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316 Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 A criação das escolas estaduais indígenas pelo Programa de Implantação das Escolas Indígenas de Minas Gerais (PIEI-MG), em 1997, foi um fato marcante para todos os povos envolvidos: Maxakali, Pataxó, Krenak e Xakriabá. A configuração das esco- las seguiu as orientações legais previstas em âmbito nacional – que garantem o direito à educação dife- renciada e estabelecem seus parâmetros de funciona- mento – e deu origem a formas específicas de organi- zação institucional e de condução das atividades didáticas, em função das exigências e das caracterís- ticas de cada povo indígena. 1 Entre os Xakriabá, no entanto, o processo de escolarização teve seu início pelo menos sessenta anos antes da criação das escolas indígenas, em época que antecede o reconhecimento, por parte da Fun- dação Nacional do Índio (FUNAI), da existência da população indígena local, ao final dos anos de 1970, e a demarcação do seu território, cuja homologação se deu somente em 1987. Em todo esse período, as possibilidades de acesso à instrução foram crescen- do de modo progressivo e lento, fruto de uma luta incessante pela escola por pelo menos parte da po- pulação local. Os dados disponíveis permitiram verificar que, embora iniciado anos antes, o processo de escolariza- ção entre os Xakriabá foi intensificado de modo mui- to acelerado com o início do funcionamento das es- colas estaduais indígenas. Em pouco mais de dois anos, os Xakriabá passaram, de uma oferta escolar que atendia a menos da metade da demanda, a apre- sentar um quadro semelhante à oferta em Minas Gerais, que garante vagas para quase a totalidade das crianças e adolescentes em idade de cursar o ensino fundamental. Tal expansão acelerada gerou um con- texto escolar com características muito peculiares, além de provocar profundas mudanças na vida das comunidades, nas dimensões econômica, social, po- lítica e cultural (Gomes, 2003a). A continuidade des- sa expansão é bem presente, com reivindicação de O processo de escolarização entre os Xakriabá: O processo de escolarização entre os Xakriabá: O processo de escolarização entre os Xakriabá: O processo de escolarização entre os Xakriabá: O processo de escolarização entre os Xakriabá: explorando alternativas de análise na explorando alternativas de análise na explorando alternativas de análise na explorando alternativas de análise na explorando alternativas de análise na antropologia da educação antropologia da educação antropologia da educação antropologia da educação antropologia da educação Ana Maria R. Gomes Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação 1 Faz-se referência ao texto da Constituição Federal de 1988, à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1996 e ao Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indíge- nas (RCNEI), de 1998.

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Ana Maria R. Gomes

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006

A criação das escolas estaduais indígenas peloPrograma de Implantação das Escolas Indígenas deMinas Gerais (PIEI-MG), em 1997, foi um fatomarcante para todos os povos envolvidos: Maxakali,Pataxó, Krenak e Xakriabá. A configuração das esco-las seguiu as orientações legais previstas em âmbitonacional – que garantem o direito à educação dife-renciada e estabelecem seus parâmetros de funciona-mento – e deu origem a formas específicas de organi-zação institucional e de condução das atividadesdidáticas, em função das exigências e das caracterís-ticas de cada povo indígena.1

Entre os Xakriabá, no entanto, o processo deescolarização teve seu início pelo menos sessentaanos antes da criação das escolas indígenas, em épocaque antecede o reconhecimento, por parte da Fun-dação Nacional do Índio (FUNAI), da existência da

população indígena local, ao final dos anos de 1970,e a demarcação do seu território, cuja homologaçãose deu somente em 1987. Em todo esse período, aspossibilidades de acesso à instrução foram crescen-do de modo progressivo e lento, fruto de uma lutaincessante pela escola por pelo menos parte da po-pulação local.

Os dados disponíveis permitiram verificar que,embora iniciado anos antes, o processo de escolariza-ção entre os Xakriabá foi intensificado de modo mui-to acelerado com o início do funcionamento das es-colas estaduais indígenas. Em pouco mais de doisanos, os Xakriabá passaram, de uma oferta escolarque atendia a menos da metade da demanda, a apre-sentar um quadro semelhante à oferta em MinasGerais, que garante vagas para quase a totalidade dascrianças e adolescentes em idade de cursar o ensinofundamental. Tal expansão acelerada gerou um con-texto escolar com características muito peculiares,além de provocar profundas mudanças na vida dascomunidades, nas dimensões econômica, social, po-lítica e cultural (Gomes, 2003a). A continuidade des-sa expansão é bem presente, com reivindicação de

O processo de escolarização entre os Xakriabá:O processo de escolarização entre os Xakriabá:O processo de escolarização entre os Xakriabá:O processo de escolarização entre os Xakriabá:O processo de escolarização entre os Xakriabá:explorando alternativas de análise naexplorando alternativas de análise naexplorando alternativas de análise naexplorando alternativas de análise naexplorando alternativas de análise naantropologia da educaçãoantropologia da educaçãoantropologia da educaçãoantropologia da educaçãoantropologia da educação

Ana Maria R. GomesUniversidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação

1 Faz-se referência ao texto da Constituição Federal de 1988,

à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de

1996 e ao Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indíge-

nas (RCNEI), de 1998.

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abertura de outras modalidades de ensino (educaçãoinfantil e educação de jovens e adultos), além da pro-posta de criação do ensino médio e de acesso à uni-versidade. É marcante a forma incisiva com que ospróprios Xakriabá implementam a expansão da esco-larização, sem que se tenha, no momento, uma análi-se mais clara das implicações de um processo condu-zido com tal rapidez.

É dentro desse quadro que busco explorar algu-mas perspectivas de análise sobre os processos deescolarização, propostas pela antropologia da educa-ção, retomando o recorte conceitual que caracterizacada abordagem. Particularmente, busco explorar odebate que se instituiu sobre o tema do desempenhoescolar das minorias étnicas nos Estados Unidos,2

dentro do qual se configuraram duas posições teórico-metodológicas: a das descontinuidades culturais e ado modelo ecológico cultural.3

Neste artigo, proponho-me a retomar os termosdo debate teórico e identificar as orientações das duasposições, confrontando-as com as questões que a pes-quisa sobre a escolarização dos Xakriabá têm susci-tado. Esse exercício analítico parece-me adequadopara a explicitação de problemas e dificuldades re-correntes tanto na descrição e análise dos processosde escolarização dos grupos étnicos minoritários (ou,em outros termos, do sucesso/insucesso escolar des-ses grupos) quanto nas implicações para as propostasde intervenção pedagógica e para a formulação depolíticas públicas.

