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ELAINE CRISTINA NASCIMENTO DA SILVA O PROCESSO AVALIATIVO DA PRODUÇÃO DE TEXTO E SUA RELAÇÃO COM A REVISÃO E A REESCRITA RECIFE 2012 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO CURSO DE MESTRADO

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ELAINE CRISTINA NASCIMENTO DA SILVA

O PROCESSO AVALIATIVO DA PRODUÇÃO DE TEXTO E

SUA RELAÇÃO COM A REVISÃO E A REESCRITA

RECIFE 2012

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CURSO DE MESTRADO

ELAINE CRISTINA NASCIMENTO DA SILVA

O PROCESSO AVALIATIVO DA PRODUÇÃO DE TEXTO E

SUA RELAÇÃO COM A REVISÃO E A REESCRITA

Dissertação apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Educação sob

a orientação da Profª Drª Lívia

Suassuna, como requisito parcial para

a obtenção do grau de Mestre em

Educação da UFPE.

RECIFE 2012

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CURSO DE MESTRADO

O PROCESSO AVALIATIVO DA PRODUÇÃO DE TEXTO E

SUA RELAÇÃO COM A REVISÃO E A REESCRITA

COMISSÃO EXAMINADORA

RECIFE, 29 de junho de 2012.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

CURSO DE MESTRADO

A meu príncipe, Gilberto, cujo

encontro fez renascer a minha

vida.

AGRADEDIMENTOS

A Deus, que esteve a frente dessa e de muitas outras conquistas;

A minha mãe, Edinalva, que soube compreender meu momento e ter paciência toda vez

que eu dizia: “só depois do mestrado”;

A meu pai, Teodoro, que sempre se esforçou muito para me proporcionar uma educação

de qualidade;

A minha irmã, Leila, que atuou quase como uma “co-orientadora”, discutindo,

incentivando, cobrando, aconselhando...;

A meu grande amor, Gilberto, por sempre acreditar em mim mais do que eu mesma

acredito;

A meus amigos, que compreenderam minha ausência em muitos momentos; em especial

a minha irmã-cúmplice Eleriza Melquíades, que com sua amizade sincera e leal, esteve

sempre firme e forte na torcida para que tudo desse certo;

Aos meus colegas de mestrado pelas discussões acadêmicas e pelos bons momentos que

tivemos juntos; em especial a Edla Ferraz, Bárbara Elizabeth Albaneide Campos e

Cristiana Vasconcelos, que compartilharam comigo dúvidas e angústias, mas também

muitas risadas;

Às professoras que abriram as portas das suas salas de aula, pela dedicação e confiança

no meu trabalho;

Aos seus alunos, que mesmo sem entender muito bem o que se passava na sala de aula,

colaboraram da melhor forma possível para o desenvolvimento das observações;

Aos diretores das escolas, pelo acolhimento e contribuição;

A Emília, diretora da escola onde trabalho (Escola Estadual Vale das Pedreiras), que

mesmo sendo eu novata na instituição, deixou eu me ausentar no último mês de

mestrado, o que me ajudou imensamente a concluir esta dissertação;

A REUNI, pela concessão da bolsa durante os dois anos de curso;

A Lívia, minha orientadora, que a despeito de minhas limitações e teimosias soube com

seu jeitinho bem humorado e profissional abrir meus olhos para novas discussões e ser

meu ponto de equilíbrio nos momentos de desespero;

A Beth Marcuschi e a Telma Ferraz pelas pertinentes observações feitas na banca de

qualificação; elas que foram meu público-alvo imediato durante toda a escrita dessa

dissertação;

Aos professores do PPGE pelas importantes discussões que me ajudaram a refletir

melhor sobre a educação e, mais especificamente, sobre meu objeto de pesquisa;

A todos aqueles que contribuíram, de um modo ou de outro, para a realização deste

trabalho ou que simplesmente torceram por mim.

RESUMO Esta pesquisa investigou as intervenções realizadas pelo professor nas situações de produção, revisão e reescrita textuais. Buscamos responder às seguintes questões: Que estratégias didáticas são usadas pelos professores para ajudar os alunos a produzir/revisar/reescrever seus textos? Como é realizada a mediação dos professores durante a execução destas estratégias avaliativas? Quais são os aspectos enfocados e priorizados por eles nas orientações dadas? As orientações são oferecidas com clareza para os alunos? Há diversificação nas orientações oferecidas pelos professores durante e após a produção? Para compreendermos melhor o nosso objeto e analisarmos os dados, nos apoiamos em uma concepção de avaliação como “estratégia de formação e como discurso” (HADJI, 2001; MÉNDEZ, 2002; PERRENOUD, 1999; SUASSUNA, 2007). Participaram da pesquisa uma professora da Rede Estadual de Ensino (A), em uma turma de 6º ano, e uma professora da Rede Municipal do Recife (B), em uma turma de 8ª ano. Cada uma desenvolveu duas sequências de atividades, envolvendo os gêneros textuais poema/notícia e notícia/currículo, respectivamente. Estas sequências tiveram um desenvolvimento semelhante: a) exploração do gênero textual; b) produção de textos à moda do gênero explorado; c) avaliação, revisão e reescrita dos textos produzidos. Através das análises, verificamos que ambas as professoras utilizaram diversas estratégias para ajudar os alunos (re) elaborar seus textos. Esse é um aspecto positivo, pois dá indícios de que elas se preocupam com a aprendizagem dos alunos e por isso utilizam formas diferentes para tentar garanti-la. Entretanto, a mediação realizada por elas durante a execução destas estratégias pode não ajudar muito o aluno a desenvolver suas habilidades de escrita. Em relação à professora A, sua mediação se configura mais numa intervenção no texto produzido (fazendo o aluno identificar o problema e/ou apontar sua solução) do que num momento de reflexão linguística. Já a professora B intervém muito no processo de produção e refacção dos textos, de tal modo que muitas vezes dá as respostas prontas. Em relação aos aspectos priorizados nas orientações, vimos que a professora A dá ênfase às convenções gramaticais. Esta evidência permanece tanto nas orientações durante, como após a produção. Já em relação à professora B, concluímos que nas orientações orais realizadas durante as produções de textos, ela focalizou sua avaliação no conteúdo textual. Nas orientações orais e nos comentários escritos após a produção, a professora praticamente continuou observando os mesmos aspectos. Entretanto, ela passou a avaliar também aspectos formais / gramaticais, através de marcações nos textos dos alunos (correções indicativa e resolutiva). No que diz respeito à clareza das orientações oferecidas, vimos que na maioria das vezes, estas são claras, pois ajudam o aluno a identificar “o que é” para ser mudado e “como” fazê-lo. Entretanto, em algumas situações notamos que não são “suficientes”, ou seja, são dadas poucas informações para ajudar o aluno a repensar seu texto. Já a professora B, ao dar muitas vezes as respostas prontas nas orientações orais e nas marcações escritas, oferece-as de forma demasiada clara e suficiente. No que diz respeito aos comentários escritos, a maioria são amplos e gerais, deixando dúvidas sobre o que modificar e como realizar tal modificação. Concluímos que as atividades de avaliação, revisão e reescrita ainda não se configuram como uma prática interlocutiva, na qual o aluno participa ativamente, refletindo sobre os diversos elementos que constituem os textos e reconstruindo seus conhecimentos sobre a escrita, sob uma mediação docente que respeite sua contrapalavra e estimule essa reflexão. PALAVRAS-CHAVE: AVALIAÇÃO; PRODUÇÃO DE TEXTO; GÊNEROS TEXTUAIS.

ABSTRACT

This research investigated the interventions made by the teacher in production situations, textual revision and rewriting. We seek to answer the following questions: What teaching strategies are used by teachers to help students produce / review / rewrite their texts? How is the mediation of teachers during the implementation of these assessment strategies? What are the aspects focused and prioritized by them in the guidance given? The guidelines are offered to students with clarity? There is diversity in the instructions provided by teachers during and after production? To better understand our object and analyzing the data, we rely on a concept of evaluation as "training strategy and as discourse" (HADJI, 2001; MENDEZ, 2002; PERRENOUD, 1999; SUASSUNA, 2007). The participants were a teacher from a State School (A), in a class of 6th year, and a teacher of a Municipal School of Recife (B), in a class of 8th year. Each one developed two sequences of activities, involving textual genres poem/news and news/resume, respectively. These sequences had a similar development: a) exploration of the genre, b) production of texts in the style of the explored genre c) evaluation, revision and rewriting of the texts produced. Through the analysis, we found that both teachers used various strategies to help students (re) produce their texts. This represents a positive aspect because gives evidence that they care about students' learning and therefore use different ways to try to assure it. However, the mediation conducted by them during the execution of these strategies may not help much students develop their writing skills. Regarding the teacher A, her mediation is configured more as an intervention in the text produced (by having the student identify the problem and / or point its solution) than in a moment of linguistics reflection. In the other hand, the teacher B intervenes in both production and textual rewriting, in a way that often gives out the answers before the students. About the aspects prioritized in the guidelines, we found that the teacher A emphasizes the grammatical conventions. This evidence remains in both directions during and after the production. With regard to Professor B, we conclude that in the guidelines made orally during the production of texts, she focused her evaluation on the textual content. In the oral guidelines and written comments after production, the teacher just kept watching the same aspects. However, she has also evaluated the formal/grammatical aspects through marking on student writing (indicative and resoluteness correction). Regarding the clarity of the guidelines given, we saw that in most cases, these are clear, helping students to identify "what" to be changed and "how" to do so. However, in some situations we see they are not "enough", it means little information is given to help the student to rethink his/her text. In the case of the teacher B, when often giving the answers in the oral guidelines and written markings, offers them in a very clear and sufficient way. With regard to the written comments, most are broad and general, leaving doubts about what to change and how to perform this modification. We conclude that the assessment, reviewing and rewriting activities do not act as an interlocutory practice, in which the student participates actively, reflecting on the various elements that constitute the text and reconstructing their knowledge about writing, under a teacher´s mediation that respects their speeches and encourage this reflection. KEYWORDS: ASSESSMENT; TEXTUAL WRITING; GENRE TEXTUAL.

LISTA DE QUADROS

LISTA DE FIGURAS

Quadro 1 Síntese dos elementos do gênero textual currículo trabalhados pela

professora B ---------------------------------------------------------------------

221

Quadro 2 Comentários escritos pela professora B junto às noticias produzidas --- 266

Figura 1: Gestão textual ----------------------------------------------------------------- 78

Figura 2: Correção indicativa ----------------------------------------------------------- 122

Figura 3: Correção resolutiva ----------------------------------------------------------- 123

Figura 4: Correção classificatória ------------------------------------------------------ 124

Figura 5: Correção textual-interativa -------------------------------------------------- 125

Figura 6: Correção textual-sugestiva -------------------------------------------------- 128

Figura 7: Notícia produzida por grupo de alunos ------------------------------------ 163

Figura 8: Correção indicativa realizada pela professora B ------------------------- 237

Figura 9: Correção resolutiva realizada pela professora B ------------------------- 238

Figura 10: Comentários escritos realizados pela professora B ---------------------- 239

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Caracterização das professoras e das turmas ------------------------------ 135

Tabela 2 Síntese da sequência envolvendo o gênero textual “poema”

(professora “A”) ---------------------------------------------------------------

143

Tabela 3 Síntese da sequência envolvendo o gênero textual “notícia”

(professora “A”) ---------------------------------------------------------------

157

Tabela 4 Estratégias didáticas usadas pela professora “A” para ajudar os

alunos a produzir/revisar/reescrever seus textos --------------------------

170

Tabela 5 Aspectos avaliados na sequência sobre “poema” vs aspectos

avaliados na sequência sobre “notícia” (professora “A”) ----------------

185

Tabela 6 Aspectos avaliados durante a produção de texto vs aspectos avaliados

após a produção de texto (professora “A”) --------------------------------

204

Tabela 7 Síntese da sequência envolvendo o gênero textual “notícia”

(professora “B”) ---------------------------------------------------------------

209

Tabela 8 Síntese da sequência envolvendo o gênero textual “currículo”

(professora “B”) ---------------------------------------------------------------

219

Tabela 9 Estratégias didáticas usadas pela professora “B” para ajudar os alunos

a produzir/revisar/reescrever seus textos ----------------------------------

232

Tabela 10 Aspectos avaliados oralmente pela professora “B” durante o processo

de produção de texto, revisão e reescrita de notícias ---------------------

252

Tabela 11 Aspectos avaliados oralmente pela professora “B” durante a

produção de notícias texto vs aspectos avaliados oralmente após a

produção de notícias ----------------------------------------------------------

269

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO -------------------------------------------------------------------------------- 1 – 4

CAPÍTULO 1: REFERENCIAL TEÓRICO

1.1 Concepções de língua ------------------------------------------------------------------ 5 – 31

1.2 Texto e Gênero Textual

1.2.1 Concepções de texto ------------------------------------------------------------

31 – 41

1.2.2 O texto e a sua relação com as atividades humanas ----------------------- 42 – 46

1.2.3 Gêneros textuais: conceitos e definições ------------------------------------ 46 – 68

1.3 O ensino da produção de texto na escola a partir dos gêneros textuais ----- 69

1.3.1 A atividade de produção de texto em contextos extra-escolares

1.3.1.1 Produção de texto como uma atividade social e cognitiva -------- 69 – 74

1.3.1.2 As atividades e operações de linguagem envolvidas na produção

de textos escritos, segundo Schneuwly (1988) ------------------------------

74 – 79

1.3.2 A atividade de produção de texto no contexto escolar -------------------- 79 – 90

1.3.3 Limites e possibilidades do ensino da produção de texto a partir dos

gêneros textuais ------------------------------------------------------------------------

90 – 103

1.4 Avaliação da produção de texto numa perspectiva formativo-discursiva

1.4.1 Avaliação como estratégia de formação

1.4.1.1 Procedimentos envolvidos no ato de avaliar ------------------------ 103 – 107

1.4.1.2 Avaliação como regulação do ensino-aprendizagem -------------- 108 – 111

1.4.2 Avaliação como linguagem/discurso ----------------------------------------- 111 - 113

1.4.3 Avaliação da produção de texto ----------------------------------------------- 113 – 116

1.4.4 A questão dos critérios de avaliação ----------------------------------------- 116 – 120

1.4.5 As estratégias de avaliação ---------------------------------------------------- 120 - 129

CAPÍTULO 2: METODOLOGIA ---------------------------------------------------------- 130 – 131

2.1 Sujeitos ----------------------------------------------------------------------------------- 131 – 135

2.2 Material / Corpus ---------------------------------------------------------------------- 135

2.3 Procedimentos de Coleta do Material / do Corpus ------------------------------ 136 – 137

2.4 Procedimentos de Análise dos Dados ---------------------------------------------- 137 – 141

CAPÍTULO 3: RESULTADOS ------------------------------------------------------------- 142

3.1 Professora A

3.1.1 Sequência de atividades envolvendo o gênero textual “poema” --------- 142 – 143

3.1.1.1 Exploração das características do gênero “poema” ---------------- 144 – 152

3.1.1.2 Condições de produção e de socialização dos poemas ------------ 152 – 157

3.1.2 Sequência de atividades envolvendo o gênero textual “notícia” --------- 157

3.1.2.1 Exploração das características do gênero “notícia” ---------------- 158 – 161

3.1.2.2 Condições de produção das notícias ---------------------------------- 162 - 166

3.1.3 Semelhanças e diferenças entre as sequências de atividades

envolvendo os gêneros textuais “poema” e “notícia” ---------------------------

167 - 169

3.1.4 Processo de produção, avaliação, revisão e reescrita textuais

3.1.4.1 Que estratégias didáticas são usadas pela professora A para

ajudar os alunos a produzir/revisar/reescrever seus textos? --------------

169 – 178

3.1.4.2 Como é realizada a mediação da professora A durante a

execução das estratégias avaliativas? ----------------------------------------

178 – 183

3.1.4.3 Quais são os aspectos enfocados e priorizados nas orientações

oferecidas professora A? ------------------------------------------------------

184 – 200

3.1.4.4 As orientações são oferecidas com clareza para os alunos pela

professora A? -------------------------------------------------------------------

200 – 204

3.1.4.5 Há diversificação nas orientações oferecidas pela professora A

durante e após a produção? --------------------------------------------------- 204 – 206

3.1.5 Perfil avaliativo da Professora A --------------------------------------------- 207 - 208

3.2 Professora B

3.2.1 Sequência de atividades envolvendo o gênero textual “notícia” --------- 209 – 211

3.2.1.1 Exploração das características do gênero “notícia” ---------------- 211 – 216

3.2.1.2 Condições de produção e de socialização das notícias ------------ 217 – 218

3.2.2 Sequência de atividades envolvendo o gênero textual “currículo” 218 – 219

3.2.2.1 Exploração das características do gênero “currículo” ------------- 220 – 225

3.2.2.2 Condições de produção dos currículos ------------------------------- 226 – 230

3.2.3 Semelhanças e diferenças entre as sequências de atividades

envolvendo os gêneros textuais “notícia” e “currículo” ------------------------

230 – 231

3.2.4 Processo de produção, avaliação, revisão e reescrita textuais

3.2.4.1 Que estratégias didáticas são usadas pela professora B para

ajudar os alunos a produzir/revisar/reescrever seus textos? --------------

232 – 240

3.2.4.2 Como é realizada a mediação da professora B durante a

execução das estratégias avaliativas? ----------------------------------------

240 – 251

3.2.4.3 Quais são os aspectos enfocados e priorizados nas orientações

oferecidas pela professora B? ------------------------------------------------

251 – 264

3.2.4.4 As orientações são oferecidas com clareza para os alunos pela

professora B? -------------------------------------------------------------------

264 – 268

3.2.4.5 Há diversificação nas orientações oferecidas pela professora B

durante e após a produção? ---------------------------------------------------

268 – 271

3.2.4.6 Perfil avaliativo da Professora B ---------------------------------- 271 – 273

CONSIDERAÇÕES FINAIS ----------------------------------------------------------------

274 – 280

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ---------------------------------------------------- 281 – 287

1

INTRODUÇÃO

Muitos pesquisadores têm se dedicado a verificar quais critérios o professor

adota na avaliação dos textos dos seus alunos; dentre eles, podemos citar Herreira

(2000), Leal e Guimarães (1999), Rodrigues (2008) e Mayrink-Sabinson (1997). De

uma forma geral, esses autores perceberam uma preocupação excessiva dos professores

com os aspectos formais do texto, encontrados na superfície textual, tais como

ortografia, letras maiúsculas e minúsculas, parágrafo, pontuação, concordância e

acentuação. Tal preocupação também foi constatada por Jesus (1995) em sua pesquisa.

Nas escolas por ela observadas, a autora verificou que o trabalho de reescrita de textos

caracterizava-se por uma espécie de “operação limpeza”, na qual o objetivo principal

era eliminar todos “os erros gramaticais” encontrados no texto. Jesus (1995) denominou

esse procedimento de “higienização do texto”. Situação idêntica foi encontrada por Ruiz

(2001) em seu estudo sobre as formas de correção do texto pelo professor. A autora

relata que não foi observada, em geral, uma preocupação do professor com aspectos

mais profundos do discurso e os poucos docentes que se revelam atentos a tais aspectos

se mostram inseguros sobre como proceder à mediação. Como podemos perceber, há

ainda um apego muito grande por parte dos professores à norma padrão, demonstrando

que o foco da avaliação da produção textual tem sido muitas vezes a gramática e não o

texto.

O modo como se dá a prática de avaliação, revisão e reescrita textuais, a julgar

pelas pesquisas acima mencionadas, aponta para professores preocupados com a

linguagem em sua imanência, subtraída dos seus sentidos e de sua função social. Esse

comportamento pode ser visto como consequência da forma como a produção de texto

tem sido realizada na escola: o texto tem como leitor privilegiado o professor, circula

apenas no espaço escolar e tem por única função desenvolver e avaliar as capacidades

de escrita dos alunos (MARCUSCHI, B., 2006b).

Como salienta Góes (1993), quando a escrita não atende a demandas

comunicativas, há uma centração no objeto do dizer, pois o aluno e o professor não têm

motivação para se preocupar com outros aspectos inerentes à produção textual, como a

adequação da linguagem ao destinatário, o atendimento à função social pretendida etc.

Assim, entendemos que uma mudança na forma de avaliar o texto pelo professor e no

2

modo como o aluno revisa e reescreve seu texto tem de ser precedida por uma mudança

na forma global como se realiza a produção de texto na escola.

Acreditamos num ensino pautado nos gêneros textuais, segundo o qual devemos

proporcionar aos alunos contextos de escrita semelhantes àqueles de que participamos

fora da escola, promovendo situações em que eles possam elaborar textos de diferentes

gêneros textuais para atender a variadas finalidades e diversos interlocutores (DOLZ &

SCHNEUWLY, 2004).

Da mesma forma, defendemos um ensino da produção de textos no qual haja um

deslocamento da reprodução para a produção de discursos (GERALDI, 1997). Para

tanto, é necessário o professor não só assumir-se como um dos interlocutores do aluno,

agindo como um real parceiro na atividade de escrita, como também respeitar a sua

palavra, dando-lhe a oportunidade de ser um locutor “efetivo” em sala de aula.

Pensar num ensino de produção de texto nesses moldes significa também pensar

numa avaliação, revisão e reescrita textuais diferentes. Se no ensino tradicional é

ensinada de modo enfático a gramática normativa, não é de se estranhar que, na

avaliação da produção de texto, seja verificado, às vezes de modo exclusivo, o

atendimento às normas gramaticais.

Da mesma forma, se o objeto de ensino-aprendizagem das aulas de Língua

Portuguesa forem “os gêneros textuais”, em torno dos quais são realizadas atividades de

leitura, produção de texto e análise linguística, o professor avaliará o domínio de

elementos relativos aos gêneros textuais abordados (seus traços linguísticos, formais e

estruturais relativamente estáveis, bem como seus aspectos sociodiscursivos), de modo

a ajudar o aluno a atender ao propósito interativo almejado.

Além disso, o professor deve questionar o texto do aluno como um leitor ou um

coautor, apontando outros caminhos possíveis para o aluno dizer o que quer dizer e

fazendo da avaliação um momento para refletir e analisar a adequação ou inadequação

dos usos da língua (GERALDI, 2003; ANTUNES, 2006; MARINHO, 1997).

Assim como Perrenoud (1999), acreditamos que a avaliação deve ser pensada no

âmbito de uma didática mais ampla. Ou seja, a prática avaliativa precisa ser construída a

partir dos conteúdos e estruturas específicas do saber, bem como dos mecanismos de

aprendizagem correspondentes. Tomando como exemplo o ensino da produção de

textos, o autor defende que uma avaliação formativa nesse domínio, supõe uma “teoria

do texto” e da “produção de textos”, e deve inserir-se em um conjunto de procedimentos

3

didáticos coerente com esses pressupostos. Até porque há uma relação forte entre

avaliação e didática, na medida em que a avaliação formativa é um dos dispositivos

usados para a regulação do ensino e da aprendizagem.

Frente a essa problemática, surgiu para nós a seguinte indagação: será que o

professor, ao assumir o compromisso de colocar em prática uma nova proposta de

ensino da produção de texto através dos gêneros textuais, mudará sua maneira de avaliar

o texto do aluno? A partir dessa questão mais geral, surgiram outras indagações.

a – será que as professoras avaliam os textos dos seus alunos em função das

diversas dimensões que compõem os gêneros textuais trabalhados?

b – será que, ao realizarem as atividades de avaliação, revisão e reescrita

textuais, estabelecem uma relação interlocutiva com o aluno, na qual ambos se

coloquem como sujeitos e como parceiros da atividade de escrita?

c – será que as docentes se colocam como interlocutoras de seus alunos,

questionando e testando os textos por eles produzidos como se fossem leitoras, bem

como apontando caminhos possíveis para os alunos dizerem o que querem dizer?

d – será que elas estimulam a participação dos alunos nas atividades de revisão e

reescrita, lançando questões que os impulsionem a refletir sobre o texto?

Motivada por tais questões, investigamos intervenções realizadas por professoras

em situações de produção, revisão e reescrita textuais. Mais especificamente, tivemos

como objetivos:

a) investigar que estratégias didáticas são usadas pelas professoras para ajudar

os alunos a produzir/revisar/reescrever seus textos;

b) analisar como é realizada a mediação das professoras durante a execução

dessas estratégias avaliativas;

c) identificar quais são os aspectos enfocados e priorizados por elas nas

orientações dadas;

d) verificar se as orientações são oferecidas com clareza para os alunos;

e) observar se há diversificação nas orientações oferecidas pelas professoras

durante e após a produção.

Com base na bibliografia consultada para a elaboração desta pesquisa, cremos

que nossa investigação poderá trazer inovações sobre o tema da avaliação, revisão e

reescrita textuais. Primeiramente, porque as pesquisas consultadas mostram que os

pesquisadores têm investigado as atividades de avaliação, revisão e reescrita de

4

“redações clássicas”, segundo a categorização elaborada por Marcuschi, B. (2006a e

2006b). Ou seja, têm tomado como objeto de estudo práticas de produção textual que se

distanciam daquelas que acontecem nas diversas situações extraescolares de interação

comunicativa mediadas pela escrita e solicitadas ao aluno a partir da indicação do tema

e/ou de um dos tipos textuais genuinamente escolares – a narração, a descrição e a

dissertação. Nosso trabalho, pelo contrário, partiu de práticas de produção de texto e

avaliação que se propõem seguir a perspectiva de ensino pautado nos gêneros textuais

(SCHNEUWLY & DOLZ, 2004), buscando verificar como essa nova perspectiva tem

se refletido na prática avaliativa das professoras.

Vimos também que, na maioria dessas pesquisas, tem-se analisado apenas o

texto do aluno, sem levar em conta todo o processo que lhe deu origem. Além disso,

têm-se considerado a revisão e a reescrita como atividades separadas do momento da

produção. Já na nossa pesquisa, analisamos todas as etapas da produção textual – a

exploração do gênero a ser produzido, o encaminhamento da produção de texto, as

intervenções orais e escritas realizadas pelos professores durante as atividades de

(re)elaboração textual –, considerando a revisão e a reescrita como atividades

constitutivas da produção textual.

A seguir, vamos discutir os pressupostos teóricos que embasaram o

desenvolvimento desta pesquisa.

5

CAPÍTULO 1: REFERENCIAL TEÓRICO

1.1 Concepções de língua

Ao longo da história dos estudos linguísticos, a língua foi investigada de

diversos pontos de vista. Talvez devido à complexidade desse objeto de estudo, os

pesquisadores tenham sentido a necessidade de selecionar, em detrimento da unidade,

os fenômenos a serem descritos. Entretanto, cada opção teórico-metodológica realizada

não é gratuita nem neutra. Quem primeiramente reconheceu esse fato foi Saussure

(1977), como podemos perceber na sua famosa afirmação:

Outras ciências trabalham com objetos dados previamente e que se podem considerar, em seguida, de vários pontos de vista; em nosso campo nada de semelhante ocorre. (...) Bem longe de dizer que o objeto precede o ponto de vista, diríamos que é o ponto de vista que cria o objeto; aliás, nada nos diz de antemão que uma dessas maneiras de considerar o fato em questão seja anterior ou superior às outras. (p. 15).

Assim, vemos que o modo como numa determinada perspectiva linguística se

toma uma parte da língua como objeto de estudo constrói o que é a língua para o

estudioso. A grande questão é que, fazendo isso, acaba-se, num processo metonímico,

tomando a parte pelo todo. Ou seja, como explica Geraldi (1997), “se cristaliza como

verdade o que é apenas uma verdade dentro de certa perspectiva.” (p. 90).

Outro aspecto a ser considerado, ainda segundo Geraldi (1997), é que “as

disputas na definição do objeto, do que lhe é próprio e do que lhe é exterior, produzem

resíduos, recuperáveis a partir de outros postos de observação.” (p. 75). Isso porque, ao

se enfocar determinados aspectos da língua, deixam-se de investigar outros, que,

posteriormente, podem ser enfocados por outras perspectivas que assumam pontos de

vista diferentes.

Nosso objetivo neste capítulo é, então, expor e discutir as principais concepções

de língua, observando como, ao longo do tempo, o objeto dos estudos linguísticos se

definiu de forma diferente. Pretendemos, assim, retratar um pouco da história das

ciências da linguagem, percebendo como os resíduos deixados por uma perspectiva são

recuperados por uma nova perspectiva surgida posteriormente. Até porque é esse estado

provisório das opções teóricas que garante o movimento contínuo do fazer científico.

6

Podemos apontar aqui quatro concepções de língua: 1) língua como expressão

do pensamento; 2) língua como sistema; 3) língua como instrumento de comunicação;

4) língua como interação.

A concepção de língua como expressão de pensamento é um princípio

sustentado pela tradição gramatical grega, passando pelos latinos, pela Idade Média e

pela Moderna, e teoricamente só rompida no início do século XX, de forma efetiva, por

Saussure (1977).

Bakhtin (2002), expondo as diretrizes dessa concepção, explica que, para seus

adeptos, a expressão linguística é formada de alguma maneira no psiquismo humano e é

exteriorizada objetivamente com a ajuda de um código de signos exteriores, como se

fosse uma tradução: “O exterior constitui apenas a material passivo do que está no

interior.” (p. 112). Sendo assim, acredita-se que se as pessoas não conseguem se

expressar é porque não pensam.

Nesse sentido, a expressão admite duas facetas – o conteúdo interior e sua

objetivação exterior. O conteúdo existe na mente do indivíduo sob uma determinada

forma e assume uma forma diferente quando é expresso. Observamos, pois, um

dualismo entre o que é interior e o que é exterior, com preferência pelo primeiro, pelo

fato de a objetivação partir de dentro para fora. Bakhtin (2002) concorda com a ideia de

que, ao ser exteriorizado, o conteúdo interior muda de aspecto, pois no decorrer do

processo de transformação se faz necessário apropriar-se do material exterior, que

possui suas próprias regras. É por isso que, para os adeptos dessa concepção, a

expressão é considerada uma deformação da pureza do pensamento interior.

Além disso, como explica Travaglia (2006), essa concepção parte da hipótese de

que a natureza da linguagem é racional, por se entender que existem regras universais

(de classificação, de divisão e de segmentação do universo) que devem ser seguidas

para a organização lógica do pensamento. Por sua vez, a exteriorização deste por meio

de um texto linguisticamente organizado depende diretamente da capacidade do

indivíduo de organizar logicamente seu pensamento. Dessa forma, podemos dizer que

as leis que regem a produção linguística são as leis da psicologia individual: “Todas as

forças criadoras e organizadoras da expressão estão no interior.” (BAKHTIN, 2002, p.

111 e 112). Essas leis, por sua vez, constituem as normas gramaticais do falar e escrever

“bem”.

7

Podemos, então, identificar o ponto de vista segundo o qual a língua era

estudada pelos adeptos dessa concepção: focalizando-se a enunciação individual.

Com relação à segunda concepção do língua – língua enquanto sistema –, seu

principal representante foi o linguista suíço Ferdinand de Saussure (1977), importante

estudioso do estruturalismo europeu. As ideias aqui mencionadas derivam do livro

Cours de linguistique générale, publicado em 1916 como obra póstuma desse estudioso.

Entretanto, segundo Ilari (2007), esse livro não foi escrito por Saussure (1977), mas por

alguns de seus alunos da Universidade de Genebra (Bally, Riedlinger e Sechehaye), que

tomaram, como base para a escrita, notas de aulas produzidas nos anos letivos de 1907-

8, 1908-9 e 1910-11. Isso fez com que o livro, apesar do seu reconhecido sucesso,

levantasse a desconfiança de que as ideias nele contidas não condiziam realmente com o

pensamento de Saussure (1977). Apesar das críticas sobre a veracidade da obra, é

inegável a sua contribuição para os debates na área.

Como apontamos anteriormente, cada uma das concepções de língua aqui

definidas deriva de um ponto de vista diferente sobre o mesmo objeto científico – a

língua. Então, nada mais adequado que iniciarmos nossa discussão lembrando o ponto

de vista a partir do qual Saussure (1977) criou seu objeto de estudo. O linguista inicia o

Curso afirmando que a linguagem tem um lado individual e um lado social e que é

impossível conceber um sem o outro. Antes, porém, de explicitar qual dos dois lados

privilegiaria como objeto, ele justifica a sua opção teórico-metodológica dizendo:

Qualquer que seja o lado por que se aborda a questão, em nenhuma parte se nos oferece integral o objeto da linguística. Sempre encontramos o dilema: ou nos aplicamos a um lado apenas de cada problema e nos arriscamos a não perceber as dualidades assinaladas acima, ou, se estudamos a linguagem sob vários aspectos ao mesmo tempo, o objeto da Linguística nos aparecerá como um aglomerado confuso de coisas heteróclitas, sem liame entre si. (p. 16).

A partir dessa citação, Saussure (1977) afirma que o pesquisador, ao assumir um

determinado ponto de vista, negligencia aspectos do objeto de estudo que dizem

respeito a outras formas de concebê-lo, deixando, assim, de apreendê-lo como um todo.

Entretanto, quando se tenta fugir da especificidade e apreender o objeto na íntegra, não

se tem uma compreensão coesa e coerente do objeto estudado. Com essas reflexões, o

linguista pretendia, assim, justificar o ponto de vista escolhido por ele, mostrando que,

8

por ser impossível observar a língua em sua totalidade, ele escolheu apenas um – o do

sistema –, mas que não desconsiderava os outros existentes – relativos à fala.

Complementando a discussão, Saussure (1977) afirma ainda que, quando se

tenta analisar a língua em todas as suas facetas:

abre-se a porta a várias ciências – Psicologia, Antropologia, Gramática Normativa, Filologia etc. – que separamos claramente da Linguística, mas que, por culpa de um método incorreto, poderiam reivindicar a linguagem como um de seus objetos. (p. 16).

Ao afirmar isso, ele defende que o ponto de vista escolhido por ele diz respeito

apenas aos estudos da Linguística e que todos os outros pontos de vista deveriam ser

estudados por outras disciplinas. Saussure (1977) determina, então, que a Linguística

deveria se ocupar dos elementos que são “internos” à língua e deixar de lado tudo o que

lhe fosse “externo”: “Nossa definição da língua supõe que eliminemos dela tudo o que

lhe seja estranho ao organismo, ao seu sistema, numa palavra: tudo quanto se designa

pelo termo ‘Linguística externa’.” (p. 29).

Para argumentar a favor dessa posição, Saussure (1977) cita argumentos que

poderiam ser emitidos para desacreditá-la e se preocupa em contra-argumentar. Fazendo

uma comparação entre as plantas e a língua, lança a seguinte questão: “Do mesmo modo

que a planta é modificada no seu organismo interno pelos fatores externos (terreno,

clima etc.) assim também não depende o organismo gramatical constantemente dos

fatores externos da modificação linguística?” (p. 30). Para responder a essa pergunta, o

linguista explica que, ao contrário do que se tenta defender, é possível realizar o estudo

da língua propriamente dita sem relacioná-la a questões como a história de uma raça ou

civilização, a história política, as instituições de toda a espécie, como a escola e a igreja,

a extensão geográfica etc., visto que esses elementos não interferem no organismo

interno da língua. Usa também, como exemplo, a metáfora da língua como um jogo de

xadrez:

(...) o fato de ele ter passado da Pérsia para a Europa é de ordem externa; interno, ao contrário, é tudo quanto concerne ao sistema e às regras. Se eu substituir as peças de madeira por peças de marfim, a troca será indiferente para o sistema; mas, se eu reduzir ou aumentar o número de peças, essa mudança atingirá profundamente a “gramática do jogo.” (p. 31-32).

9

Tentando relativizar sua afirmação, o linguista pondera dizendo que tais estudos

são muito frutuosos, mas é falso dizer que, sem eles, não seria possível conhecer o

organismo linguístico interno. Entretanto, não deixa de ratificar sua posição dizendo que

“em todo o caso, a separação dos dois pontos de vista se impõe, e quanto mais

rigorosamente for observada, melhor será.” (p. 31).

Neste ponto vemos talvez a mais importante contribuição de Saussure (1977)

para os estudos linguísticos: o seu empenho em transformar a Linguística em uma

ciência autônoma. Para tanto, restringiu o objeto em estudo (a língua) àquilo que lhe

cabia, àquilo que era apenas e estritamente de ordem linguística. Mais à frente vamos

retomar esse assunto, quando formos tratar da semiologia.

Dentre os dois lados da linguagem, Saussure (1977) se dedicou, então, a estudar

o que, segundo ele, era o lado social – a língua (langue) –, em detrimento da outra parte,

concebida como individual – a fala (parole). Nessa escolha, vemos o principal ponto de

oposição em relação à perspectiva de língua anteriormente descrita: os estudiosos que

concebem a língua como “expressão do pensamento” estudam justamente a fala

(entendida como enunciação individual oral ou escrita). Como veremos mais adiante,

Saussure (1977) argumenta que, devido a sua individualidade, a fala não se presta à

análise linguística.

A discussão saussuriana sobre o conceito de língua tem como ponto de partida

justamente a oposição entre essas duas partes. Para Saussure (1977), a língua deve ser

entendida como um sistema de signos e uma entidade abstrata. Já a fala diz respeito aos

possíveis usos desse sistema e aos atos linguísticos concretos.

Além disso, para ele a língua é um ato social, enquanto que a fala é um fato

individual, como podemos conferir na seguinte passagem: “Com o separar a língua da

fala, separa-se também ao mesmo tempo: o que é social do que é individual”. (p. 22)

Essa afirmação encontra respaldo em outras duas características da língua, de acordo

com Saussure (1977). Primeiramente, a língua como uma convenção social

compartilhada entre os usuários de uma mesma língua, afirmação nítida no seguinte

trecho do Curso: “ela não existe senão em virtude duma espécie de contrato

estabelecido entre os membros de uma comunidade.” (p. 22). Em segundo lugar, na

ideia de que a língua é adquirida socialmente pelos indivíduos por meio de escuta das

falas alheias:

10

Pelo funcionamento das faculdades receptiva e coordenativa, nos indivíduos falantes, é que se formam as marcas que chegam a ser sensivelmente as mesmas em todos. (...) Se pudéssemos abarcar a totalidade das imagens verbais armazenadas em todos os indivíduos, atingiríamos o liame social que constitui a língua. Trata-se de um tesouro depositado pela prática da fala em todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade, um sistema gramatical que existe virtualmente em cada cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros dum conjunto de indivíduos, pois a língua não está completa em nenhum, e só na massa ela existe de modo completo. (p. 21).

Através dessa passagem, podemos concluir que, para Saussure (1977), a

aprendizagem da língua se dá de forma passiva, na medida em que o sujeito não tem

nenhuma participação na interiorização do sistema. Este é simplesmente depositado ou

armazenado nas mentes dos indivíduos submetidos às práticas de fala. Dessa forma,

Saussure (1977) não fala em aprendizagem da língua por meio da interação social, mas

de uma aprendizagem unilateral e transmissiva. Entretanto, já admite o caráter social

desse processo, ou seja, considera que o sistema é adquirido em meio às práticas

linguísticas vivenciadas socialmente pelos indivíduos.

Essa passagem também nos mostra outra percepção de Saussure (1977) sobre a

língua: a língua, depois de aprendida, é igual para todos. Ignora-se, assim, a capacidade

construtiva e inventiva dos indivíduos. Em outra passagem, o autor ratifica mais uma

vez essa ideia: “Entre todos os indivíduos assim unidos pela linguagem, estabelecer-se-á

uma espécie de meio- termo: todos reproduzirão – não exatamente, sem dúvida, mas

aproximadamente – os mesmos signos unidos aos mesmos conceitos”. (p. 21) Através

dela, também podemos retomar a primeira característica mencionada acima – da língua

como sistema abstrato –, na medida em que Saussure (1977) a caracteriza como um

sistema virtual existente apenas na mente dos indivíduos e não concretamente.

Já a fala é sempre diferente, na medida em que está sujeita às intervenções do

indivíduo que a produz. Por isso, para Saussure (1977), seu estudo seria muito difícil:

ela não se deixa classificar, pois não se sabe como inferir sua unidade.

Continuando a distinção, o linguista afirma que a língua é algo externo ao sujeito

e que escapa à sua consciência: “A língua não constitui, pois, uma função do falante: é

produto que o indivíduo registra passivamente; não supõe jamais premeditação, e a

reflexão nela intervém somente para atividade de classificação (...)”. (p. 22. De acordo

com essa passagem, vemos que, para Saussure (1977), o sujeito falante, por si só, não

pode nem criar, nem modificar a língua. Isso porque ela é algo produzido fora do sujeito

11

e que lhe é dado pronto, cabendo-lhe apenas reproduzi-la. Além disso, ignora-se a

capacidade do falante de refletir sobre o sistema conscientemente, por se acreditar que o

usuário utiliza-o sem planejar essa utilização.

Em contraposição, a fala é interna ao sujeito e é usada conscientemente por ele:

“A fala é, ao contrário, um ato individual de vontade e inteligência, no qual convém

distinguir: 1°, as combinações pelas quais o falante realiza o código da língua no

propósito de exprimir seu pensamento pessoal; 2°, o mecanismo psicofísico que lhe

permite exteriorizar essas combinações.” (p. 22). O uso da fala é, então, decorrente de

uma iniciativa pessoal do indivíduo: ele tem um pensamento em mente e sente o desejo

ou a necessidade de externá-lo. Então, utiliza o código linguístico e opera combinações

sobre ele para atingir esse objetivo. Entretanto, como falamos anteriormente, esse

manejo do sistema não é consciente, muito menos premeditado ou intencional.

Saussure (1977) também define a língua como um objeto acabado, fechado e

homogêneo. Vejamos duas passagens em que essas ideias aparecem claramente: “Ela é

um objeto bem definido no conjunto heteróclito dos fatos da linguagem.” (p. 22). E

complementa o autor, dizendo: “Enquanto a linguagem é heterogênea, a língua assim

delimitada é de natureza homogênea.” (p. 23). Ao defini-la como um objeto acabado,

Saussure (1977) defende que a língua já está pronta, não podendo mais sofrer mudanças

no decorrer da história. Da mesma forma, ao afirmar que a língua é um objeto fechado,

o linguista considera que ela está isolada e não sofre influências de elementos externos a

ela, bastando-se a si mesma. Por fim, ao afirmar que a língua é homogênea, considera

que ela é sempre igual, ou seja, é usada da mesma forma em qualquer situação e por

qualquer indivíduo.

Com base nas caracterizações e distinções acima descritas, Saussure (1977)

considera que a língua é mais importante do que a fala: “Com o separar a língua da fala,

separa-se também ao mesmo tempo: (...) o que é essencial do que é acessório e mais ou

menos acidental.” (p. 22). Isso porque, como explica Ilari (2007), a ação verbal do

sujeito (a fala) só tem os efeitos que tem por causa da existência de um sistema que o

indivíduo compartilha com os outros membros da sua comunidade linguística. Ou seja,

a fala não existiria se não existisse o sistema; o sistema precede a fala e esta dele

depende.

Por tudo isso, Saussure (1977) estabeleceu que o objeto a ser estudado pela

Linguística é o sistema e não a fala: “A língua, distinta da fala, é objeto que pode ser

12

estudado separadamente.” (p. 22). Principalmente porque, como vimos, a língua seria

homogênea e acabada, sendo, portanto, de fácil apreensão para estudo, ao contrário da

fala, que seria multiforme e de difícil classificação. Além disso, o estudo da fala

dependeria do sujeito que a emite, pois ambos estão intimamente relacionados; já o

estudo da língua, não, visto que a língua seria independente do sujeito que a utiliza.

Dessa forma, Saussure (1977) aconselha: “(...) é necessário colocar-se primeiramente no

terreno da língua e tomá-la como norma de todas as outras manifestações da linguagem.

De fato, entre tantas dualidades, somente a língua parece suscetível duma definição

autônoma (...).” (p. 16-17).

Ao se dedicar totalmente ao estudo interno da língua, Saussure (1977) chegou à

definição de que esta seria um sistema de signos que exprimem ideias e que figura entre

outros diversos sistemas de signos existentes, tais como o alfabeto dos surdos e os sinais

militares. Entretanto, para Saussure (1977) a língua é o principal desses sistemas. Nesse

sentido, “(...) a tarefa do linguista é definir o que faz da língua um sistema especial no

conjunto dos fatos semiológicos.” (p. 24). Para tanto, contar-se-ia com a ajuda de uma

disciplina chamada Semiologia, que “nos ensinará em que consistem os signos, que leis

os regem.” (p. 24).

A união da Linguística à Semiologia foi, para Saussure (1977), a chave para a

transformação da Linguística numa ciência autônoma, como afirma o estudioso na

seguinte passagem: “Se, pela primeira vez, pudemos assinalar à Linguística um lugar

entre as ciências foi porque a relacionamos com a Semiologia.” (p. 24). Segundo

Saussure (1977), a Linguística ainda não tinha sido reconhecida como tal porque, até

aquele momento, sempre fora abordada em função de outra coisa e de outros pontos de

vista. Entretanto, ele argumenta que o estudo da língua seria o caminho mais adequado

para fazer-se compreender a natureza do problema semiológico. Mas, para formulá-lo

convenientemente, seria necessário, estudar “a língua em si”, tomando como ponto de

partida o próprio sistema de signos. Dessa forma, a Linguística acaba ganhando seu

objeto próprio e passa a não depender das contribuições das outras disciplinas,

tornando-se, assim, uma ciência independente, da mesma forma que todas as outras.

Mas em que consiste esse especial sistema de signos? Para responder a essa

pergunta, Saussure (1977) começa a discussão contrapondo-se à primeira concepção de

língua anteriormente apresentada – língua como expressão do pensamento –, segundo a

qual a língua é uma nomenclatura, uma lista de termos que correspondem às coisas.

13

Essa concepção supõe que existam ideias completamente feitas, que preexistem às

palavras. Da mesma forma, passa a ideia de que o vínculo que une um nome a uma

coisa constitui uma operação muito simples, o que, para o linguista, está longe da

verdade.

Para desfazer essas ideias, Saussure (1977) argumenta que “O signo linguístico

une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica.” (p. 80).

Essa “imagem acústica”, explica o estudioso:

não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos; tal imagem é sensorial, e se chegamos a chamá-la ‘material’, é somente neste sentido, e por oposição ao outro termo da associação, o conceito, geralmente mais abstrato. (p. 80).

O signo se caracteriza, então, como uma unidade linguística constituída de dois

elementos intimamente unidos: o conceito e a imagem acústica. Esses dois termos que

se combinam no signo linguístico são psíquicos, na medida em que estão unidos em

nosso cérebro por um vínculo de associação. Saussure (1977) propõe conservar o termo

signo para designar o total e substituir os termos “conceito” por significado e “imagem

acústica” por significante. O signo linguístico assim concebido é definido por dois

princípios: a arbitrariedade e a linearidade.

Com relação ao primeiro princípio, Saussure (1977) afirma que o laço que une o

significante ao significado é arbitrário ou simplesmente que o signo linguístico é

arbitrário (na medida em que entendemos o signo como um todo resultante da

associação de um significante com um significado). Para explicar o que significa isso,

Saussure (1977) oferece como exemplo “mar”: a ideia de “mar” (o conceito ou

significado) não está ligada por relação alguma interior à sequência de sons (à imagem

acústica ou significante) m-a-r, visto que poderia ser representada igualmente por

qualquer outra. Ou seja, o significante é imotivado, é arbitrário em relação ao

significado, com o qual não tem nenhum laço natural e direto na realidade. Como prova

disso, Saussure (1977) cita as diferenças entre as línguas e a própria existência de

línguas diferentes.

Entretanto, o linguista esclarece que a palavra “arbitrário” “não deve dar a ideia

de que o significado dependa da livre escolha do que se fala ([...] não está ao alcance do

indivíduo trocar coisa alguma num signo, uma vez esteja ele estabelecido num grupo

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linguístico).” (p. 83). Vemos, pois, que o caráter social da língua, conforme já foi

apontado, reside justamente na associação entre o significante e o significado, na

medida em que a relação entre ambos está baseada e legitimada na convencionalidade

social: o que define m-a-r como significante da ideia “mar” não é outra coisa senão um

acordo social firmado entre os indivíduos de uma mesma comunidade linguística. É

com base nesse acordo que esses indivíduos passam a utilizar esse significante para se

referir a esse significado. Como afirma Saussure (1977), “todo meio de expressão aceito

numa sociedade repousa em princípio num hábito coletivo ou, o que vem a dar na

mesma, na convenção. (...) é essa regra que obriga a empregá-los [os signos], não seu

valor intrínseco.” (p. 82).

Com relação ao segundo princípio – a linearidade dos significantes –, vejamos o

que nos explica Saussure (1977):

O significante, sendo de natureza auditiva, desenvolve-se no tempo, unicamente, e tem as características que toma do tempo: a) representa uma extensão, e b) essa extensão é mensurável numa só dimensão: é uma linha. (...) Seus elementos se apresentam um após outro; formam uma cadeia. Esse caráter aparece imediatamente quando os representamos [os significantes acústicos] pela escrita e substituímos a sucessão do tempo pela linha espacial dos signos gráficos. (p. 84).

Ou seja, uma vez externados (sonora ou graficamente), os significantes

combinam-se em sequências, num alinhamento, o que exclui a possibilidade de

pronunciarmos ou escrevermos dois elementos ao mesmo tempo.

Ao lado da noção de signo, é necessário ainda discutir sobre outro conceito

muito importante para compreendermos o que é um sistema linguístico: a ideia de valor

linguístico. Para Saussure (1977):

A ideia de valor (...) nos mostra que é uma grande ilusão considerar um termo simplesmente como a união de certo som com certo conceito. Defini-lo assim seria isolá-lo do sistema do qual faz parte; seria acreditar que é possível começar pelos termos e constituir o sistema fazendo a soma deles, quando, pelo contrário, cumpre partir da totalidade solidária para obter, por análise, os elementos que encerra. (p. 132).

A definição do signo linguístico não advém da relação interna existente entre o

significante e o significado. Como o signo faz parte de um sistema, para defini-lo é

necessário relacioná-lo aos demais elementos desse sistema. A noção de sistema parte

15

justamente da ideia de que os elementos que o constituem não estão isolados, mas

mantêm relação entre si. Assim, o valor de um signo não é intrínseco, mas externo a ele,

ou seja, é decorrente da relação distintiva que se estabelece entre ele e os demais signos.

Da mesma forma, o signo é definido a partir do sistema como um todo. Para Saussure

(1977), isso acontece tanto do ponto de vista do significante quanto do significado.

Com relação ao significado, o linguista diz que, ao invés de a língua possuir

ideias dadas de antemão, como defende a concepção a que ele se contrapõe (língua

como expressão do pensamento), temos valores que emanam do sistema.

Para explicar o que seria valor para os significados das palavras, Saussure (1977)

parte da distinção entre esse termo e a significação. O linguista explica que, quando

tomamos uma palavra e a “trocamos” por outras, estaremos apenas constatando que elas

possuem uma mesma significação (ou pelo menos significações semelhantes). Não

conseguiremos ainda constatar o seu valor. Entretanto, se tomarmos esta mesma palavra

e a “contrapusermos” a outras de significações bem semelhantes, poderemos perceber o

valor próprio e específico de cada uma, que as distingue entre si. Isso porque, segundo

Saussure (1977), “seu conteúdo só é verdadeiramente determinado pelo concurso do que

existe fora dela. Fazendo parte de um sistema, está revestida não só de uma significação

como também, e, sobretudo, de um valor (....)” (p. 134).

Tomemos um exemplo apresentado pelo próprio Saussure (1977): no interior de

um sistema, todas as palavras que remetem a ideias muito parecidas se limitam

mutuamente. Sinônimos como “recear”, “temer”, “ter medo” não possuem valor

próprio, mas só o adquirem pela oposição. Se qualquer uma dessas palavras não

existisse, todo o seu conteúdo iria para as suas “concorrentes”. Da mesma forma, há

termos que têm seu significado enriquecido pelo contado com outros semelhantes.

Saussure (1977) conclui, então, dizendo que “(...) os valores são puramente diferenciais,

definidos não positivamente por seu conteúdo, mas negativamente por suas relações

com os outros termos do sistema. Sua característica mais exata é ser o que os outros não

são.” (p. 136).

Se a parte conceitual do valor (relativa ao significado do signo) é, segundo

Saussure (1977), constituída por relações distintivas com os outros elementos da língua,

o mesmo pode-se dizer de sua parte material (relativa ao significante do signo). O

significante é definido não em relação à sua materialidade em si, ou seja, ao som que ele

emite ou à representação gráfica correspondente, mas pelo fato de seu som ou de sua

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grafia ser diferente daqueles dos demais significantes constituintes do sistema: “O que

importa na palavra não é o som em si, mas as diferenças fônicas que permitem

distinguir essa palavra de todas as outras.” (p. 136-137). Tomando como base essa ideia,

Saussure (1977) afirma que, além de arbitrário, o signo é diferencial.

Para o linguista suíço, esse princípio é tão essencial que se aplica a todos os

elementos materiais da língua, sejam eles sonoros ou gráficos. Com relação aos

fonemas, ele explica que cada língua constitui as palavras a partir de um sistema de

elementos sonoros, formando, assim, uma unidade linguística bem delimitada.

Entretanto, o que caracteriza este microssistema não é sua qualidade própria e positiva

de possuir determinados fonemas, mas o fato de seus elementos constituintes não se

confundirem entre si e, consequentemente, não se confundirem com os das outras

palavras. Por isso, “os fonemas são, antes de tudo, entidades opositivas, relativas e

negativas.” (p. 138).

Comparando o som à escrita, Saussure (1977) conclui que existe estado idêntico

de coisas nesse outro sistema de signos. Isso porque: a) o sinal gráfico também é

arbitrário, visto que não existe nenhuma relação entre determinada letra e o som a que

ela remete; b) sua forma pouco importa, pois a mesma pessoa pode escrever uma letra

de diferentes formas (cursiva, bastão etc.); a única coisa essencial é que esse signo não

se confunda em sua escrita com outros signos; c) o meio de produção de um signo é

totalmente irrelevante para o sistema (cor diferente, textura diferente etc.); d) os valores

da escrita só funcionam pela oposição mútua das letras dentro de um sistema definido,

composto de um determinado número de elementos. Os dois componentes do signo

linguístico não devem, pois, sua existência a nenhum fator externo, apenas interno ao

sistema.

O aspecto diferencial dos signos é um das características preponderantes para a

indissolubilidade do significante e do significado. Ilari (2007), interpretando as ideias

saussurianas, afirma que o significante, na medida em que se distingue de outros

significantes, dá legitimidade linguística ao significado. Consideremos o seguinte

exemplo, trazido por esse autor para compreendermos melhor essa ideia: se tomarmos a

palavra ENVIAR e trocarmos o fonema /v/ ou a letra “v” pelo fonema /f/ ou pela letra

“f”, teríamos uma outra palavra, ENFIAR, que não só é escrita/pronunciada de forma

diferente, como também possui um significado totalmente distinto do da anterior.

Assim, Saussure (1977) queria mostrar que, quando se muda a forma, também se muda

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a função, isto é, quando se altera o significante, também se altera o significado: as

diferenças fônicas/gráficas levam à significação.

Ilari (2007) explica ainda que o mesmo acontece inversamente: um significado,

na medida em que se distingue de outros significados, dá legitimidade linguística ao

significante. Isso porque, como explica o autor, se tomarmos a palavra CARRO e dela

tirarmos significações como “automotivo”, “para transporte de passageiros”, “com 4

rodas”, “movido à combustível” chegaríamos a palavras como CARROÇA. Ou seja,

mudando-se o sentido, muda-se também a forma.

Significantes e significados seriam, então, usando uma das metáforas

empregadas por Saussure (1977), dois lados da mesma folha de papel, tão unidos, que,

se tentarmos cortar um lado, consequentemente cortaremos o outro, ou seja, não há

como separá-los.

Ilari (2007) comenta que, ao descrever o sistema linguístico dessa forma,

Saussure (1977) inaugura uma Linguística imanentista, que tenta minimizar as relações

entre a língua e o mundo, dando preferência às relações lógicas estabelecidas em seu

interior. O autor salienta ainda que, embora no Curso Saussure não tenha utilizado

muito a palavra “estrutura”, podemos afirmar, sim, que ele descobriu na língua uma

construção estrutural, na medida em que o sistema (entendido como conjunto de

relações lógicas entre os objetos) é mais importante do que os próprios elementos que o

compõem. O linguista suíço rompe, assim, com uma longa tradição que pregava a

equivalência entre palavras e ideias e que concebia as palavras como unidades

autônomas de análise.

No final dos anos 1960, segundo Ilari (2007), o paradigma estruturalista

começou a dar sinais de esgotamento, que se manifestaram na forma de revisões ou de

ataques diretos ao fato de que essa corrente havia deixado de levar em conta aspectos

dos fenômenos linguísticos que são primordiais para a sua compreensão. Uma dessas

propostas de revisão partiu do paradigma funcionalista.

Ao conceber a linguagem como instrumento de comunicação, os funcionalistas

demonstraram não admitir separações entre o sistema e os usos que os indivíduos fazem

desse sistema, como havia sido defendido no estruturalismo saussuriano, com a

distinção entre língua e fala. Sendo assim, a Linguística Funcional se empenha em

explicar as funções que as unidades linguísticas exercem em situações reais de uso da

língua. Isso porque, para os adeptos dessa corrente, a linguagem é uma ferramenta cuja

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forma se adapta às funções que exerce e, portanto, só pode ser explicada com base

nessas funções, que são predominantemente comunicativas. A partir desse

posicionamento teórico, emerge outro, baseado na relação entre língua e contexto

social: a necessidade de descrever as expressões verbais relativamente a seu

funcionamento em contextos sociais específicos.

Com as informações trazidas até o momento, já podemos apontar o ponto de

vista próprio do funcionalismo: o uso, a comunicação e as funções da língua. O ponto

de vista funcional pode ser encontrado principalmente na Escola Linguística de Praga, a

partir do seu início, nos anos 1920. Um dos maiores representantes dessa corrente é

Roman Jakobson (1982). Portanto, para compreender a noção de língua como

instrumento de comunicação, traremos as ideias defendidas por esse linguista em seu

livro Linguística e comunicação (JAKOBSON, 1982).

De maneira simplificada, podemos afirmar que, para Jakobson (1982), a língua é

entendida como um código, usado para transmitir uma mensagem de um emissor para

um receptor. Esse código, por sua vez, deve ser usado de maneira semelhante,

preestabelecida e convencionada por todos os falantes envolvidos na comunicação para

que esta realmente se efetive com sucesso, como podemos verificar nas passagens a

seguir:

Mas o problema essencial para a análise do discurso é o do código comum ao emissor e ao receptor e subjacente à troca de mensagens. Qualquer comunicação seria impossível na ausência de um certo repertório de “possibilidades preconcebidas” ou de “representações pré-fabricadas” (...). (p. 21). A separação no espaço, e muitas vezes no tempo, de dois indivíduos, o remetente e o destinatário, é franqueada graças a uma relação interna: deve haver certa equivalência entre os símbolos utilizados pelo remetente e os que o destinatário conhece e interpreta. Sem tal equivalência, a mensagem se torna infrutífera – mesmo quando atinge o receptor, não o afeta. (p. 41).

Vemos, pois, que, para Jakobson (1982), a convencionalidade da língua é um

fator preponderante para a efetivação da comunicação. Nesse ponto, suas ideias se

assemelham às de Saussure (1977), pois este, como já vimos anteriormente, também

concebia a língua como uma convenção social.

Traçando um paralelo entre a teoria saussuriana e a teoria da comunicação

(re)criada por Jakobson (1982), podemos apontar que o código estaria para a língua (ou

19

langue), assim como a mensagem estaria para a fala (ou parole). O próprio Jakobson

(1982) estabelece relações entre as duas teorias, na medida em que compara a dicotomia

langue-parole com a dicotomia código-mensagem:

(...) é a mesma dicotomia que encontramos sob denominações diversas, tais como langue-parole (língua-fala) (...) mas devo confessar que os conceitos de código e mensagem introduzidos pela teoria da comunicação são muito mais claros, muito menos ambíguos, muito mais operacionais do que tudo o que nos oferece a teoria tradicional da linguagem para exprimir essa dicotomia. (p. 21).

Apesar de apontar a relação código-mensagem como uma relação dicotômica,

esta não possui o mesmo sentido da dicotomia saussuriana, pois Jakobson (1982),

diferentemente de Saussure (1977), não se dedicou apenas ao estudo do código,

colocando a mensagem em segundo plano, mas justamente interessou-se em investigar

o uso que se faz desse código na produção, emissão e recepção de mensagens.

O código, bem como a mensagem, o emissor e o destinatário são apenas quatro

dos fatores constitutivos de todo o processo linguístico, ou seja, de todo ato de

comunicação verbal. Jakobson (1982) acrescenta ainda dois elementos – o contexto (ou

referente) e o contato (ou canal). A comunicação se daria, então, da seguinte forma: o

emissor tem em mente uma mensagem que quer transmitir a um receptor; para que isso

ocorra, ele a transforma em código (codificação) e a remete para o outro através de um

canal (um meio físico, de ondas sonoras ou luminosas, e uma conexão psicológica entre

o remetente e o destinatário que lhes permite entrar e permanecer em comunicação);

este, por sua vez, recebe os sinais codificados e os transforma novamente em mensagem

(decodificação); a mensagem é nova para ele e, por meio do código, ele a interpreta; por

fim, para ser eficaz, a mensagem necessita de um contexto, apreensível pelo destinatário

e que seja verbal ou que possa ser verbalizado. Jakobson (1982) salienta, porém, que os

papéis de emissor e receptor podem confundir-se ou alternar-se.

Consideramos que um primeiro grande avanço trazido pela teoria da

comunicação em relação às ideias de Saussure diz respeito à importância atribuída à

interlocução, isto é, às trocas verbais entre os sujeitos envolvidos numa determinada

situação de comunicação: “Penso que a realidade fundamental com que se tem de haver

o linguista é a interlocução – a troca de mensagens entre emissor e receptor, entre

remetente e destinatário, entre codificador e decodificador (...) qualquer discurso

individual supõe uma troca.” (JAKOBSON, 1982, p. 22). Isso porque a comunicação

20

não era objeto de investigação de Saussure (1977). Pelo contrário, a partir da dicotomia

langue-parole, este construiu uma noção de língua enquanto sistema que deveria ser

estudado em si mesmo e de forma desvinculada do uso concreto que dele se faz. Em

contraposição, para Jakobson (1982), o uso do código linguístico é um ato social, na

medida em que envolve pelo menos duas pessoas.

Correlato a este aspecto, temos outro muito enfatizado pelo linguista

funcionalista: a importância do destinatário para a comunicação. Jakobson (1982)

ressalta a sua relevância em dois sentidos: primeiramente porque, sem ele, não há

comunicação. Para ele, um processo de comunicação normal opera sempre com um

codificador e um decodificador: “Não há emissor sem receptor – exceto, é claro, quando

o emissor é um doente mental ou um bêbado.” (p. 22).

Em segundo lugar, o emissor precisa considerar a existência do receptor quando

for construir sua mensagem porque as escolhas linguísticas que ele realiza (seja

intencionalmente ou não) no momento em que constrói a mensagem são realizadas com

base nesse destinatário, isto é, no seu repertório linguístico, tendo em vista uma

determinada intenção comunicativa:

“Mas o que fala não é de modo algum um agente completamente livre na sua escolha de palavras: a seleção (...) deve ser feita a partir de um repertório lexical que ele próprio e o destinatário da mensagem possuem em comum”. (p. 37). Quando se fala a um novo interlocutor, toda pessoa procura deliberada ou involuntariamente, encontrar um vocabulário comum: utiliza os termos dele, seja para agradar o interlocutor, seja simplesmente para ser compreendida ou, enfim, livrar-se dele. A propriedade privada do domínio da linguagem não existe: tudo é socializado. (p. 49-50).

Nesse momento, a estudioso volta-se para a discussão feita inicialmente sobre a

necessidade de ambos os sujeitos envolvidos na comunicação dominarem o mesmo

código. Assim, na medida em que o emissor procura levar em conta o destinatário, faz

isso para garantir que ambos compartilhem o mesmo repertório linguístico.

Como vemos, Jakobson (1982) trouxe muitas contribuições para os estudos

linguísticos da época, na medida em que defendeu algumas posições até então não

demonstradas. Entretanto, Barros (2004) aponta que a contribuição mais conhecida e

mais relevante para o estudo da comunicação está relacionada à questão da variedade de

funções da linguagem. Jakobson (1982) afirmou que a linguagem não deve ser

21

examinada apenas em relação à função informativa (ou referencial); seria preciso levar

em conta também os outros fatores constituintes da comunicação.

Cada função estaria, portanto, centrada em um dos seis elementos do processo

de comunicação por ele proposto – remetente, destinatário, contexto, mensagem,

contato e código. Jakobson (1982) salienta, porém, que dificilmente vamos encontrar

mensagens verbais que preencham apenas uma função. Isso porque uma mesma

mensagem pode ter várias funções. Estas, por sua vez, aparecem hierarquizadas, de

modo que todo texto possui uma função predominante. O linguista afirma ainda que a

estrutura verbal de uma mensagem depende da função nela predominante, ou, como

explica Barros (2004), os elementos linguísticos e discursivos usados nas mensagens

produzem determinados efeitos de sentido relacionados às suas funções.

Para construir sua teoria sobre as funções da linguagem, Jakobson (1982) tomou

como base o modelo tradicional da linguagem, formulado por Karl Buhler (1990). De

acordo com esse modelo, a comunicação servia apenas a três funções: a expressiva, a

informativa e a estética. Jakobson (1982) revisou esse modelo, permanecendo com as

três funções mencionadas (alterando apenas seus nomes para referencial, emotiva e

conativa, respectivamente) e acrescentando outras três funções relacionadas aos novos

elementos inseridos por ele no processo comunicativo: a fática, a metalinguística e a

poética.

Assim, os textos com função referencial (também chamada informativa,

representativa, denotativa ou cognitiva) são aqueles orientados para o referente (ou

contexto) e têm por objetivo a transmissão objetiva de informações. Barros (2004)

explica que esses tipos de texto são caracterizados pelo uso frequente de verbos em 3ª

pessoa, pela explicitação de qualidades objetivas ou concretas dos objetos, pelo

emprego de estratégias argumentativas lógicas (como provas e demonstrações), entre

outras estratégias. O uso de estratégias como essas, segundo a autora, provoca dois

efeitos de sentido: o de objetividade e o de realidade. Isso porque a intenção do emissor

seria a de demonstrar o distanciamento do sujeito em relação aos fatos e,

consequentemente, a de expor a verdade. Essa é a função mais frequente nas

mensagens.

Já o texto cuja função predominante é a emotiva ou expressiva é centrado no

remetente e “visa a uma expressão direta da atitude de quem fala em relação àquilo de

que está falando. Tende a suscitar a impressão de uma certa emoção, verdadeira ou

22

simulada.” (p. 124). Ou seja, o remetente não relata necessariamente os fatos, mas

expressa seu ponto de vista, seus sentimentos e suas emoções sobre eles. De acordo com

Barros (2004), as estratégias linguísticas usadas para atingir tal função são muito

variadas, e dentre elas estão: uso de verbos na 1ª pessoa, apresentação de qualidades

subjetivas através de adjetivos ou advérbios de modo, uso de modalizadores

relacionados ao saber (como “eu acho”), interjeições, exclamações etc. O emprego de

tais recursos, segundo a autora, cria efeitos de subjetividade, emotividade ou de

proximidade entre os sujeitos envolvidos na comunicação.

Jakobson (1982) aponta ainda a função conativa ou apelativa, que tem por

elemento central da comunicação o destinatário. Segundo o linguista, essa função

“encontra sua expressão gramatical mais pura no vocativo e no imperativo.” (p. 125).

Barros (2004) acrescenta que textos típicos dessa função constroem-se também por

meio de modalizações deônticas e de estruturas de perguntas e respostas. O uso de tais

elementos linguísticos tem por objetivo produzir efeitos de sentido de interação entre o

remetente e o destinatário, na medida em que um procura convencer ou persuadir o

outro.

A função fática, por sua vez, tem como foco o canal ou o contato. De acordo

com Jakobson (1982), mensagens que têm essa função como predominante servem para

interromper ou prolongar a comunicação, para averiguar se o canal está funcionando

bem, para atrair a atenção do destinatário ou garantir sua permanente atenção. Para se

atingir esses objetivos, Barros (2004) aponta que são usadas expressões linguísticas, tais

como: unh e hã (elementos prosódicos de pontuação da fala usados para manter o

contato entre os participantes da comunicação), olá! tudo bem? como vai? tchau, até

logo, bom dia (fórmulas prontas usadas para começar ou encerrar a comunicação) e

você está escutando? (para garantir que haja realmente o contato).

A função metalinguística, segundo Jakobson (1982), é usada quando o remetente

e/ou o destinatário querem saber se estão usando o mesmo código. A mensagem

focaliza, então, o código. Exemplificando esse tipo de função, o linguista afirma que ela

ocorre quando o receptor pergunta ao emissor “não o estou compreendendo – que quer

dizer?”. (p. 127) ou quando, ao contrário, aquele que fala, antecipando perguntas como

essa, pergunta a quem ouve “entende o que eu quero dizer?” (p. 127). Jakobson (1982)

salienta ainda que em todo o processo de aquisição de língua se faz uso de operações

23

metalinguísticas. Barros (2004) complementa, explicando que o efeito de sentido

pretendido por tal função é o de linguagem que fala da própria linguagem.

Por fim, temos a função poética, cuja ênfase é dada à mensagem. A função

poética resulta de uma subversão ou ruptura no plano da expressão, pois, em vez de

apenas expressar de forma transparente o conteúdo do texto, este se destaca como

expressão “opaca”. Essa ideia representa um grande avanço na maneira de pensar sobre

a linguagem, visto que Jakobson (1982) estava considerando um uso não transparente

da língua. O conteúdo passa a estar em segundo plano, ficando subordinado aos

recursos linguísticos usados na expressão. Ao se deslocar a atenção da transmissão do

conteúdo em si para a expressão desse conteúdo, passa-se a valorizar procedimentos tais

como a sonoridade, o ritmo, a entoação, as metáforas, elementos estes que promovem

efeitos de sentido relacionados à novidade.

Jakobson (1982) salienta, porém, que a função poética não existe somente na

poesia (na qual, sem dúvida, é a função predominante), mas também em outras

atividades verbais, embora nesses casos, esteja muitas vezes subordinada a outras

funções da linguagem:

qualquer tentativa de reduzir a esfera da função poética à poesia ou de confinar a poesia à função poética seria uma simplificação excessiva e enganadora. A função poética não é a única função da arte verbal, mas tão somente a função dominante, ao passo que, em todas as outras atividades verbais, ela funciona como um constituinte acessório, subsidiário. (p. 128).

Apesar de apontar como preocupação o exame da língua em toda a sua variedade

de funções, Jakobson (1982) se limita a descrever apenas seis funções, quando, na

verdade, sabemos que a língua serve para os mais variados fins. Entretanto, como alerta

Barros (2004), não podemos deixar de mencionar a importância dos seus estudos sobre

a função metalinguística – que mais tarde seria ampliada por autores como Geraldi

(1997) e passaria a contribuir para a discussão sobre o ensino da língua materna – e,

principalmente, sobre a função poética – que forneceu instrumentos para o estudo dos

textos poéticos.

Diante das ideias expostas acima, concluímos que as construções teóricas

apresentadas por Jakobson (1982) representaram, sem dúvida alguma, um avanço em

relação às teses defendidas por Saussure (1977). Retomando algumas ideias

saussurianas (como a noção de convencionalidade de língua), reformulando outras e

24

acrescentando novas percepções, ele conseguiu lançar um olhar mais ampliado sobre a

língua e apreender melhor a complexidade desse objeto de estudo. Em síntese, as

principais contribuições de Jakobson (1982) para o estudo da língua foram: 1) o fato de

considerar a interlocução e, consequentemente, de atribuir importância ao destinatário

nesse processo; 2) a inserção da comunicação em um contexto extraverbal; 3) a

descrição mais ampla das funções comunicativas. Entretanto, como é próprio do fazer

científico, o linguista deixou de aprofundar ou não levou em conta determinados

aspectos que envolvem a língua.

No livro Marxismo e filosofia da linguagem (2002), Bakhtin constrói a ideia de

língua como interação, tecendo críticas aos dois paradigmas inicialmente descritos – a

língua como expressão do pensamento, que tem o subjetivismo idealista como teoria de

referência, e a língua enquanto sistema, que toma por base o objetivismo abstrato. O

autor propõe, então, uma síntese dialética dessas duas orientações do pensamento

filosófico-linguístico a partir de uma perspectiva marxista. Em outra famosa obra sua,

intitulada Estética da criação verbal (1997), o autor ratifica as críticas feitas a essas

duas correntes, contrapondo-se de forma mais incisiva à noção de língua como

instrumento de comunicação.

Por meio de tais obras, Bakhtin (2002) aponta e discute as lacunas das

concepções anteriores e demonstra que o conceito de língua por ele elaborado é o mais

adequado para tratar os fenômenos linguísticos, na medida em que assim se consegue

apreender melhor a complexidade da língua e os diversos fatores que a influenciam.

Concordamos, pois, com os argumentos lançados por esse filósofo e assumimos como

base para esta pesquisa a noção de língua como interação.

Vale salientar que, atualmente, essa concepção tem sido tomada como a mais

adequada pela maioria dos estudiosos da língua, ao menos no que tange ao ensino.

Entretanto, o fazer científico não cessa: daqui a alguns anos poderemos constatar que

essa concepção apresenta lacunas, que, por sua vez, serão preenchidas por outras

perspectivas de estudo. Por enquanto, ela tem dado conta de explicar a língua em muitas

de suas dimensões.

Vamos, então, discutir as principais ideias que estão envolvidas nessa

concepção, retomando as reflexões feitas por Bakhtin (2002) nos dois livros citados

acima. Além de recorrermos a ele, também apontaremos as discussões de outros dois

estudiosos atuais – Marcuschi (2008) e Geraldi (1997) –, que ampliaram as ideias

25

bakthinianas e se preocuparam em traçar orientações para o ensino da língua materna a

partir dessa perspectiva.

Bakhtin (1997, 2002) afirma que a concepção de língua como expressão do

pensamento e a noção de língua enquanto sistema tomam a enunciação monológica

como ponto de partida para a reflexão sobre a língua. Isso porque, na primeira

concepção, a enunciação seria um monólogo, um ato puramente individual, ou seja, a

expressão da consciência, dos desejos, das intenções e dos gostos de um determinado

indivíduo. Vemos, portanto, que, nessa concepção, a linguagem é considerada do ponto

de vista do locutor como se ele estivesse sozinho, sem uma forçosa relação com os

outros parceiros da comunicação.

Da mesma forma, Bakhtin (2002) explica que, no segundo paradigma, o estudo

da língua é feito com base em enunciações fechadas e isoladas. Isso porque todo o

trabalho de pesquisa desenvolve-se nos limites de uma dada enunciação, por meio do

estudo das relações imanentes do sistema em seu interior. Assim, todas as relações que

ultrapassam os limites dessa enunciação e que constituem o todo dinâmico do ato

linguístico são ignoradas pela reflexão linguística, incluindo o diálogo que ela

estabelece com as outras enunciações.

Bakhtin (2002), então, contrapõe-se a essas ideias, defendendo que a enunciação

é social, na medida em que é produto da interação entre os indivíduos: “Na realidade,

toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de

alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto

da interação do locutor e do ouvinte.” (p. 113). Partindo dessa ideia, o autor argumenta

que toda e qualquer forma de enunciação, seja ela oral ou escrita, realizada direta ou

indiretamente, é dialógica: “Mas pode-se compreender a palavra ‘diálogo’ num sentido

amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a

face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja”. (p. 123).

Para Bakhtin (2002), a enunciação se configura como um diálogo, pois ela

mantém contato com as demais, sob a forma de respostas às enunciações já existentes e

às que ainda estão por vir. Isso porque, quando construímos um texto, remetemo-nos às

enunciações que antecederam as nossas no intuito de afirmá-las, negá-las ou reconstruí-

las. Ao mesmo tempo, antecipamos possíveis respostas ou enunciações que podem ser

geradas a partir das nossas, preocupando-nos em refutá-las. Por sua vez, essas

enunciações futuras também procurarão remeter às nossas, seja convergindo ou

26

divergindo. Vemos, pois, que todas as enunciações estão infinitamente relacionadas

entre si, formando uma grande cadeia verbal. É nesse sentido que o autor afirma que

“qualquer enunciação, por mais significativa e completa que seja, constitui apenas uma

fração de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta.” (p. 123).

Coerentemente com a ideia de interação e de diálogo, Bakhtin (2002) ressalta a

importância do interlocutor para a enunciação, na medida em que a palavra é sempre

dirigida para alguém e varia de acordo com ele:

A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa desse interlocutor; variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia social, se estiver ligada ao locutor por traços sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido etc.). (p. 112).

