o problema do mal - william lane craig [pt]

9
WWW.DEUSEMDEBATE.BLOGSPOT.COM O PROBLEMA DO MAL WILLIAM LANE CRAIG Essa mensagem em vídeo encontra-se no blog www.deusemdebate.blogspot.com. O problema do mal é certamente o maior obstáculo para a crença na existência de Deus. Quando eu pondero sobre a extensão e a profundidade do sofrimento no mundo, quer devido à desumanidade do homem com o homem ou a catástrofes naturais, então devo confessar que eu acho difícil acreditar que Deus existe. Sem dúvida, muitos de vocês sentiram da mesma forma. Talvez devêssemos todos tornar-se ateus. Mas isso é um passo bem grande para dar. Como podemos ter tanta certeza de que Deus não existe? Talvez haja uma razão por que Deus permite todo o mal no mundo. Talvez, de alguma forma isso se encaixe no grande esquema das coisas, que só podemos discernir vagamente, se é que podemos. Como sabemos? Como um teísta cristão, estou convencido de que o problema do mal, terrível como é, no final não constitui uma refutação da existência de Deus. Pelo contrário, na verdade, eu penso que o teísmo cristão é a última esperança do homem de resolver o problema do mal. A fim de explicar por que penso desta forma, será útil fazer algumas distinções para manter a nossa lucidez. Em primeiro lugar, é preciso distinguir entre o problema intelectual do mal e o problema emocional do mal. O problema intelectual do mal diz respeito a dar uma explicação racional de como Deus e o mal podem coexistir. O problema emocional do mal diz respeito a dissolver a antipatia emocional das pessoas com um Deus que permitiria sofrimento. Agora vamos olhar primeiro para o problema intelectual do mal. Existem duas versões deste problema: primeiro, o problema lógico do mal e, segundo, o problema probabilístico do mal.

Upload: deus-em-debate

Post on 24-Jun-2015

306 views

Category:

Documents


3 download

TRANSCRIPT

Page 1: O Problema Do Mal - William Lane Craig [PT]

WWW.DEUSEMDEBATE.BLOGSPOT.COM

O PROBLEMA DO MAL

WILLIAM LANE CRAIG

Essa mensagem em vídeo encontra-se no blog

www.deusemdebate.blogspot.com.

O problema do mal é certamente o maior obstáculo para a crença na existência de

Deus. Quando eu pondero sobre a extensão e a profundidade do sofrimento no mundo,

quer devido à desumanidade do homem com o homem ou a catástrofes naturais, então

devo confessar que eu acho difícil acreditar que Deus existe. Sem dúvida, muitos de vocês

sentiram da mesma forma. Talvez devêssemos todos tornar-se ateus.

Mas isso é um passo bem grande para dar. Como podemos ter tanta certeza de que

Deus não existe? Talvez haja uma razão por que Deus permite todo o mal no mundo.

Talvez, de alguma forma isso se encaixe no grande esquema das coisas, que só podemos

discernir vagamente, se é que podemos. Como sabemos?

Como um teísta cristão, estou convencido de que o problema do mal, terrível como é,

no final não constitui uma refutação da existência de Deus. Pelo contrário, na verdade, eu

penso que o teísmo cristão é a última esperança do homem de resolver o problema do mal.

A fim de explicar por que penso desta forma, será útil fazer algumas distinções para

manter a nossa lucidez. Em primeiro lugar, é preciso distinguir entre o problema

intelectual do mal e o problema emocional do mal. O problema intelectual do mal diz

respeito a dar uma explicação racional de como Deus e o mal podem coexistir. O problema

emocional do mal diz respeito a dissolver a antipatia emocional das pessoas com um Deus

que permitiria sofrimento.

Agora vamos olhar primeiro para o problema intelectual do mal. Existem duas

versões deste problema: primeiro, o problema lógico do mal e, segundo, o problema

probabilístico do mal.

Page 2: O Problema Do Mal - William Lane Craig [PT]

De acordo com o problema lógico do mal, é logicamente impossível que Deus e o mal

coexistam. Se Deus existe, então o mal não pode existir. Se o mal existe, então Deus não

pode existir. Uma vez que o mal existe, segue-se que Deus não existe.