O desempenho escolar das minorias étnicas:O desempenho escolar das minorias étnicas:O desempenho escolar das minorias étnicas:O desempenho escolar das minorias étnicas:O desempenho escolar das minorias étnicas:recuperando os termos de um debaterecuperando os termos de um debaterecuperando os termos de um debaterecuperando os termos de um debaterecuperando os termos de um debate

Os estudos que levaram ao aparecimento da an-tropologia da educação como setor acadêmico nosEstados Unidos alcançaram seu ponto alto no iníciodos anos de 19704 e tiveram como estímulo determi-nante a necessidade de contrapor-se ao modelo expli-cativo prevalente na época sobre os problemas de es-colarização das minorias étnicas, ou seja, contrapor-seao modelo da privação cultural, à noção de déficitcultural e aos desdobramentos em termos de uma pe-dagogia compensatória. Até então, os estudos reali-zados no campo antropológico sobre as dinâmicasfamiliares e comunitárias de socialização, que se de-senvolveram de modo particular dentro da correnteconhecida como “cultura e personalidade”, realiza-vam-se principalmente em sociedades em que a es-cola não estava ainda presente, ou era interpretadacomo uma instituição pouco significativa por partedos pesquisadores.5

Uma das marcas importantes da entrada da an-tropologia no estudo da escola foi justamente a am-pliação do foco das pesquisas, ao não tomar a instru-ção escolar como único contexto educativo, e simcomo uma parte do processo mais amplo, e que, por-

2 Tal debate tem início ao final dos anos de 1970 e desen-

volve-se até os anos de 1990, passando por um período de maior

acirramento das posições no curso dos anos de 1980. Ver Jacob e

Jordan (1987) e Gibson (1997), para uma apresentação inicial do

debate.3 Para um confronto entre abordagens teóricas sobre os pro-

cessos de escolarização na história da educação, ver Gomes

(2003b); para uma discussão das interfaces da escolarização com

a dimensão econômico-produtiva, ver Lenzi-Grillini, Castro e

Gomes (2004).

4 Em 1970 foi criado o Council of Anthropology and

Education (CAE), dentro da American Anthropology Association

(AAA), e em 1978 o boletim do CAE transformou-se na revista

Anthropology and Education Quarterly.5 É interessante notar que nesse período, embora a atuação

dos antropólogos norte-americanos na sua própria sociedade fos-

se voltada para a melhoria da educação escolar das minorias, dos

imigrados e das classes sociais desfavorecidas, os estudos exis-

tentes traziam uma escassa discussão teórica sobre a questão edu-

cacional (Ogbu, 1996, p. 6). Um quadro semelhante ao indicado

por Silva (2001) quanto à possível emergência do campo da an-

tropologia da educação no Brasil. Em outras palavras, em ambos

os casos o empenho político pela melhoria das condições da edu-

cação escolar em sua fase inicial não se fez acompanhar de uma

discussão teórica suficientemente estruturada.

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tanto, deveria ser estudada em conexão com as de-mais instituições e processos que constituem as dinâ-micas educativas dos diferentes grupos sociais. Umsegundo elemento central foi a introdução da catego-ria das diferenças culturais para contrapor-se à noçãode deficiência, deslocando duplamente o eixo con-ceitual da discussão: das dificuldades dos sujeitos in-dividuais para o campo das diferenças coletivas naforma de viver e interpretar a experiência social.

Nesse contexto de discussão é que emerge a abor-dagem conhecida como “descontinuidades culturais”(ou conflito cultural), que enfatizava as diferençasentre as orientações culturais vivenciadas pelos alu-nos nas suas comunidades, no seu contexto de vidacotidiana, e as orientações que estruturavam as rela-ções sociais e as atividades didáticas desenvolvidasna escola. Segundo essa abordagem, seriam exatamen-te as descontinuidades entre diferentes modelos cul-turais – ou o conflito entre eles – que levariam osalunos pertencentes aos grupos minoritários a encon-trar barreiras para alcançar um êxito positivo no seupercurso escolar.6

Duas grandes linhas de pesquisa desenvolveram-se a partir do tema do desempenho escolar das mino-rias, nessa nova perspectiva. Como uma das referên-cias emblemáticas da primeira linha, podemos citar apesquisa de Philips (1993), The invisible culture.Philips estudou as diferentes estruturas de participa-ção nas interações, observando as diferenças entre omodelo que regulava as interações entre professorese alunos na escola e o modelo que regulava as intera-

ções na reserva indígena de Warm Springs. Philipsobservou, na vida cotidiana da aldeia indígena, a au-sência de estruturas de participação nas quais alguémcontrola diretamente as ações de um grupo de pes-soas em interação; tal controle, ao contrário, é muitopresente no contexto escolar, e quase sempre centra-lizado na figura do professor. Nesse sentido, a parti-cipação nas interações obedecia a regras diferentesnesses dois contextos, o que provocava desentendi-mentos entre alunos e professores, e uma interpretação,por parte destes últimos, em termos de dificuldade ouresistência dos alunos à participação nas atividadesescolares.

Erickson e Mohatt (1988), em uma detalhadaanálise microetnográfica da atuação de duas profes-soras de sucesso – uma nativa e outra branca – emclasses de crianças indígenas, demonstraram que ofator decisivo para o desenvolvimento positivo dasatividades não era o pertencimento étnico, mas acongruência entre o modo de condução das ativida-des pela professora, de forma mais ou menos sintoni-zada com o modo de trabalhar e interagir dos alunos.Segundo os autores, embora com diferenças na for-ma de organizar e conduzir as atividades, ambas pos-suíam um “estilo misto” quanto à maneira de interagircom os alunos, estilos desenvolvidos de forma que sebuscasse congruência entre as exigências do contex-to escolar e as características das interações nos con-textos de vida cotidiana dos alunos.

A título de ilustração, pode-se citar ainda estu-dos que demonstram como muitos aspectos, comu-mente interpretados como existência de comunicaçãoentre os sujeitos e centrais na forma de interagir –como o encontro do olhar e as trocas verbais –, po-dem apresentar configurações diferentes, como nocaso das mães e das crianças Mazahua estudadas porParadise (1994), que, embora estejam em interação,não se olham e trocam pouquíssimas palavras, semque isso signifique uma fragilidade, instabilidade oumesmo ausência da situação interativa. Essa diferen-te configuração do contexto de interações foi defini-da pela pesquisadora como “separado-porém-junto”(separated-but-together), chamando a atenção para o

6 Seguimos aqui a sugestão de Emihovich (1996), que, a

partir do tema mais amplo indicado como “Continuidade e

descontinuidade cultural em educação”, faz referência a quatro

diferentes perspectivas teóricas: a abordagem baseada na conti-

nuidade/descontinuidade cultural; a abordagem das descontinui-

dades culturais secundárias; a teoria da reprodução cultural; e a

abordagem baseada em cultura e cognição. Como outras sínteses

que apresentam essas diferentes posições, ver Rockwell (1992) e,

particularmente para as duas primeiras, que serão objeto de dis-

cussão neste trabalho, ver Poveda (2001).

