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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA O PRAZER NA FILOSOFIA DE PLATÃO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A PARTIR DA LEITURA DO FILEBO UBERLÂNDIA-MG 2018

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Page 1: O PRAZER NA FILOSOFIA DE PLATÃO: ALGUMAS ...repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/25145/3...texto, que meu propósito em relação ao modo de leitura dos diálogos de Platão, distingue-se

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLAcircNDIA

INSTITUTO DE FILOSOFIA

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM FILOSOFIA

O PRAZER NA FILOSOFIA DE PLATAtildeO ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES A

PARTIR DA LEITURA DO FILEBO

UBERLAcircNDIA-MG

2018

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLAcircNDIA

INSTITUTO DE FILOSOFIA

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM FILOSOFIA

LEANDER ALFREDO DA SILVA BARROS

O PRAZER NA FILOSOFIA DE PLATAtildeO ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES A

PARTIR DA LEITURA DO FILEBO

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Filosofia Orientador Prof Dr Dennys Garcia Xavier

UBERLAcircNDIA-MG

2018

Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo (CIP)

Sistema de Bibliotecas da UFU MG Brasil

B277p

2019

Barros Leander Alfredo da Silva 1991-

O prazer na filosofia de Platatildeo [recurso eletrocircnico] algumas

consideraccedilotildees a partir da leitura do filebo Leander A lfredo da Silva

Barros - 2019

Orientador Dennys Garcia X avier

Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Universidade Federal de Uberlacircndia

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia

Modo de acesso Internet

Disponiacutevel em httpdxdoiorg1014393ufudi2019986

Inclui bibliografia

Inclui ilustraccedilotildees

1 Filosofia 2 Platatildeo 3 Prazer 4 Dialeacutetica I X avier Dennys

Garcia 1979- (Orient) II Universidade Federal de Uberlacircndia

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia III Tiacutetulo

CDU1

Gloacuteria Aparecida ndash CRB-62047

Scanned with CamScanner

LEANDER ALFREDO DA SILVA BARROS

O PRAZER NA FILOSOFIA DE PLATAtildeO ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES A PARTIR DA

LEITURA DO FILEBO

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Filosofia Orientador Prof Dr Dennys Garcia Xavier

Uberlacircndia 02 de Marccedilo de 2018

Banca Examinadora

______________________________________________

Profa Dra Eliane Christina de Souza (UFSCar)

_____________________________________________

Prof Dr Fernando Martins Mendonccedila (UFU)

__________________________________________________

Prof Dr Sertoacuterio de Amorim e Silva Neto (UFU)

(Presidente da Banca ndash Orientador Substituto)

Scanned with CamScanner

i

DEDICATOacuteRIA

Agraves ldquomulheres da minha vidardquoμ δaura Mariarsquos

Clara Marina

Ao Rubens δeoni e ao pequeno ldquoRickrdquo (ldquoluz do

meu viverrdquo)

ii

ldquo() η θ φλκθά υμ εα κθ μ πΫλδ πλ μ θ ζζάζπθ η ῖιδθ δμ φαέθ εαγαπ λ

βηδκυλΰκῖμ ηῖθ ι θ θ κ μ ῖ βηδκγλΰ ῖθ δ παλαε ῖ γαδ εαζ μ θ ζσΰ π δεΪακδrdquo

Quanto a mesclar a ambos reflexatildeo e prazer dizer que somos como fabricantes diante do que temos de fabricar e amalgamar na produccedilatildeo seraacute dizer belamente

(Filebo 59d-e)

iii

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Dr Dennys Xavier pela orientaccedilatildeo e apoio concedido durante a pesquisa

Ao Prof Dr Sertoacuterio de Amorim e Silva Neto pessoa relevante para a conclusatildeo deste

trabalho Manifesto minha gratidatildeo por todo apoio concedido na elaboraccedilatildeo deste trabalho e

que em dada Defesa ocupou a funccedilatildeo de Orientador Substituto

Agrave Professora Dra Eliane Christina de Souza agradeccedilo a disposiccedilatildeo e presenccedila por

sua disponibilidade de leitura do texto e pela composiccedilatildeo da banca aleacutem da sua afetuosa

acolhida na UFSCAR e consequente inserccedilatildeo entre os seus orientandos de Doutorado

Ao Professor Dr Fernando Martins Mendonccedila pela presenccedila na qualificaccedilatildeo e

composiccedilatildeo da Banca de Defesa desta dissertaccedilatildeo e as sugestotildees eficazes ao meu trabalho

Ao Professor Dr Rubens Garcia Nunes Sobrinho pela disponibilidade no exame de

qualificaccedilatildeo e indicaccedilotildees precisas sobre nosso autor e as sugestotildees feitas ao meu texto

Aos professores do PPGFIL-UFU em especial agrave querida Prof Dra Georgia Amitrano

e aos professores Prof Dr Marcos Ceacutesar Secircneda Prof Dr Steacutefano Pascoal e o Prof Dr

Celso Luiacutes de Arauacutejo Cintra que foram meus professores nas disciplinas do PPGFIL-UFU

Meu agradecimento em especial ao IFILO-UFU e a todos os funcionaacuterios e

coordenadores do PPGFIL-UFU

Agrave CAPES pelo apoio e fomento concedido ao desenvolvimento da minha pesquisa ao

longo destes dois anos no Mestrado do PPGFIL-UFU

Ao caro amigo Jefferson Pontes pela leitura paciente e rigorosa do meu texto pelas

inuacutemeras sugestotildees que contribuiacuteram para a consecuccedilatildeo de um trabalho rigoroso

Agradeccedilo aos meus pais Rubens e Marina Barros pelo apoio constante e por todo o

esforccedilo conjunto empregado para a realizaccedilatildeo desta tarefa gratificante Agraves minhas avoacutes Laura

e Maria Clara pelo zelo carinho atenccedilatildeo e companheirismo nesta etapa sou eternamente

grato a elas e demonstro aqui meu amor e admiraccedilatildeo por ambas Aos meus irmatildeos Leoni e

Maria Clara pelo carinho respeito e admiraccedilatildeo que ambos nutrem pelo meu trabalho e por

meus estudos Enfim a todos os amigos de Uberlacircndia de Satildeo Joatildeo del Rei aos familiares

e amigos de Alfredo Vasconcelos e a todos os meus professores que fizeram parte desta

histoacuteria meus sinceros agradecimentos

iv

BARROS L (2018) O prazer na filosofia de Platatildeo algumas consideraccedilotildees a partir da leitura

do Filebo 222p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Uberlacircndia Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar as concepccedilotildees platocircnicas em torno do tema do prazer

notadamente aquelas apresentadas no diaacutelogo Filebo Pretendo ao longo do texto evidenciar

algumas das possiacuteveis intepretaccedilotildees acerca da questatildeo primordial que envolve o diaacutelogo em

aὀὠliὅἷΝὃuἷΝἵὁὀὅiὅtἷΝὂὄiὁὄitaὄiamἷὀtἷΝὀaΝὄἷflἷxatildeὁΝὅὁἴὄἷΝaΝldquoviἶaΝfelizrdquoΝ(ίέκθ αδηκθα) O eixo

temaacutetico deste nosso esforccedilo interpretativo recai sobre a temaacutetica dos prazeres e

fundamentalmente sobre os conteuacutedos eacuteticos apresentados no decorrer da obra A exaustiva

anaacutelise do prazer ( κθ ) que ocupa maior parte da discussatildeo resulta numa investigaccedilatildeo

ainda mais significativa em torno daquele que deveraacute ὅἷὄΝἷlἷitὁΝἵὁmὁΝὁΝldquomἷlhὁὄΝgecircὀἷὄὁΝἶἷΝ

viἶardquoΝ(ΰΫθκμ)ΝὂὁὄΝamἴὁὅΝὁὅΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝἶἷὅtἷΝmὁvimἷὀtὁΝaὄgumἷὀtativὁέΝἏΝviἶaΝfilὁὅὰfiἵaΝ

que porventura caracterizaraacute este estilo de vida preferiacutevel aos homens natildeo pode

desconsiderar a relevacircncia do prazer sendo neste caso umaΝ ldquoviἶaΝmiὅtardquoΝ (η δε σθ ίέκθ)

composta por prazer ( κθ ) e reflexatildeo (φλσθ δμ) Portanto se prazeres e conhecimentos

parecem estar ὂὄἷὅἷὀtἷὅΝὀaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝmἷlhὁὄΝgecircὀἷὄὁΝἶἷΝviἶaμΝ(i)ΝὁΝldquoἵὠlἵulὁrdquoΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝ

resulta numa importante configuraccedilatildeo da escala de valores relativos agrave constituiccedilatildeo da vida

mista e (ii) a proacutepria concepccedilatildeo de dialeacutetica (tarefa pertinente ao filoacutesofo) alcanccedila um

significado ainda mais surpreendente e relevante na argumentaccedilatildeo isto eacute ao configurar-se

como o exerciacuteciὁΝ ὄἷflἷxivὁΝ fuὀἶamἷὀtalΝ Ν aἵἷὄἵaΝ ἶaΝ ldquomἷἶiἶardquo (ηΫ λκθ) (entre limitado e

ilimitado) nas deliberaccedilotildees humanas e que por sinal visam o bem e a felicidade

Palavras-chave Platatildeo Prazer Filebo Vida Boa Dialeacutetica

v

BARROS L (2018) O prazer na filosofia de Platatildeo algumas consideraccedilotildees a partir da leitura

do Filebo 222p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia Uberlacircndia 2018

ABSTRACT

This work aims to analyse the platonic conceptions around the theme of pleasure notably

those presented in the Philebus dialogue I intend throughout the text to highlight some of the

possible interpretations about the primordial question that surrounds the dialogue under

analysis which consists mainly in the reflection on the good life (ίέκθ αδηκθα) The

thematic axis of our interpretative effort falls on the theme of pleasures and fundamentally on

the ethical content presented during the work For the exhaustive analysis of pleasure ( κθ )

which occupies most of the discussion results in an even more meaningful investigation

around what should be elected as the best kind of life (ΰΫθκμ) by both interlocutors of this

argumentative movement The philosophical life which perhaps will characterize the lifestyle

preferable to men canὀὁtΝἶiὅὄἷgaὄἶΝthἷΝὄἷlἷvaὀἵἷΝὁfΝὂlἷaὅuὄἷΝἴἷiὀgΝiὀΝthiὅΝἵaὅἷΝaΝldquomixἷἶΝlifἷrdquoΝ

(η δε σθ ίέκθ) composed by pleasure ( κθ ) and reflection (φλσθ δμ) Therefore if

pleasures and knowledge seem to be present in the definition of the best kind of life (i) the

calculation of pleasures results in an important configuration of the scale of values relative to

the constitution of mixed life and (ii) the very conception of the dialectic (a task pertinent to

the philosopher) reaches an even more surprising and relevant meaning in the argumentation

that is in defining itself as the fundamental reflexive exercise of measure (ηΫ λκθ) (between

limited and unlimited) in human deliberations and by the way aim at good and happiness

Keys-words Plato Pleasure Philebus Good life Dialectic

vi

ESCLARECIMENTOS

- Utilizo prioritariamente a versatildeo biliacutengue do Filebo do nosso tradutor brasileiro Prof

Fernando Muniz (2012) com o texto grego original estabelecido e anotado por John Burrnet

em seu Platonis Opera (1899-1907 5 v) fazendo as modificaccedilotildees quando necessaacuterias todas

indicadas em suas ocorrecircncias

- Optei pela manutenccedilatildeo da grafia original de todos os termos gregos retirados das

obras primaacuterias e secundaacuterias

- Quanto aos termos gregos que aparecem nas obras secundaacuterias (comentadores)

achei por bem manter a mesma forma utilizada pelos comentadores seja no uso dos termos

transliterados ou natildeo Na medida do possiacutevel tentarei manter todos os acentos e espiacuteritos

bem como a diferenciaccedilatildeo entre as vogais longas e breves Apesar deste meacutetodo sempre

apresentar deficiecircncias

- Toda a metodologia deste trabalho se apoia nas normas utilizadas pela Revista

Archai (httpperiodicosunbbrindexphparchaiaboutsubmissionsauthorGuidelines) que

prioritariamente segue a metodologia proposta por Harvard (Harvard Reference System)

- Aproveito tambeacutem para ressaltar um fator importante sobre as obras secundaacuterias

utilizadas para a fundamentaccedilatildeo do texto escritas em idiomas estrangeiros Durante todo o

texto nas citaccedilotildees (diretas e indiretas) preferi traduzir diretamente mantendo todos os

excertos em portuguecircs Assim comprometo-me com o conteuacutedo destas traduccedilotildees diretas as

quais referem-se unicamente aos propoacutesitos do trabalho por noacutes aqui desenvolvido

- Ao final do trabalho poderatildeo ser consultados nos anexos (i) Tabela de Transliteraccedilatildeo

(ii) Lista de Abreviaccedilotildees dos textos claacutessicos

SUMAacuteRIO

DEDICATOacuteRIA i AGRADECIMENTOS iii RESUMO iv

ABSTRACT v

ESCLARECIMENTOS vi INTRODUCcedilAtildeO 1

1 SOBRE COMO LER OS DIAacuteLOGOS DE PLATAtildeO E A POSICcedilAtildeO INTEPRETATIVA ADOTADA NESTE TRABALHO 17

11 A posiccedilatildeo unitarista 19

12 A posiccedilatildeo revisionista 23

13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo 30

14 A posiccedilatildeo literaacuteria 38

15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho 44

2 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO) 51

21 As complexidades estruturais e o problema da unidade 51

22 O tema central um dissenso 57

23 O contexto histoacuterico e os personagens 64

3 O PRAZER SEGUNDO PLATAtildeO UMA ANAacuteLISE A PARTIR DO FILEBO 78

31 Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica 78

32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto 155

33 Prazer Conhecimento e Valor 180

CONCLUSAtildeO 199

REFEREcircNCIAS 203

Literatura Primaacuteria (Platatildeo) 203

Demais autores claacutessicos 205

Literatura secundaacuteria 206

ANEXOS 219 Tabela Normas de Transliteraccedilatildeo 219

Lista de Abreviaccedilotildees 220

1 Introduccedilatildeo

INTRODUCcedilAtildeO

Terra incognita Eacute este o termo utilizado por Dorothea Frede ao referir-se ao diaacutelogo

Filebo (2013 p 501) e essa eacute sem duacutevida a primeira impressatildeo causada nos leitores-

inteacuterpretes jaacute familiarizados com os demais diaacutelogos A obra em questatildeo Filebo eacute

ἵὁὀὅiἶἷὄaἶaΝἵὁmὁΝumΝldquoἶiὠlὁgὁΝtaὄἶiὁrdquoΝὅἷguὀἶὁΝmuitὁὅ estudiosos1 agrave exceccedilatildeo de Gilbert Ryle

(1966 p 251-256) para quem o Filebo natildeo pode ser considerado um dos uacuteltimos diaacutelogos de

Platatildeo mas sim um diaacutelogo escrito na maturidade platocircnica proacuteximo ao Timeu2

As dificuldades impostas agrave leitura e agrave interpretaccedilatildeo desse texto platocircnico satildeo diversas

como veremos ao longo deste trabalho O Filebo aleacutem de trazer agrave discussatildeo temas relevantes

da filosofia platocircnica dos escritos tardios ndash haja vista o tratamento de temas extremamente

complexos alguns sob os quais ainda natildeo se obteacutem um consenso interpretativo parece fugir

de uma unidade possiacutevel nos conteuacutedos abordados ao longo da obra a ponto de alguns o

considerarem um diaacutelogo corrompido (faltante)3 De tal modo tanto os temas tratados quanto

aΝἷὅtὄutuὄaΝἶaΝὁἴὄaΝaὂὄἷὅἷὀtamΝiὀήmἷὄaὅΝἷΝἵὁmὂlἷxaὅΝldquotὄaὀὅiὦὴἷὅrdquoΝ(εUNIZ 2007 p 113)4

que exigiriam do leitor natildeo soacute um conhecimento vasto do corpus mas principalmente dos

temas pertinentes agrave chamada ldquoἶὁutὄiὀaΝὂlatὲὀiἵardquoΝἶa velhice5

1 A respeito dos problemas que envolvem o polecircmico tema da cronologia das obras platocircnicas falaremos adiante quando formos tratar dos esclarecimentos metodoloacutegicos Segundo Brandwood (2013 p 143) a ordem cronoloacutegica mais aceita na contemporaneidade coloca o Filebo como o penuacuteltimo diaacutelogo do corpus platocircnico Esta sequecircncia estaria disposta da seguinte maneira (no grupo dos diaacutelogos tardios) Timeu Criacutetias Sofista Poliacutetico Filebo e Leis Pretendo demonstrar ao longo do texto que meu propoacutesito em relaccedilatildeo ao modo de leitura dos diaacutelogos de Platatildeo distingue-se de uma viὅatildeὁΝiὀtἷὄὂὄἷtativaΝἶitaΝldquoἵaὀὲὀiἵardquoΝὂὄiὀἵiὂalmἷὀtἷΝὀὁΝtὁἵaὀtἷΝaὁὅΝmὁἶἷlὁὅΝὃuἷΝὂautamΝὅuaὅΝleituras a partir de uma visatildeo cronoloacutegica da filosofia platocircnica 2 Paralelamente a esta classificaccedilatildeo encontra-se a de Waterfield (Cf WATERFIELD 1980 1982) 3 Godofredus Stallbaum (1826) em seu Platonis Philebus Prolegomenis et Comentarius (introduccedilatildeo ao comentaacuterio do texto grego) destaca queμΝldquo(έέέ)ΝἶἷΝtὁἶaὅΝaὅΝὁἴὄaὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὁΝFilebo eacute o diaacutelogo mais ἵὁὄὄὁmὂiἶὁΝaὂὄἷὅἷὀtaἶὁΝὂἷlaΝtὄaἶiὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἃ)έ 4 Muniz chama nossa atenccedilatildeo para a descrenccedila ao longo dos seacuteculos presente entre os plantonistas quanto a uma suposta ineficiecircncia interpretativa desse diaacutelogo platocircnico Seu princiacutepio hermenecircutico orientador enfatiza a relaccedilatildeo constitutiva entre forma e conteuacutedo nos Diaacutelogos Deste modo o autor sublinha a necessidade de nos atermos agraves transiccedilotildees bruscas presentes no diaacutelogo sendo possiacutevel recorrer apenas a elementos do proacuteprio texto (2007 p 113) Assim ele ressalta essa descrenccedila iὀtἷὄὂὄἷtativaμΝ ldquoἒiaὀtἷΝ ἶἷὅὅaΝ ἷxigecircὀἵiaΝ [iὀtἷὄὂὄἷtativa]Ν ὁὅΝ lἷitὁὄἷὅΝ ἶὁΝ Filebo encontram seu maior obstaacuteculo a anatomia do diaacutelogo parece anocircmala e as articulaccedilotildees entre suas partes ausentes a desconexatildeo a descontinuidade a obscuridade e a irrelevacircncia de certas cenas ou passagens em relaccedilatildeo ao tema principal fizeram do Filebo ao longo dos seacuteculos uma espeacutecie de corpo estranho no conjunto dos Diaacutelogos de Platatildeo 5 ἑὁmὁΝἵὄecircΝIέΝἑὄὁmἴiἷμΝldquoἢlatatildeὁΝiὀtὄὁἶuὐΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝὄὠὂiἶaΝἷΝἶἷὅἷὀvὁlvἷΝaὅΝὀὁὦὴἷὅΝὃuἷΝὂὁἶἷὄatildeὁΝὅἷὄΝcompreendidas somente agrave luz das preocupaccedilotildees proacuteprias de seus uacuteltimos anos as quais noacutes soacute viriacuteamos a ἵὁὀhἷἵἷὄΝ ὂὁὄΝ mἷiὁΝ ἶἷΝ ἏὄiὅtὰtἷlἷὅrdquoΝ aΝ ὅaἴἷὄμΝ ldquoaΝ ὄἷlaὦatildeὁΝ ἷὀtὄἷΝ aΝ matὧὄiaΝ ἷΝ aΝ fὁὄmaΝ ἶὁὅΝuὀivἷὄὅaiὅrdquoΝ(1λἆἆΝὂέΝἁἄ1)έ

2 Introduccedilatildeo

Neste sentido tambeacutem parece memoraacutevel a metaacutefora cunhada por Robert Gregg Bury

(1987 p 9) para quem o Filebo no bosque da Academia de Platatildeo assemelha-se mais a um

carvalho retorcido e nodoso repleto de brotos e saliecircncias assimeacutetricas que o desfiguram

frente aos belos ciprestes e majestosos pinheiros presentes no espaccedilo intra-acadecircmico

Obviamente aqueles uacuteltimos frondosos ciprestes e pinheiros na conotaccedilatildeo elaborada pelo

teoacuterico dizem respeito aos demais diaacutelogos platocircnicos que talvez apresentam uma estrutura

mais facilmente identificaacutevel

A metaacutefora ilustra bem a claacutessica teoria do diaacutelogo colagem (ou como prefiro dizer

teoria antoloacutegica do diaacutelogo) Podemos em um primeiro momento cunhar apenas uma

estrutura aparente da obra Primeiramente temos uma espeacutecie de disputa inicial entre prazer

e inteligecircncia sobre qual dos dois poderaacute vir a ser considerado o bem para todos os seres

ὁuΝ mἷlhὁὄΝ aΝ ldquoἴὁaΝ viἶardquoΝ (11a-14a) Em um segundo momento somos conduzidos a uma

argumentaccedilatildeo metodoloacutegica detalhada (14b-20b) Posteriormente a discussatildeo jaacute natildeo estaacute

maiὅΝἵἷὀtὄaἶaΝὀὁὅΝaὅὂἷἵtὁὅΝmἷtὁἶὁlὰgiἵὁνΝaΝἶiὅὂutaΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝὂἷlὁΝldquoὅἷguὀἶὁΝὂὄecircmiὁrdquoΝὃuἷΝ

seraacute concedido ao prazer ou agrave inteligecircncia jaacute que uma revelaccedilatildeo divina teria apontado a vida

mista de prazer e inteligecircncia como vitoriosa (20c-ἀἁἴ)έΝἏΝἶiὅὂutaΝὂὁὄΝἷὅὅἷΝldquoὅἷguὀἶὁΝὂὄecircmiὁrdquoΝ

ἷxigἷΝumaΝldquoὀὁvaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝἷΝaὅὅimΝὧΝaὂὄἷὅἷὀtaἶaΝumaΝὁὀtὁlὁgiaΝ

quaacutedrupla (limite ilimitado misto e causa) (23b-31b) Em seguida temos uma longa anaacutelise

dos prazeres fundamentalmente dividida entre prazeres verdadeiros e prazeres falsos (31b-

55c) depois uma breve anaacutelise dos conhecimentos (55c-59d) Por fim retoma-se a questatildeo

da Vida Boa e do lugar ocupado pela inteligecircncia e pelo prazer na composiccedilatildeo desta vida

mista (59d-67d)

Essa continuidade anteriormente proposta acerca do movimento que compotildee o

diaacutelogo eacute apenas aparente Na praacutetica o leitor atento da obra se depara com uma difiacutecil visatildeo

capaz de verificar tal organizaccedilatildeo em um texto em que a sequecircncia dos temas tratados sofre

profundos abalos cortes e lapsos aleacutem de um resultado final que gera perplexidade nas

iὀήmἷὄaὅΝlἷituὄaὅΝὃuἷΝὅἷΝὄἷὀὁvamΝaΝἵaἶaΝmὁmἷὀtὁέΝἑἷὄtaΝὄἷgulaὄiἶaἶἷΝἶaΝldquotὁὂὁgὄafiaΝaὧὄἷardquoΝ

do diaacutelogo desaparece quandὁΝὀὁὅΝaὂὄὁximamὁὅΝἶἷὅtἷΝldquotἷὄὄἷὀὁΝὂaὀtaὀὁὅὁrdquoΝ(ἔἤἓἒἓΝ1λλἁΝ

p 15) Deste modo apenas leituras rasas e superficiais estariam livres de impedimentos jaacute

as mais aprofundadas estariam fadadas ao fracasso

Diante dessas consideraccedilotildees eacute possiacutevel notar ao longo da histoacuteria interpretativa do

Filebo como este diaacutelogo adquiriu conotaccedilotildees (em certo sentido bastante negativas) frente

ao papel ocupado pelos demais diaacutelogos que compotildeem o corpus Todavia neste trabalho

minha interpretaccedilatildeo dista desta visatildeo que denomiὀὁΝἵὁmὁΝldquoὀἷgativardquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἷΝὂὄὁἵuὄὁΝ

seguir por outro caminho

Monique Dixsaut (1999 2001 2017) apresenta-nos detalhadamente este mesmo

histoacuterico claacutessico que permaneceu durante seacuteculos como princiacutepio hermenecircutico orientador

3 Introduccedilatildeo

do Filebo diaacutelogo faltoso corrompido com muacuteltiplas correccedilotildees artificial de qualidade literaacuteria

desejaacutevel diaacutelogo acadecircmico portador de um Soacutecrates diferente daqueles dos demais

diaacutelogos sem um assunto claramente definido (questatildeo debatida na Antiguidade) terreno

prediletὁΝ ἶaΝ aἴὁὄἶagἷmΝ ldquoἷὅὁtἷὄiὅtardquoΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ἷΝ ἶὁὅΝ ἶἷfἷὀὅὁὄἷὅΝ ἶὁΝ ὅuὂὁὅtὁΝ ὄἷviὅiὁὀiὅmὁΝ

(ontoloacutegico) presente nesta uacuteltima fase do pensamento platocircnico Ou seja deficiecircncias

segundo alguns que vatildeo desde a questatildeo propriamente estiliacutestica literaacuteria ateacute questotildees

ὄἷlaἵiὁὀaἶaὅΝaὁΝἵὁὀtἷήἶὁΝfilὁὅὰfiἵὁΝὁuΝldquoἶὁutὄiὀὠὄiὁrdquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁέΝἡΝὃuἷΝaΝlἷvaΝaΝafiὄmaὄΝὃuἷμΝldquoἡΝ

Filebo possui o duacutebio privileacutegio de cumular todas as dificuldades propostas agrave leitura de um

ἶiὠlὁgὁΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝ(1λλλΝὂέΝλ)έ

Eacute oportuno ressaltar que Dixsaut (1999 2001) natildeo comunga com ἷὅtaΝviὅatildeὁΝldquoὀἷgativardquoΝ

acerca do diaacutelogo O tom dessa sua fala repercute em um sentido interpretativo positivo das

ldquoἵὁὀtὄaἶiὦὴἷὅrdquoΝὃuἷΝὅἷguὀἶὁΝaΝautὁὄaΝὅatildeὁΝmἷὄamἷὀtἷΝaὂaὄἷὀtἷὅέΝἜὁgὁΝἵὁmὂὄἷἷὀἶὁΝἷὅtἷΝ

ldquoἶήἴiὁΝὂὄivilὧgiὁrdquoΝἵὁmὁΝumaΝafirmaccedilatildeo que se converte em certa ironia jaacute que para a autora

o privileacutegio deste diaacutelogo concentra-se na riqueza dos temas ali desenvolvidos por Platatildeo e

ὀatildeὁΝ ὀaὅΝ ldquoἵὁὀtὄaἶiὦὴἷὅrdquoΝ ἵὁὀὅtataἶaὅΝ ὂἷlὁὅΝ lἷitὁὄἷὅΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ aὁΝ lὁὀgὁΝ ἶὁὅΝ ὅὧἵulὁὅΝ ὁΝ ὃuἷΝ

tambeacutem natildeo significa dizer que o diaacutelogo natildeo seja difiacutecil e que essas transiccedilotildees dificultem em

certo grau uma compreensatildeo detalhada desse texto platocircnico6 Como ela mesma afirma

o principal obstaacuteculo agrave compreensatildeo do Filebo eacute a sua aparente falta de unidade Isto eacute a interpretaccedilatildeo da passagem dita metodoloacutegica que compromete segundo alguns a unidade do diaacutelogo Eacute indiscutiacutevel agrave primeira vista a dificuldade em estabelecer uma relaccedilatildeo entre o primeiro grande momento do texto e as que se sucedem a este isto eacute a questatildeo da vida boa e de seus ingredientes (a anaacutelise dos prazeres 31b2-55c4 e a divisatildeo dos conhecimentos 55c5-59d) e a hierarquia final (59d-66a4) (DIXSAUT 2001 p 287)

Paralelamente agrave visatildeo de Dixsaut encontra-se a de Fernando Muniz (2007)7 no

sentido inverso dessa interpretaccedilatildeo claacutessica negativa Posiccedilatildeo da qual tambeacutem partilho em

6 ἢὁὄΝ iὅὅὁΝ aΝ autὁὄaΝ ἵὁὀἵὁὄἶaΝ ἵὁmΝ ἤὁἶiἷὄΝ (1λἀἄ)Ν ὃuἷΝ ὁΝ ldquoἔilἷἴὁΝ ὧΝ umΝ ἶiὠlὁgὁΝ ἶifiacuteἵilrdquoΝ (ὂέΝ ἅἂ-137) (DIXSAUT 2001 p 285) 7 Ambos os autores partem da necessidade de compreensatildeo da primeira parte do diaacutelogo principalmente das consideraccedilotildees metodoloacutegicas para se interpretar as partes restantes da obra Segundo Muniz (2007) essa tarefa implica em reconhecer o ζσΰκμ comparado a um ser vivo dotado ἶἷΝumΝἵὁὄὂὁΝtὁtalmἷὀtἷΝaὄtiἵulaἶὁΝiὅtὁΝὧΝaΝaὂaὄἷὀtἷΝfaltaΝἶἷΝumaΝldquoὁὄἶἷmΝlὁgὁgὄὠfiἵardquoΝaὂaὄἷὀtἷΝὅἷὄiaΝintencional A fim de justificar semelhante recurso o autor centra-se na noccedilatildeo de π δλκθ (ilimitado) utilizada por Platatildeo no diaacutelogo como veremos mais adiante Deste modo seria necessaacuterio tomar o ἶiὠlὁgὁΝἵὁmὁΝumaΝldquoἵὁiὅaΝilimitaἶardquoΝὀaΝmἷἶiἶaΝἷmΝὃuἷΝὅuaΝfὁὄmaΝἷὀἵὁὀtὄaΝumΝlugaὄΝὂaὄaἶὁxalΝὀἷὅὅaΝἵὁὀfluecircὀἵiaΝἵὁmΝὁΝἵὁὀtἷήἶὁΝldquo(έέέ)ΝὀaΝiὀtἷὄὅἷὦatildeὁΝἷmΝὃuἷΝὅἷΝἷὅὂἷlhamΝἷΝὅἷΝἵὁmuὀiἵamrdquoΝ(εἧἠIZΝἀί07 ὂέΝ11ἆ)έΝἡΝὂὄὰὂὄiὁΝldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶἷΝὄἷlἷvacircὀἵiaΝἷvὁἵaἶὁΝὂἷlὁὅΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝ(ἢὄὁtaὄἵὁΝὅἷὄiaΝὁΝὂὄimἷiὄὁΝaΝenunciar essa suspeita recaiacuteda sobre o diaacutelogo ao longo da sua tradiccedilatildeo interpretativa) exige que ou o diaacutelogo se trata de um jogo discursivo intricado (πκδεέζκμ) ou ele eacute segundo uma imagem que o proacuteprio

4 Introduccedilatildeo

minha intepretaccedilatildeo do diaacutelogo Por essa razatildeo creio ser preciso buscarmos no proacuteprio texto

um meio pelo qual essas dificuldades possam ser amenizadas E talvez essa proacutepria

construccedilatildeo problemaacutetica seja intencional e nos sirva agrave interpretaccedilatildeo do diaacutelogo em sua

tὁtaliἶaἶἷέΝἠatildeὁΝἵὄἷiὁΝὃuἷΝaΝὁἴὄaΝὅἷjaΝὀἷmΝaΝldquotἷὄὄaΝiὀἵὰgὀitardquoΝἶὁὅΝὂlatὁὀiὅtaὅΝὀἷmΝmἷὅmὁΝaΝ

ldquoὅἷlvaΝimὂἷὀἷtὄὠvἷlrdquo8 (BARKER 1996 p 143) dos estudiosos da obra em questatildeo Muito pelo

contraacuterio em nosso seacuteculo interpretaccedilotildees e pontos de vista dotados de coerecircncia tecircm

novamente retornado agrave cena filosoacutefica a respeito desse diaacutelogo

Se permanecemos conjecturando sobre as intenccedilotildees possiacuteveis de nosso autor natildeo

passaremos da superficialidade melhor seria encontrar no proacuteprio texto boas indicaccedilotildees

capazes de nos fornecerem instruccedilotildees interpretativas Afinal na trama ficcionada9 e discursiva

dos diaacutelogos o leitor ou ouvinte possui um papel importante Como alega Muniz

ἶiὠlὁgὁΝὁfἷὄἷἵἷΝumaΝldquoἴἷlaΝὁὄἶἷmΝiὀἵὁὄὂὰὄἷardquoΝ(εσ ηκμ δμ υηα κμ) Isto eacute o Filebo seria uma ordem iὀἵὁὄὂὰὄἷaΝaἵaἴaἶaΝἷΝὂἷὄfἷitaΝἶὁtaἶaΝἶἷΝviἶaΝὂὄὰὂὄiaΝἶἷΝldquoἶiὀamiὅmὁΝiὀtἷὄὀὁrdquoΝὃuἷΝaὂἷὀaὅΝaΝἵὁἷὄecircὀἵiaΝda articulaccedilatildeo de suas partes pode oferecer A tarefa do inteacuterprete portanto eacute revelar essa unidade do ἶiὠlὁgὁΝἵὁmὁΝumaΝldquoὁὄἶἷmΝiὀἵὁὄὂὰὄἷardquoΝ(εἧἠIZΝἀίίἅΝὂέΝ11ἆΝ1ἀἁ)έΝJὠΝὂaὄaΝἒixὅautΝ(ἀίί1)ΝὁΝἷviἶἷὀtἷΝproblema da unidade do diaacutelogo requer uma anaacutelise detalhada da primeira parte do diaacutelogo (as consideraccedilotildees metodoloacutegicas) em relaccedilatildeo ao restante (p 287) Poreacutem ela daacute ainda mais um passo importante ao analisar as passagens referentes agrave dialeacutetica para em seguida deter-se na breve anaacutelise dos conhecimentos (2001 p 288) Apenas deste modo a autora poderaacute justificar sua leitura que pretende dar conta das variadas transiccedilotildees do diaacutelogo Ela detalha seu procedimento da seguinte fὁὄmaμΝldquoἠaΝtἷὀtativaΝἶἷΝmaiὁὄἷὅΝἷὅἵlaὄἷἵimἷὀtὁὅΝiὄἷiΝὂὄimἷiὄamἷὀtἷΝaὀaliὅaὄΝὁὅΝtἷxtos da primeira parte consagrados agrave dialeacutetica e entatildeo apontar brevemente qual o tipo de dialeacutetica eacute implementado na obra e finalmente analisar aquela curiosa maneira que se estaacute a falar sobre ela no final da passagem sobre as ciecircncias (57e-59d) Podemos assim constatar que no Filebo a dialeacutetica eacute perpetuamente contaminada pela natureza daquilo com o qual ela se defronta e pelas suas consideraccedilotildees de valor encontrando-se assim submissa agrave potecircncia hieraacuterquica do Bem ndash natildeo somente agrave potecircncia do conhecimἷὀtὁΝἷxἷὄἵiἶaΝἷmΝὅἷuΝἵaὄὠtἷὄΝὂuὄὁΝmaὅΝὡὃuἷlaΝὀaΝὃualΝὅἷΝaἶmitaΝaΝὂὄὰὂὄiaΝviἶaΝἷmΝἶἷviὄrdquoΝ(DIXSAUT 2001 p 288) 8 ἡΝtἷὄmὁΝldquoὅἷlvaΝimὂἷὀἷtὄὠvἷlrdquoΝaὂaὄἷἵἷΝἷmΝumΝaὄtigὁΝἶἷΝἏὀἶὄἷwΝἐaὄkἷὄΝ(1λλἄ)μΝldquoPlatos Philebus The σumbering of a Unityrdquo O autor logo no iὀiacuteἵiὁΝἶὁΝtἷxtὁΝὂaὄἷἵἷΝiὀὅiὅtiὄΝἷmΝἵἷὄtὁΝὅἷὀtiἶὁΝὃuἷΝὁΝldquotἷὄὄἷὀὁΝἷὅὂiὀhὁὅὁrdquoΝἶὁΝFilebo seria devido agraves suas enormes complexidades enormes explicaccedilotildees que resultam nas mais diversas interpretaccedilotildees emersas a partir de um diaacutelogo complexo o que por sinal impossibilita ao leitor de Platatildeo estabelecer uma unidade formal evidente diante da rigidez dos diversos temas ali apresentados (p 144-145) 9 ldquoἓmἴὁὄaΝὅἷjaΝalgὁΝὄἷlativamἷὀtἷΝἵὁὀὅἷὀὅualΝhὁjἷΝἷmΝἶiaΝvalἷΝ lἷmἴὄaὄΝὃuἷΝὁΝἶiὠlὁgὁΝὧΝumaΝὁἴὄaΝdramaacutetica uma ficccedilatildeo [prefiro e utilizarei nesse trabalho o termo ficcionada] filosoacutefica que como tal natildeo pode ser lida como se fosse um tratado Reduzir as falas dos personagens filosoacuteficos agraves proposiccedilotildees destacadas dos seus contextos eacute uma saiacuteda cocircmoda mas infiel ao espiacuterito da obra Eacute preciso que haja entatildeo uma maneira de fazer justiccedila agrave multiplicidade de procedimentos que Platatildeo mobiliza em seus dramas A riqueza da forma natildeo pode ser tratada como um mero efeito decorativo para aliviar a aridez do argumento filosoacutefico Inclusive porque argumento natildeo eacute o uacutenico procedimento filosoacutefico Haacute nos Diaacutelogos uma seacuterie de outros procedimentos como o mito a metaacutefora a ironia o riso o silecircncio ndash todos coordenados em funccedilatildeo da persuasatildeo filosoacutefica Levar em conta esses aspectos formais aspectos de estilo eacute tentar compreender a forma dialogada em funcionamento em toda a sua complexidade (MUNIZ 2007 p 116)

5 Introduccedilatildeo

Platatildeo escreveu para ser lido ndash ou ouvido ndash e o leitor deve completar o ato da criaccedilatildeo discursiva Negligenciar essa dimensatildeo comunicativa dos diaacutelogos eacute no miacutenimo deixar de utilizar mais uma ferramenta interpretativa aleacutem das muitas jaacute em uso (2007 p 116)

Neste sentido entre as visotildees contemporacircneas significativas tambeacutem se soma a de

George ἤuἶἷἴuὅἵhΝ(ἀίίἅ)έΝἥἷguὀἶὁΝὁΝautὁὄΝὀὁὅΝὂὄiὀἵiὂaiὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅΝtaὄἶiὁὅrdquoΝὁὅΝmὁvimἷὀtὁὅΝ

argumentativos apresentados por Platatildeo no Filebo demonstram o grande potencial artiacutestico

do filoacutesofo ateniense Similarmente aos de seu grupo (Teeteto Parmecircnides Sofista) a obra

ἷmΝὃuἷὅtatildeὁΝaὂaὄἷἵἷΝἵὁmὁΝmaiὅΝumaΝfὁὄmaΝἶifἷὄἷὀtἷΝἶἷΝldquoἷὀigmardquo10 (p 40)

O Filebo natildeo eacute um diaacutelogo negativo e insisto que interpretaccedilotildees coerentes do diaacutelogo

satildeo possiacuteveis e torna-ὅἷΝὂὁὅὅiacutevἷlΝἷὀἵὁὀtὄaὄΝumΝldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝἶaΝaὄgumἷὀtaὦatildeὁΝὂlatὲὀiἵaΝ

pelo entrecruzamento dos diversos temas ali apresentados Obviamente meu propoacutesito aqui

recai sobre o mote do prazer11 natildeo permanecendo apenas no limiar da discussatildeo acerca

desse tema mas procurando relacionaacute-lo com os demais assuntos e questotildees abordadas

neste difiacutecil texto platocircnico em que a habilidade literaacuteria platocircnica se demonstra sobremaneira

Isso natildeo significa contudo que certas interpretaccedilotildees visem esgotar as anaacutelises desse

diaacutelogo muito pelo contraacuterio nossa tarefa reconhece a riqueza temaacutetica amplamente diversa

e complexa presente nessa obra

Logo reconheccedilo que as interpretaccedilotildees natildeo esgotam as peculiaridades do Filebo

poreacutem creio como demostrarei ao longo do texto que uma unidade especiacutefica da obra eacute sim

possiacutevel e que talvez possamos estabelecer algumas finalidades apresentadas por Platatildeo ao

longo deste percurso argumentativo sem portanto afirmaacute-las com veemecircncia com um rigor

teoacuterico-conceitual agrave maneira das filosofias baseadas em sistemas de pensamento o que

atentaria contra a proacutepria especificidade dramaacutetica utilizada na composiccedilatildeo dos Diaacutelogos de

Platatildeo como dissemos outrora No entanto soacute poderemos demonstrar como esta visatildeo

10 ldquoἡΝFilebo como me parece eacute um quarto tipo de enigma Haacute passagens longas que parecem escritas natildeo por Platatildeo mas por Hegel ou Heidegger O sentido eacute tatildeo vago que muitas sentenccedilas permitem um nuacutemero ilimitado de interpretaccedilotildees Mas haacute um limite pois eacute difiacutecil encontrar uma uacutenica interpretaccedilatildeo coerente do diaacutelogo inteiro Mesmo assim bons inteacuterpretes declaram que o Filebo eacute uma contradiccedilatildeo imὂὁὅὅiacutevἷlrdquoΝ(ἤἧἒἓἐἧἥἑώΝἀίίἅΝὂέΝἁλ-40) 11 Sobre isso eacute interessante notar o comentaacuterio de Damaacutescio sobre o Filebo ldquoἏlguὀὅΝἶiὐἷmΝὃuἷΝὁΝpropoacutesito do diaacutelogo eacute o prazer assim como demonstra seu proacuteprio tiacutetulo (Π λ κθ μ) e Soacutecrates ele proacuteprio se propotildee primeiramente a discutir o prazer (11b4-c3) para depois examinar o que concerne ao prazer (31b-55d) e em terceiro lugar tirar a conclusatildeo precisa que o prazer natildeo eacute o objetivo primordial da vida (67b1-7) Aqueles que refutam essa tese dizem que o propoacutesito natildeo eacute o prazer Para que serviriam as discussotildees que ultrapassam amplamente o problema apresentado como aqueles sobre o bem sobre os dois princiacutepios (quero dizer o limite e o ilimitado) sobre as trecircs mocircnadas no vestiacutebulo do bem (a beleza a verdade a proporccedilatildeo) sobre o intelecto e as ciecircncias (silogiacutestica e divisatildeo) sobre a mistura destas com os prazeres sobre o primeiro bem assim como o segundo o tἷὄἵἷiὄὁΝὁΝὃuaὄtὁΝὁΝὃuiὀtὁΝἷΝὁΝὅἷxtὁςrdquoΝ(Dam sect I-III)

6 Introduccedilatildeo

(negativa) atribuiacuteda ao diaacutelogo eacute equivocada respondendo a algumas perguntas

fundamentais sobre a qual se debruccedila nosso esforccedilo aqui empreendido mas afinal sobre o

que trata o FileboςΝἥἷΝἷὅtἷΝήltimὁΝὧΝumΝtiὂὁΝἶἷΝldquoἷὀigmardquoΝἵὁmὁΝἴἷmΝἵὁὀὅiἶἷὄaΝἤuἶἷἴuὅἵh

(2007) que tipo de enigma eacute esse E ainda mais de que forma seria possiacutevel solucionaacute-lo

Tais questionamentos segundo creio soacute poderatildeo obter uma resposta adequada no decorrer

deste nosso trabalho investigativo

Comumente na tradiccedilatildeo platocircnica ocidental o subtiacutetulo atribuiacutedo ao Filebo ὧΝldquoἥὁἴὄἷΝ

ὁΝὂὄaὐἷὄrdquoΝὃuἷΝὁΝἵlaὅὅifiἵaΝἵὁmὁΝumΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὂἷὄtἷὀἵἷὀtἷὅΝaὁΝgecircὀἷὄὁΝldquoὧtiἵὁrdquo12 No entanto

o iniacutecio do diaacutelogo jaacute prefigura uma complexidade ou melhor um impasse Dito de outro

modo logo no proecircmio da obra depara-ὅἷΝ ἵὁmὁΝ umaΝ ldquoἵὁὀtὄὁvὧὄὅiardquoΝ ἷmΝ tὁὄὀὁΝ ἶἷΝ ἶὁiὅΝ

discursos (ζσΰκδμ) e natildeo teses13 ambas afirmando cada um deles serem bens ( ΰαγ θ)14

(11b4) Filebo que tomaraacute como defensor de sua afirmativa o interlocutor Protarco postula

como sendo bom o agradaacutevel (εαέλ δθ) o prazer ( κθά) o deleite ( Ϋλφδθ) e tudo mais

consoante a esse gecircnero15 Jaacute Soacutecrates contrariamente iraacute contestaacute-lo dizendo que para

alguns bom se assemelha ao pensamento (φλκθ ῖθ) agrave inteligecircncia (θκ ῖθ) agrave memoacuteria

(η ηθ γαδ) e o que lhes for aparentado como a opiniatildeo correta ( σιαθ λγ θ) e o

raciociacutenio verdadeiro ( ζβγ ῖμ ζκΰδ ηκτμ) Para tais indiviacuteduos esses uacuteltimos bens seriam

melhores mais uacuteteis e teriam ainda mais valor do que aqueles que afirma Filebo (11b7-9)

O ponto problemaacutetico surge no momento em que a discussatildeo (inicial) em torno dos

prazeres dirige-se agrave unidade multiplicidade dos prazeres Ateacute entatildeo temas que pareciam

evocar simplesmente as antigas concepccedilotildees em torno da eacutetica em larga medida aquelas

discutidas em outros diaacutelogos ditos diaacutelogos iniciais alcanccedilam uma complexidade ainda

maior A fim de respondermos tais questotildees acredito que um caminho possiacutevel seja analisar

o porquecirc de o papel dos prazeres ocupar a maior parte do diaacutelogo para entatildeo

compreendermos o ldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝἶaΝiὀvἷὅtigaὦatildeὁΝὂlatὲὀiἵaΝὃuaὀtὁΝaὁὅΝtἷmaὅΝὄἷfἷὄἷὀtἷὅΝὡΝ

ldquoἴὁaΝviἶardquoΝmaὅΝtὁmaὀἶὁ-o apenas como mote para uma discussatildeo maior que retoma temas

importantes desenvolvidos ao longo do pensamento platocircnico Procurarei demonstrar como

os diversos temas presentes nesse diaacutelogo podem nos sugerir uma posiccedilatildeo (especiacutefica) de

12 No cataacutelogo elaborado por Trasiacutelaco de Mendes no seacuteculo I dC para a divisatildeo dos diaacutelogos platocircnicos em nove tetralogias temaacuteticas conforme nos relata Dioacutegenes Laeacutercio o Filebo encontra-se situado na primeira e o subtiacutetulo atribuiacutedo a este denomina-se Do Prazer (Π λ κθ μ) gecircnero eacutetico (D L III 58) 13 Irei tratar disso mais adiante em nossa anaacutelise detalhada do iniacutecio do diaacutelogo 14 Haacute uma longa discussatildeo em torno desse termo que aparece em 11b-4 Como bem nota Muniz (2012 p 21 nota 2) existe uma dificuldade aqui em determinar se ΰαγ θ (bom) eacute equivalente a ΰαγ θ (o bem) 15 ldquo(έέέ)Νεα αΝ κ ΰΫθκυμΝ κτ κθΝ ηφπθαΝ(έέέ)rdquoΝ(11b5-6)

7 Introduccedilatildeo

Platatildeo sobre a relevacircncia da reflexatildeo do prazer na vida humana mas fundamente frente agrave

ὃuἷὅtatildeὁΝἶaὃuἷlaΝὃuἷΝὀὁὅὅὁΝfilὰὅὁfὁΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέ

No entanto algo no Filebo eacute extremamente particular Esse diaacutelogo eacute dentre todos os

outros aquele que apresenta uma visatildeo mais aprofundada sobre o tema e ao mesmo tempo

uma formulaccedilatildeo mais riacutegida acerca do papel do prazer na vida humana enquanto uma questatildeo

filosoacutefica primordial da filosofia platocircnica Ou seja deparamo-nos com o maior problema do

ἶiὠlὁgὁΝaΝὅaἴἷὄμΝὁΝἶἷΝὅuaΝuὀiἶaἶἷέΝἓὅὅἷΝὅἷὄiaΝὁΝὅἷuΝldquoἶήἴiὁΝὂὄivilὧgiὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝ1λλλΝὂέΝix)

por um lado temos a tatildeo esperada anaacutelise do prazer na vida humana por outro esse diaacutelogo

eacute extremamente difiacutecil e exige uma anaacutelise atenta requerendo um envolvimento mais proacuteximo

com a filosofia platocircnica Dito de outro modo se lermos o Filebo de uma forma raacutepida

apressada ou pouco detalhada corremos sempre o risco de permanecer no limiar da obra

sem compreendecirc-la em sua profundidade e ateacute mesmo incorrer na postulaccedilatildeo de incoerecircncia

entre os diaacutelogos sobre os temas ali desenvolvidos sob uma forma peculiar poreacutem contida

dentro do vasto espectro da literatura platocircnica enquanto uma literatura dialoacutegica-filosoacutefica

Minha leitura apoia-se substancialmente em autores que defendem uma

reinterpretaccedilatildeo do proacuteprio diaacutelogo a partir das estruturas argumentativas utilizadas por Platatildeo

na elaboraccedilatildeo da obra Ela tambeacutem se distancia das claacutessicas leituras anteriormente referidas

como tambeacutem daquelas que se apresentam no seacuteculo XX no cenaacuterio da tradiccedilatildeo interpretativa

platocircnica em resposta agraves inuacutemeras questotildees problemaacuteticas levantadas por esse diaacutelogo a

saber a leitura revisionista a posiccedilatildeo esoterista a interpretaccedilatildeo do prazer enquanto atitude

proposicional dentre outras

A questatildeo eacutetica predominantemente relativa ao diaacutelogo a meu ver consiste em

avaliar as pretensotildees requeridas pelo prazer se ele as possui de fato se ele eacute bom em si

mesmo se tem essa forccedila que demonstra ter e ao mesmo tempo de que forma ele se opotildee

ou se articula ao conhecimento A tendecircncia interpretativa que adoto neste trabalho quanto agrave

anaacutelise dialeacutetica dos prazeres16 no Filebo eacute aquela denominada por mim e mais alguns

16 Eacute importante salientar que este tipo de leitura se aplica diretamente agrave anaacutelise dos prazeres a qual natildeo eacute a uacutenica do diaacutelogo mas haacute tambeacutem a anaacutelise das teacutecnicas ou conhecimentos Nesta uacuteltima Platatildeo parece retomar os demais diaacutelogos ao propor uma classificaccedilatildeo que preserva o caraacuteter ontoloacutegico da teacutecnica do saber isto eacute o que ele eacute nele mesmo o poder que possui se ela eacute um aspecto teoacuterico muito proacuteximo do que ele teria feito na Repuacuteblica A essa mesma classificaccedilatildeo soma-se a o caraacuteter que acredito ser predominante na discussatildeo o axioloacutegico tambeacutem as teacutecnicas satildeo classificadas de acordo com o valor que possuem do mesmo modo como os indiviacuteduos devem viver isto eacute conveacutem investigar o modo como os saberes e as teacutecnicas satildeo exercidos efetivamente na medida em que implicam a postulaccedilatildeo de valores que os direcionem que ofereccedilam rumo e sentido para os indiviacuteduos que os elaboram Marques pergunta-se o seguinte seria o primeiro aspecto das teacutecnicas um aspecto teoacuterico E o segundo um aspecto praacutetico (MARQUES 2015 p 200) Podemos tambeacutem nesse sentido evocar a interpretaccedilatildeo de Benitez (1999) acerca da classificaccedilatildeo dos conhecimentos sob a qual se apoiam tambeacutem as concepccedilotildees de Marques sobre esse ponto (Cf BENITEZ 1999 p 337-364)

8 Introduccedilatildeo

autores17 proveniente de uma articulaccedilatildeo gnosioloacutegico-axioloacutegica ou epistecircmico-axioloacutegica

na interpretaccedilatildeo da questatildeo dos prazeres no diaacutelogo Gnosioloacutegica pois o processo de

representaccedilatildeo-valoraccedilatildeo dos prazeres eacute visto como anaacutelogo agrave formaccedilatildeo da opiniatildeo A

dimensatildeo antecipativa da opiniatildeo por seu duplo caraacuteter (fenomecircnico e judicativo) faz com

que a representaccedilatildeo proveniente da imagem ao associar-se ao desejo articule a percepccedilatildeo

efetiva ou sua preservaccedilatildeo (que eacute a memoacuteria) agrave uma dimensatildeo propriamente avaliativa18

Axioloacutegica porque em relaccedilatildeo aos prazeres o processo se daria da mesma forma

O discurso e a representaccedilatildeo que acompanham o prazer da antecipaccedilatildeo comportam em si

uma avaliaccedilatildeo (taacutecita) daquilo que eacute bom para noacutes Eacute necessaacuterio avaliar se o prazer possui

de fato esse valor que ele postula ter A questatildeo do prazer da antecipaccedilatildeo coloca em jogo a

esperanccedila isto eacute o prognoacutestico a promessa futura que o prazer sempre propotildee como bom e

uacutetil eacute essa avaliaccedilatildeo que a meu ver eacute digna de refutaccedilatildeo por parte de Soacutecrates Neste

sentido trata-se de uma concepccedilatildeo eacutetica da verdade traduziacutevel nos termos uacutetil melhor e

preferiacutevel Apenas a dialeacutetica enquanto anaacutelise dialogada do prazer nos mostra a

abrangecircncia do papel da imaginaccedilatildeo e a legitimidade dos valores que a experiecircncia do prazer

eacute capaz de nos proporcionar no contexto da discussatildeo sobre o que eacute vida boa para os seres

humanos nessa oposiccedilatildeo e ao mesmo tempo relaccedilatildeo entre prazer ( κθ ) e conhecimento

(φλσθ δμ)

Conforme foi dito a anaacutelise dos prazeres natildeo soacute nos diz algo sobre a posiccedilatildeo de Platatildeo

acerca do caraacuteter propositivo cognitivo dos prazeres apesar de estar relacionada a estes

mas sobretudo enfatiza o caraacuteter propriamente valorativo dessa discussatildeo ao ter como

objetivo eacutetico primordial a busca por uma correta composiccedilatildeo da boa vida (mista) de prazer e

iὀtἷlἷἵtὁέΝ ἠὁΝ ἷὀtaὀtὁΝ ἷὅὅaΝ ὄἷflἷxatildeὁΝ (ὂὁlaὄiὐaἶa)Ν ὀatildeὁΝ ὅὰΝ ὀὁὅΝ ἶiὄigἷΝ aΝ umΝ ldquoὅἷὀtiἶὁΝ maiὁὄrdquoΝ

aprofundado da escala de valores mas tambeacutem reforccedila a profundidade carateriacutestica da

potecircncia dialeacutetica pois o que se nota aqui eacute uma anaacutelise profundamente dialogada tanto de

prazeres quanto de conhecimentos visando alcanccedilar uma definiccedilatildeo mais correta ou o mais

possivelmente verdadeira do bem da vida boa

Nesse sentido eacute surpreendente e ao mesmo tempo fundamental o papel a ser

desempenhado pela proacutepria dialeacutetica tal como ela nos eacute apresentada neste diaacutelogo enquanto

taὄἷfaΝfilὁὅὰfiἵaΝὃuἷΝviὅaΝalἵaὀὦaὄΝaΝldquomἷἶiἶardquoΝ(ἷὀtὄἷΝlimitaὀtἷΝἷΝilimitaἶὁ)ΝὀaὅΝἶἷliἴἷὄaὦὴἷὅΝἷΝ

17 Sigo a tendecircncia interpretativa proposta por Bravo (2009) Marques (2012 2014 2015 2016) Teisserenc (1999 2010) 18 Marques (2012) nos lembra que Platatildeo aprofunda sua concepccedilatildeo sobre o papel da produccedilatildeo das imagens psiacutequicas e que adquirem no Filebo uma complexidade ineacutedita e ao mesmo tempo surpreendente ao serem tratadas em relaccedilatildeo agrave temaacutetica dos prazeres (MARQUES 2012 p 213-245) Esse fato faz de Platatildeo portador de uma abordagem uacutenica jamais vista no pensamento ocidental ao propor tal tipo de abordagem em relaccedilatildeo agrave imaginaccedilatildeo associada agrave questatildeo dos prazeres aliada ao discernimento do valor Sobre isso cf TEISSERENC (1999 p 267)

9 Introduccedilatildeo

accedilotildees humanas que almejam por sinal o bem e a felicidade Logo todo o leacutexico platocircnico

empregado na obra como as noccedilotildees desenvolvidas parecem reafirmar ou relembrar-nos as

finalidades eacutetico-poliacutetico-pedagoacutegicas da filosofia de Platatildeo

Mas qual seria a razatildeo de um tratamento tatildeo exaustivo do prazer Por que trataacute-lo

sob a perspectiva eacutetica e ao mesmo tempo se utilizar de distintos recursos a fim de poder

lidar com tal complexidade temaacutetica A resposta parece simples natildeo somente a Platatildeo pois

o prazer eacute um tema caro aos proacuteprios gregos Platatildeo enquanto participante desse modelo

educativo da tradiccedilatildeo poeacutetica grega e mais como criacutetico e reformulador dessa proacutepria tradiccedilatildeo

natildeo deixaraacute de colocar sob anaacutelise um tema tatildeo importante e que demonstra toda a sua forccedila

na mentalidade grega antiga como eacute o caso prazer Eacute retomando essa longa tradiccedilatildeo e

simultaneamente reconhecendo-se como herdeiro dessa proacutepria tradiccedilatildeo que Platatildeo

estabelece uma nova relaccedilatildeo com o prazer reconfigurando o sentido atribuiacutedo a ele e

demarcando o seu efetivo papel agora na vida poliacutetica e social constitutiva da sua eacutepoca

Voltemos rapidamente um pouco a essa questatildeo do prazer na Antiguidade

Sobre isso a obra de Bravo (2009) talvez seja um dos estudos mais relevantesno qual

se intenta compreender o tratamento especiacutefico dado por Platatildeo agrave questatildeo do prazer a partir

de uma seacuterie de teorias que estariam em circulaccedilatildeo na eacutepoca as quais Platatildeo teria se

deparado para construir sua posiccedilatildeo em torno da temaacutetica dos prazeres Tambeacutem a obra de

Gosling amp Taylor (1982) eacute um marco referencial no tratamento do tema assim como a de

Wolfsdorf (2013) que natildeo somente aborda a questatildeo do prazer em Platatildeo mas vai aleacutem

considerando as posiccedilotildees de toda a tradiccedilatildeo claacutessica grega posterior como a abordagem

aristoteacutelica epicurista ciacutenica cirenaica e estoica ateacute alcanccedilar as visotildees contemporacircneas

acerca do prazer

Lembramo-nos a primeira fraὅἷΝἵὁmΝὃuἷΝἐὄavὁΝ(ἀίίλΝὂέΝ1ἁ)ΝiὀiἵiaΝὅuaΝὁἴὄaΝὃuἷμΝldquo(έέέ)Ν

aΝἵultuὄaΝgὄἷgaΝὧΝumaΝἵultuὄaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄrdquoΝὅἷguiὀἶὁ o que disse Casertano (1983) As origens

gregas atestam tal fato basta retomarmos a claacutessica poesia grega (eacutepica liacuterica traacutegica) e a

frequecircncia com que o tema dos prazeres eacute exaltado cantado celebrado O tema dos

prazeres como nos mostra a obra faz parte da cultura grega desde seus primoacuterdios muito

antes do surgimento da filosofia mas natildeo apenas isso podemos ainda destacar que uma das

preocupaccedilotildees fundamentais do homem grego era viver prazerosamente e fazer viver

prazerosamente (BRAVO 2009 p 14)

Podemos sem duacutevida dizer que o prazer se situa em uma intriacutenseca relaccedilatildeo no

pensamento platocircnico que envolve temas importantes estes jaacute anteriormente destacados

pela tradiccedilatildeo claacutessica ora privilegiando um ou outro dos quais Platatildeo se utiliza ao intentar a

elaboraccedilatildeo e uma visatildeo criteriosa da temaacutetica dos prazeres Tais termos seriam a virtude ou

( λ ά) o bem ( ΰαγ θ) e a felicidade ( αδηκθέα) No entanto nem sempre a traduccedilatildeo

destes termos faz jus ao sentido amplo tal como eles satildeo compreendidos na visatildeo grega

10 Introduccedilatildeo

ἠὁΝἶἷἵὁὄὄἷὄΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὂlatὲὀiἵὁὅΝὅἷjaΝἶὁὅΝἶitὁὅΝldquoἶaΝjuvἷὀtuἶἷrdquoΝatὧΝὁὅΝἶaΝἵhamaἶaΝ

ldquovἷlhiἵἷrdquoΝo modo de como se deve viver (π μ ίδπ Ϋκθ)19 eacute uma questatildeo eacutetica fundamental

Essa eacute uma das questotildees mais seacuterias natildeo soacute para Platatildeo mas ao pensamento claacutessico como

um todo20 No modelo eacutetico claacutessico e na filosofia de Platatildeo a questatildeo eacutetica estaacute direcionada

agrave vida boa ( α θ) como um todo da qual o homem natildeo se encontra separado mas eacute parte

dessa ordem universal na qual ele proacuteprio se encontra natildeo eacute um ser privilegiado Neste

ὅἷὀtiἶὁΝaὅΝὂὄὰὂὄiaὅΝὀὁὦὴἷὅΝἶἷΝldquoἴἷmΝmὁὄalrdquoΝἶἷΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝἷΝἶἷΝldquofἷliἵiἶaἶἷrdquoΝὀatildeὁΝse encontram

plenamente definidas ou estanques mas satildeo a todo momento postas em debate em conflito

nestes modos de vida que se apresentam como elegiacuteveis enquanto tais isto eacute passiacuteveis de

caracterizaccedilatildeo da finalidade humana que eacute a vida plenamente feliz (ίέκθ αέηκθα) (11d6)21

A tarefa do Filebo como veremos no entanto eacute muito menos ambiciosa natildeo se trata de uma

definiccedilatildeo do que seja a felicidade ou o que seja a vida feliz mas o que torna uma vida

propriamente feliz

Nos diaacutelogos platocircnicos nos debates travados entre os interlocutores e entre os

personagens subjazem essas questotildees fundamentais e caras ao pensamento de Platatildeo e agrave

tradiccedilatildeo claacutessica da antiguidade grega na qual estaacute inserido nosso autor Essas questotildees

figuram explicitamente nos debates ali encenados por nosso autor Satildeo estes temas

eminentes da filosofia platocircnica que estatildeo por traacutes das encenaccedilotildees dos dramas filosoacuteficos

elaborados por nosso autor Tais questotildees satildeo apresentadas sob formas diversas em

contextos dialeacuteticos variados poreacutem as questotildees fundamentais do pensamento platocircnico

permanecem as mesmas Os diaacutelogos potildeem em conflito as diversas posiccedilotildees sobre estes

temas satildeo modelos existenciais sopesados avaliados aquilatados as perdas e ganhos

desses modelos de vidas apresentam-se sob forma emblemaacutetica radicalizada por meio de

personagens que se tornam defensores de posiccedilotildees que seratildeo analisadas Uma variedade

de recursos dramaacuteticos literaacuterios e filosoacuteficos satildeo utilizados de variadas maneiras

A Platatildeo podemos atribuir a tarefa de descrever e fundamentar o modo de vida

filosoacutefico que se encontra em Soacutecrates mas natildeo eacute apenas nesse personagem o principal

19 Cf Grg 492d 500c 20 Conforme aponta Crombie (1988) a vida plenamente realizada para os gregos pode ser entendida de duas maneiras (i) seja como aquele homem que vive virtuosamente (ii) seja como algueacutem que vive prosperamente ἢὁὄtaὀtὁΝaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἷΝaὁΝmἷὅmὁΝtἷmὂὁΝἶifἷὄἷὀἵiaὦatildeὁΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquoἴὁmrdquoΝὧΝumaΝtaὄἷfaΝimposta pelo proacuteprio Platatildeo agrave sua obra (p 250) 21 Dentre as valiosas contribuiccedilotildees relativas ao termo eudaimoniacutea encontra-se o artigo de Taylor (2008) na Routledge Encyclopedia of PhilosophyΝἷmΝὃuἷΝἷlἷΝaὅὅimΝὄἷtὁmaΝaΝὅἷmacircὀtiἵaΝἶὁΝtἷὄmὁμΝldquoO sentido literal da palavra grega eudaimonia ὧΝtἷὄΝumΝἴὁmΝἷὅὂiacuteὄitὁΝguaὄἶiatildeὁrdquoΝ[eu (bom) daiacutemon (espiacuterito) ter uma vida abenccediloada que se goza em favor daquilo que eacute divino] que eacute ter o estado de uma vida objetivamente desejaacutevel universalmente agradaacutevel pelas antigas teorias filosoacuteficas e pelo pensamento popular da eacutepoca como o supremo bem humano Este objetivo carateriacutestico se distingue da concepccedilatildeo moderna de felicidade uma vida subjetivamente satisfatoacuteria (p 1)

11 Introduccedilatildeo

defensor deste gecircnero de vida que ao mesmo tempo vai se delineando a partir do embate

com os outros modelos de vida propostos aos cidadatildeos atraveacutes dos mais diversos tipos de

educadores gregos os quais satildeo representados pelos interlocutores de Soacutecrates na cena

dramaacutetica do diaacutelogo Muito mais do que representarem personalidades histoacutericas - e alguns

nem representam seres reais - satildeo discursos que se opotildeem por meio do exerciacutecio da atividade

dialeacutetica socraacutetico-platocircnico Podemos escolher com os quais devemos lidar seja com alguns

mais brandos como Protaacutegoras Iacuteon Caacutermides ou aqueles que defendem posiccedilotildees mais

extremas como Caacutelicles22 e Trasiacutemaco23 que desafiam de maneira singular o proacuteprio Soacutecrates

sendo a este uacuteltimo necessaacuterio lidar com os aspectos mais violentos da ίλδμ (desmedida)

humana na πζ κθ ιέα (ambiccedilatildeo violenta) caracteriacutestica daqueles homens que seriam frutos

da educaccedilatildeo sofiacutestica com todas as suas vicissitudes pertinentes24

As concepccedilotildees morais (eacuteticas) de Platatildeo estatildeo fundamentadas nas noccedilotildees de ordem

de harmonia de medida na excelecircncia Agrave medida em que se reconhece como parte de uma

totalidade coacutesmica de um microcosmo dentro de um macrocosmo o homem eacute questionado

sobre suas accedilotildees e o modo como se encontra organizada sua existecircncia Toda a sua

existecircncia deve ser configurada agrave luz desse παλΪ δΰηα25 universal presente na estrutura

macrocoacutesmica transcendente para a partir daiacute pela arte da medida configurar sua accedilatildeo na

vida cidadatilde traccedilando em sua existecircncia os mais belos contornos dotados dessa precisatildeo

provenientes de tal estrutura avaliando corretamente sua existecircncia analisando os

conhecimentos das teacutecnicas (artes) uacuteteis para a respectiva configuraccedilatildeo desse seu modelo

de vida Proporccedilatildeo virtude beleza satildeo manifestaccedilotildees do divino em noacutes uma vida bem

ordenada uma alma justa (bem composta) bem direcionada eacute sinal visiacutevel da ordem invisiacutevel

(divina) no espectro da vida humana

Desta forma a negaccedilatildeo da invectiva deleteacuteria das paixotildees dos desejos extremados

dos prazeres excessivos exorbitantes eacute uma ameaccedila agrave essa proacutepria ordem natural coacutesmica

da qual somos uma pequena parte constituinte Eacute conveniente examinar segundo Platatildeo isso

que o proacuteprio pensamento denuncia essa ideia de que a vida tal como eacute se basta a si mesma

ideia que o pensamento revela ao propor-nos que pensemos na possibilidade uma vida ainda

mἷlhὁὄΝ maiὅΝ ldquoὂὄὰximaΝ ἶὁΝ ἶiviὀὁrdquoΝ maὅΝ aὁΝ mἷὅmὁΝ tἷmὂὁΝ ἵὁὀὅἵiἷὀtἷΝ ἶἷΝ ὃuἷΝ ὧΝ umaΝviἶaΝ

humana animada natildeo uma vida estaacutetica uma vida asceacutetica Uma vida que natildeo deixa de ser

essa indeterminaccedilatildeo de que nos falaraacute o Filebo nem estritamente animal nem estritamente

divina mas uma vida mista de prazer e de inteligecircncia que recusa o servilismo a

instantaneidade o consumo imediato a fugacidade e a deterioraccedilatildeo e corrupccedilatildeo dos desejos

22 Cf Grg483b-d 23 Cf R I 348d 24 (Cf PAULA 2016 p 14) 25 Cf Tim 49a1ss

12 Introduccedilatildeo

exacerbados buscando por algo que contenha ao menos um pouco de unidade e de

durabilidade

O tema do prazer ndash presente tambeacutem no Protaacutegoras no Goacutergias no Banquete e na

Repuacuteblica ndash teria no Filebo sua uacuteltima e criteriosa abordagem Por isso ao adentrar nas linhas

desse diaacutelogo nosso esforccedilo parece justificar-se em vista da temaacutetica que nos eacute presente

justamente porque o FileboΝaὁΝὃuἷΝtuἶὁΝiὀἶiἵaΝὧΝaΝldquoήltimaΝὂalavὄardquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝaΝὄἷὅὂἷitὁΝἶὁΝ

tἷmaΝ ὂὄaὐἷὄέΝ ldquoUacuteltimardquoΝ aὃuiΝ ὀatildeὁΝ ἶiὐΝ ὄἷὅὂἷitὁΝ ὡὅΝ ὃuἷὅtὴἷὅΝ ἵὁὀtὄὁvὧὄὅiaὅΝ ὃuἷΝ ἵὁὀἵἷὄὀἷmΝ ὡΝ

suposta cronologia entre os diaacutelogos mas agrave maneira como Platatildeo lida com esse tema a

profundidade o refinamento uacutenicos desta obra importante Em nenhum dos demais diaacutelogos

o prazer ocupa um papel semelhante ao do Filebo ele eacute iacutempar e imprescindiacutevel ao leitor

interessado na temaacutetica dos prazeres

O Filebo no entanto carrega consigo inuacutemeras particularidades eacute um diaacutelogo denso

difiacutecil como veremos ao longo deste trabalho Eacute impossiacutevel jaacute em um primeiro momento natildeo

notar tamanha especificidade sendo necessaacuterio tambeacutem respeitaacute-las distanciando-se dos

preconceitos interpretativos recorrentes no trabalho de qualquer leitor Eacute necessaacuterio tambeacutem

estar disposto a seguir a trajetoacuteria forjada por Platatildeo neste drama adentrar sem restriccedilotildees

sem tangenciar sem titubear sem pensar em abandonaacute-lo nas primeiras linhas nas primeiras

dificuldades impostas A estrita e complexa relaccedilatildeo entre o bem ( ΰαγ θ) a vida boa ( α θ)

o prazer ( κθά) e a reflexatildeo (φλσθ δμ) jaacute eacute uma demanda aacuterdua e exige um aprofundamento

particular na anaacutelise da obra na qual estatildeo contidos os temas que hora ou outra merecem

toda a atenccedilatildeo de nosso autor em sua obra dialoacutegica

Nos dizeres de Maciel (2002)

A maior parte do diaacutelogo eacute dedicada ao estudo do prazer 1024 linhas sobre um total de 2369 o que leva a deduzir o peso e a relevacircncia desse componente no confronto com o intelecto na anaacutelise empreendida sobre qual ldquoὁΝἷὅtaἶὁΝἷΝaΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝἶaΝalmaΝἵaὂaὐΝἶἷΝἵὁὀἵἷἶἷὄΝaΝtὁἶὁὅΝὁὅΝhὁmἷὀὅΝumaΝvida feliz (11d) Se Platatildeo teve como constante em sua obra que a felicidade depende da escolha dos prazeres no Filebo a questatildeo transforma-se em quais prazeres devem ser escolhidos para compor com o intelecto a vida feliz (p 14)

ἓὅὅἷΝtὄaἴalhὁΝὄἷafiὄmaΝaiὀἶaΝmaiὅΝaΝὀἷἵἷὅὅὠὄiaΝὄἷtiὄaἶaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἶaὅΝldquoaltuὄaὅΝgὧliἶaὅrdquoΝ

de um idealismo que natildeo acreditamos ser possiacutevel justificar mediante uma leitura acurada de

sua obra proacuteprio de uma leitura equivocada cristalizada no pensamento filosoacutefico ocidental

Platatildeo asceacutetico intelectualista inimigo do corpo e dos prazeres E aleacutem do mais qualquer

posiccedilatildeo estanque tal como a anti-hedonista (comumente associado ao pensamento de

Platatildeo) nem uma posiccedilatildeo hedonista podem ser de fato atribuiacutedas a Platatildeo no que fiz

ὄἷὅὂἷitὁΝ ὡΝ ὅuaΝ ldquofilὁὅὁfiaΝ mὁὄalrdquoέΝ ἦὁἶaviaΝ umaΝ ὂὁὅiὦatildeo especiacutefica iacutempar em torno dos

13 Introduccedilatildeo

prazeres pode ser notada a partir da investigaccedilatildeo do tema conforme nos apresenta o filoacutesofo

neste diaacutelogo uacuteltimo Obra na qual nenhuma das posiccedilotildees (hedonista e anti-hedonista)

parecem ser unicamente defensaacuteveis como aquἷlaΝὃuἷΝἶἷfiὀiὄὠΝaΝldquoἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝviἶaΝhumaὀardquoΝ

tida por Platatildeo como aquela capaz de ser considerada por todos os seres como a vida

ldquoὂlἷὀamἷὀtἷΝfἷliὐrdquoέΝ

ἏiὀἶaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝἵὁὀὅiἶἷὄἷΝὃuἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὀatildeὁΝὂὁὅὅaΝὅἷὄΝtiἶὁΝἵὁmὁΝὁΝldquoἴἷmrdquoΝἷΝem um

primeiro momento se acredite que toda cautela eacute necessaacuteria quanto agrave fruiccedilatildeo dos prazeres

natildeo haacute nada que ateste uma condenaccedilatildeo absoluta do prazer nos diaacutelogos Muito pelo

contraacuterio o objetivo de Platatildeo no Filebo como buscaremos demonstrar eacute evidenciar o papel

que cabe tanto ao prazer ὃuaὀtὁΝaὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἷὀὃuaὀtὁΝἵὁὀὅtituiὀtἷὅΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝ ldquoviἶaΝ

ἴὁardquoέ

Nossa anaacutelise pode ser resumida nos seguintes termos No primeiro capiacutetulo trato da

claacutessica questatildeo envolvendo a leitura dos diaacutelogos platocircnicos Uma abordagem dessa

questatildeo parece ser necessaacuteria jaacute que o Filebo eacute uma obra que desafia os inteacuterpretes e coloca

em questatildeo vaacuterios aspectos fundamentais em relaccedilatildeo a literatura platocircnica em geral como

por exemplo o retorno de Soacutecrates aos diaacutelogos a ausecircncia de informaccedilotildees histoacutericas sobre

os interlocutores dentre outros Destarte tambeacutem apresento minha posiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave

debatida questatildeo em torno dos modos de leitura dos diaacutelogos ou melhor minha preferecircncia

quanto a um tipo de interpretaccedilatildeo das obras especialmente aquela que considero pertinente

ser adotada conforme os fins deste trabalho isto eacute particularmente agrave anaacutelise dos temas

presentes no Filebo

No segundo capiacutetulo desejo adentrar agraves especificidades do Filebo este eacute o principal

objetivo que envolve esta primeira parte do texto Apresento uma raacutepida mas relevante

discussatildeo acerca das conotaccedilotildees que o Filebo adquiriu ao longo da tradiccedilatildeo interpretativa

claacutessica do diaacutelogo fundamentalmente a partir da retomada da leitura da obra no seacuteculo XX

mediante o surgimento de algumas visotildees interpretativas neste periacuteodo dispostas a

retomarem o conteuacutedo desse escrito platocircnico sob o propoacutesito de fundamentarem suas

interpretaccedilotildees baseadas no conteuacutedo da obra em questatildeo Creio ser imprescindiacutevel uma

apresentaccedilatildeo ao leitor de alguns aspectos introdutoacuterios que envolveratildeo a anaacutelise da obra ao

longo deste nosso ensaio bem como o percurso-histoacuterico filosoacutefico no qual se desenvolve a

tradiccedilatildeo interpretativa do diaacutelogo durante esses dois uacuteltimos seacuteculos de nossa era O diaacutelogo

em anaacutelise estaacute repleto de inuacutemeras especificidades aleacutem de conter uma seacuterie de

particularidades e de apresentar alguns temas complexos o que demanda por sinal um

grande esforccedilo interpretativo por parte de seu leitor

Em suma pretendemos fornecer ao leitor em um primeiro momento uma visatildeo geral

sobre a obra uma espeacutecie de mapa da discussatildeo principalmente a respeito do(s) tema(s)

centrais da obra a ser analisada o modo como os temas estatildeo divididos na estrutura do

14 Introduccedilatildeo

diaacutelogo Aleacutem disso jaacute se atenta para a necessidade de nosso leitor de natildeo abrir matildeo dos

recursos que porventura ele dispotildee no que diz respeito agrave familiaridade com o texto platocircnico

iὅtὁΝ ὧΝ atἷὀtamὁὅΝ ὅὁἴὄἷΝ aΝ ὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝ ἶἷΝ umaΝ ἷὅὂὧἵiἷΝ ἶἷΝ ldquoἴήὅὅὁlardquoΝ ἶἷΝ ὁὄiἷὀtaὦatildeὁΝ

necessaacuteria para uma anaacutelise mais aprofundada sobre a obra sutilmente elaborada por nosso

autor destacando-se enquanto uma obra difiacutecil poreacutem natildeo impossiacutevel Tarefa que exige uma

atenccedilatildeo maior por parte do leitor sobre uma questatildeo tratada com certo refinamento e que

ἷvὁἵaΝumΝldquoὅἷὀtiἶὁ maiὅΝaὂὄὁfuὀἶaἶὁrdquo26 abrangente da obra e natildeo acessiacutevel a uma espeacutecie

ἶἷΝ lἷituὄaΝἴaὅἷaἶaΝἷmΝumaΝviὅatildeὁΝldquotὁὂὁgὄὠfiἵardquoΝἶaΝὁἴὄaΝviὅtaΝldquoἶἷΝἵimardquoΝmaὅΝὅimΝἷmΝumΝ

aprofundamento que consiste em analisar detalhadamente aquilo que Platatildeo procura ali nos

apresentar eacute preciso adentrar as linhas desse escrito para ser capaz de promover uma

interpretaccedilatildeo eficaz por intermeacutedio de um questionamento preciso sobre o sentido da obra

intenccedilatildeo a meu ver apenas efetiva por meio da busca pela unidade aparentemente perdida

e problemaacutetica dessa obra

Dito isto em virtude de uma maior compreensatildeo do drama em questatildeo procurarei

tambeacutem abordar ao longo deste capiacutetulo algumas contribuiccedilotildees por parte desses estudiosos

claacutessicos (em grande maioria divergentes entre si) sobre o contexto histoacuterico as personagens

e os interlocutores que compotildeem a obra Resumidamente me deterei ao longo do capiacutetulo na

discussatildeo acerca do problema central que envolve a obra dilema que conforme se poderaacute

notar natildeo eacute alvo de consenso entre os diversos inteacuterpretes da obra a saber a unidade

estrutural do diaacutelogo

No terceiro capiacutetulo apresento uma anaacutelise detalhada de todo o diaacutelogo Partindo da

compreensatildeo de que o Filebo ἵὁὀὅtituiΝumΝldquotὁἶὁrdquoΝndash ao defender aqui uma anaacutelise unitaacuteria e

sincrocircnica dos temas que satildeo ali apresentados por Platatildeo ndash nossa anaacutelise da obra eacute feita de

acordo com uma divisatildeo apenas didaacutetica comumente adotada estabelecida em torno dos

temas que compotildeem a obra tal como satildeo abordados sequencialmente no diaacutelogo No

entanto eacute necessaacuterio ressaltar que minha leitura do diaacutelogo requer uma conexatildeo entre essas

partes que ora ou outra se aproximam e sobretudo se articulam durante o meu texto Dito

26 ἡΝὃuἷΝtὄatὁΝaὃuiΝἵὁmὁΝldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὅΝaὂὄὁfuὀἶaἶὁrdquoΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝὂὄὰὂὄiaΝmἷtὁἶὁlὁgiaΝἷΝὀatildeὁΝaΝumaΝespeacutecie de leitura fechada particular sobreposta agraves demasiadas existentes que dizem respeito agrave obra Trata-se de conceber uma visatildeo que vise esgotar o maacuteximo possiacutevel as possibilidades desse ldquoἷὀtὄἷlaὦamἷὀtὁrdquoΝἷὀtὄἷΝὁὅΝἶivἷὄὅὁὅΝἷΝὄiἵὁὅΝaὅὂἷἵtὁὅΝutiliὐaἶὁὅΝὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὀὁΝtἷxtὁΝaΝ fimΝἶἷΝalἵaὀὦaὄΝuma visatildeo coerente do contexto apresentado e das questotildees relativas ao prazer a meu ver ligadas diretamente aos conteuacutedos eacuteticos e que nos possam dizer algo sobre a visatildeo de Platatildeo sobre o referido tema O resultado interpretativo neste caso eacute fruto desse entrecruzamento por isso natildeo podemos afirmar nada veemente mas apenas tentar alcanccedilar o maacuteximo possiacutevel os desdobramentos do diaacutelogo sem contudo afirmar que todos os aspectos foram ressaltados por nossa interpretaccedilatildeo e que ela daacute conta de todo o espectro do diaacutelogo pois seria impossiacutevel No maacuteximo podemos apresentar uma visatildeo privilegiada que vise congregar o maacuteximo de aspectos possiacuteveis capazes de dar sustentaccedilatildeo a uma determinada posiccedilatildeo interpretativa

15 Introduccedilatildeo

isso nada impede que retomemos algo que anteriormente jaacute tivermos dito portanto algo que

possa se mostrar relevante a nossa anaacutelise

Este terceiro capiacutetulo no entanto como jaacute dissemos anteriormente eacute constituiacutedo de

uma longa anaacutelise do texto do Filebo pois conforme destacamos na metodologia

anteriormente eacute necessaacuterio recorrer ao texto original lidar diretamente com o leacutexico platocircnico

utilizado no drama em questatildeo como tambeacutem reconhecer as questotildees literaacuterias e os recursos

utilizados por nosso filoacutesofo na construccedilatildeo desse escrito para a partir daiacute reconhecer via

argumentaccedilatildeo as questotildees propriamente filosoacuteficas desenvolvidas por nosso autor no

contexto geral expresso naquele drama que envolvem sem duacutevida uma compreensatildeo mais

aprofundada e que requer certa lida com o texto e com a filosofia do filoacutesofo ateniense Neste

sentido partilho tambeacutem em alguns momentos de uma dada metodologia que requer certa

ldquotὄaὀὅvἷὄὅaliἶaἶἷrdquoΝἷὀtὄἷΝὁὅΝ tἷxtὁὅΝἶὁὅ demais diaacutelogos e que utilizo com certa frequecircncia

sempre respeitando as particularidades de cada contexto argumentativo embora me

mantenha centrado especialmente no texto do Filebo

Mediante esse recurso torna-se possiacutevel compreender passagens muito sinteacuteticas da

obra recorrendo a outras que natildeo as do diaacutelogo referido que tratam dos mesmos temas e que

demonstram seja uma continuidade seja uma ruptura Aleacutem do mais creio na necessidade

da renovaccedilatildeo dos problemas claacutessicos apresentados pelo diaacutelogo mediante o confronto com

os diferentes aspectos literaacuterios presentes em uma determinada obra como os mitos a

metaacuteforas as imagens o riso a ironia o silecircncio todos eles a serviccedilo da literatura ficcionada

de Platatildeo destinados agrave persuasatildeo filosoacutefica para a elaboraccedilatildeo de uma filosofia dialeacutetica27Dito

de outro modo conveacutem analisar detidamente os discursos de todas as personagens que

compotildeem determinada obra (sofistas retores e oradores) bem como os conteuacutedos

dramaacuteticos histoacutericos mitoloacutegico-poeacuteticos filosoacuteficos fiacutesicos e fisioloacutegicos (preacute-socraacuteticos)

que porventura o diaacutelogo em anaacutelise possa evocar Esse entrecruzamento entre

ὂἷὄὅὂἷἵtivaὅΝ ὂἷὀὅὁΝ ὀὁὅΝ ἶiὄigἷΝ aΝ umaΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝ maiὅΝ ὃualifiἵaἶaΝ maiὅΝ ldquoὂὄἷἵiὅardquoΝ

transformando a parcialidade em uma generalidade o que natildeo significa falta de profundidade

mas muito pelo contraacuterio a saiacuteda de uma suposta parcialidade de uma leitura pouco

aprofundada em vista da construccedilatildeo de uma perspectiva maior mais detalhada ou melhor

mais bem construiacuteda Aleacutem de tudo considero esse tipo de leitura mais entusiasmante pois

o texto ganha vida sustenta-se em si mesmo aleacutem de recobrir-se de inteligecircncia

caracteriacutesticas desse proacuteprio texto isto eacute natildeo soacute o texto eacute assim melhor valorizado mas

tambeacutem a leitura do texto eacute profiacutecua ao mesmo tempo em que suas qualidades permanecem

maiὅΝviὅiacutevἷiὅΝἶὁΝὃuἷΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝaΝmἷuΝvἷὄΝumaΝlἷituὄaΝmaiὅΝldquoὅiὅtἷmὠtiἵardquoΝldquoaὀaliacutetiἵardquoΝὁuΝ

ldquolὰgiἵardquoΝἶὁΝtἷxtὁΝἷmΝὃuἷΝtaiὅΝὂὄὁὂὄiἷἶaἶἷὅΝ(tἷxtuaiὅ)ΝὂὁἶἷὄiamΝἶἷὅtἷΝmὁἶὁΝὅἷὄΝὂἷὄἶiἶaὅέ

27 Sobre isso ver MARQUES (2016 p 40ss) e MUNIZ (2007 p 116)

16 Introduccedilatildeo

Tambeacutem recorro nesta parte do texto a uma seacuterie de estudiosos contemporacircneos que

apresentam importantes reflexotildees sobre as temaacuteticas ali apresentadas demonstradas sob

uma versatildeo qualificada e que refletem o debate em voga sobre o diaacutelogo na atualidade

Visotildees a meu ver mais aprofundadas melhor elaboradas fruto de uma anaacutelise mais

ἵὁmὂlἷxaΝ ἷΝ ldquovivardquoΝ ἶaΝ ὁἴὄaέΝ EacuteΝ tambeacutem baseado nas consideraccedilotildees desses teoacutericos cujas

teorias nos parecem extremante pertinentes que visamos apresentar uma reflexatildeo

consistente e ao mesmo tempo relevantes nesse capiacutetulo ora tomando de empreacutestimo suas

contribuiccedilotildees ora confrontando-as Trata-se de lidar com certa agudeza teoacuterica no que diz

respeito a essas visotildees mais contemporacircneas inseridas no contexto da discussatildeo platocircnica

atual no acircmbito das questotildees pertinentes apresentadas pela obra em questatildeo relativas agrave

temaacutetica dos prazeres e seus desdobramentos posteriores no cenaacuterio maior que compotildee a

reflexatildeo filosoacutefica proposta por nosso autor

17 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

1 SOBRE COMO LER OS DIAacuteLOGOS DE PLATAtildeO E A POSICcedilAtildeO INTEPRETATIVA

ADOTADA NESTE TRABALHO

Para os efeitos de nossa anaacutelise antes de adentrarmos em um detalhamento geral de

nossa pesquisa nos proacuteximos capiacutetulos e seccedilotildees torna-se imprescindiacutevel apresentarmos um

delineamento do modo como faremos uma leitura acerca deste diaacutelogo platocircnico nosso objeto

de estudo o Filebo Eacute consensualmente defendido pelos estudiosos de Platatildeo que os diaacutelogos

de Platatildeo apresentam a forma de um λ ηα filosoacutefico Ateacute entatildeo anteriormente ao

desenvolvimento do Tratado desenvolvido ὂὁὄΝἏὄiὅtὰtἷlἷὅΝldquo(έέέ) os diversos temas filosoacuteficos

eram apresentados por meio do que hoje chamariacuteamos formas literaacuterias ἶἷΝ ἵὁmὂὁὅiὦatildeὁrdquoΝ

(MATOSO 2015 p 21)

Atualmente se sabe que Platatildeo natildeo foi o uacutenico a compor diaacutelogos Aristoacuteteles na

Poeacutetica (1447b11)28 salienta que os κελα δεσδ ζκΰσδ em que Soacutecrates eacute o principal

personagem no contexto de uma discussatildeo argumentativa dialoacutegica era um tipo de gecircnero

literaacuterio comum Na eacutepoca de Platatildeo ὁὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅΝὅὁἵὄὠtiἵὁὅrdquoΝjaacute eram um gecircnero de escrita

firmemente estabelecido na Greacutecia Isto parece justo agrave medida que se verifica que chegaram

ateacute noacutes alguns diaacutelogos socraacuteticos escritos por Xenofonte (Banquete Apologia de Soacutecrates

Oeconomicus e Memorabilia) em que Soacutecrates eacute tambeacutem o condutor uma espeacutecie de

protagonista da discussatildeo

Seraacute atraveacutes desse novo estilo de escrita a representaccedilatildeo dramaacutetica por meio de

diaacutelogos que Platatildeo escreveraacute sua obra Ao mesmo tempo em que os diaacutelogos demonstram

a genialidade literaacuteria de Platatildeo eles tambeacutem demonstram determinada originalidade

filosoacutefica isto porque os textos platocircnicos exigem um grande esforccedilo (interpretativo) por parte

dos leitores Um primeiro fator que resulta em uma significativa dificuldade quanto agrave leitura

dos diaacutelogos diz respeito ao fato de Platatildeo natildeo aparecer como personagem nos diaacutelogos29 o

que torna impossiacutevel o trabalho do inteacuterprete cuja tarefa consistiria em identificar quais seriam

suas proacuteprias teorias ou doutrinas e quais pertenceriam unicamente a Soacutecrates Dito de outro

modo poderiacuteamos nos ὃuἷὅtiὁὀaὄΝὅἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὧΝaὂἷὀaὅΝumaΝldquomὠὅἵaὄardquoΝumaΝὂἷὄὅὁὀagἷmΝ

28 ldquoἦὁἶaviaΝ aΝ [aὄtἷ]Ν ὃuἷΝ imitaΝ aὂἷὀaὅΝ ἵὁmΝ ὂalavὄaὅΝ ἷmΝ ὂὄὁὅaΝ ὁuΝ ἷmΝ vἷὄὅὁΝ ὂὁἶἷὀἶὁΝ miὅtuὄaὄ-se diferentes metros ou usar um uacutenico chegou ateacute hoje sem nome Realmente natildeo temos nenhum termo comum para designar os mimos de Soacutefron e de Xenarco e os diaacutelogos socraacuteticos ou a imitaccedilatildeo que algueacutem faccedila em triacutemetros em versos elegiacuteacos ou alguns outros metὄὁὅΝὅimilaὄἷὅέrdquoΝ(Arist Po 1447b11) 29 Platatildeo soacute aprece duas vezes como personagem nos diaacutelogos A primeira apariccedilatildeo eacute notada na Apologia (34a 38b) e a outra no Feacutedon (59b) Contudo estas apariccedilotildees satildeo demasiadamente tiacutemidas a ponto de natildeo nos permitir inferir algo sobre suas proacuteprias teorias sem relacionaacute-las agrave figura de Soacutecrates

18 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

que oculta o verdadeiro pensamento de Platatildeo ou se ele de fato distancia-se ao apresentar

um pensamento proacuteprio em nada semelhante ao de nosso autor

A ausecircncia da figura de Platatildeo nos diaacutelogos e por conseguinte a impossibilidade de

identificaccedilatildeo das doutrinas filosoacuteficas que lhe seriam porventura pertinentes dificultam em

demasia a leitura dos diaacutelogos Um dos meios mais usuais eacute identificar as posiccedilotildees adotadas

por Soacutecrates nos textos agraves posiccedilotildees de Platatildeo Contudo este nem sempre eacute um bom caminho

como parece ou melhor natildeo seria tatildeo simples assim ou algo demasiadamente faacutecil

O anonimato do filoacutesofo em seus diaacutelogos suscitou ao longo dos tempos inuacutemeras

iὀtἷὄὂὄἷtaὦὴἷὅΝἶὁΝὃuἷΝὅἷὄiaΝὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝaΝldquoἶὁutὄiὀardquoΝὁuΝaΝldquotἷὁὄiaΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoέΝἏΝmaὀἷiὄaΝmaiὅΝ

faacutecil e usualmente adotada no passado da tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica era identificar as

teorias expostas por Soacutecrates nas obras de Platatildeo como pertencentes ao proacuteprio Platatildeo

Entretanto algumas questotildees podem surgir na anaacutelise do corpus (i) A posiccedilatildeo de Soacutecrates

nem sempre eacute a mesma nos diversos diaacutelogos em relaccedilatildeo a alguns temas30 (ii) nem sempre

Soacutecrates eacute o personagem principal o condutor do diaacutelogo (protagonista)31 Portanto eacute

impossiacutevel afirmar com veemecircncia que as doutrinas de Platatildeo possam ser necessariamente

as mesmas de Soacutecrates ou melhor que ambos os filoacutesofos possuem um pensamento idecircntico

sobre os diversos temas filosoacuteficos

Certa parcimocircnia acaba sendo exigecircncia fundamental de um leitor da obra de Platatildeo

Uma outra vertente interpretativa considera que alguns fatores satildeo tambeacutem importantes na

aὀὠliὅἷΝἶὁΝtἷxtὁΝὂlatὲὀiἵὁέΝἏlὧmΝἶaὅΝὂὁὅὅiacutevἷiὅΝldquoἶὁutὄiὀaὅrdquoΝἶἷvἷmΝὅἷὄΝobservados em qualquer

interpretaccedilatildeo fatores como contexto histoacuterico contexto dramaacutetico fatores geograacuteficos

fatores culturais e filosoacuteficos da eacutepoca estrutura estiliacutestica da obra personagens e

interlocutores principais temas discutidos dentre outros A maioria desses inteacuterpretes tecircm se

apegado ora a alguns destes aspectos ora a todos estes para um estudo que possa ser ao

menos mais criterioso e eficaz quanto agrave intepretaccedilatildeo do pensamento platocircnico32

Frente a semelhante problemaacutetica ao longo da histoacuteria do pensamento ocidental e

particularmente no estudo das obras de Platatildeo duas teses ou dois tipos de interpretaccedilatildeo

30 Atente-se ao exemplo do tema que aqui desenvolvemos a postura socraacutetica em relaccedilatildeo ao tema do prazer parece ser ambiacutegua isso se levarmos em conta a anaacutelise de diversos diaacutelogos em que o tema eacute alvo de discussatildeo por parte de Soacutecrates Basta relembrar as posiccedilotildees anti-hedonistas defendidas por Soacutecrates seja no Goacutergias no Feacutedon e na Repuacuteblica frente agrave posiccedilatildeo hedonista do Protaacutegoras Aleacutem do caso do proacuteprio Filebo que parece estar distante dos diaacutelogos anteriores ao apresentar uma posiccedilatildeo particular em relaccedilatildeo ao tema 31 Por exemplo nos uacuteltimos diaacutelogos (agrave exceccedilatildeo do Filebo) o protagonista Soacutecrates cede lugar a outros como no Sofista em que o Estrangeiro de Eleacuteia assume a discussatildeo e nas Leis o Ateniense eacute quem dirige o curso da argumentaccedilatildeo 32 Dentre estes autores podemos destacar M Frede (1992) M M Mccabe G A Press (1993 2000) D Nails (2002) V Tejera (1999) J Sallys (1996) K Sayre (1995) Falarei sobre o assunto e sobre alguns desses autores mais adiante

19 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

surgiram a fim de defenderem dois tipos ou modos de leitura do texto platocircnico os

denominados unitaristas e os chamados revisionistas ou desenvolvimentistas A seguir

apresento tais vertentes interpretativas da obra de Platatildeo

11 A posiccedilatildeo unitarista

Os unitaristas acreditam que os diferentes diaacutelogos compotildeem uma doutrina uacutenica

Nota-se que o pensamento de Platatildeo passa por um processo que se desenvolve

gradualmente no qual os diaacutelogos pouco a pouco vatildeo nos fornecendo indiacutecios e por fim eacute

possiacutevel chegar a estrutura interpretativa do pensamento (uacutenico) de Platatildeo Por mais que

concordem que diferentes fases no pensamento platocircnico existam os unitaristas defendem

que soacute existe uma doutrina referente ao pensamento platocircnico Esta posiccedilatildeo ressurge com

toda forccedila nos seacuteculos XIX e XX visto que a questatildeo acerca do procedimento de leitura dos

ἶiὠlὁgὁὅΝ ὂlatὲὀiἵὁὅΝ ὧΝ umaΝ ldquoὃuἷὅtatildeὁΝ aὀtiὃuiacuteὅὅimardquo33 a partir do teoacutelogo Friedrich

Schleiermacher34 tradutor das obras platocircnicas e escritor de um ensaio em que postula uma

nova divisatildeo das obras platocircnicas Introduccedilatildeo aos diaacutelogos de Platatildeo (1836) Essa posiccedilatildeo

tambeacutem eacute defendida atualmente (com algumas modificaccedilotildees) por Charles Khan (2010) Hans

Von Arnim (1967) Werner Jaeger (2003) Paul Shorey (1903) Paul Friedlaumlnder (1975) dentre

outros

33 A questatildeo acerca da maneira correta de ler os diaacutelogos de Platatildeo remonta agrave Antiguidade Antes mesmo do tema ressurgir na contemporaneidade ele jaacute era polecircmico O que garante tal fato satildeo as divisotildees dos diaacutelogos por temas de Dioacutegenes Trasilus teria catalogado as obras platocircnicas em tetralogias (semelhantemente agraves trageacutedias) e Aristoacutefanes de Bizacircncio em trilogias Segundo Reis (2001 ὂέΝ 1ἅλ)Ν ὂaὄaΝ ἒiὰgἷὀἷὅΝ ldquoὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ὅatildeὁΝ ἶiviἶiἶὁὅΝ ὂὄimἷiro em obras 1 Instrutivas (yacutephegetikoacutes) e outras que satildeo 2 Investigantes (zeteacutetikos) As primeiras seriam as obras de Platatildeo que expotildeem doutrinas positivas as segundas seriam apenas obras para a praacutetica dos meacutetodos corretos de investigaccedilatildeo Quanto agraves primeiras teriacuteamos ainda duas divisotildees em 11 Teoacuterico e 12 Praacutetico Teriacuteamos tambeacutem outras subdivisotildees sendo o Teoacuterico dividido em 111 Fiacutesico e 112 Loacutegico enquanto os Praacuteticos seriam divididos em 121 Eacuteticos e 122 Poliacuteticos A Segunda parte seria subdivida tambeacutem duas vezes Primeiro teriacuteamos os 21 Exerciacutecios mentais e as 22 Disputas Dentro dos Exerciacutecios teriacuteamos a 211 Maiecircutica e o 212 Tentativo e quanto agraves disputas teriacuteamos o 221 Probativo e o 222 Refutativo Dioacutegenes ainda diz que eacute comum em sua eacutepoca a divisatildeo dos diaacutelogos em Dramaacuteticos Narrativos e Mistos no entanto afirma que tal divisatildeo se encaixa melhor com obras de teatro do que com obras filosoacuteficas Outra divisatildeo que parece ser bem aceita na eacutepoca de Dioacutegenes eacute a que Trasilus faz Diz ele que Platatildeo publicou sua obra em tetralogias Platatildeo assim o fez por ser uma publicaccedilatildeo que se comparava com as trageacutedias que eram sempre representadas em nuacutemero de 3 com um drama satiacuterico por fim Aqui aparece como que a filosofia foi desde seu nascimento comparada e confrontada com outras manifestaccedilotildees culturais Ainda na antiguidade Aristoacutefanes o gramaacutetico teria ἶiviἶiἶὁΝaΝὁἴὄaΝἷmΝtὄilὁgiaὅrdquoΝ(ἑfέΝDL III p 49-62) 34 Como se nota na Introduccedilatildeo aos diaacutelogos de Schleiermacher (1804) o teoacutelogo alematildeo dirige uma dura criacutetica agraves formas adotadas pelos antigos no que diz respeito agrave organizaccedilatildeo do corpus (Cf SCHELEIERMACHER 2002 p 27 48-49) As criacuteticas do teoacutelogo alematildeo dirigem-se sobretudo a Aristoacutefanes de Bizacircncio e a Dioacutegenes Laeacutercio)

20 11 A posiccedilatildeo unitarista

A posiccedilatildeo do teoacutelogo alematildeo como se pode notar trouxe inuacutemeros desdobramentos

no modo interpretativo da obra de Platatildeo na filosofia ocidental Inspirado por um forte

hἷgἷliaὀiὅmὁΝ ἥἵhlἷiἷὄmaἵhἷὄΝ ὧΝ ὁΝ ὂὄimἷiὄὁΝ tἷὰὄiἵὁΝ aΝ ὂὄὁὂὁὄΝ umaΝ ἷὅὂὧἵiἷΝ ἶἷΝ ldquoὅiὅtἷmardquoΝ ἶὁΝ

pensamento platocircnico obtido exclusivamente pela leitura e organizaccedilatildeo cronoloacutegica dos

diaacutelogos Esse modo de interpretaccedilatildeo dos diaacutelogos aposta que cada obra se constitui como

uma espeacutecie de unidade autocircnoma devendo ser interpretada em uma ordem somente

aparente Nesse sentido Platatildeo teria um projeto educacional-filosoacutefico cuja diversidade

filosoacutefica dos diaacutelogos orientaria as razotildees literaacuterias

Nota-se a influecircncia de Schleiermacher nos principais unitaristas alematildees como

Werner Jaeger (2003) e dentre outros autores como jaacute destacamos que intentaram uma

interpretaccedilatildeo original da obra de Platatildeo Concepccedilotildees que explicitamente se mostram em

textos como a Paideia ἶἷΝJaἷgἷὄΝaὁΝὅἷΝἶiὐἷὄμΝldquoquando se pocircs a escrever o primeiro de seus

ἶiὠlὁgὁὅΝlsquoὅὁἵὄὠtiἵὁὅrsquoΝἢlatatildeὁΝjὠΝhaviaΝfixaἶὁΝὅἷuΝὁἴjἷtivὁΝἷΝaὅΝliὀhaὅΝgἷὄaiὅΝἶἷΝtὁἶὁΝὁΝὂὄὁjἷtὁΝjὠΝ

eram visiacuteveis para ele A intelecccedilatildeo da Repuacuteblica pode ser traccedilada com clareza nos diaacutelogos

iniciais (2003ΝὂέΝλἄ)έrdquo

O unitarismo apresenta entre seus maiores defensores o teoacutelogo alematildeo Friedrich

Schleiermacher Poreacutem a traduccedilatildeo dos diaacutelogos feita pelo teoacuterico alematildeo fortemente

influenciada pelo hegelianismo do seacuteculo XIX ao contraacuterio do que se possa imaginar natildeo

segue uma sistematizaccedilatildeo rigorosa na classificaccedilatildeo das obras platocircnicas Apesar de ser

notaacutevel o tamanho impacto da Introduccedilatildeo aos diaacutelogos de Platatildeo no modo de leitura do

platonismo que se sucedeu a partir do seacuteculo XIX

A noccedilatildeo de evoluccedilatildeo expositiva no pensamento platocircnico surge a partir da concepccedilatildeo

ὅἵhἷlἷiὄmaἵhἷὄiaὀaΝὂaὄaΝaΝὃualΝὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὅatildeὁΝἵὁὀὅiἶἷὄaἶὁὅΝἵὁmὁΝἷὅὂὧἵiἷὅΝἶἷΝldquomἷmἴὄὁὅrdquoΝ

de um soacute corpo orgacircnico nos remetendo naturalmente a uma ordem natural a uma

organizaccedilatildeo dos diaacutelogos cada diaacutelogo prossegue a partir de noccedilotildees desenvolvidas pelo

anterior isto eacute aquele que o antecede cronologicamente As dificuldades apresentadas na

leitura no das obras segundo defende o teoacuterico alematildeo referem-se agrave incapacidade do proacuteprio

leitor perante agrave composiccedilatildeo desta mesma unidade no pensamento de Platatildeo Dentre as

diversas as falas que demonstram a posiccedilatildeo de Schleiermacher na crenccedila de uma unidade

sistemaacutetica das obras do corpus em uma delas este assegura que

Estabelecer a uniatildeo natural dessas obras visa mostrar que elas se desenvolveram como exposiccedilotildees cada vez mais completas das ideias de Platatildeo a fim de que ndash na medida em que cada diaacutelogo natildeo deve ser compreendido como um todo para si mas tambeacutem em contexto com os outros ndash o proacuteprio Platatildeo seja compreendido como filoacutesofo e artista (SCHLEIERMACHER 2002 p 41)

21 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

Os problemas levantados a essa posiccedilatildeo de Schleiermacher satildeo ainda maiores Natildeo

basta esta concepccedilatildeoΝἶiὄiacuteamὁὅΝldquoatiacutepicardquoΝἶἷΝuὀiἶaἶἷΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἷΝὂὁὄΝἵὁὀὅἷguiὀtἷΝaΝiἶἷiaΝ

de unidade atribuiacuteda agrave filosofia platocircnica ndash que parece assemelhar-se mais a um sistema tal

como o empreendido por Hegel em sua filosofia35 podemos ressaltar mais alguns aspectos

problemaacuteticos presentes na visatildeo do teoacutelogo alematildeo Dentre estas a distinccedilatildeo espacial em

relaccedilatildeo agrave obra de Platatildeo ao distingui-la em dois aspectos um exoteacuterico e um esoteacuterico

ambos dizem respeito agrave atitude caracteriacutestica de determinado leitor da obra platocircnica Dito de

outro modo o que caracterizaria o esoterismo ou exoterismo estaacute ligado agraves dificuldades

apresentadas pelo proacuteprio leitor frente a obra o que dependeria em suma da qualidade do

leitor da sua efetiva compreensatildeo ou natildeo acerca dos temas ali tratados36

A coerecircncia e sistematicidade da obra de Platatildeo segundo tal visatildeo eacute configurada em

uma essecircncia proacutepria agrave filosofia de Platatildeo notada unicamente a partir da leitura dos textos

escritos (diaacutelogos) Ou seja para Schleiermacher qualquer referecircncia externa utilizada para

a compreensatildeo da filosofia de Platatildeo incorreria em equiacutevoco A obra platocircnica na visatildeo do

teoacuterico impotildee a qualquer indiviacuteduo que queira intitular-se inteacuterprete do filoacutesofo um criterioso

e detalhado exerciacutecio hermenecircutico dos diaacutelogos escritos em vista do reconhecimento de

uma unidade sistecircmica do pensamento platocircnico Unidade perceptiacutevel unicamente a partir das

35 VέΝ ἦἷjἷὄaΝ (1λλλ)Ν ὀὁmἷiaΝ ἷὅtaΝ iὀtἷὂὄἷtaὦatildeὁΝ ὅiὅtἷmὠtiἵaΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ἵὁmὁΝ umaΝ ldquofalὠἵiaΝiὀtἷὀἵiὁὀaliὅtardquoέΝἥἷguὀἶὁΝὁΝautὁὄΝaὃuἷlἷὅΝὃuἷΝlἷἷmΝaΝὁἴὄaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅὁἴΝaΝfὁὄmaΝldquoἶialὰgiἵardquoΝmas por meio de um sistema (por sinal natildeo existente em um primeiro momento nos diaacutelogos) cometem umΝἷὀgaὀὁέΝἡΝiὀtὧὄὂὄἷtἷΝὅἷΝἵὁὀtὄaὂὴἷΝaΝἷὅtaΝviὅatildeὁΝὃuἷΝἷlἷΝὀὁmἷiaΝἵὁmὁΝldquolἷituὄaΝiἶἷaliὅtaΝἶaΝὁἴὄaΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝὁuΝldquoἷxἷgἷὅἷΝἏἵaἶecircmiἵardquoΝjὠΝὃuἷΝἶἷὅἶἷΝaΝἏὀtiguiἶaἶἷΝὂὁὅtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝὡΝmὁὄtἷΝἶἷΝἢlatatildeὁΝjὠΝὀaΝAcademia ἷΝlὁgὁΝἶἷὂὁiὅΝὀὁΝἤἷὀaὅἵimἷὀtὁΝὅἷΝὂὁἶἷΝἵὁὀὅtataὄΝὁΝὃuἷΝὁΝautὁὄΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoaΝmὁὄtἷΝἶὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅΝ ἷὀὃuaὀtὁΝ ἶiὠlὁgὁὅrdquoέΝ ἏΝ ὁἴὄaΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ὂaὅὅaὄiaΝ aΝ ὅἷὄΝ liἶaΝ ὅἷguὀἶὁΝ iὀtἷὄἷὅὅἷὅΝNeopitagoacutericos e Neoplatocircnicos perdendo assim o valor propriamente dialoacutegica que lhe caracterizaria propriamente (TEJERA 1999 p 12) 36 ldquo(έέέ)ΝἷὅὅἷΝὧΝὁΝήὀiἵὁΝὅἷὀtiἶὁΝὀὁΝὃualΝὅἷΝὂὁἶἷὄiaΝfalaὄΝaὃuiΝ[ἷmΝἢlatatildeὁ]ΝἶὁΝἷὅὁtὧὄiἵὁΝἷΝἶὁΝἷxὁtὧὄiἵὁΝiὅtὁΝeacute no sentido de que estes apenas apontam para uma qualidade do leitor dependendo do fato deste elevar-ὅἷΝὁuΝὀatildeὁΝὡΝἵὁὀἶiὦatildeὁΝἶἷΝumΝvἷὄἶaἶἷiὄὁΝὁuviὀtἷΝiὀtἷὄiὁὄΝ(έέέ)rdquoΝ(ἥἑώἜἓIἓἤεἏἑώἓἤΝἀίίἀΝὂέΝἂἃ)έΝEssa teoria encontra-se presente na discussatildeo entre filosofia escrita e filosofia natildeo-escrita A leitura de Schleiermacher voltada agrave defesa da leitura de Platatildeo unicamente por via dos diaacutelogos eacute contestada particularmente pelos defensores das chamadas doutrinas natildeo-escritas que postulam a existecircncia de doutrinas orais que excedem o acircmbito da doutrina escrita contida nos diaacutelogos de Platatildeo (XAVIER 2011 p 93-λἆ)έΝ ἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὀὁὅΝ ἶiὐΝ ἥaὀtὁὅΝ (ἀί1ἀ)μΝ ldquoἦὁἶaὅΝ ἷὅὅaὅΝ tἷὁὄiaὅΝ [ἶἷΝ lἷituὄaΝ ἶὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅ]Νaceitam e suportam o princiacutepio proposto no iniacutecio do seacuteculo XX por Ludvwig Schleiermacher que limita o estudo do pensamento platocircnico agrave leitura dos diaacutelogos compostos pelo mestre Este princiacutepio ndash aceito pela maioria dos platonistas ndash ὧΝἵὁὀtuἶὁΝvἷἷmἷὀtἷΝἵὁὀtἷὅtaἶὁΝὂἷlὁὅΝὂaὄtiἶὠὄiὁὅΝἶaΝtἷὅἷΝἶaὅΝlsquoἶὁutὄiὀaὅΝnatildeo-ἷὅἵὄitaὅrsquoέΝἒἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝἷlaΝὀaΝἏἵaἶἷmiaΝἢlatatildeὁΝtἷὄiaΝἶἷfἷὀἶiἶὁΝumaΝlsquoἶὁutὄiὀaΝἶὁὅΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁὅrsquoΝnunca reduzida a escrito agrave qual os diaacutelogos serviriam de introduccedilatildeo ou como exerciacutecio propedecircutico ἓὅὅaΝlsquoἶὁutὄiὀaΝὀatildeὁΝἷὅἵὄitarsquoΝtἷὄiaΝὅiἶὁΝἴἷmΝἵὁὀhἷἵiἶaΝἶὁὅΝἶiὅἵiacuteὂulὁὅΝἶiὄἷtὁὅΝἶὁΝmἷὅtὄἷΝὃuἷΝaΝὂaὄtiὄΝἶἷlaΝtἷὄiamΝiὀὅὂiὄaἶὁΝumaΝlsquotὄaἶiὦatildeὁΝiὀἶiὄἷtarsquoΝἶὁΝὂlatὁὀiὅmὁΝἵuja importacircncia filosoacutefica se manteve viva ateacute hoje A despeito de ainda natildeo ter dado origem a uma concretizaccedilatildeo curricular reconhecida pela comunidade a proposta tem evidentes meacuteritos cientiacuteficos e pedagoacutegicos Mas deve ser avaliada a partir do contexto histoacuterico-filὁὅὰfiἵὁΝἷmΝὃuἷΝὁΝὂlatὁὀiὅmὁΝὅἷΝἶἷὅἷὀvὁlvἷΝaὁΝlὁὀgὁΝἶaΝtὄaἶiὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἀλ)έ

22 11 A posiccedilatildeo unitarista

referecircncias internas sem portanto recorrer aos criteacuterios culturais sociais e poliacuteticos que

porventura possam ter influenciado Platatildeo quando compocircs suas obras

Esses satildeo mais ou menos os artifiacutecios atraveacutes dos quais Platatildeo consegue com a quase totalidade dos seus leitores alcanccedilar aquilo que deseja ou pelo menos evitar o que teme De modo que esse seria o uacutenico sentido no qual se poderia falar aqui do esoteacuterico e do exoteacuterico isto eacute no sentido de que estes apenas apontam para uma qualidade do leitor dependendo do fato de este elevar-se ou natildeo agrave condiccedilatildeo de um verdadeiro ouvinte do interior ou entatildeo caso se deva relacionaacute-lo com o proacuteprio Platatildeo poder-se-ia dizer apenas que o ensino imediato teria sido seu agir esoteacuterico a escrita contudo o exoteacuterico (SCHLEIERMACHER 2002 p 45)

A posiccedilatildeo adotada por Schleiermacher natildeo deixa espaccedilo para qualquer anaacutelise de tipo

revisionista isto eacute aquela que postula que Platatildeo poderia ter mudado sua concepccedilatildeo geral

ou melhor as concepccedilotildees de sua obra como um todo o que o teoacuterico alematildeo considera como

ldquofilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵardquoέΝἒὁΝmἷὅmὁΝmὁἶὁΝaΝἵὄiacutetiἵaΝὅἵhlἷiἷὄmaἵheriana (baseada na obra de W

G Tennemann37ΝkaὀtiaὀὁΝἷΝἶἷfἷὀὅὁὄΝἶaΝiἶἷiaΝἶἷΝldquoὅiὅtἷmaΝὂlatὲὀiἵὁrdquo)Νἷxὂaὀἶἷ-se inclusive

aos historiadores antigos como as que se encontram presentes na coletacircnea de Dioacutegenes

Laeacutercio que agrupam os textos platocircnicos segundo temaacuteticas e as cronologias baseadas nas

trilogias como as de Aristoacutefanes de Bizacircncio e a dos neoplatocircnicos (MATOSO 2016 p 84-

85)

Deste modo a cronologia dos diaacutelogos platocircnicos fica agrupada do seguinte modo na

acepccedilatildeo de Schleiermacher o primeiro diaacutelogo a ser escrito seria o Fedro e o Parmecircnides o

uacuteltimo isto em relaccedilatildeo ao meacutetodo dialeacutetico Jaacute a Repuacuteblica o Timeu e Criacutetias compotildee a trilogia

das uacuteltimas obras escritas por Platatildeo nas quais se encontram o aacutepice da doutrina platocircnica

O teoacuterico alematildeo ainda divide a obra platocircnica em dois grupos num primeiro grupo constariam

as obras que foram escritas antes da morte de Soacutecrates Fedro Liacutesis Protaacutegoras Laacuteques

Caacutermides Ecircutifron e Parmecircnides E no segundo grupo chamado tambeacutem de intermediaacuterio

Teeteto Sofista Poliacutetico Feacutedon Filebo (SCHELEIERMACHER 2002 p 74-75)

Para os unitaristas o anonimato de Platatildeo deve ser justificado ὂἷlὁΝ ldquoaὄgumἷὀtὁΝ ἶὁΝ

ὅilecircὀἵiὁrdquoέΝἓὅtἷΝaὄgumἷὀtὁΝἴaὅἷia-se na afirmaccedilatildeo de que o filoacutesofo natildeo precisa dizer tudo o

que pensa sobre os assuntos que procura tratar em uma uacutenica obra nem eacute necessaacuterio esgotar

estes assuntos ou mesmo trataacute-lo de uma maneira diferente em uma outra obra A proacutepria

ideia de evoluccedilatildeo expositiva nos diaacutelogos afirmaria sua unidade autocircnoma ao mesmo tempo

em que por mais que se reconheccedilam momentos diversos na obra platocircnica o avanccedilo dos

conteuacutedos e a maior criteriosidade na elaboraccedilatildeo das obras atestariam o propoacutesito de Platatildeo

em oferecer um projeto poliacutetico-educacional e filosoacutefico uacutenico do qual sua obra dialoacutegica

37 Cf TENNEMANN W G (1792)

23 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

demonstraria progressivamente tamanho empreendimento Voltarei mais adiante ao

unitarismo mais detalhado ou melhor reformulado que se desenvolveu na

contemporaneidade nos uacuteltimos seacuteculos e que se encontra presente na obra de um de seus

maiores defensores Charles Khan38

12 A posiccedilatildeo revisionista

Ao leitor de Platatildeo uma posiccedilatildeo parece ser tentadora aquela que postula a

possibilidade de os diaacutelogos serem lidos de maneira autocircnoma Deste modo seria equivocado

uma leitura que buscasse evidenciar qualquer tipo de correlaccedilatildeo temaacutetica ou doutrinaacuteria nos

mais diversos diaacutelogos Essa posiccedilatildeo pode ser notada a partir das obras de Grote (1865) que

chega a afirmar no seacuteculo XIX que

tal sacrifiacutecio da inerente diversidade e individualidade separada dos diaacutelogos agrave manutenccedilatildeo de uma suposta unidade de tipo estilo ou propoacutesito parece-me um equiacutevoco De fato o que existe laacute nos diaacutelogos para noacutes natildeo eacute nenhum Platatildeo pessoal do mesmo modo que natildeo haacute nenhum Shakespeare pessoal para noacutes Platatildeo (exceto nas Cartas) nunca aparece perante a noacutes nem nos fornece uma opiniatildeo como sendo sua ele eacute o instigador impliacutecito (natildeo-visto) de diferentes personagens que conversam em voz alta em um nuacutemero distintos de dramas cada drama um trabalho distinto (separado) manifestando seu proacuteprio ponto de vista afirmativo ou negativo consistente ou inconsistente com os outros diaacutelogos como talvez ser em determinado caso (p 210-211)

A posiccedilatildeo de Grote eacute endossada a partir das contribuiccedilotildees de um dos principais

teoacutericos que a tradiccedilatildeo denominou como sendo os defensores do paradigma

desenvolvimentista39 ou revisionista que tem como principal teoacuterico Karl Friedrich Hermann

38 ἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ἷxὂliἵaΝ ἥaὀtὁὅΝ (ἀί1ἀ)Ν ὄἷὅumiἶamἷὀtἷΝ ὃuἷΝ ldquoἶἷὅἵὁὀὅiἶἷὄaὀἶὁΝ ὁΝ aὅὂἷἵtὁΝ ἷvὁlutivὁΝ ndash inevitaacutevel num pensador cuja produccedilatildeo se estende ao longo de sua vida ndash essa teoria considera que a diversidade dos diaacutelogos exprime didaticamente uma visatildeo unitaacuteria da filosofia platocircnica diferida em diaacutelogos por razotildees pedagoacutegicas Essa unidade poderia ser explicada por diversos pontos de vista quer a partir do programa de pesquisa que os diaacutelogos exemplificariam ou anunciaram prolepticamente quer a partir do nuacutecleo temaacutetico que como foi dito por motivaccedilotildees de ordem pedagoacutegica os diaacutelogos iὀὅἷὄἷmΝἷmΝἶivἷὄὅὁὅΝἵὁὀtἷxtὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἆ-29) 39 De acordo com Matoso (2016) o termo desenvolvimentista utilizado para caracterizar essa vertente iὀtἷὄὂὄἷtativaΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ ὂlatὲὀiἵaμΝ ldquoaΝ ὀὁmἷὀἵlatuὄaΝ lsquoἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtiὅtaὅrsquoΝ ὂὄὁὂὁὅtaΝ atὧΝ ὁὀἶἷΝ ὅἷiΝ ὂὁὄΝKahn (1996) natildeo me agrada Pelo simples fato de que os adeptos da outra posiccedilatildeo descrita chamados lsquouὀitaὄiὅtaὅrsquoΝ tamἴὧmΝ aἶmitἷmΝ umΝ ἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtὁΝ ὀὁΝ tὄatamἷὀtὁΝ ἶaὅΝ ὃuἷὅtὴἷὅέΝ ἢὁiὅΝ aὂἷὅaὄΝ ἶὁὅΝunitaristas natildeo identificarem rupturas ou modificaccedilotildees fundamentais na visatildeo de mundo expressa nos diaacutelogos estes comentadores certamente identificam um desenvolvimento loacutegico‑expositivo no interior da obra platocircnica em funccedilatildeo do grau de complexidade no tratamento das questotildees Em nome da uὀifὁὄmiἶaἶἷΝtἷὄmiὀὁlὰgiἵaΝἵὁὀtuἶὁΝὅἷguiὄἷiΝuὅaὀἶὁΝaΝὀὁmἷὀἵlatuὄaΝὂaἶὄatildeὁrdquoΝ(ὂέΝ11ἅ)έ

24 12 A posiccedilatildeo revisionista

(1839) Nas obras de Grote vaacuterias referecircncias satildeo feitas a este teoacuterico e a seu meacutetodo de

divisatildeo das obras platocircnicas De acordo com a posiccedilatildeo revisionista os diaacutelogos devem ser

lidos de maneira autocircnoma de modo que qualquer correlaccedilatildeo temaacutetica entre as obras eacute

apenas plausiacutevel possiacutevel mas nunca correta Segundo os estudiosos que seguem tal

paradigma as posiccedilotildees platocircnicas satildeo diversas e ateacute mesmo contraditoacuterias

A tarefa que neste caso caberaacute ao inteacuterprete seraacute a identificaccedilatildeo sobre as posiccedilotildees

adotadas por Platatildeo em sua obra a fim de poder concluir uma organizaccedilatildeo dos diaacutelogos A

partir de tal classificaccedilatildeo segundo esses teoacutericos seria possiacutevel identificar as diversas

concepccedilotildees de Platatildeo sobre alguns temas importantes de sua filosofia E tambeacutem identificar

as mudanccedilas de posicionamento ao longo da vida filosoacutefica do filoacutesofo no decorrer de sua

obra Sim o ponto principal (e polecircmico) defendido pelos revisionistas eacute que Platatildeo ao longo

de sua obra teria tido concepccedilotildees diversas sobre um tema ou melhor posiccedilotildees que se

alteraram ou foram revisadas ao longo do desenvolvimento de seu pensamento (MATOSO

2016 p 80)

A posiccedilatildeo dos revisionistas se desenvolveu e teve grande impacto nos seacuteculos XIX e

XX perante a tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica Um tipo de interpretaccedilatildeo que se tornou

preponderante no platonismo prioritariamente em liacutengua inglesa Dentre seus principais

representantes estatildeo K F Hermann (1939) W K C Guthrie (1975) F Cornford (1927) G

Vlastos (1991)40 W F H Altman dentre outros Contudo uma posiccedilatildeo parece ser consensual

entre unitaristas e revisionistas E refere-se agravequela que dita as trecircs fases do pensamento

platocircnico juventude (socraacutetica) ndash maturidade (meacutedia) ndash velhice (final) Um dos pontos

principais capaz de tal distinccedilatildeo diz respeito agrave suposta hipoacutetese das Formas e agrave Teoria das

Ideias que talvez se encontraria presente apenas nos diaacutelogos meacutedios e finais

Os revisionistas creem que os diaacutelogos devem ser analisados em sua especificidade

ao serem reconhecidos em cada diaacutelogo uma argumentaccedilatildeo loacutegica proacutepria sem correlaccedilatildeo

necessaacuteria com os outros diaacutelogos e que esses satildeo algumas vezes ateacute contraditoacuterios em se

tratando de temas idecircnticos Aleacutem de postularem uma evoluccedilatildeo ou mesmo uma mudanccedila

draacutestica no pensamento de Platatildeo nas ditas trecircs fases do pensamento platocircnico juventude

maturidade e velhice

Basta analisarmos as consideraccedilotildees de Guthrie (1975) para quem nos primeiros

diaacutelogos Platatildeo reproduz-ὅἷΝfiἷlmἷὀtἷΝaὅΝldquoἵὁὀvἷὄὅaὅΝἵὁmΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝἶἷΝtalΝmὁἶὁΝὃuἷΝὀἷὅtἷΝ

periacuteodo os diaacutelogos referem-se unicamente ao pensamento de Soacutecrates e nada ali quanto agrave

40 Apesar da cronologia adotada por Vlastos (1991) ser derivada em grande parte de autores como Guthrie e Cornford ela apresenta algumas nuances De fato eacute a cronologia proposta por Vlastos que permanece ainda em certo sentido como a mais aceita e aquela que se tornou comumente adotada entre os estudiosos de Platatildeo (VLASTOS 1991 p 45-80) Sobre isso falarei mais adiante na seccedilatildeo dedicada ao debate contemporacircneo entre revisionismo e unitarismo visotildees que possuem como principais representantes respectivamente G Vlastos e C Khan

25 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

doutrina de Platatildeo pode ser encontrado (1975 p 67) As obras de Guthrie possuem o meacuterito

de terem sido as primeiras que apresentam agrave tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica uma cronologia

das obras que compotildeem o corpus no seacuteculo XX Referimo-nos agrave sua History of the Greek

Philosophy (1975) em que o estudioso nos apresenta uma triacuteplice divisatildeo dos diaacutelogos os

diaacutelogos da juventude (socraacuteticos) os diaacutelogos da maturidade os diaacutelogos da velhice

No primeiro grupo dos diaacutelogos os socraacuteticos estariam contidos os temas eacuteticos que

compotildeem a filosofia de Soacutecrates sem qualquer referecircncia ou apresentaccedilatildeo das teorias

metafiacutesicas que surgem posteriormente No segundo grupo estatildeo os diaacutelogos referentes agrave

Teoria das Ideias (ou Formas) de Platatildeo basicamente aqueles que podem ser relacionados

com os principais diaacutelogos desta fase quais sejam A Repuacuteblica- Feacutedon ndash Banquete Platatildeo

nesta fase estaria a apresentar um pensamento propriamente seu desvinculando-se das

ideias de seu mestre ao propor a hipoacutetese das Formas

Os uacuteltimos diaacutelogos ou diaacutelogos da velhice seriam aqueles que compreendem os

seguintes diaacutelogos Sofista Poliacutetico Filebo Timeu Criacutetias e Leis Estes diaacutelogos comporiam

os uacuteltimos diaacutelogos em que Platatildeo na tese revisionista teria reformulado seu pensamento

apoacutes a sua proacutepria criacutetica da hipoacutetese das Formas e da Teoria das Ideias que surge no

contexto do Parmecircnides

A partir de tais consideraccedilotildees um paradigma de leitura passa a ser adotado quase

que consensualmente pelos estudiosos de Platatildeo Isto eacute o haacutebito de leituras dos diaacutelogos

divididos em trecircs fases passou a ser algo comumente adotado ao longo dos seacuteculos no estudo

das obras de Platatildeo (tanto pelos revisionistas quanto pelos unitaristas como veremos mais

adiante) Esta cronologia possui uma histoacuteria que em linhas gerais pretendo aqui

desenvolver rapidamente Ao mesmo tempo parece ser necessaacuterio destacar quais os ganhos

e prejuiacutezos que a tese revisionista apresenta

As contribuiccedilotildees de K F Hermann foram muitas tambeacutem neste seacuteculo e praticamente

moldaram o modo de organizaccedilatildeo das obras platocircnicas vigentes ateacute hoje Hermann foi o

primeiro a criticar agrave ideia difundida entre os alematildees de um sistema linear na obra platocircnica

Do mesmo modo que eacute o primeiro a analisar a obra platocircnica do ponto de vista tambeacutem de

sua historicidade Conforme sublinha Kahn (2010)

K F Hermann merece o tiacutetulo de haver sido o primeiro a reconhecer um ὂἷὄiacuteὁἶὁΝ ldquoὅὁἵὄὠtiἵὁrdquoΝ ὀaΝ obra inicial de Platatildeo assim como o de haver interpretado a sequecircncia dos diaacutelogos em relaccedilatildeo agrave biografia intelectual do autor (p 65)

Em sua obra Geschichte und System der Platonischen Philosophie (1839) Hermann

foi o primeiro a considerar a fase inicial da atividade literaacuterio-filosoacutefica de Platatildeo como uma

faὅἷΝ ἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝ ldquoὅὁἵὄὠtiἵardquoΝ iὅtὁΝ ὧΝ ἷmΝ ὃuἷΝ ἢlatatildeὁΝ tἷὄiaΝ aὂὄἷὅἷὀtaἶὁΝ aliΝ ὀaὅΝ ὅuaὅΝ

26 12 A posiccedilatildeo revisionista

primeiras obras exclusivamente as ideias de seu mestre Soacutecrates (GUTHRIE 1975 p 67)

Analogamente agrave Schleiermacher Hermann divide em trecircs fases distintas o pensamento

platocircnico isto eacute uma fase corresponde ao periacuteodo socraacutetico (obras iniciais) uma segunda

corresponde agrave fase intermediaacuteria (maturidade) e uma uacuteltima fase que corresponderia agraves obras

da velhice Este modo de leitura grosso modo eacute o mesmo que se assentou na tradiccedilatildeo

interpretativa platocircnica e ateacute hoje eacute aquele comumente adotado pelos estudiosos dos

diaacutelogos

Hermann eacute o primeiro a reconhecer perante agraves trecircs fases do pensamento platocircnico

que cada uma dessas trecircs fases caracteriza uma mudanccedila no pensamento de Platatildeo o que

dista consideravelmente do paradigma de leitura vigente na atualidade De acordo com

Matoso (2016) a existecircncia de trecircs fases ou de trecircs periacuteodos para a organizaccedilatildeo

(cronoloacutegica) dos diaacutelogos parece um fato que existente entre os helenistas alematildees

Semelhantemente parece ser comum a crenccedila de uma fase socraacutetica (inicial) presente na

obra de Platatildeo em que as ideias de um Soacutecrates histoacuterico estariam sendo representadas E

por fim tambeacutem eacute comumente aceita a existecircncia de uma fase intermediaacuteria entre o

pensamento socraacutetico (diaacutelogos iniciais) e um pensamento final (diaacutelogos da velhice) ndash na qual

Platatildeo expotildee sua teoria demarcando claramente a separaccedilatildeo entre suas ideias e as de

Soacutecrates resultando em uma fase final da apresentaccedilatildeo de sua teoria de forma sistemaacutetica

(p 87)

Segundo a interpretaccedilatildeo revisionista apoacutes a condenaccedilatildeo e morte de Soacutecrates Platatildeo

teria composto uma seacuterie de diaacutelogos relacionados aos temas desenvolvidos por Soacutecrates

como Apologia Crito Goacutergias Ecircutifron e Mecircnon Os diaacutelogos Teeteto Craacutetilo Sofista

Poliacutetico e Parmecircnides ὃuἷΝἵὁmὂὁὄiamΝaΝldquofaὅἷΝmὧἶiaΝἶaΝὁἴὄaΝὂlatὲὀiἵardquoΝndash nos quais as ideias

de Soacutecrates jaacute natildeo estariam presentes na obra de Platatildeo ndash e uma trilogia final Timeu-Criacutetias-

Repuacuteblica ndash neste caso os uacuteltimos diaacutelogos que apresentariam a siacutentese (ou sistema) do

pensamento filosoacutefico de Platatildeo

Eacute notaacutevel entre os alematildees a crenccedila de que o Fedro seria o primeiro diaacutelogo pois

espeacutecie de conteuacutedo introdutoacuterio da iniciaccedilatildeo aos estudos da Academia de iniciaccedilatildeo agrave

dialeacutetica (como vemos em SCHLEIERMACHER 2022 p 74) propedecircutica ao estudo dos

uacuteltimos diaacutelogos E tambeacutem acredita-se firmemente serem Timeu Criacutetias Repuacuteblica e Leis

os uacuteltimos diaacutelogos escritos por Platatildeo Essa uacuteltima afirmaccedilatildeo baseada unicamente no

testemunho de Aristoacuteteles (Pol II 6) de que as Leis foram escritas apoacutes a Repuacuteblica

Ateacute o seacuteculo XIX natildeo se tinha uma ciecircncia rigorosa que buscasse encontrar um

meacutetodo razoaacutevel isento de subjetividade no que tange a um modo de leitura em que surge

uma ciecircncia de investigaccedilatildeo do texto platocircnico que convencionalmente denominou-se

estilometria Neste estudo foram extremamente relevantes as contribuiccedilotildees de Ritter (1910)

e Lutoslwaski (1897) e Lewis Campbell (1867) Dittenberger (1881) e Brandwood (1990

27 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

2013) Na virada do seacuteculo XIX para o seacuteculo XX a presenccedila desses teoacutericos tornou riacutegida a

classificaccedilatildeo dos diaacutelogos platocircnicos Anteriormente muitos dos criteacuterios que visavam

organizar os diaacutelogos platocircnicos eram inconsistentes flutuantes subjetivos isto eacute baseados

fundamentalmente na subjetividade hermenecircutica de cada autor

A estilometria ambiciona natildeo somente afirmar a separaccedilatildeo dos diaacutelogos em trecircs fases

distintas mas vai aleacutem ao tentar classificar os diaacutelogos segundo uma ordem de composiccedilatildeo

destes dentro dessas mesmas fases diferentes

Na acepccedilatildeo mais estrita do termo a estilometria consiste em uma contagem de ocorrecircncias de um determinado grupo de palavras A partir dos resultados obtidos por meio desta contagem e possiacutevel formular hipoacuteteses acerca da data de composiccedilatildeo relativa de cada diaacutelogo Ou seja a contagem de palavras nos permite identificar dentre o conjunto de diaacutelogos aqueles que possuem um estilo semelhante entre si representado pela repetida ocorrecircncia de certos termos ou expressotildees (MATOSO 2016 p 91)

Baseada na questatildeo estiliacutestica (textual) tal ciecircncia fora capaz de notar certa

semelhanccedila de estilo presente no texto de Platatildeo isto eacute por meio da contagem de palavras

(e natildeo somente) pelo vocabulaacuterio empregado nos textos concluiu-se a respeito da

composiccedilatildeo e do ordenamento do grupo dos uacuteltimos diaacutelogos ou da terceira fase (Sofista

Poliacutetico Filebo Timeu Criacutetias e Leis)

L Campbell (1867) e F Blass (1874) apresentam classificaccedilotildees unacircnimes quanto agrave

ordenaccedilatildeo dos diaacutelogos da uacuteltima fase Poreacutem o primeiro se baseia no emprego de

determinadas expressotildees (fundamentalmente aquelas agregadas agrave partiacutecula -meacuten) enquanto

o uacuteltimo fundamenta sua anaacutelise por meio da ocorrecircncia dos hiatos41 (MATOSO 2016 p 95)

Um fato tambeacutem relevante eacute a diminuiccedilatildeo das apariccedilotildees de Soacutecrates como condutor dos

diaacutelogos jaacute nas uacuteltimas obras de Platatildeo o que para tais autores configura na distinccedilatildeo entre

os diaacutelogos da fase platocircnica tardia e as demais

Por mais que a estilometria tenha trazido inuacutemeros ganhos no que diz respeito ao

paradigma de leitura platocircnica nota-se que o paradigma desenvolvimentista apresenta falhas

A posiccedilatildeo revisionista tem sido endossada por contribuiccedilotildees contemporacircneas como as de

Vlastos (1991) Cornford (1927) Guthrie (1975) mas tais versotildees ainda apresentam uma

seacuterie de deficiecircncias dentre as quais as mais relevantes satildeo (i) se os resultados

estilomeacutetricos apenas garantem uma mudanccedila estiliacutestica notaacutevel nos diaacutelogos de uacuteltima fase

esta anaacutelise natildeo pode se estender como fez Ritter como caraacuteter classificatoacuterio do

ordenamento dos diaacutelogos das outras duas fases (ii) natildeo haacute um criteacuterio que possa justificar

41 O hiato consiste na sucessatildeo imediata de duas vogais em palavras separadas Para evitar este tipo de sucessatildeo que constantemente surge na formaccedilatildeo e inflexatildeo das palavras diversos recursos podem ser empregados a crase a elisatildeo e a aphaeresis aleacutem da escolha vocabular (MATOSO 2016 p 107)

28 12 A posiccedilatildeo revisionista

trecircs mudanccedilas consecutivas na obra platocircnica mas apenas duas como bem destacou Kahn

(2010 p 71) Isso se torna mais claro quando se nota que nenhum criteacuterio estiliacutestico fora

capaz de apontar uma distinccedilatildeo clara entre o meacutetodo estiliacutestico da fase intermediaacuteria e a fase

da juventude (os diaacutelogos socraacuteticos) mas apenas os diaacutelogos da uacuteltima fase (velhice) Deste

modo essa separaccedilatildeo (entre diaacutelogos da juventude e diaacutelogos da maturidade) soacute satildeo

possiacuteveis mediante uma anaacutelise de conteuacutedo em que o que estaacute em jogo eacute o aparecimento

nos diaacutelogos do desenvolvimento da hipoacutetese das Formas a Teoria das Ideias Tais noccedilotildees

que soacute satildeo evidentes nos diaacutelogos da maturidade operando assim uma niacutetida distinccedilatildeo entre

diaacutelogos da maturidade e juventude platocircnica

A contagem de palavras feita pela estilometria baseia-se na ocorrecircncia das expressotildees

e hiatos dos diaacutelogos da uacuteltima fase e estende sua verificaccedilatildeo ateacute a chamada fase

intermediaacuteria que tem como criteacuterio os diaacutelogos nos quais Platatildeo jaacute apresenta a hipoacutetese das

formas das Ideias Dito isto observa-se que criteacuterio de demarcaccedilatildeo entre a obra intermediaacuteria

e a da juventude passa do criteacuterio estilomeacutetrico (estiliacutestico-textual) para um criteacuterio baseado

fundamentalmente a partir do conteuacutedo dos diaacutelogos jaacute que as primeiras obras foram

eliminadas da contagem de palavras (KAHN 2010 p 71)

Contudo os resultados apresentados por Guthrie (1975 p 50) perpassam os criteacuterios

estilomeacutetricos ou mesmo ignora-os como destaca Matoso (2016 p 100) ao propor a seguinte

organizaccedilatildeo para os diaacutelogos aquela proposta por Cornford (1927) e tambeacutem por Vlastos

(1991) (i) diaacutelogos da juventude Apologia Criacuteton Laacuteques Liacutesis Caacutermides Ecircutifron Hiacuteppias

Maior e Menor Protaacutegoras Goacutergias Iacuteon (ii) diaacutelogos da maturidade Mecircnon Feacutedon

Repuacuteblica Banquete Fedro Eutidemo Menexeno Craacutetilo (iii) diaacutelogos da velhice

Parmecircnides Teeteto Sofista Poliacutetico Timeu Criacutetias Filebo Leis42

Tal apresentaccedilatildeo segue em partes a cronologia anterior pois nela se arrasta o

Parmecircnides e o Teeteto ateacute entatildeo natildeo inclusos nos diaacutelogos de uacuteltima fase Alguns diaacutelogos

considerados (estilisticamente) como pertencentes ao primeiro periacuteodo (juventude) foram

tambeacutem deslocados para a maturidade Portanto ao que tudo indica um regresso agrave

subjetividade interpretativa novamente eacute proposto por meio das consideraccedilotildees apresentadas

por Guthrie e aqueles outros supracitados em suas obras Na classificaccedilatildeo estilomeacutetrica eram

apenas cinco os diaacutelogos de uacuteltima fase assim como Banquete Meacutenon e Feacutedon estavam

distaὀtἷὅΝἶaὃuilὁΝὃuἷΝὅἷΝἵuὀhὁuΝἵhamaὄΝldquofaὅἷΝiὀtἷὄmἷἶiὠὄiardquoΝἶaΝὁἴὄaΝὂlatὲὀiἵaΝjuὅtamἷὀtἷΝὂὁὄΝ

apresentar caracteriacutesticas muito distintas do grupo criado em relaccedilatildeo agrave Repuacuteblica todavia

estavam proacuteximos a este uacuteltimo diaacutelogo porque jaacute tratam de temas metafiacutesicos Assim como

42 Esta tambeacutem tem sido a cronologia comumente aceita pelos estudiosos de Platatildeo na contemporaneidade Segundo os defensores do revisionismo platocircnico esta seria a organizaccedilatildeo cronoloacutegica resultante a partir dos estudos estilomeacutetricos (Cf GUTHRIE W K C History of the Greek Philosophy Vol IV Cambridge The University Press 1975)

29 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

o Parmecircnides que parece apenas inaugurar a fase da velhice platocircnica ao postular a criacutetica agrave

Teoria das Ideias (MATOSO 2016 p101-102)

Este tipo de leitura dos diaacutelogos platocircnicos ainda incorre no equiacutevoco da subjetivaccedilatildeo

interpretativa ou ὀaὃuilὁΝὃuἷΝἛahὀΝἶἷὀὁmiὀὁuΝἵὁmὁΝldquofalὠἵiaΝἶaΝtὄaὀὅὂaὄecircὀἵiardquoΝὃuἷΝiὀὅiὅtἷΝἷmΝ

afirmar a influecircncia de Soacutecrates no pensamento de Platatildeo na fase inicial dos diaacutelogos a fim

de promover uma draacutestica separaccedilatildeo entre aquilo que acreditam ser somente de Soacutecrates e

as teorias que pertencem exclusivamente a Platatildeo Deste modo o que subjaz no revisionismo

ὧΝumaΝ tἷὀtativaΝἶἷΝ ὄἷὅὁlvἷὄΝὁΝ iὀὅὁlήvἷlΝ ldquoὂὄὁἴlἷmaΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅrdquo43 E para a soluccedilatildeo de tal

questatildeo constantes atropelos se fazem em relaccedilatildeo agrave obra de Platatildeo em busca de um

ὂaὄaἶigmaΝἶἷΝlἷituὄaΝἶitὁΝldquoἵὁὀὅiὅtἷὀtἷrdquoΝἷΝaἵἷitὁΝἵὁὀὅἷὀὅualmἷὀtἷέ

Por fim ficou demonstrado que o paradigma desenvolvimentista apresenta alguns

problemas que necessitam de maiores esclarecimentos por parte dos teoacutericos que defendem

esse tipo de interpretaccedilatildeo pois (i) seus criteacuterios metodoloacutegicos natildeo estatildeo bem

fundamentados mesmo a distinccedilatildeo dos diaacutelogos em trecircs fases distintas (que remontam aos

helenistas alematildees) natildeo nos eacute garantida (ii) semelhantemente parece fraca a hipoacutetese de

uma mudanccedila draacutestica na obra platocircnica jaacute que a estilometria natildeo apresenta um criteacuterio soacutelido

para demarcaccedilatildeo entre as fases da juventude e da maturidade e que pareccedila ser claro quanto

agraves questotildees relativas agrave cronologia O reconhecimento da estilometria de uma fase uacuteltima

(velhice) do pensamento platocircnico tambeacutem natildeo nos daacute garantias suficientes de alteraccedilotildees

significativas no pensamento de Platatildeo mas apenas reconhece semelhanccedilas estiliacutestico-

textuais entre obras distintas Desta forma permanecem insustentaacuteveis as duas teses de que

(i) Platatildeo teria mudado de pensamento drasticamente trecircs vezes o que corresponderia agraves

trecircs fases de sua obra ou (ii) que cada obra reflete uma ideia de Platatildeo em dado momento

Pode-se afirmar num primeiro momento ser impossiacutevel formularmos uma oposiccedilatildeo radical

entre o pensamento socraacutetico e o platocircnico esse eacute um problema insoluacutevel ateacute entatildeo e

impossiacutevel de resoluccedilatildeo haja vista o anonimato de Platatildeo em suas obras o que natildeo nos

permite uma identificaccedilatildeo clara a respeito de seus posicionamentos filosoacuteficos de uma forma

imediata44

43 ἥὁἴὄἷΝldquoὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝὧΝimὂὁὄtaὀtἷΝfaὐἷὄmὁὅΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝὡΝὁἴὄaΝἶἷΝVIἜώἓἠἏ-MAGALHAtildeES (O problema Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecrates de Platatildeo Lisboa Calouste Gulbenkian 1984) (Cf BOLZANI R Imagens de Soacutecrates In Kleacuteos N18 Rio de Janeiro IFCS- UFRJ 2014) 44 Segundo nos explica Santos (2012) podemos seguramente afirmar que a tἷὁὄiaΝὄἷviὅiὁὀiὅtaμΝldquo(έέέ)Νdefendida majoritariamente por inteacuterpretes de cultura e formaccedilatildeo anglo-saxocircnica rejeita a possibilidade ἶἷΝaἵἷἶἷὄΝἶἷΝfὁὄmaΝἵὁὀὅiὅtἷὀtἷΝaὁΝldquoὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝὃuἷΝiὀὅὂiὄaὄiaΝἵὄiaὦatildeὁΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅέΝἥuὅtἷὀtamΝὃuἷΝcada obra deve ser interpretada a partir das informaccedilotildees presentes nos eu texto abstendo-se o estudioso de estabelecer relaccedilotildees com quaisquer outras Resulta desse princiacutepio que que aquilo que ὂὁὄΝὄaὐὴἷὅΝὂἷἶagὰgiἵaὅΝὅἷΝἶἷὅigὀaΝἵὁmὁΝldquofilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵardquoΝὧΝἵὁὀὅtituiacuteἶὁΝὂἷlὁΝἵὁὀjunto dos diaacutelogos ἵὁmὂὁὅtὁὅΝὂἷlὁΝmἷὅtὄἷΝaΝἵaἶaΝumΝἶὁὅΝὃuaiὅΝὧΝaὄὄiὅἵaἶὁΝἵὁὀfἷὄiὄΝumaΝἷὅὂἷἵiacutefiἵaΝfiὀaliἶaἶἷΝἶὁutὄiὀalrdquoΝ(p 29)

30 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo

13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo

A diferenccedila como se pode notar entre unitaristas e revisionistas estaacute calcada na

diferenciaccedilatildeo e no propoacutesito que tais fases do pensamento platocircnico apresentam Os

revisionistas creem que os diaacutelogos devem ser analisados em sua especificidade ao serem

reconhecidos em cada diaacutelogo uma argumentaccedilatildeo loacutegica proacutepria sem correlaccedilatildeo necessaacuteria

com os outros diaacutelogos que satildeo algumas vezes ateacute contraditoacuterios em se tratando de temas

idecircnticos Aleacutem de postularem uma evoluccedilatildeo haveria segundo eles uma mudanccedila draacutestica

no pensamento de Platatildeo em cada uma das trecircs fases cronoloacutegicas Jaacute para os unitaristas a

organizaccedilatildeo dos diaacutelogos deve ser vista como meramente aparente apenas um recurso

didaacutetico elas apenas apontam um meacutetodo de exposiccedilatildeo evolutiva cujo propoacutesito uacutenico diz

respeito agrave tarefa proacutepria da filosofia platocircnica enquanto apresentaccedilatildeo de um projeto filosoacutefico

poliacutetico-educacional do qual os diaacutelogos platocircnicos compotildeem uma siacutentese isto eacute os diaacutelogos

ὅἷΝἵὁὀvἷὄgἷmΝἷmΝumaΝuὀiἶaἶἷΝήὀiἵaΝ(aΝldquofilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵardquo)ΝaἶὃuiὄiἶaΝaΝὂaὄtiὄΝἶἷὅὅaΝὂὄὰὂὄiaΝ

exposiccedilatildeo progressiva e que resulta em uma compreensatildeo de uma finalidade pedagoacutegica

direcionada a um soacute objetivo

Cada diaacutelogo eacute uma espeacutecie de unidade de membro que se articula aos demais cada

um antecipando o conteuacutedo do diaacutelogo posterior culminando na formaccedilatildeo de um corpo

doutrinaacuterio consistente Podemos afirmar que o que permanece comumente estabelecido

pelos inteacuterpretes platocircnicos eacute a necessidade de separar em trecircs grupos ou fases os diaacutelogos

de Platatildeo ὁuΝ aΝ aἴὁὄἶagἷmΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ ἵὁὀvἷὀἵiὁὀὁuΝ ἵhamaὄΝ ldquogἷὀὧtiἵὁ-evolutiva como nos

aponta Santos

() a geneacutetico-evolutiva eacute aquela [teoria] que recolhe maior apoio dos platonistas interpreta cronologicamente a divisatildeo do corpus nos trecircs grupos de diaacutelogos acima referidos e defende que as datas atribuiacutedas a sua publicaccedilatildeo expressam a evoluccedilatildeo intelectual e ideoloacutegica de Platatildeo na marcha para a exposiccedilatildeo da sua filosofia (2012 p 28)

Esta leitura geneacutetico-evolutiva tem como teoacuterico principal Gregory Vlastos (1991) Esse

autor demonstra que seria possiacutevel por meio da distinccedilatildeo das trecircs fases do pensamento

platocircnico notarmos uma diferenccedila entre aqueles diaacutelogos em que Soacutecrates seria o Soacutecrates

histoacuterico ao passo que nas demais fases eacute Platatildeo quem falaria ao expor pela personagem

condutora do diaacutelogo as suas proacuteprias teses (VLASTOS 1991 p45-46) Esta tese de Vlastos

em um primeiro momento foi aceita consensualmente pelos leitores dos diaacutelogos ao notarem

o desenvolvimento da obra de Platatildeo em determinados diaacutelogos quando comparados entre

si o que de fato eacute possiacutevel tendo em vista a vastidatildeo da obra literaacuteria elaborada por Platatildeo

31 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

Baseado como jaacute dissemos nos resultados provenientes da estilometria e posteriormente

analisando a proximidade temaacutetica a cronologia dos diaacutelogos usualmente adotada seria a

seguinte

(i) Diaacutelogos da juventude ou socraacuteticos Apologia Criacuteton Laacuteques Liacutesis Caacutermides

Ecircutifron Hiacuteppias Maior e Menor Protaacutegoras Goacutergias Iacuteon

(ii) Diaacutelogos daΝ matuὄiἶaἶἷΝ ὁuΝ ἶaΝ ldquotἷὁὄiaΝ ἶaΝ ἔὁὄmaὅrdquoμΝ Mecircnon Feacutedon Repuacuteblica45

Banquete Fedro Eutidemo Menexeno Craacutetilo

(iii)ΝἒiὠlὁgὁὅΝἶaΝvἷlhiἵἷΝὁuΝὄἷviὅatildeὁΝ(ἵὄiacutetiἵa)ΝἶaΝldquotἷὁὄiaΝἶaὅΝfὁὄmaὅμΝParmecircnides Teeteto

Sofista Poliacutetico Timeu Criacutetias Fileacutebo Leis

A cronologia de Vlastos eacute praticamente similar a esta (a de Guthrie (1975) e de

Cornford (1927)) apenas apresentando algumas poucas diferenccedilas pois ele coloca como

intermediaacuterios entre o primeiro e o segundo grupo os seguintes diaacutelogos (transiccedilatildeo)

Eutidemo Hiacuteppias Maior Liacutesis Menexeno Mecircnon e tambeacutem Parmecircnides e Teeteto como

diaacutelogos pertencentes agrave fase da maturidade Vlastos afirma ser possiacutevel encontrarmos pelo

menos dois Soacutecrates nos diaacutelogos um estaria presente nos diaacutelogos iniciais da juventude e

o outro presente nos diaacutelogos da maturidade e velhice justamente porque ambos natildeo teriam

afirmaccedilotildees semelhantes sobre os mesmos assuntos apresentando posiccedilotildees ateacute mesmo

contraditoacuterias Esse teoacuterico afirma que existe uma real e significativa diferenccedila entre os

diaacutelogos socraacuteticos aporeacuteticos (ou elecircnthicos) e os diaacutelogos do periacuteodo meacutedio e os do tardio

de tal modo seria possiacutevel postularmos que aqueles primeiros pertencem a um Soacutecrates

histoacuterico distinto dos objetivos filosoacuteficos concernentes agraves obras do periacuteodo meacutedio e final Eacute

a ὂaὄtiὄΝἶiὅὅὁΝὃuἷΝἷlἷΝfὁὄὀἷἵἷΝaὅΝἴaὅἷὅΝὂaὄaΝaὃuἷlaΝὃuἷΝfiἵὁuΝἵὁὀhἷἵiἶaΝἵὁmὁΝldquotἷὁὄiaΝἶὁΝὂὁὄta-

vὁὐrdquoΝiὅtὁΝὧΝὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἶaΝfaὅἷΝmὧἶiaΝἷΝfiὀalΝὅἷὄviὄiaΝἵὁmὁΝὂἷὄὅὁὀagἷmΝὄἷὅὂὁὀὅὠvἷlΝὂὁὄΝἷxὂὁὄΝ

a teoria propriamente platocircnica jaacute desvinculada do pensamento do Soacutecrates real (histoacuterico)

da fase juvenil dos diaacutelogos

Vlastos (1991) chega a estabelecer algumas afirmaccedilotildees sobre o Soacutecrates dos diaacutelogos

aporeacuteticos a saber Soacutecrates eacute um filoacutesofo moral que natildeo produziu teoria alguma sua busca

eacute apenas elecircnthica por isso afirma seu nada saber tambeacutem natildeo defende uma teoria da alma

por concordar com a impossibilidade da ελα έα e natildeo se interessa pelos conhecimentos

matemaacuteticos eacute um filoacutesofo da plebe natildeo apresenta qualquer teoria poliacutetica muito menos

postula uma teoria transcendente do belo a sua religiatildeo eacute uma religiatildeo praacutetica cuja divindade

45 Alguns estudiosos como Vlastos (1991) acreditavam que o Livro I da Repuacuteblica (Trasiacutemaco) seria um diaacutelogo separado do restante da Repuacuteblica Por isso Vlastos coloca o Trasiacutemaco (Livro I) entre os ἶiὠlὁgὁὅΝὅὁἵὄὠtiἵὁὅΝὁuΝldquoἷlecircὀthiἵὁὅrdquoΝἷΝὁὅΝἶἷmaiὅΝlivὄὁὅΝἶaΝRepuacuteblica (II-X) entre aqueles da maturidade (VLASTOS 1991 p 46-47)

32 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo

atua no campo das questotildees morais e por fim eacute portador de um meacutetodo filosoacutefico

adversativo tendo como princiacutepio a refutaccedilatildeo dos interlocutores (1991 p 47-48)

Segundo Vlastos qualquer um eacute capaz de notar algo totalmente contraacuterio ao se

deparar com as obras que compotildeem os periacuteodos meacutedio e da velhice platocircnicos ou seja uma

draacutestica mudanccedila de estilo de modos de expor determinadas questotildees ou mesmo a

diferenccedila de profundidade em que certos temas satildeo tratados O que vemos eacute o seguinte

Soacutecrates natildeo eacute mais apenas aquele filoacutesofo moral agora ele trata de temas metafiacutesicos

epistemoloacutegicos cientiacuteficos religiosos temas da linguagem etc como tambeacutem nos

apresenta a teoria das formas e da reminiscecircncia admitindo conhecer aquilo que visa

demonstrar lida com a teoria tripartite da alma refere-se agraves ciecircncias matemaacuteticas e manifesta

certo conhecimento acerca destas ciecircncias eacute fortemente aristocraacutetico nos apresenta uma

teoria poliacutetica refinada demonstra seu amor transcende sobre o belo a comunhatildeo com a

divindade por meio da atividade contemplativa das formas e possui um meacutetodo filosoacutefico

didaacutetico por meio do qual apresenta suas teorias para que seu interlocutor as compreenda

Para Vlastos a qualquer leitor eacute possiacutevel notar as disparidades entre os diaacutelogos da

fase inicial e os das fases seguintes nos quais Soacutecrates assume posiccedilotildees completamente

diferentes O personagem dos diaacutelogos da fase meacutedia e final propotildee e defende teorias

ἶiὅtiὀtaὅΝἷΝὅutilmἷὀtἷΝἷlaἴὁὄaἶaὅΝὅἷΝaὅὅἷmἷlhaΝmaiὅΝaΝumΝldquoὂὁὄtaΝvὁὐrdquoΝἶὁΝὂlatὁὀiὅmὁΝἶiὅtiὀtὁΝ

poreacutem da literatura socraacutetica inicial Logo isso demonstraria que essa literatura socraacutetica

inicial estaria mais proacutexima do Soacutecrates histoacuterico

Falei de um Soacutecrates em Platatildeo Haacute dois deles Em diferentes segmentos do corpus platocircnico dois filoacutesofos carregam esse nome O indiviacuteduo permanece o mesmo Mas em diferentes conjuntos de diaacutelogos ele persegue filosofias tatildeo diferentes que natildeo poderiam ser retratadas como coexistentes no mesmo ceacuterebro a menos que se trate do ceacuterebro de um esquizofrecircnico Eles satildeo tatildeo diversos em conteuacutedo e meacutetodo que se contrastam bruscamente um com o outro como tambeacutem com qualquer terceira filosofia que se possa mencionar comeccedilando com ele Aristoacuteteles (VLASTOS 1991 p 460)

Vlastos ainda acrescenta que a literatura socraacutetica teria uma espeacutecie de diacutevida com o

pensamento poliacutetico-moral antecessor que se valia do diaacutelogo para fins semelhantes dentre

eles Tuciacutedides Heroacutedoto e Proacutedico (VLASTOS 1991 p 48ss) O principal feito da

interpretaccedilatildeo de Vlastos eacute ter colocado os diaacutelogos aporeacuteticos ou elecircnthicos associados a

uma literatura dialoacutegica predominantemente poliacutetico-moral isto eacute de algum modo as obras

platocircnicas estariam jaacute ligadas a esse tipo de reflexatildeo antecedente agrave obra platocircnica mas nada

eacute dito sobre os contemporacircneos utilizarem esse mesmo meacutetodo Muito pelo contraacuterio os

diaacutelogos meacutedios e as obras da velhice atestariam um total rompimento com a fase precedente

a essas duas uacuteltimas Platatildeo neste caso teria rompido com todo o espiacuterito socraacutetico com

33 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

qualquer espeacutecie de socratismo de tal modo que a literatura filosoacutefica subsequente seria uma

espeacutecie de transcendecircncia ou de superaccedilatildeo do pensamento dialoacutegico anterior Por fim os

textos da fase juvenil atestam segundo Vlastos um conteuacutedo histoacuterico e tambeacutem um meacutetodo

particularmente refutativo presente neste periacuteodo nos diaacutelogos de Platatildeo Os diaacutelogos meacutedios

satildeo drasticamente separados dos anteriores jaacute natildeo pertencem mais a um mesmo gecircnero

literaacuterio estritamente socraacutetico Soacutecrates passa a ser um personagem utilizado sob outros fins

filosoacuteficos que natildeo aqueles que compotildeem o periacuteodo socraacutetico histoacuterico elecircnthico

O primeiro a se manifestar quanto a esse tipo de divisatildeo foi Kahn (2010) Segundo

este uacuteltimo Vlastos deve ser de certo modo enquadrado entre os revisionistas Enquanto

Kahn ele proacuteprio se inclui entre os defensores da visatildeo unitarista da obra de Platatildeo Khan

propotildee como princiacutepio interpretativo a necessidade de natildeo se separar os diaacutelogos de um

contexto histoacuterico maior que ele acredita pertencer a literatura socraacutetica Deste modo

segundo esse autor parece ser equivocado dotar os diaacutelogos socraacuteticos de tamanha

excepcionalidade sem compreendecirc-los como frutos de uma tradiccedilatildeo poeacutetica grega isto eacute ao

situaacute-los fora dessa proacutepria tradiccedilatildeo

O leitor eacute capaz de notar nos diaacutelogos natildeo apenas uma referecircncia agrave essa tradiccedilatildeo

poeacutetica (a obra dialoacutegica natildeo apenas reporta a essa tradiccedilatildeo) mas tambeacutem eacute capaz de

identificar a obra platocircnica nessa mesma tradiccedilatildeo poreacutem dotada de um novo sentido De tal

modo nos parece evidente um sentido subjacente (traacutegico-cocircmico) presente na obra filosoacutefica

de Platatildeo A poeacutetica grega serve como base para a estruturaccedilatildeo dos diaacutelogos Platatildeo natildeo se

limita a citar os poetas ele natildeo se contenta com isso os diaacutelogos satildeo meios para uma criaccedilatildeo

multifacetada de sua filosofia na qual estatildeo presentes constantes referecircncias agrave essa tradiccedilatildeo

a qual tambeacutem eacute material importante para a elaboraccedilatildeo de sua obra O que se nota natildeo

apenas nos diaacutelogos socraacuteticos eacute uma enorme influecircncia da tradiccedilatildeo poeacutetica na composiccedilatildeo

da obra platocircnica ela eacute um ponto de partida para a composiccedilatildeo desse especiacutefico gecircnero

literaacuterio que eacute o diaacutelogo e que marca decisivamente os rumos adotados por Platatildeo no

desenvolvimento de sua obra Lembremo-nos de que natildeo foi apenas Platatildeo quem escreveu

diaacutelogos mas tambeacutem outros autores que provavelmente disputavam em torno de um

prestiacutegio literaacuterio com suas composiccedilotildees adotando como gecircnero literaacuterio os diaacutelogos

socraacuteticos (KHAN 2010 p 31ss)

Algo tambeacutem que merece ser destacado sobre a visatildeo de Khan diz respeito agrave busca

pela efetiva caracterizaccedilatildeo do indiviacuteduo (realhistoacuterico) Soacutecrates quando tenta encontrar na

imagem desse personagem dos diaacutelogos da juventude a suposta informaccedilatildeo sobre sua

identidade fato capaz de poder atribuiacute-lo um pensamento distinto do de Platatildeo Deste modo

a filosofia platocircnica para Khan procura se afirmar enquanto um discurso que possui um papel

pedagoacutegico que a diferencia das demais atividades dos outros gecircneros literaacuterios que natildeo se

34 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo

ὄἷὅumἷmΝὡΝὅimὂlἷὅΝὄἷfutaὦatildeὁνΝὅἷΝfὁὅὅἷΝaὅὅimΝἷlaΝἷὅtaὄiaΝἷmΝldquoὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝἵὁmΝaΝἷὄiacuteὅtiἵaέΝ

Para Kahn

Gregory Vlastos deu uma formulaccedilatildeo mais uacutetil e extremada da leitura evolutiva ao falar de uma filosofia essencialmente socraacutetica em alguns dos dez ou doze diaacutelogos segundo sua opiniatildeo nestes diaacutelogos Platatildeo se encontra ainda enfeiticcedilado por seu mestre cuja filosofia natildeo soacute eacute distinta mas antiteacutetica a seu proacuteprio pensamento maduro No momento em que se converte em um filoacutesofo original Platatildeo abandona e se volta contrariamente contra sua posiccedilatildeo socraacutetica de origem (KAHN 2010 p 66)

Esse tipo de interpretaccedilatildeo na visatildeo de Kahn eacute mais especulativo do que propriamente

filosoacutefico jaacute que a proposta se distancia do que ele considera como o objetivo pedagoacutegico

maior da obra platocircnica Interessa a Kahn uma visatildeo mais ampla da obra dialoacutegica de Platatildeo

a despeito de alguns fatos parecerem ser descritos historicamente nessa mesma obra o que

por sinal teria objetivos puramente destinados a um significado filosoacutefico passando pelo crivo

da criaccedilatildeo literaacuteria Sua intenccedilatildeo eacute ir aleacutem dessa descriccedilatildeo vista por Vlastos como puramente

historiograacutefica para uma compreensatildeo da obra de Platatildeo ao situaacute-la em um contexto literaacuterio-

poeacutetico maior natildeo apenas dirigida a um embate filosoacutefico mas tambeacutem a um embate com

essa proacutepria tradiccedilatildeo poeacutetica subjacente na composiccedilatildeo de um gecircnero literaacuterio isto eacute

compreender sua dimensatildeo artiacutestica dentro de um contexto ainda mais amplo

Kahn ainda alega mais adiante (2010 p 66) que o problema de teses como a de

Vlastos estritamente desenvolvimentistas eacute a incapacidade de lidar com um problema

insoluacutevel a saber o problema Soacutecrates A dificuldade em lidar com o anonimato de Platatildeo em

suas obras faz com que os inteacuterpretes desenvolvimentistas em sua radicalidade acabem se

fiando em questotildees especulativas sobre a realidade da personagem Soacutecrates sobre sua

identidade baseada em especulaccedilotildees historiograacuteficas Tais questotildees eacute importante que se

diga isto natildeo podem ser refutadas nem tatildeo pouco podem ser atestadas com certa

veemecircncia Ainda que Platatildeo tenha passado por uma fase socraacutetica e depois se distanciado

desse tipo de pensamento nenhuma indicaccedilatildeo em sua obra eacute capaz de nos afirmar isto

Indicaccedilotildees estas que os revisionistas por sinal encontram apenas em referecircncias externas

como a obra de Aristoacuteteles por exemplo

Ao contraacuterio do que rapidamente se possa pensar a visatildeo de Kahn natildeo tem como fim

negar a existecircncia histoacuterica de Soacutecrates nem mesmo a sua influecircncia mas propor certa

continuidade entre os diaacutelogos socraacuteticos e os demais ao negar qualquer ruptura draacutestica

entre as fases do pensamento platocircnico Se Platatildeo apresenta suas posiccedilotildees filosoacuteficas nos

diaacutelogos e por vezes elas podem ser identificadas aos discursos proferidos por Soacutecrates ao

mesmo tempo ele natildeo nos diz suas opiniotildees pessoais acerca dos temas ali tratados Neste

caso a forma de abordagem irocircnica das posiccedilotildees no uso de determinada retoacuterica faz com

35 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

que as posiccedilotildees ali desenvolvidas se encontrem desprovidas de um caraacuteter tratadiacutestico ou

doutrinal tudo isso contribuiria para a exposiccedilatildeo de uma filosofia distante de certa rigidez de

tal maneira que ao se ocultar nos personagens Platatildeo tornaria enriquecedoras suas obras

ao possibilitar certa liberdade interpretativa do que se encontra em discussatildeo ali naquele

contexto dramaacutetico Essa seria uma das principais contribuiccedilotildees agrave tradiccedilatildeo interpretativa

subsequente Quais seriam entatildeo os reais objetivos com semelhante ocultaccedilatildeo Teria ela

objetivos propriamente filosoacuteficos ou natildeo passa de estiliacutestica e retoacuterica Ambos talvez

A maior dificuldade segundo Kahn eacute o enfrentamento das posiccedilotildees vistas como

contraditoacuterias nos diaacutelogos Cada diaacutelogo eacute uma espeacutecie de composiccedilatildeo dramaacutetica uacutenica em

que os temas estatildeo relacionados e servem a um propoacutesito argumentativo presente naquela

ὁἴὄaΝὂὁiὅΝldquo[έέ]ΝἵaἶaΝἶiὠlὁgὁΝὅἷΝaὂὄἷὅἷὀtaΝaΝὅiΝmἷὅmὁΝἵὁmὁΝumaΝuὀiἶaἶἷΝautὲὀὁmaΝὃuἷΝἷxiὅtἷΝ

ἷmΝὅἷuΝὂὄὰὂὄiὁΝἷὅὂaὦὁΝlitἷὄὠὄiὁrdquoΝ (ἀί1ίΝὂέΝἄἂ)έΝἠὁΝἷὀtaὀtὁΝὅἷguὀἶὁΝἛahὀΝndash e essa seria a

maior dificuldade levantada pelos inteacuterpretes platocircnicos ndash a tarefa do inteacuterprete seria conciliar

esses diaacutelogos ou grupo de diaacutelogos em um conjunto uacutenico como pertencentes a um soacute

autor algo impossiacutevel por exemplo para os revisionistas como eacute o caso de Vlastos que acaba

por duplicar um soacute autor criando dois ao inveacutes de um uacutenico Platatildeo (o socraacutetico histoacuterico e o

natildeo-socraacutetico) ou dois Soacutecrates (o histoacuterico e o personagem fictiacutecio) Para Khan (2010) toda

a filosofia platocircnica eacute socraacutetica e natildeo haacute na obra dialoacutegica duas filosofias platocircnicas

incompatiacuteveis Mas qual a soluccedilatildeo oferecida pelo teoacuterico norte-americano para afirmar isso

e ao mesmo tempo opor-se ao revisionismo

A soluccedilatildeo de Khan nesse sentido ao dizer que cada diaacutelogo eacute uacutenico natildeo nega o

mesmo meacutetodo geneacutetico-expositivo adotado pelo revisionismo Contudo Khan considera que

as diferentes visotildees e abordagens dos temas presentes nos diaacutelogos tecircm um propoacutesito

literaacuterio-filosoacutefico isto eacute trata-se de um meacutetodo pedagoacutegico satildeo recursos utilizados por

Platatildeo sob o propoacutesito de descrever e fundamentar um projeto poliacutetico que se apresenta

progressivamente no decorrer de toda a sua obra uma unificaccedilatildeo que soacute eacute alcanccedilaacutevel

mediante uma completa anaacutelise de todos os diaacutelogos Isso Kahn denomiὀaΝἵὁmὁΝldquoἷxὂὁὅiὦatildeὁΝ

iὀgὄἷὅὅivardquoΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ ὂlatὲὀiἵaέΝ ἡuΝ ὅἷjaΝ ἵaἶaΝ ὁἴὄaΝ ὧΝ umaΝ aὀtἷἵiὂaὦatildeὁΝ ἶaὃuilὁΝ ὃuἷΝ ὅἷὄὠΝ

esclarecido naquela posterior a ela ou seja a chamada prolepse (antecipaccedilatildeo) presente nas

composiccedilotildees dos diaacutelogos (KAHN 2010 p 85) Deste modo Platatildeo estaria ainda mais

atestando o caraacuteter dialeacutetico de sua filosofia distanciando-se ao mesmo tempo de qualquer

tipo de dogmatismo Tambeacutem atestaria que o pensamento de Soacutecrates permanece vivo nos

ἶiὠlὁgὁὅΝὃuἷΝὀatildeὁΝὁὅΝἶitὁὅΝldquoὅὁἵὄὠtiἵὁὅrdquoΝἷὀὃuaὀtὁΝumaΝiὀspiraccedilatildeo para a concretizaccedilatildeo de um

projeto filosoacutefico maior isto porque natildeo abandona o meacutetodo dialoacutegico mas persiste nele ateacute

o final de sua vida sempre em consonacircncia com o espiacuterito herdado do mestre

ἏὅΝἷvaὅὴἷὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝaὅΝldquoἵὁὀtὄaἶiὦὴἷὅrdquoΝmaὀifἷὅtaἶaὅΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝ

segundo Khan seriam por dois motivos gerais a saber a aversatildeo ao dogmatismo assim

36 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo

como a descrenccedila na comunicaccedilatildeo de noccedilotildees filosoacuteficas natildeo elaboradas suficientemente

Platatildeo teria percebido que deste modo expondo uma obra por vezes inconclusa complexa

figurada gradativa e por vezes aporeacutetica poderia estimular seu leitor a um percurso

investigativo proacuteprio sem oferecer a seu leitor respostas prontas acabadas Khan tambeacutem

reconhece a necessaacuteria atenccedilatildeo aos recursos literaacuterios utilizados por Platatildeo destinados a

essa exposiccedilatildeo ingressiva de sua filosofia como a real necessidade de tratar de temas

metafiacutesicos importantes recorrendo a uma linguagem figurada (mito alegoria etc) cujo

ὂὄὁὂὰὅitὁΝἵὁὀfiguὄaΝaΝἷxὂὁὅiὦatildeὁΝldquoἷxὁtὧὄiἵardquoΝἶἷΝὅἷuΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶaΝἷlaἴὁὄaὦatildeὁΝἶὁὅΝ

diaacutelogos (KAHN 2010 p 66)46

Ora as contribuiccedilotildees de Kahn satildeo notaacuteveis na questatildeo interpretativa dos diaacutelogos no

que diz respeito agrave uma concepccedilatildeo unitarista da filosofia platocircnica Poreacutem como se nota ela

ainda tem como base concepccedilotildees evolutivas realccediladas pelo revisionismo como a divisatildeo das

trecircs fases do pensamento platocircnico Ao considerar o Goacutergias como o primeiro diaacutelogo com

concepccedilotildees predominantemente platocircnicas ndash diaacutelogo no qual Platatildeo teria de fato alcanccedilado

certo domiacutenio sobre sua obra ou melhor um estilo literaacuterio proacuteprio ndash em detrimento da

Apologia e do Criacuteton que apresentam traccedilos historiograacuteficos mais visiacuteveis o que gera maior

curiosidade sobre a identidade histoacuterica do personagem Soacutecrates Khan novamente retoma

em certa medida o argumento dos revisionistas quando considera que em dado momento

Soacutecrates torna-se o porta-voz de Platatildeo Do mesmo modo ao tomar a Repuacuteblica como eixo

central para a organizaccedilatildeo dos diaacutelogos como ponto aacutepice da filosofia de Platatildeo sob o

46 Khan estabelece uma cronologia que tem como base trecircs grupos O grupo I os diaacutelogos satildeo divididos em seis estaacutegios que atestariam a evoluccedilatildeo do filoacutesofo ateacute o eixo central considerado por Khan como maacutexima expressatildeo da atividade platocircnica a saber a Repuacuteblica Os seis estaacutegios demonstrariam a caracterizaccedilatildeo proleacuteptica da filosofia platocircnica Sendo assim ficam assim divididos os diaacutelogos Grupo I Apologia Criacuteton (1) Iacuteon Hipias menor (2) Goacutergias Menexeno (3) Laques Caacutermides Eutiacutefron Protaacutegoras (4) Mecircnon Liacutesis Eutidemo (5) Banquete Fedoacuten Craacutetilo (6) Grupo II Repuacuteblica Fedro Parmecircnides Teeteto Grupo III Sofista Politico Filebo Tirneu-Criacutetias Leis ldquoἑὁὀὅiἶἷὄaὀἶὁΝὃuἷΝὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶὁΝἕὄuὂὁΝIΝὅatildeὁΝἶaΝjuvἷὀtuἶἷΝἶἷὅἵὄἷvὁΝὅuaΝὄἷlaὦatildeὁΝἵὁmΝaΝRepuacuteblica corno proleacuteptica Poreacutem este termo este pode parecer excessivamente cronoloacutegico quanto agrave questatildeo relativa agrave ordem em que foram realmente redigidos ou a sequecircncia em que satildeo lidos de fato natildeo tem grande importacircncia Meus seis estaacutegios devem ser compreendidos como proposta para uma ordem de leitura ideal poreacutem talvez seja melhor empregar uma metaacutefora espacial do que uma temporal ao inveacutes de falar de antes e depois podemos falar de exoteacuterico e esoteacuterico de distacircncia relativa em relaccedilatildeo a um centro definido pela Repuacuteblica Este modo de interpretar os testos poderia denominar-se igualmente ingressivo como una variante para a noccedilatildeo de prolepse Os diferentes estaacutegios do Grupo I nos proporcionam distintos pontos de entrada distintos niacuteveis de ingresso no universo do pensamento platocircnico que encontra sua expressatildeo mais completa na RepuacuteblicardquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝἅἂ)έ

37 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

propoacutesito de fundamentar uma suposta cronologia que separa os diaacutelogos em trecircs grupos

Kahn ainda continua proacuteximo do argumento dos revisionistas (KAHN 2010 p 73-74) Logo

a teoria interpretativa de Khan nos impossibilita supor que Platatildeo pudesse ter reescrito sua

obra reeditado ou reelaborado ou mesmo escrito mais de um diaacutelogo ao mesmo tempo

Destarte natildeo poderiacuteamos entatildeo notar o pensamento platocircnico em desenvolvimento jaacute que

seu aacutepice teria sido atingido na Repuacuteblica ou melhor reconhecer a proacutepria construccedilatildeo de

Platatildeo ao longo de toda a sua obra Essa caracterizaccedilatildeo proleacuteptica da obra platocircnica tal como

nos eacute apresentada por Khan ainda permanece presa a um certo evolucionismo que torna

impossiacutevel considerar o pensamento platocircnico como algo em desenvolvimento

O contributo da teoria unitarista proposta por Khan eacute que ela nos adverte sobre a

falecircncia de uma reconstruccedilatildeo histoacuterica especulativa de Soacutecrates baseada em referecircncias

extra dialoacutegicas Do mesmo modo nos adverte que devemos rejeitar uma diferenccedila draacutestica

entre o pensamento socraacutetico dos diaacutelogos da juventude e os demais ao admitir que toda a

filosofia platocircnica eacute socraacutetica e que a caracteriacutestica socraacutetica da filosofia platocircnica se manteacutem

nas demais fases Nesse sentido somos convidados a ultrapassar as incoerecircncias entre um

periacuteodo e outro entre os temas divergentes que porventura satildeo notaacuteveis ao longo desse

processo pedagoacutegico-poliacutetico da filosofia platocircnica em geral Trata-se de reconhecer em cada

diaacutelogo esse dinamismo com que o personagem Soacutecrates eacute apresentado e o modo como estaacute

a dialogar em cada obra sem buscar um conteuacutedo histoacuterico por traacutes dessa caracterizaccedilatildeo

mas sim compreendecirc-la como um recurso literaacuterio (retoacuterico) que possui finalidades maiores

imperceptiacuteveis num primeiro momento e que possa vir a se tornar suposiccedilatildeo de uma draacutestica

mudanccedila real oposiccedilatildeo ou mesmo objeto de controveacutersia na anaacutelise de diversos diaacutelogos

Essa separaccedilatildeo em fases a despeito de ainda ser adotada por Kahn jaacute abre caminho para

uma interpretaccedilatildeo assistemaacutetica dos diaacutelogos ou seja diminui a rigidez das separaccedilotildees

impostas aos diaacutelogos porquanto estes se inserem em um processo em que as proacuteprias obras

compotildeem um conjunto de indagaccedilotildees destinadas a uma finalidade eacutetico-poliacutetico-moral e que

permanecem sendo tratadas sob um vieacutes dialeacutetico Mas em relaccedilatildeo ao evolucionismo e agrave

cronologia histoacuterica dos diaacutelogos podemos afirmar que de alguma maneira ainda que

modificada deles Khan ainda natildeo abriu matildeo47

47 εέΝ εέΝ εἵἑaἴἷΝ ἷὅtaἴἷlἷἵἷὄὠΝ umaΝ ἵὄiacutetiἵaΝ aΝἛhaὀΝ ὅὁἴΝ umΝ ὂὁὀtὁΝἶἷΝ viὅtaΝ ldquoaὀaliacutetiἵὁrdquoΝ ἶἷΝ lἷituὄaΝἶὁὅΝdiaacutelogos Ela sugere que quando diferentes diaacutelogos platocircnicos parecem ter conteuacutedos semelhantes ὅatildeὁΝmἷlhὁὄἷὅΝἷὀtἷὀἶiἶὁὅΝἵὁmὁΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquomἷtalἷὂὅἷrdquoΝaὂaὄἷἵendo e criticando ideias anteriores incentivando os leitores a pensarem os problemas por si mesmos O fato eacute que o que mais vemos eacute o diaacutelogo usado artiacutestica ou indiretamente Nos parece menos evidente que o intuito ou a tarefa mais direta seja interpretar o pensamento de Platatildeo Ela ainda destaca que a mesma questatildeo estaacute impliacutecita nas interpretaccedilotildees esoteacutericas e straussianas que natildeo atribuem um valor maacuteximo ao desenvolvimento mas o debate recente (e aqui ela se refere agrave tradiccedilatildeo interpretativa literaacuteria contemporacircnea) tambeacutem revelou a importacircncia desse ponto para quem lecirc os diaacutelogos natildeo como veiacuteculos expliacutecitos natildeo satildeo leitores doutrinais (unitaristas) ou analiacuteticos (revisionistas) (McCABE 2002 p 4)

38 14 A posiccedilatildeo literaacuteria

14 A posiccedilatildeo literaacuteria

A questatildeo referente agrave intepretaccedilatildeo da obra platocircnica como ateacute entatildeo demonstrado eacute

algo que ainda divide opiniotildees entre os especialistas O primeiro questionamento de qualquer

leitor que se deparara com a obra de Platatildeo eacute sobre o modo como se deve ler Platatildeo por

onde comeccedilar Em geral qual metodologia adotar Creio que a pergunta pode e deve ser

redirecionada para a um outro aspecto ainda mais importante o modo de elaboraccedilatildeo das

obras platocircnicas isto eacute o diaacutelogo por que Platatildeo escreve diaacutelogos por que adota este meacutetodo

de exposiccedilatildeo filosoacutefico Teria nosso autor algum outro propoacutesito senatildeo aqueles meramente

literaacuterios Objetivos retoacutericos Filosoacuteficos Ou ambos

Sobre essa questatildeo muito jaacute foi discutido e ainda se discute De fato a noacutes leitores de

Platatildeo eacute necessaacuterio lidar com essa estreita relaccedilatildeo proacutepria da elaboraccedilatildeo do pensamento

filosoacutefico platocircnico digo a respeito das particularidades que envolvem uma escrita filosoacutefica

sobre a forma dramaacutetica do diaacutelogo Como conjugar essa triacuteplice caracterizaccedilatildeo presente na

obra platocircnica os diaacutelogos satildeo escritos escritos dramaacuteticos e tambeacutem obras filosoacuteficas A

questatildeo ainda se torna mais profunda agrave medida em que notamos que a proacutepria obra de Platatildeo

se insere na criacutetica tanto agrave poesia quanto agrave escrita ao mesmo tempo em que ela proacutepria eacute

uma obra escrita e dramaacutetica Como lidar com as criacuteticas relativas agrave poesia e principalmente

agrave proacutepria escrita encontrada nos diaacutelogos (Phdr 274b- 279c48 Ep VII 341c-345c49)

48 Resumidamente os conteuacutedos da criacutetica satildeo os seguintes (i) produz mera aparecircncia de saber (ii) tem caraacuteter apenas mnemocircnico para quem escreve (iii) manteacutem-se em silecircncio a semelhanccedila da pintura (iv) questionada responde sempre a mesma coisa a entendidos e a desentendidos (v) incapaz de se defenderΝ ὄἷὃuἷὄΝ ὅἷmὂὄἷΝ ὁΝ ὅὁἵὁὄὄὁΝ ἶἷΝ ὅἷuΝ autὁὄέΝ ἏὁΝ ἵὁὀtὄὠὄiὁΝ ἶὁΝ ldquoἴὁmrdquoΝ ἶiὅἵuὄὅὁμΝ (i)Ν ὂὁὅὅuiΝnatureza e origem mais potente e melhor por isso tambeacutem um homem seacuterio (falta algo) (ii) natildeo confia ao escrito suas coisas mais importantes (iii) se ele utiliza o escrito eacute apenas por brincadeira e para o auxiacuteliὁΝἶaΝmἷmὰὄiaΝ(iv)ΝἷlἷΝὅἷΝἶἷἶiἵaΝὡΝἶialὧtiἵaΝἷΝἷὅἵὁlhἷΝaὅΝalmaὅΝaὂtaὅΝὀaὅΝὃuaiὅΝiὄὠΝldquoὅἷmἷaὄrdquoΝὁὅΝdiscursos (v) deve conhecer a verdade sobre o que fala ou escreve praticando o meacutetodo da divisatildeo conhecendo a natureza da alma de quem ouve oferecer-lhe o conteuacutedo mais adequado (vi) deve perceber que nada de seacuterio haacute no discurso escrito mas sim naquele que se inscreve na alma (vii) compondo discursos com conhecimento e verdade deveraacute tambeacutem ser capaz de defendecirc-los na ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὁὄalΝἷΝmὁὅtὄaὄΝaὅΝiὀfἷὄiὁὄiἶaἶἷὅΝἶὁΝἷὅἵὄitὁΝἷΝaὅὅimΝὂὁἶἷὄὠΝὅἷὄΝἵhamaἶὁΝἶἷΝldquofilὰὅὁfὁrdquoΝ(Phdr 274b- 279c) 49 A Carta relata que Dioniso de Siracusa teria escrito um tratado atribuindo-o como depositaacuterio das ideias mais importantes do proacuteprio Platatildeo Diante disso este uacuteltimo teria apresentado uma seacuterie de alegaccedilotildees (i) quem escreve ou vier a escrever sobre esse assunto nada entendeu (ii) de Platatildeo natildeo haacute nem nunca haveraacute um tratado sobre tais assuntos Isto porque (i) sobre ele natildeo se pode escrever (ii) (porque) a quem se deteve longamente com ele (a sua compreensatildeo) nasce num instante na alma e alimenta-se por si (iv) ningueacutem melhor que ele (o proacuteprio Platatildeo) seria capaz de falar ou escrever sobre o assunto se acaso lhe fosse oportuno fazecirc-lo (iii) mas haacute uma razatildeo que passaraacute a expor (digressatildeo) e que se opotildee a que se escreva sobre ele (Ep VII 341c-345c)

39 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

Como jaacute dito anteriormente vaacuterios modelos foram propostos seja aquele em que

devemos considerar a obra de Platatildeo como algo unitaacuterio cuja finalidade seria expor uma visatildeo

ὂὄὰὂὄiaΝὁuΝldquoἶὁgmὠtiἵardquoΝὅἷΝὃuiὅἷὄmὁὅΝὅἷjaΝaὃuἷlaΝἷmΝὃuἷΝὂὁἶἷmὁὅΝὀὁtaὄΝἵἷὄtaὅΝὄuὂtuὄaὅΝaΝ

partir da variabilidade ali apresentada tanto na composiccedilatildeo das proacuteprias obras enquanto

encenaccedilotildees especiacuteficas e variadas quanto no conflito entre pontos de vistas entre conteuacutedos

muacuteltiplos e ateacute mesmo contradiccedilotildees Como tambeacutem jaacute dissemos essa eacute uma questatildeo

antiquiacutessima e remonta a todo um histoacuterico que poderiacuteamos tratar exaustivamente Mas esse

natildeo eacute o meu propoacutesito aqui quero apenas delinear algumas visotildees para a partir delas deixar

claro meu objetivo com este estudo O que podemos resumidamente afirmar eacute que essas

perspectivas se desenvolvem basicamente a partir de duas perspectivas ou seja podemos

crer como os neoplatocircnicos que Platatildeo apresenta um pensamento proacuteprio uma doutrina

ὂὄὰὂὄiaΝὁuΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoἶὁgmatiὅmὁrdquoνΝviὅatildeὁΝὃuἷΝὅἷΝὅὁliἶifiἵὁuΝὀὁὅΝmaὀuaiὅΝἶἷΝhiὅtὰὄiaΝἶaΝ

filosofia ou apenas acreditar como jaacute acreditavam na antiguidade que natildeo podemos afirmar

nada acerca do que eacute exposto nos diaacutelogos logo aderir a uma visatildeo de um Platatildeo ceacutetico50

A tradiccedilatildeo interpretativa nos deixou tal heranccedila mas ao mesmo tempo nos deixou tamanho

legado a saber discernir algo plausiacutevel acerca da hermenecircutica platocircnica Diante disso basta

analisar essa discussatildeo infinda que se travou durante seacuteculos O fato eacute que na

contemporaneidade as posiccedilotildees estanques tecircm demonstrado sua real ineficaacutecia O que natildeo

podemos negar eacute que a composiccedilatildeo de uma filosofia dramaacutetica sob fins dialeacuteticos eacuteevidente

nos diaacutelogos os quais satildeo dramas especiacuteficos apresentados em cada obra contextos

distintos que se iniciam a partir de uma discussatildeo em torno de um tema especiacutefico gerando

desdobramentos ainda maiores

Chego ao ponto desejado na contemporaneidade retoma-se um debate frequente

acerca dessa proacutepria concepccedilatildeo dramaacutetica o modo como ela eacute elaborada seus aspectos

fundamentais Alguns autores importantes como C Gill (2006) M Frede (1998) M M

Mccabe G A Press (1993 2000) D Nails (2002) V Tejera (1999) J Sallys (1996) K Sayre

(1995) e Harold Tarrant (2000) visam recuperar uma visatildeo que jaacute era presente na

Antiguidade51 ao manifestarem sua discordacircncia de qualquer leitura que vise encontrar nas

obras de Platatildeo uma espeacutecie de doutrina geral mas entendem os diaacutelogos como um estiacutemulo

para a busca pessoal de um indiviacuteduo pela verdade No entanto eles trazem reflexotildees

50 ldquoἠὁΝiὀtἷὄiὁὄΝἶaΝεὧἶiaΝἷΝἶaΝἠὁvaΝἏἵaἶἷmiaΝ- desde Arcesilau que assumiu a direccedilatildeo da escola em 270 aC - sabe-se que a orientaccedilatildeo fundamental era justamente combater os dogmatikoi ou seja os aristoteacutelicos epicuristas e estoicos Assim escreveu Ciacutecero no De Oratore (1930 livro III p 67) lsquoἏὄἵἷὅilauΝέέέΝtiὄaΝἶὁὅΝἶivἷὄὅὁὅΝἷὅἵὄitὁὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝέέέΝaΝἵὁὀἵluὅatildeὁΝὃuἷΝὀaἶaΝἶἷΝἵἷὄtὁ pode ser apreendido seja pelos sentidos seja pelo espirito (nihil esse certi quo aut sensibus aut animo percipi possit )rsquoνΝἷΝaἵὄἷὅἵἷὀtaΝὃuἷΝἏὄἵἷὅilauΝutiliὐavaΝἵὁmὁΝmὧtὁἶὁΝaὃuἷlἷΝlsquoἶἷΝὀatildeὁΝὄἷvἷlaὄΝὁΝὃuἷΝὂἷὀὅaΝmaὅΝaὄgumἷὀtaὄΝcontra o que os outros dizἷmΝὂἷὀὅaὄrsquordquoΝ(ἐἓἠἡIἦΝ1λλἃΝὂέΝἆλ)έ 51 Cf ANNAS (2012 p 37) e TARRANT (2000 p 79)

40 14 A posiccedilatildeo literaacuteria

importantes Refiro-me aqui agrave atenccedilatildeo que reclamam aos aspectos literaacuterios presentes na

composiccedilatildeo dialoacutegica

A questatildeo nesse caso eacute mais criteriosa e pouco menos estrita pois se trata de saber

se podemos ler Platatildeo apenas de um modo literaacuterio ou filosoacutefico Sayre por exemplo

responde a este questionamento dizendo que seria extremamente possiacutevel analisar os

diaacutelogos apenas pelo espetaacuteculo que eles produzem (1995 p 29) Ou seja segundo a visatildeo

daqueles que buscam encontrar ali teorias filosoacuteficas algo meramente secundaacuterio como o

contexto o lugar os personagens em suma o palco onde se apresenta a encenaccedilatildeo contida

no diaacutelogo poderia talvez nos trazer reflexotildees interessantes sem que sejam assumidas teses

filosoacuteficas que dali poderiam derivar Neste sentido podemos retomar a criacutetica de Tejera

(1λλλ)Ν ὡὅΝ lἷituὄaὅΝ ὃuἷΝ ἷlἷΝ ὀὁmἷiaΝ ἵὁmὁΝ ldquolἷituὄaΝ iἶἷaliὅtaΝ ἶaΝ iὀtἷὂὄἷtaὦatildeὁΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁrdquoέΝ ἠaὅΝ

paacuteginas que abrem sua obra ele convida o leitor a manifestar um olhar despretensioso sobre

as obras platocircnicas analisando apenas aquilo que determinado diaacutelogo possa vir a lhe

apresentar a reparar a vivacidade da discussatildeo o combate entre os personagens o tom da

discussatildeo todos os recursos literaacuterios disponiacuteveis (mitos alegorias omissotildees dentre outros)

que em uma leitura formal e dogmaacutetica seriam segundo o autor reinterpretados e tomariam

a forma de um conteuacutedo de uma intepretaccedilatildeo secundaacuteria e geral de algo que seria muito

mais especiacutefico (p 9- 10)

Da mesma maneira esse teoacuterico se contrapotildee agraves interpretaccedilotildees dogmaacuteticas dos

textos platocircnicos em grande parte responsaacuteveis pelo enfraquecimento da vivacidade

presente nos diaacutelogos pela riqueza literaacuterio-retoacuterica ali presente quando recolhem de

contextos especiacuteficos trechos fragmentos de uma obra maior para transformaacute-los em teorias

O brilhantismo literaacuterio das obras esmaece-se em uma palidez tornando os discursos vivos

apresentados de forma refinada em algo sem vida doutrinaacuterio e digno de recusa por um

espiacuterito filosoacutefico criacutetico pois impedem a liberdade interpretativa do leitor como tambeacutem os

resultados decorrentes de uma investigaccedilatildeo proacutepria atualizada

A leitura exegeacutetica acadecircmica iniciada desde a Antiguidade segundo Tejera seria

responsaacutevel pela morte dos diaacutelogos naquilo que eles mesmo satildeo diaacutelogos Da Antiguidade

sucessora de Platatildeo ateacute a contemporaneidade Platatildeo teria sido interpretado e reinterpretado

de acordo com interesses quase que distantes do que realmente sua obra apresenta segundo

interesses neoplatocircnicos proacuteprios o que segundo o teoacuterico teria sido responsaacutevel pelo

desinteresse em um autor brilhante que passa a ser visto como um filoacutesofo dogmaacutetico

defensor de doutrinas e que obviamente passaraacute a ser visto como antiquado retroacutegrado ou

ateacute mesmo superado (1999 p 11-14)

ἢὁἶἷmὁὅΝὂὁὄΝhὁὄaΝὀὁὅΝὄἷfἷὄiὄΝaΝἷὅὅἷΝήltimὁΝὂaὄaἶigmaΝἶἷΝlἷituὄaΝἵὁmὁΝldquoὂaὄaἶigma

literaacuterio-filὁὅὰfiἵὁrdquoΝὂὄὰὂὄiὁΝἶaΝὅἷguὀἶaΝmἷtaἶἷΝἶὁΝὅὧἵulὁΝXXΝἷxὂὄἷὅὅὁΝἷmΝgὄaὀἶἷΝὂaὄtἷΝὂὁὄΝ

C Gill (2006) Em suma se distingue em grande parte do revisionismo estrito e tambeacutem do

41 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

desenvolvimentismo porque segundo creem seus partidaacuterios os argumentos filosoacuteficos

muitas vezes devem partir de uma anaacutelise autocircnoma e particular detida na anaacutelise dos criteacuterios

literaacuterios que por vezes superam a argumentaccedilatildeo filosoacutefica Os aspectos dramaacuteticos ou

literaacuterios satildeo decisivos para a compressatildeo dos diaacutelogos De tal maneira cada argumento deve

se ater agravequele diaacutelogo restringindo-se aos limites da argumentaccedilatildeo ali apresentada Nenhum

personagem neste caso seria porta-voz de Platatildeo nem mesmo Soacutecrates mas cada um

desempenharia um papel particular falando a partir de si mesmo de um ponto de vista bem

fundamentado Platatildeo assim natildeo estaria no fundo no comando da cena dialoacutegica Seria

neste caso imprescindiacutevel ao leitor privar-se de estabelecer relaccedilotildees entre argumentos

distintos sobre um mesmo tema partindo de contextos dialoacutegico-argumentativos ou mesmo

formular uma espeacutecie de teoria geral proveniente de um entrecruzamento entre obras de um

suposto sistema de pensamento platocircnico52

Gill (2006) apresenta quatro constataccedilotildees principais sob as quais poderiacuteamos preferir

adotar tal visatildeo interpretativa (i) o conhecimento objetivo do tipo mais importante (sobre os

princiacutepios essenciais da realidade) soacute pode ser alcanccedilado na e por meio da participaccedilatildeo na

dialeacutetica ou seja o diaacutelogo filosoacutefico conduzido mediante perguntas e respostas sistemaacuteticas

individuais (ii) o exame dialeacutetico soacute atinge esse objetivo se os participantes (a) trazerem para

a dialeacutetica as qualidades apropriadas de caraacuteter e intelecto e (b) se envolverem efetivamente

no modo de dialeacutetica que esteja apropriadamente relacionado ao assunto em discussatildeo (iii)

o entendimento adequado qualquer problema filosoacutefico verificado depende de situar este

problema corretamente em relaccedilatildeo a (a) os princiacutepios fundamentais da realidade e (b) os

princiacutepios fundamentais do meacutetodo dialeacutetico (iv) cada encontro dialeacutetico tem sua proacutepria

probidade e significado e constitui um contexto em que podem ser feitos progressos

substanciais para a compreensatildeo dos princiacutepios fundamentais da realidade e do meacutetodo

filosoacutefico (p 143) Ele ainda detalha

Quero sugerir que esses princiacutepios podem nos ajudar a explicar certos recursos recorrentes da forma de diaacutelogo e que fornecem uma base para analisar a perspectiva filosoacutefica que estaacute subjacente agrave implantaccedilatildeo platocircnica da dialeacutetica Eles nos permitem primeiro definir um tipo diferente de unitarismo do discutido anteriormente ou seja um unitarianismo de

52 ldquoἏΝ ὃuἷὅtatildeὁΝ ἷὀvὁlvἷΝ tamἴὧmΝ ὁΝ iὀtἷὄἷὅὅἷὅΝ ἶὄamὠtiἵὁ-literaacuterios e o natildeo dogmatismo inovador dos inteacuterpretes de Platatildeo Como eacute notaacutevel por parte de muitos estudiosos os diaacutelogos satildeo dramas natildeo tratados e na interpretaccedilatildeo de dramas eacute simplesmente inadequado atribuir as falas dos personagens ἷΝὅuaὅΝiἶἷiaὅΝaὁΝautὁὄέΝἏlὧmΝἶiὅὅὁΝviὅtὁὅΝἵὁmὁΝtἷxtὁὅΝlitἷὄὠὄiὁὅΝὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὅatildeὁΝldquoἶialὰgiἵὁὅrdquoΝὀὁΝὅἷὀtiἶὁΝbakhtiniano isto eacute textos em que diferentes personagens tecircm diferentes visotildees de mundo e falam a partir de seus proacuteprios pontos de vista bem fundamentados ao inveacutes de serem controlados pelo ldquomὁὀὁlὰgiἵὁrdquoΝὂὁὀtὁΝἶἷΝviὅtaΝἶἷΝὅἷuΝautὁὄΝ(ἢἤἓἥἥΝἀίίίΝὂέΝἃ)έ

42 14 A posiccedilatildeo literaacuteria

perspectiva filosoacutefica e natildeo o conteuacutedo das ideias ao longo dos diaacutelogos53Em segundo lugar eles nos ajudam a ver o significado filosoacutefico da praacutetica de Platatildeo de apresentar cada diaacutelogo como um encontro dialeacutetico distinto Em terceiro lugar eles fornecem uma base para uma periodizaccedilatildeo das obras de Platatildeo com base em variaccedilotildees no tipo de diaacutelogo - em particular na medida em que a dialeacutetica responde a visotildees diferentes ou opostas Concluo caracterizando a perspectiva filosoacutefica que estaacute impliacutecita a meu ver nesses princiacutepios dialeacuteticos e no uso de Platatildeo pela forma de diaacutelogo (GILL 2006 p 143-144)

A proposta eacute realmente tentadora e possui o meacuterito de nos chamar a atenccedilatildeo para a

grandeza da composiccedilatildeo literaacuteria encontrada nos diaacutelogos platocircnicos Aleacutem disso devemos

reconhecer sem sombra de duacutevida o caraacuteter protreacuteptico dos diaacutelogos que nos incita a uma

reflexatildeo a um envolvimento com a atividade dialeacutetica caracteriacutestica essencial da filosofia

ὂlatὲὀiἵaέΝἢὁὄὧmΝἷlaΝaiὀἶaΝὧΝἷxtὄἷmaἶaΝἷΝtalvἷὐΝὂὁὅὅaΝὀὁὅΝἶiὄigiὄΝaΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoἵἷtiἵiὅmὁΝ

iὀtἷὄὂὄἷtativὁrdquoέΝ ἒigὁΝ iὅὅὁΝ ὂὁὄὃuἷΝ ὀὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅΝ ὧΝ ὂὁὅὅiacutevἷlΝ ὀὁtaὄΝ ἵὁmὁΝ algumaὅΝ tἷὅἷὅΝ ὅatildeὁΝ

sutilmente construiacutedas como os mesmos temas voltam a ser tratados com ainda mais vigor

e refinamento semelhantes posicionamentos gerais satildeo adotados em certas obras o cuidado

com a personagem Soacutecrates e sua proeminecircncia diante dos seus interlocutores O que natildeo

significa que possamos imediatamente recolher de seus discursos teses efetivamente

platocircnicas e compor uma doutrina platocircnica geral isso ainda nos eacute infranqueaacutevel Mas em se

tratando de Platatildeo tais habilidades literaacuterias anteriormente destacadas natildeo podem ser

impensadas ou mesmo desprovidas de um propoacutesito

A adoccedilatildeo e preferecircncia exclusiva do diaacutelogo deve ser vista como uma motivaccedilatildeo

propriamente filosoacutefica Por isso eacute necessaacuterio reconhecer tambeacutem o tempo e o espaccedilo ou

melhor o contexto no qual se insere os objetivos especiacuteficos da composiccedilatildeo dialoacutegica

platocircnica Contudo essas constataccedilotildees natildeo devem nos dirigir a um impasse interpretativo ao

superestimar os aspectos unicamente literaacuterios de uma determinada obra sem notarmos aiacute

qualquer conteuacutedo filosoacutefico mas apenas um discurso destinado ao desejo de satisfaccedilatildeo de

um puacuteblico audiente O anonimato a variabilidade e consequente dificuldade expressa pela

forma dialogal natildeo devem nos impedir de atribuir um conteuacutedo filosoacutefico a Platatildeo optando por

uma ecircnfase extremada no aspecto formal da composiccedilatildeo dramaacutetica nem mesmo colocar em

descreacutedito ao que estaacute ali efetivamente expresso a fim de priorizar fragmentos incompletos

emblemaacuteticos e enigmaacuteticos ao se optar por um caminho muito mais difiacutecil de reconstruccedilatildeo

53 Alguns autores preferem organizar cronologicamente as obras platocircnicas a partir de uma dataccedilatildeo dramaacutetica na qual a questatildeo histoacuterica eacute vista em virtude da coerecircncia manifesta entre os diaacutelogos sem portanto recorrer a fases histoacuterico-geneacuteticas como faz por exemplo o meacutetodo geneacutetico-expositivo Veja por exemplo ZUCKERTH (2009) e BENOIT (2015) que recorrem novamente agrave tetralogia para fundamentar sua interpretaccedilatildeo e organizaccedilatildeo da obra platocircnica sob quatro temporalidades lexis noesis genesis e poiesis

43 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

do pensamento platocircnico por via das chamadas doutrinas orais de Platatildeo54 Mas voltemos agrave

leitura enfaticamente dramaacutetica sobre isso acredito ser oportuno dar voz a Trabattoni

54 Sobre isso ver Scolnicov (2003) apesar de sua adesatildeo agrave priorizaccedilatildeo de uma leitura restrita a cada diaacutelogo centrada na eventualidade dramaacutetica de cada texto Considero sua visatildeo bem fundamentada um pouco menos extrema No entanto ele mesmo critica essa possiacutevel saiacuteda da leitura dialoacutegica em viὅtaΝἶἷΝalgὁΝὁὂaἵὁΝἵὁmὁΝὧΝὁΝἵaὅὁΝἶaὅΝὂὁὅὅiacutevἷiὅΝldquoἶὁutὄiὀaὅΝὀatildeὁ-ἷὅἵὄitaὅrdquoέΝἡὅΝἷὅὁtἷὄiὅtaὅΝaὂἷὅaὄΝἶἷΝὅἷΝvalἷὄἷmΝ ἶὁΝ ldquoaὄgumἷὀtὁΝ ἶὁΝ ὅilecircὀἵiὁrdquoΝ ἶὁὅΝ uὀitaὄiὅtaὅΝ faὐἷmΝ ὁutὄὁΝ tiὂὁΝ ἶἷΝ uὅὁΝ ἶἷὅὅἷΝ mἷἵaὀiὅmὁΝinterpretativo desviando a necessaacuteria atenccedilatildeo aos conteuacutedos apresentados em cada contexto ἶialὰgiἵὁΝἴuὅἵaὀἶὁΝalgὁΝldquoalὧmrdquoΝἶὁΝὃuἷΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἶiὠlὁgὁΝὂὁἶἷὄiaΝlἷvaὄΝaΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄέΝἢaὄtἷmΝἶἷΝumaΝconcepccedilatildeo de um Platatildeo restrito agrave exposiccedilatildeo escrita voltado agrave oralidade (o que eacute em termos concordaacutevel) anteriormente mas a finalidade dessa restriccedilatildeo eacute outra pois os diaacutelogos satildeo tratados como uma espeacutecie de iniciaccedilatildeo filosoacutefica a um conteuacutedo maior que natildeo vemos se apresentar nos diaacutelogos do qual apenas alguns estariam aptos a reconhecer o testemunho maior seria a fragmentada tὄaἶiὦatildeὁΝiὀἶiὄἷtaΝὂlatὲὀiἵaΝaὅὅimΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoὂὁiὅΝaΝvἷὄἶaἶἷΝὀatildeὁΝὅἷΝὂὁἶἷΝἶiὐἷὄέΝἓlaΝὅὰΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝἶiὄἷtamἷὀtἷΝapreendida Ela natildeo eacute a correspondecircncia de uma proposiccedilatildeo a um estado-de-coisas Ela eacute uma questatildeo ontoloacutegica moral e praacutetica ela estaacute aiacute para ser apreendida e ateacute que natildeo seja apreendida todas as palavras ficam sem sentido O ponto de apoio dos diaacutelogos fica assim sempre externo a eles Isso natildeo quer dizer como estaacute novamente em moda mantecirc-lὁΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝtἷvἷΝumaΝlsquoἶὁutὄiὀaΝὅἷἵὄἷtarsquoΝὁu uma doutrina de princiacutepios uma Prinzipienlehre e que os diaacutelogos devem ser interpretados agrave luz de tal doutrina Isso seria aceitar que a posiccedilatildeo filosoacutefica fundamental de Platatildeo podia ser formulada e passada a outros se bem que apoacutes uma longa preparaccedilatildeo natildeo apropriada a todos Concordo com tais inteacuterpretes que os diaacutelogos de Platatildeo satildeo incompletos de modo que nos satildeo dados e que a chave de sua interpretaccedilatildeo estaacute fora deles Mas natildeo creio que seja um grupo de princiacutepios ou uma doutrina de um tipo qualquer mas um evento um poderoso evento que natildeo soacute deixaria em Platatildeo uma profunda impressatildeo convencendo da supremacia absoluta da razatildeo Essa supremacia era para ele natildeo tanto epistemoloacutegica como ontoloacutegica e especialmente moral Para Platatildeo Soacutecrates mostrou em sua vida e em sua morte que o bem e o real satildeo o mesmo Seus diaacutelogos tentam nos fazer compreender o que ἷὅὅaὅΝὂalavὄaὅΝὀatildeὁΝὅatildeὁΝἵaὂaὐἷὅΝἶἷΝὀὁὅΝἷὀὅiὀaὄΝὂὁὄΝὅiΝὅὰὅrdquoΝ(ἥἑἡἜἠIἑἡVΝἀίίἁΝὂέΝἃἆ-59) Nada nos garante como atesta Frede (2013 p 57) que Platatildeo natildeo tivesse em mente os objetivos que tinha a pretensatildeo de apresentaacute-los gradualmente em sua obra contudo natildeo haacute nada nos diaacutelogos que possa provar isso esse eacute o ocircnus das visotildees baseadas no unitarismo Podem argumentar os esoteristas em favor da proximidade de Aristoacuteteles com Platatildeo ou postulando as recorrentes indicaccedilotildees das doutrinas orais entre os variados testemunhos indiretos mas a questatildeo de fundo que coloca em duacutevida a hipoacutetese esoterista eacute melhor explicada quando se atesta que a criacutetiἵaΝὡΝἷὅἵὄitaΝὀatildeὁΝὧΝmἷὄamἷὀtἷΝldquoἷmὂiacuteὄiἵardquoΝiὅtὁΝeacute baseada em uma distinccedilatildeo entre escrito e oralidade ela possui um caraacuteter filosoacutefico mais amplo a saber dirige-se a finalidade a que ambas as teacutecnicas escritooralidade possam vir a comportar Neste sentido tanto escrito quanto oralidade podem servirem ao oproacutebio quando seus usos natildeo estatildeo orientados agrave finalidade mais importante para nosso autor que no caso trata-se da atividade dialeacutetica ἢὁὄΝiὅὅὁΝhὠΝἵἷὄtaΝἶἷὅἵὁὀfiaὀὦaΝὀὁΝἷὅἵὄitὁΝaὁΝὅἷΝtὄataὄἷmΝἶaὅΝldquoἵὁiὅaὅΝmaiὅΝὅὧὄiaὅrdquoΝἶἷΝὅuaΝfilὁὅὁfiaΝἷΝporque tambeacutem deixam sacramentado qualquer doutrina nos diaacutelogos contraria a defesa caracteriacutestica fundamental do exerciacutecio da atividade dialeacutetica que se expressa na imitaccedilatildeo na substituiccedilatildeo do ldquoἶiὠlὁgὁΝὁὄalrdquoΝ(ὂὄἷfἷὄiacutevel) por meio do escrito o texto eacute apenas um estiacutemulo para aquilo que natildeo pode se findar em qualquer praacutetica filosoacutefica o debate dialeacutetico O anonimato assim como as contradiccedilotildees as reticecircncias e as cautelas de Soacutecrates preserva o autor de qualquer julgamento dogmaacutetico ao mesmo tempo em que possibilitam sua construccedilatildeo enquanto autor sua autocriacutetica filosoacutefica Nisto tambeacutem reside o valor dos diaacutelogos podemos relecirc-los e essa eacute uma finalidade importante sendo capaz de adentrar ou natildeo agrave discussatildeo ali desenvolvida ao tornaacute-la novamente viva reconhecendo a necessidade de filosofar utilizando-se da forccedila do ζσΰκμ Logo ningueacutem pode se furtar da criacutetica nem mesmo quem ora escuta nem mesmo quem ora responde (TRABATTONI 2012 p 21-22) Ver tambeacutem (SANTOS 1994 p 163-176) (DIXSAUT 2001 p 18-28) (FRANCO 2010 p 267-287)

44 14 A posiccedilatildeo literaacuteria

Os diaacutelogos natildeo podem ser completamente comparados a obras teatrais ou a textos meramente descritivos mas no seu interior mostram ser bem dirigidos propositivos muitas vezes polecircmicos irocircnicos e ateacute mesmo tendenciosos Por detraacutes do texto em suma transparece a presenccedila do autor que constroacutei e sustenta com sabedoria o jogo do diaacutelogo fazendo explodir contradiccedilotildees lanccedilando sinais muitas vezes sutis e obscuros sugerindo implicitamente ao leitor alguns percursos contentando-se por vezes somente em confundi-lo para provocar nele determinadas reaccedilotildees O autor em outras palavras eacute materialmente ausente do diaacutelogo mas bem presente do ponto de vista filosoacutefico como um invisiacutevel manipulador que move suas marionetes na cena para alcanccedilar determinados objetivos (2012 p 19)

Trabattoni (2012) ainda nos adverte sobre os perigos de confundirmos a relaccedilatildeo entre

autor e leitor e a relaccedilatildeo entre o protagonista do diaacutelogo e o seu interlocutor sendo necessaacuterio

lembrar que muitos textos escritos eram lidos em voz alta em praccedila puacuteblica (2012 p 20)

Portanto seria mais prudente natildeo associar imediatamente os propoacutesitos dramaacuteticos evidentes

destinados agrave atraccedilatildeo do puacuteblico ao despertar de consciecircncia de sua audiecircncia do sentido

mais aprofundado (dialeacutetico) que caracteriza determinada obra filosoacutefica e a proacutepria relaccedilatildeo

entre condutor e interlocutor da discussatildeo55

Outra objeccedilatildeo importante eacute que sendo Platatildeo um defensor deste caraacuteter protreacuteptico

da real necessidade da investigaccedilatildeo proacutepria caracteriacutestica fundamental da atividade dialeacutetica

da importacircncia atribuiacuteda neste caso agrave filosofia natildeo se pode negar que ele tenha crenccedilas

proacuteprias acerca dos assuntos dos quais trata concepccedilotildees filosoacuteficas sobre a realidade sobre

a vida humana etc Ora isto nos faz pensar que devemos ir em uma direccedilatildeo contraacuteria ao

tentar sim buscar construir uma posiccedilatildeo platocircnica sobre certos temas ainda que natildeo

possamos tomaacute-las como teorias strictu sensu Em suma podemos concluir com Trabattoni

(2012 p 25) que eacute realmente verdade que alguns diaacutelogos resolvem certos problemas e

outros natildeo mas nenhum deles eacute tatildeo aporeacutetico a ponto de natildeo oferecer nenhum avanccedilo na

pesquisa nenhuma soluccedilatildeo ainda que implicitamente nem ao menos nenhum deles eacute tatildeo

dogmaacutetico e conclusivo de tal modo que posamos a partir dali conceber conteuacutedos

verdadeiros absolutos e definitivos Dirijo-me agora agrave proposta de leitura adotada neste

trabalho

15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho

55 Cf GERSON (2000 p 5) acerca da distinccedilatildeo necessaacuteria entre o representativo e o argumentativo Gerson defende que Soacutecrates tambeacutem produz argumentos Marques (2006) diz acertadamἷὀtἷμΝ ldquoἡΝdiaacutelogo escrito eacute miacutemesis do diaacutelogo oral mas eacute tambeacutem invenccedilatildeo de personagens que dialogam entre ὅiΝἷΝἷxὂὄἷὅὅamΝumΝἶiὠlὁgὁΝὃuἷΝaΝalmaΝmaὀtὧmΝἵὁὀὅigὁΝmἷὅmardquoΝ(ὂέΝἂί)έ

45 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

Primeiramente diante do que foi exposto eacute preciso notar que natildeo podemos adotar

nenhuma das trecircs posiccedilotildees extremas mas que em alguns aspectos natildeo em todos elas

contribuem para a escolha de uma determinada abordagem O que se exige do inteacuterprete eacute

uma necessaacuteria cautela uma posiccedilatildeo mediana tanto entre unitarismo e desenvolvimentismo

quanto entre dogmatismo e ceticismo interpretativo O fato de Platatildeo se ausentar da obra natildeo

significa que natildeo possamos tentar construir uma intepretaccedilatildeo do que sejam suas posiccedilotildees

muito pelo contraacuterio ela assegura ainda mais nossa liberdade interpretativa Contudo isso

natildeo significa que essas mesmas posiccedilotildees natildeo sejam postas em criacutetica em debate e que elas

possam revestir-se de dogmatismo pelo fato de reconhecermos certa ocorrecircncia de

determinados argumentos e o esforccedilo frequente empregado em defendecirc-los Neste sentido

o caraacuteter investigativo (protreacuteptico) suscitado pelo diaacutelogo natildeo eacute contraditoacuterio com a

construccedilatildeo de posicionamentos que possam ser atribuiacutedos a Platatildeo

Devemos ainda salientar que toda atenccedilatildeo deve ser dada agrave particularidade dos

argumentos ao serem analisados no contexto geral da obra isto eacute sobre o modo como se

desenvolvem e sua peculiaridade em um determinado acircmbito dialeacutetico isto eacute jamais se deve

sacrificar o contexto dialeacutetico em que dado argumento estaacute fundamentado desconsiderando

todo o processo pelo qual ele se desenvolve Nada impede entretanto que possamos

estabelecer certa correlaccedilatildeo por intermeacutedio de referecircncias a argumentos sobre temas

defendidos em outras obras que porventura nos conduzam a compreensatildeo platocircnica de que

um dado tema natildeo se encontra limitado a um uacutenico diaacutelogo Semelhantemente parece vaacutelido

levar em conta as questotildees literaacuterias especiacuteficas demonstradas em cada exposiccedilatildeo em

particular (mitos alegorias omissotildees reticecircncias contradiccedilotildees ironia refutaccedilatildeo etc) elas

nos ajudam a compreender o processo sob o qual a argumentaccedilatildeo elaborada eacute relevante no

conjunto da interpretaccedilatildeo Todavia essas posiccedilotildees natildeo determinam o conteuacutedo geral da obra

natildeo a descrevem mas estatildeo inseridas num acircmbito maior referem-se unicamente ao

processo ao desenvolvimento loacutegico de uma dada argumentaccedilatildeo que tem finalidades outras

que natildeo um mero espetaacuteculo de posiccedilotildees diacutespares representados pelo pensamento

autocircnomo de cada personagem

Natildeo se trata de negar que haja mutaccedilatildeo ou uma espeacutecie de crescendum na obra

platocircnica mas o que natildeo parece ser correto eacute por meio dessas formas que documentam uma

evoluccedilatildeo nas obras direcionarmo-nos a um dogmatismo platocircnico Antes devemos notar a

finalidade dessa mudanccedila no desenvolvimento da argumentaccedilatildeo qual o sentido da utilizaccedilatildeo

de um recurso literaacuterio em detrimento de outro Insisto que isso natildeo eacute negar a evoluccedilatildeo do

pensamento platocircnico mas como nos diz Trabattoni eacute antes de tudo destituir a funccedilatildeo

dessas mudanccedilas utilizadas para resolver questotildees filosoacuteficas isto eacute retirar o caraacuteter

substancial por vezes atribuiacutedo na tradiccedilatildeo interpretativa a tais mudanccedilas (2012 p 26)

46 15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho

Neste caso trata-ὅἷΝἶἷΝumaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶὁΝldquotὁἶὁrdquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝ(ἦἤἏἐἏἦἦἡἠIΝἀί1ἀΝ

p 20)56 ὁuΝ ldquohὁliacuteὅtiἵardquoΝ (ἤἡWἓΝἀίίἅΝὂέΝἃί-51) em que forma e conteuacutedo natildeo podem ser

dissociaἶὁὅνΝἷὅὅἷΝldquoἷὀtὄἷlaὦamἷὀtὁrdquoΝὃuἷΝtὁὄὀaΝὂὁὅὅiacutevἷlΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝaΝὀatuὄἷὐaΝἶaΝativiἶaἶἷΝ

filosoacutefica nunca concluiacuteda aberta a investigaccedilotildees ulteriores repleta de ductilidade e distante

de dogmatismos Natildeo apenas Soacutecrates mas tambeacutem o entrelaccedilamento entre condutor e

interlocutor aleacutem dos mais variados aspectos literaacuterios aleacutem das personagens que possam

contribuir para a anaacutelise de uma determinada obra Sobre isso creio ser importante destacar

as concepccedilotildees oferecidas por Marques (2006)

Parece-me evidente que Platatildeo tivesse julgado que o diaacutelogo vivo entre almas eacute essencial agrave sua filosofia se pensarmos em sua produccedilatildeo escrita tudo o que ele escreveu estaacute em forma de diaacutelogo entre dois ou mais indiviacuteduos Eacute portanto razoaacutevel acreditar que seus escritos satildeo boas imagens do verdadeiro diaacutelogo dialeacutetico Mais do que a exclusatildeo do outro indiviacuteduo como ὅἷΝfὁὅὅἷΝalgὁΝὅuὂὧὄfluὁΝaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝὃuἷΝὧΝldquoὅuὂὧὄfluὁrdquoΝaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝὃuἷΝὧΝldquoὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝἶἷvἷΝὅἷὄΝἵὁmὂὄἷἷὀἶiἶaΝἵὁmὁΝumaΝὄἷὅtὄiὦatildeὁΝὁuΝὃualifiἵaὦatildeὁμΝo diaacutelogo natildeo eacute algo meramente espontacircneo e automaacutetico ele convoca a reflexatildeo e a determinaccedilatildeo pela inteligecircncia dos movimentos que emanam da alma ele eacute uma caccedila e uma luta que implica esforccedilo compartilhado e conquistas parciais e principalmente suscetiacuteveis de serem eventualmente consideradas falsas pois sem o falso natildeo eacute possiacutevel o verdadeiro (p 332)

Ao buscarmos afirmar uma determinada posiccedilatildeo geral do pensamento platocircnico

devemos nos atentar agrave seriedade que essa tarefa nos impotildee sobre a necessidade de

demonstrar certa coerecircncia entre tais posiccedilotildees levantadas e aquelas apresentadas pelo texto

esgotando ao maacuteximo os recursos que possam nos proporcionar Haacute que se atentar agraves

diversas possibilidades loacutegicas possiacuteveis poreacutem sempre lembrando que a discussatildeo se insere

em um contexto dramaacutetico e por isso as leituras permanecem em aberto porque sempre eacute

possiacutevel observar algo que natildeo foi percebido imediatamente em uma leitura primeira sempre

resta um pouco de duacutevida em toda interpretaccedilatildeo Apenas depois de examinarmos

exaustivamente essas relaccedilotildees o modo como certas teses satildeo tratadas o modo como satildeo

desenvolvidas naquele cenaacuterio da discussatildeo filosoacutefica eacute que poderemos estabelecer

possiacuteveis consideraccedilotildees sobre uma dada questatildeo nomeadamente platocircnica Nossas

56 ldquoἢaὄaΝἷὀἵὁὀtὄaὄΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὀatildeὁΝἴaὅtaΝὅἷguiὄΝalgumaὅΝafiὄmaὦὴἷὅΝmἷὅmὁΝque se trate de afirmaccedilotildees de Soacutecrates (e dos outros condutores) Em vez disso faz-se necessaacuterio analisar no seu todo a estrutura dialoacutegica composta quer por perguntas quer por respostas dos interlocutores tentando assim entender o que Platatildeo queria dizer ao leitor ao construir um certo tipo de diaacutelogo no qual quem interroga formula certas perguntas e quem responde o faz de maneira bastante calculada O resultado do texto eacute sempre a soma desse entrelaccedilamento e pode acontecer com grandes chances que a contribuiccedilatildeo do interlocutor seja pouco relevante podendo tambeacutem acontecer (e com chances ainda maiores) que o sentido de um determinado desenvolvimento dialoacutegico ultrapasse laὄgamἷὀtἷΝaὅΝaὅὅἷὄὦὴἷὅΝἶὁὅΝἶialὁgaὀtἷὅrdquoΝ(ἦἤἏἐἏἦἦἡἠIΝἀί1ἀΝὂέΝἀί)έ

47 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

inferecircncias podem estar equivocadas ao supormos um conteuacutedo extra oculto que natildeo esteja

presente ali no diaacutelogo sendo por vezes algo deliberado pelo proacuteprio autor sob fins que natildeo

os ali delimitados

Logo nosso trabalho eacute aacuterduo e exige uma seacuterie de esforccedilos a serem empregados

pois acredito sim ser possiacutevel levantarmos algumas questotildees ou mesmo posicionamentos

sobre a posiccedilatildeo de Platatildeo acerca da natureza e do papel do prazer na vida humana Meu

trabalho natildeo eacute neutro ele se caracteriza por ser uma leitura sobre a qual necessariamente haacute

divergecircncias o que natildeo eacute um problema mas um ganho porque nos possibilita dialogar a fim

de tentarmos tornar mais claras e coerentes nossas argumentaccedilotildees a partir de um debate

respeitoso o que natildeo significa ausecircncia de criacuteticas mas colocar em praacutetica o exerciacutecio de

nosso Mestre debruccedilando-se de forma rigorosa sobre a sua proacutepria obra tambeacutem passiacutevel

de criacutetica Por jaacute ter de lidar com uma quantidade expressiva de posicionamentos manifesto

minha recusa por uma aἴὁὄἶagἷmΝὃuἷΝfaὦaΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝaΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoὅigὀifiἵaἶὁΝὁἵultὁrdquoΝ

diante de qualquer passagem enigmaacutetica do diaacutelogo em anaacutelise

Prefiro optar por deixar a discussatildeo aberta e me precaver atestando a necessidade de

maiores estudos sobre a obra seja por incapacidade manifesta no momento ou recorrendo

por exemplo agrave suposiccedilatildeo de possiacuteveis corrupccedilotildees ou acreacutescimo agraves traduccedilotildees de termos que

impossibilitem uma compreensatildeo mais clara de alguma passagem pela verificaccedilatildeo do aparato

criacutetico ou dos manuscritos ou mesmo reconhecendo depois de tudo isso que a questatildeo talvez

natildeo esteja bem esclarecida ou eacute propositalmente inconclusa Tambeacutem ao tratar o Filebo com

ldquoumΝἶiὠlὁgὁΝήltimὁrdquoΝὀatildeὁΝὂὄἷtἷὀἶὁΝfaὐἷὄΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝaὁὅΝaὅὂἷἵtὁὅΝἵὄὁὀὁlὰgiἵὁὅΝὃuἷΝgἷὄalmἷὀtἷΝ

o atribuem com um diaacutelogo da fase final do pensamento platocircnico mas o que quero dizer com

isso eacute que dentre todos os diaacutelogos platocircnicos esse parece ser aquele que conteacutem uma

anaacutelise mais detida na questatildeo no prazer no qual o tema ganha maior visibilidade quando

comparado agraves demais obras do corpus em que o tema aparece por vezes timidamente por

vezes mais explicitamente

Resta ainda um ponto a ser destacado que diz respeito agrave preferecircncia por uma anaacutelise

predominantemente eacutetica da questatildeo do prazer em um contexto dramaacutetico em que natildeo

encontramos teorias formuladas estritamente nem tratados sobre o tema A obra de Platatildeo eacute

uma obra dialoacutegica em que os temas se encontram articulados e continuamente colocados

em discussatildeo Deste modo parece impossiacutevel operar semelhante distinccedilatildeo a respeito de uma

visatildeo uacutenica de um tema qualquer ainda mais quando se trata de temas tatildeo relevantes

tratados significativamente em outros diaacutelogos como o bem e a vida boa cujo mote nesse

diaacutelogo vem a ser a reflexatildeo sobre o prazer A temaacutetica que envolve o prazer estaacute relacionada

diretamente com a eacutetica mas como veremos no diaacutelogo a abordagem deste tema por Platatildeo

eacute ainda mais ampla natildeo se restringindo apenas aos conteuacutedos eacuteticos apesar de me

interessar predominantemente por estes uacuteltimos O Filebo daacute abertura a uma seacuterie de

48 15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho

possibilidades de leituras tendo em consideraccedilatildeo a variedade de temas ali encontrados

Todavia uma visatildeo plural como essa natildeo eacute suficiente para afirmar ao mesmo tempo a defesa

da ideia de que os diaacutelogos de Platatildeo natildeo conteriam nada que diga respeito a um conteuacutedo

eacutetico Muito pelo contraacuterio neles residem os conteuacutedos fundamentais que originam este tipo

de pensamento na filosofia ocidental essa disciplina filosoacutefica Tal posiccedilatildeo que natildeo deve nos

conduzir a um ceticismo interpretativo em relaccedilatildeo agrave obra de Platatildeo e a seus conteuacutedos eacuteticos

mas

() noacutes lemos diaacutelogos e essa forma na qual a filosofia de Platatildeo eacute apresentada longe de ter valor unicamente exterior tem um sentido filosoacutefico e por esse motivo deve ser levada a seacuterio como sinal de uma problematizaccedilatildeo profunda e radical integralmente exploratoacuteria e hipoteacutetica de tudo aquilo que seu autor ndash por meio de uma linguagem que com ele comeccedila a ser filosoficamente teacutecnica mas que na maioria das vezes eacute ainda a linguagem do cotidiano ndash vem dizendo () A forma dialoacutegica poreacutem natildeo adia indefinidamente nem anula a obrigaccedilatildeo de seu autor de encontrar soluccedilotildees para os problemas discutidos tais soluccedilotildees ainda que provisoacuterias e parciais estatildeo presentes nos proacuteprios diaacutelogos e satildeo fruto da proacutepria problematizaccedilatildeo radical permitida por estrutura filosoacutefica e natildeo apenas literaacuteria (isso eacute vaacutelido independentemente da amplitude e da forccedila filosoacutefica global inscritas nas soluccedilotildees encontradas ou vislumbradas nos diaacutelogos () (NAPOLITANO VALDITARA 2015 p 14)

ἒἷὅtἷΝ mὁἶὁΝ ὂὁἶἷmὁὅΝ ὅimΝ ἷὅἴὁὦaὄΝ umΝ ὃuaἶὄὁΝ ὂaὄtiἵulaὄΝ ἷmΝ ὄἷlaὦatildeὁΝ aΝ ldquoὧtiἵaΝ

ὂlatὲὀiἵardquoΝ tἷὀἶὁΝ ἵὁmὁΝ ἴaὅἷΝ aΝ ὄἷflἷxatildeὁΝ ὅὁἴὄἷΝ ὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ aὂὄἷὅἷὀtaἶὁΝ ὂὁὄΝ ἢlatatildeὁέΝ ἢὁἶἷmὁὅΝ

adentrar em determinado contexto dramaacutetico a fim de elaborarmos ainda que possibilidades

provisoacuterias uma interpretaccedilatildeo das noccedilotildees concernentes ao tema do prazer na eacutetica da

filosofia platocircnica Poreacutem neste trabalho como demonstro creio ser imprescindiacutevel em um

primeiro momento me deter na argumentaccedilatildeo presente nas linhas do Filebo a fim de

demonstrar as possiacuteveis interpretaccedilotildees da posiccedilatildeo (especiacutefica) de Platatildeo ao longo de

semelhante obra

Eacute necessaacuterio ainda esclarecer alguns pontos fundamentais sobre isso Primeiramente

parece ser impossiacutevel compreender o prazer em Platatildeo enquanto temas relativos agrave eacutetica a

partir de uma tentativa de isolamento deste tema (o prazer) nesse uacutenico diaacutelogo O Filebo

envolve questotildees ainda maiores que tecircm como ponto de partida do diaacutelogo a reflexatildeo sobre

os prazeres que podem ser lidas de um ponto de vista eacutetico (moral) Ateacute porque natildeo

encontramos em nenhuma obra platocircnica algo como uma teoria eacutetica formalizada isto eacute um

texto que fale estritamente de eacutetica (tal como temos em Aristoacuteteles um texto especiacutefico sobre

a eacutetica Eacutetica a Nicocircmaco)

49 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

Julia Annas em seu The Morality of Hapiness (1993) logo na Introduccedilatildeo de sua obra

justifica sua exclusatildeo da anaacutelise de Platatildeo a respeito do tema da eacutetica justamente por alegar

que

Natildeo haacute um diaacutelogo ὂlatὲὀiἵὁΝἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝldquoὅὁἴὄἷΝὧtiἵardquoΝἶaΝmἷὅmaΝfὁὄmaΝque a Eacutetica a Nicocircmaco eacute sobre a eacutetica Cada diaacutelogo possui seu proacuteprio tema ou grupo de temas que frequentemente natildeo dizem respeito as nossas divisotildees subjetivas de temas Mesmo os diaacutelogos que satildeo de maneira oacutebvia mais relevantes para a eacutetica como a Repuacuteblica e o Filebo satildeo tambeacutem igualmente sobre problemas metafiacutesicos e epistemoloacutegicos E mesmo nos diaacutelogos mais claros sobre a eacutetica Platatildeo ao usar deliberadamente a forma do diaacutelogo evita identificar e colocar sua proacutepria posiccedilatildeo Seria extremamente ingecircnuo simplesmente para identificar a posiccedilatildeo de Platatildeo com o que eacute atribuiacutedo a Soacutecrates em um determinado diaacutelogo E ateacute mesmo se o fizermos encontramos posiccedilotildees imensamente diferentes ocupadas por Soacutecrates em diferentes diaacutelogos a estrutura da teoria eacutetica platocircnica eacute muito pouco determinada pelo que encontramos nos diaacutelogos Assim se estudarmos eacutetica platocircnica enfrentamos um problema de extraccedilatildeo noacutes mesmos temos que selecionar e extrair o assunto a respeito da questatildeo eacutetica e isto eacute a nossa imposiccedilatildeo posterior sobre um escritor que escreve deliberadamente de uma forma muito diferente Eacute claro que este eacute um procedimento perfeitamente legiacutetimo Mas aponta grandes e largas diferenccedilas (ANNAS 1993 p 18)

Dito de outro modo eacute inuacutetil tentar fundamentar a partir dos diaacutelogos platocircnicos uma

eacutetica autocircnoma distinta das demais disciplinas filosoacuteficas Contudo tambeacutem eacute equivocado

por outro lado salientar que natildeo podemos encontrar nas obras de Platatildeo referecircncias aos

temas eacuteticos ou que suas posiccedilotildees natildeo contribuiacuteram para o que hoje denominariacuteamos como

ldquoὂἷὀὅamἷὀtὁΝὧtiἵὁέrdquoΝεaὅΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaΝ tὁἶὁὅΝὁὅΝἶἷmaiὅΝ tἷmaὅΝὀὁὅὅὁΝautὁὄΝ tὄataΝἶaΝὧtiἵaΝ

dialogicamente e aqui desejamos trataacute-la a partir da questatildeo do prazer partindo de uma

anaacutelise detalhada do Filebo Acerca disto ainda podemos ainda ressaltar que

Platatildeo fala da eacutetica dialogicamente como de qualquer outro tema mas ndash uma segunda possiacutevel chave de leitura ndash qualquer outro tema de que ele fala parece ter como eixo a eacutetica e ter com ela um envolvimento problemaacutetico a ser esclarecido caso a caso No entanto isso natildeo eacute o mesmo que diluir o tema moral em um magma indistinto em que tudo (e portanto nada) dos conteuacutedos dos diaacutelogos pode ser considerado eticamente interessante Todos os aspectos ndash ou seja cada aspecto ndash de uma problemaacutetica filosoacutefica eacutetica parecem ter sido analisados por Platatildeo natildeo sistematicamente mas sempre no diaacutelogo com uma urgecircncia radical da filosofia platocircnica (FERMANI 2015 p 14)

Podemos portanto afirmar a relevacircncia deste trabalho a partir do que anteriormente

jaacute dissemos Primeiramente porque o conflito eacutetico e psicoloacutegico aleacutem de ser uma

antiquiacutessima questatildeo filosoacutefica eacute um conflito que constitui a espeacutecie humana Deste modo a

50 15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho

anaacutelise de tal dilema (eacutetico-psicoloacutegico) eacute um exerciacutecio ainda pertinente a nossa investigaccedilatildeo

haja vista o papel extremamente relevante do prazer perante agrave constituiccedilatildeo da natureza

humana Ao analisar esta perspectiva mediante um autor da Antiguidade Grega Claacutessica

torna-se visiacutevel o quanto as questotildees claacutessicas podem ser retomadas tornando-se vivas e

inteligentes ou melhor dizendo como tais problemaacuteticas ainda permanecem desafiadoras agrave

investigaccedilatildeo filosoacutefica enquanto tal57

57 ἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝaiὀἶaΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝὄἷtὁmaὄmὁὅΝἏὀὀaὅΝ(1λλἁ)μΝldquoἓὀtatildeὁΝὁΝὃuἷΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝἵὁὀὅἷguiὄΝἵὁmΝo estudo da eacutetica antiga Antes de mais nada ganhariacuteamos o que se obteacutem de todo estudo histoacuterico vale dizer a aquisiccedilatildeo de uma sensibilidade em relaccedilatildeo agraves quais agora teremos mais consciecircncia compreendendo tambeacutem aquelas opccedilotildees que natildeo fazem mais parte do repertoacuterio das nossas atuais opccedilotildees de escolha Em segundo lugar verificaremos quanto a nossa condiccedilatildeo intelectual se aprofunda ὃuaὀἶὁΝlἷvaΝἵὁὀὅiἶἷὄaὦatildeὁΝὅuaὅΝὂὄὰὂὄiaὅΝὁὄigἷὀὅrdquoΝ(ὂέΝ1ί)έ

51 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

2 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

21 As complexidades estruturais e o problema da unidade

Antes de avanccedilarmos propriamente no estudo das linhas e temas que satildeo discutidos

por Platatildeo no Filebo conveacutem apresentarmos algumas das sinuosidades deste nosso percurso

interpretativo e o modo como a tradiccedilatildeo claacutessica tem lido essa obra visotildees que em sua

maioria como mostrarei detalhadamente no proacuteximo capiacutetulo discordo em alguns pontos

fundamentais No entanto por hora permanecemos ainda no exterior do diaacutelogo isto eacute o

texto a seguir pretende demonstrar algumas dessas visotildees claacutessicas para somente depois

disso no proacuteximo capiacutetulo apresentar visotildees mais recentes sobre a obra algumas das quais

compartilho no momento da anaacutelise do proacuteprio diaacutelogo quando nos atentaremos ao leacutexico

platocircnico e aos problemas filosoacuteficos fundamentais apresentados pelo proacuteprio autor

O Filebo ainda divide opiniotildees entre uma seacuterie de estudiosos Conforme jaacute

destacamos para muitos pesquisadores ele assemelha-se agrave conotaccedilatildeo atribuiacuteda por D

Frede a essa obra58 ἵὁmὁΝaΝldquo(έέέ)Νterra incognita ἶὁὅΝὂlatὁὀiὅtaὅrdquoΝ(ἀί1ἁΝὂέΝἃί1)έΝἑὁmὁΝὄἷὅὅaltaΝ

ἔὄἷἶἷΝ(ἀί1ἁ)ΝὁΝldquotἷὄὄἷὀὁΝὂaὀtaὀὁὅὁrdquoΝὁuΝὂurgatoacuterio (FREDE 1993 p 13) dos estudiosos da

ὁἴὄaΝὂlatὲὀiἵaΝὅἷὄiaΝὁΝldquolὁὀgὁΝὂὄἷfὠἵiὁΝmἷtafiacuteὅiἵὁ-ἶialὧtiἵὁrdquoΝὃuἷΝἶὠΝiὀiacuteἵiὁΝaὁΝtἷxtὁΝaὂὰὅΝὅἷὄἷmΝ

apresentadas as posiccedilotildees iniciais pelos interlocutores (uma em defesa do prazer e outra em

defesa da inteligecircncia)59 (p 501) Na visatildeo da tradutora alematilde este eacute um dos diaacutelogos entre

ὁὅΝἶitὁὅΝldquotaὄἶiὁὅrdquoΝἷΝmaiὅΝἶifiacuteἵἷiὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὂὁiὅΝaluἶἷmΝὡΝldquoἶὁutὄiὀaΝὂlatὲὀiἵaΝἶaΝvἷlhiἵἷrdquoΝmaὅΝ

natildeo a explicam suficientemente semelhantemente ao que poderia ser notado no Parmecircnides

no Teeteto e no Sofista (ἔἤἓἒἓΝἀί1ἁΝὂέΝἃί1)έΝἏΝldquoὀὁvaΝmἷtὁἶὁlὁgiardquoΝἷΝaΝldquoὀὁvaΝὁὀtὁlὁgiardquoΝ

que compotildeem o iniacutecio da argumentaccedilatildeo do diaacutelogo de fato assustam o leitor de Platatildeo ao

ser confrontado com termos em relaccedilatildeo a argumentaccedilatildeo ali desenvolvida (como

ldquoiὀἶἷtἷὄmiὀaἶὁrdquoΝldquoἶἷtἷὄmiὀaἶὁrdquo)ΝjamaiὅΝviὅtὁὅΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝὀaὅΝaὄgumἷὀtaὦὴἷὅΝὂlatὲὀiἵaὅΝ

precedentes

Podemos tambeacutem retomar a metaacutefora de Bury (1897) em seu comentaacuterio ao diaacutelogo

intitulado The Philebus of Plato Nos dizeres do estudioso no bosque dos diaacutelogos de Platatildeo

o Filebo se assemelharia a um carvalho assimeacutetrico retorcido repleto de ramos distorcidos

58 A teoacuterica alematilde eacute uma das mais claacutessicas tradutoras do Filebo ela escreve uma longa introduccedilatildeo a respeito dos temas tratados neste escrito em particular como tambeacutem diversas notas que compotildeem a obra Aleacutem do mais ela eacute autora de diversos artigos sobre o Filebo aos quais eu faccedilo a referecircncia no decorrer do trabalho 59 No decorrer do proacuteximo capiacutetulo sustento que natildeo haacute teses no iniacutecio do diaacutelogo mas sim discursos simeacutetricos Sobre isso falarei mais adiante basta ressaltar que essa eacute a visatildeo da tradutora em questatildeo

52 21 As complexidades estruturais e o problema da unidade

enquanto os outros diaacutelogos seriam belos ciprestes e pinheiros no bosque da Academia de

Platatildeo Isto porque o diaacutelogo segundo o teoacuterico apresenta uma seacuterie de dificuldades quanto

agraves expressotildees empregadas por seu autor como tambeacutem uma peculiaridade na sua forma

ἓmἴὁὄaΝὀἷὅtἷΝἶiὠlὁgὁΝὅἷguὀἶὁΝἐuὄyΝὂaὄἷὦaΝἷὅtaὄΝἵὁὀtiἶὁΝὁΝὀήἵlἷὁΝὁuΝὁΝldquoἵἷὀtὄὁΝὅaἶiὁrdquoΝἶaΝ

doutrina platocircnica (p 9)

