiências com educação (em tempo) integral no Brasil a partir dos anos

de 1990 ocorreram em demasia. Tivemos iniciativas como o “Projeto Âncora” (1996),

inspirado na Escola da Ponte, “Centros Educacionais Unificados – CEU’S” (2000),

todo os dois desenvolvidos na capital paulista, “Apucarana, Cidade Educação”

(2001) em Curitiba, “Bairro-Escola Nova Iguaçu” (2006), “Programa Tempo de

Escola” (2010) em São Bernado do Campo dentre outras experiências locais que

foram acontencendo em todo o território nacional. Entretanto, para efeitos da

pesquisa, buscando um recorte mais objetivo, falaremos apenas das experiências

que afetaram a educação no âmbito nacional e da iniciativa que possibilitou a

criação e implementação do nosso objeto de estudo o “Programa Escola Viva”.

Sendo assim, daremos sequencia na discussão evidenciando mais duas

empreitadas do governo federal, o Programa Mais Educação e o Programa Ensino

Médio Inovador.

A partir dos anos 2000, foram lançados programas para o atendimento tanto

do ensino fundamental quanto do ensino médio no âmbito do governo federal, todos

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com o propósito de, como previsto na LDB, inserir progressivamente a educação em

tempo integral, é o caso do programa Mais educação criado pela Portaria

Interministerial nº 17/2007 (MEC, 2007) e regulamentado pelo Decreto nº 7.083/10

(BRASIL, 2010) direcionado para o ensino fundamental, e Programa Ensino Médio

Inovador (ProEMI)instituído pela Portaria nº 971, de 9 de outubro de 2009 (MEC,

2009)diecionado para o ensino médio e parte integrante das ações do Plano de

Desenvolvimento da Educação (PDE).

O Programa Mais Educação (PME) entra na cena educacional reascendendo

o discurso de crítica aos saberes científicos e de uma educação escolar “centrado

na tradição, na cultura intelectual e abstrata, na autoridade, na obediência, no

esforço e na concorrência” (CAVALIERE, 2002, p. 252), mesma postura que já havia

sido assumida anteriormente pelos escolanovistas com sua abordagem pedagógica

pragmatista, e que agora ganha espaço novamente, em pleno século XXI, com o

PME.

Esse adjetivo de neopragmatista é conferido ao PME pelo fato da relação

entre conhecimento científico ensinado na escola e cultura serem postos sob críticas

com a justificativa de que selecionar o conhecimento a ser dado na escola era uma

forma de impor uma cultura no curriculo escolar inferiorizando uma outra, a questão,

e é o que pontuamos como problematico nesse sentido, é que essa

crítica/justificativa, é feita com base na concepção pragmática deweana largamente

difundida pelo liberalismo para esvaziar os conteúdos científicos da escola

substituindo-os por um conteúdo contigencial e novidadeiro, que tendia a validar os

saberes não mais por níveis de sistematização ou metodologia, mas por valoração

cultural.

Seguindo em direção contrária, os saberes cientificos-escolares são os que

continuam a ser ensinados nas escolas particulares, para os filhos das classes

dominantes, continuam a ser os saberes exigidos para a entrada nas universidades,

e como corrobora Saviani (2003, p. 13), a essência do trabalho educativo consiste

em produzir de modo singular nos indivíduos “[...] a humanidade que é produzida

histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”, ou seja, supressão desses

sabares, que são acusados de totalitários, em detrimento dos saberes comunitários,

que é a defesa do PME e que é expresso pelo o que denominou-se no programa

como territórios educativos e Cidades Educadoras, ao invés de serem

problematizados, foram considerados inovadores.

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Segundo os documentos norteadores do PME, principalmente os que

descrevem os princípios das Cidades Educadoras, é evidenciado que o ponto

central dessa nova proposta educional é a promoção da relação entre as questões

de identidade e diversidade, tendo como pano de fundo o foco na “cultura”

(MEC/SEB, 2011).

Como já apontamos, esse discurso é preocupante pelo fato de denotar que

“[...] a interdição do conhecimento objetivo e a redefinição do papel da escola

compõem o mesmo processo de fortalecimento do capitalismo contemporâneo”

(DELLA FONTE, 2011, p. 189) e desse modo, a seletividade dos produtos culturais a

serem inseridos na escola ganham sob essa narrativa uma configuração

problematica pois, ao serem relativizados, multiculturalizados e pluralizados, ao

invés de contribuir com a formação via a identidade dos sujeito com o conteúdo, ele

acaba se tornando vázio e desconexo entre si e entre a realidade (DELLA FONTE,

2011).

Do ponto de vista marxista essa prática de relativização dos saberes se

traduz como um instrumento de contaminação da formação dos índivídos não

pertencem a classe dominante, isto é, os trabalhadores. Essa contaminação, que

gera uma negação da totalidade, um anti-humanismo e uma indeterminação social

tem como intuito final fazer que não haja condições dos indivíduos mediarem por

meio da (não) formação do ser social uma transformação da realidade, isso por o

que mesmo não se apropriou dos conhecimentos objetivos que produz a realidade

em si (DUARTE, 2001).

Desta forma, pedagogicamente o que referencia as propostas formativas do

PME, ou seja, uma formação centrada na “multi/interculturalidade” a partir dos

territórios educativos e cidades educadoras, acaba aparentando uma alternativa

viável para as insatisfações da classe popular trabalhadora e ao mesmo tempo

sendo muito proveitoso e satisfatório para o projeto político-educacional burguês, já

que na senda da diversidade a crítica a acumulação capitalista é apagada e os

problemas de desigualdade que de fato deveriam ser visibilizados e combatidos

acabam sendo dissolvidos no discurso pró-diferenças. Nesse caminho, Duarte

elucida que:

[...] procura-se dar aos explorados e aos excluídos o suficiente para que sua condição concreta de vida não se tome generalizadamente insuportável e, por outro lado, busca-se difundir uma mentalidade de convivência pacífica,

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por meio da qual as desigualdades seriam identificadas com as diferenças, no intuito de enfraquecer qualquer clamor por uma sociedade menos injustaça e desigual (DUARTE, 2001 p. 750).

Como muitas políticas educacioais de âmbito nacional que tem suas origens e

desenvolvimento atreladas as recomendações de organismos internacionais, o PME

não fez caminho contrário. Sob orientação do Banco Mundial, foi recomendando

para que fosse feito um disciplinamento e controle da pobreza nos territórios que

apresentassem maior vulnerabilidade social, nessa direção, encontramos no

discurso de educação multicultural e comunitarista dos territórios educativos do PME

um isolamento das possibilidade de superação as causas que produzem sérios

problemas sociais como a opressão de gênero, racismo e desigualdade e exclusão,

em função de uma insuflação de conceitos de cooperação, co-participação, dentro

de uma lógica participativo-conservadora, coresponsabilidade, consenso, pacto

social (SEB/MEC, 2011). Focalizando no cambate a pobreza, as ações

desenvolvidas à luz desses conceitos conferem ao PME um propósito educativo de

encaramento da população mais pobre, não como dententores do direito a uma

formação autonoma, mas como uma classe que precisa ser minimamente educada

para evitar uma possibilidade de “fratura social”. É importante salientar que o

“Movimento Todos pela Educação” é a principal força política por trás desse

programa.

Nesse caminho, Silva e Silva (2014) esclarecem que do ponto de vista do

ensino-aprendizagem a ideia que embasa essa educação comunitária,

multi/intercultural e que se apresenta como inovação para o currículo por relativizar

os saberes justificando-se no fato de não existirem conhecimentos mais ou menos

relevantes, é na verdade uma característica que marca a nova face do ideário do

capital humano, que institui um conjunto de tendências pedagógicas de

responsabilização do indivíduo pela sua aprendizagem, e concernente a isso a

responsabilização pelo seu fracasso, através do lema do aprender-a-aprender e das

competências, o sistema sócio-capitalista respalda a insuficiência civilizatória que

resultou do projeto burguês e a deflagração da crise estrutural do capital que busca

na contemporaneidade novas estratégias para manutenção de sua hegemônia.

Portanto, o PME demonstra traços de uma atualização de velhas práticas do

ideário consevador liberal, com uma concepção que reproduz sob a vértice do

comunitarismo e da relativização dos saberes um indeterminismo cultural, social e

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político que amplia o esvaziamento dos conhecimentos escolares científicos, e

promove uma escola que passa a abrir mão desses conhecimentos para fazer a

difusão de um espaço que realiza o articulação entre “micro-narrativas” culturais.

Com relação aos processos formativos e a localização dos indivíduos (aluno

e professor) dentro desse contexto, os alunos passam a ter uma formação

desarticulada do que de fato é uma formação integral no sentido omnilateral, e o

trabalho docente, ao ser viabilizado por um programa que faz concessão as

orientação de organismos internacionais, tendo como influência das suas

concepções formativas uma direita empresarial representada através do “Todos pela

Educação”, acaba por se esvaziar também em uma pedagogização social da

pobreza.

O PME foi implementado e desenvolvido para atender ao Ensino

Fundamental, no caso do Ensino Médio, o programa que viria para promover a

ampliação da jornada escolar e conferir caráter de educação (em tempo) integral a

essa etapa da educação básica seria o Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI),

publicado em 2009, pelo Ministério da Educação (MEC).

Na mesma trajetória que se fizeram as políticas para o ensino médio e a

educação profissional no período que se sucedeu após a LDB/96 que cotejam a

dualidade histórica presente nessa etapa formativa, o ProEMI vem como uma

alternativa de formação que contribuia para a superação desse revés. O grograma

teve a sua primeira versão em 2009 e depois passou por processos de avaliação

ganhando mais três novas versões 2011, 2013 e 2014..

A proposta do programa se pavimenta sob dois prismas: promover uma

correção qualitativa e quantitativa no ensino como argumentação de ser essa uma

ação capaz de efetivar a oferta de uma formação integral e ampliar o acesso ao

ensino médio democratizando-o a partir do desenvolvimento de ações e políticas

educacionais objetivas (BRASIL, 2014).

Para isto, o programa apresenta como estratégias para a realização dessas

melhorias a orientação para um redesenho currícular, fundamentado na formação do

modelo de “acumulação flexível”, e que precisaria se equilibarar entre dois aspectos

dissemelhantes: organizar a construção de um modelo currícular com uma

identidade unitária e que, ao mesmo tempo, assumisse o multiculturalismo na forma

de valorização de diversos contextos (BRASIL, 2009).

Sobre isso, o documento norteador de 2014, última versão do programa,

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mediante a esse posicionamento, expressa as vicissitudes da narrativa quando ora

afirma de modo contundente a necessidade de unidade e em determinados

momentos oscila dizendo que a escola precisa atender às “reais necessidades das

unidades escolares” e reconhecer as “especificidades regionais e as concepções

curriculares implementadas pelas redes de ensino” (BRASIL, 2014, p. 10).

Apesar de nos referirmos a última versão, os elementos de unitárismo,

diversidade e identidade estão presentes desde o primeiro documento. O documento

da verão inicial do ProEMI prublicado em 2009 trazia os seguintes dizeres:

A identidade do ensino médio se define na superação do dualismo entre propedêutico e profissionalizante. Importa, ainda, que se configure um modelo que ganhe identidade unitária para esta etapa da educação básica e que assuma formas diversas e contextualizadas, tendo em vista a realidade brasileira. Busca-se uma escola que não se limite ao interesse imediato, pragmático e utilitário. Entender a necessidade de uma formação com base unitária implica em perceber as diversidades do mundo moderno, no sentido de se promover à capacidade de pensar, refletir, compreender e agir sobre as determinações da vida social e produtiva – que articule trabalho, ciência e cultura na perspectiva da emancipação humana, de forma igualitária a todos os cidadãos (BRASIL, 2009, p. 3).

Neste interesse, reforçando a crítica as abordagens pragmáticas em

detrimento de uma valoração da diversidade e da identidade (e da unidade

também?) o ProEMI faz a alegação de que assumindo essas estratégias o Ensino

Médio estará dando passos significativos na garatia do direito à aprendizagem,

indicando inclusive que com essa melhoria no desenvolvimento dos jovens

apresentará resultados melhores dos índices educacionais. Retoma-se também a

compreensão de que sendo a educação pública, laica, gratuita e de qualidade um

direito social de todos é também uma responsabilidade do Estado, é função do

orgão federal,nessa divisão,entrar como um apoio técnico e financeiros aos demais

entes federados, estados, DF e municípios, para que esses possam implementar,

desenvolver e ampliar as ações propostas pelo ProEMI, cumprindo assim a meta de

formação integral apontada na CF/88, na LDB/96 e nos demais documentos de nível

nacional que organizam o Ensino Médio.

Ainda referente ao desenho curricular cabe fazer mais algumas

considerações. A orientação quanto a sua elaboração é de que esse currículo esteja

relacionado ao Projeto Político Pedagógico e seja pensado conforme as “ações

sistêmicas que compõem a política nacional para o Ensino Médio Integral” (BRASIL,

2013, p. 21), assim o currículo estaria contemplado as demandas do interir da escola

e das ações que ocorrem nacionalmente.

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Essa integração do currículo ao interior da escola também deve contemplar

eixos que serão comum a todas a redes que implementarem o programa, são eles: a

pesquisa, que é tida como príncipio pedagógico, mas que fundamentada em

tendências como a do “aprender-a-aprender”, o trabalho, a cultura, a ciência e a

tecnologia. Destacamos na versão de 2013 do documento a seguinte afirmação

sobre os eixos:

[...] as propostas curriculares deverão contemplar os seguintes aspectos: as dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura como eixos integradores entre os conhecimentos de distintas naturezas; o trabalho como princípio educativo; a pesquisa como princípio pedagógico; os direitos humanos como princípio norteador e; a sustentabilidade socioambiental como meta universal (BRASIL, 2013, p. 14).

Nesse sentido, ainda não seja especificado os componentes currículares, o

que fica claro é que o princípio integrador do ProEMI se dá em organizar o curriculo

de forma que os conhecimentos especificos sejam trabalhados de acordo com os

eixos trabalho, ciência, tecnologia e cultura e pesquisa de forma indissociaveis.

Conforme Tartaglia, (2014) o ensino médio, como etapa final da educação

básica, expressa uma ligação intrínseca ao mundo do trabalho que se constitui como

um princípio estabelecido nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio

homologadas, em 2012. As diretrizes apontam que a formação no ensino médio

deve fundamentar-se em 4 categorias básicas: a ciência, a cultura, o trabalho e a

tecnologia. Essas quatro categorias devem articular-se na formação geral e técnica,

possibilitando ao aluno apropriar-se de sua história e sua cultura materializando-se

uma formação unilateral.

Neste aspecto, o ProEMI parece apresentar uma proposta interessante no

seu papel integrador promovendo uma ligação entre os conteúdos escolares e os

eixos. Porém, ao verificar a sua última versão, o documento de 2014, é visto que a

concepção crítica de ciência, pautada no comprometimento com a transformação

social, é retirada do documento. O Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI),

[...] tem se mostrado instrumento fundamental para a elaboração do redesenho curricular nas escolas de Ensino Médio, na medida em que dissemina a cultura para o desenvolvimento de um currículo mais dinâmico e flexível, que contemple a interface entre os conhecimentos das diferentes áreas e a realidade dos estudantes, atendendo suas necessidades eexpectativas. (BRASIL, 2014, p. 3, grifo nosso).

Ao modificar a proposta enfatizando a orientação de um currículo que

contemple as necessidades dos estudantes, o programa conserva o erro de ignorar

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que, para que os indivíduos possam fazer escolhas e possam determinar quais são

as suas necessidades, é preciso que eles tenham acesso aos sabares e

conhecimentos científicos antes, pois os conhecimentos são a condições para

compreender tais necessidades. Desse modo, essa proposta passa então a não

romper com a educação de alienação do capitalismo ao ponderar sobre os

fundamentos e exigências do conhecimento.

Estes pressupostos, que destacam que a formação deve-se voltar as

expectativas e concepções dos estudantes e as experiências por eles

desenvolvidas, valorizando as ações de prática e atitude, exaltando as

subjetividades da construção do conhecimento de modo individual e visando as

influências da comunidade local, se configura na verdade como uma forma de

camuflagem das diferenças regionais e sociais que são sustentadas pela produção

econômica e que acabam dificultando a possibilidade de questionamento das

determinações históricas, visto que a escola e o currículo aparentam estar sendo

trabalhados no consenso, na dialogicidade, obervando e contemplando as

diversidades e as “diferenças”, ou seja, está sendo democrático.

O desenho currícular proposto pelo ProEMI, ao buscar formas de

implementação pautadas em diversidade, identidade e unidade, voltada para o

desenvolvimento de ações mais comportamentais, como o aluno pesquisador, ao

invés de propiciar o domínio dos conceitos científicos, acaba limitando as

possibilidades de professores e alunos tomarem consciência das expropriações

causadas pelo capitalismo e suplanta a luta luta ideológica no debate de como a

apropriação desses conhecimentos se inserem na produção das estruturas sociais.

Apesar de aventar a necessidade de desenvolver ações e políticas

educacionais para o Ensino Médio, as estratégias do Programa Ensino Médio

Inovador acabam por não modificar essa relação de educação e mercado de

trabalho, em que forma-se o sujeito não para produzir-se enquanto sujeito, mas sim

para integrar-se as estruturas já estabelecidas. Dessa forma, não atingindo o centro

da problemática que é a formação humana integral, que da condições para a

construção do seu ser social, esse se torna mais um programa que sofre com as

demandas do arranjo do mercado.

Se seguirmos por esse caminho, veremos que essa relação fica ainda mais

clara quando percebemos a implementação da gerência empresarial em escolas

públicas por meio das diversas reorganizações das escolas para tempo integral que

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ocorreram por todo o Brasil, começando pelo estado de Pernambuco em 2004 e

que, intentado uma mercantilização da educação, análogos aos princípios gerais do

capitalismo, por meio da lógica de uma educação gerencialista, neutra e produtivista,

expressaram todos esses ideais nessas reformas educacionais recentes, e que

puderam ser vistas inclusive no modelo que inspirou nosso objeto de estudo, o

Programa Escola Viva, vide que o modelo de escola (em tempo) integral instituido

em Pernambuco é mesmo implementado aqui .

A experiência com a Educação (em tempo) Integral no estado de Pernambuco

se inicia no ano de 2004, quando a segunda escola mais antiga em atividade do

Brasil, o Ginásio Pernambucano, passa sob a tutela do Instituto de Co-

Responsabilidade pela Educação (ICE), a adotar um novo modelo de

funcionamento, passando a denominar-se Centro de Ensino Experimental (CEEGP)

de acordo com o decreto nº 25.596 de 1 de junho de 2003. Com a proposta de

implementar no Ensino Médio a Educação (em tempo) Integral, o CEEGP é

desenvolvido com objetivo de trazer inovações em conteúdo, método e gestão para

o ensino médio, orientado por práticas pedagógicas e gestão participativa

(MAGALHÃES, 2008).

É necessário explicitar que o CEEGP foi um projeto piloto que se deu por uma

parceria público-privado, a primeira inclusive realizada no estado de Pernambuco, e

tinha como objetivo inicial restaurar o “decadente” Ginásio Pernambucano e fazer

uma experiência com a proposta da Educação (em tempo) Integral para o estado de

Pernambuco. A experiência, segundo Henry (2012) foi tida como exitosa, o sucesso

do CEEGP sucedeu em uma expansão do modelo para outras 12 novas escolas no

estado, as replicações ficaram conhecidas como Programa de Desenvolvimento de

Centros de Ensino Experimental (PROCENTRO).

O autor ainda explicita, para melhor compreender o projeto piloto do CEEGP,

que esse foi uma “[...] iniciativa de um grupo de empresários, sob a liderança do

pernambucano Marcos Magalhães, à época presidente da Philips para a América

Latina, com o objetivo de recuperar, física e pedagogicamente, a tradicional escola”

(HENRY, 2012, p. 25). Henry (2012), também coloca que a proposta de gestão

idealizada para o CEEGP e para o PROCENTO tinha uma visão empresarial,

inspirada na Tecnologia Empresarial Odebrecht (TEO), e que esse mesmo modelo

de gestão originou no futuro uma versão adaptada para educação, conhecida como

TESE – Tecnologia Empresarial Socioeducacional.

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Em 2007, Eduardo Campos (PSB) é eleito Governador de Pernambuco

defendendo umm projeto político ideologicamente oposto ao do seu antecessor

Mendonça Filho (PSL), que assumiu em 31 de março de 2006 após a renúncia do

até então eleito governador Jarbas Vasconcelos (PMDB) que renunciou ao governo,

Jarbas estava na gestão do governo do estado de Pernambuco desde 1999.

Com um programa de governo intitulado mais popular democrático e de

centro esquerda, apesar de ser o PSB um partido socialista, Campos defende o

desmantelamento da política educacional da antiga gestão da direita e a

reestruturação do ensino pernambucano com uma educação integral mais

emancipadora. Assim, com o compromisso de manter a escola em tempo integral, o

governo transforma, em 2008, o PROCENTRO em Programa de Educação Integral

(PEI), inscrito na Lei Complementar nº 125/2008 de 10 de julho de 2008, tornando

assim o antigo programa uma política pública, ação que a gestão anterior não

realizou com a justificativa do programa estar em fase de experiência, e elevando o

status de Centros de Ensino Experimental para a de Programa de Educação

Integral.

O Programa de Educação Integral (PEI) surge desse modo objetivando o

“desenvolvimento das políticas direcionadas à melhoria da qualidade do Ensino

Médio e à qualificação profissional dos estudantes da Rede Pública de Educação do

Estado de Pernambuco” (art 1º). Ao analisar as finalidades do programa contidas no

texto da Lei Complementar, é de fato reafirmado nos itens IV e V, a intenção de

promover a integração entre educação integral e formação profissional, visando um

ensino de qualidade e que dê condições de emancipação aos sujeitos.

Contudo, dentre os mesmos itens, o PEI assume uma configuração

totalmente oposta em outros parágrafos, enfatizando o objetivo de dar aos sujeitos

uma formação especificamente voltada para a mão de obra, e abre novamente

brechas para a inserção do setor privado, conforme aparece no Art. 2º, parágrafo III

e VIII, respectivamente, em que é posto, “(...) adequação da capacitação de mão de

obra, conforme vocação econômica da região” e “viabilizar parcerias com instituições

de ensino e pesquisa, entidades públicas ou privadas que visem a colaborar com a

expansão do Programa de Educação Integral no âmbito Estadual”.

Desse modo, o documento nos permite compreender que predomina a

concepção de que a educação integral, ao se destinar também a preparação para o

trabalho, sob uma caracterização vazia do conceito de trabalho, destina-se a uma

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formação de adequação de mão de obra para o mercado local.

Nesse caso especifico, se levado em consideração os objetivos do PEI

surgem concomitante com as mudanças econômicas trazidas pelo Porto do Suape,

é possível dizer que, para se desenvolver mão de obra para atender as demandas

do porto e a realidade conjuntural do estado, o argumento de uma formação para o

trabalho se resume na verdade a uma capacitação dos sujeitos para ocupação dos

postos de serviço, principalmente aqueles abertos pela chegado do Porto.

Frigotto (1984), situa que o discurso que defende essa vinculação do mundo

do trabalho a educação, é na verdade, uma máscara, que tem por intuito fazer a

defesa de um Estado Intervencionista, que utiliza desse mecanismo como meio de

sanar os gargalos das crises do capital que emergem no seu período de domínio

contemporâneo. O autor coloca que isso, é um “mecanismo de caráter

imediatamente político e ideológico” (p. 98).

Em parceria com organizações não governamentais, com o “Compromisso

Todos Pela Educação” e organizações privadas como o ICE, os estados brasileiros

passaram a implementar a ampliação da jornada escolar inspirados no modelo de

educação (em tempo) integral do estado pernambucano, como foi o caso de São

Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Espírito Santo. Em 2013 a Fundação Itaú

Social/Cenpec/Unicef lançou uma pesquisa qualitativa que investigava as

experiências brasileiras de amplianção da jornada escolar para turno único e

indicaram 20 escolas que se tornaram referência em ampliação da jornada escolar,

todas em parcerias ONG’s. O documento, que reforçou positivamente todas essas

experiências, também ressaltou a importância do Todos Pela Educação no cenário

educacional brasileiro (UNICEF, 2013).

As política educacionais de tempo integral apresentada até aqui possuem um

grande volume de materiais que avaliam seus impactos devido ao tempo que estão

em efetivamente implementadas, no caso do programa Escola Viva ainda é muito

recente, dando pouco subsídio para sua estender sua discussão, e como não

queremos esgotar as informações sobre o programa nessa seção, pois pretendemos

nos aprofundar nele no terceiro capítulo, concluímos a respeito dele dizendo que,

preocupação com a implantação de políticas educacionais que propõe mudar o

contexto educacional de maneira estrutural como faz o Programa Escola Viva,

dando as escolas estaduais, além do turno único, uma nova organização curricular e

um novo funcionamento de gestão, ocorre com necessidade de compreender se há

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de fato uma proposta que trará avanços e benefícios a todos, ou, se essa,

continuará beneficiando a uma parcela selecionada da população e atendendo mais

a setores externos, como o mercado, do que os interesses e necessidades reais do

campo da educação. E como já visto em outros estados com as mesmas

tendências, os processos de reorganização que se dão por meio de parcerias

público-privado são no mínimo questionáveis, e seguem um caráter que

compreende melhor o tempo integral, do que a educação integral.

A relação implícita existente entre as políticas educacionais e os projetos com

caráter neoliberais e conservadores que compõe o contexto geral de reconfiguração

do capitalismo, deixa claro que a educação se assenta em uma concepção de

Estado mínimo na garantia de direitos sociais, mas máximo na garantia dos

interesses do mercado. E essa relação fica ainda mais clara quando percebemos a

implementação da gerência empresarial das escolas públicas, e a subordinação das

políticas educacionais ao mercado e ao bel-prazer de organismos intenacionais.

Para assegurar sua hegemonia, as classes dominantes hibridizaram em

teorias do campo progressistas suas concepções neoliberais conservadoras, que

suprimem as potencialidades do desenvolvimento humano, e dão vida a conceitoss

como aos das perpectivas culturalistas e as pedagogias derevidas do “aprender-a-

aprender”.

Esse processo de esvaziamento dos princípios formativos vem para limitar

uma formação omnilateral em detrimento de uma formação unilateral, que ao invés

de suplantar as desigualdades acaba por sedimentá-la, cumprindo o serviço de

gestão e controle da probreza.Desse modo, educação no Brasil é marcada por ser

em tempo integral, e não integral.

Compreendido as relações e elementos que permearam a construção do

Ensino Médio no Brasil e a trajetória da Educação de (ou em) Tempo Integral, no

capítulo a seguir buscaremos identificar essas semelhanças apresentadas a partir

da historicidade e materialidade dessa etapa e modalidade do enisno no Programa

“Escola Viva”, bem como as especificidades do programa no Espírito Santo e sua

implementação na escola “Aristeu Aguiar”, tendo como foco e objetivo identificar os

significados e implicações do programa para o desenvolvimento do trabalho

docente.

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4 DA TEORIA A PESQUISA DE CAMPO: A ANÁLISE DO ESTUDO DE CASO DO

PROGRAMA ESCOLA VIVA

Nesse capítulo o Programa Escola Viva será apresentado a partir das

percepções que foram construídas com base na pesquisa de campo realizada na

escola Aristeu Aguiar, instituição que está localizada no munícipio de Alegre no

interior do estado do Espírito Santo.

Desse modo, buscamos entender quais são as implicações do Programa

Escola Viva para o desenvolvimento do trabalho docente, iremos nos amparar no

referencial teórico, conceitual e metodológico, junto a consulta documental e aos

dados coletados a partir da entrevista semiestruturada, feita com os professores que

atuam na escola, e os dados registrados no diário de campo. Os dados coletados

em campo e a fundamentação teórica na qual este trabalho se sustenta será o que

nos dará subsidio para compreender o nosso problema de pesquisa e os objetivos

que foram propostos para esse trabalho.

4.1 A POLÍTICA DE ENSINO MÉDIO NO ESPÍRITO SANTO E A PROPOSTA DE

CONSTRUÇÃO DE UM NOVO MODELO DE ENSINO A PARTIR DA ESCOLA DA

ESCOLHA

As marcas e dualidades que atravessam a história e formação da identidade

do Ensino Médio no Brasil não se fazem distintas quando olhamos para essa

trajetória no Espírito Santo. Como já apontamos em outros momentos nesse

trabalho, essa história é “marcada pela sua estreita relação com o projeto de

desenvolvimento do País, sendo a educação um dos pilares que consolidou a

República [...] como forma de legitimação dos projetos modernizantes” (FERREIRA;

VENTORIM; CÔCO; 2012, p.24).

Tendo seu sistema de ensino organizado em 1965 pela Resolução Estadual

nº. 25, de 1966, assim como em todo o território brasileiro na década 1990, com o

impacto das reformas educacionais neoliberalistas desse período, o estado do

Espírito Santo passa a adotar uma organização para as políticas educativas de

cunho gerencialista, com uma subordinação as estratégias de orientação do Banco

Mundial, do MEC e de consultores externos, sempre com o intento de captação de

recursos e baixa execução das políticas (FERREIRA, 2012).

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Com um cenário que produzia uma realidade problemática tanto para o

desenvolvimento do trabalho docente, quanto para a formação dos sujeitos que

ocupavam as cadeiras das escolas públicas, e que encontravam nesse espaço uma

escola com princípios formativos pautados em uma lógica tecnocrata e gerencialista,

no período entre 2003-2005, buscando romper com esses princípios e recuperar

uma gestão mais democrática e com uma formação voltada para emancipação dos

sujeitos, a Secretaria de Estado da Educação (SEDU), promoveu um intenso debate

que visava discutir a garantia do direito à educação de qualidade. O debate com a

comunidade escolar se mostrou promissor e resultou em formulações de extrema

relevância para o novo cenário que aparentemente a educação pública capixaba

estava buscando construir. (FERREIRA; VENTORIM; CÔCO; 2012).

O Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (NEPE UFES),

sob a coordenação da professora-doutora Eliza Bartolozzi Ferreira, ao realizar uma

análise dos estudos publicados e os documentos norteadores da educação estadual

entre os períodos de 2006 a 2016, identificou que no governo anterior ao de 2006,

aSecretaria de Estado da Educação (SEDU) buscou de fato alavancar à formação

continuada dos professores da rede estadual, tentando recuperar o espírito de

gestão democrática nas escolas, bem como retornar com os investimentos no

campo da educação profissional, que havia sido extinta com a edição do Decreto nº

2.208/1997 (FERREIRA; VENTORIM; CÔCO; 2012).

No entanto, a partir de 2006, apesar de ainda ser a mesma gestão do ano

anterior, pois o governador à épocaPaulo Hartung (PH) havia sido eleito novamente,

houveram significativas mudanças no programa de governo. Tais mudanças foram

atribuídas a troca de partido político do então governador reeleito, que saía do

Partido Socialista Brasileiro (PSB), partido no qual se elegeu em seu primeiro

mandato (2002-2005), para passar a integrar novamente o Partido do Movimento

Democrático Brasileiro (PMDB) – partido esse em que já havia sido filiado no ano de

1979 – e que agora pautava um outro projeto político para a sua gestão 2006-2011

(LÍRIO, 2016).

O projeto de governo dessa “nova gestão” buscou resgatar de modo mais

incisivo os princípios tecnocráticos e as parcerias com o setor empresarial, esse

resgate se consolidou a partir de um planejamento estratégico de gestão, chamado

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de “Plano de desenvolvimento - Espírito Santo 2025”15, que foi pensado com o

intuito de reparar eventuais problemas no campo do desenvolvimento econômico do

estado (LIRIO, 2016).

Com essa orientação, o governo passou a elaborar planos para os diversos

setores, dentre eles o da educação, que tivessem condições de fortalecer a

metabolização de recursos para a máquina pública, e, principalmente, para o setor

privado, a quem o planejamento estratégico daquela administração eleita em 2006

parecia demonstrar considerável subserviência (LIRIO, 2016).

Nesse sentido, “uma vez que havia esse novo paradigma administrativo no

estado, a educação também passou a ser enquadrada nas engrenagens do modelo

de gestão tecnocrático” (LÍRIO, 2016, p. 121). Priorizando o ajuste fiscal e alegando

enxugamento dos gastos, o governo teve como uma de suas primeiras ações um

processo de municipalização da rede estadual transferindo cerca de 658 escolas

estaduais, a maioria em zonas rurais, para a tutela dos municípios (NEPE, 2010).

Esse processo foi firmado com um convênio entre as redes municipais e o

estado, que passou a se responsabilizar apenas por continuar cedendo os espaços

físicos aonde aquelas escolas já funcionavam e a manter o quadro de professores

dos municípios. Nesse processo, como forma de amortecimento dos gastos, passou-

se também a ser firmadas as parcerias com outras organizações de apoio e

programas do governo federal (NEPE, 2010).Esse momento é marcado pelo o que

se considera ser o início de um movimento de refluxo para as políticas públicas

educacionais do estado (LÍRIO, 2016).