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fato de que era possível aferir a coordenação das açõesentre mães e crianças, mesmo se os sinais verbais enão-verbais de que a interação acontecia não fossemimediatamente perceptíveis para um observador ha-bituado a um outro padrão de comportamento.

Estudos nessa linha enfatizam as possibilidadesde buscar uma organização das interações sociais naescola que sejam sensíveis aos padrões culturais dascomunidades de origem dos alunos, e nesse sentidofala-se de uma “pedagogia culturalmente orientada”,objetivando assim implementar as condições de su-cesso acadêmico dos alunos pertencentes aos gruposminoritários.

A segunda linha, proposta de modo incisivo porOgbu (1981, 1987, 1994, 1999), partia de uma abor-dagem metodológica por ele definida como macroet-nográfica, e que identificou alguns dos limites da ex-plicação fundamentada nas diferenças culturais, emfunção da evolução diferenciada que se verificava noprocesso de escolarização dos diversos grupos mino-ritários. Alguns desses grupos, com o passar das ge-rações, passavam de uma situação inicial de insucessoescolar para um quadro de progressiva melhoria dodesempenho escolar de seus membros, chegando, emalguns casos, a obter resultados iguais ou melhoresaos dos estudantes de grupos hegemônicos (como nocaso de algumas minorias de origem asiática). Outrosgrupos, ao contrário, persistem em um quadro de di-ficuldades marcantes, mesmo apesar dos investimen-tos das famílias na educação dos próprios filhos e dosprogramas especiais dirigidos ao atendimento dasexigências específicas dos diferentes grupos. A ques-tão de investigação que se torna central seria, então, avariabilidade do desempenho escolar entre diferentesgrupos minoritários.

A proposta de Ogbu parte de uma leitura maisampla da experiência histórica das minorias étnicas eleva em consideração o modo como estas interpre-tam a sua posição na sociedade em razão da expe-riência de contato com o grupo dominante, das opor-tunidades de inserção no mercado de trabalho e, enfim,dos contatos com as instituições geridas pelo grupodominante, como a própria escola. A “epistemologia

da comunidade” (Ogbu, 1981) sobre a escola, ou seja,o que a comunidade conhece sobre a escola, seria re-sultante do processo histórico de contato com o gru-po dominante que detém a condução da instituiçãoescolar. Nesse processo, a comunidade constrói um“quadro de referências culturais” (Ogbu, 1994), qua-dro esse que varia de grupo minoritário para outro.Esse quadro, considerado “diferenças culturais secun-dárias”, orientaria a forma como os membros dessacomunidade agem e interpretam a própria presençana escola – podendo, então, favorecer ou dificultar arelação dos alunos com a escola. Assim, as diferen-ças culturais primárias seriam ressignificadas em fun-ção das orientações culturais que se originam no con-tato entre os grupos étnicos e os grupos dominantes.7

Segundo Ogbu (idem), algumas minorias, como nocaso dos afro-americanos, desenvolveram um “qua-dro de referência opositivo” e uma “identidade so-cial/coletiva opositiva”, que traria dificuldades paraa possibilidade de responder em sintonia com as mo-dalidades requeridas nas escolas.

Não é minha intenção entrar na acirrada argu-mentação que foi desenvolvida entre os representan-tes dessas duas posições, uma vez que elas mesmasnão são unívocas e possuem variações internas. Deum lado, Ogbu (1999) insiste no fato de que a suateoria tem um caráter explicativo, e que não é voltadadiretamente para a intervenção, pois procura enten-der o papel desempenhado pelas “forças da comuni-dade” na maneira como os grupos minoritários se re-lacionam com a escola. Para Philips (1993),8 essa seriauma forma de “culpar as vítimas”, uma vez que a pró-

7 Em sua teorização, Ogbu propõe uma tipologia para bus-

car explicar as diferenças de desempenho entre as minorias étni-

cas, tipologia que não nos interessa aqui retomar, uma vez que é o

foco de análise aquilo que busquei colocar em evidência.8 Comentário presente na introdução à edição de 1993 de

The invisible culture, na qual a autora alega que, em seu estudo

sobre a “organização da comunicação nas interações face a face

entre os indígenas de Warm Springs e de suas conseqüências para

a organização das experiências de ensino e aprendizagem das crian-

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pria idéia de identidade opositiva seria a forma pelaqual os professores atribuem sentido aos comporta-mentos dos alunos, e não uma orientação dos pró-prios alunos e de suas comunidades (p. xvii).

Como afirmado anteriormente, interessa-me co-locar em evidência alguns aspectos da orientação teó-rica de ambas as posições, e de sua potenciais contri-buições para a análise das experiências das escolasindígenas no Brasil. Particularmente, a abordagem quevem orientando as investigações sobre o processo deescolarização dos Xakriabá buscou articular elemen-tos de uma e outra orientação, para atender às ques-tões que emergiram no processo da pesquisa.9

A história local da escolarização e aA história local da escolarização e aA história local da escolarização e aA história local da escolarização e aA história local da escolarização e aexperiência dos professores xakriabásexperiência dos professores xakriabásexperiência dos professores xakriabásexperiência dos professores xakriabásexperiência dos professores xakriabás

A terra indígena Xakriabá reúne uma populaçãode mais de 6 mil habitantes, em uma área de aproxima-damente 53 mil hectares. Situa-se no Noroeste do esta-do de Minas Gerais, no município de São João dasMissões. O processo histórico de contato – que se podeverificar na origem mesma da área indígena, atestadano documento de doação de terras aos caboclos rema-nescentes da Missão de São João (Santos, 1997) – le-vou os Xakriabá a assumirem as modalidades caracte-rísticas da região quanto às atividades de subsistência

(são fundamentalmente pequenos agricultores e cria-dores de gado), em um processo, por um lado, de im-posição cultural, que caracterizou os aldeamentos in-dígenas, e de intensa troca com outras populações, comoos negros libertos no período após a escravidão.

