o principe - maquiavel

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1 aO PRÍNCIPE Maquiavel AO MAGNÍFICO LORENZO DE MEDICI NICOLÓ MACHIAVELLI ÍNDICE DOS PRINCIPADOS Capítulo II. Dos principados hereditários Capítulo III. Dos principados mistos Capítulo IV. Por que o reino de Dario, ocupado por Alexandre, não se rebelou contra seus sucessores após a morte deste Capítulo V. De que modo se devam governar as cidades ou principados que, antes de serem ocupados, viviam com as suas próprias leis Capítulo VI. Dos principados novos que se conquistam com as armas próprias e virtuosamente Capítulo VII. Dos principados novos que se conquistam com as armas e fortuna dos outros Capítulo VIII. Dos que chegaram ao principado por meio de crimes Capítulo IX. Do principado civil Capítulo X. Como se devem medir as forças de todos os principados Capítulo XI. Dos principados eclesiásticos Capítulo XII. De quantas espécies são as milícias, e dos soldados mercenários Capítulo XIII. Dos soldados auxiliares, mistos e próprios Capítulo XIV. O que compete a um príncipe acerca da milícia(tropa) Capítulo XV. Daquelas coisas pelas quais os homens, e especialmente os príncipes, são louvados ou vituperados .

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Nicolaus Maclavellus, ou Nicoló Macchiavelli foi um gênio.

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Panfleto

1

aO PRNCIPE

Maquiavel

AO MAGNFICO LORENZO DE MEDICI

NICOL MACHIAVELLI

NDICE

DOS PRINCIPADOSCaptulo II. Dos principados hereditrios

Captulo III. Dos principados mistos Captulo IV. Por que o reino de Dario, ocupado por Alexandre, no se rebelou contra seus sucessores aps a morte deste

Captulo V. De que modo se devam governar as cidades ou principados que, antes de serem ocupados, viviam com as suas prprias leisCaptulo VI. Dos principados novos que se conquistam com as armas prprias e virtuosamente

Captulo VII. Dos principados novos que se conquistam com as armas e fortuna dos outros

Captulo VIII. Dos que chegaram ao principado por meio de crimes

Captulo IX. Do principado civil

Captulo X. Como se devem medir as foras de todos os principados Captulo XI. Dos principados eclesisticos

Captulo XII. De quantas espcies so as milcias, e dos soldados mercenrios

Captulo XIII. Dos soldados auxiliares, mistos e prprios

Captulo XIV. O que compete a um prncipe acerca da milcia(tropa)

Captulo XV. Daquelas coisas pelas quais os homens, e especialmente os prncipes, so louvados ou vituperados .Captulo XVI. Da liberalidade e da parcimnia

Captulo XVII. Da crueldade e da piedade; se melhor ser amado que temido, ou antes temido que amado

Captulo XVIII. De que modo os prncipes devem manter a f da palavra dada

Captulo XIX. De como se deva evitar o ser desprezado e odiado

Captulo XX. Se as fortalezas e muitas outras coisas que a cada dia so feitas pelos prncipes so teis ou noCaptulo XXI. O que convm a um prncipe para ser estimado

Captulo XXII. Dos secretrios que os prncipes tm junto de si

Captulo XXIII. Como se afastam os aduladores

Captulo XXIV. Por que os prncipes da Itlia perderam seus estados

Captulo XXV. De quanto pode a fortuna nas coisas humanas e de que modo se lhe deva resistir

Captulo XXVI. Exortao para procurar tomar a Itlia e libert-la das mos dos brbaros

Carta de Machiavelli a Francesco Vettori, em Roma

O PRNCIPE

Costumam, o mais das vezes, aqueles que desejam conquistar as graas de um Prncipe, trazer-lhe aquelas coisas que consideram mais caras ou nas quais o vejam encontrar deleite, donde se v amide serem a ele oferecidos cavalos, armas, tecidos de ouro, pedras preciosas e outros ornamentos semelhantes, dignos de sua grandeza. Desejando eu, portanto, oferecer-me a Vossa Magnificncia com um testemunho qualquer de minha submisso, no encontrei entre os meus cabedais coisa a mim mais cara ou que tanto estime, quanto o conhecimento das aes dos grandes homens apreendido atravs de uma longa experincia das coisas modernas e uma contnua lio das antigas as quais tendo, com grande diligncia, longamente perscrutado e examinado e, agora, reduzido a um pequeno volume, envio a Vossa Magnificncia.

E se bem julgue esta obra indigna da presena de Vossa Magnificncia, no menos confio que deva ela ser aceita, considerado que de minha parte no lhe possa ser feito maior oferecimento seno o dar-lhe a faculdade de poder, em tempo assaz breve, compreender tudo aquilo que eu, em tantos anos e com tantos incmodos e perigos, vim a conhecer. No ornei este trabalho, nem o enchi de perodos sonoros ou de palavras pomposas e magnficas, ou de qualquer outra figura de retrica ou ornamento extrnseco, com os quais muitos costumam desenvolver e enfeitar suas obras; e isto porque no quero que outra coisa o valorize, a no ser a variedade da matria e a gravidade do assunto a tornarem-no agradvel. Nem desejo se considere presuno se um homem de baixa e nfima condio ousa discorrer e estabelecer regras a respeito do governo dos prncipes: assim como aqueles que desenham a paisagem se colocam nas baixadas para considerar a natureza dos montes e das altitudes e, para observar aquelas, se situam em posio elevada sobre os montes, tambm, para bem conhecer o carter do povo, preciso ser prncipe e, para bem entender o do prncipe, preciso ser do povo. Receba, pois, Vossa Magnificncia este pequeno presente com aquele intuito com que o mando; nele, se diligentemente considerado e lido, encontrar o meu extremo desejo de que lhe advenha aquela grandeza que a fortuna e as outras suas qualidades lhe prometem. E se Vossa Magnificncia, das culminncias em que se encontra, alguma vez volver os olhos para baixo, notar quo imerecidamente suporto um grande e contnuo infortnio.

CAPTULO I

DE QUANTAS ESPCIES SO OS PRINCIPADOS E DE QUE MODOS SE ADQUIREM

(QUOT SINT GENERA PRINCIPATUUM ET QUIBUS MODIS ACQUIRANTUR)

Todos os Estados, todos os governos que tiveram e tm autoridade sobre os homens, foram e so ou repblicas ou principados. Os principados so: ou hereditrios, quando seu sangue senhorial nobre h j longo tempo, ou novos. Os novos podem ser totalmente novos, como foi Milo com Francisco Sforza, ou o so como membros acrescidos ao Estado hereditrio do prncipe que os adquire, como o reino de Npoles em relao ao rei da Espanha. Estes domnios assim obtidos esto acostumados, ou a viver submetidos a um prncipe, ou a ser livres, sendo adquiridos com tropas de outrem ou com as prprias, bem como pela fortuna ou por virtude.

DOS PRINCIPADOS

(De Principatibus)

CAPTULO II

DOS PRINCIPADOS HEREDITRIOS

(DE PRINCIPATIBUS HEREDITARIIS)

No cogitarei aqui das repblicas porque delas tratei longamente em outra oportunidade. Voltarei minha ateno somente para os principados, irei delineando os princpios descritos e discutirei como devem ser eles governados e mantidos. Digo, pois, que para a preservao dos Estados hereditrios e afeioados linhagem de seu prncipe, as dificuldades so assaz menores que nos novos, pois bastante no preterir os costumes dos antepassados e, depois, contemporizar com os acontecimentos fortuitos, de forma que, se tal prncipe for dotado de ordinria capacidade sempre se manter no poder, a menos que uma extraordinria e excessiva fora dele venha a priv-lo; e, uma vez dele destitudo, ainda que temvel seja o usurpador, volta a conquist-lo.

Ns temos na Itlia, como exemplo, o Duque de Ferrara que no cedeu aos assaltos dos venezianos em 1484 nem aos do Papa Jlio em 1510, apenas por ser antigo naquele domnio. Na verdade, o prncipe natural tem menores razes e menos necessidade de ofender: donde se conclui dever ser mais amado e, se no se faz odiar por desbragados vcios, lgico e natural seja benquisto de todos. E na antigidade e continuao do exerccio do poder, apagam-se as lembranas e as causas das inovaes, porque uma mudana sempre deixa lanada a base para a ereo de outra.

CAPTULO III

DOS PRINCIPADOS MISTOS

(DE PRINCIPATIBUS MIXTIS)

Mas nos principados novos que residem as dificuldades. Em primeiro lugar, se no totalmente novo mas sim como membro anexado a um Estado hereditrio (que, em seu conjunto, pode chamar-se "quase misto"), as suas variaes resultam principalmente de uma natural dificuldade inerente a todos os principados novos: que os homens, com satisfao, mudam de senhor pensando melhorar e esta crena faz com que lancem mo de armas contra o senhor atual, no que se enganam porque, pela prpria experincia, percebem mais tarde ter piorado a situao. Isso depende de uma outra necessidade natural e ordinria, a qual faz com que o novo prncipe sempre precise ofender os novos sditos com seus soldados e com outras infinitas injrias que se lanam sobre a recente conquista; dessa forma, tens como inimigos todos aqueles que ofendeste com a ocupao daquele principado e no podes manter como amigos os que te puseram ali, por no poderes satisfaz-los pela forma por que tinham imaginado, nem aplicar-lhes corretivos violentos uma vez que ests a eles obrigado; porque sempre, mesmo que fortssimo em exrcitos, tem-se necessidade do apoio dos habitantes para penetrar numa provncia. Foi por essas razes que Lus XII, rei de Frana, ocupou Milo rapidamente e logo depois o perdeu, para tanto bastando inicialmente as foras de Ludovico, porque aquelas populaes que lhe haviam aberto as portas, reconhecendo o erro de seu pensar anterior e descrentes daquele bem-estar futuro que haviam imaginado, no mais podiam suportar os dissabores ocasionados pelo novo prncipe.

bem verdade que, reconquistando posteriormente as regies rebeladas, mais dificilmente se as perdem, eis que o senhor, em razo da rebelio, menos vacilante em assegurar-se da punio daqueles que lhe faltaram com a lealdade, em investigar os suspeitos e em reparar os pontos mais fracos. Assim sendo, se para que a Frana viesse a perder Milo pela primeira vez foi suficiente um Duque Ludovico que fizesse motins nos seus limites, j para perd-lo pela segunda vez foi preciso que tivesse contra si o mundo todo e que seus exrcitos fossem desbaratados ou expulsos da Itlia, o que resultou das razes logo acima apontadas. No obstante, tanto na primeira como na segunda vez, Milo foi-lhe tomado.

As razes gerais da primeira foram expostas; resta agora falar sobre as da segunda vez e ver de que remdios dispunha a Frana e de que meios poder valer-se quem venha a encontrar-se em circunstncias tais, para poder manter-se na posse da conquista melhor do que o fez esse pas.

Digo, consequentemente, que estes Estados conquistados e anexados a um Estado antigo, ou so da mesma provncia e da mesma lngua, ou no o so: Quando o sejam, sumamente fcil mant-los sujeitos, mxime quando no estejam habituados a viver em liberdade, e para domin-los seguramente ser bastante ter-se extinguido a estirpe do prncipe que os governava, porque nas outras coisas, conservando-se suas velhas condies e no existindo alterao de costumes, os homens passam a viver tranqilamente, como se viu ter ocorrido com a Borgonha, a Bretanha, a Gasconha e a Normandia que por tanto tempo estiveram com a Frana, isto a despeito da relativa diversidade de lnguas, mas graas semelhana de costumes facilmente se acomodaram entre eles. E quem conquista, querendo conserv-los, deve adotar duas medidas: a primeira, fazer com que a linhagem do antigo prncipe seja extinta; a outra, aquela de no alterar nem as suas leis nem os impostos; por tal forma, dentro de mui curto lapso de tempo, o territrio conquistado passa a constituir um corpo todo com o principado antigo.