Nesse ponto, Bakhtin (2002) critica o papel secundário desempenhado pelo

interlocutor na comunicação nos paradigmas anteriores. Isso porque, nas concepções de

língua como expressão do pensamento e de língua enquanto sistema, a figura do

interlocutor é praticamente nula, visto que, na primeira, a enunciação é individual e, na

segunda, ao se deixar de lado o uso da língua e estudar apenas o sistema, perdeu-se de

vista a relação entre o locutor e o destinatário.

Com relação à última concepção, já discutimos que Jakobson (1982) falou da

importância de se estudar a língua a partir da comunicação, ou seja, das trocas de

mensagens entre um emissor e um receptor. Com base nessa noção, o linguista salientou

a figura do destinatário, sem o qual não há interlocução e a partir do qual o emissor deve

elaborar suas mensagens. Entretanto, Bakhtin (1997) explica que as funções de ouvinte

e receptor na teoria construída por Jakobson (1982) oferecem uma imagem distorcida de

como ocorre o processo de comunicação verbal porque seu esquema de comunicação

apresenta, de um lado, os processos ativos de fala do locutor e, de outro, os processos

passivos de recepção e compreensão da fala pelo ouvinte/receptor. Ele salienta, porém,

que não se pode simplesmente afirmar que esse esquema esteja completamente errado e

que não corresponda a certos aspectos da realidade, mas se mostra incompleto quando

se pretende representar o todo real da comunicação. Dessa forma, ele defende uma

noção de destinatário como sujeito ativo:

O ouvinte que recebe e compreende a significação (linguística) de um discurso adota simultaneamente, para com este discurso, uma atitude

27

responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se para executar, etc., e esta atitude do ouvinte está em elaboração constante durante todo o processo de audição e de compreensão desde o início do discurso, às vezes já nas primeiras palavras emitidas pelo locutor. (p. 290).

Bakhtin (1997) argumenta ainda que essa compreensão ativa do destinatário é a

fase inicial e preparatória para uma resposta, ou seja, é seguida de uma resposta por

parte do ouvinte/escritor, que pode vir no momento mesmo da interação ou depois,

assim como pode se dar por uma ação ou por meio de palavras.

Em relação a esse aspecto, Barros (2004) critica Jakobson (1982), considerando

que seu modelo de comunicação tem um caráter muito mecanicista, na medida em que

não aborda a questão da reciprocidade da comunicação humana. De acordo com o

modelo proposto por Jakobson (1982), a comunicação se dá de forma unilateral (ou

unidirecional): há um emissor que transmite mensagens a um receptor, que, por sua vez,

as recebe. Mesmo que se considere que as figuras do emissor e do receptor podem

confundir-se ou alternar-se (ou seja, o receptor pode se tornar emissor, enquanto o

emissor pode se tornar receptor), não deixa de haver uma comunicação unilateral:

apenas inverteu-se a direção da transmissão da mensagem. O modo como o receptor

recebe essa mensagem, atribui sentido a ela e constrói uma contramensagem ao emissor

não é em momento algum alvo de explicação pelo linguista romeno.

Barros (2004) comenta ainda que, nesse modelo, para a construção das

mensagens, o locutor leva em conta o destinatário, mais especificamente seu repertório

linguístico, apenas para garantir o compartilhamento do mesmo código; deixam-se,

pois, de considerar também outros elementos, como as imagens que esse interlocutor

faz dele e da situação comunicativa, bem como seus conhecimentos de mundo. Além

disso, o receptor, como o próprio nome diz, recebe passivamente as mensagens enviadas

pelo emissor, cabendo-lhe apenas a tarefa de decifrar o código. Não se leva em conta a

sua atividade de (re)construção dos sentidos do texto, muito menos as reações, verbais

ou não verbais, que ele possa assumir diante da mensagem.

Outro elemento criticado por Bakhtin (2002) diz respeito à desconsideração do

contexto que envolve a enunciação pelas perspectivas anteriores. Com relação à

primeira concepção – língua como expressão do pensamento –, o autor explica que, para

os seus adeptos, a expressão é construída no psiquismo do indivíduo e sua

exteriorização não passa de uma tradução. Sendo assim, todas as forças criadoras e

28

organizadoras da expressão são internas. Bakhtin (2002) vai contra essa ideia,

argumentando que “o centro organizador de toda enunciação não é interior, mas

exterior: está situado no meio social que envolve o indivíduo.” (p. 121).

Da mesma forma, para os defensores da segunda corrente – língua como sistema

–, o contexto externo da enunciação não é alvo de estudo, pois, como já vimos, a

investigação linguística não ultrapassa os limites de uma enunciação, que é tomada

como objeto fechado. Todas as questões externas são deixadas pela linguística para as

outras disciplinas, pois a ela só caberia o estudo daquilo que é intrinsecamente

linguístico. Bakhtin (2002) refuta essa ideia dizendo que “a enunciação monológica

fechada constitui, de fato, uma abstração. A concretização da palavra só é possível com

a inclusão dessa palavra no contexto histórico real de sua realização primitiva.” (p. 103).

Com relação à concepção de língua como instrumento de comunicação, vimos

que Jakobson (1982) inseriu o contexto no modelo anterior de comunicação (construído

pela teoria da informação), defendendo que toda comunicação acontece no âmbito de

um contexto ao qual a mensagem se refere e de que depende para ser eficaz. Entretanto,

não aprofundou tal componente, ou seja, não descreveu os elementos que o constituem,

assim como não discutiu as implicações que ele traz para a comunicação

(principalmente para a mensagem).

Em concordância com Bakhtin (2002), Marcuschi (2008) define a língua como

uma atividade sociointerativa desenvolvida em contextos comunicativos historicamente

situados. Bakhtin (2002) explica que esse contexto extralinguístico é constituído por

dois níveis: um primeiro, correspondente à situação social mais imediata, e um segundo,

referente ao meio social mais amplo. Ambos os níveis, segundo o autor, determinam

completamente a estrutura da enunciação:

Qualquer que seja a enunciação considerada (...) é socialmente dirigida. Antes de mais nada, ela é determinada da maneira mais imediata pelos participantes do ato de fala, explícitos ou implícitos, em ligação com uma situação bem precisa; a situação dá forma à enunciação, impondo-lhe esta ressonância em vez daquela (...) a situação e os participantes mais imediatos determinam a forma e o estilo ocasionais da enunciação. Os estratos mais profundos de sua estrutura são determinados pelas pressões sociais mais substanciais e duráveis a que está submetido o locutor. (p. 113-114).

Por isso, ele defende que a comunicação verbal não pode jamais ser

compreendida fora desse vínculo com a situação concreta.

29

Ainda com relação a esse aspecto, Bakhtin (2002) defende que a língua é

variável e heterogênea. Para argumentar em favor dessa ideia, ele dirige críticas

particularmente à concepção defendida por Saussure (1977), segundo a qual a língua

seria um sistema de normas imutáveis. Ao defender a convencionalidade social da

língua, Saussure (1977) considera que os indivíduos de uma mesma comunidade

linguística utilizam sempre os mesmos signos, palavras e expressões com determinados

significados prefixados e não alteráveis. No entanto, Bakhtin (2002) explica que o

locutor utiliza as formas normativas em um determinado contexto concreto. Nesse

sentido, o que interessa para ele não é a conformidade das expressões utilizadas à norma

(ou seja, o fato delas permanecerem sempre idênticas em qualquer situação em que são

utilizadas), mas as novas significações que essas formas adquirirem no contexto, bem

como o fato de elas serem utilizadas adequadamente nas condições de uma dada

situação concreta. Do mesmo modo, para o destinatário, a língua também não é utilizada

como um sistema de normas imutáveis, visto que o essencial na tarefa de compreensão

não é reconhecer a forma utilizada, mas compreender sua significação num contexto

particular. Ou seja, como afirma Bakhtin (2002), “trata-se de perceber seu caráter de

novidade e não somente sua conformidade à norma.” (p. 93). Vemos, então, que tanto

para o locutor como para o destinatário a língua se apresenta como um conjunto de

formas variáveis e flexíveis.

Marcuschi (2008), tomando como base as discussões de Bartsch (1987), lembra

pelo menos dois aspectos dessa heterogeneidade: 1) uma população não é homogênea,

na medida em que as pessoas falam de modos diferentes dependendo de sua classe

social, região e/ou cultura; 2) em situações de uso da língua (oral ou escrito) mais

formais, usa-se um estilo de linguagem mais cuidado ou técnico, ao contrário do que

acontece em situações do dia a dia, nas quais usamos um estilo de linguagem mais

informal.

Entretanto, a língua varia não só em decorrência do contexto social, cultural,

regional, formal ou formal em que os interlocutores estão inseridos. Ela também muda

no decorrer do tempo. Como afirma Bakhtin (2002), “a língua apresenta-se como uma

corrente evolutiva ininterrupta” (p. 90), o que o faz afirmar também que “a língua é um

fenômeno puramente histórico.” (p. 109).

Para entendermos esse aspecto, vamos recorrer às discussões realizadas por

Geraldi (1997). Ao apontar a historicidade da língua, o autor tenta explicar o

30

movimento constitutivo da linguagem, que se dá no decorrer da história pelo trabalho

dos sujeitos. Ele explica que, individualmente, nos processos interacionais dos quais

participamos, trabalhamos com a língua construindo novos sentidos. Para tanto, usamos

como “matéria prima” as expressões linguísticas que já foram usadas em interlocuções

anteriores. Entretanto, esse retorno não é neutro; não apagamos os sentidos que essas

construções expressaram em outros contextos. Retomando a fala de Bakhtin (2002),

podemos dizer que “a palavra está sempre carregada de um conteúdo ideológico ou

vivencial” (p. 95), decorrente dos contextos ideológicos nos quais foi empregada.

Assim, quando tomamos “emprestadas” tais expressões, também nos vêm os ecos de

seus sentidos anteriores, cabendo ao indivíduo adequá-los à situação comunicativa atual

em que está inserido (utilizando-os tal qual, modificando-os sutilmente, ampliando-os

ou mesmo subvertendo-os, a depender de suas intenções). Para Geraldi (1997), esse

trabalho linguístico contínuo produz sempre uma

“sistematização aberta”, consequência do equilíbrio entre duas exigências opostas: uma tendência à diferenciação, observável a cada uso da expressão, e uma tendência à repetição, pelo retorno das mesmas expressões com os mesmos significados presentes em situações anteriores. (p. 12).

É graças a esse trabalho, realizado por diferentes sujeitos, em diferentes

momentos históricos, que a língua vai se constituindo: a um só tempo, ela se mantém e

se modifica.

A constatação da historicidade da língua nos leva ainda a pensar sobre dois

outros aspectos. O primeiro deles diz respeito à relativa indeterminação da língua.

Geraldi (1997) explica que as formas linguísticas não possuem nenhum valor semântico

intrínseco. Saussure (1977) também apontava esta característica, quando discutiu que a

relação entre significante e significado não é natural. Entretanto, isso não significa que

os sentidos não sejam regulados, ordenados, de tal forma que qualquer expressão possa

significar qualquer coisa. “Aceitar a vagueza dos recursos expressivos usados não quer

dizer que não exista sentido nenhum.” (GERALDI, 1997, p. 10). Os significados são

construídos socialmente e usados com base em convenções. Essas significações

convencionais, por sua vez, não são únicas: como já discutimos anteriormente, elas não

são normas que devam ser usadas de forma indiferente por todos os usuários de uma

língua, independentemente do contexto, como defendia Saussure (1977). As expressões

31

possuem alguns sentidos possíveis, o que deixa espaço para os interlocutores

negociarem os sentidos mais adequados à situação comunicativa vivenciada por eles.

Nesse sentido, podemos afirmar que a língua é relativamente determinada: é

“determinada” porque há os sentidos convencionais, que perduram entre uma retomada

e outra das expressões linguísticas através do trabalho dos sujeitos, e é “relativamente”,

pois esses significados não são fechados.

Um outro aspecto que aqui mencionamos é a concepção do falante/escritor como

sujeito ativo. Contrapondo-se à ideia estabelecida por Saussure (1977) de que a língua é

exterior ao indivíduo, ou seja, algo que é dado pronto, não se podendo nem criar, nem

modificar, apenas reproduzir, Geraldi (1997) se refere à atividade (re)construtiva do

sujeito da linguagem.

Cabe ainda esclarecer um aspecto em relação à língua que é de suma

importância. Tomando como base as palavras de Marcuschi (2008), salientamos que, ao

criticarmos a concepção de língua enquanto sistema elaborada por Saussure (1977), não

negamos que a língua seja sistemática e que seja composta por um conjunto de símbolos

ordenados. Concordamos em que ela não é caótica, na medida em que é regida por um

sistema de base. Entretanto, defendemos que esse sistema não é fechado, acabado e

autossuficiente: seu funcionamento depende de outros elementos externos.

Para concluir este item, citaremos palavras de Geraldi (1997), salientando o

ponto de vista interacionista de estudo da língua: “E o lugar privilegiado deste desenho

é a interlocução, entendida como espaço de produção de linguagem e de constituição

de sujeitos.” (p. 5). E, seguindo as orientações metodológicas do autor, é nossa intenção

proceder da seguinte forma nesta pesquisa: “focalizar a linguagem a partir do processo

interlocutivo e com este olhar pensar o processo educacional.” (p. 5). Ao repetirmos

essa afirmação, voltamos às discussões com que iniciamos este capítulo, a respeito da

tomada de um ponto de vista sobre a língua por parte do pesquisador, ponto de vista este

que acaba guiando sua investigação linguística. É nossa intenção aqui, portanto, estudar

o ensino-aprendizagem da produção, revisão e reescrita textuais a partir dos processos

interativos que envolvem professores e alunos. Para tanto, há ainda outros conceitos que

precisam ser discutidos e que estão coerentemente relacionados à noção de língua como

interação, a saber: os conceitos de texto e de gêneros textuais. Nas partes seguintes, nos

dedicaremos a discuti-los.

32

1.2 Texto e gênero textual

1.2.1 Concepções de texto

No item anterior, discutimos sobre as quatro principais concepções de língua

existentes, analisando como esse objeto de estudo foi enfocado de forma diferente ao

longo dos tempos. No item que estamos iniciando, vamos dar continuidade a essa

retomada histórica, abordando de forma breve como cada uma dessas concepções

também gerou formas particulares de conceber o texto. Nosso objetivo é, pois, resgatar

o movimento contínuo do fazer científico, verificando como a noção de texto veiculada

nos estudos foi aos poucos sendo reelaborada e expandida.

Em relação à primeira concepção de língua – língua como expressão do

pensamento –, vemos que o texto era sinônimo de expressão linguística e correspondia a

uma simples exteriorização ou tradução do pensamento do indivíduo por meio de um

código de signos exteriores a ele. Como o enunciador expressa o que pensa, a

organização textual é resultado de uma maneira particular de organizar suas ideias.

Sendo assim, o texto nada tem a ver com o leitor ou com o ouvinte, apenas com o

enunciador. Concluímos, pois, que os estudiosos ligados a essa linha teórica estavam

mais preocupados em compreender os princípios que regem o pensamento linguístico

do que em se debruçar sobre os textos que dele resultam.

Com relação à segunda concepção de língua – língua enquanto sistema –,

defendida por Saussure (1977), vimos que os estudos sobre esse objeto de análise

tinham como foco as unidades que compunham o sistema (a saber, os fonemas, os

morfemas e as orações), bem como as regras que as regiam. O texto como um todo (isto

é, a fala ou a parole) não era alvo das investigações, por ser considerado uma entidade

de uso desse sistema e, como tal, individual e sempre diferente, por estar sujeito às

intervenções do indivíduo que o produz. Dessa forma, seu estudo seria muito difícil, na

medida em que a fala não se deixa classificar nem é portadora de uma unidade. Assim,

só havia espaço para o sistema, que, por ser acabado, fechado e homogêneo, era

perfeitamente passível de estudo; essas características, para Saussure, estavam longe de

serem atribuídas ao texto. Marcuschi (2008) comenta essa posição estruturalista-

saussuriana quando afirma que, “No geral, os estudos dessa linha não ultrapassam a

unidade máxima da frase, nem se ocupam do uso da língua. Na maioria dos casos,

33

trabalham-se aqui as unidades isoladamente, fora de qualquer contexto.” (p. 59-60).

Podemos, então, concluir, tomando emprestadas as palavras de Kleiman (2002), que o

texto para Saussure era apenas um conjunto de elementos gramaticais.

A terceira concepção de língua – língua como instrumento de comunicação –,

difundida por Jakobson (1982), avançava em relação às concepções anteriores, pois aqui

já se considerava a língua em uso e, portanto, o estudo e a análise de textos reais.

Entretanto, pode-se dizer que ainda se tratava de uma visão simplista do processo

interlocutivo. Segundo Kleiman (2002), para os adeptos dessa concepção, o texto era

apenas um conjunto de palavras que deviam ter seus significados interpretados um a um

e, ao final, somados para se chegar à mensagem pretendida. Complementando, a autora

afirma ainda que o texto era visto como um simples depósito de mensagens e

informações a serem transmitidas do emissor ao receptor. Resultado do processo

comunicativo, o texto era um produto acabado, na medida em que o emissor construía

sozinho um único sentido para ele; esse sentido, por sua vez, deveria ser apenas extraído

pelo receptor, atividade esta que só dependia do domínio de um mesmo código

linguístico por ambos os sujeitos envolvidos na comunicação para ser executada sem

dificuldade e com êxito.

Como podemos perceber, o texto em si só foi alvo de estudos a partir da terceira

concepção de língua. Mesmo assim, uma noção de texto como mensagem é muito

reducionista e não contempla os muitos aspectos que envolvem esse objeto. Resultante

de um olhar ampliado sobre o texto a fim de apreender melhor a sua complexidade, a

quarta concepção de língua – língua como interação –, desenvolvida por Bakhtin (1997;

2002), aponta para um conceito que contempla pelo menos três dimensões: a

semântica/conceitual, a formal/linguística e a pragmática. Para discutirmos sobre essa

concepção de texto, traremos as reflexões feitas por Bronckart (1999), Marcuschi

(2008), Costa Val (2006), Koch (2007) e Geraldi (1997).

Marcuschi (2008) nos lembra que a comunicação linguística não se dá por meio

de unidades isoladas da língua, como os fonemas, os morfemas ou as palavras soltas,

mas através de unidades maiores, que vão além da frase – os textos. É nesse sentido que

Costa Val (2006) aponta o texto como a “unidade linguística comunicativa básica”.

A partir dessa afirmação, a autora nos mostra as três características fundamentais

de todo texto, corroboradas pelos demais autores citados acima.

34

A primeira delas diz respeito ao fato de ele constituir uma unidade semântica.

Assim, para que uma manifestação linguística seja considerada um texto, ela precisa ser

reconhecida pelos participantes da interação como um todo significativo. Pois, como

salienta Bronckart (1999), “cada texto exibe um modo determinado de organização de

seu conteúdo referencial.” (p. 71).

A segunda propriedade básica do texto é que ele é uma unidade formal ou

material. Isso porque, para que um texto seja reconhecido como tal, seus constituintes

linguísticos devem estar integrados e se apresentar como um todo coeso. É nesse

sentido que Marcuschi (2008) aponta o texto como um tecido estruturado. Koch (1997)

também chama atenção para a organização dos componentes linguísticos dentro do

texto quando o define como uma “manifestação verbal constituída de elementos

linguísticos selecionados e ordenados pelos co-enunciadores, durante a atividade verbal

(....)” (p. 27). Bronckart (1999) é outro autor que corrobora essa ideia, na medida em

que afirma: “cada texto é composto de frases articuladas umas às outras de acordo com

as regras de composição mais ou menos estritas.” (p. 71).

A esse respeito, Geraldi (1997) comenta:

uma mera justaposição de sequências verbais escritas não chega a constituir um texto; quando o processo de construção de um texto aparentemente se faz pela justaposição de sequências verbais sem ligações entre si, no processo de compreensão de tais textos é preciso buscar nos espaços “em branco” as ligações possíveis (...) só buscamos preencher espaços em branco de sequências justapostas se supomos que elas se apresentam como partes de um todo. (p. 99).

O autor chama atenção para o fato de que as sequências verbais dentro de um

texto devem estar interligadas e não apenas justapostas. Salienta, porém, que, mesmo

que essas ligações não se apresentem de forma explícita, elas podem ser recuperadas

pelo leitor, que se encarrega de unir as sequências e construir uma unidade linguística

para o texto.

O terceiro atributo de um texto caracteriza-o como uma unidade de linguagem

em uso. Koch (2007) explica que os indivíduos lançam mão de diversos tipos de

atividades para se comunicarem e que o texto é um dos instrumentos usados para esse

fim: “[ele é] (...) parte de atividades mais globais de comunicação, que vão muito além

do texto em si, já que este constitui apenas uma fase desse processo global.” (p. 26).

Vemos, pois, que os textos se inserem no nosso cotidiano para viabilizar as mais

35

diversas práticas sociais. Corroborando essa idéia, Marcuschi (2008) considera o texto

um fenômeno linguístico de caráter enunciativo e não meramente formal, ao mesmo

tempo em que prefere defini-lo como prática, evento ou atividade; segundo o autor, o

texto não é um mero objeto ou artefato empírico. Koch (2007) salienta que, ao ser

tomado como prática, o texto deixa de ser entendido como uma estrutura acabada (ou

seja, um produto), e passa a ser abordado no seu processo de planejamento, construção e

socialização.

Koch (2007) afirma ainda que os textos “são resultados da atividade verbal de

indivíduos socialmente atuantes, na qual estes coordenam suas ações no intuito de

alcançar um fim social, de conformidade com as condições sob as quais a atividade

verbal se realiza.” (p. 26). Os textos são, portanto, frutos de uma construção partilhada

entre aquele que fala/escreve e aquele que lê/ouve. Além disso, eles sempre cumprem

determinadas funções discursivas nas situações sociocomunicativa que integram.

Conforme essa visão, os fatores pragmáticos (ou seja, as peculiaridades de cada ato

comunicativo, como o contexto sociocultural em que se insere o texto) assumem

fundamental importância para a construção dos sentidos. É nesse sentido que Bronckart

(1999) afirma que “cada texto está em relação de interdependência com as propriedades

do contexto em que é produzido.” (p. 71).

Marcuschi (1983) sintetiza estas três propriedades básicas de todo texto quando

afirma que a Linguística Textual:

Deve preservar a organização linear que é o tratamento estritamente linguístico abordado no aspecto da coesão e, por outro, deve considerar a organização reticulada ou tentacular, não linear, portanto, dos níveis de sentido e intenções que realizam a coerência no aspecto semântico e funções pragmáticas. (p. 13).

De modo a ampliar e detalhar esses três aspectos, Costa Val (2006), Koch e

Travaglia (1999) e Marcuschi (2008) nos apresentam os sete elementos sistematizados

por Beaugrande e Dressler (1983; 1981; 1981, respectivamente) que fazem com que um

texto seja reconhecido como tal. Esse conjunto de características, denominado de

textualidade, contempla os três âmbitos inicialmente apontados: a) o aspecto semântico,

que diz respeito à “coerência”; b) o aspecto formal, que inclui a coesão; c) o aspecto

sociocomunicativo, no qual estão inseridas a intencionalidade, a aceitabilidade, a

36

situacionalidade, a informatividade e a intertextualidade. A seguir, vamos comentar

cada um desses sete aspectos responsáveis pela textualidade de um texto.

Koch e Travaglia (1999) explicam que a coerência se estabelece na interação, na

medida em que ela é o que faz com que um texto faça sentido para os interlocutores

numa dada situação comunicativa. Dessa forma, ela tem a ver com a interpretabilidade e

a inteligibilidade do texto. Koch (2007) explica melhor esse aspecto ao afirmar que

Um texto se constitui enquanto tal no momento em que os parceiros de uma atividade comunicativa global, diante de uma manifestação linguística, pela atuação conjunta de uma complexa rede de fatores de ordem situacional, cognitiva, sociocultural e interacional, são capazes de construir, para ela, determinado sentido. (p. 30).

Na medida em que for construído pelo menos um sentido adequado à situação, o

texto lido ou ouvido será considerado coerente pelos interlocutores. A coerência assim

estabelecida é que os leva a identificar um texto como texto.

Corroborando essa ideia, Costa Val (2006) afirma que o texto não significa

apenas por si mesmo: seu sentido é construído não só pelo produtor, mas também pelo

receptor, e depende de um compartilhamento de conhecimentos entre eles. Segundo a

autora, um texto é aceito como coerente pelo indivíduo que o processa (seja através da

leitura ou da escuta) quando os sentidos trazidos por ele são compatíveis com o seu

conhecimento de mundo. O leitor ou ouvinte precisa, assim, possuir os conhecimentos

necessários à interpretação do texto para poder concebê-lo como coerente.

Koch e Travaglia (1999) consideram ainda que a coerência é o estabelecimento

de uma unidade de sentido para o texto. Nesse sentido, ela se caracteriza como global e

hierarquizadora, na medida em que os sentidos que constituem o texto se subordinam ao

sentido global e unitário. Afirmam ainda que a coerência é a continuidade de sentidos

de um texto, resultado de conexões conceituais entre os seus elementos. Entretanto,

como salientam esses autores, a coerência não tem nada a ver com a superfície

linguística do texto: ela é “profunda, subjacente à superfície textual, não linear, não

marcada explicitamente na estrutura de superfície.” (p. 12).

Podemos, então, concluir que a coerência de um texto é ao mesmo tempo interna

e externa, semântica e pragmática. A coerência é interna ou semântica na medida em

que decorre das relações estabelecidas entre os conceitos que constituem o texto. Da

mesma forma, a coerência é externa ou pragmática porque depende de diferentes fatores

37

socioculturais: ela é resultado de uma série de processos cognitivos empreendidos pelo

usuário por meio dos quais ele estabelece uma compatibilidade entre o material

conceitual e o seu conhecimento de mundo; a coerência externa também sofre

influências de elementos interpessoais, como o relacionamento entre interlocutores, suas

intenções comunicativas etc. “Enfim, cada texto apresenta mecanismos de textualização

e mecanismos enunciativos destinados a lhe assegurar a coerência (.....)”

(BRONCKART, 1999, p. 71).

A coesão, por sua vez, é a forma como os conceitos e relações que não se

manifestam claramente no texto são expressos na sua superfície. É nesse sentido que

Costa Val (2006) afirma que a coesão é a “manifestação linguística da coerência” (p.

6). Ela é construída e explicitamente revelada por meio de mecanismos gramaticais e

lexicais (marcas linguístico-formais).

Apesar de a coesão ser primordialmente de ordem sintática e gramatical,

concordamos com Halliday e Hasan (1976, apud KOCH e TRAVAGLIA, 1999) quando

eles afirmam que ela é também de ordem semântica, pois é responsável pela relação

entre pelo menos dois elementos do texto, os quais dependem um do outro para serem

compreendidos e fazerem sentido. A coesão é, pois, a ligação entre os elementos

superficiais do texto, ou seja, o modo como frases e/ou partes do texto estão

relacionadas. De caráter linear (uma vez que se manifesta na organização sequencial do

texto), a coesão é responsável pela unidade formal do texto.

Embora alguns autores apresentem a coesão e a coerência como conceitos

opostos e distintos (KOCH e TRAVAGLIA, 1999), a separação entre eles não é tão

nítida como se pensa. Esses dois elementos são responsáveis pela interrelação semântica

entre os elementos que compõem o texto, processo denominado por Costa Val (2006)

de “conectividade textual”: enquanto a coerência constrói o nexo entre os conceitos, a

coesão o faz entre os elementos linguísticos. A autora salienta ainda que o nexo é

primordial para que uma sequência de frases seja considerada um texto, embora não seja

necessário ele vir explícito na superfície textual.

Além disso, de acordo com Koch e Travaglia (1999), é consenso entre os autores

a ideia de que a coesão contribui muito para o estabelecimento da coerência, mas não a

garante, sendo necessário recorrer a elementos externos ao texto (os conhecimentos de

mundo compartilhados entre os interlocutores, a situação comunicativa etc.). A respeito

38

disso, Costa Val (2006) explica que os mecanismos coesivos são inegavelmente úteis

para a eficiência do texto. Isso porque,

Além de tornar a superfície textual estável e econômica, na medida em que fornecem possibilidades variadas de se promover a continuidade e a progressão do texto, também permitem a explicitação de relações que, implícitas, poderiam ser de difícil interpretação. (p. 8-9).

Costa Val mostra que o nexo é facilmente recuperável pelo leitor/ouvinte em

muitas situações, mesmo não vindo expresso. Entretanto, em outras ocorrências, se a

relação semântica desejada pelo autor não estiver expressa no texto, o leitor ouvinte

pode lhe conferir um sentido distinto. Assim, como ressalta Charolles (1987, apud

KOCH e TRAVAGLIA, 1999), a relativa determinação semântica das marcas

linguísticas de coesão faz com que o papel do leitor/ouvinte como intérprete de seus

sentidos seja muitas vezes decisivo.

Dessa forma, tomando as palavras de Bernárdez (1982, apud KOCH e

TRAVAGLIA, 1999), podemos concluir que, metodologicamente, é importante

separarmos os conceitos de coesão e coerência, mas sem esquecer que eles são dois

aspectos interligados. Além disso, é importante salientar que ambos são igualmente

importantes para a constituição do texto, não sendo um mais relevante que o outro.

Basta lembrarmos que, para Bronckart (1999), a coesão e a coerência são os principais

elementos constituintes no texto, como fica nítido na concepção de texto por ele

explicitada: “a noção de texto designa toda unidade de produção de linguagem que

veicula uma mensagem linguisticamente organizada e que tende a produzir um efeito de

coerência sobre o destinatário.” (p. 71 – grifo do autor).

Além da coerência e da coesão, Beaugrande e Dressler (1983, apud COSTA

VAL, 2006; 1981, apud KOCH e TRAVAGLIA, 1999) apontam ainda a

intencionalidade e a aceitabilidade como elementos responsáveis pela textualidade. Para

que uma manifestação linguística constitua um texto, é necessário: a) de um lado, que o

escritor/falante se esforce para produzir um texto coerente e coeso, que satisfaça as suas

intenções comunicativas (intencionalidade); b) de outro, que o leitor/ouvinte se esforce

para aceitar a ocorrência linguística lida/ouvida como um texto coerente e coeso, que

tenha utilidade e relevância para a situação comunicativa vivenciada (aceitabilidade).

Koch e Travaglia (1999), remetendo a autores como Charolles (1987), Grosz (1981) e

Brown e Yule (1983), afirmam que, seguindo esses dois princípios, os interlocutores

39

mantêm sempre uma atitude cooperativa entre si, agindo como se todo texto fosse

coerente.

Grice (1975, 1978, apud COSTA VAL, 2006) traçou “máximas

conversacionais”, ou seja, estratégias que os produtores de texto põem em prática para

obter a aceitabilidade do seu interlocutor. Dentre elas estão a cooperação (preocupação

do produtor em atender aos interesses do leitor/ouvinte), a qualidade (autenticidade), a

quantidade (informatividade), a pertinência/relevância, além de precisão, clareza,

ordenação e concisão das informações.

Entretanto, é comum os produtores, intencionalmente deixarem de cumprir

alguma dessas máximas. Se essa intenção for percebida pelo leitor/ouvinte, ela passa a

assumir uma determinada função e acarretará um efeito de sentido importante para a

situação comunicativa. Isso porque, ainda segundo Grice (1975, 1978, apud COSTA

VAL, 2006), o indivíduo que processa o texto prefere acreditar que o não cumprimento

de alguma das máximas conversacionais seja intencional, em lugar de aceitar que o

produtor produziu um texto incoerente. Charolles (1978, apud COSTA VAL, 2006)

corrobora essa ideia ao afirmar que o leitor/ouvinte sempre dá um crédito de coerência

ao texto, supondo que este seja coerente, esforçando-se para construir essa coerência e

colocando-se totalmente a serviço da compreensão; para tanto, usa uma série de

estratégias, como o preenchimento de lacunas e a elaboração de deduções com base em

seus conhecimentos de mundo. Ao mesmo tempo, o produtor do texto sabe dessa

tolerância existente por parte do leitor/ouvinte e, ao elaborar seu texto, o faz contando

com ela. Costa Val (2006) salienta, porém, que essa tolerância varia muito de acordo

com o nível de conhecimento sobre o assunto por parte do recebedor e da formalidade

da situação. Acrescentamos também que ela deve variar em decorrência do gênero

textual em jogo.

Koch e Travaglia (1999) dizem ainda que esses dois princípios podem ser

tomados em sentido restrito e em sentido amplo. O sentido restrito é o mais comumente

abordado pelos autores e diz respeito aos aspectos até o momento discutidos. Já em

sentido amplo, a intencionalidade se refere a todas as formas por meio das quais os

locutores/escritores utilizam os textos para pôr em prática suas intenções comunicativas.

Da mesma forma, para a aceitabilidade o sentido amplo diz respeito à disposição por

parte do destinatário de aceitar o discurso emitido pelo produtor e compartilhar do seu

propósito comunicativo.

40

A informatividade, por sua vez, indica em que medida as informações presentes

em um texto são esperadas/previsíveis/conhecidas (ou não) pelo indivíduo que irá

interpretá-lo. Assim, quanto mais previsível o texto for para o leitor/ouvinte, menos

informativo ele será; da mesma forma, quanto menos previsível, mais informativo.

Costa Val (2006) argumenta que um texto que possua menos informações

conhecidas e por isso tenha um grau maior de informatividade se mostra mais

interessante e envolvente para o leitor, ainda que seu processamento ofereça mais

trabalho. Entretanto, se toda a informação de um texto for inesperada, exigirá do

interlocutor um esforço muito grande para compreendê-lo, o que pode fazer com que ele

rejeite o texto por interpretá-lo como incoerente. Nesse sentido, a autora julga que os

textos devem ter um nível de informatividade médio: deve-se trazer elementos já

conhecidos, que permitam o processamento imediato, mas também inserir elementos

novos, que dependam de um processamento mais trabalhoso e que tragam a novidade

para o texto. Vemos, pois, como concluem Koch e Travaglia (1999), que a

informatividade pode facilitar ou dificultar a coerência de um texto.

Costa Val (2006) complementa a discussão dizendo que, para um texto possuir

um bom nível de informatividade, ele precisa também atingir a suficiência de dados: ou

seja, faz-se necessário explicitar os dados imprescindíveis, que não possam ser

interpretados apenas pelo leitor/ouvinte.

Já a intertextualidade diz respeito às diversas formas por meio das quais um

texto depende do conhecimento prévio, por parte dos interlocutores, de outros textos já

existentes. Dionísio (2006) salienta que, ao lermos ou escrevermos, sempre fazemos

referência ao conteúdo, ao estilo ou à forma composicional de outros textos para

atingirmos determinados objetivos. Assim, podemos concluir que a intertextualidade se

apresenta como uma propriedade constitutiva de todo e qualquer texto. Para ratificar

essa ideia, basta relembrarmos da discussão trazida por Bakhtin (1997) e exposta no

item anterior – segundo esse autor, todas as palavras e expressões emitidas por nós já

foram lidas ou ouvidas antes. Assim, a originalidade de nossos enunciados decorre da

forma como reutilizamos essas mesmas palavras e expressões em situações distintas,

para atender a nossos propósitos discursivos, construindo para elas novos sentidos.

A situacionalidade também é apontada por Beaugrande e Dressler (1983, apud

COSTA VAL, 2006; 1981, apud KOCH e TRAVAGLIA, 1999) como um dos critérios

de textualidade. Ela diz respeito a todos os elementos responsáveis por tornar um texto

41

adequado e relevante na situação sociocomunicativa em que ocorre, ou seja, em seus

contextos de ocorrência e para seus usuários. Marcuschi (2008) alerta, porém, que a

situacionalidade não pode ser usada como sinônimo de contextualidade. O autor explica

que o contexto é apenas um dos elementos que entram em jogo na composição da

situação comunicativa, embora ele seja um dos principais.

Concordamos também com Marcuschi (2008) quando este afirma que a

situacionalidade não constitui um princípio autônomo e até se mostra redundante

quando é analisado isoladamente, uma vez que ela se relaciona intimamente com os

demais fatores de textualidade. É o caso da coerência. Como explica Bastos (apud

KOCH e TRAVAGLIA, 1999), a coerência é estabelecida na relação entre o texto e a

situação comunicativa. Se um texto não cumprir os requisitos de situacionalidade, ele

pode parecer incoerente, porque o cálculo do seu sentido se mostra difícil ou até

impossível para o leitor/ouvinte.

Da mesma forma, Costa Val (2006) comenta, em relação aos critérios de

intencionalidade e aceitabilidade, que o indivíduo, ao produzir um texto, precisa saber

de que conhecimentos o leitor/ouvinte já dispõe de modo a não ter que explicitá-los em

seu texto. Esses conhecimentos, por sua vez, podem estar disponíveis na situação

comunicativa (no contexto imediato ou em contextos anteriores à interlocução).

Beaugrande e Dressler (apud KOCH e TRAVAGLIA, 1999) lembram ainda que

a relação texto-situação se dá de duas formas: a) da situação para o texto – a situação

comunicativa interfere na forma como o texto é construído; b) do texto para a situação –

a situação é recriada pelo texto, na medida em que toda manifestação linguística não é

uma transcrição da realidade, mas um modo particular de vê-la.

Marcuschi (2008) salienta também que a situacionalidade orienta não só a

compreensão (na medida em que permite ao usuário relacionar o texto ao seu contexto

interpretativo e assim construir um sentido para ele), como também a produção textual.

Podemos concluir, portanto, que um texto é constituído enquanto tal no aspecto

semântico, através da coerência; no aspecto formal, através da coesão; e no aspecto

sociocomunicativo, através dos fatores pragmáticos (intencionalidade, aceitabilidade,

situacionalidade, informatividade e intertextualidade). Assim, o conceito de texto por

nós adotado nesta pesquisa parte do pressuposto de que toda e qualquer manifestação

linguística só será bem compreendida quando avaliada nesses três aspectos.

42

1.2.2 O texto e a sua relação com as atividades humanas

Vários autores têm apontado o papel dos textos como organizadores das

atividades e das pessoas. O defensor primeiro dessa ideia foi Bakhtin (1997), ao afirmar

que todas as atividades humanas estão relacionadas ao uso da língua, que se efetiva

através de enunciados orais e escritos, “concretos e únicos, que emanam dos integrantes

duma ou doutra esfera da atividade humana.” (p. 279).

A partir de Bakhtin (1997), outros autores têm desenvolvido essa ideia. Um

deles é Bazerman (2005), que, lançando mão de conceitos como “fato social” e “atos de

fala”, vem se dedicando a estudar o trabalho realizado pelo texto na sociedade e

fornecendo meios para identificarmos as condições sob as quais esse trabalho se realiza,

observarmos a regularidade com que os textos executam tarefas reconhecidamente

similares e também para vermos como certas profissões, situações e organizações

sociais estão associadas a determinados tipos de textos. Vamos retomar aqui apenas

algumas das ideias defendidas por esse autor, com o intuito de compreendermos melhor

como os textos são essenciais para as atividades humanas.

Citando John Austin, Bazerman (2005) afirma que “as palavras não apenas

significam, mas fazem coisas”. Ou seja, um texto pronunciado/escrito pela pessoa

apropriada e em determinada circunstância obriga as outras pessoas que o escutam ou o

leem a fazerem alguma coisa. Como exemplo, Bazerman cita o religioso que, tomando

por base a autoridade lhe foi atribuída e legitimada, declara, “apenas” por meio de

palavras, duas pessoas casadas em uma cerimônia de casamento. A partir de tal

declaração, essas pessoas deverão, pois, mudar a organização de suas vidas. Por isso,

pode-se dizer que todo texto corresponde a atos de fala.

Para que os textos realizem atos de fala, é necessário, como já foi dito, que as

palavras sejam ditas pela pessoa certa e na situação certa. Se a expressão “Eu vos

declaro marido e mulher.” fosse pronunciada por uma pessoa qualquer que não fosse

membro do Clero nem fizesse parte do Poder Judiciário ou se fosse dita numa cena de

uma peça de teatro, ela não teria validade e, logo, não mudaria em nada o

comportamento daqueles que a ouviram. Bazerman conclui, portanto, que os textos

devem cumprir determinadas condições de felicidade, que devem ser levadas em conta

para que um ato de fala seja bem sucedido.

43

Se o texto satisfizer, então, essas condições de felicidade, as pessoas que o leram

ou ouviram vão aceitar as afirmações nele veiculadas como verdadeiras e logo vão

tomá-las como fatos sociais: “Fatos sociais são as coisas que as pessoas acreditam que

sejam verdadeiras e, assim, afetam o modo como elas definem uma situação. As

pessoas, então, agem como se esses fatos fossem verdades” (p. 23) Retomando o

exemplo anterior, na medida em que as pessoas que estão assistindo ao casamento, bem

como os noivos, acreditam que ele é uma verdade (que ele tem validade legal e real),

vão tomá-lo como um fato social (algo indiscutível, que deve ser aceito por todos) e vão

agir como se esse compromisso fosse realmente verdadeiro (como foi dito, os noivos

vão mudar as organização de suas vidas e as demais pessoas vão apoiar e aceitar tal

mudança). Vemos, pois, que as pessoas criam novas realidades de significação, relações

e conhecimentos fazendo uso de textos.

Bazerman (2005) também considera que todo texto está encaixado em

determinadas atividades sociais estruturadas de tal forma, que sua produção, circulação

e uso ordenados constituem a própria atividade e organização dos grupos sociais. Na

medida em que uma atividade social é motivada pelas anteriores e dela dependem as

posteriores (formando o que Bazerman chama de “sistemas de atividades humanas”), os

textos também acompanham essa dinâmica, formando uma verdadeira rede textual: um

texto depende de textos anteriores (na medida em que estes influenciam a atividade e a

organização social em questão), ao mesmo tempo em que cria condições que são

levadas em consideração em atividades seguintes.

Dolz e Schneuwly (2004), retomando e desenvolvendo as ideias de Bronckart

(1999), também ressaltam a relação entre o uso da linguagem (por meio de textos) e as

práticas e atividades sociais: “A linguagem humana se apresenta, inicialmente, como

uma produção interativa associada às atividades sociais (...) é, portanto, primariamente,

uma característica da atividade social humana, cuja função maior é de ordem

comunicativa e pragmática.” (BRONCKART, 1999, p. 34). Para argumentar em favor

dessa afirmação, Dolz e Schneuwly lançam mão de três conceitos: “práticas de

linguagem”, “atividades de linguagem” e “ações de linguagem”.

Segundo estes autores, o conceito de práticas de linguagem “visa (...) as

dimensões particulares do funcionamento da linguagem em relação às práticas sociais

em geral, tendo a linguagem uma função de mediação em relação a estas últimas.” (p.

44

72). As práticas de linguagem são, portanto, práticas sociais particulares, nas quais os

indivíduos utilizam a linguagem para participar da dinâmica social.

Para entendermos melhor esse aspecto, tomemos o seguinte exemplo: a ida de

dois amigos ao cinema constitui uma prática social. Para realizá-la, eles terão que usar

constantemente a linguagem, na medida em que: a) leem os cartazes com as opções de

filme; b) dialogam sobre a que filme irão assistir; c) fazem o pedido de compra de

lanche; d) assistem ao filme; e) comentam o filme após terem assistido etc. Vemos,

pois, que, para que uma prática social seja viabilizada, precisamos utilizar a linguagem

– lendo, ouvindo, escrevendo ou falando textos. Assim, podemos dizer que toda prática

social traz consigo determinadas práticas de linguagem que lhes são necessárias e

específicas. Isso porque, quando pensamos em determinada prática social, sem

dificuldade conseguimos apontar as práticas de linguagem que dela fazem parte.

Vemos, pois, que o uso da linguagem por meio de textos permite nos inserirmos

no meio social, interagindo com os demais indivíduos que o compõem e realizando as

nossas atividades diárias. Os textos são, portanto, mediadores entre o indivíduo e a

sociedade, permitindo que ele participe de forma ativa e eficaz das mais diversas

práticas sociais.

Por sua vez, as práticas de linguagem são efetivadas – de forma mais específica

– pelas atividades de linguagem. Tomando como base o conceito mais geral de

atividade proposto por Léontiev (1983, apud Dolz e Schneuwly, 2004), podemos

conceituá-la como um determinado comportamento de uso da linguagem que o

indivíduo coloca em prática motivado pelas condições sociais que o fizeram surgir. As

práticas de linguagem surgem a partir de situações de comunicação, desenvolvem-se em

contextos de cooperação social e são determinadas pelas práticas sociais. Além disso,

podem ser decompostas em ações de linguagem, que consistem em produzir,

compreender, interpretar, e/ou memorizar textos.

Vemos, portanto, através de Bakhtin (1997), Bazerman (2005) e Dolz e

Schneuwly (2004), que os textos, enquanto produtos da atividade humana, estão

estreitamente relacionados às práticas sociais. Essa relação se dá de forma tão intensa,

que, como afirma Bakhtin (1997), o texto (ou enunciado) acaba refletindo as condições

específicas e as finalidades da esfera de comunicação onde ele atua. Ou seja, o texto não

é uma entidade abstrata, sem qualquer marca de identidade; os textos não são todos

iguais, não só porque têm conteúdos diferentes, mas porque se configuram como

45

gêneros textuais distintos: “cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos

relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do

discurso.” (BAKHTIN, 1997, p. 279).

Bronckart (1999) também chama atenção para esse aspecto, ao explicar: “Sendo

os contextos sociais muito diversos e evolutivos, consequentemente, no curso da

história, no quadro de cada comunidade verbal, foram elaborados diferentes modos de

fazer textos ou diferentes espécies de textos” (p. 72).

Portanto, os gêneros textuais são produtos culturais construídos historicamente

pelos seres humanos. Em cada esfera social em que o homem atua encontramos uma

gama de textos que foram sendo criados à medida que seu uso se tornou necessário para

o estabelecimento da comunicação entre os sujeitos. Marcuschi (2008) utiliza a

expressão “domínio discursivo” para designar uma esfera de atividade humana (no

sentido bakhtiniano do termo) ou uma prática discursiva na qual podemos encontrar um

conjunto de textos que lhe é específico (em certos casos, até exclusivo). É o caso do

domínio religioso, no qual podemos encontrar textos como a ladainha, o salmo, a

novena, o evangelho etc.

Nas práticas de uso da língua, os textos é que se materializam nos gêneros que

usamos em contextos determinados social e historicamente. Portanto, é impossível nos

comunicarmos verbalmente sem ser por meio dos gêneros textuais. “Para falar,

utilizamo-nos sempre dos gêneros no discurso (...).” (BAKTHIN, 1997, p. 301). Como

afirma Kress (2003, apud Marcuschi, 2008), na ação social, o produtor de texto sempre

molda a linguagem em “texto-como-gênero”. Assim, tomando as palavras de Bronckart

(1999), podemos concluir que “Todo exemplar de texto observável pode ser

considerado como pertencente a um determinado gênero”.

Os gêneros, pois, estão presentes em nossa vida e os utilizamos para alcançar

determinados fins comunicativos. Na medida em que os contextos sociais e as

atividades humanas são inúmeros e cada esfera social tem seu repertório de gêneros

próprios, podemos afirmar que existe uma grande diversidade de gêneros diferentes

entre si na sociedade. “A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas,

pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável.” (BAKHTIN, 1997, p. 289).

Logo, como resultado da ação humana acontecida durante séculos e séculos, temos hoje

um conjunto infinito de gêneros.

46

No tópico a seguir vamos ampliar essa discussão sobre o que são os gêneros

textuais, expondo os elementos que nos permitem caracterizá-los enquanto tais.

1.2.3 Gêneros textuais: conceitos e definições

Há uma abundância e uma diversidade de fontes e perspectivas de análise dos

gêneros textuais. Diante disso, é conveniente informarmos quais perspectivas

adotaremos para discutir sobre esse tema e, consequentemente, que opções teóricas

servirão para embasar as análises que realizaremos dos dados obtidos na pesquisa de

campo.

De uma forma geral, vamos tomar como base a perspectiva sócio-histórica e

dialógica desenvolvida por Bakhtin (1997). Na medida em que esse autor forneceu

subsídios teóricos de ordem macroanalítica e categorias mais amplas, ele foi assimilado

pela maioria dos demais estudiosos de forma bastante coerente. Como comenta

Marcuschi (2008), ele representa uma espécie de “bom senso teórico” em relação à

concepção de linguagem.

Vamos retomar também os estudos realizados por Miller e Bazerman dentro da

perspectiva sociorretórica/sócio-histórica e cultural. Essa escola preocupa-se com a

organização da sociedade e as relações de poder que os gêneros promovem, tentando

apreender seu funcionamento social e histórico. Nesse sentido, os estudos desses autores

vão nos ser muito úteis para compreendermos melhor como os gêneros estão vinculados

à realidade social e às atividades humanas.

Da mesma forma, vamos nos apropriar das ideias da perspectiva interacionista e

sociodiscursiva de caráter psicolinguístico e atenção didática voltada para a língua

materna, na qual estão incluídos Bronckart (1999) e Dolz e Schneuwly (2004). Esses

autores, sob influência do sociointeracionismo de Vygotsky, estão preocupados com o

ensino dos gêneros textuais orais e escritos na língua materna (principalmente no nível

fundamental). Nesse sentido, eles vão nos dar suporte para pensarmos sobre o ensino

Língua Portuguesa.

Apesar de serem perspectivas teóricas diferentes, elas não são incompatíveis

entre si. Pelo contrário, muitas das ideias que serão desenvolvidas no decorrer deste

tópico são compartilhadas por todos esses estudiosos. Na medida em que recorremos a

perspectivas diferentes, podemos ver este objeto de estudo tão complexo que são os

47

gêneros textuais de vários pontos de vista; acreditamos que, assim, conseguiremos

apreendê-lo de forma abrangente e suficiente para os nossos fins.

Definidas as nossas opções teóricas, vamos continuar a discussão iniciada no

tópico anterior, aprofundando e desenvolvendo o conceito de gêneros textuais. Vimos

que cada esfera de atividade humana, com suas condições concretas e específicas,

formula, “na” e “para a” interação verbal, gêneros discursivos que lhe são próprios. Por

sua vez, os gêneros são constituídos historicamente a partir de novas situações de

interação verbal da vida social que vão se estabilizando no interior dessas esferas.

Para entendermos como isso acontece, vamos buscar subsídios nas ideias de

Miller e Bazerman. Miller (1984, apud BAZERMAN, 2006) concebe o gênero textual

como uma ação retórica tipificada, que funciona como uma resposta a situações

recorrentes e socialmente estabelecidas. Ela explica que, quando precisamos agir

discursivamente em uma nova situação, tomamos como base situações semelhantes, nas

quais buscamos alguma forma textual que nos permita atingir os objetivos pretendidos.

Ao fazermos isso, acabamos criando um modelo textual que passa a fazer parte de nosso

conhecimento e que será aplicado a outras situações semelhantes que possam surgir.

Ou seja, os usuários da língua percebem que um tipo particular de enunciado é

eficaz em certas circunstâncias, de modo que, em circunstâncias semelhantes, há a

tendência de usar um tipo de enunciado parecido. Com o passar do tempo e com as

repetições, vão sendo criados padrões e expectativas socialmente compartilhados que

acabam guiando todos na interpretação de circunstâncias e na produção de enunciados.

Para a teoria de gênero proposta por Miller (1994, apud CARVALHO, 2005)

importa o fato de que as situações sejam recorrentes, pois, assim, podemos tipificá-las a

partir de similaridades existentes entre elas. Essa compreensão padronizada de

determinadas situações é chamada de tipificação. O processo de tipificação baseado na

recorrência de situações explica o surgimento de formas convencionais de texto

(constituídas por regularidades), considerando que situações semelhantes levam a textos

também semelhantes. A recorrência de situações acaba, assim, tornando o gênero

reconhecível.

Bazerman (1994, apud CARVALHO, 2005) trabalha nessa mesma perspectiva

(de gênero como ação social), observando as regularidades nas situações recorrentes,

que, por sua vez, também dão origem a recorrências na forma e no conteúdo do ato

48

comunicativo. Ele parte do pressuposto de que, ao tipificarmos as situações nas quais

nos encontramos, também somos levados a criar formas tipificadas, isto é, os gêneros.

A partir dessa ideia, ele defende que, para coordenarmos melhor nossos atos de

fala uns com os outros, é necessário agirmos de modo típico, isto é, modos que são

facilmente reconhecíveis como realizadores de determinados atos em determinadas

situações. Isso porque, se seguirmos padrões comunicativos com os quais as outras

pessoas já estão familiarizadas, elas vão compreender melhor o que estamos dizendo e o

que queremos fazer. Como argumenta Bazerman (2006), os “gêneros são os lugares

familiares para onde nos dirigimos para criar ações comunicativas inteligíveis uns com

os outros (....)”(p. 23).

Miller (1994, apud CARVALHO, 2005) concorda com esse aspecto, quando

afirma que “o sucesso da comunicação teria como requisito que os participantes

compartilhassem tipos comuns; isto é possível na medida em que os tipos são

socialmente criados.” (p. 134). Dessa forma, esses padrões acabam se reforçando

mutuamente e se estabilizando socialmente. Em suma, para Bazerman (2005), as formas

de comunicação reconhecíveis e autorreforçadoras emergem como gêneros.

Outros autores além de Miller e Bazerman também apontam o fato de os

gêneros textuais corresponderem a situações de interação típicas, isto é, mais ou menos

estabilizadas e normativas:

Formas relativamente estáveis tomadas pelos enunciados em situações habituais, entidades culturais intermediárias que permitem estabilizar os elementos formais e rituais das práticas de linguagem. (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p. 74). Tal tipificidade dos gêneros decorre de uma tipificidade anterior: a das situações em que os textos são produzidos e a daquelas em que circulam. (ANTUNES, 2002a, p. 69). Produzimos textos similares na estrutura e eles circulam em ambientes recorrentes e próprios. (MARCUSCHI, 2008, p. 150) O gênero é a ação linguística praticada como recorrente em situações típicas marcadas pelo evento. (MARCUSCHI, 2008, p. 163).

Em síntese, vimos que as práticas de linguagem vão requerer gêneros

específicos adequados àquele contexto comunicativo. Consequentemente, o surgimento

dos gêneros encontra-se vinculado à atividade humana, mais especificamente ao

surgimento e à estabilização de novas situações de interação verbal. Isso porque há uma

49

tipificação social dos enunciados, que se constitui historicamente nas atividades sociais

em uma situação de interação relativamente estável.

Da mesma forma, a utilização dos gêneros pelos usuários de uma língua com

vistas à interação social também se encontra subordinada à especificidade de uma dada

esfera da comunicação verbal, sendo determinada por fatores da situação de uso dos

textos. Schneuwly (2004), retomando as ideias de Bakhtin (1997), explica que, no

momento da produção textual, o sujeito locutor/produtor escolhe um gênero em função

de uma situação definida por uma série de parâmetros: finalidade (a vontade enunciativa

ou o intuito discursivo do locutor), destinatários (o conjunto constituído dos parceiros),

conteúdo (as necessidades da temática do objeto de sentido). Ou seja, ele elabora uma

base de orientação para a ação discursiva. Por meio dessa base, ele recorre a um gênero

dentro do conjunto de gêneros possíveis, no interior de uma determinada esfera de

comunicação verbal (um lugar social que define um conjunto possível de gêneros).

Vemos, portanto, que os gêneros textuais estão vinculados às esferas da

atividade e comunicação humanas, mais especificamente às situações dentro de

determinada esfera social. É somente nessa situação de interação que podemos

apreender a sua constituição e o seu funcionamento. Assim, o que constitui um gênero é

justamente a sua ligação com uma situação social de interação.

Por sua vez, essa ligação entre o gênero e a situação comunicativa é tão estreita,

que o gênero textual já é conhecido (e reconhecido) pelos sujeitos como realizador de

certa ação em determinada circunstância. Por exemplo: quando pensamos no gênero

convite, já sabemos previamente as situações nas quais normalmente o utilizamos (para

convidar alguém para algum evento, seja este um aniversário, um casamento etc.). É

nesse sentido que Schneuwly (2004) afirma que “os gêneros prefiguram as ações de

linguagem possíveis (...) o conhecimento e a concepção da realidade estão parcialmente

contidos nos meios para agir sobre ela.” (p. 28).

Após compreendermos como os gêneros são constituídos e identificarmos a sua

estreita correlação com as circunstâncias comunicativas, vamos ampliar a discussão

sobre o que é a tipificação das formas textuais decorrente da estabilização de situações.

Bronckart (1999) explica que a noção de gênero (chamado por ele de espécie de

texto) designa todo o conjunto de textos que apresentem características semelhantes. Da

mesma forma, Bakthin (1997) afirma que “Quaisquer que sejam o volume, o conteúdo,

a composição, os enunciados sempre possuem, como unidades da comunicação verbal,

50

características estruturais que lhes são comuns.” (BAKTHIN, 1997, p. 293) É o

compartilhamento de certos traços ou regularidades entre os enunciados de uma dada

esfera de comunicação verbal que faz deles o que Bakthin chamou de tipos

relativamente estáveis de enunciados: “Todos os nossos enunciados dispõem de uma

forma padrão e relativamente estável de estruturação de um todo.” (p. 301).

A esse respeito, Dolz e Schneuwly (2004) comentam que o gênero atravessa a

heterogeneidade das práticas de linguagem e faz emergir toda uma série de

regularidades no uso. Salientam ainda que são essas dimensões partilhadas entre os

textos pertencentes a um determinado gênero que lhes conferem de fato uma

estabilidade.

Todorov (1976, p. 162, apud ANTUNES, 2002a, p. 69) também chama a

atenção para a tipificação dos textos, ao dizer que “Em uma sociedade, a recorrência de

certas propriedades discursivas é institucionalizada, e os textos individuais são

produzidos e percebidos em relação às normas constituídas por esta codificação”.

Devido a esse caráter institucionalizado dos gêneros é que Miller (1994, apud

CARVALHO, 2005) refere-se eles como categorias do discurso convencionais. A

autora também os define como formas verbais de ação social estabilizadas e recorrentes

em textos (1984, apud MARCUSCHI, 2008). Já para Bazerman (2005) os gêneros são

formas de enunciados padronizados.

Essa estabilidade dos gêneros, por sua vez, de acordo com Bakthin (1997), deve-

se à recorrência dos três elementos que os caracterizam: o conteúdo temático, a

construção composicional e o estilo.

Em relação ao conteúdo, Schneuwly (2004) explica que o gênero define os

conteúdos e os conhecimentos dizíveis por meio dele (por exemplo, é comum o gênero

notícia tratar de fatos do cotidiano que sejam reais, relevantes e de interesse geral; esse é

o tipo de conteúdo específico para esse gênero); ao mesmo tempo, o que deve ser dito

define a escolha de um gênero (se eu preciso escrever uma reclamação sobre um

problema para exigir soluções, eu vou escolher uma carta de reclamação).

A construção composicional, por sua vez, diz respeito a um tipo de estruturação

e acabamento do todo. Fazem parte dela certas organizações textuais partilhadas pelas

manifestações linguísticas reconhecidas como pertencentes a um gênero.

E, por fim, o estilo é definido como as configurações específicas de unidades da

língua; traços dos conjuntos particulares de sequências textuais e de tipos discursivos

51

que formam a sua estrutura. Bakthin (1997) concebe o estilo como a “seleção operada

nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais.” (p. 279). Vale

salientar que o estilo não deve ser considerado como um efeito da individualidade do

falante/escritor, mas como um elemento próprio do gênero.

Juntos, esses elementos constituem o gênero. Ou seja, todos possuem esses três

elementos, não havendo um enunciado que possua apenas um ou dois deles. Além

disso, eles são inseparáveis, sendo a sua descrição individual apenas uma estratégia

didática. É nesse sentido que Bakthin afirma que o conteúdo, a construção

composicional e o estilo “fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado.” (p. 279).

Além disso, eles são marcados pela especificidade da esfera de comunicação a

partir da qual o gênero emergiu. Ou seja, o conteúdo, a composição estrutural e os

traços linguísticos estão extremamente ligados aos contextos (condições e finalidades)

nos quais foram produzidos: “Uma dada função e dadas condições específicas para cada

uma das esferas da comunicação verbal geram um dado gênero, ou seja, um dado tipo

de enunciado, relativamente estável do ponto de vista temático, composicional e

estilístico.” (p. 284).

Portanto, textos diferentes serão apontados como pertencentes ao mesmo gênero

na medida em que possuírem conteúdos, construções composicionais e estilos

semelhantes entre si. É devido a essa estabilidade que, segundo Dolz e Schneuwly

(2004), os usuários de uma língua sempre reconhecem um evento comunicativo ou uma

prática de linguagem como instância de um gênero. Eles funcionam, então, como um

modelo comum que determina um horizonte de expectativas para os membros de uma

comunidade confrontados com as mesmas práticas de linguagem. A existência desse

modelo para as práticas de linguagem fica comprovada pelo fato de que o gênero é

imediatamente reconhecido como uma evidência pelos indivíduos habituados a uma

determinada prática.

É nesse sentido que Bazerman (2005) concebe os gêneros como fenômenos de

reconhecimento psicossocial, sendo definidos tão somente como os tipos que as pessoas

reconhecem como sendo usados por elas próprias e pelos outros.

Para Schmidt (1978, apud Antunes, 2002a), as expectativas que os usuários de

uma língua têm em relação aos gêneros textuais – denominadas por ele de expectativas

dos modos de manifestação recorrentes – fazem parte dos pressupostos que os parceiros

da comunicação possuem acerca de uma determinada manifestação textual. De tais

52

expectativas, por sua vez, provém o caráter prescritivo para os usuários de uma língua,

como aponta Bakhtin (1997):

Os gêneros do discurso são, em comparação com as formas da língua, muito mais fáceis de combinar, mais ágeis, porém, para o indivíduo falante, não deixam de ter um valor normativo: eles lhe são dados, não é ele que os cria. É por isso que o enunciado, em sua singularidade, apesar de sua individualidade e de sua criatividade, não pode ser considerado como uma combinação absolutamente livre das formas da língua, do modo como concebido por Saussure (e, na sua esteira, por muitos linguistas), que opõe o enunciado (a fala), como um ato puramente individual, ao sistema da língua como um fenômeno puramente social e prescritivo para o indivíduo. (p. 304).

Os gêneros exercem, pois, certo efeito normativo (coerção social) sobre as

interações verbais. Como modos sociais de ação (atos sociais) e de dizer, eles regulam,

organizam e significam a interlocução. Miller (1984, apud MARCUSCHI, 2008)

desenvolve essa ideia ao afirmar que eles são propriedades inalienáveis dos textos

empíricos e servem de guia para os interlocutores, dando inteligibilidade às ações

retóricas. Bazerman (2005) ratifica essa afirmação, quando salienta que a tipificação dá

certa forma e significado às circunstâncias e direciona os tipos de ação que os usuários

da língua terão que realizar. Em outro momento, Bazerman (2006) argumenta ainda que

“os gêneros moldam os pensamentos que formamos e as comunicações através das

quais interagimos.” (p. 23). Isso porque, como explica Bakhtin (1997), é a noção acerca

da forma do enunciado total, isto é, do gênero do discurso, que baliza o falante no

processo interlocutivo. O gênero é, pois, uma forma de linguagem prescritiva que

permite, ao mesmo tempo, a produção e a compreensão de textos.

Com relação à produção de textos, Dolz e Schneuwly (2004) afirmam que o

gênero se impõe como uma forma evidente que o enunciado a ser produzido deve

tomar. Os gêneros são, pois, entidades poderosas, que, de acordo com Bronckart (1999),

nos condicionam a escolhas (do ponto de vista do léxico, do grau de formalidade ou da

natureza dos temas) que não são aleatórias. Assim, os gêneros acabam limitando a nossa

escrita. Bazerman (2005) complementa dizendo que o formato padrão do gênero nos

direciona no sentido de qual informação apresentar e de como apresentá-la.

Da mesma forma, Antunes (2002a) comenta que na leitura os gêneros

possibilitam a projeção e o enquadramento das interpretações que o ouvinte/leitor do

53

texto realiza, ao mesmo tempo em que atuam como uma orientação prospectiva para a

compreensão global do texto.

Relacionado a esse aspecto, Bakhtin (1997) sustenta que todos nós dominamos

um rico repertório de gêneros do discurso (orais e escritos) e devido a isso os usamos

com segurança e desenvoltura:

Ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o gênero, adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o início, somos sensíveis ao todo discursivo que, em seguida, no processo da fala, evidenciará suas diferenciações. (p. 302). Ou ainda: é de acordo com nosso domínio dos gêneros que usamos com desembaraço (...) que realizamos, com o máximo de perfeição, o intuito discursivo que livremente concebemos. (p. 304).

Ou seja, devido ao nosso saber construído acerca do gênero, distinguimos, logo

no início de uma comunicação (oral ou escrita), o gênero a ser utilizado, seu tema, sua

estrutura composicional, e, assim, a troca verbal se concretiza. Antunes (2002a)

corrobora essa ideia ao afirmar que as pessoas possuem um saber intuitivo a respeito

dos gêneros. Isso porque os usuários sabem, embora intuitivamente, que as formas

textuais devem adequar-se à situação de interação. A autora argumenta ainda que a

capacidade de identificação e uso dos gêneros é parte do conhecimento de mundo.

Nesse sentido, o domínio dos gêneros possui uma dimensão cognitiva.

Da mesma forma, Marcuschi (2008) lembra que nós costumamos com alta

frequência designar os gêneros que lemos e produzimos, pois possuímos uma

metalinguagem riquíssima, intuitiva e, no geral, confiável. Bazerman (1994, apud

CARVALHO, 2005) salienta que o fato de as pessoas dominarem os gêneros é uma

condição fundamental para a própria existência do gênero: “uma forma textual que não

é reconhecida como sendo de um tipo, tendo determinada força, não teria status nem

valor social como gênero. Um gênero existe apenas à medida que seus usuários o

reconhecem e o distinguem.” (p. 134).

Devido a sua relativa estabilidade, bem como a seu caráter prescritivo, muitos

autores têm atribuído aos gêneros o estatuto de modelos: Antunes (2002a) considera os

gêneros como classes de exemplares concretos de texto ou modelos mais ou menos

54

rígidos de texto. Da mesma forma, Bazerman (2006) aponta os gêneros como modelos

que utilizamos para explorar o não familiar.

Já Marcuschi (2008), fazendo uma analogia entre a gramática tradicional e os

gêneros textuais, comenta que a gramática organiza as formas linguísticas, enquanto que

os gêneros organizam nossa fala e nossa escrita. A partir desse raciocínio, o autor afirma

que os gêneros são um tipo de gramática social, isto é, uma gramática da enunciação.

Tomando como suporte teórico o interacionismo social de Vygotsky, Schneuwly

(2004) ampliou a discussão sobre o caráter orientador dos gêneros e desenvolveu a

noção de gênero como instrumento mediador entre o sujeito e as atividades sociais ou,

para ser mais preciso, um megainstrumento:

Poderíamos aqui construir uma outra metáfora: considerar o gênero como um “megainstrumento”, como uma configuração estabilizada de vários subsistemas semióticos (sobretudo linguísticos, mas também paralinguísticos), permitindo agir eficazmente numa classe bem definida de situações de comunicação. (p. 28).

Ele explica que, numa atividade de linguagem, as ações (de linguagem) são

mediadas por instrumentos – os gêneros textuais –, objetos específicos, socialmente

elaborados, produtos das experiências das gerações precedentes, por meio dos quais se

transmitem e se ampliam experiências. Nesse sentido, os instrumentos estão entre o

indivíduo que age e a situação na qual ele age. Eles determinam e guiam a conduta do

indivíduo, apurando sua percepção sobre a situação na qual ele está agindo.

Citando Rabardel, Schneuwly (2004) explica que o instrumento (no caso, o

gênero textual) possui duas faces: ele existe fora do sujeito, como um artefato material

(texto concreto) que viabiliza, por sua própria forma, as operações que ele foi destinado

a realizar, e ele existe dentro do sujeito, na forma de esquemas de utilização desse

objeto (os conhecimentos do sujeito a respeito do gênero), que permitem ao indivíduo

articular suas capacidades às situações de ação. Para que o instrumento seja mediador,

ele precisa, portanto, ser apropriado pelo sujeito. Ou seja, para que o sujeito possa agir

na sociedade através dos gêneros textuais, ele precisa primeiramente dominá-los.

Bakhtin (1997) comenta que frequentemente ocorrem casos de pessoas que

dominam muito bem a língua, mas se sentem desamparadas em certas esferas de

comunicação verbal, pelo fato de não dominarem os gêneros que as constituem. A esse

respeito, Bazerman (2006) explica que as pessoas têm lugares discursivos que

55

construíram e para os quais se dirigem frequentemente para interagir. Quando se

inserem em novos domínios comunicativos, há a tendência de que elas tentem construir

a percepção sobre eles com base nas formas que já conhecem.

Por sua vez, o conhecimento que possuímos sobre os gêneros é construído

naturalmente, ao mesmo tempo em que aprendemos a nossa língua materna:

Os gêneros do discurso nos são dados quase como nos é dada a língua (...) As formas da língua e as formas típicas de enunciados , isto é, os gêneros do discurso, introduzem-se em nossa experiência e em nossa consciência conjuntamente e sem que sua estreita correlação seja rompida. Aprender a falar é aprender a estruturar enunciados (...) Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero. (BAKHTIN, 1997, p. 301-302).

Bakhtin (1997) salienta, porém, que o fato de dominar os gêneros não significa

que tenhamos consciência disso: podemos ignorar totalmente a sua existência teórica.

Enfim, como aponta Kress (2003, apud MARCUSCHI, 2008), numa sociedade

altamente letrada como a nossa, o conhecimento dos gêneros é inescapável. Para

Marcuschi (2008), mesmo os indivíduos que possuem um nível baixo de letramento se

servem de inúmeros gêneros no seu dia a dia.

Portanto, como já comentado anteriormente, a construção de textos, apesar da

vontade individual do falante/escritor, não pode ser considerada como uso e combinação

absolutamente livres das formas da língua. Além de dominar as formas de determinada

língua, faz-se necessário o domínio dos gêneros para que a comunicação aconteça. Pois,

como defende Bakhtin (1997), “se não existissem os gêneros do discurso e se não os

dominássemos, se tivéssemos que criá-los pela primeira vez no processo da fala, se

tivéssemos que construir cada um de nossos enunciados, a comunicação verbal seria

quase impossível.” (p. 302). Bronckart (1999) ratifica a importância do domínio dos

gêneros pelos indivíduos, ao argumentar que “a apropriação dos gêneros é um

mecanismo fundamental de socialização, de inserção prática nas atividades

comunicativas humanas.” (p. 103).

Após compreendermos como a relativa estabilidade dos gêneros textuais é

responsável pela existência de expectativas por parte dos usuários de uma língua

(leitores e produtores de textos), pelo seu caráter prescritivo e orientador, bem como

pela instauração de modelos de textos, vamos retornar à discussão sobre a padronização

dos gêneros, trazendo mais elementos para ampliar a compreensão sobre esse aspecto.

56

Marcuschi (2008) considera que o caráter de genericidade se dá mais fortemente

em alguns gêneros do que em outros, variando de uma fluidez muito grande a uma

rigidez bastante acentuada. Isso porque alguns usos são mais fortemente marcados e

outros menos marcados pelas instituições onde ocorrem.

A esse respeito, Bakhtin (1997) explica que existem gêneros mais padronizados,

isto é, mais estáveis e mais prescritivos (normativos). Ele afirma que existem textos que

apresentam formas tão padronizadas, que o querer-dizer individual do produtor se

manifesta praticamente apenas na escolha do gênero. Em contraposição, há gêneros

menos padronizados, mais livres, que se prestam mais facilmente a uma reestruturação

criativa. Para usá-los livremente, é preciso ter um bom domínio dos gêneros. Ele

salienta, entretanto, que esse uso livre e criativo tem limites e não tem o poder de recriar

um gênero.

Bronckart (1999) também percebeu essa diferença no nível de estabilidade dos

gêneros:

A organização dos gêneros apresenta-se, para os usuários de uma língua, na forma de uma nebulosa, que comporta pequenas ilhas mais ou menos estabilizadas (gêneros que são claramente definidos e rotulados) e conjuntos de textos com contornos vagos e em intersecção parcial (gêneros para os quais as definições e os critérios de classificação ainda são móveis e/ou divergentes). (p. 74).

Marcuschi (2008) acrescenta que os gêneros ligados à esfera privada são de

menor estabilidade formal, enquanto que os gêneros ligados à esfera da vida pública são

mais estáveis. Antunes (2002a) complementa a discussão dizendo que essa flexibilidade

na definição dos gêneros enquanto esquemas estruturais de textos é natural, uma vez

que eles dizem respeito ao âmbito social.

A discussão sobre o grau de padronização dos gêneros textuais, por sua vez, se

relaciona com a distinção proposta por Bakhtin (1997) entre gêneros primários e

gêneros secundários. Antes de caracterizar cada um desses grupos de gêneros é

importante salientar, como explica Rodrigues (2005), que o critério usado por Bakhtin

para diferenciá-los não é funcional, e sim histórico, baseado na concepção

socioideológica da linguagem, mais especificamente na diferenciação entre ideologias

do cotidiano e as ideologias estabilizadas e formalizadas.

57

Os gêneros secundários são gêneros mais complexos. Eles surgem em condições

de comunicação discursiva mais complexa, organizada e relativamente mais evoluída,

no âmbito das ideologias formalizadas e especializadas, que medeiam as interações

sociais nas esferas artística, científica, religiosa, jornalística, escolar etc. Já os gêneros

primários são mais simples. Eles são constituídos em condições de comunicação verbal

imediata e espontânea, no âmbito da ideologia do cotidiano (ideologias não

formalizadas e sistematizadas).

Não obstante o autor afirmar que os gêneros secundários nascem nas condições

de comunicação cultural mais complexa, organizada e principalmente escrita, não é a

escrita o critério de diferenciação, uma vez que há gêneros primários escritos e gêneros

secundários orais.

Para Schneuwly (2004) a diferença entre esses dois grupos de gêneros está no

tipo de relação que eles mantêm com a ação: nos gêneros primários, a regulação ocorre

na e pela própria ação de linguagem. Eles bastam a si mesmos, funcionando como que

por reflexo ou automatismo. Já os gêneros secundários não são controlados diretamente

pela situação, ou seja, não têm contexto imediato. Devido a essa autonomização em

relação ao contexto, surge a necessidade de criar uma coesão interna ou um fechamento

interno do texto. Isso se dá, sobretudo, pelo uso de instrumentos linguísticos que se

referem a um contexto linguisticamente criado pelo texto. Ou seja, quanto mais um

gênero é autônomo em relação a uma situação imediata, mais sua construção linguística

se enriquece e se complexifica, sendo a regulação feita por meio de outros mecanismos

de controle mais potentes.

De acordo com Bakhtin (1997), os gêneros secundários se formam pela absorção

e reelaboração de gêneros primários. Isso porque, quando o gênero primário é inserido

no secundário, ele transforma-se: perde sua relação direta com a realidade; conserva sua

forma e relevância só como parte do gênero ao qual foi incorporado, participando da

realidade apenas por meio dele e deixando, assim, de ser acontecimento da vida

cotidiana.

A despeito do interesse de alguns estudiosos em identificar e classificar os

gêneros, concordamos com Bazerman (1984, apud MARCUSCHI, 2008) quando este

salienta que é impossível estabelecer taxonomias e classificações duradouras. Nossas

identificações de formas genéricas terão sempre curta duração, pois os “gêneros são o

que as pessoas reconhecem como gêneros a cada momento do tempo.” (p. 16).

58

Marcuschi (2008) apoia essa ideia e afirma que os gêneros não são classificáveis como

formas puras nem podem ser catalogados de maneira rígida.

A esse respeito, Bronckart (1999) alega que os gêneros textuais são entidades

profundamente vagas. Diz ainda que as classificações existentes são divergentes e

parciais, e que nenhuma delas pode ser considerada um modelo de referência

estabilizado e coerente. Ele atribui essa dificuldade de classificação a pelo menos dois

motivos.

O primeiro deles é a diversidade de critérios utilizados para definir um gênero.

Para termos ideia da complexidade da questão, Bronckart (1999, p. 73) enumera os

vários critérios que têm sido usados:

critérios referentes ao tipo de atividade humana implicada (gênero literário, científico, jornalístico etc.); critérios centrados no efeito comunicativo visado (gênero épico, poético, lírico, mimético etc.); critérios referentes ao tamanho e/ou natureza do suporte utilizado (romance, novela, artigo de jornal, reportagem etc.); critérios referentes ao conteúdo temático abordado (ficção científica, romance policial, receita de cozinha etc.).