Migliori (1998) prefere servir-se da metaacutefora platocircnica utilizada no proacuteprio diaacutelogo (29a)

em que Soacutecrates afirma ao deuteragonista do diaacutelogo (Protarco) estarem ambos envolvidos

em uma tempestade em alto mar (29a) Isto devido agrave tamanha dificuldade em que estatildeo

envoltos verificaacutevel a partir dos raciociacutenios que se seguem estando eles imersos muitas

vezes em imensas aporias Semelhantes dificuldades as quais nem o proacuteprio leitor estaacute livre

de enfrentar A imagἷmΝἵὄiaἶaΝὂἷlὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἢlatatildeὁΝἶὁΝldquomaὄΝὄἷvὁltὁrdquoΝiluὅtὄaΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝaὀὠlὁgaΝ

a proacutepria situaccedilatildeo do leitor frente ao conturbado diaacutelogo Contudo segundo ele eacute necessaacuterio

ao leitor compor a sinfonia que reuacutene em uma uacutenica obra o diaacutelogo (reductio ad unum) sair

ἷmΝἴuὅἵaΝἶaΝldquoἴήὅὅὁlardquoΝἵaὂaὐΝἶἷΝὁὄiἷὀtaὄΝὁὅΝldquoὀavἷgaὀtἷὅrdquoΝἵaὂaὐΝἶἷΝὁὄiἷὀtaὄΝὁΝlἷitὁὄΝἶiante do

mar revolto caracteriacutestico deste mesmo drama Ao iniciar um percurso interpretativo de um

drama platocircnico complexo como eacute o caso do Filebo seria necessaacuterio que o leitor operasse

em trecircs niacuteveis o literaacuterio (a especificidade da escrita platocircnica) o estrutural (os acircmbitos

teoacutericos em que se movem o diaacutelogo) e o filosoacutefico (a reflexatildeo sobre os conteuacutedos

apresentados) (MIGLIORI 1998 p 330-333)

Segundo Muniz (2007) durante seacuteculos os estudiosos desta obra platocircnica

lamentaram a perda de um suposto tratado de Galeno Sobre as transiccedilotildees do Filebo (π λ

θ θ Φδζ ί η αίΪ πθ) jaacute que se imaginava na antiguidade que poderiam descobrir um

mecanismo hermenecircutico nesse caso extratextual capaz de fornecer a salvaccedilatildeo aos

inteacuterpretes a tatildeo sonhada chave de leitura ateacute entatildeo natildeo encontrada pelos leitores do diaacutelogo

desde sua publicaccedilatildeo capaz de solucionar os problemas que o texto envolve como tambeacutem

explicar as bruscas transiccedilotildees presente nesse texto platocircnico O que demonstraria segundo

o teoacuterico uma profunda descrenccedila em qualquer soluccedilatildeo que pudesse ser encontrada no

proacuteprio texto (p 113)

Do mesmo modo essa descrenccedila pode ser notada na obra de Allen (1975) em sua

traduccedilatildeo e criacutetica ao comentaacuterio do renascentista Marsiacutelio Ficino ao Filebo no qual nos

apresenta uma carta do poliacutetico italiano Cossimo de Meacutedici (que teria encomendado uma

traduccedilatildeo desse diaacutelogo a Ficino) ao filoacutesofo italiano Nesta carta o governante de Florenccedila

descreve ter permanecido em seu leito junto com Lorenzo de Meacutedici ateacute a hora de sua morte

lendo o Filebo no seu entender uma obra sobre o supremo bem humano Ou seja trata-se

53 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

do uacuteltimo diaacutelogo lido pelo fundador da dinastia dos Meacutedici60 (p 6) Ironicamente Waterfield

(1982) em seu prefaacutecio introdutoacuterio agrave traduccedilatildeo da obra sublinha que talvez esse natildeo seria o

diaacutelogo que escolheriacuteamos para ler nos instantes finais de nossa existecircncia como teria feito

o poliacutetico italiano da linhagem dos Meacutedici

Benjamin Jowett jaacute em 1897 teria reconhecido a complexidade dos temas abordados

no diaacutelogo ao destacar a mudanccedila do estilo dramaacutetico platocircnico notada a partir deste escrito

Os elementos poeacuteticos e dramaacuteticos passam a ser subordinados ao elemento filosoacutefico Pois

satildeo evidentes na obra algumas deficiecircncias como certas passagens confusas e a falta de uma

estrutura clara completa segundo Jowett (p 521)

Diante do que jaacute foi dito nota-se o impacto da leitura do Filebo desde a antiguidade

ateacute agrave contemporaneidade seja no neoplatonismo (por exemplo no extenso Comentaacuterio de

Damaacutescio ao Filebo) como no periacuteodo da renascenccedila (no comentaacuterio de Ficiono) Nosso

diaacutelogo teve seus breves instantes de gloacuteria na Antiguidade e soacute depois de longos anos os

estudos sobre o Filebo foram retomados O diaacutelogo permaneceu esquecido durante seacuteculos

na tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica e retorna agrave cena das discussotildees somente no seacuteculo XIX

sobretudo no seacuteculo XX Mas por quais motivos o diaacutelogo retorna ao debate filosoacutefico platocircnico

a partir do seacuteculo XX A seguir apresento alguns dos fatores primordiais

Umas das principais estudiosas da obra de Platatildeo a platonista francesa Monique

Dixsaut afirma que o Filebo eacute um diaacutelogo difiacutecil concordando com Rodier (1926 p 137-174)

dizendo aiὀἶaΝ ὃuἷΝ ldquo(έέέ)Ν aΝ ὁἴὄaΝ ἵὁmὂὁὄtaΝ ὁΝ iὀἵἷὄtὁΝ ὂὄivilὧgiὁΝ ἶἷΝ ἶἷtἷὄΝ ἷmΝ si todas as

ἵὁmὂlἷxiἶaἶἷὅΝὂὄὰὂὄiaὅΝὡΝlἷituὄaΝἶἷΝumΝἶiὠlὁgὁΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝ(ἀίί1ΝὂέΝἀἆἃ)έΝἓmΝὁutὄaΝὁἴὄaΝaΝ

mesma autora assegura que sem duacutevida ldquoὁΝὂὄiὀἵiὂalΝὁἴὅtὠἵulὁΝὡΝἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝἶὁΝFilebo eacute

ὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶἷΝὅuaΝuὀiἶaἶἷrdquoΝ(1λλλΝὂέΝ1ἀ)έΝἠὁΝἷὀtaὀtὁΝcomo veremos a proacutepria Dixsaut seraacute

uma das inteacuterpretes a demonstrar o caraacuteter equivocado desta suposta descrenccedila entre os

platocircnicos de que o Filebo possui deficiecircncias tanto estruturais (literaacuterias) de composiccedilatildeo

quanto nos conteuacutedos filosoacuteficos propondo uma leitura coerente e significativa sobre a obra

Para alguns estudiosos (os revisionistas) neste diaacutelogo Platatildeo apresentaria uma

revisatildeo de sua ontologia e de sua metodologia rompendo definitivamente com os Grandes

Gecircneros do Sofista com a hipoacutetese das Formas e principalmente com o meacutetodo dialeacutetico

Por outro lado o FileboΝ ἵὁmὁΝ ὄἷὅὅaltaΝ ἒixὅautΝ ὧΝ ὁΝ ldquotἷὄὄἷὀὁΝ ὂὄἷἶilἷtὁrdquoΝ ἶὁὅΝ ἵhamaἶὁὅΝ

ldquoἷὅὁtἷὄiὅtaὅrdquoΝἶaΝ filὁὅὁfiaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὂὁὄΝἵὁὀὅiἶἷὄaὄἷmΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝἵὁὀἵἷἴἷὄiaΝumaΝὄἷaliἶaἶἷΝ

dividida segundo dois princiacutepios fundamentais o Uno e a Diacuteade (DIXSAUT 1999 p 10)

60 ldquoἣuaὀἶὁΝἑὁὅὅimὁΝἶἷitὁuΝὀὁΝὅἷuΝlἷitὁΝἶἷΝmὁὄtἷΝὀὁΝfiὀalΝἶἷΝjulhὁΝὀὁὅΝiὀfὁὄmamὁὅΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶὁΝὂὄὰὂὄiὁΝFicino em uma carta a Lorenzo que Cossimo teria examinado o Filebo ὂὁὄΝήltimὁμΝlsquoἓὀtatildeὁΝἵὁmὁΝvὁἵecircΝsabe desde que vocecirc mesmo esteve laacute ele morreu natildeo muito depois de termos examinado os diaacutelogos de Platatildeo um sobre o princiacutepio das coisas (o Parmecircnides) e um sobre o Supremo Bem (o Filebo) (ALLEN 1975 p 6-7)

54 21 As complexidades estruturais e o problema da unidade

Neste caso conforme destaca a autora torna-se imprescindiacutevel ao leitor de Platatildeo a

compreensatildeo clara da primeira parte do diaacutelogo e sua relaccedilatildeo com o restante do texto ou

seja compreender como os temas ontoloacutegicos satildeo uacuteteis e fundamentais para a compreensatildeo

dos temas eacuteticos presentes na obra61

Segundo as consideraccedilotildees de Muniz (2007) o Filebo eacute um diaacutelogo de inuacutemeras

ldquotὄaὀὅiὦὴἷὅrdquoέΝἏΝ fimΝἶἷΝὅἷΝἷxὂliἵaὄἷmΝaὅΝἵὁmὂlἷxiἶaἶἷὅΝἶialὰgiἵaὅΝὂὄἷὅἷὀtἷὅΝὀaΝὁἴὄaΝ bem

como as dificuldades em relaccedilatildeo aos conteuacutedos filosoacuteficos a obra da maturidade platocircnica

tem sido interpretada de diferentes modos Um deles consiste em analisar apenas algum

aspecto que pareccedila mais relevante no texto platocircnico como o prazer Atente-se neste caso agrave

intepretaccedilatildeo revisionista (p 113) Em busca de um recurso hermenecircutico possiacutevel muitos

tendem a recorrer aos aspectos externos da obra sem contudo analisaacute-la a partir de sua

complexidade interna (como eacute o caso dos esoteristas)

Aleacutem disso o Filebo destaca-se no cenaacuterio filosoacutefico devido agrave complexidade de sua

abordagem do prazer visto por alguns teoacutericos anglo-saxotildees como a primeira abordagem do

ὂὄaὐἷὄΝ ἵὁmὁΝ ldquoatituἶἷΝ ὂὄὁὂὁὅiἵiὁὀalrdquoέΝ ἧmaΝ viὅatildeὁΝ ὃuἷΝ ἵὁmὁΝ vἷὄἷmὁὅΝ ἶἷmὁὀὅtὄa-se

extremamente complicada desprendendo-se em grande parte da letra do texto

Diante das complexidades que o texto apresenta de acordo com Muniz (2012)

podemos (resumidamente) destacar as trecircs principais tendecircncias interpretativas

contemporacircneas que surgem no seacuteculo XX e fizeram com que o diaacutelogo voltasse a ser

estudado (i) uma anaacutelise dos prazeres falsos em grande medida desenvolvida por Gilbert

Ryle (1950) (The Concept of Mind) filoacutesofo da mente da contemporaneidade e defensor de

uma leitura particular do Filebo (amplamente polecircmica) (ii) a emergecircncia da interpretaccedilatildeo da

ἵhamaἶaΝ ldquolἷituὄaΝἷὅὁtἷὄiὅtaΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝἴaὅἷaἶaΝ fuὀἶamἷὀtalmἷὀtἷΝὀaΝἵhamaἶaΝ ldquotὄaἶiὦatildeὁΝ

iὀἶiὄἷtardquoΝ amὂlamἷὀtἷΝ ἵalἵaἶaΝ ὀὁΝ tἷὅtἷmuὀhὁΝ aὄiὅtὁtὧliἵὁΝ ἶaΝ filὁὅὁfiaΝ ὂlatὲὀiἵaΝ

(particularmente aqueles contidos na Metafiacutesica) desenvolvida (contemporaneamente) pela

61 Um diaacutelogo que eacute tido por muitos como um diaacutelogo repleto de muacuteltiplas correccedilotildees a respeito do qual nem sequer se possui um acordo a respeito do assunto do qual se trata (uma questatildeo debatida desde a Antiguidade) o FilἷἴὁΝὧΝὁΝtἷὄὄἷὀὁΝἷlἷitὁΝἶὁὅΝὂὄὁὂὁὀἷὀtἷὅΝἶἷΝumaΝldquoὀὁvaΝὁὀtὁlὁgiardquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἷΝἶὁὅΝpartidaacuterios das doutrinas natildeo-escritas Para Crombie por exemplo uma das dificuldades do diaacutelogo ὅἷὄiaΝὃuἷΝldquoἢlatatildeὁΝiὀtὄὁἶuὐΝὄaὂiἶamἷὀtἷΝἷΝἶἷὅἷὀvὁlvἷΝalgumaὅΝὀὁὦὴἷὅΝὃuἷΝὂὁἶἷratildeo ser compreendidas somente agrave luz de suas preocupaccedilotildees uacuteltimas e que noacutes somente conhecemos por Aristoacuteteles Rompendo definitivamente natildeo somente com a hipoacutetese das Formas mas tambeacutem com os grandes gecircneros do Sofista Platatildeo operaria neste diaacutelogo uma revisatildeo draacutestica de sua ontologia como tambeacutem de seu meacutetodo isto eacute da dialeacutetica De acordo com os partidaacuterios das doutrinas natildeo-escritas ὃuἷΝtecircmΝaΝἶiviὀaΝὅuὄὂὄἷὅaΝἶἷΝiὀfἷὄiὄΝaΝὂaὄtiὄΝἶὁὅΝldquoἷὅἵὄitὁὅrdquoΝὁὅΝἶὁiὅΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁὅΝὃuἷΝὀaΝviὅatildeὁΝἶἷlἷὅΝὅatildeὁΝaΝmocircnada e a diacuteade indefinida acreditam tambeacutem exprimir claramente a existecircncia das realidades matemaacuteticas intermediaacuterias o que natildeo se trataria propriamente de uma evoluccedilatildeo mas do surgimento de uma doutrina esoteacuterica ateacute entatildeo reservada a alguns Em outra perspectiva a mistura dos elementos que constituem a vida boa ndash prazer e conhecimento ndash seria apenas um pretexto capaz de permitir a Platatildeo expor os seus novos princiacutepios metodoloacutegicos ou seus novos princiacutepios ocultos (DIXSAUT 2001 p 286-287)

55 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

vertente interpretativa que se denomina como a Escola de Tuumlbingen-Milatildeo62 ndash a qual a partir

deacutecada de 60 trouxe agrave tona a discussatildeo sobre os conteuacutedos do diaacutelogo no acircmbito do

platonismo (iii) o suposto debate surgido no platonismo acerca de uma suposta revisatildeo da

teoria platocircnica presente nos uacuteltimos diaacutelogos desde a criacutetica e consequente rejeiccedilatildeo de

Platatildeo agrave hipoacutetese das formas a partir do Parmecircnides Como o Filebo geralmente eacute colocado

entre os uacuteltimos diaacutelogos de Platatildeo essa obra tornou-se o centro das atenccedilotildees dos chamados

ldquoὄἷviὅiὁὀiὅtaὅrdquoΝ (εἧἠIZΝ ἀί1ἀΝ ὂέΝ ἆ)νΝ (iv)Ν ἷΝ ὂὁὄΝ ήltimὁΝ tἷmὁὅΝ aὅΝ ὄἷaὦὴἷὅΝ aΝ ἷὅὅaὅΝ viὅὴἷὅΝ

interpretativas que introduziram um amplo debate tambeacutem criando uma seacuterie de

interpretaccedilatildeoes ortodoxas ou natildeo aos principais problemas levantados nesse diaacutelogo

platocircnico

Como ressalta Rachid (2012) nesta visatildeo tipicamente redutiva do platonismo (no caso

da leitura esoterista) que busca referecircncias externas para explicar os conteuacutedos apresentados

pelos diaacutelogos esmaecem-se os conteuacutedos eacutetico-poliacuteticos da filosofia de Platatildeo como

tambeacutem os toacutepicos essenciais da dialeacutetica No entanto o Filebo apresenta uma variedade de

conteuacutedos extremamente relevantes agrave definiccedilatildeo da vida mista (entre prazer e conhecimento)

por sinal essencialmente humana Figuram neste diaacutelogo como temas relevantes (i) a criacutetica

agrave eriacutestica (ii) a invectiva das paixotildees deleteacuterias (iii) a criacutetica agrave maacute escrita (iv) a afirmaccedilatildeo que

a gecircnese do esquecimento eacute a fuga da memoacuteria (v) a reminiscecircncia e (vi) a analogia entre as

ciecircncias musicais a gramaacutetica e a dialeacutetica (p 4-5) A interpretaccedilatildeo de um Platatildeo aacutegrafo

neste sentido segundo o autor parece reduzir os conteuacutedos culturais tais como a heranccedila

miacutetico-poliacutetico na elaboraccedilatildeo dos diaacutelogos e o papel do filoacutesofo na elaboraccedilatildeo dos discursos

(loacutegoi mas por hora nos basta a criacutetica a esse tipo de leitura ndash voltaremos a ela quando for

necessaacuterio em nossa anaacutelise do diaacutelogo) Conveacutem ao menos destacar que

() se lecircssemos Platatildeo por um sistema apriorista de princiacutepios em torno do um considerado princiacutepio formal e da diacuteada indefinida do grande e do

62 De acordo com Xavier (2005) nota-se que a proposta da Escola de Tuumlbingen-Milatildeo consiste em dar ecircnfase no caraacuteter oral da filosofia de Platatildeo dito em outras palavras a incompreensibilidade manifesta pelo texto platocircnico escrito soacute encontra uma completude interpretativa mediante o Platatildeo natildeo escrito isto eacute por via da tradiccedilatildeo indiretaμΝldquoἤἷὅgataὄΝaΝἶὁutὄiὀaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὄἷὅἷὄvaἶaΝὡΝὁὄaliἶaἶἷΝὧΝmister para a edificaccedilatildeo estrutural do novo paradigma hermenecircutico uma vez que sem ela natildeo temos o que filoacutesofo chamou ndash ele proacuteprio ndash de o mais importante Ora o melhor lugar para se encontrar tal doutrina eacute certamente nos textos de caraacuteter doxograacutefico escritos por disciacutepulos diretos eou indiretos de Platatildeo e por filoacutesofos posteriores a ele que de alguma forma tiveram acesso ao conteuacutedo das liccedilotildees doutrinais ἶἷΝὀὁὅὅὁΝfilὰὅὁfὁrdquoΝ(ὂέΝ1ἃἀ)έΝἓὅὅἷΝὂaὄaἶigmaΝἶἷΝlἷituὄaΝὧΝἶἷfἷὀἶiἶὁΝὂὁὄΝiὀήmἷὄὁὅΝἷὅtuἶiὁὅὁὅΝἷmΝὅuaΝmaioria de origem alematilde e italiana mas devem sua fundamentaccedilatildeo metodoloacutegica riacutegida na contemporaneidade a Giovanni Reale (2004 p 24) Este uacuteltimo eacute quem apresenta uma releitura dos diaacutelogos de Platatildeo agrave luz de uma doutrina natildeo-escrita que ultrapassa o contexto da escrita e recorre a tradiccedilatildeo indireta de nosso filoacutesofo a fim de eliminarem as insuficiecircncias dos paradigmas tradicionais de leitura do texto platocircnico

56 21 As complexidades estruturais e o problema da unidade

pequeno considerada princiacutepio material correlatos ao limite e ao ilimitado reconheceriacuteamos iniludivelmente nele antinomias e lacunas (RACHID 2012 p 5)

ἡὅΝlἷitὁὄἷὅΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶitὁὅΝldquoἵὁὀvἷὀἵiὁὀaiὅrdquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὀὁὅΝὃuaiὅΝumaΝἷὅtὄutuὄaΝumaΝ

ordem pode ser facilmente identificaacutevel eacute bem possiacutevel que natildeo se sintam familiarizados com

algumaὅΝὁἴὄaὅΝἶitaὅΝldquoaὀὲmalaὅrdquo como eacute o caso do Filebo a ponto de sugerirem as soluccedilotildees

mais bizarras para explicarem as transiccedilotildees e complexidades presentes no supracitado

diaacutelogo Diante de tal dificuldade talvez uma primeira opccedilatildeo seja uma leitura raacutepida e

superficial ou a busca por referecircncias e significados externos que natildeo aquelas provenientes

da leitura do proacuteprio texto Natildeo podemos atribuir a Soacutecrates certa desatenccedilatildeo ao denominado

ldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝ ἶaΝ ὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝ ὀἷmΝ mἷὅmὁΝ aΝ ἢlatatildeὁΝ ὃuἷΝ tὄaὀὅmitἷΝ ὀaΝ falaΝ ἶὁὅΝ iὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝ

(Protarco e Filebo 19a) a necessidade de atenccedilatildeo a esse princiacutepio Conveacutem informar para a

insatisfaccedilatildeo dos comentadores que natildeo seriam eles os primeiros a criticarem o

desenvolvimento aparentemente confuso desse iniacutecio de diaacutelogo mas esse aspecto eacute

questionado pelos proacuteprios interlocutores de Soacutecrates e o condutor natildeo se encontra atento a

essa demanda (Cf 18a1-2 18d6 19a1)

Talvez seria o caso de crer que essa transgressatildeo tem um propoacutesito impliacutecito de tal

modo que essa suposta anomalia dilui-se agrave medida que tomamos a relaccedilatildeo entre forma e

conteuacutedo caracteriacutestica da atividade literaacuterio-platocircnica ou seja quando buscamos considerar

o objetivo em particular dessa discussatildeo dialeacutetica ou seja os temas que satildeo tratados

analisados discutidos em relaccedilatildeo agrave forma de exposiccedilatildeo adequada para tal exposiccedilatildeo Como

Platatildeo geralmente se preocupa em apresentar com maestria o seu os temas caros agrave sua

filosofia ndash e o Filebo particularmente trata de uma refinada questatildeo natildeo soacute para Platatildeo mas

para os gregos em geral que encontram-se muito aleacutem de um debate escoliasta ndash utilizando-

se de inuacutemeros recursos literaacuterios dos quais dispotildeem para a composiccedilatildeo de seus diaacutelogos o

que se exige eacute no miacutenimo um esforccedilo por parte de seu leitor em reconhecer a particularidade

desta composiccedilatildeo e a profundidade por traacutes de uma suposta transgressatildeo logograacutefica aqui

encontrada63

Tendo ressaltado que grande parte das leituras que surgem no seacuteculo XX do diaacutelogo

ao demostrarem dificuldade em relaccedilatildeo aos problemas com um todo levantados pelo diaacutelogo

e principalmente ao problema principal da unidade natildeo soacute para fora do proacuteprio texto

dialoacutegico caso recorrente nas interpretaccedilotildees claacutessicas do Filebo eacute ateacute mais tentador supor

que o diaacutelogo eacute incompleto ou que nos remete agrave conteuacutedos extra-dialoacutegicos agrave doutrinas orais

reservadas ou que o diaacutelogo diz respeito a um problema em debate na eacutepoca dentre outros

63 Compartilho aqui das consideraccedilotildees feitas por Muniz (2007) ao tratar do problema das transiccedilotildees do Filebo relacionadas ao problema principal desse diaacutelogo a saber a unidade (Cf MUNIZ 2007 p 113-124)

57 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

como jὠΝaὂὁὀtamὁὅΝaΝfimΝἶἷΝὅuὂἷὄaὄἷmΝaὅΝὅuὂὁὅtaὅΝldquoaὀὁmaliaὅrdquoΝἶἷΝἶἷtἷὄmiὀaἶὁΝἷὅἵὄitὁΝἷΝ

superarem as incompreensotildees manifestas por meio de uma leitura parcial ou mesmo

surpreendentemente inventiva sem se atentarem ao sentido profundo da discussatildeo

apresentada64 Se a intenccedilatildeo de Platatildeo se presta a determinados objetivos seja o da

perplexidade (19a) que Protarco deseja que natildeo seja o objetivo primordial da discussatildeo ali

travada e que por sinal prefigura a inventiva contemporacircnea de nossos inteacuterpretes (a nova

ontologia os dois princiacutepios) podemos formular a seguinte questatildeo auxiliados por Dixsaut

(2011)

Se este eacute o caso e se toda a primeira parte do diaacutelogo (ateacute 31b) natildeo se explica por meio de tais obsessotildees do Platatildeo da velhice ou o afloramento de uma doutrina dos princiacutepios ateacute entatildeo mantida em segredo soacute podemos estar ἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝἔilἷἴὁΝaὁΝὃuἷὅtiὁὀaὄμΝldquoὁΝὃuἷΝiὅὅὁΝagὁὄaΝtἷmΝaΝvἷὄΝἵὁmΝὀὁὅὅaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁςrdquoΝ(1ἆa)Ν(ὂέΝἀἆἅ)έ

Contudo pretendo dedicar um tempo maior a essas anaacutelises e os equiacutevocos a meu ver nos

quais elas ocorrem Voltemos entatildeo ao diaacutelogo didaticamente eacute possiacutevel propor uma

organizaccedilatildeo do diaacutelogo digo apenas didaticamente porque estes temas encontram-se

interligados segundo creio Quanto agrave divisatildeo dos temas ou o modo como o diaacutelogo eacute

organizado de uma maneira geral natildeo satildeo habitualmente notadas diferenccedilas muito

contrastantes entre os estudiosos adoto aqui essa mesma forma geneacuterica (habitual) utilizada

para dividir os momentos que compotildeem a obra Geralmente se reconhece que o Filebo pode

ser divido (didaticamente) da seguinte maneira (i) Proacutelogo (11a-14b) aqui seratildeo

apresentados os discursos e posteriormente a tese (prazer versus inteligecircncia) e a busca pelo

bem ou pela Vida boa (ii) Metodologia adotada a questatildeo do Um e do Muacuteltiplo e as questotildees

sobre a dialeacutetica (14b-22b) (iii) A ontologia (divisatildeo) dos quatro gecircneros (22c-31b) (iv) a

anaacutelise e classificaccedilatildeo dos prazeres a distinccedilatildeo entre prazeres falsos e prazeres verdadeiros

(31b-55c) (v) Anaacutelise e classificaccedilatildeo dos conhecimentos (55c-59c) (vi) Revisatildeo das teorias

precedentes (vida boa) e hierarquia final dos bens (59c-61c)65

22 O tema central um dissenso

O Filebo desde a Antiguidade Claacutessica tem sido agrupado entre os diaacutelogos eacuteticos

iὀtitulaἶὁΝ tamἴὧmΝἵὁmὁΝ ldquoἥὁἴὄἷΝὁΝὂὄaὐἷὄrdquoέΝἢὁὄὧmΝὁΝ tἷmaΝὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝἵἷὀtὄalΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝ

ainda persiste como um dissenso entre os estudiosos e tradutores da obra em questatildeo

Poderiacuteamos alegar que se trata do prazer podemos usar em sua defesa o fato deste ser

64 Pretendo no decorrer do trabalho evidenciar ainda mais esse assunto 65 Utilizo a divisatildeo da traduccedilatildeo de Muniz (2012 p 11-19) como referecircncia para a divisatildeo do proacuteximo capiacutetulo em que procurarei abordar o texto platocircnico

58 22 O tema central um dissenso

protagonista do diaacutelogo sendo um total de 1205 linhas dedicas a ele No entanto o drama

em questatildeo ainda apresenta conteuacutedos extremamente relevantes para a discussatildeo da

filosofia platocircnica como a intricada relaccedilatildeo entre o uno e o muacuteltiplo e a tarefa do dialeacutetico a

classificaccedilatildeo dos prazeres e conhecimentos e principalmente o problema central em torno

ἶaΝ ἶἷfiὀiὦatildeὁΝ ἶὁΝ valὁὄΝ (ἴἷm)Ν ἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵὁΝ ἶaΝ ldquoviἶaΝ ἴὁardquoΝ ὃuἷΝ ὅἷmΝ ἶήviἶaὅΝ iὀὅἷὄἷ-se na

intriacutenseca relaccedilatildeo entre a proacutepria dialeacutetica e a potecircncia do bem As importantes questotildees do

pensamento platocircnico parecem aqui ressurgirem para finalmente demonstrarem sua total

forccedila como jamais vistas no decorrer dos diaacutelogos Entretanto como relacionar toda a

complexa e profunda teoria (ontoloacutegicaepistemoloacutegica) vista anteriormente em um diaacutelogo

que tem como mote o proacuteprio prazer um tema agrave primeira vista relacionado agraves questotildees

profundamente eacuteticas Como resume Gazolla

O maior problema com o qual nos defrontamos foi o de relacionar essa ontologia de maturidade mais voltada ao conhecimento das ideias e de sua geraccedilatildeo com as reflexotildees sobre as accedilotildees humanas ditas virtuosas a partir da noccedilatildeo de prazer elaboradas por Platatildeo principalmente no Filebo Tal relaccedilatildeo eacute colocada claramente no iniacutecio desse diaacutelogo quando Soacutecrates propotildee alcanccedilar a verdade naquilo que concerne a assegurar aos homens a vida feliz (1993 p 160-161)

A visatildeo sobre o diaacutelogo predominante tanto na Antiguidade como no neoplatonismo e

na Renascenccedila fundamenta-se na defesa do Bem Supremo como tema fundamental da obra

identificaacutevel a partir do comentaacuterio feito pelo neoplatocircnico Damascius ao diaacutelogo O filoacutesofo

destaca que jaacute na Antiguidade inuacutemeras satildeo as divergecircncias a respeito da temaacutetica central

em torno do diaacutelogo Para Trasilo a questatildeo central do diaacutelogo era o prazer jaacute para Psitheus

(disciacutepulo de Theodoro de Asine) a inteligecircncia Jacircmblico Syrianus e Proclo acreditavam se

tratar da causa final do universo imanente a todas as coisas Proclo por sua vez afirmava ser

essa causa o Bem (misto de prazer e inteligecircncia) para todos seres animados66 Na

contemporaneidade contudo a situaccedilatildeo natildeo foi durante muito tempo diferente O debate

acerca do escopo do diaacutelogo como se pode notar remete agrave Antiguidade e mesmo na

atualidade natildeo haacute um caminho para um consenso pelo menos para a maioria dos estudiosos

passou tambeacutem por um longo periacuteodo de discussatildeo

Embora natildeo seja um consenso na contemporaneidade natildeo encontramos muitas

divergecircncias acerca do problema central que envolve a obra Tomemos como primeiro caso

ὁΝἷxἷmὂlὁΝἶἷΝἑὄὁmἴiἷΝ(1λἄἀ)ΝὃuaὀἶὁΝafiὄmaΝὃuἷμΝldquoseu tema (o do Filebo) eacute o status relativo

66 (Cf Dam 1-6) O comentaacuterio de Damaacutescio eacute o uacutenico comentaacuterio neoplatocircnico desse diaacutelogo que chegou ateacute noacutes dentre os comentaacuterios antigos dentre esses perdidos estaria o de Proclo Fato notado a partir das vaacuterias referecircncias de Damaacutescio agraves abordagens dos neoplatocircnicos contemporacircneos a ele presentes no escrito daquele neoplatocircnico (Cf VAN RIEL 2008 p 2)

59 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

ἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἷΝἶὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἷmΝumaΝviἶaΝἴὁardquoΝ(ὂέΝἀἄἃ)έΝἒitὁΝἶἷΝὁutὄὁΝmὁἶὁΝἵὁmὁΝafiὄmaΝaΝ

proacutepria autora Platatildeo faz o caminho inverso neste diaacutelogo ao inveacutes de conjecturar a respeito

do bem universal como fez na Repuacuteblica agora seria mais conveniente questionar o bem na

vida humana e ainda acrescenta

() E de fato o Filebo natildeo estuda empiricamente a boa vida pois ele mesmo [ἥὰἵὄatἷὅ]Ν ἶiὐμΝ ldquoaΝ ἴὁaΝ viἶaΝὧΝ aΝ viἶaΝ miὅtaνΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὧΝ ὃuἷΝ faὐΝ ἵὁmΝ ὃuἷΝ umaΝmiὅtuὄaΝὃualὃuἷὄΝὂὁὅὅaΝὅἷὄΝὅatiὅfatὰὄiaςrdquoΝἡΝἐἷmΝuὀivἷrsal eacute pois ao fim e ao cabo a chave para saber qual eacute o bem no homem tambeacutem no Filebo Realmente no Filebo Soacutecrates estaacute fazendo em certa medida o que tanto lhe assustava na Repuacuteblica dizer algo acerca da natureza do bem universal (CROMBIE 1962 p 281-282)

A interpretaccedilatildeo de Crombie natildeo tem sido a mais aceita pela maioria dos estudiosos

Parece evidente a partir de um exame acurado de seu posicionamento que a posiccedilatildeo da

autora recorre a justificaccedilotildees externas sob o propoacutesito de clarificar o intuito platocircnico no Filebo

Na visatildeo da inteacuterprete o diaacutelogo reflete algumas noccedilotildees muito pouco desenvolvidas ou

apresentadas rapidamente por nosso autor e somente por intermeacutedio de Aristoacuteteles segundo

Crombie seria possiacutevel compreendermos os objetivos platocircnicos desse diaacutelogo como uma

obra em que ficam evidentes os conteuacutedos finais da filosofia de Platatildeo Em busca de um fim

vaacutelido para a natureza humana Platatildeo estaria desenvolvendo uma espeacutecie de anaacutelise das

afecccedilotildees em busca de uma definiccedilatildeo essencial neste caso a do bem Seriam niacutetidas neste

diaacutelogo as revisotildees ontoloacutegicas e dialeacuteticas feitas por Platatildeo na obra em questatildeo (CROMBIE

1963 p 361)

Friedlaumlnder em seu Platone (1975 2004) reconhece que o tratamento do prazer e da

inteligecircncia como candidatos ao bem supremo satildeo apenas pretextos platocircnicos para a

abordagem de assuntos ainda mais complexos Na perspectiva do autor o tema do prazer e

da moral satildeo secundaacuterios diante das questotildees referentes agrave dialeacutetica e agrave ontologia que satildeo

apresentadas naquele contexto Como se nota a partir do que diz tal autor

O caso do Filebo no entanto eacute diferente porque no diaacutelogo satildeo grandes as seccedilotildees que tratam da dialeacutetica e da ontologia e elas natildeo tecircm nada a ver com o prazer e com a eacutetica ao menos em um modo direto O diaacutelogo eacute a descriccedilatildeo de uma disputa dramaacutetica entre prazer e conhecimento no curso da qual vem agrave luz qual um terceiro estado aleacutem desses Os defensores do princiacutepio do prazer satildeo Filebo e Protarco Soacutecrates representa o conhecimento Natildeo eacute necessaacuterio acrescentar que Soacutecrates defende a proacutepria tese de uma maneira totalmente diversa em relaccedilatildeo agravequela sustentada pelos dois jovens A diferenccedila eacute imediatamente clara quando Soacutecrates considera possiacutevel ou melhor antecipa (11d11) o fato que uma terceira via possa ser a melhor (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1043)

60 22 O tema central um dissenso

Apoiado nas concepccedilotildees de Schleiermacher o filoacutelogo alematildeo reconhece que o tema

do bem supera as teses iniciais propostas por Soacutecrates e seus interlocutores no iniacutecio da obra

Por isso a questatildeo inicial do diaacutelogo (hedonismo versus anti-hedonismo) natildeo pode ser a

uacutenica nem ao menos a principal A ecircnfase de Soacutecrates recai sobre a defesa natildeo de sua tese

ἶἷΝldquoὅuaΝiὀtἷligecircὀἵiardquoΝmaὅΝἶἷΝumaΝὅaἴἷἶὁὄiaΝ(aΝἶὁὅΝldquoἵὁὀhἷἵimἷὀtὁὅΝὅuὂὄἷmὁὅrdquo)ΝὃuἷΝἷὅtὠΝmaiὅΝ

proacutexima da perfeiccedilatildeo (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1044) ldquoἏὅὅimΝ ἶitὁΝ iὅtὁΝ ὁΝ Filebo natildeo eacute

lsquoἶἷὅὂὄὁviἶὁΝἶἷΝatὄativὁὅΝaὄtiacuteὅtiἵὁὅrsquoΝἷΝὂὄὁvavἷlmἷὀtἷΝὀἷmΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝlsquofaἵilmἷὀtἷΝiἶἷὀtifiἵaἶὁΝἵὁmΝ

umΝtὄatamἷὀtὁΝmἷtὁἶὁlὰgiἵὁrsquoΝἵὁmὁΝmuitὁὅΝὂaὄἷἵἷmΝἵὄἷὄέΝἡΝἶiὠlὁgὁΝἶἷvἷΝὅἷὄΝviὅtὁΝἵὁmὁ um

ὅἷgmἷὀtὁΝἷxtὄaὂὁlaἶὁΝἶἷΝumΝἵὁὀtἷxtὁΝmaiὅΝamὂlὁrdquo (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1045)

Contrariamente a esta posiccedilatildeo a mais comumente defendida eacute que o escopo central

ἶὁΝἶiὠlὁgὁΝὧΝaΝldquoviἶaΝἴὁardquo o tema central do diaacutelogo Neste sentido as anaacutelises desenvolvidas

no decorrer da argumentaccedilatildeo socraacutetica visam a definiccedilatildeo do bem enquanto paracircmetro

essencial para a composiccedilatildeo da vida boa Ou melhor o propoacutesito platocircnico com esta obra diz

respeito agrave definiccedilatildeo de uma espeacutecie de vida (neste caso aquela mista entre prazeres e

conhecimentos) possiacutevel aos homens a melhor vida capaz de garantir a felicidade a todos os

seres Ou seja em que medida os prazeres e conhecimentos podem ser tidos como bens

uacuteteis a serem incorporados agrave mistura da vida boa capaz de garantir aos homens a felicidade

(TAYLOR 1952 p 408)67 Comungam desta visatildeo Diegraves (2002 p 53) Bravo (2009 p 411)68

Frede (1993 p 13) Hackforth (1945 p 12) Gosling (1975 p 9) Hampton (1990 p 1)

Delcomminette (2006 p 15-16) Davidson (1990 p 14) dentre outros

No entanto podemos destacar ainda trecircs posiccedilotildees muito particulares a respeito do

diaacutelogo as de Guthrie (1978) Gadamer (1983) e Van Riel (1999 2008) Talvez seria melhor

que as consideraacutessἷmὁὅΝἵὁmὁΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiaὅrdquoέΝἕuthὄiἷΝἵὁὀὅiἶἷὄaΝὃuἷΝὁΝtἷmaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝ

superado no Filebo os problemas concernentes ao hedonismo e ao anti-hedonismo natildeo satildeo

o alvo da discussatildeo platocircnica neste periacuteodo final Estas questotildees jaacute teriam sido abordadas

em outros diaacutelogos como no Goacutergias e na Repuacuteblica isto eacute o prazer e o bem jaacute foram tratados

nos respectivos diaacutelogos Neste diaacutelogo tardio a tarefa de Platatildeo eacute desenvolver a criacutetica

acerca da relevacircncia destes temas (prazer e bem) na constituiccedilatildeo da vida mista e demonstrar

quais deles participam desta mistura (1978 p 202)

A leitura de Guthrie do Filebo ressalta tambeacutem o criteacuterio cosmoloacutegico do Filebo

justamente porque neste diaacutelogo Soacutecrates admite a existecircncia de uma inteligecircncia divina

(θκ μ) que governaria o cosmos (28c-e 30a-d) Assim afirma o teoacuterico

67 Esta tem sido a intepretaccedilatildeo corrente mais aceita entre os comentadores e estudiosos da obra 68 ldquoἡΝtἷmaΝfuὀἶamἷὀtalΝἶὁΝFilebo natildeo eacute o prazer como daacute a entender o subtiacutetulo tradicional mas a vida ἴὁaΝὁuΝmaiὅΝὂὄἷἵiὅamἷὀtἷΝὁΝἴἷmΝὅuὂὄἷmὁΝἶὁΝhὁmἷmrdquoΝ(ἐἤἏVἡΝἀίίλΝὂέΝἂ11)έ

61 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

O Filebo eacute uma excelente ilustraccedilatildeo do talento de Platatildeo em combinar a eacutetica e a metafiacutesica o humano e o coacutesmico A totalidade do real esta eacute sua competecircncia pois ele natildeo estaacute disposto a separar nenhuma de suas partes porque essas satildeo partes de um todo orgacircnico A alma do homem eacute um fragmento da alma universal (30a) e a ordem eacute a mesma nas almas individuais nas cidades-estados e no universo em geral O Filebo trata do indiviacuteduo o Poliacutetico do Estado e o Timeu do universo em geral mas todos igualmente em seus cenaacuterios satildeo retratados como partes integrantes de uma ordem coacutesmica (1978 p 203)69

Gadamer vai ainda mais aleacutem ao considerar que o Filebo natildeo consiste unicamente em

definir o que seja a vida feliz que tipo de vida feliz eacute essa e o modo pelo qual os homens

poderatildeo alcanccedilaacute-la Para tal Gadamer procura compreender esse caminho em busca do bem

a partir da concepccedilatildeo defendida por Soacutecrates no diaacutelogo aquela propriamente de que o bem

eacute almejaἶὁΝὂὁὄΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὅἷὄἷὅέΝΝἏΝἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝἶἷὅὅaΝldquoὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝmaiὁὄrdquoΝὧΝὁΝὃuἷΝἶἷfiὀἷΝaΝ

essecircncia humana ou seja o modo como deve agir os homens que estatildeo em prol da felicidade

(GADAMER 1983 p 163) Em um segundo plano Soacutecrates assegura que esse

conhecimento acerca do papel das afecccedilotildees humanas soacute eacute possiacutevel pelo entendimento pela

memoacuteria (ηθ ηβθ) (Cf 35c) Somente o homem ndash e este parece ser o traccedilo distintivo da

natureza humana ndash eacute capaz de avaliar os seus prazeres de julgaacute-los diferentemente dos

animais que apenas tecircm sensaccedilotildees sem poderem assim significaacute-las ou mesmo

ressignificaacute-las (1983 p 163-164)

Contudo ainda eacute dada ao homem a possibilidade de poder distinguir entre sabedoria

e prazer entre ser um simples ser de afetos ou a capacidade de guiar suas accedilotildees

(sabiamente) a fim de que possa obter a felicidade Entretanto quando comparada agrave

inteligecircncia divina (θκ μ) em termos qualitativos sua inteligecircncia eacute imperfeita sua auto

compreensatildeo eacute limitada sua inteligecircncia eacute potencial possiacutevel de se desenvolver em relaccedilatildeo

a capacidade de refletir acerca de um referencial para suas accedilotildees (GADAMER 1983 p 164)

ἕaἶamἷὄΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷΝὃuἷΝaΝvἷὄἶaἶἷΝaἵἷὄἵaΝἶaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝhumaὀaΝὧΝumaΝὃuἷὅtatildeὁΝ

dialeacutetica se daacute mediante as possibilidades e contradiccedilotildees que surgem a partir dos discursos

dos loacutegoi Tais discursos visam uma medida um padratildeo capaz de conciliar tais contradiccedilotildees

Em certo sentido uma busca pela verdade poreacutem dialeacutetica que admite a natureza faacutetica da

vida humana Por conseguinte nenhuma posiccedilatildeo dogmaacutetica pode ser aceita no Filebo (1983

p 164-165)

Para finalizar segundo o estudioso alematildeo a discussatildeo empreendida por Platatildeo no

diaacutelogo tem por objetivo a questatildeo do Bem contudo

69 Na contemporaneidade a interpretaccedilatildeo de Carone (2008 p 123-186) se assemelha a de Guthrie justamente por compreender a eacutetica por meio de perspectivas cosmoloacutegicas Ainda retornaremos agraves intepretaccedilotildees de Carone ao longo do texto

62 22 O tema central um dissenso

A questatildeo do bem na vida humana conteacutem desde jaacute uma compreensatildeo antecipada de seu objeto e sendo assim busca a uma primeira orientaccedilatildeo O bem deve ser uma certa disposiccedilatildeo (diaacutethesis) ou uma certa atitude (heacutexis) ἶaΝ almaΝ ἵaὂaὐΝ ἶἷΝ tὁὄὀaὄΝ ldquofἷliὐἷὅrdquoΝ tὁἶὁὅΝ ὁὅΝ homens O bem eacute portanto concebido anteriormente como uma certa compleiccedilatildeo da alma Ele natildeo eacute ἵὁmὁΝὅἷΝaἵὄἷἶitaΝiὀgἷὀuamἷὀtἷΝὁΝὅἷὀὅὁΝἵὁmumΝalgὁΝὃuἷΝὁΝhὁmἷmΝldquoὂὁὅὅuirdquoΝ(compreensatildeo vulgar de aacutegathon) mas uma modalidade de seu ser Pois o homem eacute precisamente sua alma O problema se coloca nos seguintes termos Qual eacute a compleiccedilatildeo da alma suscetiacutevel de possibilitar a todos os hὁmἷὀὅΝ aΝ viἶaΝ ldquofἷliὐrdquoςΝ ἏΝ ldquofἷliἵiἶaἶἷrdquoΝ (eudaimon) natildeo designa aqui um conteuacutedo determinado do bem ao qual o homem aspira (no mesmo sentido por exemplo que se possui uma alternativa entre a felicidade e a virtude) mas refere-se em geral ao mais alto grau do humanamente desejaacutevel neste estado onde nada mais poderia ser desejado (GADAMER 1983 p 166 grifos do autor)

Van Riel afirma que o Filebo tem ainda como temaacutetica central o prazer contudo com

notaacuteveis especificidades a despeito dos diaacutelogos anteriores como Goacutergias no Feacutedon e

RepuacuteblicaέΝἏlὧmΝἶἷΝmaiὅΝἷxauὅtivaΝaΝaὀὠliὅἷΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὀἷὅtἷΝἶiὠlὁgὁΝtiἶὁΝἵὁmΝldquotaὄἶiὁrdquoΝἢlatatildeὁΝ

reafirmaria sua posiccedilatildeo agrave posiccedilatildeo anti-hedonista ou seja um enfrentamento ao hedonismo

ἶἷΝ umaΝ maὀἷiὄaΝ maiὅΝ ldquoἴὄaὀἶardquoΝ ὅἷmΝ utiliὐaὄ-se do intelectualismo riacutegido dos diaacutelogos

anteriores Dessa forma conveacutem agora atribuir um papel importante ao prazer na constituiccedilatildeo

da boa vida mas sem admiti-lὁΝἵὁmὁΝἴἷmέΝἡΝὂὄaὐἷὄΝὧΝaὀaliὅaἶὁΝἶἷΝumaΝmaὀἷiὄaΝldquoὂὁὅitivardquoΝἷΝ

ὀatildeὁΝldquoὀἷgativardquoΝἵaὄὄἷgaὀἶὁΝἵὁὀὅigὁΝaiὀἶaΝἵἷὄtὁΝἵaὄὠtἷὄΝἶἷὂὄἷἵiativὁΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝἶἷΝἢlatatildeὁΝ(VἏἠΝ

RIEL 1999 p 300)

Na visatildeo contemporacircnea de teoacutericos como George Rudebusch (2007) Fernando

Muniz (2012) e Marques (2011) a questatildeo primordial do Filebo eacute a vida boa sem duacutevidas

mas ela passa neste diaacutelogo fundamentalmente pelo prazer Dito de outro modo a longa e

relevante anaacutelise dos prazeres (haja vista o tratamento exaustivo desse tema por Platatildeo na

ὄἷfἷὄiἶaΝὁἴὄa)ΝὧΝὃuἷΝὀὁὅΝἵὁὀἶuὐΝaὃuiΝaΝ umaΝ ὄἷflἷxatildeὁΝὂὁὄtaἶὁὄaΝἶἷΝumΝ ldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝἶὁΝ

diaacutelogo ela eacute decerto um bom caminho para compreendermos melhor os fins da obra A

reflexatildeo sobre os prazeres enquanto propriamente questatildeo filosoacutefica cara ao nosso filoacutesofo

nos dirige a apontamentos que configuram ainda mais a atividade dialeacutetica ao serem

apresentadas mais uma de suas funccedilotildees essenciais que natildeo apenas as epistemoloacutegicas

(gnosioloacutegicas) mas tambeacutem ao papel desempenhado por tal tarefa na discussatildeo eacutetica

(valorativas ou axioloacutegicas) essenciais na compreensatildeo do pensamento platocircnico A

pergunta sobre o papel na vida humana mista de prazer e conhecimento nos permitiria

compreender ainda mais aquelas questotildees ἶitaὅΝldquofuὀἶamἷὀtaiὅrdquoΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝfilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵaμ

O prazer eacute de fato o protagonista da cena do diaacutelogo Mais da metade do Filebo eacute dedicada agrave classificaccedilatildeo dos prazeres (31a-55a) o que representa

63 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

1205 linhas da ediccedilatildeo Tauchnitz enquanto a parte referente ao pensamento e ao conhecimento tomam apenas 181 linhas (55c-59c) e todo o restante do diaacutelogo natildeo ultrapassa 1164 Ainda que o ponto de vista quantitativo seja um indicativo importante natildeo eacute obviamente conclusivo Mas a discussatildeo que percorre o diaacutelogo envolve sem duacutevida o problema do prazer e seu lugar na vida humana () (MUNIZ 2012 p11)

Nem mesmo acerca do tema central do diaacutelogo ndash uma questatildeo aparentemente simples

se analisaacutessemos o conteuacutedo de outros diaacutelogos ndash se obteacutem um consenso geral por parte dos

estudos Meu propoacutesito eacute tornar evidente por meio deste trabalho ressaltadas as questotildees

histoacuterico-interpretativas do diaacutelogo em questatildeo que o tema do prazer ocupante da maior parte

da obra (protagonista) encontra-se incorporado a tantas outras questotildees fundamentais caras

a nosso autor e que reaparecem no Filebo como as referecircncias agrave proacutepria potecircncia dialeacutetica

o papel competente aos prazeres e conhecimentos (teacutecnicasciecircncias) na constituiccedilatildeo da vida

boa humana (mista) a relaccedilatildeo entre a atividade dialeacutetica e a potecircncia do bem a classificaccedilatildeo

dos bens e dos conhecimentos (teacutecnicas) o problema da unidademultiplicidade dos prazeres

os falsos e verdadeiros prazeres a criacutetica a retoacuterica e agrave eriacutestica as analogias entre a muacutesica

a gramaacutetica e a dialeacutetica dentre outras Partindo do proacuteprio diaacutelogo acredito que a reflexatildeo

platocircnica acerca dos prazeres natildeo eacute um tema novo e que o Filebo constitui o maacuteximo e o

uacuteltimo esforccedilo de Platatildeo sobre o tema Um exame (o dos prazeres) que como se nota estaacute

presente jaacute em outras obras apesar de situar-se em contextos dialeacuteticos distintos sendo

tratado de acordo com os propoacutesitos de determinada obra o prazer ao longo da obra platocircnica

iraacute demonstrar sua forccedila ele se manteacutem firme enquanto forte candidato para enfrentar a

iὀtἷligecircὀἵiaΝὀὁΝὃuἷΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝὃuἷὅtatildeὁΝὅὁἴὄἷΝaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἑὁmὁΝjὠΝἶiὅὅἷΝὀatildeὁΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ

retomar natildeo me parece que Platatildeo muda sua visatildeo sobre o prazer mas apenas a torna mais

clara no decorrer de sua obra a ponto de apresentar-nos algo dotado de profundidade e de

refinamento nas linhas compotildeem o Filebo

O prazer eacute uma questatildeo filosoacutefica premente na filosofia de Platatildeo e que exige todo o

rigor que eacute conferido a ele no nosso diaacutelogo Esse rigor platocircnico se torna perceptiacutevel agrave medida

em que a anaacutelise dos prazeres exige uma reflexatildeo profunda sobre a funccedilatildeo das afecccedilotildees na

vida dos homens isto eacute passa pela proacutepria configuraccedilatildeo sobre o movimento do desejo e da

sua efetividade na alma humana O papel da reflexatildeo (dialeacutetica) tambeacutem eacute fundamental para

ὅἷΝalἵaὀὦaὄΝumaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝἷὀὃuaὀtὁΝativiἶaἶἷΝἶἷliἴἷὄativa (limiteilimitado) das accedilotildees dos

cidadatildeos cuja finalidade uacuteltima parece configurar-se na plena realizaccedilatildeo de todos os seres

humanos isto eacute na posse do bem maior por conseguinte da felicidade Como bem considera

Gazolla

A discussatildeo do Filebo () nos interessa na medida em que seria a ponte do theoreicircn ao pratteicircn ndash ele pergunta sobre a relaccedilatildeo prazer-felicidade atraveacutes do qual o problema do uno e muacuteltiplo nas ideias e nos seres sensiacuteveis pode

64 23 O contexto histoacuterico e os personagens

enquadrar-se no campo das accedilotildees eacuteticas A intenccedilatildeo socraacutetica nessa primeira arte do diaacutelogo eacute demonstrar a Filebo ndash interlocutor que segue uma corrente bastante aceita na eacutepoca e apregoa a felicidade humana pela via do prazer ndash o que eacute a phrocircnesis70 Essa expressatildeo eacute de difiacutecil traduccedilatildeo indicativa de um verbo phreicircn e que significa refletir o que nos leva a traduzi-la por ldquoaὦatildeὁΝὄἷflἷtiἶardquoΝὁuΝldquoὅaἴἷἶὁὄiaΝὂὄὠtiἵardquoΝmaὅΝὀuὀἵaΝὂὄuἶecircὀἵiaΝ(1λλἁΝὂέΝ1ἅἃ-176 grifos da autora)

ἒἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝaὅΝἵὁὀὅiἶἷὄaὦὴἷὅΝἶἷΝWὁlfὅἶὁὄfΝ (ἀί1ἁ)Ν ldquoὁΝ tὄatamἷὀtὁΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὂὁὄΝ

Platatildeo no Filebo eacute de longe o mais elaborado Naturalmente eacute o mais elaborado tratado

aἵἷὄἵaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἶaΝaὀtiguiἶaἶἷΝὃuἷΝὀὰὅΝὂὁὅὅuiacutemὁὅrdquoΝ(ὂέΝἅἂ)έΝἡuΝἵὁmὁΝafiὄmὁuΝἐuὄyΝ(1ἆλἅ)Ν

ldquoὂὁὄΝὅἷuΝὄigὁὄΝἷΝἵὁmὂlἷtuἶἷΝἷmΝὅuaΝἵὄiacutetiἵaΝaὁΝὂὄaὐἷὄΝὁΝFilebo certamente sustenta-se sozinho

entre os escritos preacute-aristoteacutelicos ()rdquoΝ (ὂέΝ ἀἆ)Ν iὅtὁΝ ὂὁὄὃuἷΝ muitὁὅΝ ἶὁὅΝ aὅὂἷἵtὁὅΝ ὧtiἵὁὅΝ

desenvolvidos no diaacutelogo iratildeo marcar profundamente o pensamento filosoacutefico ocidental

posterior tendo as concepccedilotildees filosoacuteficas platocircnicas (ora aceitando-as ora confrontando-as)

como base Diante disso o impacto da leitura do Filebo embora natildeo tenha ganhado tanta

forccedila apoacutes o neoplatonismo emerge na contemporaneidade com toda a forccedila devido aos

temas importantes como jaacute ressaltamos contidos nesta obra

23 O contexto histoacuterico e os personagens

Um dos principais fatores que tambeacutem dificultam o estudo da obra por parte do leitor

eacute o contexto histoacuterico Acerca do Filebo diferentemente das outras obras de Platatildeo natildeo

possuiacutemos qualquer referecircncia a respeito do local e da data de composiccedilatildeo ou se esse

diaacutelogo teria mesmo ocorrido (o que eacute bem pouco provaacutevel) Como dissemos anteriormente

a respeito do dissenso entre os estudiosos acerca do tema principal do diaacutelogo em grande

parte ele se deve tambeacutem agrave ausecircncia de referenciais histoacutericos que tratem ou que faccedilam uma

referecircncia direta a esse debate especificamente

De acordo com Schofield a composiccedilatildeo Filebo data das uacuteltimas duas deacutecadas da vida

de Platatildeo entre os anos de 360 aC e 347 aC (1998 p 419) Como jaacute foi dito maioria dos

estudiosos (dentre eles Bury (1897) Taylor (1956) Guthrie (1975) Crombie (1988))

consideram a obra como parte dos diaacutelogos tardios de Platatildeo71 Enquanto alguns

70 ἦὄataὄἷiΝἶὁΝldquoἵamὂὁΝὅἷmacircὀtiἵὁrdquoΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝἷὅὅἷΝtἷὄmὁΝὀὁΝὂὄὰximὁΝἵaὂiacutetulὁΝἷΝaὅΝὂὁὅὅiacutevἷiὅΝfὁὄmaὅΝsegundo as quais ele possa ser compreendido na obra platocircnica e especialmente no caso do Filebo 71 Sobre isso vale retomar o famoso artigo de Brandwood (2013 p 113-1ἂἁ)μΝldquoἏΝὂἷὅὃuiὅaΝiὀiἵialΝὅὁἴὄἷΝo vocabulaacuterio de Platatildeo por Campbell Dittenberger e Schanz culminando no livro de Ritter sobre o assunto identificada no Sofista no Poliacutetico no Filebo no Timeu Criacutetias e Leis um grupo de diaacutelogos que se distinguiam dos demais por uma ocorrecircncia exclusiva ou aumentada de certas palavras e frases Investigaccedilotildees subsequentes sobre esse aspecto de estilo chegaram agrave mesma conclusatildeo e a dicotomia foi confirmada por dois criteacuterios adicionais com a descoberta de que somente nestes trabalhos ()

65 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

revisionistas como Ryle (1966) e Waterfield (1980) insistem em colocaacute-lo entre os da fase

meacutedia juntamente agrave Repuacuteblica e ao Timeu

Para os estudiosos citados acima o Filebo ἶἷvἷΝὅἷὄΝtiἶὁΝἵὁmὁΝumΝldquoἶiὠlὁgὁΝἷmΝἵuὄὅὁrdquoΝ

isto eacute Platatildeo teria nesse diaacutelogo representado (dramaticamente) duas das principais

concepccedilotildees correntes de sua eacutepoca (uma anti-hedonista e uma outra hedonista) isto eacute tratar-

se-ia de um diaacutelogo escoliasta que postulava dois modos distintos de vida) ambas defendidas

por estudiosos da Academia Isto porque segundo tais o diaacutelogo se iniciaria a partir da

retomada de duas teses contraditoacuterias uma em defesa do prazer e outra como partidaacuteria da

inteligecircncia ndash sendo que ambas arrogariam a si o precircmio concedido ao vencedor da disputa

ὃuἷΝvἷὄὅaΝὅὁἴὄἷΝaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝὁuΝmἷlhὁὄΝὅὁἴὄἷΝὃualΝἶὁὅΝἶὁiὅΝ(ὂὄaὐἷὄΝὁuΝiὀtἷligecircὀἵia)ΝὂὁὅὅaΝviὄΝ

a ser considerado como o bem (11b-c) Filebo representaria um hedonismo radical a defesa

irrefreaacutevel pela busca do prazer enquanto Soacutecrates defenderia sua tese intelectualista do

bem O fato eacute que ainda muito se confabula a respeito das reais identidades que estariam

representadas nas teorias defendidas por Filebo e Protarco tendo em vista a pobre doxografia

que possuiacutemos sobre tal tema polecircmico Ademais muito se questiona sobre Soacutecrates que a

despeito do meacutetodo utilizado por Platatildeo nos diaacutelogos da velhice retorna agrave trama dialoacutegica

como protagonista da discussatildeo

Uma das teses mais fortes eacute a de que Filebo refira-se a Eudoxo matemaacutetico grego e

filoacutesofo da Academia o qual segundo nos informa Aristoacuteteles era quem defendia que o prazer

era o bem (EN X 2 1172b9-5) Para muitos estudiosos (Cf DIEgraveS 2002 p13-17) a

personagem que daacute nome ao diaacutelogo nada mais eacute do que uma dramatis persona utilizada

literariamente por Platatildeo ao configurar a posiccedilatildeo de Eudoxo Enquanto a posiccedilatildeo defendida

por Soacutecrates expressaria a oposiccedilatildeo riacutegida (anti-hedonista) de Espeusipo sucessor de Platatildeo

na Academia O nome Filebo tambeacutem pode ser compreendido por um jogo de palavras (Φiacuteζ

amigoamante + β + ίκμ da juventude) ou melhor amante da forccedila juvenil Contudo como

veremos Filebo interveacutem na discussatildeo em apenas trecircs momentos e quem ocupa o papel de

Platatildeo fez uma tentativa consistente de evitar certos tipos de hiato e chegou a um tipo diferente de rimo de prosa () Com relaccedilatildeo agrave questatildeo da sequecircncia no grupo cronoloacutegico final ao comparar os vaacuterios tipos de evidecircncia um peso particular talvez devesse ser atrelado ao ritmo de prova e ao evitar o hiato uma vez que diferentemente do que se tem no vocabulaacuterio eles parecem independentes tanto da forma de uma obra como de seu conteuacutedo Muito embora o testemunho dos dados para se evitar o hiato foram ambiacuteguos trecircs investigaccedilotildees independentes sobre ritmo de claacuteusula e uma investigaccedilatildeo sobre ritmo de sentenccedila mostraram concordes ao concluir que a ordem sequencial de composiccedilatildeo seria Timeu Criacutetias Sofista Poliacutetico Filebo e Leis Agrave luz dessa ambiguidade de evidecircncia do hiato um indiacutecio quanto agrave posiccedilatildeo do Filebo pode ser resolvida em favor de sua proximidade em relaccedilatildeo agraves Leis posiccedilatildeo amparada por aspectos particulares do hiato e por outros aspectos como o retorno a formas mais longas de foacutermulas de reacuteplica apoacutes uma predominacircncia de versotildees abreviadas nos trabalhos precedentes a culminacircncia de uma tendecircncia para o uso mais frequente de expressotildees superlativas a elevada proporccedilatildeo de Peacuteri e preferecircncia ndash ampliada se se considerar o Timeu Criacutetias e o Sofista ndash ὂὁὄΝumaΝlὁὀgaΝὅiacutelaἴaΝfiὀalΝἷmΝἵlὠuὅulaὅrdquoΝ(ὂέΝ1ἂἀ-144)

66 23 O contexto histoacuterico e os personagens

interlocutor no diaacutelogo eacute Protarco Sobre este uacuteltimo personagem Protarco tambeacutem temos

pouquiacutessimas informaccedilotildees No diaacutelogo Soacutecrates se refere a este interlocutor chamando-o

tamἴὧmΝἶἷΝldquoἔilhὁΝἶἷΝἑὠliaὅΝ(1λἴἃ)Νldquo(έέέ) nome muito comum em Atenas portanto para muitos

inteacuterpretes natildeo pode ser confundido com o riquiacutessimo Caacutelias amigo de Soacutecrates cujo filho

era uma crianccedila no tempo do processo deste uacuteltimo (Soacutecrates) (ApolΝ ἀίa)rdquo72 Torna-se

impensaacutevel para a maioria dos estudiosos que Protarco seja uma figura histoacuterica mas apenas

uma figura dramaacutetica utilizada por Platatildeo no diaacutelogo

Outra tese mais antiga eacute de que a obra ilustraria o conflito entre duas das escolas de

pensamento da antiguidade a dos ciacutenicos e a dos cirenaicos Desta forma o diaacutelogo

representaria a posiccedilatildeo (mediadora) de Platatildeo distinta de ambas as posiccedilotildees extremadas O

hedonismo levado agraves extremas encontraria sua expressatildeo maacutexima na figura de Aristipo de

Cirene (cirenaico)73 para o qual o bem eacute o maior gozo possiacutevel ou seja prazer em demasia

Por outro lado Antiacutestenes (ciacutenico) seria representado no diaacutelogo pela figura de Soacutecrates na

tese inicial o qual advoga em favor de um modo de vida estritamente riacutegido (intelectualista)

fundamentado em uma postura austera que apregoa a fuga dos prazeres pois teriam como

fim unicamente a perturbaccedilatildeo da alma (TAYLOR 1926 p 409) Mas nada confirmaria esta

tese como jaacute dissemos a doxografia eacute muito pobre a ponto de afirmar semelhante debate

acadecircmico

Ao contraacuterio do que notamos nos outros diaacutelogos de Platatildeo no Filebo natildeo haacute nenhuma

referecircncia ao local geograacutefico onde se passa o diaacutelogo nem ao menos acerca do momento

ou de algum fato histoacuterico a partir do qual poderiacuteamos inferir alguma indicaccedilatildeo precisa do

diaacutelogo Um outro fator essencial que intriga muitos inteacuterpretes da obra eacute o retorno da figura

de Soacutecrates ao diaacutelogo jaacute que natildeo eacute ele o condutor da discussatildeo no Sofista e nas Leis todos

ὁὅΝἶὁiὅΝήltimὁὅΝtamἴὧmΝὂἷὄtἷὀἵἷὀtἷὅΝaΝἶitaΝldquoήltimaΝfaὅἷrdquoΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὂlatὲὀiἵὁέΝἑὁmὁΝjὠΝ

ἶἷὅtaἵamὁὅΝ tἷὀἶὁΝ ἵὁmὂὄἷἷὀἶiἶὁΝ aὅΝ iὀήmἷὄaὅΝ ἶifiἵulἶaἶἷὅΝ ἷmΝ tὁὄὀὁΝ ἶὁΝ ldquoὂὄὁἴlἷmaΝ ἶἷΝ

ἥὰἵὄatἷὅrdquoΝὃualΝὅἷὄiaΝἷὀtatildeὁΝaΝἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝmaiὅΝὂἷὄtiὀἷὀtἷΝaΝἷὅtἷΝldquoὄἷgὄἷὅὅὁrdquoΝἶaΝὂἷὄὅὁὀagἷmΝ

(Soacutecrates) como condutor da discussatildeo no caso do Filebo

Essa eacute uma questatildeo problemaacutetica e que admite variadas formulaccedilotildees Mas parece que

muitos admitiriam que Soacutecrates tal como aparece no Filebo e o modo como conduz a

argumentaccedilatildeo assim como as teses que defende nada se parece com o Soacutecrates aporeacutetico

dos primeiros diaacutelogos

72 Esta informaccedilatildeo tambeacutem eacute contestada por alguns estudiosos como GUTHRIE (1978 p 198) TAYLOR (1926 p 409) e HACKFORTH (1945 p 7) 73 ἏfiὄmaΝἔὄiἷἶlaumlὀἶἷὄμΝldquoἡΝἵὁὀtὄaὅtἷΝἷὀtὄἷΝaΝὧtiἵaΝhἷἶὁὀiὅtaΝἷΝaΝὧtiἵaΝaὀti-hedonista (intelectualista) jaacute havia sido antecipada na oposiccedilatildeo entre ciacutenicos e cirenaicos (2004 p 1044) Sobre isto cf Bravo (2009 p 412)

67 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

Uma das surpresas do Filebo eacute a volta de Soacutecrates agrave cena Ele que tinha sido deixado de lado em diaacutelogos da uacuteltima fase de Platatildeo cedendo lugar na conduccedilatildeo da conversa dialeacutetica a figuras como a do Estrangeiro de Eleia retorna com um de seus temas preferidos o prazer mas desta vez com um estilo menos aporeacutetico e mais afinado com a problemaacutetica dos diaacutelogos da uacuteltima da uacuteltima fase (MUNIZ 2012 p 21)

Alguns estudiosos como Friedlaumlnder (2004) afirmam ser o Soacutecrates do Filebo aquele

mesmo Soacutecrates dos diaacutelogos iniciais aquele que vemos dialogar com os jovens Tal acepccedilatildeo

verifica-se segundo este autor pela postura socraacutetica em defender uma tese especiacutefica

poreacutem ao mesmo tempo submetendo-a agrave criacutetica caracteriacutestica proacutepria do predominante

condutor dos diaacutelogosέΝ ἏΝ ἵὁὀἵἷὂὦatildeὁΝ ἶἷΝ ὃuἷΝ ldquoὁΝ ἴἷmΝ ὧΝ aΝ ὅaἴἷἶὁὄiardquoΝ ὀatildeὁΝ ὧΝ umaΝ ὂὁὅiὦatildeὁΝ

dogmaacutetica mas um ponto de partida na discussatildeo que se inicia Semelhante proposiccedilatildeo

como se observa seraacute abandonada pelo condutor da discussatildeo agrave medida que o diaacutelogo

avanccedila sendo demonstradas a inadequaccedilatildeo da tese inicial e a parcialidade perante sua

justificaccedilatildeo (p 1046)

Diegraves (2002) segue uma direccedilatildeo oposta Para ele o Soacutecrates do Filebo nada tem de

semelhante com o Soacutecrates dos diaacutelogos iniciais A figura de Soacutecrates natildeo tem nada de irocircnica

nesta obra Como nos primeiros diaacutelogos o filoacutesofo natildeo eacute aquele que debate que argumenta

que brinca mas preocupa-se muito mais em expor determinadas questotildees sem duvidar da

validade de suas teses (DIEgraveS 2002 p 9) Similarmente Guthrie afirma que Soacutecrates retorna

agrave cena dramaacutetica como condutor do diaacutelogo porque o tema eacute o prazer Ademais o Soacutecrates

do Filebo assemelha-se mais ao Estrangeiro de Eleacuteia do Sofista do que ao Soacutecrates irocircnico

visto nos escritos platocircnicos da juventude

a fim de tornaacute-lo (Soacutecrates) mais confiaacutevel Platatildeo faz com que Protarco peccedila a Soacutecrates em nome de todos os jovens presentes que abandone sua praacutetica de pocircr os jovens em dificuldades perante questotildees sem respostas [aporias] A partir de agora eacute Soacutecrates mesmo que deveraacute responde-las enquanto seus interlocutores se esforccedilaratildeo para segui-lo da melhor maneira (19e- 20a) cf 28bc) Satildeo alguns dos raros toques pessoais nos diaacutelogos mas em geral faz faltar o interesse dramaacutetico (GUTHRIE 1978 p197-198)

Algumas anaacutelises mais recentes sobre a estrutura e a composiccedilatildeo dramaacutetica do

ἶiὠlὁgὁΝ ὂὄiὀἵiὂalmἷὀtἷΝ ὀὁΝ ὃuἷὅitὁΝ ldquoἥὰἵὄatἷὅrdquoΝ ὅatildeὁΝ aiὀἶaΝmaiὅΝ iὀtἷὄἷὅὅaὀtἷὅ como aquela

apresentada por Dorothea Frede A autora afirma no prefaacutecio de sua traduccedilatildeo do Filebo que

nos deparamos ali com um Soacutecrates (forjado por Platatildeo) que estaacute a debater a discutir e que

natildeo apresenta uma definiccedilatildeo uacuteltima sobre determinados assuntos Assim ela defende

Na verdade ele [Platatildeo] parece ter feito Soacutecrates o principal orador mais uma vez precisamente porque nenhum tratamento final eacute intencionado mas um

68 23 O contexto histoacuterico e os personagens

exame discursivo com sugestotildees e insinuaccedilotildees que podem ir longe mas nunca plenamente suficiente para resolver as questotildees de tal forma que o leitor poderia reivindicar a plena compreensatildeo de uma doutrina definitiva Em suma a Platatildeo soacute resta o proacuteprio Platatildeo o filoacutesofo que se recusa a fixar na mente de seus leitores suas intenccedilotildees finais (FREDE 1993 p 7)

Em suma a teoacuterica alematilde sugere que o meacutetodo pedagoacutegico-socraacutetico (o ζ ΰξκμ) eacute

reutilizado por Platatildeo a fim de persuadir seus interlocutores a respeito de sua concepccedilatildeo da

vida boa no diaacutelogo Desta maneira por um lado a figura de Soacutecrates simula as ideias do

ldquovἷlhὁΝἢlatatildeὁrdquoΝὁΝἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtὁΝὂὅiἵὁlὰgiἵὁ-filosoacutefico do autor tardio mas por outro natildeo

se separou ainda permanece unido a seu mestre Contudo natildeo eacute relevante para a autora a

figura de Soacutecrates neste retorno mas sim o modo como ele se porta na discussatildeo isto eacute

ἥὰἵὄatἷὅΝaὃuiΝὧΝaὂἷὀaὅΝὁΝldquoὂὁὄta-vὁὐrdquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἶἷΝὅuas doutrinas apresentadas em seus

uacuteltimos escritos O papel do condutor eacute relevante apenas em um primeiro momento porque

ele eacute quem iraacute retomar a discussatildeo eacutetica da qual Platatildeo teria como maior referencial a filosofia

de Soacutecrates No entanto sua funccedilatildeo reduz-se agrave dramatis persona (Soacutecrates) sob o propoacutesito

ἶἷΝ ὂἷὄὅuaἶiὄΝ ὁὅΝ jὁvἷὀὅΝ aΝ ὄἷὅὂἷitὁΝ ἶaΝ ἵὁὀἵἷὂὦatildeὁΝ ἶaΝ ldquoἴὁaΝ viἶardquoΝ (aiacuteΝ ὅimΝ umaΝ tἷὁὄiaΝ

especificamente platocircnica)

Em outro artigo Frede (2013) sublinha semelhante posiccedilatildeo

O que perturba eacute o fato de parecermos ter uma discussatildeo socraacutetica normal diante de noacutes neste que aparentemente eacute um dos uacuteltimos trabalhos de Platatildeo Aacute primeira vista o Filebo natildeo parece apresentar nenhum dos traccedilos dramaacuteticos dos outros uacuteltimos diaacutelogos O proacuteprio Soacutecrates estaacute guiando a discussatildeo () estamos de volta a Atenas imerso em uma disputa viva entre um Soacutecrates e interlocutores natildeo muito diferente das que satildeo usadas nos diaacutelogos socraacuteticos () existe [neste diaacutelogo] um antagonismo verdadeiro humoriacutestico ndash e isso inclui insinuaccedilotildees de caraacuteter sexual ndash e uma conversatildeo gradual Se se olhar para a forma dramaacutetica eacute quase como se Platatildeo quisesse provar ao mundo que mesmo nessa idade avanccedilada madura ele fosse capaz de compro diaacutelogos vivos e tambeacutem que Soacutecrates de modo algum pudesse ficar esquecido (p 510-511)

E justifica mais detalhadamente tal posiccedilatildeo dizendo que

Platatildeo teria achado difiacutecil evocar fosse um eleata fosse um pitagoacuterico como liacuteder de tal discussatildeo e haveria boas razotildees para deixar Soacutecrates aceitar o desafio Platatildeo ao que parece retornou agrave forma anterior dos diaacutelogos socraacuteticos porque desejava reabrir uma questatildeo que fora preocupaccedilatildeo bastante seacuteria do primeiro Soacutecrates platocircnico qual seja o debate sobre a natureza e avaliaccedilatildeo do prazer (FREDE 2013 p 511)

Soacutecrates segundo Frede visto como carecente pobre eacute incompleto frente agrave figura do

dialeacutetico elaborada por Platatildeo no processo argumentativo O primeiro representa a figura da

69 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

natureza humana (carecentedesejosa) enquanto o dialeacutetico platocircnico ilustra a perfeita

sabedoria a completude (FREDE 2013 p 543) Assim sendo no Filebo a caracterizaccedilatildeo do

dialeacutetico natildeo soacute caracteriza a essecircncia da filosofia platocircnica como tambeacutem marca claramente

a distinccedilatildeo entre a figura do filoacutesofo (Soacutecrates) e a do dialeacutetico (Platatildeo) Aleacutem disso a obra

evidenciaria a superaccedilatildeo de Platatildeo em relaccedilatildeo agrave filosofia socraacutetica que agora transfigura-se

como dialeacutetica

Lidar com tais processos natildeo eacute assunto e preocupaccedilatildeo do dialeacutetico jaacute que ele eacute o homem perfeitamentἷΝ ὅὠἴiὁΝ ἵujὁΝ iὀtἷὄἷὅὅἷΝ ὧΝ ldquoὅἷὄΝ ὄἷaliἶaἶἷΝvἷὄἶaἶἷiὄὁΝἷΝὁΝἷtἷὄὀamἷὀtἷΝiἶecircὀtiἵὁrdquoΝ(ἃἆa)νΝὧΝἶὁΝiὀtἷὄἷὅὅἷΝἶaὃuἷlἷΝὃuἷΝἴuὅἵaΝa completude cujo representante eacute o pobre descalccedilo poreacutem implacaacutevel d infatigaacutevel Soacutecrates retratado no Banquete ou entatildeo do interesse do atribulado cantor de uma palinoacutedia em favor do amor no Fedro O progresso em direccedilatildeo agrave perfeiccedilatildeo eacute o que o melhor tipo de prazer na vida humana representa e eacute o motivo pelo qual uma vida humana natildeo seria desejaacutevel sem prazer na condiccedilatildeo de humano eacute incompleto e necessita da constante tendecircncia e conclusatildeo ardentemente desejada pelo filoacutesofo socraacutetico (embora natildeo o dialeacutetico platocircnico) (FREDE 2013 p 543)

Ademais um outro elemento socraacutetico reconhecido pela autora como presente no

diaacutelogo eacute o carὠtἷὄΝldquomὧἶiἵὁrdquoΝἶaΝfilὁὅὁfiaΝὅὁἵὄὠtiἵaέΝἡΝὂὄaὐἷὄΝὧΝviὅtὁΝἵὁmὁΝὄἷὅtauὄaὦatildeὁΝἶἷΝumΝ

estado harmonioso tanto do corpo quando alma que procura sair de tal estado dissoluto (dor)

Aqui de acordo com Frede natildeo se pode negar a presenccedila deste caraacuteter (imprescindiacutevel) de

restauraccedilatildeo que a reflexatildeo sobre as afecccedilotildees humanas pode trazer ao homem Dito isso ao

que parece encontra-ὅἷΝaiὀἶaΝὂὄἷὅἷὀtἷΝὀaΝὁἴὄaΝumΝἵaὄὠtἷὄΝldquoἵatὠὄtiἵὁrdquoΝ(ὂuὄifiἵaἶὁὄ)ΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ

aos prazeres ndash herdado da filosofia de Soacutecrates ndash e que permanece como pano de fundo na

composiccedilatildeo do Filebo por parte de nosso autor Dessa maneira isso demonstra jamais ter

havido uma renuacutencia agrave analogia meacutedica que justificou a criacutetica de Soacutecrates agrave moralidade de

seus contemporacircneos ela foi reescrita em novos termos que atrelam ser e tornar-se a

imposiccedilatildeo de limites no ilimitado (FREDE 2013 p 544)74

Em oposiccedilatildeo agrave leitura de Frede C Rowe (1999) compreende o protagonismo de

Soacutecrates no diaacutelogo de uma outra forma Natildeo lhe faltaram criacuteticas agrave intepretaccedilatildeo da teoacuterica

norte-americana Segundo o autor no diaacutelogo natildeo notamos uma draacutestica diferenccedila entre o

Filebo algo que o distinguiria particularmente dos outros diaacutelogos tardios (Sofista Poliacutetico

etc) como considera Frede Nem sequer poderiacuteamos afirmar com toda clareza que Platatildeo

serve-se do ζ ΰξκμΝtalΝἵὁmὁΝὅἷΝὁἴὅἷὄvaΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶaΝjuvἷὀtuἶἷΝ(ἤἡWἓΝ1999 p 9-11)

74 ἥὁἴὄἷΝ iὅtὁΝ ὧΝ imὂἷὄiὁὅὁΝ ἶἷὅtaἵaὄΝ aΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝ ἶἷΝ ἥaὀtὁὄὁΝ (ἀίίἅ)Ν aΝ ὄἷὅὂἷitὁΝ ἶaΝ ldquoἵatὠὄtiἵaΝ ἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅrdquoΝἶἷὅἷὀvὁlviἶaΝὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὀὁΝFilebo O prazer que transita entre medida e desmedida entre pureza e impureza Na visatildeo do autor uma visatildeo predominantemente entre os antigos (Cf SANTORO F Arqueologia dos Prazeres Rio de Janeiro Objetiva 2007)

70 23 O contexto histoacuterico e os personagens

Segundo Rowe a obra pelo contraacuterio daacute continuidade aos temas tratados no periacuteodo tardio

e natildeo se revela como um diaacutelogo especial neste uacuteltimo periacuteodo A dialeacutetica neste caso tem

um objetivo claro e reafirma a postura de Platatildeo mais elaborada sobre este importante

exerciacutecio filosoacutefico em questatildeo Um diaacutelogo entre interlocutores que exige uma toleracircncia

reciacuteproca entre ambos Se eacute que haacute elementos do ζ ΰξκμ no Filebo eles ressaltam a

ἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝldquoὂὁὅitivardquoΝἶὁΝmὧtὁἶὁΝὄἷfutativὁΝἷΝὀatildeὁΝaΝldquoὀἷgativardquoΝ(ἤἡWἓΝ1λλλΝὂέΝ1ἅ)έΝἒitὁΝἶἷΝ

outro modo a dialeacutetica visa a verdade dentro das possibilidades oferecidas pela variabilidade

admitida dos loacutegoi (discursos) A refutaccedilatildeo presente sobretudo nos diaacutelogos da uacuteltima fase

natildeo pretende sobrepor a tese socraacutetica como a verdadeira exaltando a ignoracircncia do

interlocutor O que se nota eacute justamente o contraacuterio colocam-se as teses em anaacutelise em

confronto em busca da verdade ndash e essa eacute a principal excitaccedilatildeo contida no exerciacutecio do

diaacutelogo o desejo primordial naturalmente dialeacutetico que reside na busca por hipoacuteteses

verdadeiras e na rejeiccedilatildeo daquelas que pareccedilam falsas a ambos os dialogantes

Na fase tardia o suposto sentido negativo do ζ ΰξκμΝ ἶἷὅὂaὄἷἵἷΝ ὡΝ mἷἶiἶaΝ ὃuἷΝ

transparece o seu sentido positivo quἷΝὂaὄtἷΝἶaΝldquoaὀὠliὅἷrdquoΝἶἷΝumΝldquoἷxamἷrdquoΝἵὁὀjuὀtὁΝὃuἷΝviὅaΝ

umaΝἶὁutὄiὀaΝὂὁὅitivaΝἷΝὀatildeὁΝaΝὄἷjἷiὦatildeὁΝἶἷΝἵἷὄtaὅΝtἷὅἷὅέΝldquoἢὁὄΝἵὁὀὅἷguiὀtἷΝaΝlsquoἶialὧtiἵarsquoΝὀatildeὁΝὧΝ

unicamente ou em primeira instacircncia uma maneira de suprimir a ignoracircncia mas ndash um ideal

ndash uma maneira de ἶἷὅἵὁἴὄiὄΝaΝvἷὄἶaἶἷrdquoΝ(ἤἡWἓΝ1λλλΝὂέΝ1ἃ)έ

Um dos princiacutepios que estatildeo subjacentes em minha interpretaccedilatildeo eacute que os diaacutelogos satildeo em geral e essencialmente os mimeacutemata da filosofia real viva isto quer dizer derivados de certos aspectos da proacutepria filosofia imitam estes aspectos Aqui claramente eu me apoio amplamente sobre o Fedro [275d-e] que nos force a descriccedilatildeo mais completa e mais expliacutecita da natureza da atividade filosoacutefica se se compreende o que Soacutecrates disse (sem interpretaacute-lo ao peacute da letra) a filosofia escrita eacute uma contradiccedilatildeo em termos A filosofia repousa sobre a troca o teste das afirmaccedilotildees de uma pessoa por outra que permite algueacutem progredir intelectualmente ndash e as obras escritas elas mesmas natildeo podem responder elas satildeo como as pinturas que parecem vivas mas que quando vocecirc lhes propotildee uma questatildeo manteacutem um silecircncio solene (ROWE 1999 p 13)

Por fim ao que tudo indica a tese de Frede estaacute fundada em duas consideraccedilotildees

distintas (i) o Filebo possui uma estrutura dramaacutetica distinta dos diaacutelogos tardios a notar pela

presenccedila de Soacutecrates como condutor da argumentaccedilatildeo (ii) este diaacutelogo tardio conteacutem em si

noccedilotildees puramente socraacuteticas que demonstrariam um retorno de Platatildeo ao meacutetodo refutativo

do ζ ΰξκμΝ(1λλλΝὂέΝ1ἅ)75 Rowe defende que esta eacute uma leitura equivocada e que natildeo se

75 Visotildees como a de Frede (1993) estatildeo em consonacircncia com um ponto metodoloacutegico fundamental que primeiro encontra sua formulaccedilatildeo em Vlastos (1983) Para o teoacuterico o pensamento platocircnico tendo como base a divisatildeo claacutessica (juventude-maturidade-velhice) teria a cada um desses estaacutegios um modelo investigativo (ou meacutetodo) respectivo (juventude refutaccedilatildeo maturidade hipoteacutetico velhice

71 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

explica satisfatoriamente quando analisamos atentamente a obra em especiacutefico Para Rowe

o retorno de Soacutecrates agrave conduccedilatildeo do diaacutelogo no caso especiacutefico do Filebo demonstra a

amplitude e a grandeza da dialeacutetica entendida no sentido platocircnico a sua elaboraccedilatildeo uacuteltima

dotada de rigor e maestria por parte de nosso filoacutesofo Sendo assim os interlocutores jaacute satildeo

ὂὁὅtὁὅΝldquoἷmΝὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝἷΝὁΝἷxἷὄἵiacuteἵiὁΝἶaΝativiἶaἶἷΝfilὁὅὰfiἵaΝὀaΝὁἴὄaΝὄἷjἷitaὄiaΝὃualὃuἷὄΝ

ideia em torno de competiccedilatildeo (ROWE 1999 p 23)

Apoiando-se significativamente no Fedro Rowe (1999) considera o diaacutelogo como uma

ὅimulaὦatildeὁΝἶἷΝumΝldquoἶiὅἵuὄὅὁΝvivὁrdquoΝὃuἷΝtἷmΝἵὁmὁΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝaΝativiἶaἶἷΝἶialὧtiἵaΝ( δαζΫΰ γαδ)

real e natildeo escrita Esse seria o sentido real da atividade filosoacutefica platocircnica uma discussatildeo

ὅὁἴὄἷΝ ldquoiἶἷiaὅrdquoΝ ἷὀtὄἷΝ iguaiὅΝ ὃuἷΝ ἷxigἷΝ tὁlἷὄacircὀἵiaΝ ἷΝ ἵὁὁὂἷὄaὦatildeὁΝ ἷὀtὄἷΝ ὁὅΝ iὀἶiviacuteἶuὁὅΝ ἷΝ ὃuἷΝ

sobretudo visa alcanccedilar uma verdade possiacutevel naquele acircmbito dialoacutegico (1999 p13 seq)

Por mais que Protarco se converta ao final do diaacutelogo ele o faz agrave uma tese alterada

pois a tese de Soacutecrates defendida no iniacutecio da obra natildeo se equipara agravequela vencedora do

momento final da argumentaccedilatildeo Se haacute uma relevacircncia do retorno de Soacutecrates agrave cena

dramaacutetica em um primeiro momento ela eacute miacutenima isto eacute ela pode ter um propoacutesito eacutetico

primeiramente mas natildeo reivindica uma autoridade particular Assim a personagem Soacutecrates

ilustra o desenvolvimento da atividade dialeacutetica tal como compreendida por Platatildeo ao longo

de sua atividade filosoacutefica (ROWE 1999 p 12) e que portanto em dado momento jaacute se

separa daquela figura inicial o Soacutecrates histoacuterico (ROWE 1999 p 24-25)

ἏΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἵatὠὄtiἵaΝ(ldquoἥὰἵὄatἷὅΝmὧἶiἵὁΝἶἷΝalmaὅrdquo)ΝἷΝaΝἶὁΝfilὰὅὁfὁΝἷmΝὁὂὁὅiὦatildeὁΝaὁΝ

dialeacutetico platocircnico tambeacutem satildeo equivocadas segundo a compreensatildeo de Rowe (1999)

ἥὰἵὄatἷὅΝὀatildeὁΝὅἷΝὂὄἷὁἵuὂaΝaὂἷὀaὅΝἷmΝldquoἵuiἶaὄΝἶaὅΝalmaὅrdquoΝmaὅΝἵὁmὁΝὅἷΝὀὁtaΝὅὁἴὄἷtuἶὁΝὀὁΝ

ὂἷὄiacuteὁἶὁΝiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁΝἷlἷΝὅἷΝὂὴἷΝἷmΝἴuὅἵaΝἶὁὅΝldquoἷlἷmἷὀtὁὅΝἶὁΝὅaἴἷὄrdquoΝ(ὂέΝἀ1)έΝἠaΝἶiὅtiὀὦatildeὁΝ

divisatildeo) uma tal regularidade sistemaacutetica que gerou e ainda gera inuacutemeras confusotildees entre os inteacuterpretes Um exemplo disso eacute o surgimento de algumas obras como a de Robinson (1941) que chega aὁΝὂὁὀtὁΝἶἷΝafiὄmaὄΝalgὁΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁμΝldquotὄecircὅΝἵὁiὅaὅΝaἵὁὀtἷἵἷmΝἵὁmΝὁΝelenchus nos diaacutelogos meacutedios e nos diaacutelogos uacuteltimos Primeiro como acabamos de ver se perde o caraacuteter da ironia e segundo ele estaacute incorporado no conjunto maior da dialeacutetica que muda um pouco o caraacuteter dele Ainda assim negativo e destrutivo em essecircncia ele eacute aproveitado para a construccedilatildeo do diaacutelogo Apesar de moral em sua finalidade o fim moral uacuteltimo afasta-se de um acordo excelente e ocupa um largo programa cientiacutefico na visatildeo da maturidade Terceiro ao passo que frequentemente eacute referido e recomendado e gradualmente deixa de se atualmente retratado nos diaacutelogos As refutaccedilotildees ocupam menos espaccedilo no total da obra Aquelas que ocorrem ocorrem de forma menos oacutebvia e natildeo eacute tatildeo faacutecil apontar as premissas em separado a maneira em que cada uma eacute obtida e o lugar onde Soacutecrates coloca-as juntas e extrai a conclusatildeo Elas natildeo satildeo puramente negativas mas frequentemente possuem doutrinas positivas que natildeo eacute necessaacuterio provar () Portanto o elenchus transforma-se em dialeacutetica de negativo ὂaὅὅaΝὅἷὄΝὂὁὅitivὁΝἶἷΝὂἷἶagὰgiἵὁΝaΝἶἷὅἵὁἴὄimἷὀtὁΝἶἷΝmὁὄaliἶaἶἷΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝἵiecircὀἵiardquoΝ (ὂέΝ1λ-20) Nesse sentido tambeacutem caminha a investigaccedilatildeo de Scott (2002) ao perguntar-se se o Soacutecrates histoacuterico tinha um meacutetodo e qual seria esse meacutetodo Demostrarei mais adiante que discordo dessa maneira de compreender e dividir a obra platocircnica e que a questatildeo se centra muito menos na busca por esses criteacuterios externos do que na compreensatildeo da forma de elaboraccedilatildeo caracteriacutestica do diaacutelogo platocircnico

72 23 O contexto histoacuterico e os personagens

feita por Frede parece que Soacutecrates natildeo tem nenhuma preocupaccedilatildeo com o saber Entretanto

na filosofia platocircnica ele parece representar justamente a figura central (por excelecircncia)

porque

() o fato de Soacutecrates rejeitar qualquer pretensatildeo de ao tiacutetulo de ldquomἷὅtὄἷΝἶialὧtiἵὁrdquoΝὧΝὁΝὃuἷΝfaὐΝἶἷlἷΝὁΝmὁἶἷlὁΝἶἷΝfilὰὅὁfὁΝὀaΝmἷἶiἶaΝἷmΝὃuἷΝaὂὄἷὅἷὀtaΝuma consciecircncia plena inteira que certamente os diaacutelogos identificam como umaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἶialὧtiἵaΝἵὁmὂlἷtaΝ(iὅtὁΝὧΝaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἶὁΝldquoἷὀtὄἷlaὦamἷὀtὁΝἶaὅΝfὁὄmaὅrdquoΝὁuΝoutra coisa similar) ndash isto eacute o que busca Soacutecrates Em outros termos o filoacutesofo ideal eacute este que Soacutecrates seria se ndash impossiacutevel como eu penso embora eu o ache o maior de todos aqueles que o mundo jaacute viu perseguir uma tal busca ndash que alcanccedilaria o fim almejado de sua pesquisa (ROWE 1999 p 20)

Talvez neste caso seja necessaacuterio postular e ao mesmo tempo concordar com o que

diz Dixsaut (2013) em uma interpretaccedilatildeo mais recente e independente daquelas mais

claacutessicas que Platatildeo nunca teria se separado completamente de Soacutecrates (2003 p 33-37)76

Neste caso seriacuteamos obrigados tambeacutem a concordar com a visatildeo supracitada de Rowe

(1999) Contudo ainda precisamos analisar pormenorizadamente algumas questotildees A

primeira eacute essa tentativa a meu ver equivocadaΝἶἷΝtἷὀtaὄΝldquoἷἵliὂὅaὄrdquoΝἶἷfiὀitivamἷὀtἷΝἵὁmὁΝ

nos diz Marques seja Soacutecrates seja o espiacuterito socraacutetico-platocircnico (2006 p 41) Jaacute vimos que

a posiccedilatildeo tradicionalmente adotada (com todo respeito aos autores que ainda adotam) aquela

especiacutefica de Soacutecrates ldquoὂὁὄta-vὁὐrdquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὧΝiὀὅuὅtἷὀtὠvἷlΝὀatildeὁΝὧΝἶἷὅὅἷΝmὁἶὁΝὃuἷΝὅἷὄiaΝ

possiacutevel construirmos uma identidade platocircnica se eacute que isso seja possiacutevel O que seria

possiacutevel conforme alegam eacute que por meio do questionamento persistente de Soacutecrates

analisando o resultado de uma suposta sobreposiccedilatildeo desse personagem como representante

maacuteximo do pensamento platocircnico uma identidade platocircnica como nos diz Marques (2006)

ὃuἷΝὧΝldquo(έέέ)ΝὄἷὅultaἶὁΝἶaΝὅὁἴὄἷὂὁὅiὦatildeὁΝἷΝἵὁὀfluecircὀἵiaΝἶaὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝὅituaὦὴἷὅΝἶἷΝἷxamἷΝἶὁὅΝ

76 ldquoἏΝὃuἷὅtatildeὁΝὃuἷΝfiἵaΝὂὁὄΝἶἷtἷὄmiὀaὄΝὁἴviamἷὀtἷΝὀatildeὁΝἵὁὀὅiὅtἷΝἷmΝὅaἴἷὄΝὅἷΝἢlatatildeὁΝmuἶὁuΝἷmΝalguὀὅΝde seus pontos de vista desde sua juventude ateacute sua velhice em meio seacuteculo como escritor (natildeo poderia natildeo telo feito) nem se desenvolveu teorias proacuteprias e ateacute que ponto realmente se distanciou de das convicccedilotildees de socraacuteticas mais profundas que aparentemente abraccedilou nos diaacutelogos da juventude Podemos conjecturar com certa seguranccedila que Platatildeo se considerava a si mesma como um pensador socraacutetico se temos em conta por uma parte o modo como recorre ao nome de seu mestre para expor a linha de pensamento mais aprofundada na maioria de suas obras e por outra a defesa tanto de seu meacutetodo refutativo como de alguns de seus compromissos existenciais Natildeo duvidemos que Platatildeo manteacutem entre outros os seguintes princiacutepios socraacuteticos () uma certa crenccedila na providecircncia divina sua visatildeo teleoloacutegica da vida sua concepccedilatildeo essencialista da metafisica a psicologia e a eacutetica sua visatildeo da justiccedila como equiliacutebrio interior sua convicccedilatildeo de que natildeo vale a pena viver sem examinar constantemente de que sempre eacute preferiacutevel receber o mal a cometecirc-lo de que ningueacutem pratica o mal involuntariamente a natildeo ser por ignoracircncia de que a causa profunda da falta de poder para governar-se eacute a ignoracircncia e em geral a ideia de que o pior dos males que se podem ἵὁmἷtἷὄΝἵὁὀtὄaΝumΝὁuΝἵὁὀtὄaΝὁutὄὁΝὧΝtὁὄὀaὄΝὂiὁὄΝaΝἵὁὀἶiὦatildeὁΝἶἷΝὅuaΝalmardquoΝ(ἐἡἥἥIΝἀίίἆΝὂέΝἀ1ἅ-218)

73 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

difereὀtἷὅΝἶiὠlὁgὁὅrdquoΝ(ὂέΝἂ1)έΝΝἥὰἵὄatἷὅΝἷὀtatildeὁΝὅἷὄiaΝfὄutὁΝἶἷὅὅaΝὅuaΝἶifἷὄἷὀἵiaὦatildeὁΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝ

aos poetas artesatildeos poliacuteticos sofistas que ele daacute voz nos seus diaacutelogos o fio condutor ponto

de convergecircncia e unificaccedilatildeo das distintas visotildees que satildeo apresentados nas diversas

ocasiotildees dialoacutegicas Ora recorrendo a dados extras a uma fundamentaccedilatildeo calcada em uma

ἴaὅἷΝhiὅtὰὄiἵaΝὅἷmΝfuὀἶamἷὀtὁΝὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἶὁὅΝἶitὁὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅrdquoΝἶaΝjuvἷὀtuἶἷΝὅἷΝaὂὄὁximaὄiaΝ

de um Soacutecrates histoacuterico enquanto o dos demais diaacutelogos (maturidade e velhice) representam

aὅΝviὅὴἷὅΝἶἷΝumΝἢlatatildeὁΝmaἶuὄὁΝὁuΝἶὁΝldquovἷlhὁΝἢlatatildeὁrdquoΝὂὁὄΝἶἷfἷὀἶἷὄἷmΝamἴὁὅΝhiὂὰtἷὅἷὅΝἷΝ

teses mais positivas mais conclusivas mais doutrinaacuterias Deste modo Platatildeo estaria

assumindo seu pensamento filosoacutefico proacuteprio distanciando-se do Soacutecrates histoacuterico O

problema eacute que teses desse tipo natildeo se sustentam como explicar o desaparecimento de

ἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝalguὀὅΝἶὁὅΝἶitὁὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅΝήltimὁὅrdquoςΝἑὁmὁΝἷxὂliἵaὄΝὅuaΝvὁltaΝaὁΝFilebo que eacute

nosso caso aqui em discussatildeo Devemos portanto descartar a ideia desse eclipse definitivo

(MARQUES 2006 p 41) Visotildees como estas causam inuacutemeros problemas os quais por

sinal uma anaacutelise mais profunda da concepccedilatildeo mimeacutetica platocircnica utilizada na composiccedilatildeo

dos diaacutelogos jaacute eliminaria agrave primeira vista O caso da intepretaccedilatildeo de Frede (1993) eacute um

exemplo decorrente dessa incompreensatildeo da forma caracteriacutestica de composiccedilatildeo dos

diaacutelogos platocircnicos como jaacute bem nos expocircs anteriormente Rowe (1999) No entanto a fim de

explicitarmos ainda mais podemos ainda recorrer agraves belas palavras de Marques

Os personagens criados por Platatildeo mais do que simples recursos de expressatildeo constituem um esforccedilo para tornar expliacutecitas e inteligiacuteveis atitudes eacuteticas e posiccedilotildees teoacutericas fundamentais detectaacuteveis entre os cidadatildeos artesatildeos homens poliacuteticos poetas e pensadores de sua eacutepoca de modo que a invenccedilatildeo de personagens constitui uma dinacircmica na qual retoacuterica e filosofia satildeo inseparaacuteveis A mesma estrateacutegia retoacuterica que consiste em fazer falar os outros estrutura os diaacutelogos com algumas variaccedilotildees encontramos personagens nomeados ou anocircnimos alusotildees mais ou menos diretas a indiviacuteduos histoacutericos personagens puramente fictiacutecios simples remissotildees a algueacutem que natildeo estaacute presente e ainda personagens-tipo ou mesmo argumentos personificados ao faὐἷὄΝfalaὄΝἷὅὅἷὅΝldquoὁutὄὁὅrdquoΝἢlatatildeὁΝὁὅΝaὅὅimilaΝpara produzi-los ou reproduzi-los enquanto personagens que dialogam entre si O que eacute uacutenico e fundamental eacute que ele soacute fala e pensa dessa maneira Nunca encontramos um discurso em primeira pessoa do proacuteprio autor dos diaacutelogos Platatildeo nos aparece assim como ventriacuteloquo maacutegico dos discursos imitador de homens e de caracteres sempre presente sempre ausente sempre pressuposto e visado sempre se evadindo Para sabermos o que diz Platatildeo eacute preciso interpretar eacute preciso contrapor e avaliar as diferenccedilas que significam as personagens e neste confronto tentar construir sua identidade De modo que soacute a encontramos atraveacutes de um processo complexo de progressiva construccedilatildeo do autor O autor sempre virtual eacute necessariamente o resultado de uma composiccedilatildeo operada pelo leitor Proponho caracterizar esse recurso retoacuterico-filosoacutefico fundamental utilizado por Platatildeo que consiste em falar e pensar atraveacutes de personagens como

74 23 O contexto histoacuterico e os personagens

umaΝldquoὄἷtὰὄiἵaΝἶaΝἶifἷὄἷὀὦardquoΝumΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝἶἷΝὂἷὄmaὀἷὀtἷΝldquoaltἷὄiὐaὦatildeὁΝἶἷΝὅirdquoΝao pensar e escrever (2006 p 40)

O retorno de Soacutecrates agrave cena nesse caso natildeo eacute tatildeo significativo como considera

Frede (1993) Esse fator eacute algo miacutenimo quando levamos em conta o modo como a escrita

platocircnica eacute forjada esse modo como Platatildeo constroacutei seus personagens seja na ausecircncia

seja na permanecircncia de Soacutecrates e de tantos outros personagens ndash modo este que o distingue

invariavelmente enquanto escritor-filoacutesofo ndash natildeo nos autoriza a postular um abandono do

socratismo mas muito pelo contraacuterio o que se nota eacute uma radicalizaccedilatildeo ainda maior do

espiacuterito socraacutetico na ausecircncia desse mesmo personagem Eacute justamente no confronto na

contraposiccedilatildeo na contradiccedilatildeo manifesta entre esses personagens ao se anteporem um

discurso ao outro e ambos serem verificados que poderemos pressupor construir uma tal

posiccedilatildeo platocircnica Desta maneira a relatividade eacute ultrapassada na medida em que o uacutenico

vencedor natildeo eacute nenhuma das duas teses mas uma terceira coisa Natildeo seria justamente isso

que as linhas do Filebo atestariam Nem inteligecircncia nem prazer mas uma terceira coisa

deve ser posta em questatildeo a vida boa mista Como encontrar pura e simplesmente refutaccedilatildeo

em discursos (ζσΰκδμ) simeacutetricos em que um afirma e o outro contesta77 Desta forma natildeo

restaria ao autor senatildeo conduzir a discussatildeo a um impasse Natildeo haacute vencedor o Filebo natildeo eacute

um diaacutelogo em que triunfaria a φδζκθδεέα mas nesse combate quem ganha eacute o proacuteprio ζσΰκμ

guiado por seu uacutenico objetivo alcanccedilar ao maacuteximo possiacutevel o verdadeiro

Nos diaacutelogos de Platatildeo como nos diria Marques (2006) vemos realizar-ὅἷΝumaΝldquo(έέέ)Ν

ἵὄiacutetiἵaΝὡΝἵὄiacutetiἵaΝὅὁfiacuteὅtiἵardquoΝ(ὂέΝἂἂ)ΝὁὅΝvalὁὄἷὅΝἶὁὅΝὅὁfiὅtaὅΝἷΝὅuaὅΝimὂliἵaὦὴἷὅΝὅatildeὁΝὂὁὅtὁὅΝἷmΝ

debate por meio da radicalizaccedilatildeo e do aprofundamento da atitude criacutetica aos valores comuns

o que por sinal acaba resultando em uma inversatildeo dos proacuteprios valores daqueles primeiros

(MARQUES 2006 p 44) Radicalizaccedilatildeo esta que natildeo se encontra distante mas muito

proacutexima daquela dos sofiὅtaὅΝaΝὀatildeὁΝὅἷὄΝὂἷlὁὅΝὁἴjἷtivὁὅΝἶiὅtiὀtὁὅΝἷὀtὄἷΝἷὅtἷὅΝldquoὅὠἴiὁὅrdquoΝἷΝὁὅΝἶἷΝ

ἥὰἵὄatἷὅέΝEacuteΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶἷΝumΝἶiὠlὁgὁΝldquovivὁrdquoΝὃuἷΝἷὅtἷὅΝvalὁὄἷὅΝ(ὧtiἵὁὅ)ΝὀὁvamἷὀtἷΝalἵaὀὦamΝumΝ

status objetivo eacute por meio deste exerciacutecio (escrito-dialoacutegico) que eles podem ser

reestabelecidos e oferecerem uma proposta filosoacutefica eficaz

Aqui natildeo nos deparamos com um Soacutecrates histoacuterico e pregresso que nem ao menos

podemos dizer de quem se trata ou se mesmo existe Pelo contraacuterio o mesmo furor dialeacutetico

e sua verve natildeo estatildeo ausentes no Soacutecrates do Filebo mas eles permanecem estritamente

relacionados aos objetivos (dialeacuteticos) pertinentes agraves questotildees ali desenvolvidas postas no

exame dialeacutetico confirmando ainda mais a potecircncia desse exerciacutecio (socraacutetico-platocircnico)

77 Falo mais detalhadamente sobre isso no proacuteximo capiacutetulo

75 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

primordial78 O erro de Frede (1993) em relaccedilatildeo a esse primeiro aspecto eacute natildeo conseguir

notar em meio agraves bruscas transiccedilotildees do Filebo ὁΝldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝaΝὄἷflἷxatildeὁΝἶὁὅΝ

prazeres no diaacutelogo e sua estrita relaccedilatildeo com a dialeacutetica demonstrando ainda mais a forccedila

do proacuteprio pensamento como jamais vista na obra platocircnica Dito de outro modo ao deixar de

notar a riqueza do diaacutelogo associando-o a um debate puramente escoliasta a teoacuterica alematilde

esquece-se da riqueza que constitui natildeo apenas o Filebo mas os diaacutelogos em geral o prazer

aqui eacute tratado como muitas das mais importantes questotildees do pensamento filosoacutefico de

Platatildeo como uma questatildeo refinada de estilo ou melhor uma questatildeo de gosto que reflete a

proacutepria habilidade e genialidade literaacuteria de Platatildeo

De tal modo uma distinccedilatildeo entre conteuacutedo e forma no pensamento filosoacutefico de Platatildeo

natildeo se aplica agraves caracteriacutesticas proacuteprias de uma filosofia em sua profundidade

essencialmente dialeacutetica Por isso justifica-se a criacutetica de Rowe (1999) agrave autora ao

caracterizar os objetivos de Soacutecrates em relaccedilatildeo a Protarco como destinados unicamente a

um processo de conversatildeo do interlocutor agrave suposta tese de Soacutecrates Vale lembrar que quem

ganha a batalha no ΰυθ filosoacutefico eacute o proacuteprio ζσΰκμ posto em debate eacute a isso que assistimos

tambeacutem no Filebo tanto o discurso de Soacutecrates quanto o de Protarco se ajustam agraves

exigecircncias dialeacuteticas a busca pelo saber verdadeiro sobre o que de comum acordo estatildeo

buscando

Soc Bem Protarco sem ocultar entatildeo a diferenccedila entre a tua e a minha mas expondo-a agrave visatildeo de todos vamos ousar ver se ao serem examinadas ( ζ ΰξση θκδ)79 podem elas nos indicar se devemos chamar de bem o prazer ou o pensamento ou uma terceira coisa Pois certamente agora natildeo entramos nessa disputa para dar vitoacuteria (φδζκθδεκ η θ) ao que eu defendo ou ao que tu defendes Devemos sim combater juntos e aliados ao mais verdadeiro ( ππμ ΰ έγ ηαδ α rsquoΝ αδ θδε θ α α γrsquoΝ rsquoΝΪζβγ Ϊ ῖ πκυ υηηαξ ῖθ η μ αηφπ) (14b1-7)

78 Demostro jaacute aqui respeitosamente meu profundo desacordo com o tipo de leitura que propotildee Benoit (ἀίίἅΝὂέΝ1λλ)έΝἑὁmὂὄἷἷὀἶὁΝὅuaΝἶἷὀὁmiὀaἶaΝ ldquomἷtὁἶὁlὁgiaΝἶaὅΝ tἷmὂὁὄaliἶaἶἷὅΝ imaὀἷὀtἷὅrdquoΝἷmΝὅuaΝanaacutelise do diaacutelogo εaὅΝὀatildeὁΝἵὄἷiὁΝὃuἷΝldquoaΝὂὄuἶecircὀἵiaΝὅὁἵὄὠtiἵaΝtaὄἶiardquoΝaΝὃualΝἷlἷΝἶἷmὁὀὅtὄaΝἷὅtaὄΝὂὄἷὅἷὀtἷΝna composiccedilatildeo do FileboΝatἷὅtaὀἶὁΝἷmΝἶaἶὁΝmὁmἷὀtὁΝumaΝldquoὂὁὅὅiacutevἷlrsquoΝfaἶigaΝἶὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἶὁΝὀὁὅὅὁΝdiaacutelogo a ponto de colocar em questatildeo a proacutepria dialeacutetica enquanto ciecircncia primeira Pretendo contestar essa leitura ao tratar do modo como Platatildeo entende o processo do conhecimento e o que ὅigὀifiἵaΝἷὅtἷΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝaὃuilὁΝὃuἷΝὁΝὀὁὅὅὁΝfilὰὅὁfὁΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoὁὂiὀiatildeὁΝvἷὄἶaἶἷiὄardquoΝἷΝὅuaΝὄἷlaὦatildeὁΝcom a iaθκδα no diaacutelogo algo que surgiraacute propriamente em nossa anaacutelise (gnosioloacutegica-axioloacutegica) presente no Filebo quando da caracterizaccedilatildeo e distinccedilatildeo dos prazeres falsos e dos prazeres verdadeiros 79 Dixsaut (2008) nos chama atenccedilatildeo ao fato de que ateacute o Sofista o termo ζ ΰξκμΝὀuὀἵaΝὧΝἶἷfiὀido mas nos diaacutelogos em que se trata da dialeacutetica propriamente ζ ΰξκμΝἷΝ ζΫΰξ δθ possuem o sentido de exame como eacute o caso do Filebo supracitado (14b) em pocircr agrave prova (50d) (Cf DIXSAUT 2008 p 116)

76 23 O contexto histoacuterico e os personagens

Mas ainda resta um ponto e quanto ao ζ ΰξκμςΝ ἢὁἶἷmὁὅΝ afiὄmaὄΝ ἵὁmὁΝ ἔὄἷἶἷΝ

(1993) que ele estaacute presente no Filebo Ou discordarmos dela como faz Rowe (1999) Creio

que esta questatildeo jaacute teria sido suficientemente explicada com o que dissemos anteriormente

Poreacutem ainda resta algo Podemos notar que neste suposto regresso ao que a autora

ἶἷὀὁmiὀaΝ ὂἷὄfilΝ ὧtiἵὁΝ ἶaὅΝ ὃuἷὅtὴἷὅΝ aἴὁὄἶaἶaὅΝ ὂἷlὁΝ ἶitὁΝ ldquoἥὰἵὄatἷὅΝ hiὅtὰὄiἵὁrdquoΝ ἵὁmὁΝ ὅἷΝ aὅΝ

questotildees eacuteticas da filosofia platocircnica estivessem adstritas ao denominado periacuteodo juvenil ou

que natildeo possuiacutemos ali nada que natildeo fosse eacutetico ou que a refutaccedilatildeo fosse uma fase primitiva

do processo dialeacutetico Essa visatildeo aleacutem de distorcida eacute preconceituosa a qualquer leitor

dedicado de Platatildeo ou ao mesmo iniciante jaacute que seria possiacutevel presumir que as ditas

ldquoἶiὅἵiὂliὀaὅΝfilὁὅὰfiἵaὅrdquoΝfὁὄmamΝumΝἵὁὀjuὀtὁΝἶἷΝiὀtὄiacuteὀὅἷἵaὅΝὄἷlaὦὴἷὅΝἷΝὃuἷΝὃualὃuἷὄΝtἷὀtativaΝ

de separaccedilatildeo levaria o proacuteprio inteacuterprete mais ao fracasso do que propriamente a resultados

eficazes Sobre isso gostaria de retomar um texto de Dixsaut (2008) no qual ela proacutepria

adverte

Por conseguinte em meu ponto de vista o preconceito do qual todo comentador dos diaacutelogos deveria se ocupar ou ao menos a respeito do qual deveria dar-se o trabalho de refletir eacute aquele da oposiccedilatildeo niacutetida entre positivo e negativo Ao meacutetodo negativo e destrutivo do eacutelenkhos socraacutetico sucederia dizem a doutrina platocircnica de um conhecimento positivo das Formas Ora a positividade estaacute para Platatildeo assim como para seu Soacutecrates inteiramente do lado da opiniatildeo e eacute preciso purgar a alma de suas certezas convicccedilotildees evidecircncias (sintaticamente afirmativas ou negativas) Para sair da alternativa ὅimὂliὅtaΝἶὁΝldquoὁuΝiὅὅὁέέέΝὁuΝaὃuilὁrdquoΝ(ὁuΝἵὧtiἵὁΝὁuΝmἷtafiacuteὅiἵὁΝἶὁgmὠtiἵὁ)ΝἷΝἶaΝhipoacutetese de uma sucessatildeo que os textos natildeo atestam eacute preciso antes creio compreender que saber o que natildeo eacute uma coisa eacute jaacute saber muito mais sobre o que ela eacute do que quando se acreditava conhececirc-la () (p 122)

ἓmΝὅἷΝtὄataὀἶὁΝἶἷΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝumaΝὅuἵἷὅὅatildeὁΝtἷmὂὁὄalΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝὡΝἶitaΝldquoὄἷfutaὦatildeὁrdquoΝ

nos diaacutelogos devemos ainda levar em consideraccedilatildeo o que nos diz a proacutepria Dixsaut (2008)

para quem κ ζ ΰξκμΝὧΝἵὁὀἶiὦatildeὁΝὂὄὧviaΝἶaΝπαδ έα e natildeo da dialeacutetica deste modo o caraacuteter

ldquoὂuὄifiἵaἶὁὄrdquoΝviὅtὁΝἵὁmὁΝὀἷgativὁΝἷmΝumΝὂὄimἷiὄὁΝmὁmἷὀtὁΝἵὁmὁΝὄἷlἷvaὀtἷΝἷΝumaΝἶaὅΝmaiὅΝ

importantes funccedilotildees da refutaccedilatildeo eacute apenas condiccedilatildeo preacutevia para o exerciacutecio dialeacutetico como

nos apontaria a sexta definiccedilatildeo do Sofista Por isso devemos rejeitar essa claacutessica divisatildeo

(equivocada) por dois motivos (i) porque natildeo temos uma base soacutelida histoacuterica para afirmar tal

anterioridade cronoloacutegica (ii) ὂὁὄὃuἷΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ ἵhamaΝ ldquoὄἷfutaὦatildeὁΝ ὅὁἵὄὠtiἵardquoΝ ὧΝ muitὁΝ maiὅΝ

aristoteacutelico do que que propriamente platocircnico ou socraacutetico (iii) o que Platatildeo toma de Soacutecrates

natildeo eacute a refutaccedilatildeo tout et court enquanto teacutecnica mas que o saber verdadeiro passa pela

consciecircncia do natildeo-saber Isso seria suficiente para eliminar o caraacuteter doxaacutestico pois a

verdade natildeo eacute posse de enunciados concretos e contraacuteria ao falso mas objeto de busca e

desejo

77 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

() ela [a verdade] natildeo eacute a posse de alguns enunciados e diferentemente do verdadeiro que tem por contraacuterio o falso que soacute pode ser dito da opiniatildeo a vἷὄἶaἶἷΝὀatildeὁΝtἷmΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝἷlaΝὧΝὁΝldquoἷlἷmἷὀtὁrdquoΝὀὁΝὃualΝὅἷΝmὁvἷΝumΝὅaἴἷὄΝὃuἷΝnele mesmo jamais pode ser falso (um saber que pode apenas errar o seu fim) O filoacutesofo tal como Platatildeo o concebe natildeo eacute saacutebio tampouco deteacutem a verdade ele busca aquilo que na verdade eacute proacuteprio do que eacute verdadeiramente Aprender examinar buscar interrogar e responder ndash natildeo haacute e jamais houve para Platatildeo outras modalidades de saber Isso natildeo faz no entanto do filoacutesofo um ignorante porque segundo ele ignorar natildeo eacute o contraacuterio de saber mas sim crer que se sabe A maneira que o filoacutesofo tem de natildeo saber orienta sua ruptura com os modos de formulaccedilatildeo proacuteprios da opiniatildeo afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo Conceber o saber mais elevado como um saber dialeacutetico significa com efeito outra coisa que determinaacute-lo como um conjunto de proposiccedilotildees afirmativas e negativas mas fazer dele o exerciacutecio de um pensamento que eacute antes de tudo e necessariamente interrogativo (DIXSAUT 2008 p 121)

Por fim resta dizer que o que estaacute em jogo no Filebo eacute consoante com o que diz a

supracitada autora tratar de submeter tanto prazer quanto o conhecimento a uma apreciaccedilatildeo

comum colaborativa o que por sinal atesta ainda mais uma coerecircncia natildeo somente com os

ἶiὠlὁgὁὅΝ ἶὁΝ ἵhamaἶὁΝ ldquoήltimὁΝ ὂἷὄiacuteὁἶὁrdquoΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ platocircnica mas com todos os diaacutelogos que

precedem aquele da forccedila do conhecimento dialeacutetico cujo sentido mais profundo eacute tambeacutem

representado personificado pela figura de Soacutecrates poreacutem natildeo apenas nele mas com ele e

com os demais interlocutores que afirmam com ainda mais veemecircncia o poder contido nisto

que Platatildeo denomina como atividade por excelecircncia a busca conjunta pelo verdadeiro Neste

sentido eacute inuacutetil falar em positivo e negativo e contraacuterio e favoraacutevel O nosso diaacutelogo vai aleacutem

disso e demonstra quatildeo prospectivo eacute esse exerciacutecio do pensamento da alma ou como diz a

ὂὄὰὂὄiaΝἒixὅautΝὃuatildeὁμΝldquo(έέέ)Νiὀtἷὄὄὁgativὁ ἷΝiὀvἷὀtivὁrdquoΝἷlἷΝἶἷvἷΝὅἷὄΝ(ἀίίἆ p 122)

A variabilidade das formas de tratamento e de apresentaccedilatildeo de temas relevantes natildeo

deve resultar em visotildees de ruptura evoluccedilatildeo ou mesmo contradiccedilatildeo na obra platocircnica mas

sim sinal de fecundidade de diferentes perspectivas complementares e que nos tornam

possiacutevel analisar um mesmo problema retomando-o poreacutem sob um novo acircngulo sob um

novo ponto de vista Potencialidade do proacuteprio pensamento que Platatildeo reconhece como a

mais significativa justamente por natildeo se esgotar ou seja pela impossibilidade de uma

verdade ser tatildeo irrefutaacutevel a ponto de natildeo ser submetida agrave fecundidade caracteriacutestica da

proacutepria dialeacutetica Em suma reafirma-se assim a plena e autecircntica identificaccedilatildeo entre o

filoacutesofo e o dialeacutetico ao tornaacute-los jaacute aqui ambos uma uacutenica coisa

78 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

3 O PRAZER SEGUNDO PLATAtildeO UMA ANAacuteLISE A PARTIR DO FILEBO

31 Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

Como se poderaacute notar ao longo da anaacutelise do Filebo natildeo eacute somente o seu brusco e

reticente final que parece enigmaacutetico mas igualmente seu iniacutecio possui esta mesma

qualidade Diferentemente daqueles diaacutelogos como Craacutetilo Mecircnon Iacuteon Repuacuteblica os quais

possuem um claro iniacutecio (ab inicioab ovo) estamos diante de um diaacutelogo ao contraacuterio

daqueles in media res Dito de outro modo Soacutecrates ndash que por sinal depois de algum tempo

retorna agrave cena como condutor do Diaacutelogo ndash jaacute natildeo porta uma exigecircncia definicional que por

sinal natildeo se alcanccedila em muitos casos nem mesmo atua como aacuterbitro da discussatildeo isto eacute

quando convocado a tomar qualquer posicionamento no debate em questatildeo ele natildeo o faz80

No Filebo deparamo-nos com uma situaccedilatildeo distinta das anteriormente descritas Eacute

Soacutecrates que jaacute no iniacutecio do diaacutelogo (11a-b) recapitula ( υΰε φαζαδπ υη γα) cada um dos

dois discursos (ζσΰκδ) apresentados81 E mais um destes discursos pertence ao proacuteprio

Soacutecrates isto eacute ele eacute parte interessada da discussatildeo Do mesmo modo seu interlocutor

Protarco eacute forccedilado a receber uma das teses a de Filebo (personagem homocircnimo ao diaacutelogo)

O discurso de Soacutecrates aὃuiΝἵὁmὁΝἷxὂliἵaΝἒixὅautΝ(ἀί1ἅ)ΝὧΝumΝldquoἵὁὀtὄaἶiὅἵuὄὅὁrdquoΝldquoΝiὅtὁΝ

ὧΝ ldquo(έέέ)Ν ὃuἷΝ ὀatildeὁΝ ὂὁἶἷΝ ἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝ ὁΝ valὁὄΝ ἶὁΝ ὃuἷΝ valὁὄiὐaΝ ὅἷὀatildeὁΝ ἵὁmὂaὄativamἷὀtἷΝ ἷΝ

desvalorizando isso ao que elἷΝὁΝἵὁmὂaὄardquoΝ(ὂέΝἀἂἄ)έΝVἷjamὁὅΝὀὁΝἷὀtaὀtὁΝἵὁmὁΝὅἷΝiὀiἵiaΝaΝ

discussatildeo

() Soc Entatildeo Protarco vecirc qual discurso ( έθα ζσΰκθ) estaacutes prestes a receber a0gora de Filebo e tambeacutem a nossa que vais contestar ( θ παλrsquoΝ ηῖθ

ηφδ ίβ ῖθ) caso o que ela expresse natildeo seja do teu agrado Queres que a recapitulemos cada um deles82 Prot Sim certamente (11a-11b3)

Ora o texto evidencia que seraacute necessaacuterio contestar ( ηφδ ίβ ῖθ) um discurso essa

eacute a tarefa que cabe a Protarco e a que Soacutecrates agora iraacute recapitular segundo a exigecircncia

80 Podemos aqui retomar as trecircs particularidades apresentadas na conversa entre Soacutecrates Filebo e ἢὄὁtaὄἵὁΝὂὁὄΝἠὁtὁmiμΝldquo(i)ΝὅἷmΝiὀtὄὁἶuὦatildeὁΝaἶἷὃuaἶaΝὁΝἶiὠlὁgὁΝmἷὄgulhaΝὀaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὂὄiὀἵiὂalνΝ(ii)ΝaὀtἷὅΝde iniciaacute-la uma outra discussatildeo com o mesmo assunto eacute assumida como jaacute tendo sido realizada (iii) um novo diaacutelogo se inicia com a mudanccedila dos interlocutores de Soacutecrates passando de Filebo para ἢὄὁtaὄἵὁrdquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝἅἂ)έ 81 Preferimos natildeo traduzir aqui ζσΰκδ como costumeiramente fazem alguns tradutores assim como faz Muniz (2012) dentre outros como Boeri (2010) e Diegraves (1966) por exemplo Pradeau (2002) por sua vez parece se aproximar mais de uma traduccedilatildeo apropriada ao traduzir έθα ζσΰκθ ὂὁὄΝldquoaὄgumἷὀtὁrdquoέΝἓxὂliἵὁΝmaiὅΝaἶiaὀtἷΝtὁἶaviaΝὂὁὄὃuἷΝaΝtὄaἶuὦatildeὁΝἶἷὅὅἷΝtἷὄmὁΝὂὁὄΝldquotἷὅἷrdquoΝὁἵaὅiὁὀaὄiaΝumaΝmuἶaὀὦaΝἶἷΝsentido naquilo que eacute proposto por Soacutecrates nesse momento 82 Utilizo aqui fundamentalmente a traduccedilatildeo brasileira de Muniz (2012) com modificaccedilotildees sempre assinaladas em suas ocorrecircncias

79 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

de Protarco Mas o que esse uacuteltimo deveraacute contestar Como diz Soacutecrates em 11b3 Filebo

afirma (φβ δ) que

() para todos os seres vivos bom eacute o agrado o prazer o deleite e quanto for consoante com esse gecircnero Na nossa contestaccedilatildeo natildeo eacute isso mas o pensamento a inteligecircncia a memoacuteria e o que lhes for aparentado como a opiniatildeo correta e o raciociacutenio verdadeiro satildeo melhores e tecircm mais valor que o prazer para tudo quanto for capaz de tomar parte nessas coisas e essas satildeo dentre todas as coisas o que haacute de mais uacutetil para tudo o que existe que existiraacute e que possa participar delas Natildeo eacute isso mais ou menos o que cada um de noacutes afirma Prot Sim certamente Ω Φέζβίκμ η θ κ θγθ ΰαγ θ θαέ φβ δ ξαέλ δθ π δ α κδμ εα θ

κθ θ εα λοδθ εα α κ ΰΫθκγμ κτ κυ τηφκθα παλrsquoΝ η θ ηφδ ίά βηΪ δ η α α ζζα φλκθ ῖθ εα θκ ῖθ εα η ηθ γαδ εα κτ πθ α υΰΰ θ σιαθ λγ θ εα ζβγ ῖ ζκΰδ ηκτμ μ ΰ κθ μ

η έθπ εα ζ π ΰέΰθ αδ τη α δθ απ λ α θ υθα η αζαί ῖθ

γθα κῖμ η α ξ ῖθ ζ ηδηυ α κθ πΪθ πθ θαδ π δ κῖμ κ έ εα κηΫθκδμ η θ κ ξ κ π ππμ ζ ΰκη θ Φέζβί εΪ πκδ

ΠΡΩέΝΠΪθ πθΝη θΝκ θΝηΪζδ αΝ υελα μέΝ(11b4-c4)

Olhando detalhadamente Soacutecrates natildeo fala aqui do bem ( ΰαγ θ)ΝmaὅΝἶὁΝldquomἷlhὁὄΝ

ἷΝἶὁΝmaiὅΝἷxἵἷlἷὀtἷrdquoΝ( η έθπ εα ζ π83) Natildeo haacute portanto aqui contradiccedilatildeo entre os dois

discursos como nos sugere Dixsaut (2017 p 246)84 Isso natildeo exclui de antematildeo que os

prazeres natildeo sejam bons natildeo poderiacuteamos jaacute deduzir isso diante do que foi apresentado por

Soacutecrates satildeo tout court dois discursos De um lado temos Filebo que afirma irresolutamente

que todo prazer eacute bom e tudo aquilo que pertence ao mesmo gecircnero deste Por outro temos

Soacutecrates que lhe contesta dizendo que o que tem mais valor eacute o pensamento

Neste iniacutecio de diaacutelogo nos eacute dada uma hierarquia de bens haacute uma perspectiva

ldquoagὁὀalrdquoΝἷΝὀatildeὁΝldquoἶἷfiὀiἵiὁὀalrdquoΝἵὁmὁΝὅugἷὄἷΝἒixὅautΝ(2017 p 246) De antematildeo jaacute eacute possiacutevel

vislumbrar que uma dada classificaccedilatildeo estaacute por vir no decorrer da argumentaccedilatildeo mas ainda

83 Creio aqui ser conveniente reproduzir na iacutentegra o que diz Dixsaut (2017) sobre a expressatildeo utilizada ὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquoἏὃuiΝ(ἷmΝ11ἴλ)ΝἥὰἵὄatἷὅΝἷmὂὄἷgaΝumaΝfὰὄmulaΝὄitualΝἷὀἵὁὀtὄamὁὅΝaΝmἷὅmaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝnas primeiras linhas do livro VIII das LeisΝἆἀἆaμΝlsquoὁὅΝὅaἵὄifiacuteἵiὁὅΝὅἷὄὠΝmἷlhὁὄΝἷΝmaiὅΝἷxἵἷlἷὀtἷΝὂaὄaΝaΝCidade oferecer aos deuὅἷὅrsquoέΝEacuteΝὂὁὅὅiacutevἷlΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝ iὀἶiὃuἷΝaὅὅimΝὃuἷΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝ tἷmΝumaΝcaracteriacutestica sagrada para aqueles que tecircm parte com ele Mas ζ π tem em Homero simplesmente o sentido de mais desejaacutevel mais agradaacutevel e eacute nos autores traacutegicos simples comparativo de ΰαγσθrdquoΝ(p 246 n 3) 84 Tal fato confirmaria a tese de que natildeo se fala aqui do bem num sentido ontoloacutegico como na Repuacuteblica (VIIΝἃίἃἴἄ)μΝldquoἏΝmultiἶatildeὁΝfaὐΝἵὁὀὅiὅtiὄΝὁΝἴἷmΝὀὁΝὂὄaὐἷὄΝ( κθ κε ῖ θαδ ΰαγσθ) os refinados na inteligecircncia Apesar de parecidas a questatildeo que envolve o Filebo natildeo eacute a definiccedilatildeo do Bem mas a ldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἑὁmὁΝἶiὐΝἐὄavὁΝ(ἀίίλ)ΝldquoἷmΝFilebo reaparecem os mesmos candidatos embora dessa vez ὀumΝἵὁὀtἷxtὁΝὧtiἵὁrdquoΝ(ὂέΝἂ1ἀ)έ

80 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

natildeo temos contradiccedilatildeo nem mesmo exclusatildeo Parece-nos e insistimos apenas parece que

cada um encontraraacute seu lugar Por isso

() natildeo eacute de modo algum certo que o Filebo se inicie com a confrontaccedilatildeo de duas teses o conjunto do diaacutelogo testemunha muito mais o esforccedilo de Soacutecrates para transformar em tese o que precisamente natildeo eacute uma mas arrisca ser uma afirmaccedilatildeo inapreensiacutevel Mas que faria entatildeo o belo Filebo a natildeo ser enunciar uma tese hedonista Ele afirma e celebra e o que ele celebra atraveacutes da bondade do prazer eacute o valor da vida (DIXSAUT 2017 p 247)

Como jaacute dissemos anteriormente haacute uma discussatildeo claacutessica em torno dos

personagens que compotildeem o diaacutelogo visto que natildeo se encontram referenciais histoacutericos com

estes nomes (Filebo e Protarco) na eacutepoca em que Platatildeo viveu A tentativa dos comentadores

claacutessicos ateacute entatildeo fora personificar as teses ou seja encontrar na claacutessica querela

(hedonismo versus anti-hedonismo) defensores de ambas as teses Nesta visatildeo claacutessica

Filebo e Protarco seriam porta-vozes de Eudoxo de Cnidos e de Aristipo e os cirenaicos em

geral (hedonistas) e Soacutecrates por sua vez representaria (nesse primeiro momento do

diaacutelogo) Antiacutestenes (anti-hedonista porta-vὁὐΝ ὂὁὄtaὀtὁΝ ἶἷΝ umΝ ὅuὂὁὅtὁΝ ldquoiὀtἷlἷἵtualiὅmὁΝ

ὅὁἵὄὠtiἵὁrdquoΝndash ainda que como veremos mais adiante se torna pois insustentaacutevel a suposiccedilatildeo

que Soacutecrates defenda na obra um anti-hedonismo)

Sendo assim fica difiacutecil sustentar veementemente que no iniacutecio do Filebo temos

expressas posiccedilotildees ora hedonistas ora anti-hedonistas A questatildeo eacute mais complexa Isto

porque aqui a despeito dos demais diaacutelogos a questatildeo da essecircncia natildeo eacute sequer postulada

por Soacutecrates com toda clareza e seriedade Essa eacute uma das principais dificuldades levantadas

jaacute nas primeiras linhas do texto isto eacute Soacutecrates jaacute natildeo eacute mais o mesmo ou pelo menos

incialmente aquele personagem que conhecemos que jaacute deixaria notar seu questionamento

perseverante e centrado na natureza da coisa da qual fala (DIXSAUT 2017 p 248) Ο ζσΰκμ

aqui eacute contestaccedilatildeo e se espera uma resposta uma outra contestaccedilatildeo85

Mas como refutar aquilo que Filebo apenas afirma isto eacute que o prazer eacute bom E ele

afirma o oacutebvio para todos os seres vivos o bom eacute o agradaacutevel o prazer o deleite e tudo mais

que eacute semelhante a este gecircnero isto eacute que o prazer eacute bom ou ainda que satildeo bens pelos

quais todos os seres vivos anseiam Enquanto Soacutecrates faz uso dos comparativos86 ndash o que

ὁΝἶiὅtaὀἵiaὄiaΝἶὁΝldquoἵiacuteὄἵulὁΝἶὁὅΝὄἷfiὀaἶὁὅrdquoΝἶaΝRepuacuteblica ndash por discordar desde jaacute que qualquer

ὂὄivilὧgiὁΝὂὁὅὅaΝὅἷὄΝἵὁὀἵἷἶiἶὁΝὡΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝἴἷmΝὃuἷὄΝἶiὐἷὄΝldquo(έέέ)ΝἵὁmὁΝvalὁὄΝ

85 ldquoἒiaὀtἷΝἶe Filebo Soacutecrates pode aparentemente apenas refutar e Protarco vecirc a si confiada a missatildeo ἶἷΝὄἷfutaὄΝἷὅὅaΝὄἷfutaὦatildeὁέrdquoΝἢὁἶἷmὁὅΝὁἴὅἷὄvaὄΝὃuἷΝἔilἷἴὁΝὀatildeὁΝἵὁὀtἷὅtaΝὀaἶaμΝἷlἷΝafiὄmaΝ(έέέ)ΝἷΝἥὰἵὄatἷὅΝtriunfa em combater sua afirmaccedilatildeo somente quando afirma um valor mais alto ndash inventando o ὂἷὀὅamἷὀtὁΝἵὁmὁΝvalὁὄrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἂἆ)έ 86 Como tambeacutem jaacute teria sugerido Lisi (1995 p 67)

81 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

ἶὁΝ ὃualΝ ὁΝ ὂἷὀὅamἷὀtὁΝ ὄἷtiὄaὄiaΝ ὅἷuΝ valὁὄrdquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝ ἀί1ἅΝ ὂέΝ ἀἂλ)έΝ IὅtὁΝ ὧΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὅὰΝ

demonstrou que a inteligecircncia tambeacutem eacute boa justamente por esse uso dos comparativos o

pensamento a opiniatildeo correta e o raciociacutenio verdadeiro satildeo melhores e tecircm mais utilidade

que o prazer e tudo que participa dessas coisas elas satildeo e sempre seratildeo o que haacute de mais

valioso

Dito isso fica claro no curso da argumentaccedilatildeo que a inteligecircncia e o pensamento se

tornam comparaacuteveis mas natildeo de forma absoluta como na tese dos refinados da Repuacuteblica

(VI 505b) tese inaceitaacutevel por parte de Soacutecratesndash isto eacute aquela que afirma que o pensamento

(φλσθβ μ) eacute o bem ndash mas eles satildeo preferiacuteveis ao prazer Para os que participam da

inteligecircncia eles satildeo melhores (para alguns) do que o prazer poreacutem como nos diz Dixsaut

(2017) essa comparabilidade e por conseguinte preferecircncia eacute ambiacutegua e traz

consequecircὀἵiaὅΝὅimilaὄἷὅΝaὁΝὂὄaὐἷὄΝὂὁiὅΝldquo[] se eles satildeo reduzidos a desse modo proclamar

sua superioridade eacute porque a pretensatildeo do prazer possui forccedila suficiente para constrangecirc-

lὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἂλ)έΝἓὅὅaΝὅἷὄiaΝὁΝὃuἷΝaΝautὁὄaΝfὄaὀἵἷὅaΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoiὀfἷliἵiἶaἶἷrdquoΝdo pensamento

a qual teria tambeacutem por tarefa convencer os seres vivos de que necessitam muito mais dele

do que dos prazeres (DIXSAUT 2017 p 249)

No entanto como nos sugere ainda Dixsaut natildeo eacute justo afirmar que jaacute no iniacutecio diaacutelogo

tenhamos uma espeacutecie de confronto pois natildeo haacute sequer a formulaccedilatildeo de alguma questatildeo

mas diante da defesa da existecircncia de opiniotildees contraacuterias a pergunta seria se Filebo defende

uma tese peremptoriamente contra quem ele seria Soacutecrates ou Protarco87 (p 250) A

discussatildeo prossegue e Filebo demonstra sua saiacuteda do diaacutelogo dando ( δ ση θκθ) seu

discurso agrave Protarco que quando questionado sobre tal oferta pelo condutor da discussatildeo diz

ldquoὅὁuΝfὁὄὦaἶὁΝaΝaἵἷitaὄΝjὠΝὃuἷΝὁΝἴἷlὁΝὅἷΝἵaὀὅὁuΝ( π έλβε θ) (11c7-8)88rdquoέΝἏΝὄἷὀήὀἵiaΝἶἷΝἔilebo

portanto eacute uma renuacutencia ao ζσΰκμ ele estaacute exausto de falar natildeo de dizer aquilo que ele

ἶἷfἷὀἶἷΝ ldquoἷlἷΝ ἷὅtὠΝ ἷxauὅtὁΝ ἶaΝ ὂἷὄὅὂἷἵtivaΝ de falar (grifo da autora) ele estaacute exausto por

antecipaccedilatildeo do logos pelo menos daquele que Soacutecrates impocircs o uso (DIXSAUT 2017 p

250)89

87 Gosling em seu comentaacuterio geral da obra escreve nessa seccedilatildeo somos introduzidos na disputa que teria sido entre Filebo e PrὁtaὄἵὁΝὅὁἴὄἷΝὅἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὁuΝaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝὧΝὁΝἴἷmrdquoΝ(1λἅἃΝὂέΝ1ἁλ)έΝἥἷguὀἶὁΝo tradutor do diaacutelogo mais adiante como demonstraria o texto (11c7-8) Filebo teria terminado por convencer Protarco de sua tese e por isso ele a assumiria a partir daiacute a posiccedilatildeo daquele no decorrer da argumentaccedilatildeo 88 Bernadete nos chama atenccedilatildeo em sua traduccedilatildeo do diaacutelogo acerca desse verbo ( π έλβε θ)μΝldquoἓὅὅἷΝtὄὁἵaἶilhὁΝἷὀtὄἷΝldquotἷὄΝἶἷὅiὅtiἶὁrdquoΝὁuΝldquotἷὄΝὅἷΝἵaὀὅaἶὁrdquoΝ(apeirekenai) e o ilimitado (apeiron) eacute ecoada no fim do diaacutelogo (67b) com apereis (ldquovὁἵecircΝὀatildeὁΝ iὄὠΝἶἷὅiὅtiὄrdquo)έΝἥἷΝ ὄἷtὁmamὁὅΝὁΝὅigὀifiἵaἶὁΝἶὁΝvἷὄἴὁΝ eipien (falar) apeipein ὀἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁΝὅigὀifiἵaὄiaΝldquofalaὄΝatὧΝὅἷΝἷὅgὁtaὄrdquoΝ(ἐἓἤἠἏἒἓἦἓΝ1λλἁΝὂέΝἀΝὀέΝἆ) 89 ἒixὅautΝὄἷὅὅaltaΝaiὀἶaΝmaiὅΝaἶiaὀtἷΝὃuἷμΝldquoἓlἷΝ[ἔilἷἴὁ]ΝὀatildeὁΝὅἷΝὄἷtiὄaΝὂor impotecircncia em dar razatildeo ao que diz mas porque recusa submeter-ὅἷΝὡΝἷxigecircὀἵiaΝἶἷΝ lsquoἶaὄΝὄaὐatildeὁrsquordquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃί-251) Nesse sentido duas anaacutelises sobre essa recusa satildeo importantes a de Diegraves (1966) e a de Fruumlchon (1994) Diegraves salienta que para analisar o prazer numa discussatildeo racional e tambeacutem para suportar a

82 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

Dito isso parece que o problema claacutessico se dilui pelo menos agrave primeira vista pois

natildeo se trata de uma questatildeo colocada e isso nos leva a supor ndash com grande probabilidade ndash

que natildeo haacute como desejam alguns inteacuterpretes claacutessicos90 do diaacutelogo em questatildeo um diaacutelogo

anterior a esse encenado no Filebo por Platatildeo Tudo indica que haacute uma construccedilatildeo dessas

personagens (prosopografia)91 como tambeacutem se pode dizer que Filebo natildeo teria preferido

outra coisa senatildeo esse proacuteprio discurso (ζσΰκμ) proposto inicialmente por Soacutecrates

O que se vecirc entatildeo no curso da argumentaccedilatildeo satildeo raras intervenccedilotildees de Filebo92 e

mais adiante uma manifesta recusa em submeter seu discurso a um diaacutelogo com outro por

isso ao concentrar-se na avaliaccedilatildeo de um uacutenico ζσΰκμ ldquoἵὁmumrdquoΝtὁὄὀa-se necessaacuterio lembrar

que natildeo haacute teses controversas no iniacutecio do diaacutelogo mas que elas foram apenas postas em

conflito93

Natildeo existe por parte de Filebo a mesma importacircncia dada por Soacutecrates ao discurso

agrave palavra Aquilo que para Soacutecrates possui um valor de alta estima eacute o diaacutelogo para Filebo

isso natildeo merece ser venerado ser louvado O que interessa a Soacutecrates como nos diz Dixsaut

(ἀί1ἅ)ΝὧΝumΝldquo(έέέ) logos contra logosrdquoΝ(ὂέΝἀἃ1)έΝEacuteΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝζσΰκμ que conduz aonde ele quiser

(arrasta) ndash torna-se tambeacutem o condutor dessa discussatildeo Eacute ele (o ζσΰκμ comum) mais

aἶiaὀtἷΝ ὃuἷΝ ὅἷὄὠΝ iὀvὁἵaἶὁΝ ἵὁmὁΝ ldquotἷὅtἷmuὀhardquoΝ (ἃλἴ1ί-11) As oposiccedilotildees iniciais eacute que

limitaccedilatildeo progressiva e salvar da excelecircncia do prazer o que puder ser salvo integrando-se numa tese mais humana eacute imprescindiacutevel natildeo um defensor irredutiacutevel mais doacutecil e mais brando Protraco faraacute esse papel Um jovem debatedor amante da atividade dialeacutetica que para levar a seacuterio a defesa a ele confiada se faraacute mais flexiacutevel e doacutecil agraves razotildees apresentadas natildeo mais de uma forma obstinada em posiccedilotildees irrefutaacuteveis mas recuando quando necessaacuterio e prestando-se ao compromisso que permitiraacute um acordo muacutetuo sobre uma verdade compreensiacutevel e viaacutevel (1994 p 8) 90 Como por exemplo Guthrie (1978 p 1999) apesar deste autor acreditar que Filebo e Protarco satildeo personagens criados pela dramatizaccedilatildeo platocircnica em questatildeo ele ainda se pauta na contraposiccedilatildeo das teses hedonista e anti-hedonistas 91 Sobre algumas discussotildees histoacuterico-filosoacuteficas relativas agrave prosopografia desse diaacutelogo (Cf NAILS 2002 p 238 257 328-9) 92 Haacute uma primeira interferecircncia notada em 12a7-8 logo em seguida outra em 12b1-2 outra em 18a1-2 outra presente no trecho que vai de 18d3-e7 Uma outra interferecircncia estaacute presente em 22c3-4 E uma uacuteltima manifestaccedilatildeo do personagem aparece em 28b1-7 Lembremo-nos que eacute feita por Protarco uma referecircncia (15c7-λ)ΝaΝἔilἷἴὁΝ ldquoἶἷΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅἷΝἶἷvἷΝmἷxἷὄΝἵὁmΝἷlἷΝὂὁiὅΝἷlἷΝἶὁὄmἷrdquoΝ(ΠΡΩ Κα Ϊθ αμ κέθυθ η μ πσζαί υΰξπλ ῖθ κδ κτ κδα α Φέζβίκθ rsquoΝ πμ ελΪ δ κθ π θ θ π λπ θ α η εδθ ῖθ ε έη θκθ) Os tradutores natildeo traduzem a questatildeo da mesma maneira Muniz

(ἀί1ἀ)Ν tὄaἶuὐΝ ldquoὃuἷmΝ ἷὅtὠΝ ὃuiἷtὁrdquoνΝ ἒiegraveὅΝ (1λἄἄ)Ν ldquoaΝ ὂὄὁὂὰὅitὁΝ ἶaὃuἷlἷΝ ὃuἷΝ ἶὁὄmἷrdquoνΝ ἢὄaἶἷauΝ (ἀίίἀ)ΝldquoalguὧmΝὃuἷΝἶὁὄmἷΝtὄaὀὃuilamἷὀtἷrdquoνΝἐὁἷὄiΝ(ἀί1ἀ)ΝldquoὃuἷmΝὅἷΝἷὀἵὁὀtὄaΝἴἷm-disposto Hackforth (1945) ldquoὁΝἶἷixἷmὁὅΝἶὁὄmiὄΝtὄaὀὃuilamἷὀtἷrdquoνΝἐἷὄὀaἶἷtἷΝ(1λλἁ)ΝldquojὠΝὃuἷΝἷlἷΝἷὅtὠΝἴἷm-posto sentado da forma ἵὁmὁΝἷὅtὠrdquoΝἷΝἕὁὅliὀgΝ(1λἅἃ)ΝldquoὅἷὄiaΝmἷlhὁὄΝἶἷixa-lo dormir 93 ἑfέΝἒixὅautΝ(ἀί1ἅ)μΝldquoἏΝamphisbetesis comeccedilaria entatildeo quando comeccedila o Filebo a discussatildeo tendo como condiccedilatildeo de possibilidade a colocaccedilatildeo em oposiccedilatildeo por Soacutecrates dos dois logoi no interior de um logos comum ndash e que seacute eacute o que eacute por essecircncia de um dialeghesthai (p 251)

83 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

inauguram a possibilidade de uma controveacutersia desse ζσΰκμ comum do qual nem Filebo nem

Soacutecrates satildeo mestres (DIXSAUT 2017 p 251-252)94

O discurso de Filebo eacute apenas constatativo e nada mais O que explicaria mais adiante

sua necessidade em purificar-se de qualquer impiedade e invocar como testemunho a proacutepria

ἶἷuὅaμΝ ldquoEacuteΝvἷὄdade mas pouco me importa pois eu me purifico de qualquer impiedade e

ἵὁmὁΝtἷὅtἷmuὀhaΝiὀvὁἵὁΝagὁὄaΝaΝὂὄὰὂὄiaΝἶἷuὅardquoΝ(1ἀἴ1-3)95 Note-se que mais adiante (28b1)

o sentido dessa invocaccedilatildeo se torna mais compreensiacutevel Filebo natildeo exorta mas atesta que

SoacutecὄatἷὅΝ tamἴὧmΝ iὀvὁἵaΝ aΝ ὅuaΝ ὂὄὰὂὄiaΝ ἶἷuὅaμΝ ldquoEacuteΝ ὃuἷΝ tuΝ vἷὀἷὄaὅΝ tuaΝ ὂὄὰὂὄiaΝ ἶἷuὅaΝ

ἥὰἵὄatἷὅrdquo96 Teria Filebo ndash nessa sua uacuteltima apariccedilatildeo no diaacutelogo ndash o que eacute digno de nota

exortado ou mesmo censurado ou se sentido incomodado de algo que ele mesmo teria

realizado no iniacutecio do diaacutelogo (12b1-3)

Sobre isso Dixsaut (2017) nos sugere que o suposto tom exortativo natildeo passa de

ldquofaὀtaὅiaΝἶὁὅΝtὄaἶutὁὄἷὅ97 Soacutecrates venera sua deusa justamente porque assim como Filebo

ele reconhece sua existecircncia experimenta semelhante temor Soacute por isso ele tambeacutem se

fosse o caso poderia cometer sacrileacutegio No entanto o mesmo Soacutecrates relembra que Filebo

faὐΝὁΝmἷὅmὁΝἷΝὧΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὧΝὃuἷΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝldquofalaὄrdquo98 Poreacutem o uso da expressatildeo confunde

natildeo somente os claacutessicos tradutores mas tambeacutem o proacuteprio Protarco (28c1-5) Soacutecrates

ἷxὂliἵaΝaΝὅἷuΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄΝὃuἷΝaὂἷὀaὅΝuὅὁΝἶὁΝtὁmΝὂiἷἶὁὅὁΝὅἷὀatildeὁΝὂaὄaΝldquoἴὄiὀἵaὄrdquo99 (p 253) Ou

ὅἷjaΝὧΝaὂἷὀaὅΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝiὄὲὀiἵaΝὃuἷΝἷὅὅaΝldquoglὁὄifiἵaὦatildeὁrdquoΝἥὁἵὄὠtiἵaΝtἷmΝὅἷὀtiἶὁΝaὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝ

de Filebo para quem a ironia natildeo tem valor algum ndash haja vista como jaacute dissemos ele recusar

colocar-se a serviccedilo daquele ζσΰκμ comum e que nesse momento jaacute natildeo eacute mais contestaccedilatildeo

nem pode ser devido aos conteuacutedos (que veremos mais adiante) da discussatildeo pois a

94 ἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὅἷΝiὀὅiὅtἷμΝldquoaΝafiὄmaὦatildeὁΝἶἷΝἔilἷἴὁΝὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝfalaὀἶὁΝὅὰΝὅἷΝtὁὄὀaΝuma tese no interior da oposiccedilatildeo instituiacuteda por Soacutecrates a qual ela mesma soacute tem sentido no interior de um logos no qual toda afirmaccedilatildeo deve ser examinada e encontra-se submetida agrave jurisdiccedilatildeo de um discurso racional que exige que prestemos conta de todo enuὀἵiaἶὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃἀ)έ 95 ΦΙΛέΝrsquoΝ ζβγ ζΫΰ δμ ζζα ΰ λ φκ δκ ηαδ εα ηαλ τλκηαδ θ θ θ γ σθ (12b1-3) 96 ΦΙΛ ηθτθ δμ ΰ λ υελα μ θ αυ κ γ σθ (28b1) 97 Segundo a autora o uso da partiacutecula ΰ λ natildeo sugere como se pode verificar em outros casos assentimento ou rejeiccedilatildeo mas justifica a linguagem utilizada eacute testemunho de compreensatildeo Por isso Filebo daria razatildeo (e natildeo reprovaria) o tom empregado por Soacutecrates Censura e irritaccedilatildeo seriam fantasia dos tradutores e nesse conjunto ela insere vaacuterios tradutores do diaacutelogo (Diegraves Hackforth Robin Bernadete) (DIXSAUT 2017 p 252-253) 98 ἠὁὅὅὁΝtὄaἶutὁὄΝἴὄaὅilἷiὄὁΝεuὀiὐΝ(ἀί1ἀ)ΝiὄὠΝtὄaἶuὐiὄΝldquoἷὀtὄἷtaὀtὁΝὧΝὂὄἷἵiὅὁΝὄἷὅὂὁὀἶἷὄΝaΝὃuἷὅtatildeὁrdquoΝ( rsquoΝλπ υη θκθ ηπμ ηῖθ ζ ε Ϋκθ Sobre esse uacuteltimo termo (ζ ε Ϋκθ) Dixsaut (2017) nos explica que ele

significa falar eacute isso que eacute necessaacuterio falar e natildeo venerar Contudo Filebo eacute impermeaacutevel ao sentido que Soacutecrates utiliza o tom de louvor isto eacute ironicamente Por isso Filebo se recusaria a obeceder Soacutecrates conforme sugerido por Protarco (28b4-ἃ)μΝ ldquoἤἷἵuὅaὀἶὁΝ ἷὀtatildeὁΝ ὁΝ ἵὁὀὅἷlhὁΝ ἶἷΝἢὄὁtaὄἵὁΝ ἶἷΝldquoὁἴἷἶἷἵἷὄΝaΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝndash de glorificar para rir e de se dobrar a esse logos imperativo que se prescreve a si mesmo como uacutenico imperativo verdadeiro ndash Filebo delega novamente a palavra e cala-se ἶἷfiὀitivamἷὀtἷrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃἁ)έ 99 ἑfέΝἀἆἵἁμΝldquo ηθτθπθ θ πα α δθ γκλτίβ αrdquoέ

84 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

contestaccedilatildeo ou os dois discursos jaacute adquiram o estatuto de teses postas em diaacutelogo ou seja

ironia e dialeacutetica (perguntar e responder) jaacute foram acordados em relaccedilatildeo agraves teses postas em

diaacutelogo

Por isso concluiria a autora francesa ao afirmar que

Eacute realmente redutor compreender seu silecircncio como o feito de um ldquohἷἶὁὀiὅmὁΝἶὁgmὠtiἵὁΝἵὁmΝὁΝὃualΝὧΝimὂὁὅὅiacutevἷlΝἶiὅἵutiὄrdquo100 pois isso recai em negar a existecircncia de uma palavra diferente que natildeo se absteacutem de discutir porque seria dogmaacutetica mas porque falar eacute tambeacutem exprimir celebrar cantar (2017 p 253)

Note-se que o ζσΰκμ de Filebo ndash e sobre isso eacute necessaacuterio insistir ndash eacute a afirmaccedilatildeo

daquilo que os proacuteprios seres vivos (e aqui se inclui natildeo apenas os homens) de que o prazer

eacute bomΝἷΝἶiὅὅὁΝὀatildeὁΝhὠΝὃuἷmΝἶuviἶἷέΝldquo() Valor incontestaacutevel da proacutepria vida que se esvai no

khairein [alegrar-ὅἷ]ΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝviἶardquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃἂ)έΝἏΝfὁὄmaΝἵὁmὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἵὁὀἶuὐΝ

o discurso de Filebo no diaacutelogo a ponto de fazecirc-lo falar mesmo apoacutes ele ter manifestado sua

recusa em submeter-se agrave discussatildeo e consequente avaliaccedilatildeo do que proclama eacute ao mesmo

tempo haacutebil sutil e surpreendente A inversatildeo eacute tatildeo clara mas muitos estudiosos de pronto

pretenderam classificar Filebo como um tiacutepico hedonista irresoluto inversatildeo (socraacutetica) que

propriamente acontece gradualmente101

ἏlgὁΝὄἷlἷvaὀtἷΝἷΝὃuἷΝtamἴὧmΝmἷὄἷἵἷΝὅἷὄΝὄἷtὁmaἶὁΝὧΝὁΝuὅὁΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquoἴὁmrdquoΝ( ΰαγ θ)

o qual difere daquele que eacute ldquoὁΝἴἷmrdquoΝ( ΰαγ θ) que soacute seraacute utilizado por Soacutecrates mais adiante

(em 14b1-7) e posteriormente na evidente alteraccedilatildeo do discurso enunciado por Filebo

100 Essa concepccedilatildeo seria a de Gadamer por exemplo como nos mostra a autora (Cf GADAMER 1983 p 164-165) 101 Dixsaut faz um interessante levantamento das passagens em que as muitas versotildees do discurso enunciado por Filebo aparece (i) a comeccedilar pela proacutepria afirmaccedilatildeo de 11b4-6 jaacute anteriormente desenvolvida (ii) passando por 19c6-8 em que Protarco afirma que para Filebo o que eacute melhor eacute o prazer e coisas do tipo (iii) e em 60a7-b1 seria para a autora o momento em que claramente o discurso de Filebo eacute alterado pois Soacutecrates diz que conforme aquele o prazer natildeo eacute apenas a meta de vida dos seres vivos mas que ele eacute o bem ( ΰαγ θ) para todas as coisas de tal modo que os nomes prazer e bem se confundiriam a ponto de tratarem de uma soacute coisa (iv) e jaacute em 66d7-8 ao final do diaacutelogo esta tese teria sido novamente expressa (e totalmente alterada) quando Soacutecrates afirma que Filebo propotildee que qualquer prazer de qualquer tipo eacute o bem (novamente o uso do termo ΰαγ θ) Concordo com a teoacuterica francesa que exista um manejo do ζσΰκμ de Filebo por Soacutecrates ou melhor uma alteraccedilatildeo sutil mas passiacutevel de identificaccedilatildeo no decorrer do texto No entanto discordo que a formulaccedilatildeo da tese e aiacute sim tese de Filebo soacute esteja presente em 60a7-b1 pois isso dificultaria o ἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtὁΝἶaὅΝἶiὅἵuὅὅὴἷὅΝὃuἷΝὅἷΝὅuἵἷἶἷmΝἷmΝtὁὄὀὁΝἶaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝεἷΝὂaὄἷἵἷΝὃuἷΝaΝautὁὄaΝὀatildeὁΝse ateve aὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝiὀἶiὄἷtὁΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝ1ἂἴ1ΝἷΝὁΝuὅὁΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝldquoὁΝἴἷmrdquoΝ( ΰαγ θ) o que implicitamente jaacute deixa entrever que Soacutecrates pretende tornar a tese de Filebo a de um hedonismo ἷxtὄἷmaἶὁέΝVἷjamὁὅΝὁΝὃuἷΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoἥὁἵέμΝἐἷmΝἢὄὁtaὄἵὁΝὅἷmΝὁἵultaὄΝἷὀtatildeὁ a diferenccedila entre a tua e a minha mas expondo-a agrave visatildeo de todos vamos ousar ver se ao serem examinadas podem elas nos indicar se devemos chamar de bem ( ΰαγ θ) o prazer de bem ou o pensamento ou uma terceira coisa Pois certamente agora natildeo entramos nessa disputa para dar vitoacuteria ao que eu defendo ou ao que tu ἶἷfἷὀἶἷὅέΝἒἷvἷmὁὅΝὅimΝἵὁmἴatἷὄΝjuὀtὁὅΝἷΝaliaἶὁὅΝaὁΝmaiὅΝvἷὄἶaἶἷiὄὁrdquoΝ(1ἂἴ1-b7)

85 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

(60a7b1 66d7-8) um fato curioso e que durante muitos seacuteculos instigou uma seacuterie de

comentadores do diaacutelogo Bury (1897) teria escrito uma nota adicional (n 6 p 2) retratando-

se por ter afirmado que ( ΰαγ θ) natildeo seria o bem mas que a posiccedilatildeo enfaacutetica do termo

justificaria a ausecircncia do artigo sua posiccedilatildeo eacute baseada nas afirmaccedilotildees de Stallbaum (1855)

e Badham (1820) Shorey (1908) considera a omissatildeo do artigo como um exemplo do que ele

nomeia (seguido de Wilamὁwitὐ)ΝἶἷΝldquoὅatildeΝiὀἶifἷὄἷὀὦardquoΝἶὁΝἷὅtilὁΝgὄἷgὁέΝἓὅὅaΝὂaὄἷἵἷΝtἷὄΝὅiἶὁΝaΝ

visatildeo da maioria de que natildeo faria diferenccedila entender os dois sentidos em que cada termo eacute

empregado traduzindo-os como idecircnticos ainda que estes sejam apresentados de formas

distintas Isto porque em alguns contextos anaacutelogos encontrariacuteamos ou natildeo encontrariacuteamosa

presenccedila do artigo ou permaneceriacuteamos em duacutevida102 sobre seu uso103 Paul Friedlaumlnder eacute

um dos grandes responsaacuteveis por uma compreensatildeo mais exata no seacuteculo XX104 desta

primeira parte do diaacutelogo sobretudo sobre a questatildeo do Bem Segundo o autor a recusa

102 Para alguns autores como Migliori (1998 p 51) em 13e6 natildeo estaria claro se haacute ou natildeo o uso do artigo isso porque anteriormente Soacutecrates teria utilizado ΰαγΪ mas ainda no mesmo excerto o ὅigὀifiἵaἶὁΝὂaὄἷἵἷΝὅἷὄΝἵlaὄamἷὀtἷΝὁΝἶἷΝldquoἴἷὀὅrdquoΝἷΝὀatildeὁΝἶἷΝldquoὁΝἴἷmrdquoέΝἡΝὃuἷΝatἷὅtaὄiaΝὃuἷΝmaiὅΝumaΝvἷὐΝὀatildeὁΝὅἷΝfalaΝἶὁΝὃuἷΝὧΝldquoὁΝἴἷmrdquoΝmaὅΝἶὁΝldquoἴὁmrdquoΝὁuΝmἷlhὁὄΝἶὁὅΝἴἷὀὅΝὂὁὄὃuἷΝὅἷΝvὁltaΝaΝutiliὐaὄΝὁΝtἷὄmὁΝ ΰαγσθ sem o artigo (Cf 13e5-7) 103 Essa eacute a visatildeo de Migliori (1998) como ele mesmo expressa em uma nota (n1 p 51) em seu vasto e importante comentaacuterio sobre o Filebo Poreacutem eacute necessaacuterio notar que sua visatildeo tambeacutem eacute centrada na defesa das duas teses iniciais do diaacutelogo aquela em que Filebo seria um hedonista extremado e Soacutecrates defenderia a inteligecircncia com o Bem Ele crecirc na contestaccedilatildeo de duas teses e tenta personifica-las historicamente Vale lembrar que o autor eacute um defensor e partidaacuterio da leitura esoterista de Platatildeo isto eacute da busca pelo excursus filosoacutefico presente na tradiccedilatildeo platocircnica indireta Para os partidaacuterios dessa leitura o Filebo eacute um diaacutelogo importante pois nele teriacuteamos mais alguns apontamentos e esclarecimentos sobre a Ideia do Bem ἷΝὅὁἴὄἷΝὁΝὃuἷΝὅἷΝἵὁὀvἷὀἵiὁὀὁuΝἵhamaὄΝldquoἦἷὁὄiaΝἶὁὅΝἢὄiὀἵiacuteὂiὁὅrdquoέΝOs representantes da Escola Tuumlbingen-Milatildeo como se convencionou chamar os adeptos desta visatildeo interpretativa baseiam-se amplamente no testemunho aristoteacutelico da Metafiacutesica sobre a existecircncia nos diaacutelogos de uma suposta defesa por parte de Platatildeo de dois princiacutepios o Bem e a Diacuteade-Indeterminada Esta teoria ganharia respaldo no Filebo segundo creem estes estudiosos porque neste diaacutelogo Limite e Ilimitado satildeo princiacutepios adotados por Platatildeo ao partir de sua anaacutelise da realidade O Filebo tἷὄiaΝaὅὅimΝumaΝὄἷlaὦatildeὁΝἶiὄἷtaΝἵὁmΝaὅΝἵhamaἶaὅΝldquoἶὁutὄiὀaὅΝὀatildeὁ-escritaὅΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝὅὁἴὄἷtuἶὁΝtambeacutem por que elas remontariam ao que disse o neoplatocircnico Porfiacuterio retratado por Simpliacutecio em seu Comentaacuterio agrave Fiacutesica de Aristoacuteteles (Sobre isso ver Migliori (1998) e Perine (2014)) O projeto original de nossa pesquisa seguia pela mesma linha ao tentar estabelecer as relaccedilotildees entre as noccedilotildees desenvolvidas por Platatildeo acerca do Bem tanto na Repuacuteblica quanto no Filebo principalmente neste uacuteltimo diaacutelogo em relaccedilatildeo com a tradiccedilatildeo indireta platocircnica No entanto no curso de nossas leituras optamos por abandonar esse tipo de interpretaccedilatildeo e partirmos para uma leitura propriamente eacutetica (moral) do prazer no Filebo ἷΝὅuaΝἵὁὀὅἷὃuἷὀtἷΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἶaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝiὅtὁΝὧΝὄἷfὁὄmulaὄΝὀὁὅὅaΝviὅatildeὁΝinterpretativa do diaacutelogo adotando outros pontos de vista que natildeo esses dos esoteristas Fato no entanto que lamentamos e deixamos a cargo de outros pesquisadores que se interessam nessa reconstruccedilatildeo das ambiguidades ou supostas incompletudes presentes nos diaacutelogos Por ora permanecemos distante dessa interpretaccedilatildeo (extremamente relevante ao platonismo) por questotildees pessoais e acadecircmicas Portanto expresso aqui as concepccedilotildees relativas ao bem no que tangem ao bem pensado num sentido estritamente humano Sobre isso falarei mais adiante no decorrer de nossa anaacutelise do diaacutelogo no qual o tema reaparece 104 A primeira versatildeo (ediccedilatildeo) do seu Platone data de 1928

86 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

platocircnica de em um primeiro momento utilizar o artigo natildeo eacute desprovida de significado isto eacute

banal soacute depois de descrever o contraste entre as duas visotildees eacute que Soacutecrates emprega em

14b1 o artigo para referir-se ao bem105 (2004 p 1052)

Ora seria possiacutevel dizer que a pura afirmaccedilatildeo de Filebo jaacute estaria contida nos

enunciados discursivos postos desde o iniacutecio A resposta soacute pode ser um inequiacutevoco natildeo

Platatildeo atribui ao discurso de Filebo algo que ele natildeo possui desde o iniacutecio mas apenas

deixaria entrever isso eacute o que torna possiacutevel a modificaccedilatildeo total em 60a daquele ζσΰκμ do

primeiro interlocutor o uacutenico que por sinal ele aprova eacute aquele contido nas primeiras linhas

da obra (11b4-5) Uma primeira alteraccedilatildeo eacute realizada por Protarco (19c6-8) e soacute

posteriormente Filebo se torna o tatildeo sonhado hedonista dos claacutessicos inteacuterpretes

A afirmaccedilatildeo de Filebo e sua consequente assimilaccedilatildeo ao hedonismo radical encontra

sustentaccedilatildeo na possiacutevel aproximaccedilatildeo entre Filebo e Eudoxo106 Para ambos o prazer eacute bom

mas Eudoxo natildeo diz que todos os seres buscam o prazer ou que devam buscaacute-lo Na

alteraccedilatildeo operada por Soacutecrates Filebo assim como Eudoxo deve dizer que todos os seres

vivos devem buscar obter o prazer logo como todos os seres tendem ao bem o prazer seria

o bem par excellence elegiacutevel diante de qualquer um outro O que justificaria tal escolha

Note-se que do aspecto de pura contestaccedilatildeo passa-se diretamente ao aspecto normativo que

diz respeito agrave melhor das vidas possiacuteveis e natildeo apenas eacute ressaltada por Soacutecrates a

identidade entre prazer e bem indevidamente atribuiacuteda a Filebo Soacute deste modo seria possiacutevel

105 ldquoἓὅtaΝὂaὅὅagἷmΝἶὁΝaἶjἷtivὁΝ[ἴὁm]ΝaὁΝὅuἴὅtaὀtivὁΝ[ἴἷm]ΝὀatildeὁΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝἵaὅualέΝἢὄὁtaὄἵὁΝtἷὄiaΝuὅaἶὁΝerroneamente um termo chave cujo uso devia ser habitual no ciacuterculo platocircnico ao menos na eacutepoca em que teria sido lida e discutida a Repuacuteblica (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1052) 106 ἏὄiὅtὰtἷlἷὅΝὀὁὅΝἶiὐμΝldquoἓuἶὁxὁΝὂἷὀὅavaΝὃuἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἷὄaΝὁΝἴἷmΝὂἷlὁΝfatὁΝἶἷΝvἷὄΝtuἶὁΝndash tanto seres capazes de razatildeo como seres incapazes dela ndash a esforccedilar-se por obtecirc-lo e porque em todas as situaccedilotildees possiacuteveis o que se escolhe eacute sempre o melhor de tudo E o que se escolhe incondicionalmente eacute o mais poderoso dos bens O fato entatildeo de tudo se movimentar numa mesma determinada direccedilatildeo parece indicar que isso seraacute o melhor de tudo para todos os seres (porque cada um descobre o bem para si proacuteprio tal como acontece com a descoberta da alimentaccedilatildeo adequada) mas o que eacute o bem para todos e portanto objetivo final que todos se esforccedilam para obter eacute o bem supremo Estes enunciados eram convincentes mas mais pela excelecircncia do seu caraacuteter do que propriamente por si proacuteprios porque [Eudoxo] era tido por algueacutem extraordinariamente temperado E assim dava a impressatildeo de falar natildeo enquanto amigo do prazer mas tal como as coisas se passam na realidade Pensava tambeacutem que a sua teoria natildeo era menos evidente em consideraccedilatildeo da tese oposta isto eacute que o sofrimento eacute algo que deve ser evitado por todos seguindo a sua proacutepria essecircncia e que por conseguinte o prazer tem que ser rejeitado Na verdade o que pode ser escolhido de uma forma incondicional natildeo eacute o que escolhemos por qualquer outro motivo a natildeo ser graccedilas a si proacuteprio Uma tal coisa eacute o prazer tal como eacute geralmente aceite pois a ningueacutem se pergunta em vista do que eacute que sente prazer porque o prazer eacute uma escolha absoluta pela sua proacutepria essecircncia Portanto se o prazer for acrescentado a qualquer dos bens faz deles uma escolha mais preferencial por exemplo ao ser acrescentado ao cumprimento da justiccedila ou da temperanccedila isto eacute aumenta o que de si jaacute tem uma caracteriacutestica de bem (EN X 1172b9-25)

87 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

que o discurso de Filebo se prestasse ao diaacutelogo agrave refutaccedilatildeo isto eacute quando formulado

conforme uma tese Insisto natildeo se afirma que o prazer eacute o bom mas que bem eacute prazer

ἥὰἵὄatἷὅΝ ἷmὂὄἷὅtaΝ aΝ ἔilἷἴὁΝ aΝ ldquotἷὅἷΝ ἶaΝ multiἶatildeὁrdquoΝ ( κῖμ η θ πκζζκῖμ)107 presente na

Repuacuteblica (VI 505b7-8)108 assim como teria feito tambeacutem Goacutergias no diaacutelogo homocircnimo

(494e9-499b8) a fim de natildeo incorrer em contradiccedilatildeo chega a afirmar a identidade entre bem

e prazer Esse artifiacutecio natildeo eacute novo ele se repete no Filebo da mesma maneira embora os

motivos para a rejeiccedilatildeo dessa identidade por Soacutecrates sejam distintos em ambos os diaacutelogos

como tambeacutem o satildeo na Repuacuteblica pois os contextos dialoacutegicos tambeacutem satildeo distintos

ἑὁmὁΝ ἴἷmΝ ὁἴὅἷὄvaΝ ἒixὅautΝ (ἀί1ἅ)Ν ldquoaὅΝ ἶuaὅΝ fὰὄmulaὅΝ iὀtἷὄmἷἶiὠὄiaὅΝ ὂἷὄmitiὄamΝ

transformar a afirmaccedilatildeo de Filebo quanto agrave bondade do prazer em uma (maacute) definiccedilatildeo do

ἴὁmrdquoΝ(ὂέΝἀἃἅ)έΝΝἡΝὅἷὀtiἶὁΝὧΝaltἷὄaἶὁΝὁΝὂὄaὐἷὄΝjὠΝὀatildeὁΝὁἵuὂaΝuὀiἵamἷὀtἷΝumΝἷὅtatutὁΝἶἷΝvalὁὄΝ

mas eacute posto como o valor uacutenico dos viventes109 Todo o discurso de Filebo estaacute inserido no

curso da discussatildeo e eacute modificado por Soacutecrates (haacutebil Platatildeo) a ponto de se estabelecerem

claramente as duas teses e os seus respectivos e distintos partidaacuterios a fim de cumprir a

ἷxigecircὀἵiaΝὄἷὃuiὅitaἶaΝἶἷΝἢὄὁtaὄἵὁΝἶἷΝὃuἷΝfὁὅὅἷmΝἵὁlὁἵaἶaὅΝἷmΝldquoὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝamἴaὅΝaὅΝ

teses (14a6-9)

Nas esclarecedoras palavras de Dixsaut

Podemos sem duacutevida censurar muitas coisas a Platatildeo mas certamente natildeo uma falta de sutilidade no manejo do logos Portanto eacute improvaacutevel que essa seacuterie de transformaccedilotildees conduza a uma reviravolta uacuteltima seja de sua parte inconsciente e involuntaacuteria Se Filebo natildeo quer falar com Soacutecrates Soacutecrates natildeo pode falar com Filebo mas pode fazecirc-lo falar e fazendo isso trazer agrave tona natildeo o que afirma Filebo mas o que segundo Soacutecrates Filebo quer dizer (2017 p 257)

Eacute necessaacuterio ainda acrescentar que o abrupto iniacutecio do diaacutelogo se deve em parte agrave

afirmaccedilatildeo de Filebo que natildeo deixa de ser apesar disso uma afirmaccedilatildeo da proacutepria vida da

proacutepria vontade de viver o sagrado gozo que marca a vida O prazer eacute bom porque sobretudo

eacute por meio dele que a vida eacute gerada transmitida e intensificada Seria isso que Soacutecrates

deveria combater mas a iminecircncia de um novo conflito insuperaacutevel o conduz a postular algo

como melhor ( λδ κθ 19c6 65b1-2) partilhada por aqueles dentre noacutes ( θ παλ ηῖθ 11a2)

107 Em 67b3 o discurso invertido de Filebo recebe a conotaccedilatildeo daquele da maioria e o termo utilizado ὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὧΝldquoκ πκζζκ rdquoέΝ 108 ldquoἢaὄaΝaΝmultidatildeo o bem parece ser o prazer enquanto para os refinados eacute o pensamento ( κῖμ η θ πκζζκῖμ κθ κε ῖ θαδ Ϊΰαγσθ κῖμ ξκηφκ Ϋλκδμ φλ θ δμrdquoΝ(Rep VI 505b7-8) 109 ldquoἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὧΝ imὂὁὄtaὀtἷΝ ὄἷὅὅaltaὄΝ aὅΝ ἵὁὀὅiἶἷὄaὦὴἷὅΝ ἶἷΝ IὄwiὀΝ (1λλἃ)μΝ ldquoaὁΝ aὄgumἷὀtaὄΝ ἵὁὀtὄaΝ aΝalegaccedilatildeo de prazer para ser o bem Soacutecrates insiste na diversidade de prazeres (12c-d) e afirma que aὅΝὃuἷὅtὴἷὅΝiὀiἵiaiὅΝὅὁἴὄἷΝὁΝvalὁὄΝἶὁΝlsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝ(ὀὁΝὅiὀgulaὄ)Νἶeve ser reconsiderado uma vez que temos umaΝiἶἷiaΝmaiὅΝἵlaὄaΝἶὁὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝὅἷuὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝvalὁὄἷὅrdquoΝ(ὂέΝἁ1ἆ-319)

88 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ὀἷὅtἷΝ ldquoὀὰὅrdquoΝ ἷlἷΝ ὅἷΝ iὀἵluiΝ aὃuἷlἷὅΝ ὃuἷΝ ὂaὄtiἵiὂamΝ ἶὁΝ ὂἷὀὅamἷὀtὁΝ ἷΝ ὃuἷΝ fὁὄamΝ ὂὁὄΝ ἷlἷΝ

educados110

O discurso de Soacutecrates eacute um discurso eacutetico e encontra-se direcionado a determinada

espeacutecie de vida a dos homens natildeo aquele da multidatildeo mas agravequeles inspirados pela forccedila

da Musa filosoacutefica (67b6) Isso significa que o homem natildeo eacute soacute mais um dentre as plantas e

os animais o homem exaltado por Soacutecrates fora educado pela inteligecircncia por isso natildeo pode

aceitar a tese da multidatildeo O discurso de Soacutecrates eacute restritivo mas o de Filebo (finalmente)

ultrapassa uma extensatildeo permissiacutevel Ao dizer que tudo que eacute bom eacute agradaacutevel natildeo se firma

uma identidade entre o bem e o agradaacutevel (bom) Contudo ao se afirmar essa identidade eacute

necessaacuterio admitir que todos os viventes participariam do mesmo gecircnero do prazer natildeo eacute a

hierarquia que nega qualquer diferenccedila entre as espeacutecies de prazer e entre as espeacutecies de

seres vivos mas a extensatildeo maacutexima dessa afirmaccedilatildeo111

Sendo assim jaacute podemos rejeitar a hipoacutetese de um diaacutelogo acadecircmico entre hedonistas

e anti-hedonistas Satildeo modos de viver que satildeo rejeitados em detrimento de outros e

novamente a relaccedilatildeo entre dialeacutetica e bem eacute assumida no diaacutelogo poreacutem de uma outra

maὀἷiὄaΝ ἷlaΝ ὧΝ iὀὅἷὄiἶaΝ ὀὁΝ ἶiὠlὁgὁΝ ὅὁἴὄἷΝ aΝ ldquoviἶaΝ ἴὁardquoΝ ὁuΝ ὡΝ mἷlhὁὄΝ ἶaὅΝ vidas possiacuteveis

enquanto uma vida humana Eacute o valor (no singular) que se atribuem aos imprescindiacuteveis

valores que uma vida humana deve possuir que estaacute em jogo na discussatildeo estabelecida Por

isso soacute cabe a esse diaacutelogo tomar uma nova direccedilatildeo logo apoacutes serem contestas as

afirmaccedilotildees (iniciais) simeacutetricas de Soacutecrates e de Filebo

Outra questatildeo a ser tomada das primeiras linhas do Filebo eacute a sequecircncia de termos

utilizadas por Filebo e por Soacutecrates para referirem-se aquele prazer e este ao pensamento

Na sequecircncia utilizada por Filebo satildeo notados ( εαέλ δθ εα θ κθ θ εα Ϋλοδθ 11b4-5

κθ θ εα Ϋλοδθ εα εαλ θΝ1λἵἅ)ΝἵὁmὁΝtuἶὁΝldquoὁΝὃuἷΝfὁὄΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝaΝἷὅὅἷΝgecircὀἷὄὁrdquoΝ( α κ

ΰΫθκυμ κτ κυ τηφπθα 11b5-ἄ)ΝἷΝldquoἵὁiὅaὅΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁrdquoΝ(εα πΪθγrsquoΝ πκ α κδα rsquoΝ έ

19c7-8) Podemos como nos sugere Bravo (2009) crer que Platatildeo estava atento a essa

problemaacutetica de caraacuteter semacircntico (p 36)112 Mas ao mesmo tempo o que vemos no diaacutelogo

110 ldquoἒἷὅἵὁὀhἷἵἷὄΝἷὅὅἷΝἶἷὅlὁἵamἷὀtὁΝὧΝὅἷὄΝiὀὅἷὀὅiacutevἷlΝὡΝiὄὁὀiaΝἶὁΝFilebo que esconde um discurso no interior de outro aquele acessiacutevel somente aos filoacutesofos no interior daquele feito para convencer os hὁmἷὀὅΝἶἷΝὃuἷΝἷlἷὅΝὀatildeὁΝὅatildeὁΝὅὁmἷὀtἷΝaὀimaiὅrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃλ)έ 111 Cf DIXSAUT (2017 p 258) 112 Bravo (2009) nos lembra a paciente anaacutelise de Migliori (1998 p 539ss) detida na verificaccedilatildeo em todo o diaacutelogo das ocorrecircncias desses diversos termos anteriormente apontados que poderiam causar alguma diferenciaccedilatildeo semacircntica (por parte de Platatildeo) entre os diversos termos hedocircnicos Bravo ainda nos lembra que essa distinccedilatildeo jaacute eacute apresentada por Platatildeo no diaacutelogo Protaacutegoras (337c2-4) pois o sofista Proacutedico de Ceos fazia uma distinccedilatildeo baseado na alegria proacutepria dos ouvintes de uma ἶἷtἷὄmiὀaἶaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἵὁmὁΝldquoaὃuἷlaΝὃuἷΝὅἷΝἷxὂἷὄimἷὀtaΝaὁΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝalgumaΝἵὁiὅaΝἷΝὂaὄtiἵiὂaὄΝda reflexatildeo que pἷὄtἷὀἵἷΝ aὂἷὀaὅΝ aὁΝ ὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝ ( φλαέθ γαδ η θ ΰ λ δθ ηαθγΪθκθ Ϊ δ εαῖ φλκθά πμ η ζαηίΪθκθ α α δαθκέ )ΝldquoἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἶaΝἵὁmiἶaΝὃuἷΝὅἷΝἷὅgὁtaΝὀὁὅΝὅἷὀtiἶὁὅΝiὅtὁΝὧΝὧΝὂὄὁἶuὐiἶὁΝuὀiἵamἷὀtἷΝὂἷlὁΝἵὁὄὂὁrdquoΝ( γαδ γέκθ Ϊ δ ζζκ πΪ ξκθ α α υηα δ) O

89 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

eacute uma esmagadora vitoacuteria do termo κθά113 O que significa por outro lado que por mais

que Platatildeo seja acusado de imprecisatildeo terminoloacutegica ele natildeo deixa de dedicar atenccedilatildeo aos

esforccedilos de Proacutedico O que nos leva a concluir apoacutes tal anaacutelise seguindo pelas constataccedilotildees

de Bravo (2009) e Dixsaut (2017) que natildeo haacute vestiacutegios de uma confusatildeo especiacutefica poreacutem

Platatildeo natildeo parece inclinado a distinguir com termos apropriados as diferentes formas de

prazer (Bravo 2009 p 37) Por isso eacute rejeitada por Platatildeo tal distinccedilatildeo ou melhor lhe parece

desnecessaacuteria isso natildeo significa que ele natildeo esteja atento a esta diferenciaccedilatildeo mas elas natildeo

estariam implicadas na afirmaccedilatildeo de Filebo isto eacute estes termos nem satildeo sinocircnimos nem

espeacutecies diferentes mas o discurso de Filebo retoma modulaccedilotildees de uma mesma experiecircncia

(a prazerosa) e agrave sua plenitude Como nos explica Dixsaut (2017) elas se adicionam sem

ὃualὃuἷὄΝἷὅὂἷἵifiἵaὦatildeὁΝὁuΝmἷlhὁὄΝἷὅtatildeὁΝἷmΝldquouὀiacuteὅὅὁὀὁrdquoΝ(ὂέΝἀἄ1)έ

E quanto agrave sequecircncia de Soacutecrates Existe algum sentido especiacutefico na sequecircncia de

termos por ele adotado em seu discurso VἷjamὁὅέΝἓmΝ11ἴἄΝὁΝldquoὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝaΝldquoiὀtἷligecircὀἵiaΝ

ldquomἷmὰὄiardquoΝ( φλκθ ῖθ εα θκ ῖθ εα η ηθ γαδ)ΝἷΝldquotuἶὁΝmaiὅΝὁΝὃuἷΝlhἷὅΝfὁὄΝaὂaὄἷὀtaἶὁrdquoΝ(εα

κτ πθ α γΰΰ θ 11b6-ἅ)ΝἷΝὁΝὃuἷΝὄἷὅultaΝἶiὅὅὁμΝldquoὁὂiὀiatildeὁΝἵὁὄὄἷtardquoΝἷΝldquoὄaἵiὁἵiacuteὀiὁΝvἷὄἶaἶἷiὄὁrdquoΝ

( σιαθ λγ θ εα ζβγ ῖμ ζκΰδ ηκτμ 11b8) Ao contraacuterio de Filebo a seacuterie de termos de

Soacutecrates varia como se pode notar em 19d4-ἃΝ aὂaὄἷἵἷmΝ aΝ ldquoἵiecircὀἵiardquoΝ ( πδ άηβθ) a

ldquoἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁrdquoΝ( τθ δθ) e a arte ( Ϋξθβθ) satildeo tambeacutem resultados obtidos via inteligecircncia

(θκ θ) ausenta-se entretanto o termo φλσθβ δμ Em 21a14-15 somam-se ao pensamento

tom irocircnico utilizado por Platatildeo no diaacutelogo nos impediria de confirmar se tal distinccedilatildeo realmente era feita por Proacutedico Poreacutem haacute um testemunho de Aristoacuteteles (Toacutep II 112b22-24) que parece confirmar tal distinccedilatildeo seja num caraacuteter linguiacutestiἵὁΝὅἷjaΝὀumΝἵaὄὠtἷὄΝὁὀtὁlὰgiἵὁμΝldquoἢὄὰἶiἵὁΝἶiviἶiaΝὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝ( μ

κθΪμ) em gozo (ξαλΪ) deleite ( Ϋλοδμ) e alegria ( φλκ τθβ)rdquoΝ (Toacutep II 112b22-24) Poreacutem o estagirita natildeo aceita esta distinccedilatildeo como tambeacutem parece que Platatildeo natildeo a aceita pois todos satildeo nomes do proacuteprio prazer e esses diferentes termos satildeo aplicados atendendo as diferenccedilas puramente acidentais Bravo ainda associa estas ocorrecircncias a duas conclusotildees (i) a frequecircncia e a diversidade dos termos demonstra por um lado a importacircncia do prazer entre os gregos (ii) como tambeacutem atesta a sua problematicidade (do prazer) agrave medida em que eacute tomado como objeto de reflexatildeo (Bravo 2009 p 36-37) A mesma lista de ocorrecircncias eacute feita por Bernadete (1993) como ela deixa transparecer em uma nota (n 3) assim como tambeacutem faz referecircncia a Proacutedico no Protaacutegoras e agrave citaccedilatildeo aristoteacutelica contida nos Toacutepicos (Cf Bernadete 1993 p 1) e o que se verifica eacute a predominacircncia de κθά no diaacutelogo (244 vezes) Agraves mesmas conclusotildees chega Benitez (1999 p 339 n1) 113 ldquoHedoneacute de fato proveacutem do radical indo europeu suad que estaacute relacionado a uma famiacutelia de termos cujo significado originalmente concerne a tudo que eacute agradaacutevel ao paladar ou pode tornar-se agradaacutevel para ele Desse radical deriva hedyacutes doce e o termo suumlszlig que em alematildeo tem o mesmo significado A essa famiacutelia pertence tambeacutem a palavra latina suavis que significa igualmente doce e em um sentido mais estrito designa o gozo dos sentidos e o que se usufruiu por meio dos sentidos Por isso em latim pode-se dizer por exemplo suavitas odorum e em termos mais gerais os prazeres do corpo satildeo designados com o plural suavitatesrdquoΝ(ἑfέΝἔἓἤεἏἠIΝἀί1ἃΝὂέΝ1ἀἃΝὀέ1ἂ)έΝἢaὄaΝumaΝaὀὠliὅἷΝmais detalhada da semacircntica que envolve o termo (Cf BRAVO 2009 p 31-37)

90 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

(φλκθ ῖθ) o fato de conceber (θκ ῖθ) e calcular (ζκΰέα γαδ)114 Note-se que estamos diante

tanto de faculdades quanto de atividades como tambeacutem do que resulta disso O termo chave

aqui parece ser φλσθβ δμ115 que parece ser o mais recorrente Soacutecrates diz em 11d9 11e3

114 Em 21b6-ἅΝὀὁvamἷὀtἷΝldquoaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝaΝmἷmὰὄiaΝaΝἵiecircὀἵiaΝἷΝaΝὁὂiὀiatildeὁΝvἷὄἶaἶἷiὄardquoΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝem 60d4-ἃέΝ (ldquoθκ θ εα ηθάηβθ εα πδ άηβθ εα ζβγ σιαθ () ζβγ 21b6-ἅνΝ ldquoηθάηβθ εα φλσθβ δθ εα πδ άηβθ εα ζβγ σιαθ 6660d4-5) 115 Esse termo eacute digno de atenccedilatildeo e merece toda uma atenccedilatildeo por parte dos inteacuterpretes O termo φλσθβ δμ pode ser compreendido em sentidos distintos apesar de estabelecerem entre si alguma relaccedilatildeo Neste caso seria necessaacuterio como defende Dixsaut (1997) adotar um outro princiacutepio de classificaccedilatildeo que deixaria de lado qualquer suposiccedilatildeo que acredite que o sentido do termo tenha muἶaἶὁΝἶuὄaὀtἷΝaὅΝὁἴὄaὅΝ(ἷvὁluἵiὁὀiὅtaΝὁuΝἵὄὁὀὁlὰgiἵa)ΝmaὅΝὁΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶaὅΝldquoἵὁὀὅtἷlaὦὴἷὅrdquoΝὂὁἶἷὄiaΝnos dirigir a um melhor resultado Como o termo se encontra associado a alguns outros conceitos um pequeno nuacutemero de constelaccedilotildees permitiria uma classificaccedilatildeo das ocorrecircncias aceitaacuteveis (p 336) ἓὅὅἷΝ tἷὄmὁΝ ὂὁὄtaὀtὁΝ ἷὅtaὄiaΝ iὀἵluiacuteἶὁΝ ὀἷὅὅaὅΝ tὄecircὅΝ ldquoἵὁὀὅtἷlaὦὴἷὅrdquoΝ (ὁuΝ ldquofamiacuteliaὅrdquoΝ ὁuΝ ldquoἵamὂὁὅΝὅἷmacircὀtiἵὁὅrdquoΝὁuΝldquoὅigὀifiἵaὀtἷὅrdquoΝἵὁmὁΝἶiὐΝἦὁὄἶὁ-Rombaut (1999 p 193 n 1) a(o)s quais seriam (i) a inteligecircncia e o inteligiacutevel (ii) a vida e alma (iii) o valor e a virtude Φλσθ δμ seria utilizado por Platatildeo nesses trecircs sentidos em alguns diaacutelogos apenas em uma conotaccedilatildeo em outros em duas delas e em outros nos trecircs sentidos (como eacute o caso do Filebo) (DIXSAUT 1997 p 336-351) No entanto somente no Feacutedon possuiacutemos uma explicaccedilatildeo mais detalhada da vastidatildeo conceitual que esse termo apresenta ἡΝὅἷὀtiἶὁΝὃuἷΝmἷΝiὀtἷὄἷὅὅaΝaὃuiΝἷΝὃuἷΝaἵὄἷἶitὁΝtἷὄΝumΝldquoὂἷὅὁΝmaiὁὄrdquoΝὀaΝὀὁὅὅaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶὁΝFilebo eacute o sentido propriamente moral (ou axioloacutegico) ao qual o termo possa ser efetivamente relacionado iὅtὁΝὧΝὀὁΝὃuἷΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἶaΝviἶaΝἴὁaΝὂaὄtiἵulaὄmἷὀtἷΝὀaΝatὄiἴuiὦatildeὁΝἵὁὄὄἷtaΝἶὁΝldquovalὁὄΝἴὁmrdquoΝ(ou bem) a uma vida enquanto propriamente uma vida humana Concepccedilatildeo expressa natildeo somente em alguns trechos do Filebo (11b7 12a dentre outros a despeito de tambeacutem em algumas passagens estar relacionado aos outros sentidos de φλσθ δμ) mas que pode ser lida jaacute no Feacutedon na seguinte passagem em que ὁΝtἷὄmὁΝὧΝἷxὂὄἷὅὅὁΝὂἷlaΝmἷtὠfὁὄaΝἶaΝΟmὁἷἶaΝἶἷΝtὄὁἵardquoμΝὀὁΝFeacutedon onde o sentido da φλσθ δμ ὅἷΝtὁὄὀaΝmaiὅΝἵlaὄὁΝἶiὐΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquo(έέέ)ΝὀaΝvἷὄἶaἶἷΝἷxἵἷlἷὀtἷΝἥiacutemiaὅΝtalvἷὐΝὀatildeὁΝὅἷjaΝἷmΝface da virtude um procedimento correto trocar assim prazeres por prazeres sofrimentos por sofrimentos um receio por um receio o maior pelo menor tal como se se tratasse de uma simples troca de moedas Talvez ao contraacuterio exista aqui apenas uma moeda de real valor e em troca pela qual tudo o mais deva ser oferecido a sabeἶὁὄiardquo (Ὦ ηαε λδ Νδηη αΝη ΰ λΝκ ξΝα βΝᾖ λγ πλ μΝ

λ θΝ ζζαΰ κθ μΝπλ μΝ κθ μΝεα ζ παμΝπλ μΝζ παμΝεα φ ίκθΝπλ μΝφ ίκθΝεα αζζ γαδΝ[εα ]Νη απΝπλ μΝ ζ πΝ π λΝθκη ηα αΝ ζζ᾽ ᾖ ε ῖθκΝη θκθΝ θ ηδ ηαΝ λγ θΝ θ κ ῖ π θ αΝα αΝεα αζζ γαδΝφ ό η ι ) (Feacuted 69a) Como bem explica Bossi (2008 p 238) e tambeacutem Gosling

ΤΝἦaylὁὄΝ(1λἆἀΝὂέΝλἀ)ΝaΝmἷtὠfὁὄaΝἶaΝldquomὁἷἶaΝἶἷΝtὄὁἵardquoΝὀatildeὁΝὅigὀifiἵaΝaὂἷὀaὅΝaΝtὄὁἵaΝἶἷΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝἶὁὄἷὅΝpor inteligecircncia (como uma espeacutecie de opccedilatildeo por uma vida asceacutetica) mas antes de tudo significa que a vida filosoacutefica ou melhor o exerciacutecio do filoacutesofo consiste natildeo na reduccedilatildeo ou acreacutescimo de prazeres e sim na seleccedilatildeo segundo um uacutenico e verdadeiro criteacuterio ndash que natildeo a quantidade ndash mas o valor qualitativo dos prazeres atribuiacutedo pela razatildeo uacutenica e verdadeira moeda de troca Por isso o uso da expressatildeo grega (η φλκθά πμ) em 62b logo apoacutes a passagem acima citada a construccedilatildeo (meta + genitivo) soacute poderaacute indicar natildeo os meios utilizados na execuccedilatildeo de uma accedilatildeo mas sim o(s) modo(s) ou a(s) circunstacircncia(s) de uma accedilatildeo Isso implica que natildeo se pode compreender o significado da ὂaὅὅagἷmΝ ἵὁmὁΝ ldquoἵὁmὂὄaὀἶὁΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ἷmΝ tὄὁἵaΝ ἶἷΝ iὀtἷligecircὀἵiardquoΝ maὅΝ ldquoἵὁmὂὄaὀἶὁΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝiὀtἷligἷὀtἷmἷὀtἷrdquoΝ(ἑfέΝἕἡἥἜIἠἕΝΤΝἦἏYἜἡἤΝ1λἆἀΝὂέΝλἀ)έΝPodemos bem resumir o sentido que nos iὀtἷὄἷὅὅaΝaὁΝὄἷὅὅaltaὄΝaὃuiΝὁΝuὅὁΝἶἷὅὅἷΝldquogecircὀἷὄὁrdquoΝὃuἷΝφλσθ δμ faz referecircncia particularmente no que ἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝὃuἷὅtatildeὁΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἵὁmΝὁΝὃuἷΝἶiὐΝεaὄὃuἷὅΝ(ἀί1ἄ)μΝldquoPhronesis natildeo eacute mera competecircncia teacutecnica nem estrateacutegia praacutetica mas ambiente ou contexto de ressignificaccedilatildeo atitude reflexiva filosofia compreendida como esforccedilo e busca argumentada no sentido de se compreender as implicaccedilotildees ontoloacutegicas subjacentes as determinaccedilotildees que justificam diferentes valὁὄaὦὴἷὅΝἶἷΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝἶὁὄἷὅrdquoΝ(p 257) Sobre isso cf SOUZA (2016 p183-202) e BENITEZ (1999 p 339ss)

91 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

ὃuἷΝὀaΝἶiὅὂutaΝaἵἷὄἵaΝἶaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝὅἷὄiaΝaΝἶiὅὂὁsiccedilatildeo de pensar ou a vida de pensamento

ὃuἷΝὂaὄἷἵἷΝὅἷὄΝὅuὂἷὄiὁὄΝἷΝὁὅΝtἷὄmὁὅΝὄἷὅὂἷἵtivamἷὀtἷΝutiliὐaἶὁὅΝὅatildeὁμΝldquoφλσθ ῖθrdquoΝἷΝldquoφλκθά πμrdquoέΝ

Em determinados momentos da obra platocircnica esse termo eacute apenas contado entre outros

mas aqui ele estaacute em consonacircncia com abordagem mais detalhada e criteriosa do termo que

aparece no Feacutedon Ela eacute um gecircnero que reuacutene todas essas atividades e Soacutecrates atenta-se

em especificaacute-las (Cf 19b 21b9 20 60c-d) ela apresenta-se como rival agrave vida de prazer

Φλ θ δμ recobre no diaacutelogo essa vastidatildeo de sentidos seja de inteligecircncia (contato com

essecircncias com o que sempre eacute) seja de forma de consciecircncia (de si ou da realidade) como

tambeacutem aquele sentido relacionado agrave virtude e ao valor Todos os termos da lista socraacutetica

satildeo ditὁὅΝ ὂἷlὁΝ ὂὄὰὂὄiὁΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ἵὁmὁΝ ldquoaὂaὄἷὀtaἶὁὅrdquoΝ ( υΰΰ θ 11b8) que ora significaratildeo

momentos de uma determinada gecircnese na qual a memoacuteria eacute quem conduz agrave inteligecircncia ora

como espeacutecies propriamente ditas de um mesmo gecircnero Tudo dependeraacute dos objetivos da

anaacutelise em questatildeo principalmente no tocante agrave anaacutelise dos prazeres (verdeirosfalsos

purosimpuros bonsmaus) o que geraria certa confusatildeo entre os inteacutepretes numa primeira

leitura raacutepida do diaacutelogo Eacute o que detecta Benitez

No campo adversaacuterio [sic O de Soacutecrates] noacutes reencontramos φλκθ ῖθ θκ ῖθ η ηθ γαδ σιαθ λγ θ ε ζβγ ῖμ ζκΰδ ηκτμ (note-se que πδ άηβ natildeo aparece nesse momento) Novamente gostariacuteamos que em seguida esses elementos fossem distinguidos e ordenados Platatildeo parece decido a reuni-los Em conjunto os verbos φλσθ ῖθ e θκ ῖθ satildeo utilizados indiferentemente no Filebo e o mesmo vale para os substantivos correspondentes φλσθ δμ e θκ μ A vida defendida por Soacutecrates eacute descrita tanto com uma ίέκμ κ θκ μ quanto como uma ίέκμ μ φλκθά πμ sem que qualquer distinccedilatildeo seja feita Por duas vezes Soacutecrates exige que memoacuteria e caacutelculo raciocinado sejam excluiacutedos da vida de prazer porque eles satildeo componentes da vida intelectual e somente dela (21a-c 60d) Essa confusatildeo cria certos problemas espiacuterito inteligecircncia e saber diferem um do outro a memoacuteria que encontra-se ligada a ela natildeo eacute no entanto idecircntica a nenhum daqueles e nem mesmo a opiniatildeo reta e o raciociacutenio verdadeiro (1999 p 339)

No momento conveacutem apenas destacar que a memoacuteria eacute ζκΰκμ enquanto

conservaccedilatildeo da sensaccedilatildeo como tambeacutem a opiniatildeo verdadeira116 sobre sua efetiva percepccedilatildeo

(consciecircncia) de estar sentido prazer Portanto elas se opotildeem ao raciociacutenio (ζκΰδ ησμ) assim

como este somado agraves outras duas se opotildeem agrave intelecccedilatildeo que diz respeito apenas ao

inteligiacutevel Todavia como observa Dixsaut (2017) a contrariedade presente no gecircnero que

constitui a φλσθ δμ natildeo exclui esse proacuteprio pertencimento a um mesmo gecircnero isto egrave ao do

116 ἑὁὀἵὁὄἶὁΝὀἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁΝἵὁmΝὁΝὃuἷΝὂὁὅtulaΝἑaὅἷὄtaὀὁμΝldquoὂaὄἷἵἷ-me que nestes passos a opiniatildeo verdadeira agrave qual se faz referecircncia num primeiro sentido eacute simplesmente a consciecircncia do gozar Como tal eacute distinta da opiniatildeo verdadeira que entra em jogo dialeacutetico com a ciecircncia a episteme que aὂaὄἷἵἷΝἷmΝὁutὄὁὅΝἵὁὀtἷxtὁὅΝἶialὧtiἵὁὅrdquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝ1λί)έ

92 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

intelecto O que dista do discurso de Filebo do de Soacutecrates eacute que a seacuterie terminoloacutegica daquele

soa em consonacircncia ao passo que a desse eacute vaacuteria e perfeitamente definiacutevel Aspecto como

veremos totalmente contestado por Soacutecrates jaacute que aquilo que Filebo postula como uacutenico

pode apresentar natildeo somente alteraccedilotildees de qualidade como tambeacutem de intensidade

inumeraacuteveis (DIXSAUT 2017 p 263)

A possibilidade adotada por Soacutecrates de inserir seu discurso em uma notaccedilatildeo temporal

(memoacuteria passado raciociacutenio (ζκΰδ ησμ) futuro) confronta-se com o discurso de Filebo

desprovido de uma notaccedilatildeo tal O prazer eacute incapaz de previsatildeo pois sua base assenta-se na

experiecircncia imediata do agradaacutevel Passamos entatildeo do comparativo ao superlativo uma vez

ὃuἷΝὂaὄtiἵiὂaὄΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὧΝὁΝὃuἷΝhὠΝἶἷΝldquomaiὅΝvaὀtajὁὅὁrdquoΝὅἷguὀἶὁΝἥὰἵὄatἷὅΝiὅtὁΝὂὁὄὃuἷΝ

ele eacute capaz de se inserir na dinacircmica do proacuteprio tempo pelos mecanismos diversos envolvidos

na proacutepria dimensatildeo (humana) que eacute capaz de participar da φλσθ δμ seja pelo recurso da

memoacuteria (passado) pela opiniatildeo verdadeira (resoluccedilatildeo das decisotildees praacuteticas do presente) e

pelo raciociacutenio (caacutelculo e a previsatildeo do futuro)

Nesse sentido eacute necessaacuterio que Filebo se distancie da argumentaccedilatildeo que permaneccedila

calado de tal modo de que as questotildees atribuiacutedas a ele sejam agora dirigidas a Protarco O

prazer natildeo combate nem ao menos eacute derrotado como vemos no decorrer do diaacutelogo ele

apenas se isenta do combate e por isso triunfa sem combater Como nos lembra Dixsaut

(2017) os versos da Iliacuteada de Homero proferidos por Diomedes agrave Afrodite estando uacuteltima

ferida pela lanccedila enquanto Diomedes a procurava no campo de batalha117 Diante disso eacute

possiacutevel notar que o prazer triunfa sem combater e se ele adere a luta eacute vencido

A mudanccedila dos discursos iniciais parece ter iniacutecio quando Soacutecrates assim diz

Soc Entatildeo eacute preciso que a verdade ( αθ ζβγΫμ) sobre esse assunto (π λ α θ λσπ ) seja por todos os meios delimitada (π λαθγ θαδ) Prot Sim eacute preciso Soc Vamos laacute entatildeo Com relaccedilatildeo a isso entremos em acordo ( δκηκζκΰβ υη γα) sobre mais um ponto Prot Qual Soc Que agora cada um de noacutes tentaraacute indicar o estado e a disposiccedilatildeo da alma ( ιδθ ουξ μ εα δΪγ δθ capaz de fornecer a todos os homens ( θ

υθαηΫθβθ θγλυπκδμ) uma vida feliz (π δ θ ίέκθ αέηκθα) Natildeo eacute assim Prot Assim mesmo (11c9-d7)

117 A autora refere-ὅἷΝaὁΝὅἷguiὀtἷΝvἷὄὅὁμΝ ldquoἓxἵlamὁuΝἵὁmΝ fὁrte Diomedes corajosa em seu grito de guerra ndash Retira-te filha de Zeus do combate e da luta Acaso natildeo te basta enganar (triunfar) as fraacutegeis mulheres Se tu pretendes frequentar a batalha creio que estremeceraacutes apenas em ouvir mencionaacute-la em um qualquer lugar (Hom Il 2 5 347-351)

93 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

Permanecer naquele conflito anterior dos dois discursos soacute incorreria novamente em

impasse em aporia Apenas com a mudanccedila de interlocutor eacute possiacutevel esse acordo118 a

primeira exigecircncia (banal) de se atingir a verdade119 sobre esses pontos muda a direccedilatildeo do

iὀὃuὧὄitὁΝ ὅἷὄὠΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ ἵὁmὁΝ ὀὁὅΝ ἶiὐΝ ἒiegraveὅΝ (1λἄἄ)Ν umΝ ldquoaἶvὁgaἶὁΝmaiὅΝ ἶὰἵilrdquoΝ (ὂέΝ ἆ) No

ἷὀtaὀtὁΝὧΝἷὅὅaΝmἷὅmaΝἴaὀaliἶaἶἷΝὃuἷΝtὁὄὀaΝὂὁὅὅiacutevἷlΝaΝavaliaὦatildeὁΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝὅuaΝldquovἷὄἶaἶἷΝ

ὁuΝfalὅiἶaἶἷrdquo120 A luta se instaura natildeo para que venccedilam um ou outro discurso ou teses como

ὂὄἷfἷὄἷmΝ alguὀὅΝ maὅΝ ὂaὄaΝ avἷὄiguaὄΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὧΝ ldquomaiὅΝ vἷὄἶaἶἷiὄὁrdquoΝ ὧΝ ὃuἷΝ se deve combater

118 Creio que esse acordo deva ser lido em dois sentidos se recuperarmos o sentido que ele desempenha na filosofia platocircnica Primeiramente eacute necessaacuterio sair do impasse e para tal conciliar os discursos e colocaacute-los em um ζσΰκμ uacutenico eacute o que pressupotildee qualquer discussatildeo No entanto esse sentido do acordo tambeacutem eacute colaborativo natildeo basta apenas submeter-ὅἷΝaὁΝἶiὠlὁgὁΝmaὅΝtamἴὧmΝldquoἶaὄΝὄaὐatildeὁrdquoΝὡὃuilὁΝὃuἷΝὧΝἶitὁΝὄἷἵὁὀhἷἵἷὀἶὁΝaὅΝὂὄiὀἵiὂaiὅΝiὀἵὁἷὄecircὀἵiaὅΝὃuἷΝὅἷuΝἶiὅἵuὄὅὁΝὂὁὅὅa a vir a sofrer nesse mesmo processo diaacutelogico Dito de outro modo eacute tambeacutem imprescindiacutevel no curso da aὄgumἷὀtaὦatildeὁΝldquoἷὅtaὄΝἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁὀὅigὁΝmἷὅmὁrdquoΝtἷὄΝὄἷalΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἶaὃuilὁΝὃuἷΝὧΝ(ἷΝaὃuiΝὅim)ΝumaΝtese e que deve entatildeo ser defendida enquanto se eacute um interlocutor no processo dialoacutegico (Basta retomamos o sentido do ηκζκΰ δθ em alguns dos demais diaacutelogos Ver Goacuterg (461b 468e 482d 487e 472b-c474a5 495a5-9) e Teet (154e1 171d5) que atestam essa dupla especificidade do acordo) Sobre isso tambeacutemΝὧΝiὀtἷὄἷὅὅaὀtἷΝὄἷtὁmaὄΝὁΝὃuἷΝἶiὐΝἐὁἷὄiΝ(ἀί1ἀ)μΝldquoἷὅtἷΝὧΝumΝὁutὄὁΝdictum crucial para Platatildeo desde os primeiros diaacutelogos os acordos (homologiacuteai) entre os falantes que pressupotildeem qualquer discussatildeo e a coerecircncia ou consistecircncia (homologia) do discurso e os acordos (homologiacuteai) preacutevios que pressupotildeem qualquer diaacutelogo () o requisito da coerecircncia eacute o que possibilita mostrar que algueacutem estaacute em contradiccedilatildeo () por isso eacute que no argumento dialoacutegico natildeo faz mal tomar como testemunha um terceiro poreacutem basta tomar por testemunha o proacuteprio loacutegos Em um verdadeiro diaacutelogo ὁΝἶἷἵiὅivὁΝὀatildeὁΝὧΝὃuἷΝὁὅΝfalaὀtἷὅΝἷὅtἷjamΝlsquoὅἷΝtἷὅtaὀἶὁrsquoΝuὀὅΝaὁὅΝὁutὄὁὅΝ(έέέ)ΝmaὅΝὃuἷΝὅἷjamΝἵaὂaὐἷὅΝἶἷΝmanter a coerecircncia de seus argumentos e que sobretudo sejam capazes de revisar suas posiccedilotildees se o exame dialeacutetico assim o requerer Uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que o diaacutelogo funcione eacute que cada interlocutor sempre diga o que lhe parece ser verdade () Se a disposiccedilatildeo de conservar uma atitude de colaboraccedilatildeo diante do diaacutelogo se elimina natildeo pode haver progresso na conversaccedilatildeo filosoacutefica e no processo educativo de que tal conversaccedilatildeo eacute uma parte decisiva O recusar-se a responder aὂὄὁὂὄiaἶamἷὀtἷΝὃuaὀἶὁΝalguὧmΝὧΝiὀtἷὄὄὁgaἶὁΝὧΝaἵὁmὂaὀhaἶὁΝὂὁὄΝumΝἵἷὄtὁΝlsquoἷὅὂiacuteὄitὁΝἶἷΝiὄὁὀiarsquoΝὃuἷΝcaracteriza as teacutecnicas sofiacutesticas de discussatildeo como opostas agraves filosoacuteficas Quem estaacute disposto a ὄἷὅὂὁὀἶἷὄΝ aὂὄὁὂὄiaἶamἷὀtἷΝ aὁΝ ἵὁὀtὄὠὄiὁΝ lἷvaΝ aΝ ὅὧὄiὁΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ ὂἷὄguὀtaνΝ ἷὅtἷΝ lsquolἷvaὄΝ aΝ ὅὧὄiὁrsquoΝ aΝconversaccedilatildeo natildeo apenas significa considerar seriamente a tese discutida e o assunto da discussatildeo mas tambeacutem ndash e talvez o que eacute o mais importante ndash ser consciente do fato de que algueacutem deve se fazer responsaacutevel daquilo que se nega de suas proacuteprias afirmaccedilotildees (esse eacute o modo de conservar a homologia no diaacutelogo) as quais pressupotildeem como ὂὁὀtὁΝ ἶἷΝ ὂaὄtiἶaΝ ἵἷὄtὁὅΝ ldquoaἵὁὄἶὁὅrdquoΝ imὂliacuteἵitaΝ ὁuΝἷxὂliἵitamἷὀtἷΝaἵἷitὁὅΝὂἷlὁὅΝfalaὀtἷὅrdquoΝ(ὂέΝ1ἃλΝὀέΝἀ)έ 119 ἑὁmὁΝἶiὐΝἑaὅἷὄtaὀὁμΝldquoἠumΝἵὁὀtἷxtὁΝἶialὰgiἵὁΝiἶἷalΝἵaἶaΝἶialὁgaἶὁὄΝaὂὄἷὅἷὀta-se como portador de uma verdade sua na qual acredita e que defende com argumentos loacutegicos contra a tese do outro participante do diaacutelogo Natildeo haacute portanto no iniacutecio uma verdade jaacute dada com a qual se medir mas haacute mais do que uma verdade e elas se enfrentam num plano por assim dizer de paridade Soacute no final se obteraacute (se obtiver) um acordo entre as teses contrapostas e se estabeleceraacute qual eacute o discurso verdadeiro que poderaacute ser de um ou do outro dialogador ou poderaacute ser tambeacutem uma terceira tese encontrada e justificada no interior do diaacutelogo vivo que se desenvolveu entre eles como eacute o caso precisamente do FilebordquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝ1ἆἄ)έ 120 ἠaὅΝ ἴἷlaὅΝ ὂalavὄaὅΝ ἶἷΝ ἒixὅautμΝ ldquoἓὀtatildeὁΝ ἷlἷΝ [sic Protarco] a isto a vida a alegria de viver se encontraraacute submetida e subordinada ao conhecimento agrave dialeacutetica e agrave vontade de verdade Eros contra ἷὄὁὅμΝaὃuἷlἷΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὀatildeὁΝὧΝmἷὀὁὅΝtἷὄὄiacutevἷlΝὃuἷΝaὃuἷlἷΝἶἷΝἔilἷἴὁrdquoΝ(ἀί1ἅΝὂέΝἀἄἃ-266)

94 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

conjuntamente e esse discurso soacute se torna mais estaacutevel por intermeacutedio do acordo

(CASERTANO 2010 p 188)121 Eacute sob essa carateriacutestica que aqui podemos chamaacute-la

sineacutergica122 que se funda o diaacutelogo e que dista da pura disputa eriacutestica como nos mostraraacute

Soacutecrates mais adiante no diaacutelogo (15a-16b)

Fica claro a partir daqui a restriccedilatildeo de Soacutecrates feita ao debate que se dirige agora

ἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝὀatildeὁΝaΝldquotὁἶὁὅΝὁὅΝὅἷὄἷὅrdquoΝ(ἶἷὀtὄἷΝἷlἷὅΝaὀimaiὅ plantas) mas agrave vida humana

tatildeo somente A pergunta ὅἷΝἵaὄaἵtἷὄiὐaΝὂὁὄΝ tἷὀtaὄΝ iὀἶiἵaὄΝὁΝldquoἷὅtaἶὁrdquoΝ( ιδθ)ΝἷΝaΝldquoἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝ

( δΪγ δθ) da alma (ουξ μ)ΝὃuἷΝὅἷὄὠΝἵaὂaὐΝἶἷΝὂὄὁὂὁὄἵiὁὀaὄΝaὁὅΝhὁmἷὀὅΝaΝldquoviἶaΝfἷliὐrdquoΝ(ίέκθ

αέηκθα) Basta lembrar que o homem eacute o ser que participa da inteligecircncia que reside na

alma Este eacute um primeiro aspecto a ser considerado123

Um segundo aspecto importante eacute evitar conflitos inuacuteteis visto que a discussatildeo sobre

o bem jaacute teria gerado impasses em outros momentos Basta relembrarmos a discussatildeo da

Repuacuteblica (aqui jaacute citada) em que nem mesmo a inteligecircncia nem mesmo o prazer possuem

os requisitos necessaacuterios para serem tidos como o bem (R VII 505b6) Esse bem agora deve

ser uma outra coisa124 como jaacute nos adianta Soacutecrates (11d11) e que ficaraacute mais claro do que

ὅἷΝ tὄataΝ ἷὅὅaΝ ldquotἷὄἵἷiὄaΝ ἵὁiὅardquoΝ ὀὁΝ ἶἷἵὁὄὄἷὄΝ ἶaΝ aὄgumἷὀtaὦatildeὁ125 Poreacutem natildeo haacute outros

concorrentes aleacutem da inteligecircncia e do prazer Se natildeo haacute como afirmarmos com veemecircncia o

ὃuἷΝὅἷjaΝὁΝἴἷmΝὃuἷΝὂἷlὁΝmἷὀὁὅΝὂὁὅὅamὁὅΝἶiὐἷὄΝὀὁΝὃuἷΝἵὁὀὅiὅtἷΝaΝldquoViἶaΝἴὁardquoΝἷΝὁΝὃuἷΝfaὐΝ

com que ela seja portadora desse qualificativo ou seja o que a torna uma vida realmente

boa Natildeo se trata entretanto de eliminar ou derrotar os dois discursos mas de colocar ambos

me perspectiva analisaacuteveis sob o domiacutenio do ζ ΰκμ126

121 ldquoἑὁmὁΝὅἷΝvecircΝtὁἶὁὅΝὁὅΝἵaὄaἵtἷὄἷὅΝἶὁΝἶialὁgaὄΝὅὁἵὄὠtiἵὁ-platocircnico tal como foram estabelecidos nos ἶiὠlὁgὁὅΝἶitὁὅΝlsquoὅὁἵὄὠtiἵὁὅrsquoΝndash a coragem do exame a refutaccedilatildeo que tem como fim natildeo a vitoacuteria eriacutestica mas uma investigaccedilatildeo em comum a concoacuterdia que torna estaacutevel o resultado concordado ndash satildeo tambeacutem aqui no Platatildeo maduro plenamente confirmados A verdade e natildeo a φδζκθδεέα constitui sempre o horizonte e o fim do diaacutelogὁrdquoΝ(ἑἏἥἓἤἦἏἠἡΝἀί1ίΝὂέΝ1ἆἆ)έ 122 ldquoἡΝ ἶiὠlὁgὁΝ ὀatildeὁΝ ὅἷὄὠΝ ὂὁὄtaὀtὁΝ umΝ ἵὁmἴatἷΝ maὅΝ umaΝ vἷὄἶaἶἷiὄaΝ ἴuὅἵaΝ ἷmΝ ἵὁmumΝ viὅaὀἶὁΝexaminar o problema em-ὅiΝἷΝaΝἵὁὀὅtὄuiὄΝumaΝὂὁὅiὦatildeὁΝἵὁὄὄἷtardquoΝ(ἒἓἜἑἡεεIἠἓἦἦἓΝἀίίἄΝὂέΝἁλ)έ 123 ldquoἏΝ ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝ ὅἷΝ iὀiἵiaΝ ἷmΝ umΝ ὀiacutevἷlΝ ὃuἷΝ ὂὄἷὅὅuὂὴἷὅΝ aΝ lὁἵaliὐaὦatildeὁΝ ἶὁΝ ἴἷmΝ ὀaΝ almardquoΝ(DELCOMMINETTE 2006 p 37) 124 Σ δμΝελ έ πθΝ κτ πθΝφαθ (11d11) 125 Notomi (2010) relembra essa mesma perspectiva presente tambeacutem no Sofista (250b7-ἶἂ)μΝldquoIὅὅὁΝὀὁὅΝlembra um argumento semelhante no sofista A investigaccedilatildeo direta sobre o ser fica presa Tanto o movimento como o resto satildeo mas ser natildeo eacute movimento nem descanso devemos procurar uma tἷὄἵἷiὄaΝἵὁiὅaΝaὁΝlaἶὁΝἶὁὅΝἶὁiὅrdquoΝ(ὂέΝἅἆ)έ 126 ldquoἥἷΝ ἶifiἵilmἷὀtἷΝ ὂὁἶἷmὁὅΝ ἶaὄΝ umaΝ ὄἷὅὂὁὅtaΝ ἶiὄἷtaΝ ὡΝ ὂἷὄguὀtaΝ aὀtἷὄiὁὄΝ ὃual dos dois eacute o bem inteligecircncia ou prazer podemos examinar em vez disso qual eacute a boa vida e aleacutem disso o que faz a vida boa em relaccedilatildeo aos dois Ao mudar as questotildees o inqueacuterito aborda o mesmo problema de forma diferente Apesar do fracasso do diaacutelogo entre Filebo e Soacutecrates os seus dois candidatos natildeo devem ser demitidos nenhuma afirmaccedilatildeo positiva seraacute concluiacuteda sobre o bem se ambos os candidatos forem simplesmente jogados fora Por outro lado a nova questatildeo permite Protarco e Soacutecrates examinarem ὁὀἶἷΝἵaἶaΝumΝἷὅtὠΝlὁἵaliὐaἶὁΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝἴἷmrdquoΝ(ἠἡἦἡεIΝἀί1ίΝὂέΝἅἆ)έ

95 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

εaὅΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὀἷὅὅἷΝ ἵὁὀtἷxtὁΝ ὅἷὄiaΝ ἷὅὅἷΝ ldquoἷὅtaἶὁrdquoΝ ἷΝ ἷὅὅaΝ ldquoἶiὅὂὁὅiὦatildeὁrdquo127 citadas por

Soacutecrates Parece claro que natildeo podemos tomar os dois termos como sinocircnimos nem reduzi-

lὁὅΝ ὅimὂlἷὅmἷὀtἷΝ aΝ tἷὄmὁὅΝ tὄaἶuὐiacutevἷiὅΝ ὂὁὄΝ ldquoἶiὅὂὁὅiὦatildeὁrdquoέΝ ἓιδθΝ ἶἷὀὁtaὄiaΝ umΝ ἷὅtaἶὁΝ umaΝ

maneira de ser em sentido estrito (falsoverdadeiro) enquanto δΪγ δθ diz respeito muito

mais a uma consequecircncia a um resultado128 A alma natildeo eacute o termo significativo mas sim a

felicidade129 natildeo importa tanto mais a rejeiccedilatildeo de que a felicidade consista na posse de bens

exteriores como a sauacutede a riqueza a beleza que para ambos interlocutores satildeo meios mas

natildeo fins130 Como atesta Gadamer (1983)

Assim a questatildeo do bem na vida humana jaacute possui uma compreensatildeo antecipada de seu objeto e assim oferece agrave investigaccedilatildeo uma primeira orientaccedilatildeo O bem deve ser uma certa disposiccedilatildeo ( δΪγ δμ) ou tambeacutem uma certa atitude ( ιδμ)ΝἶaΝalmaΝὃuἷΝὂὁὅὅaΝ tὁὄὀaὄΝ ldquofἷliὐἷὅrdquoΝ tὁἶὁὅΝὁὅΝhὁmἷὀὅέΝἡΝbem eacute portanto concebido antecipadamente como uma certa compleiccedilatildeo da alma Natildeo eacute como o crecirc espontaneamente o senso comum algo que o hὁmἷmΝldquoὂὁὅὅuirdquoΝ(ἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝvulgaὄΝἶἷΝ ΰαγσθ) mas uma modalidade de seu ser Porque o homem eacute precisamente sua alma A questatildeo se apresenta a partir de entatildeo nesses termos qual eacute a compleiccedilatildeo da alma suscetiacutevel de tὄaὐἷὄΝaΝtὁἶὁὅΝὁὅΝhὁmἷὀὅΝaΝldquoviἶaΝfἷliὐrdquoςΝἏΝldquofἷliἵiἶaἶἷrdquoΝ( αδηκθ) natildeo designa aqui um conteuacutedo determinado desse bem ao qual o homem aspira (no sentido onde por exemplo se possuiria uma alternativa entre a felicidade e

127 O sentido aqui eacute mais proacuteximo daquele de 64c7 da disposiccedilatildeo que resulta da mistura bem constituiacuteda e natildeo ao significado proveniente do uso deliberado de ambos os termos mais adiante (como se pode notar em 32e3-9 48a8 42c2 49e3) 128 ἒixὅautΝaὁΝὀὁὅΝἶiὐἷὄΝὅὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ lἷmἴὄaΝἓὅὂἷuὅiὂὁΝὃuἷΝafiὄmavaΝὃuἷΝaΝ fἷliἵiἶaἶἷΝὧΝ ldquoumΝἷὅtaἶὁΝacabado inerente a todos os seres naturais ( ιδθ θαδ ζ έαθ θ κῖμ εα φ δθ θκυ δθ) ou a posse ἶὁὅΝἴἷὀὅrdquoΝ( ιδμ θ ΰαγ θ) (2017 p 266) 129 ἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὀὁὅΝ lἷmἴὄaΝ ἐὁὅὅiΝ (ἀίίἆ)μΝ ldquoἤἷἵὁὄἶἷmὁὅΝ ὃuἷΝ ὁΝ aἶjἷtivὁΝ eudaimonia natildeo se aplica simplesmente a um sentimento subjetivo de satisfaccedilatildeo senatildeo a um estado objetivo harmonioso ou saudaacutevel da alma A palavra eudaimonia eacute composta de um prefixo eu (ὃuἷΝὅigὀifiἵaΝldquoἴὁmrdquo)ΝἷΝἶaΝὂalavὄaΝdaimon (divindade intermediaacuteria entre os deuses e heroacuteis) que pode ser benigna ou maligna Em geral designa a boa parte ou lote que a cada um atribui o seu daimon De modo que o conceito de eudaimonia estaacute de algum modo relacionado com o prazer porque ambos supotildeem sentimentos subjetivos agradaacuteveis poreacutem enquanto o prazer encontra-se mais relacionado agrave sensibilidade a eudaimonia em Platatildeo se relaciona com uma certa satisfaccedilatildeo da vida como um todo que corresponde a um estado ὁὄἶἷὀaἶὁΝὅauἶὠvἷlΝὁuΝhaὄmὁὀiὁὅὁΝἶaΝalmardquoΝ(ὂέΝἀἀλ)έ 130 Como afirma Delcomminette (2006) o bem natildeo eacute identificado com a felicidade mas agrave causa da felicidade O bem eacute portanto essa posse que torna a vida feliz e inversamente a felicidade eacute a posse do bem Observemos que essa correlaccedilatildeo entre o bem e a felicidade ainda natildeo determina nada sobre o conteuacutedo do bem porque a felicidade tambeacutem eacute tatildeo indeterminada quanto ele nesse momento Por outro lado embora ela natildeo seja uma identificaccedilatildeo ela nos autoriza a estabelecer num primeiro momento nossa busca pelo bem na busca pela felicidade jaacute desejar o bem eacute querer que ele nos pertenccedila isto eacute desejar ser feliz (Cf Banquete 204e 205a4) Veremos no entanto que essa coincidecircncia entre desejo do bem e desejo da felicidade soacute poderaacute ser mantida ateacute um certo ponto com efeito a felicidade soacute seraacute acessiacutevel sob a condiccedilatildeo de deixar de desejar-se a si proacutepria em si mἷὅmaΝἷΝἶἷΝtἷὀἶἷὄΝὂaὄaΝὁΝἴἷmΝldquoἷm-ὅirdquoέΝἠὁΝἷὀtaὀto mesmo essa superaccedilatildeo da felicidade como objeto do desejo seraacute baseada na busca pela felicidade que pode portanto servir de guia preliminar (p 36-37)

96 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

a virtude) mas retoma em geral ao mais alto grau do humanamente ἶἷὅἷjὠvἷlΝὀἷὅtἷΝἷὅtaἶὁΝὀὁΝὃualΝὀaἶaΝmaiὅΝldquoἶἷixaὄiaΝaΝἶἷὅἷjaὄrdquoΝ(ὂέΝ1ἄἄ)έ

Eacute interessante verificar que o termo αδηκθέα natildeo eacute recorrente no diaacutelogo soacute

constatamos sua presenccedila no diaacutelogo duas vezes no trecho que anteriormente destacamos

de 11d6 e em 14b7131 no qual Soacutecrates estaacute criticando os intemperantes que satildeo tomados

ὂὁὄΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquolὁuἵuὄardquo132 proporcionada pelos prazeres do corpo acreditando serem

ὁὅΝhὁmἷὀὅΝldquomaiὅΝfἷliὐἷὅrdquoΝ( αδηκθΫ α κθ) do mundo Creio que haacute razotildees para a ausecircncia

do termo prazer e inteligecircncia encontram-se subordinados agravequilo que natildeo eacute propriamente um

conteuacutedo uacuteltimo (feliἵiἶaἶἷ)Ν maὅΝ ἵὁmὁΝ amἴὁὅΝ ldquoὂὄaὐἷὄΝ (gὁὐὁ)Ν ἷΝ ἵὁὀhἷἵimἷὀtὁrdquoΝ ὂὁἶἷmΝ ἷΝ

ἶἷvἷmΝἵὁὀtὄiἴuiὄΝὂaὄaΝὃuἷΝumaΝviἶaΝὂὁὅὅaΝὅἷΝtὁὄὀaὄΝumaΝviἶaΝfἷliὐΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἢὄaὐἷὄΝἷΝ

pensamento estariam deste modo subordinados agravequilo que constitui a felicidade e que natildeo eacute

um conteuacutedo formal mas o problema geral da proacutepria vida humana Esse estado e disposiccedilatildeo

ldquofἷliὐἷὅΝἵὁὀὅtituἷmΝὀumΝὂὄimἷiὄὁΝmὁmἷὀtὁΝaὂἷὀaὅΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝfὁὄmalΝumaΝldquotἷὄἵἷiὄaΝἵὁiὅardquoΝ

( λ κπ ζζκΝ 1ἂἴἂ)Ν ὁuΝ ὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ tὁὄὀaὄὠΝ ὂὁὅὅiacutevἷlΝ gὄaὦaὅΝ aΝ umΝ ldquoὅὁὀhὁrdquoΝ ἶἷΝ

SὰἵὄatἷὅΝὅὁmἷὀtἷΝἷmΝἀίἴἄΝὀὁΝὃualΝὂὄaὐἷὄΝἷΝiὀtἷligecircὀἵiaΝὂaὅὅaὄatildeὁΝaΝἶiὅὂutaὄΝὂἷlὁΝldquoὅἷguὀἶὁΝ

precircmio Passamos portanto do modo de vida de todos os seres para aquele em que podemos

escolher o que faz do prazer natildeo o uacutenico bem comum a todos os eres vivos mas apenas

preferecircncia de alguns seres

Como bem nos explica Dixsaut (2017) a felicidade

() eacute esse contentamento contiacutenuo esse khairein que traz certa maneira de viver mas que natildeo se confunde com ela e que soacute eacute distinto do que chamamos prazer por sua unidade e continuidade Para dizer como Kant ser feliz eacute necessariamente o desejo de ser todo acabado ou seja sensiacutevel e para ser um ser sensiacutevel dotado de uma faculdade de prazer e de pena a consciecircncia ὃuἷΝἷlἷΝtἷmΝldquoἶὁΝaἵὁὄἶὁΝἶaΝviἶaΝὃuἷΝaἵὁmὂaὀhaΝὅem interrupccedilatildeo toda a sua ἷxiὅtecircὀἵiaΝὧΝaΝfἷliἵiἶaἶἷrdquoΝ(έέέ) Todo ser vivo deseja o prazer eacute mesmo isso que a maioria dos homens chamam de bem e ningueacutem diz o Soacutecrates do Filebo aceitaria uma vida sem prazer Reconhececirc-lo me parece natildeo eacute enunciar uma tese eudemonista eacute constatar que para um ser vivo a felicidade consiste em gozar a vida Platatildeo nunca contesta isso mas se pergunta qual forma deve tomar a vida para que possamos dela gozar justamente (p 282-283)

O diaacutelogo prossegue e o questionamento eacute sobre a possibilidade de regular uma vida

unicamente pela busca de um ou outro (prazer ou inteligecircncia) Ou seja qual modo de vida

se deve escolher Devemos fazer do prazer o uacutenico bem da vida (natildeo mais de todos os

131 Agradeccedilo ao Prof Fernando Mendonccedila por ter me chamado atenccedilatildeo sobre o breve nuacutemero de ocorrecircncias desse termo no diaacutelogo o que me levou a pensar que por natildeo ser um termo recorrente Platatildeo pudesse ter um propoacutesito maior no diaacutelogo em questatildeo e que o sentido de felicidade aqui tratado estaria distante do que Aristoacuteteles por exemplo concebe como felicidade na sua Eacutetica a Nicocircmaco 132 Sobre os significados que esse termo adquire no diaacutelogo falarei mais adiante

97 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

viventes) mas apenas preferecircncia de alguns e soacute assim os dois modelos de vida podem ser

confrontados por meio da dialeacutetica a partir do momento em que as duas afirmaccedilotildees

encontram-se em poacutelos opostos agora sim sob forma de teses que se excluem mutuamente

ambas demonstradas como insuficenteὅέΝΝἢὄὁὂὴἷΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquoὂaὄaΝvὰὅΝἷὀtatildeὁΝὅἷὄiaΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝ

de ter prazer ( κ ξαέλ δθ) e para noacutes a de pensar ( κ φλκθ ῖθ)ςrdquoΝ(11ἶἆ-9)

Filebo entatildeo recusa a disputa mesmo que agora a tese atribuiacuteda a Protarco

demonstre-se vencedora isto eacute mesmo se ao longo da discussatildeo essa vida se evidenciar

como a disposiccedilatildeo superior (o que jaacute se pode entrever que natildeo ocorreraacute pela possibilidade de

uma terceira coisa) transferindo-a aos cuidados de Protarco De tal modo aquele interlocutor

jaacute natildeo possui autoridade alguma agora sobre a concordacircncia ( ηκζκΰέαμ) ou natildeo entre

Soacutecrates e o proacuteprio Protarco (12a9-11) A atitude de Filebo eacute deste modo correta se

purificar ( φκ δκ ηαδ) e invocar o testemunho (ηαλ τλκηαδ da proacutepria deusa (α π θ γ σθ)

(12b1-2) A pergunta importante que ecoa das linhas do Goacutergias (π μ ίδπ Ϋκθ 492d 500c4)

deveria agora ser tomada em sua questatildeo fundamental e assegurar assim como afirma o

discurso de Filebo aquilo que a realidade atesta o prazer de gozar o imediato da vida o

proacuteprio ξαέλ δθ essa exigecircncia profundamente humana da felicidade Jaacute natildeo restam mais

altἷὄὀativaὅΝὀἷmΝaΝmὁὄalΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὀἷmΝaΝjuὅtiὦaΝaὅΝὃuaiὅΝtἷὄiamΝὅiἶὁΝaὂὄἷὅἷὀtaἶaὅΝὀaΝldquoὅὧὄiaΝ

ὃuἷὅtatildeὁrdquoΝ (ὅὁἴὄἷΝ ἵὁmὁΝ ὅἷΝ ἶἷvἷΝ vivἷὄ)Ν ἶὁΝ Goacutergias Se pensamento e inteligecircncia satildeo

ingredientes melhores em uma dada maneira de viver se satildeo os objetos preferiacuteveis a qualquer

outra coisa por que natildeo analisaacute-los tout et court Natildeo o que se vecirc mais adiante eacute o

desmembramento a pluralizaccedilatildeo o exame baseado numa vontade de verdade Mas

Soacutecrates pelo contraacuterio natildeo deixa de perseguir o prazer sobre essa essecircncia de uma verdade

tatildeo sobre-humana a todo custo mas Soacutecrates ainda pretende dar asas ao pensamento alccedilar

vocirco teme que suas asas possam ser cortadas (DIXSAUT 2017 p 268)

O pensamento como explica Dixsaut (2017) soacute se exerce agrave medida que estamos

ldquomὁὄtὁὅrdquoΝὃuaὀἶὁΝaΝὃuἷὅtatildeὁΝὅὁἴὄἷΝldquoἵὁmὁΝὅἷΝἶἷvἷΝvivἷὄrdquoΝὀatildeὁΝὧΝmaiὅΝumΝὂὄὁἴlἷmaΝἵὁmΝὁΝὃualΝ

devemos lidar (p 268) O Filebo vai mais a fundo e retomaconfirmando o Feacutedon o

pensamento apresentado no Filebo natildeo eacute o que estaacute em jogo realmente133 haacute um outro que

se encontra na profundidade do diaacutelogo ele eacute extremamente poderoso mas no caso da

composiccedilatildeo eacute mais prudente optar pela vida boa que eacute justamente aquela misturada Por

enquanto isso basta para a nossa reflexatildeo cremos que no decorrer da argumentaccedilatildeo ficaratildeo

maiὅΝ ἵlaὄὁὅΝ taὀtὁΝ ὁὅΝ ὂὄὁὂὰὅitὁὅΝ maiὅΝ ἷviἶἷὀtἷὅΝ ἶὁΝ ἶiὠlὁgὁΝ ὃuaὀtὁΝ ὁΝ ldquoὅἷὀtiἶὁΝ maiὅΝ

aὂὄὁfuὀἶaἶὁrdquoΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝtalΝὄἷflἷxatildeὁέΝἑὁὀtiὀuἷmὁὅΝὁΝὂἷὄἵuὄὅὁΝὂὁὄΝhὁὄaΝἶaὀἶὁΝὅἷὃuecircὀἵia

agrave intepretaccedilatildeo das demais partes do diaacutelogo em questatildeoComo nada absolutamente nada

133 Dixsaut ainda diz que em nenhum dos diaacutelogos esse pensamento demonstraria tanto o seu poder (Cf DIXSAUT 2017 p 268)

98 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

nos diaacutelogos eacute desprovido de significado temos aqui mais um exemplo que exige atenccedilatildeo

ἶἷliἵaἶaέΝἏὅὅimΝὂaὄἷἵἷΝaΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝὡΝἶἷuὅaΝ(lsquo φλκ έ βθ)μΝldquoὅimΝἶἷvἷmὁὅΝtἷὀtaὄΝἵomeccedilando

ἵὁmΝaΝὂὄὰὂὄiaΝἶἷuὅaΝὃuἷΝἷlἷΝἶiὐΝὅἷΝἵhamaὄΝἏfὄὁἶitἷΝmaὅΝἵujὁΝmaiὅΝvἷὄἶaἶἷiὄὁΝὀὁmἷΝὧΝὂὄaὐἷὄrdquoΝ

(12b7-9)134

εaiὅΝaἶiaὀtἷΝ(1ἀἵ1)ΝἥὰἵὄatἷὅΝὀὁvamἷὀtἷΝὄἷtὁmaΝὁΝmἷὅmὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝὅὁἴὄἷΝὅἷuΝldquotἷmὁὄrdquoΝ

em relaccedilatildeo ao nome dos deuses135 e agora em relaccedilatildeo a Afrodite conveacutem chamaacute-la do nome

ldquoὃuἷΝmaiὅΝlhἷΝagὄaἶardquoέΝἒὁΝmἷὅmὁΝmὁἶὁΝἥὰἵὄatἷὅΝalἷὄtaΝὡΝἢὄὁtaὄἵὁΝὁὅΝὂἷὄigὁὅΝὀὁὅΝὃuaiὅΝἷlἷΝ

proacuteprio (Soacutecrates) incorre ao tentar examinar a natureza da deusa Eacute preciso como diz

ἥὰἵὄatἷὅΝldquoἴἷmΝἷxamiὀaὄrdquoΝldquoὄἷflἷtiὄΝἴἷmrdquoΝ(1ἀἵἃ)έΝἏΝὀatuὄἷὐaΝ(φτ δθ ξ δ) do prazer eacute complexa

(πκδεέζκθ) (12c5-6) Embora quando escutamos ( εκτ δθ)136 ldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝaὁΝὁuviἶὁΝἷlἷΝὂaὄἷἵἷΝ

simples ( πζκμ) algo uacutenico ( θ δ) mas eacute algo complexo (πκδεέζκθ) e certamente assume

todo o tipo de formas (ηκλφ μ άπκυ παθ κέαμ ζβφ ) que satildeo dessemelhantes

( θκηκέκυμ) umas agraves outras ( δθα λσπκθ θκηκέκυμ ζζάζαδμ) (12c6-8)

O que podemos notar na passagem eacute que Soacutecrates parece fazer ressoar o preceito

dos demais diaacutelogos em relaccedilatildeo agrave divindade pois basta retomarmos a Repuacuteblica (380dss)

ἏὁΝἶiὐἷὄΝaΝὂalavὄaΝldquoἶἷuὅrdquoΝὅἷguὀἶὁΝaΝὂὄὰὂὄiaΝtἷὁlὁgiaΝἷxὂὄἷὅὅaΝὀaὃuἷlἷΝἶiὠlὁgὁΝἶἷὅigὀamὁὅΝ

um ser privilegiado de natureza uacutenica desprovido de qualquer multiplicidade Mas quando

se trata do prazer lidamos com algo muacuteltiplo e variado Agora Platatildeo faria Soacutecrates falar de

um respeito ainda mais enigmaacutetico como nos diz Friedlaumlnder (2014 p 1054) Se logo apoacutes

isso o discurso se desenvolve em torno da natureza do prazer de sua essecircncia muacuteltipla por

conseguinte nada ele teria de divino Nesse caso como explicar essa conclusatildeo negativa E

hὠΝaiὀἶaΝmaiὅΝumaΝἵὁiὅaΝaΝὅἷὄΝἶitaΝaΝfiguὄaΝἶaΝldquoἶἷuὅardquoΝὄἷtὁὄὀaΝὡΝἵἷὀaΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἷmΝἀἄἵΝ

agora como doadora da ordem como aquilo que daacute limite a todas as coisas Portanto como

se pode notar natildeo se trata apenas de um ornamento moral ou retoacuterico quando o que estaacute em

ὃuἷὅtatildeὁΝὧΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝὀὁmἷΝἶaΝldquoἶἷuὅardquoΝaΝὅuaΝὀatuὄἷὐaέΝἏΝὂaὄtiὄΝἶaiacuteΝὅuὄgἷmΝalgumaὅΝὃuἷὅtὴἷὅΝ

importantes (i) Qual o sentido da alteraccedilatildeo de Soacutecrates do nome da deusa (ii) Haacute duas

frodites ou dois significados que podemos atribuir agrave proacutepria deusa (iii) Filebo realmente se

ἷὃuivὁἵaΝὃuaὀtὁΝaὁΝὀὁmἷΝἶἷΝldquoὅuardquoΝἶἷuὅaς

Eacute necessaacuterio em um primeiro momento que lembremos a forma ambiacutegua como Platatildeo

retrata a relaccedilatildeo entre Soacutecrates e os deuses convencionais fato notaacutevel nos diaacutelogos137 Mas

134 ldquoΩ Π δλα Ϋκθ πrsquoΝα μ μ γ κ θ Ἀφλκ έ βθ η θ ζΫΰ γαέ φβ δ rsquoΝ ζβγΫ α κθ α μ θκηα lsquoΗ κθάθ ῑθαδrdquoΝ(1ἀἴἅ-9) 135 Basta tomarmos alguns diaacutelogos Cra 400dss Euthph 12ass R II 380dss Phdr 273 c8ndash9 Ti 28 b3ndash4) 136 Bravo nos diz que para os gregos os prazeres do ouvido relacionados ao canto aos belos discursos satildeo tambeacutem tidos como prazeres de alta estima assim como o do paladar e dos demais sentidos Pra uma semacircntica e fisiologia dos prazeres mais detalhada (BRAVO 2009 p 13 14 33 81 etc) 137 Ver Euthphr 6b-c Ap 26b-c Phd118a Phdr 229css

99 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

se podemos fazer uma afirmaccedilatildeo geneacuterica ao mesmo tempo e em certo sentido precisa o

uso que Platatildeo faz da religiatildeo ou melhor a compreensatildeo que ele empresta ao religioso

manifesto pelas referecircncias ainda constantes agrave mitologia natildeo eacute o mesmo sentido atribuiacutedo

pela tradiccedilatildeo Poreacutem Platatildeo manteacutem a linguagem miacutetica e natildeo vecirc outro meio de expor esse

novo sentido a natildeo ser utilizando essa proacutepria linguagem como instrumento para exposiccedilatildeo

ἶἷὅὅἷΝὀὁvὁΝmὁἶὁΝἶἷΝvἷὄΝaὅΝὃuἷὅtὴἷὅΝὄἷligiὁὅaὅέΝἡΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅigὀifiἵaΝumaΝὅuὂὁὅtaΝldquoὁὂὦatildeὁrdquoΝὂὁὄΝ

uma forma ou outra capaz de expor um conteuacutedo de maneira mais eficaz mas aproveitar

esquemas de pensamento que configuram visotildees de mundo reconfigurando seus significados

para alteraacute-las profundamente138

Eacute preciso lembrar como foi dito anteriormente acerca do ζσΰκμ de Filebo que eacute

apenas aquele da afirmaccedilatildeo que natildeo contesta apenas constata que o prazer eacute bom para

todos se seres vivos Ao abandonar a questatildeo e atribuir a tarefa de dialogador a Protarco ele

(Filebo) natildeo deseja submeter seu discurso agrave apreciaccedilatildeo dialeacuteticaέΝἓΝὂaὄaΝtalΝiὀvὁἵaΝaΝldquoὂὄὰὂὄiaΝ