A luta pela terra nas décadas de 1970 e de 1980levou a população a dividir-se, permanecendo na re-serva aqueles que escolheram a afirmação da própriaancestralidade indígena. Assiste-se assim a um pro-cesso crescente de reconstrução da identidade indí-gena, processo que tem estreita relação com a própriaescola e que muito tem influenciado em suas dinâmi-cas. Atualmente a reserva tem 26 aldeias, com esco-las em todas elas e ainda em três subaldeias, organi-zadas em duas unidades administrativas: a EscolaEstadual Indígena Bukimuju (15 endereços, 56 tur-mas e 1.187 alunos) e a Escola Estadual IndígenaXukurank (14 endereços, 38 turmas e 840 alunos).São, atualmente (dados de 2003), 104 professores in-dígenas contratados pelo Estado, todos xakriabás, e amaioria atua na própria comunidade. Atualmente,contam com o atendimento de 1ª à 4ª série em todasas aldeias e de 5ª à 8ª série em sistema de nucleação,a diplomação da primeira turma tendo ocorrido emdezembro de 2003.

Já nas primeiras visitas a campo, procurandoconhecer as escolas espalhadas por todo o territórioxakriabá, foi marcante a constatação inicial da exis-tência de um contexto escolar onde se apresentavauma grande variedade de formas de organização dasclasses e de condução das atividades didáticas, sejano comportamento dos professores xakriabás, seja nocomportamento dos próprios alunos. Apesar de apre-sentar também algumas características recorrentes, eque chamavam a atenção por especificidades que sal-tavam aos olhos – como o silêncio que reina em mui-tas das salas de aula, onde não se ouve a voz dos alu-nos e, em muitos casos, nem dos professores.

O início da pesquisa foi marcado pela idéia deum grupo cuja cultura era caracterizada pela oralidadee pelo escasso ou inexistente contato com a escrita,assim como pela novidade que a escola diferenciadatrazia, ao estender o atendimento escolar a todas as

ças indígenas dentro e fora da escola” (1993, p. xi) foi utilizada

uma abordagem microetnográfica como parte de uma “aborda-

gem etnográfica geral mais tradicional” (p. xiv), que envolvia

observações em outros sítios, além da sala de aula.9 Faz-se referência ao trabalho desenvolvido pelo grupo de

pesquisa “Sujeitos socioculturais na educação indígena: uma in-

vestigação interdisciplinar”, coordenado por mim junto com os

colegas Carlos Henrique Souza Gerken, da Universidade Federal

de São João Del-Rei (UFSJ), e Myriam Martins Álvares, da Pon-

tifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas). O

grupo vem desenvolvendo suas atividades desde o ano 2000, e

conta com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do

Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e do Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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crianças com professores das próprias aldeias. Alémdisso, existia a percepção, resultado de observaçõesassistemáticas dentro do próprio PIEI-MG, de que asescolas xakriabás apresentavam uma modalidade defuncionamento mais “tradicional”, se comparadas àspropostas educacionais que eram veiculadas nas ati-vidades de formação.

A primeira fase da pesquisa permitiu identificara existência de um número significativo de escolasna região, que hoje é delimitada como territórioXakriabá, na década que antecede a demarcação doterritório indígena, isto é, nos anos de 1970. Apesarda existência de um número insuficiente de escolasna região, nos relatos sobre a luta pela terra a educa-ção escolar não aparece como tema relevante ou rela-cionado com as dinâmicas de posse do território (Leite,2002).

Foi buscando compreender esse quadro contradi-tório – por um lado, a forma incisiva dos Xakriabá emimplementar a escola indígena, valendo-se para issodas suas prerrogativas específicas; de outro, essa re-produção de aspectos de um contexto escolar que seassemelhava ao das demais escolas públicas da região –que a pesquisa se orientou para a reconstrução da his-tória local da escolarização. O quadro de referênciasculturais (Ogbu, 1994) que guiava a ação dos Xakriabásó poderia ser compreendido com base na história darelação desse povo com os grupos sociais dominantescom os quais se encontravam em contato. Além disso,tal reconstrução histórica não se poderia limitar às di-nâmicas mais amplas, mas deveria chegar a explicitaro modo como a própria escola passou a fazer parte docontexto de vida da população local.

Foram assim identificadas algumas das profes-soras, que atualmente são contratadas como profes-soras indígenas, e que já atuavam como professorasanteriormente contratadas pela prefeitura local, algu-mas delas mesmo antes de 1987.10 Tal fato direcionou

a primeira fase de entrevistas para esse grupo de pro-fessoras – que chamarei de “primeiras professoras”.11

A reconstrução, ainda em processo, das experiên-cias anteriores, permitiu verificar que os esforços dapopulação local para buscar a instrução e a escoladatam, no entanto, de bem antes. O registro mais an-tigo de uma escola na região, que consta na Prefeitu-ra de Itacarambi, remonta à década de 1930. As expe-riências relatadas pelas “primeiras professoras” e porpessoas mais velhas da comunidade quanto ao pró-prio acesso à instrução segue um padrão recorrentenas zonas rurais: um pai de família que tivesse recur-sos econômicos contratava um professor, que vinha àsua casa ensinar a seus filhos. Na ocasião, freqüente-mente se reuniam crianças da vizinhança e filhas deparentes, de modo que a atividade não era voltadasomente para a família daquele que bancava o servi-ço. Entre outras características, a atividade dos pro-fessores não tinha uma longa continuidade no tempo,pois se tratava de profissionais que transitavam aten-dendo a diversas demandas. Como explicitado poruma ex-professora leiga,12 quando vinha o professorera necessário “pegar tudo o que podia, para ficar es-tudando depois”. Em outros casos, a busca da instru-ção levava as famílias para fora da região. Ou ainda,

10 Até 1996, era a Prefeitura de Itacarambi que respondia,

como governo municipal, pelas relações com os Xakriabá. Com a

criação do município de São João das Missões, em 1996, a refe-

rência institucional passa a ser a administração do novo municí-

pio. Cabe ressaltar o fato de que mais de 60% da população de

São João das Missões é constituída pelos Xakriabá, assim como,

até abril de 2003, o cacique Rodrigo era vice-prefeito, posto que

deixou quando do seu prematuro falecimento. Em 2004, os

Xakriabá venceram a eleição para a Prefeitura, que hoje tem à sua

frente um dos diretores e professor indígena, José Nunes de Oli-

veira.11 A expressão é tomada de Tassinari (2001), que enfatiza tam-

bém a necessidade de analisar as experiências anteriores de escola-

rização. Cabe ressaltar, no entanto, que, como será discutido, essas

mestras foram alunas de outros professores, alguns dos quais eram

também membros das comunidades locais. Portanto, são “primei-

ras” em relação ao atual grupo de professores indígenas.12 Trata-se de uma professora que exerceu a função até 1991,

quando perdeu o cargo por não ter diploma de magistério.