Mas, quando se conquistam territrios numa provncia com lngua, costumes e leis diferentes, aqui surgem as dificuldades e necessrio haver muito boa sorte e habilidade para mant-los. E um dos maiores e mais eficientes remdios seria aquele do conquistador ir habit-los. Isto tornaria mais segura e mais duradoura a posse adquirida, como ocorreu com o Turco da Grcia, que a despeito de ter observado todas as leis locais, no teria conservado esse territrio se para a no tivesse se transferido. Isso porque, estando no local, pode-se ver nascerem as desordens e, rapidamente, podem ser elas reprimidas; a no estando, delas somente se tem notcia quando j alastradas e no mais passveis de soluo. Alm disso, a provncia conquistada no saqueada pelos lugar-tenentes; os sditos ficam satisfeitos porque o recurso ao prncipe se torna mais fcil, donde tm mais razes para am-lo, querendo ser bons, e para tem-lo, caso queiram agir por forma diversa. Quem do exterior desejar assaltar aquele Estado, por ele ter maior respeito; donde, habitando-o, o prncipe somente com muita dificuldade poder vir a perd-lo.

Outro remdio eficaz instalar colnias num ou dois pontos, que sejam como grilhes postos quele Estado, eis que necessrio ou fazer tal ou a manter muita tropa. Com as colnias no se despende muito e, sem grande custo, podem ser instaladas e mantidas, sendo que sua criao prejudica somente queles de quem se tomam os campos e as casas para ced-los aos novos habitantes, os quais constituem uma parcela mnima do Estado conquistado. Ainda, os assim prejudicados, ficando dispersos e pobres, no podem causar dano algum, enquanto que os no lesados ficam parte, amedrontados, devendo aquietar-se ao pensamento de que no podero errar para que a eles no ocorra o mesmo que aconteceu queles que foram espoliados. Concluo dizendo que estas colnias no so onerosas, so mais fiis, ofendem menos e os prejudicados no podem causar mal, tornados pobres e dispersos como j foi dito. Por onde se depreende que os homens devem ser acarinhados ou eliminados, pois se se vingam das pequenas ofensas, das graves no podem faz-lo; da decorre que a ofensa que se faz ao homem deve ser tal que no se possa temer vingana. Mas mantendo, em lugar de colnias, foras militares, gasta-se muito mais, absorvida toda a arrecadao daquele Estado na guarda a destacada; dessa forma, a conquista transforma-se em perda e ofende muito mais por que danifica todo aquele pas com as mudanas do alojamento do exrcito, incmodo esse que todos sentem e que transforma cada habitante em inimigo: e so inimigos que podem causar dano ao conquistador, pois, vencidos, ficam em sua prpria casa. Sob qualquer ponto de vista essa guarda armada intil, ao passo que a criao de colnias til.

Deve, ainda, quem se encontre frente de uma provncia diferente, como foi dito, tornar-se chefe e defensor dos menos fortes, tratando de enfraquecer os poderosos e cuidando que em hiptese alguma a penetre um forasteiro to forte quanto ele. E sempre surgir quem seja chamado por aqueles que na provncia se sintam descontentes, seja por excessiva ambio, seja por medo, como viu-se terem os etlios introduzido na Grcia os romanos que, alis, em todas as outras provncias que conquistaram, fizeram-no auxiliados pelos respectivos habitantes. E a ordem das coisas que, to logo um estrangeiro poderoso penetre numa provncia, todos aqueles que nela so mais fracos a ele dem adeso, movidos pela inveja contra quem se tornou poderoso sobre eles; tanto assim que em relao a estes no se torna necessrio grande trabalho para obter seu apoio, pois logo todos eles, voluntariamente, formam bloco com o seu Estado conquistado. Apenas deve haver o cuidado de no permitir adquiram eles muito poder e muita autoridade, podendo o conquistador, facilmente, com suas foras e com o apoio dos mesmos, abater aqueles que ainda estejam fortes, para tornar-se senhor absoluto daquela provncia. E quem no encaminhar satisfatoriamente esta parte, cedo perder a sua conquista e, enquanto puder conserv-la, ter infinitos aborrecimentos e dificuldades.

Os romanos, nas provncias de que se assenhorearam, observaram bem estes pontos: fundaram colnias, conquistaram a amizade dos menos prestigiosos, sem lhes aumentar o poder, abateram os mais fortes e no deixaram que os estrangeiros poderosos adquirissem conceito. Quero tomar como exemplo apenas a provncia da Grcia. Os aqueus e os etlios tornaram-se amigos dos romanos; foi abatido o reino dos macednios e da foi expulso Antoco; mas nem os mritos dos aqueus e dos etlios lhes asseguraram permisso para conquistar algum Estado, nem a persuaso de Felipe logrou fazer com que os romanos se tornassem seus amigos e no o diminussem, nem o poder de Antoco conseguiu fazer com que os mesmos o autorizassem a manter seu domnio naquela provncia. Isso tudo ocorreu porque os romanos fizeram nesses casos aquilo que todo prncipe inteligente deve fazer: no somente vigiar e ter cuidado com as desordens presentes, como tambm com as futuras, evitando-as com toda a cautela porque, previstas a tempo, facilmente se lhes pode opor corretivo; mas, esperando que se avizinhem, o remdio no chega a tempo, e o mal j ento se tornou incurvel. Ocorre aqui como no caso do tuberculoso, segundo os mdicos: no princpio fcil a cura e difcil o diagnstico, mas com o decorrer do tempo, se a enfermidade no foi conhecida nem tratada, torna-se fcil o diagnstico e difcil a cura. Assim tambm ocorre nos assuntos do Estado porque, conhecendo com antecedncia os males que o atingem (o que no dado seno a um homem prudente), a cura rpida; mas quando, por no se os ter conhecido logo, vm eles a crescer de modo a se tornarem do conhecimento de todos, no mais existe remdio.

Contudo, os romanos, prevendo as perturbaes, sempre as tolheram e jamais, para fugir guerra, permitiram que as mesmas seguissem seu curso, pois sabiam que a guerra no se evita mas apenas se adia em benefcio dos outros; por isso mesmo, promoveram a guerra contra Felipe e Antoco na Grcia, para evitar terem de faz-la na Itlia e, no entanto, podiam ter evitado a luta naquele momento, se o quisessem. Nem em momento algum lhes agradou aquilo que todos os dias est nos lbios dos entendidos de nosso tempo, o desejo de gozar do benefcio da contemporizao, mas sim apenas aquilo que resultava de sua prpria virtude e prudncia: na verdade o tempo lana frente todas as coisas e pode transformar o bem em mal e o mal em bem.

Mas voltemos Frana e examinemos se ela fez alguma das coisas que expomos, falando eu de Lus e no de Carlos porque foi daquele que, por ter mantido mais prolongado domnio na Itlia, melhor se viram os progressos: e vereis como ele fez o contrrio que se deve fazer para conservar um Estado numa provncia diferente.

O Rei Lus foi conduzido Itlia pela ambio dos venezianos que, por tal meio, quiseram ganhar o Estado da Lombardia, No desejo censurar o partido tomado pelo rei; porque, querendo comear a pr um p na Itlia e no tendo amigos nesta provncia, sendo-lhe, ao contrrio, fechadas todas as portas em razo do comportamento do Rei Carlos, foi obrigado a servir-se daquelas amizades com que podia contar: e ter-lhe-ia resultado bem escolhido esse partido, se nos outros manejos no tivesse cometido erro algum. Conquistada, pois, a Lombardia, o rei readquiriu prontamente aquela reputao que Carlos perdera: Gnova cedeu; os florentinos tornaram-se seus amigos; o marqus de Mantua, o duque de Ferrara, Bentivoglio, a senhora de Forli, o senhor de Faenza, de Pesaro, de Rimini, de Camerino, de Piombino, os Luqueses, os Pisanos e os Sieneses, todos foram ao seu encontro para tornarem-se seus amigos. Os venezianos puderam considerar ento a temeridade da resoluo que haviam adotado, pois que, para conquistar dois tratos de terra na Lombardia, fizeram o rei tornar-se senhor de dois teros da Itlia.

Considere-se agora com quanta facilidade podia o rei manter a sua reputao na Itlia se, observadas as normas j referidas, tivesse conservado seguros e defendidos todos aqueles seus amigos que, por serem em grande nmero, fracos e medrosos uns em relao Igreja os outros face aos venezianos, precisavam sempre estar com ele; por meio deles poderia, facilmente, ter-se assegurado contra os que ainda se conservavam fortes.

Mas ele, apenas chegado a Milo, fez o contrrio, dando auxilio ao papa Alexandre para que ocupasse a Romanha. Nem percebeu que com essa deliberao enfraquecia a si prprio, afastando os amigos e aqueles que se lhe tinham lanado aos braos, enquanto engrandecia a Igreja acrescentando ao poder espiritual, que lhe d tanta autoridade, tamanha fora temporal. Cometido um primeiro erro, foi compelido a seguir praticando outros at que, para pr fim ambio de Alexandre e evitar que este se tornasse senhor da Toscana, teve de vir pessoalmente Itlia. No lhe bastou ter tornado grande a Igreja e perder os amigos; por querer o reino de Npoles, dividiu-o com o rei da Espanha; sendo primeiro o rbitro da Itlia, a colocou um companheiro para que os ambiciosos daquela provncia e os descontentes com ele mesmo tivessem onde recorrer e, em vez de deixar naquele reino um soberano a ele sujeito, tirou-o para, em seu lugar, colocar um outro que pudesse expuls-lo dali.

coisa muito natural e comum o desejo de conquistar e, sempre, quando os homens podem faz-lo, sero louvados ou, pelo menos, no sero censurados; mas quando no tm possibilidade e querem faz-lo de qualquer maneira, aqui est o erro e, consequentemente, a censura. Se a Frana, pois, podia assaltar Npoles com suas foras, devia faz-lo; se no podia, no devia dividir esse reino. E se a diviso que fez com os venezianas sobre a Lombardia mereceu desculpa por ter com ela firmado p na Itlia, aquela merece censura em razo de no ser justificada por essa necessidade.

Tinha, pois, Lus, cometido estes cinco erros: eliminou os menos fortes; aumentou na Itlia o prestgio de um poderoso; a colocou um estrangeiro poderosssimo; no veio habitar no pas; no instalou colnias.

Estes erros, contudo, poderiam no ter causado dano enquanto vivo ele fosse, se no houvesse sido cometido o sexto erro, tomar os territrios aos venezianos. Na verdade, se no tivesse tornado grande a Igreja nem introduzido a Espanha na Itlia, seria bem razovel e necessrio enfraquec-los; mas, tomados que foram aqueles partidos, nunca deveriam consentir na runa dos mesmos, pois, sendo poderosos, teriam sempre mantido aquelas distncia da Lombardia, e isso porque os venezianos jamais iriam consentir em qualquer manobra contra esse Estado, a menos que eles se tornassem os senhores, da mesma forma que os outros no iriam querer tom-lo Frana para d-lo aos venezianos, ao mesmo tempo que lhes faltava coragem para entrar em luta com estes e com a Frana. E se algum dissesse: o Rei Lus cedeu a Romanha a Alexandre e o Reino Espanha para fugir a uma guerra - respondo com as razes j anteriormente expostas de que - nunca se deve deixar prosseguir uma crise para escapar a uma guerra, mesmo porque dela no se foge mas apenas se adia para desvantagem prpria. E se alguns outros alegassem a palavra que o rei havia dado ao Papa, qual a de realizar para ele aquela conquista em troca da dissoluo de seu casamento e do chapu cardinalcio para o arcebispo de Ruo - respondo com o que mais adiante se dir acerca da palavra dos prncipes e de como se a deve respeitar.

