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O PROCESSO DE INTERNALIZAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS DOS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI
SOBRE A CRIMINALIDADE: UMA REFLEXÃO TEÓRICA
Franceline Priscila Gusmão (UEL)
Resumo: Os adolescentes através da comunicação (interações sociais com amigos, família;
mídia) internalizaram um modo de conhecer o mundo. O contato com este mundo cria
significados, isto é, as prováveis representações sociais e instrumentalizam os seus códigos de
ações e conhecimento. Constróem uma réplica da realidade apresentada. As representações
sociais não são atribuídas, elas são construídas. Portanto, o roubo e o tráfico de drogas,
provavelmente, é apresentado como uma perspectiva de trabalho alternativa ao sistema formal
de produção: promete ascensão social, sucesso pessoal e consumo de mercadorias. Ao partir
das considerações de como os adolescentes percebem a realidade que os cerca, a qual define
suas representações sociais na forma da prática criminosa, é importante esclarecer que a
moldagem de imagens depende das condições e do ambiente em que o indivíduo está inserido,
resultado de condições sócio históricas. O pensar e agir do adolescente em conflito com a lei,
é uma réplica da realidade que o cerca.
Palavras-chave: crime, adolescentes, representações sociais.
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Introdução
O artigo pretende discutir o processo de internalização das representações sociais
(MOSCOVICI, 2013) dos adolescentes em conflito com a lei sobre a criminalidade –
especificamente o roubo e o tráfico de drogas – como ferramenta de compreensão do que está
subjacente em suas representações. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente
(2006), adolescente é aquele que possui entre 12 e 18 anos de idade.
Para a discussão, faz-se necessário partir do seguinte problema: como ocorre o
processo de internalização das representações sociais dos adolescentes em conflito com a lei
sobre a criminalidade?
É importante levantar os dados, através de pesquisas já realizadas, de como
instrumentalizam os seus códigos de ações e conhecimentos, como a réplica da realidade é
apresentada (MOSCOVICI, 2013). E também, verificar como estão sendo retratadas as
reflexões, as discussões, sobre a percepção do adolescente em conflito com a lei relacionada à
prática de crimes. A princípio, o levantamento destas discussões que centralizam nas
percepções dos adolescentes sobre o crime e violência é fundamental.
Ao partir das considerações de como os adolescentes percebem a realidade que os cerca,
a qual define suas representações sociais, é importante esclarecer que a moldagem de imagens
depende das condições e do ambiente em que o indivíduo está inserido, resultado de condições
sócio históricas. O pensar e agir do adolescente em conflito com a lei, é uma réplica da realidade
que o cerca (MOSCOVOCI, 2013).
É fato a assimilação da prática de crimes como viabilidade para adquirir
mercadorias, mas o debate é além disso. Faz-se necessário considerar o que está subjacente,
que seriam as noções, as imagens, as réplicas da construção dos bens públicos e privados no
Brasil e suas questões. As representações possibilitam estabelecer conexões com o processo
sócio histórico de formação coletiva e pública brasileira e suas consequências na atualidade.
As consequências causadas pela história universal do capitalismo são direcionadas
diversificadamente: no Brasil, houve uma forma específica. À luz de Fernandes (1975; 1976) há a
transferência de modelos ideais às formas reais, em que
é idealizado um tipo de nação, no entanto a realidade não condiz com a idealização. Analisa o
preparo da sociedade brasileira para a conformidade da modernização
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através da industrialização. Enfatiza a modernização como postiça, pelo fato de existir
somente por fora. Os pensamentos e ações não acompanham a modernização, permanecem
estáticos.
Logo, apesar das mudanças ocorridas nos últimos anos, ao longo da história, as
questões coletivas não acompanharam o projeto de democratização. Esta construção histórica
específica do Brasil, destinou imagens aos diferentes grupos sociais imersos na sociedade
brasileira. A falta de planejamento de serviços públicos de qualidade como de direcionamento
da igualdade social, criou-se um universo naturalizado. Diante das disposições de uma
dualidade sistêmica entre a construção do significado de público e privado na construção
nacional e suas fragilidades e a internalização do modo de produção capitalista em um país
subdesenvolvido, criam-se perspectivas que interferem e condicionam os pensamentos, as
percepções, os significados, aos indivíduos.
1. A necessidade de separação das representações sociais sobre o crime e sobre a violência, apesar de estarem interligadas.