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um membro alfabetizado podia ser ele próprio oalfabetizador dos demais. Poderíamos dizer que ain-da não se tratava propriamente de escolarizar, umavez que não existia a configuração de uma escola,mas de um grupo de crianças que eram instruídas poruma espécie de preceptor.

A documentação recolhida permitiu verificar que,em algumas das escolas existentes nos anos de 1970,mantidas pela Prefeitura como escolas rurais, os pro-fessores pertenciam à comunidade local. Das 28 esco-las que compõem o documento “Relação das EscolasRurais do Município de Itacarambi”,13 treze situam-seem locais hoje pertencentes à área indígena.

Os anos de 1970 podem ser configurados comoum segundo momento, quando a prefeitura local pas-sa a responder às demandas que as comunidades apre-sentam. Segundo os depoimentos de pessoas que atua-ram como professor na época, primeiro formava-se ogrupo de alunos, decidia-se onde poderia funcionar aatividade escolar – quase sempre na casa de algumlíder local, ou da própria professora14 – e a pessoaindicada como professora era apresentada à prefeituralocal, com a lista de alunos, configurando uma deman-da real. Em alguns casos, era aplicado um teste para

verificar a qualificação; em outros, simplesmente erareconhecido a encargo à pessoa em virtude da deman-da, e essa passava a ser remunerada pela prefeitura.

Esse mecanismo era utilizado pelas comunida-des das aldeias, e foi descrito para várias aldeias daárea Xakriabá, embora não possa ser estendido a to-das elas. Podemos dizer que, nessa forma decontratação, a competência técnica e o comprometi-mento social do professor eram referidos a uma mes-ma matriz social, interna à comunidade das aldeias.Ou seja, a qualificação do professor era diretamentereconhecida por aqueles que “inscreviam” seus filhosna classe, e essa negociação face a face implicava umcomprometimento direto do professor com os que oapoiavam ou a ele confiavam os próprios filhos. Essaforma de funcionamento, ao que parece, muito se apro-ximava das “escolas isoladas” que caracterizavam oensino em Minas Gerais no início do século XX, em-bora convivesse e se articulasse, ou ainda, de algumaforma, se apoiasse na instituição estatal para a suaefetivação.

Em termos de atendimento à demanda escolar,podemos supor que tenha ocorrido um processo lon-go e lento, ao compararmos as informações contidasno documento dos anos de 1970 e aquelas presentesno diagnóstico realizado em 1995, quando da criaçãodo PIEI-MG. O que revela o diagnóstico, em períodode plena legalidade das terras indígenas, é que nelaexistem doze escolas municipais de 1ª à 4ª série (qua-se a mesma quantidade dos anos de 1970), com 17professores, 14 contratados pela Prefeitura deItacarambi e três pela FUNAI. Entre esses, apenasquatro pertencem à comunidade local, e eram, na épo-ca, professores leigos (Minas Gerais, 1995). Em 1997,dez anos após a homologação do território, quando aprimeira turma de professores indígenas se encontravano segundo ano do Curso de Formação de Professo-res indígenas realizado pelo PIEI-MG, foram criadas

13 Documento cedido pelo senhor Agenor, vereador em

Itacarambi à época, que acompanhava o funcionamento das esco-

las. Junto à lista das escolas, encontravam-se duas cartas de pro-

fessoras dirigidas a ele: uma que solicitava material ao mobral e

outra que tratava da abertura de uma escola junto à Prefeitura de

Itacarambi. O documento, segundo o senhor Agenor, refere-se ao

período de 1973 a 1975. Em entrevista posterior realizada com o

senhor Antônio Pereira de Souza, hoje pai de uma das professoras

Xakriabá, foi identificado que algumas das escolas eram relacio-

nadas com o MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização).

Dos nomes dos professores que constam do documento, três fo-

ram identificados pelo então diretor das escolas, José Nunes, como

pessoas pertencentes à comunidade, todos professores leigos. Além

do senhor Antônio, os outros dois professores são Geraldo Gon-

çalves dos Santos, tio de uma professora xakriabá, e Enita Pereira

de Jesus, mãe de um professor.14 Na fase atual, não podemos ainda analisar a variável gê-

nero quanto à composição do quadro de professores nos diferen-

tes momentos da história local da escolarização. Cabe registrar,

porém, um aumento da presença masculina desde 1997, com a

implantação da escola pública indígena.

O processo de escolarização entre os Xakriabá

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 323

as escolas estaduais indígenas e os alunos-professo-res assumiram imediatamente seus cargos.

Dois aspectos devem ser ressaltados, pois se tor-nam importantes para a compreensão da situação atualdas escolas e da forma como a população xakriabá,as lideranças indígenas e os próprios professores com-portam-se quanto às necessidades educacionais e àsua implementação. Em primeiro lugar, a ausência oua distância do aparato estatal, que durante muito tem-po gerou um espaço de atuação livre das comunida-des quanto à gestão da demanda por escolas e ao seupróprio funcionamento. O que se conseguiu nos anosanteriores a 1997, pode-se dizer, de maneira geral,foi resultado de uma ação direta das comunidades dasaldeias no sentido de prover as necessidades educa-cionais. Em contrapartida, o fato de a maioria dos pro-fessores não pertencer às comunidades das aldeias foiindicado, no documento diagnóstico (idem), comofator que comprometia o adequado funcionamento dasescolas. De fato, entre os problemas registrados em1992 em documentação da 9ª Delegacia Regional deEnsino (Januária), a falta de alojamento para os pro-fessores e problemas com “recursos humanos” cons-tam do quadro de informações de várias escolas.

Em segundo lugar, é importante atentar para ocaráter não-compulsório da escolarização, que per-durou por muito tempo, dadas as condições precáriasde funcionamento, com um número de classes sem-pre inferior à demanda. Apesar da imprecisão das in-formações disponíveis, para se ter uma idéia, em 1992são 561 alunos inscritos; à época do diagnóstico, aslideranças locais afirmam a existência de cerca de 500crianças sem escolas (idem), ou seja, uma demandalatente de quase o dobro de alunos. Nos dois primei-ros anos de funcionamento das escolas estaduais in-dígenas, os alunos inscritos eram cerca de 1.300. Ouseja, no período anterior, podemos dizer que a esco-larização terminava por ser requerida e implementa-da por aqueles que por ela se interessavam.