Perdeu, pois, o Rei Lus a Lombardia por no ter respeitado nenhum dos princpios observados por outros que dominaram provncias e quiseram conserv-las. No h aqui milagre algum, mas sim muito comum e razovel. E deste assunto falei em Nantes ao arcebispo de Ruo, quando Valentino, assim popularmente chamado Csar Brgia, filho do Papa Alexandre, ocupava a Romanha: porque, dizendo-me o cardeal de Ruo que os italianos no entendiam de guerra, retruquei-lhe que os franceses no entendiam do Estado, pois que, se de tal compreendessem, no teriam deixado que a Igreja alcanasse tanta grandeza. E por experincia viu-se que a grandeza da Igreja e da Espanha na Itlia foi causada pela Frana, e a runa desta foi acarretada por aquelas.

Disso se extrai uma regra geral que nunca ou raramente falha: quem causa do poderio de algum arruina-se, por que esse poder resulta ou da astcia ou da fora e ambas so suspeitas para aquele que se tornou poderoso.

CAPTULO IV

POR QUE O REINO DE DARIO, OCUPADO POR ALEXANDRE, NO SE REBELOU CONTRA SEUS SUCESSORES APS A MORTE DESTE

(CUR DARII REGNUM QUOD ALEXANDER OCCUPAVERAT A SUCCESSORIBUS SUIS POST ALEXANDRI MORTEM NON DEFECIT)

Consideradas as dificuldades que devem ser enfrentadas para a conservao de um Estado recm-conquistado, algum poderia ficar pasmo ante o fato de que, tendo se tornado senhor da sia em poucos anos, no apenas havia terminado sua ocupao Alexandre Magno veio a morrer e, a despeito de parecer razovel que todo aquele Estado devesse rebelar-se, seus sucessores o conservaram e para tanto no encontraram outra dificuldade seno aquela que, por ambio pessoal, nasceu entre eles mesmos. - Argumento: os principados de que se conserva memria, tm sido governados de duas formas diversas: ou por um prncipe, sendo todos os demais servos que, como ministros por graa e concesso sua, ajudam a governar o Estado, ou por um prncipe e por bares, os quais, no por graa do senhor mas por antigidade de sangue, tm aquele grau de ministros. Estes bares tm Estados e sditos prprios que os reconhecem por senhores e a eles dedicam natural afeio. Os Estados que so governados por um prncipe e servos, tm aquele com maior autoridade, porque em toda a sua provncia no existe algum reconhecido como chefe seno ele, e se os sditos obedecem a algum outro, fazem-no em razo de sua posio de ministro e oficial, no lhe dedicando o menor amor.

Os exemplos dessas duas espcies de governo so, nos nossos tempos, o Turco e o rei de Frana. Toda a monarquia do Turco dirigida por um senhor: os outros so seus servos; dividindo o seu reino em sandjaks, para a manda diversos administradores e os muda e varia de acordo com sua prpria vontade. Mas o rei de Frana est em meio a uma multido de antigos senhores que, nessa qualidade, so reconhecidos pelos seus sditos e por eles amados: tm as suas preeminncias e no pode o rei priv-los das mesmas sem perigo para si prprio. Quem tiver em mira, pois, um e outro desses governos, encontrar dificuldades para conquistar o Estado Turco, mas, vencido que seja este, encontrar grande facilidade para conserv-lo, Ao contrrio, encontrar-se- em todos os sentidos maior facilidade para ocupar o Estado de Frana, mas grande dificuldade para mant-lo.

As razes da dificuldade em ocupar o reino do Turco decorrem de no poder o atacante ser chamado por prncipes daquele reino, nem esperar, com a rebelio dos que rodeiam o soberano, poder ter facilitada a sua empresa: o que resulta das razes referidas. Porque, sendo todos escravos e obrigados, so mais dificilmente corruptveis e, quando fossem subornados, pouco de til poder-se-ia esperar, visto no serem eles capazes de arrastar o povo atrs de si, pelos motivos j mencionados. Logo, se algum assaltar o Estado Turco, deve pensar que ir encontr-lo todo unido, convindo contar mais com suas prprias foras que com as desordens dos outros. Mas, vencido que seja e uma vez desbaratado em batalha campal de modo que no possa refazer os exrcitos, no se deve recear outra coisa seno a dinastia do prncipe; uma vez extinta esta, ningum mais resta que deva ser temido, j que os demais no gozam de prestgio junto ao povo; e como o vencedor deste nada podia esperar antes da vitria, depois dela no deve rece-lo.

O contrrio ocorre nos reinos como o de Frana, por que com facilidade podes invadi-lo em obtendo o apoio de algum baro do reino, pois que sempre se encontram descontentes e os que desejam fazer inovaes. Estes, pelas razes referidas, podem abrir o acesso quele Estado e facilitar a vitria. Esta, depois, se desejares manter-te, arrasta atrs de si infinitas dificuldades, seja com aqueles que te ajudaram, seja com os que oprimiste. No bastante extinguir a estirpe do prncipe, pois permanecem aqueles senhores que se tornam chefes das novas revolues e, no podendo nem content-los nem extermin-los, perde aquele Estado to logo surja a oportunidade.

Ora, se for considerado de que natureza era o governo de Dario, se o encontrar semelhante ao reino do Turco. Para Alexandre foi necessrio primeiro encurral-lo e desbarat-lo em batalha campal sendo que, depois da vitria, estando morto Dario, aquele Estado tornou-se seguro para Alexandre pelas razes acima expostas. Seus sucessores, se tivessem sido unidos, poderiam t-lo gozado tranqilamente, pois ali no surgiram outros tumultos que no os por eles prprios provocados. Mas quanto aos Estados organizados como o da Frana, impossvel possu-los com tanta tranqilidade. Dessa circunstncia que nasceram as freqentes rebelies da Espanha, da Frana e da Grcia contra os romanos; em decorrncia do grande nmero de principados que havia naqueles Estados e por todo o tempo em que perdurou a sua memria, os romanos estiveram inseguros na posse daqueles domnios. Mas extinta a lembrana dos principados, com o poder e a constncia de sua autoridade, os romanos tornaram-se dominadores seguros. Puderam eles, tambm, combatendo mais tarde em lutas internas, arrastar cada faco, para o seu lado, parte daquelas provncias, segundo a autoridade que havia adquirido junto a elas; e essas provncias, por no mais existir o sangue de seus antigos senhores, no reconheciam seno a soberania dos romanos. Consideradas, pois, todas estas coisas, ningum se maravilhar da facilidade que Alexandre encontrou para conservar o Estado da sia, e das dificuldades que foram arrostadas pelos outros para manterem o conquistado, como Pirro e muitos outros. Isso no resultou da muita ou da pouca virtude do vencedor, mas sim da diversidade de forma do objeto da conquista.

CAPTULO V

DE QUE MODO SE DEVAM GOVERNAR AS CIDADES OU PRINCIPADOS QUE, ANTES DE SEREM OCUPADOS, VIVIAM COM AS SUAS PRPRIAS LEIS

(QUOMODO ADMINISTRANDAE SUNT CIVITATES VEL PRINCIPATUS, QUI ANTEQUAM OCCUPARENTUR, SUIS LEGIBUS VIVEBANT)

Quando aqueles Estados que se conquistam, como foi dito, esto habituados a viver com suas prprias leis e em liberdade, existem trs modos de conserv-los: o primeiro, arruin-los; o outro, ir habit-los pessoalmente; o terceiro, deix-los viver com suas leis, arrecadando um tributo e criando em seu interior um governo de poucos, que se conservam amigos, porque, sendo esse governo criado por aquele prncipe, sabe que no pode permanecer sem sua amizade e seu poder, e h que fazer tudo por conserv-los. Querendo preservar uma cidade habituada a viver livre, mais facilmente que por qualquer outro modo se a conserva por intermdio de seus cidados.

Como exemplos, existem os espartanos e os romanos. Os espartanos conservaram Atenas e Tebas, nelas criando um governo de poucos; todavia, perderam-nas. Os romanos, para manterem Cpua, Cartago e Numncia, destruram-nas e no as perderam; quiseram conservar a Grcia quase como o fizeram os espartanos, tornando-a livre e deixando-lhe suas prprias leis e no o conseguiram: em razo disso, para conserv-la, foram obrigados a destruir muitas cidades daquela provncia.

que, em verdade, no existe modo seguro para conservar tais conquistas, seno a destruio. E quem se torne senhor de uma cidade acostumada a viver livre e no a destrua, espere ser destrudo por ela, porque a mesma sempre encontra, para apoio de sua rebelio, o nome da liberdade e o de suas antigas instituies, jamais esquecidas seja pelo decurso do tempo, seja por benefcios recebidos. Por quanto se faa e se proveja, se no se dissolvem ou desagregam os habitantes, eles no esquecem aquele nome nem aquelas instituies, e logo, a cada incidente, a eles recorrem como fez Pisa cem anos aps estar submetida aos florentinos.

Mas quando as cidades ou as provncias esto acostumadas a viver sob um prncipe, extinta a dinastia, sendo de um lado afeitas a obedecer e de outro no tendo o prncipe antigo, dificilmente chegam a acordo para escolha de um outro prncipe, no sabem, enfim, viver em liberdade: dessa forma, so mais lerdas para tomar das armas e, com maior facilidade, pode um prncipe venc-las e delas apoderar-se. Contudo, nas repblicas h mais vida, mais dio, mais desejo de vingana; no deixam nem podem deixar esmaecer a lembrana da antiga liberdade: assim, o caminho mais seguro destru-las ou habit-las pessoalmente.

CAPTULO VI

DOS PRINCIPADOS NOVOS QUE SE CONQUISTAM COM AS ARMAS PRPRIAS E VIRTUOSAMENTE

(DE PRINCIPATIBUS NOVIS QUI ARMIS PROPRIIS ET VIRTUTE ACQUIRUNTUR)

No se admire algum se, na exposio que irei fazer a respeito dos principados completamente novos de prncipe e de Estado, apontar exemplos de grandes personagens; por que, palmilhando os homens, quase sempre, as estradas batidas pelos outros, procedendo nas suas aes por imitaes, no sendo possvel seguir fielmente as trilhas alheias nem alcanar a virtude do que se imita, deve um homem prudente seguir sempre pelas sendas percorridas pelos que se tornaram grandes e imitar aqueles que foram excelentes, isto para que, no sendo possvel chegar virtude destes, pelo menos da venha a auferir algum proveito; deve fazer como os arqueiros hbeis que, considerando muito distante o ponto que desejam atingir e sabendo at onde vai a capacidade de seu arco, fazem mira bem mais alto que o local visado, no para alcanar com sua flecha tanta altura, mas para poder com o auxlio de to elevada mira atingir o seu alvo.

Digo, pois, que no principado completamente novo, onde exista um novo prncipe, encontra-se menor ou maior dificuldade para mant-lo, segundo seja mais ou menos virtuoso quem o conquiste. E porque o elevar-se de particular a prncipe pressupe ou virtude ou boa sorte, parece que uma ou outra dessas duas razes mitigue em parte muitas dificuldades; no obstante, tem-se observado, aquele que menos se apoiou na sorte reteve o poder mais seguramente. Gera ainda facilidade o fato de, por no possuir outros Estados, ser o prncipe obrigado a vir habit-lo pessoalmente.

Para reportar-me queles que pela sua prpria virtude e no pela sorte se tornarem prncipes, digo que os maiores so Moiss, Ciro, Rmulo, Teseu e outros tais. Se bem que de Moiss no se deva cogitar por ter sido ele mero executor daquilo que lhe era ordenado por Deus, contudo deve ser admirado somente por aquela graa que o tornava digno de conversar com o Senhor. Mas consideremos Ciro e os outros que conquistaram ou fundaram reinos: achareis a todos admirveis. E se forem consideradas suas aes e ordens particulares, estas parecero no discrepantes daquelas de Moiss que teve to grande preceptor. E, examinando as aes e a vida dos mesmos, no se v que eles tivessem algo de sorte seno a ocasio, que lhes forneceu meios para poder adaptar as coisas da forma que melhor lhes aprouve; e, sem aquela oportunidade, o seu valor pessoal ter-se-ia apagado e sem essa virtude a ocasio teria surgido em vo.