Porto (2015), ao fazer um levantamento de suas contribuições ao longo dos anos de
seus estudos e reflexões a respeito das representações sociais sobre violência urbana, enfatiza
que a violência não deve ser estudada somente no seu contexto objetivo, de forma rígida. A
proposta da autora é que este problema sociológico, não pode ser compreendido no seu todo,
se as percepções subjetivas sobre o tema não forem conhecidas e compreendidas nos seus
fragmentos, distribuídas em diversos grupos sociais. Isto significa que a violência é um
protótipo representado pelos diversos grupos sociais, na sua forma de senso comum
(MOSCOVICI, 2013). Portanto, faz-se necessário “integrar momentos de compreensão
subjetiva a contextos/situações objetivas” (PORTO, 2015, p. 30).
A prática do roubo e do tráfico de drogas promove uma forma de sociabilidade, pois
trata-se de um campo de análise em que há interações através de linguagens, significados,
cálculos, raciocínios específicos. Esta forma de sociabilidade criminosa possui como recurso a
violência (PORTO, 1999), isto é, ela é estruturada pela violência, por isso a classificação de
sociabilidade violenta. Portanto, o propósito do roubo e venda de entorpecentes possui uma
gama de representações sociais, a violência nesse contexto funciona como:
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“[...] um elenco de estratégias, sua utilização podendo ou não vincular-se a uma hierarquia valorativa; passa a ser questão de eficácia, oportunidade, afirmação de identidades
socialmente negadas, explosão de raivas, frustrações, dentre tantas outras possibilidades [...]” (PORTO, 1999, p. 132).
A proposta deste artigo é enfatizar sobre o crime, especificamente o roubo e o tráfico
de drogas praticados por adolescentes. A prática de crimes funciona como uma forma de
representações sociais. Trata-se de algo que não pode ser estudado somente no seu contexto
rígido, objetivo. Aqui, pode-se iniciar a discussão de que o roubo e o tráfico de drogas
destinam também percepções subjetivas, fragmentadas na sociedade através dos grupos
sociais: os trabalhadores da segurança pública, o dono do negócio de entorpecentes, os
moradores do bairro, trabalhadores da educação. Dessa forma, especificamente, os
adolescentes que praticam esta modalidade criminosa, a percebem na forma de significados,
construções, símbolos, que parecem ser moldados de forma imediata, mas são produtos de um
processo sócio histórico: a formação das representações sociais ao longo da trajetória
individual resulta em uma determinada percepção sobre o crime.
2. Os momentos de compreensão subjetiva e os contextos/situações objetivas
Fausto (2014) contribui para um levantamento de processos penais do ano de 1880
até 1924 na cidade de São Paulo e os analisa como documento histórico. Elucida que o crime
é dependente do tempo histórico em que o indivíduo está inserido e é resultado das relações
sociais estabelecidas na sociedade, isto é, está ligado ao papel que o indivíduo desempenha no
meio social, quais os instrumentos que disponibiliza para as suas ações.
Especificamente, o crime praticado por adolescentes também depende do momento
histórico e funciona como instrumento para tomada de ações. Simultaneamente ao período
estudado por Fausto (2014) há um breve levantamento dos processos relacionados aos
adolescentes. Os crimes mais comuns que aparecem nas estatísticas dos anos de 1904 a 1906
seriam: desordens, vadiagens, embriaguez, furto/roubo, lesões corporais.
A criminalidade atual corresponde ao tráfico de drogas que está estruturado pelo crime
organizado e assume uma atividade ilegal, pelo fato de ser proibido por lei e por não contribuir
com impostos para o Estado. Há a evidência enfatizada por Zaluar
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(1997) e Adorno (1998) que o envolvimento com a indústria e comércio do tráfico de drogas é um
meio (mesmo que ilusório) de ascensão social aos grupos sociais menos favorecidos, apesar de o
crime organizado envolver personagens de diferentes origens sociais. Demonstram que o crime
organizado, na modalidade de tráfico de drogas, é fato central para o entendimento da
criminalidade contemporânea. Para Zaluar (1997), a maioria de furtos e roubos estão interligados
com as ações para o pagamento de traficantes e/ou para o levantamento de capital para
investimentos.
Adorno (1998) observa que o crime organizado encadeia novos tipos de relações,
quando compara com o passado, em que a delinquência era diferenciada do trabalho: como a
vadiagem. Defende que atualmente, muitos jovens são recrutados como assalariados ao
narcotráfico. Os valores relacionados ao trabalho não seriam de solidariedade e sim de
competição e individualismo, o que torna-se frequente diante dos conflitos entre quadrilhas.