De acordo com oNEPE (2010), a política educacional do estado, pautada e

respaldada noPlano de desenvolvimento - Espírito Santo 2025, que tinha como

prioridade a revitalização e fortalecimento do setor econômico, elaborou um novo

programa de estratégias para a educação básica que ficou denominado como “Nova

Escola”. O documento estabelece parcerias com a comunidade escolar, municípios

e organizações parceiras para melhorar o índice de aprendizagem nas escolas e

15Segundo o que está posto no Plano de Desenvolvimento Espírito Santo 2025, esse se constituí em

um documento-guia que busca a partir de um plano estratégico alcançar até 2025 padrões de desenvolvimento para o estado do Espírito Santo que sejam próximos ao dos país que possuem na atualidade as melhores condições de vida. O plano, que é descrito como produção realizada a partir de uma pareceria entre Governo-Sociedade, estabelece o que seria um novo ciclo de desenvolvimento para o Espírito Santo que estará pautado na “integração competitiva, em nível nacional e internacional, de uma economia capixaba diversificada e de maior valor agregado, sustentada pelo capital humano, social e institucional de alta qualidade” (PLANO DE DESENVOLVIMENTO 2025, 2006, p.6).

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elevar o padrão educacional do estado, afim de cumprir com a meta do plano para

os próximos 20 anos que tinha como um dos principais objetivos o pleno

“desenvolvimento do capital humano”16.

Ainda sobre o Plano de desenvolvimento - Espírito Santo 2025, no trabalho de

Gonçalves, Silva e Palassi (2009), nos é apresentado uma análise sobre a crise de

representação política no estado do Espírito Santo em meados do início dos anos

2000 e o modo como o setor empresarial converteu esse momento de crise a favor

do seu fortalecimento no setor público, sendo a construção do Plano 2025, um forte

indicio, não apenas do crescimento da influência desses setores, mas também do

que eram pretendido por eles para o campo das políticas públicas capixaba, as

autoras apontam que:

No princípio do segundo mandato do governador Paulo Hartung, as palavras de ordem eram planejar o futuro e trabalhar em ‘mutirão’ com a sociedade, rumo à transformação do estado (Plano 2025, 2006). Diante disso, o maior parceiro do governo no campo societário tem sido a ONG empresarial Espírito Santo em Ação. A base para tal afirmação encontra-se no processo de concepção e execução do mais importante documento-guia para as ações estratégicas dos poderes e agências públicas e do setor privado nos próximos anos: o Plano de Desenvolvimento Espírito Santo 2025 teve a iniciativa do Governo, o financiamento da Petrobrás e a gestão do Espírito Santo em Ação, que, além disso, agiu no sentido de mobilizar os setores produtivos do estado a elaborarem propostas (cf. Guilherme Dias, secretário de Estado de Economia e Planejamento. Plano 2025, 2006). Em linhas gerais, os quatro pilares de sustentação do Plano são: 1) erradicação da pobreza e diminuição da desigualdade social; 2) desenvolvimento do “capital humano”; 3) diversificação da economia e fortalecimento dos arranjos produtivos; e 4) desenvolvimento do “capital social”, com a

reconstrução das instituições políticas.(GONÇALVES; SILVA; PALASSI, 2009, p. 8).

Para executar e concretizar esse plano de desenvolvimento e os objetivos por

ele almejados, foram organizadas estratégias que seriam operacionalizadas por

meio de 93 projetos estruturantes, que foram distribuídos em 4 grandes alianças (ou

eixos): erradicação da pobreza e diminuição da desigualdade social;

16Para explicar a Teoria do Capital Humano, nos fundamentamos no trabalho de Gaudêncio Frigotto

(1993) em que o autor expressa a função social estratégica da educação para a formação dos trabalhadores dentro da ideologia neoliberal. Segundo Frigotto, a ideia por trás da Teoria do Capital Humano pode ser compreendida como sendo parte de uma estrutura social e ideológica que os intelectuais da burguesia produziram para que se fosse capaz de explicar, de modo a justificar, as desigualdades existentes no sistema capitalista sem desvelar os reais motivos que os produz. Esse poderia se tornar um meio pelo qual o trabalhador, que tem como única mercadoria a venda da sua força de trabalho, estranhado de si, não tivesse condições históricas e materiais para entender o que produz, e como se produz, a realidade capitalista. Dessa forma, a educação, subordinada a responder as demandas do capital, cumpri o papel de imprimir essa lógica. O autor coloca que, “a educação dos diferentes grupos sociais de trabalhadores deve dar-se a fim de habilitá-los técnica, social e ideologicamente para o trabalho” (FRIGOTTO, 1993, p.26). .

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desenvolvimento do “capital humano”; diversificação da economia e fortalecimento

dos arranjos produtivos; desenvolvimento do “capital social”, com a reconstrução das

instituições políticas.

Nesse sentido, iremos destacar três projetos que nos chamaram a atenção na

leitura do Plano de Desenvolvimento – ES 2025 e que estão relacionados a

educação, faremos isso com intuito de traze-los a luz para podermos tencioná-los

em uma reflexão futura, são os seguintes projetos:

Projeto 1 - Gestão e Inovação do Sistema Educacional e das Escolas (âncora). – Objetivo: Adotar novos métodos de gestão para aumentar a capacidade de produzir e avaliar resultados, além de fortalecer a autonomia escolar e sua integração com a sociedade. - Escopo: Implantação de contratos de gestão nas escolas de educação básica com autonomia e responsabilização gerencial; Acompanhamento e divulgação do desempenho educacional a partir de avaliações independentes; Implantação de núcleo especializado e de elevada capacidade técnica para avaliação e realização de pesquisas educacionais; Introdução de incentivos aos docentes que levem em conta os resultados da aprendizagem dos alunos; Formação de gestores escolares com foco na capacitação gerencial de diretores de escolas; Criação de um sistema de certificação da formação inicial de gestores escolares (PLANO DE DESENVOLVIMENTO – ESPÍRITO SANTO 2025, 2006).

O primeiro projeto para educação formulado pelo documento nos descreve

um objetivo e seu conjunto de estratégias cujo, o uso dos termos utilizados e

estrutura por trás do pensamento, não coincidentemente, nos remete a organização

e funcionamento de uma empresa.

Objetivando métodos de gestão para melhorar a produção e avaliação de

resultados, e colocando como forma de execução para tal ação uma série de

medidas como: contratos de gestão (possíveis parcerias técnicas com o setor

privado) que dará a escola autonomia e responsabilidade – gerencial –; introdução

de incentivos aos docentes que sejam pautados nos – resultados – de

aprendizagem (geralmente traduzido em incentivos relacionados ao ordenado dos

professores com base nos resultados obtidos em avaliações de larga escala ou de

aprovação); capacitação – gerencial – de diretores (uma forma de produzir nos

sujeitos que vão gerir a escola a naturalização da lógica empresarial), nos mostra

um quadro em que a educação se assenta na lógica de competividade do mercado

globalizado, em que a formação, servindo de interesse ao capital, é pensada para

esses sujeitos de modo coeso a esses princípios de mercado, colocando a formação

de Capital Humano em detrimento da formação emancipada dos sujeitos.

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Laval (2004) faz uma análise das implicações dessa ideologia neoliberal que

vem buscando produzir na educação a lógica da “escola como uma empresa”.

Segundo o autor, "na nova ordem educativa que se delineia, o sistema educativo

está a serviço da competitividade econômica, está estruturado como um mercado,

deve ser gerido ao modo das empresas" (Laval, 2004, p.20). O autor aponta que

esse é um processo iniciado junto a globalização, ou seja, não nos é recente,

entretanto também não está terminado, e é passível de ser superado a partir de um

fazer pedagógico que seja descolonizado da lógica neoliberal para a educação.

Outro projeto que nos chamou atenção e que buscamos destacar é o da

proposta para universalização do Ensino Médio, o projeto coloca que:

Projeto 6 - Qualidade e Universalização do Ensino Médio. - Objetivo: Universalizar o acesso de jovens entre 15 e 17 anos ao ensino médio de qualidade. Escopo: Reorganização da oferta de infra-estrutura específica para o ensino médio da rede pública. Desenvolvimento de modelos pedagógicos que aumentem a atratividade da escola para os jovens. Flexibilização curricular. Equipamento das escolas com laboratórios, bibliotecas e informática para uso pedagógico. Formação e capacitação de professores. Transferência condicionada de renda para atrair e reter jovens carentes entre 15 e 17 anos. Instituição de programa de leitura em todas as séries. Ampliação das oportunidades para Educação de Jovens e Adultos, mediante a concessão de bolsas para utilização no sistema privado e no terceiro setor(PLANO DE DESENVOLVIMENTO – ESPÍRITO SANTO 2025, 2006).

No que tange o projeto de número seis, notamos que de modo geral as

estratégias podem ser agrupadas em três eixos: um eixo pedagógico, que indica um

conjunto de mudanças para o processo formativo tais como, flexibilização do

currículo, formação e capacitação de professores e o – desenvolvimento de um

modelo pedagógico que torne a escola mais atrativa –; um eixo relacionado a

estrutura física, que propõe uma reorganização da oferta de infraestrutura e uma

substancial equipagem das escolas com laboratórios, bibliotecas, além de uma

informatização do aparelho escolar para auxilio pedagógico; e um terceiro eixo que

está relacionado ao acesso e permanência a partir da oferta de bolsas para alunos

com hipossuficiência de renda e alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA),

sendo as bolsas do último grupo, direcionadas ao terceiro setor 17 e/ou ao sistema

privado.

17O terceiro setor, ou terceira via, é o nome dado aos segmentos político-econômico-institucional que

abarcam as organizações não estatais sem fins lucrativos. De acordo com o trabalho de Peroni, Oliveira e Fernandes (2009), as parcerias público-privado que acontecem de modo particular com o recrudescimento do Terceiro Setor, principalmente no período após a segunda guerra que redefiniu o capitalismo no mundo, figuram implicações profundas para a gestão da escola pública. Segundo as autoras, “tal relação ganha novos contornos, não apenas passando para o setor lucrativo, mas

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As estratégias para a universalização do Ensino Médio no Espírito Santo com

a Agenda 2025, apesar de apontarem para um discurso arrojado e inovador, com

propostas de ampliação para oferta, acesso e permanência, se analisadas com

escrutínio, se mostram no mínimo, contraproducentes.

No que diz respeito aos princípios formativos elencados nas estratégias que

agrupamos no eixo pedagógico, é possível dizer que esses podem ser facilmente

postos em questionamento quando entendemos que as concepções que irão pensar

a flexibilização do currículo, a formação e capacitação dos professores e o

desenvolvimento de um “novo modelo pedagógico”, são as mesmas concepções de

grupos empresariais que representam os interesses neoliberais do mercado, e que

diluem os princípios formativos da escola em princípios de produção do “capital

humano” que tenham como serventia suprir as demandas do setor privado. Como

nos aponta Laval (2004), no modelo capitalista o universo do conhecimento e da

escola, e o universo da empresa, dos bens e serviços, já são, propositalmente,

confundidos.

No segundo eixo, em que estão agrupadas as estratégias relacionadas a

melhoria na oferta das estruturas das escolas públicas de ensino médio,

encontramos um ponto de contradição. Ao estabelecer como estratégia a reforma

das estruturas físicas das escolas por entender que essa ação é necessária para

proporcionar educação de qualidade, o governo evidencia que as escolas que aí

estão não possuem essa infraestrutura adequada, e por isso carecem de mudanças.

Em outras palavras, a Nova Escola carecia não apenas de um novo modelo

pedagógico, mas também de boa estrutura, o que indicava que as escolas já

existentes não eram suficientemente boas para atender a essa reforma escolar, e

logo, não eram suficientes para ofertar educação com qualidade. Em linhas gerais,

consideramos que o próprio governo reconhece esse quadro ao fazer tal proposta. E

assinalamos concordar que uma educação de qualidade depende, não

exclusivamente, mas também, de uma boa infraestrutura.

Entretanto, nos anos que se seguiram até o final de 2011 – fim do segundo

mandato de PH – a ação do governo contrariou seu próprio planejamento. Em nome

de um reajuste fiscal, como já supracitado nesse trabalho, o governo estadual

também para o público não-estatal a execução das políticas, ou ainda mudando a lógica de gestão do público, tendo como parâmetro o privado, por julgá-lo padrão de eficiência e produtividade” (PERONI; OLIVEIRA; FERNANDES, 2009).

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municipalizou cerca de 658 escolas, se desresponsabilizando de modo orçamentário

com as instituições, e mesmo reconhecendo a importância de uma boa estrutura

física para melhoria da oferta da educação, em função do reajuste, o estado também

se isentou de promover as reformas na grande maioria das escolas que

permaneceram na sua alçada.

Segundo os dados que constam no Portal da Transparência18, entre o período

de 2007 a 2011 o estado licitou cerca de 97 obras em escolas da rede estadual.

Entre reformas, reconstrução e manutenção, dessas 97, apenas 2 foram entregues

até o final da gestão de PH em 2011, e uma teve o contrato rescindido em 2010.

Grande parte das obras foram concluídas apenas na gestão seguinte, cerca de 79

escolas foram entregues entre o final do ano de 2012 e o segundo semestre de

2014, e 8 contratos foram rescindidos nesse mesmo período. As 7 escolas que não

foram entregues entre 2012 e 2014, foram ser concluídas e entregues somente entre

os anos de 2015 a 2014.

Desse modo, ainda que consideremos se tratar de um planejamento pensado

para ser executado durante o prazo de 20 anos, é preciso que se leve em conta que

o governo de Paulo Hartung não priorizou as reformas de infraestrutura das escolas,

sendo que, essa mesma gestão, indicou a necessidade e importância de fazê-la.

Não pretendemos nos imiscuir no assunto aqui, nossa intenção nesse momento é

apenas a de tencionar os problemas que já podem ser evidenciados nos anos

iniciais de execução do planejamento e as incoerências que decorrem dos

problemas apresentados.

Um último projeto que se faz necessário destacar é o que trata da ampliação

de gestões públicas não governamentais e os precedentes que podem vir a surgir a

partir dessa proposta, o projeto coloca que:

Projeto 87 – Ampliação da Gestão Pública Não Governamental. - Objetivo: Melhorar a qualidade, reduzir custos e ampliar a cobertura da prestação de serviços públicos, por meio de parcerias com entidades da sociedade civil organizada, com ênfase nas áreas de saúde, educação, cultura, segurança pública, meio ambiente e ciência e tecnologia. - Escopo: Constituição de Organizações Sociais, ou similares, e estímulo à criação de OSCIPs para atender a demandas do Estado e principais municípios. Qualificação de entidades candidatas à prestação de serviços. Estabelecimento de contratos de gestão nos vários setores das administrações públicas. Monitoramento e avaliação de resultados dos serviços prestados pelas instituições públicas não governamentais (PLANO DE DESENVOLVIMENTO – ESPÍRITO SANTO 2025, 2006).

18Dados disponíveis em: <https://transparencia.es.gov.br/Obras/ObrasGeral/pesquisar> acesso em:

23/05/2019.

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Vemos no projeto acima que são feitas referências a dois tipos diferentes de

entidades que fazem parte da sociedade civil organizada, podemos ver indicações

de incentivo de parcerias com Organizações Sociais19 (ou similares, como por

exemplo as ONG’s20) e com Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público

21(OSCIPs). Conforme a Lei 9.790/1999, regulamentada pelo Decreto 3.100/1999, e

a Lei n.º 9.637/1998, as OSCIP e OS são entidades localizadas no universo do

Terceiro Setor, que por exercerem efetivamente atividades com interesse e

finalidade para o setor público passam a ser qualificadas, adquirindo valor jurídico

para tal reconhecimento.

Na literatura, os autores Robertson e Verger (2012) defendem que esse tipo

mecanismo imprimi faces verdadeiramente perversas para educação pública

brasileira. Colonizando a legislação e promovendo um modelo de financeirização,

esses Contratos de Gestão com o OS, OSCIP ou ONG’s realizados através de

parcerias público e privado acabam por incorporarem as práticas do mercado e

19Conforme estabelecido pela Lei n.º 9.637/98, as Organizações Sociais (OS) se constituem como

uma entidade sem fins lucrativos cujo o exercício das atividades se encontram destinados ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura ou à saúde. A lei também impõe que tal entidade deva possuir uma porcentagem mínima de representantes tanto da sociedade civil quanto do Poder Público como ocupante das cadeiras de seu Conselho de Administração. Para as parecerias entre público e privado, no que constam os autos da lei, possuem instrumentos específicos que são denominados como Contrato de Gestão. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9637.htm>acesso em: 23/05/2019. 20No que tange as Organizações-Não-Governamentais (ONG) não há uma lei especifica que a ampare ou a regulamente dando a ela a qualificação jurídica que tem as OS e as OSCIP, e é esse caráter jurídico que a diferencia das demais. A única menção legal relacionada as ONG’s se encontra na Carta das Nações Unidas, art. 71º em que fica estabelecido que “o Conselho Econômico e Social poderá entrar nos entendimentos convenientes para a consulta com organizações não governamentais, encarregadas de questões que estiverem dentro da sua própria competência” (art.71º). Essa expressão, Organização-Não-Governamental, foi usa inclusive pela primeira vez pela própria Organização das Nações Unidas (ONU) para poder se referir as instituições da sociedade civil que tivessem algum vínculo com Estado. As ONG’s na atualidade já se configuram como instituições que também atuam sem fins lucrativos, geralmente desenvolvendo atividades voltadas para a pauta dos direitos humanos, educação, meio ambiente e etc., entretanto, como não tem caráter jurídico não podem assumir Contratos de Gestão ou parcerias com o Estado. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D19841.htm> acesso em: 24/05/2019. 21Assim como as OS, a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) também é regulada pela legislação brasileira a partir da Lei Federal nº 9.790/99, que garante a essa entidade a tipificação de organização com a qualificação aplicável a pessoas jurídicas de direito privado sem fins econômicos, em outras palavras, associações ou fundações, que estejam em funcionamento regular no período mínimo de 3 anos (três anos). Para que seja adquirido status de OSCIP a instituição precisa se candidatar a qualificação e se adequar a uma série de disposições estatutárias e organizacionais que passará pelo crivo do Ministério da Justiça que validará a mudança de status. Esse aval permite que as OSCIPs possam ter acesso aos recursos públicos com base nos acordos firmados sob o Termo de Parceria, e também possam oferecer dedução fiscal para as empresas que fizerem doações, ou patrocinarem a OSCIP, desde que tenham em sua administração um profissional remunerado. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9790.htm> acesso em: 24/05/2019.

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colocam as escolas públicas a serviço dos interesses e lucros de investidores que

em nada têm a ver com a educação pública. Nesse sentido, ao propor a ampliação

de parcerias e contratos de gestão objetivando a redução de custos, o projeto de

número 87apresenta a possibilidade de um cenário futuro no mínimo preocupante.

E assim, com um conjunto de estratégias orquestrados pela agenda 2025,

vinculado a ONG ES em Ação, a agenda pública vai sendo absorvida. O governo

assume para as políticas educacionais um caráter gerencial e de cunho neoliberal,

dando a educação uma roupagem orientada pelo setor empresarial do estado.

Nessa perspectiva, Oliveira Jr. (2013) aponta que:

A orientação do processo tecnocrático no Estado do Espírito Santo obedece aos preceitos gerais internacionais, de formatação de parcerias e colegiados multilaterais, esvaziamento dos fóruns do Estado na formulação das políticas públicas, tentativa de ‘empoderamento’ dos setores sociais junto às escolas como forma do estabelecimento de controle social externo, foco na primeira etapa da educação básica, devido às impossibilidades de inserção produtiva, descentralização, monitoramento e controle dos pretensos resultados, aspectos gerencial acentuado em detrimento do fazer pedagógico (OLIVEIRA JR., 2013, p.85).

É nesse contexto que segmentos da elite que formavam a ONG do

Movimento Empresarial Espírito Santo em Ação, que visava sobretudo “ser

reconhecido como referência do pensamento empresarial capixaba, agindo como

um importante ator catalisador de interesses originários de setores empresariais”

(GONÇALVES; SILVA; PALASSI, 2009, p. 8) passaram a compor e balizar a agenda

pública da gestão de Paulo Hartung, mais especificamente as que abrangiam o

campo da educação.

Em 2011 Paulo Hartung conclui seu segundo mandato, passando a

administração para o novo governador eleito Renato Casagrande (PSB). Na gestão

de Casagrande, mais especificamente em 2013, é lançado uma versão atualizada

do Plano de Desenvolvimento para o Espírito Santo, que agora passa a valer até o

ano de 2030. A agenda 2030 não trouxe mudanças expressivas no que tange a

educação, os projetos mantiveram-se com o mesmo caráter. Com a relação à

educação, o plano continua a estabelece que sejam desenvolvidas metas que

garantam o “acesso à educação com qualidade e formação de capital humano

avançado” (SEP, 2013, p.152).

No ano de 2014 PH retorna à disputa eleitoral. Agora, assumindo um discurso

de superação do atraso e empunhando como principal bandeira a educação,

Hartung nos apresenta o que viria a ser a vitrine de sua campanha eleitoral, o

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projeto “Escola Viva”, um dos pontos com maior importância estratégica em seu

Plano de Desenvolvimento para o ES (LÍRIO, 2016).

Em 2015, depois de eleito novamente, Paulo Hartung (PMDB), guiado no

planejamento do “Nova Escola”, lança oficialmente o “Programa de Escolas

Estaduais em Turno Único”, intitulado também como programa “Escola Viva”. O

projeto vitrine do governo de PH tem suas bases inspiradas no mesmo modelo de

escolas (em tempo) integral que foram implementadas no estado de Pernambuco, e

firmou inclusive parceria para elaboração e gestão do projeto com o Instituto de Co-

Responsabilidade pela Educação (ICE), o mesmo que coordenou o projeto no

estado pernambucano com a Escola De Referência Em Ensino Médio Ginásio

Pernambucano.

Em vista dessa parceria e da relação que tem a gestão pública com o Instituto

de Co-Responsabilidade pela Educação (ICE), faz-se necessário sublinhar algumas

considerações sobre essa organização. Criado em 2003, o ICE trata-se de uma

entidade fundada por um grupo de empresários de vários setores que vão desde o

Banco Itaú até o Instituto Natura, e que buscam através de parcerias com o setor

púbico promover transformações na educação brasileira dando apoio técnico e de

gestão a programas educacionais. Com um modelo pedagógico e metodológico

intitulado de “Tecnologia de Gestão Educacional” (TGE), eles organizam as

estruturas de funcionamento das escolas, e fazem isso a partir de quatro

princípioseducativos: Educação Interdimensional22, Protagonismo23, Pedagogia da

Presença24, e os quatro pilares da Educação para o século XXI 25(MAGALHÃES,

2008).

22A Educação Interdimensional, de acordo com o Projeto Político Pedagógico lançado pelo estado do

Espírito Santo para orientar a construção dos PPP’s de outras escolas, trata-se de uma forma mais ampla de conceber a educação, em outras palavras, uma forma de conceber a educação em diferentes dimensões. Segundo o documento, é preciso que a educação seja pensada de modo que “transcenda o domínio da racionalidade (do logos) e incorpore os domínios da emoção (pathos), da corporeidade (eros) e da espiritualidade (mytho). Assim, a Educação Interdimensional seria capaz de equilibrar as relações entre essas quatro dimensões”, contribuindo para o desenvolvimento do “(...) espírito, corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal e espiritualidade” da pessoa (ESCOLA VIVA, 2015, p. 23). 23O Protagonismo entra como um princípio educativo por se alinha dentro do modelo pedagógico de

modo dar condições para que formação idealizada ao final da Educação Básica, ou seja, o Projeto de Vida, possa ser concretizada. Ele é evocado também na concepção do modelo metodológico a partir de um conjunto de vivencias e práticas guiadas pelo Projeto de Vida (ESCOLA VIVA, 2015, p. 23). 24Princípio presente nas ações de toda a equipe escolar por meio de atitudes participativas e

afirmativas, que ultrapassam as fronteiras da sala de aula. Materializa-se por meio do estabelecimento de vínculos de consideração, afeto, respeito e reciprocidade entre os estudantes e os educadores.Como explica Antônio Carlos Gomes da Costa (2001), é o fato de o jovem perceber

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Esse modelo que veio a inspirar a criação do Escola Viva em terras capixaba,

também chamado por seus criadores como “A Escola da Escolha”, é, como já

brevemente citado, parte de uma experiência piloto de escola em turno único que

tinha como proposta a revitalização do Ginásio Pernambucano, essa experiência se

deu no início dos anos 2000, e foi coordenada pelo empresário Marcos Magalhães,

presidente da PHILIPS à época.

Com o êxito da experiência piloto no Ginásio Pernambucano, Marcos

Magalhães começo a reunir o apoio de um grupo empresarial que contava com

setores do segmento privado como ODEBRECHT, ABN, AMRO Bank, PHILIPS, e

iniciou uma expansão desse modelo de escola (em tempo) integral no estado de

Pernambuco. A expansão do projeto ganhou o nome de “Programa de

Desenvolvimento dos Centros de Ensino Experimental” (Procentro), que coordenado

e gerido pelo Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE), liderado por

esse mesmo grupo empresarial – em parceria com secretarias e prefeituras –

passou a ser implantado em diversas unidades de Ensino Médio, não apenas em

Pernambuco, mas também pelo Brasil com a inspiração de novos projetos, como é o

caso do Espírito Santo (MORAIS, 2014).

No Espírito Santo, oInstituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE) tem

o apoio de uma parceira de longa data do governo de Paulo Hartung, a ONG

empresarial Espírito Santo em Ação, que conta com a participação de empresas

bilionárias como o Instituto Natura, Burger King, Kraft Hwinz, AB InBev, Vale e a

ArcelorMittal, sendo os responsáveis por trazer para o estado o ICE e o modelo de

escola (em tempo) integral por eles formatado (LÍRIO, 2016).

Criado pela Lei Complementar nº. 799 de 15 de junho de 2015, e com

processo de implantação iniciado a partir desta mesma data, o Programa de Escolas

Estaduais de Ensino Médio em Turno Único, denominado Programa “Escola Viva”,

previa a reorganização das escolas estaduais de nível médio para a modalidade de

turno único, e estabelecia um novo modelo curricular e de funcionamento de gestão.

que “alguém compreendeu e acolheu suas vivências, sentimentos e aspirações, filtrou-os a partir de sua própria experiência e comunicou-lhe com clareza a solidariedade e a força para agir”. 25“Os Quatro Pilares são as aprendizagens fundamentais para que uma pessoa possa se desenvolver

plenamente, considerando a progressão das suas potencialidades”. São conceitos de fundamento da

educação baseados no Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional Sobre Educação para o Século XXI, coordenada por Jacques Delors.Aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a conviver; aprender a ser.

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O programa traz em seu art. 1º que tem como proposta [...] planejar, executar

e avaliar um conjunto de ações inovadoras em conteúdo, método e gestão,

direcionadas à melhoria da oferta e da qualidade do ensino médio na rede pública

do Estado (ESPÍRITO SANTO, 2015). No Art.2º da Lei complementar nº. 799/2015

ficam estabelecidos como sendo objetivos específicos do programa:

I - ampliar o currículo escolar com atividades nos campos da cidadania, ciências políticas e ética, cultura e artes, esporte e lazer, direitos humanos, educação ambiental, inclusão digital, saúde, investigação científica, educação econômica, valorização da família e a violência contra ela praticada, discussão de gênero, drogas, etnia, orientação sexual, comunicação e uso de mídias de forma articulada, promovendo a formação do jovem autônomo, solidário e competente; II - ampliar o tempo de permanência dos estudantes para um período de 9h30min (nove horas e trinta minutos) diárias, sendo, no mínimo, 7h30min (sete horas e trinta minutos) em atividades pedagogicamente orientadas; III - prover as escolas estaduais em turno único de infraestrutura física, de equipamentos e de recursos tecnológicos necessários à proficiência pedagógica, à eficiência da gestão, bem como à inclusão escolar dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação; IV - oferecer formação continuada em rede e em serviço para o corpo docente, coordenadores pedagógicos, diretores escolares, coordenadores administrativo-financeiros e para o grupo de apoio administrativo ao magistério. Parágrafo único. O currículo a ser implantado deverá ser pautado nas orientações oficiais já existentes, quais sejam: Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio (DCNEM) e Matriz para o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) (ESPÍRITO SANTO, 2015).

Como pode ser visto no art. 2º, fica exposto que a organização da matriz

curricular se encontra pautada nas orientações de documentos norteadores oficiais,

tais como as Diretrizes Curriculares Nacionais, e conta também com uma ampliação

do currículo, essa por sua vez, construída a partir de uma matriz diversificada.

De acordo com o Projeto Político Pedagógico elaborado para nortear a

criação dos PPP’s das escolas que aderissem ao programa no estado, a parte

diversificada do currículo é composta pelos seguintes componentes integradores:

projeto de vida, práticas e vivencia em protagonismo, aprofundamento de estudos,

estudos orientados e disciplinas eletivas. Essas disciplinas, assim como as do

currículo comum, serão desenvolvidas assentadas no modelo metodológico da

“Tecnologia de Gestão Educacional” (TGE), que guiará o trabalho docente junto as

perspectivas dos quatro princípioseducativos já citados, educação interdimensional,

protagonismo, pedagogia da presença e os quatro pilares da Educação para o

século XXI. Todo o funcionamento e organização das escolas serão orientadas por

uma gestão descentralizada e participativa (ESCOLA VIVA, 2015).

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Sendo o “Escola Viva” inspirado no modelo de escolas (em tempo) integral

implementado no estado de Pernambuco, cabem fazer alguns apontamentos que se

mostram possíveis a partir da literatura. Segundo Bennites (2014), ao realizar uma

pesquisa em que buscou compreender a política de modernização da gestão e de

educação integral implementada pelo Governo de Pernambuco nas Escolas de

Referência em Ensino Médio com o Programa de Modernização da Gestão Pública-

Metas para Educação (PMGP-ME) e o Programa de Educação Integral (PEI), o autor

constata que essa concepção de descentralização que o programa diz sustentar-se

é, na verdade, mediada por uma lógica de administrativa gerencial, centrada no

accountability, que estabelece um perfil formativo cimentado no viés de adaptação,

voltada para a empregabilidade e a pedagogia das competências, essas são

viabilizadas pela proposta curricular, metodológica e pedagógica do modelo da

Escola da Escolha.

A concepção do modelo pedagógico trazida pelo Programa Escola Viva

também é algo ser problematizado. Nesse trabalho, vimos com as contribuições de

Duarte (2000; 2001) que para se adequar as novas faces de mundialização do

mercado e das novas tecnologias, o capitalismo contemporâneo passa a instituir

uma onda de reformismos que atingem especialmente a educação.

Com modismos que abarcam as pedagogias do “aprender a aprender”, a ideia

de formação autônoma, voltada para um ensino que prepare os sujeitos com

competências e habilidades para se inserirem a vida social e profissional, a prática

pedagógica pautada no ideal do “professor reflexivo”, e a escola democrática,

quando pensadas dentro de uma lógica que está inerente ao conceito de

globalização, acabam por morrer no vazio, pois em nada superam a formação

fragmentada, utilitarista e subordinada ao sistema produtivo capitalista.

Segundo o autor, essas práticas acabam por aprofundar o problema, visto

que agora são sustentadas por um discurso democrático e inovador, quando na

verdade são apenas uma versão reconfigurada de velhas concepções

conservadoras que se apresentam como “novidadeiras”. Ele elenca algumas dessas

pedagogias como: pedagogia dos projetos, pedagogia das competências,

construtivismo, a pedagogia do professor reflexivo, educação para o século XXI e

outras mais (DUARTE, 2000; 2001). As pedagogias trazidas pelo Programa Escola

Viva – aparentemente – não fogem a esse modismo das pedagogias do “aprender a

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aprender”, essa ideia se reforça ainda mais ao observar o caráter empresarial e

gerencial de gestão.

A relação do Programa “Escola Viva” com o programa de escolas (em tempo)

integral implementado em Pernambuco é algo implícito e declarado, mas, para além

dessa relação, o Plano de Desenvolvimento ES – 2025 parece ter contribuído no

processo de pavimentação do “Escola Viva”. Nos projetos que destacamos no

decorrer deste texto, a adoção de novos métodos de gestão para aumentar a

capacidade de produzir e avaliar resultados, o estabelecimento da implantação de

parcerias com setor privado, a universalização do Ensino Médio tendo como

proposta novos modelos pedagógicos e reorganização de infraestrutura, são

elementos que como vistos, estão materializados no Programa “Escola Viva”, uma

política que surgiu 9 anos depois da elaboração desses projetos previstos no Plano

2025 datado em 2006.

Além de colocar em questionamento o discurso de “inovação”, a relação com

as estratégias do Plano 2025 também apontam para um caminho contrário realizado

pelo Programa “Escola Viva” no que tange a formação emancipada, o trabalho

docente autônomo, e a gestão democrática e participativa. Júnior (2013) ao realizar

uma pesquisa que busca investigar as políticas do segundo mandato do Paulo

Hartung e seus impactos para o trabalho docente, aponta que o Plano de

Desenvolvimento ES – 2025 construído pela ONG Espírito Santo em Ação, se

organizou de modo a pensar a formação dos sujeitos apartada da construção de

conhecimentos, com o trabalho docente instrumentalizado para manutenção de uma

escola que atende e funciona como uma empresa.

O autor ainda contribui colocando que:

A reorganização do capital realizado dentro do planejamento estratégico da agenda 2025 retrata os aspectos de crise da função social da escola. Tal documento expressa a concepção de “capital humano”, mas em seus tópicos afirma um conjunto de medidas características de um período da conjuntura em que escola não se apresenta como espaço de promoção social. Tanto da escola como reprodutora do conhecimento, como da educação como fator de inserção produtiva do mercado de trabalho (JÚNIOR, 2013, p.89).