Era necessrio, pois, a Moiss, encontrar o povo de Israel no Egito, escravizado e oprimido pelos egpcios, a fim de que aquele, para libertar-se da escravido, se dispusesse a segui-lo. Convinha que Rmulo no pudesse ser mantido em Alba, fosse exposto ao nascer, para que se tornasse rei de Roma e fundador daquela ptria. Era preciso que Ciro encontrasse os persas descontentes do imprio dos medas, e estes estivessem amolecidos e efeminados pela prolongada paz. No poderia Teseu demonstrar sua virtude se no encontrasse os atenienses dispersos. Essas oportunidades por tanto, fizeram esses homens felizes, e sua excelente capacidade fez com que aquela ocasio fosse conhecida de cada um: em conseqncia, sua ptria foi nobilitada e tornou-se felicssima.

Os que, por suas virtudes, semelhantes s que aqueles tiveram, tornam-se prncipes, conquistam o principado com dificuldade, mas com facilidade o conservam; e os obstculos que se lhes apresentam no conquistar o principado, em parte nascem das novas disposies e sistemas de governo que so forados a introduzir para fundar o seu Estado e estabelecer a sua segurana. Deve-se considerar no haver coisa mais difcil para cuidar, nem mais duvidosa a conseguir, nem mais perigosa de manejar, que tornar-se chefe e introduzir novas ordens. Isso porque o introdutor tem por inimigos todos aqueles que obtinham vantagens com as velhas instituies e encontra fracos defensores naqueles que das novas ordens se beneficiam. Esta fraqueza nasce, parte por medo dos adversrios que ainda tm as leis conformes a seus interesses, parte pela incredulidade dos homens: estes, em verdade, no crem nas inovaes se no as vem resultar de uma firme experincia. Donde decorre que a qualquer momento em que os inimigos tenham oportunidade de atacar, o fazem com calor de sectrios, enquanto os outros defendem fracamente, de forma que ao lado deles se corre srio perigo.

necessrio, pois, querendo bem expor esta parte, examinar se esses inovadores se baseiam sobre foras suas prprias ou se dependem de outros, isto , se para levar avante sua obra preciso que roguem, ou se em realidade podem forar. No primeiro caso, sempre acabam mal e no realizam coisa alguma; mas, quando dependem de si mesmos e podem forar, ento que raras vezes perigam. Da resulta que todos os profetas armados venceram e os desarmados fracassaram. Porque, alm dos fatos apontados, a natureza dos povos vria, sendo fcil persuadi-los de urna coisa, mas difcil firm-los nessa persuaso. Convm, assim, estar preparado para que, quando no acreditarem mais, se possa faz-los crer pela fora.

Moiss, Ciro, Teseu e Rmulo no teriam conseguido fazer observar por longo tempo as suas constituies se tivessem estado desarmados; como ocorreu nos nossos tempos a Frei Girolamo Savonarola que fracassou nas suas reformas quando a multido comeou a nele no mais acreditar, e ele no dispunha de meios para manter firmes aqueles que haviam crido, nem para fazer com que os descrentes passassem a crer. Por isso, tm grandes dificuldades no conduzir-se e todos os perigos esto no seu caminho, convindo que os superem com o valor pessoal; mas superado que os tenham, quando comeam a ser venerados, extintos aqueles que tinham inveja de sua condio, ficam poderosos, seguros, honrados, felizes.

A to altos exemplos, quero acrescentar um menor, mas que bem ter alguma relao com aqueles e que julgo suficiente para todos os outros semelhantes: Hiero de Siracusa. Este, de particular, tornou-se prncipe de Siracusa; tambm ele, da sorte somente conheceu a ocasio porque, sendo os siracusanos oprimidos, o elegeram para seu capito, donde mereceu ser feito prncipe. E foi de tanta virtude, mesmo na vida privada, que quem escreveu a seu respeito, disse:quod nihil illi deerat ad regnandum praeter regnum.Extinguiu a velha milcia, organizou a nova, abandonou as antigas amizades, conquistou novas; e, como teve amizades e soldados seus, pode, sobre tais fundamentos, erigir as obras que desejou: tanto que custou-lhe muita fadiga para conquistar e pouca para manter.

CAPTULO VII

DOS PRINCIPADOS NOVOS QUE SE CONQUISTAM COM AS ARMAS E FORTUNA DOS OUTROS

(DE PRINCIPATIBUS NOVIS QUI ALIENIS ARMIS ET FORTUNA ACQUIRUNTUR)

Aqueles que somente por fortuna se tornam de privados em prncipes, com pouca fadiga assim se transformam, mas s com muito esforo assim se mantm: no encontram nenhuma dificuldade pelo caminho porque atingem o posto a vo; mas toda sorte de dificuldades nasce depois que a esto. So aqueles aos quais concedido um Estado, seja por dinheiro, seja por graa do concedente: como ocorreu a muitos na Grcia, nas cidades da Jnia e do Helesponto, onde foram feitos prncipes por Dario, a fim de que as conservassem para sua segurana e glria; como eram feitos, ainda, aqueles imperadores que, por corrupo dos soldados, de privados alcanavam o domnio do Imprio.

Estes esto simplesmente submetidos vontade e fortuna de quem lhes concedeu o Estado, que so duas coisas grandemente volveis e instveis: e no sabem e no podem manter a sua posio. No sabem, porque, se no so homens de grande engenho e virtude, no razovel que, tendo vivido sempre em ambiente privado, saibam comandar; no podem, porque no tm foras que lhes possam ser amigas e fiis. Ainda, os Estados que surgem rapidamente, como todas as demais coisas da natureza que nascem e crescem depressa, no podem ter razes e estruturao perfeitas, de forma que a primeira adversidade os extingue; salvo se aqueles que, como foi dito, assim repentinamente se tornaram prncipes, forem de tanta virtude que saibam desde logo preparar-se para conservar aquilo que a fortuna lhes ps no regao, formando posteriormente as bases que os outros estabeleceram antes de se tornar prncipes.

Destes dois citados modos de vir a ser prncipe, por virtude ou por fortuna, quero apontar dois exemplos ocorridos nos dias de nossa memria: estes so Francisco Sforza e Csar Brgia. Francisco, pelos meios devidos e com grande virtude, de privado tornou-se duque de Milo; e aquilo que com mil esforos tinha conquistado, com pouco trabalho manteve. Por outro lado, Csar Brgia, pelo povo chamado Duque Valentino, adquiriu o Estado com a fortuna do pai e, juntamente com aquela, o perdeu; isso no obstante fossem por ele utilizados todos os meios e feito tudo aquilo que devia ser efetivado por um homem prudente e virtuoso, para lanar razes naqueles Estados que as armas e a fortuna de outrem lhe tinham concedido. Porque, como se disse acima, quem no lana os alicerces primeiro, com uma grande virtude poder estabelec-los depois, ainda que se faam com aborrecimentos para o construtor e perigo para o edifcio. Se, pois, se considerarem todos os progressos do duque, ver-se- ter ele estabelecido grandes alicerces para o futuro poderio, os quais no julgo suprfluo descrever, pois no saberia que melhores preceitos do que o exemplo de suas aes poderia indicar a um prncipe novo; e se as suas disposies no lhe aproveitaram, no foi por culpa sua, mas sim em resultado de uma extraordinria e extrema m sorte.

Tinha Alexandre VI, ao querer tornar grande o duque seu filho, muitas dificuldades presentes e futuras. Primeiro, no via meio de poder faz-lo senhor de algum Estado que no fosse Estado da Igreja; voltando-se para tomar um destes, sabia que o duque de Milo e os venezianos no lho permitiriam, porque Faenza e Rimini estavam j sob a proteo dos venezianos. Via alm disto as armas da Itlia, e em especial aquelas de que poderia servir-se, encontrarem-se nas mos daqueles que deviam temer a grandeza do Papa; no podia fiar-se, assim, pertencendo todas elas aos Orsni e Colonna e seus partidrios. Era, pois, necessrio que se perturbasse aquela organizao dos Estados italianos e fossem desarticulados os pertencentes queles, para poder assenhorear-se seguramente de parte dos mesmos. Isso foi-lhe fcil, eis que encontrou os venezianos que, levados por outras causas, tinham se posto a fazer com que os franceses retornassem Itlia, ao que no somente no se ops, como tambm tornou mais fcil com a dissoluo do primeiro matrimnio do Rei Lus. Passou, portanto, o rei Itlia com a ajuda dos venezianos e consentimento de Alexandre: nem bem era chegado a Milo, j o Papa dele obteve tropas para a conquista da Romanha, a qual tornou-se possvel em razo da reputao do rei. Tendo ocupado a Romanha e batido os partidrios dos Colonna, o duque, querendo manter a conquista e avanar mais frente, tinha duas coisas que tal lhe impediam: uma, as suas tropas que no lhe pareciam fiis, a outra, a vontade da Frana; isto , temia o duque que lhe falhassem as tropas dos Orsni, das quais se valera, no s impedindo-o de conquistar, como tambm tomando-lhe o conquistado, bem como receava que o rei no deixasse de fazer-lhe o mesmo. Dos Orsni teve prova quando, depois da tomada de Faenza, assaltando Bolonha, os viu irem friamente a esse assalto; acerca do rei, conheceu sua disposio quando, tomado o ducado de Urbino, atacou a Toscana; o rei f-lo desistir dessa campanha. Em conseqncia de tal, o duque deliberou no mais depender das armas e fortuna dos outros. Inicialmente, enfraqueceu as faces dos Orsni e dos Colonna em Roma; para tanto, atraiu para junto de si todos os adeptos dos mesmos, que fossem gentis-homens, fazendo-os seus gentis-homens, dando-lhes grandes estipndios e os honrando. Segundo suas qualidades, com comandos e governos; de forma que, em poucos meses, a afeio que mantinham pelas faces foi extinta e voltou-se toda ela para o duque. Depois, esperou a ocasio de eliminar os Orsni, dispersos que j estavam os da casa Colonna, ocasio que lhe surgiu bem e que ele melhor aproveitou; porque, tendo percebido os Orsni, tarde porm, que a grandeza do duque e da Igreja era a sua runa, organizaram uma conferncia em Magione, no Perugino. Dessa reunio nasceram a rebelio de Urbino, os tumultos da Romanha e infinitos perigos para o duque, o qual a todos superou com o auxlio dos franceses.

E, readquirida a reputao, no confiando na Frana nem nas outras tropas estrangeiras, para no as ter fortalecidas, socorreu-se da astcia. E to bem soube dissimular seus sentimentos, que os Orsni, por intermdio do Senhor Paulo, reconciliaram-se com ele: para assegurar-se melhor deste intermedirio, o duque no deixou de dispensar-lhe cortesia de toda natureza, dando-lhe dinheiro, roupas e cavalos; tanto assim que a simplicidade dos Orsni levou-os a Sinigalia, s mos do duque. Eliminados, pois, estes chefes, transformados os partidrios dos mesmos em amigos seus, tinha o duque lanado muito boas bases para o seu poderio, possuindo toda a Romanha com o ducado de Urbino, parecendo-lhe, ainda, ter tornado amiga a Romanha e ganho para si todas aquelas populaes que comeavam a experimentar o seu bem-estar.