Tal fato assemelha-se às relações de trabalho da indústria moderna.
Wacquant (2008) contribui para esclarecer que os padrões de trabalho informal (em
que se encaixa o tráfico de drogas) reforçam a exclusão social principalmente em relação aos
mais oprimidos socialmente. A informalidade trata-se de um circuito paralelo, uma alternativa
que, segundo o autor, os jovens possuem maiores riscos de ficarem marginalizados. Há falhas
nas políticas públicas de atendimento a estes jovens, para revelar uma saída; há dificuldades
dos jovens em sair do mundo do crime, pois devem a lealdade à terceiros. O autor reforça a
necessidade de uma linguagem, de sinais compartilhados para a fortificação daqueles que se
encontram nesta condição e que estão de acordo com o contexto em que estão inseridos:
O isolamento imposto pelo exterior leva a uma intensificação do intercâmbio social e
cultural dentro do gueto. O gueto é o produto de uma dialética móvel e tensa entre a
hostilidade externa e a afinidade interna que se expressa como uma ambivalência no nível
do consciente coletivo (WACQUANT, 2004, p.159).
Estes sinais compartilhados estão fundamentados na perspectiva de ascensão social
e superação das condições de miséria provindas do contexto familiar; estão relacionados à
revolta e a negação da reprodução de exploração que os familiares percorrem e percorreram
(ZALUAR, 2000).
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Leite (2011), em um artigo relacionando a prática de crimes e o consumismo, quando
ao assistir o documentário “A Ponte” (2007), descreve a atitude de um garoto que, por ser
aconselhado a deixar o mundo do crime, responde que por ele, poderia até morrer, desde que
fosse com um Nike no pé.
Ao associar a mídia, o crime, o consumo na juventude, Mello e Assis (2014),
colocam como um de seus problemas se é possível pensar o crime a partir das práticas de
consumo. Consideram, a partir de pesquisa empírica que os jovens não estão preocupados
com a procedência de seus produtos (sejam roubados, pirateados), mas sim em carregar a
representação, dotada de significado. Os autores ressaltam que a mídia é um elemento a ser
analisado ao construir representações, ser difusora de sentidos e significados do mundo social,
ela promove os desejos pelo consumo.
Lyra (2013) contribui para esclarecer que o desejo de um tênis novo, de grife ou
outro acessório, não é algo somente específico do adolescente em conflito com a lei. Todos os
indivíduos da sociedade estão imersos nos desejos de consumo. O autor evidencia que o
problema é o processo que o adolescente está envolvido, isto é, quais os percursos que ele se
envolve para cometer o crime, para realizar seus desejos. Fica evidente pelo autor que o crime
como viabilidade para o consumo, é algo imediato, porém, há uma rede de relações por trás
disso.
A adesão ao universo criminoso pelo adolescente ocorre diante de três dimensões,
segundo Lyra (2013): a dimensão casual, a dimensão por interesse e a dimensão por vontade.
A dimensão casual, pode estar envolvida por um processo de naturalização, como uma
percepção automática “morar na favela e entrar para a boca”, o próprio jovem se vê diante de
dilemas com poucas alternativas. Esta forma de adesão pode também ser verificada se o
adolescente demonstra alguma habilidade proveitosa para este universo. A dimensão por
interesse está relacionada ao fato do garoto se relacionar com outras pessoas fora do ambiente
escolar. Há a necessidade de corresponder às expectativas do grupo. As satisfações de seus
desejos só podem ser contempladas por ele mesmo. Quando opta pelo “assalto na pista” ou
“trabalho na boca” significa a independência financeira diante dos pais. Na realidade em que
o garoto vive, esta inserção nas práticas criminosas, além de ser independência, é a
oportunidade que lhe aparece como concreta. A dimensão por vontade, está relacionada ao
reconhecimento social. Os seus atos de vida pública na favela que o
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dotará de respeito naquele meio social: a arma na cintura o dota de respeito frente aos outros.
Há inquietações que surgem diante das dimensões levantadas por Lyra: não são todos
os adolescentes moradores das periferias urbanas que praticam o roubo e o tráfico de drogas.
Por que alguns adolescentes aderem a estas práticas e outros não? Por isso a necessidade da
análise das representações sociais. Estas são internalizadas de forma diversificada. Um ponto
importante a contemplar sobre a formação destas representações seria o conceito de habitus
proposto por Pierre Bourdieu: “[...] um sistemade esquemas de percepção,
de pensamento, de apreciação e ação [...]” (BOURDIEU, 1992, P. 47), isto é,
um saber social incorporado. Araujo & Oliveira (2013) trouxeram para o debate a questão do
habitus no universo do adolescente em conflito com a lei. Utilizam o conceito como
ferramenta para a análise sobre a inserção destes adolescentes no universo da sócioeducação.