Mas o problema com este argumento é que não há nenhuma razão para pensar que

Deus e o mal são logicamente incompatíveis. Não há qualquer contradição explícita entre

eles. Mas, se o ateu quer dizer que há alguma contradição implícita entre Deus e o mal,

então ele deve estar assumindo algumas premissas ocultas que revelariam esta

contradição implícita. Mas o problema é que nenhum filósofo jamais foi capaz de

identificar tais premissas. Portanto, o problema lógico do mal não consegue demonstrar

qualquer incompatibilidade entre Deus e o mal.

Mas, mais do que isso: podemos realmente provar que Deus e o mal são logicamente

consistentes. Você vê, o ateu pressupõe que Deus não pode ter razões moralmente

suficientes para permitir o mal no mundo. Mas esta suposição não é necessariamente

verdade. Na medida em que for ao menos possível que Deus tenha razões moralmente

suficientes para permitir o mal, segue-se que Deus e o mal são logicamente consistentes. E,

certamente, isso parece pelo menos logicamente possível. Portanto, estou muito satisfeito

por poder relatar que é amplamente aceito entre os filósofos contemporâneos que o

problema lógico do mal foi dissolvido. A coexistência de Deus e o mal é logicamente

possível.

Mas, ainda não saímos do problema. Por que, agora, encaramos o problema

probabilístico do mal. De acordo com esta versão do problema, a coexistência de Deus e o

mal é logicamente possível, mas, no entanto, é altamente improvável. A extensão e

profundidade do mal no mundo são tão grandes que é improvável que Deus tenha razões

moralmente suficientes para permiti-lo. Portanto, dado o mal no mundo, é improvável que

Deus exista.

Agora este é um argumento muito mais poderoso e, portanto, eu quero focalizar

nossa atenção sobre ela. Em resposta a esta versão do problema do mal, eu quero fazer três

pontos principais:

1. Nós não estamos em uma boa posição para avaliar a probabilidade de Deus ter razões

moralmente suficientes para os males que acontecem. Como pessoas finitas, estamos limitados

no tempo, espaço, inteligência e perspicácia. Mas o transcendente e soberano Deus vê do

início ao fim e providencialmente ordena a história de modo que seus propósitos são

Page 3: O Problema Do Mal - William Lane Craig [PT]

finalmente alcançados através de decisões humanas livres. Para atingir Seus fins, Deus

pode ter que suportar certos males ao longo do caminho. Males que parecem sem sentido

para nós dentro da nossa visão limitada podem ser vistos como justamente permitidos

dentro da visão mais ampla de Deus. Vou emprestar uma ilustração de um campo de

desenvolvimento da ciência, a Teoria do Caos, os cientistas descobriram que certos

sistemas macroscópicos, por exemplo, sistemas de clima ou de populações de insetos, são

extremamente sensíveis às menores perturbações. Uma borboleta flutuando sobre um

galho na África Ocidental, pode colocar em movimento forças que eventualmente

causariam um furacão sobre o Oceano Atlântico. No entanto, é impossível, em princípio,

para qualquer um observando essa borboleta palpitando em um ramo prever tal

resultado. O assassinato brutal de um homem inocente ou uma criança morrendo de

leucemia poderia produzir uma espécie de efeito cascata ao longo da história de forma que

a razão moralmente suficiente para que Deus o permitisse pode não surgir até séculos

mais tarde e talvez em outra terra. Quando você pensa na providência de Deus em toda a

história, acho que você pode ver como é desesperador para os observadores limitados

especular sobre a probabilidade de que Deus tivesse uma razão moralmente suficiente

para permitir um certo mal. Nós simplesmente não estamos em uma boa posição para

avaliar tais probabilidades.

2. A fé cristã inclui doutrinas que aumentam a probabilidade da coexistência de Deus e o

mal. Ao fazer isso, essas doutrinas diminuem qualquer improbabilidade da existência de

Deus supostamente vinda da existência do mal. Quais são algumas destas doutrinas?