E, porque esta parte digna de ser conhecida e imitada pelos outros, no desejo omiti-la. Tomada que foi a Romanha, encontrando-a dirigida por senhores impotentes, os quais mais depressa haviam espoliado os seus sditos do que os tinham governado, dando-lhes motivo de desunio ao invs de unio, tanto que aquela provncia era toda ela cheia de latrocnios, de brigas e de tantas outras causas de insolncia, o duque julgou necessrio, para torn-la pacfica e obediente ao poder real, dar-lhe bom governo. Por isso, a colocou Ramiro de Orco, homem cruel e solcito, ao qual deu os mais amplos poderes. Este, em pouco tempo, tornou-a pacfica e unida, com mui grande reputao. Depois, entendeu o duque no ser necessria to excessiva autoridade, e isso porque no duvidava pudesse vir a mesma a tornar-se odiosa; instalou um juzo civil no centro da provncia, com um presidente excelentssimo, onde cada cidade tinha o seu advogado. E porque sabia que os rigorismos passados tinham dado origem a algum dio, para limpar os espritos daquelas populaes e conquist-los completamente, quis mostrar que, se alguma crueldade havia ocorrido, no nascera dele, mas sim da triste e cruel natureza do ministro. E, servindo-se da oportunidade, fez colocarem-no uma manh, na praa pblica de Casena, cortado em dois pedaos, com um pau e uma faca ensangentada ao lado. A ferocidade desse espetculo fez com que a populao ficasse ao mesmo tempo satisfeita e pasmada.

Mas voltemos ao ponto de partida. Digo que, encontrando-se o duque bastante forte e relativamente garantido contra os perigos presentes, por ter-se armado a seu modo e ter em boa parte dissolvido aquelas tropas que, prximas, poderiam molest-lo, restava-lhe, querendo prosseguir com as conquistas, o temor ao rei de Frana, porque sabia como tal proceder no seria suportado pelo mesmo que, tarde, havia se apercebido de seu erro. Comeou, por isso, a procurar novas amizades e a tergiversar com a Frana na incurso que os franceses fizeram no reino de Npoles, contra os espanhis que assediavam Gaeta. A sua inteno era garantir-se contra eles, o que ter-lhe-ia surtido pronto efeito se Alexandre tivesse continuado vivo.

Esta foi a sua poltica quanto s coisas presentes.

Mas, quanto s futuras, ele tinha a temer, inicialmente, que um novo sucessor ao governo da Igreja no fosse seu amigo e procurasse tomar-lhe aquilo que Alexandre lhe dera; e pensou proceder por quatro modos: primeiro, extinguir as famlias daqueles senhores que ele tinha espoliado, para tolher ao Papa aquela oportunidade; segundo, conquistar todos os gentis-homens de Roma, como foi dito, para poder com eles manter o Papa tolhido; terceiro, tornar o Colgio mais seu o quanto possvel; quarto, conquistar tanto poder antes que o pai morresse, que pudesse por si mesmo resistir a um primeiro impacto. Destas quatro coisas, morte de Alexandre ele havia realizado trs, estando a quarta quase terminada: porque dos senhores despojados ele matou quantos pode alcanar e pouqussimos se salvaram; tinha conseguido o apoio dos gentis-homens romanos e no Colgio possua mui grande parte; e, quanto nova conquista, resolvera tornar-se senhor da Toscana, possua j Pergia e Piombino e havia tomado a proteo de Pisa.

Como no mais precisasse ter respeito Frana (que o desmerecera por estarem j os franceses despojados do Reino pelos espanhis, de forma que cada um deles necessitava comprar a sua amizade), saltaria sobre Pisa. Depois disso, Lucca e Ciena cederiam prontamente, parte por inveja dos florentinos, parte por medo; os florentinos no teriam remdio: o que, se tivesse acontecido (deveria ocorrer no mesmo ano em que Alexandre morreu), conferir-lhe-ia tantas foras e tanta reputao que ele ter-se-ia mantido por si mesmo, no mais dependendo da fortuna e das foras dos outros, mas sim de sua prpria potncia e virtude. Mas Alexandre morreu cinco anos depois que ele comeara a desembainhar a espada. Deixou-o apenas com o Estado da Romanha consolidado, com todos os outros no ar, em meio a dois fortssimos exrcitos inimigos e doente de morte.

Havia no duque tanta bravura indmita e tanta virtude, conhecia to bem como se conquistam ou se perdem os homens e talmente slidos eram os alicerces que assim em to pouco tempo havia lanado, que, se no tivesse tido aqueles exrcitos sobre si, ou se estivesse so, teria vencido qualquer dificuldade. E que os seus alicerces fossem bons, viu-se: por que a Romanha esperou-o mais de um ms; em Roma, ainda que apenas meio vivo, esteve em segurana e, se bem os Baglioni, Vitelli e Orsni viessem a Roma, nada puderam fazer contra ele; se no pode fazer papa quem queria, pelo menos evitou que o fosse quem ele no queria. Mas, se por ocasio da morte de Alexandre ele tivesse estado so, tudo lhe teria sido fcil. Disse-me ele, no dia em que foi eleito Jlio que havia cogitado de tudo aquilo que podia acontecer morrendo o pai e para tudo encontrara remdio, mas jamais havia pensado, alm da morte de seu pai, que ele mesmo, tambm, pudesse estar para morrer.

Relatadas, assim, todas as aes do duque, eu no saberia repreend-lo; antes penso que, como o fiz, deva ser proposto imitao de todos aqueles que por fortuna e com as armas dos outros subiram ao poder. Porque, tendo grande nimo e alta inteno, ele no podia portar-se de outra for ma; aos seus desgnios, somente se opuseram a brevidade da vida de Alexandre e a sua enfermidade, Quem, pois, julgar necessrio, no seu principado novo, assegurar-se contra os inimigos, adquirir amigos, vencer ou pela fora ou pela fraude, fazer-se amar e temer pelo povo, seguir e reverenciar pelos soldados, eliminar aqueles que podem ou tm razes para ofender, ordenar por novos modos as instituies antigas, ser severo e grato, magnnimo e liberal, extinguir a milcia infiel, criar uma nova, manter a amizade dos reis e dos prncipes, de modo que beneficiem de boa vontade ou ofendam com temor, no poder encontrar exemplos mais recentes que as aes do duque.

Somente se pode acus-lo na criao de Jlio pontfice, onde m foi a eleio; porque, como foi dito, no podendo fazer um papa de acordo com seu desejo, ele podia impedir fosse feito quem no quisesse; e no devia jamais consentir no papado daqueles cardeais que tivessem sido por ele ofendidos, ou que, tornados papas, viessem a tem-lo. Na verdade, os homens ofendem ou por medo ou por dio. Os que ele ofendera eram, entre outros, San Piero ad Vincula, Colonna, San Giorgio, Ascnio; todos os outros, tornados papas, tinham por que tem-lo, exceto o de Ruo e os espanhis; estes, por afinidade e por obrigaes, aquele pelo poder e por ter ao seu lado o reino da Frana. Conseqentemente, o duque, antes de tudo, devia criar para um espanhol e, no podendo, devia consentir que fosse eleito o cardeal de Ruo e no o de San Piero ad Vincula. E quem acreditar que nas grandes personagens os novos benefcios faam esquecer as velhas injrias, engana-se. Errou, pois, o duque nessa eleio, tornando-se ele mesmo a causa de sua runa final.

CAPTULO VIII

DOS QUE CHEGARAM AO PRINCIPADO POR MEIO DE CRIMES

(DE HIS QUI PER SCELERA AD PRINCIPATUM PERVENERE)

Mas, porque pode-se tornar prncipe ainda por dois modos que no podem ser atribudos totalmente fortuna ou virtude, no me parece acertado p-los de parte, ainda que de um deles se possa mais amplamente cogitar em falando das repblicas. Estes so, ou quando por qualquer meio criminoso e nefrio se ascende ao principado, ou quando um cidado privado torna-se prncipe de sua ptria pelo favor de seus concidados. E, falando do primeiro modo, apontarei dois exemplos, um antigo e outro atual, sem entrar, contudo, no mrito desta parte, pois penso seja suficiente, a quem de tal necessitar, apenas imit-los.

Agtocles siciliano, no s de privada mas tambm de nfima e abjeta condio, tornou-se rei de Siracusa. Filho de um oleiro, teve sempre, no decorrer de sua juventude, vida celerada; todavia, acompanhou seus atos delituosos de tanto vigor de nimo e de corpo que, tendo ingressado na milcia, em razo de atos de maldade, chegou a ser pretor de Siracusa. Uma vez investido nesse posto, tendo deliberado tornar-se prncipe e manter pela violncia e sem favor dos outros aquilo que por acordo de todos lhe tinha sido concedido, depois de acerca desse seu desejo ter estabelecido acordo com Amilcar cartagins, que se encontrava em ao com os seus exrcitos na Sicilia, reuniu certa manh o povo e o senado de Siracusa como se tivesse de deliberar sobre assuntos pertinentes Repblica e, a um sinal combinado, fez que seus soldados matassem todos os senadores e os mais ricos da cidade; mortos estes, ocupou e manteve o principado daquela cidade sem qualquer controvrsia civil. E, se bem por duas vezes os cartagineses tivessem com ele rompido e estabelecido assdio, no s pode defender a sua cidade como ainda, tendo deixado parte de sua gente na defesa contra o cerco, com o restante assaltou a frica e em breve tempo libertou Siracusa do stio levando os cartagineses a extrema dificuldade: tiveram de com ele estabelecer acordo e contentar-se com as possesses da frica, deixando a Siclia para Agtocles.

Quem considere, pois, as aes e a vida desse prncipe, no encontrar coisa, ou pouca achar, que possa atribuir fortuna: suas aes resultaram, como acima se disse, no do favor de algum mas de sua ascenso na milcia, obtida com mil aborrecimentos e perigos, que lhe permitiu alcanar o principado e, depois, mant-lo com tantas decises corajosas e arriscadas. No se pode, ainda, chamar virtude o matar os seus concidados, trair os amigos, ser sem f, sem piedade, sem religio; tais modos podem fazer conquistar poder, mas no glria. Ademais, se se considerar a virtude de Agtocles no entrar e no sair dos perigos e a grandeza de seu nimo no suportar e superar as adversidades, no se achar por que deva ser ele julgado inferior a qualquer dos mais excelentes capites; contudo, sua exacerbada crueldade e desumanidade, com infinitas perversidades, no permitem seja ele celebrado entre os homens mais ilustres. No se pode, assim, atribuir fortuna ou virtude aquilo que sem uma e outra foi por ele conseguido.

Nos nossos tempos, reinando Alexandre VI, Oliverotto de Fermo, tendo anos antes ficado rfo de pai, foi criado por um tio materno de nome Giovanni Fogliani; nos primeiros anos de sua juventude, foi encaminhado vida militar sob o comando de Paulo Vitelli, a fim de que, tomado daquela disciplina, atingisse algum excelente posto da milcia. Morto Paulo, militou sob Vitellozzo, irmo daquele, e em muito pouco tempo, por ser engenhoso, de fsico e nimo fortes, tornou-se o primeiro homem de sua milcia. Mas, parecendo-lhe coisa servil o estar sob as ordens de outrem, com a ajuda de alguns cidados de Fermo, aos quais era mais cara a servido que a liberdade de sua ptria, e com o favor de Vitellozzo, pensou ocupar Fermo. E escreveu a Giovanni Fogliani dizendo que, por ter estado muitos anos fora de casa, desejava ir visit-lo e sua cidade e conhecer o seu patrimnio; e, como no tinha trabalhado seno para conquistar honras, para que seus concidados vissem como no tinha gasto o tempo em vo, queria chegar com pompa e acompanhado de cem cavalos de amigos e servidores seus; pedia-lhe, pois, se servisse ordenar fosse ele recebido pelos cidados de Fermo com todas as honras, o que no somente o dignificaria, mas tambm a Fogliani, dado haver sido seu discpulo.