Marcuschi (2008a, p. 164) também aponta os critérios que, segundo ele, usamos

para dar nomes aos gêneros textuais e salienta que vários deles podem atuar em

conjunto:

1. forma estrutural (gráfico; rodapé; debate; poema); 2. propósito comunicativo (errata; endereço); 3. conteúdo (nota de compra; resumo de novela); 4. meio de transmissão (telefonema; telegrama; e-mail); 5. papéis dos interlocutores (exame oral; autorização); 6. contexto situacional (conversação espontânea; carta pessoal).

Bronckart (1999) comenta que o critério mais objetivo que poderia ser utilizado

para identificar e classificar os gêneros seria tomar como base as unidades e as regras

linguísticas específicas que eles mobilizam. Entretanto, ele adianta que a aplicação

desse critério não é plausível, visto que um gênero pode ser composto por vários

segmentos distintos. Para compreendermos melhor essa discussão, é pertinente

trazermos aqui a noção de tipos textuais, desenvolvida tanto por Bronckart (1999),

quanto por Marcuschi (2002), e que difere da noção de gêneros textuais.

59

Marcuschi (2002) explica que os tipos textuais são construtos teóricos definidos

por propriedades linguísticas intrínsecas (aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas,

tempos verbais etc.). Eles abrangem categorias como narração, argumentação,

descrição, injunção e exposição. Um tipo textual é definido, portanto, por um conjunto

de traços linguísticos predominantes que formam sequências linguísticas dentro dos

textos. Assim, os gêneros são preenchidos por sequências tipológicas de base que estão

relacionadas entre si. A esse respeito, Marcuschi (2002) explica que, quando nomeamos

um texto como narrativo, descritivo ou argumentativo, não estamos nomeando o gênero,

mas o predomínio de um tipo de sequência de base. O autor salienta ainda que pode

acontecer o fato de um mesmo gênero conter dois ou mais tipos textuais.

Bronckart (1999) apresenta uma definição semelhante para os tipos textuais,

embora substitua esse termo por tipos de discurso:

Enquanto, devido à sua relação de interdependência com as atividades humanas, os gêneros são múltiplos e até mesmo em número infinito, os segmentos que entram na sua composição (segmentos de relato, de argumentação, de diálogo etc.) são em número finito, podendo, ao menos parcialmente, ser identificados por suas características linguísticas específicas. (...) Esses diferentes segmentos que entram na composição de um gênero são produto de um trabalho particular de semiotização ou de colocação em forma discursiva e é por essa razão que serão chamados de discursos. Na medida em que apresentem fortes regularidades de estruturação linguística, consideraremos que pertencem ao domínio dos tipos; portanto, utilizaremos a expressão tipo de discurso para designá-los, em vez da expressão tipo textual. (p. 75 e 76, grifos do autor)

Esse autor explica que os tipos de discurso e não os gêneros podem ser

identificados com base em suas propriedades linguísticas. Assim, um gênero nunca

pode ser completamente definido por critérios linguísticos, somente os segmentos ou

sequências textuais que o compõem podem ser reconhecidos e classificados por tais

critérios.

Da mesma forma, os gêneros não podem ser distinguidos apenas por critérios

formais. Essa posição, segundo Rodrigues (2005), é defendida por Bakhtin, na medida

em que ele nega que os gêneros sejam apenas uma forma e que, por isso, eles possam

ser diferenciados pelas suas propriedades formais. O autor salienta que, embora os

gêneros mais estabilizados possam ser reconhecidos pela sua dimensão linguístico-

textual, não é a forma em si que define o gênero.

60

Bazerman (2005) também argumenta em favor dessa ideia, ao afirmar que a

identificação de gêneros através de suas características formais nos dá uma visão

incompleta e enganadora do fenômeno, na medida em que assim estaríamos vendo-os

como atemporais e iguais para todos os observadores. O autor explica que a definição

de gêneros como apenas um conjunto de traços textuais ignora o papel dos indivíduos

no uso e na construção de sentidos, bem como as diferenças de percepção e

compreensão de cada um. Da mesma forma, não leva em conta o uso criativo que os

indivíduos fazem dos gêneros para satisfazer novas necessidades, assim como as

mudanças na forma de compreender os gêneros no decorrer do tempo.

Uma vez que os elementos formais e linguísticos não são os principais

definidores dos gêneros textuais, Marcuschi (2008) nos aponta, então, o critério mais

adequado: “as distinções entre um gênero e outro não são predominantemente

linguísticas e sim funcionais.” (p. 159).

A esse respeito, Miller (1984, apud MARCUSCHI, 2008) afirma que, quando

dominamos um gênero textual, não dominamos uma forma linguística, mas um modo de

realizar linguisticamente determinados objetivos em situações sociais específicas: “uma

definição retoricamente sadia de gênero deve ser criada não na substância ou na forma

do discurso, mas na ação que é usada para executá-lo.” (p. 17).

Assim, apesar de os gêneros serem facilmente reconhecíveis pelos usuários de

uma língua devido as suas formas similares, Miller (1994, apud MARCUSCHI, 2008)

salienta que não é na similaridade das formas que reside a identificação de um gênero,

mas nos atos que praticamos recorrentemente por meio dele. Portanto, a ação vem em

primeiro lugar, sendo a estrutura apenas um elemento que o constitui, pois é pela ação

que (re)produzimos os sentidos sociais e criamos as estruturas. Schneuwly (2004)

concorda com esse aspecto, afirmando que a estrutura do gênero é definida por sua

função.

Bhatia (1993, apud MARCUSCHI, 2008) segue um pensamento semelhante ao

de Miller e argumenta que os gêneros são formas de ação tática, ou seja, a ação

realizada por meio dos gêneros é uma seleção tática de ferramentas adequadas a algum

objetivo. Da mesma forma, vemos que Bakhtin (1997) não pensa o gênero em si mesmo

nem em suas propriedades formais, mas em suas funções socioverbais e ideológicas.

61

Marcuschi (2008) também aponta a primazia da função sobre a forma, ao dizer

que “os gêneros não são entidades formais, mas sim entidades comunicativas em que

predominam os aspectos relativos a funções, propósitos, ações e conteúdos.” (p. 159).

Vemos, pois, que a funcionalidade aparece como um elemento primordial na

compreensão e definição dos gêneros textuais, na medida em que todo gênero textual

possui um propósito bastante claro que o determina e o situa numa esfera de circulação.

Vamos, portanto, ampliar a discussão sobre esse aspecto, trazendo mais elementos sobre

a relação forma-função.

Marcuschi (2008) afirma que é comum burlarmos o cânon de um gênero fazendo

uma mistura de formas e funções. Ou seja, frequentemente nós encontramos ou

produzimos textos que possuem a forma de um gênero e a função de outro. Esse

fenômeno é denominado intergenericidade: “hibridação ou mescla de gêneros em que

um assume a função de outro.” (p. 165). Como exemplo, podemos citar a receita

poética, uma hibridação de gêneros que já se tornou bastante conhecida pela frequência

com que aparece. Podemos defini-la como um texto que possui uma forma

composicional (estrutura e construção linguística) típica das receitas culinárias (com a

menção aos ingredientes e ao modo de preparo, bem como o uso de verbos no

imperativo e a indicação das quantidades). Por sua vez, o conteúdo do texto deixa de ser

o conteúdo típico das receitas culinárias, isto é, alimentos, e passa a ser o conteúdo

típico dos poemas, a saber: os sentimentos. Além disso, combinado ao estilo da receita,

percebemos também o estilo poético, caracterizado pelo uso da linguagem conotativa.

Por fim, e não menos importante, a sua função predominante não é a das receitas

culinárias (orientar o sujeito na preparação de comidas), mas a dos poemas (despertar

sentimentos).

Marcuschi (2008) acredita que a intergenericidade é uma situação bem mais

natural e normal do que se imagina e que os textos normalmente convivem em interação

constante. Apesar de admitir que não se pode distinguir com clareza total as formas e

funções dos gêneros, ele salienta que a ocorrência desse fenômeno em um texto não

deve trazer problemas de interpretabilidade para os leitores, na medida em que há o

predomínio da função sobre a forma na sua compreensão. Ou seja, o gênero

predominante no texto não será o que dá suporte a sua estruturação composicional, mas

aquele que define a sua função. Dessa forma, retomando o exemplo acima, o gênero

predominante é o poema e não a receita.

62

Esse fenômeno também nos permite perceber o quão é arriscado acreditar que os

gêneros mantêm uma relação biunívoca com as formas textuais. A esse respeito,

Marcuschi (2008) comenta que, no geral, os gêneros estão bem fixados e não oferecem

problemas para a sua identificação. Entretanto, quando se tem algum problema ou

conflito na designação de um gênero, ele se dá justamente por causa do propósito

comunicativo ou função.

Retomando a questão a respeito da dificuldade de classificação do gênero devido

à diversidade de critérios utilizados, apontada por Bronckart (1999), a partir das

discussões realizadas até o momento, podemos concluir que, dentre os vários aspectos

que envolvem os gêneros e que podem ser usados para defini-lo, há um consenso entre

vários autores de que a funcionalidade é o elemento primordial nesse processo.

Essa dificuldade de classificação, segundo Bronckart (1999), decorre ainda de

um segundo motivo: o caráter fundamentalmente histórico e adaptativo dos gêneros.

Isso porque eles se multiplicam e se modificam à medida que a esfera de circulação

onde eles atuam se desenvolve e se complexifica.

A esse respeito, Marcuschi (2008) comenta que Bakhtin, ao definir os gêneros

como enunciados relativamente estáveis, parecia dar mais importância ao relativamente

do que ao estável. Do ponto de vista enunciativo e do enquadre histórico-social da

língua, essa postura é a mais adequada, na medida em que a noção de relatividade

permite-nos captar melhor as fronteiras fluidas dos gêneros.

Marcuschi (2008) explica que o gênero é flexível e variável, da mesma forma

que seu principal componente – a língua. Isso porque, pelo fato de a língua variar, os

gêneros também mudam. Os gêneros, pois, desenvolvem-se de maneira dinâmica: eles

variam, fundem-se, misturam-se, adaptam-se, modificam-se e renovam-se para manter

sua identidade funcional com inovação organizacional. Cada novo gênero aumenta e

influencia os gêneros da esfera social onde atua, multiplicando-se. Alguns gêneros

tendem a desaparecer devido à ausência das condições sociocomunicativas que os

geraram, assim como gêneros já desaparecidos podem reaparecer sob formas

parcialmente diferentes.

Da mesma forma, como aponta Bronckart (1999), a emergência de novos

gêneros pode estar relacionada ao surgimento de novas motivações sociais, ao

aparecimento de novas circunstâncias comunicativas ou ao aparecimento de novos

suportes de comunicação. Entretanto, Marcuschi (2008) salienta que nem sempre temos

63

um gênero essencialmente novo. Isso porque gêneros novos também surgem a partir de

outros, de acordo com as novas necessidades, atividades ou tecnologias que vão

surgindo. Os gêneros se imbricam e se interpenetram para construírem novos gêneros e,

assim, solidificam-se novas formas com novas funções.

Por sua vez, o dinamismo de formas e funções dos gêneros está ligado à maneira

como eles circulam. Quanto mais eles circulam, mas eles são suscetíveis a mudanças e

alterações, por estarem estreitamente ligados a uma moldagem social. Assim, não

podemos ver os gêneros como modelos estanques, nem como estruturas rígidas, mas

como entidades dinâmicas e fenômenos relativamente plásticos. Kress (2003, apud

MARCUSCHI, 2008) se arrisca a afirmar que estamos caminhando para uma hibridação

ou mesclagem de gêneros tão intensa, que podemos chegar ao ponto de não haver

categorias de gêneros puros, mas apenas um fluxo de gêneros.

Cohen (1986, apud BAZERMAN, 2006), por sua vez, salienta que os gêneros

estão em constante evolução da mesma forma que as expectativas sociais também estão

em processo de mudança (isto é, o modo como as pessoas percebem os gêneros). Assim,

não só os gêneros mudam, mas aquilo que é considerado como um exemplo de um

gênero também muda, ou seja, muda a maneira como os leitores e produtores aplicam

suas expectativas de gênero a cada situação de uso da língua.

A tendência é, pois, a de observar os gêneros pelo seu lado dinâmico, processual

e social, explorando a historicidade e a plasticidade, e evitando a classificação e a

postura estrutural. Isso porque os gêneros estão em perpétuo movimento e essa

mobilidade, segundo Bronckart (1999), explica o fato de as fronteiras entre os gêneros

não poderem ser claramente estabelecidas. Entretanto, como salienta Marcuschi (2008b,

p. 17), não podemos cair em extremismos: “Os gêneros não são superestruturas

canônicas e deterministas, mas também não são amorfos e simplesmente determinados

por pressões externas”.

O caráter histórico e adaptativo dos gêneros também explica o fato de os textos

pertencerem a um gênero e ao mesmo tempo serem singulares. Ou seja: mesmo quando

os exemplares concretos de texto pertencem a um mesmo gênero, eles podem se

diferenciar em vários aspectos, pois cada texto particular possui características próprias

e, por isso, constitui um objeto sempre único.

Bronckart (1999) explica por que isso acontece. Como já mencionamos

anteriormente, quando um indivíduo produz um texto, ele possui um conhecimento

64

sobre os gêneros na forma de modelos ou exemplos típicos referentes a situações de

comunicação também típicas. Entretanto, toda situação de comunicação é, de certa

forma, nova ou particular, o que leva o indivíduo-produtor a organizar de um

determinado modo os elementos que constituem seu texto e a utilizar de uma forma

relativamente original os recursos linguísticos próprios do gênero.

Dessa forma, ainda que o indivíduo tome como referência um modelo de gênero

para produzir seu texto, ele também precisa realizar um conjunto decisões que dizem

respeito ao modo como esse modelo será aplicado e que decorre de uma representação

particular que o sujeito-produtor possui da situação de comunicação onde ele está

atuando. Essas decisões, por sua vez, são responsáveis pelo estilo próprio do texto. Mais

adiante vamos discutir melhor sobre a questão do estilo individual.

Schneuwly (2004) compartilha a posição de Bronckart e explica de forma mais

detalhada como ocorre esse processo. Inicialmente, ele tece uma crítica a Bakhtin,

afirmando que, para esse autor, há uma relação de imediatez entre a escolha do gênero e

a sua utilização, e que isso traz pelo menos um problema: o problema da adaptação do

gênero à situação concreta. Segundo ele, Bakhtin até menciona esse fato, mas não

oferece ferramentas para compreendê-lo.

Antes de dar continuidade à explicação do pensamento desses autores, vamos

retomar as ideias de Bakhtin (1997) a esse respeito para compreendermos melhor a

crítica que lhe foi feita. Ele afirma que o processo de utilização do gênero do discurso é

composto por duas fases. Na primeira, o sujeito escolhe o gênero de acordo com a

situação de interação na qual ele está inserido. Essa etapa é mais estável e prescritiva, na

medida em que cabe apenas ao indivíduo seguir os padrões específicos do gênero

escolhido: “A escolha (...) do gênero do discurso é determinada principalmente pelos

problemas de execução que o objeto de sentido implica para o locutor (o autor). É a fase

inicial do enunciado, a qual lhe determina as particularidades de estilo e composição.”

(p. 308).

Na segunda fase, o locutor/produtor, após ter contemplado em seu texto as

características genéricas, tem espaço para usar os recursos linguísticos de forma

diferenciada e expressar a sua individualidade. Essa etapa, por sua vez, é menos estável

e mais maleável: “A segunda fase do enunciado, que lhe determina a composição e o

estilo, correspondentes à necessidade de expressividade do locutor ante o objeto de seu

enunciado” (p. 309)

65

Após analisar essas ideias, concordamos com a crítica feita por Schneuwly

(2004), pois, na primeira fase descrita por Bakhtin, é possível perceber uma concepção

de imediatez em relação à escolha do gênero e, estando este escolhido, certo

determinismo no seu uso. Bakhtin, portanto, tenta explicar os mecanismos de adaptação

do gênero a uma situação particular utilizando o conceito de esquemas de utilização

(desenvolvido por Vygotsky). Ele aponta dois esquemas de utilização. O primeiro deles

é o que permite ao indivíduo escolher um gênero através da base de orientação para a

ação discursiva por ele elaborada. O gênero escolhido deve, então, poder ser adaptado

ao destinatário, ao conteúdo e à finalidade específicos da situação comunicativa em

jogo. Os demais esquemas de utilização, por sua vez, se referem aos diferentes níveis de

operações necessárias para a produção, que são guiadas e estruturadas pelo gênero como

um organizador global do texto.

Marcuschi (2008) também chama atenção para o caráter ao mesmo tempo

relativo e estável do gênero, ao afirmar que este “por um lado impõe restrições e

padronizações, mas por outro lado é um convite a escolhas, estilos, criatividade e

variação.” (p. 156).

Da mesma forma, Antunes (2002a) diz que, no entendimento do que sejam os

gêneros textuais, devemos considerar a dimensão particular de suas manifestações, que

diz respeito à convergência entre o homogêneo e o heterogêneo das realizações

individuais. Dessa forma, para a autora, os gêneros “evidenciam o paradoxo existente

entre a tipificidade de seus esquemas sequenciais e a heterogeneidade inerente às

manifestações individuais da atividade verbal.” (p. 70).

Para Bakhtin (1997, apud RODRIGUES 2005), essa interação entre a retomada

dos modelos de gêneros e a produção de textos singulares faz parte do movimento

constitutivo da linguagem e é responsável pela atualização dos gêneros. Ele aponta o

movimento contínuo entre a unidade e a continuidade, entre o dado e o criado, ao

afirmar que “o gênero sempre é e não é ao mesmo tempo, sempre é novo e velho ao

mesmo tempo.” (p. 106). Dessa forma, enquanto atuam como forças reguladoras para a

interpretação e a produção de enunciados, os gêneros também se renovam a cada nova

situação social de interação, na medida em que cada enunciado individual contribui para

a sua existência e continuidade.

A esse respeito, Bazerman (2005) explica que, mesmo remetendo a formas

padronizadas, as pessoas tentam expressar suas características individuais e tornar seus

66

textos diferentes para distingui-los dos demais. Não obstante, assim que alguém inventa

um novo elemento ou formato que funciona bem em determinada situação, ele tende a

ser imitado por outras pessoas e poderá se tornar um padrão estável.

Essa discussão, já apontada por Bronckart (1999) anteriormente, nos remete à

questão do estilo individual do texto, bem como à sua diferença em relação ao estilo do

gênero, explicitada por Bakhtin (1997). Sabemos que todo gênero textual possui um

estilo que não deve ser considerado como um efeito da individualidade do

falante/escritor, mas como um elemento constituinte do gênero. Assim, o enunciado

produzido recebe do gênero uma determinada expressividade, que lhe é típica. Essa

expressividade do gênero, por sua vez, é de ordem impessoal, da mesma forma que os

gêneros do discurso são também impessoais. Entretanto, todo enunciado, por ser

individual, reflete a individualidade de quem fala ou escreve. Nesse sentido, ele também

possui um estilo individual, um dos recursos usados para expressar a relação emotivo-

valorativa do locutor com seu texto e que se define acima de tudo por seus aspectos

expressivos. A entoação expressiva, apesar de variar de intensidade de acordo com a

esfera de comunicação verbal (mais especificamente dos gêneros textuais que a

constituem), existe para todo gênero, na medida em que não existe enunciado

absolutamente neutro.

Bakhtin (1997) salienta, porém, que os gêneros não refletem a individualidade

do locutor/produtor da mesma forma, havendo alguns deles que não são propícios ao

estilo individual. Segundo o autor, os gêneros literários são os mais propícios, na

medida em que o estilo individual faz parte do seu “empreendimento enunciativo

enquanto tal e constitui uma de suas linhas diretrizes.” (p. 283). Já os gêneros que

requerem uma forma mais padronizada são os menos favoráveis para refletir a

individualidade do locutor/produtor. Neles, “só podem refletir-se os aspectos

superficiais, quase biológicos, da individualidade.” (p. 283). Bakhtin (1997) subordina o

estilo individual ao estilo do gênero, colocando-o em segundo plano, ao afirmar que na

maioria dos gêneros do discurso o estilo individual é apenas um produto complementar.

Para finalizar a discussão sobre os gêneros textuais, é importante ainda

versarmos sobre sua relação com a realidade social. Marcuschi (2008) salienta que não

podemos tratá-los independentemente de sua ligação com as atividades humanas em

todas as esferas. Eles possuem forte identidade social e organizacional. São parte

integrante da estrutura comunicativa de toda sociedade, na medida em que ajudam a

67

estruturar as ações de uma comunidade e a intermediar as práticas sociais. Permitem,

assim, lidar de maneira mais estável com as relações humanas em que a linguagem é

utilizada.

Com base nessa ideia, o autor afirma que os gêneros textuais se prestam às mais

variadas formas de controle social no dia a dia. Enquanto seres sociais, nós estamos

imersos em uma máquina sociodiscursiva e os gêneros textuais atuam como um dos

instrumentos mais poderosos dessa máquina, uma vez que do seu domínio e

manipulação depende grande parcela de nossa inserção social. Marcuschi (2008) explica

que esse controle social é incontornável, na medida em que a sociedade nos molda sob

vários aspectos e nos conduz a determinadas ações. Entretanto, isso não quer dizer que

os gêneros criem relações deterministas; eles apenas manifestam-nas em certas

condições de suas realizações.

É nesse sentido que Miller (1994, apud CARVALHO, 2005) aponta os gêneros

como categorias operativas e instrumentos globais de ação social. Ainda segundo essa

autora, o gênero é um mecanismo de estruturação e interação que regula as ações

comunicativas individuais e o sistema social, sendo o elo e o mediador entre o particular

e o público, entre o indivíduo e a comunidade.

Da mesma forma, Bazerman (2005) argumenta que os gêneros são parte de

processos de atividades socialmente organizadas. Para o autor, eles “emergem nos

processos sociais em que as pessoas tentam compreender umas às outras

suficientemente bem para coordenar atividades e compartilhar significados com vistas a

seus propósitos práticos.” (p. 31). Para compreender como os gêneros se enquadram em

organizações, papéis e atividades sociais mais amplas, Bazerman (2005) criou os

conceitos de conjunto de gêneros, sistema de gêneros e sistemas de atividades, que se

relacionam e se sobrepõem uns aos outros. Segundo ele, conjunto de gêneros é o grupo

de textos que uma pessoa num determinado papel social lê ou produz. Já o sistema de

gêneros é constituído por vários conjuntos de gêneros lidos e produzidos por pessoas

que trabalham juntas de maneira organizada. Ele permite resgatar a trajetória que os

gêneros frequentemente percorrem (um gênero segue outro) dentro de uma rotina

comunicativa típica de um grupo de pessoas. Por fim, temos o conceito mais amplo de

sistema de atividades, dentro do qual atuam os sistemas de gêneros. Através desses

conceitos, em seus estudos Bazerman (2005) examina como os vários lugares de

trabalho e de interação social são organizados em torno de conjuntos estruturados de

68

gêneros e como a produção desses gêneros é parte essencial do trabalho e da interação

nesses espaços. Bazerman justifica a importância de se analisar os gêneros imbricados

às atividades sociais, argumentando que essa postura permite enfocar o que as pessoas

fazem e como os textos ajudam as pessoas a fazê-lo, em vez de estudar os textos como

fins em si mesmos.

Os gêneros circulam na sociedade das mais variadas maneiras e nos mais

variados suportes. Existem gêneros que circulam necessariamente em toda a população

como formas organizadoras da vida social, como os documentos, as contas, os

formulários etc. Outros gêneros são próprios de certas esferas da vida social.

Além de se prestar ao controle social, Marcuschi (2008) explica que os gêneros

textuais se prestam também ao exercício do poder. Isso porque apenas determinadas

pessoas têm o poder de produzir/emitir certos gêneros, como um diploma ou uma

certidão de nascimento, por exemplo.

Marcuschi (2008) alerta ainda para o fato de que, devido à estreita relação entre

os gêneros textuais e a realidade social, o gênero não possui a mesma circulação

situacional em todas as culturas. Ou seja, um gênero que é usado para servir a

determinada função interativa em nossa cultura pode ser inadequado numa situação

cultural diferente. Ele dá como exemplo a piada: na Alemanha é costume os

comerciantes contarem piadas em reuniões de negócios. Já na China, é considerado

inapropriado contar piadas durante negociações comerciais. Assim, um mesmo gênero é

lido e escrito de formas diferentes, dependendo da cultura. É nesse sentido que Miller

(1984, apud MARCUSCHI, 2008) aponta os gêneros como artefatos culturais. Da

mesma forma, Antunes (2002 a) afirma que os gêneros são culturais, pois sedimentam-

se em espaços da vida das comunidades.

O estudo dos gêneros permite, portanto, focalizar a língua em funcionamento nas

mais diversas atividades sociais e culturais. Para encerrar este tópico, vamos tomar

emprestadas as palavras de Marcuschi (2008) e fazer um breve apanhado das principais

características definidoras dos gêneros:

Resumidamente, poderia dizer que os gêneros são entidades: a) dinâmicas; b) históricas; c) sociais; d) situadas; e) comunicativas; f) orientadas para fins específicos; g) ligadas a determinadas comunidades discursivas; h) ligadas a domínios discursivos; i) recorrentes; j) estabilizadas em formatos mais ou menos claros. (p. 159).

69

1.3 O ensino da produção de texto na escola a partir dos gêneros textuais

Neste tópico, vamos discutir sobre a atividade de produção de textos e suas

implicações pedagógicas, procurando responder a perguntas como: O que é produzir

textos? Como se dá o processo de produção de textos escritos? Como historicamente

tem sido realizado o ensino da escrita? Quais são as diretrizes atuais para o ensino da

produção textual?

1.3.1 A atividade de produção de texto em contextos extraescolares

1.3.1.1 Produção de texto como uma atividade social e cognitiva

Concebemos nesta pesquisa a produção de textos como uma atividade de

natureza complexa, ao mesmo tempo social, discursiva e cognitiva. Isso porque, para

compreendermos a sua complexidade temos que levar em conta, de um lado, as

condições de produção dos textos e o trabalho de produção de discursos realizado pelos

sujeitos e, de outro, os processos cognitivos envolvidos nessa atividade, procurando

verificar as relações entre essas instâncias.

Do ponto de vista social, vemos que no dia a dia as pessoas escrevem em

diversas situações comunicativas. Nesse sentido, sempre escrevemos com a intenção de

interagirmos na sociedade. Como explica Antunes (2003):

A atividade de escrita é, então, uma atividade interativa de expressão, (ex-, “para fora”), de manifestação verbal das ideias, informações, intenções, crenças ou dos sentimentos que queremos partilhar com alguém, para, de algum modo, interagir com ele. (p. 45).

Escrever constitui, portanto, um modo de interação social entre os sujeitos, pois

quem escreve, na verdade, escreve para alguém, ou seja, está em interação com outra

pessoa (ainda que essa escrita destine-se a si mesmo). Nesse sentido, a escrita pressupõe

sempre a existência do outro: “ O outro é a medida: é para o outro que se produz o texto.

(...) O outro se inscreve já na produção, como condição necessária para que o texto

exista”. (GERALDI, 1997, p. 102) Ou no dizer de Bakhtin (1997): “o índice substancial

70

(constitutivo) do enunciado é o fato de dirigir-se a alguém, de estar voltado para o

destinatário”. (p. 320).

Mesmo que esse interlocutor não esteja presente no tempo e no espaço onde

ocorre a produção de texto, ele é levado em conta durante todo o processo de escrita: ele

é o parâmetro das decisões que o escritor toma sobre o que dizer e como dizer em seu

texto. Concordamos com Bakhtin (1997) quando ele afirma que o enunciado, desde o

início, é elaborado em função de uma eventual reação-resposta ativa do leitor/ouvinte e,

por isso, enquanto o enunciado está sendo elaborado, há uma tendência em presumir

uma resposta por parte do interlocutor. Essa resposta presumida influencia o texto em

elaboração. Ou seja, enquanto falamos ou escrevemos, sempre levamos em conta o que

Bakhtin (1997) chama de fundo aperceptivo do destinatário, formado por elementos

como o grau de informação que ele tem da situação, seus conhecimentos sobre o

assunto tratado, suas opiniões e suas convicções, seus preconceitos, suas simpatias e

antipatias etc., pois é isso que condicionará sua compreensão/resposta do texto.

Nesse sentido, durante a produção textual o autor se preocupa em fornecer pistas

no seu texto para que o leitor consiga construir um sentido mais próximo do pretendido

inicialmente, com o intuito de afastar possíveis leituras indesejadas. Podemos concluir,

portanto, que o escritor divide a atividade escrita com seu leitor, na medida em que

ambos agem de modo cooperativo e mútuo durante a produção do texto: “Seu sentido,

por maior precisão que lhe queira dar seu autor, e ele o sabe, é já na produção um

sentido construído a dois”. (GERALDI, 1997, p. 102)

Por sua vez, a interação que se estabelece por meio da escrita entre o

falante/escritor e o destinatário do texto é sempre orientada por uma intenção, objetivo

ou finalidade. Como comenta Antunes (2003), a escrita responde a um propósito

funcional qualquer, possibilitando às pessoas a realização de alguma atividade

sociocomunicativa. Desse modo, na escrita de um texto é necessário não só que “se

tenha o que dizer”, mas também que “se tenha uma razão para dizer o que se tem a

dizer” e que “se tenha para quem dizer o que se tem a dizer”. (GERALDI, 1997, p. 137).

Esses fatores determinarão a escolha do gênero textual a ser produzido, bem como dos

elementos composicionais e dos recursos linguísticos usados na construção do texto.

Além do destinatário e do objetivo, há muitos outros elementos que exercem

influência no momento da produção textual. Bronckart (1999) designa esse conjunto de

71

elementos (ou de parâmetros) de contexto de produção e inclui nele tanto o contexto

físico como o contexto sociosubjetivo.

Segundo esse autor, todo texto é resultado de uma ação desenvolvida em um

contexto físico, isto é, resulta de uma ação situada nas coordenadas do espaço e do

tempo. Nesse contexto, encontram-se delimitados os seguintes parâmetros:

O lugar da produção: o lugar físico em que o texto é produzido; o momento da produção: a extensão do tempo durante o qual o texto é produzido; o emissor (ou produtor, ou locutor): a pessoa (ou a máquina) que produz fisicamente o texto, podendo essa produção ser efetuada na modalidade oral ou escrita; o receptor: a (ou as) pessoa(s) que pode(m) perceber (ou receber) concretamente o texto (p. 93).

Por outro lado, Bronckart (1999) também considera que todo texto se insere no

quadro das atividades de uma determinada formação social e de uma determinada forma

de interação comunicativa. Esse contexto, denominado sociosubjetivo, compõe-se de

elementos e supõe questionamentos, tal como posto a seguir:

O lugar social: no quadro de qual formação social, de qual instituição ou, de forma mais geral, em que modo de interação o texto é produzido (escola, família, mídia, exército, interação comercial, interação formal, etc)?; a posição social do emissor (que lhe dá estatuto de enunciador): qual é o papel social que o emissor desempenha na interação em curso (papel de professor, de pai, de cliente, de superior hierárquico, de amigo, etc)?; a posição social do receptor (que lhe dá estatuto de destinatário: qual é o papel social atribuído ao receptor do texto (papel de aluno, de criança, de colega, de subordinado, de amigo?); o objetivo (ou objetivos) da interação: qual é, do ponto de vista do enunciador, o efeito (ou os efeitos) que o texto pode produzir no destinatário? (p. 94).

Por sua vez, esses elementos que fazem parte do contexto sociosubjetivo estão

diretamente relacionados à formação discursiva dentro da qual o sujeito produz seu

texto. Geraldi (1997), tomando como base as ideias de Foucault, explica que todo

sujeito está inserido em uma determinada formação discursiva. Nesse sentido, faz-se

necessário explicar sinteticamente o que vem a ser formação discursiva para esse

pensador. Foucault (1997) explica que os discursos são uma dispersão, ou seja, são

formados por elementos que não estão ligados por nenhum princípio de unidade a

priori . Entretanto, é possível descrever essa dispersão, buscando as regras de formação

que regem a formação dos discursos. Assim, para o autor,

72

sempre que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de dispersão e se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições, funcionamentos, transformações) entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, teremos uma formação discursiva (1997, p. 43).

As formações discursivas regem as condições de possibilidade dos discursos:

estabelecem não só as interações e os discursos possíveis, mas também impõem limites

aos discursos nelas produzidos. Nesse sentido, a produção de discursos é controlada,

selecionada, organizada e distribuída pela formação discursiva.

A esse respeito, Geraldi (1997) explica que, na produção de discursos, o sujeito

sempre articula seu ponto de vista sobre o mundo a uma determinada formação

discursiva. Entretanto, essa articulação não é mecânica ou determinista: o discurso

produzido por um sujeito não é uma mera reprodução/repetição do que outros sujeitos

inseridos na mesma formação discursiva já disseram, pois, se assim o fosse, os

discursos seriam sempre iguais. Os sujeitos realizam sempre novas articulações e assim

constroem novos sentidos, usando para isso velhos conteúdos e antigas expressões.

Na produção de textos, o sujeito se constitui enquanto tal porque se compromete

com sua palavra e ratifica sua articulação individual com a formação discursiva da qual

ele faz parte (mesmo que isso não seja realizado de forma consciente). É nesse sentido

que também concebemos a produção de textos como uma atividade discursiva.

Além desses elementos sociocomunicativos, que dizem respeito à interação, que

contextualizam a produção de texto e que fazem da produção de textos uma atividade

social e discursiva, há ainda outros, ligados aos aspectos cognitivos, que se referem ao

campo psicológico da atividade de escrita. Durante a produção de um texto escrito, é

necessário tomar decisões a todo o momento, tanto a nível macro (que diz respeito ao

atendimento à situação comunicativa, ao conteúdo a ser desenvolvido e à estrutura geral

do texto), quanto a nível micro (no que se refere às relações entre as partes do texto,

sejam elas parágrafos, períodos ou orações). Em cada um desses níveis, o sujeito precisa

mobilizar diferentes conhecimentos (linguísticos, cognitivos e sociais) e realizar

operações diversas (gerar e selecionar ideias, bem como organizá-las linguisticamente

[textualização], construir esboços para o texto, revisá-lo e editar uma versão final a ser

publicada), o que pressupõe o desenvolvimento de várias capacidades.

Em relação às operações mobilizadas durante a escrita, Antunes (2003) explica

que produzir um texto não é uma tarefa que implica apenas o ato de escrever, mas supõe

73

vários procedimentos interdependentes e intercomplementares. Assim, o escritor realiza

o planejamento do texto, através do qual ele delimita o tema a ser abordado, gera ideias

acerca desse tema, consulta outras fontes, seleciona e decide como as ideias serão

organizadas, delimita os objetivos, define o gênero e escolhe a forma linguística mais ou

menos formal que o texto deve assumir. Da mesma forma, o escritor realiza a escrita

propriamente dita do texto, na qual ele registra o que foi planejado, tomando decisões de

ordem lexical e de ordem sintática. O escritor realiza ainda a revisão e a reescrita do seu

texto, momento de análise do que foi escrito e durante o qual ele procura confirmar se

os objetivos foram atingidos, se o tema foi explorado na concentração desejada, se as

ideias foram desenvolvidas de forma coerente e clara, se a coesão foi bem estabelecida,

se as normas da sintaxe e da semântica foram seguidas e se aspectos como ortografia,

pontuação e divisão do texto em parágrafos foram bem marcados.

Como explica Antunes (2003), “a natureza interativa da escrita impõe esses

diferentes momentos, esse vaivém de procedimentos, cada um implicando análises e

diferentes decisões de alguém que é sujeito (...)”. (p. 56). Salientamos, porém, que,

apesar de concordarmos com a existência de diversas operações realizadas durante a

produção textual, concebemos que estas não são todas obrigatórias, mas dependem das

circunstâncias de produção. Da mesma forma, acreditamos que elas não são sequenciais

ou lineares, visto que escrever supõe uma série de processos realizados

simultaneamente. Entretanto, separarmos teoricamente esses procedimentos nos ajuda a

percebê-los melhor e a didaticamente pensar em como ensinar a realizá-los.

Por sua vez, para conseguir coordenar e integrar todos os conhecimentos e

operações envolvidas no processo de produção, o escritor precisa ter desenvolvido uma

capacidade de reflexão consciente sobre a linguagem. Isso significa que é preciso ele

pensar (sobre o texto e sobre a atividade de escrita) não só antes de escrever, mas

também durante e depois da produção do texto (nas releituras e reescritas). Silva e Melo

(2006) explicam que, para que isso ocorra, é necessário um trabalho mentalmente

comprometido do sujeito, através do qual ele assume uma postura intencional,

consciente e controlada ao tomar decisões durante a produção textual (mais adiante, no

tópico destinado à revisão e reescrita, vamos abordar melhor esse aspecto). Vemos,

portanto, que, para produzir um texto, é preciso considerar vários aspectos ao mesmo

tempo, o que, consequentemente, envolve diversas demandas cognitivas. É nesse

sentido que também concebemos a produção de textos como uma atividade cognitiva.

74

Alguns pesquisadores têm se dedicado a descobrir e a descrever como ocorre o

processo de produção textual para, a partir desta compreensão, conseguir ensinar a

escrita de forma mais eficiente. Dentre os vários modelos existentes, defendemos as

atividades e operações de linguagem envolvidas na produção de textos escritos,

discutidas por Schneuwly (1988), como o que mais se aproxima de uma explicação

mais adequada sobre como se dá o processo de produção textual.

1.3.1.2 As atividades e operações de linguagem envolvidas na produção de textos

escritos, segundo Schneuwly (1988)

Em sua abordagem de produção de textos, Schneuwly (1988) considera não

apenas a dimensão cognitiva da escrita, mas também a interação social. Para ele, a

atividade de linguagem é constituída por três níveis, que formam três instâncias de

operações realizadas pelo escritor durante o processo de produção textual.

O primeiro nível, não linguístico, diz respeito à representação da situação de

interação. Ou seja, o contexto social de produção do texto determina a constituição pelo

escritor de uma base de orientação geral para a atividade de linguagem. Essa base de

orientação é entendida pelo autor como “une représentation interne, modifiable au gré

des besoins et des changements intervenant, du contexte social et matériel de l’activité

langagière.1 (p. 31) Assim sendo, o escritor realiza uma série de operações mentais para

definir seu lugar social enquanto enunciador, o objetivo (ou finalidade) da atividade e a

relação enunciador/destinatário, parâmetros estes que formam o contexto social. De

outro lado, pelo próprio ato de produção de linguagem, definem-se também os pontos

de referência da situação comunicativa, ou seja, a dupla locutor/interlocutor, o momento

e o lugar da atividade, que fazem parte do contexto material. Como ficou claro na

citação, essa representação não é estanque, nem definida a priori antes da atividade de

escrita, sendo elaborada e reelaborada continuamente durante todo o processo.

A base de orientação funciona, então, como o nível de controle externo da

atividade, isto é, de gestão dos parâmetros extralinguísticos. O contexto de produção

exposto por Schneuwly (1988) é bem complexo, na medida em que leva em conta não

só elementos do contexto material (físico e imediato), mas também aspectos do contexto

1 Uma representação interna, modificável à medida das necessidades e das mudanças que venham a intervir, do contexto social e material da atividade de linguagem.

75

social. Da mesma forma, vemos que esse elemento não age diretamente na escrita, mas

por meio das representações que o escritor tem sobre ele. Assim, o contexto de

produção não tem uma ação determinista na escrita textual: cada escritor, mesmo

submetido às mesmas condições de produção, irá interpretá-las e criar sua base de

orientação de forma particular, o que acarretará a emergência de textos diferentes.

Ainda sobre esse aspecto, chama atenção o tratamento dado ao destinatário (um

dos elementos constituintes do contexto produção) e sua influência na escrita do texto

no âmbito desse modelo. Para Schneuwly (1988), a pessoa que lê o texto é percebida

pelo que escreve de duas diferentes formas: a) enquanto interlocutor, é tomada como

sujeito concreto, que pode ou não estar presente fisicamente no mesmo espaço onde o

locutor está (lugar da atividade), assim como pode estar interagindo ao mesmo tempo

ou em tempos distintos com ele (momento da atividade); b) enquanto destinatário, o que

está em jogo são as representações que o enunciador tem desse sujeito (Quem é ele para

eu lhe falar assim?) e as imagens que ele faz de si mesmo em relação ao parceiro

comunicativo (Quem sou eu para lhe falar assim?). Por sua vez, o modo como o

interlocutor ou destinatário é percebido na interação tem influência direta na produção

do texto, visto que o escritor procurará adequar seu texto (tanto em relação ao conteúdo,

quanto à estruturação linguística) ao seu leitor/ouvinte (o papel do

destinatário/interlocutor será mais detalhado adiante, quando discutirmos sobre as

operações de ancoragem e planificação).

Schneuwly (1988) salienta ainda: “C’est l’instance centrale, dominante de

l’activité langagière. Elle détermine ou influence la plupart des opérations des autres

instances”2. (p. 31). Isso porque a criação pelo enunciador dessa base de orientação

determinará durante todo o processo de produção de texto tanto a gestão textual (o

pensar/planejar a escrita), como a linearização (escrita propriamente dita). Acreditamos,

portanto, que Schneuwly (1988) conseguiu apreender a complexidade que envolve tanto

a constituição do contexto de produção, como a sua influência na escrita.

A gestão textual, por sua vez, é a instância em que o escritor toma decisões

referentes ao desenrolar da atividade de escrita. As operações nela realizadas originam a

produção do texto em um nível global. Ao contrário da instância anterior, esta é

2 Esta é a instância central, dominante da atividade de linguagem. Ela determina ou influencia a maioria

das operações das outras instâncias.

76

postulada como um sistema de controle interno e de caráter linguístico. Ao realizar a

gestão textual, o escritor faz uso de dois tipos de operações: a ancoragem e a

planificação.

As operações de ancoragem definem a relação entre o enunciador e a situação

material de produção. Schneuwly (1988) distingue dentro da ancoragem duas

dimensões, que ele define através de questões ou problemas a serem resolvidos pelo

escritor: “a) (...) présuppose-t-on le même monde ou deux mondes différents pour les

contenus et la situation matérielle de production? b) quel est le rapport entre les

paramètres de l’activité em cours el les points de repère?”3. (p. 33).

A primeira dimensão é dicotômica: ou o escritor vai utilizar a linguagem para

falar do mundo em que nós agimos, não havendo, portanto, uma ruptura entre o mundo

dito e o mundo vivenciado (modo conjunto) ou ele vai escrever sobre um mundo

situado em outro lugar, havendo, assim uma ruptura entre o mundo dito e o mundo em

que nós agimos linguisticamente (narração ou modo disjunto).

Ao contrário da primeira, a segunda dimensão constitui um continuum, no qual a

relação entre os parâmetros da atividade em curso e os pontos de referência da situação

material deve estar situada em algum lugar deste continuum, variando da implicação à

autonomia.

A implicação diz respeito a uma relação na qual a atividade de linguagem

acontece em interação constante com os pontos de referência (locutor/interlocutor,

momento e lugar onde ocorre a enunciação). Isso acontece nas interações face a face,

quando, por exemplo, dois amigos se encontram em um shopping para conversar sobre

suas vidas. Note-se que, nesse caso, os interlocutores estão presentes ao mesmo tempo e

no mesmo lugar onde ocorre a enunciação, ou seja, estão interagindo diretamente.

Já a autonomia diz respeito a uma relação na qual os parâmetros da atividade de

linguagem são completamente independentes dos pontos de referência do ato material

de produção. Por exemplo, um aluno escreve em casa um e-mail para seu professor, que

está na universidade ministrando aula, e esse e-mail só será lido depois que a aula

terminar. Nesse caso, os dois interlocutores realizam as atividades de linguagem (a

escrita do e-mail pelo aluno e a leitura no pelo professor) em espaços diferentes e em

3 a) Isto pressupõe o mesmo mundo ou dois mundos diferentes para os conteúdos e a situação material

da produção? b) Qual é a relação entre os parâmetros da atividade em curso e os pontos de referência?

77

momentos também distintos, ou seja, não estão interagindo diretamente. A autonomia

implica, portanto, uma relação de abstração.

Como já explicitamos anteriormente, as atividades de linguagem não se situam

“em um” extremo ou “em outro”, isto é, ou na implicação ou na autonomia, mas variam

“de um” extremo “a outro”. Isso ocorre principalmente em decorrência das novas

tecnologias. É nesse sentido, por exemplo, que vemos pessoas interagindo ao mesmo

tempo, mas em locais distintos por meio dos chats de bate-papo.

Schneuwly (1988) salienta que o tipo de ancoragem escolhida pelo escritor

determinará as formas de planejamento construídas para seu texto. Nesse sentido, a

ancoragem interage fortemente com a planificação. A planificação (ou planejamento),

por sua vez, é um processo duplo: envolve tanto a ativação e organização sequencial dos

conteúdos estocados na memória do escritor (processo denominado de sequencialização,

referente à macroestrutura textual), como a reestruturação linguística desses conteúdos

em modelos de linguagem ou planos de texto (gêneros textuais e sequências narrativa,

descritiva, argumentativa, explicativa e dialogal, referentes à superestrutura textual),

segundo regras mais ou menos convencionalizadas.

A interação entre a planificação e o tipo de ancoragem escolhida pelo escritor

permite distinguir dois tipos de planificação no nível dos modelos de linguagem ou

planos de texto: a planificação poligerida (la planification polygerée), que corresponde

a uma ancoragem implicada, e a planificação monogerida (la planification monogerée),

referente a uma ancoragem autônoma. No primeiro tipo, o controle da atividade é

principalmente externo, na medida em que este é obtido em decorrência do efeito

imediato da produção de texto sobre a situação de interação. Além disso, nesse caso, o

texto é produzido por vários coenunciadores (não só pelo(s) locutor(s), mas também

pelo(s) interlocutor(es), que intervém diretamente). No segundo tipo, por sua vez, o

controle da atividade é principalmente interno, por causa da ausência de efeito imediato

da produção de texto sobre a situação. Da mesma forma, a intervenção do destinatário

não é direta, ou seja, é feita através da representação interna que o locutor faz dele.

Sendo assim, de uma forma ou de outra, em menor ou maior grau, o leitor/falante tem

papel decisivo no processo de produção textual.

Abaixo trazemos um esquema que sintetiza as operações e suboperações

constitutivas da gestão textual:

78

Figura 1: Gestão textual

Por fim, as operações de gestão textual permanecem em constante interação com

as operações de linearização, na medida em que os aspectos pensados através da

ancoragem e planejados por meio da planificação devem ser materializados em

unidades linguísticas. Assim, a linearização é a escrita propriamente dita do texto. Ela se

efetiva através em dois processos: a referencialização e a textualização. Schneuwly

(1988) define a referencialização como “la production d’énonçables, de noyaus

prédicatifs, ou comme la création de structures langagières minimales de départ qui

entrent em interaction avec des opérations dépendant du contexte et du co-texte”4. (p.

38). As operações de textualização, por sua vez, atuam no nível local na construção da

cadeia textual, sobre as unidades linguísticas produzidas pela referencialização (também

sob a influência do contexto [em função das exigências da representação da situação de

interação, principalmente em relação ao destinatário] e do cotexto [em função das

restrições impostas pela sequência global do texto]).

Schneuwly (1988) aponta três tipos de operações de textualização: a coesão

(utilizada para promover a retenção/progressão de um texto), a conexão/segmentação

(uso de marcas linguísticas como sinais de pontuação, parágrafos e organizadores

4 “a produção de enunciados, de novos predicativos, ou como a criação de estruturas linguísticas iniciais mínimas que entram em interação com operações dependentes do contexto ou do cotexto”.

79

textuais para, ao mesmo tempo, decompor o texto em partes e ligar as unidades

resultantes da referencialização e articulá-las ao contexto) e a modalização (que define a

relação entre o enunciador e as unidades linguísticas do texto).

Schneuwly (1988) salienta ainda que a releitura, revisão e reescrita do texto

ocorrem constantemente durante todo o processo de produção escrita. Além disso, os

modos e os critérios de reelaboração utilizados pelo escritor são motivados pela base de

orientação por ele construída. Nesse sentido, a revisão final se constitui apenas como

uma nova etapa do trabalho de escrita.

Por tudo o que foi discutido, acreditamos que as atividades e operações de

linguagem envolvidas na produção de textos escritos nos oferecem uma explicação mais

adequada sobre como se dá o processo de produção textual. Como comenta Rojo

(2003), o modelo proposto por Schneuwly (1988) é um modelo bem mais detalhado,

que leva em conta determinações múltiplas em complexa interação. Dentre estas, as

determinações da interação e da enunciação são constantemente consideradas. Além

disso, o autor dá ênfase às propriedades da linguagem e as operações por ela requeridas

durante a produção de textos. Nesse sentido, também é nítida a importância atribuída

por ele às formas de linguagem e de discurso (os gêneros textuais), em detrimento das

formas cognitivas.

Rojo (2003) explica ainda que, por ser capaz de recobrir múltiplas situações de

produção de texto (inclusive a escolar), esse modelo permite a efetivação de situações

muito ricas de ensino. Isso porque, tomando-o como base, o professor pode viabilizar

variadas atividades didáticas que coloquem o aluno em diferentes perspectivas

enunciativas, que por sua vez implicarão ancoragens, gestões textuais e linearizações

também diferenciadas. Da mesma forma, o professor deve ajudar o aluno durante todo o

processo, auxiliando-o a criar sua base de orientação e a realizar de forma adequada e

autônoma as demais operações de linguagem. Nesse sentido, concordamos como Rojo

(2003) quando ela afirma que o poder de aplicação ao ensino da proposta de Schneuwly

é bem amplo.

1.3.2 A atividade de produção de texto no contexto escolar

No tópico anterior, apresentamos nossa concepção de produção de texto,

discutindo alguns aspectos que envolvem a escrita em contextos extraescolares. No

80

entanto, as práticas escolares de produção textual na escola têm, muitas vezes, se

distanciado daquelas que acontecem nas diversas situações de interação comunicativa.

Soares (1998) explica que, até aproximadamente os anos 1950, o ensino era

destinado às classes privilegiadas, pois estas eram as únicas que tinham acesso à escola.

Os alunos já chegavam à sala de aula com um razoável domínio da norma padrão culta.

Nesse sentido, o ensino da Língua Portuguesa tinha como objetivo levá-los ao

reconhecimento das normas e regras do dialeto de prestígio.

Santos (2006) complementa essa informação dizendo que, nesse período, a

aprendizagem da escrita consistia no domínio da arte do bem escrever, ou seja, em usar

corretamente a língua conforme a gramática normativa. Para tanto, o ensino era

realizado com base nos modelos de boa escrita, legítimos representantes do correto uso

da língua, os quais poderiam ser encontrados nos textos considerados clássicos que

compunham o canôn da boa literatura. Como comentam Rojo e Cordeiro (2004), o

texto era tomado como objeto de uso, mas não de ensino. Nesse contexto, o ensino da

escrita era iniciado pela apresentação da gramática, cujo domínio conduziria à produção

escrita, e pelo contato com textos literários, por meio dos quais também se

desenvolviam as habilidades de escrever.

Assim como Soares (1998), concluímos que um ensino da escrita realizado

nesses moldes tem, subjacente a ele, uma concepção de língua enquanto sistema. Isso

porque ensinar português era fazer (re)conhecer o sistema linguístico, ora apresentando

a gramática da língua, ora usando textos para retirar deles estruturas linguísticas e

submetê-las à análise gramatical. A autora salienta que um ensino do português

orientado por tal concepção de língua não era nem incoerente, nem inadequado ao

contexto da época, pois, como já mencionamos anteriormente, a escola servia a alunos

que já estavam familiarizados com a norma culta, padrão linguístico valorizado e

ensinado em sala de aula. Entretanto, no que diz respeito ao contexto atual, o ensino

tradicional, baseado na descrição e normatização do código escrito padrão, pouco

contribui para a formação de leitores e produtores de texto. Ao defender isso, Soares

(1998) mostra o quanto os aspectos sociopolíticos estão articulados aos aspectos

linguísticos do ensino da língua portuguesa.

A partir dos anos 1960, emergem novas condições sociais, políticas, culturais e

linguísticas, uma nova concepção de língua e, consequentemente, uma nova forma de

conceber e realizar o ensino da língua portuguesa. Soares (1998) explica que, com a

81

democratização da escola, as camadas populares passam a ter acesso à escola, trazendo

para as salas de aula padrões culturais e variedades linguísticas diferentes daqueles com

as quais a escola estava acostumada a conviver. Nesse mesmo período, o regime militar

autoritário foi implantado no país e assumiu como meta o desenvolvimento do

capitalismo através da expansão industrial. A educação, por sua vez, passou a ser

encarada como fator de desenvolvimento e o Estado assumiu a tarefa de organizá-la

com base em sua política de desenvolvimento econômico. Assim, atendendo a

interesses estatais, a escola passou a ter o papel de fornecer mão de obra qualificada

para a indústria e o ensino adquiriu um sentido estritamente instrumental e utilitário.

Mais especificamente em relação ao ensino de língua materna, a Linguística

Estrutural e a Teoria da Comunicação, com sua noção de “língua como instrumento de

comunicação”, influenciaram incisivamente as práticas dos professores e os materiais

didáticos utilizados em sala de aula. O ensino de Língua Portuguesa passou a ter como

principal objetivo desenvolver os comportamentos do aluno enquanto emissor-

codificador e receptor-decodificador de mensagens, aperfeiçoando habilidades de

expressão e compreensão textual – habilidades, portanto, de uso da língua. Passam a

fazer parte das atividades de sala de aula não apenas os textos literários, mas também

uma diversidade de textos cotidianamente utilizados pelos alunos, incluindo os não

verbais. Nesse contexto, a gramática cai em desprestígio: a aprendizagem da estrutura e

do funcionamento da língua como sistema é relegada a segundo plano, visto que o foco

era a aprendizagem dos elementos do processo de comunicação.

Por sua vez, conforme observa Santos (2006), a perspectiva de ensino assumida

tinha cunho prescritivo e normativo e o desenvolvimento da escrita continuou sendo

visto como resultado da prática de imitação de modelos de boa escrita. Entretanto, esses

modelos deixaram de ser apenas os textos consagrados do cânon e passaram a ser

também (e principalmente) os gêneros escolares descrição, narração e dissertação.

Neste ponto, vale discutirmos um pouco sobre esses gêneros escolares, visto que eles,

ainda hoje, são muito utilizados em sala de aula.

Esses termos são usados pela grande maioria dos autores (MARCUSCHI, 2002)

para designar sequências teoricamente definidas pela natureza linguística de sua

composição, presentes no interior dos gêneros textuais, a saber, os tipos textuais. Mas,

como explica Marcuschi, B. (2006 a), na escola eles adquirem uma conotação diferente,

pois estão submetidos a condições de produção bastante específicas do contexto

82

escolar. Segundo Dolz e Schneuwly (2004), no decorrer da história, os tipos textuais

foram sendo usados na sala de aula como modelos de texto, ou seja, como modelos

concretos da boa língua, através dos quais os professores desenvolviam e avaliavam,

progressiva e sistematicamente, as capacidades de escrita dos alunos. Como todos os

outros gêneros textuais que estão de acordo com o contexto no qual emergem, esses

gêneros foram se constituindo dessa forma para atenderem às condições de produção

específicas do contexto escolar: o texto tem como leitor privilegiado o professor,

circula apenas no espaço escolar e tem por função sociocomunicativa a pedagógica.

Trata-se, pois, de autênticos produtos culturais, elaborados como instrumentos para

realizar o ensino-aprendizagem da escrita.

Marcuschi, B. (2006 b) considera que, devido a essas condições específicas que

incidem de uma forma geral sobre o texto produzido na escola, este pode ser

denominado redação escolar. No caso específico do texto descrito acima, a autora o

denomina redação endógena (ou clássica) uma subcategoria da redação escolar.

Marcuschi, B. (2006a) conclui que a produção de texto na escola praticada dessa forma

se configura pela precariedade das condições interativas e dialógicas, pois ela é

proposta na escola, pela escola e para a escola.

Ainda a respeito dos gêneros genuinamente escolares, Dolz e Schneuwly (2004)

explica que, subjacente a eles, está uma concepção de escrita como representação do

real ou do pensamento. Nesse sentido, os gêneros se ordenariam segundo uma

sequência que vai daqueles que descrevem realidades mais simples (descrição de

objetos ou eventos simples) àqueles ligados às mais complexas, mais particularmente,

ao pensamento. Vemos, pois, que esses gêneros têm uma forma que não depende das

práticas sociais, mas da realidade mesma. Ests sequência, por muitos anos, foi utilizada

como ponto de referência para a construção da progressão escolar no âmbito da

redação: os alunos das séries iniciais aprenderiam e escreveriam primeiramente

descrições, só depois estudariam sobre narrações e, por último, já nas séries finais do

ensino fundamental, conheceriam e produziriam dissertações. A progressão era,

portanto, linear.

Inúmeros aspectos nos fazem concluir que um ensino-aprendizagem da escrita

através desses gêneros não é adequado. Primeiramente porque estes constituem textos

essencialmente escolares. Além disso, o gênero textual não é considerado como uma

forma particular de comunicação e não se leva em conta sua relação com uma situação

83

de comunicação autêntica. A produção desses gêneros escolares acontece sem que se

considere o contexto em que se realiza, visto que a escrita é vista como uma só,

independentemente do que se escreve, de quem e do interlocutor para quem se escreve.

Nesse sentido, a forma do texto independe das práticas sociais, sendo tomada como

historicamente invariável. A comunicação, pois, desaparece quase totalmente em prol

da objetivação e o gênero torna-se uma pura forma linguística, cujo domínio é objetivo.

Portanto, como comenta Antunes (2003), não é de admirar que os alunos submetidos ao

ensino-aprendizagem da produção de texto através das redações clássicas ou endógenas

tenham tanta dificuldade de escrever qualquer outro gênero quando saem da escola.

Marcuschi, B. (2006 a) discute ainda que, além da indicação de um dos gêneros

textuais genuinamente escolares, a produção de texto na escola era solicitada para o

aluno a partir da indicação de um tema. Com relação aos temas solicitados, estes

envolvem normalmente alguma data comemorativa (Dias das Mães, São João), ou

algum assunto universal (a fome, a pobreza, o desemprego, a água) ou, ainda, dizem

respeito a assuntos tradicionais da cultura escolar, como férias, passeios, aventuras etc.

Assuntos que, em alguns casos, não condizem especificamente com a realidade dos

alunos e que, muitas vezes, são apenas indicados sem que seja dada qualquer orientação

sobre como desenvolvê-los no texto.

Diante das limitações encontradas nesses tipos de prática escolar de produção de

texto, acreditamos numa perspectiva de ensino diferente, pautada na noção de gêneros

textuais, tal como vem se delineando nos últimos anos, mais especificamente a partir do

final dos anos de 1970 e início da década de 1980, conforme aponta Santos (2006). Na

verdade, como diz Soares (1998), a concepção de língua como instrumento de

comunicação e o ensino de língua nela inspirado não encontravam mais apoio nem no

contexto político e ideológico da época (momento de redemocratização do país), nem

nas novas teorias que emergiam no campo do ensino da língua materna (desenvolvidas

nas áreas das ciências linguísticas – Linguística, Sociolinguística, Psicolinguística,

Linguística Textual, Pragmática, Análise do Discurso – e da Psicologia da

aprendizagem – Construtivismo).

Essa nova perspectiva é pautada numa visão de língua como interação. Em

consequência dessa noção de língua, o texto adquire um papel fundamental no ensino e

passa a ser o centro das atividades em sala de aula, tendo a gramática um papel

secundário. No que diz respeito à produção de texto, um dos aspectos enfatizados é que

84

a escrita varia de acordo com o propósito para o qual é produzida, o contexto no qual

está inserida e a relação estabelecida entre escritor e leitor. Partindo dessa ideia central

e acreditando que o objetivo principal do ensino da Língua Portuguesa é formar sujeitos

capazes de agir em diversificadas situações de ação comunicativa, podemos apontar

várias diretrizes para o ensino da produção de texto que, a nosso ver, são atualmente as

mais adequadas.

Primeiramente, devemos proporcionar aos alunos situações de produção de

texto semelhantes àquelas de que participamos fora da escola, ou seja, que

correspondam aos diferentes usos sociais da escrita, colocando-os para escrever com

finalidades e destinatários claros e definidos. Como defende Antunes (2003), é

impossível escrever um bom texto sem saber que função ele vai cumprir ou sabendo

que ele vai desempenhar apenas a função de tarefa escolar. Da mesma forma, os textos

dos alunos devem ter leitores concretos, que possam ser previstos e levados em conta

por eles no momento da escrita, de modo a tomar as decisões necessárias na seleção do

que dizer e da forma de dizer. Acreditamos que a realização de atividades autênticas de

escrita é indispensável para que a aprendizagem seja significativa para o aluno. A

eficácia da aprendizagem ocorre à medida que as atividades propostas tenham sentido e

relevância. Portanto, a aprendizagem da escrita deve sempre acontecer através de

atividades inseridas em contextos funcionais.

Além disso, é importante ainda proporcionar atividades nas quais os alunos

escrevam para atender a finalidades, interlocutores e situações diversificados. A esse

respeito, Leal e Melo (2006) explicam que situações de escrita diferentes exigem de

quem escreve conhecimentos variados de diferentes graus de complexidade e

capacidades múltiplas. Cada situação é única e exige capacidades específicas, que

precisam ser desenvolvidas. Por sua vez, tais habilidades e saberes não são

desenvolvidos espontaneamente. Nesse sentido, para escrever precisamos aprender

sobre a escrita, desenvolvendo capacidades variadas, próprias dos diferentes contextos

de interação social.

Acreditamos, portanto, que um ensino-aprendizagem de fato sociointeracionista

requer a participação dos alunos em situações de escrita contextualizadas. A defesa

dessa ideia tem pelo menos duas implicações para o ensino da escrita. Primeiramente,

como explica Antunes (2003), ela aponta para a necessidade de o professor realizar um

trabalho em sala de aula que leve os alunos a compreenderem que a escrita é

85

contextualmente adequada. Ou seja, o professor precisa ajudar o aluno a entender que

um bom texto não é apenas aquele gramaticalmente correto, mas o adequado à situação

em que se insere o evento comunicativo. Nesse sentido, as regras sociais presentes no

espaço de circulação do texto é que definem a sua qualidade e não a forma em si

mesma.

Da mesma forma, a consideração dos contextos de escrita implica proporcionar

aos alunos situações que representem as diferentes esferas de interação social.

Para o aluno aprender a escrever, precisa encontrar interlocutores, colocar-se em dialogia, encontrar espaços para a atividade humana de expressão, de modo a articular seus textos às diferentes necessidades e interesses que se encontram nas suas condições de existência, nas suas práticas sociais. (id., ibid., p. 66).

Como já discutimos em tópico anterior, entendemos que a instituição de um

texto é determinada pela especificidade de cada troca verbal e que por isso existe uma

diversidade de formas e conteúdos. Na medida em que todos os textos se manifestam

sempre em algum gênero, um conhecimento maior do funcionamento dos gêneros

textuais é essencial para a compreensão e a produção de textos. Nesse sentido,

enxergamos o trabalho com diferentes gêneros textuais como um caminho por meio do

qual o professor pode organizar o ensino de modo a garantir a diversificação e

autenticidade de práticas de usos da língua no dia a dia na sala de aula.

Para tanto, o professor deve promover situações em que os alunos possam

elaborar diferentes gêneros textuais. Só a partir do domínio desses diferentes textos é

que o aluno será capaz de responder satisfatoriamente às exigências comunicativas que

enfrenta. Até porque, como complementa Santos (2006), não faz mais sentido ensinar

formas textuais que não apresentam nenhuma função social e que só existem dentro da

escola. Nesse sentido, acreditamos que a escola e o professor devem fazer dos gêneros

textuais objetos privilegiados de ensino-aprendizagem.

A esse respeito, Barbosa (2000, apud SUASSUNA, 2008a) defende que um

bom trabalho com os gêneros textuais permite ao professor e aos alunos lidar não só

com aspectos estruturais e funcionais, mas também com aspectos sócio-históricos,

culturais, bem como da ordem da enunciação e do discurso. A autora sustenta ainda que

os gêneros permitem ao aluno ter parâmetros mais claros para compreender e produzir

86

textos e ao professor ter critérios mais claros para intervir no processo de compreensão

e produção de textos por seus alunos.

A frequência com que propiciamos a produção de textos na sala de aula também

é fundamental para que os alunos possam desenvolver as capacidades que são

indispensáveis para realizar essa atividade. Entretanto, ela não garante o aprendizado.

Albuquerque e Leal (2006) afirmam que essa perspectiva de ensino da escrita,

que visa à transferência de atividades de produção de textos extraescolares para dentro

da escola, é, atualmente, um consenso entre os diversos estudiosos de diferentes

perspectivas teóricas. Entretanto, apesar dessa concordância, há também algumas

divergências em relação à sistematização do ensino.

As autoras explicam que, de um lado, há estudiosos que defendem um trabalho

mais assistemático sobre a língua em sala de aula, por meio do qual devemos propor

atividades de leitura e produção de diferentes gêneros textuais, mas sem estimular a

reflexão sobre elementos linguísticos dos textos. Santos (2006) diz que, no Brasil, essa

era a diretriz de uma proposta de ensino que emergiu entre a segunda metade dos anos

80 e o início dos anos 90. Ela explica que um dos lemas desse período era fazer o

aprendiz da língua se defrontar com os diferentes gêneros textuais, mas não se falava

num trabalho de explicitação e de ensino dos gêneros, pois acreditava-se que o aluno

iria aprender a utilização deles através de um processo de “osmose”, no qual bastava o

contato com os materiais escritos por meio de leitura e produção para que se adquirisse

a habilidade de produzir textos. Nessa perspectiva, ainda se percebe a ideia de modelos

a serem imitados; não mais os textos clássicos ou os gêneros escolares, mas agora os

diferentes gêneros textuais. Nesse sentido, a aprendizagem da escrita se dá a partir de

um processo muito mais de imitação do que de reflexão. Dolz e Schneuwly (2004)

denominam os estudiosos que advogam essa perspectiva de interacionistas

intersubjetivos, pois estes acreditam que apenas através da interação em situações

concretas os alunos aprendem espontaneamente sobre as práticas de uso da escrita.

Em contraposição, há estudiosos que defendem um trabalho sistemático sobre a

língua em sala de aula, por meio do qual devemos levar os alunos a pensarem sobre os

textos que leem e escrevem, pois só assim eles vão se apropriar de conhecimentos sobre

os diferentes gêneros textuais. Dolz e Schneuwly (2004) fazem parte desse grupo de

estudiosos, denominados por eles de interacionistas instrumentais. Ora, sabemos que a

aprendizagem da escrita não é algo que se dá de modo espontâneo, mas se constrói

87

através de uma intervenção didática planejada. Em razão disso, concordamos com Dolz

e Schneuwly (2004) quando eles defendem que um ensino sistemático, levando o aluno

a refletir sobre as características dos textos e seus contextos de uso, é indispensável a

uma boa apropriação da capacidade de produzir diferentes gêneros textuais.

Esses autores não discordam completamente da perspectiva anteriormente

discutida, pois assim como os interacionistas intersubjetivos, eles também acreditam

que a vivência de situações reais de interação é imprescindível para o aluno aprender a

ler e produzir textos. Entretanto, eles consideram que o aprendizado e o uso dos

gêneros secundários exigem maior consciência por parte do usuário da língua em

relação aos gêneros primários. Nesse sentido, os gêneros secundários devem ser

trabalhados de forma sistemática na escola. A esse respeito, eles orientam que o ensino

da língua materna seja realizado com os gêneros públicos (e não privados) que o aluno

não domina (ou o faz de maneira insuficiente), bem como com aqueles pouco

acessíveis à maioria dos alunos.

Santos (2006) chama atenção para um último aspecto muito importante no que

diz respeito ao ensino da produção de texto por meio dos gêneros. Pelo fato de a escrita

envolver a mobilização de conhecimentos sobre a língua e sobre o contexto no qual é

produzida, a abordagem de ensino a partir dos gêneros deve levar em conta não apenas

as convencionalidades textuais, mas também a realidade do texto em uso (seus porquês

e para quês). Nesse sentido, concordamos com Dolz e Schneuwly (2004) quando eles

defendem que é papel da escola levar os alunos refletirem, de modo equilibrado, sobre

os elementos sociodiscursivos, estruturais e linguísticos dos textos e, assim, ajudá-los a

desenvolver as capacidades necessárias à leitura e à produção de textos.

Tomando como base as atividades e operações de linguagem envolvidas na

produção de textos escritos, tal como discutidas por Schneuwly (1988/2010),

defendemos que o professor deve realizar em sua sala de aula atividades que ajudem o

aluno a desenvolver pelo menos cinco capacidades:

1ª capacidade – construção de uma base de orientação para a ação discursiva: o

aluno precisa aprender a construir representações acerca da situação que o mobiliza a

escrever o texto. Nesse sentido, é fundamental, como bem lembram Marcuschi, B. e

Leal (2007), que o professor explicite parcial ou amplamente as condições de produção

e circulação nas atividades de escrita, amparando os alunos com a definição do gênero

a ser produzido, do objetivo a ser alcançado, do tema que será desenvolvido, do leitor a

88

quem o texto se destina, do registro a ser considerado, do ambiente no qual o texto irá

circular e do suporte em que o texto vai ser socializado. Além disso, é preciso levar o

aluno a pensar/refletir sobre estes elementos e suas implicações para a escrita do texto.

Para tanto, é preciso ter em mente a discussão realizada por Bronckart (1999) e trazida

aqui anteriormente sobre as representações que envolvem o escritor no processo da

produção textual. Leal e Brandão (2006) comentam que a compreensão dos

determinantes da interação ajuda os alunos a entenderem não só a escrita, mas a

situação de escritor, bem como o caráter dialógico da linguagem. Com essa base

formada, o professor precisa ainda promover a familiaridade do aluno com o gênero

textual a ser produzido. Essa familiaridade será alcançada por meio do contato com e

da reflexão sobre outros textos pertencentes ao mesmo gênero.

2ª capacidade – elaboração de um plano textual: o aluno precisa aprender a

desenvolver um plano geral para o texto (levando em conta a base de orientação

elaborada), que sirva para orientar suas ações durante a escrita propriamente dita do

texto e, assim, conseguir que seu texto tenha êxito (cumpra sua intenção comunicativa).

3ª capacidade – gestão de conteúdo: o aluno precisa aprender a ativar

conhecimentos em sua memória, a buscá-los em fontes de informações diversas e

adequadas e a selecionar o que vai ser dito no texto. Para tanto, é importante que o

professor facilite o acesso dos alunos a um repertório de conhecimentos que lhes sirva

de subsídios temáticos para o desenvolvimento do tema proposto. A construção de

conhecimentos sobre o tema pode ser estimulada de diversas maneiras: através de um

debate sobre o tema, por meio da leitura de textos previamente escolhidos pelo

professor ou mesmo a partir da solicitação de pesquisa aos alunos. Além de resgatar

conteúdos e selecioná-los, o aluno precisa aprender ainda a organizá-los no texto em

uma sequência que seja adequada aos objetivos pensados.

4ª capacidade – execução do plano elaborado: o aluno precisa aprender a

textualizar, ou seja, a construir sequências linguísticas (sejam elas orações ou períodos)

para expressar verbalmente o plano textual pensado, de modo que o leitor do texto seja

capaz de reconstruir o seu projeto de dizer.

5ª capacidade – revisão e reescrita: o aluno precisa aprender a revisar seu texto

constantemente durante todo o processo de produção, retomando o que já foi escrito

para checar se está conseguindo seguir o plano pensado, ajustando o planejamento

previamente elaborado e realizando novos planejamentos para o que ainda será escrito.

89

Como explicam Leal e Brandão (2006), essa concepção diverge daquela em que se

acredita que o planejamento é realizado apenas no início da atividade de escrita e a

revisão, no final. Isso porque acreditamos que durante a produção textual há atividades

contínuas de reflexão sobre o texto que está sendo escrito, ou seja, a revisão se dá em

processo. Além disso, a revisão/reescrita compreende ainda a manipulação do texto,

levando a modificações em relação a diversos aspectos da textualidade (conteúdo,

organização sequencial, vocabulário, estruturação dos períodos, coesão, coerência,

paragrafação etc.) e da normatividade (ortografia, concordância, regência etc.).

Acreditamos, portanto, numa perspectiva de ensino de produção de texto

segundo a qual devemos proporcionar aos alunos situações semelhantes àquelas de que

participamos fora da escola, reais, diversificadas e que representem diferentes esferas

de interação social.

Entretanto, acreditamos que é necessário primeiramente o professor fazer da

própria escola um lugar autêntico de comunicação, promovendo interações e

instaurando diálogos entre ele e os seus alunos. Para tanto, é necessário o professor

assumir-se também como um dos interlocutores do aluno. Isso porque

Para mantermos uma coerência entre uma concepção de linguagem como interação e uma concepção de educação, esta nos conduz a uma mudança de atitude – enquanto professores. Dele precisamos nos tornar interlocutores para, respeitando-lhe a palavra, agirmos como reais parceiros: concordando, discordando, acrescentando, questionando, perguntando, etc. (GERALDI, 2003, p. 128-129).

A esse respeito, Leal (2003) observou que quando os alunos produzem seus

textos esperam uma resposta do professor sobre o que escreveram; esperam algum

retorno capaz de permitir a dialogia. Entretanto, o que eles obtêm como respostas são o

silêncio, um visto ou uma nota. Ou seja, o aluno não escreve para ser lido, mas apenas

para ser corrigido. Dessa forma, ele encontra-se destituído das reais possibilidades de

interação. Entretanto, concordamos com Leal (2003) quando ela defende que “o querer

dizer do aluno não pode ser suplantado pelos ‘quereres’ escolares” (p. 64). É necessário

o professor, como leitor privilegiado dos textos produzidos pelos seus alunos, olhar

para eles com “os olhos da compreensão” (p. 56) e não apenas “os olhos da correção”.

Da mesma forma, para que a interlocução se estabeleça entre professor e alunos,

é necessário dar a estes a oportunidade de serem locutores efetivos em sala de aula.

90

Geraldi (1997) denuncia que nas práticas tradicionais de produção de texto o aluno não

diz nada de novo, apenas repete o que já foi dito. O que é dito por ele encontra-se

sustentado no que ele acredita que o professor pensa sobre o assunto, no que ele sabe

que o professor quer ouvir, no que imagina que a escola deseja que ele diga, no que é

permitido dizer nessa instituição, dentre outros fatores. Na escola não se produzem

textos em que um indivíduo diz a sua palavra, o seu mundo. “Não há um sujeito que

diz, mas um aluno que devolve ao professor a palavra que lhe foi dita pela escola”.

(GERALDI, 2003, p. 128). Além disso, o aluno diz do jeito que já foi dito, tomando

como base os modelos de escrita apresentados pelo professor, que instituem as

configurações textuais e as expressões linguísticas permitidas. Nesse sentido, o ensino

da produção de textos se constrói como reprodução de discursos. Como comenta

Geraldi (2003), o aluno aprende o jogo da escola. “Anula-se o sujeito. Nasce o aluno-

função” (p. 130).

Assim como Geraldi (1997), defendemos um ensino da produção de textos

diferente, no qual haja um deslocamento da reprodução para a produção de discursos.

Para tanto, é necessário o professor devolver a palavra ao aluno, o qual será desvelado

como sujeito-autor, que produz textos efetivamente assumidos por ele. Isso significa

também permitir aos alunos assumirem seus discursos e colocá-los no embate com os

outros discursos circundantes. Antunes (2003) também acredita nessa prática e afirma

que ela permite os alunos exercitar a participação social através da escrita.

A relação interlocutiva deve ser, portanto, o princípio básico orientador de todo

o processo de ensino-aprendizagem da escrita: fazer da aula de produção de texto um

espaço dialógico de construção de sentidos. Só assim os alunos poderão entender e

vivenciar o caráter dialógico da linguagem.

1.3.3 Limites e possibilidades do ensino da produção de texto a partir dos gêneros

textuais

Como já apontamos no tópico anterior, concebemos que as atividades de

produção de textos na escola devem ser semelhantes às vivenciadas nos contextos

extraescolares.

Não obstante, não se pode ter a ilusão de que, ao se tratar da produção de

gêneros textuais na escola, conseguiremos reproduzir dentro da sala de aula as suas

91

práticas costumeiras de uso. A situação escolar apresenta uma particularidade: nela se

opera uma espécie de desdobramento, que faz com que o gênero seja, no dizer de Dolz

e Schneuwly (2004), um megainstrumento que serve tanto como suporte para a

atividade nas situações de comunicação como objeto de ensino-aprendizagem.