Permitam-me citar quatro:

a. O principal objetivo da vida não é a felicidade, mas o conhecimento de Deus. Um dos

motivos por que o problema do mal parece tão intrigante é que tendemos a pensar que, se

Deus existe, então Seu objetivo para a vida humana é a felicidade neste mundo. O papel

de Deus é o de proporcionar um ambiente confortável para seus animais de estimação

humanos. Mas na visão cristã isto é falso. Nós não somos os animais de estimação de

Deus, e a finalidade do homem não é a felicidade neste mundo, mas o conhecimento de

Deus, o que acabará finalmente por trazer verdadeira e eterna realização humana. Muitos

males acontecem na vida que talvez sejam totalmente inúteis para o objetivo de produzir

felicidade humana neste mundo, mas que podem ser justificados com relação à produção

do conhecimento de Deus. O sofrimento de humanos inocentes fornece a ocasião para uma

Page 4: O Problema Do Mal - William Lane Craig [PT]

mais profunda dependência e confiança em Deus, quer por parte de quem sofre ou

daqueles ao seu redor. É claro, se o propósito de Deus é alcançado através de nosso

sofrimento vai depender da nossa resposta. Nós reagimos com raiva e amargura para com

Deus, ou nos voltamos para Ele com fé buscando força para resistir?

b. A humanidade está em um estado de rebelião contra Deus e Seu propósito. Em vez de se

submeter e adorar a Deus, as pessoas se rebelam contra Deus e seguem o seu próprio

caminho e assim encontram-se alienadas de Deus, moralmente culpadas diante dEle, e

tateando na escuridão espiritual, procurando falsos deuses da sua própria criação. Os

terríveis males humanos no mundo são testemunho da depravação do homem neste

estado de alienação espiritual de Deus. O cristão não está surpreso com o mal humano no

mundo, pelo contrário, ele o espera. A Bíblia diz que Deus entregou a humanidade ao

pecado que ela escolheu; Ele não interfere para detê-lo, mas deixa a depravação humana

seguir seu curso. Isso só serve para aumentar a responsabilidade moral da humanidade

diante de Deus, assim como a nossa maldade e nossa necessidade de perdão e purificação

moral.

c. O conhecimento de Deus transborda para a vida eterna. Na visão cristã, esta vida não é

tudo que existe. Jesus prometeu a vida eterna a todos aqueles que depositam sua confiança

nele como seu Salvador e Senhor. Na vida após a morte, Deus recompensará aqueles que

têm suportado o sofrimento com coragem e confiança com uma vida eterna de alegria

indizível. O apóstolo Paulo, que escreveu a maior parte do Novo Testamento, viveu uma

vida de sofrimento incrível. No entanto, ele escreveu, "nós não desanimamos. Pois esta

leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória acima de toda

comparação, porque não olhamos para as coisas que são vistas, mas para as coisas que são

invisíveis, pois as coisas que se vêem são temporais, mas as coisas que se não vêem são

eternas." (II Coríntios. 4:16-18). Paulo imagina uma balança, por assim dizer, em que todos

os sofrimentos da presente vida são colocados em um lado, enquanto no outro lado é

colocada a glória que Deus concede a seus filhos no céu. O peso de glória é tão grande que

é, literalmente, além da comparação com o sofrimento. Além disso, quanto mais tempo

passamos na eternidade, mais os sofrimentos desta vida encolhem para um momento

infinitesimal. É por isso que Paulo podia chamá-los de "uma leve e momentânea

tribulação"—eles eram simplesmente esmagados pelo oceano da eternidade e alegria

divina que Deus derrama sobre aqueles que confiam nele.

Page 5: O Problema Do Mal - William Lane Craig [PT]

d. O conhecimento de Deus é um bem incomensurável. Conhecer a Deus, a fonte de

infinita bondade e amor, é um bem incomparável, a realização da existência humana. Os

sofrimentos desta vida não podem sequer ser comparados a isso. Assim, a pessoa que

conhece a Deus, não importa o que ela sofra, não importa o quão terrível é sua dor, ainda

pode dizer, "Deus é bom para mim", simplesmente em virtude do fato de que ela conhece

a Deus, um bem incomparável.