No deixou Giovanni de despender esforos em favor de seu sobrinho: tendo feito com que os moradores de Fermo o recebessem com honrarias, alojou-o em suas casas. A, passados alguns dias e pronto para ordenar secretamente aquilo que era necessrio sua futura perfdia, Oliverotto promoveu solenssimo banquete para o qual convidou Giovanni Fogliani e todos os principais homens de Fermo. Consumadas que foram as iguarias e aps todos os demais entretenimentos usuais em semelhantes ocasies, Oliverotto, com habilidade, abordou certos assuntos graves, falando da grandeza do Papa Alexandre, de seu filho Csar e dos empreendimentos dos mesmos. Tendo Giovanni e os demais respondido a tais consideraes, ele, repentinamente, ergueu-se dizendo ser aquilo assunto para falar-se em lugar mais secreto, retirando-se para um cmodo onde Giovanni e todos os outros foram ter com ele. Nem ainda tinham se assentado, de lugares ocultos saram soldados que mataram Giovanni e a todos os demais.

Depois desse homicdio, Oliverotto montou a cavalo, correu a cidade acompanhado de seus homens e assediou em seu palcio o supremo magistrado; em conseqncia, por medo, foram obrigados a obedec-lo e formar um governo do qual ele se fez prncipe. E, mortos todos aqueles que, por descontentes, poderiam ofend-lo, fortaleceu-se com novas ordens civis e militares de forma que, no perodo de um ano em que reteve o principado, no somente esteve forte na cidade de Fermo, como tambm se tornou causa de pavor para todas as populaes vizinhas. Teria sido difcil a sua destruio, como difcil foi a de Agtocles, se no tivesse sido enganado por Csar Brgia quando este, em Sinigalia, como j se disse, aprisionou os Orsni e os Vitelli. Ai, preso tambm ele, foi estrangulado juntamente com Vitellozzo, mestre de suas virtudes e suas perfdias, um ano aps haver cometido o parricdio.

Poderia algum ficar em dvida sobre a razo por que Agtocles e algum outro a ele semelhante, aps tantas traies e crueldades, puderam viver longamente, sem perigo, dentro de sua ptria e, ainda, defender-se dos inimigos externos sem que os seus concidados contra eles tivessem conspirado, tanto mais notando-se que muitos outros no conseguiram manter o Estado, mediante a crueldade, nos tempos pacficos e, muito menos, nos duvidosos tempos de guerra. Penso que isto resulte das crueldades serem mal ou bem usadas. Bem usadas pode-se dizer serem aquelas (se do mal for lcito falar bem) que se fazem instantaneamente pela necessidade do firmar-se e, depois, nelas no se insiste mas sim se as transforma no mximo possvel de utilidade para os sditos; mal usadas so aquelas que, mesmo poucas a princpio, com o decorrer do tempo aumentam ao invs de se extinguirem. Aqueles que observam o primeiro modo de agir, podem remediar sua situao com apoio de Deus e dos homens, como ocorreu com Agtocles; aos outros torna-se impossvel a continuidade no poder.

Por isso de notar-se que, ao ocupar um Estado, deve o conquistador exercer todas aquelas ofensas que se lhe tornem necessrias, fazendo-as todas a um tempo s para no precisar renov-las a cada dia e poder, assim, dar segurana aos homens e conquist-los com benefcios, Quem age diversamente, ou por timidez ou por mau conselho, tem sempre necessidade de conservar a faca na mo, no podendo nunca confiar em seus sditos, pois que estes nele tambm no podem ter confiana diante das novas e contnuas injrias. Portanto, as ofensas devem ser feitas todas de uma s vez, a fim de que, pouco degustadas, ofendam menos, ao passo que os benefcios devem ser feitos aos poucos, para que sejam melhor apreciados. Acima de tudo, um prncipe deve viver com seus sditos de modo que nenhum acidente, bom ou mau, o faa variar: porque, surgindo pelos tempos adversos a necessidade, no estars em tempo de fazer o mal, e o bem que tu fizeres no te ser til eis que, julgado forado, no trar gratido.

CAPTULO IX

DO PRINCIPADO CIVIL

(DE PRINCIPATU CIVILI)

Mas passando a outra parte, quando um cidado privado, no por perfdia ou outra intolervel violncia, porm com o favor de seus concidados, torna-se prncipe de sua ptria, o que se pode chamar principado civil (para tal se tornar, no necessria muita virtude ou muita fortuna, mas antes uma astcia afortunada) digo que se ascende a esse principado ou com o favor do povo ou com aquele dos grandes. Porque em toda cidade se encontram estas duas tendncias diversas e isso resulta do fato de que o povo no quer ser mandado nem oprimido pelos poderosos e estes desejam governar e oprimir o povo: destes dois anseios diversos que nasce nas cidades um dos trs efeitos: ou principado, ou liberdade, ou desordem.

O principado constitudo ou pelo povo ou pelos grandes, conforme uma ou outra destas partes tenha oportunidade: vendo os grandes no lhes ser possvel resistir ao povo, comeam a emprestar prestgio a um dentre eles e o fazem prncipe para poderem, sob sua sombra, dar expanso ao seu apetite; o povo, tambm, vendo no poder resistir aos poderosos, volta a estima a um cidado e o faz prncipe para estar defendido com a autoridade do mesmo. O que chega ao principado com a ajuda dos grandes se mantm com mais dificuldade daquele que ascende ao posto com o apoio do povo, pois se encontra prncipe com muitos ao redor a lhe parecerem seus iguais e, por isso, no pode nem governar nem manobrar como entender.

Mas aquele que chega ao principado com o favor popular, a se encontra s e ao seu derredor no tem ningum ou so pouqussimos que no estejam preparados para obedecer. Alm disso, sem injria aos outros, no se pode honestamente satisfazer os grandes, mas sim pode-se fazer bem ao povo, eis que o objetivo deste mais honesto daquele dos poderosos, querendo estes oprimir enquanto aquele apenas quer no ser oprimido. Contra a inimizade do povo um prncipe jamais pode estar garantido, por serem muitos; dos grandes, porm, pode se assegurar porque so poucos. O pior que pode um prncipe esperar do povo hostil ser por ele abandonado; mas dos poderosos inimigos no s deve temer ser abandonado, como tambm deve recear que os mesmos se lhe voltem contra, pois que, havendo neles mais viso e maior astcia, contam sempre com tempo para salvar-se e procuram adquirir prestgio junto quele que esperam venha a vencer. Ainda, o prncipe tem de viver, necessariamente, sempre com o mesmo povo, ao passo que pode bem viver sem aqueles mesmos poderosos, uma vez que pode fazer e desfazer a cada dia esse seu poderio, dando-lhes ou tirando-lhes reputao, a seu alvedrio.

E, para melhor esclarecer esta parte, digo que os grandes devem ser considerados em dois grupos principais: ou procedem por forma a se obrigarem totalmente tua fortuna, ou no. Os que se obrigam e no so rapaces, devem ser considerados e amados. Os que no se obrigam devem ser encarados de dois modos: se fazem isso por pusilanimidade ou por natural defeito de esprito, devers servir-te deles, mxime que so bons conselheiros, porque na prosperidade isso te honrar e na adversidade no precisars tem-los. Mas quando eles, ardilosamente, no se obrigam por ambio, sinal que pensam mais em si prprios do que em ti: desses deve o prncipe guardar-se temendo-os como se fossem inimigos declarados, porque sempre, na adversidade, ajudaro a arruin-lo.

Deve, pois, algum que se torne prncipe mediante o favor do povo, conserv-lo amigo, o que se lhe torna fcil, uma vez que no pede ele seno no ser oprimido. Mas quem se torne prncipe pelo favor dos grandes, contra o povo, deve antes de mais nada procurar ganhar este para si, o que se lhe torna fcil quando assume a proteo do mesmo. E, por que os homens, quando recebem o bem de quem esperavam somente o mal, se obrigam mais ao seu benfeitor, torna-se o povo desde logo mais seu amigo do que se tivesse sido por ele levado ao principado. O prncipe pode ganhar o povo por muitas maneiras que, por variarem de acordo com as circunstncias, delas no se pode estabelecer regra certa, razo pela qual das mesmas no cogitaremos.

Concluirei apenas que a um prncipe necessrio ter o povo como amigo, pois, de outro modo, no ter possibilidades na adversidade. Nabis, prncipe dos espartanos, suportou o assdio de toda a Grcia e de um exrcito romano coberto de vitrias, contra eles defendendo sua ptria e seu Estado; bastou-lhe apenas, sobrevindo o perigo, garantir-se contra poucos, o que no seria suficiente se tivesse o povo como inimigo. E no surja algum para refutar esta minha opinio com aquele provrbio bastante conhecido de que, quem se apoia no povo firma-se na lama, porque o mesmo verdadeiro somente quando um cidado privado estabelece bases sobre o povo e imagina que o mesmo v libert-lo quando oprimido pelos inimigos ou pelos magistrados; neste caso seria possvel sentir-se freqentemente enganado, como os Gracos em Roma e Messer Girgio Scali em Florena. Mas sendo um prncipe quem se apoie no povo, que possa mandar e seja um homem de coragem, que no esmorea nas adversidades, no carea de armas e mantenha com seu valor e suas determinaes alentado o povo todo, jamais se sentir por ele enganado e constatar ter estabelecido bons fundamentos.

Amide esses principados periclitam quando esto para passar da ordem civil para um governo absoluto, porque esses prncipes ou governam por si mesmos ou por intermdio dos magistrados. Neste ltimo caso a situao dos mesmos mais fraca e perigosa, porque dependem completamente da vontade dos cidados prepostos magistratura, os quais, principalmente nos tempos adversos, podem tomar-lhes o Estado com grande facilidade, ou contrariando suas ordens ou no lhes prestando obedincia. E o prncipe no pode, nas ocasies de perigo, assumir em tempo a autoridade absoluta, porque os cidados e os sditos, acostumados a receber as ordens dos magistrados, no esto, naquelas conjunturas, para obedecer s suas determinaes, havendo sempre, ainda, nos tempos duvidosos, carncia de pessoas nas quais ele possa confiar. Tal prncipe no pode fundar-se naquilo que observa nas pocas de paz, quando os cidados precisam do Estado, porque ento todos correm, todos prometem e cada um quer morrer por ele enquanto a morte est longe; mas na adversidade, no momento em que o Estado tem necessidade dos cidados, ento poucos so encontrados. E tanto mais perigosa esta experincia, quanto no se a pode fazer seno uma vez. Contudo, um prncipe hbil deve pensar na maneira pela qual possa fazer com que os seus cidados sempre e em qualquer circunstncia tenham necessidade do Estado e dele mesmo, e estes, ento, sempre lhe sero fiis.

CAPTULO X

COMO SE DEVEM MEDIR AS FORAS DE TODOS OS PRINCIPADOS

(QUOMODO OMNIUM PRINCIPATUUM VIRES PERPENDI DEBEANT)

Ao examinar as qualidades destes Estados, convm fazer uma outra considerao, isto , se um prncipe tem Estado to grande e forte que possa, precisando, manter-se por si mesmo, ou ento se tem sempre necessidade da defesa de outrem. Para esclarecer melhor esta parte, digo julgar como podendo manter-se por si mesmos aqueles que podem, por abundncia de homens e de dinheiro, organizar um exrcito altura do perigo a enfrentar e fazer face a uma batalha contra quem venha assalt-lo, assim como julgo necessitados da defesa de outrem os que no podem defrontar o inimigo em campo aberto, mas so obrigados a refugiar-se atrs dos muros da cidade, guarnecendo-os. Quanto ao primeiro caso j foi falado e, futuramente, diremos o que for necessrio; relativamente ao segundo, no se pode aduzir algo mais do que exortar tais prncipes a fortificarem e a proverem sua cidade, no se preocupando com o territrio que a contorna. E quem tiver bem fortificada sua cidade e, acerca dos outros assuntos, se tenha conduzido para com os sditos como acima foi dito e abaixo se esclarecer, ser sempre assaltado com grande temor, porque os homens so sempre inimigos dos empreendimentos onde vejam dificuldades, e no se pode encontrar facilidade para atacar quem tenha sua cidade forte e no seja odiado pelo povo.