ἶἷuὅardquoέΝἑὁmὁΝjὠΝἷviἶἷὀἵiamὁὅΝὀatildeὁΝhὠΝὅἷὃuἷὄΝalgumaΝἵὁὀἶἷὀaὦatildeὁΝὁuΝἵἷὀὅuὄaΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝ

a essa invocaccedilatildeo Muito pelo contraacuterio o proacuteprio temor divino eacute correto louvar a deusa exaltaacute-

la e eacute isso que deseja Filebo ao afirmar a proacutepria agradabilidade do que consiste na natureza

do bom (natildeo do bem) Ao submeter-se ao dialogar eacute necessaacuterio falar mas Soacutecrates faz uso

ἶaΝ ἷxaltaὦatildeὁΝ ἷΝ ἶaΝ glὁὄifiἵaὦatildeὁΝ ἵὁmὁΝ ἷlἷΝ mἷὅmὁΝ ἶiὐΝ aὂἷὀaὅΝ ὂὁὄΝ ldquogὄaἵἷjὁrdquoΝ ὂὁὄΝ ldquoiὄὁὀiardquoΝ

( ηθτθπθ θ πα α δθ γκλτίβ α 28c) isto eacute natildeo para afirmar exprimir celebrar mas

para falar aquilo que eacute verdadeiramente Ele (Soacutecrates) eacute quem pode incorrer em impiedade

ndash e por isso eacute tomado de temor ndash se ousar exaltar a deusa deste modo Por mais simples e

oacutebvia que possa parecer a afirmaccedilatildeo de Filebo ela eacute de suma importacircncia

O temor socraacutetico em relaccedilatildeo aos deuses eacute mantido (isso explicaria nome de outra

deusa Η κθ θ) A natureza dos deuses eacute uacutenica e Soacutecrates natildeo renega o preceito da

RepuacuteblicaΝὂὁὄὧmΝὁΝὃuἷΝἷὅtὠΝἷmΝjὁgὁΝὧΝἷὅὅaΝldquoὀὁvaΝὄἷlaὦatildeὁrdquoΝἷὀtὄἷΝὁΝἶiviὀὁΝἷΝhumaὀὁΝἶὁΝὃualΝ

ele (Soacutecrates) eacute o proacuteprio exemplo isto eacute a relaccedilatildeo entre o filoacutesofo e o divino que incide

sobre o proacuteprio deus Por um lado o proacuteprio Deus afirma a sabedoria de Soacutecrates mas por

outro diz que sua sabedoria assenta-ὅἷΝ juὅtamἷὀtἷΝ ὀumΝ ldquoὅaἴἷὄΝ ἶὁΝ ὀaἶaΝ ὅaἴἷὄrdquoέΝ EacuteΝ

138 Neste sentido satildeo notaacuteveis as contribuiccedilotildees de Bolzani (2008) ao analisar o que ele denomina como ldquotὄagiἵiἶaἶἷrdquoΝ ἷΝ ldquoaὀti-tὄagiἵiἶaἶἷrdquoΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁέΝ ἠὁΝ ὅἷuΝ tἷxtὁΝ ἵhama nossa atenccedilatildeo partindo fundamentalmente da Apologia e do Oraacuteculo de Delfos ao procedimento platocircnico de retomar formas discursivas tradicionais para criticar as visotildees de mundo que as fundamentam de modo a defender suas proacuteprias ideias O autor destaca em dado momento essa proacutepria questatildeo levantada no julgamento de Soacutecrates a acusaccedilatildeo de impiedade o que demonstra como o sentido religioso eacute mantido por Soacutecrates poreacutem este reconfigura-se sob uma nova ordem isto eacute os esquemas de pensamentos satildeo mantidos (teologia tradicional) poreacutem a filosofia de Soacutecrates insere-se nesta mesma tradiccedilatildeo para criticaacute-la em vista de uma nova relaccedilatildeo que se busca compreender e levar agrave compreensatildeo entre o humano e o divino Natildeo haacute outro meio de inserir essa nova visatildeo segundo Platatildeo senatildeo por meio do aproveitamento destas mesmas estruturas discursivas para alteraacute-las profundamente

100 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

investigando os pretensos saacutebios que ele proacuteprio (Soacutecrates) toma consciecircncia do oraacuteculo ou

se reconhece a si proacuteprio isto eacute trata-se tambeacutem de uma auto-investigaccedilatildeo O valor desse

saber ao longo do tempo perde esse caraacuteter meramente negativo e confirma a proacutepria

revelaccedilatildeo do oraacuteculo pois natildeo somente os pretensos saacutebios foram submetidos ao crivo da

investigaccedilatildeo mas tambeacutem o proacuteprio deus eacute questionado nessa revelaccedilatildeo Ora isso soacute eacute

possiacutevel a partir do momento em que uma nova relaccedilatildeo entre o divino e o humano eacute pensada

Eacute Soacutecrates que natildeo pode (ainda) conclamar todo o sentido presente na figura de

Afrodite Isto porque o discurso de Filebo natildeo eacute o discurso de Protarco ele natildeo eacute uma tese

ὂὁὄΝiὅὅὁΝiὀtἷὄἷὅὅaΝὡΝἥὰἵὄatἷὅΝἵὁὀvὁἵaὄΝaΝldquoἶἷὅἵἷὀἶecircὀἵiardquo139 (muacuteltipla) da deusa (uacutenica) e natildeo

aὂἷὀaὅΝ aΝ ldquoἶἷuὅardquoΝ ἷmΝ ὅiΝ ήὀiἵaΝ ὃuἷΝ ἔilἷἴὁΝ ἷxaltaέΝ ἏΝ ἵὁὄὄἷlaὦatildeὁΝ ἵὁmΝ aΝ ὅἷὃuecircὀἵiaΝ ἶaΝ

argumentaccedilatildeo eacute imediata o prazer seraacute analisado em suaὅΝ ldquoἷὅὂὧἵiἷὅrdquoΝ ὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ ὅἷὄὠΝ

ἶἷὅmἷmἴὄaἶὁΝ ἷmΝὅuaΝ ldquouὀiἶaἶἷrdquoΝ ὂluὄaliὐaἶὁΝ ἵὁlὁἵaἶὁΝ ἷmΝἷxamἷΝὅuἴmἷtiἶὁΝ ὡΝ ἷxigecircὀἵiaΝ

ὅὁἵὄὠtiἵaΝldquoὅὁἴὄἷΝhumaὀardquoΝ(ὁuΝἶἷὅumaὀa)ΝἶaΝvἷὄἶaἶἷΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἄἆ)έΝ

Ora esse fato atesta ainda mais que o diaacutelogo eacute muito mais rico do que o debate

escoliasta entre hedonismo e anti-hedonismo Dixsaut (1999) nos lembra o caraacuteter simeacutetrico

do diaacutelogo por um lado nos remete a textos claacutessicos muito proacuteximos ao que afirma Filebo

como o fragmento 1 de Mimnermo140μΝldquoὃuἷΝvalὁὄΝtἷὄiaΝaΝviἶaΝἷ que alegria permaneceria sem

aΝἏfὄὁἶitἷΝὠuὄἷaέέέrdquoΝtamἴὧmΝaΝmaiὅΝἴἷlaΝΝἶaὅΝviἶaὅΝἶἷὅἵὄitaΝὀaΝOdisseia por Homero141 citada

por Platatildeo na Repuacuteblica142 e o julgamento de Paacuteris simplificado por Soacutefocles (ελέ δμ) no qual

Paacuteris eacute posto como aacuterbitro ndash tarefa a ele atribuiacuteda por Zeus ndash para escolher entre Athena e

Afrodite143 Por outro lado evidencia descriccedilatildeo platocircnica da Repuacuteblica144 manifestada na

indignaccedilatildeo de Adimanto ao ver a forma como os homens concebem o prazer como um

139 Um dos atributos de Afrodite eacute ser protetora do Prazer principalmente do prazer eroacutetico mas natildeo apenas deste Haacute outros sentidos que evocam a deusa Afrodite como beleza sauacutede ordem dentre outros Mais adiante falo sobre como Platatildeo iraacute jogar com esses vaacuterios sentidos que os homens ὀὁmἷiamΝἵὁmὁΝὅἷὀἶὁΝldquoἢὄaὐἷὄrdquoέΝἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝἵfέΝἐἡἥἥIΝ(ἀίίἆΝὂέΝἀἁἅ)έ 140 Que vida que prazer sem a aacuteurea Afrodite Que eu morra quando isto natildeo me interessar mais amor secreto e doces dons e leito ndash tais satildeo da juventude as flores atraentes a homens e mulheres Mas quando chega a dolorosa 5 velhice que faz similarmente vil e feio o homem sempre em torno de seu peito ansiedades vis se enredam e olhando a luz do sol ele natildeo se deleita mas eacute detestaacutevel aos meninos e desonrado agraves mulheres aὅὅimΝὄἷὂugὀaὀtἷΝὁΝἶἷuὅΝἶiὅὂὲὅΝaΝvἷlhiἵἷhellipΝ(Mimn Fr1) Utilizo a traduccedilatildeo de Ragusa (2008 p 52-70) 141 Hom Od 9 9-11 142 R III 390a-b 143 Hom Il 2 24 25ndash30 144 R II 363c-d

101 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

banquete eterno uma embriaguez constante assim como o caraacuteter de degradaccedilatildeo moral

instaurado pelo uso desenfreado dos prazeres a ponto de culminarmos no livro XI145 da

mesma obra com uma existecircncia humana tatildeo pouco humana mais proacutexima do niacutevel

animalesco A reflexatildeo sobre a vida boa natildeo consiste unicamente num julgamento moral

puramente hedonista mas eacute como nos diz a autora uma questatildeo de gosto refinada diferente

de um julgamento teoacuterico e anti-hedonista146 (p 12)

No discurso de Filebo subjaz o carpe diem147 ele traduz o mesmo sentimento

apresentado na elegia do poeta grego e esse prazer eacute um prazer eroacutetico A patrona de Filebo

eacute sem duacutevida aquela do desejo irrefreaacutevel do gozo da seduccedilatildeo dos amores Mas uma

leitura dessa invocaccedilatildeo divina (como teria feito Frede (1993) e Hackforth (1945)) nos faria

talvez supor algumas contradiccedilotildees nesse proacuteprio ato piedoso Soacutecrates natildeo rejeita ou mesmo

145 R IX 586a-b 146 Torres Morales (2016) vai na mesma direccedilatildeo de Dixsaut ao fazer um levantamento consideraacutevel sobre a presenccedila da poesia homeacuterica em algumas das principais passagens do Filebo sobretudo em se tratando das divindades miacuteticas ali representadas Cito na iacutentegra suas consideraccedilotildees sobre a ὂὄἷὅἷὀὦaΝἶἷΝἏfὄὁἶitἷΝὀὁΝἶiὠlὁgὁμΝldquoἏΝiὀtἷὀὦatildeὁΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὀὁΝiὀiacuteἵiὁΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝaὀtἷὄiὁὄΝaΝἶἷΝἔilἷἴὁΝἷΝaΝde Protarco seraacute privar o prazer de sua vontade divina (de sua identificaccedilatildeo com Afrodite) para analisaacute-lo como uma unidade que surge principalmente como uma experiecircncia humana Nesse sentido um ἶὁὅΝὂὄiὀἵiὂaiὅΝὁἴjἷtivὁὅΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὀaΝὂὄimἷiὄaΝὂaὄtἷΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝὅἷὄὠΝἶἷὅmitifiἵaὄΝὁuΝlsquoἶἷὅ-ἶiviὀiὐaὄrsquoΝὁΝprazer Isso apenas significa que em toda a sua pesquisa o prazer natildeo pode ser mostrado como um elemento conectado com alguma ordem transcendente de fato no fim de sua anaacutelise o prazer seraacute identificado com π έλπθΝumaΝὄἷaliἶaἶἷΝὅἷmΝfὁὄmaΝἷΝὅἷmὂὄἷΝἷmΝmuἶaὀὦaΝἷlἷmἷὀtὁΝἷὅὅἷὀἵialΝἶaΝordem coacutesmica (ver Filebo 31a6-9 53css) Como acontece frequentemente o exame platocircnico conecta - na cena dramaacutetica do diaacutelogo - o humano com o divino e o coacutesmico para alcanccedilar uma compreensatildeo adequada das questotildees tratadas A anaacutelise de Soacutecrates do prazer seraacute desenvolvida e em certo sentido seraacute seguida por Protarco mas Filebo descansaraacute em paz e permaneceraacute quase em silecircncio o tempo todo Ele permaneceraacute ao longo do diaacutelogo como um seguidor piedoso de Afrodite ὂaὄaΝἷlἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἶἷvἷΝὅἷὄΝiἶἷὀtifiἵaἶὁΝἵὁmΝἷὅὅaΝἶiviὀἶaἶἷΝἷΝὁΝ ilimitaἶὁέΝ lsquoἥἷΝὀatildeὁΝfὁὅse de fato por ὀatuὄἷὐaΝ mήltiὂlὁΝ taὀtὁΝ ἷmΝ ὃuaὀtiἶaἶἷΝ ὃuaὀtὁΝ ἷmΝ iὀtἷὀὅiἶaἶἷΝ ὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ ὀatildeὁΝ ὅἷὄiaΝ tὁtalmἷὀtἷΝ ἴὁmrsquoΝ(Filebo 27e7-10) Filebo fez uma escolha uma escolha pela vida de prazer entendida como uma simples e oacutebvia experiecircncia (sempre maior e natildeo menor com alegria e sem dor) uma vida ilimitada sob os auspiacutecios de Afrodite A proacutepria possibilidade do diaacutelogo eacute construiacuteda sobre o fato de Protarco ainda natildeo ter feito sua escolha definitiva A relevacircncia desse fato e a presenccedila da divindade nele eacute o que permite traccedilar uma equivalecircncia indireta importante entre Homero e Platatildeo Isto eacute a divindade de Afrodite eacute apresentada tanto no diaacutelogo quanto no poema homeacuterico (e claro em outras fontes da tradiccedilatildeo grega) como um confronto um confronto que tem que fazer em ambos os casos com uma escolha () esta escolha no diaacutelogo pode ser um lembrete da escolha ou do julgamento de Paacuteris uma escolha que favoreceu a Afrodite perante de Hera e Atena e que no conto homeacuterico trouxeram os atenienses a terriacutevel guerra terriacutevel contra Troacuteia (Il 24 25-30) De fato tambeacutem no diaacutelogo Afrodite representa a origem do conflito entre os interlocutores Ao longo de toda a sua jornada Soacutecrates precisaraacute persuadir e em certo sentido converter Protarco a fim de mostrar-lhe que a melhor vida natildeo eacute a que Filebo escolheu dedicado aos prazeres ilimitados de Afrodite mas uma vida dedicada a uma ἷxiὅtecircὀἵiaΝalἷgὄἷΝmὁἶἷὄaἶaΝὃuἷΝὄἷἵὁὀhἷἵἷΝὅἷuΝἵaὄὠtἷὄΝilimitaἶὁΝὀὁΝἵamiὀhὁΝἵὁὄὄἷtὁrdquoΝ(ὂέΝἄί-61) 147 Sobre isso encontram-se notaacuteveis explicaccedilotildees no artigo de Ragusa (2008 p 52-70) e em suas traduccedilotildees da poesia arcaica em que se encontram menccedilotildees diretas agrave Afrodite e sua caracterizaccedilatildeo com o desejo com o eroacutetico o sexo e ao viccedilo presente na beleza da juvenil

102 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

se mostra descrente dos poderes e honras pertencentes agrave deusa de Filebo ele a exalta

justamente por conceder testemunho de compreensatildeo de tatildeo poderosa deusa

O medo de cair em blasfecircmia ou impiedade eacute do proacuteprio Soacutecrates que pode ser

assacado pela acusaccedilatildeo de impiedade caso natildeo se compreenda o propoacutesito da sua

ldquoἶἷὅmiὅtifiἵaὦatildeὁrdquoΝἶἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁΝfiguὄativὁΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝaΝldquoἶἷuὅardquoΝ(ὁuΝὁΝὂὄaὐἷὄ)έΝἒitὁΝde outro

modo ainda natildeo eacute possiacutevel falar do divino e Soacutecrates iraacute se precaver disso pois ele iraacute se

utilizar desse esquema de pensamento (teoloacutegico tradicional) a natildeo ser alterando a proacutepria

concepccedilatildeo (divina) que se possui do prazer e nada melhor do que discuti-lo dentro da

estrutura miacutetica e aqui podemos ressaltar o caraacuteter mimeacutetico no qual tambeacutem se insere toda

a obra platocircnica Eacute digno de nota ressaltar que o π έλπθΝ (gecircὀἷὄὁΝὀὁΝὃualΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὅἷὄὠΝ

inserido) oferece a noacutes leitores um novo caminho para compreendermos nossa existecircncia

intermediaacuteria (entre a animalidade e a divindade) porque o ilimitado ( π έλκθ)ΝὧΝ taὀtὁΝumΝ

elemento da realidade coacutesmica quanto algo presente na alma humana Quando Soacutecrates

coloca o prazer em seu devido lugar na realidade ele oferece um novo sentido agrave divindade

tornando-a aqui muito menos um princiacutepio uma realidade puramente dada transcendente

aceita de forma inconteste (dogmaacutetica) do que um modelo para o homem que deve buscar

alcanccedilar a ordem e a harmonia de sua alma pois disto decorre uma vida boa Do mesmo

modo Soacutecrates joga com os sentidos contidos na figura da proacutepria deusa pois ela natildeo

somente eacute patrona dos mais variados tipos de desejos mas na sua natureza encontra-se a

beleza proveniente da ordem da sauacutede isto eacute da boa constituiccedilatildeo da harmonia capaz de

doar o limite necessaacuterio tanto na ordem do universo quanto na constituiccedilatildeo de uma vida

propriamente humana148

ἥὰἵὄatἷὅΝἶἷὅἷjaΝὁlhaὄΝldquoἵaὄaΝaΝἵaὄardquoΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὄἷtiὄaὄ-lhe momentaneamente o estatuto

aacuteureo ὃuἷΝlhἷΝἷὀἵὁἴὄἷΝmὁὅtὄaὄΝὃuatildeὁΝἶivἷὄὅὁΝὧΝiὅὅὁΝὃuἷΝὀὁmἷamὁὅΝuὀiἵamἷὀtἷΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝiὅtὁΝ

ὧΝmὁὅtὄaὄΝtὁἶaὅΝaὅΝldquotὁὀaliἶaἶἷὅrdquoΝ(ἷΝὁΝἷxἷmὂlὁΝἶaὅΝἵὁὄἷὅΝὅuὄgἷΝmaiὅΝὡΝfὄἷὀtἷ)ΝὃuἷΝἷὅὅἷΝἶἷὅἷjὁΝ

de prazer pode assumir Lembremo-nos das distinccedilotildees entre as duas Afrodites do discurso

de Pausacircnias no Banquete Platatildeo natildeo concebe duas deusas nem altera a natureza da deusa

(ao querer chamar Afrodite de Hedoneacute) que continua sendo uacutenica a estrutura eacute a mesma os

significados tambeacutem o satildeo mas tudo depende ao momento dialoacutegico em questatildeo aos

objetivos proacuteprios da discussatildeo em que se encontra em dado momento A compreensatildeo divina

de Soacutecrates eacute ainda mais clara do que a tradicional no entanto essa mesma concepccedilatildeo

148 Filebo solenemente presta juramento agrave sua deusa neste caso agrave Afrodite deusa do prazer Podemos aqui tambeacutem retomar o Banquete (180d-181a) no qual nos satildeo dadas maiores observaccedilotildees sobre a deusa um retrato duplo dessa divindade eacute apresentado no discurso de Pausacircnias Temos por um lado a chamada Afrodite Celestial e por outro a Afrodite Vulgar (Cf PRADEAU 2002 p 238 n4) Brisson (2005) explica-nos ainda mais sobre a presenccedila de Afrodite junto a Eros naquele diaacutelogo Diz ainda que cada uma das duas Afrodites possuiacutea um templo nos quais eram cultuadas pelos gregos Sobre isso ver mais (BRISSON 2005 p 41-43)

103 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

(teoloacutegica) como jaacute dissemos por ser ainda mais clara eacute vista como distinta Soacutecrates natildeo

deixa de crer mas ele procura saber porque se deve crer deste modo e natildeo de outro Eacute por

iὅὅὁΝὃuἷΝὀὁtamὁὅΝἷὅὅἷΝldquoἴalὧrdquoΝἷὀtὄἷΝtἷὄmὁὅΝἶἷΝἏfὄὁἶitἷΝὡΝώἷἶὁὀἷΝἶἷΝώἷἶὁὀἷΝὡΝἏfὄὁἶitἷΝἷΝὁΝ

ldquotἷmὁὄrdquoΝ juὅtifiἵaὀἶὁΝ aὅΝ ἶifἷὄἷὀὦaὅΝ ἶἷmaὄἵaἶaὅΝ ἷὀtὄe discursos um para louvar exprimir

celebrar outro para falar para pocircr em debate em discussatildeo Diante das possiacuteveis e reais

aἵuὅaὦὴἷὅΝἶἷΝimὂiἷἶaἶἷΝἷΝἴlaὅfecircmiaΝἥὰἵὄatἷὅΝvὁltaΝaΝjuὅtifiἵaὄΝὅἷuΝldquoὅἷὄΝὂiἷἶὁὅὁrdquoΝiὀvὁἵaὀἶὁΝ

a divindade segundo aquilo que o curso da argumentaccedilatildeo julgou como necessaacuterio apoacutes a

investigaccedilatildeo (dialeacutetica) do verdadeiro caraacuteter do prazer e do sentido (bom) que eacute necessaacuterio

resgatar como jaacute dissemos esse sentido agora eacute o da ordem149 o qual natildeo deixa de pertencer

tambeacutem agrave deusa do ldquoἴἷlὁΝἔilἷἴὁrdquoΝ(ὁuΝmἷlhὁὄΝἶὁΝldquoamaὀtἷΝἶaΝfὁὄὦaΝjuvἷὀilrdquo)έ

Na continuaccedilatildeo do diaacutelogo Soacutecrates considera que tanto homem temperante

( κφλκθκ α) como o homem intemperante ( εκζα αέθκθ α) possuem prazer mas natildeo

apenas esses dois tambeacutem aquele homem tolo ( θκβ αέθκθ α) e o homem que pensa

(φλκθκ α) Ο objeto do prazer contudo eacute diferente o homem moderado se regozija em ser

moderado ( πφλκθ ῖθ) o homem tolo com as opiniotildees tolas e com as tolas expectativas

( θκά πθ κι θ εα ζπέ πθ η σθ) e o homem que pensa com a atividade de pensar

(φφλκθ ῖθ) (12d1-4) Deste modo o proacuteprio Soacutecrates eacute quem questiona de que modo

poderiacuteamos dizer que esses prazeres satildeo semelhantes sendo que o objeto de prazer de cada

um difere uns dos outros neste caso soacute um homem tolo poderia crer nisso (11d5-6)

A resposta de Protarco eacute que tais prazeres encontram-se em situaccedilotildees opostas

(πλαΰηΪ πθ θαθ έπθ) mas entre eles natildeo podem ser opostos uns aos outros pois natildeo se

poderiam chamaacute-los a todos de prazer Natildeo fariam parte de algo que genericamente

ὂὁἶἷmὁὅΝἶἷfiὀiὄΝἵὁmὁΝὅἷὀἶὁΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoςΝldquoἡΝὂὄaὐἷὄΝὀἷὅtἷΝἵaὅὁΝὀatildeὁΝὅἷὄiaΝὁΝὃuἷΝhὠΝἶἷΝmaiὅΝ

semelhante ( ηκδσ α κθ) idecircntico em relaccedilatildeo a si mesmo (α κ αυ )ςrdquoΝ(11ἷ1-2)

Soacutecrates responde utilizando as cores dizendo que a mesma coisa pode ser

exemplificada ao notar que uma cor eacute semelhante a uma cor Isto significa dizer que Soacutecrates

natildeo contesta a natureza do prazer enquanto agradaacutevel que em conjunto elas digam respeito

agravequilo que eacute agradaacutevel o que seraacute reafirmado daqui haacute pouco (13a) Podemos assegura

Soacutecrates dizer que preto e branco satildeo cores e que nada as diferenciaria enquanto ambas

satildeo cores apesar de notarmos que elas contecircm diferenccedilas e que satildeo ateacute opostas umas das

ὁutὄaὅέΝἏlὧmΝἶὁΝmaiὅΝἥὰἵὄatἷὅΝaἵὄἷὅἵἷὀtaμΝldquo(έέέ)ΝumaΝfiguὄa tamἴὧmΝὧΝumaΝfiguὄardquoέΝἢὁἶἷmὁὅΝ

149 Tal significado seraacute realccedilado em 26b7 por Soacutecrates semelhante ao que se encontra em Hesiacuteodo (Th 937-975) Diegraves reconhece em sua traduccedilatildeo essa mudanccedila de sentido quaὀἶὁΝὀὁὅΝἶiὐμΝldquoἷὅὅaΝἶἷuὅaΝnatildeo pode ser aquela Afrodite natildeo aquela Afrodite de Filebo que seria apenas o prazer sem regra () mas aquela que Soacutecrates quer claramente distinguir (12c) Afrodite eacute matildee da Harmonia (Hes Th 937 975) que tem como servas aὅΝἓὅtaὦὴἷὅrdquoΝ(1λἄἄΝὂέΝἀἂΝὀέ1)έ

104 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

notar aqui alguma relaccedilatildeo com a passagem do Mecircnon (73e ss)150 poreacutem se trata do inverso

a multiplicidade antes questionada naquele diaacutelogo agora adota aqui o lugar da anaacutelise Em

suma Soacutecrates deseja decompor o que eacute isso que noacutes nomeamos em uma coisa uacutenica

ldquoὂὄaὐἷὄrdquo151 mas agora lhe interessa dividi-la compreendecirc-la por meio de uma anaacutelise

pormenorizada de sua multiplicidade

Soacutecrates entatildeo iraacute dizer em 13a1 que eacute pelo gecircnero (ΰΫθ δ) que elas satildeo um todo (π θ

θ) mas em suas partes (ηΫλβ) desse todo elas satildeo contraacuterias umas agraves outras e ao mesmo

tempo algumas apresentam inuacutemeras diferenccedilas entre si ( δαφκλσ β rsquoΝ ηυλέαθ πκυ

υΰξΪθ δ) Do mesmo modo o condutor da discussatildeo recusa prima facie considerar os

prazeres como unidade insiste em considerar que as coisas opostas natildeo devem ser

conduzidas por ora a uma unidade A justificativa eacute que alguns prazeres possam ateacute se

demonstrarem eles mesmos enquanto tais opostos a si mesmo (13a1-6)

O questionamento de Protarco eacute sobre a utilidade desse procedimento porque se deve

agir sim jaacute que todos nomeiam ( θσηα δ) como algo uacutenico prazer Soacutecrates explica que

geralmente se nomeiam coisas dessemelhantes ( θσηκδα) por um outro nome apesar de

serem elas uma uacutenica coisa (como eacute o caso jaacute referido das cores preto e branco satildeo cores

mas nomeamos o preto de lsquopretorsquo e natildeo de lsquobrancorsquo)έΝἢὄotarco age da mesma maneira pois

ele afirma que todas as coisas prazerosas satildeo boas ( ΰαγ ) mas essas coisas boas satildeo

dessemelhantes contraacuterias e ateacute maacutes para alguns indiviacuteduos a despeito de todos eles

nomearem essas coisas como boas Quanto agrave indagaccedilatildeo de Protarco Soacutecrates a responde

ἵlaὄamἷὀtἷμΝldquoἡὄaΝὀἷὀhumΝaὄgumἷὀtὁΝἵὁὀtἷὅtaΝ( ηφδ ίβ ῖ) o fato de que coisas prazerosas

ὅatildeὁΝὂὄaὐἷὄὁὅaὅrdquoΝ(1ἁaλ-b1) De acordo com a argumentaccedilatildeo subsequente Soacutecrates diz que

embora grande maioria das coisas prazerosas seja maacute haacute tambeacutem coisas prazerosas boas

contudo a todas elas os indiviacuteduos designam o qualitativo bom mas se algueacutem vier a

confrontaacute-los com argumentos concordaratildeo sobre essas coisas boas que satildeo

dessemelhantes O importante aqui eacute reconhecer que a argumentaccedilatildeo continua em ciacuterculos

e recorre a uma peticcedilatildeo de princiacutepio resultante da argumentaccedilatildeo loacutegica anteriormente

desenvolvida Aqueles indiviacuteduos (moderado tolo pensante) todos eles sentem prazer e

denominam os seus prazeres como bons contudo cada um deles sente prazer com algo

distinto por exemplo o moderado considera que eacute bom ser moderado sente prazer com isso

Confrontados uns com os outros cada um desses diria que o seu prazer eacute bom e o do outro

150 ldquoἑὁmὁΝἷmΝὁutὄὁΝἵaὅὁΝὃualὃuἷὄέΝἢὁὄΝἷxἷmὂlὁΝὅἷΝὃuἷὄἷὅΝaΝὄἷὅὂἷitὁΝἶaΝὄἷἶὁὀἶἷὐΝἷuΝἶiὄiaΝὃuἷΝὧΝumaΝfigura natildeo simplesmente que lteacuteρΝumaΝfiguὄaέΝἓΝἶiὄiaΝaὅὅimΝὂἷlaΝὄaὐatildeὁΝὃuἷΝhὠΝὁutὄaὅΝfiguὄaὅrdquoΝ(Men 73e3-6) O mesmo exemplo das cores eacute encontrado a seguir em 74c 151 Alguns inteacuterpretes como Gosling (1975 pp 76ndash78 142) veem nesta passagem talvez um sinal de mudanccedila no pensamento platocircnico pois no Mecircnon (74c) a coisa uacutenica eacute preferida agrave multiplicidade mas eacute necessaacuterio levar em conta o contexto em que se insere a passagem isto eacute os propoacutesitos relativos agrave anaacutelise dos prazeres

105 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

natildeo o que jaacute demonstraria certa dificuldade em encontrar uma ideia uacutenica do que seja

ἷfἷtivamἷὀtἷΝaΝuὀiἶaἶἷΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoέΝἡὄaΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἶὁΝtἷmὂἷὄaὀtἷΝὧΝaὅὅimΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝaὁΝἶὁΝtὁlὁΝ

logo ele natildeo eacute ἴὁmΝἷΝὅimΝmauέΝἏὁΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὃuἷὅtiὁὀaμΝldquoἡΝὃuἷΝhὠΝἷxatamἷὀtἷΝἶἷΝmesmo

(grifo do tradutor) nos maus assim como nos bons prazeres para que seja possiacutevel

ἵhamaὄἷὅΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἶἷΝἴὁὀὅςrdquoΝ(1ἁἴἁ-5) Cada um dos interlocutores ainda defende

ambos suas posiccedilotildees sem adotarem uma base comum por isso ainda resiste o impasse

Protarco ainda natildeo compreende os propoacutesitos ainda se apega agrave questatildeo definicional

tautὁlὰgiἵaΝatὧΝὂὄaὐἷὄΝὧΝὂὄaὐἷὄΝἷΝὃuaὀἶὁΝἶiὅὅἷmὁὅΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝimὂliἵaΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝalgὁΝὧΝἴὁmέΝ

Podemos entatildeo dizer que Soacutecrates estaacute disposto a combinar duas questotildees diferentes

(i) seria possiacutevel dividir o prazer em diferentes espeacutecies algumas delas dissemelhantes e ateacute

mesmo contraacuterias umas agraves outras (ii) eacute possiacutevel distinguir prazeres bons de prazeres maus

Tais questotildees soacute seratildeo separadas mais tarde como veremos mas aqui elas ainda satildeo

analisadas conjuntamente Protarco que ateacute entatildeo natildeo tinha manifestado sequer alguma

ὁἴjἷὦatildeὁΝὡΝaὄgumἷὀtaὦatildeὁΝὂὄἷἵἷἶἷὀtἷΝὃuἷὅtiὁὀaμΝldquoὅuὂὴἷὅΝὃuἷΝalguὧmΝἶἷὂὁiὅΝἶἷΝmanter que

o prazer eacute o bem ( ΰαγσθ) aceitaraacute pacientemente esta tua afirmaccedilatildeo de que dentre os

prazeres alguns satildeo bons ( ΰαγ μ)ΝἷΝὁutὄὁὅΝὅatildeὁΝmauὅςrdquoΝ(1ἁἴἄ-c2) Diraacute Soacutecrates que pelo

menos diria que eles satildeo dessemelhantes ( θκηκέκυμ) e ateacute opostos (13c3-4)

O proacuteprio Soacutecrates reconhece o andar em ciacuterculos do argumento porquecirc de novo o

argumento vem agrave tona e novamente se insiste que o prazer enquanto prazer natildeo se diferencia

ὅatildeὁΝtὁἶὁὅΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝἵὁὀfὁὄmἷΝὁὅΝἷxἷmὂlὁὅΝjὠΝἶaἶὁὅΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷέΝἣuaὀἶὁΝἢὄὁtaὄἵὁ se daacute

conta da combinaccedilatildeo de duas coisas distintas por Soacutecrates ele tenta recuar agrave divisatildeo Mesmo

reconhecendo que haacute diferentes tipos (espeacutecies) de prazer natildeo aceita que se divida o prazer

apesar das muacuteltiplas instacircncias de prazeres ele eacute incapaz de aceitar a divisatildeo da unidade

ldquoὂὄaὐἷὄrdquoέΝἓlἷΝὅἷΝὄἷἵuὅaΝὡΝἶialὧtiἵaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἶitὁΝἶἷΝὁutὄὁΝmὁἶὁΝhὠΝumaΝἶifiἵulἶaἶἷΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝ

ἶἷὅὅἷΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄΝἷmΝὄἷἵὁὀhἷἵἷὄΝὁὅΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquo152 segundo ele ou eacute prazer ou natildeo natildeo

importa se o prazer do temperante eacute a moderaccedilatildeo ou se o prazer do tolo satildeo as opiniotildees

tolas todos satildeo prazeres diferentes mas todos prazeres

A rejeiccedilatildeo de Soacutecrates por esse tipo de recurso parece mais uma discussatildeo uma

ἶiὅὂutaΝ ἶἷΝ ldquoiὀiἵiaὀtἷὅrdquoΝ ldquoὃuἷΝ ὅἷΝ ὂἷὄἶἷΝ ἷΝ ὀaufὄagardquo153 do que um discurso que segue

ἶἷtἷὄmiὀaἶaΝ ldquoὄὁtardquoΝ ἷmΝ viὅtaΝ ἶἷΝ ὂὁὀtὁὅΝ ἵὁmuὀὅέΝ ἦalvἷὐΝ ὅἷὄiamΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiaὅΝ aἴἶiἵaὦὴἷὅΝ

reciacuteprocas eacute o que Soacutecrates propotildee a seu interlocutor (13d3-8) A questatildeo entatildeo eacute invertida

e do mesmo modo Soacutecrates forja um questionamento agora em relaccedilatildeo ao conhecimento

afirmando que eles deveratildeo passar pelo mesmo processo A investigaccedilatildeo eacute similar do mesmo

152 Ficaraacute mais evidente o termo aqui utilizado em nossa argumentaccedilatildeo posterior de 16d referente ao ldquoἶὁmΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅrdquoέΝ 153 Muniz (2012) faz uma nota (n11) em que referencia o caraacuteter divino da atividade dialeacutetica como busca pelo que eacute estaacutevel que natildeo muda por isso tambeacutem chamada de divina

106 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

modo natildeo podemos dizer que os conhecimentos natildeo se diferem entre si que satildeo

dessemelhantes ( θσηκδκέ) os mesmos conhecimentos e ciecircncias (φλσθβ έμ εα πδ άηβ)

diz Soacutecrates (13e4-7) que anteriormente ele teria dito que satildeo bons ( ΰαγ ) e que satildeo bens

( ΰαγσθ)

Soc Tomados em conjunto ( υθΪπα αδ) os conhecimentos ( πδ ηαδ) parecem ( σικυ δθ) muacuteltiplos (πκζζαέ) e alguns deles dessemelhantes ( θκηκδκέ) entre si (α θ ζζάζαδμ) Mas no caso de alguns se revelarem ateacute mesmo opostos( θαπ έαδ) estaria eu agrave altura da nossa discussatildeo ( δαζάΰ γαδ) se temendo isso afirmasse que um conhecimento natildeo eacute de modo algum dessemelhante de um conhecimento E entatildeo nosso discurso natildeo se perderia como um mito perece ( πκζση θκμ)154 e estariacuteamos satildeo e salvos ( ακέη γα) mas graccedilas a um absurdo ( ζκΰέαμ) (13e9-14a5)

154 Bernadete eacute o uacutenico de acordo com meu conhecimento a tratar dessa expressatildeo nas traduccedilotildees ἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅμΝ ldquoἡΝὂὄὁvὧὄἴiὁΝ lsquoὁΝmitὁΝὅἷΝὂἷὄἶἷursquoΝ tἷmΝ tὄecircὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝἷxὂlaὀaὦὴἷὅΝἷὀtὄἷΝὁὅΝ scholars de Platatildeo Aqui se diz que foi aplicado aos que natildeo estavam prestando atenccedilatildeo ao que estava sendo dito Em Teeteto 164d eacute dito que foi aplicado agravequeles que natildeo colocam limites (peras) na sua argumentaccedilatildeo e no final da Repuacuteblica (ἄἀ1ἴ)ΝἢὄὁἵlὁΝὂὁὅὅuiΝumaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝὅὁἵὄὠtiἵaΝlsquoὁΝmitὁΝὀὁὅΝὅalvὁursquoΝ ὃuἷΝ lsquoὁΝ mitὁΝ ὅἷΝ ὂἷὄἶἷursquoΝ ὄἷfἷὄἷm-se ao fato de que os mitos satildeo algo tatildeo desinteressado porquanto falam de algo que natildeo exiὅtἷmrdquoΝ (1λλἁΝ ὂέΝ ἃΝ ὀέ1ἂ)έΝ ἠὁΝ ἷὀtaὀtὁΝ talvἷὐΝ ὅἷjaΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝdiscordar desse sentido de suposta desatenccedilatildeo e tambeacutem das consideraccedilotildees levantadas por Proclo Brisson (1999) em um importante estudo sobre os mitos e sua presenccedila nos diaacutelogos platocircnicos iraacute demonstrar recorrendo aos manuscritos e agraves coleccedilotildees bizantinas que o sentido aqui eacute realmente aquele que se refere agrave uma discussatildeo que natildeo possui fim que natildeo possui limite O que faz todo o sentido se analisarmos a passagem Mas antes de explicar o sentido da expressatildeo o estudioso francecircs recorre agrave presenccedila dos dois verbos (que no Filebo aparecem conjuntamente) satildeo eles πκζζυ αδ (perecer) e

α δθ (salvar) que quando aparecem juntos retomam o proverbo (κ ξκδ κ) termo omitido pela traduccedilatildeo brasileira Verbos que aparecem em outras obras (R X 621b-c1 Tht 164d8-10 Lg I 645b1-2) e ἷvὁἵamΝ ἷὅὅἷΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ὂὄὁvἷὄἴialΝ ldquoὁΝ mitὁΝ ὂἷὄἷἵἷrdquoΝ ldquoὁΝ ldquomitὁΝ ὀὁὅΝ tἷὄiaΝ ὅalvὁrdquoΝ ἵὁὀtiἶaΝ ὀaΝ ἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝ ἶὁΝFilebo ldquo(έέέ)Ν ζσΰκμ π λ η γκμ πκζση θκμ κ ξκδ κ α κ ακδη γα πέ δθκμ ζκΰέαμrdquoΝ(1ἂaἂ-ἃ)έΝ ἏΝ mἷὅmaΝ ἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝ ὅἷguὀἶὁΝ ἐὄiὅὅὁὀΝ ἷὅtὠΝ ὄἷlaἵiὁὀaἶaΝ ἵὁmΝ ὁΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ldquomitὁΝ ὅἷmΝ ἵaἴἷὦardquoΝ(αεΫφαζκμ η γκμ)ΝlὁgὁΝἷlἷΝὄἷὅumἷΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁμΝldquo(έέέ)ΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝὂὄὁvἷὄἴialΝὄἷfἷὄἷὀtἷΝaΝumaΝhistoacuteria [mito] que natildeo possui umΝfimrdquoΝ(1λλλΝὂέΝἄ1)έΝἡΝἷὅtuἶiὁὅὁΝἷxὂliἵaΝmaiὅΝἶiὐἷὀἶὁΝὃuἷΝὂὁὂulaὄmἷὀtἷΝo mito assim como qualquer discurso eacute comparado com um ser vivo com um corpo vivo que natildeo pode se encontrar desordenado natildeo seria normal ver um corpo perambulando sem cabeccedila por isso um mito (ou um discurso) deve ser capaz de dizer o que tem de dizer ateacute o fim Isso nos dirigiria a duas questotildees importantes agravequilo que o mito deve falar e agravequilo que ele deve deixar de falar Um mito eacute reavivado quando aquilo a que se relaciona e reformula possui o pretexto de ser imortal (BRISSON 1999 p 61) Nesse sentido eacute necessaacuterio compor um discurso que tenha sentido como um corpo vivo bem estruturado e natildeo algo infinito sem peacute e nem cabeccedila Natildeo por acaso em 64a Soacutecrates iraacute afirmar ὃuἷΝ tὁἶὁΝ ὁΝ ἶiὅἵuὄὅὁΝ tἷὄiaΝ ἵὁὀἶuὐiἶὁΝ aΝamἴὁὅΝ iὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝ aΝ umaΝ ldquoἴἷlaΝὁὄἶἷmΝ iὀἵὁὄὂὰὄἷardquoέΝ εuὀiὐΝ(2007 p 113-123) teria reconhecido em outro texto essa semelhanccedila mas se esquece de evocar nessa passagem (14a) o que validaria ainda mais sua defesa de que o diaacutelogo possui uma ordem invisiacutevel mas visivelmente aparenta ser desordenado aos inteacuterpretes Para tal ele recorre ao Fedro (264c) que recorre a este mesmo significado todo discurso deve se assemelhar a um corpo vivo dotado de ordem compondo um todo unificado

107 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

Protarco demonstra-se satisfeito com o suposto peacute de igualde em que satildeo colocados

ambos os discursos (14a6-9) Digo lsquosupostorsquo porque Soacutecrates apela apenas agrave possibilidade

de divisatildeo entre conhecimentos semelhantes e conhecimentos dessemelhantes e a

possibilidade de conhecimentos contraacuterios mas natildeo submete os conhecimentos agrave divisatildeo

entre bons e maus O que de fato veremos bem mais adiante eacute que todos os conhecimentos

seratildeo considerados bons puros o que natildeo significa dizer que natildeo seratildeo ordenados de acordo

com seu maior ou menor grau de bondade o que apresenta certa semelhanccedila com a divisatildeo

inicial entre prazeres bons e maus Resta saber se o criteacuterio utilizado seraacute o mesmo Mas por

ora natildeo devemos ainda tratar disso

Na discussatildeo atual eacute pertinente a Soacutecrates distinguir os prazeres entre bons e maus

prazeres mas esse tipo de divisatildeo natildeo decorre necessariamente da divisatildeo em espeacutecies do

prazer Ao dizer que o prazer possui espeacutecies dentre um mesmo gecircnero natildeo somos obrigados

a fazer uma distinccedilatildeo entre prazeres bons prazeres maus Mas tudo indica que esta eacute a

postura assumida no decorrer da argumentaccedilatildeo A divisatildeo dos prazeres em espeacutecies natildeo

pode ser realizada antes de examinarmos uma divisatildeo em relaccedilatildeo a sua bondade Natildeo eacute

possiacutevel operaacute-la sem que assumamos que o prazer natildeo eacute idecircntico ao bem Por isso duas

questotildees novamente se apresentam (i) o prazer eacute idecircntico ao bem E ainda (ii) o que eacute o

bem (Cf 13c14b)

Note-se que nada ainda foi adiantado nenhum dos dois prazer e inteligecircncia perderam

a batalha ainda Primeiramente conveacutem analisar se o prazer eacute essencialmente o bem e em

segundo lugar se alguns prazeres satildeo bons e outros satildeo maus e ainda em terceiro se o

prazer eacute idecircntico ao bem Isso significa apenas dizer que se podemos considerar todos os

prazeres como bons ou a apenas alguns deles para tal devemos saber o que eacute o bem em si

mesmo O mesmo deve ser feito com relaccedilatildeo aos conhecimentos podemos predicaacute-los todos

como bons ou apenas alguns deles Em caso de natildeo identidade ao bem reconhecida em

ambos (prazer e conhecimento) devemos buscar uma terceira coisa Eacute o que diz Soacutecrates

Soc Bem Protarco sem ocultar entatildeo a diferenccedila entre a tua e a minha mas expondo-a agrave visatildeo de todos vamos ousar ver se ao serem examinadas ( ζ ΰξση θκδ) podem elas nos indicar se devemos chamar de bem ( ΰαγσθ) prazer ( κθ θ) ou o pensamento (φλσθβ δθ) ou uma terceira coisa ( δ λέ κθ ζζκ θαδ) Pois certamente agora natildeo entramos na disputa

(φδζκθδεκ η θ) para dar vitoacuteria ao que eu defendo ( ππμ ΰ έγ ηαδ) ou ao que tu defendes ( α rsquoΝ αδ θδε θ α) Devemos sim combater juntos e aliados ( υηηαξ ῖθ η μ ηφπ) ao mais verdadeiro ( rsquoΝ ζβγ Ϊ ) (14b1-b7)

Eacute somente depois disso que seraacute possiacutevel fazer uma distinccedilatildeo entre prazeres bons e

maus Apenas se for demonstrado que a proposiccedilatildeo o bem eacute idecircntico ao prazer eacute equivocada

108 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ἑὁmὁΝἴἷmΝὀὁtaΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝldquoiὅὅὁΝὅigὀifiἵaΝigualmἷὀtἷΝὃuἷΝὁΝmὧtὁἶὁΝἶἷΝἵὁlἷtaΝἷΝἶivisatildeo

natildeo pode ser de alguma ajuda na determinaccedilatildeo da natureza do bem uma vez que o uacutenico

uso relevante que poderiacuteamos fazer do problema do bem pressupotildee que a natureza disso jaacute

tἷὄiaΝ ὅiἶὁΝ ἶἷtἷὄmiὀaἶardquoΝ (ἒἓἜἑἡεεIἠἓἦἦἓΝ ἀίίἄΝ ὂέΝ ἂἂ)έΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὂaὄἷἵἷΝ ἷὀtatildeὁΝ ἷstar

preocupado com a questatildeo metodoloacutegica algo que seraacute desenvolvido logo a seguir mas a

proacutepria artificialidade do meacutetodo eacute algo consciente e tornaraacute capaz de entrelaccedilar a questatildeo

metodoloacutegica com as questotildees eacuteticas algo que veremos bem mais adiante no diaacutelogo

O que se pode notar neste iniacutecio de diaacutelogo eacute toda uma tentativa de Soacutecrates em

oferecer agrave discussatildeo uma caracteriacutestica propriamente dialeacutetica ao estruturaacute-la segundo os

objetivos maiores que a discussatildeo possa vir a alcanccedilar Portanto a escolha do meacutetodo natildeo eacute

algo casual mas deliberada em funccedilatildeo dos objetivos de tal modo jaacute eacute possiacutevel notar ainda

que implicitamente que os aspectos metodoloacutegicos e eacuteticos da questatildeo estatildeo condicionados

mutuamente (DELCOMMINETTE 2006 p 49)

Essa parte do diaacutelogo talvez seja uma das que mais colocam em embaraccedilo os leitores

do texto155μΝaὃuἷlἷΝldquoὂuὄgatὰὄiὁrdquoΝἵὁmὁΝjὠΝaὂὁὀtamὁὅΝὃuἷΝἔὄἷἶἷΝ(1λλἁΝὂέΝ1ἁ)ΝfaὐΝmἷὀὦatildeὁΝἷΝ

que torna o diaacutelogo complexo e a respeito do qual muito se discutiu e se discute ainda hoje

Afirmadas as diferenccedilas entre prazeres e conhecimentos essa mesma unidade a qual nos

referimos ao nomear algo como prazer e conhecimento evoca a claacutessica e controversa

discussatildeo do problema da unidade e da multiplicidade Como diz o proacuteprio Soacutecrates no

diaacutelogo ldquoaὃuἷlaΝ[ὃuἷὅtatildeὁ]ΝὃuἷΝἵauὅaΝὂὄὁἴlἷmaὅΝὂaὄaΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὅἷὄἷὅΝhumaὀὁὅΝὃuἷὄΝὃuἷiὄamΝ

ἵὁmὁΝalguὀὅΝὃuἷὄἷmΝὃuἷὄΝὀatildeὁΝὃuἷiὄamΝἵὁmὁΝὡὅΝvἷὐἷὅΝὀatildeὁΝὃuἷiὄamrdquoΝ(1ἂἵἂ-5) Que questatildeo

ὅἷὄiaΝἷὅὅaςΝἠὁὅΝὄἷὅὂὁὀἶἷΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquo(έέέ)ΝaΝtἷὅἷΝὅuὄὂὄἷἷὀἶἷὀtἷΝὂὁὄΝὀatuὄἷὐaΝὃuἷΝagὁὄaΝhaacute

ὂὁuἵὁΝἷὀἵὁὀtὄamὁὅΝὂὁὄΝaἵaὅὁμΝlsquoὃuἷΝὁΝmήltiὂlὁΝὅἷjaΝum e o um seja muacuteltiplo ( ΰ λ π ζζ

θαi εα π πκζζ )rdquoΝ(1ἂἵἆ-9) Natildeo haacute como ser contestado ( ηφδ ίβ αδ) qualquer um

que sustente ( δγ ηΫθ ) qualquer uma das duas posiccedilotildees (14c9-10)

Como nὁὅΝ ἶiὐΝ ἒixὅautΝ (ἀίί1Ν ὂέΝ ἀἆλ)Ν ἷὅtamὁὅΝ ἷmΝ umΝ ldquotἷὄὄἷὀὁΝ ἵὁὀhἷἵiἶὁrdquoΝ iὅtὁΝ ὧΝ

aquele que coloca em discussatildeo a possibilidade de algo possuir simultaneamente posiccedilotildees

155 A literatura interpretativa deste momento do diaacutelogo eacute tatildeo vasta que chega a ser impossiacutevel tratar de cada um dos comentadores pormenorizadamente ateacute porque muitos divergem entre si seja totalmente seja em algumas partes Pretendo lidar apenas com alguns comentaacuterios que satildeo pertinentes e que de certo modo coadunam com a interpretaccedilatildeo que procuro aqui defender alguns os quais sigo bem de perto Friedlaumlnder (2004) Striker (1970) Shiner (1974) Gosling (1975) Casper (1977) Hahn (1978) Moravcsik (2006) Dancy (1984) Benitez (1989) Davidson (1990) Hampton (1990) Mirhady (1992) De Chiara-Quenzer (1993) Barker (1996) Meinwald (1996) Frede (1997) Frede (1993) Carpenter (2009) Dixsaut (2001) Delcomminette (2006) Muniz amp Rudebusch (2004 2007) Ateacute porque neste momento embora seja importante para a compreensatildeo do diaacutelogo natildeo eacute o alvo da minha anaacutelise do texto dos temas propriamente que me satildeo caros neste trabalho como a dialetizaccedilatildeo dos prazeres a discussatildeo aqui se centra em torno do meacutetodo algo que tem desafiado leitores contemporacircneos do diaacutelogo A meu ver ele estaacute a serviccedilo da dialeacutetica eacute mais uma de suas propriedades sobre esse debate falarei mais adiante

109 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

contraacuterias essa eacute uma das dificuldades que conduz Soacutecrates a postular as Formas

resolvendo a questatildeo pela participaccedilatildeo (Phd 102ass R 523e-525a Tht 154c) Ou seja

trata-se de um problema fundamental jaacute bastante discutido mas o que vemos parece ser um

ἵἷὄtὁΝἶἷὅἵaὅὁΝὁuΝldquoἷὅὀὁἴiὅmὁrdquoΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝὡΝὃuἷὅtatildeὁΝἵὁmὁΝtἷὄiaΝἴἷmΝ

reconhecido Frede (1993 p 20-21) Para tal uma justificativa plausiacutevel seria recorrer ao

Parmecircnides (128-ἄΝ1ἁίa)ΝἷmΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὄἷjἷitaΝἷὅtaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoἶiὅἵuὅὅatildeὁΝiὀfaὀtilrdquoΝἷΝfὠἵilΝ

(παδ αλδυ β εα δα 14d7) para tratar de tatildeo importantes paradoxos partindo de coisas

individuais (como se diz em Prm 130c5-7 das absurdidades praticadas em relaccedilatildeo agraves Formas

quando se pretende alcanccedilar uma Forma de coisas em devir de coisas despreziacuteveis e vis

como a forma da lama do cabelo da sujeira e outras mais) e para tal a resposta eacute muito

semelhante agravequela apresentada naquele diaacutelogo (Prm 130d3-9)

ἢὄὁtaὄἵὁΝὀatildeὁΝἶἷixaΝἶἷΝἶἷὅἵὄἷvἷὄΝἷὅὅaΝmἷὅmaΝviὅatildeὁΝldquoἴaὀaliὐaἶardquoΝ( βη υηΫθα)156 da

divisatildeo utilizando a si proacuteprio como exemplo ele mesmo sendo um por natureza eacute tambeacutem

muacuteltiplo alto e baixo pesado e leve e vaacuterias coisas desse tipo (14d1-3) Contudo esse

problema natildeo deixa de ser importante pois trata-se de algo presente em outros diaacutelogos nos

quais o problema jaacute foi discutido A questatildeo da multiplicidade de predicaccedilotildees dos sensiacuteveis a

um ser particular jaacute foi algo recorrente157 e a hipoacutetese da participaccedilatildeo nas Formas se destina

justamente a resolver esse problema como dissemos anteriormente A fala de Protarco citada

anteriormente (14d1-3) eacute relevante nesse sentido porque ela retoma essa questatildeo Podemos

compreendecirc-la de duas formas (i) como limitante ao problema da oposiccedilatildeo entre contraacuterios

ou (ii) como inclusatildeo dessas oposiccedilotildees como em casos particulares de multiplicidade158

Todavia como bem notou Delcomminette (2006) o segundo sentido parece mais proacuteximo agrave

temaacutetica em torno dessa argumentaccedilatildeo uma vez que seraacute relevante pensar a divisatildeo em um

ὅἷὀtiἶὁΝaἴὅtὄatὁΝὁuΝldquoiὀtἷligiacutevἷlrdquoΝἷΝὀatildeὁΝὂuὄamἷὀtἷΝldquoὅἷὀὅiacutevἷlrdquoΝ(ὂέΝἃἀ)έΝἑὁmὁΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝἶitὁΝ

156 Delcomminette (2006) critica aqueles comentadores (referindo-se a Jackson (1882) e Dancy (1984)) ὃuἷΝaἵὄἷἶitamΝὃuἷΝὁὅΝὃualifiἵativὁὅΝldquoἴaὀalrdquoΝldquoὂuἷὄilrdquoΝldquofὠἵilrdquoΝatὄiἴuiacuteἶὁὅΝaΝἷὅὅἷΝὂὄὁἴlἷmaΝ(ὂὄἷἶiἵaὦatildeὁΝἶὁὅΝsensiacuteveis) denote alguma mudanccedila no pensamento de Platatildeo acerca da relevacircncia do problema jaacute que em outros diaacutelogos ele teria ganhado destaque alcanccedilado determinada relevacircncia Todavia somos obrigados a concordar com esse autor que a criacutetica aqui tem um outro sentido vale lembrar que esta divisatildeo tida como banal jaacute foi rejeitada em outras obras pela recorrecircncia agrave hipoacutetese das Formas isto soacute significa que o propoacutesito demonstrado por Platatildeo seria o mesmo realccedilado por ele no iniacutecio do Parmecircnides ou seja agora eacute necessaacuterio tratar da divisatildeo de um ponto de vista dialeacutetico e natildeo banal modo apenas pelo qual a discuὅὅatildeὁΝὅὁἴὄἷΝὁὅΝtἷmaὅΝtiἶὁὅΝἵὁmὁΝldquoὅὧὄiὁὅrdquoΝiὄὠΝavaὀὦaὄέΝἏlgὁΝὃuἷΝἵὁmὁΝvἷὄἷmὁὅΝumaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἷὀtὄἷΝldquojὁvἷὀὅrdquoΝἶἷvἷὄὠΝὅἷΝatἷὄΝ(ὂέΝἃἁ-54) 157 Cf Sph 251ass 158 Algo notado por Frede (1993 p 21) a partir do duplo sentido desempenhado pela partiacutecula εα no trechὁΝὄἷfἷὄiἶὁέΝVἷjamμΝldquoΠΡΩ λrsquoΝκ θ ζΫΰ δμ αθ δμ η φ Πλυ αλξκθ θα ΰ ΰθσ α φτ δ πκζζκ μ

θαδ πΪζδθ κ μ η εα θαθ έκυμ ζζάζκδμ ηΫΰαθ εα ηδελ θ δγΫη θκμ εα ίαλ θ εα εκ φκθ θ α κθ εα ζζα ηυλέανrdquoΝ(1ἂἵ11-d3)

110 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

o modo como Soacutecrates responde agraves objeccedilotildees de Zenatildeo no Parmecircnides eacute consoante com o

que se apresenta aqui no Filebo como bem resume Delcomminette (2006)

O fato de que vaacuterias qualidades e ateacute mesmo qualidades opostas possam predicadas a um ser sensiacutevel pode ser explicado pelo fato de que ele participa de diferentes Ideacuteias de tal forma que cada uma delas eacute por sua vez apenas aquilo que eacute Deste modo o fato de que um ser sensiacutevel possa receber predicados contraacuterios natildeo implica a menor contradiccedilatildeo porque cada predicado corresponde a uma relaccedilatildeo particular sob a qual esse ser eacute considerado a saber em relaccedilatildeo agrave sua participaccedilatildeo nesta ou naquela Ideia enquanto que a contradiccedilatildeo apenas pode acontecer entre predicados que qualificam algo segundo a mesma relaccedilatildeo Entatildeo Platatildeo geralmente lida com esse tipo de problema do um e do muacuteltiplo ao separar um e muacuteltiplo e por colocaacute-los em dois niacuteveis ontoloacutegicos diferentes ndash o um no niacutevel sensiacutevel e o muacuteltiplo no niacutevel inteligiacutevel (p 53)

Da mesma maneira Soacutecrates apresenta sua criacutetica a esse tipo de divisatildeo

anteriormente descrito por seu interlocutor atribuindo a ela os mesmos qualificativos antes

destinados no ParmecircnidesέΝἣuaὀἶὁΝalguὧmΝὅἷΝὂὴἷΝaΝἶiviἶiὄΝἷmΝldquomἷmἴὄὁὅΝὁuΝὂaὄtἷὅrdquoΝalgὁΝὂὁὄΝ

meio do discurso ( αθ δμ εΪ κυ ηΫζβ εα ηα ηΫλβ δ ζυθ ζσΰ ) e atesta que por

meio da reuniatildeo dessas partes se tenha chegado ao um natildeo lhe faltam pessoas a dizer que

ὅἷΝ tὄataΝ ἶἷΝ algὁΝ ὄiἶiacuteἵulὁΝ afiὄmaὀἶὁΝ ldquomὁὀὅtὄuὁὅiἶaἶἷὅrdquoΝ ἵὁmὁΝ aΝ ὅἷὀtἷὀὦaΝ ἶἷΝ ὃuἷ ὁΝ ldquoumΝ ὧΝ

muacuteltiplo e ilimitado ( θ μ πκζζΪ δ εα π δλα) ou que o muacuteltiplo eacute apenas um (πκζζ μ

θ ησθκθ) (14e3-4)

Esse eacute um dos principais obstaacuteculos impostos agrave atividade dialeacutetica que deve distinguir

pelo discurso os membros que satildeo ao mesmo tempo partes de uma determinada coisa Qual

seria entatildeo a forma correta de se utilizar a divisatildeo que natildeo seja essa das coisas que nascem

ἷΝὂἷὄἷἵἷmΝjὠΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅἷΝtὄataΝἶἷΝumaΝldquoἶiviὅatildeὁΝἴaὀalrdquoΝὃuἷΝὀἷmΝὅἷὃuἷὄΝἶἷvἷΝὅἷὄΝlἷvaἶaΝἷmΝ

conta159

Soc Eacute quando meu jovem algueacutem coloca o um mas natildeo aquele do qual agora haacute pouco falamos das coisas que vecircm a ser e perecem ndash pois neste caso chegou-se agrave admissatildeo que esse tipo de um ao qual nos referimos haacute pouco natildeo precisa ser refutado Mas sim quando algueacutem tenta colocar o

159 ἑὁmὁΝ ἵὁmἷὀtaΝ ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ (ἀίίἄ)Ν ldquoἶἷΝ ὃualὃuἷὄΝ mὁἶὁΝ ἷὅὅἷΝ tiὂὁΝ ἶἷΝ ὂὄὁἴlἷmaΝ ἶὁΝ umΝ ἷΝ ἶὁΝmuacuteltiplo natildeo eacute pertinente para a pesquisa atual porque ele natildeo concerne a um bom tipo de predicaccedilatildeo Com efeito o tipo de declaraccedilatildeo que Soacutecrates e Protarco estatildeo lidando natildeo consiste em predicar muacuteltiplas qualidades de um ser particular ndash ὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝ lsquoἷuΝἢὄὁtaὄἵὁrsquoΝndash mas em predicar muacuteltiplos tἷὄmὁὅΝgἷὄaiὅΝὂὁὅὅivἷlmἷὀtἷΝἵὁὀtὄaἶitὰὄiὁὅΝἶἷΝὁutὄὁὅΝ tἷὄmὁὅΝgἷὄaiὅΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝὃuaὀἶὁΝὅἷΝἶiὐΝ lsquoὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝἴὁmrsquoΝὁuΝlsquoὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝὄuimrsquoέΝἏΝaὂaὄἷὀtἷΝἵὁὀtὄaἶiὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝἷὅtἷὅΝἶὁiὅΝἷὀuὀἵiaἶὁὅΝὃuἷΝtὁὄὀaΝὁΝprazer tanto um como muacuteltiplo apenas pode ser resolvido daquele mesmo modo anterior ou seja colocando o um e o muacuteltiplo em dois niacuteveis ontoloacutegicos diferentes porque isso novamente nos conduziria a uma regressatildeo ao infinito cada predicado podia ele mesmo ser qualificado de maneiras opostas o que nos forccedilaria a introduzir uma outra distinccedilatildeo entre dois niacuteveis ontoloacutegicos e assim por diante ad infinitum Pelo contraacuterio devemos comὂὄἷἷὀἶἷὄΝἵὁmὁΝumΝtἷὄmὁΝgἷὄalΝἵὁmὁΝlsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝtaὀtὁΝumΝὃuaὀtὁΝmήltiὂlὁΝὀὁΝmἷὅmὁΝὀiacutevἷlΝὁὀtὁlὰgiἵὁΝiὅtὁΝὧΝὀὁΝὀiacutevἷlΝiὀtἷligiacutevἷlrdquoΝ(ὂέΝἃἂ)έ

111 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

homem como um o boi como um o belo como um e o bem como um Eacute sobre essas hecircnadas e sobre coisas desse tipo que muito rigor aliado agrave divisatildeo gera controveacutersia Prot Como

Ω Ὁπσ αθ παῖ v η θ ΰδΰθκηΫθπθ εα πκζζυηΫθπθ δμ δγ αδ εαγΪπ λ λ έπμ η ῖμ πκη θ θ αυγκῖ η θ ΰ λ εα κδκυ κθ θ π λ

πκη θ θυθ ά γΰε ξυλβ αδ η ῖθ ζΫΰξ δθ αθ Ϋ δμ θα θγλππκθ πδξ δλ έγ γαδ εα ίκ θ θα εα εαζσθ θ εα ΰαγ θ θ π λ κτ πθ

θ θ πθ εα θ πκδκτ πθ πκζζ πκυ η δαδλΫ πμ ηφδ ίά β δμ ΰέΰθ αδ

ΠΡΩ Π μ (15a1-8)

Aqui mais uma vez o paralelismo com o Parmecircnides eacute visiacutevel Natildeo haacute nada de

espantoso em algueacutem dizer que os sensiacuteveis satildeo simultaneamente um muacuteltiplos natildeo haveria

ὀaἶaΝ ἶἷΝ ἷὅὂaὀtὁὅὁΝ aiacuteΝ ἵὁmὁΝ ἶiὐΝ ἥὰἵὄatἷὅμΝ ldquo(έέέ)Ν ἶiὄἷmὁὅΝ ὃuἷΝ ἷlἷΝ ἶἷmὁὀὅtὄaΝ ὃuἷΝ algὁΝ ὧΝ

muacuteltiplas coisas e um natildeo que o um eacute muacuteltiplas coisas nem que o muacuteltiplo eacute um e que natildeo

ἶiὐΝὀaἶaΝἶἷΝἷὅὂaὀtὁὅὁΝmaὅΝἵὁiὅaὅΝἵὁmΝὃuἷΝtὁἶὁὅΝἵὁὀἵὁὄἶaὄiacuteamὁὅrdquoΝ(1ἀλἶἃ-8) mas dizer que

os gecircneros e as formas satildeo afetadas por contraacuterios isso sim seria espantoso Se algueacutem

separa as formas mesmas em si mesmas umas das outras demonstrando que podem ser

misturadas e separadas isso sim demonstraria espanto (129 c4ndashd6) A aparente contradiccedilatildeo

natildeo nos deve levar a considerar uma diferenccedila tudo que nosso diaacutelogo diz eacute que devemos

fugir desses paradoxos porque agora (no Filebo) o muacuteltiplo natildeo corresponde a predicados

contraacuterios mas a partes que satildeo ao mesmo tempo membros e que fazem parte de um

mesmo niacutevel ontoloacutegico isto eacute ao sensiacutevel No Filebo os predicados contraacuterios um e muacuteltiplo

dizem respeito agravequilo que satildeo em si mesmos Jaacute natildeo podemos separaacute-los em dois niacuteveis

ontoloacutegicos diferentes mas devemos analisaacute-los em um mesmo niacutevel o inteligiacutevel Devemos

pois consideraacute-los como duas ideias diferentes segundo uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo agraves quais

uma mesma coisa deve ser considerada Um e muacuteltiplo pertencem ambos a um mesmo niacutevel

ontoloacutegico tanto no sensiacutevel enquanto um todo composto de partes quanto no inteligiacutevel em

termos da relaccedilatildeo de participaccedilatildeo no um e no muacuteltiplo

A abordagem contida na passagem supracitada eacute extremamente relevante para a

compreensatildeo do sentido da argumentaccedilatildeo como tambeacutem do que se segue Natildeo se trata de

desmerecer a questatildeo mesmo que os qualificativos utilizados natildeo sejam os melhores mas

sim de utilizar uma discussatildeo que era tambeacutem complexa e que agora passa a ser vista de

maneira mais simples analogamente agraves questotildees seacuterias por isso a linguagem utilizada eacute a

mesma embora os niacuteveis ontoloacutegicos sejam diferentes Mesmo que a discussatildeo anterior seja

viὅtaΝἵὁmὁΝldquoὂuἷὄilrdquoΝἷlaΝjὠΝὂὄἷὂaὄa o terreno para as consideraccedilotildees acerca do meacutetodo que seratildeo

desenvolvidas logo a seguir e os problemas mais seacuterios do um e do muacuteltiplo

Dixsaut (2001) nos chama atenccedilatildeo quanto a presenccedila do verbo έγ αδ έγ γαδ (Cf

15a2 15a5) (postularcolocar) As unidades a serem dividas natildeo satildeo dadas mas deveratildeo

112 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ainda serem postuladas Tanto bem como belo se encontram no mesmo plano que o boi e o

homem (neste caso omite-se o artigo) Os uacuteltimos satildeo seres em devir satildeo os homens e os

bois Ao serem colocados como unidades oferece-lhes um modo de ser (essecircncia) que lhes

configura como termos pensaacuteveis estruturaacuteveis divisiacuteveis De tal forma dessas hecircnadas

seria possiacutevel dizer jaacute num primeiro momento que essas satildeo Formas (p 290) Sobre isso ela

ainda diz

Isto eacute verdade mas insuficiente diante de uma abordagem adequada do texto o problema eacute o embaraccedilo criado pela identidade do uno e do muacuteltiplo identidade que eacute a condiccedilatildeo de todo loacutegos (discurso) dito de outro modo de toda linguagem e de todo o pensamento Natildeo eacute aceitaacutevel dizer que o homem eacute o bem ou que o homem eacute o belo isto implicaria restringir um ou outro No entanto como essas unidades podem ser tidas como unas e divisiacuteveis e portanto muacuteltiplas Submeter as unidades a uma divisatildeo imediata eacute algo problemaacutetico (DIXSAUT 2001 p 291)

Como se pode notar a proacutepria origem dessas unidades eacute controversa assim como o

modo como Soacutecrates a seguir descreve os problemas relacionados a tais unidades Talvez

esse seja uma das passagens mais complicadas do texto

Soc Em primeiro lugar eacute preciso supor se tais unidades realmente existem em seguida como essas ndash cada uma sendo sempre a mesma e natildeo submetida nem ao vir a ser nem ao deixar de ser ndash satildeo entretanto seguramente essa uma e se devemos supor depois disso que nas coisas que vecircm a ser e satildeo ilimitadas ela se dispersa e se torna muacuteltipla ou se manteacutem um todo separado de si mesmo ndash o que pareceria a coisa mais impossiacutevel de todas a mesma coisa uma vindo a ser simultaneamente no um e no muacuteltiplo Satildeo esses os problemas sobre esse tipo de um e muacuteltiplo Protarco ndash natildeo aqueles outros ndash que quando natildeo se chega a um belo acordo sobre eles causam todo tipo de aporia mas quando se chega tem-se um caminho sem obstaacuteculos (15b1-c4) Ω Πλ κθ η θ δθαμ ῖ κδατ αμ θαδ ηκθΪ αμ πκζαηίΪθ δθ ζβγ μ κ αμ α π μ α ατ αμ ηέαθ εΪμ βθ κ αθ θ α θ εα ηά ΰΫθ δθ ηά ζ γλκθ πλκ ξκηΫθβθ ηπμ θαδ ί ίαδσ α α ηέαθ ατ βθ η κ rsquoΝ θ κῖμ ΰδΰθκηΫθκδμ α εα απ έλκδμ δ πα ηΫθβθ εα πκζζ

ΰ ΰκθυῖαθ γ Ϋκθ γrsquoΝ ζβθ α θ α μ ξπλέμ πΪθ πθ υθα υ α κθ φαέθκδ rsquoΝ θ α θ εα θ ηα θ θέ εα πκζζκῖμ ΰέΰθ γαδ α rsquoΝ δ π λ

κδα α θ εα πκζζΪ ζζrsquoΝκ ε ε δθα Πλυ αλξ πΪ βμ πκλέαμ α δα η εαζ μ ηκζκΰβγΫθ α εα πκλέαμ [ θ] α εαζ μ (15b1-c4)

A passagem colocou em duacutevida durante seacuteculos muitos estudiosos160 ao ponto de

postularem trecircs indagaccedilotildees quantos problemas satildeo mencionados no mesmo trecho Quais

160 Entre o grupo dos partidaacuterios de duas questotildees encontram-se Hackforth (1945) Frede (1993) Waterfield (1982) Casertano (1989) No grupo daqueles que defendem trecircs questotildees Hahn (1978)

113 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

problemas satildeo esses E que relaccedilatildeo esse trecho teria com o meacutetodo descrito a seguir em 16

c5-17 a5 Alguns creem que haacute dois problemas e preferem assim dividir o texto em duas

partes outros que haacute trecircs e dividem o texto em trecircs partes Uma visatildeo interpretativa mais

grosseira poderia postular que o texto seria extremamente desproporcional se fosse divido

em apenas duas questotildees mas o argumento eacute insuficiente diante da complexidade do texto

Haacute ainda que examinar o conteuacutedo de cada questatildeo tanto por um aspecto filoloacutegico quanto

pelos conteuacutedos filosoacuteficos que elas exprimem Creio dentre as intepretaccedilotildees analisadas que

a de Carpenter (2009) de Dixsaut (2001) e de Muniz amp Rudebusch (2004 2007) explicam

mais pormenorizadamente a questatildeo e procuram resgatar o sentido original do texto sem

propor emendas clarividecircncias ou mesmo revisotildees gramaticais Pelo contraacuterio retomam as

passagens anteriores os antecedentes gramaticais de pronomes recorrendo agraves braquilogias

de acordo com sentenccedilas anteriores do proacuteprio texto e estabelece uma distinccedilatildeo plausiacutevel

entre dois termos que causam confusatildeo nos inteacuterpretes a saber ηκθΪ αμ e θΪ πθ (cf

MUNIZ amp RUDEBUSCH 2007 p 26)

ἢὄimἷiὄamἷὀtἷΝ ἵὁὀfὁὄmἷΝ ἒixὅautΝ (ἀίί1Ν ὂέΝ ἀλἀ)Ν ldquoΠλ κθ η ῖ α η κ

articulariam claramente trecircs teses161 E afirma que ningueacutem duvidaria da primeira e da terceira

questatildeo (controveacutersia) caso a segunda questatildeo natildeo colocasse em duacutevida as outras duas A

primeira questatildeo (controversa) proposta natildeo suscita muitas duacutevidas trata-se de supor se tais

unidades (mocircnadas) realmente existem ( ζβγ μ κ αμ)162 A qual delas devemos conceder

Casper (1977) Dancy (1984) Benitez (1989) Bernadete (1993) De Chiara-Quenzer (1993) Barker (1996) Meinwald (1996) Dixsaut (2001) Muniz amp Rudebusch (2004 2007) Ide (2002) Carpenter (2009) Mirhady (1992) vecirc uma uacutenica questatildeo dividida em trecircs partes Para uma descriccedilatildeo de todas as posiccedilotildees e de seus partidaacuterios ver Dancy (1984) Hahn (1978) Muniz amp Rudebusch (2004 2007) 161 Trecircs argumentos podem ser utilizados para confirmar a tese das trecircs questotildees (i) as conjunccedilotildees Πλ κθ η ῖ α η κ recorrentemente usadas por Platatildeo denotam enumeraccedilatildeo em trecircs termos o que jaacute seria suficiente para provar tal divisatildeo (ii) a presenccedila dos trecircs verbos no infinitivo regidos por πκζαηίΪθ δθ ( θαδ θαδ e ΰέΰθ γαδ) um em cada parte (iii) as duas ocorrecircncias da partiacutecula adversativa α sendo que cada uma marcaria o iniacutecio de uma nova etapa Sobre isso ver Mirhady (1992 p 173 174ss) e Delcomminette (2006 p 57) Delcomminette apresenta ainda dois argumentos (filosoacuteficos) para a recusa leitura em trecircs teses (i) ela natildeo faria sentido com a discussatildeo precedente sobre a seriedade necessaacuteria ao problema do um e do muacuteltiplo isto eacute que o prazer esteja contido nesse tipo ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝldquoὅὧὄiardquoΝἶὁΝumΝἷΝἶὁΝmήltiὂlὁΝἶἷmὁὀὅtὄaὄiaΝὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝἶὁΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝdisse anteriormente daiacute natildeo faria o menor sentido toda a argumentaccedilatildeo anteriormente desenvolvida ela natildeo teria a menor relevacircncia A leitura em duas questotildees natildeo permitiria nenhuma conexatildeo com esses aspectos anteriores (ii) aleacutem do mais ela natildeo teria relaccedilatildeo com a passagem anterior acerca da divisatildeo embora Soacutecrates trate dos problemas decorrentes da pratica da divisatildeo (15a6-7) Deste modo como propotildee a interpretaccedilatildeo em duas questotildees esta passagem seria uma digressatildeo que natildeo se integraria efetivamente agrave progressatildeo argumentativa do diaacutelogo (2006 p 57-58) 162 Dixsaut (2001) prefere traduzir δμ ὂὁὄΝldquoὃuaiὅrdquoέΝἥἷguὀἶὁΝaΝiὀtὧὄὂὄἷtἷΝὀἷὀhumΝἶiὠlὁgὁΝatὧΝἷὀtatildeὁΝteria feito tal equivalecircncia pois se trata de saber aqui (15b1) quais unidades julgamos ser necessaacuterio atὄiἴuiὄΝ umaΝ ἷxiὅtecircὀἵiaΝ vἷὄἶaἶἷiὄaέΝ ἓlaΝ tamἴὧmΝ ἵὁὀὅἷὄvaΝ ὁΝ tἷὄmὁΝ ldquo ηπμrdquoΝ (ἵὁὀtuἶὁΝ aὂἷὅaὄΝ ἶἷΝ ὀὁΝentanto) (15b4) dos manuscritos muitas vezes corrigidos pelos tradutores por ζπμ (inteiro perfeito ἵὁmὂlἷtὁΝgἷὄalmἷὀtἷ)Ν ἵὁmὁΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝἒiegraveὅΝ (1λἄἄ)έΝεuὀiὐΝ tὄaἶuὐμΝ ldquo(έέέ)ΝὧΝὂὄἷἵiὅὁΝὅuὂὁὄΝὅἷΝ taiὅΝ

114 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

uma verdadeira existecircncia Soacutecrates jaacute natildeo hesita mais sobre esse ponto (Cf Prm130b7-c6)

No Filebo natildeo se passa de outro modo A mesma questatildeo volta a ser colocada Devemos

conceder uma existecircncia verdadeira uniforme impereciacutevel engendrada isto eacute

necessariamente admitir uma forma uacutenica (hecircnada) para o Belo o Bem mas por que Homem

e Boi

Para isso talvez seja necessaacuterio recorrer agraves explicaccedilotildees de Muniz amp Rudebusch (2007

p 133) acerca da forma como ele busca clarificar as trecircs controveacutersias A fim de responder a

primeira delas primeiramente ele divide a partir da distinccedilatildeo de Soacutecrates os dois modos de

lidar com o problema do um e do muacuteltiploΝaὃuἷlἷΝldquoὂuἷὄilrdquoΝὃuἷΝεuὀiὐΝamp Rudebusch (2007)

ἶἷὀὁmiὀamΝldquovulgaὄrdquoΝἷΝὃuἷΝἵauὅaΝumaΝὅὧὄiἷΝἶἷΝὂὄὁἴlἷmaὅΝὡΝἶialὧtiἵaΝaὁΝliἶaὄΝἵὁmΝὁὅΝὅἷὀὅiacutevἷiὅΝ

particulares aquele um que eacute todos os membros e todas as partes (vaacuterios prazeres e que se

ἶἷὀὁmiὀamΝἵὁmὁΝldquoὂὄaὐἷὄrdquo)Νpertencente ao domiacutenio das coisas em devir e um outro que ele

ἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoaὄiὅtὁἵὄὠtiἵὁrdquoέ

Os casos natildeo-vulgares ou aristocraacuteticos do um satildeo aqueles que possuem relaccedilatildeo com

o Belo o Bom e como bem notado por Muniz amp Rudebusch (2007) o um homem o um boi

que nem vecircm a ser nem deixam de ser (15a4-6) Eacute por essas hecircnadas que Soacutecrates

ἶἷmὁὀὅtὄaΝtamaὀhὁΝὐἷlὁΝ(ldquoπ λ κτ πθ θ θΪ πθ εα θ κδκτ πθ πκζζ πκυ 15a5-

ἄ)έΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὅἷΝ ὄἷfἷὄἷΝ aΝ ἷlaὅΝ ἵὁmὁΝ ldquoἷὅὅaὅΝ hecircὀaἶaὅrdquoέΝ ἡuΝ ὅἷjaΝ ἷὅὅaΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝ parece

consoante com o que foi dito sobre o Prazer a Cor e a Figura Em nenhum momento estas

uacuteltimas satildeo postas em questatildeo por isso segundo o teoacuterico ainda natildeo haacute controveacutersia ela soacute

existiraacute agrave medida em que se propotildee a divisatildeo (p 133-134) Nos casos aristocraacuteticos a divisatildeo

se torna controveacutersia mas nos casos vulgares natildeo Vale lembrar tambeacutem que o zelo em

relaccedilatildeo agraves Formas nos outros diaacutelogos (Repuacuteblica Banquete) quanto agrave sua existecircncia

contrapotildee-se agrave ignoracircncia vulgar dos natildeo-filoacutesofos que natildeo reconhecem a existecircncia das

unidades ὄἷalmἷὀtἷΝἷxiὅtἷmΝ(έέέ)rdquoΝ(1ἃἴ1-2) (2012 p 36) Delcomminette (2006 p 60) por exemplo discorda da traduccedilatildeo de DixsautΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoἥἷguὀἶὁΝἒixὅautΝ(ἀίί1)Ν δμΝἷὃuivalἷὄiaΝaὃuiΝὂaὄaΝὁΝlatimΝsi quis et tὄaἶuὐiἶὁΝὂὁὄΝlsquoὃualrsquoέΝἏΝὃuἷὅtatildeὁΝὅἷὄiaΝὂὁὄtaὀtὁΝὅaἴἷὄΝὃuaiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝjulgaὄiacuteamὁὅΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝconceder uma existecircncia verdadeira Eacute por isso que ela propotildee a seguinte traduccedilatildeo desse primeiro ὂὄὁἴlἷmaμΝ lsquoἷmΝὂὄimἷiὄὁΝ lugaὄΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝἵὁὀὅiἶἷὄaὄΝὃuaiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝ[mὲὀaἶaὅ]ΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁΝἷxiὅtἷmΝὄἷalmἷὀtἷrsquoΝ ὁΝ ὃuἷΝ aὂὁὀtaὄiaΝ ὂaὄaΝ ὁΝ ὂὄὁἴlἷmaΝ ἶaΝ lsquoἷxtἷὀὅatildeὁΝ ἶὁΝ muὀἶὁΝ ἶaὅΝ IἶἷiaὅrsquoΝ mἷὀἵiὁὀaἶὁΝ ὀὁΝParmecircnides 130b8-e4 Se eacute verdade que essa leitura eacute possiacutevel ( δμ equivale perfeitamente a έμ cf Kuumlhner et Gerth (1904) pp 573ndash574) ela natildeo eacute necessaacuteria e nos parece ainda mais difiacutecil de conciliar com a repeticcedilatildeo θαδ ζβγ μ κ αμ κ (M Dixsaut traduziu com efeito como se o texto portasse simplesmente ζβγ μ θαδ)έΝ ἏἶἷmaiὅΝ aΝ tὄaἶuὦatildeὁΝ ἷxataΝ ἵὁmΝ ἷὅὅaΝ ἵὁὀὅtὄuὦatildeὁΝ ὅἷὄiaμΝ lsquoὧΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝἵὁὀὅiἶἷὄaὄΝὃuaiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁΝὄἷalmἷὀtἷΝὅatildeὁΝὄἷalmἷὀtἷΝἷxiὅtἷὀtἷὅrsquoΝὁΝὃuἷΝὂἷὄmitiὄiaΝἷὀtἷὀἶἷὄΝque outras unidades desse tipo (portanto outras unidades inteligiacuteveis) natildeo seriam realmente existentes ndash ἷmἴὁὄaΝaiὀἶaΝἷxiὅtamΝἶἷΝἵἷὄtὁΝmὁἶὁςrdquoΝἥἷjaΝἵὁmὁΝfὁὄΝvἷὄἷmὁὅΝmaiὅΝtaὄἶἷΝὃuἷΝtamἴὧmΝὂἷὀὅamὁὅΝὃuἷΝ δθαμΝaὂἷὀaὅΝὅἷΝὄἷfἷὄἷΝaΝcertas Ideacuteias Muniz (2012) tὄaἶuὐΝἵὁmὁΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ(ἀίίἄ)ΝldquoὧΝὂὄἷἵiὅὁΝsupor se tais unidades ἷxiὅtἷmΝὄἷalmἷὀtἷrdquoέΝἑὁmὁΝὅἷΝὀὁtaΝὅὰΝhὠΝumΝἶἷὅaἵὁὄἶὁΝὃuaὀtὁΝὡΝ tὄaἶuὦatildeὁΝmas como diz o proacuteprio Delcomminette (2006) que mais adiante em seu comentaacuterio agrave primeira controveacutersia eacute possiacutevel notar que se trata de apenas algumas ideias

115 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

mesmas (MUNIZ amp RUDEBUSCH 2007 p 134) O zelo se ausenta no Filebo Antes o termo

utilizado para tratar das divisotildees foi δ ζ θ (14e1) agora o termo utilizado eacute δαδλΫ πμ isto

eacute trata-se de dividir pelo discurso essas hecircnadas e natildeo operar uma divisatildeo especializada

entre gecircneros e espeacutecies pois naquele caso (vulgar) (14e) nem Protarco nem Homem satildeo

gecircneros Logo podemos afirmar como Muniz amp RudebuschΝ ὃuἷΝ ldquo(έέέ)Ν ὀatildeὁΝ ὧΝ ὁΝ

estabelecimento de hecircnadas que produz a controveacutersia mas antes a tentativa de dividi-laὅrdquoΝ

(2007 p 34)

ἏΝ ἶiviὅatildeὁΝ vulgaὄΝ ὂὄὁἶuὐiaΝ ὄἷὅultaἶὁὅΝ ἵὁmὁΝ aὃuἷlἷὅΝ ldquoἢὄὁtaὄἵὁΝ ὧΝ umΝ ἷΝ mήltiὂlὁὅΝ

ἢὄὁtaὄἵὁὅrdquoΝaltὁΝἴaixὁΝἷtἵΝ(1ἂἵ11-1ἁ)έΝἏὂἷὅaὄΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquohecircὀaἶardquoΝὅὰΝaὂaὄἷἵἷὄΝmaiὅΝaἶiaὀtἷΝ

em 15a6 esse tipo de divisatildeo jaacute tinha sido preacute-anunciada pelo proacuteprio Soacutecrates em 14d1-4

ao dividir Homem em Homem Temperante e Homem Intemperante Homem Tolo e Homem

Saacutebio como tambeacutem ao se dividir Prazer em Prazer Moderado e Prazer Imoderado Prazer

Saacutebio e Prazer Tolo dentre outros Por isso eacute que surgiu a controveacutersia ( ηφδ ίά β δμ 15a7)

o prazer embora sendo uacutenico assume diversas formas diferentes umas das outras e ateacute

contraacuterias fato que pode ser ilustrado pelo exemplo das cores e das figuras (formas

geomeacutetricas163) (12c-13d)

Outro fato notaacutevel como nos alegam Muniz amp Rudebusch eacute que a controveacutersia soacute

ὅuὄgἷΝ ἷὀὃuaὀtὁΝ umaΝ ldquoἵὁὀtὄὁvὧὄὅiardquoΝ litἷὄalmἷὀtἷΝ ὃuaὀἶὁΝ ἢὄὁtaὄἵὁΝ ὅἷΝ ὄἷἵuὅaΝ ὡΝ ἶiviὅatildeὁΝ

requerida por Soacutecrates dos prazeres em bons e maus prazeres (13b6-ἵἀ)μΝldquoἷmἴὁὄaΝἥὰἵὄatἷὅΝ

natildeo descreva deste modo o impasse entendemos que o zelo com que ambos comeccedilaram

tἷὀhaΝὀἷὅtἷΝὂὁὀtὁΝὅἷΝtὁὄὀaἶὁΝlsquoἵὁὀtὄὁvὧὄὅiarsquordquoΝ( ηφδ ίά β δμ 15a7) (2007 p 135) O artifiacutecio

ὅὁἵὄὠtiἵὁΝ ὀἷὅtἷΝ mὁmἷὀtὁΝ ὧΝ ἵὁlὁἵaὄΝ ἷmΝ ldquoaὂaὄἷὀtἷrdquoΝ ὂὧΝ ἶἷΝ igualἶaἶἷΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ἷΝ

conhecimentos ao que Protarco assente salientando um acordo comum Mas vejamos ainda

natildeo se contrapotildeem unidade e multiplicidade explicitamente apenas satildeo ressaltadas

pluralidades anaacutelogas Muniz amp Rudebusch (ἀίίἅ)ΝἶἷὅtaἵamΝaΝὂὄἷὅἷὀὦaΝἶἷΝldquoaἶiἵiὁὀalmἷὀtἷrdquoΝ

( δ η ζζκθ) em 14c1 na exortaccedilatildeo socraacutetica logo no iniacutecio da discussatildeo sobre o problema do

um e do muacuteltiplo isto eacute sobre a necessidade de se estabelecer que tipo de princiacutepio um deve

ser levado em conta ao dizer que tanto prazeres quanto conhecimentos satildeo um e muacuteltiplos

(p 136) Logo uma hecircnada Homem eacute muitos Homens Homem Saacutebio e Homem Tolo Homem

Tolo Homem Moderado e Homem Imoderado e assim por diante (12c8-d4) o mesmo se

aplica agrave Cor e agraves Figuras Mas como dizem Muniz amp RudebuschΝ ldquoalὧmΝἶiὅὅὁΝὧΝἶe suma

relevacircncia para o Filebo ἵὁmὁΝumΝtὁἶὁΝὅatildeὁΝἷviἶἷὀtἷmἷὀtἷΝaὅΝhecircὀaἶaὅΝἢὄaὐἷὄΝἷΝἥaἴἷἶὁὄiardquoΝ

(2007 p 136)

Diante do que foi dito anteriormente eacute possiacutevel compreender o sentido da primeira

controveacutersia e porque ela natildeo nos gera tantos problemas Perante agrave indagaccedilatildeo de Protarco a

163 Cf Men 74d-e

116 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

Soacutecrates sobre a que tipo de um ele se refere expressa pela pergunta π μ (Como) (15b1)

Soacutecrates responde que devemos supor se tais mocircnadas existem verdadeiramente (15b1-2)

Vale ressaltar que aqui natildeo se trata de um reconhecimento acerca das ideias serem ou natildeo

unidades as ideias satildeo unidades porque elas satildeo colocadas como tais satildeo postuladas

ἷὀὃuaὀtὁΝ uὀiἶaἶἷὅΝ ἷmΝ ὅiέΝ Ν ἏΝ ὂἷὄguὀtaΝ ὀἷὅtἷΝ ἵaὅὁΝ tamἴὧmΝ ὀatildeὁΝ ὧΝ aὃuἷlaμΝ ldquoaὅΝ uὀiἶaἶἷὅΝ

ἷxiὅtἷmςrdquoΝἡuΝὅἷjaΝὅὁἴὄἷΝὁΝἷὅtatutὁΝὁὀtὁlὰgiἵὁΝἶἷὅtaὅΝmaὅΝldquoἷὅtamὁὅΝἵὁὄὄἷtὁὅΝἷmΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝ

taiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝἷxiὅtἷmΝὄἷalmἷὀtἷςrdquoΝἏlgὁΝtamἴὧmΝὃuἷΝὂὁἶἷὄiaΝὅἷὄΝὁἴjἷtὁΝἶἷΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὧΝὁΝuὅὁΝ

num primeiro momento do termo hecircnadas (15a6) e o uso do termo mocircnadas logo em seguida

a ponto de supormos que se tratam de coisas completamente iguais

Nesse sentido eacute preciso recorrer novamente ao contexto da discussatildeo para fazer uma

devida distinccedilatildeo entre essas hecircnadas Homem Boi Prazer Sabedoria e as mocircnadas que natildeo

satildeo termos intercambiaacuteveis Primeiramente porque Soacutecrates jaacute teria explicado essa distinccedilatildeo

(12c7-8) ao dizer que o prazer soa aos ouvidos como uma coisa uacutenica ( θ δ) mas que por

outro lado ele assume diversas formas (ηκλφ μ) dessemelhantes umas das outras como

tambeacutem ao dizer que pelo gecircnero (ΰΫθ δ) todas essas coisas (prazer cor figura) satildeo um todo

mas que pelas partes (ηΫλβ) satildeo contraacuterias umas agraves outras e apresentam incontaacuteveis

diferenccedilas (12e7-9) Outra questatildeo importante eacute que o uso dessa palavra (hecircnada) ocorre

somente uma vez no Filebo em 15a6 ao contraacuterio de mocircnada Assim tudo parece indicar

que a diferenciaccedilatildeo natildeo eacute circunstancial ela possui um sentido na passagem Podemos crer

ἵὁmὁΝὄἷὅὅaltaΝεuὀiὐΝ(ἀίίἅΝὂέΝ1ἁἅ)ΝὃuἷΝldquoὀatildeὁΝhὠΝὄaὐatildeὁΝὂaὄaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝtivἷὅὅἷΝἵuὀhaἶὁΝumaΝ

nova palavra hecircnada se pretendia utilizaacute-la de forma intercambiaacutevel com a palavra jaacute

estabelecida mocircnada164 Portanto como bem explicam Muniz amp Rudebusch (ἀίίἅ)Ν ldquo(έέέ)ΝaΝ

ὂalavὄaΝlsquohecircὀaἶarsquoΝἵὁὀὁtaΝὁΝum de uma unidadeΝἷὀὃuaὀtὁΝaΝὂalavὄaΝlsquomὲὀaἶarsquoΝἵὁὀὁtaΝὂὁὄΝὅuaΝ

vez a separaccedilatildeo () de uma unidade com relaccedilatildeo a outras unidades ndash assim o modo como

interpretamos este significado o resultado de uma divisatildeordquoΝ(ὂέΝ1ἁἅ)έΝValἷΝlἷmἴὄaὄΝtamἴὧmΝὃuἷΝ

as hecircnadas (Prazer e Sabedoria) nunca satildeo postas em discussatildeo por nenhum dos

interlocutores logo a η δαδλΫ πμ de 15a7 natildeo diz respeito agraves hecircnadas divididas como

evidencia Munizamp Rudebusch mas ao resultado dessa divisatildeo (mocircnadas) (2007 p 138)

Se pela divisatildeo da hecircnada Homem em Homem Imoderado e Homem Moderado e

assim por diante o ldquoὐἷlὁΝ aὄiὅtὁἵὄὠtiἵὁrdquoΝ tὁὄὀa-se controveacutersia devemos supor se essas

mocircnadas (Homem Imoderado Homem Moderado etc) realmente existem Deste modo a

164 εuὀiὐΝΤΝἤuἶἷἴuὅἵhΝ(ἀίίἅ)ΝἷxὂliἵamΝἷmΝumaΝὀὁtaΝἶὁΝaὄtigὁΝ(ὀέΝἀλ)ΝὃuἷΝaΝὂalavὄaΝldquohecircὀaἶardquoΝaὂaὄἷἵἷΝpela primeira vez no grego que sobreviveu ateacute em noacutes em 15a6 (embora seja encontrada em testimonia de Pitaacutegoras Zenatildeo e Xenoacutecrates) Os autores ainda nos chamam atenccedilatildeo ao dizerem que a ὁἵὁὄὄecircὀἵiaΝ ὅuὂὄaἵitaἶaΝ ἶὁΝ tἷὄmὁΝ ὧΝ aΝ ήὀiἵaΝ ἷmΝ ἢlatatildeὁΝ aὁΝ ἵὁὀtὄὠὄiὁΝ ἶἷΝ ldquomὲὀaἶardquoΝ ὃuἷΝ ὂὁἶἷΝ ὅἷὄΝencontrada em outros textos do autor e tambeacutem em Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepedes (p 137) Na sua tὄaἶuὦatildeὁΝἶὁΝὄἷfἷὄiἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἷlἷΝ(εuὀiὐ)ΝἷmΝὁutὄaΝὀὁtaΝ(ὀέΝλ)ΝἶiὐΝὃuἷΝaΝὂalavὄaΝldquohecircὀaἶardquoΝὧΝumΝhὠὂaxΝ(palavra ou expressatildeo de que soacute existe uma uacutenica abonaccedilatildeo nos registros da liacutengua) (2012 p 212)

117 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

controveacutersia parece fazer mais sentido Fica claro entatildeo que natildeo se trata da existecircncia ou

natildeo da hecircnada Prazer mas da realidade das mocircnadas (Prazer Imoderado Prazer Moderado)

Como jaacute dissemos vale lembrar que ainda que Protarco reconheccedila as dessemelhanccedilas e

oposiccedilotildees entre prazeres ele eacute incapaz de reconhecer os intermediaacuterios natildeo importa se o

prazer do intemperante eacute a intemperanccedila e a do moderado eacute a moderaccedilatildeo todos satildeo

ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ldquo(έέέ)Ν κ rsquoΝ λα κθ θ κθ μ δΪφκλκθ (έέέέ)rdquo165 (13c7) Algo tambeacutem que muitas

vezes pode passar desapercebido Soacutecrates tambeacutem natildeo tem como objetivo (em 12c8-d4)

postular a existecircncia de mocircnadas individuais e separadas da hecircnada Prazer como Prazer do

Saacutebio e do Tolo lembre-se que ele atesta a complexidade (πκδεέζκθ 12c4) caracteriacutestica do

ὂὄaὐἷὄΝὁΝὃuἷΝjuὅtifiἵaὄiaΝὅἷuΝldquomἷἶὁrdquoΝ( Ϋκμ) ἷΝΝldquotἷmὁὄrdquoΝ(φσίκθ)166 ndash que ultrapassa o limite do

humano ndash maὀifἷὅtὁΝἷmΝ1ἀἵ1ΝaὁΝtὄataὄΝἶὁΝὂὄὰὂὄiὁΝὂὄaὐἷὄΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝὀὁmἷΝἶaΝldquoἶἷuὅardquoΝ

(Prazer) isto porque o intemperante o saacutebio o moderado todos eles se referem ao Prazer

de acordo com sua proacutepria compreensatildeo ou seja afiὄmamΝὃuἷΝὁΝὅἷuΝὂὄaὐἷὄΝὧΝὁΝldquoἢὄaὐἷὄrdquoΝὁΝ

divinizam da forma como lhes aprouver

Dito isso fica mais faacutecil compreender do que se trata a primeira controveacutersia trata-se

de analisar se essas mocircnadas realmente possuem existecircncia (Prazer Imoderado Prazer

Moderado) natildeo a hecircnada Prazer em si se dividindo mas aquilo que lhe eacute adicionado isto eacute

as mocircnadas individuais e distintas resultantes dessa divisatildeo tais como Prazer Imoderado e

Prazer Moderado sobre as quais Protarco teria manifestado sua profunda descrenccedila (13c5)

ἏΝὅἷguὀἶaΝὃuἷὅtatildeὁΝ(ἵὁὀtὄὁvὧὄὅia)ΝὅἷguἷΝἶiὐἷὀἶὁΝὁΝὅἷguiὀtἷμΝldquoἵὁmὁΝἷὅὅaὅΝἵaἶaΝumaΝ

delas sendo sempre a mesma e sem estar sujeita nem ao vir a ser nem ao deixar de ser satildeo

ὅἷguὄamἷὀtἷΝ ἷὅὅaΝ umardquoΝ ( α π μ α ατ αμ ηέαθ εα βθ κ αθ θ υ θ εα ηά

ΰΫθ δθ ηά ζ γλκθ πλκ ξκηΫθβθ ηπμ θαδ ί ίαδσ α α ηέαθ ατ θ)rdquoΝ (1ἃἴἀ-4) Eacute

necessaacuterio identificar corretamente a que se refere lsquoessasrsquo ( ατ αμ) no plural e aquilo que lhe

eacute contrastante no singular (ηέαθ ατ θ) de tal modo que se possa relacionar o conteuacutedo desta

165 ldquo(έέέ)ΝὀatildeὁΝhὠΝὀἷὀhumaΝἶifἷὄἷὀὦaΝἷὀtὄἷΝumΝὂὄaὐἷὄΝἷΝὁutὄὁΝ(έέέ)rdquoΝ(1ἁἵἅ)έ 166 ἒἷvἷmὁὅΝ ἵὁὀἵὁὄἶaὄΝ ἵὁmΝ ἦὁὄὄἷὅΝ εὁὄalἷὅΝ ὃuaὀἶὁΝ ὀὁὅΝ ἷxὂliἵaΝ ὃuἷμΝ ldquoὂaὄἷἵἷΝ ὃuἷΝ ἷxiὅtἷΝ umaΝἶifἷὄἷὀἵiaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝlsquoφσίκμrsquoΝἷΝlsquo ΫκμrsquoΝὃuἷΝtὄaἶuὐimὁὅΝὂaὄaΝὁΝlsquotἷmὁὄrsquoΝἷΝlsquomἷἶὁrsquoΝὄἷὅὂἷἵtivamἷὀtἷέΝἡΝtἷὄmὁΝlsquo ΫκμrsquoΝὂaὄἷἵἷΝἶἷὅigὀaὄΝmἷἶὁΝὁuΝmἷἶὁΝἷmΝtἷὄmὁὅΝgἷὄaiὅΝἷὀὃuaὀtὁΝlsquoφσίκμrsquoΝὅἷὄiaΝumaΝἵὁὀἵὄἷὦatildeὁΝὁuΝἷὅὂἷἵifiἵaὦatildeὁέΝἧmaΝἶaὅΝἷtimὁlὁgiaὅΝἶἷΝlsquo ΫκμrsquoΝὄἷfἷὄἷ-ὅἷΝaΝlsquo Ϋδ κ-rsquoΝὃuἷΝὅigὀifiἵaΝἶiὅjuὀὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝἵamiὀhὁὅΝἷΝἷὅtὠΝviὀἵulaἶaΝ (έέέ)Ν ἵὁmΝaΝὂalavὄaΝ lsquoἶilἷmarsquoέΝEacuteΝὁΝἵaὅὁΝἶἷΝὃuἷὅtiὁὀaὄΝὃualΝὧΝὁΝὅignificado do medo ὅὁἵὄὠtiἵὁΝὃuἷΝlsquoὅuὂἷὄarsquoΝ(umΝtἷὄmὁΝὃuἷΝὅἷΝtὄaἶuὐΝἵὁmὁΝlsquoπΫλαrsquoΝὁΝὃuἷΝὀὁὅΝlἷmἴὄaΝἶἷΝlsquoπΫλαμrsquoΝ(limitἷ)ΝἷΝsignifica de fato estar aleacutem do limite) o humano Se considerarmos todo o argumento socraacutetico veremos como o medo de Soacutecrates pode ser entendido como superior ao medo humano porque enquanto os homens temem a divindade como algo sobre-humano e eterno Soacutecrates por sua vez tem medo da divinizaccedilatildeo do prazer porquanto conhece sua natureza e sabe que ele eacute algo instaacutevel em mudanccedila e como mostraraacute todo o argumento do diaacutelogo ilimitado Como veremos o exerciacutecio argumentativo socraacutetico tem uma clara intenccedilatildeo desmistificadora da figura do prazer da divindade que eacute o fundo do discurso de Filebo e em outro sentido de Protarco Sua estrateacutegia consistiraacute em colocar ὁΝὂὄaὐἷὄΝἷmΝὅἷuΝlugaὄΝἵὁὄὄἷὅὂὁὀἶἷὀtἷΝἷmΝtuἶὁΝἷΝὀaΝviἶaΝhumaὀardquoΝ(ἀί1ἀΝὂέΝἀ1ἁ)έ

118 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

controveacutersia com a primeira e a terceira De que forma essa exposiccedilatildeo metafiacutesica pode ser

relacionada com a passagem anterior sobre a hecircnadas Prazer e Sabedoria e

consequentemente com o resultado de suas divisotildees (mocircnadas)

Diante do que foi dito acerca da primeira controveacutersia podemos afirmar que ατ αμ

no plural refere-se a tais mocircnadas (15b1) Homem Imoderado Homem Intemperante Prazer

Saacutebio dentre outras Jaacute ηέαθ ατ θ diz respeito a essas hecircnadas (15a6) como Homem

Prazer deste modo acatamos o resumo feito por Munizamp Rudebusch (2007) dessa segunda

controveacutersia

Como essas mocircnadas (por exemplo Homem Moderado e Imoderado) ndash cada uma sendo sempre a mesma e sem estar sujeita nem a vir a ser nem a deixar de ser (por exemplo a mocircnada Homem Imoderado eacute sempre Homem Imoderado e nunca se torna Homem Moderado nem deixa de ser Homem Imoderado) ndash satildeo entretanto de forma soacutelida essa hecircnada (por exemplo Homem) (p 139)

Se retomamos o que foi dito acerca da primeira controveacutersia tal resumo faz todo o

sentido Anteriormente Protarco rejeitou a existecircncia de tais mocircnadas separadas e diversas

mas aqui elas fazem todo o sentido Sentido este que Soacutecrates implicitamente jaacute havia se

referido e que jaacute dava sinais com sua alusatildeo agrave tese surpreendente (γαυηα θ 14c7-8) com

relaccedilatildeo ao um e aos muitos agora melhor configurada isto eacute na possibilidade de admitirmos

a existecircncia de tais mocircnadas aleacutem da existecircncia das mocircnadas Logo o que torna objeto de

controveacutersia satildeo essas mocircnadas que natildeo estatildeo sujeitas ao vir a ser e ao deixar de ser como

ἶiὄatildeὁΝεuὀiὐΝΤΝἤuἶἷἴuὅἵhΝ(ἀίίἅ)ΝἷὅὅaΝὧΝaΝvἷὄὅatildeὁΝldquoaὄiὅtὁἵὄὠtiἵardquoΝ(ώὁmἷmΝἑὁὄΝἔiguὄa)ΝἶὁΝumΝ

e natildeo a vulgar de Protarco (vaacuterios Protarcos alto baixo etc) (p 140) Pois natildeo haacute nada de

espantoso que o vir a ser e o deixar de ser sejam instaacuteveis dito de outro modo o

conhecimento se torna impossiacutevel deste modo Mas o espanto se daacute em relaccedilatildeo agrave mocircnada

estaacutevel igual imutaacutevel objeto apropriado de conhecimento como ela pode ser entretanto

uma hecircnada e secirc-laΝἶἷὅtaΝ fὁὄmaΝldquoὅὰliἶardquoΝ (ί ίαδσ α α) (MUNIZ amp RUDEBUSCH 2007 p

140)167

167 ἒixὅautΝ ὂaὄἷἵἷΝ iὄΝ ὀaΝ mἷὅmaΝ ἶiὄἷὦatildeὁΝ ὃuaὀἶὁΝ ὂὄὁὂὴἷμΝ ldquoἵaἶaΝ umaΝ ἶaὅΝ mὲὀaἶaὅΝ ἵujaΝ ἷxiὅtecircὀἵiaΝverdadeira eacute postulada vecirc-se atribuir o mesmo modo de existecircncia cada uma eacute uacutenica sempre o mesmo que ela proacutepria natildeo-gerada e incorruptiacutevel Unidade Identidade eternidade e imutabilidade satildeo caracteriacutesticas que apresentam toda existecircncia verdadeira (a de qualquer mocircnada de qualquer Forma que seja) Mas mesmo se todas as mocircnadas (que aceitemos postular) existem da mesma maneira eacute necessaacuterio considerar como cada uma delas pode ser mais firmemente essa mocircnada uacutenica isso significa essa unidade singular que ela eacute (o que justifica a presenccedila e o lugar de ατ βθ) A identidade de cada uma com ela mesma natildeo leva a sua identidade com todas as outras ndash como seria esse o caso ὅἷΝfὁὅὅἷΝaΝuὀiἶaἶἷΝaὄitmὧtiἵaμΝἷὀὃuaὀtὁΝaΝaὄitmὧtiἵaΝvulgaὄΝaἶiἵiὁὀaΝaὅΝldquomὲὀaἶaὅΝἶἷὅiguaiὅrdquoΝἵὁmὁΝdois exeacutercitos ou dois bois a aritmeacutetica filosoacuteficaΝὅἷΝὄἷἵuὅaΝaΝὁὂἷὄaὄΝ ldquoὅἷΝὀatildeὁΝὅἷΝὂὁὅtulaὄΝὃuἷΝἵaἶaΝmocircnada natildeo difere de cada uma das inumeraacuteveis mocircnadas e que nenhuma delas difere uma da outra (56e2-3) A aritmeacutetica filosoacutefica suprime as diferenccedilas sensiacuteveis mas a dialeacutetica deve postular as

119 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

A terceira questatildeo (controveacutersia) postulada tambeacutem natildeo eacute explicitamente mais

resolvida do que as duas primeiras a relaccedilatildeo entre essas mocircnadas ἵὁmΝldquoΝ(έέέ) as coisas que

vecircm a ser e satildeo ilimitadas se ela se dispersa e se torna muacuteltipla ou se manteacutem um todo

separado de si mesmo ndash o que pareceria a coisa mais impossiacutevel de todas a mesma coisa

uma vindo a ser simultaneamente no um ἷΝ ὀὁΝ mήltiὂlὁrdquoΝ (ldquoΝ (έέέ) η κ rsquo168 θ κῖμ

ΰδΰθκηΫθκδμ α εα απ έλκδμ δ πα ηΫθβθ εα πκζζ ΰ ΰκθυῖαθ γ Ϋκθ γrsquoΝ ζβθ α θ

α μ ξπλέμ πΪθ πθ υθα υ α κθ φαέθκδ rsquoΝ θ α θ εα θ ηα θ θέ εα πκζζκῖμ

ΰέΰθ γαδ ()) (15b4-8) Vejamos haacute duas possibilidades na fala de Soacutecrates estando

presente nas coisas muacuteltiplas a unidade se dispersa torna-se divisiacutevel indefinidamente em

muitas partes ou se unidade permanece a mesma e estaacute ao mesmo tempo presente em

uma multiplicidade se encontra separada de si mesma dividida de acordo com a

transcendecircncia e a imanecircncia169

Conforme nos aponta Dixsaut (2001) temos aqui algo que deve ser lido como um eco

das questotildees levantadas a Soacutecrates por Parmecircnides no diaacutelogo homocircnimo (Parm 131b1-2170

131c5-7171) diante de tal constataccedilatildeo ela nos diz que

Se Platatildeo retoma a propoacutesito das mocircnadas a criacutetica que Parmecircnides endereccedilaria agraves Formas podemos presentemente concluir que existem dois ὀὁmἷὅΝὂaὄaΝumaΝmἷὅmaΝἵὁiὅaέΝἠὁmἷaὄΝldquomὲὀaἶaὅrdquoΝaὅΝἔὁὄmaὅΝὂἷὄmitἷΝὀὁΝentanto insistir sobre uma das dificuldades que apresenta sua posiccedilatildeo ndash sobre a primeira aporia da participaccedilatildeo desenvolvida por Parmecircnides a despeito das outras (DIXSAUT 2001 p 296)

Poderiacuteamos pensar que Dixsaut ao dizer que existem dois nomes para uma mesma

coisa esteja tomando as mocircnadas como hecircnadas Creio que natildeo se trata disso No fundo ela

ἶiὐΝ ὃuἷΝ taiὅΝ uὀiἶaἶἷὅΝ (mὲὀaἶaὅ)Ν ἷὀὃuaὀtὁΝ ὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝ ldquouὀiἶaἶἷὅrdquoΝ ὅἷΝ aὅὅἷmἷlhamΝ ὡὅΝ

hecircnadas e neste caso do diaacutelogo elas recebem um outro nome mocircnadas Mas de acordo

com o que eacute expresso no Parmecircnides eacute possiacutevel reconhecer que haacute certa semelhanccedila ou

diferenccedilas inteligiacuteveis entre as mocircnadas Para compreender isso tenho que supor um εα βθ subentendido afixado a ατ αμ eacute por isso que avanccedilo nessa hipoacutetese com certa incerteza (2001 p 294-295) 168 Para os defensores da leitura em duas controveacutersias essa seria a terceira controveacutersia e todo o restante anterior faria parte da primeira controveacutersia 169 Cf DIXSAUT 2001 p 295 170 ldquoἓὀtatildeὁΝὅἷὀἶὁΝuma e a mesma estaraacute inteira simultaneamente em coisas que satildeo muacuteltiplas e separadas e assim ela estaria separada de si mἷὅmardquoΝ(ldquo θ λα θ εα α θ θ πκζζκῖμ εα ξπλ μ κ δθ ζκθ ηα θΫ αδ εα κ πμ α α κ ξπλ μ π βrdquo)Ν(Prm 131b1-2) 171 ldquoἜὁgὁΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ἶiὅὅἷΝ ἷlἷΝ ὅatildeὁΝ ἶiviὅiacutevἷiὅΝ aὅΝ fὁὄmaὅΝ mἷὅmaὅΝ ἷΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅΝ ὃuἷΝἶἷlaὅΝ ὂaὄtiἵiὂamΝparticipariam de uma de suas partes e natildeo eacute mais o todo que estaria em cada uma das coisas mas ὅimΝumaΝὂaὄtἷΝἵaἴἷὄiaΝaΝἵaἶaΝἵὁiὅardquoΝ(ldquoΜ λδ λα φΪθαδ υελα μ έθ α α β εα η Ϋξκθ α α θ ηΫλκυμ θ η Ϋξκδ εα κ εΫ δ θ εΪ ζκθ ζζ ηΫλκμ εΪ κυ θ θrdquo)Ν (Prm 135c6-7)

120 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

mesmo identidade entre as aporias levantadas por Parmecircnides no diaacutelogo homocircnimo em

relaccedilatildeo agraves Formas e essas postuladas nas controveacutersias do proacuteprio Soacutecrates Mais adiante

Dixsaut (2001 p 296) demonstra estar ciente de que Soacutecrates no Filebo insistiria nessas

aporias levantadas pelo Parmecircnides soacute que com uma diferenccedila ele natildeo para diante dessas

aporias agora mas insiste em postular a real existecircncia (uma e muacuteltipla) dessas mocircnadas

ldquoὅatildeo esses os problemas sobre esse tipo de um e muacuteltiplo Protarco ndash natildeo aqueles outros ndash

que quando natildeo se chega a um belo acordo sobre eles causam todo tipo de aporia mas

quando se chega tem-ὅἷΝumΝἵamiὀhὁΝὅἷmΝὁἴὅtὠἵulὁὅrdquoΝ(1ἃἴἄ-c3) Como bem notou a autora

francesa as dificuldades impostas por Parmecircnides natildeo satildeo insuperaacuteveis natildeo eacute necessaacuterio

que Platatildeo abandone as Formas e o modo de existecircncia que ele sempre as atribui pois nos

lembra a autora como no final do Parmecircnides (135b9c-2) se natildeo admitimos uma Forma ( Ϋα)

a cada um dos seres agravequilo que eacute sempre o mesmo eacute a potecircncia dialeacutetica ( κ δαζΫΰ γαδ

τθαηδθ)ΝὃuἷΝὅἷΝἷὅvaiμΝldquoa forma constitui a possibilidade da dialeacutetica mas eacute o exerciacutecio da

potecircncia dialeacutetica que confirma a existecircncia das Formas Sua potecircncia consiste sempre em

saber aquilo que eacute ( δ δθ)ΝἵaἶaΝὅἷὄΝ(έέέ)rdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1ΝὂέΝ297)

Certamente tudo o que foi dito diz respeito a uma claacutessica e intricada discussatildeo acerca

da questatildeo da participaccedilatildeo dos seres nas Formas volta a ser retomada no Filebo depois das

inuacutemeras aporias que ela suscitou no Parmecircnides Obviamente a questatildeo exige esforccedilo dos

inteacuterpretes e ainda estaacute longe de ser totalmente resolvida Ambos os inteacuterpretes aqui utilizados

natildeo datildeo como resolvidos esses claacutessicos problemas mas propotildeem no contexto do diaacutelogo

sem recorrer a acreacutescimos que natildeo estariam contidos na proacutepria obra172 Utilizo-os tambeacutem

172 Muniz e Rudebusch (2007) ainda demonstram uma seacuterie de leituras contrapostas a de ambos os autores em relaccedilatildeo agrave segunda controveacutersia tentando evidenciar seus supostos equiacutevocos na compreensatildeo da passagem tanto aqueles que adotam emendas clarividecircncia do texto ou mesmo uma revisatildeo gramatical distinta do grego antigo sob a qual o texto original platocircnico fora escrito Destarte ainda demonstram as deficiecircncias das leituras contemporacircneas como a de Migliori (1993) (tida como pleonaacutestica ao identificar um pleonasmo dentro da proacutepria braquilogia A leitura de Meinwald (1996) tambeacutem eacute citada no caso de clarividecircncia a partir de outros diaacutelogos E por fim a de ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ(ἀίίἄ)ΝὃuἷΝafiὄmaΝὃuἷΝldquoἷὅὅaὅrdquoΝἷΝldquoἷὅὅardquoΝiὀἶiἵaἶὁὅΝὂἷlaΝὅἷguὀἶaΝἵὁὀtὄὁvὧὄὅiaΝ(1ἃἴἀ-3) referem-se a espeacutecies de um mesmo gecircnero isto eacute ele interpreta a questatildeo como uma relaccedilatildeo parte-todo entre as partes do ζσΰκμ ἷΝὁΝtὁἶὁΝὃuἷΝἷlaὅΝἵὁὀὅtituἷmέΝldquoἢaὄaΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝὁΝlogos eacute a definiccedilatildeo da espeacutecie de modo que a relaccedilatildeo todo-ὂaὄtἷὅΝἷmΝὃuἷὅtatildeὁΝὧΝὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶaΝldquoἵὁὀὅtituiὦatildeὁΝἶaΝἷὅὂὧἵiἷrdquoΝndash ὁuΝldquoὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶaΝuὀiἶaἶἷΝἶὁΝlogos obtido por divisatildeo ndash ἷΝὀatildeὁΝldquoὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶaΝἶiviὅatildeὁΝἶὁΝgecircὀἷὄὁΝἷmΝvὠὄiaὅΝ ἷὅὂὧἵiἷὅrdquoΝ (εἧἠIZΝ ΤΝ ἤἧἒἓἐἧἥἑώ)έΝ ἠἷὅtἷΝ ἵaὅὁΝ havἷὄiamΝ ἶὁiὅΝ ὂὄὁἴlἷmaὅΝ ὀaΝ lἷituὄaΝ ἶἷΝDelcommminete (i) ela partilha de requerer clarividecircncia de Protarco mas de acordo com Delcomminette (2006) soacute mais adiante (com a introduccedilatildeo do meacutetodo divino 16c5-17a4) a interpretaccedilatildeo do texto faria sentido e teria sido entendida pelo interlocutor logo sem clarividecircncia Protarco natildeo entenderia a fala de Soacutecrates em 15b seria ininteligiacutevel (ii) elaΝtἷὄiaΝἶἷΝὅuὂὁὄΝὃuἷΝὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝprovoca as trecircs controveacutersias o que natildeo ocorre mas como afirmam Muniz amp Rudebusch o texto prova ἷxatamἷὀtἷΝὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁμΝldquo(έέέ)ΝlsquoὀatildeὁΝhὠΝmὁἶὁΝmἷlhὁὄrsquoΝ(κ η θ δ εαζζέπθ μ) do que este meacutetodo para evitar as aporiai causadas pelas trecircs controveacutersias fornecendo euporiai (1ἃἵἀ)rdquoΝ (εἧἠIZΝ ΤΝRUDEBUSCH 2007 p 132)

121 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

porque creio que possuem o meacuterito de tentar melhor esclarecer essa passagem intrincada do

diaacutelogo e porque tais soluccedilotildees me parecem mais convincentes se analisamos o texto original

Tanto Dixsaut (2001) quanto Muniz amp Rudebusch (2012) podem natildeo ter resolvido esses

problemas gerais nem mesmo a passagem em questatildeo mas certamente possuem certa

importacircncia por as terem tornado mais inteligiacuteveis Esses mesmos autores apresentam suas

ὂὁὅiὦὴἷὅΝἷὀὃuaὀtὁΝldquolἷituὄaὅrdquoΝἒixὅautΝaiὀἶaΝἶἷmὁὀὅtὄaΝὀὁΝὂὄὰὂὄiὁΝtἷxtὁΝaΝiὀὅἷguὄaὀὦaΝἵὁmΝaΝ

qual avanccedila nesta hipoacutetese interpretativa das trecircs controveacutersias (DIXSAUT 2001 p 295)

Voltemos ao diaacutelogo A discussatildeo prossegue e todos os esforccedilos devem agora ser

empregados para se alcanccedilar um caminho sem obstaacuteculos ( πκλέαμ) diante das dificuldades

( πκλέαμ) essa eacute a exigecircncia demonstrada por Protarco (15c4-5) suscitadas pela controveacutersia

( ηφδ ίβ κτη θα) que surgiu no diaacutelogo (15d2) Mas por onde comeccedilar Natildeo seria deste

ponto

Soc Dizemos que pelo discurso ( π ζ ΰπθ) a mesma coisa vindo a ser uma e muacuteltipla ( θ εα πκζζ ) circula sempre em todos os sentidos e em cada coisa dita tanto no passado quanto no presente Isso natildeo comeccedilou agora nem iraacute parar nunca trata-se como me parece de algo imortal que natildeo envelhece inerente ao discurso humano E sempre que um jovem ( θ θΫπθ) o experimenta173 sente tanto prazer ( φrsquoΝ κθ μ θγκυ δ ) como se tivesse descoberto algum tesouro de sabedoria ( μ δθα κφέαμ β λβε μ γβ αυλσθ)

173 ἏὃuiΝὂaὄἷἵἷΝὅἷὄΝὀὁtὠvἷlΝaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝldquo γΪθα σθΝ δΝεα ΰάλπθΝπΪγκμΝ θΝ ηῖθrdquoΝ(1ἃἶἆ)ΝaΝimὁὄtaliἶaἶἷΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἴἷmΝἵὁmὁΝὁΝtἷὄmὁΝπΪγκμΝὃuἷΝtaὀtὁΝὅἷΝὄἷfἷὄἷ agrave experiecircncia dos homens com os discursos como a uma caracteriacutestica (afecccedilatildeo) dos proacuteprios discursos O termo eacute traduzido por experiecircncia e seraacute ἶἷΝἷxtὄἷmaΝὄἷlἷvacircὀἵiaΝὀaΝaὀὠliὅἷΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅέΝἓὅὅaΝἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝldquoimὁὄtalrdquoΝἶὁὅΝἶiὅἵuὄὅὁὅΝὄἷtὁmaΝὁΝepiacuteteto homeacuterico (Od 5 153 VII 94 ll 8 539) e tambeacutem o Poliacutetico (273e) ao ser descrita a renovaccedilatildeo perioacutedica do demiurgo do cosmos Note-se aqui que Soacutecrates jaacute deixou claro que esse tipo de problema sobre o um e de muacuteltiplo que deseja tratar podemos dizer tambeacutem que os proacuteprios ζσΰκδ satildeo postos em questatildeo na medida em que pretendem dizer a realidade (criacutetica agrave antiloacutegica Cf R VII 539 b1ndash7 Sph 251 b6ndashc6 Plt 285a-b) Outro fator importante satildeo os termos utilizados ao se referir agrave atitude experimentada ὂἷlὁὅΝ ldquojὁvἷὀὅrdquoΝ ἷmΝ ὄἷlaὦatildeὁΝ aΝ ἷὅὅἷὅΝ ἶiὅἵuὄὅὁὅΝ tὁἶὁὅΝ ἷὅtatildeὁΝ ligaἶὁὅΝ aὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ(ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ (ἀίίἄΝ ὂέΝ ἆἅΝ ὀέΝ ἄἅ)Ν tamἴὧmΝ faὐΝ ὅἷmἷlhaὀtἷΝ ἵὁὀὅtataὦatildeὁ)Ν Οΰ τπΟΝ (gὁὅtὁΝ 1ἃἶλ)Ν κηαδΟΝ(ἶἷΝὅἷὀtiὄΝὂὄaὐἷὄΝ1ἃἶλ)ΝΟΝ η θκμΝΟ(ὄἷjuἴilaΝ1ἃἷἀ)Νldquo γ έμrdquoΝ(ὄἷgὁὐijaΝ1ἃἶλ) κθ μ (15e1) ἢaὄἷἵἷΝaὃuiΝὅἷὄΝjuὅtὁΝἶaὄΝvὁὐΝὡΝἦὁὄὄἷὅΝεὁὄalἷὅΝ(ἀί1ἀ)ΝἵὁὀἵὁὄἶaὀἶὁΝἵὁmΝἷlἷΝὃuἷμΝldquo(έέέ)ΝἷὅὅἷΝfatὁΝὀatildeὁΝapenas restaura o viacutenculo estreito e muitas vezes despercebido entre prazeres e discursos ou julgamentos mas sim reforccedila a ideia de que Protarco eacute tambeacutem um filoacutelogo que sente prazer em dizer e ouvir discursos o que o impede de ver aleacutem das palavras () Finalmente () achamos interessante acrescentar que novamente a enumeraccedilatildeo socraacutetica natildeo eacute aleatoacuteria mas mostra uma gradaccedilatildeo ou ordem em primeiro lugar a seacuterie jovem e contemporacircnea parece nos enviar claramente para o futuro para o passado e para o presente) o conjunto pai-matildee parece referir-se agrave origem e formaccedilatildeo do mais novo e a seacuterie homens-baacuterbaros parece designar uma gradaccedilatildeo entre homem e animal onde o baacuterbaro seria colocado no meio e ao mesmo tempo se refere ao alcance do interior e exterior da cidade Na vἷὄἶaἶἷΝὁὅΝἴὠὄἴaὄὁὅΝ(laquoίΪλίαλκδraquo)ΝὂaὄἷἵἷmΝἷὅtaὄΝὅἷὂaὄaἶὁὅΝἶὁὅΝhὁmἷὀὅΝἵὁmὁΝlaquoὁutὄὁὅΝὅἷὄἷὅΝvivὁὅraquoΝ(laquo θΝ ζζπθΝα πθraquo) e esta referecircncia refere-se agrave questatildeo poliacutetica da transmissatildeo do conhecimento ou perplexidade fora da proacutepria cidade a perplexidade dos jovens natildeo soacute afeta a cidade mas tambeacutem tem um efeito no exterior O Filebo natildeo desenvolve esta questatildeo mas acreditamos que essa eacute uma ὂὄἷὁἵuὂaὦatildeὁΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὂlatὲὀiἵὁΝἷΝἶaΝἷἶuἵaὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἀἀ1-222 n 37)

122 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

e natildeo soacute fica entusiasmado pelo prazer como se rejubila ( γ έμ) em mover todo e qualquer argumento (πΪθ α εδθ ῖ ζσΰκθ) ora revirando-o e o misturando em um soacute ora desenrolando-o de novo e dividindo-o em partes Em primeiro lugar lanccedila sobretudo a si mesmo na aporia ( μ απκλέαθ) em segundo lanccedila tambeacutem quem quer que esteja perto dele seja mais jovem mais velho ou da mesma idade dele ndash natildeo poupando pai nem matildee nem nenhum outro ouvinte Mas natildeo apenas os ouvintes humanos ndash por pouco natildeo poupa nem os animais ndash e bastaria ter um inteacuterprete para natildeo poupar sequer os baacuterbaros (15d4-16a3)

Diante de uma descriccedilatildeo extremamente cocircmica o que natildeo eacute surpreendente quando

em se tratando de Soacutecrates e da sua criacutetica aos jovens empolgados com o prazer dos

discursos174 e dos usos improacuteprios que por vezes fazem deles A resposta de Protarco eacute uma

investida com certo tom de indignaccedilatildeo ao relembrar a Soacutecrates que aquela discussatildeo eacute uma

discussatildeo entre jovens rodeada por um puacuteblico jovem (16a4) No entanto o desejo de sair

das aporias eacute ainda maior as discussotildees que geram as controveacutersias soacute poderatildeo encontrar

algumaΝὅὁluὦatildeὁΝaΝὂaὄtiὄΝἶἷΝalgumΝldquoἵamiὀhὁΝmaiὅΝἴἷlὁrdquoΝ( θ Ϋ δθα εαζζέπθ) do que o anterior

(14b1) Torna-se imprescindiacutevel que Soacutecrates coloque todo o seu ardor juntamente com seus

interlocutores para que Protarco possa acompanhaacute-lo diantἷΝἶἷΝldquoumaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὃuἷΝὀatildeὁΝὧΝ

ὀaἶaΝὂἷὃuἷὀardquoΝ(κ ΰ λ ηδελ μ παλ θ ζσΰκμ υελα μ) (16b3) A partir daiacute o tom eacute

acalmado pode-ὅἷΝὀὁtaὄΝiὅὅὁΝὂἷlὁΝmὁἶὁΝἵὁmὁΝἥὰἵὄatἷὅΝὅἷΝὄἷfἷὄἷΝaΝὅἷuὅΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝldquomἷuὅΝ

jὁvἷὀὅrdquoΝ( παῖ μ) (16b4) utilizando-se do modo como Filebo trata seus amigos De fato essa

questatildeo natildeo eacute pequena isto eacute o meacutetodo confirma Soacutecrates (16b4) natildeo poderia haver

ldquoἵamiὀhὁΝ maiὅΝ ἴἷlὁΝ ἶὁΝ ὃuἷΝ ἷὅtἷrdquoΝ (ldquoκ η θ δ εαζζέπθ μ κ rsquoΝ θ ΰ θκδ κrdquo) do qual

Soacutecrates insistentemente se declara como amaὀtἷΝ(ldquo- μ ΰ λα μ ηΫθ ηδ έrdquo)175 caminho

que muitas vezes lhe escapou deixando-ὁΝ ἶἷὅὁlaἶὁΝ ἷΝ ἷmΝ aὂὁὄiaΝ (ldquoπκζζΪεδμ Ϋ η β

δαφυΰκ α λβηκθ εα Ϋ β θrdquo) (16b6-7)

Perante a indagaccedilatildeo de Protarco sobre qual caminho seria esse torna-se possiacutevel

estabelecer o ponto que Soacutecrates haacute muito tempo jaacute almejava chegar Sua resposta adverte

a respeito das dificuldades de se utilizar este caminho mostraacute-lo natildeo eacute difiacutecil difiacutecil poreacutem eacute

174 Cf R VII 539 b1ndash7 Sph 251 b6ndashc6 Plt 285a-b 175 Haacute aqui uma ressonacircncia daquilo que foi dito no Fedro ldquoἓuΝmἷὅmὁΝἔἷἶὄὁΝὅὁuΝamaὀtἷΝἶἷὅὅaὅΝdivisotildees ( δαδλΫ πθ) e reuniotildees ( υθαΰπΰ θ)rdquoΝ (ἀἄἄἴἁ-4) A passagem apresenta certa literalidade com o meacutetodo das divisotildees descrito no Fedro (265e-266b) Podemos tambeacutem aqui nos lembrar tanto do Sofista (253d1-3) onde se afirma que a divisatildeo por gecircneros ( εα ΰΫθβ δαδλ ῖ γαδ)ΝὧΝldquoὁἴὄaΝἶaΝἵiecircὀἵiaΝἶialὧtiἵardquoΝ( μ δαζ ε δε μ πδ άηβμ) como tambeacutem do Poliacutetico advertindo que no uso do meacutetodo dialeacutetico para a definiccedilatildeo do poliacutetico esta natildeo eacute feita em vista deste personagem mas para ldquoὀὁὅΝtὁὄὀaὄmὁὅΝmἷlhὁὄἷὅΝἶialὧtiἵὁὅΝἷmΝtὁἶὁὅΝὁὅΝἶὁmiacuteὀiὁὅrdquoΝ( κ π λ πΪθ α δαζ ε δεπ Ϋλκμ ΰέΰθ αδ) (285d6-7) A questatildeo sobre o meacutetodo da divisatildeo e suas implicaccedilotildees no contexto do Filebo eacute um dos importantes problemas que ainda dividem os inteacuterpretes Sobre isso falarei mais adiante Para uma anaacutelise mais detalhada cf BRAVO (2007 p 11-37)

123 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

utilizaacute-lὁέΝldquoἦὁἶaὅΝaὅΝἵὁiὅaὅΝὄἷlativaὅΝὡὅΝ Ϋξθβμ (teacutecnicas) descobertas vieram agrave luz por meio

ἶἷlἷrdquoΝ(1ἄἵ1-2) Segue a descriccedilatildeo do caminho

Soc Eu vejo esse caminho como um presente dos deuses lanccedilado dos deuses de algum lugar junto com um fogo de intenso brilho por algum Prometeu E os mais antigos que eram superiores a noacutes e habitavam mais ὂἷὄtὁΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅΝtὄaὀὅmitiὄamΝἷὅὅaΝtὄaἶiὦatildeὁμΝldquoaὅΝἵὁiὅaὅΝὃuἷΝὅἷΝὂὁἶἷΝὅἷmὂὄἷΝdizer que satildeo vecircm do um e do muacuteltiplo e tecircm nelas mesmas um limite e uma ilimitaὦatildeὁΝ ldquoiὀatὁὅrdquoέΝ ἥἷΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅΝ fὁὄamΝ ἴἷlamἷὀtἷΝ ἶiὅὂὁὅtaὅΝ ἷmΝ talΝ ὁὄἶἷmΝdevemos entatildeo admitir sempre para cada caso apenas uma forma para qualquer uma delas e devemos buscaacute-la e certamente a encontraremos presente Se entatildeo a apreendermos devemos depois de uma examinar duas se houver caso natildeo haja duas devemos examinar trecircs ou qualquer outro nuacutemero Devemos examinar da mesma maneira cada uma delas ateacute que se veja essa unidade original natildeo apenas como uma muacuteltipla e ilimitada mas tambeacutem que se vejam quantos elementos ela tem mas natildeo devemos aplicar a forma do ilimitado agrave pluralidade antes de percebermos o nuacutemero total da pluralidade que existe entre o ilimitado e o um e soacute entatildeo podemos nos despedir dessas coisas e abandonar cada uma delas no ilimitado Como disse os deuses ofereceram-nos essa tradiccedilatildeo para examinarmos aprendermos ensinarmos uns aos outros Mas os saacutebios atuais produzem o um e o muacuteltiplo ao acaso mais raacutepido ou mais lento do que deveriam fazer Vatildeo de imediato do um ao ilimitado deixando escapar os intermediaacuterios Mas satildeo esses intermediaacuterios que distinguem a discussatildeo dialeacutetica que travamos uns com os outros de seu contraacuterio a eriacutestica (16c5-17a5) Ω γ θΝη θΝ μΝ θγλυπκυμΝ σ δμΝ μΝΰ Νεα αφαέθ αδΝ ηκέΝπκγ θΝ εΝγ θΝλλέφβΝ δΪΝ δθκμΝ ΠλκηβγΫπμΝ ηαΝ φαθκ Ϊ δθ πυλέμΝ εα κ η θΝ παζαδκέΝ

ελ έ κθ μΝ η θΝεα ΰΰυ ΫλπΝγ θΝκ εκ θ μΝ ατ βθΝφάηβθΝπαλΫ κ αθΝ μΝιΝ θ μΝη θΝεα πκζζ θΝ θ πθΝ θΝ ζ ΰκηΫθπθΝ θαδΝπΫλαμΝ εα π δλέαθΝθΝα κῖμΝ τηφυ κθΝ ξσθ πθέΝ ῖθΝκ θΝ η μΝ κτ πθΝκ πΝ δαε εκ ηβηΫθπθΝ

ηέαθΝ ΫαθΝ π λ παθ μΝ εΪ κ Ν γ ηΫθκυμΝ αβ ῖθmdash λά δθΝ ΰ λΝθκ αθmdash θΝκ θΝη αζΪίπη θΝη ηέαθΝ τκΝ ππμΝ έΝ εκπ ῖθΝ

ηάΝ λ ῖμΝ δθαΝ ζζκθΝ λδγησθΝεα θΝ θΝ ε έθπθΝ εα κθΝπΪζδθΝ ατ πμΝηΫξλδπ λ θΝ εα ᾽ λξ μΝ θΝη δΝ θΝεα πκζζ εα π δλΪΝ δΝησθκθΝ δμΝ ζζ εα πσ αμΝ θΝ κ π έλκυΝ ΫαθΝπλ μΝ πζ γκμΝη πλκ φΫλ δθΝ

πλ θΝ θΝ δμΝ θΝ λδγη θΝα κ πΪθ αΝεα έ θ η αι κ π έλκυΝ Νεα κ θσμΝ σ Ν ᾽ βΝ θΝ εα κθΝ θΝπΪθ πθΝ μΝ π δλκθΝη γΫθ αΝξαέλ δθΝ

θέΝ κ η θΝ κ θΝ γ κέΝ π λΝ πκθΝ κ πμΝ ηῖθΝ παλΫ κ αθΝ εκπ ῖθΝ εα ηαθγΪθ δθΝεα δ Ϊ ε δθΝ ζζάζκυμμΝκ θ θΝ θΝ θγλυππθΝ κφκ θΝηΫθΝ

ππμΝ θΝ τξπ δΝεα πκζζ γ κθΝεα ίλα τ λκθΝπκδκ δΝ κ Ϋκθ κμΝη θΝ π δλαΝ γτμΝ ηΫ αΝα κ μΝ εφ τΰ δmdashκ μΝ δαε ξυλδ αδΝ σΝ Ν

δαζ ε δε μΝ πΪζδθΝ εα λδ δε μΝ η μΝ πκδ ῖ γαδΝ πλ μΝ ζζάζκυμΝ κ μΝζσΰκυμΝ(1ἄἶἃ-17a5)

ἢἷlaΝὂaὅὅagἷmΝaἵimaΝfiἵaΝaiὀἶaΝmaiὅΝἷviἶἷὀtἷΝὃuἷΝldquoὁΝἵamiὀhὁΝmaiὅΝἴἷlὁrdquoΝ(εαζζέπθ

μ) que Soacutecrates se declara como amante ( λα μ)Ν(1ἄἴἅ)ΝὧΝaΝἶialὧtiἵaέΝldquoἓlἷΝὧΝὁΝmaiὅΝἴἷlὁΝ

caminho natildeo porque seja infaliacutevel mas porque apenas ele permite compreender o que cada

ὅἷὄΝὧΝvἷὄἶaἶἷiὄamἷὀtἷrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1ΝὂέΝἀλἆ)έΝἏiὀἶaΝὀὁὅΝὧΝἶitὁΝὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅΝὃuἷΝἷlἷΝὧΝ

um ldquoἶὁmΝἶiviὀὁrdquoΝ(1ἄἵἃ)ΝlaὀὦaἶὁΝaΝὀὰὅΝὂὁὄΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷurdquoΝ( δΪΝ δθκμΝΠλκηβγΫπμ)Ν(1ἄἵἄ)Ν

124 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

tὄaὀὅmitiἶὁΝ aΝ ὀὰὅΝ ὂἷlὁὅΝ ἏὀtigὁὅΝ (κ η θΝ παζαδκέ)Ν (1ἄἵἅ)έΝ ἡὅΝ ἵὁmἷὀtaἶὁὄἷὅΝ ἷmΝ gἷὄalΝ ἶὁΝ

diaacutelogo atribuem agrave Pitaacutegoras176 atestando certa evidecircncia de que Pitaacutegoras teria recebido tal

revelaccedilatildeo divina e transmitido a seus disciacutepulos esses antigos aos quais Soacutecrates faria

referecircncia nessa passagem que viviam mais perto dos deuses A hipoacuteteses dos tradutores se

baseia em dois pontos principais (i) Pitaacutegoras seria visto por Platatildeo como uma espeacutecie de

semi-deus que teria transmitido uma revelaccedilatildeo divina a seus seguidores (ii) Platatildeo

reconheceria em Pitaacutegoras um filoacutesofo da natureza177

Carl Huffman (1999) certamente possui o meacuterito de ter contestado ambas as

hipoacuteteses diante de um vasto estudo sobre as relaccedilotildees entre os pitagoacutericos e Platatildeo

especialmente ao analisar esse conteuacutedo em especiacutefico do Filebo Ele nos diz

176 Dois dos mais importantes tradutores do Filebo apostam nessa hipoacutetese Gosling (1975) e Hackforth (1945) 177 Huffman (199) apresenta vaacuterios motivos para descartarmos essas hipoacuteteses Antes poreacutem ele destaca que a interpretaccedilatildeo de que Pitaacutegoras pudesse ser considerado um ser divino por Platatildeo remonta agrave proacutepria antiguidade posterior ao nosso filoacutesofo Na proacutepria Academia surge essa controveacutersia por um lado Espeusipo e os acadecircmicos defendiam que o platonismo seria uma elaboraccedilatildeo dos temas pitagoacutericos E por outro estavam os aristoteacutelicos que faziam uma clara distinccedilatildeo entre Platatildeo e os pitagoacutericos O teoacuterico destaca tambeacutem que muitos como Aristoacuteteles Aristoxeno consideravam Pitaacutegoras como divino mas quanto a Platatildeo muito se supunha (entre acadecircmicos e aristoteacutelicos) se talvez tambeacutem essa natildeo fosse a sua visatildeo sobre Pitaacutegoras No entanto como diz ώuffmaὀμΝldquotἷὄiacuteamὁὅΝἵἷὄtaὅΝἶifiἵulἶaἶἷὅΝἷmΝὅuὂὁὄΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝὂὁἶἷὄiaΝtἷὄΝaἶὁtaἶὁΝaΝὁὂiὀiatildeὁΝὅἷgundo a qual Pitaacutegoras teria recebido uma revelaccedilatildeo divina a partir da qual ele Platatildeo desenvolveria sua ήltimaΝfilὁὅὁfiardquoΝ(1λλλΝὂέΝ1ἂ)έΝώuffmaὀΝaiὀἶaΝἶἷὅtaἵaΝὃuἷΝἷὅtaΝaὅὅimilaὦatildeὁΝἶἷΝἢitὠgὁὄaὅΝaΝumΝfilὰὅὁfὁΝda natureza eacute extremamente problemaacutetica apoiando-se em Burket e que talvez seria melhor admitir que Platatildeo se apoia nas concepccedilotildees dos pitagoacutericos do seacuteculo V aC que veem na filosofia do ilimitado e do ilimite e que deve ser considerada como um conhecimento particular e por isso atribua a ela uma revelaccedilatildeo divina que talvez remontasse ao proacuteprio Pitaacutegoras De acordo com o teoacuterico Pitaacutegoras eacute uma personagem xamacircnico inventor de uma forma de viver (a Comunidade pitagoacuterica) Ele recorre a passagem da Repuacuteblica (X 600a-b) na qual Pitaacutegoras eacute citado mas mesmo nessa passagem o filoacutesofo antigo natildeo eacute citado como um filoacutesofo da natureza nem como um personagem divino mas como alguὧmΝ ὃuἷΝ ὧΝ vἷὀἷὄaἶὁΝ ὂὁὄΝ tἷὄΝ ἶἷὅἵὁἴἷὄtὁΝ umaΝ fὁὄmaΝ ἶἷΝ vivἷὄΝ ὂὁὄΝ iὅὅὁΝ ὧΝ ἵhamaἶὁΝ ἶἷΝ ldquo ΰ ηυθ παδ έαμrdquoΝἷΝ tἷὄiaΝἶἷὅἵὁἴἷὄtὁΝumΝ Πυγαΰσλ δκμ λσπκμ κ κέΝ ldquoἣuaὀἶὁΝἢlatatildeὁΝἶiὅἵutἷΝmaiὅΝaἵimaΝnesse mesmo diaacutelogo (R X 530d5) sobre os trabalhos teacutecnicos pitagoacutericos sobre a muacutesica ele se refere aos pitagoacutericos e natildeo ao proacuteprio Pitaacutegoras Por consequecircncia a imagem que noacutes temos de Pitaacutegoras e dos pitagoacutericos na Repuacuteblica estaacute totalmente de acordo com aquela que noacutes encontramos em Aristoacuteteles na qual todas as doutrinas filosoacuteficas envolvendo o limite o ilimitado o nuacutemero e a harmonia satildeo atribuiacutedas aos pitagoacutericos do quinto seacuteculo e na qual o proacuteprio Pitaacutegoras eacute mal citado ou associado a histoacuterias infundadas Mas essa visatildeo de Pitaacutegoras sustentada por Aristoacuteteles e pelo Platatildeo da Repuacuteblica na verdade natildeo concorda com a interpretaccedilatildeo corrente do Filebo que representa Pitaacutegoras como um Prometeu enviando dos deuses a intuiccedilatildeo filosoacutefica central do pitagorismo do quinto seacuteculo (p 15) Para uma anaacutelise ainda mais aprofundada e que segue esta mesma visatildeo torna-se imprescindiacutevel recorrer agrave interpretaccedilatildeo iacutetalo-brasileira do Prof Cornelli em dois textos em que ele discute claramente as passagens do Filebo em paralelo com o pitagorismo do quinto seacuteculo especialmente os fragmentos de Filolau oferecendo-nos uma compreensatildeo renovada dos traccedilos neopitagoacutericos presentes no Filebo distantes poreacutem da visatildeo claacutessica que procura atribuir as questotildees metafiacutesicas desse diaacutelogo a um protopitagorismo (Cf CORNELLI 2010a p 210- 216 2010b p 35-72)

125 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

() nada em Platatildeo nos sugere que o sistema do limite e do ilimitado remonta a Pitaacutegoras Noacutes podemos estimar por consequecircncia que Platatildeo se refere ao sistema de Filolau sistema que data do quinto seacuteculo sobre o qual Aristoacuteteles ὂaὄἷἵἷΝaΝὅuaΝmaὀἷiὄaΝὅἷΝaὂὁiaὄΝὀἷὅὅaΝὅuaΝἶἷὅἵὄiὦatildeὁΝἶὁΝὂitagὁὄiὅmὁrdquoΝ(1λλλΝp 17)

Antes poreacutem de nos referirmos agraves questotildees do limite e ilimitado fundamentais agrave

nossa discussatildeo voltemos pois aos aspectos externos relativos agrave dialeacutetica tal como ela eacute

descrita Talvez ao inveacutes de ir em busca da personagem histoacuterica que esteja por traacutes desse

Prometeu seja necessaacuterio retomar o sentido miacutetico que essa personagem traz consigo e o

uso que Platatildeo faz dele aqui neste momento do diaacutelogo Primeiramente eacute preciso observar a

expressatildeo utilizada em que haacute um certo tom que tira a proeminecircncia de divindade dado que

ὅἷΝἶiὐΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷurdquoέΝἢὄὁmἷteu estaacute ligado intimamente agrave teacutecnica ( Ϋξθβ) sobre ele eacute dito

tἷὄΝὄὁuἴaἶὁΝὁΝldquofὁgὁΝὅagὄaἶὁrdquoΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅΝἷlἷmἷὀtὁΝfuὀἶamἷὀtalΝὂaὄaΝaΝὂὄὁἶuὦatildeὁΝἶἷΝtὁἶaὅΝaὅΝ

teacutecnicas e tecirc-lo doado aos homens No entanto em Platatildeo esse mito adquire uma nova

interpretaccedilatildeo esse fogo natildeo eacute fruto de um roubo mas sim eacute um presente dado aos homens

pelos proacuteprios deuses Prometeu entatildeo seria um desses deuses178

A menccedilatildeo a Prometeu natildeo eacute ineacutedita na obra platocircnica o Filebo natildeo eacute o uacutenico exemplo

basta voltarmos ao Protaacutegoras (321 c7ndash322 a2) onde temos uma visatildeo mais fiel agrave tradiccedilatildeo e

no Poliacutetico (274 c5ndashd2) que contrasta com aquele diaacutelogo podendo como nos diz

Delcomminette (2006) serem explicados ambos em relaccedilatildeo agraves regras estabelecidas na

Repuacuteblica (II 378 e4ndash380 c10) acerca do modo como devem ser regrados os discursos aos

ἶἷuὅἷὅΝ(ὂέΝλἂ)έΝἡὄaΝὀatildeὁΝtἷὄiaΝἥὰἵὄatἷὅΝaὀtἷὅΝἶἷΝἷxὂὁὄΝἶἷtalhaἶamἷὀtἷΝὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝ

dito em 16c1-ἁΝ ὃuἷΝ ὁΝ ldquoἵamiὀhὁΝmaiὅΝ ἴἷlὁrdquoΝ (mὧtὁἶὁ)Ν ὅἷὄiaΝ aΝ ὁὄigἷmΝ ἶἷΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ tὧἵὀiἵaὅΝ

( Ϋξθβμ) que todas vieram agrave luz atraveacutes desse meacutetodo Portanto esse sentido permanece

fiel agrave ressignificaccedilatildeo platocircnica do mito de Prometeu Sobre isso satildeo esclarecedoras as

palavras de Huffman

Platatildeo encontra-se mais preocupado em mostrar que o meacutetodo que ele quer apresentar eacute decisivo para o conjunto das artes e das ciecircncias ( Ϋξθαδ) Ele mesmo faz essa declaraccedilatildeo impressionante todas as descobertas que teriam sido feitas nesse domiacutenio devem ser atribuiacutedas a esse meacutetodo Natildeo eacute surpreendente que quando relata a origem desse meacutetodo ele se refira ao santo patrono de todas as Ϋξθαδ Prometeu Tambeacutem no Prometeu acorrentado Prometeu declara que ele doou o fogo aos homens e que estes tiraram do fogo as variadas teacutecnicas ( φ κ ΰ πκζζ μ εαηαγά κθ αδ Ϋξθαμ 252-254) Quando Platatildeo diz que o meacutetodo que ele iraacute descrever foi lanccedilado das alturas divinas por algum Prometeu ao mesmo tempo que o fogo luminoso ele estaacute realmente dizendo que esse meacutetodo possui tanto valor

178 Sobre isso cf DELCOMMINETTE (2006 p 94) PUCCI (2005 p 31-70) VERNANT (2008 p 313-325)

126 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

para as artes assim como o proacuteprio fogo siacutembolo do poder tecnoloacutegico da humanidade Obviamente um meacutetodo filosoacutefico que natildeo pode ser atribuiacutedo ao Prometeu da tradiccedilatildeo mitoloacutegica eacute por isso que Platatildeo nos convida a ἵὁὀὅiἶἷὄaὄΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷurdquoΝumΝἢὄὁmἷtἷuΝὄἷviὅtὁΝἷΝἵὁὄὄigiἶὁΝὃuἷΝjuὀtὁΝἵὁmΝo fogo transmite um meacutetodo filosoacutefico (1999 p 15-16)

Diante disso eacute preciso reconhecer esse tom de diversatildeo aplicado agrave descriccedilatildeo de

Prometeu na passagem Essa intepretaccedilatildeo parece nos dar um sentido mais preciso dessa

invocaccedilatildeo ou seja se retomamos o momento que se insere a passagem ao voltarmos aos

trechos anteriores (16c1-3) a ela faz mais sentido essa interpretaccedilatildeo Neste sentido nada

nos dirige a algo que esteja por traacutes (da maacutescara) de Prometeu como por exemplo uma

mἷὀὦatildeὁΝaΝἢitὠgὁὄaὅέΝἑὁmὁΝἶiὐΝώuffmaὀΝ(1λλλ)ΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷuΝὧΝὅimὂlἷὅmἷὀtἷΝἢὄὁmἷtἷurdquoΝ

(p 16)

O tom de solenidade expresso por Soacutecrates em sua descriccedilatildeo do meacutetodo atestando

ainda maiὁὄΝὄἷὅὂἷitὁΝὂἷlὁὅΝldquoaὀtigὁὅrdquo (κ η θΝπαζαδκέ) que estavam mais proacuteximos dos deuses

e que transmitiram tal tradiccedilatildeo dotado de humildade eacute algo que tambeacutem deve ser melhor

compreendido Antes de tudo como jaacute foi dito a mesma solenidade eacute comum em outros

diaacutelogos isto eacute talvez seja melhor realccedilar o sentido altamente persuasivo desta declaraccedilatildeo

jaacute que eacute necessaacuterio dar a dialeacutetica em um primeiro momento um estatuto de teacutecnica eficiente

para vida dos homens As alusotildees agrave doutrina dos ilimitado e do ilimite e posteriormente agrave

analogia musical recobrem ainda mais esse sentido Lembre-se que no final da descriccedilatildeo

Soacutecrates diz que essa teacutecnica permite que se examine ( εκπ ῖθ) que ela se destina ao

aprendizado (ηαθγΪθ δθ) e ao ensino ( δ Ϊ ε δθ) (16e3-4) Como nos diz Delcomminette

ldquoὂarece portanto que a dialeacutetica seja descrita aqui como a contraparte teoacuterica de todas as

Ϋξθβμ isto eacute dizer como o que eacute transmissiacutevel atraveacutes da aprendizagem e ἷὀὅiὀὁrdquoΝ(ἀίίἄΝὂέΝ

95) Todo o restante do diaacutelogo parece confirmar esse sentido agrave medida em que a dialeacutetica

serve como instrumento para a classificaccedilatildeo dos prazeres e conhecimentos a serem incluiacutedos

na boa vida (mista) A dialeacutetica iraacute se deter na investigaccedilatildeo dessa melhor composiccedilatildeo

resultante da vida boa A vida boa que natildeo pode ser descrita unicamente pela via teoacuterica mas

precisa ser descrita em sua real efetividade praacutetica isto eacute natildeo apenas como essa vida eacute mas

como ela deveria ser Ao mesmo tempo nem mesmo a dialeacutetica se livra como se poderaacute ver

desta ambiguidade que carrega consigo sendo ao mesmo tempo divina porque esta tambeacutem

eacute a sua origem ela se insere no campo humano das teacutecnicas dos conhecimentos

A caracterizaccedilatildeo solene do meacutetodo possui deste modo quando analisamos o contexto

da discussatildeo um sentido fortemente persuasivo Primeiro porque como se nota eacute preciso

que Protarco em sua extrema piedade (Cf 28b7-10 e1-6) natildeo ousa reconhecer um meacutetodo

divino como absurdo Desta maneira em um primeiro momento na pesquisa atual eacute possiacutevel

ainda natildeo tratar dos problemas seacuterios do um e do muacuteltiplo questatildeo que seraacute retomada mais

127 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

a frente por Soacutecrates e aiacute entatildeo ficaratildeo mais claros os objetivos de Soacutecrates em relaccedilatildeo ao

meacutetodo Ora se a dialeacutetica eacute um dom dos deuses torna-se possiacutevel a aceitaccedilatildeo dela por parte

de Protarco a despeito dos problemas que ela origina e que permanecem sem soluccedilatildeo em

dado momento para o interlocutor179

Enquanto essas soluccedilotildees para noacutes podem ser esclarecidas caso retomemo outros

diaacutelogos para Protarco ainda natildeo estatildeo suficientemente claras (DELCOMMINETTE 2006

ὂέΝλἃ)έΝἒὁΝmἷὅmὁΝmὁἶὁΝὅἷὄὠΝὂὁὅὅiacutevἷlΝaΝἢlatatildeὁΝἷxiἴiὄΝὀὁvὁὅΝἷlἷmἷὀtὁὅΝaὁΝὅἷὄΝἶitὁΝὃuἷΝldquoὅἷΝaὅΝ

ἵὁiὅaὅΝ fὁὄἷmΝ ἴἷlamἷὀtἷΝ ἶiὅὂὁὅtaὅΝ ἷmΝ talΝ ὁὄἶἷmΝ ἶἷvἷmὁὅΝ aἶmitiὄΝ (έέέ)rdquoΝ ( κτ πθΝ κ πΝ

δαε εκ ηβηΫθπθ) (16d1-2) ou seja os antigos nos disseram que as coisas que se podem

dizer sempre que satildeo vecircm do um e do muacuteltiplo e tecircm nelas um limite e uma ilimitaccedilatildeo inatos

( μΝ ιΝ θ μΝη θΝεα πκζζ θΝ θ πθΝ θΝ ζ ΰκηΫθπθΝ θαδΝπΫλαμΝ εα π δλέαθΝ θΝα κῖμΝ

τηφυ κθΝ ξσθ πθ) (16c4-5) sem dar nenhuma argumentaccedilatildeo acerca deste fato mas

apenas os antigos disseram assim Sobre isso explicita ainda mais Delcomminette

Nestas circunstacircncias se natildeo somos tatildeo piedosos como Protarco que razatildeo devemos dar creacutedito a esta afirmaccedilatildeo e agrave ontologia O que isso pressupotildee Na verdade a situaccedilatildeo eacute mais uma vez muito mais complicada do que parece agrave primeira vista com efeito veremos que a ontologia que parece ser simplesmente pressuposta nesta passagem seraacute desenvolvida mais tarde em uma passagem que consistiraacute em uma aplicaccedilatildeo do meacutetodo aqui descrito Em outras palavras a ontologia pressuposta pela dialeacutetica seraacute trazida agrave luz por uma aplicaccedilatildeo da dialeacutetica e a aparente prioridade loacutegica da ontologia sobre a dialeacutetica seraacute substituiacuteda por uma aparente prioridade loacutegica da dialeacutetica sobre a ontologia O fato de que esta passagem descreve a dialeacutetica como revelaccedilatildeo divina portanto natildeo tem apenas por resultado a quebra do ciacuterculo entre a concepccedilatildeo correta do bem e o meacutetodo a ser utilizado para alcanccedilaacute-lo ele tambeacutem introduz um novo ciacuterculo entre dialeacutetica e ontologia e nos oferece os meios para entrar neste ciacuterculo Como veremos esse segundo ciacuterculo tem relaccedilotildees iacutentimas com o primeiro Esta estrutura extremamente complexa apresenta um problema fundamental para o inteacuterprete (2006 p 95-96)

ἒiaὀtἷΝἶὁΝὃuἷΝfὁiΝἶitὁΝaΝmἷὀὦatildeὁΝaὁὅΝldquoaὀtigὁὅrdquoΝtὁὄὀa-se mais clara ainda Eacute necessaacuterio

investigar o conteuacutedo trazido por esta tradiccedilatildeo Retomando Huffman (1999) podemos notar

que ele nos traz evidecircnciaὅΝaiὀἶaΝmaiὅΝὄἷlἷvaὀtἷὅΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝaὁΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝldquoὀaἶaΝἷmΝἢlatatildeὁΝ

179 ἏΝ mἷuΝ vἷὄΝ aΝ ἷxὂliἵaὦatildeὁΝ ἶἷΝ ἑὁὄὀἷlliΝ ὅὁἴὄἷΝ ὁΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ἶaΝ ldquoὄἷvἷlaὦatildeὁΝ ἶiviὀardquoΝ ὂaὄἷἵἷΝ ὅἷὄΝ aΝ maiὅΝὂἷὄtiὀἷὀtἷΝἶἷὀtὄἷΝaὅΝὃuἷΝἷὀἵὁὀtὄἷiΝaὅὅimΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoἷὅὅaΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝiὀὅiὅtἷὀtἷΝaΝumaΝὁὄigἷmΝἶiviὀaΝ[ὃuἷΝnovamente reapareceraacute em 23c-d] pode sublinhar o valor que Platatildeo daacute agrave teoria do limitante e do ilimitado Soacutecrates havia declarado diversas vezes seu temor para com os deuses nas primeiras paacuteginas do diaacutelogo (12c) Ao mesmo tempo a revelaccedilatildeo natildeo deve ser pensada como algo completo definitivo ndash como poderia sugerir certa influecircncia sobre a leitura dos antigos da concepccedilatildeo dogmaacutetica da matriz judaico-cristatilde-iὅlacircmiἵaΝ iὅtὁΝ ὧΝ ἶaὅΝ aὅὅimΝ ἵhamaἶaὅΝ lsquoὄἷligiὴἷὅΝ ἶὁΝ ἜivὄὁrsquoέΝ ἏΝ ὄἷvἷlaὦatildeὁΝ aὁΝcontraacuterio pode ser pensada como algo de origem nobre e que pede para ser continuado como um ἵὁmὂὄὁmiὅὅὁΝaΝὅἷὄΝtὁmaἶὁΝὀὁΝfutuὄὁμΝὀatildeὁΝἵὁmὁΝalgὁΝἷὅtὠtiἵὁΝἶὁgmὠtiἵὁrdquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝἀ1ἂ)έ

128 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

sugere que o sistema do limite e do ilimitado remonte agrave Pitaacutegoras Podemos estimar por

ἵὁὀὅἷὃuecircὀἵiaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝὅἷΝὄἷfἷὄἷΝaὁΝὅiὅtἷmaΝἶἷΝἔilὁlaurdquoΝ(ὂέΝ1ἅ)έΝἓὅὅἷὅΝaὀtigὁὅΝἷmΝὃuἷὅtatildeὁΝ

seriam os pitagoacutericos do seacuteculo V aC180 pois Filolau eacute o primeiro dos pitagoacutericos que insurge

em resposta aos filoacutesofos da natureza que o precederam ao construir o sistema de limite e

ilimitado colocando-os no mesmo plano ambos igualmente como dois princiacutepios em

resposta agrave prioridade dada ao π δλκθ logo apoacutes as obras de Anaxaacutegoras e de Zenatildeo ele

nos lembra o fragmento 1 do pitagoacuterico

A natureza do universo foi harmonizada a partir de ilimitados e de limitadores mdash natildeo apenas o universo como um todo mas tambeacutem tudo o que nele existe (Fr1)

φ δμΝ ΥΝ θΝ ε η λη ξγβΝ ιΝ π λπθΝ Νεα π λαδθ θ πθΝεα ζκμΝ ε ηκμΝεα θΝα π θ α (Fr 1)181

Podemos tambeacutem retomar o fragmento 2

Forccedilosamente eacute que as coisas que existem sejam todas elas ou limitadoras ou ilimitadas ou simultaneamente limitadoras e ilimitadas Mas natildeo podiam ser apenas ilimitadas Portanto uma vez que elas parecem natildeo dever a sua existecircncia nem agraves coisas que satildeo todas limitadoras nem agraves que satildeo todas ilimitadas eacute evidente por conseguinte que tanto o universo como aquilo que nele existe foram harmonizados a partir simultaneamente dos limitadores e dos ilimitados Eacute isto o que demonstram tambeacutem as coisas tal como efetivamente existem Eacute que algumas delas provenientes dos limitadores limitam outras procedentes tanto dos limitadores como dos ilimitados limitam e natildeo limitam ao mesmo tempo e as outras que provecircm dos ilimitados satildeo evidentemente ilimitadas (Fr 2)

θΪΰεαΝ σθ αΝ η θΝ πΪθ αΝ π λαέθκθ αΝ π δλαΝ π λαέθκθ ΪΝ Ν εα π δλαmiddotΝ π δλαΝ ησθκθΝκ εΝ έέΝ π κέθυθΝφαέθ αδΝκ ΥΝ ε π λαδθσθ πθ

πΪθ πθ σθ α κ ι π έλπθ πΪθ πθ ζκθ λα δ ε π λαδθσθ πθ εα π έλπθ εσ ηκμ εα θ α δ υθαλησξγβ βζκῖ εα θ κῖμ

180 Huffman diz que essa hipoacutetese natildeo deve ser descartada tendo em vista que Filolau eacute contemporacircneo de Platatildeo isto eacute natildeo haacute uma distacircncia de seacuteculos entre ambos Se colocamos na boca de Soacutecrates (hiὅtὰὄiἵὁ)ΝiὅὅὁΝὂaὄἷἵἷὄiaΝὂὁuἵὁΝὂὄὁvὠvἷlΝiὅtὁΝὧΝὀὁmἷaὄΝἔilὁlauΝἵὁmὁΝumΝldquoaὀtigὁrdquoέΝεaὅΝὅἷΝlἷvaὄmὁὅΝem conta o fato de que realmente o Filebo eacute um dos uacuteltimos diaacutelogos escritos por Platatildeo faz todo o sentido Aleacutem do maiὅΝἷlἷΝὀὁὅΝἵὁὀviἶaΝὡΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὄΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝldquoὁὅΝaὀtigὁὅrdquoΝἵὁὀfὁὄmἷΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝldquohὁmἷὀὅΝἶἷΝaὀtἷὅΝἶἷΝὀὁὅὅὁΝtἷmὂὁrdquoΝἷΝὀatildeὁΝἵὁmὁΝgecircὀiὁὅΝἶἷΝumaΝaὀtiguiἶaἶἷΝimἷmὁὄialέΝἡΝtἷὰὄiἵὁΝaiὀἶaΝrecorre ao exemplo do Fedro (235b) diaacutelogo no qual Anacreonte ainda em atividade no sexto seacuteculo ὧΝἵὁὀὅiἶἷὄaἶὁΝumΝἶἷὅὅἷὅΝldquoaὀtigὁὅrdquoΝἷΝtamἴὧmΝὄἷlἷmἴὄaΝὁΝHiacutepias Maior (181c) em que os κ παζαδκέ satildeo divididos em dois grupos de eacutepocas diferentes o mais antigo incluindo os sete saacutebios e o mais recente estendendo-se ateacute Anaxaacutegoras no quinto seacuteculo (Cf 1999 p 16) 181 Utilizo os textos recolhidos da doxografia dos preacute-socraacuteticos e traduzidos por Kirk et al (1983) com apresentaccedilatildeo do texto original grego tambeacutem fornecido pelos tradutores A segunda parte do Fragmento 6 natildeo traduzida pelos autores utilizo a traduccedilatildeo e o texto original estabelecidos por Cornelli (2010) Ambas as obras se encontram devidamente referenciadas ao final deste trabalho na seccedilatildeo pertinente agraves referecircncias

129 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

λΰκδμ η θ ΰ λ α θ ε π λαδθσθ πθ π λαέθκθ δ ε π λαδθσθ πθ εα π έλπθ π λαέθκθ έ εα κ π λαέθκθ δ ι π έλπθ π δλα

φαθΫκθ αδ (Fr2)

Pelos fragmentos nota-se que Filolau sempre se refere a esses princiacutepios natildeo

enquanto princiacutepios abstratos como faraacute Platatildeo no Filebo (πΫλαμ π δλέα) e Aristoacuteteles (

π π λα ηΫθκθ π δλκθ) Muito pelo contraacuterio ele fala de limitantes e de ilimitados no

plural ambos como constituintes do cosmos e de tudo aquilo que ele conteacutem O universo eacute

uma combinaccedilatildeo de coisa limitantes e de coisas limitadas Na referecircncia aos limitantes e

utilizando o particiacutepio ativo no plural (π λαέθκθ α) e natildeo um particiacutepio perfeito no singular como

teria feito Aristoacuteteles (π π λα η ηκθ Metaph 987a16)182 As coisas no mundo satildeo portanto

feitas de contiacutenuos interminaacuteveis de onde proveacutem a mudanccedila e as estruturas perfeitas e

completas que se introduzem neles O cosmos natildeo poderaacute ser um caos e jamais seraacute porque

o limite eacute tatildeo originaacuterio quanto o ilimitado Obviamente como veremos Platatildeo interpretaraacute agrave

sua maneira essa tradiccedilatildeo recebida dos antigos (HUFFMAN 1999 p 18) Pois como atesta

o proacuteprio Fragmento 3 de Filolau

Pois nada haveraacute que em princiacutepio possa conhecer se todas as coisas satildeo ilimitadas (Frag 3)

λξ θΝΰ λΝκ ΰθπ κ η θκθΝ ῖ αδΝπ θ πθΝ π λπθΝ θ πθ (Fr 3)

Haacute algo ainda a ser dito Os limitantes e os ilimitadores natildeo compotildeem eles unicamente

o cosmos eacute necessaacuterio que esses elementos estejam harmonizados ( λησξγβ) devem

estabelecer um acordo conjunto donde surge a realidade Vejamos κ Fragmento 6 e o

Fragmento 7

Acerca da natureza e da harmonia a posiccedilatildeo e a seguinte O ser tios objetos por ser eterno e a proacutepria natureza admitem o conhecimento divino mas natildeo o humano mdash com a exceccedilatildeo de que natildeo era possiacutevel a qualquer das coisas que existem e que noacutes conhecemos o terem nascido sem a existecircncia do ser daquelas coisas de que foi composto o universo os limitadores e os ilimitados E visto estes princiacutepios existirem sem serem semelhantes ou da mesma espeacutecie teria sido impossiacutevel para eles o serem ordenados num

182 ἑὁὄὀἷlliΝ(ἀί1ί)ΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὀὁὅΝἵὁὀfiὄmaμΝldquohὠΝumΝἶἷtalhe terminoloacutegico que merece ser destacado Filolau natildeo utiliza os termos limitadoilimitado e sim sempre e somente o plural aacutepeira e peiraacutenonta iὅtὁΝὧΝἷmΝumaΝtὄaἶuὦatildeὁΝmaiὅΝfilὁlὁgiἵamἷὀtἷΝmaiὅΝfiἷlΝἷΝmaiὅΝfilὁὅὁfiἵamἷὀtἷΝfἷἵuὀἶaΝldquoἵὁiὅaὅΝilimitaἶaὅΝe ilimitaὀtἷὅrdquoΝὂὁὄΝὅἷΝtὄataὄΝἷὅtἷΝήltimὁΝἶἷΝumΝὂaὄtiἵiacuteὂiὁΝὂὄἷὅἷὀtἷΝἶὁΝvἷὄἴὁΝperaiacutenocirc Ao contraacuterio tanto no Filebo de Platatildeo quanto na Metafiacutesica de Aristoacuteteles os termos satildeo pensados e utilizados no singular o nome peacuteras ὂaὄaΝ lsquolimitἷrsquoΝ ὁuΝ ὁΝ ὂaὄtiἵiacuteὂiὁΝ ὂassivo do verbo peraiacutenocirc peperasmeacutenon para lsquolimitaἶὁrsquoΝἷΝὁΝaἶjἷtivὁΝὀἷutὄὁΝὅiὀgulaὄΝaacutepeiron precedido de artigo (tograve aacutepeiron)ΝὁΝlsquoilimitaἶὁrsquoΝtὁἶὁὅΝἷlἷὅΝὀὁΝὅiὀgulaὄέΝἏΝiὀὅiὅtecircὀἵiaΝὀὁΝfatὁΝἶἷΝὃuἷΝἷὅὅἷὅΝlsquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁὅrsquoΝὅἷjamΝὂluὄaiὅΝiὀἶiἵaΝἶiὄἷtamἷὀtἷΝὁΝfatὁΝἶἷΝeles natildeo serem compreendidos por Filolau como princiacutepios metafiacutesicos agrave maneira que seratildeo compreendidos em seguida por Platatildeo e Aristoacuteteles que exatamente por esse motivo preferem utilizar o singular (p 218)

130 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

universo se a harmonia natildeo tivesse sobrevindo mdash fosse qual fosse o modo como ela se gerou As coisas que eram semelhantes e da mesma espeacutecie natildeo precisavam de harmonia mas sim as que eram dissemelhantes e de diferente espeacutecie e de ordem desigual mdash necessaacuterio era para tais coisas o terem sido intimamente unidas pela harmonia se eacute que hatildeo-de manter-se juntas num universo ordenado A grandeza do acordo eacute formada pelos intervalos da quarta e de quinta A quinta eacute maior do que a quarta por um tom De fato da cordatom mais alta agrave corda do meio eacute uma quarta da do meio agrave uacuteltima eacute uma quinta Da uacuteltima agrave terccedila eacute uma quarta e da terceira agrave mais alta uma quinta O intervalo entre a do meio e a da terceira eacute um tom (98) a quarta eacute expressa pela relaccedilatildeo epiacutetrita (43) e a quinta pelo emioacutelio (32) e a oitava pelo duplo (21) Assim o acordo (a escala harmocircnica) compreende cinco tons e dois semitons menores a quinta trecircs tons e um semitom menor a quarta dois tons e um semitom menor (Fr 6) π λ φ δκμΝεα ληκθ αμΝ Ν ξ δ η θΝ θΝπλαΰη πθΝ δκΝ αΝεα α η θΝ φ δμΝγ αθΝΰαΝεα κ εΝ θγλππ θβθΝ θ ξ αδΝΰθ δθΝπζ κθΝΰαΝ

δΝ κ ξΝ κ θΝ ᾿ θΝ κ γ θΝ θΝ θ πθΝ εα ΰδΰθπ ε η θκθΝ φ᾿ η θΝ ΰαΝΰ θ γαδΝ η παλξκ αμΝ μΝ κ μΝ θΝ πλαΰη πθΝ ιΝ θΝ υθ αΝ ε ηκμΝεα θΝπ λαδθ θ πθΝεα θΝ π λπθέΝ π α λξα π λξκθΝκ ξΝ ηκῖαδΝκ ᾿ η φυζκδΝ αδΝ βΝ θα κθΝ μΝεαΝα αῖμΝεκ ηβγ θαδΝ η ληκθ αΝ π ΰ θ κΝ δ δθδ θΝ Ν λ ππδΝ ΰ θ κέΝ η θΝ θΝ ηκῖαΝ εα

η φυζαΝ ληκθ αμΝ κ θΝ π κθ κΝ θ ηκδαΝ ηβ η φυζαΝ ηβ κ αΰ θ ΰεαΝ δΝ κδα αδΝ ληκθ αδΝ υΰε εζ ῖ γαδΝκ αδΝη ζζκθ δΝ θΝε ηπδΝ

εα ξ γαδέ ληκθ αμΝ η ΰ γ μΝ δΝ υζζαί εα δ᾿ ι δ θΝ δ᾿ ι δ θΝη ῖακθΝ μΝυζζαί μΝ πκΰ πδέΝ δΝ ΰ λΝ π π αμΝ π η αθΝ υζζαί π

η αμΝ π θ αθΝ δ᾿ ι δ θΝ π θ αμΝ μΝ λ αθΝ υζζαί π λ αμΝμΝ π αθΝ δ᾿ ι δ θΝ ᾿ θΝ η πδΝ η αμΝ εα λ αμΝ π ΰ κκθΝ υζζαί π λδ κθΝ δ᾿ ι δ θΝ ηδ ζδκθΝ δ πα θΝ δπζ κθέΝκ πμΝληκθ αΝπ θ Ν π ΰ καΝεα κΝ δ δ μΝ δ᾿ ι δ θΝ λ αΝ π ΰ καΝεα δμΝυζζαί ᾿ π ΰ καΝεα δμΝ(ἔὄέΝἄ)

Ora a semelhanccedila com o Filebo aqui eacute surpreendente uma vez que o exemplo que

ilustra tal harmonia entre limitantes e ilimitados eacute a harmonia presente na escala diatocircnica

musical analisada pela relaccedilatildeo entre nuacutemeros inteiros que compotildeem um tom inteiro e a

quarta a quinta e a oitava ( δαπα υθ)183 Seratildeo esses mesmos exemplos que como

veremos Platatildeo utilizaraacute em 17bss para tratar ainda mais da questatildeo do limite e do ilimitado

diante da incompreensatildeo manifestada por Protarco acerca destes temas A imagem aqui

utilizada da teoria musical parece ser a mesma utilizada por Platatildeo em nosso diaacutelogo Trata-

se de uma corda de um contiacutenuo ilimitado na qual se definem tons especiacuteficos limitados

iὀtἷὄvalὁὅΝἷὅὂἷἵiacutefiἵὁὅέΝεaὅΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὀὁὅΝaἶvἷὄtἷΝἑὁὄὀἷlliΝ(ἀί1ί)μΝldquomaiὅΝumaΝvἷὐΝaΝhaὄmὁὀiaΝ

183 A mesma escala diatocircnica que apareceraacute no Timeu (Ti 35b)

131 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

o acordo natildeo devem ser nunca confundidos com o limitante o acordo funciona pelo nuacutemero

maὅΝὁΝὀήmἷὄὁΝἷΝὁΝaἵὁὄἶὁΝὀatildeὁΝὅἷΝὅuἴὅtituἷmΝὂἷlὁὅΝlimitaὀtἷὅrdquoΝ(ὂέΝἀ23)184

A passagem da harmonia agrave escala musical evoca outro elemento importante natildeo eacute

nada surpreendente essa passagem se levarmos em conta que a introduccedilatildeo da harmonia

para explicar a origem da realidade do cosmos constituiacutedo por limitantes e ilimitados a busca

pelos intervalos sonoros pelos tons especiacuteficos caracteriza-se pela busca de um nuacutemero

Atentemo-nos ao Frag 4

E o certo eacute que todas as coisas que se conhecem tecircm nuacutemero pois sem ele nada se pode pensar ou conhecer (Fr 4) εα π θ αΝΰαΝη θΝ ΰδΰθπ ε η θαΝ λδγη θΝ ξκθ δΝκ ΰ λΝκ θΝ Νκ θΝκ Νθκβγ η θΝκ Νΰθπ γ η θΝ θ υΝ κ κυΝ(ἔὄέΝἂ)

A partir da introduccedilatildeo da harmonia no sistema de Filolau eacute possiacutevel notar que o nuacutemero

possui um papel fundamental nesse sistema haacute aqui como se nota uma preocupaccedilatildeo

epistemoloacutegica No caso da escala diatocircnica os tons especiacuteficos identificados sobre o

contiacutenuo sonoro ilimitado pode-se notar que estes natildeo distribuiacutedos de forma aleatoacuteria mas

de acordo com as proporccedilotildees de nuacutemeros inteiros que determinam os intervalos da oitava

(21) (43) e (32) respectivamente oitava quarta e quinta Eacute possiacutevel dizer que Filolau

compreende o cosmo como uma articulaccedilatildeo em funccedilatildeo de relaccedilotildees numeacutericas especiacuteficas o

ὃuἷΝὀatildeὁΝimὂliἵaΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝldquotuἶὁΝὧΝὀήmἷὄὁrdquoΝmaὅΝὃuἷΝἷὅὅaὅΝὄἷlaὦὴἷὅΝὀumὧὄiἵaὅΝὀὁὅΝὂἷὄmitἷmΝ

compreender conhecer o que satildeo as coisas185 Filolau se recusa a dizer o que satildeo esses

princiacutepios (limitantes e ilimitados) a enumerar tais realidades o que possam ser tais princiacutepios

limitantes e ilimitados como seria o caso de ser o fogo a aacutegua ou outros Pode-se dizer que

aqui Filolau estaacute instaurando uma polecircmica com seus predecessores natildeo soacute com

Anaximandro mas com o proacuteprio Anaxaacutegoras devido agraves suas postulaccedilotildees seus muacuteltiplos

λξαέ186 Diferentemente portanto do uso que Filolau faz desses elementos para tratar deste

184 ώuffmaὀΝ(1λλλ)ΝἷὅἵlaὄἷἵἷΝaiὀἶaΝmaiὅμΝ ldquoὀὁΝἵaὅὁΝἶἷΝἔilὁlaὁΝὀatildeὁΝhὠΝiὀἶiἵaὦatildeὁΝἷxὂliacuteἵitaΝὃuaὀtὁΝaὁΝpapel exato que os limitantes e os ilimitados desempenham nesse seu exemplo mas ele parece naturalmente supor que o ilimitado eacute o contiacutenuo sonoro enquanto os tons especiacuteficos identificados sobre esse contiacutenuo formam os limitantes O papel da harmonia eacute o de determinar um arranjo agradaacutevel e ἷὅὂἷἵiacutefiἵὁΝἶἷὅὅἷὅΝlimitaὀtἷὅΝiἶἷὀtifiἵaἶὁὅΝὅὁἴὄἷΝὁΝἵὁὀtiacuteὀuὁΝiὅtὁΝὧΝἵὁὀὅtituiὄΝumaΝἷὅἵalaΝmuὅiἵalrdquoΝ(ὂέΝ19) 185 ViἶἷΝtamἴὧmΝἔὄέΝἃΝἶἷΝἔilὁlauμΝldquoDe facto o nuacutemero tem duas espeacutecies que lhe satildeo peculiares a iacutempar e a par e uma terceira derivada da combinaccedilatildeo destas duas a par-iacutempar Cada uma das duas espeacutecies tem muitas formas que cada coisa em si mesma ὄἷvἷlardquoέΝldquo ΰαΝη θΝ λδγη μΝ ξ δΝ κΝη θΝ δαΝ

βΝπ λδ θΝεα λ δκθΝ λ κθΝ π᾿ ηφκ λπθΝη δξγ θ πθΝ λ δκπ λδ κθΝ εα λπΝ κμΝπκζζα ηκλφα μΝ εα κθΝα αυ βηα θ δrdquoΝ(ἔὄέΝἃ)έ 186 ldquoἡΝἵamiὀhὁΝἶἷΝἔilὁlauΝὧΝἵἷὄtamἷὀtἷΝὁὄigiὀalΝmἷὅmὁΝὀὁΝiὀtἷrior da filosofia preacute-socraacutetica pois por um lado natildeo expressa uma posiccedilatildeo monista uma vez que o ser resulta da pluralidade de ilimitadoslimitantes por outro lado ceticismo epistemoloacutegico do Fr 6 eacute moderado pela possibilidade de

132 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

acordo desta harmonia que torna possiacutevel a compreensatildeo da realidade como eacute o caso do

fogo no Fr 7

A primeira coisa que estaacute harmonizada o um que estaacute no meio da esfera eacute chamado fogo (Fr 7)

πλ κθΝ ληκ γ θΝ θΝ θΝ δΝη πδΝ μΝ φα λαμΝ αΝεαζ ῖ αδ (Frag 7)

O fogo que se encontra no centro do cosmos eacute o fogo central em torno do qual gravitam

a terra o sol a lua a contra-terra e os cinco planetas Eacute necessaacuterio destacar que Filolau

ressalta aqui o fogo como um exemplo de algo acordado harmonizado O fogo eacute esse siacutembolo

do ilimitaacutevel que eacute limitado pelo limitante neste caso o centro de uma esfera (HUFFMAN

1999 p 19)187 Mas voltemos agrave questatildeo do nuacutemero

A realidade configura-se por uma pluralidade ordenada esse eacute o sentido aqui de

λδγη θΝldquotuἶὁΝὧΝἴaὅiἵamἷὀtἷΝὀήmἷὄὁrdquoΝἷΝὧΝgὄaὦaὅΝaὁΝfatὁΝἶaΝὄἷaliἶaἶἷΝldquoὂὁὅὅuiὄΝὀήmἷὄὁrdquoΝὃuἷΝ

ele pode ser conhecida porque passiacutevel de descriccedilatildeo numeacuterica isto eacute passamos pelo

reconhecimento de um sentido propriamente ontoloacutegicocosmoloacutegico para um sentido tambeacutem

epistemoloacutegico (CORNELLI 2010 p 224) Por fim podemos concluir com Cornelli

Essas passagens do Filebo centrais para a definiccedilatildeo da dialeacutetica do limitadoilimitado revelam as raiacutezes pitagoacutericas da teoria dos princiacutepios platocircnica e ndash como tais ndash constituem um achado preacute-aristoteacutelico da filosofia pitagoacuterica Raiacutezes afirmadas e conhecidas pelo proacuteprio texto platocircnico () e que ndash como fontes para a elaboraccedilatildeo filosoacutefica platocircnica ndash satildeo reinterpretadas pela Academia que se percebe nesse sentido como continuadora e mediadora do esforccedilo dialeacutetico-metafiacutesico pitagoacuterico Todavia para aleacutem do argumento dialeacutetico-ontoloacutegico a construccedilatildeo da dialeacutetica no Filebo eacute fruto da concepccedilatildeo filosoacutefica platocircnica (2010 p 215)

Depois de ter analisado detalhadamente tais influecircncias pitagoacutericas e o paralelismo

estabelecido entre elas e nosso diaacutelogo podemos agora novamente retomar a exposiccedilatildeo de

Soacutecrates em 16c5-17a5 Vimos que eacute a partir dessa tradiccedilatildeo de origem divina que Soacutecrates

pretende expor aqui a reflexatildeo acerca da dialeacutetica agora de modo diferente nesse diaacutelogo

Soacutecrates nos diz que se todas as coisas estatildeo assim ordenadas ou seja se todas as

coisas sobre as quais se pode dizer que satildeo vecircm do um e do muacuteltiplo e que elas tecircm em si

conhecer ao menos duas coisas isto eacute esta mesma pluralidade e a harmoniacutea que a manteacutem unida aἵὁὄἶaἶardquoΝ(ἑἡἤἠἓἜἜIΝἀί1ίΝὂέΝἀἀ1)έ 187 ἓὅὅaΝὧΝ tamἴὧmΝaΝhiὂὰtἷὅἷΝἶἷΝἑὁὄὀἷlliΝ (ἑfέΝἑἡἤἠἓἜἜIΝἀί1ίΝὂέΝἀἀἀ)έΝἓlἷΝaiὀἶaΝaἵὄἷὅἵἷὀtaμΝ ldquoEacuteΝpossiacutevel que exatamente essa referecircncia filolaica ao fogo como um no centro da esfera possa explicar a citaccedilatildeo prometeacutetica relativas agraves origens pitagoacutericas da teoria do limitanteilimitado no Filebo Ainda que seja possiacutevel trata-ὅἷΝaὃuiΝἶἷΝὅimὂlἷὅΝaὅὅὁὀacircὀἵiaὅΝἵὁὀἵἷituaiὅέrdquoΝἓlἷΝaiὀἶaΝfaὐΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝἷmΝὀὁta (n 511) ao acircmbito meacutedico-antroploacutegico que possa ser extraiacutedo do fragmento num paralelismo estabelecido entre o fogo e o calor da vida humana

133 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

mesmas um limite e uma ilimitaccedilatildeo inatos (16c-9) devemos postular sempre em casa caso

uma uacutenica ideia (ηέαθ Ϋαθ)188189 para todas as coisas e temos de encontraacute-la e iremos

encontraacute-la na proacutepria coisa (16d2) Esse momento correspondente agrave reuniatildeo ( υθαΰπΰά190)

eacute aquele que se busca a Ϋα imanente e natildeo uma multiplicidade de coisas que satildeo singulares

mas agrave cada espeacutecie e a cada gecircnero O condutor ainda diz que forccedilosamente a

encontraremos o que significa dizer que comeccedilamos a pressupor uma unidade proacutepria em

cada coisa em questatildeo do contraacuterio natildeo a procurariacuteamos Tal necessidade fica ainda mais

clara em 25A2-4 quando Soacutecrates iraacute novamente reafirmar essa reuniatildeo das diferentes

espeacutecies de ilimitado em um uacutenico gecircneὄὁμΝldquoἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝaὀtἷὄiὁὄΝafiὄmamὁὅΝὃuἷΝ

devemos reunir todas as coisas repartidas e cindidas em pedaccedilos e imprimir tanto quanto

possiacutevel o sinal de uma natureza uacutenica ndash ὅἷΝὧΝὃuἷΝtἷΝὄἷἵὁὄἶaὅrdquoΝ(εα θΝ ηπλκ γ θΝζσΰκθΝ

θΝ φαη θΝ αΝ δΫ πα αδΝ εα δΫ ξδ αδΝ υθαΰαΰσθ αμΝ ξλ θαδΝ εα τθαηδθΝ ηέαθΝ

πδ βηαέθ γαέΝ δθαΝφτ δθΝ ηΫηθβ αδ)Ν(ἀἃaἀ-4)

Sem duacutevida devemos a Dixsaut (1991)191 a distinccedilatildeo entre κυ έα κμ e Ϋα termos

muitas vezes traduzidos como sinocircnimos sendo que natildeo haveria distinccedilatildeo entre o que Platatildeo

188 ἢὄaἶἷauΝἷxὂliἵaΝὃuἷμΝldquo(έέέ)ΝlsquoὀatuὄἷὐaΝήὀiἵarsquoΝὄἷmἷtἷΝὡΝmian ideacutean Ideacutea ὂὁἶἷὄiaΝὅἷὄΝtὁmaἶὁΝὂὁὄΝlsquoiἶἷiarsquoΝmas os usos filosoacuteficos do termo dificilmente refletiriam o que aqui eacute designado por Platatildeo na ὁἵὁὄὄecircὀἵiaΝumaΝὄἷaliἶaἶἷΝήὀiἵaΝ(umaΝlsquoὀatuὄἷὐarsquoΝὀἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁ)ΝὂἷὄἵἷὂtiacutevἷlΝὂἷlὁΝiὀtἷlἷἵtὁέΝἏΝaὂὄἷἷὀὅatildeὁΝdessa unidade inteligiacutevel eacute evocada por termos idecircnticos na Repuacuteblica VI 507a-c A maior parte dos inteacuterpretes natildeo hesitam em tomar ideia ὂὁὄΝlsquofὁὄmarsquoΝ(iὀtἷligiacutevἷl)ΝἷὅtimaὀἶὁΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝfaὄiaΝumΝuὅὁΝἶἷΝpalavras sinocircnimas dos termos ideacutea e eidos me parece que ideacutea designa a realidade ou natureza inteligiacutevel enquanto eicircdos designa a forma dessa realidade assim como podemos encontraacute-la nas ἵὁiὅaὅΝὅἷὀὅiacutevἷiὅΝὃuἷΝἶἷlaΝὂaὄtiἵiὂamΝ(ἵὁmὁΝἷὀἵὁὀtὄamὁὅΝaΝfὁὄmaΝἶὁΝἴἷlὁΝὀaὅΝἴἷlaὅΝἵὁiὅaὅ)rdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝ240 n 241) 189 Agradeccedilo ao Prof Rubens por ter me feito atentar agrave ocorrecircncia deste termo na passagem mas natildeo somente Tambeacutem por ter me feito reconhecer que ela se faz presente tambeacutem em outros diaacutelogos como Parmecircnides (132a 157d8) Teeteto (204a) Sofista (253d5-6) e a relevacircncia deste termo principalmente o significado que ele adquire na obra platocircnica em geral 190 Os correspondentes ao termo aparecem no Filebo nas seguintes passagens 23e5 25a3 25d6-8 que aparecem cunhado nesta sua forma origina no Fedro em 266b4 191 Explica Dixsaut (1991 p 497) que a Ϋα diz respeito ao ζσΰκμ que discorre sobre os contraacuterios indiretos Ela natildeo eacute aqui sinocircnimo da Forma nem uma imagem de natureza espiritual menos ou mais elevada do que a Forma nem sequer se trata de uma propriedade P que a forma F ndash imporia em uma determinada coisa x Ela se define por verbos pelas suas accedilotildees ela avanccedila sobre as coisas aproveita-se destas e natildeo pode ser recebida por essas coisas caso lhes seja contraacuteria ou seja se eacute um contraacuterio indireto de uma propriedade essencial deste algo As β satildeo causas de determinaccedilatildeo que elas impotildeem elas forccedilam agrave coisa possuir sua proacutepria Ϋα Algo natildeo pode receber e natildeo receber a determinaccedilatildeo simultaneamente Eacute importante que ele receba a determinaccedilatildeo poreacutem soacute pode ser determinado se sofrer o feito da determinaccedilatildeo daquilo que o determina Aleacutem do mais determinada coisa soacute se torna ordenaacutevel apenas participando isto eacute deixando-ὅἷΝ ldquoiὀfὁὄmaὄrdquoΝ ὂὁὄΝ umaΝ ὁuΝ maiὅΝFormas Logo o domiacutenio da forma sobre a coisa eacute a Ϋα A Ϋα eacute a accedilatildeo da Forma ( κμ) sobre a coisa ela surge a partir das Formas para as quais ela doa menos da sua inteligibilidade e da sua determinaccedilatildeo que elas lhes impotildeem A Ϋα testemunha a participaccedilatildeo possessora dominadora conquistadora das Formas por meio do discurso da coisa que dela(s) participa(m) As Formas se apoderam da coisa restringem-nas avanccedilam em direccedilatildeo agraves coisas As coisas da φτ δμ soacute existem

134 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoiἶἷiardquoΝldquoἔὁὄmardquoΝἷΝldquoἷὅὅecircὀἵiardquoΝmaὅΝὃuἷΝaὀaliὅaὀἶὁΝaὅΝὅuaὅΝὁἵὁὄὄecircὀἵiaὅΝὀὁὅΝ

diaacutelogos podemos notar que possuem sentidos diferentes uns dos outros Dixsaut confirma

em um outro texto a mesma interpretaccedilatildeo ao dizer assertivamente

A ideia natildeo eacute o eidos Podemos observar que todas as vezes que Platatildeo quer evitar empregar eidos falando de uma realidade natildeo corporal ele utiliza idea assim na Repuacuteblica trata-se da idea da luz e quando lhe eacute atribuiacuteda uma potecircncia suplementar da idea do Bem A luz natildeo eacute uma essecircncia e o Bem tampouco Uma por falta o outro por excesso Nesse caso idea natildeo tem seu sentido platocircnico habitual O termo eacute empregado porque natildeo eacute possiacutevel nomear propriamente eidos a coisa da qual se fala ao mesmo tempo dotando-a de uma potecircncia particular de ligaccedilatildeo luz e Bem tecircm uma mesma funccedilatildeo de jugo (zugon) eles submetem objetos agrave faculdade capaz de os apreender (visatildeo tratando-se da luz intelecccedilatildeo tratando-se do Bem) (2017 p 61-62)

ἜὁgὁΝtἷὀἶὁΝalἵaὀὦaἶὁΝἷὅὅaΝldquoὀatuὄἷὐaΝήὀiἵardquoΝἷὅὅaΝ Ϋα eacute necessaacuterio entatildeo dividi-la

Trata-se de reconhecer o nuacutemero de intermediaacuterios entre essa unidade inicial e o ilimitado Eacute

isso que distingue ( δαε ξυλδ αδ) o dialeacutetico ( δαζ ε δε μ) do eriacutestico ( λδ δε μ) (17a4) Para

ὁΝἶialὧtiἵὁΝἷὅὅἷὅΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquo que os saacutebios atuais deixam escapar ( ηΫ α α κ μ

εφ τΰ δ) devem ser respeitados O mesmo se diz do um e do muacuteltiplo e do abuso que os

jovens fazem dele192 (15d-16a) quando abusam dessa proacutepria estrutura que eacute a linguagem

em si espantados com o poder dos ζσΰκδέΝἡὅΝldquoὅὠἴiὁὅΝἶὁΝὂὄἷὅἷὀtἷrdquoΝvatildeὁΝὁὄaΝmaiὅΝlἷὀtὁΝὁὄaΝ

mais rapidamente imediatamente do um ao ilimitado (η θ π δλα γτμ) (17a2-3)

Se vatildeo mais lentamente levantam um grande nuacutemero de espeacutecies de tal modo que sequer

conseguem impor essa marca uacutenica se vatildeo mais raacutepido nunca conseguem enumerar um

nuacutemero suficiente sempre se equivocando O proacuteprio Soacutecrates diz em 16d6-ἷἁμΝldquo(έέέ)ΝmaὅΝὀatildeὁΝ

devemos aplicar a forma do ilimitado agrave pluralidade antes de percebermos o nuacutemero total da

devido agrave participaccedilatildeo e a Ϋα natildeo eacute indeterminaccedilatildeo mas eacute esse iacutendice de sobredeterminaccedilatildeo ἷὅὅἷὀἵialΝ ἶἷΝ algὁΝ ὂἷlaΝ ἔὁὄmaέΝ ἠὁὅΝ ἶiὐἷὄἷὅΝ ἶἷΝ ἒixὅautΝ (1λλ1)Ν ldquoaΝ ὂaὄtiἵiὂaὦatildeὁΝ aΝ ἵauὅaliἶaἶἷΝ ἶaὅΝFormas permite dizer natildeo apenas de Formas ou de propriedades contraacuterias mas de coisas que ἵὁὀtὄὠὄiaὅΝἷΝἷxἵluἶἷὀtἷὅrdquoΝ(ὂέΝἂλἆ)έΝἏΝimὂὁὅiὦatildeὁΝἶἷΝumaΝfὁὄmaΝiὀtἷὄὄὁmὂἷΝaΝmuἶaὀὦaΝὁΝdevir impede ὃuἷΝalgὁΝἶἷixἷΝἶἷΝὅἷὄΝἷlaΝimὂἷἶἷΝaΝἵὁὀtiὀuaὦatildeὁΝἶὁΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝἶἷΝmuἶaὀὦaΝiὀἶἷfiὀiἶaμΝldquoaΝligaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝa Forma e a coisa eacute mais estreita no caso das Formas e das que possuem um contraacuterio indireto A idea nem a Forma nem a coisa eacute a instacircncia de ligaccedilatildeo sua presenccedila na coisa manifesta a conformidade das coisas ao seu eicircdos ὃuἷΝἶὁaΝὡΝἵὁiὅaΝὅuaΝἵὁὀfὁὄmaὦatildeὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝ1λλ1ΝὂέΝἂλἆ)έΝἏΝ Ϋα torna manifesta a accedilatildeo da causalidade da Forma ela (a Ϋα) torna possiacutevel compreender que tipo de efeito pode produzir uma causa dessa espeacutecie o efeito eacute que a coisa restrita agrave aquisiccedilatildeo da sua ideacutea natildeo eacute mais um processo ela eacute conformada pela Forma ela eacute obra do κμ que se torna traduziacutevel e diziacutevel (DIXSAUT 19991 p 479-500) Para uma anaacutelise ainda mais detalhada cf NUNES SOBRINHO (2007 p 89-117) 192 Cf Euthd 272a-b 275ess Phdr 261c6 Nas passagens citadas podemos notar a mesma descriccedilatildeo dos jovens que se deixam levar pela eriacutestica e pelos poderes dos discursos que visam contradizer os interlocutores (adversaacuterios) por meio da antiloacutegica ao simularem a discussatildeo dialeacutetica (filosoacutefica)

135 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

pluralidade que existe entre o ilimitado e o um e soacute entatildeo podemos nos despedir dessas

ἵὁiὅaὅΝἷΝaἴaὀἶὁὀaὄΝἵaἶaΝumaΝἶἷlaὅΝὀὁΝilimitaἶὁrdquoέΝἑὁmὁΝἷxὂliἵaΝἒixὅautΝ(ἀίί1)

Ir imediatamente da unidade ao ilimitado significa com efeito que a unidade possui segundo eles [os saacutebios atuais] por conteuacutedo unicamente uma pluralidade indeterminada de indiviacuteduos assim eles ignoram as diferentes espeacutecies entre as quais esses indiviacuteduos poderiam se distribuir Assim a ideia natildeo tem apenas por conteuacutedo uma multiplicidade sensiacutevel mas primeiramente uma multiplicidade inteligiacutevel (p 301)

Ateacute aqui tudo nos parece distanciar da hipoacutetese de que Platatildeo utilizaria da vida boa

ὂaὄaΝἷxiἴiὄΝὅuaΝldquoὀὁvaΝtἷὄmiὀὁlὁgiardquoΝὂὁiὅΝὁὅΝprocedimentos adotados em relaccedilatildeo agrave dialeacutetica

ὅatildeὁΝaὃuἷlἷὅΝἶitὁὅΝldquohaἴituaiὅrdquoέΝἒitὁΝἶἷΝὁutὄὁΝmὁἶὁΝmaiὅΝumaΝvἷὐΝὅἷΝatἷὅtaΝaΝὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝἶἷΝ

buscar essa ideia uacutenica (ηέαθ Ϋαθ) a fim de poder dividir essa unidade postulada em tantas

unidades que seja necessaacuteὄiὁέΝἏΝfimΝἶἷΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝumaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἶialὧtiἵaΝἷmΝtὁὄὀὁΝἶaΝldquoἴὁaΝ

viἶardquoΝὧΝimὂὄἷὅἵiὀἶiacutevἷlΝaὀaliὅaὄΝὁὅΝἵaὀἶiἶatὁὅΝaΝὅἷὄἷmΝἷὅἵὁlhiἶὁὅΝὂaὄaΝἵὁmὂὁὄἷmΝἷὅtaΝviἶaΝ

a saber prazer e conhecimento Eacute imprescindiacutevel saber em primeiro lugar como cada um

destes eacute um e muacuteltiplo Mais uma alusatildeo agrave potecircncia dialeacutetica se pode notar aqui satildeo nos

dadas maiores informaccedilotildees acerca dela ela deve postular um nuacutemero de intermediaacuterios

sendo cautelosa ao dividir sem passar imediatamente do um ao muacuteltiplo assim como fazem

os praticantes da eriacutestica193

Protarco natildeo entende bem aquilo que Soacutecrates estaacute querendo dizer (17a6-8)

Soacutecrates recorre ao exemplo das letras do alfabeto e agrave φπθ (voz) pois a φπθ eacute π δλκμ

(Cf 17b3-ἂΝ1ἆἴἄ)μΝldquoaΝvὁὐΝἶἷΝtὁἶὁὅΝἷΝἶἷΝἵaἶaΝumΝἶἷΝὀὰὅΝὃuἷΝὅaiΝὂἷlaΝὀὁὅὅaΝἴὁἵaΝὧΝuma mas

ὧΝtamἴὧmΝumaΝὂluὄaliἶaἶἷΝilimitaἶardquoΝ(φπθ η θΝ ηῖθΝ έΝπκυΝηέαΝ δ κ σηα κμΝ κ αΝεα

π δλκμΝα πζάγ δΝπΪθ πθΝ Νεα εΪ κυ)Ν(1ἅἴἁ-4) Soacutecrates iraacute dizer entatildeo que natildeo nos

tornamos letrados por conhecer esse ilimitado nem o um das letras e dos sons mas porque

sabemos quantos satildeo e de que tipo satildeo esses sons Eacute isso que nos torna competente no

ἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἶaὅΝlἷtὄaὅΝ(ldquoεα κ θΝ Ϋλ ΰ Ν κτ πθΝ ηΫθΝππΝ κφκέΝκ Ν δΝ π δλκθΝ

α μΝ η θΝκ γ᾽ δΝ θμΝ ζζ᾽ δΝπσ αΝ ᾽ εα πκῖαΝ κ σΝ δΝ ΰλαηηα δε θΝ εα κθΝ

πκδκ θΝ η θrdquo)Ν(1ἅἴἄ-9) Gallop (1963) eacute quem melhor nos explica a passagem

Isso no entanto deve ser lido com o devido respeito ao contexto As letras fornecem um modelo natildeo como parece para entender a relaccedilatildeo entre palavras e frases e seus significados mas para discutir a classificaccedilatildeo Platatildeo

193 Eacute possiacutevel ir mais adiante em 56e2-3 Soacutecrates ao fazer uma distinccedilatildeo entre a aritmeacutetica vulgar e a aritmeacutetica filosoacutefica Aquela adiciona mocircnadas desiguais como dois exeacutercitos ou dois bois Enquanto esta (a aritmeacutetica filosoacutefica) se recusa operar desta maneira caso natildeo se postule uma diferenccedila entre as incontaacuteveis as mὲὀaἶaὅΝὃuἷΝὀἷὀhumaΝἶἷlaὅΝὅἷΝἶifἷὄἷΝumaΝἶaΝὁutὄaμΝldquoaΝaὄitmὧtiἵaΝfilὁὅὰfiἵaΝὅuὂὄimἷΝaὅΝἶifἷὄἷὀὦaὅΝὅἷὀὅiacutevἷiὅΝmaὅΝaΝἶialὧtiἵaΝἶἷvἷΝὂὁὅtulaὄΝaὅΝἶifἷὄἷὀὦaὅΝ iὀtἷligiacutevἷiὅΝἷὀtὄἷΝaὅΝ mὲὀaἶaὅrdquoΝ(DIXSAUT 2001 p 294-295)

136 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

usa a classificaccedilatildeo de sons sobre os quais um alfabeto se baseia para ilustrar o meacutetodo de divisatildeo em antecipaccedilatildeo ao seu proacuteprio procedimento mais tarde no diaacutelogo (p 368)

Poderiacuteamos assim perguntar como Filebo postula o primeiro princiacutepio de relevacircncia

ldquo(έέέ)ΝmaὅΝὁΝὃuἷΝiὅὅὁΝagὁὄaΝtἷmΝaΝvἷὄΝἵὁmΝὁΝὀὁὅὅὁΝtἷmaΝἷΝὁὀἶe ele [Soacutecrates] estaacute querendo

ἵhἷgaὄΝἵὁmΝiὅὅὁςrdquoΝ(1ἆa1-2) Eacute aiacute que Soacutecrates torna mais evidente o que haacute por traacutes de seus

exemplos gramaacutetica e muacutesica194 utilizados anteriormente (17b11-e6)

No caso de algueacutem que jaacute aprendeu uma unidade qualquer ( θ) o que digo eacute que ele natildeo deve olhar imediatamente para a natureza do ilimitado (κ εΝ π᾽

π έλκυΝ φτ δθΝ ῖ ίζΫπ δθΝ γ μ) mas sim para um nuacutemero determinado ( ζζ᾽ πέΝ δθαΝ λδγησθ) assim tambeacutem como no caso contraacuterio (κ πΝεα θαθ έκθ) quando algueacutem eacute forccedilado a aprender em primeiro lugar o ilimitado

( αθΝ δμΝ π δλκθ) natildeo deve olhar imediatamente para o um ( θαΰεα γ πλ κθΝζαηίΪθ δθΝη π θΝ γτμ) mas deve discernir novamente um nuacutemero que constitui qualquer pluralidade determinada ( ζζ᾽ π᾽ λδγη θΝα δθαΝπζ γκμΝ εα κθΝ ξκθ ΪΝ δΝεα αθκ ῖθ) e a partir de todos eles finalmente

olhar o um (18a6-b4)

Soacutecrates decide entatildeo voltar ao exemplo das letras citando Teuth (como fez no Fedro

274c-275b) o deus ou homem divino egiacutepcio inventor da escrita que aqui no caso relatado

pelo Filebo teria discernido o som da voz como ilimitado ( π δ φπθ θΝ π δλκθ)Ν(1ἆἴἄ-7)

Primeiramente ele teria distinguido as vogais195 neste ilimitado ( μΝπλ κμΝ φπθά θ αΝ θΝ

π έλ )Ν ὀatildeὁΝ ἵὁmὁΝ umaΝ maὅΝ ἵὁmὁΝ muitaὅΝ (εα θσβ θΝ κ ξΝ θΝ θ αΝ ζζ πζ έπ)Ν ἵὁmὁΝ

tambeacutem teria verificado a existecircncia de outras emissotildees que natildeo satildeo propriamente sons

vocais mas certa espeacutecie de ruiacutedo ( λαΝ φπθ μΝ η θΝ κ Ν φγσΰΰκυΝ η Ϋξκθ ΪΝ δθκμ)Ν

existindo tambeacutem em nuacutemero determinado ( λδγη θ Ϋ δθα εα κτ πθ θαδ) Depois foi feita

tambeacutem uma distinccedilatildeo de uma terceira espeacutecie de letras em seguida as dividiu em sem-

ruiacutedo e as mudas ateacute a unidade de cada uma e dividiu as vogais e as intermediaacuterias do

mesmo modo ateacute que se obtivesse o nuacutemero delas e a cada uma delas deu o nome de letra

( λέ κθΝ κμΝΰλαηηΪ πθΝ δ ά α κΝ θ θΝζ ΰση θαΝ φπθαΝ ηῖθμΝ η κ κΝ δ λ δΝ ΪΝ

Ν φγκΰΰαΝ εα φπθαΝ ηΫξλδΝ θ μΝ εΪ κυΝ εα φπθά θ αΝ εα ηΫ αΝ εα θΝ α θΝ

λσπκθΝ πμΝ λδγη θΝα θΝζαί θΝ θέΝ Ν εΪ εα τηπα δΝ κδξ ῖκθΝ ππθσηα )Ν(1ἆἴἆ-

c6) O inventor divino sabendo que natildeo aprenderiacuteamos qualquer letra apenas por ela mesma

isolada de todas as demais estabeleceu esse elo ( η θ) que liga todas as letras e faz delas

194 Sobre este uacuteltimo falo mais adiante 195 Eacute necessaacuterio lembrar que como nos diz Muniz (2012) os Gregos antigos classificavam as letras segundo a quantidade de sopro empregada na emissatildeo das mesmas as que possuem um emprego de sopro maior satildeo as vogais (as que soam) (p 214 n 21)

137 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

uma unidade proclamando um soacute conhecimento para elas ao atribuir-lhes o nome de

gramaacutetica (ΰλαηηα δε θΝ Ϋξθβθ)196

O mesmo se daacute com o exemplo da muacutesica197 ( ηκυ δε θ) que aparece logo em

seguida da primeira apresentaccedilatildeo da gramaacutetica em 17b11-1ἀμΝldquoἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝἷὅὅaΝtὧἵὀiἵaΝ

o som de algum modo eacute tambeacutem em si mesmo um (φπθ ηΫθΝπκυΝεα εα ᾽ ε έθβθΝ θΝ

ΫξθβθΝ ηέαΝ θΝα ) (17c1-2) Soacutecrates entatildeo identifica trecircs sons o grave (ίαλτ) o agudo

( ιτ) e o meacutedio ( ησ κθκθ198) (17c4-5) Mas ao mesmo tempo admite que de ningueacutem eacute dito

ser competente ( κφ μ) em muacutesica ( θ ηκυ δε θ) por saber disso mas caso natildeo soubesse

natildeo teria meacuterito algum no assunto (17c7-9) Ele explica em uma longa digressatildeo

Soc Mas meu caro quando apreenderes qual eacute o nuacutemero ( θ λδγη θ) de intervalos ( π α δα ηα α) do som tanto do agudo ( ιτ β σμ) quanto do grave (ίαλτ β κμ) de que tipo satildeo e tambeacutem os limites dos intervalos ( δα βηΪ πθ) e quantos satildeo os sistemas ( α υ άηα α) que resultam deles ndash que nossos predecessores (κ πλσ γ θ) observando-os os transmitiram a noacutes seus seguidores nomeando-ὁὅΝἶἷΝldquoἷὅἵalaὅrdquo ( ληκθέαμ) ndash e quais afecccedilotildees ocorrem nos movimentos dos corpos que segundo dizem devem ser medidas por nuacutemeros ( λδγη θ η λβγΫθ α) e chamadas de ritmos ( υγηκ μ) e metros (ηΫ λα) e ao mesmo tempo que eacute preciso compreender que eacute desse modo que as investigaccedilotildees ( εκπ ῖθ) sobre tudo que eacute um e muacuteltiplo devem ser feitas Quando apreenderes essas coisas desse modo ter-te-aacutes tornado saacutebio( κφσμ) e quando qualquer unidade que

196 Rudebusch (ἀίίἅ)ΝaΝmἷuΝvἷὄΝὧΝὃuἷmΝmἷlhὁὄΝἷxὂliἵaΝaΝὂaὅὅagἷmμΝldquoaΝvὁὐΝvἷmΝaΝὅἷὄΝum ou entre ὄuiacuteἶὁὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝἷΝmutuamἷὀtἷΝἵὁὀtὄὠὄiὁὅέΝἡὅΝὄuiacuteἶὁὅΝὅatildeὁΝiὀἶἷfiὀiἶὁὅΝὀὁΝtἷmὂὁΝἵuὄtὁὅΝὁuΝlὁὀgὁὅμΝlsquoaὁirsquoΝlsquoaaaὁὁὁuuuiiirsquoέΝἥatildeὁΝtamἴὧmΝiὀἶἷfiὀiἶamἷὀtἷΝmἷὀὁὅΝὁuΝmaiὅΝὠὅὂἷὄὁὅμΝlsquoaaahhhhἵhἵhἵhrsquoέΝἓΝὅatildeὁΝfἷitὁὅΝὂὁὄΝvaὄiaὦὴἷὅΝiὀἶἷfiὀiἶaὅΝἶaΝliacuteὀguaΝἷΝlὠἴiὁὅμΝlsquoἴlὄὄmὀἶὐὐὂtrsquoέΝἔiἵaΝἵlaὄὁΝὃuἷΝὃuaὀἶὁΝaὂὄἷὀἶἷmὁὅΝaΝfalaὄΝaprendemos a combinaccedilatildeo correta dos limites destes ruiacutedos As vogais gregas tecircm qualidade limitada ndash por exemplo ao contraacuterio de υ ou δ ndash e tecircm quantidade limitada Vogais longas satildeo duas vezes mais longas que vogais breves por exemplo π e κ β e As consoantes gregas satildeo limitadas a formas definidas (labiais dentais e velares) como ou sem uma forma definida de aspiraccedilatildeo e de som de nasalidade etc O conhecimento da gramaacutetica eacute o conhecimento das combinaccedilotildees corretas para dar ὀaὅἵimἷὀtὁΝἷὀtὄἷΝὁὅΝmuitὁὅΝ ὄuiacuteἶὁὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝὀὁΝ muὀἶὁΝὡὅΝὂalavὄaὅrdquoΝ (ὂέΝἂἂ)έΝἥὁἴὄἷΝ iὅtὁΝἵfέΝἕallὁὂΝ(1963 p 364-376) e Menn (1998 p 291-305) 197 Pradeau (2002) retoma uma questatildeo tambeacutem fundamental agrave nossa argumentaccedilatildeo posterior em tὁὄὀὁΝἶaΝὂaὅὅagἷmμΝldquoaΝmousikeacute gὄἷgaΝὧΝἷὀtἷὀἶiἶaΝὀumΝὅἷὀtiἶὁΝmaiὅΝamὂlὁΝὃuἷΝὀὁὅὅaΝldquomήὅiἵardquoνΝἷlaΝenvolve tanto a danccedila como o canto e a praacuteticas do discurso Ela reuacutene de fato o conjunto das praacuteticas artiacutesticas musicais e literaacuterias que relacionamos agraves Musas eacute a razatildeo pela qual os exemplos do canto ἵὁmὁΝἶaΝmὧtὄiἵaΝἷΝἶὁὅΝtὁὀὅΝtἷὄiamΝὅiἶὁΝaὃuiΝiὀἵluiacuteἶὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἂἁΝὀέΝἀἆ)έ 198 ἑὁὀἵὁὄἶὁΝἵὁmΝεὁutὅὁὂὁulὁὅΝ(ἀίίἀ)ΝὃuaὀἶὁΝἶiὐμΝldquoἢlatatildeὁΝfalaΝἶὁΝlimite e do ilimitado assim como da mistura entre ambos inspirando-se na muacutesica O percurso de seu pensamento se orienta de tal modo a referir-se simultaneamente a dois planos distintos vale dizer ao plano metafiacutesico do qual ele fala e ao concreto plano musical do qual tratada sua argumentaccedilatildeo natildeo se pode sustentar a definiccedilatildeo do limite assim como se encontra formulada no Filebo responda a uma concessatildeo unicamente musical A dificuldade imposta ao termo ησ κθκθΝtὄaἶuὐiἶὁΝἵὁmὁΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁrdquoΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝὅuὂἷὄaἶaΝtἷὀἶὁΝἵὁmΝconta a duacuteplice valecircncia do pensamento platocircnico Este termo que indica o uniacutessono eacute de fato muito feliz porque aiacute se tem presente a linguagem metafoacuterica de Platatildeo com efeito este termo designa perfeitamente o ponto no qual a mistura dos contraacuterios alἵaὀὦaΝὅuaΝὂἷὄfἷiὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἆί)έ

138 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

seja apreenderes investigando assim sobre isso ter-te-aacutes tornado bem informado Entretanto a pluralidade ilimitada de coisas e a pluralidade em cada coisa soacute podem fazer de ti a cada caso uma pessoa inexperiente no pensar ( ᾽ π δλσθ εΪ πθ εα θ εΪ κδμ πζ γκμ π δλκθ εΪ κ πκδ ῖ κ φλκθ ῖθ) e que ningueacutem leva em conta nem daacute conta de nada jaacute que jamais teraacutes voltado teu olhar para qualquer nuacutemero de qualquer coisa ( ᾽ κ ε μ λδγη θ κ Ϋθα θ κ θ πυπκ πδ σθ α) (17c11-e6)

Eacute impossiacutevel ao analisar essa passagem natildeo levar em conta a heranccedila pitagoacuterica do

quinto seacuteculo que Platatildeo visa ressignificar sobre a qual nos detemos longamente nesta seccedilatildeo

mais acima A estrutura musical com seus sons (φπθ μ) o conhecimento dos intervalos ( θ

δα βηΪ πθ) dos limites desses intervalos ( κ μ πκυμ)199 as correlaccedilotildees (consonacircncias)200

199 εὁutὅὁὂὁulὁὅΝἷxὂliἵaμΝldquoἦἷὀἶὁΝἵὁὀὅtataἶὁΝὃuἷΝaΝvὁὐΝἷΝὁὅΝὅὁὀὅΝmuὅiἵaiὅΝaὂὄἷὅἷὀtamΝamἴὁὅΝὃuἷΝsatildeo ao mesmo tempo idecircnticos e diferentes uno e muacuteltiplo Platatildeo passa ao estudo dos intervalos musicais fundados sobre a relaccedilatildeo numeacuterica dos sons Ὅλκμ indica um dos termos da relaccedilatildeo numeacuterica que exprime um intervalo A expressatildeo Ϊλδγηκ πλ μ λδγη θ utilizada tambeacutem no Timeu (36b) se refere agrave explicaccedilatildeo dos fenocircmenos musicais obtidos por meio dos nuacutemeros que tecircm um valor absoluto e bem definido Os autores musicais descrevem os meacutetodos de precisatildeo usados para definir esta relaccedilatildeo divisatildeo do comprimento dos tubos sonoros suspensatildeo de pesos nas extremidades da corda vibrante enchimento de vasos nos quais o peso a capacidade e o comprimento servem como medida e conferem aos sons medidos o valor de paracircmetro As relaccedilotildees de quarta e de quinta como aquelas deduzidas dos dois procedimentos e que representa o tom enfim a relaccedilatildeo 243256 que exprime o intervalo chamado lemma resultante da subtraccedilatildeo de dois tons da quartam encontram-se na base da linguagem que Platatildeo utiliza no Filebo sob o propoacutesito de determinar a concepccedilatildeo pitagoacuterica dos intervalos musicais que aleacutem disso coincide com a sua Da combinaccedilatildeo desses intervalos se obteacutem os sistemas tradicionalmente chamados harmonias reconhecidas natildeo aὄἴitὄaὄiamἷὀtἷΝmaὅΝaΝluὐΝἶἷΝumΝἷxamἷΝmatἷmὠtiἵὁrdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝἆί)έΝ 200 Wersinger (1999) em um importante estudo retoma o termo υηφκθέα que designa a consonacircncia ou seja o acordo (matemaacutetico) elaborado entre dois sons que satildeo chamados sinfocircnicos e que satildeo fixados por uma relaccedilatildeo matemaacutetica um ζσΰκμ de acordo com a teoacuterica Os pilares inamoviacuteveis da harmonia satildeo esses sons fixados por um acordo elaborado matematicamente A consonacircncia concerne agraves relaccedilotildees da oitava ( δαπα υθΝἀμ1)ΝἶaΝὃuiὀtaΝ(ὁuΝ ηδσζδκμΝἁμἀ)ΝἷΝἶaΝὃuaὄtaΝ( πέ λδ κμΝἂμἁ)έΝἠὁΝFilebo (25ae1-2) Soacutecrates explica que a consonacircncia suspende as diferenccedilas o conflito de contraacuterios ao colocar o nuacutemero em termo de igualdade de dobro e de quantida em geral Como noz diz Wersinger a consonacircncia eacute vizinha ou mesmo sinocircnima da comensurabilidade no diaacutelogo expressa pelo termo

υηη λέα isto eacute como aquilo que potildee fim agrave contrariedade Note-se pelo exemplo do δαπα υθΝἵὁmo exemplo claro da homofonia pois a relaccedilatildeo de oitava se estabelece graccedilas agrave consonacircncia (sonoridade comum) entre a nota mais grave ( πΪ βμ)ΝaΝmaiὅΝaguἶaΝ(θ Ϊ βμ)Ν(R IV 443d) Este tipo de relaccedilatildeo (homofonia) se encontra em um domiacutenio preciso da comensurabilidade tal como a mistura de qualidades psiacutequicas (quente e frio) como o das misturas de vinho e aacutegua nos ritos simpoacutesicos eacute desse tipo que as relaccedilotildees de consonacircncia satildeo feitas de maneira mais nuanccedilada entre agudo e grave como o vinho eacute misturado com a aacutegua de maneira gradual de tal modo que natildeo corrompa por completo a mistura Logo Wersinger solicita a atenccedilatildeo para a distinccedilatildeo entre uma assimilaccedilatildeo raacutepida entre consonacircncia e proporccedilatildeo A consonacircncia eacute uma relaccedilatildeo matemaacutetica na qual um nuacutemero se encontra em relaccedilatildeo com um outro nuacutemero expressatildeo que aparece no Filebo (25b) proacuteximo agrave justa medida (ηΫ λκθ πλσμ ηΫ λκθ) ela eacute entatildeo um ζσΰκμ de dois nuacutemeros Em um contexto poliacutetico-moral assim como os sons os elementos da alma satildeo postos em relaccedilatildeo de forma a produzirem uma mesma opiniatildeo ou uma mesma atitude a consonacircncia eacute acordo ( ηκζκΰέα) (cf Smp 187b4) A consonacircncia como visto na Repuacuteblica (IV 442d2) produz a amizade e a temperanccedila ( πφλκ τθβ) e que deve sua existecircncia agrave opiniatildeo comum ( ηκ κιέα 442d2) que permite que a irascibilidade e o desejo submetam-

139 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

existentes entre eles isto eacute o nuacutemero ( θ λδγη θ) que encontra-se por traacutes das diferentes

escalas ( ληηκθέαμ) 201Ν ὁuΝ ldquomὁἶὁὅrdquoΝ ἵὁmὁΝ ὃuiὅἷὄἷm202 O nuacutemero permite a identificaccedilatildeo

destes intervalos203 uma espeacutecie de medida racional por intermeacutedio do nuacutemero torna capaz

identificar esses acordos entre limitantes e ilimitados diferentemente de uma mediccedilatildeo

empiacuterica baseada na conjectura como faziam os deslumbrados com a muacutesica contudo

se agrave razatildeo do mesmo modo que dois sons se acordem mutuamente em uma consonacircncia Logo homofonia e homodoxia encontram-se em estrita relaccedilatildeo (p 63-64) 201 Conforme nos diz Wersinger (1999) eacute necessaacuterio compreender a polissemia do termo ληκθέα jaacute que este termo pode ser confundido com a consonacircncia tendo em vista que se diz tambeacutem que a oitava eacute harmocircnica Na Repuacuteblica (443d6c3) lembremo-nos que o homem justo eacute aquele que possui sua alma harmonizada ou seja aquela alma cuja tripla especificidade (irascibilidade desejo e razatildeo) encontram-se direcionados agrave parte melhor analogamente agrave muacutesica que constroacutei suas escalas ou seus ldquomὁἶὁὅrdquoΝaΝὂaὄtiὄΝἶaὅΝtὄecircὅΝὂaὄtἷὅΝhaὄmὲὀiἵaὅΝ( πΪ βμΝθ Ϊ βμΝηΫ βμ)έΝἦὁἶὁὅΝἷὅὅἷὅΝmήltiὂlὁὅΝἷlἷmἷὀtὁὅΝse unem e se tornam um temperando-se (diferentemente de muacutesica temperada o que Platatildeo reprova como se pode notar R VII 530e-531a) e alcanccedilando plena harmonia A harmonia diferentemente da consonacircncia se estabelece a partir de uma relaccedilatildeo natildeo entre um elemento e outro mas de dois a dois elementos em uma cadeia de proporccedilatildeo isto eacute uma igualdade de relaccedilotildees As consonacircncias recebem um fundamento matemaacutetico que torna possiacutevel a relaccedilatildeo de umas com as outras a fim de formarem uma progressatildeo musical como jaacute dito para formarem as escalas de quinta (entre a nota mais aguda e a meacutedia) a de quarta (entre a mais grave e a meacutedia) Harmonizar neste sentido significa colocar em relaccedilotildees as proacuteprias relaccedilotildees identificar as razotildees comuns estabelecer uma progressatildeo musical ldquomaiὁὄΝἶὁmΝἶaὅΝεuὅaὅrdquoΝἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝEpinomis (991a5-b5) (p 64) Ainda nos dizeres de Wersinger ldquoaΝhaὄmὁὀia eacute sobretudo analogia ( θαζκΰέα) Ela eacute um meio de criar a unidade Ela depende no Filebo ἶaΝaὦatildeὁΝὄἷἵὁὀἵiliaἶὁὄaΝἶὁΝldquogecircὀἷὄὁrdquoΝἶὁΝlimitἷΝ(πΫλαμ)rdquoΝ(1λλλΝὂέΝἄἂ-65) 202 Platatildeo faz referecircncia aos modos (harmonias) permitidos no acircmbito da cidade ideal note-se aiacute uma correspondecircncia entre os nomes origem eacutetnica (liacutedio doacuterio friacutegio jocircnio etc) e as harmonias musicais dos gecircneros (cromaacutetico enarmocircmico e diatocircnico) ou seja uma correspondecircncia eacutetica e mimofocircnica (R III 398e-399a) 203 Algo mais eacute necessaacuterio ressaltar sobre os intervalos Afirmada a polissemia da noccedilatildeo de harmonia ela tambeacutem diz respeito aos sons e notas que natildeo satildeo sinfocircnicos ou seja esses sons variaacuteveis moacuteveis que se encontram acordados definitivamente nas trecircs consonacircncias Platatildeo na Repuacuteblica (IV 443d6-e3) teria feito alusatildeo a estes sons intermediaacuterios por meio termo η αιτ O estudo dos intermediaacuterios eacute a parte mais importante da muacutesica aquela que trata das reparticcedilotildees dos intervalos no tetracorde ou seja aquela que porta o nome da harmonia dos Gecircneros O tetracorde eacute uma das partes disjuntas do heptacorde ou do octacorde que coincide com a oitava O tetracorde eacute composta de quatro notas em escala descendente da nota meacutedia ateacute a nota mais grave Reunir o tetracorde eacute dar um estatuto aos intermediaacuterios entre as consonacircncias esta tarefa compete unicamente a verdadeiro muacutesico matemaacutetico ὅὅaΝὁὂἷὄaὦatildeὁΝὄἷὂὁuὅaΝὅὁἴὄἷΝaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶaΝζδξαθσμΝ(ὂὁὅiὦatildeὁΝἶὁΝἶἷἶὁΝiὀἶiἵaἶὁὄΝὃuἷΝtὁἵaΝ aΝ ὂὄimἷiὄaΝ ὀὁtaΝ ἶὁΝ tἷtὄaἵὁὄἶἷ)Ν ἷΝ ἶaΝ παλυπΪ βΝ (ὀὁtaΝ maiὅΝ gὄavἷήΝ ὂὄimἷiὄa)Ν ἶiὅὂὁὅtaΝ ἷmΝ tὄecircὅΝmodelos harmocircnicos diatocircnico enarmocircnico e cromaacutetico No Timeu (36a1-b5) o gecircnero escolhido eacute o diatocircnico no qual os dois intervalos superiores eram tons inteiros e o inferior um meio tom Nos diz WἷὄὅiὀgἷὄΝ (1λλλ)Ν ὃuἷΝ ldquoὀaΝ ἷlaἴὁὄaὦatildeὁΝ ἶὁὅΝ gecircὀἷὄὁὅΝ aΝ matἷmὠtiἵaΝ ἶἷὅἷmὂἷὀhaΝ tamἴὧmΝ umΝ ὂaὂἷlΝfundamental E eacute nesssa acepccedilatildeo matemaacutetica da muacutesica que noacutes devemos interpretar as passagem dos Diaacutelogos nos quais a temperanccedila eacute descrita em termos de tensatildeo e suavidade () o gecircnero diatocircnico que preside no Timeu a constituiccedilatildeo da estrutura da alma (cinco oitavas e uma quinta e um tom) pode ser considerada como uma matemaacutetica da temperanccedila () Platatildeo aqui chega a se divertir com as matemaacuteticas parece admitir portanto na maioria das vezes que a vida moral assim como a muacutesica se ajusta matematicamente A musa filosoacutefica eacute medida o que significa que ela pratica o gecircnero da harmonia diatocircnica e as matemaacuteticas da πφλκ τθβrdquoΝ(ὂέΝἄἅ-68)

140 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

inexperientes recorrendo ao monocoacuterdio204 Eacute imprescindiacutevel identificar tambeacutem os sistemas

( υ άηα α) de intervalos e as combinaccedilotildees ( α) provenientes de tais sistemas ndash lembremos

aqui de Aristoxeno e sua teoria musical segundo a qual esses intervalos compunham

determinada harmonia205 As afecccedilotildees que ocorrem nos corpos por meio dos ritmos ( υγηκ μ)

e metros (ηΫ λα)206 e que devem ser medidas pela utilizaccedilatildeo de um determinado nuacutemero

ἐaὅtaΝlἷmἴὄaὄmὁὅΝἶaΝfamὁὅaΝldquoἵὁmaΝὂitagὰὄiἵardquo207 das vaacuterias referecircncias agrave muacutesica presente

no Timeu agrave escala diatocircnica208 a harmonia universal a muacutesica suas relaccedilotildees com a geometria

e a aritmeacutetica aleacutem da gama tonal (a oitava) da qual encontramos referecircncia tambeacutem em

204 Rizek (1998) em artigo que busca resumir a teoria da harmonia platocircnica nos fala sobre esse processo ainda simploacuterio da afinaccedilatildeo por meio do monocoacuterdio que os inexperientes recorriam aos quais Platatildeo criacutetica ao propor uma ciecircncia harmocircnica seacuteria baseada em termos exclusivamente matἷmὠtiἵὁὅΝ aὅὅimΝ ἷlἷΝ ἶiὐμΝ ldquoἶaἶaΝ aΝ ὂὄὰὂὄiaΝ ὅimὂliἵiἶaἶἷΝ ἶaΝ tἷὁὄiaΝ ἶaΝ afiὀaὦatildeὁΝ ἷὅtaΝ ἵiecircὀἵiaΝ [aΝharmocircnica] em comunhatildeo com a base empiacuterica dada pelo monocoacuterdio foi a primeira dentro da Fiacutesica a tornar-se plenamente matematizada () Platatildeo daacute evidecircncias inquestionaacuteveis de ter conhecido o monocoacuterdiondash um aparato teacutecnico destinado a manter constante todos os outros fatores enquanto somente o comprimento da corda eacute variado ndash o que fica claro por exemplo na passagem onde ironicamente ele brinca com os muacutesicos que natildeo se libertam da prisatildeo sensiacutevel determinada pelo apego aΝἷὅtἷΝiὀὅtὄumἷὀtὁμΝlsquo[ἷὅὅἷὅΝmήὅiἵὁὅΝviὄtuὁὅὁὅ] agregam dificuldades agraves cordas e inclusive torturam-nas valendo-ὅἷΝἶὁΝtὁὄmἷὀtὁΝἶaὅΝἵὄavἷlhaὅrsquordquoΝ(ΝἑfέΝR 531 b1-2) (RIZEK 1998 p 259) Para mais passagens sobre isso cf R 531a1-c1) 205 Segundo Aristoxeno os sistemas musicais (ou harmonias) satildeo compostos por um ou mais intervalos Para um exame mais detalhado dos elementos musicais do peripateacutetico Aristoxeno presentes no Filebo ver Kucharsky (1959 p 41-72) 206 ἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝἷxὂliἵaΝεὁutὅὁὂὁulὁὅΝ(ἀίίἀ)μΝldquoἡὅΝὂὄὁἵἷἶimἷὀtὁὅΝlsquoὂlatὲὀiἵὁὅrsquoΝiὀὅὂiὄaἶὁὅΝὀaὃuἷlἷὅ dos harmonistas satildeo descritos ainda mais claramente A quantidade numeacuterica dos intervalos do som em relaccedilatildeo ao agudo e ao grave a sua natureza qualitativa os limites dos intervalos e quantos acordos surgem (acordos que os antigos reconheciam e que tranὅmitiὄamΝaΝὀὰὅΝἵὁmΝὁΝὀὁmἷΝἶἷΝldquohaὄmὁὀiardquoΝbem como outras afecccedilotildees semelhantes que estatildeo nos movimentos do corpo) dizendo que todas estas coisas medidas por meio do nuacutemero devemos chamaacute-laὅΝlsquoὄitmὁrsquoΝἷΝlsquomἷtὄὁrsquoμΝἷὅὅἷΝὧΝὁΝήὀiἵὁΝmὁἶὁΝἵὁὄὄἷtὁrdquoΝ(p 79) Dito de outro modo assim como harmonia que oscila entre agudo e grave o ritmo tambeacutem eacute em certa disposiccedilatildeo uma sequecircncia de movimentos lentos e raacutepidos Platatildeo teria dado uma nova acepccedilatildeo mais precisa agrave questatildeo tradicional Sobre isso cf Muniz (2012 p 213 n 19) Wersinger chega a afirmar que graccedilas ao ritmo e agrave harmonia que a sauacutede do corpo (indissociaacutevel com a da alma) alcance o equiliacutebrio sem a qual natildeo teriacuteamos sequer consciecircncia do prazer Logo o prazer eacute tambeacutem uma tarefa musical porque a alma eacute musical como nos diz o Timeu (36ass 86css) Tanto progressatildeo geomeacutetrica quanto progressatildeo musical compotildeem esta θαζκΰέα psiacutequica e consequentemente moral em que o que estaacute me questatildeo eacute a sauacutede e o equiliacutebrio entre corpo e alma Wersinger chega a concluir ἷΝὀὰὅΝἵὁmΝἷlaΝὃuἷμΝldquoἷxiὅtἷΝὅἷguὀἶὁΝἢlatatildeὁΝumΝὂὄaὐἷὄΝἶὁΝὅaἴἷὄΝligaἶὁΝὡΝtἷmὂἷὄaὀὦaΝἷΝὡΝὅaήἶἷΝὃuἷΝprocura o equiliacutebrio da alma e do corpo Esse prazer obedece a uma estrutura que pertence a mesma matemaacutetica que possibilita definir os dois conceitos musicais que satildeo a consonacircncia e a harmonia aὅὅimΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝἷὅtἷὅΝήltimὁὅΝἵὁὀὅtituἷmΝumaΝὂὄὁgὄἷὅὅatildeὁΝmuὅiἵalrdquoΝ(1λλλΝὂέΝἄἄ)έΝ 207 Trata-se do intervalo microtonal seja entre a ζ ῖηηα (semitom pitagoacuterico da escala diatocircnica) seja entre o πκ κηά (semitom da escala cromaacutetica) Essas divisotildees dos semitonais satildeo tambeacutem chamadas de έ δμ essas divisotildees relativas ao temperamento (afinaccedilatildeo) musical resultavam no εσηηα (531441524288) pois o semi-tom natildeo poderia ser um nuacutemero irracional por isso a divisatildeo do tom se dava por meio de duas partes desiguais (ζ ῖηηα 243256 πκ κηά ἀ1ἆἅμἀίἂἆ)ΝἷΝumaΝldquoἵὁmardquoΝ(ἑfέΝTi 31b-36b) 208 Cf Tim 36ass

141 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

Epinomis209 que no Filebo daacute lugar agrave gama dos prazeres Podemos concluir a respeito disso

seguindo as consideraccedilotildees de Moutsopoulos que

O Filebo reflete o conhecimento musical cientiacutefico de Platatildeo devido aos estudos dos pitagoacutericos que determinavam os intervalos em virtude da ldquomἷἶiἶaΝὄaἵiὁὀalΝἷfἷtuaἶaΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶὁὅΝὀήmἷὄὁὅrdquoέΝἓὅtἷΝgecircὀἷὄὁΝἶἷΝὂἷὅὃuiὅaΝconsitia em realidade no meacutetodo matemaacutetico de dois fenocircmenos musicais meacutetodo oposto agravequele empiacuterico que se baseava unicamente sobre o ouvido [veremos Soacutecrates em 56a3-8 fazer uma distinccedilatildeo entre a muacutesica que ajusta suas harmonias por meio da medida e agravequela que se utiliza de conjecturas tida como imprecisa] Platatildeo pode rejeitar esta uacuteltima natildeo poderia por sinal ignoraacute-la de tudo pela grande difusatildeo que ela tinha naquele tempo e pela importacircncia louvaacutevel da criaccedilatildeo musical que se baseava unicamente seus princiacutepios imutaacuteveis derivados unicamente do caacutelculo mental tornando-a muito mais riacutegida (2002 p 81)

O ensinamento dos primeiros pitagoacutericos encontra-se degenerado no tempo de Platatildeo

A muacutesica que anteriormente era objeto da doutrina filosoacutefica dos pitagoacutericos do quinto seacuteculo

ponto de pertencimento a essas doutrinas se tornaraacute entatildeo mais tarde uma evidente

especializaccedilatildeo de uma determinada pesquisa Ela (a muacutesica) se torna uma mateacuteria cientiacutefica

por direito proacuteprio estudada a partir de si mesma O papel da matemaacutetica no campo musical

deve ser levado em conta como algo de suma importacircncia dado que os nuacutemeros possuem o

poder de iniciaccedilatildeo agrave atividade dialeacutetica O Filebo reafirma essa afinidade entre a matemaacutetica

e a muacutesica o essencial natildeo eacute a quantidade de conhecimentos mas o modo como esse saber

eacute adquirido As diferenccedilas entre o um e o muacuteltiplo devem ser agora estudas tendo em vista

tambeacutem a multiplicidade (natildeo qualquer multiplicidade como se pode jaacute notar) Dito de outro

modo eacute essa diferenciaccedilatildeo entre o estudo de tal questatildeo (um e muacuteltiplo) que suscita tambeacutem

a distinccedilatildeo entre aqueles que adotam o meacutetodo dialeacutetico e aqueles que utilizam-se da eriacutestica

Lembrando que a exigecircncia de Soacutecrates nesse trecho em relaccedilatildeo agrave muacutesica natildeo se trata de

uma requisiccedilatildeo de um conhecimento extremo da ciecircncia harmocircnica tal como os musicistas

ou seja natildeo se trata de tornar muacutesicos os seus interlocutores mas a incentivaacute-los a

reconhecer na ciecircncia harmocircnica aqueles princiacutepios baacutesicos (consonacircncia harmonia)

propiacutecios agrave caracterizaccedilatildeo do modo como a dialeacutetica deve ser dirigir em relaccedilatildeo aos objetos

que visa investigar No caso do nosso diaacutelogo devido a uma influecircncia dos pitagoacutericos a

209 ldquoἔiὀalmἷὀtἷΝ ὀaΝ ἷὅἵalaΝ ὃuἷΝ vaiΝ ἶὁΝ ἶὁἴὄὁΝ aὁΝ tἷὄmὁΝ mὧἶiὁΝ umaΝ ἶaὅΝ mὧἶiaὅΝ ὧΝ ἷὃuiἶiὅtaὀtἷΝ ἶὁὅΝextremos jaacute que excede ao termo menor em uma quantidade igual agravequela em que eacute excedida pelo termo maior a outra excede o termo menor e eacute excedida pelo maior pela mesma fraccedilatildeo dos termos respectivos e assim se formam as razotildees de 32 e 43 que seratildeo encontradas como meacutedias dentro da gama que vai de 6 a 12 Eacute por esta progressatildeo com o duplo sentido direcional efetivado por meio destas uacuteltimas razotildees que recebemos uma daacutediva do abenccediloado coro das Musas agraves quais a humanidade deve o benefiacutecio do jogo da consonacircncia e da medida com toda a contribuiccedilatildeo ao ritmo e mἷlὁἶiardquoΝ(λλ1Νa-b)

142 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

beleza eacute essencialmente proporccedilatildeo e medida duas caracteriacutesticas traduziacuteveis na noccedilatildeo de

nuacutemero O papel ativo da beleza consiste na introduccedilatildeo do nuacutemero no indeterminado

platocircnico vago incerto a determinaccedilatildeo matemaacutetica que atua como elemento concreto

(MOUTSOPOULOS 2002 p 82)

Filebo compreende os usos desses exemplos elencados por Soacutecrates como

demonstra em 18d3 Mas ainda falta algo na visatildeo do interlocutor Soacutecrates se atenta ao

ldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶἷΝὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝὄἷquerido Agora eacute o proacuteprio Soacutecrates quem se atenta

aΝἷὅὅaΝἷxigecircὀἵiaμΝldquoo que estaacute faltando de novo Filbebo eacute a relaccedilatildeo disso com o nosso tema

ὀatildeὁΝὧςrdquoΝ(η θΝ Φέζβί Ν έΝπλ μΝ πκμΝα α ᾽ έθν)Ν(1ἆἶἄ)έΝEacuteΝὄἷlaὦatildeὁΝaἶmitἷΝἔilἷἴὁΝ

que este uacuteltimo e Protarco procuravam haacute muito tempo e que entatildeo Soacutecrates admite que

ela estaria bem diante deles (18e1-2)

Soc Nossa discussatildeo natildeo era desde o iniacutecio ( ι λξ μ ζσΰκμ) sobre o pensamento (φλκθά πμ) e o prazer ( κθ μ) e sobre qual dos dois deve ser escolhido ( πσ λκθ α κῖθ α λ Ϋκθ) Fil Como natildeo Soc Ora afirmamos tambeacutem que cada um deles eacute um Fil Sim certamente Soc Eacute exatamente essa questatildeo que nossa discussatildeo anterior ( πλσ γ θ ζσΰκμ) nos exige resposta como cada um deles eacute um e eacute muacuteltiplo ( δθ θ εα πκζζ ) e como natildeo satildeo eles imediatamente ( γτμ) ilimitados ( π δλα) possuindo um e o outro um nuacutemero ( λδγη θ) determinado antes de se tornar ilimitado ( π δλα) (18e8-19a2)

A reaccedilatildeo de Protarco eacute entatildeo dirigida a Filebo o que teria feito desde o iniacutecio do

diaacutelogo taὀtὁΝἷlἷΝὃuaὀtὁΝἥὰἵὄatἷὅΝldquoaὀἶaὅΝἷmΝἵiacuteὄἵulὁὅrdquoΝ(κ εΝκ ᾽ θ δθαΝ λσπκθΝετεζ ππμΝ

π λδαΰαΰ θΝ η μΝ ηίΫίζβε ) (19a3-4) A indignaccedilatildeo de Protarco chega a tal ponto de

considerar-ὅἷΝἷlἷΝὂὄὰὂὄiὁΝldquoὄiἶiacuteἵulὁrdquoΝ(ΰ ζκῖκθ) ao tentar responder a uma questatildeo tatildeo aacuterdua ao

ter assumido o papel de interlocutor no diaacutelogo doado a ele por Filebo mas ainda mais ridiacuteculo

seria se nem ele nem Soacutecrates fossem capazes de responder a tais questotildees anteriormente

tratadas (19a8-b1) Neste momento o proacuteprio Protarco emite um testemunho de

compreensatildeo

Prot () Soacutecrates na realidade estaacute nos perguntando segundo me parece pelas espeacutecies de prazer ndash se existem ou natildeo ( β ΰ λ ηκδ κε δ θ θ λπ θ

κθ μ () δθ ηά) quantas satildeo e de que tipo satildeo (εα πσ α εα πκῖα) e a mesma coisa em relaccedilatildeo ao pensamento ( μ rsquoΝ α φλκθά πμ) (19b1-4)

E Soacutecrates responde imediatamente

143 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

Soc Nada mais verdadeiro ( ζβγΫ α α ζΫΰ δμ) filho de Caacutelias Se noacutes natildeo pudermos fazer ( λ θ)210 isso em relaccedilatildeo a todo tipo de unidade (εα παθ μ θκμ) semelhanccedila ( ηκέκθ) identidade ( α κ ) e tambeacutem ao oposto

( θαθ έκυ) como o argumento passado nos revelou nenhum de noacutes seraacute digno de valor ( ιδκμ) em relaccedilatildeo a nada (19b5-8)

Protarco supotildee que esse realmente eacute o modo correto de agir em se tratando desses

tipos de problemas isto eacute com a intrincada questatildeo do um e do muacuteltiplo um problema do

qual a dialeacutetica reiteradamente arroga-se tambeacutem no Filebo Platatildeo entatildeo coloca na boca de