Estas quatro doutrinas cristãs reduzem grandemente qualquer improbabilidade que

o mal parece atirar sobre a existência de Deus.

3. Em relação ao âmbito das provas, a existência de Deus é provável. Probabilidades são

relativas a um contexto de informações que você considera. Por exemplo, suponha que Joe

é um estudante da Universidade de Colorado. Agora, suponha que somos informados que

95% dos alunos da Universidade do Colorado esquiam. Em relação a essa informação, é

altamente provável que Joe esquia. Mas, então suponha que nós também aprendemos que

Joe é um amputado e que 95% dos amputados na Universidade do Colorado não esquiam.

De repente, a probabilidade de Joe ser um esquiador diminui drasticamente!

Da mesma forma, se tudo o que você considerar como contexto de informações é o

mal no mundo, então não é surpreendente que a existência de Deus pareça improvável em

relação a isso. Mas essa não é a verdadeira questão. A verdadeira questão é se a existência de

Deus é improvável em relação a todas as evidências disponíveis. Estou convencido de que,

quando você considera todas as evidências, então a existência de Deus é bastante

provável.

Deixe-me mencionar três elementos de evidência:

a. Deus oferece a melhor explicação de porque o universo existe em vez de nada. Alguma

vez você já se perguntou por que as coisas existem? De onde veio tudo isso? Tipicamente,

os ateus têm dito que o universo é eterno e sem causa. Mas, descobertas na astronomia e

na astrofísica durante os últimos 80 anos tornaram isso improvável. De acordo com o

modelo do Big Bang do universo, toda matéria e energia, de fato, os próprios espaço e

tempo físicos, vieram à existência em um ponto há cerca de 13,5 bilhões de anos atrás.

Antes desse ponto, o universo simplesmente não existia. Portanto, o modelo do Big Bang

exige a criação do universo a partir do nada.

Agora, este tende a ser muito embaraçoso para o ateu. Quentin Smith, um filósofo

ateu, escreve:

Page 6: O Problema Do Mal - William Lane Craig [PT]

A resposta dos ateus e agnósticos para este desenvolvimento tem sido comparativamente fraca, na verdade quase invisível. Um silêncio incômodo parece ser a regra quando o assunto surge entre os não crentes... A razão para o embaraço de não-teístas, não é difícil de encontrar. Anthony Kenny sugere isso nesta declaração: "Um proponente da teoria [do Big Bang], pelo menos se ele é ateu, deve acreditar que a matéria do universo veio do nada e por nada."

Essa dificuldade não confronta o teísta cristão, uma vez que a teoria do Big Bang só

confirma o que ele sempre acreditou: que, no princípio, Deus criou o universo. Agora eu

coloco para você: o que é mais plausível: que o teísta cristão está certo ou que o universo

surgiu sem uma causa a partir do nada?

2. Deus oferece a melhor explicação para a ordem complexa do universo. Durante os

últimos 40 anos, os cientistas descobriram que a existência de vida inteligente depende de

um equilíbrio complexo e delicado de condições iniciais dadas no próprio Big Bang.

Sabemos agora que Universos sem vida são muito mais prováveis do que qualquer

universo com vida, como o nosso. Quanto mais provável?

A resposta é que as chances de que o universo tenha vida são tão infinitesimais a

ponto de serem incompreensíveis e incalculáveis. Por exemplo, uma mudança na força da

gravidade ou da força atômica fraca em apenas uma parte em 10100 teria impedido um

universo com vida. A chamada constante cosmológica “lambda” que impulsiona a

expansão inflacionária do Universo e é responsável pela emente descoberta aceleração da

expansão do Universo é finamente sintonizada em cerca de uma parte em 10120. Roger