Marcuschi, B. (2006 a), tratando desse aspecto, fala que na escola há uma transposição

didática, na qual o gênero que circula socialmente abandona suas práticas de origem e

chega à sala de aula, colocando-se a serviço do ensino e da aprendizagem.

Assim, os gêneros extraescolares que servem de referência para a produção de

texto na escola mudam seu contexto de produção/circulação: a função

sociocomunicativa de origem passa a ser a pedagógica; o lugar onde o gênero

normalmente circula se transforma no espaço escolar/sala de aula; e o destinatário em

potencial passa a ser, prioritariamente, o professor. É possível perceber de forma

bastante nítida a dupla face da atividade de escrita de textos a partir dos gêneros quando

focalizamos o leitor/ouvinte do texto produzido na escola: os alunos escrevem, ao

mesmo tempo, para destinatários aos quais os textos são dirigidos enquanto

instrumentos de interação e para interlocutores que participam mais diretamente do

processo de ensino-aprendizagem (professor, colegas e outros participantes da

comunidade escolar). Dependendo da situação, os alunos irão se preocupar mais ou

menos com o professor e com os outros destinatários.

Frente a essa questão, Marcuschi, B. (2006a) estabelece uma diferença entre

dois tipos de redação escolar: o primeiro ela nomeou como “redação endógena ou

clássica”, a qual é proposta a partir de um tema e/ou de um dos tipos textuais; o

segundo tipo é a chamada “redação mimética”, que corresponde a um texto híbrido,

escrito “à moda de” um determinado gênero. Esse segundo tipo retoma algumas

características do gênero textual de referência, ao mesmo tempo em que conserva os

traços de uma redação tipicamente escolar, pois se constitui num objeto de ensino e de

aprendizagem com função nitidamente pedagógica.

Ao salientarmos isso, não estamos sugerindo que na escola os alunos não

deveriam aprender a escrever ou que não devessem ter o professor como interlocutor de

suas produções. Embora defendamos que cabe à escola proporcionar aos alunos

situações efetivas de escrita em sala de aula, não podemos deixar em segundo plano o

fato de que ela é objeto de ensino-aprendizagem na escola. Por isso, não devemos nos

esquecer dessa característica a ponto de não ensinarmos mais a produzir textos, usando

92

a justificativa de que o importante é respeitar as práticas sociais da escrita e seus usos.

Ensinar a escrever é uma das responsabilidades mais importantes da escola e ela não

pode deixar de assumir essa função.

Na verdade, a escolarização de conhecimentos é inevitável: não há como

impedir que a escrita, ao se tornar saber escolar, se escolarize; não se pode negá-la,

porque isso significaria negar a própria escola. Esse é um processo intrínseco à escola,

porque faz parte de sua essência, constitui-a e institui-a. A esse respeito, Soares (1999)

comenta:

Não há como ter escola sem ter escolarização de conhecimentos, saberes, artes: o surgimento da escola está indissociavelmente ligado à constituição de “saberes escolares”, que se corporificam e se formalizam em currículos, matérias e disciplinas, programas, metodologias, tudo isso exigido pela invenção, responsável pela criação da escola, de um espaço de ensino e de um tempo de aprendizagem. (p. 20).

Os gêneros textuais, como qualquer outro conhecimento a ser ensinado na sala

de aula, também são submetidos a um processo de escolarização. Concordamos com

Dolz e Schneuwly (2004) quando eles apontam que “toda introdução de um gênero na

escola é o resultado de uma decisão didática” (p. 80) que tem em vista pelo menos dois

objetivos: a) ajudar o aluno a dominar o gênero para compreendê-lo e produzi-lo

melhor; b) ajudar o aluno a desenvolver capacidades que ultrapassem o gênero

estudado, ou seja, que possam ser utilizados para ler e escrever outros gêneros.

Para atingir esses objetivos, há uma transformação – pelo menos em parte – do

gênero a ser estudado. Bezerra (2008) denomina essa transformação de didatização e

explica que ela diz respeito à modificação de um determinado conteúdo de uma área de

conhecimento em objeto de ensino a ser trabalhado em sala de aula. A didatização

remete, portanto, às reformulações por que passa um conhecimento a fim de ele seja

ensinado/aprendido.

No que tange aos gêneros textuais, esse processo de didatização pressupõe a

chamada modelização didática, que, segundo Dolz e Schneuwly (2004), diz respeito à

construção de um modelo didático do gênero ser ensinado. Assim como esses autores,

acreditamos que a construção do gênero textual como um objeto escolar deva se

sustentar em três princípios:

93

a) princípio da legitimidade: caracterização do gênero a ser ensinado/aprendido,

tomando como base os saberes teóricos formulados no domínio da pesquisa científica e

pelos profissionais especialistas;

b) princípio da pertinência: levantamento do que os alunos já sabem sobre o

gênero, bem como a comparação entre o que sabem e o que precisam saber; ou seja,

diante da multiplicidade de saberes de referência, faz-se necessário selecionar os

conteúdos a serem ensinados tomando como base não só as capacidades dos alunos,

mas também os objetivos da escola e o processo de ensino-aprendizagem; nesse

processo o gênero é simplificado, dá-se ênfase em certas dimensões etc.;

c) princípio da solidarização: preparação de um conjunto de atividades a serem

realizadas para que ocorra a aprendizagem dos alunos.

A elaboração explícita e sistemática desse modelo didático evidencia as

dimensões ensináveis do gênero e guia as intervenções do professor.

Levando em consideração todos esses aspectos que envolvem a escolarização e

a didatização da escrita, sugerimos que o trabalho didático com os gêneros deve

procurar pôr os alunos em uma situação o mais próxima possível de verdadeiras

situações de comunicação, mas também deve deixar claro que eles estão inseridos

numa dinâmica de ensino-aprendizagem dentro de uma instituição que tem por objetivo

fazer aprender. Assim, mesmo admitindo a dimensão institucional do espaço escolar, o

professor não pode deixar de manter uma vigilância constante sobre seu ensino a fim de

aproximar as práticas de produção de texto na sala de aula das práticas extraescolares.

Soares (1999) afirma que o termo escolarização é, em geral, tomado em sentido

pejorativo quando se fala de conhecimentos, saberes e produções culturais. Entretanto,

a atribuição dessa conotação depreciativa não é correta nem justa. Isso porque o

problema não está em escolarizar ou não os conhecimentos, mas em escolarizá-los de

maneira adequada. A escolarização inadequada de conhecimentos é que deve ser

criticada e não a escolarização em si mesma.

A esse respeito, muitos pesquisadores têm apontado a inadequada escolarização

da leitura, da produção de texto e da análise linguística por meio dos gêneros textuais,

tanto por autores de livros didáticos, quanto por professores de Língua Portuguesa.

Suassuna (2008a) analisou exemplares de coleções destinadas às quatro últimas

séries do ensino fundamental. O critério utilizado para a escolha dos livros foi o fato de

eles estarem em consonância com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de

94

Língua Portuguesa e de trazerem, no manual do professor, conceitos e pressupostos da

teoria sociointeracionista de linguagem. Durante as análises, a pesquisadora procurou

investigar a relação entre o gênero textual apresentado na lição e as atividades que a ele

se seguem. Da mesma forma, Biasi-Rodrigues (2002) analisou três coleções de livros

didáticos, duas delas bem avaliadas pelo Ministério da Educação (MEC) no Guia de

Livros Didáticos (Programa Nacional do Livro Didático – PNLD – 1999).

Os resultados obtidos tanto por Suassuna (2008a) quanto por Biasi-Rodrigues

(2002) são semelhantes e apontam diversos problemas no tratamento dado aos gêneros

textuais. As autoras constataram a presença frequente de textos fragmentados e que, por

isso, tiveram suas unidades de sentido comprometidas. Elas identificaram ainda textos

que sofreram modificações no seu formato original, perdendo, assim, sua materialidade

ao serem retirados do contexto original de uso e transpostos para outro contexto, no

caso, o livro didático. Esse aspecto fica bastante claro no exemplo trazido por Suassuna

(2008a): na reprodução de um outdoor houve uma descaracterização do gênero por

causa da sua redução para poder caber no livro.

Além disso, alguns livros didáticos têm usado tanto textos “autênticos” 5 como

“didáticos” 6 nas atividades relativas à exploração das características dos gêneros. Isso

foi identificado por Silva (2008) em sua pesquisa. O autor realizou um estudo cujo

objetivo foi investigar o tratamento dado ao ensino da análise linguística em currículos e

livros didáticos de Língua Portuguesa, analisando mudanças em relação ao antigo

ensino da gramática escolar. Especificamente para a investigação sobre os livros

didáticos, foram analisadas três coleções de 1ª a 4ª série (aprovadas pelo PNLD 2007 e

mais solicitadas pelas escolas públicas de Pernambuco). Em um dos livros didáticos

analisados por Silva (2008) são apresentadas duas propagandas elaboradas pelos autores

para o estudo do gênero. De acordo com o autor, o uso da propaganda “fabricada”

parece-lhe uma forma de contrastar mais as características do gênero. Os autores do

livro didático tendiam, portanto, a inventar textos que tinham claramente as

características do gênero que se pretendia explorar, evitando, assim, textos mais

maleáveis (ou naturais) quanto às características do gênero. Silva (2008) acredita que

isso tem a ver com “uma certa ‘simplificação’, um certo tom ‘formalista’, que queria

5 Textos com uma existência independente da escola e que, portanto, circulam no contexto extraescolar. 6 Textos elaborados pelos autores do livros didático que não existem além dos muros da escola.

95

tipificar demais cada gênero, transmitir certas características prototípicas, em lugar de

uma exploração estética/pragmática mais refinada e menos amarrada”. (p. 195)

Suassuna (2008a) e Biasi-Rodrigues (2002) também identificaram nos livros

didáticos analisados uma tendência exagerada de apresentar a maior diversidade

possível de gêneros textuais sem se realizar um trabalho pedagógico relevante com eles.

A esse respeito, Suassuna (2008a) constatou em sua pesquisa que os autores, na

tentativa de atender ao princípio teórico-metodológico da diversidade de linguagens,

acabam por trazer gêneros exóticos e incomuns que, por sua especificidade e restrição

de uso, não fazem o menor sentido para o aluno. É o caso de uma atividade que propõe

ao aluno a leitura de uma planilha que participantes de rally seguem para se orientar no

decorrer do trajeto.

Além de cometer exageros como esses, os autores de livros didáticos também

trazem uma profusão de gêneros, mas não ensinam suas características específicas, de

tal modo que os alunos se apropriem delas e demonstrem fazer uso eficaz da diversidade

de gêneros. Como comenta Suassuna (2008a), “É como se os autores se sentissem na

obrigação de encher as páginas do livro com exemplares do maior número possível de

gêneros textuais, sem propor que, com eles, seja feito um trabalho específico”. (p. 127).

A esse respeito, acreditamos que trabalhar com a diversidade de gêneros é importante,

na medida em que permite ao aluno conhecer e se apropriar de diferentes configurações

textuais e, por meio delas, se inserir em diversas práticas de linguagem. Entretanto,

apenas ter acesso a vários gêneros não garante sua apropriação linguística pelo aluno. É

necessário um trabalho sistemático com esses gêneros, por meio do qual o aluno reflita

sobre seus contextos de uso, bem como seus elementos linguísticos, composicionais e

estilísticos. Contudo, como já foi mencionado, este trabalho não tem sido realizado de

forma satisfatória em muitos livros didáticos.

As autoras supracitadas encontraram atividades de leitura nas quais apenas se

expõe o texto, sem que seja realizada qualquer atividade de exploração sobre ele, como

se o texto aparecesse apenas de enfeite. Num dos livros analisados por Suassuna

(2008a), por exemplo, após a apresentação de uma reportagem (que versava sobre a

travessia do oceano Atlântico pelo navegador Amyr Klink), os autores expõem um

mapa da viagem relatada e, em seguida, vem uma série de perguntas que nada têm a ver

com o mapa, apenas com a reportagem lida. Como discute Suassuna (2008a), a simples

presença do mapa na atividade não habilita o aluno a lidar com ele, uma vez que as

96

propriedades do gênero não foram exploradas, nem houve reflexão sobre seus

mecanismos específicos de produção de sentido.

Barros (2007), em uma investigação que teve como objetivo investigar de que

forma os gêneros textuais têm sido tratados nos manuais didáticos de Língua Portuguesa

do Ensino Fundamental, também identificou muitos textos que foram expostos para

servir apenas à compreensão temática, mas esses exemplares não foram explorados

enquanto gêneros textuais, de modo que estes não foram tomados, de fato, como objeto

de ensino. Dessa maneira, foram desperdiçadas muitas oportunidades de realizar o

trabalho com gêneros lado a lado com outras perspectivas de exploração da língua.

De modo semelhante, muitas vezes os autores solicitam a produção de um texto

pertencente a um determinado gênero, sem qualquer exercício de reconhecimento de e

reflexão sobre ele. É o que acontece numa atividade de produção de uma entrevista,

apontada por Biasi-Rodrigues (2002), na qual seus aspectos característicos não são

explorados no processo de apreensão desse conhecimento, ou seja, antes e durante a

escrita de texto. Barros (2007) também identificou esse problema durante suas análises,

ao verificar que na coleção por ela analisada era constante a produção textual proposta

não estar de acordo com o principal gênero textual explorado no decorrer do capítulo;

outras vezes, propunha-se a produção de um gênero que havia sido meramente

apresentado, ou, ainda, que não havia sequer sido citado na unidade de estudo. Nesse

sentido, os livros didáticos analisados não propõem modelos didáticos de gêneros que

orientem, efetivamente, o ensino de textos escritos: não são dadas orientações para o

aluno, que fica sozinho, sem suporte algum para realizar a produção textual, o que nos

permite constatar a falta de ensino propriamente dito da escrita.

Como comenta Bezerra (2008), a aprendizagem da escrita de um gênero textual

parece mais um exercício de inspiração ou de mágica. Essa lacuna precisa ser

preenchida pelo professor, ao qual caberia ajudar o aluno a reconhecer os gêneros

textuais, explorar as características e examinar em outros exemplos seus aspectos

linguísticos e formais de modo a ajudar o aluno a deles se apropriar e, assim, ter

condições de produzi-los.

Mesmo nas atividades de produção de texto em que se realiza a exploração do

gênero, Suassuna (2008a) e Biasi-Rodrigues (2002) encontraram problemas. Um deles

foi a adulteração ou, simplesmente, a desconsideração das características socioculturais

dos textos. As atividades propostas não exploravam as condições de produção ou

97

instâncias comunicativas nas quais os gêneros emergem e são praticados, nem seus

propósitos comunicativos, nem tampouco as relações que se estabelecem entre os

interlocutores em função desses propósitos.

Relacionada a esse aspecto, Biasi-Rodrigues (2002) também constatou uma

ênfase em determinadas dimensões do gênero em detrimento de outras. Acreditamos

que um ensino adequado dos gêneros textuais deve levar em conta suas diversas

dimensões, ou seja, sua circulação social, sua temática, sua composição, seus elementos

discursivos, textuais e linguísticos. Entretanto, nas atividades de exploração do gênero

anteriores à produção de texto analisadas pela autora, pôde ser identificada uma ênfase

ora no conteúdo (uma supervalorização do tema, revelando a crença de que uma

discussão oral seria suficiente para a elaboração de bons textos), ora nos aspectos

formais do gênero.

Esse mesmo problema foi identificado por Silva (2008) em sua pesquisa. O autor

constatou que, nas coleções analisadas, a exploração das características do gênero

muitas vezes incidia apenas sobre seus aspectos formais. Isso aconteceu, por exemplo,

com o gênero poema, cuja exploração ficou restrita aos conceitos de verso, estrofe e

rima. Vale salientar que, assim como Silva (2008), não estamos desconsiderando a

importância da forma nos gêneros textuais, mas entendemos que é necessário ir além,

considerando outros aspectos.

Situação semelhante foi identificada por Guimarães (2006) durante o

desenvolvimento de três sequências didáticas centradas em gêneros da ordem do narrar

(conto de fadas, peça teatral e narrativa de detetive) em uma escola municipal da

periferia da região metropolitana de Porto Alegre. Essas sequências estavam inseridas

no projeto coordenado pela própria pesquisadora, intitulado “Desenvolvimento da

narrativa e o processo de construção social da escrita”. O objeto de investigação dessa

pesquisa foi o acompanhamento longitudinal de um grupo de alunos, da 3ª à 5ª série do

Ensino Fundamental e teve como objetivo analisar o processo de textualização da ordem

do narrar através dos textos produzidos pelas crianças e das interferências da escola

nesse processo. Os resultados dessa investigação mostraram que, no final da sequência

em torno do gênero peça teatral, os conteúdos e os conhecimentos que se tornam

dizíveis através do gênero não foram apreendidos pelas crianças. A autora encontrou

uma possível explicação para esse resultado na excessiva preocupação da professora

98

com as marcas formais características do gênero, o que, segundo ela, acabou atenuando

ou impedindo discussões sobre o conteúdo temático e sobre a posição enunciativa.

Outro problema que pôde ser constado diz respeito ao uso dos gêneros textuais

como pretexto para o ensino de conteúdos gramaticais. Numa atividade encontrada em

um dos livros analisados por Silva (2008), já mencionada anteriormente, na qual são

apresentadas duas propagandas elaboradas pelos autores para o estudo do gênero, em

ambos os textos há palavras terminadas em “u” (cacau e berimbau) e em “l” (legal), que

são retomadas num exercício de ortografia que explora justamente palavras terminadas

em “l” e em “u”. Assim como Silva (2008), não podemos afirmar se as propagandas

foram elaboradas com a intenção de servir para o estudo da ortografia e aproveitou-se a

ocasião para explorar o gênero ou o inverso (elas foram criadas para a exploração do

gênero e, em seguida, aproveitadas para o estudo da ortografia); de qualquer forma,

chama atenção o fato dos autores terem privilegiado o estudo de um aspecto normativo

como a ortografia.

Além desses problemas, Bezerra (2008) nos alerta para outros equívocos que

estão sendo cometidos nos livros didáticos e nas aulas de português. Ela comenta que

muitas vezes as atividades se restringem a expor a estrutura dos variados gêneros

textuais, ao invés de promover momentos de reflexão sobre eles e de descoberta de suas

particularidades.

Esse aspecto pôde ser comprovado por Silva (2008) na sua investigação. O autor

percebeu que as coleções analisadas transmitiam sistematicamente uma série de

informações sobre os gêneros explorados (conceito, denominação, características

formais específicas etc.). Às vezes, tais informações sobre os gêneros eram apresentadas

depois de algum exercício, funcionando, assim como uma sistematização dos

conhecimentos explorados ou resposta às atividades propostas. Entretanto, em outros

momentos, as informações eram apresentadas anteriormente às atividades sem antes

garantir aos alunos a oportunidade de refletir sobre os gêneros. Nesses casos, segundo o

autor, os exercícios que as sucediam pareciam ter, muitas vezes, um certo sentido de

aplicação de conhecimentos transmitidos. Concordamos com Mendonça (2006), que

afirma que na sala de aula o movimento deveria ser contrário:

(...) com a mediação do professor, os alunos iriam perceber algumas dessas características com o auxílio da AL [análise linguística]. Eles estariam, assim, desafiados a pensar sobre os porquês da organização

99

linguística e discursiva do gênero em questão e a construir saberes sistematizados a respeito, sem necessariamente ter acesso a um conceito sobre o gênero. (p. 77-78).

Esse tratamento dispensado aos gêneros textuais dá indícios de que o objeto de

ensino pode ter mudado, mas a metodologia tradicional continua sendo utilizada. Assim

como Silva (2008), também constatamos uma espécie de “estabilidade na mudança”, na

medida em que um conteúdo novo continua, muitas vezes, sendo tratado como os

antigos conteúdos da gramática escolar.

Albuquerque (2002), ao analisar como os professores da Rede Municipal de

Recife estão se apropriando das concepções oficiais de ensino de leitura e se essa

apropriação se relaciona ou não a mudanças didáticas e pedagógicas em suas práticas de

ensino, também observou que o trabalho com textos era realizado por meio da utilização

de procedimentos pedagógicos “antigos” (definição, identificação e classificação), os

mesmos usados no ensino tradicional de gramática e ortografia. Nesse sentido, muitas

vezes os alunos aprendiam sobre textos sem precisar lê-los, conhecê-los e produzi-los.

Eles aprendiam uma metalinguagem textual, mas não se envolviam em práticas de

leitura dos textos que tenham aprendido a definir, identificar e classificar.

Da mesma forma, Bezerra (2008) constatou que muitos professores e autores de

livros didáticos têm tratado os gêneros como modelos a serem seguidos, ao solicitarem

ao aluno que escreva um texto semelhante a outro lido. A autora comenta que, ao

fazerem isso, eles acreditam que estão trabalhando com gêneros textuais. Entretanto,

estes estão sendo trabalhados de modo indiferenciado dos clássicos tipos textuais,

priorizando-se a forma/estrutura em detrimento das condições sócio-históricas de sua

enunciação.

Essa confusão tem sua raiz na própria compreensão do que seja verdadeiramente

um trabalho com gêneros extraescolares na sala de aula e de sua diferença em relação ao

trabalho tradicionalmente realizado com os gêneros escolares (narração, descrição e

dissertação). Isso porque, nas coleções analisadas por Biasi-Rodrigues (2002), os

autores, em algumas atividades, ainda utilizam a terminologia clássica ao solicitar que

os alunos produzam uma narração e uma descrição.

100

Da mesma forma, os gêneros e os tipos7 foram, muitas vezes, tomados uns pelos

outros nos livros didáticos, demonstrando grandes confusões terminológicas e uma falta

de clareza acerca de determinadas teorias. Barros (2007) constatou que nos livros por

ela analisados era visível uma preocupação maior por parte dos autores de enfocar os

modos de organização do discurso, o que acabava descaracterizando os gêneros em

termos dos seus propósitos comunicativos/enunciativos. Não estamos dizendo com isso

que as tipologias textuais não devam ser objeto de estudo em sala de aula. Ao contrário:

na medida em que os gêneros são preenchidos por sequências tipológicas, estas devem

ser também estudadas. Entretanto, essa exploração não pode ser realizada como um fim

em si mesmo, mas como componente do gênero, juntamente com outros elementos que

dele fazem parte.

A existência de atividades de produção de gêneros extraescolares e de gêneros

eminentemente escolares em um mesmo livro, assim como a confusão entre gêneros e

tipos, faz-nos concluir que em muitas coleções didáticas a apreensão desse novo objeto

de conhecimento ainda não se deu por completo.

Além de todos os problemas discutidos acima, Suassuna (2008a) aponta ainda

outros problemas em relação ao tratamento dado aos gêneros textuais nos Livros

Didáticos de Língua Portuguesa: a) presença de atividades inúteis, sem sentido ou

propósito comunicativo; b) proposição de tarefas difíceis de serem executadas pelo

aluno; c) falta de um fio condutor que sirva para estabelecer relações entre os gêneros

trabalhados em uma mesma unidade; d) realização de atividades mecânicas; e) presença

de atividades caracterizadas como meras tarefas escolares em detrimento de um trabalho

efetivo de linguagem e de compreensão dos usos e recursos dos gêneros textuais

propriamente ditos.

Percebemos nos materiais didáticos e nas práticas de muitos professores um

movimento no sentido de incorporar essa nova perspectiva de tratar a linguagem.

Entretanto, muitas vezes não há critérios bem definidos e coerentes nas abordagens

feitas por eles.

Vimos, através das pesquisas de Suassuna (2008a), Biasi-Rodrigues (2002),

Barros (2007) e Silva (2008), que os novos livros didáticos se propõem a trazer um

7 Nossa acepção de “tipo” não diz respeito aos gêneros escolares “narração”, descrição” e “dissertação”, mas ao conjunto de traços linguísticos predominantes que formam sequências linguísticas dentro dos textos e que abrangem categorias como narração, argumentação, descrição, injunção e exposição.

101

trabalho relevante e modernizado, que privilegia as atuais teorias linguísticas, mas,

muitas vezes, não apresentam mudanças substanciais, pois apenas diversificam os

textos, mantendo as mesmas tradições de análise formal e temática, sem considerar

devidamente as peculiaridades e riquezas de um trabalho voltado ao texto na perspectiva

dos gêneros textuais. Essa tem sido uma tendência evidenciada nos livros didáticos, ou

seja, é o que há de mais comum no mercado editorial atual. Entretanto, não podemos

negar que esses livros estão, sim, apresentando “tentativas” de mudança em relação ao

antigo ensino de Língua Portuguesa, embora não exatamente da mesma maneira como

tem sido defendido nos discursos acadêmicos e oficiais sobre o ensino de língua

materna.

Outras pesquisas, como a de Albuquerque (2002), evidenciam tentativas de

mudanças didáticas e pedagógicas por parte dos professores, o que demonstra que eles

estão se apropriando dos discursos acadêmicos e das prescrições oficiais relacionadas ao

ensino de Língua Portuguesa. Embora alguns professores apresentem essas tentativas,

transformações significativas parecem não estar acontecendo. Nesse sentido, os

professores continuam não ensinando o que deveriam ensinar ou o que se espera que

eles ensinem.

O principal discurso característico do ensino de Língua Portuguesa através dos

gêneros – a necessidade de trabalhar com diferentes textos em sala de aula – foi repetido

pelos professores participantes da sua pesquisa, o que demonstra que este está sendo

internalizado e apropriado. Isso aponta, de certa forma, para uma inovação nas práticas

de ensino de língua materna atuais.

Entretanto, Albuquerque (2002) salienta que esse discurso tem sido interpretado

pelos professores como um “novo conteúdo” que pode ser ensinado juntamente com os

tradicionais. Assim, não são os processos interlocutivos (que envolvem a leitura e a

escrita de textos) que estão sendo considerados nas salas de aula, mas os diversos textos

como conteúdos autônomos, que podem ser ensinados para os alunos e, em seguida,

aplicados por eles.

Da mesma forma, como já apontamos anteriormente, os procedimentos

metodológicos utilizados para o ensino desse novo conteúdo parecem ser os mesmos

que as professoras sempre realizaram: tarefas com ênfase na definição, identificação e

classificação, o que corresponde ao modelo de ensino tradicional.

102

Albuquerque (2002), tentando explicar esse fato, comenta que a apropriação de

novos saberes a serem ensinados parece se adequar às sequências de atividades já

desenvolvidas pelos professores para o ensino da língua portuguesa, sequências estas

que integram o conjunto de dispositivos incorporados à prática dos professores e que

constituem o saber profissional deles. Assim, os mesmos dispositivos utilizados para o

ensino dos conteúdos gramaticais estão sendo utilizados também para o trabalho com

textos. Vemos, portanto, que o processo de apropriação de novos saberes é influenciado

pelas experiências dos professores, ou seja, eles acabam por fazer adaptações com base

em suas experiências profissionais.

Assim como Albuquerque (2002), Santos (2004, apud SILVA, 2008), analisando

as representações sociais de professoras sobre a escrita e seu ensino, também constatou

em sua pesquisa que o trabalho com textos era incorporado a antigas práticas de ensino

de língua escrita.

Pode-se concluir, a partir dos resultados apontados por essas autoras, que os

docentes se apropriam de práticas e conceitos novos a partir de uma dinâmica em que o

novo e o antigo se entrecruzam na busca da compreensão de fenômenos antes

desconhecidos. Nesse sentido, concordamos com Mortatti (2000, apud SILVA, 2008)

quando ela afirma que o novo não substitui completamente o antigo, mas disputa espaço

com ele, resultando daí uma complexa tensão entre continuidade e descontinuidade.

Geraldi (1996, apud SUASSUNA, 2008a) batizou esse fenômeno de “ortodoxia

escolar”. Seria esta um conjunto de rotinas pedagógicas que, baseadas numa concepção

de linguagem como código ou estrutura, artificializam e esvaziam as práticas de

linguagem realizadas na escola.

Diante disso, vem-nos o mesmo questionamento lançado por Biasi-Rodrigues

(2002): “(...) essa nova prática está se construindo em favor da eficácia comunicativa ou

é apenas um novo modismo com velhos pretextos [?]” (p. 50). Acreditamos que não é

apenas um modismo. Como salienta Suassuna (2008a), a descrição e a classificação dos

gêneros textuais não podem ser transpostas automaticamente para o ensino. A apreensão

desse novo objeto pelos professores e pelos autores de livros didáticos ainda está em

processo. O ensino da Língua Portuguesa através dos gêneros é uma proposta

relativamente recente, se levarmos em conta o momento a partir da qual se

impulsionaram com mais ênfase tentativas de sua implantação em sala de aula. Por isso,

é normal que surjam dúvidas e lacunas teórico-metodológicas nesse movimento de

103

aproximação e distanciamento quanto a essa perspectiva de ensino da língua. Nesse

sentido, refletir sobre esses “entraves” e ter clareza sobre eles pode ajudar o professor a

levá-los em consideração e, assim, procurar evitá-los na hora de ensinar.

Como já foi discutido no tópico anterior, acreditamos que as teorias dos gêneros

textuais são bastante produtivas quando se trata de ensinar a escrever, pois prodem levar

o professor a aproximar mais os alunos da linguagem em uso. Entretanto, como alerta

Suassuna (2008a), ela tem de ser vista com cautela. Não devemos tomá-la como receita

a ser seguida ou como solução para todos os problemas do ensino. Da mesma forma, os

gêneros não podem ser inseridos na sala de aula como um conteúdo em si mesmo, mas

como ferramentas ou instrumentos por meio dos quais o professor pode dar sentido às

práticas escolares de escrita e assegurar aos alunos o exercício da linguagem.

Neste ponto, queremos responder à indagação colocada por Mota-Roth (1998,

apud SUASSUNA, 2008a): “É possível um ensino explícito através dos gêneros

textuais?” (p. 131). Acreditamos que sim. Mas, para isso, dentre tantas necessidades,

concordamos com Biasi-Rodrigues (2002): é de fundamental importância investir na

formação dos professores, para que eles possam se apropriar efetivamente da

perspectiva teórica em questão (ou seja, compreender bem a proposta de ensino de

textos escritos através dos gêneros) e, assim, poder tomar decisões e assumir posições

bem fundamentadas ao selecionar os materiais didáticos a serem usados e ao definir as

metodologias de trabalho em sala de aula. Percebemos que há um suporte teórico muito

forte que deve respaldar a ação didática, mas que ele ainda permanece distante do

professor de ensino fundamental, o qual precisa receber apoio específico para esse fim.

1.4 Avaliação da produção de texto numa perspectiva formativo-discursiva

1.4.1 Avaliação como estratégia de formação

1.4.1.1 Procedimentos envolvidos no ato de avaliar

Ao lermos os trabalhos de vários pesquisadores sobre a avaliação, conseguimos

identificar que o processo avaliativo pressupõe pelo menos seis procedimentos:

1) esboçar questões a serem respondidas;

104

2) observar;

3) coletar informações;

4) sistematizar e interpretar as informações coletadas;

5) emitir um juízo de valor frente ao objeto avaliado;

6) adaptar as atividades de ensino-aprendizagem.

O primeiro procedimento, apontado por Stufflebean (1971, apud SILVA, 2003),

diz respeito à definição, por parte do professor, de algumas questões para guiá-lo na

observação do fenômeno ou objeto a ser avaliado. Acreditamos que essas questões

estejam relacionadas aos objetivos de ensino-aprendizagem por ele perseguidos e

podem ser entendidos como critérios de avaliação. Discutiremos sobre isso mais

adiante.

Com base nessas questões, o professor observa metodicamente seus alunos e

coleta informações sobre eles, tentando compreender seus modos de operar e buscando

determinar o caminho já percorrido por cada um (PERRENOUD, 1999). A coleta de

informação permite, assim, ao professor conhecer o estado de aprendizagem dos alunos:

o que estão aprendendo e o grau de compreensão daquilo que estão aprendendo, em que

sentido e direção eles aprendem (ou seja, o modo como eles aprendem), seus progressos

reais e suas dificuldades (MÉNDEZ, 2002). É nesse sentido que Méndez (2002) aponta

a avaliação como busca de conhecimento sobre o ensino e sobre a aprendizagem. Para

realizar essa tarefa de modo adequado, é importante o professor estar bem direcionado,

tendo em sua mente, de forma clara, respostas a questões como:

Qual informação interessa coletar, com quais finalidades, para desempenhar quais funções? (...) De que modo e com que método e técnicas se coletará a informação? A quem serão destinadas as informações e as decisões tomadas e quem serão seus beneficiários? Quem coleta a informação e quem decide a partir dela? (MÉNDEZ, p. 75).

De acordo com Hoffmann (1993), para que se obtenham as informações

necessárias, é importante também que o professor preste muita atenção no aluno,

tentando conhecê-lo melhor, entender suas falas, seus argumentos, conversando com ele

em todos os momentos, ouvindo todas as suas perguntas e fazendo-lhe novas e

desafiadoras questões.

105

A coleta de informações durante o trabalho de avaliação é guiada por uma série

de questões, já mencionadas anteriormente, que correspondem a expectativas do

professor em relação ao aprendizado do aluno. A atitude do professor acaba, portanto,

sendo seletiva, pois ele extrai as informações que interessam ao seu trabalho, em

detrimento de outras não tão relevantes.

A esse respeito, Méndez (2002) ressalta que os professores devem estar atentos à

qualidade e à relevância da informação que se coleta, de modo que ela seja significativa

e educativamente útil para os sujeitos envolvidos no processo. Isso porque nem toda

informação é válida para a formação de quem está aprendendo. É preciso diferenciar os

aspectos e os conteúdos do processo de ensino-aprendizagem que são substanciais

daqueles que são apenas episódicos. Para tanto, é importante multiplicar as fontes de

informação, utilizando diferentes meios.

Vale salientar, entretanto, que a avaliação é o momento não só de “obter

informação”, mas também de “dar informação”. Isso porque é importante explicitar para

os alunos as formas que serão utilizadas para obter a informação e o seu valor, bem

como os conteúdos coletados e os usos que serão feitos deles. Isso se faz necessário na

medida em que os alunos, enquanto fontes dos dados coletados, têm o direito de

conhecer todo o processo e porque “Quanto menos informação é oferecida, e ainda mais

se não é expressa de um modo inteligível para o leitor, maior é o risco de ser instaurada

a arbitrariedade no exercício abusivo do poder” (MÉNDEZ, 2002, p. 114).

É nesse sentido que Hadji (2001) afirma que a avaliação formativa é uma

avaliação informativa, na medida em que informa os dois principais atores do processo:

o professor, que é informado dos efeitos reais se seu trabalho pedagógico, e o aluno, que

sabe onde anda e toma consciência das suas dificuldades.

Por sua vez, tais informações não são dadas ao professor de forma explícita,

pois, como alerta Hadji (2001), “o sentido não está presente no objeto antes do ato de

avaliação” (p. 44). O professor tem diante de si um conjunto de sinais ou indícios que

deverá decifrar e para os quais precisará construir um sentido. É por isso que Méndez

(2002) diz que “avaliamos sobre a base de inferências” (p. 24). Os resultados da

avaliação exigem, portanto, um cuidadoso trabalho de sistematização, bem como

interpretação, discussão e crítica (SUASSUNA, 2006). Uma avaliação na perspectiva

sociointeracionista contempla necessariamente gestos de interpretação, que são postos

106

em prática pelo professor no processo de ensino, em seu trabalho contínuo de

compreensão da relação aluno-conhecimento (SUASSUNA, 2009).

Segundo Hoffmann (1993), faz parte desse procedimento a interpretação das

respostas dos alunos em termos da natureza dos erros por eles cometidos, tentando

compreender suas hipóteses construídas ao longo do processo de ensino-aprendizagem.

Ou seja, o professor precisa tentar entender o que o aluno faz, colocando-se na sua

perspectiva, no seu lugar. Nesse sentido, quando os alunos não progridem no

aprendizado, a avaliação é um bom caminho e um ótimo momento para o professor

indagar sobre os motivos que provocam tal desajuste e que freiam o progresso de

apropriação do saber. Para tanto, a autora alerta para a necessidade de o professor

debruçar-se sobre a produção de conhecimento do aluno, partindo de ações

desencadeadoras de reflexão sobre tal saber.

Através dessas informações interpretadas, o avaliador emite um julgamento de

valor do objeto avaliado (SILVA, 2003). A esse respeito, Marcuschi, B. (2004) explica

que a comparação é constitutiva do ato de avaliar, pois, quando avalia, o indivíduo

compara um objeto (fenômeno, pessoa ou evento) e a expectativa que ele tem em

relação a esse objeto. O sujeito, então, atribui ao objeto avaliado um valor relativo e

provisório, que se insere num contínuo que vai da positividade à negatividade.

André (1996) compartilha dessa mesma opinião ao afirmar que “dificilmente ele

[o professor] conseguirá orientar o trabalho dos alunos sem formular implícita ou

explicitamente um juízo de valor”. (p. 17). Isso porque, como explica a autora, as

considerações feitas pelo professor durante a avaliação são sempre influenciadas pela

sua opinião, pelas suas atitudes favoráveis ou desfavoráveis em relação ao aluno e por

seus preconceitos. “Isso é um efeito das percepções humanas e é delas que se nutre a

avaliação” (p. 17).

Nesse sentido, entendemos, assim como Hoffmann (1993), que a subjetividade é

inerente à atividade avaliativa. A esse respeito, a autora salienta que “não há como fugir

(...) da interpretação do professor no momento da correção. A prova disso é que certas

pesquisas demonstram a variabilidade de escores obtidos quando mais de um professor

corrige uma mesma questão dissertativa de um aluno ou sua redação” (p. 64).

Diante disso, levantamos a seguinte questão: se a subjetividade faz parte do

processo avaliativo, por que muitos professores se mostram tão preocupados em

eliminá-la? Como alerta Méndez (2002), pelo fato de a avaliação exigir interpretação e

107

emissão de um juízo de valor, ela é muitas vezes confundida com prejuízos ou

suposições que oferecem poucas garantias de credibilidade. Assim, em nome da “justiça

da precisão”, como denomina Hoffmann (1993), professores tentam elaborar tarefas que

evitem ao máximo suas interpretações sobre as respostas dos alunos e,

consequentemente, que evitem injustiças.

Entretanto, numa avaliação na perspectiva que estamos defendendo, a

subjetividade não é um problema, mas um elemento a ser trabalhado positivamente. Isso

porque, na medida em que uma determinada tarefa de avaliação é apenas uma dentre

tantas outras realizadas no decorrer do processo de ensino-aprendizagem, tanto os erros

dos alunos, como as dúvidas dos professores ao interpretá-los serão retomados na sala

de aula para serem discutidos por todos e assim dar continuidade às ações pedagógicas,

e não para serem considerados como certos ou errados.

Além disso, o que legitima a interpretação, bem como a emissão de juízos de

valor no fazer avaliativo é o fato de que estes são emitidos com base nas informações

coletadas e analisadas. Assim, a avaliação pressupõe uma análise crítica e uma

valorização bem informadas e bem fundamentadas. (MÉNDEZ, 2002). É acreditando

nessas ideias que defendemos que a subjetividade da avaliação deve ser reconhecida e

não escondida.

Como já foi dito anteriormente, as informações coletadas através da observação,

sistematizadas, interpretadas e valorizadas, permitem ao professor identificar e entender

as razões pelas quais os alunos não aprendem. Nesse momento, ele precisa saber até que

ponto e em que medida os alunos desenvolveram e/ou aprenderam determinadas

capacidades (ou não) em consequência do ensino recebido (COLL e MARTÍN, 1998).

A partir dessa compreensão, o professor deve “pôr mãos à obra” para superar essa

situação que dificulta e impede a aprendizagem de seus alunos, pensando de que modo

ele pode ajustar o seu fazer didático para estimular e potencializar as aprendizagens

ainda não obtidas. Nesse sentido, “A maneira como o sujeito aprende é mais importante

que aquilo que ele aprende. (...) [pois] Conscientes do modo como o sujeito aprende,

descobriremos a forma de ajudá-lo” (MÉNDEZ, 2002, p. 39). Com esse conhecimento

adquirido, o professor poderá, no momento oportuno, tomar decisões justas, adequadas

e razoavelmente fundamentadas, intervindo inteligentemente (através da reorientação,

do estímulo, da correção e/ou da valorização) e assegurando o progresso formativo do

aluno. Vista dessa forma, a avaliação das aprendizagens dos alunos tem papel definitivo

108

no processo de elaboração e concretização do currículo escolar (COLL e MARTÍN,

1998).

1.4.1.2 Avaliação como regulação do ensino-aprendizagem

Vemos, pois, que “a avaliação é espaço de mediação / aproximação / diálogo

entre formas de ensino dos professores e percursos de aprendizagens dos alunos”

(SILVA, 2003, p. 13), na medida em que a compreensão do que os alunos aprendem e

da forma como aprendem contribui para “regulação da atividade de ensino” (HADJI,

2001, p. 20) – e, consequentemente, “uma regulação das aprendizagens em andamento”

–, regulação esta que se dá de modo sistemático (metódico) e intencional por parte do

professor (SILVA, 2003). Portanto, tomando as palavras de Perrenoud (1999), podemos

definir a avaliação como uma “regulação intencional, cuja intenção seria determinar ao

mesmo tempo o caminho já percorrido por cada um e aquele que resta percorrer com

vistas a intervir para otimizar os processos de aprendizagem em curso” (p. 89). Ao

mesmo tempo em que a avaliação está a serviço dos sujeitos que aprendem, também

está orientada para a prática docente, para melhorá-la (MÉNDEZ, 2002).

Nesse sentido, defendemos, assim como Coll e Martín (1998) e Silva (2003),

que não só a aprendizagem do aluno mas também a intervenção didática do professor

devem ser objeto da atividade avaliativa. Ou seja, é importante que o fazer pedagógico

seja constantemente tomado pelo professor como objeto de investigação e indagação.

Nesse processo, Coll e Martín (1998) lembram que se faz necessário, inclusive, que o

professor reflita e analise suas próprias práticas avaliativas com o intuito de

potencializar, desenvolver e promover as que podem proporcionar uma informação mais

confiável, rigorosa e ampla. Para tanto, o professor precisa se fazer perguntas tais como:

Até que ponto os procedimentos e instrumentos de avaliação que utilizamos permitem captar efetivamente os progressos realizados por nossos alunos no desenvolvimento e/ou aprendizagem de certas capacidades? (...) até que ponto esses procedimentos e instrumentos permitem relacionar os progressos realizados por nossos alunos ao ensino que estamos ministrando? (p. 202).

A avaliação do ensino não pode ser vista à margem da avaliação da

aprendizagem, pois quando o professor avalia as aprendizagens dos seus alunos ele

109

também está avaliando,quer queira, quer não, o ensino que ministrou. Dessa forma,

podemos afirmar, em concordância a Coll e Martín (1998), que “a avaliação nunca é só

do ensino ou da aprendizagem, mas também dos processos de ensino e aprendizagem”

(COLL e MARTÍN, 1998).

Por sua vez, esse movimento implica, por parte do professor, flexibilidade,

dinamicidade, adaptação e ajuste (HADJI, 2001). Além disso, exige dele uma postura

reflexiva (SILVA, 2003) e um comportamento de pesquisador da sua própria prática

(MÉNDEZ, 2002), elementos imprescindíveis para o exercício de uma prática

pedagógica intelectual, reflexiva e realmente transformadora.

Concordamos com Silva (2003) quando ele afirma que as tomadas de decisão

por parte do professor acabam fomentando e assegurando o seu desenvolvimento

profissional, isto é, sua formação intelectual e sua tarefa didática. Méndez (2002)

também corrobora essa ideia ao apontar que a avaliação é uma atividade crítica de

aprendizagem. A avaliação é aprendizagem na medida em que por meio dela tanto o

professor como o aluno adquirem conhecimento: o professor aprende para conhecer sua

prática e melhorá-la, bem como para colaborar com a aprendizagem do aluno; o aluno,

por sua vez, aprende a partir da sua autoavaliação e da avaliação do professor. Assim,

beneficia-se da avaliação quem aprende e quem ensina.

Essa ideia tem uma outra por pressuposto: a de que o ensino e a avaliação não

são instâncias separadas, mas fazem parte de um mesmo processo. Como discutimos

anteriormente, nas diferentes formas de avaliação tradicional, primeiro se ensina para,

depois e ao final, avaliar se o aluno aprendeu o que foi ensinado. A avaliação aparece,

pois, como um “acerto de contas”. Se o aluno conseguiu aprender, ótimo, se não

conseguiu, não há mais tempo nem o oportunidade para que ele recupere as

aprendizagens não obtidas: simplesmente, passa-se adiante no ensino, deixando para

trás lacunas de conhecimento que acentuarão ainda mais as suas dificuldades nas

aprendizagens posteriores.

Numa avaliação realizada na perspectiva formativa, ao contrário, esta é tomada

como uma parte constitutiva do ensino, isto é, como “um dos dispositivos utilizados nos

processos de regulação das aprendizagens” (PERRENOUD, 1999). “O conceito de

avaliação formativa, assim compreendido em termos de regulação, tende a se fundir em

uma abordagem mais global dos processos de regulação das aprendizagens em curso em

um dispositivo, sequência ou situação didáticos” (PERRENOUD, 1999, p. 89).

110

Assim, a avaliação faz parte de um conjunto de regulações parcialmente

previstas, ou pelo menos autorizadas, pelo dispositivo didático. Vista dessa forma, a

avaliação formativa é principalmente uma regulação interativa em situação, ou seja,

uma intervenção em tempo real, indissociável das interações didáticas propriamente

ditas. Ela se configura, portanto, como atividades de observação e de intervenção

didáticas, realizadas quando a tarefa proposta ainda não está terminada, sendo o

professor capaz de interferir nos processos de ensino-aprendizagem em curso.

É nesse sentido que caracterizamos a avaliação como uma atividade processual,

na medida em que ela requer atenção a todo o processo de ensino-aprendizagem e não

apenas aos seus resultados. Até porque, como salientam Coll e Martín (1998,) as

atividades de avaliação proporcionam ao professor “instantâneos” estáticos de um

processo que é dinâmico. Apesar de o processo como tal não ser acessível ao professor,

ele também não pode emitir um parecer sobre a totalidade do processo a partir de um

único instantâneo. Isso porque, em muitos casos, as aprendizagens só se manifestam

efetivamente depois de algum tempo. Dessa forma, as práticas de avaliação que se

baseiam em apenas um instantâneo são pouco confiáveis e deveriam ser substituídas por

outras que considerem o caráter dinâmico e temporal da construção dos conhecimentos.

Entretanto, concordamos com Perrenoud (1999) quando ele salienta que as regulações

interativas são inúteis se forem aleatórias e episódicas. Nesse sentido, também

defendemos que avaliação deve ser uma atividade constante e contínua.

Vale salientar também que o fato de defendermos que a avaliação deva ser

realizada primordialmente por meio de regulações interativas não exclui a possibilidade

de o professor fazer uma avaliação antes – denominada por Perrenoud (1999) de

“regulação antecipada” – e ao final – “regulação retroativa” – do ensino, desde que estas

não se constituam como ações únicas e pontuais. A esse respeito, o autor explica que a

regulação retroativa é uma “regulação por falta”, utilizada quando os outros modos de

regulação não funcionaram ou não foram suficientes.

Vemos, portanto, que a avaliação atravessa todo o trabalho pedagógico (desde

seu planejamento até sua execução) com o intuito de compreender melhor a relação

entre o planejamento, o ensino e a aprendizagem, e poder orientar a intervenção didática

de forma mais qualitativa e contextualizada (SILVA, 2003). Consideramos a relação

entre ensino, aprendizagem e avaliação tão estreita ao ponto de uma boa avaliação

tornar bom o ensino e boa a aprendizagem. Por esse motivo, também defendemos que

111

uma concepção de avaliação deve estar coerente com a concepção de ensino. Ou seja,

teoricamente, não há como ter ensino tradicional e uma avaliação formativa, pois uma

mudança na avaliação implica uma mudança no ensino.

1.4.2 Avaliação como linguagem/discurso

A comunicação é um elemento constituinte da regulação do ensino-

aprendizagem. Como aponta Weiss (1991, apud HADJI, 2001, p. 35), “a avaliação é

uma interação, uma troca, uma negociação entre um avaliador e um avaliado, sobre um

objeto particular e em um ambiente social dado”.

Isso porque compartilhamos com Hadji (2001) a ideia de que avaliar, antes de

tudo, é ter algo a dizer. Tomando essa definição como ponto de partida, entendemos que

a avaliação é formada pelo seguinte movimento: o professor observa o aluno, lhe diz

algo sobre seu aprendizado, bem como elabora meios dele obter as aprendizagens ainda

não alcançadas; por sua vez, o aluno interpreta o que foi dito pelo professor a seu

respeito e procura responder às intervenções pedagógicas da melhor forma possível; o

professor, mais uma vez, observa o aluno e lhe informa sobre seu desempenho nessa

nova oportunidade de ensino-aprendizagem, assim como cria mais oportunidades, caso

seja necessário. Esse movimento é ininterrupto e forma uma verdadeira cadeia de

linguagem: utilizando as categorias elaboradas por Bakhtin (1997), entendemos que

professor e aluno adotam uma compreensão responsiva e, consequentemente, uma

atitude responsiva ativa diante dos enunciados emitidos por um e por outro. A

avaliação, portanto, se configura como um evento discursivo específico.

Nesse processo, o avaliador é visto como “um ator em um processo de

comunicação social” (HADJI, 2001, p. 41). Dessa forma, entendemos que o professor é

um interlocutor como os outros. Entretanto, ele tem o papel de estruturar a comunicação

pedagógica, pois dispõe de competências mais amplas e diversificadas que as dos

alunos.

Para entendermos melhor o papel do professor na comunicação pedagógica,

Perrenoud (1999) utiliza a metáfora bem ilustrativa do ensino-aprendizagem como um

jogo, no qual o professor seria o treinador esportivo, e os alunos, os jogadores. Assim, o

professor joga com seus alunos, servindo de parceiro mais experiente, que se diferencia

dos outros parceiros porque seu objetivo é favorecer a aprendizagem do outro muito

112

mais do que mostrar sua habilidade. O professor desempenha, assim, importante papel

nas regulações (PERRENOUD, 1999).

Perrenoud (1999) alerta, ainda, que a intervenção sobre a própria construção do

conhecimento frequentemente supõe uma mudança de registro na linguagem e/ou

“parênteses metalinguísticos”. Ou seja, durante a comunicação pedagógica, professor e

alunos desenvolvem e utilizam uma linguagem própria para refletir e falar sobre o

conhecimento que está sendo construído. Nesse sentido, tomando como base a ideia

vygotskiana da linguagem como elemento estruturante do pensamento, podemos

considerar a comunicação o motor principal dos progressos do aluno, pois ela estrutura

o funcionamento da linguagem e do processo pedagógico e, consequente e

indiretamente, regula a construção, a reconstrução e a apropriação dos saberes.

Se acreditamos que essa ideia pode ser aplicada para o ensino-aprendizagem de

conhecimentos de todas as ordens (matemático, geográfico, histórico etc.), ela se torna

ainda mais pertinente quando o conhecimento que está em jogo é o linguístico (língua

materna ou estrangeira). Pois, como salienta Cardinet (1988), “as situações de

comunicação são, para a língua, mais do que para qualquer outra aprendizagem, pedras

de toque, ocasiões de testar e de manifestar seu domínio” (apud PERRENOUD, 1999,

p. 99).

Defendemos, portanto, que o professor deve inserir os alunos em situações de

comunicação nas quais eles se distanciem do objeto do conhecimento e sejam

confrontados com seus próprios limites, de modo a ultrapassá-los. Nessas situações, eles

experimentarão situações de troca, de interação e de decisão, que os forçarão a utilizar a

linguagem para se explicar, se justificar, argumentar, expor ideias, dar ou receber

informações para tomar decisões, planejar o trabalho etc. (PERRENOUD, 1999). Dessa

forma, o professor estará ajudando o aluno a desenvolver (estender e diversificar) suas

competências de autorregulação. Isso porque a metacognição é constituída por

mecanismos de linguagem (HADJI, 2001).

A dimensão discursiva da avaliação também se confirma pelo fato de, como já

foi apontado anteriormente, seus resultados exigirem interpretação. A esse respeito,

Hadji (2001) define a avaliação como “uma operação de leitura da realidade” (p. 44), na

medida em que o avaliador aborda seu objeto como o leitor aborda seu texto. Com essa

comparação, o autor nos mostra que os resultados da avaliação precisam ser lidos e

interpretados como se faz com um texto. Esse procedimento se faz necessário não

113

apenas porque os dados avaliativos estão implícitos, mas também porque eles não são

nem definitivos, nem inquestionáveis.

1.4.3 Avaliação da produção de texto

Nas práticas sociais fora da escola, os textos (falados ou escritos) são sempre

avaliados pelos interlocutores, da mesma forma que nós avaliamos os textos com os

quais interagimos. Ou seja, o leitor ou ouvinte, quando lê ou ouve um texto, faz uma

apreciação das ideias e da forma do discurso. Esse é um processo normal em qualquer

interação linguística.

Mas, por que avaliar os textos que os alunos produzem dentro da escola?

Diríamos que é porque a avaliação está presente na comunicação verbal que acontece no

dia a dia das pessoas. Não realizar atividades avaliativas dos textos dos alunos é ir

contra as práticas sociais comuns e esperadas pelos interlocutores. Fazendo isso estamos

distanciando e diferenciando ainda mais o uso da linguagem na escola daquele que é

realizado fora dela.

Além disso, devemos avaliar os textos dos alunos porque a avaliação é um dos

instrumentos que pode (e deve!) ser utilizado pelo professor durante o ensino para

promover o aprendizado de habilidades linguísticas no aluno. Nesse sentido, avaliação é

importante tanto para o professor, como para o aluno.

Do ponto de vista do professor, a avaliação é importante porque (re)orienta seu

trabalho, tanto em termos dos conteúdos a serem trabalhados, como das estratégias

didáticas a serem empreendidas. Isso porque os textos produzidos pelos alunos

evidenciam os elementos que devem ser trabalhados nas aulas de Língua Portuguesa e

ajudam o docente a definir as prioridades de trabalho. O professor pode, então, planejar

e/ou reformular seu trabalho, escolhendo as estratégias didáticas mais adequadas e

produtivas, de modo a abordar sistematicamente os problemas constatados nos textos

dos alunos. Do ponto de vista do aluno, a avaliação é importante porque por meio dela o

aluno poderá aprender as regras de utilização da língua, necessárias à produção de

textos orais e escritos.

Então, como avaliar os textos produzidos na escola, de modo que essa avaliação

seja útil para professor e alunos? Isso se torna possível na medida em que consideremos

a avaliação textual uma atividade de leitura, mediante a qual se busca construir sentido.

114

Ou seja, é importante o professor ter em mente que avaliar um texto significa lê-lo,

explorando todas as implicações de um ato de leitura.

Essa concepção, por sua vez, exige uma postura de diálogo diante do texto: é

preciso que se estabeleça uma relação interlocutiva entre aluno e professor, na qual

ambos se coloquem como sujeitos e como parceiros da atividade de escrita. Nesse

sentido, defendemos que o professor se coloque como interlocutor de seus alunos e não

apenas como avaliador de seus textos.

A esse respeito, vemos que, quando os alunos produzem seus textos, esperam

uma resposta do professor sobre o que escreveram; esperam algum retorno capaz de

permitir a dialogia. Entretanto, muitas vezes o que eles obtêm como respostas são o

silêncio, um visto ou uma nota. Ou seja, o aluno não escreve para ser lido, mas “apenas”

para ser corrigido. Dessa forma, ele encontra-se destituído das reais possibilidades de

interação. Entretanto, acreditamos que “o querer dizer” do aluno não pode ser apagado

pelos “quereres” da escola. É necessário o professor, como leitor privilegiado dos textos

produzidos pelos seus alunos, olhar para eles com “os olhos da compreensão” e não

apenas com “os olhos da correção”.

Para tanto, como apontam Costa Val et al. (2009), a postura do professor diante

do texto do aluno deve ser uma atitude relativizadora: ele buscará analisar e sinalizar

para os alunos não só as falhas, mas também as virtudes dos seus textos. O professor vai

observar aquilo que gostaria que o texto cumprisse, mas também vai observar aquilo

que o aluno-autor efetivamente realizou, considerando e valorizando o trabalho textual

empreendido por ele.

Vale salientar, entretanto, que ao defendermos que o professor deve ser

primeiramente um leitor do texto do aluno, não estamos defendendo a ideia de que não

se deve mais avaliar para não bloquear a criatividade do aluno ou para não provocar

uma relação negativa do aluno com a escrita. De fato, a avaliação da escrita na escola

tem sido tão carregada de punição, o que acaba produzindo no aluno um medo de

escrever e um sentimento de fracasso. Partindo do pressuposto de que toda a avaliação

do professor seria marcada por uma relação de poder que inibe a escrita do aluno,

muitos defendem que não se realize a avaliação da escrita. Acreditamos que questionar

o sentido negativo que as práticas avaliativas têm tomado ultimamente é importante,

mas não se pode, a partir desse questionamento, concluir que a melhor saída para

mudarmos essa situação é simplesmente não olhar mais para o texto do aluno ou só lhe

115

atribuir elogios. As consequências de uma avaliação assim são tão nefastas quanto as de

uma avaliação autoritária. Isso porque não apontar nenhum erro, de um lado, e avaliar

para punir, de outro, são atitudes que não dizem respeito ao uso da língua na interação

social, nem tampouco colaboram para desenvolver a competência linguística do aluno.

Pelo contrário, nesse processo, como aponta Marinho (1997), o professor deve

questionar, sugerir e testar o texto do aluno como leitor, atuando, assim, como um

coautor que aponta caminhos possíveis para o aluno dizer o que quer dizer na forma

que escolheu. Do mesmo modo, Geraldi (2003) aponta que o professor deve agir como

um real parceiro, concordando, discordando, acrescentando, questionando, perguntando

etc.

Antunes (2006) corrobora essa ideia, ao aconselhar que o professor faça da

avaliação um momento para refletir e analisar a adequação ou inadequação de

determinadas palavras ou trechos do texto, sugerindo outras formas de expressão como

alternativas possíveis. Dessa forma, o professor fará o aluno perceber que é possível

conseguir outros efeitos de sentido pela adoção de outras formas de dizer. A avaliação

textual se converteria, portanto, em mais uma oportunidade de o aluno aprender sobre a

língua, descobrindo suas múltiplas possibilidades e também suas restrições. Para tanto,

é necessário que, nesse trabalho, o produtor do texto se preocupe em encontrar o

melhor jeito para dizer o que tinha a dizer e atingir os objetivos que pretendia.

Entretanto, desde muito tempo foi dada muita ênfase à correção gramatical,

como se a única exigência para se obter um bom texto fosse ele estar gramaticalmente

correto; nessa perspectiva, não era considerado o conjunto de normas sociais que rege

as formas de se comportar verbalmente de acordo com a cada situação. A esse respeito,

já discutimos anteriormente que escrever bem na perspectiva da língua como interação

social significa escrever com adequação, ou seja, atendendo às demandas da situação

comunicativa. Uma avaliação assim possibilita que, de fato, professor a alunos

estabeleçam um diálogo cooperativo nas aulas de língua portuguesa.

Suassuna (2006) também fornece aos professores outras orientações para que

eles possam atuar, na prática, como interlocutores dos alunos:

Ser interlocutor de fato significa ultrapassar a fronteira do linguístico, incorporando à prática pedagógica novos componentes como o ético, o cultural e o afetivo. Inegavelmente, precisamos tematizar, nas aulas de português suas especificidades (afinal, somos professores de português e não de outra coisa). Mas precisamos, além disso, querer

116

saber quem são nossos alunos, como pensam, o que desejam, como (re)constroem suas referências de mundo a partir daquilo que lhes ensinamos. (p. 93-94).

Marinho (1997) argumenta que, ao realizar um trabalho dessa forma, a

avaliação dos textos dos alunos pelo professor passa então a ter outro sentido, mais

próximo da avaliação que fazemos fora da escola. Do mesmo modo, para Geraldi

(1991), a leitura dos textos dos alunos pelo professor pode ser o primeiro caminho para

um trabalho com e sobre a linguagem, uma vez que, buscando saber efetivamente o que

o aluno quis dizer, a prática do professor acaba por ser mais útil à própria compreensão

dos recursos expressivos utilizados na construção do texto. Agindo assim, acreditamos

que o professor realmente colocará em prática uma avaliação enquanto

linguagem/discurso, ao mesmo tempo em que ajudará efetivamente o aluno a aprender

sobre língua enquanto a utiliza em contextos significativos de interação.

1.4.4 A questão dos critérios de avaliação

Hadji (2001) define a avaliação como “um ato de confronto entre uma situação

real e as expectativas referentes a essa situação” (p. 41). Isso porque, quando avalia, o

professor tem em mente o que o aluno deve saber fazer, ou seja, ele espera que o aluno

tenha um determinado desempenho. Nesse sentido, a leitura de um objeto avaliado é

sempre realizada com base em um conjunto de expectativas que não só o professor, mas

a escola, a academia, as propostas curriculares etc. constroem e revelam a respeito desse

objeto. Essas expectativas, por sua vez, constituem o referente da avaliação e se

configuram como critérios avaliativos. Podemos definir o termo critério como “o que se

julga poder esperar legitimamente do objeto avaliado” (HADJI, 2001, p. 45).

Portanto, não existe avaliação sem critérios. Até porque é impossível avaliar um

objeto sem esperar nada dele. Entretanto, esses critérios podem estar mais ou menos

explícitos para o professor e para os alunos. A esse respeito, Hadji (2001) alerta que, se

os critérios forem vagos ou imprecisos, a leitura ficará também inconsistente. Nesse

sentido, para pôr em prática uma avaliação realmente a serviço do ensino-

aprendizagem, faz-se necessário o professor especificar ao máximo os critérios

utilizados, não só para si mesmo, mas também para os alunos. É uma atitude justa

permitir aos alunos que conheçam os critérios, pois assim eles estarão podendo

117

dimensionar o valor do seu desempenho e se posicionar em relação ao que se espera

deles.

Por sua vez, é com base nessas expectativas que o professor julga ou aprecia o

desempenho atual do aluno, procurando determinar em que medida ele é adequado ou

não ao desempenho que se esperava. As expectativas são construídas a partir de

diversos elementos, descritos a seguir.

a) A posse de informações a priori sobre o aluno-produtor orienta as

expectativas do professor acerca dele. Consequentemente, essas expectativas

influenciam a visão do objeto de tal forma, que podem provocar modificações na sua

leitura desde a coleta de dados: o avaliador acaba coletando apenas os indícios coerentes

com as suas expectativas (HADJI, 2001). A esse respeito, Noizet e Caverni (1978, apud

HADJI, 2001) exemplificam dizendo que, se o professor realiza um trabalho e tem uma

impressão ruim sobre este, ele espera que os demais trabalhos também sejam ruins e,

assim, ficará mais atento e sensível ao que há de ruim do que ao há de bom. Todavia,

não só as informações a priori que o professor adquire de uma tarefa para outra

influenciam as expectativas sobre o aluno. As informações recebidas de outro professor

que lhe ensinou anteriormente e aquelas que o professor extrai durante todo um ano

letivo também orientam suas expectativas. Da mesma forma, não apenas as informações

sobre o conhecimento linguístico do aluno interferem na criação de expectativas sobre

ele, mas também aquelas referentes ao seu comportamento dentro e fora da sala de aula,

à sua família, ao seu perfil social-econômico-cultural etc.

b) Mais especificamente em relação à produção de texto, as expectativas sobre o

que pode ser o texto de um aluno em determinado momento de sua escolarização (o que

ele acredita que já foi ensinado e aprendido nas séries anteriores) também influenciam a

construção das perspectivas que o professor adota para avaliar os textos produzidos por

seus alunos (COSTA VAL et al., 2009).

c) Da mesma forma, a maneira de o professor entender o que é um texto, como

ele funciona e, especificamente, como deve ser um bom texto escrito também entra na

constituição de suas expectativas (COSTA VAL, 2009). Isso porque, se um professor

entende que um bom texto é aquele que não possui erros gramaticais, a tendência é ele

avaliar as produções dos seus alunos supervalorizando a correção gramatical.

d) Por sua vez, as exigências da escrita em determinada situação também devem

guiar o professor no estabelecimento dos critérios a serem usados para avaliar o

118

desempenho do aluno. Esses acabam se convertendo em um modelo genérico de texto,

possivelmente adequado para circular em uma situação particular de uso da língua

(COSTA VAL et al., 2009). Nesse sentido, eles devem mudar de acordo com a

circunstância comunicativa.

e) O que foi ensinado também entra na composição das expectativas de

aprendizagem. Na medida em que o professor avalia para saber em que medida o que

foi ensinado foi aprendido, ele irá construir seus critérios avaliativos com base nos

objetivos didáticos que ele tentou atingir com o seu ensino.

Vemos, pois, cada professor tem seu ângulo de visão, a partir do qual constrói

um conjunto de critérios avaliativos que guiarão a leitura do objeto avaliado. O lugar de

onde o professor olha e o modo como ele olha o objeto avaliado o fazem ver alguns

aspectos, mas não ver outros e, assim, ele compreende esse objeto de forma diferente de

outro professor que olhasse de outro ângulo. Isso significa que as interpretações que ele

faça não constituem, em si, valores absolutos, mas devem ser compreendidas como

resultantes de “um” modo de ver (COSTA VAL et al., 2009).

A proposta de critérios avaliativos exposta por Costa Val et al. (2009) nos

parece interessante. A autora participou de um projeto de avaliação do rendimento

escolar de alunos da 5ª série do Ensino Fundamental e da 2ª série do Ensino Médio das

Escolas Públicas Estaduais de Minas Gerais. Foram avaliados 95.014 textos escolares,

aos quais foram atribuídas notas de 0 a 10. Para orientar a análise das redações, a equipe

que coordenou o projeto elaborou um quadro de critérios, por meio do qual foram

avaliadas as três dimensões consideradas necessárias para o funcionamento dos textos: a

discursiva, a semântica e a gramatical.

Ao se levar em conta a dimensão discursiva, avaliou-se o funcionamento do

texto, ou seja, verificou-se como ele respondeu à situação comunicativa e que influência

esta teve em sua estruturação. Para avaliar os aspectos discursivos, a equipe elegeu dois

itens relacionados às condições de produção dos textos e ao gênero textual “redação

escolar”: a adequação ao tema (como o aluno interpretou a proposta de produção) e a

consistência argumentativa (uso de recursos linguísticos pelo aluno-autor para

convencer o leitor de que o texto funciona bem).

Por sua vez, a dimensão semântica do texto tem a ver com sua coerência. A

equipe selecionou três critérios relacionados a esse aspecto: a continuidade, a

progressão, a articulação e a relação título-texto.

119

Por fim, na análise da dimensão gramatical, foram considerados os recursos

linguísticos do texto, sua função, sua relevância e suas possibilidades de sentido. Essa

se materializa: a) nas relações entre os elementos linguísticos dentro dos limites da

frase, ou seja, na morfossintaxe (estruturação dos períodos, concordância, regência,

crase e colocação); b) nas relações entre as frases e entre partes/sequências do texto, ou

seja, na coesão (recursos anafóricos, articuladores, correlação de tempos verbais, coesão

lexical, modalizadores e operadores argumentativos); c) paragrafação e pontuação; d)

ortografia e acentuação.

Da mesma forma, Dolz, Gagnon e Decândio (2010) também nos apresentam

duas propostas de quadros de critérios que foram usados como dispositivos para analisar

três produções textuais de alunos do 2º, 3º e 4º anos do ensino fundamental,

pertencentes aos gêneros conto, carta oficial e narrativa de aventura, respectivamente.

Para compor esses quadros, os autores consideram pelo menos três variáveis: o gênero

textual produzido; as atividades e operações de linguagem envolvidas na produção de

textos escritos (apresentadas e discutidas no tópico 1.3.1.2 deste trabalho); e as

expectativas escolares para cada nível de ensino. Em síntese, os dois quadros

compreendem os seguintes aspectos:

a) representação da situação de comunicação: diz respeito aos parâmetros que

formam o contexto social – lugar social do enunciador, relação enunciador-

destinatário, objetivo da atividade;

b) planificação: diz respeito à organização sequencial dos conteúdos e à

reestruturação linguística destes em modelos de linguagem ou planos de

texto (gêneros textuais e sequências narrativa, descritiva, argumentativa,

explicativa e dialogal);

c) textualização: diz respeito ao uso de organizadores textuais e às operações

de coesão, conexão/segmentação e modalização

d) Consciência da escrita alfabética;

e) Pontuação;

f) Paragrafação;

g) Ortografia;

h) Segmentação de palavras;

i) Acentuação de palavras.

120

Segundo Dolz, Gagnon e Decândio (2010), todos esses elementos devem ser

analisados em função do gênero textual produzido. A esse respeito, os autores defendem

que o gênero predetermina um horizonte de expectativa para quem vai avaliá-lo. Esse

horizonte nos permite fazer antecipações a partir das convenções de uso dos textos,

selecionando pontos que julgamos pertinentes ou incontornáveis em relação a eles. Para

tanto, o professor deve realizar uma “desconstrução do gênero”, analisando desde os

aspectos mais gerais (macro), até os aspectos mais profundos (micro). Assim, por

exemplo, na avaliação da carta, no que diz respeito à planificação, o professor pode

avaliar se o aluno inicia o texto se apresentando como autor da carta e explicitando seu

papel social (quem fala e em nome de quem fala), em seguida, contextualiza seu pedido

e, por fim, aponta argumentos que o justificam. Fazendo esse tipo de análise, o

professor estaria verificando a progressão das ideias no texto remetendo à ordem que

normalmente aparece nas cartas oficiais, e não tomando como base, por exemplo, a

tradicional progressão textual introdução-desenvolvimento-conclusão, relacionada a um

modelo genérico de texto que funciona igualmente em todas as situações comunicativas.

Por sua vez, a seleção dos elementos a serem analisados leva em conta o

desempenho que se espera dos alunos em determinado nível de ensino, tomando com

base para isso as sugestões dos documentos oficiais, por exemplo. Por fim, dessa análise

emergem as dificuldades de escrita que servirão como ponto de partida e como pistas

para o trabalho do professor.

Apesar de diferentes, as duas propostas acima apresentadas têm pelo menos um

ponto em comum: elas buscam uma avaliação multidimensional do texto, bem mais

ampla e completa do que uma avaliação que tradicionalmente toma como principal

critério a correção gramatical. Avaliar dessa forma obriga o professor a olhar para

outros elementos além daqueles puramente gramaticais. Assim como Costa Val et al.

(2009) e Dolz, Gagnon e Decândio (2010), defendemos que a avaliação deve ser

resultado de um trabalho que dimensiona o texto em toda a sua complexidade.

1.4.5 As estratégias de avaliação

Compartilhamos com Ruiz (2001) a ideia de que a forma como se dá a

intervenção do professor durante o processo de produção, avaliação, revisão e reescrita

textuais não é indiferente. Isso porque a natureza do trabalho de mediação do docente é

121

altamente pertinente, na medida em que, dependendo da maneira como se realiza a

intervenção, a revisão pode ou não se mostrar como um passo produtivo em direção ao

efetivo domínio da escrita pelo aluno.

Tomando como base essa ideia, a autora realizou um estudo sobre a prática de

intervenção escrita do professor. Em seu estudo, ela traçou uma descrição da correção

de redações por professores na escola, através da comparação entre os textos escritos e

os textos reescritos, de modo a identificar os efeitos desse trabalho no processo de

produção escrita do aluno. Participaram da pesquisa 9 professores de três escolas do

município de Campinas (SP), sendo uma escola municipal, duas estaduais e três

particulares. Da mesma forma, 52 alunos da 3ª série do Ensino Fundamental a 3ª série

do Ensino Médio também se envolveram no estudo. No total, foram analisadas 161

redações, produzidas entre 1991 e 1992, pertencentes aos mais diversos gêneros

discursivos (em prosa e em verso, incluindo as redações clássicas narração, descrição e

dissertação) e elaboradas a partir de um tema específico.

Os resultados mostraram que, dos nove professores-sujeitos da pesquisa, apenas

dois (um de uma escola estadual e outro de uma escola particular) deixam marcas

também nos textos reescritos. Ou seja, a maioria dos professores não intervém

efetivamente sobre o texto-produto das versões intermediárias ou finais, como o faz

relativamente à primeira versão.

Além desse aspecto, as análises dos textos apontaram que o trabalho de correção

é uma espécie de “caça-erros”, pois tem, em geral, o objetivo de chamar a atenção do

aluno para os problemas do texto. O professor marca no texto do aluno as possíveis

violações gramaticais nele cometidas contra uma suposta imagem do que venha a ser

um bom texto. Assim, durante a correção, ele acaba dirigindo sua atenção para o que o

texto tem de negativo, não de positivo. Vemos, pois, que, dessa forma, a leitura feita

pelo professor se distancia daquela realizada por um leitor comum, em contextos

extraescolares.

Ruiz (2001) também percebeu quatro formas diferentes de realizar a correção

dos textos. Para categorizar essas formas de correção, a pesquisadora parte da

classificação realizada por Serafini (1987), que aponta três tipos de intervenção: a

indicativa, a resolutiva e a classificatória. Entretanto, em sua pesquisa, Ruiz (2001)

encontrou mais uma forma de correção utilizada pelos professores, a qual denominou de

122

textual-interativa, propondo assim, um quarto tipo que complementa a categorização de

Serafini (1987).

A correção indicativa consiste na estratégia de apontar, por meio de alguma

sinalização (verbal ou não, na margem ou no corpo do texto) o problema detectado.

Essa marcação se dá de diferentes formas: ora o professor circula ou sublinha a palavra,

sequência de letras ou letra problemáticas; ora traça um X no local de ocorrência do

problema; ora escreve sinais acompanhados de expressões breves. Em todas essas

situações, ele não altera o texto, somente indica o local das alterações a serem feitas

pelo aluno, como podemos perceber no exemplo abaixo, retirado da pesquisa de Ruiz

(2001, p. 86):

Figura 2: Correção indicativa

Como podemos perceber nesse exemplo, a professora apenas circula a palavra

ou marca um X próximo desta para indicar onde estão os problemas do texto. A partir

dessas indicações, o aluno precisa, primeiramente, interpretar os sinais deixados pelo

professor, identificando a natureza dos problemas apontados, para em seguida pensar de

que forma efetuará as modificações para solucioná-los.

Assim como Ruiz (2001), acreditamos que, ao realizar esse movimento, o aluno

é levado a fazer uma releitura analítica do seu texto e, dessa forma, estará, de fato,

realizando a tarefa de revisão. Entretanto, a correção indicativa pura, sem reforços

adicionais de nenhuma outra espécie, não fornece pistas suficientes para a revisão,

deixando o aluno praticamente sozinho na tarefa de revisar e reescrever seu texto. Isso

123

porque as indicações dos problemas são muito vagas e deixam inúmeras dúvidas para os

alunos: O que quer dizer um círculo em torno de uma palavra? Será que indica que essa

palavra tem problemas quanto à ortografia? Ou acentuação? Ou problemas de ordem

semântica? E o que quer dizer um X próximo a uma palavra? Será que quer indicar

problemas de pontuação? Ou de coesão? Ou de paragrafação? Além disso, por que ora

se usa X, ora se circula? Qual a diferença entre uma marcação e outra? Todas essas

dúvidas acabam dificultando a execução da atividade de revisão e reescrita.

Já a correção resolutiva consiste na estratégia corrigir o problema de produção

detectado, reescrevendo palavras, frases e até períodos inteiros. Para tanto, o professor:

a) acrescenta formas ao termo problemático (adição); b) risca a forma que está errada e

escreve junto dela, na margem do texto ou no final dele, uma outra que deve ficar no

seu lugar (substituição); c) risca a forma problemática (supressão); e/ou d) risca a forma

problemática e a reescreve em outro lugar (deslocamento).

Figura 3: Correção resolutiva8

Como podemos perceber no exemplo acima, o professor risca a palavra errada e

a reescreve de forma correta em outros dois lugares – acima da palavra errada e após o

texto –, pois, provavelmente pensou que aluno poderia não entender as palavras escritas

acima das outras, justamente por estarem num espaço pequeno; provavelmente, ele quis

garantir a compreensão do aluno, reescrevendo-as também em um local mais livre da

folha. Vemos, pois, que nesse tipo de correção o professor dá ao aluno as soluções

prontas para os problemas do texto, perdendo a oportunidade de levá-lo a pensar nas

8 Exemplo retirado de Ruiz (2001), p. 54.

124

possíveis soluções. Cabe ao aluno apenas incorporar as indicações ao seu texto original,

na forma de cópia. Nesse sentido, concordamos com Ruiz (2001) quando ele afirma que

nas correções resolutivas o aluno não executa de verdade a tarefa de revisão, na medida

em que apenas passa o texto a limpo.