Sendo assim, as mudanças no campo do conteúdo, da gestão e do método

que são propostas pelo “Escola Viva” podem ter se dado também em conformidade

com a filosofia de Capital Humano e formatação escolar pensados pela agenda do

Plano 2025. Em meio a esse contexto,a implementação do Programa “Escola Viva”

deve ter seus significados para o processo formativo e o desenvolvimento do

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trabalho docente observados com certo cuidado, já que estabelecem unidades

escolares com conteúdo pedagógicos, métodos didáticos, gestão e currículos

próprios.

Além dessas relações que tem caracterizado filosoficamente o Programa

“Escola Viva”, outro elemento que compôs a formação dessa política foi o cenário de

autoritarismo que acompanhou o processo de implementação do projeto. Com uma

postura que excluiu o diálogo com os principais interessados e afetados pelo

programa: a comunidade escolar. O Escola Viva acaba sendo recebido no ano de

2015 sob muitos protestos e rejeição.

Sem a participação dos setores da educação em seu processo de

formulação, o projeto “Escola Viva” chegou à câmara dos deputados e as comissões

responsáveis no ano de 2015 sob o pedido de aprovação em caráter de urgência.

Essa ação, que limitou o acesso e conhecimento do documento para a sociedade

civil e os demais setores da educação, evidenciava o desinteresse por parte do

Governo do Estado em promover uma discutição mais profunda e participativa

acerca do projeto. Entretanto, a ação não passou despercebida, gerando

estranhamento, dúvidas e resistência com os professores, pais e alunos, que deram

início a várias manifestações em frente à Assembleia Legislativa do estado e nas

escolas pedindo maiores explicações (LÍRIO, 2016).

Nesse sentido, o Deputado Estadual Sérgio Majeski, membro da Comissão de

Ciências e Tecnologia, propôs que fosse aberta a casa do povo – Assembleia

Legislativa do Espírito Santo – para a realização de uma série de audiências

públicas 26com a finalidade de ouvir as dúvidas e os questionamentos dos pais,

alunos, professores e entidades, para que talvez dessa forma pudessem ser

esclarecidas questões ainda obscuras com relação ao projeto. Foi sugerido também,

que os sujeitos que se fizessem presentes pudessem colaborar com propostas que

seriam encaminhadas as instâncias competentes para serem, se possível, postas

como emendas no projeto, dando a esse, um caráter de maior participação popular.

Majeski, durante suas falas na audiência, ressalta que:

Nós estamos numa luta muito grande junto com os professores e alunos para que se respeite a educação, para que se pare de fazer experiências com a educação ou que se pare de usar a educação para eleições e

26 Para compreender melhor o universo das discussões, questionamentos e dúvidas trazidos pelos setores da educação com relação ao Programa “Escola Viva” e a sua implementação que foram abordados na audiência pública, a última delas, sugerimos o acesso ao link da mesma disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=hycQWT1j2IQ> acesso em 19/04/2018.

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reeleições. Para que se pare de criar projetos de vitrine para que na próxima eleição possa se fotografar e filmar, para dizer que descobriram ali como transformar a educação quando na verdade a maioria das escolas continuam exatamente como sempre estiveram. [...] Não é uma tarefa fácil, até por que esse trabalho deveria ter sido feito pela secretaria de educação desde o começo do ano, aliás, essas audiências deveria ter sido convocadas em todos os municípios, para ampliar essa discussão e levar ao conhecimento público o que é esse projeto e o que se propõem com isso, por que até agora tem muita coisa que esta obscura. Nós não vimos nem se quer uma abertura para atender ao que os alunos e professores tem a dizer e estão clamando. Esse programa não fez isso, e me assusta alguns parlamentares dizerem que já estamos prontos para aprova-lo (AUDIÊNCIA PÚBLICA, 2015).

Na audiência pública estiveram presentes cerca de mais de 300 pessoas, e

contou com a participação de alunos, pais, professores, sindicalistas, dentre outros.

Foram sugeridas propostas de emendas, entretanto não foram aderidas ao projeto,

tendo “todas as 37 emendas sugeridas rejeitadas” (BESSA, 2015 apud LIRIO, 2017).

Majeski foi o único deputado na Casa Legislativa que votou contra a aprovação do

projeto, que seguiu sendo aprovado quase por unanimidade.

A justificativa para a medida está no discurso legalista de que a mesma se

respalda no Plano Nacional de Educação (2014-2024) que prevê a determinação de

implementação de modelos de escola (em tempo) integral até o fim da sua vigência.

Outro fator que contribui na defesa de legitimação para a implantação do programa

foram os dados indicadores do IDEB. Segundo Pertele (2016) os dados do IDEB

para o Espírito Santo apresentaram no ano de 2013 média de 3,4 para o Ensino

Médio no estado, e 3,7 no índice nacional. Os números “mostram que o percentual

em questão está abaixo do nacional, refletindo a situação do referido ensino no

estado e indicando que necessita de uma melhoria na qualidade não só dos índices,

mas, por conseguinte, na qualidade social da oferta pública” (PERTELE, 2016,

p.112).

Desse modo, implementado em 12 de junho de 2015, à época do lançamento

do Programa Escola Viva, foi anunciado pelo então secretário da pasta de

educação, Haroldo Corrêa Rocha, que estaria previsto para adesão do programa

cerca de 30 unidades escolares até o ano de 2018. Hoje, já superado o ano de

previsão da meta, segundo dados obtidos no site do Escola Viva, o estado já conta

com 36 escolas estaduais em turno único.

Nesse sentido, diante desse contexto, buscaremos compreender no próximo

subcapítulo quais são as implicações desse novo modelo de organização e

funcionamento para o desenvolvimento do trabalho docente, faremos isso a partir de

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um estudo de caso no município de Alegre, que será realizado através da

perspectiva dos professores que atuam no Centro Estadual de Ensino Fundamental

e Médio em Tempo Integral “Aristeu Aguiar”, que passou a aderir ao Programa

“Escola Viva” no ano de 2018.

4.2 UMA ANÁLISE DO TRABALHO DOCENTE A PARTIR DE UM ESTUDO DE

CASO: A IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA ESCOLA VIVA NA ESCOLA

ARISTEU AGUIAR

Diante do contexto apresentado até aqui, verifica-se que no estado do Espírito

Santo a educação pública assumiu um caráter gerencialista e tecnocrático para a

formatação do projeto de gestão da educação. Projeto esse, que se firmava na

concepção dos agentes políticos de um dado momento histórico e na relação de

subordinação dos mesmos ao setor privado e a lógica produtivista de formação

escolar pautada pelo capital. Como visto na seção anterior, esses aspectos ainda

figuram como uma forte característica do governo que pavimentou e delimitou a

elaboração e implementação do Programa Escola Viva no estado do Espírito Santo

no ano de 2015.

Na intenção de compreender a forma como se materializa as propostas de

organização e funcionamento do programa e as implicações dele para o

desenvolvimento do trabalho docente, optamos por realizar um estudo de caso.

Acreditamos que, além dos dados dos indicadores educacionais comprovados por

índices e/ou estatísticas, os dados apresentados a partir de documentos oficiais, e o

contexto histórico construído com base no referencial teórico e nos dados empíricos

extraídos de diferentes fontes – tais como a divulgação da mídia – a realização de

um estudo de caso nos dará condições de fazer uma análise do movimento da

realidade considerando a vivencia e visão de um dos principais sujeitos ligados ao

processo: os professores.

Para tal, nossa investigação se dará no Centro Estadual de Ensino

Fundamental e Médio em Tempo Integral (CEEFMTI) “Aristeu Aguiar”. A escolha

pela escola “Aristeu Aguiar” é devido a sua localização, visto que a mesma se

encontra localizada na cidade em que a pesquisadora cursa o programa de pós-

graduação, e também, devido a caracterização do atendimento que era realizado por

essa unidade escolar antes da adesão ao Programa “Escola Viva”.

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A escola “Aristeu Aguiar” está localizada no município de Alegre, microrregião

do Caparaó, no sul do estado do Espírito Santo. A divisão política do município se

dá pela constituição do Distrito-sede (Alegre) e mais sete Distritos: São João do

Norte, Anutiba, Araraí, Celina, Café, Rive e Santa Angélica.

Conforme dados extraídos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira (INEP/MEC) no Sistema Mapa da Escola 27o município

alegrense conta com uma rede escolar formada por 37 unidades, que estão

distribuídas em: 7 escolas na rede estadual; 1 instituto na rede federal; 25 escolas

na rede municipal; e 4 escolas na rede privada.

Considerando o foco da nossa pesquisa e o universo em que se insere nosso

objeto de investigação, voltaremos nossa atenção para as escolas que se encontram

na rede pública estadual do município. Desse modo, destacamos que das 7

escolas28 da rede estadual de Alegre, 2 atendem na sede, enquanto as outras 5

realizam o atendimento nos distritos.

Inserida nesse contexto, a escola “Aristeu Aguiar” é uma, dentre as duas

unidades estaduais, que atendem a etapa do Ensino Médio dentro da cidade de

Alegre, e se destacava por compreender um número relevante de matriculas.

Segundo o Censo Escolar de 2017, em seu último ano como escola de tempo

parcial, a unidade atendia a 349 matriculas no Ensino Médio, e ofertava 8º e9º ano

do Ensino Fundamental, com 244 alunos matriculados, e Educação de Jovens e

Adultos (EJA/EM) com 110 matriculas, totalizando o atendimento de 703 alunos das

zonas urbana e rural.

Além de uma oferta expressiva de matriculas, a instituição também

apresentava um bom desempenho nas avaliações do IDEB, atingindo em 2017 nota

27O Mapa da coleta é um sistema de acompanhamento planejado pelo INEP para auxiliar gestores, municípios e a população na consulta aos dados emitidos na declaração do Censo Escolar que apresentam os dados quantitativos das escolas e matrículas. Para a elaboração dos dados são considerados os seguintes critérios: escolas em atividade com matrículas de escolarização; escolas que realizaram o fechamento do Censo Escolar no Sistema Educacenso, ou seja, que concluíram a declaração dos dados da Matrícula Inicial; escolas que realizaram o fechamento do Censo Escolar no Sistema Educacenso, e reabriram a escola para retificação das informações declaradas. Os dados estão disponíveis em: <https://inepdata.inep.gov.br/analytics/saw.dll?Dashboard&PortalPath=%2Fshared%2FCenso%20da%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20B%C3%A1sica%2F_portal%2FMatr%C3%ADcula%20Inicial&Page=p%C3%A1gina%201> acesso em: 02/06/2019. 28 A rede estadual do município de Alegre no ano de 2017 estava composta pelas seguintes unidades escolares: EEEFM “Aristeu Aguiar, localizada no centro de Alegre; EEEFM Prof. Pedro Simão, localizada no bairro Vila do Sul em Alegre; EEEFM Prof. Celia Teixeira do Carmo, localizado no distrito de Rive; EEEFM “Jose Corrente”, localizada no distrito do Café; EEEFM “Ana Monteiro de

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5.3 na média do indicador escolar, ultrapassando a nota da projeção que era de 4.6.

Ressaltar esse dado é importante visto que as avaliações do IDEB são um dos

principais parâmetros para avaliar a qualidade do ensino básico, e tem sido, uma

das principais justificativas na escolha das escolas para fazerem a adesão ao

Programa “Escola Viva”.

Dito isso, mesmo apresentando boas taxas de rendimento, em 19 de outubro

de 2017 foi anunciado pela Superintendência Regional de Educação de Guaçuí

(SRE/Guaçuí) que a escola “Aristeu Aguiar” passaria a integrar para o ano letivo de

2018 o rol das escolas que aderiram ao Programa “Escola Viva”, sendo

transformada, através da Portaria Nº 143-R(D.O. 20/10/2017), em Centro Estadual de

Ensino Médio em Tempo Integral “Aristeu Aguiar”. No processo de implantação que

é descrito no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) da escola, é posto que a

justificativa da Superintendência para a implementação do programa foi a dada

realidade que as escolas de Alegre apresentavam à época, chegando-se à

conclusão que a metodologia utilizada pelas escolas de tempo integral iria contribuir

para a melhoria da qualidade da educação no município.

Entretanto, essa justificativa não se sustentou sob os fatos. A melhoria da

qualidade da educação que a Superintendência sugere em seu discurso acabou por

se materializar entre muitas contradições e exclusão dos sujeitos durante o seu

processo. Uma das primeiras contradições já é dado ao fato de que, com a adesão

ao programa e a reorganização do funcionamento da instituição, o CEEFMTI

“Aristeu Aguiar” passou a ofertar para o ano de 2018 na modalidade de Tempo

Integral apenas o curso de Ensino Médio e 9º ano do Ensino Fundamenta, excluindo

do seu atendimento o 8º ano das séries finais do fundamental e a Educação de

Jovens e Adultos (EM). Sendo assim, com base nos dados do Censo de 2017 que

apresentamos anteriormente, aproximadamente cerca de 252 alunos foram

realocados em função da reorganização da escola.

Um outro dado também relevante é o da fragilidade que já existia nas taxas

de matricula do Ensino Médio no município. Em dados apresentados pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no Panorama – Censo 201729, constam

que população com faixa etária entre 15 a 17 anos residente no município de Alegre

Paiva”, localizada no distrito de Anutiba; EEEFM “Oscar de Almeida Gama”, localizada no distrito de Araraí; EEEFM “Sirena Resende Fonseca”, localizada no distrito de Celina. 29 Os dados apresentados relativos ao Censo 2017 do Município de Alegre estão disponíveis <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/es/alegre/panorama> acesso em 02/06/2019.

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era de aproximadamente 2.777 jovens (valor atribuído a soma de homens e

mulheres). Desse universo apresentado, segundo registros do mesmo indicador,

existiam apenas 1.183 matriculas no Ensino Médio da rede pública, isso sinalizava

que cerca de 1.594 jovens que possuíam idade certa para estarem cursando a

última etapa da educação básica, não estavam matriculados na mesma.

Os dados registrados não evidenciam se esses jovens estavam em distorção

idade-série, se estavam evadidos ou se ao menos haviam efetuado matricula, no

entanto, em qualquer um dos cenários possíveis, é expressivo e preocupante o

número de jovens que deveriam estar matriculados no Ensino Médio no município e

estavam fora dessa etapa. É importante ressaltar que, conforme dados informados

no Sistema QEdu30, no ano de 2017 apenas a rede pública estadual realizava o

atendimento das matrículas do Ensino Médio regular na cidade de Alegre, sendo

assim é descartada a possibilidade de parte dos jovens considerados nesse

universo de 1.594 estarem matriculados na rede privada ou municipal.

A realocação desses 252 alunos somada ao gargalo que o município já

enfrentava nas taxas de matricula do Ensino Médio indicam dados que nos ajudam a

refletir sobre a decisão da SRE de Guaçuí em implementar o Programa “Escola

Viva” em Alegre. O resultado dessa decisão, ostentado como positivo, mais se

assemelha ao de um diagnóstico distante dos interessas e demandas reais do

município. Nessa justificativa da Superintendência não é evidenciado se a situação

das matrículas que deveriam estar no Ensino Médio, mas não estavam, foram

consideradas. E a situação dos realocados também enfrentava um quadro

problemático visto que no mesmo ano de implementação do programa, a

comunidade escolar do Colégio Estadual “Prof. Pedro Simão”, responsável por

receber as realocações, foi surpreendida com uma transferência física do colégio

para uma outra localidade da cidade de Alegre.

O Colégio “Pedro Simão, que após a reorganização passou a ser a única

unidade escolar da cidade a atender ao Ensino Médio regular, teve durante o

processo de implementação do Programa “Escola Viva” o seu prédio, que

funcionava em um bairro mais próximo do centro, transferido para outro bairro cuja

30 Sistema QEduc é uma ferramenta de acesso a dados educacionais disponibilizados pelos Censos Escolares. A plataforma apresenta de modo didático os dados quantitativos da realidade educacional de todas as dependências federativas. Disponível em: <https://www.qedu.org.br/brasil/censoescolar?year=2018&dependence=0&localization=0&item=>acesso em: 04/06/2019.

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localização é muito afastada da cidade, passando a necessitar do uso de transporte

escolar, dificultando em grande medida o acesso dos alunos a escola.

Além do cenário apresentado acima, é incorporado ao repertório de eventos

que aconteceram concomitantes ao processo de implementação do Programa

“Escola Viva” em Alegre, uma tentativa por parte do Governo do Estado, de encerrar

a oferta de matriculas em 3 das 5 escolas que realizavam o atendimento nos

distritos do município. As instituições referidas são às Escolas Estaduais de Ensino

Fundamental e Médio, Oscar de Almeida Gama, no distrito de Araraí, Ana Monteiro

de Paiva, no distrito de Anutiba e José Corrente, no distrito do Café.

De acordo com dados extraídos do portal G1 – TVGazeta31, o Governo do

Estado atribui a execução da medida como sendo parte do cumprimento de um

acordo assinado entre o município de Alegre e o estado do Espírito Santo em março

de 2017. O acordo, denominado como Pacto pela Aprendizagem no Espírito Santo

(PAES), previa a municipalização dos anos iniciais do ensino fundamental e a

nucleação das escolas estaduais até o início do ano letivo de 2018, a medida

acarretaria no fechamento da oferta do Ensino Médio e das séries finais do

fundamental nos distritos de Araraí, Café e Anutiba.

Ainda conforme a reportagem, a ação gerou resistência e insatisfação na

comunidade escolar que se manifestou através de um grande abaixo-assinado que

foi anexado aos autos do processo. O documento, que deixava evidente

discordância da população com o encerramento do atendimento nas escolas, serviu

de subsidio para a decisão, em caráter liminar, da juíza Graciene Pereira Pinto, que

determinou que fosse mantida a prestação de serviços nas escolas, suspendendo o

fechamento e a transferência de matriculas para o município (G1- TVGAZETA, 17

Nov. 2017).

A magistrada julgou suficiente a tese do Ministério Público Estadual (MP-ES)

em que são apontados a falta de consulta e diálogo com os principais entes

interessados e o saldo negativo que teria o fechamento de turmas e escolas nos

distritos, visto que, tal medida teria como consequência fazer como que cerca de

700 alunos residentes da zona rural do município tivessem que se deslocar, alguns

31Em reportagem veiculada em 17/11/2017 pelo portal do G1- TVGazeta é relatado o processo de

encerramento do atendimento nas matriculas nos distritos de Alegre e a repercussão negativa disso na comunidade escolar. Disponível em: https://g1.globo.com/es/espirito-santo/sul-es/noticia/justica-determina-que-estado-mantenha-atendimento-em-escolas-de-alegre-es.ghtmlacesso em: 04/06/2019.

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por quase 94 quilômetros por dia, para poderem frequentar as aulas na cidade de

Alegre (G1- TVGAZETA, 17 Nov. 2017).

Desse modo, vemos a prática de um governo que implanta uma política

educacional com promessas de melhoria para a educação e, no mesmo espaço e

tempo, desconsidera a realidade expressiva de alunos fora do Ensino Médio,

promove o fechamento de escolas, e realoca alunos para uma unidade cuja oferta

do atendimento passaria a ser em uma localidade de difícil acesso, colocando em

risco a permanência de centenas de alunos a educação escolar no município.

Esses eventos que ocorreram concomitantes ao processo de implementação

e os dados da realidade educacional do município de Alegre denotaram, até certa

medida32, como se configurava a oferta do Ensino Médio no ano de 2017, e ao

tratarmos mais especificamente das demandas a serem atendidas para promover

melhorias nas condições de acesso e permanência dos jovens na rede pública

municipal, concordamos que notoriamente, o Programa “Escola Viva” foi concebido

em um cenário pouco democrático.

Essa face pouco democrática do “Escola Viva” não é uma marca nova para a

sua trajetória, tampouco exclusiva do processo ocorrido em Alegre. Como já

delimitando nesse trabalho, o projeto vitrine do governo, alinhavado com velhas

parcerias do setor privado, teve o seu processo de aprovação na Assembleia

Legislativa do Estado marcado por um conturbado contexto, e se mostrou naquele

dado momento, e agora novamente em sua implementação no município de Alegre,

pouco aberto a entender as demandas e realidade dos locais que passam a fazer

adesão do programa. Segundo Oliveira (2015), a ação do governo com o “Escola

Viva” tem sido o oposto de qualquer sentido democrático, na verdade, o que tem

ficado cada vez mais evidente, é que o Governo do Estado vem tornando a

educação cada vez mais privilégio de alguns.

32Consideramos que, na totalidade, a realidade educacional do município de Alegre se materializa de

forma bem mais complexa do que a que tivemos condições de apresentar. Desse modo, optamos por

dizer que os dados e fatos apresentados expressam a realidade até certa medida. Entretanto, por nos

debruçarmos sobre o método materialista histórico dialético para desenvolver essa pesquisa,

assumimos que tal metodologia nos subsidiou para que com os dados empíricos coletados fosse

possível construir de modo analítico uma interpretação da realidade, afinal, o método materialista

histórico dialético é sobretudo um método de interpretação desse movimento.Como bem coloca Pires

(1997, p. 87) ao tratar do método dialético proposto por Max a autora diz que “compreender o método

é instrumentalizar-se para o conhecimento da realidade, no caso, a realidade educacional”.

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Diante desse quadro, na dimensão do processo de implementação, é possível

observar que o governo representado na figura da Superintendência Regional de

Educação de Guaçuí, apesar de pouco compatível com as demandas apresentadas

pelo município, seguiu reforçando a ideia de que o Programa “Escola Viva”

funcionaria como um receituário para melhorar a qualidade da educação.

Atualmente, o CEEFMTI “Aristeu Aguiar” atende (em tempo) integral a 412 alunos do

9º ano do Ensino Fundamental e Médio da cidade deAlegre e distritos.

Nesse sentido, há outros aspectos que precisam ser compreendidos para

além dos fatores externos, como exemplo, os que se referem as concepções

teóricas que sustentam o Programa “Escola Viva” e a sua materialização no

cotidiano da escola. “A concepção de escola que temos ou que desejamos diz muito

sobre o que pretendemos para a formação dos sujeitos nela inseridos”(PERTELE,

2016, p.170).

Desse modo, buscaremos compreender a materialidade dessas concepções

através do desenvolvimento do trabalho docente na escola “Aristeu Aguiar” e, a

partir da abordagem dialética, perceber quais são as implicações e contradições que

ficam expressas na prática desses docentes. Sendo assim, na seção a seguir

apresentaremos os dados coletados na pesquisa de campo e as análises

construídas a partir deles para alcançar os objetivos propostos nesse trabalho.

4.2.1 O trabalho docente e a “Escola da Escolha” no município de Alegre

Nessa seção, pretendemos expor o processo realizado dentro do campo de

pesquisa. Sendo assim, serão evidenciadas as atividades realizadas na escola

“Aristeu Aguiar”, o perfil dos sujeitos participantes da pesquisa, os critérios e

metodologia utilizados para a coleta e análise dos dados, bem como a apresentação

e discussão dos mesmos.

Dito isso, explicitaremos as atividades que foram desenvolvidas na escola

“Aristeu Aguiar” nas quais tiveram seu início no dia 13 de novembro de 2018, data

em que foi realizado o primeiro contato com a instituição. Na ocasião, fomos

recebidos pelo diretor, a quem apresentamos a documentação que nos autorizava a

realizar da pesquisa e, como sendo um momento oportuno, aproveitamos para

explicar os objetivos e como ocorreriam os processos da coleta de dados da

pesquisa.

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Desse modo as atividades e a coleta de dados foram realizadas entre o

período de novembro de 2018 a junho de 201933, e tiveram como instrumento

metodológico para coletar esses dados a entrevista semi-estruturada e o diário de

campo. No quadro que apresentaremos a seguir constam de modo descritivo quais

foram, quando foram, e do que se tratavam essas atividades realizadas em campo.

01– Quadro das atividades desenvolvidas pela pesquisadora no CEEFMTI

“Aristeu Aguiar” entre o período de 2018-2019.

a) Aula prática (disciplina de matemática): Uma dentre as propostas que se

colocam como inovadoras dentro do modelo pedagógico e metodológico do

Programa “Escola Viva” é adição de mais uma aula na carga-horária das

disciplinas de matemática. Essa adição é distribuída na matriz curricular com o

nome de aula prática, que em uma breve explicação, seria uma aula cujo

professor teria que relacionar a teoria trabalhada em sala de aula com uma

atividade fora da sala (geralmente uma atividade experimental) para que o

conteúdo possa ser trabalhado de uma forma diferenciada e com maior

significado para o aluno. Na aula prática que estivemos presente e fizemos

observação, a professora da disciplina de matemática, realizou na biblioteca da

escola, uma atividade com figuras geométricas feitas em material sólido

(figuras feitas em papelão, madeira, caixas, etc.,) e na atividade os alunos, que

se encontravam divididos em seis grupos, recebiam uma lista com exercícios e

os mesmos deveriam resolvê-los utilizando as figuras geométricas. A atividade

também contava com a participação dos pais de alguns alunos, que são

convidados a irem à escola para a participar das atividades das aulas práticas.

Nessa aula em questão, a função desempenhada pelos pais era ficarem nos

grupos mediando a atividade e cuidando para que os alunos não se

dispersassem. Nesse dia pude acompanhar e fazer observações que foram

registradas no diário de campo. Essa atividade foi realizada no mês de

novembro.

33 O primeiro contato com a escola teve início em novembro, no entanto esse se deu apenas em uma

apresentação formal ao gestor, aos professores e em um reconhecimento do espaço físico escolar. As entrevistas, uma das principais atividades que nos propomos a desenvolver na escola, só foi realizada após a liberação do CEP, que se deu em 19 de dezembro de 2018. Ressaltamos essa informação em vista de que o Comitê de Ética concedeu a liberação para a realização da entrevista somente na 5 submissão do TCLE, o que atrasou consideravelmente a coleta de dados dessa pesquisa, tendo como consequências uma mudança no cronograma de desenvolvimento do trabalho.

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b) Planejamento Coletivo:Os planejamentos coletivos são descritos nos

documentos norteadores do programa (Projeto Político Pedagógico referencial

para as escolas do estado e Plano de Desenvolvimento Institucional da escola

“Aristeu Aguiar”) como sendo um momento reservado para que os professores

possam coletivamente, orientados pelo Professor Coordenador de Área (PCA),

estabelecer as estratégias pedagógicas que promovam o pleno envolvimento

dos alunos pautados nos princípios e valores metodológicos do Programa

“Escola Viva”. Ao todo, entre novembro de 2018 e junho de 2019, foram

realizados o acompanhamento de 22 planejamentos em todas as grandes

áreas do conhecimento que compõe o currículo. Durante esse processo foram

observadas as dinâmicas, demandas e ações dos professores no cotidiano da

escola, e essas observações foram registras no diário de campo dessa

pesquisa.

c) Entrevista Semi-estruturada: Instrumento para coleta de dados, as

entrevistas com perguntas abertas e fechadas, que podem ser vistas no roteiro

de entrevista que se encontra nos apêndices desse trabalho, foram realizadas

entre os dias 19 e 22 de dezembro de 2018, mediante o parecer de aprovação

do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Campus de Alegre. A

pesquisa contou com um universo composto por 9 docentes que, sob condição

posta nos Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que garante aos

mesmos o sigilo de suas identidades, concederem as entrevistas que foram de

fundamental importância para o desenvolvimento desse trabalho e o alcance

dos objetivos propostos.

d) Painel da Educação: No dia 12 de março de 2019, estivemos presente no

evento “Painel sobre Educação”realizado na cidade de Cachoeiro do

Itapemirim. O evento promovido pela Secretaria Municipal de Educação

(SEME) e pelo Movimento Empresarial do Sul do Espírito Santo (MESSES),

ocorreu no Bristol Easy Hotel, e reuniu os profissionais e gestores que atuam

na equipe de implementação do modelo de escolas (em tempo) integral no

município de Cachoeiro, algumas personalidades do meio político – prefeito e

vereadores – e empresários da região sul. Estiveram presentes também, além

do presidente do Messes, movimento que organizou o evento junto a gestão

pública, o diretor-presidente do ES em Ação, Luiz Wagner Chieppe, e Marcos

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Magalhães, fundador e presidente do Instituto de Co-Responsabilidade pela

Educação (ICE), que como já sabido, é a instituição com parceria técnica com

o estado do Espírito Santo na gestão do Programa “Escola Viva”. O Painel

sobre Educação, que contou com uma palestra de Magalhães, teve como

objetivo apresentar a nova metodologia da Escola da Escolha que foi

implementada em duas unidades escolares do município de Cachoeiro, as

escolas Athayr Cagnin (do bairro Abelardo Machado) e Julieta Deps Tallon (do

bairro Zumbi), que fazem ao todo o atendimento de 500 alunos. Além da

palestra, o evento contou com uma apresentação em power point, realizada

pelo presidente do MESSES, que ao invés de dados, apresentava só algumas

imagens de dinâmicas que foram realizadas com os professores nas escolas

em que o modelo vai ser implementado. E foram realizados também alguns

depoimentos de figuras públicas que ali se faziam presentes. Logo após esse

momento de apresentação do que seria um painel (ou panorama) geral da

educação em Cachoeiro, os participantes foram convidados a fazer uma visita

em uma das escolas cujo modelo de tempo integral havia sido implementado.

Sendo assim, terminada as atividades do evento no hotel, nos dirigimos a

escola Julieta Deps Tallon, no bairro Zumbi, para conhecer o espaço que

funcionava há quase 1 ano no modelo de tempo integral. As observação e

percepções desse dia foram registradas no diário de campo dessa pesquisa.

e) Reunião Geral: No dia 31 de maio de 2019 participei de uma atividade

formativa na escola “Aristeu Aguiar”, a atividade em questão denomina-se

como Reunião Geral, e é realizada quinzenalmente. A reunião contou com todo

o corpo docente, a coordenadora pedagógica e a pedagoga. Nela, é realizada

uma tertúlia literária (metodologia introduzida no Programa “Escola Viva” pelo

Instituto Natura), que de acordo com coordenadora pedagógica é um momento

em que os professores se reúnem junto a esquipe gestora para fazerem uma

leitura e discussão dos cadernos de formação que são fornecidos pelo Instituto

de Co-Responsabilidade pela Educação (ICE). Nessa reunião em que estive

presente o caderno a ser estudado foi o “Tecnologia de Gestão Educacional:

princípios e conceitos, liderança servidora e motivação, planejamento e

operacionalização”. A dinâmica da tertúlia funcionou da seguinte maneira: os

professores faziam a leitura de excertos que gostariam de destacar no caderno

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de formação do ICE e, a partir do excerto lido, os mesmos teciam comentários,

considerações ou reflexões a respeito do excerto. A reunião durou cerca de

uma hora e as observação, percepções e discussões realizadas foram

registradas no diário de campo dessa pesquisa.

f) Apresentação das ações do Projeto de Vida:Ainda no dia 31 de maio de

2019, logo após a Reunião Geral, as professoras responsáveis pela disciplina

Projeto de Vida, um dos, senão o principal eixo do Programa “Escola Viva”,

fizeram uma apresentação de um panorama geral dos resultados e desafios

para o desenvolvimento dos alunos da escola “Aristeu Aguiar”. Os elementos

foram identificados a partir de uma coleta de dados realizada com a aplicação

de questionário com os alunos na disciplina de Projeto de Vida. Em uma

apresentação de slides, que apresentavam os dados coletados em forma de

infográficos, as professoras apontaram quais, dentre os quatro pilares para a

educação (princípio norteador utilizada pelo Projeto de Vida), apresentou maior

fragilidade, e sugeriram a partir disso, estratégias para que a fragilidade

identificada pudesse ser trabalhada de modo transversal nas demais

disciplinas. As observações dos dados, estratégias e discussões apresentadas

foram registradas no diário de campo dessa pesquisa.

g) Formação para a nova BNCC: Participei no dia 11 do junho de 2019 de um

estudo da Base Nacional Comum Curricular realizada com os professores da

área de Ciências Humanas, o material utilizado foi enviado pela SEDU e o

momento de estudo do mesmo foi solicitado como sendo obrigatório pela

própria Secretaria de Educação. O material se tratava de um conteúdo

interativo para falar das competências e dimensões da BNCC. Em formato de

slides, colocava de forma pouco aprofundada as questões que passariam a

compor as 10 competências a serem trabalhadas no currículo. A Coordenadora

Pedagógica pediu para que os professores fizessem a leitura desses slides, em

que basicamente eram colocadas descrições do que são essas 10

competências e os objetivos de cada uma delas e, o conteúdo e dados

apresentados por infográficos, foram produzido pela Porvir em parceria com

Anna Penido, diretora do Instituto Inspirare e integrante do Movimento pela

Base, todos ligados ao Instituto Natura e ao ICE. As observações,

considerações e reflexões dessa atividade foram registradas no diário de

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campo dessa pesquisa.

Observação: Vale assinalar que houveram atividades durante o decorrer do ano letivo das quais

não foram autorizadas a nossa participação: pré-conselho, conselho de classe, jornada

pedagógica, reuniões de área com o gestor, acompanhamento de aulas e acompanhamento de

eletivas são algumas delas. Tais atividades teriam substancial valor para a produção de dados

dessa pesquisa, sendo assim, cabe deixar registrado essas limitações.