Penrose, físico de Oxford, calcula que a probabilidade de a condição especial de baixa

entropia do nosso Universo, da qual nossas vidas dependem, ter surgido por mero acaso é

pelo menos tão pequena quanto uma parte em 1010(123). Penrose comenta, "Eu não posso

nem lembrar de ter visto outra coisa na física, cuja precisão chegue remotamente perto de

um número como uma parte em 1010(123).” Há múltiplas quantidades e constantes que

devem ser finamente sintonizadas desta forma para que o Universo permita vida. E não é

apenas cada quantidade que deve ser absurdamente finamente sintonizada; as suas

relações umas com as outros também deve ser finamente sintonizada. Então,

improbabilidade é multiplicada por improbabilidade e por improbabilidade até que as

nossas mentes estão cambaleando em números incompreensíveis.

Não há nenhuma razão física porque essas constantes e as quantidades deveriam ter os

Page 7: O Problema Do Mal - William Lane Craig [PT]

valores que elas têm. O físico outrora agnóstico Paul Davies comenta, "Pelo meu trabalho

científico, eu vim a crer mais e mais fortemente que o universo físico é formado com uma

engenhosidade tão espantosa que eu não posso aceitar isso meramente como um fato

bruto." Da mesma forma, Fred Hoyle comenta, "Uma interpretação de senso comum dos

fatos sugere que um intelecto sobrenatural andou brincando com a física." Robert Jastrow,

o ex-chefe do Instituto Goddard da NASA para Estudos Espaciais chamou isso de a mais

poderosa evidência para a existência de Deus que já veio da ciência."

A visão que os teístas cristãos sempre mantiveram, de que há um projetista

inteligente do universo, parece fazer mais sentido do que a visão ateísta de que o universo,

quando surgiu sem causa a partir do nada, simplesmente aconteceu de ser finamente

sintonizado por acaso para a existência de vida inteligente a uma precisão

incompreensível.

3. Valores morais objetivos no mundo. Se Deus não existe, então valores morais objetivos

não existem. Muitos teístas e ateus concordam neste ponto. Por exemplo, o filósofo da

ciência explica Michael Ruse explica,

A moralidade é uma adaptação biológica não menos que nossas mãos, pés e dentes. Considerada como um racionalmente justificável conjunto de afirmações sobre algo, a ética é ilusória. Aprecio que, quando alguém diz 'ame o próximo como a ti mesmo', ele pense estar referindo-se a algo acima e além de si mesmo. Todavia, essa referência é na verdade sem fundamento. A moralidade é apenas uma ferramenta de sobrevivência e reprodução... e qualquer sentido mais profundo é ilusório."

Friedrich Nietzsche, o grande ateu do século 19 que proclamou a morte de Deus,

entendeu que a morte de Deus significava a destruição de todo significado e valor na vida.

Eu acho que Friedrich Nietzsche tinha razão.

Mas devemos ter muito cuidado aqui. A questão aqui não é: "Precisamos acreditar em

Deus para viver vidas morais?" Eu não estou dizendo que devemos. Nem a pergunta é:

"Podemos reconhecer valores morais objetivos sem acreditar em Deus?" Eu acredito que

podemos.

Em vez disso, a questão é: "Se Deus não existe, existem valores morais objetivos?"

Como Ruse, não vejo qualquer razão para pensar que, na ausência de Deus, a

moralidade grupal evoluída pelo Homo sapiens seja objetiva. Afinal, se Deus não existe,

Page 8: O Problema Do Mal - William Lane Craig [PT]

então o que há de tão especial sobre os seres humanos? Eles são apenas subprodutos

acidentais da natureza, que evoluíram recentemente em uma partícula de poeira

infinitesimal perdida em algum lugar em um universo hostil e sem sentido e que estão

condenados a perecer individualmente e coletivamente em um tempo relativamente curto.

Na visão ateísta, alguma ação, digamos, de estupro, pode não ser socialmente vantajosa e

assim no decorrer do desenvolvimento humano se tornou um tabu; mas isso não faz

absolutamente nada para provar que o estupro é realmente errado. Na visão ateísta, não

há nada de errado em você estuprar alguém. Assim, sem Deus, não existe certo e errado

absolutos que se impõem na nossa consciência.