Como se pode ver, a instituição da escola indí-gena trouxe profundas alterações. A experiência an-terior dos Xakriabá, que podemos descrever como umagestão comunitária informal, encontra eco nas pro-

postas do PIEI-MG, que se inscrevem no quadro dacriação de escolas diferenciadas, caracterizadas tam-bém enquanto escolas comunitárias, de acordo com oRCNEI de 1998. Com o início do funcionamento dasescolas estaduais indígenas, o que antes era um pro-blema de gestão de relações com a prefeitura local –relações marcadas pelo conflito e pela distância dasinstâncias de decisão – passa então a ser administra-do em uma situação de estreito contato com o Estado.Surge um novo componente na gestão das demandaseducacionais: essa era, até então, realizada diretamentepelas comunidades das diferentes aldeias (e prova-velmente por isso não aparece nos relatos e análisessobre as dinâmicas de posse da terra), e passa agora aser mediada pela instância comunitária mais ampla, opovo indígena Xakriabá, cujas lideranças passam ater acesso direto à Secretaria de Estado de Educação(SEE) de Minas Gerais, por sua participação na coor-denação do PIEI-MG. Se, por um lado, nessa novaconfiguração a comunidade indígena passa a exerceruma maior influência sobre as decisões acerca dassuas escolas, por outro lado, tal influência se dá noquadro de uma maior proximidade com o aparato es-tatal e com suas formas características de gestão econtrole das instituições públicas. Em outras palavras,um aparato de gestão estatal que, em princípio, nãovem ao encontro dos dois componentes que se orien-tam em direção à gestão comunitária, a menos queseja realizada uma ação contínua de mediação.

Além da dimensão da gestão, o fato de a expan-são da escolarização ter ocorrido muito recentementefez com que passassem a conviver formas muito di-ferentes de organização pedagógica das escolas, decondução das atividades didáticas, e mesmo formasdiferentes nas relações com os pais e com a comuni-dade. Para melhor compreender esse panorama va-riado de contextos escolares – ou, ainda, para descre-ver e analisar as diferentes culturas escolares presentesentre os Xakriabá – foi necessário realizar observa-ções em classe, e tomou-se como referência inicial asclasses das primeiras professoras. As descrições re-sultantes dessas observações foram então analisadastendo como pano de fundo as referências que as pró-

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Ana Maria R. Gomes

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006

prias professoras haviam apresentado, quando, nas en-trevistas, abordaram sua experiência como alunas eprofissionais. As escolhas pedagógicas, assim comoalguns aspectos da forma como as professoras intera-giam com seus alunos ganharam um significado dife-rente quando confrontados com a sua experiência ereferidos ao processo mais amplo de escolarizaçãopelo qual passaram as comunidades das aldeiasxakriabás.

A título de ilustração, serão discutidos dois exem-plos significativos que nos permitem analisar algunsaspectos da cultura escolar que está se configurandoentre os Xakriabá, aspectos que podem ser mais bemexplorados e compreendidos à luz das discussões so-bre as descontinuidades culturais, ou seja, sobre osdiferentes modelos culturais que informam a práticade professores e alunos xakriabás.

O primeiro exemplo refere-se à presença em clas-se dos assim chamados “encostados”, ou seja, dascrianças em idade inferior à idade de cursar o ensinofundamental, e que, apesar de oficialmente não esta-rem inscritas, passam a freqüentar as salas de aula emcompanhia de seus irmãos e/ou primos maiores. Apresença dos “encostados” permite que se recrie, nointerior das classes escolares, situações semelhantesàquelas existentes no contexto de vida cotidiana dascrianças, quando essas podem participar das diferen-tes atividades desenvolvidas na comunidade. Em taissituações, as crianças observam e interagem com asatividades dos adultos e das crianças maiores, semque seja delas esperado uma participação plena, nosentido de contribuir efetivamente para a tarefa queestá sendo realizada. Tal modelo foi verificado emoutros grupos (Cohn, 2002; Pereira, 1999), e é des-crito como um contexto de aprendizagem no qual nãoexiste uma separação entre “o fazer e o aprender”, ouseja, no qual as situações de aprendizagem são as ati-vidades desenvolvidas na vida cotidiana, não existin-do uma configuração específica para o momento doensinar-aprender. É a própria criança que se envolvenas atividades rotineiras e busca as formas de interagire participar que lhe parecem mais atender ao seu in-teresse, sendo que essa participação é acolhida pelos

adultos, sem que estes, por sua vez, interrompam aatividade que estão desenvolvendo.15

A presença dos “encostados” parece seguir essepadrão, adaptando-se, porém, ao contexto escolar: ascrianças menores participam de algumas das ativida-des sem que pese sobre elas as exigências de desem-penho a que as demais crianças devem responder. Oque pode parecer um simples e banal exercício deimitação dos irmãos funciona, na verdade, como umcontexto de aprendizagem que favorece a participa-ção da criança em seu ritmo e suas modalidades pró-prias, alternando longos momentos de curiosa e aten-ta observação com momentos de tentativas deexecução de tarefas e de apropriação dos instrumen-tos, simbólicos e práticos, de participação no contex-to escolar. Tanto mais importante é essa participaçãoem razão da escassa experiência de escolarização pre-sente nas comunidades e da necessidade de realizaruma socialização inicial das crianças quanto às parti-cularidades do contexto escolar – que mantém algu-mas demarcações que o tornam explicitamente dis-tinto dos demais contextos sociais, mesmo quandoassume características locais (Duranti, 1992).

No início, a presença dos “encostados” foi mo-tivo de controvérsias com a SEE, pois os recursosrepassados para as escolas eram calculados levandoem conta somente os inscritos oficialmente, o queprovocava, quanto à merenda, por exemplo, dificul-dades permanentes de fornecimento suficiente paratodas as crianças. Com o passar do tempo, e com aspressões exercidas pelos próprios Xakriabá, a pre-sença dos “encostados” foi integrada ao funciona-mento regular das escolas. Se por um lado isso ga-rante a especificidade da experiência, por outro talpresença corre o risco de ser interpretada somentecomo um fator de pressão em direção à abertura deescolas infantis. A proposta de abertura das escolasinfantis, já presente na comunidade e entre os pro-fessores, é interpretada pelos agentes institucionais

15 Para uma descrição detalhada do contexto de aprendiza-

gem na vida cotidiana entre os Xakriabá, ver Pereira (2003).