A correção classificatória, por sua vez, diz respeito à utilização de um conjunto

de símbolos para classificar o tipo de problema encontrado. Esses símbolos fazem parte

de um código metalinguístico de correção (na medida em que é usado para falar sobre a

própria linguagem) que varia de professor para professor. O professor, então, torna esse

código conhecido do aluno, de modo que ele seja usado como uma convenção

(estabelecida entre ambos). Entretanto, se esse acordo não for bem estabelecido, isso

pode dificultar a atividade.

Essa correção normalmente se dá da seguinte forma: o professor aponta a forma

problemática (sublinhando, circulando ou marcando um X) e, perto dela (normalmente

na margem do texto), escreve letras ou abreviações que indicam para o aluno a natureza

do problema a ser resolvido.

Figura 4: Correção classificatória9

9 Exemplo retirado de Ruiz (2001), p. 110.

125

No exemplo acima, o professor utiliza duas formas de correção conjugadas: a

indicativa (com círculos e sublinhados), para mostrar ao aluno onde está o problema, e a

classificatória, para apontar a natureza deste. Para tanto, utiliza como símbolos como C

(para concordância), A (para acentuação) e O (para ortografia). Assim, como o aluno já

sabe a natureza do problema apontado pelo professor, cabe a ele pensar de que forma

efetuará as modificações para solucioná-lo.

Vemos, pois, que esse tipo correção dá mais pistas para ajudar o aluno na tarefa

de revisão do que a correção indicativa (na medida em que opera com signos mais

objetivos e precisos), mas também não aponta a solução do problema, como o faz a

correção resolutiva. Nesse sentido, concordamos com Ruiz (2001) quando ela defende

que, nesse tipo de correção, o aluno precisa fazer uma releitura analítica do seu texto e,

dessa forma, está de fato realizando a tarefa de revisão.

Por fim, também foi encontrada a correção textual-interativa. Trata-se de

comentários mais longos, escritos pelo professor depois do texto do aluno, sob a forma

de pequenos bilhetes.

Figura 5: Correção textual-interativa 10

Tais bilhetes, na sua grande maioria, são produzidos não tão colados à fala do

aluno, como as outras correções mencionadas, mas de um modo mais distanciado.

Como interpreta Ruiz (2001), esse distanciamento reflete a troca de turnos que ocorre na

interlocução aluno-produtor / professor-corretor / aluno-revisor.

10 Exemplo retirado de Ruiz (2001), p. 92.

126

Da mesma forma que nas correções indicativa e classificatória, nesse último tipo

de correção, o aluno também é chamado a fazer uma releitura analítica do seu texto.

Para tanto, ele precisa empreender um esforço muito maior para revisar/reescrever seu

texto.

Na correção textual-interativa se dá um diálogo altamente produtivo, através do

qual se toma o texto e o trabalho com o texto por objeto de discurso. Isso porque o

professor atua como um leitor ou coautor do texto, valorizando o que já está bom e

ajudando o aluno a pensar em como melhorá-lo. As respostas que os alunos dão ao

reescreverem são, portanto, verdadeiras réplicas a esse discurso escrito do professor.

Nesse sentido, ela nos parece a mais adequada para promover a reflexão linguística, na

medida em que vai além das formas corriqueiras e tradicionais de intervenção para falar

dos problemas do texto.

Através das análises dos textos, Ruiz (2001) pôde perceber que, na maior parte

dos casos, os professores se utilizam mais de uma forma interventiva, mesclando-as. Ela

percebeu também que todos os professores fazem uso da estratégia indicativa de

correção, com maior ou menor frequência. Da mesma forma, apenas uma professora

não utiliza o método classificatório de correção. Em contraposição, a correção

resolutiva foi o método de abordagem menos frequente, juntamente com o método

textual-interativo, utilizado apenas por uma docente.

Além de identificar as diferentes formas de correção usadas pelos professores e

sua frequência de uso, Ruiz (2001) percebeu também que cada uma delas privilegiava a

avaliação de determinados aspectos da língua. Em relação à correção indicativa, a

autora percebeu que as indicações feitas no corpo do texto diziam respeito a problemas

microestruturais (locais), enquanto que as indicações feitas na margem eram usadas para

remeter a problemas macroestruturais (globais). Entretanto, os aspectos formais ainda

eram o principal foco de interesse nesse tipo de correção.

Da mesma forma, ao realizar a correção resolutiva, o professor corrigia

problemas fonológicos, morfológicos, morfossintáticos e sintático-semânticos. Dessa

forma, não atuava no nível textual-global, pois as correções não passavam da frase.

Nesse sentido, esse tipo de correção está mais voltado para pequenos detalhes

relacionados às convenções de escrita e ao domínio da variedade padrão.

No que diz respeito à correção classificatória, Ruiz (2001) identificou que as

classificações feitas no corpo do texto remetiam a problemas microestruturais (locais,

127

no nível da frase), enquanto que as classificações feitas na margem eram usadas para

remeter a problemas macroestruturais (globais, no nível do texto). Apesar de serem

considerados esses dois tipos de problemas, o principal foco de interesse desse tipo de

correção eram as questões ligadas às convenções da escrita (padrão culto) em

detrimento dos aspectos textuais.

Por sua vez, a correção textual-interativa tematiza:

a) o comportamento verbal do aluno, ou seja, seu modo de dizer,

especificamente os problemas do texto; por sua vez, os problemas apontados são os de

ordem textual, cuja solução demanda alterações de revisão não tão superficiais e até

mesmo profundas; raramente é usada para falar de problemas tipicamente locais;

quando se tematizam aspectos linguísticos formais do texto do aluno, isso só é feito

quando tais aspectos chamam a atenção pela forte recorrência ao longo de todo o texto;

b) o dizer do aluno (o conteúdo do texto);

c) seu comportamento não verbal (aprovando como foi feito o que foi feito ou

cobrando o que não foi feito).

Como podemos perceber, nas intervenções de tipo textual-interativo, o professor

toma como objeto do discurso não apenas o modo de dizer (como nas demais

correções), mas também o dizer do aluno e/ou a sua atitude comportamental (não

verbal). O uso desses bilhetes se explica, portanto, pela impossibilidade de se abordar

certos aspectos relacionados ao trabalho interventivo escrito por meio dos demais tipos

de correção apontados.

Silva (2011) realizou um estudo semelhante ao de Ruiz. A autora buscou

compreender as estratégias de correção utilizadas por professoras através das anotações

deixadas por elas nos textos produzidos pelos seus alunos, observando se tais

intervenções contribuem ou não para a melhoria dos textos. Para tanto, ela analisou a

prática avaliativa de cinco professoras do 5º ano do Ensino Fundamental que atuam em

escolas públicas da rede estadual de Pernambuco, todas localizadas no município de

Olinda.

Para categorizar as formas de intervenção escrita do professor, Silva (2011)

empregou os mesmos tipos de correção utilizados por Ruiz (2001). Entretanto, os

bilhetes escritos pelas professoras de sua pesquisa, no entendimento da autora, não

podem ser classificados como uma correção textual-interativa. Diferentemente do

resultado encontrado por Ruiz (2001), no estudo de Silva (2011), os bilhetes escritos nas

128

margens dos textos não estabelecem uma interlocução com o aluno. Então, partindo dos

textos analisados, a autoria criou uma outra categoria, a qual denominou de textual-

sugestiva: textual, por fazer uso do texto escrito, e sugestiva, porque tais bilhetes se

configuram apenas como sugestões para o aluno. Tais sugestões, se aceitas pelos alunos

na reescrita dos textos, não farão diferença no conteúdo, por isso, não ajudam a

melhorar a qualidade da produção textual. Nesse sentido, a correção textual-sugestiva

foi considerada pela autora como um tipo de avaliação monológica e unilateral.

Vejamos um exemplo abaixo para entendermos melhor como se dá esse tipo de

correção:

Figura 6: Correção textual-sugestiva11

11 Exemplo retirado de Silva (2011), p. 16.

129

Em relação ao bilhete escrito pela professora: “Observar o uso de letras

maiúsculas após os sinais.”, assim como Silva (2011), entendemos que esse comentário

não ajuda muito na aprendizagem do aluno. Na avaliação do texto, a professora

destacou apenas o uso de letras maiúsculas (aspecto formal e normativo), quando havia

outros aspectos mais importantes (de ordem textual) a serem abordados. Diante de uma

intervenção desse tipo, o aluno não tem outra saída a não ser corrigir as letras

minúsculas que usou no texto, convertendo-as em maiúsculas, modificação esta que não

demanda dele esforço reflexivo. Assim, esse tipo de correção nem dá espaço para o

aluno inserir seu discurso, nem o leva a refletir sobre a língua.

Tomando com base, então, cinco categorias de correção textual, Silva (2011)

verificou que as docentes investigadas não têm um padrão único de correção, na medida

em que uma mesma professora corrige os textos de diferentes formas. Ela também

encontrou alguns textos nos quais as professoras não escreveram nada, apenas passaram

um visto (rubrica) no alto da folha, indicando para o aluno que o texto havia sido visto.

Através de suas análises, Silva (2011) pôde perceber também que nenhuma

docente realiza correção do tipo classificatória. Em contrapartida, a maioria das

professoras corrige os textos fazendo uso das estratégias indicativa e resolutiva. Da

mesma forma, quase todas as professoras (com exceção de uma) costumam escrever

bilhetes do tipo textual-sugestivo para os alunos nas margens do texto.

Como pudemos perceber através dos estudos de Ruiz (2001) e Silva (2011), os

professores lançam mão de diversas estratégias para ajudar os alunos na tarefa de

revisar e reescrever seus textos. Entretanto, nem todas elas ajudam realmente no

desenvolvimento das habilidades de escrita dos aprendizes.

No tópico a seguir vamos apresentar os procedimentos usados para coleta e

análise dos dados desta pesquisa, justificando nossas escolhas metodológicas.

130

CAPÍTULO 2: METODOLOGIA

A nossa investigação se enquadra numa abordagem qualitativa, constituindo-se,

mais especificamente, numa pesquisa de tipo etnográfico, tal como definida por André

(2008) e Fazenda (2008).

André (2008) esclarece que a etnografia é um tipo de pesquisa desenvolvido por

antropólogos a fim de estudar a relação entre a cultura e a sociedade. Entretanto, para os

estudiosos da educação, a preocupação se volta para o processo educativo, isto é, para

as experiências e vivências dos sujeitos que constroem o cotidiano escolar. Essa

diferença de ponto de vista das duas áreas faz com que determinados critérios da

etnografia antropológica não precisem ser necessariamente seguidos pelos

pesquisadores da educação, como, por exemplo, a permanência por um longo tempo do

pesquisador no local que está sendo investigado, o estudo de outras culturas, a relação

do objeto estudado com o contexto social mais amplo etc. Diante disso, a autora conclui

que os pesquisadores da educação têm feito adaptações na etnografia antropológica e

que, por isso, seria melhor dizermos que nossos estudos são “de tipo etnográfico”.

A autora nos apresenta, então, as características do trabalho de tipo etnográfico.

Primeiramente, uma pesquisa pode ser denominada como tal pelo fato de o pesquisador

ser o principal agente da coleta e análise dos dados. Isso porque é ele quem interage

com a situação, podendo, durante o desenvolvimento do trabalho, mudar as técnicas de

coleta, modificar as questões norteadoras da pesquisa, selecionar outros sujeitos,

reconstruir a metodologia, sempre de acordo com seus objetivos e necessidades.

André (2008) também aponta como característica dessa pesquisa o interesse pelo

processo, pelo desenvolvimento do trabalho, muito mais do que pelo produto, isto é,

pelos resultados. Além disso, nela é dada muita importância aos significados que as

pessoas atribuem a si mesmas, às outras pessoas que as cercam, as suas experiências e

ao mundo.

Fazenda (2008) compartilha com André (2008) o entendimento de que a

etnografia diz respeito a um trabalho de campo, no qual o pesquisador mantém um

contato direto e prolongado com as pessoas, as situações e os locais investigados. Outra

característica definidora da pesquisa etnográfica percebida por essas autoras é que ela

permite a obtenção de uma grande quantidade de dados descritivos sobre pessoas, fatos,

131

ambientes, falas etc., cabendo ao pesquisador organizá-los, selecioná-los e atribuir-lhes

sentido.

André (2008) e Fazenda (2008) acrescentam ainda que, nesse tipo de estudo,

normalmente se faz uso de variadas técnicas de coleta de dados, ainda que se possa ter

um método central. A observação, a entrevista e a análise documental constituem-se,

pois, em técnicas tradicionalmente associadas à etnografia e que podem ser usadas de

forma combinada em uma mesma pesquisa.

Em nosso estudo, utilizamos dois desses três instrumentos de coleta de dados,

em momentos diferentes e para atingir objetivos distintos: primeiramente, a entrevista

(para conhecermos a prática de alguns professores e assim selecionarmos aqueles que

seriam os sujeitos da pesquisa) e, em seguida, a observação (para coletarmos

informações referentes ao trabalho com a produção, avaliação, revisão e reescrita

textuais promovido pelas professoras escolhidas em suas salas de aula).

2.1 Sujeitos

Para que nossos objetivos fossem atingidos, desenvolvemos esta pesquisa com

professoras que, em sua prática diária de sala de aula, trabalham “de modo sistemático”

os gêneros textuais como objeto de ensino-aprendizagem. Ou seja, selecionamos

professoras que atenderam aos seguintes critérios:

a) propõem com frequência atividades de produção textual;

b) antes da escrita do texto, realizam um trabalho sistemático de exploração

das características do gênero a ser produzido, a partir da leitura de e da reflexão sobre

exemplares do gênero;

c) solicitam a seus alunos produções de texto “à moda de” gêneros

extraescolares;

d) realizam com frequência atividades de revisão e reescrita textuais;

e) executam com frequência a avaliação dos textos dos seus alunos.

Com o intuito de encontrarmos professores com esse perfil, inicialmente

recorremos ao banco de dados de professores que participaram de um curso de

especialização promovido pelo CEEL (Centro de Estudos em Educação e Linguagem do

Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco), o qual se encerrou em

2010. Os promotores do curso realizaram, em parceria com secretarias de educação de

132

todo o país, encontros de formação continuada de professores de redes públicas de

ensino, trabalhando com eles as mesmas noções teórico-metodológicas tomadas como

base para esta pesquisa, inclusive a noção de gêneros textuais como objeto de ensino.

Sendo assim, enviamos e-mails explicando a pesquisa, com uma cópia anexa do

projeto, e perguntamos quem estava interessado em participar. Entretanto, tivemos

pouca adesão: apenas duas professoras se dispuseram a participar. Convidamo-las,

então, para entrevistas, através das quais procuramos saber como são as suas práticas

diárias em sala de aula.

Realizamos entrevista semiestruturada, pois acreditamos que era essa a mais

adequada para atingirmos nossos objetivos. Rosa e Arnoldi (2006) explicam que esse

tipo de entrevista caracteriza-se por um esquema predefinido de questões, que servirão

de orientação ao desenvolvimento da entrevista e possibilitarão uma organização

sistemática dos dados; as questões são mais profundas, subjetivas e abertas, de modo a

permitir que o sujeito fale sobre seu modo de pensar (reflexões, crenças, sentimentos,

valores, razões) e de agir (fatos, atitudes e comportamentos); as perguntas seguem um

roteiro de tópicos selecionados, entretanto sua formulação é flexível de modo que

possam ser alteradas em decorrência do discurso dos sujeitos e da dinâmica da

entrevista; essas questões permitem ainda ao investigador realizar tanto análise

quantitativa (das respostas às questões que abordam pontos objetivos) como qualitativa

(do discurso dos entrevistados).

Para que conseguíssemos conhecer de fato a prática das professoras através do

seu discurso, uma entrevista do tipo fechada seria limitante, pois deixaria pouco espaço

para elas discorrerem de forma mais livre acerca de suas estratégias metodológicas. Da

mesma forma, uma entrevista de tipo aberta poderia comprometer a validade e

pertinência dos dados coletados, pois as entrevistadas teriam muito espaço para falar e

poderiam, assim, distanciar-se das questões que realmente eram importantes para a

pesquisa. Além disso, na ausência de um roteiro pré-elaborado para guiar a entrevista,

correríamos o risco de nos esquecer de fazer determinadas perguntas importantes. Em

contraposição, o uso de tal recurso permitiu fazermos as mesmas perguntas a todas as

entrevistadas e, assim, utilizarmos os mesmos critérios para a seleção dos sujeitos a

serem observados. A escolha da entrevista semiestruturada se deu também porque,

sendo as perguntas abertas, tivemos a liberdade de reformular e/ou acrescentar questões

quando necessário, bem como esclarecer dúvidas e solicitar mais explicações sobre

133

determinada resposta, o que, com certeza, fez com que as informações obtidas fossem

mais ricas e completas.

Abaixo apontamos o roteiro de perguntas que foram feitas às professoras:

Em relação ao ensino da Língua Portuguesa com base nos gêneros textuais:

- Você acha importante o trabalho com textos? Por quê?

- Que gêneros textuais você lembra ter trabalhado com seus alunos no ano passado e

que atividades foram feitas?

Em relação à produção de texto:

- Com que frequência você realiza atividades de produção de texto?

- Como você ensina os seus alunos a produzir textos?

- Relate uma situação de produção de texto que você realizou com seus alunos.

Em relação à avaliação:

- Como normalmente você realiza a avaliação dos textos produzidos pelos seus alunos?

- Que critérios você utiliza para avaliar os textos dos seus alunos, ou seja, que aspectos

você observa?

- Que aspecto do texto do aluno você primeiro observa?

- Em que momento ocorre a avaliação dos textos dos alunos?

- O aluno participa dessa avaliação? Se sim, de que forma?

Como apontamos anteriormente, esse roteiro serviu apenas como um guia para

as entrevistas com as professoras, na medida em que foi modificado e acrescido de

outras perguntas quando isso se fez necessário. Realizamos também observações

prévias em suas salas de aula, visando a conhecer melhor como elas realizavam esse

trabalho. Confirmadas as nossas expectativas, iniciamos as observações de aula.

Todavia, ocorreram alguns problemas que nos obrigaram a suspender a coleta de dados.

Uma das professoras realizou uma sequência completa (exploração do gênero,

produção de texto, avaliação, revisão e reescrita textuais) sobre fábulas. O término

dessas atividades coincidiu com o fim do 2º bimestre e, consequentemente, com a

chegada das férias de julho. Iríamos dar continuidade às observações após esse período,

começando o trabalho com outro gênero textual. Entretanto, a escola iniciou uma

134

reforma por conta de constantes infiltrações. Aguardamos certo tempo para ver se era

possível dar continuidade às atividades, mas o receio de que essa espera atrapalhasse a

coleta de dados nos fez suspender as observações dessa professora.

Da mesma forma, acontecimentos próprios da rotina escolar (feriados, dias

festivos e datas comemorativas; aulas vagas; capacitação; assembleia; semana de

provas; anúncio de greve etc.) e externos a ela (chuvas dos meses de junho e julho)

comprometeram as observações das aulas da outra professora que havíamos

selecionado. Por causa desses fatores, houve demora no início do acompanhamento e as

poucas observações que conseguimos realizar não progrediram como era esperado (uma

observação ocorria era sempre muito distanciada de outra). Não bastassem esses

problemas, a professora sofreu uma torção no pé e foi obrigada a tirar licença médica.

Mais uma vez, com receio de atrasar a coleta de dados, suspendemos as observações.

Diante disso, tivemos que selecionar outras professoras e iniciar novamente as

observações de aulas. Como o tempo já estava bastante avançado, recorremos a outras

formas de selecionar os sujeitos da pesquisa. A professora A participou junto conosco

de um processo de avaliação de produções textuais realizado pela prefeitura de um

município da região metropolitana do Recife e cujo objetivo foi diagnosticar os

conhecimentos linguísticos dos alunos do 1º ao 5º ano da rede de ensino desse

município. Ao nos ouvir falar dos problemas acontecidos durante a coleta e da

dificuldade de encontrarmos outros professores que pudessem colaborar com a

pesquisa, ela se predispôs a participar. Do mesmo modo, a professora que precisou tirar

licença médica indicou uma colega de trabalho que lecionava na mesma escola que ela

e, assim, chegamos à professora B. Realizamos com essas professoras os mesmos

procedimentos feitos anteriormente com as outras duas: entrevistas e observações

prévias para verificar se atendiam ao perfil esperado. Por sorte, verificarmos que elas

colocavam em prática o ensino da produção, revisão e reescrita com base nos gêneros

textuais.

O estudo foi, portanto, realizado com essas duas professoras de Língua

Portuguesa que lecionam na Rede Pública de Ensino de Pernambuco. A tabela a seguir

sintetiza suas características, bem como as das suas turmas.

135

Tabela 1: Caracterização das professoras e das turmas

Idade Formação docente Tempo de

ensino

Série Rede de ensino

Quantidade de alunos

Faixa etária dos

alunos Professora

A 41

anos - Magistério na Escola Estadual de Olinda (1988) - Licenciatura em Letras pela FAFIRE (1991) - Especialização em Língua Portuguesa pela FAINTIVISA (2001)

20 anos 6º ano

Estadual – atuação no município

de Camaragibe

36 10 e 11 anos

Professora B

32 - Licenciatura em Letras pela UNIVERSO (2005) - Mestrado em Linguística pela UFPE (2011)

12 anos 8º ano

Municipal do Recife

31 13 a 15 anos

Por sua vez, as turmas foram escolhidas por indicação das professoras, que

tomaram como critério aquelas que fossem mais participativas e, nesse sentido,

contribuíssem para o desenvolvimento da pesquisa.

2.2 Material/corpus

Desenvolvemos a pesquisa com base: nos relatórios e diários de campo

elaborados durante a observação das aulas; nas gravações em áudio e em vídeo das

aulas observadas, bem como na sua transcrição; nos textos produzidos pelos alunos.

Vale salienta que gravamos as aulas da professora A em áudio e em vídeo, mas as da

professora B só puderam ser registradas através de áudio, pois, mesmo tendo nós

explicado que as gravações só seriam assistidas por mim e pela orientadora, a diretora

da escola achou mais prudente não expor tanto os alunos, pelo fato de eles serem

menores de idade.

136

2.3 Procedimentos de coleta do material/corpus

Nosso procedimento privilegiado de coleta de dados foi a observação, por

acreditarmos que esse era o método mais adequado para investigarmos o nosso

problema. Isso porque, segundo argumentam Lüdke e André (1986), a observação

permite o contato estreito e pessoal entre o pesquisador e o fenômeno pesquisado. Essa

característica tem vários pontos positivos.

Primeiramente, como explicam Moreira e Caleffe (2006), a experiência direta

por meio da observação é uma forma muito válida de verificarmos a ocorrência de um

determinado fenômeno, na medida em que permite ao pesquisador verificar

pessoalmente como os sujeitos se comportam e a partir disso inferir suas crenças.

Em segundo lugar, ela permite ao pesquisador chegar mais perto da perspectiva

dos sujeitos. Isso porque, na medida em que ele está acompanhando as experiências dos

sujeitos no próprio local e cotidianamente, tem condições de apreender a sua visão de

mundo, ou seja, os significados que eles conferem às suas ações e à sua realidade.

Em relação à forma como foi realizada a coleta de dados, inicialmente as

professoras selecionadas definiram (tomando como base os planejamentos elaborados

por elas para o ano letivo de 2011) dois gêneros a serem trabalhados em suas salas de

aula. Elas realizaram, portanto, duas sequências de atividades envolvendo os seguintes

gêneros textuais:

Professora A Poema

Notícia

Professora B Notícia

Currículo

Cada uma dessas sequências teve, de modo geral, um desenvolvimento

semelhante. Isso porque, nas quatro sequências, foram realizadas atividades de: a)

exploração do gênero textual; b) produção de textos à moda do gênero explorado; c)

avaliação, revisão e reescrita dos textos produzidos.

Com ajuda de equipamentos de áudio e de vídeo, acompanhamos todas essas

etapas de trabalho, monitorando as intervenções orais, escritas, coletivas e individuais

das professoras. Em relação ao equipamento de áudio, o penduramos através de um

137

cordão no pescoço das sujeitas, tanto para que ele ficasse mais próximo das suas bocas e

assim pudesse captar as vozes com mais qualidade, tanto para que pudesse acompanhar

as professoras aonde elas fossem. No que diz respeito ao equipamento de vídeo,

obtivemos as imagens a partir do fundo da sala.

Além do registro através desses aparelhos, também fizemos muitas anotações em

um diário de campo. Isso nos permitiu anotar nossas percepções sobre as aulas no

momento das observações e posteriormente, bem como registrar algumas das falas das

professoras que não puderam ser ouvidas nas gravações em áudio por causa dos ruídos

próprios da sala de aula. Entretanto, a contribuição mais rica trazida por essas anotações

foi o registro de muitas falas interessantes dos alunos, realizadas entre eles mesmos.

Solicitamos às professoras que encaminhassem a (re)elaboração textual apenas

em sala de aula para que pudéssemos acompanhá-las. Da mesma forma, como as

atividades de produção de texto, avaliação, revisão e reescrita não terminavam em um

mesmo dia, precisando ser retomadas no dia posterior, pedimos a elas que sempre ao

final da aula recolhessem os textos de modo a garantir que os alunos só realizassem

modificações neles e não em outras versões.

Ao término de cada aula, recolhíamos os textos (re)escritos para fotocopiá-los e

depois os devolvíamos às professoras. Esse movimento foi realizado todas as vezes em

que foram realizadas atividades de revisão e reescrita. No caso da professora B, que

tinha a prática de recolher as produções para avaliar individualmente e por escrito e em

outra aula devolvê-las aos alunos para as refacções, solicitamos também a ela cópias dos

textos com as suas marcações.

Terminadas todas as atividades, recolhemos o material de áudio e vídeo obtido

durante as observações. As aulas observadas foram, então, transformadas em relatórios

e o áudio e o vídeo foram transcritos para posterior análise.

2.4 Procedimentos de análise dos dados

A análise dos dados foi feita a partir:

a) das orientações dadas pelas professoras durante o trabalho com o gênero a

ser produzido;

138

b) das intervenções orais e/ou escritas feitas pelo professor para toda a turma

(de forma coletiva) e diretamente a um aluno (de forma individual) durante o processo

de (re) elaboração textual e durante a revisão/reescrita;

c) das intervenções escritas pelo professor no texto do aluno durante a avaliação

textual;

d) das falas dos alunos realizadas em interação com o professor e de algumas

falas emitidas em interação com os colegas durante a produção textual e durante a

revisão/reescrita;

e) dos textos dos alunos antes e depois das reescritas.

Em relação à exploração das características dos gêneros textuais trabalhados,

identificamos quais aspectos dos gêneros textuais foram contemplados, que atividades

foram propostas, a forma como era realizada a mediação dessas atividades (ou seja, se

as professoras apenas expunham as informações ou faziam os alunos construírem os

conhecimentos) e se havia um trabalho não só com o gênero, mas também com o texto

(enquanto expressão linguística singular) e com o tema nele abordado (de modo a

ampliar a visão de mundo do aluno).

No que diz respeito às condições de produção e de socialização dos textos,

analisamos as situações de escrita propostas pelas professoras, tentando identificar se

estas propunham atividades significativas, que remetam àquelas realizadas em contextos

extraescolares.

No que tange às estratégias didáticas usadas para ajudar os alunos a

produzir/revisar/reescrever seus textos, identificamos e agrupamos as formas de

intervenção orais utilizadas pelas professoras, usando categorias que foram criadas e

recriadas à medida que os dados iam sendo analisados. Da mesma forma, tomando

como base os textos avaliados, revisados e reescritos, identificamos as formas de

intervenção escrita das professoras, agrupando-as de acordo com as categorias de

correção identificadas por Ruiz (2001). Após essa categorização, observamos “em

quantas” e “em quais” aulas elas ocorriam, de modo a verificar se as professoras

preferiam utilizar determinadas estratégias em certos momentos (durante ou depois) da

produção e perceber quais eram as estratégias mais ou menos usadas. Por fim, buscamos

indícios sobre o modo com elas eram utilizadas pelas professoras e, partir desses dados,

tentamos perceber as potencialidades e os limites de seus usos para a promoção da

reflexão linguística pelo aluno.

139

Quanto ao modo como é realizada a mediação das professoras durante a

execução das estratégias avaliativas, buscamos dados significativos que nos ajudassem a

perceber se as docentes se colocavam como interlocutoras de seus alunos, questionando

e testando os textos por eles produzidos como se fossem leitoras, bem como apontando

caminhos possíveis para os alunos dizerem o que queriam dizer. Da mesma forma,

tentamos perceber se elas estimulavam a participação dos alunos nas atividades de

revisão e reescrita, lançando questões que os impulsionassem a refletir sobre o texto.

Para saber quais os aspectos enfocados e priorizados nas orientações oferecidas

pelas professoras fizemos um levantamento de todas as intervenções orais (individuais

e/ou coletivas) feitas por elas durante todo o processo de produção de texto para ajudar

o aluno a realizar as atividades de (re)elaboração textual buscando identificar a sua

natureza, isto é, procuramos ver se elas diziam respeito ao gênero textual, ao conteúdo,

à ortografia, à concordância, à pontuação etc.

Em seguida, agrupamos as orientações de acordo com os aspectos observados,

usando categorias que foram criadas e recriadas à medida que os dados iam sendo

analisados. Essa categorização contemplou as orientações de acordo com o gênero

textual trabalhado e com o momento em que foram realizadas (durante ou depois da

produção). Quantificamos, ainda, esses aspectos usando tabelas, vendo quais eram

priorizados (ao longo de todo o trabalho ou em cada gênero) e se havia diversificação

durante e depois.

Por fim, através dos textos avaliados, revisados e reescritos, fizemos um

levantamento de todas as intervenções escritas realizadas pelas professoras no texto do

aluno, buscando verificar quais os aspectos observados, agrupando-os, categorizando-

os, quantificando-os e vendo quais os que eram priorizados.

Quanto a saber se as orientações eram oferecidas com clareza para os alunos pelas

professoras, lemos e relemos as transcrições de aulas buscando verificar se elas eram

claras e suficientes para os alunos.

No que concerne à diversificação das orientações oferecidas durante e após a

produção, tomamos como base as tabelas construídas durante o levantamento dos

aspectos avaliados oralmente pelas professoras e tentamos observar se havia aspectos

cuja frequência com que eram mencionados variava no decorrer do processo de

reescritura.

140

Por fim, vale salientar que esse movimento foi realizado num primeiro momento

com os dados coletados nas aulas da professora A e, em seguida, com os dados relativos

à professora B. Ou seja, cada prática foi analisada separadamente, pois o nosso interesse

não está na comparação da atuação das professoras, mas nos elementos que cada uma

delas oferece para a reflexão sobre o ensino-aprendizagem da escrita na escola.

Para orientar essas análises, utilizamos o paradigma indiciário, proposto pelo

historiador italiano Carlo Ginzburg (cf. ABAURRE, FIAD, MAYRINK-SABINSON e

GERALDI, 1995). Foi ele quem primeiro se preocupou em definir os princípios

metodológicos que garantissem rigor às investigações centradas no detalhe e nas

manifestações de singularidade. A partir dele, outros pesquisadores, dentre os quais

destacamos Suassuna (2008 b) e Abaurre, Fiad, Mayrink-Sabinson e Geraldi (1995),

realizaram suas pesquisas com base em dados que podem se constituir em indícios

reveladores do fenômeno que se busca compreender.

Suassuna (2008 b) classifica tal metodologia de análise como um tipo específico

de pesquisa qualitativa. Partindo do princípio de que a realidade não é transparente, ela

defende que os dados coletados fornecem pistas mínimas que permitem ao pesquisador

compreendê-la, associando as singularidades a fenômenos mais gerais. Nesse sentido,

opera-se não só com fatos explícitos, mas também e principalmente com indícios, ou

seja, com aspectos da realidade que não são captados diretamente.

Para argumentar em favor desse método, autora se apoia em Lüdke e André

(1986) e André (1983), que comentam que elementos aparentemente sem importância,

isto é, informações vistas como isoladas e até incoerentes, podem ser essenciais para se

entender os problemas colocados pela pesquisa. Dessa forma, apesar de algumas

características serem únicas do caso observado, elas podem promover uma compreensão

mais abrangente do fenômeno pesquisado.

Abaurre, Fiad, Mayrink-Sabinson e Geraldi (1995) salientam que o pesquisador

deve estar atento aos critérios usados para a identificação dos dados que serão tomados

como representativos, na medida em que, a priori, qualquer dado é singular. Para tanto,

entra em jogo a intuição do investigador na observação. Após identificar tal dado, cabe-

lhe ainda formular hipóteses explicativas que ajudem a compreender melhor o objeto de

estudo pesquisado.

Suassuna (2008 b) afirma ainda que é exigida do pesquisador a escolha de

técnicas de análise de dados coerentes com o objeto a ser investigado. Nesse sentido, o

141

paradigma indiciário e seus procedimentos abdutivos se mostram bastante adequados

para se estudar a linguagem como processo discursivo, mais especificamente os eventos

discursivos que ocorrem entre professores e alunos dentro da escola.

Optamos, portanto, por analisar os dados coletados a partir desse método porque

ele permite a identificação de aspectos e elementos implícitos, muitas vezes

identificados apenas através de indícios presentes nas falas e na escrita dos professores e

alunos.

Abaurre, Fiad, Mayrink-Sabinson e Geraldi (1995) ponderam, entretanto, que o

interesse do paradigma indiciário pelo singular não implica necessariamente a falta de

interesse pelo regular ou sistemático. Nesse sentido, não negam a necessidade de buscar

também o conhecimento da totalidade.

Assim como esses autores, acreditamos que uma reflexão fundada na adoção de

um paradigma indiciário e voltada para a discussão dos comportamentos singulares

contribuiu para uma melhor compreensão da relação entre as características universais

dos sujeitos e as diversas manifestações de sua singularidade.

A partir das bases teórico-metodológicas expostas acima, coletamos e

analisamos os dados desta pesquisa. No capítulo a seguir, apresentaremos e

discutiremos os resultados a que chegamos através desta investigação.

142

CAPÍTULO 3: RESULTADOS

A apresentação dos resultados será feita por professora (professora A e

professora B, em sequência).

Vamos iniciar apresentando de forma detalhada o desenvolvimento de cada uma

das duas sequências de atividades realizadas. Por sua vez, essa apresentação se dará da

seguinte forma: num primeiro momento, vamos expor e discutir a forma como se deu a

exploração das características do gênero textual em foco; e, num segundo momento,

vamos tratar das condições de produção do texto escrito à moda do gênero trabalhado.

A exposição e a discussão sobre o processo de avaliação, revisão e reescrita

serão realizadas em seguida, visto que esse é o foco da nossa pesquisa.

3.1 Professora A

3.1.1 Sequência de atividades envolvendo o gênero textual poema

O trabalho com poesias fez parte de um projeto que foi realizado por toda a

escola: “A semana do Meio Ambiente”. Cada professor foi responsável por uma turma e

teve que realizar com ela alguma atividade relacionada ao tema do projeto para

apresentar ou expor no dia de sua culminância. A determinação de que turma ficaria

com cada professor foi dada pela direção: o diretor ou a vice-diretora afixaram na sala

dos professores um aviso informando isso. Da mesma forma, as atividades que cada um

realizou não foram discutidas e decididas coletivamente: cada professor decidiu sozinho

o que ia fazer.

A professora A decidiu trabalhar com o gênero textual poema. Para tanto,

realizou uma sequência de atividades envolvendo esse gênero, que durou 10 horas-aula

(h/a), sendo cada hora-aula de 50 minutos. Abaixo apresentamos uma tabela que

sintetiza as atividades vivenciadas:

143

Tabela 2: Síntese da sequência envolvendo o gênero textual poema

(professora A)

Alguns dos poemas produzidos pelos alunos (e escolhidos pela professora)

foram expostos em um mural existente no pátio da escola, no qual havia também

poemas de outra turma sobre o mesmo tema, o que mostra que outro professor realizou

atividade similar à da professora A. Aos poemas produzidos foi atribuída uma nota de 0

a 3, que valeria como nota-atividade para todas as disciplinas. Uma lista com os nomes

dos alunos que produziram os poemas, bem como com a nota que lhes foi atribuída, foi

afixada na sala dos professores. Os professores de outras disciplinas vinham, então, até

a lista de alunos da sala da professora A para copiar as notas e passá-las para as suas

cadernetas.

3 h/a Exploração das

características do

gênero poema

ATIVIDADE 1:

Leitura e interpretação de dois poemas (atividade do

livro didático)

1h/a

ATIVIDADE 2:

Escrita de um apontamento sobre o gênero poema e

explicação desse apontamento

1h/a

ATIVIDADE 3:

Análise, em grupos, de poemas com base em

algumas questões colocadas no quadro

1h/a

3 h/a Produção em

grupos de poemas

Produção em grupos (porém individual) de poemas sobre o

tema “Meio Ambiente”.

4 h/a Avaliação dos

textos produzidos

pela professora,

juntamente com

cada aluno

Avaliação individual dos poemas: a professora chamou

cada aluno em seu birô e avaliou os textos oralmente e por

escrito.

144

3.1.1.1 Exploração das características do gênero poema

ATIVIDADE 1

A professora havia solicitado em aula anterior que os alunos respondessem a

essa atividade em casa. Nesse sentido, a aula em questão trata da correção da tarefa.

Essa primeira atividade foi retirada do livro “Português: uma proposta para o

Letramento”, 12 de Magda Soares, e dizia respeito à leitura, interpretação e comparação

de dois poemas: Meus oito anos, de Casimiro de Abreu, e Infância, de Lalau e

Laurabeatriz. Ambos os poemas tratam de um mesmo tema – a recordação da infância,

mas o fazem de formas diferentes, na medida em que foram escritos em épocas

distintas.

Os poemas são explorados através de perguntas, que contemplam:

a) A interpretação dos poemas separadamente: “Recorde o último verso do

poema: ‘Fui uma história em quadrinhos’. O menino ou a menina do poema encontram

uma semelhança entre a história de sua infância e uma história em quadrinhos. Qual é

a semelhança?”.

b) A comparação entre os dois poemas: “Recorde o verso do poema de Casimiro

de Abreu: “Naqueles tempos ditosos...”. Dê sua opinião: o menino ou a menina do

poema também acha que sua infância foram tempos ditosos iguais aos de Casimiro de

Abreu?”

c) As semelhanças e diferenças entre as três gerações de infâncias (a de Casimiro

de Abreu, a de Lalau e Laura Beatriz, e a dos alunos), sendo esse o foco principal da

atividade: “Vocês faziam as mesmas coisas que o poeta Casimiro de Abreu fazia?”.

A professora seguiu rigorosamente as perguntas propostas pelo livro, sem

acrescentar ou modificar nenhuma. Ao final dessas perguntas de interpretação, a

professora passa para a exploração do gênero poema.

Inicialmente, informa aos alunos que os textos lidos são poemas e salienta que

estes têm características que os diferenciam dos textos em prosa. Em seguida, mostra

rapidamente para toda a turma dois textos, um em poesia e outro em prosa, e pergunta

quais são as diferenças entre eles. Os alunos apontam algumas características que de

fato diferenciam os dois estilos textuais, como o fato de os poemas terem rimas e não

12 Esse livro foi adotado em todas as quintas séries da escola.

145

serem divididos em parágrafos. Entretanto, outras características foram apontadas que

podem aparecer tanto em textos em prosa, quanto em textos poéticos: alguns alunos

afirmaram que o texto em prosa fala de aventura e tem travessão, interrogação e título,

diferentemente do texto em poesia. A professora explica que esses elementos também

podem aparecer nos textos em poesia.

Não contente com essa explicação, a professora desce até a sala dos professores,

pega outro poema (Sertão, de Ascenso Ferreira) e lê para os alunos. Ela justifica a

escolha desse poema dizendo que ele tem travessão, exclamação e reticências,

diferentemente dos outros dois poemas lidos anteriormente, e que o trouxe justamente

para mostrar que poemas também podem ter sinais de pontuação. Em seguida, ela

aproveita para fazer uma interpretação coletiva do poema de Ascenso Ferreira e chama

a atenção para o uso de onomatopeias, destacando que estas são um recurso recorrente

em poemas. Finaliza a aula pedindo que os alunos tragam poemas na próxima aula

(copiados em uma folha de papel ofício ou impresso), mas ressalta que não tragam

versinhos de amor.

ATIVIDADE 2

A professora inicia a aula avisando aos alunos que naquela mesma semana eles

vão precisar escrever poemas, mas não explica por que eles terão que realizar tal

produção. Diz ainda que, em decorrência disso, eles precisam saber algumas

características para conseguirem fazer a tarefa. Para tanto, escreve um apontamento no

quadro sobre poema (retirado de um livro didático), pede para os alunos copiarem e, em

seguida, lerem. Ao terminar a escrita do apontamento, a professora comenta com os

alunos que não há uma receita para escrever poemas e volta a mencionar a relação entre

as atividades de exploração do gênero e a escrita dos poemas:

P: Pra gente escrever um poema, não há uma receita. Pra gente escrever uma redação,

um texto narrativo, um texto dissertativo, tem receita?

A: Não.

P: Não, não há uma receita, Mas tem alguns pontos que a gente pode caracterizar pra

facilitar na hora que vocês forem escrever. Não há uma receita, não há uma fórmula

146

pra gente escrever poemas. Vocês vão poder ler, na hora que tiver escrevendo poemas

tirar dúvida, será que eu tô escrevendo certo mesmo?(...)

Vemos que a professora A se preocupou em dar sentido às atividades de

caracterização do gênero, mostrando aos alunos que estas tinham como finalidade

prepará-los para a escrita dos poemas. Dessa forma, ela promoveu uma articulação entre

as atividades de leitura/análise linguística de poemas e a produção de textos

pertencentes a esse gênero.

Em seguida, a professora explica o apontamento, lendo-o e acrescentando outras

informações, realizando, assim uma exposição sobre o gênero poema. Durante essa

explicação, os seguintes aspectos específicos do gênero são contemplados:

• pode ter rima ou não;

• fala de diferentes temáticas, não só de amor: pode ser sobre a amizade, sobre a

natureza, sobre a saudade, enfim, sobre qualquer assunto;

• apresenta várias formas: não precisa ser todo certinho, tudo igualzinho – tem

poemas em forma de folha, de girassol etc.;

• apresenta diferentes finalidades: os poetas escrevem para emocionar, para

divertir, para convencer, pra fazer pensar o mundo de um jeito novo etc.;

• quando escrevemos um poema, colocamos a nossa visão sobre o mundo;

• podemos usar vários recursos linguísticos “para o texto ficar melhor”, tais como:

- uso de rimas;

- repetição de palavras: a professora sinaliza para os alunos que a repetição é

um elemento errado nos demais contextos de escrita (de tal modo que deve ser

até evitada!), mas, ao escrevermos poemas, esse recurso é permitido; ela não

mostra para os alunos os efeitos de sentido provocados pela repetição em um

poema e como estes diferem de uma repetição que compromete a progressão

textual:

P: “(...) coisas que quando a gente tá escrevendo uma redação normal, a gente

não pode. Olha, não repita muito as palavras... Presta atenção. Mas na hora

que eu tô escrevendo um poema eu posso repetir (...)”;

- uso de metáforas: a professora explica sucintamente esse recurso estilístico:

147

P: “O que é metáfora? É um tipo de repetição. Quando eu digo assim: Larissa é

como uma flor. Quando a gente usa metáfora, não usa elementos de

comparação ‘como’, ‘quanto’... A gente vai ver isso nos poemas”;

- uso de sonoridade: a professora atribui a sonoridade presente nos poemas

apenas ao uso de rimas, esquecendo outros elementos (como as aliterações) que

também promovem tal efeito estético:

P: “ É uma outra coisa também importante no poema. É o som do poema. O

poema tem uma cadência: pam pam pam / pam pam pam / pam pam pam,

principalmente quando ele tem rimas, ele vai ter bem sonoridade”;

• a maneira original de os poetas verem as coisas, que encanta e emociona o leitor;

• uso de palavras de forma especial, de modo diferente do habitual:

P: “como eu falei, cada um vai escrever, vai colocar no papel, a maneira como

ele quer passar”;

• presença de versos e estrofes:

P: “cada linha do poema eu vou chamar de versos, se quiser dividir os versos

em partes, você faz estrofes”;

• diferença entre prosa e poesia.

Como vemos, a professora apenas expõe as características do gênero textual

poema para os alunos13. Nesse sentido, ela perde a oportunidade de ajudar os alunos a

refletirem sobre o gênero e a perceberem tais características a partir da leitura de

exemplares de poemas, de modo a construírem tal conhecimento com a sua ajuda e não

o receberem pronto.

Ao final da aula, a professora pede para os alunos já irem pensando e fazendo

rascunhos de seus poemas em casa:

P: “Já sabendo que vão ter que fazer um poema sobre o meio ambiente, já podem ir

pensando, rabiscando alguma coisa em casa, alguma ideia que venha na cabeça, já vai

rabiscando, porque quando eu disser: “Olha, gente, é hoje que a gente vai escrever”,

aí vocês já têm algumas ideias. For surgindo, tá em casa, lá, tive uma ideia, pega um

papel, bota lá no papel...”.

13 Esse aspecto será rediscutido mais adiante.

148

ATIVIDADE 3

A maioria dos alunos não levou os poemas, como foi solicitado pela professora.

Diante disso, ela pediu que quem não tivesse trazido fosse pegar algum na biblioteca.

Em seguida, orientou os alunos a formar grupos, escolher apenas um dos poemas que

foram trazidos pelos integrantes do grupo, ler o poema escolhido, discutir sobre

algumas perguntas colocadas no quadro e respondê-las. A professora colocou, então, as

perguntas no quadro, fez a leitura e as explicou para os alunos:

- Se há rimas nos poemas (P: “A gente viu antes do recreio que nem sempre precisa ter

rima pra ser poema; vocês vão ver a rima do poema que vocês escolheram”)

- De quem é o poema escolhido? (P: “Quem foi o poeta ou a poetisa que escreveu o

poema”)

- Por que vocês escolheram esse poema?

- O poema está organizado em estrofes?

- Como o poema está organizado no papel? (P: “Da maneira convencional, todo

certinho, ou se tá organizado de outra maneira”)

- Sobre o que trata o poema.

Durante a realização da atividade, a professora passa nos grupos, explicando-a e

incentivando os alunos a fazerem. Em seguida, ela retoma a discussão coletivamente,

perguntando a cada grupo as respostas a que eles chegaram. Entretanto, não lança todas

as questões a todos os grupos: duas perguntas foram feitas para todos os seis grupos

(Qual o título do poema? e Há rimas?); uma pergunta foi feita para cinco grupos (Fala

sobre o quê?); duas perguntas foram feitas para quatro grupos (De quem é o poema? e

Ele é organizado em estrofes ou numa estrofe só?); uma pergunta foi feita para apenas

um dos grupos (Como é que ele está se organizando no papel: é um versinho abaixo do

outro?). Fica nítida, portanto, a ênfase dada aos elementos linguísticos e formais do

gênero poema, tais como o uso de rimas e o fato de ele ser dividido em estrofes.

Ao analisarmos tal atividade, vemos que esta se configura como um exercício de

fixação. Isso porque, na atividade anterior, foram explicados para os alunos os

elementos que caracterizam um poema. Dando prosseguimento à atividade, a professora

solicita que os alunos apenas identifiquem alguns dos elementos que foram explicados

149

anteriormente, verificando se aparecem ou não nos poemas. Isso se dá de tal forma, que

as respostas dadas pelos alunos à professora, na maioria das vezes, se restringiam a

“sim” ou “não”. Sendo assim, os alunos deixaram de refletir sobre como esses

elementos aparecem, bem como sobre os efeitos de sentido provocados.

Outro aspecto não contemplado nessa atividade foi o desenvolvimento da

fruição estética: muitos poemas foram lidos, mas em nenhum momento a professora

teve a preocupação de levar os alunos a apreciarem os textos e deixarem-se tocar por

eles.

A professora finaliza a atividade sistematizando e retomando alguns dos

elementos que foram estudados, tomando como base para isso o texto de um dos alunos,

já mencionado anteriormente, que, durante a atividade anterior, produziu um poema

sobre os planetas. Entretanto, a professora não sinalizou que o fato de o aluno ter

produzido um texto atendendo ao gênero trabalhado se deu em decorrência de suas

aulas, ao contrário, atribuiu tal realização aos conhecimentos que foram construídos

pelo aluno antes da aula:

P: “Ele já entendeu, tá vendo, que pra fazer um poema não é preciso ser poema de

amor, pode ser de qualquer assunto, ele fez sobre os planetas; já entendeu que poema é

dividido em estrofes, ele já entendeu que não precisa tomar, ele organizou, não tomou a

folha toda, não veio de um canto a outro. Tudo aquilo que a gente colocou no quadro

antes do recreio, ele já seguiu direitinho. Ele tinha já também conhecimento, ele não

aprendeu de uma hora pra outra, não”.

A professora finaliza a aula, avisando aos alunos que agora que na próxima aula

eles vão escrever poemas:

P: “Agora que a gente já sabe que é que o poema tem, dê uma lida naquilo que eu botei

no quadro hoje que a gente vai começar a criar seus próprios poemas”.

Vários aspectos observados durante a sequência sobre o gênero poema nos

permitem concluir que a metodologia de ensino dos gêneros utilizada pela professora A

se assemelha muito ao ensino tradicional da gramática normativa.

150

De acordo com Neves (1991), esse ensino se caracteriza principalmente pela

transmissão de nomenclaturas, conceitos e regras, que equivalem à parte menos flexível

e mais estanque da língua. Esses conhecimentos, por sua vez, são ensinados de forma

descontextualizada, através de frases isoladas e desvinculadas, portanto, dos usos reais

da língua escrita ou falada na comunicação do dia a dia, (ANTUNES, 2003). Por fim,

segundo Geraldi (1997), há por parte do aluno o reconhecimento de tais conteúdos

ensinados pelo professor (através, por exemplo, da sua identificação em exemplos) e a

sua reprodução (quando o aluno devolve nas provas o que foi ensinado pelo professor).

Da mesma forma, esses procedimentos foram verificados no ensino do gênero

poema realizado pela professora A:

a) apenas expôs as características do gênero textual poema para os alunos

(transmissão);

b) enfatizou os elementos linguísticos e formais desse gênero (parte mais

estável dos gêneros);

c) ensinou as características dos poemas sem recorrer a exemplares do gênero,

separando, assim, língua e uso; isso porque ela apenas apresentou os

conceitos, mas não exemplificou como tais recursos se manifestam na prática

em um poema e os efeitos de sentido que eles provocam

(descontextualização);

d) solicitou que os alunos apenas identificassem alguns dos elementos que

foram explicados anteriormente, verificando se aparecem ou não nos poemas

(reconhecimento);

e) cobrou dos alunos, na produção de texto, que atendessem às características

do gênero que foram ensinadas (reprodução).

Por que a professora A utilizou a mesma metodologia tradicional de ensino da

gramática normativa ao ensinar gêneros textuais? Assim como Albuquerque (2002),

entendemos que o processo de apropriação de novos saberes é influenciado pelas

experiências dos professores, ou seja, eles acabam por fazer adaptações com base em

suas experiências profissionais. Assim, os docentes se apropriam de práticas e conceitos

novos a partir de uma dinâmica em que o novo e o antigo se entrecruzam na busca da

compreensão de fenômenos antes desconhecidos. Nesse sentido, concordamos com

151

Mortatti (2000, apud SILVA, 2008) quando ela afirma que o novo não substitui

completamente o antigo, mas disputa espaço com ele, resultando numa complexa tensão

entre continuidade e descontinuidade.

Geraldi (1996, apud SUASSUNA, 2008) argumenta que isso acontece devido à

ortodoxia escolar, que diz respeito ao pensamento conservador da escola, ou seja, a uma

ordem estabelecida pela tradição. Em decorrência dela, certas rotinas pedagógicas

baseadas numa concepção de linguagem como código ou estrutura se estabelecem e

ganham força. São exemplos dessas rotinas o fato do professor solicitar a produção de

texto só depois de o aluno ter lido outro que sirva como modelo para a sua escrita ou

avaliar o texto apenas em relação à correção gramatical. Essas práticas já estão na

cultura da escola há muito tempo e, por isso, os professores têm dificuldade de romper

com elas. Dentro desse contexto, quando o professor chega à escola com uma

concepção diferente, uma proposta nova, esta não se encaixa ou se encaixa mal dentro

desse pensamento ortodoxo e ele não consegue realizá-la adequadamente, o que acaba

artificializando e esvaziando as práticas de linguagem.

Vemos que as bases epistemológicas do ensino de língua portuguesa mudaram

bastante. Nas últimas décadas, a Linguística produziu muitos outros conhecimentos

sobre a linguagem. Estamos efetivamente diante de um novo paradigma. Em

decorrência da apropriação desses novos conhecimentos e de sua transposição didática

para a sala de aula, houve um deslocamento do conteúdo a ser ensinado, que passou da

gramática normativa para os gêneros textuais.

Entretanto, por conta da ortodoxia escolar, o modo de olhar para esse novo

conhecimento e transformá-lo em objeto de ensino é o mesmo que guiou

tradicionalmente o ensino da gramática. Por isso não há mudança efetiva e continua-se

ensinando aquilo que é regular e normativo. Da mesma forma, em função de seu

pensamento fechado, a escola não consegue absorver adequadamente as novas formas

de metodologia propostas para o ensino da língua escrita e, nesse sentido, as práticas

também não se alteram: continua-se ensinando através da exposição e memorização.

É por isso que Albuquerque (2002) diz que a teoria não é suficiente para mudar

as práticas de ensino na escola. Hoje já é quase um consenso entre os professores da

área de linguagem a crença no trabalho com os gêneros textuais na sala de aula. Muitos

provavelmente sabem explicitar as bases teórico-metodológicas e os autores que

sustentam tal perspectiva. No caso da professora A, na entrevista realizada para a

152

seleção dos sujeitos, ela afirma trabalhar a língua portuguesa através dos gêneros

textuais. Da mesma forma, nas observações, notamos em sua prática uma intenção e

uma tentativa de atender a tal perspectiva. Então, porque, mesmo conhecendo essa

concepção e acreditando nela a docente não muda sua metodologia?

Diante disso, acreditamos que, para que o trabalho com os gêneros textuais ou

com qualquer outro conhecimento novo dê certo, não adiantam apenas ações pontuais: é

preciso criar coletivamente um novo modelo escola, transformando o pensamento que a

sustenta.

3.1.1.2 Condições de produção e de socialização dos poemas

Antes de iniciar a produção de texto, a professora retoma as características do

gênero poema. Entretanto, ela praticamente só expõe, enquanto poucos alunos

participam, lembrando as características. Em seguida, relembra o tema sobre o qual os

poemas a serem produzidos devem versar – Meio Ambiente – e salienta para os alunos

que esse primeiro texto escrito é apenas um rascunho:

P: “Esse poema de hoje vai ser um rascunho, né? Que você vai começar a escrever, na

medida que você for achando que vai ficando legal.”

Em seguida, pede que os alunos se dividam em grupos de cinco ou seis, mas

enfatiza que a produção será individual. Como podemos perceber, a orientação dada

pela professora para a produção de texto se resume à indicação do gênero textual a ser

produzido e do tema.

Primeiramente, vemos que nesse caso um aspecto muito importante foi

esquecido: O que os alunos têm a dizer sobre esse tema? De acordo com Geraldi

(1997), essa é a primeira condição da escrita. Dependendo disso é que decidimos se o

poema é de fato o melhor gênero para dizermos o que temos a dizer. Em práticas reais e

extraescolares de produção de texto, quem vai escrever decide que vai fazê-lo em forma

de poema porque percebe que essa é a maneira mais adequada. Ou seja, a decisão sobre

o que dizer é anterior à decisão sobre o gênero.

Entretanto, mais uma vez, por conta da ortodoxia escolar, a própria professora

decide de forma arbitrária que seus alunos vão falar sobre o meio ambiente através de

153

poemas. Vale salientar ainda que, anteriormente, a escola já tinha definido o tema sobre

o qual todos os alunos deveriam falar, sem consultá-los.

Em segundo lugar, observamos que o comando fornecido pela professora, como

lembra Marcuschi, B. (2006), é tradicionalmente realizado quando se solicitam redações

do tipo narração e dissertação. Entretanto, tomando como base algumas ideias de Dolz e

Schneuwly (2004), acreditamos que, para pôr em prática uma perspectiva de ensino que

visa à transferência de atividades de produção de textos extraescolares para dentro da

escola, é preciso explicitar determinados elementos constituintes do contexto de

produção e circulação que são essenciais para guiar o aluno no momento da escrita,

amparando os alunos com a definição do gênero a ser produzido, do objetivo a ser

alcançado, do tema que será desenvolvido, do leitor a quem o texto se destina, do

registro a ser considerado, do ambiente no qual o texto irá circular e do suporte em que

o texto vai ser socializado.

Além de explicitar esses elementos, é necessário ainda o professor refletir com

os alunos sobre as implicações que tais elementos conferem à escrita do texto,

ajudando-os a criar uma base de orientação para a ação discursiva proposta. No caso da

produção de poemas, a professora A poderia ter realizado o trabalho lançando para os

alunos algumas questões, tais como: Por que e para escrever poemas sobre este tema?

Para quem serão destinados os poemas produzidos (quem os lerá)? Onde os poemas

circularão? Através de que suporte os poemas chegarão ao interlocutor visado?

Da mesma forma, a professora perdeu a oportunidade de discutir sobre o tema.

Como lembram Marcuschi, B. e Leal (2007), além de estar atento à realidade do texto

em uso (seus porquês e para quês), é preciso também que o professor promova

momentos de reflexão sobre o tema proposto.

Não se trata meramente de abastecer os alunos com ideias através de um debate

ou de leituras prévias para que em seguida eles possam reproduzi-las no texto. Seguindo

as orientações de Silva (1991), o professor deve criar situações que permitam aos alunos

constatar determinados significados, refletir sobre eles e transformá-los. Ao fazer esse

movimento, o aluno terá a oportunidade de conhecer outros discursos, circulantes nos

textos lidos, e compará-los ao seu, de modo a manter suas posições, fortalecendo seus

argumentos, ou refazer suas posições, recompondo suas referências. É por isso que

acreditamos que quando “lemos” o outro, nos (re)constituímos enquanto sujeitos.

154

Nesse sentido, partindo do princípio bakthiniano de que nosso discurso é

atravessado pelos dos outros, concordamos com Possenti (2002) quando ele defende

que a autoria não está na originalidade, mas em como dar voz a esses outros discursos.

O sujeito insere as vozes de outros em seu texto seja para se contrapor a eles ou para

usá-las em favor de seu posicionamento. O trabalho de leitura do professor em sala de

aula deve, portanto, levar em consideração que o bom autor é aquele que sabe

incorporar muitas vozes ao seu texto usando diversas estratégias e recursos linguísticos

mais ou menos explícitos (dando voz a outros). Ao mesmo tempo, deve considerar que

o enunciador constitui-se enquanto tal por marcar sua posição em relação ao que diz e

ao que dizem seus interlocutores, a quem foi dada voz no texto (mantendo distância em

relação ao próprio texto).

Apesar de não serem explicitados os elementos do contexto de produção, os

alunos possivelmente criaram sua própria base de orientação, a partir do tema “Meio

ambiente” e de outros fatores implícitos: o contexto de circulação é a sala de aula, o

interlocutor é o professor e o objetivo a ser alcançado é mostrar ao professor que eles

aprenderam as características de um poema. Além disso, eles utilizaram os

conhecimentos que já possuíam sobre o tema. Desse modo, conseguiram realizar a

atividade.

Vale salientar que alguns poucos alunos ausentes na sala de aula nesse dia

produziram poemas em casa – inclusive com ajuda de familiares – e o entregaram à

professora. Esta viu claramente que algumas alunas não tinham feito sozinhas ou até

mesmo que outras pessoas tinham feito por elas, mas não questionou tal fato.

Ao final da produção, a professora dá abertura para os alunos lerem os seus

poemas em sala de aula. Oito alunos leem. Encerrada a socialização dos poemas na

sala de aula, a professora os levou para a casa, onde pôde realizar a leitura deles. Na

aula seguinte, a docente comentou que os textos estavam muito parecidos e atribuiu esse

resultado ao fato dos alunos terem produzido os textos em grupos.

Notamos que os alunos interagiram muito bem durante a produção: eles

conversavam, trocavam ideias entre si, um lia o texto do outro etc. Entretanto,

diferentemente da professora, não acreditamos que os textos ficaram iguais porque os

alunos trocaram ideias. Eles repetiram o mesmo discurso porque eles pensavam de

forma semelhante sobre o tema proposto. Isso porque, como apontamos acima, a

professora não desestabilizou o discurso ingênuo e parcial que os alunos explicitaram

155

sobre o meio ambiente. Assim como Silva (1991), entendemos que o professor tem o

papel de, através da leitura, promover uma reorganização da experiência de mundo do

aluno, rompendo e ampliando seu horizonte de expectativas. Dessa forma, o professor

estará desenvolvendo a consciência crítica dos alunos para o aprofundamento de

determinados aspectos da realidade, gerando reflexão, posicionamento e ação

transformadora.

Apesar de serem usados textos para realizar esse trabalho, o professor é o seu

principal elemento. Enquanto mediador no processo de produção do conhecimento, ele

constitui-se no principal “texto” a ser lido e estudado pelos alunos (SILVA, 1991): um

texto carregado de práticas, histórias, experiências, normas, disciplinas e valores que,

pelo fato de possuir toda essa bagagem cultural, pode ajudar os alunos a obterem uma

maior compreensão dos fatos da vida. Por sua vez, isso exige que os professores se

situem na condição de leitores, sem a qual não há como alimentar a leitura junto aos

alunos.

Após as atividades de avaliação, revisão e reescrita, como já foi dito

anteriormente, alguns dos poemas produzidos pelos alunos também foram expostos em

um mural, no pátio da escola.

Vale a pena ainda discutirmos um fato interessante acontecido na sequência aqui

descrita. Durante a caracterização do gênero poema, um aluno chamado Lucas não

participou da atividade, porque estava escrevendo espontaneamente um poema sobre os

planetas. Outro aluno viu o colega empolgado com algo diferente da aula em si e pediu

para ler o texto. O próprio aluno também pediu para eu ler o texto e ver se estava

ficando bom. Quando terminou o poema, ele me mostrou novamente e passou a limpo

duas vezes.

A produção de texto, nos termos de Geraldi (1997), é a realização de um projeto

de dizer. Isso porque, para produzir um texto, é preciso que:

a) se tenha o que dizer;

b) se tenha uma razão para dizer o que se tem a dizer;

c) se tenha pra quem dizer o que se tem a dizer;

d) o locutor se constitua como tal, enquanto sujeito;

e) se escolham as estratégias para realizar o projeto de dizer.

156

No caso de Lucas, ele tinha o que dizer (queria falar sobre os planetas), tinha

uma razão pra dizer (porque ele estava estudando esse assunto em ciências, sua matéria

favorita, e estava muito entusiasmado com o assunto), constituiu-se como sujeito-autor

(pois, a despeito da atividade de exploração do gênero que estava sendo realizada pela

professora, Lucas resolveu escrever um poema (mesmo que a professora não tenha

solicitado isso) e escolheu as estratégias necessárias para efetivar seu projeto de dizer

(ele sabia as características do poema e conseguiu produzi-lo adequadamente, talvez

pelo fato de ter estudado esse gênero em séries anteriores ou por ter tido contato com

ele).

Entretanto, ele não tinha para quem dizer, pois sabia que não podia mostrar seu

texto à professora. Primeiramente, porque ele sabia que ela estava esperando que ele

participasse da atividade de exploração das características do gênero poema. Se ele

mostrasse seu texto, a professora poderia repreendê-lo por estar fazendo outra coisa ao

invés de participar da atividade, juntamente com o restante da turma. Ora, talvez Lucas

não se sentisse motivado a participar dessa atividade, por entender que já sabia o que era

um poema e que era capaz de escrevê-lo. Em segundo lugar, ele sabia que

posteriormente todos os alunos teriam que produzir poemas sobre o meio ambiente;

assim, entregar à professora um poema sobre um tema diferente do que ele deveria

tratar seria não cumprir adequadamente a tarefa solicitada.

Lucas já sabe que a professora não funciona como um interlocutor do mesmo

modo dos que existem fora da escola, pois, nessa instituição, a função-aluno é que

escreve para a função-professor; como explicam Silva e outros (1986), “ele [o

professor] é o nosso interlocutor, o para quem de nosso trabalho. Não a sua pessoa, que

dificilmente chegamos a conhecer, mas a função que desempenha no contexto escolar”.

(p. 53). Talvez por isso Lucas tenha procurado outros interlocutores (seus colegas) e até

mesmo um interlocutor externo à escola (esta pesquisadora) que se interessassem pelo

seu texto, legitimassem o que ele estava dizendo.

O caso Lucas levanta a seguinte discussão: Que espaço é dado na escola para o

aluno se constituir como locutor efetivo? Esse espaço, parece-nos, não foi dado a Lucas:

ele encontrou formas de ocupar esse espaço (escreveu um texto sobre um assunto que

queria, porque estava com vontade, no momento em que deveria estar participando de

outra atividade). Isso porque, na escola, os alunos não escrevem a partir de uma

motivação interna, como a de Lucas: escrevem para cumprir uma tarefa. Como julga

157

Geraldi (1997), os textos não são o produto de um trabalho discursivo, mas meros

exercícios apenas para o discente mostrar que aprendeu. Por isso, e em concordância

com esse autor, defendemos a devolução da palavra ao aluno, de modo que este se

constitua como um locutor efetivo. Isso significa dar voz a ele numa sociedade em que a

voz é distribuída desigualmente. Defendemos que é através desse movimento que o

aluno aprende a língua.

3.1.2 Sequência de atividades envolvendo o gênero textual notícia

O trabalho com notícias também aconteceu no âmbito de um projeto que estava

sendo realizado por toda a escola: “Semana da Paz – Bullying e violência na escola”.

Tabela 3: Síntese da sequência envolvendo o gênero textual notícia

(professora A)

3 h/a

Exploração das

características do gênero

notícia

ATIVIDADE 1: Exposição das informações

que compõem as notícias

ATIVIDADE 2: Identificação das informações

que compõem as notícias dentro de um

exemplar do gênero

ATIVIDADE 3: Produção de notícias usando as

informações dadas pela professora

3h/a

Produção em grupos de

notícias

Produção de notícias em grupos, a partir de

uma imagem retirada de uma matéria de jornal

2h/a

Revisão coletiva de uma

notícia;

Avaliação, revisão e

reescrita em grupos das

notícias produzidas a partir

de uma imagem

A professora realizou a revisão coletiva no

quadro de uma das notícias produzidas, de

modo a servir de modelo para as revisões e

reescritas nos grupos. Em seguida, a professora

foi em cada um dos grupos, avaliou os textos

oralmente e solicitou a revisão e reescrita.

158

3.1.2.1 Exploração das características do gênero notícia

ATIVIDADE 1

A professora coloca no quadro as informações que compõem uma notícia e

explica cada uma delas:

ATIVIDADE 2

A docente pede para a turma se organizar em grupos de três, entrega uma notícia

diferente para cada grupo (a qual chama de reportagem), pede para os alunos lerem o

texto e tentarem identificar dentro da notícia cada uma das partes apresentadas

anteriormente, anotando as informações no caderno, ao lado do nome da parte. Em

seguida, informa a data do jornal em que as notícias foram publicadas e explica que fez

isso porque nas notícias, às vezes, não vêm as datas, mas expressões de tempo do tipo

“na madrugada de ontem...”, “na última quinta-feira...”. A partir da data do jornal,

então, eles saberão qual foi a data em que a notícia foi divulgada.

Solicita ainda que cada um faça a atividade no seu caderno, pois ela vai dar o

visto, e salienta que, apesar de estarem todos organizados em grupos, a atividade é

individual. A professora se preocupa também em passar nos grupos para saber se eles

entenderam a atividade e para explicá-la.

Um aluno pergunta à professora o que é lead. Ela pede para alguém da turma

explicar a ele e justifica o pedido dizendo que na hora em que ela estava explicando ele

Título

Lead (espécie de subtítulo)

Fato

- O que aconteceu?

- Onde aconteceu?

- Quando aconteceu?

- Como aconteceu?

- Quem estava envolvido?

159

não havia prestado atenção. Uma aluna responde que é um subtítulo. A professora

explica ainda que no tópico “fato” não é para os alunos escreverem nada, pois o fato são

as perguntas que vêm abaixo (O que aconteceu? Onde aconteceu? Quando aconteceu?

Como aconteceu? Quem estava envolvido?).

Como podemos perceber, da mesma forma que fez com o gênero poema, a

professora expõe as características das notícias e pede para os alunos as identificarem,

no mesmo molde do trabalho com a gramática normativa. Além disso, vale salientar que

os textos trazidos pela professora para a sala de aula foram usados apenas para o

trabalho com o gênero textual notícia visando à sua produção, na medida em que não

foram lidos, nem interpretados.

Entretanto, acreditamos que o trabalho de leitura é um ação importante não só

para a formação do leitor, como também do produtor de textos. Quando a leitura é

tomada como uma desconstrução do discurso do outro (POSSENTI, 2002), ou seja,

quando o professor juntamente com os alunos, desmonta o texto para ver como ele se

constrói de modo a identificar a relação entre a forma como foi construído e os efeitos

de sentido que produz, ele também está ajudando na formação dos alunos como

produtores de texto. Antunes (2002b) corrobora essa ideia ao defender que a leitura é

uma via de acesso às particularidades da escrita e que o professor tem o papel de

colaborar com o aluno na busca da compreensão dos padrões que regem os textos. Para

tanto, a autora aconselha que ele realize frequentemente atividades de leitura,

promovendo uma análise sistemática e reflexiva de diferentes materiais. Da mesma

forma, quando o professor estimula os alunos a, enquanto (re)escrevem seus textos,

pensarem no leitor e se colocarem como tal, estará estimulando-os a se formarem

enquanto leitores também. As práticas de leitura e produção de texto estão, portanto

muito articuladas, de tal modo que uma alimenta a outra.

Entretanto, o modo como o texto foi abordado pela professora A não ajuda os

alunos a se formarem nem como leitores, nem como produtores de notícias. Isso porque,

como já foi apontado, ela aborda apenas aspectos formais do gênero, deixando de

realizar um trabalho de leitura que contemple os diversos recursos usados na construção

da textualidade e que também constituem esse gênero.

160

ATIVIDADE 3

A professora explica que essa atividade é o contrário da anterior, pois antes os

alunos tiraram as partes da notícia; agora ela vai dar as partes e os alunos vão criar a

notícia (confunde novamente esse gênero com reportagem). Escreve as seguintes frases

no quadro a pede para os alunos escreverem-nas em seus cadernos:

A professora fornece todas as informações, exceto o lead, que deve ser criado

pelos alunos. Após escrever essas informações no quadro e lê-las, a professora salienta

que eles não precisam escrevê-las na ordem em que estão no quadro. Fala ainda que os

alunos podem acrescentar outras informações além das que foram dadas, pois estas são

apenas as informações principais. Diz ainda que eles devem copiar as informações no

caderno, mas a notícia produzida a partir delas deve ser escrita em outra folha, a qual

deve ser entregue. Ao final da aula, os alunos vão até a professora para mostrar as

atividades realizadas. Entretanto, a professora apenas dá um visto, sem olhar o conteúdo

das respostas a fim de verificar se eles aprenderam realmente o que foi ensinado.

Nas três atividades realizadas pela professora A para a exploração da notícia, são

trabalhados apenas os aspectos estruturais do gênero, na medida em que o foco são as

partes que o compõem. Esse aspecto também foi verificado na exploração do gênero

poema, como já apontamos anteriormente. Como explicar tais ocorrências?

O poema e a notícia são gêneros textuais extraescolares que, ao saírem de seus

contextos originais de produção/circulação e se tornarem objetos de ensino-

Título: Ousadia: bandidos praticam roubo junto a batalhão da PM

Lead: (para eles criarem)

Fato =

O que aconteceu? Quatro ladrões invadiram e roubaram o prédio da CNBB

Quando aconteceu? Na madrugada do dia 10/06

Onde aconteceu? Rua Dom Bosco, no Bairro da Boa Vista

Como aconteceu? Os ladrões entraram pela porta dos fundos e pegaram o vigilante de

surpresa

Quem estava envolvido? O vigilante e os quatro ladrões

161

aprendizagem na escola, foram submetidos a uma didatização (BEZERRA, 2008). De

acordo com Dolz e Schneuwly (2004), faz parte desse processo a construção de um

modelo didático do gênero, através do qual o professor seleciona os aspectos do gênero

que serão ensinados.

Entendemos que o professor deve, de fato, fazer algumas escolhas tomando

como base seu projeto de ensino, mas isso não pode resultar numa simplificação do

objeto de ensino. Ao criar o seu modelo didático de gênero, a professora selecionou para

ensinar apenas os aspectos formais do poema e da notícia, reduzindo tais gêneros ao que

eles têm de mais estável e superficial e deixando de lado muitos outros elementos.

Defendemos que é necessário o professor, ao realizar tal seleção, contemplar todas as

dimensões do gênero (sua circulação social, sua temática, sua composição, seus

elementos discursivos, textuais e linguísticos), de tal modo que dentro de cada uma

delas sejam trabalhados alguns aspectos.

Além disso, percebemos mais uma vez que a professora explora o gênero

textual, mas não realiza um trabalho de leitura do texto. Esse é um dos riscos da

transposição didática: o professor didatiza o texto para ensinar determinado gênero e o

discurso, enquanto fenômeno social, desaparece. Entendemos que antes de trabalhar os

aspectos específicos do gênero, é preciso tomar a notícia como um discurso. É

solicitado ao aluno que faça uma notícia a partir de uma já existente, que ele não leu e

precisa adivinhar como havia sido construída. Enquanto ato discursivo, essa atividade

não faz sentido.

O professor deve levar uma notícia para a sala de aula primeiramente porque

acha que nela são veiculadas ideias e informações importantes e relevantes para os

alunos. Entretanto, provavelmente, a atividade de construção da notícia do roubo na

CNBB fez pouco sentido para eles, na medida em que não tomaram conhecimento desse

fato. Trata-se de um preenchimento de esquema, apenas. Certamente acontecem eventos

na vida privada ou comunitária desses estudantes que eles gostariam de noticiar e que,

talvez, fossem interessantes de discutir na escola. Nesse sentido, a notícia escrita seria

de fato notícia para os alunos. Após realizar um trabalho que tome o texto, em primeiro

lugar, como produto discursivo, a exploração das características do gênero textual

ganhará até mais sentido.

162

3.1.2.2 Condições de produção das notícias

A professora pede para os alunos dividirem-se nos mesmos grupos da atividade

anterior e entrega para cada grupo uma imagem, retirada do jornal. Em seguida, solicita

que escrevam uma notícia a partir da imagem que têm em mãos.

O fato de a professora ter solicitado a produção de texto a partir de uma imagem

nos chamou atenção, pois mais uma vez nos remete às tradicionais práticas de produção

de redações, nas quais a professora apresentava uma imagem e os alunos tinham que

escrever uma descrição do que estavam vendo ou criar uma narração a partir dela. Essa

prática foi constatada, por exemplo, por Suassuna (2009), que, ao realizar um

acompanhamento escolar, encontrou uma professora que solicitou a produção de uma

descrição a partir de uma gravura do jogador Raí (colada por ela no caderno do aluno) e

do seguinte comando: “Descreva o que você está vendo”. Essa atividade gerou um texto

de tipo cartilhado, com palavras totalmente descontextualizadas e sem articulação entre

si. Segundo a autora, esse texto provocou inquietação não só pela sua configuração, mas

ter sido proposto por uma professora que acreditava estar trabalhando com base nas

teorias sociointeracionistas quando, na verdade, o aluno-autor estava realizando uma

mera tarefa escolar.

Talvez por já ter vivenciado práticas de escrita semelhantes em momentos

anteriores (principalmente nas séries iniciais), um grupo de alunos da professora A

produziu um texto descrevendo o que estava acontecendo na imagem e falando um

pouco da vida do jogador de futebol Neymar:

163

Figura 7: Notícia produzida por um grupo de alunos

Ao ler essa produção de texto, a professora A aponta que os alunos fizeram de

forma errada (na visão dela) e orienta-os a fazer de outra forma:

AULA 12 (sequência sobre noticia – produção de texto)

P: (...) Não é pra descrever a vida de Neymar, o que é que aconteceu... cadê a foto? O

que foi que aconteceu pra Neymar tá dando entrevista no meio de tanto jornalista? É

isso que vocês vão narrar. Que vocês vão contar. Não é falar dele, de Neymar, da vida

dele.

A fala da professora está marcada mais uma vez pela ortodoxia escolar de que

fala Geraldi (1996, apud SUASSUNA, 2008). Isso porque ela espera que o aluno fale

somente sobre o que ela quer.