Mas o problema é que existem valores objetivos, e no fundo, todos nós sabemos disso.

Não há mais razão para negar a realidade objetiva dos valores morais do que a realidade

objetiva do mundo físico. Ações como estupro, crueldade e abuso infantil não são apenas

comportamentos socialmente inaceitáveis—elas são abominações morais. Algumas coisas

são realmente erradas.

Assim, paradoxalmente, o mal na verdade serve para demonstrar a existência de

Deus. Pois, se valores objetivos não podem existir sem Deus e valores objetivos existem—

como é evidente a partir da realidade do mal—segue-se inevitavelmente que Deus existe.

Assim, embora o mal de certa forma ponha em questão a existência de Deus, num sentido

mais fundamental demonstra a existência de Deus, uma vez que o mal não pode existir

sem Deus.

Essas são apenas parte das evidências de que Deus existe. O proeminente filósofo

Alvin Plantinga expôs duas dúzias ou mais de argumentos para a existência de Deus. A

força cumulativa destes argumentos faz com que seja provável que Deus exista.

Em resumo, se minhas três teses estiverem corretas, então o mal não torna

improvável a existência do Deus cristão; pelo contrário, considerando o escopo completo

das provas, a existência de Deus é provável. Assim, o problema intelectual do mal não

derruba a existência de Deus.

Mas isso nos leva ao problema emocional do mal. Eu acho que a maioria das pessoas

que rejeitam a Deus por causa do mal no mundo não o fazem realmente por causa de

dificuldades intelectuais; em vez disso, é um problema emocional. Elas simplesmente não

gostam de um Deus que permitiria que elas ou outras pessoas sofressem e, portanto, não

querem nada com Ele. O ateísmo deles é simplesmente um ateísmo de rejeição. Será que a

Page 9: O Problema Do Mal - William Lane Craig [PT]

fé cristã tem algo a dizer a essas pessoas?

Certamente que sim! Pois ela nos diz que Deus não é um Criador distante ou um tipo

impessoal de ser, mas um Pai amoroso que partilha os nossos sofrimentos e mágoas. O

Prof. Plantinga escreveu,

Como o cristão vê as coisas, Deus não fica de braços cruzados, observando friamente o sofrimento de Suas criaturas. Ele entra e partilha os nossos sofrimentos. Ele suporta a angústia de ver seu filho, a segunda pessoa da Trindade, submetido à morte amargamente cruel e vergonhosa da cruz. Cristo estava preparado para suportar as próprias agonias do inferno... a fim de vencer o pecado e a morte, e os males que afligem o nosso mundo, e dar-nos uma vida mais gloriosa do que podemos imaginar. Ele estava preparado para sofrer em nosso nome, para aceitar um sofrimento do qual não podemos formar nenhuma concepção.

Você vê, Jesus suportou um sofrimento além de toda compreensão: Ele levou a

punição pelos pecados de todo o mundo. Nenhum de nós pode compreender esse

sofrimento. Embora ele fosse inocente, Ele voluntariamente tomou sobre si o castigo que

nós merecíamos. E por quê? Porque Ele nos ama. Como podemos rejeitar Aquele que deu

tudo por nós?

Quando compreendemos o Seu sacrifício e Seu amor por nós, isso coloca o problema

do mal em uma perspectiva totalmente diferente. Porque agora vemos claramente que o

verdadeiro problema do mal é o problema do nosso mal. Cheios de pecado e moralmente

culpados diante de Deus, a questão que enfrentamos não é como Deus pode justificar-se a

nós, mas como nós podemos ser justificados diante dEle.

Assim, paradoxalmente, embora o problema do mal seja a maior objeção à existência

de Deus, no final do dia, Deus é a única solução para o problema do mal. Se Deus não

existe, então estamos perdidos, sem esperança em uma vida cheia de sofrimento gratuito e

não redimido. Deus é a resposta final ao problema do mal, pois Ele nos redime do mal e

leva-nos à alegria eterna de um bem incomensurável: a comunhão com Ele mesmo.