O processo de escolarização entre os Xakriabá

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 325

como parte de um percurso “adequado” de escolari-zação (e, mais ainda, como um dos direitos a seremgarantidos). A possibilidade de criar-se contextosescolares que sejam “culturalmente orientados” –respondendo assim à proposta de uma educação es-colar diferenciada – choca-se assim com uma ver-são consolidada do que seja a escola, incluindo sualógica de separação por grupos de idade e da especi-ficidade mesma do espaço de aprendizagem em re-lação aos demais contextos sociais.

Outro exemplo significativo vem da experiênciade uma das primeiras professoras, que realizava “re-provações” dos melhores alunos nas séries iniciaispara que estes permanecessem na classe de principian-tes e funcionassem como apoio para o processo dealfabetização deles. O procedimento é aceito pelosalunos e pais, e cria uma diferente orientação para apresença em classe – na qual as crianças passam a seocupar de algo que não somente o próprio processode aprendizagem, pois são efetivamente envolvidasnas atividades de aprendizagem de outros colegas – epara a experiência dos próprios alunos aparentemente“retidos”, que, ao serem aprovados no ano seguintepara uma classe mais avançada, vivenciam um per-curso que desmistifica a lógica por etapas fixas quena maioria das vezes caracteriza a experiência esco-lar. O individualismo que caracteriza a experiênciaescolar e a idéia de uma progressão linear da aprendi-zagem são assim concretamente deslocados em favorde uma experiência que apresenta diferentes facetas ediferentes dimensões da convivência e da possibili-dade de aprender dentro da escola.

ConclusõesConclusõesConclusõesConclusõesConclusões

As descrições de diferentes contextos escolaresque as investigações sobre as descontinuidades cul-turais tornaram possíveis de serem conhecidas intro-duzem elementos novos na forma de considerar as-pectos da experiência escolar – como a presença dos“encostados” ou a “reprovação dos melhores”. Essesestudos alertam-nos para a necessidade de passar aperceber também como elementos culturais aqueles

aspectos da vida cotidiana – como as modalidades deinteração verbais e não-verbais e as relações de au-toridade – que estão profundamente enraizados napróprio corpo, nos modos de ser e de conviver dosdiferentes grupos indígenas, e que não alcançam visi-bilidade ou o estatuto de aspectos “culturais”, e quemuitas vezes, por isso mesmo, ficam relegados a as-pectos pedagógicos a serem manipulados em funçãode exigências didáticas de eficiência do processo deaprendizagem. Pode-se afirmar que a “cultura invisí-vel” de que trata Philips (1993) responde pela especi-ficidade da experiência escolar dos Xakriabá, um povoque deve continuar lutando para a legitimação da pró-pria identidade, e que se vê na constrição de elaborarformas de torná-la pública que respondam aos este-reótipos do que é considerado uma “autêntica culturaindígena”. A facilidade com que hoje, nas diferentesclasses xakriabás, é possível acolher crianças de di-ferentes idades e que participam de modo diferencia-do das atividades escolares – uma característica difí-cil de encontrar em escolas do meio urbano – podeser considerada contemporaneamente uma caracterís-tica do contexto escolar e um recurso cultural do maisalto potencial pedagógico. Recurso potencial que podedesaparecer em pouco mais de duas gerações, se aconfiguração do contexto escolar não tornar mais pos-sível a sua concreta ativação.

No entanto, a forma como a “cultura invisível”será ativada e significada dependerá em grande partedas “forças da comunidade”, ou seja, da forma comoos Xakriabá interpretam a própria experiência esco-lar e o sentido que atribuirão à escola no processo deafirmação da própria identidade e da busca de garan-tias quanto ao direito à escola diferenciada.

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ANA MARIA R. GOMES, doutora em educação pela

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El proceso de escolarizacion de los Xakriaba: historia local y

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(Cuadernos de Antropologia Social, Argentina: Universidad

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(Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológi-

co – CNPq/ Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas

Gerais – FAPEMIG). E-mail: [email protected]

Recebido em novembro de 2004

Aprovado em abril de 2005

Resumos/Abstracts/Resumens

374 Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006

Las transformaciones en la esferapública y acción ecológica:educación y política en tiempos decrisis de la modernidadDiscute las transformaciones de la es-fera pública contemporanea y laemergencia de nuevos modos de acciónpolítica asociados a la formación deun campo político y pedagógicoambiental. Afirma que la acción políti-ca ambiental, en el contexto delambientalismo y de la nueva izquierdacontracultural. puede ser consideradauna de las expresiones de la crisis dela modernidad. En este sentido, losmovimientos ecológicos buscanreposicionar el ego y el socius, el pri-vado y el público, la ética y la estéticaen la esfera de acción social. Estorepone un dilema que remite tanto alas tendencias conflictivas de lamodernidad cuanto a su proyectoemancipatorio. Frente a esa problemá-tica, algunos análisis destacan ladisolución y el declinio de la política,en cuanto otros enfatizan laemergencia de una nueva forma deacción política. Por fin, el artículo ex-plora los rebatimientos de esoscambios sociales en el campo de laacción educativa, particularmente laeducación ambiental, preocupada conla construcción de un sujeto ecológico.Palabras claves: acción polític;modernidad; educación ambienta;sujeto ecológico

Ana Maria R. Gomes

O processo de escolarização entre osXakriabá: explorando alternativasde análise na antropologia daeducaçãoA criação das escolas estaduais indíge-nas, pelo Programa de Implantação dasEscolas Indígenas de Minas Gerais(PIEI-MG), em 1997, foi um fatomarcante para todos os povos envolvi-dos. Entre os Xakriabá, o processo deescolarização teve seu início pelo me-nos vinte anos antes, e foi intensificado

de modo muito acelerado com o iníciodo funcionamento das escolas esta-duais indígenas. Tal expansão acelera-da gerou um contexto escolar com ca-racterísticas muito peculiares. Noartigo busca-se explorar algumas pers-pectivas de análise sobre os processosde escolarização, propostas pela antro-pologia da educação. A presença dos“encostados” ou a possibilidade de “re-provação dos melhores”, dois exem-plos de aspectos que caracterizam asescolas xakriabás, alertam-nos para anecessidade de se passar a percebertambém como elementos culturais osaspectos da vida cotidiana (como asmodalidades de interação verbais enão-verbais e as relações de autorida-de) que não alcançam imediata visibili-dade, e não são, portanto, consideradosparte da especificidade cultural quemarca a escola xakriabá.Palavras-chave: educação indígena;cultura escolar; antropologia da educa-ção