164

Entendemos que a foto utilizada para motivar a escrita dava margem para os

alunos falarem sobre a vida de Neymar. Esse aspecto se apresenta como uma

possibilidade de tema. Além disso, o fato de esse jogador ser pai é passível de ser

noticiado, pois, em decorrência do seu grande sucesso atual, o que mais a mídia tem

feito é transformar qualquer fato relacionado a ele em notícia. Vemos, portanto, que a

ideia tratada no texto do aluno podia, sim, ser mantida. Entretanto, a sua configuração

não é a de uma notícia. Sendo assim, a professora precisaria problematizar a estrutura

do texto produzido, fazendo o aluno reconstruí-lo.

Muitos elementos poderiam ser abordados: o título “Neymar”, que rompe com a

configuração recorrente na maioria dos títulos de notícias; o lead “o jogador”, que

também não respeita a especificidade desse elemento da notícia, composto pelas

perguntas básicas “o quê”, “quando”, “onde” etc.; a alusão aos possíveis repórteres da

matéria, entre outros aspectos.

Entretanto, se a professora apenas disser que a forma como o texto foi escrito

está errada (como fez acima) ou até explicar por quê, ela pode afetar a empolgação e o

envolvimento do aluno na atividade. Mais interessante seria fazer o próprio aluno

perceber o que está inadequado em seu em texto e identificar alternativas para melhorá-

lo. Para tanto, ela poderia trazer outras notícias (até mesmo sobre Neymar) e lançar

questões para problematizar o texto, tais como: Como são os títulos e os leads que

aparecem normalmente nas notícias? De acordo com o que você percebeu, como

poderia modificar esses elementos em seu texto? Quem produz a notícia? O narrador da

notícia é alguém que apenas observa? Vamos fazer de conta que Neymar disse a você

que vai ser pai; como você diria isso numa notícia?

Através da leitura e da comparação entre os textos lidos e a sua escrita, o aluno

iria tirar suas próprias conclusões a respeito da estrutura desse gênero e sobre como são

algumas das práticas do discurso jornalístico.

O que a professora talvez não tenha percebido é que a atividade de produção de

textos dos alunos não teve o resultado esperado por causa da própria limitação da tarefa

proposta (escrever uma notícia a partir da imagem oferecida), que remetia a uma prática

tipicamente escolarizada de escrita.

Ademais, a docente remeteu os alunos às práticas extraescolares de produção de

notícias, ao orientar coletivamente que eles incorporassem o papel de jornalistas:

165

P - “Aí é como se vocês trabalhassem no jornal e a pessoa chegasse com uma foto pra

que vocês escrevessem a reportagem. Vocês vão ser jornalistas”.

Talvez a professora tenha proposto a eles se colocarem na situação de jornalistas

no intuito de criar uma atmosfera lúdica, que remeta ao imaginário dos alunos e lhes dê

mais motivação para escrever. Entretanto, sabemos que as notícias, em situações reais

de escrita, não são produzidas a partir de uma imagem: o fato é verificado in loco, o

jornalista colhe informações a respeito dele, inclusive, colhe imagens do local onde o

fato aconteceu; com base nas informações colhidas, elabora a notícia e utiliza a imagem

retirada como apoio para o texto escrito (e não como mote).

Se o intuito do ensino da produção de textos escola é fazer os alunos se

confrontarem com as mais diversas situações de escrita, aproximando-as das reais que

acontecem nos contextos extraescolares, a promoção de práticas de escrita imaginárias é

válida. Sabemos que nem sempre é possível o professor propor situações de produção

de textos que atendam a finalidades mais concretas e que sejam destinados a outros

leitores além dele. Quando isso não acontece, como bem defende Leal (2003, apud

ALBUQUERQUE e LEAL, 2006), o professor pode criar situações imaginárias que

remetam a situações reais e que tenham características próximas dos seus verdadeiros

usos. Nesse sentido, a professora A precisava ter tido cuidado ao fazer essa remissão

para que ela fosse feita de forma adequada, respeitando o modo como essas práticas

realmente ocorrem fora da escola.

Além disso, seria necessário deixar claro para o aluno que o que ele está

aprendendo naquele momento poderá ser utilizado em outras situações extraescolares de

produção de texto. Esse mesmo princípio é válido também para a aprendizagem da

leitura, na medida em que o professor, ao mediar a interação entre o aluno e os textos,

ajuda-o a se formar como um leitor autônomo, capaz de compreender os diferentes

gêneros textuais que existem em nossa sociedade e, assim, participar da dinâmica

própria do mundo da escrita (SILVA, 1991).

Em vários momentos, ao dar orientações especificamente a cada grupo, a

professora continua remetendo os alunos às práticas de produção extraescolares de

166

notícias, fazendo-os pensar sobre o público-alvo e as implicações desse público para a

escrita do texto14:

P – Quando for escrever tem que ter uma coisa em mente, né? As pessoas vão ler. Se eu

sou o jornalista, eu tenho que ter cuidado com o meu texto. (...) Bote em mente que

quem vai ler são as pessoas e vocês são os jornalistas. Então, o público todo vai ler,

né? Recife todo, Pernambuco todo.

P – Vocês vão escrever um texto que vai sair no jornal, milhares de pessoas vão ler,

né? No Estado.

Do outro lado, vimos que os alunos estavam dispostos a “entrar na brincadeira”,

assumindo papéis e imaginando situações. Isso porque um dos alunos veio até mim

perguntar quem iria ler a notícia produzida pelo seu grupo. Ao ser informado de que seu

interlocutor seria “apenas” a professora, o aluno, desapontado, disse: “Ah, pensei que

fosse o Brasil inteiro”.

A professora orienta ainda os alunos a criarem um título, o lead e o texto, do

qual devem constar: o que aconteceu, onde, quando, como, por que aconteceu. Por fim,

ela pede que os alunos escrevam um rascunho e passem o texto a limpo:

P – “Vai escrever diretamente no papel? Não! Vai fazer no seu caderninho. Uma folha

de qualquer um dos três. Quando estiver pronto, aí passa a limpo aqui”.

Um dos alunos levanta junto à professora uma dúvida sobre como saber se o

texto está pronto para ser passado a limpo:

P – Vocês é que vão dizer. Faz primeiramente um rascunho no caderno. Quando estiver

pronto, vocês acharem que está bom o texto, que dentro do texto tem tudo, o que

aconteceu, onde, por quê, aí passa a limpo.

14

Discutiremos mais detalhadamente esse aspecto no tópico sobre as orientações dadas pela professora durante o processo de produção, avaliação, revisão e reescrita.

167

3.1.3 Semelhanças e diferenças entre as sequências de atividades envolvendo os

gêneros textuais poema e notícia

Ao analisarmos as duas sequências de atividades, notamos que há muito mais

semelhanças do que diferenças entre elas.

Em relação às semelhanças, observamos que em ambas as sequências a

professora tentou contemplar textos de circulação social. Seguindo a tendência vigente

nos últimos anos15 de se trabalhar a diversidade textual em sala de aula, ela tomou como

objeto de ensino-aprendizagem dois gêneros – poema e notícia – e realizou a

transposição didática dos seus contextos reais de uso para a aula de língua portuguesa.

Isto se deu em detrimento ao uso de gêneros da tradição escolar (narração, descrição ou

dissertação), cuja presença dominou por muitos anos as aulas de produção de texto.

Da mesma forma, vimos uma tentativa de focar o ensino no texto e não nos

conteúdos gramaticais tradicionais. A ideia de trabalhar a língua materna a partir dos

textos também é hoje um consenso entre os estudiosos da área16, na medida em que se

percebeu que a análise gramatical por si só não é suficiente para formar bons usuários

da língua.

Observamos ainda tentativas de dar sentido às aprendizagens dos alunos. A

professora trabalhou o gênero poema dentro de um projeto que estava sendo

desenvolvido simultaneamente por toda a escola. Talvez ela tenha pensado que esse

contexto de produção dos textos motivaria os alunos a investir bastante esforço nas

atividades e tornaria o ensino-aprendizagem mais significativo. Em relação ao trabalho

com o gênero notícia, a professora solicitou que os alunos fingissem ser jornalistas. Ao

criar essa atmosfera lúdica, ela provavelmente queria que os alunos se engajassem de

modo mais efetivo nas atividades e, dessa forma, que a aprendizagem desse objeto

cultural fosse facilitada.

Apesar de compartilhar esses aspectos positivos, notamos também que as duas

sequências se assemelhavam em relação a aspectos a nosso ver problemáticos.

Inicialmente, observamos que as duas propostas de produção solicitadas pela professora

A não implicam um engajamento efetivo dos alunos em projetos de escrita. Perguntas

como “Por que escrever os poemas e as notícias?” e “Para que e para quem escrevê-

15 Apontada por autores como Marcuschi (2002) e Dolz e Schneuwly (2004). 16 E foi, de forma pioneira, defendida por Geraldi (2003).

168

los?” não foram discutidas pela professora. Os alunos pareciam não ter nenhuma real

motivação para escrever: eles apenas o fizeram para dar conta de uma tarefa escolar

solicitada pela e para professora/escola.

Observamos também que em ambas as sequências a metodologia de ensino

utilizada pela professora A para explorar as características dos gêneros textuais se

assemelha muito ao ensino tradicional da gramática normativa, na medida em que ela

apenas expôs as características dos gêneros textuais poema e notícia para os alunos

(transmissão); enfatizou aos elementos linguísticos e formais desses gêneros (parte mais

estável dos gêneros); ensinou suas características sem recorrer a exemplares dos

gêneros, separando, assim, língua e uso; isso porque ela apenas apresentou os conceitos,

mas não demonstrou como tais recursos se manifestam na prática em um poema ou em

uma notícia e os efeitos de sentido que eles provocam (descontextualização); solicitou

que os alunos apenas identificassem alguns dos elementos que foram explicados

anteriormente, verificando se aparecem ou não nos poemas (reconhecimento); cobrou

dos alunos, na produção de texto, que atentassem para as características dos gêneros que

foram ensinadas (reprodução).

Paralelamente a esse aspecto, constatamos que foi realizada a caracterização do

gênero, mas não houve exploração do texto em si, enquanto manifestação linguística

singular. Isso fica bem claro ao constatarmos que a professora, em ambas as sequências,

deixou de promover a interpretação dos conteúdos veiculados nos textos utilizados,

como se esses conteúdos não fossem elementos essenciais do gênero. Segundo Bakhtin

(1997), cada gênero textual define os conteúdos dizíveis por meio dele. Nesse sentido,

essas duas dimensões – gênero e texto – foram tratadas como se fossem estanques,

quando, na verdade, se complementam.

Da mesma forma, a professora A trabalhou apenas os aspectos formais dos

gêneros, deixando de explorar muito elementos interessantes. Em relação ao gênero

poema, notamos, por exemplo, que houve pouca reflexão sobre os recursos utilizados

pelos autores para provocar efeitos estéticos. Como vimos, a professora apenas

mencionou o uso de elementos como a repetição de palavras, o uso de metáforas e a

presença de sonoridade nos poemas, mas não promoveu a sua reflexão com base em

exemplares. Em relação às notícias, a professora deixou de refletir, por exemplo, sobre

as formas como os dados são coletados para a escrita do texto, sobre a necessidade de

169

comprovar o que está sendo dito, sobre a necessidade de inserir diferentes vozes no

texto, dentre outros aspectos.

Levantamos a hipótese de que algumas dessas lacunas no trabalho da docente

podem ser resultantes de dificuldades em relação aos próprios gêneros trabalhados.

Talvez a professora apenas tivesse conhecimentos superficiais sobre os poemas e as

notícias, ou não tivesse clareza de como abordá-los adequadamente em sala de aula. A

esse respeito, salientamos a necessidade de o professor inicialmente se apropriar dos

gêneros a serem trabalhados, através da leitura de exemplares, bem como do estudo de

sistematizações já realizadas por especialistas, de modo a construir um modelo didático

mais adequado do gênero. Da mesma forma, é interessante o professor buscar exemplos

de prática de ensino dos gêneros que lhe sirvam de inspiração para seu planejamento.

No que diz respeito às diferenças, contatamos que os poemas escritos foram

socializados em um suporte de ampla circulação – o mural da escola, localizado no

pátio – e puderam ser lidos por toda a comunidade escolar. Em contraposição, as

notícias produzidas tiveram apenas a própria professora como leitora.

No tópico a seguir vamos apresentar e discutir especificamente os dados

relativos à prática avaliativa da professora A.

3.1.3 Processo de produção, avaliação, revisão e reescrita textuais

3.1.3.1 Que estratégias didáticas são usadas pela professora A para ajudar os

alunos a produzir/revisar/reescrever seus textos?

Nas duas sequências de atividades, a professora A utilizou seis estratégias

diferentes para ajudar os alunos a produzir, revisar e reescrever seus textos. A tabela

abaixo apresenta essas estratégias, bem como a frequência com que foram utilizadas.

170

Tabela 4: Estratégias didáticas usadas pela professora A para ajudar os alunos a

produzir/revisar/reescrever seus textos

Estratégias didáticas usadas Frequência de utilização (aulas)

1 – Passa em cada um dos grupos Foi utilizada em 4 momentos:

AULA 3 e AULA 4 (poema)

AULA 12 e 14 (notícia)

2 – Senta em seu birô e os alunos vão até

ela (espontaneamente) para mostrar seus

textos

Foi utilizada em 5 momentos:

AULA 4 (poema)

AULA 12, 13 e 14 (notícia)

3 – Senta em seu birô e chama os alunos

(tomando como base a lista de chamada)

para olhar seus textos

Foi utilizada em 3 momentos:

AULA 5, AULA 6 e AULA 7 (poema)

4 – Observa um aspecto no texto de um

aluno que pode ser encontrado nos textos

dos demais e aproveita para dar a

orientação para toda a turma

Foi utilizada em 2 momentos

AULA 3 (poema)

AULA 12 (notícia)

5 – Pede para um aluno ler o texto do

outro e sugerir mudanças

Foi utilizada em 3 momentos:

AULA 4 (poema)

AULA 12 e AULA 14 (notícia)

6 – Faz a revisão coletiva de um dos

textos produzidos, que serve de modelo

para a revisão e reescrita dos demais

textos

Foi utilizada em apenas 1 momento:

AULA 14 (notícia)

Como podemos perceber, a ocorrência de uma estratégia em determinada aula

não eliminou o uso de outra estratégia pela professora. Isso porque ela utilizou mais de

uma estratégia em uma mesma aula. Nesse sentido, podemos dizer que há estratégias

que foram combinadas com outras: no caso das estratégias 4 e 5, vemos que estas foram

usadas na medida em que a professora também realizava as estratégias 1, 2 e 3.

Vimos também que há estratégias mais frequentes do que outras. Sentar no birô

e receber os alunos que espontaneamente iam até ela para mostrar seus textos foi o

procedimento que a professora mais utilizou para ajudar seus alunos a revisarem e

171

reescreverem seus textos, visto que foi realizado em 5 aulas. Em contraposição, a

estratégia de fazer uma revisão coletiva de um dos textos produzidos, que sirva de

modelo para a revisão e reescrita dos demais textos, foi a menos utilizada, na medida

em que ocorreu apenas uma vez.

A seguir, vamos discutir cada uma dessas estratégias. Para tanto, faz-se

necessário apresentar como elas são utilizadas pela professora e tentar perceber as

potencialidades de seus usos para a promoção da reflexão linguística pelo aluno.

No que tange à primeira estratégia, ela acontece quando a professora circula pela

sala, passando em cada um dos grupos (atendendo um mesmo grupo mais de uma vez).

Ela foi usada durante a produção de poemas, bem como durante a produção e a

avaliação de notícias. Isso nos dá indícios de que a professora A prefere usá-la nos

momentos de produção textual mais do que em momentos de avaliação.

Inicialmente, essa assistência é realizada com o intuito principal de monitorar a

atividade, ou seja:

a) ver se os alunos estão fazendo;

b) incentivar os alunos que não estão fazendo a realizarem a atividade;

c) se a atividade for em grupo, ver se todos os membros do grupo estão

trabalhando igualmente;

d) explicar novamente o comando da atividade para quem não entendeu o

comando coletivo ou apenas reforçá-lo.

Quando a professora percebe que os alunos estão conseguindo realizar a

atividade sem problemas, ela passa a se deter mais na escrita do texto, embora não deixe

de atentar para os aspectos comportamentais dos alunos. Nesse momento, então, ela

passa a ler os textos, sugerindo modificações.

O principal aspecto positivo verificado nesta estratégia é que ela possibilita à

professora acompanhar os alunos durante todo o processo de elaboração do texto. Em

contrapartida, como ela atende um grupo de cada vez, o aluno precisa esperar a vez de

seu grupo para pedir orientação, não podendo recorrer à professora a qualquer momento

(ele precisa guardar sua dúvida para o momento em que for atendido).

No que respeita à segunda estratégia, esta acontece quando a professora senta em

seu birô e os alunos vão até ela (de forma espontânea) para pedir orientações. Esse

procedimento praticamente não foi usado na sequência envolvendo o gênero poema

(apenas em um pequeno espaço de tempo durante a produção). Em contrapartida, foi

172

bastante explorado na sequência sobre notícias (em todas as etapas em que ocorreu a

escrita do texto, ou seja, tanto na produção da primeira versão, como na avaliação,

revisão e reescrita).

Essa estratégia tem pelo menos um ponto positivo: ela permite atender às

necessidades dos alunos. Isso porque eles sabem que a professora está disponível para

ajudá-los a qualquer momento em que eles precisarem. É interessante observar o

movimento dos alunos durante o emprego dessa estratégia: eles buscam a professora

para “legitimar sua tarefa de escrita”. Ou seja, os alunos vão até a professora e fazem

perguntas como “meu texto está ficando bom?” ou “eu estou fazendo certo?” Com o

intuito de conseguir aval para que possam prosseguir na escrita. Isso porque eles sabem

que a professora espera que eles escrevam de determinada forma, então, tentam verificar

logo se estão atendendo a essas expectativas, pois, se não estiverem, ainda há tempo

para modificar seus textos. Eles sabem que, se deixarem para verificar isso ao terminar

o texto, correm o risco de terem que refazer a produção por completo, o que daria muito

mais trabalho.

Concordamos com Girotto (2004, apud BRANDÃO, 2006) em que é necessário

o professor trabalhar a revisão e reescrita com os alunos de modo que eles incorporem a

atitude de retornar ao que foi escrito e revisar esse escrito como parte do processo de

produção de um texto. Agindo dessa forma, ele estará contribuindo para que o aluno

tenha em mente uma concepção de produção de texto como um processo de idas e

vindas para reconstruir o que já foi e está sendo escrito.

Quanto à terceira estratégia, a professora a realiza quando senta em seu birô,

chama cada um dos alunos e avalia individualmente seu texto. Para tanto, ela pedia que

eles lessem os textos em voz alta e, após a leitura, fazia apreciações orais sobre as

produções. Para conseguir viabilizar tal estratégia, ela deixa o restante dos alunos

fazendo alguma atividade do livro didático. Esse procedimento foi usado apenas na

sequência sobre poemas, mais especificamente durante a atividade de avaliação.

Vale salientar que a professora não havia avaliado anteriormente as primeiras

versões depois de prontas, de modo a elencar quais aspectos seriam discutidos com os

alunos nesse momento. Ou seja, na medida em que os alunos iam lendo, ela pensava no

que seria avaliado. Pensamos que seria importante a professora ter um contato anterior

com esses textos, pois a agitação da sala de aula possivelmente não permitiu que ela

173

percebesse determinados aspectos do texto que, em outro momento, num ambiente mais

calmo, ela perceberia.

Essa estratégia é interessante porque permite ao professor garantir tempo e

atenção só para um aluno. Entendemos que, ao fazer esse movimento, o aluno se sinta

assistido pelo professor e perceba que seu trabalho está sendo valorizado. Em

contrapartida, como as orientações dadas pela professora são todas orais (já que ela não

escreve orientações no próprio texto), não há um registro dos problemas encontrados.

Isso dificulta não só o trabalho do aluno como também do professor: no caso do aluno,

porque, ao voltar para sua banca para refazer seu texto, ele pode ter esquecido muitas

das orientações dadas pela professora; no caso do professor, ele não poderá, em um

momento posterior, retomar as dificuldades de escrita dos alunos para realizar algum

trabalho mais específico sobre elas ou mesmo acompanhar o desenvolvimento do aluno

em relação à produção de texto durante o ano letivo.

Além disso, para grande parte dos problemas a professora pede solução ao aluno

logo que os aponta. Dessa forma, o aluno tem pouco tempo para pensar e ainda tem que

fazê-lo sob o olhar do professor (que pode intimidar a sua ação). Uma orientação escrita

permitiria ao aluno retornar para sua banca e refazer o que foi apontado em mais tempo

e individualmente. Nesse caso, porém, seria necessária uma segunda olhada da

professora para ver se o aluno seguiu adequadamente a sua orientação.

A quarta estratégia é realizada quando a professora percebe que um determinado

problema verificado no texto de um aluno durante uma avaliação individual pode

ocorrer nos textos dos demais. Nesse sentido, ela se antecipa e estende sua orientação

para toda a turma. Esse procedimento foi usado em duas aulas, mais especificamente

nas primeiras aulas de produção de poemas e de notícias. Isso nos dá indícios de que a

professora prefere realizá-lo quando os alunos ainda estão iniciando a escrita. A

transcrição do diálogo a seguir exemplifica esse procedimento:

AULA 12 (sequência sobre notícias - produção de texto)

P: Tem que ver a data. Pode ser: na última sexta-feira, na última quinta-feira, na noite

passada... não tem que ser a data propriamente dita. Viu, gente? Na hora... ó, outra

coisa. Na hora que for colocar a data... quando eu digo esse “quando” não tem que

botar dia... no dia onze do seis de dois mil e onze, não! Você pode botar: na última

segunda-feira, na semana passada, na madrugada de ontem, na tarde de ontem, na

174

manhã de ontem, não tem que ser... na manhã da última terça-feira... não tem que ser a

data. No dia tal, tal, tal, não.

Como podemos perceber, durante uma orientação individual com um dos alunos,

a professora percebe uma inadequação na escrita da data (de acordo com a forma como

esta aparece no gênero notícia). Pensa, então, que outros alunos podem também

escrever a data de forma inadequada, já que eles estão muito acostumados a escrever

cabeçalhos nas tarefas e colocar o dia, o mês e o ano, e aproveita para solicitar a todos,

coletivamente, que atentem para o registro diferenciado do tempo nesse gênero.

Lamentamos que a professora não tenha explicado o porquê de não precisar colocar a

data completa na notícia, nem mesmo por parte dos alunos surgiu o interesse em saber

tal informação.

Essa estratégia é interessante porque permite economizar tempo e esforço: ao

invés de dar determinada orientação várias vezes, para cada aluno, a professora o faz

para todos ao mesmo tempo.

No que concerne à quinta estratégia, ela é colocada em prática quando a

professora pede para um aluno ler o texto do outro e sugerir mudanças. Esse

procedimento foi usado em três aulas: na segunda aula de produção de poemas, bem

como na primeira aula de produção e na aula de revisão e reescrita de notícias. Esses

dados indicam que a professora A prefere usar essa estratégia quando os alunos já estão

terminando a escrita dos textos (tanto da primeira versão, como da versão já revisada e

reescrita). Fazemos abaixo a transcrição de um trecho de aula no qual a professora

orienta os alunos a realizarem a troca de textos:

AULA 4 (sequência sobre poemas – produção de texto)

P – (...) quem terminou, quem acha que terminou, lê para os colegas, pede a opinião do

colega, vê o que o colega tá achando, se precisa mudar alguma palavra, se precisa

mudar algum verso, se pode... se o colega pode ajudar a acrescentar mais alguma

coisa, pra ficar melhor do que já está (...)

A revisão de textos em pares é uma estratégia muito significativa. Garcez (1998)

realizou uma pesquisa que teve como objetivo investigar os modos de participação de

professor e alunos durante a releitura/reescritura do texto. Esse estudo foi realizado com

175

uma turma de terceiro ano do Ensino Médio de uma escola pública do Distrito Federal e

se baseou na análise de depoimentos dos alunos e de sessões de atendimento individual

a seis sujeitos, realizadas no contraturno da aula, nas quais o professor e um par de

alunos de cada vez discutiam sobre como melhorar um texto produzido por um deles.

A autora observou vários aspectos positivos na realização da revisão/reescrita

em pares. Um deles foi a ocorrência de um movimento, denominado por ela de

“reversibilidade”, segundo o qual o produtor do texto, motivado pela participação do

colega no evento de análise e comentário do seu texto em processo de aperfeiçoamento,

passou a assumir uma outra postura em termos de sua própria produção. Isso porque, no

decorrer das sessões de reescritura, ele tomou o lugar do crítico, conseguiu ver o texto

com maior distanciamento e passou a participar do diálogo, dando contribuições mais

numerosas e significativas. Houve, assim, um processo de reflexão intenso,

proporcionado pela participação do aluno, que agiu como um leitor crítico,esforçando-

se para compreender e aperfeiçoar o texto do colega. Através dos depoimentos dos

alunos, a autora observou também que eles passaram a ter uma maior consciência de

seus próprios processos de elaboração, construção e aperfeiçoamento do texto.

Garcez (1998) concluiu através da sua pesquisa que, embora os alunos já

possuíssem habilidades de análise e reestruturação de textos, o trabalho em parceria

representou um crescimento e uma intensificação dos procedimentos mais produtivos da

escrita. Entretanto, a autora salienta que a participação do colega no processo de revisão

e reescrita é diferente da participação do professor. Isso porque o professor evita a

instrução direta, colocando questões, tanto para o estudante-leitor, como para o

estudante-produtor do texto, que orientam e provocam suas reflexões. Ou seja, ele não

só sustenta os percursos dos estudantes, mas os impulsiona, movimenta-os e encoraja-os

para um avanço mais significativo. Nos eventos entre colegas, essas ocorrências são

raras e as perguntas colocadas pelo colega não demonstram intenção de provocar a

reflexão, mas sim de solucionar os problemas. Assim, a revisão de textos em pares é

muito pertinente, pois, da mesma forma que avaliação do professor, provoca a volta ao

texto e a reflexão. Por sua vez, a mediação do professor tem o poder tornar essa

atividade ainda mais significativa, visto que seu propósito é ensinar.

Entretanto, a professora A não se preocupa em mediar a revisão em pares

realizada por seus alunos, na medida em que oferece apenas vagas orientações no início

da atividade (como as que estão presentes no diálogo acima), não participa no decorrer

176

do processo através do monitoramento das interações dos alunos, nem se interessa em

verificar o resultado dessas trocas.

A professora não sabe o que um aluno sugeriu, nem as sugestões que o outro

aceitou ou recusou. Uma atividade desenvolvida dessa forma pouco acrescenta à

reflexão linguística do aluno. Isso porque o aluno que faz a leitura do texto não vai

conseguir observar todos os aspectos que precisam ser modificados, precisando,

portanto, da ajuda da professora para guiar seu olhar sobre o texto. Da mesma forma, o

aluno que revisará e reescreverá o texto de acordo com as sugestões dadas pelo colega

não vai saber agir de forma criteriosa, separando as sugestões pertinentes das que

podem ser descartadas.

Cada sugestão dada precisa passar pela professora, ou seja, tem que ser discutida

com ela, não pode ser decidida apenas entre os alunos. A professora precisa mediar essa

troca de textos, fazendo perguntas tais como: “O que está sendo sugerido?”, “Por que

você está sugerindo esta mudança?”, “Realmente, é necessário aceitar esta sugestão?”,

“Após aceitá-la, resolveu o problema?”, “O texto ficou melhor do que antes?”.

Assim como Garcez (1998), acreditamos que o trabalho sobre o texto no qual a

participação de um leitor concreto (o colega de classe) é intensa mostra-se fundamental

para a incorporação de procedimentos eficazes de análise do texto em progresso e,

consequentemente, para a construção das habilidades de escrita. Uma dessas

habilidades, conforme aponta Suassuna (2011), é a capacidade do aluno de se distanciar

do próprio texto para avaliá-lo quanto ao seu funcionamento junto a um leitor virtual.

Segundo a autora, essa capacidade é a base para a formação de uma atitude autônoma na

produção escrita. Entretanto, para que esse trabalho se torne significativo, é necessária a

mediação do professor, que atua como propiciador e facilitador da reflexão.

A sexta e última estratégia é realizada quando a professora faz a revisão coletiva

de um dos textos produzidos pelos alunos, para que essa releitura sirva de modelo para a

revisão e reescrita dos textos dos outros alunos. A professora coloca em prática tal

estratégia apenas em um momento, na sequência sobre notícias.

Ela justificou a revisão coletiva dizendo que os alunos ou não entenderam a

proposta ou fizeram a atividade de qualquer jeito:

177

AULA 4 (sequência sobre poemas – revisão e reescrita coletiva)

P: Ó, aquele trabalho que nós fizemos sobre... o jornal, sobre a notícia do jornal... nem

todo mundo... eu acho, nem todo grupo conseguiu entender direito o assunto ou o

trabalho, não sei. Ou então... fez o texto de qualquer jeito.

A professora dividiu o quadro em duas partes, escreveu o texto produzido pelos

alunos no lado esquerdo e foi reescrevendo o texto no lado direito. Basicamente, a

professora, com a ajuda dos alunos, apenas acrescentou informações ao texto, não o

reconstruindo conforme os diversos aspectos da sua textualidade.

Ao final da atividade, avisou que a revisão coletiva devia servir “de modelo”

para as revisões e reescritas nos grupos:

AULA 4 (sequência sobre poemas – revisão e reescrita coletiva)

P: Peraí... eu mandei o grupo ler e refazer. Ler... e quem tava prestando atenção, que

não foi o caso de vocês, ao que eu fiz ali no quadro... vai saber o que precisa melhorar

aqui ou não. Ó, gente, quem estava... quem estava prestando atenção... ao que foi feito

no quadro... o texto das meninas ali... vai saber o que é que tem que mudar no seu.

Quem prestou atenção vai saber o que é que tem mudar no seu. Quem prestou atenção

àquela atividade que a gente acabou de fazer agora, quem não ficou brincando... vai

saber o que é que tá precisando melhorar.

Ora, se a revisão/reescrita foi realizada para servir de modelo, seria pertinente a

professora, durante e/ou depois da atividade, sistematizar para os alunos, por exemplo,

que elementos modificados no texto analisado também precisavam ser alterados nos

seus textos, pelo fato de terem sido problemas recorrentes. Ao contrário do que a

professora aponta na fala acima, não bastava prestar atenção para perceber tais aspectos:

mais uma vez era necessária a sua mediação.

Compartilhamos a opinião de Antunes (2006), quando ela sugere que devemos

variar a avaliação usando estratégias e recursos diferentes. Isso porque acreditamos que

uma avaliação eficaz também passa pela diversificação das estratégias utilizadas, mas

isso em si não é suficiente.

Como discutimos anteriormente, a professora A utilizou pelo menos seis

estratégias diferentes para ajudar seus alunos a revisar e reescrever seus textos. Esse é

178

um aspecto positivo, pois dá indícios de que ela se preocupa com a aprendizagem dos

alunos e por isso utiliza formas diferentes para tentar garanti-la. Duas das estratégias

usadas foram o incentivo à revisão e reescrita em duplas, e a realização de uma

reescritura coletiva. Apesar de realizar tais estratégias, a professora deixou os alunos

sozinhos na tarefa de ler o texto do colega e sugerir mudanças, bem como reduziu o

processo de reescritura ao acréscimo de informações e deixou de sistematizar o que

deveria ser observado e as formas como os alunos deveriam proceder nas suas revisões

e reescritas individuais. Nesse sentido, o emprego de tais estratégias ficou

comprometido pela falta da mediação da professora.

Esse dado ratifica a observação de Ruiz (2001) segundo a qual, de acordo com a

mediação do professor, a avaliação, a revisão e a reescrita podem ajudar ou não o aluno

a desenvolver suas habilidades de escrita. Temos, portanto, de estar atentos não só

àquilo que fazemos, mas, principalmente à forma como fazemos.

No tópico a seguir vamos discutir mais detalhadamente e de forma mais

sistemática como se deu essa mediação da professora ao executar as seis estratégias

apresentadas anteriormente.

3.1.3.2 Como é realizada a mediação da professora A durante a execução das

estratégias avaliativas?

Verificamos que, durante a realização das seis estratégias acima discutidas, a

professora A, na maioria das vezes, não impõe a sua verdade. Ou seja, na sua forma de

orientar, fala sempre como se suas orientações fossem apenas sugestões e, nesse

sentido, precisassem da opinião ou aprovação do aluno. Inferimos tal postura pelo uso

frequente de modalizadores e marcadores discursivos, como os que aparecem nas falas

transcritas abaixo:

AULA 4 (Sequência sobre poemas – produção de poemas)

P: Isso aqui poderia vir aqui pra baixo, não era? Ficaria melhor.

AULA 4 (Sequência sobre poemas – produção de poemas)

P: Aí, isso aqui a gente pode consertar.

179

Nas duas falas acima, o uso dos verbos no futuro do pretérito (poderia / ficaria),

bem como o uso do verbo “poder” no presente expressam que a orientação dada pela

professora é apenas uma sugestão, que pode ou não ser acatada pelo aluno.

AULA 4 (Sequência sobre poemas – produção de poemas)

P: Sim, mas... ficou meio solto. Tá notando?

AULA 4 (Sequência sobre poemas – produção de poemas)

P: Tá certo aqui? “Se não conseguimos preservar”. Não. Se não, não conseguimos

preservar. Não é isso que você quer dizer?

Já nessas duas últimas falas, a professora aponta o que está errado no texto e, ao

final, faz uma pergunta ao aluno como se quisesse que ele confirmasse a sua

observação.

AULA 4 (Sequência sobre poemas – produção de poemas)

P: Sobrevivemos... é melhor como? Sobrevivemos ou sobreviveremos, uma coisa que

ainda vai acontecer?

Nessa fala, a professora faz uma pergunta como se quisesse saber a opinião do

aluno para solucionar o problema encontrado no texto.

Talvez a professora não queira saber “de verdade” a opinião do aluno, nem obter

a sua confirmação, nem ache que sua orientação poderia ser descartada. Ou seja, se o

aluno discordasse de determinada orientação, será que a professora iria levar em conta

sua intervenção, seja para aceitá-la ou mesmo para dialogar com ela, mostrando o

porquê de ela não ser pertinente? Não temos resposta para tal questionamento, pois os

alunos sempre concordavam com as orientações dadas pela professora. De toda forma,

esse modo de interagir com o aluno durante a avaliação é muito positivo, pois o deixa

mais à vontade para realizar intervenções. Além disso, dá a entender que a professora

está ali para ajudar, como uma leitora mais experiente.

Faz parte ainda desse movimento a preocupação da professora de fazer o aluno

participar ativamente da avaliação, pensando sobre seu texto e falando sobre ele. Para

estimular essa participação, a professora faz muitas perguntas:

180

AULA 5 (sequência sobre poemas – avaliação de texto)

P: Isso aqui tá encaixando com o de cima? Daqui até aqui? O que que tá acontecendo?

O que que aconteceu daqui pra aqui?

Ao fazer perguntas como essas, a professora espera que o aluno participe da

avaliação identificando o problema e/ou apontando a sua solução. Ou seja, a professora

A, muitas vezes, tenta fazer o aluno identificar o problema e não simplesmente o

aponta. Para tanto, dá pistas para que o aluno chegue à resposta por ela esperada:

AULA 4 (Sequência sobre poemas – produção de texto)

P: O que tá faltando aqui? O sol, o mar e as estrelas. O que que tá faltando pra dividir?

Aluno: A vírgula.

Como podemos perceber no exemplo acima, a professora não verbaliza para o

aluno que o problema verificado em seu texto é a ausência de vírgulas; ela pergunta

qual é o problema e, para ajudar o aluno a identificá-lo, relê o trecho, enfatizando a

enumeração das palavras.

Quando a professora aponta o problema, ela tenta fazer o aluno chegar à solução e

não dá a resposta pronta:

AULA 5 (sequência sobre poemas – avaliação de textos)

P: (...) As ruas e as árvores é meio ambiente? É? O verbo tá certo? Eu quero saber os

verbos, concordância. Lembra daquela atividade de concordância que botava os

verbos... as ruas e as árvores... não. Aqui... o verbo tá conjugado certo?

Aluno: As ruas e as árvores...

P: É... qual é o plural de É? As ruas e as árvores... ó as ruas e as árvores... é? Qual é o

verbo que tem que colocar aqui? As ruas e as árvores...

Aluno: São.

Professora: E não É. É quando é um só (...).

No exemplo acima, a professora percebe o erro de concordância verbal e o

aponta para o aluno. Entretanto, não soluciona o problema: tenta fazer o aluno perceber

que a forma verbal correta é “são” e não “é”. Para ajudar o aluno a chegar a essa

181

resposta, a professora o remete a uma atividade realizada anteriormente sobre o assunto,

repete duas vezes a frase com o verbo inadequado (com o intuito de causar

estranhamento no aluno) e afirma que o problema está no verbo.

Constatamos que a professora A possui um jeito instrutivo e claro de fornecer as

observações para os alunos no momento da avaliação dos textos:

a) fala sempre como se suas orientações fossem apenas sugestões e, por isso,

precisassem da opinião ou aprovação do aluno;

b) tenta fazer o aluno participar da avaliação, usando perguntas para incentivar

sua inserção no diálogo;

c) tenta fazer o aluno identificar o problema e não simplesmente o aponta;

d) tenta fazer o aluno chegar à solução do problema e não dá a resposta pronta.

É um jeito muito interessante de avaliar, pois revela um cuidado da professora

com o papel do aluno na avaliação: ele não é apenas um executor da revisão e reescrita,

mas alguém que participa ativamente dela.

É interessante observar que, mesmo diante de todo o empenho da professora em

fazer os alunos participarem, eles não reagem muito às suas intervenções, mostrando-se

tímidos para responder ao que é perguntado: às vezes preferem dar uma resposta escrita

ao que é perguntado (consertando o erro) ao invés de responder falando; alguns dizem

que não sabem a resposta ou que esqueceram; outros apenas dizem que concordam com

a professora e, em seguida, executam a orientação por ela fornecida. Ou seja, eles não

mantêm com a professora um “verdadeiro diálogo”, nos termos de Bakhtin (1997), no

sentido de discordar, complementar, adaptar seu dizer ao que ela propõe. Por que será

que isso acontece?

Para tentar responder a tal pergunta, recorremos à explicação de Geraldi (1997)

sobre o jogo de imagens17 que o aluno faz de si mesmo e do professor no momento em

que produz um texto. Pensamos que o aluno pode ver a professora como um sujeito

hierarquicamente superior a ele por possuir mais conhecimentos na área de Língua

Portuguesa. Por isso, ele prefere não se atrever a discordar de qualquer orientação dada

por ela. Outra explicação para tal fato é que os alunos sabem que a professora já

conhece a resposta e apenas espera que eles a devolvam. Nesse sentido, talvez não

17

Inspirados, por sua vez, nos mecanismos de controle do discurso de Foucault.

182

respondessem porque não tinham certeza sobre se resposta deles era a esperada pela

professora.

Apesar de utilizar esse jeito pedagógico de avaliar, fazendo o aluno identificar o

problema e chegar à solução, a mediação da professora durante a atividade de

reescritura pouco leva à reconstrução do conhecimento pelo aluno. Isso porque sua fala

se configura mais como uma intervenção no texto produzido (apontando o erro e

solicitando a correção) do que como um momento de confrontação de um novo

conhecimento com um conhecimento anterior. Vejamos o exemplo abaixo:

AULA 6 (sequência sobre poemas – avaliação de texto)

P: Garrafas? Tá parecendo com garrafas isso aqui?

Aluna: Não. (Risos)

P: Bote aqui. Garrafas. Aqui tem garrafa?

Aluna: Comi uma letra.

P: Que letra é essa? A palavra é garrafa ou garafa?

Aluna: Garrafa.

P: Então, precisa de quantos r?

De acordo com Carraher (1985, apud MEIRELES e CORREA, 2005), os erros

linguísticos das crianças não são casuais, mas indicam uma compreensão da escrita que

vai se modificando conforme vão sendo adquiridos novos conhecimentos sobre a

língua. Dessa forma, se o aluno escreveu garrafa com um “r” só, foi porque ele tinha

uma determinada hipótese sobre o uso dessa letra. Nesse caso, a professora deveria não

apenas ter dito que estava errado e ajudado a aluna a corrigir, mas ajudá-la a entender

por que estava errado, fazendo-a construir a regra contextual de uso do “r” e do “rr”.

Para tanto, ela poderia fazer perguntas (p. ex.: “Não pode ser apenas com um “r”, mas

por quê?”) para resgatar as regras que ela já construiu sobre o uso dessas letras, trazer

outras palavras com “r” e “rr”, fazer a aluna compará-las e identificar o que há de

comum entre elas, até conseguir enunciar a regra. Ao final, seria importante ainda a

professora sistematizar o conhecimento aprendido, aplicando-o ao problema

evidenciado no texto e que tinha dado origem à reflexão.

Ao ajudar a aluna a entender por que, nessa situação, se usam dois “r” e não um

“r” só, a professora estaria confrontando esse novo conhecimento com o conhecimento

183

anterior que ela possuía (talvez construído empiricamente), o que a faria reconstruí-lo.

Nesse sentido, quando ela se deparasse com novas situações de uso do “r”, seriam

grandes as chances de ela conseguir aplicar esse novo conhecimento.

O resultado de práticas de avaliação que apenas fazem os alunos identificar o

erro e corrigi-lo é que, muitas vezes, eles voltam a cometer os mesmos erros, porque

apenas corrigiram sem entender por que erraram.

Entendemos que a avaliação se destina, fundamentalmente, a permitir que o

aluno possa refletir sobre sua produção de conhecimento, recebendo estímulo e

orientação para reorganizar seus saberes. Concordamos com Hadji (2001) quando ele

afirma que é preciso o professor assumir uma visão diferente sobre o erro do aluno:

passar de um “olhar normativo” para um “olhar formativo”.

O professor que tem um “olhar normativo” enxerga o erro simplesmente como

um não acerto que deve ser corrigido e, por vezes, penalizado. Além disso, para ele a

falha indica ausência de conhecimentos por parte do aluno. Pensando dessa forma,

dificilmente irá ajudar o aluno a ultrapassá-lo. Já o professor que tem um olhar

formativo enxerga o erro como um indício do processo de construção cognitiva, que

traduz os trajetos dos alunos e oferece informações sobre o que o aluno sabe e o que

ainda não sabe (SUASSUNA, 2011). Tendo essa compreensão, o professor se preocupa

em investigar as tarefas avaliativas, tentando interpretar as respostas dos alunos e

compreender a natureza dos erros por eles cometidos (HOFFMANN, 1995). Uma vez

compreendidas as causas que levaram os alunos a errar, o professor pode planejar

intervenções coerentes que ajudem o aluno a reconstruir seus conhecimentos e superar

os erros.

Entretanto, esse movimento não foi visto nas aulas da professora A. Isso porque,

após as atividades de avaliação, revisão e reescrita de poemas, ela imediatamente

iniciou outra sequência de atividades, dessa vez sobre o gênero notícia. Ou seja, a

despeito de todos os problemas linguísticos e discursivos evidenciados durante a

reescritura textual, a professora não se preocupou em replanejar suas aulas com base nas

dificuldades dos alunos, de modo a assegurar que eles aprendessem. Diante disso,

concluímos que a professora A não faz da avaliação um processo reorientador da sua

prática pedagógica e promotor da aprendizagem dos alunos (SUASSUNA e BEZERRA,

2010).

184

3.1.3.3 Quais são os aspectos enfocados e priorizados nas orientações oferecidas

professora A?

No que diz respeito à avaliação da produção de texto, os aspectos observados

têm relação com os critérios avaliativos utilizados para analisar os textos produzidos.

Sobre esse aspecto, uma primeira constatação feita por nós durante as análises é que a

professora não deixa claro para os alunos (antes, durante e/ou depois da avaliação) os

critérios avaliativos que utiliza. Sabemos que não existe avaliação sem critérios, pois é

impossível avaliar um objeto sem esperar nada dele. O que aconteceu nas aulas da

professora A é que esses critérios não foram explicitados para o aluno. Talvez isso tenha

acontecido porque estes também não estavam explícitos para ela. Por isso, é importante

o professor especificar para si mesmo os critérios que serão empregados.

Entendemos que, para o professor realizar uma avaliação com justeza,

transparência e clareza, ele precisa empregar para todos os alunos um conjunto

consistente de critérios adequados para a situação discursiva em questão. Não existe um

conjunto padrão de critérios para definir o que é um bom texto em qualquer situação. Os

critérios são marcados social e culturalmente, na medida em que são elaborados de

modo interativo com base em aspectos específicos (o gênero textual, as condições de

produção, o que foi ensinado etc.). Por sua vez, esses aspectos são dinâmicos, o que faz

com que os critérios também sejam mutáveis. É nesse sentido que acreditamos, assim

como Marcuschi, B. (2004), que todo critério tem um caráter historicizado, relativo e

provisório.

Pensar nos critérios que serão utilizados ajuda o professor a decidir quais deles

devem ser priorizados na sua avaliação. Assim, ele terá consciência, por exemplo, de

que poderá estar atribuindo um peso maior às normas gramaticais. Ademais, se, ao

definir esses critérios, o professor se preocupar em relacioná-los aos objetivos do

ensino, isso a ajudará a, de fato, avaliar o que foi ensinado e não cobrar do aluno algo

que ele ainda não tenha condições de realizar.

Além disso, concordamos com Hadji (2001) quando ele afirma que, além de

explicitar para si mesmo os critérios utilizados, é necessário ainda o professor explicitá-

los para seus alunos. Como diz Suassuna (2011), uma avaliação informa aos alunos que

existem parâmetros que balizam a produção de textos e que precisam ser atendidos. Se

desde o início do processo de avaliação o aluno estiver ciente do que se espera dele,

185

poderá de forma mais consciente tentar atender às exigências da situação discursiva que

lhe foi colocada. Isso favorece o uso de ferramentas de autocontrole e

automonitoramento durante as atividades de produção, revisão e reescrita textuais, pois

ele terá que refletir sobre os caminhos que precisa percorrer para ser bem sucedido. Os

critérios de avaliação funcionariam para o aluno, então, como metas a serem atingidas.

Da mesma forma, ao final do processo de avaliação, o conhecimento dos

critérios ajudará o aluno a entender melhor seus resultados, na medida em que estes não

serão apresentados apenas como o valor do seu desempenho, mas como ele se situa em

relação ao que era esperado.

Mesmo sem ter consciência dos critérios que utilizava ou sem se preocupar em

explicitá-los para os alunos, a docente observou pelo menos 34 aspectos diferentes. Essa

constatação surgiu através da análise das orientações dadas pela professora A para

subsidiar a escrita dos alunos durante a produção, a avaliação, a revisão e a reescrita de

poemas e notícias. A tabela a seguir indica quais são esses aspectos e com que

frequência eles foram levantados em cada uma das duas sequências envolvendo os

gêneros textuais trabalhados pela professora A:

Tabela 5: Aspectos avaliados na sequência sobre poema vs aspectos avaliados na

sequência sobre notícia (professora A)

Aspectos enfocados

nas orientações

Quantidade

de

orientações

Quantidade

de

orientações

Total de

orientações

TEMA

Entendimento do

tema

1 1

Continuidade /

manutenção

temática

3 3

Progressão temática 1 1

IDEIAS

Geração de ideias

(subsídios

temáticos)

3 2 5

Organização das 3 5 8

186

ideias (articulação

lógica)

Acréscimo de

informações /

complementação de

sentido

(informatividade)

1 13 14

GÊNERO

TEXTUAL =

POEMA

Versos 2 2

Estrofes 3 3

Atendimento às

características do

gênero

1 1

Prosa vs poesia 3 3

GÊNERO

TEXTUAL

= NOTÍCIA

- Estrutura do

gênero (título, lead e

o texto)

1 1

- Perguntas que

compõem o texto

4 4

- Lead 5 5

- Estilo do gênero 3 3

- Data 3 3

CONVENÇÕES

GRAMATICAIS

Acentuação 4 1 5

Ortografia 26 8 34

Pontuação 2 3 5

Concordância 5 2 7

COERÊNCIA Interpretabilidade e

à inteligibilidade do

texto

3 5 8

COESÃO Referencial 1 1

Sequencial 1 1

Aceitabilidade 3 3

187

Como podemos perceber, a professora observou diversos aspectos durante a

avaliação dos textos dos seus alunos. Dentre os 34 elementos observados, chama

atenção o fato de a professora trabalhar alguns dos que são responsáveis pela

textualidade de um texto.

Discutimos no referencial teórico, mais especificamente no tópico sobre

concepção de texto, a existência de sete elementos que fazem com que um texto seja

reconhecido como tal. Esses critérios de textualidade foram primeiramente

sistematizados por Beaugrande e Dressler e discutidos em momentos posteriores por

Costa Val (2006), Koch e Travaglia (1999) e Marcuschi (2008). Para uma melhor

visualização, marcamos em verde na tabela acima os elementos que dizem respeito à

textualidade.

Um primeiro aspecto diz respeito à continuidade ou manutenção temática. Ele

foi observado em três momentos pela professora A, durante a sequência envolvendo o

gênero poema. Vejamos abaixo a transcrição de um diálogo no qual a professora

conversa com uma aluna sobre ele:

ASPECTOS GRÁFICOS

Legibilidade gráfica 1 1 2

Caligrafia 2 2

Quantidade de linhas

1 1 2

Repetição de palavras 4 4

Mudança de palavra 1 1

Retirada de informações/palavras 1 1

Título 2 1 3

Oral X escrito 1 1

Tempo verbal 1 1

Sintaxe 2 2

188

AULA 4 (sequência sobre poema – produção de texto)

P: (...) Aí veja. Você botou, você mudou completamente o que você vinha dizendo.

Meio ambiente. Isso é o melhor paraíso de se viver. Se preservar o meio ambiente,

sobreviveremos mais. Aí depois vem, passarinho a cantar, borboletas a voar.

Aluna: Isso aqui de novo?

P: Sim, mas... num ficou meio solto? Tá notando?

Como podemos perceber, a professora chama a atenção da aluna para o fato de

ela ter mudado repentinamente o tópico frasal e isso ter causado uma desarticulação

entre as ideias do texto.

Da mesma forma, em outra aula, realizada durante a sequência sobre notícia, a

professora A aponta para a necessidade de o aluno estabelecer uma progressão temática

para seu texto:

AULA 14 (sequência sobre notícia – avaliação do texto)

P - Ó, uma coisa, uma coisa que eu observei e muito foi a questão da organização... do

texto. Tem que ter um começo... um meio e um fim. Numa ordenzinha direitinha,

minha gente.

A professora ainda utiliza a tradicional ideia de progressão como “início, meio e

fim”, fórmula que seria válida para todo e qualquer texto. Entretanto, entendemos que as

formas de se estabelecer a progressão textual dependem do gênero. Por exemplo: a

progressão das ideias em uma receita está relacionada à ordem de uso dos ingredientes e

da execução dos procedimentos passo a passo; já num conto, a progressão textual diz

respeito à ordem em que os fatos acontecem no decorrer do tempo.

A professora A também chamou a atenção dos alunos para a interpretabilidade e

a inteligibilidade do texto – que têm a ver com a coerência– em 8 momentos (3

orientações na sequência sobre poema e 5 orientações na sequência sobre notícia).

AULA 4 (sequência sobre poemas – produção de texto)

P: Tá muito parecido! “O meio ambiente é muito legal...”. Leia aqui, que eu não tô

entendendo!

Aluno: “O meio ambiente é muito legal, pode porque as pessoas...”

189

P: Esse “pode porque as pessoas...” tem sentido? Pode porque as pessoas... vamos lá?

O que você quer dizer?

Como podemos perceber, a professora, assumiu seu papel de leitora ao tentar

atribuir sentido ao texto, mas não conseguiu compreender determinada passagem e

demonstrou seu estranhamento para o aluno.

Em relação a esses dois últimos aspectos, sinalizamos, no tópico sobre as

condições de produção construídas pela professora para a escrita das notícias, que em

vários momentos durante a elaboração textual ela remete os alunos às práticas de

produção extraescolares desse gênero, fazendo-os pensar sobre o público-alvo e as

implicações da natureza desse público para o texto. Para a professora, essas implicações

do interlocutor se restringem justamente à interpretabilidade/inteligibilidade do texto e à

articulação/progressão das ideias nele presentes. Isso porque ela repete várias vezes

orientações como as que estão presentes no trecho abaixo:

AULA 12 (sequência sobre notícias - produção de texto)

P: (...) Olha! Quando for escrever tem que ter uma coisa em mente, né? As pessoas vão

ler. Se eu sou o jornalista, eu tenho que ter cuidado com o meu texto. Como é que tá o

meu texto? Será que as pessoas... como eu tô escrevendo, será que as pessoas vão

entender? Né? Eu tenho que ter cuidado. Quando tiver escrevendo, ler o que tá

escrevendo. Você lê pra ele, ele lê pra você. Pra ver se está um texto legível. Um texto

que as pessoas entendam. Que tenha começo, meio e fim. Bote em mente que quem vai

ler são as pessoas e vocês são os jornalistas. Então, o público todo vai ler, né? Recife

todo, Pernambuco todo. Tem que ser um texto que todo mundo entenda, né? Quando

terminar de escrever o texto, uma lê pra outras. Pra ver se tá legível, pra ver se tá legal,

um texto que todos entendam. Vocês são os jornalistas e milhares de pessoas vão ler,

né? O Estado todo. Então tem que ser um texto bem escrito. Quando terminar de

escrever, uma lê pra outra. Vê se tem começo, meio e fim. Vê tudo se tá tudo direitinho.

No exemplo acima, vemos que a professora A pede para os alunos imaginarem

que a notícia produzida por eles será lida por muitas pessoas e, portanto, eles devem

escrever seus textos de modo que elas entendam. Da mesma forma, esse público

imaginário deve ajudá-los a escreverem textos com progressão de ideias. Apesar de

190

chamar atenção para tais aspectos da textualidade e sinalizar que eles estão relacionados

ao atendimento da situação de comunicação, acreditamos que a professor ainda fornece

tais orientações de forma muito vaga. Ou seja, o aluno precisa de mais orientações sobre

como atender às solicitações da professora: “Como fazer as pessoas entenderem meu

texto?”, “Como articular as ideias em meu texto de maneira lógica e com progressão?”.

A professora apenas aponta para a necessidade de o aluno observar tais aspectos, mas

não dá subsídios suficientes para ajudá-los nessa tarefa.

Outro aspecto observado pela professora A foi a necessidade de acréscimo de

informações ou complementação de sentido, que tem a ver com o grau de

informatividade do texto. Dos fatores de textualidade por ela trabalhados, esse foi o

mais frequente em suas observações: a docente chamou atenção para tal aspecto em 14

momentos (1 durante o desenvolvimento da sequência sobre poema e os outros 13, na

sequência sobre notícia). Vejamos a seguir um exemplo dessa ocorrência:

AULA 14 (sequência sobre notícia - revisão e reescrita coletiva)

P: (...) Ó, sentaram, jantaram, conversaram sobre a novela. E daí? Como foi que

terminou essa noite? É só dizer como foi que terminou essa noite, né?

Aluna: Eles foram pro hotel...

A docente solicita que os alunos acrescentem um desfecho para a notícia,

apontando como terminou o jantar entre os dois artistas, pois os alunos que escreveram

a primeira versão do texto não haviam fornecido tal informação. Em outro momento,

durante a realização da sequência sobre notícia, a professora A também examina um

caso de coesão referencial, como podemos acompanhar na transcrição abaixo:

AULA 14 (sequência sobre notícias – revisão e reescrita coletiva)

P: O que foi que aconteceu na noite de ontem? Gente, eu não posso dizer “Na noite de

ontem, eles jantaram”. Tem que dizer quem foi, né? Quais foram os atores? Luciano...

Aluna: Rodrigo Lombardi e o americano.

Ao nosso ver, seria relevante a professora não apenas apontar o problema, mas

explicar para os alunos por que, naquele contexto, não se poderia empregar o pronome

eles. Nesse caso, ela deveria esclarecer que, quando nos referimos pela primeira vez no

191

texto a determina pessoa, temos que dizer o nome dela e só em ocorrências posteriores é

adequado usar elementos de referenciação, como o pronome pessoal eles, pois o leitor

busca essa referência no início do texto.

Há ainda uma ocorrência de coesão sequencial, presente na sequência sobre

poemas. Vejamos como a professora trabalhou esse aspecto da textualidade:

AULA 4 (sequência sobre poemas – produção de texto)

P: Fica “por isso”?

Aluna: Para isso.

P: Ah! E “preservar” . Tá faltando o quê?

A professora chama a atenção da aluna para a inadequação do uso do conectivo

“por isso”, de tal modo que a própria aluna consegue corrigir sua escrita, alterando a

palavra. Entretanto, mais uma vez a professora apenas aponta o problema, mas não

reflete com a aluna sobre suas motivações.

Por fim, a docente toca na questão da aceitabilidade do texto em 3 momentos

durante a sequência envolvendo o gênero notícia. A transcrição do diálogo abaixo diz

respeito a um desses momentos:

AULA 14 (sequência sobre notícias – avaliação dos textos nos grupos)

P: (...) Cuidado pra não dizer uma coisa que não corresponde. Você botou assim: “o

ônibus quebrou e algumas pessoas ficaram... morreram” ...

A professora, mais uma vez se colocando no papel de leitora, estranha uma

informação escrita pelos alunos, segundo a qual pessoas morreram porque o ônibus

quebrou. Tomando como base a imagem que originou a notícia, a professora expressou,

através de sua pergunta, que essa informação é inaceitável para ela, pois apresentava

problemas na lógica dos fatos: pessoas não morrem simplesmente porque um ônibus

quebra no meio de uma avenida.

Apesar de serem poucas as abordagens desse tipo, elas dão indício de que a

professora A já está atenta para a necessidade de olhar aspectos relativos à textualidade,

inclusive aqueles de ordem pragmática, como “informatividade”,

“interpretabilidade/inteligibilidade” e “aceitabilidade” do texto. Entretanto, ela faz isso

192

de forma muito tímida, superficial (apenas aponta o problema, mas não o discute com

os alunos) e assistemática (as orientações são muito soltas e não há uma preocupação

em sistematizar o conhecimento linguístico produzido).

Os dados presentes na tabela 5, mais especificamente aqueles marcados de azul,

indicam a ênfase dada pela professora A às convenções gramaticais: a acentuação, a

ortografia, a pontuação e a concordância. Juntas, as orientações realizadas pela

professora que envolvem tais aspectos perfazem um total de 51 ocorrências. Além disso,

dentre todos os aspectos avaliados pela professora A, as convenções ortográficas são as

mais frequentemente lembradas (34 ocorrências).

Muitos pesquisadores têm se dedicado a verificar quais critérios o professor

adota na avaliação dos textos dos seus alunos; dentre eles, podemos citar Herreira

(2000), Leal e Guimarães (1999), Rodrigues (2008), Mayrink-Sabinson (1997), Jesus

(1995) e Ruiz (2001). De uma forma geral, esses autores chegaram à mesma conclusão

já desenhada no presente estudo: há uma preocupação excessiva dos professores com os

aspectos formais do texto, encontrados na superfície textual.

Lamentamos que isso tenha acontecido, pois estudos como o de Costa Val

(2006) demonstram que o maior problema dos textos dos alunos não está nos aspectos

formais, mas na estrutura lógico-semântico-cognitiva subjacente dos textos. Essa autora

analisou redações do vestibular Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG/1983)

de cem candidatos ao curso de Letras e constatou que as falhas que se mostraram mais

relevantes diziam respeito à informatividade e a dois requisitos básicos da coerência (a

não contradição externa e a articulação). Em contraposição, a correção gramatical, na

grande maioria dos textos (85%), apresentou-se no nível mediano (41%) ou bom (45%).

Concordamos, portanto, com Costa Val (2006) quando ela defende que

problemas nessa área são menos relevantes, pois não são muito frequentes e não causam

tantos prejuízos para a qualidade das produções (ou seja, um texto com muitos

problemas dessa ordem, uma vez avaliado, revisado e reescrito, não se torna

necessariamente um texto melhor, mais convincente ou mais interessante para o leitor).

Por que será que os professores, a despeito de constatações como essa,

continuam focalizado, em suas avaliações, os aspectos gramaticais? Geraldi (1997), ao

discutir sobre os modos como os professores de língua portuguesa selecionam seus

conteúdos de ensino, afirma que costumeiramente é feito um recorte no que seria “a

língua” e os docentes passam a ensinar apenas uma parte dela. No caso da produção de

193

texto, muitos professores enfatizam os aspectos formais, talvez por serem mais fáceis de

perceber (ou seja, são mais visíveis e palpáveis no texto) e também mais fáceis de

ensinar para os alunos. Por sua vez, esse recorte aparece como o todo, isto é, como se a

língua fosse apenas forma quando, na verdade, é apenas uma parte dentro do todo, pois

há muitos outros aspectos que compõem a língua além dos formais.

Outra explicação para a ênfase dada pelos professores aos aspectos gramaticais

está na tradição: “Conteúdos de ensino há que foram, são e serão conteúdos porque

simplesmente sempre foram ensinados” (op. cit., p. 90). A valorização da correção

gramatical é uma postura que vem sendo passada de geração para geração de

professores. Isso porque muitos dos alunos que são submetidos às avaliações da escola

serão os futuros professores de português e possivelmente repetirão o tipo de avaliação

que foi vivenciado por eles enquanto alunos. Nesse movimento, ninguém questiona se

esses critérios correspondem às reais necessidades dos estudantes: simplesmente

reproduz-se uma postura.

O professor tem disponível atualmente uma gama enorme de conhecimentos

teórico-metodológicos, os quais apontam para outras demandas de aprendizagem e,

consequentemente, para outros caminhos em termos de ensino. A despeito disso, muita

coisa não tem mudado nas aulas de Língua Portuguesa. O professor, enquanto sujeito-

reflexivo, também precisa fazer escolhas: ou continuar exercendo uma prática docente

que pouco ajuda o aluno a desenvolver suas habilidades de escrita ou tentar alterar suas

estratégias de ensino de modo a potencializar esse aprendizado. Se optar pela segunda

opção, precisa ser autocrítico o suficiente para compreender os seus limites e ir atrás de

outros conhecimentos. Seja qual for sua escolha, o professor deve tomá-la de forma

consciente e, acima de tudo, deve ter clareza de suas consequências.

Com a linguagem, o indivíduo “fala sobre o mundo” e “fala sobre o modo como

ele fala sobre o mundo” (GERALDI, 1997). No momento da avaliação, não podemos

perder de vista esses dois aspectos, porque, senão, não estaremos trabalhando de fato

com a linguagem. Entretanto, o que constatamos nas análises das aulas da professora A

é que ela não promove a reflexão sobre o “falar sobre a linguagem”. Isso porque, como

já apontamos, ela prioriza os aspectos formais durante a avaliação dos textos dos seus

alunos, quando sabemos que a forma é apenas um dos aspectos componentes da

linguagem.

194

No capítulo sobre avaliação, mais especificamente no tópico “A questão dos

critérios de avaliação”, discutimos a importância de a avaliação da produção escrita ser

resultado de um trabalho que contemple o texto em toda a sua complexidade,

abordando, como apontam Costa Val et al.(2009) e Dolz, Gagnon e Decândio (2010),

não apenas a dimensão gramatical, mas também as dimensões discursiva e semântica.

Nesse sentido, acreditamos que, além de avaliar os aspectos gramaticais (que

devem realmente ser observados, pois o aluno precisa se apropriar das convenções da

língua escrita em sua variedade padrão), o professor deve também fazer o aluno refletir

sobre a adequação/inadequação do texto, ajudando-o a dizer melhor aquilo que ele quis

dizer e apontando outros caminhos possíveis para atingir os fins pretendidos

(ANTUNES, 2006). Para tanto, como dizem Marinho (1997) e Geraldi (2003), ele

precisa atuar como um interlocutor do aluno, questionando, sugerindo, testando o texto

como um verdadeiro leitor e constituindo-se, assim, como um coautor da produção

escrita do aluno.

Durante esse trabalho, o professor deve ajudar os alunos a refletirem sobre as

estratégias do dizer por eles usadas, considerando que estas são sempre selecionadas ou

construídas em função tanto do que se tem a dizer quanto das razões para dizer o que se

diz a quem se diz. Assim, é importante o professor olhar para as construções do texto

tentando entender como elas foram pensadas dentro do projeto de dizer do aluno e não

como um fim em si mesmas.

Em contrapartida, vimos nas análises das aulas da professora A que ela não

valoriza o “falar sobre o mundo do aluno”, ou seja, não demonstrou interesse por aquilo

que os alunos tinham a dizer sobre os temas solicitados. Podemos comprovar isso

através da transcrição de um dos diálogos travados com os alunos durante a avaliação

dos textos por eles escritos:

AULA 5 (sequência envolvendo o gênero textual poema – avaliação individual)

A aluna lê o texto em tom muito baixo e com rapidez.

P: Você criou ou copiou? Você sabe que não pode ser igual, né? Se tiver igual à outra

pessoa! Ó, por que essa letra maiúscula tá aqui? Tem necessidade disso? E aqui, cadê o

maiúsculo? A mesma coisa. Letra maiúscula no meio do verso. Nem R, nem...

195

‘constri...’. Tá ‘constrir’. Tá faltando o quê? Isso é um I é? Tá faltando o quê? Construir.

Isso é um U ou um I?

Aluna: I.

P: Então, tá faltando o que aqui? Tem ‘constrir’. Construir! Só isso? E tirar essas letras

maiúsculas aqui do texto.

Aluna: A senhora gostou do que eu escrevi?

P: Tá ótimo! Maravilhoso. Por isso que eu tô achando que não foi seu.

Como podemos perceber, a aluna perguntou à professora, depois de esta ter

avaliado seu texto estritamente em relação a aspectos ortográficos, se ela havia gostado

de sua produção, na certa referindo-se ao conteúdo. Provavelmente, a aluna sentiu falta

de um olhar da professora para além dos aspectos linguísticos. Por meio desse caso,

confirmamos o que foi dito por Costa Val et al. (2009): quando os alunos produzem

seus textos, eles esperam algum retorno do professor sobre o que escreveram, retorno

este capaz de permitir uma dialogia. Entretanto, a professora desvalorizou esse dizer e

bloqueou o diálogo com a aluna ao especular que o texto estava tão bom, que nem

parecia ter sido produzido por ela.

A esse respeito, acreditamos que os professores deveriam solicitar que os alunos

escrevam textos primeiramente porque querem saber o que eles pensam sobre o assunto

e o que eles têm a dizer a respeito. Pois, como diz Suassuna (2009):

Inegavelmente precisamos tematizar, nas aulas de português, suas especificidades (afinal, somos professores de português e não de outra coisa). Mas precisamos, além disso, querer saber quem são nossos alunos, como pensam, o que desejam, como (re)constroem suas referências de mundo, a partir daquilo que lhes ensinamos. (p. 94).

Para que isso aconteça, ratificamos mais uma vez a necessidade de o professor

ser, acima de tudo, um leitor dos textos dos seus alunos. Isso porque entendemos que a

avaliação textual é uma atividade de leitura como qualquer outra que se realiza fora da

escola. Quando lemos ou ouvimos um texto em situações extraescolares, realizamos

uma apreciação não apenas de sua forma, mas principalmente de suas ideias. O

professor deve, portanto, tomar como exemplo essas práticas de leitura e avaliar os

textos dos seus alunos de modo semelhante. No caso da professora A, os alunos têm em

sala de aula uma “corretora”, mas não uma “leitora” para seu texto. Entretanto, como

196

aconselha Britto (1990), “O professor tem que aprender a ler os textos de seus alunos e

desaprender a corrigi-los”. (p. 21) Isso se faz necessário, pois, assim como Geraldi

(1991), acreditamos que, pelo fato de o professor realmente demonstrar interesse sobre

o que o aluno escreveu, o trabalho de reflexão sobre o texto ganha mais sentido para o

aluno e, assim, ajuda-o a compreender melhor os recursos linguísticos usados na sua

construção.

Constatamos também que a professora A, além de não atentar para o que os

alunos tinham a dizer, também não problematizou esse dizer. Esse aspecto se mostra

nítido ao analisarmos os poemas produzidos pelos alunos: eles estavam muito parecidos

uns com os outros, na medida em que traziam as mesmas ideias sobre meio ambiente

(“O meio ambiente é um lugar bom pra se viver”; “É o lar de muitas árvores e

animais”, “Devemos proteger o meio ambiente”; “Temos que cuidar da natureza”;

“Temos que plantar mais árvores”; “Não jogue lixo” etc.).

Esses trechos indicam que o discurso assumido pelos alunos em seus poemas é

superficial, ingênuo, romântico, faz parte do senso comum. É normal que alunos do 6º

ano, numa faixa etária entre 10 e 12 anos, pensem dessa forma, pois eles ainda estão em

processo de construção de sua consciência cidadã. Entretanto, não é adequado que eles

avancem para os anos seguintes repetindo esse mesmo discurso. Para que isso não

aconteça, é necessário não apenas o professor compreender o dizer do aluno (no sentido

cognitivo), mas oferecer uma “contrapalavra” a esse dizer, posicionando-se sobre ele,

trazendo outras ideias e confrontando com outros pontos de vista, de modo a fazer o

aluno reconstruir suas posições ou, se for o caso, reafirmá-las.

Bakhtin (1997) trabalha com essa categoria para mostrar que todo ouvinte ou

leitor, quando recebe um texto (oral ou escrito), adota simultaneamente para com ele

uma “compreensão responsiva ativa” (concorda, discorda, completa, adapta etc.): ou

seja, não apenas entende o enunciado, mas de uma forma ou de outra produz uma

resposta a ele, passando também a ser locutor. Essa resposta é denominada por ele de

“contrapalavra”.

A avaliação, como toda manifestação linguística, também se revela como uma

compreensão responsiva ativa do professor ao projeto de dizer do aluno e,

consequentemente, como uma contrapalavra a esse dizer. Mas que contrapalavra foi

oferecida pela professora A ao texto do aluno? Apenas a correção, ao nosso ver. Ela até

constatou que os textos estavam muito repetitivos, mas, mesmo após o processo de

197

avaliação, revisão e reescrita, os poemas continuavam veiculando o mesmo discurso

ingênuo porque a docente não mediou suas intervenções de modo a resolver essa

situação.

Seria importante a professora, a partir de determinadas afirmações sobre o meio

ambiente presentes nos textos dos alunos, questionar as verdades neles presentes. Nesse

sentido, ela poderia ter desmistificado esse discurso do senso comum (do tipo “o meio

ambiente é lindo e temos que preservar”). Para tanto, ela iria problematizar essa ideia,

trazendo pontos de vista diferentes, criando desacordos e mostrando aos alunos que a

questão é bem mais complexa:

a) Em relação ao termo “meio ambiente”: ele não pode ser visto apenas como a

natureza intocada, um pedaço da Terra onde o ser humano é separado da

natureza (como aparece nos poemas das crianças), mas como o conjunto de

fatores naturais, sociais e culturais que envolvem os indivíduos e com os quais

eles interagem, influenciando e sendo influenciados por eles;

b) Em relação ao discurso de que “devemos preservar o meio ambiente”: O que

significa “preservar”? Seria simplesmente “não tocar mais” na natureza? Muito

se tem discutido que as ações e atividades do homem devem suprir as suas

necessidades, sem agredir o meio ambiente, usando os recursos naturais de

forma inteligente para que estes se mantenham e garantindo, assim, um

desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, o problema não está em usar os

recursos naturais, mas em explorá-los de forma indiscriminada.

Essas e outras questões poderiam ter sido levantadas pela professora ao

perceber, durante a avaliação, que os textos dos seus alunos tratavam o tema do meio

ambiente de modo superficial e repetitivo. Os alunos estavam vivenciando a “Semana

do Meio Ambiente”, um momento pedagógico pensado especificamente para os

professores, através dos recursos próprios das suas disciplinas, promoverem reflexões

sobre tais questões. É papel do professor trazer novas ideias pra dentro da escola,

renovando os discursos que nela circulam e fazendo surgir novos discursos. Ao

participarem de discussões como essas, os alunos teriam a oportunidade de ampliar suas

visões de mundo e ultrapassar os discursos emitidos em seus textos. A sala de aula é um

lugar para o aluno (re)construir o seu dizer.

198

Com certeza, a interação em sala de aula seria enriquecida com esse movimento

e a avaliação se configuraria como uma verdadeira prática de dialogia. Isso porque a

professora teria estabelecido um diálogo com seu aluno a respeito do entendimento que

ele teve do meio ambiente depois de ler e produzir poemas. Portanto, como aponta

Britto (1990), “qualquer prática de reestruturação de um texto deve levar em

consideração que o aluno e o professor são sujeitos em interlocução”. (p. 21) Só assim

a prática de avaliação de textos por parte do professor e as práticas de revisão e reescrita

por parte dos alunos configurar-se-ão como turnos de uma interação construída no

diálogo das ações de ensino-aprendizagem.

Os dois casos acima discutidos são exemplos do que Suassuna (2009) chama de

“funcionamento do discurso na sala de aula”, segundo o qual a representação que o

sujeito tem do mundo não é importante, visto que a escola se preocupa mais com a

correção gramatical e com a reprodução do discurso autorizado. Em contraposição, na

perspectiva que adotamos, de linguagem como interação, privilegiamos a expressão dos

sujeitos e as formas como este se constituem através do seu dizer.

Retornando à análise dos aspectos observados pela professora A durante o

processo de refacção textual, pudemos constatar, a partir dos dados trazidos na tabela 5

(especificamente os que estão marcados de rosa), que ela avalia, com certa frequência,

questões relativas aos gêneros textuais trabalhados. A esse respeito, notamos que,

durante a avaliação dos textos, a professora se manteve coerente com a abordagem que

adotou para o trabalho com os gêneros textuais nas atividades de caracterização dos

mesmos. Isso porque ela continuou focalizando os aspectos formais do poema e da

notícia:

a) Em relação ao gênero poema, foram observados “o uso de versos e estrofes”,

“o atendimento geral às características do gênero” e “a diferença entre prosa e poesia”;

b) No que tange ao gênero notícia, foram analisados “a estrutura do gênero” (a

presença do título, do lead e do texto), “as perguntas que compõem a notícia” (O que

aconteceu? Onde aconteceu? Quando aconteceu? Como aconteceu? Quem participou?),

“a data” e “o estilo do gênero”.

Entretanto, sabemos que os gêneros não são compostos apenas por aspectos

formais. Como já discutimos no referencial teórico (mais especificamente no tópico

“Gêneros textuais: conceitos e definições”), são três os elementos que, de acordo com

Bakthin (1997) caracterizam os gêneros textuais: “o conteúdo temático”, “a construção

199

composicional” e “o estilo” Nesse sentido, a construção composicional (ou seja, a parte

formal do gênero, que diz respeito às organizações textuais partilhadas pelas diferentes

manifestações linguísticas e que nos permitem reconhecê-las como pertencentes a um

determinado gênero) é apenas um dos elementos que os compõem. Embora os gêneros

possam ser facilmente reconhecidos devido às suas formas similares, não é esse aspecto

que os define e sim a sua “função”. Isso porque, como defende Marcuschi (2008b),

quando dominamos um gênero textual, não dominamos uma forma linguística, mas um

modo de realizar linguisticamente certos objetivos em determinadas situações de

interação.

Reconhecendo tais aspectos, concordamos com Dolz e Schneuwly (2004)

quando eles defendem um ensino sistemático dos gêneros textuais que leve o aluno a

refletir sobre não só sobre as características formais dos textos, mas também sobre seus

contextos de uso. Uma abordagem assim é indispensável a uma verdadeira apropriação

pelos alunos da capacidade de produzir diferentes gêneros textuais em situações

diversas de uso da língua.

Vale salientar ainda que notamos algumas diferenças significativas entre a

avaliação que a professora realizou dos poemas e a avaliação das notícias. Como já

apontamos anteriormente, em ambos os gêneros houve uma ênfase na avaliação de

aspectos relativos às convenções gramaticais e aos aspectos formais. Entretanto, na

avaliação dos poemas, a professora concentrou mais sua atenção nas questões

ortográficas do que na avaliação das notícias. Isso porque a docente realizou 26

orientações relativas à ortografia ao avaliar os poemas, enquanto que na análise das

notícias efetivou apenas 8 comandos. Da mesma forma, no que tange à informatividade,

a professora chamou a atenção dos alunos para a necessidade de acrescentar

informações praticamente apenas na avaliação das notícias, visto que em apenas um

momento forneceu orientações a respeito desse aspecto durante a avaliação de poemas.

Ou seja, em relação aos poemas, a professora A se preocupou mais com a forma,

enquanto que, com as notícias, além de observar os aspectos formais, ela também se

preocupou com o sentido do texto.