Protarco a claacutessica expressatildeo do Feacutedon (99c-ἶ)Ν aΝ ὅaἴἷὄμΝ ldquoεaὅΝ ὅἷΝ ὧΝ ἴἷlὁΝ (εαζ θ) para o

temperante ( υφλκθδ) conhecer todas as coisas (η θ τηπαθ α) existe para ele

segundo me parece umaΝ ldquoὅἷguὀἶaΝ ὀavἷgaὦatildeὁ211rdquo ( τ λκμ rsquoΝ θαδ πζκ μ κε ῖ) que

210 Dixsaut (2004) chama nossa atenccedilatildeo para o verbo λ θ (fazer) ndash tambeacutem utilizado por Platatildeo no Sofista ndash o uso do verbo marca o caraacuteter predominantemente ativo do processo plasmaacutetico que configura a atividade dialὧtiἵaΝ ἷΝ ὅuaΝ ἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝ fuὀἶamἷὀtalmἷὀtἷΝ uὀifiἵaἶὁὄaέΝ ldquoἑὁmΝ ὁΝ mἷὅmὁΝdireito que a retoacuterica a dialeacutetica permite falar poreacutem diferentemente daquela permite tambeacutem pensar Pensar eacute ter em vista uma unidade e uma multiplicidade tanto como a relaccedilatildeo natural que as une Ter em vista (horan) segundo Platatildeo eacute fazer (dran o mesmo verbo novamente eacute encontrado a propoacutesito do dialeacutetico no Sofista [Cf 235d5] e no Filebo [19b6 25b2]) pocircr em relaccedilatildeo o uno e o muacuteltiplo resultantes de um certo nuacutemero de operaccedilotildees do dialeacutetico operaccedilotildees orientadas por um propoacutesito uὀifiἵaἶὁὄrdquoΝ(ὂέΝ1ἃ)έ 211 Dixsaut (1991) em uma nota da sua traduccedilatildeo do Feacutedon (99c-ἶ)Ν ὄἷfὁὄὦaΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶaΝ ldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝ( τ λκμΝπζκ μ) e cita o sentido consoante entre essa mesma expressatildeo retomada neste trecho do Filebo ἵὁmΝaὃuἷlἷΝὂὄimἷiὄὁΝἶiὠlὁgὁέΝἓlaΝaὅὅimΝἶiὐμΝldquoἷὅtὠΝἵlaὄὁΝὃuἷΝ[ὀὁΝFilebo]ΝἷὅὅaΝlsquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrsquoΝ ὀatildeὁΝ ἶἷὅigὀaΝ umaΝ ὅimὂlἷὅΝ muἶaὀὦaΝ ἶἷΝ mἷiὁὅΝ ὂaὄaΝ alἵaὀὦaὄΝ umΝ mἷὅmὁΝ fimΝ mas uma mudanccedila de orientaccedilatildeo e neste caso uma virada completa o saber natildeo eacute mais pensado em extensatildeo mas como um conhecimento refletido pelo sujeito que conhece que deve tomar consciecircncia do fato que se ignora a si mesmo Essa reflexatildeo constitui um preacute-requisito a segunda navegaccedilatildeo (deuacuteteros ploucircs) eacute a primeira por direito se natildeo em fato e ela evita as divagaccedilotildees da primeira () natildeo designa nem o recurso a um meacutetodo inferior agravequele da primeira navegaccedilatildeo nem um meacutetodo de substituiccedilatildeo que permite alἵaὀὦaὄΝumΝmἷὅmὁΝὁἴjἷtivὁμΝἷlaΝὧΝumΝldquoἶἷὅviὁΝἶἷΝὂἷὄὅὂἷἵtivardquoΝ(ἶὁΝἷxtἷὄiὁὄΝὂaὄaΝὁΝiὀtἷὄiὁὄ)ΝὃuἷΝmἷtamὁὄfὁὅἷiaΝὁΝὁἴjἷtivὁΝiὅtὁΝὧΝtaὀtὁΝὁἴjἷtὁΝἵὁmὁΝaΝὀatuὄἷὐaΝἶὁΝὅaἴἷὄrdquoΝ(ὂέΝἁἅ1-372) Podemos certamente dizer que Platatildeo rejeita o modo das explicaccedilotildees fisioloacutegicas baseadas no plano dos fἷὀὲmἷὀὁὅΝὂὄὁmὁvἷὀἶὁΝumaΝὄἷviὄavὁltaΝὃuἷΝἷlἷΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝἷΝὃuἷΝtἷmΝἵὁmὁΝὄἷὅultaἶὁΝaΝldquohiὂὰtἷὅἷΝἶaὅΝἔὁὄmaὅrdquoέΝἢlatatildeὁΝὂὄὁἵuὄaΝfaὐἷὄΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝumΝἶiὠlὁgὁΝἶaΝalmaΝἵὁmΝela mesma e natildeo com a Natureza O saber dialeacutetico que parte das Formas inteligiacuteveis circula apenas entre estas uacuteltimas e apenas delas resultam os conhecimentos mais elevados A ciecircncia das causas primeiras ou natildeo natildeo eacute senatildeo secundaacuteria diante deste saber da alma consigo mesma ndash e que como ἶiὐΝἒixὅautΝ(1λλ1)μΝldquo(έέέ)ΝὧΝaὂἷὀaὅΝὁutὄaΝfaἵἷΝἶἷΝumΝmἷὅmὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝ(έέέ)rdquoΝ(ὂέΝἁἅἀ)Νndash em relaccedilatildeo ao ζσΰκμ que busca ao maacuteximo explorar essas relaccedilotildees entre as Formas Se pensamos que a ldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝὧΝaὂἷὀaὅΝumaΝ muἶaὀὦaΝὃuaὀtὁΝὡΝutiliὐaὦatildeὁΝἶἷ meios esses mesmos meios deveriam fazer com que Soacutecrates alcanccedilasse essa mesma espeacutecie de causas ou seja causas finais aὅΝὃuaiὅΝtἷὄiamΝlhἷΝἶiὄigiἶὁΝὡΝfὄuὅtὄaὦatildeὁΝἷmΝὅuaΝὂὄimἷiὄaΝὀavἷgaὦatildeὁΝὂἷlaΝldquoἵiecircὀἵiaΝἶaΝὀatuὄἷὐardquoέΝεaὅΝnatildeo eacute esse o caso as causas finais pressupotildeem sua posiccedilatildeo por uma inteligecircncia que eacute sempre interna isto eacute da alma (individual ou universal) Essas causas natildeo podem ser vaacutelidas para todos os casos nem para cada um em particular natildeo se encontra em questatildeo aqui a dimensatildeo maior ou menor de ser natildeo importam aqui os detalhes fisioloacutegicos nesse novo tipo de explicaccedilatildeo mas a participaccedilatildeo nas Formas que explica suas determinaccedilotildees e natildeo as consideraccedilotildees relativas aos seus fins No caso de uma

144 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

consiste em natildeo ignorar-se a si mesmo (η ζαθγΪθ δθ α θ α σθ)rdquoΝ (19c1-4) Feitas as

alusotildees agrave dialeacutetica Protarco recapitularaacute en passant as posiccedilotildees iniciais que deram iniacutecio ao

diaacutelogo num primeiro momento entre Filebo e Soacutecrates (19c3-e5) Filebo teria afirmado que

a maior das aquisiccedilotildees humanas eacute o prazer e as coisas desse tipo Soacutecrates no entanto se

contrapocircs agravequele dizendo ser outras coisas que natildeo estas e que essas outras seriam ainda

melhores superiores ao prazer como a inteligecircncia o conhecimento a teacutecnicas e todas as

coisas semelhantes a estes uacuteltimos Ambas as posiccedilotildees foram postas em controveacutersia

( ηφδ ίβ ά πμ) tanto a do condutor comκ a dos interlocutores se inseriam nessa espeacutecie

ἶἷΝ ldquoἴὄiὀἵaἶἷiὄardquo (παδ ῖαμ) a fim delimitarem a discussatildeo para que ela adquirisse um limite

suficiente na determinaccedilatildeo dos argumentos apresentados por tal discussatildeo ( θ ζσΰπθ πΫλαμ

εαθ θ ΰ θβ αέ δ δκλδ γΫθ πθ) Protarco entatildeo exige uma nova postura de Soacutecrates qual

seja recusar manifestar constantemente oposiccedilatildeo aos assuntos que desejam tratar isto eacute

sobre qual dos dois (prazer e conhecimento) possa ser considerado o bem Eacute imprescindiacutevel

a Protarco a saiacuteda da aporia que surge diante de tais perguntas sobre coisas que permanecem

sem uma resposta suficiente dos interlocutores como estes problemas relativos agrave divisatildeo e

ao problema do um e do muacuteltiplo mas Soacutecrates com essas discussotildees continua lanccedilando-os

ὀἷὅὅἷΝ ldquoἵamiὀhὁΝ ὄἷὂlἷtὁΝ ἶἷΝ ὁἴὅtὠἵulὁὅrdquoέΝ ἦὄata-se aqui novamente insisto de afirmar o

ldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶaΝὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝmaὅΝὃuἷΝἵὁmὁΝjὠΝὀὁtamὁὅΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἥὰἵὄatἷὅΝὂaὄἷἵἷΝἷὅtaὄΝἵiἷὀtἷΝ

dessa necessidade Eacute impossiacutevel admitir ou mesmo presumir que toda essa discussatildeo

acabaraacute em aporia o que natildeo significa dizer que ela iraacute terminar como veremos Para

Protarco Soacutecrates deve tomar para si a responsabilidade de direccedilatildeo da discussatildeo e fazer

com que todo o discurso alcance um sentido ou seja que ele natildeo seja pueril e sem sentido

mas sobretudo uma discussatildeo seacuteria Diz finalmente Protarco

determinada alma ela se determina por meio da postulaccedilatildeo das Formas (beleza justiccedila coragem etc) que satildeo fins diferentemente dos seres inanimados a participaccedilatildeo dessas coisas em uma ou mais fὁὄmaὅΝ aὅΝ tὁὄὀaΝ iὀtἷligiacutevἷiὅΝ maὅΝ aiὀἶaΝ ὂἷὄmaὀἷἵἷΝ algὁΝ ὀἷlaὅΝ umaΝ ὂaὄtἷΝ ἶἷΝ ldquoὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷrdquoΝ ἶἷΝininteligibilidade de opacidade irredutiacutevel A causa final pode ser vaacutelida para ao mundo quando tomada em conjunto necessariamente eacute considerada a melhor imagem (modelo) inteligiacutevel para a compreensatildeo mas ela natildeo se aplica ao detalhe Logo Soacutecrates natildeo descobre ndash por meio da segunda navegaccedilatildeo ndash para cada coisa o melhor que pode ser mas as causas que por participaccedilatildeo satildeo causas de inteligibilidade (finais no caso dos seres (almas) inteligiacuteveis natildeo-finais no caso dos demais seres) Sobre a segunda navegaccedilatildeo devemoὅΝ ὂἷὀὅaὄμΝ ldquo(έέέ)Ν ὃuἷΝ ἷlaΝ ὧΝumΝ ὁutὄὁΝ ἵamiὀhὁΝ ὃuἷΝ ὀὁὅΝ ὂἷὄmitἷΝpostular um outro tipo de causas (as Formas) mas sobretudo possuir um outro tipo de discurso Ela ὂἷὄmitἷΝὄὁmὂἷὄΝἵὁmΝὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝἷxὂliἵativὁΝἷΝmἷἵaὀiἵiὅtaΝἶὁὅΝlsquofiὅiὰlὁgὁὅrsquoΝaΝἷxigecircὀἵiaΝἶἷΝἵauὅas finais ὀatildeὁΝὧΝὅufiἵiἷὀtἷΝὂaὄaΝἵὁὀὅumiὄΝἷὅὅaΝὄuὂtuὄaέΝἒἷixaὄΝldquoἷὅἵaὂaὄrdquoΝὀὁὅΝloacutegoi as razotildees eacute passar a um outro tiὂὁΝἶἷΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝatὄiἴuiὄΝἵὁmὁΝ lsquoἵauὅarsquoΝ ὀatildeὁΝaὃuilὁΝὃuἷΝἷὀgἷὀἶὄaΝ ndash mesmo da melhor maneira possiacutevel ndashΝ maὅΝ aὃuilὁΝ ὃuἷΝ tὁὄὀaΝ iὀtἷligiacutevἷlέΝ ldquoἓὅἵaὂaὄrdquoΝ ὧΝ ὂὄimἷiὄamἷὀtἷΝ ἵἷὅὅaὄΝ ἶἷΝ ὂἷὄguὀtaὄΝ ὁΝ ὃuἷΝproduz a beleza de uma coisa para comeccedilar a perguntar o que eacute em si o belo A maneira de questionar muἶaμΝὀatildeὁΝmaiὅΝlsquoὂὁὄΝὃuἷΝἷὅtaΝἵὁiὅaΝὧΝἴἷlaςrsquoΝmaὅΝlsquoὂὁὄΝὃuἷΝὧΝlἷgiacutetimὁΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝἷlaΝὧΝἴἷlaςrsquordquoΝ(ὂέΝἁἅἁ)Ν(cf DIXSAUT 1991 p 372-373) Para uma anaacutelise ainda mais detalhada da expressatildeo do Feacutedon cf Nunes Sobrinho (2007 p 115-116)

145 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

Decide entatildeo por ti mesmo se deves dividir as espeacutecies de prazer e de conhecimento ou se deves abandonaacute-las ( κθ μΝ βΝ κδΝ εα πδ άηβμΝ

δαδλ ΫκθΝ εα α Ϋκθ) se fores capaz e se quiseres esclarecer de um modo diferente nossa controveacutersia ( π εαγ᾽ λσθΝ δθαΝ λσπκθΝ κ σμΝ ᾽ εα ίκτζ δΝ βζ αέΝππμΝ ζζπμΝ θ θΝ ηφδ ίβ κτη θαΝπαλ᾽ ηῖθ) (20a5-8)

Diante da requisiccedilatildeo e Protarco natildeo haacute um outro caminho a natildeo ser como veremos

ἶiὅὂὁὄΝ ἶἷΝ umaΝ ldquoὀὁvaΝ mὠὃuiὀaΝ ἶἷΝ guἷὄὄardquoΝ ( ῖθ ζζβμ ηβξαθ μ 23b7-8) A primeira nos

forneceu os meios para se tratar dialeticamente o indeterminado Antes de passarmos entatildeo

a ἷὅὅaΝ ldquoὀὁvaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝ ὃuἷΝὅἷὄὠΝ ὂὄἷἵἷἶiἶaΝ ὂὁὄΝ umaΝ ὄἷtomada agraves questotildees iniciais do

ἶiὠlὁgὁΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝὄἷὅumiὄmὁὅΝaΝldquoὂὄimἷiὄaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝἵὁὀtiἶaΝὀἷὅὅaΝ lὁὀgaΝὂaὅὅagἷmΝ

repleta de alusotildees agrave atividade dialeacutetica e suas contribuiccedilotildees para a compreensatildeo do que vem

a ser o ilimitado ( π δλκθ) O que podemos dizer a respeito da dialeacutetica nesse primeiro

momento do diaacutelogo

Primeiramente o que se diz eacute que a dialeacutetica e o ζσΰκμ em si satildeo sempre um caso do

um e do muacuteltiplo Em 14e3-ἂΝalgὁΝaΝmaiὅΝὧΝἶitὁΝὅὁἴὄἷΝaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝὀἷὅὅἷΝldquoἴalὧrdquoΝἶἷΝtἷὄmὁὅΝ

que oscila entre o um e o muacuteltiplo se afirma que o um eacute multiplicidade e mais indefinida ( σΝ

Ν θΝ μΝπκζζΪΝ δΝεα π δλα) assim como se diz que o muacuteltiplo eacute um ( πκζζ μΝ θΝ

ησθκθ) Nota-se aqui a introduccedilatildeo de um novo termo π δλα Qual o significado que este termo

adota neste primeiro momento Quais satildeo suas relaccedilotildees com a dialeacutetica aqui nesta

passagem Primeiro como vemos ao longo deste trecho diaacutelogo eacute que eacute possiacutevel afirmar

que essa multiplicidade ( π δλα) se opotildee agrave unidade isto porque a pluralidade ilimitada e a

unidade consistem em dois extremos da atividade dialeacutetica (17a 18a 18e-19a) mas tambeacutem

se diz que ela pode predicar uma unidade (14e) como tambeacutem uma multiplicidade (16d)

tambeacutem foi dito que ela se encontra relacionada agraves coisas em devir diante da anaacutelise do

emblemaacutetico trecho que corresponde agraves noccedilotildees tratadas em 15bss Logo a participaccedilatildeo eacute

pensada como presenccedila seja imanente ou transcendente de uma unidade (mocircnada) nas

coisas que estatildeo em devir e satildeo ilimitadas (particulares sensiacuteveis) (15b5) e por uacuteltimo se diz

que a multiplicidade numeraacutevel deixa escapar essa pluralidade de unidades incontaacuteveis

notaacuteveis como estando contidas em uma unidade dada (16e 17e)

Nos diz Soacutecrates em 17e3-4 que a pluralidade ilimitada de coisas e a pluralidade em

cada coisa soacute podem fazer de algueacutem nestes casos um inexperiente no pensar que

ningueacutem leva em conta ( ᾽ π δλσθΝ Ν εΪ πθΝεα θΝ εΪ κδμΝπζ γκμΝ π δλκθΝ εΪ κ Ν

πκδ ῖ κ φλκθ ῖθΝεα κ εΝ ζζσΰδηκθΝκ ᾽ θΪλδγηκθ) Neste caso parece haver dois sentidos

envoltos na noccedilatildeo de π δλκθ tanto o de multiplicidade vaacuteria quanto o de uma multiplicidade

146 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

determinada ou como nos diz Dixsaut (2001)212Ν ldquoἢlatatildeὁΝ ὂaὄἷἵἷΝ gὁὅtaὄΝ ἶὁΝ jὁgὁΝ ὃuἷΝ faὄiaΝ

ὂaὅὅaὄΝἶἷΝumΝhὁmὲὀimὁΝaΝὁutὄὁrdquoΝ(ὂέΝἁίἀ)έΝἜὁgὁΝὁΝiὀἶἷtἷὄmiὀaἶὁΝὧΝumaΝldquoὂἷἶὄaΝἶἷΝtὄὁὂἷὦὁrdquoΝ

para o pensamento ele coloca em questatildeo o proacuteprio pensamento

Um primeiro modo de dividir eacute partir de uma unidade ateacute alcanccedilar uma multiplicidade

determinada e segundo o Filebo (16e1-3) natildeo devemos imediatamente aplicar a forma do

ilimitado agrave pluralidade mas soacute depois de percebermos o nuacutemero total da pluralidade que

existe entre o ilimitado e o um para somente depois disso abandonar tais espeacutecies (vaacuterias)

se despedir dessa multiplicidade deixando na indeterminaccedilatildeo tudo aquilo que natildeo inclui essa

escolha (dessa unidade) realizada pelo dialeacutetico ao dividir Poreacutem haacute ainda uma situaccedilatildeo

contraacuteria ( θαθ έκθ) a essa tarefa do dialeacutetico de dividir uma dada unidade como nos diz o

tἷxtὁΝἷmΝ1ἆaλΝiὅtὁΝὧΝldquoὃuaὀἶὁΝalguὧmΝὧΝfὁὄὦaἶὁΝaΝaὂὄἷἷὀἶἷὄΝἷmΝὂὄimἷiὄὁΝlugaὄΝὁΝilimitaἶὁrdquoΝ

( αθ δμ π δλκθ θαΰεα γ πλ κθ ζαηίΪθ δθ) ou seja partir de uma multiplicidade

indeterminada Esta unidade presente nesta multiplicidade soacute pode ser nominal e

indeterminada Ela tambeacutem natildeo pode ser tornada imediatamente ( γτμ) uma unidade real

(18b1) mas antes se deve discernir um nuacutemero ( λδγη θ) que constitui qualquer pluralidade

determinada (α δθαΝπζ γκμΝ εα κθΝ ξκθ ΪΝ δΝεα αθκ ῖθ) e soacute depois disso se deve olhar

para o um

Sem a postulaccedilatildeo de uma unidade real natildeo haacute divisatildeo possiacutevel Logo essa tambeacutem

passa a ser uma tarefa do dialeacutetico antes de postular uma unidade real ele deve constituir

uma multiplicidade numeraacutevel E como isso poderaacute ser feito Pela classificaccedilatildeo pela

distinccedilatildeo na multiplicidade indeterminada inicial todas as espeacutecies que exigem o nuacutemero que

noacutes lhe damos juntamente com aquelas que natildeo o exigem e entatildeo ordenar essas espeacutecies

ou elementos no interior de uma estrutura Trata-se de substituir essa multiplicidade

incontaacutevel essa indeterminaccedilatildeo ndash seja entre as coisas seja entre as variadas coisas dentro

de uma unidade ndash por uma multiplicidade determinada que oferece conteuacutedo a essa nova

unidade unidade real tornando-a verdadeira Postular um nuacutemero determinado de

intermediaacuterios que existe entre o ilimitado e o um (η αι κ π έλκυΝ Νεα κ θσμ 16e1)

eacute o que distingue o dialeacutetico do eriacutestico e por essa estrutura intermediaacuteria deve passar todo

movimento dialeacutetico Se vamos por um sentido ou por outro ou seja do um ao ilimitado ou

do ilimitado ao um soacute podemos falar em unidade real agrave medida em que essa unidade torna-

se uma unidade determinada isto eacute se envolver uma multiplicidade constituiacuteda de forma

precisa Ora se vamos imediatamente do ilimitado agrave unidade eacute o mesmo que ir do ilimitado

ao ilimitado Eacute apenas esse processo de circularidade do um e do muacuteltiplo pode retirar a

indeterminaccedilatildeo o um torna-se apenas esse um sob a condiccedilatildeo de ser a unidade de

212 Sigo de perto a intepretaccedilatildeo desta autora em relaccedilatildeo agrave interpretaccedilatildeo do ilimitado (Cf DIXSAUT 2001 p 302-310) e tambeacutem seguindo em grande parte as consideraccedilotildees postas por Delcomminette (2002 p 96-159)

147 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

determinada multiplicidade ao mesmo tempo que uma multiplicidade para ser muacuteltipla deve

ser simultaneamente uma multiplicidade de unidades e ser incluiacuteda em uma unidade pois

ἵaὅὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝldquohavἷὄiaΝἶiὅὂἷὄὅatildeὁΝὅἷmΝlimitἷΝἷΝὅἷmΝligaὦatildeὁΝἷΝὀatildeὁΝmultiὂliἵiἶaἶἷrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝ

2001 p 304)213

Penso que Dixsaut (2001) estaacute correta ao dizer que λδγη θ significa em grego antes

de mais nada uma estrutura (p 304)214έΝἣuaὀἶὁΝὅὁmὁὅΝldquofὁὄὦaἶὁὅΝaΝὂaὄtiὄΝὂὄimἷiὄamἷὀtἷΝἶὁΝ

213 Delcomminette (2002) tambeacutem explica a passagem recorrendo ao exemplo do deus egiacutepcio Teuth Theuth - ou melhor um deus ou um homem divino - deveraacute distinguir as letras do alfabeto grego para iὀὅtituiὄΝaΝΰλαηηα δε θΝ ΫξθβθέΝἢaὄaΝtalΝἷlἷΝἶἷvἷὄὠΝὂὁὅtulaὄΝὁΝὅὁmΝvὁἵalΝἵὁmὁΝumΝgecircὀἷὄὁΝaΝὅἷὄΝἶiviἶiἶὁέΝSemelhante posiccedilatildeo o coloca na presenccedila natildeo da infinita variedade de sons jaacute individualizados mas de um som indefinido De fato Theuth natildeo chega agrave compreensatildeo dos sons individuais antes do final do processo Nessas condiccedilotildees o problema do status das entidades reunidas eacute um problema falso natildeo satildeo nem coisas particulares nem universais porque nem sequer satildeo entidades elas simplesmente formam um halo indiferenciado que acompanha a unidade que postulamos como a possibilidade para essa mesma ideia de ser participada de estar envolvida nessa relaccedilatildeo (p 107) Ainda nos diz ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ(ἀίίἀ)μΝldquoEacuteΝὂὁὄΝiὅὅὁΝὃuἷΝὁΝapeiron natildeo deve ser tomado em um sentido exclusivamente ἷxtἷὀὅiὁὀalέΝἥἷΝlsquoapeiron ὀaΝmultiὂliἵiἶaἶἷrsquoΝὄἷfἷὄἷ-se a uma multiplicidade indiferenciada entatildeo ela eacute tanto uma noccedilatildeo extensional como intensional ela pode se referir tanto agrave multiplicidade ilimitada e indiscriminada de participantes na ideia que noacutes postulamos que estatildeo virtualmente presentes em nosso pensamento quanto agrave parte de indeterminaccedilatildeo de nosso pensamento quando pensamos nessa Ideia que pode ser determinada de muitas maneiras diferentes Esses dois aspectos satildeo correlativos e qualquer accedilatildeo sobre um implica uma accedilatildeo sobre o outro qualquer limitaccedilatildeo da multiplicidade de participantes implica uma determinaccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo de nosso pensamento e vice-versa O objetivo da reuniatildeo eacute precisamente fazer a ponte entre esses dois aspectos e permitir que o dialeacutetico ὅἷΝmὁvaΝἶἷΝumΝὂaὄaΝὁΝὁutὄὁέΝεaiὅΝἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝὁΝaὅὂἷἵtὁΝlsquoἷxtἷὀὅiὁὀalrsquoΝὧΝὁΝiὀὅtὄumἷὀtὁΝὃuἷΝὂἷὄmitἷΝao dialeacutetico determinar seu pensamento por exemplo usando o contraste entre vaacuterios participantes para descobrir as diferenccedilas que os distinguem E na medida em que qualquer determinaccedilatildeo subsequente reduza a multiplicidade de participantes esse aspecto tambeacutem pode servir como criteacuterio para testar a integridade de sua atividade determinante Esta circulaὦatildeὁΝiὀἵἷὅὅaὀtἷΝἷὀtὄἷΝlsquoἷxtἷὀὅatildeὁrsquoΝἷΝlsquoiὀtἷὀὅatildeὁrsquoΝὧΝὂὁὅὅiacutevἷlΝgὄaὦaὅΝaΝamἴiguiἶaἶἷΝiὀἷὄἷὀtἷΝaὁΝtἷὄmὁΝapeiron que se refere a tudo aquilo que ὧΝiὀἶἷfiὀiἶὁΝtaὀtὁΝὃuaὀtitativamἷὀtἷΝ(ἵaὅὁΝἷmΝὃuἷΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝtὄaἶuὐiἶὁΝἵὁmὁΝlsquoilimitaἶὁrsquoΝἶἷὅἶἷΝὃuἷΝὀatildeὁΝo entendamos como um termo referente a um nuacutemero ilimitado mas ainda mais agrave ilimitaccedilatildeo que o impede de ser um nuacutemero no sentido grego do termo) quanto qualitativamente (caso este em que podemos traduzi-lὁΝἵὁmὁΝlsquoiὀἶἷtἷὄmiὀaἶὁrsquo)έΝἡΝfatὁΝἶἷΝὃuἷΝaΝὂὁὅtulaὦatildeὁΝἶἷΝumaΝIἶἷiaΝὂὁὅὅa trazer agrave tona um apeiron tendo esses dois aspectos resulta do fato de que a reuniatildeo eacute um processo virtual em vez de uma enumeraccedilatildeo de participantes jaacute diferenciados De forma geral podemos provisoriamente propor essa definiccedilatildeo puramente negativa do apeiron o apeiron eacute indeterminaccedilatildeo ou ilimitaccedilatildeo no sentido de que escapa agrave determinaccedilatildeo ou agrave limitaccedilatildeo Deste ponto de vista o apeiron eacute o oposto do pensamento e ateacute mesmo seu inimigo e este antagonismo eacute reforccedilado pelo jogo de palavras sobre esse termo iἶecircὀtiἵὁΝἷmΝgὄἷgὁΝὡὃuἷlἷΝὃuἷΝὅigὀifiἵaΝlsquoiὀἷxὂἷὄiἷὀtἷrsquordquoΝ(ὂέΝ1ίἅ-108) 214 ἠaΝmἷὅmaΝἶiὄἷὦatildeὁΝὅἷguἷΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷμΝldquoὁΝiὀtἷὄἷὅὅaὀtἷΝaὃuiΝὧΝaΝἵlaὄaΝἵὁὀἷxatildeὁΝἷὀtὄἷΝὁΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝde aprendizagem individual e a transiccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo para a determinaccedilatildeo tanto quantitativa quanto qualitativa que eacute obra da dialeacutetica () o que eacute aprendido eacute sempre uma estrutura determinada na qual todos os elementos estatildeo conectados de tal forma que eacute impossiacutevel conhecer algum independentemente de todos os outros O aprendizado envolve a imposiccedilatildeo de uma estrutura (grifo nosso) definitiva sobre a primeira indeterminaccedilatildeo do nosso pensamento uma estrutura que constitui o campo de aplicaccedilatildeo de uma tekhnegrave correspondente - neste caso a grammatikegrave tekhnegrave do nosso pensamento (18 c7-8) () Soacutecrates iraacute dizer natildeo sem prejuiacutezo que o apeiron eacute aquilo que torna algueacutem π δλκμ κ φλκθ ῖθΝ Ν iὅtὁΝὧΝ iὀἷxὂἷὄiἷὀtἷΝὀὁΝὂἷὀὅaὄΝ(1ἅΝἷἁ-6) pensar natildeo eacute possiacutevel sem

148 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ilimitaἶὁrdquoΝ ἷΝ ὧΝ ἷὅὅἷΝ ὁΝὂὁὀtὁΝὃuἷΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ἶἷvἷὄὠΝ aὃuiΝ ὄἷtὁmaὄΝ aὁΝ ἶiὐἷὄΝ ὃuἷΝ ἷὅtaΝ ὅituaὦatildeὁΝ

tambeacutem se configura enquanto uma atividade do dialeacutetico que nos encontramos perante a

uma situaccedilatildeo simeacutetrica agrave da divisatildeo Contudo reunir e dividir aqui ao que tudo indica trata-

se de estruturar problema semelhante ao encontrado por Teuth o criador do alfabeto foneacutetico

como ilustrado no exemplo do diaacutelogo Dito de outro modo eacute imprescindiacutevel agora ao tomar

uma realidade ilimitada produzir um conjunto ordenado de elementos que se encontram

interligados interdependentes como no caso da φπθ (voz) e dos demais exemplos dados

por Soacutecrates na argumentaccedilatildeo precedente215 Diante de uma realidade ilimitada como eacute o

caso da voz Teuth eacute o primeiro a tentar converter esse ilimitado indefinidamente variaacutevel em

uma pluralidade numeraacutevel Da realidade sonora indeterminada de um conjunto ilimitado de

modulaccedilotildees fora possiacutevel retirar uma quantidade determinada limitada de espeacutecies foneacuteticas

(vogais semi-vogais e mudas) como tambeacutem foi possiacutevel determinar o nuacutemero de elementos

proacuteprios de cada uma dessas espeacutecies a fim de instituir uma totalidade uma estrutura

coerente (o alfabeto foneacutetico o conjunto das letras) detendo-se apenas nessas mesmas

espeacutecies

O problema do prazer eacute semelhante ao caso do alfabeto antes de determinarmos se

o prazer eacute o bem devemos analisar essa realidade em que consiste ser o prazer e que recobre

uma pluralidade indeterminada Antes entatildeo devemos constituir uma unidade real e para tal

eacute necessaacuterio alcanccedilar uma pluralidade determinada uma multiplicidade contaacutevel Vale

lembrar que prazer e conhecimento estatildeo submetidos a uma escolha sobre qual dos dois

possa ser considerado o bem Antes devemos saber em que medida ambos (prazer e

conhecimento) satildeo simultaneamente um e muacuteltiplo ao inveacutes de consideraacute-los como ilimitados

jaacute agrave primeira vista melhor dizendo como cada um deles adquire em dado momento um

nuacutemero antes de se tornar ilimitado (Cf 18e9-1λaἀ)μΝldquolsquoἓmΝumΝἶaἶὁΝmὁmἷὀtὁrsquoΝ(πκ 19a1)

porque natildeo eacute sempre em um mesmo momento do processo dialeacutetico que se eacute conquistada a

pluralidade determinada ela pode acontecer antes ou apoacutes o posicionamento da unidade

ἶἷtἷὄmiὀaἶardquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝ ἀίί1 p 305 grifos da autora) Ela iraacute acontecer antes caso

iniciemos pelo ilimitado e ocorreraacute depois se jaacute partimos de uma unidade determinada e a

dividimos A incompreensatildeo de Protarco e de Filebo versa sobre a necessidade de maiores

esclarecimentos por parte de Soacutecrates por que um interluacutedio tatildeo exaustivo sobre a divisatildeo

Soacutecrates natildeo poderia perguntar diretamente ndash e Filebo concorda com Protarco pois

referecircncias e essas referecircncias satildeo fornecidas pelas estruturas determinadas aprendidas pela ἷἶuἵaὦatildeὁrdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝ1ἁἁ-134) 215 Sobre isto conferir o que dissemos sobre a muacutesica anteriormente e a ambiguidade presente em dois tipos de muacutesica praticadas na eacutepoca grega claacutessica aquela que visava o nuacutemero herdada praacutetica matematizante da caraterizaccedilatildeo das harmonias e aquela baseada na mediccedilatildeo (empiacuterica) infinita dos intermediaacuterios dos intervalos musicais visando a criaccedilatildeo e sistemas como eacute o caso Dos elementos harmocircnicos presentes nas doutrinas de Aristoxeno (Cf DELCOMMINETTE 2002 p 134-143)

149 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

ἵὁὀὅtaὀtἷmἷὀtἷΝἷὅtὠΝaΝἷxigiὄΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὁΝldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶaΝὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝndash se o objetivo maior

dessa discussatildeo eacute a divisatildeo dos prazeres e conhecimentos se eles possuem realmente

espeacutecies quais satildeo e quantas satildeo (19b1-4) O fato eacute que neste caso Soacutecrates natildeo estaacute a

solicitar de seu interlocutor principal uma divisatildeo de prazeres e conhecimentos porque isso

seria impossiacutevel natildeo se pode comeccedilar a dividir pelo ilimitado antes se deve postular um

nuacutemero para entatildeo constituir uma unidade verdadeira real somente essa unidade eacute que

poderaacute ser constituiacuteda objeto da divisatildeo Nos dizeres de Dixsaut (2001)

O que Soacutecrates exige de fato eacute a constituiccedilatildeo de um alfabeto ou gama dos prazeres a fim de substituir a indeterminaccedilatildeo inicial do prazer pela multiplicidade de prazeres (daquilo que eacute verdadeiramente e natildeo falsamente ou ilusoriamente nomeado prazer) Eacute precisamente isso que ele iraacute fazer durante uma longa anaacutelise (p 306 grifos da autora)

Todos os trecircs exemplos (alfabeto foneacutetico teoria musical gramaacutetica) ilustram de

maneira significativa o modo como o dialeacutetico deve operar diante do ilimitado A multiplicidade

ὧΝtὄaὀὅfὁὄmaἶaΝὂἷlὁΝἶialὧtiἵὁΝldquoiὀfὁὄmaἶardquoΝaΝilimitaὦatildeὁΝaἶὃuiὄἷΝὁΝὅtatuὅΝἶἷΝumaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝ

determinada ela eacute constituiacuteda a partir de uma pluralidade incontaacutevel se torna uma pluralidade

determinada que natildeo estaacute dada Muacutesica e foneacutetica estruturam um ilimitado sonoro No caso

da abordagem dialeacutetica dos prazeres natildeo se passa de outra maneira ela exige uma outra

abordagem dialeacutetica que eacute tambeacutem uma abordagem preacutevia Seraacute necessaacuterio tomar a

questatildeo de uma maneira diferente isto porque o prazer natildeo se apresenta nem como uma

multiplicidade de unidades distintas ou diferenciaacuteveis (multiplicidade determinada) nem como

uma unidade articulada propiacutecia agrave divisatildeo

Jaacute o conhecimento muito pelo contraacuterio pode ser examinado diretamente pelo

processo dialeacutetico da divisatildeo ele lida com espeacutecies reais Embora se reconheccedila qualquer

contrariedade ou diversidade que seja entre os conhecimentos ele (o conhecimento)

comporta unidades reais ele eacute uma unidade real porque exclui diretamente suas

contrariedades ou seja os conhecimentos falsos Neste caso se trataria de uma contradiccedilatildeo

em termos jaacute que tambeacutem existem prazeres falsos mas o tipo de falsidade do conhecimento

natildeo eacute o mesmo tipo de falsidade que envolve os prazeres ou porque o prazer diferentemente

do conhecimento natildeo eacute algo determinado mas indeterminado essas talvez possam ser

algumas das principais saiacutedas diante do que seraacute tratado mais adiante no diaacutelogo por Platatildeo

ao se referir aos prazeres falsos por hora deixemos isso de lado

Portanto de acordo com o que se pode verificar na anaacutelise desta primeira parte do

diaacutelogo o π δλκθ eacute um predicado aplicado tanto a uma unidade quanto a uma multiplicidade

tambeacutem ilimitada por isso aqui ele desempenha um duplo papel A ilimitaccedilatildeo tem tanto um

sentido quantitativo quanto um sentido quantitativo Quantitativo pois ela caracteriza uma

150 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

multiplicidade numeacuterica distinta ( π δλκθ πζ γκμ πζάγ δ 16d7 17b4 18b2)216 Para ser uma

unidade real essa unidade prescinde compreender (i) uma multiplicidade numeraacutevel as

espeacutecies obtidas no processo de divisatildeo (ii) uma multiplicidade de espeacutecies natildeo-numeraacuteveis

seja aquelas espeacutecies que o dialeacutetico deveraacute deixar no acircmbito da ilimitaccedilatildeo ou aquelas

espeacutecies indivisiacuteveis em espeacutecies (iacutenfimas espeacutecies) que compreendem uma populaccedilatildeo

incontaacutevel de indiviacuteduos singulares Qualitativo porque ambos os casos (i e ii) recebem o

qualificativo π δλκμΝἵὁmὁΝἴἷmΝἷxὂliἵaΝἒixὅautμΝldquo(έέέ)ΝἷὅὅaὅΝὅatildeὁΝmultiὂliἵiἶaἶἷὅΝiὀἵὁὀtὠvἷiὅΝ

de fato (ou em ato) enquanto que aquelas [multiplicidades contaacuteveis] permanecem contaacuteveis

ὂὁὄΝἶiὄἷitὁΝ(ὁuΝἷmΝὂὁtecircὀἵia)rdquoΝ(ἀίί1ΝὂέΝἁίἅ)έΝἏἶἷmaiὅΝela nos explica

Cada Gecircnero Cada Forma conteacutem esse gecircnero de multiplicidade o que natildeo ὅigὀifiἵaΝumaΝldquomatὧὄiaΝiὀtἷligiacutevἷlrdquoΝὂὁὄὃuἷΝumaΝtalΝmatὧὄiaΝἶἷvἷὄiaΝὂὄἷἵἷἶἷὄΝou ao menos ser independente de sua determinaccedilatildeo pela forma enquanto que a multiplicidade indeterminada resulta dos movimentos de determinaccedilatildeo (DIXSAUT 2001 p 307-308)

Ora esse ponto eacute decisivo na interpretaccedilatildeo do Filebo e sugere que refutemos qualquer

compreensatildeo que tente duplicar as Formas inteligiacuteveis separando-as em mateacuteria e forma

Como todas as coisas elas contecircm limite e ilimitado (indeterminaccedilatildeo e determinaccedilatildeo) poreacutem

natildeo satildeo resultantes da imposiccedilatildeo de um limite ao ilimitado Essa seria uma primeira

tὄaὀὅὂὁὅiὦatildeὁΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝ faὄiaΝὅὁfὄἷὄΝaΝ ldquotὄaἶiὦatildeὁΝἶiviὀardquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1Νὂ 308 n1)217

Dentre as alusotildees feitas agrave dialeacutetica jaacute realccediladas em nossa anaacutelise desse tema no Filebo ainda

eacute possiacutevel notar que aqui a dialeacutetica se evidencia como uma tarefa dotada de certa

parcialidade as unidades obtidas em conjunto apenas satildeo frutos de uma multiplicidade

determinada logo limitada como tambeacutem a multiplicidade eacute derivada de uma unidade

particular tomada desde um ponto de vista particular por exemplo o Sofista o Poliacutetico e o

Filebo todos esses diaacutelogos realizam uma espeacutecie de divisatildeo das teacutecnicas ou melhor dos

conhecimentos mas em todos eles se parte de um ponto de vista distinto o que natildeo nos

permite dizer que partem da multiplicidade mas de uma unidade dada Ou seja a ideia eacute a

mesma os resultados nem sempre o satildeo O que atesta ainda mais que nenhuma divisatildeo eacute

exaustiva que sempre permanece um resiacuteduo de indeterminaccedilatildeo nas divisotildees O que natildeo

significa dizer que se vai do um ao ilimitado diretamente (compreendido no sentido de unidade

216 Dixsaut (2001) nos chama a atenccedilatildeo para a recorrecircncia em outros diaacutelogos da exprἷὅὅatildeὁΝldquo π δλκθ ( ) πζ γκμ (Cf R IX 591d8 Tht 147d7 147d7 Prm 144a6 e3-ἂ)νΝldquo π δλκθ πζάγ δrdquoμΝ(ἑfέΝTht 156a6 8 Prm 144a6 145a3 158b6 164d1 165c4 e6 Sph 256e6 Lg IX 860b4 217 A discussatildeo sobre as Formas seraacute retomada no momento em que nos detivermos na ontologia quaacutedrupla (23c-31b) eacute sobre este momento que muitos estudiosos colocam em questatildeo a presenccedila ou ausecircncia das Formas no diaacutelogo

151 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

natildeo-numeraacutevel) Da mesma maneira se vamos imediatamente do ilimitado (multiplicidade

natildeo-contaacutevel) ao um eacute a proacutepria unidade ela mesma que se encontraraacute indeterminada

No Filebo torna-ὅἷΝaiὀἶaΝmaiὅΝἷviἶἷὀtἷΝἷὅtἷΝἵaὅὁΝὀὁΝὃualΝldquoὅὁmὁὅΝfὁὄὦaἶὁὅΝaΝὂaὄtiὄΝ

ἶὁΝldquoilimitaἶὁrdquoΝὂὁiὅΝὀἷὅὅἷΝἵaὅὁΝtanto a multiplicidade quanto a unidade natildeo nos satildeo dadas

elas satildeo igualmente indeterminadas completamente diferente das operaccedilotildees dialeacuteticas

fuὀἶamἷὀtaiὅΝ aὅΝ ἶitaὅΝ ldquohaἴituaiὅrdquoέΝ ἦἷmὁὅΝ umΝ ὂὄὁἴlἷmaΝ maiὁὄΝ aὃuiΝ viὅtὁΝ ὃuἷΝ ἷὅὅἷΝ

indeterminado impede a atividade dialeacutetica caso ele natildeo aceite recuar por isso torna-se

necessaacuteria instauraccedilatildeo de uma multiplicidade natildeo-dada para entatildeo a partir dela postular

uma determinada unidade diante daquilo que parece excluir qualquer determinaccedilatildeo Nesse

primeiro momento do diaacutelogo nesta primeira parte o estatuto do π δλσθ eacute desenvolvido tendo

vista a deacutemarche dialeacutetica Se o pensamento eacute capaz de tolerar esse resiacuteduo de

indeterminaccedilatildeo se toda divisatildeo executada pela dialeacutetica natildeo eacute exaustiva de que modo

poderia a dialeacutetica controlar essa indeterminaccedilatildeo que busca constantemente se impor ao

pensar Haacute algum recurso que possa ser utilizado pelo dialeacutetico De que nos adiantaria a

postulaccedilatildeo do indeterminado enquanto um termo extremamente oposto agrave unidade jaacute que

ambos os termos natildeo pudessem se relacionar de forma alguma Por certo o ilimitado natildeo

teria utilidade alguma ao dialeacutetico

Eacute aqui que o caso egiacutepcio anteriormente realccedilado faz todo o sentido principalmente

no que diz respeito agrave resultante desse caso a saber a gramaacutetica esse elo que permite que

compreendamos cada unidade que tivera como ponto de partida uma multiplicidade natildeo-

numeraacutevel mas que soacute pode ser aprendida em uma relaccedilatildeo conjunta (multiplicidade

contaacutevel) essa unidade que torna possiacutevel a compreensatildeo ao aprendizado como no caso

das letras que isoladas uma das outras natildeo teriam sentido algum mas somente por meio

desse elo que as une e faz delas certa unidade proclama-se que possuiacutemos um uacutenico

conhecimento acerca delas o qual se denominou como gramaacutetica218 Isso quer dizer que natildeo

218 Gallop (1963) explica suficientemente a passagem ao tratar deste caso do alfabeto foneacutetico pois nada se diz acerca da escrita mas apenas agraves letras e agrave periacutecia foneacutetica da divisatildeo entre vogais consoantes e mudas No entender de Gallop (1963) isso deve ser lido com o devido respeito ao contexto dialoacutegico As letras fornecem um modelo natildeo como se pode parecer num dado momento para se compreender a relaccedilatildeo entre palavras e frases e seus significados natildeo eacute este o sentido da passagem aqui apresentada mas para se discutir a classificaccedilatildeo A classificaccedilatildeo dos sons sobre os quais um alfabeto eacute baseado eacute utilizada para ilustrar o meacutetodo da divisatildeo Assim seria equivocado dizer que a aprendizagem das letras eacute equiparada agrave periacutecia foneacutetica Soacutecrates iraacute dizer em 17b que nos tornamos ΰλαηηα δε θ natildeo porque conhecemos o ilimitado nem porque conhecemos o um mas porque sabemos quantos satildeo e de que tipo satildeo os sons vocais Teuth depois de classificar os sons atribui-lhes uma uacutenica arte que engloba a todos chamando-a de ΰλαηηα δε θ Ϋξθβθ (18d) Mas porque aqui natildeo encontramos uma menccedilatildeo agrave escrita por que classificar os sons e natildeo designar caracteres graacuteficos que representariam esses sons tal como se relata no Fedro (274c) que Teuth teria feito Por que algueacutem deveria antes aprender a natureza e o nuacutemero dos sons se natildeo para dominar esses caracteres que os representam Em 18d tambeacutem se diz que o deus egiacutepcio considerou que natildeo poderiacuteamos aprender qualquer letra por ela mesma isolada de todas as outras sem aprendecirc-las todas em conjunto O que

152 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

basta que cada termo seja determinado somente em-si mas relativamente a todos os outros

por isso esse recurso eacute a proacutepria estruturaccedilatildeo dessa multiplicidade indeterminada tornando-

a determinada Eacute por meio desse esse recurso dessa determinaccedilatildeo relativa da

interdependecircncia dos elementos no interior de um todo que a indeterminaccedilatildeo pode ser

superada219

Logo parece compreensiacutevel a apresentaccedilatildeo da dialeacutetica deste modo no iniacutecio do

diaacutelogo pois se o dialeacutetico se depara como uma unidade real uma unidade verdadeira ele

se contenta em dividi-laΝἷmΝumaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝldquoaἴaὀἶὁὀaὀἶὁrdquoΝἶἷixaὀἶὁΝἶἷΝlaἶὁΝὁΝilimitaἶὁΝ

essas espeacutecies muacuteltiplas jaacute que como jaacute dissemos essa divisatildeo natildeo eacute nunca exaustiva

Contudo ainda eacute necessaacuterio mencionar o papel principal do π δλκθ na discussatildeo cujo

propoacutesito se configura por demarcar a situaccedilatildeo presente ou seja no caso em que se lida com

se quer dizer aqui natildeo eacute que natildeo possamos aprender suficientemente algumas letras do alfabeto por exemplo 6 ou 7 letras sem aprender as demais o que seria obviamente falso Logo o que se afirma ἷΝἵὁmΝὂὄἷἵiὅatildeὁΝὧΝὃuἷΝὀatildeὁΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝldquoἵὁὀhἷἵἷὄΝὄἷalmἷὀtἷrdquoΝὀἷὀhumaΝἶἷlaὅΝ[sic As letras] se natildeo somos capazes de distinguir pela liacutengua e pelo ouvido a diferenccedila por exemplo o som da consoante ldquoἴrdquoΝἶὁΝὅὁmΝἶaΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝldquoἵrdquoΝἷΝaὅὅimΝὂὁὄΝἶiaὀtἷέΝἡἴviamἷὀtἷΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝἵὁὀhἷἵἷὄΝἷΝὀὁmἷaὄΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὅὁὀὅΝiὀiἵiaiὅΝἶaὅΝὂalavὄaὅΝiὀiἵiaἶaὅΝἵὁmΝaΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝldquoἴrdquoΝὁuΝὅἷjaΝἵὁὀhἷἵἷὄΝaΝἵὁὀὅoante sem necessitar ἵὁὀhἷἵἷὄΝὀἷὀhumaΝὁutὄaΝἵὁmὁΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝaΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝldquoἵrdquoΝἷΝἷὀtatildeὁΝaΝἵὄἷὀὦaΝἶἷΝἦἷuthΝὅἷὄiaΝfalὅaΝὅἷΝse tratasse apenas de nomear uma letra caso isso fosse suficiente para o conhecimento dela Mas ὃuaὀἶὁΝὅἷΝ tὄataΝἶἷΝ ldquoἵὁὀhἷἵἷὄΝ ὄἷalmἷὀtἷrdquoΝaὅΝἵὁὀὅὁaὀtἷὅΝldquoἴrdquoΝ ldquoἵrdquoΝ ldquoὅrdquoΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝὁΝἵὄitὧὄiὁΝὂaὄaΝὅἷΝldquoἵὁὀhἷἵἷὄΝὄἷalmἷὀtἷrdquoΝἷὅὅaὅΝlἷtὄaὅΝὧΝὁΝmἷὅmὁΝὁΝfatὁΝἶἷΝἷὅἵὄἷvecirc-las natildeo garante o aprendizado das mesmas se diz que algueacutem realmente sabe as letras quando se consegue distinguir agrave primeira vista seja pelo olho pela liacutengua pela audiccedilatildeo o que som que aquela letra representa verdadeiramente isto ὧΝὁΝfὁὀἷmaΝὃuἷΝἷlaΝἷvὁἵaνΝὃuaὀἶὁΝὀumΝὂὄimἷiὄὁΝmὁmἷὀtὁΝὅἷΝὂὁἶἷΝἶiὅtiὀguiὄΝὂἷlaΝiὀiἵialΝἶἷΝldquoὅaὂὁrdquoΝΝἷΝὂἷlaΝiὀiἵialΝἶἷΝldquoὂaὂὁrdquoΝὃuἷΝἷὅὅἷὅΝὅὁὀὅΝἶaὅΝlἷtὄaὅΝ iniciais satildeo distintos e que devem ser pronunciados tambeacutem de forma distinta natildeo importando aqui nenhuma diferenccedila de significado mas apenas uma distinccedilatildeo foneacutetica Deste modo faz todo sentido a reflexatildeo (puramente foneacutetica) de Teuth enquanto isso que ela propriamente eacute uma pura reflexatildeo foneacutetica Natildeo haacute portanto aqui uma distinccedilatildeo entre lἷituὄaΝἷΝἷὅἵὄitaΝmaὅΝὅἷΝὂaὅὅaΝἶἷΝumaΝaΝὁutὄaΝldquoὅἷmΝhἷὅitaὦatildeὁrdquoΝiὅtὁΝὧΝὀatildeὁΝhὠΝumaΝἶiὅtiὀὦatildeὁΝὄἷalΝἷὀtὄἷΝfonema e letra (GALLOP 1963 p 367-368) 219 ldquoἦὁἶaὅΝaὅΝἷὅpeacutecies e subespeacutecies que descobrimos satildeo um sistema que tem sua proacutepria coerecircncia como tudo consistecircncia garantida pela completude de nossas divisotildees Neste sistema cada divisatildeo eacute necessaacuteria e depende de todos os outros Logo eacute essencial notar que Soacutecrates natildeo relaciona essa ordem sistemaacutetica com a natureza das coisas em questatildeo mas com nossa capacidade de aprendecirc-las e conhececirc-las eacute porque elas natildeo podem ser aprendidas independentemente umas das outras que as letras satildeo consideradas constituintes de uma certa unidade Isso confirma que a estrutura descoberta pela dialeacutetica natildeo pertence como tal agraves proacuteprias coisas mas apenas ao conhecimento que temos delas e essa estrutura eacute o que constitui o campo conceitual de uma arte - neste caso o da tekhnegrave grammatikegrave Aleacutem disso deve-se ressaltar que a necessidade de divisotildees em um determinado sistema eacute apenas interna natildeo significa que a divisatildeo que realizamos seja a uacutenica possiacutevel ou a uacutenica vaacutelida mas apenas que ela eacute coerente e completa em si mesma () A necessidade interna das divisotildees realizadas natildeo deve ser confundida com uma necessidade externa que faria desta divisatildeo particular a uacutenica possiacutevel ἠἷὅtaὅΝἵὁὀἶiὦὴἷὅΝaΝὃuἷὅtatildeὁΝὀatildeὁΝὧΝlsquoὃualΝὅiὅtἷmaΝἶἷΝlimitaὦatildeὁΝ(ὁuΝἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁ)ΝὧΝὁΝἵἷὄtὁςrsquoΝεaὅΝlsquoὃuaiὅΝdiviὅὴἷὅΝὅatildeὁΝaὅΝἴὁaὅΝὀὁΝὅiὅtἷmaΝatualςrsquoέΝἥἷὄiaΝὂἷὄfἷitamἷὀtἷΝὂὁὅὅiacutevἷlΝὃuἷΝὁΝἶἷuὅΝὁuΝὁΝhὁmἷmΝἶiviὀὁΝdividisse a φπθ de outra forma desde que sua divisatildeo fosse completa regular e possuiacutesse ἵὁὀὅiὅtecircὀἵiaΝiὀtἷὄὀardquoΝ(ἒἓἜἑἡεεIἠἓἦἦἓΝἀίίἀΝὂέΝ1ἃἂ-155 grifos do autor)

153 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

uma situaccedilatildeo que deve operar num sentido contraacuterio agravequele primeiro supracitado Logo satildeo

dois movimentos que o dialeacutetico deve seguir e mais dois movimentos contraacuterios A fim de se

ἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝumaΝὅimἷtὄiaΝἷὀtὄἷΝumΝmὁvimἷὀtὁΝἷΝὁutὄὁΝὧΝὃuἷΝἵἷὄtὁΝὀήmἷὄὁΝἶἷΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquoΝ

ndash que natildeo devem ser saltados pelo dialeacutetico passando-se de um para o outro rapidamente ndash

devem ser buscados nesse processo dialeacutetico inverso Explica Dixsaut (2001)

ἣuἷΝἷὅὅaὅΝἷὅὂὧἵiἷὅΝὅἷjamΝaὃuiΝὀὁmἷaἶaὅΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquoΝὀatildeὁΝἵὁὀfiguὄaΝἷmΝalusatildeo a nenhuma doutrina representante de realidades dessa ordem Isso simplesmente quer dizer que quando se deve partir do indeterminado o dialeacutetico natildeo obteacutem um nuacutemero determinado de espeacutecies por divisatildeo as deve constituir essas espeacutecies que se tornam ao mesmo tempo intermediaacuterios entre a realidade indeterminada de partida e sua unidade Ao dizer que aqueles tambeacutem foram obtidos pela divisatildeo Soacutecrates quer simplesmente mostrar que os dois percursos satildeo tambeacutem dialeacuteticos tanto um ἵὁmὁΝὁΝὁutὄὁΝἷΝaΝfὁὄmulaὦatildeὁΝὃuἷΝἷlἷΝἶὠΝἶὁΝὂἷὄἵuὄὅὁΝldquoὀὁὄmalrdquoΝtἷmΝὁΝήὀiἵὁΝpropoacutesito de demarcar que nos dois casos trata-se do mesmo caminho ainda que esse seja percorrido num sentido inverso (p 309-310)

ἒiaὀtἷΝἶἷΝtuἶὁΝὁΝὃuἷΝfὁiΝἷxὂὁὅtὁΝὂaὄἷἵἷΝἵlaὄaΝaΝὄἷlaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝἷΝὁΝ

assunto do diaacutelogo a despeito de muitos inteacuterpretes contemporacircneos acreditarem que estas

passagens natildeo desempenham um papel importante na economia interna do diaacutelogo Uma

ideia que natildeo eacute nova Se olharmos atentamente o diaacutelogo veremos que esses inteacuterpretes

estatildeo prefigurados no mesmo questionamento de Protarco Como tratar de algo que nem eacute

uma unidade verdadeira nem mesmo uma multiplicidade verdadeira como eacute o caso do

prazer Qual caminho se deve adotar Ora por isso torna-se necessaacuterio um exame

metodoloacutegico capaz de delinear claramente uma nova abordagem poreacutem tambeacutem pertinente

ao dialeacutetico enquanto uma tarefa desafiadora mas ainda uma tarefa do proacuteprio dialeacutetico que

deve agora utilizar um recurso proacuteprio para lidar com essa situaccedilatildeo contraacuteria quando se tem

como ponto de partida uma multiplicidade e uma unidade natildeo dadas

O papel desempenhado por essa primeira parte (14b-20a) eacute um dos maiores senatildeo

o maior objeto de controveacutersia entre os inteacuterpretes como jaacute dissemos Isto porque como

veremos logo a seguir diante da requisiccedilatildeo de Protarco em 19e-20a acerca da saiacuteda das

aporias lanccediladas pelo condutor anteriormente Soacutecrates retorna agrave problemaacutetica inicial do

diaacutelogo (a vida boa) a partir de 20c um primeiro fato que demonstraria que a discussatildeo inicial

ὅἷὄiaΝ umaΝ ἷὅὂὧἵiἷΝ ἶἷΝ ldquoὂaὄecircὀtἷὅἷὅrdquoΝ ὡΝ ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝ ἵἷὀtὄalΝ ἶaΝ ὁἴὄaέΝ ἏΝ mἷtὠfὁὄaΝ ἶaΝ ldquoὅἷguὀἶaΝ

navἷgaὦatildeὁrdquoΝ(1λἵ)ΝὅaliἷὀtaὄiaΝaΝὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝἶἷΝumaΝaἴὁὄἶagἷmΝἶaὅΝἷὅὂὧἵiἷὅΝἶἷΝὂὄaὐἷὄΝἷΝἶἷΝ

conhecimento fundada na dialeacutetica e que evitaria as aporias da primeira abordagem Outro

fatὁΝ ὧΝ ὃuἷΝ ἷὅὅaΝ mἷὅmaΝ ὃuἷὅtatildeὁΝ ὂaὅὅaΝ aΝ ὅἷὄΝ tὄataἶaΝ ὅἷguὀἶὁΝ umaΝ ldquolἷmἴὄaὀὦardquoΝ (ἀίἴ)Ν de

Soacutecrates e de que natildeo precisariam mais das espeacutecies de prazer para a divisatildeo Essa aparente

ldquoὃuἷἴὄardquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝὅuὅἵitὁuΝumΝἶἷἴatἷΝἵὁὀtἷmὂὁὄacircὀἷὁΝaἵἷὄἵaΝἶὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶaΝἶiviὅatildeὁΝtaὀtὁΝὀὁΝ

154 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

Filebo ἵὁmὁΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝἶἷὀὁmiὀaἶὁΝldquomὧtὁἶὁ ἶaΝἶiviὅatildeὁrdquoΝὂlatὲὀiἵὁΝ( δαέλ δμ) Este debate

pode ser resumido em trecircs eixos principais (i) muitos220 julgam que o Soacutecrates do Filebo

estaria no decorrer do diaacutelogo aplicando aos prazeres e conhecimentos o meacutetodo

anteriormente tratado por ele no iniacutecio do diaacutelogo esse meacutetodo seria uma variante do ceacutelebre

Meacutetodo da Divisatildeo ( δαέλ δμ) do qual se fala no Fedro mas que concretamente se torna

aplicaacutevel explicitamente no Sofista e no Poliacutetico (ii) outros221 acreditam que este meacutetodo

apresentado no iniacutecio da obra tem uma funccedilatildeo classificatoacuteria no decorrer da argumentaccedilatildeo

em relaccedilatildeo aos prazeres e conhecimentos e que no caso do Filebo natildeo podemos encontrar

neste diaacutelogo em absoluto este Meacutetodo da Divisatildeo presente em algum dos demais diaacutelogos

(iii) haacute ainda outros222 ainda que acreditam que natildeo se trata nem do Meacutetodo da Divisatildeo nem

do proacuteprio meacutetodo exposto no Filebo

Diante das limitaccedilotildees impostas por esse trabalho um estudo capaz de avaliar todas

essas questotildees demandaria uma ampla anaacutelise em um outro momento Primeiramente seria

necessaacuterio adentrar agraves especificidades do Meacutetodo da Divisatildeo na filosofia platocircnica o sentido

geral atribuiacutedo por nosso autor a esse procedimento dialeacutetico posteriormente teriacuteamos de

esclarecer a relaccedilatildeo das Divisotildees do Filebo com esse ceacutelebre Meacutetodo da Divisatildeo como

tambeacutem explicar a especificidade das Divisotildees desse diaacutelogo e por fim ressaltar a

importacircncia dessas divisotildees em relaccedilatildeo ao objetivo geral do diaacutelogo Se nos eacute possiacutevel

adiantar algo sobre a nossa posiccedilatildeo em relaccedilatildeo a esse debate contemporacircneo que envolve

a questatildeo das divisotildees no Filebo poderiacuteamos ressaltar o que jaacute dissemos a abordagem do

meacutetodo das divisotildees possui objetivos proacuteprios no diaacutelogo como a demarcaccedilatildeo dialeacutetica da

situaccedilatildeo contraacuteria em relaccedilatildeo ao um e ao muacuteltiplo que se deve partir no caso do tratamento

dos prazeres em que uma unidade e uma multiplicidade determinada natildeo nos satildeo dadas

Poreacutem discordo de ὃuἷΝἷὅὅaΝἶiviὅatildeὁΝ( δαέλ δμ)ΝὀatildeὁΝtἷὀhaΝὄἷlaὦatildeὁΝἵὁm o conteuacutedo do diaacutelogo

e que ela natildeo desempenhe um papel relevante na economia interna do diaacutelogo No entanto

ἵὄἷiὁΝὃuἷΝἷὅὅaΝἶiviὅatildeὁΝ( δαέλ δμ)ΝὀatildeὁΝὅἷΝἷὅtἷὀἶἷΝaὁΝἵaὅὁΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁὅΝὁΝ

que se veraacute mais adiante eacute uma classificaccedilatildeo de ambos e natildeo divisatildeo pois vale lembrar no

caso dos prazeres estamos partindo do ilimitado Portanto toda a abordagem do meacutetodo

ilustra muito bem essa nova abordagem dialeacutetica em questatildeo a saber a anaacutelise dos prazeres

e dos conhecimentos para a composiccedilatildeo da boa vida mista

Ainda que natildeo se trate do caso de divisatildeo dos prazeres e conhecimentos essa

primeira parte do diaacutelogo natildeo deixa de ter um papel fundamental e indispensaacutevel agraves anaacutelises

que se seguem cujas consequecircncias poderatildeo ser notadas mais adiante Isso ficaraacute ainda

mais claro no momento em que nosso texto tratar de ambas as anaacutelises (dos prazeres e dos

220 Ackrill (1971) Bravo (2009) Delcomminette (2002) Moravcsik (2006) e outros 221 Dixsaut (2001) Rowe (1999) Trevaskys (1960) e Benitez (1999) 222 Vanhoutte (1956) e Frede (1993)

155 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

conhecimentos) Logo como jaacute disse sigo nesta posiccedilatildeo com todo o cuidado possiacutevel e ciente

da necessidade de uma investigaccedilatildeo mais pormenorizada sobre todas as posiccedilotildees

conflitantes acerca das divisotildees anteriormente citadas minha opccedilatildeo por uma determinada

posiccedilatildeo deve-se num primeiro momento a uma anaacutelise direta do que me parece mais evidente

ser possiacutevel verificar no diaacutelogo Uma tal criacutetica especializada que confronte essas posiccedilotildees

e que possa defender com mais veemecircncia a posiccedilatildeo adotada por este trabalho exigiraacute um

esforccedilo maior a ser apreendido em um momento posterior Passemos entatildeo aos

desdobramentos posteriores do diaacutelogo na tentativa de compreender entatildeoΝ ἷὅὅaΝ ldquoὀὁvaΝ

maὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝutiliὐaἶaΝὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅΝagὁὄaΝἷΝὃuἷΝἶἷfiὀiὄὠΝὁΝὄumὁΝἶἷΝtὁἶaΝaΝiὀvἷὅtigaὦatildeὁΝultἷὄiὁὄέ

32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

Diante da insistecircncia de Protarco sobre a dificuldade de permanecerem nas aporias

relativas agrave divisatildeo (20a) Soacutecrates deveraacute retomar as questotildees iniciais do diaacutelogo e

novamente tratar da disputa inicial entre prazer e inteligecircncia pelo primeiro precircmio No caso

aὀtἷὄiὁὄΝὁΝἵiacuteὄἵulὁΝἷὀtὄἷΝaΝviἶaΝἴὁaΝἷΝaΝἶialὧtiἵaΝὄἷὅultὁuΝὀaΝaὂὄἷὅἷὀtaὦatildeὁΝἶὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝ

(16c-17a) das divisotildees com as quais deve lidar o dialeacutetico quando se depara com algo

ilimitado como eacute o caso do prazer A identidade entre prazer e bem assim como a identidade

entre inteligecircncia e bem gerava um ciacuterculo vicioso (14b) e a uacutenica saiacuteda seria a busca por

umaΝ ldquotἷὄἵἷiὄaΝ ἵὁiὅardquoΝ ( δΝ λέ κθΝ ζζκ)Ν caso nenhum dos dois (prazer ou inteligecircncia)

demonstrassem natildeo ser o bem Para tal Soacutecrates postulou a divisatildeo entre os prazeres com

base nas diferenccedilas e ateacute mesmo contrariedades existentes nisso que denominamos como

algo uacutenico ldquoἢὄaὐἷὄrdquoΝ como tambeacutem postulou uma divisatildeo tendo em vista a bondade dos

prazeres distinguindo prazeres maus de prazeres bons Este uacuteltimo tipo de divisatildeo como

vimos natildeo fora aceito por Protarco (13c) e a fim de sanar o impasse Soacutecrates se refere agrave

multiplicidade e agrave contrariedade que tambeacutem envolve os conhecimentos sem no entanto

tocar na questatildeo da bondade ou maldade dos conhecimentos

ἢὄὁtaὄἵὁΝἷὀtatildeὁΝafiὄmaΝὄἷἵὁὀhἷἵἷὄΝἷὅὅἷΝldquoὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝ(1ἂa)ΝἷὀtὄἷΝamἴὁὅΝ(ὂὄaὐἷὄΝ

e conhecimento) o que na verdade eacute uma equidade apenas aparente pois sobre os

conhecimentos apenas se diz que satildeo diferentes variados e ateacute mesmo contraacuterios uns aos

outros Logo o interluacutedio (14b- 20a) que iraacute tratar dos problemas relativos ao um e ao muacuteltiplo

possuem uma relaccedilatildeo direta ndash por mais que alguns defendam que natildeo ndash com o conteuacutedo do

diaacutelogo Fica claro que a forma de se tratar dos prazeres deve ser dialeacutetica poreacutem essa

proacutepria abordagem dos prazeres exige um tratamento preacutevio que foge das alusotildees aos

ὂὄὁἵἷἶimἷὀtὁὅΝ ἶialὧtiἵὁὅΝ ἶitὁὅΝ ldquohaἴituaiὅrdquoέΝ ἢὄὁtaὄἵὁΝ ὀatildeὁΝ ὄἷἵὁὀhἷἵἷΝ ἷὅὅaΝ imὂὁὄtacircὀἵiaΝ ἶὁΝ

ldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝἷΝὅἷΝvecircΝiὀἵaὂaὐΝἶἷΝὄἷaliὐaὄΝaὅΝἶiviὅὴἷὅΝὁὂἷὄaἶaὅΝὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅΝἷxigindo que

156 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

a questatildeo inicial sobre a vida boa capaz de tornar os homens felizes seja retomada como

tamἴὧmΝὃualΝἶὁὅΝἶὁiὅΝὂὄaὐἷὄΝὁuΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝὧΝiἶecircὀtiἵὁΝ( α σθΝἀίἵἀ)ΝaὁΝἴἷmέ

Eacute importante notar que Soacutecrates natildeo o refuta mas deixa que Protarco manifeste sua

insuficiecircncia diante do virtuosismo das divisotildees socraacuteticas e a rapidez em suas transiccedilotildees

Talvez isso aconteccedila para mostrar a diferenccedila entre o exame dialeacutetico-filosoacutefico rigoroso e o

jogo retoacuterico-sofiacutestico antes de adentrar agraves questotildees dos dialeacuteticos experientes aquelas que

versam sobre o bem categoria a que Protarco evidentemente natildeo pertence Todavia no

momento em que assume sua ignoracircncia e teme cair no ridiacuteculo justamente por se auto

reconhecer como ignorante natildeo querendo fazer de sua incompreensatildeo objeto de escaacuternio

para os demais ele daacute o primeiro passo para a filosofia mesmo sem saber sem estar ciente

disso ainda que ela natildeo lhe agrade pois como se pode notar (19c-d) ele ainda permanece

preso ao ciacuterculo vicioso devido agrave sua defesa da tese reelaborada na discussatildeo que ele mesmo

defende a identidade entre bem e prazer (Cf DELCOMMINETTE 2002 p 162)

A demarcaccedilatildeo dialeacutetica se oferece nesta primeira abordagem como uma saiacuteda para

tratar da questatildeo dos prazeres da multiplicidade que lhes eacute caracteriacutestica tornando evidente

que o prazer eacute algo complexo muacuteltiplo e natildeo algo uacutenico Os conhecimentos satildeo tambeacutem

muacuteltiplos poreacutem estes lidam com unidades reais e que excluem imediatamente os

conhecimentos contraacuterios ou falsos Vale lembrar que a dialeacutetica eacute capaz de apresentar

divisotildees coerentes mas nunca exaustivas esgotadas ela eacute sempre parcial De tal modo

analisados prazeres e conhecimentos sob a perspectiva da unidade e multiplicidade vemos

que ambos natildeo satildeὁΝἷὅὅἷΝalgὁΝldquoήὀiἵὁrdquoΝldquoiἶecircὀtiἵὁrdquoΝὂaὄaΝὃuἷΝὅἷjam tomados como o bem

Note-se que esse ciacuterculo vicioso entre prazer e bem natildeo foi de tudo rompido Ainda

falta dizer porque alguns prazeres podem ser ditos bons e outros maus ou melhor porque o

prazer natildeo eacute o bem A deficiecircncia de Protarco em seguir as divisotildees anteriores natildeo eacute

ingecircnua223 sua incapacidade de seguir o caminho da dialeacutetica (19b 20a) que resulta na

ldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝ(1λἵ)Νἵὁlὁἵaἶa ὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὀaΝἴὁἵaΝἶἷΝἢὄὁtaὄἵὁΝὀὁὅΝἶiὄigἷΝaΝumaΝldquoὀὁvaΝ

faὅἷrdquoΝἶὁΝὂἷὄἵuὄὅὁΝaὄgumἷὀtativὁΝἷΝἶὁὅΝfiὀὅΝaΝὃuἷΝὅἷΝἶiὄigἷΝὁΝἶiὠlὁgὁέ Ao que tudo indica apoacutes

a demarcaccedilatildeo da dialeacutetica que envolve os prazeres seraacute possiacutevel tratar do bem e da vida

223 ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷΝἴἷmΝἷὅὅaΝὃuἷὅtatildeὁΝὃuaὀἶὁΝἶiὐμΝldquoὂὁὄΝὁutὄὁΝlaἶὁΝἷὅὅἷΝὄἷtὁὄὀὁΝὅὁἴὄἷΝὅiΝmesmo leva Protarco a reconhecer sua incapacidade de praticar a dialeacutetica Essa incapacidade natildeo eacute contingente como vimos ela eacute a consequecircncia necessaacuteria do seu hedonismo Nesta fase do diaacutelogo Protarco ainda natildeo tem nenhuma razatildeo para desistir de sua posiccedilatildeo hedonista e enquanto ele o adotar natildeo poderaacute praticar dialeacutetica Nesse sentido tambeacutem o valor metodoloacutegico da dialeacutetica natildeo pode ser pressuposto porque conceder tal valor agrave dialeacutetica jaacute implica que o hedonismo radical de Protarco foi refutado Soacutecrates certamente tornou este valor plausiacutevel apresentando a dialeacutetica como um presente dos deuses mas para aceitaacute-lo plenamente Protarco deve primeiro estar livre de seu hedonismo radical Eacute portanto a identidade proclamada entre o prazer e o bem que seratildeo abordados agora e ὅἷmΝὄἷἵὁὄὄἷὄΝὡΝἶialὧtiἵaΝὅἷmΝaΝὃualΝaΝἶἷmὁὀὅtὄaὦatildeὁΝὅἷὄiaΝἴaὅἷaἶaΝἷmΝumΝἵiacuteὄἵulὁΝviἵiὁὅὁrdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝ162 grifos do autor)

157 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

boa prescindindo das divisotildees das espeacutecies de prazer o que por sinal iraacute eliminar de vez o

impasse do ciacuterculo inicial

Lembremos que todo o processo argumentativo culminaraacute no artifiacutecio socraacutetico

habitual consistindo em faὐἷὄΝ ἵὁmΝ ὃuἷΝὅἷuΝ iὀtἷὄlὁἵutὁὄΝ ὅἷΝ tὁὄὀἷΝ umΝ ἶἷfἷὀὅὁὄΝ ἶaΝ ldquotἷὅἷΝ da

multiἶatildeὁrdquoΝὃuἷΝὂὁὅtulaΝὁ prazer como o bem A primeira abordagem da dialeacutetica como vimos

natildeo fazia sair do impasse daquela tese em quἷΝldquoὁὅΝὄἷfiὀaἶὁὅrdquo diziam ser a inteligecircncia o bem

os intemperantes ser o prazer o bem224 Pode-se afirmar que em um primeiro momento a

dialeacutetica eacute um meio oferecido por Soacutecrates para tratar definitivamente da saiacuteda desse impasse

por meio de uma segunda tentativa que iraacute configurar a vida mista ou seja o proceder

dialeacutetico seraacute ofertado por quem natildeo a pratica ainda mas permanece circunscrito em um

discurso fechado que natildeo se potildee em discussatildeo e que busca se afirmar sempre A

modificaccedilatildeo no discurso inicial de Filebo que diz que o prazer eacute bom para todos os seres vivos

e que todos o desejam reconfigura-ὅἷΝὀaΝldquotἷὅἷΝἶaΝmultiἶatildeὁrdquoΝὂἷlaΝaὦatildeὁΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅ225 e de

Protarco226 que emprestam ao personagem que nomeia o diaacutelogo um discurso transmutado

em tese Em um segundo momento a dialeacutetica agora pode se voltar sobre o outro aspecto

relativo agrave anaacutelise do prazer a saber sua bondade ouΝὅἷjaΝὁΝaὅὂἷἵtὁΝldquoὧtiἵὁrdquoΝὄἷἵὁἴὄἷΝἷὅὅaΝ

segunda parte evidenciando uma aparente derrocada metodoloacutegica uma separaccedilatildeo artificial

e forccedilada pois ambos os aspectos (metodoloacutegicoeacutetico) se implicam mutuamente como se

pode notar Estamos agora de volta agravequele ciacuterculo vicioso inicial poreacutem em uma outra

extremidade Agora seraacute o bem que deveraacute ser tratado para afinal se decidir se um dos dois

prazer ou conhecimento pode ser tido como o bem

Anteriormente a dialeacutetica era tratada em vista da abordagem muacuteltipla indeterminada

dos prazeres a fim de demonstrar a coerecircncia interna faltante na tese do gecircnero comum dos

prazeres Agora a dialeacutetica deixa aos poucos transparecer sua parcialidade trata-se aqui da

ὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝἶἷΝviὅlumἴὄaὄΝaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝἷὅὅἷΝtἷὄἵἷiὄὁΝtἷὄmὁΝἷὅὅἷΝἵὁὀtἷήἶὁΝvaὐiὁΝaΝὃualὃuἷὄΝ

um que natildeo eacute capaz de praticar a dialeacutetica de onde essa concepccedilatildeo (a vida boa) resulta Isso

explica como bem observa Delcomminette que ldquonestas circunstacircncias natildeo eacute surpreendente

que Soacutecrates use exatamente o mesmo estratagema que no caso anterior para quebrar o

224 (Cf R VI 505b7-8) 225 Como bem notou Dixsaut (2017) Soacutecrates inverte pura e simplesmente a afirmaccedilatildeo primeira no decorrer do diaacutelogo a ponto de chegar a dizer que o Filebo natildeo teria no final das contas afirmado que todo prazer eacute bom mas ele teria dito que o bem eacute o prazer A afirmaccedilatildeo de Filebo quanto agrave bondade do prazer transforma-ὅἷΝἷmΝumaΝ(mὠ)ΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝἴὁmΝἷlaΝaiὀἶaΝaἵὄἷὅἵἷὀtaμΝldquoἓὀtὄἷΝaΝfὰὄmulaΝiὀiἵialΝe sua inversatildeo final haacute todo um percurso bastante complicado do Diaacutelogo sendo um de seus resultados ter triunfado em estabelecer uma simetria perfeita entre as duas teses e diferenciar ὄaἶiἵalmἷὀtἷΝὅἷuὅΝὂaὄtiἶὠὄiὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἃἄ-257) 226 ldquoἏΝὂὄimἷiὄaΝtὄaὀὅfὁὄmaὦatildeὁΝὧΝὁὂἷὄaἶaΝὂὁὄΝἢὄὁtaὄἵὁέΝἡὅΝἶὁiὅΝ logoi (o de Filebo e o de Soacutecrates) satildeo apresentados por ele como duas respostas a uma mesma questatildeo o que confere agravequele de Filebo um valὁὄΝὄἷiviὀἶiἵativὁΝauὅἷὀtἷΝἶaΝὂὄimἷiὄaΝfὰὄmulaμΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἵἷὅὅaΝἶἷΝὅἷὄΝlsquoἴὁmΝὂaὄaΝtὁἶὁὅΝὅἷὄἷὅΝvivὁὅrsquoΝpara tornar-ὅἷΝlsquoaΝmἷlhὁὄΝἶaὅΝἵὁiὅaὅΝhumaὀaὅrsquoΝἷΝἷὀtὄaὄΝἷmΝἵὁὀἵὁὄὄecircὀἵiaΝἵὁmΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦ 2017 p 255)

158 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ἵiacuteὄἵulὁΝ aΝ ὅaἴἷὄΝ umaΝ ὄἷvἷlaὦatildeὁΝ ἶiviὀardquoΝ (2002 p 162-163) Vejamos do que trata essa

lembranccedila divina227 (πλ μΝ α κῖμΝηθάηβθΝ δθ κε ῖ έμΝηκδΝ πεΫθαδΝγ θΝ ηῖθ) (20b3-4)

Soc Vecircm agora agrave minha mente certos discursos (ζσΰπθ) que haacute muito escutei em sonho ou em vigiacutelia sobre o prazer e o pensamento (π λέ

κθ μ εα φλκθά πμ) Tais discursos afirmam que nenhum dos dois eacute o bem ( μΝκ Ϋ λκθΝα κῖθΝ δΝ ΰαγσθ) mas sim uma terceira coisa ( ζζ

ζζκΝ δΝ λέ κθ) diferente deles ( λκθΝ η θΝ κτ πθ) e melhor que ambos ( η δθκθΝ ηφκῖθ) Mas se isso de revelar agora com toda clareza para noacutes (εαέ κδΝ κ σΝΰ Ν θΝ θαλΰ μΝ ηῖθΝφαθ θ θ) entatildeo o prazer fica afastado da vitoacuteria ( πάζζαε αδΝη θΝ κθ κ θδε θ) pois o bem natildeo poderia mais ser a mesma coisa que o prazer ( ΰ λΝ ΰαγ θΝκ εΝ θΝ δΝ α θΝα ΰέΰθκδ κ) Natildeo eacute assim (20b6-c2)

A possibilidade de umaΝ ldquotἷὄἵἷiὄaΝ ἵὁiὅardquoΝ ἵὁmὁΝ jὠΝ ἶiὅὅἷmὁὅΝ jὠΝ tἷὄiaΝ ὅiἶὁΝ aὀuὀἵiaἶaΝ

(11d11-12a4) aqui Ela apenas se concretiza passa a ser o meio pelo qual torna-se possiacutevel

ὅaiὄΝἶὁΝἷὀfὄἷὀtamἷὀtὁΝἷὀtὄἷΝἶuaὅΝtἷὅἷὅΝiὀἵὁmὂatiacutevἷiὅέΝἏΝldquolἷmἴὄaὀὦaΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝὧΝὁΝmἷiὁΝ

encontrado para prescindir da divisatildeo das espeacutecies de prazer (20c4-6) De certa forma a

questatildeo sobre o bem jaacute antecipa a conclusatildeo que viraacute mais adiante a vida boa eacute uma vida

mista resultante da combinaccedilatildeo ἷὀtὄἷΝὂὄaὐἷὄΝἷΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝ(ldquo υθαηφσ λκμΝ(έέέ)Ν ιΝ ηφκῖθΝ

υηη δξγ μΝεκδθ μΝΰ θση θκμνrdquo) (22a1-2) Mas de que maneira se pode compreender essa

mistura Os deuses apenas se contentam em nos informar a ὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝἶἷΝldquouma terceira

ἵὁiὅaΝὅἷὄΝὁΝἴἷmrdquoΝἷὀtὄἷtaὀtὁ esse conteuacutedo ainda permanece vazio nada sabemos acerca da

vida boa exceto que ela eacute uma vida mista e que prazer e inteligecircncia soacute podem agora lutar

pelo segundo precircmio O que exige que Soacutecrates e Protarco entrem em acordo

( δκηκζκΰβ υη γα) sobre alguns pequenos pontos (ηέελrsquoΝ α) (20c8) sobre o lote que

compete ao bem ( θ ΰαγκ ηκῖλαθ) (20d1) o bem ( θ ΰαγκ ) deve ser perfeito ( Ϋζ κθ)

(20d1-2) suficiente ( εαθ θ) (20d4) quando reconhecido perseguido por todos e todos

tendem a ele querendo capturaacute-lo e adquiri-lo (ldquo μΝπ θΝ ΰδΰθ εκθΝα γβλ τ δΝεα φέ αδΝ

ίκυζση θκθΝ ζ ῖθΝεα π λ α ε ά α γαδrdquo)Ν ldquo() e natildeo se preocupa com nenhuma outra

coisas exceto aquelas que se completam emΝἵὁὀἷxatildeὁΝἵὁmΝalgumΝἴἷmrdquoΝ(εα θΝ ζζπθΝκ θΝ

φλκθ έα δΝπζ θΝ θΝ πκ ζκυηΫθπθΝ ηαΝ ΰαγκῖμ)Ν(ἀίἶἅ-10)

Em 20e a questatildeo reconfigura-se As duas hipoacuteteses aventadas no iniacutecio do diaacutelogo

acerca do bem transformam-se agora em modelos de vida que passam a ser confrontados

vida de prazer ( θ κθβμ ίέκθ) e vida de pensamento ( θ φλκθά πμ ίέκθ) (20e1-2) Natildeo

ὅἷΝtὄataΝmaiὅΝἶὁΝldquoἷὅtaἶὁΝὁuΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝἶaΝalmaΝὂaὄaΝὂἷὀὅaὄrdquoΝὀἷmΝἶὁΝldquoἷὅtaἶὁΝὁuΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝ

ἶaΝalmaΝὂaὄaΝὅἷὀtiὄΝὂὄaὐἷὄrdquoέΝἡΝὃuἷΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝἵhamaἶὁΝἶἷΝἴἷmΝeacute um modo de vida (ίέκμ)

227 Essa accedilatildeo de recordar eacute comum em outros diaacutelogos como se nota em Chrm 178a Tht 201c-d Lg 800a 960b

159 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

que passa do modelo de vida unicamente dos seres vivos para um modelo que podemos e

devemos escolher o qual depende necessariamente da atuaccedilatildeo de certos estados e

disposiccedilotildees da alma que conduzem agrave felicidade Essa vida boa soacute pode ser a vida feliz que

necessariamente depende da maneira de ser (estado) do cultivo desses estados e do

resultado dessas disposiccedilotildees

A vida boa eacute a uacutenica que pode receber tais atributos se de fato estamos a considerar

uma vida propriamente humana ἥἷΝἶἷὅἷjaὄmὁὅΝὃuἷΝἷlaΝὅἷjaΝumaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ

que nos atenhamos agravequilo que consideramos ser o bem Isso natildeo significa considerar o bem

como algo metafiacutesico ou abstrato Temos aqui um experimento mental ambas as vidas (de

prazer e de conhecimento) satildeo examinadas ( εκπ η θ) e julgadas (ελέθπη θ)

separadamente sob o propoacutesito de se verificar alguma identidade entre elas e o bem (20e1-

2) Ora se alguma destas vidas eacute o bem elas natildeo devem prescindir de mais nada Deste

modo natildeo se poderaacute admitir nem pensamento na vida de prazer nem prazer na vida de

pensamento Caso algumas das vidas demonstre insuficiecircncia ela natildeo poderaacute ser o bem

(21a4-8) Eacute aqui que tais vidas satildeo postas agrave prova e o criteacuterio eacute simples como algueacutem aceitaria

regular a sua existecircncia inteira e unicamente pela busca de um ou de outro isto eacute unicamente

de prazer ou unicamente de inteligecircncia

A proposta entatildeo eacute feita a Protarco Satildeo testadas no proacuteprio interlocutor

Primeiramente poderia este aceitar viver a vida inteira desfrutando dos maiores prazeres

( κθ μ η ΰέ αμ) (21a8-9) Isso seria suficiente Soacutecrates alega que natildeo visto que sem o

pensamento e a inteligecircncia (φλκθ ῖθ εα κ θκ ῖθ) torna-se impossiacutevel a realizaccedilatildeo do caacutelculo

(ζκΰέα γαδ) daquilo que eacute necessaacuterio ao indiviacuteduo ele ignoraria o proacuteprio fato de estar

sentindo prazer jaacute que natildeo possui pensamento (21b6) Tambeacutem natildeo poderia se lembrar dos

prazeres passados nem conservar a lembranccedila do prazer presente pois natildeo possuiria neste

caso a memoacuteria (ηθάηβθ) (21c1-4) Sem a opiniatildeo verdadeira ( σιαθ ζβγ ) natildeo se pode

julgar ( σιαα δθ) que haacute prazer nem mesmo calcular (ζκΰδ ηκ ) o prazer vindouro (21c4-6)

Soc Natildeo viverias no entanto uma vida humana ( θγλυπκυ ίέκθ) mas a vida de algum molusco ou de uma dessas criaturas marinhas que vivem em corpos de ostras Seraacute assim mesmo ou podemos conceber isso de modo diferente (21c6-8)

ἜἷfἷἴvὄἷΝ(1λλλ)ΝἷxὂliἵaΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶὁΝldquoὂulmatildeὁΝmaὄiὀhὁrdquoΝἷΝἶaὅΝldquoἵὄiatuὄaὅΝaὃuὠtiἵaὅέΝἡΝ

teoacuterico nos explica que aqui se faz menccedilatildeo agrave falta de consciecircncia do prazer e tambeacutem natildeo se

trata de uma pura oposiccedilatildeo entre o animal e o humano Os seres aquaacuteticos ocupam o uacuteltimo

grau da hierarquia dos viventes que natildeo respiram pelo ar mas pela aacutegua impuros como sua

alma porque satildeo os mais ignorantes O pulmatildeo marinho eacute um niacutevel uma direccedilatildeo assintoacutetica

mais baixa no sentido de uma hierarquia das almas A alma do pulmatildeo marinho eacute ainda mais

160 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

pobre que a das plantas e que natildeo participam da transmigraccedilatildeo das almas (Cf Ti 92b-c)

Plantas possuem sensaccedilotildees prazerosas e dolorosas juntamente como desejo o pulmatildeo

marinho natildeo (Ti 77b6-7) estatildeo fixados imoacuteveis na sensaccedilatildeo de um prazer sem dor Mas o

prazer em si lhe falta O pulmatildeo marinho carece de sensibilidade porque lhe falta um elemento

nomeado φλσθδηκθ (Cf Ti 64b6)228 (p 81-84)

No Filebo a vida de prazer puro eacute como dito anteriormente desprovida de memoacuteria

de opiniatildeo correta e de reflexatildeo Antecipaccedilatildeo conhecimento lembranccedila conservaccedilatildeo seriam

accedilotildees impossiacuteveis ao prazer sem o conhecimento Passado presente e futuro satildeo as

dimensotildees temporais que caracterizam o fluxo no qual o prazer se encontra Sem essas

dimensotildees o prazer seria apenas instantacircneo ou menos do que isso O Filebo nos diraacute em

33d-34a que haacute insensibilidade ( θαδ γβ έα) quando a impressatildeo (πΪγβηα) fraca apenas

toca o corpo sem afetar a alma ou seja no caso em que um ser vivo eacute totalmente desprovido

de φλσθβ δμ Isso natildeo significa que as sensaccedilotildees desses seres aquaacuteticos natildeo alcanccedilariam

suas almas uma vez que eles a possuem eles teriam sim sensaccedilotildees (α γβ δμ) e natildeo

insensibilidade mas sem memoacuteria imediatamente apoacutes a sensaccedilatildeo esta natildeo se conservaria

desapareceria instantaneamente

Poderiacuteamos dizer que esta alma (do pulmatildeo marinho) eacute uma alma desejante por

conseguinte sentiria falta de prazer ou seja dor Esse tipo de alma seria um sujeito

desejante Essa pergunta eacute complicada e talvez soacute teraacute resposta mais adiante a dor ainda

ὀatildeὁΝὧΝ tὄataἶaΝaὃuiέΝEacuteΝ imὂὁὅὅiacutevἷlΝὅaἴἷὄΝὅἷΝἷὅὅἷΝὂὄaὐἷὄΝ ldquoἵὁmὂlἷtὁrdquoΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝcomparado ao

sujeitos dos prazeres mistos que seraacute analisado mais adiante (31d-36c 46b-47b) Nenhum

prazer que seja da alma ou do corpo exceto os prazeres puros pode ser separado da dor da

alma ou do corpo anterior ou simultacircnea em relaccedilatildeo ao prazer Quem tem sede sofre essa

sede em seu corpo mas se alegra em sua alma de poder saciar-se ou sofre por natildeo poder

fazer tal accedilatildeo O corpo tanto sofre quanto se alegra quando sacia sua sede Os maiores

prazeres ( η θκμ κθ μ μ η ΰέ αμ 21a9 b4-5) oferecidos a Protarco em um estado

hipoteacutetico de vida de puro prazer seratildeo tomados no diaacutelogo enquanto pertencentes ao gecircnero

ἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝmiὅtὁὅΝὃuἷΝἵὁὀtὧmΝmaiὁὄΝvivaἵiἶaἶἷΝὁὅΝὃuaiὅΝὅatildeὁΝὄἷὀἷgaἶὁὅΝὂἷlὁὅΝldquoiὀimigὁὅΝ

ἶὁὅΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ὄἷὂugὀaὀtἷὅrdquoΝ iὅtὁΝ ὧΝ ὁὅΝ ὂὄaὐἷὄἷὅ desmesurados (45d3-ἄ)rdquoΝ ὂὄἷἵἷἶiἶὁὅΝ ὂὁὄΝ

grandes desejos e acompanhados por dores (46a-b) os prazeres excessivos que deixam

loucos os indiviacuteduos intemperantes Aqui natildeo se trata de intemperanccedila natildeo eacute a vida de

228 ldquoἡΝὂulmatildeὁΝὀatildeὁΝὧΝlimitaἶὁΝaὁΝὂὄaὐἷὄΝἶἷΝtὁἵaὄΝὂὁὄὃuἷΝἷlἷΝὅἷὃuἷὄΝtἷmΝὂὄaὐἷὄμΝἷlἷΝὧΝὅἷmΝphronesis e portanto absolutamente desprovido de sensaccedilotildees em geral O pulmatildeo natildeo eacute prazer sem pensamento porque uma impressatildeo sobre a carne de um pulmatildeo marinho ou de um molusco consiste no maacuteximo em uma impressatildeo extremamente lenta a se propagar em um corpo cujas partes natildeo iratildeo captar jamais o eco e que natildeo alcanccedilaraacute jamais algum phronimon O pulmatildeo marinho entatildeo quase natildeo eacute nada no todo porque o prazer totalmente desprovido de phronegravesis eacute no maacuteximo uma alma ( ηουξα Filebo 21c8 TimeuΝλἀἴἁ)Ν(έέέ)rdquoΝ(ἜἓἔἓἐVἤἓΝ1λλλΝὂέΝἆἂ)έ

161 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

prazeres desmedidos mas a vida de prazer ausente de memoacuteria exceto no caso da vida de

prazer puro Como veremos natildeo haacute desejo sem memoacuteria (33c5-34d6)229 a memoacuteria ainda

natildeo possui um papel particular na discussatildeo mas ela seraacute fundamental na anaacutelise do prazer

O prazer dele (do pulmatildeo marinho) eacute o maacuteximo possiacutevel um prazer da πζ λκ δμ (repleccedilatildeo)

ἷΝὀatildeὁΝumΝὂὄaὐἷὄΝὂaὅὅagἷiὄὁΝὃuἷΝimὂliἵaὄiaΝiὄὄitaὦatildeὁΝἷΝἶὁὄέΝldquoἡΝὂulmatildeὁΝmaὄiὀhὁΝὀatildeὁΝὧΝaὅὅimΝ

apenas o limite do pensaacutevel mas o mais inferior o mais baixo de todos os viventes alguns

desses vivem uma vida de prazeres mistos prazeres que se acompanham de dores e de

mἷmὰὄiardquoΝ(ἜἓἔἓἐVἤἓΝ1λλλΝὂέΝἆἄ)έΝ

Natildeo nos interessa tanto essa descriccedilatildeo do prazer sem nenhuma φλσθ δμ e sem

nenhuma dor pois o pulmatildeo marinho goza sem saber e nem deseja um prazer que natildeo seja

defectivo em suma eacute um vivente totalmente atiacutepico Esse tipo de vida natildeo eacute um tipo de vida

que possa ser escolhido enquanto uma vida tipicamente humana Natildeo temos aqui uma

triparticcedilatildeo entre divino animal humano e vida marinha Essa hierarquia ndash se eacute que haacute uma

hierarquia ndash eacute mais continuiacutesta do que separatista como o diaacutelogo iraacute nos mostrar Soacutecrates

entatildeo daacute lugar a uma segunda hipoacutetese a vida de pensamento sem o prazer (ίέκθ

φλκθά πμ ίέκθ) (21d9-e2) ou seja uma vida unicamente em que se possui pensamento e

inteligecircncia e a memoacuteria completa de todas as coisas mas sem tomar parte nem muito nem

pouco nem do prazer nem da dor isto eacute uma vida sem experimentar ( παγ μ) nenhuma

ἶἷὅὅaὅΝἶuaὅΝἵὁiὅaὅέΝldquoἠἷὀhumaΝἶaὅΝἶuaὅΝviἶaὅΝὧΝἶigὀaΝἶἷΝἷὅἵὁlhaΝ(α λ μ) ()rdquoΝἶiὄὠΝἢὄὁtaὄἵὁΝ

(21e3-4) nem para o interlocutor nem para a escolha de ningueacutem Ressalta-se que tanto a

vida de prazer instantacircneo sem memoacuteria (moluscos e pulmatildeo marinho) como a vida de puro

ὂἷὀὅamἷὀtὁΝὅatildeὁΝἷxtὄἷmὁὅΝἶἷΝviἶaὅμΝ ldquo(έέέ)ΝumaΝἷΝὁutra indicam duas direccedilotildees que natildeo satildeo

humanamente desejaacuteveis mas que natildeo estatildeo totalmente fechadas agrave escolha do homemrdquo

(LEFREBVRE 1999 p 87) Mas em se tratando da discussatildeo ali encetada quanto agrave vida

boa humana a uacutenica escolha possiacutevel eacute uma vida de pensamento e de prazer

As posiccedilotildees iniciais satildeo de fato falas natildeo por um juiacutezo de valor um juiacutezo moral neste

caso equivocado Esses extremos natildeo podem ser escolhidos230 Podemos notar tal fato pela

discussatildeo que segue

229 ldquo(έέέ)ΝaὂἷὀaὅΝὂodemos desejar a repleccedilatildeo tocaacute-la de alguma maneira natildeo pelo corpo que eacute vivo mas pela alma cuja memoacuteria permanece sempre plena disso que ela goza com o corpo A memoacuteria eacute a condiccedilatildeo de possibilidade do desejo e em geral o princiacutepio vital a origem do todo movimento em direccedilatildeo ao prazer (35d1-3) a memoacuteria que conserva e evoca indica para o vivente os caminhos do prazer jaacute empregados e suscetiacuteveis de ser uma novidade Um vivente sem memoacuteria natildeo poderia portanto desejar nada e nem buscar como objeto do prazer permanecendo inteiramente passivo vindo ateacute ele em permanecircncia um prazer que ele natildeo teria desejado que natildeo seria conservado e sobre o ὃualΝἷlἷΝὀatildeὁΝὅaἴἷὄiaΝὃuἷΝἷὅtaὄiaΝgὁὐaὀἶὁrdquoΝ(ἜἓἔἓἐVἤἓΝ1λλλΝὂέΝἆἄ)έ 230 Gadamer (2009) eacute um dos que percebem essa contradiccedilatildeo que se apresenta nas propostas aὂὄἷὅἷὀtaἶaὅΝὂaὄaΝaΝἷὅἵὁlhaΝἶὁὅΝmὁἶὁὅΝἶἷΝviἶaμΝ ldquoaὅὅimΝὀaΝvἷὄἶaἶἷΝ lὁgὁΝὀaΝἵἷὀaΝ iὀiἵialΝἷmΝὃuἷΝamἴὁὅΝ ὁὅΝ iἶἷiaὅΝ lsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝ ἷΝ lsquoἵὁὀhἷἵimἷὀtὁrsquoΝ ὅatildeὁΝ ἵὁὀtὄaὅtaἶὁὅΝ ὧΝ ὂἷὄὂaὅὅaἶaΝ ὂὁὄΝ umaΝ ἵὁὀtὄaἶiὦatildeὁΝlatente A maneira ἵὁmὁΝ tὁἶὁὅΝ ὁὅΝ ὅἷὄἷὅΝ vivὁὅΝ ὁἴἷἶἷἵἷmΝ ὡὅΝ ἵἷgaὅΝ aὁΝ imἷἶiatὁΝ ὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝ lsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝimpulsionados pelo poder secreto do iacutempeto vital natildeo satisfaz a possibilidade do ser humano de levar

162 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

Soc E o que me dizes ProtarἵὁΝἶaΝἵὁmἴiὀaὦatildeὁΝ( έΝ ᾽ υθαηφσ λκμ)ΝἶἷΝambas proveniente da mistura comum das duas ( ιΝ ηφκῖθΝ υηη δξγ μΝεκδθ μΝΰ θση θκμ)ς Prot Estaacutes falando da mistura de prazer de inteligecircncia e de pensamento ( κθ μΝζΫΰ δμΝεα θκ εα φλκθά πμ)ς Soc Estou falando exatamente disso ἢὄὁtέμΝἥἷmΝἶήviἶaΝὃualὃuἷὄΝumΝὅἷmΝἷxἵἷὦatildeὁΝἷὅἵὁlhἷὄiaΝ(α λά αδ)ΝἷὅὅaΝvida de preferecircncia a qualquer uma das outras duas Soc Seraacute que noacutes agora compreendemos qual a consequecircncia do presente argumento Prot Sim certamente Trecircs vidas foram propostas ( δΝ ΰ Ν λ ῖμΝ η θΝ ίέκδΝπλκυ Ϋγβ αθ)ΝἷΝἶuaὅΝἶἷlaὅΝὀatildeὁΝὅἷὄiamΝὅufiἵiἷὀtἷὅΝ( εαθ μ)ΝὀἷmΝἶigὀaὅΝἶἷΝἷὅἵὁlhaΝ (α λ μ)Ν ὅἷjaΝ ὂaὄaΝ ὁὅΝ hὁmἷὀὅΝ ὅἷjaΝ ὂaὄaΝ ὃualὃuἷὄΝ ὅἷὄΝ vivὁΝ (κ Ν

θγλυππθΝκ Να πθΝκ θέ)έ Soc No que diz respeito a elas fica claro entatildeo que nenhuma das duas possui o bem ( μΝκ Ϋ λκμΝα κῖθΝ ξ Ν ΰαγσθ)ςΝἢὁiὅΝὅἷΝὁΝὂὁὅὅuiacuteὅὅἷmΝelas seriam suficientes ( εαθ μ)ΝὂἷὄfἷitaὅΝ(εα Ϋζ κμ)ΝἷΝἶigὀaὅΝἶἷΝἷὅἵὁlhaΝὂaὄaΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ ὂlaὀtaὅΝ ἷΝ aὀimaiὅΝ (εα π δΝ φυ κῖμΝ εα α κδμΝ α λ σμ)Ν ὃuἷΝὂὁἶἷὄiamΝvivἷὄΝὅἷmὂὄἷΝaὅὅimΝaΝviἶaΝiὀtἷiὄaΝ(κ π λΝ υθα θΝ θΝκ πμΝ δ ίέκυΝα θ)νΝmaὅΝὅἷΝalgumΝἶἷΝὀὰὅΝἷὅἵὁlhἷὅὅἷΝὁutra coisa estaria agindo contra a natureza do que eacute verdadeiramente digno de escolha e contra a vontade ὂὁὄΝἵauὅaΝἶaΝigὀὁὄacircὀἵiaΝὁuΝὂὁὄΝἵauὅaΝἶἷΝalgumaΝfἷliὐΝfataliἶaἶἷΝ( ΫΝ δμΝ ζζαΝᾑλ ῖγ᾽ η θΝ παλ φτ δθΝ θΝ θΝ κ ζβγ μΝ α λ κ ζΪηίαθ θΝ επθΝ ιΝ

ΰθκέαμΝ δθκμΝ θΪΰεβμΝκ εΝ αέηκθκμ)Ν(ἀἀa1-b8)

Protarco teria ficado mudo diante da possibilidade da fruiccedilatildeo e uma vida unicamente

de prazer (21d4-5) mas essa sua afonia natildeo significa que ele natildeo tenha escolha Penso que

Platatildeo aqui natildeo diz que a vida unicamente de prazer eacute ruim ou boa natildeo se trata de uma

questatildeo valorativa mas de pura constataccedilatildeo de que uma vida unicamente de prazer eacute uma

vida inferior mesmo as plantas e os animais que satildeo tambeacutem seres desejosos perseguem

o prazer e possuem certo grau de memoacuteria por isso tambeacutem encontram-se submetidos nesse

ciclo de repleccedilatildeo e de vazio de prazer e de dor Perseguir naturalmente o prazer e fugir da

dor eacute uma accedilatildeo que envolve tanto corpo como alma Como jaacute dissemos envolve maior ou

menor grau de φλσθβ δμ em uma dada alma e em um determinado corpo isto eacute utilizando

umΝtἷὄmὁΝἵὁὀtἷmὂὁὄacircὀἷὁΝaΝἵaὂaἵiἶaἶἷΝἶἷΝldquoὅἷὀἵiecircὀἵiardquoΝἷmΝmaiὁὄΝὁuΝmἷὀὁὄΝgὄauΝὧΝὃuἷΝὀὁὅΝ

possibilita fazer escolhas perseguir aquilo que nos traz prazer e fugir daquilo que nos causa

dor O caso dos animais eacute um caso intermediaacuterio entre as duas vidas extremas assim como

o caso da vida humana Natildeo se trata entatildeo de uma diferenccedila entre animalidade humanidade

e divindade mas de uma diferenciaccedilatildeo em graus de inteligibilidade do sujeito desejante em

a sua proacutepria vida Essa questatildeo eacute exposta assim logo no iniacutecio de modo que no final teraacute de resultar a contradiccedilatildeo de que aqui algo seja colocado para escolha mas que efetivamente natildeo possa ser escolhido A cegueira do iacutempeto vital o qual sobre tudo impera eacute a falta de escolha Mas do outro lado da escolha encontra-se aquilo que por si soacute jaacute estaacute escolhido por estar posto para escolha o proacuteprio ἷὅἵὁlhἷὄΝatὄavὧὅΝἶὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἵὁὀtiἶὁΝὀὁΝaὃuilὁrdquoΝ(ὂέΝ111)έΝ

163 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

relaccedilatildeo ao objeto prazeroso Eacute necessaacuterio aqui concordar com Lefka (2010) que esses

estaacutegios de vida extremados satildeo apenas suposiccedilotildees de Soacutecrates modos de vida presentes

no iniacutecio do diaacutelogo e que satildeo descartados totalmente agora mais do que indignos de escolha

eles nos satildeo na verdade impossiacuteveis Nossa constituiccedilatildeo humana encarnada bioloacutegica natildeo

nos permite tal escolha (p 173-174)

A alusatildeo aos animais e agraves plantas soacute pode ser neste caso uma insinuaccedilatildeo irocircnica

porque parece impossiacutevel aos animas e plantas escolherem algum tipo de vida Eles podem

escolher como gozar e como fugir da dor em um dado estado de vida que lhes eacute pertinente

ou seja naquele em que eles se encontram situados mas caso pudessem escolher entre ter

mais memoacuteria mais inteligibilidade para que gozem de prazeres mais permanentes dos quais

teriam uma melhor consciecircncia ou inteligibilidade obviamente escolheriam estar mais

proacuteximos do estado de permanecircncia de prazer e de ausecircncia em maior medida de dor ou

seja a apatia ἶaΝviἶaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝἵhamaὄὠΝἶἷΝldquomaiὅΝἶiviὀardquoΝ(ἁἁἴἅ)έΝεaὅΝὁΝὃuἷΝὀἷmΝmἷὅmὁΝὁὅΝ

animais e as plantas nos diz Soacutecrates em 22b podem escolher satildeo tambeacutem esses tipos de

vida extremados porque suas configuraccedilotildees aniacutemicas natildeo se situam nem na ausecircncia total

de φλσθβ δμ ou seja a apatia anestesia o prazer dotado de imediaticidade como eacute o caso

do pulmatildeo marinho que possui sensibilidade em menor grau nem no mais alto grau de

φλκθ δμ da pura inteligibilidade de permanecircncia de pensamento puro

Logo tanto a vida humana como a vida animal satildeo intermediaacuterias entre essas

concepccedilotildees impossiacuteveis de vida Ambas apenas se diferenciam perante as possibilidades de

escolha segundo os graus diferentes de φλσθβ δμ pois a vida humana mista diferentemente

da vida mista dὁὅΝaὀimaiὅΝὂὁἶἷΝὅἷΝὂὄἷὅtaὄΝaΝὅἷὄΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝumaΝviἶaΝἷmΝὃuἷΝὅἷΝgὁὐaΝ

melhor em que tais indiviacuteduos se abrem aos prazeres puros e necessaacuterios como tambeacutem a

todas as formas de conhecimento e que pode merecidamente ser tributaacuteria da caracterizaccedilatildeo

de uma vida mista (humana) propriamente boa Basta analisar a constataccedilatildeo do proacuteprio

ἢὄὁtaὄἵὁμΝldquoἓὅtὠὅΝfalaὀἶὁΝἶaΝmiὅtuὄaΝἶἷΝὂὄaὐἷὄΝἶἷΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἷΝἶἷΝ[ὂὄaὐἷὄΝἶἷ]ΝὂἷὀὅamἷὀtὁςrdquoΝ

(22a1-2) Apesar de franqueaacuteveis ambos os modelos de vida devido a nossa dada condiccedilatildeo

(humana) nos satildeo-nos impossiacuteveis por isso o prazer e o conhecimento da vida mista eacute

diferente do puro prazer e do puro conhecimento Aqui portanto se pode dizer que na vida

mista seja a de um animal ou de um homem tem-se um pensamento que resulta prazeroso

e prazeres que apenas existem a partir do pensamento A mistura num primeiro momento

parece ser uma mistura desses elementos tomados (unicamente) como no iniacutecio do diaacutelogo

mas aos poucos vemos que isso natildeo possiacutevel que natildeo se trata disso O prazer da vida mista

natildeo eacute o prazer puro e o pensamento da vida mista natildeo eacute o pensamento puro

ἏΝldquoviἶaΝἶiviὀardquoΝὂὄὰὂὄiaΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅΝὃuἷΝἷxἵluiΝὃualὃuἷὄΝὂὄaὐἷὄΝἷΝὂὁὄΝἵὁὀὅἷguiὀtἷΝὁΝ

tὄacircὀὅitὁΝ ldquoὂὄἷἷὀἵhimἷὀtὁ-vaὐiὁrdquoΝ ὂἷὄmaὀἷἵἷΝ ἵὁmὁΝ mὁἶἷlὁΝ umaΝ vἷὐΝ ὃuἷΝ ὁΝ hὁmἷm pode

apenas aspirar a esse estado divino de puro pensamento quando se potildee a refletir sobre uma

164 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

vida em que se pode gozar mais e da melhor maneira possiacutevel entretanto devido agrave sua

condiccedilatildeo jamais atingiraacute o niacutevel puro de inteligibilidade O homem e tambeacutem o filoacutesofo natildeo se

guiam pelo discurso inspirado nas paixotildees eroacuteticas dos animais mas por aqueles inspirados

pela forccedila da Musa filosoacutefica nos diraacute o final do Filebo (67b) Dizer que a busca dos animais

pelo prazer e a fuga da dor seria uma prova de que o prazer eacute o bem implica em desconsiderar

que a vida humana dispotildee de um modelo de vida ndash apesar de misto como os animais ndash em

que tanto o prazer quanto o conhecimento dessa vida mista (humana) satildeo diferentes isto por

que os graus de inteligibilidade que tornam possiacuteveis a fruiccedilatildeo dos prazeres ordenadamente

nessa vida eacute diferente daquela dos animais e por ser diferente ela possui outras e ateacute

melhores possibilidades de fruiccedilatildeo desses prazeres daquela dos animais

Em um niacutetido e bom tom ele (o filoacutesofo) tem algo a mais para se preocupar do que se

lamentar quanto agrave sua condiccedilatildeo presente colocando em atividade maacutexima sua criatividade

ὂaὄaΝtἷὀtaὄΝtὄaὀὅgὄἷἶiὄΝἷὅὅaὅΝldquoὄἷgὄaὅrdquoΝfiὄmἷmἷὀtἷΝἷὅtaἴἷlἷἵiἶaὅΝὂἷlaΝὀatuὄἷὐaΝtὄaὀὅgὄἷἶiὀἶὁ-

as por meio da possibilidade de um discurso que irrompe com essa situaccedilatildeo primariamente

humana presente de repleccedilatildeo e de vazio natildeo eliminado esse ciclo mas tornando seus efeitos

mἷὀὁὅΝ ἶaὀὁὅὁὅΝ aὁΝaὅὂiὄaὄΝ ὅἷΝ aὂὄὁximaὄΝ ἵaἶaΝvἷὐΝmaiὅΝ ἶἷὅtἷΝ ἷὅὅἷΝ ἷὅtὠgiὁΝ ldquomaiὅΝ ἶiviὀὁrdquoΝ

visando essa superioridade Ousadia de nossa parte Talvez sim talvez natildeo mas jaacute que

dispomos de um maior grau de inteligibilidade porque natildeo tentar explorar suas possibilidades

maacuteximas mesmo sabendo dessa ilimitaccedilatildeo proacutepria de nossa constituiccedilatildeo limitada Por que

natildeo toὄὀaὄΝὁὂἷὄaὀtἷὅΝὀὁὅὅaὅΝfaἵulἶaἶἷὅΝὀἷὅὅἷΝἷxἷὄἵiacuteἵiὁΝfilὁὅὰfiἵὁΝἶἷΝldquoὅἷὂaὄaὦatildeὁrdquoΝ(mὁὄtἷ)Ν(ὀaΝ

medida do possiacutevel) indo em direccedilatildeo agravequilo que eacute proacuteprio da alma essa estabilidade essa

permanecircncia da vida de pensamento puro e que pode nos auxiliar a orientar com certa clareza

uma vida e que se possa gozar com maior qualidade nessa nossa vida mista de prazer e de

conhecimento Como nos diz sabiamente Bossi (2008)

observemos que Soacutecrates natildeo apresenta a alternativa em forma excludente senatildeo hieraacuterquica pode aceitar que o prazer seja bom para os seres vivos que cegamente perseguem sua perpetuaccedilatildeo como espeacutecie poreacutem o melhor para o homem eacute o uso de suas capacidades intelectuais porque a vida humana eacute uma vida que deve decidir-se a cada momento que natildeo estaacute traccedilada de antematildeo pela forccedila do instinto () ao comparar e buscar natildeo fazemos outra coisa que seguir os passos para escolher e ao fazecirc-lo jaacute estamos dando mostras de dar prioridade ao caacutelculo racional jaacute elegemos conforme nosso modo de ser humano (p 228-229)

Ateacute entatildeo a inteligecircncia possui uma atribuiccedilatildeo meramente procedimental Cabe a ela

organizar devidamente a vida mista humana ou natildeo-humana para que esses tipos de vidas

sejam vidas suficientes satisfatoacuterias dotadas de razoabilidade Mas veremos no caso da

vida humana a inteligecircncia ocuparaacute um papel maior aleacutem daquele de constituinte da vida

mista A inteligecircncia apenas organiza a fruiccedilatildeo do prazer nesse primeiro momento Sem o

165 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

pensamento como jaacute vimos natildeo eacute possiacutevel fruir o prazer sua duraccedilatildeo eacute tatildeo instantacircnea que

ele (o prazer) escapa da proacutepria temporalidade reconhecidamente proacutepria enquanto condiccedilatildeo

em que se situam os seres vivos por meio da inteligecircncia alguns partilhando em menor ou

maior grau dela Natildeo haacute nenhum meio do prazer ser bem sucedido sem o pensamento

Prazer e conhecimento natildeo satildeo tratados da mesma maneira isso eacute um fato jaacute que a

inteligecircncia encontra-se em um niacutevel acima porque ela eacute capaz de tornar possiacutevel a resultante

do desejo do prazer ela eacute um meio que torna um fim possiacutevel mas tambeacutem ela natildeo se

encontra separada do prazer na vida mista pois a proacutepria faculdade intelectiva caminha para

a realizaccedilatildeo desse fim isto eacute para o prazer ela busca a maneira correta e mais bem ordenada

para a realizaccedilatildeo do desejo e do prazer Ora natildeo temos aqui nenhuma relaccedilatildeo de

anterioridade entre prazer e inteligecircncia nem mesmo uma relaccedilatildeo de causalidade entre

ambos mas cada um dos dois (prazer e conhecimento) executam suas funcionalidades

proacuteprias nesse conjunto da vida mista humana ou seja uma correlaccedilatildeo Contudo no caso do

homem ele natildeo apenas recorda ou deseja ele avalia emite caacutelculos e juiacutezos com maior

fecundidade acerca dessa proacutepria organizaccedilatildeo que prescinde de satisfaccedilatildeo em um dado

modelo de vida numa dada condiccedilatildeo e mais ele pode tentar alcanccedilar dentro desta sua vida

mista entre prazer e conhecimento melhores arranjos que possam levaacute-lo a fruir natildeo apenas

de forma satisfatoacuteria o prazer mas tambeacutem em abundacircncia e melhor ou seja uma vida em

que seja capaz de atender em maior grau as nossas aspiraccedilotildees propriamente humanas

Eacute por isso que Soacutecrates considera diante do que foi exposto jaacute ser suficiente admitir

ὃuἷΝaΝldquoἶἷuὅaΝἶἷΝἔilἷἴὁrdquoΝ(Φδζάίκυ γ θ) natildeo poder ser o bem ( ΰαγσθ) (22c1-2) Filebo

retruca dizendo que nem mesmo a inteligecircncia (θκ μ) de Soacutecrates eacute o bem ( δ ΰαγσθ)

ἥὰἵὄatἷὅΝἷὀtatildeὁΝfaὐΝὃuἷὅtatildeὁΝἶἷΝἶiὅtiὀguiὄμΝldquoἥimΝtalvἷὐΝaΝmiὀhaΝ( ΰrsquoΝ ησμ) Filebo Mas natildeo

aΝiὀtἷligecircὀἵiaΝvἷὄἶaἶἷiὄaΝἷΝἶiviὀaΝἵὄἷiὁΝὂὁiὅΝἵὁmΝἷlaΝaὅΝἵὁiὅaὅΝὅἷΝἶatildeὁΝἶἷΝmὁἶὁΝἶifἷὄἷὀtἷrdquo (ldquoκ

ηΫθ κδΝ σθΝΰ Ν ζβγδθ θΝ ηαΝεα γ ῖκθΝκ ηαδΝθκ θΝ ζζ᾽ ζζπμΝππμΝ ξ δθrdquo)Ν (ἀἀἵἃ-6) A partir

disso a discussatildeo adquire a forma de um ranking o primeiro precircmio ( θΝη θΝκ θΝθδεβ βλέπθ)

jaacute foi atribuiacutedo agrave vida conjunta ( θΝεκδθ θΝίέκθ) mas agora o que estaacute em jogo eacute o segundo

precircmio ( υ λ έπθ) (22c6-7) Neste momento cada um dos interlocutores pode reclamar

ambos para si o segundo precircmio devem lutar por ele um para o prazer outro para a

inteligecircncia enquanto causa (α δκθ) dessa vida conjunta (22d1-4)

Ora como visto nenhuma das vidas anteriores isoladas vida de prazer e vida de

conhecimento seria o bem ou melhor esses estados ou disposiccedilotildees da alma para a vida

humana enquanto uma vida mista de prazer e conhecimento porque nenhuma das vidas

anteriormente mencionadas possui o grau maacuteximo de suficiecircncia na vida humana mista

ambas exigindo a presenccedila uma da outra Eacute isto que conduz Soacutecrates agrave pergunta sobre a

causa dessa mistura ou seja o que torna possiacutevel esse arranjo em uma dada condiccedilatildeo de

vida Mas aqui Soacutecrates avanccedila ainda mais ao dizer que essa causa eacute tambeacutem um elemento

166 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

que compotildee a proacutepria mistura Jaacute que cada um dos interlocutores deve agora guerrear cada

um como partidaacuterio de um dos dois elementos prazer e inteligecircncia em favor do segundo

precircmio que natildeo eacute o bem mas causa dessa mistura que lhe confere existecircncia efetiva naquilo

que ela eacute propriamente uma mistura Como um elemento poderaacute ser responsaacutevel pela proacutepria

foacutermula dessa mistura e ao mesmo tempo um elemento constituinte dessa proacutepria mistura

Simultaneamente esse elemento deveraacute tornar-se possiacutevel por intermeacutedio de sua accedilatildeo um

efeito um resultado estando ele proacuteprio tambeacutem presente nesse efeito sendo incluiacutedo nessa

mistura da qual ele proacuteprio eacute o agente e por conseguinte causa

Agora sobre esse ponto eu gostaria de enfrentar Filebo com muito mais energia sustentando que nessa vida mista ( θΝ μΝ θΝ η δε κτ ίέ ) o que quer que seja aquilo que tendo sido obtido por ela a torne digna de escolha e boa (α λ μΝ ηαΝεα ΰαγσμ) natildeo eacute o prazer (κ ξΝ κθ ) mas a inteligecircncia (θκ μ) que lhe eacute mais aparentada e semelhante ( κτ

υΰΰ θΫ λκθΝ εα ηκδσ λσθΝ δ) e de acordo com esse argumento poderiacuteamos entatildeo afirmar que natildeo se pode atribuir ao prazer nem o primeiro nem o segundo precircmio ( θΝ θΝπλπ έπθΝκ ᾽ α θΝ υ λ έπθ) e se no momento devemos dar algum creacutedito agrave minha inteligecircncia ( δΝ η θ

ῖ πδ τ δθΝ η μΝ θ θ) ele estaacute muito longe ateacute do terceiro precircmio (πκλλπ ΫλπΝ ᾽ θΝ λδ έπθ) (22d5-e3)

Soacutecrates se alia agrave inteligecircncia em favor do segundo precircmio somente depois de ter

chegado agrave conclusatildeo juntamente com Protarco de que o primeiro precircmio apenas pode ser

atribuiacutedo agrave vida mista de prazer e de conhecimento e que nenhum deles pode ser unicamente

o bem como nenhuma das duas vidas vida de prazer unicamente e vida de conhecimento

possui o bem Por isso Soacutecrates diz agora que iraacute enfrentar com mais vigor a Filebo lutando

em favor do segundo precircmio ao disputar o lugar da causa da mistura Nos eacute dito que a

iὀtἷligecircὀἵiaΝ ὧΝ maiὅΝ aὂaὄἷὀtaἶaΝ ἷΝ ὅἷmἷlhaὀtἷΝ ( υΰΰ θΫ λκθΝ εα ηκδσ λσθ)έΝ ἥὁmἷὀtἷΝ aΝ

disposiccedilatildeo para o conhecimento pode gerar e concomitantemente ser parte constituinte da

mistura pois ao prazer falta essa capacidade ordenadora proacutepria da inteligecircncia O posto de

causa lhe seria negado ao prazer em virtude da sua pouca eficaacutecia ordenadora quando

comparada agrave inteligecircncia A inteligecircncia o conhecimento eacute semelhante agrave forma inteligente da

vida ordenada Dito isso o pensamento agora deixaraacute de ser tratado apenas segundo essa

funccedilatildeo (procedimental) de tornar possiacutevel a fruiccedilatildeo dos prazeres sua participaccedilatildeo na mistura

em questatildeo deixa de ser meramente a de um constituinte como tambeacutem seria o prazer Assim

o pensamento adquire o status de constituinte fundamental como causa dessa mistura Aleacutem

de ordenaacute-la ele produz um efeito nessa mistura cujo resultado tambeacutem o incluiraacute como um

elemento fundamental indispensaacutevel naquilo que ele proacuteprio constitui essa mistura de prazer

e conhecimento que configura a vida humana

167 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

Tratar do segundo precircmio e de o porquecirc ele eacute indispensaacutevel nessa mistura poderaacute nos

dizer algo a mais sobre o valor do prazer nessa mistura assim como o porquecirc de ele natildeo

pode ser a causa dessa misturaέΝἢὁὄΝagὁὄaΝὧΝmἷlhὁὄΝὀatildeὁΝtὁὄtuὄaὄΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝmἷlhὁὄΝldquoἶἷixὠ-

lὁΝἷmΝὂaὐrdquoΝὀatildeὁΝldquoἵauὅaὄΝἶὁὄΝaὁΝὂὄaὐἷὄrdquoΝὀὁὅΝἶiὄὠΝἥὰἵὄatἷὅΝ(ἀἁaἄ-8) Ainda natildeo eacute o momento

de examinaacute-lo com profundidade e rigor ou melhor refutaacute-lo ( ι ζΫΰξκθ α)Ν(ἀἁaἅ)έΝ

Para marchar em favor da inteligecircncia e obter para ela o segundo precircmio iremos agora

aἶἷὀtὄaὄΝὡΝὀὁvaΝldquomaὃuiὀaὦatildeὁΝἶἷΝguἷὄὄardquoΝ( ῖθΝ ζζβμΝηβξαθ μ)ΝἷmΝὃuἷΝὅἷὄatildeὁΝutiliὐaἶaὅΝaὄmaὅΝ

(ίΫζβ)Ν ἶifἷὄἷὀtἷὅΝ ἶὁὅΝ aὄgumἷὀtὁὅΝ aὀtἷὄiὁὄἷὅΝ ( ξ δθΝ λαΝ θΝ ηπλκ γ θΝ ζσΰπθ)Ν ἷmἴὁὄaΝ

algumas possam ser as mesmas ( δ πμ θδα εα α Ϊ) (23b6-8) Soacutecrates entatildeo diz

aΝἢὄὁtaὄἵὁΝὅὁἴὄἷΝaΝὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝἶἷΝἵautἷlaΝaὁΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝ( δγΫη θκδ)ΝἵἷὄtὁΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝ( θΝ ΫΝ

ΰ Ν λξ θ)Ν ὃuἷΝ ἷlἷΝ ἶἷὀὁmiὀaΝ ἵὁmὁΝ ldquoὀὁὅὅὁΝ ὂὄiὀἵiacuteὂiὁrdquoΝ (ἀἁἵ1-2) A tarefa que Soacutecrates faz

mἷὀὦatildeὁΝ ὀἷὅtἷΝ mὁmἷὀtὁΝ ἵὁὀὅiὅtἷΝ ἷmΝ ldquoὅἷὂaὄaὄΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅΝ ὃuἷΝ agὁὄa existem no

universo231rdquoΝ (πΪθ αΝ θ θΝ θ αΝ θΝ παθ δξ δαζΪίπη θ)Ν (ἀἁἵἂ-5)232 Talvez seja

231 Concordo com alguns autores como (Delcomminette 2006 p 213) e (Carone 2008 p 131-132) que ἷὅὅἷΝ ldquoagὁὄardquoΝ (θ θ) indica que as Formas natildeo satildeo incluiacutedas aqui em nenhuma das categorias as Formas satildeo eternas e imutaacuteveis A passagem cosmoloacutegica trata da demiurgia especiacutefica cujos exemplos satildeo retirados da realidade sensiacutevel compreendidos em uma dimensatildeo universal do todo cosmoloacutegico Rejeito a argumentaccedilatildeo revisionista que postula uma substituiccedilatildeo de das Formas ὂὁὅtulaἶaὅΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶitὁὅΝldquomὧἶiὁὅrdquoΝὂaὄaΝὅἷΝὄἷὅὁlvἷὄἷmΝὁὅΝὅuὂὁὅtὁὅΝὂὄὁἴlἷmaὅΝlἷvaὀtaἶὁὅΝὂὁὄΝἷlaὅΝrealccedilados pelas aporias do Parmecircnides como tambeacutem uma compreensatildeo de que essas divisotildees seriam Formas ou os Gecircneros Supremos como satildeo chamadas nos Sofista Haacute motivos que ficaratildeo claros para tal rejeiccedilatildeo a partir de nosso comentaacuterio sobre a ontologia quaacutedrupla como (i) as Formas natildeo satildeo limitadas por determinaccedilotildees numeacutericas e meacutetricas nem relaccedilotildees matemaacuteticas por isso natildeo satildeo πΫλαμ (ii) as Formas satildeo seres puros simples e natildeo podem ser misturados assim como todos os seres gerados do mundo que pertencem a esse gecircnero as Formas devem ser eternas natildeo-geradas natildeo submetidas ao movimento ao devir logo natildeo podem ser ηδε θ (mistura) (iii) as Formas tambeacutem ὀatildeὁΝὅatildeὁΝaΝldquoἵauὅardquoΝ(α έα) pois a criaccedilatildeo depende do Demiurgo que cria a partir da Forma sozinha elas natildeo datildeo origem a nada elas satildeo modelos para a produccedilatildeo da atividade demiuacutergica (iv) por fim natildeo podem ser π δλκθ porque este gecircnero eacute indeterminado num duplo sentido (multiplicidade indeterminada e gecircnero das coisas dispostas no devir) que eacute tornado uma unidade multiplicidade apenas por meio da atividade dialeacutetica Enquanto que as Formas satildeo pura determinaccedilatildeo Essencialmente limitadas e definidas ou seja natildeo estatildeo sujeitas a qualquer tipo de variaccedilatildeo seja ela ὃualitativaΝὁuΝὃuaὀtitativaέΝἢaὄaΝumaΝaὀὠliὅἷΝmaiὅΝἶἷtalhaἶaΝἶἷὅὅaΝldquoἵlὠὅὅiἵaΝἶiὅὂutardquoΝvἷὄΝἑἏἤἡἠἓΝ(2008 p 143-149) 232 Dixsaut (2001) acredita que a referecircncia feita em 23c agrave divisatildeo quaacutedrupla eacute distinta (em propoacutesitos) ἶaΝaἴὁὄἶagἷmΝἶὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝ(ἶialὧtiἵa)ΝἶἷΝ1ἄἵέΝἓmΝἀἁἵΝὁΝὃuἷΝὅἷΝὂὄὁὂὴἷΝὧΝumaΝἶiviὅatildeὁΝἶἷΝtὁἶaὅΝἵὁiὅaὅΝὃuἷΝἷxiὅtἷmΝagὁὄaΝὀὁΝuὀivἷὄὅὁΝ(πΪθ αΝ θ θΝ θ αΝ θΝ παθ ) Segundo a autora francesa eacute muito provaacutevel que haja uma ligaccedilatildeo entre as duas passagens mas as abordagens natildeo satildeo idecircnticas EacuteΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝlἷmἴὄaὄmὁὅΝὃuἷΝaὃuiΝἷὅtamὁὅΝἶiaὀtἷΝἶἷΝumaΝldquoὀὁvaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoμΝldquo(έέέ)ΝἷΝὃuἷΝἷΝὃuἷΝὅἷΝὁΝtermo aacutepeiron deve ser entendido em dois sentidos diferentes esses dois sentidos natildeo devem ser relacionados entre si O dialeacutetico como foi dito pode ser forccedilado a comeccedilar pelo indeterminado mas por que poderia secirc-lo Porque eacute necessaacuterio reconhecer a existecircncia de duas espeacutecies de realidades Enquanto alguns (a ciecircncia ou a virtude a constituiccedilatildeo poliacutetica ou deliacuterio por exemplo) se apresentam como unidades compreendidas por articulaccedilotildees naturais o que permite dividi-las outras pelo contraacuterio apenas oferecem indeterminaccedilatildeo A primeira maquinaccedilatildeo teria fornecido o meio para reduzir essa indeterminaccedilatildeo tomando o aacutepeiron como um predicado quantitativo mas o deus no iniacutecio ele proacuteprio teria precisado que o aacutepeiron eacute um modo de ser Para determinar esse modo de ser eacute necessaacuterio dividir natildeo o aacutepeiron ὂὁὄὃuἷΝiὅὅὁΝὧΝimὂὁὅὅiacutevἷlΝmaὅΝldquotuἶὁΝaὃuilὁΝὃuἷΝἷxiὅtἷΝatualmἷὀtἷΝὀὁΝuὀivἷὄὅὁrdquoΝἷmΝὃuatὄὁΝgecircὀἷὄὁὅΝiὅtὁΝὧΝὅuἴὅumiὄΝaΝtὁtaliἶaἶἷΝἶaΝἷxiὅtecircὀἵiaΝὅὁἴΝὃuatὄὁΝἵatἷgὁὄiaὅrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1Νp 311-312)

168 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

necessaacuterio dividir em dois ou em trecircs ou em quatro todas essas partes denominadas como

ὅἷὀἶὁΝfὁὄmaὅΝ( θΝ θ)Ν(ἀἁἵ1ἁ)έΝἥὰἵὄatἷὅΝὄἷlἷmἴὄaΝὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝaὀtἷὄiὁὄΝque teria mostrado

aΝ ἷxiὅtecircὀἵiaΝ ἶὁΝ limitἷΝ (πΫλαμ)Ν ἷΝ ἶὁΝ ilimitaἶὁΝ ( π δλκθ)Ν ἶὁὅΝ ὅἷὄἷὅΝ (ἀἁἵλ-10) ambos agora

ὂaὅὅamΝaΝὅἷὄΝtiἶὁὅΝἵὁmὁΝumΝἵaὅalΝἶἷΝfὁὄmaὅΝ( κτ πΝ θΝ θΝ τκΝ δγυη γα)Ν(ἀἁἵ1ἁ-

d1) No entanto eacute preciso ainda uma terceira forma da unidade proveniente do intercurso

ἷὀtὄἷΝὁὅΝἶὁiὅΝ( λέ κθΝ ιΝ ηφκῖθΝ κτ κδθΝ θΝ δΝ υηηδ ΰση θκθ)ΝἷΝaiὀἶaΝumΝὃuaὄtὁΝgecircὀἷὄὁΝ

( Ϊλ κυΝηκδΝΰΫθκυμ)ΝὃuἷΝὅἷὄiaΝaΝἵauὅaΝ( θΝα έαθ)ΝἶἷὅtἷΝiὀtἷὄἵuὄὅὁΝ( υηη έι πμ)ΝἷὀtὄἷΝὁὅΝ

dois primeiros gecircneros (23d1-8)

Em primeiro lugar entatildeo tendo separado ( δ ζση θκδ) trecircs dos quatro (η θΝ θΝ ΪλπθΝ λέα) tentemos com dois deles ( τκΝ κτ πθΝπ δλυη γα)

ndash uma vez observado que cada um dos dois se cindiu e se despedaccedilou em muitos (πκζζ εΪ λκθΝ ξδ ηΫθκθΝεα δ πα ηΫθκθΝ σθ μ) ndash reconduzi-los em conjunto cada um dos dois de novo ao um e conceber de que modo cada um deles era um e muacuteltiplo ( μΝ θΝπΪζδθΝ εΪ λκθΝ υθαΰαΰσθ μΝθκ αδΝπ πκ Ν θΝα θΝ θΝεα πκζζ εΪ λκθ) (23e3-6)

Eacute possiacutevel observar como a passagem retoma as questotildees suscitadas no iniacutecio do

ἶiὠlὁgὁΝ ὃuἷΝ ἵὁlimamΝὀaΝ aὂὄἷὅἷὀtaὦatildeὁΝ ἶὁΝ ldquomὧtὁἶὁΝ ἶiviὀὁrdquoΝ (1ἂἴ-18d) Protarco parece natildeo

compreender o sentido da fala anterior de Soacutecrates e o condutor o faz lembrar da discussatildeo

anterior sobre o que tem limite ( πΫλαμΝ ξκθ) e o ilimitado ( π δλκθ) chamados

tamἴὧmΝagὁὄaΝἶἷΝgecircὀἷὄὁὅΝὀἷὅtaΝὂaὅὅagἷmνΝὂὁὄὧmΝἥὰἵὄatἷὅΝἶἷὅἷjaΝmaiὅΝἷlἷΝἶiὐμΝldquo(έέέ)ΝἷuΝ

tἷὀtaὄἷiΝmὁὅtὄaὄΝὃuἷΝἶἷΝalgumΝmὁἶὁΝὁΝ ilimitaἶὁΝὧΝmήltiὂlὁrdquoΝ ( δΝ λσπκθΝ δθ π δλκθΝ

πσζζ᾽ έ π δλΪ κηαδΝφλΪα δθ) (24a1-4)

A discussatildeo iraacute tratar primeiramente do π δλκθ Nesse gecircnero satildeo colocados tudo

aquilo que natildeo pode receber a marca do limite como o caso do mais quente e do mais frio

Neste uacuteltimo caso natildeo poderiacuteamos conceber algum limite ( λαΝπΫλαμ) ao mais quente e ao

mais frio porque ambos possuem em si o mais e o menos ( η ζζσθΝ Νεα κθ) temos

assim tanto mais quente e menos quente como mais frio e menos frio Esse gecircnero ( κῖμΝ

ΰΫθ δθ) de coisa enquanto presente em ambos nos impediria de chegar a qualquer fim (η

ΫζκμΝ ξ δθ) pois caso chegassem um eliminaria o outro (24b7-8) Por isso bastaria analisar

esse discurso para que se possa notar que esse par nunca tem fim e que sem duacutevida neste

caso lidamos com ilimitados ( π έλπ) (24b8)

O uso do adveacuterbio φσ λα em 24b9 eacute a oportunidade vista por Soacutecrates para explicar

ainda mais a natureza do ilimitado por um jogo de palavras que brinca ora com o sentido

denotado pelo adveacuterbio extremamente ora com o sentido conotativo deste termo presente

ἷmΝἁλἶΝaὁΝὅἷΝtὄataὄἷmΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝfalὅὁὅΝἶaΝaὀtἷἵiὂaὦatildeὁέΝἏἶvὧὄἴiὁὅΝἵὁmὁΝldquoἷxtremamἷὀtἷrdquoΝ

ἷΝldquolἷvἷmἷὀtἷrdquoΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝὁὀἶἷΝὃuἷὄΝὃuἷΝἷὅtἷjaΝὁΝὂaὄΝlimitἷ-ilimitado no mais intenso e no

169 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

mais suave o demasiado o mais eco e o mais uacutemido o muito e o pouco o maior e o menor

tὁἶὁὅΝὂὁὅὅuἷmΝἷὅὅaΝldquoὂὁtecircὀἵiardquoΝ( τθαηδθ) do mais e do menos

O ilimitado impede que as coisas possuam uma quantidade determinada (κ εΝ κθΝ

θαδΝπκ θΝ εα κθ) e ao introduzir o mais e o menos em todas as coisas faz desaparecer

essa quantidade determinada ( πκ θΝ φαθέα κθ) Poreacutem caso o ilimitado surja com a

medida ( ηΫ λδκθ) e natildeo faccedila desaparecer a quantidade determinada eles proacuteprios ou

mἷlhὁὄΝἷὅὅaὅΝἵὁiὅaὅΝldquoἷὅἵὁaὄiamrdquoΝὂὁὄΝὅiΝὂὄὰὂὄiaὅέΝἏΝὃuaὀtiἶaἶἷΝἶἷtἷrminada eacute a uacutenica capaz

ἶἷΝ ἵὁὀtἷὄΝ ἷὅὅἷΝ ldquoavaὀὦaὄrdquoΝ ἷὅὅaΝ ldquoὂὄὁgὄἷὅὅatildeὁrdquoΝ ἶὁΝ ilimitaἶὁΝ aΝ ὃuaὀtiἶaἶἷΝ ἶἷtἷὄmiὀaἶaΝ

permanece estaacutevel (24c1-d7) Soacutecrates deseja o assentimento de Protarco ndash sendo o proacuteprio

interlocutor de Soacutecrates a propor essa consonacircncia ( υηφπθκ θ αμ) necessaacuteria sobre essas

questotildees ndash para que se possa colocar no gecircnero do ilimitado todas essas coisas dito de outro

mὁἶὁΝldquo(έέέ)ΝaἵἷitaὄΝἷὅὅἷΝὅiὀalΝ( βη ῖκθ) da natureza do ilimitado ( π δλκθ)rdquoΝ(ἀἂἷ1-5) Todas

essas coisas de acordo com o discurso anterior devem ser colocadas nesse gecircnero ( κ

π έλκυΝΰΫθκμ) nos diz Soacutecrates pois fora dito que era necessaacuterio reunir ( υθαΰαΰσθ αμ)

essas coisas separadas repartidas ( δΫ πα αδ) cindidas ( δΫ ξδ αδ) em pedaccedilos impondo-

lhes (tanto quanto possiacutevel) esse sinal de uma natureza uacutenica (εα τθαηδθΝ ηέαθΝ

πδ βηαέθ γαέΝ δθαΝφτ δθ) (24e7-25a4)

Eacute preciso especificar do que se trata aqui quando se diz que o π δλκθ κ ilimitado eacute

um gecircnero Pode se dizer que o indeterminado qualquer indeterminado que seja conteacutem

assim vaacuterias espeacutecies das quais cada uma eacute determinada Uma enumeraccedilatildeo natildeo-exaustiva

ὅἷὄiaΝὅufiἵiἷὀtἷΝὂaὄaΝὂὄὁἶuὐiὄΝἷὅὅἷΝ ldquoὅiὀalrdquoΝἶἷΝὃuἷΝ falaΝἥὰἵὄatἷὅΝἶἷΝumaΝὀatuὄἷὐaΝήὀiἵaΝὀὁΝ

indeterminado Ao dizer que o ilimitado pode por meio desse caraacuteter distintivo determinar

sob um mesmo gecircnero determinadas espeacutecies de qualidades todas aquelas que passam pelo

mais e pelo menos natildeo exclui o fato de que ele tambeacutem pode determinar quantitativamente

em um mesmo gecircnero determinadas espeacutecies como jaacute fora visto a voz o prazer e a dor (Cf

27e) Ἄπ δλκθ eacute tudo aquilo que carece de limite tudo aquilo que se encontra desmedido

seja em excesso seja em falta ou como bem sugere Dixsaut (2001 p 312) eacute tudo aquilo

ldquo(έέέ)ΝὃuἷΝὧΝὂὁὄΝaὅὅimΝἶiὐἷὄΝaΝtὄaὀὅgὄἷὅὅatildeὁΝἷmΝatὁrdquoέ

O apeiron natildeo eacute uma mateacuteria que o limite viria a informar eacute um devir que o limite viria a estabilizar uma perpeacutetua desigualdade em-ὅiΝumΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝ lsquoaὁΝὃualΝὀatildeὁΝὂὁἶἷmὁὅΝatὄiἴuiὄΝὀἷmΝἵὁmἷὦὁΝὀἷmΝmἷiὁΝὀἷmΝfimrsquoΝ [Phlb 31a-10 Prm 137d] Natildeo eacute mais considerado como uma pluralidade indefinida de unidades discriminadas termo para o qual tenderia uma multiplicidade quantitativa ele eacute constituiacutedo de um determinado tipo de realidades enquanto que o devir incessante exclui qualquer fixaccedilatildeo afasta qualquer determinaccedilatildeo (DIXSAUT 2001 p 312-313)

Aqui podemos notar claramente o duplo movimento do processo dialeacutetico aquele que

vai do um ao muacuteltiplo e do muacuteltiplo ao um ao se deparar com aquilo que eacute um devir constante

170 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

uma perpeacutetua ΰΫθ δμ A saiacuteda eacute a mesma devemos reunir ( υθαΰαΰσθ αμ) esses devires

essas diferentes espeacutecies e imprimir nelas o sinal de uma natureza uacutenica determinada Como

nos adverte Dixsaut (2001 p 313) sem adentrar agraves infindaacuteveis discussotildees da auto

predicaccedilatildeo das Formas Platatildeo jamais teria dito que a ideia de Neve seria fria nem a ideia de

Maldade maacute nem a ideia de quadrado quadrada o que por conseguinte natildeo implica

necessariamente que a forma do indeterminado seja ela tambeacutem indeterminada Muito pelo

contraacuterio Soacutecrates insiste em sua determinaccedilatildeo Assim ela nos esclarece

O α privativo significa que o termo que ele prefixa natildeo pode e nem sequer deseja receber seu contraacuterio Ele natildeo conota uma simples negaccedilatildeo loacutegica mas uma recusa do termo contraacuterio uma exclusatildeo dinacircmica O termo apeiron recupera essa semacircntica ele natildeo eacute a simples ausecircncia de qualquer determinaccedilatildeo (entatildeo impensaacutevel) ele a recusa a transgressatildeo perpeacutetua de qualquer determinaccedilatildeo transgressatildeo que natildeo se realiza de qualquer modo mas sempre da mesma maneira por excesso e por falta (DIXSAUT 2001 p 313)

Parece ser necessaacuterio se atentar ao estatuto que o π δλκθ adquire a partir de entatildeo

No caso da passagem do meacutetodo divino lidaacutevamos com uma multiplicidade indeterminada e

que passa a uma espeacutecie de multiplicidade determinada ndash mas ela ainda natildeo eacute uma espeacutecie

de gecircnero indeterminado No caso do π δλκθ estamos lidamos com umaΝ ldquo()

iὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁΝὁὀtὁlὁgiἵamἷὀtἷΝ iὀiἵialΝἷΝὀatildeὁΝmaiὅΝἶialἷtiἵamἷὀtἷΝ tἷὄmiὀalΝ (έέέ)rdquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝ

2001 p 315) Esse π δπκθ (gecircnero do indeterminado) natildeo deve nada a dialeacutetica ele nem

ὅἷὃuἷὄΝὧΝumaΝldquoἵὁiὅardquoΝmaὅΝumΝtiὂὁΝἶἷΝἶἷviὄΝὃuἷΝὅὁfὄἷΝaἵὄὧὅἵimὁΝἷΝἶimiὀuiὦatildeὁέΝEacuteΝaΝὀatuὄἷὐaΝ

propriamente desse devir que devemos comeccedilar a caracterizar que somos forccedilados a

desigὀaὄέΝ ἑaὅὁΝaΝ iὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁΝ ὅἷjaΝ iὀiἵialΝ ἷlaΝ ἷxigiὄὠΝ aΝ ldquoὂὄimἷiὄaΝ maὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝ ἷΝ ὀatildeὁΝaΝ

ὅἷguὀἶaέΝἏΝὅἷguὀἶaΝiὄὠΝldquoiὀfὁὄmaὄrdquoΝἷmΝumΝgecircὀἷὄὁΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶaΝimὂὁὅiὦatildeὁΝἶὁΝὀήmἷὄὁΝἷΝἶaΝ

estrutura essa unidade indeterminada iraacute reuni-la em um gecircnero o gecircnero do ilimitado A

ὂὄimἷiὄaΝmaὃuiὀaὦatildeὁΝὂaὄtἷΝἶἷΝumaΝὂluὄaliἶaἶἷΝiὀfiὀἶaΝἷΝldquoaἴaὀἶὁὀardquoΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶἷΝumΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝ

dialeacutetico aquelas que natildeo lhe interessam Jaacute o procedimento dialeacutetico que consiste em reunir

o π δλκθ ἷmΝumΝὅὰΝgecircὀἷὄὁΝliἶaΝἵὁmΝἷὅὂὧἵiἷὅΝἶἷΝldquoἵὁiὅaὅrdquoΝὃuἷΝὅatildeὁΝnaturalmente ilimitadas

ontologicamente as quais devemos reunir em um gecircnero Como observa Dixsaut

A ilimitaccedilatildeo eacute proacutepria de determinadas gecircneses de determinados processos Jaacute natildeo se trata mais de uma pluralidade indefinida de unidades discriminadas (todas aquelas que durante umaΝἶiviὅatildeὁΝὂὁvὁamΝὡΝ ldquoἷὅὃuἷὄἶardquoΝὂὁὄὃuἷΝaὅΝdeixamos sem as dividir e todas aquelas residentes nessas uacuteltimas espeacutecies ὁἴtiἶaὅΝὂἷlaΝἶiviὅatildeὁΝaὅΝὃuaiὅΝὀὰὅΝldquoἶiὐἷmὁὅΝaἶἷuὅrdquoΝmaὅΝἶἷΝumΝmὁvimἷὀtὁΝἶἷΝ tὄaὀὅgὄἷὅὅatildeὁΝ ὂἷὄὂὧtuaΝ ἶἷΝ ὃualὃuἷὄΝ limitἷΝ ὂὁὄΝ ἷxἵἷὅὅὁΝ ὁuΝ ὂὁὄΝ faltaΝ (ldquoὁΝilimitado o mais e o menos faria desaparecer a quantidade definida 24c) (2001 p 315-316)

171 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

Podemos resumir em um quadro como bem observa Dixsaut (2001 p 315) as duas

situaccedilotildees contraacuterias as quais o dialeacutetico enfrenta quando se depara com π δλκθ

1ordf Situaccedilatildeo

(Primeira Maquinaccedilatildeo)

2ordf Situaccedilatildeo

(Segunda Maquinaccedilatildeo)

- o dialeacutetico parte de unidade

indeterminada

- ele a divide em uma multiplicidade

determinada

- da qual ele deixa escapar uma

multiplicidade quantitativamente

indeterminada

- O dialeacutetico parte de uma entidade

abrangente do gecircnero indeterminado

- e a impotildee uma estrutura e a constitui em

uma multiplicidade determinada

- que ele pode entatildeo unificar em uma unidade

determinada

Quadro 01- As duas maquinaccedilotildees relativas ao ἄπειρον (adaptado)

(DIXSAUT 2015 p 315)

No lado oposto a isso dito anteriormente temos o gecircnero do limite (πΫλαμ) no qual

devemos colocar o igual e a igualdade ( κθΝεα σ β α)ΝὁΝἶuὂlὁΝ( δπζΪ δκθ)ΝἷΝldquo(έέέ)ΝtuἶὁΝὃuἷΝ

ὧΝὄἷlaὦatildeὁΝἶἷΝὀήmἷὄὁΝaΝὀήmἷὄὁΝὁuΝἶἷΝmἷἶiἶaΝaΝmἷἶiἶaΝ(έέέ)rdquoΝ(ldquoεα π θΝ δπ λΝ θΝπλ μΝ λδγη θΝ

λδγη μΝ ηΫ λκθΝᾖ πλ μΝ ηΫ λκθrdquo)Ν (ἀἃaἅ-b2) Sobre o terceiro gecircnero se diz que ele eacute a

miὅtuὄaΝ( η δε θ)ΝἶὁὅΝἶὁiὅΝὂὄimἷiὄὁὅ233 (25b5-6) Soacutecrates reconhece a passagem breve

que a discussatildeo faz ao tratar do limite e a ausecircncia de maiores especificaccedilotildees sobre o gecircnero

do limite ele apenas diz logo depois em 25d6-ἅΝὃuἷΝaΝldquofamiacuteliardquoΝἶὁΝlimitἷΝtamἴὧmΝἶἷvἷΝὅἷὄΝ

reunida assim como fizeram com o ilimitado tornando-o uma unidade Novamente se afirma

que a introduccedilatildeo do nuacutemero ( λδγη θ)ΝὀaὅΝἵὁiὅaὅΝὃuἷΝὅatildeὁΝἶuὂlaὅΝ iguaiὅΝ( θΝ κ κυΝεα

δπζα έκυ)ΝὂὴἷmΝfimΝὀaὅΝἵὁiὅaὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝ( δαφσλπμ)ΝmutuamἷὀtἷΝὁὂὁὅtaὅΝ( ζζβζαΝ θαθ έαΝ

δαφσλπμΝ ξκθ α)Νtὁὄὀaὀἶὁ-aὅΝἵὁmἷὀὅuὄaἶaὅΝ( τηη λα)ΝἷΝἵὁὀὅὁaὀtἷὅΝ( τηη λα)234 (25e1-

233 ἥὰἵὄatἷὅΝὀὁvamἷὀtἷΝὄἷἵὁὄὄἷΝaὁΝldquoἶiviὀὁrdquoΝὀἷὅtἷΝὂaὅὅὁΝ(ἀἃἴ)Ν iὀἶiἵaὀἶὁΝὃuἷΝἷlἷΝ tὁὄὀaὄὠΝὂὁὅὅiacutevἷlΝaΝcompreensatildeo de ambos os dialogantes acerca da natureza do misto que requer a introduccedilatildeo da ordem pelo nuacutemero ( λδγη θ) (25e2) A meu ver essa passagem mais uma vez indica proximidade mas natildeo semelhanccedila visto que agora a multiplicidade adquire o estatuto de gecircnero e o dialeacutetico deveraacute lidar com a indeterminaccedilatildeo em um sentido geneacuterico diferentemente da passagem inicial sobre o um e o mήltiὂlὁΝἷὅtaΝὃuἷΝtἷmΝἵὁmὁΝὄἷὅultaὀtἷΝaΝἷxὂὁὅiὦatildeὁΝἶὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝhἷὄἶaἶὁΝἶὁὅΝaὀtigὁὅΝὃuἷΝἵὁmὁΝdissemos eacute herdada dos pitagoacutericos do quinto seacuteculo 234 Eacute necessaacuterio atentar que o limite difere da mistura natildeo podemos tomaacute-lo como sinocircnimo ao nuacutemero o nuacutemero possibilita a introduccedilatildeo do limite nas coisas iguais duplas mas ele natildeo deixa tambeacutem de ter muitos gecircneros como nos diraacute Soacutecrates em 26d diante da inquietaccedilatildeo e Protarco que natildeo entende

172 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ἀ)έΝ ἓxἷmὂlὁὅΝ ἶἷὅtaὅΝ miὅtuὄaὅΝ ἶἷὅὅἷὅΝ iὀtἷὄἵuὄὅὁὅΝ ἶὁὅΝ ὃuaiὅΝ ὄἷὅultamΝ ἵἷὄtaὅΝ ldquogἷὄaὦὴἷὅrdquoΝ

(ΰ θΫ δμ) a sauacutede que eacute engendrada a partir da imposiccedilatildeo da medida a muacutesica produzida a

partir da justaposiccedilatildeo de grave agudo raacutepido e lento as estaccedilotildees do ano que regulam o

inverno rigoroso e o calor sufocante esse e os demais satildeo exemplos dessa combinaccedilatildeo

correta que estando presente remove o demasiado excessivo e o ilimitado produzindo o que

tem medida e o comensuraacutevel (25e3-26a8)

Soc Quando as coisas ilimitadas e aquelas que tecircm limite tecircm intercurso ( ξσθ πθΝ υηη δξγΫθ πθ) natildeo eacute delas que nascem as estaccedilotildees e todas as coisas que para noacutes satildeo belas ( αΝεαζ πΪθ αΝ ηῖθΝΰΫΰκθ ) Prot Como natildeo Soc Sem falar eacute claro em incontaacuteveis outras coisas tais como a beleza (εΪζζκμ) e o vigor ( ξτθ) que acompanham a sauacutede e nas almas tantas outras coisas perfeitamente belas (εα θΝ ουξαῖμΝ α πΪηπκζζαΝ λαΝ εα πΪΰεαζα) E essa deusa ( γ σμ) belo Filebo ( εαζ Φέζβί ) percebendo o excesso ( ίλδθ) e a superabundacircncia de maldade em todas as coisas (εα

τηπα αθΝπΪθ πθΝπκθβλέαθΝα βΝεα δ κ α) e percebendo que natildeo havia nelas limite nem dos prazeres nem das saciedades (πΫλαμΝ κ Ν κθ θΝκ θΝκ Νπζβ ηκθ θΝ θ θΝ θΝα κῖμ) colocou nelas lei (θσηκθ) e ordem ( Ϊιδθ) ndash aquilo que daacute limite (πΫλαμΝ ξκθ ᾽ γ κ) e enquanto tu dizes que ela os corrompe eu pelo contraacuterio digo que ela os salva (εα η θΝ

πκεθαῖ αδΝφ μ α άθΝ ΰ κ θαθ έκθΝ πκ αδΝζΫΰπ) E a ti Protarco como te parece (26b1-c2)

Estatildeo apresentados os trecircs gecircneros Protarco apenas compreende dois deles o limite

e o ilimitado permanecendo em duacutevida acerca do gecircnero misto (26c5-7) Soacutecrates por sua

vἷὐΝἷxὂliἵaΝὃuἷΝἷὅὅaΝldquoiὀἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁrdquoΝὅἷΝἶἷvἷΝὡΝldquoὂluὄaliἶaἶἷrdquoΝἶἷὅὅaΝ tἷὄἵἷiὄaΝgἷὄaὦatildeo ou

seja o misto o proacuteprio ilimitado foi tomado como unidade mas natildeo apenas como uma

unidade mas como vaacuterias unidades vaacuterios gecircneros tornados um marcados pelo sinal do

mais e do menos mas foram transpostos esses vaacuterios gecircneros em vaacuterios um235 Como

tambeacutem aconteceu com o limite (26c8-d5) Esse terceiro gecircnero surge tambeacutem como uma

ldquogἷὄaὦatildeὁΝ ἷmΝ ἶiὄἷὦatildeὁΝ aὁΝ ὅἷὄΝ (ΰΫθ δθ μ κ έαθ)236rdquoΝ ὂὄὁἶuὐiἶὁΝ aΝ ὂaὄtiὄΝ ἶaΝ imὂὁὅiὦatildeὁΝ ἶaὅΝ

medidas que acompanham o limite ele eacute tambeacutem uma unidade (26d7-9)

ἴἷmΝἷmΝὃuἷΝmἷἶiἶaΝὁΝ limitἷΝὅἷΝἶifἷὄἷὀἵiaΝἶὁΝ tἷὄἵἷiὄὁΝgecircὀἷὄὁΝ(ὁΝἶaΝmiὅtuὄa)ΝἷlἷΝἶiὄὠμΝ ldquomaὅΝὁΝ limitἷΝtambeacutem tinha muitos gecircneros e nem por isso ficamos descontentes por ele natildeo ser um ὂὁὄΝὀatuὄἷὐardquoΝ(ldquoεα η θΝ σΝΰ ΝπΫλαμΝκ Νπκζζ ξ θΝκ ᾽ υ εκζαέθκη θΝ μΝκ εΝ θΝ θΝφτ δrdquo)Ν(ἀἄἶἂ-5) Tambeacutem em 25e1-ἀΝἥὰἵὄatἷὅΝutiliὐaΝldquoὃuaὀtaὅrdquoΝ( πσ β)ΝὀὁΝὂluὄalΝaὁΝfalaὄΝὅὁἴὄἷΝὁΝlimitἷμΝldquoὡΝἶὁΝigualΝἷΝἶὁΝἶuὂlὁΝe quantas sejam aquelas que ao introduzir o nuacutemero potildeem fim agraves ἵὁiὅaὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝ(έέέ)rdquoέ 235 Dixsaut (2001) diz que jaacute na primeira parte ao π δλκθ eacute conferido dois sentidos seja aquele que caracteriza quantitativamente uma multiplicidade ( π δλκθ πζ γκμ πζβγ δ) seja aquele que constitui um gecircnero Toda a realidade enquanto um devir sofre acreacutescimo e diminuiccedilatildeo passa necessariamente pelo mais e pelo menos Primeiramente afirma a teoacuterica o π δλκθ estrutura dialeticamente eacute esse o seu sentido num primeiro momento mas jaacute nesse momento da divisatildeo quaacutedrupla ele passa a ser gecircnero e adquire como tal um status ontoloacutegico (DIXSAUT 2001 p 314) 236 Pradeau (2002) antecipa 54a-c ao tratar do sentido de ΰΫθ δθ μ κ δαθ que aparece primeiramente ἷmΝἁίἶἆίμΝldquo(έέέ)ΝaΝὄἷaliἶaἶἷΝἶἷΝumaΝἵὁiὅaΝaὃuiΝἶἷὅigὀaΝὅuaΝὀatuὄἷὐaΝde forma axioloacutegica eacute em funccedilatildeo

173 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

Resta ainda o quarto gecircnero a ser examinado Torna-se necessaacuterio uma causa ( δέ

δθα α έαθ) para que todas as coisas que venham a ser venham a ser por meio desta causa

(26e1-4) Falar de causa eacute falar de um produtor (πκδκ θ κμ) que significa contudo falar de

uma mesma coisa (26e7-8) O que estaacute subordinado agrave causa eacute aquilo que eacute produzido

(πκδκτη θκθ) aquilo que vem a ser em virtude dessa mesma causa ou desse mesmo

produtor Esses sim causa e devir ὅatildeὁΝ ἶifἷὄἷὀtἷὅέΝ ἜὁgὁΝ ὅἷὄὠΝ ἵhamaἶὁΝ ldquoaὄtἷὅatildeὁrdquo

( βηδκυλΰκ θ) de todas as coisas ( πΪθ α) aΝἵauὅaμΝldquo(έέέ)ΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝὁΝὃuaὄtὁΝ[gecircὀἷὄὁ]Ν

ὧΝaΝἵauὅaΝἶaΝmiὅtuὄaΝἷΝἶaΝgἷὄaὦatildeὁΝὅἷὄiaΝtὁἵaὄΝumaΝὀὁtaΝἶiὅὅὁὀaὀtἷςrdquoΝ(ἀἅἴἅ-c1) Eacute o que diz

Soacutecrates e Protarco assente dizendo que natildeo faz todo sentido nomear o artesatildeo como a

causa

Logo apoacutes concluir a apresentaccedilatildeo dos quatro gecircneros o proacuteximo ponto seraacute a

retomada da discussatildeo do segundo precircmio no ranking geral dos candidatos ao posto de bem

Soacutecrates reafirma como vitoriosa nessa colocaccedilatildeo em primeiro lugar a vida mista de prazer

e pensamento (θδε θ αΝη θΝ γ ηΫθΝπκυΝ θΝη δε θΝίέκθΝ κθ μΝ Νεα φλκθά πμ) (27d1-2)

Fica mais claro deste modo a que tipo de gecircnero essa vida pertence Nos diz Soacutecrates (27d7-

10) que ela natildeo eacute apenas a mistura de duas coisas mas eacute a mistura de todas as coisas

ilimitadas encadeadas pelo limite (κ ΰ λΝ υκῖθΝ δθκῖθΝ δΝηδε μΝ ε ῖθκμΝ ζζ υηπΪθ πθΝ

θΝ π έλπθΝ π κ πΫλα κμ) Soacutecrates interroga Filebo sobre qual gecircnero de vida

pertenceria a vida de prazer sem mistura mas ele sequer abre caminho para a resposta O

fato eacute que essa vida unicamente de prazer jaacute fora demonstrada como impossiacutevel e ateacute

inelegiacutevel por uma vida que se diga humana (27e1-4)

Eacute por isso que Soacutecrates iraacute dizer que o prazer e a dor ( κθ εα ζτπβ) fazem parte

dessas coisas ὃuἷΝὄἷἵἷἴἷmΝldquoὁΝmaiὅΝἷΝὁΝmἷὀὁὅrdquoΝ( θΝ η ζζσθΝ Νεα κθΝ ξκηΫθπθ) e

elas natildeo tecircm um limite Filebo volta a se manifestar no diaacutelogo para novamente afirmar que o

disso que ela deve ser (conforme sua natureza) que a coisa eacute dissolvida ou reconstituiacuteda e experimenta ἶἷὅὅἷΝmὁἶὁΝumaΝἶὁὄΝὁuΝumΝὂὄaὐἷὄrdquoΝ(ὂέΝἀἄίΝὀέΝ11ἃ)έΝἓὅὅἷΝtἷὄmὁΝὧΝumΝἶὁὅΝtἷὄmὁὅΝmaiὅΝldquoὂὄὁἴlἷmὠtiἵὁὅrdquoΝdo Filebo e usado pelὁὅΝὄἷviὅiὁὀiὅtaὅΝὂaὄaΝἶἷfἷὀἶἷὄἷmΝὃuἷΝhὠΝumaΝldquoὀὁvaΝὁὀtὁlὁgiardquoΝὀὁΝFilebo e que ela substitui o papel das Formas na filosofia platocircnica Carone (2008) explica essa dificuldade e apresenta alguns argumentos que contestam a visatildeo revisionista (i) κυ α e θαδ natildeo se prestam unicamente no corpus para se referirem agraves Formas podem designar algo mais simploacuterio como realidade existecircncia aplicaacutevel a qualquer tipo de ser (ii) haacute uma distinccedilatildeo clara no Filebo entre o mero vir-a-ser (ΰδΰθση θα 24e7-8) relacionado ao π δλκθ que progride sempre nunca repousando sem ὀἷὀhumaΝἷὅtaἴiliἶaἶἷΝἷΝaΝldquogἷὄaὦatildeὁΝἷmΝviὅtaΝἶὁΝὅἷὄrdquoΝἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵὁΝἶἷΝἵὁmἴiὀaὦὴἷὅΝgἷὀuiacuteὀaὅΝἷΝἷὅὅaΝresulta quando eacute transmitida ao π δλκθ uma orientaccedilatildeo teleoloacutegica atraveacutes do limite (πΫλαμ) (iii) Em 53c-ἃἂἶΝtἷmὁὅΝumaΝaἴὁὄἶagἷmΝὃuἷΝatἷὅtaΝumaΝldquoἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝmaiὅΝamὂlaΝἶἷΝὅἷὄrdquoΝὁΝἵὁὀtὄaὅtἷΝatὧΝἷὀtatildeὁΝἷὅtὄitὁΝἷὀtὄἷΝgecircὀἷὅἷΝἷΝὅἷὄΝiὀἵluiΝumaΝὀὁὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝἷΝὄἷὅultaἶὁΝldquoΝ(έέέ)ΝὀaΝὃualΝἷὅtἷΝήltimὁΝpode ser visto como uma combinaccedilatildeo que representa a meta ἶὁΝὂὄὁἵἷὅὅὁrdquoΝ(ἑἏἤἡἠἓΝἀίίἆΝὂέΝ1ἂἅ)Ν(iv) Ser eacute tratado em 53c-54d como uma noccedilatildeo axioloacutegica isto eacute como algo que pertence agrave categoria do bem aquilo por cujo motivo acontece a geraccedilatildeo logo o universo sensiacutevel possui ser natildeo soacute porque eacute estaacutevel em algum sentido (estrutura matemaacutetica que forma a base da aparecircncia) e por isso inteligiacutevel mas tambeacutem na medida em que essa ordem e essa estrutura constituem um fundamento de sua excelecircncia (CARONE 2008 p144-149) Ver sobre isso o importante artigo de Igleacutesias do qual destaco as concepccedilotildees fundamentais sobre o termo problemaacutetico supracitado (2007 p 108-112) sobre aΝὄἷlaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝaΝὁὀtὁlὁgiaΝἷΝldquomἷtὄὧtiἵardquoΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝὃuἷΝὅἷguἷΝὀἷὅὅaΝmἷὅmaΝἶiὄἷὦatildeὁέ

174 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

prazer natildeo seria totalmente bom (π θ ΰαγ θ) caso natildeo fosse naturalmente ilimitado

( π δλκθ π φυε μ) tanto em quantidade quanto em intensidade (πζ γ δ εα η ζζκθ) (27e6-

8) Sendo assim Soacutecrates nega essa identificaccedilatildeo total do bem com o prazer assim como da

dor com o mau (28a1-3) Eacute preciso entatildeo considerar que o ilimitado dos prazeres pode

ὄἷἵἷἴἷὄΝumΝlimitἷΝὃuaὀἶὁΝiὀἵluiacuteἶὁΝὀaΝviἶaΝmiὅtaΝὂὁἶἷὀἶὁΝἷὀtatildeὁΝὄἷἵἷἴἷὄΝumaΝldquoὂaὄtἷΝἶὁΝἴἷmrdquoΝ

( ηΫλκμ ΰαγκ 28a3) A imposiccedilatildeo do limite que eacute gerado pela constituiccedilatildeo da vida mista

torna possiacutevel que o prazer tome parte no bem

Fica mais claro o projeto de Soacutecrates para romper com tal identificaccedilatildeo (bemprazer)

quando se nota sua vigorosa insistecircncia em atribuir agrave inteligecircncia (θκ θ) ao pensamento

(φλσθβ δμ) e ao conhecimento ( πδ άηβθ) o segundo precircmio colocando-os no gecircnero da

ἵauὅaΝ(ἀἆa)έΝἥὰἵὄatἷὅΝἷvὁἵaΝaὅΝὁὂiὀiὴἷὅΝἶὁὅΝldquoὅὠἴiὁὅrdquoΝἶὁΝὂaὅὅaἶὁrdquoΝ(εαγΪπ λ κ πλσ γ θ η θ

ζ ΰκυ)ΝἶἷΝὃuἷΝldquoaΝ iὀtἷligecircὀἵiaΝἷΝἵἷὄtὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁ ὅuὄὂὄἷἷὀἶἷὀtἷrdquoΝ (θκ θ εα φλσθβ δθ δθα

γαυηα θ) coordena e dirige ( υθ Ϊ κυ αθΝ δαευί λθ θ) o conjunto de todas as coisas do

universo ( τηπαθ αΝεα σ Ν εαζκτη θκθΝ ζκθ) (28c6-28d9) Ela natildeo apenas ordena a

iὀtἷligecircὀἵiaΝ ldquoὁὄἶἷὀaΝ ἴἷlamἷὀtἷΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅrdquoΝ ( θκ θΝ πΪθ αΝ δαεκ η ῖθ) nos diraacute

Protarco (28e1-6) Podemos contemplar tal ordem nos astros das oacuterbitas celestes (28e4-6)

na ordem dos elementos mateacuterias que compotildeem os corpos dos animais (29a8-10) e na

proacutepria composiccedilatildeo do universo (29e1-ἁ)έΝἑἷὄtamἷὀtἷΝἶἷὅtἷΝmὁἶὁΝὧΝὃuἷΝldquoὁΝgecircὀἷὄὁΝἶaΝἵauὅaΝ

estaacute presente em tὁἶaὅΝaὅΝἵὁiὅaὅrdquoΝ(ldquo μΝα έαμΝΰΫθκμ θΝ πα δΝ Ϋ αλ κθΝ θσθΝ κ κΝ θΝη θΝ

κῖμΝ παλ᾽ ηῖθrdquo)Ν (ἁίa1ί-ἴ1)έΝ ἡὄaΝ ὀὁὅΝ ἶiὐΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ aΝ ldquoὅaἴἷἶὁὄiaΝ ἷΝ aΝ iὀtἷligecircὀἵiaΝ jamaiὅΝ

ὂὁἶἷὄiamΝὅἷΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝὅἷmΝalmardquoΝ(ldquo κφέαΝη θΝεα θκ μΝ θ υΝουξ μΝκ εΝ θΝπκ Νΰ θκέ γβθrdquo)Ν

(30c9-10) noacutes temos alma e o universo tambeacutem tem uma alma A alma do universo ao que

tudo indica eacute a causa inteligente de sua ordem assim como a alma humana eacute causa

inteligente da ordem da vida boa (PAULA 2016 p 265) O argumento centrado no quarto

gecircnero e a consequente inclusatildeo da inteligecircncia nesse gecircnero se tornou um importante

ldquoaliaἶὁrdquoΝ ὂaὄaΝ ὃuἷΝ ἷὅὅaΝ ήltimaΝ ὂuἶἷὅὅἷΝ ὁἴtἷὄΝ ὁΝ ὅἷguὀἶὁΝ ὂὄecircmiὁΝ (ἁίἶἄ-e3) A inteligecircncia

demonstrou toda a sua potecircncia ( τθαηδθ) a partir da sua pertenccedila (evidenciada) no gecircnero

da causa (31a1-3)

Da mesma forma veio agrave luz o gecircnero do prazer (31a5) e Soacutecrates resume

Lembremos tambeacutem entatildeo sobre ambos o seguinte a inteligecircncia eacute aparentada agrave causa e pode ser dita do mesmo gecircnero ( δΝθκ μΝη θΝα έαμΝ θΝ

υΰΰ θ μΝεα κτ κυΝ ξ θΝ κ ΰΫθκυμ) mas o prazer eacute ele mesmo ilimitado ( κθ π δλσμΝ Να ) e do gecircnero que natildeo tem e natildeo teraacute jamais em si e por si mesmo nem comeccedilo nem meio e nem fim (εα κ ηά Ν λξ θΝηά ΝηΫ αΝηά Ν ΫζκμΝ θΝα φ᾽ αυ κ ξκθ κμΝηβ ικθ σμΝπκ ΝΰΫθκυμΝ(ἁ1aἅ-10)

175 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

Eacute imprescindiacutevel no contexto da exposiccedilatildeo dessa ontologia quaacutedrupla perceber o

duplo movimento realizado por Soacutecrates Tendo sido demonstrado que uma vida unicamente

de prazer seria um extremo proacuteximo agrave inferioridade animal e que uma vida unicamente de

conhecimento de permanecircncia de estabilidade de pensamento puro a mais divina possiacutevel

satildeo ambas impossiacuteveis e inelegiacuteveis no contexto da vida humana que soacute poderaacute ser uma vista

mista de prazer e conhecimento haacute um avanccedilo maior a partir da exposiccedilatildeo do argumento

cosmoloacutegico contido caracteriacutestico dessa ontologia quaacutedrupla A natureza dessa vida mista

humana possui como condiccedilatildeo necessaacuteria para a realizaccedilatildeo desse ηδε σθ (mistura) a

introduccedilatildeo do limite no ilimitado realizada pelo Demiurgo de tudo aquilo que eacute produto de

gἷὄaὦatildeὁΝἶἷΝumaΝgἷὄaὦatildeὁΝὃuἷΝviὅaΝὁΝὅἷὄΝἷὅὅaΝldquogἷὄaὦatildeὁΝὂaὄaΝὁΝὅἷὄrdquoΝ(ΰΫθ δθ μ κ δαθ) Deste

modo tambeacutem a vida humana eacute uma vida mista possiacutevel em virtude dessa inteligecircncia (causa

universal) e natildeo de uma inteligecircncia particular humana Insisto sobre esse ponto uma vida

ὃuἷΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝἶiὐἷὄΝἷmΝ tἷὄmὁὅΝἵὁὀtἷmὂὁὄacircὀἷὁὅΝ ldquoἴiὁlὁgiἵamἷὀtἷΝὅatiὅfatὰὄiardquoΝmaὅΝἷὅὅaΝ

justificaccedilatildeo natildeo pode ser compreendida de forma meramente fisioloacutegica sim em uma

concepccedilatildeo cosmoloacutegica universal num sentido grego lato

EacuteΝὂὄἷἵiὅὁΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶἷὅὅaΝldquomiὅtuὄardquoΝὃuἷΝaὃuiΝὀἷὅtaΝὂaὅὅagἷmΝὂὄἷἵἷἶἷΝ

o sentido eacutetico pois esse uacuteltimo sentido eacute sustentado eacute interdependente desse sentido

cosmoloacutegico Nesse uacuteltimo sentido toda vida humana eacute boa porque a causa inteligente assim

nos constitui mediante as potencialidades dessa nossa alma humana tal como o universo eacute

constituiacutedo por uma Alma que dispotildee todas coisas de uma forma bela (εαζ 26b1-3) A

distinccedilatildeo entre uma vida boa eacutetica e uma boa vida cosmoloacutegica nunca eacute feita soacute podemos

utilizaacute-laΝἶἷΝumaΝfὁὄmaΝldquoἶiἶὠtiἵardquoΝὂaὄaΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄmὁὅΝἷὅὅaΝtὄaὀὅiὦatildeὁΝἶiὄἷtaΝἶἷΝumΝὅἷὀtiἶὁΝ

ao outro o que natildeo diz respeito a uma atitude peculiar de Platatildeo que evoca o proacuteprio sentido

ἶἷΝumaΝviἶaΝἴὁaΝldquohὁliacuteὅtiἵardquoΝἷmΝὃuἷΝὀatildeὁΝfaὐΝtaὀtὁΝὅἷὀtiἶὁΝὅἷὂaὄὠ-los na visatildeo greco-platocircnica

Esse termo soa contemporacircneo mas como visto o proacuteprio Filebo se refere a tal concepccedilatildeo

eacute um atestado dessa compreensatildeo (Cf 28d5-9) Explica Carone (2008) que

() naturalmente temos o exemplo da vida boa como uma vida de combinaccedilatildeo de prazer e ordem () Mas todos esses exemplos e muitos outros (tais como beleza forccedila fiacutesica etc ()) representam casos particulares dentro de uma estrutura mais geral do universo (ouranos to pan cf 30a9-c7) do qual se diz que os constituintes satildeo maravilhosamente belos () e que tambeacutem e primariamente existe em virtude de uma combinaccedilatildeo de apeiron e peiras Na verdade se diz ser o corpo do mundo dotado de alma (empsuchon 30a6) e todas as coisas dotadas de alma (cf to epsuchon eidos) lemos em 32a9-b1 surgem como um resultado de apeiron e peras Assim parece que apeiron e peras estatildeo apropriadamente combinados natildeo soacute em coisas individuais mas tambeacutem no cosmos como um todo E porque peras eacute causa formal de excelecircncia numa combinaccedilatildeo podemos perceber como o universo possui excelecircncia de origem interior de um modo que

176 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ἵὁmἷὦaΝ aΝ ἷxὂliἵaὄΝ aΝ ἵὁὀἵἷὂὦatildeὁΝ ldquoἷlἷvaἶardquoΝ ἶὁΝ muὀἶὁΝ ὅἷὀὅiacutevἷlΝ ὂresente no diaacutelogo (p 143 grifos da autora)

O texto do Filebo nos permite dizer que uma certa e bela ordem nos eacute dada por meio

da inteligecircncia universal que dirige e coordena todas as coisas do cosmo mas um resiacuteduo

dessa ordenaccedilatildeo que compete ao homem realizaacute-la Essa combinaccedilatildeo (vida mista) eacute uma

combinaccedilatildeo que deve ser excelente tornar-se na medida do possiacutevel excelente por meio da

inteligecircncia particular dos indiviacuteduos

Natildeo se pode a meu ver confundir a atividade demiuacutergica como algo isolado

transcendente Esse θκ μ deve ser entendido naquilo que ele eacute causa eficiente e ele eacute

imanente tanto no universo quanto na composiccedilatildeo da vista mista humana A funccedilatildeo dessa

ldquoiὀtἷligecircὀἵiardquoΝ ὧΝ ἵὁmὂὁὄΝ ἴὁaὅΝ miὅtuὄaὅΝ uὀivἷὄὅaiὅ ou particulares por isso no Filebo

diferentemente do Timeu (28c3 29a3) se utiliza o termo βηδκυλΰκ αφλκθ (27b1 26e6-8

ἀἅaἃ)Ν ὀὁΝ ὀἷutὄὁΝ ὀὁΝ lugaὄΝ ἶἷΝ ldquoἵὄiaἶὁὄrdquoΝ ( ηδκυλΰσμ) no singular masculino assim como

tambeacutem no Filebo essas combinaccedilotildees satildeo combinaccedilotildees particulares realizadas em um todo

sem alusatildeo clara agrave geraccedilatildeo do cosmos em sua totalidade Assim por mais que o limite (πΫλαμ)

informe essa combinaccedilatildeo ou melhor seja a causa formal da mistura a explicaccedilatildeo eficiente

dessa estrutura cosmoloacutegica misturada proveacutem da inteligecircncia desse θκ μ Como nos diz

ἑaὄὁὀἷΝ(ἀίίἆ)ΝldquoὅἷΝὧΝaὅὅimΝtἷmὁὅΝὄaὐatildeὁΝὂaὄaΝὅuὅὂἷitaὄΝἶἷΝalgumΝtiὂὁΝἶἷΝiὀtἷὄἶἷὂἷὀἶecircὀἵiaΝ

mἷὀtἷήἵὁὄὂὁΝmἷὅmὁΝὀumΝὀiacutevἷlΝἵὰὅmiἵὁΝ(έέέ)rdquoΝ(ὂέΝ1ἃί)έ

No contexto da discussatildeo sobre uma vida boa e consequentemente uma vida feliz o

aspecto cosmoloacutegico eacute levado em conta por Soacutecrates ao estabelecer um paralelismo entre

inteligecircncia humana e coacutesmica entre micro e macro-cosmo Penso que aqui o propoacutesito natildeo

seja demarcar estritamente uma assimetria ou mesmo oposiccedilatildeo entre um e outro mas a

anaacutelise do argumento cosmoloacutegico deve ser cuidadosa porque dada oposiccedilatildeo natildeo nos traria

resultados proveitosos em se tratando de uma compreensatildeo acertada sobre a passagem237

Devemos antes de tudo compreender esse paralelismo feito por Soacutecrates no contexto

da discussatildeo maior acerca da vida boa Ora o condutor da discussatildeo talvez esteja afirmando

que o universo possui uma mente coacutesmica que opera essas misturas de uma forma excelente

que governa dirige e preserva a boa ordem de todas coisas que mistura belamente Dito isso

o paralelismo passa a ser estabelecido entre esse θκ μ coacutesmico e os organismos individuais

237 Sobre isso eacute possiacutevel ver a anaacutelise detalhada e a recomposiccedilatildeo do argumento por Carone (2008 p 152) que aborda com clareza que a interpretaccedilatildeo incorreta do paralelismo natildeo alcanccedila resultados satisfatoacuterios principalmente quando esse paralelismo eacute interpretado sob o ponto de vista da distinccedilatildeoseparaccedilatildeo da causa do mundo seja pela equivocada compreensatildeo rasa da relaccedilatildeo sensiacutevel-inteligiacutevel ou melhor entre teoloacutegico e fisioloacutegico A teoacuterica diz com toda clareza que o argumento desenvolvido na passagem eacute fiacutesico-teoloacutegico e natildeo somente teoloacutegico (no inteligiacutevel) ou somente fiacutesico (no plano sensiacutevel) ele eacute fiacutesico-teoloacutegico e ambos os planos de realidade (CARONE 2008 p 150-151)

177 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

(28c-29d) Ora se reconhecemos em noacutes a existecircncia de um corpo e esse corpo proveacutem do

corpo do universo tambeacutem em relaccedilatildeo a alma podemos pressupor o mesmo isto eacute que ela

proveacutem de uma alma universal e superior Eacute porque reside nessa alma (a coacutesmica) que essa

inteligecircncia (θκ μ) governa sempre o universo Logo natildeo se trata aqui de uma distinccedilatildeo niacutetida

entre sensiacutevelinteligiacutevel corpoalma caso defendecircssemos isso ou seja que a natureza da

causa o intelecto demiuacutergico estivesse aleacutem dessa interdependecircncia mente-corpo de tal

mὁἶὁΝὃuἷΝἷὅὅἷΝldquoZἷuὅΝὄὧgiὁrdquoΝ( δ μ ία δζδε θ 28d1-4) como eacute chamada a causa essa uacuteltima

estivesse aleacutem da alma perderiacuteamos a grandeza do paralelismo aqui estabelecido Sabedoria

e inteligecircncia nos diz Soacutecrates natildeo existem sem alma (Cf 30c-910) A alma do mundo assim

como a alma humana satildeo ambas princiacutepios de organizaccedilatildeo238 de sustentaccedilatildeo a causa

existe em todas as coisas o que sugere ainda mais inerecircncia da causa do que sua separaccedilatildeo

ontoloacutegica

Essa alma do mundo eacute singular mas sua tarefa ordenadora dirige-se agraves entidades

particulares das quais reconhecemos a natureza das coisas mais e belas e mais nobres em

porccedilotildees maiores no universo como nos astros celestiais Reconhecemos que essa beleza e

essa nobreza eacute fruto desse ordenamento dessa sustentaccedilatildeo que a inteligecircncia realiza nas

almas desses seres ou seja dessa geraccedilatildeo inteligiacutevel em direccedilatildeo ao ser Esse θκ μ que

realiza a combinaccedilatildeo no universo tem de ser a inteligecircncia na alma do mundo o θκ μ coacutesmico

Da mesma maneira ocorre em noacutes essa tarefa criadora e ordenadora excelentemente

realizada pela demiurgia que compotildee essa nossa natureza humana mista de prazer e

inteligecircncia na qual tambeacutem podemos reconhecer esse belo ordenamento (sauacutede

constituiccedilatildeo corpoacuterea adequada vigor fiacutesico etc) em menores porccedilotildees e que por vezes se

desfaz e novamente se restabelece ou seja esse θκ μ que possibilita que tenhamos uma

vida mista de acordo com essa proacutepria condiccedilatildeo (humana)

Contudo no caso dos seres humanos nem sempre alma e θκ μ coincidem pois nossa

alma possui outras capacidades psiacutequicas e fisioloacutegicas proacuteprias agrave nossa condiccedilatildeo natural

No caso do cosmos tambeacutem resultante dessa mistura de limite e ilimitado a identidade entre

θκ μ e alma eacute possiacutevel porque no inteligiacutevel esse ordenamento natural se conserva de forma

excelente diferentemente do caso humano A inteligecircncia coacutesmica natildeo permite que o caos se

instaure que o universo seja caoacutetico e desordenado Por isso Soacutecrates chamaraacute essa

inteligecircὀἵiaΝ ὃuἷΝ ὄἷὅiἶἷΝ ὀaΝ almaΝ humaὀaΝ ἶἷΝ ldquoὅaἴἷἶὁὄiaΝ ἵὁmὂlἷtaΝ ἷΝ vaὄiaἶardquoΝ (εα παθ κέαθΝ

κφέαθΝ πδεαζ ῖ γαδ 30b4) tendo em vista que ela nos possibilita muitos ganhos como a

238 ἑaὄὁὀἷΝ ἶiὐΝ ὅὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὃuἷμΝ ldquo(έέέ)Ν ὂἷὄmaὀἷἵἷΝ vἷὄἶaἶἷiὄὁΝ ὃuἷΝ ἷὅὅἷΝ vὁἵaἴulὠὄiὁΝ ἶifiἵilmἷὀtἷΝ ὅἷὄiaΝempregado por algueacutem que considera o corpo um mero acessoacuterio da alma como alguns entendem que sugerem os diaacutelogos intermediaacuterios de Platatildeo Em lugar disso a analogia macromicro cosmo pareceria ressaltar a presenccedila da alma no universo primordialmente como um princiacutepio de sua organizaccedilatildeo semelhante agrave alma em noacutes (agrave qual se diz que pertence a funccedilatildeo de ser um archecirc em Fil ἁἃἶ)rdquoΝ(ἀίίἆΝp 152)

178 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

sauacutede que se restaura pela medicina e pela ginaacutestica quando o corpo falha Mas no universo

em que a inteligecircncia coacutesmica tambeacutem produz constantemente essas misturas ela sempre

as faz de uma maneira legiacutetima com regularidade e sempre de forma excelente

Logo essa suposta inferioridade natildeo parece ser aqui justificada em vista dessa

distinccedilatildeo entre planos (sensiacutevelinteligiacutevel) porque no universo tambeacutem haacute corpos e corpos

com almas permitem serem ordenados belamente nem que a demiurgia seja algo

(transcendente) que esteja aleacutem da imanecircncia do mundo mas ela eacute causa eficiente que pela

introduccedilatildeo limite torna excelente qualquer mistura239 por isso a alternacircncia socraacutetica ao dizer

que a alma eacute coacutesmica e que a causa eacute θκ μ Jaacute no caso da vida humana mista somos

convocados a sempre voltarmos agrave essa constituiccedilatildeo originaacuteria a qual fomos destinados a vida

eacutetica boa eacute essa vida que realiza essa harmonizaccedilatildeo entre a finalidade coacutesmica estabelecida

pela inteligecircncia coacutesmica ao criar o homem (num sentido universalgeneacuterico) e a finalidade

estabelecida pela causa individual humana ou seja a inteligecircncia particular de cada indiviacuteduo

A vida humana destarte eacute sempre mista e isso Platatildeo jamais negou mas o que se

nega eacute que nem sempre ela eacute uma legiacutetima mistura agrave vista disso nem sempre boa (num

ὅἷὀtiἶὁΝὧtiἵὁ)έΝἏΝtaὄἷfaΝhumaὀaΝἵὁὀὅiὅtἷΝἷmΝumΝldquoafiὀamἷὀtὁrdquoΝὃuἷΝὄἷὃuἷὄΝumΝὄἷtὁὄὀὁΝὅἷmὂὄἷΝ

que possiacutevel a esse modelo originaacuterio belamente disposto pela inteligecircncia coacutesmica ou seja

agrave finalidade originaacuteria atribuiacuteda agrave alma humana pela inteligecircncia coacutesmica no momento de sua

criaccedilatildeo tarefa que deve ser realizada pela accedilatildeo humana e que consiste em conservar essa

originalidade que tem como paradigma como modelo a ordem universal coacutesmica O universo

possui uma organizaccedilatildeo interior na qual a inteligecircncia sempre cumpre da melhor maneira o

seu papel Noacutes tambeacutem possuiacutemos uma composiccedilatildeo natural dotada de intelecto devido agrave

presenccedila da alma e tambeacutem afetiva devido ao corpo uma organizaccedilatildeo interior mas perdemos

constantemente essa excelecircncia quando realizamos maacutes misturas na qual os ingredientes

natildeo satildeo bem dosados e corrompem nossa mistura (condiccedilatildeo) originaacuteria tornando-a

ἶἷὅὂὄὁviἶaΝἶἷΝtalΝἷxἵἷlecircὀἵiaΝὃuἷΝaΝldquoviἶaΝἵὰὅmiἵaΝuὀivἷὄὅalrdquoΝmaὀtὧmΝiὅtὁΝὂὁὅtὁΝἷlaΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝ

tὁmaἶaΝἵὁmὁΝὂaὄaἶigmaΝἵὁmὁΝmὁἶἷlὁΝὁuΝὀὁὅΝἶiὐἷὄἷὅΝὂlatὲὀiἵὁὅΝἵὁmὁΝaΝldquomaiὅΝἶiviὀardquoέΝ

O universo eacute um corpo um corpo dotado de alma com os mesmos elementos que

residem em noacutes em maiores porccedilotildees de quantidade (nos diz o Filebo em 30d-e) A diferenccedila

se encontra portanto na conservaccedilatildeo da ordem firmemente estabelecida no arranjo

(qualitativo) presente no universo que permanece fiel agrave sua finalidade originaacuteria240 Quanto ao

homem somos corpos corpos dotados de alma com os mesmos elementos do universo em

menores porccedilotildees (de quantidade) poreacutem natildeo conservamos nossa finalidade originaacuteria da

239 ἠatildeὁΝὃualὃuἷὄΝἵὁmἴiὀaὦatildeὁΝmaὅΝumaΝldquoἵὁὄὄἷtaΝἵὁmἴiὀaὦatildeὁrdquoΝ( λγ εκδθπθέμ) eacute louvada por Soacutecrates em 25e7 240 Soacutecrates diraacute em 30c3-ἄμΝldquo(έέέ)Νὀo universo haacute tanto excesso de ilimitado quanto suficiecircncia de limite e sobre eles uma causa natildeo inferior ordenado belamente e coordenando os anos as estaccedilotildees e os mἷὅἷὅΝὃuἷΝὂὁἶἷὄiaΝὅἷὄΝἵhamaἶaΝἵὁmΝtὁἶὁΝὁΝἶiὄἷitὁΝἶἷΝὅaἴἷἶὁὄiaΝἷΝἶἷΝiὀtἷligecircὀἵiardquoέ

179 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

criaccedilatildeo somos infieacuteis quanto agrave nossa constituiccedilatildeo originaacuteria Precaacuterios e ignoacutebeis realizamos

maacutes misturas e precisamos retomar por meio de nossa faculdade intelectiva individual a

busca pela conservaccedilatildeo dessa ordem belamente estabelecida e perdida a qual tornaria de

fatὁΝὀὁὅὅaΝviἶaΝὄἷalmἷὀtἷΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἡΝὃuἷΝὁΝFilebo deixaraacute claro a meu ver eacute que

essa nossa vida mista de prazer e inteligecircncia soacute poderaacute ser efetivamente boa quando a vida

particular humana se esforccedilar ao maacuteximo para adquirir a natureza de uma forma geneacuterica que

participa da Forma do Bem que eacute a uacutenica coisa boa de forma absoluta que eacute boa

ἷxἵἷlἷὀtἷmἷὀtἷΝἷΝὂὁὄΝiὅὅὁΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝἶἷὀὁmiὀaἶaΝἵὁmὁΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝὀὁΝὅἷὀtiἶὁΝἷὅtὄitὁέΝ

Cosmologia e eacutetica portanto permanecem conjugados e natildeo separados pois aquilo

a que todas as coisas aspiram sejam elas universais (cosmoloacutegicas) ou mesmo o proacuteprio

homem enquanto tambeacutem um desses seres presente no universo eacute o Bem e que na vida

humana permanece como a orientaccedilatildeo maior para que uma vida seja realmente uma vida

boa e como nos diz o Filebo deve ser buscado na vida mista entre prazer e conhecimento

Dito de outro modo o bem humano natildeo eacute este ou aquele bem mas uma vida boa a boa vida

humana A questatildeo que envolve o Filebo vai aleacutem de uma simples e faacutecil mistura essa eacute uma

das misturas mais relevantes porque trata de compreender a todo instante se uma vida tal

como ela eacute ela mesma se basta a si poacutepria O prazer teria essa ilusatildeo que o pensamento

denuncia mas nenhum nem outro nem prazer nem inteligecircncia devem ser tratados de forma

polarizada mas a eacutetica define-se por uma pergunta muito mais complexa a partir da

introduccedilatildeo da mistura que visa o bem O prazer eacute parte da vida boa seu fasciacutenio encanta

mas como introduzir algo ilimitado em si-mesmo naquilo que essencialmente por natureza eacute

limitado como eacute o caso da boa vida241

Quando o π δπκθ reina quem impera eacute o acaso e a necessidade ( υξ ιΝ

θΪΰεβμ)242 natildeo a ordem243 natildeo o planejamento e a inteligecircncia O universo natildeo eacute irracional

ambos dialogadores chegam a tal conclusatildeo muito pelo contraacuterio nele impera a ordem e a

regularidade de forma excelente Considerar o prazer como bem eacute dizer que nossa vida inteira

deve ser regulada em funccedilatildeo de algo que pertence ao gecircnero do π δλκθ o prazer eacute π δλκθ

ou seja passa pelo mais e pelo menos eacute pura geraccedilatildeo pura transgressatildeo que recusa a

imposiccedilatildeo do limite um devir e o devir torna-se mas natildeo eacute ser o prazer soacute se torna ser depois

da atividade dialeacutetica que o estrutura que o limita primeiramente em multiplicidade

241 NaὅΝἴἷlaὅΝὂalvὄaὅΝἶἷΝἐὁὅὅiμΝldquoἏΝvἷlhaΝὂaixatildeὁΝἶἷΝἑὠliἵlἷὅΝὄἷἷὀἵaὄὀaΝἷmΝἔilἷἴὁμΝὁΝἴὁmΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἷmΝseu caraacuteter ilimitado natildeo impedido sempre possiacutevel de ser levado um pouco mais adiante Talvez poderiacuteamos dizer que toda a eacutetica socraacutetico-platocircnica natildeo tem outro objetivo principal que desmascarar ἷὅtaΝatὄaἷὀtἷΝviὅatildeὁΝἷΝἶἷὅtὄuiὄΝaΝ faὅἵiὀaὦatildeὁΝὃuἷΝaΝὂἷὄὅὂἷἵtivaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝ ilimitaἶὁΝἷxἷὄἵἷΝὅὁἴὄἷΝὀὰὅrdquoΝ(2008 p 241) 242 (Cf Ti 46e5-6) 243 O termo desordem ( Ϊε πμ) aparece em 29a4 relacionado anteriormente com o acaso ( υξ cf 28d5-9 Ti 46e Lg 889c) pois Soacutecrates questiona a Protarco (28d5-7) se poderiacuteamos dizer que o universo eacute governado pela potecircncia do irracional ( ζσΰκυ) e de arbitrariedade e daquilo que acontece ὂὁὄΝaἵaὅὁΝ( θΝ κ ζσΰκυΝεα ε τθαηδθΝεα π υξ θ)έ

180 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

determinada e depois disso em uma unidade indeterminada que se denomina prazer mas

que satildeo vaacuterios prazeres244 O prazer ilimitado prescinde da accedilatildeo da inteligecircncia na

composiccedilatildeo da vida mista boa nesta ele soacute pode ser bom apoacutes essa imposiccedilatildeo do limite

pois essa vida para ser uma boa vida realmente deve saber dosar corretamente prazer e

inteligecircncia tendo como referecircncia o ordenamento executado pela inteligecircncia coacutesmica

universal a finalidade originaacuteria da sua criaccedilatildeo pela Inteligecircncia universal que se deu por meio

de sua alma (humana) ordenamento que agora deveraacute ser retomado e consiste propriamente

a uma accedilatildeo executaacutevel pelo proacuteprio homem Nos belos dizeres de Carone (2008)

()um importante contraste torna-se aparente aqui ao observarmos como num niacutevel coacutesmico a prevalecircncia do nous sobre o acaso a necessidade ou o ilimitado constitui um fato determinado e digno do aspecto dos ceacuteus (Fil 28e) Ao contraacuterio para os seres humanos isso natildeo eacute determinado cabe a noacutes optar por uma vida irracional de prazer excessivo ou entatildeo nos decidir a governaacute-la com nosso nous () Mas como podemos compreender nossas proacuteprias tendecircncias de modo que nos capacitemos a controlaacute-las melhor Como podemos alcanccedilar vidas humanas estavelmente felizes Eacute para esse tipo de problema eacutetico que a passagem cosmoloacutegica que estivemos discutindo serve para estabelecer o conhecimento de base apropriado uma vez que eacute igualmἷὀtἷΝ imὂὁὄtaὀtἷΝ aὂὄἷὀἶἷὄΝ ldquoὁΝ ὃuἷΝ ὧΝ ἴὁmΝ taὀtὁΝ ὀὁὅΝ ὅἷὄἷὅΝhumaὀὁὅΝἵὁmὁΝὀὁΝuὀivἷὄὅὁrdquoΝ(ἄἂa1-2) (p 157 grifos da autora)

Por fim vemos que mesmo aqui nessa fundamentaccedilatildeo cosmoloacutegica toda e qualquer

geraccedilatildeo tem como fim o bem por isso ela eacute (tanto no caso cosmoloacutegico quanto no caso eacutetico)

propriamente axioloacutegica tem em vista sempre o melhor o bom o bem e tudo o que eacute

consoante ao valor maior pelo qual todas as coisas anseiam como nos ficaraacute claro em 53-

54d

33 Prazer Conhecimento e Valor

Foi dito que a questatildeo do prazer na vida humana eacute tratada segundo as questotildees da

teleologia universal coacutesmica A vida boa se define pela sua finalidade Eacute isso que importa para

Platatildeo Antes do conteuacutedo da mistura da vida boa eacute preciso investigar qual forma este tipo

de vida deve tomar Eacute necessaacuterio delineaacute-la pois a partir disso seraacute possiacutevel ao indiviacuteduo

244 ἒixὅautΝ(ἀίί1)ΝἴἷmΝὁἴὅἷὄvaμΝldquoἒiὐἷὄΝἶἷΝalgὁΝἷΝὂaὄtiἵulaὄmἷὀtἷΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὃuἷΝἷlἷΝὅἷΝἷὀἵὁὀtὄaΝὀὁΝgecircnero do apeiron natildeo significa apenas devolver negativamente a ele qualquer limite mas determina-lo positivamente como uma espeacutecie de realidade capaz de recusar qualquer determinaccedilatildeo qualquer limite qualquer medida Era portanto necessaacuterio antes de submeter o prazer agrave anaacutelise refletir sobre a maneira de como lidar com uma realidade desse gecircnero comeccedilando por definir o gecircnero () A ilimitaccedilatildeo proacutepria ao prazer eacute essa ilimitaccedilatildeo dinacircmica essa recusa de qualquer quantidade determinada de qualquer medida e de qualquer fim Eacute a ela que o dialeacutetico deve impor nuacutemero e estrutura (aruthmos)rdquoΝ(ὂέΝἁ1ἂΝἁ1ἄ)έ

181 33 Prazer Conhecimento e Valor

atuar na composiccedilatildeo da mistura dosando corretamente os ingredientes que devem ser

incluiacutedos em tal composiccedilatildeo Primeiramente esse indiviacuteduo deve conhecer a forma dessa

vida a vida mista seu lugar na teleologia coacutesmica e posteriormente realizar a composiccedilatildeo

da vida mista boa concretizaacute-la atualizaacute-la Eacute a forma desta vida mista que determina o

conteuacutedo dessa boa vida mas essa vida deve ser capaz de atender agraves finalidades do εσ ηκ

O pensamento presente nesta foacutermula da vida boa consegue extrapolar a funccedilatildeo de

mero possibilitador da fruiccedilatildeo de prazeres do caacutelculo dos prazeres realizados pela memoacuteria

a inteligecircncia nos oferece outros atributos ela eacute capaz de conhecer a fundo essa mistura de

instaurar as finalidades mais amplas em nossa existecircncia concreta Todavia ela deve

exercitar-se a fim de conhecer a real dimensatildeo da sua potecircncia para aplicaacute-las na vida

humana logo conhececirc-las (estas possibilidades) permitiraacute tambeacutem conhecer a forma que a

vida humana pode e deve assumir se de fato ela deseja ser uma vida boa O pensamento

assim possui um valor inestimaacutevel pois aleacutem de participante e constituinte da vida mista ele

eacute capaz de tornar uma vida mista humana uma vida boa ele dispotildee de vaacuterios recursos como

traccedilar estrateacutegias calcular rememorar investigar imaginar avaliar julgar dentre outras O

pensamento e o conhecimento ainda seratildeo definidos mais claramente no espectro desse texto

platocircnico O pensamento possui um poder amplo na vida boa e no argumento que perscruta

acerca do bem e da vida boa no contexto dialoacutegico aqui tratado Desta maneira a finalidade

da vida humana natildeo pode ser o prazer jaacute que o conhecimento natildeo se encontra ocupado

somente com a fruiccedilatildeo dos prazeres

O hedonismo enquanto uma teoria eacutetica deve ser refutado por Soacutecrates tendo em

vista a dimensatildeo do pensamento do conhecimento que na vida humana excede extrapola

essa uacutenica funccedilatildeo de fruiccedilatildeo dos prazeres Logo o prazer natildeo pode ser o bem Todavia o

prazer reclama a todo instante sua existecircncia no conjunto da vida boa uma vida de

pensamento unicamente natildeo eacute desejaacutevel dada a nossa condiccedilatildeo humana afetivo-intelectual

O bem precisa ser algo que possua limites que o proacuteprio prazer natildeo possui Mas o prazer

enquanto um ilimitado que eacute pode ser limitado pela atuaccedilatildeo do pensamento pode se tornar

bom por isso defendemos consistentemente que o Filebo eacute um diaacutelogo que vai muito aleacutem

do embate hedonismo vs anti-hedonismo quando falamos em vida mista de prazer e

inteligecircncia a forma e o conteuacutedo da vida boa mista altera essa oposiccedilatildeo draacutestica pois

nenhum desses dois elementos (prazer e inteligecircncia) podem ser eliminados drasticamente

da vida humana

Os bens humanos passam a ser discutidos de uma outra maneira e essa teoria eacutetica

tradicional convencional precisa ser transposta criticamente pelo Soacutecrates do Filebo O bem

para uma vida enquanto vida humana soacute pode ser uma vida boa A explicaccedilatildeo de Soacutecrates

para tais temas eacuteticos reconfigura-se no caso do Filebo como se pode notar vai mais a fundo

permitindo uma anaacutelise psicoloacutegica e fisioloacutegica e por uacuteltimo eacutetica muito mais complexa do

182 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

que posiccedilotildees dogmaacuteticas estritas em torno do problema eacutetico tradicional sobre as accedilotildees

humanas sobre o modo como se deve viver A busca pela definiccedilatildeo de uma eacutetica se assim

podemos dizer em Platatildeo foge de posiccedilotildees extremas polarizadas Muito pelo contraacuterio a

pergunta relevante a mais simples e a mais enigmaacutetica da eacutetica eacute uma questatildeo complexa e

dialeacutetica Agora sim eacute o momento de analisar os conteuacutedos da mistura da forma da boa vida

desejada como ideal para os indiviacuteduos Quais e que tipos prazeres entram nessa mistura

Quais e que tipos de conhecimentos devem ser incluiacutedos nessa vida mista para que ela seja

boa Jaacute que o prazer pode receber determinaccedilatildeo e se tornar algo bom nessa mistura e a

inteligecircncia natildeo se restringe unicamente agrave tarefa de tornar possiacutevel a fruiccedilatildeo dos prazeres

mas desempenha outros melhores e maiores papeis nessa composiccedilatildeo vejamos entatildeo qual

a relevacircncia destes dois elementos nessa forma da vida boa mista

A anaacutelise dos prazeres ocupa grande parte do diaacutelogo (31b-55c) Natildeo pretendo aqui

tratar exaustivamente dessa anaacutelise devido agraves finalidades redutivas que nosso trabalho nos

impotildee O trecho eacute permeado de passagens complexas que evocam uma compreensatildeo clara

de vaacuterios temas presentes no corpus que podem e devem ser retomados para o tratamento

dessa importante questatildeo filosoacutefica da filosofia platocircnica Minha hipoacutetese de leitura pretende

ressaltar brevemente dois aspectos que a meu ver satildeo importantiacutessimos para compreensatildeo

da anaacutelise dos prazeres a saber em primeiro um aspecto gnosioloacutegico e em seguida um

aspecto valorativo ou axioloacutegico como pretendo chamar aqui245

Primeiramente o prazer deve ser analisado em relaccedilatildeo ao seu contraacuterio ou seja no

prazer e dor jamais poderiacuteamos analisar sob tortura o prazer separado da dor nos diz

ἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝἁ1ἴἄΝ(ζτπβμΝ α ξπλ μΝ θΝ κθ θΝκ εΝ θΝπκ Ν υθαέη γαΝ εαθ μΝία αθέ αδ)έΝ

Dor e prazer agora satildeo incluiacutedos em um gecircnero comum o que dista da sua classificaccedilatildeo

anterior no gecircnero do ilimitado Devemos antes de qualquer alarde nos atentar para o sentido

ἶἷὅὅἷΝldquoἵὁmumrdquoΝ(εκδθ ) utilizado aqui por Platatildeo Soacutecrates diz que por natureza (εα φτ δθ)

ambos (prazer e dor) residem neste gecircnero do comum

O exemplo da sauacutede eacute retomado (31d10-11) Quando em noacutes se desata a harmonia

( μΝ ληκθέαμΝη θΝζυκηΫθβμΝ ηῖθ)ΝὁἵὁὄὄἷΝaΝἶiὅὅὁluὦatildeὁΝἶaΝὀatuὄἷὐaΝ(ζτ δθΝ μΝφτ πμ)ΝἷΝἶaiacuteΝ

simultaneamente resultam as dores (31d4-6) Quando poreacutem a harmonia se recompotildee

245 Sigo bem de perto certos autores contemporacircneos que hora ou outra ocupam parte do meu texto me alio a essa visatildeo interpretativa do diaacutelogo e principalmente da questatildeo do prazer por consideraacute-la mais entusiasmante e mais atenta aos problemas complexos que envolve essa intrincada questatildeo do prazer na filosofia de Platatildeo Recentemente essa visatildeo eacute defendida por alguns autores nos quais me fundamento para a construccedilatildeo da minha anaacutelise como (Marques (2012) Teisserenc (1999 2010) Bossi (2008) Dixsaut (1999 2001 2017) ndash considero importante tambeacutem retomar (Delcomminette Bravo) enquanto grandes especialistas da temaacutetica mas natildeo sigo em alguns momentos seus posicionamentos principalmente no que diz respeito a esse momento da anaacutelise dos prazeres

183 33 Prazer Conhecimento e Valor

novamente retornando a sua proacutepria natureza surgem os prazeres (πΪζδθΝ ληκ κηΫθβμΝ Ν

εα μΝ θΝα μΝφτ δθΝ πδκτ βμΝ κθ θΝΰέΰθ γαδ) (31d8-10)

Alguns exemplos ofertados por Soacutecrates (31e6-32a8) facilitam a compreensatildeo como

a fome porque haacute dissoluccedilatildeo (ζτ δμ) e dor (ζτπβ) enquanto o ato de comer eacute um

preenchimento (πζάλπ δμ) de retorno (ΰδΰθκηΫθβ π ζδθ) agrave situaccedilatildeo normal e prazer do

mesmo modo a sede que eacute corrupccedilatildeo (φγσλα) do estado natural fisioloacutegico e dor e o

preenchimento (πζβλκ α) com liacutequido que preenche a secura prazer o calor insuportaacutevel e

a refrigeraccedilatildeo satildeo exemplos do mesmo tipo dor-restauraccedilatildeo separaccedilatildeo e dissoluccedilatildeo do

estado natural ( δΪελδ δμ εα δΪζυ δμ παλ φτ δθ) sendo o resfriamento nesse caso de

calor extremo restauraccedilatildeo do equiliacutebrio natural o congelamento (frio extremo) contraacuterio agrave

natureza que congela os liacutequidos do animal e a restauraccedilatildeo por meio do retorno ao acordo

natural (εα φτ δθ rsquoΝπΪζδθ πσ κ έμ) ou seja ao se liquidificarem eacute um retorno agrave natureza

e por isso prazeroso Logo conclui-se que quando essa harmonia natural se corrompe

(φγσλαθ) entre limite e ilimitado o resultado eacute a dor e o caminho do retorno tem como

resultado nos seres vivos o prazer e ele eacute retorno ao proacuteprio ser ( θΝ ᾽ μΝ θΝα θΝκ έαθΝ

σθΝ ατ βθΝ α πΪζδθΝ θΝ θαξυλβ δθΝπΪθ πθΝ κθάθ) (32b1-5) Em 32e1-2 Soacutecrates iraacute

ἵὁὀἵluiὄΝ ldquoὃuaὀἶὁΝ hὠΝ ἵὁὄὄuὂὦatildeὁΝ ἶἷὅὅaὅΝ ἵὁiὅaὅΝ hὠΝ ἶὁὄΝ ἷΝ ὃuaὀἶὁΝ hὠΝ ὄἷὅtauὄaὦatildeὁΝ ὂὄaὐἷὄrdquoΝ

(ldquo δαφγ δλκηΫθπθΝη θΝα θΝ ζΰβ υθΝ θα ακηΫθπθΝ κθάrdquo)έ

Na passagem da ontologia quaacutedrupla a sauacutede era tomada como um exemplo do

gecircnero misto dentre aqueles outros trecircs gecircneros Ou seja toda a descendecircncia desse misto

ἷὄaΝtὄataἶὁΝἵὁmὁΝumaΝldquogἷὄaὦatildeὁΝἷmΝviὅtaΝἶὁΝὅἷὄrdquoΝ(ΰ θ δθ μ κ δαθ) Pela introduccedilatildeo do limite

no ilimitado o devir a geraccedilatildeo adquiriam estabilidade e deixavam de ser um movimento

contiacutenuo ininterrupto deixavam de ὅἷὄΝumaΝmἷὄaΝldquogecircὀἷὅἷrdquoΝἷΝὅἷΝtὁὄὀavamΝldquogἷὄaὦatildeὁΝὂaὄaΝὁΝ

ὅἷὄrdquoέΝ ἦamἴὧmΝ aΝ viἶaΝ humaὀaΝ fὁiΝ ἵὁὀsiderada uma vida mista a constituiccedilatildeo orgacircnica

fisioloacutegica dos seres humanos pertenciam ao gecircnero da mistura Os elementos dessa vida

misturada estavam sujeitos ao devir pois passavam pelo mais e o menos num contiacutenuo

movimento ou seja o ilimitado foi tratado como uma ilimitaccedilatildeo dinacircmica que recusava uma

quantidade determinada qualquer medida qualquer fim Estes movimentos do ilimitado ora

se aproximavam ora se distanciavam da condiccedilatildeo saudaacutevel ideal Esses movimentos agora

estatildeo relacionados aqui agrave dor e ao prazer O prazer deve ser parte dessa mistura porque ele

eacute tambeacutem bom nessa mistura da vida humana mas natildeo deixa por outro lado de pertencer

ao gecircnero do ilimitado enquanto esse movimento de restauraccedilatildeo da proacutepria natureza do ser

vivo de restauraccedilatildeo da harmonia do estado saudaacutevel natural livrando-se da degradaccedilatildeo

anterior Por mais que as coisas estejam em devir e por vezes a sauacutede se dissolve e a

harmonia desse estado natural se corrompe se dilui e embora vivamos nesta oscilaccedilatildeo

constante entre sauacutede e doenccedila haacute um estado miacutenimo em que as condiccedilotildees fisioloacutegicas

tentam preservar o maacuteximo possiacutevel dessa harmonia original Harmonia planejada pela

184 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

inteligecircncia coacutesmica que impotildee limites na mistura por intermeacutedio da alma tornando esta vida

ordenada Esse eacute o modo de vida mista louvado por Soacutecrates no diaacutelogo vida de pensamento

e de prazer como a mais digna de ser escolhida

O prazer do corpo natildeo eacute apenas um sinal de satisfaccedilatildeo sentida mas tambeacutem eacute um

alerta de que a constituiccedilatildeo saudaacutevel a natureza harmocircnica fisioloacutegica estaacute retornando ao

seu estado natural em certo indiviacuteduo O prazer tambeacutem atesta a desordem pois quando ele

se ausenta progressivamente ele jaacute daacute indiacutecios de que a dor estaacute por vir Por isso tambeacutem

ele eacute ilimitado nesse aspecto pois ele daacute sinais de variaccedilatildeo que jaacute passam a reclamar seu

contraacuterio a dor O limite permite apenas que ele adentre na mistura quando aquele (o prazer)

permite que sua indeterminaccedilatildeo seja contida e possua o miacutenimo de variaccedilatildeo possiacutevel A vida

humana como um modo de vida que eacute ciente inteligente nota essas variaccedilotildees Logo o prazer

se inclui no Ilimitado comparativamente agrave sua presenccedila no gecircnero misto de ilimitado e de

limite haacute niacuteveis distintos e movimentos distintos em que ora ele se inclui totalmente e ora se

inclui totalmente no misto de limite e ilimitado Assim observa Bravo (2007)

Como entender esta aparente dupla inclusatildeo geneacuterica do prazer agora inseparaacutevel da dor Natildeo sem a definiccedilatildeo fisioloacutegica do prazer que vem na continuaccedilatildeo () a saber do prazer como repleccedilatildeo (πζάλπ δμ) de um vazio (εΫθπ δμ 35b 42d1) Esta definiccedilatildeo () mostra que a Ilimitaccedilatildeo do prazer eacute a de um movimento (εέθβ δμ R 583e10) que passa do vazio agrave plenitude e comporta necessariamente um mais e um menos destes dois estados Por conseguinte tanto o prazer como a dor satildeo de certo modo um misto de vazio e plenitude A plenitude que eacute o prazer proveacutem sempre de um vazio que eacute atual ou potencialmente dor e se encontra constantemente ameaccedilada por ele O vazio que eacute a dor por sua vez tende naturalmente agrave plenitude que eacute o ὂὄaὐἷὄΝἷΝὃuἷΝὁΝautὁὄΝiἶἷὀtifiἵaΝἵὁmΝaΝldquohaὄmὁὀiardquoΝἶaΝὀatuὄἷὐaΝ(ἁ1ἶ)έΝEacuteΝaὅὅimΝque o prazer se inclui tanto no gecircnero do Misto quanto no do Ilimitado mas natildeo ao mesmo tempo e no mesmo niacutevel se inclui no Ilimitado mediante sua inclusatildeo no Misto de Ilimitado e Limite Com efeito o que se inclui no todo tambeacutem se inclui em suas partes (p 29)

Eacute interessante notar o modo como Platatildeo conjuga a anaacutelise fisioloacutegica do prazer com

a ontologia anteriormente tratada fundamentalmente sobre os quatro gecircneros O prazer

desempenha um papel importante em se tratando do modo de vida que adotamos ele possui

um valor moral inquestionaacutevel seja no aspecto fisioloacutegico seja no aspecto eacutetico o prazer na

vida mista composta de prazer e de dor deve ser equilibrado corretamente entre os

elementos que constituem essa dada mistura A introduccedilatildeo do limite nestes elementos

ilimitados se torna necessaacuteria em ambos os aspectos fisioloacutegico e eacutetico Tal accedilatildeo nos permite

integraacute-los em uma condiccedilatildeo estaacutevel ordenada saudaacutevel Prazer e conhecimento cumprem

um papel nessa ordenaccedilatildeo baacutesica mas natildeo apenas isso Eacute importante notar o modo como

185 33 Prazer Conhecimento e Valor

essa ordenaccedilatildeo eacute feita para que a mistura natildeo seja corrompida pervertida e nossa condiccedilatildeo

natural natildeo sofra grandes alteraccedilotildees ou mesmo se corrompa totalmente

ἑaὅὁΝὀatildeὁΝὀὁὅΝὂὄἷὁἵuὂἷmὁὅΝὅὁἴὄἷΝὁΝὂaὂἷlΝἶἷὅὅaΝviἶaΝhumaὀaΝmiὅtaΝὀaΝldquoviἶaΝἵὰὅmiἵardquoΝ

em arranjaacute-la em sintonia com a harmonia universal primeiramente em nossa vida puramente

fisioloacutegica e posteriormente eacutetica faremos isso de uma forma inteligente agrave semelhanccedila da

ordenaccedilatildeo universal encontraremos restriccedilotildees de toda parte o proacuteprio universo nos restringe

quando optamos por uma vida desenfreada que foge ao curso natural das coisas Somos

frustrados quando tentamos levar uma vida depravada desordenada sob a ilusatildeo de que ela

seria a mais correta e nos bastaria a depravaccedilatildeo manifesta esse sinal de oposiccedilatildeo ao natural

O resultado da transgressatildeo perpeacutetua da corrupccedilatildeo desse modelo de vida mista eacute a

dor O contraacuterio uma vida de prazer Obviamente temos aqui um argumento eacutetico mas o

caraacuteter valorativo dessas proposiccedilotildees encontra-se impregnada a uma visatildeo eacutetica que

relaciona indiviacuteduo e todo sem menosprezar nem um nem outro assim como prazer e

inteligecircncia natildeo satildeo desprezados nem um nem outro na defesa da vida boa e feliz porque

assim exige nossa condiccedilatildeo humana Se pervertemos essa ordem tornando o prazer como

fim a ser buscado levando uma vida irrefreada de prazeres intensos imoderados rompendo

com os limites da nossa constituiccedilatildeo natural por viver intensamente sob o domiacutenio das paixotildees

e extravasando ao maacuteximo possiacutevel nossa fruiccedilatildeo dos prazeres a fim de podermos gozar

sempre desse prazer que promove a reconstituiccedilatildeo do equiliacutebrio original natural invertemos

os papeacuteis confundindo os papeacuteis dos limites e dos prazeres e atentamos contra a κτ έα cuja

essecircncia eacute o limite e natildeo o ilimitado (IGLEacuteSIAS 2007 p 112)

Igleacutesias (2007 p 11-112) em um notoacuterio artigo na coletacircnea de artigos organizados

pelo Benoit sobre nosso diaacutelogoΝὀὁὅΝἶiὐΝὃuἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝumΝldquoaὄautὁrdquoΝὃuἷΝaὀuὀἵiaΝὃuἷΝἷὅtὠΝ

sendo refreada uma ameaccedila ao ser vivo que a integridade deste ser estaacute sob ameaccedila e que

ele caminha para a recuperaccedilatildeo do ser Um organismo vivo eacute um η δε θ um ser que nasce

da imposiccedilatildeo de limites acertados em variado tipo de continuum da ordem do ilimitado

( π δλκθ) um ser ele proacuteprio que estaacute saindo dos limites constantemente devido agrave sua

proacutepria natureza pondo em risco sua integridade ele manteacutem no seu ser esse sensiacutevel que

ele eacute uma κ έα na ΰΫθ δμ uma ΰ θ δθ μ κ δαθ Toda vez que isso ocorre quando o ser

pode se encontrar em estado de dissoluccedilatildeo da harmonia corporal de perder os limites e

chegar ao π δλκθ a dor eacute sentida mas quando essa harmonia retorna temos prazer Assim

nos diz Igleacutesias (2007)

Assim embora sendo da ordem da desmedida a natureza do prazer pode ser captada na conexatildeo essencial que ele guarda com a medida que constitui os limites ideias que mantecircm o ser vivo em equiliacutebrio Eacute verdade que esta tese parece especialmente apropriada para compreender a natureza do prazer ὄἷὅultaὀtἷΝἶaΝὅatiὅfaὦatildeὁΝἶὁὅΝἶἷὅἷjὁὅΝldquofiacuteὅiἵὁὅrdquoΝligaἶὁὅΝaὁΝἵὁmἷὄΝaὁΝἴἷἴἷὄΝἷΝ

186 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ao sexo Mas ela pode e deve ser estendida para todo o tipo de prazer vindo da satisfaccedilatildeo de um desejo isto eacute de uma falta E compreendida dessa forma a verdadeira natureza do prazer sua funccedilatildeo aparece com clareza na ontologia do Filebo ele como a dor eacute como que um dos guardiotildees da integridade do ser vivo Um anuncia que os limites de sua integridade estatildeo ameaccedilados o outro que eles estatildeo voltando ao normal Essa eacute a funccedilatildeo do prazer E quando se entende isso encontra-se o verdadeiro lugar do prazer na criaccedilatildeo divina () O prazer eacute um aacutepeiron sim mas um aacutepeiron a serviccedilo de uma genesis eis ousian A chamada tese dos delicados (kompsoi) que Soacutecrates apresenta adiante (53c4) eacute justamente essa o prazer eacute genesis e natildeo ousia Ora algo que deveacutem deveacutem em busca de algo e natildeo eacute o devir mas esse algo em vista do que se faz o devir no caso a ousia que eacute o bem () E ateacute mesmo para o cumprimento de tarefas maiores que podem exigir que nos exponhamos a perigos temos de tentar na medida do possiacutevel conservar os limites ideais que nos mantecircm no ser que nos eacute proacuteprio Ora o prazer ligado agrave satisfaccedilatildeo dos desejos sejam quais foram eacute apenas o subproduto que acompanha a restauraccedilatildeo dos limites que nos mantecircm em equiliacutebrio limites que estamos constantemente pela nossa proacutepria natureza perdendo e que buscamos o tempo todo restaurar (IGLEacuteSIAS 2007 p 111-112 grifos nossos)

Platatildeo em 32c-d jaacute daacute alguns indiacutecios que a problematizaccedilatildeo dialeacutetica do prazer a ser

desenvolvida em nosso diaacutelogo deveraacute levar em conta as questotildees psiacutequicas amplamente

desenvolvidas em contextos dialeacuteticos anteriores Essa abordagem sem duacutevidas iraacute lidar

com as questotildees imageacuteticas do psiquismo que se envolvem em uma intriacutenseca relaccedilatildeo entre

prazer desejo imagem reflexatildeo e valor Na passagem supracitada Soacutecrates nos fala a

respeito das afecccedilotildees proacuteprias da alma expectativas ( ζπδαση θκθ) prazerosas diante de

coisas prazerosas e expectativa atemorizante (φκίΫλκθ) e dolorosa diante de coisas

dolorosas Vale lembrar que essas afecccedilotildees satildeo afecccedilotildees pertencentes agrave proacutepria alma (α μ

μ ουξ μ 32b9) eacute necessaacuterio insistir De acordo com Soacutecrates e Protarco esses tipos de

afecccedilotildees (παγβηΪ πθ) satildeo antecipaccedilotildees (πλκ σεβηα πλκ κεέαμ 32c1 32c4)

Aqui vale a pena ressaltar que a dimensatildeo natural natildeo eacute pensada unicamente numa

dimensatildeo fisioloacutegica mas sobretudo em perspectiva ontoloacutegica A natureza possui um valor

um paracircmetro capaz de regular os movimentos dos seres vivos tanto na dor como no prazer

como jaacute dissemos acima Tambeacutem jaacute dizemos que no fundo do argumento cosmoloacutegico residia

uma dimensatildeo fortemente axioloacutegica que orienta todas as coisas agrave busca da realizaccedilatildeo

daquilo que eacute o bem o bom Como diz Marques (2012)

Na medida em que o paracircmetro utilizado para a constataccedilatildeo e subsequente avaliaccedilatildeo o prazer eacute pensado em base ontoloacutegica isso significa em Platatildeo que se trata de uma essecircncia inteligiacutevel forma investida com o maacuteximo de valor valor que orienta os movimentos (ou transformaccedilotildees) de todos os seres (p 214-215)

187 33 Prazer Conhecimento e Valor

Penso que natildeo se trata de um novo gecircnero de prazeres em relaccedilatildeo ao argumento

fisioloacutegico que envolve a primeira parte da anaacutelise dos prazeres por mais que alguns

discordem que o esquema fisioloacutegico possa ser estendido aos prazeres da antecipaccedilatildeo246

Sem duacutevidas temos aqui um prazer que eacute produzido a partir da produccedilatildeo de opiniotildees pela

alma que antecipa certas afecccedilotildees Afecccedilotildees que satildeo mais ou menos independentes do

corpo da experiecircncia empiacuterica ou das determinaccedilotildees corpoacutereas (MARQUES 2012 p 215)

Soacutecrates insiste aqui (32d) na investigaccedilatildeo dessa espeacutecieforma ( κμ) de prazer se

alguns deles possam ser bons e assim incluiacutedos na mistura ou seja se em algum momento

satildeo bens e em outros natildeo Eacute imprescindiacutevel verificar se esses prazeres satildeo puros

( ζδελδθΫ δθ) e puros aqui se refere a natildeo-misturado com dores ( η δε κδμ ζτπβμ) deste modo

eacute que se poderaacute discutir se podemos considerar alguns prazeres como puros e dar acolhida

a este gecircnero de prazeres puros pensados como um todo ou natildeo A conclusatildeo disso jaacute

aparece indicada tacitamente na passagem poderaacute ser verificado que alguns prazeres seratildeo

puros desejaacuteveis em si mesmo natildeo misturados com dores unos e por outro lado outros

seratildeo muacuteltiplos mistos e recusados por serem prejudiciais Nem todos os prazeres isso o

diaacutelogo iraacute mostrar podem ser bens mas apenas alguns satildeo bons e recebem a marca

distintiva do bom Ora se alguns prazeres natildeo satildeo bons jaacute eacute suficiente dizer que ele natildeo

pode ser o bem

Creio que o prazer da restauraccedilatildeo puramente fisioloacutegico estaacute englobado em uma

dimensatildeo maior do que seja o prazer A transiccedilatildeo draacutestica a da restauraccedilatildeo para a

antecipaccedilatildeo nesse interluacutedio breve em que anteriormente se trava da restauraccedilatildeo a meu ver

soacute pode indicar tal que a repleccedilatildeo de um vazio se estende e deve se estender a todo prazer

que proveacutem da satisfaccedilatildeo do desejo Penso que natildeo haacute um abandono mas como nos diz

Marques (2012 p 217) uma ressignificaccedilatildeo da estrutura repletiva fisioloacutegica do prazer O

preenchimento das afecccedilotildees suscitadas pela antecipaccedilatildeo exige um outro tipo de

preenchimento em que o que estaacute em jogo eacute uma saciedade de outra ordem que a meu ver

apelam agrave valoraccedilatildeo Ou como nos diz Marques (2012 p 216-217) o prazer da antecipaccedilatildeo

ldquoὧΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝavaliaὦatildeὁΝὂὄὧviaΝ(ὂὄὁgὀὰὅtiἵa)ΝἶaὅΝafἷἵὦὴἷὅΝfutuὄaὅΝἶὁΝἵὁὄὂὁΝpela alma (o

que alguns chamam de condiccedilatildeo objetiva para que ocorra o prazer)247

246 Como Delcomminette (2006 p 219) acredita que o esquema fisioloacutegico eacute vaacutelido apenas para o referido caso isto eacute para dizer que o prazer eacute restauraccedilatildeo da harmonia corporal da constituiccedilatildeo saudaacutevel da vida humana mista Soacute nesse momento se pode falar de vazio e repleccedilatildeo 247 Marques observa ἵlaὄamἷὀtἷΝaΝὂaὄtiἵulaὄiἶaἶἷΝἶaΝaὀὠliὅἷΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὂὁὄΝaὀtἷἵiὂaὦatildeὁμΝ ldquoἏΝaὀὠliὅἷΝἵὁὀtὄaὂὴἷΝ ὁΝ ὄἷgiὅtὄὁΝ ἶaΝ lsquoὄἷὅtauὄaὦatildeὁrsquoΝ (ἶἷΝ ἵἷὄtὁΝ mὁἶὁΝ ὄἷtὄὁὅὂἷἵtivὁ)Ν aὁΝ ὄἷgiὅtὄὁΝ ἶaΝ lsquoaὀtἷἵiὂaὦatildeὁrsquoΝ(aparentemente referido ao futuro) Mas nem a restauraccedilatildeo eacute apenas um retorno a um estado anterior nem a antecipaccedilatildeo eacute mera projeccedilatildeo numa linearidade temporal A restauraccedilatildeo eacute movimento na direccedilatildeo de uma essecircncia (ou natureza) o caso mais simples e por isso exemplar sendo a passagem do vazio da sede para a repleccedilatildeo da saciedade Se num primeiro momento haacute efetivamente um processo corpoacutereo por outro lado trata-se tambeacutem de uma busca de harmonia de um movimento na direccedilatildeo de

188 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

A menccedilatildeo de uma terceira disposiccedilatildeo ( δΪγ δμ) (neutra) em que natildeo haacute nem dor nem

prazer um momento no qual um ser vivo nem estaacute restaurado nem corrompido ( λαΝκ π αΝ

θΪΰεβ π θΝ θΝ σ Νξλσθ α κθΝηά Ν δΝζυπ ῖ γαδΝηά Ν γαδΝηά ΝηΫΰαΝηά Ν ηδελσθ)

(32e3-7) tambeacutem suscita duacutevidas entre os inteacuterpretes Haacute algo estranho nessas linhas pois

em seguida se diz que nada impede que algueacutem possa optar por uma vida de puro

pensamento (33a8-9) Note-se o caraacuteter hipoteacutetico levantado por Soacutecrates nessa passagem

Dizer que eacute possiacutevel viver sem prazer e sem dor natildeo significa que esse tipo de vida ocorre

concretamente em nossa dada condiccedilatildeo em uma vida humana Mas na comparaccedilatildeo dos

estados de vida ficou assentido que vida unicamente de inteligecircncia e vida unicamente de

prazer satildeo impossiacuteveis e indignas de escolha Mais ainda eacute dito em 33b6-7 sobre esse estado

de vida considerado como o mais divino de todos (γ δσ α κμ) Os deuses natildeo podem ter prazer

ou dor (33b10c-3)

Eacute necessaacuterio notar que natildeo haacute nada de comum entre a vida divina e a vida de escolha

de exclusiva do pensamento aleacutem do fato da ausecircncia das duas espeacutecies de prazeres

anteriormente mencionados (antecipaccedilatildeo e restauraccedilatildeo)έΝ ἑὁmὁΝ ἶiὐΝ ἒixὅautΝ (ἀί1ἅ)Ν ldquoὀἷmΝ

ἢὄὁtaὄἵὁΝὀἷmΝἥὰἵὄatἷὅΝἶiὐἷmΝὃuἷΝalὧmΝἶἷΝὅἷὄἷmΝimὂaὅὅiacutevἷiὅΝὁὅΝἶἷuὅἷὅΝὂἷὀὅamrdquoΝ(ὂέΝ111ί)έΝ

Essa vida mais divina como jaacute dissemos atua em um extremo assim como a vida unicamente

de prazer em que se diz estar em estado de impassibilidade de uma atividade que basta a si

mesmo e que determina assim uma vida autossuficiente Por mais que o Teeteto diga em

1ἅἄἴΝὃuἷΝἶἷvἷmὁὅΝὀὁὅΝaὂὄὁximaὄΝἵaἶaΝvἷὐΝmaiὅΝἶἷὅὅaΝldquoviἶaΝἶiviὀardquoΝἵὁmὁΝὁΝmὁἶὁΝἶἷΝviἶaΝ

ideal e que deve ser ambicionado pelos homens aqui natildeo temos um juiacutezo puramente

teoloacutegico ou mesmo moral que desqualifique a vida mista humana dado que ela soacute pode ser

uma mistura de prazer e inteligecircncia Caso se deseje que uma vida de pensamento seja digna

ἶἷΝἷὅἵὁlhaΝἵhamaἶaΝἶἷΝldquoἶiviὀardquo que seja comandada pelo desejo de aprender (e natildeo de

saber) o verdadeiro o que eacute cada realidade inteligiacutevel nos diraacute Soacutecrates em 58d 59d ao

tratar da dialeacutetica essa vida de pensamento eacute guiada por esse desejo (da alma) pelo

verdadeiro eacute ele quem a orienta Logo essa vida de pensamento deve deixar de ser pura

unicamente pura (no sentido anterior do diaacutelogo) e deve se tornar mista para que seja de fato

uma vida boa deixando de lado as duas espeacutecies de prazer (antecipados e restaurativos) e

buscando o prazer proacuteprio da inteligecircncia

A questatildeo do estado neutro seraacute melhor explicada a partir do surgimento de dois

termos extremamente relevantes para a anaacutelise dos prazeres desejo ( πδγυηέαθ) memoacuteria

(ηθάηβμ) e tambeacutem a sensaccedilatildeo (α δμ) O estado de satisfaccedilatildeo e o estado doloroso satildeo

alguma plenitude para aleacutem da mera descriccedilatildeo fisioloacutegica Nem eacute a antecipaccedilatildeo um mero deslocamento para o futuro Na medida em que eacute constituiacuteda pelo desejo a opiniatildeo preacutevia ou a expectativa eacute tambeacutem em parte constitutiva do seu objeto ou pelo menos de seu valor da significaccedilatildeo da experiecircncia antecipada (2012 p 217)

189 33 Prazer Conhecimento e Valor

estados proacuteprios dos viventes mortais e a vida divina neste caso eacute o paradigma deste terceiro

estado (o neutro) Mas Soacutecrates diz que em determinados momentos natildeo sentimos nem dor

nem prazer natildeo somos afetados nem pela dor nem pelo prazer

Soc Aceita que dentre nossas afecccedilotildees corporais algumas se extinguem no corpo antes de penetrar a alma deixando-a impassiacutevel outras atravessam ambos e provocam em ambos uma espeacutecie de abalo que eacute tanto peculiar a cada um quanto comum aos dois (33d2-6) γ μΝ θΝ π λ ηαΝ η θΝ εΪ κ Ν παγβηΪ πθΝ η θΝ θΝ υηα δΝεα α ί θθτη θαΝπλ θΝ π θΝουξ θΝ δ ι ζγ ῖθΝ παγ ε έθβθΝ Ϊ αθ αΝ

δ᾽ ηφκῖθΝ σθ αΝεαέΝ δθαΝ π λΝ δ η θΝ θ δγΫθ αΝ δσθΝ Νεα εκδθ θΝ εα Ϋλ (33d2-6) Prot Que fique estabelecido Soc Se dissemos entatildeo que nossa alma natildeo se daacute conta daquelas afecccedilotildees que natildeo atravessam mas se daacute conta daquelas que atravessam ambos seraacute que estaremos falando corretamente Prot Como natildeo

Certas afecccedilotildees podem natildeo ser sentidas (tanto pelo corpo quanto pela alma) mas se

satildeo sentidas afetam ambos tanto o corpo quanto a alma se alma sente o corpo sente e se

o corpo sente a alma tambeacutem sente Natildeo haacute nenhuma relaccedilatildeo aqui de anterioridade ou de

causalidade Mas note-se e eacute importante insistir sobre isso o corpo tambeacutem pode

permanecer insensiacutevel agrave algumas afecccedilotildees e natildeo eacute somente a alma que tambeacutem pode ser

insensiacutevel Sabemos pois que os uacutenicos seres insensiacuteveis satildeo os deuses que possuem a

impassibilidade do imutaacutevel Embora estejamos dispostos no devir no movimento no fluxo e

estamos sempre em movimento nem todas as mudanccedilas satildeo sentidas pelo corpo mas

aὂἷὀaὅΝaὅΝldquogὄaὀἶἷὅΝmuἶaὀὦaὅrdquoΝὃuaὀἶὁΝὧΝὂὄὁvὁἵaἶὁΝἷὅὅaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoaἴalὁrdquoΝὃuἷΝldquo(έέέ)ΝὧΝtaὀtὁΝ

peἵuliaὄΝaΝἵaἶaΝumΝὃuaὀtὁΝἵὁmumΝaὁὅΝἶὁiὅrdquoΝ(ἁἁἶἃ-6) Nos diz Dixsaut (2017)

Portanto mesmo a vida dos seres vivos pode comportar momentos de insensibilidade mas a impassibilidade soacute caracteriza de modo contiacutenuo os imortais e os mortos Ora desde o Feacutedon sabemos que haacute apenas uma maneira de morrer (p 112)

E continua a teoacuterica francesa

Quando pensa a alma desligada e livre eacute capaz de natildeo ser atingida pelo fato que afeta esse corpo e ela tem mais o que fazer ao inveacutes de esperar ou de temer o que ela se tornou capaz de natildeo sentir natildeo graccedilas a uma ascese corporal (digamos aquela dos faquires) mas porque sensiacutevel a outra espeacutecie de realidade inteligiacutevel ela torna-se insensiacutevel a tudo que natildeo eacute essa realidade (p 112)248

248 Dixsaut (2017 p 112) retorna ao Feacutedon

190 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

O Filebo iluὅtὄaΝἷὅὅaΝldquoὅἷὂaὄaὦatildeὁrdquoΝndash na medida do possiacutevel ndash ao tratar da escolha divina

daquele que pretere o pensamento A separaccedilatildeo entre fisioloacutegico e psicoloacutegico e vice-versa

A alma se separa quando suas disposiccedilotildees seus estados natildeo tem como causa afecccedilotildees do

corpo Mas como nota bem Dixsaut (2017) essa independecircncia manifesta-se no interior

dessa uniatildeo ela permanece sendo alma desse corpo que ela anima e do qual ela sofre o

peso natildeo estaacute livre dele natildeo estaacute livre de deixar de ser movida por ele natildeo deixa de ser esse

ldquoautὁΝ(α θ αυ 34b7) ndash mὰvἷlrdquoΝἷὀὃuaὀtὁΝtamἴὧmΝὂὁὅὅuiΝaΝiὀἵiativaΝἶἷΝὅἷuὅΝὂὄὰὂὄiὁὅΝ

movimentos sem portanto se livrar do apetite dos desejos que animam o corpo dos

apetites das afecccedilotildees

O modo de desligamento do Feacutedon eacute proacuteprio somente ao filoacutesofo o filoacutesofo desliga sua alma tanto quanto ele pode de toda a associaccedilatildeo com o corpo de um modo que o distingue de todos os outros homens (65a) Eacute o modo de desligamento que eacute proacuteprio ao filoacutesofo natildeo o desligamento ligado em todo homem agrave capacidade psiacutequica de lembrar-se e antecipar (DIXSAUT 2017 p 113)

Os prazeres separados do corpo soacute podem nascer devido agrave memoacuteria (ηθάηβμ) (33c5-

7) Essa outra espeacutecie ( λκθ κμ) de prazer surge exclusivamente pela memoacuteria ela eacute

esse tipo de afecccedilatildeo (παγβηΪ πθ 33d2) que permite que esses prazeres surjam unicamente

ὀaΝ almaέΝ ἏΝ almaΝ fiἵaΝ iὀὅἷὀὅiacutevἷlΝ ὡὅΝ afἷἵὦὴἷὅΝ ὃuaὀἶὁΝ ldquoὀatildeὁΝ ὅἷΝ ἶὠΝ ἵὁὀtaΝ ἶἷlaὅrdquoΝ ὃuaὀἶὁΝ ὅἷΝ

ldquoἷὅὃuἷἵἷrdquoΝmaὅΝaὃuiΝἥὰἵὄatἷὅΝἶiὐΝὃuἷΝἷὅὅἷΝἷὅὃuἷἵimἷὀtὁΝὀatildeὁΝὧΝldquoἷὅἵaὂἷΝἶaΝmἷmὰὄiardquoΝὂὁiὅΝ

ὅἷὃuἷὄΝἷlaΝὅuὄgiuΝmaὅΝldquoἷὅὃuἷἵimἷὀtὁrdquoΝὧΝὅiὀὲὀimὁΝἶἷΝiὀὅἷὀὅiἴiliἶaἶἷέΝἏΝalmaΝὀatildeὁΝὅἷΝἶὠΝἵὁὀtaΝ

porque sequer essa afecccedilatildeo a tocou (33d6-34a1)

Soc Isso que ocorre em comum (εκδθ ) nesse movimento conjunto (εδθ ῖ γαδ εκδθ ) do corpo e da alma ( θ ουξ θ) em uma mesma afecccedilatildeo (

rsquoΝ θ θ πΪγ δ) chamar ( θκηΪαπθ) ἷὅὅἷΝ mὁvimἷὀtὁΝ ἶἷΝ ldquoὅἷὀὅaὦatildeὁrdquo (α γβ δθ) natildeo seria inapropriado Prot Eacute a pura verdade ἥὁἵέμΝ ἑὁmὂὄἷἷὀἶἷmὁὅΝ agὁὄaΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὃuἷὄἷmὁὅΝ ἵhamaὄΝ ἶἷΝ ldquoὅἷὀὅaὦatildeὁrdquo (α γβ δθ) Prot Como natildeo Soc Bem entatildeo Se algueacutem dissesse que a memoacuteria eacute a conservaccedilatildeo da sensaccedilatildeo( π βλέαθΝ κέθυθΝα γά πμΝ θΝηθάηβθ) na minha opiniatildeo estaria falando corretamente Prot Sim corretamente Soc E natildeo dizemos que a reminiscecircncia difere da memoacuteria (ηθάηβμ

θΪηθβ δθΝ λ᾽ κ δαφΫλκυ αθ) Prot Talvez Soc E natildeo seraacute esta a diferenccedila Prot Qual Soc Quando a alma sozinha e em si mesma sem o corpo recupera o quanto possiacutevel as afecccedilotildees que uma vez experimentou com ele natildeo

191 33 Prazer Conhecimento e Valor

dizemos que alma tem uma reminiscecircncia ( αθ η κ υηα κμ πα ξΫθ πκγ᾽ ουξά α ᾽ θ υ κ υηα κμ α θ αυ δ ηΪζδ α θαζαηίΪθ σ θαηδηθ ε γαέ πκυ ζΫΰκη θ ΰΪ)

Prot Certamente Soc E tambeacutem quando depois de perder a memoacuteria de uma sensaccedilatildeo (εα η θΝεα αθΝ πκζΫ α αΝηθάηβθΝ ᾽ α γά πμ) ou de um aprendizado ( ᾽ α ηαγάηα κμ) ela os recobra novamente sozinha e em si mesma (α γδμΝατ βθΝ θαπκζά πΪζδθ α θΝ αυ ) chamamos todos esses casos com

certeza de reminiscecircncia (εα α αΝ τηπαθ αΝ θαηθά δμΝεα ηθάηαμΝπκυΝζΫΰκη θ) Prot Falas corretamente Soc Eis o porquecirc de todas as coisas que falamos Prot Qual Para que noacutes venhamos a apreender o mais claramente possiacutevel tanto o prazer da alma separada do corpo ( θΝουξ μΝ κθ θΝξπλ μΝ υηα κμ) quanto o apetite (εα ηαΝ πδγυηέαθ) pois parece que ambos ganham clareza atraveacutes dessas coisas (34a3-c8)

Soacutecrates introduz um termo novo de suma importacircncia para o novo tipo de prazeres

que ele deseja tratar Eacute imprescindiacutevel neste caso para investigar os tipos de prazeres e a

proacutepria gecircnese do prazer recorrer a essa instacircncia fundamental o desejo Esse exame requer

imἷἶiatiἵiἶaἶἷΝἵὁmὁΝὄἷὃuἷὄΝἢὄὁtaὄἵὁΝ(ἁἂἶἂ)ΝἷΝὀatildeὁΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝfugiὄΝἶaὅΝldquoaὂὁὄiaὅrdquoΝ( πκλέαθ)

(34d7) agraves quais esses assuntos possam nos conduzir Mais uma vez devemos agrave Dixsaut

(2017 p 113) uma clara compreensatildeo deste uacuteltimo termo que natildeo significa um vazio mas

uma perplexidade que impulsiona ao saber249 Apenas aquele que se sabe carecente que eacute

capaz de reconhecer o que sabe e o que natildeo sabe pode se encontrar em aporia Aquilo que

jaacute se possui natildeo precisa ser buscado mas deseja o que eacute faltante Aquilo que alma perde (a

aporia) perde porque tem desejo de saber Antes de adentrar a anaacutelise do apetite do desejo

eacute preciso lembrar da forccedila de λπμ que torna possiacutevel a saiacuteda da perplexidade aprender

aὃuilὁΝ ὃuἷΝ ὀatildeὁΝ ὅἷΝ ὅaἴiaέΝ ἓΝ ὂaὄaΝ talΝ ὁutὄaΝ ἶimἷὀὅatildeὁΝ ὂὄἷἵiὅaΝ ὅἷὄΝ ὄἷtὁmaἶaμΝ ldquoaὂὄἷὀἶἷὄΝ ὀὁΝ