The process of schooling among theXakriabá people: an exploration ofalternative forms of analysis in theanthropology of educationThe creation of indigenous publicschools in 1997 by means of theProgramme for the Implantation ofIndigenous Schools in the State of Mi-nas Gerais (PIEI-MG) was animportant event for all the indigenousgroups involved. Among the Xakriabápeople, the process of schooling begantwenty years earlier, and wasintensified by the creation of theindigenous public schools. Thisaccelerated expansion generated avery specific school context. In thisarticle, explore the differentperspectives of analysis of theschooling process proposed by theanthropology of education. Twoexamples of the characteristics of thexakriabá schools – the attendance ofnon official students, the “indolent”,

and the possibility of failing the beststudents – focus our attention on thoseaspects of daily life that are notgenerally perceived as culturalelements (such as the verbal and nonverbal interactional styles and therelations of authority). These aspectsare not immediately visible and arenot, therefore, taken as constitutive ofthe cultural specificity of the xakriabáschool.Key-words: indigenous education;school culture; anthropology ofeducation

El proceso de escolaridad entre losXakriabás: explorando alternativasde análisis en la antropología de laeducaciónLa creación de las escuelas estatalesindígenas, através del Programa deImplantación de las Escuelas Indíge-nas de Minas Gerais (PIEI-MG) en1997, fue un hecho marcante para to-dos los pueblos envueltos. Entre losXakriabás, el proceso de escolaridadtuvo su inicio por lo menos veinte añosantes, y fue intensificado de un modomuy acelerado, con el inicio delfuncionamiento de las escuelasestatales indígenas. La expansión ace-lerada produjo un contexto escolar concaracterísticas muy peculiares. En elartículo explorar algunas perspectivasde análisis al respecto de los procesosde escolaridad, propuestas por laantropología de la educación. La pre-sencia de los “arrimados” o laposibilidad de “reprobación de losmejores”, son dos aspectos quecaracterizan a la escuela xakriabá,poniéndonos sobre aviso para lanecesidad de pasar a notar, también,como elementos culturales, los aspec-tos de la vida cotidiana (como las mo-dalidades de interacción verbal y no-verbal y las relaciones de autoridad)que no alcanzan una inmediatavisibilidad, y no son, por lo tanto, con-siderados como parte de la

Resumos/Abstracts/Resumens

Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32 maio/ago. 2006 375

especialidad cultural, que marca a laescuela xakriabá.Palabras claves: educación indígena;cultura escolar; antropología de laeducación

Francisco José Calazans Falcon

História cultural e história daeducaçãoO artigo analisa a separação entre ahistória cultural e a história da educa-ção. Examinando obras a partir dosanos de 1970, verifica a importânciacrescente da história cultural e a au-sência quase completa de trabalhosrelativos à história cultural da educa-ção. Aborda questões disciplinares einstitucionais, mas tambémhistoriográficas, que concorrem paraa exclusão de determinadas discipli-nas, como a história da educação, doâmbito de trabalho do historiador.Durante a década de 1980, detectamaior interesse pela história da edu-cação e por sua inserção nas perspec-tivas historiográficas. Focaliza algu-mas questões que interessam aoshistoriadores e aos historiadores daeducação: as relações entre história ecultura; a tentativa de considerar ahistória cultural em duas perspecti-vas: uma que lhe atribui o recorte eanálise de objetos culturais, e outraque privilegia os pressupostos meto-dológicos, abordando tanto as práti-cas sociais como as suas representa-ções, de acordo com concepções dasdiversas teorias sociais. Conclui quea história cultural é um campo multiou interdisciplinar, não apenas umtipo de abordagem, nem apenas umnovo espaço ou dimensão do real, eenfatiza a necessidade de uma refle-xão mais sistemática sobre a educa-ção como um tema/objeto de investi-gação necessário à compreensão daformação cultural de uma sociedade.Palavras-chave: história cultural;história da educação

Cultural history and the history ofeducationThe article analyses the separationbetween cultural history and the historyof education. It verifies the growingimportance of cultural history and thealmost complete absence of studies onthe cultural history of education basedon an examination of works starting inthe 1970s. It deals with disciplinary,institutional and historiographicquestions which contribute to theexclusion of determined subject areaslike the history of education in the ambitof work of the historian. It detects agreater interest in the history ofeducation during the 1980s, and in itsinsertion in historiographicperspectives. It focuses on somequestions which are of interest tohistorians and historians of education:the relation between history andculture; the attempt to consider cultu-ral history from two perspectives – onewhich attributes to it the separationand analysis of cultural objects and theother which privileges methodologicalpresuppositions dealing with both so-cial practices and theirrepresentations, in accordance withconceptions from diverse socialtheories. It concludes that culturalhistory is a multi or interdisciplinaryfield, not simply a kind of approachnor a new space or dimension ofreality and emphasizes the need for amore systematic reflection on educationas a theme/object of investigationnecessary for understanding the cultu-ral formation of a society.Key-words: cultural history; history ofeducation

Historia cultural y historia de laeducaciónEl artículo analiza la separación entrela historia cultural y la historia de laeducación. Examinando obras a partirde los años de 1970, se verifica laimportancia creciente de la historia

cultural y la ausencia casi completa detrabajos relativos a la historia culturalde la educación. Aborda cuestionesdisciplinares e institucionales, perotambién historiográficas, queconcurren para la exclusión de deter-minadas disciplinas, como la historiade la educación, del ámbito de trabajodel historiador. Durante la década de1980, detecta un mayor interés por lahistoria de la educación y por suinserción en las perspectivashistoriográficas. Focaliza algunascuestiones que interesan a los historia-dores y a los historiadores de laeducación; las relaciones entrehistoria y cultura; la tentativa de con-siderar la historia cultural bajo dosperspectivas; una que le atribuye el re-corte y análisis de objetos culturales, yotra que privilegia los presupuestosmetodológicos, abordando tanto lasprácticas sociales como suspresentaciones, de acuerdo conconcepciones de las diversas teoríassociales. Concluye que la historia cul-tural es un campo multi o interdiscipli-nar, no apenas un tipo de abordage, niapenas un nuevo espacio o dimensiónde lo real, y enfatiza la necesidad deuna reflexión más sistemática sobre laeducación como un tema/objeto deinvestigación necesario a lacomprensión de la formación culturalde una sociedad.Palabras claves: historia cultural;historia de la educación

Luiz Felipe Baêta Neves

História intelectual e história daeducaçãoO texto começa por tratar do uso ana-crônico de palavras e idéias. Tal usocaracteriza-se por uma rigidez na inter-pretação da linguagem, que acaba porse fixar nos significados correntes naépoca em que se escreve a história.Essa reificação do discurso tende a des-considerar as possíveis significações