Fonte: Elaborado pela autora

Exposto o quadro discricionário das atividades realizadas, se faz necessário

que sejam pontuados alguns outros elementos que vão compor a construção dessa

seção do terceiro capítulo e as análises que serão aqui tecidas. O primeiro elemento

são os documentos utilizados, que serão:

a) Projeto Político Pedagógico “Escola Viva” (2015): Esse documento tem

como função orientar na elaboração dos PPP’s das escolas que

implementam o programa.

b) Plano de Desenvolvimento Institucional da escola “Aristeu Aguiar” (2018):

Esse é o documento no qual está estabelecida a missão, filosofia,

objetivos, metas e estratégias da escola “Aristeu Aguiar”. É importante

registrar que, segundo a Coordenadora Pedagógica da escola, o PDI que

analisamos ainda estava em processo de apreciação. De acordo com ela,

o documento teria sido enviado no primeiro semestre do ano de 2018 para

que a equipe da SEDU responsável pelas questões da implementação do

Programa “Escola Viva” pudessem analisar e validar o documento,

entretanto, com quase um ano de envio, ainda não teria sido feita a

devolutiva do documento. Sendo assim, significa dizer que o PDI, apesar

de ser o documento que tem orientado os professores e a gestão da

escola Aristeu Aguiar desde o início do ano letivo de 2018, ainda não tinha

validade legal. Na semana em que fizemos o último acompanhamento dos

planejamentos coletivos (junho de 2019) a SEDU deu a devolutiva do PDI

solicitando alterações em algumas metas. Devido ao tempo de finalização

previsto para a pesquisa, não houveram condições temporais para

verificação das alterações solicitadas. No entanto, conforme a

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coordenadora pedagógica, tais mudanças não alteram essencialmente a

versão anterior que foi por nós analisada.

c) Regimento Interno “Centro Estadual de Ensino Fundamental e Médio em

Tempo Integral “Aristeu Aguiar” (2018): O regimento escolar é o

documento que “regulamenta a organização didática pedagógica e

administrativa do Centro Estadual de Ensino Fundamental e Médio em

Tempo Integral Aristeu Aguiar” e tem, nos termos da legislação vigente,

[...] “a finalidade de garantir a unidade filosófica, político-pedagógica,

estrutural e funcional deste estabelecimento, preservando a flexibilidade

didático-pedagógica que lhe é assegurada” (art. 1º).

d) Cadernos de Formação do ICE: Os cadernos formativos são utilizados

como um manual de consulta para orientação da prática pedagógicas dos

docentes do programa. O box com livretos intitulado “Introdução às bases

teóricas e metodológicas do modelo Escola da Escolha” é produzido e

organizado pelo Instituto de Co-Responsabilidade pela Educação com

apoio do Instituto Natura. Esse material é utilizado para consulta pelos

professores durante o ano letivo, e é utilizado nos processos de

(formação) dentro e fora da escola.

Os documentos indicados acima, nos deram subsidio para estabelecer o

modo como o Programa “Escola Viva” se apresenta sob a forma e configuração do

que Pires (1997) chamou de real aparente. Em outras palavras, é a forma na qual o

objeto se apresenta à primeira vista, é a sua realidade dada.

E para alcançarmos o objetivo central proposto por esse trabalho, tivemos

que chegar ao objeto concreto, ou seja, entender o Programa “Escola Viva” para

além das aparências, e para isso tivemos que fazê-lo por meio das abstrações, que

são as mediações, reflexões, elaborações do pensamento, teorias e o movimento de

contradições que se apresentam na realidade que constitui e se insere o Programa

(PIRES, 1997).Sendo assim, para entendermos a partir das abstrações quais eram

as diferenças que figuravam do real aparente para o real concreto, lançamos mão do

referencial teórico, das entrevistas e das atividades realizadas na escola registradas

em diário de campo.

Dito isso, com base no método da triangulação de dados referenciado em

Minayo (2010), cruzamos as visões que estão postas nos documentos norteadores

que fundamentam o programa, os dados coletados a partir das entrevistas com os

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professores e com as observações realizadas no acompanhamento das atividades

e, com subsidio no referencial teórico e teórico-conceitual, fizemos as análises dos

dados buscando responder aos objetivos específicos, e com isso, responder objetivo

geral, que busca compreender quais são os significados desse novo modelo de

organização e funcionamento do Programa Escola Viva para o desenvolvimento do

trabalho docente e, consequentemente, para formação dos jovens da escola “Aristeu

Aguiar”. Sendo assim, faremos a partir daqui as apresentações e análises dos eixos.

Eixo I: Quais as concepções que estão alinhadas ao Programa “Escola

Viva”.

A história da educação brasileira reflete a trajetória de um ensino escolar que

esteve durante grande parte do seu processo assentado na adoção de modelos

pedagógicos alicerçados nos interesses da elite e na manutenção do capital e da

soberania burguesa. Vemos nesse trabalho, que as escolas públicas foram

inicialmente, e por muito tempo, ocupada pelos filhos dessa elite, e que o movimento

contrário, em que os filhos da classe popular trabalhadora passaram a ocupar esses

espaços, só aconteceu graças a um profundo processo de industrialização na

década de 1930 que necessitou desses mesmos sujeitos como mão de obra um

pouco mais qualificada para suprir a demanda do mercado que emergia.

As consequências desse processo foi o surgimento de uma nova escola que

atendesse as classes populares trabalhadora e que oferecesse a ela um currículo

escolar direcionado para o mundo do emprego, o que implicou em uma dualidade

pedagógica estrutural e institucional com “(..) uma adesão total aos estudos

científicos em substituição às humanidades” introduzindo no universo educacional

brasileiro um “(...) ensino técnico profissional marcadamente vinculado à formação

dos trabalhadores e das camadas populares” (SOUZA, 2008, p. 132).

Essa dualidade formativa figurou, e sob a perspectiva de alguns autores como

Frigotto e Ciavatta (2003), Saviani (2003) e Duarte (2012) ainda figuram, a educação

básica ofertada na escola pública, em especial a etapa do Ensino Médio. É

importante ressaltar que “paralelamente, tivemos modelos pedagógicos de

resistência, pois de algum modo tencionavam para o rompimento da desigualdade

de classes” (PERTELE, 2016, p.170).

As normatizações concebidas a partir da redemocratização em 1988

elaboraram para a educação pública brasileira um projeto de superação dessas

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desigualdades, partindo do pressuposto de garantia do acesso a gratuidade e

qualidade da educação básica como um direito de todos, no entanto a materialidade

desse direito, como já visto em outras seções desse trabalho, enfrentou (e enfrenta)

desafios profundos para sua concretude.

Esses desafios se dão principalmente pelas sucessivas vitórias do projeto

hegemônico da elite brasileira de subordinação da política nacional a nova ordem

mundial do mercado e do capital a partir da década de 1990, que consolidou,

principalmente através de figuras políticas como Fernando de Collor e Fernando

Henrique Cardoso, um alinhamento do sistema educacional a esses setores. Como

já apontamos em nossa revisão de literatura, foram essencialmente desses

governos o projeto político “que conduziu as diferentes políticas de forma associada

e subordinada aos organismos internacionais, gestores da mundialização do capital

e dentro da ortodoxia da cartilha do credo neoliberal, cujo núcleo central é a ideia do

livre mercado e da irreversibilidade de suas leis” (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003,

p.103).

Desse modo, essa conjuntura molda para o sistema educacional uma

orientação dita neoliberal para as políticas, que vem se caracterizando como

“claudicantes: combinam um discurso que reconhece a importância da educação

com a redução dos investimentos na área e apelos à iniciativa privada e

organizações não governamentais” (SAVIANI, 1995, p.10).

Os governos que se seguiram e que indicavam inicialmente um novo projeto

político, principalmente para o campo da seguridade social, na verdade acabaram

por não romper com essa realidade. De acordo com Oliveira (2009) o governo

petista, eleito pela bandeira progressista, manteve grande parte dos óbices da

gestão que o antecedeu, e mais, solidificou a adesão incondicional à agenda do

Banco Mundial, do Todos pela Educação e de outros organismos internacionais,

permanecendo assentado no tripé mercantil que resvalava em um projeto de

educação pública que não exigia da nação uma formação complexa para os sujeitos.

Recobramos esses apontamentos, que também foram feitos na seção em que

apresentamos uma breve revisão histórica do processo de construção do Ensino

Médio, porque segundo nosso referencial teórico, esse projeto educacional, pautado

na concepção bancomundialista, legitimou um discurso de que, a escola pública do

modo como se apresentava não atendia mais aos interesses da – sociedade – e que

um formato de educação “conduzido por parâmetros de gestão da iniciativa privada

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e do mercado” (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCH, 2012, p. 148) se mostrava uma

opção mais moderna e atrativa, e indicava que para tornar o itinerário formativo mais

interessante era necessário que o mesmo fosse mais “enxugado” e “delimitado”.

Essas concepções que atendem ao ethos mercantil e são norteadas pela

eficácia, produtividade, competitividade, diversificação, seletividade e eficiência, e as

marcas que se constituíram historicamente no caráter formativo dualista do Ensino

Médio, foram elementos que configuraram a lógica que formatou as reformas

educacionais em curso desde 2015.

Além dos aspectos que figuram historicamente e que são comuns as políticas

educacionais brasileiras, as reformas educacionais dessa última década constatam

a existência de pontos semelhantes entre elas, tais como: gestão da educação

descentralizada, modelos pedagógicos voltados para a educação do século XXI,

currículo flexibilizado, avaliação como parâmetro de seleção dos saberes a serem

aprendidos e como uma forma de medir qualitativamente a educação, formação de

professores sob uma visão gerencial e parcerias técnicas com o setor privado

(FERREIRA, 2017).

No contexto atual, isso pode ser observado nos componentes constitutivos da

Reforma do Ensino Médio (Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017), da nova Base

Nacional Comum Curricular e nas reorganizações que aconteceram em vários

estados brasileiros com a implementação da escola de modelo (em tempo) integral,

como é o caso do Programa “Escola Viva” no estado do Espírito Santo.

Na Reforma do Ensino Médio, por exemplo, essa afirmativa se faz presente

na determinação de flexibilização do percurso formativo, na ampliação do tempo do

aluno na escola e na possibilidade de formação técnica profissional dentro da carga

horária, a mudança justifica-se no fato de que a reforma teria condições de tornar

essa etapa da educação básica mais atrativa, visto que, na avaliação do MEC os

alunos do Ensino Médio no Brasil mostram desempenho muito abaixo da média se

comparado a outros países (FERREIRA, 2017).

De acordo com Ferreira (2017), apesar de convocar essa mudança usando

como respaldo os índices de desempenho, como se esses fossem capazes de

mostrar todas as nuances e fragilidades que resultam no gargalo do Ensino Médio,

os argumentos e conteúdo que são trazidos pela reforma estão, na verdade,

imbuídos de uma lógica que perpassa os princípios de uma agenda capitalista

globalmente estruturada para a educação, que consiste na redefinição do que se

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entende por educação, por gestão, currículo e prática pedagógica. Para consolidar

essa agenda cria-se uma padronização para a educação, um currículo comum a

todos, com uma concepção de educação e processos formativos padrão.

Nesse sentindo a autora corrobora dizendo que,

Essa agenda consiste dominantemente em processos de padronização da educação, o que parece sinalizar uma redefinição do que se entende por educação. O que está em questão e a própria concepção de educação, simplificada na relação de estabelecimento de um currículo estandardizado focado em matemática e língua materna, com processos padronizados de testagem de resultados, garantidos por uma gestão focada nos resultados, que tenciona a redefinição do trabalho docente, com o suporte de um padrão mínimo de financiamento educacional. O currículo escolar, nessa perspectiva, não é uma escolha de cada comunidade local, mas um padrão global sobre o que é necessário (e legítimo) ensinar/aprender (FERREIRA, 2017).

Apesar de preceder a Reforma do Ensino Médio e a nova Base Nacional

Comum Curricular, visto que o mesmo foi lançado oficialmente no estado do Espírito

Santo no ano de 2015, o Programa “Escola Viva” traz em seu bojo todos esses

elementos de cunho neoliberal ligados a agenda capitalista que, como aponta nosso

referencial teórico, foi fundamental na elaboração dessas reformas.

No Projeto Político Pedagógico, é posto que o programa surge como uma

resposta aos alertas apontados por diversos estudos, relatórios, mas principalmente

pelos indicadores educacionais, de que a juventude brasileira apresenta baixíssimo

rendimento educacional, e “que a escola não responde aos desafios do Século XXI”

(ESCOLA VIVA, 2015, p.7).

O documento continua dizendo que, em vista disso, se faz necessário uma

intervenção no âmbito educacional, e que o Programa “Escola Viva” contribui de

forma efetiva ao surgir com uma proposta metodológica e pedagógica em que os

“estudantes, educadores e gestores se utilizam da mesma linguagem e dos mesmos

instrumentos para planejar, definir metas, gerenciar suas atividades e avaliar os

seus resultados” (ESCOLA VIVA, 2015, p.36). Com relação aos conteúdos da Base

Nacional Comum, esses, já são trabalhados na matriz curricular do programa desde

de 2015 de modo flexibilizado.

No caso mais especifico do nosso objeto de estudo, o Plano de

Desenvolvimento Institucional da escola “Aristeu Aguiar” coloca que:

Há uma grande articulação entre Base Nacional Comum – BNC e Parte Diversificada. Os estudantes são conduzidos de forma bem dinâmica na Parte Diversificada que está totalmente ligada aos conteúdos do currículo. Dessa forma, pretende-se explorar conhecimentos cognitivos, oportunizar o espírito de coletividade, desenvolver processo de socialização, trabalhar a

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interatividade, vivenciar os quatro pilares: aprender a ser, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a aprender, interagir com a comunidade escolar. Os Clubes se correlacionam com algumas Eletivas e disciplinas do currículo, e são formados a partir do interesse do aluno que é impulsionado a organizar um plano de ação junto aos seus pares e executá-lo de forma responsável e participativa. O trabalho de Tutoria, por ter uma abordagem Interdimensional, abrange a articulação de uma orientação para a vida com orientação especificamente para os estudos, para reflexão acerca dos resultados das avalições externas e internas (PLANO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL, 2018).

Desse modo, o programa preconiza as tendências lançadas na Reforma do

Ensino Médio como, a formação do currículo diversificado a partir dos interesses

(dentro do que é oferecido) do aluno, a relação dessas disciplinas da parte

diversificada com os conteúdos trabalhados na Base Nacional Comum voltados para

o resultado das avaliações, e uma atribuição (no sentindo de responsabilização) dos

sujeitos (alunos e professores) com esses resultados.

Durante o tempo em que os professores foram acompanhados nos

planejamentos coletivos essa concepção de responsabilidade se mostrava muito

presente nas relações e eram sustentadas principalmente a partir das Tutorias, em

que os professores passam a ser responsáveis por toda a vida acadêmica de um

grupo de alunos da escola durante o processo de formação deles naquele espaço.

Desde as relações socioafetivas até os resultados nas provas avaliativas, sendo

assim, é parte das atribuições do docente cuidar para que o seu grupo de alunos

apresente bom desempenho.

Os professores em entrevista expressaram opiniões acerca disso, entretanto

iremos explorar melhor essas concepções em outro eixo, no momento nossa

intenção é apenas ressaltar esse aspecto que tem ligação direta com esse objetivo

do programa, e que também é parte das reformas, de dar uma suposta autonomia

que passa a responsabilizar os sujeitos pela sua formação e pelos resultados em

índices de avaliação. As demais disciplinas da parte diversificada também

apresentam um outro aspecto que merece ser ressaltado, trata-se do fato de metade

do currículo diversificado se configurar mais como uma extensão da Base Nacional

Comum do que como uma diversificação dos saberes trabalhados na escola.

Vejamos, de acordo com o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), o currículo

está organizado da seguinte maneira:

Na organização curricular, estão dispostos os componentes curriculares da Base Nacional Comum, assim como da Parte Diversificada com as Línguas Estrangeiras (Inglês e Espanhol) e com os Componentes Integradores: Projeto de Vida, Estudo Orientado, Pensamento Científico, Aprofundamento

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de Estudos, Práticas e Vivências em Protagonismo, Disciplinas Eletivas, e Práticas Experimentais. (PLANO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL, 2018).

As eletivas, como já apresentado acima no excerto do PDI, precisam estar

relacionadas ao currículo que corresponde a Base Nacional Comum. Pois bem, com

exceção do Projeto de Vida e Práticas e Vivências em Protagonismo, que estão

relacionadas a uma base pedagógica que é tratada pelo programa como

socioemocional, as demais disciplinas como, Estudo Orientado, Pensamento

Científico, Aprofundamento de Estudos e Práticas Experimentais são uma extensão

dos conteúdos já trabalhados em sala de aula.

Isso significa dizer que, com a extensão da jornada escolar, em que 40% do

currículo tem que ser trabalhado com a parte diversificada, ao oferecer disciplinas

que repetem os conteúdos que são dados em sala de aula, a dita autonomia que o

aluno tem é, na verdade, a autonomia de escolher qual conteúdo do currículo

comum ele quer receber reforço. Sendo assim, essa dinâmica não se difere da que

vai ser instituída com a Reforma do Ensino Médio, visto que a referida reforma trata-

se exatamente dessa autonomia que o aluno vai ter para escolher qual disciplina irá

querer estudar de acordo com o seu interesse.

Ao serem perguntados em entrevista sobre essas recentes mudanças

ocorridas no campo da educação no cenário nacional, e se os mesmos identificavam

algum traço delas no programa, os professores apresentaram respostas que

evidenciaram uma relação estreita de entendimento e aceitação quanto a reforma e

a relação dela com o Programa “Escola Viva”.

Os professores, ao tecerem suas opiniões, apresentaram três elementos

bastante interessantes, em vista disso agrupamos três conjuntos de respostas para

apresentar e discutir esses elementos. No primeiro grupo, ao ser feita a pergunta

sobre as reformas e a relação delas com o programa, obtivemos as seguintes

respostas:

A Reforma do Ensino Médio, onde o aluno escolhe a disciplina que ele vai fazer, foi uma das etapas que foi mais falada. Eu não vi efeito nenhum. Na verdade eu não vi essa reforma acontecer ainda. Ela esta no papel ainda, na prática, eu enquanto professora de matemática ainda não vi isso acontecer. Eu ainda vejo o ensino médio que eu via antes. Ou seja, ainda não vi efeito nenhum. Mas eu acredito que essa reforma eles vão precisar de muita cautela para por em prática. Eu ainda não consigo visualizar isso na prática. De repente se for muito bem feito vai favorecer. Por que se eu enquanto aluno não gosto de matemática, eu vou ver o básico de matemática e me aprimorar mais em lingua portuguesa, mas o aluno tem que ter muita certeza do que quer para a vida, porque se eu faço uma

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escolha no ensino médio e me arrependo, como faz depois? Então em contrapartida eu acho que é muito cedo para essas coisas acontecerem no ensino médio. Eu acho que ele deveria continuar do jeito que é, aluno faz essa escolha depois, porque no ensino médio ele ainda está muito imaturo pra saber o que quer. Ele vai planejar, ele quer um projeto de vida, mas você pode observar que ele pode chegar no segundo ano e mudar, ai ele vai querer fazer outra coisa, mas será que dá com essa nova reforma do ensino médio? Então assim, eu acho que de um lado pode favorecer, mas de um outro lado pode também não favorecer. Sobre a BNCC eu não acompanhei direitinho pra poder me aprofundar nas mudanças da minha área, eu não tive acesso as mudanças (Entrevistada A).

Outro entrevistado respondeu:

Por um lado sim e em partes não. Eu acho que é favorável quando eu escuto o estudante, quando eu dou voz pra ele se manifestar quando ele quer. Mas também eu tenho um pouco de medo porque talvez parece que vai ficar assim, parece que você vai deixar de lado algumas coisas que são importantes pra formação dele. Aí a maneira de implantação prejudica um pouco. Não sei, mas talvez da reforma do ensino médio, quando eu coloco pro aluno que ele vai estudar aquilo que tem relevância pra ele, se você analisar como projeto escola viva, ele também traz isso. Porque a busca da escola viva é geralmente pra mostrar pra ele que ele pode optar por uma vida melhor dentro daquilo que ele se propõe pra realizar no projeto de vida dele. (Entrevistado B).

O elemento que esse grupo evidenciou e que é interessante de destarcamos

foi a preocupação quanto a essa responsabilidade do aluno para fazer escolhas que

vão interferir diretamente na formação dele durante todo o percurso escolar. O que é

bem curioso, visto que é exatamente essa a base metodologica e pedagógica que

busca implementar o Programa “Escola Viva”, com o seu lema e filosofia de Escola

da – Escolha –.

Filosofia essa que é levada a sério pelos professores. Durante as atividades

em que estive presente pude observar em difentes momentos a defesa a essa

concepção de que o aluno precisa ser diariamente instigado através do trabalho do

professor a fazer – escolhas –. Essa ação era recorrentemente apontada como uma

forma de fazer com que o aluno excercesse o seu protagonismo e construisse o seu

projeto de vida, princípios defendidos como fundamentos do programa.

Inclusive, na apresentação das ações da disciplina de Projeto de Vida,

segundo os gráficos que foram mostrados e discutidos pelas professoras, o

elemento que os alunos apresentavam mais dificuldade era o do “aprender a ser”.

Esse tipo de aprendizagem, segundo o que consta nos documentos norteadores,

está ligada diretamente ao desenvolvimento das ações dos alunos que, estimulados

pela prática pedagógica, passam a adquirir a capacidade de fazer e assumir

escolhas em situações reais e cotidianas. As professoras, deram como orientação

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aos demais professores que fossem trabalhados de modo transversal em todas as

disciplinas o estímulo ao desenvolvimento do protagonismo com a intencionalidade

de produzir nos estudantes a capacidade de fazer escolhas inerentes ao “aprender a

ser”.

Desse modo, no “Aristeu Aguiar”, os alunos escolhem suas eletivas, escolhem

as disciplinas da base comum que querem trabalhar na parte diversificada,

escolhem seus tutores, e fazem escolhas de objetivos e metas (projeto) que vão

direcionar seus olhares e esforços para o futuro (vida). Significa dizer, que essa é

uma escola em que a todo momento a palavra escolha é evocada. Dito isso, é

curioso que os professores apresentem esse elemento como uma faceta

preocupante da reforma, visto que essa já é uma característica presente no próprio

cotidiano escolar deles.

É importante ressaltar que os professores cujos excertos foram

apresentados, fosse nas atividades, como a reunião, ou nos planejamentos

coletivos, sempre demonstraram entusiasmo com essa filosofia de “protagonismo” a

ser desenvolvido nos alunos, o que exigi incentiva-los a fazer escolhas.

Essa ideia de uma escola que forma sujeitos que possam fazer escolhas,

principalmente para responder as mudanças e transformações do mundo, é, como já

nos foi apresentado por Duarte (2000; 2001), uma formatação da educação feita aos

moldes das ideologias pedagogizadoras do capitalismo. Essa formatação se

apresenta como inovadora, democrática, eficiente e estimuladora da autonomia

formativa dos sujeitos. No entanto, como o próprio autor defende, não passa de um

modismo das tendências elaboradas pelas pedagogias do “aprender a aprender”,

que esvaziam a escola dos saberes epistemológicos e deturpam a figura e trabalho

do professor.

Um outro elemento identificado, culminou no agrupamento de conjunto de

respostas, em que, ao serem tencionados sobre as reformas e a sua relação com o

programa escola viva, os entrevistados deram as seguintes respostas:

O que o governo lançou foi uma base, em relação ao currículo do ensino médio. Agora é necessário que a secretaria de educação, e cada sistema, sistema estadual, sistema municipal, regularmente e aplique. Eu acho que essa daí que vai ser a grande batalha. Embora tenha grandes críticas ao governo, era necessário mexer com o ensino médio. Embora a escola em si, como eu falei anteriormente, o conhecimento esteja em cheque e junto com ele a escola. Eu acho que o aluno precisa dele, eu acho que a questão mais elogiável seja a questão do itinerário. O aluno poder escolher o caminho que ele vai seguir. E quanto a nova base, a proposta é boa. Mas também é necessária aplicação. Como eu falei, o que acontecer em Brasília

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é um passo. É elogiável. A gente pode até discutir um ponto ou outro da reforma, o aprimoramento e a discussão é necessário. Mas nossa grande luta vai ser na implantação. E aí tem a minha grande preocupação: eu estou há 1 anos na rede estadual, o currículo de base comum foi implantado em 2009 sem discussão nenhuma com as escolas. E eu temo que a base nacional comum e o novo ensino médio, também sejam implantado sem discussão nenhuma. E aí quando há distanciamento entre gabinete e a sala de aula, o resultado não costuma ser bom. Olha, o programa escola viva é muito diferente do modelo de escola parcial. Então, talvez a proposta da reforma do ensino médio tenha sido muito menos complexa e completa do que aquilo que vai ser aplicado na realidade da regular. (Entrevistado D). Eu já vejo reflexos no programa Escola viva sim, até porque nós já trabalhamos em alguns momentos essa parte do novo currículo. Aí a gente vai trabalhando e vai aprendendo com cada parte. Porque a gente espera muito o que vem da SEDU. A reforma vai ser boa. De certa forma a nossa estrutura estava engessada, com a reforma pode ser que dê um gás diferenciado para educação. Não vou falar que é ruim, porque primeiro a gente vai ter que testar para depois ver se foi bom ou não (Entrevistado C). Olha, eu acho que a reforma tem que existir. Nosso gargalo é o ensino médio. Se investiu muito tempo, não em termos financeiros, mas profissional, no ensino fundamental, e o ensino médio ficou por muitos anos. Então, o nosso gargalo é o ensino médio. Porque trabalhar e ganhar 20 reais, é muito mais interessante para o menino do que vir para a escola e fazer algo que para ele não tem significado nenhum naquele momento da vida. E muitas vezes, a família está afastada disso ou não tem instrução para isso. Então, estar no mercado de trabalho é muito mais vantajoso, e quando está no mercado de trabalho está muito bom, porque quando está mexendo com droga é muito pior. Também tem dinheiro. Mas, é muito pior. Então, precisava de uma reformulação. Como é que ela vai se adequar à nossa realidade, aí é uma outra questão, porque esse menino de 14, 15, 16 anos ele está pronto para fazer escolhas para aqui cinco, dez anos? Ah, eu quero uma carreira mais para o lado da engenharia. Vou cursar química, física e matemática. Vou escolher uma carga horária destas disciplinas. Porque tem uma carga horária básica que é para todo mundo. Mas, vou escolher uma carga horária maior nessa área, mas a maturidade do menino para fazer essa escolha nesta idade? Eu não quero fazer curso superior. Eu quero fazer um curso técnico, aí já tem um problema porque não tem essa proposta ainda. É complicado né? Eu não sei se essa reforma vai ser obedecida. A gente já oferece a carga horaria aqui, gora, a questão da oferta das disciplinas eu não sei como é que isso vai ficar dentro da Escola Viva. E o parecer é muito diferente. Porque nós temos as disciplinas eletivas, a gente trabalha a base curricular comum, mas ainda de uma forma superficial. Então, ela não é um aprofundamento do conteúdo de forma lúdica ainda. Porque, quando você trabalha de forma lúdica o menino fica interessado. Se você coloca a disciplina muito na base curricular comum, que é o que pretende lá o novo currículo que ele vai trabalhar o mesmo conteúdo, com uma carga horaria maior, os nossos alunos se interessam. A gente já sentiu isso, quando você aprofunda a base curricular comum, dentro de uma eletiva, que ele escolheu por que é interessante, legal, a gente já percebeu que há uma queda no interesse do menino em participar. Porque, ele fica com medo de cair na sala de aula comum que ele já tem três vezes na semana. Eu acho que tem uma diferença grande aí. (Entrevistada E).

No caso desses excertos, os professores expressam algumas questões que

são muito importantes de serem tencionadas e refletidas. A primeira delas é o

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reconhecimento da necessidade de uma reforma para o Ensino Médio, que como

apontaram os docentes, se encontrava engessado, desinteressante e detentor do

maior gargalo da educação básica.

Nesse sentido, concordamos categoricamente com os professores, pois

durante o desenvolvimento dessa pesquisa, em que passamos pelos processos de

abstrações, revisitando a história do Ensino Médio e da Educação em Tempo

Integral no Brasil e observamos de modo analítico a empiria dos dados, um novo

Ensino Médio, capaz de superar suas dualidades formativas e os desafios de

universalização do acesso e permanência dos sujeitos no espaço escolar, é,

indubitavelmente, necessário. Sendo assim, existe uma urgência em se transformar

essa etapa da educação básica, e essa, é de fato uma pauta legitima da educação.

Os professores, além de reconhecerem as fragilidades que fazem parte da

identidade histórica dessa etapa do ensino, também apontaram a preocupação de

uma possível falta de diálogo e dificuldades no processo de implementação dessas

reformas. Uma preocupação justificável, visto que essa é uma prática recorrente na

trajetória da educação no estado do Espírito Santo.

Os excertos também trazem novamente a questão da responsabilização dos

sujeitos no processo de escolha dos itinerários. Entretanto, nesse universo de

resposta, temos um entrevistado que atribui a essa mudança um caráter louvável,

mas não reconhece que essa é, por exemplo, a realidade na qual ele mesmo já está

inserido, visto que esse processo de escolha se encontra instituído na metodologia

da escola “Aristeu Aguiar”.

Há mais uma questão interessante a ser apresentada quanto as consideração

realizada pelo entrevistado D. Quando estivemos participando junto aos professores

da área de ciências humanas do estudo da BNCC na escola, no qual o entrevistado

também se encontrava, ao terminarem de ler os slides, a Coordenadora Pedagógica

proferiu o seguinte comentário: “Bem parecido com o que nós fazemos aqui né?”.

Em seguida um professor argumenta: “Sim, bem parecido e nós já fazíamos isso

desde o ano passado. Ai tem mais algumas coisas incluídas, incluíram algumas

palavras no vocabulário mas no geral é igual o que a gente faz aqui” disse o

professor, com quem todos os demais presentes mostraram estar de

acordo.Novamente, vemos que a realidade cotidiana da escola nos indica que essas

reformas mostram ter materialidade dentro do programa, e os professores, apesar

de pontuarem essas relações e até fazerem esses paralelos, como foi o caso da

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BNCC, parecem desconhecer a influência da mesma em seu fazer pedagogico na

escola.

Na leitura feita também foram falados sobre a aplicação desse conhecimento

a partir de uma lógica de protagonismo, com autonomia para pesquisa e aprender.

Falando sobre o desenvolvimento de habilidades que façam o sujeito ser capaz de

aprender em diferentes contextos ao longo da vida, assumindo a responsabilidade

por sua aprendizagem. O documento da BNCC, além das 10 competências, falava

sobre aprendizagem autônoma, sobre alunos se responsabilizando pela sua

aprendizagem e pela aprendizagem de outros, e sobre o engajamento dos pais na

escola.

Uma parte da leitura realizada continha um trecho em que era dito que a

chave está na comunidade e em vencer a resistência de alguns professores. Esses

elementos elencados mostram uma grande problemática que envolve dimensões de

transmissão de responsabilidade (Estado x Individuo), de dissimulação da tarefa do

professor e da escola no que diz respeito ao processo de aprendizagem e em como

cabe a esses mesmos sujeitos a tarefa de convencer uns aos outros sobre o êxito

dessa empreitada.

O excerto seguinte já nos mostra uma concepção em que, o professor

entrevistado evidencia que sim, ele já consegue identificar os reflexos dessas

reformas no Programa “Escola Viva, e que estão relacionados principalmente ao

novo currículo. O entrevistado ainda indica que os professores acabam tendo que

“esperar muito o que vem da SEDU”, no caso, ele referia-se ao material que é

utilizado para (in)formá-los acerca dessas mudanças. Exatamente a formação que

tivemos oportunidade de acompanhar com os professores da área de ciências

humanas e que relatamos a priori.

No excerto do entrevistado E, são apresentadas algumas incongruências. O

entrevistado, que indica também ter preocupação quanto à escolha do itinerário

realizada pelos alunos, expressa não saber nem se essa reforma será de fato

obedecida, e logo em seguida comenta que a escola já atende a alguns pontos da

reforma, como é o caso da ampliação da carga horária. No entanto, não evidencia

perceber que a questão da –escolha – com relação ao itinerário, uma preocupação

externada por ele mesmo, também já é um dos pontos atendidos. O professor

também tece um comentário a cerca de uma percepção que ele teve com relação as

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efetivas, que, quando essas não são trabalhadas de forma lúdica, e sim como um

reforço do conteúdo do currículo, o aluno perde o interesse.

Sendo assim, a questão que fica tencionada para reflexão é, como já

apontamos em outro momento, boa parte das disciplinas do currículo diversificado

tem cumprido exatamente essa função, de estender os estudos do conteúdo da

base comum de acordo com o que o aluno escolher. Desse modo, significa dizer que

essas reformas, incluímos aqui o Escola Viva e a Reforma do Ensino Médio, que se

dizem necessária para tornar a escola mais atrativa, em nada modificam essa

realidade de oferecer apenas o conteúdo da mesma maneira. No caso da Reforma

do Ensino Médio ainda existem outros agravantes no que tange o financiamento e

as condições de oferta do currículo, porém não adentraremos essa seara.