De fato, esses dados quantitativos ratificam um aspecto notado durante as

análises: na atividade de avaliação dos poemas, a professora A pouco interfere no

conteúdo do texto. Observamos que a docente não julgava se as ideias estavam boas ou

não, de modo a orientar os alunos a manter, tirar, acrescentar ou mudar algumas delas.

200

Ou seja, a professora aceitou todas as ideias postas pelos alunos. Nos poucos momentos

em que se voltou para o conteúdo textual, ela se mostrou mais preocupada em ajudar os

alunos a organizarem as ideias que já estavam no texto de modo que estas fossem

compreensíveis. Para tanto, ela orientou os alunos em relação à

continuidade/manutenção temática (em 3 momentos), à organização das ideias (em 3

momentos) e à interpretabilidade/inteligibilidade do texto (em 3 momentos).

Por que será que isso aconteceu? Várias hipóteses podem ser levantadas para

tentar explicar essas ocorrências.

Talvez a professora A não tenha interferido no conteúdo textual dos poemas

produzidos por seus alunos porque ache que na produção desse gênero ela não pode “se

intrometer” muito no sentido criado pelo aluno, porque esse é um gênero “mais livre”,

no qual a expressão subjetiva não pode ser “tolhida”. Em contrapartida, a docente pode

ter concentrado mais sua atenção na informatividade das noticias porque nesse gênero a

função informativa da linguagem é muito forte, ao contrário, dos poemas, que cumprem

outras funções sociais.

Já em relação à maior ênfase atribuída à correção gramatical na avaliação dos

poemas do que na análise das notícias, podemos levantar a hipótese de que, pelo fato de

os poemas serem expostos no mural da escola e, nesse sentido, serem lidos por toda a

comunidade escolar, a professora tenha sentido a necessidade de investir muito esforço

nesse aspecto para que os textos ficassem mais apresentáveis.

Além disso, a diferença no tratamento desses dois gêneros talvez tenha

acontecido porque seja mais fácil para a professora A trabalhar com notícia do que com

poemas. A presença da notícia na sala de aula tem sido muito frequente, visto que se

trata de um texto de ampla circulação social, de fácil contato e de estrutura

composicional mais estável. Aliás, podemos notar um apelo muito grande nas

metodologias mais recentes de ensino da língua para trabalhar com gêneros do domínio

midiático, apelo este materializado nos currículos e nos livros didáticos.

Em contraposição, o trabalho com a poesia, ou seja, a exploração do poema

enquanto obra estética é escassa na sala de aula. Por ser um texto curto, é

frequentemente utilizado como pretexto para o ensino da gramática normativa. Talvez

isso ocorra por falta de uma formação mais específica na área de literatura que embase o

professor em suas aulas.

201

Retomando os dados discutidos acima, vimos nas aulas da professora A uma

ênfase no atendimento às convenções gramaticais por parte do aluno. Do mesmo modo,

durante a avaliação ela focalizou a estrutura dos gêneros poema e notícia. Mesmo num

ensino a partir dos gêneros textuais, como o da professora A, que se propõe diferente do

tradicional ensino da produção de texto com base nas redações clássicas, os aspectos

formais continuam sendo o principal foco. Por que isso acontece?

Acreditamos que esse comportamento é consequência da forma como a

produção de texto ainda continua sendo realizada na escola: mesmo escrevendo textos

“à moda de” gêneros extraescolares, como o poema e a notícia, eles têm como leitor

privilegiado o professor, circulam apenas no espaço escolar e têm por única função

desenvolver e avaliar as capacidades de escrita dos alunos (MARCUSCHI, B., 2006b).

A professora ainda não consegue trabalhar os gêneros como instrumentos

utilizados pelos indivíduos para se inserir nas práticas comunicativas. O foco das

atividades de leitura e de produção de texto continuam sendo os elementos formais em

si e não o discurso, mais especificamente, os modos de agirmos discursivamente em

determinadas situações. Assim, entendemos que uma mudança na forma de avaliar o

texto pelo professor e no modo como o aluno revisa e reescreve seu texto tem de ser

realmente precedida por uma mudança na forma como se realiza a produção de texto na

escola.

Após identificarmos quais são os aspectos enfocados e priorizados nas

orientações dadas pela professora A, vamos nos deter nas orientações fornecidas por ela

para ajudar os alunos a revisar e reescrever seus textos, buscando identificar se estas são

apresentadas com clareza.

3.1.3.4 As orientações são oferecidas com clareza para os alunos pela professora A?

Constatamos que, na maioria das vezes, as orientações oferecidas pela

professora são claras, pois ela ajuda o aluno a identificar o que é para ser mudado e

como fazê-lo. O diálogo abaixo exemplifica tal aspecto:

AULA 6 (sequência sobre poemas – avaliação de texto)

P: Que letra é essa? A palavra é “garrafa” ou “garafa”?

Aluna: Garrafa.

202

P: Então, precisa de quantos r?

Como podemos perceber, a professora chama a atenção do aluno para o

problema de ortografia ao mostrar a diferença de pronúncia da palavra com um e com

dois “erres”. Em seguida, ajuda a aluna a solucionar essa inadequação ortográfica

alterando a quantidade de “erres” escritos.

Entretanto, em algumas situações notamos que as orientações não são

suficientes, ou seja, são dadas poucas informações para ajudar o aluno a repensar seu

texto. Em uma dessas situações, ocorrida durante a produção de texto, a professora

percebeu que uma aluna estava escrevendo seu texto em prosa e chamou a sua atenção

para tal fato:

AULA 3 (sequência sobre poemas – produção de texto)

P: Eu perguntei assim a vocês: o poema, ele tá na folha, tal... ele tá organizado na

folha como? De canto a canto? Da margem direita à margem esquerda? É assim o

poema? É assim o quê? A prosa, né? É mais assim a prosa. Como é que vamos

transformar pra cá? Vamos ver. Vá ler!

A professora remete a aluna à aula na qual foi trabalhada a relação entre prosa e

poesia para explicar que a diferença entre esses dois estilos se dá pelo modo como o

texto se dispõe na página (na poesia, em versos, e na prosa, em linhas ininterruptas). No

momento da avaliação individual do poema, a professora lembra que esse problema

estava presente desde o início da elaboração do texto da aluna e volta a chamar a

atenção dela para tal aspecto:

AULA 6 (sequência sobre poemas – avaliação individual)

P: Tá ainda um texto em prosa.

Aluna 4: Mas eu fiz com estrofe.

P: Eu sei que você fez com estrofe, mas ainda tá um texto em prosa. Tá mais prosa do

que poema. Próximo!

A professora se mostra insatisfeita com o texto, o que causa estranheza na aluna,

já esta se esforçara para modificar sua produção seguindo a orientação da professora ao

203

introduzir versos em seu texto. A seu ver, ela tinha conseguido colocar em prática o que

foi ensinado pela professora; para ela, bastava escrever o texto em versos para que este

se configurasse como um poema. Esse foi o principal conhecimento ensinado pela

professora em relação à diferença entre prosa e poesia. Há, entretanto, outros elementos

que diferenciam esses dois estilos que não foram trabalhados pela professora ou não

foram incorporados pela aluna.

Diante disso, cabia à professora apontar tais aspectos, dando mais informações

sobre como ela deveria proceder para revisar/reescrever seu texto. Para tanto, ela

poderia responder a questionamentos como: Por que o texto está mais em prosa? Que

elementos da prosa ainda continuam presentes no texto e que poderiam ser

modificados? Que outros elementos da poesia poderiam ser inseridos?. Dessa forma, a

professora iria ajudar a aluna a reconstruir seu conhecimento sobre tal assunto (sabemos

que escrever em versos é um requisito para fazer poesia, mas não o único). Lamentamos

que essa reconstrução não tenha acontecido, visto que, mesmo após a avaliação, revisão

e reescrita, o texto dessa aluna continuou preponderantemente em prosa.

Da mesma forma, há situações nas quais a escassez de subsídios é grande e as

orientações se mostram muito amplas e/ou imprecisas:

AULA 14 (sequência sobre notícia – produção de texto)

P: Quando terminar de escrever, um lê para os outros. Tem que ver se tem uma lógica

o texto de vocês, se tá bem escrito.

P: Pra ver se tá legível, pra ver se tá legal, um texto que todos entendam. Vocês são os

jornalistas e milhares de pessoas vão ler, né? O Estado todo. Então, tem que ser um

texto bem escrito. Quando terminar de escrever, uma lê pra outra. Vê se tem começo,

meio e fim. Vê tudo se tá tudo direitinho.

A professora A tenta usar um vocabulário mais próximo das crianças, ao

empregar palavras despojadas (como “legal”) e utilizar diminutivos (como “direitinho”).

Entretanto, essa preocupação com a adequação da linguagem acaba comprometendo a

precisão das orientações. Ao analisarmos tais falas, nos restam inúmeras dúvidas: O que

é “ter uma lógica”? Como seria um texto “legal”? E um texto “bem escrito”? O que

significa “estar tudo direitinho”?

204

No tópico a seguir continuaremos a análise sobre as orientações fornecidas pela

professora para ajudar o aluno a revisar/reescrever seu texto, buscando dessa vez

verificar se ela diversificou tais orientações em diferentes momentos da escrita.

3.1.2.5 Há diversificação nas orientações oferecidas pela professora A durante e

após a produção?

Realizamos um levantamento dos aspectos avaliados pela professora e da

frequência com que ocorrem durante a produção de texto e após a escrita da primeira

versão. A tabela seguir apresenta a sistematização desse levantamento:

Tabela 6: Aspectos avaliados durante a produção de texto vs aspectos avaliados após a

produção de texto (professora A)

Aspectos enfocados nas

orientações

Quantidade de

orientações

durante a

produção

Quantidade de

orientações

após a

produção

Total de

orientações

TEMA

Entendimento do tema 1 1

Continuidade /

manutenção temática

2 1 3

Progressão temática 1 1

IDEIAS

Geração de ideias

(subsídios temáticos)

5 5

Organização das ideias

(articulação lógica)

4 4 8

Acréscimo de

informações /

complementação de

sentido

(informatividade)

3 11 14

GÊNERO

Versos 2 2

Estrofes 3 3

205

TEXTUAL

POEMA

Atendimento às

características do gênero

1 1

Prosa vs poesia 1 2 3

GÊNERO

TEXTUAL

NOTÍCIA

Estrutura do gênero

(título, lead e o texto)

1 0 1

Perguntas que compõem

o texto

1 3 4

Lead 2 3 5

Estilo do gênero 2 1 3

Data 2 1 3

CONVENÇÕES

GRAMATICAIS

Acentuação 2 3 5

Ortografia 21 13 34

Pontuação 2 3 5

Concordância 6 1 7

COERÊNCIA Interpretabilidade e à

inteligibilidade do texto

7 1 8

COESÃO Referencial 1 1

Sequencial 1 1

Aceitabilidade 1 2 3

ASPECTOS

GRÁFICOS

Legibilidade gráfica 1 1 2

Caligrafia 1 1 2

Quantidade de linhas 1 1 2

Repetição de palavras 4 4

Mudança de palavra 1 1

Retirada de informações/palavras 1 1

Título 2 1 3

Oral X escrito 1 1

Tempo verbal 1 1

Sintaxe 2 2

206

Ao analisarmos esses dados, não encontramos muitas diferenças no tratamento

dos aspectos durante e após a produção: dos 34 aspectos observados pela professora A,

em apenas 6 houve diferença significativa no quantitativo de orientações. Observamos

que 4 aspectos estiveram presentes em um número maior de orientações durante a

produção de texto do que após a produção: ortografia (21 durante e 13 depois),

concordância (6 antes e 1 depois), interpretabilidade/inteligibilidade do texto (7 antes e

1 depois) e geração de ideias (5 antes e 0 depois).

Em relação à ortografia e à concordância, levantamos a hipótese de que esses

aspectos passaram a ser menos alvo de orientações porque durante a produção a maioria

dos problemas dessa ordem já foi solucionada, restando uma quantidade menor para ser

avaliada após a produção.

Quanto à interpretabilidade/inteligibilidade do texto, acreditamos que a

professora tenha se detido mais nesse aspecto durante a produção porque ele é um

elemento mais global do texto, visto que, se há problemas em relação a ele, todo o texto

fica comprometido. Nesse sentido, é um dos primeiros a ser observado pelo professor.

Da mesma forma, a geração de ideias é um aspecto mais presente no início da

produção, pois esse é o momento no qual o apoio da professora com sugestões sobre o

tema se mostra mais necessário.

Em contraposição, outros dois aspectos estiveram presentes em um número

maior de orientações após a produção de texto do que durante a produção: repetição de

palavras (0 durante e 4 depois) e informatividade (3 antes e 11 depois).

Talvez a professora tenha deixado para observar a repetição de palavras depois

de pronta a primeira versão do texto porque esta não requer uma reestruturação muito

profunda do texto (apenas a substituição de palavras). Da mesma forma, a

informatividade pode ter passado a ser maior preocupação da professora após a

produção de texto, pois ela queria ver todas as informações colocadas pelo aluno em seu

texto antes de sugerir as que faltavam.

As hipóteses aqui levantadas são apenas tentativas de compreender por que a

professora privilegiou determinados aspectos em determinados momentos da escrita do

texto. Entretanto, como já apontamos, foram poucos os aspectos que apresentaram essa

diferenciação. Nesse sentido, os dados aqui analisados também nos dão indícios de que

a docente praticamente não diferencia suas orientações nos diversos momentos de

escrita.

207

3.1.4.6 Perfil avaliativo da Professora A

Apresentamos a seguir uma síntese dos dados analisados a respeito da prática

avaliativa da professora A, de modo a ajudar o leitor a traçar o seu perfil de avaliadora.

No que diz respeito às estratégias didáticas usadas para ajudar os alunos a

produzir/revisar/reescrever seus textos, a professora A utilizou seis estratégias

diferentes. Esse é um aspecto positivo, pois dá indícios de que ela se preocupa com a

aprendizagem dos alunos e por isso utiliza formas diferentes para tentar garanti-la.

Duas das estratégias usadas foram o incentivo à revisão e reescrita em duplas e a

realização de uma reescritura coletiva. Apesar de realizar tais estratégias, a professora

deixou os alunos sozinhos na tarefa de ler o texto do colega e sugerir mudanças, bem

como reduziu o processo de reescritura ao acréscimo de informações e deixou de

sistematizar o que deveria ser observado e as formas como os alunos deveriam proceder

nas suas revisões e reescritas individuais. Esses dados sugerem que o emprego das

estratégias realizadas pela professora A pode ter sido comprometido pela falta de

mediação ou por uma intervenção insuficiente.

Em relação à forma como é realizada a mediação das professoras analisadas

durante a execução das estratégias avaliativas, verificamos que a professora A, na

maioria das vezes, não impõe a sua verdade. Ou seja, na sua forma de orientar, fala

sempre como se suas orientações fossem apenas sugestões e, nesse sentido, precisassem

da opinião ou aprovação do aluno. Faz parte ainda desse movimento a preocupação da

professora de fazer o aluno participar ativamente da avaliação, pensando sobre seu texto

e falando sobre ele. Para estimular essa participação, a professora faz muitas perguntas.

Ao fazer isso, ela espera que o aluno participe da avaliação identificando o problema

e/ou apontando a sua solução. Ou seja, a professora A, muitas vezes, tenta fazer o aluno

identificar o problema e não simplesmente o aponta. Para tanto, dá pistas para que o

aluno chegue à resposta por ela esperada. Quando a professora aponta o problema, ela

tenta fazer o aluno chegar à solução e não dá a resposta pronta.

Apesar de avaliar desse modo, fazendo o aluno identificar o problema e chegar à

solução, a sua mediação durante a atividade de reescritura pouco leva à reconstrução do

conhecimento pelo aluno. Isso porque sua fala se configura mais como uma intervenção

no texto produzido (apontando o erro e solicitando a correção) do que como um

momento de confrontação de um novo conhecimento com um conhecimento anterior.

208

Analisamos também quais os aspectos enfocados e priorizados nas orientações

dadas pelas professoras e verificamos que a professora A observou diversos aspectos

durante a avaliação dos textos dos seus alunos. Dentre os 34 aspectos observados,

chama a atenção o fato de a professora trabalhar, pelo menos em algum momento das

duas sequências, alguns dos aspectos responsáveis pela textualidade de um texto. Esse

fato dá indícios de que a professora A está atenta a essa nova demanda de ensino-

aprendizagem da Língua Portuguesa, discutida e apontada nos últimos anos por muitos

estudiosos da área, como Suassuna (2009), Marcuschi (2008) e Koch (2007).

Entretanto, ela faz isso de forma muito tímida, superficial (apenas aponta o

problema, mas não o discute com os alunos) e assistemática (as orientações são muito

soltas e não há uma preocupação em sistematizar o conhecimento linguístico

produzido). Apesar de trabalhar esses aspectos, ela dá ênfase às convenções

gramaticais: a acentuação, a ortografia, a pontuação e a concordância. Além disso,

vimos nas análises das aulas da professora A que ela não valoriza o “falar sobre o

mundo do aluno”, ou seja, não demonstrou interesse por aquilo que os alunos tinham a

dizer sobre os temas solicitados.

Analisamos ainda se as orientações são oferecidas com clareza para os alunos

pelas professoras e observamos que, na maioria das vezes, as orientações oferecidas

pela professora A são claras, pois ela ajuda o aluno a identificar o que é para ser

mudado e como fazê-lo. Entretanto, em algumas situações notamos que as orientações

não são suficientes, ou seja, são dadas poucas informações para ajudar o aluno a

repensar seu texto.

Por fim, verificamos se há diversificação nas orientações oferecidas pelas

professoras durante e após a produção. Ao analisamos os dados da professora A, não

encontramos muitas diferenças no tratamento dos aspectos durante e após a produção:

dos 34 aspectos observados pela professora A, em apenas 6 houve diferença

significativa no quantitativo de orientações: ortografia, concordância,

interpretabilidade/inteligibilidade do texto e geração de ideias. Isso dá indícios de que

ela não se preocupa em diversificar suas orientações de acordo com o momento do

processo de escrita.

209

3.2 Professora B

3.2.1 Sequência de atividades envolvendo o gênero textual notícia

A professora decidiu explorar esse gênero porque os alunos da 7ª série escrevem

para o jornal da escola e ela acredita que o trabalho com notícias irá melhorar a escrita

dos textos publicados. A professora, portanto, escolheu o gênero textual a ser trabalhado

em sala de aula a partir de uma demanda de aprendizagem surgida de uma prática

escolar de produção de texto. Inclusive, em alguns momentos, ela avisa aos alunos que

irá cobrar deles resultados melhores após o trabalho com as notícias: “Nada que a gente

faz na escola e na vida é só dar, dar, dar... Vai ter produções individuais e eu quero

todo mundo escrevendo melhor”.

A docente realizou uma sequência de atividades envolvendo esse gênero que

durou 11h/a, sendo cada hora-aula de 50 minutos. Abaixo apresentamos uma tabela que

sintetiza as atividades vivenciadas:

Tabela 7: Síntese da sequência envolvendo o gênero textual notícia

(professora B)

210

5h/a

Exploração das

características do

gênero notícia

ATIVIDADE 1:

- Exploração do suporte jornal: análise do jornal

AQUI PE em pequenos grupos e no grande grupo

1h/a

ATIVIDADE 2:

- Identificação das informações básicas de uma

notícia em exemplares do gênero

- Sistematização das características estudadas

através de apontamento copiado no quadro

2h/a

ATIVIDADE 3:

- Levantamento de hipóteses sobre o tema a ser

tratado em determinada notícia, com base na foto

que a acompanha

- Criação de um título para a notícia

1h/a

ATIVIDADE 4:

- Exposição sobre as características do gênero

notícia, através de slides em datashow

1h/a

ATIVIDADE 5:

- Transformação de um poema em notícia (de

forma coletiva e oral)

ATIVIDADE 6:

- Organização de uma notícia fora de ordem (de

forma coletiva e oral)

ATIVIDADE 7:

- Transformação de uma música em notícia (de

forma coletiva e oral)

ATIVIDADE 8:

- Produção coletiva e escrita de uma notícia a

partir de uma música

3h/a Produção de texto Produção individual de notícias a partir de uma música

3h/a Avaliação, revisão e

reescrita das notícias

produzidas

211

Ao final da sequência, a professora solicitou uma relação dos alunos que

produziram as notícias e avisou que iria atribuir a todos a nota 3,0 apenas pelo esforço

de fazer.

3.2.1.1 Exploração das características do gênero notícia

ATIVIDADE 1

A professora pede para os alunos se juntarem em trios, entrega um exemplar do

jornal AQUI PE para cada um e solicita que eles o folheiem. Após um tempo, discute

sobre esse suporte, levantando questões como a relação entre o preço do jornal e o seu

público-alvo (pelo fato de o AQUI PE ser mais barato, ele é lido pelas classes

populares). Também discute sobre as estratégias usadas para atrair a atenção desse

público: presença de fotos de mulheres quase sem roupa, manchetes engraçadas,

linguagem do povo (com muitas gírias e expressões pernambucanas); recorrência à

violência etc. A docente aproveita ainda para tecer comparações entre esse e outros

jornais de Pernambuco, identificando suas principais diferenças.

Por fim, ela vai identificando com os alunos as informações apresentadas na

capa do jornal (dia, data, mês, ano e número da publicação, manchetes, indicação das

páginas das notícias que são destaque etc.), pede para um aluno pegar um exemplar do

jornal da escola e ajudá-la a identificar quais dessas informações foram contempladas e

quais não foram. Ao mesmo tempo, solicita que os alunos digam que informações não

aparecem mas podem ser acrescentadas na próxima edição do jornal da escola.

ATIVIDADE 2

A professora coloca no quadro as informações básicas que devem constar de

uma notícia: Quem? O que? Onde? Como? Por quê? Para quê? Depois, encaminha

uma leitura compartilhada do texto (cada aluno lê uma parte). Ao terminar, pede para os

alunos identificarem (de forma coletiva e oralmente) as informações do quadro na

notícia. Faz o mesmo com o texto de um aluno da sala de aula que havia sido publicado

no jornal da escola.

212

Em seguida, solicita que os alunos forma pequenos grupos, folheiem o jornal e

identifiquem as notícias nele publicadas. A professora sugere que, dentre as notícias

encontradas, eles escolham uma para identificar as informações nela presentes. Alguns

grupos não leram as notícias inteiras, apenas “cataram” as informações solicitadas. A

professora, então, os alertou para a necessidade de ler os textos inteiros. Ao terminar a

atividade, os grupos socializam as análises oralmente, apresentando as informações

principais que identificaram nas notícias. Quando faltava alguma informação para

completar ou quando a informação estava errada, a professora interrompia o aluno e o

corrigia. No decorrer dessa discussão, a professora levantou questões como o uso da

expressão de tempo ontem que precisa do jornal para que se possa identificar quando o

fato aconteceu, mostrando, com isso, que a notícia não está isolada do seu suporte.

Aproveita também para explicar a diferença entre notícia e reportagem e em seguida dá

um exemplo.

Por fim, ela sistematiza o que foi trabalhado na aula, colocando no quadro

algumas informações sobre o gênero, e pede que eles as copiem em seus cadernos:

Gênero textual notícia

1 – Quem? 2 – O quê? 3 – Quando? 4 – Onde? 5 – Como? 6 – Por quê? 7 – Para quê? 8 – Qualidades da notícia

• Ser nova • Ser verdadeira • Interessante • Importante

9 – Partes da notícia

• Um título • Cabeça da notícia • Corpo da notícia

213

ATIVIDADE 3

A professora entrega para cada grupo anteriormente formado duas fotos (que

acompanhavam notícias), solicita que eles tentem adivinhar o que vai ser tratado no

texto tomando como base a imagem e registrem no caderno essas hipóteses. Para

exemplificar como eles devem fazer, a professora pega uma foto e realiza a atividade.

Em seguida, circula entre os grupos, explicando a atividade, incentivando os alunos a

fazerem e avaliando as respostas deles. Quando os alunos terminam a atividade, ela

entrega as notícias correspondentes às fotos para os alunos compararem as suas

hipóteses ao texto jornalístico original. Com as notícias em mãos, a professora pede

ainda que os alunos criem títulos para elas. Ao final da aula, faz um comentário geral

sobre os que os alunos fizeram e pergunta o que eles acharam das atividades anteriores e

da que acabou de ser realizada.

ATIVIDADE 4

A professora leva os alunos para a biblioteca para poder usar o datashow. Revisa

o que foi trabalhado nas aulas anteriores e já avisa como será a produção de texto (eles

iriam transformar um poema em uma notícia). Em seguida, exibe slides com algumas

características do gênero, lê o conteúdo e pausa várias vezes a exibição para explicá-lo.

Características:

• Fato fora da rotina (coletividade)

• Segue as perguntas (como exemplos do poema)

• Para atrair a atenção do leitor

- Ser nova

- Verdadeira

- Interessante

- Importante

• Partes

- título

- cabeça (lead)

214

- corpo

• Ordem crescente dos fatos

• Sensacionalismo (despertar emoções no leitor)

• Notícia (expositiva / interpretativa / opinativa)

• Começar a notícia dando ideia de tempo e lugar

• Recorrência a testemunhas

Como podemos perceber, a exposição realizada pela professora não contempla

apenas aspectos formais do gênero, mas também sociodiscursivos.

ATIVIDADE 5

A professora exibe no slide um poema de Mário Quintana intitulado “Pequena

crônica policial” e, de forma coletiva e oral, vai transformando, com a ajuda dos alunos,

o poema em notícia. Ela indaga: “Que parte da notícia a gente nunca iria encontrar

numa notícia?”. Um aluno responde: “Entrou correndo no céu.”. Isso mostra que a

professora aborda as diferenças entre um texto jornalístico e um texto literário.

ATIVIDADE 6

A professora expõe no slide uma notícia com os fatos fora de ordem e

numerados. Pede, então, que os alunos, de forma coletiva e oral, organizem o texto

tomando como base a numeração de cada parte. Os alunos discordam entre si sobre as

respostas e a professora medeia atividade explicando qual está certa e por quê.

ATIVIDADE 7

A professora apresenta no slide uma canção de autor desconhecido chamada

“Menina sem nome” e, de forma coletiva e oral, vai transformando, com a ajuda dos

alunos, a canção em notícia.

215

ATIVIDADE 8

A professora mostra no slide uma música de Chico Buarque, denominada

“Notícia de jornal”. Em seguida, pergunta aos alunos quais são as informações básicas

sobre o fato ocorrido na música. Os alunos respondem, a professora vai anotando os

dados no computador e exibindo nos slides. Por fim, com base nessas informações

anotadas, a professora propõe aos alunos que eles a ajudem a produzir coletivamente e

por escrito uma notícia com base na música. Os alunos vão, então, ditando as

informações e a docente vai registrando as falas no computador e exibindo-as nos slides.

Apesar de realizar atividades diferentes, podemos perceber alguns aspectos em

comum na mediação da professora. Primeiramente, notamos que ela várias vezes se

preocupou em relacionar o aspecto que estava sendo estudado à produção de notícias,

realizada pelos alunos para o jornal da escola:

P: As informações do quadro são importantes para quando vocês forem produzir suas

notícias saber o que tem que colocar.

Vemos, portanto, que ela tentou dar sentido às atividades de caracterização do

gênero, mostrando aos alunos que as informações aprendidas teriam uma utilidade

prática, na medida em que seriam importantes para a produção do jornal.

Outro aspecto observado é que na maior parte do tempo a professora expõe as

características do gênero para os alunos. Em poucas ocasiões eles puderam construir

conhecimentos a respeito das notícias. Isso fica bem nítido, por exemplo, na atividade 2,

na qual a professora inicialmente expôs as perguntas que compõem a notícia e, em

seguida, os alunos tiveram que identificá-las em exemplares do gênero. Mais uma vez

vemos a noção de gênero, que deveria ser instrumental para o professor, se transformar

em mero conteúdo de ensino a ser abordado segundo as práticas convencionais de

ensino.

Com relação a esse aspecto, notamos que a professora realiza perguntas para os

alunos, mas não dá tempo para eles responderem, dando ela mesma a resposta. Além

disso, quando os alunos conseguem responder parte da reposta desejada, mas não dizem

do jeito que era esperado, a professora não consegue aproveitar essas respostas para

apresentar a informação completa.

216

Como aponta Geraldi (1997), esse movimento é comum nos diálogos de sala de

aula, pelo fato de os professores só aceitarem as respostas cristalizadas, prontas e

acabadas. Entretanto, é incoerente exigir do aluno uma resposta perfeita se ele ainda

está construindo seus conhecimentos a respeito do objeto de ensino. Nesses casos, a

contrapalavra da professora deveria iniciar com uma avaliação positiva da fala do aluno,

demonstrando que ela considerou válida a sua tentativa, seguida de novas perguntas

para estimular a reflexão até se chegar a uma resposta mais completa. Dessa forma, os

alunos não só sentiriam que seu esforço de responder é valorizado pela professora, mas

também participariam da construção dos conhecimentos a respeito do gênero ao invés

de apenas recebê-los já prontos.

Por fim, percebemos que a professora B trabalha as características da notícia de

forma sistemática através de exemplares do gênero. De fato, para que o aluno se

familiarize com o gênero e adquira a habilidade de produzi-lo, é necessário que sejam

garantidos o acesso, o manuseio, a leitura de e a reflexão sobre outros textos

pertencentes ao mesmo gênero, abordando o que há em comum entre eles.

Entretanto, a professora não realiza algo essencial: levar os alunos a ler os

próprios textos e interagirem com eles. Ao tratar apenas dos elementos relativos ao

gênero, deixa de dar aos alunos a oportunidade de conhecer o que dizem os textos

trabalhados. Ou seja, sabe-se apenas como funciona o gênero, mas não se conhece o

teor do texto propriamente dito. Prova disso é que muitos alunos não leram os textos

para responder as perguntas feitas pela professora, apenas “cataram” as respostas, que

podiam ser encontradas facilmente, sem precisar refletir sobre seu conteúdo.

Santos, Mendonça e Cavalcante (2006) alertam para o perigo de o professor

“trabalhar com o gênero”, mas não “trabalhar com o texto”, deixando de abordar suas

particularidades (ou seja, elementos que só se aplicam a determinada manifestação

linguística). Concordamos com as autoras quando elas aconselham que essas duas

dimensões precisam estar sempre articuladas, pois os alunos devem perceber que os

aspectos do gênero e especificidades do texto são componentes indissociáveis na

produção dos sentidos por meio da linguagem.

217

3.2.1.2 Condições de produção e de socialização das notícias

Assim que concluíram a atividade 8, na qual a professora e os alunos

transformaram coletivamente uma música em uma notícia, ela solicita a produção

individual de uma notícia com base em outra música, “Domingo no Parque”, de

Gilberto Gil. Ela salienta que esse texto já foi muito trabalhado em aulas anteriores e

que eles o têm no caderno. Como muitos alunos reclamaram, dizendo que não

trouxeram o texto, a professora recordou com eles as suas informações principais (quem

é o assassino, quais são as vítimas, onde aconteceu o fato, quando aconteceu e o motivo

de ter acontecido) e as anotou no quadro para ajudá-los na produção.

Apesar de começar o trabalho com o gênero textual notícia remetendo a uma

prática discursiva real (o jornal da escola), a professora acaba propondo uma atividade

de produção inverossímil (pois não há situações reais e extraescolares de produção de

notícias a partir de músicas). Talvez ela achasse suficiente justificar para os alunos que

os conhecimentos aprendidos naquele exercício escolar iriam ajudá-los na produção de

notícias para o jornal da escola para que eles se sentissem estimulados a participar.

Entretanto, os alunos “não compraram a ideia” e demonstraram pouca empolgação.

Talvez a atividade de escrita das notícias não tenha feito muito sentido para eles,

devido às próprias condições de produção que a envolviam: eles sabiam que as notícias

produzidas eram meras tarefas escolares que seriam lidas apenas pela professora e

cumpririam a finalidade pedagógica de verificar se conseguiram aprender sobre o

gênero textual trabalhado. A falta de empolgação dos alunos também pode ter decorrido

do fato de eles já estarem cansados de transformar músicas e poemas em notícias, na

medida em que a professora realizou com eles anteriormente três atividades desse tipo.

É importante ainda salientar que, devido às condições de escrita das notícias,

entendemos que a atividade não se constituiu num momento de “produção de sentidos”,

apenas de “reprodução” de formas e conteúdos (GERALDI, 1997). Isso porque, para

realizar a escrita dos textos, o aluno só precisava seguir as informações da música. Ou

seja, o estudante não disse nada novo nem interessante, rompendo com pelo menos duas

das máximas conversacionais apontadas por Grice (1975, 1978, apud COSTA VAL,

2006): a autenticidade e a pertinência/relevância das informações. Ele apenas repetiu o

que já foi dito na música do jeito que a professora esperava (à moda do gênero textual

notícia). Nesse sentido, consideramos que o aluno não foi um sujeito-autor, pois sobrou

218

pouco espaço para a criação. Depois de avaliadas pela professora e, em seguida,

revisadas e reescritas pelos alunos, as notícias produzidas foram entregues de volta para

eles.

3.2.2 Sequência de atividades envolvendo o gênero textual currículo

A professora B trabalhou o gênero currículo e solicitou a produção de dois tipos:

um currículo atual, com as informações reais dos alunos, e um currículo “do futuro”,

com as suas projeções de carreira para daqui a 10 anos. Ela escolheu trabalhar com esse

gênero porque, segundo ela, os alunos são adolescentes e, portanto já têm idade para

começar a trabalhar como estagiários. Essa percepção surgiu porque alguns deles já

tinham vindo até ela perguntar como se fazia um currículo, pois estavam querendo se

candidatar a vagas do projeto Jovem-Aprendiz.

Nesse sentido, vemos que a professora escolheu o gênero textual a ser trabalhado

em sala de aula de acordo com uma necessidade surgida a partir dos próprios alunos.

Ela propôs uma prática de produção de texto seguindo um dos princípios que, segundo

Geraldi (1997), devem ser pensados pelos professores no momento de planejar suas

aulas: ter razões para dizer, visto que um projeto de trabalho de escrita somente se

sustenta quando os envolvidos nele encontram motivação para executá-lo.

Com relação ao currículo do futuro, em conversa com a professora, ela nos

explicou que propôs esse trabalho para incentivar os alunos a começar a pensar que

carreiras querem seguir. Além disso, foi uma forma de motivá-los a pensar “alto” (fazer

cursos de graduação e no exterior, ter empregos com alta remuneração etc.), pois ela

acredita que muitos deles pensam em apenas terminar o ensino médio e trabalhar em

empregos que não exigem um grau de instrução elevado, seguindo o exemplo dos seus

familiares.

A professora realizou uma sequência de atividades envolvendo esse gênero que

durou 12h/a, sendo cada hora-aula de 50 minutos. Abaixo apresentamos uma tabela que

sintetiza as atividades vivenciadas:

219

Tabela 8: Síntese da sequência envolvendo o gênero textual currículo

(professora B)

4 h/a Exploração das

características do

gênero “currículo” e

produção de texto

(currículos atuais)

ATIVIDADE 1:

- Leitura de um texto explicando cada elemento que

compõe a estrutura de um currículo

- Leitura de um exemplo deste gênero textual

- Produção dos currículos atuais (a cada etapa do currículo

apresentada, os alunos produziam os seus)

ATIVIDADE 2:

- Leitura e análise de outro exemplar de currículo

3 h/a Produção de texto

(currículos do futuro)

- Produção dos currículos do futuro

1h/a Avaliação dos

currículos

- Entrega dos currículos (atuais e do futuro) com

marcações escritas no corpo do texto para que os alunos

revisassem e reescrevessem

4h/a Digitação dos

currículos

- Digitação dos currículos atuais 2 h/a

- Digitação dos currículos do futuro 2 h/a

Como podemos perceber através da tabela, o trabalho com os currículos atuais

foi realizado de forma um pouco diferente do trabalho com os currículos do futuro: no

primeiro, a professora analisou separadamente cada etapa que compõe a estrutura desse

gênero e pediu para cada aluno preencher seu currículo com suas informações atuais

relativas à etapa analisada; no segundo, a professora analisou um currículo, relembrando

todas as partes que o compõem, e só depois pediu para os alunos produzirem. Em

seguida, realizou a avaliação, revisão e reescrita, bem como a digitação dos tipos de

currículo juntos.

Os currículos atuais produzidos foram digitados em sala de aula pelos próprios

alunos e impressos pela professora, que os entregou a cada um. Já os currículos do

futuro, de acordo com a professora, depois de digitados e impressos, seriam guardados

para no final do ano ser expostos na festa de encerramento do ano letivo. Infelizmente,

não pudemos acompanhar essa socialização.

220

3.1.2.1 Exploração das características do gênero currículo

ATIVIDADE 1

A professora inicia a aula anunciando o gênero textual que será trabalhado e

justificando para os alunos a importância de estudá-lo:

P: O gênero textual que agora nós vamos estudar é um gênero muito importante,

principalmente para vocês que estão entrando nessa parte na adolescência, que

próximo ano, oitava série, Ensino Médio, já começa a colocar por aí currículo pra

estágio.

Vemos que ela fez questão de motivar os alunos para atividade, relacionando-a à

realidade deles e tornando-a, assim, mais significativa. Em seguida, explica para a turma

como realizará o trabalho com esse gênero: afirma que eles vão produzir dois tipos de

currículo (um atual e um “do futuro”) e avisa que eles terão acesso a um texto sobre sua

estrutura, bem como a um exemplar do gênero:

P: Eu trouxe aqui um material falando sobre a estrutura do currículo, trouxe outro

sobre exemplo de currículo... Vocês vão produzir dois currículos: um, vocês vão

produzir manuscritamente e outro no laboratório de informática. Qual a proposta de

cada currículo: um currículo você vai fazer realmente com seus dados de hoje, com a

série que você faz, o seu endereço... e o outro é uma projeção, vai colocar a idade que

você vai estar, o endereço que você acha que vai estar, colocar a faculdade que você

fez...

Notamos que essa é uma preocupação constante da professora B: no início da

aula, ela avisa para os alunos todas as atividades que serão realizadas. Da mesma forma,

ao final da aula, sempre anuncia quais atividades ela realizará posteriormente. Isso ajuda

os alunos a se inserirem melhor na sequência e a terem ideia do seu todo. Dando

continuidade à sequência, a docente apresenta um conceito para o gênero:

221

P: Primeiro, o que é um currículo vitae, né? Também chamado de currículo ou então

CV, é um documento que agrupa informações pessoais de um profissional, junto a sua

formação acadêmica e sua trajetória no mercado de trabalho.

Em seguida, pede para um aluno ler a explicação sobre cada uma das etapas do

currículo (cabeçalho / objetivo / formação / qualificação e atividades profissionais /

informações adicionais) e, após a leitura, dá explicações sobre a etapa estudada. Lê

ainda a parte correspondente no exemplo de currículo (que, por sinal, era o seu próprio

currículo) e pede para os alunos preencherem cada item com os dados atuais deles.

Por meio dessa atividade, a professora B trabalhou diversas características do

gênero currículo, que sintetizamos no quadro abaixo:

Quadro 1: Síntese dos elementos do gênero textual currículo trabalhados pela

professora B

TÍTULO

- Colocar “Currículo Vitae” OBS.: Dá um espaçamento (pulando uma linha) entre um item e outro.

CABEÇALHO Informações que devem ser colocadas: - Nome completo (escrito com letra grande); - Nacionalidade; - Estado civil; - Idade; - Endereço (Rua, nº, tipo de moradia em caso de morar em prédio, bairro, estado); - Contatos (e-mail e telefone); Informações que devem ser evitadas (pois se cair em mãos erradas, pode prejudicar o dono) dos documentos: - Número de identidade; - Número de CPF; - Número da carteira de trabalho; - Uso das letras maiúsculas; - Uso das vírgulas; - Não é necessário colocar o nome do item, apenas a resposta.

OBJETIVO - Apresenta suas intenções; - Remete às oportunidades que a pessoa já teve; - No caso dos alunos que ainda não trabalharam, quais vagas eles poderiam concorrer;

222

- Segue a estrutura: concorrer uma vaga + complemento; - Inicia com um verbo no infinitivo (concorrer, solicitar, pedir, disputar); dependendo da intenção, pode-se usar um ou outro verbo: se o aluno quer passar segurança, usa “assumir”, mas se quiser ser mais humilde, usa “concorrer”.

FORMAÇÃO ACADÊMICA - Coloca os dados mais relevantes (não colocar, por exemplo, onde fez o primário, pois isso não interessa ao profissional de seleção); - Quem tem apenas ensino básico: série e escola; - Quem tem Ensino Superior: Nível de Ensino (graduação, especialização, mestrado ou doutorado) e a área (.) Ano (, ou -) Local (obedecendo a pontuação); - As informações seguem a seguinte progressão: do nível de escolaridade mais recente para os mais antigos.

EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL - Indica onde trabalhou; - As informações seguem a seguinte progressão: do trabalho mais recente para os mais antigos.

QUALIFICAÇÕES E ATIVIDADES PROFISSIONAIS - Coloca os cursos que já fez; - No caso de cursos em andamento, segue a seguinte ordem: ano que trabalhou + cargo, e entre parênteses coloca “em andamento”.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS - Item opcional; - Informa quaisquer outros dados que julgue necessário para a vaga; - Colocar as habilidades e características que o candidato tem; - Item importante para quem não fez nenhum curso, pois precisa ter algo para atrair o empregador.

Como podemos perceber, a professora trabalhou de forma bem detalhada as

características desse gênero textual, apontando as informações que ele deve conter e

mostrando o modo como estas devem ser organizadas no currículo (as informações

devem ser dispostas em determinadas ordens; deve haver um espaço entre um tópico e

outro; certas informações não devem ficar na mesma linha, mas em linhas separadas;

deve-se usar letra maiúscula para iniciar cada novo item; algumas palavras devem ser

escritas com letra bem maior do que as outras; devemos separar as informações por

ponto, vírgula ou hífen, dependendo da situação; em alguns casos é necessário colocar o

nome do item, mas em outros, não).

Notamos também que a professora B trabalhou não apenas aspectos formais /

estruturais, mas aspectos paralinguísticos (como o uso de letras maiores no nome e no

223

título currículo para dar destaque) e estilísticos (como o uso de determinados verbos no

objetivo, dependendo da intenção que se tenha).

Além disso, ela não se limita apenas a apontar que informações colocar e como

organizá-las, mas também discute o porquê de certas informações estarem ou não

presentes nesse gênero, tomando como base as práticas sociais. Isso acontece, por

exemplo, quando a professora B explica para os alunos que os números de CPF,

identidade e de carteira de trabalho devem ser evitados porque, se o currículo for

perdido e cair em outras mãos, pessoas mal intencionadas podem usar os números dos

documentos para fazer coisas erradas. Da mesma forma, ela explica aos alunos que eles

devem colocar apenas os dados mais relevantes da sua formação, pois dados como onde

foi feito o curso primário não interessam ao profissional da seleção. A professora B

aponta ainda que as informações adicionais são um item muito importante para quem

não fez nenhum curso, pois é a chance de atrair a atenção do empregador com suas

habilidades.

ATIVIDADE 2

A professora inicia a atividade explicando para os alunos o que será realizado.

Avisa que vai entregar um currículo já pronto (apanhado da internet) e analisá-lo para

eles tenham ideia da estrutura do gênero e, assim, saibam como fazer seus currículos do

futuro. Em seguida, lê todo o currículo, relembrando as partes já vistas durante a

caracterização realizada para a produção dos currículos atuais e apresentando novos

elementos do gênero, mais específicos para quem tem um curso superior. No quadro

apresentado anteriormente, que traz uma síntese das características trabalhadas pela

professora, esses novos elementos foram marcados de negrito.

Além do trabalho com o gênero, a professora realizou a interpretação de algumas

informações do texto através de perguntas. Essas questões contemplaram, em sua

maioria, a localização de informações explícitas, como podemos constatar no exemplo

abaixo:

P: (...) Qual o cargo dele?

Aluno: Analista financeiro.

224

Como podemos perceber, a professora solicita que os alunos localizem uma

informação que foi apresentada explicitamente no texto (no caso, o cargo ocupado pelo

dono do currículo). Entretanto, ela também pede para eles inferirem o significado de

palavras ou expressões, como acontece no trecho a seguir:

P: O que é fluente?

Aluno: Que fala e escreve bem!

Nessa passagem, a professora busca dos alunos o significado de uma

determinada palavra do texto, talvez por pensar que eles não o soubessem. Da mesma

forma, ela pede para os alunos inferirem uma informação que não está no texto, mas que

pode ser concluída a partir das informações nele explícitas:

P: Vocês acham que ele vai ganhar um salário baixo.

Aluno: Não, por que ele pensou grande!

P: Quando você vai pra formação dele, você vê que ele não vai ganhar um salário

mínimo: pós-graduado e, antes disso, ele foi graduado pela UFMG.

Nesse diálogo, a professora quis que os alunos inferissem que o dono do

currículo provavelmente receberia um salário maior por ter um nível de instrução

também elevado. Essa informação não é dita no texto, mas, a partir dos seus

conhecimentos de mundo sobre o mercado de trabalho, os discentes poderiam apontá-la.

Por fim, a professora também propõe o estabelecimento de relações entre partes

do texto:

P: Veja, ele está pedindo vaga para analista financeiro. Ele tem experiência na área?

Aluno: Tem.

P: Inclusive, foi o último trabalho dele.

Através dessa pergunta, os alunos tiveram que relacionar os tópicos “objetivo” e

“experiência profissional” e concluir que normalmente solicitamos uma vaga naquilo

em que temos experiência.

Apesar da realização de perguntas de compreensão, acreditamos que o texto –

enquanto manifestação linguística singular – foi pouco explorado. Inclusive,

225

percebemos que essas perguntas, embora sejam direcionadas ao conteúdo textual, foram

realizadas para ajudar os alunos a compreenderem melhor o currículo e, assim,

atenderem (de forma mais adequada) a proposta de produção.

Outro aspecto percebido nessa aula de caracterização do gênero é que ela não

expôs os elementos que compõem um currículo, mas tentou fazer os alunos percebê-los

através da análise de um exemplar. Vejamos como esse trabalho se dá no exemplo

abaixo:

P: Por que ele colocou primeiro pós-graduado, pra depois colocar graduado?

Aluno: Por que pós-graduado é maior que graduado.

P: Isso tem uma certa lógica, mas não é necessariamente o que pesa, por que ele

poderia fazer outra graduação...

Aluno: É por causa do ano...

P: Isso mesmo! Vocês vão colocar o nível de escolaridade mais recente. Pela ordem,

você vai colocar graduação, depois pós-graduação.

Nesse diálogo, a professora analisa um trecho do texto, fazendo os alunos

inferirem uma das características do currículo: as informações (especificamente sobre

cursos e experiência profissionais) são apresentadas cronologicamente. Mendonça

(2006) aconselha que seja realizado esse movimento na sala de aula, ou seja, com a

mediação do professor, os alunos percebem os elementos característicos do gênero.

Dessa forma, eles seriam desafiados a pensar e construir saberes sistematizados a

respeito desse objeto de ensino-aprendizagem, sem terem acesso a informações prontas.

Por fim, vale salientar que a apresentação das características do gênero

(realizadas nas atividades 1 e 2) e as orientações para a sua produção foram realizadas

de forma simultânea. Isto porque, na atividade 1, a professora, ao mesmo tempo em que

o analisava o gênero, solicitava que os alunos o produzissem. Da mesma forma, na

atividade 2, apesar de a professora primeiro realizar a análise para depois solicitar a

produção, todo tempo ela remetia os alunos à atividade de escrita que seria feita

posteriormente.

226

3.1.2.2 Condições de produção dos currículos

Produção dos currículos atuais

A proposta de escrita dos currículos atuais se configurou como uma prática de

linguagem real, na qual os alunos produziram de fato seus currículos e os receberam

prontos (impressos e com foto) para serem entregues nas instituições onde desejam

trabalhar. Novamente, a professora seguiu um dos um dos princípios que, segundo

Geraldi (1997), devem ser pensados pelos professores no momento de planejar suas

aulas: ter interlocutores a quem dizer. Privilegiando a instância pública de uso da

linguagem, a professora definiu um projeto de produção de texto com destinação a

interlocutores reais.

Como já apontamos anteriormente, desde o início da sequência, a professora se

preocupou em dar significado para o trabalho com os currículos atuais, apontando a

importância de os alunos aprenderem a produzi-lo. O argumento usado por ela foi de

que eles já estão atingindo a idade de estagiar e, por isso, vão precisar do currículo para

solicitar as vagas de estágio.

Os alunos, portanto, escreveram seus currículos individualmente e em folhas de

caderno. Durante a produção, a intervenção da professora foi essencial para estimulá-los

a produzir e para elevar sua autoestima:

AULA 1 (sequência sobre currículo)

Aluno: Mas eu não sei nada...

P: Mas você não precisa saber... Você quer uma vaga justamente para aprender. Você

vai pedir “concorrer a uma vaga de pequeno aprendiz ou estagiário”.

Ela também estimulou a produção dos currículos ao valorizar as habilidades dos

alunos e demonstrar que acredita muito na capacidade deles:

AULA 2 (sequência sobre currículo)

P: Ninguém não pode dizer que não tem habilidade nenhuma, nem que seja em arrumar

uma casa, nem que seja... Tem gente ali que sabe cozinhar, tem gente que é

comunicativo, características. Se você não é nada, diga que pelo menos é interessado

227

em aprender. Vocês podem colocar assim: que mesmo não tendo experiência de

trabalho, você tem disponibilidade para aprender. Pelo menos tá pedindo uma vaga...

A docente extrapolou ainda a produção do currículo na sala de aula e incitou os

alunos a estudarem mais, fazendo cursos para, assim, enriquecerem seus próximos

currículos:

AULA 2 (sequência sobre currículo)

P: Essa parte você vai colocar todos os cursos que você fez, por isso que é importante

nessa idade de vocês já começar a fazer cursos...(...) Então, se você puder fazer é bom...

Curso de informática, telemarketing, leitura dinâmica, logística, inglês, espanhol... (...)

Quem não fez nenhum deixa em branco e vai cuidar de fazer para melhorar esse

currículo, tá?

Produção dos currículos do futuro

A escrita dos currículos do futuro se configurou numa prática imaginária, mas

que remetia a uma situação real de uso da língua:

P: Você vai pegar uma máquina do tempo e vai se ver no futuro e eu espero que essa

visão seja bela, tá?

Através dela, os alunos puderam começar a planejar suas vidas profissionais e

sonhar com futuros brilhantes. Esse objetivo foi perseguido pela professora e

explicitado para os alunos desde o início da sequência, antes mesmo das atividades de

caracterização do gênero:

P: (...) Esse é importante pra vocês sonharem e planejarem. Espero que seja com

futuros legais. Pensem alto, porque quem pensa baixo não vai longe, não.

Percebemos que essa preocupação é constante na professora B: indicar para os

alunos uma finalidade para a atividade que justifique a sua realização. Percebemos isso

também na sequência anteriormente analisada, na medida em que ela salienta o tempo

todo para os alunos que estão aprendendo a produzir notícias para escrevê-las melhor no

228

jornalzinho da escola. Esse cuidado dá indícios de que a professora B não quer que os

alunos vejam as atividades de produção propostas por ela como meras tarefas escolares

com um fim em si mesmas, mas percebam que elas servem para as suas vidas (dentro e

fora da escola).

Para dar inicio à escrita, a professora entregou para os alunos uma folha com os

tópicos que compõem os currículos já digitados, apenas para os alunos preencherem e

fazerem o rascunho dos currículos do futuro, pois estes seriam posteriormente digitados.

P: Vejam... Esse aí que está em branco é onde vocês irão fazer o rascunho do currículo

do futuro.

Para tanto, os alunos teriam que tomar o currículo anteriormente analisado como

um modelo a ser seguido para o preenchimento as informações:

P: (...) Olhem para o dele e façam o de vocês. Lembrem que estão em 2021.

Essencial no processo de escrita foi a intervenção da professora B, sempre

estimulando os alunos a sonharem alto e mostrando que eles podem mais:

AULA 2 (sequência sobre currículo )

O que significa pós-graduação? É após a graduação. Tem o especialista que é um ano.

Tem o mestrado que você demora dois anos pra fazer e tem o doutorado que você

demora quatro anos pra fazer... É muito estudo, né? Aqui é o caminho mais fácil...

Quando for fazer o currículo para o futuro, essas informações são importantes, tem que

ver sua ambição. Se você pensa pouquinho, você vai parar no Ensino Médio. Não

esqueça o seguinte: quanto menos você pensa, menos você ganha. A não ser que você

tenha a sorte de Griselda da novela e ganhe na loteria, ou jogador de futebol, que

também é sorte, porque nem todo mundo tem oportunidade, né? Mas se você quiser

ganhar pelos seus estudos, então quanto mais estuda, maior a possibilidade de

conseguir alguma coisa na vida.

Além disso, ela realmente mostrou interesse no que os alunos queriam dizer, ao

estimular os mais desanimados a imaginarem seus futuros e ao fazer questão de ouvir os

sonhos dos mais animados:

229

AULA 3 (sequência sobre currículo – produção de texto)

P: Qual o curso que você gostaria de fazer?

Aluno: Não sei...

P: Então, vamos pensar nisso.

Ao fazer isso, a professora seguiu mais um dos princípios que, segundo Geraldi

(1997), devem ser pensados pelos professores no momento de planejar suas aulas: ter o

que dizer. Através da produção dos currículos, os alunos não devolveram à escola o que

a escola lhes disse, como geralmente acontece, mas trouxeram o que a escola não sabe.

E a professora realizou isso sem criticar as escolhas deles; pelo contrário, mostrando

caminhos para realizá-las:

AULA 3 (sequência sobre currículo – produção de texto)

Aluna: Eu quero ser uma Glória Maria...

P: Pronto! Pra você ser uma Glória Maria... você vai colocar aqui os vários cursos que

você fez: curso de inglês, espanhol, francês. Deixa eu ver aqui...

Aluna: Certo...

Dessa forma, ela deu voz a esses alunos, tornando-os locutores efetivos e

sujeitos da sua história. Por conta de todo esse incentivo vindo da professora, os alunos

se envolveram bastante nas atividades de produção tanto dos currículos atuais, como

dos currículos do futuro. No início das atividades, suas falas e suas posturas apontavam

que eles não estavam levando tudo muito a sério:

AULA 1 (sequência sobre currículo – produção de texto)

Aluno: É chato, né, professora?

Entretanto, depois de pouco tempo, os alunos “compraram” mesmo a ideia. A

esse respeito, percebemos nessa sequência um movimento não visto anteriormente, na

sequência sobre notícias: os alunos perguntaram bastante! E eles perguntaram, porque

realmente queriam saber e encontraram na professora alguém que poderia ajudá-los a

chegar às respostas.

230

Geraldi (1997) comenta que no diálogo da sala de aula invertem-se os papéis e

funções dos atos linguísticos praticados. Ou seja, quando alguém quer saber algo e

imagina que seu interlocutor pode ajudar, faz-lhe perguntas para suprir a falta de

conhecimento desejado. Entretanto, na sala de aula acontece o contrário: pergunta quem

já sabe a resposta e responde quem precisa sabê-la. No caso da sequência sobre

currículos, a professora conseguiu resgatar o diálogo tal como acontece fora da escola.

Dessa forma, vimos os alunos se debruçarem sobre o objeto a conhecer (no caso, o

gênero currículo) e alternarem com o professor a posse do discurso em sala de aula.

3.2.3 Semelhanças e diferenças entre as sequências de atividades envolvendo os

gêneros textuais notícia e currículo

Ao analisarmos as duas sequências de atividades, notamos algumas semelhanças

e diferenças entre elas e pudemos levantar algumas hipóteses que as explicariam.

Em relação às semelhanças, observamos que em ambas as sequências a

professora tentou contemplar textos de circulação social, na medida em que tomou

como objeto de ensino-aprendizagem dois gêneros não-escolares – notícia e currículo.

Da mesma forma, vimos uma tentativa de focar o ensino no texto e não nos conteúdos

gramaticais tradicionais. Em alguns momentos, notamos que o ensino dos conteúdos

gramaticais (como, por exemplo, crase e concordância) esteve subordinado ao trabalho

com o texto. Isso porque a professora aproveitou as dúvidas dos alunos ocorridas

durante a produção para explicar o uso de tais elementos.

Observamos ainda tentativas de dar sentido às aprendizagens dos alunos. No que

diz respeito ao gênero notícia, a professora iniciou a sequência de atividades remetendo

o trabalho em sala de aula a uma prática discursiva real – o jornal da escola –,

justificando que os conhecimentos aprendidos naquele exercício escolar iriam ajudá-los

na produção de notícias para o jornal. Talvez ela achasse que os alunos se sentiriam

mais estimulados a participar diante dessa justificativa. Da mesma forma, ao trabalhar o

gênero currículo, a professora teve a intenção de envolver os alunos na atividade, já que

a ânsia pelo primeiro emprego já começava a tomar conta da turma. Segundo a própria

docente, a produção dos currículos atuais objetivou ajudar os alunos a ingressarem em

estágios; já a produção dos currículos do futuro teve como meta incentivá-los a pensar

231

nas carreiras que querem seguir. Em todos esses casos, a professora escolheu os gêneros

textuais a serem trabalhados de modo que seu aprendizado fizesse algum sentido.

Percebemos também que a professora B trabalhou as características da notícia e

dos currículos de forma sistemática, através de exemplares dos gêneros. Além disso,

esse trabalho não contemplou apenas aspectos formais / estruturais dos gêneros, mas

também sociodiscursivos, paralinguísticos e estilísticos.

No que diz respeito às diferenças entre as duas sequências, uma delas tem

relação com o tipo de situação criado para a escrita de textos. A escrita de notícias se

configurou como uma atividade de produção inverossímil, pois não há situações reais e

extraescolares de produção de notícias a partir de músicas. Além disso, ela foi

essencialmente escolar, na medida em que, depois de escritos e reescritos, os textos

foram lidos pela professora e devolvidos aos alunos, sendo ela a única interlocutora

deles. Da mesma forma, a escrita dos currículos do futuro se configurou numa prática

imaginária. Já a proposta de escrita dos currículos atuais foi uma prática de linguagem

real, na qual os alunos produziram de fato seus currículos e os receberam prontos

(impressos e com foto) para serem entregues nas instituições onde desejam trabalhar.

Outra diferença entre as duas sequências de atividades diz respeito ao trabalho

de exploração dos gêneros. Durante a caracterização das notícias, na maior parte do

tempo, a professora expôs as características desse gênero para os alunos. Em poucas

ocasiões eles puderam construir conhecimentos a respeito das notícias. Já em relação ao

currículo, ela não expôs os elementos que o compõem, mas tentou fazer os alunos

percebê-los através da análise de um exemplar.

Isso pode ter acontecido em decorrência de dificuldades da docente em relação

aos próprios gêneros. Percebemos que a professora possuía conhecimentos superficiais

ou pouco refletidos sobre a notícia. Entretanto, ela parecia deter conhecimentos mais

claros sobre a forma composicional do currículo. Outra explicação diz respeito à própria

natureza dos gêneros trabalhados. O currículo é um gênero mais formatado e,

consequentemente, menos complexo de ser ensinado, na medida em que suas

características podem ser percebidas mais facilmente pelos alunos.

No tópico a seguir vamos apresentar e discutir especificamente os dados

relativos à prática avaliativa da professora B e poderemos perceber o quanto essas

diferenças entre duas sequências também se refletiram na avaliação realizada por essa

docente (principalmente em relação à natureza dos aspectos avaliados), bem como na

forma de participação dos alunos nas atividades de reescritura.

232

3.1.3 Processo de produção, avaliação, revisão e reescrita textuais

3.1.2.1 Que estratégias didáticas são usadas pela professora B para ajudar os

alunos a produzir/revisar/reescrever seus textos?

Nas duas sequências de atividades, a professora B utilizou oito estratégias

diferentes para ajudar os alunos a produzir, revisar e reescrever seus textos. A tabela

abaixo apresenta essas estratégias, bem como a frequência com que foram utilizadas.

Tabela 9: Estratégias didáticas usadas pela professora B para ajudar os alunos a

produzir/revisar/reescrever seus textos

Estratégias didáticas usadas Frequência de utilização (aulas)

1 – Passa em cada um dos alunos Foi utilizada em 6 momentos

- AULA 3 e AULA 6 (notícia) - AULA 1, AULA 2, AULA 5 e AULA 6 (currículo)

2 – Senta em seu birô e os alunos vão até

ela (espontaneamente) para mostrar seus

textos

Foi utilizada em 3 momentos

- AULA 4 (notícia) - AULA 3 e AULA 4 (currículo)

3 – Senta em seu birô e chama cada um

dos alunos para entregar seus textos e dar

algumas orientações

Foi utilizada em 3 momentos

- AULA 5 e AULA 6 (notícia) - AULA 4 (currículo)

4 – Pede para um aluno ler o texto do

outro e sugerir mudanças

Foi utilizada em 1 momento

AULA 4 (notícia)

5 – Pede para o aluno ler e reler o seu

próprio texto

Foi utilizada em 1 momento:

AULA 4 (notícia)

6 – Observa um aspecto no texto de um

aluno que pode ser encontrado nos textos

dos demais e aproveita para dar a

orientação para toda a turma

Foi utilizada em 4 momentos

- AULA 3 e AULA 4 (notícia) - AULA 1 e AULA 2 (currículo)

7 – Lê os textos produzidos fora da sala de

aula, elabora uma percepção geral sobre

eles, comenta o principal problema em

Foi utilizada em 2 momentos

- AULA 4 (notícia) - AULA 4 (currículo)

233

comum e dá uma orientação coletiva

8 – Realiza orientações escritas Foi utilizada em 4 momentos

- AULA 4, AULA 5 e AULA 6 (notícia) - AULA 4 (currículo)

Como podemos perceber, a ocorrência de uma estratégia em determinada aula

não eliminou o uso de outra estratégia pela professora. Isso porque a professora utilizou

mais de uma estratégia em uma mesma aula. Nesse sentido, podemos dizer que há

estratégias que foram combinadas com outras: no caso das estratégias 4, 5, 6 e 8, vemos

que estas foram usadas na medida em que a professora também realizava as estratégias

1, 2 e 3.

Vimos também que há estratégias mais frequentes do que outras. A estratégia de

passar em cada um dos alunos foi a forma mais recorrente que a professora utilizou para

ajudá-los a revisarem e reescreverem seus textos, visto que foi realizada em 6 aulas. Em

contraposição, a estratégia de pedir para o aluno ler e reler o seu próprio texto, bem

como a de pedir para um aluno ler o texto do outro e sugerir mudanças foram as menos

utilizadas, na medida em que ocorreram em apenas uma vez cada.

A seguir vamos discutir sobre cada uma dessas estratégias. Algumas delas

também foram usadas pela professora A (as de número 1, 2, 3, 4 e 6) e, nesse sentido, já

tivemos a oportunidade de refletir sobre as potencialidades de seus usos para a

promoção da reflexão linguística pelo aluno. Portanto, vamos nos aprofundar mais

naquelas estratégias que foram específicas da professora B ou que foram realizadas de

um modo distinto por ela.

No que tange à primeira estratégia, ela acontece quando a professora circula pela

sala, orientando cada um dos alunos (atendendo um mesmo aluno mais de uma vez). Ela

foi usada na segunda aula de produção e na segunda aula de avaliação das notícias, bem

como durante a produção e digitação dos currículos atuais. Isso nos dá indícios de que a

professora A utiliza essa estratégia tanto em momentos de produção textual, quanto em

momentos de avaliação, revisão e reescrita.

No que respeita à segunda estratégia, esta acontece quando a professora senta em

seu birô e os alunos vão até ela (de forma espontânea) para pedir orientações. Esse

procedimento praticamente não foi usado nas atividades de avaliação, revisão e reescrita

(apenas em um pequeno espaço de tempo na sequência sobre currículo). Sua realização

ocorreu na segunda aula de produção das notícias e nas duas aulas de produção dos

234

currículos do futuro. Esses dados dão indícios de que os alunos preferem recorrer à

ajuda da professora durante a escrita propriamente dita.

Quanto à terceira estratégia, a professora a realiza quando senta em seu birô e

chama cada um dos alunos para entregar seus textos e dar algumas orientações,

enquanto os demais (re)escrevem individualmente seus textos. Esse procedimento foi

posto em prática nas duas aulas de revisão e reescrita de notícias e na segunda aula de

produção dos currículos do futuro, na qual também houve orientações para a refacção

textual, demonstrando que a docente prefere utilizá-lo para orientar os alunos a

reelaborar seus textos.

No que concerne à quarta estratégia, ela é colocada em prática quando a

professora pede para um aluno ler o texto do outro e sugerir mudanças. Esse

procedimento foi usado em apenas um momento – na segunda aula de produção de

notícias, o que indica que a professora B prefere não utilizar tal estratégia. O mesmo

aconteceu em relação à quinta estratégia, por meio da qual a professora pede para o

aluno ler e reler o seu próprio texto. A baixa ocorrência de tais estratégias nos dá

indícios de que a professora talvez não compreenda a potencialidade de seu uso para o

desenvolvimento das habilidades de escrita nos alunos.

Já discutimos anteriormente o quanto pode ser positiva a presença de um leitor

externo, como o colega de classe, para a aprendizagem da escrita, principalmente

quando há uma mediação eficaz da atividade por parte da professora. Da mesma forma,

concordamos com Girotto (2004) quando ela chama a atenção para a necessidade de o

aluno aprender a reler, incorporando a atitude de retornar ao que foi escrito e revisar

esse escrito como parte do processo de produção de um texto.

Para tanto, como defendem Abaurre (1997), Mayrink-Sabinson (1997) e Garcez

(1998), é imprescindível que o professor proporcione momentos nos quais o aluno leia e

releia o seu texto, assumindo uma atitude de distanciamento do texto e se deslocando do

papel de escritor para o de possível leitor de seu texto. Essa mudança de perspectiva

permite a ele considerar o seu leitor e tomar decisões sobre como irá escrever e o que

precisa (re)escrever em função dele. Dessa forma, o aluno está assumindo uma postura

própria dos indivíduos que participam de práticas sociais de escrita, nas quais o outro

(seja ele real ou virtual) já está previsto muito antes do registro textual e é levado em

consideração durante todo o processo.

Por sua vez, a sexta estratégia é realizada quando a professora percebe que um

determinado problema verificado no texto de um aluno durante uma avaliação

235

individual pode ocorrer nos textos dos demais. Nesse sentido, ela se antecipa e estende

sua orientação para toda a turma. Esse procedimento foi usado em quatro aulas, mais

especificamente nas duas aulas de produção de notícias e nas duas aulas de produção

dos currículos atuais. Isso nos dá indícios de que a professora prefere realizá-lo quando

os alunos ainda estão realizando a escrita propriamente dita.

Em alguns momentos, esse trabalho vai além de uma orientação coletiva, na

medida em que a professora trabalha, de forma sistemática, determinado aspecto

linguístico que durante a escrita foi percebido por ela como uma demanda de

aprendizagem da maioria dos alunos:

AULA 1 (sequência sobre currículo – produção de texto)

P: Olha... Senta aí! Uma coisa muito importante. Eu vou colocar concorrer à vaga,

assumir a vaga e solicitar a vaga. Quem concorre, concorre a alguma coisa... Quem

assume, assume alguma coisa...

Aluno: E quem solicita?

P: Solicita alguma coisa. Isso é muito importante minha gente, em qual desses verbos

apareceu a preposição “a”?

Aluno: Concorrer.

P: Por isso temos que colocar a crase. Atenção que a crase é o acento ao contrário. Só

deixa a crase no concorrer. Vamos lá, que está quase na hora.

A professora não havia planejado trabalhar crase com os alunos naquele dia.

Entretanto, ela percebeu que o uso do acento grave era necessário para que eles

escrevessem de forma adequada os objetivos do currículo. Dessa forma, a aprendizagem

deste elemento linguístico não foi realizada como casualmente, mas esteve voltada para

a produção textual. Dessa forma, as reflexões sobre a língua fazem sentido para o aluno.

Já a sétima estratégia acontece quando professora lê os textos produzidos fora da

sala de aula, elabora uma percepção geral sobre eles, comenta o principal problema em

comum e dá uma orientação coletiva. Ela colocou em prática tal estratégia em dois

momentos: na segunda aula de produção das notícias e na segunda de produção dos

currículos do futuro. Isso nos dá indícios de que a professora prefere realizá-la quando

as atividades de escrita propriamente ditas estão sendo finalizadas. O trecho abaixo traz

uma dessas duas ocorrências:

236

AULA 4 (sequência sobre notícias – produção de texto)

P: Eu dei uma lida nos textos e vi que muitos estão apenas jogando as informações, as

palavra no papel, sem muita articulação entre elas. Eu não quero uma lista de tópicos,

certo?

Antes de iniciar o segundo dia de produção das notícias, a professora se

preocupou em ler os textos dos alunos (sem fazer nenhum tipo de marcação escrita) para

eles perceberem a falha que estavam cometendo (no caso, a falta de articulação das

informações do texto); em seguida, ela comentava as ocorrências com os alunos. Essa

estratégia é interessante, porque permite ao professor atingir a maior parte dos alunos

com sua orientação sobre um problema importante de modo a que eles repensem e

reconstruam seus textos ainda na primeira escrita.

A oitava e última estratégia consiste na realização de orientações escritas,

apresentadas para os alunos através de marcações e/ou comentários escritos. Ela foi

utilizada na segunda aula de produção e nas duas aulas de avaliação, revisão e reescrita

das notícias, bem como na segunda aula de produção dos currículos do futuro, na qual

também houve orientação para a reescritura textual. Nesse sentido, podemos concluir

que a professora prefere utilizá-la quando as atividades de escrita propriamente ditas

estão sendo finalizadas e nos momentos de reelaboração dos textos.

Para entendermos melhor o que seriam estas marcações, tomaremos como base

as categorias definidas por Ruiz (2001), apresentadas e discutidas anteriormente no

capítulo sobre avaliação. Um tipo de marcação, denominado de correção indicativa, é

realizado quando a professora aponta um determinado problema de produção no corpo

do texto, circulando a palavra onde ele ocorre. Ela não altera o texto, somente indica o

local das alterações a serem feitas pelo aluno, como podemos perceber no exemplo

abaixo:

237

Figura 8: Correção indicativa realizada pela professora B

Como podemos perceber nesse exemplo, a professora apenas circula a palavra

para indicar onde estão os problemas do texto. A partir dessas indicações, o aluno

precisa, primeiramente, interpretar os sinais deixados pela docente, identificando a

natureza dos problemas apontados, e em seguida pensar sobre de que forma efetuará as

modificações para solucioná-los. Nesse sentido, acreditamos que essa estratégia é

positiva, pois leva o aluno a refletir sobre seu texto, de modo a encontrar as respostas

para os problemas apontados. Entretanto, ela não fornece pistas suficientes, pois deixa

dúvidas sobre a sua natureza dos problemas, o que pode dificultar a atividade de

revisão.

238

O outro tipo de marcação, denominado de correção resolutiva, é posto em

prática quando a professora corrige o problema de produção detectado, acrescentando,

substituindo ou retirando palavras, frases ou períodos inteiros.

Figura 9: Correção resolutiva realizada pela professora B

Como podemos perceber através do exemplo acima, nesse tipo de correção a

professora fornece ao aluno as respostas prontas para os problemas do texto, cabendo-

lhe apenas aceitá-las e passar o texto a limpo. Acreditamos, portanto, que a partir das

correções resolutivas o aluno não executa verdadeiramente uma tarefa de revisão. Ao

realizar tal estratégia, a professora perde a oportunidade de levar o aluno a refletir sobre

os problemas do texto e a buscar as possíveis soluções.

Essas duas formas de correção foram utilizadas nas atividades de avaliação e

(re)escrita de notícias, ainda que a correção resolutiva tenha sido utilizada com mais

frequência pela professora B. Em contrapartida, nas (re)elaboração dos currículos, ela

fez uso apenas da correção indicativa.

Um aspecto interessante verificado por Ruiz (2001) em relação a esses tipos de

correção é o caráter monofônico ou polifônico estabelecido na interação aluno-professor

239

através da atividade avaliativa. Na correção resolutiva, ao apresentar as alterações a

serem realizadas na reescrita, o discurso do professor praticamente anula a presença do

outro (o aluno), que é, assim, destituído de voz; a avaliação assume, pois, um caráter

monofônico. Já na correção indicativa, o professor pressupõe a presença do aluno em

seu discurso, na medida em que, ao indicar os problemas e/ou classificá-los, conta com

a participação dele para solucioná-los e assim também introduzir o seu discurso, o que

se caracteriza como uma atividade polifônica. Desses dois modos de correção textual,

concordamos com Ruiz (2001) quando ela considera que o tipo resolutivo é o que

menos ajuda na reconstrução reflexiva do texto, porque as soluções já vêm prontas, isto

é, o professor não dá oportunidade de o aluno pensar sobre o que errou.

Além das marcações nos textos dos alunos, sob a forma de correções indicativa e

resolutiva, a professora também escreveu algumas poucas orientações junto à escrita do

aluno, mais especificamente em cima da folha (antes do texto) ou embaixo (logo após o

texto):

Figura 10: Comentários escritos feitos pela professora B

240

Diferentemente dos bilhetes interativos encontrados por Ruiz (2001) em sua

pesquisa, a forma como os comentários escritos pela professora B foram apresentados

não se configura como um diálogo com os alunos; são fornecidas apenas orientações a

serem cumpridas. Nesse sentido, acreditamos que prevalece a voz do professor

(procedimento monológico).

Assim como procedemos na discussão sobre a prática avaliativa da professora A,

vamos discutir mais detalhadamente e de forma mais sistemática como se deu a

mediação da professora B ao executar as oito estratégias realizadas por ela. Isso se faz

necessário, pois, como já apontamos anteriormente, é necessário estarmos atentos não

só para o que fazemos, mas, principalmente, para a forma como fazemos.

3.1.2.2 Como é realizada a mediação da professora B durante a execução das

estratégias avaliativas?

Verificamos que, durante a realização das 8 estratégias acima discutidas, a

professora B intervém muito no processo de produção e refacção dos textos, de tal

modo que muitas vezes dá as respostas prontas para os alunos. Na maioria das

orientações para a produção, ela diz o que é para colocar e como:

AULA 3 (sequência sobre notícias – produção de texto)

P: Você começa o texto dando a ideia de tempo... “Num domingo, por volta de tal hora,

foi assassinado...” Aí, “testemunhas disseram que o motivo...” Aí, depois você pode

dizer o que foi que aconteceu.

No diálogo acima, a professora não só diz para o aluno que ideias acrescentar,

mas também a ordem em que estas devem ser dispostas e a forma de iniciá-las. Do

mesmo modo, na maior parte das orientações para a refacção, ela aponta o que está

errado e como consertar, mas não diz por que realizar tal modificação:

AULA 6 (sequência sobre notícia – avaliação, revisão e reescrita)

Aluno: Vê, X, se ficou melhor agora.

P: [leitura silenciosa] Olha, é melhor que você coloque o número escrito do que o

numeral.

241

Como podemos perceber, a professora B aponta o que está inadequado no texto

– a data em forma de numeral – e orienta o aluno sobre como consertar essa

inadequação – reescrevendo a data por extenso. Entretanto, não explica para o aluno,

nem o faz perceber por que realizar essa reescrita – no caso, seria preciso dizer que

normalmente as datas aparecem na notícia por extenso.

Em alguns momentos a professora oferece essas orientações como se fossem

apenas uma sugestão ou uma opção, como podemos perceber no exemplo abaixo:

AULA 1 (sequência sobre currículo – produção de texto)

P: Você pode solicitar uma vaga de estágio numa empresa de engenharia. Coloca:

“Solicitar uma vaga no escritório de engenharia”; “Assumir a vaga de estagiária na

loja C&A” e pode especificar que loja.

Em outros momentos, acaba apresentando as estruturas inteiras que os alunos

devem escrever, ditando-as para eles:

AULA 3 (sequência sobre currículo - produção de texto)

P: Copia aí: Superior em Policia Civil, aí aqui ao lado coloca um traço e coloca o

nome da escola: Escola Superior de Polícia Civil do Paraná, certo?

Algumas vezes percebemos que os alunos querem refletir sobre o texto e chegar

às suas próprias respostas, mas a professora não dá tempo para eles pensarem e fornece

logo a resposta:

AULA 6 (sequência sobre notícia – avaliação, revisão e reescrita)

P: [Professora lê o texto em voz baixa] Veja aqui, X. Você diz: “no último domingo

aconteceu um crime por volta das 17h30”. Aí você conta o crime e no final você coloca

que os dois morreram a caminho do hospital e o assassino José fugiu da cidade e

jamais alguém o viu. Quando você diz “jamais”, é como se isso já tivesse acontecido há

anos! Não é?

Aluno: É!

P: Parece que faz anos e anos e em cima você coloca neste domingo... Fica sem

sentido.