Mecircnon e no Feacutedon consiste para a alma em lembrar-se O termo acaba de ser pronunciado

no Filebo (DIXSAUT 2017 p115)

Soacutecrates iraacute radicalizar ainda mais aquilo que disse no Goacutergias no Feacutedon e na

Repuacuteblica a respeito dos apetites ( πδγυηέαθ) sem contudo mudar de opiniatildeo Eacute isso o que

podemos constatar nas linhas seguintes (35a-c) Trecircs dimensotildees passam a ser de tal maneira

integradas que o exame se complexifica A vida divina a reminiscecircncia e λπμ invocam trecircs

questotildees fundamentais segundo Dixsaut (2017 p 115) estritamente relacionadas no

diaacutelogo tais como uma maneira de viver uma maneira de aprender e uma maneira de

desejar Elas acompanham Soacutecrates e segundo a autora justificam seu retorno agrave cena do

diaacutelogo para tratar dialeticamente das questotildees relativas aos prazeres (Cf 2017 p 115) Natildeo

haacute outra forma a natildeo ser pela dialeacutetica pois natildeo basta a satisfaccedilatildeo da vida satisfatoriamente

249 A autora recorreraacute ao Mecircnon (84b-c) alegando a necessidade da aporia que suscita o desejo de saber e o prazer que se tem em procurar tal conhecimento E tambeacutem claro do Banquete do λπμ filosoacutefico que tem por natureza a miseacuteria a carecircncia a falta mas natildeo apenas o que lhe permite sair dessa condiccedilatildeo eacute a forccedila desiderativa o desejo de satisfaccedilatildeo (Cf DIXSAUT 2017 p 114)

192 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

misturada a vida filosoacutefica deseja ultrapassar esse limite imposto pela condiccedilatildeo natural sem

contudo eliminaacute-lo Ao falar de uma vida divina Soacutecrates natildeo se esquece que a vida boa

humana eacute necessariamente uma vida mista mas se esforccedila por demonstrar que uma vida

direcionada ao pensar pode ser melhor porque ela mesma se coloca em questatildeo quando se

questiona sobre um modo correto de aprender de viver e de desejar Nisso a vida filosoacutefica

difere das demais porque ela se potildee a aprender e natildeo a saber (reminiscecircncia) esse aprender

ὂὄὁvὧmΝἶἷΝumΝἶἷὅἷjὁΝὂaὄaΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝmἷlhὁὄΝldquoaὃuilὁΝὃuἷΝὧrdquoΝὅἷmὂὄἷέΝἓὅὅaΝamἴiguiἶaἶἷΝ

ὂἷὄmaὀἷἵἷΝἵὁmὁΝἷὅὅἷὀἵialΝὀἷὅὅaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquohὁmἷm-ἶiviὀὁrdquoέΝἠatildeὁΝἷὀἵὁὀtὄἷiΝἷmΝtodo este

trabalho algo melhor que possa dizer isso do que o que estaacute contido nessas palavras de

Dixsaut

O eros que preside a dialeacutetica eacute a forma mais alta ou a mais intensa de epithumia mas natildeo haacute entre eles diferenccedila de natureza Um eacute como a verdade de outra mas eles satildeo radicalmente heterogecircneos Tal continuidade soacute eacute possiacutevel agrave condiccedilatildeo de se afirmar que todo o desejo eacute desejo da alma Pois caso contraacuterio se fosse o corpo que desejasse se todo o desejo nascesse em um corpo animado ou em uma alma encarnada a alma pensante ou seja completamente desligada do corpo seria estranha ao desejo Eacute possiacutevel acreditar que enquanto noacutes pensamos somos impassiacuteveis como os deuses possiacutevel mas natildeo necessaacuterio A separaccedilatildeo do corpo natildeo eacute a separaccedilatildeo do desejo De modo contraacuterio eacute o desejo que mesmo sob sua forma mais elementar efetua a separaccedilatildeo da alma e do corpo O que permite agrave alma evadir-se do corpo e concentrar-se em si mesma ὧΝaiὀἶaΝἶaΝὁὄἶἷmΝἶὁΝἶἷὅἷjὁμΝaΝὅἷὂaὄaὦatildeὁΝὧΝὂὁὅὅiacutevἷlΝὂὁὄὃuἷΝaΝalmaΝldquoaὅὂiὄaΝao ὃuἷΝὧrdquoΝ(Feacutedon 65c) A ruptura da uniatildeo com o corpo eacute a consequecircncia desse desejo de conhecer os seres e ela eacute a condiccedilatildeo desse conhecimento Ora a experiecircncia do desejo eacute sempre para a alma a experiecircncia de uma ruptura ndash com o estado presente do corpo quando ela deseja prazeres sensiacuteveis com o corpo todo quando ela aspira aos inteligiacuteveis No primeiro ἵaὅὁΝὧΝaliὠὅΝmaiὅΝἷxatὁΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝὧΝὁΝἵὁὄὂὁΝὃuἷΝtἷmΝaΝiὀiἵiativaμΝldquotὁἶaὅΝaὅΝvezes que existem em noacutes o que chamamos apetites o efeito dessas afecccedilotildees eacute que o corpo se divorcia da alma e se separa dela Essa afirmaccedilatildeo natildeo eacute incompatiacutevel com aquela do Feacutedon se eacute na experiecircncia do apetite que o corpo e alma se divorciam eacute tambeacutem o apetite que prega uma alma a seu corpo (p 116-117)

Soacutecrates diz em 35b-d que o apetite eacute sempre um apetite de preenchimento ( πδγυη ῖ

πζβλυ πμ) de repleccedilatildeo que surge no momento em que o corpo se encontra vazio

(ε θκ αδ) mas somente a alma pode gerar esse desejo de repleccedilatildeo da memoacuteria ( ηθβη )

uma vez que apenas ela tem contato com preenchimento ( μ πζβλυ πμ φαπ γαδ) que

o corpo por si soacute natildeo tem Dito de maneira ainda mais clara todo desejo soacute pode ser desejo

da alma (ουξ μ) e natildeo existe desejo do corpo ( υηα κμ πδγυηέαθ) que tem contato com

esse preenchimento que o corpo natildeo possui Logo se conclui que natildeo haacute apetite do corpo

Vejamos a passagem

193 33 Prazer Conhecimento e Valor

Soc Natildeo afirmamos ainda haacute pouco que a fome a sede e muitas outras coisas desse tipo satildeo apetites ( δθαμ πδγγηέαμ) Prot Sim certamente Soc Mas o que vemos de mesmo quando denominamos com um soacute nome tantas coisas diferentes Prot Por Zeus Soacutecrates Talvez natildeo seja faacutecil dizer mas no entanto devemos dizer Soc Retomemos mais uma vez a questatildeo a partir do mesmo ponto Prot De onde ἥὁἵέμΝldquoἓlἷΝtἷmΝὅἷἶἷrdquoΝὀatildeὁΝὧΝalgὁΝὃuἷΝfὄἷὃuἷὀtἷmἷὀtἷΝἶiὐἷmὁὅς Prot Como natildeo ἥὁἵέμΝἓΝὃuἷὄΝἶiὐἷὄμΝldquoἷlἷΝἷὅtὠΝvaὐiὁrdquo ( έ ε θκ θ αδ) Prot E daiacute Soc E entatildeo seraacute a sede um apetite ( οκμ έθ πδγυηδα) Prot Sim e de bebida Soc De bebida ou de preenchimento de bebida ( πζβλυ πμ πυηα κμ) Prot De preenchimento (πζβλυ πμ) eu penso Soc Entatildeo qualquer um de noacutes que esteja vazio ( ε θκτη θκμ η θ λα) como parece tem apetite pelo contraacuterio daquilo que experimenta ( μΝ κδε θΝπδγυη ῖ θΝ θαθ έπθΝ πΪ ξ δ) pois estando vazio deseja preencher-se

(ε θκτη θκμΝΰ λΝ λ πζβλκ γαδ) Prot Eacute o que haacute de mais claro Soc E entatildeo O que dizes acerca disso quem estaacute vazio pela primeira vez ( έΝ κ θνΝ πλ κθΝ ε θκτη θκμΝ δθΝ πσγ θ) haacute algo a partir de que manteria contato ( φΪπ κδ ᾽) com o preenchimento seja sensaccedilatildeo seja memoacuteria se natildeo estaacute experimentando no presente momento nem nunca experimentou no passado esse preenchimento ( ᾽ α γά δΝ πζβλυ πμΝφΪπ κδ ᾽ θΝ Νηθάη Ν κτ κυΝ ηά ᾽ θΝ θ θΝξλσθ πΪ ξ δΝηά ᾽ θΝ

πλσ γ θΝπυπκ Ν παγ θ) (34d10-35a9)

Soacutecrates dizia na Repuacuteblica (IV 347d) e no Fedro (238a-b) que a fome eacute desejo de

comida a sede desejo de bebida e o desejo eroacutetico desejo de belos corpos No Feacutedon se

falaΝiὀὅiὅtἷὀtἷmἷὀtἷΝἷmΝldquoὂὄaὐἷὄΝἵὁὄὂὁὄalrdquoΝmaὅΝaὃuiΝἷlἷΝὧΝὅuἴὅtituiacuteἶὁΝaὅὅimΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝ

eacute radicalizada a postura da Repuacuteblica da tripla-especificaccedilatildeo (como prefiro e natildeo triparticcedilatildeo)

da alma e os trecircs tipos de desejos correlatos a essa triacuteplice especificaccedilatildeo O desejo eacute desejo

de algo e natildeo de um objeto ele eacute um movimento um movimento de repleccedilatildeo que resulta em

um estado Ο objeto eacute apenas o meio que permite essa passagem de um estado contraacuterio a

outro o desejo eacute o impulso que faz um determinado sujeito tocar um estado contraacuterio daquele

ὃuἷΝὀὁΝmὁmἷὀtὁΝἷlἷΝἷὅtὠΝἷxὂἷὄimἷὀtaὀἶὁέΝEacuteΝὂὄἷἵiὅὁΝὀὁtaὄΝaΝὂὄἷὅἷὀὦaΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquoἵὁὀtatὁrdquoΝ

ἵὁmὁΝ tὄaἶuὐΝ εuὀiὐΝ ὃuἷΝ ὂὁὅὅuiΝ umΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ἶἷΝ ldquotὁἵaὄrdquoΝ aΝ ὄἷὂlἷὦatildeὁΝ ὧΝ umΝ ἶὁὅΝ ἷxἷmὂlὁὅΝ

particulares que Soacutecrates utiliza para explicar o mecanismo do desejo desse movimento de

ruptura de uma harmonia natural dissoluccedilatildeo-restauraccedilatildeo vale lembrar dos exemplos do

ὄἷὅfὄiamἷὀtὁΝἷΝἶὁΝἵalὁὄΝὃuἷΝὅatildeὁΝtamἴὧmΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquovaὐiὁrdquoΝumΝἵὁὀtὄὠὄiὁέΝἠἷmΝὅἷmὂὄἷΝ

temos um estado de satisfaccedilatildeo mas sempre uma harmonia fisioloacutegica eacute restaurada pelo

desejo por uma falta ou insuficiecircncia de algum dos elementos corporais

194 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

Quando natildeo haacute memoacuteria natildeo haacute desejo quando um bruto desequiliacutebrio se instaura

natildeo pode haver desejo por isso a memoacuteria eacute aqui ambivalente Por um lado ela propicia ao

desejo seu objeto e orienta-o ela permite que o sofrimento presente natildeo se torne constante

Mas por outro lado ela natildeo livra esse mesmo ser da sucessatildeo dos contraacuterios O desejo natildeo

eacute uma simples vacuidade pois nesse caso teriacuteamos dor redobrada eacute um transcender-se em

busca da superaccedilatildeo do estado atual retornado ao passado e ao futuro250 (Cf DIXSAUT 2017

p 122-123)

A anaacutelise do desejo seraacute extremamente relevante para a seccedilatildeo seguinte do diaacutelogo

em que seratildeo tratadὁὅΝἶἷtalhaἶamἷὀtἷΝὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἵlaὅὅifiἵaἶὁὅΝἷmΝldquoὂὄaὐἷὄἷὅΝfalὅὁὅrdquoΝ(umaΝ

das maiores polecircmicas que envolvem o diaacutelogo) e os prazeres puros (36c-55c) Soacutecrates iraacute

constituir uma gama dos prazeres substituindo o prazer por uma multiplicidade de prazeres

esses prazeres seratildeo classificados e natildeo divididos segundo dois princiacutepios (i) segundo seus

lugares de origem na alma unicamente na mistura de corpo e alma e aqueles que satildeo

produzidos unicamente pelo corpo (ii) segundo a oposiccedilatildeo puro e misturado sendo puro

aqui os prazeres que natildeo satildeo precedidos por dores e natildeo misturados com dores Em virtude

das finalidades redutivas de nosso trabalho falarei de forma muito geral dessas

ἵlaὅὅifiἵaὦὴἷὅΝ iὅtὁΝ ὂὁὄὃuἷΝ ἶἷviἶὁΝ ὡΝ ὂὁlecircmiἵaΝ iὀὅtauὄaἶaΝ ὂἷlὁὅΝ ldquoὂὄaὐἷὄἷὅΝ falὅὁὅrdquoΝ ὅἷὄiaΝ

ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝmἷΝἶἷtἷὄΝlὁὀgamἷὀtἷΝὀaΝldquoaὀὠliὅἷΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝfalὅὁὅrdquoΝἷΝὀaὅΝὄἷlaὦὴἷὅΝἵὁmὂlἷxaὅΝ

que eles envolvem Relaccedilotildees estas que envolvem complexas dimensotildees do psiquismo como

a imaginaccedilatildeo a memoacuteria a sensaccedilatildeo o desejo a opiniatildeo e principalmente valores O prazer

da antecipaccedilatildeo eacute uma espeacutecie de prognoacutestico que faz crer certo indiviacuteduo de que o prazer

possui pretensotildees eacuteticas que ele natildeo possui por isso ele eacute num primeiro momento semelhante

agrave opiniatildeo O caraacuteter duplo do prazer (fenomecircnico-judicativo) promove por meio do desejo ou

melhor por meio da representaccedilatildeo imageacutetica associada ao desejo uma articulaccedilatildeo entre a

percepccedilatildeo efetiva ou sua conservaccedilatildeo que eacute a memoacuteria a uma dimensatildeo avaliativa

(MARQUES 2012 p 213)

EpistemologiaGnoseologia estatildeo entrelaccedilados na descriccedilatildeo do prazer que nos

conduz a um exame do psiquismo humano por meio de um processo que envolve tanto

representaccedilatildeo como valoraccedilatildeo Seraacute que o prazer possui o valor que ele nos leva a crer que

ele eacute que ele tem a pretensatildeo de ser O que estaacute em jogo no prazer da antecipaccedilatildeo eacute a

esperanccedila pois a expectativa do prazer sempre o postula como bom e uacutetil Como nos diz

Marques (2012)

250 Para uma anaacutelise mais detalhada (Cf DIXSAUT 2017 p 105-128) neste texto a autora trata especificamente dessa ldquoἵἷὄtaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝviἶardquoΝ(ίέκθ ΰ λ κμ 35d9) humana de que nos fala o Filebo no caso a vida humana nunca determinada oscilando sempre entre o animal e o divino

195 33 Prazer Conhecimento e Valor

Soacute a anaacutelise criacutetica dialogada (dialeacutetica) poderaacute mostrar o alcance do papel da imaginaccedilatildeo e a legitimitade das valoraccedilotildees que a experiecircncia do prazer nos suscita no acircmbito da discussatildeo do que eacute a vida boa para todos os seres (p 214)

Mas voltemos agrave gama dos prazeres resumidamente eles podem ser apresentados em

uma tabela que ilustra o desenvolvimento do diaacutelogo em torno dos prazeres aqui utilizo a

tabela sugerida por Dixsaut (2001)

Corpo Sozinho Uniatildeo de alma e corpo Alma sozinha

Misturados

resultado de uma

restauraccedilatildeo do equiliacutebrio

corporal = necessaacuterios

(31d-32b 46c-47c)

Misturados

antecipaccedilotildees

esperanccedilas

(32b-c)

Puros

se ocupa

das belas

formas

cores sons

puros

perfumes

(51d-50c)

Misturados

Afetos

(coacutelera

medo etc)

(47d-50c)

Puros

relativos agraves

ciecircncias

(52a-b)

Quadro 02- Gama dos Prazeres

(Cf DIXSAUT 2001 p 317)

A classificaccedilatildeo eacute detalhada e criteriosa os prazeres produzidos pelo corpo satildeo sempre

prazeres misturados pois estatildeo envolvidos no processo de restauraccedilatildeo-dissoluccedilatildeo que

engendra a dor por isso o prazer alcanccedilado nesse caso eacute sempre um prazer do gecircnero

misto como jaacute vimos anteriormente Ele eacute misturado com a dor e precedido por uma dor Os

prazeres puros satildeo provenientes da uniatildeo da alma com o corpo natildeo porque eles natildeo satildeo

precedidos por uma falta mas porque essa falta natildeo eacute sentida (51b1) Jaacute as afecccedilotildees

unicamente da alma coacutelera ciuacuteme inveja amor oacutedio satildeo dores da alma misturas com

prazeres como eacute o caso dos ingredientes da comeacutedia e da trageacutedia Os prazeres puros da

alma relacionados aos conhecimentos (ηαγάηα α) (52a)

Parece que no fundo todo o objetivo do diaacutelogo eacute perpassar todas as dimensotildees

(fisioloacutegicas ontoloacutegicas epistemoloacutegica) do prazer para culminar em um sentido fortemente

axioloacutegico (valorativo) ndash natildeo nego que as dimensotildees anteriores estatildeo articuladas no

desenvolvimento do diaacutelogo ndash eacute isso que a meu ver fragmentou a anaacutelise do Filebo em

diversas leituras que ora priorizam um ou outro aspecto desse texto platocircnico Μas essa

anaacutelise do prazer parece admitir um crescendum complexo que investigado a fundo pretende

conjugar conhecimento e valor mas natildeo discriminando-os de um lado conhecimento por

outro valor Isso demonstra a dificuldade de uma definiccedilatildeo geneacuterica do prazer Creio que isso

196 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

soacute pode ser explicado mediante uma questatildeo simples e ao mesmo tempo a mais enigmaacutetica

de todas que diz respeito a vida boa mista Como nos diz Dixsaut (2001)

os dois princiacutepios de distinccedilatildeo adotados satildeo todos axioloacutegicos as diferenccedilas resultantes necessariamente tambeacutem o satildeo Desse modo a tabela eacute realmente hieraacuterquica e consiste em ordenar os prazeres de acordo com seu gὄauΝ ἶἷΝ ὂuὄἷὐaΝἷΝ ὅἷguὀἶὁΝ maiὁὄΝ ὁuΝ mἷὀὁὄΝ ἶἷΝ ldquoὀὁἴὄἷὐardquoΝ ἶaὃuἷlἷΝ ὃuἷΝ ὁὅΝexperimenta (p 318)

A hierarquia dos prazeres pode assim ser constituiacuteda no final da anaacutelise dos prazeres

(i) prazeres puros unicamente da alma (incluiacutedos na mistura) (ii) prazeres puros da uniatildeo do

corpo e da alma (incluiacutedos na mistura) (iii) prazeres necessaacuterios do corpo somente (satildeo

incluiacutedos na mistura) (iv) prazeres misturados unicamente da alma (natildeo-incluiacutedos na

mistura) (v) prazeres misturados da uniatildeo do corpo com a alma (natildeo incluiacutedos na mistura)

Enquanto alguns prazeres conservam o caraacuteter do ilimitado sendo necessariamente ilimitado

outros satildeo em algumas vezes ilimitados isto porque em dado momento pertencem ao misto

e adquirem moderaccedilatildeo e medida outros prazeres satildeo necessariamente sempre puros

Apenas os prazeres moderados e medidos podem pertencer agrave mistura ou seja somente os

puros seja porque natildeo satildeo precedidos por dores ou acompanhados por elas seja porque se

originam unicamente na alma (Cf 62d-64a)

Os conhecimentos tambeacutem satildeo analisados (55c-59c) sendo portanto elaborada uma

classificaccedilatildeo O criteacuterio de anaacutelise seraacute primeiramente a pureza e posteriormente a

verdade Natildeo haacute ciecircncias falsas como existem prazeres falsos por mais que as ciecircncias

contenham erros elas natildeo satildeo falsas mas imprecisas A primeira divisatildeo se daacute em vista das

teacutecnicas destinadas agrave formaccedilatildeoeducaccedilatildeo e as teacutecnicas destinadas agrave produccedilatildeo

ὂὁὅtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝ aὅΝ ὂὄὰὂὄiaὅΝ aὄtἷὅΝ ἶitaὅΝ ldquoἶἷmiήὄgiἵaὅrdquoΝ (artesanais) satildeo divididas em artes

meacutetricas e artes estocaacutesticas (da conjectura) As meacutetricas satildeo hegemocircnicas em relaccedilatildeo agraves

estocaacutesticas por isso as artes meacutetricas satildeo as mais puras Nesse caso pureza aqui eacute

sinocircnimo de precisatildeo (αελδί έα) Μais quando se trata da distinccedilatildeo entre as ditas

ldquomatἷmὠtiἵaὅΝfilὁὅὰfiἵaὅrdquoΝἷΝaὅΝldquomatἷmὠtiἵaὅΝvulgaὄἷὅrdquoΝὁΝἵὄitὧὄiὁΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝὁΝvalὁὄΝἷΝὀatildeὁΝὅuaΝ

natureza Por isso a dialeacutetica se situa no topo dessa escala por sua utilidade precisatildeo

clareza e verdade Mas nesse caso a retoacuterica tambeacutem poderia ser uacutetil Vemos que a dialeacutetica

possui uma exaltaccedilatildeo no diaacutelogo dotada de valor ambiacuteguo como nos diz Dixsaut (2001 p

321) ela apenas pode reivindicar que por mais que ela se sirva das utilidades do discurso

seus propoacutesitos satildeo distintos das demais teacutecnicas porque eacute o desejo pelo verdadeiro de

amar o verdadeiro no seu desejo pelo Bem enquanto princiacutepio de todas as diferenccedilas

enquanto possibilidade de conhecimento e de ser tal como exposto na Repuacuteblica (VI)

Marques (2015 p 206) resume a divisatildeoclassificaccedilatildeo das ciecircncias

197 33 Prazer Conhecimento e Valor

Teacutecnica ciecircncia

educaccedilatildeo formaccedilatildeo produccedilatildeo

muacutesica auleacutetica construccedilatildeo de navios

medicina carpintaria teacutecnicas manuais

agricultura teacutecnica da medida

navegaccedilatildeo teacutecnica do peso

estrateacutegia teacutecnica dos nuacutemeros

teacutecnica popular dos nuacutemeros teacutecnica filosoacutefica dos nuacutemeros

natildeo filosoacutefica geometria

construccedilatildeo comeacutercio

cosmologia dialeacutetica

Quadro 03 A divisatildeoclassificaccedilatildeo das ciecircncias (Cf MARQUES 2015 p 206)

Logo a dialeacutetica estaacute destituiacuteda do valor de utilidade que busca o prestiacutegio a fama

mas que se importa unicamente com o mais verdadeiro Poreacutem na vida boa na vida humana

miὅtaΝἷὅtaΝἶialὧtiἵaΝὧΝὅἷmὂὄἷΝldquoἵὁὀtamiὀaἶardquoΝἵὁmὁΝἴἷmΝὁἴὅἷὄvaΝἒixὅautΝ(ἀίί1)ΝὂὁὄΝἷὅὅἷὅΝ

valores extriacutensecos por essas consideraccedilotildees de valor e de visotildees hieraacuterquicas quando ela

se insere na composiccedilatildeo da vida mista boa A mistura soacute seraacute uma mistura se seus

componentes o forem caso contraacuterio a proacutepria mistura se corrompe (64d-e) mas quanto a

isso a dialeacutetica pode sustentar no acircmbito da mistura sua natureza intriacutenseca que tem por meta

o verdadeiro o bom o bem o que tambeacutem por sinal atesta sua prioridade em relaccedilatildeo ao

ὂὄaὐἷὄΝὀὁΝὃuἷΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝaὁΝldquoὅἷguὀἶὁΝὂὄecircmiὁrdquoΝὀὁΝranking da composiccedilatildeo da boa vida mista

jaacute que o primeiro foi lugar foi atribuiacutedo a esta uacuteltima

Jaacute sabemos que nem o conhecimento nem o prazer podem ser o bom mas apenas

que a vida boa humana eacute uma vida mista de ambos Natildeo sabemos nada sobre o que eacute bom

o bem e o Filebo mais uma vez natildeo nos diz nada sobre sua natureza nesse caso

ὂἷὄmaὀἷἵἷmὁὅΝ fὄuὅtὄaἶὁὅέΝ ἥaἴἷmὁὅΝ ἵὁὀtuἶὁΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὁΝ ldquoὂὄimἷiὄὁΝ ὂὄecircmiὁrdquoΝ ὂἷὄtἷὀἵἷΝ ὡΝ viἶaΝ

mista que pode se prestar a ser uma vida boa Para tal precisamos ter senatildeo uma apreensatildeo

clara uma indicaccedilatildeo geral ( δθα τπκθ) (61a4) Como nos sugere Dixsaut (2001 p 330) um

τπκθ eacute um modelo natildeo dado por algo existente mas algo a ser construiacutedo uma foacutermula

geral um esquema obtido em linhas gerais os traccedilos principais de algo

Beleza Verdade e ProporccedilatildeoMedida manifestaccedilotildees do Bem que devem se fazer

presentes na boa mistura Encontramos um determinado caminho ( θ δθα) (61α7) que se

198 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

natildeo o mais belo pode nos dirigir ao poacutertico da morada do bem ao seu vestiacutebulo (πλκγτπκδμ

64c1-3) Jaacute que pretendemos capturar o bem na vida mista ou melhor seus efeitos na vida

vista antes foi necessaacuterio das as principais indicaccedilotildees daquilo que ele possa ser tudo aquilo

ὃuἷΝὀὰὅΝἵὁὀὅiἶἷὄamὁὅΝldquoἴὁmrdquoΝἷΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶἷὅὅaὅΝ tὄecircὅΝmaὀifἷὅtaὦὴἷὅΝhiἷὄaὄὃuizar os bens

dessa vida mista

Por fim a classificaccedilatildeo dos bens o ranking da composiccedilatildeo da vida boa apresentado

no final do Filebo (66a-67b) eacute assim disposto (i) a medida e o que eacute medido (π λ ηΫ λκθΝεα

ηΫ λδκθ) e as coisas desse tipo (ii) proporccedilatildeo beleza perfeito o suficiente e seus

correlatos familiares (π λ τηη λκθΝεα εαζ θΝεα Ϋζ κθΝεα εαθ θΝεα πΪθγ᾽ πσ αΝ

μΝΰ θ μΝα ατ βμΝ έθ)νΝ(iii)ΝaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἷΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝ(θκ θΝεα φλσθβ δθ) ndash neste

caso natildeo nos desviariacuteamos muito da verdade ( δγ μΝκ εΝ θΝηΫΰαΝ δΝ μΝ ζβγ έαμΝπαλ ιΫζγκδμ)

(iv) conhecimentos as teacutecnicas e opiniotildees corretas ( πδ άηαμΝ Νεα ΫξθαμΝεα σιαμΝ λγ μ)

coisas ditas proacuteprias da alma ( μΝουξ μΝα μΝ γ η θ) ndash depois das que estatildeo em terceiro

estas satildeo mais aparentadas com o bem do que o prazer ( π λΝ κ ΰαγκ ΰΫΝ δΝη ζζκθΝ

μΝ κθ μΝ υΰΰ θ ) (v) os prazeres indolores ( ζτπκυμ) e os chamados de puros (εαγαλ μ)

pertencentes agrave proacutepria alma e que acompanham os conhecimentos e algumas sensaccedilotildees

( πκθκηΪ αθ μΝ μΝουξ μΝα μΝ πδ άηαδμΝ μΝ α γά δθΝ πκηΫθαμ)

199 Nem aporia nem conclusatildeo o prazer

CONCLUSAtildeO

O prazer no supracitado diaacutelogo demonstrou toda a sua potecircncia enquanto uma

questatildeo filosoacutefica de alto niacutevel sendo capaz de enfrentar frente-a-frente cara-a-cara o proacuteprio

pensamento Diversos recursos foram utilizados por Soacutecrates para se livrar da indeterminaccedilatildeo

do prazer do seu caraacuteter ilimitado de tal modo que fosse possiacutevel suavizar toda a sua forccedila

na vida humana Prazer unidade que se torna pensaacutevel a partir de uma multiplicidade de

prazeres de uma Ϋα O ilimitado que restringe a atividade dialeacutetica natildeo se impotildee a essa

ldquovὁὀtaἶἷΝἶἷΝvἷὄἶaἶἷrdquoΝὅὁἵὄὠtiἵaΝἷlἷΝὧΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἷlἷΝὧΝaΝὂὄὰὂὄiaΝvaliἶaἶἷΝaΝὂὄὰὂὄiaΝlἷgitimiἶaἶἷέΝ

ἠatildeὁΝhὠΝumaΝmἷἶiἶaΝἷὅtὄitaΝἶaἶaΝaὅὅimΝἵὁmὁΝumΝtἷὄmὲmἷtὄὁΝgὄafaΝumΝldquoἷὅtaἶὁΝfἷἴὄilrdquoΝ

a partir dos 37 graus e meio centiacutegrados natildeo haacute mais quente e mais frio natildeo haacute hipotermia

hipertermia ou estado neutro natildeo podemos esquecer que estamos diante de uma

ἵlaὅὅifiἵaὦatildeὁΝhiἷὄὠὄὃuiἵaΝἷmΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅἷΝἶiὐΝ ldquoiὅὅὁΝὧΝ iὅὅὁrdquoΝ iὅὅὁΝὧΝ fὄiὁΝ iὅὅὁΝὧΝmὁὄὀὁΝ iὅὅὁΝὧΝ

quente mas o caso do prazer exige relaccedilotildees hieraacuterquicas complexas mediante as estruturas

complexas do psiquismo humano e as dimensotildees do desejo ambos avaliativos ambos

recorrendo a uma avaliaccedilatildeo impliacutecita do bem do bom do uacutetil do melhor

Apenas o pensamento eacute capaz de impor limite ao prazer o pensamento conhece essa

relaccedilatildeo entre ΰΫθ δμ e κυ έα ele pode transformar algo que eacute puro devir pura geraccedilatildeo em

ser a vida natildeo pode ser caoacutetica ela natildeo eacute caoacutetica por mais confusa que possa ser ela

necessita ser ainda que tatildeo precaacuteria uma vida e natildeo um estado inerte desprovido de

movimento pois o pensamento eacute movimento puro que busca um sentido orientador a todo o

momento Haacute tambeacutem o prazer os prazeres e a vida Vida humana vida mista de prazer e

de inteligecircncia O prazer eacute uma dimensatildeo da vida natildeo podemos negaacute-la nem Platatildeo teria

feito isso muito pelo contraacuterio demonstrou toda a sua forccedila nesse movimento contiacutenuo que

eacute a vida e que soacute cessa sua atividade pela morte no sentido estritamente fisioloacutegico ou no

ὅἷὀtiἶὁΝmἷtafὰὄiἵὁΝἶaΝldquomὁὄtἷΝfilὁὅὰfiἵardquoΝὃuἷΝaὀtἷἵiὂaΝὀaΝmἷἶiἶaΝἶὁΝὂὁὅὅiacutevἷlΝἷmΝlaὄga escala

ἷὅὅaΝldquovivecircὀἵiaΝἶiviὀardquoΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶaΝἷὅtaἴiliἶaἶἷΝἶaΝὂἷὄmaὀecircὀἵiaΝὃuἷΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝaἶὃuiὄἷΝ

isto eacute sua natildeo-fugacidade mas seu prazer isso mesmo o prazer do pensar como

ldquoliἴἷὄtaὦatildeὁrdquoΝἵὁmὁΝumΝἶἷὅligamἷὀtὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἶaΝviἶaΝfilὁὅὰfiἵaέ

A bela φλκ έ β de Filebo foi derrotada O limite conseguiu dominar completamente

o prazer ou apenas moderaacute-lo Questatildeo que permanece em aberto Ele continua sendo esse

desejo que quer se afirmar a todo instante enquanto o proacuteprio gozo da existecircncia a alegria o

deleitaacutevel o carpe diem O prazer entrou na batalha mas natildeo foi de tudo nocauteado ele

permanece enquanto uma dimensatildeo da proacutepria vida passou de bom e foi colocado na disputa

ὂἷlὁΝἴἷmΝfὁiΝaὀaliὅaἶaΝὅuaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝὅἷΝtὁὄὀὁuΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquogἷὄaὦatildeὁΝἷm vista do

200 Conclusatildeo

ὅἷὄrdquoΝἶiὅἵὄimiὀaἶὁΝἷmΝfalὅὁὅΝἷΝvἷὄἶaἶἷiὄὁὅΝfὁiΝἵὁlὁἵaἶὁΝἶiaὀtἷΝfὄἷὀtἷ-a-frente com seu oposto

a dor e teve a coragem suficiente para enfrentar o pensamento

Tambeacutem o conhecimento possui suas intermitecircncias no diaacutelogo na combinaccedilatildeo da

mistura fiὀalΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὀatildeὁΝ hἷὅitaΝ ἷmΝ ἷvὁἵaὄΝ ὁὅΝ ἶἷlἷὅΝ ὂὄimἷiὄὁΝ ἒiὁὀiacuteὅiὁΝ ldquoὁΝ ἶἷuὅΝ ἶaΝ

ἷmἴὄiaguἷὐrdquoΝὂἷlὁΝὃualΝfiguὄaΝaΝmiὅtuὄaΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝviἶaΝὅuaΝὂὄὰὂὄiaΝiὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁΝὀaΝὃualΝ

a forma dessa boa vida ainda permanece em aberto e que na visatildeo platocircnica deve lidar com

essa dialeacutetica em torno da pergunta fundamental do bem viver por isso segundo Hefesto o

deus da teacutecnica tambeacutem preside juntamente agravequele deus supracitado (61c) o deus que

ἵaὄὄἷgaΝἵὁὀὅigὁΝaΝmaiὅΝaltaΝldquotekhnologiardquoΝὅaliἷὀtaὀἶὁΝἢlatatildeὁΝὃuἷΝἷὅὅaΝmiὅtura natildeo pode ser

uma mistura qualquer e que cabe a noacutes pela forccedila do pensamento submeter ao exame

constantemente essa vida e o prazer Nem sempre nos importamos sobre o modo como essa

mistura eacute feita Dessa maneira raramente ele eacute uma boa mistura Se Soacutecrates estaacute certo se

a mistura soacute eacute boa quando dosamos corretamente os ingredientes prazeres e conhecimentos

quando refletimos por intermeacutedio do pensamento natildeo soacute sobre os ingredientes mas

principalmente sobre a forma como se deve operar essa dosagem contiacutenua Acerca do valor

dessa mistura o pensamento tem prevalecircncia sobre o prazer haja vista sua semelhanccedila com

o intelecto divino sendo atribuiacutedo o segundo precircmio agrave causa o prazer jaacute natildeo pode mais

lamentar

Ainda que nossa existecircncia esteja submetida ao devir ela necessita ser algo uma vida

minimamente organizada que seja de fato uma vida o fluxo contiacutenuo natildeo eacute nada ele eacute pura

ΰΫθ δμ mas a vida enquanto mistura de elementos do mesmo modo que o universo eacute

geraccedilatildeo para o ser isso porque tanto o universo como a vida particular dos indiviacuteduos torna

possiacutevel a ordem porque ambos possuem alma possui razatildeo inteligibilidade um modo de

funcionamento de regularidade proacutepria originaacuteria e belamente disposta Contudo no curso

da vida humana noacutes indiviacuteduos perdemos essa bela combinaccedilatildeo ultrapassando os limites de

nossa proacutepria condiccedilatildeo invertendo os papeacuteis tomando aquilo que eacute ilimitado pelo limite

A dificuldade de se compreender o prazer no Filebo a meu ver e o que o torna um

dos diaacutelogos mais aprofundados de Platatildeo ndash caracteriacutestica que gerou uma seacuterie de

infidelidades a esse texto platocircnico ndash um diaacutelogo rigoroso e que exige toda cautela de qualquer

inteacuterprete que deseja adentrar as linhas desse diaacutelogo eacute que alguns prazeres satildeo de fato

ilimitados outros devem ser sempre ilimitados outros geralmente satildeo ilimitados e alguns

poucos satildeo por natureza limitados (DAVIDSON 1990 p 185-187)

O Filebo demonstrou as insuficiecircncias do prazer e dos conhecimentos enquanto

candidatos ao bem e consequentemente a uma vida boa Nem um nem outro podem

sozinhos realizar essa justa composiccedilatildeo O que seraacute feito agora do pensamento Perdeu todo

o seu valor E os louvores e exaltaccedilotildees agrave vida mais divina de todas ao pensamento puro agrave

potecircncia da dialeacutetica e vontade de verdade socraacutetico-platocircnica O pensamento natildeo se livra

201 Nem aporia nem conclusatildeo o prazer

do prazer pois na vida humana toda as coisas aspiram pelo bem pelo bom e deseja esse

ldquoἴὄilhὁrdquoΝἷὅὅaΝἴἷlἷὐaΝὂὄὁvἷὀiἷὀtἷΝἶἷὅtaΝjuὅtaΝἵὁmὂὁὅiὦatildeὁΝὃuἷΝὂἷὄmaὀἷἵἷΝἵὁmὁΝumΝldquomὁἶἷlὁΝ

de vidardquoΝὃuἷΝaὦatildeὁΝhumaὀaΝἶἷvἷὄὠΝὄἷἵuὂἷὄaὄΝaὁΝὅaiὄΝἶaΝiὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁέΝἑὁmὁΝliἶaὄΝἵὁmΝἷὅὅἷΝ

ὅἷὄΝὃuἷΝἴuὅἵaΝὅἷὄΝἷmΝtὁtaliἶaἶἷΝaὃuilὁΝὃuἷΝἷlἷΝὧΝumΝὅἷὄΝldquoὅἷὀὅiacutevἷlrdquoΝὃuἷΝὅἷΝmaὀtὧmΝὀἷὅὅἷΝ

sensiacutevel

O pensamento soacute pode reivindicar para si o fato de estar prioritariamente na escala

hieraacuterquica dos bens acima do prazer enquanto capaz de promover essas combinaccedilotildees

esses arranjos de uma melhor forma ou seja ele estaacute no princiacutepio de uma vida melhor Ele

natildeo apenas delimita a correta fruiccedilatildeo dos prazeres mas sua potecircncia seu desejo pelo

verdadeiro o insere em um movimento criativo que desafia a temporalidade natural

transcendendo-a em direccedilatildeo agravequilo que lhe eacute mais relevante do que apenas organizar o

ὀatuὄalΝmaὅΝἶἷὀtὄὁΝἶaὅΝὄἷgὄaὅΝἶὁΝldquojὁgὁΝἶaΝviἶardquoΝὂἷὄἵἷἴἷὄΝumaΝfὁὄmaΝἶἷΝtὄansgredi-las sem

portanto se ausentar deste jogo e sem romper com aquilo que natildeo pode ser rompido Estou

falando aqui da forccedila criativa do pensamento que vai em busca sempre do melhor que natildeo

se basta que natildeo aceita a fugacidade das afecccedilotildees psico-corporais das afecccedilotildees e das

antecipaccedilotildees dos prazeres mas que se torna mais atento agravequilo que ele eacute ou melhor aquilo

que a alma eacute propriamente inteligiacutevel

ἢὁὄΝiὅὅὁΝὀatildeὁΝhὠΝldquoὄἷἵἷitaΝὂὄὁὀtardquoΝὀἷὀhumΝἶὁὅΝἶὁiὅΝὂὁἶἷΝgaὀhaὄΝἷὅὅἷΝjὁgὁΝὀἷὀhumΝ

dos dois cessam eles continuam natildeo cessam nem na vida e nem na morte Se olhamos agrave

distacircncia tudo parece muito oacutebvio e a impostura nos confunde pois a vida eacute sorridente bela

o prazer nos enfeiticcedila mas caso escolhamos essa limitaccedilatildeo da vida temos tambeacutem que

aceitar a corrupccedilatildeo o seu contraacuterio o que natildeo eacute morte mas uma indefinida corrupccedilatildeo uma

fugacidade extrema e por isso caoacutetica Talvez seja necessaacuterio natildeo salgar tanto o pranto e

natildeo adoccedilar demais a alegria e aceitar o quatildeo desesperador possa ser essa vida mista

humaὀaΝὂὁὄὃuἷΝaiὀἶaΝὀatildeὁΝalἵaὀὦamὁὅΝἷὅὅἷΝldquoὂaἶὄatildeὁΝἶὁὅaἶὁὄrdquoΝἵὁὄὄἷtὁέΝἥiὀtὁΝiὀfὁὄmaὄΝmaὅΝ

teremos que voltar pois sequer acabamos e talvez natildeo se queira que nem mesmo acabemos

ὂὁὄΝ iὅὅὁΝ ldquoὀἷmΝ aὂὁὄiardquoΝ ldquoὀἷmΝ ἵὁὀἵluὅatildeὁrdquoΝ ὁΝ Filebo resiste a essas duas classificaccedilotildees

habitualmente destinadas agrave classificarem os Diaacutelogos Mas nem tudo estaacute perdido se

juntarmos os cacos dos prazeres as falhas do prazer e dos conhecimentos talvez desses

cacos resulte uma boa mistura algo que manifeste esta beleza porque toda a discussatildeo nos

dirigiu a uma espeacutecie a umaΝldquoἴἷlaΝὁὄἶἷmΝiὀἵὁὄὂὰὄἷardquo (εσ ηκμ δμ υηα κμ λιπθ εαζ μ)

para comandar um corpo animado (64b) poreacutem natildeo haacute ningueacutem a quem possamos

responsabilizar a natildeo ser noacutes mesmos O filoacutesofo eacute essa espeacutecie de juiz um expert que pode

reivindicar para si que sua vida eacute a vida boa mas que ele pode presidie tendo a inteligecircncia

alcanccedilado o segundo precircmio por meio dos conhecimentos que dispotildee ndash dentre eles

fundamentalmente a dialeacutetica mas natildeo apenas jaacute que se trata de uma vida mista de prazer e

conhecimento ndash uma vida melhor uma vida feliz aquela que possui maior valor e mais

202 Conclusatildeo

ldquoaὂaὄἷὀtaἶardquoΝἵὁmΝὁΝmaiὁὄΝἴἷmΝὂaὄaΝὁὅΝhὁmἷὀὅΝἷΝὂaὄaΝὁὅΝἶἷuὅἷὅΝὂὁiὅΝὀὁὅΝἶiὐΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquo(έέέ)

Quanto a mesclar a ambos reflexatildeo e prazer dizer que somos como fabricantes diante do

que temos de fabricar e amalgamar na ὂὄὁἶuὦatildeὁΝ ὅἷὄὠΝ ἶiὐἷὄΝ ἴἷlamἷὀtἷrdquoέ(Ν (έέέ)Ν η θΝ

φλκθά υμΝ Νεα κθ μΝπΫλδΝπλ μΝ θΝ ζζάζπθΝη ῖιδθΝ δμΝφαέθΝεαγαπ λ βηδκυλΰκῖμΝ ηῖθΝ

ιΝ θΝ θΝκ μΝ ῖ βηδκγλΰ ῖθΝ δΝπαλαε ῖ γαδΝεαζ μΝ θΝ ζσΰ π δεΪακδrdquo)Ν(ἃλἶ-e) Soacutecrates

coloca na boca de Protarco a necessidade de parar 67b11-13 antes que as forccedilas daquele

homem-filoacutesofo (Soacutecrates) se esgotem e talvez as proacuteprias forccedilas de Protarco jaacute tambeacutem se

findaram num outro momento retornaremos aos assuntos que aqui foram tratados Eacute preciso

agora parar Assim soa o imperativo impliacutecito na fala do interlocutor jaacute que tambeacutem as nossas

forccedilas tambeacutem possam ter chegado ao limite para depois retornar ao que aqui foi exposto

pois

() coisas ainda restam ( έ ὰ ιπό α)

(67b12-13)

203 Referecircncias

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219 Anexos

ANEXOS

Tabela Normas de Transliteraccedilatildeo251

Ignorar completamente os acentos bem como a distinccedilatildeo entre longas e breves

251 (Cf ARCHAI (2014) Novas Normas de Transliteraccedilatildeo Archai ndeg 12 p 193)

220 Lista de Abreviaccedilotildees

Lista de Abreviaccedilotildees252

Platatildeo

Pl = Plato (Platatildeo)

Alc 1 = Alcibiades 1 (Primeiro Alcibiacuteades)

Ap = Apologia (Apologia de Soacutecrates)

Cra = Cratylus (Craacutetilo)

Cri = Crito (Criacuteton)

Ep = Epistulae (Cartas)

Epigr = Epigrammata

Euthd = Euthydemus (Eutidemo)

Euthphr = Euthyphro (Eutiacutefron)

Epin = Epinomis (Epinomis)

Grg = Gorgias (Goacutergias)

HpMa = Hippias Major (Hiacutepias Maior)

Ion = (Iacuteon)

Lg = Leges (As Leis)

Men = Meno (Mecircnon)

Phd = Phaedo (Feacutedon)

Phdr = Phaedrus (Fedro)

Phlb = Philebus (Filebo)

Plt = Politicus (Poliacutetico)

Prm = Parmenides (Parmecircnides)

Prt = Protagoras (Protaacutegoras)

R = Respublica (A Repuacuteblica)

Smp = Symposium (O Banquete)

Sph = Sophista (Sofista)

Tht = Theaetetus (Teeteto)

Ti = Timaeus (Timeu)

Demais autores claacutessicos

Arist = Aristotle (Aristoacuteteles) Metaph = Metaphysica (Metafiacutesica) Ph = Physica (Fiacutesica)

252 O uso das abreviaccedilotildees aqui apresentado segue o Greek-English Lexicon (LSJ) acessiacutevel em httpwwwstoaorgabbreviationshtml

221 Lista de Abreviaccedilotildees

Po = Poetica (Poeacutetica) Pol = Politica (Poliacutetica) Rh = Rhetorica (Retoacuterica) Diog Laert = Diocircgenes Laecircrtios (Dioacutegenes Laeacutercio) X = Xenophon (Xenofonte) Ap = Apologia Socratis (Apologia de Soacutecrates) Mem = Memorabilia (Ditos e feitos memoraacuteveis de Soacutecrates) Oec = Oeconomicus (Econocircmico) Smp = Symposium (Banquete) Sapph = Sappho (Safo) Mimn = Mimnermo (Mimnermo) Hom = Homerus (Homero) Il = Ilias (Iliacuteada) Od = Odyssea (Odisseacuteia) Hes = Hesiodus (Hesiacuteodo) Th = Theogonia (Teogonia) Dam = Damascius (Damaacutescio)

Page 2: O PRAZER NA FILOSOFIA DE PLATÃO: ALGUMAS ...repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/25145/3...texto, que meu propósito em relação ao modo de leitura dos diálogos de Platão, distingue-se

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLAcircNDIA

INSTITUTO DE FILOSOFIA

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM FILOSOFIA

LEANDER ALFREDO DA SILVA BARROS

O PRAZER NA FILOSOFIA DE PLATAtildeO ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES A

PARTIR DA LEITURA DO FILEBO

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Filosofia Orientador Prof Dr Dennys Garcia Xavier

UBERLAcircNDIA-MG

2018

Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo (CIP)

Sistema de Bibliotecas da UFU MG Brasil

B277p

2019

Barros Leander Alfredo da Silva 1991-

O prazer na filosofia de Platatildeo [recurso eletrocircnico] algumas

consideraccedilotildees a partir da leitura do filebo Leander A lfredo da Silva

Barros - 2019

Orientador Dennys Garcia X avier

Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Universidade Federal de Uberlacircndia

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia

Modo de acesso Internet

Disponiacutevel em httpdxdoiorg1014393ufudi2019986

Inclui bibliografia

Inclui ilustraccedilotildees

1 Filosofia 2 Platatildeo 3 Prazer 4 Dialeacutetica I X avier Dennys

Garcia 1979- (Orient) II Universidade Federal de Uberlacircndia

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia III Tiacutetulo

CDU1

Gloacuteria Aparecida ndash CRB-62047

Scanned with CamScanner

LEANDER ALFREDO DA SILVA BARROS

O PRAZER NA FILOSOFIA DE PLATAtildeO ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES A PARTIR DA

LEITURA DO FILEBO

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Filosofia Orientador Prof Dr Dennys Garcia Xavier

Uberlacircndia 02 de Marccedilo de 2018

Banca Examinadora

______________________________________________

Profa Dra Eliane Christina de Souza (UFSCar)

_____________________________________________

Prof Dr Fernando Martins Mendonccedila (UFU)

__________________________________________________

Prof Dr Sertoacuterio de Amorim e Silva Neto (UFU)

(Presidente da Banca ndash Orientador Substituto)

Scanned with CamScanner

i

DEDICATOacuteRIA

Agraves ldquomulheres da minha vidardquoμ δaura Mariarsquos

Clara Marina

Ao Rubens δeoni e ao pequeno ldquoRickrdquo (ldquoluz do

meu viverrdquo)

ii

ldquo() η θ φλκθά υμ εα κθ μ πΫλδ πλ μ θ ζζάζπθ η ῖιδθ δμ φαέθ εαγαπ λ

βηδκυλΰκῖμ ηῖθ ι θ θ κ μ ῖ βηδκγλΰ ῖθ δ παλαε ῖ γαδ εαζ μ θ ζσΰ π δεΪακδrdquo

Quanto a mesclar a ambos reflexatildeo e prazer dizer que somos como fabricantes diante do que temos de fabricar e amalgamar na produccedilatildeo seraacute dizer belamente

(Filebo 59d-e)

iii

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Dr Dennys Xavier pela orientaccedilatildeo e apoio concedido durante a pesquisa

Ao Prof Dr Sertoacuterio de Amorim e Silva Neto pessoa relevante para a conclusatildeo deste

trabalho Manifesto minha gratidatildeo por todo apoio concedido na elaboraccedilatildeo deste trabalho e

que em dada Defesa ocupou a funccedilatildeo de Orientador Substituto

Agrave Professora Dra Eliane Christina de Souza agradeccedilo a disposiccedilatildeo e presenccedila por

sua disponibilidade de leitura do texto e pela composiccedilatildeo da banca aleacutem da sua afetuosa

acolhida na UFSCAR e consequente inserccedilatildeo entre os seus orientandos de Doutorado

Ao Professor Dr Fernando Martins Mendonccedila pela presenccedila na qualificaccedilatildeo e

composiccedilatildeo da Banca de Defesa desta dissertaccedilatildeo e as sugestotildees eficazes ao meu trabalho

Ao Professor Dr Rubens Garcia Nunes Sobrinho pela disponibilidade no exame de

qualificaccedilatildeo e indicaccedilotildees precisas sobre nosso autor e as sugestotildees feitas ao meu texto

Aos professores do PPGFIL-UFU em especial agrave querida Prof Dra Georgia Amitrano

e aos professores Prof Dr Marcos Ceacutesar Secircneda Prof Dr Steacutefano Pascoal e o Prof Dr

Celso Luiacutes de Arauacutejo Cintra que foram meus professores nas disciplinas do PPGFIL-UFU

Meu agradecimento em especial ao IFILO-UFU e a todos os funcionaacuterios e

coordenadores do PPGFIL-UFU

Agrave CAPES pelo apoio e fomento concedido ao desenvolvimento da minha pesquisa ao

longo destes dois anos no Mestrado do PPGFIL-UFU

Ao caro amigo Jefferson Pontes pela leitura paciente e rigorosa do meu texto pelas

inuacutemeras sugestotildees que contribuiacuteram para a consecuccedilatildeo de um trabalho rigoroso

Agradeccedilo aos meus pais Rubens e Marina Barros pelo apoio constante e por todo o

esforccedilo conjunto empregado para a realizaccedilatildeo desta tarefa gratificante Agraves minhas avoacutes Laura

e Maria Clara pelo zelo carinho atenccedilatildeo e companheirismo nesta etapa sou eternamente

grato a elas e demonstro aqui meu amor e admiraccedilatildeo por ambas Aos meus irmatildeos Leoni e

Maria Clara pelo carinho respeito e admiraccedilatildeo que ambos nutrem pelo meu trabalho e por

meus estudos Enfim a todos os amigos de Uberlacircndia de Satildeo Joatildeo del Rei aos familiares

e amigos de Alfredo Vasconcelos e a todos os meus professores que fizeram parte desta

histoacuteria meus sinceros agradecimentos

iv

BARROS L (2018) O prazer na filosofia de Platatildeo algumas consideraccedilotildees a partir da leitura

do Filebo 222p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Uberlacircndia Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar as concepccedilotildees platocircnicas em torno do tema do prazer

notadamente aquelas apresentadas no diaacutelogo Filebo Pretendo ao longo do texto evidenciar

algumas das possiacuteveis intepretaccedilotildees acerca da questatildeo primordial que envolve o diaacutelogo em

aὀὠliὅἷΝὃuἷΝἵὁὀὅiὅtἷΝὂὄiὁὄitaὄiamἷὀtἷΝὀaΝὄἷflἷxatildeὁΝὅὁἴὄἷΝaΝldquoviἶaΝfelizrdquoΝ(ίέκθ αδηκθα) O eixo

temaacutetico deste nosso esforccedilo interpretativo recai sobre a temaacutetica dos prazeres e

fundamentalmente sobre os conteuacutedos eacuteticos apresentados no decorrer da obra A exaustiva

anaacutelise do prazer ( κθ ) que ocupa maior parte da discussatildeo resulta numa investigaccedilatildeo

ainda mais significativa em torno daquele que deveraacute ὅἷὄΝἷlἷitὁΝἵὁmὁΝὁΝldquomἷlhὁὄΝgecircὀἷὄὁΝἶἷΝ

viἶardquoΝ(ΰΫθκμ)ΝὂὁὄΝamἴὁὅΝὁὅΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝἶἷὅtἷΝmὁvimἷὀtὁΝaὄgumἷὀtativὁέΝἏΝviἶaΝfilὁὅὰfiἵaΝ

que porventura caracterizaraacute este estilo de vida preferiacutevel aos homens natildeo pode

desconsiderar a relevacircncia do prazer sendo neste caso umaΝ ldquoviἶaΝmiὅtardquoΝ (η δε σθ ίέκθ)

composta por prazer ( κθ ) e reflexatildeo (φλσθ δμ) Portanto se prazeres e conhecimentos

parecem estar ὂὄἷὅἷὀtἷὅΝὀaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝmἷlhὁὄΝgecircὀἷὄὁΝἶἷΝviἶaμΝ(i)ΝὁΝldquoἵὠlἵulὁrdquoΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝ

resulta numa importante configuraccedilatildeo da escala de valores relativos agrave constituiccedilatildeo da vida

mista e (ii) a proacutepria concepccedilatildeo de dialeacutetica (tarefa pertinente ao filoacutesofo) alcanccedila um

significado ainda mais surpreendente e relevante na argumentaccedilatildeo isto eacute ao configurar-se

como o exerciacuteciὁΝ ὄἷflἷxivὁΝ fuὀἶamἷὀtalΝ Ν aἵἷὄἵaΝ ἶaΝ ldquomἷἶiἶardquo (ηΫ λκθ) (entre limitado e

ilimitado) nas deliberaccedilotildees humanas e que por sinal visam o bem e a felicidade

Palavras-chave Platatildeo Prazer Filebo Vida Boa Dialeacutetica

v

BARROS L (2018) O prazer na filosofia de Platatildeo algumas consideraccedilotildees a partir da leitura

do Filebo 222p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia Uberlacircndia 2018

ABSTRACT

This work aims to analyse the platonic conceptions around the theme of pleasure notably

those presented in the Philebus dialogue I intend throughout the text to highlight some of the

possible interpretations about the primordial question that surrounds the dialogue under

analysis which consists mainly in the reflection on the good life (ίέκθ αδηκθα) The

thematic axis of our interpretative effort falls on the theme of pleasures and fundamentally on

the ethical content presented during the work For the exhaustive analysis of pleasure ( κθ )

which occupies most of the discussion results in an even more meaningful investigation

around what should be elected as the best kind of life (ΰΫθκμ) by both interlocutors of this

argumentative movement The philosophical life which perhaps will characterize the lifestyle

preferable to men canὀὁtΝἶiὅὄἷgaὄἶΝthἷΝὄἷlἷvaὀἵἷΝὁfΝὂlἷaὅuὄἷΝἴἷiὀgΝiὀΝthiὅΝἵaὅἷΝaΝldquomixἷἶΝlifἷrdquoΝ

(η δε σθ ίέκθ) composed by pleasure ( κθ ) and reflection (φλσθ δμ) Therefore if

pleasures and knowledge seem to be present in the definition of the best kind of life (i) the

calculation of pleasures results in an important configuration of the scale of values relative to

the constitution of mixed life and (ii) the very conception of the dialectic (a task pertinent to

the philosopher) reaches an even more surprising and relevant meaning in the argumentation

that is in defining itself as the fundamental reflexive exercise of measure (ηΫ λκθ) (between

limited and unlimited) in human deliberations and by the way aim at good and happiness

Keys-words Plato Pleasure Philebus Good life Dialectic

vi

ESCLARECIMENTOS

- Utilizo prioritariamente a versatildeo biliacutengue do Filebo do nosso tradutor brasileiro Prof

Fernando Muniz (2012) com o texto grego original estabelecido e anotado por John Burrnet

em seu Platonis Opera (1899-1907 5 v) fazendo as modificaccedilotildees quando necessaacuterias todas

indicadas em suas ocorrecircncias

- Optei pela manutenccedilatildeo da grafia original de todos os termos gregos retirados das

obras primaacuterias e secundaacuterias

- Quanto aos termos gregos que aparecem nas obras secundaacuterias (comentadores)

achei por bem manter a mesma forma utilizada pelos comentadores seja no uso dos termos

transliterados ou natildeo Na medida do possiacutevel tentarei manter todos os acentos e espiacuteritos

bem como a diferenciaccedilatildeo entre as vogais longas e breves Apesar deste meacutetodo sempre

apresentar deficiecircncias

- Toda a metodologia deste trabalho se apoia nas normas utilizadas pela Revista

Archai (httpperiodicosunbbrindexphparchaiaboutsubmissionsauthorGuidelines) que

prioritariamente segue a metodologia proposta por Harvard (Harvard Reference System)

- Aproveito tambeacutem para ressaltar um fator importante sobre as obras secundaacuterias

utilizadas para a fundamentaccedilatildeo do texto escritas em idiomas estrangeiros Durante todo o

texto nas citaccedilotildees (diretas e indiretas) preferi traduzir diretamente mantendo todos os

excertos em portuguecircs Assim comprometo-me com o conteuacutedo destas traduccedilotildees diretas as

quais referem-se unicamente aos propoacutesitos do trabalho por noacutes aqui desenvolvido

- Ao final do trabalho poderatildeo ser consultados nos anexos (i) Tabela de Transliteraccedilatildeo

(ii) Lista de Abreviaccedilotildees dos textos claacutessicos

SUMAacuteRIO

DEDICATOacuteRIA i AGRADECIMENTOS iii RESUMO iv

ABSTRACT v

ESCLARECIMENTOS vi INTRODUCcedilAtildeO 1

1 SOBRE COMO LER OS DIAacuteLOGOS DE PLATAtildeO E A POSICcedilAtildeO INTEPRETATIVA ADOTADA NESTE TRABALHO 17

11 A posiccedilatildeo unitarista 19

12 A posiccedilatildeo revisionista 23

13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo 30

14 A posiccedilatildeo literaacuteria 38

15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho 44

2 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO) 51

21 As complexidades estruturais e o problema da unidade 51

22 O tema central um dissenso 57

23 O contexto histoacuterico e os personagens 64

3 O PRAZER SEGUNDO PLATAtildeO UMA ANAacuteLISE A PARTIR DO FILEBO 78

31 Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica 78

32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto 155

33 Prazer Conhecimento e Valor 180

CONCLUSAtildeO 199

REFEREcircNCIAS 203

Literatura Primaacuteria (Platatildeo) 203

Demais autores claacutessicos 205

Literatura secundaacuteria 206

ANEXOS 219 Tabela Normas de Transliteraccedilatildeo 219

Lista de Abreviaccedilotildees 220

1 Introduccedilatildeo

INTRODUCcedilAtildeO

Terra incognita Eacute este o termo utilizado por Dorothea Frede ao referir-se ao diaacutelogo

Filebo (2013 p 501) e essa eacute sem duacutevida a primeira impressatildeo causada nos leitores-

inteacuterpretes jaacute familiarizados com os demais diaacutelogos A obra em questatildeo Filebo eacute

ἵὁὀὅiἶἷὄaἶaΝἵὁmὁΝumΝldquoἶiὠlὁgὁΝtaὄἶiὁrdquoΝὅἷguὀἶὁΝmuitὁὅ estudiosos1 agrave exceccedilatildeo de Gilbert Ryle

(1966 p 251-256) para quem o Filebo natildeo pode ser considerado um dos uacuteltimos diaacutelogos de

Platatildeo mas sim um diaacutelogo escrito na maturidade platocircnica proacuteximo ao Timeu2

As dificuldades impostas agrave leitura e agrave interpretaccedilatildeo desse texto platocircnico satildeo diversas

como veremos ao longo deste trabalho O Filebo aleacutem de trazer agrave discussatildeo temas relevantes

da filosofia platocircnica dos escritos tardios ndash haja vista o tratamento de temas extremamente

complexos alguns sob os quais ainda natildeo se obteacutem um consenso interpretativo parece fugir

de uma unidade possiacutevel nos conteuacutedos abordados ao longo da obra a ponto de alguns o

considerarem um diaacutelogo corrompido (faltante)3 De tal modo tanto os temas tratados quanto

aΝἷὅtὄutuὄaΝἶaΝὁἴὄaΝaὂὄἷὅἷὀtamΝiὀήmἷὄaὅΝἷΝἵὁmὂlἷxaὅΝldquotὄaὀὅiὦὴἷὅrdquoΝ(εUNIZ 2007 p 113)4

que exigiriam do leitor natildeo soacute um conhecimento vasto do corpus mas principalmente dos

temas pertinentes agrave chamada ldquoἶὁutὄiὀaΝὂlatὲὀiἵardquoΝἶa velhice5

1 A respeito dos problemas que envolvem o polecircmico tema da cronologia das obras platocircnicas falaremos adiante quando formos tratar dos esclarecimentos metodoloacutegicos Segundo Brandwood (2013 p 143) a ordem cronoloacutegica mais aceita na contemporaneidade coloca o Filebo como o penuacuteltimo diaacutelogo do corpus platocircnico Esta sequecircncia estaria disposta da seguinte maneira (no grupo dos diaacutelogos tardios) Timeu Criacutetias Sofista Poliacutetico Filebo e Leis Pretendo demonstrar ao longo do texto que meu propoacutesito em relaccedilatildeo ao modo de leitura dos diaacutelogos de Platatildeo distingue-se de uma viὅatildeὁΝiὀtἷὄὂὄἷtativaΝἶitaΝldquoἵaὀὲὀiἵardquoΝὂὄiὀἵiὂalmἷὀtἷΝὀὁΝtὁἵaὀtἷΝaὁὅΝmὁἶἷlὁὅΝὃuἷΝὂautamΝὅuaὅΝleituras a partir de uma visatildeo cronoloacutegica da filosofia platocircnica 2 Paralelamente a esta classificaccedilatildeo encontra-se a de Waterfield (Cf WATERFIELD 1980 1982) 3 Godofredus Stallbaum (1826) em seu Platonis Philebus Prolegomenis et Comentarius (introduccedilatildeo ao comentaacuterio do texto grego) destaca queμΝldquo(έέέ)ΝἶἷΝtὁἶaὅΝaὅΝὁἴὄaὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὁΝFilebo eacute o diaacutelogo mais ἵὁὄὄὁmὂiἶὁΝaὂὄἷὅἷὀtaἶὁΝὂἷlaΝtὄaἶiὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἃ)έ 4 Muniz chama nossa atenccedilatildeo para a descrenccedila ao longo dos seacuteculos presente entre os plantonistas quanto a uma suposta ineficiecircncia interpretativa desse diaacutelogo platocircnico Seu princiacutepio hermenecircutico orientador enfatiza a relaccedilatildeo constitutiva entre forma e conteuacutedo nos Diaacutelogos Deste modo o autor sublinha a necessidade de nos atermos agraves transiccedilotildees bruscas presentes no diaacutelogo sendo possiacutevel recorrer apenas a elementos do proacuteprio texto (2007 p 113) Assim ele ressalta essa descrenccedila iὀtἷὄὂὄἷtativaμΝ ldquoἒiaὀtἷΝ ἶἷὅὅaΝ ἷxigecircὀἵiaΝ [iὀtἷὄὂὄἷtativa]Ν ὁὅΝ lἷitὁὄἷὅΝ ἶὁΝ Filebo encontram seu maior obstaacuteculo a anatomia do diaacutelogo parece anocircmala e as articulaccedilotildees entre suas partes ausentes a desconexatildeo a descontinuidade a obscuridade e a irrelevacircncia de certas cenas ou passagens em relaccedilatildeo ao tema principal fizeram do Filebo ao longo dos seacuteculos uma espeacutecie de corpo estranho no conjunto dos Diaacutelogos de Platatildeo 5 ἑὁmὁΝἵὄecircΝIέΝἑὄὁmἴiἷμΝldquoἢlatatildeὁΝiὀtὄὁἶuὐΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝὄὠὂiἶaΝἷΝἶἷὅἷὀvὁlvἷΝaὅΝὀὁὦὴἷὅΝὃuἷΝὂὁἶἷὄatildeὁΝὅἷὄΝcompreendidas somente agrave luz das preocupaccedilotildees proacuteprias de seus uacuteltimos anos as quais noacutes soacute viriacuteamos a ἵὁὀhἷἵἷὄΝ ὂὁὄΝ mἷiὁΝ ἶἷΝ ἏὄiὅtὰtἷlἷὅrdquoΝ aΝ ὅaἴἷὄμΝ ldquoaΝ ὄἷlaὦatildeὁΝ ἷὀtὄἷΝ aΝ matὧὄiaΝ ἷΝ aΝ fὁὄmaΝ ἶὁὅΝuὀivἷὄὅaiὅrdquoΝ(1λἆἆΝὂέΝἁἄ1)έ

2 Introduccedilatildeo

Neste sentido tambeacutem parece memoraacutevel a metaacutefora cunhada por Robert Gregg Bury

(1987 p 9) para quem o Filebo no bosque da Academia de Platatildeo assemelha-se mais a um

carvalho retorcido e nodoso repleto de brotos e saliecircncias assimeacutetricas que o desfiguram

frente aos belos ciprestes e majestosos pinheiros presentes no espaccedilo intra-acadecircmico

Obviamente aqueles uacuteltimos frondosos ciprestes e pinheiros na conotaccedilatildeo elaborada pelo

teoacuterico dizem respeito aos demais diaacutelogos platocircnicos que talvez apresentam uma estrutura

mais facilmente identificaacutevel

A metaacutefora ilustra bem a claacutessica teoria do diaacutelogo colagem (ou como prefiro dizer

teoria antoloacutegica do diaacutelogo) Podemos em um primeiro momento cunhar apenas uma

estrutura aparente da obra Primeiramente temos uma espeacutecie de disputa inicial entre prazer

e inteligecircncia sobre qual dos dois poderaacute vir a ser considerado o bem para todos os seres

ὁuΝ mἷlhὁὄΝ aΝ ldquoἴὁaΝ viἶardquoΝ (11a-14a) Em um segundo momento somos conduzidos a uma

argumentaccedilatildeo metodoloacutegica detalhada (14b-20b) Posteriormente a discussatildeo jaacute natildeo estaacute

maiὅΝἵἷὀtὄaἶaΝὀὁὅΝaὅὂἷἵtὁὅΝmἷtὁἶὁlὰgiἵὁνΝaΝἶiὅὂutaΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝὂἷlὁΝldquoὅἷguὀἶὁΝὂὄecircmiὁrdquoΝὃuἷΝ

seraacute concedido ao prazer ou agrave inteligecircncia jaacute que uma revelaccedilatildeo divina teria apontado a vida

mista de prazer e inteligecircncia como vitoriosa (20c-ἀἁἴ)έΝἏΝἶiὅὂutaΝὂὁὄΝἷὅὅἷΝldquoὅἷguὀἶὁΝὂὄecircmiὁrdquoΝ

ἷxigἷΝumaΝldquoὀὁvaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝἷΝaὅὅimΝὧΝaὂὄἷὅἷὀtaἶaΝumaΝὁὀtὁlὁgiaΝ

quaacutedrupla (limite ilimitado misto e causa) (23b-31b) Em seguida temos uma longa anaacutelise

dos prazeres fundamentalmente dividida entre prazeres verdadeiros e prazeres falsos (31b-

55c) depois uma breve anaacutelise dos conhecimentos (55c-59d) Por fim retoma-se a questatildeo

da Vida Boa e do lugar ocupado pela inteligecircncia e pelo prazer na composiccedilatildeo desta vida

mista (59d-67d)

Essa continuidade anteriormente proposta acerca do movimento que compotildee o

diaacutelogo eacute apenas aparente Na praacutetica o leitor atento da obra se depara com uma difiacutecil visatildeo

capaz de verificar tal organizaccedilatildeo em um texto em que a sequecircncia dos temas tratados sofre

profundos abalos cortes e lapsos aleacutem de um resultado final que gera perplexidade nas

iὀήmἷὄaὅΝlἷituὄaὅΝὃuἷΝὅἷΝὄἷὀὁvamΝaΝἵaἶaΝmὁmἷὀtὁέΝἑἷὄtaΝὄἷgulaὄiἶaἶἷΝἶaΝldquotὁὂὁgὄafiaΝaὧὄἷardquoΝ

do diaacutelogo desaparece quandὁΝὀὁὅΝaὂὄὁximamὁὅΝἶἷὅtἷΝldquotἷὄὄἷὀὁΝὂaὀtaὀὁὅὁrdquoΝ(ἔἤἓἒἓΝ1λλἁΝ

p 15) Deste modo apenas leituras rasas e superficiais estariam livres de impedimentos jaacute

as mais aprofundadas estariam fadadas ao fracasso

Diante dessas consideraccedilotildees eacute possiacutevel notar ao longo da histoacuteria interpretativa do

Filebo como este diaacutelogo adquiriu conotaccedilotildees (em certo sentido bastante negativas) frente

ao papel ocupado pelos demais diaacutelogos que compotildeem o corpus Todavia neste trabalho

minha interpretaccedilatildeo dista desta visatildeo que denomiὀὁΝἵὁmὁΝldquoὀἷgativardquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἷΝὂὄὁἵuὄὁΝ

seguir por outro caminho

Monique Dixsaut (1999 2001 2017) apresenta-nos detalhadamente este mesmo

histoacuterico claacutessico que permaneceu durante seacuteculos como princiacutepio hermenecircutico orientador

3 Introduccedilatildeo

do Filebo diaacutelogo faltoso corrompido com muacuteltiplas correccedilotildees artificial de qualidade literaacuteria

desejaacutevel diaacutelogo acadecircmico portador de um Soacutecrates diferente daqueles dos demais

diaacutelogos sem um assunto claramente definido (questatildeo debatida na Antiguidade) terreno

prediletὁΝ ἶaΝ aἴὁὄἶagἷmΝ ldquoἷὅὁtἷὄiὅtardquoΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ἷΝ ἶὁὅΝ ἶἷfἷὀὅὁὄἷὅΝ ἶὁΝ ὅuὂὁὅtὁΝ ὄἷviὅiὁὀiὅmὁΝ

(ontoloacutegico) presente nesta uacuteltima fase do pensamento platocircnico Ou seja deficiecircncias

segundo alguns que vatildeo desde a questatildeo propriamente estiliacutestica literaacuteria ateacute questotildees

ὄἷlaἵiὁὀaἶaὅΝaὁΝἵὁὀtἷήἶὁΝfilὁὅὰfiἵὁΝὁuΝldquoἶὁutὄiὀὠὄiὁrdquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁέΝἡΝὃuἷΝaΝlἷvaΝaΝafiὄmaὄΝὃuἷμΝldquoἡΝ

Filebo possui o duacutebio privileacutegio de cumular todas as dificuldades propostas agrave leitura de um

ἶiὠlὁgὁΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝ(1λλλΝὂέΝλ)έ

Eacute oportuno ressaltar que Dixsaut (1999 2001) natildeo comunga com ἷὅtaΝviὅatildeὁΝldquoὀἷgativardquoΝ

acerca do diaacutelogo O tom dessa sua fala repercute em um sentido interpretativo positivo das

ldquoἵὁὀtὄaἶiὦὴἷὅrdquoΝὃuἷΝὅἷguὀἶὁΝaΝautὁὄaΝὅatildeὁΝmἷὄamἷὀtἷΝaὂaὄἷὀtἷὅέΝἜὁgὁΝἵὁmὂὄἷἷὀἶὁΝἷὅtἷΝ

ldquoἶήἴiὁΝὂὄivilὧgiὁrdquoΝἵὁmὁΝumaΝafirmaccedilatildeo que se converte em certa ironia jaacute que para a autora

o privileacutegio deste diaacutelogo concentra-se na riqueza dos temas ali desenvolvidos por Platatildeo e

ὀatildeὁΝ ὀaὅΝ ldquoἵὁὀtὄaἶiὦὴἷὅrdquoΝ ἵὁὀὅtataἶaὅΝ ὂἷlὁὅΝ lἷitὁὄἷὅΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ aὁΝ lὁὀgὁΝ ἶὁὅΝ ὅὧἵulὁὅΝ ὁΝ ὃuἷΝ

tambeacutem natildeo significa dizer que o diaacutelogo natildeo seja difiacutecil e que essas transiccedilotildees dificultem em

certo grau uma compreensatildeo detalhada desse texto platocircnico6 Como ela mesma afirma

o principal obstaacuteculo agrave compreensatildeo do Filebo eacute a sua aparente falta de unidade Isto eacute a interpretaccedilatildeo da passagem dita metodoloacutegica que compromete segundo alguns a unidade do diaacutelogo Eacute indiscutiacutevel agrave primeira vista a dificuldade em estabelecer uma relaccedilatildeo entre o primeiro grande momento do texto e as que se sucedem a este isto eacute a questatildeo da vida boa e de seus ingredientes (a anaacutelise dos prazeres 31b2-55c4 e a divisatildeo dos conhecimentos 55c5-59d) e a hierarquia final (59d-66a4) (DIXSAUT 2001 p 287)

Paralelamente agrave visatildeo de Dixsaut encontra-se a de Fernando Muniz (2007)7 no

sentido inverso dessa interpretaccedilatildeo claacutessica negativa Posiccedilatildeo da qual tambeacutem partilho em

6 ἢὁὄΝ iὅὅὁΝ aΝ autὁὄaΝ ἵὁὀἵὁὄἶaΝ ἵὁmΝ ἤὁἶiἷὄΝ (1λἀἄ)Ν ὃuἷΝ ὁΝ ldquoἔilἷἴὁΝ ὧΝ umΝ ἶiὠlὁgὁΝ ἶifiacuteἵilrdquoΝ (ὂέΝ ἅἂ-137) (DIXSAUT 2001 p 285) 7 Ambos os autores partem da necessidade de compreensatildeo da primeira parte do diaacutelogo principalmente das consideraccedilotildees metodoloacutegicas para se interpretar as partes restantes da obra Segundo Muniz (2007) essa tarefa implica em reconhecer o ζσΰκμ comparado a um ser vivo dotado ἶἷΝumΝἵὁὄὂὁΝtὁtalmἷὀtἷΝaὄtiἵulaἶὁΝiὅtὁΝὧΝaΝaὂaὄἷὀtἷΝfaltaΝἶἷΝumaΝldquoὁὄἶἷmΝlὁgὁgὄὠfiἵardquoΝaὂaὄἷὀtἷΝὅἷὄiaΝintencional A fim de justificar semelhante recurso o autor centra-se na noccedilatildeo de π δλκθ (ilimitado) utilizada por Platatildeo no diaacutelogo como veremos mais adiante Deste modo seria necessaacuterio tomar o ἶiὠlὁgὁΝἵὁmὁΝumaΝldquoἵὁiὅaΝilimitaἶardquoΝὀaΝmἷἶiἶaΝἷmΝὃuἷΝὅuaΝfὁὄmaΝἷὀἵὁὀtὄaΝumΝlugaὄΝὂaὄaἶὁxalΝὀἷὅὅaΝἵὁὀfluecircὀἵiaΝἵὁmΝὁΝἵὁὀtἷήἶὁΝldquo(έέέ)ΝὀaΝiὀtἷὄὅἷὦatildeὁΝἷmΝὃuἷΝὅἷΝἷὅὂἷlhamΝἷΝὅἷΝἵὁmuὀiἵamrdquoΝ(εἧἠIZΝἀί07 ὂέΝ11ἆ)έΝἡΝὂὄὰὂὄiὁΝldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶἷΝὄἷlἷvacircὀἵiaΝἷvὁἵaἶὁΝὂἷlὁὅΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝ(ἢὄὁtaὄἵὁΝὅἷὄiaΝὁΝὂὄimἷiὄὁΝaΝenunciar essa suspeita recaiacuteda sobre o diaacutelogo ao longo da sua tradiccedilatildeo interpretativa) exige que ou o diaacutelogo se trata de um jogo discursivo intricado (πκδεέζκμ) ou ele eacute segundo uma imagem que o proacuteprio

4 Introduccedilatildeo

minha intepretaccedilatildeo do diaacutelogo Por essa razatildeo creio ser preciso buscarmos no proacuteprio texto

um meio pelo qual essas dificuldades possam ser amenizadas E talvez essa proacutepria

construccedilatildeo problemaacutetica seja intencional e nos sirva agrave interpretaccedilatildeo do diaacutelogo em sua

tὁtaliἶaἶἷέΝἠatildeὁΝἵὄἷiὁΝὃuἷΝaΝὁἴὄaΝὅἷjaΝὀἷmΝaΝldquotἷὄὄaΝiὀἵὰgὀitardquoΝἶὁὅΝὂlatὁὀiὅtaὅΝὀἷmΝmἷὅmὁΝaΝ

ldquoὅἷlvaΝimὂἷὀἷtὄὠvἷlrdquo8 (BARKER 1996 p 143) dos estudiosos da obra em questatildeo Muito pelo

contraacuterio em nosso seacuteculo interpretaccedilotildees e pontos de vista dotados de coerecircncia tecircm

novamente retornado agrave cena filosoacutefica a respeito desse diaacutelogo

Se permanecemos conjecturando sobre as intenccedilotildees possiacuteveis de nosso autor natildeo

passaremos da superficialidade melhor seria encontrar no proacuteprio texto boas indicaccedilotildees

capazes de nos fornecerem instruccedilotildees interpretativas Afinal na trama ficcionada9 e discursiva

dos diaacutelogos o leitor ou ouvinte possui um papel importante Como alega Muniz

ἶiὠlὁgὁΝὁfἷὄἷἵἷΝumaΝldquoἴἷlaΝὁὄἶἷmΝiὀἵὁὄὂὰὄἷardquoΝ(εσ ηκμ δμ υηα κμ) Isto eacute o Filebo seria uma ordem iὀἵὁὄὂὰὄἷaΝaἵaἴaἶaΝἷΝὂἷὄfἷitaΝἶὁtaἶaΝἶἷΝviἶaΝὂὄὰὂὄiaΝἶἷΝldquoἶiὀamiὅmὁΝiὀtἷὄὀὁrdquoΝὃuἷΝaὂἷὀaὅΝaΝἵὁἷὄecircὀἵiaΝda articulaccedilatildeo de suas partes pode oferecer A tarefa do inteacuterprete portanto eacute revelar essa unidade do ἶiὠlὁgὁΝἵὁmὁΝumaΝldquoὁὄἶἷmΝiὀἵὁὄὂὰὄἷardquoΝ(εἧἠIZΝἀίίἅΝὂέΝ11ἆΝ1ἀἁ)έΝJὠΝὂaὄaΝἒixὅautΝ(ἀίί1)ΝὁΝἷviἶἷὀtἷΝproblema da unidade do diaacutelogo requer uma anaacutelise detalhada da primeira parte do diaacutelogo (as consideraccedilotildees metodoloacutegicas) em relaccedilatildeo ao restante (p 287) Poreacutem ela daacute ainda mais um passo importante ao analisar as passagens referentes agrave dialeacutetica para em seguida deter-se na breve anaacutelise dos conhecimentos (2001 p 288) Apenas deste modo a autora poderaacute justificar sua leitura que pretende dar conta das variadas transiccedilotildees do diaacutelogo Ela detalha seu procedimento da seguinte fὁὄmaμΝldquoἠaΝtἷὀtativaΝἶἷΝmaiὁὄἷὅΝἷὅἵlaὄἷἵimἷὀtὁὅΝiὄἷiΝὂὄimἷiὄamἷὀtἷΝaὀaliὅaὄΝὁὅΝtἷxtos da primeira parte consagrados agrave dialeacutetica e entatildeo apontar brevemente qual o tipo de dialeacutetica eacute implementado na obra e finalmente analisar aquela curiosa maneira que se estaacute a falar sobre ela no final da passagem sobre as ciecircncias (57e-59d) Podemos assim constatar que no Filebo a dialeacutetica eacute perpetuamente contaminada pela natureza daquilo com o qual ela se defronta e pelas suas consideraccedilotildees de valor encontrando-se assim submissa agrave potecircncia hieraacuterquica do Bem ndash natildeo somente agrave potecircncia do conhecimἷὀtὁΝἷxἷὄἵiἶaΝἷmΝὅἷuΝἵaὄὠtἷὄΝὂuὄὁΝmaὅΝὡὃuἷlaΝὀaΝὃualΝὅἷΝaἶmitaΝaΝὂὄὰὂὄiaΝviἶaΝἷmΝἶἷviὄrdquoΝ(DIXSAUT 2001 p 288) 8 ἡΝtἷὄmὁΝldquoὅἷlvaΝimὂἷὀἷtὄὠvἷlrdquoΝaὂaὄἷἵἷΝἷmΝumΝaὄtigὁΝἶἷΝἏὀἶὄἷwΝἐaὄkἷὄΝ(1λλἄ)μΝldquoPlatos Philebus The σumbering of a Unityrdquo O autor logo no iὀiacuteἵiὁΝἶὁΝtἷxtὁΝὂaὄἷἵἷΝiὀὅiὅtiὄΝἷmΝἵἷὄtὁΝὅἷὀtiἶὁΝὃuἷΝὁΝldquotἷὄὄἷὀὁΝἷὅὂiὀhὁὅὁrdquoΝἶὁΝFilebo seria devido agraves suas enormes complexidades enormes explicaccedilotildees que resultam nas mais diversas interpretaccedilotildees emersas a partir de um diaacutelogo complexo o que por sinal impossibilita ao leitor de Platatildeo estabelecer uma unidade formal evidente diante da rigidez dos diversos temas ali apresentados (p 144-145) 9 ldquoἓmἴὁὄaΝὅἷjaΝalgὁΝὄἷlativamἷὀtἷΝἵὁὀὅἷὀὅualΝhὁjἷΝἷmΝἶiaΝvalἷΝ lἷmἴὄaὄΝὃuἷΝὁΝἶiὠlὁgὁΝὧΝumaΝὁἴὄaΝdramaacutetica uma ficccedilatildeo [prefiro e utilizarei nesse trabalho o termo ficcionada] filosoacutefica que como tal natildeo pode ser lida como se fosse um tratado Reduzir as falas dos personagens filosoacuteficos agraves proposiccedilotildees destacadas dos seus contextos eacute uma saiacuteda cocircmoda mas infiel ao espiacuterito da obra Eacute preciso que haja entatildeo uma maneira de fazer justiccedila agrave multiplicidade de procedimentos que Platatildeo mobiliza em seus dramas A riqueza da forma natildeo pode ser tratada como um mero efeito decorativo para aliviar a aridez do argumento filosoacutefico Inclusive porque argumento natildeo eacute o uacutenico procedimento filosoacutefico Haacute nos Diaacutelogos uma seacuterie de outros procedimentos como o mito a metaacutefora a ironia o riso o silecircncio ndash todos coordenados em funccedilatildeo da persuasatildeo filosoacutefica Levar em conta esses aspectos formais aspectos de estilo eacute tentar compreender a forma dialogada em funcionamento em toda a sua complexidade (MUNIZ 2007 p 116)

5 Introduccedilatildeo

Platatildeo escreveu para ser lido ndash ou ouvido ndash e o leitor deve completar o ato da criaccedilatildeo discursiva Negligenciar essa dimensatildeo comunicativa dos diaacutelogos eacute no miacutenimo deixar de utilizar mais uma ferramenta interpretativa aleacutem das muitas jaacute em uso (2007 p 116)

Neste sentido entre as visotildees contemporacircneas significativas tambeacutem se soma a de

George ἤuἶἷἴuὅἵhΝ(ἀίίἅ)έΝἥἷguὀἶὁΝὁΝautὁὄΝὀὁὅΝὂὄiὀἵiὂaiὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅΝtaὄἶiὁὅrdquoΝὁὅΝmὁvimἷὀtὁὅΝ

argumentativos apresentados por Platatildeo no Filebo demonstram o grande potencial artiacutestico

do filoacutesofo ateniense Similarmente aos de seu grupo (Teeteto Parmecircnides Sofista) a obra

ἷmΝὃuἷὅtatildeὁΝaὂaὄἷἵἷΝἵὁmὁΝmaiὅΝumaΝfὁὄmaΝἶifἷὄἷὀtἷΝἶἷΝldquoἷὀigmardquo10 (p 40)

O Filebo natildeo eacute um diaacutelogo negativo e insisto que interpretaccedilotildees coerentes do diaacutelogo

satildeo possiacuteveis e torna-ὅἷΝὂὁὅὅiacutevἷlΝἷὀἵὁὀtὄaὄΝumΝldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝἶaΝaὄgumἷὀtaὦatildeὁΝὂlatὲὀiἵaΝ

pelo entrecruzamento dos diversos temas ali apresentados Obviamente meu propoacutesito aqui

recai sobre o mote do prazer11 natildeo permanecendo apenas no limiar da discussatildeo acerca

desse tema mas procurando relacionaacute-lo com os demais assuntos e questotildees abordadas

neste difiacutecil texto platocircnico em que a habilidade literaacuteria platocircnica se demonstra sobremaneira

Isso natildeo significa contudo que certas interpretaccedilotildees visem esgotar as anaacutelises desse

diaacutelogo muito pelo contraacuterio nossa tarefa reconhece a riqueza temaacutetica amplamente diversa

e complexa presente nessa obra

Logo reconheccedilo que as interpretaccedilotildees natildeo esgotam as peculiaridades do Filebo

poreacutem creio como demostrarei ao longo do texto que uma unidade especiacutefica da obra eacute sim

possiacutevel e que talvez possamos estabelecer algumas finalidades apresentadas por Platatildeo ao

longo deste percurso argumentativo sem portanto afirmaacute-las com veemecircncia com um rigor

teoacuterico-conceitual agrave maneira das filosofias baseadas em sistemas de pensamento o que

atentaria contra a proacutepria especificidade dramaacutetica utilizada na composiccedilatildeo dos Diaacutelogos de

Platatildeo como dissemos outrora No entanto soacute poderemos demonstrar como esta visatildeo

10 ldquoἡΝFilebo como me parece eacute um quarto tipo de enigma Haacute passagens longas que parecem escritas natildeo por Platatildeo mas por Hegel ou Heidegger O sentido eacute tatildeo vago que muitas sentenccedilas permitem um nuacutemero ilimitado de interpretaccedilotildees Mas haacute um limite pois eacute difiacutecil encontrar uma uacutenica interpretaccedilatildeo coerente do diaacutelogo inteiro Mesmo assim bons inteacuterpretes declaram que o Filebo eacute uma contradiccedilatildeo imὂὁὅὅiacutevἷlrdquoΝ(ἤἧἒἓἐἧἥἑώΝἀίίἅΝὂέΝἁλ-40) 11 Sobre isso eacute interessante notar o comentaacuterio de Damaacutescio sobre o Filebo ldquoἏlguὀὅΝἶiὐἷmΝὃuἷΝὁΝpropoacutesito do diaacutelogo eacute o prazer assim como demonstra seu proacuteprio tiacutetulo (Π λ κθ μ) e Soacutecrates ele proacuteprio se propotildee primeiramente a discutir o prazer (11b4-c3) para depois examinar o que concerne ao prazer (31b-55d) e em terceiro lugar tirar a conclusatildeo precisa que o prazer natildeo eacute o objetivo primordial da vida (67b1-7) Aqueles que refutam essa tese dizem que o propoacutesito natildeo eacute o prazer Para que serviriam as discussotildees que ultrapassam amplamente o problema apresentado como aqueles sobre o bem sobre os dois princiacutepios (quero dizer o limite e o ilimitado) sobre as trecircs mocircnadas no vestiacutebulo do bem (a beleza a verdade a proporccedilatildeo) sobre o intelecto e as ciecircncias (silogiacutestica e divisatildeo) sobre a mistura destas com os prazeres sobre o primeiro bem assim como o segundo o tἷὄἵἷiὄὁΝὁΝὃuaὄtὁΝὁΝὃuiὀtὁΝἷΝὁΝὅἷxtὁςrdquoΝ(Dam sect I-III)

6 Introduccedilatildeo

(negativa) atribuiacuteda ao diaacutelogo eacute equivocada respondendo a algumas perguntas

fundamentais sobre a qual se debruccedila nosso esforccedilo aqui empreendido mas afinal sobre o

que trata o FileboςΝἥἷΝἷὅtἷΝήltimὁΝὧΝumΝtiὂὁΝἶἷΝldquoἷὀigmardquoΝἵὁmὁΝἴἷmΝἵὁὀὅiἶἷὄaΝἤuἶἷἴuὅἵh

(2007) que tipo de enigma eacute esse E ainda mais de que forma seria possiacutevel solucionaacute-lo

Tais questionamentos segundo creio soacute poderatildeo obter uma resposta adequada no decorrer

deste nosso trabalho investigativo

Comumente na tradiccedilatildeo platocircnica ocidental o subtiacutetulo atribuiacutedo ao Filebo ὧΝldquoἥὁἴὄἷΝ

ὁΝὂὄaὐἷὄrdquoΝὃuἷΝὁΝἵlaὅὅifiἵaΝἵὁmὁΝumΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὂἷὄtἷὀἵἷὀtἷὅΝaὁΝgecircὀἷὄὁΝldquoὧtiἵὁrdquo12 No entanto

o iniacutecio do diaacutelogo jaacute prefigura uma complexidade ou melhor um impasse Dito de outro

modo logo no proecircmio da obra depara-ὅἷΝ ἵὁmὁΝ umaΝ ldquoἵὁὀtὄὁvὧὄὅiardquoΝ ἷmΝ tὁὄὀὁΝ ἶἷΝ ἶὁiὅΝ

discursos (ζσΰκδμ) e natildeo teses13 ambas afirmando cada um deles serem bens ( ΰαγ θ)14

(11b4) Filebo que tomaraacute como defensor de sua afirmativa o interlocutor Protarco postula

como sendo bom o agradaacutevel (εαέλ δθ) o prazer ( κθά) o deleite ( Ϋλφδθ) e tudo mais

consoante a esse gecircnero15 Jaacute Soacutecrates contrariamente iraacute contestaacute-lo dizendo que para

alguns bom se assemelha ao pensamento (φλκθ ῖθ) agrave inteligecircncia (θκ ῖθ) agrave memoacuteria

(η ηθ γαδ) e o que lhes for aparentado como a opiniatildeo correta ( σιαθ λγ θ) e o

raciociacutenio verdadeiro ( ζβγ ῖμ ζκΰδ ηκτμ) Para tais indiviacuteduos esses uacuteltimos bens seriam

melhores mais uacuteteis e teriam ainda mais valor do que aqueles que afirma Filebo (11b7-9)

O ponto problemaacutetico surge no momento em que a discussatildeo (inicial) em torno dos

prazeres dirige-se agrave unidade multiplicidade dos prazeres Ateacute entatildeo temas que pareciam

evocar simplesmente as antigas concepccedilotildees em torno da eacutetica em larga medida aquelas

discutidas em outros diaacutelogos ditos diaacutelogos iniciais alcanccedilam uma complexidade ainda

maior A fim de respondermos tais questotildees acredito que um caminho possiacutevel seja analisar

o porquecirc de o papel dos prazeres ocupar a maior parte do diaacutelogo para entatildeo

compreendermos o ldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝἶaΝiὀvἷὅtigaὦatildeὁΝὂlatὲὀiἵaΝὃuaὀtὁΝaὁὅΝtἷmaὅΝὄἷfἷὄἷὀtἷὅΝὡΝ

ldquoἴὁaΝviἶardquoΝmaὅΝtὁmaὀἶὁ-o apenas como mote para uma discussatildeo maior que retoma temas

importantes desenvolvidos ao longo do pensamento platocircnico Procurarei demonstrar como

os diversos temas presentes nesse diaacutelogo podem nos sugerir uma posiccedilatildeo (especiacutefica) de

12 No cataacutelogo elaborado por Trasiacutelaco de Mendes no seacuteculo I dC para a divisatildeo dos diaacutelogos platocircnicos em nove tetralogias temaacuteticas conforme nos relata Dioacutegenes Laeacutercio o Filebo encontra-se situado na primeira e o subtiacutetulo atribuiacutedo a este denomina-se Do Prazer (Π λ κθ μ) gecircnero eacutetico (D L III 58) 13 Irei tratar disso mais adiante em nossa anaacutelise detalhada do iniacutecio do diaacutelogo 14 Haacute uma longa discussatildeo em torno desse termo que aparece em 11b-4 Como bem nota Muniz (2012 p 21 nota 2) existe uma dificuldade aqui em determinar se ΰαγ θ (bom) eacute equivalente a ΰαγ θ (o bem) 15 ldquo(έέέ)Νεα αΝ κ ΰΫθκυμΝ κτ κθΝ ηφπθαΝ(έέέ)rdquoΝ(11b5-6)

7 Introduccedilatildeo

Platatildeo sobre a relevacircncia da reflexatildeo do prazer na vida humana mas fundamente frente agrave

ὃuἷὅtatildeὁΝἶaὃuἷlaΝὃuἷΝὀὁὅὅὁΝfilὰὅὁfὁΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέ

No entanto algo no Filebo eacute extremamente particular Esse diaacutelogo eacute dentre todos os

outros aquele que apresenta uma visatildeo mais aprofundada sobre o tema e ao mesmo tempo

uma formulaccedilatildeo mais riacutegida acerca do papel do prazer na vida humana enquanto uma questatildeo

filosoacutefica primordial da filosofia platocircnica Ou seja deparamo-nos com o maior problema do

ἶiὠlὁgὁΝaΝὅaἴἷὄμΝὁΝἶἷΝὅuaΝuὀiἶaἶἷέΝἓὅὅἷΝὅἷὄiaΝὁΝὅἷuΝldquoἶήἴiὁΝὂὄivilὧgiὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝ1λλλΝὂέΝix)

por um lado temos a tatildeo esperada anaacutelise do prazer na vida humana por outro esse diaacutelogo

eacute extremamente difiacutecil e exige uma anaacutelise atenta requerendo um envolvimento mais proacuteximo

com a filosofia platocircnica Dito de outro modo se lermos o Filebo de uma forma raacutepida

apressada ou pouco detalhada corremos sempre o risco de permanecer no limiar da obra

sem compreendecirc-la em sua profundidade e ateacute mesmo incorrer na postulaccedilatildeo de incoerecircncia

entre os diaacutelogos sobre os temas ali desenvolvidos sob uma forma peculiar poreacutem contida

dentro do vasto espectro da literatura platocircnica enquanto uma literatura dialoacutegica-filosoacutefica

Minha leitura apoia-se substancialmente em autores que defendem uma

reinterpretaccedilatildeo do proacuteprio diaacutelogo a partir das estruturas argumentativas utilizadas por Platatildeo

na elaboraccedilatildeo da obra Ela tambeacutem se distancia das claacutessicas leituras anteriormente referidas

como tambeacutem daquelas que se apresentam no seacuteculo XX no cenaacuterio da tradiccedilatildeo interpretativa

platocircnica em resposta agraves inuacutemeras questotildees problemaacuteticas levantadas por esse diaacutelogo a

saber a leitura revisionista a posiccedilatildeo esoterista a interpretaccedilatildeo do prazer enquanto atitude

proposicional dentre outras

A questatildeo eacutetica predominantemente relativa ao diaacutelogo a meu ver consiste em

avaliar as pretensotildees requeridas pelo prazer se ele as possui de fato se ele eacute bom em si

mesmo se tem essa forccedila que demonstra ter e ao mesmo tempo de que forma ele se opotildee

ou se articula ao conhecimento A tendecircncia interpretativa que adoto neste trabalho quanto agrave

anaacutelise dialeacutetica dos prazeres16 no Filebo eacute aquela denominada por mim e mais alguns

16 Eacute importante salientar que este tipo de leitura se aplica diretamente agrave anaacutelise dos prazeres a qual natildeo eacute a uacutenica do diaacutelogo mas haacute tambeacutem a anaacutelise das teacutecnicas ou conhecimentos Nesta uacuteltima Platatildeo parece retomar os demais diaacutelogos ao propor uma classificaccedilatildeo que preserva o caraacuteter ontoloacutegico da teacutecnica do saber isto eacute o que ele eacute nele mesmo o poder que possui se ela eacute um aspecto teoacuterico muito proacuteximo do que ele teria feito na Repuacuteblica A essa mesma classificaccedilatildeo soma-se a o caraacuteter que acredito ser predominante na discussatildeo o axioloacutegico tambeacutem as teacutecnicas satildeo classificadas de acordo com o valor que possuem do mesmo modo como os indiviacuteduos devem viver isto eacute conveacutem investigar o modo como os saberes e as teacutecnicas satildeo exercidos efetivamente na medida em que implicam a postulaccedilatildeo de valores que os direcionem que ofereccedilam rumo e sentido para os indiviacuteduos que os elaboram Marques pergunta-se o seguinte seria o primeiro aspecto das teacutecnicas um aspecto teoacuterico E o segundo um aspecto praacutetico (MARQUES 2015 p 200) Podemos tambeacutem nesse sentido evocar a interpretaccedilatildeo de Benitez (1999) acerca da classificaccedilatildeo dos conhecimentos sob a qual se apoiam tambeacutem as concepccedilotildees de Marques sobre esse ponto (Cf BENITEZ 1999 p 337-364)

8 Introduccedilatildeo

autores17 proveniente de uma articulaccedilatildeo gnosioloacutegico-axioloacutegica ou epistecircmico-axioloacutegica

na interpretaccedilatildeo da questatildeo dos prazeres no diaacutelogo Gnosioloacutegica pois o processo de

representaccedilatildeo-valoraccedilatildeo dos prazeres eacute visto como anaacutelogo agrave formaccedilatildeo da opiniatildeo A

dimensatildeo antecipativa da opiniatildeo por seu duplo caraacuteter (fenomecircnico e judicativo) faz com

que a representaccedilatildeo proveniente da imagem ao associar-se ao desejo articule a percepccedilatildeo

efetiva ou sua preservaccedilatildeo (que eacute a memoacuteria) agrave uma dimensatildeo propriamente avaliativa18

Axioloacutegica porque em relaccedilatildeo aos prazeres o processo se daria da mesma forma

O discurso e a representaccedilatildeo que acompanham o prazer da antecipaccedilatildeo comportam em si

uma avaliaccedilatildeo (taacutecita) daquilo que eacute bom para noacutes Eacute necessaacuterio avaliar se o prazer possui

de fato esse valor que ele postula ter A questatildeo do prazer da antecipaccedilatildeo coloca em jogo a

esperanccedila isto eacute o prognoacutestico a promessa futura que o prazer sempre propotildee como bom e

uacutetil eacute essa avaliaccedilatildeo que a meu ver eacute digna de refutaccedilatildeo por parte de Soacutecrates Neste

sentido trata-se de uma concepccedilatildeo eacutetica da verdade traduziacutevel nos termos uacutetil melhor e

preferiacutevel Apenas a dialeacutetica enquanto anaacutelise dialogada do prazer nos mostra a

abrangecircncia do papel da imaginaccedilatildeo e a legitimidade dos valores que a experiecircncia do prazer

eacute capaz de nos proporcionar no contexto da discussatildeo sobre o que eacute vida boa para os seres

humanos nessa oposiccedilatildeo e ao mesmo tempo relaccedilatildeo entre prazer ( κθ ) e conhecimento

(φλσθ δμ)

Conforme foi dito a anaacutelise dos prazeres natildeo soacute nos diz algo sobre a posiccedilatildeo de Platatildeo

acerca do caraacuteter propositivo cognitivo dos prazeres apesar de estar relacionada a estes

mas sobretudo enfatiza o caraacuteter propriamente valorativo dessa discussatildeo ao ter como

objetivo eacutetico primordial a busca por uma correta composiccedilatildeo da boa vida (mista) de prazer e

iὀtἷlἷἵtὁέΝ ἠὁΝ ἷὀtaὀtὁΝ ἷὅὅaΝ ὄἷflἷxatildeὁΝ (ὂὁlaὄiὐaἶa)Ν ὀatildeὁΝ ὅὰΝ ὀὁὅΝ ἶiὄigἷΝ aΝ umΝ ldquoὅἷὀtiἶὁΝ maiὁὄrdquoΝ

aprofundado da escala de valores mas tambeacutem reforccedila a profundidade carateriacutestica da

potecircncia dialeacutetica pois o que se nota aqui eacute uma anaacutelise profundamente dialogada tanto de

prazeres quanto de conhecimentos visando alcanccedilar uma definiccedilatildeo mais correta ou o mais

possivelmente verdadeira do bem da vida boa

Nesse sentido eacute surpreendente e ao mesmo tempo fundamental o papel a ser

desempenhado pela proacutepria dialeacutetica tal como ela nos eacute apresentada neste diaacutelogo enquanto

taὄἷfaΝfilὁὅὰfiἵaΝὃuἷΝviὅaΝalἵaὀὦaὄΝaΝldquomἷἶiἶardquoΝ(ἷὀtὄἷΝlimitaὀtἷΝἷΝilimitaἶὁ)ΝὀaὅΝἶἷliἴἷὄaὦὴἷὅΝἷΝ

17 Sigo a tendecircncia interpretativa proposta por Bravo (2009) Marques (2012 2014 2015 2016) Teisserenc (1999 2010) 18 Marques (2012) nos lembra que Platatildeo aprofunda sua concepccedilatildeo sobre o papel da produccedilatildeo das imagens psiacutequicas e que adquirem no Filebo uma complexidade ineacutedita e ao mesmo tempo surpreendente ao serem tratadas em relaccedilatildeo agrave temaacutetica dos prazeres (MARQUES 2012 p 213-245) Esse fato faz de Platatildeo portador de uma abordagem uacutenica jamais vista no pensamento ocidental ao propor tal tipo de abordagem em relaccedilatildeo agrave imaginaccedilatildeo associada agrave questatildeo dos prazeres aliada ao discernimento do valor Sobre isso cf TEISSERENC (1999 p 267)

9 Introduccedilatildeo

accedilotildees humanas que almejam por sinal o bem e a felicidade Logo todo o leacutexico platocircnico

empregado na obra como as noccedilotildees desenvolvidas parecem reafirmar ou relembrar-nos as

finalidades eacutetico-poliacutetico-pedagoacutegicas da filosofia de Platatildeo

Mas qual seria a razatildeo de um tratamento tatildeo exaustivo do prazer Por que trataacute-lo

sob a perspectiva eacutetica e ao mesmo tempo se utilizar de distintos recursos a fim de poder

lidar com tal complexidade temaacutetica A resposta parece simples natildeo somente a Platatildeo pois

o prazer eacute um tema caro aos proacuteprios gregos Platatildeo enquanto participante desse modelo

educativo da tradiccedilatildeo poeacutetica grega e mais como criacutetico e reformulador dessa proacutepria tradiccedilatildeo

natildeo deixaraacute de colocar sob anaacutelise um tema tatildeo importante e que demonstra toda a sua forccedila

na mentalidade grega antiga como eacute o caso prazer Eacute retomando essa longa tradiccedilatildeo e

simultaneamente reconhecendo-se como herdeiro dessa proacutepria tradiccedilatildeo que Platatildeo

estabelece uma nova relaccedilatildeo com o prazer reconfigurando o sentido atribuiacutedo a ele e

demarcando o seu efetivo papel agora na vida poliacutetica e social constitutiva da sua eacutepoca

Voltemos rapidamente um pouco a essa questatildeo do prazer na Antiguidade

Sobre isso a obra de Bravo (2009) talvez seja um dos estudos mais relevantesno qual

se intenta compreender o tratamento especiacutefico dado por Platatildeo agrave questatildeo do prazer a partir

de uma seacuterie de teorias que estariam em circulaccedilatildeo na eacutepoca as quais Platatildeo teria se

deparado para construir sua posiccedilatildeo em torno da temaacutetica dos prazeres Tambeacutem a obra de

Gosling amp Taylor (1982) eacute um marco referencial no tratamento do tema assim como a de

Wolfsdorf (2013) que natildeo somente aborda a questatildeo do prazer em Platatildeo mas vai aleacutem

considerando as posiccedilotildees de toda a tradiccedilatildeo claacutessica grega posterior como a abordagem

aristoteacutelica epicurista ciacutenica cirenaica e estoica ateacute alcanccedilar as visotildees contemporacircneas

acerca do prazer

Lembramo-nos a primeira fraὅἷΝἵὁmΝὃuἷΝἐὄavὁΝ(ἀίίλΝὂέΝ1ἁ)ΝiὀiἵiaΝὅuaΝὁἴὄaΝὃuἷμΝldquo(έέέ)Ν

aΝἵultuὄaΝgὄἷgaΝὧΝumaΝἵultuὄaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄrdquoΝὅἷguiὀἶὁ o que disse Casertano (1983) As origens

gregas atestam tal fato basta retomarmos a claacutessica poesia grega (eacutepica liacuterica traacutegica) e a

frequecircncia com que o tema dos prazeres eacute exaltado cantado celebrado O tema dos

prazeres como nos mostra a obra faz parte da cultura grega desde seus primoacuterdios muito

antes do surgimento da filosofia mas natildeo apenas isso podemos ainda destacar que uma das

preocupaccedilotildees fundamentais do homem grego era viver prazerosamente e fazer viver

prazerosamente (BRAVO 2009 p 14)

Podemos sem duacutevida dizer que o prazer se situa em uma intriacutenseca relaccedilatildeo no

pensamento platocircnico que envolve temas importantes estes jaacute anteriormente destacados

pela tradiccedilatildeo claacutessica ora privilegiando um ou outro dos quais Platatildeo se utiliza ao intentar a

elaboraccedilatildeo e uma visatildeo criteriosa da temaacutetica dos prazeres Tais termos seriam a virtude ou

( λ ά) o bem ( ΰαγ θ) e a felicidade ( αδηκθέα) No entanto nem sempre a traduccedilatildeo

destes termos faz jus ao sentido amplo tal como eles satildeo compreendidos na visatildeo grega

10 Introduccedilatildeo

ἠὁΝἶἷἵὁὄὄἷὄΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὂlatὲὀiἵὁὅΝὅἷjaΝἶὁὅΝἶitὁὅΝldquoἶaΝjuvἷὀtuἶἷrdquoΝatὧΝὁὅΝἶaΝἵhamaἶaΝ

ldquovἷlhiἵἷrdquoΝo modo de como se deve viver (π μ ίδπ Ϋκθ)19 eacute uma questatildeo eacutetica fundamental

Essa eacute uma das questotildees mais seacuterias natildeo soacute para Platatildeo mas ao pensamento claacutessico como

um todo20 No modelo eacutetico claacutessico e na filosofia de Platatildeo a questatildeo eacutetica estaacute direcionada

agrave vida boa ( α θ) como um todo da qual o homem natildeo se encontra separado mas eacute parte

dessa ordem universal na qual ele proacuteprio se encontra natildeo eacute um ser privilegiado Neste

ὅἷὀtiἶὁΝaὅΝὂὄὰὂὄiaὅΝὀὁὦὴἷὅΝἶἷΝldquoἴἷmΝmὁὄalrdquoΝἶἷΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝἷΝἶἷΝldquofἷliἵiἶaἶἷrdquoΝὀatildeὁΝse encontram

plenamente definidas ou estanques mas satildeo a todo momento postas em debate em conflito

nestes modos de vida que se apresentam como elegiacuteveis enquanto tais isto eacute passiacuteveis de

caracterizaccedilatildeo da finalidade humana que eacute a vida plenamente feliz (ίέκθ αέηκθα) (11d6)21

A tarefa do Filebo como veremos no entanto eacute muito menos ambiciosa natildeo se trata de uma

definiccedilatildeo do que seja a felicidade ou o que seja a vida feliz mas o que torna uma vida

propriamente feliz

Nos diaacutelogos platocircnicos nos debates travados entre os interlocutores e entre os

personagens subjazem essas questotildees fundamentais e caras ao pensamento de Platatildeo e agrave

tradiccedilatildeo claacutessica da antiguidade grega na qual estaacute inserido nosso autor Essas questotildees

figuram explicitamente nos debates ali encenados por nosso autor Satildeo estes temas

eminentes da filosofia platocircnica que estatildeo por traacutes das encenaccedilotildees dos dramas filosoacuteficos

elaborados por nosso autor Tais questotildees satildeo apresentadas sob formas diversas em

contextos dialeacuteticos variados poreacutem as questotildees fundamentais do pensamento platocircnico

permanecem as mesmas Os diaacutelogos potildeem em conflito as diversas posiccedilotildees sobre estes

temas satildeo modelos existenciais sopesados avaliados aquilatados as perdas e ganhos

desses modelos de vidas apresentam-se sob forma emblemaacutetica radicalizada por meio de

personagens que se tornam defensores de posiccedilotildees que seratildeo analisadas Uma variedade

de recursos dramaacuteticos literaacuterios e filosoacuteficos satildeo utilizados de variadas maneiras

A Platatildeo podemos atribuir a tarefa de descrever e fundamentar o modo de vida

filosoacutefico que se encontra em Soacutecrates mas natildeo eacute apenas nesse personagem o principal

19 Cf Grg 492d 500c 20 Conforme aponta Crombie (1988) a vida plenamente realizada para os gregos pode ser entendida de duas maneiras (i) seja como aquele homem que vive virtuosamente (ii) seja como algueacutem que vive prosperamente ἢὁὄtaὀtὁΝaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἷΝaὁΝmἷὅmὁΝtἷmὂὁΝἶifἷὄἷὀἵiaὦatildeὁΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquoἴὁmrdquoΝὧΝumaΝtaὄἷfaΝimposta pelo proacuteprio Platatildeo agrave sua obra (p 250) 21 Dentre as valiosas contribuiccedilotildees relativas ao termo eudaimoniacutea encontra-se o artigo de Taylor (2008) na Routledge Encyclopedia of PhilosophyΝἷmΝὃuἷΝἷlἷΝaὅὅimΝὄἷtὁmaΝaΝὅἷmacircὀtiἵaΝἶὁΝtἷὄmὁμΝldquoO sentido literal da palavra grega eudaimonia ὧΝtἷὄΝumΝἴὁmΝἷὅὂiacuteὄitὁΝguaὄἶiatildeὁrdquoΝ[eu (bom) daiacutemon (espiacuterito) ter uma vida abenccediloada que se goza em favor daquilo que eacute divino] que eacute ter o estado de uma vida objetivamente desejaacutevel universalmente agradaacutevel pelas antigas teorias filosoacuteficas e pelo pensamento popular da eacutepoca como o supremo bem humano Este objetivo carateriacutestico se distingue da concepccedilatildeo moderna de felicidade uma vida subjetivamente satisfatoacuteria (p 1)

11 Introduccedilatildeo

defensor deste gecircnero de vida que ao mesmo tempo vai se delineando a partir do embate

com os outros modelos de vida propostos aos cidadatildeos atraveacutes dos mais diversos tipos de

educadores gregos os quais satildeo representados pelos interlocutores de Soacutecrates na cena

dramaacutetica do diaacutelogo Muito mais do que representarem personalidades histoacutericas - e alguns

nem representam seres reais - satildeo discursos que se opotildeem por meio do exerciacutecio da atividade

dialeacutetica socraacutetico-platocircnico Podemos escolher com os quais devemos lidar seja com alguns

mais brandos como Protaacutegoras Iacuteon Caacutermides ou aqueles que defendem posiccedilotildees mais

extremas como Caacutelicles22 e Trasiacutemaco23 que desafiam de maneira singular o proacuteprio Soacutecrates

sendo a este uacuteltimo necessaacuterio lidar com os aspectos mais violentos da ίλδμ (desmedida)

humana na πζ κθ ιέα (ambiccedilatildeo violenta) caracteriacutestica daqueles homens que seriam frutos

da educaccedilatildeo sofiacutestica com todas as suas vicissitudes pertinentes24

As concepccedilotildees morais (eacuteticas) de Platatildeo estatildeo fundamentadas nas noccedilotildees de ordem

de harmonia de medida na excelecircncia Agrave medida em que se reconhece como parte de uma

totalidade coacutesmica de um microcosmo dentro de um macrocosmo o homem eacute questionado

sobre suas accedilotildees e o modo como se encontra organizada sua existecircncia Toda a sua

existecircncia deve ser configurada agrave luz desse παλΪ δΰηα25 universal presente na estrutura

macrocoacutesmica transcendente para a partir daiacute pela arte da medida configurar sua accedilatildeo na

vida cidadatilde traccedilando em sua existecircncia os mais belos contornos dotados dessa precisatildeo

provenientes de tal estrutura avaliando corretamente sua existecircncia analisando os

conhecimentos das teacutecnicas (artes) uacuteteis para a respectiva configuraccedilatildeo desse seu modelo

de vida Proporccedilatildeo virtude beleza satildeo manifestaccedilotildees do divino em noacutes uma vida bem

ordenada uma alma justa (bem composta) bem direcionada eacute sinal visiacutevel da ordem invisiacutevel

(divina) no espectro da vida humana

Desta forma a negaccedilatildeo da invectiva deleteacuteria das paixotildees dos desejos extremados

dos prazeres excessivos exorbitantes eacute uma ameaccedila agrave essa proacutepria ordem natural coacutesmica

da qual somos uma pequena parte constituinte Eacute conveniente examinar segundo Platatildeo isso

que o proacuteprio pensamento denuncia essa ideia de que a vida tal como eacute se basta a si mesma

ideia que o pensamento revela ao propor-nos que pensemos na possibilidade uma vida ainda

mἷlhὁὄΝ maiὅΝ ldquoὂὄὰximaΝ ἶὁΝ ἶiviὀὁrdquoΝ maὅΝ aὁΝ mἷὅmὁΝ tἷmὂὁΝ ἵὁὀὅἵiἷὀtἷΝ ἶἷΝ ὃuἷΝ ὧΝ umaΝviἶaΝ

humana animada natildeo uma vida estaacutetica uma vida asceacutetica Uma vida que natildeo deixa de ser

essa indeterminaccedilatildeo de que nos falaraacute o Filebo nem estritamente animal nem estritamente

divina mas uma vida mista de prazer e de inteligecircncia que recusa o servilismo a

instantaneidade o consumo imediato a fugacidade e a deterioraccedilatildeo e corrupccedilatildeo dos desejos

22 Cf Grg483b-d 23 Cf R I 348d 24 (Cf PAULA 2016 p 14) 25 Cf Tim 49a1ss

12 Introduccedilatildeo

exacerbados buscando por algo que contenha ao menos um pouco de unidade e de

durabilidade

O tema do prazer ndash presente tambeacutem no Protaacutegoras no Goacutergias no Banquete e na

Repuacuteblica ndash teria no Filebo sua uacuteltima e criteriosa abordagem Por isso ao adentrar nas linhas

desse diaacutelogo nosso esforccedilo parece justificar-se em vista da temaacutetica que nos eacute presente

justamente porque o FileboΝaὁΝὃuἷΝtuἶὁΝiὀἶiἵaΝὧΝaΝldquoήltimaΝὂalavὄardquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝaΝὄἷὅὂἷitὁΝἶὁΝ

tἷmaΝ ὂὄaὐἷὄέΝ ldquoUacuteltimardquoΝ aὃuiΝ ὀatildeὁΝ ἶiὐΝ ὄἷὅὂἷitὁΝ ὡὅΝ ὃuἷὅtὴἷὅΝ ἵὁὀtὄὁvὧὄὅiaὅΝ ὃuἷΝ ἵὁὀἵἷὄὀἷmΝ ὡΝ

suposta cronologia entre os diaacutelogos mas agrave maneira como Platatildeo lida com esse tema a

profundidade o refinamento uacutenicos desta obra importante Em nenhum dos demais diaacutelogos

o prazer ocupa um papel semelhante ao do Filebo ele eacute iacutempar e imprescindiacutevel ao leitor

interessado na temaacutetica dos prazeres

O Filebo no entanto carrega consigo inuacutemeras particularidades eacute um diaacutelogo denso

difiacutecil como veremos ao longo deste trabalho Eacute impossiacutevel jaacute em um primeiro momento natildeo

notar tamanha especificidade sendo necessaacuterio tambeacutem respeitaacute-las distanciando-se dos

preconceitos interpretativos recorrentes no trabalho de qualquer leitor Eacute necessaacuterio tambeacutem

estar disposto a seguir a trajetoacuteria forjada por Platatildeo neste drama adentrar sem restriccedilotildees

sem tangenciar sem titubear sem pensar em abandonaacute-lo nas primeiras linhas nas primeiras

dificuldades impostas A estrita e complexa relaccedilatildeo entre o bem ( ΰαγ θ) a vida boa ( α θ)

o prazer ( κθά) e a reflexatildeo (φλσθ δμ) jaacute eacute uma demanda aacuterdua e exige um aprofundamento

particular na anaacutelise da obra na qual estatildeo contidos os temas que hora ou outra merecem

toda a atenccedilatildeo de nosso autor em sua obra dialoacutegica

Nos dizeres de Maciel (2002)

A maior parte do diaacutelogo eacute dedicada ao estudo do prazer 1024 linhas sobre um total de 2369 o que leva a deduzir o peso e a relevacircncia desse componente no confronto com o intelecto na anaacutelise empreendida sobre qual ldquoὁΝἷὅtaἶὁΝἷΝaΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝἶaΝalmaΝἵaὂaὐΝἶἷΝἵὁὀἵἷἶἷὄΝaΝtὁἶὁὅΝὁὅΝhὁmἷὀὅΝumaΝvida feliz (11d) Se Platatildeo teve como constante em sua obra que a felicidade depende da escolha dos prazeres no Filebo a questatildeo transforma-se em quais prazeres devem ser escolhidos para compor com o intelecto a vida feliz (p 14)

ἓὅὅἷΝtὄaἴalhὁΝὄἷafiὄmaΝaiὀἶaΝmaiὅΝaΝὀἷἵἷὅὅὠὄiaΝὄἷtiὄaἶaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἶaὅΝldquoaltuὄaὅΝgὧliἶaὅrdquoΝ

de um idealismo que natildeo acreditamos ser possiacutevel justificar mediante uma leitura acurada de

sua obra proacuteprio de uma leitura equivocada cristalizada no pensamento filosoacutefico ocidental

Platatildeo asceacutetico intelectualista inimigo do corpo e dos prazeres E aleacutem do mais qualquer

posiccedilatildeo estanque tal como a anti-hedonista (comumente associado ao pensamento de

Platatildeo) nem uma posiccedilatildeo hedonista podem ser de fato atribuiacutedas a Platatildeo no que fiz

ὄἷὅὂἷitὁΝ ὡΝ ὅuaΝ ldquofilὁὅὁfiaΝ mὁὄalrdquoέΝ ἦὁἶaviaΝ umaΝ ὂὁὅiὦatildeo especiacutefica iacutempar em torno dos

13 Introduccedilatildeo

prazeres pode ser notada a partir da investigaccedilatildeo do tema conforme nos apresenta o filoacutesofo

neste diaacutelogo uacuteltimo Obra na qual nenhuma das posiccedilotildees (hedonista e anti-hedonista)

parecem ser unicamente defensaacuteveis como aquἷlaΝὃuἷΝἶἷfiὀiὄὠΝaΝldquoἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝviἶaΝhumaὀardquoΝ

tida por Platatildeo como aquela capaz de ser considerada por todos os seres como a vida

ldquoὂlἷὀamἷὀtἷΝfἷliὐrdquoέΝ

ἏiὀἶaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝἵὁὀὅiἶἷὄἷΝὃuἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὀatildeὁΝὂὁὅὅaΝὅἷὄΝtiἶὁΝἵὁmὁΝὁΝldquoἴἷmrdquoΝἷΝem um

primeiro momento se acredite que toda cautela eacute necessaacuteria quanto agrave fruiccedilatildeo dos prazeres

natildeo haacute nada que ateste uma condenaccedilatildeo absoluta do prazer nos diaacutelogos Muito pelo

contraacuterio o objetivo de Platatildeo no Filebo como buscaremos demonstrar eacute evidenciar o papel

que cabe tanto ao prazer ὃuaὀtὁΝaὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἷὀὃuaὀtὁΝἵὁὀὅtituiὀtἷὅΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝ ldquoviἶaΝ

ἴὁardquoέ

Nossa anaacutelise pode ser resumida nos seguintes termos No primeiro capiacutetulo trato da

claacutessica questatildeo envolvendo a leitura dos diaacutelogos platocircnicos Uma abordagem dessa

questatildeo parece ser necessaacuteria jaacute que o Filebo eacute uma obra que desafia os inteacuterpretes e coloca

em questatildeo vaacuterios aspectos fundamentais em relaccedilatildeo a literatura platocircnica em geral como

por exemplo o retorno de Soacutecrates aos diaacutelogos a ausecircncia de informaccedilotildees histoacutericas sobre

os interlocutores dentre outros Destarte tambeacutem apresento minha posiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave

debatida questatildeo em torno dos modos de leitura dos diaacutelogos ou melhor minha preferecircncia

quanto a um tipo de interpretaccedilatildeo das obras especialmente aquela que considero pertinente

ser adotada conforme os fins deste trabalho isto eacute particularmente agrave anaacutelise dos temas

presentes no Filebo

No segundo capiacutetulo desejo adentrar agraves especificidades do Filebo este eacute o principal

objetivo que envolve esta primeira parte do texto Apresento uma raacutepida mas relevante

discussatildeo acerca das conotaccedilotildees que o Filebo adquiriu ao longo da tradiccedilatildeo interpretativa

claacutessica do diaacutelogo fundamentalmente a partir da retomada da leitura da obra no seacuteculo XX

mediante o surgimento de algumas visotildees interpretativas neste periacuteodo dispostas a

retomarem o conteuacutedo desse escrito platocircnico sob o propoacutesito de fundamentarem suas

interpretaccedilotildees baseadas no conteuacutedo da obra em questatildeo Creio ser imprescindiacutevel uma

apresentaccedilatildeo ao leitor de alguns aspectos introdutoacuterios que envolveratildeo a anaacutelise da obra ao

longo deste nosso ensaio bem como o percurso-histoacuterico filosoacutefico no qual se desenvolve a

tradiccedilatildeo interpretativa do diaacutelogo durante esses dois uacuteltimos seacuteculos de nossa era O diaacutelogo

em anaacutelise estaacute repleto de inuacutemeras especificidades aleacutem de conter uma seacuterie de

particularidades e de apresentar alguns temas complexos o que demanda por sinal um

grande esforccedilo interpretativo por parte de seu leitor

Em suma pretendemos fornecer ao leitor em um primeiro momento uma visatildeo geral

sobre a obra uma espeacutecie de mapa da discussatildeo principalmente a respeito do(s) tema(s)

centrais da obra a ser analisada o modo como os temas estatildeo divididos na estrutura do

14 Introduccedilatildeo

diaacutelogo Aleacutem disso jaacute se atenta para a necessidade de nosso leitor de natildeo abrir matildeo dos

recursos que porventura ele dispotildee no que diz respeito agrave familiaridade com o texto platocircnico

iὅtὁΝ ὧΝ atἷὀtamὁὅΝ ὅὁἴὄἷΝ aΝ ὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝ ἶἷΝ umaΝ ἷὅὂὧἵiἷΝ ἶἷΝ ldquoἴήὅὅὁlardquoΝ ἶἷΝ ὁὄiἷὀtaὦatildeὁΝ

necessaacuteria para uma anaacutelise mais aprofundada sobre a obra sutilmente elaborada por nosso

autor destacando-se enquanto uma obra difiacutecil poreacutem natildeo impossiacutevel Tarefa que exige uma

atenccedilatildeo maior por parte do leitor sobre uma questatildeo tratada com certo refinamento e que

ἷvὁἵaΝumΝldquoὅἷὀtiἶὁ maiὅΝaὂὄὁfuὀἶaἶὁrdquo26 abrangente da obra e natildeo acessiacutevel a uma espeacutecie

ἶἷΝ lἷituὄaΝἴaὅἷaἶaΝἷmΝumaΝviὅatildeὁΝldquotὁὂὁgὄὠfiἵardquoΝἶaΝὁἴὄaΝviὅtaΝldquoἶἷΝἵimardquoΝmaὅΝὅimΝἷmΝumΝ

aprofundamento que consiste em analisar detalhadamente aquilo que Platatildeo procura ali nos

apresentar eacute preciso adentrar as linhas desse escrito para ser capaz de promover uma

interpretaccedilatildeo eficaz por intermeacutedio de um questionamento preciso sobre o sentido da obra

intenccedilatildeo a meu ver apenas efetiva por meio da busca pela unidade aparentemente perdida

e problemaacutetica dessa obra

Dito isto em virtude de uma maior compreensatildeo do drama em questatildeo procurarei

tambeacutem abordar ao longo deste capiacutetulo algumas contribuiccedilotildees por parte desses estudiosos

claacutessicos (em grande maioria divergentes entre si) sobre o contexto histoacuterico as personagens

e os interlocutores que compotildeem a obra Resumidamente me deterei ao longo do capiacutetulo na

discussatildeo acerca do problema central que envolve a obra dilema que conforme se poderaacute

notar natildeo eacute alvo de consenso entre os diversos inteacuterpretes da obra a saber a unidade

estrutural do diaacutelogo

No terceiro capiacutetulo apresento uma anaacutelise detalhada de todo o diaacutelogo Partindo da

compreensatildeo de que o Filebo ἵὁὀὅtituiΝumΝldquotὁἶὁrdquoΝndash ao defender aqui uma anaacutelise unitaacuteria e

sincrocircnica dos temas que satildeo ali apresentados por Platatildeo ndash nossa anaacutelise da obra eacute feita de

acordo com uma divisatildeo apenas didaacutetica comumente adotada estabelecida em torno dos

temas que compotildeem a obra tal como satildeo abordados sequencialmente no diaacutelogo No

entanto eacute necessaacuterio ressaltar que minha leitura do diaacutelogo requer uma conexatildeo entre essas

partes que ora ou outra se aproximam e sobretudo se articulam durante o meu texto Dito

26 ἡΝὃuἷΝtὄatὁΝaὃuiΝἵὁmὁΝldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὅΝaὂὄὁfuὀἶaἶὁrdquoΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝὂὄὰὂὄiaΝmἷtὁἶὁlὁgiaΝἷΝὀatildeὁΝaΝumaΝespeacutecie de leitura fechada particular sobreposta agraves demasiadas existentes que dizem respeito agrave obra Trata-se de conceber uma visatildeo que vise esgotar o maacuteximo possiacutevel as possibilidades desse ldquoἷὀtὄἷlaὦamἷὀtὁrdquoΝἷὀtὄἷΝὁὅΝἶivἷὄὅὁὅΝἷΝὄiἵὁὅΝaὅὂἷἵtὁὅΝutiliὐaἶὁὅΝὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὀὁΝtἷxtὁΝaΝ fimΝἶἷΝalἵaὀὦaὄΝuma visatildeo coerente do contexto apresentado e das questotildees relativas ao prazer a meu ver ligadas diretamente aos conteuacutedos eacuteticos e que nos possam dizer algo sobre a visatildeo de Platatildeo sobre o referido tema O resultado interpretativo neste caso eacute fruto desse entrecruzamento por isso natildeo podemos afirmar nada veemente mas apenas tentar alcanccedilar o maacuteximo possiacutevel os desdobramentos do diaacutelogo sem contudo afirmar que todos os aspectos foram ressaltados por nossa interpretaccedilatildeo e que ela daacute conta de todo o espectro do diaacutelogo pois seria impossiacutevel No maacuteximo podemos apresentar uma visatildeo privilegiada que vise congregar o maacuteximo de aspectos possiacuteveis capazes de dar sustentaccedilatildeo a uma determinada posiccedilatildeo interpretativa

15 Introduccedilatildeo

isso nada impede que retomemos algo que anteriormente jaacute tivermos dito portanto algo que

possa se mostrar relevante a nossa anaacutelise

Este terceiro capiacutetulo no entanto como jaacute dissemos anteriormente eacute constituiacutedo de

uma longa anaacutelise do texto do Filebo pois conforme destacamos na metodologia

anteriormente eacute necessaacuterio recorrer ao texto original lidar diretamente com o leacutexico platocircnico

utilizado no drama em questatildeo como tambeacutem reconhecer as questotildees literaacuterias e os recursos

utilizados por nosso filoacutesofo na construccedilatildeo desse escrito para a partir daiacute reconhecer via

argumentaccedilatildeo as questotildees propriamente filosoacuteficas desenvolvidas por nosso autor no

contexto geral expresso naquele drama que envolvem sem duacutevida uma compreensatildeo mais

aprofundada e que requer certa lida com o texto e com a filosofia do filoacutesofo ateniense Neste

sentido partilho tambeacutem em alguns momentos de uma dada metodologia que requer certa

ldquotὄaὀὅvἷὄὅaliἶaἶἷrdquoΝἷὀtὄἷΝὁὅΝ tἷxtὁὅΝἶὁὅ demais diaacutelogos e que utilizo com certa frequecircncia

sempre respeitando as particularidades de cada contexto argumentativo embora me

mantenha centrado especialmente no texto do Filebo

Mediante esse recurso torna-se possiacutevel compreender passagens muito sinteacuteticas da

obra recorrendo a outras que natildeo as do diaacutelogo referido que tratam dos mesmos temas e que

demonstram seja uma continuidade seja uma ruptura Aleacutem do mais creio na necessidade

da renovaccedilatildeo dos problemas claacutessicos apresentados pelo diaacutelogo mediante o confronto com

os diferentes aspectos literaacuterios presentes em uma determinada obra como os mitos a

metaacuteforas as imagens o riso a ironia o silecircncio todos eles a serviccedilo da literatura ficcionada

de Platatildeo destinados agrave persuasatildeo filosoacutefica para a elaboraccedilatildeo de uma filosofia dialeacutetica27Dito

de outro modo conveacutem analisar detidamente os discursos de todas as personagens que

compotildeem determinada obra (sofistas retores e oradores) bem como os conteuacutedos

dramaacuteticos histoacutericos mitoloacutegico-poeacuteticos filosoacuteficos fiacutesicos e fisioloacutegicos (preacute-socraacuteticos)

que porventura o diaacutelogo em anaacutelise possa evocar Esse entrecruzamento entre

ὂἷὄὅὂἷἵtivaὅΝ ὂἷὀὅὁΝ ὀὁὅΝ ἶiὄigἷΝ aΝ umaΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝ maiὅΝ ὃualifiἵaἶaΝ maiὅΝ ldquoὂὄἷἵiὅardquoΝ

transformando a parcialidade em uma generalidade o que natildeo significa falta de profundidade

mas muito pelo contraacuterio a saiacuteda de uma suposta parcialidade de uma leitura pouco

aprofundada em vista da construccedilatildeo de uma perspectiva maior mais detalhada ou melhor

mais bem construiacuteda Aleacutem de tudo considero esse tipo de leitura mais entusiasmante pois

o texto ganha vida sustenta-se em si mesmo aleacutem de recobrir-se de inteligecircncia

caracteriacutesticas desse proacuteprio texto isto eacute natildeo soacute o texto eacute assim melhor valorizado mas

tambeacutem a leitura do texto eacute profiacutecua ao mesmo tempo em que suas qualidades permanecem

maiὅΝviὅiacutevἷiὅΝἶὁΝὃuἷΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝaΝmἷuΝvἷὄΝumaΝlἷituὄaΝmaiὅΝldquoὅiὅtἷmὠtiἵardquoΝldquoaὀaliacutetiἵardquoΝὁuΝ

ldquolὰgiἵardquoΝἶὁΝtἷxtὁΝἷmΝὃuἷΝtaiὅΝὂὄὁὂὄiἷἶaἶἷὅΝ(tἷxtuaiὅ)ΝὂὁἶἷὄiamΝἶἷὅtἷΝmὁἶὁΝὅἷὄΝὂἷὄἶiἶaὅέ

27 Sobre isso ver MARQUES (2016 p 40ss) e MUNIZ (2007 p 116)

16 Introduccedilatildeo

Tambeacutem recorro nesta parte do texto a uma seacuterie de estudiosos contemporacircneos que

apresentam importantes reflexotildees sobre as temaacuteticas ali apresentadas demonstradas sob

uma versatildeo qualificada e que refletem o debate em voga sobre o diaacutelogo na atualidade

Visotildees a meu ver mais aprofundadas melhor elaboradas fruto de uma anaacutelise mais

ἵὁmὂlἷxaΝ ἷΝ ldquovivardquoΝ ἶaΝ ὁἴὄaέΝ EacuteΝ tambeacutem baseado nas consideraccedilotildees desses teoacutericos cujas

teorias nos parecem extremante pertinentes que visamos apresentar uma reflexatildeo

consistente e ao mesmo tempo relevantes nesse capiacutetulo ora tomando de empreacutestimo suas

contribuiccedilotildees ora confrontando-as Trata-se de lidar com certa agudeza teoacuterica no que diz

respeito a essas visotildees mais contemporacircneas inseridas no contexto da discussatildeo platocircnica

atual no acircmbito das questotildees pertinentes apresentadas pela obra em questatildeo relativas agrave

temaacutetica dos prazeres e seus desdobramentos posteriores no cenaacuterio maior que compotildee a

reflexatildeo filosoacutefica proposta por nosso autor

17 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

1 SOBRE COMO LER OS DIAacuteLOGOS DE PLATAtildeO E A POSICcedilAtildeO INTEPRETATIVA

ADOTADA NESTE TRABALHO

Para os efeitos de nossa anaacutelise antes de adentrarmos em um detalhamento geral de

nossa pesquisa nos proacuteximos capiacutetulos e seccedilotildees torna-se imprescindiacutevel apresentarmos um

delineamento do modo como faremos uma leitura acerca deste diaacutelogo platocircnico nosso objeto

de estudo o Filebo Eacute consensualmente defendido pelos estudiosos de Platatildeo que os diaacutelogos

de Platatildeo apresentam a forma de um λ ηα filosoacutefico Ateacute entatildeo anteriormente ao

desenvolvimento do Tratado desenvolvido ὂὁὄΝἏὄiὅtὰtἷlἷὅΝldquo(έέέ) os diversos temas filosoacuteficos

eram apresentados por meio do que hoje chamariacuteamos formas literaacuterias ἶἷΝ ἵὁmὂὁὅiὦatildeὁrdquoΝ

(MATOSO 2015 p 21)

Atualmente se sabe que Platatildeo natildeo foi o uacutenico a compor diaacutelogos Aristoacuteteles na

Poeacutetica (1447b11)28 salienta que os κελα δεσδ ζκΰσδ em que Soacutecrates eacute o principal

personagem no contexto de uma discussatildeo argumentativa dialoacutegica era um tipo de gecircnero

literaacuterio comum Na eacutepoca de Platatildeo ὁὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅΝὅὁἵὄὠtiἵὁὅrdquoΝjaacute eram um gecircnero de escrita

firmemente estabelecido na Greacutecia Isto parece justo agrave medida que se verifica que chegaram

ateacute noacutes alguns diaacutelogos socraacuteticos escritos por Xenofonte (Banquete Apologia de Soacutecrates

Oeconomicus e Memorabilia) em que Soacutecrates eacute tambeacutem o condutor uma espeacutecie de

protagonista da discussatildeo

Seraacute atraveacutes desse novo estilo de escrita a representaccedilatildeo dramaacutetica por meio de

diaacutelogos que Platatildeo escreveraacute sua obra Ao mesmo tempo em que os diaacutelogos demonstram

a genialidade literaacuteria de Platatildeo eles tambeacutem demonstram determinada originalidade

filosoacutefica isto porque os textos platocircnicos exigem um grande esforccedilo (interpretativo) por parte

dos leitores Um primeiro fator que resulta em uma significativa dificuldade quanto agrave leitura

dos diaacutelogos diz respeito ao fato de Platatildeo natildeo aparecer como personagem nos diaacutelogos29 o

que torna impossiacutevel o trabalho do inteacuterprete cuja tarefa consistiria em identificar quais seriam

suas proacuteprias teorias ou doutrinas e quais pertenceriam unicamente a Soacutecrates Dito de outro

modo poderiacuteamos nos ὃuἷὅtiὁὀaὄΝὅἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὧΝaὂἷὀaὅΝumaΝldquomὠὅἵaὄardquoΝumaΝὂἷὄὅὁὀagἷmΝ

28 ldquoἦὁἶaviaΝ aΝ [aὄtἷ]Ν ὃuἷΝ imitaΝ aὂἷὀaὅΝ ἵὁmΝ ὂalavὄaὅΝ ἷmΝ ὂὄὁὅaΝ ὁuΝ ἷmΝ vἷὄὅὁΝ ὂὁἶἷὀἶὁΝ miὅtuὄaὄ-se diferentes metros ou usar um uacutenico chegou ateacute hoje sem nome Realmente natildeo temos nenhum termo comum para designar os mimos de Soacutefron e de Xenarco e os diaacutelogos socraacuteticos ou a imitaccedilatildeo que algueacutem faccedila em triacutemetros em versos elegiacuteacos ou alguns outros metὄὁὅΝὅimilaὄἷὅέrdquoΝ(Arist Po 1447b11) 29 Platatildeo soacute aprece duas vezes como personagem nos diaacutelogos A primeira apariccedilatildeo eacute notada na Apologia (34a 38b) e a outra no Feacutedon (59b) Contudo estas apariccedilotildees satildeo demasiadamente tiacutemidas a ponto de natildeo nos permitir inferir algo sobre suas proacuteprias teorias sem relacionaacute-las agrave figura de Soacutecrates

18 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

que oculta o verdadeiro pensamento de Platatildeo ou se ele de fato distancia-se ao apresentar

um pensamento proacuteprio em nada semelhante ao de nosso autor

A ausecircncia da figura de Platatildeo nos diaacutelogos e por conseguinte a impossibilidade de

identificaccedilatildeo das doutrinas filosoacuteficas que lhe seriam porventura pertinentes dificultam em

demasia a leitura dos diaacutelogos Um dos meios mais usuais eacute identificar as posiccedilotildees adotadas

por Soacutecrates nos textos agraves posiccedilotildees de Platatildeo Contudo este nem sempre eacute um bom caminho

como parece ou melhor natildeo seria tatildeo simples assim ou algo demasiadamente faacutecil

O anonimato do filoacutesofo em seus diaacutelogos suscitou ao longo dos tempos inuacutemeras

iὀtἷὄὂὄἷtaὦὴἷὅΝἶὁΝὃuἷΝὅἷὄiaΝὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝaΝldquoἶὁutὄiὀardquoΝὁuΝaΝldquotἷὁὄiaΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoέΝἏΝmaὀἷiὄaΝmaiὅΝ

faacutecil e usualmente adotada no passado da tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica era identificar as

teorias expostas por Soacutecrates nas obras de Platatildeo como pertencentes ao proacuteprio Platatildeo

Entretanto algumas questotildees podem surgir na anaacutelise do corpus (i) A posiccedilatildeo de Soacutecrates

nem sempre eacute a mesma nos diversos diaacutelogos em relaccedilatildeo a alguns temas30 (ii) nem sempre

Soacutecrates eacute o personagem principal o condutor do diaacutelogo (protagonista)31 Portanto eacute

impossiacutevel afirmar com veemecircncia que as doutrinas de Platatildeo possam ser necessariamente

as mesmas de Soacutecrates ou melhor que ambos os filoacutesofos possuem um pensamento idecircntico

sobre os diversos temas filosoacuteficos

Certa parcimocircnia acaba sendo exigecircncia fundamental de um leitor da obra de Platatildeo

Uma outra vertente interpretativa considera que alguns fatores satildeo tambeacutem importantes na

aὀὠliὅἷΝἶὁΝtἷxtὁΝὂlatὲὀiἵὁέΝἏlὧmΝἶaὅΝὂὁὅὅiacutevἷiὅΝldquoἶὁutὄiὀaὅrdquoΝἶἷvἷmΝὅἷὄΝobservados em qualquer

interpretaccedilatildeo fatores como contexto histoacuterico contexto dramaacutetico fatores geograacuteficos

fatores culturais e filosoacuteficos da eacutepoca estrutura estiliacutestica da obra personagens e

interlocutores principais temas discutidos dentre outros A maioria desses inteacuterpretes tecircm se

apegado ora a alguns destes aspectos ora a todos estes para um estudo que possa ser ao

menos mais criterioso e eficaz quanto agrave intepretaccedilatildeo do pensamento platocircnico32

Frente a semelhante problemaacutetica ao longo da histoacuteria do pensamento ocidental e

particularmente no estudo das obras de Platatildeo duas teses ou dois tipos de interpretaccedilatildeo

30 Atente-se ao exemplo do tema que aqui desenvolvemos a postura socraacutetica em relaccedilatildeo ao tema do prazer parece ser ambiacutegua isso se levarmos em conta a anaacutelise de diversos diaacutelogos em que o tema eacute alvo de discussatildeo por parte de Soacutecrates Basta relembrar as posiccedilotildees anti-hedonistas defendidas por Soacutecrates seja no Goacutergias no Feacutedon e na Repuacuteblica frente agrave posiccedilatildeo hedonista do Protaacutegoras Aleacutem do caso do proacuteprio Filebo que parece estar distante dos diaacutelogos anteriores ao apresentar uma posiccedilatildeo particular em relaccedilatildeo ao tema 31 Por exemplo nos uacuteltimos diaacutelogos (agrave exceccedilatildeo do Filebo) o protagonista Soacutecrates cede lugar a outros como no Sofista em que o Estrangeiro de Eleacuteia assume a discussatildeo e nas Leis o Ateniense eacute quem dirige o curso da argumentaccedilatildeo 32 Dentre estes autores podemos destacar M Frede (1992) M M Mccabe G A Press (1993 2000) D Nails (2002) V Tejera (1999) J Sallys (1996) K Sayre (1995) Falarei sobre o assunto e sobre alguns desses autores mais adiante

19 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

surgiram a fim de defenderem dois tipos ou modos de leitura do texto platocircnico os

denominados unitaristas e os chamados revisionistas ou desenvolvimentistas A seguir

apresento tais vertentes interpretativas da obra de Platatildeo

11 A posiccedilatildeo unitarista

Os unitaristas acreditam que os diferentes diaacutelogos compotildeem uma doutrina uacutenica

Nota-se que o pensamento de Platatildeo passa por um processo que se desenvolve

gradualmente no qual os diaacutelogos pouco a pouco vatildeo nos fornecendo indiacutecios e por fim eacute

possiacutevel chegar a estrutura interpretativa do pensamento (uacutenico) de Platatildeo Por mais que

concordem que diferentes fases no pensamento platocircnico existam os unitaristas defendem

que soacute existe uma doutrina referente ao pensamento platocircnico Esta posiccedilatildeo ressurge com

toda forccedila nos seacuteculos XIX e XX visto que a questatildeo acerca do procedimento de leitura dos

ἶiὠlὁgὁὅΝ ὂlatὲὀiἵὁὅΝ ὧΝ umaΝ ldquoὃuἷὅtatildeὁΝ aὀtiὃuiacuteὅὅimardquo33 a partir do teoacutelogo Friedrich

Schleiermacher34 tradutor das obras platocircnicas e escritor de um ensaio em que postula uma

nova divisatildeo das obras platocircnicas Introduccedilatildeo aos diaacutelogos de Platatildeo (1836) Essa posiccedilatildeo

tambeacutem eacute defendida atualmente (com algumas modificaccedilotildees) por Charles Khan (2010) Hans

Von Arnim (1967) Werner Jaeger (2003) Paul Shorey (1903) Paul Friedlaumlnder (1975) dentre

outros

33 A questatildeo acerca da maneira correta de ler os diaacutelogos de Platatildeo remonta agrave Antiguidade Antes mesmo do tema ressurgir na contemporaneidade ele jaacute era polecircmico O que garante tal fato satildeo as divisotildees dos diaacutelogos por temas de Dioacutegenes Trasilus teria catalogado as obras platocircnicas em tetralogias (semelhantemente agraves trageacutedias) e Aristoacutefanes de Bizacircncio em trilogias Segundo Reis (2001 ὂέΝ 1ἅλ)Ν ὂaὄaΝ ἒiὰgἷὀἷὅΝ ldquoὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ὅatildeὁΝ ἶiviἶiἶὁὅΝ ὂὄimἷiro em obras 1 Instrutivas (yacutephegetikoacutes) e outras que satildeo 2 Investigantes (zeteacutetikos) As primeiras seriam as obras de Platatildeo que expotildeem doutrinas positivas as segundas seriam apenas obras para a praacutetica dos meacutetodos corretos de investigaccedilatildeo Quanto agraves primeiras teriacuteamos ainda duas divisotildees em 11 Teoacuterico e 12 Praacutetico Teriacuteamos tambeacutem outras subdivisotildees sendo o Teoacuterico dividido em 111 Fiacutesico e 112 Loacutegico enquanto os Praacuteticos seriam divididos em 121 Eacuteticos e 122 Poliacuteticos A Segunda parte seria subdivida tambeacutem duas vezes Primeiro teriacuteamos os 21 Exerciacutecios mentais e as 22 Disputas Dentro dos Exerciacutecios teriacuteamos a 211 Maiecircutica e o 212 Tentativo e quanto agraves disputas teriacuteamos o 221 Probativo e o 222 Refutativo Dioacutegenes ainda diz que eacute comum em sua eacutepoca a divisatildeo dos diaacutelogos em Dramaacuteticos Narrativos e Mistos no entanto afirma que tal divisatildeo se encaixa melhor com obras de teatro do que com obras filosoacuteficas Outra divisatildeo que parece ser bem aceita na eacutepoca de Dioacutegenes eacute a que Trasilus faz Diz ele que Platatildeo publicou sua obra em tetralogias Platatildeo assim o fez por ser uma publicaccedilatildeo que se comparava com as trageacutedias que eram sempre representadas em nuacutemero de 3 com um drama satiacuterico por fim Aqui aparece como que a filosofia foi desde seu nascimento comparada e confrontada com outras manifestaccedilotildees culturais Ainda na antiguidade Aristoacutefanes o gramaacutetico teria ἶiviἶiἶὁΝaΝὁἴὄaΝἷmΝtὄilὁgiaὅrdquoΝ(ἑfέΝDL III p 49-62) 34 Como se nota na Introduccedilatildeo aos diaacutelogos de Schleiermacher (1804) o teoacutelogo alematildeo dirige uma dura criacutetica agraves formas adotadas pelos antigos no que diz respeito agrave organizaccedilatildeo do corpus (Cf SCHELEIERMACHER 2002 p 27 48-49) As criacuteticas do teoacutelogo alematildeo dirigem-se sobretudo a Aristoacutefanes de Bizacircncio e a Dioacutegenes Laeacutercio)

20 11 A posiccedilatildeo unitarista

A posiccedilatildeo do teoacutelogo alematildeo como se pode notar trouxe inuacutemeros desdobramentos

no modo interpretativo da obra de Platatildeo na filosofia ocidental Inspirado por um forte

hἷgἷliaὀiὅmὁΝ ἥἵhlἷiἷὄmaἵhἷὄΝ ὧΝ ὁΝ ὂὄimἷiὄὁΝ tἷὰὄiἵὁΝ aΝ ὂὄὁὂὁὄΝ umaΝ ἷὅὂὧἵiἷΝ ἶἷΝ ldquoὅiὅtἷmardquoΝ ἶὁΝ

pensamento platocircnico obtido exclusivamente pela leitura e organizaccedilatildeo cronoloacutegica dos

diaacutelogos Esse modo de interpretaccedilatildeo dos diaacutelogos aposta que cada obra se constitui como

uma espeacutecie de unidade autocircnoma devendo ser interpretada em uma ordem somente

aparente Nesse sentido Platatildeo teria um projeto educacional-filosoacutefico cuja diversidade

filosoacutefica dos diaacutelogos orientaria as razotildees literaacuterias

Nota-se a influecircncia de Schleiermacher nos principais unitaristas alematildees como

Werner Jaeger (2003) e dentre outros autores como jaacute destacamos que intentaram uma

interpretaccedilatildeo original da obra de Platatildeo Concepccedilotildees que explicitamente se mostram em

textos como a Paideia ἶἷΝJaἷgἷὄΝaὁΝὅἷΝἶiὐἷὄμΝldquoquando se pocircs a escrever o primeiro de seus

ἶiὠlὁgὁὅΝlsquoὅὁἵὄὠtiἵὁὅrsquoΝἢlatatildeὁΝjὠΝhaviaΝfixaἶὁΝὅἷuΝὁἴjἷtivὁΝἷΝaὅΝliὀhaὅΝgἷὄaiὅΝἶἷΝtὁἶὁΝὁΝὂὄὁjἷtὁΝjὠΝ

eram visiacuteveis para ele A intelecccedilatildeo da Repuacuteblica pode ser traccedilada com clareza nos diaacutelogos

iniciais (2003ΝὂέΝλἄ)έrdquo

O unitarismo apresenta entre seus maiores defensores o teoacutelogo alematildeo Friedrich

Schleiermacher Poreacutem a traduccedilatildeo dos diaacutelogos feita pelo teoacuterico alematildeo fortemente

influenciada pelo hegelianismo do seacuteculo XIX ao contraacuterio do que se possa imaginar natildeo

segue uma sistematizaccedilatildeo rigorosa na classificaccedilatildeo das obras platocircnicas Apesar de ser

notaacutevel o tamanho impacto da Introduccedilatildeo aos diaacutelogos de Platatildeo no modo de leitura do

platonismo que se sucedeu a partir do seacuteculo XIX

A noccedilatildeo de evoluccedilatildeo expositiva no pensamento platocircnico surge a partir da concepccedilatildeo

ὅἵhἷlἷiὄmaἵhἷὄiaὀaΝὂaὄaΝaΝὃualΝὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὅatildeὁΝἵὁὀὅiἶἷὄaἶὁὅΝἵὁmὁΝἷὅὂὧἵiἷὅΝἶἷΝldquomἷmἴὄὁὅrdquoΝ

de um soacute corpo orgacircnico nos remetendo naturalmente a uma ordem natural a uma

organizaccedilatildeo dos diaacutelogos cada diaacutelogo prossegue a partir de noccedilotildees desenvolvidas pelo

anterior isto eacute aquele que o antecede cronologicamente As dificuldades apresentadas na

leitura no das obras segundo defende o teoacuterico alematildeo referem-se agrave incapacidade do proacuteprio

leitor perante agrave composiccedilatildeo desta mesma unidade no pensamento de Platatildeo Dentre as

diversas as falas que demonstram a posiccedilatildeo de Schleiermacher na crenccedila de uma unidade

sistemaacutetica das obras do corpus em uma delas este assegura que

Estabelecer a uniatildeo natural dessas obras visa mostrar que elas se desenvolveram como exposiccedilotildees cada vez mais completas das ideias de Platatildeo a fim de que ndash na medida em que cada diaacutelogo natildeo deve ser compreendido como um todo para si mas tambeacutem em contexto com os outros ndash o proacuteprio Platatildeo seja compreendido como filoacutesofo e artista (SCHLEIERMACHER 2002 p 41)

21 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

Os problemas levantados a essa posiccedilatildeo de Schleiermacher satildeo ainda maiores Natildeo

basta esta concepccedilatildeoΝἶiὄiacuteamὁὅΝldquoatiacutepicardquoΝἶἷΝuὀiἶaἶἷΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἷΝὂὁὄΝἵὁὀὅἷguiὀtἷΝaΝiἶἷiaΝ

de unidade atribuiacuteda agrave filosofia platocircnica ndash que parece assemelhar-se mais a um sistema tal

como o empreendido por Hegel em sua filosofia35 podemos ressaltar mais alguns aspectos

problemaacuteticos presentes na visatildeo do teoacutelogo alematildeo Dentre estas a distinccedilatildeo espacial em

relaccedilatildeo agrave obra de Platatildeo ao distingui-la em dois aspectos um exoteacuterico e um esoteacuterico

ambos dizem respeito agrave atitude caracteriacutestica de determinado leitor da obra platocircnica Dito de

outro modo o que caracterizaria o esoterismo ou exoterismo estaacute ligado agraves dificuldades

apresentadas pelo proacuteprio leitor frente a obra o que dependeria em suma da qualidade do

leitor da sua efetiva compreensatildeo ou natildeo acerca dos temas ali tratados36

A coerecircncia e sistematicidade da obra de Platatildeo segundo tal visatildeo eacute configurada em

uma essecircncia proacutepria agrave filosofia de Platatildeo notada unicamente a partir da leitura dos textos

escritos (diaacutelogos) Ou seja para Schleiermacher qualquer referecircncia externa utilizada para

a compreensatildeo da filosofia de Platatildeo incorreria em equiacutevoco A obra platocircnica na visatildeo do

teoacuterico impotildee a qualquer indiviacuteduo que queira intitular-se inteacuterprete do filoacutesofo um criterioso

e detalhado exerciacutecio hermenecircutico dos diaacutelogos escritos em vista do reconhecimento de

uma unidade sistecircmica do pensamento platocircnico Unidade perceptiacutevel unicamente a partir das

35 VέΝ ἦἷjἷὄaΝ (1λλλ)Ν ὀὁmἷiaΝ ἷὅtaΝ iὀtἷὂὄἷtaὦatildeὁΝ ὅiὅtἷmὠtiἵaΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ἵὁmὁΝ umaΝ ldquofalὠἵiaΝiὀtἷὀἵiὁὀaliὅtardquoέΝἥἷguὀἶὁΝὁΝautὁὄΝaὃuἷlἷὅΝὃuἷΝlἷἷmΝaΝὁἴὄaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅὁἴΝaΝfὁὄmaΝldquoἶialὰgiἵardquoΝmas por meio de um sistema (por sinal natildeo existente em um primeiro momento nos diaacutelogos) cometem umΝἷὀgaὀὁέΝἡΝiὀtὧὄὂὄἷtἷΝὅἷΝἵὁὀtὄaὂὴἷΝaΝἷὅtaΝviὅatildeὁΝὃuἷΝἷlἷΝὀὁmἷiaΝἵὁmὁΝldquolἷituὄaΝiἶἷaliὅtaΝἶaΝὁἴὄaΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝὁuΝldquoἷxἷgἷὅἷΝἏἵaἶecircmiἵardquoΝjὠΝὃuἷΝἶἷὅἶἷΝaΝἏὀtiguiἶaἶἷΝὂὁὅtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝὡΝmὁὄtἷΝἶἷΝἢlatatildeὁΝjὠΝὀaΝAcademia ἷΝlὁgὁΝἶἷὂὁiὅΝὀὁΝἤἷὀaὅἵimἷὀtὁΝὅἷΝὂὁἶἷΝἵὁὀὅtataὄΝὁΝὃuἷΝὁΝautὁὄΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoaΝmὁὄtἷΝἶὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅΝ ἷὀὃuaὀtὁΝ ἶiὠlὁgὁὅrdquoέΝ ἏΝ ὁἴὄaΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ὂaὅὅaὄiaΝ aΝ ὅἷὄΝ liἶaΝ ὅἷguὀἶὁΝ iὀtἷὄἷὅὅἷὅΝNeopitagoacutericos e Neoplatocircnicos perdendo assim o valor propriamente dialoacutegica que lhe caracterizaria propriamente (TEJERA 1999 p 12) 36 ldquo(έέέ)ΝἷὅὅἷΝὧΝὁΝήὀiἵὁΝὅἷὀtiἶὁΝὀὁΝὃualΝὅἷΝὂὁἶἷὄiaΝfalaὄΝaὃuiΝ[ἷmΝἢlatatildeὁ]ΝἶὁΝἷὅὁtὧὄiἵὁΝἷΝἶὁΝἷxὁtὧὄiἵὁΝiὅtὁΝeacute no sentido de que estes apenas apontam para uma qualidade do leitor dependendo do fato deste elevar-ὅἷΝὁuΝὀatildeὁΝὡΝἵὁὀἶiὦatildeὁΝἶἷΝumΝvἷὄἶaἶἷiὄὁΝὁuviὀtἷΝiὀtἷὄiὁὄΝ(έέέ)rdquoΝ(ἥἑώἜἓIἓἤεἏἑώἓἤΝἀίίἀΝὂέΝἂἃ)έΝEssa teoria encontra-se presente na discussatildeo entre filosofia escrita e filosofia natildeo-escrita A leitura de Schleiermacher voltada agrave defesa da leitura de Platatildeo unicamente por via dos diaacutelogos eacute contestada particularmente pelos defensores das chamadas doutrinas natildeo-escritas que postulam a existecircncia de doutrinas orais que excedem o acircmbito da doutrina escrita contida nos diaacutelogos de Platatildeo (XAVIER 2011 p 93-λἆ)έΝ ἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὀὁὅΝ ἶiὐΝ ἥaὀtὁὅΝ (ἀί1ἀ)μΝ ldquoἦὁἶaὅΝ ἷὅὅaὅΝ tἷὁὄiaὅΝ [ἶἷΝ lἷituὄaΝ ἶὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅ]Νaceitam e suportam o princiacutepio proposto no iniacutecio do seacuteculo XX por Ludvwig Schleiermacher que limita o estudo do pensamento platocircnico agrave leitura dos diaacutelogos compostos pelo mestre Este princiacutepio ndash aceito pela maioria dos platonistas ndash ὧΝἵὁὀtuἶὁΝvἷἷmἷὀtἷΝἵὁὀtἷὅtaἶὁΝὂἷlὁὅΝὂaὄtiἶὠὄiὁὅΝἶaΝtἷὅἷΝἶaὅΝlsquoἶὁutὄiὀaὅΝnatildeo-ἷὅἵὄitaὅrsquoέΝἒἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝἷlaΝὀaΝἏἵaἶἷmiaΝἢlatatildeὁΝtἷὄiaΝἶἷfἷὀἶiἶὁΝumaΝlsquoἶὁutὄiὀaΝἶὁὅΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁὅrsquoΝnunca reduzida a escrito agrave qual os diaacutelogos serviriam de introduccedilatildeo ou como exerciacutecio propedecircutico ἓὅὅaΝlsquoἶὁutὄiὀaΝὀatildeὁΝἷὅἵὄitarsquoΝtἷὄiaΝὅiἶὁΝἴἷmΝἵὁὀhἷἵiἶaΝἶὁὅΝἶiὅἵiacuteὂulὁὅΝἶiὄἷtὁὅΝἶὁΝmἷὅtὄἷΝὃuἷΝaΝὂaὄtiὄΝἶἷlaΝtἷὄiamΝiὀὅὂiὄaἶὁΝumaΝlsquotὄaἶiὦatildeὁΝiὀἶiὄἷtarsquoΝἶὁΝὂlatὁὀiὅmὁΝἵuja importacircncia filosoacutefica se manteve viva ateacute hoje A despeito de ainda natildeo ter dado origem a uma concretizaccedilatildeo curricular reconhecida pela comunidade a proposta tem evidentes meacuteritos cientiacuteficos e pedagoacutegicos Mas deve ser avaliada a partir do contexto histoacuterico-filὁὅὰfiἵὁΝἷmΝὃuἷΝὁΝὂlatὁὀiὅmὁΝὅἷΝἶἷὅἷὀvὁlvἷΝaὁΝlὁὀgὁΝἶaΝtὄaἶiὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἀλ)έ

22 11 A posiccedilatildeo unitarista

referecircncias internas sem portanto recorrer aos criteacuterios culturais sociais e poliacuteticos que

porventura possam ter influenciado Platatildeo quando compocircs suas obras

Esses satildeo mais ou menos os artifiacutecios atraveacutes dos quais Platatildeo consegue com a quase totalidade dos seus leitores alcanccedilar aquilo que deseja ou pelo menos evitar o que teme De modo que esse seria o uacutenico sentido no qual se poderia falar aqui do esoteacuterico e do exoteacuterico isto eacute no sentido de que estes apenas apontam para uma qualidade do leitor dependendo do fato de este elevar-se ou natildeo agrave condiccedilatildeo de um verdadeiro ouvinte do interior ou entatildeo caso se deva relacionaacute-lo com o proacuteprio Platatildeo poder-se-ia dizer apenas que o ensino imediato teria sido seu agir esoteacuterico a escrita contudo o exoteacuterico (SCHLEIERMACHER 2002 p 45)

A posiccedilatildeo adotada por Schleiermacher natildeo deixa espaccedilo para qualquer anaacutelise de tipo

revisionista isto eacute aquela que postula que Platatildeo poderia ter mudado sua concepccedilatildeo geral

ou melhor as concepccedilotildees de sua obra como um todo o que o teoacuterico alematildeo considera como

ldquofilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵardquoέΝἒὁΝmἷὅmὁΝmὁἶὁΝaΝἵὄiacutetiἵaΝὅἵhlἷiἷὄmaἵheriana (baseada na obra de W

G Tennemann37ΝkaὀtiaὀὁΝἷΝἶἷfἷὀὅὁὄΝἶaΝiἶἷiaΝἶἷΝldquoὅiὅtἷmaΝὂlatὲὀiἵὁrdquo)Νἷxὂaὀἶἷ-se inclusive

aos historiadores antigos como as que se encontram presentes na coletacircnea de Dioacutegenes

Laeacutercio que agrupam os textos platocircnicos segundo temaacuteticas e as cronologias baseadas nas

trilogias como as de Aristoacutefanes de Bizacircncio e a dos neoplatocircnicos (MATOSO 2016 p 84-

85)

Deste modo a cronologia dos diaacutelogos platocircnicos fica agrupada do seguinte modo na

acepccedilatildeo de Schleiermacher o primeiro diaacutelogo a ser escrito seria o Fedro e o Parmecircnides o

uacuteltimo isto em relaccedilatildeo ao meacutetodo dialeacutetico Jaacute a Repuacuteblica o Timeu e Criacutetias compotildee a trilogia

das uacuteltimas obras escritas por Platatildeo nas quais se encontram o aacutepice da doutrina platocircnica

O teoacuterico alematildeo ainda divide a obra platocircnica em dois grupos num primeiro grupo constariam

as obras que foram escritas antes da morte de Soacutecrates Fedro Liacutesis Protaacutegoras Laacuteques

Caacutermides Ecircutifron e Parmecircnides E no segundo grupo chamado tambeacutem de intermediaacuterio

Teeteto Sofista Poliacutetico Feacutedon Filebo (SCHELEIERMACHER 2002 p 74-75)

Para os unitaristas o anonimato de Platatildeo deve ser justificado ὂἷlὁΝ ldquoaὄgumἷὀtὁΝ ἶὁΝ

ὅilecircὀἵiὁrdquoέΝἓὅtἷΝaὄgumἷὀtὁΝἴaὅἷia-se na afirmaccedilatildeo de que o filoacutesofo natildeo precisa dizer tudo o

que pensa sobre os assuntos que procura tratar em uma uacutenica obra nem eacute necessaacuterio esgotar

estes assuntos ou mesmo trataacute-lo de uma maneira diferente em uma outra obra A proacutepria

ideia de evoluccedilatildeo expositiva nos diaacutelogos afirmaria sua unidade autocircnoma ao mesmo tempo

em que por mais que se reconheccedilam momentos diversos na obra platocircnica o avanccedilo dos

conteuacutedos e a maior criteriosidade na elaboraccedilatildeo das obras atestariam o propoacutesito de Platatildeo

em oferecer um projeto poliacutetico-educacional e filosoacutefico uacutenico do qual sua obra dialoacutegica

37 Cf TENNEMANN W G (1792)

23 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

demonstraria progressivamente tamanho empreendimento Voltarei mais adiante ao

unitarismo mais detalhado ou melhor reformulado que se desenvolveu na

contemporaneidade nos uacuteltimos seacuteculos e que se encontra presente na obra de um de seus

maiores defensores Charles Khan38

12 A posiccedilatildeo revisionista

Ao leitor de Platatildeo uma posiccedilatildeo parece ser tentadora aquela que postula a

possibilidade de os diaacutelogos serem lidos de maneira autocircnoma Deste modo seria equivocado

uma leitura que buscasse evidenciar qualquer tipo de correlaccedilatildeo temaacutetica ou doutrinaacuteria nos

mais diversos diaacutelogos Essa posiccedilatildeo pode ser notada a partir das obras de Grote (1865) que

chega a afirmar no seacuteculo XIX que

tal sacrifiacutecio da inerente diversidade e individualidade separada dos diaacutelogos agrave manutenccedilatildeo de uma suposta unidade de tipo estilo ou propoacutesito parece-me um equiacutevoco De fato o que existe laacute nos diaacutelogos para noacutes natildeo eacute nenhum Platatildeo pessoal do mesmo modo que natildeo haacute nenhum Shakespeare pessoal para noacutes Platatildeo (exceto nas Cartas) nunca aparece perante a noacutes nem nos fornece uma opiniatildeo como sendo sua ele eacute o instigador impliacutecito (natildeo-visto) de diferentes personagens que conversam em voz alta em um nuacutemero distintos de dramas cada drama um trabalho distinto (separado) manifestando seu proacuteprio ponto de vista afirmativo ou negativo consistente ou inconsistente com os outros diaacutelogos como talvez ser em determinado caso (p 210-211)

A posiccedilatildeo de Grote eacute endossada a partir das contribuiccedilotildees de um dos principais

teoacutericos que a tradiccedilatildeo denominou como sendo os defensores do paradigma

desenvolvimentista39 ou revisionista que tem como principal teoacuterico Karl Friedrich Hermann

38 ἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ἷxὂliἵaΝ ἥaὀtὁὅΝ (ἀί1ἀ)Ν ὄἷὅumiἶamἷὀtἷΝ ὃuἷΝ ldquoἶἷὅἵὁὀὅiἶἷὄaὀἶὁΝ ὁΝ aὅὂἷἵtὁΝ ἷvὁlutivὁΝ ndash inevitaacutevel num pensador cuja produccedilatildeo se estende ao longo de sua vida ndash essa teoria considera que a diversidade dos diaacutelogos exprime didaticamente uma visatildeo unitaacuteria da filosofia platocircnica diferida em diaacutelogos por razotildees pedagoacutegicas Essa unidade poderia ser explicada por diversos pontos de vista quer a partir do programa de pesquisa que os diaacutelogos exemplificariam ou anunciaram prolepticamente quer a partir do nuacutecleo temaacutetico que como foi dito por motivaccedilotildees de ordem pedagoacutegica os diaacutelogos iὀὅἷὄἷmΝἷmΝἶivἷὄὅὁὅΝἵὁὀtἷxtὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἆ-29) 39 De acordo com Matoso (2016) o termo desenvolvimentista utilizado para caracterizar essa vertente iὀtἷὄὂὄἷtativaΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ ὂlatὲὀiἵaμΝ ldquoaΝ ὀὁmἷὀἵlatuὄaΝ lsquoἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtiὅtaὅrsquoΝ ὂὄὁὂὁὅtaΝ atὧΝ ὁὀἶἷΝ ὅἷiΝ ὂὁὄΝKahn (1996) natildeo me agrada Pelo simples fato de que os adeptos da outra posiccedilatildeo descrita chamados lsquouὀitaὄiὅtaὅrsquoΝ tamἴὧmΝ aἶmitἷmΝ umΝ ἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtὁΝ ὀὁΝ tὄatamἷὀtὁΝ ἶaὅΝ ὃuἷὅtὴἷὅέΝ ἢὁiὅΝ aὂἷὅaὄΝ ἶὁὅΝunitaristas natildeo identificarem rupturas ou modificaccedilotildees fundamentais na visatildeo de mundo expressa nos diaacutelogos estes comentadores certamente identificam um desenvolvimento loacutegico‑expositivo no interior da obra platocircnica em funccedilatildeo do grau de complexidade no tratamento das questotildees Em nome da uὀifὁὄmiἶaἶἷΝtἷὄmiὀὁlὰgiἵaΝἵὁὀtuἶὁΝὅἷguiὄἷiΝuὅaὀἶὁΝaΝὀὁmἷὀἵlatuὄaΝὂaἶὄatildeὁrdquoΝ(ὂέΝ11ἅ)έ

24 12 A posiccedilatildeo revisionista

(1839) Nas obras de Grote vaacuterias referecircncias satildeo feitas a este teoacuterico e a seu meacutetodo de

divisatildeo das obras platocircnicas De acordo com a posiccedilatildeo revisionista os diaacutelogos devem ser

lidos de maneira autocircnoma de modo que qualquer correlaccedilatildeo temaacutetica entre as obras eacute

apenas plausiacutevel possiacutevel mas nunca correta Segundo os estudiosos que seguem tal

paradigma as posiccedilotildees platocircnicas satildeo diversas e ateacute mesmo contraditoacuterias

A tarefa que neste caso caberaacute ao inteacuterprete seraacute a identificaccedilatildeo sobre as posiccedilotildees

adotadas por Platatildeo em sua obra a fim de poder concluir uma organizaccedilatildeo dos diaacutelogos A

partir de tal classificaccedilatildeo segundo esses teoacutericos seria possiacutevel identificar as diversas

concepccedilotildees de Platatildeo sobre alguns temas importantes de sua filosofia E tambeacutem identificar

as mudanccedilas de posicionamento ao longo da vida filosoacutefica do filoacutesofo no decorrer de sua

obra Sim o ponto principal (e polecircmico) defendido pelos revisionistas eacute que Platatildeo ao longo

de sua obra teria tido concepccedilotildees diversas sobre um tema ou melhor posiccedilotildees que se

alteraram ou foram revisadas ao longo do desenvolvimento de seu pensamento (MATOSO

2016 p 80)

A posiccedilatildeo dos revisionistas se desenvolveu e teve grande impacto nos seacuteculos XIX e

XX perante a tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica Um tipo de interpretaccedilatildeo que se tornou

preponderante no platonismo prioritariamente em liacutengua inglesa Dentre seus principais

representantes estatildeo K F Hermann (1939) W K C Guthrie (1975) F Cornford (1927) G

Vlastos (1991)40 W F H Altman dentre outros Contudo uma posiccedilatildeo parece ser consensual

entre unitaristas e revisionistas E refere-se agravequela que dita as trecircs fases do pensamento

platocircnico juventude (socraacutetica) ndash maturidade (meacutedia) ndash velhice (final) Um dos pontos

principais capaz de tal distinccedilatildeo diz respeito agrave suposta hipoacutetese das Formas e agrave Teoria das

Ideias que talvez se encontraria presente apenas nos diaacutelogos meacutedios e finais

Os revisionistas creem que os diaacutelogos devem ser analisados em sua especificidade

ao serem reconhecidos em cada diaacutelogo uma argumentaccedilatildeo loacutegica proacutepria sem correlaccedilatildeo

necessaacuteria com os outros diaacutelogos e que esses satildeo algumas vezes ateacute contraditoacuterios em se

tratando de temas idecircnticos Aleacutem de postularem uma evoluccedilatildeo ou mesmo uma mudanccedila

draacutestica no pensamento de Platatildeo nas ditas trecircs fases do pensamento platocircnico juventude

maturidade e velhice

Basta analisarmos as consideraccedilotildees de Guthrie (1975) para quem nos primeiros

diaacutelogos Platatildeo reproduz-ὅἷΝfiἷlmἷὀtἷΝaὅΝldquoἵὁὀvἷὄὅaὅΝἵὁmΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝἶἷΝtalΝmὁἶὁΝὃuἷΝὀἷὅtἷΝ

periacuteodo os diaacutelogos referem-se unicamente ao pensamento de Soacutecrates e nada ali quanto agrave

40 Apesar da cronologia adotada por Vlastos (1991) ser derivada em grande parte de autores como Guthrie e Cornford ela apresenta algumas nuances De fato eacute a cronologia proposta por Vlastos que permanece ainda em certo sentido como a mais aceita e aquela que se tornou comumente adotada entre os estudiosos de Platatildeo (VLASTOS 1991 p 45-80) Sobre isso falarei mais adiante na seccedilatildeo dedicada ao debate contemporacircneo entre revisionismo e unitarismo visotildees que possuem como principais representantes respectivamente G Vlastos e C Khan

25 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

doutrina de Platatildeo pode ser encontrado (1975 p 67) As obras de Guthrie possuem o meacuterito

de terem sido as primeiras que apresentam agrave tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica uma cronologia

das obras que compotildeem o corpus no seacuteculo XX Referimo-nos agrave sua History of the Greek

Philosophy (1975) em que o estudioso nos apresenta uma triacuteplice divisatildeo dos diaacutelogos os

diaacutelogos da juventude (socraacuteticos) os diaacutelogos da maturidade os diaacutelogos da velhice

No primeiro grupo dos diaacutelogos os socraacuteticos estariam contidos os temas eacuteticos que

compotildeem a filosofia de Soacutecrates sem qualquer referecircncia ou apresentaccedilatildeo das teorias

metafiacutesicas que surgem posteriormente No segundo grupo estatildeo os diaacutelogos referentes agrave

Teoria das Ideias (ou Formas) de Platatildeo basicamente aqueles que podem ser relacionados

com os principais diaacutelogos desta fase quais sejam A Repuacuteblica- Feacutedon ndash Banquete Platatildeo

nesta fase estaria a apresentar um pensamento propriamente seu desvinculando-se das

ideias de seu mestre ao propor a hipoacutetese das Formas

Os uacuteltimos diaacutelogos ou diaacutelogos da velhice seriam aqueles que compreendem os

seguintes diaacutelogos Sofista Poliacutetico Filebo Timeu Criacutetias e Leis Estes diaacutelogos comporiam

os uacuteltimos diaacutelogos em que Platatildeo na tese revisionista teria reformulado seu pensamento

apoacutes a sua proacutepria criacutetica da hipoacutetese das Formas e da Teoria das Ideias que surge no

contexto do Parmecircnides

A partir de tais consideraccedilotildees um paradigma de leitura passa a ser adotado quase

que consensualmente pelos estudiosos de Platatildeo Isto eacute o haacutebito de leituras dos diaacutelogos

divididos em trecircs fases passou a ser algo comumente adotado ao longo dos seacuteculos no estudo

das obras de Platatildeo (tanto pelos revisionistas quanto pelos unitaristas como veremos mais

adiante) Esta cronologia possui uma histoacuteria que em linhas gerais pretendo aqui

desenvolver rapidamente Ao mesmo tempo parece ser necessaacuterio destacar quais os ganhos

e prejuiacutezos que a tese revisionista apresenta

As contribuiccedilotildees de K F Hermann foram muitas tambeacutem neste seacuteculo e praticamente

moldaram o modo de organizaccedilatildeo das obras platocircnicas vigentes ateacute hoje Hermann foi o

primeiro a criticar agrave ideia difundida entre os alematildees de um sistema linear na obra platocircnica

Do mesmo modo que eacute o primeiro a analisar a obra platocircnica do ponto de vista tambeacutem de

sua historicidade Conforme sublinha Kahn (2010)

K F Hermann merece o tiacutetulo de haver sido o primeiro a reconhecer um ὂἷὄiacuteὁἶὁΝ ldquoὅὁἵὄὠtiἵὁrdquoΝ ὀaΝ obra inicial de Platatildeo assim como o de haver interpretado a sequecircncia dos diaacutelogos em relaccedilatildeo agrave biografia intelectual do autor (p 65)

Em sua obra Geschichte und System der Platonischen Philosophie (1839) Hermann

foi o primeiro a considerar a fase inicial da atividade literaacuterio-filosoacutefica de Platatildeo como uma

faὅἷΝ ἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝ ldquoὅὁἵὄὠtiἵardquoΝ iὅtὁΝ ὧΝ ἷmΝ ὃuἷΝ ἢlatatildeὁΝ tἷὄiaΝ aὂὄἷὅἷὀtaἶὁΝ aliΝ ὀaὅΝ ὅuaὅΝ

26 12 A posiccedilatildeo revisionista

primeiras obras exclusivamente as ideias de seu mestre Soacutecrates (GUTHRIE 1975 p 67)

Analogamente agrave Schleiermacher Hermann divide em trecircs fases distintas o pensamento

platocircnico isto eacute uma fase corresponde ao periacuteodo socraacutetico (obras iniciais) uma segunda

corresponde agrave fase intermediaacuteria (maturidade) e uma uacuteltima fase que corresponderia agraves obras

da velhice Este modo de leitura grosso modo eacute o mesmo que se assentou na tradiccedilatildeo

interpretativa platocircnica e ateacute hoje eacute aquele comumente adotado pelos estudiosos dos

diaacutelogos

Hermann eacute o primeiro a reconhecer perante agraves trecircs fases do pensamento platocircnico

que cada uma dessas trecircs fases caracteriza uma mudanccedila no pensamento de Platatildeo o que

dista consideravelmente do paradigma de leitura vigente na atualidade De acordo com

Matoso (2016) a existecircncia de trecircs fases ou de trecircs periacuteodos para a organizaccedilatildeo

(cronoloacutegica) dos diaacutelogos parece um fato que existente entre os helenistas alematildees

Semelhantemente parece ser comum a crenccedila de uma fase socraacutetica (inicial) presente na

obra de Platatildeo em que as ideias de um Soacutecrates histoacuterico estariam sendo representadas E

por fim tambeacutem eacute comumente aceita a existecircncia de uma fase intermediaacuteria entre o

pensamento socraacutetico (diaacutelogos iniciais) e um pensamento final (diaacutelogos da velhice) ndash na qual

Platatildeo expotildee sua teoria demarcando claramente a separaccedilatildeo entre suas ideias e as de

Soacutecrates resultando em uma fase final da apresentaccedilatildeo de sua teoria de forma sistemaacutetica

(p 87)

Segundo a interpretaccedilatildeo revisionista apoacutes a condenaccedilatildeo e morte de Soacutecrates Platatildeo

teria composto uma seacuterie de diaacutelogos relacionados aos temas desenvolvidos por Soacutecrates

como Apologia Crito Goacutergias Ecircutifron e Mecircnon Os diaacutelogos Teeteto Craacutetilo Sofista

Poliacutetico e Parmecircnides ὃuἷΝἵὁmὂὁὄiamΝaΝldquofaὅἷΝmὧἶiaΝἶaΝὁἴὄaΝὂlatὲὀiἵardquoΝndash nos quais as ideias

de Soacutecrates jaacute natildeo estariam presentes na obra de Platatildeo ndash e uma trilogia final Timeu-Criacutetias-

Repuacuteblica ndash neste caso os uacuteltimos diaacutelogos que apresentariam a siacutentese (ou sistema) do

pensamento filosoacutefico de Platatildeo

Eacute notaacutevel entre os alematildees a crenccedila de que o Fedro seria o primeiro diaacutelogo pois

espeacutecie de conteuacutedo introdutoacuterio da iniciaccedilatildeo aos estudos da Academia de iniciaccedilatildeo agrave

dialeacutetica (como vemos em SCHLEIERMACHER 2022 p 74) propedecircutica ao estudo dos

uacuteltimos diaacutelogos E tambeacutem acredita-se firmemente serem Timeu Criacutetias Repuacuteblica e Leis

os uacuteltimos diaacutelogos escritos por Platatildeo Essa uacuteltima afirmaccedilatildeo baseada unicamente no

testemunho de Aristoacuteteles (Pol II 6) de que as Leis foram escritas apoacutes a Repuacuteblica

Ateacute o seacuteculo XIX natildeo se tinha uma ciecircncia rigorosa que buscasse encontrar um

meacutetodo razoaacutevel isento de subjetividade no que tange a um modo de leitura em que surge

uma ciecircncia de investigaccedilatildeo do texto platocircnico que convencionalmente denominou-se

estilometria Neste estudo foram extremamente relevantes as contribuiccedilotildees de Ritter (1910)

e Lutoslwaski (1897) e Lewis Campbell (1867) Dittenberger (1881) e Brandwood (1990

27 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

2013) Na virada do seacuteculo XIX para o seacuteculo XX a presenccedila desses teoacutericos tornou riacutegida a

classificaccedilatildeo dos diaacutelogos platocircnicos Anteriormente muitos dos criteacuterios que visavam

organizar os diaacutelogos platocircnicos eram inconsistentes flutuantes subjetivos isto eacute baseados

fundamentalmente na subjetividade hermenecircutica de cada autor

A estilometria ambiciona natildeo somente afirmar a separaccedilatildeo dos diaacutelogos em trecircs fases

distintas mas vai aleacutem ao tentar classificar os diaacutelogos segundo uma ordem de composiccedilatildeo

destes dentro dessas mesmas fases diferentes

Na acepccedilatildeo mais estrita do termo a estilometria consiste em uma contagem de ocorrecircncias de um determinado grupo de palavras A partir dos resultados obtidos por meio desta contagem e possiacutevel formular hipoacuteteses acerca da data de composiccedilatildeo relativa de cada diaacutelogo Ou seja a contagem de palavras nos permite identificar dentre o conjunto de diaacutelogos aqueles que possuem um estilo semelhante entre si representado pela repetida ocorrecircncia de certos termos ou expressotildees (MATOSO 2016 p 91)

Baseada na questatildeo estiliacutestica (textual) tal ciecircncia fora capaz de notar certa

semelhanccedila de estilo presente no texto de Platatildeo isto eacute por meio da contagem de palavras

(e natildeo somente) pelo vocabulaacuterio empregado nos textos concluiu-se a respeito da

composiccedilatildeo e do ordenamento do grupo dos uacuteltimos diaacutelogos ou da terceira fase (Sofista

Poliacutetico Filebo Timeu Criacutetias e Leis)

L Campbell (1867) e F Blass (1874) apresentam classificaccedilotildees unacircnimes quanto agrave

ordenaccedilatildeo dos diaacutelogos da uacuteltima fase Poreacutem o primeiro se baseia no emprego de

determinadas expressotildees (fundamentalmente aquelas agregadas agrave partiacutecula -meacuten) enquanto

o uacuteltimo fundamenta sua anaacutelise por meio da ocorrecircncia dos hiatos41 (MATOSO 2016 p 95)

Um fato tambeacutem relevante eacute a diminuiccedilatildeo das apariccedilotildees de Soacutecrates como condutor dos

diaacutelogos jaacute nas uacuteltimas obras de Platatildeo o que para tais autores configura na distinccedilatildeo entre

os diaacutelogos da fase platocircnica tardia e as demais

Por mais que a estilometria tenha trazido inuacutemeros ganhos no que diz respeito ao

paradigma de leitura platocircnica nota-se que o paradigma desenvolvimentista apresenta falhas

A posiccedilatildeo revisionista tem sido endossada por contribuiccedilotildees contemporacircneas como as de

Vlastos (1991) Cornford (1927) Guthrie (1975) mas tais versotildees ainda apresentam uma

seacuterie de deficiecircncias dentre as quais as mais relevantes satildeo (i) se os resultados

estilomeacutetricos apenas garantem uma mudanccedila estiliacutestica notaacutevel nos diaacutelogos de uacuteltima fase

esta anaacutelise natildeo pode se estender como fez Ritter como caraacuteter classificatoacuterio do

ordenamento dos diaacutelogos das outras duas fases (ii) natildeo haacute um criteacuterio que possa justificar

41 O hiato consiste na sucessatildeo imediata de duas vogais em palavras separadas Para evitar este tipo de sucessatildeo que constantemente surge na formaccedilatildeo e inflexatildeo das palavras diversos recursos podem ser empregados a crase a elisatildeo e a aphaeresis aleacutem da escolha vocabular (MATOSO 2016 p 107)

28 12 A posiccedilatildeo revisionista

trecircs mudanccedilas consecutivas na obra platocircnica mas apenas duas como bem destacou Kahn

(2010 p 71) Isso se torna mais claro quando se nota que nenhum criteacuterio estiliacutestico fora

capaz de apontar uma distinccedilatildeo clara entre o meacutetodo estiliacutestico da fase intermediaacuteria e a fase

da juventude (os diaacutelogos socraacuteticos) mas apenas os diaacutelogos da uacuteltima fase (velhice) Deste

modo essa separaccedilatildeo (entre diaacutelogos da juventude e diaacutelogos da maturidade) soacute satildeo

possiacuteveis mediante uma anaacutelise de conteuacutedo em que o que estaacute em jogo eacute o aparecimento

nos diaacutelogos do desenvolvimento da hipoacutetese das Formas a Teoria das Ideias Tais noccedilotildees

que soacute satildeo evidentes nos diaacutelogos da maturidade operando assim uma niacutetida distinccedilatildeo entre

diaacutelogos da maturidade e juventude platocircnica

A contagem de palavras feita pela estilometria baseia-se na ocorrecircncia das expressotildees

e hiatos dos diaacutelogos da uacuteltima fase e estende sua verificaccedilatildeo ateacute a chamada fase

intermediaacuteria que tem como criteacuterio os diaacutelogos nos quais Platatildeo jaacute apresenta a hipoacutetese das

formas das Ideias Dito isto observa-se que criteacuterio de demarcaccedilatildeo entre a obra intermediaacuteria

e a da juventude passa do criteacuterio estilomeacutetrico (estiliacutestico-textual) para um criteacuterio baseado

fundamentalmente a partir do conteuacutedo dos diaacutelogos jaacute que as primeiras obras foram

eliminadas da contagem de palavras (KAHN 2010 p 71)

Contudo os resultados apresentados por Guthrie (1975 p 50) perpassam os criteacuterios

estilomeacutetricos ou mesmo ignora-os como destaca Matoso (2016 p 100) ao propor a seguinte

organizaccedilatildeo para os diaacutelogos aquela proposta por Cornford (1927) e tambeacutem por Vlastos

(1991) (i) diaacutelogos da juventude Apologia Criacuteton Laacuteques Liacutesis Caacutermides Ecircutifron Hiacuteppias

Maior e Menor Protaacutegoras Goacutergias Iacuteon (ii) diaacutelogos da maturidade Mecircnon Feacutedon

Repuacuteblica Banquete Fedro Eutidemo Menexeno Craacutetilo (iii) diaacutelogos da velhice

Parmecircnides Teeteto Sofista Poliacutetico Timeu Criacutetias Filebo Leis42

Tal apresentaccedilatildeo segue em partes a cronologia anterior pois nela se arrasta o

Parmecircnides e o Teeteto ateacute entatildeo natildeo inclusos nos diaacutelogos de uacuteltima fase Alguns diaacutelogos

considerados (estilisticamente) como pertencentes ao primeiro periacuteodo (juventude) foram

tambeacutem deslocados para a maturidade Portanto ao que tudo indica um regresso agrave

subjetividade interpretativa novamente eacute proposto por meio das consideraccedilotildees apresentadas

por Guthrie e aqueles outros supracitados em suas obras Na classificaccedilatildeo estilomeacutetrica eram

apenas cinco os diaacutelogos de uacuteltima fase assim como Banquete Meacutenon e Feacutedon estavam

distaὀtἷὅΝἶaὃuilὁΝὃuἷΝὅἷΝἵuὀhὁuΝἵhamaὄΝldquofaὅἷΝiὀtἷὄmἷἶiὠὄiardquoΝἶaΝὁἴὄaΝὂlatὲὀiἵaΝjuὅtamἷὀtἷΝὂὁὄΝ

apresentar caracteriacutesticas muito distintas do grupo criado em relaccedilatildeo agrave Repuacuteblica todavia

estavam proacuteximos a este uacuteltimo diaacutelogo porque jaacute tratam de temas metafiacutesicos Assim como

42 Esta tambeacutem tem sido a cronologia comumente aceita pelos estudiosos de Platatildeo na contemporaneidade Segundo os defensores do revisionismo platocircnico esta seria a organizaccedilatildeo cronoloacutegica resultante a partir dos estudos estilomeacutetricos (Cf GUTHRIE W K C History of the Greek Philosophy Vol IV Cambridge The University Press 1975)

29 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

o Parmecircnides que parece apenas inaugurar a fase da velhice platocircnica ao postular a criacutetica agrave

Teoria das Ideias (MATOSO 2016 p101-102)

Este tipo de leitura dos diaacutelogos platocircnicos ainda incorre no equiacutevoco da subjetivaccedilatildeo

interpretativa ou ὀaὃuilὁΝὃuἷΝἛahὀΝἶἷὀὁmiὀὁuΝἵὁmὁΝldquofalὠἵiaΝἶaΝtὄaὀὅὂaὄecircὀἵiardquoΝὃuἷΝiὀὅiὅtἷΝἷmΝ

afirmar a influecircncia de Soacutecrates no pensamento de Platatildeo na fase inicial dos diaacutelogos a fim

de promover uma draacutestica separaccedilatildeo entre aquilo que acreditam ser somente de Soacutecrates e

as teorias que pertencem exclusivamente a Platatildeo Deste modo o que subjaz no revisionismo

ὧΝumaΝ tἷὀtativaΝἶἷΝ ὄἷὅὁlvἷὄΝὁΝ iὀὅὁlήvἷlΝ ldquoὂὄὁἴlἷmaΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅrdquo43 E para a soluccedilatildeo de tal

questatildeo constantes atropelos se fazem em relaccedilatildeo agrave obra de Platatildeo em busca de um

ὂaὄaἶigmaΝἶἷΝlἷituὄaΝἶitὁΝldquoἵὁὀὅiὅtἷὀtἷrdquoΝἷΝaἵἷitὁΝἵὁὀὅἷὀὅualmἷὀtἷέ

Por fim ficou demonstrado que o paradigma desenvolvimentista apresenta alguns

problemas que necessitam de maiores esclarecimentos por parte dos teoacutericos que defendem

esse tipo de interpretaccedilatildeo pois (i) seus criteacuterios metodoloacutegicos natildeo estatildeo bem

fundamentados mesmo a distinccedilatildeo dos diaacutelogos em trecircs fases distintas (que remontam aos

helenistas alematildees) natildeo nos eacute garantida (ii) semelhantemente parece fraca a hipoacutetese de

uma mudanccedila draacutestica na obra platocircnica jaacute que a estilometria natildeo apresenta um criteacuterio soacutelido

para demarcaccedilatildeo entre as fases da juventude e da maturidade e que pareccedila ser claro quanto

agraves questotildees relativas agrave cronologia O reconhecimento da estilometria de uma fase uacuteltima

(velhice) do pensamento platocircnico tambeacutem natildeo nos daacute garantias suficientes de alteraccedilotildees

significativas no pensamento de Platatildeo mas apenas reconhece semelhanccedilas estiliacutestico-

textuais entre obras distintas Desta forma permanecem insustentaacuteveis as duas teses de que

(i) Platatildeo teria mudado de pensamento drasticamente trecircs vezes o que corresponderia agraves

trecircs fases de sua obra ou (ii) que cada obra reflete uma ideia de Platatildeo em dado momento

Pode-se afirmar num primeiro momento ser impossiacutevel formularmos uma oposiccedilatildeo radical

entre o pensamento socraacutetico e o platocircnico esse eacute um problema insoluacutevel ateacute entatildeo e

impossiacutevel de resoluccedilatildeo haja vista o anonimato de Platatildeo em suas obras o que natildeo nos

permite uma identificaccedilatildeo clara a respeito de seus posicionamentos filosoacuteficos de uma forma

imediata44

43 ἥὁἴὄἷΝldquoὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝὧΝimὂὁὄtaὀtἷΝfaὐἷὄmὁὅΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝὡΝὁἴὄaΝἶἷΝVIἜώἓἠἏ-MAGALHAtildeES (O problema Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecrates de Platatildeo Lisboa Calouste Gulbenkian 1984) (Cf BOLZANI R Imagens de Soacutecrates In Kleacuteos N18 Rio de Janeiro IFCS- UFRJ 2014) 44 Segundo nos explica Santos (2012) podemos seguramente afirmar que a tἷὁὄiaΝὄἷviὅiὁὀiὅtaμΝldquo(έέέ)Νdefendida majoritariamente por inteacuterpretes de cultura e formaccedilatildeo anglo-saxocircnica rejeita a possibilidade ἶἷΝaἵἷἶἷὄΝἶἷΝfὁὄmaΝἵὁὀὅiὅtἷὀtἷΝaὁΝldquoὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝὃuἷΝiὀὅὂiὄaὄiaΝἵὄiaὦatildeὁΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅέΝἥuὅtἷὀtamΝὃuἷΝcada obra deve ser interpretada a partir das informaccedilotildees presentes nos eu texto abstendo-se o estudioso de estabelecer relaccedilotildees com quaisquer outras Resulta desse princiacutepio que que aquilo que ὂὁὄΝὄaὐὴἷὅΝὂἷἶagὰgiἵaὅΝὅἷΝἶἷὅigὀaΝἵὁmὁΝldquofilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵardquoΝὧΝἵὁὀὅtituiacuteἶὁΝὂἷlὁΝἵὁὀjunto dos diaacutelogos ἵὁmὂὁὅtὁὅΝὂἷlὁΝmἷὅtὄἷΝaΝἵaἶaΝumΝἶὁὅΝὃuaiὅΝὧΝaὄὄiὅἵaἶὁΝἵὁὀfἷὄiὄΝumaΝἷὅὂἷἵiacutefiἵaΝfiὀaliἶaἶἷΝἶὁutὄiὀalrdquoΝ(p 29)

30 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo

13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo

A diferenccedila como se pode notar entre unitaristas e revisionistas estaacute calcada na

diferenciaccedilatildeo e no propoacutesito que tais fases do pensamento platocircnico apresentam Os

revisionistas creem que os diaacutelogos devem ser analisados em sua especificidade ao serem

reconhecidos em cada diaacutelogo uma argumentaccedilatildeo loacutegica proacutepria sem correlaccedilatildeo necessaacuteria

com os outros diaacutelogos que satildeo algumas vezes ateacute contraditoacuterios em se tratando de temas

idecircnticos Aleacutem de postularem uma evoluccedilatildeo haveria segundo eles uma mudanccedila draacutestica

no pensamento de Platatildeo em cada uma das trecircs fases cronoloacutegicas Jaacute para os unitaristas a

organizaccedilatildeo dos diaacutelogos deve ser vista como meramente aparente apenas um recurso

didaacutetico elas apenas apontam um meacutetodo de exposiccedilatildeo evolutiva cujo propoacutesito uacutenico diz

respeito agrave tarefa proacutepria da filosofia platocircnica enquanto apresentaccedilatildeo de um projeto filosoacutefico

poliacutetico-educacional do qual os diaacutelogos platocircnicos compotildeem uma siacutentese isto eacute os diaacutelogos

ὅἷΝἵὁὀvἷὄgἷmΝἷmΝumaΝuὀiἶaἶἷΝήὀiἵaΝ(aΝldquofilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵardquo)ΝaἶὃuiὄiἶaΝaΝὂaὄtiὄΝἶἷὅὅaΝὂὄὰὂὄiaΝ

exposiccedilatildeo progressiva e que resulta em uma compreensatildeo de uma finalidade pedagoacutegica

direcionada a um soacute objetivo

Cada diaacutelogo eacute uma espeacutecie de unidade de membro que se articula aos demais cada

um antecipando o conteuacutedo do diaacutelogo posterior culminando na formaccedilatildeo de um corpo

doutrinaacuterio consistente Podemos afirmar que o que permanece comumente estabelecido

pelos inteacuterpretes platocircnicos eacute a necessidade de separar em trecircs grupos ou fases os diaacutelogos

de Platatildeo ὁuΝ aΝ aἴὁὄἶagἷmΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ ἵὁὀvἷὀἵiὁὀὁuΝ ἵhamaὄΝ ldquogἷὀὧtiἵὁ-evolutiva como nos

aponta Santos

() a geneacutetico-evolutiva eacute aquela [teoria] que recolhe maior apoio dos platonistas interpreta cronologicamente a divisatildeo do corpus nos trecircs grupos de diaacutelogos acima referidos e defende que as datas atribuiacutedas a sua publicaccedilatildeo expressam a evoluccedilatildeo intelectual e ideoloacutegica de Platatildeo na marcha para a exposiccedilatildeo da sua filosofia (2012 p 28)

Esta leitura geneacutetico-evolutiva tem como teoacuterico principal Gregory Vlastos (1991) Esse

autor demonstra que seria possiacutevel por meio da distinccedilatildeo das trecircs fases do pensamento

platocircnico notarmos uma diferenccedila entre aqueles diaacutelogos em que Soacutecrates seria o Soacutecrates

histoacuterico ao passo que nas demais fases eacute Platatildeo quem falaria ao expor pela personagem

condutora do diaacutelogo as suas proacuteprias teses (VLASTOS 1991 p45-46) Esta tese de Vlastos

em um primeiro momento foi aceita consensualmente pelos leitores dos diaacutelogos ao notarem

o desenvolvimento da obra de Platatildeo em determinados diaacutelogos quando comparados entre

si o que de fato eacute possiacutevel tendo em vista a vastidatildeo da obra literaacuteria elaborada por Platatildeo

31 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

Baseado como jaacute dissemos nos resultados provenientes da estilometria e posteriormente

analisando a proximidade temaacutetica a cronologia dos diaacutelogos usualmente adotada seria a

seguinte

(i) Diaacutelogos da juventude ou socraacuteticos Apologia Criacuteton Laacuteques Liacutesis Caacutermides

Ecircutifron Hiacuteppias Maior e Menor Protaacutegoras Goacutergias Iacuteon

(ii) Diaacutelogos daΝ matuὄiἶaἶἷΝ ὁuΝ ἶaΝ ldquotἷὁὄiaΝ ἶaΝ ἔὁὄmaὅrdquoμΝ Mecircnon Feacutedon Repuacuteblica45

Banquete Fedro Eutidemo Menexeno Craacutetilo

(iii)ΝἒiὠlὁgὁὅΝἶaΝvἷlhiἵἷΝὁuΝὄἷviὅatildeὁΝ(ἵὄiacutetiἵa)ΝἶaΝldquotἷὁὄiaΝἶaὅΝfὁὄmaὅμΝParmecircnides Teeteto

Sofista Poliacutetico Timeu Criacutetias Fileacutebo Leis

A cronologia de Vlastos eacute praticamente similar a esta (a de Guthrie (1975) e de

Cornford (1927)) apenas apresentando algumas poucas diferenccedilas pois ele coloca como

intermediaacuterios entre o primeiro e o segundo grupo os seguintes diaacutelogos (transiccedilatildeo)

Eutidemo Hiacuteppias Maior Liacutesis Menexeno Mecircnon e tambeacutem Parmecircnides e Teeteto como

diaacutelogos pertencentes agrave fase da maturidade Vlastos afirma ser possiacutevel encontrarmos pelo

menos dois Soacutecrates nos diaacutelogos um estaria presente nos diaacutelogos iniciais da juventude e

o outro presente nos diaacutelogos da maturidade e velhice justamente porque ambos natildeo teriam

afirmaccedilotildees semelhantes sobre os mesmos assuntos apresentando posiccedilotildees ateacute mesmo

contraditoacuterias Esse teoacuterico afirma que existe uma real e significativa diferenccedila entre os

diaacutelogos socraacuteticos aporeacuteticos (ou elecircnthicos) e os diaacutelogos do periacuteodo meacutedio e os do tardio

de tal modo seria possiacutevel postularmos que aqueles primeiros pertencem a um Soacutecrates

histoacuterico distinto dos objetivos filosoacuteficos concernentes agraves obras do periacuteodo meacutedio e final Eacute

a ὂaὄtiὄΝἶiὅὅὁΝὃuἷΝἷlἷΝfὁὄὀἷἵἷΝaὅΝἴaὅἷὅΝὂaὄaΝaὃuἷlaΝὃuἷΝfiἵὁuΝἵὁὀhἷἵiἶaΝἵὁmὁΝldquotἷὁὄiaΝἶὁΝὂὁὄta-

vὁὐrdquoΝiὅtὁΝὧΝὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἶaΝfaὅἷΝmὧἶiaΝἷΝfiὀalΝὅἷὄviὄiaΝἵὁmὁΝὂἷὄὅὁὀagἷmΝὄἷὅὂὁὀὅὠvἷlΝὂὁὄΝἷxὂὁὄΝ

a teoria propriamente platocircnica jaacute desvinculada do pensamento do Soacutecrates real (histoacuterico)

da fase juvenil dos diaacutelogos

Vlastos (1991) chega a estabelecer algumas afirmaccedilotildees sobre o Soacutecrates dos diaacutelogos

aporeacuteticos a saber Soacutecrates eacute um filoacutesofo moral que natildeo produziu teoria alguma sua busca

eacute apenas elecircnthica por isso afirma seu nada saber tambeacutem natildeo defende uma teoria da alma

por concordar com a impossibilidade da ελα έα e natildeo se interessa pelos conhecimentos

matemaacuteticos eacute um filoacutesofo da plebe natildeo apresenta qualquer teoria poliacutetica muito menos

postula uma teoria transcendente do belo a sua religiatildeo eacute uma religiatildeo praacutetica cuja divindade

45 Alguns estudiosos como Vlastos (1991) acreditavam que o Livro I da Repuacuteblica (Trasiacutemaco) seria um diaacutelogo separado do restante da Repuacuteblica Por isso Vlastos coloca o Trasiacutemaco (Livro I) entre os ἶiὠlὁgὁὅΝὅὁἵὄὠtiἵὁὅΝὁuΝldquoἷlecircὀthiἵὁὅrdquoΝἷΝὁὅΝἶἷmaiὅΝlivὄὁὅΝἶaΝRepuacuteblica (II-X) entre aqueles da maturidade (VLASTOS 1991 p 46-47)

32 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo

atua no campo das questotildees morais e por fim eacute portador de um meacutetodo filosoacutefico

adversativo tendo como princiacutepio a refutaccedilatildeo dos interlocutores (1991 p 47-48)

Segundo Vlastos qualquer um eacute capaz de notar algo totalmente contraacuterio ao se

deparar com as obras que compotildeem os periacuteodos meacutedio e da velhice platocircnicos ou seja uma

draacutestica mudanccedila de estilo de modos de expor determinadas questotildees ou mesmo a

diferenccedila de profundidade em que certos temas satildeo tratados O que vemos eacute o seguinte

Soacutecrates natildeo eacute mais apenas aquele filoacutesofo moral agora ele trata de temas metafiacutesicos

epistemoloacutegicos cientiacuteficos religiosos temas da linguagem etc como tambeacutem nos

apresenta a teoria das formas e da reminiscecircncia admitindo conhecer aquilo que visa

demonstrar lida com a teoria tripartite da alma refere-se agraves ciecircncias matemaacuteticas e manifesta

certo conhecimento acerca destas ciecircncias eacute fortemente aristocraacutetico nos apresenta uma

teoria poliacutetica refinada demonstra seu amor transcende sobre o belo a comunhatildeo com a

divindade por meio da atividade contemplativa das formas e possui um meacutetodo filosoacutefico

didaacutetico por meio do qual apresenta suas teorias para que seu interlocutor as compreenda

Para Vlastos a qualquer leitor eacute possiacutevel notar as disparidades entre os diaacutelogos da

fase inicial e os das fases seguintes nos quais Soacutecrates assume posiccedilotildees completamente

diferentes O personagem dos diaacutelogos da fase meacutedia e final propotildee e defende teorias

ἶiὅtiὀtaὅΝἷΝὅutilmἷὀtἷΝἷlaἴὁὄaἶaὅΝὅἷΝaὅὅἷmἷlhaΝmaiὅΝaΝumΝldquoὂὁὄtaΝvὁὐrdquoΝἶὁΝὂlatὁὀiὅmὁΝἶiὅtiὀtὁΝ

poreacutem da literatura socraacutetica inicial Logo isso demonstraria que essa literatura socraacutetica

inicial estaria mais proacutexima do Soacutecrates histoacuterico

Falei de um Soacutecrates em Platatildeo Haacute dois deles Em diferentes segmentos do corpus platocircnico dois filoacutesofos carregam esse nome O indiviacuteduo permanece o mesmo Mas em diferentes conjuntos de diaacutelogos ele persegue filosofias tatildeo diferentes que natildeo poderiam ser retratadas como coexistentes no mesmo ceacuterebro a menos que se trate do ceacuterebro de um esquizofrecircnico Eles satildeo tatildeo diversos em conteuacutedo e meacutetodo que se contrastam bruscamente um com o outro como tambeacutem com qualquer terceira filosofia que se possa mencionar comeccedilando com ele Aristoacuteteles (VLASTOS 1991 p 460)

Vlastos ainda acrescenta que a literatura socraacutetica teria uma espeacutecie de diacutevida com o

pensamento poliacutetico-moral antecessor que se valia do diaacutelogo para fins semelhantes dentre

eles Tuciacutedides Heroacutedoto e Proacutedico (VLASTOS 1991 p 48ss) O principal feito da

interpretaccedilatildeo de Vlastos eacute ter colocado os diaacutelogos aporeacuteticos ou elecircnthicos associados a

uma literatura dialoacutegica predominantemente poliacutetico-moral isto eacute de algum modo as obras

platocircnicas estariam jaacute ligadas a esse tipo de reflexatildeo antecedente agrave obra platocircnica mas nada

eacute dito sobre os contemporacircneos utilizarem esse mesmo meacutetodo Muito pelo contraacuterio os

diaacutelogos meacutedios e as obras da velhice atestariam um total rompimento com a fase precedente

a essas duas uacuteltimas Platatildeo neste caso teria rompido com todo o espiacuterito socraacutetico com

33 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

qualquer espeacutecie de socratismo de tal modo que a literatura filosoacutefica subsequente seria uma

espeacutecie de transcendecircncia ou de superaccedilatildeo do pensamento dialoacutegico anterior Por fim os

textos da fase juvenil atestam segundo Vlastos um conteuacutedo histoacuterico e tambeacutem um meacutetodo

particularmente refutativo presente neste periacuteodo nos diaacutelogos de Platatildeo Os diaacutelogos meacutedios

satildeo drasticamente separados dos anteriores jaacute natildeo pertencem mais a um mesmo gecircnero

literaacuterio estritamente socraacutetico Soacutecrates passa a ser um personagem utilizado sob outros fins

filosoacuteficos que natildeo aqueles que compotildeem o periacuteodo socraacutetico histoacuterico elecircnthico

O primeiro a se manifestar quanto a esse tipo de divisatildeo foi Kahn (2010) Segundo

este uacuteltimo Vlastos deve ser de certo modo enquadrado entre os revisionistas Enquanto

Kahn ele proacuteprio se inclui entre os defensores da visatildeo unitarista da obra de Platatildeo Khan

propotildee como princiacutepio interpretativo a necessidade de natildeo se separar os diaacutelogos de um

contexto histoacuterico maior que ele acredita pertencer a literatura socraacutetica Deste modo

segundo esse autor parece ser equivocado dotar os diaacutelogos socraacuteticos de tamanha

excepcionalidade sem compreendecirc-los como frutos de uma tradiccedilatildeo poeacutetica grega isto eacute ao

situaacute-los fora dessa proacutepria tradiccedilatildeo

O leitor eacute capaz de notar nos diaacutelogos natildeo apenas uma referecircncia agrave essa tradiccedilatildeo

poeacutetica (a obra dialoacutegica natildeo apenas reporta a essa tradiccedilatildeo) mas tambeacutem eacute capaz de

identificar a obra platocircnica nessa mesma tradiccedilatildeo poreacutem dotada de um novo sentido De tal

modo nos parece evidente um sentido subjacente (traacutegico-cocircmico) presente na obra filosoacutefica

de Platatildeo A poeacutetica grega serve como base para a estruturaccedilatildeo dos diaacutelogos Platatildeo natildeo se

limita a citar os poetas ele natildeo se contenta com isso os diaacutelogos satildeo meios para uma criaccedilatildeo

multifacetada de sua filosofia na qual estatildeo presentes constantes referecircncias agrave essa tradiccedilatildeo

a qual tambeacutem eacute material importante para a elaboraccedilatildeo de sua obra O que se nota natildeo

apenas nos diaacutelogos socraacuteticos eacute uma enorme influecircncia da tradiccedilatildeo poeacutetica na composiccedilatildeo

da obra platocircnica ela eacute um ponto de partida para a composiccedilatildeo desse especiacutefico gecircnero

literaacuterio que eacute o diaacutelogo e que marca decisivamente os rumos adotados por Platatildeo no

desenvolvimento de sua obra Lembremo-nos de que natildeo foi apenas Platatildeo quem escreveu

diaacutelogos mas tambeacutem outros autores que provavelmente disputavam em torno de um

prestiacutegio literaacuterio com suas composiccedilotildees adotando como gecircnero literaacuterio os diaacutelogos

socraacuteticos (KHAN 2010 p 31ss)

Algo tambeacutem que merece ser destacado sobre a visatildeo de Khan diz respeito agrave busca

pela efetiva caracterizaccedilatildeo do indiviacuteduo (realhistoacuterico) Soacutecrates quando tenta encontrar na

imagem desse personagem dos diaacutelogos da juventude a suposta informaccedilatildeo sobre sua

identidade fato capaz de poder atribuiacute-lo um pensamento distinto do de Platatildeo Deste modo

a filosofia platocircnica para Khan procura se afirmar enquanto um discurso que possui um papel

pedagoacutegico que a diferencia das demais atividades dos outros gecircneros literaacuterios que natildeo se

34 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo

ὄἷὅumἷmΝὡΝὅimὂlἷὅΝὄἷfutaὦatildeὁνΝὅἷΝfὁὅὅἷΝaὅὅimΝἷlaΝἷὅtaὄiaΝἷmΝldquoὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝἵὁmΝaΝἷὄiacuteὅtiἵaέΝ

Para Kahn

Gregory Vlastos deu uma formulaccedilatildeo mais uacutetil e extremada da leitura evolutiva ao falar de uma filosofia essencialmente socraacutetica em alguns dos dez ou doze diaacutelogos segundo sua opiniatildeo nestes diaacutelogos Platatildeo se encontra ainda enfeiticcedilado por seu mestre cuja filosofia natildeo soacute eacute distinta mas antiteacutetica a seu proacuteprio pensamento maduro No momento em que se converte em um filoacutesofo original Platatildeo abandona e se volta contrariamente contra sua posiccedilatildeo socraacutetica de origem (KAHN 2010 p 66)

Esse tipo de interpretaccedilatildeo na visatildeo de Kahn eacute mais especulativo do que propriamente

filosoacutefico jaacute que a proposta se distancia do que ele considera como o objetivo pedagoacutegico

maior da obra platocircnica Interessa a Kahn uma visatildeo mais ampla da obra dialoacutegica de Platatildeo

a despeito de alguns fatos parecerem ser descritos historicamente nessa mesma obra o que

por sinal teria objetivos puramente destinados a um significado filosoacutefico passando pelo crivo

da criaccedilatildeo literaacuteria Sua intenccedilatildeo eacute ir aleacutem dessa descriccedilatildeo vista por Vlastos como puramente

historiograacutefica para uma compreensatildeo da obra de Platatildeo ao situaacute-la em um contexto literaacuterio-

poeacutetico maior natildeo apenas dirigida a um embate filosoacutefico mas tambeacutem a um embate com

essa proacutepria tradiccedilatildeo poeacutetica subjacente na composiccedilatildeo de um gecircnero literaacuterio isto eacute

compreender sua dimensatildeo artiacutestica dentro de um contexto ainda mais amplo

Kahn ainda alega mais adiante (2010 p 66) que o problema de teses como a de

Vlastos estritamente desenvolvimentistas eacute a incapacidade de lidar com um problema

insoluacutevel a saber o problema Soacutecrates A dificuldade em lidar com o anonimato de Platatildeo em

suas obras faz com que os inteacuterpretes desenvolvimentistas em sua radicalidade acabem se

fiando em questotildees especulativas sobre a realidade da personagem Soacutecrates sobre sua

identidade baseada em especulaccedilotildees historiograacuteficas Tais questotildees eacute importante que se

diga isto natildeo podem ser refutadas nem tatildeo pouco podem ser atestadas com certa

veemecircncia Ainda que Platatildeo tenha passado por uma fase socraacutetica e depois se distanciado

desse tipo de pensamento nenhuma indicaccedilatildeo em sua obra eacute capaz de nos afirmar isto

Indicaccedilotildees estas que os revisionistas por sinal encontram apenas em referecircncias externas

como a obra de Aristoacuteteles por exemplo

Ao contraacuterio do que rapidamente se possa pensar a visatildeo de Kahn natildeo tem como fim

negar a existecircncia histoacuterica de Soacutecrates nem mesmo a sua influecircncia mas propor certa

continuidade entre os diaacutelogos socraacuteticos e os demais ao negar qualquer ruptura draacutestica

entre as fases do pensamento platocircnico Se Platatildeo apresenta suas posiccedilotildees filosoacuteficas nos

diaacutelogos e por vezes elas podem ser identificadas aos discursos proferidos por Soacutecrates ao

mesmo tempo ele natildeo nos diz suas opiniotildees pessoais acerca dos temas ali tratados Neste

caso a forma de abordagem irocircnica das posiccedilotildees no uso de determinada retoacuterica faz com

35 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

que as posiccedilotildees ali desenvolvidas se encontrem desprovidas de um caraacuteter tratadiacutestico ou

doutrinal tudo isso contribuiria para a exposiccedilatildeo de uma filosofia distante de certa rigidez de

tal maneira que ao se ocultar nos personagens Platatildeo tornaria enriquecedoras suas obras

ao possibilitar certa liberdade interpretativa do que se encontra em discussatildeo ali naquele

contexto dramaacutetico Essa seria uma das principais contribuiccedilotildees agrave tradiccedilatildeo interpretativa

subsequente Quais seriam entatildeo os reais objetivos com semelhante ocultaccedilatildeo Teria ela

objetivos propriamente filosoacuteficos ou natildeo passa de estiliacutestica e retoacuterica Ambos talvez

A maior dificuldade segundo Kahn eacute o enfrentamento das posiccedilotildees vistas como

contraditoacuterias nos diaacutelogos Cada diaacutelogo eacute uma espeacutecie de composiccedilatildeo dramaacutetica uacutenica em

que os temas estatildeo relacionados e servem a um propoacutesito argumentativo presente naquela

ὁἴὄaΝὂὁiὅΝldquo[έέ]ΝἵaἶaΝἶiὠlὁgὁΝὅἷΝaὂὄἷὅἷὀtaΝaΝὅiΝmἷὅmὁΝἵὁmὁΝumaΝuὀiἶaἶἷΝautὲὀὁmaΝὃuἷΝἷxiὅtἷΝ

ἷmΝὅἷuΝὂὄὰὂὄiὁΝἷὅὂaὦὁΝlitἷὄὠὄiὁrdquoΝ (ἀί1ίΝὂέΝἄἂ)έΝἠὁΝἷὀtaὀtὁΝὅἷguὀἶὁΝἛahὀΝndash e essa seria a

maior dificuldade levantada pelos inteacuterpretes platocircnicos ndash a tarefa do inteacuterprete seria conciliar

esses diaacutelogos ou grupo de diaacutelogos em um conjunto uacutenico como pertencentes a um soacute

autor algo impossiacutevel por exemplo para os revisionistas como eacute o caso de Vlastos que acaba

por duplicar um soacute autor criando dois ao inveacutes de um uacutenico Platatildeo (o socraacutetico histoacuterico e o

natildeo-socraacutetico) ou dois Soacutecrates (o histoacuterico e o personagem fictiacutecio) Para Khan (2010) toda

a filosofia platocircnica eacute socraacutetica e natildeo haacute na obra dialoacutegica duas filosofias platocircnicas

incompatiacuteveis Mas qual a soluccedilatildeo oferecida pelo teoacuterico norte-americano para afirmar isso

e ao mesmo tempo opor-se ao revisionismo

A soluccedilatildeo de Khan nesse sentido ao dizer que cada diaacutelogo eacute uacutenico natildeo nega o

mesmo meacutetodo geneacutetico-expositivo adotado pelo revisionismo Contudo Khan considera que

as diferentes visotildees e abordagens dos temas presentes nos diaacutelogos tecircm um propoacutesito

literaacuterio-filosoacutefico isto eacute trata-se de um meacutetodo pedagoacutegico satildeo recursos utilizados por

Platatildeo sob o propoacutesito de descrever e fundamentar um projeto poliacutetico que se apresenta

progressivamente no decorrer de toda a sua obra uma unificaccedilatildeo que soacute eacute alcanccedilaacutevel

mediante uma completa anaacutelise de todos os diaacutelogos Isso Kahn denomiὀaΝἵὁmὁΝldquoἷxὂὁὅiὦatildeὁΝ

iὀgὄἷὅὅivardquoΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ ὂlatὲὀiἵaέΝ ἡuΝ ὅἷjaΝ ἵaἶaΝ ὁἴὄaΝ ὧΝ umaΝ aὀtἷἵiὂaὦatildeὁΝ ἶaὃuilὁΝ ὃuἷΝ ὅἷὄὠΝ

esclarecido naquela posterior a ela ou seja a chamada prolepse (antecipaccedilatildeo) presente nas

composiccedilotildees dos diaacutelogos (KAHN 2010 p 85) Deste modo Platatildeo estaria ainda mais

atestando o caraacuteter dialeacutetico de sua filosofia distanciando-se ao mesmo tempo de qualquer

tipo de dogmatismo Tambeacutem atestaria que o pensamento de Soacutecrates permanece vivo nos

ἶiὠlὁgὁὅΝὃuἷΝὀatildeὁΝὁὅΝἶitὁὅΝldquoὅὁἵὄὠtiἵὁὅrdquoΝἷὀὃuaὀtὁΝumaΝiὀspiraccedilatildeo para a concretizaccedilatildeo de um

projeto filosoacutefico maior isto porque natildeo abandona o meacutetodo dialoacutegico mas persiste nele ateacute

o final de sua vida sempre em consonacircncia com o espiacuterito herdado do mestre

ἏὅΝἷvaὅὴἷὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝaὅΝldquoἵὁὀtὄaἶiὦὴἷὅrdquoΝmaὀifἷὅtaἶaὅΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝ

segundo Khan seriam por dois motivos gerais a saber a aversatildeo ao dogmatismo assim

36 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo

como a descrenccedila na comunicaccedilatildeo de noccedilotildees filosoacuteficas natildeo elaboradas suficientemente

Platatildeo teria percebido que deste modo expondo uma obra por vezes inconclusa complexa

figurada gradativa e por vezes aporeacutetica poderia estimular seu leitor a um percurso

investigativo proacuteprio sem oferecer a seu leitor respostas prontas acabadas Khan tambeacutem

reconhece a necessaacuteria atenccedilatildeo aos recursos literaacuterios utilizados por Platatildeo destinados a

essa exposiccedilatildeo ingressiva de sua filosofia como a real necessidade de tratar de temas

metafiacutesicos importantes recorrendo a uma linguagem figurada (mito alegoria etc) cujo

ὂὄὁὂὰὅitὁΝἵὁὀfiguὄaΝaΝἷxὂὁὅiὦatildeὁΝldquoἷxὁtὧὄiἵardquoΝἶἷΝὅἷuΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶaΝἷlaἴὁὄaὦatildeὁΝἶὁὅΝ

diaacutelogos (KAHN 2010 p 66)46

Ora as contribuiccedilotildees de Kahn satildeo notaacuteveis na questatildeo interpretativa dos diaacutelogos no

que diz respeito agrave uma concepccedilatildeo unitarista da filosofia platocircnica Poreacutem como se nota ela

ainda tem como base concepccedilotildees evolutivas realccediladas pelo revisionismo como a divisatildeo das

trecircs fases do pensamento platocircnico Ao considerar o Goacutergias como o primeiro diaacutelogo com

concepccedilotildees predominantemente platocircnicas ndash diaacutelogo no qual Platatildeo teria de fato alcanccedilado

certo domiacutenio sobre sua obra ou melhor um estilo literaacuterio proacuteprio ndash em detrimento da

Apologia e do Criacuteton que apresentam traccedilos historiograacuteficos mais visiacuteveis o que gera maior

curiosidade sobre a identidade histoacuterica do personagem Soacutecrates Khan novamente retoma

em certa medida o argumento dos revisionistas quando considera que em dado momento

Soacutecrates torna-se o porta-voz de Platatildeo Do mesmo modo ao tomar a Repuacuteblica como eixo

central para a organizaccedilatildeo dos diaacutelogos como ponto aacutepice da filosofia de Platatildeo sob o

46 Khan estabelece uma cronologia que tem como base trecircs grupos O grupo I os diaacutelogos satildeo divididos em seis estaacutegios que atestariam a evoluccedilatildeo do filoacutesofo ateacute o eixo central considerado por Khan como maacutexima expressatildeo da atividade platocircnica a saber a Repuacuteblica Os seis estaacutegios demonstrariam a caracterizaccedilatildeo proleacuteptica da filosofia platocircnica Sendo assim ficam assim divididos os diaacutelogos Grupo I Apologia Criacuteton (1) Iacuteon Hipias menor (2) Goacutergias Menexeno (3) Laques Caacutermides Eutiacutefron Protaacutegoras (4) Mecircnon Liacutesis Eutidemo (5) Banquete Fedoacuten Craacutetilo (6) Grupo II Repuacuteblica Fedro Parmecircnides Teeteto Grupo III Sofista Politico Filebo Tirneu-Criacutetias Leis ldquoἑὁὀὅiἶἷὄaὀἶὁΝὃuἷΝὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶὁΝἕὄuὂὁΝIΝὅatildeὁΝἶaΝjuvἷὀtuἶἷΝἶἷὅἵὄἷvὁΝὅuaΝὄἷlaὦatildeὁΝἵὁmΝaΝRepuacuteblica corno proleacuteptica Poreacutem este termo este pode parecer excessivamente cronoloacutegico quanto agrave questatildeo relativa agrave ordem em que foram realmente redigidos ou a sequecircncia em que satildeo lidos de fato natildeo tem grande importacircncia Meus seis estaacutegios devem ser compreendidos como proposta para uma ordem de leitura ideal poreacutem talvez seja melhor empregar uma metaacutefora espacial do que uma temporal ao inveacutes de falar de antes e depois podemos falar de exoteacuterico e esoteacuterico de distacircncia relativa em relaccedilatildeo a um centro definido pela Repuacuteblica Este modo de interpretar os testos poderia denominar-se igualmente ingressivo como una variante para a noccedilatildeo de prolepse Os diferentes estaacutegios do Grupo I nos proporcionam distintos pontos de entrada distintos niacuteveis de ingresso no universo do pensamento platocircnico que encontra sua expressatildeo mais completa na RepuacuteblicardquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝἅἂ)έ

37 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

propoacutesito de fundamentar uma suposta cronologia que separa os diaacutelogos em trecircs grupos

Kahn ainda continua proacuteximo do argumento dos revisionistas (KAHN 2010 p 73-74) Logo

a teoria interpretativa de Khan nos impossibilita supor que Platatildeo pudesse ter reescrito sua

obra reeditado ou reelaborado ou mesmo escrito mais de um diaacutelogo ao mesmo tempo

Destarte natildeo poderiacuteamos entatildeo notar o pensamento platocircnico em desenvolvimento jaacute que

seu aacutepice teria sido atingido na Repuacuteblica ou melhor reconhecer a proacutepria construccedilatildeo de

Platatildeo ao longo de toda a sua obra Essa caracterizaccedilatildeo proleacuteptica da obra platocircnica tal como

nos eacute apresentada por Khan ainda permanece presa a um certo evolucionismo que torna

impossiacutevel considerar o pensamento platocircnico como algo em desenvolvimento

O contributo da teoria unitarista proposta por Khan eacute que ela nos adverte sobre a

falecircncia de uma reconstruccedilatildeo histoacuterica especulativa de Soacutecrates baseada em referecircncias

extra dialoacutegicas Do mesmo modo nos adverte que devemos rejeitar uma diferenccedila draacutestica

entre o pensamento socraacutetico dos diaacutelogos da juventude e os demais ao admitir que toda a

filosofia platocircnica eacute socraacutetica e que a caracteriacutestica socraacutetica da filosofia platocircnica se manteacutem

nas demais fases Nesse sentido somos convidados a ultrapassar as incoerecircncias entre um

periacuteodo e outro entre os temas divergentes que porventura satildeo notaacuteveis ao longo desse

processo pedagoacutegico-poliacutetico da filosofia platocircnica em geral Trata-se de reconhecer em cada

diaacutelogo esse dinamismo com que o personagem Soacutecrates eacute apresentado e o modo como estaacute

a dialogar em cada obra sem buscar um conteuacutedo histoacuterico por traacutes dessa caracterizaccedilatildeo

mas sim compreendecirc-la como um recurso literaacuterio (retoacuterico) que possui finalidades maiores

imperceptiacuteveis num primeiro momento e que possa vir a se tornar suposiccedilatildeo de uma draacutestica

mudanccedila real oposiccedilatildeo ou mesmo objeto de controveacutersia na anaacutelise de diversos diaacutelogos

Essa separaccedilatildeo em fases a despeito de ainda ser adotada por Kahn jaacute abre caminho para

uma interpretaccedilatildeo assistemaacutetica dos diaacutelogos ou seja diminui a rigidez das separaccedilotildees

impostas aos diaacutelogos porquanto estes se inserem em um processo em que as proacuteprias obras

compotildeem um conjunto de indagaccedilotildees destinadas a uma finalidade eacutetico-poliacutetico-moral e que

permanecem sendo tratadas sob um vieacutes dialeacutetico Mas em relaccedilatildeo ao evolucionismo e agrave

cronologia histoacuterica dos diaacutelogos podemos afirmar que de alguma maneira ainda que

modificada deles Khan ainda natildeo abriu matildeo47

47 εέΝ εέΝ εἵἑaἴἷΝ ἷὅtaἴἷlἷἵἷὄὠΝ umaΝ ἵὄiacutetiἵaΝ aΝἛhaὀΝ ὅὁἴΝ umΝ ὂὁὀtὁΝἶἷΝ viὅtaΝ ldquoaὀaliacutetiἵὁrdquoΝ ἶἷΝ lἷituὄaΝἶὁὅΝdiaacutelogos Ela sugere que quando diferentes diaacutelogos platocircnicos parecem ter conteuacutedos semelhantes ὅatildeὁΝmἷlhὁὄἷὅΝἷὀtἷὀἶiἶὁὅΝἵὁmὁΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquomἷtalἷὂὅἷrdquoΝaὂaὄἷἵendo e criticando ideias anteriores incentivando os leitores a pensarem os problemas por si mesmos O fato eacute que o que mais vemos eacute o diaacutelogo usado artiacutestica ou indiretamente Nos parece menos evidente que o intuito ou a tarefa mais direta seja interpretar o pensamento de Platatildeo Ela ainda destaca que a mesma questatildeo estaacute impliacutecita nas interpretaccedilotildees esoteacutericas e straussianas que natildeo atribuem um valor maacuteximo ao desenvolvimento mas o debate recente (e aqui ela se refere agrave tradiccedilatildeo interpretativa literaacuteria contemporacircnea) tambeacutem revelou a importacircncia desse ponto para quem lecirc os diaacutelogos natildeo como veiacuteculos expliacutecitos natildeo satildeo leitores doutrinais (unitaristas) ou analiacuteticos (revisionistas) (McCABE 2002 p 4)

38 14 A posiccedilatildeo literaacuteria

14 A posiccedilatildeo literaacuteria

A questatildeo referente agrave intepretaccedilatildeo da obra platocircnica como ateacute entatildeo demonstrado eacute

algo que ainda divide opiniotildees entre os especialistas O primeiro questionamento de qualquer

leitor que se deparara com a obra de Platatildeo eacute sobre o modo como se deve ler Platatildeo por

onde comeccedilar Em geral qual metodologia adotar Creio que a pergunta pode e deve ser

redirecionada para a um outro aspecto ainda mais importante o modo de elaboraccedilatildeo das

obras platocircnicas isto eacute o diaacutelogo por que Platatildeo escreve diaacutelogos por que adota este meacutetodo

de exposiccedilatildeo filosoacutefico Teria nosso autor algum outro propoacutesito senatildeo aqueles meramente

literaacuterios Objetivos retoacutericos Filosoacuteficos Ou ambos

Sobre essa questatildeo muito jaacute foi discutido e ainda se discute De fato a noacutes leitores de

Platatildeo eacute necessaacuterio lidar com essa estreita relaccedilatildeo proacutepria da elaboraccedilatildeo do pensamento

filosoacutefico platocircnico digo a respeito das particularidades que envolvem uma escrita filosoacutefica

sobre a forma dramaacutetica do diaacutelogo Como conjugar essa triacuteplice caracterizaccedilatildeo presente na

obra platocircnica os diaacutelogos satildeo escritos escritos dramaacuteticos e tambeacutem obras filosoacuteficas A

questatildeo ainda se torna mais profunda agrave medida em que notamos que a proacutepria obra de Platatildeo

se insere na criacutetica tanto agrave poesia quanto agrave escrita ao mesmo tempo em que ela proacutepria eacute

uma obra escrita e dramaacutetica Como lidar com as criacuteticas relativas agrave poesia e principalmente

agrave proacutepria escrita encontrada nos diaacutelogos (Phdr 274b- 279c48 Ep VII 341c-345c49)

48 Resumidamente os conteuacutedos da criacutetica satildeo os seguintes (i) produz mera aparecircncia de saber (ii) tem caraacuteter apenas mnemocircnico para quem escreve (iii) manteacutem-se em silecircncio a semelhanccedila da pintura (iv) questionada responde sempre a mesma coisa a entendidos e a desentendidos (v) incapaz de se defenderΝ ὄἷὃuἷὄΝ ὅἷmὂὄἷΝ ὁΝ ὅὁἵὁὄὄὁΝ ἶἷΝ ὅἷuΝ autὁὄέΝ ἏὁΝ ἵὁὀtὄὠὄiὁΝ ἶὁΝ ldquoἴὁmrdquoΝ ἶiὅἵuὄὅὁμΝ (i)Ν ὂὁὅὅuiΝnatureza e origem mais potente e melhor por isso tambeacutem um homem seacuterio (falta algo) (ii) natildeo confia ao escrito suas coisas mais importantes (iii) se ele utiliza o escrito eacute apenas por brincadeira e para o auxiacuteliὁΝἶaΝmἷmὰὄiaΝ(iv)ΝἷlἷΝὅἷΝἶἷἶiἵaΝὡΝἶialὧtiἵaΝἷΝἷὅἵὁlhἷΝaὅΝalmaὅΝaὂtaὅΝὀaὅΝὃuaiὅΝiὄὠΝldquoὅἷmἷaὄrdquoΝὁὅΝdiscursos (v) deve conhecer a verdade sobre o que fala ou escreve praticando o meacutetodo da divisatildeo conhecendo a natureza da alma de quem ouve oferecer-lhe o conteuacutedo mais adequado (vi) deve perceber que nada de seacuterio haacute no discurso escrito mas sim naquele que se inscreve na alma (vii) compondo discursos com conhecimento e verdade deveraacute tambeacutem ser capaz de defendecirc-los na ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὁὄalΝἷΝmὁὅtὄaὄΝaὅΝiὀfἷὄiὁὄiἶaἶἷὅΝἶὁΝἷὅἵὄitὁΝἷΝaὅὅimΝὂὁἶἷὄὠΝὅἷὄΝἵhamaἶὁΝἶἷΝldquofilὰὅὁfὁrdquoΝ(Phdr 274b- 279c) 49 A Carta relata que Dioniso de Siracusa teria escrito um tratado atribuindo-o como depositaacuterio das ideias mais importantes do proacuteprio Platatildeo Diante disso este uacuteltimo teria apresentado uma seacuterie de alegaccedilotildees (i) quem escreve ou vier a escrever sobre esse assunto nada entendeu (ii) de Platatildeo natildeo haacute nem nunca haveraacute um tratado sobre tais assuntos Isto porque (i) sobre ele natildeo se pode escrever (ii) (porque) a quem se deteve longamente com ele (a sua compreensatildeo) nasce num instante na alma e alimenta-se por si (iv) ningueacutem melhor que ele (o proacuteprio Platatildeo) seria capaz de falar ou escrever sobre o assunto se acaso lhe fosse oportuno fazecirc-lo (iii) mas haacute uma razatildeo que passaraacute a expor (digressatildeo) e que se opotildee a que se escreva sobre ele (Ep VII 341c-345c)

39 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

Como jaacute dito anteriormente vaacuterios modelos foram propostos seja aquele em que

devemos considerar a obra de Platatildeo como algo unitaacuterio cuja finalidade seria expor uma visatildeo

ὂὄὰὂὄiaΝὁuΝldquoἶὁgmὠtiἵardquoΝὅἷΝὃuiὅἷὄmὁὅΝὅἷjaΝaὃuἷlaΝἷmΝὃuἷΝὂὁἶἷmὁὅΝὀὁtaὄΝἵἷὄtaὅΝὄuὂtuὄaὅΝaΝ

partir da variabilidade ali apresentada tanto na composiccedilatildeo das proacuteprias obras enquanto

encenaccedilotildees especiacuteficas e variadas quanto no conflito entre pontos de vistas entre conteuacutedos

muacuteltiplos e ateacute mesmo contradiccedilotildees Como tambeacutem jaacute dissemos essa eacute uma questatildeo

antiquiacutessima e remonta a todo um histoacuterico que poderiacuteamos tratar exaustivamente Mas esse

natildeo eacute o meu propoacutesito aqui quero apenas delinear algumas visotildees para a partir delas deixar

claro meu objetivo com este estudo O que podemos resumidamente afirmar eacute que essas

perspectivas se desenvolvem basicamente a partir de duas perspectivas ou seja podemos

crer como os neoplatocircnicos que Platatildeo apresenta um pensamento proacuteprio uma doutrina

ὂὄὰὂὄiaΝὁuΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoἶὁgmatiὅmὁrdquoνΝviὅatildeὁΝὃuἷΝὅἷΝὅὁliἶifiἵὁuΝὀὁὅΝmaὀuaiὅΝἶἷΝhiὅtὰὄiaΝἶaΝ

filosofia ou apenas acreditar como jaacute acreditavam na antiguidade que natildeo podemos afirmar

nada acerca do que eacute exposto nos diaacutelogos logo aderir a uma visatildeo de um Platatildeo ceacutetico50

A tradiccedilatildeo interpretativa nos deixou tal heranccedila mas ao mesmo tempo nos deixou tamanho

legado a saber discernir algo plausiacutevel acerca da hermenecircutica platocircnica Diante disso basta

analisar essa discussatildeo infinda que se travou durante seacuteculos O fato eacute que na

contemporaneidade as posiccedilotildees estanques tecircm demonstrado sua real ineficaacutecia O que natildeo

podemos negar eacute que a composiccedilatildeo de uma filosofia dramaacutetica sob fins dialeacuteticos eacuteevidente

nos diaacutelogos os quais satildeo dramas especiacuteficos apresentados em cada obra contextos

distintos que se iniciam a partir de uma discussatildeo em torno de um tema especiacutefico gerando

desdobramentos ainda maiores

Chego ao ponto desejado na contemporaneidade retoma-se um debate frequente

acerca dessa proacutepria concepccedilatildeo dramaacutetica o modo como ela eacute elaborada seus aspectos

fundamentais Alguns autores importantes como C Gill (2006) M Frede (1998) M M

Mccabe G A Press (1993 2000) D Nails (2002) V Tejera (1999) J Sallys (1996) K Sayre

(1995) e Harold Tarrant (2000) visam recuperar uma visatildeo que jaacute era presente na

Antiguidade51 ao manifestarem sua discordacircncia de qualquer leitura que vise encontrar nas

obras de Platatildeo uma espeacutecie de doutrina geral mas entendem os diaacutelogos como um estiacutemulo

para a busca pessoal de um indiviacuteduo pela verdade No entanto eles trazem reflexotildees

50 ldquoἠὁΝiὀtἷὄiὁὄΝἶaΝεὧἶiaΝἷΝἶaΝἠὁvaΝἏἵaἶἷmiaΝ- desde Arcesilau que assumiu a direccedilatildeo da escola em 270 aC - sabe-se que a orientaccedilatildeo fundamental era justamente combater os dogmatikoi ou seja os aristoteacutelicos epicuristas e estoicos Assim escreveu Ciacutecero no De Oratore (1930 livro III p 67) lsquoἏὄἵἷὅilauΝέέέΝtiὄaΝἶὁὅΝἶivἷὄὅὁὅΝἷὅἵὄitὁὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝέέέΝaΝἵὁὀἵluὅatildeὁΝὃuἷΝὀaἶaΝἶἷΝἵἷὄtὁ pode ser apreendido seja pelos sentidos seja pelo espirito (nihil esse certi quo aut sensibus aut animo percipi possit )rsquoνΝἷΝaἵὄἷὅἵἷὀtaΝὃuἷΝἏὄἵἷὅilauΝutiliὐavaΝἵὁmὁΝmὧtὁἶὁΝaὃuἷlἷΝlsquoἶἷΝὀatildeὁΝὄἷvἷlaὄΝὁΝὃuἷΝὂἷὀὅaΝmaὅΝaὄgumἷὀtaὄΝcontra o que os outros dizἷmΝὂἷὀὅaὄrsquordquoΝ(ἐἓἠἡIἦΝ1λλἃΝὂέΝἆλ)έ 51 Cf ANNAS (2012 p 37) e TARRANT (2000 p 79)

40 14 A posiccedilatildeo literaacuteria

importantes Refiro-me aqui agrave atenccedilatildeo que reclamam aos aspectos literaacuterios presentes na

composiccedilatildeo dialoacutegica

A questatildeo nesse caso eacute mais criteriosa e pouco menos estrita pois se trata de saber

se podemos ler Platatildeo apenas de um modo literaacuterio ou filosoacutefico Sayre por exemplo

responde a este questionamento dizendo que seria extremamente possiacutevel analisar os

diaacutelogos apenas pelo espetaacuteculo que eles produzem (1995 p 29) Ou seja segundo a visatildeo

daqueles que buscam encontrar ali teorias filosoacuteficas algo meramente secundaacuterio como o

contexto o lugar os personagens em suma o palco onde se apresenta a encenaccedilatildeo contida

no diaacutelogo poderia talvez nos trazer reflexotildees interessantes sem que sejam assumidas teses

filosoacuteficas que dali poderiam derivar Neste sentido podemos retomar a criacutetica de Tejera

(1λλλ)Ν ὡὅΝ lἷituὄaὅΝ ὃuἷΝ ἷlἷΝ ὀὁmἷiaΝ ἵὁmὁΝ ldquolἷituὄaΝ iἶἷaliὅtaΝ ἶaΝ iὀtἷὂὄἷtaὦatildeὁΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁrdquoέΝ ἠaὅΝ

paacuteginas que abrem sua obra ele convida o leitor a manifestar um olhar despretensioso sobre

as obras platocircnicas analisando apenas aquilo que determinado diaacutelogo possa vir a lhe

apresentar a reparar a vivacidade da discussatildeo o combate entre os personagens o tom da

discussatildeo todos os recursos literaacuterios disponiacuteveis (mitos alegorias omissotildees dentre outros)

que em uma leitura formal e dogmaacutetica seriam segundo o autor reinterpretados e tomariam

a forma de um conteuacutedo de uma intepretaccedilatildeo secundaacuteria e geral de algo que seria muito

mais especiacutefico (p 9- 10)

Da mesma maneira esse teoacuterico se contrapotildee agraves interpretaccedilotildees dogmaacuteticas dos

textos platocircnicos em grande parte responsaacuteveis pelo enfraquecimento da vivacidade

presente nos diaacutelogos pela riqueza literaacuterio-retoacuterica ali presente quando recolhem de

contextos especiacuteficos trechos fragmentos de uma obra maior para transformaacute-los em teorias

O brilhantismo literaacuterio das obras esmaece-se em uma palidez tornando os discursos vivos

apresentados de forma refinada em algo sem vida doutrinaacuterio e digno de recusa por um

espiacuterito filosoacutefico criacutetico pois impedem a liberdade interpretativa do leitor como tambeacutem os

resultados decorrentes de uma investigaccedilatildeo proacutepria atualizada

A leitura exegeacutetica acadecircmica iniciada desde a Antiguidade segundo Tejera seria

responsaacutevel pela morte dos diaacutelogos naquilo que eles mesmo satildeo diaacutelogos Da Antiguidade

sucessora de Platatildeo ateacute a contemporaneidade Platatildeo teria sido interpretado e reinterpretado

de acordo com interesses quase que distantes do que realmente sua obra apresenta segundo

interesses neoplatocircnicos proacuteprios o que segundo o teoacuterico teria sido responsaacutevel pelo

desinteresse em um autor brilhante que passa a ser visto como um filoacutesofo dogmaacutetico

defensor de doutrinas e que obviamente passaraacute a ser visto como antiquado retroacutegrado ou

ateacute mesmo superado (1999 p 11-14)

ἢὁἶἷmὁὅΝὂὁὄΝhὁὄaΝὀὁὅΝὄἷfἷὄiὄΝaΝἷὅὅἷΝήltimὁΝὂaὄaἶigmaΝἶἷΝlἷituὄaΝἵὁmὁΝldquoὂaὄaἶigma

literaacuterio-filὁὅὰfiἵὁrdquoΝὂὄὰὂὄiὁΝἶaΝὅἷguὀἶaΝmἷtaἶἷΝἶὁΝὅὧἵulὁΝXXΝἷxὂὄἷὅὅὁΝἷmΝgὄaὀἶἷΝὂaὄtἷΝὂὁὄΝ

C Gill (2006) Em suma se distingue em grande parte do revisionismo estrito e tambeacutem do