A questão é, e concordamos com esse ponto como já salientamos, que de

fato o Ensino Médio apresenta urgência de ter para si uma nova formatação, essa é

uma pauta legitima da educação e dos trabalhadores que atuam na área, existe um

gargalo, e existem fragilidades e desafios, como a própria identidade formativa que

essa etapa assumiu durante toda sua trajetória histórica, que ainda não foram

superados. Porém, são as demandas as quais essas reformas instituídas atendem

que se fazem fundamental na construção e compreensão do seu caráter.

De acordo com Duarte (2000) e Saviani (1995), é nesse sentido que atuam as

agendas neoliberais para a educação, se apropriando de um discurso que combina

a importância das reformas e a legitimidade da pauta, com a concessão dos arranjos

de um projeto político focado no mercado e no setor econômico, que se concebe

principalmente a partir da “redução dos investimentos na área e apelos à iniciativa

privada e organizações não governamentais” (SAVIANI, 1995, p.10).

As reformas que emergem dessa conjuntura são fortalecida por uma

configuração de pedagogias ditas como inovadoras mas que, alinhadas

ideologicamente as concepções do capital, expressam apenas o caráter –

conservador – de velhas práticas que aprofundam velhos problemas (DUARTE,

2001).

Duarte (2001) ao tencionar e problematizar o que ele chamou de “sociedade

do conhecimento” nos apresentou a algumas ilusões que são geradas pelas novas

pedagogias. Segundo o autor, o fascínio dos docentes por essas práticas, que em

nada cumprem com o que se comprometem no discurso, por aparentarem ser tão

transformadoras, acabam fabricando ilusões no ideário docente. A filosofia

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inovadora de promover a autonomia a partir do ideal da Escola da Escolha, tem para

nós nesse trabalho, forte relação com essa concepção apresentada por Duarte.

Ter nesse processo sujeitos que não consigam, por motivos de diferentes

naturezas, compreender como funcionam esses mecanismos, é condição fundante

dessa estrutura (Saviani, 1995). Nesse universo, temos sujeitos que partiram de

diferentes pontos para apresentar suas opiniões, mas a desassociação da relação

que tem uma reforma cujo principal elemento é uma dita autonomia dos jovens dada

a eles ao fazerem seus próprios itinerários, com a de um modelo de escola cuja

ideia de autonomia também está ligada ao estandarte da – escolha – do itinerário, se

manifestou em todos os entrevistados, até nos que apresentaram um maior

repertório histórico e de conjuntura.

Um último elemento que queremos ressaltar mostra uma segunda realidade

das perpesctivas dos professores, ao serem perguntados sobre a reforma e a sua

relação com a escola foi respondido que:

Não sei em relação a reforma porque eu não vivi ela ainda, mas em relação a escola viva realmente eles amadurecem. Aqueles que querem, que entendem, que percebem que ali eles podem expor mais suas opiniões, eles querem participar eles mostram o amadurecimento com o passar do tempo. Em relação a base eu não vou opinar não porque eu ainda não me aprofundei nela, movimento no ano fica intenso por conta da escola. Eu estou ciente da reforma, dela e tudo, mas eu ainda não me aprofundei, não me adentrei para poder analisar o que que vai ser mudado, como que vai ser mudado, isso eu ainda não fiz (Entrevistado F). Tô, mais eu nem sei muito o que falar sobre isso. Assim, eu não sou de acordo com essa nova BNCC, eu acho que não tem como o aluno estudar 50% em casa.. foi um negócio assim que eu li na internet, parece que foi aprovado que o aluno vai estudar português e inglês, que parecem que vão ser obrigatórias, vão ser umas 3 se não me engano e as outras disciplinas vão ser em casa, eu não observei tudo, só uma parte, porque a gente tava estudando a BNCC lá na escola. E é isso que eu ouvi falar, mais comentários mesmo, porque como eu trabalho o dia todo acaba que a noite eu estou cansada e não fico vendo muito televisão, eu fico mais estudando e fazendo outras coisas. Então o que ouvi foi isso, que a ideia deles era o aluno estudar 50% da cargo horario em uma plataforma online, é um negócio assim, e eu não tô de acordo não. Ainda mais, que eu lembro da minha época de ensino fundamental e médio que é muito prazeroso o aluno sair de casa pra ir para escola, encontrar com os colegas... porque tem muitos alunos que não tem espelho em casa dos pais, não tem aquele super-herói, muitos não vê isso em casa hoje em dia, então na escola eles vão ter alguém para ver, não que o prefessor seja o melhor, as vezes tem um funcionárrio qualquer, ou o professor, até mesmo no convivío com os colegas. Sobre a Reforma do Ensino Médio eu nem tô acreditando que vai acontecer, vamos esperar o governo do novo presidente para ver se vão mexer nesse projeto, porque é um projeto da gestão do Temer, então vamos ver como vai ser isso ai ano que vem (Entrevistado G).

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Nesses excertos identificamos que, ao contrário dos anteriores, há uma certa

desinformação quanto ao que são essas reformas, ainda que um dos

posicionamentos se coloque contrário, o fato de haver um desconhecimento do que

é, acaba consequentemente limitando a possibilidade de perceber os traços da

reforma já introduzidas na realidade da escola.

Um elemento que se mostra bastante presente nas falas é o cansaço e a

rotina da escola que é por vezes atribulada. Uma questão que conseguimos

observar durante nossa estada na escola e nosso acompanhamento aos

planejamentos é que o modelo “Escola Viva” carrega uma excessiva carga de

afazeres burocráticos que ocupam por quase todo tempo os professores, e em

contrapartida, o tempo reservado a formação, discussão e planejamento é

totalmente esvaziado.

Não iremos nos imiscuir nesse assunto aqui pois pretendemos apresentá-lo

com maior profundidade em um outro momento, mas ter sujeitos cuja dificuldade de

se formar, (re)forma e informar-se é um desafio consequente da própria metodologia

da escola, faz com que se torne muito mais difícil de superar o desafio de ter

professores que tenham condição de compreender a totalidade do espaço em que

estão inseridos e o que está imbuído na ação (prática) que o mesmo desenvolve.

Como aponta Saviani (2008), para que isso aconteça é necessária “uma aguda

consciência da realidade onde vão atuar, com uma adequada fundamentação

teórica que lhes permitirá uma ação coerente” (SAVIANI, 2008, p. 152).

De acordo com Marx (2001), os educadores também carecem de serem

educados pois, por serem feitos dá matéria de um sistema que pensa as relações

das forças produtivas de modo a aliená-las quanto ao seu trabalho, os mesmos,

dentro do sistema capitalista, se encontram afastados da práxis que precede a

emancipação (ou a autonomia). Segundo Marx, para iniciar esse processo é

necessário que primeiramente o homem se aproprie dos conhecimentos de forma

crítica.

O universo de respostas que se apresentam nos excertos nos mostram que

há dentro desse contexto sujeitos que, apesar de terem especificidades em

expressar suas opiniões quanto as reformas, concordam em sua maioria que a

mesma ainda não faz parte da realidade do programa “Escola Viva”. Essa

constatação nos indica que mesmo sob o olhar mais crítico, não há distinção na falta

de percepção de que o “Escola Viva” já é parte dessas reformas.

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É importante ressaltar que esses questionamentos não são dirigidos aos

sujeitos enquanto indivíduos, eles são na verdade, pensados para tencionarmos em

que medida as estruturas sociais e as forças produtivas que pautam os mecanismos

dessas reformas tem condições de influenciam na visão dos docentes quanto a

própria realidade em que estão inseridos, considerando que compreender esse

espaço é também compreender de que forma está ditado o desenvolvimento do seu

trabalho. Compreendemos, mas não de modo determinista, ou até mesmo

maniqueísta, que os sujeitos são resultados das relações dessas produções sociais

e produtivas, e desse modo “não é a consciência dos homens que determina o seu

ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência (MARX,

2003, p.5).

Outro elemento que se faz necessário explicitarmos antes de serem

realizadas as últimas considerações desse eixo, é que a opção por fazer o paralelo

com as reformas instituídas, em especial a Reforma do Ensino Médio, é devido ao

fato de que, além da mesma ser parte da realidade material do programa,

acreditamos que estabelecer esse ponto comparativo contribuiria para entendermos

de que maneira os professores entrevistados compreendem essas mudanças e a

influência delas para o desenvolvimento dos seu trabalho.

Desse modo, ao buscarmos compreender a quais concepções estão

alinhadas do Programa “Escola Viva”, identificamos dois pontos centrais que se

estabelecem: o primeiro é queo projeto Escola Viva, na esteira de outras reformas,

faz parte de um conjunto de políticas que seguem as normativas de uma agenda

neoliberal que conserva fragilidades antigas existentes na etapa do Ensino Médio,

indo ao encontro de uma padronização do ensino que institui para si novos

parâmetros, como: gestão descentralizada com foco em resultados, avaliações

como determinante da qualidade do ensino ofertado, currículo flexibilizado,

responsabilização dos sujeitos pelo percurso formativo e novos modelos

pedagógicos que são eclipsados em metodologias e pedagogias “do aprender a

aprender”.

O segundo é que,tais políticas, sejam a Reforma do Ensino Médio ou o

Programa “Escola Viva”, ao se apropriarem de pautas que são legitimas da

educação pública, acabam gerando um sentido paradoxal para elas, pois ao mesmo

tempo que estão imbuídas de princípios que não buscam atender as demandas

dessas pautas, as mesmas, também performam a ideia de avanços sob o discurso

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do novo, do interessante, do necessário e do moderno, e com a falta de condições

para problematiza-las, os professores podem desconhecer suas consequências ou

até mesmo a sua implementação na própria pratica docente, como vimos na

materialidade do trabalho dos professores da escola “Aristeu Aguiar”.

Nesse sentido, consideramos que para a manutenção do cenário apresentado

se fazem necessários instrumentos que possibilitem tal ação, em vista disso, no

próximo eixo buscaremos compreender quais são as concepções pedagógicas

desse novo modelo de escola e sob quais perspectivas e bases teóricas ela propõe

essas “ações inovadoras no campo do método, conteúdo e gestão” para assim

identificarmos a quem ela serve, ou para quem.

Eixo II: o que são essas ações inovadoras estabelecidas pelo programa

no campo do conteúdo, método e gestão.

De acordo com o Projeto Político Pedagógico, o Programa Escola Viva é uma

política educacional criada para atuar na busca de melhorias para o processo de

aprendizagem, e como forma de alcançar essas melhorias promove uma ação cujo

processo está centrado nos princípios da autonomia, da colaboração e cooperação,

compreendendo que tal ação contribui para a formação autônoma do aluno e

impulsiona o desenvolvimento da equipe técnica (ESCOLA VIVA, 2015).

De acordo com o documento, frente as novas questões que se colocam como

problemáticas para a educação contemporânea, a escola é solicitada a se

reinventar, buscando “distanciamento do saber enciclopédico, compartimentalizado

e estanque que o passado recente estabeleceu” (ESCOLA VIVA, 2015, p.3) para

aderir a novas mudanças em termos de gestão, método e currículo, e são sobre

essas bases que se constituiu o Programa Escola Viva.

Nesse sentido, é colocado que o Programa Escola Viva tem como objetivo

geral:

Criar oportunidades aos jovens, a partir de uma educação integral em tempo integral, de uma formação plena, com desenvolvimentos de práticas e vivências a partir de um currículo diferenciado, de forma a promover sujeitos autônomos, solidários e competentes (ESCOLA VIVA, 2015, p.4).

Sendo assim, a matriz encontra-se organizada da seguinte maneira:

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Figura 01 – Matriz Curricular do Programa “Escola Viva”

Fonte: Projeto Político Pedagógico Programa “Escola Viva”, 2015.

No que tange a parte do currículo que corresponde aos conteúdos

trabalhados na Base Nacional Comum, esses, estão voltados ao desenvolvimento

dos conhecimentos comuns a todo o sistema de ensino, seja ele o de Tempo

Integral ou o Regular. Sendo assim, é na parte dos componentes integradores, que

é o currículo em que está assenta todo o caráter filosófico do programa, que se

destaca o discurso do processo formativo – inovador – proposto pelo programa.

Essa parte do currículo conta com um grupo de disciplinas que estão diretamente

interligadas e se relacionam tendo como objetivo e foco central a disciplina de

“Projeto de Vida”, que é o eixo principal da escola da escolha.

O Projeto Político Pedagógico (PPP),refere-se ao Projeto de Vida como:

O Projeto de Vida é o eixo principal do Programa Escola Viva, pois busca problematizar as múltiplas dimensões que integram as identidades juvenis. Nessa fase da vida há uma forte tendência do jovem se defrontar com os seguintes questionamentos: “quem sou eu?; “para onde vou?” ou “qual rumo devo dar a minha vida?”. Essas são questões cruciais que remetem à ideia de Projeto de Vida, um tema muito importante a ser considerado na relação da juventude com a escola. [...] A elaboração de um Projeto de Vida é fruto de um processo de aprendizagem, no qual o maior desafio é aprender a escolher quem o possa orientar. Por isso, exige uma formação em que os elementos cognitivos, socioemocionais e as experiências pessoais devem constituir uma base, a partir da qual o jovem consolide seus valores, conhecimentos e competências para apoiar-se na construção do seu projeto (ESCOLA VIVA, 2015, p.31).

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O Projeto de Vida, junto as disciplinas que constroem a parte diversificada do

currículo, formam a tessitura do fazer pedagógico. “Elas não são elementos à parte

ou complementares do currículo escolar. A base para a mobilização e articulação

das metodologias será sempre a Base Nacional Comum” (ESCOLA VIVA, 2015,

p.33).

Desse modo, o desenho curricular da parte diversificada parece se apresentar

assentado em duas dimensões: uma que trabalha desenvolvimento cognitivo com

disciplinas correlatas aos conteúdos da base nacional comum como:

Aprofundamento dos estudos, estudo orientado e eletivas. E uma outra que trabalha

o desenvolvimento socioemocional, estabelecida por disciplinas como o Projeto de

Vida e Vivencia e Práticas em Protagonismo.

Como não há em nosso universo de entrevistados um professor que trabalhe

especificamente a disciplina de Projeto de Vida, as questões relacionadas a ela

acabaram sendo pouco tencionadas. No entanto, por meio da fala de dois

professores, alguns elementos que constituem essa disciplina foram evidenciados:

Então o projeto de vida ele não trata somente da parte acadêmica do aluno. O projeto de vida a gente aprendeu que assim, tenta passar sempre para o aluno que não é só uma profissão que entra no projeto de vida, é qualquer sonho que ele tiver. Seja um sonho pra curto prazo, pra médio ou longo prazo. Tem adolescentes que tem o sonho de casar isso é um projeto de vida. Tem adolescente que tem o sonho de comprar uma bicicleta, é um projeto de vida, a curto prazo, longo prazo, não sei. Igual, por exemplo, eu conversava muito com eles sobre isso em sala, mesmo o projeto de vida não sendo algo acadêmico, uma profissão ou algo positivo, para você buscar os seus sonhos você precisa ter como buscar esse sonho, como alcançar esse sonho e a escola não tá aqui somente pra você poder alcançar ou buscar sua formação acadêmica. Então eu nunca liguei a matemática com projeto de vida. Eu ligava o nosso dia a dia em sala de aula com o projeto de vida. Eu acho que o ponto principal disso daí é todo esse olhar voltado para o aluno que a escola viva tem. Não só da parte emocional, né porque mesmo não fazendo parte da metodologia da escola parcial diretamente, dentro da metodologia, trabalhar o emocional do aluno, automaticamente a gente já fazia isso né? Já tinha todo um cuidado, um carinho, uma atenção com um aluno mais problemático. Aqui isso acontece de uma forma geral, todos da escola, todos que formam a escola, precisam ter esse olhar diferenciado para o aluno, isso trabalhado de uma forma mais intensa. Que todos precisam olhar o aluno dessa forma, então, automaticamente é como se fosse uma regra da escola, um modelo(ENTREVISTADO C)

A parte diversificada eu achei muito interessante porque não tinha trabalhado com isso ainda. Auxilia bastante para o aluno, principalmente essas disciplinas como projeto de vida por exemplo, protagonismo, que orienta muito os alunos que hoje em dia eles precisam pois muitos se envolvem com drogas, com colegas que influênciam, então essas são disciplinas que elas conversam muito com os alunos. Igual projeto de vida, é como se fosse um psicologo pelo o que eu estava conversando com a professora, não que ela seja uma psicologa, mas um dia ela conversando

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comigo era como se fosse, eu ainda perguntei se ela já tinha feito algum curso e ela me disse que não, então assim, caiu direitinho para ela a disciplina. Então eu acho muito interessante, porque no mundo que estamos hoje, com drogas, com essas meninas mais novas indo para a prostituição, tendo relações muito novas né, meninas hoje com 9, 10 anos já gravidas, então ajuda um pouco né porque os pais em casa muitas vezes não percebem, trabalham demais e não se dão conta disso, pelo menos os alunos estando um tempo a mais na escola eles vão esta aqui e se ocuparem e ai quando chegam em casa os pais já vão estar. Eu acho que isso ajuda um pouco a criação desses meninos de renda baixa (ENTREVISTADA F).

Ao indicarem que a escola deve se constituir como um espaço cujo foco não

deve estar somente na formação acadêmica, assumindo para esse lugar e para o

professor, através dessa disciplina, um compromisso de paralelamente cuidar do

desenvolvimento sociemocional e o cognitivo dos sujeitos, a perspectiva que esses

excertos trazem acerca do papel da escola e do professor a partir do Projeto de Vida

imprime um novo paradigma para e na formação dos sujeitos e no trabalho docente.

Durante o acompanhamento dos planejamentos coletivos, observamos que

há uma grande pressão para que a imagem dos alunos seja construída como a de

sujeitos que passaram por um processo transformador, como se a Escola Viva

tivesse sido capaz de resgatar e tirá-los de todos os problemas que antes pareciam

fazer parte de suas personalidades enquanto estudantes e cidadãos. Mas a

verdade, e o que é visto na fala de todos (ou pelo menos a maioria) dos professores,

é que os alunos da escola, mesmo depois de um ano com o projeto de vida,

continuam a apresentar problemas como em qualquer escola.

Há os alunos que não participam, que são indisciplinados, que são faltosos e

que atrapalham a aula. A diferença é que agora todas as abordagens dos

professores têm de partir de uma perspectiva sócio emocional, uma metodologia

fechada, e monitorada, que orienta não só o modo como vão sendo estabelecidas as

relações dentro da escola, mas também o trabalho docente como um todo. O

documento norteador ainda traz que, O Escola Viva, guiado pelo princípio de

orientar na construção do Projeto de Vida do estudante, deve buscar garantir uma

aprendizagem de qualidade que seja capaz de atribuir sentido aos conhecimentos

escolares, mas, sobretudo, que seja capaz de desenvolver outras dimensões

humanas como espírito, emoção e corpo (ESCOLA VIVA, 2015).

No mesmo documento, também é indicado que o papel que os docentes

exercem dentro do Programa “Escola Viva” são os de “articuladores entre o mundo

acadêmico, as práticas sociais e a realização dos Projetos de Vida dos estudantes

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[...] que irão conduzi-los ao exercício das competências fundamentais para a

construção dos seus Projetos de Vida” (ESCOLA VIVA, 2015, p.33).

Segundo Duarte (2001) uma das ilusões criadas pela tendência das

pedagogias do “aprender a aprender” é a de creditar a escola o papel de

“solucionadora” dos problemas existentes da sociedade. Como se a escola fosse

capaz de, por si só, e através apenas do processo educativo, gerar um mundo com

pessoas mais solidárias, humanas e etc. Noutras palavras, assume-se a educação

escolar como tábua de salvação. Essa compreensão torna-se um grande problema

quando se percebe que tal ideia ignora a totalidade em que estão inseridos os

sujeitos e as relações produtivas que criam as condições para a sua existência.

Saviani (2003), também nos faz provocações ao tencionar o sentido dessa

educação que, com um discurso de formação mais pluralista, que busque autonomia

dos sujeitos, suprime e esvazia os conhecimentos científicos que são fundamentais

para a construção do ser social verdadeiramente autônomo. Segundo o autor, a

essência do trabalho educativo consiste em produzir de modo singular nos

indivíduos “[...] a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo

conjunto dos homens” (SAVIANI, 2003, p.13).

Compreendemos nesse trabalho que a escola também se constitui em quanto

espaço de socialização, de formação em diferentes dimensões, e que, a relação

aluno e professor também é fortalecida por vínculos que são criados por esses

sujeitos ao longo do processo de partilha e convivência. No entanto, entendemos

que essa formação de vínculos ocorre de maneira orgânica, a partir das relações

que são, naquele espaço, vivenciadas.

O questionamento que trazemos no caso do Programa “Escola Viva” é que,

essa configuração, ao ser institucionalizada através de um modelo metodológico e

pedagógico, além de delegar ao professor atribuições nas quais a própria formação

inicial do sujeito não é capaz de abarcar, acaba por promover uma ideia distorcida

da função de mediação do conhecimento realizada pelo trabalho docente e do papel

da escola como espaço reprodutor desse conhecimento.

Por fim, buscamos compreender através da visão dos professores quais são

as inovações no campo do conteúdo que o Programa “Escola Viva traz. As

entrevistas, como no eixo anterior, então organizadas por respostas que foram

agrupadas por apresentar elementos ou características semelhantes, dessa forma

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os entrevistados A, H, F e G ao serem perguntados sobre os conteúdos

responderam que:

Então, em matemática são as aulas de laboratório, que é uma proposta inovadora. Antes você não tinha, se fazia o lúdico na matemática né quando se dava para fazer, só que hoje existe uma vez por semana você tem que trabalhar a aula de laboratório. E através dessa aula de laboratório aí você vai expandido, trazendo o menino para dentro do conteúdo, sempre que antes ele viu uma distância muito grande do conteúdo agora ele começa a se aproximar mais por conta da aula de laboratório, eu vejo que dentro da minha disciplina a aula de laboratório é inovador (ENTREVISTADA A). Em termos de conteúdo nenhum. É o mesmo conteúdo que a gente tinha na escola parcial. A diferença é que você pode aprofundar ele, por que você tinha que ser mais superficial em termos de conteúdo. Mas, em termos de alteração de conteúdo, modificação... porque, é o mesmo currículo básico do estado do Espirito Santo. A gente tem a diferença que as aulas práticas experimentais, você aprofunda o conteúdo. Porque ela tem que ter relação com a teoria. Não é um show de química por exemplo, tem que trabalhar prática com o conteúdo que eu estou trabalhando em sala de aula. Mesmo que seja um conteúdo que você já trabalhou lá traz e quer dar uma revisada, uma aprofundada em termos de prática, é relacionado com conteúdo. Em termos experimentais sim, em termos experimentais, as aulas experimentais você não tem tempo para fazer. Que a carga horária é quase a metade que a gente tem na Escola Viva. Mas, em termos de conteúdo não. O currículo é o mesmo (ENTREVISTADO H). O Escola Viva na disciplina de matemática, tem uma aula mais. São cinco aulas de matemática e mais uma aula prática. Então são seis aulas de matemática por semana para você poder trabalhar de forma mais aprofundada com as práticas. Porque no decorrer do ano, com o ensino regular normal a gente não consegue ter tempo para trabalhar com as práticas. A carga horária, o conteúdo, o guia de aprendizagem, que é o que nós chamávamos de plano de ensino no ensino regular e aqui nós chamamos de guia, é muito conteúdo para você dar durante o ano. É muito conteúdo porque assim é extenso conteúdo, então quando a gente prepara o plano de ensino, que aqui a gente chama de guia, nós analisamos os principais conteúdos, porque não dá tempo de passar tudo para os alunos, e o que a gente faz, a gente tenta reduzir, porque nunca dá tempo mesmo, e foca os conteúdos das avaliações tipo o PAEBESTRI ou ENEM, essa é a orientação dos critérios para definir os conteúdos que precisamos trabalhar. Então assim, o escola viva tem essa aula a mais para os professores conseguirem praticar atividades práticas na sala de aula. E eu trabalhei com os meninos aqui, eu comecei em agosto aqui, mas eu trabalhei algumas aulas práticas com os meninos e eu vi que eles se desenvolveram bem. Dá bagunça, tem que ter paciência porque dá tumulto, é o momento que eles estão em grupo, interagindo, então da alvoroço, mas eles fazem. Então é um momento em que a maioria faz, 90% dos alunos fazem, não deixam para o outro, eles fazem (ENTREVISTADO F). Do conteúdo nenhum porque, o conteúdo de matemática de certa forma ele é engessado, você tem o currículo do estado que a gente segue, provavelmente pode mudar com essa questão desse novo currículo, mas com relação ao conteúdo é o mesmo de qualquer outra escola. Só que aqui, a gente tem o tempo diferenciado para mostrar ao aluno, porque o aluno tem um ritmo diferenciado para o aprendizado. Porque igual, se eu considerar a parcial, o menino só vai ter 4 aulas. No segundo ano do ensino médio por exemplo, ele vai ter quatro aulas, enquanto aqui ele vai ter seis. Então por tempo ele ganharia uma aula, sendo que uma aula seria de prática, ele teria como visualizar esse conteúdo na prática. Mas tem uma

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coisa, a aula prática é o professor que no caso deveria elaborar, o professor que deveria organizar tudinho ali para trabalhar. Em meados do meio do ano, lá para maio mais ou menos, chegou aqui na escola um material que seriam as sequencias didáticas que foi colocado que seria para trabalhar as aulas práticas, que ai a gente teve que parar as aulas que a gente tinha preparado para os alunos para passar essas sequencias didáticas, que teve um foco de trabalhar o que eles foram mal nas avaliações, ou foram ruins no caso, no ano anterior. Porém, eu acho que ela não visa só a nossa região, que é Espírito Santo, eu acho que ela visa a região do Brasil como um todo, até porque é uma organização fora do Espírito Santo que prepara as sequencias didáticas, muita coisa nela também vem errada, porque parece que ela tem um foco, ou foi traduzida, na minha opinião, dos EUA para cá, alguma coisa assim, reaproveitamento né, para ver se vai dar certo ou não. E nos dois primeiros anos, os professores de português e matemática tem que trabalhar as sequências didáticas nos dois primeiros anos da escola. Ele tem que trabalhar. A partir do terceiro ano aí já não tem que trabalhar mais a sequência didática. Essa sequência didática que eu estou falando é tipo um reforço, um material que eles mandam para gente do conteúdo que tem que trabalhar e a forma como tem que trabalhar, eu utilizei algumas sequências didáticas para trabalhar com instrumentação, para trabalhar com régua, compasso, esquadros, outras eu usei para reforçar o conteúdo que eles já tinham visto, ela veio depois. Não são todas que dá para fazer isso, mas conforme foi sendo possível eu fui modificando elas (ENTREVISTADO G).

Nesses excertos os professores ressaltam as aulas a mais que compõe a

disciplina de práticas e que são distribuídas na matriz curricular. De acordo com

eles, essas contribuem para que os mesmos possam aprofundar os seus conteúdos.

Vemos então novamente que, as disciplinas da parte diversificada atuam para

estender o estudo do conteúdo dado em sala de aula, o que não torna o modelo

pedagógico e/ou metodológico diferenciado em nenhum aspecto.

É possível ver também, que essas aulas práticas, que deveriam ser, como

bem coloca o professor, elaborada por eles, são na verdade organizadas através de

um material chamado de sequência didática, que é produzido pelo ICE e enviado a

escola. O professor, apartado da elaboração, deve utilizar obrigatoriamente o

material até o segundo ano do Ensino Médio. O professor ainda aponta as

dificuldades de se trabalhar com um material que não é pensado dentro da realidade

que eles atuam e com público que eles atendem, o que de novo, ressaltamos,

coloca em cheque esse discurso de autonomia e participação promovido pelo

programa.

No entanto, um ponto que nos chamou atenção foi quanto ao Guia de

Aprendizagem, que como apontado pelo entrevistado, tem como critério para a sua

construção as avaliações de larga escala, a estadual (PAEBES TRI), e a nacional

(ENEM). Essas avaliações encontram-se no PDI como sendo a base para medir

(e/ou indicar) o nível de desenvolvimento da escola, nele é estabelecido que:

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Indicadores de produtividade institucional: Aumento de matrículas; Resultados do PAEBES; Resultados do IDEB; Resultados do ENEM. Indicadores de qualidade: A oferta de uma educação de qualidade é um indicador perseguido por todos da equipe. Além dos índices de aprovação e melhoria geral dos resultados em avaliações externas, também é perseguido pela equipe outros indicadores de qualidade dentro do Modelo Pedagógico implantado, tais como: todos os alunos elaboraram seus Projetos de Vida? Todos os alunos participam de eletivas? Todos os alunos participam de Clubes Juvenis? Todos os alunos escolheram seus tutores? (PLANO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL, 2018, p. 25).

Durante o acompanhamento dos planejamentos coletivos tivemos condições

de observar que essa cobrança quanto ao desenvolvimento dos conteúdos que são

abordados nessas avaliações são frequentes e, apesar das escolas de um modo

geral perseguirem bons indicadores no IDEB, em grande parte pelo espírito de

rankeamento gerado por essas avaliações, no caso do Programa “Escola Viva” essa

normativa é institucionalizada. Conseguimos perceber, muito claramente, a

materialização desse compromisso com os indicadores permearem o consciente

coletivo dos professores e equipe gestora durante o acompanhamento dos

planejamentos coletivos.

Em um planejamento específico que estive presente, pude inclusive,

presenciar uma longa intervenção da Coordenado Pedagógica no planejamento cuja

pauta era solicitar aos professores que os mesmos trabalhassem com os alunos os

conteúdos que cairiam no simulado do ENEM que havia sido enviado (já pronto)

pela SEDU.

Essa é uma característica muito presente na lógica do pensamento

pedagógico que cumpri a cartilha estabelecida pelas diretrizes dos organismos e

agencias internacionais pautados pelos setores empresarias e corporativistas. É

valido ressaltarmos aqui, que como apontado por Saviani (2003; 2008), as reformas

educativas ocorridas nos últimos 30 anos foram conduzidas por um modelo de

gestão educacional que buscou intencionalmente um sucessivo distanciamento da

construção de uma educação que se amparasse na mediação de conhecimentos

que pudessem efetivar a oferta de um ensino público, gratuito, laico e de qualidade.

Em dissonância com o caráter teórico que a educação ganhou na CF/88, esse

modelo gerencialista é marcadamente caracterizado pelos ideais de competências e

habilidades pautados no princípio de empregabilidade e padronização curricular, que

são difundidas por ferramentas de controle e monitoramento da qualidade do ensino

realizadas a partir da adoção de sistemas de avaliação em larga escala e pela

definição de qualidade aferida por indicadores quantitativos (SAVIANI, 2003; 2008).

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Ver essas características sendo materializadas na realidade cotidiana do

Programa “Escola Viva” na unidade “Aristeu Aguiar”, só reforça o posicionamento de

que, o modelo pedagógico e metodológico produzido pelo ICE nada tem a ver com a

busca por uma educação que seja pautada no espírito democrático, emancipatório,

público e de qualidade. Alguns outros elementos como a questão da extensão da

jornada, e outros dois pontos de vista bastante interessantes também aparecem por

meio das falas dos professores.

Nas entrevistas B e E é dito que:

No campo do conteúdo, na verdade, não modifica ainda. Até porque a gente está num processo de mudança do currículo né, então eu creio que vai ser tudo novo. Então trabalha-se ainda na escola viva com o mesmo currículo da escola parcial. Então o que se tem mais é tempo, porque muda-se a carga horária, que eram 3 aulas na parcial, e passa a ser 4 aulas. O contato maior com o aluno dentro da sala de aula, então é proporcional para o professor maior tempo para se trabalhar, trabalhar essa disciplina que precisa ser mais diversificada (ENTREVISTADA B). É uma forma mais dinâmica de trabalhar com o estudante, porque como ele fica em tempo integral na escola não adianta a gente querer ofertar para ele mais do mesmo, então precisa ser diferente, para isso a gente precisa trazer metodologias diferenciadas também para conseguir atrair esse aluno. Então por exemplo, eu preciso cuidar desse menino, então a gente tem todo um esquema, a gente tem a tutoria, a gente tem a pedagogia da presença e isso tudo vai se aliado com a dinamização da aula. Então por exemplo, aqui na escola, a gente não trabalha mais com quadro. O quadro ele é restrito a algumas situações mais especificas, mas no básico por exemplo, eu tive 17 anos de escola parcial, e nesses 17 anos em que eu estive na sala de aula das escolas parciais existiu sempre uma precariedade muito grande de material, tipo xerox, nós não conseguíamos xerox, então eu tinha que passar no quadro. Agora você imagina, como eu ira conseguir cativar o aluno na escola de tempo integral passando no quadro? Nove aulas por dia copiando coisa do quadro? Então isso aí já é um diferencial, que aqui a gente tem condição de trabalhar de forma diferente. A exigência é grande, mas a gente também tem condição de trabalhar. Então eu preciso ofertar para ele dentro das minhas disciplinas o máximo possível de dinamização das aulas, para que seja atrativo para ele. Por exemplo, nas minhas aulas de projeto de vida, não tem aula que não tenha uma dinâmica, ou uma música, sempre tem alguma coisa diferente para que esse aluno interaja e queira participar da aula. E na base também, nas aulas de português, matemática, geografia... sempre tem essa preocupação com o diferencial do conteúdo, então a gente é cobrado, a gente cobra do aluno e a gente tem condições de fazer essa diversificação para eles (ENTREVISTADO E).