Aluno: É verdade. Isso tem que sair. Nunca mais... E se eu botar...

242

P: Coloca só “O assassino fugiu”.

No diálogo acima, podemos notar que o aluno concorda com a orientação da

professora e começa a esboçar uma resposta para ela, pensando em uma alternativa de

reescrita de um determinado trecho do texto. A professora, porém, não espera pelo

aluno e suspende sua tentativa ao lhe dar a resposta pronta.

Em poucos momentos vemos a professora dando oportunidade para que os

alunos pensem sobre os seus textos e, assim, cheguem à resposta esperada:

AULA 4 (sequência sobre notícia – produção de texto)

P: Vamos lá... Se vocês dizem “O casal foi morto”. Mas se você diz “Juliana e João foi

morto”. É?

A partir dos dados acima apresentados, concluímos que, na maioria das vezes, a

atividade de refacção textual não se dá como uma negociação de sentidos, mas como

uma imposição da verdade da professora. Ou seja, ao dar as respostas prontas, ela acaba

passando a ideia de que suas impressões sobre o texto são as únicas válidas. Da mesma

forma, ela anula a contrapalavra dos alunos, rompendo, assim, o diálogo. O trecho

abaixo nos ajudará a discutir melhor esse aspecto:

AULA 6 (sequência sobre notícia – avaliação de texto)

Aluna: E isso aqui, num é pra passar a limpo?

P: Porque eu risquei. É pra tirar, porque é desnecessário.

Aluna: Mas eu gostei tanto!

P: Ficou sem sentido, na verdade...

Aluna: Nem o assassino?

P: Não. Pode tirar.

Como podemos perceber no diálogo acima, a aluna indaga a professora sobre

determinada passagem do texto que foi riscada, tentando entender, primeiramente, o que

significa aquela marcação feita por ela. Ao confirmar que os riscos significavam que

aquela parte do texto deveria ser desconsiderada e, por isso, não precisava ser passada a

limpo, a aluna dá a sua opinião sobre o trecho riscado, tentando convencer a professora

a mantê-lo. Esta retifica a sua explicação e, diante disso, mais uma vez, a aluna (muito

243

timidamente) tenta fazê-la mudar de opinião. Entretanto, a professora se mantém firme e

recomenda retirar o trecho riscado.

Vale salientar que não estamos argumentando que a professora deveria ter

deixado a aluna manter o trecho inadequado no seu texto, pois uma atitude como essa

também não colabora em nada para desenvolver a competência linguística do aluno.

Entendemos, apenas, que é importante o professor dar uma maior abertura para a

participação dos alunos na reflexão linguística, fornecendo espaço para também eles

dizerem suas impressões sobre o texto e levando-as em consideração nos seus

comentários avaliativos. Para tanto, ele pode levantar algumas questões que ajudem os

alunos a refletirem sobre o texto e que os estimulem a falar. No caso do exemplo acima,

se a passagem riscada estava sem sentido, a professora B poderia ter questionado a

aluna sobre o que ela quis dizer com aquele trecho e indagado que modificações

poderiam ser feitas para deixá-lo mais claro para o leitor. Dessa forma, a docente

estaria atuando na atividade de revisão e reescrita como um leitor/escritor mais

experiente, que teve uma formação linguística específica e que, como tal, tem um olhar

mais apurado sobre o texto e possui condições de ajudar o aluno a encontrar

alternativas para melhorá-lo.

Da mesma forma, ela estaria mostrando à aluna que suas impressões sobre o

texto não são verdades absolutas, mas apenas “um” modo de ver (COSTA VAL, 2009),

que pode ser questionado e negociado. Como discutimos no capítulo teórico sobre

avaliação, esta é uma atividade subjetiva, pois cada professor constrói “seu ângulo de

visão” a partir de diversos fatores, como a posse de informações a priori sobre o aluno-

produtor, as expectativas sobre o que pode ser o texto de um aluno em determinado

momento de sua escolarização, a maneira de o professor entender o que é um texto,

como ele funciona e, especificamente, como deve ser um bom texto escrito, as

exigências da escrita em determinada situação, o que foi ensinado etc. Esses fatores

guiarão de maneira diferente a leitura do objeto avaliado e podem levar a resultados

também distintos.

Essa postura do professor é importante, primeiramente, para a aprendizagem da

escrita pelo aluno. Assim como Perrenoud (1999), consideramos que a escola deve

apostar na participação do aluno através de atividade de autorregulação, pressupondo

que nenhuma intervenção externa age se não for percebida, interpretada e assimilada

pelo sujeito.

244

Da mesma forma, ela é importante porque o aluno tem o direito de falar e ser

ouvido. Ao defendermos nesta pesquisa a avaliação como discurso, estamos assumindo

que esta é um ato de interação, no qual professor e aluno trocam percepções sobre o

objeto avaliado e negociam sentidos. Dessa forma, é inconcebível que apenas o

professor adote uma compreensão responsiva ativa diante dos enunciados do aluno. Este

também pode e deve oferecer sua contrapalavra ao professor. Afinal, ninguém melhor

do que ele para falar sobre o próprio processo de escrita e, assim, fornecer informações

que ajudarão o professor a conhecê-lo melhor.

Em contrapartida, observamos algumas atitudes frequentes nos alunos que

podem estar relacionadas à postura da professora B de dar as respostas prontas e inibir a

fala do aluno.

Primeiramente, notamos que a maioria dos alunos não participa ativamente da

avaliação, apenas executa ordens. Ou seja, eles apenas concordam com o que a

professora diz e não discutem nem discordam do que é comentado por ela. É

interessante que, ao lermos as transcrições de aula focando apenas nas falas dos alunos,

percebemos que a maioria delas inicia por ou se restringe a: certo / tá / sei / vou fazer /

vou escrever de novo / vou corrigir. Parecem que eles estão sempre prontos a executar

as orientações dadas. Poucos são os alunos que se arriscam a travar diálogos com a

professora.

Acreditamos que essa postura pode estar relacionada à forma como a professora

medeia a atividade de (re)escrita. Isso porque, se ela não dá espaço para os alunos

falarem sobre seus textos, eles se acostumam a ficar calados. Da mesma forma, se, ao

contestar a orientação da professora, o aluno tem sua fala negada, ele passa a tomá-la o

discurso docente como uma verdade absoluta que não pode ser contestada.

Da mesma forma, notamos que os alunos se acostumaram a não pensar sobre o

seu texto e a querer a resposta pronta da professora. É o que pode ser observado, por

exemplo, no diálogo a seguir:

AULA 3 (sequência sobre currículo - produção de texto)

Aluna: Professora, e o meu objetivo?

P: Você coloca cargo de comissária de bordo da empresa TAM.

No trecho acima, o aluno cobra da professora que ela informe não só que

informações colocar no tópico “objetivo”, mas também como colocá-las. Vimos que a

245

professora B dá as respostas prontas para os alunos. Diante disso, eles podem pensar:

“Se ela vai dar mesmo a resposta, para que eu pensar? É só eu pedir!”.

Os dados acima apontados dão indícios de que a mediação da professora nas

atividades de (re)escrita textual estaria tornando os alunos menos ativos e mais

dependentes dela, quando, na verdade, deve desenvolver neles a capacidade de regular

seus próprios processos de escrita. A esse respeito, Perrenoud (1999) afirma que apostar

na autorregulação é reforçar as capacidades do sujeito de gerir ele próprio seus projetos,

desenvolvendo a sua autonomia. No ensino da produção de textos o exercício da

autoavaliação permite que os aprendizes se tornem escritores autônomos desde que eles

sejam levados desde cedo a refletir sobre suas próprias produções.

Outras posturas do aluno também chamaram a atenção durante as atividades de

(re)escrita textual. Notamos que eles veem a si mesmos e aos colegas de uma forma

inferior, como podemos notar nas transcrições abaixo:

AULA 4 (sequência sobre notícia – produção de texto)

P: Dê para um colega que você confia ler.

Aluno: Ele é mais burro que eu!

AULA 4 (sequência sobre notícia – avaliação, revisão e reescrita)

Aluno 1: Eu não vou fazer isso, porque eu não sei fazer. Já fiz dez mil vezes!

Aluno 2: Por isso que eu não fiz.

Aluno 3: Eu não fiz, porque o meu tá todo errado.

Como podemos perceber, os alunos não se acham capazes de realizar a

atividade, talvez porque eles fazem e refazem os textos muitas vezes e estes nunca

ficam bons o suficiente para a professora, pois ela continua pedindo para eles refazerem.

Da mesma forma, na medida em que ela realiza de forma intensa uma correção de tipo

resolutivo, os alunos incorporam para si a ideia de que a maior parte do que eles

escrevem sempre está errada.

Notamos também que os alunos demonstram aversão ao erro, como se este não

fosse normal num processo de ensino-aprendizagem. Vejamos alguns diálogos entre os

alunos que conseguimos registrar:

246

AULA 6 (sequência sobre notícias – avaliação, revisão e reescrita)

A: Tu não gosta de errar, não? A: Ninguém gosta! AULA 4 (sequência sobre notícia – produção de texto)

A: Queria eu que o primeiro que eu desse a ela tivesse certo.

A: Oxe, eu vou fazer esse e pronto!

Os alunos não gostam de errar, pois sabem que, quanto mais errarem, mais terão

que reescrever. Vimos também que eles acham a revisão e a reescrita um trabalho difícil

de realizar. Nos diálogos abaixo, por exemplo, notamos os alunos um tanto

desesperados ao fazerem a atividade de reescritura textual e, por isso, eles buscam a

ajuda da professora:

AULA 3 (sequência sobre notícia - produção de texto)

Aluno: Menina, como eu faço isso?

AULA 6 (sequência sobre notícias – avaliação, revisão e reescrita)

Aluno: É um babado, professora...

P: Tem babado não...

Aluno: O que eu faço?

Além de difícil, os alunos demonstram que para eles a revisão/reescrita é um

trabalho árduo.

AULA 4 (sequência sobre notícia – produção de texto)

Aluno: Ai meu Deus! Eu mereço!

P: Merece mesmo...

AULA 4 (sequência sobre notícia – produção de texto)

Aluno: Eu aqui de novo.

P: Que bom!

Aluno: Nunca escrevi tanto na minha vida!

P: Que pena!

247

AULA 4 (sequência sobre notícia – produção de texto)

Aluna:“E aí, professora? Precisa ajeitar mais alguma coisa? Ah! Não! Meus dedinhos!

Amanhã eu entrego; hoje eu tô cansada!”.

A imagem que os alunos têm do processo de reescritura é que seja uma atividade

muito trabalhosa, cansativa e interminável, visto que a professora olhou em diversos

momentos o mesmo texto e mandou os alunos voltarem para refazer muitas vezes. Isso

transparece até na forma de denominar o processo de refacção: para os alunos, a

atividade de avaliação, revisão e reescrita se resume a “passar o texto a limpo”.

Justamente por ser difícil e trabalhosa, eles reclamam o tempo todo por ter que realizá-

la. Muitos alunos resistem em fazer e só cumprem a tarefa depois de muito reclamar.

Abaixo apontamos algumas das lamentações dos alunos:

AULA 6 (sequência sobre notícia – avaliação, revisão e reescrita)

Aluno: Oxe! Já fiz um bocado! Vou fazer mais não!

AULA 6 (sequência sobre notícia – avaliação, revisão e reescrita)

P: [leitura silenciosa] Olha, é melhor que você coloque o número escrito do que o

numeral.

Aluno: Não, professora!

Esse aspecto foi percebido nas reações de grande parte dos alunos,

particularmente de uma aluna que, dentre todos, foi a que mais vezes passou a limpo seu

texto. Ela se mostrava muito irritada com as intervenções da professora: respirava

fundo, “chiava”, cruzava os braços e as pernas, colocava a mão no rosto, franzia a testa,

criticava e refutava as intervenções da professora. Com toda essa imagem negativa que

os alunos tinham do processo de reescritura, era de se esperar que eles se mostrassem

ansiosos para que a atividade acabasse logo:

AULA 6 (sequência sobre notícia – avaliação, revisão e reescrita)

P: Olha, a atividade da quarta aula foi encerrada... Quem não fez vai concluir na

próxima aula. Agora, nós vamos encerrar aquela atividade da notícia. Algumas pessoas

faltam passar a limpo, e tem que ser encerrada nessa aula...

248

Aluno: Uhuuuuu!

Toda essa reclamação dos alunos vem não apenas do modo como veem a

revisão/reescrita e a si mesmos nesse processo, mas principalmente por não estarem

motivados. Notamos que a atividade de (re)escrita das notícias não fez muito sentido

para eles, devido às próprias condições de produção que a envolviam: os textos

produzidos eram meras tarefas escolares que seriam lidas apenas pela professora e

cumpririam a finalidade pedagógica de verificar se os alunos conseguiram aprender

sobre o gênero textual trabalhado. Ora, se o destino final forem as mãos dos próprios

alunos, para que melhorar as notícias que não serão mais lidas e que todos da sala já

conhecem tão bem? O aluno deveria revisá-las apenas para cumprir uma tarefa escolar e

agradar à professora?

Concordamos, portanto, com Rocha (1999) quando ela aponta que as condições

de produção influenciam na significação que a atividade de revisão/reescrita tem para os

alunos. Isso porque o investimento para revisar e reelaborar um texto perde em

significado para o aluno quando o material produzido não tem finalidade social. Apesar

de a professora salientar para os alunos o tempo todo que eles estavam trabalhando

notícia para que pudessem produzir melhor os textos do jornal da escola, parece que os

alunos “não compraram a ideia”. Ou seja, essa motivação não foi suficiente para que

eles se envolvessem na atividade de reescritura.

Processo totalmente oposto aconteceu com o processo de (re)escrita dos

currículos. Isso porque a postura dos alunos nessa sequência foi bem diferente em

relação à anterior. Notamos, primeiramente, que eles se mostraram muito dispostos a

passar os textos a limpo. Isso se dá de tal forma que, em vários momentos, a professora

pediu aos alunos que parassem de passar seus textos a limpo, como acontece na fala

abaixo:

AULA 2 (sequência sobre currículo – produção de texto)

P: Vamos logo. Essa mania de passar a limpo já está virando doença!

Além disso, os alunos, antes calados, passaram a perguntar muito. Vale salientar

que eles perguntavam porque realmente queriam saber. É o que acontece nos diálogos

abaixo:

249

AULA 2 (sequência sobre currículo – produção de texto)

Aluno: Professora, já fiz curso de administração, marketing e estou fazendo outro. Aí

eu coloco como?

P: Em andamento.

AULA 1 (sequência sobre currículo – produção de texto)

Aluno: Professora, concorrer a uma vaga como pequeno aprendiz nos correios. Eu

tenho que entregar o meu currículo ao pessoal dos correios, eu preciso colocar o nome

correios ou não precisa?

P: Não... Você deixa correios, que é pra ficar bem explícito mesmo.

Como podemos notar, durante a escrita surgiram algumas dúvidas sobre como

registrar no papel uma ideia ou se era necessário colocar determinada informação no

texto e, diante disso, os alunos sentiram a necessidade de pedir ajuda à professora para

esclarecê-las. Questionamentos como esses, decorrentes do próprio uso da língua, foram

muito frequentes na sequência sobre currículo. Isso se dá de forma tão intensa, que

poucas são as orientações que partem apenas da professora: na maioria das vezes ela

apenas responde às perguntas dos alunos. É interessante que, ao lermos as transcrições

de aula focando apenas as falas dos alunos, percebemos que é unânime iniciarem por

“professora”, o que indica que eles a invocavam frequentemente.

Por que essa mudança de comportamento dos alunos de uma sequência para a

outra? Acreditamos que tenha sido porque a atividade de (re)escrita dos currículos fez

muito sentido para eles, devido às próprias condições de produção textual. No que diz

respeito aos currículos atuais, os textos produzidos teriam um destino real, ou seja,

seriam lidos primeiramente pela professora para que ela os ajudasse a escrevê-los

melhor, mas seu destino final seriam as mãos de empregadores; da mesma forma,

cumpririam não só a finalidade pedagógica de verificar se os alunos conseguiram

aprender sobre o gênero textual trabalhado, mas também o objetivo de ajudá-los a obter

um estágio ou uma vaga de jovem-aprendiz. Ou seja, os currículos produzidos não eram

meras tarefas escolares, como no caso das notícias, mas textos reais que seriam usados

em situações de interação autênticas. Nesse caso, os alunos entenderam por que

realizavam a revisão e a reescrita: eles sabiam que os textos produzidos precisavam

250

estar bem escritos e por isso era necessário caprichar. Já em relação aos currículos do

futuro, apesar de se tratar de uma situação imaginária, os alunos se envolveram bastante

porque a atividade envolvia seus sonhos e desejos.

Entretanto, todo esse envolvimento dos alunos não seria possível se a professora

não tivesse se preocupado em propor situações de escrita estimulantes para eles e,

assim, conferir significado às atividades avaliativas e de reescritura. A professora tentou

essa mesma estratégia em relação à produção das notícias, ao relacionar a prática de

escrita ao jornal da escola, mas isso não surtiu o efeito esperado, pois os alunos não se

envolveram na atividade. Já em relação à produção dos currículos, eles “compraram a

ideia” e participaram com bom nível de engajamento.

Diante desses dados, nos perguntamos: até que ponto uma proposta de revisão

textual faz sentido ou não para o aluno? Concluímos que é muito mais viável e

promissor negociar um investimento na revisão de textos com uma turma de alunos se o

professor gerou ou aproveitou situações discursivas, de modo que a comunicação escrita

pôde adquirir significado e função para quem escreveu. Isso porque é preciso ter uma

razões tanto para escrever, como para revisar e produzir versões mais elaboradas.

Entretanto, a despeito do engajamento dos alunos na atividade, a professora

manteve o mesmo tipo de mediação posta em prática durante a (re)escrita das notícias.

Aliás, notamos que a postura dela de dar as respostas prontas se intensificou de uma

sequência para outra: na (re)escrita dos currículos a professora fornece as orientações de

forma ainda mais direta e explícita para os alunos. Talvez isso ocorra, pois, no caso dos

currículos atuais, tratava-se de um gênero mais formatado. Da mesma forma, nos

currículos do futuro isso pode ter acontecido porque a professora ficou responsável por

pesquisar na internet as informações que seriam escritas pelo aluno.

Independentemente dos motivos que tenham levado a professora a “fechar”

ainda mais suas orientações, entendemos que, ao manter tal mediação, ela perdeu muitas

oportunidades de refletir com os alunos sobre a língua em uso, da mesma forma que

aconteceu com a (re)escrita das notícias. Entretanto, no caso da sequência sobre

currículo, a perda foi ainda maior, pois os alunos estavam muito empolgados com a

atividade e, nesse sentido, participariam das discussões de forma ainda mais produtiva.

Os dados acima discutidos nos dão indícios de que o foco da mediação da

professora durante o processo de (re)escrita do texto é o produto final, ou seja, sua

intenção é a de que o texto fique bem escrito. Entendemos, no entanto, que o mais

importante é o que o aluno aprenda tentando chegar ao melhor resultado.

251

A professora parece acreditar que, mediando a revisão/reescrita da maneira

como ela faz, está ajudando os alunos a aprenderem mais sobre a escrita, como deixa

transparecer o diálogo abaixo:

AULA 6 (sequência sobre notícia – avaliação, revisão e reescrita)

P: (...) Presta atenção. Amanhã, quando for escrever, X, você vai passar a limpo pra

perceber as coisas erradas que você fez.

Aluna: Tudo?

P: É, meu anjo. Tem que prestar atenção no jeito que tá escrevendo. São erros bestas.

Quando tiver passando a limpo, vai vendo direitinho. O importante é não repetir.

Para a professora basta mostrar à aluna como é o certo e esta, enquanto passa o

texto a limpo, observará como seus erros foram consertados, aprenderá e não mais os

repetirá em textos futuros. Ao contrário, como já vimos apontando nas discussões acima

realizadas, acreditamos que o caminho para o desenvolvimento das habilidades de

escrita nos alunos é fazê-los pensar. Para tanto, o professor pode oferecer questões que

os ajudem tomar o texto como objeto de reflexão, de modo a identificar os problemas,

compreender o porquê de eles terem acontecido e indicar qual seria a melhor alternativa

para solucioná-los, reelaborando e reescrevendo o já escrito.

3.1.2.3 Quais os aspectos enfocados e priorizados nas orientações oferecidas pela

professora B?

A professora B realizou orientações orais (de forma individual ou coletiva) e

escritas (com marcações e observações junto ao texto do aluno). Nesse sentido, vamos

apresentar nossas análises de acordo com o tipo de orientação dada.

ORIENTAÇÕES ORAIS

A professora B observou pelo menos 22 aspectos diferentes. Essa constatação se

fez através da análise das orientações dadas por ela para subsidiar a escrita das notícias

pelos alunos. A tabela a seguir indica quais são esses aspectos e com que frequência eles

ocorreram durante a produção, avaliação, revisão e reescrita textuais.

252

Tabela 10: Aspectos avaliados oralmente pela professora “B” durante o processo de

produção de texto, revisão e reescrita de notícias.

18 Há orientações em que não conseguimos perceber se a professora estava avaliando a

acentuação ou a ortografia, pois ela apenas avisa para o aluno que circulou algumas palavras erradas e pede para eles identificarem o erro e consertarem.

Aspectos enfocados nas orientações Total de

orientações

TEMA Progressão temática 3

IDEIAS

Geração de ideias (subsídios temáticos) 1

Organização das ideias (articulação lógica) 6

GÊNERO TEXTUAL Perguntas que compõem o texto 4

Objetividade 6

Estilo do gênero 2

CONVENÇÕES

GRAMATICAIS

Ortografia 12

Acentuação / ortografia18 5

Pontuação 1

Concordância 4

Crase 1

CRITÉRIOS DE

TEXTUALIDADE

Coesão referencial 1

Aceitabilidade 6

Informatividade (acréscimo de informações /

complementação de sentido)

26

Informatividade (retirada de informações) 8

Relevância 1

Redundância 3

Quantidade de linhas 2

Repetição de palavras 2

Título 4

Tempo verbal 2

Coerência das informações colocadas na notícia com aquelas presentes

na música-base

12

Estilo 4

253

Como podemos observar através da tabela, a professora B observou diversos

aspectos durante a avaliação dos textos dos seus alunos. Dentre os 22 aspectos

observados, 4 tiveram uma maior ocorrência. O primeiro deles está relacionado à

informatividade do texto, conforme os critérios de textualidade apontados por Costa Val

(2006), Koch e Travaglia (1999) e Marcuschi (2008), e diz respeito ao acréscimo de

informações / complementação de sentido (presente em 26 orientações). Na maior parte

das orientações, a professora pede para os alunos inventarem informações que não estão

na música e acrescentá-las na notícia e/ou inserir as que são trazidas pela canção. Um

exemplo desse tipo de orientação pode ser visto no trecho abaixo:

AULA 4 (sequência sobre notícia – produção de texto)

P: Olhe... Quando chegarem na parte final da notícia, vocês devem dizer se o casal

morreu no local, se algum dos dois ou os dois chegou a ser socorridos, para qual

hospital. Se morreram no hospital... Essas informações são importantes, a gente sempre

vê essa informação, sempre tem. Quantas facadas cada um levou?

Aluno: Essas não têm, não...

P: Mais você vai inventar essas informações...

No exemplo acima, a professora pede para o aluno inventar e acrescentar

determinadas informações que sempre estão presentes em notícias policiais. Vemos,

portanto, que ela focalizou em sua avaliação o conteúdo textual, isto é, as informações a

serem colocadas nos textos. Vale salientar ainda que essa orientação de pedir aos alunos

que inventem informações rompe com uma das principais características da notícia que,

por sinal, foi trabalhada anteriormente com os alunos: ser verdadeira. Em contextos

reais de produção desse gênero textual, o jornalista não inventa os fatos e sim relata os

acontecimentos realmente ocorridos.

Esse é um dos perigos da didatização do gênero: o distanciamento da escrita na

sala de aula das práticas extraescolares de produção de texto. Sabemos que, ao se

trabalhar com um determinado gênero textual na escola, este sofre os efeitos da

transposição didática (MARCUSCHI, B., 2006), na medida em que se descola de suas

práticas de origem para se colocar a serviço do ensino e da aprendizagem. Entretanto,

mesmo tendo consciência desse processo, é importante o professor ter o cuidado de

propor a situação de escrita da forma mais próxima possível daquelas de que

participamos fora da escola.

254

O segundo aspecto mais recorrente nas práticas da professora B diz respeito à

coerência das informações colocadas na notícia com aquelas presentes na música,

sinalizada para os alunos em 12 orientações. O diálogo abaixo exemplifica esse tipo de

orientação:

AULA 4 (sequência sobre notícia – produção de texto)

P: Olha, você tem que colocar as informações que estão aqui, é como se você estivesse

vendo um assassinato e tivesse que publicar num jornal. Você não pode mudar as

informações...

Aluno: Certo.

Como podemos perceber, a professora repreende o aluno por ter alterado uma

informação presente na música ao transpô-la para a sua notícia. Nesse sentido, sinaliza

que ele deve inserir em seu texto as informações da canção do mesmo jeito que lá

aparecem, tendo cuidado para não alterá-las.

Sentimos que os alunos ficaram confusos com as diferentes orientações dadas

pela professora em relação à inserção de informações no texto: era para reproduzi-las ou

inventá-las? Enxergamos, nesse caso, certa contradição entre os dois critérios utilizados

pela professora. Talvez por causa dessa contradição os alunos tenham recebido tantas

orientações chamando a atenção deles para a coerência entre as informações presentes

música e as que foram inseridas na notícia.

Ao mesmo tempo, um terceiro aspecto, também relacionado à informatividade

do texto e, portanto, aos critérios de textualidade, teve uma recorrência significativa nas

orientações da professora B: a retirada de informações, solicitada em 8 momentos.

Vejamos o exemplo a seguir:

AULA 5 (sequência sobre notícia – avaliação, revisão e reescrita)

P: Olha, tem que passar a limpo... Você narrou muitos detalhes, você precisa se

prender às informações principais. Você coloca assim: “João resolveu ir ao parque

encontrar seu amor. Enquanto, isso José estava na feira”. Veja, na notícia não precisa

desses detalhes, não são importantes, porque o mais importante é a morte dos dois.

Você vai reescrever, focando mais.

255

Nesse diálogo, a professora pede para o aluno retirar informações do texto que,

segundo ela, são desnecessárias. Em outros momentos, ela justifica esse tipo de

orientação dizendo que a notícia é um texto enxuto e direto. Entretanto, em outras aulas,

ela dá orientações contrárias, pedindo aos alunos que acrescentem detalhes que tornem

o texto mais preciso:

AULA 4 (sequência sobre notícia – produção de texto)

P: Como você está tratando de uma notícia, é necessário ser mais exato. Então, você

especifique o dia da semana e, se for o caso, cria até uma data. É necessário uma

exatidão maior, mais detalhes.

Sentimos que os alunos mais uma vez ficaram confusos diante das orientações

díspares dadas pela professora, agora em relação ao nível de objetividade do texto: é

para ser sintético ou detalhista? Enxergamos mais uma vez uma contradição entre as

duas orientações fornecidas pela professora.

Tanto o caso visto anteriormente – aquele em que a professora orientou os

alunos a não mudarem as informações da música e ao mesmo tempo pediu que eles

inventassem informações – como o caso discutido acima nos dão indícios de que, em

alguns momentos, há uma incoerência nos critérios utilizados pela professora B e uma

contradição nas orientações oferecidas. Concordamos com Hadji (2001) quando ele

considera que a avaliação pode se dar de forma inconsistente se os critérios nela

utilizados forem vagos ou imprecisos. Essa falta de definição acarreta dúvidas que

podem tornar a tarefa de revisão e reescrita ainda mais desgastante para os alunos, pois

eles terão que revisar e reescrever seus textos mais vezes (algumas delas, sem

necessidade, pois se configuram apenas como um desfazer de uma orientação dada

anteriormente).

Um último aspecto que teve uma presença considerável nas orientações da

professora B diz respeito à ortografia, avaliada em 12 momentos (no mínimo). Dentre

todas as convenções gramaticais avaliadas pela professora, essa foi a mais lembrada. As

demais convenções (acentuação, pontuação, concordância e crase) quase não foram foco

de avaliação, o que nos dá indícios de que a correção gramatical não foi uma das

prioridades nas orientações orais realizadas pela professora B.

No que tange ao gênero textual, a professora B avaliou apenas três aspectos. Em

4 momentos ela pediu aos alunos que escrevessem a notícia tomando como base as

256

informações que a compõem (Quem? O quê? Onde? Como? Por quê? Para quê?). Em

6 momentos, avaliou a objetividade dos textos dos alunos, verificando se as notícias

produzidas apresentavam as informações de forma enxuta e direta. Por fim, em 2

momentos, ela comentou com os alunos que seus textos não tinham o estilo de uma

notícia. Esse último tipo de orientação pode ser verificado no diálogo abaixo:

AULA 4 (sequência sobre notícia – produção de texto)

P: (...) No domingo, por volta das 14:30, no Parque da Boca do Rio, João encontrou

Juliana na roda gigante ...

Colega do aluno que produziu o texto: Tá parecendo uma história...

P: É exatamente isso... Uma narrativa. Eu vou ler pra você e você vai perceber isso:

‘Quando encontrou Juliana ele levou uma flor e um sorvete. Aí veio José e ficou com

ciúmes de João, que estava conversando com Juliana e depois de meia hora aconteceu

um assassinato e morreu João e Juliana com 20 facadas e o suspeito foi José’. Perde a

característica de notícia... Você narrou, mas de uma maneira como se estivesse

contando um fato corriqueiro... Não tem as características jornalísticas.

Nessa situação, a professora estava avaliando o texto de um aluno e outro aluno

que estava perto, acompanhando a leitura do texto, comenta que o texto não está

parecendo uma notícia e sim uma história, opinião esta que é ratificada pela professora e

se torna a linha de orientação para a revisão do texto.

O que nos chamou atenção em relação à avaliação dos elementos específicos do

gênero, realizada pela professora B, é que anteriormente, nas atividades de

caracterização da notícia, foram abordados muitos outros elementos, não apenas esses

três que foram considerados. Como, então, o professor saber se os alunos

compreenderam adequadamente os demais aspectos estudados? Ao entendermos a

avaliação como estratégia de formação19 (HADJI, 2001; MÉNDEZ, 2002;

PERRENOUD, 1999; SUASSUNA, 2007), consideramos que haja uma integração entre

avaliação, ensino e aprendizagem: o que foi ensinado entra na composição dos critérios

utilizados na avaliação para ajudar o professor a perceber o que foi aprendido ou não

pelos alunos, para, em seguida, o professor promover a regulação do processo de ensino

19 O termo “estratégia de formação” foi cunhado por Hadji (2001). Perrenoud (1999) utiliza outro termo: “estratégia de regulação”. Entretanto, as ideias apresentadas após os dois pontos são compartilhadas não só por estes dois autores, mas também por Méndez (2002) e Suassuna (2007).

257

por ele empreendido, adaptando-o aos alunos e levando estes à construção dos

conhecimentos ainda não aprendidos. É importante o professor realizar esse movimento

para garantir que o ensino e a avaliação estejam de fato a serviço das aprendizagens dos

alunos.

Percebemos também que alguns dos critérios de textualidade foram alvo de

atenção da professora. Já apontamos anteriormente que o elemento mais presente nas

orientações foi a informatividade, pelo fato de ela solicitar que os alunos ora

acrescentassem informações, ora retirassem-nas. Além desse, outros dois elementos

foram avaliados. A aceitabilidade foi destacada pela professora em 6 momentos. É o

que acontece no trecho a seguir:

AULA 6 (sequência sobre notícia – avaliação, revisão e reescrita)

P: [Professora o texto lê em voz baixa] Veja aqui, X. Você diz: “no último domingo

aconteceu um crime por volta das 17h30”. Aí você conta o crime e no final você coloca

que os dois morreram a caminho do hospital e o assassino José fugiu da cidade e

jamais alguém o viu. Quando você diz “jamais”, é como se isso já tivesse acontecido há

anos! Não é?

Aluno: É!

P: Parece que faz anos e anos e em cima você coloca neste domingo... Fica sem

sentido.

Vemos que a professora B, enquanto leitora do texto do aluno, se esforça para

aceitá-lo como uma ocorrência linguística com coerência. Porém, ela esbarra em uma

determinada passagem que não faz sentido para ela e, portanto, é inaceitável.

Em outro momento, a professora também avalia a coesão referencial no texto do

aluno, que é mais um critério de textualidade. Essa orientação está transcrita abaixo:

AULA 6 (sequência sobre notícia – avaliação, revisão e reescrita)

P: Você pode começar por aqui. Ao invés de tratar José de assassino, já que você ainda

tá começando o texto, chame ele pela profissão.

Nessa passagem, a professora avalia a referenciação estabelecida no texto, na

medida em que orienta o aluno a mudar o modo como se refere a um dos personagens

258

da notícia/música, aconselhando-o a não chamá-lo de “o assassino”, pois o texto está só

no começo e ainda não foi dito que ele cometeu o crime.

Por fim, chama atenção o fato da professora, em 4 momentos, ter apontado

aspectos estilísticos no texto do aluno, como acontece neste diálogo:

AULA 4 (sequência sobre notícia – produção)

P: (...) Olha, esse “houve” está errado, não é assim... Na verdade, é melhor colocar

“ocorreu”.

A professora, inicialmente, ia chamar a atenção do aluno para um problema de

ortografia – a ausência do “h” em “houve” –, mas desiste e prefere orientar o aluno a

trocar esta palavra por outra – “ocorreu” –, provavelmente porque esta soaria melhor na

notícia.

O fato de a professora observar alguns aspectos estilísticos nos textos dos alunos

demonstra uma percepção sobre a necessidade de realizar um trabalho que vá além da

correção das formas erradas; ela se preocupa em conduzir os discentes a encontrar o

melhor jeito de dizer o que pretendem. A esse respeito, Antunes (2006) orienta o

professor a, durante a avaliação, refletir com o aluno sobre a adequação ou inadequação

das palavras ou trechos do texto, sugerindo outras formas de expressão como

alternativas possíveis. Lamentamos, apenas, que ela não tenha aproveitado essa situação

para analisar as diferenças nos efeitos de sentido provocados pela escolha de uma ou

outra palavra, pois ela apenas pede que se faça a alteração. Dessa forma, ela perdeu

oportunidades de fazer o aluno perceber que é possível conseguir outros efeitos de

sentido pela adoção de outras formas de dizer.

Por essa e outras orientações, já discutidas acima, a professora B demonstra ter

uma sensibilidade e uma percepção para as nuances da textualidade, na medida em que

chama a atenção dos estudantes para aspectos que poderiam passar despercebidos por

serem muito sutis.

É importante salientar que os aspectos apontados até o momento dizem respeito

apenas à produção, avaliação, revisão e reescrita das notícias. A partir de agora vamos

discutir sobre os aspectos observados pela professora B durante a escrita e reescrita dos

currículos. Realizamos essa separação, pois, aos analisarmos os relatórios de aula da

sequência sobre currículo, percebemos que as orientações dadas para a sua produção

foram muito diferentes daquelas fornecidas para a produção das notícias.

259

Durante o processo de produção dos currículos, a professora realizou

basicamente três tipos de orientações. Um primeiro tipo de orientação acontecia quando

ela explicava para o aluno no que consistia determinado aspecto que compõe a estrutura

do currículo. No diálogo abaixo podemos acompanhar um exemplo dessa ocorrência:

AULA 3 (sequência sobre currículo – produção)

P: Formação é a faculdade que você deve ter feito...

A professora percebe que o aluno não está entendendo determinada parte do

currículo e, por isso, não está conseguindo preencher o seu texto em relação a esse

aspecto. Ela então se antecipa e explica novamente para o aluno o que é esse tópico para

ajudá-lo a produzir.

Um segundo tipo de orientação ocorria quando a professora indicava para os

alunos que informações eles deveriam colocar em seus textos. Por sua vez, essa

orientação foi dada de suas formas diferentes. Em alguns momentos, a professora

apenas dizia para os alunos que tipos de informações inserir em um determinado tópico

do currículo. É o que acontece no diálogo abaixo:

AULA 2 (sequência sobre currículo – produção)

P: E no cabeçalho, quais são as informações?

Aluno: Nome, nacionalidade, estado civil, endereço, telefone.

P: São os contatos, né?

Como podemos perceber nesse exemplo, a professora quer deixar claro para o

aluno que informações são postas normalmente num cabeçalho para que ele, tomando

como base essa estrutura, seja capaz de inserir seus próprios dados em seu texto.

Percebemos durante as análises que esse tipo de orientação mais geral foi mais

recorrente durante a produção dos currículos atuais.

Talvez a professora tenha sentido necessidade de realizar esse tipo de

intervenção mais genérica porque muitos alunos, mesmo com o exemplo em mãos (o

qual deveriam tomar como modelo para a escrita dos seus currículos), não estavam

conseguindo separar o que era informação específica do texto e o que era informação

que deve constar em qualquer currículo. Exemplo disso é o caso da aluna que quis

colocar que morava em um prédio, mesmo morando em uma casa, possivelmente

260

porque pensou que essa informação fazia parte do gênero currículo. Percebendo o

equívoco da aluna, a professora preferiu dar uma orientação coletiva não só para ajudá-

la, mas também para atingir outros alunos que tenham tido o mesmo pensamento:

AULA 1 (sequência sobre currículo – produção de texto)

P: Prestem atenção... Aí no meu endereço vocês estão vendo assim: Rua São Felix, 98,

apartamento 201. Por que eu moro em prédio, mas vocês que moram em casa colocam:

Rua tal, número tal. Não precisa colocar apartamento, só se morar em prédio.

Vemos que, através desse tipo de orientação, a professora ajudou os alunos a

abstrair a estrutura do gênero currículo. Da mesma forma, em outros momentos, a

professora apresenta literalmente para os alunos as informações que eles devem colocar

em seus textos:

AULA 3 (sequência sobre currículo – produção)

P: O que você teria trabalhado nessa época. No caso, você quer fazer advocacia, né?

Aluno: É!

P: Pode colocar que trabalhou, estagiou na OAB, que é a Organização dos Advogados

do Brasil... Você pode colocar que estagiou no escritório de advocacia... Aí diz o nome

desse escritório.

Nesse diálogo, a professora diz para os alunos que dados inserir para preencher o

tópico “experiência profissional”. Percebemos durante as análises que esse tipo de

orientação mais específica foi mais frequente durante a produção dos currículos do

futuro. Acreditamos que isso tenha ocorrido porque a professora ficou responsável por

pesquisar as informações na internet e repassá-las para os alunos.

Um terceiro tipo de orientação se deu quando a professora falava para os alunos

como eles deveriam inserir as informações em seus textos. A esse respeito, notamos que

ela orientava os alunos em relação à ordem das informações (as informações devem ser

dispostas em determinadas ordens), ao espaçamento (deve haver um espaço entre um

tópico e outro e certas informações não devem ficar na mesma linha, mas em linhas

separadas), ao uso da letra maiúscula (deve-se usar letra maiúscula para iniciar cada

novo item), à pontuação (devemos separar as informações por ponto, vírgula ou hífen,

261

dependendo da situação) e à colocação do nome do item antes das informações (em

alguns casos é necessário colocar o nome do item, mas em outros, não).

Da mesma forma que no segundo tipo de orientação apresentado, esse terceiro

tipo também foi dado de maneiras diferentes. Em alguns momentos, a professora

oferece para os alunos uma estrutura geral que indica como organizar determinada

informação. No exemplo abaixo, a professora mostra para os alunos como arranjar as

informações no tópico “formação”, orientando-os quanto à ordem em que devem

aparecer, ao espaçamento entre elas e à pontuação:

AULA 2 (sequência sobre currículo – produção)

P: Quando ele coloca a graduação ele coloca ponto e vai dizer algumas informações

complementares. Para colocar onde e quando e ele separa essas duas informações com

a vírgula. Tomem esse cuidado. Ou pode colocar hífen.

Da mesma forma, em outros momentos, a professora não apenas aponta que

informações colocar, mas também diz para os alunos como organizá-las. É o que

acontece no trecho a seguir, no qual ela informa os dados que devem ser inseridos para

preencher o item da formação acadêmica já dizendo que sinais de pontuação e

espaçamento usar entre eles:

AULA 3 (sequência sobre currículo – produção)

P: Formação: doutorado e mestrado em jornalismo, ponto, especialização em

jornalismo... Quando for digitar tem que ter cada um em uma linha, porque aqui do

lado vai ter que colocar o ano.

Como podemos perceber, a maior parte das orientações disponibilizadas durante

a escrita dos currículos está voltada para o atendimento do gênero (mais

especificamente para sua estrutura). A esse respeito, vimos que a avaliação oral dos

currículos foi muito coerente com o trabalho de caracterização do mesmo, pois a

professora avaliou exatamente o que havia sido ensinado. Nesse aspecto, o trabalho

realizado com os currículos se contrapõe ao trabalho efetivado com as notícias, pois,

como vimos anteriormente, a docente avaliou poucos elementos da notícia, apesar de ter

trabalhado inúmeros aspectos nas atividades de caracterização.

262

Notamos que os aspectos avaliados oralmente em uma sequência e outra

sequência foram distintos, pois os gêneros são diferentes. Na produção dos currículos,

por exemplo, ela não avaliou os recursos coesivos. Não podemos concluir a partir disso

que a professora deixou de avaliar tal aspecto, apenas o próprio gênero não o demanda.

O currículo é um gênero escrito em tópicos (muitos deles com apenas uma palavra ou

várias palavras separadas por pontuação) e por isso o uso dos recursos coesivos não se

faz tão necessário. O mesmo acontece com a concordância. Isso dá indícios de que a

docente diferencia os aspectos avaliados de acordo com o gênero: provavelmente, ela

avaliou os elementos que julgou necessários em cada um.

A esse respeito, Dolz e Schneuwly (2004)20 salientam que é importante o

professor inserir, de maneira explícita, os elementos relativos ao gênero trabalhado em

aula na avaliação, utilizando-os como critérios avaliativos. Isso permite centrar sua

intervenção nos pontos supostamente aprendidos pelos alunos ao longo da sequência e

assim observar as aprendizagens já efetuadas ou planejar a continuação do trabalho para

garantir o aprendizado dos pontos mal assimilados. Até porque, como defende

Perrenoud (1999), a avaliação não pode ser pensada como um procedimento geral,

realizado sempre da mesma forma, mas deve levar em conta a especificidade relativa a

cada tipo de conhecimento e de aprendizagem.

Entretanto, vemos pelo menos uma semelhança em relação aos aspectos

observados pela professora B durante o processo de (re)escrita tanto dos currículos

como das notícias: ela se preocupa bastante com o conteúdo do texto (as informações a

serem colocadas). No caso do currículo, entendemos que isso acontece porque ele é um

gênero mais formatado, de tal modo que os alunos não precisam tanto aprender a

produzi-lo, mas a preenchê-lo. Talvez por isso o foco da professora tenha sido

justamente o preenchimento das informações. Em relação à notícia, a docente pode ter

concentrado mais sua atenção na informatividade das notícias porque nesse gênero a

função informativa da linguagem é muito evidente.

20

Dolz e Schneuwly (2004) discutem sobre esse aspecto ao apresentarem as características de uma sequência didática, procedimento elaborado por eles para trabalhar determinado gênero textual de forma organizada e sistemática na sala de aula, e também ao tratarem do papel da avaliação na apropriação desse objeto de ensino-aprendizagem.

263

ORIENTAÇÕES ESCRITAS

Como vimos anteriormente no tópico sobre as estratégias didáticas usadas pela

professora B para ajudar os alunos a produzir/revisar/reescrever seus textos, ela realizou

orientações escritas em forma de marcações (circulo ou risco) e de comentários escritos.

Na sequência sobre notícia, as marcações feitas sob a forma de correção

resolutiva dizem respeito, em sua maioria, a aspectos formais / gramaticais:

• Retirada de informações/palavras

• Acréscimo de palavras

• Repetição de palavras

• Troca de palavras

• Ortografia

• Letra maiúscula e minúscula

• Segmentação das palavras

• Esquecimento de letras

• Divisão silábica

• Pontuação

• Acentuação

• Crase

• Concordância verbal e nominal

• Regência verbal

• Estilo (adequação vocabular)

• Colocação pronominal

• Tempo verbal

• Coesão

Através das correções resolutivas, a professora B eliminou problemas de 18

tipos diferentes nos textos dos alunos. Dentre estes, o problema mais corrigido foi a

presença de informações desnecessárias, resolvido pela professora através da simples

retirada de palavras e frases. Da mesma forma, as marcações feitas sob a forma de

correção indicativa também dizem respeito a aspectos que os alunos não precisam

264

pensar muito para resolver, pois são problemas locais, que demandam resoluções

também locais:

• Segmentação das palavras

• Ortografia

• Repetição de palavras

• Concordância verbal

• Acentuação

• Letra maiúscula e minúscula

Ao compararmos a quantidade de aspectos corrigidos através dos dois tipos de

correções, vemos que a professora contemplou um número maior de elementos na

correção resolutiva. Já na sequência sobre currículo, as únicas marcações feitas foram

sob a forma de correção indicativa. Da mesma forma que ocorreu na avaliação por

escrito das notícias, a professora centrou suas intervenções em aspectos gramaticais, a

saber: acentuação e ortografia.

Os dados acima discutidos convergem com os resultados obtidos no estudo de

Ruiz (2001). A autora percebeu que nas indicações feitas pelos professores no corpo do

texto diziam respeito a problemas microestruturais (locais). Da mesma forma, ao

realizar a correção resolutiva, os professores corrigiam pequenos detalhes relacionados

às convenções de escrita e ao domínio da variedade padrão. Essa confluência nos dá

indícios de que esses dois tipos de intervenção se prestam mais a avaliar aspectos

formais.

No que diz respeito às observações escritas, constatamos poucas ocorrências,

realizadas apenas nas notícias produzidas. Nesses comentários escritos a professora

orienta ao aluno sobre diferentes aspectos:

• Informatividade (acréscimo, retirada e relevância de informações)

• Interpretabilidade

• Ordem das ideias

• Gênero textual (estilo do gênero e elementos próprios que compõem o texto)

• Tamanho do texto

265

Outra conclusão que se pode abstrair desses dados é que, nas orientações orais, a

professora B não se limita a olhar aspectos apenas formais, olha também para aspectos

textuais e do gênero, ao contrário das marcações escritas, que versam basicamente sobre

aspectos gramaticais.

Após identificarmos quais são os aspectos enfocados e priorizados nas

orientações dadas pela professora B, vamos nos deter nas orientações fornecidas por ela

para ajudar os alunos a revisar e reescrever seus textos, buscando identificar se estas são

apresentadas com clareza.

3.1.2.4 As orientações são oferecidas com clareza para os alunos pela professora B?

ORIENTAÇÕES ORAIS

Constatamos que, na maioria das vezes, as orientações orais oferecidas pela

professora são claras e suficientes. Isso porque, como já discutimos anteriormente no

tópico sobre como é realizada a mediação da professora, ela muitas vezes dá as

respostas prontas para os alunos. Ou seja, na maioria das orientações para a produção,

ela diz o que e como colocar no texto. Da mesma forma, na maior parte das orientações

para a refacção, ela aponta o que está errado e como consertar. Também já tivemos a

oportunidade de comentar que essa postura da professora não contribui muito para o

aprendizado da escrita pelos alunos.

ORIENTAÇÕES ESCRITAS

Marcações

Entendemos que as orientações dadas através da correção indicativa são

oferecidas com clareza para os alunos. Isso porque a professora oferece uma série de

pistas que os ajudam a encontrar e solucionar os problemas. Primeiramente, o fato de

ela ter delimitado a palavra errada direciona o aluno para o ponto onde ocorreu o

problema e isso já o exime de precisar procurar o erro em todo o texto.

Da mesma forma, o fato dela ter feito uma marcação bem específica (em forma

de círculo ao redor da palavra) já indica para o aluno que se trata de um problema local.

Assim, dentre tantos aspectos que envolvem a produção de texto, essa marcação reduz

266

as possibilidades e delimita para o aluno a ordem dos problemas (segmentação das

palavras; ortografia; repetição de palavras; concordância; acentuação; letra maiúscula e

minúscula). Cabe ao aprendiz apenas identificar quais desses aspectos são responsáveis

pelo erro. Por sua vez, problemas de ordem local demandam resoluções também locais,

que não necessitam de tanto esforço e de muita reflexão, o que também facilita a

reescrita da palavra pelo aluno. Da mesma forma, as orientações dadas através da

correção resolutiva também são oferecidas com clareza, pois o aluno sabe que tudo o

que estiver riscado está errado e deve ser retirado.

Comentários

Em relação aos comentários escritos junto ao texto do aluno, acreditamos que

alguns deles são claros e suficientes para ajudar os alunos a repensarem sobre seus

textos. Entretanto, a maioria é constituída por orientações amplas e gerais, deixando

dúvidas sobre o que modificar e como realizar tal modificação. Abaixo trazemos um

quadro-síntese que agrupa os comentários escritos de acordo com os aspectos neles

enfocados:

Quadro 2: Comentários escritos pela professora B junto às notícias produzidas

Informatividade

Acréscimo de

informações

EX.: Continuar (O assassino...)

EX.: (...) Falta acrescentar como foi a

morte: Tiro? Facada?

EX.: (...) Acrescentar o fim de José: preso?

fugiu?

EX.: (...) E o assassino? O que aconteceu?

Repetição de

informações

EX.: (...) os fatos estão muito repetitivos.

Relevância das

informações

EX.: (...) apresenta muita informação

desnecessária.

Interpretabilidade EX.: Refazer o texto. Seu texto está

confuso...

EX.: Não começa-se pelas testemunhas.

267

Ordem das ideias

Onde? Quando? O quê? Por quê?

Testemunhas? Conclusão / consequências

EX.: Siga a sequência das informações

como foi estudado em sala: Quando? Onde?

O quê? Por quê? Testemunhas?

Consequências

Gênero textual

Estilo do gênero

EX.: (...), precisa ser reescrito com maior

atenção para a maneira como escreve-se

uma notícia

EX.: Refazer o texto, não está com o perfil

de notícia

Perguntas que

compõem o texto

EX.: No texto, bastam as informações:

Onde? Quando? O quê? Por quê?

Testemunhas? Conclusão? Consequências

Tamanho

EX.: Muito longo.

No que diz respeito ao acréscimo de informações, a professora indica de forma

bem nítida que informações o aluno deve acrescentar a seu texto. Da mesma forma,

quando orienta os alunos em relação à progressão dessas informações, indica claramente

a ordem que eles devem seguir para organizá-las. Em contraposição, na orientação sobre

a repetição das informações, não fica indicado que fatos do texto se repetem. Sem esse

encaminhamento, o aluno precisará ler todo o texto novamente, tentando encontrar esses

trechos para, em seguida, reescrevê-los, o que significa um esforço muito grande, que

poderia ser minimizado caso a professora tivesse sido mais precisa nas orientações.

Situação semelhante acontece com a orientação sobre a presença de informações

irrelevantes no texto. Diante dela, resta ao aluno perguntar: Que informações

desnecessárias são essas? Se ele as colocou, é porque pensava que elas eram relevantes.

O critério da relevância é muito subjetivo, pois o que tem relevância para uma pessoa

pode não ter para a outra. Nesse sentido, seria adequado a professora não só apontar os

trechos, mas dizer para o aluno por que os julgou desnecessários.

No caso da orientação fornecida sobre a interpretabilidade do texto, dizer que o

texto está confuso não parece suficiente para que o aluno consiga deixá-lo mais claro.

268

Isso porque podem ser inúmeros os fatores que causam confusão de ideias e, assim, o

aluno precisa saber qual é a causa específica dos problemas de seu texto. Seria

importante ainda ele saber exatamente em que passagens o texto está problemático.

As orientações que dizem respeito ao estilo do gênero, por sua vez, seriam mais

eficazes se, além de indicar que o problema decorre de não terem sido respeitadas as

características do gênero, a professora também apontasse que elementos do texto não

condizem com o estilo da notícia.

Já a orientação na qual a professora chama atenção para as perguntas que

compõem a notícia, não fica claro para o aluno o que a professora quer dizer com tal

comentário: O aluno não seguiu o roteiro das perguntas? Ou ele seguiu, mas também

acrescentou outras questões que não eram necessárias?

Por fim, o comentário em que a professora indica para o aluno que o texto está

muito longo deixa no ar dúvidas sobre o porquê da extensão do texto (O aluno foi

prolixo? Repetiu informações? Colocou dados desnecessários?).

Entendemos, portanto, que os comentários escritos pela professora junto ao texto

do aluno poderiam ter sido complementados com indicações de onde estava o problema

e das suas razões. Esses complementos poderiam ajudar o aluno a identificar de forma

mais eficaz o seu erro e a atribuir mais significado à tarefa de revisão/reescrita, na

medida em que ele entenderia os motivos do seu erro e a necessidade de consertá-los.

3.1.2.5 Há diversificação nas orientações oferecidas pela professora B durante e

após a produção?

Neste tópico, vamos procurar responder se houve diversificação nas orientações

fornecidas pela professora para a produção, avaliação, revisão e reescrita dos dois

gêneros trabalhados (notícia e currículo).

Para tentar responder tal pergunta, realizamos inicialmente um levantamento dos

aspectos avaliados oralmente pela professora e da frequência com que ocorrem durante

a produção de texto e após a escrita da primeira versão das notícias. A tabela seguir

apresenta a sistematização desse levantamento:

269

Tabela 11: Aspectos avaliados oralmente pela professora B durante a produção de

notícias texto vs. aspectos avaliados oralmente após a produção de notícias

21 Em algumas das situações de orientação, não conseguimos perceber se a professora estava

avaliando a acentuação ou a ortografia, pois ela apenas avisa para o aluno que circulou algumas palavras erradas e pede para eles identificarem o erro e consertarem.

Aspectos enfocados nas

orientações

Quantidade

de

orientações

Quantidade

de

orientações

Total de

orientações

TEMA Progressão temática 3 0 3

IDEIAS

Geração de ideias (subsídios

temáticos)

1 0 1

Organização das ideias (articulação

lógica)

2 4 6

GÊNERO

TEXTUAL

Perguntas que compõem o texto 2 2 4

Objetividade 1 5 6

Estilo do gênero 1 1 2

CONVENÇÕES

GRAMATICAIS

Ortografia 4 8 12

Acentuação / ortografia21 2 3 5

Pontuação 0 1 1

Concordância 4 0 4

Crase 1 0 1

CRITÉRIOS DE

TEXTUALIDADE

Coesão referencial 0 1 1

Aceitabilidade 3 3 6

Informatividade (acréscimo de

informações / complementação de

sentido)

14 12 26

Informatividade (retirada de

informações)

1 7 8

Relevância 1 0 1

Redundância 2 1 3

Quantidade de linhas 1 1 2

Repetição de palavras 2 1 2

270

Ao analisamos esses dados, não encontramos muitas diferenças no tratamento

dos aspectos durante e após a produção. Isso porque, dos 22 aspectos observados pela

professora B, em apenas 6 houve diferença significativa no quantitativo de orientações.

Observamos que 3 aspectos (marcados de rosa no quadro acima) estiveram

presentes em um número maior de orientações durante a produção de texto do que após

a produção: progressão temática (3 durante e 0 depois), concordância (4 durante e 0

depois) e coerência das informações colocadas na notícia com aquelas presentes na

música-base (10 durante e 2 depois). Em contraposição, outros 3 aspectos (marcados de

azul no quadro acima) estiveram presentes em um número maior de orientações após a

produção de texto do que durante a produção: objetividade (1 durante e 5 depois),

ortografia (4 durante e 8 depois) e informatividade, mais especificamente a retirada de

informações (1 antes e 7 depois). Entretanto, um aspecto foi prioridade tanto das

observações durante a escrita, como nas orientações posteriores: acréscimo de

informações / complementação de sentido.

Concluímos, portanto, que, nas orientações orais realizadas durante a produção

das duas sequências, apesar de a professora ter observado diversos aspectos, ela

focalizou sua avaliação no conteúdo textual. Isso porque, na produção de notícias, ela

concentrou sua atenção no acréscimo de informações (14 orientações). Da mesma

forma, como já discutimos anteriormente, na produção dos currículos a professora

orientou os alunos sobre que informações colocar no texto e como organizá-las, o que

também demonstra sua atenção para com o conteúdo das produções dos alunos.

Nas orientações orais e nos comentários escritos após a produção (nos momentos

destinados especificamente à avaliação, revisão e reescrita), a professora praticamente

continuou observando os mesmos aspectos. Na produção de notícias, apesar de alguns

aspectos passarem a ser menos valorizados, o foco continuou sendo no acréscimo de

informações, presentes na maioria das orientações (12 comentários).

Título 3 1 4

Tempo verbal 1 1 2

Coerência das informações colocadas na notícia com

aquelas presentes na música-base

10 2 12

Estilo 3 1 4

271

Entretanto, a professora passou a avaliar também aspectos formais / gramaticais

(que não haviam sido alvo de atenção durante a escrita), através de marcações nos

textos dos alunos (correções indicativa e resolutiva). Esses dados nos dão indícios de

que a professora B altera o foco de sua atenção de acordo com o momento da escrita.

3.2.4.6 Perfil avaliativo da Professora B

Da mesma forma como fizemos com a professora A, apresentamos a seguir uma

síntese dos dados coletados e analisados a respeito da prática avaliativa da professora B,

de modo a ajudar o leitor a traçar o seu perfil de avaliadora.

No que diz respeito ao processo de produção, avaliação, revisão e reescrita

textuais, mais especificamente às estratégias didáticas usadas para ajudar os alunos a

produzir/revisar/reescrever seus textos, observamos que a professora B utilizou 8

estratégias diferentes. A oitava e última estratégia consiste na realização de orientações

escritas, apresentadas para os alunos através de marcações e/ou comentários. Em

relação às marcações, estas foram de dois tipos: a correção resolutiva e a correção

indicativa, segundo classificação de Ruiz (2001). No primeiro tipo, a professora

apresenta as alterações a serem realizadas na reescrita; no segundo tipo, ela indica o

local dos problemas. No que diz respeito aos comentários escritos, trata-se de algumas

poucas orientações que se configuram apenas como tarefas a serem cumpridas.

Em relação à forma como é realizada a mediação das professoras analisadas

durante a execução das estratégias avaliativas, notamos que a professora B intervém

muito no processo de produção e refacção dos textos, de tal modo que muitas vezes dá

as respostas prontas para os alunos. Na maioria das orientações para a produção, ela diz

o que é para colocar e como. Do mesmo modo, na maior parte das orientações para a

refacção, ela aponta o que está errado e como consertar, mas não diz por que realizar tal

modificação.

A partir dos dados acima apresentados, concluímos que, na maioria das vezes, a

atividade de refacção textual não se dá como uma negociação de sentidos, mas como

uma imposição da verdade da professora. Ou seja, ao dar as respostas prontas, ela acaba

passando a ideia de que suas impressões sobre o texto são as únicas válidas. Da mesma

forma, ela anula a contrapalavra dos alunos, rompendo, assim, o diálogo próprio das

relações de ensino-aprendizagem e dos processos de escrita e leitura.

272

Analisamos também quais os aspectos enfocados e priorizados nas orientações

fornecidas pelas professoras. No caso da professora B, vimos que nas orientações orais

ela observou pelo menos 22 aspectos diferentes. Entretanto, verificamos que em alguns

momentos há uma incoerência nos critérios utilizados pela professora B e uma

contradição nas orientações oferecidas. Além disso, durante o processo de (re)escrita

tanto dos currículos como das notícias ela se preocupa bastante com o conteúdo do texto

(as informações a serem colocadas).

Nas orientações escritas, as correções de tipo resolutivo focavam, em sua

maioria, em aspectos formais / gramaticais. Por sua vez, as marcações feitas sob a forma

de correção indicativa também dizem respeito a aspectos que os alunos não precisam

pensar muito para resolver, pois são problemas locais, que demandam resoluções

também locais.

Comparando os dois tipos de orientações (orais e escritas), notamos que, nas

orientações orais, a professora B não se limita a olhar aspectos apenas formais, olha

também para aspectos textuais e do gênero, ao contrário das marcações escritas, que

versam basicamente sobre aspectos gramaticais.

Analisamos ainda se as orientações são oferecidas com clareza para os alunos e

concluímos que, na maioria das vezes, as orientações orais dadas pela professora B são

claras e suficientes. Em relação às marcações escritas, entendemos que as orientações

dadas através da correção indicativa são oferecidas com clareza para os alunos. Isso

porque a professora oferece uma série de pistas que os ajudam a encontrar e solucionar

os problemas detectados por ela. Da mesma forma, as orientações dadas através da

correção resolutiva também são oferecidas com clareza, pois o aluno sabe que tudo o

que estiver riscado está errado e deve ser retirado.

No que diz respeito aos comentários escritos junto ao texto do aluno,

acreditamos que alguns deles são claros e suficientes para ajudar os alunos a repensarem

seus textos. Entretanto, a maioria é constituída por orientações amplas e gerais,

deixando dúvidas sobre o que modificar e como realizar as modificações.

Por fim, verificamos se há diversificação nas orientações oferecidas pelas

professoras durante e após a produção. A esse respeito, concluímos que nas orientações

orais realizadas durante a produção das duas sequências, apesar de a professora ter

observado diversos aspectos, ela focalizou sua avaliação no conteúdo textual. Nas

orientações orais e nos comentários escritos após a produção (nos momentos destinados

273

especificamente à avaliação, revisão e reescrita), a professora praticamente continuou

observando os mesmos aspectos. Entretanto, passou a avaliar também aspectos formais /

gramaticais (que não haviam sido alvo de atenção durante a escrita), através de

marcações nos textos dos alunos (correções indicativa e resolutiva). Esses dados nos

dão indícios de que a professora B altera o foco de sua atenção de acordo com o

momento da escrita.

274

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo tomou como base a seguinte indagação: será que as professoras, ao

assumirem o compromisso de colocar em prática uma nova proposta de ensino da

produção de texto através dos gêneros textuais, mudarão suas maneiras de avaliarem os

textos dos alunos? Motivada por tal questão, investigamos as intervenções realizadas

por duas professoras em situações de produção, revisão e reescrita textuais.

As análises mostraram que as professoras A e B, na maioria das atividades de

caracterização dos gêneros textuais, centraram suas intervenções no gênero em si (e por

si só) e o trataram como se ensina tradicionalmente a gramática normativa. Da mesma

forma, nos momentos de produção, avaliação, revisão e reescrita, avaliaram o que é

mais visível e palpável na língua e, consequentemente, nos gêneros textuais. A

professora A deu ênfase às convenções gramaticais e enfatizou aos elementos

linguísticos e formais dos gêneros poema e notícia. A professora B, por sua vez, nas

orientações orais realizadas durante a produção das duas sequências (notícia e

currículo), focalizou sua avaliação no conteúdo textual e nas orientações orais e

comentários escritos após a produção, passou a avaliar também aspectos gramaticais.

Essas posturas, como já discutimos na análise dos dados, são fruto da ortodoxia

escolar. Por conta de um pensamento conservador, estabelecido pela tradição, o objeto

de ensino mudou (da gramática para os gêneros textuais), mas o modo de olhar para

esse novo conhecimento e de realizar a sua transposição didática é o mesmo que guiou

tradicionalmente o ensino da gramática: um olhar que atenta para o que é mais estável e

superficial. Do mesmo modo, não há uma apropriação adequada das novas formas de

metodologia propostas para o ensino da língua escrita e acabam-se utilizando os velhos

procedimentos metodológicos de transmissão, reconhecimento e reprodução de

elementos e estruturas descontextualizadas.

Através da análise das práticas das duas professoras, concluímos que o problema

não está em didatizar o conhecimento, no caso aqui o gênero textual, mas em como se

faz isso. A escola tem, por vezes, realizado essa didatização longe das práticas sociais

de linguagem e isso tem gerado resultados insatisfatórios.

Os gêneros textuais, como qualquer outro conhecimento a ser ensinado em sala

de aula, são submetidos inevitavelmente a um processo de escolarização. Isto porque,

como apontam Dolz e Schneuwly (2004), “toda introdução de um gênero na escola é o

275

resultado de uma decisão didática”. Negar isso seria negar o papel da instituição escola,

que é levar os alunos a se apropriar-se dos objetos culturais.

Levando em consideração todos os aspectos que envolvem a escolarização e a

didatização da escrita, acreditamos que o trabalho didático com os gêneros deve

procurar pôr os alunos em uma situação o mais perto possível de verdadeiras situações

de comunicação, mas também deve deixar claro que eles estão inseridos numa dinâmica

de ensino-aprendizagem dentro de uma instituição que tem por objetivo fazer aprender.

Dolz e Schneuwly (2004) nos apresentam uma proposta de didatização do

gênero que leva em conta seu processo de escolarização, mas também defendem a sua

aprendizagem através da imersão em situações comunicativas. Por meio dela, os autores

orientam que os professores partam das práticas de linguagem, ou seja, do que fazemos

socialmente usando os gêneros textuais. Tanto que, ao apresentarem o procedimento

sequência didática, eles salientam que o primeiro movimento do professor deve ser o de

propor (e não impor) um problema de comunicação aos alunos. A partir disso, todos

refletem sobre qual seria o gênero textual mais adequado para vivenciar a situação

discursiva proposta e deliberam coletivamente sobre o projeto de produção desse

gênero. Por sua vez, essas práticas devem levar em conta os interesses dos alunos, suas

motivações e necessidades. Conhecendo bem nossos alunos, conseguiremos propor

situações interessantes e envolventes.

Só depois desse momento é que se deve ir para o objeto. Começar pelo gênero é

um grande risco: risco de ensiná-lo e aprendê-lo como um fim em si mesmo,

independentemente das práticas de linguagem nas quais queremos que os alunos se

insiram. No caso do trabalho com as notícias, realizado pela professora A, os alunos

aprenderam a estrutura do gênero sem nenhuma motivação interativa: eles nem sabiam

por que e para que estavam aprendendo aquele conhecimento.

O estudo do gênero deve surgir, portanto, como uma necessidade: é preciso

aprendê-lo para poder agir discursivamente e de forma adequada em determinada

situação comunicativa. Assim, mesmo admitindo a dimensão institucional do espaço

escolar, o professor não pode deixar de manter uma vigilância constante sobre seu

ensino a fim de aproximar as práticas de produção de texto na sala de aula das práticas

extraescolares. Defendemos, portanto, um ensino-aprendizagem dos gêneros textuais

que parta das práticas, vá para os objetos e retorne às práticas.

276

Se o professor organiza seu ensino dessa forma, como tentou fazer a professora

B na sequência sobre os currículos atuais, o aluno terá consciência de que está

aprendendo determinado gênero textual porque muito provavelmente precisará desse

conhecimento para dar conta de determinada prática de linguagem. Esse movimento

provoca interesse e motivação e, assim, as atividades de avaliação, revisão e reescrita

ganham sentido para ele, como aconteceu com a professora B. Os estudantes realmente

se empolgaram ao realizar o processo de reescritura porque queriam dizer melhor o que

tinham a dizer para os seus interlocutores.

A professora, aproveitando essa motivação, poderia ter ajudado seus alunos a

construírem textos que atendessem da melhor forma possível à situação comunicativa,

orientando-os não só em relação ao conteúdo e a aspectos formais, mas também a

aspectos sociodiscursivos.

Diante disso, concluímos que boa parte do sucesso das atividades de produção,

avaliação, revisão e reescrita depende do significado que os alunos lhes atribuem. Nesse

sentido, cabe aos professores instigar a motivação dos alunos; uma motivação de dentro

para fora e não de fora para dentro. Vimos que a professora B tentou motivar os alunos

a estudarem o gênero textual notícia, mostrando que era necessário seu estudo para que

os alunos escrevessem melhor as notícias produzidas para o jornal da escola. Mesmo

assim, os alunos não abraçaram a causa, talvez porque essa prática não os tenha tocado

de fato, por ser uma demanda mais externa do que interna. Entretanto, quando essa

mesma professora propôs o trabalho com o gênero textual currículo, os alunos se

empolgaram muito.

Enfim, reafirmamos nossa crença na perspectiva de ensino da língua portuguesa

através dos gêneros textuais e de que não há como fugir desse processo de didatização.

Entretanto, há muitas questões que precisam ser observadas e discutidas para se

entender melhor esse fenômeno.

Uma primeira questão é o fato de que uma perspectiva teórica não consegue dar

conta de todas as demandas do ensino-aprendizagem. O ensino da língua tem sido

pensado de diversos pontos de vista e os professores precisam estar cientes dessa

questão; assim, não se prenderão a uma só visão e poderão aproveitar as boas

contribuições de cada teoria ou estudo.

Um exemplo desse recorte epistemológico é o que acontece com Geraldi (1991,

1997 e 2003) e os teóricos Dolz e Schneuwly (2004), a todo o tempo requisitados para

277

nos ajudar nas análises dos dados. Embora eles assumam posições contrárias em relação

à didatização da língua, acreditamos que é possível encontrar pontos de intersecção.

Foram esses pontos que nos permitiram dialogar com eles, buscando em um o que não é

discutido ou aprofundado no outro. Dessa forma, pudemos ampliar o nosso olhar sobre

os dados de nossa pesquisa.

Vimos que muitas questões trazidas por Geraldi (1991, 1997 e 2003) não são

abordadas por Dolz e Schneuwly (2004) e vice-versa. Entendemos, no entanto, que um

autor pode não abordar determinado aspecto do fenômeno e mesmo assim não ser

contrário a essa abordagem feita por outros. Isso porque também no campo teórico é

preciso fazer escolhas. Dolz e Schneuwly, por exemplo, focalizam o ensino da língua

pelo viés do gênero textual e por isso outras questões (igualmente importantes, mas que

não dizem respeito especificamente ao gênero) acabam não sendo o foco do trabalho e,

logo, não são aprofundadas. Justamente por isso trouxemos tantas vezes Geraldi (1991,

1997 e 2003) para embasar nossas análises, pois ele conseguia discutir outros aspectos

sobre o fenômeno em análise.

Nas atividades de leitura, por exemplo, assim como Geraldi (1991, 1997 e

2003), entendemos que o professor deve ler textos não só para explorar as

características do gênero, como fez a professora A. É preciso, primeiramente, o

professor promover a reflexão sobre os discursos presentes no texto e mediar a

comparação entre estes e os discursos dos alunos, de modo a ajudá-los a manter suas

posições, fortalecendo seus argumentos ou refazer suas posições, recompondo suas

referências.

Da mesma forma, na produção de texto, é preciso problematizar os discursos

ingênuos e limitados emitidos, por vezes, pelos alunos em seus textos sobre

determinados aspectos da realidade, de modo a ampliar sua visão de mundo. Esse

trabalho poderia ter sido feito, por exemplo, pela a professora A para desconstruir as

ideias que seus alunos explicitaram sobre meio ambiente. Além disso, é necessário dar

voz ao aluno, para que este não seja apenas um reprodutor, mas um produtor de

discursos.

Nas atividades de reflexão linguística durante a leitura de textos, professor e

alunos devem não só explorar as características do gênero, mas também desmontar a

forma como os discursos foram construídos no texto. Já os momentos de reflexão

linguística, realizados durante a produção, avaliação, revisão e reescrita, devem ser o

278

espaço mais propício para refletirmos sobre a adequação ou inadequação das estratégias

linguísticas usadas e buscar alternativas. O professor, enquanto sujeito mais experiente,

deve guiar esse processo como um leitor, interrogando o texto do aluno.

Essas e outras ideias discutidas por Geraldi foram inseridas em nosso trabalho,

porque realmente acreditamos nelas e sentimos necessidade de trazê-las para

discutirmos melhor os nossos dados. Na mesma direção, para algumas outras ideias

precisamos buscar apoio na perspectiva teórica dos estudiosos de Genebra.

Independentemente da teoria que se adote, o professor precisa ter um

compromisso com o aluno e com suas demandas de aprendizagem. É isso que deve

guiar suas escolhas e posições. Nesse sentido, se a intenção é realmente fazer o melhor

pelos alunos, algumas vezes será necessário abandonar a rigidez teórica e buscar o

melhor de cada teoria.

A outra questão levantada a partir desta pesquisa diz respeito à ortodoxia

escolar: para que o trabalho com os gêneros textuais ou com qualquer outro

conhecimento novo dê certo, não adiantam apenas ações pontuais; é preciso criar

coletivamente um novo modelo escola, transformando a base que a sustenta. Caso

contrário, esta (e aí incluímos também os professores), com seu pensamento fechado, irá

transformar qualquer conteúdo novo em velho, não importa a perspectiva que esteja

subjacente.

Entretanto, também não podemos esperar que a escola mude para tentarmos

fazer diferente. A mudança das nossas práticas de ensino também é uma questão de

escolha. O professor que estiver realmente preocupado com a aprendizagem dos alunos

precisará problematizar sua prática e buscar alternativas metodológicas. Nesse processo,

são de vital importância os momentos de estudos com seus pares, as reflexões feitas nas

formações continuadas, pois nessas ocasiões é que lacunas são identificadas e os limites

das práticas podem ir sendo superados.

Por sua vez, essas mudanças se dão num processo no qual o novo não substitui

completamente o antigo, mas disputa espaço com ele, resultando numa complexa tensão

entre continuidade e descontinuidade. Vimos professoras realmente tentando colocar em

prática uma nova perspectiva de ensino da Língua Portuguesa através dos gêneros

textuais. Ambas lançaram mão de diversas estratégias para ajudar os alunos a revisarem

e reescreverem seus textos. A professora A se esforçou para fazer seus alunos

participarem ativamente da avaliação identificando problemas textuais e/ou apontando a

279

sua solução. Da mesma forma, a professora B se empenhou para trazer propostas de

produção interessantes, que tivessem a ver com as práticas de linguagem realizadas por

seus alunos. Por outro lado, a mediação da professora A durante a atividade de

reescritura pouco leva à reconstrução do conhecimento pelo aluno, pois sua fala se

configura mais como uma intervenção no texto produzido do que como um momento de

confrontação de um novo conhecimento com um conhecimento anterior. A professora

B, por sua vez, não deu espaço para que os alunos refletissem sobre a língua, na medida

em que dava as respostas prontas. De qualquer forma, é preciso salientar que suas

práticas apontaram uma vontade e uma predisposição de fazer diferente, embora ainda

ambas estejam presas a procedimentos metodológicos tradicionais.

Nossa intenção neste estudo não foi tecer críticas às práticas das duas

professoras pesquisadas. Ao analisarmos suas aulas, tentamos identificar seus pontos

positivos, ou seja, elementos que contribuem para o desenvolvimento das habilidades de

escrita dos alunos. Da mesma forma, identificamos posturas que não contribuem tanto

para o atendimento dessa meta e, com base nelas, refletimos sobre melhores

direcionamentos.

Acreditando na figura do professor-reflexivo, esperamos que, ao divulgarmos os

resultados encontrados neste trabalho, os docentes que o lerem possam se identificar

com as práticas aqui analisadas e que essa identificação permita-lhes problematizar o

seu saber-fazer, de modo a assumirem uma compreensão mais crítica sobre ele. Diante

disso, esta pesquisa pode contribuir de duas formas: indicando caminhos para que o

professor reoriente, com lucidez, sua própria prática, ou ajude-o a entender melhor sua

própria ação e justificar sua decisão de mantê-la. Obviamente, temos preferência pela

primeira opção, mas devemos levar em conta a possibilidade da segunda.

Sabemos que nosso trabalho não é suficiente para mudar posturas. Isso porque

muitas outras questões que não foram abordadas aqui precisam também ser pensadas

pelo professor. Uma delas seria: diante dessa tentativa dos professores de atender a uma

perspectiva de ensino da língua portuguesa através dos gêneros textuais, como os alunos

têm se comportado, ou seja, como essa mudança de perspectiva tem afetado a forma de

os alunos se autoavaliarem e de revisarem e reescreverem seus textos? Nossa

investigação focou a mediação da professora, mas em vários momentos sentimos a

necessidade de olhar também para o aluno para compreender melhor alguns de seus

processos de aprendizagem.

280

Diante das práticas apresentadas pelas professoras, seria interessante também

realizar um trabalho formativo, através do qual elas pudessem, com a nossa ajuda,

problematizar suas práticas e arriscar outros caminhos metodológicos. A partir daí,

poderíamos analisar as práticas dessas professoras para entender de que forma elas se

apropriaram desses novos encaminhamentos e se houve diferença significativa em seu

fazer. Mais ainda, seria importante constatar se essa mudança na prática trouxe uma

aprendizagem mais significativa para os alunos.

Esses e outros estudos se tornam urgentes para compreendermos melhor a

complexidade do ensino-aprendizagem da língua escrita e, assim, podermos ajudar os

professores a refletiram sobre suas práticas e a buscarem um modo cada vez mais eficaz

de promover a aprendizagem das habilidades linguísticas de seus alunos.

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