41 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

desenvolvimentismo porque segundo creem seus partidaacuterios os argumentos filosoacuteficos

muitas vezes devem partir de uma anaacutelise autocircnoma e particular detida na anaacutelise dos criteacuterios

literaacuterios que por vezes superam a argumentaccedilatildeo filosoacutefica Os aspectos dramaacuteticos ou

literaacuterios satildeo decisivos para a compressatildeo dos diaacutelogos De tal maneira cada argumento deve

se ater agravequele diaacutelogo restringindo-se aos limites da argumentaccedilatildeo ali apresentada Nenhum

personagem neste caso seria porta-voz de Platatildeo nem mesmo Soacutecrates mas cada um

desempenharia um papel particular falando a partir de si mesmo de um ponto de vista bem

fundamentado Platatildeo assim natildeo estaria no fundo no comando da cena dialoacutegica Seria

neste caso imprescindiacutevel ao leitor privar-se de estabelecer relaccedilotildees entre argumentos

distintos sobre um mesmo tema partindo de contextos dialoacutegico-argumentativos ou mesmo

formular uma espeacutecie de teoria geral proveniente de um entrecruzamento entre obras de um

suposto sistema de pensamento platocircnico52

Gill (2006) apresenta quatro constataccedilotildees principais sob as quais poderiacuteamos preferir

adotar tal visatildeo interpretativa (i) o conhecimento objetivo do tipo mais importante (sobre os

princiacutepios essenciais da realidade) soacute pode ser alcanccedilado na e por meio da participaccedilatildeo na

dialeacutetica ou seja o diaacutelogo filosoacutefico conduzido mediante perguntas e respostas sistemaacuteticas

individuais (ii) o exame dialeacutetico soacute atinge esse objetivo se os participantes (a) trazerem para

a dialeacutetica as qualidades apropriadas de caraacuteter e intelecto e (b) se envolverem efetivamente

no modo de dialeacutetica que esteja apropriadamente relacionado ao assunto em discussatildeo (iii)

o entendimento adequado qualquer problema filosoacutefico verificado depende de situar este

problema corretamente em relaccedilatildeo a (a) os princiacutepios fundamentais da realidade e (b) os

princiacutepios fundamentais do meacutetodo dialeacutetico (iv) cada encontro dialeacutetico tem sua proacutepria

probidade e significado e constitui um contexto em que podem ser feitos progressos

substanciais para a compreensatildeo dos princiacutepios fundamentais da realidade e do meacutetodo

filosoacutefico (p 143) Ele ainda detalha

Quero sugerir que esses princiacutepios podem nos ajudar a explicar certos recursos recorrentes da forma de diaacutelogo e que fornecem uma base para analisar a perspectiva filosoacutefica que estaacute subjacente agrave implantaccedilatildeo platocircnica da dialeacutetica Eles nos permitem primeiro definir um tipo diferente de unitarismo do discutido anteriormente ou seja um unitarianismo de

52 ldquoἏΝ ὃuἷὅtatildeὁΝ ἷὀvὁlvἷΝ tamἴὧmΝ ὁΝ iὀtἷὄἷὅὅἷὅΝ ἶὄamὠtiἵὁ-literaacuterios e o natildeo dogmatismo inovador dos inteacuterpretes de Platatildeo Como eacute notaacutevel por parte de muitos estudiosos os diaacutelogos satildeo dramas natildeo tratados e na interpretaccedilatildeo de dramas eacute simplesmente inadequado atribuir as falas dos personagens ἷΝὅuaὅΝiἶἷiaὅΝaὁΝautὁὄέΝἏlὧmΝἶiὅὅὁΝviὅtὁὅΝἵὁmὁΝtἷxtὁὅΝlitἷὄὠὄiὁὅΝὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὅatildeὁΝldquoἶialὰgiἵὁὅrdquoΝὀὁΝὅἷὀtiἶὁΝbakhtiniano isto eacute textos em que diferentes personagens tecircm diferentes visotildees de mundo e falam a partir de seus proacuteprios pontos de vista bem fundamentados ao inveacutes de serem controlados pelo ldquomὁὀὁlὰgiἵὁrdquoΝὂὁὀtὁΝἶἷΝviὅtaΝἶἷΝὅἷuΝautὁὄΝ(ἢἤἓἥἥΝἀίίίΝὂέΝἃ)έ

42 14 A posiccedilatildeo literaacuteria

perspectiva filosoacutefica e natildeo o conteuacutedo das ideias ao longo dos diaacutelogos53Em segundo lugar eles nos ajudam a ver o significado filosoacutefico da praacutetica de Platatildeo de apresentar cada diaacutelogo como um encontro dialeacutetico distinto Em terceiro lugar eles fornecem uma base para uma periodizaccedilatildeo das obras de Platatildeo com base em variaccedilotildees no tipo de diaacutelogo - em particular na medida em que a dialeacutetica responde a visotildees diferentes ou opostas Concluo caracterizando a perspectiva filosoacutefica que estaacute impliacutecita a meu ver nesses princiacutepios dialeacuteticos e no uso de Platatildeo pela forma de diaacutelogo (GILL 2006 p 143-144)

A proposta eacute realmente tentadora e possui o meacuterito de nos chamar a atenccedilatildeo para a

grandeza da composiccedilatildeo literaacuteria encontrada nos diaacutelogos platocircnicos Aleacutem disso devemos

reconhecer sem sombra de duacutevida o caraacuteter protreacuteptico dos diaacutelogos que nos incita a uma

reflexatildeo a um envolvimento com a atividade dialeacutetica caracteriacutestica essencial da filosofia

ὂlatὲὀiἵaέΝἢὁὄὧmΝἷlaΝaiὀἶaΝὧΝἷxtὄἷmaἶaΝἷΝtalvἷὐΝὂὁὅὅaΝὀὁὅΝἶiὄigiὄΝaΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoἵἷtiἵiὅmὁΝ

iὀtἷὄὂὄἷtativὁrdquoέΝ ἒigὁΝ iὅὅὁΝ ὂὁὄὃuἷΝ ὀὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅΝ ὧΝ ὂὁὅὅiacutevἷlΝ ὀὁtaὄΝ ἵὁmὁΝ algumaὅΝ tἷὅἷὅΝ ὅatildeὁΝ

sutilmente construiacutedas como os mesmos temas voltam a ser tratados com ainda mais vigor

e refinamento semelhantes posicionamentos gerais satildeo adotados em certas obras o cuidado

com a personagem Soacutecrates e sua proeminecircncia diante dos seus interlocutores O que natildeo

significa que possamos imediatamente recolher de seus discursos teses efetivamente

platocircnicas e compor uma doutrina platocircnica geral isso ainda nos eacute infranqueaacutevel Mas em se

tratando de Platatildeo tais habilidades literaacuterias anteriormente destacadas natildeo podem ser

impensadas ou mesmo desprovidas de um propoacutesito

A adoccedilatildeo e preferecircncia exclusiva do diaacutelogo deve ser vista como uma motivaccedilatildeo

propriamente filosoacutefica Por isso eacute necessaacuterio reconhecer tambeacutem o tempo e o espaccedilo ou

melhor o contexto no qual se insere os objetivos especiacuteficos da composiccedilatildeo dialoacutegica

platocircnica Contudo essas constataccedilotildees natildeo devem nos dirigir a um impasse interpretativo ao

superestimar os aspectos unicamente literaacuterios de uma determinada obra sem notarmos aiacute

qualquer conteuacutedo filosoacutefico mas apenas um discurso destinado ao desejo de satisfaccedilatildeo de

um puacuteblico audiente O anonimato a variabilidade e consequente dificuldade expressa pela

forma dialogal natildeo devem nos impedir de atribuir um conteuacutedo filosoacutefico a Platatildeo optando por

uma ecircnfase extremada no aspecto formal da composiccedilatildeo dramaacutetica nem mesmo colocar em

descreacutedito ao que estaacute ali efetivamente expresso a fim de priorizar fragmentos incompletos

emblemaacuteticos e enigmaacuteticos ao se optar por um caminho muito mais difiacutecil de reconstruccedilatildeo

53 Alguns autores preferem organizar cronologicamente as obras platocircnicas a partir de uma dataccedilatildeo dramaacutetica na qual a questatildeo histoacuterica eacute vista em virtude da coerecircncia manifesta entre os diaacutelogos sem portanto recorrer a fases histoacuterico-geneacuteticas como faz por exemplo o meacutetodo geneacutetico-expositivo Veja por exemplo ZUCKERTH (2009) e BENOIT (2015) que recorrem novamente agrave tetralogia para fundamentar sua interpretaccedilatildeo e organizaccedilatildeo da obra platocircnica sob quatro temporalidades lexis noesis genesis e poiesis

43 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

do pensamento platocircnico por via das chamadas doutrinas orais de Platatildeo54 Mas voltemos agrave

leitura enfaticamente dramaacutetica sobre isso acredito ser oportuno dar voz a Trabattoni

54 Sobre isso ver Scolnicov (2003) apesar de sua adesatildeo agrave priorizaccedilatildeo de uma leitura restrita a cada diaacutelogo centrada na eventualidade dramaacutetica de cada texto Considero sua visatildeo bem fundamentada um pouco menos extrema No entanto ele mesmo critica essa possiacutevel saiacuteda da leitura dialoacutegica em viὅtaΝἶἷΝalgὁΝὁὂaἵὁΝἵὁmὁΝὧΝὁΝἵaὅὁΝἶaὅΝὂὁὅὅiacutevἷiὅΝldquoἶὁutὄiὀaὅΝὀatildeὁ-ἷὅἵὄitaὅrdquoέΝἡὅΝἷὅὁtἷὄiὅtaὅΝaὂἷὅaὄΝἶἷΝὅἷΝvalἷὄἷmΝ ἶὁΝ ldquoaὄgumἷὀtὁΝ ἶὁΝ ὅilecircὀἵiὁrdquoΝ ἶὁὅΝ uὀitaὄiὅtaὅΝ faὐἷmΝ ὁutὄὁΝ tiὂὁΝ ἶἷΝ uὅὁΝ ἶἷὅὅἷΝ mἷἵaὀiὅmὁΝinterpretativo desviando a necessaacuteria atenccedilatildeo aos conteuacutedos apresentados em cada contexto ἶialὰgiἵὁΝἴuὅἵaὀἶὁΝalgὁΝldquoalὧmrdquoΝἶὁΝὃuἷΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἶiὠlὁgὁΝὂὁἶἷὄiaΝlἷvaὄΝaΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄέΝἢaὄtἷmΝἶἷΝumaΝconcepccedilatildeo de um Platatildeo restrito agrave exposiccedilatildeo escrita voltado agrave oralidade (o que eacute em termos concordaacutevel) anteriormente mas a finalidade dessa restriccedilatildeo eacute outra pois os diaacutelogos satildeo tratados como uma espeacutecie de iniciaccedilatildeo filosoacutefica a um conteuacutedo maior que natildeo vemos se apresentar nos diaacutelogos do qual apenas alguns estariam aptos a reconhecer o testemunho maior seria a fragmentada tὄaἶiὦatildeὁΝiὀἶiὄἷtaΝὂlatὲὀiἵaΝaὅὅimΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoὂὁiὅΝaΝvἷὄἶaἶἷΝὀatildeὁΝὅἷΝὂὁἶἷΝἶiὐἷὄέΝἓlaΝὅὰΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝἶiὄἷtamἷὀtἷΝapreendida Ela natildeo eacute a correspondecircncia de uma proposiccedilatildeo a um estado-de-coisas Ela eacute uma questatildeo ontoloacutegica moral e praacutetica ela estaacute aiacute para ser apreendida e ateacute que natildeo seja apreendida todas as palavras ficam sem sentido O ponto de apoio dos diaacutelogos fica assim sempre externo a eles Isso natildeo quer dizer como estaacute novamente em moda mantecirc-lὁΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝtἷvἷΝumaΝlsquoἶὁutὄiὀaΝὅἷἵὄἷtarsquoΝὁu uma doutrina de princiacutepios uma Prinzipienlehre e que os diaacutelogos devem ser interpretados agrave luz de tal doutrina Isso seria aceitar que a posiccedilatildeo filosoacutefica fundamental de Platatildeo podia ser formulada e passada a outros se bem que apoacutes uma longa preparaccedilatildeo natildeo apropriada a todos Concordo com tais inteacuterpretes que os diaacutelogos de Platatildeo satildeo incompletos de modo que nos satildeo dados e que a chave de sua interpretaccedilatildeo estaacute fora deles Mas natildeo creio que seja um grupo de princiacutepios ou uma doutrina de um tipo qualquer mas um evento um poderoso evento que natildeo soacute deixaria em Platatildeo uma profunda impressatildeo convencendo da supremacia absoluta da razatildeo Essa supremacia era para ele natildeo tanto epistemoloacutegica como ontoloacutegica e especialmente moral Para Platatildeo Soacutecrates mostrou em sua vida e em sua morte que o bem e o real satildeo o mesmo Seus diaacutelogos tentam nos fazer compreender o que ἷὅὅaὅΝὂalavὄaὅΝὀatildeὁΝὅatildeὁΝἵaὂaὐἷὅΝἶἷΝὀὁὅΝἷὀὅiὀaὄΝὂὁὄΝὅiΝὅὰὅrdquoΝ(ἥἑἡἜἠIἑἡVΝἀίίἁΝὂέΝἃἆ-59) Nada nos garante como atesta Frede (2013 p 57) que Platatildeo natildeo tivesse em mente os objetivos que tinha a pretensatildeo de apresentaacute-los gradualmente em sua obra contudo natildeo haacute nada nos diaacutelogos que possa provar isso esse eacute o ocircnus das visotildees baseadas no unitarismo Podem argumentar os esoteristas em favor da proximidade de Aristoacuteteles com Platatildeo ou postulando as recorrentes indicaccedilotildees das doutrinas orais entre os variados testemunhos indiretos mas a questatildeo de fundo que coloca em duacutevida a hipoacutetese esoterista eacute melhor explicada quando se atesta que a criacutetiἵaΝὡΝἷὅἵὄitaΝὀatildeὁΝὧΝmἷὄamἷὀtἷΝldquoἷmὂiacuteὄiἵardquoΝiὅtὁΝeacute baseada em uma distinccedilatildeo entre escrito e oralidade ela possui um caraacuteter filosoacutefico mais amplo a saber dirige-se a finalidade a que ambas as teacutecnicas escritooralidade possam vir a comportar Neste sentido tanto escrito quanto oralidade podem servirem ao oproacutebio quando seus usos natildeo estatildeo orientados agrave finalidade mais importante para nosso autor que no caso trata-se da atividade dialeacutetica ἢὁὄΝiὅὅὁΝhὠΝἵἷὄtaΝἶἷὅἵὁὀfiaὀὦaΝὀὁΝἷὅἵὄitὁΝaὁΝὅἷΝtὄataὄἷmΝἶaὅΝldquoἵὁiὅaὅΝmaiὅΝὅὧὄiaὅrdquoΝἶἷΝὅuaΝfilὁὅὁfiaΝἷΝporque tambeacutem deixam sacramentado qualquer doutrina nos diaacutelogos contraria a defesa caracteriacutestica fundamental do exerciacutecio da atividade dialeacutetica que se expressa na imitaccedilatildeo na substituiccedilatildeo do ldquoἶiὠlὁgὁΝὁὄalrdquoΝ(ὂὄἷfἷὄiacutevel) por meio do escrito o texto eacute apenas um estiacutemulo para aquilo que natildeo pode se findar em qualquer praacutetica filosoacutefica o debate dialeacutetico O anonimato assim como as contradiccedilotildees as reticecircncias e as cautelas de Soacutecrates preserva o autor de qualquer julgamento dogmaacutetico ao mesmo tempo em que possibilitam sua construccedilatildeo enquanto autor sua autocriacutetica filosoacutefica Nisto tambeacutem reside o valor dos diaacutelogos podemos relecirc-los e essa eacute uma finalidade importante sendo capaz de adentrar ou natildeo agrave discussatildeo ali desenvolvida ao tornaacute-la novamente viva reconhecendo a necessidade de filosofar utilizando-se da forccedila do ζσΰκμ Logo ningueacutem pode se furtar da criacutetica nem mesmo quem ora escuta nem mesmo quem ora responde (TRABATTONI 2012 p 21-22) Ver tambeacutem (SANTOS 1994 p 163-176) (DIXSAUT 2001 p 18-28) (FRANCO 2010 p 267-287)

44 14 A posiccedilatildeo literaacuteria

Os diaacutelogos natildeo podem ser completamente comparados a obras teatrais ou a textos meramente descritivos mas no seu interior mostram ser bem dirigidos propositivos muitas vezes polecircmicos irocircnicos e ateacute mesmo tendenciosos Por detraacutes do texto em suma transparece a presenccedila do autor que constroacutei e sustenta com sabedoria o jogo do diaacutelogo fazendo explodir contradiccedilotildees lanccedilando sinais muitas vezes sutis e obscuros sugerindo implicitamente ao leitor alguns percursos contentando-se por vezes somente em confundi-lo para provocar nele determinadas reaccedilotildees O autor em outras palavras eacute materialmente ausente do diaacutelogo mas bem presente do ponto de vista filosoacutefico como um invisiacutevel manipulador que move suas marionetes na cena para alcanccedilar determinados objetivos (2012 p 19)

Trabattoni (2012) ainda nos adverte sobre os perigos de confundirmos a relaccedilatildeo entre

autor e leitor e a relaccedilatildeo entre o protagonista do diaacutelogo e o seu interlocutor sendo necessaacuterio

lembrar que muitos textos escritos eram lidos em voz alta em praccedila puacuteblica (2012 p 20)

Portanto seria mais prudente natildeo associar imediatamente os propoacutesitos dramaacuteticos evidentes

destinados agrave atraccedilatildeo do puacuteblico ao despertar de consciecircncia de sua audiecircncia do sentido

mais aprofundado (dialeacutetico) que caracteriza determinada obra filosoacutefica e a proacutepria relaccedilatildeo

entre condutor e interlocutor da discussatildeo55

Outra objeccedilatildeo importante eacute que sendo Platatildeo um defensor deste caraacuteter protreacuteptico

da real necessidade da investigaccedilatildeo proacutepria caracteriacutestica fundamental da atividade dialeacutetica

da importacircncia atribuiacuteda neste caso agrave filosofia natildeo se pode negar que ele tenha crenccedilas

proacuteprias acerca dos assuntos dos quais trata concepccedilotildees filosoacuteficas sobre a realidade sobre

a vida humana etc Ora isto nos faz pensar que devemos ir em uma direccedilatildeo contraacuteria ao

tentar sim buscar construir uma posiccedilatildeo platocircnica sobre certos temas ainda que natildeo

possamos tomaacute-las como teorias strictu sensu Em suma podemos concluir com Trabattoni

(2012 p 25) que eacute realmente verdade que alguns diaacutelogos resolvem certos problemas e

outros natildeo mas nenhum deles eacute tatildeo aporeacutetico a ponto de natildeo oferecer nenhum avanccedilo na

pesquisa nenhuma soluccedilatildeo ainda que implicitamente nem ao menos nenhum deles eacute tatildeo

dogmaacutetico e conclusivo de tal modo que posamos a partir dali conceber conteuacutedos

verdadeiros absolutos e definitivos Dirijo-me agora agrave proposta de leitura adotada neste

trabalho

15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho

55 Cf GERSON (2000 p 5) acerca da distinccedilatildeo necessaacuteria entre o representativo e o argumentativo Gerson defende que Soacutecrates tambeacutem produz argumentos Marques (2006) diz acertadamἷὀtἷμΝ ldquoἡΝdiaacutelogo escrito eacute miacutemesis do diaacutelogo oral mas eacute tambeacutem invenccedilatildeo de personagens que dialogam entre ὅiΝἷΝἷxὂὄἷὅὅamΝumΝἶiὠlὁgὁΝὃuἷΝaΝalmaΝmaὀtὧmΝἵὁὀὅigὁΝmἷὅmardquoΝ(ὂέΝἂί)έ

45 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

Primeiramente diante do que foi exposto eacute preciso notar que natildeo podemos adotar

nenhuma das trecircs posiccedilotildees extremas mas que em alguns aspectos natildeo em todos elas

contribuem para a escolha de uma determinada abordagem O que se exige do inteacuterprete eacute

uma necessaacuteria cautela uma posiccedilatildeo mediana tanto entre unitarismo e desenvolvimentismo

quanto entre dogmatismo e ceticismo interpretativo O fato de Platatildeo se ausentar da obra natildeo

significa que natildeo possamos tentar construir uma intepretaccedilatildeo do que sejam suas posiccedilotildees

muito pelo contraacuterio ela assegura ainda mais nossa liberdade interpretativa Contudo isso

natildeo significa que essas mesmas posiccedilotildees natildeo sejam postas em criacutetica em debate e que elas

possam revestir-se de dogmatismo pelo fato de reconhecermos certa ocorrecircncia de

determinados argumentos e o esforccedilo frequente empregado em defendecirc-los Neste sentido

o caraacuteter investigativo (protreacuteptico) suscitado pelo diaacutelogo natildeo eacute contraditoacuterio com a

construccedilatildeo de posicionamentos que possam ser atribuiacutedos a Platatildeo

Devemos ainda salientar que toda atenccedilatildeo deve ser dada agrave particularidade dos

argumentos ao serem analisados no contexto geral da obra isto eacute sobre o modo como se

desenvolvem e sua peculiaridade em um determinado acircmbito dialeacutetico isto eacute jamais se deve

sacrificar o contexto dialeacutetico em que dado argumento estaacute fundamentado desconsiderando

todo o processo pelo qual ele se desenvolve Nada impede entretanto que possamos

estabelecer certa correlaccedilatildeo por intermeacutedio de referecircncias a argumentos sobre temas

defendidos em outras obras que porventura nos conduzam a compreensatildeo platocircnica de que

um dado tema natildeo se encontra limitado a um uacutenico diaacutelogo Semelhantemente parece vaacutelido

levar em conta as questotildees literaacuterias especiacuteficas demonstradas em cada exposiccedilatildeo em

particular (mitos alegorias omissotildees reticecircncias contradiccedilotildees ironia refutaccedilatildeo etc) elas

nos ajudam a compreender o processo sob o qual a argumentaccedilatildeo elaborada eacute relevante no

conjunto da interpretaccedilatildeo Todavia essas posiccedilotildees natildeo determinam o conteuacutedo geral da obra

natildeo a descrevem mas estatildeo inseridas num acircmbito maior referem-se unicamente ao

processo ao desenvolvimento loacutegico de uma dada argumentaccedilatildeo que tem finalidades outras

que natildeo um mero espetaacuteculo de posiccedilotildees diacutespares representados pelo pensamento

autocircnomo de cada personagem

Natildeo se trata de negar que haja mutaccedilatildeo ou uma espeacutecie de crescendum na obra

platocircnica mas o que natildeo parece ser correto eacute por meio dessas formas que documentam uma

evoluccedilatildeo nas obras direcionarmo-nos a um dogmatismo platocircnico Antes devemos notar a

finalidade dessa mudanccedila no desenvolvimento da argumentaccedilatildeo qual o sentido da utilizaccedilatildeo

de um recurso literaacuterio em detrimento de outro Insisto que isso natildeo eacute negar a evoluccedilatildeo do

pensamento platocircnico mas como nos diz Trabattoni eacute antes de tudo destituir a funccedilatildeo

dessas mudanccedilas utilizadas para resolver questotildees filosoacuteficas isto eacute retirar o caraacuteter

substancial por vezes atribuiacutedo na tradiccedilatildeo interpretativa a tais mudanccedilas (2012 p 26)

46 15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho

Neste caso trata-ὅἷΝἶἷΝumaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶὁΝldquotὁἶὁrdquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝ(ἦἤἏἐἏἦἦἡἠIΝἀί1ἀΝ

p 20)56 ὁuΝ ldquohὁliacuteὅtiἵardquoΝ (ἤἡWἓΝἀίίἅΝὂέΝἃί-51) em que forma e conteuacutedo natildeo podem ser

dissociaἶὁὅνΝἷὅὅἷΝldquoἷὀtὄἷlaὦamἷὀtὁrdquoΝὃuἷΝtὁὄὀaΝὂὁὅὅiacutevἷlΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝaΝὀatuὄἷὐaΝἶaΝativiἶaἶἷΝ

filosoacutefica nunca concluiacuteda aberta a investigaccedilotildees ulteriores repleta de ductilidade e distante

de dogmatismos Natildeo apenas Soacutecrates mas tambeacutem o entrelaccedilamento entre condutor e

interlocutor aleacutem dos mais variados aspectos literaacuterios aleacutem das personagens que possam

contribuir para a anaacutelise de uma determinada obra Sobre isso creio ser importante destacar

as concepccedilotildees oferecidas por Marques (2006)

Parece-me evidente que Platatildeo tivesse julgado que o diaacutelogo vivo entre almas eacute essencial agrave sua filosofia se pensarmos em sua produccedilatildeo escrita tudo o que ele escreveu estaacute em forma de diaacutelogo entre dois ou mais indiviacuteduos Eacute portanto razoaacutevel acreditar que seus escritos satildeo boas imagens do verdadeiro diaacutelogo dialeacutetico Mais do que a exclusatildeo do outro indiviacuteduo como ὅἷΝfὁὅὅἷΝalgὁΝὅuὂὧὄfluὁΝaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝὃuἷΝὧΝldquoὅuὂὧὄfluὁrdquoΝaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝὃuἷΝὧΝldquoὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝἶἷvἷΝὅἷὄΝἵὁmὂὄἷἷὀἶiἶaΝἵὁmὁΝumaΝὄἷὅtὄiὦatildeὁΝὁuΝὃualifiἵaὦatildeὁμΝo diaacutelogo natildeo eacute algo meramente espontacircneo e automaacutetico ele convoca a reflexatildeo e a determinaccedilatildeo pela inteligecircncia dos movimentos que emanam da alma ele eacute uma caccedila e uma luta que implica esforccedilo compartilhado e conquistas parciais e principalmente suscetiacuteveis de serem eventualmente consideradas falsas pois sem o falso natildeo eacute possiacutevel o verdadeiro (p 332)

Ao buscarmos afirmar uma determinada posiccedilatildeo geral do pensamento platocircnico

devemos nos atentar agrave seriedade que essa tarefa nos impotildee sobre a necessidade de

demonstrar certa coerecircncia entre tais posiccedilotildees levantadas e aquelas apresentadas pelo texto

esgotando ao maacuteximo os recursos que possam nos proporcionar Haacute que se atentar agraves

diversas possibilidades loacutegicas possiacuteveis poreacutem sempre lembrando que a discussatildeo se insere

em um contexto dramaacutetico e por isso as leituras permanecem em aberto porque sempre eacute

possiacutevel observar algo que natildeo foi percebido imediatamente em uma leitura primeira sempre

resta um pouco de duacutevida em toda interpretaccedilatildeo Apenas depois de examinarmos

exaustivamente essas relaccedilotildees o modo como certas teses satildeo tratadas o modo como satildeo

desenvolvidas naquele cenaacuterio da discussatildeo filosoacutefica eacute que poderemos estabelecer

possiacuteveis consideraccedilotildees sobre uma dada questatildeo nomeadamente platocircnica Nossas

56 ldquoἢaὄaΝἷὀἵὁὀtὄaὄΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὀatildeὁΝἴaὅtaΝὅἷguiὄΝalgumaὅΝafiὄmaὦὴἷὅΝmἷὅmὁΝque se trate de afirmaccedilotildees de Soacutecrates (e dos outros condutores) Em vez disso faz-se necessaacuterio analisar no seu todo a estrutura dialoacutegica composta quer por perguntas quer por respostas dos interlocutores tentando assim entender o que Platatildeo queria dizer ao leitor ao construir um certo tipo de diaacutelogo no qual quem interroga formula certas perguntas e quem responde o faz de maneira bastante calculada O resultado do texto eacute sempre a soma desse entrelaccedilamento e pode acontecer com grandes chances que a contribuiccedilatildeo do interlocutor seja pouco relevante podendo tambeacutem acontecer (e com chances ainda maiores) que o sentido de um determinado desenvolvimento dialoacutegico ultrapasse laὄgamἷὀtἷΝaὅΝaὅὅἷὄὦὴἷὅΝἶὁὅΝἶialὁgaὀtἷὅrdquoΝ(ἦἤἏἐἏἦἦἡἠIΝἀί1ἀΝὂέΝἀί)έ

47 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

inferecircncias podem estar equivocadas ao supormos um conteuacutedo extra oculto que natildeo esteja

presente ali no diaacutelogo sendo por vezes algo deliberado pelo proacuteprio autor sob fins que natildeo

os ali delimitados

Logo nosso trabalho eacute aacuterduo e exige uma seacuterie de esforccedilos a serem empregados

pois acredito sim ser possiacutevel levantarmos algumas questotildees ou mesmo posicionamentos

sobre a posiccedilatildeo de Platatildeo acerca da natureza e do papel do prazer na vida humana Meu

trabalho natildeo eacute neutro ele se caracteriza por ser uma leitura sobre a qual necessariamente haacute

divergecircncias o que natildeo eacute um problema mas um ganho porque nos possibilita dialogar a fim

de tentarmos tornar mais claras e coerentes nossas argumentaccedilotildees a partir de um debate

respeitoso o que natildeo significa ausecircncia de criacuteticas mas colocar em praacutetica o exerciacutecio de

nosso Mestre debruccedilando-se de forma rigorosa sobre a sua proacutepria obra tambeacutem passiacutevel

de criacutetica Por jaacute ter de lidar com uma quantidade expressiva de posicionamentos manifesto

minha recusa por uma aἴὁὄἶagἷmΝὃuἷΝfaὦaΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝaΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoὅigὀifiἵaἶὁΝὁἵultὁrdquoΝ

diante de qualquer passagem enigmaacutetica do diaacutelogo em anaacutelise

Prefiro optar por deixar a discussatildeo aberta e me precaver atestando a necessidade de

maiores estudos sobre a obra seja por incapacidade manifesta no momento ou recorrendo

por exemplo agrave suposiccedilatildeo de possiacuteveis corrupccedilotildees ou acreacutescimo agraves traduccedilotildees de termos que

impossibilitem uma compreensatildeo mais clara de alguma passagem pela verificaccedilatildeo do aparato

criacutetico ou dos manuscritos ou mesmo reconhecendo depois de tudo isso que a questatildeo talvez

natildeo esteja bem esclarecida ou eacute propositalmente inconclusa Tambeacutem ao tratar o Filebo com

ldquoumΝἶiὠlὁgὁΝήltimὁrdquoΝὀatildeὁΝὂὄἷtἷὀἶὁΝfaὐἷὄΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝaὁὅΝaὅὂἷἵtὁὅΝἵὄὁὀὁlὰgiἵὁὅΝὃuἷΝgἷὄalmἷὀtἷΝ

o atribuem com um diaacutelogo da fase final do pensamento platocircnico mas o que quero dizer com

isso eacute que dentre todos os diaacutelogos platocircnicos esse parece ser aquele que conteacutem uma

anaacutelise mais detida na questatildeo no prazer no qual o tema ganha maior visibilidade quando

comparado agraves demais obras do corpus em que o tema aparece por vezes timidamente por

vezes mais explicitamente

Resta ainda um ponto a ser destacado que diz respeito agrave preferecircncia por uma anaacutelise

predominantemente eacutetica da questatildeo do prazer em um contexto dramaacutetico em que natildeo

encontramos teorias formuladas estritamente nem tratados sobre o tema A obra de Platatildeo eacute

uma obra dialoacutegica em que os temas se encontram articulados e continuamente colocados

em discussatildeo Deste modo parece impossiacutevel operar semelhante distinccedilatildeo a respeito de uma

visatildeo uacutenica de um tema qualquer ainda mais quando se trata de temas tatildeo relevantes

tratados significativamente em outros diaacutelogos como o bem e a vida boa cujo mote nesse

diaacutelogo vem a ser a reflexatildeo sobre o prazer A temaacutetica que envolve o prazer estaacute relacionada

diretamente com a eacutetica mas como veremos no diaacutelogo a abordagem deste tema por Platatildeo

eacute ainda mais ampla natildeo se restringindo apenas aos conteuacutedos eacuteticos apesar de me

interessar predominantemente por estes uacuteltimos O Filebo daacute abertura a uma seacuterie de

48 15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho

possibilidades de leituras tendo em consideraccedilatildeo a variedade de temas ali encontrados

Todavia uma visatildeo plural como essa natildeo eacute suficiente para afirmar ao mesmo tempo a defesa

da ideia de que os diaacutelogos de Platatildeo natildeo conteriam nada que diga respeito a um conteuacutedo

eacutetico Muito pelo contraacuterio neles residem os conteuacutedos fundamentais que originam este tipo

de pensamento na filosofia ocidental essa disciplina filosoacutefica Tal posiccedilatildeo que natildeo deve nos

conduzir a um ceticismo interpretativo em relaccedilatildeo agrave obra de Platatildeo e a seus conteuacutedos eacuteticos

mas

() noacutes lemos diaacutelogos e essa forma na qual a filosofia de Platatildeo eacute apresentada longe de ter valor unicamente exterior tem um sentido filosoacutefico e por esse motivo deve ser levada a seacuterio como sinal de uma problematizaccedilatildeo profunda e radical integralmente exploratoacuteria e hipoteacutetica de tudo aquilo que seu autor ndash por meio de uma linguagem que com ele comeccedila a ser filosoficamente teacutecnica mas que na maioria das vezes eacute ainda a linguagem do cotidiano ndash vem dizendo () A forma dialoacutegica poreacutem natildeo adia indefinidamente nem anula a obrigaccedilatildeo de seu autor de encontrar soluccedilotildees para os problemas discutidos tais soluccedilotildees ainda que provisoacuterias e parciais estatildeo presentes nos proacuteprios diaacutelogos e satildeo fruto da proacutepria problematizaccedilatildeo radical permitida por estrutura filosoacutefica e natildeo apenas literaacuteria (isso eacute vaacutelido independentemente da amplitude e da forccedila filosoacutefica global inscritas nas soluccedilotildees encontradas ou vislumbradas nos diaacutelogos () (NAPOLITANO VALDITARA 2015 p 14)

ἒἷὅtἷΝ mὁἶὁΝ ὂὁἶἷmὁὅΝ ὅimΝ ἷὅἴὁὦaὄΝ umΝ ὃuaἶὄὁΝ ὂaὄtiἵulaὄΝ ἷmΝ ὄἷlaὦatildeὁΝ aΝ ldquoὧtiἵaΝ

ὂlatὲὀiἵardquoΝ tἷὀἶὁΝ ἵὁmὁΝ ἴaὅἷΝ aΝ ὄἷflἷxatildeὁΝ ὅὁἴὄἷΝ ὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ aὂὄἷὅἷὀtaἶὁΝ ὂὁὄΝ ἢlatatildeὁέΝ ἢὁἶἷmὁὅΝ

adentrar em determinado contexto dramaacutetico a fim de elaborarmos ainda que possibilidades

provisoacuterias uma interpretaccedilatildeo das noccedilotildees concernentes ao tema do prazer na eacutetica da

filosofia platocircnica Poreacutem neste trabalho como demonstro creio ser imprescindiacutevel em um

primeiro momento me deter na argumentaccedilatildeo presente nas linhas do Filebo a fim de

demonstrar as possiacuteveis interpretaccedilotildees da posiccedilatildeo (especiacutefica) de Platatildeo ao longo de

semelhante obra

Eacute necessaacuterio ainda esclarecer alguns pontos fundamentais sobre isso Primeiramente

parece ser impossiacutevel compreender o prazer em Platatildeo enquanto temas relativos agrave eacutetica a

partir de uma tentativa de isolamento deste tema (o prazer) nesse uacutenico diaacutelogo O Filebo

envolve questotildees ainda maiores que tecircm como ponto de partida do diaacutelogo a reflexatildeo sobre

os prazeres que podem ser lidas de um ponto de vista eacutetico (moral) Ateacute porque natildeo

encontramos em nenhuma obra platocircnica algo como uma teoria eacutetica formalizada isto eacute um

texto que fale estritamente de eacutetica (tal como temos em Aristoacuteteles um texto especiacutefico sobre

a eacutetica Eacutetica a Nicocircmaco)

49 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

Julia Annas em seu The Morality of Hapiness (1993) logo na Introduccedilatildeo de sua obra

justifica sua exclusatildeo da anaacutelise de Platatildeo a respeito do tema da eacutetica justamente por alegar

que

Natildeo haacute um diaacutelogo ὂlatὲὀiἵὁΝἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝldquoὅὁἴὄἷΝὧtiἵardquoΝἶaΝmἷὅmaΝfὁὄmaΝque a Eacutetica a Nicocircmaco eacute sobre a eacutetica Cada diaacutelogo possui seu proacuteprio tema ou grupo de temas que frequentemente natildeo dizem respeito as nossas divisotildees subjetivas de temas Mesmo os diaacutelogos que satildeo de maneira oacutebvia mais relevantes para a eacutetica como a Repuacuteblica e o Filebo satildeo tambeacutem igualmente sobre problemas metafiacutesicos e epistemoloacutegicos E mesmo nos diaacutelogos mais claros sobre a eacutetica Platatildeo ao usar deliberadamente a forma do diaacutelogo evita identificar e colocar sua proacutepria posiccedilatildeo Seria extremamente ingecircnuo simplesmente para identificar a posiccedilatildeo de Platatildeo com o que eacute atribuiacutedo a Soacutecrates em um determinado diaacutelogo E ateacute mesmo se o fizermos encontramos posiccedilotildees imensamente diferentes ocupadas por Soacutecrates em diferentes diaacutelogos a estrutura da teoria eacutetica platocircnica eacute muito pouco determinada pelo que encontramos nos diaacutelogos Assim se estudarmos eacutetica platocircnica enfrentamos um problema de extraccedilatildeo noacutes mesmos temos que selecionar e extrair o assunto a respeito da questatildeo eacutetica e isto eacute a nossa imposiccedilatildeo posterior sobre um escritor que escreve deliberadamente de uma forma muito diferente Eacute claro que este eacute um procedimento perfeitamente legiacutetimo Mas aponta grandes e largas diferenccedilas (ANNAS 1993 p 18)

Dito de outro modo eacute inuacutetil tentar fundamentar a partir dos diaacutelogos platocircnicos uma

eacutetica autocircnoma distinta das demais disciplinas filosoacuteficas Contudo tambeacutem eacute equivocado

por outro lado salientar que natildeo podemos encontrar nas obras de Platatildeo referecircncias aos

temas eacuteticos ou que suas posiccedilotildees natildeo contribuiacuteram para o que hoje denominariacuteamos como

ldquoὂἷὀὅamἷὀtὁΝὧtiἵὁέrdquoΝεaὅΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaΝ tὁἶὁὅΝὁὅΝἶἷmaiὅΝ tἷmaὅΝὀὁὅὅὁΝautὁὄΝ tὄataΝἶaΝὧtiἵaΝ

dialogicamente e aqui desejamos trataacute-la a partir da questatildeo do prazer partindo de uma

anaacutelise detalhada do Filebo Acerca disto ainda podemos ainda ressaltar que

Platatildeo fala da eacutetica dialogicamente como de qualquer outro tema mas ndash uma segunda possiacutevel chave de leitura ndash qualquer outro tema de que ele fala parece ter como eixo a eacutetica e ter com ela um envolvimento problemaacutetico a ser esclarecido caso a caso No entanto isso natildeo eacute o mesmo que diluir o tema moral em um magma indistinto em que tudo (e portanto nada) dos conteuacutedos dos diaacutelogos pode ser considerado eticamente interessante Todos os aspectos ndash ou seja cada aspecto ndash de uma problemaacutetica filosoacutefica eacutetica parecem ter sido analisados por Platatildeo natildeo sistematicamente mas sempre no diaacutelogo com uma urgecircncia radical da filosofia platocircnica (FERMANI 2015 p 14)

Podemos portanto afirmar a relevacircncia deste trabalho a partir do que anteriormente

jaacute dissemos Primeiramente porque o conflito eacutetico e psicoloacutegico aleacutem de ser uma

antiquiacutessima questatildeo filosoacutefica eacute um conflito que constitui a espeacutecie humana Deste modo a

50 15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho

anaacutelise de tal dilema (eacutetico-psicoloacutegico) eacute um exerciacutecio ainda pertinente a nossa investigaccedilatildeo

haja vista o papel extremamente relevante do prazer perante agrave constituiccedilatildeo da natureza

humana Ao analisar esta perspectiva mediante um autor da Antiguidade Grega Claacutessica

torna-se visiacutevel o quanto as questotildees claacutessicas podem ser retomadas tornando-se vivas e

inteligentes ou melhor dizendo como tais problemaacuteticas ainda permanecem desafiadoras agrave

investigaccedilatildeo filosoacutefica enquanto tal57

57 ἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝaiὀἶaΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝὄἷtὁmaὄmὁὅΝἏὀὀaὅΝ(1λλἁ)μΝldquoἓὀtatildeὁΝὁΝὃuἷΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝἵὁὀὅἷguiὄΝἵὁmΝo estudo da eacutetica antiga Antes de mais nada ganhariacuteamos o que se obteacutem de todo estudo histoacuterico vale dizer a aquisiccedilatildeo de uma sensibilidade em relaccedilatildeo agraves quais agora teremos mais consciecircncia compreendendo tambeacutem aquelas opccedilotildees que natildeo fazem mais parte do repertoacuterio das nossas atuais opccedilotildees de escolha Em segundo lugar verificaremos quanto a nossa condiccedilatildeo intelectual se aprofunda ὃuaὀἶὁΝlἷvaΝἵὁὀὅiἶἷὄaὦatildeὁΝὅuaὅΝὂὄὰὂὄiaὅΝὁὄigἷὀὅrdquoΝ(ὂέΝ1ί)έ

51 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

2 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

21 As complexidades estruturais e o problema da unidade

Antes de avanccedilarmos propriamente no estudo das linhas e temas que satildeo discutidos

por Platatildeo no Filebo conveacutem apresentarmos algumas das sinuosidades deste nosso percurso

interpretativo e o modo como a tradiccedilatildeo claacutessica tem lido essa obra visotildees que em sua

maioria como mostrarei detalhadamente no proacuteximo capiacutetulo discordo em alguns pontos

fundamentais No entanto por hora permanecemos ainda no exterior do diaacutelogo isto eacute o

texto a seguir pretende demonstrar algumas dessas visotildees claacutessicas para somente depois

disso no proacuteximo capiacutetulo apresentar visotildees mais recentes sobre a obra algumas das quais

compartilho no momento da anaacutelise do proacuteprio diaacutelogo quando nos atentaremos ao leacutexico

platocircnico e aos problemas filosoacuteficos fundamentais apresentados pelo proacuteprio autor

O Filebo ainda divide opiniotildees entre uma seacuterie de estudiosos Conforme jaacute

destacamos para muitos pesquisadores ele assemelha-se agrave conotaccedilatildeo atribuiacuteda por D

Frede a essa obra58 ἵὁmὁΝaΝldquo(έέέ)Νterra incognita ἶὁὅΝὂlatὁὀiὅtaὅrdquoΝ(ἀί1ἁΝὂέΝἃί1)έΝἑὁmὁΝὄἷὅὅaltaΝ

ἔὄἷἶἷΝ(ἀί1ἁ)ΝὁΝldquotἷὄὄἷὀὁΝὂaὀtaὀὁὅὁrdquoΝὁuΝὂurgatoacuterio (FREDE 1993 p 13) dos estudiosos da

ὁἴὄaΝὂlatὲὀiἵaΝὅἷὄiaΝὁΝldquolὁὀgὁΝὂὄἷfὠἵiὁΝmἷtafiacuteὅiἵὁ-ἶialὧtiἵὁrdquoΝὃuἷΝἶὠΝiὀiacuteἵiὁΝaὁΝtἷxtὁΝaὂὰὅΝὅἷὄἷmΝ

apresentadas as posiccedilotildees iniciais pelos interlocutores (uma em defesa do prazer e outra em

defesa da inteligecircncia)59 (p 501) Na visatildeo da tradutora alematilde este eacute um dos diaacutelogos entre

ὁὅΝἶitὁὅΝldquotaὄἶiὁὅrdquoΝἷΝmaiὅΝἶifiacuteἵἷiὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὂὁiὅΝaluἶἷmΝὡΝldquoἶὁutὄiὀaΝὂlatὲὀiἵaΝἶaΝvἷlhiἵἷrdquoΝmaὅΝ

natildeo a explicam suficientemente semelhantemente ao que poderia ser notado no Parmecircnides

no Teeteto e no Sofista (ἔἤἓἒἓΝἀί1ἁΝὂέΝἃί1)έΝἏΝldquoὀὁvaΝmἷtὁἶὁlὁgiardquoΝἷΝaΝldquoὀὁvaΝὁὀtὁlὁgiardquoΝ

que compotildeem o iniacutecio da argumentaccedilatildeo do diaacutelogo de fato assustam o leitor de Platatildeo ao

ser confrontado com termos em relaccedilatildeo a argumentaccedilatildeo ali desenvolvida (como

ldquoiὀἶἷtἷὄmiὀaἶὁrdquoΝldquoἶἷtἷὄmiὀaἶὁrdquo)ΝjamaiὅΝviὅtὁὅΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝὀaὅΝaὄgumἷὀtaὦὴἷὅΝὂlatὲὀiἵaὅΝ

precedentes

Podemos tambeacutem retomar a metaacutefora de Bury (1897) em seu comentaacuterio ao diaacutelogo

intitulado The Philebus of Plato Nos dizeres do estudioso no bosque dos diaacutelogos de Platatildeo

o Filebo se assemelharia a um carvalho assimeacutetrico retorcido repleto de ramos distorcidos

58 A teoacuterica alematilde eacute uma das mais claacutessicas tradutoras do Filebo ela escreve uma longa introduccedilatildeo a respeito dos temas tratados neste escrito em particular como tambeacutem diversas notas que compotildeem a obra Aleacutem do mais ela eacute autora de diversos artigos sobre o Filebo aos quais eu faccedilo a referecircncia no decorrer do trabalho 59 No decorrer do proacuteximo capiacutetulo sustento que natildeo haacute teses no iniacutecio do diaacutelogo mas sim discursos simeacutetricos Sobre isso falarei mais adiante basta ressaltar que essa eacute a visatildeo da tradutora em questatildeo

52 21 As complexidades estruturais e o problema da unidade

enquanto os outros diaacutelogos seriam belos ciprestes e pinheiros no bosque da Academia de

Platatildeo Isto porque o diaacutelogo segundo o teoacuterico apresenta uma seacuterie de dificuldades quanto

agraves expressotildees empregadas por seu autor como tambeacutem uma peculiaridade na sua forma

ἓmἴὁὄaΝὀἷὅtἷΝἶiὠlὁgὁΝὅἷguὀἶὁΝἐuὄyΝὂaὄἷὦaΝἷὅtaὄΝἵὁὀtiἶὁΝὁΝὀήἵlἷὁΝὁuΝὁΝldquoἵἷὀtὄὁΝὅaἶiὁrdquoΝἶaΝ

doutrina platocircnica (p 9)

Migliori (1998) prefere servir-se da metaacutefora platocircnica utilizada no proacuteprio diaacutelogo (29a)

em que Soacutecrates afirma ao deuteragonista do diaacutelogo (Protarco) estarem ambos envolvidos

em uma tempestade em alto mar (29a) Isto devido agrave tamanha dificuldade em que estatildeo

envoltos verificaacutevel a partir dos raciociacutenios que se seguem estando eles imersos muitas

vezes em imensas aporias Semelhantes dificuldades as quais nem o proacuteprio leitor estaacute livre

de enfrentar A imagἷmΝἵὄiaἶaΝὂἷlὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἢlatatildeὁΝἶὁΝldquomaὄΝὄἷvὁltὁrdquoΝiluὅtὄaΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝaὀὠlὁgaΝ

a proacutepria situaccedilatildeo do leitor frente ao conturbado diaacutelogo Contudo segundo ele eacute necessaacuterio

ao leitor compor a sinfonia que reuacutene em uma uacutenica obra o diaacutelogo (reductio ad unum) sair

ἷmΝἴuὅἵaΝἶaΝldquoἴήὅὅὁlardquoΝἵaὂaὐΝἶἷΝὁὄiἷὀtaὄΝὁὅΝldquoὀavἷgaὀtἷὅrdquoΝἵaὂaὐΝἶἷΝὁὄiἷὀtaὄΝὁΝlἷitὁὄΝἶiante do

mar revolto caracteriacutestico deste mesmo drama Ao iniciar um percurso interpretativo de um

drama platocircnico complexo como eacute o caso do Filebo seria necessaacuterio que o leitor operasse

em trecircs niacuteveis o literaacuterio (a especificidade da escrita platocircnica) o estrutural (os acircmbitos

teoacutericos em que se movem o diaacutelogo) e o filosoacutefico (a reflexatildeo sobre os conteuacutedos

apresentados) (MIGLIORI 1998 p 330-333)

Segundo Muniz (2007) durante seacuteculos os estudiosos desta obra platocircnica

lamentaram a perda de um suposto tratado de Galeno Sobre as transiccedilotildees do Filebo (π λ

θ θ Φδζ ί η αίΪ πθ) jaacute que se imaginava na antiguidade que poderiam descobrir um

mecanismo hermenecircutico nesse caso extratextual capaz de fornecer a salvaccedilatildeo aos

inteacuterpretes a tatildeo sonhada chave de leitura ateacute entatildeo natildeo encontrada pelos leitores do diaacutelogo

desde sua publicaccedilatildeo capaz de solucionar os problemas que o texto envolve como tambeacutem

explicar as bruscas transiccedilotildees presente nesse texto platocircnico O que demonstraria segundo

o teoacuterico uma profunda descrenccedila em qualquer soluccedilatildeo que pudesse ser encontrada no

proacuteprio texto (p 113)

Do mesmo modo essa descrenccedila pode ser notada na obra de Allen (1975) em sua

traduccedilatildeo e criacutetica ao comentaacuterio do renascentista Marsiacutelio Ficino ao Filebo no qual nos

apresenta uma carta do poliacutetico italiano Cossimo de Meacutedici (que teria encomendado uma

traduccedilatildeo desse diaacutelogo a Ficino) ao filoacutesofo italiano Nesta carta o governante de Florenccedila

descreve ter permanecido em seu leito junto com Lorenzo de Meacutedici ateacute a hora de sua morte

lendo o Filebo no seu entender uma obra sobre o supremo bem humano Ou seja trata-se

53 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

do uacuteltimo diaacutelogo lido pelo fundador da dinastia dos Meacutedici60 (p 6) Ironicamente Waterfield

(1982) em seu prefaacutecio introdutoacuterio agrave traduccedilatildeo da obra sublinha que talvez esse natildeo seria o

diaacutelogo que escolheriacuteamos para ler nos instantes finais de nossa existecircncia como teria feito

o poliacutetico italiano da linhagem dos Meacutedici

Benjamin Jowett jaacute em 1897 teria reconhecido a complexidade dos temas abordados

no diaacutelogo ao destacar a mudanccedila do estilo dramaacutetico platocircnico notada a partir deste escrito

Os elementos poeacuteticos e dramaacuteticos passam a ser subordinados ao elemento filosoacutefico Pois

satildeo evidentes na obra algumas deficiecircncias como certas passagens confusas e a falta de uma

estrutura clara completa segundo Jowett (p 521)

Diante do que jaacute foi dito nota-se o impacto da leitura do Filebo desde a antiguidade

ateacute agrave contemporaneidade seja no neoplatonismo (por exemplo no extenso Comentaacuterio de

Damaacutescio ao Filebo) como no periacuteodo da renascenccedila (no comentaacuterio de Ficiono) Nosso

diaacutelogo teve seus breves instantes de gloacuteria na Antiguidade e soacute depois de longos anos os

estudos sobre o Filebo foram retomados O diaacutelogo permaneceu esquecido durante seacuteculos

na tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica e retorna agrave cena das discussotildees somente no seacuteculo XIX

sobretudo no seacuteculo XX Mas por quais motivos o diaacutelogo retorna ao debate filosoacutefico platocircnico

a partir do seacuteculo XX A seguir apresento alguns dos fatores primordiais

Umas das principais estudiosas da obra de Platatildeo a platonista francesa Monique

Dixsaut afirma que o Filebo eacute um diaacutelogo difiacutecil concordando com Rodier (1926 p 137-174)

dizendo aiὀἶaΝ ὃuἷΝ ldquo(έέέ)Ν aΝ ὁἴὄaΝ ἵὁmὂὁὄtaΝ ὁΝ iὀἵἷὄtὁΝ ὂὄivilὧgiὁΝ ἶἷΝ ἶἷtἷὄΝ ἷmΝ si todas as

ἵὁmὂlἷxiἶaἶἷὅΝὂὄὰὂὄiaὅΝὡΝlἷituὄaΝἶἷΝumΝἶiὠlὁgὁΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝ(ἀίί1ΝὂέΝἀἆἃ)έΝἓmΝὁutὄaΝὁἴὄaΝaΝ

mesma autora assegura que sem duacutevida ldquoὁΝὂὄiὀἵiὂalΝὁἴὅtὠἵulὁΝὡΝἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝἶὁΝFilebo eacute

ὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶἷΝὅuaΝuὀiἶaἶἷrdquoΝ(1λλλΝὂέΝ1ἀ)έΝἠὁΝἷὀtaὀtὁΝcomo veremos a proacutepria Dixsaut seraacute

uma das inteacuterpretes a demonstrar o caraacuteter equivocado desta suposta descrenccedila entre os

platocircnicos de que o Filebo possui deficiecircncias tanto estruturais (literaacuterias) de composiccedilatildeo

quanto nos conteuacutedos filosoacuteficos propondo uma leitura coerente e significativa sobre a obra

Para alguns estudiosos (os revisionistas) neste diaacutelogo Platatildeo apresentaria uma

revisatildeo de sua ontologia e de sua metodologia rompendo definitivamente com os Grandes

Gecircneros do Sofista com a hipoacutetese das Formas e principalmente com o meacutetodo dialeacutetico

Por outro lado o FileboΝ ἵὁmὁΝ ὄἷὅὅaltaΝ ἒixὅautΝ ὧΝ ὁΝ ldquotἷὄὄἷὀὁΝ ὂὄἷἶilἷtὁrdquoΝ ἶὁὅΝ ἵhamaἶὁὅΝ

ldquoἷὅὁtἷὄiὅtaὅrdquoΝἶaΝ filὁὅὁfiaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὂὁὄΝἵὁὀὅiἶἷὄaὄἷmΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝἵὁὀἵἷἴἷὄiaΝumaΝὄἷaliἶaἶἷΝ

dividida segundo dois princiacutepios fundamentais o Uno e a Diacuteade (DIXSAUT 1999 p 10)

60 ldquoἣuaὀἶὁΝἑὁὅὅimὁΝἶἷitὁuΝὀὁΝὅἷuΝlἷitὁΝἶἷΝmὁὄtἷΝὀὁΝfiὀalΝἶἷΝjulhὁΝὀὁὅΝiὀfὁὄmamὁὅΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶὁΝὂὄὰὂὄiὁΝFicino em uma carta a Lorenzo que Cossimo teria examinado o Filebo ὂὁὄΝήltimὁμΝlsquoἓὀtatildeὁΝἵὁmὁΝvὁἵecircΝsabe desde que vocecirc mesmo esteve laacute ele morreu natildeo muito depois de termos examinado os diaacutelogos de Platatildeo um sobre o princiacutepio das coisas (o Parmecircnides) e um sobre o Supremo Bem (o Filebo) (ALLEN 1975 p 6-7)

54 21 As complexidades estruturais e o problema da unidade

Neste caso conforme destaca a autora torna-se imprescindiacutevel ao leitor de Platatildeo a

compreensatildeo clara da primeira parte do diaacutelogo e sua relaccedilatildeo com o restante do texto ou

seja compreender como os temas ontoloacutegicos satildeo uacuteteis e fundamentais para a compreensatildeo

dos temas eacuteticos presentes na obra61

Segundo as consideraccedilotildees de Muniz (2007) o Filebo eacute um diaacutelogo de inuacutemeras

ldquotὄaὀὅiὦὴἷὅrdquoέΝἏΝ fimΝἶἷΝὅἷΝἷxὂliἵaὄἷmΝaὅΝἵὁmὂlἷxiἶaἶἷὅΝἶialὰgiἵaὅΝὂὄἷὅἷὀtἷὅΝὀaΝὁἴὄaΝ bem

como as dificuldades em relaccedilatildeo aos conteuacutedos filosoacuteficos a obra da maturidade platocircnica

tem sido interpretada de diferentes modos Um deles consiste em analisar apenas algum

aspecto que pareccedila mais relevante no texto platocircnico como o prazer Atente-se neste caso agrave

intepretaccedilatildeo revisionista (p 113) Em busca de um recurso hermenecircutico possiacutevel muitos

tendem a recorrer aos aspectos externos da obra sem contudo analisaacute-la a partir de sua

complexidade interna (como eacute o caso dos esoteristas)

Aleacutem disso o Filebo destaca-se no cenaacuterio filosoacutefico devido agrave complexidade de sua

abordagem do prazer visto por alguns teoacutericos anglo-saxotildees como a primeira abordagem do

ὂὄaὐἷὄΝ ἵὁmὁΝ ldquoatituἶἷΝ ὂὄὁὂὁὅiἵiὁὀalrdquoέΝ ἧmaΝ viὅatildeὁΝ ὃuἷΝ ἵὁmὁΝ vἷὄἷmὁὅΝ ἶἷmὁὀὅtὄa-se

extremamente complicada desprendendo-se em grande parte da letra do texto

Diante das complexidades que o texto apresenta de acordo com Muniz (2012)

podemos (resumidamente) destacar as trecircs principais tendecircncias interpretativas

contemporacircneas que surgem no seacuteculo XX e fizeram com que o diaacutelogo voltasse a ser

estudado (i) uma anaacutelise dos prazeres falsos em grande medida desenvolvida por Gilbert

Ryle (1950) (The Concept of Mind) filoacutesofo da mente da contemporaneidade e defensor de

uma leitura particular do Filebo (amplamente polecircmica) (ii) a emergecircncia da interpretaccedilatildeo da

ἵhamaἶaΝ ldquolἷituὄaΝἷὅὁtἷὄiὅtaΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝἴaὅἷaἶaΝ fuὀἶamἷὀtalmἷὀtἷΝὀaΝἵhamaἶaΝ ldquotὄaἶiὦatildeὁΝ

iὀἶiὄἷtardquoΝ amὂlamἷὀtἷΝ ἵalἵaἶaΝ ὀὁΝ tἷὅtἷmuὀhὁΝ aὄiὅtὁtὧliἵὁΝ ἶaΝ filὁὅὁfiaΝ ὂlatὲὀiἵaΝ

(particularmente aqueles contidos na Metafiacutesica) desenvolvida (contemporaneamente) pela

61 Um diaacutelogo que eacute tido por muitos como um diaacutelogo repleto de muacuteltiplas correccedilotildees a respeito do qual nem sequer se possui um acordo a respeito do assunto do qual se trata (uma questatildeo debatida desde a Antiguidade) o FilἷἴὁΝὧΝὁΝtἷὄὄἷὀὁΝἷlἷitὁΝἶὁὅΝὂὄὁὂὁὀἷὀtἷὅΝἶἷΝumaΝldquoὀὁvaΝὁὀtὁlὁgiardquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἷΝἶὁὅΝpartidaacuterios das doutrinas natildeo-escritas Para Crombie por exemplo uma das dificuldades do diaacutelogo ὅἷὄiaΝὃuἷΝldquoἢlatatildeὁΝiὀtὄὁἶuὐΝὄaὂiἶamἷὀtἷΝἷΝἶἷὅἷὀvὁlvἷΝalgumaὅΝὀὁὦὴἷὅΝὃuἷΝὂὁἶἷratildeo ser compreendidas somente agrave luz de suas preocupaccedilotildees uacuteltimas e que noacutes somente conhecemos por Aristoacuteteles Rompendo definitivamente natildeo somente com a hipoacutetese das Formas mas tambeacutem com os grandes gecircneros do Sofista Platatildeo operaria neste diaacutelogo uma revisatildeo draacutestica de sua ontologia como tambeacutem de seu meacutetodo isto eacute da dialeacutetica De acordo com os partidaacuterios das doutrinas natildeo-escritas ὃuἷΝtecircmΝaΝἶiviὀaΝὅuὄὂὄἷὅaΝἶἷΝiὀfἷὄiὄΝaΝὂaὄtiὄΝἶὁὅΝldquoἷὅἵὄitὁὅrdquoΝὁὅΝἶὁiὅΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁὅΝὃuἷΝὀaΝviὅatildeὁΝἶἷlἷὅΝὅatildeὁΝaΝmocircnada e a diacuteade indefinida acreditam tambeacutem exprimir claramente a existecircncia das realidades matemaacuteticas intermediaacuterias o que natildeo se trataria propriamente de uma evoluccedilatildeo mas do surgimento de uma doutrina esoteacuterica ateacute entatildeo reservada a alguns Em outra perspectiva a mistura dos elementos que constituem a vida boa ndash prazer e conhecimento ndash seria apenas um pretexto capaz de permitir a Platatildeo expor os seus novos princiacutepios metodoloacutegicos ou seus novos princiacutepios ocultos (DIXSAUT 2001 p 286-287)

55 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

vertente interpretativa que se denomina como a Escola de Tuumlbingen-Milatildeo62 ndash a qual a partir

deacutecada de 60 trouxe agrave tona a discussatildeo sobre os conteuacutedos do diaacutelogo no acircmbito do

platonismo (iii) o suposto debate surgido no platonismo acerca de uma suposta revisatildeo da

teoria platocircnica presente nos uacuteltimos diaacutelogos desde a criacutetica e consequente rejeiccedilatildeo de

Platatildeo agrave hipoacutetese das formas a partir do Parmecircnides Como o Filebo geralmente eacute colocado

entre os uacuteltimos diaacutelogos de Platatildeo essa obra tornou-se o centro das atenccedilotildees dos chamados

ldquoὄἷviὅiὁὀiὅtaὅrdquoΝ (εἧἠIZΝ ἀί1ἀΝ ὂέΝ ἆ)νΝ (iv)Ν ἷΝ ὂὁὄΝ ήltimὁΝ tἷmὁὅΝ aὅΝ ὄἷaὦὴἷὅΝ aΝ ἷὅὅaὅΝ viὅὴἷὅΝ

interpretativas que introduziram um amplo debate tambeacutem criando uma seacuterie de

interpretaccedilatildeoes ortodoxas ou natildeo aos principais problemas levantados nesse diaacutelogo

platocircnico

Como ressalta Rachid (2012) nesta visatildeo tipicamente redutiva do platonismo (no caso

da leitura esoterista) que busca referecircncias externas para explicar os conteuacutedos apresentados

pelos diaacutelogos esmaecem-se os conteuacutedos eacutetico-poliacuteticos da filosofia de Platatildeo como

tambeacutem os toacutepicos essenciais da dialeacutetica No entanto o Filebo apresenta uma variedade de

conteuacutedos extremamente relevantes agrave definiccedilatildeo da vida mista (entre prazer e conhecimento)

por sinal essencialmente humana Figuram neste diaacutelogo como temas relevantes (i) a criacutetica

agrave eriacutestica (ii) a invectiva das paixotildees deleteacuterias (iii) a criacutetica agrave maacute escrita (iv) a afirmaccedilatildeo que

a gecircnese do esquecimento eacute a fuga da memoacuteria (v) a reminiscecircncia e (vi) a analogia entre as

ciecircncias musicais a gramaacutetica e a dialeacutetica (p 4-5) A interpretaccedilatildeo de um Platatildeo aacutegrafo

neste sentido segundo o autor parece reduzir os conteuacutedos culturais tais como a heranccedila

miacutetico-poliacutetico na elaboraccedilatildeo dos diaacutelogos e o papel do filoacutesofo na elaboraccedilatildeo dos discursos

(loacutegoi mas por hora nos basta a criacutetica a esse tipo de leitura ndash voltaremos a ela quando for

necessaacuterio em nossa anaacutelise do diaacutelogo) Conveacutem ao menos destacar que

() se lecircssemos Platatildeo por um sistema apriorista de princiacutepios em torno do um considerado princiacutepio formal e da diacuteada indefinida do grande e do

62 De acordo com Xavier (2005) nota-se que a proposta da Escola de Tuumlbingen-Milatildeo consiste em dar ecircnfase no caraacuteter oral da filosofia de Platatildeo dito em outras palavras a incompreensibilidade manifesta pelo texto platocircnico escrito soacute encontra uma completude interpretativa mediante o Platatildeo natildeo escrito isto eacute por via da tradiccedilatildeo indiretaμΝldquoἤἷὅgataὄΝaΝἶὁutὄiὀaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὄἷὅἷὄvaἶaΝὡΝὁὄaliἶaἶἷΝὧΝmister para a edificaccedilatildeo estrutural do novo paradigma hermenecircutico uma vez que sem ela natildeo temos o que filoacutesofo chamou ndash ele proacuteprio ndash de o mais importante Ora o melhor lugar para se encontrar tal doutrina eacute certamente nos textos de caraacuteter doxograacutefico escritos por disciacutepulos diretos eou indiretos de Platatildeo e por filoacutesofos posteriores a ele que de alguma forma tiveram acesso ao conteuacutedo das liccedilotildees doutrinais ἶἷΝὀὁὅὅὁΝfilὰὅὁfὁrdquoΝ(ὂέΝ1ἃἀ)έΝἓὅὅἷΝὂaὄaἶigmaΝἶἷΝlἷituὄaΝὧΝἶἷfἷὀἶiἶὁΝὂὁὄΝiὀήmἷὄὁὅΝἷὅtuἶiὁὅὁὅΝἷmΝὅuaΝmaioria de origem alematilde e italiana mas devem sua fundamentaccedilatildeo metodoloacutegica riacutegida na contemporaneidade a Giovanni Reale (2004 p 24) Este uacuteltimo eacute quem apresenta uma releitura dos diaacutelogos de Platatildeo agrave luz de uma doutrina natildeo-escrita que ultrapassa o contexto da escrita e recorre a tradiccedilatildeo indireta de nosso filoacutesofo a fim de eliminarem as insuficiecircncias dos paradigmas tradicionais de leitura do texto platocircnico

56 21 As complexidades estruturais e o problema da unidade

pequeno considerada princiacutepio material correlatos ao limite e ao ilimitado reconheceriacuteamos iniludivelmente nele antinomias e lacunas (RACHID 2012 p 5)

ἡὅΝlἷitὁὄἷὅΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶitὁὅΝldquoἵὁὀvἷὀἵiὁὀaiὅrdquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὀὁὅΝὃuaiὅΝumaΝἷὅtὄutuὄaΝumaΝ

ordem pode ser facilmente identificaacutevel eacute bem possiacutevel que natildeo se sintam familiarizados com

algumaὅΝὁἴὄaὅΝἶitaὅΝldquoaὀὲmalaὅrdquo como eacute o caso do Filebo a ponto de sugerirem as soluccedilotildees

mais bizarras para explicarem as transiccedilotildees e complexidades presentes no supracitado

diaacutelogo Diante de tal dificuldade talvez uma primeira opccedilatildeo seja uma leitura raacutepida e

superficial ou a busca por referecircncias e significados externos que natildeo aquelas provenientes

da leitura do proacuteprio texto Natildeo podemos atribuir a Soacutecrates certa desatenccedilatildeo ao denominado

ldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝ ἶaΝ ὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝ ὀἷmΝ mἷὅmὁΝ aΝ ἢlatatildeὁΝ ὃuἷΝ tὄaὀὅmitἷΝ ὀaΝ falaΝ ἶὁὅΝ iὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝ

(Protarco e Filebo 19a) a necessidade de atenccedilatildeo a esse princiacutepio Conveacutem informar para a

insatisfaccedilatildeo dos comentadores que natildeo seriam eles os primeiros a criticarem o

desenvolvimento aparentemente confuso desse iniacutecio de diaacutelogo mas esse aspecto eacute

questionado pelos proacuteprios interlocutores de Soacutecrates e o condutor natildeo se encontra atento a

essa demanda (Cf 18a1-2 18d6 19a1)

Talvez seria o caso de crer que essa transgressatildeo tem um propoacutesito impliacutecito de tal

modo que essa suposta anomalia dilui-se agrave medida que tomamos a relaccedilatildeo entre forma e

conteuacutedo caracteriacutestica da atividade literaacuterio-platocircnica ou seja quando buscamos considerar

o objetivo em particular dessa discussatildeo dialeacutetica ou seja os temas que satildeo tratados

analisados discutidos em relaccedilatildeo agrave forma de exposiccedilatildeo adequada para tal exposiccedilatildeo Como

Platatildeo geralmente se preocupa em apresentar com maestria o seu os temas caros agrave sua

filosofia ndash e o Filebo particularmente trata de uma refinada questatildeo natildeo soacute para Platatildeo mas

para os gregos em geral que encontram-se muito aleacutem de um debate escoliasta ndash utilizando-

se de inuacutemeros recursos literaacuterios dos quais dispotildeem para a composiccedilatildeo de seus diaacutelogos o

que se exige eacute no miacutenimo um esforccedilo por parte de seu leitor em reconhecer a particularidade

desta composiccedilatildeo e a profundidade por traacutes de uma suposta transgressatildeo logograacutefica aqui

encontrada63

Tendo ressaltado que grande parte das leituras que surgem no seacuteculo XX do diaacutelogo

ao demostrarem dificuldade em relaccedilatildeo aos problemas com um todo levantados pelo diaacutelogo

e principalmente ao problema principal da unidade natildeo soacute para fora do proacuteprio texto

dialoacutegico caso recorrente nas interpretaccedilotildees claacutessicas do Filebo eacute ateacute mais tentador supor

que o diaacutelogo eacute incompleto ou que nos remete agrave conteuacutedos extra-dialoacutegicos agrave doutrinas orais

reservadas ou que o diaacutelogo diz respeito a um problema em debate na eacutepoca dentre outros

63 Compartilho aqui das consideraccedilotildees feitas por Muniz (2007) ao tratar do problema das transiccedilotildees do Filebo relacionadas ao problema principal desse diaacutelogo a saber a unidade (Cf MUNIZ 2007 p 113-124)

57 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

como jὠΝaὂὁὀtamὁὅΝaΝfimΝἶἷΝὅuὂἷὄaὄἷmΝaὅΝὅuὂὁὅtaὅΝldquoaὀὁmaliaὅrdquoΝἶἷΝἶἷtἷὄmiὀaἶὁΝἷὅἵὄitὁΝἷΝ

superarem as incompreensotildees manifestas por meio de uma leitura parcial ou mesmo

surpreendentemente inventiva sem se atentarem ao sentido profundo da discussatildeo

apresentada64 Se a intenccedilatildeo de Platatildeo se presta a determinados objetivos seja o da

perplexidade (19a) que Protarco deseja que natildeo seja o objetivo primordial da discussatildeo ali

travada e que por sinal prefigura a inventiva contemporacircnea de nossos inteacuterpretes (a nova

ontologia os dois princiacutepios) podemos formular a seguinte questatildeo auxiliados por Dixsaut

(2011)

Se este eacute o caso e se toda a primeira parte do diaacutelogo (ateacute 31b) natildeo se explica por meio de tais obsessotildees do Platatildeo da velhice ou o afloramento de uma doutrina dos princiacutepios ateacute entatildeo mantida em segredo soacute podemos estar ἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝἔilἷἴὁΝaὁΝὃuἷὅtiὁὀaὄμΝldquoὁΝὃuἷΝiὅὅὁΝagὁὄaΝtἷmΝaΝvἷὄΝἵὁmΝὀὁὅὅaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁςrdquoΝ(1ἆa)Ν(ὂέΝἀἆἅ)έ

Contudo pretendo dedicar um tempo maior a essas anaacutelises e os equiacutevocos a meu ver nos

quais elas ocorrem Voltemos entatildeo ao diaacutelogo didaticamente eacute possiacutevel propor uma

organizaccedilatildeo do diaacutelogo digo apenas didaticamente porque estes temas encontram-se

interligados segundo creio Quanto agrave divisatildeo dos temas ou o modo como o diaacutelogo eacute

organizado de uma maneira geral natildeo satildeo habitualmente notadas diferenccedilas muito

contrastantes entre os estudiosos adoto aqui essa mesma forma geneacuterica (habitual) utilizada

para dividir os momentos que compotildeem a obra Geralmente se reconhece que o Filebo pode

ser divido (didaticamente) da seguinte maneira (i) Proacutelogo (11a-14b) aqui seratildeo

apresentados os discursos e posteriormente a tese (prazer versus inteligecircncia) e a busca pelo

bem ou pela Vida boa (ii) Metodologia adotada a questatildeo do Um e do Muacuteltiplo e as questotildees

sobre a dialeacutetica (14b-22b) (iii) A ontologia (divisatildeo) dos quatro gecircneros (22c-31b) (iv) a

anaacutelise e classificaccedilatildeo dos prazeres a distinccedilatildeo entre prazeres falsos e prazeres verdadeiros

(31b-55c) (v) Anaacutelise e classificaccedilatildeo dos conhecimentos (55c-59c) (vi) Revisatildeo das teorias

precedentes (vida boa) e hierarquia final dos bens (59c-61c)65

22 O tema central um dissenso

O Filebo desde a Antiguidade Claacutessica tem sido agrupado entre os diaacutelogos eacuteticos

iὀtitulaἶὁΝ tamἴὧmΝἵὁmὁΝ ldquoἥὁἴὄἷΝὁΝὂὄaὐἷὄrdquoέΝἢὁὄὧmΝὁΝ tἷmaΝὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝἵἷὀtὄalΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝ

ainda persiste como um dissenso entre os estudiosos e tradutores da obra em questatildeo

Poderiacuteamos alegar que se trata do prazer podemos usar em sua defesa o fato deste ser

64 Pretendo no decorrer do trabalho evidenciar ainda mais esse assunto 65 Utilizo a divisatildeo da traduccedilatildeo de Muniz (2012 p 11-19) como referecircncia para a divisatildeo do proacuteximo capiacutetulo em que procurarei abordar o texto platocircnico

58 22 O tema central um dissenso

protagonista do diaacutelogo sendo um total de 1205 linhas dedicas a ele No entanto o drama

em questatildeo ainda apresenta conteuacutedos extremamente relevantes para a discussatildeo da

filosofia platocircnica como a intricada relaccedilatildeo entre o uno e o muacuteltiplo e a tarefa do dialeacutetico a

classificaccedilatildeo dos prazeres e conhecimentos e principalmente o problema central em torno

ἶaΝ ἶἷfiὀiὦatildeὁΝ ἶὁΝ valὁὄΝ (ἴἷm)Ν ἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵὁΝ ἶaΝ ldquoviἶaΝ ἴὁardquoΝ ὃuἷΝ ὅἷmΝ ἶήviἶaὅΝ iὀὅἷὄἷ-se na

intriacutenseca relaccedilatildeo entre a proacutepria dialeacutetica e a potecircncia do bem As importantes questotildees do

pensamento platocircnico parecem aqui ressurgirem para finalmente demonstrarem sua total

forccedila como jamais vistas no decorrer dos diaacutelogos Entretanto como relacionar toda a

complexa e profunda teoria (ontoloacutegicaepistemoloacutegica) vista anteriormente em um diaacutelogo

que tem como mote o proacuteprio prazer um tema agrave primeira vista relacionado agraves questotildees

profundamente eacuteticas Como resume Gazolla

O maior problema com o qual nos defrontamos foi o de relacionar essa ontologia de maturidade mais voltada ao conhecimento das ideias e de sua geraccedilatildeo com as reflexotildees sobre as accedilotildees humanas ditas virtuosas a partir da noccedilatildeo de prazer elaboradas por Platatildeo principalmente no Filebo Tal relaccedilatildeo eacute colocada claramente no iniacutecio desse diaacutelogo quando Soacutecrates propotildee alcanccedilar a verdade naquilo que concerne a assegurar aos homens a vida feliz (1993 p 160-161)

A visatildeo sobre o diaacutelogo predominante tanto na Antiguidade como no neoplatonismo e

na Renascenccedila fundamenta-se na defesa do Bem Supremo como tema fundamental da obra

identificaacutevel a partir do comentaacuterio feito pelo neoplatocircnico Damascius ao diaacutelogo O filoacutesofo

destaca que jaacute na Antiguidade inuacutemeras satildeo as divergecircncias a respeito da temaacutetica central

em torno do diaacutelogo Para Trasilo a questatildeo central do diaacutelogo era o prazer jaacute para Psitheus

(disciacutepulo de Theodoro de Asine) a inteligecircncia Jacircmblico Syrianus e Proclo acreditavam se

tratar da causa final do universo imanente a todas as coisas Proclo por sua vez afirmava ser

essa causa o Bem (misto de prazer e inteligecircncia) para todos seres animados66 Na

contemporaneidade contudo a situaccedilatildeo natildeo foi durante muito tempo diferente O debate

acerca do escopo do diaacutelogo como se pode notar remete agrave Antiguidade e mesmo na

atualidade natildeo haacute um caminho para um consenso pelo menos para a maioria dos estudiosos

passou tambeacutem por um longo periacuteodo de discussatildeo

Embora natildeo seja um consenso na contemporaneidade natildeo encontramos muitas

divergecircncias acerca do problema central que envolve a obra Tomemos como primeiro caso

ὁΝἷxἷmὂlὁΝἶἷΝἑὄὁmἴiἷΝ(1λἄἀ)ΝὃuaὀἶὁΝafiὄmaΝὃuἷμΝldquoseu tema (o do Filebo) eacute o status relativo

66 (Cf Dam 1-6) O comentaacuterio de Damaacutescio eacute o uacutenico comentaacuterio neoplatocircnico desse diaacutelogo que chegou ateacute noacutes dentre os comentaacuterios antigos dentre esses perdidos estaria o de Proclo Fato notado a partir das vaacuterias referecircncias de Damaacutescio agraves abordagens dos neoplatocircnicos contemporacircneos a ele presentes no escrito daquele neoplatocircnico (Cf VAN RIEL 2008 p 2)

59 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

ἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἷΝἶὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἷmΝumaΝviἶaΝἴὁardquoΝ(ὂέΝἀἄἃ)έΝἒitὁΝἶἷΝὁutὄὁΝmὁἶὁΝἵὁmὁΝafiὄmaΝaΝ

proacutepria autora Platatildeo faz o caminho inverso neste diaacutelogo ao inveacutes de conjecturar a respeito

do bem universal como fez na Repuacuteblica agora seria mais conveniente questionar o bem na

vida humana e ainda acrescenta

() E de fato o Filebo natildeo estuda empiricamente a boa vida pois ele mesmo [ἥὰἵὄatἷὅ]Ν ἶiὐμΝ ldquoaΝ ἴὁaΝ viἶaΝὧΝ aΝ viἶaΝ miὅtaνΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὧΝ ὃuἷΝ faὐΝ ἵὁmΝ ὃuἷΝ umaΝmiὅtuὄaΝὃualὃuἷὄΝὂὁὅὅaΝὅἷὄΝὅatiὅfatὰὄiaςrdquoΝἡΝἐἷmΝuὀivἷrsal eacute pois ao fim e ao cabo a chave para saber qual eacute o bem no homem tambeacutem no Filebo Realmente no Filebo Soacutecrates estaacute fazendo em certa medida o que tanto lhe assustava na Repuacuteblica dizer algo acerca da natureza do bem universal (CROMBIE 1962 p 281-282)

A interpretaccedilatildeo de Crombie natildeo tem sido a mais aceita pela maioria dos estudiosos

Parece evidente a partir de um exame acurado de seu posicionamento que a posiccedilatildeo da

autora recorre a justificaccedilotildees externas sob o propoacutesito de clarificar o intuito platocircnico no Filebo

Na visatildeo da inteacuterprete o diaacutelogo reflete algumas noccedilotildees muito pouco desenvolvidas ou

apresentadas rapidamente por nosso autor e somente por intermeacutedio de Aristoacuteteles segundo

Crombie seria possiacutevel compreendermos os objetivos platocircnicos desse diaacutelogo como uma

obra em que ficam evidentes os conteuacutedos finais da filosofia de Platatildeo Em busca de um fim

vaacutelido para a natureza humana Platatildeo estaria desenvolvendo uma espeacutecie de anaacutelise das

afecccedilotildees em busca de uma definiccedilatildeo essencial neste caso a do bem Seriam niacutetidas neste

diaacutelogo as revisotildees ontoloacutegicas e dialeacuteticas feitas por Platatildeo na obra em questatildeo (CROMBIE

1963 p 361)

Friedlaumlnder em seu Platone (1975 2004) reconhece que o tratamento do prazer e da

inteligecircncia como candidatos ao bem supremo satildeo apenas pretextos platocircnicos para a

abordagem de assuntos ainda mais complexos Na perspectiva do autor o tema do prazer e

da moral satildeo secundaacuterios diante das questotildees referentes agrave dialeacutetica e agrave ontologia que satildeo

apresentadas naquele contexto Como se nota a partir do que diz tal autor

O caso do Filebo no entanto eacute diferente porque no diaacutelogo satildeo grandes as seccedilotildees que tratam da dialeacutetica e da ontologia e elas natildeo tecircm nada a ver com o prazer e com a eacutetica ao menos em um modo direto O diaacutelogo eacute a descriccedilatildeo de uma disputa dramaacutetica entre prazer e conhecimento no curso da qual vem agrave luz qual um terceiro estado aleacutem desses Os defensores do princiacutepio do prazer satildeo Filebo e Protarco Soacutecrates representa o conhecimento Natildeo eacute necessaacuterio acrescentar que Soacutecrates defende a proacutepria tese de uma maneira totalmente diversa em relaccedilatildeo agravequela sustentada pelos dois jovens A diferenccedila eacute imediatamente clara quando Soacutecrates considera possiacutevel ou melhor antecipa (11d11) o fato que uma terceira via possa ser a melhor (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1043)

60 22 O tema central um dissenso

Apoiado nas concepccedilotildees de Schleiermacher o filoacutelogo alematildeo reconhece que o tema

do bem supera as teses iniciais propostas por Soacutecrates e seus interlocutores no iniacutecio da obra

Por isso a questatildeo inicial do diaacutelogo (hedonismo versus anti-hedonismo) natildeo pode ser a

uacutenica nem ao menos a principal A ecircnfase de Soacutecrates recai sobre a defesa natildeo de sua tese

ἶἷΝldquoὅuaΝiὀtἷligecircὀἵiardquoΝmaὅΝἶἷΝumaΝὅaἴἷἶὁὄiaΝ(aΝἶὁὅΝldquoἵὁὀhἷἵimἷὀtὁὅΝὅuὂὄἷmὁὅrdquo)ΝὃuἷΝἷὅtὠΝmaiὅΝ

proacutexima da perfeiccedilatildeo (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1044) ldquoἏὅὅimΝ ἶitὁΝ iὅtὁΝ ὁΝ Filebo natildeo eacute

lsquoἶἷὅὂὄὁviἶὁΝἶἷΝatὄativὁὅΝaὄtiacuteὅtiἵὁὅrsquoΝἷΝὂὄὁvavἷlmἷὀtἷΝὀἷmΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝlsquofaἵilmἷὀtἷΝiἶἷὀtifiἵaἶὁΝἵὁmΝ

umΝtὄatamἷὀtὁΝmἷtὁἶὁlὰgiἵὁrsquoΝἵὁmὁΝmuitὁὅΝὂaὄἷἵἷmΝἵὄἷὄέΝἡΝἶiὠlὁgὁΝἶἷvἷΝὅἷὄΝviὅtὁΝἵὁmὁ um

ὅἷgmἷὀtὁΝἷxtὄaὂὁlaἶὁΝἶἷΝumΝἵὁὀtἷxtὁΝmaiὅΝamὂlὁrdquo (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1045)

Contrariamente a esta posiccedilatildeo a mais comumente defendida eacute que o escopo central

ἶὁΝἶiὠlὁgὁΝὧΝaΝldquoviἶaΝἴὁardquo o tema central do diaacutelogo Neste sentido as anaacutelises desenvolvidas

no decorrer da argumentaccedilatildeo socraacutetica visam a definiccedilatildeo do bem enquanto paracircmetro

essencial para a composiccedilatildeo da vida boa Ou melhor o propoacutesito platocircnico com esta obra diz

respeito agrave definiccedilatildeo de uma espeacutecie de vida (neste caso aquela mista entre prazeres e

conhecimentos) possiacutevel aos homens a melhor vida capaz de garantir a felicidade a todos os

seres Ou seja em que medida os prazeres e conhecimentos podem ser tidos como bens

uacuteteis a serem incorporados agrave mistura da vida boa capaz de garantir aos homens a felicidade

(TAYLOR 1952 p 408)67 Comungam desta visatildeo Diegraves (2002 p 53) Bravo (2009 p 411)68

Frede (1993 p 13) Hackforth (1945 p 12) Gosling (1975 p 9) Hampton (1990 p 1)

Delcomminette (2006 p 15-16) Davidson (1990 p 14) dentre outros

No entanto podemos destacar ainda trecircs posiccedilotildees muito particulares a respeito do

diaacutelogo as de Guthrie (1978) Gadamer (1983) e Van Riel (1999 2008) Talvez seria melhor

que as consideraacutessἷmὁὅΝἵὁmὁΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiaὅrdquoέΝἕuthὄiἷΝἵὁὀὅiἶἷὄaΝὃuἷΝὁΝtἷmaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝ

superado no Filebo os problemas concernentes ao hedonismo e ao anti-hedonismo natildeo satildeo

o alvo da discussatildeo platocircnica neste periacuteodo final Estas questotildees jaacute teriam sido abordadas

em outros diaacutelogos como no Goacutergias e na Repuacuteblica isto eacute o prazer e o bem jaacute foram tratados

nos respectivos diaacutelogos Neste diaacutelogo tardio a tarefa de Platatildeo eacute desenvolver a criacutetica

acerca da relevacircncia destes temas (prazer e bem) na constituiccedilatildeo da vida mista e demonstrar

quais deles participam desta mistura (1978 p 202)

A leitura de Guthrie do Filebo ressalta tambeacutem o criteacuterio cosmoloacutegico do Filebo

justamente porque neste diaacutelogo Soacutecrates admite a existecircncia de uma inteligecircncia divina

(θκ μ) que governaria o cosmos (28c-e 30a-d) Assim afirma o teoacuterico

67 Esta tem sido a intepretaccedilatildeo corrente mais aceita entre os comentadores e estudiosos da obra 68 ldquoἡΝtἷmaΝfuὀἶamἷὀtalΝἶὁΝFilebo natildeo eacute o prazer como daacute a entender o subtiacutetulo tradicional mas a vida ἴὁaΝὁuΝmaiὅΝὂὄἷἵiὅamἷὀtἷΝὁΝἴἷmΝὅuὂὄἷmὁΝἶὁΝhὁmἷmrdquoΝ(ἐἤἏVἡΝἀίίλΝὂέΝἂ11)έ

61 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

O Filebo eacute uma excelente ilustraccedilatildeo do talento de Platatildeo em combinar a eacutetica e a metafiacutesica o humano e o coacutesmico A totalidade do real esta eacute sua competecircncia pois ele natildeo estaacute disposto a separar nenhuma de suas partes porque essas satildeo partes de um todo orgacircnico A alma do homem eacute um fragmento da alma universal (30a) e a ordem eacute a mesma nas almas individuais nas cidades-estados e no universo em geral O Filebo trata do indiviacuteduo o Poliacutetico do Estado e o Timeu do universo em geral mas todos igualmente em seus cenaacuterios satildeo retratados como partes integrantes de uma ordem coacutesmica (1978 p 203)69

Gadamer vai ainda mais aleacutem ao considerar que o Filebo natildeo consiste unicamente em

definir o que seja a vida feliz que tipo de vida feliz eacute essa e o modo pelo qual os homens

poderatildeo alcanccedilaacute-la Para tal Gadamer procura compreender esse caminho em busca do bem

a partir da concepccedilatildeo defendida por Soacutecrates no diaacutelogo aquela propriamente de que o bem

eacute almejaἶὁΝὂὁὄΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὅἷὄἷὅέΝΝἏΝἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝἶἷὅὅaΝldquoὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝmaiὁὄrdquoΝὧΝὁΝὃuἷΝἶἷfiὀἷΝaΝ

essecircncia humana ou seja o modo como deve agir os homens que estatildeo em prol da felicidade

(GADAMER 1983 p 163) Em um segundo plano Soacutecrates assegura que esse

conhecimento acerca do papel das afecccedilotildees humanas soacute eacute possiacutevel pelo entendimento pela

memoacuteria (ηθ ηβθ) (Cf 35c) Somente o homem ndash e este parece ser o traccedilo distintivo da

natureza humana ndash eacute capaz de avaliar os seus prazeres de julgaacute-los diferentemente dos

animais que apenas tecircm sensaccedilotildees sem poderem assim significaacute-las ou mesmo

ressignificaacute-las (1983 p 163-164)

Contudo ainda eacute dada ao homem a possibilidade de poder distinguir entre sabedoria

e prazer entre ser um simples ser de afetos ou a capacidade de guiar suas accedilotildees

(sabiamente) a fim de que possa obter a felicidade Entretanto quando comparada agrave

inteligecircncia divina (θκ μ) em termos qualitativos sua inteligecircncia eacute imperfeita sua auto

compreensatildeo eacute limitada sua inteligecircncia eacute potencial possiacutevel de se desenvolver em relaccedilatildeo

a capacidade de refletir acerca de um referencial para suas accedilotildees (GADAMER 1983 p 164)

ἕaἶamἷὄΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷΝὃuἷΝaΝvἷὄἶaἶἷΝaἵἷὄἵaΝἶaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝhumaὀaΝὧΝumaΝὃuἷὅtatildeὁΝ

dialeacutetica se daacute mediante as possibilidades e contradiccedilotildees que surgem a partir dos discursos

dos loacutegoi Tais discursos visam uma medida um padratildeo capaz de conciliar tais contradiccedilotildees

Em certo sentido uma busca pela verdade poreacutem dialeacutetica que admite a natureza faacutetica da

vida humana Por conseguinte nenhuma posiccedilatildeo dogmaacutetica pode ser aceita no Filebo (1983

p 164-165)

Para finalizar segundo o estudioso alematildeo a discussatildeo empreendida por Platatildeo no

diaacutelogo tem por objetivo a questatildeo do Bem contudo

69 Na contemporaneidade a interpretaccedilatildeo de Carone (2008 p 123-186) se assemelha a de Guthrie justamente por compreender a eacutetica por meio de perspectivas cosmoloacutegicas Ainda retornaremos agraves intepretaccedilotildees de Carone ao longo do texto

62 22 O tema central um dissenso

A questatildeo do bem na vida humana conteacutem desde jaacute uma compreensatildeo antecipada de seu objeto e sendo assim busca a uma primeira orientaccedilatildeo O bem deve ser uma certa disposiccedilatildeo (diaacutethesis) ou uma certa atitude (heacutexis) ἶaΝ almaΝ ἵaὂaὐΝ ἶἷΝ tὁὄὀaὄΝ ldquofἷliὐἷὅrdquoΝ tὁἶὁὅΝ ὁὅΝ homens O bem eacute portanto concebido anteriormente como uma certa compleiccedilatildeo da alma Ele natildeo eacute ἵὁmὁΝὅἷΝaἵὄἷἶitaΝiὀgἷὀuamἷὀtἷΝὁΝὅἷὀὅὁΝἵὁmumΝalgὁΝὃuἷΝὁΝhὁmἷmΝldquoὂὁὅὅuirdquoΝ(compreensatildeo vulgar de aacutegathon) mas uma modalidade de seu ser Pois o homem eacute precisamente sua alma O problema se coloca nos seguintes termos Qual eacute a compleiccedilatildeo da alma suscetiacutevel de possibilitar a todos os hὁmἷὀὅΝ aΝ viἶaΝ ldquofἷliὐrdquoςΝ ἏΝ ldquofἷliἵiἶaἶἷrdquoΝ (eudaimon) natildeo designa aqui um conteuacutedo determinado do bem ao qual o homem aspira (no mesmo sentido por exemplo que se possui uma alternativa entre a felicidade e a virtude) mas refere-se em geral ao mais alto grau do humanamente desejaacutevel neste estado onde nada mais poderia ser desejado (GADAMER 1983 p 166 grifos do autor)

Van Riel afirma que o Filebo tem ainda como temaacutetica central o prazer contudo com

notaacuteveis especificidades a despeito dos diaacutelogos anteriores como Goacutergias no Feacutedon e

RepuacuteblicaέΝἏlὧmΝἶἷΝmaiὅΝἷxauὅtivaΝaΝaὀὠliὅἷΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὀἷὅtἷΝἶiὠlὁgὁΝtiἶὁΝἵὁmΝldquotaὄἶiὁrdquoΝἢlatatildeὁΝ

reafirmaria sua posiccedilatildeo agrave posiccedilatildeo anti-hedonista ou seja um enfrentamento ao hedonismo

ἶἷΝ umaΝ maὀἷiὄaΝ maiὅΝ ldquoἴὄaὀἶardquoΝ ὅἷmΝ utiliὐaὄ-se do intelectualismo riacutegido dos diaacutelogos

anteriores Dessa forma conveacutem agora atribuir um papel importante ao prazer na constituiccedilatildeo

da boa vida mas sem admiti-lὁΝἵὁmὁΝἴἷmέΝἡΝὂὄaὐἷὄΝὧΝaὀaliὅaἶὁΝἶἷΝumaΝmaὀἷiὄaΝldquoὂὁὅitivardquoΝἷΝ

ὀatildeὁΝldquoὀἷgativardquoΝἵaὄὄἷgaὀἶὁΝἵὁὀὅigὁΝaiὀἶaΝἵἷὄtὁΝἵaὄὠtἷὄΝἶἷὂὄἷἵiativὁΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝἶἷΝἢlatatildeὁΝ(VἏἠΝ

RIEL 1999 p 300)

Na visatildeo contemporacircnea de teoacutericos como George Rudebusch (2007) Fernando

Muniz (2012) e Marques (2011) a questatildeo primordial do Filebo eacute a vida boa sem duacutevidas

mas ela passa neste diaacutelogo fundamentalmente pelo prazer Dito de outro modo a longa e

relevante anaacutelise dos prazeres (haja vista o tratamento exaustivo desse tema por Platatildeo na

ὄἷfἷὄiἶaΝὁἴὄa)ΝὧΝὃuἷΝὀὁὅΝἵὁὀἶuὐΝaὃuiΝaΝ umaΝ ὄἷflἷxatildeὁΝὂὁὄtaἶὁὄaΝἶἷΝumΝ ldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝἶὁΝ

diaacutelogo ela eacute decerto um bom caminho para compreendermos melhor os fins da obra A

reflexatildeo sobre os prazeres enquanto propriamente questatildeo filosoacutefica cara ao nosso filoacutesofo

nos dirige a apontamentos que configuram ainda mais a atividade dialeacutetica ao serem

apresentadas mais uma de suas funccedilotildees essenciais que natildeo apenas as epistemoloacutegicas

(gnosioloacutegicas) mas tambeacutem ao papel desempenhado por tal tarefa na discussatildeo eacutetica

(valorativas ou axioloacutegicas) essenciais na compreensatildeo do pensamento platocircnico A

pergunta sobre o papel na vida humana mista de prazer e conhecimento nos permitiria

compreender ainda mais aquelas questotildees ἶitaὅΝldquofuὀἶamἷὀtaiὅrdquoΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝfilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵaμ

O prazer eacute de fato o protagonista da cena do diaacutelogo Mais da metade do Filebo eacute dedicada agrave classificaccedilatildeo dos prazeres (31a-55a) o que representa

63 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

1205 linhas da ediccedilatildeo Tauchnitz enquanto a parte referente ao pensamento e ao conhecimento tomam apenas 181 linhas (55c-59c) e todo o restante do diaacutelogo natildeo ultrapassa 1164 Ainda que o ponto de vista quantitativo seja um indicativo importante natildeo eacute obviamente conclusivo Mas a discussatildeo que percorre o diaacutelogo envolve sem duacutevida o problema do prazer e seu lugar na vida humana () (MUNIZ 2012 p11)

Nem mesmo acerca do tema central do diaacutelogo ndash uma questatildeo aparentemente simples

se analisaacutessemos o conteuacutedo de outros diaacutelogos ndash se obteacutem um consenso geral por parte dos

estudos Meu propoacutesito eacute tornar evidente por meio deste trabalho ressaltadas as questotildees

histoacuterico-interpretativas do diaacutelogo em questatildeo que o tema do prazer ocupante da maior parte

da obra (protagonista) encontra-se incorporado a tantas outras questotildees fundamentais caras

a nosso autor e que reaparecem no Filebo como as referecircncias agrave proacutepria potecircncia dialeacutetica

o papel competente aos prazeres e conhecimentos (teacutecnicasciecircncias) na constituiccedilatildeo da vida

boa humana (mista) a relaccedilatildeo entre a atividade dialeacutetica e a potecircncia do bem a classificaccedilatildeo

dos bens e dos conhecimentos (teacutecnicas) o problema da unidademultiplicidade dos prazeres

os falsos e verdadeiros prazeres a criacutetica a retoacuterica e agrave eriacutestica as analogias entre a muacutesica

a gramaacutetica e a dialeacutetica dentre outras Partindo do proacuteprio diaacutelogo acredito que a reflexatildeo

platocircnica acerca dos prazeres natildeo eacute um tema novo e que o Filebo constitui o maacuteximo e o

uacuteltimo esforccedilo de Platatildeo sobre o tema Um exame (o dos prazeres) que como se nota estaacute

presente jaacute em outras obras apesar de situar-se em contextos dialeacuteticos distintos sendo

tratado de acordo com os propoacutesitos de determinada obra o prazer ao longo da obra platocircnica

iraacute demonstrar sua forccedila ele se manteacutem firme enquanto forte candidato para enfrentar a

iὀtἷligecircὀἵiaΝὀὁΝὃuἷΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝὃuἷὅtatildeὁΝὅὁἴὄἷΝaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἑὁmὁΝjὠΝἶiὅὅἷΝὀatildeὁΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ

retomar natildeo me parece que Platatildeo muda sua visatildeo sobre o prazer mas apenas a torna mais

clara no decorrer de sua obra a ponto de apresentar-nos algo dotado de profundidade e de

refinamento nas linhas compotildeem o Filebo

O prazer eacute uma questatildeo filosoacutefica premente na filosofia de Platatildeo e que exige todo o

rigor que eacute conferido a ele no nosso diaacutelogo Esse rigor platocircnico se torna perceptiacutevel agrave medida

em que a anaacutelise dos prazeres exige uma reflexatildeo profunda sobre a funccedilatildeo das afecccedilotildees na

vida dos homens isto eacute passa pela proacutepria configuraccedilatildeo sobre o movimento do desejo e da

sua efetividade na alma humana O papel da reflexatildeo (dialeacutetica) tambeacutem eacute fundamental para

ὅἷΝalἵaὀὦaὄΝumaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝἷὀὃuaὀtὁΝativiἶaἶἷΝἶἷliἴἷὄativa (limiteilimitado) das accedilotildees dos

cidadatildeos cuja finalidade uacuteltima parece configurar-se na plena realizaccedilatildeo de todos os seres

humanos isto eacute na posse do bem maior por conseguinte da felicidade Como bem considera

Gazolla

A discussatildeo do Filebo () nos interessa na medida em que seria a ponte do theoreicircn ao pratteicircn ndash ele pergunta sobre a relaccedilatildeo prazer-felicidade atraveacutes do qual o problema do uno e muacuteltiplo nas ideias e nos seres sensiacuteveis pode

64 23 O contexto histoacuterico e os personagens

enquadrar-se no campo das accedilotildees eacuteticas A intenccedilatildeo socraacutetica nessa primeira arte do diaacutelogo eacute demonstrar a Filebo ndash interlocutor que segue uma corrente bastante aceita na eacutepoca e apregoa a felicidade humana pela via do prazer ndash o que eacute a phrocircnesis70 Essa expressatildeo eacute de difiacutecil traduccedilatildeo indicativa de um verbo phreicircn e que significa refletir o que nos leva a traduzi-la por ldquoaὦatildeὁΝὄἷflἷtiἶardquoΝὁuΝldquoὅaἴἷἶὁὄiaΝὂὄὠtiἵardquoΝmaὅΝὀuὀἵaΝὂὄuἶecircὀἵiaΝ(1λλἁΝὂέΝ1ἅἃ-176 grifos da autora)

ἒἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝaὅΝἵὁὀὅiἶἷὄaὦὴἷὅΝἶἷΝWὁlfὅἶὁὄfΝ (ἀί1ἁ)Ν ldquoὁΝ tὄatamἷὀtὁΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὂὁὄΝ

Platatildeo no Filebo eacute de longe o mais elaborado Naturalmente eacute o mais elaborado tratado

aἵἷὄἵaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἶaΝaὀtiguiἶaἶἷΝὃuἷΝὀὰὅΝὂὁὅὅuiacutemὁὅrdquoΝ(ὂέΝἅἂ)έΝἡuΝἵὁmὁΝafiὄmὁuΝἐuὄyΝ(1ἆλἅ)Ν

ldquoὂὁὄΝὅἷuΝὄigὁὄΝἷΝἵὁmὂlἷtuἶἷΝἷmΝὅuaΝἵὄiacutetiἵaΝaὁΝὂὄaὐἷὄΝὁΝFilebo certamente sustenta-se sozinho

entre os escritos preacute-aristoteacutelicos ()rdquoΝ (ὂέΝ ἀἆ)Ν iὅtὁΝ ὂὁὄὃuἷΝ muitὁὅΝ ἶὁὅΝ aὅὂἷἵtὁὅΝ ὧtiἵὁὅΝ

desenvolvidos no diaacutelogo iratildeo marcar profundamente o pensamento filosoacutefico ocidental

posterior tendo as concepccedilotildees filosoacuteficas platocircnicas (ora aceitando-as ora confrontando-as)

como base Diante disso o impacto da leitura do Filebo embora natildeo tenha ganhado tanta

forccedila apoacutes o neoplatonismo emerge na contemporaneidade com toda a forccedila devido aos

temas importantes como jaacute ressaltamos contidos nesta obra

23 O contexto histoacuterico e os personagens

Um dos principais fatores que tambeacutem dificultam o estudo da obra por parte do leitor

eacute o contexto histoacuterico Acerca do Filebo diferentemente das outras obras de Platatildeo natildeo

possuiacutemos qualquer referecircncia a respeito do local e da data de composiccedilatildeo ou se esse

diaacutelogo teria mesmo ocorrido (o que eacute bem pouco provaacutevel) Como dissemos anteriormente

a respeito do dissenso entre os estudiosos acerca do tema principal do diaacutelogo em grande

parte ele se deve tambeacutem agrave ausecircncia de referenciais histoacutericos que tratem ou que faccedilam uma

referecircncia direta a esse debate especificamente

De acordo com Schofield a composiccedilatildeo Filebo data das uacuteltimas duas deacutecadas da vida

de Platatildeo entre os anos de 360 aC e 347 aC (1998 p 419) Como jaacute foi dito maioria dos

estudiosos (dentre eles Bury (1897) Taylor (1956) Guthrie (1975) Crombie (1988))

consideram a obra como parte dos diaacutelogos tardios de Platatildeo71 Enquanto alguns

70 ἦὄataὄἷiΝἶὁΝldquoἵamὂὁΝὅἷmacircὀtiἵὁrdquoΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝἷὅὅἷΝtἷὄmὁΝὀὁΝὂὄὰximὁΝἵaὂiacutetulὁΝἷΝaὅΝὂὁὅὅiacutevἷiὅΝfὁὄmaὅΝsegundo as quais ele possa ser compreendido na obra platocircnica e especialmente no caso do Filebo 71 Sobre isso vale retomar o famoso artigo de Brandwood (2013 p 113-1ἂἁ)μΝldquoἏΝὂἷὅὃuiὅaΝiὀiἵialΝὅὁἴὄἷΝo vocabulaacuterio de Platatildeo por Campbell Dittenberger e Schanz culminando no livro de Ritter sobre o assunto identificada no Sofista no Poliacutetico no Filebo no Timeu Criacutetias e Leis um grupo de diaacutelogos que se distinguiam dos demais por uma ocorrecircncia exclusiva ou aumentada de certas palavras e frases Investigaccedilotildees subsequentes sobre esse aspecto de estilo chegaram agrave mesma conclusatildeo e a dicotomia foi confirmada por dois criteacuterios adicionais com a descoberta de que somente nestes trabalhos ()

65 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

revisionistas como Ryle (1966) e Waterfield (1980) insistem em colocaacute-lo entre os da fase

meacutedia juntamente agrave Repuacuteblica e ao Timeu

Para os estudiosos citados acima o Filebo ἶἷvἷΝὅἷὄΝtiἶὁΝἵὁmὁΝumΝldquoἶiὠlὁgὁΝἷmΝἵuὄὅὁrdquoΝ

isto eacute Platatildeo teria nesse diaacutelogo representado (dramaticamente) duas das principais

concepccedilotildees correntes de sua eacutepoca (uma anti-hedonista e uma outra hedonista) isto eacute tratar-

se-ia de um diaacutelogo escoliasta que postulava dois modos distintos de vida) ambas defendidas

por estudiosos da Academia Isto porque segundo tais o diaacutelogo se iniciaria a partir da

retomada de duas teses contraditoacuterias uma em defesa do prazer e outra como partidaacuteria da

inteligecircncia ndash sendo que ambas arrogariam a si o precircmio concedido ao vencedor da disputa

ὃuἷΝvἷὄὅaΝὅὁἴὄἷΝaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝὁuΝmἷlhὁὄΝὅὁἴὄἷΝὃualΝἶὁὅΝἶὁiὅΝ(ὂὄaὐἷὄΝὁuΝiὀtἷligecircὀἵia)ΝὂὁὅὅaΝviὄΝ

a ser considerado como o bem (11b-c) Filebo representaria um hedonismo radical a defesa

irrefreaacutevel pela busca do prazer enquanto Soacutecrates defenderia sua tese intelectualista do

bem O fato eacute que ainda muito se confabula a respeito das reais identidades que estariam

representadas nas teorias defendidas por Filebo e Protarco tendo em vista a pobre doxografia

que possuiacutemos sobre tal tema polecircmico Ademais muito se questiona sobre Soacutecrates que a

despeito do meacutetodo utilizado por Platatildeo nos diaacutelogos da velhice retorna agrave trama dialoacutegica

como protagonista da discussatildeo

Uma das teses mais fortes eacute a de que Filebo refira-se a Eudoxo matemaacutetico grego e

filoacutesofo da Academia o qual segundo nos informa Aristoacuteteles era quem defendia que o prazer

era o bem (EN X 2 1172b9-5) Para muitos estudiosos (Cf DIEgraveS 2002 p13-17) a

personagem que daacute nome ao diaacutelogo nada mais eacute do que uma dramatis persona utilizada

literariamente por Platatildeo ao configurar a posiccedilatildeo de Eudoxo Enquanto a posiccedilatildeo defendida

por Soacutecrates expressaria a oposiccedilatildeo riacutegida (anti-hedonista) de Espeusipo sucessor de Platatildeo

na Academia O nome Filebo tambeacutem pode ser compreendido por um jogo de palavras (Φiacuteζ

amigoamante + β + ίκμ da juventude) ou melhor amante da forccedila juvenil Contudo como

veremos Filebo interveacutem na discussatildeo em apenas trecircs momentos e quem ocupa o papel de

Platatildeo fez uma tentativa consistente de evitar certos tipos de hiato e chegou a um tipo diferente de rimo de prosa () Com relaccedilatildeo agrave questatildeo da sequecircncia no grupo cronoloacutegico final ao comparar os vaacuterios tipos de evidecircncia um peso particular talvez devesse ser atrelado ao ritmo de prova e ao evitar o hiato uma vez que diferentemente do que se tem no vocabulaacuterio eles parecem independentes tanto da forma de uma obra como de seu conteuacutedo Muito embora o testemunho dos dados para se evitar o hiato foram ambiacuteguos trecircs investigaccedilotildees independentes sobre ritmo de claacuteusula e uma investigaccedilatildeo sobre ritmo de sentenccedila mostraram concordes ao concluir que a ordem sequencial de composiccedilatildeo seria Timeu Criacutetias Sofista Poliacutetico Filebo e Leis Agrave luz dessa ambiguidade de evidecircncia do hiato um indiacutecio quanto agrave posiccedilatildeo do Filebo pode ser resolvida em favor de sua proximidade em relaccedilatildeo agraves Leis posiccedilatildeo amparada por aspectos particulares do hiato e por outros aspectos como o retorno a formas mais longas de foacutermulas de reacuteplica apoacutes uma predominacircncia de versotildees abreviadas nos trabalhos precedentes a culminacircncia de uma tendecircncia para o uso mais frequente de expressotildees superlativas a elevada proporccedilatildeo de Peacuteri e preferecircncia ndash ampliada se se considerar o Timeu Criacutetias e o Sofista ndash ὂὁὄΝumaΝlὁὀgaΝὅiacutelaἴaΝfiὀalΝἷmΝἵlὠuὅulaὅrdquoΝ(ὂέΝ1ἂἀ-144)

66 23 O contexto histoacuterico e os personagens

interlocutor no diaacutelogo eacute Protarco Sobre este uacuteltimo personagem Protarco tambeacutem temos

pouquiacutessimas informaccedilotildees No diaacutelogo Soacutecrates se refere a este interlocutor chamando-o

tamἴὧmΝἶἷΝldquoἔilhὁΝἶἷΝἑὠliaὅΝ(1λἴἃ)Νldquo(έέέ) nome muito comum em Atenas portanto para muitos

inteacuterpretes natildeo pode ser confundido com o riquiacutessimo Caacutelias amigo de Soacutecrates cujo filho

era uma crianccedila no tempo do processo deste uacuteltimo (Soacutecrates) (ApolΝ ἀίa)rdquo72 Torna-se

impensaacutevel para a maioria dos estudiosos que Protarco seja uma figura histoacuterica mas apenas

uma figura dramaacutetica utilizada por Platatildeo no diaacutelogo

Outra tese mais antiga eacute de que a obra ilustraria o conflito entre duas das escolas de

pensamento da antiguidade a dos ciacutenicos e a dos cirenaicos Desta forma o diaacutelogo

representaria a posiccedilatildeo (mediadora) de Platatildeo distinta de ambas as posiccedilotildees extremadas O

hedonismo levado agraves extremas encontraria sua expressatildeo maacutexima na figura de Aristipo de

Cirene (cirenaico)73 para o qual o bem eacute o maior gozo possiacutevel ou seja prazer em demasia

Por outro lado Antiacutestenes (ciacutenico) seria representado no diaacutelogo pela figura de Soacutecrates na

tese inicial o qual advoga em favor de um modo de vida estritamente riacutegido (intelectualista)

fundamentado em uma postura austera que apregoa a fuga dos prazeres pois teriam como

fim unicamente a perturbaccedilatildeo da alma (TAYLOR 1926 p 409) Mas nada confirmaria esta

tese como jaacute dissemos a doxografia eacute muito pobre a ponto de afirmar semelhante debate

acadecircmico

Ao contraacuterio do que notamos nos outros diaacutelogos de Platatildeo no Filebo natildeo haacute nenhuma

referecircncia ao local geograacutefico onde se passa o diaacutelogo nem ao menos acerca do momento

ou de algum fato histoacuterico a partir do qual poderiacuteamos inferir alguma indicaccedilatildeo precisa do

diaacutelogo Um outro fator essencial que intriga muitos inteacuterpretes da obra eacute o retorno da figura

de Soacutecrates ao diaacutelogo jaacute que natildeo eacute ele o condutor da discussatildeo no Sofista e nas Leis todos

ὁὅΝἶὁiὅΝήltimὁὅΝtamἴὧmΝὂἷὄtἷὀἵἷὀtἷὅΝaΝἶitaΝldquoήltimaΝfaὅἷrdquoΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὂlatὲὀiἵὁέΝἑὁmὁΝjὠΝ

ἶἷὅtaἵamὁὅΝ tἷὀἶὁΝ ἵὁmὂὄἷἷὀἶiἶὁΝ aὅΝ iὀήmἷὄaὅΝ ἶifiἵulἶaἶἷὅΝ ἷmΝ tὁὄὀὁΝ ἶὁΝ ldquoὂὄὁἴlἷmaΝ ἶἷΝ

ἥὰἵὄatἷὅrdquoΝὃualΝὅἷὄiaΝἷὀtatildeὁΝaΝἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝmaiὅΝὂἷὄtiὀἷὀtἷΝaΝἷὅtἷΝldquoὄἷgὄἷὅὅὁrdquoΝἶaΝὂἷὄὅὁὀagἷmΝ

(Soacutecrates) como condutor da discussatildeo no caso do Filebo

Essa eacute uma questatildeo problemaacutetica e que admite variadas formulaccedilotildees Mas parece que

muitos admitiriam que Soacutecrates tal como aparece no Filebo e o modo como conduz a

argumentaccedilatildeo assim como as teses que defende nada se parece com o Soacutecrates aporeacutetico

dos primeiros diaacutelogos

72 Esta informaccedilatildeo tambeacutem eacute contestada por alguns estudiosos como GUTHRIE (1978 p 198) TAYLOR (1926 p 409) e HACKFORTH (1945 p 7) 73 ἏfiὄmaΝἔὄiἷἶlaumlὀἶἷὄμΝldquoἡΝἵὁὀtὄaὅtἷΝἷὀtὄἷΝaΝὧtiἵaΝhἷἶὁὀiὅtaΝἷΝaΝὧtiἵaΝaὀti-hedonista (intelectualista) jaacute havia sido antecipada na oposiccedilatildeo entre ciacutenicos e cirenaicos (2004 p 1044) Sobre isto cf Bravo (2009 p 412)

67 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

Uma das surpresas do Filebo eacute a volta de Soacutecrates agrave cena Ele que tinha sido deixado de lado em diaacutelogos da uacuteltima fase de Platatildeo cedendo lugar na conduccedilatildeo da conversa dialeacutetica a figuras como a do Estrangeiro de Eleia retorna com um de seus temas preferidos o prazer mas desta vez com um estilo menos aporeacutetico e mais afinado com a problemaacutetica dos diaacutelogos da uacuteltima da uacuteltima fase (MUNIZ 2012 p 21)

Alguns estudiosos como Friedlaumlnder (2004) afirmam ser o Soacutecrates do Filebo aquele

mesmo Soacutecrates dos diaacutelogos iniciais aquele que vemos dialogar com os jovens Tal acepccedilatildeo

verifica-se segundo este autor pela postura socraacutetica em defender uma tese especiacutefica

poreacutem ao mesmo tempo submetendo-a agrave criacutetica caracteriacutestica proacutepria do predominante

condutor dos diaacutelogosέΝ ἏΝ ἵὁὀἵἷὂὦatildeὁΝ ἶἷΝ ὃuἷΝ ldquoὁΝ ἴἷmΝ ὧΝ aΝ ὅaἴἷἶὁὄiardquoΝ ὀatildeὁΝ ὧΝ umaΝ ὂὁὅiὦatildeὁΝ

dogmaacutetica mas um ponto de partida na discussatildeo que se inicia Semelhante proposiccedilatildeo

como se observa seraacute abandonada pelo condutor da discussatildeo agrave medida que o diaacutelogo

avanccedila sendo demonstradas a inadequaccedilatildeo da tese inicial e a parcialidade perante sua

justificaccedilatildeo (p 1046)

Diegraves (2002) segue uma direccedilatildeo oposta Para ele o Soacutecrates do Filebo nada tem de

semelhante com o Soacutecrates dos diaacutelogos iniciais A figura de Soacutecrates natildeo tem nada de irocircnica

nesta obra Como nos primeiros diaacutelogos o filoacutesofo natildeo eacute aquele que debate que argumenta

que brinca mas preocupa-se muito mais em expor determinadas questotildees sem duvidar da

validade de suas teses (DIEgraveS 2002 p 9) Similarmente Guthrie afirma que Soacutecrates retorna

agrave cena dramaacutetica como condutor do diaacutelogo porque o tema eacute o prazer Ademais o Soacutecrates

do Filebo assemelha-se mais ao Estrangeiro de Eleacuteia do Sofista do que ao Soacutecrates irocircnico

visto nos escritos platocircnicos da juventude

a fim de tornaacute-lo (Soacutecrates) mais confiaacutevel Platatildeo faz com que Protarco peccedila a Soacutecrates em nome de todos os jovens presentes que abandone sua praacutetica de pocircr os jovens em dificuldades perante questotildees sem respostas [aporias] A partir de agora eacute Soacutecrates mesmo que deveraacute responde-las enquanto seus interlocutores se esforccedilaratildeo para segui-lo da melhor maneira (19e- 20a) cf 28bc) Satildeo alguns dos raros toques pessoais nos diaacutelogos mas em geral faz faltar o interesse dramaacutetico (GUTHRIE 1978 p197-198)

Algumas anaacutelises mais recentes sobre a estrutura e a composiccedilatildeo dramaacutetica do

ἶiὠlὁgὁΝ ὂὄiὀἵiὂalmἷὀtἷΝ ὀὁΝ ὃuἷὅitὁΝ ldquoἥὰἵὄatἷὅrdquoΝ ὅatildeὁΝ aiὀἶaΝmaiὅΝ iὀtἷὄἷὅὅaὀtἷὅ como aquela

apresentada por Dorothea Frede A autora afirma no prefaacutecio de sua traduccedilatildeo do Filebo que

nos deparamos ali com um Soacutecrates (forjado por Platatildeo) que estaacute a debater a discutir e que

natildeo apresenta uma definiccedilatildeo uacuteltima sobre determinados assuntos Assim ela defende

Na verdade ele [Platatildeo] parece ter feito Soacutecrates o principal orador mais uma vez precisamente porque nenhum tratamento final eacute intencionado mas um

68 23 O contexto histoacuterico e os personagens

exame discursivo com sugestotildees e insinuaccedilotildees que podem ir longe mas nunca plenamente suficiente para resolver as questotildees de tal forma que o leitor poderia reivindicar a plena compreensatildeo de uma doutrina definitiva Em suma a Platatildeo soacute resta o proacuteprio Platatildeo o filoacutesofo que se recusa a fixar na mente de seus leitores suas intenccedilotildees finais (FREDE 1993 p 7)

Em suma a teoacuterica alematilde sugere que o meacutetodo pedagoacutegico-socraacutetico (o ζ ΰξκμ) eacute

reutilizado por Platatildeo a fim de persuadir seus interlocutores a respeito de sua concepccedilatildeo da

vida boa no diaacutelogo Desta maneira por um lado a figura de Soacutecrates simula as ideias do

ldquovἷlhὁΝἢlatatildeὁrdquoΝὁΝἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtὁΝὂὅiἵὁlὰgiἵὁ-filosoacutefico do autor tardio mas por outro natildeo

se separou ainda permanece unido a seu mestre Contudo natildeo eacute relevante para a autora a

figura de Soacutecrates neste retorno mas sim o modo como ele se porta na discussatildeo isto eacute

ἥὰἵὄatἷὅΝaὃuiΝὧΝaὂἷὀaὅΝὁΝldquoὂὁὄta-vὁὐrdquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἶἷΝὅuas doutrinas apresentadas em seus

uacuteltimos escritos O papel do condutor eacute relevante apenas em um primeiro momento porque

ele eacute quem iraacute retomar a discussatildeo eacutetica da qual Platatildeo teria como maior referencial a filosofia

de Soacutecrates No entanto sua funccedilatildeo reduz-se agrave dramatis persona (Soacutecrates) sob o propoacutesito

ἶἷΝ ὂἷὄὅuaἶiὄΝ ὁὅΝ jὁvἷὀὅΝ aΝ ὄἷὅὂἷitὁΝ ἶaΝ ἵὁὀἵἷὂὦatildeὁΝ ἶaΝ ldquoἴὁaΝ viἶardquoΝ (aiacuteΝ ὅimΝ umaΝ tἷὁὄiaΝ

especificamente platocircnica)

Em outro artigo Frede (2013) sublinha semelhante posiccedilatildeo

O que perturba eacute o fato de parecermos ter uma discussatildeo socraacutetica normal diante de noacutes neste que aparentemente eacute um dos uacuteltimos trabalhos de Platatildeo Aacute primeira vista o Filebo natildeo parece apresentar nenhum dos traccedilos dramaacuteticos dos outros uacuteltimos diaacutelogos O proacuteprio Soacutecrates estaacute guiando a discussatildeo () estamos de volta a Atenas imerso em uma disputa viva entre um Soacutecrates e interlocutores natildeo muito diferente das que satildeo usadas nos diaacutelogos socraacuteticos () existe [neste diaacutelogo] um antagonismo verdadeiro humoriacutestico ndash e isso inclui insinuaccedilotildees de caraacuteter sexual ndash e uma conversatildeo gradual Se se olhar para a forma dramaacutetica eacute quase como se Platatildeo quisesse provar ao mundo que mesmo nessa idade avanccedilada madura ele fosse capaz de compro diaacutelogos vivos e tambeacutem que Soacutecrates de modo algum pudesse ficar esquecido (p 510-511)

E justifica mais detalhadamente tal posiccedilatildeo dizendo que

Platatildeo teria achado difiacutecil evocar fosse um eleata fosse um pitagoacuterico como liacuteder de tal discussatildeo e haveria boas razotildees para deixar Soacutecrates aceitar o desafio Platatildeo ao que parece retornou agrave forma anterior dos diaacutelogos socraacuteticos porque desejava reabrir uma questatildeo que fora preocupaccedilatildeo bastante seacuteria do primeiro Soacutecrates platocircnico qual seja o debate sobre a natureza e avaliaccedilatildeo do prazer (FREDE 2013 p 511)

Soacutecrates segundo Frede visto como carecente pobre eacute incompleto frente agrave figura do

dialeacutetico elaborada por Platatildeo no processo argumentativo O primeiro representa a figura da

69 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

natureza humana (carecentedesejosa) enquanto o dialeacutetico platocircnico ilustra a perfeita

sabedoria a completude (FREDE 2013 p 543) Assim sendo no Filebo a caracterizaccedilatildeo do

dialeacutetico natildeo soacute caracteriza a essecircncia da filosofia platocircnica como tambeacutem marca claramente

a distinccedilatildeo entre a figura do filoacutesofo (Soacutecrates) e a do dialeacutetico (Platatildeo) Aleacutem disso a obra

evidenciaria a superaccedilatildeo de Platatildeo em relaccedilatildeo agrave filosofia socraacutetica que agora transfigura-se

como dialeacutetica

Lidar com tais processos natildeo eacute assunto e preocupaccedilatildeo do dialeacutetico jaacute que ele eacute o homem perfeitamentἷΝ ὅὠἴiὁΝ ἵujὁΝ iὀtἷὄἷὅὅἷΝ ὧΝ ldquoὅἷὄΝ ὄἷaliἶaἶἷΝvἷὄἶaἶἷiὄὁΝἷΝὁΝἷtἷὄὀamἷὀtἷΝiἶecircὀtiἵὁrdquoΝ(ἃἆa)νΝὧΝἶὁΝiὀtἷὄἷὅὅἷΝἶaὃuἷlἷΝὃuἷΝἴuὅἵaΝa completude cujo representante eacute o pobre descalccedilo poreacutem implacaacutevel d infatigaacutevel Soacutecrates retratado no Banquete ou entatildeo do interesse do atribulado cantor de uma palinoacutedia em favor do amor no Fedro O progresso em direccedilatildeo agrave perfeiccedilatildeo eacute o que o melhor tipo de prazer na vida humana representa e eacute o motivo pelo qual uma vida humana natildeo seria desejaacutevel sem prazer na condiccedilatildeo de humano eacute incompleto e necessita da constante tendecircncia e conclusatildeo ardentemente desejada pelo filoacutesofo socraacutetico (embora natildeo o dialeacutetico platocircnico) (FREDE 2013 p 543)

Ademais um outro elemento socraacutetico reconhecido pela autora como presente no

diaacutelogo eacute o carὠtἷὄΝldquomὧἶiἵὁrdquoΝἶaΝfilὁὅὁfiaΝὅὁἵὄὠtiἵaέΝἡΝὂὄaὐἷὄΝὧΝviὅtὁΝἵὁmὁΝὄἷὅtauὄaὦatildeὁΝἶἷΝumΝ

estado harmonioso tanto do corpo quando alma que procura sair de tal estado dissoluto (dor)

Aqui de acordo com Frede natildeo se pode negar a presenccedila deste caraacuteter (imprescindiacutevel) de

restauraccedilatildeo que a reflexatildeo sobre as afecccedilotildees humanas pode trazer ao homem Dito isso ao

que parece encontra-ὅἷΝaiὀἶaΝὂὄἷὅἷὀtἷΝὀaΝὁἴὄaΝumΝἵaὄὠtἷὄΝldquoἵatὠὄtiἵὁrdquoΝ(ὂuὄifiἵaἶὁὄ)ΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ

aos prazeres ndash herdado da filosofia de Soacutecrates ndash e que permanece como pano de fundo na

composiccedilatildeo do Filebo por parte de nosso autor Dessa maneira isso demonstra jamais ter

havido uma renuacutencia agrave analogia meacutedica que justificou a criacutetica de Soacutecrates agrave moralidade de

seus contemporacircneos ela foi reescrita em novos termos que atrelam ser e tornar-se a

imposiccedilatildeo de limites no ilimitado (FREDE 2013 p 544)74

Em oposiccedilatildeo agrave leitura de Frede C Rowe (1999) compreende o protagonismo de

Soacutecrates no diaacutelogo de uma outra forma Natildeo lhe faltaram criacuteticas agrave intepretaccedilatildeo da teoacuterica

norte-americana Segundo o autor no diaacutelogo natildeo notamos uma draacutestica diferenccedila entre o

Filebo algo que o distinguiria particularmente dos outros diaacutelogos tardios (Sofista Poliacutetico

etc) como considera Frede Nem sequer poderiacuteamos afirmar com toda clareza que Platatildeo

serve-se do ζ ΰξκμΝtalΝἵὁmὁΝὅἷΝὁἴὅἷὄvaΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶaΝjuvἷὀtuἶἷΝ(ἤἡWἓΝ1999 p 9-11)

74 ἥὁἴὄἷΝ iὅtὁΝ ὧΝ imὂἷὄiὁὅὁΝ ἶἷὅtaἵaὄΝ aΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝ ἶἷΝ ἥaὀtὁὄὁΝ (ἀίίἅ)Ν aΝ ὄἷὅὂἷitὁΝ ἶaΝ ldquoἵatὠὄtiἵaΝ ἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅrdquoΝἶἷὅἷὀvὁlviἶaΝὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὀὁΝFilebo O prazer que transita entre medida e desmedida entre pureza e impureza Na visatildeo do autor uma visatildeo predominantemente entre os antigos (Cf SANTORO F Arqueologia dos Prazeres Rio de Janeiro Objetiva 2007)

70 23 O contexto histoacuterico e os personagens

Segundo Rowe a obra pelo contraacuterio daacute continuidade aos temas tratados no periacuteodo tardio

e natildeo se revela como um diaacutelogo especial neste uacuteltimo periacuteodo A dialeacutetica neste caso tem

um objetivo claro e reafirma a postura de Platatildeo mais elaborada sobre este importante

exerciacutecio filosoacutefico em questatildeo Um diaacutelogo entre interlocutores que exige uma toleracircncia

reciacuteproca entre ambos Se eacute que haacute elementos do ζ ΰξκμ no Filebo eles ressaltam a

ἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝldquoὂὁὅitivardquoΝἶὁΝmὧtὁἶὁΝὄἷfutativὁΝἷΝὀatildeὁΝaΝldquoὀἷgativardquoΝ(ἤἡWἓΝ1λλλΝὂέΝ1ἅ)έΝἒitὁΝἶἷΝ

outro modo a dialeacutetica visa a verdade dentro das possibilidades oferecidas pela variabilidade

admitida dos loacutegoi (discursos) A refutaccedilatildeo presente sobretudo nos diaacutelogos da uacuteltima fase

natildeo pretende sobrepor a tese socraacutetica como a verdadeira exaltando a ignoracircncia do

interlocutor O que se nota eacute justamente o contraacuterio colocam-se as teses em anaacutelise em

confronto em busca da verdade ndash e essa eacute a principal excitaccedilatildeo contida no exerciacutecio do

diaacutelogo o desejo primordial naturalmente dialeacutetico que reside na busca por hipoacuteteses

verdadeiras e na rejeiccedilatildeo daquelas que pareccedilam falsas a ambos os dialogantes

Na fase tardia o suposto sentido negativo do ζ ΰξκμΝ ἶἷὅὂaὄἷἵἷΝ ὡΝ mἷἶiἶaΝ ὃuἷΝ

transparece o seu sentido positivo quἷΝὂaὄtἷΝἶaΝldquoaὀὠliὅἷrdquoΝἶἷΝumΝldquoἷxamἷrdquoΝἵὁὀjuὀtὁΝὃuἷΝviὅaΝ

umaΝἶὁutὄiὀaΝὂὁὅitivaΝἷΝὀatildeὁΝaΝὄἷjἷiὦatildeὁΝἶἷΝἵἷὄtaὅΝtἷὅἷὅέΝldquoἢὁὄΝἵὁὀὅἷguiὀtἷΝaΝlsquoἶialὧtiἵarsquoΝὀatildeὁΝὧΝ

unicamente ou em primeira instacircncia uma maneira de suprimir a ignoracircncia mas ndash um ideal

ndash uma maneira de ἶἷὅἵὁἴὄiὄΝaΝvἷὄἶaἶἷrdquoΝ(ἤἡWἓΝ1λλλΝὂέΝ1ἃ)έ

Um dos princiacutepios que estatildeo subjacentes em minha interpretaccedilatildeo eacute que os diaacutelogos satildeo em geral e essencialmente os mimeacutemata da filosofia real viva isto quer dizer derivados de certos aspectos da proacutepria filosofia imitam estes aspectos Aqui claramente eu me apoio amplamente sobre o Fedro [275d-e] que nos force a descriccedilatildeo mais completa e mais expliacutecita da natureza da atividade filosoacutefica se se compreende o que Soacutecrates disse (sem interpretaacute-lo ao peacute da letra) a filosofia escrita eacute uma contradiccedilatildeo em termos A filosofia repousa sobre a troca o teste das afirmaccedilotildees de uma pessoa por outra que permite algueacutem progredir intelectualmente ndash e as obras escritas elas mesmas natildeo podem responder elas satildeo como as pinturas que parecem vivas mas que quando vocecirc lhes propotildee uma questatildeo manteacutem um silecircncio solene (ROWE 1999 p 13)

Por fim ao que tudo indica a tese de Frede estaacute fundada em duas consideraccedilotildees

distintas (i) o Filebo possui uma estrutura dramaacutetica distinta dos diaacutelogos tardios a notar pela

presenccedila de Soacutecrates como condutor da argumentaccedilatildeo (ii) este diaacutelogo tardio conteacutem em si

noccedilotildees puramente socraacuteticas que demonstrariam um retorno de Platatildeo ao meacutetodo refutativo

do ζ ΰξκμΝ(1λλλΝὂέΝ1ἅ)75 Rowe defende que esta eacute uma leitura equivocada e que natildeo se

75 Visotildees como a de Frede (1993) estatildeo em consonacircncia com um ponto metodoloacutegico fundamental que primeiro encontra sua formulaccedilatildeo em Vlastos (1983) Para o teoacuterico o pensamento platocircnico tendo como base a divisatildeo claacutessica (juventude-maturidade-velhice) teria a cada um desses estaacutegios um modelo investigativo (ou meacutetodo) respectivo (juventude refutaccedilatildeo maturidade hipoteacutetico velhice

71 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

explica satisfatoriamente quando analisamos atentamente a obra em especiacutefico Para Rowe

o retorno de Soacutecrates agrave conduccedilatildeo do diaacutelogo no caso especiacutefico do Filebo demonstra a

amplitude e a grandeza da dialeacutetica entendida no sentido platocircnico a sua elaboraccedilatildeo uacuteltima

dotada de rigor e maestria por parte de nosso filoacutesofo Sendo assim os interlocutores jaacute satildeo

ὂὁὅtὁὅΝldquoἷmΝὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝἷΝὁΝἷxἷὄἵiacuteἵiὁΝἶaΝativiἶaἶἷΝfilὁὅὰfiἵaΝὀaΝὁἴὄaΝὄἷjἷitaὄiaΝὃualὃuἷὄΝ

ideia em torno de competiccedilatildeo (ROWE 1999 p 23)

Apoiando-se significativamente no Fedro Rowe (1999) considera o diaacutelogo como uma

ὅimulaὦatildeὁΝἶἷΝumΝldquoἶiὅἵuὄὅὁΝvivὁrdquoΝὃuἷΝtἷmΝἵὁmὁΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝaΝativiἶaἶἷΝἶialὧtiἵaΝ( δαζΫΰ γαδ)

real e natildeo escrita Esse seria o sentido real da atividade filosoacutefica platocircnica uma discussatildeo

ὅὁἴὄἷΝ ldquoiἶἷiaὅrdquoΝ ἷὀtὄἷΝ iguaiὅΝ ὃuἷΝ ἷxigἷΝ tὁlἷὄacircὀἵiaΝ ἷΝ ἵὁὁὂἷὄaὦatildeὁΝ ἷὀtὄἷΝ ὁὅΝ iὀἶiviacuteἶuὁὅΝ ἷΝ ὃuἷΝ

sobretudo visa alcanccedilar uma verdade possiacutevel naquele acircmbito dialoacutegico (1999 p13 seq)

Por mais que Protarco se converta ao final do diaacutelogo ele o faz agrave uma tese alterada

pois a tese de Soacutecrates defendida no iniacutecio da obra natildeo se equipara agravequela vencedora do

momento final da argumentaccedilatildeo Se haacute uma relevacircncia do retorno de Soacutecrates agrave cena

dramaacutetica em um primeiro momento ela eacute miacutenima isto eacute ela pode ter um propoacutesito eacutetico

primeiramente mas natildeo reivindica uma autoridade particular Assim a personagem Soacutecrates

ilustra o desenvolvimento da atividade dialeacutetica tal como compreendida por Platatildeo ao longo

de sua atividade filosoacutefica (ROWE 1999 p 12) e que portanto em dado momento jaacute se

separa daquela figura inicial o Soacutecrates histoacuterico (ROWE 1999 p 24-25)

ἏΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἵatὠὄtiἵaΝ(ldquoἥὰἵὄatἷὅΝmὧἶiἵὁΝἶἷΝalmaὅrdquo)ΝἷΝaΝἶὁΝfilὰὅὁfὁΝἷmΝὁὂὁὅiὦatildeὁΝaὁΝ

dialeacutetico platocircnico tambeacutem satildeo equivocadas segundo a compreensatildeo de Rowe (1999)

ἥὰἵὄatἷὅΝὀatildeὁΝὅἷΝὂὄἷὁἵuὂaΝaὂἷὀaὅΝἷmΝldquoἵuiἶaὄΝἶaὅΝalmaὅrdquoΝmaὅΝἵὁmὁΝὅἷΝὀὁtaΝὅὁἴὄἷtuἶὁΝὀὁΝ

ὂἷὄiacuteὁἶὁΝiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁΝἷlἷΝὅἷΝὂὴἷΝἷmΝἴuὅἵaΝἶὁὅΝldquoἷlἷmἷὀtὁὅΝἶὁΝὅaἴἷὄrdquoΝ(ὂέΝἀ1)έΝἠaΝἶiὅtiὀὦatildeὁΝ

divisatildeo) uma tal regularidade sistemaacutetica que gerou e ainda gera inuacutemeras confusotildees entre os inteacuterpretes Um exemplo disso eacute o surgimento de algumas obras como a de Robinson (1941) que chega aὁΝὂὁὀtὁΝἶἷΝafiὄmaὄΝalgὁΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁμΝldquotὄecircὅΝἵὁiὅaὅΝaἵὁὀtἷἵἷmΝἵὁmΝὁΝelenchus nos diaacutelogos meacutedios e nos diaacutelogos uacuteltimos Primeiro como acabamos de ver se perde o caraacuteter da ironia e segundo ele estaacute incorporado no conjunto maior da dialeacutetica que muda um pouco o caraacuteter dele Ainda assim negativo e destrutivo em essecircncia ele eacute aproveitado para a construccedilatildeo do diaacutelogo Apesar de moral em sua finalidade o fim moral uacuteltimo afasta-se de um acordo excelente e ocupa um largo programa cientiacutefico na visatildeo da maturidade Terceiro ao passo que frequentemente eacute referido e recomendado e gradualmente deixa de se atualmente retratado nos diaacutelogos As refutaccedilotildees ocupam menos espaccedilo no total da obra Aquelas que ocorrem ocorrem de forma menos oacutebvia e natildeo eacute tatildeo faacutecil apontar as premissas em separado a maneira em que cada uma eacute obtida e o lugar onde Soacutecrates coloca-as juntas e extrai a conclusatildeo Elas natildeo satildeo puramente negativas mas frequentemente possuem doutrinas positivas que natildeo eacute necessaacuterio provar () Portanto o elenchus transforma-se em dialeacutetica de negativo ὂaὅὅaΝὅἷὄΝὂὁὅitivὁΝἶἷΝὂἷἶagὰgiἵὁΝaΝἶἷὅἵὁἴὄimἷὀtὁΝἶἷΝmὁὄaliἶaἶἷΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝἵiecircὀἵiardquoΝ (ὂέΝ1λ-20) Nesse sentido tambeacutem caminha a investigaccedilatildeo de Scott (2002) ao perguntar-se se o Soacutecrates histoacuterico tinha um meacutetodo e qual seria esse meacutetodo Demostrarei mais adiante que discordo dessa maneira de compreender e dividir a obra platocircnica e que a questatildeo se centra muito menos na busca por esses criteacuterios externos do que na compreensatildeo da forma de elaboraccedilatildeo caracteriacutestica do diaacutelogo platocircnico

72 23 O contexto histoacuterico e os personagens

feita por Frede parece que Soacutecrates natildeo tem nenhuma preocupaccedilatildeo com o saber Entretanto

na filosofia platocircnica ele parece representar justamente a figura central (por excelecircncia)

porque

() o fato de Soacutecrates rejeitar qualquer pretensatildeo de ao tiacutetulo de ldquomἷὅtὄἷΝἶialὧtiἵὁrdquoΝὧΝὁΝὃuἷΝfaὐΝἶἷlἷΝὁΝmὁἶἷlὁΝἶἷΝfilὰὅὁfὁΝὀaΝmἷἶiἶaΝἷmΝὃuἷΝaὂὄἷὅἷὀtaΝuma consciecircncia plena inteira que certamente os diaacutelogos identificam como umaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἶialὧtiἵaΝἵὁmὂlἷtaΝ(iὅtὁΝὧΝaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἶὁΝldquoἷὀtὄἷlaὦamἷὀtὁΝἶaὅΝfὁὄmaὅrdquoΝὁuΝoutra coisa similar) ndash isto eacute o que busca Soacutecrates Em outros termos o filoacutesofo ideal eacute este que Soacutecrates seria se ndash impossiacutevel como eu penso embora eu o ache o maior de todos aqueles que o mundo jaacute viu perseguir uma tal busca ndash que alcanccedilaria o fim almejado de sua pesquisa (ROWE 1999 p 20)

Talvez neste caso seja necessaacuterio postular e ao mesmo tempo concordar com o que

diz Dixsaut (2013) em uma interpretaccedilatildeo mais recente e independente daquelas mais

claacutessicas que Platatildeo nunca teria se separado completamente de Soacutecrates (2003 p 33-37)76

Neste caso seriacuteamos obrigados tambeacutem a concordar com a visatildeo supracitada de Rowe

(1999) Contudo ainda precisamos analisar pormenorizadamente algumas questotildees A

primeira eacute essa tentativa a meu ver equivocadaΝἶἷΝtἷὀtaὄΝldquoἷἵliὂὅaὄrdquoΝἶἷfiὀitivamἷὀtἷΝἵὁmὁΝ

nos diz Marques seja Soacutecrates seja o espiacuterito socraacutetico-platocircnico (2006 p 41) Jaacute vimos que

a posiccedilatildeo tradicionalmente adotada (com todo respeito aos autores que ainda adotam) aquela

especiacutefica de Soacutecrates ldquoὂὁὄta-vὁὐrdquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὧΝiὀὅuὅtἷὀtὠvἷlΝὀatildeὁΝὧΝἶἷὅὅἷΝmὁἶὁΝὃuἷΝὅἷὄiaΝ

possiacutevel construirmos uma identidade platocircnica se eacute que isso seja possiacutevel O que seria

possiacutevel conforme alegam eacute que por meio do questionamento persistente de Soacutecrates

analisando o resultado de uma suposta sobreposiccedilatildeo desse personagem como representante

maacuteximo do pensamento platocircnico uma identidade platocircnica como nos diz Marques (2006)

ὃuἷΝὧΝldquo(έέέ)ΝὄἷὅultaἶὁΝἶaΝὅὁἴὄἷὂὁὅiὦatildeὁΝἷΝἵὁὀfluecircὀἵiaΝἶaὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝὅituaὦὴἷὅΝἶἷΝἷxamἷΝἶὁὅΝ

76 ldquoἏΝὃuἷὅtatildeὁΝὃuἷΝfiἵaΝὂὁὄΝἶἷtἷὄmiὀaὄΝὁἴviamἷὀtἷΝὀatildeὁΝἵὁὀὅiὅtἷΝἷmΝὅaἴἷὄΝὅἷΝἢlatatildeὁΝmuἶὁuΝἷmΝalguὀὅΝde seus pontos de vista desde sua juventude ateacute sua velhice em meio seacuteculo como escritor (natildeo poderia natildeo telo feito) nem se desenvolveu teorias proacuteprias e ateacute que ponto realmente se distanciou de das convicccedilotildees de socraacuteticas mais profundas que aparentemente abraccedilou nos diaacutelogos da juventude Podemos conjecturar com certa seguranccedila que Platatildeo se considerava a si mesma como um pensador socraacutetico se temos em conta por uma parte o modo como recorre ao nome de seu mestre para expor a linha de pensamento mais aprofundada na maioria de suas obras e por outra a defesa tanto de seu meacutetodo refutativo como de alguns de seus compromissos existenciais Natildeo duvidemos que Platatildeo manteacutem entre outros os seguintes princiacutepios socraacuteticos () uma certa crenccedila na providecircncia divina sua visatildeo teleoloacutegica da vida sua concepccedilatildeo essencialista da metafisica a psicologia e a eacutetica sua visatildeo da justiccedila como equiliacutebrio interior sua convicccedilatildeo de que natildeo vale a pena viver sem examinar constantemente de que sempre eacute preferiacutevel receber o mal a cometecirc-lo de que ningueacutem pratica o mal involuntariamente a natildeo ser por ignoracircncia de que a causa profunda da falta de poder para governar-se eacute a ignoracircncia e em geral a ideia de que o pior dos males que se podem ἵὁmἷtἷὄΝἵὁὀtὄaΝumΝὁuΝἵὁὀtὄaΝὁutὄὁΝὧΝtὁὄὀaὄΝὂiὁὄΝaΝἵὁὀἶiὦatildeὁΝἶἷΝὅuaΝalmardquoΝ(ἐἡἥἥIΝἀίίἆΝὂέΝἀ1ἅ-218)

73 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

difereὀtἷὅΝἶiὠlὁgὁὅrdquoΝ(ὂέΝἂ1)έΝΝἥὰἵὄatἷὅΝἷὀtatildeὁΝὅἷὄiaΝfὄutὁΝἶἷὅὅaΝὅuaΝἶifἷὄἷὀἵiaὦatildeὁΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝ

aos poetas artesatildeos poliacuteticos sofistas que ele daacute voz nos seus diaacutelogos o fio condutor ponto

de convergecircncia e unificaccedilatildeo das distintas visotildees que satildeo apresentados nas diversas

ocasiotildees dialoacutegicas Ora recorrendo a dados extras a uma fundamentaccedilatildeo calcada em uma

ἴaὅἷΝhiὅtὰὄiἵaΝὅἷmΝfuὀἶamἷὀtὁΝὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἶὁὅΝἶitὁὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅrdquoΝἶaΝjuvἷὀtuἶἷΝὅἷΝaὂὄὁximaὄiaΝ

de um Soacutecrates histoacuterico enquanto o dos demais diaacutelogos (maturidade e velhice) representam

aὅΝviὅὴἷὅΝἶἷΝumΝἢlatatildeὁΝmaἶuὄὁΝὁuΝἶὁΝldquovἷlhὁΝἢlatatildeὁrdquoΝὂὁὄΝἶἷfἷὀἶἷὄἷmΝamἴὁὅΝhiὂὰtἷὅἷὅΝἷΝ

teses mais positivas mais conclusivas mais doutrinaacuterias Deste modo Platatildeo estaria

assumindo seu pensamento filosoacutefico proacuteprio distanciando-se do Soacutecrates histoacuterico O

problema eacute que teses desse tipo natildeo se sustentam como explicar o desaparecimento de

ἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝalguὀὅΝἶὁὅΝἶitὁὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅΝήltimὁὅrdquoςΝἑὁmὁΝἷxὂliἵaὄΝὅuaΝvὁltaΝaὁΝFilebo que eacute

nosso caso aqui em discussatildeo Devemos portanto descartar a ideia desse eclipse definitivo

(MARQUES 2006 p 41) Visotildees como estas causam inuacutemeros problemas os quais por

sinal uma anaacutelise mais profunda da concepccedilatildeo mimeacutetica platocircnica utilizada na composiccedilatildeo

dos diaacutelogos jaacute eliminaria agrave primeira vista O caso da intepretaccedilatildeo de Frede (1993) eacute um

exemplo decorrente dessa incompreensatildeo da forma caracteriacutestica de composiccedilatildeo dos

diaacutelogos platocircnicos como jaacute bem nos expocircs anteriormente Rowe (1999) No entanto a fim de

explicitarmos ainda mais podemos ainda recorrer agraves belas palavras de Marques

Os personagens criados por Platatildeo mais do que simples recursos de expressatildeo constituem um esforccedilo para tornar expliacutecitas e inteligiacuteveis atitudes eacuteticas e posiccedilotildees teoacutericas fundamentais detectaacuteveis entre os cidadatildeos artesatildeos homens poliacuteticos poetas e pensadores de sua eacutepoca de modo que a invenccedilatildeo de personagens constitui uma dinacircmica na qual retoacuterica e filosofia satildeo inseparaacuteveis A mesma estrateacutegia retoacuterica que consiste em fazer falar os outros estrutura os diaacutelogos com algumas variaccedilotildees encontramos personagens nomeados ou anocircnimos alusotildees mais ou menos diretas a indiviacuteduos histoacutericos personagens puramente fictiacutecios simples remissotildees a algueacutem que natildeo estaacute presente e ainda personagens-tipo ou mesmo argumentos personificados ao faὐἷὄΝfalaὄΝἷὅὅἷὅΝldquoὁutὄὁὅrdquoΝἢlatatildeὁΝὁὅΝaὅὅimilaΝpara produzi-los ou reproduzi-los enquanto personagens que dialogam entre si O que eacute uacutenico e fundamental eacute que ele soacute fala e pensa dessa maneira Nunca encontramos um discurso em primeira pessoa do proacuteprio autor dos diaacutelogos Platatildeo nos aparece assim como ventriacuteloquo maacutegico dos discursos imitador de homens e de caracteres sempre presente sempre ausente sempre pressuposto e visado sempre se evadindo Para sabermos o que diz Platatildeo eacute preciso interpretar eacute preciso contrapor e avaliar as diferenccedilas que significam as personagens e neste confronto tentar construir sua identidade De modo que soacute a encontramos atraveacutes de um processo complexo de progressiva construccedilatildeo do autor O autor sempre virtual eacute necessariamente o resultado de uma composiccedilatildeo operada pelo leitor Proponho caracterizar esse recurso retoacuterico-filosoacutefico fundamental utilizado por Platatildeo que consiste em falar e pensar atraveacutes de personagens como

74 23 O contexto histoacuterico e os personagens

umaΝldquoὄἷtὰὄiἵaΝἶaΝἶifἷὄἷὀὦardquoΝumΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝἶἷΝὂἷὄmaὀἷὀtἷΝldquoaltἷὄiὐaὦatildeὁΝἶἷΝὅirdquoΝao pensar e escrever (2006 p 40)

O retorno de Soacutecrates agrave cena nesse caso natildeo eacute tatildeo significativo como considera

Frede (1993) Esse fator eacute algo miacutenimo quando levamos em conta o modo como a escrita

platocircnica eacute forjada esse modo como Platatildeo constroacutei seus personagens seja na ausecircncia

seja na permanecircncia de Soacutecrates e de tantos outros personagens ndash modo este que o distingue

invariavelmente enquanto escritor-filoacutesofo ndash natildeo nos autoriza a postular um abandono do

socratismo mas muito pelo contraacuterio o que se nota eacute uma radicalizaccedilatildeo ainda maior do

espiacuterito socraacutetico na ausecircncia desse mesmo personagem Eacute justamente no confronto na

contraposiccedilatildeo na contradiccedilatildeo manifesta entre esses personagens ao se anteporem um

discurso ao outro e ambos serem verificados que poderemos pressupor construir uma tal

posiccedilatildeo platocircnica Desta maneira a relatividade eacute ultrapassada na medida em que o uacutenico

vencedor natildeo eacute nenhuma das duas teses mas uma terceira coisa Natildeo seria justamente isso

que as linhas do Filebo atestariam Nem inteligecircncia nem prazer mas uma terceira coisa

deve ser posta em questatildeo a vida boa mista Como encontrar pura e simplesmente refutaccedilatildeo

em discursos (ζσΰκδμ) simeacutetricos em que um afirma e o outro contesta77 Desta forma natildeo

restaria ao autor senatildeo conduzir a discussatildeo a um impasse Natildeo haacute vencedor o Filebo natildeo eacute

um diaacutelogo em que triunfaria a φδζκθδεέα mas nesse combate quem ganha eacute o proacuteprio ζσΰκμ

guiado por seu uacutenico objetivo alcanccedilar ao maacuteximo possiacutevel o verdadeiro

Nos diaacutelogos de Platatildeo como nos diria Marques (2006) vemos realizar-ὅἷΝumaΝldquo(έέέ)Ν

ἵὄiacutetiἵaΝὡΝἵὄiacutetiἵaΝὅὁfiacuteὅtiἵardquoΝ(ὂέΝἂἂ)ΝὁὅΝvalὁὄἷὅΝἶὁὅΝὅὁfiὅtaὅΝἷΝὅuaὅΝimὂliἵaὦὴἷὅΝὅatildeὁΝὂὁὅtὁὅΝἷmΝ

debate por meio da radicalizaccedilatildeo e do aprofundamento da atitude criacutetica aos valores comuns

o que por sinal acaba resultando em uma inversatildeo dos proacuteprios valores daqueles primeiros

(MARQUES 2006 p 44) Radicalizaccedilatildeo esta que natildeo se encontra distante mas muito

proacutexima daquela dos sofiὅtaὅΝaΝὀatildeὁΝὅἷὄΝὂἷlὁὅΝὁἴjἷtivὁὅΝἶiὅtiὀtὁὅΝἷὀtὄἷΝἷὅtἷὅΝldquoὅὠἴiὁὅrdquoΝἷΝὁὅΝἶἷΝ

ἥὰἵὄatἷὅέΝEacuteΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶἷΝumΝἶiὠlὁgὁΝldquovivὁrdquoΝὃuἷΝἷὅtἷὅΝvalὁὄἷὅΝ(ὧtiἵὁὅ)ΝὀὁvamἷὀtἷΝalἵaὀὦamΝumΝ

status objetivo eacute por meio deste exerciacutecio (escrito-dialoacutegico) que eles podem ser

reestabelecidos e oferecerem uma proposta filosoacutefica eficaz

Aqui natildeo nos deparamos com um Soacutecrates histoacuterico e pregresso que nem ao menos

podemos dizer de quem se trata ou se mesmo existe Pelo contraacuterio o mesmo furor dialeacutetico

e sua verve natildeo estatildeo ausentes no Soacutecrates do Filebo mas eles permanecem estritamente

relacionados aos objetivos (dialeacuteticos) pertinentes agraves questotildees ali desenvolvidas postas no

exame dialeacutetico confirmando ainda mais a potecircncia desse exerciacutecio (socraacutetico-platocircnico)

77 Falo mais detalhadamente sobre isso no proacuteximo capiacutetulo

75 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

primordial78 O erro de Frede (1993) em relaccedilatildeo a esse primeiro aspecto eacute natildeo conseguir

notar em meio agraves bruscas transiccedilotildees do Filebo ὁΝldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝaΝὄἷflἷxatildeὁΝἶὁὅΝ

prazeres no diaacutelogo e sua estrita relaccedilatildeo com a dialeacutetica demonstrando ainda mais a forccedila

do proacuteprio pensamento como jamais vista na obra platocircnica Dito de outro modo ao deixar de

notar a riqueza do diaacutelogo associando-o a um debate puramente escoliasta a teoacuterica alematilde

esquece-se da riqueza que constitui natildeo apenas o Filebo mas os diaacutelogos em geral o prazer

aqui eacute tratado como muitas das mais importantes questotildees do pensamento filosoacutefico de

Platatildeo como uma questatildeo refinada de estilo ou melhor uma questatildeo de gosto que reflete a

proacutepria habilidade e genialidade literaacuteria de Platatildeo

De tal modo uma distinccedilatildeo entre conteuacutedo e forma no pensamento filosoacutefico de Platatildeo

natildeo se aplica agraves caracteriacutesticas proacuteprias de uma filosofia em sua profundidade

essencialmente dialeacutetica Por isso justifica-se a criacutetica de Rowe (1999) agrave autora ao

caracterizar os objetivos de Soacutecrates em relaccedilatildeo a Protarco como destinados unicamente a

um processo de conversatildeo do interlocutor agrave suposta tese de Soacutecrates Vale lembrar que quem

ganha a batalha no ΰυθ filosoacutefico eacute o proacuteprio ζσΰκμ posto em debate eacute a isso que assistimos

tambeacutem no Filebo tanto o discurso de Soacutecrates quanto o de Protarco se ajustam agraves

exigecircncias dialeacuteticas a busca pelo saber verdadeiro sobre o que de comum acordo estatildeo

buscando

Soc Bem Protarco sem ocultar entatildeo a diferenccedila entre a tua e a minha mas expondo-a agrave visatildeo de todos vamos ousar ver se ao serem examinadas ( ζ ΰξση θκδ)79 podem elas nos indicar se devemos chamar de bem o prazer ou o pensamento ou uma terceira coisa Pois certamente agora natildeo entramos nessa disputa para dar vitoacuteria (φδζκθδεκ η θ) ao que eu defendo ou ao que tu defendes Devemos sim combater juntos e aliados ao mais verdadeiro ( ππμ ΰ έγ ηαδ α rsquoΝ αδ θδε θ α α γrsquoΝ rsquoΝΪζβγ Ϊ ῖ πκυ υηηαξ ῖθ η μ αηφπ) (14b1-7)

78 Demostro jaacute aqui respeitosamente meu profundo desacordo com o tipo de leitura que propotildee Benoit (ἀίίἅΝὂέΝ1λλ)έΝἑὁmὂὄἷἷὀἶὁΝὅuaΝἶἷὀὁmiὀaἶaΝ ldquomἷtὁἶὁlὁgiaΝἶaὅΝ tἷmὂὁὄaliἶaἶἷὅΝ imaὀἷὀtἷὅrdquoΝἷmΝὅuaΝanaacutelise do diaacutelogo εaὅΝὀatildeὁΝἵὄἷiὁΝὃuἷΝldquoaΝὂὄuἶecircὀἵiaΝὅὁἵὄὠtiἵaΝtaὄἶiardquoΝaΝὃualΝἷlἷΝἶἷmὁὀὅtὄaΝἷὅtaὄΝὂὄἷὅἷὀtἷΝna composiccedilatildeo do FileboΝatἷὅtaὀἶὁΝἷmΝἶaἶὁΝmὁmἷὀtὁΝumaΝldquoὂὁὅὅiacutevἷlrsquoΝfaἶigaΝἶὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἶὁΝὀὁὅὅὁΝdiaacutelogo a ponto de colocar em questatildeo a proacutepria dialeacutetica enquanto ciecircncia primeira Pretendo contestar essa leitura ao tratar do modo como Platatildeo entende o processo do conhecimento e o que ὅigὀifiἵaΝἷὅtἷΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝaὃuilὁΝὃuἷΝὁΝὀὁὅὅὁΝfilὰὅὁfὁΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoὁὂiὀiatildeὁΝvἷὄἶaἶἷiὄardquoΝἷΝὅuaΝὄἷlaὦatildeὁΝcom a iaθκδα no diaacutelogo algo que surgiraacute propriamente em nossa anaacutelise (gnosioloacutegica-axioloacutegica) presente no Filebo quando da caracterizaccedilatildeo e distinccedilatildeo dos prazeres falsos e dos prazeres verdadeiros 79 Dixsaut (2008) nos chama atenccedilatildeo ao fato de que ateacute o Sofista o termo ζ ΰξκμΝὀuὀἵaΝὧΝἶἷfiὀido mas nos diaacutelogos em que se trata da dialeacutetica propriamente ζ ΰξκμΝἷΝ ζΫΰξ δθ possuem o sentido de exame como eacute o caso do Filebo supracitado (14b) em pocircr agrave prova (50d) (Cf DIXSAUT 2008 p 116)

76 23 O contexto histoacuterico e os personagens

Mas ainda resta um ponto e quanto ao ζ ΰξκμςΝ ἢὁἶἷmὁὅΝ afiὄmaὄΝ ἵὁmὁΝ ἔὄἷἶἷΝ

(1993) que ele estaacute presente no Filebo Ou discordarmos dela como faz Rowe (1999) Creio

que esta questatildeo jaacute teria sido suficientemente explicada com o que dissemos anteriormente

Poreacutem ainda resta algo Podemos notar que neste suposto regresso ao que a autora

ἶἷὀὁmiὀaΝ ὂἷὄfilΝ ὧtiἵὁΝ ἶaὅΝ ὃuἷὅtὴἷὅΝ aἴὁὄἶaἶaὅΝ ὂἷlὁΝ ἶitὁΝ ldquoἥὰἵὄatἷὅΝ hiὅtὰὄiἵὁrdquoΝ ἵὁmὁΝ ὅἷΝ aὅΝ

questotildees eacuteticas da filosofia platocircnica estivessem adstritas ao denominado periacuteodo juvenil ou

que natildeo possuiacutemos ali nada que natildeo fosse eacutetico ou que a refutaccedilatildeo fosse uma fase primitiva

do processo dialeacutetico Essa visatildeo aleacutem de distorcida eacute preconceituosa a qualquer leitor

dedicado de Platatildeo ou ao mesmo iniciante jaacute que seria possiacutevel presumir que as ditas

ldquoἶiὅἵiὂliὀaὅΝfilὁὅὰfiἵaὅrdquoΝfὁὄmamΝumΝἵὁὀjuὀtὁΝἶἷΝiὀtὄiacuteὀὅἷἵaὅΝὄἷlaὦὴἷὅΝἷΝὃuἷΝὃualὃuἷὄΝtἷὀtativaΝ

de separaccedilatildeo levaria o proacuteprio inteacuterprete mais ao fracasso do que propriamente a resultados

eficazes Sobre isso gostaria de retomar um texto de Dixsaut (2008) no qual ela proacutepria

adverte

Por conseguinte em meu ponto de vista o preconceito do qual todo comentador dos diaacutelogos deveria se ocupar ou ao menos a respeito do qual deveria dar-se o trabalho de refletir eacute aquele da oposiccedilatildeo niacutetida entre positivo e negativo Ao meacutetodo negativo e destrutivo do eacutelenkhos socraacutetico sucederia dizem a doutrina platocircnica de um conhecimento positivo das Formas Ora a positividade estaacute para Platatildeo assim como para seu Soacutecrates inteiramente do lado da opiniatildeo e eacute preciso purgar a alma de suas certezas convicccedilotildees evidecircncias (sintaticamente afirmativas ou negativas) Para sair da alternativa ὅimὂliὅtaΝἶὁΝldquoὁuΝiὅὅὁέέέΝὁuΝaὃuilὁrdquoΝ(ὁuΝἵὧtiἵὁΝὁuΝmἷtafiacuteὅiἵὁΝἶὁgmὠtiἵὁ)ΝἷΝἶaΝhipoacutetese de uma sucessatildeo que os textos natildeo atestam eacute preciso antes creio compreender que saber o que natildeo eacute uma coisa eacute jaacute saber muito mais sobre o que ela eacute do que quando se acreditava conhececirc-la () (p 122)

ἓmΝὅἷΝtὄataὀἶὁΝἶἷΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝumaΝὅuἵἷὅὅatildeὁΝtἷmὂὁὄalΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝὡΝἶitaΝldquoὄἷfutaὦatildeὁrdquoΝ

nos diaacutelogos devemos ainda levar em consideraccedilatildeo o que nos diz a proacutepria Dixsaut (2008)

para quem κ ζ ΰξκμΝὧΝἵὁὀἶiὦatildeὁΝὂὄὧviaΝἶaΝπαδ έα e natildeo da dialeacutetica deste modo o caraacuteter

ldquoὂuὄifiἵaἶὁὄrdquoΝviὅtὁΝἵὁmὁΝὀἷgativὁΝἷmΝumΝὂὄimἷiὄὁΝmὁmἷὀtὁΝἵὁmὁΝὄἷlἷvaὀtἷΝἷΝumaΝἶaὅΝmaiὅΝ

importantes funccedilotildees da refutaccedilatildeo eacute apenas condiccedilatildeo preacutevia para o exerciacutecio dialeacutetico como

nos apontaria a sexta definiccedilatildeo do Sofista Por isso devemos rejeitar essa claacutessica divisatildeo

(equivocada) por dois motivos (i) porque natildeo temos uma base soacutelida histoacuterica para afirmar tal

anterioridade cronoloacutegica (ii) ὂὁὄὃuἷΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ ἵhamaΝ ldquoὄἷfutaὦatildeὁΝ ὅὁἵὄὠtiἵardquoΝ ὧΝ muitὁΝ maiὅΝ

aristoteacutelico do que que propriamente platocircnico ou socraacutetico (iii) o que Platatildeo toma de Soacutecrates

natildeo eacute a refutaccedilatildeo tout et court enquanto teacutecnica mas que o saber verdadeiro passa pela

consciecircncia do natildeo-saber Isso seria suficiente para eliminar o caraacuteter doxaacutestico pois a

verdade natildeo eacute posse de enunciados concretos e contraacuteria ao falso mas objeto de busca e

desejo

77 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

() ela [a verdade] natildeo eacute a posse de alguns enunciados e diferentemente do verdadeiro que tem por contraacuterio o falso que soacute pode ser dito da opiniatildeo a vἷὄἶaἶἷΝὀatildeὁΝtἷmΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝἷlaΝὧΝὁΝldquoἷlἷmἷὀtὁrdquoΝὀὁΝὃualΝὅἷΝmὁvἷΝumΝὅaἴἷὄΝὃuἷΝnele mesmo jamais pode ser falso (um saber que pode apenas errar o seu fim) O filoacutesofo tal como Platatildeo o concebe natildeo eacute saacutebio tampouco deteacutem a verdade ele busca aquilo que na verdade eacute proacuteprio do que eacute verdadeiramente Aprender examinar buscar interrogar e responder ndash natildeo haacute e jamais houve para Platatildeo outras modalidades de saber Isso natildeo faz no entanto do filoacutesofo um ignorante porque segundo ele ignorar natildeo eacute o contraacuterio de saber mas sim crer que se sabe A maneira que o filoacutesofo tem de natildeo saber orienta sua ruptura com os modos de formulaccedilatildeo proacuteprios da opiniatildeo afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo Conceber o saber mais elevado como um saber dialeacutetico significa com efeito outra coisa que determinaacute-lo como um conjunto de proposiccedilotildees afirmativas e negativas mas fazer dele o exerciacutecio de um pensamento que eacute antes de tudo e necessariamente interrogativo (DIXSAUT 2008 p 121)

Por fim resta dizer que o que estaacute em jogo no Filebo eacute consoante com o que diz a

supracitada autora tratar de submeter tanto prazer quanto o conhecimento a uma apreciaccedilatildeo

comum colaborativa o que por sinal atesta ainda mais uma coerecircncia natildeo somente com os

ἶiὠlὁgὁὅΝ ἶὁΝ ἵhamaἶὁΝ ldquoήltimὁΝ ὂἷὄiacuteὁἶὁrdquoΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ platocircnica mas com todos os diaacutelogos que

precedem aquele da forccedila do conhecimento dialeacutetico cujo sentido mais profundo eacute tambeacutem

representado personificado pela figura de Soacutecrates poreacutem natildeo apenas nele mas com ele e

com os demais interlocutores que afirmam com ainda mais veemecircncia o poder contido nisto

que Platatildeo denomina como atividade por excelecircncia a busca conjunta pelo verdadeiro Neste

sentido eacute inuacutetil falar em positivo e negativo e contraacuterio e favoraacutevel O nosso diaacutelogo vai aleacutem

disso e demonstra quatildeo prospectivo eacute esse exerciacutecio do pensamento da alma ou como diz a

ὂὄὰὂὄiaΝἒixὅautΝὃuatildeὁμΝldquo(έέέ)Νiὀtἷὄὄὁgativὁ ἷΝiὀvἷὀtivὁrdquoΝἷlἷΝἶἷvἷΝὅἷὄΝ(ἀίίἆ p 122)

A variabilidade das formas de tratamento e de apresentaccedilatildeo de temas relevantes natildeo

deve resultar em visotildees de ruptura evoluccedilatildeo ou mesmo contradiccedilatildeo na obra platocircnica mas

sim sinal de fecundidade de diferentes perspectivas complementares e que nos tornam

possiacutevel analisar um mesmo problema retomando-o poreacutem sob um novo acircngulo sob um

novo ponto de vista Potencialidade do proacuteprio pensamento que Platatildeo reconhece como a

mais significativa justamente por natildeo se esgotar ou seja pela impossibilidade de uma

verdade ser tatildeo irrefutaacutevel a ponto de natildeo ser submetida agrave fecundidade caracteriacutestica da

proacutepria dialeacutetica Em suma reafirma-se assim a plena e autecircntica identificaccedilatildeo entre o

filoacutesofo e o dialeacutetico ao tornaacute-los jaacute aqui ambos uma uacutenica coisa

78 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

3 O PRAZER SEGUNDO PLATAtildeO UMA ANAacuteLISE A PARTIR DO FILEBO

31 Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

Como se poderaacute notar ao longo da anaacutelise do Filebo natildeo eacute somente o seu brusco e

reticente final que parece enigmaacutetico mas igualmente seu iniacutecio possui esta mesma

qualidade Diferentemente daqueles diaacutelogos como Craacutetilo Mecircnon Iacuteon Repuacuteblica os quais

possuem um claro iniacutecio (ab inicioab ovo) estamos diante de um diaacutelogo ao contraacuterio

daqueles in media res Dito de outro modo Soacutecrates ndash que por sinal depois de algum tempo

retorna agrave cena como condutor do Diaacutelogo ndash jaacute natildeo porta uma exigecircncia definicional que por

sinal natildeo se alcanccedila em muitos casos nem mesmo atua como aacuterbitro da discussatildeo isto eacute

quando convocado a tomar qualquer posicionamento no debate em questatildeo ele natildeo o faz80

No Filebo deparamo-nos com uma situaccedilatildeo distinta das anteriormente descritas Eacute

Soacutecrates que jaacute no iniacutecio do diaacutelogo (11a-b) recapitula ( υΰε φαζαδπ υη γα) cada um dos

dois discursos (ζσΰκδ) apresentados81 E mais um destes discursos pertence ao proacuteprio

Soacutecrates isto eacute ele eacute parte interessada da discussatildeo Do mesmo modo seu interlocutor

Protarco eacute forccedilado a receber uma das teses a de Filebo (personagem homocircnimo ao diaacutelogo)

O discurso de Soacutecrates aὃuiΝἵὁmὁΝἷxὂliἵaΝἒixὅautΝ(ἀί1ἅ)ΝὧΝumΝldquoἵὁὀtὄaἶiὅἵuὄὅὁrdquoΝldquoΝiὅtὁΝ

ὧΝ ldquo(έέέ)Ν ὃuἷΝ ὀatildeὁΝ ὂὁἶἷΝ ἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝ ὁΝ valὁὄΝ ἶὁΝ ὃuἷΝ valὁὄiὐaΝ ὅἷὀatildeὁΝ ἵὁmὂaὄativamἷὀtἷΝ ἷΝ

desvalorizando isso ao que elἷΝὁΝἵὁmὂaὄardquoΝ(ὂέΝἀἂἄ)έΝVἷjamὁὅΝὀὁΝἷὀtaὀtὁΝἵὁmὁΝὅἷΝiὀiἵiaΝaΝ

discussatildeo

() Soc Entatildeo Protarco vecirc qual discurso ( έθα ζσΰκθ) estaacutes prestes a receber a0gora de Filebo e tambeacutem a nossa que vais contestar ( θ παλrsquoΝ ηῖθ

ηφδ ίβ ῖθ) caso o que ela expresse natildeo seja do teu agrado Queres que a recapitulemos cada um deles82 Prot Sim certamente (11a-11b3)

Ora o texto evidencia que seraacute necessaacuterio contestar ( ηφδ ίβ ῖθ) um discurso essa

eacute a tarefa que cabe a Protarco e a que Soacutecrates agora iraacute recapitular segundo a exigecircncia

80 Podemos aqui retomar as trecircs particularidades apresentadas na conversa entre Soacutecrates Filebo e ἢὄὁtaὄἵὁΝὂὁὄΝἠὁtὁmiμΝldquo(i)ΝὅἷmΝiὀtὄὁἶuὦatildeὁΝaἶἷὃuaἶaΝὁΝἶiὠlὁgὁΝmἷὄgulhaΝὀaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὂὄiὀἵiὂalνΝ(ii)ΝaὀtἷὅΝde iniciaacute-la uma outra discussatildeo com o mesmo assunto eacute assumida como jaacute tendo sido realizada (iii) um novo diaacutelogo se inicia com a mudanccedila dos interlocutores de Soacutecrates passando de Filebo para ἢὄὁtaὄἵὁrdquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝἅἂ)έ 81 Preferimos natildeo traduzir aqui ζσΰκδ como costumeiramente fazem alguns tradutores assim como faz Muniz (2012) dentre outros como Boeri (2010) e Diegraves (1966) por exemplo Pradeau (2002) por sua vez parece se aproximar mais de uma traduccedilatildeo apropriada ao traduzir έθα ζσΰκθ ὂὁὄΝldquoaὄgumἷὀtὁrdquoέΝἓxὂliἵὁΝmaiὅΝaἶiaὀtἷΝtὁἶaviaΝὂὁὄὃuἷΝaΝtὄaἶuὦatildeὁΝἶἷὅὅἷΝtἷὄmὁΝὂὁὄΝldquotἷὅἷrdquoΝὁἵaὅiὁὀaὄiaΝumaΝmuἶaὀὦaΝἶἷΝsentido naquilo que eacute proposto por Soacutecrates nesse momento 82 Utilizo aqui fundamentalmente a traduccedilatildeo brasileira de Muniz (2012) com modificaccedilotildees sempre assinaladas em suas ocorrecircncias

79 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

de Protarco Mas o que esse uacuteltimo deveraacute contestar Como diz Soacutecrates em 11b3 Filebo

afirma (φβ δ) que

() para todos os seres vivos bom eacute o agrado o prazer o deleite e quanto for consoante com esse gecircnero Na nossa contestaccedilatildeo natildeo eacute isso mas o pensamento a inteligecircncia a memoacuteria e o que lhes for aparentado como a opiniatildeo correta e o raciociacutenio verdadeiro satildeo melhores e tecircm mais valor que o prazer para tudo quanto for capaz de tomar parte nessas coisas e essas satildeo dentre todas as coisas o que haacute de mais uacutetil para tudo o que existe que existiraacute e que possa participar delas Natildeo eacute isso mais ou menos o que cada um de noacutes afirma Prot Sim certamente Ω Φέζβίκμ η θ κ θγθ ΰαγ θ θαέ φβ δ ξαέλ δθ π δ α κδμ εα θ

κθ θ εα λοδθ εα α κ ΰΫθκγμ κτ κυ τηφκθα παλrsquoΝ η θ ηφδ ίά βηΪ δ η α α ζζα φλκθ ῖθ εα θκ ῖθ εα η ηθ γαδ εα κτ πθ α υΰΰ θ σιαθ λγ θ εα ζβγ ῖ ζκΰδ ηκτμ μ ΰ κθ μ

η έθπ εα ζ π ΰέΰθ αδ τη α δθ απ λ α θ υθα η αζαί ῖθ

γθα κῖμ η α ξ ῖθ ζ ηδηυ α κθ πΪθ πθ θαδ π δ κῖμ κ έ εα κηΫθκδμ η θ κ ξ κ π ππμ ζ ΰκη θ Φέζβί εΪ πκδ

ΠΡΩέΝΠΪθ πθΝη θΝκ θΝηΪζδ αΝ υελα μέΝ(11b4-c4)

Olhando detalhadamente Soacutecrates natildeo fala aqui do bem ( ΰαγ θ)ΝmaὅΝἶὁΝldquomἷlhὁὄΝ

ἷΝἶὁΝmaiὅΝἷxἵἷlἷὀtἷrdquoΝ( η έθπ εα ζ π83) Natildeo haacute portanto aqui contradiccedilatildeo entre os dois

discursos como nos sugere Dixsaut (2017 p 246)84 Isso natildeo exclui de antematildeo que os

prazeres natildeo sejam bons natildeo poderiacuteamos jaacute deduzir isso diante do que foi apresentado por

Soacutecrates satildeo tout court dois discursos De um lado temos Filebo que afirma irresolutamente

que todo prazer eacute bom e tudo aquilo que pertence ao mesmo gecircnero deste Por outro temos

Soacutecrates que lhe contesta dizendo que o que tem mais valor eacute o pensamento

Neste iniacutecio de diaacutelogo nos eacute dada uma hierarquia de bens haacute uma perspectiva

ldquoagὁὀalrdquoΝἷΝὀatildeὁΝldquoἶἷfiὀiἵiὁὀalrdquoΝἵὁmὁΝὅugἷὄἷΝἒixὅautΝ(2017 p 246) De antematildeo jaacute eacute possiacutevel

vislumbrar que uma dada classificaccedilatildeo estaacute por vir no decorrer da argumentaccedilatildeo mas ainda

83 Creio aqui ser conveniente reproduzir na iacutentegra o que diz Dixsaut (2017) sobre a expressatildeo utilizada ὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquoἏὃuiΝ(ἷmΝ11ἴλ)ΝἥὰἵὄatἷὅΝἷmὂὄἷgaΝumaΝfὰὄmulaΝὄitualΝἷὀἵὁὀtὄamὁὅΝaΝmἷὅmaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝnas primeiras linhas do livro VIII das LeisΝἆἀἆaμΝlsquoὁὅΝὅaἵὄifiacuteἵiὁὅΝὅἷὄὠΝmἷlhὁὄΝἷΝmaiὅΝἷxἵἷlἷὀtἷΝὂaὄaΝaΝCidade oferecer aos deuὅἷὅrsquoέΝEacuteΝὂὁὅὅiacutevἷlΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝ iὀἶiὃuἷΝaὅὅimΝὃuἷΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝ tἷmΝumaΝcaracteriacutestica sagrada para aqueles que tecircm parte com ele Mas ζ π tem em Homero simplesmente o sentido de mais desejaacutevel mais agradaacutevel e eacute nos autores traacutegicos simples comparativo de ΰαγσθrdquoΝ(p 246 n 3) 84 Tal fato confirmaria a tese de que natildeo se fala aqui do bem num sentido ontoloacutegico como na Repuacuteblica (VIIΝἃίἃἴἄ)μΝldquoἏΝmultiἶatildeὁΝfaὐΝἵὁὀὅiὅtiὄΝὁΝἴἷmΝὀὁΝὂὄaὐἷὄΝ( κθ κε ῖ θαδ ΰαγσθ) os refinados na inteligecircncia Apesar de parecidas a questatildeo que envolve o Filebo natildeo eacute a definiccedilatildeo do Bem mas a ldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἑὁmὁΝἶiὐΝἐὄavὁΝ(ἀίίλ)ΝldquoἷmΝFilebo reaparecem os mesmos candidatos embora dessa vez ὀumΝἵὁὀtἷxtὁΝὧtiἵὁrdquoΝ(ὂέΝἂ1ἀ)έ

80 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

natildeo temos contradiccedilatildeo nem mesmo exclusatildeo Parece-nos e insistimos apenas parece que

cada um encontraraacute seu lugar Por isso

() natildeo eacute de modo algum certo que o Filebo se inicie com a confrontaccedilatildeo de duas teses o conjunto do diaacutelogo testemunha muito mais o esforccedilo de Soacutecrates para transformar em tese o que precisamente natildeo eacute uma mas arrisca ser uma afirmaccedilatildeo inapreensiacutevel Mas que faria entatildeo o belo Filebo a natildeo ser enunciar uma tese hedonista Ele afirma e celebra e o que ele celebra atraveacutes da bondade do prazer eacute o valor da vida (DIXSAUT 2017 p 247)

Como jaacute dissemos anteriormente haacute uma discussatildeo claacutessica em torno dos

personagens que compotildeem o diaacutelogo visto que natildeo se encontram referenciais histoacutericos com

estes nomes (Filebo e Protarco) na eacutepoca em que Platatildeo viveu A tentativa dos comentadores

claacutessicos ateacute entatildeo fora personificar as teses ou seja encontrar na claacutessica querela

(hedonismo versus anti-hedonismo) defensores de ambas as teses Nesta visatildeo claacutessica

Filebo e Protarco seriam porta-vozes de Eudoxo de Cnidos e de Aristipo e os cirenaicos em

geral (hedonistas) e Soacutecrates por sua vez representaria (nesse primeiro momento do

diaacutelogo) Antiacutestenes (anti-hedonista porta-vὁὐΝ ὂὁὄtaὀtὁΝ ἶἷΝ umΝ ὅuὂὁὅtὁΝ ldquoiὀtἷlἷἵtualiὅmὁΝ

ὅὁἵὄὠtiἵὁrdquoΝndash ainda que como veremos mais adiante se torna pois insustentaacutevel a suposiccedilatildeo

que Soacutecrates defenda na obra um anti-hedonismo)

Sendo assim fica difiacutecil sustentar veementemente que no iniacutecio do Filebo temos

expressas posiccedilotildees ora hedonistas ora anti-hedonistas A questatildeo eacute mais complexa Isto

porque aqui a despeito dos demais diaacutelogos a questatildeo da essecircncia natildeo eacute sequer postulada

por Soacutecrates com toda clareza e seriedade Essa eacute uma das principais dificuldades levantadas

jaacute nas primeiras linhas do texto isto eacute Soacutecrates jaacute natildeo eacute mais o mesmo ou pelo menos

incialmente aquele personagem que conhecemos que jaacute deixaria notar seu questionamento

perseverante e centrado na natureza da coisa da qual fala (DIXSAUT 2017 p 248) Ο ζσΰκμ

aqui eacute contestaccedilatildeo e se espera uma resposta uma outra contestaccedilatildeo85

Mas como refutar aquilo que Filebo apenas afirma isto eacute que o prazer eacute bom E ele

afirma o oacutebvio para todos os seres vivos o bom eacute o agradaacutevel o prazer o deleite e tudo mais

que eacute semelhante a este gecircnero isto eacute que o prazer eacute bom ou ainda que satildeo bens pelos

quais todos os seres vivos anseiam Enquanto Soacutecrates faz uso dos comparativos86 ndash o que

ὁΝἶiὅtaὀἵiaὄiaΝἶὁΝldquoἵiacuteὄἵulὁΝἶὁὅΝὄἷfiὀaἶὁὅrdquoΝἶaΝRepuacuteblica ndash por discordar desde jaacute que qualquer

ὂὄivilὧgiὁΝὂὁὅὅaΝὅἷὄΝἵὁὀἵἷἶiἶὁΝὡΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝἴἷmΝὃuἷὄΝἶiὐἷὄΝldquo(έέέ)ΝἵὁmὁΝvalὁὄΝ

85 ldquoἒiaὀtἷΝἶe Filebo Soacutecrates pode aparentemente apenas refutar e Protarco vecirc a si confiada a missatildeo ἶἷΝὄἷfutaὄΝἷὅὅaΝὄἷfutaὦatildeὁέrdquoΝἢὁἶἷmὁὅΝὁἴὅἷὄvaὄΝὃuἷΝἔilἷἴὁΝὀatildeὁΝἵὁὀtἷὅtaΝὀaἶaμΝἷlἷΝafiὄmaΝ(έέέ)ΝἷΝἥὰἵὄatἷὅΝtriunfa em combater sua afirmaccedilatildeo somente quando afirma um valor mais alto ndash inventando o ὂἷὀὅamἷὀtὁΝἵὁmὁΝvalὁὄrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἂἆ)έ 86 Como tambeacutem jaacute teria sugerido Lisi (1995 p 67)

81 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

ἶὁΝ ὃualΝ ὁΝ ὂἷὀὅamἷὀtὁΝ ὄἷtiὄaὄiaΝ ὅἷuΝ valὁὄrdquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝ ἀί1ἅΝ ὂέΝ ἀἂλ)έΝ IὅtὁΝ ὧΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὅὰΝ

demonstrou que a inteligecircncia tambeacutem eacute boa justamente por esse uso dos comparativos o

pensamento a opiniatildeo correta e o raciociacutenio verdadeiro satildeo melhores e tecircm mais utilidade

que o prazer e tudo que participa dessas coisas elas satildeo e sempre seratildeo o que haacute de mais

valioso

Dito isso fica claro no curso da argumentaccedilatildeo que a inteligecircncia e o pensamento se

tornam comparaacuteveis mas natildeo de forma absoluta como na tese dos refinados da Repuacuteblica

(VI 505b) tese inaceitaacutevel por parte de Soacutecratesndash isto eacute aquela que afirma que o pensamento

(φλσθβ μ) eacute o bem ndash mas eles satildeo preferiacuteveis ao prazer Para os que participam da

inteligecircncia eles satildeo melhores (para alguns) do que o prazer poreacutem como nos diz Dixsaut

(2017) essa comparabilidade e por conseguinte preferecircncia eacute ambiacutegua e traz

consequecircὀἵiaὅΝὅimilaὄἷὅΝaὁΝὂὄaὐἷὄΝὂὁiὅΝldquo[] se eles satildeo reduzidos a desse modo proclamar

sua superioridade eacute porque a pretensatildeo do prazer possui forccedila suficiente para constrangecirc-

lὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἂλ)έΝἓὅὅaΝὅἷὄiaΝὁΝὃuἷΝaΝautὁὄaΝfὄaὀἵἷὅaΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoiὀfἷliἵiἶaἶἷrdquoΝdo pensamento

a qual teria tambeacutem por tarefa convencer os seres vivos de que necessitam muito mais dele

do que dos prazeres (DIXSAUT 2017 p 249)

No entanto como nos sugere ainda Dixsaut natildeo eacute justo afirmar que jaacute no iniacutecio diaacutelogo

tenhamos uma espeacutecie de confronto pois natildeo haacute sequer a formulaccedilatildeo de alguma questatildeo

mas diante da defesa da existecircncia de opiniotildees contraacuterias a pergunta seria se Filebo defende

uma tese peremptoriamente contra quem ele seria Soacutecrates ou Protarco87 (p 250) A

discussatildeo prossegue e Filebo demonstra sua saiacuteda do diaacutelogo dando ( δ ση θκθ) seu

discurso agrave Protarco que quando questionado sobre tal oferta pelo condutor da discussatildeo diz

ldquoὅὁuΝfὁὄὦaἶὁΝaΝaἵἷitaὄΝjὠΝὃuἷΝὁΝἴἷlὁΝὅἷΝἵaὀὅὁuΝ( π έλβε θ) (11c7-8)88rdquoέΝἏΝὄἷὀήὀἵiaΝἶἷΝἔilebo

portanto eacute uma renuacutencia ao ζσΰκμ ele estaacute exausto de falar natildeo de dizer aquilo que ele

ἶἷfἷὀἶἷΝ ldquoἷlἷΝ ἷὅtὠΝ ἷxauὅtὁΝ ἶaΝ ὂἷὄὅὂἷἵtivaΝ de falar (grifo da autora) ele estaacute exausto por

antecipaccedilatildeo do logos pelo menos daquele que Soacutecrates impocircs o uso (DIXSAUT 2017 p

250)89

87 Gosling em seu comentaacuterio geral da obra escreve nessa seccedilatildeo somos introduzidos na disputa que teria sido entre Filebo e PrὁtaὄἵὁΝὅὁἴὄἷΝὅἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὁuΝaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝὧΝὁΝἴἷmrdquoΝ(1λἅἃΝὂέΝ1ἁλ)έΝἥἷguὀἶὁΝo tradutor do diaacutelogo mais adiante como demonstraria o texto (11c7-8) Filebo teria terminado por convencer Protarco de sua tese e por isso ele a assumiria a partir daiacute a posiccedilatildeo daquele no decorrer da argumentaccedilatildeo 88 Bernadete nos chama atenccedilatildeo em sua traduccedilatildeo do diaacutelogo acerca desse verbo ( π έλβε θ)μΝldquoἓὅὅἷΝtὄὁἵaἶilhὁΝἷὀtὄἷΝldquotἷὄΝἶἷὅiὅtiἶὁrdquoΝὁuΝldquotἷὄΝὅἷΝἵaὀὅaἶὁrdquoΝ(apeirekenai) e o ilimitado (apeiron) eacute ecoada no fim do diaacutelogo (67b) com apereis (ldquovὁἵecircΝὀatildeὁΝ iὄὠΝἶἷὅiὅtiὄrdquo)έΝἥἷΝ ὄἷtὁmamὁὅΝὁΝὅigὀifiἵaἶὁΝἶὁΝvἷὄἴὁΝ eipien (falar) apeipein ὀἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁΝὅigὀifiἵaὄiaΝldquofalaὄΝatὧΝὅἷΝἷὅgὁtaὄrdquoΝ(ἐἓἤἠἏἒἓἦἓΝ1λλἁΝὂέΝἀΝὀέΝἆ) 89 ἒixὅautΝὄἷὅὅaltaΝaiὀἶaΝmaiὅΝaἶiaὀtἷΝὃuἷμΝldquoἓlἷΝ[ἔilἷἴὁ]ΝὀatildeὁΝὅἷΝὄἷtiὄaΝὂor impotecircncia em dar razatildeo ao que diz mas porque recusa submeter-ὅἷΝὡΝἷxigecircὀἵiaΝἶἷΝ lsquoἶaὄΝὄaὐatildeὁrsquordquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃί-251) Nesse sentido duas anaacutelises sobre essa recusa satildeo importantes a de Diegraves (1966) e a de Fruumlchon (1994) Diegraves salienta que para analisar o prazer numa discussatildeo racional e tambeacutem para suportar a

82 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

Dito isso parece que o problema claacutessico se dilui pelo menos agrave primeira vista pois

natildeo se trata de uma questatildeo colocada e isso nos leva a supor ndash com grande probabilidade ndash

que natildeo haacute como desejam alguns inteacuterpretes claacutessicos90 do diaacutelogo em questatildeo um diaacutelogo

anterior a esse encenado no Filebo por Platatildeo Tudo indica que haacute uma construccedilatildeo dessas

personagens (prosopografia)91 como tambeacutem se pode dizer que Filebo natildeo teria preferido

outra coisa senatildeo esse proacuteprio discurso (ζσΰκμ) proposto inicialmente por Soacutecrates

O que se vecirc entatildeo no curso da argumentaccedilatildeo satildeo raras intervenccedilotildees de Filebo92 e

mais adiante uma manifesta recusa em submeter seu discurso a um diaacutelogo com outro por

isso ao concentrar-se na avaliaccedilatildeo de um uacutenico ζσΰκμ ldquoἵὁmumrdquoΝtὁὄὀa-se necessaacuterio lembrar

que natildeo haacute teses controversas no iniacutecio do diaacutelogo mas que elas foram apenas postas em

conflito93

Natildeo existe por parte de Filebo a mesma importacircncia dada por Soacutecrates ao discurso

agrave palavra Aquilo que para Soacutecrates possui um valor de alta estima eacute o diaacutelogo para Filebo

isso natildeo merece ser venerado ser louvado O que interessa a Soacutecrates como nos diz Dixsaut

(ἀί1ἅ)ΝὧΝumΝldquo(έέέ) logos contra logosrdquoΝ(ὂέΝἀἃ1)έΝEacuteΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝζσΰκμ que conduz aonde ele quiser

(arrasta) ndash torna-se tambeacutem o condutor dessa discussatildeo Eacute ele (o ζσΰκμ comum) mais

aἶiaὀtἷΝ ὃuἷΝ ὅἷὄὠΝ iὀvὁἵaἶὁΝ ἵὁmὁΝ ldquotἷὅtἷmuὀhardquoΝ (ἃλἴ1ί-11) As oposiccedilotildees iniciais eacute que

limitaccedilatildeo progressiva e salvar da excelecircncia do prazer o que puder ser salvo integrando-se numa tese mais humana eacute imprescindiacutevel natildeo um defensor irredutiacutevel mais doacutecil e mais brando Protraco faraacute esse papel Um jovem debatedor amante da atividade dialeacutetica que para levar a seacuterio a defesa a ele confiada se faraacute mais flexiacutevel e doacutecil agraves razotildees apresentadas natildeo mais de uma forma obstinada em posiccedilotildees irrefutaacuteveis mas recuando quando necessaacuterio e prestando-se ao compromisso que permitiraacute um acordo muacutetuo sobre uma verdade compreensiacutevel e viaacutevel (1994 p 8) 90 Como por exemplo Guthrie (1978 p 1999) apesar deste autor acreditar que Filebo e Protarco satildeo personagens criados pela dramatizaccedilatildeo platocircnica em questatildeo ele ainda se pauta na contraposiccedilatildeo das teses hedonista e anti-hedonistas 91 Sobre algumas discussotildees histoacuterico-filosoacuteficas relativas agrave prosopografia desse diaacutelogo (Cf NAILS 2002 p 238 257 328-9) 92 Haacute uma primeira interferecircncia notada em 12a7-8 logo em seguida outra em 12b1-2 outra em 18a1-2 outra presente no trecho que vai de 18d3-e7 Uma outra interferecircncia estaacute presente em 22c3-4 E uma uacuteltima manifestaccedilatildeo do personagem aparece em 28b1-7 Lembremo-nos que eacute feita por Protarco uma referecircncia (15c7-λ)ΝaΝἔilἷἴὁΝ ldquoἶἷΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅἷΝἶἷvἷΝmἷxἷὄΝἵὁmΝἷlἷΝὂὁiὅΝἷlἷΝἶὁὄmἷrdquoΝ(ΠΡΩ Κα Ϊθ αμ κέθυθ η μ πσζαί υΰξπλ ῖθ κδ κτ κδα α Φέζβίκθ rsquoΝ πμ ελΪ δ κθ π θ θ π λπ θ α η εδθ ῖθ ε έη θκθ) Os tradutores natildeo traduzem a questatildeo da mesma maneira Muniz

(ἀί1ἀ)Ν tὄaἶuὐΝ ldquoὃuἷmΝ ἷὅtὠΝ ὃuiἷtὁrdquoνΝ ἒiegraveὅΝ (1λἄἄ)Ν ldquoaΝ ὂὄὁὂὰὅitὁΝ ἶaὃuἷlἷΝ ὃuἷΝ ἶὁὄmἷrdquoνΝ ἢὄaἶἷauΝ (ἀίίἀ)ΝldquoalguὧmΝὃuἷΝἶὁὄmἷΝtὄaὀὃuilamἷὀtἷrdquoνΝἐὁἷὄiΝ(ἀί1ἀ)ΝldquoὃuἷmΝὅἷΝἷὀἵὁὀtὄaΝἴἷm-disposto Hackforth (1945) ldquoὁΝἶἷixἷmὁὅΝἶὁὄmiὄΝtὄaὀὃuilamἷὀtἷrdquoνΝἐἷὄὀaἶἷtἷΝ(1λλἁ)ΝldquojὠΝὃuἷΝἷlἷΝἷὅtὠΝἴἷm-posto sentado da forma ἵὁmὁΝἷὅtὠrdquoΝἷΝἕὁὅliὀgΝ(1λἅἃ)ΝldquoὅἷὄiaΝmἷlhὁὄΝἶἷixa-lo dormir 93 ἑfέΝἒixὅautΝ(ἀί1ἅ)μΝldquoἏΝamphisbetesis comeccedilaria entatildeo quando comeccedila o Filebo a discussatildeo tendo como condiccedilatildeo de possibilidade a colocaccedilatildeo em oposiccedilatildeo por Soacutecrates dos dois logoi no interior de um logos comum ndash e que seacute eacute o que eacute por essecircncia de um dialeghesthai (p 251)

83 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

inauguram a possibilidade de uma controveacutersia desse ζσΰκμ comum do qual nem Filebo nem

Soacutecrates satildeo mestres (DIXSAUT 2017 p 251-252)94

O discurso de Filebo eacute apenas constatativo e nada mais O que explicaria mais adiante

sua necessidade em purificar-se de qualquer impiedade e invocar como testemunho a proacutepria

ἶἷuὅaμΝ ldquoEacuteΝvἷὄdade mas pouco me importa pois eu me purifico de qualquer impiedade e

ἵὁmὁΝtἷὅtἷmuὀhaΝiὀvὁἵὁΝagὁὄaΝaΝὂὄὰὂὄiaΝἶἷuὅardquoΝ(1ἀἴ1-3)95 Note-se que mais adiante (28b1)

o sentido dessa invocaccedilatildeo se torna mais compreensiacutevel Filebo natildeo exorta mas atesta que

SoacutecὄatἷὅΝ tamἴὧmΝ iὀvὁἵaΝ aΝ ὅuaΝ ὂὄὰὂὄiaΝ ἶἷuὅaμΝ ldquoEacuteΝ ὃuἷΝ tuΝ vἷὀἷὄaὅΝ tuaΝ ὂὄὰὂὄiaΝ ἶἷuὅaΝ

ἥὰἵὄatἷὅrdquo96 Teria Filebo ndash nessa sua uacuteltima apariccedilatildeo no diaacutelogo ndash o que eacute digno de nota

exortado ou mesmo censurado ou se sentido incomodado de algo que ele mesmo teria

realizado no iniacutecio do diaacutelogo (12b1-3)

Sobre isso Dixsaut (2017) nos sugere que o suposto tom exortativo natildeo passa de

ldquofaὀtaὅiaΝἶὁὅΝtὄaἶutὁὄἷὅ97 Soacutecrates venera sua deusa justamente porque assim como Filebo

ele reconhece sua existecircncia experimenta semelhante temor Soacute por isso ele tambeacutem se

fosse o caso poderia cometer sacrileacutegio No entanto o mesmo Soacutecrates relembra que Filebo

faὐΝὁΝmἷὅmὁΝἷΝὧΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὧΝὃuἷΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝldquofalaὄrdquo98 Poreacutem o uso da expressatildeo confunde

natildeo somente os claacutessicos tradutores mas tambeacutem o proacuteprio Protarco (28c1-5) Soacutecrates

ἷxὂliἵaΝaΝὅἷuΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄΝὃuἷΝaὂἷὀaὅΝuὅὁΝἶὁΝtὁmΝὂiἷἶὁὅὁΝὅἷὀatildeὁΝὂaὄaΝldquoἴὄiὀἵaὄrdquo99 (p 253) Ou

ὅἷjaΝὧΝaὂἷὀaὅΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝiὄὲὀiἵaΝὃuἷΝἷὅὅaΝldquoglὁὄifiἵaὦatildeὁrdquoΝἥὁἵὄὠtiἵaΝtἷmΝὅἷὀtiἶὁΝaὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝ

de Filebo para quem a ironia natildeo tem valor algum ndash haja vista como jaacute dissemos ele recusar

colocar-se a serviccedilo daquele ζσΰκμ comum e que nesse momento jaacute natildeo eacute mais contestaccedilatildeo

nem pode ser devido aos conteuacutedos (que veremos mais adiante) da discussatildeo pois a

94 ἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὅἷΝiὀὅiὅtἷμΝldquoaΝafiὄmaὦatildeὁΝἶἷΝἔilἷἴὁΝὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝfalaὀἶὁΝὅὰΝὅἷΝtὁὄὀaΝuma tese no interior da oposiccedilatildeo instituiacuteda por Soacutecrates a qual ela mesma soacute tem sentido no interior de um logos no qual toda afirmaccedilatildeo deve ser examinada e encontra-se submetida agrave jurisdiccedilatildeo de um discurso racional que exige que prestemos conta de todo enuὀἵiaἶὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃἀ)έ 95 ΦΙΛέΝrsquoΝ ζβγ ζΫΰ δμ ζζα ΰ λ φκ δκ ηαδ εα ηαλ τλκηαδ θ θ θ γ σθ (12b1-3) 96 ΦΙΛ ηθτθ δμ ΰ λ υελα μ θ αυ κ γ σθ (28b1) 97 Segundo a autora o uso da partiacutecula ΰ λ natildeo sugere como se pode verificar em outros casos assentimento ou rejeiccedilatildeo mas justifica a linguagem utilizada eacute testemunho de compreensatildeo Por isso Filebo daria razatildeo (e natildeo reprovaria) o tom empregado por Soacutecrates Censura e irritaccedilatildeo seriam fantasia dos tradutores e nesse conjunto ela insere vaacuterios tradutores do diaacutelogo (Diegraves Hackforth Robin Bernadete) (DIXSAUT 2017 p 252-253) 98 ἠὁὅὅὁΝtὄaἶutὁὄΝἴὄaὅilἷiὄὁΝεuὀiὐΝ(ἀί1ἀ)ΝiὄὠΝtὄaἶuὐiὄΝldquoἷὀtὄἷtaὀtὁΝὧΝὂὄἷἵiὅὁΝὄἷὅὂὁὀἶἷὄΝaΝὃuἷὅtatildeὁrdquoΝ( rsquoΝλπ υη θκθ ηπμ ηῖθ ζ ε Ϋκθ Sobre esse uacuteltimo termo (ζ ε Ϋκθ) Dixsaut (2017) nos explica que ele

significa falar eacute isso que eacute necessaacuterio falar e natildeo venerar Contudo Filebo eacute impermeaacutevel ao sentido que Soacutecrates utiliza o tom de louvor isto eacute ironicamente Por isso Filebo se recusaria a obeceder Soacutecrates conforme sugerido por Protarco (28b4-ἃ)μΝ ldquoἤἷἵuὅaὀἶὁΝ ἷὀtatildeὁΝ ὁΝ ἵὁὀὅἷlhὁΝ ἶἷΝἢὄὁtaὄἵὁΝ ἶἷΝldquoὁἴἷἶἷἵἷὄΝaΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝndash de glorificar para rir e de se dobrar a esse logos imperativo que se prescreve a si mesmo como uacutenico imperativo verdadeiro ndash Filebo delega novamente a palavra e cala-se ἶἷfiὀitivamἷὀtἷrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃἁ)έ 99 ἑfέΝἀἆἵἁμΝldquo ηθτθπθ θ πα α δθ γκλτίβ αrdquoέ

84 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

contestaccedilatildeo ou os dois discursos jaacute adquiram o estatuto de teses postas em diaacutelogo ou seja

ironia e dialeacutetica (perguntar e responder) jaacute foram acordados em relaccedilatildeo agraves teses postas em

diaacutelogo

Por isso concluiria a autora francesa ao afirmar que

Eacute realmente redutor compreender seu silecircncio como o feito de um ldquohἷἶὁὀiὅmὁΝἶὁgmὠtiἵὁΝἵὁmΝὁΝὃualΝὧΝimὂὁὅὅiacutevἷlΝἶiὅἵutiὄrdquo100 pois isso recai em negar a existecircncia de uma palavra diferente que natildeo se absteacutem de discutir porque seria dogmaacutetica mas porque falar eacute tambeacutem exprimir celebrar cantar (2017 p 253)

Note-se que o ζσΰκμ de Filebo ndash e sobre isso eacute necessaacuterio insistir ndash eacute a afirmaccedilatildeo

daquilo que os proacuteprios seres vivos (e aqui se inclui natildeo apenas os homens) de que o prazer

eacute bomΝἷΝἶiὅὅὁΝὀatildeὁΝhὠΝὃuἷmΝἶuviἶἷέΝldquo() Valor incontestaacutevel da proacutepria vida que se esvai no

khairein [alegrar-ὅἷ]ΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝviἶardquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃἂ)έΝἏΝfὁὄmaΝἵὁmὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἵὁὀἶuὐΝ

o discurso de Filebo no diaacutelogo a ponto de fazecirc-lo falar mesmo apoacutes ele ter manifestado sua

recusa em submeter-se agrave discussatildeo e consequente avaliaccedilatildeo do que proclama eacute ao mesmo

tempo haacutebil sutil e surpreendente A inversatildeo eacute tatildeo clara mas muitos estudiosos de pronto

pretenderam classificar Filebo como um tiacutepico hedonista irresoluto inversatildeo (socraacutetica) que

propriamente acontece gradualmente101

ἏlgὁΝὄἷlἷvaὀtἷΝἷΝὃuἷΝtamἴὧmΝmἷὄἷἵἷΝὅἷὄΝὄἷtὁmaἶὁΝὧΝὁΝuὅὁΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquoἴὁmrdquoΝ( ΰαγ θ)

o qual difere daquele que eacute ldquoὁΝἴἷmrdquoΝ( ΰαγ θ) que soacute seraacute utilizado por Soacutecrates mais adiante

(em 14b1-7) e posteriormente na evidente alteraccedilatildeo do discurso enunciado por Filebo

100 Essa concepccedilatildeo seria a de Gadamer por exemplo como nos mostra a autora (Cf GADAMER 1983 p 164-165) 101 Dixsaut faz um interessante levantamento das passagens em que as muitas versotildees do discurso enunciado por Filebo aparece (i) a comeccedilar pela proacutepria afirmaccedilatildeo de 11b4-6 jaacute anteriormente desenvolvida (ii) passando por 19c6-8 em que Protarco afirma que para Filebo o que eacute melhor eacute o prazer e coisas do tipo (iii) e em 60a7-b1 seria para a autora o momento em que claramente o discurso de Filebo eacute alterado pois Soacutecrates diz que conforme aquele o prazer natildeo eacute apenas a meta de vida dos seres vivos mas que ele eacute o bem ( ΰαγ θ) para todas as coisas de tal modo que os nomes prazer e bem se confundiriam a ponto de tratarem de uma soacute coisa (iv) e jaacute em 66d7-8 ao final do diaacutelogo esta tese teria sido novamente expressa (e totalmente alterada) quando Soacutecrates afirma que Filebo propotildee que qualquer prazer de qualquer tipo eacute o bem (novamente o uso do termo ΰαγ θ) Concordo com a teoacuterica francesa que exista um manejo do ζσΰκμ de Filebo por Soacutecrates ou melhor uma alteraccedilatildeo sutil mas passiacutevel de identificaccedilatildeo no decorrer do texto No entanto discordo que a formulaccedilatildeo da tese e aiacute sim tese de Filebo soacute esteja presente em 60a7-b1 pois isso dificultaria o ἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtὁΝἶaὅΝἶiὅἵuὅὅὴἷὅΝὃuἷΝὅἷΝὅuἵἷἶἷmΝἷmΝtὁὄὀὁΝἶaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝεἷΝὂaὄἷἵἷΝὃuἷΝaΝautὁὄaΝὀatildeὁΝse ateve aὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝiὀἶiὄἷtὁΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝ1ἂἴ1ΝἷΝὁΝuὅὁΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝldquoὁΝἴἷmrdquoΝ( ΰαγ θ) o que implicitamente jaacute deixa entrever que Soacutecrates pretende tornar a tese de Filebo a de um hedonismo ἷxtὄἷmaἶὁέΝVἷjamὁὅΝὁΝὃuἷΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoἥὁἵέμΝἐἷmΝἢὄὁtaὄἵὁΝὅἷmΝὁἵultaὄΝἷὀtatildeὁ a diferenccedila entre a tua e a minha mas expondo-a agrave visatildeo de todos vamos ousar ver se ao serem examinadas podem elas nos indicar se devemos chamar de bem ( ΰαγ θ) o prazer de bem ou o pensamento ou uma terceira coisa Pois certamente agora natildeo entramos nessa disputa para dar vitoacuteria ao que eu defendo ou ao que tu ἶἷfἷὀἶἷὅέΝἒἷvἷmὁὅΝὅimΝἵὁmἴatἷὄΝjuὀtὁὅΝἷΝaliaἶὁὅΝaὁΝmaiὅΝvἷὄἶaἶἷiὄὁrdquoΝ(1ἂἴ1-b7)

85 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

(60a7b1 66d7-8) um fato curioso e que durante muitos seacuteculos instigou uma seacuterie de

comentadores do diaacutelogo Bury (1897) teria escrito uma nota adicional (n 6 p 2) retratando-

se por ter afirmado que ( ΰαγ θ) natildeo seria o bem mas que a posiccedilatildeo enfaacutetica do termo

justificaria a ausecircncia do artigo sua posiccedilatildeo eacute baseada nas afirmaccedilotildees de Stallbaum (1855)

e Badham (1820) Shorey (1908) considera a omissatildeo do artigo como um exemplo do que ele

nomeia (seguido de Wilamὁwitὐ)ΝἶἷΝldquoὅatildeΝiὀἶifἷὄἷὀὦardquoΝἶὁΝἷὅtilὁΝgὄἷgὁέΝἓὅὅaΝὂaὄἷἵἷΝtἷὄΝὅiἶὁΝaΝ

visatildeo da maioria de que natildeo faria diferenccedila entender os dois sentidos em que cada termo eacute

empregado traduzindo-os como idecircnticos ainda que estes sejam apresentados de formas

distintas Isto porque em alguns contextos anaacutelogos encontrariacuteamos ou natildeo encontrariacuteamosa

presenccedila do artigo ou permaneceriacuteamos em duacutevida102 sobre seu uso103 Paul Friedlaumlnder eacute

um dos grandes responsaacuteveis por uma compreensatildeo mais exata no seacuteculo XX104 desta

primeira parte do diaacutelogo sobretudo sobre a questatildeo do Bem Segundo o autor a recusa

102 Para alguns autores como Migliori (1998 p 51) em 13e6 natildeo estaria claro se haacute ou natildeo o uso do artigo isso porque anteriormente Soacutecrates teria utilizado ΰαγΪ mas ainda no mesmo excerto o ὅigὀifiἵaἶὁΝὂaὄἷἵἷΝὅἷὄΝἵlaὄamἷὀtἷΝὁΝἶἷΝldquoἴἷὀὅrdquoΝἷΝὀatildeὁΝἶἷΝldquoὁΝἴἷmrdquoέΝἡΝὃuἷΝatἷὅtaὄiaΝὃuἷΝmaiὅΝumaΝvἷὐΝὀatildeὁΝὅἷΝfalaΝἶὁΝὃuἷΝὧΝldquoὁΝἴἷmrdquoΝmaὅΝἶὁΝldquoἴὁmrdquoΝὁuΝmἷlhὁὄΝἶὁὅΝἴἷὀὅΝὂὁὄὃuἷΝὅἷΝvὁltaΝaΝutiliὐaὄΝὁΝtἷὄmὁΝ ΰαγσθ sem o artigo (Cf 13e5-7) 103 Essa eacute a visatildeo de Migliori (1998) como ele mesmo expressa em uma nota (n1 p 51) em seu vasto e importante comentaacuterio sobre o Filebo Poreacutem eacute necessaacuterio notar que sua visatildeo tambeacutem eacute centrada na defesa das duas teses iniciais do diaacutelogo aquela em que Filebo seria um hedonista extremado e Soacutecrates defenderia a inteligecircncia com o Bem Ele crecirc na contestaccedilatildeo de duas teses e tenta personifica-las historicamente Vale lembrar que o autor eacute um defensor e partidaacuterio da leitura esoterista de Platatildeo isto eacute da busca pelo excursus filosoacutefico presente na tradiccedilatildeo platocircnica indireta Para os partidaacuterios dessa leitura o Filebo eacute um diaacutelogo importante pois nele teriacuteamos mais alguns apontamentos e esclarecimentos sobre a Ideia do Bem ἷΝὅὁἴὄἷΝὁΝὃuἷΝὅἷΝἵὁὀvἷὀἵiὁὀὁuΝἵhamaὄΝldquoἦἷὁὄiaΝἶὁὅΝἢὄiὀἵiacuteὂiὁὅrdquoέΝOs representantes da Escola Tuumlbingen-Milatildeo como se convencionou chamar os adeptos desta visatildeo interpretativa baseiam-se amplamente no testemunho aristoteacutelico da Metafiacutesica sobre a existecircncia nos diaacutelogos de uma suposta defesa por parte de Platatildeo de dois princiacutepios o Bem e a Diacuteade-Indeterminada Esta teoria ganharia respaldo no Filebo segundo creem estes estudiosos porque neste diaacutelogo Limite e Ilimitado satildeo princiacutepios adotados por Platatildeo ao partir de sua anaacutelise da realidade O Filebo tἷὄiaΝaὅὅimΝumaΝὄἷlaὦatildeὁΝἶiὄἷtaΝἵὁmΝaὅΝἵhamaἶaὅΝldquoἶὁutὄiὀaὅΝὀatildeὁ-escritaὅΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝὅὁἴὄἷtuἶὁΝtambeacutem por que elas remontariam ao que disse o neoplatocircnico Porfiacuterio retratado por Simpliacutecio em seu Comentaacuterio agrave Fiacutesica de Aristoacuteteles (Sobre isso ver Migliori (1998) e Perine (2014)) O projeto original de nossa pesquisa seguia pela mesma linha ao tentar estabelecer as relaccedilotildees entre as noccedilotildees desenvolvidas por Platatildeo acerca do Bem tanto na Repuacuteblica quanto no Filebo principalmente neste uacuteltimo diaacutelogo em relaccedilatildeo com a tradiccedilatildeo indireta platocircnica No entanto no curso de nossas leituras optamos por abandonar esse tipo de interpretaccedilatildeo e partirmos para uma leitura propriamente eacutetica (moral) do prazer no Filebo ἷΝὅuaΝἵὁὀὅἷὃuἷὀtἷΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἶaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝiὅtὁΝὧΝὄἷfὁὄmulaὄΝὀὁὅὅaΝviὅatildeὁΝinterpretativa do diaacutelogo adotando outros pontos de vista que natildeo esses dos esoteristas Fato no entanto que lamentamos e deixamos a cargo de outros pesquisadores que se interessam nessa reconstruccedilatildeo das ambiguidades ou supostas incompletudes presentes nos diaacutelogos Por ora permanecemos distante dessa interpretaccedilatildeo (extremamente relevante ao platonismo) por questotildees pessoais e acadecircmicas Portanto expresso aqui as concepccedilotildees relativas ao bem no que tangem ao bem pensado num sentido estritamente humano Sobre isso falarei mais adiante no decorrer de nossa anaacutelise do diaacutelogo no qual o tema reaparece 104 A primeira versatildeo (ediccedilatildeo) do seu Platone data de 1928

86 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

platocircnica de em um primeiro momento utilizar o artigo natildeo eacute desprovida de significado isto eacute

banal soacute depois de descrever o contraste entre as duas visotildees eacute que Soacutecrates emprega em

14b1 o artigo para referir-se ao bem105 (2004 p 1052)

Ora seria possiacutevel dizer que a pura afirmaccedilatildeo de Filebo jaacute estaria contida nos

enunciados discursivos postos desde o iniacutecio A resposta soacute pode ser um inequiacutevoco natildeo

Platatildeo atribui ao discurso de Filebo algo que ele natildeo possui desde o iniacutecio mas apenas

deixaria entrever isso eacute o que torna possiacutevel a modificaccedilatildeo total em 60a daquele ζσΰκμ do

primeiro interlocutor o uacutenico que por sinal ele aprova eacute aquele contido nas primeiras linhas

da obra (11b4-5) Uma primeira alteraccedilatildeo eacute realizada por Protarco (19c6-8) e soacute

posteriormente Filebo se torna o tatildeo sonhado hedonista dos claacutessicos inteacuterpretes

A afirmaccedilatildeo de Filebo e sua consequente assimilaccedilatildeo ao hedonismo radical encontra

sustentaccedilatildeo na possiacutevel aproximaccedilatildeo entre Filebo e Eudoxo106 Para ambos o prazer eacute bom

mas Eudoxo natildeo diz que todos os seres buscam o prazer ou que devam buscaacute-lo Na

alteraccedilatildeo operada por Soacutecrates Filebo assim como Eudoxo deve dizer que todos os seres

vivos devem buscar obter o prazer logo como todos os seres tendem ao bem o prazer seria

o bem par excellence elegiacutevel diante de qualquer um outro O que justificaria tal escolha

Note-se que do aspecto de pura contestaccedilatildeo passa-se diretamente ao aspecto normativo que

diz respeito agrave melhor das vidas possiacuteveis e natildeo apenas eacute ressaltada por Soacutecrates a

identidade entre prazer e bem indevidamente atribuiacuteda a Filebo Soacute deste modo seria possiacutevel

105 ldquoἓὅtaΝὂaὅὅagἷmΝἶὁΝaἶjἷtivὁΝ[ἴὁm]ΝaὁΝὅuἴὅtaὀtivὁΝ[ἴἷm]ΝὀatildeὁΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝἵaὅualέΝἢὄὁtaὄἵὁΝtἷὄiaΝuὅaἶὁΝerroneamente um termo chave cujo uso devia ser habitual no ciacuterculo platocircnico ao menos na eacutepoca em que teria sido lida e discutida a Repuacuteblica (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1052) 106 ἏὄiὅtὰtἷlἷὅΝὀὁὅΝἶiὐμΝldquoἓuἶὁxὁΝὂἷὀὅavaΝὃuἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἷὄaΝὁΝἴἷmΝὂἷlὁΝfatὁΝἶἷΝvἷὄΝtuἶὁΝndash tanto seres capazes de razatildeo como seres incapazes dela ndash a esforccedilar-se por obtecirc-lo e porque em todas as situaccedilotildees possiacuteveis o que se escolhe eacute sempre o melhor de tudo E o que se escolhe incondicionalmente eacute o mais poderoso dos bens O fato entatildeo de tudo se movimentar numa mesma determinada direccedilatildeo parece indicar que isso seraacute o melhor de tudo para todos os seres (porque cada um descobre o bem para si proacuteprio tal como acontece com a descoberta da alimentaccedilatildeo adequada) mas o que eacute o bem para todos e portanto objetivo final que todos se esforccedilam para obter eacute o bem supremo Estes enunciados eram convincentes mas mais pela excelecircncia do seu caraacuteter do que propriamente por si proacuteprios porque [Eudoxo] era tido por algueacutem extraordinariamente temperado E assim dava a impressatildeo de falar natildeo enquanto amigo do prazer mas tal como as coisas se passam na realidade Pensava tambeacutem que a sua teoria natildeo era menos evidente em consideraccedilatildeo da tese oposta isto eacute que o sofrimento eacute algo que deve ser evitado por todos seguindo a sua proacutepria essecircncia e que por conseguinte o prazer tem que ser rejeitado Na verdade o que pode ser escolhido de uma forma incondicional natildeo eacute o que escolhemos por qualquer outro motivo a natildeo ser graccedilas a si proacuteprio Uma tal coisa eacute o prazer tal como eacute geralmente aceite pois a ningueacutem se pergunta em vista do que eacute que sente prazer porque o prazer eacute uma escolha absoluta pela sua proacutepria essecircncia Portanto se o prazer for acrescentado a qualquer dos bens faz deles uma escolha mais preferencial por exemplo ao ser acrescentado ao cumprimento da justiccedila ou da temperanccedila isto eacute aumenta o que de si jaacute tem uma caracteriacutestica de bem (EN X 1172b9-25)

87 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

que o discurso de Filebo se prestasse ao diaacutelogo agrave refutaccedilatildeo isto eacute quando formulado

conforme uma tese Insisto natildeo se afirma que o prazer eacute o bom mas que bem eacute prazer

ἥὰἵὄatἷὅΝ ἷmὂὄἷὅtaΝ aΝ ἔilἷἴὁΝ aΝ ldquotἷὅἷΝ ἶaΝ multiἶatildeὁrdquoΝ ( κῖμ η θ πκζζκῖμ)107 presente na

Repuacuteblica (VI 505b7-8)108 assim como teria feito tambeacutem Goacutergias no diaacutelogo homocircnimo

(494e9-499b8) a fim de natildeo incorrer em contradiccedilatildeo chega a afirmar a identidade entre bem

e prazer Esse artifiacutecio natildeo eacute novo ele se repete no Filebo da mesma maneira embora os

motivos para a rejeiccedilatildeo dessa identidade por Soacutecrates sejam distintos em ambos os diaacutelogos

como tambeacutem o satildeo na Repuacuteblica pois os contextos dialoacutegicos tambeacutem satildeo distintos

ἑὁmὁΝ ἴἷmΝ ὁἴὅἷὄvaΝ ἒixὅautΝ (ἀί1ἅ)Ν ldquoaὅΝ ἶuaὅΝ fὰὄmulaὅΝ iὀtἷὄmἷἶiὠὄiaὅΝ ὂἷὄmitiὄamΝ

transformar a afirmaccedilatildeo de Filebo quanto agrave bondade do prazer em uma (maacute) definiccedilatildeo do

ἴὁmrdquoΝ(ὂέΝἀἃἅ)έΝΝἡΝὅἷὀtiἶὁΝὧΝaltἷὄaἶὁΝὁΝὂὄaὐἷὄΝjὠΝὀatildeὁΝὁἵuὂaΝuὀiἵamἷὀtἷΝumΝἷὅtatutὁΝἶἷΝvalὁὄΝ

mas eacute posto como o valor uacutenico dos viventes109 Todo o discurso de Filebo estaacute inserido no

curso da discussatildeo e eacute modificado por Soacutecrates (haacutebil Platatildeo) a ponto de se estabelecerem

claramente as duas teses e os seus respectivos e distintos partidaacuterios a fim de cumprir a

ἷxigecircὀἵiaΝὄἷὃuiὅitaἶaΝἶἷΝἢὄὁtaὄἵὁΝἶἷΝὃuἷΝfὁὅὅἷmΝἵὁlὁἵaἶaὅΝἷmΝldquoὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝamἴaὅΝaὅΝ

teses (14a6-9)

Nas esclarecedoras palavras de Dixsaut

Podemos sem duacutevida censurar muitas coisas a Platatildeo mas certamente natildeo uma falta de sutilidade no manejo do logos Portanto eacute improvaacutevel que essa seacuterie de transformaccedilotildees conduza a uma reviravolta uacuteltima seja de sua parte inconsciente e involuntaacuteria Se Filebo natildeo quer falar com Soacutecrates Soacutecrates natildeo pode falar com Filebo mas pode fazecirc-lo falar e fazendo isso trazer agrave tona natildeo o que afirma Filebo mas o que segundo Soacutecrates Filebo quer dizer (2017 p 257)

Eacute necessaacuterio ainda acrescentar que o abrupto iniacutecio do diaacutelogo se deve em parte agrave

afirmaccedilatildeo de Filebo que natildeo deixa de ser apesar disso uma afirmaccedilatildeo da proacutepria vida da

proacutepria vontade de viver o sagrado gozo que marca a vida O prazer eacute bom porque sobretudo

eacute por meio dele que a vida eacute gerada transmitida e intensificada Seria isso que Soacutecrates

deveria combater mas a iminecircncia de um novo conflito insuperaacutevel o conduz a postular algo

como melhor ( λδ κθ 19c6 65b1-2) partilhada por aqueles dentre noacutes ( θ παλ ηῖθ 11a2)

107 Em 67b3 o discurso invertido de Filebo recebe a conotaccedilatildeo daquele da maioria e o termo utilizado ὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὧΝldquoκ πκζζκ rdquoέΝ 108 ldquoἢaὄaΝaΝmultidatildeo o bem parece ser o prazer enquanto para os refinados eacute o pensamento ( κῖμ η θ πκζζκῖμ κθ κε ῖ θαδ Ϊΰαγσθ κῖμ ξκηφκ Ϋλκδμ φλ θ δμrdquoΝ(Rep VI 505b7-8) 109 ldquoἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὧΝ imὂὁὄtaὀtἷΝ ὄἷὅὅaltaὄΝ aὅΝ ἵὁὀὅiἶἷὄaὦὴἷὅΝ ἶἷΝ IὄwiὀΝ (1λλἃ)μΝ ldquoaὁΝ aὄgumἷὀtaὄΝ ἵὁὀtὄaΝ aΝalegaccedilatildeo de prazer para ser o bem Soacutecrates insiste na diversidade de prazeres (12c-d) e afirma que aὅΝὃuἷὅtὴἷὅΝiὀiἵiaiὅΝὅὁἴὄἷΝὁΝvalὁὄΝἶὁΝlsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝ(ὀὁΝὅiὀgulaὄ)Νἶeve ser reconsiderado uma vez que temos umaΝiἶἷiaΝmaiὅΝἵlaὄaΝἶὁὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝὅἷuὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝvalὁὄἷὅrdquoΝ(ὂέΝἁ1ἆ-319)

88 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ὀἷὅtἷΝ ldquoὀὰὅrdquoΝ ἷlἷΝ ὅἷΝ iὀἵluiΝ aὃuἷlἷὅΝ ὃuἷΝ ὂaὄtiἵiὂamΝ ἶὁΝ ὂἷὀὅamἷὀtὁΝ ἷΝ ὃuἷΝ fὁὄamΝ ὂὁὄΝ ἷlἷΝ

educados110

O discurso de Soacutecrates eacute um discurso eacutetico e encontra-se direcionado a determinada

espeacutecie de vida a dos homens natildeo aquele da multidatildeo mas agravequeles inspirados pela forccedila

da Musa filosoacutefica (67b6) Isso significa que o homem natildeo eacute soacute mais um dentre as plantas e

os animais o homem exaltado por Soacutecrates fora educado pela inteligecircncia por isso natildeo pode

aceitar a tese da multidatildeo O discurso de Soacutecrates eacute restritivo mas o de Filebo (finalmente)

ultrapassa uma extensatildeo permissiacutevel Ao dizer que tudo que eacute bom eacute agradaacutevel natildeo se firma

uma identidade entre o bem e o agradaacutevel (bom) Contudo ao se afirmar essa identidade eacute

necessaacuterio admitir que todos os viventes participariam do mesmo gecircnero do prazer natildeo eacute a

hierarquia que nega qualquer diferenccedila entre as espeacutecies de prazer e entre as espeacutecies de

seres vivos mas a extensatildeo maacutexima dessa afirmaccedilatildeo111

Sendo assim jaacute podemos rejeitar a hipoacutetese de um diaacutelogo acadecircmico entre hedonistas

e anti-hedonistas Satildeo modos de viver que satildeo rejeitados em detrimento de outros e

novamente a relaccedilatildeo entre dialeacutetica e bem eacute assumida no diaacutelogo poreacutem de uma outra

maὀἷiὄaΝ ἷlaΝ ὧΝ iὀὅἷὄiἶaΝ ὀὁΝ ἶiὠlὁgὁΝ ὅὁἴὄἷΝ aΝ ldquoviἶaΝ ἴὁardquoΝ ὁuΝ ὡΝ mἷlhὁὄΝ ἶaὅΝ vidas possiacuteveis

enquanto uma vida humana Eacute o valor (no singular) que se atribuem aos imprescindiacuteveis

valores que uma vida humana deve possuir que estaacute em jogo na discussatildeo estabelecida Por

isso soacute cabe a esse diaacutelogo tomar uma nova direccedilatildeo logo apoacutes serem contestas as

afirmaccedilotildees (iniciais) simeacutetricas de Soacutecrates e de Filebo

Outra questatildeo a ser tomada das primeiras linhas do Filebo eacute a sequecircncia de termos

utilizadas por Filebo e por Soacutecrates para referirem-se aquele prazer e este ao pensamento

Na sequecircncia utilizada por Filebo satildeo notados ( εαέλ δθ εα θ κθ θ εα Ϋλοδθ 11b4-5

κθ θ εα Ϋλοδθ εα εαλ θΝ1λἵἅ)ΝἵὁmὁΝtuἶὁΝldquoὁΝὃuἷΝfὁὄΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝaΝἷὅὅἷΝgecircὀἷὄὁrdquoΝ( α κ

ΰΫθκυμ κτ κυ τηφπθα 11b5-ἄ)ΝἷΝldquoἵὁiὅaὅΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁrdquoΝ(εα πΪθγrsquoΝ πκ α κδα rsquoΝ έ

19c7-8) Podemos como nos sugere Bravo (2009) crer que Platatildeo estava atento a essa

problemaacutetica de caraacuteter semacircntico (p 36)112 Mas ao mesmo tempo o que vemos no diaacutelogo

110 ldquoἒἷὅἵὁὀhἷἵἷὄΝἷὅὅἷΝἶἷὅlὁἵamἷὀtὁΝὧΝὅἷὄΝiὀὅἷὀὅiacutevἷlΝὡΝiὄὁὀiaΝἶὁΝFilebo que esconde um discurso no interior de outro aquele acessiacutevel somente aos filoacutesofos no interior daquele feito para convencer os hὁmἷὀὅΝἶἷΝὃuἷΝἷlἷὅΝὀatildeὁΝὅatildeὁΝὅὁmἷὀtἷΝaὀimaiὅrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃλ)έ 111 Cf DIXSAUT (2017 p 258) 112 Bravo (2009) nos lembra a paciente anaacutelise de Migliori (1998 p 539ss) detida na verificaccedilatildeo em todo o diaacutelogo das ocorrecircncias desses diversos termos anteriormente apontados que poderiam causar alguma diferenciaccedilatildeo semacircntica (por parte de Platatildeo) entre os diversos termos hedocircnicos Bravo ainda nos lembra que essa distinccedilatildeo jaacute eacute apresentada por Platatildeo no diaacutelogo Protaacutegoras (337c2-4) pois o sofista Proacutedico de Ceos fazia uma distinccedilatildeo baseado na alegria proacutepria dos ouvintes de uma ἶἷtἷὄmiὀaἶaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἵὁmὁΝldquoaὃuἷlaΝὃuἷΝὅἷΝἷxὂἷὄimἷὀtaΝaὁΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝalgumaΝἵὁiὅaΝἷΝὂaὄtiἵiὂaὄΝda reflexatildeo que pἷὄtἷὀἵἷΝ aὂἷὀaὅΝ aὁΝ ὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝ ( φλαέθ γαδ η θ ΰ λ δθ ηαθγΪθκθ Ϊ δ εαῖ φλκθά πμ η ζαηίΪθκθ α α δαθκέ )ΝldquoἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἶaΝἵὁmiἶaΝὃuἷΝὅἷΝἷὅgὁtaΝὀὁὅΝὅἷὀtiἶὁὅΝiὅtὁΝὧΝὧΝὂὄὁἶuὐiἶὁΝuὀiἵamἷὀtἷΝὂἷlὁΝἵὁὄὂὁrdquoΝ( γαδ γέκθ Ϊ δ ζζκ πΪ ξκθ α α υηα δ) O

89 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

eacute uma esmagadora vitoacuteria do termo κθά113 O que significa por outro lado que por mais

que Platatildeo seja acusado de imprecisatildeo terminoloacutegica ele natildeo deixa de dedicar atenccedilatildeo aos

esforccedilos de Proacutedico O que nos leva a concluir apoacutes tal anaacutelise seguindo pelas constataccedilotildees

de Bravo (2009) e Dixsaut (2017) que natildeo haacute vestiacutegios de uma confusatildeo especiacutefica poreacutem

Platatildeo natildeo parece inclinado a distinguir com termos apropriados as diferentes formas de

prazer (Bravo 2009 p 37) Por isso eacute rejeitada por Platatildeo tal distinccedilatildeo ou melhor lhe parece

desnecessaacuteria isso natildeo significa que ele natildeo esteja atento a esta diferenciaccedilatildeo mas elas natildeo

estariam implicadas na afirmaccedilatildeo de Filebo isto eacute estes termos nem satildeo sinocircnimos nem

espeacutecies diferentes mas o discurso de Filebo retoma modulaccedilotildees de uma mesma experiecircncia

(a prazerosa) e agrave sua plenitude Como nos explica Dixsaut (2017) elas se adicionam sem

ὃualὃuἷὄΝἷὅὂἷἵifiἵaὦatildeὁΝὁuΝmἷlhὁὄΝἷὅtatildeὁΝἷmΝldquouὀiacuteὅὅὁὀὁrdquoΝ(ὂέΝἀἄ1)έ

E quanto agrave sequecircncia de Soacutecrates Existe algum sentido especiacutefico na sequecircncia de

termos por ele adotado em seu discurso VἷjamὁὅέΝἓmΝ11ἴἄΝὁΝldquoὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝaΝldquoiὀtἷligecircὀἵiaΝ

ldquomἷmὰὄiardquoΝ( φλκθ ῖθ εα θκ ῖθ εα η ηθ γαδ)ΝἷΝldquotuἶὁΝmaiὅΝὁΝὃuἷΝlhἷὅΝfὁὄΝaὂaὄἷὀtaἶὁrdquoΝ(εα

κτ πθ α γΰΰ θ 11b6-ἅ)ΝἷΝὁΝὃuἷΝὄἷὅultaΝἶiὅὅὁμΝldquoὁὂiὀiatildeὁΝἵὁὄὄἷtardquoΝἷΝldquoὄaἵiὁἵiacuteὀiὁΝvἷὄἶaἶἷiὄὁrdquoΝ

( σιαθ λγ θ εα ζβγ ῖμ ζκΰδ ηκτμ 11b8) Ao contraacuterio de Filebo a seacuterie de termos de

Soacutecrates varia como se pode notar em 19d4-ἃΝ aὂaὄἷἵἷmΝ aΝ ldquoἵiecircὀἵiardquoΝ ( πδ άηβθ) a

ldquoἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁrdquoΝ( τθ δθ) e a arte ( Ϋξθβθ) satildeo tambeacutem resultados obtidos via inteligecircncia

(θκ θ) ausenta-se entretanto o termo φλσθβ δμ Em 21a14-15 somam-se ao pensamento

tom irocircnico utilizado por Platatildeo no diaacutelogo nos impediria de confirmar se tal distinccedilatildeo realmente era feita por Proacutedico Poreacutem haacute um testemunho de Aristoacuteteles (Toacutep II 112b22-24) que parece confirmar tal distinccedilatildeo seja num caraacuteter linguiacutestiἵὁΝὅἷjaΝὀumΝἵaὄὠtἷὄΝὁὀtὁlὰgiἵὁμΝldquoἢὄὰἶiἵὁΝἶiviἶiaΝὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝ( μ

κθΪμ) em gozo (ξαλΪ) deleite ( Ϋλοδμ) e alegria ( φλκ τθβ)rdquoΝ (Toacutep II 112b22-24) Poreacutem o estagirita natildeo aceita esta distinccedilatildeo como tambeacutem parece que Platatildeo natildeo a aceita pois todos satildeo nomes do proacuteprio prazer e esses diferentes termos satildeo aplicados atendendo as diferenccedilas puramente acidentais Bravo ainda associa estas ocorrecircncias a duas conclusotildees (i) a frequecircncia e a diversidade dos termos demonstra por um lado a importacircncia do prazer entre os gregos (ii) como tambeacutem atesta a sua problematicidade (do prazer) agrave medida em que eacute tomado como objeto de reflexatildeo (Bravo 2009 p 36-37) A mesma lista de ocorrecircncias eacute feita por Bernadete (1993) como ela deixa transparecer em uma nota (n 3) assim como tambeacutem faz referecircncia a Proacutedico no Protaacutegoras e agrave citaccedilatildeo aristoteacutelica contida nos Toacutepicos (Cf Bernadete 1993 p 1) e o que se verifica eacute a predominacircncia de κθά no diaacutelogo (244 vezes) Agraves mesmas conclusotildees chega Benitez (1999 p 339 n1) 113 ldquoHedoneacute de fato proveacutem do radical indo europeu suad que estaacute relacionado a uma famiacutelia de termos cujo significado originalmente concerne a tudo que eacute agradaacutevel ao paladar ou pode tornar-se agradaacutevel para ele Desse radical deriva hedyacutes doce e o termo suumlszlig que em alematildeo tem o mesmo significado A essa famiacutelia pertence tambeacutem a palavra latina suavis que significa igualmente doce e em um sentido mais estrito designa o gozo dos sentidos e o que se usufruiu por meio dos sentidos Por isso em latim pode-se dizer por exemplo suavitas odorum e em termos mais gerais os prazeres do corpo satildeo designados com o plural suavitatesrdquoΝ(ἑfέΝἔἓἤεἏἠIΝἀί1ἃΝὂέΝ1ἀἃΝὀέ1ἂ)έΝἢaὄaΝumaΝaὀὠliὅἷΝmais detalhada da semacircntica que envolve o termo (Cf BRAVO 2009 p 31-37)

90 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

(φλκθ ῖθ) o fato de conceber (θκ ῖθ) e calcular (ζκΰέα γαδ)114 Note-se que estamos diante

tanto de faculdades quanto de atividades como tambeacutem do que resulta disso O termo chave

aqui parece ser φλσθβ δμ115 que parece ser o mais recorrente Soacutecrates diz em 11d9 11e3

114 Em 21b6-ἅΝὀὁvamἷὀtἷΝldquoaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝaΝmἷmὰὄiaΝaΝἵiecircὀἵiaΝἷΝaΝὁὂiὀiatildeὁΝvἷὄἶaἶἷiὄardquoΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝem 60d4-ἃέΝ (ldquoθκ θ εα ηθάηβθ εα πδ άηβθ εα ζβγ σιαθ () ζβγ 21b6-ἅνΝ ldquoηθάηβθ εα φλσθβ δθ εα πδ άηβθ εα ζβγ σιαθ 6660d4-5) 115 Esse termo eacute digno de atenccedilatildeo e merece toda uma atenccedilatildeo por parte dos inteacuterpretes O termo φλσθβ δμ pode ser compreendido em sentidos distintos apesar de estabelecerem entre si alguma relaccedilatildeo Neste caso seria necessaacuterio como defende Dixsaut (1997) adotar um outro princiacutepio de classificaccedilatildeo que deixaria de lado qualquer suposiccedilatildeo que acredite que o sentido do termo tenha muἶaἶὁΝἶuὄaὀtἷΝaὅΝὁἴὄaὅΝ(ἷvὁluἵiὁὀiὅtaΝὁuΝἵὄὁὀὁlὰgiἵa)ΝmaὅΝὁΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶaὅΝldquoἵὁὀὅtἷlaὦὴἷὅrdquoΝὂὁἶἷὄiaΝnos dirigir a um melhor resultado Como o termo se encontra associado a alguns outros conceitos um pequeno nuacutemero de constelaccedilotildees permitiria uma classificaccedilatildeo das ocorrecircncias aceitaacuteveis (p 336) ἓὅὅἷΝ tἷὄmὁΝ ὂὁὄtaὀtὁΝ ἷὅtaὄiaΝ iὀἵluiacuteἶὁΝ ὀἷὅὅaὅΝ tὄecircὅΝ ldquoἵὁὀὅtἷlaὦὴἷὅrdquoΝ (ὁuΝ ldquofamiacuteliaὅrdquoΝ ὁuΝ ldquoἵamὂὁὅΝὅἷmacircὀtiἵὁὅrdquoΝὁuΝldquoὅigὀifiἵaὀtἷὅrdquoΝἵὁmὁΝἶiὐΝἦὁὄἶὁ-Rombaut (1999 p 193 n 1) a(o)s quais seriam (i) a inteligecircncia e o inteligiacutevel (ii) a vida e alma (iii) o valor e a virtude Φλσθ δμ seria utilizado por Platatildeo nesses trecircs sentidos em alguns diaacutelogos apenas em uma conotaccedilatildeo em outros em duas delas e em outros nos trecircs sentidos (como eacute o caso do Filebo) (DIXSAUT 1997 p 336-351) No entanto somente no Feacutedon possuiacutemos uma explicaccedilatildeo mais detalhada da vastidatildeo conceitual que esse termo apresenta ἡΝὅἷὀtiἶὁΝὃuἷΝmἷΝiὀtἷὄἷὅὅaΝaὃuiΝἷΝὃuἷΝaἵὄἷἶitὁΝtἷὄΝumΝldquoὂἷὅὁΝmaiὁὄrdquoΝὀaΝὀὁὅὅaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶὁΝFilebo eacute o sentido propriamente moral (ou axioloacutegico) ao qual o termo possa ser efetivamente relacionado iὅtὁΝὧΝὀὁΝὃuἷΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἶaΝviἶaΝἴὁaΝὂaὄtiἵulaὄmἷὀtἷΝὀaΝatὄiἴuiὦatildeὁΝἵὁὄὄἷtaΝἶὁΝldquovalὁὄΝἴὁmrdquoΝ(ou bem) a uma vida enquanto propriamente uma vida humana Concepccedilatildeo expressa natildeo somente em alguns trechos do Filebo (11b7 12a dentre outros a despeito de tambeacutem em algumas passagens estar relacionado aos outros sentidos de φλσθ δμ) mas que pode ser lida jaacute no Feacutedon na seguinte passagem em que ὁΝtἷὄmὁΝὧΝἷxὂὄἷὅὅὁΝὂἷlaΝmἷtὠfὁὄaΝἶaΝΟmὁἷἶaΝἶἷΝtὄὁἵardquoμΝὀὁΝFeacutedon onde o sentido da φλσθ δμ ὅἷΝtὁὄὀaΝmaiὅΝἵlaὄὁΝἶiὐΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquo(έέέ)ΝὀaΝvἷὄἶaἶἷΝἷxἵἷlἷὀtἷΝἥiacutemiaὅΝtalvἷὐΝὀatildeὁΝὅἷjaΝἷmΝface da virtude um procedimento correto trocar assim prazeres por prazeres sofrimentos por sofrimentos um receio por um receio o maior pelo menor tal como se se tratasse de uma simples troca de moedas Talvez ao contraacuterio exista aqui apenas uma moeda de real valor e em troca pela qual tudo o mais deva ser oferecido a sabeἶὁὄiardquo (Ὦ ηαε λδ Νδηη αΝη ΰ λΝκ ξΝα βΝᾖ λγ πλ μΝ

λ θΝ ζζαΰ κθ μΝπλ μΝ κθ μΝεα ζ παμΝπλ μΝζ παμΝεα φ ίκθΝπλ μΝφ ίκθΝεα αζζ γαδΝ[εα ]Νη απΝπλ μΝ ζ πΝ π λΝθκη ηα αΝ ζζ᾽ ᾖ ε ῖθκΝη θκθΝ θ ηδ ηαΝ λγ θΝ θ κ ῖ π θ αΝα αΝεα αζζ γαδΝφ ό η ι ) (Feacuted 69a) Como bem explica Bossi (2008 p 238) e tambeacutem Gosling

ΤΝἦaylὁὄΝ(1λἆἀΝὂέΝλἀ)ΝaΝmἷtὠfὁὄaΝἶaΝldquomὁἷἶaΝἶἷΝtὄὁἵardquoΝὀatildeὁΝὅigὀifiἵaΝaὂἷὀaὅΝaΝtὄὁἵaΝἶἷΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝἶὁὄἷὅΝpor inteligecircncia (como uma espeacutecie de opccedilatildeo por uma vida asceacutetica) mas antes de tudo significa que a vida filosoacutefica ou melhor o exerciacutecio do filoacutesofo consiste natildeo na reduccedilatildeo ou acreacutescimo de prazeres e sim na seleccedilatildeo segundo um uacutenico e verdadeiro criteacuterio ndash que natildeo a quantidade ndash mas o valor qualitativo dos prazeres atribuiacutedo pela razatildeo uacutenica e verdadeira moeda de troca Por isso o uso da expressatildeo grega (η φλκθά πμ) em 62b logo apoacutes a passagem acima citada a construccedilatildeo (meta + genitivo) soacute poderaacute indicar natildeo os meios utilizados na execuccedilatildeo de uma accedilatildeo mas sim o(s) modo(s) ou a(s) circunstacircncia(s) de uma accedilatildeo Isso implica que natildeo se pode compreender o significado da ὂaὅὅagἷmΝ ἵὁmὁΝ ldquoἵὁmὂὄaὀἶὁΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ἷmΝ tὄὁἵaΝ ἶἷΝ iὀtἷligecircὀἵiardquoΝ maὅΝ ldquoἵὁmὂὄaὀἶὁΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝiὀtἷligἷὀtἷmἷὀtἷrdquoΝ(ἑfέΝἕἡἥἜIἠἕΝΤΝἦἏYἜἡἤΝ1λἆἀΝὂέΝλἀ)έΝPodemos bem resumir o sentido que nos iὀtἷὄἷὅὅaΝaὁΝὄἷὅὅaltaὄΝaὃuiΝὁΝuὅὁΝἶἷὅὅἷΝldquogecircὀἷὄὁrdquoΝὃuἷΝφλσθ δμ faz referecircncia particularmente no que ἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝὃuἷὅtatildeὁΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἵὁmΝὁΝὃuἷΝἶiὐΝεaὄὃuἷὅΝ(ἀί1ἄ)μΝldquoPhronesis natildeo eacute mera competecircncia teacutecnica nem estrateacutegia praacutetica mas ambiente ou contexto de ressignificaccedilatildeo atitude reflexiva filosofia compreendida como esforccedilo e busca argumentada no sentido de se compreender as implicaccedilotildees ontoloacutegicas subjacentes as determinaccedilotildees que justificam diferentes valὁὄaὦὴἷὅΝἶἷΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝἶὁὄἷὅrdquoΝ(p 257) Sobre isso cf SOUZA (2016 p183-202) e BENITEZ (1999 p 339ss)

91 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

ὃuἷΝὀaΝἶiὅὂutaΝaἵἷὄἵaΝἶaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝὅἷὄiaΝaΝἶiὅὂὁsiccedilatildeo de pensar ou a vida de pensamento

ὃuἷΝὂaὄἷἵἷΝὅἷὄΝὅuὂἷὄiὁὄΝἷΝὁὅΝtἷὄmὁὅΝὄἷὅὂἷἵtivamἷὀtἷΝutiliὐaἶὁὅΝὅatildeὁμΝldquoφλσθ ῖθrdquoΝἷΝldquoφλκθά πμrdquoέΝ

Em determinados momentos da obra platocircnica esse termo eacute apenas contado entre outros

mas aqui ele estaacute em consonacircncia com abordagem mais detalhada e criteriosa do termo que

aparece no Feacutedon Ela eacute um gecircnero que reuacutene todas essas atividades e Soacutecrates atenta-se

em especificaacute-las (Cf 19b 21b9 20 60c-d) ela apresenta-se como rival agrave vida de prazer