Nesses excertos são pontuados a questão do tempo como um agente que

contribui na inovação para o conteúdo, e a evocação desse elemento nos dá

condições de tecer algumas considerações.

No percurso feito até aqui, uma intepretação que nos arriscamos a fazer é

que, a questão do (tempo) integral é algo que perpassa o trabalho, em vista de se

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tratar de uma escola de turno único, mas não é o fio que conduz a essência por trás

da proposta desse programa.

Para explorarmos melhor essa reflexão evidenciaremos dois pontos que

corroboram nessa perspectiva: o primeiro é que, as políticas de oferta da educação

(em tempo) integral tem sofrido, desde a década de 1990, forte influência de

organismos internacionais e de setores privados, que na busca por ditarem a

formatação dessas novas políticas educacionais encontraram na legitimidade da

educação em tempo integral um terreno possível para viabilizar as tendências

pedagógicas que atendessem a sua agenda gerencialista.

Podemos ver isso desde o Ginásio Pernambucano em 2004, passando por

uma sucessão de experiências que conservaram o caráter gerencial e corporativista

no decorrer da primeira metade da década, até chegar nas reformas que vem sendo

instituídas a partir de 2014 e que, apesar de aprofundar fragilidades, vem se

justificando no PNE (2014/2024).

Como esclarecem Silva e Silva (2014) em nosso referencial teórico ao

abordarem o Programa Mais Educação, a ideia que embasa a educação (em tempo)

integral no Brasil e que tem se apresentado como inovação, é aquela que propõe um

currículo flexibilizado, que nessa estrutura nada mais é do que a relativização dos

saberes, junto a instituiçãode um conjunto de tendências pedagógicas que mudam

as prioridades da escola passando aos sujeito, aluno e professor, a

responsabilização pela sua aprendizagem, e consequentemente, a

responsabilização também pelo seu fracasso.

E apesar dessas ideias se colocarem sob termos como: formação autônoma,

e gestão democrática, essas apresentam na verdade em sua materialização, apenas

as demandas da nova face do sistema sócio-capitalista, que buscam nas possíveis

reformas e políticas educacionais do momento uma forma de instrumentalizar novas

estratégias para manutenção de sua hegemonia através da formação de um sujeito

que sejam capazes de se adaptar as mudanças do mercado para o século XXI

(SILVA; SILVA, 2014).

Um outro ponto que a educação (em tempo) integral do modo como tem se

materializado também promoveu, além da pavimentação para a introdução dessas

metodologias e pedagogias do “aprender a aprender, foi a seletividade (ou exclusão)

dos sujeitos como consequência das implementações.

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Apresentamos no corpus textual desse trabalho que no ano da reforma, em

que também aconteceu o processo de aligeiramento da educação (em tempo)

integral com políticas de incentivo a adesão pelo governo Temer, em âmbito

nacional, 21% dos jovens que se encontravam fora da escola em 2016 tinham como

característica o fator renda, o que gerava interferência direta na garantia de acesso

e permanência desses sujeitos na escola, visto que, esse mesmo contingente

encontrava-se ocupado (trabalhando). Desse modo, ao promover a política de

educação (em tempo) integral essa realidade foi ignorada.

No estado do Espírito Santo, o processo de implementação do Programa

“Escola Viva” seguiu na mesma esteira. Como aponta Pertele (2016) ao indicar a

partir de entrevista realizada com o presidente da União dos Estudantes

Secundaristas do Espírito Santo (UESES), Luiz Felipe Costa, que denunciou

dizendo que:

Desde o ano passado a Secretaria de Educação (Sedu) vem fechando turmas a fim de reduzir gastos, com a real intenção de fechar escolas. Em 2015, 450 turmas em todo estado foram fechadas, enquanto simultaneamente as vagas do noturno – majoritariamente na Educação para Jovens e Adultos – também vinham sendo reduzidas. Para esse ano, a previsão era o encerramento de mais de 500 turmas”, explica. (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES, 2016. Acesso em: 28 mar 2016 apud PERTELE, 2016, p.129).

O mesmo processo se materializa na realidade em que ocorreu a

implementação do programa no município de Alegre, em que também houveram

tentativas de encerramentos de turmas e prejuízos de realocação para alunos da

Educação de Jovens e Adultos, sem mencionar o universo de alunos fora da etapa

do Ensino Médio que nem se quer foi considerado nesse processo. E em todas

essas mudanças, o respaldo vinha da legalidade da implementação da educação

(em tempo) integral estabelecida no PNE e na necessidade de se fazer uma reforma

que superasse os gargalos e fragilidades do Ensino Médio que, no caso dessas

reformas, eram pautados e sustentados pelos dados dos indicadores educacionais.

Trouxemos a luz esses apontamentos porque compreendemos que não se

trata da educação em tempo integral, pois essa, é uma alternativa possível e

necessária, não se trata da urgência das reformas que compreendem a educação

básica, porque essas são reais. Essas reformas, esse aligeiramento da educação

(em tempo) integral, e na senda dessas mudanças o Programa “Escola Viva”,

tratam-se da formatação de um projeto educacional que figura o atendimento das

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demandas do capital e da agenda do mercado, que encontraram, nas pautas

legitimas e urgentes da educação, terreno para serem viabilizadas viabilizar.

Desse modo, quando as entrevistadas B e E colocam que uma maneira de

inovação para trabalhar o conteúdo foi o tempo, entendemos que, de fato, a

ampliação da carga horaria possibilita que se trabalhe melhor o conteúdo, no

entanto, se considerarmos que esse tempo ampliado é suprido por um projeto que é

formatado a partir do cenário que apresentamos, a realização desse trabalho não se

dará do mesmo modo como imaginasse que seria realizado na perspectiva da

educação integral e em tempo integral.

Durante uma das entrevistas, em um determinado momento em que a

entrevistada apresentava sua opinião acerca da metodologia, o termo educação (em

tempo) integral foi evocado, e em suas falas foi relatado o seguinte:

Bom, a gente trabalha com os livros do Antônio Carlos que criou o conceito de escola em tempo integral. Nem é que criou o conceito de escola em tempo integral. Que criou a metodologia da escola viva. É o que a gente trabalha dentro da escola. Basicamente é isso, porque fora dele não se trabalha com educação de tempo integral (ENTREVISTADO G).

O que se oferta não são as concepções trazidas pela educação em tempo

integral, mas sim um formato pedagógico e metodológico especifico, que dentro da

atual conjuntura, ocorre (em tempo) integral.

Quando a professora diz que “eu preciso cuidar desse menino, então a gente

tem todo um esquema, a gente tem a tutoria, a gente tem a pedagogia da presença

e isso tudo vai se aliado com a dinamização da aula”, é a materialização da

concepção que pensa esse conjunto de tendências pedagógicas que insere no

trabalho docente a única e total responsabilização pela aprendizagem, sucesso e

fracasso dos estudantes, e apresenta o tempo como uma possibilidade de

aproximação desses sujeitos.

Durante o tempo em que estivemos fazendo o acompanhamento dos

planejamentos coletivos, o que foi observado é que a ampliação da jornada escolar

é consumida por um excessivo aumento dos afazeres burocráticos por parte dos

professores, e no que tange o fazer pedagógico, parte dele é destinado a realizar

mais do mesmo com relação ao conteúdo da base, e a outra parte é destina a –

executar – as metodologias que envolvem a parte socioemocional que, assim como

as aulas de praticadas, de laboratório e experimental, já veem delimitadas por um

material elaborado pelo ICE.

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Quanto a trabalhar mais o conteúdo, é importante relembrar que isso não

significa aprofundamento nos saberes científicos e culturais historicamente

acumulados, pois, como evidenciamos em um dos excertos, o critério para se

trabalhar e aprofundar os conhecimentos estão alicerçados nas provas de avaliação

de larga escala, essas cujos indicadores são exatamente o que justifica a existência

e permanência de uma política educacional como o Programa “Escola Viva”.

Ainda com relação ao conteúdo, o entrevistado D expressa que,

Honestamente eu não vi. Isso aí é uma crítica que é necessário ser feito. Há uma lei complementar de regulamento do programa, há um projeto pedagógico, só que nada disso vai funcionar sem uma nova base nacional comum. E essa base nacional comum foi promulgada agora, então é necessário que a secretaria de educação regulamente e determine como ela exatamente vai funcionar na escola, como ela vai se adequar na escola parcial e no nosso caso na escola viva. Então nesse um ano há uma mudança de gestão, há uma mudança de participação. Agora a essência do ensino de história, o conteúdo, que eles costumam definir como o chão da sala, continua o mesmo. E aqui há de se fazer uma ressalva: o problema não é o conteúdo, não é o ensino de escola em si. Eu acredito também que, conversando com outros colegas, também não é esse o problema, há de se mudar a estrutura, a estrutura externa da escola, a estrutura legal, a estrutura pedagógica, a estrutura administrativa, mas o ensino em si, o conteúdo, não é um problema. Então, e também não houve... mesmo com uma base curricular antiga de história (ENTREVISTADO D).

Ao evidenciar que o que precisa ser revisto e problematizado na escola é na

verdade a “estrutura externa da escola, a estrutura legal, a estrutura pedagógica, a

estrutura administrativa” e não os conteúdos ministrados, o entrevistado nesse

excerto expõe uma questão que se faz de suma importância ser refletida e que

sintetiza bem o debate realizado acerca do conteúdo.

Concordamos categoricamente nesse trabalho com essa afirmativa, pois

compreendemos que os conteúdos se tratam da produção dos conhecimentos

histórico, social e cultural da humanidade, e a “educação é o ato de produzir, direta e

intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida

histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 2008, p. 11).

Sendo assim, são os modelos pedagógicos e metodológicos, são os sistemas

de avaliação que validam a qualidade do ensino, e pelo o que tivemos condições de

analisar, estão também orientando o trabalho dos professores, é que precisam ser

questionados se são atrativos ou não.

Não é o conteúdo mediado na escola pelo professor que gera o gargalo do

Ensino Médio como sugeriu o ex-ministro da pasta da Educação na época da

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Reforma do Ensino Médio Rossieli Soares 34ao dizer que o Ensino Médio estava

falido e que chegaria ao fundo do poço caso não houvesse uma flexibilização dos

conteúdos, ou então Secretário de Educação do Estado do Espírito Santo à época,

Haroldo Rocha, que ao anunciar o projeto em suas falas afirmou que “[...] o grande

avanço da “Escola Viva” é que hoje o aluno da Escola Pública só tem uma opção:

essa escola que está aí e que ele aprende pouco é chata” (JORNAL A GAZETA, 19

Abr. 2015, p.17 apud PERTELE, 2016, p.169).

Delegar o que configura a debilidade do sistema educacional, em especial do

Ensino Médio, aos conteúdos, tratando-os como o que gera o desinteresse dos

alunos pela escola, é ignorar, de modo inaceitável, todas as mazelas que envolvem

desde o acesso e permanência até as metodologias que pouco se ressignificam no

contexto do aluno e da escola. Quando o próprio PPP do “Escola Viva” coloca

acerca dos conteúdos da escola que “na sociedade atual, em face às questões

contemporâneas, a educação é chamada para cumprir um novo papel, que requer o

distanciamento do saber enciclopédico, compartimentalizado e estanque que o

passado recente estabeleceu” (ESCOLA VIVA, 2015, p.3) é necessário pensar o que

o programa considera como “saber enciclopédico” e a quem serve esse

distanciamento.

Pires (1997) ao tecer um importante questionamento quanto ao papel do

educador no processo de configuração da sociedade capitalista, diz que:

A educação estará, em suas várias dimensões, “a serviço” da humanização ou da alienação? Esta pergunta tem que ser respondida pelo educador como direção de sua prática educativa. Não há possibilidade de construção de um agir pedagógico sem que esta questão esteja presente. Há, sim, possibilidade de estar escondida, camuflada, não pensada, mas estará sempre presente (PIRES, 1997, p. 90).

Desse modo, ao tecer considerações sobre não se colocar o conteúdo como

o problema, mas sim olhar para o sistema, para a conjuntura em que se forjam as

políticas educacionais e as propostas por elas ofertadas, o professor faz um

movimento dialético dentro da realidade posta pelo programa, em que “o princípio da

contradição, presente nesta lógica, indica que para pensar a realidade é possível

34Sugerimos a leitura da entrevista dada pelo ex-ministro em que ao justificar a necessidade da

Reforma do Ensino Médio ele aponta que com base nos dados do INEP o Ensino Médio não tem agregado conhecimento e que a alternativa de flexibilização dos conteúdos seria uma forma de tornar essa etapa mais atrativa https://g1.globo.com/educacao/noticia/2018/08/30/ensino-medio-esta-falido-e-nao-agrega-conhecimento-diz-ministro-sobre-resultados-de-matematica-e-de-portugues.ghtml

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aceitar a contradição, caminhar por ela e apreender o que dela é essencial” (PIRES,

1997, p.90).

Esse movimento de contradição, não só interessa à educação, como é

fundamental para o seu processo de organização e transformação, pois ele é capaz

de gerar a práxis do trabalho docente e as mudanças não esperadas dentro de um

projeto político e/ou educacional formatado sob a lógica dos interesses do capital.

Um exemplo, é o excerto da entrevistada C, em que é dito:

Olha, para te falar a verdade, isso foi muito perceptível no decorrer do meu ano porque eu sempre me preparei muito bem para minhas aulas, só que como a gente entra na docência aprendendo com quem já está.Você vai para sala de aula dá aula e por mais que você tenha ideias diferenciadas, você vai naquele basicão, porque o tempo é curto, as aulas é meio período, tudo te limita. Material didático as vezes é um pouco limitado e então você acaba ficando no básico: sala de aula. Aqui, com o recurso, com o tempo mais alongado, eu senti um amadurecimento muito grande nessa parte do conteúdo. Você poder trabalhar o conteúdo não só na teoria, mas buscar maneiras de demonstrar aquilo para ele na prática ou que fosse uma forma visual, mas uma forma visual, dentro da realidade deles. E eu trabalhei muito assim esse ano. Por exemplo: quando a gente trabalha questões relacionadas a paisagem normalmente a gente trabalha a sala de aula, com desenhos, explica o que é uma paisagem e trabalha por desenho. Aqui eu pude trabalhar com eles da forma visível, a visão real daquilo ali, em sala de aula teoria e levei eles para rua na aula praticada para que eles utilizassem tecnologias, coisa que a gente tem que trabalhar muito hoje em dia. Pedi para eles que fotografassem um tipo de paisagem para gente depois trabalhar em sala de aula o entendimento deles de acordo com as fotografias. Então assim, relacionadas ao conteúdo, ela te dá esse campo de não só de tempo, mas até de material para o trabalho. Porque você pode não só utilizar a tecnologia, mas você pode utilizar o espaço fora da sala de aula, porque você tem tempo para aquilo dali, além do próprio material didático dentro de sala de aula que te dá o auxílio muito bom. Aqui por exemplo um dos principais materiais que a gente tem para auxiliar no conteúdo são os televisores, dá um auxílio muito bom, porque adianta não só a nossa vida, mas as aulas também. Por exemplo: numa escola parcial, quando a gente quer trabalhar com material diferenciado, de forma digital, você precisa do data show, que as vezes a escola tem dois ou três, e você tem que agendar, então você não tem como utilizar o material com uma frequência maior. Como aqui as salas todas têm televisão, você sabe que você pode separar o material para sua aula que você vai ter o didático também na sua mão para você utilizar. Então isso agiliza as aulas. Aquilo que você ficava preso ali para poder passar uma teoria ou um resumo explicativo, para você poder explicar o conteúdo e o aluno acompanhar fica tudo mais fácil com a televisão na mão, figuras, imagens, vídeos, fica bem mais fácil de você trabalhar e mais rápido (ENTREVISTADA C).

Identifica-se que, nesse caso, as condições materiais, a relação de

disponibilidade de tempo proporcionada pela ampliação da jornada, e a própria

trajetória profissional do sujeito, fizeram com que, mesmo dentro de um mecanismo

aonde, acreditamos, que a ação não é pensada para se desenvolver dessa forma,

surge no chão da escola, sob o ordenamento de sequências didáticas e planos de

ação elaborados por organizações privadas, processos educativos diferenciados e

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significativos, pensados e desenvolvidos pelo docente, em um movimento de

contradição que acontece na dinâmica da realidade e efetiva o exercício do fazer

pedagógico.

É claro que o processo educacional é algo que se constitui de modo mais

amplo, e não pode ser esgotado somente na dimensão prática, “exige a construção

da formação em sua totalidade, tem que contribuir para a formação de homens

plenos, plenos de humanidade” (PIRES, 1997, p.91). Entretanto, nos fundamentos

do método do materialismo histórico dialético e da abordagem dialética, a ação

desenvolvida pelo entrevistado Ce o posicionamento do entrevistado D, nos dá

condições de perceber que, mesmo que o programa implementado na escola

“Aristeu Aguiar” reflita as dualidades históricas do Ensino Médio e as marcas de um

projeto educacional instruído pela lógica privatista, o trabalho docente é capaz de se

realizar para além dessas estruturas, ainda que encontrando limites para tal.

Em suma, ao buscarmos compreender quais são essas inovações no campo

do conteúdo a partir da perspectiva dos professores, percebemos que a maioria dos

excertos atribuíram as inovações aos aprofundamentos dos conhecimentos a partir

das aulas práticas, e consequentemente, a relação da ampliação do tempo, que

contribuí para promover um melhor desenvolvimento dos conteúdos.

A visão dos professores corresponde, em certa medida, o que é estabelecido

pelo programa, que coloca essas inovações como sendo “processos de integração

dos conteúdos da base comum e da parte diversificada” (ESCOLA VIVA, 2015,

p.10). Entretanto, essa integração, como evidenciando durante a análise dos

excertos, se mostra mais intencionada em aprofundar conhecimentos direcionados

as avaliações que garantam um status de qualidade da instituição, do que promover

uma formação crítica e emancipatória dos saberes, e isso, ocorre, em partes,

através do trabalho docente instrumentalizado pelas disciplinas que compõe a parte

diversificada.

Os professores também apresentaram outros elementos tais como as

condições materiais, mas essa é uma questão que exploraremos melhor mais

adiante devido ao fato de ter sido evocada quando a pergunta se direcionou no

sentido de buscar saber quais eram, na concepção deles, as inovações

metodológicas do programa escola viva.

Metodologicamente o Programa Escola Viva está assentado na Tecnologia de

Gestão Educacional (TGE), que segundo o PPP, “é a base na qual o Modelo

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Pedagógico se alicerça para gerar o movimento e o respectivo trabalho, que

transformará o que ele traz enquanto intenção, efetiva e concretamente, em ação”

(ESCOLA VIVA, 2015, p. 34).

Sendo assim, é a partir do TGE que princípios educativos que caracterizam o

Modelo Pedagógico tais como, o protagonismo, os quatro pilares da educação,

pedagogia da presença e educação interdimensional são transformados em ações

dentro da escola. No PPP, é posto que:

A Tecnologia de Gestão Educacional (TGE) pode ser definida como a arte de integrar tecnologias específicas e educar pessoas. [...] O Modelo Pedagógico e o Modelo de Gestão (TGE) são indissociáveis e constituem o organismo que torna possível transformar a visão e a missão da escola em efetiva e cotidiana ação (ESCOLA VIVA, 2015, p.34).

Desse modo, conforme os documentos, os instrumentos para mobilizar a

articulação entre a base pedagógica (currículo da base comum e parte diversificada)

com a TGE são os Planos de Ação 35que “é a bússola que orienta o caminho da

escola ao promover a redução do hiato entre “ser” e o “dever ser” (ESCOLA VIVA,

2015, p.31) utilizando como mecanismos complementares as agendas semanais, e

o guia de ação do professor.

Ainda sobre o campo metodológico, pontuamos que é posto no PDI da escola

“Aristeu Aguiar” que:

A metodologia de ensino está atrelada a um modelo pedagógico que busca através das práticas eficazes de ensino e processo de verificação de aprendizagem: a “Excelência Acadêmica”, a “Formação de Valores” e as “Competências para o Século XXI”, que apoiam a construção e consolidação do Projeto de Vida do estudante, que é construído na sua inserção na escola durante o acolhimento inicial. O currículo é articulado com vivências dinâmicas e contextualizadas nas aulas para que sejam bem significativas para o estudante no campo das artes, das ciências, linguagens e cultura, bem como nas práticas sociais. Para assegurar a eficácia da gestão de processos pedagógicos com vistas à obtenção da meta

35 Em uma conversa com a Coordenadora Pedagógica da escola Aristeu Aguiar, a mesma relatou que considerava fundamental que os Planos de Ação, as agendas e os guias dos professores caminhassem juntos. Na opinião dela, esse é um dos principais fatores para fazer com que a escola funcionasse e se organizasse corretamente. Na ocasião, aproveitei a oportunidade e pedi para que a coordenadora me explicasse o que seriam esses instrumentos educacionais que ela havia citado, então ela fez uma breve explicação dizendo que: Os Planos de Ação é o que os professores desenvolvem com relação as avaliações e o conteúdo, esse caminhava de acordo com a BNCC, com o CBC do estado, e com o guia de ação desenvolvido pelo ICE. No PPP, as explicações quanto a execução do Plano de Ação nas escolas foram bem evasivas, o que nos foi exposto foram basicamente seus princípios. Quanto ao guia de ação a coordenadora explicou que esse é formulado pelo ICE, e vem para estabelecer como o professor vai desenvolver na prática da sala de aula no Plano de Ação. E por último a Agenda Semanal, que é o cronograma dessas atividades que vão ser executas na sala de aula e como elas vão ocorrer e serem avaliadas. Essa agenda é colada na porta da sala para que todos os alunos possam ter acesso, e na opinião da Coordenado Pedagógicaesse é o principal diferencial da escola nesse quesito, porque os alunos são informados, eles podem ver o que vai ser trabalhado e opinarem, darem sugestões.

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estabelecida para resultados, os professores têm como ponto de partida para o ensino o GUIA DE APRENDIZAGEM, que orienta e acompanha a prática pedagógica de maneira objetiva, integrando três âmbitos distintos: o professor, o estudante e a família (PLANO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL, 2018, p.162).

Nesse sentido, são os modelos de Plano de Ação, as Sequencias didáticas,

os Guias de Aprendizagem e Agendas Semanais que vão orientar a realização do

trabalho do professor em sala de aula. Importante ressaltar que esses modelos são

parte do material elaborado pelo ICE.

Na elaboração do Plano de Ação são definidos dois princípios fundamentais

que vão orientar o seu desenvolvimento: O ciclo virtuoso e o Trabalho pela

Educação.

O ciclo virtuoso segundo o que consta no documento,

É um importante princípio da TGE. Ele evidencia as relações existentes entre gestão pública, escola/estudante, investidores sociais e comunidade e como estas se retroalimentam via um sistema de comunicação pautado na confiança e na parceria (ESCOLA VIVA, 2015, p. 36).

No documento não foi identificado uma explicação do que seria essa

“Educação pelo Trabalho”, que é colocada como um princípio fundamental do Plano

de Ação que sustenta a metodologia do programa.

Sendo assim, o Plano de Ação que orienta a metodologia desenvolvida e

aplicada no Escola Viva tem como base esses dois princípios, sendo um deles, a

relação entre gestão pública, escola/estudante, investidores sociais e comunidade,

que tem por intuito garantir uma aprendizagem de qualidade dos saberes escolares

e que seja capaz de desenvolver outras dimensões humanas como espírito,

emoção, corpo e intelecto, como já citado a priori na parte dos conteúdos.

Nas entrevistas realizadas com os professores G, B, A, E, C e D, foram

evidenciados pontos muito semelhantes ao serem perguntados quais eram, em suas

concepções, as inovações para o campo da metodologia, e, portanto, serão

analisadas em um mesmo bloco.

Eu vejo como inovação o estudo orientado, se bem aproveitado pelo aluno, eles vão poder ter um desenvolvimento melhor. Eu por exemplo, pedi eles para pegarem estudo orientado e estarem estudando. E uma outra inovação, assim, que eu vi de certa forma, foi pela pedagogia da presença, que é própria do Escola Viva (ENTREVISTADO G). Da metodologia, é no caso... é o estudo orientado, que prepara o aluno, que na verdade é ele que é protagonista, que está estudando, por que no estudo orientado vai partir do aluno, é o aluno que tem que estudar, é ele que tem que buscar, o professor está ali só para orientar. O professor manda o conteúdo que o aluno tem que estudar, por exemplo, você tem que estudar

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matemática e português, mas quem tem a iniciativa de pegar o caderno, de estudar através de textos todo conteúdo é o aluno. A eletiva também. As eletivas também, porque são umas aulas dadasde uma forma dinâmica e vinculada ao currículo. O aluno pode escolher a eletiva que ele quer fazer, então ela também é muito inovadora para o aluno e para a escola. Tem também o tutor, a questão da tutoria funciona junto com o professor. (ENTREVISTADA A). Certo... eu não trabalhei com a parte diversificada da escola viva, que são as disciplinas diversificadas, a não ser a eletiva que é obrigatório para todos os professores. Mas mesmo não estando presente como professor das disciplinas a gente trabalha diretamente ligadas a essas disciplinas e são essas disciplinas que vão fazer todo diferencial, além dos pontos chaves, da metodologia que são atuação direta dos pilares, das formações para vida, excelência acadêmica do século XXI, que a gente tem que preparar todo nosso material em cima desses pontos né? Essa parte diversificada da escola é o que dá um auxílio muito bom para trazer esse diferencial para os alunos. Como o estudo orientado. Né? Que o aluno não vai para esse estudo orientado sem rumo, sem saber o que é para ser feito aí. Então eles têm essas aulas para ensinar eles como estudar e depois eles vão tendo auxilio do professor durante todo ano (ENTREVISTADO C). Dentro da disciplina de história, como eu falei com você, dentro do trabalho da base, ela não trouxe por si só inovações. O que acontece é que há outras inovações metodológicas ou pedagógicas, que foram aplicadas. Por exemplo: os estudos orientados. Que é o suporte que a escola dá para que o aluno possa suprir suas carências e avançar naquilo que ele não estava progredindo. Ou também, dentro da parte diversificada há disciplinas, como no caso das disciplinas eletivas, e essa daí que exerce ao aluno bastante protagonismo dele, que ele escolhe e dentro daquilo que ele propõe para sua vida, dentro das suas aptidões ele leva para sala de aula, dentro da base curricular antiga (ENTREVISTADO D)

Nesse sentido, nos atentamos a tencionar os elementos que apareceram nos

quatro excertos e que mostram ter centralidade na compreensão dos professores

acerca do programa, não só no quesito metodologia, mais de modo geral. Os

elementos que apareceram nos quatro excertos foram: estudo orientado e as

eletivas.

Sob o mesmo ponto de vista discutido anteriormente sobre as pedagogias do

“aprender a aprender”, vemos aqui novamente algumas tendências que compõe o

modismo das novas pedagogias. Como já apresentado em outros momentos, essas

tendências que se apresentam como novas são problemáticas, pois conservam um

caráter de esvaziamento de princípios educativos fundamentais para a construção

do ser social efetivamente autônomo (DUARTE, 2000).

No caso dos elementos elencados podemos ver essa ação por exemplo com

relação ao estudo orientado. Além das questões já apresentadas quanto ao fato

desses “aprofundamentos” dos conteúdos estarem orientados para os

conhecimentos cobrados nas avaliações externas, há também uma outra

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problematização a ser feita, como observado, segundo os entrevistados, os estudos

orientados também são uma forma do aluno buscar o conhecimento por ele mesmo,

por vontade própria.

Duarte (2001) evidencia essa prática como sendo parte do “aprender a

aprender”. Ao determinar alguns posicionamentos de valoração que são inerentes a

essas pedagogias, o autor aponta que, a valoração do auto aprendizado é o cerne

do significado do “aprender a aprender”. Indica, que “aquilo que o indivíduo aprende

por si mesmo é superior, em termos educativos e sociais, aquilo que ele aprende

através da transmissão por outras pessoas” (DUARTE, 2001, p.36)

O autor ainda continua, ele diz que também é parte dessas pedagogias

neoliberalistas afirmar que a atividade educativa só é efetiva quando é impulsionada

pelos interesses e vontades advindas genuinamente do sujeito. Ou seja,“para ser

verdadeiramente educativa, deve ser impulsionada e dirigida pelos interesses e

necessidades da própria criança” (DUARTE, 2001, p.37).

O professor, nessa concepção, tem seu trabalho descaracterizado e afastado

da figura de mediador. Ao aluno, é constantemente apresentada a ideia de ter que

fazer escolhas e construir, com seus 15 anos, o tão necessário Projeto de Vida.

Esses princípios estão diretamente relacionados com o desenvolvimento do

protagonismo e com o espirito de liderança que são urgentes para adaptar-se as

mudanças do século XXI. Parte dessa lógica da pedagogia do “aprender a aprender”

é fazer com que, o trabalho do professor nessa conjuntura, passe a ser visto por ele

como mais “reflexivo”.

Contudo, essa ideia do trabalho “reflexivo”, é materializado na forma de um

professor que adquire condições de conhecer a realidade social, mas não para

questioná-la, para refletí-la ou transformá-la, e sim para identificar melhor quais

competências que aquele contexto social exige dos sujeitos a serem formados. Isto

é,o professor precisa compreender qual a melhor forma de adaptar os indivíduos as

demandas decorrentes do capitalismo. Assim, a ideia de uma formação

emancipadorae comprometida com a formação de sujeitos que sejam capazes de

transformarem a si e ao meio social é exígua, quase nula (DUARTE, 2000).

A concepção de estudo orientado, de protagonismo, de pedagogia da

presença, que fundamenta a tutoria e releva a figura do professor para a figura de

tutor, todas essas ditas – inovações – aparentam caminhar em conformidade com

essas posições de valoração do “aprender a aprender”.

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É necessário apontar que os entrevistados não enunciaram de fato nenhuma

das inovações que o programa propõe para o campo do método, o que foram

apontados em suas falas são na verdade disciplinas e princípios educativos que

compõe a parte diversificada, e não as metodologias, que nesse caso dizem respeito

aos Programas de ação (Plano de Ação, Guia de Ação, Agenda Semanal).

Em um outro conjunto de excertos os entrevistados B e E apontaram que:

Eu acho que no campo da metodologia a maneira que você conduz a disciplina, acho que isso depende muito de cada professor, para mim não diferenciou muita coisa porque já era uma maneira que eu trabalhava também na parcial né? Então como que eu vou levar esse conteúdo para o aluno, como que eu vou apresentar esse conteúdo, qual o método que eu vou utilizar, já é algo que eu já fazia no tempo parcial (ENTREVISTADA B). Nesse caso, nesse ano a gente passou por uma fase de sobrevivência. Como esse é o nosso primeiro ano de Escola Viva, a gente passou o ano aprendendo a lidar com essas premissas do programa. Então para a gente até então as propostas inovadoras vão ser especificamente dentro da sala de aula, por exemplo, trazer uma maneira dinâmica de passar o conteúdo e de fazer com que o aluno queira ficar, então a gente trabalha com dinâmicas, com filmes, com questões norteadoras que orientem ali no conteúdo que a gente quer transmitir. E no todo da escola, os eixos principais mesmo dizem respeito ao projeto de vida, a pedagogia da presença e a tutoria, que são propostas que fazem com que a gente consiga se aproximar mais dos alunos. Eu já tinha essas práticas, porque é como eu trabalho, mas aqui a gente pode fazer isso sem se preocupar em como vai fazer para aula funcionar, porque tem todo um auxilio né (ENTREVISTADA E).

Nesses excertos as entrevistadas relacionam as inovações as dinamizações

que as mesmas promovem ao ministrarem suas disciplinas, entretanto, ao mesmo

tempo que apontam tais ações como inovadoras, também indicam que já era parte

da prática delas na escola de tempo parcial. As metodologias novamente não foram

denotadas na visão das professoras, mas, apesar dos elementos evidenciados não

se relacionarem diretamente com o que o programa aponta como sendo suas

inovações para o campo da metodologia, eles acabam por nos indicar uma outra

questão que é de extrema importância nas relações que constituem essa escola: as

condições materiais.