As cidades da Alemanha gozam de grande liberdade, tm pouco territrio e obedecem ao imperador quando assim querem, no temendo nem a este nem a outro poderoso que lhes esteja ao derredor porque so de tal forma fortificadas que todos pensam dever ser enfadonha e difcil sua expugnao. Na verdade, todas tm fossos e muros adequados, possuem artilharia suficiente, conservam sempre nos armazns pblicos o necessrio para beber, comer e arder por um ano; alm disso, para manter a plebe alimentada sem prejuzo do povo, tm sempre, em comum, por um ano, meios para lhe dar trabalho naquelas atividades que sejam o nervo e a vida daquelas cidades e das indstrias das quais a plebe se alimente. Tm em grande conceito os exerccios militares, a respeito dos quais tm muitas leis de regulamentao.

Um prncipe, pois, que tenha uma cidade forte e no se faa odiar, no pode ser atacado e, existindo algum que o assaltasse, retirar-se-ia com vergonha, eis que as coisas do mundo so assim to variadas que quase impossvel algum pudesse ficar com os exrcitos ociosos por um ano, a assedi-lo. A quem replicasse que, tendo as suas propriedades fora da cidade e vendo-as a arder, o povo no ter pacincia e o longo assdio e a piedade de si mesmo o faro esquecer o prncipe, eu responderia que um prncipe poderoso e afoito superar sempre aquelas dificuldades, ora dando aos sditos esperana de que o mal no ser longo, ora incutindo temor da crueldade do inimigo, ora assegurando-se com destreza daqueles que lhe paream muito temerrios. Alm disso, razovel que o inimigo deva queimar o pas apenas chegado, nos tempos em que o nimo dos homens est ainda ardente e voluntarioso na defesa; por isso, o prncipe deve ter pouca dvida porque, depois de alguns dias, quando os nimos esto mais frios, os danos j foram causados, os males j foram sofridos e no h mais remdio; ento, os sditos vm se unir ainda mais ao semi prncipe, parecendo-lhes que este lhes deva obrigao, uma vez que suas casas foram incendiadas e suas propriedades arruinadas para a defesa do mesmo. E a natureza dos homens aquela de obrigar-se tanto pelos benefcios que so feitos como por aqueles que se recebem. Donde, em se considerando tudo bem, no ser difcil a um prncipe prudente conservar firmes, antes e depois do cerco, os nimos de seus cidados, desde que no faltem vveres nem meios de defesa.

CAPTULO XI

DOS PRINCIPADOS ECLESISTICOS

(DE PRINCIPATIBUS ECLESIASTICIS)

Resta-nos somente, agora, falar dos principados eclesisticos, nos quais todas as dificuldades existem antes que se os possuam, eis que so adquiridos ou pela virtude ou pela fortuna, e sem uma e outra se conservam, porque so sustentados pelas ordens de h muito estabelecidas na religio; estas tornam-se to fortes e de tal natureza que mantm os seus prncipes sempre no poder, seja qual for o modo por que procedam e vivam. S estes possuem Estados e no os defendem; sditos, e no os governam; os Estados, por serem indefesos, no lhes so tomados; os sditos, por no serem governados, no se preocupam, no pensam e nem podem separar-se deles. Somente estes principados, pois, so seguros e felizes. Mas, sendo eles dirigidos por razo superior, qual a mente humana no atinge, deixarei de falar a seu respeito,mesmo porque, sendo engrandecidos e mantidos por Deus, seria obra de homem presunoso e temerrio dissertar a seu respeito. Contudo, se algum me perguntar donde provm que a Igreja, no poder temporal, tenha chegado a tanta grandeza, pois que antes de Alexandre os potentados italianos, e no apenas aqueles que eram ditos "potentados" mas qualquer baro e senhor, mesmo que sem importncia, pouco valor davam ao poder temporal da Igreja, e agora um rei de Frana treme, ela pode expuls-lo da Itlia e ainda logra arruinar os venezianos, apontarei fatos que, a despeito de conhecidos, no me parece suprfluo reavivar em parte na memria.

Antes que Carlos, rei da Frana, invadisse a Itlia, esta provncia encontrava-se sob o domnio do Papa, dos venezianos, do rei de Npoles, do duque de Milo e dos florentinos. Estes potentados tinham de se haver com dois cuidados principais: um, que nenhum estrangeiro entrasse na Itlia com tropas; o outro, que nenhum deles ocupasse mais Estado. Aqueles dos quais se tinha mais receio eram o Papa e os venezianos. Para conter os venezianos tornou-se necessria a unio de todos os demais, como ocorreu na defesa de Ferrara; para deter o Papa, serviam-se dos bares de Roma, eis que. estando divididos em duas faces, Orsni e Colonna, sempre existia motivo de discrdia entre eles e, estando de arma em punho sob os olhos do pontfice, mantinham o pontificado fraco e inseguro. Se bem surgisse, vez por outra, um Papa animoso, como foi Xisto, nem a sua fortuna nem o seu saber puderam livr-lo desses inconvenientes. A brevidade da vida dos pontfices era a causa dessa situao, porque, nos dez anos que, em mdia, vivia um Papa, somente com muita dificuldade podia ele enfraquecer uma das faces; se, por exemplo, um deles tivesse quase extinguindo os collonessi surgia um outro, inimigo dos Orsni, que os fazia ressurgir sem que tivesse tempo de liquidar os Orsni. Isto tornava o poder temporal do Papa pouco considerado na Itlia.

Surgiu depois Alexandre VI que, de todos os pontfices que j existiram, foi o que mostrou o quanto um Papa podia, com o dinheiro e as tropas, para adquirir maior poder; e fez, com o uso do Duque Valentino como instrumento e com a oportunidade da invaso dos franceses, todas aquelas coisas que relatei acima com relao s aes do duque. Se bem seu intento no fosse o de tornar grande a Igreja mas sim o duque, no obstante, tudo o que fez reverteu em favor da grandeza da Igreja, a qual, aps a sua morte, extinto o duque, se tornou herdeira de sua obra. Veio depois o Papa Jlio e encontrou a Igreja grande, possuindo toda a Romanha, reduzidos impotncia os bares de Roma e, pelas perseguies de Alexandre, anuladas aquelas faces; encontrou, ainda, o caminho aberto para acumular dinheiro, o que jamais havia sido feito antes de Alexandre.

Jlio no s seguiu tais prticas, como as ampliou; pensou em conquistar Bolonha, extinguir os venezianos e expulsar os franceses da Itlia: todos esses empreendimentos lhe saram bem, e com tanto maior louvor quanto realizou tudo isso para engrandecer a Igreja e no para favorecer algum cidado particular. Conservou, ainda, os partidos dos Orsni e dos Colonna nas mesmas condies em que os encontrara e, se bem entre eles houvesse algum chefe capaz de fazer mudar a situao, duas coisas os mantiveram quietos: uma, a grandeza da Igreja, que os atemorizava; a outra, no terem eles cardeais, os quais so os causadores dos tumultos entre as faces. Nem em tempo algum ficaro quietas essas partes, desde que possuam cardeais, pois estes sustentam os partidos dentro e fora de Roma e os bares so forados a defend-los; assim, da ambio dos prelados, nascem as discrdias e os tumultos entre os bares. Sua Santidade, o Papa Leo, encontrou o pontificado potentssimo e, espera-se, se aqueles que referimos o fizeram grande pelas armas, este o far ainda maior e mais venerado pela bondade e suas outras infinitas virtudes.

CAPTULO XII

DE QUANTAS ESPCIES SO AS MILCIAS, E DOS SOLDADOS MERCENRIOS

(QUOT SINT GENERA MILITIAE ET DE MERCENARIIS MILITIBUS)

Tendo falado detalhadamente de todas as espcies de principados, dos quais j no incio me propus comentar, e consideradas, em alguns pontos, as causas do bem-estar e do mal-estar dos mesmos, mostrados que foram os modos pelos quais muitos procuraram adquiri-los e conserv-los, resta-me agora falar de forma genrica dos meios ofensivos e defensivos que em cada um dos citados principados possam ocorrer, Dissemos acima como necessrio a um prncipe ter bons fundamentos; do contrrio, necessariamente, cair em runa. Os principais fundamentos que os Estados tm, tanto os novos como os velhos ou os mistos, so as boas leis e as boas armas. E, como no pode haver boas leis onde no existam boas armas e onde existam boas armas convm que haja boas leis, deixarei de falar das leis e me reportarei apenas s armas.

Digo, pois, que as armas com as quais um prncipe defende o seu Estado, ou so suas prprias ou so mercenrias, ou auxiliares ou mistas. As mercenrias e as auxiliares so inteis e perigosas e, se algum tem o seu Estado apoiado nas tropas mercenrias, jamais estar firme e seguro, porque elas so desunidas, ambiciosas, indisciplinadas, infiis; galhardas entre os amigos, vis entre os inimigos; no tm temor a Deus e no tm f nos homens, e tanto se adia a runa, quanto se transfere o assalto; na paz se espoliado por elas, na guerra, pelos inimigos. A razo disto que elas no tm outro amor nem outra razo que as mantenha em campo, a no ser um pouco de soldo, o qual no suficiente para fazer com que queiram morrer por ti. Querem muito ser teus soldados enquanto no ests em guerra, mas, quando esta surge, querem fugir ou ir embora.

Para persuadir de tais coisas no me necessria muita fadiga, eis que a atual runa da Itlia no foi causada por outro fator seno o de ter, por espao de muitos anos, repousado sobre as armas mercenrias. Elas j fizeram algo em favor de alguns e pareciam galhardas nas lutas entre si; mas, quando surgiu o estrangeiro, mostraram-lhe o que eram. Por isso foi possvel a Carlos, rei de Frana, tomar a Itlia com o giz; e quem disse que a causa disso foram os nossos pecados, dizia a verdade, se bem que esses pecados no fossem aqueles que ele julgava, mas sim esses que eu narrei, e como eram pecados de prncipes, estes sofreram o castigo.

Quero demonstrar melhor a infeliz qualidade destas tropas. Os capites mercenrios ou so homens excelentes, ou no: se o forem, no podes confiar, porque sempre aspiraro prpria grandeza, abatendo a ti que s o seu patro, ou oprimindo os outros contra a tua vontade; mas se no forem grandes chefes, certamente te levaro runa. E, se for respondido que qualquer um que detenha as foras nas mos far isso, mercenrio ou no, responderei dizendo como as armas devem ser usadas por um prncipe ou por uma Repblica. O prncipe deve ir pessoalmente com as tropas e exercer as atribuies do capito: a Repblica deve mandar seus cidados e, quando enviar um que no se revele valente, deve substitui-lo, quando animoso deve det-lo com as leis para que no avance alm do limite. Por experincia se vem prncipes ss e repblicas armadas fazerem grandes progressos, enquanto se vem tropas mercenrias no causarem mais do que danos. Ainda, uma Repblica armada de tropas prprias se submete ao domnio de um seu cidado com muito maior dificuldade do que aquela que esteja protegida por tropas mercenrias ou auxiliares.

Roma e Esparta foram durante muitos sculos armadas e livres, Os suos so armadssimos e librrimos, Das armas mercenrias antigas, podemos citar como exemplo os cartagineses, os quais quase foram oprimidos por seus soldados mercenrios, ao fim da primeira guerra com os romanos, a despeito de terem por chefes os prprios cidados de Cartago. Felipe da Macednia foi pelos tebanos feito capito de sua gente, depois da morte de Epaminondas, e aps a vitria lhes tolheu a liberdade, Os milaneses, morto o Duque Felipe, assalariaram Francisco Sforza para combater os venezianos e o mesmo, vencidos os inimigos em Caravaggio, a estes se uniu para oprimir os milaneses, seus patres. Sforza, seu pai, estando a servio da Rainha Joana de Npoles, deixou-a repentinamente desarmada; por isso ela, para no perder o reino, foi obrigada a lanar-se aos braos do Rei de Arago.