Φλ θ δμ recobre no diaacutelogo essa vastidatildeo de sentidos seja de inteligecircncia (contato com

essecircncias com o que sempre eacute) seja de forma de consciecircncia (de si ou da realidade) como

tambeacutem aquele sentido relacionado agrave virtude e ao valor Todos os termos da lista socraacutetica

satildeo ditὁὅΝ ὂἷlὁΝ ὂὄὰὂὄiὁΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ἵὁmὁΝ ldquoaὂaὄἷὀtaἶὁὅrdquoΝ ( υΰΰ θ 11b8) que ora significaratildeo

momentos de uma determinada gecircnese na qual a memoacuteria eacute quem conduz agrave inteligecircncia ora

como espeacutecies propriamente ditas de um mesmo gecircnero Tudo dependeraacute dos objetivos da

anaacutelise em questatildeo principalmente no tocante agrave anaacutelise dos prazeres (verdeirosfalsos

purosimpuros bonsmaus) o que geraria certa confusatildeo entre os inteacutepretes numa primeira

leitura raacutepida do diaacutelogo Eacute o que detecta Benitez

No campo adversaacuterio [sic O de Soacutecrates] noacutes reencontramos φλκθ ῖθ θκ ῖθ η ηθ γαδ σιαθ λγ θ ε ζβγ ῖμ ζκΰδ ηκτμ (note-se que πδ άηβ natildeo aparece nesse momento) Novamente gostariacuteamos que em seguida esses elementos fossem distinguidos e ordenados Platatildeo parece decido a reuni-los Em conjunto os verbos φλσθ ῖθ e θκ ῖθ satildeo utilizados indiferentemente no Filebo e o mesmo vale para os substantivos correspondentes φλσθ δμ e θκ μ A vida defendida por Soacutecrates eacute descrita tanto com uma ίέκμ κ θκ μ quanto como uma ίέκμ μ φλκθά πμ sem que qualquer distinccedilatildeo seja feita Por duas vezes Soacutecrates exige que memoacuteria e caacutelculo raciocinado sejam excluiacutedos da vida de prazer porque eles satildeo componentes da vida intelectual e somente dela (21a-c 60d) Essa confusatildeo cria certos problemas espiacuterito inteligecircncia e saber diferem um do outro a memoacuteria que encontra-se ligada a ela natildeo eacute no entanto idecircntica a nenhum daqueles e nem mesmo a opiniatildeo reta e o raciociacutenio verdadeiro (1999 p 339)

No momento conveacutem apenas destacar que a memoacuteria eacute ζκΰκμ enquanto

conservaccedilatildeo da sensaccedilatildeo como tambeacutem a opiniatildeo verdadeira116 sobre sua efetiva percepccedilatildeo

(consciecircncia) de estar sentido prazer Portanto elas se opotildeem ao raciociacutenio (ζκΰδ ησμ) assim

como este somado agraves outras duas se opotildeem agrave intelecccedilatildeo que diz respeito apenas ao

inteligiacutevel Todavia como observa Dixsaut (2017) a contrariedade presente no gecircnero que

constitui a φλσθ δμ natildeo exclui esse proacuteprio pertencimento a um mesmo gecircnero isto egrave ao do

116 ἑὁὀἵὁὄἶὁΝὀἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁΝἵὁmΝὁΝὃuἷΝὂὁὅtulaΝἑaὅἷὄtaὀὁμΝldquoὂaὄἷἵἷ-me que nestes passos a opiniatildeo verdadeira agrave qual se faz referecircncia num primeiro sentido eacute simplesmente a consciecircncia do gozar Como tal eacute distinta da opiniatildeo verdadeira que entra em jogo dialeacutetico com a ciecircncia a episteme que aὂaὄἷἵἷΝἷmΝὁutὄὁὅΝἵὁὀtἷxtὁὅΝἶialὧtiἵὁὅrdquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝ1λί)έ

92 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

intelecto O que dista do discurso de Filebo do de Soacutecrates eacute que a seacuterie terminoloacutegica daquele

soa em consonacircncia ao passo que a desse eacute vaacuteria e perfeitamente definiacutevel Aspecto como

veremos totalmente contestado por Soacutecrates jaacute que aquilo que Filebo postula como uacutenico

pode apresentar natildeo somente alteraccedilotildees de qualidade como tambeacutem de intensidade

inumeraacuteveis (DIXSAUT 2017 p 263)

A possibilidade adotada por Soacutecrates de inserir seu discurso em uma notaccedilatildeo temporal

(memoacuteria passado raciociacutenio (ζκΰδ ησμ) futuro) confronta-se com o discurso de Filebo

desprovido de uma notaccedilatildeo tal O prazer eacute incapaz de previsatildeo pois sua base assenta-se na

experiecircncia imediata do agradaacutevel Passamos entatildeo do comparativo ao superlativo uma vez

ὃuἷΝὂaὄtiἵiὂaὄΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὧΝὁΝὃuἷΝhὠΝἶἷΝldquomaiὅΝvaὀtajὁὅὁrdquoΝὅἷguὀἶὁΝἥὰἵὄatἷὅΝiὅtὁΝὂὁὄὃuἷΝ

ele eacute capaz de se inserir na dinacircmica do proacuteprio tempo pelos mecanismos diversos envolvidos

na proacutepria dimensatildeo (humana) que eacute capaz de participar da φλσθ δμ seja pelo recurso da

memoacuteria (passado) pela opiniatildeo verdadeira (resoluccedilatildeo das decisotildees praacuteticas do presente) e

pelo raciociacutenio (caacutelculo e a previsatildeo do futuro)

Nesse sentido eacute necessaacuterio que Filebo se distancie da argumentaccedilatildeo que permaneccedila

calado de tal modo de que as questotildees atribuiacutedas a ele sejam agora dirigidas a Protarco O

prazer natildeo combate nem ao menos eacute derrotado como vemos no decorrer do diaacutelogo ele

apenas se isenta do combate e por isso triunfa sem combater Como nos lembra Dixsaut

(2017) os versos da Iliacuteada de Homero proferidos por Diomedes agrave Afrodite estando uacuteltima

ferida pela lanccedila enquanto Diomedes a procurava no campo de batalha117 Diante disso eacute

possiacutevel notar que o prazer triunfa sem combater e se ele adere a luta eacute vencido

A mudanccedila dos discursos iniciais parece ter iniacutecio quando Soacutecrates assim diz

Soc Entatildeo eacute preciso que a verdade ( αθ ζβγΫμ) sobre esse assunto (π λ α θ λσπ ) seja por todos os meios delimitada (π λαθγ θαδ) Prot Sim eacute preciso Soc Vamos laacute entatildeo Com relaccedilatildeo a isso entremos em acordo ( δκηκζκΰβ υη γα) sobre mais um ponto Prot Qual Soc Que agora cada um de noacutes tentaraacute indicar o estado e a disposiccedilatildeo da alma ( ιδθ ουξ μ εα δΪγ δθ capaz de fornecer a todos os homens ( θ

υθαηΫθβθ θγλυπκδμ) uma vida feliz (π δ θ ίέκθ αέηκθα) Natildeo eacute assim Prot Assim mesmo (11c9-d7)

117 A autora refere-ὅἷΝaὁΝὅἷguiὀtἷΝvἷὄὅὁμΝ ldquoἓxἵlamὁuΝἵὁmΝ fὁrte Diomedes corajosa em seu grito de guerra ndash Retira-te filha de Zeus do combate e da luta Acaso natildeo te basta enganar (triunfar) as fraacutegeis mulheres Se tu pretendes frequentar a batalha creio que estremeceraacutes apenas em ouvir mencionaacute-la em um qualquer lugar (Hom Il 2 5 347-351)

93 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

Permanecer naquele conflito anterior dos dois discursos soacute incorreria novamente em

impasse em aporia Apenas com a mudanccedila de interlocutor eacute possiacutevel esse acordo118 a

primeira exigecircncia (banal) de se atingir a verdade119 sobre esses pontos muda a direccedilatildeo do

iὀὃuὧὄitὁΝ ὅἷὄὠΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ ἵὁmὁΝ ὀὁὅΝ ἶiὐΝ ἒiegraveὅΝ (1λἄἄ)Ν umΝ ldquoaἶvὁgaἶὁΝmaiὅΝ ἶὰἵilrdquoΝ (ὂέΝ ἆ) No

ἷὀtaὀtὁΝὧΝἷὅὅaΝmἷὅmaΝἴaὀaliἶaἶἷΝὃuἷΝtὁὄὀaΝὂὁὅὅiacutevἷlΝaΝavaliaὦatildeὁΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝὅuaΝldquovἷὄἶaἶἷΝ

ὁuΝfalὅiἶaἶἷrdquo120 A luta se instaura natildeo para que venccedilam um ou outro discurso ou teses como

ὂὄἷfἷὄἷmΝ alguὀὅΝ maὅΝ ὂaὄaΝ avἷὄiguaὄΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὧΝ ldquomaiὅΝ vἷὄἶaἶἷiὄὁrdquoΝ ὧΝ ὃuἷΝ se deve combater

118 Creio que esse acordo deva ser lido em dois sentidos se recuperarmos o sentido que ele desempenha na filosofia platocircnica Primeiramente eacute necessaacuterio sair do impasse e para tal conciliar os discursos e colocaacute-los em um ζσΰκμ uacutenico eacute o que pressupotildee qualquer discussatildeo No entanto esse sentido do acordo tambeacutem eacute colaborativo natildeo basta apenas submeter-ὅἷΝaὁΝἶiὠlὁgὁΝmaὅΝtamἴὧmΝldquoἶaὄΝὄaὐatildeὁrdquoΝὡὃuilὁΝὃuἷΝὧΝἶitὁΝὄἷἵὁὀhἷἵἷὀἶὁΝaὅΝὂὄiὀἵiὂaiὅΝiὀἵὁἷὄecircὀἵiaὅΝὃuἷΝὅἷuΝἶiὅἵuὄὅὁΝὂὁὅὅa a vir a sofrer nesse mesmo processo diaacutelogico Dito de outro modo eacute tambeacutem imprescindiacutevel no curso da aὄgumἷὀtaὦatildeὁΝldquoἷὅtaὄΝἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁὀὅigὁΝmἷὅmὁrdquoΝtἷὄΝὄἷalΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἶaὃuilὁΝὃuἷΝὧΝ(ἷΝaὃuiΝὅim)ΝumaΝtese e que deve entatildeo ser defendida enquanto se eacute um interlocutor no processo dialoacutegico (Basta retomamos o sentido do ηκζκΰ δθ em alguns dos demais diaacutelogos Ver Goacuterg (461b 468e 482d 487e 472b-c474a5 495a5-9) e Teet (154e1 171d5) que atestam essa dupla especificidade do acordo) Sobre isso tambeacutemΝὧΝiὀtἷὄἷὅὅaὀtἷΝὄἷtὁmaὄΝὁΝὃuἷΝἶiὐΝἐὁἷὄiΝ(ἀί1ἀ)μΝldquoἷὅtἷΝὧΝumΝὁutὄὁΝdictum crucial para Platatildeo desde os primeiros diaacutelogos os acordos (homologiacuteai) entre os falantes que pressupotildeem qualquer discussatildeo e a coerecircncia ou consistecircncia (homologia) do discurso e os acordos (homologiacuteai) preacutevios que pressupotildeem qualquer diaacutelogo () o requisito da coerecircncia eacute o que possibilita mostrar que algueacutem estaacute em contradiccedilatildeo () por isso eacute que no argumento dialoacutegico natildeo faz mal tomar como testemunha um terceiro poreacutem basta tomar por testemunha o proacuteprio loacutegos Em um verdadeiro diaacutelogo ὁΝἶἷἵiὅivὁΝὀatildeὁΝὧΝὃuἷΝὁὅΝfalaὀtἷὅΝἷὅtἷjamΝlsquoὅἷΝtἷὅtaὀἶὁrsquoΝuὀὅΝaὁὅΝὁutὄὁὅΝ(έέέ)ΝmaὅΝὃuἷΝὅἷjamΝἵaὂaὐἷὅΝἶἷΝmanter a coerecircncia de seus argumentos e que sobretudo sejam capazes de revisar suas posiccedilotildees se o exame dialeacutetico assim o requerer Uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que o diaacutelogo funcione eacute que cada interlocutor sempre diga o que lhe parece ser verdade () Se a disposiccedilatildeo de conservar uma atitude de colaboraccedilatildeo diante do diaacutelogo se elimina natildeo pode haver progresso na conversaccedilatildeo filosoacutefica e no processo educativo de que tal conversaccedilatildeo eacute uma parte decisiva O recusar-se a responder aὂὄὁὂὄiaἶamἷὀtἷΝὃuaὀἶὁΝalguὧmΝὧΝiὀtἷὄὄὁgaἶὁΝὧΝaἵὁmὂaὀhaἶὁΝὂὁὄΝumΝἵἷὄtὁΝlsquoἷὅὂiacuteὄitὁΝἶἷΝiὄὁὀiarsquoΝὃuἷΝcaracteriza as teacutecnicas sofiacutesticas de discussatildeo como opostas agraves filosoacuteficas Quem estaacute disposto a ὄἷὅὂὁὀἶἷὄΝ aὂὄὁὂὄiaἶamἷὀtἷΝ aὁΝ ἵὁὀtὄὠὄiὁΝ lἷvaΝ aΝ ὅὧὄiὁΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ ὂἷὄguὀtaνΝ ἷὅtἷΝ lsquolἷvaὄΝ aΝ ὅὧὄiὁrsquoΝ aΝconversaccedilatildeo natildeo apenas significa considerar seriamente a tese discutida e o assunto da discussatildeo mas tambeacutem ndash e talvez o que eacute o mais importante ndash ser consciente do fato de que algueacutem deve se fazer responsaacutevel daquilo que se nega de suas proacuteprias afirmaccedilotildees (esse eacute o modo de conservar a homologia no diaacutelogo) as quais pressupotildeem como ὂὁὀtὁΝ ἶἷΝ ὂaὄtiἶaΝ ἵἷὄtὁὅΝ ldquoaἵὁὄἶὁὅrdquoΝ imὂliacuteἵitaΝ ὁuΝἷxὂliἵitamἷὀtἷΝaἵἷitὁὅΝὂἷlὁὅΝfalaὀtἷὅrdquoΝ(ὂέΝ1ἃλΝὀέΝἀ)έ 119 ἑὁmὁΝἶiὐΝἑaὅἷὄtaὀὁμΝldquoἠumΝἵὁὀtἷxtὁΝἶialὰgiἵὁΝiἶἷalΝἵaἶaΝἶialὁgaἶὁὄΝaὂὄἷὅἷὀta-se como portador de uma verdade sua na qual acredita e que defende com argumentos loacutegicos contra a tese do outro participante do diaacutelogo Natildeo haacute portanto no iniacutecio uma verdade jaacute dada com a qual se medir mas haacute mais do que uma verdade e elas se enfrentam num plano por assim dizer de paridade Soacute no final se obteraacute (se obtiver) um acordo entre as teses contrapostas e se estabeleceraacute qual eacute o discurso verdadeiro que poderaacute ser de um ou do outro dialogador ou poderaacute ser tambeacutem uma terceira tese encontrada e justificada no interior do diaacutelogo vivo que se desenvolveu entre eles como eacute o caso precisamente do FilebordquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝ1ἆἄ)έ 120 ἠaὅΝ ἴἷlaὅΝ ὂalavὄaὅΝ ἶἷΝ ἒixὅautμΝ ldquoἓὀtatildeὁΝ ἷlἷΝ [sic Protarco] a isto a vida a alegria de viver se encontraraacute submetida e subordinada ao conhecimento agrave dialeacutetica e agrave vontade de verdade Eros contra ἷὄὁὅμΝaὃuἷlἷΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὀatildeὁΝὧΝmἷὀὁὅΝtἷὄὄiacutevἷlΝὃuἷΝaὃuἷlἷΝἶἷΝἔilἷἴὁrdquoΝ(ἀί1ἅΝὂέΝἀἄἃ-266)

94 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

conjuntamente e esse discurso soacute se torna mais estaacutevel por intermeacutedio do acordo

(CASERTANO 2010 p 188)121 Eacute sob essa carateriacutestica que aqui podemos chamaacute-la

sineacutergica122 que se funda o diaacutelogo e que dista da pura disputa eriacutestica como nos mostraraacute

Soacutecrates mais adiante no diaacutelogo (15a-16b)

Fica claro a partir daqui a restriccedilatildeo de Soacutecrates feita ao debate que se dirige agora

ἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝὀatildeὁΝaΝldquotὁἶὁὅΝὁὅΝὅἷὄἷὅrdquoΝ(ἶἷὀtὄἷΝἷlἷὅΝaὀimaiὅ plantas) mas agrave vida humana

tatildeo somente A pergunta ὅἷΝἵaὄaἵtἷὄiὐaΝὂὁὄΝ tἷὀtaὄΝ iὀἶiἵaὄΝὁΝldquoἷὅtaἶὁrdquoΝ( ιδθ)ΝἷΝaΝldquoἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝ

( δΪγ δθ) da alma (ουξ μ)ΝὃuἷΝὅἷὄὠΝἵaὂaὐΝἶἷΝὂὄὁὂὁὄἵiὁὀaὄΝaὁὅΝhὁmἷὀὅΝaΝldquoviἶaΝfἷliὐrdquoΝ(ίέκθ

αέηκθα) Basta lembrar que o homem eacute o ser que participa da inteligecircncia que reside na

alma Este eacute um primeiro aspecto a ser considerado123

Um segundo aspecto importante eacute evitar conflitos inuacuteteis visto que a discussatildeo sobre

o bem jaacute teria gerado impasses em outros momentos Basta relembrarmos a discussatildeo da

Repuacuteblica (aqui jaacute citada) em que nem mesmo a inteligecircncia nem mesmo o prazer possuem

os requisitos necessaacuterios para serem tidos como o bem (R VII 505b6) Esse bem agora deve

ser uma outra coisa124 como jaacute nos adianta Soacutecrates (11d11) e que ficaraacute mais claro do que

ὅἷΝ tὄataΝ ἷὅὅaΝ ldquotἷὄἵἷiὄaΝ ἵὁiὅardquoΝ ὀὁΝ ἶἷἵὁὄὄἷὄΝ ἶaΝ aὄgumἷὀtaὦatildeὁ125 Poreacutem natildeo haacute outros

concorrentes aleacutem da inteligecircncia e do prazer Se natildeo haacute como afirmarmos com veemecircncia o

ὃuἷΝὅἷjaΝὁΝἴἷmΝὃuἷΝὂἷlὁΝmἷὀὁὅΝὂὁὅὅamὁὅΝἶiὐἷὄΝὀὁΝὃuἷΝἵὁὀὅiὅtἷΝaΝldquoViἶaΝἴὁardquoΝἷΝὁΝὃuἷΝfaὐΝ

com que ela seja portadora desse qualificativo ou seja o que a torna uma vida realmente

boa Natildeo se trata entretanto de eliminar ou derrotar os dois discursos mas de colocar ambos

me perspectiva analisaacuteveis sob o domiacutenio do ζ ΰκμ126

121 ldquoἑὁmὁΝὅἷΝvecircΝtὁἶὁὅΝὁὅΝἵaὄaἵtἷὄἷὅΝἶὁΝἶialὁgaὄΝὅὁἵὄὠtiἵὁ-platocircnico tal como foram estabelecidos nos ἶiὠlὁgὁὅΝἶitὁὅΝlsquoὅὁἵὄὠtiἵὁὅrsquoΝndash a coragem do exame a refutaccedilatildeo que tem como fim natildeo a vitoacuteria eriacutestica mas uma investigaccedilatildeo em comum a concoacuterdia que torna estaacutevel o resultado concordado ndash satildeo tambeacutem aqui no Platatildeo maduro plenamente confirmados A verdade e natildeo a φδζκθδεέα constitui sempre o horizonte e o fim do diaacutelogὁrdquoΝ(ἑἏἥἓἤἦἏἠἡΝἀί1ίΝὂέΝ1ἆἆ)έ 122 ldquoἡΝ ἶiὠlὁgὁΝ ὀatildeὁΝ ὅἷὄὠΝ ὂὁὄtaὀtὁΝ umΝ ἵὁmἴatἷΝ maὅΝ umaΝ vἷὄἶaἶἷiὄaΝ ἴuὅἵaΝ ἷmΝ ἵὁmumΝ viὅaὀἶὁΝexaminar o problema em-ὅiΝἷΝaΝἵὁὀὅtὄuiὄΝumaΝὂὁὅiὦatildeὁΝἵὁὄὄἷtardquoΝ(ἒἓἜἑἡεεIἠἓἦἦἓΝἀίίἄΝὂέΝἁλ)έ 123 ldquoἏΝ ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝ ὅἷΝ iὀiἵiaΝ ἷmΝ umΝ ὀiacutevἷlΝ ὃuἷΝ ὂὄἷὅὅuὂὴἷὅΝ aΝ lὁἵaliὐaὦatildeὁΝ ἶὁΝ ἴἷmΝ ὀaΝ almardquoΝ(DELCOMMINETTE 2006 p 37) 124 Σ δμΝελ έ πθΝ κτ πθΝφαθ (11d11) 125 Notomi (2010) relembra essa mesma perspectiva presente tambeacutem no Sofista (250b7-ἶἂ)μΝldquoIὅὅὁΝὀὁὅΝlembra um argumento semelhante no sofista A investigaccedilatildeo direta sobre o ser fica presa Tanto o movimento como o resto satildeo mas ser natildeo eacute movimento nem descanso devemos procurar uma tἷὄἵἷiὄaΝἵὁiὅaΝaὁΝlaἶὁΝἶὁὅΝἶὁiὅrdquoΝ(ὂέΝἅἆ)έ 126 ldquoἥἷΝ ἶifiἵilmἷὀtἷΝ ὂὁἶἷmὁὅΝ ἶaὄΝ umaΝ ὄἷὅὂὁὅtaΝ ἶiὄἷtaΝ ὡΝ ὂἷὄguὀtaΝ aὀtἷὄiὁὄΝ ὃual dos dois eacute o bem inteligecircncia ou prazer podemos examinar em vez disso qual eacute a boa vida e aleacutem disso o que faz a vida boa em relaccedilatildeo aos dois Ao mudar as questotildees o inqueacuterito aborda o mesmo problema de forma diferente Apesar do fracasso do diaacutelogo entre Filebo e Soacutecrates os seus dois candidatos natildeo devem ser demitidos nenhuma afirmaccedilatildeo positiva seraacute concluiacuteda sobre o bem se ambos os candidatos forem simplesmente jogados fora Por outro lado a nova questatildeo permite Protarco e Soacutecrates examinarem ὁὀἶἷΝἵaἶaΝumΝἷὅtὠΝlὁἵaliὐaἶὁΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝἴἷmrdquoΝ(ἠἡἦἡεIΝἀί1ίΝὂέΝἅἆ)έ

95 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

εaὅΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὀἷὅὅἷΝ ἵὁὀtἷxtὁΝ ὅἷὄiaΝ ἷὅὅἷΝ ldquoἷὅtaἶὁrdquoΝ ἷΝ ἷὅὅaΝ ldquoἶiὅὂὁὅiὦatildeὁrdquo127 citadas por

Soacutecrates Parece claro que natildeo podemos tomar os dois termos como sinocircnimos nem reduzi-

lὁὅΝ ὅimὂlἷὅmἷὀtἷΝ aΝ tἷὄmὁὅΝ tὄaἶuὐiacutevἷiὅΝ ὂὁὄΝ ldquoἶiὅὂὁὅiὦatildeὁrdquoέΝ ἓιδθΝ ἶἷὀὁtaὄiaΝ umΝ ἷὅtaἶὁΝ umaΝ

maneira de ser em sentido estrito (falsoverdadeiro) enquanto δΪγ δθ diz respeito muito

mais a uma consequecircncia a um resultado128 A alma natildeo eacute o termo significativo mas sim a

felicidade129 natildeo importa tanto mais a rejeiccedilatildeo de que a felicidade consista na posse de bens

exteriores como a sauacutede a riqueza a beleza que para ambos interlocutores satildeo meios mas

natildeo fins130 Como atesta Gadamer (1983)

Assim a questatildeo do bem na vida humana jaacute possui uma compreensatildeo antecipada de seu objeto e assim oferece agrave investigaccedilatildeo uma primeira orientaccedilatildeo O bem deve ser uma certa disposiccedilatildeo ( δΪγ δμ) ou tambeacutem uma certa atitude ( ιδμ)ΝἶaΝalmaΝὃuἷΝὂὁὅὅaΝ tὁὄὀaὄΝ ldquofἷliὐἷὅrdquoΝ tὁἶὁὅΝὁὅΝhὁmἷὀὅέΝἡΝbem eacute portanto concebido antecipadamente como uma certa compleiccedilatildeo da alma Natildeo eacute como o crecirc espontaneamente o senso comum algo que o hὁmἷmΝldquoὂὁὅὅuirdquoΝ(ἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝvulgaὄΝἶἷΝ ΰαγσθ) mas uma modalidade de seu ser Porque o homem eacute precisamente sua alma A questatildeo se apresenta a partir de entatildeo nesses termos qual eacute a compleiccedilatildeo da alma suscetiacutevel de tὄaὐἷὄΝaΝtὁἶὁὅΝὁὅΝhὁmἷὀὅΝaΝldquoviἶaΝfἷliὐrdquoςΝἏΝldquofἷliἵiἶaἶἷrdquoΝ( αδηκθ) natildeo designa aqui um conteuacutedo determinado desse bem ao qual o homem aspira (no sentido onde por exemplo se possuiria uma alternativa entre a felicidade e

127 O sentido aqui eacute mais proacuteximo daquele de 64c7 da disposiccedilatildeo que resulta da mistura bem constituiacuteda e natildeo ao significado proveniente do uso deliberado de ambos os termos mais adiante (como se pode notar em 32e3-9 48a8 42c2 49e3) 128 ἒixὅautΝaὁΝὀὁὅΝἶiὐἷὄΝὅὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ lἷmἴὄaΝἓὅὂἷuὅiὂὁΝὃuἷΝafiὄmavaΝὃuἷΝaΝ fἷliἵiἶaἶἷΝὧΝ ldquoumΝἷὅtaἶὁΝacabado inerente a todos os seres naturais ( ιδθ θαδ ζ έαθ θ κῖμ εα φ δθ θκυ δθ) ou a posse ἶὁὅΝἴἷὀὅrdquoΝ( ιδμ θ ΰαγ θ) (2017 p 266) 129 ἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὀὁὅΝ lἷmἴὄaΝ ἐὁὅὅiΝ (ἀίίἆ)μΝ ldquoἤἷἵὁὄἶἷmὁὅΝ ὃuἷΝ ὁΝ aἶjἷtivὁΝ eudaimonia natildeo se aplica simplesmente a um sentimento subjetivo de satisfaccedilatildeo senatildeo a um estado objetivo harmonioso ou saudaacutevel da alma A palavra eudaimonia eacute composta de um prefixo eu (ὃuἷΝὅigὀifiἵaΝldquoἴὁmrdquo)ΝἷΝἶaΝὂalavὄaΝdaimon (divindade intermediaacuteria entre os deuses e heroacuteis) que pode ser benigna ou maligna Em geral designa a boa parte ou lote que a cada um atribui o seu daimon De modo que o conceito de eudaimonia estaacute de algum modo relacionado com o prazer porque ambos supotildeem sentimentos subjetivos agradaacuteveis poreacutem enquanto o prazer encontra-se mais relacionado agrave sensibilidade a eudaimonia em Platatildeo se relaciona com uma certa satisfaccedilatildeo da vida como um todo que corresponde a um estado ὁὄἶἷὀaἶὁΝὅauἶὠvἷlΝὁuΝhaὄmὁὀiὁὅὁΝἶaΝalmardquoΝ(ὂέΝἀἀλ)έ 130 Como afirma Delcomminette (2006) o bem natildeo eacute identificado com a felicidade mas agrave causa da felicidade O bem eacute portanto essa posse que torna a vida feliz e inversamente a felicidade eacute a posse do bem Observemos que essa correlaccedilatildeo entre o bem e a felicidade ainda natildeo determina nada sobre o conteuacutedo do bem porque a felicidade tambeacutem eacute tatildeo indeterminada quanto ele nesse momento Por outro lado embora ela natildeo seja uma identificaccedilatildeo ela nos autoriza a estabelecer num primeiro momento nossa busca pelo bem na busca pela felicidade jaacute desejar o bem eacute querer que ele nos pertenccedila isto eacute desejar ser feliz (Cf Banquete 204e 205a4) Veremos no entanto que essa coincidecircncia entre desejo do bem e desejo da felicidade soacute poderaacute ser mantida ateacute um certo ponto com efeito a felicidade soacute seraacute acessiacutevel sob a condiccedilatildeo de deixar de desejar-se a si proacutepria em si mἷὅmaΝἷΝἶἷΝtἷὀἶἷὄΝὂaὄaΝὁΝἴἷmΝldquoἷm-ὅirdquoέΝἠὁΝἷὀtaὀto mesmo essa superaccedilatildeo da felicidade como objeto do desejo seraacute baseada na busca pela felicidade que pode portanto servir de guia preliminar (p 36-37)

96 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

a virtude) mas retoma em geral ao mais alto grau do humanamente ἶἷὅἷjὠvἷlΝὀἷὅtἷΝἷὅtaἶὁΝὀὁΝὃualΝὀaἶaΝmaiὅΝldquoἶἷixaὄiaΝaΝἶἷὅἷjaὄrdquoΝ(ὂέΝ1ἄἄ)έ

Eacute interessante verificar que o termo αδηκθέα natildeo eacute recorrente no diaacutelogo soacute

constatamos sua presenccedila no diaacutelogo duas vezes no trecho que anteriormente destacamos

de 11d6 e em 14b7131 no qual Soacutecrates estaacute criticando os intemperantes que satildeo tomados

ὂὁὄΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquolὁuἵuὄardquo132 proporcionada pelos prazeres do corpo acreditando serem

ὁὅΝhὁmἷὀὅΝldquomaiὅΝfἷliὐἷὅrdquoΝ( αδηκθΫ α κθ) do mundo Creio que haacute razotildees para a ausecircncia

do termo prazer e inteligecircncia encontram-se subordinados agravequilo que natildeo eacute propriamente um

conteuacutedo uacuteltimo (feliἵiἶaἶἷ)Ν maὅΝ ἵὁmὁΝ amἴὁὅΝ ldquoὂὄaὐἷὄΝ (gὁὐὁ)Ν ἷΝ ἵὁὀhἷἵimἷὀtὁrdquoΝ ὂὁἶἷmΝ ἷΝ

ἶἷvἷmΝἵὁὀtὄiἴuiὄΝὂaὄaΝὃuἷΝumaΝviἶaΝὂὁὅὅaΝὅἷΝtὁὄὀaὄΝumaΝviἶaΝfἷliὐΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἢὄaὐἷὄΝἷΝ

pensamento estariam deste modo subordinados agravequilo que constitui a felicidade e que natildeo eacute

um conteuacutedo formal mas o problema geral da proacutepria vida humana Esse estado e disposiccedilatildeo

ldquofἷliὐἷὅΝἵὁὀὅtituἷmΝὀumΝὂὄimἷiὄὁΝmὁmἷὀtὁΝaὂἷὀaὅΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝfὁὄmalΝumaΝldquotἷὄἵἷiὄaΝἵὁiὅardquoΝ

( λ κπ ζζκΝ 1ἂἴἂ)Ν ὁuΝ ὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ tὁὄὀaὄὠΝ ὂὁὅὅiacutevἷlΝ gὄaὦaὅΝ aΝ umΝ ldquoὅὁὀhὁrdquoΝ ἶἷΝ

SὰἵὄatἷὅΝὅὁmἷὀtἷΝἷmΝἀίἴἄΝὀὁΝὃualΝὂὄaὐἷὄΝἷΝiὀtἷligecircὀἵiaΝὂaὅὅaὄatildeὁΝaΝἶiὅὂutaὄΝὂἷlὁΝldquoὅἷguὀἶὁΝ

precircmio Passamos portanto do modo de vida de todos os seres para aquele em que podemos

escolher o que faz do prazer natildeo o uacutenico bem comum a todos os eres vivos mas apenas

preferecircncia de alguns seres

Como bem nos explica Dixsaut (2017) a felicidade

() eacute esse contentamento contiacutenuo esse khairein que traz certa maneira de viver mas que natildeo se confunde com ela e que soacute eacute distinto do que chamamos prazer por sua unidade e continuidade Para dizer como Kant ser feliz eacute necessariamente o desejo de ser todo acabado ou seja sensiacutevel e para ser um ser sensiacutevel dotado de uma faculdade de prazer e de pena a consciecircncia ὃuἷΝἷlἷΝtἷmΝldquoἶὁΝaἵὁὄἶὁΝἶaΝviἶaΝὃuἷΝaἵὁmὂaὀhaΝὅem interrupccedilatildeo toda a sua ἷxiὅtecircὀἵiaΝὧΝaΝfἷliἵiἶaἶἷrdquoΝ(έέέ) Todo ser vivo deseja o prazer eacute mesmo isso que a maioria dos homens chamam de bem e ningueacutem diz o Soacutecrates do Filebo aceitaria uma vida sem prazer Reconhececirc-lo me parece natildeo eacute enunciar uma tese eudemonista eacute constatar que para um ser vivo a felicidade consiste em gozar a vida Platatildeo nunca contesta isso mas se pergunta qual forma deve tomar a vida para que possamos dela gozar justamente (p 282-283)

O diaacutelogo prossegue e o questionamento eacute sobre a possibilidade de regular uma vida

unicamente pela busca de um ou outro (prazer ou inteligecircncia) Ou seja qual modo de vida

se deve escolher Devemos fazer do prazer o uacutenico bem da vida (natildeo mais de todos os

131 Agradeccedilo ao Prof Fernando Mendonccedila por ter me chamado atenccedilatildeo sobre o breve nuacutemero de ocorrecircncias desse termo no diaacutelogo o que me levou a pensar que por natildeo ser um termo recorrente Platatildeo pudesse ter um propoacutesito maior no diaacutelogo em questatildeo e que o sentido de felicidade aqui tratado estaria distante do que Aristoacuteteles por exemplo concebe como felicidade na sua Eacutetica a Nicocircmaco 132 Sobre os significados que esse termo adquire no diaacutelogo falarei mais adiante

97 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

viventes) mas apenas preferecircncia de alguns e soacute assim os dois modelos de vida podem ser

confrontados por meio da dialeacutetica a partir do momento em que as duas afirmaccedilotildees

encontram-se em poacutelos opostos agora sim sob forma de teses que se excluem mutuamente

ambas demonstradas como insuficenteὅέΝΝἢὄὁὂὴἷΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquoὂaὄaΝvὰὅΝἷὀtatildeὁΝὅἷὄiaΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝ

de ter prazer ( κ ξαέλ δθ) e para noacutes a de pensar ( κ φλκθ ῖθ)ςrdquoΝ(11ἶἆ-9)

Filebo entatildeo recusa a disputa mesmo que agora a tese atribuiacuteda a Protarco

demonstre-se vencedora isto eacute mesmo se ao longo da discussatildeo essa vida se evidenciar

como a disposiccedilatildeo superior (o que jaacute se pode entrever que natildeo ocorreraacute pela possibilidade de

uma terceira coisa) transferindo-a aos cuidados de Protarco De tal modo aquele interlocutor

jaacute natildeo possui autoridade alguma agora sobre a concordacircncia ( ηκζκΰέαμ) ou natildeo entre

Soacutecrates e o proacuteprio Protarco (12a9-11) A atitude de Filebo eacute deste modo correta se

purificar ( φκ δκ ηαδ) e invocar o testemunho (ηαλ τλκηαδ da proacutepria deusa (α π θ γ σθ)

(12b1-2) A pergunta importante que ecoa das linhas do Goacutergias (π μ ίδπ Ϋκθ 492d 500c4)

deveria agora ser tomada em sua questatildeo fundamental e assegurar assim como afirma o

discurso de Filebo aquilo que a realidade atesta o prazer de gozar o imediato da vida o

proacuteprio ξαέλ δθ essa exigecircncia profundamente humana da felicidade Jaacute natildeo restam mais

altἷὄὀativaὅΝὀἷmΝaΝmὁὄalΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὀἷmΝaΝjuὅtiὦaΝaὅΝὃuaiὅΝtἷὄiamΝὅiἶὁΝaὂὄἷὅἷὀtaἶaὅΝὀaΝldquoὅὧὄiaΝ

ὃuἷὅtatildeὁrdquoΝ (ὅὁἴὄἷΝ ἵὁmὁΝ ὅἷΝ ἶἷvἷΝ vivἷὄ)Ν ἶὁΝ Goacutergias Se pensamento e inteligecircncia satildeo

ingredientes melhores em uma dada maneira de viver se satildeo os objetos preferiacuteveis a qualquer

outra coisa por que natildeo analisaacute-los tout et court Natildeo o que se vecirc mais adiante eacute o

desmembramento a pluralizaccedilatildeo o exame baseado numa vontade de verdade Mas

Soacutecrates pelo contraacuterio natildeo deixa de perseguir o prazer sobre essa essecircncia de uma verdade

tatildeo sobre-humana a todo custo mas Soacutecrates ainda pretende dar asas ao pensamento alccedilar

vocirco teme que suas asas possam ser cortadas (DIXSAUT 2017 p 268)

O pensamento como explica Dixsaut (2017) soacute se exerce agrave medida que estamos

ldquomὁὄtὁὅrdquoΝὃuaὀἶὁΝaΝὃuἷὅtatildeὁΝὅὁἴὄἷΝldquoἵὁmὁΝὅἷΝἶἷvἷΝvivἷὄrdquoΝὀatildeὁΝὧΝmaiὅΝumΝὂὄὁἴlἷmaΝἵὁmΝὁΝὃualΝ

devemos lidar (p 268) O Filebo vai mais a fundo e retomaconfirmando o Feacutedon o

pensamento apresentado no Filebo natildeo eacute o que estaacute em jogo realmente133 haacute um outro que

se encontra na profundidade do diaacutelogo ele eacute extremamente poderoso mas no caso da

composiccedilatildeo eacute mais prudente optar pela vida boa que eacute justamente aquela misturada Por

enquanto isso basta para a nossa reflexatildeo cremos que no decorrer da argumentaccedilatildeo ficaratildeo

maiὅΝ ἵlaὄὁὅΝ taὀtὁΝ ὁὅΝ ὂὄὁὂὰὅitὁὅΝ maiὅΝ ἷviἶἷὀtἷὅΝ ἶὁΝ ἶiὠlὁgὁΝ ὃuaὀtὁΝ ὁΝ ldquoὅἷὀtiἶὁΝ maiὅΝ

aὂὄὁfuὀἶaἶὁrdquoΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝtalΝὄἷflἷxatildeὁέΝἑὁὀtiὀuἷmὁὅΝὁΝὂἷὄἵuὄὅὁΝὂὁὄΝhὁὄaΝἶaὀἶὁΝὅἷὃuecircὀἵia

agrave intepretaccedilatildeo das demais partes do diaacutelogo em questatildeoComo nada absolutamente nada

133 Dixsaut ainda diz que em nenhum dos diaacutelogos esse pensamento demonstraria tanto o seu poder (Cf DIXSAUT 2017 p 268)

98 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

nos diaacutelogos eacute desprovido de significado temos aqui mais um exemplo que exige atenccedilatildeo

ἶἷliἵaἶaέΝἏὅὅimΝὂaὄἷἵἷΝaΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝὡΝἶἷuὅaΝ(lsquo φλκ έ βθ)μΝldquoὅimΝἶἷvἷmὁὅΝtἷὀtaὄΝἵomeccedilando

ἵὁmΝaΝὂὄὰὂὄiaΝἶἷuὅaΝὃuἷΝἷlἷΝἶiὐΝὅἷΝἵhamaὄΝἏfὄὁἶitἷΝmaὅΝἵujὁΝmaiὅΝvἷὄἶaἶἷiὄὁΝὀὁmἷΝὧΝὂὄaὐἷὄrdquoΝ

(12b7-9)134

εaiὅΝaἶiaὀtἷΝ(1ἀἵ1)ΝἥὰἵὄatἷὅΝὀὁvamἷὀtἷΝὄἷtὁmaΝὁΝmἷὅmὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝὅὁἴὄἷΝὅἷuΝldquotἷmὁὄrdquoΝ

em relaccedilatildeo ao nome dos deuses135 e agora em relaccedilatildeo a Afrodite conveacutem chamaacute-la do nome

ldquoὃuἷΝmaiὅΝlhἷΝagὄaἶardquoέΝἒὁΝmἷὅmὁΝmὁἶὁΝἥὰἵὄatἷὅΝalἷὄtaΝὡΝἢὄὁtaὄἵὁΝὁὅΝὂἷὄigὁὅΝὀὁὅΝὃuaiὅΝἷlἷΝ

proacuteprio (Soacutecrates) incorre ao tentar examinar a natureza da deusa Eacute preciso como diz

ἥὰἵὄatἷὅΝldquoἴἷmΝἷxamiὀaὄrdquoΝldquoὄἷflἷtiὄΝἴἷmrdquoΝ(1ἀἵἃ)έΝἏΝὀatuὄἷὐaΝ(φτ δθ ξ δ) do prazer eacute complexa

(πκδεέζκθ) (12c5-6) Embora quando escutamos ( εκτ δθ)136 ldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝaὁΝὁuviἶὁΝἷlἷΝὂaὄἷἵἷΝ

simples ( πζκμ) algo uacutenico ( θ δ) mas eacute algo complexo (πκδεέζκθ) e certamente assume

todo o tipo de formas (ηκλφ μ άπκυ παθ κέαμ ζβφ ) que satildeo dessemelhantes

( θκηκέκυμ) umas agraves outras ( δθα λσπκθ θκηκέκυμ ζζάζαδμ) (12c6-8)

O que podemos notar na passagem eacute que Soacutecrates parece fazer ressoar o preceito

dos demais diaacutelogos em relaccedilatildeo agrave divindade pois basta retomarmos a Repuacuteblica (380dss)

ἏὁΝἶiὐἷὄΝaΝὂalavὄaΝldquoἶἷuὅrdquoΝὅἷguὀἶὁΝaΝὂὄὰὂὄiaΝtἷὁlὁgiaΝἷxὂὄἷὅὅaΝὀaὃuἷlἷΝἶiὠlὁgὁΝἶἷὅigὀamὁὅΝ

um ser privilegiado de natureza uacutenica desprovido de qualquer multiplicidade Mas quando

se trata do prazer lidamos com algo muacuteltiplo e variado Agora Platatildeo faria Soacutecrates falar de

um respeito ainda mais enigmaacutetico como nos diz Friedlaumlnder (2014 p 1054) Se logo apoacutes

isso o discurso se desenvolve em torno da natureza do prazer de sua essecircncia muacuteltipla por

conseguinte nada ele teria de divino Nesse caso como explicar essa conclusatildeo negativa E

hὠΝaiὀἶaΝmaiὅΝumaΝἵὁiὅaΝaΝὅἷὄΝἶitaΝaΝfiguὄaΝἶaΝldquoἶἷuὅardquoΝὄἷtὁὄὀaΝὡΝἵἷὀaΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἷmΝἀἄἵΝ

agora como doadora da ordem como aquilo que daacute limite a todas as coisas Portanto como

se pode notar natildeo se trata apenas de um ornamento moral ou retoacuterico quando o que estaacute em

ὃuἷὅtatildeὁΝὧΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝὀὁmἷΝἶaΝldquoἶἷuὅardquoΝaΝὅuaΝὀatuὄἷὐaέΝἏΝὂaὄtiὄΝἶaiacuteΝὅuὄgἷmΝalgumaὅΝὃuἷὅtὴἷὅΝ

importantes (i) Qual o sentido da alteraccedilatildeo de Soacutecrates do nome da deusa (ii) Haacute duas

frodites ou dois significados que podemos atribuir agrave proacutepria deusa (iii) Filebo realmente se

ἷὃuivὁἵaΝὃuaὀtὁΝaὁΝὀὁmἷΝἶἷΝldquoὅuardquoΝἶἷuὅaς

Eacute necessaacuterio em um primeiro momento que lembremos a forma ambiacutegua como Platatildeo

retrata a relaccedilatildeo entre Soacutecrates e os deuses convencionais fato notaacutevel nos diaacutelogos137 Mas

134 ldquoΩ Π δλα Ϋκθ πrsquoΝα μ μ γ κ θ Ἀφλκ έ βθ η θ ζΫΰ γαέ φβ δ rsquoΝ ζβγΫ α κθ α μ θκηα lsquoΗ κθάθ ῑθαδrdquoΝ(1ἀἴἅ-9) 135 Basta tomarmos alguns diaacutelogos Cra 400dss Euthph 12ass R II 380dss Phdr 273 c8ndash9 Ti 28 b3ndash4) 136 Bravo nos diz que para os gregos os prazeres do ouvido relacionados ao canto aos belos discursos satildeo tambeacutem tidos como prazeres de alta estima assim como o do paladar e dos demais sentidos Pra uma semacircntica e fisiologia dos prazeres mais detalhada (BRAVO 2009 p 13 14 33 81 etc) 137 Ver Euthphr 6b-c Ap 26b-c Phd118a Phdr 229css

99 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

se podemos fazer uma afirmaccedilatildeo geneacuterica ao mesmo tempo e em certo sentido precisa o

uso que Platatildeo faz da religiatildeo ou melhor a compreensatildeo que ele empresta ao religioso

manifesto pelas referecircncias ainda constantes agrave mitologia natildeo eacute o mesmo sentido atribuiacutedo

pela tradiccedilatildeo Poreacutem Platatildeo manteacutem a linguagem miacutetica e natildeo vecirc outro meio de expor esse

novo sentido a natildeo ser utilizando essa proacutepria linguagem como instrumento para exposiccedilatildeo

ἶἷὅὅἷΝὀὁvὁΝmὁἶὁΝἶἷΝvἷὄΝaὅΝὃuἷὅtὴἷὅΝὄἷligiὁὅaὅέΝἡΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅigὀifiἵaΝumaΝὅuὂὁὅtaΝldquoὁὂὦatildeὁrdquoΝὂὁὄΝ

uma forma ou outra capaz de expor um conteuacutedo de maneira mais eficaz mas aproveitar

esquemas de pensamento que configuram visotildees de mundo reconfigurando seus significados

para alteraacute-las profundamente138

Eacute preciso lembrar como foi dito anteriormente acerca do ζσΰκμ de Filebo que eacute

apenas aquele da afirmaccedilatildeo que natildeo contesta apenas constata que o prazer eacute bom para

todos se seres vivos Ao abandonar a questatildeo e atribuir a tarefa de dialogador a Protarco ele

(Filebo) natildeo deseja submeter seu discurso agrave apreciaccedilatildeo dialeacuteticaέΝἓΝὂaὄaΝtalΝiὀvὁἵaΝaΝldquoὂὄὰὂὄiaΝ

ἶἷuὅardquoέΝἑὁmὁΝjὠΝἷviἶἷὀἵiamὁὅΝὀatildeὁΝhὠΝὅἷὃuἷὄΝalgumaΝἵὁὀἶἷὀaὦatildeὁΝὁuΝἵἷὀὅuὄaΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝ

a essa invocaccedilatildeo Muito pelo contraacuterio o proacuteprio temor divino eacute correto louvar a deusa exaltaacute-

la e eacute isso que deseja Filebo ao afirmar a proacutepria agradabilidade do que consiste na natureza

do bom (natildeo do bem) Ao submeter-se ao dialogar eacute necessaacuterio falar mas Soacutecrates faz uso

ἶaΝ ἷxaltaὦatildeὁΝ ἷΝ ἶaΝ glὁὄifiἵaὦatildeὁΝ ἵὁmὁΝ ἷlἷΝ mἷὅmὁΝ ἶiὐΝ aὂἷὀaὅΝ ὂὁὄΝ ldquogὄaἵἷjὁrdquoΝ ὂὁὄΝ ldquoiὄὁὀiardquoΝ

( ηθτθπθ θ πα α δθ γκλτίβ α 28c) isto eacute natildeo para afirmar exprimir celebrar mas

para falar aquilo que eacute verdadeiramente Ele (Soacutecrates) eacute quem pode incorrer em impiedade

ndash e por isso eacute tomado de temor ndash se ousar exaltar a deusa deste modo Por mais simples e

oacutebvia que possa parecer a afirmaccedilatildeo de Filebo ela eacute de suma importacircncia

O temor socraacutetico em relaccedilatildeo aos deuses eacute mantido (isso explicaria nome de outra

deusa Η κθ θ) A natureza dos deuses eacute uacutenica e Soacutecrates natildeo renega o preceito da

RepuacuteblicaΝὂὁὄὧmΝὁΝὃuἷΝἷὅtὠΝἷmΝjὁgὁΝὧΝἷὅὅaΝldquoὀὁvaΝὄἷlaὦatildeὁrdquoΝἷὀtὄἷΝὁΝἶiviὀὁΝἷΝhumaὀὁΝἶὁΝὃualΝ

ele (Soacutecrates) eacute o proacuteprio exemplo isto eacute a relaccedilatildeo entre o filoacutesofo e o divino que incide

sobre o proacuteprio deus Por um lado o proacuteprio Deus afirma a sabedoria de Soacutecrates mas por

outro diz que sua sabedoria assenta-ὅἷΝ juὅtamἷὀtἷΝ ὀumΝ ldquoὅaἴἷὄΝ ἶὁΝ ὀaἶaΝ ὅaἴἷὄrdquoέΝ EacuteΝ

138 Neste sentido satildeo notaacuteveis as contribuiccedilotildees de Bolzani (2008) ao analisar o que ele denomina como ldquotὄagiἵiἶaἶἷrdquoΝ ἷΝ ldquoaὀti-tὄagiἵiἶaἶἷrdquoΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁέΝ ἠὁΝ ὅἷuΝ tἷxtὁΝ ἵhama nossa atenccedilatildeo partindo fundamentalmente da Apologia e do Oraacuteculo de Delfos ao procedimento platocircnico de retomar formas discursivas tradicionais para criticar as visotildees de mundo que as fundamentam de modo a defender suas proacuteprias ideias O autor destaca em dado momento essa proacutepria questatildeo levantada no julgamento de Soacutecrates a acusaccedilatildeo de impiedade o que demonstra como o sentido religioso eacute mantido por Soacutecrates poreacutem este reconfigura-se sob uma nova ordem isto eacute os esquemas de pensamentos satildeo mantidos (teologia tradicional) poreacutem a filosofia de Soacutecrates insere-se nesta mesma tradiccedilatildeo para criticaacute-la em vista de uma nova relaccedilatildeo que se busca compreender e levar agrave compreensatildeo entre o humano e o divino Natildeo haacute outro meio de inserir essa nova visatildeo segundo Platatildeo senatildeo por meio do aproveitamento destas mesmas estruturas discursivas para alteraacute-las profundamente

100 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

investigando os pretensos saacutebios que ele proacuteprio (Soacutecrates) toma consciecircncia do oraacuteculo ou

se reconhece a si proacuteprio isto eacute trata-se tambeacutem de uma auto-investigaccedilatildeo O valor desse

saber ao longo do tempo perde esse caraacuteter meramente negativo e confirma a proacutepria

revelaccedilatildeo do oraacuteculo pois natildeo somente os pretensos saacutebios foram submetidos ao crivo da

investigaccedilatildeo mas tambeacutem o proacuteprio deus eacute questionado nessa revelaccedilatildeo Ora isso soacute eacute

possiacutevel a partir do momento em que uma nova relaccedilatildeo entre o divino e o humano eacute pensada

Eacute Soacutecrates que natildeo pode (ainda) conclamar todo o sentido presente na figura de

Afrodite Isto porque o discurso de Filebo natildeo eacute o discurso de Protarco ele natildeo eacute uma tese

ὂὁὄΝiὅὅὁΝiὀtἷὄἷὅὅaΝὡΝἥὰἵὄatἷὅΝἵὁὀvὁἵaὄΝaΝldquoἶἷὅἵἷὀἶecircὀἵiardquo139 (muacuteltipla) da deusa (uacutenica) e natildeo

aὂἷὀaὅΝ aΝ ldquoἶἷuὅardquoΝ ἷmΝ ὅiΝ ήὀiἵaΝ ὃuἷΝ ἔilἷἴὁΝ ἷxaltaέΝ ἏΝ ἵὁὄὄἷlaὦatildeὁΝ ἵὁmΝ aΝ ὅἷὃuecircὀἵiaΝ ἶaΝ

argumentaccedilatildeo eacute imediata o prazer seraacute analisado em suaὅΝ ldquoἷὅὂὧἵiἷὅrdquoΝ ὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ ὅἷὄὠΝ

ἶἷὅmἷmἴὄaἶὁΝ ἷmΝὅuaΝ ldquouὀiἶaἶἷrdquoΝ ὂluὄaliὐaἶὁΝ ἵὁlὁἵaἶὁΝ ἷmΝἷxamἷΝὅuἴmἷtiἶὁΝ ὡΝ ἷxigecircὀἵiaΝ

ὅὁἵὄὠtiἵaΝldquoὅὁἴὄἷΝhumaὀardquoΝ(ὁuΝἶἷὅumaὀa)ΝἶaΝvἷὄἶaἶἷΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἄἆ)έΝ

Ora esse fato atesta ainda mais que o diaacutelogo eacute muito mais rico do que o debate

escoliasta entre hedonismo e anti-hedonismo Dixsaut (1999) nos lembra o caraacuteter simeacutetrico

do diaacutelogo por um lado nos remete a textos claacutessicos muito proacuteximos ao que afirma Filebo

como o fragmento 1 de Mimnermo140μΝldquoὃuἷΝvalὁὄΝtἷὄiaΝaΝviἶaΝἷ que alegria permaneceria sem

aΝἏfὄὁἶitἷΝὠuὄἷaέέέrdquoΝtamἴὧmΝaΝmaiὅΝἴἷlaΝΝἶaὅΝviἶaὅΝἶἷὅἵὄitaΝὀaΝOdisseia por Homero141 citada

por Platatildeo na Repuacuteblica142 e o julgamento de Paacuteris simplificado por Soacutefocles (ελέ δμ) no qual

Paacuteris eacute posto como aacuterbitro ndash tarefa a ele atribuiacuteda por Zeus ndash para escolher entre Athena e

Afrodite143 Por outro lado evidencia descriccedilatildeo platocircnica da Repuacuteblica144 manifestada na

indignaccedilatildeo de Adimanto ao ver a forma como os homens concebem o prazer como um

139 Um dos atributos de Afrodite eacute ser protetora do Prazer principalmente do prazer eroacutetico mas natildeo apenas deste Haacute outros sentidos que evocam a deusa Afrodite como beleza sauacutede ordem dentre outros Mais adiante falo sobre como Platatildeo iraacute jogar com esses vaacuterios sentidos que os homens ὀὁmἷiamΝἵὁmὁΝὅἷὀἶὁΝldquoἢὄaὐἷὄrdquoέΝἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝἵfέΝἐἡἥἥIΝ(ἀίίἆΝὂέΝἀἁἅ)έ 140 Que vida que prazer sem a aacuteurea Afrodite Que eu morra quando isto natildeo me interessar mais amor secreto e doces dons e leito ndash tais satildeo da juventude as flores atraentes a homens e mulheres Mas quando chega a dolorosa 5 velhice que faz similarmente vil e feio o homem sempre em torno de seu peito ansiedades vis se enredam e olhando a luz do sol ele natildeo se deleita mas eacute detestaacutevel aos meninos e desonrado agraves mulheres aὅὅimΝὄἷὂugὀaὀtἷΝὁΝἶἷuὅΝἶiὅὂὲὅΝaΝvἷlhiἵἷhellipΝ(Mimn Fr1) Utilizo a traduccedilatildeo de Ragusa (2008 p 52-70) 141 Hom Od 9 9-11 142 R III 390a-b 143 Hom Il 2 24 25ndash30 144 R II 363c-d

101 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

banquete eterno uma embriaguez constante assim como o caraacuteter de degradaccedilatildeo moral

instaurado pelo uso desenfreado dos prazeres a ponto de culminarmos no livro XI145 da

mesma obra com uma existecircncia humana tatildeo pouco humana mais proacutexima do niacutevel

animalesco A reflexatildeo sobre a vida boa natildeo consiste unicamente num julgamento moral

puramente hedonista mas eacute como nos diz a autora uma questatildeo de gosto refinada diferente

de um julgamento teoacuterico e anti-hedonista146 (p 12)

No discurso de Filebo subjaz o carpe diem147 ele traduz o mesmo sentimento

apresentado na elegia do poeta grego e esse prazer eacute um prazer eroacutetico A patrona de Filebo

eacute sem duacutevida aquela do desejo irrefreaacutevel do gozo da seduccedilatildeo dos amores Mas uma

leitura dessa invocaccedilatildeo divina (como teria feito Frede (1993) e Hackforth (1945)) nos faria

talvez supor algumas contradiccedilotildees nesse proacuteprio ato piedoso Soacutecrates natildeo rejeita ou mesmo

145 R IX 586a-b 146 Torres Morales (2016) vai na mesma direccedilatildeo de Dixsaut ao fazer um levantamento consideraacutevel sobre a presenccedila da poesia homeacuterica em algumas das principais passagens do Filebo sobretudo em se tratando das divindades miacuteticas ali representadas Cito na iacutentegra suas consideraccedilotildees sobre a ὂὄἷὅἷὀὦaΝἶἷΝἏfὄὁἶitἷΝὀὁΝἶiὠlὁgὁμΝldquoἏΝiὀtἷὀὦatildeὁΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὀὁΝiὀiacuteἵiὁΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝaὀtἷὄiὁὄΝaΝἶἷΝἔilἷἴὁΝἷΝaΝde Protarco seraacute privar o prazer de sua vontade divina (de sua identificaccedilatildeo com Afrodite) para analisaacute-lo como uma unidade que surge principalmente como uma experiecircncia humana Nesse sentido um ἶὁὅΝὂὄiὀἵiὂaiὅΝὁἴjἷtivὁὅΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὀaΝὂὄimἷiὄaΝὂaὄtἷΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝὅἷὄὠΝἶἷὅmitifiἵaὄΝὁuΝlsquoἶἷὅ-ἶiviὀiὐaὄrsquoΝὁΝprazer Isso apenas significa que em toda a sua pesquisa o prazer natildeo pode ser mostrado como um elemento conectado com alguma ordem transcendente de fato no fim de sua anaacutelise o prazer seraacute identificado com π έλπθΝumaΝὄἷaliἶaἶἷΝὅἷmΝfὁὄmaΝἷΝὅἷmὂὄἷΝἷmΝmuἶaὀὦaΝἷlἷmἷὀtὁΝἷὅὅἷὀἵialΝἶaΝordem coacutesmica (ver Filebo 31a6-9 53css) Como acontece frequentemente o exame platocircnico conecta - na cena dramaacutetica do diaacutelogo - o humano com o divino e o coacutesmico para alcanccedilar uma compreensatildeo adequada das questotildees tratadas A anaacutelise de Soacutecrates do prazer seraacute desenvolvida e em certo sentido seraacute seguida por Protarco mas Filebo descansaraacute em paz e permaneceraacute quase em silecircncio o tempo todo Ele permaneceraacute ao longo do diaacutelogo como um seguidor piedoso de Afrodite ὂaὄaΝἷlἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἶἷvἷΝὅἷὄΝiἶἷὀtifiἵaἶὁΝἵὁmΝἷὅὅaΝἶiviὀἶaἶἷΝἷΝὁΝ ilimitaἶὁέΝ lsquoἥἷΝὀatildeὁΝfὁὅse de fato por ὀatuὄἷὐaΝ mήltiὂlὁΝ taὀtὁΝ ἷmΝ ὃuaὀtiἶaἶἷΝ ὃuaὀtὁΝ ἷmΝ iὀtἷὀὅiἶaἶἷΝ ὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ ὀatildeὁΝ ὅἷὄiaΝ tὁtalmἷὀtἷΝ ἴὁmrsquoΝ(Filebo 27e7-10) Filebo fez uma escolha uma escolha pela vida de prazer entendida como uma simples e oacutebvia experiecircncia (sempre maior e natildeo menor com alegria e sem dor) uma vida ilimitada sob os auspiacutecios de Afrodite A proacutepria possibilidade do diaacutelogo eacute construiacuteda sobre o fato de Protarco ainda natildeo ter feito sua escolha definitiva A relevacircncia desse fato e a presenccedila da divindade nele eacute o que permite traccedilar uma equivalecircncia indireta importante entre Homero e Platatildeo Isto eacute a divindade de Afrodite eacute apresentada tanto no diaacutelogo quanto no poema homeacuterico (e claro em outras fontes da tradiccedilatildeo grega) como um confronto um confronto que tem que fazer em ambos os casos com uma escolha () esta escolha no diaacutelogo pode ser um lembrete da escolha ou do julgamento de Paacuteris uma escolha que favoreceu a Afrodite perante de Hera e Atena e que no conto homeacuterico trouxeram os atenienses a terriacutevel guerra terriacutevel contra Troacuteia (Il 24 25-30) De fato tambeacutem no diaacutelogo Afrodite representa a origem do conflito entre os interlocutores Ao longo de toda a sua jornada Soacutecrates precisaraacute persuadir e em certo sentido converter Protarco a fim de mostrar-lhe que a melhor vida natildeo eacute a que Filebo escolheu dedicado aos prazeres ilimitados de Afrodite mas uma vida dedicada a uma ἷxiὅtecircὀἵiaΝalἷgὄἷΝmὁἶἷὄaἶaΝὃuἷΝὄἷἵὁὀhἷἵἷΝὅἷuΝἵaὄὠtἷὄΝilimitaἶὁΝὀὁΝἵamiὀhὁΝἵὁὄὄἷtὁrdquoΝ(ὂέΝἄί-61) 147 Sobre isso encontram-se notaacuteveis explicaccedilotildees no artigo de Ragusa (2008 p 52-70) e em suas traduccedilotildees da poesia arcaica em que se encontram menccedilotildees diretas agrave Afrodite e sua caracterizaccedilatildeo com o desejo com o eroacutetico o sexo e ao viccedilo presente na beleza da juvenil

102 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

se mostra descrente dos poderes e honras pertencentes agrave deusa de Filebo ele a exalta

justamente por conceder testemunho de compreensatildeo de tatildeo poderosa deusa

O medo de cair em blasfecircmia ou impiedade eacute do proacuteprio Soacutecrates que pode ser

assacado pela acusaccedilatildeo de impiedade caso natildeo se compreenda o propoacutesito da sua

ldquoἶἷὅmiὅtifiἵaὦatildeὁrdquoΝἶἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁΝfiguὄativὁΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝaΝldquoἶἷuὅardquoΝ(ὁuΝὁΝὂὄaὐἷὄ)έΝἒitὁΝde outro

modo ainda natildeo eacute possiacutevel falar do divino e Soacutecrates iraacute se precaver disso pois ele iraacute se

utilizar desse esquema de pensamento (teoloacutegico tradicional) a natildeo ser alterando a proacutepria

concepccedilatildeo (divina) que se possui do prazer e nada melhor do que discuti-lo dentro da

estrutura miacutetica e aqui podemos ressaltar o caraacuteter mimeacutetico no qual tambeacutem se insere toda

a obra platocircnica Eacute digno de nota ressaltar que o π έλπθΝ (gecircὀἷὄὁΝὀὁΝὃualΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὅἷὄὠΝ

inserido) oferece a noacutes leitores um novo caminho para compreendermos nossa existecircncia

intermediaacuteria (entre a animalidade e a divindade) porque o ilimitado ( π έλκθ)ΝὧΝ taὀtὁΝumΝ

elemento da realidade coacutesmica quanto algo presente na alma humana Quando Soacutecrates

coloca o prazer em seu devido lugar na realidade ele oferece um novo sentido agrave divindade

tornando-a aqui muito menos um princiacutepio uma realidade puramente dada transcendente

aceita de forma inconteste (dogmaacutetica) do que um modelo para o homem que deve buscar

alcanccedilar a ordem e a harmonia de sua alma pois disto decorre uma vida boa Do mesmo

modo Soacutecrates joga com os sentidos contidos na figura da proacutepria deusa pois ela natildeo

somente eacute patrona dos mais variados tipos de desejos mas na sua natureza encontra-se a

beleza proveniente da ordem da sauacutede isto eacute da boa constituiccedilatildeo da harmonia capaz de

doar o limite necessaacuterio tanto na ordem do universo quanto na constituiccedilatildeo de uma vida

propriamente humana148

ἥὰἵὄatἷὅΝἶἷὅἷjaΝὁlhaὄΝldquoἵaὄaΝaΝἵaὄardquoΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὄἷtiὄaὄ-lhe momentaneamente o estatuto

aacuteureo ὃuἷΝlhἷΝἷὀἵὁἴὄἷΝmὁὅtὄaὄΝὃuatildeὁΝἶivἷὄὅὁΝὧΝiὅὅὁΝὃuἷΝὀὁmἷamὁὅΝuὀiἵamἷὀtἷΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝiὅtὁΝ

ὧΝmὁὅtὄaὄΝtὁἶaὅΝaὅΝldquotὁὀaliἶaἶἷὅrdquoΝ(ἷΝὁΝἷxἷmὂlὁΝἶaὅΝἵὁὄἷὅΝὅuὄgἷΝmaiὅΝὡΝfὄἷὀtἷ)ΝὃuἷΝἷὅὅἷΝἶἷὅἷjὁΝ

de prazer pode assumir Lembremo-nos das distinccedilotildees entre as duas Afrodites do discurso

de Pausacircnias no Banquete Platatildeo natildeo concebe duas deusas nem altera a natureza da deusa

(ao querer chamar Afrodite de Hedoneacute) que continua sendo uacutenica a estrutura eacute a mesma os

significados tambeacutem o satildeo mas tudo depende ao momento dialoacutegico em questatildeo aos

objetivos proacuteprios da discussatildeo em que se encontra em dado momento A compreensatildeo divina

de Soacutecrates eacute ainda mais clara do que a tradicional no entanto essa mesma concepccedilatildeo

148 Filebo solenemente presta juramento agrave sua deusa neste caso agrave Afrodite deusa do prazer Podemos aqui tambeacutem retomar o Banquete (180d-181a) no qual nos satildeo dadas maiores observaccedilotildees sobre a deusa um retrato duplo dessa divindade eacute apresentado no discurso de Pausacircnias Temos por um lado a chamada Afrodite Celestial e por outro a Afrodite Vulgar (Cf PRADEAU 2002 p 238 n4) Brisson (2005) explica-nos ainda mais sobre a presenccedila de Afrodite junto a Eros naquele diaacutelogo Diz ainda que cada uma das duas Afrodites possuiacutea um templo nos quais eram cultuadas pelos gregos Sobre isso ver mais (BRISSON 2005 p 41-43)

103 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

(teoloacutegica) como jaacute dissemos por ser ainda mais clara eacute vista como distinta Soacutecrates natildeo

deixa de crer mas ele procura saber porque se deve crer deste modo e natildeo de outro Eacute por

iὅὅὁΝὃuἷΝὀὁtamὁὅΝἷὅὅἷΝldquoἴalὧrdquoΝἷὀtὄἷΝtἷὄmὁὅΝἶἷΝἏfὄὁἶitἷΝὡΝώἷἶὁὀἷΝἶἷΝώἷἶὁὀἷΝὡΝἏfὄὁἶitἷΝἷΝὁΝ

ldquotἷmὁὄrdquoΝ juὅtifiἵaὀἶὁΝ aὅΝ ἶifἷὄἷὀὦaὅΝ ἶἷmaὄἵaἶaὅΝ ἷὀtὄe discursos um para louvar exprimir

celebrar outro para falar para pocircr em debate em discussatildeo Diante das possiacuteveis e reais

aἵuὅaὦὴἷὅΝἶἷΝimὂiἷἶaἶἷΝἷΝἴlaὅfecircmiaΝἥὰἵὄatἷὅΝvὁltaΝaΝjuὅtifiἵaὄΝὅἷuΝldquoὅἷὄΝὂiἷἶὁὅὁrdquoΝiὀvὁἵaὀἶὁΝ

a divindade segundo aquilo que o curso da argumentaccedilatildeo julgou como necessaacuterio apoacutes a

investigaccedilatildeo (dialeacutetica) do verdadeiro caraacuteter do prazer e do sentido (bom) que eacute necessaacuterio

resgatar como jaacute dissemos esse sentido agora eacute o da ordem149 o qual natildeo deixa de pertencer

tambeacutem agrave deusa do ldquoἴἷlὁΝἔilἷἴὁrdquoΝ(ὁuΝmἷlhὁὄΝἶὁΝldquoamaὀtἷΝἶaΝfὁὄὦaΝjuvἷὀilrdquo)έ

Na continuaccedilatildeo do diaacutelogo Soacutecrates considera que tanto homem temperante

( κφλκθκ α) como o homem intemperante ( εκζα αέθκθ α) possuem prazer mas natildeo

apenas esses dois tambeacutem aquele homem tolo ( θκβ αέθκθ α) e o homem que pensa

(φλκθκ α) Ο objeto do prazer contudo eacute diferente o homem moderado se regozija em ser

moderado ( πφλκθ ῖθ) o homem tolo com as opiniotildees tolas e com as tolas expectativas

( θκά πθ κι θ εα ζπέ πθ η σθ) e o homem que pensa com a atividade de pensar

(φφλκθ ῖθ) (12d1-4) Deste modo o proacuteprio Soacutecrates eacute quem questiona de que modo

poderiacuteamos dizer que esses prazeres satildeo semelhantes sendo que o objeto de prazer de cada

um difere uns dos outros neste caso soacute um homem tolo poderia crer nisso (11d5-6)

A resposta de Protarco eacute que tais prazeres encontram-se em situaccedilotildees opostas

(πλαΰηΪ πθ θαθ έπθ) mas entre eles natildeo podem ser opostos uns aos outros pois natildeo se

poderiam chamaacute-los a todos de prazer Natildeo fariam parte de algo que genericamente

ὂὁἶἷmὁὅΝἶἷfiὀiὄΝἵὁmὁΝὅἷὀἶὁΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoςΝldquoἡΝὂὄaὐἷὄΝὀἷὅtἷΝἵaὅὁΝὀatildeὁΝὅἷὄiaΝὁΝὃuἷΝhὠΝἶἷΝmaiὅΝ

semelhante ( ηκδσ α κθ) idecircntico em relaccedilatildeo a si mesmo (α κ αυ )ςrdquoΝ(11ἷ1-2)

Soacutecrates responde utilizando as cores dizendo que a mesma coisa pode ser

exemplificada ao notar que uma cor eacute semelhante a uma cor Isto significa dizer que Soacutecrates

natildeo contesta a natureza do prazer enquanto agradaacutevel que em conjunto elas digam respeito

agravequilo que eacute agradaacutevel o que seraacute reafirmado daqui haacute pouco (13a) Podemos assegura

Soacutecrates dizer que preto e branco satildeo cores e que nada as diferenciaria enquanto ambas

satildeo cores apesar de notarmos que elas contecircm diferenccedilas e que satildeo ateacute opostas umas das

ὁutὄaὅέΝἏlὧmΝἶὁΝmaiὅΝἥὰἵὄatἷὅΝaἵὄἷὅἵἷὀtaμΝldquo(έέέ)ΝumaΝfiguὄa tamἴὧmΝὧΝumaΝfiguὄardquoέΝἢὁἶἷmὁὅΝ

149 Tal significado seraacute realccedilado em 26b7 por Soacutecrates semelhante ao que se encontra em Hesiacuteodo (Th 937-975) Diegraves reconhece em sua traduccedilatildeo essa mudanccedila de sentido quaὀἶὁΝὀὁὅΝἶiὐμΝldquoἷὅὅaΝἶἷuὅaΝnatildeo pode ser aquela Afrodite natildeo aquela Afrodite de Filebo que seria apenas o prazer sem regra () mas aquela que Soacutecrates quer claramente distinguir (12c) Afrodite eacute matildee da Harmonia (Hes Th 937 975) que tem como servas aὅΝἓὅtaὦὴἷὅrdquoΝ(1λἄἄΝὂέΝἀἂΝὀέ1)έ

104 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

notar aqui alguma relaccedilatildeo com a passagem do Mecircnon (73e ss)150 poreacutem se trata do inverso

a multiplicidade antes questionada naquele diaacutelogo agora adota aqui o lugar da anaacutelise Em

suma Soacutecrates deseja decompor o que eacute isso que noacutes nomeamos em uma coisa uacutenica

ldquoὂὄaὐἷὄrdquo151 mas agora lhe interessa dividi-la compreendecirc-la por meio de uma anaacutelise

pormenorizada de sua multiplicidade

Soacutecrates entatildeo iraacute dizer em 13a1 que eacute pelo gecircnero (ΰΫθ δ) que elas satildeo um todo (π θ

θ) mas em suas partes (ηΫλβ) desse todo elas satildeo contraacuterias umas agraves outras e ao mesmo

tempo algumas apresentam inuacutemeras diferenccedilas entre si ( δαφκλσ β rsquoΝ ηυλέαθ πκυ

υΰξΪθ δ) Do mesmo modo o condutor da discussatildeo recusa prima facie considerar os

prazeres como unidade insiste em considerar que as coisas opostas natildeo devem ser

conduzidas por ora a uma unidade A justificativa eacute que alguns prazeres possam ateacute se

demonstrarem eles mesmos enquanto tais opostos a si mesmo (13a1-6)

O questionamento de Protarco eacute sobre a utilidade desse procedimento porque se deve

agir sim jaacute que todos nomeiam ( θσηα δ) como algo uacutenico prazer Soacutecrates explica que

geralmente se nomeiam coisas dessemelhantes ( θσηκδα) por um outro nome apesar de

serem elas uma uacutenica coisa (como eacute o caso jaacute referido das cores preto e branco satildeo cores

mas nomeamos o preto de lsquopretorsquo e natildeo de lsquobrancorsquo)έΝἢὄotarco age da mesma maneira pois

ele afirma que todas as coisas prazerosas satildeo boas ( ΰαγ ) mas essas coisas boas satildeo

dessemelhantes contraacuterias e ateacute maacutes para alguns indiviacuteduos a despeito de todos eles

nomearem essas coisas como boas Quanto agrave indagaccedilatildeo de Protarco Soacutecrates a responde

ἵlaὄamἷὀtἷμΝldquoἡὄaΝὀἷὀhumΝaὄgumἷὀtὁΝἵὁὀtἷὅtaΝ( ηφδ ίβ ῖ) o fato de que coisas prazerosas

ὅatildeὁΝὂὄaὐἷὄὁὅaὅrdquoΝ(1ἁaλ-b1) De acordo com a argumentaccedilatildeo subsequente Soacutecrates diz que

embora grande maioria das coisas prazerosas seja maacute haacute tambeacutem coisas prazerosas boas

contudo a todas elas os indiviacuteduos designam o qualitativo bom mas se algueacutem vier a

confrontaacute-los com argumentos concordaratildeo sobre essas coisas boas que satildeo

dessemelhantes O importante aqui eacute reconhecer que a argumentaccedilatildeo continua em ciacuterculos

e recorre a uma peticcedilatildeo de princiacutepio resultante da argumentaccedilatildeo loacutegica anteriormente

desenvolvida Aqueles indiviacuteduos (moderado tolo pensante) todos eles sentem prazer e

denominam os seus prazeres como bons contudo cada um deles sente prazer com algo

distinto por exemplo o moderado considera que eacute bom ser moderado sente prazer com isso

Confrontados uns com os outros cada um desses diria que o seu prazer eacute bom e o do outro

150 ldquoἑὁmὁΝἷmΝὁutὄὁΝἵaὅὁΝὃualὃuἷὄέΝἢὁὄΝἷxἷmὂlὁΝὅἷΝὃuἷὄἷὅΝaΝὄἷὅὂἷitὁΝἶaΝὄἷἶὁὀἶἷὐΝἷuΝἶiὄiaΝὃuἷΝὧΝumaΝfigura natildeo simplesmente que lteacuteρΝumaΝfiguὄaέΝἓΝἶiὄiaΝaὅὅimΝὂἷlaΝὄaὐatildeὁΝὃuἷΝhὠΝὁutὄaὅΝfiguὄaὅrdquoΝ(Men 73e3-6) O mesmo exemplo das cores eacute encontrado a seguir em 74c 151 Alguns inteacuterpretes como Gosling (1975 pp 76ndash78 142) veem nesta passagem talvez um sinal de mudanccedila no pensamento platocircnico pois no Mecircnon (74c) a coisa uacutenica eacute preferida agrave multiplicidade mas eacute necessaacuterio levar em conta o contexto em que se insere a passagem isto eacute os propoacutesitos relativos agrave anaacutelise dos prazeres

105 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

natildeo o que jaacute demonstraria certa dificuldade em encontrar uma ideia uacutenica do que seja

ἷfἷtivamἷὀtἷΝaΝuὀiἶaἶἷΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoέΝἡὄaΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἶὁΝtἷmὂἷὄaὀtἷΝὧΝaὅὅimΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝaὁΝἶὁΝtὁlὁΝ

logo ele natildeo eacute ἴὁmΝἷΝὅimΝmauέΝἏὁΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὃuἷὅtiὁὀaμΝldquoἡΝὃuἷΝhὠΝἷxatamἷὀtἷΝἶἷΝmesmo

(grifo do tradutor) nos maus assim como nos bons prazeres para que seja possiacutevel

ἵhamaὄἷὅΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἶἷΝἴὁὀὅςrdquoΝ(1ἁἴἁ-5) Cada um dos interlocutores ainda defende

ambos suas posiccedilotildees sem adotarem uma base comum por isso ainda resiste o impasse

Protarco ainda natildeo compreende os propoacutesitos ainda se apega agrave questatildeo definicional

tautὁlὰgiἵaΝatὧΝὂὄaὐἷὄΝὧΝὂὄaὐἷὄΝἷΝὃuaὀἶὁΝἶiὅὅἷmὁὅΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝimὂliἵaΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝalgὁΝὧΝἴὁmέΝ

Podemos entatildeo dizer que Soacutecrates estaacute disposto a combinar duas questotildees diferentes

(i) seria possiacutevel dividir o prazer em diferentes espeacutecies algumas delas dissemelhantes e ateacute

mesmo contraacuterias umas agraves outras (ii) eacute possiacutevel distinguir prazeres bons de prazeres maus

Tais questotildees soacute seratildeo separadas mais tarde como veremos mas aqui elas ainda satildeo

analisadas conjuntamente Protarco que ateacute entatildeo natildeo tinha manifestado sequer alguma

ὁἴjἷὦatildeὁΝὡΝaὄgumἷὀtaὦatildeὁΝὂὄἷἵἷἶἷὀtἷΝὃuἷὅtiὁὀaμΝldquoὅuὂὴἷὅΝὃuἷΝalguὧmΝἶἷὂὁiὅΝἶἷΝmanter que

o prazer eacute o bem ( ΰαγσθ) aceitaraacute pacientemente esta tua afirmaccedilatildeo de que dentre os

prazeres alguns satildeo bons ( ΰαγ μ)ΝἷΝὁutὄὁὅΝὅatildeὁΝmauὅςrdquoΝ(1ἁἴἄ-c2) Diraacute Soacutecrates que pelo

menos diria que eles satildeo dessemelhantes ( θκηκέκυμ) e ateacute opostos (13c3-4)

O proacuteprio Soacutecrates reconhece o andar em ciacuterculos do argumento porquecirc de novo o

argumento vem agrave tona e novamente se insiste que o prazer enquanto prazer natildeo se diferencia

ὅatildeὁΝtὁἶὁὅΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝἵὁὀfὁὄmἷΝὁὅΝἷxἷmὂlὁὅΝjὠΝἶaἶὁὅΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷέΝἣuaὀἶὁΝἢὄὁtaὄἵὁ se daacute

conta da combinaccedilatildeo de duas coisas distintas por Soacutecrates ele tenta recuar agrave divisatildeo Mesmo

reconhecendo que haacute diferentes tipos (espeacutecies) de prazer natildeo aceita que se divida o prazer

apesar das muacuteltiplas instacircncias de prazeres ele eacute incapaz de aceitar a divisatildeo da unidade

ldquoὂὄaὐἷὄrdquoέΝἓlἷΝὅἷΝὄἷἵuὅaΝὡΝἶialὧtiἵaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἶitὁΝἶἷΝὁutὄὁΝmὁἶὁΝhὠΝumaΝἶifiἵulἶaἶἷΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝ

ἶἷὅὅἷΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄΝἷmΝὄἷἵὁὀhἷἵἷὄΝὁὅΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquo152 segundo ele ou eacute prazer ou natildeo natildeo

importa se o prazer do temperante eacute a moderaccedilatildeo ou se o prazer do tolo satildeo as opiniotildees

tolas todos satildeo prazeres diferentes mas todos prazeres

A rejeiccedilatildeo de Soacutecrates por esse tipo de recurso parece mais uma discussatildeo uma

ἶiὅὂutaΝ ἶἷΝ ldquoiὀiἵiaὀtἷὅrdquoΝ ldquoὃuἷΝ ὅἷΝ ὂἷὄἶἷΝ ἷΝ ὀaufὄagardquo153 do que um discurso que segue

ἶἷtἷὄmiὀaἶaΝ ldquoὄὁtardquoΝ ἷmΝ viὅtaΝ ἶἷΝ ὂὁὀtὁὅΝ ἵὁmuὀὅέΝ ἦalvἷὐΝ ὅἷὄiamΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiaὅΝ aἴἶiἵaὦὴἷὅΝ

reciacuteprocas eacute o que Soacutecrates propotildee a seu interlocutor (13d3-8) A questatildeo entatildeo eacute invertida

e do mesmo modo Soacutecrates forja um questionamento agora em relaccedilatildeo ao conhecimento

afirmando que eles deveratildeo passar pelo mesmo processo A investigaccedilatildeo eacute similar do mesmo

152 Ficaraacute mais evidente o termo aqui utilizado em nossa argumentaccedilatildeo posterior de 16d referente ao ldquoἶὁmΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅrdquoέΝ 153 Muniz (2012) faz uma nota (n11) em que referencia o caraacuteter divino da atividade dialeacutetica como busca pelo que eacute estaacutevel que natildeo muda por isso tambeacutem chamada de divina

106 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

modo natildeo podemos dizer que os conhecimentos natildeo se diferem entre si que satildeo

dessemelhantes ( θσηκδκέ) os mesmos conhecimentos e ciecircncias (φλσθβ έμ εα πδ άηβ)

diz Soacutecrates (13e4-7) que anteriormente ele teria dito que satildeo bons ( ΰαγ ) e que satildeo bens

( ΰαγσθ)

Soc Tomados em conjunto ( υθΪπα αδ) os conhecimentos ( πδ ηαδ) parecem ( σικυ δθ) muacuteltiplos (πκζζαέ) e alguns deles dessemelhantes ( θκηκδκέ) entre si (α θ ζζάζαδμ) Mas no caso de alguns se revelarem ateacute mesmo opostos( θαπ έαδ) estaria eu agrave altura da nossa discussatildeo ( δαζάΰ γαδ) se temendo isso afirmasse que um conhecimento natildeo eacute de modo algum dessemelhante de um conhecimento E entatildeo nosso discurso natildeo se perderia como um mito perece ( πκζση θκμ)154 e estariacuteamos satildeo e salvos ( ακέη γα) mas graccedilas a um absurdo ( ζκΰέαμ) (13e9-14a5)

154 Bernadete eacute o uacutenico de acordo com meu conhecimento a tratar dessa expressatildeo nas traduccedilotildees ἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅμΝ ldquoἡΝὂὄὁvὧὄἴiὁΝ lsquoὁΝmitὁΝὅἷΝὂἷὄἶἷursquoΝ tἷmΝ tὄecircὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝἷxὂlaὀaὦὴἷὅΝἷὀtὄἷΝὁὅΝ scholars de Platatildeo Aqui se diz que foi aplicado aos que natildeo estavam prestando atenccedilatildeo ao que estava sendo dito Em Teeteto 164d eacute dito que foi aplicado agravequeles que natildeo colocam limites (peras) na sua argumentaccedilatildeo e no final da Repuacuteblica (ἄἀ1ἴ)ΝἢὄὁἵlὁΝὂὁὅὅuiΝumaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝὅὁἵὄὠtiἵaΝlsquoὁΝmitὁΝὀὁὅΝὅalvὁursquoΝ ὃuἷΝ lsquoὁΝ mitὁΝ ὅἷΝ ὂἷὄἶἷursquoΝ ὄἷfἷὄἷm-se ao fato de que os mitos satildeo algo tatildeo desinteressado porquanto falam de algo que natildeo exiὅtἷmrdquoΝ (1λλἁΝ ὂέΝ ἃΝ ὀέ1ἂ)έΝ ἠὁΝ ἷὀtaὀtὁΝ talvἷὐΝ ὅἷjaΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝdiscordar desse sentido de suposta desatenccedilatildeo e tambeacutem das consideraccedilotildees levantadas por Proclo Brisson (1999) em um importante estudo sobre os mitos e sua presenccedila nos diaacutelogos platocircnicos iraacute demonstrar recorrendo aos manuscritos e agraves coleccedilotildees bizantinas que o sentido aqui eacute realmente aquele que se refere agrave uma discussatildeo que natildeo possui fim que natildeo possui limite O que faz todo o sentido se analisarmos a passagem Mas antes de explicar o sentido da expressatildeo o estudioso francecircs recorre agrave presenccedila dos dois verbos (que no Filebo aparecem conjuntamente) satildeo eles πκζζυ αδ (perecer) e

α δθ (salvar) que quando aparecem juntos retomam o proverbo (κ ξκδ κ) termo omitido pela traduccedilatildeo brasileira Verbos que aparecem em outras obras (R X 621b-c1 Tht 164d8-10 Lg I 645b1-2) e ἷvὁἵamΝ ἷὅὅἷΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ὂὄὁvἷὄἴialΝ ldquoὁΝ mitὁΝ ὂἷὄἷἵἷrdquoΝ ldquoὁΝ ldquomitὁΝ ὀὁὅΝ tἷὄiaΝ ὅalvὁrdquoΝ ἵὁὀtiἶaΝ ὀaΝ ἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝ ἶὁΝFilebo ldquo(έέέ)Ν ζσΰκμ π λ η γκμ πκζση θκμ κ ξκδ κ α κ ακδη γα πέ δθκμ ζκΰέαμrdquoΝ(1ἂaἂ-ἃ)έΝ ἏΝ mἷὅmaΝ ἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝ ὅἷguὀἶὁΝ ἐὄiὅὅὁὀΝ ἷὅtὠΝ ὄἷlaἵiὁὀaἶaΝ ἵὁmΝ ὁΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ldquomitὁΝ ὅἷmΝ ἵaἴἷὦardquoΝ(αεΫφαζκμ η γκμ)ΝlὁgὁΝἷlἷΝὄἷὅumἷΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁμΝldquo(έέέ)ΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝὂὄὁvἷὄἴialΝὄἷfἷὄἷὀtἷΝaΝumaΝhistoacuteria [mito] que natildeo possui umΝfimrdquoΝ(1λλλΝὂέΝἄ1)έΝἡΝἷὅtuἶiὁὅὁΝἷxὂliἵaΝmaiὅΝἶiὐἷὀἶὁΝὃuἷΝὂὁὂulaὄmἷὀtἷΝo mito assim como qualquer discurso eacute comparado com um ser vivo com um corpo vivo que natildeo pode se encontrar desordenado natildeo seria normal ver um corpo perambulando sem cabeccedila por isso um mito (ou um discurso) deve ser capaz de dizer o que tem de dizer ateacute o fim Isso nos dirigiria a duas questotildees importantes agravequilo que o mito deve falar e agravequilo que ele deve deixar de falar Um mito eacute reavivado quando aquilo a que se relaciona e reformula possui o pretexto de ser imortal (BRISSON 1999 p 61) Nesse sentido eacute necessaacuterio compor um discurso que tenha sentido como um corpo vivo bem estruturado e natildeo algo infinito sem peacute e nem cabeccedila Natildeo por acaso em 64a Soacutecrates iraacute afirmar ὃuἷΝ tὁἶὁΝ ὁΝ ἶiὅἵuὄὅὁΝ tἷὄiaΝ ἵὁὀἶuὐiἶὁΝ aΝamἴὁὅΝ iὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝ aΝ umaΝ ldquoἴἷlaΝὁὄἶἷmΝ iὀἵὁὄὂὰὄἷardquoέΝ εuὀiὐΝ(2007 p 113-123) teria reconhecido em outro texto essa semelhanccedila mas se esquece de evocar nessa passagem (14a) o que validaria ainda mais sua defesa de que o diaacutelogo possui uma ordem invisiacutevel mas visivelmente aparenta ser desordenado aos inteacuterpretes Para tal ele recorre ao Fedro (264c) que recorre a este mesmo significado todo discurso deve se assemelhar a um corpo vivo dotado de ordem compondo um todo unificado

107 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

Protarco demonstra-se satisfeito com o suposto peacute de igualde em que satildeo colocados

ambos os discursos (14a6-9) Digo lsquosupostorsquo porque Soacutecrates apela apenas agrave possibilidade

de divisatildeo entre conhecimentos semelhantes e conhecimentos dessemelhantes e a

possibilidade de conhecimentos contraacuterios mas natildeo submete os conhecimentos agrave divisatildeo

entre bons e maus O que de fato veremos bem mais adiante eacute que todos os conhecimentos

seratildeo considerados bons puros o que natildeo significa dizer que natildeo seratildeo ordenados de acordo

com seu maior ou menor grau de bondade o que apresenta certa semelhanccedila com a divisatildeo

inicial entre prazeres bons e maus Resta saber se o criteacuterio utilizado seraacute o mesmo Mas por

ora natildeo devemos ainda tratar disso

Na discussatildeo atual eacute pertinente a Soacutecrates distinguir os prazeres entre bons e maus

prazeres mas esse tipo de divisatildeo natildeo decorre necessariamente da divisatildeo em espeacutecies do

prazer Ao dizer que o prazer possui espeacutecies dentre um mesmo gecircnero natildeo somos obrigados

a fazer uma distinccedilatildeo entre prazeres bons prazeres maus Mas tudo indica que esta eacute a

postura assumida no decorrer da argumentaccedilatildeo A divisatildeo dos prazeres em espeacutecies natildeo

pode ser realizada antes de examinarmos uma divisatildeo em relaccedilatildeo a sua bondade Natildeo eacute

possiacutevel operaacute-la sem que assumamos que o prazer natildeo eacute idecircntico ao bem Por isso duas

questotildees novamente se apresentam (i) o prazer eacute idecircntico ao bem E ainda (ii) o que eacute o

bem (Cf 13c14b)

Note-se que nada ainda foi adiantado nenhum dos dois prazer e inteligecircncia perderam

a batalha ainda Primeiramente conveacutem analisar se o prazer eacute essencialmente o bem e em

segundo lugar se alguns prazeres satildeo bons e outros satildeo maus e ainda em terceiro se o

prazer eacute idecircntico ao bem Isso significa apenas dizer que se podemos considerar todos os

prazeres como bons ou a apenas alguns deles para tal devemos saber o que eacute o bem em si

mesmo O mesmo deve ser feito com relaccedilatildeo aos conhecimentos podemos predicaacute-los todos

como bons ou apenas alguns deles Em caso de natildeo identidade ao bem reconhecida em

ambos (prazer e conhecimento) devemos buscar uma terceira coisa Eacute o que diz Soacutecrates

Soc Bem Protarco sem ocultar entatildeo a diferenccedila entre a tua e a minha mas expondo-a agrave visatildeo de todos vamos ousar ver se ao serem examinadas ( ζ ΰξση θκδ) podem elas nos indicar se devemos chamar de bem ( ΰαγσθ) prazer ( κθ θ) ou o pensamento (φλσθβ δθ) ou uma terceira coisa ( δ λέ κθ ζζκ θαδ) Pois certamente agora natildeo entramos na disputa

(φδζκθδεκ η θ) para dar vitoacuteria ao que eu defendo ( ππμ ΰ έγ ηαδ) ou ao que tu defendes ( α rsquoΝ αδ θδε θ α) Devemos sim combater juntos e aliados ( υηηαξ ῖθ η μ ηφπ) ao mais verdadeiro ( rsquoΝ ζβγ Ϊ ) (14b1-b7)

Eacute somente depois disso que seraacute possiacutevel fazer uma distinccedilatildeo entre prazeres bons e

maus Apenas se for demonstrado que a proposiccedilatildeo o bem eacute idecircntico ao prazer eacute equivocada

108 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ἑὁmὁΝἴἷmΝὀὁtaΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝldquoiὅὅὁΝὅigὀifiἵaΝigualmἷὀtἷΝὃuἷΝὁΝmὧtὁἶὁΝἶἷΝἵὁlἷtaΝἷΝἶivisatildeo

natildeo pode ser de alguma ajuda na determinaccedilatildeo da natureza do bem uma vez que o uacutenico

uso relevante que poderiacuteamos fazer do problema do bem pressupotildee que a natureza disso jaacute

tἷὄiaΝ ὅiἶὁΝ ἶἷtἷὄmiὀaἶardquoΝ (ἒἓἜἑἡεεIἠἓἦἦἓΝ ἀίίἄΝ ὂέΝ ἂἂ)έΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὂaὄἷἵἷΝ ἷὀtatildeὁΝ ἷstar

preocupado com a questatildeo metodoloacutegica algo que seraacute desenvolvido logo a seguir mas a

proacutepria artificialidade do meacutetodo eacute algo consciente e tornaraacute capaz de entrelaccedilar a questatildeo

metodoloacutegica com as questotildees eacuteticas algo que veremos bem mais adiante no diaacutelogo

O que se pode notar neste iniacutecio de diaacutelogo eacute toda uma tentativa de Soacutecrates em

oferecer agrave discussatildeo uma caracteriacutestica propriamente dialeacutetica ao estruturaacute-la segundo os

objetivos maiores que a discussatildeo possa vir a alcanccedilar Portanto a escolha do meacutetodo natildeo eacute

algo casual mas deliberada em funccedilatildeo dos objetivos de tal modo jaacute eacute possiacutevel notar ainda

que implicitamente que os aspectos metodoloacutegicos e eacuteticos da questatildeo estatildeo condicionados

mutuamente (DELCOMMINETTE 2006 p 49)

Essa parte do diaacutelogo talvez seja uma das que mais colocam em embaraccedilo os leitores

do texto155μΝaὃuἷlἷΝldquoὂuὄgatὰὄiὁrdquoΝἵὁmὁΝjὠΝaὂὁὀtamὁὅΝὃuἷΝἔὄἷἶἷΝ(1λλἁΝὂέΝ1ἁ)ΝfaὐΝmἷὀὦatildeὁΝἷΝ

que torna o diaacutelogo complexo e a respeito do qual muito se discutiu e se discute ainda hoje

Afirmadas as diferenccedilas entre prazeres e conhecimentos essa mesma unidade a qual nos

referimos ao nomear algo como prazer e conhecimento evoca a claacutessica e controversa

discussatildeo do problema da unidade e da multiplicidade Como diz o proacuteprio Soacutecrates no

diaacutelogo ldquoaὃuἷlaΝ[ὃuἷὅtatildeὁ]ΝὃuἷΝἵauὅaΝὂὄὁἴlἷmaὅΝὂaὄaΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὅἷὄἷὅΝhumaὀὁὅΝὃuἷὄΝὃuἷiὄamΝ

ἵὁmὁΝalguὀὅΝὃuἷὄἷmΝὃuἷὄΝὀatildeὁΝὃuἷiὄamΝἵὁmὁΝὡὅΝvἷὐἷὅΝὀatildeὁΝὃuἷiὄamrdquoΝ(1ἂἵἂ-5) Que questatildeo

ὅἷὄiaΝἷὅὅaςΝἠὁὅΝὄἷὅὂὁὀἶἷΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquo(έέέ)ΝaΝtἷὅἷΝὅuὄὂὄἷἷὀἶἷὀtἷΝὂὁὄΝὀatuὄἷὐaΝὃuἷΝagὁὄaΝhaacute

ὂὁuἵὁΝἷὀἵὁὀtὄamὁὅΝὂὁὄΝaἵaὅὁμΝlsquoὃuἷΝὁΝmήltiὂlὁΝὅἷjaΝum e o um seja muacuteltiplo ( ΰ λ π ζζ

θαi εα π πκζζ )rdquoΝ(1ἂἵἆ-9) Natildeo haacute como ser contestado ( ηφδ ίβ αδ) qualquer um

que sustente ( δγ ηΫθ ) qualquer uma das duas posiccedilotildees (14c9-10)

Como nὁὅΝ ἶiὐΝ ἒixὅautΝ (ἀίί1Ν ὂέΝ ἀἆλ)Ν ἷὅtamὁὅΝ ἷmΝ umΝ ldquotἷὄὄἷὀὁΝ ἵὁὀhἷἵiἶὁrdquoΝ iὅtὁΝ ὧΝ

aquele que coloca em discussatildeo a possibilidade de algo possuir simultaneamente posiccedilotildees

155 A literatura interpretativa deste momento do diaacutelogo eacute tatildeo vasta que chega a ser impossiacutevel tratar de cada um dos comentadores pormenorizadamente ateacute porque muitos divergem entre si seja totalmente seja em algumas partes Pretendo lidar apenas com alguns comentaacuterios que satildeo pertinentes e que de certo modo coadunam com a interpretaccedilatildeo que procuro aqui defender alguns os quais sigo bem de perto Friedlaumlnder (2004) Striker (1970) Shiner (1974) Gosling (1975) Casper (1977) Hahn (1978) Moravcsik (2006) Dancy (1984) Benitez (1989) Davidson (1990) Hampton (1990) Mirhady (1992) De Chiara-Quenzer (1993) Barker (1996) Meinwald (1996) Frede (1997) Frede (1993) Carpenter (2009) Dixsaut (2001) Delcomminette (2006) Muniz amp Rudebusch (2004 2007) Ateacute porque neste momento embora seja importante para a compreensatildeo do diaacutelogo natildeo eacute o alvo da minha anaacutelise do texto dos temas propriamente que me satildeo caros neste trabalho como a dialetizaccedilatildeo dos prazeres a discussatildeo aqui se centra em torno do meacutetodo algo que tem desafiado leitores contemporacircneos do diaacutelogo A meu ver ele estaacute a serviccedilo da dialeacutetica eacute mais uma de suas propriedades sobre esse debate falarei mais adiante

109 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

contraacuterias essa eacute uma das dificuldades que conduz Soacutecrates a postular as Formas

resolvendo a questatildeo pela participaccedilatildeo (Phd 102ass R 523e-525a Tht 154c) Ou seja

trata-se de um problema fundamental jaacute bastante discutido mas o que vemos parece ser um

ἵἷὄtὁΝἶἷὅἵaὅὁΝὁuΝldquoἷὅὀὁἴiὅmὁrdquoΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝὡΝὃuἷὅtatildeὁΝἵὁmὁΝtἷὄiaΝἴἷmΝ

reconhecido Frede (1993 p 20-21) Para tal uma justificativa plausiacutevel seria recorrer ao

Parmecircnides (128-ἄΝ1ἁίa)ΝἷmΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὄἷjἷitaΝἷὅtaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoἶiὅἵuὅὅatildeὁΝiὀfaὀtilrdquoΝἷΝfὠἵilΝ

(παδ αλδυ β εα δα 14d7) para tratar de tatildeo importantes paradoxos partindo de coisas

individuais (como se diz em Prm 130c5-7 das absurdidades praticadas em relaccedilatildeo agraves Formas

quando se pretende alcanccedilar uma Forma de coisas em devir de coisas despreziacuteveis e vis

como a forma da lama do cabelo da sujeira e outras mais) e para tal a resposta eacute muito

semelhante agravequela apresentada naquele diaacutelogo (Prm 130d3-9)

ἢὄὁtaὄἵὁΝὀatildeὁΝἶἷixaΝἶἷΝἶἷὅἵὄἷvἷὄΝἷὅὅaΝmἷὅmaΝviὅatildeὁΝldquoἴaὀaliὐaἶardquoΝ( βη υηΫθα)156 da

divisatildeo utilizando a si proacuteprio como exemplo ele mesmo sendo um por natureza eacute tambeacutem

muacuteltiplo alto e baixo pesado e leve e vaacuterias coisas desse tipo (14d1-3) Contudo esse

problema natildeo deixa de ser importante pois trata-se de algo presente em outros diaacutelogos nos

quais o problema jaacute foi discutido A questatildeo da multiplicidade de predicaccedilotildees dos sensiacuteveis a

um ser particular jaacute foi algo recorrente157 e a hipoacutetese da participaccedilatildeo nas Formas se destina

justamente a resolver esse problema como dissemos anteriormente A fala de Protarco citada

anteriormente (14d1-3) eacute relevante nesse sentido porque ela retoma essa questatildeo Podemos

compreendecirc-la de duas formas (i) como limitante ao problema da oposiccedilatildeo entre contraacuterios

ou (ii) como inclusatildeo dessas oposiccedilotildees como em casos particulares de multiplicidade158

Todavia como bem notou Delcomminette (2006) o segundo sentido parece mais proacuteximo agrave

temaacutetica em torno dessa argumentaccedilatildeo uma vez que seraacute relevante pensar a divisatildeo em um

ὅἷὀtiἶὁΝaἴὅtὄatὁΝὁuΝldquoiὀtἷligiacutevἷlrdquoΝἷΝὀatildeὁΝὂuὄamἷὀtἷΝldquoὅἷὀὅiacutevἷlrdquoΝ(ὂέΝἃἀ)έΝἑὁmὁΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝἶitὁΝ

156 Delcomminette (2006) critica aqueles comentadores (referindo-se a Jackson (1882) e Dancy (1984)) ὃuἷΝaἵὄἷἶitamΝὃuἷΝὁὅΝὃualifiἵativὁὅΝldquoἴaὀalrdquoΝldquoὂuἷὄilrdquoΝldquofὠἵilrdquoΝatὄiἴuiacuteἶὁὅΝaΝἷὅὅἷΝὂὄὁἴlἷmaΝ(ὂὄἷἶiἵaὦatildeὁΝἶὁὅΝsensiacuteveis) denote alguma mudanccedila no pensamento de Platatildeo acerca da relevacircncia do problema jaacute que em outros diaacutelogos ele teria ganhado destaque alcanccedilado determinada relevacircncia Todavia somos obrigados a concordar com esse autor que a criacutetica aqui tem um outro sentido vale lembrar que esta divisatildeo tida como banal jaacute foi rejeitada em outras obras pela recorrecircncia agrave hipoacutetese das Formas isto soacute significa que o propoacutesito demonstrado por Platatildeo seria o mesmo realccedilado por ele no iniacutecio do Parmecircnides ou seja agora eacute necessaacuterio tratar da divisatildeo de um ponto de vista dialeacutetico e natildeo banal modo apenas pelo qual a discuὅὅatildeὁΝὅὁἴὄἷΝὁὅΝtἷmaὅΝtiἶὁὅΝἵὁmὁΝldquoὅὧὄiὁὅrdquoΝiὄὠΝavaὀὦaὄέΝἏlgὁΝὃuἷΝἵὁmὁΝvἷὄἷmὁὅΝumaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἷὀtὄἷΝldquojὁvἷὀὅrdquoΝἶἷvἷὄὠΝὅἷΝatἷὄΝ(ὂέΝἃἁ-54) 157 Cf Sph 251ass 158 Algo notado por Frede (1993 p 21) a partir do duplo sentido desempenhado pela partiacutecula εα no trechὁΝὄἷfἷὄiἶὁέΝVἷjamμΝldquoΠΡΩ λrsquoΝκ θ ζΫΰ δμ αθ δμ η φ Πλυ αλξκθ θα ΰ ΰθσ α φτ δ πκζζκ μ

θαδ πΪζδθ κ μ η εα θαθ έκυμ ζζάζκδμ ηΫΰαθ εα ηδελ θ δγΫη θκμ εα ίαλ θ εα εκ φκθ θ α κθ εα ζζα ηυλέανrdquoΝ(1ἂἵ11-d3)

110 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

o modo como Soacutecrates responde agraves objeccedilotildees de Zenatildeo no Parmecircnides eacute consoante com o

que se apresenta aqui no Filebo como bem resume Delcomminette (2006)

O fato de que vaacuterias qualidades e ateacute mesmo qualidades opostas possam predicadas a um ser sensiacutevel pode ser explicado pelo fato de que ele participa de diferentes Ideacuteias de tal forma que cada uma delas eacute por sua vez apenas aquilo que eacute Deste modo o fato de que um ser sensiacutevel possa receber predicados contraacuterios natildeo implica a menor contradiccedilatildeo porque cada predicado corresponde a uma relaccedilatildeo particular sob a qual esse ser eacute considerado a saber em relaccedilatildeo agrave sua participaccedilatildeo nesta ou naquela Ideia enquanto que a contradiccedilatildeo apenas pode acontecer entre predicados que qualificam algo segundo a mesma relaccedilatildeo Entatildeo Platatildeo geralmente lida com esse tipo de problema do um e do muacuteltiplo ao separar um e muacuteltiplo e por colocaacute-los em dois niacuteveis ontoloacutegicos diferentes ndash o um no niacutevel sensiacutevel e o muacuteltiplo no niacutevel inteligiacutevel (p 53)

Da mesma maneira Soacutecrates apresenta sua criacutetica a esse tipo de divisatildeo

anteriormente descrito por seu interlocutor atribuindo a ela os mesmos qualificativos antes

destinados no ParmecircnidesέΝἣuaὀἶὁΝalguὧmΝὅἷΝὂὴἷΝaΝἶiviἶiὄΝἷmΝldquomἷmἴὄὁὅΝὁuΝὂaὄtἷὅrdquoΝalgὁΝὂὁὄΝ

meio do discurso ( αθ δμ εΪ κυ ηΫζβ εα ηα ηΫλβ δ ζυθ ζσΰ ) e atesta que por

meio da reuniatildeo dessas partes se tenha chegado ao um natildeo lhe faltam pessoas a dizer que

ὅἷΝ tὄataΝ ἶἷΝ algὁΝ ὄiἶiacuteἵulὁΝ afiὄmaὀἶὁΝ ldquomὁὀὅtὄuὁὅiἶaἶἷὅrdquoΝ ἵὁmὁΝ aΝ ὅἷὀtἷὀὦaΝ ἶἷΝ ὃuἷ ὁΝ ldquoumΝ ὧΝ

muacuteltiplo e ilimitado ( θ μ πκζζΪ δ εα π δλα) ou que o muacuteltiplo eacute apenas um (πκζζ μ

θ ησθκθ) (14e3-4)

Esse eacute um dos principais obstaacuteculos impostos agrave atividade dialeacutetica que deve distinguir

pelo discurso os membros que satildeo ao mesmo tempo partes de uma determinada coisa Qual

seria entatildeo a forma correta de se utilizar a divisatildeo que natildeo seja essa das coisas que nascem

ἷΝὂἷὄἷἵἷmΝjὠΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅἷΝtὄataΝἶἷΝumaΝldquoἶiviὅatildeὁΝἴaὀalrdquoΝὃuἷΝὀἷmΝὅἷὃuἷὄΝἶἷvἷΝὅἷὄΝlἷvaἶaΝἷmΝ

conta159

Soc Eacute quando meu jovem algueacutem coloca o um mas natildeo aquele do qual agora haacute pouco falamos das coisas que vecircm a ser e perecem ndash pois neste caso chegou-se agrave admissatildeo que esse tipo de um ao qual nos referimos haacute pouco natildeo precisa ser refutado Mas sim quando algueacutem tenta colocar o

159 ἑὁmὁΝ ἵὁmἷὀtaΝ ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ (ἀίίἄ)Ν ldquoἶἷΝ ὃualὃuἷὄΝ mὁἶὁΝ ἷὅὅἷΝ tiὂὁΝ ἶἷΝ ὂὄὁἴlἷmaΝ ἶὁΝ umΝ ἷΝ ἶὁΝmuacuteltiplo natildeo eacute pertinente para a pesquisa atual porque ele natildeo concerne a um bom tipo de predicaccedilatildeo Com efeito o tipo de declaraccedilatildeo que Soacutecrates e Protarco estatildeo lidando natildeo consiste em predicar muacuteltiplas qualidades de um ser particular ndash ὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝ lsquoἷuΝἢὄὁtaὄἵὁrsquoΝndash mas em predicar muacuteltiplos tἷὄmὁὅΝgἷὄaiὅΝὂὁὅὅivἷlmἷὀtἷΝἵὁὀtὄaἶitὰὄiὁὅΝἶἷΝὁutὄὁὅΝ tἷὄmὁὅΝgἷὄaiὅΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝὃuaὀἶὁΝὅἷΝἶiὐΝ lsquoὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝἴὁmrsquoΝὁuΝlsquoὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝὄuimrsquoέΝἏΝaὂaὄἷὀtἷΝἵὁὀtὄaἶiὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝἷὅtἷὅΝἶὁiὅΝἷὀuὀἵiaἶὁὅΝὃuἷΝtὁὄὀaΝὁΝprazer tanto um como muacuteltiplo apenas pode ser resolvido daquele mesmo modo anterior ou seja colocando o um e o muacuteltiplo em dois niacuteveis ontoloacutegicos diferentes porque isso novamente nos conduziria a uma regressatildeo ao infinito cada predicado podia ele mesmo ser qualificado de maneiras opostas o que nos forccedilaria a introduzir uma outra distinccedilatildeo entre dois niacuteveis ontoloacutegicos e assim por diante ad infinitum Pelo contraacuterio devemos comὂὄἷἷὀἶἷὄΝἵὁmὁΝumΝtἷὄmὁΝgἷὄalΝἵὁmὁΝlsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝtaὀtὁΝumΝὃuaὀtὁΝmήltiὂlὁΝὀὁΝmἷὅmὁΝὀiacutevἷlΝὁὀtὁlὰgiἵὁΝiὅtὁΝὧΝὀὁΝὀiacutevἷlΝiὀtἷligiacutevἷlrdquoΝ(ὂέΝἃἂ)έ

111 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

homem como um o boi como um o belo como um e o bem como um Eacute sobre essas hecircnadas e sobre coisas desse tipo que muito rigor aliado agrave divisatildeo gera controveacutersia Prot Como

Ω Ὁπσ αθ παῖ v η θ ΰδΰθκηΫθπθ εα πκζζυηΫθπθ δμ δγ αδ εαγΪπ λ λ έπμ η ῖμ πκη θ θ αυγκῖ η θ ΰ λ εα κδκυ κθ θ π λ

πκη θ θυθ ά γΰε ξυλβ αδ η ῖθ ζΫΰξ δθ αθ Ϋ δμ θα θγλππκθ πδξ δλ έγ γαδ εα ίκ θ θα εα εαζσθ θ εα ΰαγ θ θ π λ κτ πθ

θ θ πθ εα θ πκδκτ πθ πκζζ πκυ η δαδλΫ πμ ηφδ ίά β δμ ΰέΰθ αδ

ΠΡΩ Π μ (15a1-8)

Aqui mais uma vez o paralelismo com o Parmecircnides eacute visiacutevel Natildeo haacute nada de

espantoso em algueacutem dizer que os sensiacuteveis satildeo simultaneamente um muacuteltiplos natildeo haveria

ὀaἶaΝ ἶἷΝ ἷὅὂaὀtὁὅὁΝ aiacuteΝ ἵὁmὁΝ ἶiὐΝ ἥὰἵὄatἷὅμΝ ldquo(έέέ)Ν ἶiὄἷmὁὅΝ ὃuἷΝ ἷlἷΝ ἶἷmὁὀὅtὄaΝ ὃuἷΝ algὁΝ ὧΝ

muacuteltiplas coisas e um natildeo que o um eacute muacuteltiplas coisas nem que o muacuteltiplo eacute um e que natildeo

ἶiὐΝὀaἶaΝἶἷΝἷὅὂaὀtὁὅὁΝmaὅΝἵὁiὅaὅΝἵὁmΝὃuἷΝtὁἶὁὅΝἵὁὀἵὁὄἶaὄiacuteamὁὅrdquoΝ(1ἀλἶἃ-8) mas dizer que

os gecircneros e as formas satildeo afetadas por contraacuterios isso sim seria espantoso Se algueacutem

separa as formas mesmas em si mesmas umas das outras demonstrando que podem ser

misturadas e separadas isso sim demonstraria espanto (129 c4ndashd6) A aparente contradiccedilatildeo

natildeo nos deve levar a considerar uma diferenccedila tudo que nosso diaacutelogo diz eacute que devemos

fugir desses paradoxos porque agora (no Filebo) o muacuteltiplo natildeo corresponde a predicados

contraacuterios mas a partes que satildeo ao mesmo tempo membros e que fazem parte de um

mesmo niacutevel ontoloacutegico isto eacute ao sensiacutevel No Filebo os predicados contraacuterios um e muacuteltiplo

dizem respeito agravequilo que satildeo em si mesmos Jaacute natildeo podemos separaacute-los em dois niacuteveis

ontoloacutegicos diferentes mas devemos analisaacute-los em um mesmo niacutevel o inteligiacutevel Devemos

pois consideraacute-los como duas ideias diferentes segundo uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo agraves quais

uma mesma coisa deve ser considerada Um e muacuteltiplo pertencem ambos a um mesmo niacutevel

ontoloacutegico tanto no sensiacutevel enquanto um todo composto de partes quanto no inteligiacutevel em

termos da relaccedilatildeo de participaccedilatildeo no um e no muacuteltiplo

A abordagem contida na passagem supracitada eacute extremamente relevante para a

compreensatildeo do sentido da argumentaccedilatildeo como tambeacutem do que se segue Natildeo se trata de

desmerecer a questatildeo mesmo que os qualificativos utilizados natildeo sejam os melhores mas

sim de utilizar uma discussatildeo que era tambeacutem complexa e que agora passa a ser vista de

maneira mais simples analogamente agraves questotildees seacuterias por isso a linguagem utilizada eacute a

mesma embora os niacuteveis ontoloacutegicos sejam diferentes Mesmo que a discussatildeo anterior seja

viὅtaΝἵὁmὁΝldquoὂuἷὄilrdquoΝἷlaΝjὠΝὂὄἷὂaὄa o terreno para as consideraccedilotildees acerca do meacutetodo que seratildeo

desenvolvidas logo a seguir e os problemas mais seacuterios do um e do muacuteltiplo

Dixsaut (2001) nos chama atenccedilatildeo quanto a presenccedila do verbo έγ αδ έγ γαδ (Cf

15a2 15a5) (postularcolocar) As unidades a serem dividas natildeo satildeo dadas mas deveratildeo

112 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ainda serem postuladas Tanto bem como belo se encontram no mesmo plano que o boi e o

homem (neste caso omite-se o artigo) Os uacuteltimos satildeo seres em devir satildeo os homens e os

bois Ao serem colocados como unidades oferece-lhes um modo de ser (essecircncia) que lhes

configura como termos pensaacuteveis estruturaacuteveis divisiacuteveis De tal forma dessas hecircnadas

seria possiacutevel dizer jaacute num primeiro momento que essas satildeo Formas (p 290) Sobre isso ela

ainda diz

Isto eacute verdade mas insuficiente diante de uma abordagem adequada do texto o problema eacute o embaraccedilo criado pela identidade do uno e do muacuteltiplo identidade que eacute a condiccedilatildeo de todo loacutegos (discurso) dito de outro modo de toda linguagem e de todo o pensamento Natildeo eacute aceitaacutevel dizer que o homem eacute o bem ou que o homem eacute o belo isto implicaria restringir um ou outro No entanto como essas unidades podem ser tidas como unas e divisiacuteveis e portanto muacuteltiplas Submeter as unidades a uma divisatildeo imediata eacute algo problemaacutetico (DIXSAUT 2001 p 291)

Como se pode notar a proacutepria origem dessas unidades eacute controversa assim como o

modo como Soacutecrates a seguir descreve os problemas relacionados a tais unidades Talvez

esse seja uma das passagens mais complicadas do texto

Soc Em primeiro lugar eacute preciso supor se tais unidades realmente existem em seguida como essas ndash cada uma sendo sempre a mesma e natildeo submetida nem ao vir a ser nem ao deixar de ser ndash satildeo entretanto seguramente essa uma e se devemos supor depois disso que nas coisas que vecircm a ser e satildeo ilimitadas ela se dispersa e se torna muacuteltipla ou se manteacutem um todo separado de si mesmo ndash o que pareceria a coisa mais impossiacutevel de todas a mesma coisa uma vindo a ser simultaneamente no um e no muacuteltiplo Satildeo esses os problemas sobre esse tipo de um e muacuteltiplo Protarco ndash natildeo aqueles outros ndash que quando natildeo se chega a um belo acordo sobre eles causam todo tipo de aporia mas quando se chega tem-se um caminho sem obstaacuteculos (15b1-c4) Ω Πλ κθ η θ δθαμ ῖ κδατ αμ θαδ ηκθΪ αμ πκζαηίΪθ δθ ζβγ μ κ αμ α π μ α ατ αμ ηέαθ εΪμ βθ κ αθ θ α θ εα ηά ΰΫθ δθ ηά ζ γλκθ πλκ ξκηΫθβθ ηπμ θαδ ί ίαδσ α α ηέαθ ατ βθ η κ rsquoΝ θ κῖμ ΰδΰθκηΫθκδμ α εα απ έλκδμ δ πα ηΫθβθ εα πκζζ

ΰ ΰκθυῖαθ γ Ϋκθ γrsquoΝ ζβθ α θ α μ ξπλέμ πΪθ πθ υθα υ α κθ φαέθκδ rsquoΝ θ α θ εα θ ηα θ θέ εα πκζζκῖμ ΰέΰθ γαδ α rsquoΝ δ π λ

κδα α θ εα πκζζΪ ζζrsquoΝκ ε ε δθα Πλυ αλξ πΪ βμ πκλέαμ α δα η εαζ μ ηκζκΰβγΫθ α εα πκλέαμ [ θ] α εαζ μ (15b1-c4)

A passagem colocou em duacutevida durante seacuteculos muitos estudiosos160 ao ponto de

postularem trecircs indagaccedilotildees quantos problemas satildeo mencionados no mesmo trecho Quais

160 Entre o grupo dos partidaacuterios de duas questotildees encontram-se Hackforth (1945) Frede (1993) Waterfield (1982) Casertano (1989) No grupo daqueles que defendem trecircs questotildees Hahn (1978)

113 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

problemas satildeo esses E que relaccedilatildeo esse trecho teria com o meacutetodo descrito a seguir em 16

c5-17 a5 Alguns creem que haacute dois problemas e preferem assim dividir o texto em duas

partes outros que haacute trecircs e dividem o texto em trecircs partes Uma visatildeo interpretativa mais

grosseira poderia postular que o texto seria extremamente desproporcional se fosse divido

em apenas duas questotildees mas o argumento eacute insuficiente diante da complexidade do texto

Haacute ainda que examinar o conteuacutedo de cada questatildeo tanto por um aspecto filoloacutegico quanto

pelos conteuacutedos filosoacuteficos que elas exprimem Creio dentre as intepretaccedilotildees analisadas que

a de Carpenter (2009) de Dixsaut (2001) e de Muniz amp Rudebusch (2004 2007) explicam

mais pormenorizadamente a questatildeo e procuram resgatar o sentido original do texto sem

propor emendas clarividecircncias ou mesmo revisotildees gramaticais Pelo contraacuterio retomam as

passagens anteriores os antecedentes gramaticais de pronomes recorrendo agraves braquilogias

de acordo com sentenccedilas anteriores do proacuteprio texto e estabelece uma distinccedilatildeo plausiacutevel

entre dois termos que causam confusatildeo nos inteacuterpretes a saber ηκθΪ αμ e θΪ πθ (cf

MUNIZ amp RUDEBUSCH 2007 p 26)

ἢὄimἷiὄamἷὀtἷΝ ἵὁὀfὁὄmἷΝ ἒixὅautΝ (ἀίί1Ν ὂέΝ ἀλἀ)Ν ldquoΠλ κθ η ῖ α η κ

articulariam claramente trecircs teses161 E afirma que ningueacutem duvidaria da primeira e da terceira

questatildeo (controveacutersia) caso a segunda questatildeo natildeo colocasse em duacutevida as outras duas A

primeira questatildeo (controversa) proposta natildeo suscita muitas duacutevidas trata-se de supor se tais

unidades (mocircnadas) realmente existem ( ζβγ μ κ αμ)162 A qual delas devemos conceder

Casper (1977) Dancy (1984) Benitez (1989) Bernadete (1993) De Chiara-Quenzer (1993) Barker (1996) Meinwald (1996) Dixsaut (2001) Muniz amp Rudebusch (2004 2007) Ide (2002) Carpenter (2009) Mirhady (1992) vecirc uma uacutenica questatildeo dividida em trecircs partes Para uma descriccedilatildeo de todas as posiccedilotildees e de seus partidaacuterios ver Dancy (1984) Hahn (1978) Muniz amp Rudebusch (2004 2007) 161 Trecircs argumentos podem ser utilizados para confirmar a tese das trecircs questotildees (i) as conjunccedilotildees Πλ κθ η ῖ α η κ recorrentemente usadas por Platatildeo denotam enumeraccedilatildeo em trecircs termos o que jaacute seria suficiente para provar tal divisatildeo (ii) a presenccedila dos trecircs verbos no infinitivo regidos por πκζαηίΪθ δθ ( θαδ θαδ e ΰέΰθ γαδ) um em cada parte (iii) as duas ocorrecircncias da partiacutecula adversativa α sendo que cada uma marcaria o iniacutecio de uma nova etapa Sobre isso ver Mirhady (1992 p 173 174ss) e Delcomminette (2006 p 57) Delcomminette apresenta ainda dois argumentos (filosoacuteficos) para a recusa leitura em trecircs teses (i) ela natildeo faria sentido com a discussatildeo precedente sobre a seriedade necessaacuteria ao problema do um e do muacuteltiplo isto eacute que o prazer esteja contido nesse tipo ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝldquoὅὧὄiardquoΝἶὁΝumΝἷΝἶὁΝmήltiὂlὁΝἶἷmὁὀὅtὄaὄiaΝὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝἶὁΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝdisse anteriormente daiacute natildeo faria o menor sentido toda a argumentaccedilatildeo anteriormente desenvolvida ela natildeo teria a menor relevacircncia A leitura em duas questotildees natildeo permitiria nenhuma conexatildeo com esses aspectos anteriores (ii) aleacutem do mais ela natildeo teria relaccedilatildeo com a passagem anterior acerca da divisatildeo embora Soacutecrates trate dos problemas decorrentes da pratica da divisatildeo (15a6-7) Deste modo como propotildee a interpretaccedilatildeo em duas questotildees esta passagem seria uma digressatildeo que natildeo se integraria efetivamente agrave progressatildeo argumentativa do diaacutelogo (2006 p 57-58) 162 Dixsaut (2001) prefere traduzir δμ ὂὁὄΝldquoὃuaiὅrdquoέΝἥἷguὀἶὁΝaΝiὀtὧὄὂὄἷtἷΝὀἷὀhumΝἶiὠlὁgὁΝatὧΝἷὀtatildeὁΝteria feito tal equivalecircncia pois se trata de saber aqui (15b1) quais unidades julgamos ser necessaacuterio atὄiἴuiὄΝ umaΝ ἷxiὅtecircὀἵiaΝ vἷὄἶaἶἷiὄaέΝ ἓlaΝ tamἴὧmΝ ἵὁὀὅἷὄvaΝ ὁΝ tἷὄmὁΝ ldquo ηπμrdquoΝ (ἵὁὀtuἶὁΝ aὂἷὅaὄΝ ἶἷΝ ὀὁΝentanto) (15b4) dos manuscritos muitas vezes corrigidos pelos tradutores por ζπμ (inteiro perfeito ἵὁmὂlἷtὁΝgἷὄalmἷὀtἷ)Ν ἵὁmὁΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝἒiegraveὅΝ (1λἄἄ)έΝεuὀiὐΝ tὄaἶuὐμΝ ldquo(έέέ)ΝὧΝὂὄἷἵiὅὁΝὅuὂὁὄΝὅἷΝ taiὅΝ

114 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

uma verdadeira existecircncia Soacutecrates jaacute natildeo hesita mais sobre esse ponto (Cf Prm130b7-c6)

No Filebo natildeo se passa de outro modo A mesma questatildeo volta a ser colocada Devemos

conceder uma existecircncia verdadeira uniforme impereciacutevel engendrada isto eacute

necessariamente admitir uma forma uacutenica (hecircnada) para o Belo o Bem mas por que Homem

e Boi

Para isso talvez seja necessaacuterio recorrer agraves explicaccedilotildees de Muniz amp Rudebusch (2007

p 133) acerca da forma como ele busca clarificar as trecircs controveacutersias A fim de responder a

primeira delas primeiramente ele divide a partir da distinccedilatildeo de Soacutecrates os dois modos de

lidar com o problema do um e do muacuteltiploΝaὃuἷlἷΝldquoὂuἷὄilrdquoΝὃuἷΝεuὀiὐΝamp Rudebusch (2007)

ἶἷὀὁmiὀamΝldquovulgaὄrdquoΝἷΝὃuἷΝἵauὅaΝumaΝὅὧὄiἷΝἶἷΝὂὄὁἴlἷmaὅΝὡΝἶialὧtiἵaΝaὁΝliἶaὄΝἵὁmΝὁὅΝὅἷὀὅiacutevἷiὅΝ

particulares aquele um que eacute todos os membros e todas as partes (vaacuterios prazeres e que se

ἶἷὀὁmiὀamΝἵὁmὁΝldquoὂὄaὐἷὄrdquo)Νpertencente ao domiacutenio das coisas em devir e um outro que ele

ἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoaὄiὅtὁἵὄὠtiἵὁrdquoέ

Os casos natildeo-vulgares ou aristocraacuteticos do um satildeo aqueles que possuem relaccedilatildeo com

o Belo o Bom e como bem notado por Muniz amp Rudebusch (2007) o um homem o um boi

que nem vecircm a ser nem deixam de ser (15a4-6) Eacute por essas hecircnadas que Soacutecrates

ἶἷmὁὀὅtὄaΝtamaὀhὁΝὐἷlὁΝ(ldquoπ λ κτ πθ θ θΪ πθ εα θ κδκτ πθ πκζζ πκυ 15a5-

ἄ)έΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὅἷΝ ὄἷfἷὄἷΝ aΝ ἷlaὅΝ ἵὁmὁΝ ldquoἷὅὅaὅΝ hecircὀaἶaὅrdquoέΝ ἡuΝ ὅἷjaΝ ἷὅὅaΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝ parece

consoante com o que foi dito sobre o Prazer a Cor e a Figura Em nenhum momento estas

uacuteltimas satildeo postas em questatildeo por isso segundo o teoacuterico ainda natildeo haacute controveacutersia ela soacute

existiraacute agrave medida em que se propotildee a divisatildeo (p 133-134) Nos casos aristocraacuteticos a divisatildeo

se torna controveacutersia mas nos casos vulgares natildeo Vale lembrar tambeacutem que o zelo em

relaccedilatildeo agraves Formas nos outros diaacutelogos (Repuacuteblica Banquete) quanto agrave sua existecircncia

contrapotildee-se agrave ignoracircncia vulgar dos natildeo-filoacutesofos que natildeo reconhecem a existecircncia das

unidades ὄἷalmἷὀtἷΝἷxiὅtἷmΝ(έέέ)rdquoΝ(1ἃἴ1-2) (2012 p 36) Delcomminette (2006 p 60) por exemplo discorda da traduccedilatildeo de DixsautΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoἥἷguὀἶὁΝἒixὅautΝ(ἀίί1)Ν δμΝἷὃuivalἷὄiaΝaὃuiΝὂaὄaΝὁΝlatimΝsi quis et tὄaἶuὐiἶὁΝὂὁὄΝlsquoὃualrsquoέΝἏΝὃuἷὅtatildeὁΝὅἷὄiaΝὂὁὄtaὀtὁΝὅaἴἷὄΝὃuaiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝjulgaὄiacuteamὁὅΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝconceder uma existecircncia verdadeira Eacute por isso que ela propotildee a seguinte traduccedilatildeo desse primeiro ὂὄὁἴlἷmaμΝ lsquoἷmΝὂὄimἷiὄὁΝ lugaὄΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝἵὁὀὅiἶἷὄaὄΝὃuaiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝ[mὲὀaἶaὅ]ΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁΝἷxiὅtἷmΝὄἷalmἷὀtἷrsquoΝ ὁΝ ὃuἷΝ aὂὁὀtaὄiaΝ ὂaὄaΝ ὁΝ ὂὄὁἴlἷmaΝ ἶaΝ lsquoἷxtἷὀὅatildeὁΝ ἶὁΝ muὀἶὁΝ ἶaὅΝ IἶἷiaὅrsquoΝ mἷὀἵiὁὀaἶὁΝ ὀὁΝParmecircnides 130b8-e4 Se eacute verdade que essa leitura eacute possiacutevel ( δμ equivale perfeitamente a έμ cf Kuumlhner et Gerth (1904) pp 573ndash574) ela natildeo eacute necessaacuteria e nos parece ainda mais difiacutecil de conciliar com a repeticcedilatildeo θαδ ζβγ μ κ αμ κ (M Dixsaut traduziu com efeito como se o texto portasse simplesmente ζβγ μ θαδ)έΝ ἏἶἷmaiὅΝ aΝ tὄaἶuὦatildeὁΝ ἷxataΝ ἵὁmΝ ἷὅὅaΝ ἵὁὀὅtὄuὦatildeὁΝ ὅἷὄiaμΝ lsquoὧΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝἵὁὀὅiἶἷὄaὄΝὃuaiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁΝὄἷalmἷὀtἷΝὅatildeὁΝὄἷalmἷὀtἷΝἷxiὅtἷὀtἷὅrsquoΝὁΝὃuἷΝὂἷὄmitiὄiaΝἷὀtἷὀἶἷὄΝque outras unidades desse tipo (portanto outras unidades inteligiacuteveis) natildeo seriam realmente existentes ndash ἷmἴὁὄaΝaiὀἶaΝἷxiὅtamΝἶἷΝἵἷὄtὁΝmὁἶὁςrdquoΝἥἷjaΝἵὁmὁΝfὁὄΝvἷὄἷmὁὅΝmaiὅΝtaὄἶἷΝὃuἷΝtamἴὧmΝὂἷὀὅamὁὅΝὃuἷΝ δθαμΝaὂἷὀaὅΝὅἷΝὄἷfἷὄἷΝaΝcertas Ideacuteias Muniz (2012) tὄaἶuὐΝἵὁmὁΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ(ἀίίἄ)ΝldquoὧΝὂὄἷἵiὅὁΝsupor se tais unidades ἷxiὅtἷmΝὄἷalmἷὀtἷrdquoέΝἑὁmὁΝὅἷΝὀὁtaΝὅὰΝhὠΝumΝἶἷὅaἵὁὄἶὁΝὃuaὀtὁΝὡΝ tὄaἶuὦatildeὁΝmas como diz o proacuteprio Delcomminette (2006) que mais adiante em seu comentaacuterio agrave primeira controveacutersia eacute possiacutevel notar que se trata de apenas algumas ideias

115 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

mesmas (MUNIZ amp RUDEBUSCH 2007 p 134) O zelo se ausenta no Filebo Antes o termo

utilizado para tratar das divisotildees foi δ ζ θ (14e1) agora o termo utilizado eacute δαδλΫ πμ isto

eacute trata-se de dividir pelo discurso essas hecircnadas e natildeo operar uma divisatildeo especializada

entre gecircneros e espeacutecies pois naquele caso (vulgar) (14e) nem Protarco nem Homem satildeo

gecircneros Logo podemos afirmar como Muniz amp RudebuschΝ ὃuἷΝ ldquo(έέέ)Ν ὀatildeὁΝ ὧΝ ὁΝ

estabelecimento de hecircnadas que produz a controveacutersia mas antes a tentativa de dividi-laὅrdquoΝ

(2007 p 34)

ἏΝ ἶiviὅatildeὁΝ vulgaὄΝ ὂὄὁἶuὐiaΝ ὄἷὅultaἶὁὅΝ ἵὁmὁΝ aὃuἷlἷὅΝ ldquoἢὄὁtaὄἵὁΝ ὧΝ umΝ ἷΝ mήltiὂlὁὅΝ

ἢὄὁtaὄἵὁὅrdquoΝaltὁΝἴaixὁΝἷtἵΝ(1ἂἵ11-1ἁ)έΝἏὂἷὅaὄΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquohecircὀaἶardquoΝὅὰΝaὂaὄἷἵἷὄΝmaiὅΝaἶiaὀtἷΝ

em 15a6 esse tipo de divisatildeo jaacute tinha sido preacute-anunciada pelo proacuteprio Soacutecrates em 14d1-4

ao dividir Homem em Homem Temperante e Homem Intemperante Homem Tolo e Homem

Saacutebio como tambeacutem ao se dividir Prazer em Prazer Moderado e Prazer Imoderado Prazer

Saacutebio e Prazer Tolo dentre outros Por isso eacute que surgiu a controveacutersia ( ηφδ ίά β δμ 15a7)

o prazer embora sendo uacutenico assume diversas formas diferentes umas das outras e ateacute

contraacuterias fato que pode ser ilustrado pelo exemplo das cores e das figuras (formas

geomeacutetricas163) (12c-13d)

Outro fato notaacutevel como nos alegam Muniz amp Rudebusch eacute que a controveacutersia soacute

ὅuὄgἷΝ ἷὀὃuaὀtὁΝ umaΝ ldquoἵὁὀtὄὁvὧὄὅiardquoΝ litἷὄalmἷὀtἷΝ ὃuaὀἶὁΝ ἢὄὁtaὄἵὁΝ ὅἷΝ ὄἷἵuὅaΝ ὡΝ ἶiviὅatildeὁΝ

requerida por Soacutecrates dos prazeres em bons e maus prazeres (13b6-ἵἀ)μΝldquoἷmἴὁὄaΝἥὰἵὄatἷὅΝ

natildeo descreva deste modo o impasse entendemos que o zelo com que ambos comeccedilaram

tἷὀhaΝὀἷὅtἷΝὂὁὀtὁΝὅἷΝtὁὄὀaἶὁΝlsquoἵὁὀtὄὁvὧὄὅiarsquordquoΝ( ηφδ ίά β δμ 15a7) (2007 p 135) O artifiacutecio

ὅὁἵὄὠtiἵὁΝ ὀἷὅtἷΝ mὁmἷὀtὁΝ ὧΝ ἵὁlὁἵaὄΝ ἷmΝ ldquoaὂaὄἷὀtἷrdquoΝ ὂὧΝ ἶἷΝ igualἶaἶἷΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ἷΝ

conhecimentos ao que Protarco assente salientando um acordo comum Mas vejamos ainda

natildeo se contrapotildeem unidade e multiplicidade explicitamente apenas satildeo ressaltadas

pluralidades anaacutelogas Muniz amp Rudebusch (ἀίίἅ)ΝἶἷὅtaἵamΝaΝὂὄἷὅἷὀὦaΝἶἷΝldquoaἶiἵiὁὀalmἷὀtἷrdquoΝ

( δ η ζζκθ) em 14c1 na exortaccedilatildeo socraacutetica logo no iniacutecio da discussatildeo sobre o problema do

um e do muacuteltiplo isto eacute sobre a necessidade de se estabelecer que tipo de princiacutepio um deve

ser levado em conta ao dizer que tanto prazeres quanto conhecimentos satildeo um e muacuteltiplos

(p 136) Logo uma hecircnada Homem eacute muitos Homens Homem Saacutebio e Homem Tolo Homem

Tolo Homem Moderado e Homem Imoderado e assim por diante (12c8-d4) o mesmo se

aplica agrave Cor e agraves Figuras Mas como dizem Muniz amp RudebuschΝ ldquoalὧmΝἶiὅὅὁΝὧΝἶe suma

relevacircncia para o Filebo ἵὁmὁΝumΝtὁἶὁΝὅatildeὁΝἷviἶἷὀtἷmἷὀtἷΝaὅΝhecircὀaἶaὅΝἢὄaὐἷὄΝἷΝἥaἴἷἶὁὄiardquoΝ

(2007 p 136)

Diante do que foi dito anteriormente eacute possiacutevel compreender o sentido da primeira

controveacutersia e porque ela natildeo nos gera tantos problemas Perante agrave indagaccedilatildeo de Protarco a

163 Cf Men 74d-e

116 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

Soacutecrates sobre a que tipo de um ele se refere expressa pela pergunta π μ (Como) (15b1)

Soacutecrates responde que devemos supor se tais mocircnadas existem verdadeiramente (15b1-2)

Vale ressaltar que aqui natildeo se trata de um reconhecimento acerca das ideias serem ou natildeo

unidades as ideias satildeo unidades porque elas satildeo colocadas como tais satildeo postuladas

ἷὀὃuaὀtὁΝ uὀiἶaἶἷὅΝ ἷmΝ ὅiέΝ Ν ἏΝ ὂἷὄguὀtaΝ ὀἷὅtἷΝ ἵaὅὁΝ tamἴὧmΝ ὀatildeὁΝ ὧΝ aὃuἷlaμΝ ldquoaὅΝ uὀiἶaἶἷὅΝ

ἷxiὅtἷmςrdquoΝἡuΝὅἷjaΝὅὁἴὄἷΝὁΝἷὅtatutὁΝὁὀtὁlὰgiἵὁΝἶἷὅtaὅΝmaὅΝldquoἷὅtamὁὅΝἵὁὄὄἷtὁὅΝἷmΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝ

taiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝἷxiὅtἷmΝὄἷalmἷὀtἷςrdquoΝἏlgὁΝtamἴὧmΝὃuἷΝὂὁἶἷὄiaΝὅἷὄΝὁἴjἷtὁΝἶἷΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὧΝὁΝuὅὁΝ

num primeiro momento do termo hecircnadas (15a6) e o uso do termo mocircnadas logo em seguida

a ponto de supormos que se tratam de coisas completamente iguais

Nesse sentido eacute preciso recorrer novamente ao contexto da discussatildeo para fazer uma

devida distinccedilatildeo entre essas hecircnadas Homem Boi Prazer Sabedoria e as mocircnadas que natildeo

satildeo termos intercambiaacuteveis Primeiramente porque Soacutecrates jaacute teria explicado essa distinccedilatildeo

(12c7-8) ao dizer que o prazer soa aos ouvidos como uma coisa uacutenica ( θ δ) mas que por

outro lado ele assume diversas formas (ηκλφ μ) dessemelhantes umas das outras como

tambeacutem ao dizer que pelo gecircnero (ΰΫθ δ) todas essas coisas (prazer cor figura) satildeo um todo

mas que pelas partes (ηΫλβ) satildeo contraacuterias umas agraves outras e apresentam incontaacuteveis

diferenccedilas (12e7-9) Outra questatildeo importante eacute que o uso dessa palavra (hecircnada) ocorre

somente uma vez no Filebo em 15a6 ao contraacuterio de mocircnada Assim tudo parece indicar

que a diferenciaccedilatildeo natildeo eacute circunstancial ela possui um sentido na passagem Podemos crer

ἵὁmὁΝὄἷὅὅaltaΝεuὀiὐΝ(ἀίίἅΝὂέΝ1ἁἅ)ΝὃuἷΝldquoὀatildeὁΝhὠΝὄaὐatildeὁΝὂaὄaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝtivἷὅὅἷΝἵuὀhaἶὁΝumaΝ

nova palavra hecircnada se pretendia utilizaacute-la de forma intercambiaacutevel com a palavra jaacute

estabelecida mocircnada164 Portanto como bem explicam Muniz amp Rudebusch (ἀίίἅ)Ν ldquo(έέέ)ΝaΝ

ὂalavὄaΝlsquohecircὀaἶarsquoΝἵὁὀὁtaΝὁΝum de uma unidadeΝἷὀὃuaὀtὁΝaΝὂalavὄaΝlsquomὲὀaἶarsquoΝἵὁὀὁtaΝὂὁὄΝὅuaΝ

vez a separaccedilatildeo () de uma unidade com relaccedilatildeo a outras unidades ndash assim o modo como

interpretamos este significado o resultado de uma divisatildeordquoΝ(ὂέΝ1ἁἅ)έΝValἷΝlἷmἴὄaὄΝtamἴὧmΝὃuἷΝ

as hecircnadas (Prazer e Sabedoria) nunca satildeo postas em discussatildeo por nenhum dos

interlocutores logo a η δαδλΫ πμ de 15a7 natildeo diz respeito agraves hecircnadas divididas como

evidencia Munizamp Rudebusch mas ao resultado dessa divisatildeo (mocircnadas) (2007 p 138)

Se pela divisatildeo da hecircnada Homem em Homem Imoderado e Homem Moderado e

assim por diante o ldquoὐἷlὁΝ aὄiὅtὁἵὄὠtiἵὁrdquoΝ tὁὄὀa-se controveacutersia devemos supor se essas

mocircnadas (Homem Imoderado Homem Moderado etc) realmente existem Deste modo a

164 εuὀiὐΝΤΝἤuἶἷἴuὅἵhΝ(ἀίίἅ)ΝἷxὂliἵamΝἷmΝumaΝὀὁtaΝἶὁΝaὄtigὁΝ(ὀέΝἀλ)ΝὃuἷΝaΝὂalavὄaΝldquohecircὀaἶardquoΝaὂaὄἷἵἷΝpela primeira vez no grego que sobreviveu ateacute em noacutes em 15a6 (embora seja encontrada em testimonia de Pitaacutegoras Zenatildeo e Xenoacutecrates) Os autores ainda nos chamam atenccedilatildeo ao dizerem que a ὁἵὁὄὄecircὀἵiaΝ ὅuὂὄaἵitaἶaΝ ἶὁΝ tἷὄmὁΝ ὧΝ aΝ ήὀiἵaΝ ἷmΝ ἢlatatildeὁΝ aὁΝ ἵὁὀtὄὠὄiὁΝ ἶἷΝ ldquomὲὀaἶardquoΝ ὃuἷΝ ὂὁἶἷΝ ὅἷὄΝencontrada em outros textos do autor e tambeacutem em Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepedes (p 137) Na sua tὄaἶuὦatildeὁΝἶὁΝὄἷfἷὄiἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἷlἷΝ(εuὀiὐ)ΝἷmΝὁutὄaΝὀὁtaΝ(ὀέΝλ)ΝἶiὐΝὃuἷΝaΝὂalavὄaΝldquohecircὀaἶardquoΝὧΝumΝhὠὂaxΝ(palavra ou expressatildeo de que soacute existe uma uacutenica abonaccedilatildeo nos registros da liacutengua) (2012 p 212)

117 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

controveacutersia parece fazer mais sentido Fica claro entatildeo que natildeo se trata da existecircncia ou

natildeo da hecircnada Prazer mas da realidade das mocircnadas (Prazer Imoderado Prazer Moderado)

Como jaacute dissemos vale lembrar que ainda que Protarco reconheccedila as dessemelhanccedilas e

oposiccedilotildees entre prazeres ele eacute incapaz de reconhecer os intermediaacuterios natildeo importa se o

prazer do intemperante eacute a intemperanccedila e a do moderado eacute a moderaccedilatildeo todos satildeo

ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ldquo(έέέ)Ν κ rsquoΝ λα κθ θ κθ μ δΪφκλκθ (έέέέ)rdquo165 (13c7) Algo tambeacutem que muitas

vezes pode passar desapercebido Soacutecrates tambeacutem natildeo tem como objetivo (em 12c8-d4)

postular a existecircncia de mocircnadas individuais e separadas da hecircnada Prazer como Prazer do

Saacutebio e do Tolo lembre-se que ele atesta a complexidade (πκδεέζκθ 12c4) caracteriacutestica do

ὂὄaὐἷὄΝὁΝὃuἷΝjuὅtifiἵaὄiaΝὅἷuΝldquomἷἶὁrdquoΝ( Ϋκμ) ἷΝΝldquotἷmὁὄrdquoΝ(φσίκθ)166 ndash que ultrapassa o limite do

humano ndash maὀifἷὅtὁΝἷmΝ1ἀἵ1ΝaὁΝtὄataὄΝἶὁΝὂὄὰὂὄiὁΝὂὄaὐἷὄΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝὀὁmἷΝἶaΝldquoἶἷuὅardquoΝ

(Prazer) isto porque o intemperante o saacutebio o moderado todos eles se referem ao Prazer

de acordo com sua proacutepria compreensatildeo ou seja afiὄmamΝὃuἷΝὁΝὅἷuΝὂὄaὐἷὄΝὧΝὁΝldquoἢὄaὐἷὄrdquoΝὁΝ

divinizam da forma como lhes aprouver

Dito isso fica mais faacutecil compreender do que se trata a primeira controveacutersia trata-se

de analisar se essas mocircnadas realmente possuem existecircncia (Prazer Imoderado Prazer

Moderado) natildeo a hecircnada Prazer em si se dividindo mas aquilo que lhe eacute adicionado isto eacute

as mocircnadas individuais e distintas resultantes dessa divisatildeo tais como Prazer Imoderado e

Prazer Moderado sobre as quais Protarco teria manifestado sua profunda descrenccedila (13c5)

ἏΝὅἷguὀἶaΝὃuἷὅtatildeὁΝ(ἵὁὀtὄὁvὧὄὅia)ΝὅἷguἷΝἶiὐἷὀἶὁΝὁΝὅἷguiὀtἷμΝldquoἵὁmὁΝἷὅὅaὅΝἵaἶaΝumaΝ

delas sendo sempre a mesma e sem estar sujeita nem ao vir a ser nem ao deixar de ser satildeo

ὅἷguὄamἷὀtἷΝ ἷὅὅaΝ umardquoΝ ( α π μ α ατ αμ ηέαθ εα βθ κ αθ θ υ θ εα ηά

ΰΫθ δθ ηά ζ γλκθ πλκ ξκηΫθβθ ηπμ θαδ ί ίαδσ α α ηέαθ ατ θ)rdquoΝ (1ἃἴἀ-4) Eacute

necessaacuterio identificar corretamente a que se refere lsquoessasrsquo ( ατ αμ) no plural e aquilo que lhe

eacute contrastante no singular (ηέαθ ατ θ) de tal modo que se possa relacionar o conteuacutedo desta

165 ldquo(έέέ)ΝὀatildeὁΝhὠΝὀἷὀhumaΝἶifἷὄἷὀὦaΝἷὀtὄἷΝumΝὂὄaὐἷὄΝἷΝὁutὄὁΝ(έέέ)rdquoΝ(1ἁἵἅ)έ 166 ἒἷvἷmὁὅΝ ἵὁὀἵὁὄἶaὄΝ ἵὁmΝ ἦὁὄὄἷὅΝ εὁὄalἷὅΝ ὃuaὀἶὁΝ ὀὁὅΝ ἷxὂliἵaΝ ὃuἷμΝ ldquoὂaὄἷἵἷΝ ὃuἷΝ ἷxiὅtἷΝ umaΝἶifἷὄἷὀἵiaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝlsquoφσίκμrsquoΝἷΝlsquo ΫκμrsquoΝὃuἷΝtὄaἶuὐimὁὅΝὂaὄaΝὁΝlsquotἷmὁὄrsquoΝἷΝlsquomἷἶὁrsquoΝὄἷὅὂἷἵtivamἷὀtἷέΝἡΝtἷὄmὁΝlsquo ΫκμrsquoΝὂaὄἷἵἷΝἶἷὅigὀaὄΝmἷἶὁΝὁuΝmἷἶὁΝἷmΝtἷὄmὁὅΝgἷὄaiὅΝἷὀὃuaὀtὁΝlsquoφσίκμrsquoΝὅἷὄiaΝumaΝἵὁὀἵὄἷὦatildeὁΝὁuΝἷὅὂἷἵifiἵaὦatildeὁέΝἧmaΝἶaὅΝἷtimὁlὁgiaὅΝἶἷΝlsquo ΫκμrsquoΝὄἷfἷὄἷ-ὅἷΝaΝlsquo Ϋδ κ-rsquoΝὃuἷΝὅigὀifiἵaΝἶiὅjuὀὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝἵamiὀhὁὅΝἷΝἷὅtὠΝviὀἵulaἶaΝ (έέέ)Ν ἵὁmΝaΝὂalavὄaΝ lsquoἶilἷmarsquoέΝEacuteΝὁΝἵaὅὁΝἶἷΝὃuἷὅtiὁὀaὄΝὃualΝὧΝὁΝὅignificado do medo ὅὁἵὄὠtiἵὁΝὃuἷΝlsquoὅuὂἷὄarsquoΝ(umΝtἷὄmὁΝὃuἷΝὅἷΝtὄaἶuὐΝἵὁmὁΝlsquoπΫλαrsquoΝὁΝὃuἷΝὀὁὅΝlἷmἴὄaΝἶἷΝlsquoπΫλαμrsquoΝ(limitἷ)ΝἷΝsignifica de fato estar aleacutem do limite) o humano Se considerarmos todo o argumento socraacutetico veremos como o medo de Soacutecrates pode ser entendido como superior ao medo humano porque enquanto os homens temem a divindade como algo sobre-humano e eterno Soacutecrates por sua vez tem medo da divinizaccedilatildeo do prazer porquanto conhece sua natureza e sabe que ele eacute algo instaacutevel em mudanccedila e como mostraraacute todo o argumento do diaacutelogo ilimitado Como veremos o exerciacutecio argumentativo socraacutetico tem uma clara intenccedilatildeo desmistificadora da figura do prazer da divindade que eacute o fundo do discurso de Filebo e em outro sentido de Protarco Sua estrateacutegia consistiraacute em colocar ὁΝὂὄaὐἷὄΝἷmΝὅἷuΝlugaὄΝἵὁὄὄἷὅὂὁὀἶἷὀtἷΝἷmΝtuἶὁΝἷΝὀaΝviἶaΝhumaὀardquoΝ(ἀί1ἀΝὂέΝἀ1ἁ)έ

118 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

controveacutersia com a primeira e a terceira De que forma essa exposiccedilatildeo metafiacutesica pode ser

relacionada com a passagem anterior sobre a hecircnadas Prazer e Sabedoria e

consequentemente com o resultado de suas divisotildees (mocircnadas)

Diante do que foi dito acerca da primeira controveacutersia podemos afirmar que ατ αμ

no plural refere-se a tais mocircnadas (15b1) Homem Imoderado Homem Intemperante Prazer

Saacutebio dentre outras Jaacute ηέαθ ατ θ diz respeito a essas hecircnadas (15a6) como Homem

Prazer deste modo acatamos o resumo feito por Munizamp Rudebusch (2007) dessa segunda

controveacutersia

Como essas mocircnadas (por exemplo Homem Moderado e Imoderado) ndash cada uma sendo sempre a mesma e sem estar sujeita nem a vir a ser nem a deixar de ser (por exemplo a mocircnada Homem Imoderado eacute sempre Homem Imoderado e nunca se torna Homem Moderado nem deixa de ser Homem Imoderado) ndash satildeo entretanto de forma soacutelida essa hecircnada (por exemplo Homem) (p 139)

Se retomamos o que foi dito acerca da primeira controveacutersia tal resumo faz todo o

sentido Anteriormente Protarco rejeitou a existecircncia de tais mocircnadas separadas e diversas

mas aqui elas fazem todo o sentido Sentido este que Soacutecrates implicitamente jaacute havia se

referido e que jaacute dava sinais com sua alusatildeo agrave tese surpreendente (γαυηα θ 14c7-8) com

relaccedilatildeo ao um e aos muitos agora melhor configurada isto eacute na possibilidade de admitirmos

a existecircncia de tais mocircnadas aleacutem da existecircncia das mocircnadas Logo o que torna objeto de

controveacutersia satildeo essas mocircnadas que natildeo estatildeo sujeitas ao vir a ser e ao deixar de ser como

ἶiὄatildeὁΝεuὀiὐΝΤΝἤuἶἷἴuὅἵhΝ(ἀίίἅ)ΝἷὅὅaΝὧΝaΝvἷὄὅatildeὁΝldquoaὄiὅtὁἵὄὠtiἵardquoΝ(ώὁmἷmΝἑὁὄΝἔiguὄa)ΝἶὁΝumΝ

e natildeo a vulgar de Protarco (vaacuterios Protarcos alto baixo etc) (p 140) Pois natildeo haacute nada de

espantoso que o vir a ser e o deixar de ser sejam instaacuteveis dito de outro modo o

conhecimento se torna impossiacutevel deste modo Mas o espanto se daacute em relaccedilatildeo agrave mocircnada

estaacutevel igual imutaacutevel objeto apropriado de conhecimento como ela pode ser entretanto

uma hecircnada e secirc-laΝἶἷὅtaΝ fὁὄmaΝldquoὅὰliἶardquoΝ (ί ίαδσ α α) (MUNIZ amp RUDEBUSCH 2007 p

140)167

167 ἒixὅautΝ ὂaὄἷἵἷΝ iὄΝ ὀaΝ mἷὅmaΝ ἶiὄἷὦatildeὁΝ ὃuaὀἶὁΝ ὂὄὁὂὴἷμΝ ldquoἵaἶaΝ umaΝ ἶaὅΝ mὲὀaἶaὅΝ ἵujaΝ ἷxiὅtecircὀἵiaΝverdadeira eacute postulada vecirc-se atribuir o mesmo modo de existecircncia cada uma eacute uacutenica sempre o mesmo que ela proacutepria natildeo-gerada e incorruptiacutevel Unidade Identidade eternidade e imutabilidade satildeo caracteriacutesticas que apresentam toda existecircncia verdadeira (a de qualquer mocircnada de qualquer Forma que seja) Mas mesmo se todas as mocircnadas (que aceitemos postular) existem da mesma maneira eacute necessaacuterio considerar como cada uma delas pode ser mais firmemente essa mocircnada uacutenica isso significa essa unidade singular que ela eacute (o que justifica a presenccedila e o lugar de ατ βθ) A identidade de cada uma com ela mesma natildeo leva a sua identidade com todas as outras ndash como seria esse o caso ὅἷΝfὁὅὅἷΝaΝuὀiἶaἶἷΝaὄitmὧtiἵaμΝἷὀὃuaὀtὁΝaΝaὄitmὧtiἵaΝvulgaὄΝaἶiἵiὁὀaΝaὅΝldquomὲὀaἶaὅΝἶἷὅiguaiὅrdquoΝἵὁmὁΝdois exeacutercitos ou dois bois a aritmeacutetica filosoacuteficaΝὅἷΝὄἷἵuὅaΝaΝὁὂἷὄaὄΝ ldquoὅἷΝὀatildeὁΝὅἷΝὂὁὅtulaὄΝὃuἷΝἵaἶaΝmocircnada natildeo difere de cada uma das inumeraacuteveis mocircnadas e que nenhuma delas difere uma da outra (56e2-3) A aritmeacutetica filosoacutefica suprime as diferenccedilas sensiacuteveis mas a dialeacutetica deve postular as

119 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

A terceira questatildeo (controveacutersia) postulada tambeacutem natildeo eacute explicitamente mais

resolvida do que as duas primeiras a relaccedilatildeo entre essas mocircnadas ἵὁmΝldquoΝ(έέέ) as coisas que

vecircm a ser e satildeo ilimitadas se ela se dispersa e se torna muacuteltipla ou se manteacutem um todo

separado de si mesmo ndash o que pareceria a coisa mais impossiacutevel de todas a mesma coisa

uma vindo a ser simultaneamente no um ἷΝ ὀὁΝ mήltiὂlὁrdquoΝ (ldquoΝ (έέέ) η κ rsquo168 θ κῖμ

ΰδΰθκηΫθκδμ α εα απ έλκδμ δ πα ηΫθβθ εα πκζζ ΰ ΰκθυῖαθ γ Ϋκθ γrsquoΝ ζβθ α θ

α μ ξπλέμ πΪθ πθ υθα υ α κθ φαέθκδ rsquoΝ θ α θ εα θ ηα θ θέ εα πκζζκῖμ

ΰέΰθ γαδ ()) (15b4-8) Vejamos haacute duas possibilidades na fala de Soacutecrates estando

presente nas coisas muacuteltiplas a unidade se dispersa torna-se divisiacutevel indefinidamente em

muitas partes ou se unidade permanece a mesma e estaacute ao mesmo tempo presente em

uma multiplicidade se encontra separada de si mesma dividida de acordo com a

transcendecircncia e a imanecircncia169

Conforme nos aponta Dixsaut (2001) temos aqui algo que deve ser lido como um eco

das questotildees levantadas a Soacutecrates por Parmecircnides no diaacutelogo homocircnimo (Parm 131b1-2170

131c5-7171) diante de tal constataccedilatildeo ela nos diz que

Se Platatildeo retoma a propoacutesito das mocircnadas a criacutetica que Parmecircnides endereccedilaria agraves Formas podemos presentemente concluir que existem dois ὀὁmἷὅΝὂaὄaΝumaΝmἷὅmaΝἵὁiὅaέΝἠὁmἷaὄΝldquomὲὀaἶaὅrdquoΝaὅΝἔὁὄmaὅΝὂἷὄmitἷΝὀὁΝentanto insistir sobre uma das dificuldades que apresenta sua posiccedilatildeo ndash sobre a primeira aporia da participaccedilatildeo desenvolvida por Parmecircnides a despeito das outras (DIXSAUT 2001 p 296)

Poderiacuteamos pensar que Dixsaut ao dizer que existem dois nomes para uma mesma

coisa esteja tomando as mocircnadas como hecircnadas Creio que natildeo se trata disso No fundo ela

ἶiὐΝ ὃuἷΝ taiὅΝ uὀiἶaἶἷὅΝ (mὲὀaἶaὅ)Ν ἷὀὃuaὀtὁΝ ὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝ ldquouὀiἶaἶἷὅrdquoΝ ὅἷΝ aὅὅἷmἷlhamΝ ὡὅΝ

hecircnadas e neste caso do diaacutelogo elas recebem um outro nome mocircnadas Mas de acordo

com o que eacute expresso no Parmecircnides eacute possiacutevel reconhecer que haacute certa semelhanccedila ou

diferenccedilas inteligiacuteveis entre as mocircnadas Para compreender isso tenho que supor um εα βθ subentendido afixado a ατ αμ eacute por isso que avanccedilo nessa hipoacutetese com certa incerteza (2001 p 294-295) 168 Para os defensores da leitura em duas controveacutersias essa seria a terceira controveacutersia e todo o restante anterior faria parte da primeira controveacutersia 169 Cf DIXSAUT 2001 p 295 170 ldquoἓὀtatildeὁΝὅἷὀἶὁΝuma e a mesma estaraacute inteira simultaneamente em coisas que satildeo muacuteltiplas e separadas e assim ela estaria separada de si mἷὅmardquoΝ(ldquo θ λα θ εα α θ θ πκζζκῖμ εα ξπλ μ κ δθ ζκθ ηα θΫ αδ εα κ πμ α α κ ξπλ μ π βrdquo)Ν(Prm 131b1-2) 171 ldquoἜὁgὁΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ἶiὅὅἷΝ ἷlἷΝ ὅatildeὁΝ ἶiviὅiacutevἷiὅΝ aὅΝ fὁὄmaὅΝ mἷὅmaὅΝ ἷΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅΝ ὃuἷΝἶἷlaὅΝ ὂaὄtiἵiὂamΝparticipariam de uma de suas partes e natildeo eacute mais o todo que estaria em cada uma das coisas mas ὅimΝumaΝὂaὄtἷΝἵaἴἷὄiaΝaΝἵaἶaΝἵὁiὅardquoΝ(ldquoΜ λδ λα φΪθαδ υελα μ έθ α α β εα η Ϋξκθ α α θ ηΫλκυμ θ η Ϋξκδ εα κ εΫ δ θ εΪ ζκθ ζζ ηΫλκμ εΪ κυ θ θrdquo)Ν (Prm 135c6-7)

120 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

mesmo identidade entre as aporias levantadas por Parmecircnides no diaacutelogo homocircnimo em

relaccedilatildeo agraves Formas e essas postuladas nas controveacutersias do proacuteprio Soacutecrates Mais adiante

Dixsaut (2001 p 296) demonstra estar ciente de que Soacutecrates no Filebo insistiria nessas

aporias levantadas pelo Parmecircnides soacute que com uma diferenccedila ele natildeo para diante dessas

aporias agora mas insiste em postular a real existecircncia (uma e muacuteltipla) dessas mocircnadas

ldquoὅatildeo esses os problemas sobre esse tipo de um e muacuteltiplo Protarco ndash natildeo aqueles outros ndash

que quando natildeo se chega a um belo acordo sobre eles causam todo tipo de aporia mas

quando se chega tem-ὅἷΝumΝἵamiὀhὁΝὅἷmΝὁἴὅtὠἵulὁὅrdquoΝ(1ἃἴἄ-c3) Como bem notou a autora

francesa as dificuldades impostas por Parmecircnides natildeo satildeo insuperaacuteveis natildeo eacute necessaacuterio

que Platatildeo abandone as Formas e o modo de existecircncia que ele sempre as atribui pois nos

lembra a autora como no final do Parmecircnides (135b9c-2) se natildeo admitimos uma Forma ( Ϋα)

a cada um dos seres agravequilo que eacute sempre o mesmo eacute a potecircncia dialeacutetica ( κ δαζΫΰ γαδ

τθαηδθ)ΝὃuἷΝὅἷΝἷὅvaiμΝldquoa forma constitui a possibilidade da dialeacutetica mas eacute o exerciacutecio da

potecircncia dialeacutetica que confirma a existecircncia das Formas Sua potecircncia consiste sempre em

saber aquilo que eacute ( δ δθ)ΝἵaἶaΝὅἷὄΝ(έέέ)rdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1ΝὂέΝ297)

Certamente tudo o que foi dito diz respeito a uma claacutessica e intricada discussatildeo acerca

da questatildeo da participaccedilatildeo dos seres nas Formas volta a ser retomada no Filebo depois das

inuacutemeras aporias que ela suscitou no Parmecircnides Obviamente a questatildeo exige esforccedilo dos

inteacuterpretes e ainda estaacute longe de ser totalmente resolvida Ambos os inteacuterpretes aqui utilizados

natildeo datildeo como resolvidos esses claacutessicos problemas mas propotildeem no contexto do diaacutelogo

sem recorrer a acreacutescimos que natildeo estariam contidos na proacutepria obra172 Utilizo-os tambeacutem

172 Muniz e Rudebusch (2007) ainda demonstram uma seacuterie de leituras contrapostas a de ambos os autores em relaccedilatildeo agrave segunda controveacutersia tentando evidenciar seus supostos equiacutevocos na compreensatildeo da passagem tanto aqueles que adotam emendas clarividecircncia do texto ou mesmo uma revisatildeo gramatical distinta do grego antigo sob a qual o texto original platocircnico fora escrito Destarte ainda demonstram as deficiecircncias das leituras contemporacircneas como a de Migliori (1993) (tida como pleonaacutestica ao identificar um pleonasmo dentro da proacutepria braquilogia A leitura de Meinwald (1996) tambeacutem eacute citada no caso de clarividecircncia a partir de outros diaacutelogos E por fim a de ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ(ἀίίἄ)ΝὃuἷΝafiὄmaΝὃuἷΝldquoἷὅὅaὅrdquoΝἷΝldquoἷὅὅardquoΝiὀἶiἵaἶὁὅΝὂἷlaΝὅἷguὀἶaΝἵὁὀtὄὁvὧὄὅiaΝ(1ἃἴἀ-3) referem-se a espeacutecies de um mesmo gecircnero isto eacute ele interpreta a questatildeo como uma relaccedilatildeo parte-todo entre as partes do ζσΰκμ ἷΝὁΝtὁἶὁΝὃuἷΝἷlaὅΝἵὁὀὅtituἷmέΝldquoἢaὄaΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝὁΝlogos eacute a definiccedilatildeo da espeacutecie de modo que a relaccedilatildeo todo-ὂaὄtἷὅΝἷmΝὃuἷὅtatildeὁΝὧΝὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶaΝldquoἵὁὀὅtituiὦatildeὁΝἶaΝἷὅὂὧἵiἷrdquoΝndash ὁuΝldquoὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶaΝuὀiἶaἶἷΝἶὁΝlogos obtido por divisatildeo ndash ἷΝὀatildeὁΝldquoὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶaΝἶiviὅatildeὁΝἶὁΝgecircὀἷὄὁΝἷmΝvὠὄiaὅΝ ἷὅὂὧἵiἷὅrdquoΝ (εἧἠIZΝ ΤΝ ἤἧἒἓἐἧἥἑώ)έΝ ἠἷὅtἷΝ ἵaὅὁΝ havἷὄiamΝ ἶὁiὅΝ ὂὄὁἴlἷmaὅΝ ὀaΝ lἷituὄaΝ ἶἷΝDelcommminete (i) ela partilha de requerer clarividecircncia de Protarco mas de acordo com Delcomminette (2006) soacute mais adiante (com a introduccedilatildeo do meacutetodo divino 16c5-17a4) a interpretaccedilatildeo do texto faria sentido e teria sido entendida pelo interlocutor logo sem clarividecircncia Protarco natildeo entenderia a fala de Soacutecrates em 15b seria ininteligiacutevel (ii) elaΝtἷὄiaΝἶἷΝὅuὂὁὄΝὃuἷΝὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝprovoca as trecircs controveacutersias o que natildeo ocorre mas como afirmam Muniz amp Rudebusch o texto prova ἷxatamἷὀtἷΝὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁμΝldquo(έέέ)ΝlsquoὀatildeὁΝhὠΝmὁἶὁΝmἷlhὁὄrsquoΝ(κ η θ δ εαζζέπθ μ) do que este meacutetodo para evitar as aporiai causadas pelas trecircs controveacutersias fornecendo euporiai (1ἃἵἀ)rdquoΝ (εἧἠIZΝ ΤΝRUDEBUSCH 2007 p 132)

121 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

porque creio que possuem o meacuterito de tentar melhor esclarecer essa passagem intrincada do

diaacutelogo e porque tais soluccedilotildees me parecem mais convincentes se analisamos o texto original

Tanto Dixsaut (2001) quanto Muniz amp Rudebusch (2012) podem natildeo ter resolvido esses

problemas gerais nem mesmo a passagem em questatildeo mas certamente possuem certa

importacircncia por as terem tornado mais inteligiacuteveis Esses mesmos autores apresentam suas

ὂὁὅiὦὴἷὅΝἷὀὃuaὀtὁΝldquolἷituὄaὅrdquoΝἒixὅautΝaiὀἶaΝἶἷmὁὀὅtὄaΝὀὁΝὂὄὰὂὄiὁΝtἷxtὁΝaΝiὀὅἷguὄaὀὦaΝἵὁmΝaΝ

qual avanccedila nesta hipoacutetese interpretativa das trecircs controveacutersias (DIXSAUT 2001 p 295)

Voltemos ao diaacutelogo A discussatildeo prossegue e todos os esforccedilos devem agora ser

empregados para se alcanccedilar um caminho sem obstaacuteculos ( πκλέαμ) diante das dificuldades

( πκλέαμ) essa eacute a exigecircncia demonstrada por Protarco (15c4-5) suscitadas pela controveacutersia

( ηφδ ίβ κτη θα) que surgiu no diaacutelogo (15d2) Mas por onde comeccedilar Natildeo seria deste

ponto

Soc Dizemos que pelo discurso ( π ζ ΰπθ) a mesma coisa vindo a ser uma e muacuteltipla ( θ εα πκζζ ) circula sempre em todos os sentidos e em cada coisa dita tanto no passado quanto no presente Isso natildeo comeccedilou agora nem iraacute parar nunca trata-se como me parece de algo imortal que natildeo envelhece inerente ao discurso humano E sempre que um jovem ( θ θΫπθ) o experimenta173 sente tanto prazer ( φrsquoΝ κθ μ θγκυ δ ) como se tivesse descoberto algum tesouro de sabedoria ( μ δθα κφέαμ β λβε μ γβ αυλσθ)

173 ἏὃuiΝὂaὄἷἵἷΝὅἷὄΝὀὁtὠvἷlΝaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝldquo γΪθα σθΝ δΝεα ΰάλπθΝπΪγκμΝ θΝ ηῖθrdquoΝ(1ἃἶἆ)ΝaΝimὁὄtaliἶaἶἷΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἴἷmΝἵὁmὁΝὁΝtἷὄmὁΝπΪγκμΝὃuἷΝtaὀtὁΝὅἷΝὄἷfἷὄἷ agrave experiecircncia dos homens com os discursos como a uma caracteriacutestica (afecccedilatildeo) dos proacuteprios discursos O termo eacute traduzido por experiecircncia e seraacute ἶἷΝἷxtὄἷmaΝὄἷlἷvacircὀἵiaΝὀaΝaὀὠliὅἷΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅέΝἓὅὅaΝἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝldquoimὁὄtalrdquoΝἶὁὅΝἶiὅἵuὄὅὁὅΝὄἷtὁmaΝὁΝepiacuteteto homeacuterico (Od 5 153 VII 94 ll 8 539) e tambeacutem o Poliacutetico (273e) ao ser descrita a renovaccedilatildeo perioacutedica do demiurgo do cosmos Note-se aqui que Soacutecrates jaacute deixou claro que esse tipo de problema sobre o um e de muacuteltiplo que deseja tratar podemos dizer tambeacutem que os proacuteprios ζσΰκδ satildeo postos em questatildeo na medida em que pretendem dizer a realidade (criacutetica agrave antiloacutegica Cf R VII 539 b1ndash7 Sph 251 b6ndashc6 Plt 285a-b) Outro fator importante satildeo os termos utilizados ao se referir agrave atitude experimentada ὂἷlὁὅΝ ldquojὁvἷὀὅrdquoΝ ἷmΝ ὄἷlaὦatildeὁΝ aΝ ἷὅὅἷὅΝ ἶiὅἵuὄὅὁὅΝ tὁἶὁὅΝ ἷὅtatildeὁΝ ligaἶὁὅΝ aὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ(ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ (ἀίίἄΝ ὂέΝ ἆἅΝ ὀέΝ ἄἅ)Ν tamἴὧmΝ faὐΝ ὅἷmἷlhaὀtἷΝ ἵὁὀὅtataὦatildeὁ)Ν Οΰ τπΟΝ (gὁὅtὁΝ 1ἃἶλ)Ν κηαδΟΝ(ἶἷΝὅἷὀtiὄΝὂὄaὐἷὄΝ1ἃἶλ)ΝΟΝ η θκμΝΟ(ὄἷjuἴilaΝ1ἃἷἀ)Νldquo γ έμrdquoΝ(ὄἷgὁὐijaΝ1ἃἶλ) κθ μ (15e1) ἢaὄἷἵἷΝaὃuiΝὅἷὄΝjuὅtὁΝἶaὄΝvὁὐΝὡΝἦὁὄὄἷὅΝεὁὄalἷὅΝ(ἀί1ἀ)ΝἵὁὀἵὁὄἶaὀἶὁΝἵὁmΝἷlἷΝὃuἷμΝldquo(έέέ)ΝἷὅὅἷΝfatὁΝὀatildeὁΝapenas restaura o viacutenculo estreito e muitas vezes despercebido entre prazeres e discursos ou julgamentos mas sim reforccedila a ideia de que Protarco eacute tambeacutem um filoacutelogo que sente prazer em dizer e ouvir discursos o que o impede de ver aleacutem das palavras () Finalmente () achamos interessante acrescentar que novamente a enumeraccedilatildeo socraacutetica natildeo eacute aleatoacuteria mas mostra uma gradaccedilatildeo ou ordem em primeiro lugar a seacuterie jovem e contemporacircnea parece nos enviar claramente para o futuro para o passado e para o presente) o conjunto pai-matildee parece referir-se agrave origem e formaccedilatildeo do mais novo e a seacuterie homens-baacuterbaros parece designar uma gradaccedilatildeo entre homem e animal onde o baacuterbaro seria colocado no meio e ao mesmo tempo se refere ao alcance do interior e exterior da cidade Na vἷὄἶaἶἷΝὁὅΝἴὠὄἴaὄὁὅΝ(laquoίΪλίαλκδraquo)ΝὂaὄἷἵἷmΝἷὅtaὄΝὅἷὂaὄaἶὁὅΝἶὁὅΝhὁmἷὀὅΝἵὁmὁΝlaquoὁutὄὁὅΝὅἷὄἷὅΝvivὁὅraquoΝ(laquo θΝ ζζπθΝα πθraquo) e esta referecircncia refere-se agrave questatildeo poliacutetica da transmissatildeo do conhecimento ou perplexidade fora da proacutepria cidade a perplexidade dos jovens natildeo soacute afeta a cidade mas tambeacutem tem um efeito no exterior O Filebo natildeo desenvolve esta questatildeo mas acreditamos que essa eacute uma ὂὄἷὁἵuὂaὦatildeὁΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὂlatὲὀiἵὁΝἷΝἶaΝἷἶuἵaὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἀἀ1-222 n 37)

122 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

e natildeo soacute fica entusiasmado pelo prazer como se rejubila ( γ έμ) em mover todo e qualquer argumento (πΪθ α εδθ ῖ ζσΰκθ) ora revirando-o e o misturando em um soacute ora desenrolando-o de novo e dividindo-o em partes Em primeiro lugar lanccedila sobretudo a si mesmo na aporia ( μ απκλέαθ) em segundo lanccedila tambeacutem quem quer que esteja perto dele seja mais jovem mais velho ou da mesma idade dele ndash natildeo poupando pai nem matildee nem nenhum outro ouvinte Mas natildeo apenas os ouvintes humanos ndash por pouco natildeo poupa nem os animais ndash e bastaria ter um inteacuterprete para natildeo poupar sequer os baacuterbaros (15d4-16a3)

Diante de uma descriccedilatildeo extremamente cocircmica o que natildeo eacute surpreendente quando

em se tratando de Soacutecrates e da sua criacutetica aos jovens empolgados com o prazer dos

discursos174 e dos usos improacuteprios que por vezes fazem deles A resposta de Protarco eacute uma

investida com certo tom de indignaccedilatildeo ao relembrar a Soacutecrates que aquela discussatildeo eacute uma

discussatildeo entre jovens rodeada por um puacuteblico jovem (16a4) No entanto o desejo de sair

das aporias eacute ainda maior as discussotildees que geram as controveacutersias soacute poderatildeo encontrar

algumaΝὅὁluὦatildeὁΝaΝὂaὄtiὄΝἶἷΝalgumΝldquoἵamiὀhὁΝmaiὅΝἴἷlὁrdquoΝ( θ Ϋ δθα εαζζέπθ) do que o anterior

(14b1) Torna-se imprescindiacutevel que Soacutecrates coloque todo o seu ardor juntamente com seus

interlocutores para que Protarco possa acompanhaacute-lo diantἷΝἶἷΝldquoumaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὃuἷΝὀatildeὁΝὧΝ

ὀaἶaΝὂἷὃuἷὀardquoΝ(κ ΰ λ ηδελ μ παλ θ ζσΰκμ υελα μ) (16b3) A partir daiacute o tom eacute

acalmado pode-ὅἷΝὀὁtaὄΝiὅὅὁΝὂἷlὁΝmὁἶὁΝἵὁmὁΝἥὰἵὄatἷὅΝὅἷΝὄἷfἷὄἷΝaΝὅἷuὅΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝldquomἷuὅΝ

jὁvἷὀὅrdquoΝ( παῖ μ) (16b4) utilizando-se do modo como Filebo trata seus amigos De fato essa

questatildeo natildeo eacute pequena isto eacute o meacutetodo confirma Soacutecrates (16b4) natildeo poderia haver

ldquoἵamiὀhὁΝ maiὅΝ ἴἷlὁΝ ἶὁΝ ὃuἷΝ ἷὅtἷrdquoΝ (ldquoκ η θ δ εαζζέπθ μ κ rsquoΝ θ ΰ θκδ κrdquo) do qual

Soacutecrates insistentemente se declara como amaὀtἷΝ(ldquo- μ ΰ λα μ ηΫθ ηδ έrdquo)175 caminho

que muitas vezes lhe escapou deixando-ὁΝ ἶἷὅὁlaἶὁΝ ἷΝ ἷmΝ aὂὁὄiaΝ (ldquoπκζζΪεδμ Ϋ η β

δαφυΰκ α λβηκθ εα Ϋ β θrdquo) (16b6-7)

Perante a indagaccedilatildeo de Protarco sobre qual caminho seria esse torna-se possiacutevel

estabelecer o ponto que Soacutecrates haacute muito tempo jaacute almejava chegar Sua resposta adverte

a respeito das dificuldades de se utilizar este caminho mostraacute-lo natildeo eacute difiacutecil difiacutecil poreacutem eacute

174 Cf R VII 539 b1ndash7 Sph 251 b6ndashc6 Plt 285a-b 175 Haacute aqui uma ressonacircncia daquilo que foi dito no Fedro ldquoἓuΝmἷὅmὁΝἔἷἶὄὁΝὅὁuΝamaὀtἷΝἶἷὅὅaὅΝdivisotildees ( δαδλΫ πθ) e reuniotildees ( υθαΰπΰ θ)rdquoΝ (ἀἄἄἴἁ-4) A passagem apresenta certa literalidade com o meacutetodo das divisotildees descrito no Fedro (265e-266b) Podemos tambeacutem aqui nos lembrar tanto do Sofista (253d1-3) onde se afirma que a divisatildeo por gecircneros ( εα ΰΫθβ δαδλ ῖ γαδ)ΝὧΝldquoὁἴὄaΝἶaΝἵiecircὀἵiaΝἶialὧtiἵardquoΝ( μ δαζ ε δε μ πδ άηβμ) como tambeacutem do Poliacutetico advertindo que no uso do meacutetodo dialeacutetico para a definiccedilatildeo do poliacutetico esta natildeo eacute feita em vista deste personagem mas para ldquoὀὁὅΝtὁὄὀaὄmὁὅΝmἷlhὁὄἷὅΝἶialὧtiἵὁὅΝἷmΝtὁἶὁὅΝὁὅΝἶὁmiacuteὀiὁὅrdquoΝ( κ π λ πΪθ α δαζ ε δεπ Ϋλκμ ΰέΰθ αδ) (285d6-7) A questatildeo sobre o meacutetodo da divisatildeo e suas implicaccedilotildees no contexto do Filebo eacute um dos importantes problemas que ainda dividem os inteacuterpretes Sobre isso falarei mais adiante Para uma anaacutelise mais detalhada cf BRAVO (2007 p 11-37)

123 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

utilizaacute-lὁέΝldquoἦὁἶaὅΝaὅΝἵὁiὅaὅΝὄἷlativaὅΝὡὅΝ Ϋξθβμ (teacutecnicas) descobertas vieram agrave luz por meio

ἶἷlἷrdquoΝ(1ἄἵ1-2) Segue a descriccedilatildeo do caminho

Soc Eu vejo esse caminho como um presente dos deuses lanccedilado dos deuses de algum lugar junto com um fogo de intenso brilho por algum Prometeu E os mais antigos que eram superiores a noacutes e habitavam mais ὂἷὄtὁΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅΝtὄaὀὅmitiὄamΝἷὅὅaΝtὄaἶiὦatildeὁμΝldquoaὅΝἵὁiὅaὅΝὃuἷΝὅἷΝὂὁἶἷΝὅἷmὂὄἷΝdizer que satildeo vecircm do um e do muacuteltiplo e tecircm nelas mesmas um limite e uma ilimitaὦatildeὁΝ ldquoiὀatὁὅrdquoέΝ ἥἷΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅΝ fὁὄamΝ ἴἷlamἷὀtἷΝ ἶiὅὂὁὅtaὅΝ ἷmΝ talΝ ὁὄἶἷmΝdevemos entatildeo admitir sempre para cada caso apenas uma forma para qualquer uma delas e devemos buscaacute-la e certamente a encontraremos presente Se entatildeo a apreendermos devemos depois de uma examinar duas se houver caso natildeo haja duas devemos examinar trecircs ou qualquer outro nuacutemero Devemos examinar da mesma maneira cada uma delas ateacute que se veja essa unidade original natildeo apenas como uma muacuteltipla e ilimitada mas tambeacutem que se vejam quantos elementos ela tem mas natildeo devemos aplicar a forma do ilimitado agrave pluralidade antes de percebermos o nuacutemero total da pluralidade que existe entre o ilimitado e o um e soacute entatildeo podemos nos despedir dessas coisas e abandonar cada uma delas no ilimitado Como disse os deuses ofereceram-nos essa tradiccedilatildeo para examinarmos aprendermos ensinarmos uns aos outros Mas os saacutebios atuais produzem o um e o muacuteltiplo ao acaso mais raacutepido ou mais lento do que deveriam fazer Vatildeo de imediato do um ao ilimitado deixando escapar os intermediaacuterios Mas satildeo esses intermediaacuterios que distinguem a discussatildeo dialeacutetica que travamos uns com os outros de seu contraacuterio a eriacutestica (16c5-17a5) Ω γ θΝη θΝ μΝ θγλυπκυμΝ σ δμΝ μΝΰ Νεα αφαέθ αδΝ ηκέΝπκγ θΝ εΝγ θΝλλέφβΝ δΪΝ δθκμΝ ΠλκηβγΫπμΝ ηαΝ φαθκ Ϊ δθ πυλέμΝ εα κ η θΝ παζαδκέΝ

ελ έ κθ μΝ η θΝεα ΰΰυ ΫλπΝγ θΝκ εκ θ μΝ ατ βθΝφάηβθΝπαλΫ κ αθΝ μΝιΝ θ μΝη θΝεα πκζζ θΝ θ πθΝ θΝ ζ ΰκηΫθπθΝ θαδΝπΫλαμΝ εα π δλέαθΝθΝα κῖμΝ τηφυ κθΝ ξσθ πθέΝ ῖθΝκ θΝ η μΝ κτ πθΝκ πΝ δαε εκ ηβηΫθπθΝ

ηέαθΝ ΫαθΝ π λ παθ μΝ εΪ κ Ν γ ηΫθκυμΝ αβ ῖθmdash λά δθΝ ΰ λΝθκ αθmdash θΝκ θΝη αζΪίπη θΝη ηέαθΝ τκΝ ππμΝ έΝ εκπ ῖθΝ

ηάΝ λ ῖμΝ δθαΝ ζζκθΝ λδγησθΝεα θΝ θΝ ε έθπθΝ εα κθΝπΪζδθΝ ατ πμΝηΫξλδπ λ θΝ εα ᾽ λξ μΝ θΝη δΝ θΝεα πκζζ εα π δλΪΝ δΝησθκθΝ δμΝ ζζ εα πσ αμΝ θΝ κ π έλκυΝ ΫαθΝπλ μΝ πζ γκμΝη πλκ φΫλ δθΝ

πλ θΝ θΝ δμΝ θΝ λδγη θΝα κ πΪθ αΝεα έ θ η αι κ π έλκυΝ Νεα κ θσμΝ σ Ν ᾽ βΝ θΝ εα κθΝ θΝπΪθ πθΝ μΝ π δλκθΝη γΫθ αΝξαέλ δθΝ

θέΝ κ η θΝ κ θΝ γ κέΝ π λΝ πκθΝ κ πμΝ ηῖθΝ παλΫ κ αθΝ εκπ ῖθΝ εα ηαθγΪθ δθΝεα δ Ϊ ε δθΝ ζζάζκυμμΝκ θ θΝ θΝ θγλυππθΝ κφκ θΝηΫθΝ

ππμΝ θΝ τξπ δΝεα πκζζ γ κθΝεα ίλα τ λκθΝπκδκ δΝ κ Ϋκθ κμΝη θΝ π δλαΝ γτμΝ ηΫ αΝα κ μΝ εφ τΰ δmdashκ μΝ δαε ξυλδ αδΝ σΝ Ν

δαζ ε δε μΝ πΪζδθΝ εα λδ δε μΝ η μΝ πκδ ῖ γαδΝ πλ μΝ ζζάζκυμΝ κ μΝζσΰκυμΝ(1ἄἶἃ-17a5)

ἢἷlaΝὂaὅὅagἷmΝaἵimaΝfiἵaΝaiὀἶaΝmaiὅΝἷviἶἷὀtἷΝὃuἷΝldquoὁΝἵamiὀhὁΝmaiὅΝἴἷlὁrdquoΝ(εαζζέπθ

μ) que Soacutecrates se declara como amante ( λα μ)Ν(1ἄἴἅ)ΝὧΝaΝἶialὧtiἵaέΝldquoἓlἷΝὧΝὁΝmaiὅΝἴἷlὁΝ

caminho natildeo porque seja infaliacutevel mas porque apenas ele permite compreender o que cada

ὅἷὄΝὧΝvἷὄἶaἶἷiὄamἷὀtἷrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1ΝὂέΝἀλἆ)έΝἏiὀἶaΝὀὁὅΝὧΝἶitὁΝὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅΝὃuἷΝἷlἷΝὧΝ

um ldquoἶὁmΝἶiviὀὁrdquoΝ(1ἄἵἃ)ΝlaὀὦaἶὁΝaΝὀὰὅΝὂὁὄΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷurdquoΝ( δΪΝ δθκμΝΠλκηβγΫπμ)Ν(1ἄἵἄ)Ν

124 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

tὄaὀὅmitiἶὁΝ aΝ ὀὰὅΝ ὂἷlὁὅΝ ἏὀtigὁὅΝ (κ η θΝ παζαδκέ)Ν (1ἄἵἅ)έΝ ἡὅΝ ἵὁmἷὀtaἶὁὄἷὅΝ ἷmΝ gἷὄalΝ ἶὁΝ

diaacutelogo atribuem agrave Pitaacutegoras176 atestando certa evidecircncia de que Pitaacutegoras teria recebido tal

revelaccedilatildeo divina e transmitido a seus disciacutepulos esses antigos aos quais Soacutecrates faria

referecircncia nessa passagem que viviam mais perto dos deuses A hipoacuteteses dos tradutores se

baseia em dois pontos principais (i) Pitaacutegoras seria visto por Platatildeo como uma espeacutecie de

semi-deus que teria transmitido uma revelaccedilatildeo divina a seus seguidores (ii) Platatildeo

reconheceria em Pitaacutegoras um filoacutesofo da natureza177

Carl Huffman (1999) certamente possui o meacuterito de ter contestado ambas as

hipoacuteteses diante de um vasto estudo sobre as relaccedilotildees entre os pitagoacutericos e Platatildeo

especialmente ao analisar esse conteuacutedo em especiacutefico do Filebo Ele nos diz

176 Dois dos mais importantes tradutores do Filebo apostam nessa hipoacutetese Gosling (1975) e Hackforth (1945) 177 Huffman (199) apresenta vaacuterios motivos para descartarmos essas hipoacuteteses Antes poreacutem ele destaca que a interpretaccedilatildeo de que Pitaacutegoras pudesse ser considerado um ser divino por Platatildeo remonta agrave proacutepria antiguidade posterior ao nosso filoacutesofo Na proacutepria Academia surge essa controveacutersia por um lado Espeusipo e os acadecircmicos defendiam que o platonismo seria uma elaboraccedilatildeo dos temas pitagoacutericos E por outro estavam os aristoteacutelicos que faziam uma clara distinccedilatildeo entre Platatildeo e os pitagoacutericos O teoacuterico destaca tambeacutem que muitos como Aristoacuteteles Aristoxeno consideravam Pitaacutegoras como divino mas quanto a Platatildeo muito se supunha (entre acadecircmicos e aristoteacutelicos) se talvez tambeacutem essa natildeo fosse a sua visatildeo sobre Pitaacutegoras No entanto como diz ώuffmaὀμΝldquotἷὄiacuteamὁὅΝἵἷὄtaὅΝἶifiἵulἶaἶἷὅΝἷmΝὅuὂὁὄΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝὂὁἶἷὄiaΝtἷὄΝaἶὁtaἶὁΝaΝὁὂiὀiatildeὁΝὅἷgundo a qual Pitaacutegoras teria recebido uma revelaccedilatildeo divina a partir da qual ele Platatildeo desenvolveria sua ήltimaΝfilὁὅὁfiardquoΝ(1λλλΝὂέΝ1ἂ)έΝώuffmaὀΝaiὀἶaΝἶἷὅtaἵaΝὃuἷΝἷὅtaΝaὅὅimilaὦatildeὁΝἶἷΝἢitὠgὁὄaὅΝaΝumΝfilὰὅὁfὁΝda natureza eacute extremamente problemaacutetica apoiando-se em Burket e que talvez seria melhor admitir que Platatildeo se apoia nas concepccedilotildees dos pitagoacutericos do seacuteculo V aC que veem na filosofia do ilimitado e do ilimite e que deve ser considerada como um conhecimento particular e por isso atribua a ela uma revelaccedilatildeo divina que talvez remontasse ao proacuteprio Pitaacutegoras De acordo com o teoacuterico Pitaacutegoras eacute uma personagem xamacircnico inventor de uma forma de viver (a Comunidade pitagoacuterica) Ele recorre a passagem da Repuacuteblica (X 600a-b) na qual Pitaacutegoras eacute citado mas mesmo nessa passagem o filoacutesofo antigo natildeo eacute citado como um filoacutesofo da natureza nem como um personagem divino mas como alguὧmΝ ὃuἷΝ ὧΝ vἷὀἷὄaἶὁΝ ὂὁὄΝ tἷὄΝ ἶἷὅἵὁἴἷὄtὁΝ umaΝ fὁὄmaΝ ἶἷΝ vivἷὄΝ ὂὁὄΝ iὅὅὁΝ ὧΝ ἵhamaἶὁΝ ἶἷΝ ldquo ΰ ηυθ παδ έαμrdquoΝἷΝ tἷὄiaΝἶἷὅἵὁἴἷὄtὁΝumΝ Πυγαΰσλ δκμ λσπκμ κ κέΝ ldquoἣuaὀἶὁΝἢlatatildeὁΝἶiὅἵutἷΝmaiὅΝaἵimaΝnesse mesmo diaacutelogo (R X 530d5) sobre os trabalhos teacutecnicos pitagoacutericos sobre a muacutesica ele se refere aos pitagoacutericos e natildeo ao proacuteprio Pitaacutegoras Por consequecircncia a imagem que noacutes temos de Pitaacutegoras e dos pitagoacutericos na Repuacuteblica estaacute totalmente de acordo com aquela que noacutes encontramos em Aristoacuteteles na qual todas as doutrinas filosoacuteficas envolvendo o limite o ilimitado o nuacutemero e a harmonia satildeo atribuiacutedas aos pitagoacutericos do quinto seacuteculo e na qual o proacuteprio Pitaacutegoras eacute mal citado ou associado a histoacuterias infundadas Mas essa visatildeo de Pitaacutegoras sustentada por Aristoacuteteles e pelo Platatildeo da Repuacuteblica na verdade natildeo concorda com a interpretaccedilatildeo corrente do Filebo que representa Pitaacutegoras como um Prometeu enviando dos deuses a intuiccedilatildeo filosoacutefica central do pitagorismo do quinto seacuteculo (p 15) Para uma anaacutelise ainda mais aprofundada e que segue esta mesma visatildeo torna-se imprescindiacutevel recorrer agrave interpretaccedilatildeo iacutetalo-brasileira do Prof Cornelli em dois textos em que ele discute claramente as passagens do Filebo em paralelo com o pitagorismo do quinto seacuteculo especialmente os fragmentos de Filolau oferecendo-nos uma compreensatildeo renovada dos traccedilos neopitagoacutericos presentes no Filebo distantes poreacutem da visatildeo claacutessica que procura atribuir as questotildees metafiacutesicas desse diaacutelogo a um protopitagorismo (Cf CORNELLI 2010a p 210- 216 2010b p 35-72)

125 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

() nada em Platatildeo nos sugere que o sistema do limite e do ilimitado remonta a Pitaacutegoras Noacutes podemos estimar por consequecircncia que Platatildeo se refere ao sistema de Filolau sistema que data do quinto seacuteculo sobre o qual Aristoacuteteles ὂaὄἷἵἷΝaΝὅuaΝmaὀἷiὄaΝὅἷΝaὂὁiaὄΝὀἷὅὅaΝὅuaΝἶἷὅἵὄiὦatildeὁΝἶὁΝὂitagὁὄiὅmὁrdquoΝ(1λλλΝp 17)

Antes poreacutem de nos referirmos agraves questotildees do limite e ilimitado fundamentais agrave

nossa discussatildeo voltemos pois aos aspectos externos relativos agrave dialeacutetica tal como ela eacute

descrita Talvez ao inveacutes de ir em busca da personagem histoacuterica que esteja por traacutes desse

Prometeu seja necessaacuterio retomar o sentido miacutetico que essa personagem traz consigo e o

uso que Platatildeo faz dele aqui neste momento do diaacutelogo Primeiramente eacute preciso observar a

expressatildeo utilizada em que haacute um certo tom que tira a proeminecircncia de divindade dado que

ὅἷΝἶiὐΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷurdquoέΝἢὄὁmἷteu estaacute ligado intimamente agrave teacutecnica ( Ϋξθβ) sobre ele eacute dito

tἷὄΝὄὁuἴaἶὁΝὁΝldquofὁgὁΝὅagὄaἶὁrdquoΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅΝἷlἷmἷὀtὁΝfuὀἶamἷὀtalΝὂaὄaΝaΝὂὄὁἶuὦatildeὁΝἶἷΝtὁἶaὅΝaὅΝ

teacutecnicas e tecirc-lo doado aos homens No entanto em Platatildeo esse mito adquire uma nova

interpretaccedilatildeo esse fogo natildeo eacute fruto de um roubo mas sim eacute um presente dado aos homens

pelos proacuteprios deuses Prometeu entatildeo seria um desses deuses178

A menccedilatildeo a Prometeu natildeo eacute ineacutedita na obra platocircnica o Filebo natildeo eacute o uacutenico exemplo

basta voltarmos ao Protaacutegoras (321 c7ndash322 a2) onde temos uma visatildeo mais fiel agrave tradiccedilatildeo e

no Poliacutetico (274 c5ndashd2) que contrasta com aquele diaacutelogo podendo como nos diz

Delcomminette (2006) serem explicados ambos em relaccedilatildeo agraves regras estabelecidas na

Repuacuteblica (II 378 e4ndash380 c10) acerca do modo como devem ser regrados os discursos aos

ἶἷuὅἷὅΝ(ὂέΝλἂ)έΝἡὄaΝὀatildeὁΝtἷὄiaΝἥὰἵὄatἷὅΝaὀtἷὅΝἶἷΝἷxὂὁὄΝἶἷtalhaἶamἷὀtἷΝὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝ

dito em 16c1-ἁΝ ὃuἷΝ ὁΝ ldquoἵamiὀhὁΝmaiὅΝ ἴἷlὁrdquoΝ (mὧtὁἶὁ)Ν ὅἷὄiaΝ aΝ ὁὄigἷmΝ ἶἷΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ tὧἵὀiἵaὅΝ

( Ϋξθβμ) que todas vieram agrave luz atraveacutes desse meacutetodo Portanto esse sentido permanece

fiel agrave ressignificaccedilatildeo platocircnica do mito de Prometeu Sobre isso satildeo esclarecedoras as

palavras de Huffman

Platatildeo encontra-se mais preocupado em mostrar que o meacutetodo que ele quer apresentar eacute decisivo para o conjunto das artes e das ciecircncias ( Ϋξθαδ) Ele mesmo faz essa declaraccedilatildeo impressionante todas as descobertas que teriam sido feitas nesse domiacutenio devem ser atribuiacutedas a esse meacutetodo Natildeo eacute surpreendente que quando relata a origem desse meacutetodo ele se refira ao santo patrono de todas as Ϋξθαδ Prometeu Tambeacutem no Prometeu acorrentado Prometeu declara que ele doou o fogo aos homens e que estes tiraram do fogo as variadas teacutecnicas ( φ κ ΰ πκζζ μ εαηαγά κθ αδ Ϋξθαμ 252-254) Quando Platatildeo diz que o meacutetodo que ele iraacute descrever foi lanccedilado das alturas divinas por algum Prometeu ao mesmo tempo que o fogo luminoso ele estaacute realmente dizendo que esse meacutetodo possui tanto valor

178 Sobre isso cf DELCOMMINETTE (2006 p 94) PUCCI (2005 p 31-70) VERNANT (2008 p 313-325)

126 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

para as artes assim como o proacuteprio fogo siacutembolo do poder tecnoloacutegico da humanidade Obviamente um meacutetodo filosoacutefico que natildeo pode ser atribuiacutedo ao Prometeu da tradiccedilatildeo mitoloacutegica eacute por isso que Platatildeo nos convida a ἵὁὀὅiἶἷὄaὄΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷurdquoΝumΝἢὄὁmἷtἷuΝὄἷviὅtὁΝἷΝἵὁὄὄigiἶὁΝὃuἷΝjuὀtὁΝἵὁmΝo fogo transmite um meacutetodo filosoacutefico (1999 p 15-16)

Diante disso eacute preciso reconhecer esse tom de diversatildeo aplicado agrave descriccedilatildeo de

Prometeu na passagem Essa intepretaccedilatildeo parece nos dar um sentido mais preciso dessa

invocaccedilatildeo ou seja se retomamos o momento que se insere a passagem ao voltarmos aos

trechos anteriores (16c1-3) a ela faz mais sentido essa interpretaccedilatildeo Neste sentido nada

nos dirige a algo que esteja por traacutes (da maacutescara) de Prometeu como por exemplo uma

mἷὀὦatildeὁΝaΝἢitὠgὁὄaὅέΝἑὁmὁΝἶiὐΝώuffmaὀΝ(1λλλ)ΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷuΝὧΝὅimὂlἷὅmἷὀtἷΝἢὄὁmἷtἷurdquoΝ

(p 16)

O tom de solenidade expresso por Soacutecrates em sua descriccedilatildeo do meacutetodo atestando

ainda maiὁὄΝὄἷὅὂἷitὁΝὂἷlὁὅΝldquoaὀtigὁὅrdquo (κ η θΝπαζαδκέ) que estavam mais proacuteximos dos deuses

e que transmitiram tal tradiccedilatildeo dotado de humildade eacute algo que tambeacutem deve ser melhor

compreendido Antes de tudo como jaacute foi dito a mesma solenidade eacute comum em outros

diaacutelogos isto eacute talvez seja melhor realccedilar o sentido altamente persuasivo desta declaraccedilatildeo

jaacute que eacute necessaacuterio dar a dialeacutetica em um primeiro momento um estatuto de teacutecnica eficiente

para vida dos homens As alusotildees agrave doutrina dos ilimitado e do ilimite e posteriormente agrave

analogia musical recobrem ainda mais esse sentido Lembre-se que no final da descriccedilatildeo

Soacutecrates diz que essa teacutecnica permite que se examine ( εκπ ῖθ) que ela se destina ao

aprendizado (ηαθγΪθ δθ) e ao ensino ( δ Ϊ ε δθ) (16e3-4) Como nos diz Delcomminette

ldquoὂarece portanto que a dialeacutetica seja descrita aqui como a contraparte teoacuterica de todas as

Ϋξθβμ isto eacute dizer como o que eacute transmissiacutevel atraveacutes da aprendizagem e ἷὀὅiὀὁrdquoΝ(ἀίίἄΝὂέΝ

95) Todo o restante do diaacutelogo parece confirmar esse sentido agrave medida em que a dialeacutetica

serve como instrumento para a classificaccedilatildeo dos prazeres e conhecimentos a serem incluiacutedos

na boa vida (mista) A dialeacutetica iraacute se deter na investigaccedilatildeo dessa melhor composiccedilatildeo

resultante da vida boa A vida boa que natildeo pode ser descrita unicamente pela via teoacuterica mas

precisa ser descrita em sua real efetividade praacutetica isto eacute natildeo apenas como essa vida eacute mas

como ela deveria ser Ao mesmo tempo nem mesmo a dialeacutetica se livra como se poderaacute ver

desta ambiguidade que carrega consigo sendo ao mesmo tempo divina porque esta tambeacutem

eacute a sua origem ela se insere no campo humano das teacutecnicas dos conhecimentos

A caracterizaccedilatildeo solene do meacutetodo possui deste modo quando analisamos o contexto

da discussatildeo um sentido fortemente persuasivo Primeiro porque como se nota eacute preciso

que Protarco em sua extrema piedade (Cf 28b7-10 e1-6) natildeo ousa reconhecer um meacutetodo

divino como absurdo Desta maneira em um primeiro momento na pesquisa atual eacute possiacutevel

ainda natildeo tratar dos problemas seacuterios do um e do muacuteltiplo questatildeo que seraacute retomada mais

127 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

a frente por Soacutecrates e aiacute entatildeo ficaratildeo mais claros os objetivos de Soacutecrates em relaccedilatildeo ao

meacutetodo Ora se a dialeacutetica eacute um dom dos deuses torna-se possiacutevel a aceitaccedilatildeo dela por parte

de Protarco a despeito dos problemas que ela origina e que permanecem sem soluccedilatildeo em

dado momento para o interlocutor179

Enquanto essas soluccedilotildees para noacutes podem ser esclarecidas caso retomemo outros

diaacutelogos para Protarco ainda natildeo estatildeo suficientemente claras (DELCOMMINETTE 2006

ὂέΝλἃ)έΝἒὁΝmἷὅmὁΝmὁἶὁΝὅἷὄὠΝὂὁὅὅiacutevἷlΝaΝἢlatatildeὁΝἷxiἴiὄΝὀὁvὁὅΝἷlἷmἷὀtὁὅΝaὁΝὅἷὄΝἶitὁΝὃuἷΝldquoὅἷΝaὅΝ

ἵὁiὅaὅΝ fὁὄἷmΝ ἴἷlamἷὀtἷΝ ἶiὅὂὁὅtaὅΝ ἷmΝ talΝ ὁὄἶἷmΝ ἶἷvἷmὁὅΝ aἶmitiὄΝ (έέέ)rdquoΝ ( κτ πθΝ κ πΝ

δαε εκ ηβηΫθπθ) (16d1-2) ou seja os antigos nos disseram que as coisas que se podem

dizer sempre que satildeo vecircm do um e do muacuteltiplo e tecircm nelas um limite e uma ilimitaccedilatildeo inatos

( μΝ ιΝ θ μΝη θΝεα πκζζ θΝ θ πθΝ θΝ ζ ΰκηΫθπθΝ θαδΝπΫλαμΝ εα π δλέαθΝ θΝα κῖμΝ

τηφυ κθΝ ξσθ πθ) (16c4-5) sem dar nenhuma argumentaccedilatildeo acerca deste fato mas

apenas os antigos disseram assim Sobre isso explicita ainda mais Delcomminette

Nestas circunstacircncias se natildeo somos tatildeo piedosos como Protarco que razatildeo devemos dar creacutedito a esta afirmaccedilatildeo e agrave ontologia O que isso pressupotildee Na verdade a situaccedilatildeo eacute mais uma vez muito mais complicada do que parece agrave primeira vista com efeito veremos que a ontologia que parece ser simplesmente pressuposta nesta passagem seraacute desenvolvida mais tarde em uma passagem que consistiraacute em uma aplicaccedilatildeo do meacutetodo aqui descrito Em outras palavras a ontologia pressuposta pela dialeacutetica seraacute trazida agrave luz por uma aplicaccedilatildeo da dialeacutetica e a aparente prioridade loacutegica da ontologia sobre a dialeacutetica seraacute substituiacuteda por uma aparente prioridade loacutegica da dialeacutetica sobre a ontologia O fato de que esta passagem descreve a dialeacutetica como revelaccedilatildeo divina portanto natildeo tem apenas por resultado a quebra do ciacuterculo entre a concepccedilatildeo correta do bem e o meacutetodo a ser utilizado para alcanccedilaacute-lo ele tambeacutem introduz um novo ciacuterculo entre dialeacutetica e ontologia e nos oferece os meios para entrar neste ciacuterculo Como veremos esse segundo ciacuterculo tem relaccedilotildees iacutentimas com o primeiro Esta estrutura extremamente complexa apresenta um problema fundamental para o inteacuterprete (2006 p 95-96)

ἒiaὀtἷΝἶὁΝὃuἷΝfὁiΝἶitὁΝaΝmἷὀὦatildeὁΝaὁὅΝldquoaὀtigὁὅrdquoΝtὁὄὀa-se mais clara ainda Eacute necessaacuterio

investigar o conteuacutedo trazido por esta tradiccedilatildeo Retomando Huffman (1999) podemos notar

que ele nos traz evidecircnciaὅΝaiὀἶaΝmaiὅΝὄἷlἷvaὀtἷὅΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝaὁΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝldquoὀaἶaΝἷmΝἢlatatildeὁΝ

179 ἏΝ mἷuΝ vἷὄΝ aΝ ἷxὂliἵaὦatildeὁΝ ἶἷΝ ἑὁὄὀἷlliΝ ὅὁἴὄἷΝ ὁΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ἶaΝ ldquoὄἷvἷlaὦatildeὁΝ ἶiviὀardquoΝ ὂaὄἷἵἷΝ ὅἷὄΝ aΝ maiὅΝὂἷὄtiὀἷὀtἷΝἶἷὀtὄἷΝaὅΝὃuἷΝἷὀἵὁὀtὄἷiΝaὅὅimΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoἷὅὅaΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝiὀὅiὅtἷὀtἷΝaΝumaΝὁὄigἷmΝἶiviὀaΝ[ὃuἷΝnovamente reapareceraacute em 23c-d] pode sublinhar o valor que Platatildeo daacute agrave teoria do limitante e do ilimitado Soacutecrates havia declarado diversas vezes seu temor para com os deuses nas primeiras paacuteginas do diaacutelogo (12c) Ao mesmo tempo a revelaccedilatildeo natildeo deve ser pensada como algo completo definitivo ndash como poderia sugerir certa influecircncia sobre a leitura dos antigos da concepccedilatildeo dogmaacutetica da matriz judaico-cristatilde-iὅlacircmiἵaΝ iὅtὁΝ ὧΝ ἶaὅΝ aὅὅimΝ ἵhamaἶaὅΝ lsquoὄἷligiὴἷὅΝ ἶὁΝ ἜivὄὁrsquoέΝ ἏΝ ὄἷvἷlaὦatildeὁΝ aὁΝcontraacuterio pode ser pensada como algo de origem nobre e que pede para ser continuado como um ἵὁmὂὄὁmiὅὅὁΝaΝὅἷὄΝtὁmaἶὁΝὀὁΝfutuὄὁμΝὀatildeὁΝἵὁmὁΝalgὁΝἷὅtὠtiἵὁΝἶὁgmὠtiἵὁrdquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝἀ1ἂ)έ

128 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

sugere que o sistema do limite e do ilimitado remonte agrave Pitaacutegoras Podemos estimar por

ἵὁὀὅἷὃuecircὀἵiaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝὅἷΝὄἷfἷὄἷΝaὁΝὅiὅtἷmaΝἶἷΝἔilὁlaurdquoΝ(ὂέΝ1ἅ)έΝἓὅὅἷὅΝaὀtigὁὅΝἷmΝὃuἷὅtatildeὁΝ

seriam os pitagoacutericos do seacuteculo V aC180 pois Filolau eacute o primeiro dos pitagoacutericos que insurge

em resposta aos filoacutesofos da natureza que o precederam ao construir o sistema de limite e

ilimitado colocando-os no mesmo plano ambos igualmente como dois princiacutepios em

resposta agrave prioridade dada ao π δλκθ logo apoacutes as obras de Anaxaacutegoras e de Zenatildeo ele

nos lembra o fragmento 1 do pitagoacuterico

A natureza do universo foi harmonizada a partir de ilimitados e de limitadores mdash natildeo apenas o universo como um todo mas tambeacutem tudo o que nele existe (Fr1)

φ δμΝ ΥΝ θΝ ε η λη ξγβΝ ιΝ π λπθΝ Νεα π λαδθ θ πθΝεα ζκμΝ ε ηκμΝεα θΝα π θ α (Fr 1)181

Podemos tambeacutem retomar o fragmento 2

Forccedilosamente eacute que as coisas que existem sejam todas elas ou limitadoras ou ilimitadas ou simultaneamente limitadoras e ilimitadas Mas natildeo podiam ser apenas ilimitadas Portanto uma vez que elas parecem natildeo dever a sua existecircncia nem agraves coisas que satildeo todas limitadoras nem agraves que satildeo todas ilimitadas eacute evidente por conseguinte que tanto o universo como aquilo que nele existe foram harmonizados a partir simultaneamente dos limitadores e dos ilimitados Eacute isto o que demonstram tambeacutem as coisas tal como efetivamente existem Eacute que algumas delas provenientes dos limitadores limitam outras procedentes tanto dos limitadores como dos ilimitados limitam e natildeo limitam ao mesmo tempo e as outras que provecircm dos ilimitados satildeo evidentemente ilimitadas (Fr 2)

θΪΰεαΝ σθ αΝ η θΝ πΪθ αΝ π λαέθκθ αΝ π δλαΝ π λαέθκθ ΪΝ Ν εα π δλαmiddotΝ π δλαΝ ησθκθΝκ εΝ έέΝ π κέθυθΝφαέθ αδΝκ ΥΝ ε π λαδθσθ πθ

πΪθ πθ σθ α κ ι π έλπθ πΪθ πθ ζκθ λα δ ε π λαδθσθ πθ εα π έλπθ εσ ηκμ εα θ α δ υθαλησξγβ βζκῖ εα θ κῖμ

180 Huffman diz que essa hipoacutetese natildeo deve ser descartada tendo em vista que Filolau eacute contemporacircneo de Platatildeo isto eacute natildeo haacute uma distacircncia de seacuteculos entre ambos Se colocamos na boca de Soacutecrates (hiὅtὰὄiἵὁ)ΝiὅὅὁΝὂaὄἷἵἷὄiaΝὂὁuἵὁΝὂὄὁvὠvἷlΝiὅtὁΝὧΝὀὁmἷaὄΝἔilὁlauΝἵὁmὁΝumΝldquoaὀtigὁrdquoέΝεaὅΝὅἷΝlἷvaὄmὁὅΝem conta o fato de que realmente o Filebo eacute um dos uacuteltimos diaacutelogos escritos por Platatildeo faz todo o sentido Aleacutem do maiὅΝἷlἷΝὀὁὅΝἵὁὀviἶaΝὡΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὄΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝldquoὁὅΝaὀtigὁὅrdquoΝἵὁὀfὁὄmἷΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝldquohὁmἷὀὅΝἶἷΝaὀtἷὅΝἶἷΝὀὁὅὅὁΝtἷmὂὁrdquoΝἷΝὀatildeὁΝἵὁmὁΝgecircὀiὁὅΝἶἷΝumaΝaὀtiguiἶaἶἷΝimἷmὁὄialέΝἡΝtἷὰὄiἵὁΝaiὀἶaΝrecorre ao exemplo do Fedro (235b) diaacutelogo no qual Anacreonte ainda em atividade no sexto seacuteculo ὧΝἵὁὀὅiἶἷὄaἶὁΝumΝἶἷὅὅἷὅΝldquoaὀtigὁὅrdquoΝἷΝtamἴὧmΝὄἷlἷmἴὄaΝὁΝHiacutepias Maior (181c) em que os κ παζαδκέ satildeo divididos em dois grupos de eacutepocas diferentes o mais antigo incluindo os sete saacutebios e o mais recente estendendo-se ateacute Anaxaacutegoras no quinto seacuteculo (Cf 1999 p 16) 181 Utilizo os textos recolhidos da doxografia dos preacute-socraacuteticos e traduzidos por Kirk et al (1983) com apresentaccedilatildeo do texto original grego tambeacutem fornecido pelos tradutores A segunda parte do Fragmento 6 natildeo traduzida pelos autores utilizo a traduccedilatildeo e o texto original estabelecidos por Cornelli (2010) Ambas as obras se encontram devidamente referenciadas ao final deste trabalho na seccedilatildeo pertinente agraves referecircncias

129 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

λΰκδμ η θ ΰ λ α θ ε π λαδθσθ πθ π λαέθκθ δ ε π λαδθσθ πθ εα π έλπθ π λαέθκθ έ εα κ π λαέθκθ δ ι π έλπθ π δλα

φαθΫκθ αδ (Fr2)

Pelos fragmentos nota-se que Filolau sempre se refere a esses princiacutepios natildeo

enquanto princiacutepios abstratos como faraacute Platatildeo no Filebo (πΫλαμ π δλέα) e Aristoacuteteles (

π π λα ηΫθκθ π δλκθ) Muito pelo contraacuterio ele fala de limitantes e de ilimitados no

plural ambos como constituintes do cosmos e de tudo aquilo que ele conteacutem O universo eacute

uma combinaccedilatildeo de coisa limitantes e de coisas limitadas Na referecircncia aos limitantes e

utilizando o particiacutepio ativo no plural (π λαέθκθ α) e natildeo um particiacutepio perfeito no singular como

teria feito Aristoacuteteles (π π λα η ηκθ Metaph 987a16)182 As coisas no mundo satildeo portanto

feitas de contiacutenuos interminaacuteveis de onde proveacutem a mudanccedila e as estruturas perfeitas e

completas que se introduzem neles O cosmos natildeo poderaacute ser um caos e jamais seraacute porque

o limite eacute tatildeo originaacuterio quanto o ilimitado Obviamente como veremos Platatildeo interpretaraacute agrave

sua maneira essa tradiccedilatildeo recebida dos antigos (HUFFMAN 1999 p 18) Pois como atesta

o proacuteprio Fragmento 3 de Filolau

Pois nada haveraacute que em princiacutepio possa conhecer se todas as coisas satildeo ilimitadas (Frag 3)

λξ θΝΰ λΝκ ΰθπ κ η θκθΝ ῖ αδΝπ θ πθΝ π λπθΝ θ πθ (Fr 3)

Haacute algo ainda a ser dito Os limitantes e os ilimitadores natildeo compotildeem eles unicamente

o cosmos eacute necessaacuterio que esses elementos estejam harmonizados ( λησξγβ) devem

estabelecer um acordo conjunto donde surge a realidade Vejamos κ Fragmento 6 e o

Fragmento 7

Acerca da natureza e da harmonia a posiccedilatildeo e a seguinte O ser tios objetos por ser eterno e a proacutepria natureza admitem o conhecimento divino mas natildeo o humano mdash com a exceccedilatildeo de que natildeo era possiacutevel a qualquer das coisas que existem e que noacutes conhecemos o terem nascido sem a existecircncia do ser daquelas coisas de que foi composto o universo os limitadores e os ilimitados E visto estes princiacutepios existirem sem serem semelhantes ou da mesma espeacutecie teria sido impossiacutevel para eles o serem ordenados num

182 ἑὁὄὀἷlliΝ(ἀί1ί)ΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὀὁὅΝἵὁὀfiὄmaμΝldquohὠΝumΝἶἷtalhe terminoloacutegico que merece ser destacado Filolau natildeo utiliza os termos limitadoilimitado e sim sempre e somente o plural aacutepeira e peiraacutenonta iὅtὁΝὧΝἷmΝumaΝtὄaἶuὦatildeὁΝmaiὅΝfilὁlὁgiἵamἷὀtἷΝmaiὅΝfiἷlΝἷΝmaiὅΝfilὁὅὁfiἵamἷὀtἷΝfἷἵuὀἶaΝldquoἵὁiὅaὅΝilimitaἶaὅΝe ilimitaὀtἷὅrdquoΝὂὁὄΝὅἷΝtὄataὄΝἷὅtἷΝήltimὁΝἶἷΝumΝὂaὄtiἵiacuteὂiὁΝὂὄἷὅἷὀtἷΝἶὁΝvἷὄἴὁΝperaiacutenocirc Ao contraacuterio tanto no Filebo de Platatildeo quanto na Metafiacutesica de Aristoacuteteles os termos satildeo pensados e utilizados no singular o nome peacuteras ὂaὄaΝ lsquolimitἷrsquoΝ ὁuΝ ὁΝ ὂaὄtiἵiacuteὂiὁΝ ὂassivo do verbo peraiacutenocirc peperasmeacutenon para lsquolimitaἶὁrsquoΝἷΝὁΝaἶjἷtivὁΝὀἷutὄὁΝὅiὀgulaὄΝaacutepeiron precedido de artigo (tograve aacutepeiron)ΝὁΝlsquoilimitaἶὁrsquoΝtὁἶὁὅΝἷlἷὅΝὀὁΝὅiὀgulaὄέΝἏΝiὀὅiὅtecircὀἵiaΝὀὁΝfatὁΝἶἷΝὃuἷΝἷὅὅἷὅΝlsquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁὅrsquoΝὅἷjamΝὂluὄaiὅΝiὀἶiἵaΝἶiὄἷtamἷὀtἷΝὁΝfatὁΝἶἷΝeles natildeo serem compreendidos por Filolau como princiacutepios metafiacutesicos agrave maneira que seratildeo compreendidos em seguida por Platatildeo e Aristoacuteteles que exatamente por esse motivo preferem utilizar o singular (p 218)

130 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

universo se a harmonia natildeo tivesse sobrevindo mdash fosse qual fosse o modo como ela se gerou As coisas que eram semelhantes e da mesma espeacutecie natildeo precisavam de harmonia mas sim as que eram dissemelhantes e de diferente espeacutecie e de ordem desigual mdash necessaacuterio era para tais coisas o terem sido intimamente unidas pela harmonia se eacute que hatildeo-de manter-se juntas num universo ordenado A grandeza do acordo eacute formada pelos intervalos da quarta e de quinta A quinta eacute maior do que a quarta por um tom De fato da cordatom mais alta agrave corda do meio eacute uma quarta da do meio agrave uacuteltima eacute uma quinta Da uacuteltima agrave terccedila eacute uma quarta e da terceira agrave mais alta uma quinta O intervalo entre a do meio e a da terceira eacute um tom (98) a quarta eacute expressa pela relaccedilatildeo epiacutetrita (43) e a quinta pelo emioacutelio (32) e a oitava pelo duplo (21) Assim o acordo (a escala harmocircnica) compreende cinco tons e dois semitons menores a quinta trecircs tons e um semitom menor a quarta dois tons e um semitom menor (Fr 6) π λ φ δκμΝεα ληκθ αμΝ Ν ξ δ η θΝ θΝπλαΰη πθΝ δκΝ αΝεα α η θΝ φ δμΝγ αθΝΰαΝεα κ εΝ θγλππ θβθΝ θ ξ αδΝΰθ δθΝπζ κθΝΰαΝ

δΝ κ ξΝ κ θΝ ᾿ θΝ κ γ θΝ θΝ θ πθΝ εα ΰδΰθπ ε η θκθΝ φ᾿ η θΝ ΰαΝΰ θ γαδΝ η παλξκ αμΝ μΝ κ μΝ θΝ πλαΰη πθΝ ιΝ θΝ υθ αΝ ε ηκμΝεα θΝπ λαδθ θ πθΝεα θΝ π λπθέΝ π α λξα π λξκθΝκ ξΝ ηκῖαδΝκ ᾿ η φυζκδΝ αδΝ βΝ θα κθΝ μΝεαΝα αῖμΝεκ ηβγ θαδΝ η ληκθ αΝ π ΰ θ κΝ δ δθδ θΝ Ν λ ππδΝ ΰ θ κέΝ η θΝ θΝ ηκῖαΝ εα

η φυζαΝ ληκθ αμΝ κ θΝ π κθ κΝ θ ηκδαΝ ηβ η φυζαΝ ηβ κ αΰ θ ΰεαΝ δΝ κδα αδΝ ληκθ αδΝ υΰε εζ ῖ γαδΝκ αδΝη ζζκθ δΝ θΝε ηπδΝ

εα ξ γαδέ ληκθ αμΝ η ΰ γ μΝ δΝ υζζαί εα δ᾿ ι δ θΝ δ᾿ ι δ θΝη ῖακθΝ μΝυζζαί μΝ πκΰ πδέΝ δΝ ΰ λΝ π π αμΝ π η αθΝ υζζαί π

η αμΝ π θ αθΝ δ᾿ ι δ θΝ π θ αμΝ μΝ λ αθΝ υζζαί π λ αμΝμΝ π αθΝ δ᾿ ι δ θΝ ᾿ θΝ η πδΝ η αμΝ εα λ αμΝ π ΰ κκθΝ υζζαί π λδ κθΝ δ᾿ ι δ θΝ ηδ ζδκθΝ δ πα θΝ δπζ κθέΝκ πμΝληκθ αΝπ θ Ν π ΰ καΝεα κΝ δ δ μΝ δ᾿ ι δ θΝ λ αΝ π ΰ καΝεα δμΝυζζαί ᾿ π ΰ καΝεα δμΝ(ἔὄέΝἄ)

Ora a semelhanccedila com o Filebo aqui eacute surpreendente uma vez que o exemplo que

ilustra tal harmonia entre limitantes e ilimitados eacute a harmonia presente na escala diatocircnica

musical analisada pela relaccedilatildeo entre nuacutemeros inteiros que compotildeem um tom inteiro e a

quarta a quinta e a oitava ( δαπα υθ)183 Seratildeo esses mesmos exemplos que como

veremos Platatildeo utilizaraacute em 17bss para tratar ainda mais da questatildeo do limite e do ilimitado

diante da incompreensatildeo manifestada por Protarco acerca destes temas A imagem aqui

utilizada da teoria musical parece ser a mesma utilizada por Platatildeo em nosso diaacutelogo Trata-

se de uma corda de um contiacutenuo ilimitado na qual se definem tons especiacuteficos limitados

iὀtἷὄvalὁὅΝἷὅὂἷἵiacutefiἵὁὅέΝεaὅΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὀὁὅΝaἶvἷὄtἷΝἑὁὄὀἷlliΝ(ἀί1ί)μΝldquomaiὅΝumaΝvἷὐΝaΝhaὄmὁὀiaΝ

183 A mesma escala diatocircnica que apareceraacute no Timeu (Ti 35b)

131 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

o acordo natildeo devem ser nunca confundidos com o limitante o acordo funciona pelo nuacutemero

maὅΝὁΝὀήmἷὄὁΝἷΝὁΝaἵὁὄἶὁΝὀatildeὁΝὅἷΝὅuἴὅtituἷmΝὂἷlὁὅΝlimitaὀtἷὅrdquoΝ(ὂέΝἀ23)184

A passagem da harmonia agrave escala musical evoca outro elemento importante natildeo eacute

nada surpreendente essa passagem se levarmos em conta que a introduccedilatildeo da harmonia

para explicar a origem da realidade do cosmos constituiacutedo por limitantes e ilimitados a busca

pelos intervalos sonoros pelos tons especiacuteficos caracteriza-se pela busca de um nuacutemero

Atentemo-nos ao Frag 4

E o certo eacute que todas as coisas que se conhecem tecircm nuacutemero pois sem ele nada se pode pensar ou conhecer (Fr 4) εα π θ αΝΰαΝη θΝ ΰδΰθπ ε η θαΝ λδγη θΝ ξκθ δΝκ ΰ λΝκ θΝ Νκ θΝκ Νθκβγ η θΝκ Νΰθπ γ η θΝ θ υΝ κ κυΝ(ἔὄέΝἂ)

A partir da introduccedilatildeo da harmonia no sistema de Filolau eacute possiacutevel notar que o nuacutemero

possui um papel fundamental nesse sistema haacute aqui como se nota uma preocupaccedilatildeo

epistemoloacutegica No caso da escala diatocircnica os tons especiacuteficos identificados sobre o

contiacutenuo sonoro ilimitado pode-se notar que estes natildeo distribuiacutedos de forma aleatoacuteria mas

de acordo com as proporccedilotildees de nuacutemeros inteiros que determinam os intervalos da oitava

(21) (43) e (32) respectivamente oitava quarta e quinta Eacute possiacutevel dizer que Filolau

compreende o cosmo como uma articulaccedilatildeo em funccedilatildeo de relaccedilotildees numeacutericas especiacuteficas o

ὃuἷΝὀatildeὁΝimὂliἵaΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝldquotuἶὁΝὧΝὀήmἷὄὁrdquoΝmaὅΝὃuἷΝἷὅὅaὅΝὄἷlaὦὴἷὅΝὀumὧὄiἵaὅΝὀὁὅΝὂἷὄmitἷmΝ

compreender conhecer o que satildeo as coisas185 Filolau se recusa a dizer o que satildeo esses

princiacutepios (limitantes e ilimitados) a enumerar tais realidades o que possam ser tais princiacutepios

limitantes e ilimitados como seria o caso de ser o fogo a aacutegua ou outros Pode-se dizer que

aqui Filolau estaacute instaurando uma polecircmica com seus predecessores natildeo soacute com

Anaximandro mas com o proacuteprio Anaxaacutegoras devido agraves suas postulaccedilotildees seus muacuteltiplos

λξαέ186 Diferentemente portanto do uso que Filolau faz desses elementos para tratar deste

184 ώuffmaὀΝ(1λλλ)ΝἷὅἵlaὄἷἵἷΝaiὀἶaΝmaiὅμΝ ldquoὀὁΝἵaὅὁΝἶἷΝἔilὁlaὁΝὀatildeὁΝhὠΝiὀἶiἵaὦatildeὁΝἷxὂliacuteἵitaΝὃuaὀtὁΝaὁΝpapel exato que os limitantes e os ilimitados desempenham nesse seu exemplo mas ele parece naturalmente supor que o ilimitado eacute o contiacutenuo sonoro enquanto os tons especiacuteficos identificados sobre esse contiacutenuo formam os limitantes O papel da harmonia eacute o de determinar um arranjo agradaacutevel e ἷὅὂἷἵiacutefiἵὁΝἶἷὅὅἷὅΝlimitaὀtἷὅΝiἶἷὀtifiἵaἶὁὅΝὅὁἴὄἷΝὁΝἵὁὀtiacuteὀuὁΝiὅtὁΝὧΝἵὁὀὅtituiὄΝumaΝἷὅἵalaΝmuὅiἵalrdquoΝ(ὂέΝ19) 185 ViἶἷΝtamἴὧmΝἔὄέΝἃΝἶἷΝἔilὁlauμΝldquoDe facto o nuacutemero tem duas espeacutecies que lhe satildeo peculiares a iacutempar e a par e uma terceira derivada da combinaccedilatildeo destas duas a par-iacutempar Cada uma das duas espeacutecies tem muitas formas que cada coisa em si mesma ὄἷvἷlardquoέΝldquo ΰαΝη θΝ λδγη μΝ ξ δΝ κΝη θΝ δαΝ

βΝπ λδ θΝεα λ δκθΝ λ κθΝ π᾿ ηφκ λπθΝη δξγ θ πθΝ λ δκπ λδ κθΝ εα λπΝ κμΝπκζζα ηκλφα μΝ εα κθΝα αυ βηα θ δrdquoΝ(ἔὄέΝἃ)έ 186 ldquoἡΝἵamiὀhὁΝἶἷΝἔilὁlauΝὧΝἵἷὄtamἷὀtἷΝὁὄigiὀalΝmἷὅmὁΝὀὁΝiὀtἷrior da filosofia preacute-socraacutetica pois por um lado natildeo expressa uma posiccedilatildeo monista uma vez que o ser resulta da pluralidade de ilimitadoslimitantes por outro lado ceticismo epistemoloacutegico do Fr 6 eacute moderado pela possibilidade de

132 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

acordo desta harmonia que torna possiacutevel a compreensatildeo da realidade como eacute o caso do

fogo no Fr 7

A primeira coisa que estaacute harmonizada o um que estaacute no meio da esfera eacute chamado fogo (Fr 7)

πλ κθΝ ληκ γ θΝ θΝ θΝ δΝη πδΝ μΝ φα λαμΝ αΝεαζ ῖ αδ (Frag 7)

O fogo que se encontra no centro do cosmos eacute o fogo central em torno do qual gravitam

a terra o sol a lua a contra-terra e os cinco planetas Eacute necessaacuterio destacar que Filolau

ressalta aqui o fogo como um exemplo de algo acordado harmonizado O fogo eacute esse siacutembolo

do ilimitaacutevel que eacute limitado pelo limitante neste caso o centro de uma esfera (HUFFMAN

1999 p 19)187 Mas voltemos agrave questatildeo do nuacutemero

A realidade configura-se por uma pluralidade ordenada esse eacute o sentido aqui de

λδγη θΝldquotuἶὁΝὧΝἴaὅiἵamἷὀtἷΝὀήmἷὄὁrdquoΝἷΝὧΝgὄaὦaὅΝaὁΝfatὁΝἶaΝὄἷaliἶaἶἷΝldquoὂὁὅὅuiὄΝὀήmἷὄὁrdquoΝὃuἷΝ

ele pode ser conhecida porque passiacutevel de descriccedilatildeo numeacuterica isto eacute passamos pelo

reconhecimento de um sentido propriamente ontoloacutegicocosmoloacutegico para um sentido tambeacutem

epistemoloacutegico (CORNELLI 2010 p 224) Por fim podemos concluir com Cornelli

Essas passagens do Filebo centrais para a definiccedilatildeo da dialeacutetica do limitadoilimitado revelam as raiacutezes pitagoacutericas da teoria dos princiacutepios platocircnica e ndash como tais ndash constituem um achado preacute-aristoteacutelico da filosofia pitagoacuterica Raiacutezes afirmadas e conhecidas pelo proacuteprio texto platocircnico () e que ndash como fontes para a elaboraccedilatildeo filosoacutefica platocircnica ndash satildeo reinterpretadas pela Academia que se percebe nesse sentido como continuadora e mediadora do esforccedilo dialeacutetico-metafiacutesico pitagoacuterico Todavia para aleacutem do argumento dialeacutetico-ontoloacutegico a construccedilatildeo da dialeacutetica no Filebo eacute fruto da concepccedilatildeo filosoacutefica platocircnica (2010 p 215)

Depois de ter analisado detalhadamente tais influecircncias pitagoacutericas e o paralelismo

estabelecido entre elas e nosso diaacutelogo podemos agora novamente retomar a exposiccedilatildeo de

Soacutecrates em 16c5-17a5 Vimos que eacute a partir dessa tradiccedilatildeo de origem divina que Soacutecrates

pretende expor aqui a reflexatildeo acerca da dialeacutetica agora de modo diferente nesse diaacutelogo

Soacutecrates nos diz que se todas as coisas estatildeo assim ordenadas ou seja se todas as

coisas sobre as quais se pode dizer que satildeo vecircm do um e do muacuteltiplo e que elas tecircm em si

conhecer ao menos duas coisas isto eacute esta mesma pluralidade e a harmoniacutea que a manteacutem unida aἵὁὄἶaἶardquoΝ(ἑἡἤἠἓἜἜIΝἀί1ίΝὂέΝἀἀ1)έ 187 ἓὅὅaΝὧΝ tamἴὧmΝaΝhiὂὰtἷὅἷΝἶἷΝἑὁὄὀἷlliΝ (ἑfέΝἑἡἤἠἓἜἜIΝἀί1ίΝὂέΝἀἀἀ)έΝἓlἷΝaiὀἶaΝaἵὄἷὅἵἷὀtaμΝ ldquoEacuteΝpossiacutevel que exatamente essa referecircncia filolaica ao fogo como um no centro da esfera possa explicar a citaccedilatildeo prometeacutetica relativas agraves origens pitagoacutericas da teoria do limitanteilimitado no Filebo Ainda que seja possiacutevel trata-ὅἷΝaὃuiΝἶἷΝὅimὂlἷὅΝaὅὅὁὀacircὀἵiaὅΝἵὁὀἵἷituaiὅέrdquoΝἓlἷΝaiὀἶaΝfaὐΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝἷmΝὀὁta (n 511) ao acircmbito meacutedico-antroploacutegico que possa ser extraiacutedo do fragmento num paralelismo estabelecido entre o fogo e o calor da vida humana

133 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

mesmas um limite e uma ilimitaccedilatildeo inatos (16c-9) devemos postular sempre em casa caso

uma uacutenica ideia (ηέαθ Ϋαθ)188189 para todas as coisas e temos de encontraacute-la e iremos

encontraacute-la na proacutepria coisa (16d2) Esse momento correspondente agrave reuniatildeo ( υθαΰπΰά190)

eacute aquele que se busca a Ϋα imanente e natildeo uma multiplicidade de coisas que satildeo singulares

mas agrave cada espeacutecie e a cada gecircnero O condutor ainda diz que forccedilosamente a

encontraremos o que significa dizer que comeccedilamos a pressupor uma unidade proacutepria em

cada coisa em questatildeo do contraacuterio natildeo a procurariacuteamos Tal necessidade fica ainda mais

clara em 25A2-4 quando Soacutecrates iraacute novamente reafirmar essa reuniatildeo das diferentes

espeacutecies de ilimitado em um uacutenico gecircneὄὁμΝldquoἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝaὀtἷὄiὁὄΝafiὄmamὁὅΝὃuἷΝ

devemos reunir todas as coisas repartidas e cindidas em pedaccedilos e imprimir tanto quanto

possiacutevel o sinal de uma natureza uacutenica ndash ὅἷΝὧΝὃuἷΝtἷΝὄἷἵὁὄἶaὅrdquoΝ(εα θΝ ηπλκ γ θΝζσΰκθΝ

θΝ φαη θΝ αΝ δΫ πα αδΝ εα δΫ ξδ αδΝ υθαΰαΰσθ αμΝ ξλ θαδΝ εα τθαηδθΝ ηέαθΝ

πδ βηαέθ γαέΝ δθαΝφτ δθΝ ηΫηθβ αδ)Ν(ἀἃaἀ-4)

Sem duacutevida devemos a Dixsaut (1991)191 a distinccedilatildeo entre κυ έα κμ e Ϋα termos

muitas vezes traduzidos como sinocircnimos sendo que natildeo haveria distinccedilatildeo entre o que Platatildeo

188 ἢὄaἶἷauΝἷxὂliἵaΝὃuἷμΝldquo(έέέ)ΝlsquoὀatuὄἷὐaΝήὀiἵarsquoΝὄἷmἷtἷΝὡΝmian ideacutean Ideacutea ὂὁἶἷὄiaΝὅἷὄΝtὁmaἶὁΝὂὁὄΝlsquoiἶἷiarsquoΝmas os usos filosoacuteficos do termo dificilmente refletiriam o que aqui eacute designado por Platatildeo na ὁἵὁὄὄecircὀἵiaΝumaΝὄἷaliἶaἶἷΝήὀiἵaΝ(umaΝlsquoὀatuὄἷὐarsquoΝὀἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁ)ΝὂἷὄἵἷὂtiacutevἷlΝὂἷlὁΝiὀtἷlἷἵtὁέΝἏΝaὂὄἷἷὀὅatildeὁΝdessa unidade inteligiacutevel eacute evocada por termos idecircnticos na Repuacuteblica VI 507a-c A maior parte dos inteacuterpretes natildeo hesitam em tomar ideia ὂὁὄΝlsquofὁὄmarsquoΝ(iὀtἷligiacutevἷl)ΝἷὅtimaὀἶὁΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝfaὄiaΝumΝuὅὁΝἶἷΝpalavras sinocircnimas dos termos ideacutea e eidos me parece que ideacutea designa a realidade ou natureza inteligiacutevel enquanto eicircdos designa a forma dessa realidade assim como podemos encontraacute-la nas ἵὁiὅaὅΝὅἷὀὅiacutevἷiὅΝὃuἷΝἶἷlaΝὂaὄtiἵiὂamΝ(ἵὁmὁΝἷὀἵὁὀtὄamὁὅΝaΝfὁὄmaΝἶὁΝἴἷlὁΝὀaὅΝἴἷlaὅΝἵὁiὅaὅ)rdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝ240 n 241) 189 Agradeccedilo ao Prof Rubens por ter me feito atentar agrave ocorrecircncia deste termo na passagem mas natildeo somente Tambeacutem por ter me feito reconhecer que ela se faz presente tambeacutem em outros diaacutelogos como Parmecircnides (132a 157d8) Teeteto (204a) Sofista (253d5-6) e a relevacircncia deste termo principalmente o significado que ele adquire na obra platocircnica em geral 190 Os correspondentes ao termo aparecem no Filebo nas seguintes passagens 23e5 25a3 25d6-8 que aparecem cunhado nesta sua forma origina no Fedro em 266b4 191 Explica Dixsaut (1991 p 497) que a Ϋα diz respeito ao ζσΰκμ que discorre sobre os contraacuterios indiretos Ela natildeo eacute aqui sinocircnimo da Forma nem uma imagem de natureza espiritual menos ou mais elevada do que a Forma nem sequer se trata de uma propriedade P que a forma F ndash imporia em uma determinada coisa x Ela se define por verbos pelas suas accedilotildees ela avanccedila sobre as coisas aproveita-se destas e natildeo pode ser recebida por essas coisas caso lhes seja contraacuteria ou seja se eacute um contraacuterio indireto de uma propriedade essencial deste algo As β satildeo causas de determinaccedilatildeo que elas impotildeem elas forccedilam agrave coisa possuir sua proacutepria Ϋα Algo natildeo pode receber e natildeo receber a determinaccedilatildeo simultaneamente Eacute importante que ele receba a determinaccedilatildeo poreacutem soacute pode ser determinado se sofrer o feito da determinaccedilatildeo daquilo que o determina Aleacutem do mais determinada coisa soacute se torna ordenaacutevel apenas participando isto eacute deixando-ὅἷΝ ldquoiὀfὁὄmaὄrdquoΝ ὂὁὄΝ umaΝ ὁuΝ maiὅΝFormas Logo o domiacutenio da forma sobre a coisa eacute a Ϋα A Ϋα eacute a accedilatildeo da Forma ( κμ) sobre a coisa ela surge a partir das Formas para as quais ela doa menos da sua inteligibilidade e da sua determinaccedilatildeo que elas lhes impotildeem A Ϋα testemunha a participaccedilatildeo possessora dominadora conquistadora das Formas por meio do discurso da coisa que dela(s) participa(m) As Formas se apoderam da coisa restringem-nas avanccedilam em direccedilatildeo agraves coisas As coisas da φτ δμ soacute existem

134 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoiἶἷiardquoΝldquoἔὁὄmardquoΝἷΝldquoἷὅὅecircὀἵiardquoΝmaὅΝὃuἷΝaὀaliὅaὀἶὁΝaὅΝὅuaὅΝὁἵὁὄὄecircὀἵiaὅΝὀὁὅΝ

diaacutelogos podemos notar que possuem sentidos diferentes uns dos outros Dixsaut confirma

em um outro texto a mesma interpretaccedilatildeo ao dizer assertivamente

A ideia natildeo eacute o eidos Podemos observar que todas as vezes que Platatildeo quer evitar empregar eidos falando de uma realidade natildeo corporal ele utiliza idea assim na Repuacuteblica trata-se da idea da luz e quando lhe eacute atribuiacuteda uma potecircncia suplementar da idea do Bem A luz natildeo eacute uma essecircncia e o Bem tampouco Uma por falta o outro por excesso Nesse caso idea natildeo tem seu sentido platocircnico habitual O termo eacute empregado porque natildeo eacute possiacutevel nomear propriamente eidos a coisa da qual se fala ao mesmo tempo dotando-a de uma potecircncia particular de ligaccedilatildeo luz e Bem tecircm uma mesma funccedilatildeo de jugo (zugon) eles submetem objetos agrave faculdade capaz de os apreender (visatildeo tratando-se da luz intelecccedilatildeo tratando-se do Bem) (2017 p 61-62)

ἜὁgὁΝtἷὀἶὁΝalἵaὀὦaἶὁΝἷὅὅaΝldquoὀatuὄἷὐaΝήὀiἵardquoΝἷὅὅaΝ Ϋα eacute necessaacuterio entatildeo dividi-la

Trata-se de reconhecer o nuacutemero de intermediaacuterios entre essa unidade inicial e o ilimitado Eacute

isso que distingue ( δαε ξυλδ αδ) o dialeacutetico ( δαζ ε δε μ) do eriacutestico ( λδ δε μ) (17a4) Para

ὁΝἶialὧtiἵὁΝἷὅὅἷὅΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquo que os saacutebios atuais deixam escapar ( ηΫ α α κ μ

εφ τΰ δ) devem ser respeitados O mesmo se diz do um e do muacuteltiplo e do abuso que os

jovens fazem dele192 (15d-16a) quando abusam dessa proacutepria estrutura que eacute a linguagem

em si espantados com o poder dos ζσΰκδέΝἡὅΝldquoὅὠἴiὁὅΝἶὁΝὂὄἷὅἷὀtἷrdquoΝvatildeὁΝὁὄaΝmaiὅΝlἷὀtὁΝὁὄaΝ

mais rapidamente imediatamente do um ao ilimitado (η θ π δλα γτμ) (17a2-3)

Se vatildeo mais lentamente levantam um grande nuacutemero de espeacutecies de tal modo que sequer

conseguem impor essa marca uacutenica se vatildeo mais raacutepido nunca conseguem enumerar um

nuacutemero suficiente sempre se equivocando O proacuteprio Soacutecrates diz em 16d6-ἷἁμΝldquo(έέέ)ΝmaὅΝὀatildeὁΝ

devemos aplicar a forma do ilimitado agrave pluralidade antes de percebermos o nuacutemero total da

devido agrave participaccedilatildeo e a Ϋα natildeo eacute indeterminaccedilatildeo mas eacute esse iacutendice de sobredeterminaccedilatildeo ἷὅὅἷὀἵialΝ ἶἷΝ algὁΝ ὂἷlaΝ ἔὁὄmaέΝ ἠὁὅΝ ἶiὐἷὄἷὅΝ ἶἷΝ ἒixὅautΝ (1λλ1)Ν ldquoaΝ ὂaὄtiἵiὂaὦatildeὁΝ aΝ ἵauὅaliἶaἶἷΝ ἶaὅΝFormas permite dizer natildeo apenas de Formas ou de propriedades contraacuterias mas de coisas que ἵὁὀtὄὠὄiaὅΝἷΝἷxἵluἶἷὀtἷὅrdquoΝ(ὂέΝἂλἆ)έΝἏΝimὂὁὅiὦatildeὁΝἶἷΝumaΝfὁὄmaΝiὀtἷὄὄὁmὂἷΝaΝmuἶaὀὦaΝὁΝdevir impede ὃuἷΝalgὁΝἶἷixἷΝἶἷΝὅἷὄΝἷlaΝimὂἷἶἷΝaΝἵὁὀtiὀuaὦatildeὁΝἶὁΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝἶἷΝmuἶaὀὦaΝiὀἶἷfiὀiἶaμΝldquoaΝligaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝa Forma e a coisa eacute mais estreita no caso das Formas e das que possuem um contraacuterio indireto A idea nem a Forma nem a coisa eacute a instacircncia de ligaccedilatildeo sua presenccedila na coisa manifesta a conformidade das coisas ao seu eicircdos ὃuἷΝἶὁaΝὡΝἵὁiὅaΝὅuaΝἵὁὀfὁὄmaὦatildeὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝ1λλ1ΝὂέΝἂλἆ)έΝἏΝ Ϋα torna manifesta a accedilatildeo da causalidade da Forma ela (a Ϋα) torna possiacutevel compreender que tipo de efeito pode produzir uma causa dessa espeacutecie o efeito eacute que a coisa restrita agrave aquisiccedilatildeo da sua ideacutea natildeo eacute mais um processo ela eacute conformada pela Forma ela eacute obra do κμ que se torna traduziacutevel e diziacutevel (DIXSAUT 19991 p 479-500) Para uma anaacutelise ainda mais detalhada cf NUNES SOBRINHO (2007 p 89-117) 192 Cf Euthd 272a-b 275ess Phdr 261c6 Nas passagens citadas podemos notar a mesma descriccedilatildeo dos jovens que se deixam levar pela eriacutestica e pelos poderes dos discursos que visam contradizer os interlocutores (adversaacuterios) por meio da antiloacutegica ao simularem a discussatildeo dialeacutetica (filosoacutefica)