Nos excertos dos entrevistados H e I podemos identificar essa relação de

modo ainda mais expressivo. Ao serem perguntados quais seriam, na concepção

deles, essas ações inovadoras estabelecidas pelo programa no campo do método,

foi respondido que,

É renovação de professor. Mesmo a gente que está há pouco tempo, também tenho colegas que estão há vinte e cinco, trinta anos aqui, que dão aula da mesma matéria. Você acaba se acostumando, você acaba

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preparando uma aula que é sempre a mesma e com a Escola Viva, você acaba modificando isso, não tem como. E você tem uma estrutura financeira que te possibilita isso também. Eu saí de uma realidade que eu pagava xerox da minha prova. E hoje você tem xerox para o exercício do menino a qualquer momento. Então, enquanto eu demorava duas, três aulas para passar exercício no quadro, eu consigo dar duas, três listas de exercício, nessas três aulas, isso rende muito o trabalho da gente. Então, eu acho que contribui. Isso varia de acordo com a realidade de algumas escolas parciais também né. A gente sabe que tem algumas escolas parciais com estruturas muito maior do que outras. Aqui na escola por exemplo a gente já tinha o estúdio, laboratório de ciências, que era utilizado quando você queria fazer alguma coisa diferente, a gente já tinha algumas coisas que eram acessíveis. Mas, isso não é a realidade de todas as escolas. Eu já trabalhei em outras escolas e sei que isso não é a realidade (ENTREVISTADA H). O que eu vejo é que aqui, por exemplo, nós temos televisão com adaptação para pen drive, que é um método diferente para dar aula. Em outras escolas, quando tem, é acesso a um datashow, que geralmente não tem para todos os professores, aí um professor que quer preparar e aplicar uma aula no Power point para adiantar um pouco a aula, ou mostrar a visualização de algumas figuras para os meninos não tem como, porque no quadro, até você desenhar tudo e depois pedir eles para copiarem a aula já acabou e você não fez nada. É só copiar conteúdo e depois explicar. A televisão ajuda muito, porque pelo menos, todas as salas têm, e as outras escolas não tinham. Foi como eu disse, as vezes você queria usar, queria dar sua aula e não tinha condições para isso, não tinham os instrumentos, um datashow, um notebook, um adaptador. Então o Escola Viva tem muito mais instrumentos para se trabalhar, é uma escola que tem um laboratório de informática em que todos os computadores são novos e funcionam, eu sempre levo os meninos lá. Então aqui, nesse sentido, é bem melhor do que outras escolas. Igual, eu trabalhei numa outra escola aí que é do estado, que prefiro não citar o nome, que teve uma mudança de prédio esse ano, eu fiquei lá de janeiro a agosto e não tinha ainda laboratório de informática, então eu tentei trabalhar com pesquisa em computadores e não consegui. Então aqui pelo menos eu consigo usar a metodologia melhor para trabalhar. Assim, não sei se é porque é Escola Viva, mas creio eu que, por ser Escola Viva, eu, na minha opinião, acho que o estado traz muito mais verba. Porque é igual aqui, como eu já falei, todas as salas têm televisão e lá nem um laboratório de informática tem ainda. E é estado, e tudo na mesma cidade (ENTREVISTADO I).

Destacamos este detalhe para efeito de evidenciar que, mesmo a fala dos

entrevistados tendo mais relação com a infraestrutura e recursos materiais, algo que

considera-se como sendo essencial pra oferta de qualquer ensino, em qualquer

rede, de qualquer modalidade, é notável o impacto que isso tem na relação do

desenvolvimento do trabalho docente no Programa “Escola Viva” e no modo como

os professores assumem isso como sendo uma “inovação”, tendo em vista que nas

outras realidades e escolas nas quais atuaram, essas, que deveriam ser condições

mínimas para a realização de seus trabalhos, não existia.

Como apresentamos no início desse subcapítulo, no município de Alegre

após a adesão da escola “Aristeu Aguiar” apenas uma escola continuou a fazer o

atendimento daqueles que não quisessem e/ou pudessem optar pela escola de turno

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único. A escola “Prof. Pedro Simão”, recebeu não apenas os alunos que optaram

pelo tempo parcial, mas também obrigatoriamente, os alunos da Educação Jovens e

Adulto e os alunos do Ensino Fundamental realocados.

Por meio da fala do entrevistado F, é relatado sua experiência nessa outra

escola da rede estadual no município de Alegre, no caso a escola “Prof. Pedro

Simão”, e a precariedade em que a unidade se encontrava até o momento em que o

entrevistado saiu de lá para poder vir atuar na escola “Aristeu Aguiar”. O professor

expressou as dificuldades que haviam devido à falta de estrutura para realização de

suas aulas.

Esse dado nos leva ao questionamento sobre como as condições materiais

que possibilitam a realização e desenvolvimento das aulas, podem ser enxergadas

como uma inovação e, por consequências, disfarçarem as reais mudanças que

ocorrem e transformam aquela realidade, pois, em nenhum dos excertos, os

professores identificaram o material amarrada já elaborado pelo ICE como sendo a

metodologia inovadora, e essa, por mais que não se apresente para eles, tem

norteado todo o trabalho, visto que os guias e programas de ação são obrigatórios e,

validados e analisados pelos PCA’s e pela Coordenadora Pedagógica.

Outro questionamento que nos ocorre é, quais seriam as justificativas do

Governo do Estado, que implementa um novo modelo de escola sob o discurso de

buscar melhorias para educação pública estadual e, ao mesmo tempo, promove o

abandono de escolas na mesma rede. Talvez possamos tencionar algumas

questões que nos ajude a refletir quanto a isso.

Não há como, em uma política educacional que se proponha a tantas

mudanças, e ainda as fazem em tempo integral, não se comprometer com altos

investimentos. Nesse caso, o Escola Viva aparentemente o faz. De acordo com o

PDI, o “CEEFMTI “Aristeu Aguiar” receberá repasses financeiros do Governo

Federal, assim como toda escola pública da federação” (PLANO DE

DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL, 2018, p.172).

Sendo a estrutura e as condições materiais de significativa, senão

fundamental, importância, a fonte de recursos do programa nos chama atenção para

outro fato: como manter esse alto padrão de investimento sob a sombra da Emenda

Constitucional nº 95, que congela os investimentos em educação por vinte anos?

Não há garantias quanto aos recursos, nem mesmo no que tange o setor privado,

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visto que esse funciona apenas como parceria técnica. Ademais, todos os

investimentos, no caso do Programa “Escola Viva”, saem do orçamento público.

Desse modo, as inovações que as entrevistadas pontuaram, que são na

verdade as boas condições materiais de trabalho, nesse cenário tem sua solidez e

permanência postos em risco. Assim, a única garantia é a de que, com ou sem

recursos, a escola ainda terá uma demanda que precisara corresponder a um

modelo pedagógico e metodológico que exigem um expressivo investimento.

E isso se torna ainda mais preocupante quando o futuro indica um caminho

de expansão desse modelo na rede pública. Em março de 2019 estivemos presente

no evento realizado pela Secretaria Municipal de Educação de Cachoeiro do

Itapemirim em parceria com Movimento Empresarial do Sul do Espírito Santo

(MESSES), que contou com a participação de outras organizações como ES em

Ação e o ICE, na ocasião tivemos a oportunidade de ouvir algumas falas dos

empresários, e também presidentes, dessas três instituições.

No evento, que contou com a presença de empresários de outros

seguimentos, políticos e alguns poucos pedagogos e profissionais que faziam parte

da equipe de implementação do programa de tempo integral no município de

Cachoeiro, os presidentes das organizações versaram em torno da importância do

envolvimento da classe empresarial na contribuição para a garantia da oferta da

educação com justiça social36. Nas falas dos três empresários, foram evocadas

questões como a intenção de expandir e universalizar esse modelo de escolas em

tempo integral, ressaltando o compromisso das parcerias técnicas com o setor

privado e as intenções formativas que trazem esse novo modelo.

Em uma fala especifica de Marcos Magalhães, presidente do ICE e

palestrante do evento, ele colocou que, a sociedade e o mercado de trabalho têm

passado por mudanças gigantescas e que estão acontecendo em grande

velocidade, desse modo, segundo Magalhães, é preciso que os jovens que estão

36De acordo com o Oliveira (2009), a educação enquanto política esteve vinculada de alguma forma a um caráter de busca pelo ideal de justiça social. Segundo a autora “a ênfase nesse papel se altera a partir das transformações ocorridas nas últimas décadas do século XX, que põem em evidencia a falência (ou falácia?) do ideal de igualdade de oportunidade. O desemprego em larga escala, em consequência da reestruturação do capitalismo, somado à ampliação do acesso à educação escola, evidenciou o caráter restritivo do sistema escola na mobilização social” (OLIVEIRA, 2009, p.20). Fazemos esse apontamento, tendo em vista que o termo justiça social, evocado por um empresário que preside um movimento que vê na educação um espaço possível para a implementação dos interesses do seu setor, representa, em grande medida, significados que se afastam do mesmo caráter de justiça social que deveria estar vinculada a educação enquanto política.

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sendo formandos nessa geração estejam preparados para um mundo que ainda não

existe. Ele comentou a importância da dimensão socioemocional na formação dos

jovens, e que essa é tão importante quanto, ou mais, que a dimensão da formação

cognitiva. E concluiu dizendo que o conceito fundamental do processo educativo é

aprender a empreender.

A pauta da relação entre o público e privada na orientação e formatação dos

projetos educacionais, a relação de uma formação direcionada para o mundo do

trabalho e o modo como os jovens devem ser preparados para um mundo de

constantes – adaptações – se mostrou frequente na narrativa dos empresários. E

junto ao termo de adaptação, outro muito evocado, foi o papel a ser desempenhado

pelos professores nessa estrutura, que segundo Luiz Carlos Nemer, que trouxe o

projeto da Escola da Escolha para Cachoeiro do Itapemirim, “os professores serão

os parceiros que irão conduzir esse processo”.

O que nos chama atenção, é que a visão externada pelo empresário com

relação a esses ideais de adaptação é algo muito presente tanto nos documentos,

quanto nas concepções dos professores. Esse ideal surge frequentemente sob o

termo “abrir-se para o novo”. No Projeto Político Pedagógico é dito que a “TGE

demanda uma abertura para o novo, para uma nova forma de ver, de sentir e de

cuidar da escola” (ESCOLA VIVA, 2015, p. 36).

Durante os planejamentos coletivos, observamos que os professores,

entrevistados e não entrevistados, gestor e equipe gestora, todos categoricamente,

diziam que o “Escola Viva” exige indivíduos que estejam – abertos para o novo –

pois aqueles que não apresentassem essa característica não teriam condições de

adaptar-se e/ou responder bem as demandas do programa.

Essa concepção de – adaptação e abertura para o novo –, que é parte da

filosofia do Programa “Escola Viva”, foi percebida também durante a fala de alguns

dos professores entrevistados, por exemplo, os entrevistados C e E, que por meio

de uma fala em que eles teciam suas considerações sobre a metodologia, em um

determinado momento eles também pontuaram que:

A metodologia ela existe e ela acontece. O dia a dia da prática da metodologia também funciona. Então eu vejo isso tudo de uma forma positiva. Mas o ponto principal para que tudo isso aconteça é que toda equipe tem uma mente aberta para entender e realmente praticar, viver a metodologia. Porque a metodologia ela só começa a funcionar a partir do momento que toda equipe começa a viver ela de verdade. Não adianta achar que vai funcionar vindo de baixo para cima ou da base para cima, não vamos falar d’baixo para cima que fica até ruim, mas da base para cima, e a

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nossa base é o aluno. Não adianta a gente querer achar que o aluno vai vestir a metodologia, que ele vai introduzir a metodologia da onde ele não vê, ele precisa ver os exemplos da metodologia sendo praticados. Eu acredito que seja isso. Para poder fazer funcionar, e realmente funciona, que é o que tá aqui no papel, a prática precisa ser realmente a transparência do que tá escrito, porque não adianta 2, 10, 15 trabalhar pra que isso aconteça e o restante não. Porque um que deixa de cumprir, ele estraga todo trabalho, é um que deixa de ter uma mente aberta, mas quer opinar da maneira que ele acredita que seja o certo, que estraga todo trabalho. E assim, é triste de ver. Porque assim, você vê que funciona, você vê que transforma, mas você não consegue vê no seu grupo uma dedicação total para que aquilo ali realmente aconteça. Basta um deslize para condenar tudo. É impressionante. (ENTREVISTADOC).

Na concepção do entrevistado E,

O Escola Viva conseguiu pensar nesses jovens de uma maneira diferenciada, no entanto ainda depende muito do posicionamento dos profissionais com relação a isso. Por que uma coisa é a teoria, outra coisa é a prática. Então não adianta nada eu falar muito bem da pedagogia da presença e na prática não conseguir chegar no meu aluno. Porque o que é a pedagogia da presença? Nada mais é do que o profissional estar presente na vida desse aluno. E muitas pessoas ainda tem isso de “Ah, eu não vou fazer isso porque é papel de pai e mãe”, “Ah, eu não vou fazer isso porque isso é o papel da família”, pode até ser papel da família, mas se ele passa nove horas do dia dele perto de mim então ele está longe da família, será que eu não posso me doar um pouquinho mais para ter um pouco mais de proximidade com esse aluno? É uma questão de estar aberto para essa mudança, então eu sinto que as vezes as pessoas não têm se esforçado tanto, ou não tão se adaptando, não sei, mas aqui o professor tem que ter uma postura diferente né? Então se a pessoa não se adaptar, dificilmente ela vai conseguir seguir junto com todo mundo, as vezes acontece de nem fica aqui (ETREVISTADO E).

Os excertos, apesar de compor um universo pequeno, são evidenciados com

a intenção de exemplificar uma visão que recorrentemente nos deparamos durante

as atividades que acompanhamos e nos planejamentos em que estivemos presente.

De acordo com Pires (1997) realizar o exercício educativo através desse viés

do “adaptar-se” pode resultar em uma forma de instrumentalização do trabalho

docente para a manutenção de um sistema que aliena os sujeitos de sua relação

com as forças produtivas que são vitais a sua existência. A autora coloca que a

educação não deve estar voltada para o mundo do trabalho como forma de

“responder às necessidades adaptativas, funcionais, de treinamento e domesticação

do trabalhador” (PIRES, 1997, p.91).

Desse modo, tencionamos algumas questões como os recursos para a

manutenção da política educacional e esse ideal do “professor aberto ao novo” por

serem elementos emergiram durante a discussão e tem considerável relevância no

desenvolvimento do trabalho docente.

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No entanto, objetivamente, com relação as questões que envolvem as

inovações metodológicas, consideramos nesse trabalho, que essas, em sua

finalidade última, acabam por funcionar mais como instrumentos limitantes para o

desenvolvimento do trabalho autônomo dos professores, visto que são os planos de

ação, os guias de aprendizagem e as sequencias didáticas, que são as principais

propostas de inovação desse campo, elaboradas pelo ICE, implementadas pela

SEDU e monitoradas, através da estrutura de gestão, pelos próprios professores da

equipe gestora. E ainda contamos com a agenda semanal, que funciona como um

mecanismo para informar aos alunos do que está sendo desenvolvido em sala toda

semana, mas, também, informar ao gestor, ao PCA e a Coordenadora Pedagógica.

Quanto a visão dos professores acerca das inovações, essas se mostraram

distantes do que são de fato a proposta do programa no campo do método. Os

professores responderam apresentando inovações pertencentes a outras searas.

A última ponta desse conjunto de ações inovadoras é o campo da gestão.

Nesse em questão, ao contrário do campo do método, as respostas foram bastante

objetivas e assertivas quanto ao que traz a proposta do programa relacionado a

estrutura e ao seu modo de organização institucional nos documentos.

De Acordo com o PDI (2018) da escola “Aristeu Aguiar”, após ser

transformada em Centro Estadual de Ensino Médio em Tempo Integral, a gestão

escolar passou a ser administrada por uma equipe gestora que consiste em Diretor/a

(1), Coordenador/a Administrativo/a e Financeiro/a (1), Coordenador/a Pedagógico/a

(1), Coordenador/a de Secretaria e Pedagogo/a (1), devido ao fato da escola atender

ao 9º ano do Ensino Fundamental (1).

Nesse sentindo, como já havíamos dito, os entrevistados demonstraram

conhecimento e compreensão acerca de como está organizada a gestão, o que

consideramos normal, visto que ser trata de uma estrutura na qual os professores

vivem a relação com essa equipe gestora no cotidiano da escola e respondem

hierarquicamente a ela. Sendo assim, demos prioridade em pontuar outros

elementos que são evocados nas falas dos sujeitos e que produzem importantes

discussões para esse trabalho.

Desse modo, nos excertos dos entrevistados (as) A, C, E e B ao serem

perguntados quais eram, em suas concepções, as mudanças no campo da gestão,

responderam que:

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Então, o que a gente via em uma comparação de antes do Escola Viva, antes o gestor (diretor) era aquele que ficava cuidando da parte burocrática, das reuniões, hoje não, hoje o gestor está junto com grupo de alunos e com os professores, ele está presente. Nós temos a equipe gestora que não é só o diretor, é o diretor, coordenador pedagógico, tem a menina do financeiro e tem a secretaria. (ENTREVISTADA A). Então, em relação a isso acho que o contato é um dos pontos principais. Porque na escola parcial eu não sei se é por conta de carga horária diferente né, aqui a gente tem uma equipe gestora. Na escola parcial o único gestor é o diretor, ou a diretora. Aqui na escola viva a gestão é uma equipe, não é só o diretor, é o diretor, é a coordenadora pedagógica, a coordenadora do financeiro e a coordenadora da secretaria, que forma uma equipe gestora. Então mesmo que você não consiga falar com o diretor em questão você consegue falar com a coordenadora pedagógica, você resolve com a coordenadora de secretaria e sempre tem alguém para te dar um auxílio. (ENTREVISTADO C). Basicamente a gestão não é centrada em uma pessoa. Não existe aquela soberania do diretor, o diretor trabalha com uma equipe, que é composta pelo diretor, pela coordenadora pedagogica, pela coordenadora financeira, que a gente chama de CAF, e pela coordenadora da secretaria. Então são essas quatro pessoas, e como a gente tem o nono ano do ensino fundamental nós temos também direito a um pedagogo, então nós somos cinco pessoas que participam da gestão da escola. É a gestão democrática centrada, ou descentralizada, em cinco pessoas, basicamente isso (ENTREVISTADO E). A participação. No campo da gestão a questão da participação não só para o professor, então a gestão ela passa a ser mais participativa, você passa a opinar naquele processo que você está inserido. Eu acho que a questão da gestão democrática, a participação passa a ser não só dos professores, mas passa a ser todo mundo responsável aqui dentro da escola (ENTREVISTADO B).

As respostas enunciam uma forte alusão as palavras: gestão democrática,

participação e auxilio pedagógico. Os entrevistados atribuíram a existência desses

elementos ao fato de que há na escola uma gestão descentralizada, ou, conforme o

entrevistado E aponta, uma “gestãodemocrática centrada, ou descentralizada, em

cinco pessoas”.

Sobre a organização da gestão o PDI ainda traz que:

Ao lado do protagonismo, da formação continuada, da excelência em gestão e da replicabilidade, a corresponsabilidade é uma das premissas da Escola Viva quando busca a crescente participação dos pais e apoio de parceiros nos projetos da escola, ratificando assim, a relevância que o tema gestão democrática assume na agenda dessa instituição. Isso se fundamenta no princípio de que a eficácia desse modelo requer a ampliação e a consolidação dos espaços de participação da comunidade, visando assegurar que a missão, a visão e objetivos estabelecidos e acordados sejam cumpridos e alcançados. Nesse sentido elimina-se toda prática de gestão com características centralizadoras, que dificulta a distribuição de poder entre os diferentes segmentos da escola, edificando novas práticas democráticas com características duradouras, tendo como eixo central a participação efetiva nos espaços de planejamento, execução, avaliação e decisão. Sendo o Conselho de Escola a expressão máxima da corresponsabilidade, a sua implementação assegura o espaço de

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descentralização do poder, de autonomia e de participação qualitativa dos agentes da comunidade escolar e demais setores, formulando diretrizes e definindo, de modo consensual, objetivos e prioridades. (PLANO DE DESENVOLVIENTO INSTITUCIONAL, 2018, p. 171).

Sendo o Programa “Escola Viva” um modelo educacional elaborado por uma

instituição pertencente ao setor privado, supõe-se, com base no que já

apresentamos até aqui, que a lógica que concebe o modelo de gestão do programa

se distancia do caminho que a literatura aponta para o que seria uma gestão

democrática (OLIVEIRA, 1997; PERTELE, 2016; DOURADO, 2007; JÚNIOR, 2013).

Dito isso, é necessário buscar compreender a qual possível concepção se refere

essa ideia de gestão democrática e/ou descentralizada que traz a proposta do

Programa.

Segundo Júnior (2013), as políticas educacionais do Estado do Espírito Santo

que foram enviesadas pelos setores privados desde 2006, em especial as que

fazem parte do Plano de Desenvolvimento ES – 2025, possuem intrínseco aos seus

princípios a prioridade da formação para a inserção produtiva. Essa concepção, que

parte de um viés econômico e presume uma ação “pragmática e eficiente, é

demonstrada na exaltação da técnica e na noção de privatizar por dentro, ou seja,

na visão de transformar o setor público imagem e semelhança com o privado”

(JÚNIOR, 2013, p.83).

O autor esclarece que essas políticas educacionais necessitam dos sujeitos,

em especial os professores, para sua execução, e desse modo tendem a fazer

adesão de um discurso promovido a partir de um senso de participação que, na

materialidade do processo, acaba por se configurar apenas no repasse de

responsabilidade de execução das medidas que já estão postas. Júnior, ainda

coloca que essas políticas são marcadamente caracterizadas pelo:

Aumento da carga horária de trabalho escolar, a falta de gestão democrática, a defesa do discurso da técnica, manutenção de conselhos escolares sob a ótica administrativa, a descentralização de precedência gerencial sob as demandas pedagógicas, enfim, de subordinaçãoda educação aos interesses vigentes do capital, sob a bandeira da qualidade e da eficácia (JÚNIOR, 2013, p. 141).

Além de características que estão notoriamente presentes no arranjo do

programa tais como, a relação com o setor privado-empresarial, o discurso da

qualidade e da eficácia, o aumento da carga horária, a idealização de

descentralização e o conselho como forte agente das deliberações da instituição, a

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escola “Aristeu Aguiar” também estabelece em seu PDI as relações com o Plano de

Desenvolvimento ES – 202537.

No espaço destinado a anunciar qual visão que escola deverá ter para

alcançar os objetivos a serem perseguidos, é determinado que:

Visão: Ser uma escola de ensino fundamental e médio de tempo integral em turno único, que contribua para que o estado do Espírito Santo seja, até 2025, referência de educação pública integral de excelência no cenário nacional(PLANO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL, 2018, p. 89).

A correlação com o Plano de Desenvolvimento ES – 2025 e a sua formatação

realizada pelo setor privado-empresarial, figuram o Programa “Escola Viva” como

parte de uma política educacional cuja a gestão é desenvolvida a partir de princípios

gerenciais, que visam o trabalho dos sujeitos como algo pragmático e os conselhos

escolares, junto as demais demandas da escola, como sendo funcionais e

burocráticos.

Desse modo, a democracia e participação inerente a um modelo de gestão

que seja de fato democrática, como acreditam os entrevistados haver na escola

“Aristeu Aguiar”, é “incompatível com o desenvolvimento gerencial, eficiente,

pragmático” (JÚNIOR, 2013, p. 86). A gestão democrática está para além da ideia

de delegação de tarefas para um grupo maior de sujeitos, esse tipo de

“descentralização” pode ser entendia como um processo de transferência de

encargos (OLIVEIRA, 1997).

Nesse sentindo, os excertos dos entrevistados D e F mostram uma

perspectiva diferente dos excertos apresentados acima, nesses, os entrevistados

apontam questões como a metodologia amarrada do programa que acaba se

tornando um limitante na autonomia do seu fazer pedagógico. Em suas falas os

entrevistados argumentam que:

O primeiro desafio... eu acho que a primeira intenção que o diretor tentou colocar em prática é a horizontalização da gestão, trazer mais os professores, trazer mais os alunos. E aí é uma coisa que é meio chata de falar, professores não estão preparados para gestão, para gestão horizontal. E os alunos também não estão preparados. Os alunos confundem protagonismo com a inversão da verticalização do ensino. O que

37É relevante registrar que o Plano de Desenvolvimento ES – 2025 em nenhum momento tem em seu

texto mencionado ou previsto a gestão democrática. Ao tratar de gestão, o que o documento estabelece é a adoção de novos métodos de gestão para “aumentar a capacidade de produzir e avaliar resultados, além de fortalecer a autonomia escolar e sua integração com a sociedade’. É posto também no seu Escopo que deverá se buscar a “implantação de contratos de gestão nas escolas de educação básica com autonomia e responsabilização gerencial, [...] introdução de incentivos aos docentes que levem em conta os resultados da aprendizagem dos alunos, formação de gestores escolares com foco na capacitação gerencial de diretores de escolas” (ESPÍRITO SANTO, 2006, p.91).

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eu vou falar para você pode parecer meio contraditório, embora eu tenha na metodologia uma necessidade maior de participar da gestão, aqui eu tenho menos autonomia. Aqui já veio uma metodologia bem amarrada, que essa metodologia se por um lado ela indica o caminho, por outro ela me limita esse caminho. Quando, olha, eu quero desenvolver esse trabalho, mas qual o amparo que você encontra dentro do modelo pedagógico da escola viva? A escola parcial, embora com todas as suas limitações, embora como uma base curricular defasada, projeto pedagógico defasado, ela te permite essa maior autonomia. Aí há o problema também na escola parcial, é que nela, essa autonomia, por vezes ela pode descambar para libertinagem. E aí o professor excessivamente autônomo, ele pode tomar algumas direções que não são benéficas a prática pedagógica, não só dele como da instituição como um todo (ENTREVISTADO D). Eu não vou falar muito sobre isso não por quê eu não tive muitos diretores. Agora quanto a organização da gestão, de inovador tem os PCA's, os PCA's por exemplo eu acho que já tem até na escola parcial. Quanta a ser descentralizado, a gestão é descentralizado e não é também ao mesmo tempo. A gente vai ter a parte da equipe gestora que vai ser o CAFI, a coordenadora pedagógica, a coordenadora da secretaria e o diretor, essa é a parte da equipe gestora da escola, na falta de um tem que estar o outro para tomar as decisões. Mas no final, ainda quem continua sendo o último a assinar e botar em lei, mesmo sendo discutido antes, é o diretor. Mas no caso, na minha opinião pessoal, essas estruturas ainda não estão se articulando, não estão funcionando. Por exemplo, vamos pensar numa estrutura onde tem um monte de engrenagem, ainda tá faltando encaixar as engrenagens para que aquela estrutura funcione corretamente, é igual aqueles carros quando está passando a marcha ele e a engrenagem tá mascando ainda (ENTREVISTADO F).

Portanto, considerando a realidade apresentada, em vista do que foi possível

compreender até o momento acerca do modo como se configura esse programa,

acreditamos ser possível fazer o seguinte apontamento: ao denotarem as relações

de desalinho com o que de fato figura uma gestão democrática, ao apontarem as

limitações e problematizarem questões organizacionais, reconhecendo que “quanta

a ser descentralizado, a gestão é descentralizada e não é também ao mesmo

tempo”, os entrevistados evidenciam o movimento da dialética no processo que

tange a materialidade do programa na escola. O que significa dizer, que mesmo que

haja, e acreditamos nessa hipótese, uma estrutura que orienta o trabalho de modo a

limitá-lo, ela não é determinista, pois na dinâmica da realidade surgem as

contradições.

E, ao fazerem esse movimento, os professores reforçam nossa ideia inicial de

que, a gestão, estandardizada sob o termo da descentralização, funciona em um

sistema que não altera estruturalmente os princípios de gestão centralizada, porém,

agora, delega a mais sujeitos, que ainda respondem uns aos outros em uma

hierarquização vertical, a tarefa fiscalizadora de monitorar a efetivação da

metodologia.

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Um outro fator que nos chamou a reflexão, e que também se evidencia nas

entrevistas, é esse processo de aumento de tarefas e demandas burocráticas, algo

que se faz muito presente no cotidiano da escola. Percebido por nós durante o

acompanhamento dos planejamentos, essa realidade se mostra também por meio

das falas da entrevistada I,

Olha, eu entrei a pouco tempo, então não tenho como falar muito da gestão. O que eu percebo na gestão é está muito sobrecarregado. Eu falo pelo o que eu vejo, porque aqui são quatro gestores né, um principal que é o diretor, ai vem o gestor ali da secretaria, o gestor administrativo e o gestor pedagogico, é um négocio assim, um gestor principal e os outros que acompanham. É porque eu esqueci o nome, mas é isso mesmo. Eu sei que o diretor é gestor principal e os outros acompanham. A parte pedagogica são duas, as meninas estão sempre na correria, sempre suadas, com os cabelos pra cima, elas fazem o trabalho delas, mas muitas vezes, não que elas deixem de fazer, ou deixem acumular, ou de atender, mas a gente vê que elas estão sobre carregadas. Faz, mas não tem folga. A palavra certa que eu vejo é essa, elas não estão tendo alivio, não estão tendo folga, estão sempre na correria (ENTREVISTADA I).

Como já apontamos em outros momentos, durante o processo de observação

notou-se que eram consideravelmente expressivos o aumento das obrigações das

quais são incumbidos os professores e a Coordenadora Pedagógica. Além das

obrigações que fazem parte da realidade de qualquer escola, os professores ainda

precisam lidar com uma sobrecarga de demandas que compõe a parte diversificada

e a nova organização da escola, como por exemplo, a apresentação de agendas e

atividades todas as semanas, além do que já é realizado no planejamento, pautas

eletrônicas, e as tutorias, que responsabilizam os professores por toda vida

acadêmica do estudante na escola.

Esse aumento das demandas é um forte limitante no próprio processo de

planejamento e formação dos professores, visto que é no planejamento coletivo que

reserva-se o espaço para que os docentes possam construir juntos os planos de

aula. Enquanto estivemos presentes, o que demos condições de observar foi a

realização apenas de questões burocráticas que tomavam em boa medida o tempo

de planejar e construir coletivamente e reflexivamente as aulas a serem dadas. Os

professores eram também constantemente cobrados pela/o PCA e Coordenador

Pedagógico de estarem em dia com essas burocracias.

Considerando-se os pontos apresentados pode-se inferir que a gestão do

Programa “Escola Viva” promove uma organização descentralizada, o que não

necessariamente confere a ela um caráter de gestão democrática, visto que essa

descentralização ocorre dentro de um modelo estruturado e fechado, em que

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prevalece ainda um sistema vertical e que está implicitamente ligado a uma

configuração gerencial. Os professores, tendo um expressivo aumento de

atribuições e pouco espaço para construir seus processos formativos, veem, em um

número maior, esse modelo de gestão como democrático e participativo. Entretanto,

como notabilizado, há exceções por parte de alguns professores quanto a essa

perspectiva, o que corrobora na ideia de que o movimento da realidade produz suas

contradições dialéticas.

Desse modo, entendemos que o cenário apresentado no primeiro eixo, em

que foram identificadas as concepções do Programa “Escola Viva” como parte da

agenda do setor privado que, na busca pela formação de Capital Humano, coloca a

educação a bel-prazer dos interesses do mercado, aprofundando as fragilidades

históricas dessa etapa do ensino e apropriando-se da legitimidade da sua

necessidade de reformas, encontraram subsidio e estrutura para se consolidar

nesse programa a partir dos mecanismos criados por essas tais inovações no

campo do conteúdo, método e gestão.

Compreendemos que, no campo dos conteúdos, em que os professores

apresentaram que essencialmente em seu caráter não houveram mudanças, mas

que essas, se fazem no aprofundamento dos conhecimentos através dos estudos

orientados e da disponibilidade de tempo a mais na escola, o que consideramos que

o programa tem na verdade promovido, é a institucionalização de um

direcionamento, através do currículo da parte diversificada, para se trabalhar com os

conhecimentos relacionados a avaliações externas que, muito claramente, pautam a

busca por resultados que garantam o discurso de êxito do programa, além de uma

outra face do currículo que institucionaliza para o trabalho docente o papel de cuidar

de maneira socioemocional dos estudantes, o que na intenção dos interesses

representados pelo Escola Viva, em nada tem a ver com a preocupação das

urgências e necessidades emocionais dos sujeitos, mas sim, com a

descaracterização do papel do professor, da escola e dos saberes que habitam

nesse espaço.

No campo da metodologia, os professores indicaram por meio de suas falas

desconhecerem o que de fato se constitui como instrumento metodológico dentro da

escola. Entendemos que, as inovações metodológicas tratam-se na verdade de um

conjunto de ferramentas, já estruturalmente elaboradas, que norteiam de forma

limitante a prática docente. Esse distanciamento da compreensão do que são essas

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metodologias é prejudicial ao trabalho docente, visto que são elas que balizam suas

ações, entretanto, é extremamente vantajoso para manutenção de um mecanismo

que tem como intenção última instrumentalizar esse trabalho e, pela via da

educação, promover a formação de Capital Humano em acordo com as concepções

capitalistas.

O desenho de gestão pensando para essa política se configura como forma

de garantir que a escola cumpra essa missão. Como aponta o PPP, “para isso,

assegurar que a escola cumpra sua missão é a tarefa mais complexa da gestão

escolar” (ESCOLA VIVA, 2015, p.34). Ao propor um modelo de organização

descentralizado, aparentemente, a gestão se apresenta na visão da maioria dos

professores como sendo democrática e participativa. Mas, nesse trabalho

consideramos que, atuar em uma realidade dada não significa construí-la. E

considerando o caráter gerencial que está conferido ao programa, essa

descentralização se caracteriza como uma forma de delegar aos sujeitos o papel de

fiscalização, tendo em vista como principal missão a busca de resultados e a

garantia da efetivação da metodologia planejada pelo ICE.

Em conformidade com isso, concluímos as análises e discussões desses

eixos identificando que a visão dos professores acerca do Programa Escola

Vivacarrega marcas que se colocam como positivas, mas, a materialidade da prática

e do desenvolvimento do trabalho docente, e inclusive a tessitura legal, teórica e

empírica a qual está submerso o programa, são contraditórias a essa visão otimista

apresentada por alguns dos professores.