Colaboram para ressaltar que o indivíduo está inserido em um conjunto multifacetado de
situações sociais e que pode sofrer modificação em relação ao seu saber social incorporado: a
mídia, a escola, grupo de amigos. Porém, por tratar-se de algo durável e transponível, o
habitus se reproduz e pode ser que continue em uma rigidez sistemática. Por isso a divisão das
trajetórias individuais dos adolescentes.
O habitus contribui para levar o indivíduo a dar mais crédito às oportunidades e práticas
sociais habituais comuns ao seu grupo do que àquelas incomuns, diferentes ou inusitadas.
Por essa razão, certas trajetórias do desenvolvimento pessoal podem ser desprezadas
simplesmente porque o indivíduo acredita que aquilo não é para ele ainda, porque, em suas
próprias experiências anteriores e na de seu grupo, ele não consegue encontrar elementos
empíricos que justifiquem o investimento em alguns tipos de oportunidade. Em muitos
casos, as pessoas projetam sua vida à luz da estrutura e das experiências que constituem o
histórico do seu grupo social. Dessa forma, não atentam para o fato de que as condições de
existência não são meros fatos naturais [ARAUJO & OLIVEIRA, 2013, p. 218].
É importante ressaltar que a formação do habitus é conveniada por questões objetivas
que formam subjetividades que reproduzem percepções nos grupos sociais. As questões
objetivas podem ser estruturadas pelo desenvolvimento político, econômico, cultural de uma
sociedade.
Fica evidente que a entrada para o tráfico de drogas não é somente uma assimilação
automática entre pobreza, necessidade, crime. A questão da pobreza é
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um dos fatores. Nas entrevistas de Lyra (2013) com os garotos do tráfico, são evidenciados
vários fatores como a necessidade, a autoafirmação da masculinidade, os desejos de consumo.
A percepção evidente é a questão da privação material. Esta carrega simbologias que o acesso
ao consumo, possibilita o reconhecimento social, até mesmo entre as meninas.
3. As representações sociais e as condições sócio históricas
Através destas contribuições que percebem o adolescente como imerso em um
processo, em que há códigos e linguagens que singularizam seu modo de pensar e agir, pode-
se perceber que os adolescentes em conflito com a lei são movidos por representações sociais.
Para Moscovici (2013), tratam-se de um sistema de valores, ideias, práticas que orientam as
pessoas em seu mundo material e possibilita a comunicação de códigos, nomeações e
classificações.
Tratar estas comunicações de significados sem relacionar com outras representações
subjacentes, pode tornar o objeto de estudo como um universo reificado: “somos penetrados
por palavras, ideias e imagens que penetram nossos olhos, nossos ouvidos e nossa mente que
nos atingem, sem que o saibamos” (MOSCOVICI, 2013, p. 33).
As representações sociais são pulverizadas nos grupos sociais, estes recebem
significados diversificados sobre um mesmo objeto. Estas diversificações dependem de como
é a realidade vivida pelo indivíduo. A criminalidade funciona como uma representação social
para diversos grupos sociais - o ato de roubar ou traficar drogas para um adolescente é envolto
por significados, conhecimentos de um universo de relações específicas diferente de alguém
que não pratica tal ato.
Há a necessidade de ultrapassar as barreiras da objetivação e retomar o processo de
ancoragem. Segundo Moscovici, pode ser uma ferramenta para “[...] facilitar a interpretação de
características, a compreensão de intenção e motivos subjacentes às ações das pessoas [...]”
(MOSCOVICI, 2013, p. 70). E para completar, a ancoragem pode ser uma ferramenta para
esclarecer os códigos, as percepções, as imagens atuais, pois leva-se em consideração as
condições sócio históricas. De acordo com Thompson “a experiência humana é sempre histórica,
no sentido de que uma nova experiência é sempre assimilada aos resíduos do que passou”
(THOMPSON, 1995, p. 360).
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É fato a assimilação da prática de crimes como viabilidade para adquirir mercadorias,
mas o debate é além disso. Faz-se necessário considerar o que está subjacente, que seriam as
noções, as imagens, as réplicas da construção dos bens públicos e privados no Brasil e suas
questões. É importante estabelecer conexões com o processo sócio histórico de formação
coletiva e pública brasileira e suas consequências na atualidade.