E se venezianos e florentinos, ao contrrio, tiveram aumentado o seu domnio com essas tropas, e os seus capites se fizeram prncipes mas os defenderam, esclareo que os florentinos, neste caso, foram favorecidos pela sorte, porque dos capites de valor, aos quais podiam temer, alguns no venceram ou tiveram de lutar contra antagonistas, outros voltaram sua ambio para paragens diversas. Quem no venceu foi Giovanni Aucut, por isso mesmo no se podendo conhecer de sua fidelidade, mas todos estaro concordes que, tivesse vencido, os florentinos estariam sua merc. Sforza sempre teve os Braccio contra si, vigiando-se uns aos outros. Francisco voltou sua ambio para a Lombardia, Braccio contra a Igreja e o reino de Npoles. Mas, vejamos o que ocorreu h pouco tempo. Os florentinos fizeram Paulo Vitelli seu capito, homem de muita prudncia e que, de vida privada, havia alcanado mui grande reputao. Se ele conquistasse Pisa, no haveria quem negasse convir aos florentinos estar sob suas ordens, mesmo porque, se ele tivesse ficado como soldado de seus inimigos, no teriam remdio e, tendo-o ao seu lado, deveriam obedecer-lhe.

Os venezianos, se se considerar os seus progressos, ver-se- terem operado segura e gloriosamente enquanto fizeram a guerra sozinhos (o que foi antes de voltarem suas vistas para a terra) sendo que, com o apoio dos gentis-homens e com a plebe armada, operaram mui galhardamente; mas, como eles comearam a combater em terra, abandonaram essa prudncia e seguiram os costumes de guerra da Itlia. No princpio de sua expanso terrestre, por no possurem muito Estado e por usufrurem alta reputao, no precisavam temer muito seus capites; mas, quando ampliaram suas conquistas, o que ocorreu sob o Carmignola, tiveram a prova desse erro. Por tanto, tendo visto seu valor quando sob seu comando bateram o duque de Milo e sentindo, de outra parte, quanto ele esfriara no conduzir a guerra, julgaram no mais ser possvel com ele vencer dada a sua m vontade; e no podendo licenci-lo para no perder aquilo que tinham adquirido, para se garantirem viram-se na contingncia de mat-lo, Tiveram depois por seus capites Bartolomeu e Bergamo, Roberto de So Severino, Conde de Pitigliano e outros parecidos, com os quais deviam temer as derrotas e no suas conquistas, como ocorreu depois em Vail, onde, num dia, perderam tudo aquilo que, em oitocentos anos, com tanta fadiga, tinham conquistado. Na verdade, destas tropas resultam apenas lentas, tardias e fracas conquistas, mas rpidas e miraculosas perdas. E, como apresentei estes exemplos da Itlia que tem sido por muitos anos dominada por armas mercenrias, quero analisar essas tropas por forma mais genrica, a fim de que, vendo a origem e o desenvolvimento das mesmas, se possa melhor corrigir o erro de seu emprego.

Deveis, pois, saber como, logo que nestes ltimos anos o imprio comeou a ser repelido da Itlia e o Papa passou a ter reputao no poder temporal, a Itlia dividiu-se em vrios Estados. Na verdade, muitas das maiores cidades tomaram das armas contra seus nobres, os quais, antes favorecidos pelo imperador, as mantinham oprimidas, e a Igreja, para obter reputao em seu poder temporal, as favorecia em tal; de muitas outras, os seus cidados se tornaram prncipes.

Da resultar que, tendo a Itlia quase toda, chegado a cair nas mos da Igreja e de algumas repblicas, no estando aqueles padres e aqueles outros cidados habituados ao uso das armas, comearam a aliciar mercenrios estrangeiros. O primeiro que deu fama a essa milcia foi Alberico da Conio, natural da Romanha, sendo que de sua escola de armas vieram, dentre outros, Braccio e Sforza, nos seus dias os rbitros da Itlia. Depois destes vieram todos os outros que at nossos tempos tm chefiado essas tropas, e o fim do valor das mesmas foi que a Itlia viu-se percorrida por Carlos, saqueada por Lus, violentada por Fernando e desonrada pelos suos.

A ordem que eles observaram inicialmente foi, para dar reputao a si prprios, tirar o conceito da infantaria, Fizeram isso porque, sendo eles sem Estado e vivendo da indstria das armas, poucos infantes no lhes dariam fama e, sendo muitos, no poderiam aliment-los; assim, limitaram-se cavalaria onde, com nmero suportvel, as tropas podiam ser nutridas e eles honrados. E, afinal, a situao tornou-se tal que, em um exrcito de vinte mil soldados, no se encontravam dois mil infantes. Tinham, alm disso, usado todos os meios para afastar de si e de seus soldados o cansao e o medo, no se matando nos combates, fazendo-se prisioneiros uns aos outros e libertando-se depois sem resgate. No atacavam as cidades muradas e os das cidades no assaltavam os acampamentos; no faziam nem estacadas nem fossos, no saam a campo no inverno. Todas estas coisas eram permitidas nas suas regras militares, por eles encontradas para fugir, como foi dito, fadiga e aos perigos; foi por isso que arrastaram a Itlia escravido e desonra.

CAPTULO XIII

DOS SOLDADOS AUXILIARES, MISTOS E PRPRIOS

(DE MILITIBUS AUXILIARIIS, MIXTIS ET PROPRIIS)

As tropas auxiliares, que so as outras foras inteis, so aquelas que se apresentam quando chamas um poderoso para que, com seus exrcitos, te venha ajudar e defender, como fez em tempos recentes o Papa Jlio que, tendo visto na campanha de Ferrara a triste figura de suas tropas mercenrias, voltou-se para as auxiliares e entrou em acordo com Fernando, rei da Espanha, no sentido de que este, com sua gente e armas, viesse ajud-lo. Estas tropas auxiliares podem ser teis e boas para si mesmas, mas, para quem as chame, so quase sempre danosas, eis que perdendo ficas liquidado, vencendo ficas seu prisioneiro.

E, ainda que destes exemplos estejam cheias as antigas histrias, no quero abandonar esta recente lio de Jlio II, cuja deliberao de entregar-se inteiramente s mos de um estrangeiro, por querer Ferrara, no podia ter sido mais insensata. Mas a boa sorte fez surgir uma terceira circunstncia, a fim de que no viesse ele a colher o resultado de sua m deciso; sendo os seus auxiliares derrotados em Ravenna e surgindo os suos que, contra a expectativa de Jlio e de outros, expulsaram os vencedores, o Papa no se tornou prisioneiro nem dos vencedores, que fugiram, nem de suas tropas auxiliares, por ter vencido com outras armas que no as delas. Os florentinos, estando completamente desarmados, levaram dez mil franceses a Pisa para atac-la, resoluo essa em razo da qual passaram por maior perigo do que em qualquer tempo de seus prprios trabalhos. O imperador de Constantinopla, para opor-se a seus vizinhos, concentrou na Grcia dez mil turcos que, terminada a guerra, no quiseram abandonar o pas, o que constitui o incio da sujeio da Grcia aos infiis.

Assim, aquele que queira no poder vencer, valha-se destas tropas muito mais perigosas do que as mercenrias, eis que com estas a runa certa, dado que so todas unidas, todas voltadas obedincia a outrem. As mercenrias, para te prejudicarem aps a vitria, contrariamente ao que ocorre com as mistas, precisam de mais tempo e maior oportunidade, no s por no constiturem um todo, como tambm por terem sido organizadas e pagas por ti; ainda, um terceiro que nelas tornes chefe, no pode desde logo assumir tanta autoridade que te cause dano. Enfim, enquanto nas tropas mercenrias o mais perigoso a covardia, nas auxiliares o valor.

Um prncipe prudente, portanto, sempre tem fugido a essas tropas para voltar-se s suas prprias foras, preferindo perder com as suas a vencer com aquelas, eis que, em verdade, no representaria vitria aquela que fosse conquistada com as armas alheias. Jamais vacilarei em citar como exemplo Csar Brgia e suas aes. Este duque entrou na Romanha com tropas auxiliares, para a conduzindo as foras francesas, com elas tomando Imola e Forli. Mas, depois, no mais lhe parecendo seguras tais armas, voltou-se para as mercenrias, julgando nelas encontrar menor perigo; e tomou a seu servio os Orsini e os Viteili. Posteriormente, manejando essas foras e achando-as dbias, infiis e perigosas, extinguiu-as e voltou-se para as suas prprias tropas. Pode-se ver facilmente a diferena que existe entre umas e outras dessas armas, considerando a modificao da reputao do duque entre quando tinha apenas os franceses e depois os Orsni e Vitelli, e quando ele ficou com soldados seus e sob seu prprio comando: sempre se a encontrar acrescida, e nem foi suficientemente amado seno quando todos viram que ele era o senhor absoluto de suas tropas.

Eu no queria abandonar os exemplos italianos e mais recentes; contudo, no desejo esquecer Hiero de Siracusa, um dos acima indicados por mim. Este, como j disse, tornado pelos siracusanos chefe dos exrcitos, logo reconheceu no ser til a tropa mercenria, por serem seus chefes idnticos aos nossos italianos; parecendo-lhe no poder conserv-los nem dispens-los, fez cortar todos eles em pedaos, passando depois a fazer guerra com tropas suas e no com as de outrem, Quero, ainda, trazer lembrana uma alegoria do Velho Testamento feita a este propsito. Oferecendo-se David a Saul para lutar com Golias, provocador filisteu, Saul, para encoraj-lo, revestiu-o com suas prprias armaduras, as quais, uma vez envergadas por David, foram por ele recusadas: com elas no poderia bem se valer de si mesmo, preferindo enfrentar o inimigo apenas com sua funda e sua faca. Enfim, as armas de outrem, ou te caem de cima, ou te pesam ou te constrangem.

Carlos VII, pai de Lus XI, tendo com sua fortuna e sua virtude libertado a Frana dos ingleses, conheceu essa necessidade de armar-se com foras prprias, e organizou em seu reino, por forma regular, as armas de cavalaria e de infantaria. Mais tarde, o Rei Lus, seu filho, extinguiu a infantaria e comeou a aliciar os suos, erro esse que, seguido de outros, tornou-se, como realmente agora se v, a razo dos perigos daquele reino, Na verdade, dando reputao aos suos, Luis aviltou todas as suas tropas, j que extinguiu as foras de infantaria e subordinou sua cavalaria s milcias de outrem, e a esta, acostumada a militar com os suos, pareceu no ser possvel vencer sem eles. Da decorre que no bastam os franceses contra os suos e, sem os suos, no tentam a luta contra os outros. Os exrcitos de Frana, pois, tm sido mistos, parte de mercenrios e parte de tropas prprias, foras essas que, juntas, so muitos melhores que as simples auxiliares ou as meramente mercenrias e muito inferiores ao exrcito prprio. Basta o exemplo citado, pois o reino de Frana seria invencvel, se a organizao militar de Carlos tivesse sido desenvolvida ou conservada. Mas a pouca prudncia dos homens muitas vezes comea uma coisa que lhe parece boa, sem se aperceber do veneno que ela encobre, como j disse acima a respeito das febres ticas.

Portanto, aquele que num principado no conhece os males logo no incio, no verdadeiramente sbio, o que dado a poucos. E, se se considerar o incio da runa do Imprio Romano, ver-se- ter ela resultado do simples comeo de aliciamento dos godos, eis que foi dai que comearam a declinar as foras do Imprio Romano e todo aquele valor