Pontuamos que são alguns professores pois, em primeiro lugar, em nosso

próprio universo de entrevistados, houveram professores que mostraram

posicionamentos críticos ao programa, reconhecendo a influência exercida pelo

modelo pedagógico, as limitações advindas da organização da gestão e as relações

legais que são estruturantes do “Escola Viva” enquanto política educacional. Essas

colocações partiram em maior frequência dos entrevistados D, F e H. Acreditamos

que a trajetória profissional e formativa desses sujeitos tenha contribuído para esse

resultado, visto que os mesmos passaram pela formação continuada e já haviam

atuado anteriormente em outras escolas que aderiram ao programa.

Escolhemos reservar para esse momento do trabalho uma das anotações do

diário de campo em que citava um dos episódios mais marcantes que vivenciamos

durante nossa estada na escola, e que foi de fundamental importância para

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entendermos a relação dos professores com esse programa para além do universo

de entrevistados e das abstrações realizadas a partir do referencial teórico.

Enquanto acompanhávamos a Reunião Geral, um dos professores solicitou a leitura

do seguinte excerto:

A referência para a concepção do TGE encontra sua inspiração na mensagem educativa de Norberto Odebrecht, empreendedor e fundador da organização Odebrecht. A abordagem humanista dessa mensagem foi fator decisivo para a sua concepção por tratar-se de uma filosofia de vida fundamentada no trabalho. Complementada e sustentada pela dimensão educacional (ICE, 2015, p.10).

Ao terminar de ler esse trecho que faz parte do livro que estava sendo usado

para (in)formação dos professores, o docente problematizou indagando aos demais

presentes o quão estranho era o fato deles estarem trabalhando em cima da filosofia

de vida de uma pessoa cuja relação com a educação é tão estreita, para não se

dizer nula. O professor questiona o fato da metodologia da escola ser “inspirada” na

vida de um empresário, e conclui, dizendo que não deveria ser esse o parâmetro

para a orientação do trabalho deles (professores). Nas palavras do professor, é dito

que:

- Esse cara, esse tal de Norberto, a gente não pode pensar a educação desses meninos e meninas baseado na filosofia de vida de um cara que é do meio empresarial, ainda mais sendo a empresa que é. Vê, aonde já se viu, isso não está certo, nosso trabalho não pode ser orientado em cima disso. Então acho que a gente tem que refletir isso aí (Reunião Geral, 2019).

Por meio da realização dessa fala, o professor evidencia que, para além do

que se formulam as políticas, o trabalho docente que surge no chão da escola e na

dinâmica da realidade e do que traz cada sujeito a partir de sua trajetória pode, sem

dúvidas, alterar os resultados finais esperados.

Para além do nosso universo de entrevistados, durante a estada na escola,

no acompanhamento dos planejamentos coletivos e das atividades, tivemos

condições de observar que os professores, ainda que dentro de estruturas

limitantes, veem nas possibilidades que o programa traz, como as condições

materiais para a realização do trabalho, a oportunidade de fazer da sua prática algo

diferente, ou seja, inovador.

Sendo assim, tecer considerações acerca do modo como vem se realizado o

trabalho docente a partir das propostas de organização e funcionamento do

Programa “Escola Viva” é uma tarefa delicada pois, além de uma dinâmica da

realidade que foge aos determinismos, a ideia de mudança que exerce o programa

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tem de fato gerado nos professores um espirito do “querer mudar”, “querer fazer

diferente”, e os docentes, muito claramente, tem se dedicado a isso. O que significa

dizer, que há muita potência na vontade de superar os desafios e fragilidades da

educação pública, e que a ideia do novo, ainda que esse programa não apresente

nenhuma real inovação, evoca e imprimi nos professores a confiança e a esperança

de melhorias na educação.

Entretanto, ainda que em meio a boa vontade e a boa gente, não há como

negar a existência de uma estrutura que influência e delimita o desenvolvimento do

trabalho desses professores, seja em maior ou menor medida. Ainda que essa

pesquisa se configure como um recorte, seja do universo de docentes que atuam na

escola “Aristeu Aguiar”, ou da própria política educacional em si, os princípios

metodológicos com os quais buscamos construir essa investigação, a historicidade,

o materialismo histórico, a totalidade e o movimento de contradição, que norteou o

processo de interpretação, análise e discussões que foram realizadas, nos dá

condições de responder ao nosso objetivo principal e inferir quais tem sido as

implicações desse novo modelo de organização e funcionamento para o

desenvolvimento do trabalho docente a partir das perspectivas apresentadas pelos

professores da escola “Aristeu Aguiar”.

Por fim, entendemos que esse novo modelo de organização e funcionamento

implementado pelo Programa “Escola Viva” tem como significado para o

desenvolvimento do trabalho docente a sua instrumentalização, realizado a partir de

um modelo pedagógico e metodológico cheio de restrições que, planejado pelo setor

privado, reflete não só a sua mecânica como, principalmente, os seus interesses. A

partir da instituição das pedagogias do “aprender a aprender”, da desvalorização dos

conhecimentos historicamente construídos em função da prioridade por resultados e

bom desempenho em avaliações externas e um dito desenvolvimento

socioemocional, junto a descaracterização do espaço escolar e do trabalho docente,

esse programa nega a autonomia e o papel desses professores no processo

formativo dos estudantes e instrumentaliza o exercício da prática docente para o

cumprimento das demandas do mundo gerencial, do emprego, do mercado e do

privado e, por consequência, nega aos alunos, e futuros trabalhadores, o direito a

uma formação integral e emancipada.

CONSIDERÇÕES FINAIS

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O presente trabalho ao problematizar o Programa “Escola Viva”,

implementado pelo Governo do Estado do Espírito Santo no ano de 2015, teve como

objetivo principal burcar compreender quais os significados desse novo modelo de

organização e funcionamento proposto pelo programa para o desenvolvimento do

trabalho docente e, consequentemente, para a formação dos jovens. Realizamos

essa investigação a partir da perspectiva dos professores da escola “Aristeu Aguiar”,

e buscamos entender a quais concepções está alinhado o programa; o que são as

ações inovadoras no campo do conteúdo, método e gestão que o programa propõe

trazer para promover a melhoria da educação capixaba; e qual a visão dos

professores acerca desse novo modelo de escola.

Sendo assim, estabelecemos que era necessário entender quais eram as

concepções que norteavam esse programa e a quem, ou o que, elas estavam

alinhadas, tendo em vista que as ações inovadoras, que foram planejadas e

pensadas por determinados interesses e concepções, é que seriam as ferramentas

com as quais os professores iriam desenvolver seu trabalho e, desse modo,

promover o processo formativo dos sujeitos.

Buscamos desenvolver a pesquisa à luz do materialismo histórico dialético

por entendermos que os fundamentos teóricos-metodológicos da epistemologia

marxiana e a concepção desse método para interpretar a realidade, a prática social

dos homens e o conjunto de fenômenos sociais e históricos, seria o que nos

aproximaria mais da condição real que se estabelece entre sujeito-objeto na

pesquisa.

Como presumido, os trabalhos de Marx (2010; 2003; 2009; 1984) junto aos

referenciais marxistas que foram utilizados, contribuíram efetivamente na forma

como norteamos a construção dos nossos capítulos, bem como o modo como

fizemos a abordagem, análise e discussão dos dados. Nesse sentido, conduzimos

esse processo entendendo que era necessário considerar os princípios da

historicidade e do materialismo que comportaram a construção do terceiro capítulo e

o movimento da contradição e totalidade como tessituras do quarto capítulo. Esse

processo foi fundamental, pois nos deu condições de entender que o nosso objeto, e

desse modo, os nossos sujeitos, se situam dentro de um contexto que é construido

historicamente, e determina as relações sociais estabelecidas, sobretudo, a partir do

modo de produção que tem aquela sociedade. Isso delimita não só as relações

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sociais mas, também, a maneira como devem ser pensadas as dimensões

formativas tanto sociais, quanto da educação escolar (MARX, 2010; FREIRE, 2000;

DURKHEIM, 2012; SAVIANI, 2012; DUARTE, 2012).

Os trabalhos de Pires (1997), Martins (2006) foram fundamentais no nosso

processo metodológico, pois nos deram condições de perceber que, para chegar o

mais próximo de entender um objeto, é necessário vê-lo primeiro sob a ótica em que

ele se apresenta, a sua aparência, o que se entende dele à primeira vista, para

depois passar pelas abstrações, ou seja, as relações que permeiam e o constiuem

para então entendê-lo de fato, como ele é, o objeto concreto.

No caso do ”Escola Viva”, o projeto se apresentava como um receituário

para tornar a educação pública capixaba mais interessante para os jovens,

promovendo uma formação autônoma, protagonista, com participação da

comunidade e com sujeitos capazes de pensarem e planejarem seus projetos de

vida e, além dos alunos, também promove o ideário da autonomia e participação da

gestão e dos professores na construção do processo formativo e da organização da

escola.

No Capítulo 1, nos preocupamos em apresentar a metodologia de modo mais

detalhado considerando que, para o desenvolvimento dessa pesquisa, além do rigor

metodológico intrínseco na realização de qualquer trabalho acadêmico, o

delineamento metodológico desse trabalho se deu a partir do método do

materialismo histórico dialético, o que significa dizer que toda a caracterização

metodológica foi definida e está alinhha com base no método proposto.

No capítulo 2 estabelecemos um referencial teórico-conceitual no qual

assumimos, a partir de três elementos, a concepção desse trabalho para

compreender a relação educação e trabalho, a educação para formação do ser

social, e a concepção de trabalho docente. Com esses três elementos tivemos

condição de entender que, na medida em que o desenvolvimento produtivo e o

advento da propriedade privada passavam a pautar a sociedade a divisão social do

trabalho, ia sendo constituído no mesmo processo a cisão da educação. Essa

cisãocomprometia a formação dos sujeitos, visto que essa, se identificava antes no

próprio trabalho (SAVIANI, 2007).

Nesse sentindo, compreendemos que é na formação omnilateral proposta

por Marx, articulada a categoria trabalho, que se realizava a educação integral capaz

de dar aos sujeitos condições para constituir um ser social emancipado, e esse

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conceito foi o que tomamos como fio condutor para pensar a formação dos sujeitos,

e, por consequência, o desenvolvimento do trabalho docente realizado a partir das

propostas do Programa “Escola Viva”. Esse elemento foi indispensável para que

pudéssemos ter um olhar mais atento e apurado para os sujeitos que fazem parte

desse trabalho, ou seja, alunos e professores.

Cuidamos para que no percurso de desenvolvimento do trabalho, nossa

percepção estivesse sempre atenta a ideia de “politicidade da educação” posta por

Freire (2000) tendo em vista que a educação pode formar tanto para intervir quanto

para servir, buscamos identificar nos processos a maneira como se caracterizava e

em qual contexto se configurava o Programa “Escola Viva”, observando se suas

concepções formativas se alinhavam mais a ideia de solidariedade orgânica e

autonomia pensadas por Durkheim (2012), em que a educação toma para si a

função de garantir a preservação da ordem social capitalista, do que de formar de

modo efetivo e emancipado os sujeitos, ou, se estava mais próximo a ideia pensado

por Marx (2010) de uma educação na dimensão do ser criativo, em que o indivíduo

se vê capaz de mobilizar para si suas habilidades e recursos para interferir no

processo de produção da realidade.

Estabelecido o modo como o Programa “Escola Viva” se apresentava, deu-se

então o momento de passar pelas abstrações para compreender as relações que

permeavam o programa. A partir do nosso referencial metodológico,

compreendemos que a construção do capítulo 3 e parte do capítulo 4 deveriam

considerar em sua construção a historicidade e a materialidade que figurava o

objeto. Sendo assim, buscamos entender a construção histórica do ensino médio e

da educação em tempo integral, e como vem sendo realizada a oferta e

financiamento da educação básica, bem como a garantia do acesso a ela na letra da

lei.

No Capítulo 3, ao buscar entender como a educação vem sendo assegurada

pelos meios legais, como se apresentam os indicadores educacionais, quais

recursos disponibilizados para que essa educação possa ser ofertada com

qualidade, nos aproximamos de uma compreensão maior quanto ao papel que

cumpri um projeto político de governo, e o que esperar, por exemplo, de um projeto

de sociedade assentada no neoliberalismo, e junto a isso, o que esperar do projeto

de educação pensado por esses setores.

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Desse modo, os elementos históricos que foram se apresentando ao longo

texto, desde a Reforma Capanema até a Reforma Mendonça Filho (Reforma do

Ensino Médio), contribuíram para que fosse sendo construídas (e descontruídas)

muitas concepções acerca dessa etapa da educação básica, me mostrando que o

ensino médio, com todas as suas contradições, dualismo e um complexo sentido do

seu princípio formativo, é sempre um campo de disputa entre as forças políticas,

disputa essa que tem sido vitoriosa para os setores mais conservadores, que

pautam desde a redemocratização um sistema educacional subordinado a

organismos internacionais, com uma formação de Capital Humano direcionada a

suprir as demandas do mercado e com muitas fragilidades nas conquistas mais

progressistas que promove.

E ainda que sob uma nova caracterização legal, visto que a Constituição de

1988 garante uma educação com princípios de uma formação integral, gratuita e

universal, na materialidade essa garantia não tem encontrado condições de ser

assegurada, sendo comprometida por reformismos e cortes orçamentários como a

Reforma do Ensino Médio, a nova Base Nacional Comum Curricular e a EC nº 95,

todas em interface com o Programa “Escola Viva”.

No Capítulo 4, percebemos que a gestão de Paulo Hartung se apropriou de

instrumentos eficazes como forma de pavimentar as estratégias de implementação

do seu projeto de educação tecnocrático e antidemocrático. O Plano de

Desenvolvimento Espírito Santo – 2025 foi um dos principais agentes desse

processo. Há aspectos que estão presentes no Plano 2025 e que, historicamente,

impregnam as políticas educacionais como o deslocamento de prioridades, que

nesse caso se da com a relação público e privado e a responsabilização do aluno e

professor quando a êxito formativo, a descentralização também como forma de

repasse de responsabilidade aos sujeitos, o discurso da qualidade de ensino a partir

dos índices, a reorganização desconsiderando os interesses da comunidade escolar

e da realidade local o que promove o abandono da democratização do acesso e

permanência na escola, não conseguindo incluir todos os jovens efetivamente, e a

flexibilização do currículo como forma de atacar os conteúdos atribuíndo a eles o

desinteresse dos jovens na escola. Todas essas nuances de fazem presentes na

trajetória do Programa “Escola Viva”, bem como na concepção que orientou a

formatação do projeto, ou seja, suas propostas de “inovação” no campo do

conteúdo, método e gestão.

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Desse modo, depois de passarmos por essas abstrações, chegamos mais

perto de entender o que é o “Escola Viva” na sua totalidade, e não só na sua

aparência. Sem a compreensão desses fatores não seria possível identificar as

nuances que o Programa Escola Viva apresenta. Tampouco construir um

pensamento analítico que caminhasse junto ao meu referencial metodológico.

Conhecer o universo do ensino médio, da educação (em tempo) integral possibilitou

que eu me aproximasse mais do meu objeto de estudo, o que nos leva ao terceiro

elemento dessa metodologia que é o objeto concreto.

Compreendermos que, dentro do contexto em que se insere, o programa se

alinha a lógica da cartilha gerencialista do setor privado, que promove uma formação

de Capital Humano, declaradamente, voltada para o desenvolvimento econômico do

estado. O que nos levou a buscar compreender como isso era viabilizado através do

programa (e de suas “inovações”) e como os professores compreendiam isso no seu

próprio trabalho.

No campo do conteúdo, identificou-se que há uma institucionalização de duas

dimensões para serem desenvolvidos os conhecimentos: a primeira é uma que

estabelece que esses conteúdos sejam trabalhados voltados para as provas de

avaliações externas, o que promove um curriculo que não é pensado para abordar

os conhecimentos necessários para uma formação emancipada, mas sim para que

as metas dos índices educacionais sejam alcançadas garantindo o bons resultados

e por consequencia a efetivação do discurso de qualidade. Junto a isso, ainda tem

uma segunda dimensão do currículo que empobrece drasticamente a relação da

escola como (re)produtora do conhecimento, os saberes a serem aprendidos nesse

espaço e o papel do professor como mediador desse conhecimento, essa dimensão

é a socioemocional, que passa a ser colocada na dinâmica da escola como tão

importante ou mais que ao desenvolvimento cognitivo.

A ideia de uma educação que pense a formação a partir da responsabilidade

pessoal com os estudos orientados, protagonismo e Projeto de Vida e com o ideial

de trabalhar o espírito de cooperação como é colocado no Projeto Político

Pedagógico, ou senão com base na “solidariedade e a força para agir” (ESCOLA

VIVA, 2015, p.23) como traz Antônio Carlos Gomes da Costa, o idealizador da

pedagogia da presença que fundamenta os princípios da programa e do Projeto de

Vida junto a educação para o século XXI, tem se materalizado na dinâmica da

escola de modo a promover uma formação em que os sujeitos se veem

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protagonistas, mas escolhe entre o que já estava escolhido, e como agravante, tem

sua formação acadêmica constantemente interferida por uma dita formação

socioemocional na qual os profissionais da educação nem ser que possuem

condições formativas de realizarem.

A institucionalização dessas duas dimensões para o currículo, nos faz

retornar a ideia trazida por Cury (2002) e Vieira (2007) que tornar algo legal

evidencia sobretudo os interesses e desejos expressos e grau de importância do

que esta sendo legalizado. No caso do Programa “Escola Viva”, os interesses que

vemos expressos são o de ofertar uma educação em que os sujeitos estejam

habituados a atingir metas e resultados, que tenham desenvolvido as habilidades e

competências para se tornarem trabalhadores capazes de se adaptarem, fazerem

boas escolhas dentro das propostas existentes, e que tenham espírito de

cooperação. O grau de importância do socioemocional sobre o cognitivo é um

reflexo de educação pensada para funcionar como uma empresa, ou, como

manifestou Marcos Magalhães no Painel sobre Educação, para formar sujeitos que

aprendam a empreender.

No campo do método, as ferramentas metodológicas que já chegam na

escola prontas apenas para serem executadas também revela o modo como vem

sendo pensado o trabalho docente, os professores, que identificam seu trabalho

como sendo parte de uma processo novo, diferente e mais participativo, tem a

elaboração de suas aulas já estabelecidas em modelos de planos de ação e guias

de aprendizagem que amarram o trabalho dos mesmos e conta com a gestão na

garantia de efetivação da sua implementação, que descentralizada, monitoriada o

trabalho docente a partir de uma equipe, que além de um grande aumento de tarefas

burocráticas, tem a resposabilidade de fazer serem cumpridos materiais

orientadores.

Enquanto analisavamos esse conjunto de ações no campo do conteúdo,

método e gestão promovido pelo Programa “Escola Viva”, iamos nos dando conta do

quanto se assemelhavam a ideias postuladas por Durkheim (2012) acerca da

autonomia e da solidariedade orgânica e as de Marx (2010) ao tratar do indivíduo na

dimensão participativa que, em um processo onde os sujeitos compreendem que se

integrar (adaptar-se ou abrir-se para o novo) sem de fato interferir naquele meio é

naturalizado como sendo também parte da autonomia do ser.

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Duarte (2000, 2001) também era recorrentemente considerado no processo

analítico para pensarmos o papel do professor, da escola e desse conjunto de

pedagogias do “aprender a aprender”, como refere-se o autor, que 4 anos antes da

efetivação da primeira experiências de escola (em tempo) integral promovida pelo

ICE, já apontava os riscos dessa ideologização da escola como tábua de salvação

para todos os problemas sociais, o que distorcia a função da escola e

desresponsabiliza os outros setores da sociedade que produzem as desigualdades

sociais, a ideia do “professor reflexivo” que se torna adjeto na realização do seu

trabalho com uma concepção de que aluno que aprende bem é o aluno que aprende

sozinho, da seletividade dos saberes a serem aprendidos, todos elementos que

compõe o universo do Programa “Escola Viva”, e que o autor já evidenciava que

seriam os modelos pedagógicos “novidadeiros” planejados e implemntados pelo

sistema capitalista em processo de reconfiguração do mesmo.

Sendo assim, a partir da análise e discussão dos dados no capítulo 4,

entendemos que o modo como estão postos e pensados os conteúdos, a

metodologia e a gestão do Programa “Escola Viva”, tem produzido uma

instrumentalização do trabalho docente com um “novo modelo pedagógico” que

consolida o projeto tecnocrático do governo Paulo Hartung, que buscou representar

os interesses de grupos empresariais, diluindo nos princípios formativos da escola

as concepções de produção do “capital humano” que tenham como serventia suprir

as demandas desses setores. Nesse caso, voltando a ideia de “politicidade da

educação” Freire (2000), uma educação pra sevir, e não para intervir.

É importante assinalar que, esse trabalho não abrande todas as dimensões

da educação, do trabalho docente, nem mesmo do programa, visto que é um estudo

de caso e nesse sentido trata-se de um recorte de todos esses elementos. No

entanto, ao identificarmos quais interesses vem pautando metodologicamente e

ideologicamente esse programa, podemos compreender em certa medida no que

está cimentado estruturalmente e formativamente as suas propostas e em virtude

disso, a partir do estudo de caso, buscar entender como tem refletido no trabalho

docente, objetivo no qual acreditamos termos cumprido.

Outro importante fator que precisa ser assinalado é quanto a conjuntura a

qual esse trabalho pertence, visto que nós realizamos esse estudo referente ao

modo como o programa está configurado dentro do governo Paulo Hartung. No ano

de 2019, Renato Casagrande se reelegeu para o cargo de governador do estado do

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Espírito Santo, apesar de ter tecido críticas ao governo de Paulo Hartung no

processo de implementação do “Escola Viva”, a nova gestão que está à frente da

administração pública do estado indicou até o momento que vai permanecer com o

programa e que a ideia é na verdade ampliá-lo.

De acordo com Casagrande em entrevista concedida a Gazeta Online38, a

proposta do governo para todos os setores, inclusive a educação, “é não interromper

nenhuma obra importante”, por isso o “Escola Viva” seria mantido, mas teria

algumas questões resvistas. O atual governador pontuou o fato de considerar que

esse modelo tem sido para poucos, e que era necessário um debate mais amplo

com a sociedade, o que não houve no seu processo de implementação em 2015. As

falas de Casagrande indicam um caminho de avanços no campo democrático, mas

só indicam, porque legalmente nada ainda foi alterado. É válido ressaltar que na

mudança de governo entre 2006 e 2007, em um contexto igual ao atual, teve a

transição da gestão de Paulo Hartung para a gestão de Casagrande, que como

evidenciamos no capítulo 3 desse trabalho, resultou na permanência quase integral

do Plano de Desenvolvimento Espírito Santo – 2025, que foi fundamental na

pavimentação do Programa “Escola Viva” em 2015 com as suas características

gerencialistas e coorporativistas.

A atual gestão ainda é recente, o que nos restringe a realizar comentários

acerca das possiveis permanências e rupturas, em vista disso uma dentre as duas

propostas que iremos fazer nesse trabalho é a de manter, a partir do Grupo de

Estudos de Políticas Educacionais da Região do Caparaó coordenado pelas Profª.

Drª. Raisa Maria de Arruda Martins e Profª. Drª. Marileide Gonçalves França, o

levantamento e monitoramento dos dados relacionados ao Programa “Escola Viva”,

tendo em vista continuar a busca por compreender como tem se dado o

desenvolvimento e funcionamento do programa.

38 As informações que se tem até o momento quanto as ações do governo na gestão Casagrande em

2019 acerca do programa “Escola Viva” são referentes a reportagens, nada em documentos legais ainda foi oficializado. Mas compreendemos que as reportagens também se configuram como dados empíricos relacionados ao objeto. Nesse sentido, indicamos a leitura do que tem sido falado na mídia pelo atual governador e o secretário de educação do estado, disponível em: https://www.gazetaonline.com.br/noticias/politica/eleicoes_2018/2018/08/casagrande--escola-viva-e-nome-do-marketing-1014142826.html acesso em: 25/07/2019. Disponível em: https://www.gazetaonline.com.br/cbn_vitoria/reportagens/2018/11/futuro-secretario-de-educacao-vai-manter-projeto-escola-viva-1014155984.html acesso em: 25/07/2019. Disponível em: https://g1.globo.com/es/espirito-santo/noticia/2018/11/16/escolas-viva-serao-ampliadas-diz-futuro-secretario-da-educacao-do-es.ghtml acesso em: 25/07/2019. Disponível em: http://eshoje.com.br/novo-secretario-estadual-da-educacao-quer-dialogo-aberto-com-a-oposicao/ acesso em: 25/07/2019.

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Uma segunda proposta, é ade realizarmos com os professores e professoras

da escola “Aristeu Aguiar” um seminário em que possamos tencionar alguns dos

princípios educativos e conceitos que orientam o modelo pedagógico e metodológico

tais como pedagogia da presença, quatro pilares da educação para o século XXI,

educação interdimensional (que abrange a tutoria) e o Projeto de Vida, com a

intenção de apresentar aos docentes uma outra perspectiva acerca desse elementos

além da que eles já possuem. Acreditamos que "a primeira condição para modificar

a realidade consiste em conhecê-la" (GALEANO, 2006, p. 34), nesse sentido,

conhecer a realidade em que se atua a partir de diferentes visões é uma importante

ferramenta para forma-se e formar o outro.

Essa compreensão parte sobretudo do meu próprio processo formativo

durante esse trabalho. Ainda na primeira versão desse texto eu havia escrito minhas

considerações quanto as mudanças que essa pesquisa causou em mim. Agora, no

término desse texto, mantenho minhas palavras, antes de iniciar essa pesquisa não

conhecia a dimensão dos problemas que o ensino médio enfrentava (e enfrenta) no

Brasil. Ao olhar para a realidade das escolas públicas em que estudei durante toda a

minha vida, me indignava a falta de estrutura, a desvalorização com os nossos

professores, o fato da grande maioria dos colegas que dividiam os bancos daquelas

salas de aula comigo ficarem pelo caminho, não porque queriam, mas porque são

duras as condições de permanecer. Na busca por mudanças, militei. Militei durante

toda a minha adolescência, e a ideia de que a mudança de um governo era capaz

de mudar toda essa estrutura cabia na narrativa de quem sonhava com uma escola

pública “pintada de povo”. Entretanto, hoje reconheço as engrenagens de um

sistema que tem traços muito mais profundos e complexos do que aqueles que se

apresentam na superfície de um quadro que se divide entre projetos de governo que

são aparentemente antagônicos. Digo que esse texto me modificou, a cada nova

leitura realizada, era um parágrafo que se alterava no texto e uma ideia que se

alterava no pensamento.

Por fim, consideramos que o Programa “Escola Viva”, alinhado a concepções

gerencialistas, cooporativistas e tecnocráticas, subordinado aos interesses

privados,tem, por meio de um conjunto de ferramentas no campo do conteúdo,

método e gestão, realizado a instrumentalização do trabalho docente objetivando a

fomação de Capital Humano, o que implica no afastamento dos professores de um

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desenvolvimento de modo emancipado do seu trabalho, e dos alunos de receberem

uma formação omnilateral para construção do seu ser social.

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desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao § 4º 192 do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI. Diário Oficial da União, Brasília, 12 de novembro de 2009. BRASIL. Leis, Decretos etc. Emenda Constitucional 14, de 12/9/96, publicada no Diário Oficial da União em 13/9/96. FERREIRA, Eliza Bartolozzi. A Contrarreforma do Ensino Médio no Contexto da Nova Ordem e Progresso. Educ. Soc., Campinas, v. 38, nº. 139, 2017

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APÊNDICE A

QUADRO 02 - PERFIL DOS ENTREVISTADOS

Entrevistados Formação acadêmica

Regime de atuação

Tempo de atuação na docência

Tempo de atuação no “Escola Viva”

Entrevistadx A Pós-graduação Lato Sensu na área

de atuação

Designação Temporária

(DT)

10 anos

2 anos

Entrevistadx B Pós-graduação

Lato Sensu na área

de atuação

Efetivo

25 anos

11 meses

Entrevistadx C Licenciatura Plena

na área de atuação

Designação

Temporária

(DT)

8 anos

5 meses

Entrevistadx D Mestrado

Acadêmico na área

de atuação

Efetivo

15 anos

2 anos

Entrevistadx E Pós-graduação

Lato Sensu na área

de atuação

Efetivo

17 anos

1 ano

Entrevistadx F Mestrado

Profissional na

área de atuação

Efetivo

3 anos

1 ano

Entrevistadx G Licenciatura Plena

na área de atuação

Designação

Temporária

(DT)

8 anos

1 ano

Entrevistadx H Mestrado

acadêmico na área

de atuação

Efetivo

8 anos

2 anos

Entrevistadx I Licenciatura Plena

na área de atuação

Efetivo

14 anos

1 ano

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Fonte: Elaborada pela autora

APÊNDICE B

ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

Aluna do Programa de Pós-graduação em Ensino, Educação Básica e

Formação de Professores: Bianca Gonçalves.

Prof. Orientador: Raisa Maria Arruda Martins (CCA-UFES)

Objetivo da pesquisa: Analisar os significados do modelo de organização e

funcionamento das escolas de ensino médio proposto pelo Programa Escola Viva

para a formação dos jovens. De acordo com Manzini (2003), existem várias funções

para a utilização de um roteiro para uma entrevista, mas uma de suas principais é a

de servir como ferramenta auxiliar do entrevistador para buscar informações sobre o

objeto de pesquisa. Dito isso, será realizado com os professores da escola estadual

Aristeu Aguiar, localizada no município de Alegre, uma entrevista com um roteiro

semi-estruturado com perguntas abertas e fechadas, com intuito de identificar a

visão dos professores acerca do Programa Escola Viva de maneira que seja

possível analisar como serão trabalhadas as ações inovadoras estabelecidas pelo

programa no campo do conteúdo, do método e da gestão. Desse modo, busca-se

responder de que forma o Programa Escola Viva pretende garantir melhorias na

oferta e qualidade do ensino público estadual? Quais são os impactos dessa política

para a formação dos jovens?

1 Dados de identificação

Entrevistado(a):

Nome:

Data e local de nascimento:

Data e local da entrevista:

Formação acadêmica:

Disciplina que ministra:

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Tempo de atuação na docência:

Email:

___________________________________________________________________

2 Questões da pesquisa

Educação em Tempo Integral e Escola em Tempo Integral:

2.1 O que você compreende por Educação em Tempo Integral?

2.2 Você acha que educação em Tempo Integral e Escola em Tempo Integral são

diferentes? Se sim, você poderia me explicar sua visão a respeito disso?

2.3 Como você acredita, dentro da realidade e possibilidade das escolas capixabas

nos dias atuais, que seria a melhor maneira de se pensar e implementar essa

mudança das escolas para turno único?

As mudanças no campo da educação no contexto nacional:

2.4 Você tem conhecimento das mudanças que ocorreram na educação em âmbito

nacional nos últimos anos, mudanças tais como a aprovação da Reforma do

Ensino Médio, do Plano Nacional de Educação e agora mais recentemente da

nova Base Nacional Comum Curricular? Qual a sua visão sobre essas

mudanças? Fale um pouco sobre cada uma delas.

2.5 Na sua visão quais são os impactos de tais mudanças para a educação pública?

2.6 Você vê o reflexo dessas mudanças no Programa Escola Viva? Quais?

Sobre o Programa Escola Viva:

2.7 O que é o Programa Escola Viva e quais as principais mudanças que ele traz

para a educação capixaba?

2.8 Segundo o artigo 1º da Lei nº 799 que implementa o Programa Escola Viva, esse

novo modelo de escola em turno único tem como intuito trazer uma proposta

inovadora no campo do conteúdo, currículo e gestão. Quais são essas

inovações? Como esta sendo para você professor a adequação a essa nova

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metodologia? Quais resultados você espera ou acredita que poderão vir a

ocorrer com essas mudanças?

2.9 Qual a principal diferença do modelo comum de escolas para esse novo modelo

do Escola Viva no processo formativo dos jovens?

APÊNDICE C

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Prezado(a) Professor(a), Estamos dando início a uma pesquisa no Programa de Pós-graduação em Ensino, Educação Básica e Formação que será feita pela aluna Bianca Gonçalves (matrícula na Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. ). Os dados obtidos serão utilizados na elaboração da dissertação de mestrado desta aluna. Gostaríamos de contar com a sua participação. Essa pesquisa tem como objetivo analisar os significados do novo modelo de organização e funcionamento das escolas de ensino médio proposto pelo Programa Escola Viva para a formação dos jovens. Para esta finalidade será utilizado uma entrevista semi-estruturada composta de perguntas abertas e fechadas e, a partir dos resultados obtidos, estes serão sistematizados e devolvidos para a comunidade num momento posterior por meio de cópia do trabalho para os interessados, e informamos que não serão divulgados nomes dos entrevistados. Se o(a) Senhor(a) estiver de acordo em participar e contribuir com o desenvolvimento da pesquisa respondendo a entrevista, por favor, assine no espaço abaixo. Nome completo: ______________________________________________________ Assinatura: __________________________________________________________ Local/Data: __________________________________________________________ ..................................................................................................................................... Contato com a pesquisadora: Bianca Gonçalves Tel.: (28) 999048342 E-mail: [email protected] Qualquer reclamação ou questionamento em relação a esta pesquisa entre em contato com o Professor Orientador:

Profª. Dr. Raisa Maria Arruda Martins Tel.: (28) 981112904 CCA – UFES – Alegre, ES E-mail: [email protected]

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ANEXO – A

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