O conhecer o mundo atual relaciona-se às condições específicas sócio históricas do
Brasil. O modo de representar a criminalidade, estão ancoradas nessas condições. A imagem
apresentada como objetivada, concreta, já foi classificada, ancorada historicamente e está de
acordo com a maneira em que foi apresentada as questões públicas (democracia; justiça e
igualdade social; interesses coletivos) e seus bens públicos (serviços públicos como garantia
de igualdade); e as questões privadas (autocracia; privilégios sociais; interesses pessoais) e
seus bens privados (acesso aos bens de consumo como privilégios; a qualidade de serviços
somente é alcançada quando se tem poder aquisitivo para isso).
A prática da criminalidade como uma mediação aos bens de consumo e ao
reconhecimento social está relacionada a um sentido que foi construído pelas condições sócio
históricas, as quais originaram nos indivíduos relações que os fizeram perceber uma forma de
mundo. De acordo com Fernandes (1975) “o aspecto essencial (...) não é a transferência de
conteúdos e práticas culturais, em si mesmas: mas o modo pelo qual a própria transferência se
desenrola histórica e socialmente” (FERNANDES, 1975, p. 96).
O processo de industrialização tardia no Brasil e a falta de planejamentos para o
desenvolvimento social no início do século XX, manteve a pulverização dos centros urbanos,
a exclusão social e a falta de políticas que promovam os serviços públicos de qualidade: como
a saúde, educação, segurança, lazer, transporte público, sem segmentações e com o
direcionamento para todas as origens sociais, isto é, para a garantia da igualdade social real.
Fernandes (1976) evidencia que apesar da busca da modernização brasileira, ela é
postiça. O horizonte cultural brasileiro não permite a inovação, não acompanha o seu tempo de
fato. Estas condições são verificadas, segundo o autor, pela resistência às mudanças sociais. Estas
não estão relacionadas somente às questões econômicas, mas ao desenvolvimento social. A justiça
e a igualdade social seriam um dos princípios destas mudanças. Sempre houve defesa do
progresso, mas segundo
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o autor, este progresso correspondia aos interesses específicos das camadas dominantes da
sociedade. Os alvos da mudança social deveriam ser redefinidos de acordo com os interesses
da coletividade.
Para Carvalho (2005 apud Lyra, 2013), o conceito de “cidade escassa” significa a
pouca capacidade do Estado em prover direitos ou “bens de cidadania”. Estes bens de cidadania estão relacionados às questões públicas que garantam a autonomia e
tornam libertos os setores da sociedade que permanecem presos em redes de subordinação
pessoal (crime organizado, máquinas partidárias clientelistas, igrejas, entidades assistenciais).
Através da exposição teórica, é importante ressaltar que a desigualdade social,
dimensionada pela estrutura econômica, política e cultural, como resultado de um processo
sócio histórico, tornou como resultados a privação material e a exclusão nos campos
ocupacional, educacional e político (ZALUAR, 2000). Portanto, criou imagens diferenciadas
da realidade aos grupos sociais. Os significados destas imagens, criam códigos, que
consubstanciam em ações e pensamentos no cotidiano. Tais ações e pensamentos não
poderiam ser tratadas através do julgo de certo ou errado; anormal ou normal. São partes de
construção de um processo, que leva em consideração ou não os interesses coletivos versus os
interesses privados.
Considerações finais
Tornar o universo do adolescente em conflito com a lei familiar, conhecido, é buscar
em suas percepções de mundo recursos de compreensão do trajeto histórico. As condições
sociais destes adolescentes não são formadas de maneira desconexa e solta de condições
objetivas. Por trás de significados, simbologias sobre o mundo que constrói, estão expostas as
configurações históricas que moldaram suas percepções e discurso. Para criarem um universo
paralelo, com novos códigos e novas leis, que os fazem se sentirem integrados, significa que
subjacentemente, as questões públicas de preocupação coletiva não os acolheram de fato.
As construções simbólicas apresentam uma estrutura articulada. As representações
sociais, nesse sentido, são produtos contextualizados que dizem alguma coisa, muitas vezes
imperceptível. A proposta foi seguir a reflexão de que não se pode construir, planejar políticas
públicas sem conhecer o que está por trás dos
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significados construídos pelo adolescente em conflito com a lei. É importante conhecer os
caminhos que molduram a sua prática de existência, de integração mesmo que de forma
violenta.
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