135 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

pluralidade que existe entre o ilimitado e o um e soacute entatildeo podemos nos despedir dessas

ἵὁiὅaὅΝἷΝaἴaὀἶὁὀaὄΝἵaἶaΝumaΝἶἷlaὅΝὀὁΝilimitaἶὁrdquoέΝἑὁmὁΝἷxὂliἵaΝἒixὅautΝ(ἀίί1)

Ir imediatamente da unidade ao ilimitado significa com efeito que a unidade possui segundo eles [os saacutebios atuais] por conteuacutedo unicamente uma pluralidade indeterminada de indiviacuteduos assim eles ignoram as diferentes espeacutecies entre as quais esses indiviacuteduos poderiam se distribuir Assim a ideia natildeo tem apenas por conteuacutedo uma multiplicidade sensiacutevel mas primeiramente uma multiplicidade inteligiacutevel (p 301)

Ateacute aqui tudo nos parece distanciar da hipoacutetese de que Platatildeo utilizaria da vida boa

ὂaὄaΝἷxiἴiὄΝὅuaΝldquoὀὁvaΝtἷὄmiὀὁlὁgiardquoΝὂὁiὅΝὁὅΝprocedimentos adotados em relaccedilatildeo agrave dialeacutetica

ὅatildeὁΝaὃuἷlἷὅΝἶitὁὅΝldquohaἴituaiὅrdquoέΝἒitὁΝἶἷΝὁutὄὁΝmὁἶὁΝmaiὅΝumaΝvἷὐΝὅἷΝatἷὅtaΝaΝὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝἶἷΝ

buscar essa ideia uacutenica (ηέαθ Ϋαθ) a fim de poder dividir essa unidade postulada em tantas

unidades que seja necessaacuteὄiὁέΝἏΝfimΝἶἷΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝumaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἶialὧtiἵaΝἷmΝtὁὄὀὁΝἶaΝldquoἴὁaΝ

viἶardquoΝὧΝimὂὄἷὅἵiὀἶiacutevἷlΝaὀaliὅaὄΝὁὅΝἵaὀἶiἶatὁὅΝaΝὅἷὄἷmΝἷὅἵὁlhiἶὁὅΝὂaὄaΝἵὁmὂὁὄἷmΝἷὅtaΝviἶaΝ

a saber prazer e conhecimento Eacute imprescindiacutevel saber em primeiro lugar como cada um

destes eacute um e muacuteltiplo Mais uma alusatildeo agrave potecircncia dialeacutetica se pode notar aqui satildeo nos

dadas maiores informaccedilotildees acerca dela ela deve postular um nuacutemero de intermediaacuterios

sendo cautelosa ao dividir sem passar imediatamente do um ao muacuteltiplo assim como fazem

os praticantes da eriacutestica193

Protarco natildeo entende bem aquilo que Soacutecrates estaacute querendo dizer (17a6-8)

Soacutecrates recorre ao exemplo das letras do alfabeto e agrave φπθ (voz) pois a φπθ eacute π δλκμ

(Cf 17b3-ἂΝ1ἆἴἄ)μΝldquoaΝvὁὐΝἶἷΝtὁἶὁὅΝἷΝἶἷΝἵaἶaΝumΝἶἷΝὀὰὅΝὃuἷΝὅaiΝὂἷlaΝὀὁὅὅaΝἴὁἵaΝὧΝuma mas

ὧΝtamἴὧmΝumaΝὂluὄaliἶaἶἷΝilimitaἶardquoΝ(φπθ η θΝ ηῖθΝ έΝπκυΝηέαΝ δ κ σηα κμΝ κ αΝεα

π δλκμΝα πζάγ δΝπΪθ πθΝ Νεα εΪ κυ)Ν(1ἅἴἁ-4) Soacutecrates iraacute dizer entatildeo que natildeo nos

tornamos letrados por conhecer esse ilimitado nem o um das letras e dos sons mas porque

sabemos quantos satildeo e de que tipo satildeo esses sons Eacute isso que nos torna competente no

ἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἶaὅΝlἷtὄaὅΝ(ldquoεα κ θΝ Ϋλ ΰ Ν κτ πθΝ ηΫθΝππΝ κφκέΝκ Ν δΝ π δλκθΝ

α μΝ η θΝκ γ᾽ δΝ θμΝ ζζ᾽ δΝπσ αΝ ᾽ εα πκῖαΝ κ σΝ δΝ ΰλαηηα δε θΝ εα κθΝ

πκδκ θΝ η θrdquo)Ν(1ἅἴἄ-9) Gallop (1963) eacute quem melhor nos explica a passagem

Isso no entanto deve ser lido com o devido respeito ao contexto As letras fornecem um modelo natildeo como parece para entender a relaccedilatildeo entre palavras e frases e seus significados mas para discutir a classificaccedilatildeo Platatildeo

193 Eacute possiacutevel ir mais adiante em 56e2-3 Soacutecrates ao fazer uma distinccedilatildeo entre a aritmeacutetica vulgar e a aritmeacutetica filosoacutefica Aquela adiciona mocircnadas desiguais como dois exeacutercitos ou dois bois Enquanto esta (a aritmeacutetica filosoacutefica) se recusa operar desta maneira caso natildeo se postule uma diferenccedila entre as incontaacuteveis as mὲὀaἶaὅΝὃuἷΝὀἷὀhumaΝἶἷlaὅΝὅἷΝἶifἷὄἷΝumaΝἶaΝὁutὄaμΝldquoaΝaὄitmὧtiἵaΝfilὁὅὰfiἵaΝὅuὂὄimἷΝaὅΝἶifἷὄἷὀὦaὅΝὅἷὀὅiacutevἷiὅΝmaὅΝaΝἶialὧtiἵaΝἶἷvἷΝὂὁὅtulaὄΝaὅΝἶifἷὄἷὀὦaὅΝ iὀtἷligiacutevἷiὅΝἷὀtὄἷΝaὅΝ mὲὀaἶaὅrdquoΝ(DIXSAUT 2001 p 294-295)

136 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

usa a classificaccedilatildeo de sons sobre os quais um alfabeto se baseia para ilustrar o meacutetodo de divisatildeo em antecipaccedilatildeo ao seu proacuteprio procedimento mais tarde no diaacutelogo (p 368)

Poderiacuteamos assim perguntar como Filebo postula o primeiro princiacutepio de relevacircncia

ldquo(έέέ)ΝmaὅΝὁΝὃuἷΝiὅὅὁΝagὁὄaΝtἷmΝaΝvἷὄΝἵὁmΝὁΝὀὁὅὅὁΝtἷmaΝἷΝὁὀἶe ele [Soacutecrates] estaacute querendo

ἵhἷgaὄΝἵὁmΝiὅὅὁςrdquoΝ(1ἆa1-2) Eacute aiacute que Soacutecrates torna mais evidente o que haacute por traacutes de seus

exemplos gramaacutetica e muacutesica194 utilizados anteriormente (17b11-e6)

No caso de algueacutem que jaacute aprendeu uma unidade qualquer ( θ) o que digo eacute que ele natildeo deve olhar imediatamente para a natureza do ilimitado (κ εΝ π᾽

π έλκυΝ φτ δθΝ ῖ ίζΫπ δθΝ γ μ) mas sim para um nuacutemero determinado ( ζζ᾽ πέΝ δθαΝ λδγησθ) assim tambeacutem como no caso contraacuterio (κ πΝεα θαθ έκθ) quando algueacutem eacute forccedilado a aprender em primeiro lugar o ilimitado

( αθΝ δμΝ π δλκθ) natildeo deve olhar imediatamente para o um ( θαΰεα γ πλ κθΝζαηίΪθ δθΝη π θΝ γτμ) mas deve discernir novamente um nuacutemero que constitui qualquer pluralidade determinada ( ζζ᾽ π᾽ λδγη θΝα δθαΝπζ γκμΝ εα κθΝ ξκθ ΪΝ δΝεα αθκ ῖθ) e a partir de todos eles finalmente

olhar o um (18a6-b4)

Soacutecrates decide entatildeo voltar ao exemplo das letras citando Teuth (como fez no Fedro

274c-275b) o deus ou homem divino egiacutepcio inventor da escrita que aqui no caso relatado

pelo Filebo teria discernido o som da voz como ilimitado ( π δ φπθ θΝ π δλκθ)Ν(1ἆἴἄ-7)

Primeiramente ele teria distinguido as vogais195 neste ilimitado ( μΝπλ κμΝ φπθά θ αΝ θΝ

π έλ )Ν ὀatildeὁΝ ἵὁmὁΝ umaΝ maὅΝ ἵὁmὁΝ muitaὅΝ (εα θσβ θΝ κ ξΝ θΝ θ αΝ ζζ πζ έπ)Ν ἵὁmὁΝ

tambeacutem teria verificado a existecircncia de outras emissotildees que natildeo satildeo propriamente sons

vocais mas certa espeacutecie de ruiacutedo ( λαΝ φπθ μΝ η θΝ κ Ν φγσΰΰκυΝ η Ϋξκθ ΪΝ δθκμ)Ν

existindo tambeacutem em nuacutemero determinado ( λδγη θ Ϋ δθα εα κτ πθ θαδ) Depois foi feita

tambeacutem uma distinccedilatildeo de uma terceira espeacutecie de letras em seguida as dividiu em sem-

ruiacutedo e as mudas ateacute a unidade de cada uma e dividiu as vogais e as intermediaacuterias do

mesmo modo ateacute que se obtivesse o nuacutemero delas e a cada uma delas deu o nome de letra

( λέ κθΝ κμΝΰλαηηΪ πθΝ δ ά α κΝ θ θΝζ ΰση θαΝ φπθαΝ ηῖθμΝ η κ κΝ δ λ δΝ ΪΝ

Ν φγκΰΰαΝ εα φπθαΝ ηΫξλδΝ θ μΝ εΪ κυΝ εα φπθά θ αΝ εα ηΫ αΝ εα θΝ α θΝ

λσπκθΝ πμΝ λδγη θΝα θΝζαί θΝ θέΝ Ν εΪ εα τηπα δΝ κδξ ῖκθΝ ππθσηα )Ν(1ἆἴἆ-

c6) O inventor divino sabendo que natildeo aprenderiacuteamos qualquer letra apenas por ela mesma

isolada de todas as demais estabeleceu esse elo ( η θ) que liga todas as letras e faz delas

194 Sobre este uacuteltimo falo mais adiante 195 Eacute necessaacuterio lembrar que como nos diz Muniz (2012) os Gregos antigos classificavam as letras segundo a quantidade de sopro empregada na emissatildeo das mesmas as que possuem um emprego de sopro maior satildeo as vogais (as que soam) (p 214 n 21)

137 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

uma unidade proclamando um soacute conhecimento para elas ao atribuir-lhes o nome de

gramaacutetica (ΰλαηηα δε θΝ Ϋξθβθ)196

O mesmo se daacute com o exemplo da muacutesica197 ( ηκυ δε θ) que aparece logo em

seguida da primeira apresentaccedilatildeo da gramaacutetica em 17b11-1ἀμΝldquoἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝἷὅὅaΝtὧἵὀiἵaΝ

o som de algum modo eacute tambeacutem em si mesmo um (φπθ ηΫθΝπκυΝεα εα ᾽ ε έθβθΝ θΝ

ΫξθβθΝ ηέαΝ θΝα ) (17c1-2) Soacutecrates entatildeo identifica trecircs sons o grave (ίαλτ) o agudo

( ιτ) e o meacutedio ( ησ κθκθ198) (17c4-5) Mas ao mesmo tempo admite que de ningueacutem eacute dito

ser competente ( κφ μ) em muacutesica ( θ ηκυ δε θ) por saber disso mas caso natildeo soubesse

natildeo teria meacuterito algum no assunto (17c7-9) Ele explica em uma longa digressatildeo

Soc Mas meu caro quando apreenderes qual eacute o nuacutemero ( θ λδγη θ) de intervalos ( π α δα ηα α) do som tanto do agudo ( ιτ β σμ) quanto do grave (ίαλτ β κμ) de que tipo satildeo e tambeacutem os limites dos intervalos ( δα βηΪ πθ) e quantos satildeo os sistemas ( α υ άηα α) que resultam deles ndash que nossos predecessores (κ πλσ γ θ) observando-os os transmitiram a noacutes seus seguidores nomeando-ὁὅΝἶἷΝldquoἷὅἵalaὅrdquo ( ληκθέαμ) ndash e quais afecccedilotildees ocorrem nos movimentos dos corpos que segundo dizem devem ser medidas por nuacutemeros ( λδγη θ η λβγΫθ α) e chamadas de ritmos ( υγηκ μ) e metros (ηΫ λα) e ao mesmo tempo que eacute preciso compreender que eacute desse modo que as investigaccedilotildees ( εκπ ῖθ) sobre tudo que eacute um e muacuteltiplo devem ser feitas Quando apreenderes essas coisas desse modo ter-te-aacutes tornado saacutebio( κφσμ) e quando qualquer unidade que

196 Rudebusch (ἀίίἅ)ΝaΝmἷuΝvἷὄΝὧΝὃuἷmΝmἷlhὁὄΝἷxὂliἵaΝaΝὂaὅὅagἷmμΝldquoaΝvὁὐΝvἷmΝaΝὅἷὄΝum ou entre ὄuiacuteἶὁὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝἷΝmutuamἷὀtἷΝἵὁὀtὄὠὄiὁὅέΝἡὅΝὄuiacuteἶὁὅΝὅatildeὁΝiὀἶἷfiὀiἶὁὅΝὀὁΝtἷmὂὁΝἵuὄtὁὅΝὁuΝlὁὀgὁὅμΝlsquoaὁirsquoΝlsquoaaaὁὁὁuuuiiirsquoέΝἥatildeὁΝtamἴὧmΝiὀἶἷfiὀiἶamἷὀtἷΝmἷὀὁὅΝὁuΝmaiὅΝὠὅὂἷὄὁὅμΝlsquoaaahhhhἵhἵhἵhrsquoέΝἓΝὅatildeὁΝfἷitὁὅΝὂὁὄΝvaὄiaὦὴἷὅΝiὀἶἷfiὀiἶaὅΝἶaΝliacuteὀguaΝἷΝlὠἴiὁὅμΝlsquoἴlὄὄmὀἶὐὐὂtrsquoέΝἔiἵaΝἵlaὄὁΝὃuἷΝὃuaὀἶὁΝaὂὄἷὀἶἷmὁὅΝaΝfalaὄΝaprendemos a combinaccedilatildeo correta dos limites destes ruiacutedos As vogais gregas tecircm qualidade limitada ndash por exemplo ao contraacuterio de υ ou δ ndash e tecircm quantidade limitada Vogais longas satildeo duas vezes mais longas que vogais breves por exemplo π e κ β e As consoantes gregas satildeo limitadas a formas definidas (labiais dentais e velares) como ou sem uma forma definida de aspiraccedilatildeo e de som de nasalidade etc O conhecimento da gramaacutetica eacute o conhecimento das combinaccedilotildees corretas para dar ὀaὅἵimἷὀtὁΝἷὀtὄἷΝὁὅΝmuitὁὅΝ ὄuiacuteἶὁὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝὀὁΝ muὀἶὁΝὡὅΝὂalavὄaὅrdquoΝ (ὂέΝἂἂ)έΝἥὁἴὄἷΝ iὅtὁΝἵfέΝἕallὁὂΝ(1963 p 364-376) e Menn (1998 p 291-305) 197 Pradeau (2002) retoma uma questatildeo tambeacutem fundamental agrave nossa argumentaccedilatildeo posterior em tὁὄὀὁΝἶaΝὂaὅὅagἷmμΝldquoaΝmousikeacute gὄἷgaΝὧΝἷὀtἷὀἶiἶaΝὀumΝὅἷὀtiἶὁΝmaiὅΝamὂlὁΝὃuἷΝὀὁὅὅaΝldquomήὅiἵardquoνΝἷlaΝenvolve tanto a danccedila como o canto e a praacuteticas do discurso Ela reuacutene de fato o conjunto das praacuteticas artiacutesticas musicais e literaacuterias que relacionamos agraves Musas eacute a razatildeo pela qual os exemplos do canto ἵὁmὁΝἶaΝmὧtὄiἵaΝἷΝἶὁὅΝtὁὀὅΝtἷὄiamΝὅiἶὁΝaὃuiΝiὀἵluiacuteἶὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἂἁΝὀέΝἀἆ)έ 198 ἑὁὀἵὁὄἶὁΝἵὁmΝεὁutὅὁὂὁulὁὅΝ(ἀίίἀ)ΝὃuaὀἶὁΝἶiὐμΝldquoἢlatatildeὁΝfalaΝἶὁΝlimite e do ilimitado assim como da mistura entre ambos inspirando-se na muacutesica O percurso de seu pensamento se orienta de tal modo a referir-se simultaneamente a dois planos distintos vale dizer ao plano metafiacutesico do qual ele fala e ao concreto plano musical do qual tratada sua argumentaccedilatildeo natildeo se pode sustentar a definiccedilatildeo do limite assim como se encontra formulada no Filebo responda a uma concessatildeo unicamente musical A dificuldade imposta ao termo ησ κθκθΝtὄaἶuὐiἶὁΝἵὁmὁΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁrdquoΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝὅuὂἷὄaἶaΝtἷὀἶὁΝἵὁmΝconta a duacuteplice valecircncia do pensamento platocircnico Este termo que indica o uniacutessono eacute de fato muito feliz porque aiacute se tem presente a linguagem metafoacuterica de Platatildeo com efeito este termo designa perfeitamente o ponto no qual a mistura dos contraacuterios alἵaὀὦaΝὅuaΝὂἷὄfἷiὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἆί)έ

138 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

seja apreenderes investigando assim sobre isso ter-te-aacutes tornado bem informado Entretanto a pluralidade ilimitada de coisas e a pluralidade em cada coisa soacute podem fazer de ti a cada caso uma pessoa inexperiente no pensar ( ᾽ π δλσθ εΪ πθ εα θ εΪ κδμ πζ γκμ π δλκθ εΪ κ πκδ ῖ κ φλκθ ῖθ) e que ningueacutem leva em conta nem daacute conta de nada jaacute que jamais teraacutes voltado teu olhar para qualquer nuacutemero de qualquer coisa ( ᾽ κ ε μ λδγη θ κ Ϋθα θ κ θ πυπκ πδ σθ α) (17c11-e6)

Eacute impossiacutevel ao analisar essa passagem natildeo levar em conta a heranccedila pitagoacuterica do

quinto seacuteculo que Platatildeo visa ressignificar sobre a qual nos detemos longamente nesta seccedilatildeo

mais acima A estrutura musical com seus sons (φπθ μ) o conhecimento dos intervalos ( θ

δα βηΪ πθ) dos limites desses intervalos ( κ μ πκυμ)199 as correlaccedilotildees (consonacircncias)200

199 εὁutὅὁὂὁulὁὅΝἷxὂliἵaμΝldquoἦἷὀἶὁΝἵὁὀὅtataἶὁΝὃuἷΝaΝvὁὐΝἷΝὁὅΝὅὁὀὅΝmuὅiἵaiὅΝaὂὄἷὅἷὀtamΝamἴὁὅΝὃuἷΝsatildeo ao mesmo tempo idecircnticos e diferentes uno e muacuteltiplo Platatildeo passa ao estudo dos intervalos musicais fundados sobre a relaccedilatildeo numeacuterica dos sons Ὅλκμ indica um dos termos da relaccedilatildeo numeacuterica que exprime um intervalo A expressatildeo Ϊλδγηκ πλ μ λδγη θ utilizada tambeacutem no Timeu (36b) se refere agrave explicaccedilatildeo dos fenocircmenos musicais obtidos por meio dos nuacutemeros que tecircm um valor absoluto e bem definido Os autores musicais descrevem os meacutetodos de precisatildeo usados para definir esta relaccedilatildeo divisatildeo do comprimento dos tubos sonoros suspensatildeo de pesos nas extremidades da corda vibrante enchimento de vasos nos quais o peso a capacidade e o comprimento servem como medida e conferem aos sons medidos o valor de paracircmetro As relaccedilotildees de quarta e de quinta como aquelas deduzidas dos dois procedimentos e que representa o tom enfim a relaccedilatildeo 243256 que exprime o intervalo chamado lemma resultante da subtraccedilatildeo de dois tons da quartam encontram-se na base da linguagem que Platatildeo utiliza no Filebo sob o propoacutesito de determinar a concepccedilatildeo pitagoacuterica dos intervalos musicais que aleacutem disso coincide com a sua Da combinaccedilatildeo desses intervalos se obteacutem os sistemas tradicionalmente chamados harmonias reconhecidas natildeo aὄἴitὄaὄiamἷὀtἷΝmaὅΝaΝluὐΝἶἷΝumΝἷxamἷΝmatἷmὠtiἵὁrdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝἆί)έΝ 200 Wersinger (1999) em um importante estudo retoma o termo υηφκθέα que designa a consonacircncia ou seja o acordo (matemaacutetico) elaborado entre dois sons que satildeo chamados sinfocircnicos e que satildeo fixados por uma relaccedilatildeo matemaacutetica um ζσΰκμ de acordo com a teoacuterica Os pilares inamoviacuteveis da harmonia satildeo esses sons fixados por um acordo elaborado matematicamente A consonacircncia concerne agraves relaccedilotildees da oitava ( δαπα υθΝἀμ1)ΝἶaΝὃuiὀtaΝ(ὁuΝ ηδσζδκμΝἁμἀ)ΝἷΝἶaΝὃuaὄtaΝ( πέ λδ κμΝἂμἁ)έΝἠὁΝFilebo (25ae1-2) Soacutecrates explica que a consonacircncia suspende as diferenccedilas o conflito de contraacuterios ao colocar o nuacutemero em termo de igualdade de dobro e de quantida em geral Como noz diz Wersinger a consonacircncia eacute vizinha ou mesmo sinocircnima da comensurabilidade no diaacutelogo expressa pelo termo

υηη λέα isto eacute como aquilo que potildee fim agrave contrariedade Note-se pelo exemplo do δαπα υθΝἵὁmo exemplo claro da homofonia pois a relaccedilatildeo de oitava se estabelece graccedilas agrave consonacircncia (sonoridade comum) entre a nota mais grave ( πΪ βμ)ΝaΝmaiὅΝaguἶaΝ(θ Ϊ βμ)Ν(R IV 443d) Este tipo de relaccedilatildeo (homofonia) se encontra em um domiacutenio preciso da comensurabilidade tal como a mistura de qualidades psiacutequicas (quente e frio) como o das misturas de vinho e aacutegua nos ritos simpoacutesicos eacute desse tipo que as relaccedilotildees de consonacircncia satildeo feitas de maneira mais nuanccedilada entre agudo e grave como o vinho eacute misturado com a aacutegua de maneira gradual de tal modo que natildeo corrompa por completo a mistura Logo Wersinger solicita a atenccedilatildeo para a distinccedilatildeo entre uma assimilaccedilatildeo raacutepida entre consonacircncia e proporccedilatildeo A consonacircncia eacute uma relaccedilatildeo matemaacutetica na qual um nuacutemero se encontra em relaccedilatildeo com um outro nuacutemero expressatildeo que aparece no Filebo (25b) proacuteximo agrave justa medida (ηΫ λκθ πλσμ ηΫ λκθ) ela eacute entatildeo um ζσΰκμ de dois nuacutemeros Em um contexto poliacutetico-moral assim como os sons os elementos da alma satildeo postos em relaccedilatildeo de forma a produzirem uma mesma opiniatildeo ou uma mesma atitude a consonacircncia eacute acordo ( ηκζκΰέα) (cf Smp 187b4) A consonacircncia como visto na Repuacuteblica (IV 442d2) produz a amizade e a temperanccedila ( πφλκ τθβ) e que deve sua existecircncia agrave opiniatildeo comum ( ηκ κιέα 442d2) que permite que a irascibilidade e o desejo submetam-

139 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

existentes entre eles isto eacute o nuacutemero ( θ λδγη θ) que encontra-se por traacutes das diferentes

escalas ( ληηκθέαμ) 201Ν ὁuΝ ldquomὁἶὁὅrdquoΝ ἵὁmὁΝ ὃuiὅἷὄἷm202 O nuacutemero permite a identificaccedilatildeo

destes intervalos203 uma espeacutecie de medida racional por intermeacutedio do nuacutemero torna capaz

identificar esses acordos entre limitantes e ilimitados diferentemente de uma mediccedilatildeo

empiacuterica baseada na conjectura como faziam os deslumbrados com a muacutesica contudo

se agrave razatildeo do mesmo modo que dois sons se acordem mutuamente em uma consonacircncia Logo homofonia e homodoxia encontram-se em estrita relaccedilatildeo (p 63-64) 201 Conforme nos diz Wersinger (1999) eacute necessaacuterio compreender a polissemia do termo ληκθέα jaacute que este termo pode ser confundido com a consonacircncia tendo em vista que se diz tambeacutem que a oitava eacute harmocircnica Na Repuacuteblica (443d6c3) lembremo-nos que o homem justo eacute aquele que possui sua alma harmonizada ou seja aquela alma cuja tripla especificidade (irascibilidade desejo e razatildeo) encontram-se direcionados agrave parte melhor analogamente agrave muacutesica que constroacutei suas escalas ou seus ldquomὁἶὁὅrdquoΝaΝὂaὄtiὄΝἶaὅΝtὄecircὅΝὂaὄtἷὅΝhaὄmὲὀiἵaὅΝ( πΪ βμΝθ Ϊ βμΝηΫ βμ)έΝἦὁἶὁὅΝἷὅὅἷὅΝmήltiὂlὁὅΝἷlἷmἷὀtὁὅΝse unem e se tornam um temperando-se (diferentemente de muacutesica temperada o que Platatildeo reprova como se pode notar R VII 530e-531a) e alcanccedilando plena harmonia A harmonia diferentemente da consonacircncia se estabelece a partir de uma relaccedilatildeo natildeo entre um elemento e outro mas de dois a dois elementos em uma cadeia de proporccedilatildeo isto eacute uma igualdade de relaccedilotildees As consonacircncias recebem um fundamento matemaacutetico que torna possiacutevel a relaccedilatildeo de umas com as outras a fim de formarem uma progressatildeo musical como jaacute dito para formarem as escalas de quinta (entre a nota mais aguda e a meacutedia) a de quarta (entre a mais grave e a meacutedia) Harmonizar neste sentido significa colocar em relaccedilotildees as proacuteprias relaccedilotildees identificar as razotildees comuns estabelecer uma progressatildeo musical ldquomaiὁὄΝἶὁmΝἶaὅΝεuὅaὅrdquoΝἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝEpinomis (991a5-b5) (p 64) Ainda nos dizeres de Wersinger ldquoaΝhaὄmὁὀia eacute sobretudo analogia ( θαζκΰέα) Ela eacute um meio de criar a unidade Ela depende no Filebo ἶaΝaὦatildeὁΝὄἷἵὁὀἵiliaἶὁὄaΝἶὁΝldquogecircὀἷὄὁrdquoΝἶὁΝlimitἷΝ(πΫλαμ)rdquoΝ(1λλλΝὂέΝἄἂ-65) 202 Platatildeo faz referecircncia aos modos (harmonias) permitidos no acircmbito da cidade ideal note-se aiacute uma correspondecircncia entre os nomes origem eacutetnica (liacutedio doacuterio friacutegio jocircnio etc) e as harmonias musicais dos gecircneros (cromaacutetico enarmocircmico e diatocircnico) ou seja uma correspondecircncia eacutetica e mimofocircnica (R III 398e-399a) 203 Algo mais eacute necessaacuterio ressaltar sobre os intervalos Afirmada a polissemia da noccedilatildeo de harmonia ela tambeacutem diz respeito aos sons e notas que natildeo satildeo sinfocircnicos ou seja esses sons variaacuteveis moacuteveis que se encontram acordados definitivamente nas trecircs consonacircncias Platatildeo na Repuacuteblica (IV 443d6-e3) teria feito alusatildeo a estes sons intermediaacuterios por meio termo η αιτ O estudo dos intermediaacuterios eacute a parte mais importante da muacutesica aquela que trata das reparticcedilotildees dos intervalos no tetracorde ou seja aquela que porta o nome da harmonia dos Gecircneros O tetracorde eacute uma das partes disjuntas do heptacorde ou do octacorde que coincide com a oitava O tetracorde eacute composta de quatro notas em escala descendente da nota meacutedia ateacute a nota mais grave Reunir o tetracorde eacute dar um estatuto aos intermediaacuterios entre as consonacircncias esta tarefa compete unicamente a verdadeiro muacutesico matemaacutetico ὅὅaΝὁὂἷὄaὦatildeὁΝὄἷὂὁuὅaΝὅὁἴὄἷΝaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶaΝζδξαθσμΝ(ὂὁὅiὦatildeὁΝἶὁΝἶἷἶὁΝiὀἶiἵaἶὁὄΝὃuἷΝtὁἵaΝ aΝ ὂὄimἷiὄaΝ ὀὁtaΝ ἶὁΝ tἷtὄaἵὁὄἶἷ)Ν ἷΝ ἶaΝ παλυπΪ βΝ (ὀὁtaΝ maiὅΝ gὄavἷήΝ ὂὄimἷiὄa)Ν ἶiὅὂὁὅtaΝ ἷmΝ tὄecircὅΝmodelos harmocircnicos diatocircnico enarmocircnico e cromaacutetico No Timeu (36a1-b5) o gecircnero escolhido eacute o diatocircnico no qual os dois intervalos superiores eram tons inteiros e o inferior um meio tom Nos diz WἷὄὅiὀgἷὄΝ (1λλλ)Ν ὃuἷΝ ldquoὀaΝ ἷlaἴὁὄaὦatildeὁΝ ἶὁὅΝ gecircὀἷὄὁὅΝ aΝ matἷmὠtiἵaΝ ἶἷὅἷmὂἷὀhaΝ tamἴὧmΝ umΝ ὂaὂἷlΝfundamental E eacute nesssa acepccedilatildeo matemaacutetica da muacutesica que noacutes devemos interpretar as passagem dos Diaacutelogos nos quais a temperanccedila eacute descrita em termos de tensatildeo e suavidade () o gecircnero diatocircnico que preside no Timeu a constituiccedilatildeo da estrutura da alma (cinco oitavas e uma quinta e um tom) pode ser considerada como uma matemaacutetica da temperanccedila () Platatildeo aqui chega a se divertir com as matemaacuteticas parece admitir portanto na maioria das vezes que a vida moral assim como a muacutesica se ajusta matematicamente A musa filosoacutefica eacute medida o que significa que ela pratica o gecircnero da harmonia diatocircnica e as matemaacuteticas da πφλκ τθβrdquoΝ(ὂέΝἄἅ-68)

140 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

inexperientes recorrendo ao monocoacuterdio204 Eacute imprescindiacutevel identificar tambeacutem os sistemas

( υ άηα α) de intervalos e as combinaccedilotildees ( α) provenientes de tais sistemas ndash lembremos

aqui de Aristoxeno e sua teoria musical segundo a qual esses intervalos compunham

determinada harmonia205 As afecccedilotildees que ocorrem nos corpos por meio dos ritmos ( υγηκ μ)

e metros (ηΫ λα)206 e que devem ser medidas pela utilizaccedilatildeo de um determinado nuacutemero

ἐaὅtaΝlἷmἴὄaὄmὁὅΝἶaΝfamὁὅaΝldquoἵὁmaΝὂitagὰὄiἵardquo207 das vaacuterias referecircncias agrave muacutesica presente

no Timeu agrave escala diatocircnica208 a harmonia universal a muacutesica suas relaccedilotildees com a geometria

e a aritmeacutetica aleacutem da gama tonal (a oitava) da qual encontramos referecircncia tambeacutem em

204 Rizek (1998) em artigo que busca resumir a teoria da harmonia platocircnica nos fala sobre esse processo ainda simploacuterio da afinaccedilatildeo por meio do monocoacuterdio que os inexperientes recorriam aos quais Platatildeo criacutetica ao propor uma ciecircncia harmocircnica seacuteria baseada em termos exclusivamente matἷmὠtiἵὁὅΝ aὅὅimΝ ἷlἷΝ ἶiὐμΝ ldquoἶaἶaΝ aΝ ὂὄὰὂὄiaΝ ὅimὂliἵiἶaἶἷΝ ἶaΝ tἷὁὄiaΝ ἶaΝ afiὀaὦatildeὁΝ ἷὅtaΝ ἵiecircὀἵiaΝ [aΝharmocircnica] em comunhatildeo com a base empiacuterica dada pelo monocoacuterdio foi a primeira dentro da Fiacutesica a tornar-se plenamente matematizada () Platatildeo daacute evidecircncias inquestionaacuteveis de ter conhecido o monocoacuterdiondash um aparato teacutecnico destinado a manter constante todos os outros fatores enquanto somente o comprimento da corda eacute variado ndash o que fica claro por exemplo na passagem onde ironicamente ele brinca com os muacutesicos que natildeo se libertam da prisatildeo sensiacutevel determinada pelo apego aΝἷὅtἷΝiὀὅtὄumἷὀtὁμΝlsquo[ἷὅὅἷὅΝmήὅiἵὁὅΝviὄtuὁὅὁὅ] agregam dificuldades agraves cordas e inclusive torturam-nas valendo-ὅἷΝἶὁΝtὁὄmἷὀtὁΝἶaὅΝἵὄavἷlhaὅrsquordquoΝ(ΝἑfέΝR 531 b1-2) (RIZEK 1998 p 259) Para mais passagens sobre isso cf R 531a1-c1) 205 Segundo Aristoxeno os sistemas musicais (ou harmonias) satildeo compostos por um ou mais intervalos Para um exame mais detalhado dos elementos musicais do peripateacutetico Aristoxeno presentes no Filebo ver Kucharsky (1959 p 41-72) 206 ἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝἷxὂliἵaΝεὁutὅὁὂὁulὁὅΝ(ἀίίἀ)μΝldquoἡὅΝὂὄὁἵἷἶimἷὀtὁὅΝlsquoὂlatὲὀiἵὁὅrsquoΝiὀὅὂiὄaἶὁὅΝὀaὃuἷlἷὅ dos harmonistas satildeo descritos ainda mais claramente A quantidade numeacuterica dos intervalos do som em relaccedilatildeo ao agudo e ao grave a sua natureza qualitativa os limites dos intervalos e quantos acordos surgem (acordos que os antigos reconheciam e que tranὅmitiὄamΝaΝὀὰὅΝἵὁmΝὁΝὀὁmἷΝἶἷΝldquohaὄmὁὀiardquoΝbem como outras afecccedilotildees semelhantes que estatildeo nos movimentos do corpo) dizendo que todas estas coisas medidas por meio do nuacutemero devemos chamaacute-laὅΝlsquoὄitmὁrsquoΝἷΝlsquomἷtὄὁrsquoμΝἷὅὅἷΝὧΝὁΝήὀiἵὁΝmὁἶὁΝἵὁὄὄἷtὁrdquoΝ(p 79) Dito de outro modo assim como harmonia que oscila entre agudo e grave o ritmo tambeacutem eacute em certa disposiccedilatildeo uma sequecircncia de movimentos lentos e raacutepidos Platatildeo teria dado uma nova acepccedilatildeo mais precisa agrave questatildeo tradicional Sobre isso cf Muniz (2012 p 213 n 19) Wersinger chega a afirmar que graccedilas ao ritmo e agrave harmonia que a sauacutede do corpo (indissociaacutevel com a da alma) alcance o equiliacutebrio sem a qual natildeo teriacuteamos sequer consciecircncia do prazer Logo o prazer eacute tambeacutem uma tarefa musical porque a alma eacute musical como nos diz o Timeu (36ass 86css) Tanto progressatildeo geomeacutetrica quanto progressatildeo musical compotildeem esta θαζκΰέα psiacutequica e consequentemente moral em que o que estaacute me questatildeo eacute a sauacutede e o equiliacutebrio entre corpo e alma Wersinger chega a concluir ἷΝὀὰὅΝἵὁmΝἷlaΝὃuἷμΝldquoἷxiὅtἷΝὅἷguὀἶὁΝἢlatatildeὁΝumΝὂὄaὐἷὄΝἶὁΝὅaἴἷὄΝligaἶὁΝὡΝtἷmὂἷὄaὀὦaΝἷΝὡΝὅaήἶἷΝὃuἷΝprocura o equiliacutebrio da alma e do corpo Esse prazer obedece a uma estrutura que pertence a mesma matemaacutetica que possibilita definir os dois conceitos musicais que satildeo a consonacircncia e a harmonia aὅὅimΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝἷὅtἷὅΝήltimὁὅΝἵὁὀὅtituἷmΝumaΝὂὄὁgὄἷὅὅatildeὁΝmuὅiἵalrdquoΝ(1λλλΝὂέΝἄἄ)έΝ 207 Trata-se do intervalo microtonal seja entre a ζ ῖηηα (semitom pitagoacuterico da escala diatocircnica) seja entre o πκ κηά (semitom da escala cromaacutetica) Essas divisotildees dos semitonais satildeo tambeacutem chamadas de έ δμ essas divisotildees relativas ao temperamento (afinaccedilatildeo) musical resultavam no εσηηα (531441524288) pois o semi-tom natildeo poderia ser um nuacutemero irracional por isso a divisatildeo do tom se dava por meio de duas partes desiguais (ζ ῖηηα 243256 πκ κηά ἀ1ἆἅμἀίἂἆ)ΝἷΝumaΝldquoἵὁmardquoΝ(ἑfέΝTi 31b-36b) 208 Cf Tim 36ass

141 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

Epinomis209 que no Filebo daacute lugar agrave gama dos prazeres Podemos concluir a respeito disso

seguindo as consideraccedilotildees de Moutsopoulos que

O Filebo reflete o conhecimento musical cientiacutefico de Platatildeo devido aos estudos dos pitagoacutericos que determinavam os intervalos em virtude da ldquomἷἶiἶaΝὄaἵiὁὀalΝἷfἷtuaἶaΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶὁὅΝὀήmἷὄὁὅrdquoέΝἓὅtἷΝgecircὀἷὄὁΝἶἷΝὂἷὅὃuiὅaΝconsitia em realidade no meacutetodo matemaacutetico de dois fenocircmenos musicais meacutetodo oposto agravequele empiacuterico que se baseava unicamente sobre o ouvido [veremos Soacutecrates em 56a3-8 fazer uma distinccedilatildeo entre a muacutesica que ajusta suas harmonias por meio da medida e agravequela que se utiliza de conjecturas tida como imprecisa] Platatildeo pode rejeitar esta uacuteltima natildeo poderia por sinal ignoraacute-la de tudo pela grande difusatildeo que ela tinha naquele tempo e pela importacircncia louvaacutevel da criaccedilatildeo musical que se baseava unicamente seus princiacutepios imutaacuteveis derivados unicamente do caacutelculo mental tornando-a muito mais riacutegida (2002 p 81)

O ensinamento dos primeiros pitagoacutericos encontra-se degenerado no tempo de Platatildeo

A muacutesica que anteriormente era objeto da doutrina filosoacutefica dos pitagoacutericos do quinto seacuteculo

ponto de pertencimento a essas doutrinas se tornaraacute entatildeo mais tarde uma evidente

especializaccedilatildeo de uma determinada pesquisa Ela (a muacutesica) se torna uma mateacuteria cientiacutefica

por direito proacuteprio estudada a partir de si mesma O papel da matemaacutetica no campo musical

deve ser levado em conta como algo de suma importacircncia dado que os nuacutemeros possuem o

poder de iniciaccedilatildeo agrave atividade dialeacutetica O Filebo reafirma essa afinidade entre a matemaacutetica

e a muacutesica o essencial natildeo eacute a quantidade de conhecimentos mas o modo como esse saber

eacute adquirido As diferenccedilas entre o um e o muacuteltiplo devem ser agora estudas tendo em vista

tambeacutem a multiplicidade (natildeo qualquer multiplicidade como se pode jaacute notar) Dito de outro

modo eacute essa diferenciaccedilatildeo entre o estudo de tal questatildeo (um e muacuteltiplo) que suscita tambeacutem

a distinccedilatildeo entre aqueles que adotam o meacutetodo dialeacutetico e aqueles que utilizam-se da eriacutestica

Lembrando que a exigecircncia de Soacutecrates nesse trecho em relaccedilatildeo agrave muacutesica natildeo se trata de

uma requisiccedilatildeo de um conhecimento extremo da ciecircncia harmocircnica tal como os musicistas

ou seja natildeo se trata de tornar muacutesicos os seus interlocutores mas a incentivaacute-los a

reconhecer na ciecircncia harmocircnica aqueles princiacutepios baacutesicos (consonacircncia harmonia)

propiacutecios agrave caracterizaccedilatildeo do modo como a dialeacutetica deve ser dirigir em relaccedilatildeo aos objetos

que visa investigar No caso do nosso diaacutelogo devido a uma influecircncia dos pitagoacutericos a

209 ldquoἔiὀalmἷὀtἷΝ ὀaΝ ἷὅἵalaΝ ὃuἷΝ vaiΝ ἶὁΝ ἶὁἴὄὁΝ aὁΝ tἷὄmὁΝ mὧἶiὁΝ umaΝ ἶaὅΝ mὧἶiaὅΝ ὧΝ ἷὃuiἶiὅtaὀtἷΝ ἶὁὅΝextremos jaacute que excede ao termo menor em uma quantidade igual agravequela em que eacute excedida pelo termo maior a outra excede o termo menor e eacute excedida pelo maior pela mesma fraccedilatildeo dos termos respectivos e assim se formam as razotildees de 32 e 43 que seratildeo encontradas como meacutedias dentro da gama que vai de 6 a 12 Eacute por esta progressatildeo com o duplo sentido direcional efetivado por meio destas uacuteltimas razotildees que recebemos uma daacutediva do abenccediloado coro das Musas agraves quais a humanidade deve o benefiacutecio do jogo da consonacircncia e da medida com toda a contribuiccedilatildeo ao ritmo e mἷlὁἶiardquoΝ(λλ1Νa-b)

142 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

beleza eacute essencialmente proporccedilatildeo e medida duas caracteriacutesticas traduziacuteveis na noccedilatildeo de

nuacutemero O papel ativo da beleza consiste na introduccedilatildeo do nuacutemero no indeterminado

platocircnico vago incerto a determinaccedilatildeo matemaacutetica que atua como elemento concreto

(MOUTSOPOULOS 2002 p 82)

Filebo compreende os usos desses exemplos elencados por Soacutecrates como

demonstra em 18d3 Mas ainda falta algo na visatildeo do interlocutor Soacutecrates se atenta ao

ldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶἷΝὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝὄἷquerido Agora eacute o proacuteprio Soacutecrates quem se atenta

aΝἷὅὅaΝἷxigecircὀἵiaμΝldquoo que estaacute faltando de novo Filbebo eacute a relaccedilatildeo disso com o nosso tema

ὀatildeὁΝὧςrdquoΝ(η θΝ Φέζβί Ν έΝπλ μΝ πκμΝα α ᾽ έθν)Ν(1ἆἶἄ)έΝEacuteΝὄἷlaὦatildeὁΝaἶmitἷΝἔilἷἴὁΝ

que este uacuteltimo e Protarco procuravam haacute muito tempo e que entatildeo Soacutecrates admite que

ela estaria bem diante deles (18e1-2)

Soc Nossa discussatildeo natildeo era desde o iniacutecio ( ι λξ μ ζσΰκμ) sobre o pensamento (φλκθά πμ) e o prazer ( κθ μ) e sobre qual dos dois deve ser escolhido ( πσ λκθ α κῖθ α λ Ϋκθ) Fil Como natildeo Soc Ora afirmamos tambeacutem que cada um deles eacute um Fil Sim certamente Soc Eacute exatamente essa questatildeo que nossa discussatildeo anterior ( πλσ γ θ ζσΰκμ) nos exige resposta como cada um deles eacute um e eacute muacuteltiplo ( δθ θ εα πκζζ ) e como natildeo satildeo eles imediatamente ( γτμ) ilimitados ( π δλα) possuindo um e o outro um nuacutemero ( λδγη θ) determinado antes de se tornar ilimitado ( π δλα) (18e8-19a2)

A reaccedilatildeo de Protarco eacute entatildeo dirigida a Filebo o que teria feito desde o iniacutecio do

diaacutelogo taὀtὁΝἷlἷΝὃuaὀtὁΝἥὰἵὄatἷὅΝldquoaὀἶaὅΝἷmΝἵiacuteὄἵulὁὅrdquoΝ(κ εΝκ ᾽ θ δθαΝ λσπκθΝετεζ ππμΝ

π λδαΰαΰ θΝ η μΝ ηίΫίζβε ) (19a3-4) A indignaccedilatildeo de Protarco chega a tal ponto de

considerar-ὅἷΝἷlἷΝὂὄὰὂὄiὁΝldquoὄiἶiacuteἵulὁrdquoΝ(ΰ ζκῖκθ) ao tentar responder a uma questatildeo tatildeo aacuterdua ao

ter assumido o papel de interlocutor no diaacutelogo doado a ele por Filebo mas ainda mais ridiacuteculo

seria se nem ele nem Soacutecrates fossem capazes de responder a tais questotildees anteriormente

tratadas (19a8-b1) Neste momento o proacuteprio Protarco emite um testemunho de

compreensatildeo

Prot () Soacutecrates na realidade estaacute nos perguntando segundo me parece pelas espeacutecies de prazer ndash se existem ou natildeo ( β ΰ λ ηκδ κε δ θ θ λπ θ

κθ μ () δθ ηά) quantas satildeo e de que tipo satildeo (εα πσ α εα πκῖα) e a mesma coisa em relaccedilatildeo ao pensamento ( μ rsquoΝ α φλκθά πμ) (19b1-4)

E Soacutecrates responde imediatamente

143 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

Soc Nada mais verdadeiro ( ζβγΫ α α ζΫΰ δμ) filho de Caacutelias Se noacutes natildeo pudermos fazer ( λ θ)210 isso em relaccedilatildeo a todo tipo de unidade (εα παθ μ θκμ) semelhanccedila ( ηκέκθ) identidade ( α κ ) e tambeacutem ao oposto

( θαθ έκυ) como o argumento passado nos revelou nenhum de noacutes seraacute digno de valor ( ιδκμ) em relaccedilatildeo a nada (19b5-8)

Protarco supotildee que esse realmente eacute o modo correto de agir em se tratando desses

tipos de problemas isto eacute com a intrincada questatildeo do um e do muacuteltiplo um problema do

qual a dialeacutetica reiteradamente arroga-se tambeacutem no Filebo Platatildeo entatildeo coloca na boca de

Protarco a claacutessica expressatildeo do Feacutedon (99c-ἶ)Ν aΝ ὅaἴἷὄμΝ ldquoεaὅΝ ὅἷΝ ὧΝ ἴἷlὁΝ (εαζ θ) para o

temperante ( υφλκθδ) conhecer todas as coisas (η θ τηπαθ α) existe para ele

segundo me parece umaΝ ldquoὅἷguὀἶaΝ ὀavἷgaὦatildeὁ211rdquo ( τ λκμ rsquoΝ θαδ πζκ μ κε ῖ) que

210 Dixsaut (2004) chama nossa atenccedilatildeo para o verbo λ θ (fazer) ndash tambeacutem utilizado por Platatildeo no Sofista ndash o uso do verbo marca o caraacuteter predominantemente ativo do processo plasmaacutetico que configura a atividade dialὧtiἵaΝ ἷΝ ὅuaΝ ἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝ fuὀἶamἷὀtalmἷὀtἷΝ uὀifiἵaἶὁὄaέΝ ldquoἑὁmΝ ὁΝ mἷὅmὁΝdireito que a retoacuterica a dialeacutetica permite falar poreacutem diferentemente daquela permite tambeacutem pensar Pensar eacute ter em vista uma unidade e uma multiplicidade tanto como a relaccedilatildeo natural que as une Ter em vista (horan) segundo Platatildeo eacute fazer (dran o mesmo verbo novamente eacute encontrado a propoacutesito do dialeacutetico no Sofista [Cf 235d5] e no Filebo [19b6 25b2]) pocircr em relaccedilatildeo o uno e o muacuteltiplo resultantes de um certo nuacutemero de operaccedilotildees do dialeacutetico operaccedilotildees orientadas por um propoacutesito uὀifiἵaἶὁὄrdquoΝ(ὂέΝ1ἃ)έ 211 Dixsaut (1991) em uma nota da sua traduccedilatildeo do Feacutedon (99c-ἶ)Ν ὄἷfὁὄὦaΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶaΝ ldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝ( τ λκμΝπζκ μ) e cita o sentido consoante entre essa mesma expressatildeo retomada neste trecho do Filebo ἵὁmΝaὃuἷlἷΝὂὄimἷiὄὁΝἶiὠlὁgὁέΝἓlaΝaὅὅimΝἶiὐμΝldquoἷὅtὠΝἵlaὄὁΝὃuἷΝ[ὀὁΝFilebo]ΝἷὅὅaΝlsquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrsquoΝ ὀatildeὁΝ ἶἷὅigὀaΝ umaΝ ὅimὂlἷὅΝ muἶaὀὦaΝ ἶἷΝ mἷiὁὅΝ ὂaὄaΝ alἵaὀὦaὄΝ umΝ mἷὅmὁΝ fimΝ mas uma mudanccedila de orientaccedilatildeo e neste caso uma virada completa o saber natildeo eacute mais pensado em extensatildeo mas como um conhecimento refletido pelo sujeito que conhece que deve tomar consciecircncia do fato que se ignora a si mesmo Essa reflexatildeo constitui um preacute-requisito a segunda navegaccedilatildeo (deuacuteteros ploucircs) eacute a primeira por direito se natildeo em fato e ela evita as divagaccedilotildees da primeira () natildeo designa nem o recurso a um meacutetodo inferior agravequele da primeira navegaccedilatildeo nem um meacutetodo de substituiccedilatildeo que permite alἵaὀὦaὄΝumΝmἷὅmὁΝὁἴjἷtivὁμΝἷlaΝὧΝumΝldquoἶἷὅviὁΝἶἷΝὂἷὄὅὂἷἵtivardquoΝ(ἶὁΝἷxtἷὄiὁὄΝὂaὄaΝὁΝiὀtἷὄiὁὄ)ΝὃuἷΝmἷtamὁὄfὁὅἷiaΝὁΝὁἴjἷtivὁΝiὅtὁΝὧΝtaὀtὁΝὁἴjἷtὁΝἵὁmὁΝaΝὀatuὄἷὐaΝἶὁΝὅaἴἷὄrdquoΝ(ὂέΝἁἅ1-372) Podemos certamente dizer que Platatildeo rejeita o modo das explicaccedilotildees fisioloacutegicas baseadas no plano dos fἷὀὲmἷὀὁὅΝὂὄὁmὁvἷὀἶὁΝumaΝὄἷviὄavὁltaΝὃuἷΝἷlἷΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝἷΝὃuἷΝtἷmΝἵὁmὁΝὄἷὅultaἶὁΝaΝldquohiὂὰtἷὅἷΝἶaὅΝἔὁὄmaὅrdquoέΝἢlatatildeὁΝὂὄὁἵuὄaΝfaὐἷὄΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝumΝἶiὠlὁgὁΝἶaΝalmaΝἵὁmΝela mesma e natildeo com a Natureza O saber dialeacutetico que parte das Formas inteligiacuteveis circula apenas entre estas uacuteltimas e apenas delas resultam os conhecimentos mais elevados A ciecircncia das causas primeiras ou natildeo natildeo eacute senatildeo secundaacuteria diante deste saber da alma consigo mesma ndash e que como ἶiὐΝἒixὅautΝ(1λλ1)μΝldquo(έέέ)ΝὧΝaὂἷὀaὅΝὁutὄaΝfaἵἷΝἶἷΝumΝmἷὅmὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝ(έέέ)rdquoΝ(ὂέΝἁἅἀ)Νndash em relaccedilatildeo ao ζσΰκμ que busca ao maacuteximo explorar essas relaccedilotildees entre as Formas Se pensamos que a ldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝὧΝaὂἷὀaὅΝumaΝ muἶaὀὦaΝὃuaὀtὁΝὡΝutiliὐaὦatildeὁΝἶἷ meios esses mesmos meios deveriam fazer com que Soacutecrates alcanccedilasse essa mesma espeacutecie de causas ou seja causas finais aὅΝὃuaiὅΝtἷὄiamΝlhἷΝἶiὄigiἶὁΝὡΝfὄuὅtὄaὦatildeὁΝἷmΝὅuaΝὂὄimἷiὄaΝὀavἷgaὦatildeὁΝὂἷlaΝldquoἵiecircὀἵiaΝἶaΝὀatuὄἷὐardquoέΝεaὅΝnatildeo eacute esse o caso as causas finais pressupotildeem sua posiccedilatildeo por uma inteligecircncia que eacute sempre interna isto eacute da alma (individual ou universal) Essas causas natildeo podem ser vaacutelidas para todos os casos nem para cada um em particular natildeo se encontra em questatildeo aqui a dimensatildeo maior ou menor de ser natildeo importam aqui os detalhes fisioloacutegicos nesse novo tipo de explicaccedilatildeo mas a participaccedilatildeo nas Formas que explica suas determinaccedilotildees e natildeo as consideraccedilotildees relativas aos seus fins No caso de uma

144 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

consiste em natildeo ignorar-se a si mesmo (η ζαθγΪθ δθ α θ α σθ)rdquoΝ (19c1-4) Feitas as

alusotildees agrave dialeacutetica Protarco recapitularaacute en passant as posiccedilotildees iniciais que deram iniacutecio ao

diaacutelogo num primeiro momento entre Filebo e Soacutecrates (19c3-e5) Filebo teria afirmado que

a maior das aquisiccedilotildees humanas eacute o prazer e as coisas desse tipo Soacutecrates no entanto se

contrapocircs agravequele dizendo ser outras coisas que natildeo estas e que essas outras seriam ainda

melhores superiores ao prazer como a inteligecircncia o conhecimento a teacutecnicas e todas as

coisas semelhantes a estes uacuteltimos Ambas as posiccedilotildees foram postas em controveacutersia

( ηφδ ίβ ά πμ) tanto a do condutor comκ a dos interlocutores se inseriam nessa espeacutecie

ἶἷΝ ldquoἴὄiὀἵaἶἷiὄardquo (παδ ῖαμ) a fim delimitarem a discussatildeo para que ela adquirisse um limite

suficiente na determinaccedilatildeo dos argumentos apresentados por tal discussatildeo ( θ ζσΰπθ πΫλαμ

εαθ θ ΰ θβ αέ δ δκλδ γΫθ πθ) Protarco entatildeo exige uma nova postura de Soacutecrates qual

seja recusar manifestar constantemente oposiccedilatildeo aos assuntos que desejam tratar isto eacute

sobre qual dos dois (prazer e conhecimento) possa ser considerado o bem Eacute imprescindiacutevel

a Protarco a saiacuteda da aporia que surge diante de tais perguntas sobre coisas que permanecem

sem uma resposta suficiente dos interlocutores como estes problemas relativos agrave divisatildeo e

ao problema do um e do muacuteltiplo mas Soacutecrates com essas discussotildees continua lanccedilando-os

ὀἷὅὅἷΝ ldquoἵamiὀhὁΝ ὄἷὂlἷtὁΝ ἶἷΝ ὁἴὅtὠἵulὁὅrdquoέΝ ἦὄata-se aqui novamente insisto de afirmar o

ldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶaΝὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝmaὅΝὃuἷΝἵὁmὁΝjὠΝὀὁtamὁὅΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἥὰἵὄatἷὅΝὂaὄἷἵἷΝἷὅtaὄΝἵiἷὀtἷΝ

dessa necessidade Eacute impossiacutevel admitir ou mesmo presumir que toda essa discussatildeo

acabaraacute em aporia o que natildeo significa dizer que ela iraacute terminar como veremos Para

Protarco Soacutecrates deve tomar para si a responsabilidade de direccedilatildeo da discussatildeo e fazer

com que todo o discurso alcance um sentido ou seja que ele natildeo seja pueril e sem sentido

mas sobretudo uma discussatildeo seacuteria Diz finalmente Protarco

determinada alma ela se determina por meio da postulaccedilatildeo das Formas (beleza justiccedila coragem etc) que satildeo fins diferentemente dos seres inanimados a participaccedilatildeo dessas coisas em uma ou mais fὁὄmaὅΝ aὅΝ tὁὄὀaΝ iὀtἷligiacutevἷiὅΝ maὅΝ aiὀἶaΝ ὂἷὄmaὀἷἵἷΝ algὁΝ ὀἷlaὅΝ umaΝ ὂaὄtἷΝ ἶἷΝ ldquoὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷrdquoΝ ἶἷΝininteligibilidade de opacidade irredutiacutevel A causa final pode ser vaacutelida para ao mundo quando tomada em conjunto necessariamente eacute considerada a melhor imagem (modelo) inteligiacutevel para a compreensatildeo mas ela natildeo se aplica ao detalhe Logo Soacutecrates natildeo descobre ndash por meio da segunda navegaccedilatildeo ndash para cada coisa o melhor que pode ser mas as causas que por participaccedilatildeo satildeo causas de inteligibilidade (finais no caso dos seres (almas) inteligiacuteveis natildeo-finais no caso dos demais seres) Sobre a segunda navegaccedilatildeo devemoὅΝ ὂἷὀὅaὄμΝ ldquo(έέέ)Ν ὃuἷΝ ἷlaΝ ὧΝumΝ ὁutὄὁΝ ἵamiὀhὁΝ ὃuἷΝ ὀὁὅΝ ὂἷὄmitἷΝpostular um outro tipo de causas (as Formas) mas sobretudo possuir um outro tipo de discurso Ela ὂἷὄmitἷΝὄὁmὂἷὄΝἵὁmΝὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝἷxὂliἵativὁΝἷΝmἷἵaὀiἵiὅtaΝἶὁὅΝlsquofiὅiὰlὁgὁὅrsquoΝaΝἷxigecircὀἵiaΝἶἷΝἵauὅas finais ὀatildeὁΝὧΝὅufiἵiἷὀtἷΝὂaὄaΝἵὁὀὅumiὄΝἷὅὅaΝὄuὂtuὄaέΝἒἷixaὄΝldquoἷὅἵaὂaὄrdquoΝὀὁὅΝloacutegoi as razotildees eacute passar a um outro tiὂὁΝἶἷΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝatὄiἴuiὄΝἵὁmὁΝ lsquoἵauὅarsquoΝ ὀatildeὁΝaὃuilὁΝὃuἷΝἷὀgἷὀἶὄaΝ ndash mesmo da melhor maneira possiacutevel ndashΝ maὅΝ aὃuilὁΝ ὃuἷΝ tὁὄὀaΝ iὀtἷligiacutevἷlέΝ ldquoἓὅἵaὂaὄrdquoΝ ὧΝ ὂὄimἷiὄamἷὀtἷΝ ἵἷὅὅaὄΝ ἶἷΝ ὂἷὄguὀtaὄΝ ὁΝ ὃuἷΝproduz a beleza de uma coisa para comeccedilar a perguntar o que eacute em si o belo A maneira de questionar muἶaμΝὀatildeὁΝmaiὅΝlsquoὂὁὄΝὃuἷΝἷὅtaΝἵὁiὅaΝὧΝἴἷlaςrsquoΝmaὅΝlsquoὂὁὄΝὃuἷΝὧΝlἷgiacutetimὁΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝἷlaΝὧΝἴἷlaςrsquordquoΝ(ὂέΝἁἅἁ)Ν(cf DIXSAUT 1991 p 372-373) Para uma anaacutelise ainda mais detalhada da expressatildeo do Feacutedon cf Nunes Sobrinho (2007 p 115-116)

145 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

Decide entatildeo por ti mesmo se deves dividir as espeacutecies de prazer e de conhecimento ou se deves abandonaacute-las ( κθ μΝ βΝ κδΝ εα πδ άηβμΝ

δαδλ ΫκθΝ εα α Ϋκθ) se fores capaz e se quiseres esclarecer de um modo diferente nossa controveacutersia ( π εαγ᾽ λσθΝ δθαΝ λσπκθΝ κ σμΝ ᾽ εα ίκτζ δΝ βζ αέΝππμΝ ζζπμΝ θ θΝ ηφδ ίβ κτη θαΝπαλ᾽ ηῖθ) (20a5-8)

Diante da requisiccedilatildeo e Protarco natildeo haacute um outro caminho a natildeo ser como veremos

ἶiὅὂὁὄΝ ἶἷΝ umaΝ ldquoὀὁvaΝ mὠὃuiὀaΝ ἶἷΝ guἷὄὄardquoΝ ( ῖθ ζζβμ ηβξαθ μ 23b7-8) A primeira nos

forneceu os meios para se tratar dialeticamente o indeterminado Antes de passarmos entatildeo

a ἷὅὅaΝ ldquoὀὁvaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝ ὃuἷΝὅἷὄὠΝ ὂὄἷἵἷἶiἶaΝ ὂὁὄΝ umaΝ ὄἷtomada agraves questotildees iniciais do

ἶiὠlὁgὁΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝὄἷὅumiὄmὁὅΝaΝldquoὂὄimἷiὄaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝἵὁὀtiἶaΝὀἷὅὅaΝ lὁὀgaΝὂaὅὅagἷmΝ

repleta de alusotildees agrave atividade dialeacutetica e suas contribuiccedilotildees para a compreensatildeo do que vem

a ser o ilimitado ( π δλκθ) O que podemos dizer a respeito da dialeacutetica nesse primeiro

momento do diaacutelogo

Primeiramente o que se diz eacute que a dialeacutetica e o ζσΰκμ em si satildeo sempre um caso do

um e do muacuteltiplo Em 14e3-ἂΝalgὁΝaΝmaiὅΝὧΝἶitὁΝὅὁἴὄἷΝaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝὀἷὅὅἷΝldquoἴalὧrdquoΝἶἷΝtἷὄmὁὅΝ

que oscila entre o um e o muacuteltiplo se afirma que o um eacute multiplicidade e mais indefinida ( σΝ

Ν θΝ μΝπκζζΪΝ δΝεα π δλα) assim como se diz que o muacuteltiplo eacute um ( πκζζ μΝ θΝ

ησθκθ) Nota-se aqui a introduccedilatildeo de um novo termo π δλα Qual o significado que este termo

adota neste primeiro momento Quais satildeo suas relaccedilotildees com a dialeacutetica aqui nesta

passagem Primeiro como vemos ao longo deste trecho diaacutelogo eacute que eacute possiacutevel afirmar

que essa multiplicidade ( π δλα) se opotildee agrave unidade isto porque a pluralidade ilimitada e a

unidade consistem em dois extremos da atividade dialeacutetica (17a 18a 18e-19a) mas tambeacutem

se diz que ela pode predicar uma unidade (14e) como tambeacutem uma multiplicidade (16d)

tambeacutem foi dito que ela se encontra relacionada agraves coisas em devir diante da anaacutelise do

emblemaacutetico trecho que corresponde agraves noccedilotildees tratadas em 15bss Logo a participaccedilatildeo eacute

pensada como presenccedila seja imanente ou transcendente de uma unidade (mocircnada) nas

coisas que estatildeo em devir e satildeo ilimitadas (particulares sensiacuteveis) (15b5) e por uacuteltimo se diz

que a multiplicidade numeraacutevel deixa escapar essa pluralidade de unidades incontaacuteveis

notaacuteveis como estando contidas em uma unidade dada (16e 17e)

Nos diz Soacutecrates em 17e3-4 que a pluralidade ilimitada de coisas e a pluralidade em

cada coisa soacute podem fazer de algueacutem nestes casos um inexperiente no pensar que

ningueacutem leva em conta ( ᾽ π δλσθΝ Ν εΪ πθΝεα θΝ εΪ κδμΝπζ γκμΝ π δλκθΝ εΪ κ Ν

πκδ ῖ κ φλκθ ῖθΝεα κ εΝ ζζσΰδηκθΝκ ᾽ θΪλδγηκθ) Neste caso parece haver dois sentidos

envoltos na noccedilatildeo de π δλκθ tanto o de multiplicidade vaacuteria quanto o de uma multiplicidade

146 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

determinada ou como nos diz Dixsaut (2001)212Ν ldquoἢlatatildeὁΝ ὂaὄἷἵἷΝ gὁὅtaὄΝ ἶὁΝ jὁgὁΝ ὃuἷΝ faὄiaΝ

ὂaὅὅaὄΝἶἷΝumΝhὁmὲὀimὁΝaΝὁutὄὁrdquoΝ(ὂέΝἁίἀ)έΝἜὁgὁΝὁΝiὀἶἷtἷὄmiὀaἶὁΝὧΝumaΝldquoὂἷἶὄaΝἶἷΝtὄὁὂἷὦὁrdquoΝ

para o pensamento ele coloca em questatildeo o proacuteprio pensamento

Um primeiro modo de dividir eacute partir de uma unidade ateacute alcanccedilar uma multiplicidade

determinada e segundo o Filebo (16e1-3) natildeo devemos imediatamente aplicar a forma do

ilimitado agrave pluralidade mas soacute depois de percebermos o nuacutemero total da pluralidade que

existe entre o ilimitado e o um para somente depois disso abandonar tais espeacutecies (vaacuterias)

se despedir dessa multiplicidade deixando na indeterminaccedilatildeo tudo aquilo que natildeo inclui essa

escolha (dessa unidade) realizada pelo dialeacutetico ao dividir Poreacutem haacute ainda uma situaccedilatildeo

contraacuteria ( θαθ έκθ) a essa tarefa do dialeacutetico de dividir uma dada unidade como nos diz o

tἷxtὁΝἷmΝ1ἆaλΝiὅtὁΝὧΝldquoὃuaὀἶὁΝalguὧmΝὧΝfὁὄὦaἶὁΝaΝaὂὄἷἷὀἶἷὄΝἷmΝὂὄimἷiὄὁΝlugaὄΝὁΝilimitaἶὁrdquoΝ

( αθ δμ π δλκθ θαΰεα γ πλ κθ ζαηίΪθ δθ) ou seja partir de uma multiplicidade

indeterminada Esta unidade presente nesta multiplicidade soacute pode ser nominal e

indeterminada Ela tambeacutem natildeo pode ser tornada imediatamente ( γτμ) uma unidade real

(18b1) mas antes se deve discernir um nuacutemero ( λδγη θ) que constitui qualquer pluralidade

determinada (α δθαΝπζ γκμΝ εα κθΝ ξκθ ΪΝ δΝεα αθκ ῖθ) e soacute depois disso se deve olhar

para o um

Sem a postulaccedilatildeo de uma unidade real natildeo haacute divisatildeo possiacutevel Logo essa tambeacutem

passa a ser uma tarefa do dialeacutetico antes de postular uma unidade real ele deve constituir

uma multiplicidade numeraacutevel E como isso poderaacute ser feito Pela classificaccedilatildeo pela

distinccedilatildeo na multiplicidade indeterminada inicial todas as espeacutecies que exigem o nuacutemero que

noacutes lhe damos juntamente com aquelas que natildeo o exigem e entatildeo ordenar essas espeacutecies

ou elementos no interior de uma estrutura Trata-se de substituir essa multiplicidade

incontaacutevel essa indeterminaccedilatildeo ndash seja entre as coisas seja entre as variadas coisas dentro

de uma unidade ndash por uma multiplicidade determinada que oferece conteuacutedo a essa nova

unidade unidade real tornando-a verdadeira Postular um nuacutemero determinado de

intermediaacuterios que existe entre o ilimitado e o um (η αι κ π έλκυΝ Νεα κ θσμ 16e1)

eacute o que distingue o dialeacutetico do eriacutestico e por essa estrutura intermediaacuteria deve passar todo

movimento dialeacutetico Se vamos por um sentido ou por outro ou seja do um ao ilimitado ou

do ilimitado ao um soacute podemos falar em unidade real agrave medida em que essa unidade torna-

se uma unidade determinada isto eacute se envolver uma multiplicidade constituiacuteda de forma

precisa Ora se vamos imediatamente do ilimitado agrave unidade eacute o mesmo que ir do ilimitado

ao ilimitado Eacute apenas esse processo de circularidade do um e do muacuteltiplo pode retirar a

indeterminaccedilatildeo o um torna-se apenas esse um sob a condiccedilatildeo de ser a unidade de

212 Sigo de perto a intepretaccedilatildeo desta autora em relaccedilatildeo agrave interpretaccedilatildeo do ilimitado (Cf DIXSAUT 2001 p 302-310) e tambeacutem seguindo em grande parte as consideraccedilotildees postas por Delcomminette (2002 p 96-159)

147 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

determinada multiplicidade ao mesmo tempo que uma multiplicidade para ser muacuteltipla deve

ser simultaneamente uma multiplicidade de unidades e ser incluiacuteda em uma unidade pois

ἵaὅὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝldquohavἷὄiaΝἶiὅὂἷὄὅatildeὁΝὅἷmΝlimitἷΝἷΝὅἷmΝligaὦatildeὁΝἷΝὀatildeὁΝmultiὂliἵiἶaἶἷrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝ

2001 p 304)213

Penso que Dixsaut (2001) estaacute correta ao dizer que λδγη θ significa em grego antes

de mais nada uma estrutura (p 304)214έΝἣuaὀἶὁΝὅὁmὁὅΝldquofὁὄὦaἶὁὅΝaΝὂaὄtiὄΝὂὄimἷiὄamἷὀtἷΝἶὁΝ

213 Delcomminette (2002) tambeacutem explica a passagem recorrendo ao exemplo do deus egiacutepcio Teuth Theuth - ou melhor um deus ou um homem divino - deveraacute distinguir as letras do alfabeto grego para iὀὅtituiὄΝaΝΰλαηηα δε θΝ ΫξθβθέΝἢaὄaΝtalΝἷlἷΝἶἷvἷὄὠΝὂὁὅtulaὄΝὁΝὅὁmΝvὁἵalΝἵὁmὁΝumΝgecircὀἷὄὁΝaΝὅἷὄΝἶiviἶiἶὁέΝSemelhante posiccedilatildeo o coloca na presenccedila natildeo da infinita variedade de sons jaacute individualizados mas de um som indefinido De fato Theuth natildeo chega agrave compreensatildeo dos sons individuais antes do final do processo Nessas condiccedilotildees o problema do status das entidades reunidas eacute um problema falso natildeo satildeo nem coisas particulares nem universais porque nem sequer satildeo entidades elas simplesmente formam um halo indiferenciado que acompanha a unidade que postulamos como a possibilidade para essa mesma ideia de ser participada de estar envolvida nessa relaccedilatildeo (p 107) Ainda nos diz ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ(ἀίίἀ)μΝldquoEacuteΝὂὁὄΝiὅὅὁΝὃuἷΝὁΝapeiron natildeo deve ser tomado em um sentido exclusivamente ἷxtἷὀὅiὁὀalέΝἥἷΝlsquoapeiron ὀaΝmultiὂliἵiἶaἶἷrsquoΝὄἷfἷὄἷ-se a uma multiplicidade indiferenciada entatildeo ela eacute tanto uma noccedilatildeo extensional como intensional ela pode se referir tanto agrave multiplicidade ilimitada e indiscriminada de participantes na ideia que noacutes postulamos que estatildeo virtualmente presentes em nosso pensamento quanto agrave parte de indeterminaccedilatildeo de nosso pensamento quando pensamos nessa Ideia que pode ser determinada de muitas maneiras diferentes Esses dois aspectos satildeo correlativos e qualquer accedilatildeo sobre um implica uma accedilatildeo sobre o outro qualquer limitaccedilatildeo da multiplicidade de participantes implica uma determinaccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo de nosso pensamento e vice-versa O objetivo da reuniatildeo eacute precisamente fazer a ponte entre esses dois aspectos e permitir que o dialeacutetico ὅἷΝmὁvaΝἶἷΝumΝὂaὄaΝὁΝὁutὄὁέΝεaiὅΝἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝὁΝaὅὂἷἵtὁΝlsquoἷxtἷὀὅiὁὀalrsquoΝὧΝὁΝiὀὅtὄumἷὀtὁΝὃuἷΝὂἷὄmitἷΝao dialeacutetico determinar seu pensamento por exemplo usando o contraste entre vaacuterios participantes para descobrir as diferenccedilas que os distinguem E na medida em que qualquer determinaccedilatildeo subsequente reduza a multiplicidade de participantes esse aspecto tambeacutem pode servir como criteacuterio para testar a integridade de sua atividade determinante Esta circulaὦatildeὁΝiὀἵἷὅὅaὀtἷΝἷὀtὄἷΝlsquoἷxtἷὀὅatildeὁrsquoΝἷΝlsquoiὀtἷὀὅatildeὁrsquoΝὧΝὂὁὅὅiacutevἷlΝgὄaὦaὅΝaΝamἴiguiἶaἶἷΝiὀἷὄἷὀtἷΝaὁΝtἷὄmὁΝapeiron que se refere a tudo aquilo que ὧΝiὀἶἷfiὀiἶὁΝtaὀtὁΝὃuaὀtitativamἷὀtἷΝ(ἵaὅὁΝἷmΝὃuἷΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝtὄaἶuὐiἶὁΝἵὁmὁΝlsquoilimitaἶὁrsquoΝἶἷὅἶἷΝὃuἷΝὀatildeὁΝo entendamos como um termo referente a um nuacutemero ilimitado mas ainda mais agrave ilimitaccedilatildeo que o impede de ser um nuacutemero no sentido grego do termo) quanto qualitativamente (caso este em que podemos traduzi-lὁΝἵὁmὁΝlsquoiὀἶἷtἷὄmiὀaἶὁrsquo)έΝἡΝfatὁΝἶἷΝὃuἷΝaΝὂὁὅtulaὦatildeὁΝἶἷΝumaΝIἶἷiaΝὂὁὅὅa trazer agrave tona um apeiron tendo esses dois aspectos resulta do fato de que a reuniatildeo eacute um processo virtual em vez de uma enumeraccedilatildeo de participantes jaacute diferenciados De forma geral podemos provisoriamente propor essa definiccedilatildeo puramente negativa do apeiron o apeiron eacute indeterminaccedilatildeo ou ilimitaccedilatildeo no sentido de que escapa agrave determinaccedilatildeo ou agrave limitaccedilatildeo Deste ponto de vista o apeiron eacute o oposto do pensamento e ateacute mesmo seu inimigo e este antagonismo eacute reforccedilado pelo jogo de palavras sobre esse termo iἶecircὀtiἵὁΝἷmΝgὄἷgὁΝὡὃuἷlἷΝὃuἷΝὅigὀifiἵaΝlsquoiὀἷxὂἷὄiἷὀtἷrsquordquoΝ(ὂέΝ1ίἅ-108) 214 ἠaΝmἷὅmaΝἶiὄἷὦatildeὁΝὅἷguἷΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷμΝldquoὁΝiὀtἷὄἷὅὅaὀtἷΝaὃuiΝὧΝaΝἵlaὄaΝἵὁὀἷxatildeὁΝἷὀtὄἷΝὁΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝde aprendizagem individual e a transiccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo para a determinaccedilatildeo tanto quantitativa quanto qualitativa que eacute obra da dialeacutetica () o que eacute aprendido eacute sempre uma estrutura determinada na qual todos os elementos estatildeo conectados de tal forma que eacute impossiacutevel conhecer algum independentemente de todos os outros O aprendizado envolve a imposiccedilatildeo de uma estrutura (grifo nosso) definitiva sobre a primeira indeterminaccedilatildeo do nosso pensamento uma estrutura que constitui o campo de aplicaccedilatildeo de uma tekhnegrave correspondente - neste caso a grammatikegrave tekhnegrave do nosso pensamento (18 c7-8) () Soacutecrates iraacute dizer natildeo sem prejuiacutezo que o apeiron eacute aquilo que torna algueacutem π δλκμ κ φλκθ ῖθΝ Ν iὅtὁΝὧΝ iὀἷxὂἷὄiἷὀtἷΝὀὁΝὂἷὀὅaὄΝ(1ἅΝἷἁ-6) pensar natildeo eacute possiacutevel sem

148 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ilimitaἶὁrdquoΝ ἷΝ ὧΝ ἷὅὅἷΝ ὁΝὂὁὀtὁΝὃuἷΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ἶἷvἷὄὠΝ aὃuiΝ ὄἷtὁmaὄΝ aὁΝ ἶiὐἷὄΝ ὃuἷΝ ἷὅtaΝ ὅituaὦatildeὁΝ

tambeacutem se configura enquanto uma atividade do dialeacutetico que nos encontramos perante a

uma situaccedilatildeo simeacutetrica agrave da divisatildeo Contudo reunir e dividir aqui ao que tudo indica trata-

se de estruturar problema semelhante ao encontrado por Teuth o criador do alfabeto foneacutetico

como ilustrado no exemplo do diaacutelogo Dito de outro modo eacute imprescindiacutevel agora ao tomar

uma realidade ilimitada produzir um conjunto ordenado de elementos que se encontram

interligados interdependentes como no caso da φπθ (voz) e dos demais exemplos dados

por Soacutecrates na argumentaccedilatildeo precedente215 Diante de uma realidade ilimitada como eacute o

caso da voz Teuth eacute o primeiro a tentar converter esse ilimitado indefinidamente variaacutevel em

uma pluralidade numeraacutevel Da realidade sonora indeterminada de um conjunto ilimitado de

modulaccedilotildees fora possiacutevel retirar uma quantidade determinada limitada de espeacutecies foneacuteticas

(vogais semi-vogais e mudas) como tambeacutem foi possiacutevel determinar o nuacutemero de elementos

proacuteprios de cada uma dessas espeacutecies a fim de instituir uma totalidade uma estrutura

coerente (o alfabeto foneacutetico o conjunto das letras) detendo-se apenas nessas mesmas

espeacutecies

O problema do prazer eacute semelhante ao caso do alfabeto antes de determinarmos se

o prazer eacute o bem devemos analisar essa realidade em que consiste ser o prazer e que recobre

uma pluralidade indeterminada Antes entatildeo devemos constituir uma unidade real e para tal

eacute necessaacuterio alcanccedilar uma pluralidade determinada uma multiplicidade contaacutevel Vale

lembrar que prazer e conhecimento estatildeo submetidos a uma escolha sobre qual dos dois

possa ser considerado o bem Antes devemos saber em que medida ambos (prazer e

conhecimento) satildeo simultaneamente um e muacuteltiplo ao inveacutes de consideraacute-los como ilimitados

jaacute agrave primeira vista melhor dizendo como cada um deles adquire em dado momento um

nuacutemero antes de se tornar ilimitado (Cf 18e9-1λaἀ)μΝldquolsquoἓmΝumΝἶaἶὁΝmὁmἷὀtὁrsquoΝ(πκ 19a1)

porque natildeo eacute sempre em um mesmo momento do processo dialeacutetico que se eacute conquistada a

pluralidade determinada ela pode acontecer antes ou apoacutes o posicionamento da unidade

ἶἷtἷὄmiὀaἶardquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝ ἀίί1 p 305 grifos da autora) Ela iraacute acontecer antes caso

iniciemos pelo ilimitado e ocorreraacute depois se jaacute partimos de uma unidade determinada e a

dividimos A incompreensatildeo de Protarco e de Filebo versa sobre a necessidade de maiores

esclarecimentos por parte de Soacutecrates por que um interluacutedio tatildeo exaustivo sobre a divisatildeo

Soacutecrates natildeo poderia perguntar diretamente ndash e Filebo concorda com Protarco pois

referecircncias e essas referecircncias satildeo fornecidas pelas estruturas determinadas aprendidas pela ἷἶuἵaὦatildeὁrdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝ1ἁἁ-134) 215 Sobre isto conferir o que dissemos sobre a muacutesica anteriormente e a ambiguidade presente em dois tipos de muacutesica praticadas na eacutepoca grega claacutessica aquela que visava o nuacutemero herdada praacutetica matematizante da caraterizaccedilatildeo das harmonias e aquela baseada na mediccedilatildeo (empiacuterica) infinita dos intermediaacuterios dos intervalos musicais visando a criaccedilatildeo e sistemas como eacute o caso Dos elementos harmocircnicos presentes nas doutrinas de Aristoxeno (Cf DELCOMMINETTE 2002 p 134-143)

149 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

ἵὁὀὅtaὀtἷmἷὀtἷΝἷὅtὠΝaΝἷxigiὄΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὁΝldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶaΝὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝndash se o objetivo maior

dessa discussatildeo eacute a divisatildeo dos prazeres e conhecimentos se eles possuem realmente

espeacutecies quais satildeo e quantas satildeo (19b1-4) O fato eacute que neste caso Soacutecrates natildeo estaacute a

solicitar de seu interlocutor principal uma divisatildeo de prazeres e conhecimentos porque isso

seria impossiacutevel natildeo se pode comeccedilar a dividir pelo ilimitado antes se deve postular um

nuacutemero para entatildeo constituir uma unidade verdadeira real somente essa unidade eacute que

poderaacute ser constituiacuteda objeto da divisatildeo Nos dizeres de Dixsaut (2001)

O que Soacutecrates exige de fato eacute a constituiccedilatildeo de um alfabeto ou gama dos prazeres a fim de substituir a indeterminaccedilatildeo inicial do prazer pela multiplicidade de prazeres (daquilo que eacute verdadeiramente e natildeo falsamente ou ilusoriamente nomeado prazer) Eacute precisamente isso que ele iraacute fazer durante uma longa anaacutelise (p 306 grifos da autora)

Todos os trecircs exemplos (alfabeto foneacutetico teoria musical gramaacutetica) ilustram de

maneira significativa o modo como o dialeacutetico deve operar diante do ilimitado A multiplicidade

ὧΝtὄaὀὅfὁὄmaἶaΝὂἷlὁΝἶialὧtiἵὁΝldquoiὀfὁὄmaἶardquoΝaΝilimitaὦatildeὁΝaἶὃuiὄἷΝὁΝὅtatuὅΝἶἷΝumaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝ

determinada ela eacute constituiacuteda a partir de uma pluralidade incontaacutevel se torna uma pluralidade

determinada que natildeo estaacute dada Muacutesica e foneacutetica estruturam um ilimitado sonoro No caso

da abordagem dialeacutetica dos prazeres natildeo se passa de outra maneira ela exige uma outra

abordagem dialeacutetica que eacute tambeacutem uma abordagem preacutevia Seraacute necessaacuterio tomar a

questatildeo de uma maneira diferente isto porque o prazer natildeo se apresenta nem como uma

multiplicidade de unidades distintas ou diferenciaacuteveis (multiplicidade determinada) nem como

uma unidade articulada propiacutecia agrave divisatildeo

Jaacute o conhecimento muito pelo contraacuterio pode ser examinado diretamente pelo

processo dialeacutetico da divisatildeo ele lida com espeacutecies reais Embora se reconheccedila qualquer

contrariedade ou diversidade que seja entre os conhecimentos ele (o conhecimento)

comporta unidades reais ele eacute uma unidade real porque exclui diretamente suas

contrariedades ou seja os conhecimentos falsos Neste caso se trataria de uma contradiccedilatildeo

em termos jaacute que tambeacutem existem prazeres falsos mas o tipo de falsidade do conhecimento

natildeo eacute o mesmo tipo de falsidade que envolve os prazeres ou porque o prazer diferentemente

do conhecimento natildeo eacute algo determinado mas indeterminado essas talvez possam ser

algumas das principais saiacutedas diante do que seraacute tratado mais adiante no diaacutelogo por Platatildeo

ao se referir aos prazeres falsos por hora deixemos isso de lado

Portanto de acordo com o que se pode verificar na anaacutelise desta primeira parte do

diaacutelogo o π δλκθ eacute um predicado aplicado tanto a uma unidade quanto a uma multiplicidade

tambeacutem ilimitada por isso aqui ele desempenha um duplo papel A ilimitaccedilatildeo tem tanto um

sentido quantitativo quanto um sentido quantitativo Quantitativo pois ela caracteriza uma

150 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

multiplicidade numeacuterica distinta ( π δλκθ πζ γκμ πζάγ δ 16d7 17b4 18b2)216 Para ser uma

unidade real essa unidade prescinde compreender (i) uma multiplicidade numeraacutevel as

espeacutecies obtidas no processo de divisatildeo (ii) uma multiplicidade de espeacutecies natildeo-numeraacuteveis

seja aquelas espeacutecies que o dialeacutetico deveraacute deixar no acircmbito da ilimitaccedilatildeo ou aquelas

espeacutecies indivisiacuteveis em espeacutecies (iacutenfimas espeacutecies) que compreendem uma populaccedilatildeo

incontaacutevel de indiviacuteduos singulares Qualitativo porque ambos os casos (i e ii) recebem o

qualificativo π δλκμΝἵὁmὁΝἴἷmΝἷxὂliἵaΝἒixὅautμΝldquo(έέέ)ΝἷὅὅaὅΝὅatildeὁΝmultiὂliἵiἶaἶἷὅΝiὀἵὁὀtὠvἷiὅΝ

de fato (ou em ato) enquanto que aquelas [multiplicidades contaacuteveis] permanecem contaacuteveis

ὂὁὄΝἶiὄἷitὁΝ(ὁuΝἷmΝὂὁtecircὀἵia)rdquoΝ(ἀίί1ΝὂέΝἁίἅ)έΝἏἶἷmaiὅΝela nos explica

Cada Gecircnero Cada Forma conteacutem esse gecircnero de multiplicidade o que natildeo ὅigὀifiἵaΝumaΝldquomatὧὄiaΝiὀtἷligiacutevἷlrdquoΝὂὁὄὃuἷΝumaΝtalΝmatὧὄiaΝἶἷvἷὄiaΝὂὄἷἵἷἶἷὄΝou ao menos ser independente de sua determinaccedilatildeo pela forma enquanto que a multiplicidade indeterminada resulta dos movimentos de determinaccedilatildeo (DIXSAUT 2001 p 307-308)

Ora esse ponto eacute decisivo na interpretaccedilatildeo do Filebo e sugere que refutemos qualquer

compreensatildeo que tente duplicar as Formas inteligiacuteveis separando-as em mateacuteria e forma

Como todas as coisas elas contecircm limite e ilimitado (indeterminaccedilatildeo e determinaccedilatildeo) poreacutem

natildeo satildeo resultantes da imposiccedilatildeo de um limite ao ilimitado Essa seria uma primeira

tὄaὀὅὂὁὅiὦatildeὁΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝ faὄiaΝὅὁfὄἷὄΝaΝ ldquotὄaἶiὦatildeὁΝἶiviὀardquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1Νὂ 308 n1)217

Dentre as alusotildees feitas agrave dialeacutetica jaacute realccediladas em nossa anaacutelise desse tema no Filebo ainda

eacute possiacutevel notar que aqui a dialeacutetica se evidencia como uma tarefa dotada de certa

parcialidade as unidades obtidas em conjunto apenas satildeo frutos de uma multiplicidade

determinada logo limitada como tambeacutem a multiplicidade eacute derivada de uma unidade

particular tomada desde um ponto de vista particular por exemplo o Sofista o Poliacutetico e o

Filebo todos esses diaacutelogos realizam uma espeacutecie de divisatildeo das teacutecnicas ou melhor dos

conhecimentos mas em todos eles se parte de um ponto de vista distinto o que natildeo nos

permite dizer que partem da multiplicidade mas de uma unidade dada Ou seja a ideia eacute a

mesma os resultados nem sempre o satildeo O que atesta ainda mais que nenhuma divisatildeo eacute

exaustiva que sempre permanece um resiacuteduo de indeterminaccedilatildeo nas divisotildees O que natildeo

significa dizer que se vai do um ao ilimitado diretamente (compreendido no sentido de unidade

216 Dixsaut (2001) nos chama a atenccedilatildeo para a recorrecircncia em outros diaacutelogos da exprἷὅὅatildeὁΝldquo π δλκθ ( ) πζ γκμ (Cf R IX 591d8 Tht 147d7 147d7 Prm 144a6 e3-ἂ)νΝldquo π δλκθ πζάγ δrdquoμΝ(ἑfέΝTht 156a6 8 Prm 144a6 145a3 158b6 164d1 165c4 e6 Sph 256e6 Lg IX 860b4 217 A discussatildeo sobre as Formas seraacute retomada no momento em que nos detivermos na ontologia quaacutedrupla (23c-31b) eacute sobre este momento que muitos estudiosos colocam em questatildeo a presenccedila ou ausecircncia das Formas no diaacutelogo

151 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

natildeo-numeraacutevel) Da mesma maneira se vamos imediatamente do ilimitado (multiplicidade

natildeo-contaacutevel) ao um eacute a proacutepria unidade ela mesma que se encontraraacute indeterminada

No Filebo torna-ὅἷΝaiὀἶaΝmaiὅΝἷviἶἷὀtἷΝἷὅtἷΝἵaὅὁΝὀὁΝὃualΝldquoὅὁmὁὅΝfὁὄὦaἶὁὅΝaΝὂaὄtiὄΝ

ἶὁΝldquoilimitaἶὁrdquoΝὂὁiὅΝὀἷὅὅἷΝἵaὅὁΝtanto a multiplicidade quanto a unidade natildeo nos satildeo dadas

elas satildeo igualmente indeterminadas completamente diferente das operaccedilotildees dialeacuteticas

fuὀἶamἷὀtaiὅΝ aὅΝ ἶitaὅΝ ldquohaἴituaiὅrdquoέΝ ἦἷmὁὅΝ umΝ ὂὄὁἴlἷmaΝ maiὁὄΝ aὃuiΝ viὅtὁΝ ὃuἷΝ ἷὅὅἷΝ

indeterminado impede a atividade dialeacutetica caso ele natildeo aceite recuar por isso torna-se

necessaacuteria instauraccedilatildeo de uma multiplicidade natildeo-dada para entatildeo a partir dela postular

uma determinada unidade diante daquilo que parece excluir qualquer determinaccedilatildeo Nesse

primeiro momento do diaacutelogo nesta primeira parte o estatuto do π δλσθ eacute desenvolvido tendo

vista a deacutemarche dialeacutetica Se o pensamento eacute capaz de tolerar esse resiacuteduo de

indeterminaccedilatildeo se toda divisatildeo executada pela dialeacutetica natildeo eacute exaustiva de que modo

poderia a dialeacutetica controlar essa indeterminaccedilatildeo que busca constantemente se impor ao

pensar Haacute algum recurso que possa ser utilizado pelo dialeacutetico De que nos adiantaria a

postulaccedilatildeo do indeterminado enquanto um termo extremamente oposto agrave unidade jaacute que

ambos os termos natildeo pudessem se relacionar de forma alguma Por certo o ilimitado natildeo

teria utilidade alguma ao dialeacutetico

Eacute aqui que o caso egiacutepcio anteriormente realccedilado faz todo o sentido principalmente

no que diz respeito agrave resultante desse caso a saber a gramaacutetica esse elo que permite que

compreendamos cada unidade que tivera como ponto de partida uma multiplicidade natildeo-

numeraacutevel mas que soacute pode ser aprendida em uma relaccedilatildeo conjunta (multiplicidade

contaacutevel) essa unidade que torna possiacutevel a compreensatildeo ao aprendizado como no caso

das letras que isoladas uma das outras natildeo teriam sentido algum mas somente por meio

desse elo que as une e faz delas certa unidade proclama-se que possuiacutemos um uacutenico

conhecimento acerca delas o qual se denominou como gramaacutetica218 Isso quer dizer que natildeo

218 Gallop (1963) explica suficientemente a passagem ao tratar deste caso do alfabeto foneacutetico pois nada se diz acerca da escrita mas apenas agraves letras e agrave periacutecia foneacutetica da divisatildeo entre vogais consoantes e mudas No entender de Gallop (1963) isso deve ser lido com o devido respeito ao contexto dialoacutegico As letras fornecem um modelo natildeo como se pode parecer num dado momento para se compreender a relaccedilatildeo entre palavras e frases e seus significados natildeo eacute este o sentido da passagem aqui apresentada mas para se discutir a classificaccedilatildeo A classificaccedilatildeo dos sons sobre os quais um alfabeto eacute baseado eacute utilizada para ilustrar o meacutetodo da divisatildeo Assim seria equivocado dizer que a aprendizagem das letras eacute equiparada agrave periacutecia foneacutetica Soacutecrates iraacute dizer em 17b que nos tornamos ΰλαηηα δε θ natildeo porque conhecemos o ilimitado nem porque conhecemos o um mas porque sabemos quantos satildeo e de que tipo satildeo os sons vocais Teuth depois de classificar os sons atribui-lhes uma uacutenica arte que engloba a todos chamando-a de ΰλαηηα δε θ Ϋξθβθ (18d) Mas porque aqui natildeo encontramos uma menccedilatildeo agrave escrita por que classificar os sons e natildeo designar caracteres graacuteficos que representariam esses sons tal como se relata no Fedro (274c) que Teuth teria feito Por que algueacutem deveria antes aprender a natureza e o nuacutemero dos sons se natildeo para dominar esses caracteres que os representam Em 18d tambeacutem se diz que o deus egiacutepcio considerou que natildeo poderiacuteamos aprender qualquer letra por ela mesma isolada de todas as outras sem aprendecirc-las todas em conjunto O que

152 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

basta que cada termo seja determinado somente em-si mas relativamente a todos os outros

por isso esse recurso eacute a proacutepria estruturaccedilatildeo dessa multiplicidade indeterminada tornando-

a determinada Eacute por meio desse esse recurso dessa determinaccedilatildeo relativa da

interdependecircncia dos elementos no interior de um todo que a indeterminaccedilatildeo pode ser

superada219

Logo parece compreensiacutevel a apresentaccedilatildeo da dialeacutetica deste modo no iniacutecio do

diaacutelogo pois se o dialeacutetico se depara como uma unidade real uma unidade verdadeira ele

se contenta em dividi-laΝἷmΝumaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝldquoaἴaὀἶὁὀaὀἶὁrdquoΝἶἷixaὀἶὁΝἶἷΝlaἶὁΝὁΝilimitaἶὁΝ

essas espeacutecies muacuteltiplas jaacute que como jaacute dissemos essa divisatildeo natildeo eacute nunca exaustiva

Contudo ainda eacute necessaacuterio mencionar o papel principal do π δλκθ na discussatildeo cujo

propoacutesito se configura por demarcar a situaccedilatildeo presente ou seja no caso em que se lida com

se quer dizer aqui natildeo eacute que natildeo possamos aprender suficientemente algumas letras do alfabeto por exemplo 6 ou 7 letras sem aprender as demais o que seria obviamente falso Logo o que se afirma ἷΝἵὁmΝὂὄἷἵiὅatildeὁΝὧΝὃuἷΝὀatildeὁΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝldquoἵὁὀhἷἵἷὄΝὄἷalmἷὀtἷrdquoΝὀἷὀhumaΝἶἷlaὅΝ[sic As letras] se natildeo somos capazes de distinguir pela liacutengua e pelo ouvido a diferenccedila por exemplo o som da consoante ldquoἴrdquoΝἶὁΝὅὁmΝἶaΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝldquoἵrdquoΝἷΝaὅὅimΝὂὁὄΝἶiaὀtἷέΝἡἴviamἷὀtἷΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝἵὁὀhἷἵἷὄΝἷΝὀὁmἷaὄΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὅὁὀὅΝiὀiἵiaiὅΝἶaὅΝὂalavὄaὅΝiὀiἵiaἶaὅΝἵὁmΝaΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝldquoἴrdquoΝὁuΝὅἷjaΝἵὁὀhἷἵἷὄΝaΝἵὁὀὅoante sem necessitar ἵὁὀhἷἵἷὄΝὀἷὀhumaΝὁutὄaΝἵὁmὁΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝaΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝldquoἵrdquoΝἷΝἷὀtatildeὁΝaΝἵὄἷὀὦaΝἶἷΝἦἷuthΝὅἷὄiaΝfalὅaΝὅἷΝse tratasse apenas de nomear uma letra caso isso fosse suficiente para o conhecimento dela Mas ὃuaὀἶὁΝὅἷΝ tὄataΝἶἷΝ ldquoἵὁὀhἷἵἷὄΝ ὄἷalmἷὀtἷrdquoΝaὅΝἵὁὀὅὁaὀtἷὅΝldquoἴrdquoΝ ldquoἵrdquoΝ ldquoὅrdquoΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝὁΝἵὄitὧὄiὁΝὂaὄaΝὅἷΝldquoἵὁὀhἷἵἷὄΝὄἷalmἷὀtἷrdquoΝἷὅὅaὅΝlἷtὄaὅΝὧΝὁΝmἷὅmὁΝὁΝfatὁΝἶἷΝἷὅἵὄἷvecirc-las natildeo garante o aprendizado das mesmas se diz que algueacutem realmente sabe as letras quando se consegue distinguir agrave primeira vista seja pelo olho pela liacutengua pela audiccedilatildeo o que som que aquela letra representa verdadeiramente isto ὧΝὁΝfὁὀἷmaΝὃuἷΝἷlaΝἷvὁἵaνΝὃuaὀἶὁΝὀumΝὂὄimἷiὄὁΝmὁmἷὀtὁΝὅἷΝὂὁἶἷΝἶiὅtiὀguiὄΝὂἷlaΝiὀiἵialΝἶἷΝldquoὅaὂὁrdquoΝΝἷΝὂἷlaΝiὀiἵialΝἶἷΝldquoὂaὂὁrdquoΝὃuἷΝἷὅὅἷὅΝὅὁὀὅΝἶaὅΝlἷtὄaὅΝ iniciais satildeo distintos e que devem ser pronunciados tambeacutem de forma distinta natildeo importando aqui nenhuma diferenccedila de significado mas apenas uma distinccedilatildeo foneacutetica Deste modo faz todo sentido a reflexatildeo (puramente foneacutetica) de Teuth enquanto isso que ela propriamente eacute uma pura reflexatildeo foneacutetica Natildeo haacute portanto aqui uma distinccedilatildeo entre lἷituὄaΝἷΝἷὅἵὄitaΝmaὅΝὅἷΝὂaὅὅaΝἶἷΝumaΝaΝὁutὄaΝldquoὅἷmΝhἷὅitaὦatildeὁrdquoΝiὅtὁΝὧΝὀatildeὁΝhὠΝumaΝἶiὅtiὀὦatildeὁΝὄἷalΝἷὀtὄἷΝfonema e letra (GALLOP 1963 p 367-368) 219 ldquoἦὁἶaὅΝaὅΝἷὅpeacutecies e subespeacutecies que descobrimos satildeo um sistema que tem sua proacutepria coerecircncia como tudo consistecircncia garantida pela completude de nossas divisotildees Neste sistema cada divisatildeo eacute necessaacuteria e depende de todos os outros Logo eacute essencial notar que Soacutecrates natildeo relaciona essa ordem sistemaacutetica com a natureza das coisas em questatildeo mas com nossa capacidade de aprendecirc-las e conhececirc-las eacute porque elas natildeo podem ser aprendidas independentemente umas das outras que as letras satildeo consideradas constituintes de uma certa unidade Isso confirma que a estrutura descoberta pela dialeacutetica natildeo pertence como tal agraves proacuteprias coisas mas apenas ao conhecimento que temos delas e essa estrutura eacute o que constitui o campo conceitual de uma arte - neste caso o da tekhnegrave grammatikegrave Aleacutem disso deve-se ressaltar que a necessidade de divisotildees em um determinado sistema eacute apenas interna natildeo significa que a divisatildeo que realizamos seja a uacutenica possiacutevel ou a uacutenica vaacutelida mas apenas que ela eacute coerente e completa em si mesma () A necessidade interna das divisotildees realizadas natildeo deve ser confundida com uma necessidade externa que faria desta divisatildeo particular a uacutenica possiacutevel ἠἷὅtaὅΝἵὁὀἶiὦὴἷὅΝaΝὃuἷὅtatildeὁΝὀatildeὁΝὧΝlsquoὃualΝὅiὅtἷmaΝἶἷΝlimitaὦatildeὁΝ(ὁuΝἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁ)ΝὧΝὁΝἵἷὄtὁςrsquoΝεaὅΝlsquoὃuaiὅΝdiviὅὴἷὅΝὅatildeὁΝaὅΝἴὁaὅΝὀὁΝὅiὅtἷmaΝatualςrsquoέΝἥἷὄiaΝὂἷὄfἷitamἷὀtἷΝὂὁὅὅiacutevἷlΝὃuἷΝὁΝἶἷuὅΝὁuΝὁΝhὁmἷmΝἶiviὀὁΝdividisse a φπθ de outra forma desde que sua divisatildeo fosse completa regular e possuiacutesse ἵὁὀὅiὅtecircὀἵiaΝiὀtἷὄὀardquoΝ(ἒἓἜἑἡεεIἠἓἦἦἓΝἀίίἀΝὂέΝ1ἃἂ-155 grifos do autor)

153 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

uma situaccedilatildeo que deve operar num sentido contraacuterio agravequele primeiro supracitado Logo satildeo

dois movimentos que o dialeacutetico deve seguir e mais dois movimentos contraacuterios A fim de se

ἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝumaΝὅimἷtὄiaΝἷὀtὄἷΝumΝmὁvimἷὀtὁΝἷΝὁutὄὁΝὧΝὃuἷΝἵἷὄtὁΝὀήmἷὄὁΝἶἷΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquoΝ

ndash que natildeo devem ser saltados pelo dialeacutetico passando-se de um para o outro rapidamente ndash

devem ser buscados nesse processo dialeacutetico inverso Explica Dixsaut (2001)

ἣuἷΝἷὅὅaὅΝἷὅὂὧἵiἷὅΝὅἷjamΝaὃuiΝὀὁmἷaἶaὅΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquoΝὀatildeὁΝἵὁὀfiguὄaΝἷmΝalusatildeo a nenhuma doutrina representante de realidades dessa ordem Isso simplesmente quer dizer que quando se deve partir do indeterminado o dialeacutetico natildeo obteacutem um nuacutemero determinado de espeacutecies por divisatildeo as deve constituir essas espeacutecies que se tornam ao mesmo tempo intermediaacuterios entre a realidade indeterminada de partida e sua unidade Ao dizer que aqueles tambeacutem foram obtidos pela divisatildeo Soacutecrates quer simplesmente mostrar que os dois percursos satildeo tambeacutem dialeacuteticos tanto um ἵὁmὁΝὁΝὁutὄὁΝἷΝaΝfὁὄmulaὦatildeὁΝὃuἷΝἷlἷΝἶὠΝἶὁΝὂἷὄἵuὄὅὁΝldquoὀὁὄmalrdquoΝtἷmΝὁΝήὀiἵὁΝpropoacutesito de demarcar que nos dois casos trata-se do mesmo caminho ainda que esse seja percorrido num sentido inverso (p 309-310)

ἒiaὀtἷΝἶἷΝtuἶὁΝὁΝὃuἷΝfὁiΝἷxὂὁὅtὁΝὂaὄἷἵἷΝἵlaὄaΝaΝὄἷlaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝἷΝὁΝ

assunto do diaacutelogo a despeito de muitos inteacuterpretes contemporacircneos acreditarem que estas

passagens natildeo desempenham um papel importante na economia interna do diaacutelogo Uma

ideia que natildeo eacute nova Se olharmos atentamente o diaacutelogo veremos que esses inteacuterpretes

estatildeo prefigurados no mesmo questionamento de Protarco Como tratar de algo que nem eacute

uma unidade verdadeira nem mesmo uma multiplicidade verdadeira como eacute o caso do

prazer Qual caminho se deve adotar Ora por isso torna-se necessaacuterio um exame

metodoloacutegico capaz de delinear claramente uma nova abordagem poreacutem tambeacutem pertinente

ao dialeacutetico enquanto uma tarefa desafiadora mas ainda uma tarefa do proacuteprio dialeacutetico que

deve agora utilizar um recurso proacuteprio para lidar com essa situaccedilatildeo contraacuteria quando se tem

como ponto de partida uma multiplicidade e uma unidade natildeo dadas

O papel desempenhado por essa primeira parte (14b-20a) eacute um dos maiores senatildeo

o maior objeto de controveacutersia entre os inteacuterpretes como jaacute dissemos Isto porque como

veremos logo a seguir diante da requisiccedilatildeo de Protarco em 19e-20a acerca da saiacuteda das

aporias lanccediladas pelo condutor anteriormente Soacutecrates retorna agrave problemaacutetica inicial do

diaacutelogo (a vida boa) a partir de 20c um primeiro fato que demonstraria que a discussatildeo inicial

ὅἷὄiaΝ umaΝ ἷὅὂὧἵiἷΝ ἶἷΝ ldquoὂaὄecircὀtἷὅἷὅrdquoΝ ὡΝ ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝ ἵἷὀtὄalΝ ἶaΝ ὁἴὄaέΝ ἏΝ mἷtὠfὁὄaΝ ἶaΝ ldquoὅἷguὀἶaΝ

navἷgaὦatildeὁrdquoΝ(1λἵ)ΝὅaliἷὀtaὄiaΝaΝὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝἶἷΝumaΝaἴὁὄἶagἷmΝἶaὅΝἷὅὂὧἵiἷὅΝἶἷΝὂὄaὐἷὄΝἷΝἶἷΝ

conhecimento fundada na dialeacutetica e que evitaria as aporias da primeira abordagem Outro

fatὁΝ ὧΝ ὃuἷΝ ἷὅὅaΝ mἷὅmaΝ ὃuἷὅtatildeὁΝ ὂaὅὅaΝ aΝ ὅἷὄΝ tὄataἶaΝ ὅἷguὀἶὁΝ umaΝ ldquolἷmἴὄaὀὦardquoΝ (ἀίἴ)Ν de

Soacutecrates e de que natildeo precisariam mais das espeacutecies de prazer para a divisatildeo Essa aparente

ldquoὃuἷἴὄardquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝὅuὅἵitὁuΝumΝἶἷἴatἷΝἵὁὀtἷmὂὁὄacircὀἷὁΝaἵἷὄἵaΝἶὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶaΝἶiviὅatildeὁΝtaὀtὁΝὀὁΝ

154 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

Filebo ἵὁmὁΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝἶἷὀὁmiὀaἶὁΝldquomὧtὁἶὁ ἶaΝἶiviὅatildeὁrdquoΝὂlatὲὀiἵὁΝ( δαέλ δμ) Este debate

pode ser resumido em trecircs eixos principais (i) muitos220 julgam que o Soacutecrates do Filebo

estaria no decorrer do diaacutelogo aplicando aos prazeres e conhecimentos o meacutetodo

anteriormente tratado por ele no iniacutecio do diaacutelogo esse meacutetodo seria uma variante do ceacutelebre

Meacutetodo da Divisatildeo ( δαέλ δμ) do qual se fala no Fedro mas que concretamente se torna

aplicaacutevel explicitamente no Sofista e no Poliacutetico (ii) outros221 acreditam que este meacutetodo

apresentado no iniacutecio da obra tem uma funccedilatildeo classificatoacuteria no decorrer da argumentaccedilatildeo

em relaccedilatildeo aos prazeres e conhecimentos e que no caso do Filebo natildeo podemos encontrar

neste diaacutelogo em absoluto este Meacutetodo da Divisatildeo presente em algum dos demais diaacutelogos

(iii) haacute ainda outros222 ainda que acreditam que natildeo se trata nem do Meacutetodo da Divisatildeo nem

do proacuteprio meacutetodo exposto no Filebo

Diante das limitaccedilotildees impostas por esse trabalho um estudo capaz de avaliar todas

essas questotildees demandaria uma ampla anaacutelise em um outro momento Primeiramente seria

necessaacuterio adentrar agraves especificidades do Meacutetodo da Divisatildeo na filosofia platocircnica o sentido

geral atribuiacutedo por nosso autor a esse procedimento dialeacutetico posteriormente teriacuteamos de

esclarecer a relaccedilatildeo das Divisotildees do Filebo com esse ceacutelebre Meacutetodo da Divisatildeo como

tambeacutem explicar a especificidade das Divisotildees desse diaacutelogo e por fim ressaltar a

importacircncia dessas divisotildees em relaccedilatildeo ao objetivo geral do diaacutelogo Se nos eacute possiacutevel

adiantar algo sobre a nossa posiccedilatildeo em relaccedilatildeo a esse debate contemporacircneo que envolve

a questatildeo das divisotildees no Filebo poderiacuteamos ressaltar o que jaacute dissemos a abordagem do

meacutetodo das divisotildees possui objetivos proacuteprios no diaacutelogo como a demarcaccedilatildeo dialeacutetica da

situaccedilatildeo contraacuteria em relaccedilatildeo ao um e ao muacuteltiplo que se deve partir no caso do tratamento

dos prazeres em que uma unidade e uma multiplicidade determinada natildeo nos satildeo dadas

Poreacutem discordo de ὃuἷΝἷὅὅaΝἶiviὅatildeὁΝ( δαέλ δμ)ΝὀatildeὁΝtἷὀhaΝὄἷlaὦatildeὁΝἵὁm o conteuacutedo do diaacutelogo

e que ela natildeo desempenhe um papel relevante na economia interna do diaacutelogo No entanto

ἵὄἷiὁΝὃuἷΝἷὅὅaΝἶiviὅatildeὁΝ( δαέλ δμ)ΝὀatildeὁΝὅἷΝἷὅtἷὀἶἷΝaὁΝἵaὅὁΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁὅΝὁΝ

que se veraacute mais adiante eacute uma classificaccedilatildeo de ambos e natildeo divisatildeo pois vale lembrar no

caso dos prazeres estamos partindo do ilimitado Portanto toda a abordagem do meacutetodo

ilustra muito bem essa nova abordagem dialeacutetica em questatildeo a saber a anaacutelise dos prazeres

e dos conhecimentos para a composiccedilatildeo da boa vida mista

Ainda que natildeo se trate do caso de divisatildeo dos prazeres e conhecimentos essa

primeira parte do diaacutelogo natildeo deixa de ter um papel fundamental e indispensaacutevel agraves anaacutelises

que se seguem cujas consequecircncias poderatildeo ser notadas mais adiante Isso ficaraacute ainda

mais claro no momento em que nosso texto tratar de ambas as anaacutelises (dos prazeres e dos

220 Ackrill (1971) Bravo (2009) Delcomminette (2002) Moravcsik (2006) e outros 221 Dixsaut (2001) Rowe (1999) Trevaskys (1960) e Benitez (1999) 222 Vanhoutte (1956) e Frede (1993)

155 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

conhecimentos) Logo como jaacute disse sigo nesta posiccedilatildeo com todo o cuidado possiacutevel e ciente

da necessidade de uma investigaccedilatildeo mais pormenorizada sobre todas as posiccedilotildees

conflitantes acerca das divisotildees anteriormente citadas minha opccedilatildeo por uma determinada

posiccedilatildeo deve-se num primeiro momento a uma anaacutelise direta do que me parece mais evidente

ser possiacutevel verificar no diaacutelogo Uma tal criacutetica especializada que confronte essas posiccedilotildees

e que possa defender com mais veemecircncia a posiccedilatildeo adotada por este trabalho exigiraacute um

esforccedilo maior a ser apreendido em um momento posterior Passemos entatildeo aos

desdobramentos posteriores do diaacutelogo na tentativa de compreender entatildeoΝ ἷὅὅaΝ ldquoὀὁvaΝ

maὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝutiliὐaἶaΝὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅΝagὁὄaΝἷΝὃuἷΝἶἷfiὀiὄὠΝὁΝὄumὁΝἶἷΝtὁἶaΝaΝiὀvἷὅtigaὦatildeὁΝultἷὄiὁὄέ

32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

Diante da insistecircncia de Protarco sobre a dificuldade de permanecerem nas aporias

relativas agrave divisatildeo (20a) Soacutecrates deveraacute retomar as questotildees iniciais do diaacutelogo e

novamente tratar da disputa inicial entre prazer e inteligecircncia pelo primeiro precircmio No caso

aὀtἷὄiὁὄΝὁΝἵiacuteὄἵulὁΝἷὀtὄἷΝaΝviἶaΝἴὁaΝἷΝaΝἶialὧtiἵaΝὄἷὅultὁuΝὀaΝaὂὄἷὅἷὀtaὦatildeὁΝἶὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝ

(16c-17a) das divisotildees com as quais deve lidar o dialeacutetico quando se depara com algo

ilimitado como eacute o caso do prazer A identidade entre prazer e bem assim como a identidade

entre inteligecircncia e bem gerava um ciacuterculo vicioso (14b) e a uacutenica saiacuteda seria a busca por

umaΝ ldquotἷὄἵἷiὄaΝ ἵὁiὅardquoΝ ( δΝ λέ κθΝ ζζκ)Ν caso nenhum dos dois (prazer ou inteligecircncia)

demonstrassem natildeo ser o bem Para tal Soacutecrates postulou a divisatildeo entre os prazeres com

base nas diferenccedilas e ateacute mesmo contrariedades existentes nisso que denominamos como

algo uacutenico ldquoἢὄaὐἷὄrdquoΝ como tambeacutem postulou uma divisatildeo tendo em vista a bondade dos

prazeres distinguindo prazeres maus de prazeres bons Este uacuteltimo tipo de divisatildeo como

vimos natildeo fora aceito por Protarco (13c) e a fim de sanar o impasse Soacutecrates se refere agrave

multiplicidade e agrave contrariedade que tambeacutem envolve os conhecimentos sem no entanto

tocar na questatildeo da bondade ou maldade dos conhecimentos

ἢὄὁtaὄἵὁΝἷὀtatildeὁΝafiὄmaΝὄἷἵὁὀhἷἵἷὄΝἷὅὅἷΝldquoὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝ(1ἂa)ΝἷὀtὄἷΝamἴὁὅΝ(ὂὄaὐἷὄΝ

e conhecimento) o que na verdade eacute uma equidade apenas aparente pois sobre os

conhecimentos apenas se diz que satildeo diferentes variados e ateacute mesmo contraacuterios uns aos

outros Logo o interluacutedio (14b- 20a) que iraacute tratar dos problemas relativos ao um e ao muacuteltiplo

possuem uma relaccedilatildeo direta ndash por mais que alguns defendam que natildeo ndash com o conteuacutedo do

diaacutelogo Fica claro que a forma de se tratar dos prazeres deve ser dialeacutetica poreacutem essa

proacutepria abordagem dos prazeres exige um tratamento preacutevio que foge das alusotildees aos

ὂὄὁἵἷἶimἷὀtὁὅΝ ἶialὧtiἵὁὅΝ ἶitὁὅΝ ldquohaἴituaiὅrdquoέΝ ἢὄὁtaὄἵὁΝ ὀatildeὁΝ ὄἷἵὁὀhἷἵἷΝ ἷὅὅaΝ imὂὁὄtacircὀἵiaΝ ἶὁΝ

ldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝἷΝὅἷΝvecircΝiὀἵaὂaὐΝἶἷΝὄἷaliὐaὄΝaὅΝἶiviὅὴἷὅΝὁὂἷὄaἶaὅΝὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅΝἷxigindo que

156 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

a questatildeo inicial sobre a vida boa capaz de tornar os homens felizes seja retomada como

tamἴὧmΝὃualΝἶὁὅΝἶὁiὅΝὂὄaὐἷὄΝὁuΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝὧΝiἶecircὀtiἵὁΝ( α σθΝἀίἵἀ)ΝaὁΝἴἷmέ

Eacute importante notar que Soacutecrates natildeo o refuta mas deixa que Protarco manifeste sua

insuficiecircncia diante do virtuosismo das divisotildees socraacuteticas e a rapidez em suas transiccedilotildees

Talvez isso aconteccedila para mostrar a diferenccedila entre o exame dialeacutetico-filosoacutefico rigoroso e o

jogo retoacuterico-sofiacutestico antes de adentrar agraves questotildees dos dialeacuteticos experientes aquelas que

versam sobre o bem categoria a que Protarco evidentemente natildeo pertence Todavia no

momento em que assume sua ignoracircncia e teme cair no ridiacuteculo justamente por se auto

reconhecer como ignorante natildeo querendo fazer de sua incompreensatildeo objeto de escaacuternio

para os demais ele daacute o primeiro passo para a filosofia mesmo sem saber sem estar ciente

disso ainda que ela natildeo lhe agrade pois como se pode notar (19c-d) ele ainda permanece

preso ao ciacuterculo vicioso devido agrave sua defesa da tese reelaborada na discussatildeo que ele mesmo

defende a identidade entre bem e prazer (Cf DELCOMMINETTE 2002 p 162)

A demarcaccedilatildeo dialeacutetica se oferece nesta primeira abordagem como uma saiacuteda para

tratar da questatildeo dos prazeres da multiplicidade que lhes eacute caracteriacutestica tornando evidente

que o prazer eacute algo complexo muacuteltiplo e natildeo algo uacutenico Os conhecimentos satildeo tambeacutem

muacuteltiplos poreacutem estes lidam com unidades reais e que excluem imediatamente os

conhecimentos contraacuterios ou falsos Vale lembrar que a dialeacutetica eacute capaz de apresentar

divisotildees coerentes mas nunca exaustivas esgotadas ela eacute sempre parcial De tal modo

analisados prazeres e conhecimentos sob a perspectiva da unidade e multiplicidade vemos

que ambos natildeo satildeὁΝἷὅὅἷΝalgὁΝldquoήὀiἵὁrdquoΝldquoiἶecircὀtiἵὁrdquoΝὂaὄaΝὃuἷΝὅἷjam tomados como o bem

Note-se que esse ciacuterculo vicioso entre prazer e bem natildeo foi de tudo rompido Ainda

falta dizer porque alguns prazeres podem ser ditos bons e outros maus ou melhor porque o

prazer natildeo eacute o bem A deficiecircncia de Protarco em seguir as divisotildees anteriores natildeo eacute

ingecircnua223 sua incapacidade de seguir o caminho da dialeacutetica (19b 20a) que resulta na

ldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝ(1λἵ)Νἵὁlὁἵaἶa ὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὀaΝἴὁἵaΝἶἷΝἢὄὁtaὄἵὁΝὀὁὅΝἶiὄigἷΝaΝumaΝldquoὀὁvaΝ

faὅἷrdquoΝἶὁΝὂἷὄἵuὄὅὁΝaὄgumἷὀtativὁΝἷΝἶὁὅΝfiὀὅΝaΝὃuἷΝὅἷΝἶiὄigἷΝὁΝἶiὠlὁgὁέ Ao que tudo indica apoacutes

a demarcaccedilatildeo da dialeacutetica que envolve os prazeres seraacute possiacutevel tratar do bem e da vida

223 ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷΝἴἷmΝἷὅὅaΝὃuἷὅtatildeὁΝὃuaὀἶὁΝἶiὐμΝldquoὂὁὄΝὁutὄὁΝlaἶὁΝἷὅὅἷΝὄἷtὁὄὀὁΝὅὁἴὄἷΝὅiΝmesmo leva Protarco a reconhecer sua incapacidade de praticar a dialeacutetica Essa incapacidade natildeo eacute contingente como vimos ela eacute a consequecircncia necessaacuteria do seu hedonismo Nesta fase do diaacutelogo Protarco ainda natildeo tem nenhuma razatildeo para desistir de sua posiccedilatildeo hedonista e enquanto ele o adotar natildeo poderaacute praticar dialeacutetica Nesse sentido tambeacutem o valor metodoloacutegico da dialeacutetica natildeo pode ser pressuposto porque conceder tal valor agrave dialeacutetica jaacute implica que o hedonismo radical de Protarco foi refutado Soacutecrates certamente tornou este valor plausiacutevel apresentando a dialeacutetica como um presente dos deuses mas para aceitaacute-lo plenamente Protarco deve primeiro estar livre de seu hedonismo radical Eacute portanto a identidade proclamada entre o prazer e o bem que seratildeo abordados agora e ὅἷmΝὄἷἵὁὄὄἷὄΝὡΝἶialὧtiἵaΝὅἷmΝaΝὃualΝaΝἶἷmὁὀὅtὄaὦatildeὁΝὅἷὄiaΝἴaὅἷaἶaΝἷmΝumΝἵiacuteὄἵulὁΝviἵiὁὅὁrdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝ162 grifos do autor)

157 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

boa prescindindo das divisotildees das espeacutecies de prazer o que por sinal iraacute eliminar de vez o

impasse do ciacuterculo inicial

Lembremos que todo o processo argumentativo culminaraacute no artifiacutecio socraacutetico

habitual consistindo em faὐἷὄΝ ἵὁmΝ ὃuἷΝὅἷuΝ iὀtἷὄlὁἵutὁὄΝ ὅἷΝ tὁὄὀἷΝ umΝ ἶἷfἷὀὅὁὄΝ ἶaΝ ldquotἷὅἷΝ da

multiἶatildeὁrdquoΝὃuἷΝὂὁὅtulaΝὁ prazer como o bem A primeira abordagem da dialeacutetica como vimos

natildeo fazia sair do impasse daquela tese em quἷΝldquoὁὅΝὄἷfiὀaἶὁὅrdquo diziam ser a inteligecircncia o bem

os intemperantes ser o prazer o bem224 Pode-se afirmar que em um primeiro momento a

dialeacutetica eacute um meio oferecido por Soacutecrates para tratar definitivamente da saiacuteda desse impasse

por meio de uma segunda tentativa que iraacute configurar a vida mista ou seja o proceder

dialeacutetico seraacute ofertado por quem natildeo a pratica ainda mas permanece circunscrito em um

discurso fechado que natildeo se potildee em discussatildeo e que busca se afirmar sempre A

modificaccedilatildeo no discurso inicial de Filebo que diz que o prazer eacute bom para todos os seres vivos

e que todos o desejam reconfigura-ὅἷΝὀaΝldquotἷὅἷΝἶaΝmultiἶatildeὁrdquoΝὂἷlaΝaὦatildeὁΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅ225 e de

Protarco226 que emprestam ao personagem que nomeia o diaacutelogo um discurso transmutado

em tese Em um segundo momento a dialeacutetica agora pode se voltar sobre o outro aspecto

relativo agrave anaacutelise do prazer a saber sua bondade ouΝὅἷjaΝὁΝaὅὂἷἵtὁΝldquoὧtiἵὁrdquoΝὄἷἵὁἴὄἷΝἷὅὅaΝ

segunda parte evidenciando uma aparente derrocada metodoloacutegica uma separaccedilatildeo artificial

e forccedilada pois ambos os aspectos (metodoloacutegicoeacutetico) se implicam mutuamente como se

pode notar Estamos agora de volta agravequele ciacuterculo vicioso inicial poreacutem em uma outra

extremidade Agora seraacute o bem que deveraacute ser tratado para afinal se decidir se um dos dois

prazer ou conhecimento pode ser tido como o bem

Anteriormente a dialeacutetica era tratada em vista da abordagem muacuteltipla indeterminada

dos prazeres a fim de demonstrar a coerecircncia interna faltante na tese do gecircnero comum dos

prazeres Agora a dialeacutetica deixa aos poucos transparecer sua parcialidade trata-se aqui da

ὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝἶἷΝviὅlumἴὄaὄΝaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝἷὅὅἷΝtἷὄἵἷiὄὁΝtἷὄmὁΝἷὅὅἷΝἵὁὀtἷήἶὁΝvaὐiὁΝaΝὃualὃuἷὄΝ

um que natildeo eacute capaz de praticar a dialeacutetica de onde essa concepccedilatildeo (a vida boa) resulta Isso

explica como bem observa Delcomminette que ldquonestas circunstacircncias natildeo eacute surpreendente

que Soacutecrates use exatamente o mesmo estratagema que no caso anterior para quebrar o

224 (Cf R VI 505b7-8) 225 Como bem notou Dixsaut (2017) Soacutecrates inverte pura e simplesmente a afirmaccedilatildeo primeira no decorrer do diaacutelogo a ponto de chegar a dizer que o Filebo natildeo teria no final das contas afirmado que todo prazer eacute bom mas ele teria dito que o bem eacute o prazer A afirmaccedilatildeo de Filebo quanto agrave bondade do prazer transforma-ὅἷΝἷmΝumaΝ(mὠ)ΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝἴὁmΝἷlaΝaiὀἶaΝaἵὄἷὅἵἷὀtaμΝldquoἓὀtὄἷΝaΝfὰὄmulaΝiὀiἵialΝe sua inversatildeo final haacute todo um percurso bastante complicado do Diaacutelogo sendo um de seus resultados ter triunfado em estabelecer uma simetria perfeita entre as duas teses e diferenciar ὄaἶiἵalmἷὀtἷΝὅἷuὅΝὂaὄtiἶὠὄiὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἃἄ-257) 226 ldquoἏΝὂὄimἷiὄaΝtὄaὀὅfὁὄmaὦatildeὁΝὧΝὁὂἷὄaἶaΝὂὁὄΝἢὄὁtaὄἵὁέΝἡὅΝἶὁiὅΝ logoi (o de Filebo e o de Soacutecrates) satildeo apresentados por ele como duas respostas a uma mesma questatildeo o que confere agravequele de Filebo um valὁὄΝὄἷiviὀἶiἵativὁΝauὅἷὀtἷΝἶaΝὂὄimἷiὄaΝfὰὄmulaμΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἵἷὅὅaΝἶἷΝὅἷὄΝlsquoἴὁmΝὂaὄaΝtὁἶὁὅΝὅἷὄἷὅΝvivὁὅrsquoΝpara tornar-ὅἷΝlsquoaΝmἷlhὁὄΝἶaὅΝἵὁiὅaὅΝhumaὀaὅrsquoΝἷΝἷὀtὄaὄΝἷmΝἵὁὀἵὁὄὄecircὀἵiaΝἵὁmΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦ 2017 p 255)

158 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ἵiacuteὄἵulὁΝ aΝ ὅaἴἷὄΝ umaΝ ὄἷvἷlaὦatildeὁΝ ἶiviὀardquoΝ (2002 p 162-163) Vejamos do que trata essa

lembranccedila divina227 (πλ μΝ α κῖμΝηθάηβθΝ δθ κε ῖ έμΝηκδΝ πεΫθαδΝγ θΝ ηῖθ) (20b3-4)

Soc Vecircm agora agrave minha mente certos discursos (ζσΰπθ) que haacute muito escutei em sonho ou em vigiacutelia sobre o prazer e o pensamento (π λέ

κθ μ εα φλκθά πμ) Tais discursos afirmam que nenhum dos dois eacute o bem ( μΝκ Ϋ λκθΝα κῖθΝ δΝ ΰαγσθ) mas sim uma terceira coisa ( ζζ

ζζκΝ δΝ λέ κθ) diferente deles ( λκθΝ η θΝ κτ πθ) e melhor que ambos ( η δθκθΝ ηφκῖθ) Mas se isso de revelar agora com toda clareza para noacutes (εαέ κδΝ κ σΝΰ Ν θΝ θαλΰ μΝ ηῖθΝφαθ θ θ) entatildeo o prazer fica afastado da vitoacuteria ( πάζζαε αδΝη θΝ κθ κ θδε θ) pois o bem natildeo poderia mais ser a mesma coisa que o prazer ( ΰ λΝ ΰαγ θΝκ εΝ θΝ δΝ α θΝα ΰέΰθκδ κ) Natildeo eacute assim (20b6-c2)

A possibilidade de umaΝ ldquotἷὄἵἷiὄaΝ ἵὁiὅardquoΝ ἵὁmὁΝ jὠΝ ἶiὅὅἷmὁὅΝ jὠΝ tἷὄiaΝ ὅiἶὁΝ aὀuὀἵiaἶaΝ

(11d11-12a4) aqui Ela apenas se concretiza passa a ser o meio pelo qual torna-se possiacutevel

ὅaiὄΝἶὁΝἷὀfὄἷὀtamἷὀtὁΝἷὀtὄἷΝἶuaὅΝtἷὅἷὅΝiὀἵὁmὂatiacutevἷiὅέΝἏΝldquolἷmἴὄaὀὦaΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝὧΝὁΝmἷiὁΝ

encontrado para prescindir da divisatildeo das espeacutecies de prazer (20c4-6) De certa forma a

questatildeo sobre o bem jaacute antecipa a conclusatildeo que viraacute mais adiante a vida boa eacute uma vida

mista resultante da combinaccedilatildeo ἷὀtὄἷΝὂὄaὐἷὄΝἷΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝ(ldquo υθαηφσ λκμΝ(έέέ)Ν ιΝ ηφκῖθΝ

υηη δξγ μΝεκδθ μΝΰ θση θκμνrdquo) (22a1-2) Mas de que maneira se pode compreender essa

mistura Os deuses apenas se contentam em nos informar a ὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝἶἷΝldquouma terceira

ἵὁiὅaΝὅἷὄΝὁΝἴἷmrdquoΝἷὀtὄἷtaὀtὁ esse conteuacutedo ainda permanece vazio nada sabemos acerca da

vida boa exceto que ela eacute uma vida mista e que prazer e inteligecircncia soacute podem agora lutar

pelo segundo precircmio O que exige que Soacutecrates e Protarco entrem em acordo

( δκηκζκΰβ υη γα) sobre alguns pequenos pontos (ηέελrsquoΝ α) (20c8) sobre o lote que

compete ao bem ( θ ΰαγκ ηκῖλαθ) (20d1) o bem ( θ ΰαγκ ) deve ser perfeito ( Ϋζ κθ)

(20d1-2) suficiente ( εαθ θ) (20d4) quando reconhecido perseguido por todos e todos

tendem a ele querendo capturaacute-lo e adquiri-lo (ldquo μΝπ θΝ ΰδΰθ εκθΝα γβλ τ δΝεα φέ αδΝ

ίκυζση θκθΝ ζ ῖθΝεα π λ α ε ά α γαδrdquo)Ν ldquo() e natildeo se preocupa com nenhuma outra

coisas exceto aquelas que se completam emΝἵὁὀἷxatildeὁΝἵὁmΝalgumΝἴἷmrdquoΝ(εα θΝ ζζπθΝκ θΝ

φλκθ έα δΝπζ θΝ θΝ πκ ζκυηΫθπθΝ ηαΝ ΰαγκῖμ)Ν(ἀίἶἅ-10)

Em 20e a questatildeo reconfigura-se As duas hipoacuteteses aventadas no iniacutecio do diaacutelogo

acerca do bem transformam-se agora em modelos de vida que passam a ser confrontados

vida de prazer ( θ κθβμ ίέκθ) e vida de pensamento ( θ φλκθά πμ ίέκθ) (20e1-2) Natildeo

ὅἷΝtὄataΝmaiὅΝἶὁΝldquoἷὅtaἶὁΝὁuΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝἶaΝalmaΝὂaὄaΝὂἷὀὅaὄrdquoΝὀἷmΝἶὁΝldquoἷὅtaἶὁΝὁuΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝ

ἶaΝalmaΝὂaὄaΝὅἷὀtiὄΝὂὄaὐἷὄrdquoέΝἡΝὃuἷΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝἵhamaἶὁΝἶἷΝἴἷmΝeacute um modo de vida (ίέκμ)

227 Essa accedilatildeo de recordar eacute comum em outros diaacutelogos como se nota em Chrm 178a Tht 201c-d Lg 800a 960b

159 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

que passa do modelo de vida unicamente dos seres vivos para um modelo que podemos e

devemos escolher o qual depende necessariamente da atuaccedilatildeo de certos estados e

disposiccedilotildees da alma que conduzem agrave felicidade Essa vida boa soacute pode ser a vida feliz que

necessariamente depende da maneira de ser (estado) do cultivo desses estados e do

resultado dessas disposiccedilotildees

A vida boa eacute a uacutenica que pode receber tais atributos se de fato estamos a considerar

uma vida propriamente humana ἥἷΝἶἷὅἷjaὄmὁὅΝὃuἷΝἷlaΝὅἷjaΝumaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ

que nos atenhamos agravequilo que consideramos ser o bem Isso natildeo significa considerar o bem

como algo metafiacutesico ou abstrato Temos aqui um experimento mental ambas as vidas (de

prazer e de conhecimento) satildeo examinadas ( εκπ η θ) e julgadas (ελέθπη θ)

separadamente sob o propoacutesito de se verificar alguma identidade entre elas e o bem (20e1-

2) Ora se alguma destas vidas eacute o bem elas natildeo devem prescindir de mais nada Deste

modo natildeo se poderaacute admitir nem pensamento na vida de prazer nem prazer na vida de

pensamento Caso algumas das vidas demonstre insuficiecircncia ela natildeo poderaacute ser o bem

(21a4-8) Eacute aqui que tais vidas satildeo postas agrave prova e o criteacuterio eacute simples como algueacutem aceitaria

regular a sua existecircncia inteira e unicamente pela busca de um ou de outro isto eacute unicamente

de prazer ou unicamente de inteligecircncia

A proposta entatildeo eacute feita a Protarco Satildeo testadas no proacuteprio interlocutor

Primeiramente poderia este aceitar viver a vida inteira desfrutando dos maiores prazeres

( κθ μ η ΰέ αμ) (21a8-9) Isso seria suficiente Soacutecrates alega que natildeo visto que sem o

pensamento e a inteligecircncia (φλκθ ῖθ εα κ θκ ῖθ) torna-se impossiacutevel a realizaccedilatildeo do caacutelculo

(ζκΰέα γαδ) daquilo que eacute necessaacuterio ao indiviacuteduo ele ignoraria o proacuteprio fato de estar

sentindo prazer jaacute que natildeo possui pensamento (21b6) Tambeacutem natildeo poderia se lembrar dos

prazeres passados nem conservar a lembranccedila do prazer presente pois natildeo possuiria neste

caso a memoacuteria (ηθάηβθ) (21c1-4) Sem a opiniatildeo verdadeira ( σιαθ ζβγ ) natildeo se pode

julgar ( σιαα δθ) que haacute prazer nem mesmo calcular (ζκΰδ ηκ ) o prazer vindouro (21c4-6)

Soc Natildeo viverias no entanto uma vida humana ( θγλυπκυ ίέκθ) mas a vida de algum molusco ou de uma dessas criaturas marinhas que vivem em corpos de ostras Seraacute assim mesmo ou podemos conceber isso de modo diferente (21c6-8)

ἜἷfἷἴvὄἷΝ(1λλλ)ΝἷxὂliἵaΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶὁΝldquoὂulmatildeὁΝmaὄiὀhὁrdquoΝἷΝἶaὅΝldquoἵὄiatuὄaὅΝaὃuὠtiἵaὅέΝἡΝ

teoacuterico nos explica que aqui se faz menccedilatildeo agrave falta de consciecircncia do prazer e tambeacutem natildeo se

trata de uma pura oposiccedilatildeo entre o animal e o humano Os seres aquaacuteticos ocupam o uacuteltimo

grau da hierarquia dos viventes que natildeo respiram pelo ar mas pela aacutegua impuros como sua

alma porque satildeo os mais ignorantes O pulmatildeo marinho eacute um niacutevel uma direccedilatildeo assintoacutetica

mais baixa no sentido de uma hierarquia das almas A alma do pulmatildeo marinho eacute ainda mais

160 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

pobre que a das plantas e que natildeo participam da transmigraccedilatildeo das almas (Cf Ti 92b-c)

Plantas possuem sensaccedilotildees prazerosas e dolorosas juntamente como desejo o pulmatildeo

marinho natildeo (Ti 77b6-7) estatildeo fixados imoacuteveis na sensaccedilatildeo de um prazer sem dor Mas o

prazer em si lhe falta O pulmatildeo marinho carece de sensibilidade porque lhe falta um elemento

nomeado φλσθδηκθ (Cf Ti 64b6)228 (p 81-84)

No Filebo a vida de prazer puro eacute como dito anteriormente desprovida de memoacuteria

de opiniatildeo correta e de reflexatildeo Antecipaccedilatildeo conhecimento lembranccedila conservaccedilatildeo seriam

accedilotildees impossiacuteveis ao prazer sem o conhecimento Passado presente e futuro satildeo as

dimensotildees temporais que caracterizam o fluxo no qual o prazer se encontra Sem essas

dimensotildees o prazer seria apenas instantacircneo ou menos do que isso O Filebo nos diraacute em

33d-34a que haacute insensibilidade ( θαδ γβ έα) quando a impressatildeo (πΪγβηα) fraca apenas

toca o corpo sem afetar a alma ou seja no caso em que um ser vivo eacute totalmente desprovido

de φλσθβ δμ Isso natildeo significa que as sensaccedilotildees desses seres aquaacuteticos natildeo alcanccedilariam

suas almas uma vez que eles a possuem eles teriam sim sensaccedilotildees (α γβ δμ) e natildeo

insensibilidade mas sem memoacuteria imediatamente apoacutes a sensaccedilatildeo esta natildeo se conservaria

desapareceria instantaneamente

Poderiacuteamos dizer que esta alma (do pulmatildeo marinho) eacute uma alma desejante por

conseguinte sentiria falta de prazer ou seja dor Esse tipo de alma seria um sujeito

desejante Essa pergunta eacute complicada e talvez soacute teraacute resposta mais adiante a dor ainda

ὀatildeὁΝὧΝ tὄataἶaΝaὃuiέΝEacuteΝ imὂὁὅὅiacutevἷlΝὅaἴἷὄΝὅἷΝἷὅὅἷΝὂὄaὐἷὄΝ ldquoἵὁmὂlἷtὁrdquoΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝcomparado ao

sujeitos dos prazeres mistos que seraacute analisado mais adiante (31d-36c 46b-47b) Nenhum

prazer que seja da alma ou do corpo exceto os prazeres puros pode ser separado da dor da

alma ou do corpo anterior ou simultacircnea em relaccedilatildeo ao prazer Quem tem sede sofre essa

sede em seu corpo mas se alegra em sua alma de poder saciar-se ou sofre por natildeo poder

fazer tal accedilatildeo O corpo tanto sofre quanto se alegra quando sacia sua sede Os maiores

prazeres ( η θκμ κθ μ μ η ΰέ αμ 21a9 b4-5) oferecidos a Protarco em um estado

hipoteacutetico de vida de puro prazer seratildeo tomados no diaacutelogo enquanto pertencentes ao gecircnero

ἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝmiὅtὁὅΝὃuἷΝἵὁὀtὧmΝmaiὁὄΝvivaἵiἶaἶἷΝὁὅΝὃuaiὅΝὅatildeὁΝὄἷὀἷgaἶὁὅΝὂἷlὁὅΝldquoiὀimigὁὅΝ

ἶὁὅΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ὄἷὂugὀaὀtἷὅrdquoΝ iὅtὁΝ ὧΝ ὁὅΝ ὂὄaὐἷὄἷὅ desmesurados (45d3-ἄ)rdquoΝ ὂὄἷἵἷἶiἶὁὅΝ ὂὁὄΝ

grandes desejos e acompanhados por dores (46a-b) os prazeres excessivos que deixam

loucos os indiviacuteduos intemperantes Aqui natildeo se trata de intemperanccedila natildeo eacute a vida de

228 ldquoἡΝὂulmatildeὁΝὀatildeὁΝὧΝlimitaἶὁΝaὁΝὂὄaὐἷὄΝἶἷΝtὁἵaὄΝὂὁὄὃuἷΝἷlἷΝὅἷὃuἷὄΝtἷmΝὂὄaὐἷὄμΝἷlἷΝὧΝὅἷmΝphronesis e portanto absolutamente desprovido de sensaccedilotildees em geral O pulmatildeo natildeo eacute prazer sem pensamento porque uma impressatildeo sobre a carne de um pulmatildeo marinho ou de um molusco consiste no maacuteximo em uma impressatildeo extremamente lenta a se propagar em um corpo cujas partes natildeo iratildeo captar jamais o eco e que natildeo alcanccedilaraacute jamais algum phronimon O pulmatildeo marinho entatildeo quase natildeo eacute nada no todo porque o prazer totalmente desprovido de phronegravesis eacute no maacuteximo uma alma ( ηουξα Filebo 21c8 TimeuΝλἀἴἁ)Ν(έέέ)rdquoΝ(ἜἓἔἓἐVἤἓΝ1λλλΝὂέΝἆἂ)έ

161 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

prazeres desmedidos mas a vida de prazer ausente de memoacuteria exceto no caso da vida de

prazer puro Como veremos natildeo haacute desejo sem memoacuteria (33c5-34d6)229 a memoacuteria ainda

natildeo possui um papel particular na discussatildeo mas ela seraacute fundamental na anaacutelise do prazer

O prazer dele (do pulmatildeo marinho) eacute o maacuteximo possiacutevel um prazer da πζ λκ δμ (repleccedilatildeo)

ἷΝὀatildeὁΝumΝὂὄaὐἷὄΝὂaὅὅagἷiὄὁΝὃuἷΝimὂliἵaὄiaΝiὄὄitaὦatildeὁΝἷΝἶὁὄέΝldquoἡΝὂulmatildeὁΝmaὄiὀhὁΝὀatildeὁΝὧΝaὅὅimΝ

apenas o limite do pensaacutevel mas o mais inferior o mais baixo de todos os viventes alguns

desses vivem uma vida de prazeres mistos prazeres que se acompanham de dores e de

mἷmὰὄiardquoΝ(ἜἓἔἓἐVἤἓΝ1λλλΝὂέΝἆἄ)έΝ

Natildeo nos interessa tanto essa descriccedilatildeo do prazer sem nenhuma φλσθ δμ e sem

nenhuma dor pois o pulmatildeo marinho goza sem saber e nem deseja um prazer que natildeo seja

defectivo em suma eacute um vivente totalmente atiacutepico Esse tipo de vida natildeo eacute um tipo de vida

que possa ser escolhido enquanto uma vida tipicamente humana Natildeo temos aqui uma

triparticcedilatildeo entre divino animal humano e vida marinha Essa hierarquia ndash se eacute que haacute uma

hierarquia ndash eacute mais continuiacutesta do que separatista como o diaacutelogo iraacute nos mostrar Soacutecrates

entatildeo daacute lugar a uma segunda hipoacutetese a vida de pensamento sem o prazer (ίέκθ

φλκθά πμ ίέκθ) (21d9-e2) ou seja uma vida unicamente em que se possui pensamento e

inteligecircncia e a memoacuteria completa de todas as coisas mas sem tomar parte nem muito nem

pouco nem do prazer nem da dor isto eacute uma vida sem experimentar ( παγ μ) nenhuma

ἶἷὅὅaὅΝἶuaὅΝἵὁiὅaὅέΝldquoἠἷὀhumaΝἶaὅΝἶuaὅΝviἶaὅΝὧΝἶigὀaΝἶἷΝἷὅἵὁlhaΝ(α λ μ) ()rdquoΝἶiὄὠΝἢὄὁtaὄἵὁΝ

(21e3-4) nem para o interlocutor nem para a escolha de ningueacutem Ressalta-se que tanto a

vida de prazer instantacircneo sem memoacuteria (moluscos e pulmatildeo marinho) como a vida de puro

ὂἷὀὅamἷὀtὁΝὅatildeὁΝἷxtὄἷmὁὅΝἶἷΝviἶaὅμΝ ldquo(έέέ)ΝumaΝἷΝὁutra indicam duas direccedilotildees que natildeo satildeo

humanamente desejaacuteveis mas que natildeo estatildeo totalmente fechadas agrave escolha do homemrdquo

(LEFREBVRE 1999 p 87) Mas em se tratando da discussatildeo ali encetada quanto agrave vida

boa humana a uacutenica escolha possiacutevel eacute uma vida de pensamento e de prazer

As posiccedilotildees iniciais satildeo de fato falas natildeo por um juiacutezo de valor um juiacutezo moral neste

caso equivocado Esses extremos natildeo podem ser escolhidos230 Podemos notar tal fato pela

discussatildeo que segue

229 ldquo(έέέ)ΝaὂἷὀaὅΝὂodemos desejar a repleccedilatildeo tocaacute-la de alguma maneira natildeo pelo corpo que eacute vivo mas pela alma cuja memoacuteria permanece sempre plena disso que ela goza com o corpo A memoacuteria eacute a condiccedilatildeo de possibilidade do desejo e em geral o princiacutepio vital a origem do todo movimento em direccedilatildeo ao prazer (35d1-3) a memoacuteria que conserva e evoca indica para o vivente os caminhos do prazer jaacute empregados e suscetiacuteveis de ser uma novidade Um vivente sem memoacuteria natildeo poderia portanto desejar nada e nem buscar como objeto do prazer permanecendo inteiramente passivo vindo ateacute ele em permanecircncia um prazer que ele natildeo teria desejado que natildeo seria conservado e sobre o ὃualΝἷlἷΝὀatildeὁΝὅaἴἷὄiaΝὃuἷΝἷὅtaὄiaΝgὁὐaὀἶὁrdquoΝ(ἜἓἔἓἐVἤἓΝ1λλλΝὂέΝἆἄ)έ 230 Gadamer (2009) eacute um dos que percebem essa contradiccedilatildeo que se apresenta nas propostas aὂὄἷὅἷὀtaἶaὅΝὂaὄaΝaΝἷὅἵὁlhaΝἶὁὅΝmὁἶὁὅΝἶἷΝviἶaμΝ ldquoaὅὅimΝὀaΝvἷὄἶaἶἷΝ lὁgὁΝὀaΝἵἷὀaΝ iὀiἵialΝἷmΝὃuἷΝamἴὁὅΝ ὁὅΝ iἶἷiaὅΝ lsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝ ἷΝ lsquoἵὁὀhἷἵimἷὀtὁrsquoΝ ὅatildeὁΝ ἵὁὀtὄaὅtaἶὁὅΝ ὧΝ ὂἷὄὂaὅὅaἶaΝ ὂὁὄΝ umaΝ ἵὁὀtὄaἶiὦatildeὁΝlatente A maneira ἵὁmὁΝ tὁἶὁὅΝ ὁὅΝ ὅἷὄἷὅΝ vivὁὅΝ ὁἴἷἶἷἵἷmΝ ὡὅΝ ἵἷgaὅΝ aὁΝ imἷἶiatὁΝ ὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝ lsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝimpulsionados pelo poder secreto do iacutempeto vital natildeo satisfaz a possibilidade do ser humano de levar

162 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

Soc E o que me dizes ProtarἵὁΝἶaΝἵὁmἴiὀaὦatildeὁΝ( έΝ ᾽ υθαηφσ λκμ)ΝἶἷΝambas proveniente da mistura comum das duas ( ιΝ ηφκῖθΝ υηη δξγ μΝεκδθ μΝΰ θση θκμ)ς Prot Estaacutes falando da mistura de prazer de inteligecircncia e de pensamento ( κθ μΝζΫΰ δμΝεα θκ εα φλκθά πμ)ς Soc Estou falando exatamente disso ἢὄὁtέμΝἥἷmΝἶήviἶaΝὃualὃuἷὄΝumΝὅἷmΝἷxἵἷὦatildeὁΝἷὅἵὁlhἷὄiaΝ(α λά αδ)ΝἷὅὅaΝvida de preferecircncia a qualquer uma das outras duas Soc Seraacute que noacutes agora compreendemos qual a consequecircncia do presente argumento Prot Sim certamente Trecircs vidas foram propostas ( δΝ ΰ Ν λ ῖμΝ η θΝ ίέκδΝπλκυ Ϋγβ αθ)ΝἷΝἶuaὅΝἶἷlaὅΝὀatildeὁΝὅἷὄiamΝὅufiἵiἷὀtἷὅΝ( εαθ μ)ΝὀἷmΝἶigὀaὅΝἶἷΝἷὅἵὁlhaΝ (α λ μ)Ν ὅἷjaΝ ὂaὄaΝ ὁὅΝ hὁmἷὀὅΝ ὅἷjaΝ ὂaὄaΝ ὃualὃuἷὄΝ ὅἷὄΝ vivὁΝ (κ Ν

θγλυππθΝκ Να πθΝκ θέ)έ Soc No que diz respeito a elas fica claro entatildeo que nenhuma das duas possui o bem ( μΝκ Ϋ λκμΝα κῖθΝ ξ Ν ΰαγσθ)ςΝἢὁiὅΝὅἷΝὁΝὂὁὅὅuiacuteὅὅἷmΝelas seriam suficientes ( εαθ μ)ΝὂἷὄfἷitaὅΝ(εα Ϋζ κμ)ΝἷΝἶigὀaὅΝἶἷΝἷὅἵὁlhaΝὂaὄaΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ ὂlaὀtaὅΝ ἷΝ aὀimaiὅΝ (εα π δΝ φυ κῖμΝ εα α κδμΝ α λ σμ)Ν ὃuἷΝὂὁἶἷὄiamΝvivἷὄΝὅἷmὂὄἷΝaὅὅimΝaΝviἶaΝiὀtἷiὄaΝ(κ π λΝ υθα θΝ θΝκ πμΝ δ ίέκυΝα θ)νΝmaὅΝὅἷΝalgumΝἶἷΝὀὰὅΝἷὅἵὁlhἷὅὅἷΝὁutra coisa estaria agindo contra a natureza do que eacute verdadeiramente digno de escolha e contra a vontade ὂὁὄΝἵauὅaΝἶaΝigὀὁὄacircὀἵiaΝὁuΝὂὁὄΝἵauὅaΝἶἷΝalgumaΝfἷliὐΝfataliἶaἶἷΝ( ΫΝ δμΝ ζζαΝᾑλ ῖγ᾽ η θΝ παλ φτ δθΝ θΝ θΝ κ ζβγ μΝ α λ κ ζΪηίαθ θΝ επθΝ ιΝ

ΰθκέαμΝ δθκμΝ θΪΰεβμΝκ εΝ αέηκθκμ)Ν(ἀἀa1-b8)

Protarco teria ficado mudo diante da possibilidade da fruiccedilatildeo e uma vida unicamente

de prazer (21d4-5) mas essa sua afonia natildeo significa que ele natildeo tenha escolha Penso que

Platatildeo aqui natildeo diz que a vida unicamente de prazer eacute ruim ou boa natildeo se trata de uma

questatildeo valorativa mas de pura constataccedilatildeo de que uma vida unicamente de prazer eacute uma

vida inferior mesmo as plantas e os animais que satildeo tambeacutem seres desejosos perseguem

o prazer e possuem certo grau de memoacuteria por isso tambeacutem encontram-se submetidos nesse

ciclo de repleccedilatildeo e de vazio de prazer e de dor Perseguir naturalmente o prazer e fugir da

dor eacute uma accedilatildeo que envolve tanto corpo como alma Como jaacute dissemos envolve maior ou

menor grau de φλσθβ δμ em uma dada alma e em um determinado corpo isto eacute utilizando

umΝtἷὄmὁΝἵὁὀtἷmὂὁὄacircὀἷὁΝaΝἵaὂaἵiἶaἶἷΝἶἷΝldquoὅἷὀἵiecircὀἵiardquoΝἷmΝmaiὁὄΝὁuΝmἷὀὁὄΝgὄauΝὧΝὃuἷΝὀὁὅΝ

possibilita fazer escolhas perseguir aquilo que nos traz prazer e fugir daquilo que nos causa

dor O caso dos animais eacute um caso intermediaacuterio entre as duas vidas extremas assim como

o caso da vida humana Natildeo se trata entatildeo de uma diferenccedila entre animalidade humanidade

e divindade mas de uma diferenciaccedilatildeo em graus de inteligibilidade do sujeito desejante em

a sua proacutepria vida Essa questatildeo eacute exposta assim logo no iniacutecio de modo que no final teraacute de resultar a contradiccedilatildeo de que aqui algo seja colocado para escolha mas que efetivamente natildeo possa ser escolhido A cegueira do iacutempeto vital o qual sobre tudo impera eacute a falta de escolha Mas do outro lado da escolha encontra-se aquilo que por si soacute jaacute estaacute escolhido por estar posto para escolha o proacuteprio ἷὅἵὁlhἷὄΝatὄavὧὅΝἶὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἵὁὀtiἶὁΝὀὁΝaὃuilὁrdquoΝ(ὂέΝ111)έΝ

163 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

relaccedilatildeo ao objeto prazeroso Eacute necessaacuterio aqui concordar com Lefka (2010) que esses

estaacutegios de vida extremados satildeo apenas suposiccedilotildees de Soacutecrates modos de vida presentes

no iniacutecio do diaacutelogo e que satildeo descartados totalmente agora mais do que indignos de escolha

eles nos satildeo na verdade impossiacuteveis Nossa constituiccedilatildeo humana encarnada bioloacutegica natildeo

nos permite tal escolha (p 173-174)

A alusatildeo aos animais e agraves plantas soacute pode ser neste caso uma insinuaccedilatildeo irocircnica

porque parece impossiacutevel aos animas e plantas escolherem algum tipo de vida Eles podem

escolher como gozar e como fugir da dor em um dado estado de vida que lhes eacute pertinente

ou seja naquele em que eles se encontram situados mas caso pudessem escolher entre ter

mais memoacuteria mais inteligibilidade para que gozem de prazeres mais permanentes dos quais

teriam uma melhor consciecircncia ou inteligibilidade obviamente escolheriam estar mais

proacuteximos do estado de permanecircncia de prazer e de ausecircncia em maior medida de dor ou

seja a apatia ἶaΝviἶaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝἵhamaὄὠΝἶἷΝldquomaiὅΝἶiviὀardquoΝ(ἁἁἴἅ)έΝεaὅΝὁΝὃuἷΝὀἷmΝmἷὅmὁΝὁὅΝ

animais e as plantas nos diz Soacutecrates em 22b podem escolher satildeo tambeacutem esses tipos de

vida extremados porque suas configuraccedilotildees aniacutemicas natildeo se situam nem na ausecircncia total

de φλσθβ δμ ou seja a apatia anestesia o prazer dotado de imediaticidade como eacute o caso

do pulmatildeo marinho que possui sensibilidade em menor grau nem no mais alto grau de

φλκθ δμ da pura inteligibilidade de permanecircncia de pensamento puro

Logo tanto a vida humana como a vida animal satildeo intermediaacuterias entre essas

concepccedilotildees impossiacuteveis de vida Ambas apenas se diferenciam perante as possibilidades de

escolha segundo os graus diferentes de φλσθβ δμ pois a vida humana mista diferentemente

da vida mista dὁὅΝaὀimaiὅΝὂὁἶἷΝὅἷΝὂὄἷὅtaὄΝaΝὅἷὄΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝumaΝviἶaΝἷmΝὃuἷΝὅἷΝgὁὐaΝ

melhor em que tais indiviacuteduos se abrem aos prazeres puros e necessaacuterios como tambeacutem a

todas as formas de conhecimento e que pode merecidamente ser tributaacuteria da caracterizaccedilatildeo

de uma vida mista (humana) propriamente boa Basta analisar a constataccedilatildeo do proacuteprio

ἢὄὁtaὄἵὁμΝldquoἓὅtὠὅΝfalaὀἶὁΝἶaΝmiὅtuὄaΝἶἷΝὂὄaὐἷὄΝἶἷΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἷΝἶἷΝ[ὂὄaὐἷὄΝἶἷ]ΝὂἷὀὅamἷὀtὁςrdquoΝ

(22a1-2) Apesar de franqueaacuteveis ambos os modelos de vida devido a nossa dada condiccedilatildeo

(humana) nos satildeo-nos impossiacuteveis por isso o prazer e o conhecimento da vida mista eacute

diferente do puro prazer e do puro conhecimento Aqui portanto se pode dizer que na vida

mista seja a de um animal ou de um homem tem-se um pensamento que resulta prazeroso

e prazeres que apenas existem a partir do pensamento A mistura num primeiro momento

parece ser uma mistura desses elementos tomados (unicamente) como no iniacutecio do diaacutelogo

mas aos poucos vemos que isso natildeo possiacutevel que natildeo se trata disso O prazer da vida mista

natildeo eacute o prazer puro e o pensamento da vida mista natildeo eacute o pensamento puro

ἏΝldquoviἶaΝἶiviὀardquoΝὂὄὰὂὄiaΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅΝὃuἷΝἷxἵluiΝὃualὃuἷὄΝὂὄaὐἷὄΝἷΝὂὁὄΝἵὁὀὅἷguiὀtἷΝὁΝ

tὄacircὀὅitὁΝ ldquoὂὄἷἷὀἵhimἷὀtὁ-vaὐiὁrdquoΝ ὂἷὄmaὀἷἵἷΝ ἵὁmὁΝ mὁἶἷlὁΝ umaΝ vἷὐΝ ὃuἷΝ ὁΝ hὁmἷm pode

apenas aspirar a esse estado divino de puro pensamento quando se potildee a refletir sobre uma

164 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

vida em que se pode gozar mais e da melhor maneira possiacutevel entretanto devido agrave sua

condiccedilatildeo jamais atingiraacute o niacutevel puro de inteligibilidade O homem e tambeacutem o filoacutesofo natildeo se

guiam pelo discurso inspirado nas paixotildees eroacuteticas dos animais mas por aqueles inspirados

pela forccedila da Musa filosoacutefica nos diraacute o final do Filebo (67b) Dizer que a busca dos animais

pelo prazer e a fuga da dor seria uma prova de que o prazer eacute o bem implica em desconsiderar

que a vida humana dispotildee de um modelo de vida ndash apesar de misto como os animais ndash em

que tanto o prazer quanto o conhecimento dessa vida mista (humana) satildeo diferentes isto por

que os graus de inteligibilidade que tornam possiacuteveis a fruiccedilatildeo dos prazeres ordenadamente

nessa vida eacute diferente daquela dos animais e por ser diferente ela possui outras e ateacute

melhores possibilidades de fruiccedilatildeo desses prazeres daquela dos animais

Em um niacutetido e bom tom ele (o filoacutesofo) tem algo a mais para se preocupar do que se

lamentar quanto agrave sua condiccedilatildeo presente colocando em atividade maacutexima sua criatividade

ὂaὄaΝtἷὀtaὄΝtὄaὀὅgὄἷἶiὄΝἷὅὅaὅΝldquoὄἷgὄaὅrdquoΝfiὄmἷmἷὀtἷΝἷὅtaἴἷlἷἵiἶaὅΝὂἷlaΝὀatuὄἷὐaΝtὄaὀὅgὄἷἶiὀἶὁ-

as por meio da possibilidade de um discurso que irrompe com essa situaccedilatildeo primariamente

humana presente de repleccedilatildeo e de vazio natildeo eliminado esse ciclo mas tornando seus efeitos

mἷὀὁὅΝ ἶaὀὁὅὁὅΝ aὁΝaὅὂiὄaὄΝ ὅἷΝ aὂὄὁximaὄΝ ἵaἶaΝvἷὐΝmaiὅΝ ἶἷὅtἷΝ ἷὅὅἷΝ ἷὅtὠgiὁΝ ldquomaiὅΝ ἶiviὀὁrdquoΝ

visando essa superioridade Ousadia de nossa parte Talvez sim talvez natildeo mas jaacute que

dispomos de um maior grau de inteligibilidade porque natildeo tentar explorar suas possibilidades

maacuteximas mesmo sabendo dessa ilimitaccedilatildeo proacutepria de nossa constituiccedilatildeo limitada Por que

natildeo toὄὀaὄΝὁὂἷὄaὀtἷὅΝὀὁὅὅaὅΝfaἵulἶaἶἷὅΝὀἷὅὅἷΝἷxἷὄἵiacuteἵiὁΝfilὁὅὰfiἵὁΝἶἷΝldquoὅἷὂaὄaὦatildeὁrdquoΝ(mὁὄtἷ)Ν(ὀaΝ

medida do possiacutevel) indo em direccedilatildeo agravequilo que eacute proacuteprio da alma essa estabilidade essa

permanecircncia da vida de pensamento puro e que pode nos auxiliar a orientar com certa clareza

uma vida e que se possa gozar com maior qualidade nessa nossa vida mista de prazer e de

conhecimento Como nos diz sabiamente Bossi (2008)

observemos que Soacutecrates natildeo apresenta a alternativa em forma excludente senatildeo hieraacuterquica pode aceitar que o prazer seja bom para os seres vivos que cegamente perseguem sua perpetuaccedilatildeo como espeacutecie poreacutem o melhor para o homem eacute o uso de suas capacidades intelectuais porque a vida humana eacute uma vida que deve decidir-se a cada momento que natildeo estaacute traccedilada de antematildeo pela forccedila do instinto () ao comparar e buscar natildeo fazemos outra coisa que seguir os passos para escolher e ao fazecirc-lo jaacute estamos dando mostras de dar prioridade ao caacutelculo racional jaacute elegemos conforme nosso modo de ser humano (p 228-229)

Ateacute entatildeo a inteligecircncia possui uma atribuiccedilatildeo meramente procedimental Cabe a ela

organizar devidamente a vida mista humana ou natildeo-humana para que esses tipos de vidas

sejam vidas suficientes satisfatoacuterias dotadas de razoabilidade Mas veremos no caso da

vida humana a inteligecircncia ocuparaacute um papel maior aleacutem daquele de constituinte da vida

mista A inteligecircncia apenas organiza a fruiccedilatildeo do prazer nesse primeiro momento Sem o

165 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

pensamento como jaacute vimos natildeo eacute possiacutevel fruir o prazer sua duraccedilatildeo eacute tatildeo instantacircnea que

ele (o prazer) escapa da proacutepria temporalidade reconhecidamente proacutepria enquanto condiccedilatildeo

em que se situam os seres vivos por meio da inteligecircncia alguns partilhando em menor ou

maior grau dela Natildeo haacute nenhum meio do prazer ser bem sucedido sem o pensamento

Prazer e conhecimento natildeo satildeo tratados da mesma maneira isso eacute um fato jaacute que a

inteligecircncia encontra-se em um niacutevel acima porque ela eacute capaz de tornar possiacutevel a resultante

do desejo do prazer ela eacute um meio que torna um fim possiacutevel mas tambeacutem ela natildeo se

encontra separada do prazer na vida mista pois a proacutepria faculdade intelectiva caminha para

a realizaccedilatildeo desse fim isto eacute para o prazer ela busca a maneira correta e mais bem ordenada

para a realizaccedilatildeo do desejo e do prazer Ora natildeo temos aqui nenhuma relaccedilatildeo de

anterioridade entre prazer e inteligecircncia nem mesmo uma relaccedilatildeo de causalidade entre

ambos mas cada um dos dois (prazer e conhecimento) executam suas funcionalidades

proacuteprias nesse conjunto da vida mista humana ou seja uma correlaccedilatildeo Contudo no caso do

homem ele natildeo apenas recorda ou deseja ele avalia emite caacutelculos e juiacutezos com maior

fecundidade acerca dessa proacutepria organizaccedilatildeo que prescinde de satisfaccedilatildeo em um dado

modelo de vida numa dada condiccedilatildeo e mais ele pode tentar alcanccedilar dentro desta sua vida

mista entre prazer e conhecimento melhores arranjos que possam levaacute-lo a fruir natildeo apenas

de forma satisfatoacuteria o prazer mas tambeacutem em abundacircncia e melhor ou seja uma vida em

que seja capaz de atender em maior grau as nossas aspiraccedilotildees propriamente humanas

Eacute por isso que Soacutecrates considera diante do que foi exposto jaacute ser suficiente admitir

ὃuἷΝaΝldquoἶἷuὅaΝἶἷΝἔilἷἴὁrdquoΝ(Φδζάίκυ γ θ) natildeo poder ser o bem ( ΰαγσθ) (22c1-2) Filebo

retruca dizendo que nem mesmo a inteligecircncia (θκ μ) de Soacutecrates eacute o bem ( δ ΰαγσθ)

ἥὰἵὄatἷὅΝἷὀtatildeὁΝfaὐΝὃuἷὅtatildeὁΝἶἷΝἶiὅtiὀguiὄμΝldquoἥimΝtalvἷὐΝaΝmiὀhaΝ( ΰrsquoΝ ησμ) Filebo Mas natildeo

aΝiὀtἷligecircὀἵiaΝvἷὄἶaἶἷiὄaΝἷΝἶiviὀaΝἵὄἷiὁΝὂὁiὅΝἵὁmΝἷlaΝaὅΝἵὁiὅaὅΝὅἷΝἶatildeὁΝἶἷΝmὁἶὁΝἶifἷὄἷὀtἷrdquo (ldquoκ

ηΫθ κδΝ σθΝΰ Ν ζβγδθ θΝ ηαΝεα γ ῖκθΝκ ηαδΝθκ θΝ ζζ᾽ ζζπμΝππμΝ ξ δθrdquo)Ν (ἀἀἵἃ-6) A partir

disso a discussatildeo adquire a forma de um ranking o primeiro precircmio ( θΝη θΝκ θΝθδεβ βλέπθ)

jaacute foi atribuiacutedo agrave vida conjunta ( θΝεκδθ θΝίέκθ) mas agora o que estaacute em jogo eacute o segundo

precircmio ( υ λ έπθ) (22c6-7) Neste momento cada um dos interlocutores pode reclamar

ambos para si o segundo precircmio devem lutar por ele um para o prazer outro para a

inteligecircncia enquanto causa (α δκθ) dessa vida conjunta (22d1-4)

Ora como visto nenhuma das vidas anteriores isoladas vida de prazer e vida de

conhecimento seria o bem ou melhor esses estados ou disposiccedilotildees da alma para a vida

humana enquanto uma vida mista de prazer e conhecimento porque nenhuma das vidas

anteriormente mencionadas possui o grau maacuteximo de suficiecircncia na vida humana mista

ambas exigindo a presenccedila uma da outra Eacute isto que conduz Soacutecrates agrave pergunta sobre a

causa dessa mistura ou seja o que torna possiacutevel esse arranjo em uma dada condiccedilatildeo de

vida Mas aqui Soacutecrates avanccedila ainda mais ao dizer que essa causa eacute tambeacutem um elemento

166 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

que compotildee a proacutepria mistura Jaacute que cada um dos interlocutores deve agora guerrear cada

um como partidaacuterio de um dos dois elementos prazer e inteligecircncia em favor do segundo

precircmio que natildeo eacute o bem mas causa dessa mistura que lhe confere existecircncia efetiva naquilo

que ela eacute propriamente uma mistura Como um elemento poderaacute ser responsaacutevel pela proacutepria

foacutermula dessa mistura e ao mesmo tempo um elemento constituinte dessa proacutepria mistura

Simultaneamente esse elemento deveraacute tornar-se possiacutevel por intermeacutedio de sua accedilatildeo um

efeito um resultado estando ele proacuteprio tambeacutem presente nesse efeito sendo incluiacutedo nessa

mistura da qual ele proacuteprio eacute o agente e por conseguinte causa

Agora sobre esse ponto eu gostaria de enfrentar Filebo com muito mais energia sustentando que nessa vida mista ( θΝ μΝ θΝ η δε κτ ίέ ) o que quer que seja aquilo que tendo sido obtido por ela a torne digna de escolha e boa (α λ μΝ ηαΝεα ΰαγσμ) natildeo eacute o prazer (κ ξΝ κθ ) mas a inteligecircncia (θκ μ) que lhe eacute mais aparentada e semelhante ( κτ

υΰΰ θΫ λκθΝ εα ηκδσ λσθΝ δ) e de acordo com esse argumento poderiacuteamos entatildeo afirmar que natildeo se pode atribuir ao prazer nem o primeiro nem o segundo precircmio ( θΝ θΝπλπ έπθΝκ ᾽ α θΝ υ λ έπθ) e se no momento devemos dar algum creacutedito agrave minha inteligecircncia ( δΝ η θ

ῖ πδ τ δθΝ η μΝ θ θ) ele estaacute muito longe ateacute do terceiro precircmio (πκλλπ ΫλπΝ ᾽ θΝ λδ έπθ) (22d5-e3)

Soacutecrates se alia agrave inteligecircncia em favor do segundo precircmio somente depois de ter

chegado agrave conclusatildeo juntamente com Protarco de que o primeiro precircmio apenas pode ser

atribuiacutedo agrave vida mista de prazer e de conhecimento e que nenhum deles pode ser unicamente

o bem como nenhuma das duas vidas vida de prazer unicamente e vida de conhecimento

possui o bem Por isso Soacutecrates diz agora que iraacute enfrentar com mais vigor a Filebo lutando

em favor do segundo precircmio ao disputar o lugar da causa da mistura Nos eacute dito que a

iὀtἷligecircὀἵiaΝ ὧΝ maiὅΝ aὂaὄἷὀtaἶaΝ ἷΝ ὅἷmἷlhaὀtἷΝ ( υΰΰ θΫ λκθΝ εα ηκδσ λσθ)έΝ ἥὁmἷὀtἷΝ aΝ

disposiccedilatildeo para o conhecimento pode gerar e concomitantemente ser parte constituinte da

mistura pois ao prazer falta essa capacidade ordenadora proacutepria da inteligecircncia O posto de

causa lhe seria negado ao prazer em virtude da sua pouca eficaacutecia ordenadora quando

comparada agrave inteligecircncia A inteligecircncia o conhecimento eacute semelhante agrave forma inteligente da

vida ordenada Dito isso o pensamento agora deixaraacute de ser tratado apenas segundo essa

funccedilatildeo (procedimental) de tornar possiacutevel a fruiccedilatildeo dos prazeres sua participaccedilatildeo na mistura

em questatildeo deixa de ser meramente a de um constituinte como tambeacutem seria o prazer Assim

o pensamento adquire o status de constituinte fundamental como causa dessa mistura Aleacutem

de ordenaacute-la ele produz um efeito nessa mistura cujo resultado tambeacutem o incluiraacute como um

elemento fundamental indispensaacutevel naquilo que ele proacuteprio constitui essa mistura de prazer

e conhecimento que configura a vida humana

167 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

Tratar do segundo precircmio e de o porquecirc ele eacute indispensaacutevel nessa mistura poderaacute nos

dizer algo a mais sobre o valor do prazer nessa mistura assim como o porquecirc de ele natildeo

pode ser a causa dessa misturaέΝἢὁὄΝagὁὄaΝὧΝmἷlhὁὄΝὀatildeὁΝtὁὄtuὄaὄΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝmἷlhὁὄΝldquoἶἷixὠ-

lὁΝἷmΝὂaὐrdquoΝὀatildeὁΝldquoἵauὅaὄΝἶὁὄΝaὁΝὂὄaὐἷὄrdquoΝὀὁὅΝἶiὄὠΝἥὰἵὄatἷὅΝ(ἀἁaἄ-8) Ainda natildeo eacute o momento

de examinaacute-lo com profundidade e rigor ou melhor refutaacute-lo ( ι ζΫΰξκθ α)Ν(ἀἁaἅ)έΝ

Para marchar em favor da inteligecircncia e obter para ela o segundo precircmio iremos agora

aἶἷὀtὄaὄΝὡΝὀὁvaΝldquomaὃuiὀaὦatildeὁΝἶἷΝguἷὄὄardquoΝ( ῖθΝ ζζβμΝηβξαθ μ)ΝἷmΝὃuἷΝὅἷὄatildeὁΝutiliὐaἶaὅΝaὄmaὅΝ

(ίΫζβ)Ν ἶifἷὄἷὀtἷὅΝ ἶὁὅΝ aὄgumἷὀtὁὅΝ aὀtἷὄiὁὄἷὅΝ ( ξ δθΝ λαΝ θΝ ηπλκ γ θΝ ζσΰπθ)Ν ἷmἴὁὄaΝ

algumas possam ser as mesmas ( δ πμ θδα εα α Ϊ) (23b6-8) Soacutecrates entatildeo diz

aΝἢὄὁtaὄἵὁΝὅὁἴὄἷΝaΝὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝἶἷΝἵautἷlaΝaὁΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝ( δγΫη θκδ)ΝἵἷὄtὁΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝ( θΝ ΫΝ

ΰ Ν λξ θ)Ν ὃuἷΝ ἷlἷΝ ἶἷὀὁmiὀaΝ ἵὁmὁΝ ldquoὀὁὅὅὁΝ ὂὄiὀἵiacuteὂiὁrdquoΝ (ἀἁἵ1-2) A tarefa que Soacutecrates faz

mἷὀὦatildeὁΝ ὀἷὅtἷΝ mὁmἷὀtὁΝ ἵὁὀὅiὅtἷΝ ἷmΝ ldquoὅἷὂaὄaὄΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅΝ ὃuἷΝ agὁὄa existem no

universo231rdquoΝ (πΪθ αΝ θ θΝ θ αΝ θΝ παθ δξ δαζΪίπη θ)Ν (ἀἁἵἂ-5)232 Talvez seja

231 Concordo com alguns autores como (Delcomminette 2006 p 213) e (Carone 2008 p 131-132) que ἷὅὅἷΝ ldquoagὁὄardquoΝ (θ θ) indica que as Formas natildeo satildeo incluiacutedas aqui em nenhuma das categorias as Formas satildeo eternas e imutaacuteveis A passagem cosmoloacutegica trata da demiurgia especiacutefica cujos exemplos satildeo retirados da realidade sensiacutevel compreendidos em uma dimensatildeo universal do todo cosmoloacutegico Rejeito a argumentaccedilatildeo revisionista que postula uma substituiccedilatildeo de das Formas ὂὁὅtulaἶaὅΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶitὁὅΝldquomὧἶiὁὅrdquoΝὂaὄaΝὅἷΝὄἷὅὁlvἷὄἷmΝὁὅΝὅuὂὁὅtὁὅΝὂὄὁἴlἷmaὅΝlἷvaὀtaἶὁὅΝὂὁὄΝἷlaὅΝrealccedilados pelas aporias do Parmecircnides como tambeacutem uma compreensatildeo de que essas divisotildees seriam Formas ou os Gecircneros Supremos como satildeo chamadas nos Sofista Haacute motivos que ficaratildeo claros para tal rejeiccedilatildeo a partir de nosso comentaacuterio sobre a ontologia quaacutedrupla como (i) as Formas natildeo satildeo limitadas por determinaccedilotildees numeacutericas e meacutetricas nem relaccedilotildees matemaacuteticas por isso natildeo satildeo πΫλαμ (ii) as Formas satildeo seres puros simples e natildeo podem ser misturados assim como todos os seres gerados do mundo que pertencem a esse gecircnero as Formas devem ser eternas natildeo-geradas natildeo submetidas ao movimento ao devir logo natildeo podem ser ηδε θ (mistura) (iii) as Formas tambeacutem ὀatildeὁΝὅatildeὁΝaΝldquoἵauὅardquoΝ(α έα) pois a criaccedilatildeo depende do Demiurgo que cria a partir da Forma sozinha elas natildeo datildeo origem a nada elas satildeo modelos para a produccedilatildeo da atividade demiuacutergica (iv) por fim natildeo podem ser π δλκθ porque este gecircnero eacute indeterminado num duplo sentido (multiplicidade indeterminada e gecircnero das coisas dispostas no devir) que eacute tornado uma unidade multiplicidade apenas por meio da atividade dialeacutetica Enquanto que as Formas satildeo pura determinaccedilatildeo Essencialmente limitadas e definidas ou seja natildeo estatildeo sujeitas a qualquer tipo de variaccedilatildeo seja ela ὃualitativaΝὁuΝὃuaὀtitativaέΝἢaὄaΝumaΝaὀὠliὅἷΝmaiὅΝἶἷtalhaἶaΝἶἷὅὅaΝldquoἵlὠὅὅiἵaΝἶiὅὂutardquoΝvἷὄΝἑἏἤἡἠἓΝ(2008 p 143-149) 232 Dixsaut (2001) acredita que a referecircncia feita em 23c agrave divisatildeo quaacutedrupla eacute distinta (em propoacutesitos) ἶaΝaἴὁὄἶagἷmΝἶὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝ(ἶialὧtiἵa)ΝἶἷΝ1ἄἵέΝἓmΝἀἁἵΝὁΝὃuἷΝὅἷΝὂὄὁὂὴἷΝὧΝumaΝἶiviὅatildeὁΝἶἷΝtὁἶaὅΝἵὁiὅaὅΝὃuἷΝἷxiὅtἷmΝagὁὄaΝὀὁΝuὀivἷὄὅὁΝ(πΪθ αΝ θ θΝ θ αΝ θΝ παθ ) Segundo a autora francesa eacute muito provaacutevel que haja uma ligaccedilatildeo entre as duas passagens mas as abordagens natildeo satildeo idecircnticas EacuteΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝlἷmἴὄaὄmὁὅΝὃuἷΝaὃuiΝἷὅtamὁὅΝἶiaὀtἷΝἶἷΝumaΝldquoὀὁvaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoμΝldquo(έέέ)ΝἷΝὃuἷΝἷΝὃuἷΝὅἷΝὁΝtermo aacutepeiron deve ser entendido em dois sentidos diferentes esses dois sentidos natildeo devem ser relacionados entre si O dialeacutetico como foi dito pode ser forccedilado a comeccedilar pelo indeterminado mas por que poderia secirc-lo Porque eacute necessaacuterio reconhecer a existecircncia de duas espeacutecies de realidades Enquanto alguns (a ciecircncia ou a virtude a constituiccedilatildeo poliacutetica ou deliacuterio por exemplo) se apresentam como unidades compreendidas por articulaccedilotildees naturais o que permite dividi-las outras pelo contraacuterio apenas oferecem indeterminaccedilatildeo A primeira maquinaccedilatildeo teria fornecido o meio para reduzir essa indeterminaccedilatildeo tomando o aacutepeiron como um predicado quantitativo mas o deus no iniacutecio ele proacuteprio teria precisado que o aacutepeiron eacute um modo de ser Para determinar esse modo de ser eacute necessaacuterio dividir natildeo o aacutepeiron ὂὁὄὃuἷΝiὅὅὁΝὧΝimὂὁὅὅiacutevἷlΝmaὅΝldquotuἶὁΝaὃuilὁΝὃuἷΝἷxiὅtἷΝatualmἷὀtἷΝὀὁΝuὀivἷὄὅὁrdquoΝἷmΝὃuatὄὁΝgecircὀἷὄὁὅΝiὅtὁΝὧΝὅuἴὅumiὄΝaΝtὁtaliἶaἶἷΝἶaΝἷxiὅtecircὀἵiaΝὅὁἴΝὃuatὄὁΝἵatἷgὁὄiaὅrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1Νp 311-312)

168 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

necessaacuterio dividir em dois ou em trecircs ou em quatro todas essas partes denominadas como

ὅἷὀἶὁΝfὁὄmaὅΝ( θΝ θ)Ν(ἀἁἵ1ἁ)έΝἥὰἵὄatἷὅΝὄἷlἷmἴὄaΝὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝaὀtἷὄiὁὄΝque teria mostrado

aΝ ἷxiὅtecircὀἵiaΝ ἶὁΝ limitἷΝ (πΫλαμ)Ν ἷΝ ἶὁΝ ilimitaἶὁΝ ( π δλκθ)Ν ἶὁὅΝ ὅἷὄἷὅΝ (ἀἁἵλ-10) ambos agora

ὂaὅὅamΝaΝὅἷὄΝtiἶὁὅΝἵὁmὁΝumΝἵaὅalΝἶἷΝfὁὄmaὅΝ( κτ πΝ θΝ θΝ τκΝ δγυη γα)Ν(ἀἁἵ1ἁ-

d1) No entanto eacute preciso ainda uma terceira forma da unidade proveniente do intercurso

ἷὀtὄἷΝὁὅΝἶὁiὅΝ( λέ κθΝ ιΝ ηφκῖθΝ κτ κδθΝ θΝ δΝ υηηδ ΰση θκθ)ΝἷΝaiὀἶaΝumΝὃuaὄtὁΝgecircὀἷὄὁΝ

( Ϊλ κυΝηκδΝΰΫθκυμ)ΝὃuἷΝὅἷὄiaΝaΝἵauὅaΝ( θΝα έαθ)ΝἶἷὅtἷΝiὀtἷὄἵuὄὅὁΝ( υηη έι πμ)ΝἷὀtὄἷΝὁὅΝ

dois primeiros gecircneros (23d1-8)

Em primeiro lugar entatildeo tendo separado ( δ ζση θκδ) trecircs dos quatro (η θΝ θΝ ΪλπθΝ λέα) tentemos com dois deles ( τκΝ κτ πθΝπ δλυη γα)

ndash uma vez observado que cada um dos dois se cindiu e se despedaccedilou em muitos (πκζζ εΪ λκθΝ ξδ ηΫθκθΝεα δ πα ηΫθκθΝ σθ μ) ndash reconduzi-los em conjunto cada um dos dois de novo ao um e conceber de que modo cada um deles era um e muacuteltiplo ( μΝ θΝπΪζδθΝ εΪ λκθΝ υθαΰαΰσθ μΝθκ αδΝπ πκ Ν θΝα θΝ θΝεα πκζζ εΪ λκθ) (23e3-6)

Eacute possiacutevel observar como a passagem retoma as questotildees suscitadas no iniacutecio do

ἶiὠlὁgὁΝ ὃuἷΝ ἵὁlimamΝὀaΝ aὂὄἷὅἷὀtaὦatildeὁΝ ἶὁΝ ldquomὧtὁἶὁΝ ἶiviὀὁrdquoΝ (1ἂἴ-18d) Protarco parece natildeo

compreender o sentido da fala anterior de Soacutecrates e o condutor o faz lembrar da discussatildeo

anterior sobre o que tem limite ( πΫλαμΝ ξκθ) e o ilimitado ( π δλκθ) chamados

tamἴὧmΝagὁὄaΝἶἷΝgecircὀἷὄὁὅΝὀἷὅtaΝὂaὅὅagἷmνΝὂὁὄὧmΝἥὰἵὄatἷὅΝἶἷὅἷjaΝmaiὅΝἷlἷΝἶiὐμΝldquo(έέέ)ΝἷuΝ

tἷὀtaὄἷiΝmὁὅtὄaὄΝὃuἷΝἶἷΝalgumΝmὁἶὁΝὁΝ ilimitaἶὁΝὧΝmήltiὂlὁrdquoΝ ( δΝ λσπκθΝ δθ π δλκθΝ

πσζζ᾽ έ π δλΪ κηαδΝφλΪα δθ) (24a1-4)

A discussatildeo iraacute tratar primeiramente do π δλκθ Nesse gecircnero satildeo colocados tudo

aquilo que natildeo pode receber a marca do limite como o caso do mais quente e do mais frio

Neste uacuteltimo caso natildeo poderiacuteamos conceber algum limite ( λαΝπΫλαμ) ao mais quente e ao

mais frio porque ambos possuem em si o mais e o menos ( η ζζσθΝ Νεα κθ) temos

assim tanto mais quente e menos quente como mais frio e menos frio Esse gecircnero ( κῖμΝ

ΰΫθ δθ) de coisa enquanto presente em ambos nos impediria de chegar a qualquer fim (η

ΫζκμΝ ξ δθ) pois caso chegassem um eliminaria o outro (24b7-8) Por isso bastaria analisar

esse discurso para que se possa notar que esse par nunca tem fim e que sem duacutevida neste

caso lidamos com ilimitados ( π έλπ) (24b8)

O uso do adveacuterbio φσ λα em 24b9 eacute a oportunidade vista por Soacutecrates para explicar

ainda mais a natureza do ilimitado por um jogo de palavras que brinca ora com o sentido

denotado pelo adveacuterbio extremamente ora com o sentido conotativo deste termo presente

ἷmΝἁλἶΝaὁΝὅἷΝtὄataὄἷmΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝfalὅὁὅΝἶaΝaὀtἷἵiὂaὦatildeὁέΝἏἶvὧὄἴiὁὅΝἵὁmὁΝldquoἷxtremamἷὀtἷrdquoΝ

ἷΝldquolἷvἷmἷὀtἷrdquoΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝὁὀἶἷΝὃuἷὄΝὃuἷΝἷὅtἷjaΝὁΝὂaὄΝlimitἷ-ilimitado no mais intenso e no

169 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

mais suave o demasiado o mais eco e o mais uacutemido o muito e o pouco o maior e o menor

tὁἶὁὅΝὂὁὅὅuἷmΝἷὅὅaΝldquoὂὁtecircὀἵiardquoΝ( τθαηδθ) do mais e do menos

O ilimitado impede que as coisas possuam uma quantidade determinada (κ εΝ κθΝ

θαδΝπκ θΝ εα κθ) e ao introduzir o mais e o menos em todas as coisas faz desaparecer

essa quantidade determinada ( πκ θΝ φαθέα κθ) Poreacutem caso o ilimitado surja com a

medida ( ηΫ λδκθ) e natildeo faccedila desaparecer a quantidade determinada eles proacuteprios ou

mἷlhὁὄΝἷὅὅaὅΝἵὁiὅaὅΝldquoἷὅἵὁaὄiamrdquoΝὂὁὄΝὅiΝὂὄὰὂὄiaὅέΝἏΝὃuaὀtiἶaἶἷΝἶἷtἷrminada eacute a uacutenica capaz

ἶἷΝ ἵὁὀtἷὄΝ ἷὅὅἷΝ ldquoavaὀὦaὄrdquoΝ ἷὅὅaΝ ldquoὂὄὁgὄἷὅὅatildeὁrdquoΝ ἶὁΝ ilimitaἶὁΝ aΝ ὃuaὀtiἶaἶἷΝ ἶἷtἷὄmiὀaἶaΝ

permanece estaacutevel (24c1-d7) Soacutecrates deseja o assentimento de Protarco ndash sendo o proacuteprio

interlocutor de Soacutecrates a propor essa consonacircncia ( υηφπθκ θ αμ) necessaacuteria sobre essas

questotildees ndash para que se possa colocar no gecircnero do ilimitado todas essas coisas dito de outro

mὁἶὁΝldquo(έέέ)ΝaἵἷitaὄΝἷὅὅἷΝὅiὀalΝ( βη ῖκθ) da natureza do ilimitado ( π δλκθ)rdquoΝ(ἀἂἷ1-5) Todas

essas coisas de acordo com o discurso anterior devem ser colocadas nesse gecircnero ( κ

π έλκυΝΰΫθκμ) nos diz Soacutecrates pois fora dito que era necessaacuterio reunir ( υθαΰαΰσθ αμ)

essas coisas separadas repartidas ( δΫ πα αδ) cindidas ( δΫ ξδ αδ) em pedaccedilos impondo-

lhes (tanto quanto possiacutevel) esse sinal de uma natureza uacutenica (εα τθαηδθΝ ηέαθΝ

πδ βηαέθ γαέΝ δθαΝφτ δθ) (24e7-25a4)

Eacute preciso especificar do que se trata aqui quando se diz que o π δλκθ κ ilimitado eacute

um gecircnero Pode se dizer que o indeterminado qualquer indeterminado que seja conteacutem

assim vaacuterias espeacutecies das quais cada uma eacute determinada Uma enumeraccedilatildeo natildeo-exaustiva

ὅἷὄiaΝὅufiἵiἷὀtἷΝὂaὄaΝὂὄὁἶuὐiὄΝἷὅὅἷΝ ldquoὅiὀalrdquoΝἶἷΝὃuἷΝ falaΝἥὰἵὄatἷὅΝἶἷΝumaΝὀatuὄἷὐaΝήὀiἵaΝὀὁΝ

indeterminado Ao dizer que o ilimitado pode por meio desse caraacuteter distintivo determinar

sob um mesmo gecircnero determinadas espeacutecies de qualidades todas aquelas que passam pelo

mais e pelo menos natildeo exclui o fato de que ele tambeacutem pode determinar quantitativamente

em um mesmo gecircnero determinadas espeacutecies como jaacute fora visto a voz o prazer e a dor (Cf

27e) Ἄπ δλκθ eacute tudo aquilo que carece de limite tudo aquilo que se encontra desmedido

seja em excesso seja em falta ou como bem sugere Dixsaut (2001 p 312) eacute tudo aquilo

ldquo(έέέ)ΝὃuἷΝὧΝὂὁὄΝaὅὅimΝἶiὐἷὄΝaΝtὄaὀὅgὄἷὅὅatildeὁΝἷmΝatὁrdquoέ

O apeiron natildeo eacute uma mateacuteria que o limite viria a informar eacute um devir que o limite viria a estabilizar uma perpeacutetua desigualdade em-ὅiΝumΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝ lsquoaὁΝὃualΝὀatildeὁΝὂὁἶἷmὁὅΝatὄiἴuiὄΝὀἷmΝἵὁmἷὦὁΝὀἷmΝmἷiὁΝὀἷmΝfimrsquoΝ [Phlb 31a-10 Prm 137d] Natildeo eacute mais considerado como uma pluralidade indefinida de unidades discriminadas termo para o qual tenderia uma multiplicidade quantitativa ele eacute constituiacutedo de um determinado tipo de realidades enquanto que o devir incessante exclui qualquer fixaccedilatildeo afasta qualquer determinaccedilatildeo (DIXSAUT 2001 p 312-313)

Aqui podemos notar claramente o duplo movimento do processo dialeacutetico aquele que

vai do um ao muacuteltiplo e do muacuteltiplo ao um ao se deparar com aquilo que eacute um devir constante

170 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

uma perpeacutetua ΰΫθ δμ A saiacuteda eacute a mesma devemos reunir ( υθαΰαΰσθ αμ) esses devires

essas diferentes espeacutecies e imprimir nelas o sinal de uma natureza uacutenica determinada Como

nos adverte Dixsaut (2001 p 313) sem adentrar agraves infindaacuteveis discussotildees da auto

predicaccedilatildeo das Formas Platatildeo jamais teria dito que a ideia de Neve seria fria nem a ideia de

Maldade maacute nem a ideia de quadrado quadrada o que por conseguinte natildeo implica

necessariamente que a forma do indeterminado seja ela tambeacutem indeterminada Muito pelo

contraacuterio Soacutecrates insiste em sua determinaccedilatildeo Assim ela nos esclarece

O α privativo significa que o termo que ele prefixa natildeo pode e nem sequer deseja receber seu contraacuterio Ele natildeo conota uma simples negaccedilatildeo loacutegica mas uma recusa do termo contraacuterio uma exclusatildeo dinacircmica O termo apeiron recupera essa semacircntica ele natildeo eacute a simples ausecircncia de qualquer determinaccedilatildeo (entatildeo impensaacutevel) ele a recusa a transgressatildeo perpeacutetua de qualquer determinaccedilatildeo transgressatildeo que natildeo se realiza de qualquer modo mas sempre da mesma maneira por excesso e por falta (DIXSAUT 2001 p 313)

Parece ser necessaacuterio se atentar ao estatuto que o π δλκθ adquire a partir de entatildeo

No caso da passagem do meacutetodo divino lidaacutevamos com uma multiplicidade indeterminada e

que passa a uma espeacutecie de multiplicidade determinada ndash mas ela ainda natildeo eacute uma espeacutecie

de gecircnero indeterminado No caso do π δλκθ estamos lidamos com umaΝ ldquo()

iὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁΝὁὀtὁlὁgiἵamἷὀtἷΝ iὀiἵialΝἷΝὀatildeὁΝmaiὅΝἶialἷtiἵamἷὀtἷΝ tἷὄmiὀalΝ (έέέ)rdquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝ

2001 p 315) Esse π δπκθ (gecircnero do indeterminado) natildeo deve nada a dialeacutetica ele nem

ὅἷὃuἷὄΝὧΝumaΝldquoἵὁiὅardquoΝmaὅΝumΝtiὂὁΝἶἷΝἶἷviὄΝὃuἷΝὅὁfὄἷΝaἵὄὧὅἵimὁΝἷΝἶimiὀuiὦatildeὁέΝEacuteΝaΝὀatuὄἷὐaΝ

propriamente desse devir que devemos comeccedilar a caracterizar que somos forccedilados a

desigὀaὄέΝ ἑaὅὁΝaΝ iὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁΝ ὅἷjaΝ iὀiἵialΝ ἷlaΝ ἷxigiὄὠΝ aΝ ldquoὂὄimἷiὄaΝ maὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝ ἷΝ ὀatildeὁΝaΝ

ὅἷguὀἶaέΝἏΝὅἷguὀἶaΝiὄὠΝldquoiὀfὁὄmaὄrdquoΝἷmΝumΝgecircὀἷὄὁΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶaΝimὂὁὅiὦatildeὁΝἶὁΝὀήmἷὄὁΝἷΝἶaΝ

estrutura essa unidade indeterminada iraacute reuni-la em um gecircnero o gecircnero do ilimitado A

ὂὄimἷiὄaΝmaὃuiὀaὦatildeὁΝὂaὄtἷΝἶἷΝumaΝὂluὄaliἶaἶἷΝiὀfiὀἶaΝἷΝldquoaἴaὀἶὁὀardquoΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶἷΝumΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝ

dialeacutetico aquelas que natildeo lhe interessam Jaacute o procedimento dialeacutetico que consiste em reunir

o π δλκθ ἷmΝumΝὅὰΝgecircὀἷὄὁΝliἶaΝἵὁmΝἷὅὂὧἵiἷὅΝἶἷΝldquoἵὁiὅaὅrdquoΝὃuἷΝὅatildeὁΝnaturalmente ilimitadas

ontologicamente as quais devemos reunir em um gecircnero Como observa Dixsaut

A ilimitaccedilatildeo eacute proacutepria de determinadas gecircneses de determinados processos Jaacute natildeo se trata mais de uma pluralidade indefinida de unidades discriminadas (todas aquelas que durante umaΝἶiviὅatildeὁΝὂὁvὁamΝὡΝ ldquoἷὅὃuἷὄἶardquoΝὂὁὄὃuἷΝaὅΝdeixamos sem as dividir e todas aquelas residentes nessas uacuteltimas espeacutecies ὁἴtiἶaὅΝὂἷlaΝἶiviὅatildeὁΝaὅΝὃuaiὅΝὀὰὅΝldquoἶiὐἷmὁὅΝaἶἷuὅrdquoΝmaὅΝἶἷΝumΝmὁvimἷὀtὁΝἶἷΝ tὄaὀὅgὄἷὅὅatildeὁΝ ὂἷὄὂὧtuaΝ ἶἷΝ ὃualὃuἷὄΝ limitἷΝ ὂὁὄΝ ἷxἵἷὅὅὁΝ ὁuΝ ὂὁὄΝ faltaΝ (ldquoὁΝilimitado o mais e o menos faria desaparecer a quantidade definida 24c) (2001 p 315-316)

171 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

Podemos resumir em um quadro como bem observa Dixsaut (2001 p 315) as duas

situaccedilotildees contraacuterias as quais o dialeacutetico enfrenta quando se depara com π δλκθ

1ordf Situaccedilatildeo

(Primeira Maquinaccedilatildeo)

2ordf Situaccedilatildeo

(Segunda Maquinaccedilatildeo)

- o dialeacutetico parte de unidade

indeterminada

- ele a divide em uma multiplicidade

determinada

- da qual ele deixa escapar uma

multiplicidade quantitativamente

indeterminada

- O dialeacutetico parte de uma entidade

abrangente do gecircnero indeterminado

- e a impotildee uma estrutura e a constitui em

uma multiplicidade determinada

- que ele pode entatildeo unificar em uma unidade

determinada

Quadro 01- As duas maquinaccedilotildees relativas ao ἄπειρον (adaptado)

(DIXSAUT 2015 p 315)

No lado oposto a isso dito anteriormente temos o gecircnero do limite (πΫλαμ) no qual

devemos colocar o igual e a igualdade ( κθΝεα σ β α)ΝὁΝἶuὂlὁΝ( δπζΪ δκθ)ΝἷΝldquo(έέέ)ΝtuἶὁΝὃuἷΝ

ὧΝὄἷlaὦatildeὁΝἶἷΝὀήmἷὄὁΝaΝὀήmἷὄὁΝὁuΝἶἷΝmἷἶiἶaΝaΝmἷἶiἶaΝ(έέέ)rdquoΝ(ldquoεα π θΝ δπ λΝ θΝπλ μΝ λδγη θΝ

λδγη μΝ ηΫ λκθΝᾖ πλ μΝ ηΫ λκθrdquo)Ν (ἀἃaἅ-b2) Sobre o terceiro gecircnero se diz que ele eacute a

miὅtuὄaΝ( η δε θ)ΝἶὁὅΝἶὁiὅΝὂὄimἷiὄὁὅ233 (25b5-6) Soacutecrates reconhece a passagem breve

que a discussatildeo faz ao tratar do limite e a ausecircncia de maiores especificaccedilotildees sobre o gecircnero

do limite ele apenas diz logo depois em 25d6-ἅΝὃuἷΝaΝldquofamiacuteliardquoΝἶὁΝlimitἷΝtamἴὧmΝἶἷvἷΝὅἷὄΝ

reunida assim como fizeram com o ilimitado tornando-o uma unidade Novamente se afirma

que a introduccedilatildeo do nuacutemero ( λδγη θ)ΝὀaὅΝἵὁiὅaὅΝὃuἷΝὅatildeὁΝἶuὂlaὅΝ iguaiὅΝ( θΝ κ κυΝεα

δπζα έκυ)ΝὂὴἷmΝfimΝὀaὅΝἵὁiὅaὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝ( δαφσλπμ)ΝmutuamἷὀtἷΝὁὂὁὅtaὅΝ( ζζβζαΝ θαθ έαΝ

δαφσλπμΝ ξκθ α)Νtὁὄὀaὀἶὁ-aὅΝἵὁmἷὀὅuὄaἶaὅΝ( τηη λα)ΝἷΝἵὁὀὅὁaὀtἷὅΝ( τηη λα)234 (25e1-

233 ἥὰἵὄatἷὅΝὀὁvamἷὀtἷΝὄἷἵὁὄὄἷΝaὁΝldquoἶiviὀὁrdquoΝὀἷὅtἷΝὂaὅὅὁΝ(ἀἃἴ)Ν iὀἶiἵaὀἶὁΝὃuἷΝἷlἷΝ tὁὄὀaὄὠΝὂὁὅὅiacutevἷlΝaΝcompreensatildeo de ambos os dialogantes acerca da natureza do misto que requer a introduccedilatildeo da ordem pelo nuacutemero ( λδγη θ) (25e2) A meu ver essa passagem mais uma vez indica proximidade mas natildeo semelhanccedila visto que agora a multiplicidade adquire o estatuto de gecircnero e o dialeacutetico deveraacute lidar com a indeterminaccedilatildeo em um sentido geneacuterico diferentemente da passagem inicial sobre o um e o mήltiὂlὁΝἷὅtaΝὃuἷΝtἷmΝἵὁmὁΝὄἷὅultaὀtἷΝaΝἷxὂὁὅiὦatildeὁΝἶὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝhἷὄἶaἶὁΝἶὁὅΝaὀtigὁὅΝὃuἷΝἵὁmὁΝdissemos eacute herdada dos pitagoacutericos do quinto seacuteculo 234 Eacute necessaacuterio atentar que o limite difere da mistura natildeo podemos tomaacute-lo como sinocircnimo ao nuacutemero o nuacutemero possibilita a introduccedilatildeo do limite nas coisas iguais duplas mas ele natildeo deixa tambeacutem de ter muitos gecircneros como nos diraacute Soacutecrates em 26d diante da inquietaccedilatildeo e Protarco que natildeo entende

172 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ἀ)έΝ ἓxἷmὂlὁὅΝ ἶἷὅtaὅΝ miὅtuὄaὅΝ ἶἷὅὅἷὅΝ iὀtἷὄἵuὄὅὁὅΝ ἶὁὅΝ ὃuaiὅΝ ὄἷὅultamΝ ἵἷὄtaὅΝ ldquogἷὄaὦὴἷὅrdquoΝ

(ΰ θΫ δμ) a sauacutede que eacute engendrada a partir da imposiccedilatildeo da medida a muacutesica produzida a

partir da justaposiccedilatildeo de grave agudo raacutepido e lento as estaccedilotildees do ano que regulam o

inverno rigoroso e o calor sufocante esse e os demais satildeo exemplos dessa combinaccedilatildeo

correta que estando presente remove o demasiado excessivo e o ilimitado produzindo o que

tem medida e o comensuraacutevel (25e3-26a8)

Soc Quando as coisas ilimitadas e aquelas que tecircm limite tecircm intercurso ( ξσθ πθΝ υηη δξγΫθ πθ) natildeo eacute delas que nascem as estaccedilotildees e todas as coisas que para noacutes satildeo belas ( αΝεαζ πΪθ αΝ ηῖθΝΰΫΰκθ ) Prot Como natildeo Soc Sem falar eacute claro em incontaacuteveis outras coisas tais como a beleza (εΪζζκμ) e o vigor ( ξτθ) que acompanham a sauacutede e nas almas tantas outras coisas perfeitamente belas (εα θΝ ουξαῖμΝ α πΪηπκζζαΝ λαΝ εα πΪΰεαζα) E essa deusa ( γ σμ) belo Filebo ( εαζ Φέζβί ) percebendo o excesso ( ίλδθ) e a superabundacircncia de maldade em todas as coisas (εα

τηπα αθΝπΪθ πθΝπκθβλέαθΝα βΝεα δ κ α) e percebendo que natildeo havia nelas limite nem dos prazeres nem das saciedades (πΫλαμΝ κ Ν κθ θΝκ θΝκ Νπζβ ηκθ θΝ θ θΝ θΝα κῖμ) colocou nelas lei (θσηκθ) e ordem ( Ϊιδθ) ndash aquilo que daacute limite (πΫλαμΝ ξκθ ᾽ γ κ) e enquanto tu dizes que ela os corrompe eu pelo contraacuterio digo que ela os salva (εα η θΝ

πκεθαῖ αδΝφ μ α άθΝ ΰ κ θαθ έκθΝ πκ αδΝζΫΰπ) E a ti Protarco como te parece (26b1-c2)

Estatildeo apresentados os trecircs gecircneros Protarco apenas compreende dois deles o limite

e o ilimitado permanecendo em duacutevida acerca do gecircnero misto (26c5-7) Soacutecrates por sua

vἷὐΝἷxὂliἵaΝὃuἷΝἷὅὅaΝldquoiὀἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁrdquoΝὅἷΝἶἷvἷΝὡΝldquoὂluὄaliἶaἶἷrdquoΝἶἷὅὅaΝ tἷὄἵἷiὄaΝgἷὄaὦatildeo ou

seja o misto o proacuteprio ilimitado foi tomado como unidade mas natildeo apenas como uma

unidade mas como vaacuterias unidades vaacuterios gecircneros tornados um marcados pelo sinal do

mais e do menos mas foram transpostos esses vaacuterios gecircneros em vaacuterios um235 Como

tambeacutem aconteceu com o limite (26c8-d5) Esse terceiro gecircnero surge tambeacutem como uma

ldquogἷὄaὦatildeὁΝ ἷmΝ ἶiὄἷὦatildeὁΝ aὁΝ ὅἷὄΝ (ΰΫθ δθ μ κ έαθ)236rdquoΝ ὂὄὁἶuὐiἶὁΝ aΝ ὂaὄtiὄΝ ἶaΝ imὂὁὅiὦatildeὁΝ ἶaὅΝ

medidas que acompanham o limite ele eacute tambeacutem uma unidade (26d7-9)

ἴἷmΝἷmΝὃuἷΝmἷἶiἶaΝὁΝ limitἷΝὅἷΝἶifἷὄἷὀἵiaΝἶὁΝ tἷὄἵἷiὄὁΝgecircὀἷὄὁΝ(ὁΝἶaΝmiὅtuὄa)ΝἷlἷΝἶiὄὠμΝ ldquomaὅΝὁΝ limitἷΝtambeacutem tinha muitos gecircneros e nem por isso ficamos descontentes por ele natildeo ser um ὂὁὄΝὀatuὄἷὐardquoΝ(ldquoεα η θΝ σΝΰ ΝπΫλαμΝκ Νπκζζ ξ θΝκ ᾽ υ εκζαέθκη θΝ μΝκ εΝ θΝ θΝφτ δrdquo)Ν(ἀἄἶἂ-5) Tambeacutem em 25e1-ἀΝἥὰἵὄatἷὅΝutiliὐaΝldquoὃuaὀtaὅrdquoΝ( πσ β)ΝὀὁΝὂluὄalΝaὁΝfalaὄΝὅὁἴὄἷΝὁΝlimitἷμΝldquoὡΝἶὁΝigualΝἷΝἶὁΝἶuὂlὁΝe quantas sejam aquelas que ao introduzir o nuacutemero potildeem fim agraves ἵὁiὅaὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝ(έέέ)rdquoέ 235 Dixsaut (2001) diz que jaacute na primeira parte ao π δλκθ eacute conferido dois sentidos seja aquele que caracteriza quantitativamente uma multiplicidade ( π δλκθ πζ γκμ πζβγ δ) seja aquele que constitui um gecircnero Toda a realidade enquanto um devir sofre acreacutescimo e diminuiccedilatildeo passa necessariamente pelo mais e pelo menos Primeiramente afirma a teoacuterica o π δλκθ estrutura dialeticamente eacute esse o seu sentido num primeiro momento mas jaacute nesse momento da divisatildeo quaacutedrupla ele passa a ser gecircnero e adquire como tal um status ontoloacutegico (DIXSAUT 2001 p 314) 236 Pradeau (2002) antecipa 54a-c ao tratar do sentido de ΰΫθ δθ μ κ δαθ que aparece primeiramente ἷmΝἁίἶἆίμΝldquo(έέέ)ΝaΝὄἷaliἶaἶἷΝἶἷΝumaΝἵὁiὅaΝaὃuiΝἶἷὅigὀaΝὅuaΝὀatuὄἷὐaΝde forma axioloacutegica eacute em funccedilatildeo

173 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

Resta ainda o quarto gecircnero a ser examinado Torna-se necessaacuterio uma causa ( δέ

δθα α έαθ) para que todas as coisas que venham a ser venham a ser por meio desta causa

(26e1-4) Falar de causa eacute falar de um produtor (πκδκ θ κμ) que significa contudo falar de

uma mesma coisa (26e7-8) O que estaacute subordinado agrave causa eacute aquilo que eacute produzido

(πκδκτη θκθ) aquilo que vem a ser em virtude dessa mesma causa ou desse mesmo

produtor Esses sim causa e devir ὅatildeὁΝ ἶifἷὄἷὀtἷὅέΝ ἜὁgὁΝ ὅἷὄὠΝ ἵhamaἶὁΝ ldquoaὄtἷὅatildeὁrdquo

( βηδκυλΰκ θ) de todas as coisas ( πΪθ α) aΝἵauὅaμΝldquo(έέέ)ΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝὁΝὃuaὄtὁΝ[gecircὀἷὄὁ]Ν

ὧΝaΝἵauὅaΝἶaΝmiὅtuὄaΝἷΝἶaΝgἷὄaὦatildeὁΝὅἷὄiaΝtὁἵaὄΝumaΝὀὁtaΝἶiὅὅὁὀaὀtἷςrdquoΝ(ἀἅἴἅ-c1) Eacute o que diz

Soacutecrates e Protarco assente dizendo que natildeo faz todo sentido nomear o artesatildeo como a

causa

Logo apoacutes concluir a apresentaccedilatildeo dos quatro gecircneros o proacuteximo ponto seraacute a

retomada da discussatildeo do segundo precircmio no ranking geral dos candidatos ao posto de bem

Soacutecrates reafirma como vitoriosa nessa colocaccedilatildeo em primeiro lugar a vida mista de prazer

e pensamento (θδε θ αΝη θΝ γ ηΫθΝπκυΝ θΝη δε θΝίέκθΝ κθ μΝ Νεα φλκθά πμ) (27d1-2)

Fica mais claro deste modo a que tipo de gecircnero essa vida pertence Nos diz Soacutecrates (27d7-

10) que ela natildeo eacute apenas a mistura de duas coisas mas eacute a mistura de todas as coisas

ilimitadas encadeadas pelo limite (κ ΰ λΝ υκῖθΝ δθκῖθΝ δΝηδε μΝ ε ῖθκμΝ ζζ υηπΪθ πθΝ

θΝ π έλπθΝ π κ πΫλα κμ) Soacutecrates interroga Filebo sobre qual gecircnero de vida

pertenceria a vida de prazer sem mistura mas ele sequer abre caminho para a resposta O

fato eacute que essa vida unicamente de prazer jaacute fora demonstrada como impossiacutevel e ateacute

inelegiacutevel por uma vida que se diga humana (27e1-4)

Eacute por isso que Soacutecrates iraacute dizer que o prazer e a dor ( κθ εα ζτπβ) fazem parte

dessas coisas ὃuἷΝὄἷἵἷἴἷmΝldquoὁΝmaiὅΝἷΝὁΝmἷὀὁὅrdquoΝ( θΝ η ζζσθΝ Νεα κθΝ ξκηΫθπθ) e

elas natildeo tecircm um limite Filebo volta a se manifestar no diaacutelogo para novamente afirmar que o

disso que ela deve ser (conforme sua natureza) que a coisa eacute dissolvida ou reconstituiacuteda e experimenta ἶἷὅὅἷΝmὁἶὁΝumaΝἶὁὄΝὁuΝumΝὂὄaὐἷὄrdquoΝ(ὂέΝἀἄίΝὀέΝ11ἃ)έΝἓὅὅἷΝtἷὄmὁΝὧΝumΝἶὁὅΝtἷὄmὁὅΝmaiὅΝldquoὂὄὁἴlἷmὠtiἵὁὅrdquoΝdo Filebo e usado pelὁὅΝὄἷviὅiὁὀiὅtaὅΝὂaὄaΝἶἷfἷὀἶἷὄἷmΝὃuἷΝhὠΝumaΝldquoὀὁvaΝὁὀtὁlὁgiardquoΝὀὁΝFilebo e que ela substitui o papel das Formas na filosofia platocircnica Carone (2008) explica essa dificuldade e apresenta alguns argumentos que contestam a visatildeo revisionista (i) κυ α e θαδ natildeo se prestam unicamente no corpus para se referirem agraves Formas podem designar algo mais simploacuterio como realidade existecircncia aplicaacutevel a qualquer tipo de ser (ii) haacute uma distinccedilatildeo clara no Filebo entre o mero vir-a-ser (ΰδΰθση θα 24e7-8) relacionado ao π δλκθ que progride sempre nunca repousando sem ὀἷὀhumaΝἷὅtaἴiliἶaἶἷΝἷΝaΝldquogἷὄaὦatildeὁΝἷmΝviὅtaΝἶὁΝὅἷὄrdquoΝἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵὁΝἶἷΝἵὁmἴiὀaὦὴἷὅΝgἷὀuiacuteὀaὅΝἷΝἷὅὅaΝresulta quando eacute transmitida ao π δλκθ uma orientaccedilatildeo teleoloacutegica atraveacutes do limite (πΫλαμ) (iii) Em 53c-ἃἂἶΝtἷmὁὅΝumaΝaἴὁὄἶagἷmΝὃuἷΝatἷὅtaΝumaΝldquoἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝmaiὅΝamὂlaΝἶἷΝὅἷὄrdquoΝὁΝἵὁὀtὄaὅtἷΝatὧΝἷὀtatildeὁΝἷὅtὄitὁΝἷὀtὄἷΝgecircὀἷὅἷΝἷΝὅἷὄΝiὀἵluiΝumaΝὀὁὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝἷΝὄἷὅultaἶὁΝldquoΝ(έέέ)ΝὀaΝὃualΝἷὅtἷΝήltimὁΝpode ser visto como uma combinaccedilatildeo que representa a meta ἶὁΝὂὄὁἵἷὅὅὁrdquoΝ(ἑἏἤἡἠἓΝἀίίἆΝὂέΝ1ἂἅ)Ν(iv) Ser eacute tratado em 53c-54d como uma noccedilatildeo axioloacutegica isto eacute como algo que pertence agrave categoria do bem aquilo por cujo motivo acontece a geraccedilatildeo logo o universo sensiacutevel possui ser natildeo soacute porque eacute estaacutevel em algum sentido (estrutura matemaacutetica que forma a base da aparecircncia) e por isso inteligiacutevel mas tambeacutem na medida em que essa ordem e essa estrutura constituem um fundamento de sua excelecircncia (CARONE 2008 p144-149) Ver sobre isso o importante artigo de Igleacutesias do qual destaco as concepccedilotildees fundamentais sobre o termo problemaacutetico supracitado (2007 p 108-112) sobre aΝὄἷlaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝaΝὁὀtὁlὁgiaΝἷΝldquomἷtὄὧtiἵardquoΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝὃuἷΝὅἷguἷΝὀἷὅὅaΝmἷὅmaΝἶiὄἷὦatildeὁέ

174 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

prazer natildeo seria totalmente bom (π θ ΰαγ θ) caso natildeo fosse naturalmente ilimitado

( π δλκθ π φυε μ) tanto em quantidade quanto em intensidade (πζ γ δ εα η ζζκθ) (27e6-

8) Sendo assim Soacutecrates nega essa identificaccedilatildeo total do bem com o prazer assim como da

dor com o mau (28a1-3) Eacute preciso entatildeo considerar que o ilimitado dos prazeres pode

ὄἷἵἷἴἷὄΝumΝlimitἷΝὃuaὀἶὁΝiὀἵluiacuteἶὁΝὀaΝviἶaΝmiὅtaΝὂὁἶἷὀἶὁΝἷὀtatildeὁΝὄἷἵἷἴἷὄΝumaΝldquoὂaὄtἷΝἶὁΝἴἷmrdquoΝ

( ηΫλκμ ΰαγκ 28a3) A imposiccedilatildeo do limite que eacute gerado pela constituiccedilatildeo da vida mista

torna possiacutevel que o prazer tome parte no bem

Fica mais claro o projeto de Soacutecrates para romper com tal identificaccedilatildeo (bemprazer)

quando se nota sua vigorosa insistecircncia em atribuir agrave inteligecircncia (θκ θ) ao pensamento

(φλσθβ δμ) e ao conhecimento ( πδ άηβθ) o segundo precircmio colocando-os no gecircnero da

ἵauὅaΝ(ἀἆa)έΝἥὰἵὄatἷὅΝἷvὁἵaΝaὅΝὁὂiὀiὴἷὅΝἶὁὅΝldquoὅὠἴiὁὅrdquoΝἶὁΝὂaὅὅaἶὁrdquoΝ(εαγΪπ λ κ πλσ γ θ η θ

ζ ΰκυ)ΝἶἷΝὃuἷΝldquoaΝ iὀtἷligecircὀἵiaΝἷΝἵἷὄtὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁ ὅuὄὂὄἷἷὀἶἷὀtἷrdquoΝ (θκ θ εα φλσθβ δθ δθα

γαυηα θ) coordena e dirige ( υθ Ϊ κυ αθΝ δαευί λθ θ) o conjunto de todas as coisas do

universo ( τηπαθ αΝεα σ Ν εαζκτη θκθΝ ζκθ) (28c6-28d9) Ela natildeo apenas ordena a

iὀtἷligecircὀἵiaΝ ldquoὁὄἶἷὀaΝ ἴἷlamἷὀtἷΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅrdquoΝ ( θκ θΝ πΪθ αΝ δαεκ η ῖθ) nos diraacute

Protarco (28e1-6) Podemos contemplar tal ordem nos astros das oacuterbitas celestes (28e4-6)

na ordem dos elementos mateacuterias que compotildeem os corpos dos animais (29a8-10) e na

proacutepria composiccedilatildeo do universo (29e1-ἁ)έΝἑἷὄtamἷὀtἷΝἶἷὅtἷΝmὁἶὁΝὧΝὃuἷΝldquoὁΝgecircὀἷὄὁΝἶaΝἵauὅaΝ

estaacute presente em tὁἶaὅΝaὅΝἵὁiὅaὅrdquoΝ(ldquo μΝα έαμΝΰΫθκμ θΝ πα δΝ Ϋ αλ κθΝ θσθΝ κ κΝ θΝη θΝ

κῖμΝ παλ᾽ ηῖθrdquo)Ν (ἁίa1ί-ἴ1)έΝ ἡὄaΝ ὀὁὅΝ ἶiὐΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ aΝ ldquoὅaἴἷἶὁὄiaΝ ἷΝ aΝ iὀtἷligecircὀἵiaΝ jamaiὅΝ

ὂὁἶἷὄiamΝὅἷΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝὅἷmΝalmardquoΝ(ldquo κφέαΝη θΝεα θκ μΝ θ υΝουξ μΝκ εΝ θΝπκ Νΰ θκέ γβθrdquo)Ν

(30c9-10) noacutes temos alma e o universo tambeacutem tem uma alma A alma do universo ao que

tudo indica eacute a causa inteligente de sua ordem assim como a alma humana eacute causa

inteligente da ordem da vida boa (PAULA 2016 p 265) O argumento centrado no quarto

gecircnero e a consequente inclusatildeo da inteligecircncia nesse gecircnero se tornou um importante

ldquoaliaἶὁrdquoΝ ὂaὄaΝ ὃuἷΝ ἷὅὅaΝ ήltimaΝ ὂuἶἷὅὅἷΝ ὁἴtἷὄΝ ὁΝ ὅἷguὀἶὁΝ ὂὄecircmiὁΝ (ἁίἶἄ-e3) A inteligecircncia

demonstrou toda a sua potecircncia ( τθαηδθ) a partir da sua pertenccedila (evidenciada) no gecircnero

da causa (31a1-3)

Da mesma forma veio agrave luz o gecircnero do prazer (31a5) e Soacutecrates resume

Lembremos tambeacutem entatildeo sobre ambos o seguinte a inteligecircncia eacute aparentada agrave causa e pode ser dita do mesmo gecircnero ( δΝθκ μΝη θΝα έαμΝ θΝ

υΰΰ θ μΝεα κτ κυΝ ξ θΝ κ ΰΫθκυμ) mas o prazer eacute ele mesmo ilimitado ( κθ π δλσμΝ Να ) e do gecircnero que natildeo tem e natildeo teraacute jamais em si e por si mesmo nem comeccedilo nem meio e nem fim (εα κ ηά Ν λξ θΝηά ΝηΫ αΝηά Ν ΫζκμΝ θΝα φ᾽ αυ κ ξκθ κμΝηβ ικθ σμΝπκ ΝΰΫθκυμΝ(ἁ1aἅ-10)

175 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

Eacute imprescindiacutevel no contexto da exposiccedilatildeo dessa ontologia quaacutedrupla perceber o

duplo movimento realizado por Soacutecrates Tendo sido demonstrado que uma vida unicamente

de prazer seria um extremo proacuteximo agrave inferioridade animal e que uma vida unicamente de

conhecimento de permanecircncia de estabilidade de pensamento puro a mais divina possiacutevel

satildeo ambas impossiacuteveis e inelegiacuteveis no contexto da vida humana que soacute poderaacute ser uma vista

mista de prazer e conhecimento haacute um avanccedilo maior a partir da exposiccedilatildeo do argumento

cosmoloacutegico contido caracteriacutestico dessa ontologia quaacutedrupla A natureza dessa vida mista

humana possui como condiccedilatildeo necessaacuteria para a realizaccedilatildeo desse ηδε σθ (mistura) a

introduccedilatildeo do limite no ilimitado realizada pelo Demiurgo de tudo aquilo que eacute produto de

gἷὄaὦatildeὁΝἶἷΝumaΝgἷὄaὦatildeὁΝὃuἷΝviὅaΝὁΝὅἷὄΝἷὅὅaΝldquogἷὄaὦatildeὁΝὂaὄaΝὁΝὅἷὄrdquoΝ(ΰΫθ δθ μ κ δαθ) Deste

modo tambeacutem a vida humana eacute uma vida mista possiacutevel em virtude dessa inteligecircncia (causa

universal) e natildeo de uma inteligecircncia particular humana Insisto sobre esse ponto uma vida

ὃuἷΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝἶiὐἷὄΝἷmΝ tἷὄmὁὅΝἵὁὀtἷmὂὁὄacircὀἷὁὅΝ ldquoἴiὁlὁgiἵamἷὀtἷΝὅatiὅfatὰὄiardquoΝmaὅΝἷὅὅaΝ

justificaccedilatildeo natildeo pode ser compreendida de forma meramente fisioloacutegica sim em uma

concepccedilatildeo cosmoloacutegica universal num sentido grego lato

EacuteΝὂὄἷἵiὅὁΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶἷὅὅaΝldquomiὅtuὄardquoΝὃuἷΝaὃuiΝὀἷὅtaΝὂaὅὅagἷmΝὂὄἷἵἷἶἷΝ

o sentido eacutetico pois esse uacuteltimo sentido eacute sustentado eacute interdependente desse sentido

cosmoloacutegico Nesse uacuteltimo sentido toda vida humana eacute boa porque a causa inteligente assim

nos constitui mediante as potencialidades dessa nossa alma humana tal como o universo eacute

constituiacutedo por uma Alma que dispotildee todas coisas de uma forma bela (εαζ 26b1-3) A

distinccedilatildeo entre uma vida boa eacutetica e uma boa vida cosmoloacutegica nunca eacute feita soacute podemos

utilizaacute-laΝἶἷΝumaΝfὁὄmaΝldquoἶiἶὠtiἵardquoΝὂaὄaΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄmὁὅΝἷὅὅaΝtὄaὀὅiὦatildeὁΝἶiὄἷtaΝἶἷΝumΝὅἷὀtiἶὁΝ

ao outro o que natildeo diz respeito a uma atitude peculiar de Platatildeo que evoca o proacuteprio sentido

ἶἷΝumaΝviἶaΝἴὁaΝldquohὁliacuteὅtiἵardquoΝἷmΝὃuἷΝὀatildeὁΝfaὐΝtaὀtὁΝὅἷὀtiἶὁΝὅἷὂaὄὠ-los na visatildeo greco-platocircnica

Esse termo soa contemporacircneo mas como visto o proacuteprio Filebo se refere a tal concepccedilatildeo

eacute um atestado dessa compreensatildeo (Cf 28d5-9) Explica Carone (2008) que

() naturalmente temos o exemplo da vida boa como uma vida de combinaccedilatildeo de prazer e ordem () Mas todos esses exemplos e muitos outros (tais como beleza forccedila fiacutesica etc ()) representam casos particulares dentro de uma estrutura mais geral do universo (ouranos to pan cf 30a9-c7) do qual se diz que os constituintes satildeo maravilhosamente belos () e que tambeacutem e primariamente existe em virtude de uma combinaccedilatildeo de apeiron e peiras Na verdade se diz ser o corpo do mundo dotado de alma (empsuchon 30a6) e todas as coisas dotadas de alma (cf to epsuchon eidos) lemos em 32a9-b1 surgem como um resultado de apeiron e peras Assim parece que apeiron e peras estatildeo apropriadamente combinados natildeo soacute em coisas individuais mas tambeacutem no cosmos como um todo E porque peras eacute causa formal de excelecircncia numa combinaccedilatildeo podemos perceber como o universo possui excelecircncia de origem interior de um modo que

176 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ἵὁmἷὦaΝ aΝ ἷxὂliἵaὄΝ aΝ ἵὁὀἵἷὂὦatildeὁΝ ldquoἷlἷvaἶardquoΝ ἶὁΝ muὀἶὁΝ ὅἷὀὅiacutevἷlΝ ὂresente no diaacutelogo (p 143 grifos da autora)

O texto do Filebo nos permite dizer que uma certa e bela ordem nos eacute dada por meio

da inteligecircncia universal que dirige e coordena todas as coisas do cosmo mas um resiacuteduo

dessa ordenaccedilatildeo que compete ao homem realizaacute-la Essa combinaccedilatildeo (vida mista) eacute uma

combinaccedilatildeo que deve ser excelente tornar-se na medida do possiacutevel excelente por meio da

inteligecircncia particular dos indiviacuteduos

Natildeo se pode a meu ver confundir a atividade demiuacutergica como algo isolado

transcendente Esse θκ μ deve ser entendido naquilo que ele eacute causa eficiente e ele eacute

imanente tanto no universo quanto na composiccedilatildeo da vista mista humana A funccedilatildeo dessa

ldquoiὀtἷligecircὀἵiardquoΝ ὧΝ ἵὁmὂὁὄΝ ἴὁaὅΝ miὅtuὄaὅΝ uὀivἷὄὅaiὅ ou particulares por isso no Filebo

diferentemente do Timeu (28c3 29a3) se utiliza o termo βηδκυλΰκ αφλκθ (27b1 26e6-8

ἀἅaἃ)Ν ὀὁΝ ὀἷutὄὁΝ ὀὁΝ lugaὄΝ ἶἷΝ ldquoἵὄiaἶὁὄrdquoΝ ( ηδκυλΰσμ) no singular masculino assim como

tambeacutem no Filebo essas combinaccedilotildees satildeo combinaccedilotildees particulares realizadas em um todo

sem alusatildeo clara agrave geraccedilatildeo do cosmos em sua totalidade Assim por mais que o limite (πΫλαμ)

informe essa combinaccedilatildeo ou melhor seja a causa formal da mistura a explicaccedilatildeo eficiente

dessa estrutura cosmoloacutegica misturada proveacutem da inteligecircncia desse θκ μ Como nos diz

ἑaὄὁὀἷΝ(ἀίίἆ)ΝldquoὅἷΝὧΝaὅὅimΝtἷmὁὅΝὄaὐatildeὁΝὂaὄaΝὅuὅὂἷitaὄΝἶἷΝalgumΝtiὂὁΝἶἷΝiὀtἷὄἶἷὂἷὀἶecircὀἵiaΝ

mἷὀtἷήἵὁὄὂὁΝmἷὅmὁΝὀumΝὀiacutevἷlΝἵὰὅmiἵὁΝ(έέέ)rdquoΝ(ὂέΝ1ἃί)έ

No contexto da discussatildeo sobre uma vida boa e consequentemente uma vida feliz o

aspecto cosmoloacutegico eacute levado em conta por Soacutecrates ao estabelecer um paralelismo entre

inteligecircncia humana e coacutesmica entre micro e macro-cosmo Penso que aqui o propoacutesito natildeo

seja demarcar estritamente uma assimetria ou mesmo oposiccedilatildeo entre um e outro mas a

anaacutelise do argumento cosmoloacutegico deve ser cuidadosa porque dada oposiccedilatildeo natildeo nos traria

resultados proveitosos em se tratando de uma compreensatildeo acertada sobre a passagem237

Devemos antes de tudo compreender esse paralelismo feito por Soacutecrates no contexto

da discussatildeo maior acerca da vida boa Ora o condutor da discussatildeo talvez esteja afirmando

que o universo possui uma mente coacutesmica que opera essas misturas de uma forma excelente

que governa dirige e preserva a boa ordem de todas coisas que mistura belamente Dito isso

o paralelismo passa a ser estabelecido entre esse θκ μ coacutesmico e os organismos individuais

237 Sobre isso eacute possiacutevel ver a anaacutelise detalhada e a recomposiccedilatildeo do argumento por Carone (2008 p 152) que aborda com clareza que a interpretaccedilatildeo incorreta do paralelismo natildeo alcanccedila resultados satisfatoacuterios principalmente quando esse paralelismo eacute interpretado sob o ponto de vista da distinccedilatildeoseparaccedilatildeo da causa do mundo seja pela equivocada compreensatildeo rasa da relaccedilatildeo sensiacutevel-inteligiacutevel ou melhor entre teoloacutegico e fisioloacutegico A teoacuterica diz com toda clareza que o argumento desenvolvido na passagem eacute fiacutesico-teoloacutegico e natildeo somente teoloacutegico (no inteligiacutevel) ou somente fiacutesico (no plano sensiacutevel) ele eacute fiacutesico-teoloacutegico e ambos os planos de realidade (CARONE 2008 p 150-151)

177 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

(28c-29d) Ora se reconhecemos em noacutes a existecircncia de um corpo e esse corpo proveacutem do

corpo do universo tambeacutem em relaccedilatildeo a alma podemos pressupor o mesmo isto eacute que ela

proveacutem de uma alma universal e superior Eacute porque reside nessa alma (a coacutesmica) que essa

inteligecircncia (θκ μ) governa sempre o universo Logo natildeo se trata aqui de uma distinccedilatildeo niacutetida

entre sensiacutevelinteligiacutevel corpoalma caso defendecircssemos isso ou seja que a natureza da

causa o intelecto demiuacutergico estivesse aleacutem dessa interdependecircncia mente-corpo de tal

mὁἶὁΝὃuἷΝἷὅὅἷΝldquoZἷuὅΝὄὧgiὁrdquoΝ( δ μ ία δζδε θ 28d1-4) como eacute chamada a causa essa uacuteltima

estivesse aleacutem da alma perderiacuteamos a grandeza do paralelismo aqui estabelecido Sabedoria

e inteligecircncia nos diz Soacutecrates natildeo existem sem alma (Cf 30c-910) A alma do mundo assim

como a alma humana satildeo ambas princiacutepios de organizaccedilatildeo238 de sustentaccedilatildeo a causa

existe em todas as coisas o que sugere ainda mais inerecircncia da causa do que sua separaccedilatildeo

ontoloacutegica

Essa alma do mundo eacute singular mas sua tarefa ordenadora dirige-se agraves entidades

particulares das quais reconhecemos a natureza das coisas mais e belas e mais nobres em

porccedilotildees maiores no universo como nos astros celestiais Reconhecemos que essa beleza e

essa nobreza eacute fruto desse ordenamento dessa sustentaccedilatildeo que a inteligecircncia realiza nas

almas desses seres ou seja dessa geraccedilatildeo inteligiacutevel em direccedilatildeo ao ser Esse θκ μ que

realiza a combinaccedilatildeo no universo tem de ser a inteligecircncia na alma do mundo o θκ μ coacutesmico

Da mesma maneira ocorre em noacutes essa tarefa criadora e ordenadora excelentemente

realizada pela demiurgia que compotildee essa nossa natureza humana mista de prazer e

inteligecircncia na qual tambeacutem podemos reconhecer esse belo ordenamento (sauacutede

constituiccedilatildeo corpoacuterea adequada vigor fiacutesico etc) em menores porccedilotildees e que por vezes se

desfaz e novamente se restabelece ou seja esse θκ μ que possibilita que tenhamos uma

vida mista de acordo com essa proacutepria condiccedilatildeo (humana)

Contudo no caso dos seres humanos nem sempre alma e θκ μ coincidem pois nossa

alma possui outras capacidades psiacutequicas e fisioloacutegicas proacuteprias agrave nossa condiccedilatildeo natural

No caso do cosmos tambeacutem resultante dessa mistura de limite e ilimitado a identidade entre

θκ μ e alma eacute possiacutevel porque no inteligiacutevel esse ordenamento natural se conserva de forma

excelente diferentemente do caso humano A inteligecircncia coacutesmica natildeo permite que o caos se

instaure que o universo seja caoacutetico e desordenado Por isso Soacutecrates chamaraacute essa

inteligecircὀἵiaΝ ὃuἷΝ ὄἷὅiἶἷΝ ὀaΝ almaΝ humaὀaΝ ἶἷΝ ldquoὅaἴἷἶὁὄiaΝ ἵὁmὂlἷtaΝ ἷΝ vaὄiaἶardquoΝ (εα παθ κέαθΝ

κφέαθΝ πδεαζ ῖ γαδ 30b4) tendo em vista que ela nos possibilita muitos ganhos como a

238 ἑaὄὁὀἷΝ ἶiὐΝ ὅὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὃuἷμΝ ldquo(έέέ)Ν ὂἷὄmaὀἷἵἷΝ vἷὄἶaἶἷiὄὁΝ ὃuἷΝ ἷὅὅἷΝ vὁἵaἴulὠὄiὁΝ ἶifiἵilmἷὀtἷΝ ὅἷὄiaΝempregado por algueacutem que considera o corpo um mero acessoacuterio da alma como alguns entendem que sugerem os diaacutelogos intermediaacuterios de Platatildeo Em lugar disso a analogia macromicro cosmo pareceria ressaltar a presenccedila da alma no universo primordialmente como um princiacutepio de sua organizaccedilatildeo semelhante agrave alma em noacutes (agrave qual se diz que pertence a funccedilatildeo de ser um archecirc em Fil ἁἃἶ)rdquoΝ(ἀίίἆΝp 152)

178 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

sauacutede que se restaura pela medicina e pela ginaacutestica quando o corpo falha Mas no universo

em que a inteligecircncia coacutesmica tambeacutem produz constantemente essas misturas ela sempre

as faz de uma maneira legiacutetima com regularidade e sempre de forma excelente

Logo essa suposta inferioridade natildeo parece ser aqui justificada em vista dessa

distinccedilatildeo entre planos (sensiacutevelinteligiacutevel) porque no universo tambeacutem haacute corpos e corpos

com almas permitem serem ordenados belamente nem que a demiurgia seja algo

(transcendente) que esteja aleacutem da imanecircncia do mundo mas ela eacute causa eficiente que pela

introduccedilatildeo limite torna excelente qualquer mistura239 por isso a alternacircncia socraacutetica ao dizer

que a alma eacute coacutesmica e que a causa eacute θκ μ Jaacute no caso da vida humana mista somos

convocados a sempre voltarmos agrave essa constituiccedilatildeo originaacuteria a qual fomos destinados a vida

eacutetica boa eacute essa vida que realiza essa harmonizaccedilatildeo entre a finalidade coacutesmica estabelecida

pela inteligecircncia coacutesmica ao criar o homem (num sentido universalgeneacuterico) e a finalidade

estabelecida pela causa individual humana ou seja a inteligecircncia particular de cada indiviacuteduo

A vida humana destarte eacute sempre mista e isso Platatildeo jamais negou mas o que se

nega eacute que nem sempre ela eacute uma legiacutetima mistura agrave vista disso nem sempre boa (num

ὅἷὀtiἶὁΝὧtiἵὁ)έΝἏΝtaὄἷfaΝhumaὀaΝἵὁὀὅiὅtἷΝἷmΝumΝldquoafiὀamἷὀtὁrdquoΝὃuἷΝὄἷὃuἷὄΝumΝὄἷtὁὄὀὁΝὅἷmὂὄἷΝ

que possiacutevel a esse modelo originaacuterio belamente disposto pela inteligecircncia coacutesmica ou seja

agrave finalidade originaacuteria atribuiacuteda agrave alma humana pela inteligecircncia coacutesmica no momento de sua

criaccedilatildeo tarefa que deve ser realizada pela accedilatildeo humana e que consiste em conservar essa

originalidade que tem como paradigma como modelo a ordem universal coacutesmica O universo

possui uma organizaccedilatildeo interior na qual a inteligecircncia sempre cumpre da melhor maneira o

seu papel Noacutes tambeacutem possuiacutemos uma composiccedilatildeo natural dotada de intelecto devido agrave

presenccedila da alma e tambeacutem afetiva devido ao corpo uma organizaccedilatildeo interior mas perdemos

constantemente essa excelecircncia quando realizamos maacutes misturas na qual os ingredientes

natildeo satildeo bem dosados e corrompem nossa mistura (condiccedilatildeo) originaacuteria tornando-a

ἶἷὅὂὄὁviἶaΝἶἷΝtalΝἷxἵἷlecircὀἵiaΝὃuἷΝaΝldquoviἶaΝἵὰὅmiἵaΝuὀivἷὄὅalrdquoΝmaὀtὧmΝiὅtὁΝὂὁὅtὁΝἷlaΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝ

tὁmaἶaΝἵὁmὁΝὂaὄaἶigmaΝἵὁmὁΝmὁἶἷlὁΝὁuΝὀὁὅΝἶiὐἷὄἷὅΝὂlatὲὀiἵὁὅΝἵὁmὁΝaΝldquomaiὅΝἶiviὀardquoέΝ

O universo eacute um corpo um corpo dotado de alma com os mesmos elementos que

residem em noacutes em maiores porccedilotildees de quantidade (nos diz o Filebo em 30d-e) A diferenccedila

se encontra portanto na conservaccedilatildeo da ordem firmemente estabelecida no arranjo

(qualitativo) presente no universo que permanece fiel agrave sua finalidade originaacuteria240 Quanto ao

homem somos corpos corpos dotados de alma com os mesmos elementos do universo em

menores porccedilotildees (de quantidade) poreacutem natildeo conservamos nossa finalidade originaacuteria da

239 ἠatildeὁΝὃualὃuἷὄΝἵὁmἴiὀaὦatildeὁΝmaὅΝumaΝldquoἵὁὄὄἷtaΝἵὁmἴiὀaὦatildeὁrdquoΝ( λγ εκδθπθέμ) eacute louvada por Soacutecrates em 25e7 240 Soacutecrates diraacute em 30c3-ἄμΝldquo(έέέ)Νὀo universo haacute tanto excesso de ilimitado quanto suficiecircncia de limite e sobre eles uma causa natildeo inferior ordenado belamente e coordenando os anos as estaccedilotildees e os mἷὅἷὅΝὃuἷΝὂὁἶἷὄiaΝὅἷὄΝἵhamaἶaΝἵὁmΝtὁἶὁΝὁΝἶiὄἷitὁΝἶἷΝὅaἴἷἶὁὄiaΝἷΝἶἷΝiὀtἷligecircὀἵiardquoέ

179 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

criaccedilatildeo somos infieacuteis quanto agrave nossa constituiccedilatildeo originaacuteria Precaacuterios e ignoacutebeis realizamos

maacutes misturas e precisamos retomar por meio de nossa faculdade intelectiva individual a

busca pela conservaccedilatildeo dessa ordem belamente estabelecida e perdida a qual tornaria de

fatὁΝὀὁὅὅaΝviἶaΝὄἷalmἷὀtἷΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἡΝὃuἷΝὁΝFilebo deixaraacute claro a meu ver eacute que

essa nossa vida mista de prazer e inteligecircncia soacute poderaacute ser efetivamente boa quando a vida

particular humana se esforccedilar ao maacuteximo para adquirir a natureza de uma forma geneacuterica que

participa da Forma do Bem que eacute a uacutenica coisa boa de forma absoluta que eacute boa

ἷxἵἷlἷὀtἷmἷὀtἷΝἷΝὂὁὄΝiὅὅὁΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝἶἷὀὁmiὀaἶaΝἵὁmὁΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝὀὁΝὅἷὀtiἶὁΝἷὅtὄitὁέΝ

Cosmologia e eacutetica portanto permanecem conjugados e natildeo separados pois aquilo

a que todas as coisas aspiram sejam elas universais (cosmoloacutegicas) ou mesmo o proacuteprio

homem enquanto tambeacutem um desses seres presente no universo eacute o Bem e que na vida

humana permanece como a orientaccedilatildeo maior para que uma vida seja realmente uma vida

boa e como nos diz o Filebo deve ser buscado na vida mista entre prazer e conhecimento

Dito de outro modo o bem humano natildeo eacute este ou aquele bem mas uma vida boa a boa vida

humana A questatildeo que envolve o Filebo vai aleacutem de uma simples e faacutecil mistura essa eacute uma

das misturas mais relevantes porque trata de compreender a todo instante se uma vida tal

como ela eacute ela mesma se basta a si poacutepria O prazer teria essa ilusatildeo que o pensamento

denuncia mas nenhum nem outro nem prazer nem inteligecircncia devem ser tratados de forma

polarizada mas a eacutetica define-se por uma pergunta muito mais complexa a partir da

introduccedilatildeo da mistura que visa o bem O prazer eacute parte da vida boa seu fasciacutenio encanta

mas como introduzir algo ilimitado em si-mesmo naquilo que essencialmente por natureza eacute

limitado como eacute o caso da boa vida241

Quando o π δπκθ reina quem impera eacute o acaso e a necessidade ( υξ ιΝ

θΪΰεβμ)242 natildeo a ordem243 natildeo o planejamento e a inteligecircncia O universo natildeo eacute irracional

ambos dialogadores chegam a tal conclusatildeo muito pelo contraacuterio nele impera a ordem e a

regularidade de forma excelente Considerar o prazer como bem eacute dizer que nossa vida inteira

deve ser regulada em funccedilatildeo de algo que pertence ao gecircnero do π δλκθ o prazer eacute π δλκθ

ou seja passa pelo mais e pelo menos eacute pura geraccedilatildeo pura transgressatildeo que recusa a

imposiccedilatildeo do limite um devir e o devir torna-se mas natildeo eacute ser o prazer soacute se torna ser depois

da atividade dialeacutetica que o estrutura que o limita primeiramente em multiplicidade

241 NaὅΝἴἷlaὅΝὂalvὄaὅΝἶἷΝἐὁὅὅiμΝldquoἏΝvἷlhaΝὂaixatildeὁΝἶἷΝἑὠliἵlἷὅΝὄἷἷὀἵaὄὀaΝἷmΝἔilἷἴὁμΝὁΝἴὁmΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἷmΝseu caraacuteter ilimitado natildeo impedido sempre possiacutevel de ser levado um pouco mais adiante Talvez poderiacuteamos dizer que toda a eacutetica socraacutetico-platocircnica natildeo tem outro objetivo principal que desmascarar ἷὅtaΝatὄaἷὀtἷΝviὅatildeὁΝἷΝἶἷὅtὄuiὄΝaΝ faὅἵiὀaὦatildeὁΝὃuἷΝaΝὂἷὄὅὂἷἵtivaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝ ilimitaἶὁΝἷxἷὄἵἷΝὅὁἴὄἷΝὀὰὅrdquoΝ(2008 p 241) 242 (Cf Ti 46e5-6) 243 O termo desordem ( Ϊε πμ) aparece em 29a4 relacionado anteriormente com o acaso ( υξ cf 28d5-9 Ti 46e Lg 889c) pois Soacutecrates questiona a Protarco (28d5-7) se poderiacuteamos dizer que o universo eacute governado pela potecircncia do irracional ( ζσΰκυ) e de arbitrariedade e daquilo que acontece ὂὁὄΝaἵaὅὁΝ( θΝ κ ζσΰκυΝεα ε τθαηδθΝεα π υξ θ)έ

180 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

determinada e depois disso em uma unidade indeterminada que se denomina prazer mas

que satildeo vaacuterios prazeres244 O prazer ilimitado prescinde da accedilatildeo da inteligecircncia na

composiccedilatildeo da vida mista boa nesta ele soacute pode ser bom apoacutes essa imposiccedilatildeo do limite

pois essa vida para ser uma boa vida realmente deve saber dosar corretamente prazer e

inteligecircncia tendo como referecircncia o ordenamento executado pela inteligecircncia coacutesmica

universal a finalidade originaacuteria da sua criaccedilatildeo pela Inteligecircncia universal que se deu por meio

de sua alma (humana) ordenamento que agora deveraacute ser retomado e consiste propriamente

a uma accedilatildeo executaacutevel pelo proacuteprio homem Nos belos dizeres de Carone (2008)

()um importante contraste torna-se aparente aqui ao observarmos como num niacutevel coacutesmico a prevalecircncia do nous sobre o acaso a necessidade ou o ilimitado constitui um fato determinado e digno do aspecto dos ceacuteus (Fil 28e) Ao contraacuterio para os seres humanos isso natildeo eacute determinado cabe a noacutes optar por uma vida irracional de prazer excessivo ou entatildeo nos decidir a governaacute-la com nosso nous () Mas como podemos compreender nossas proacuteprias tendecircncias de modo que nos capacitemos a controlaacute-las melhor Como podemos alcanccedilar vidas humanas estavelmente felizes Eacute para esse tipo de problema eacutetico que a passagem cosmoloacutegica que estivemos discutindo serve para estabelecer o conhecimento de base apropriado uma vez que eacute igualmἷὀtἷΝ imὂὁὄtaὀtἷΝ aὂὄἷὀἶἷὄΝ ldquoὁΝ ὃuἷΝ ὧΝ ἴὁmΝ taὀtὁΝ ὀὁὅΝ ὅἷὄἷὅΝhumaὀὁὅΝἵὁmὁΝὀὁΝuὀivἷὄὅὁrdquoΝ(ἄἂa1-2) (p 157 grifos da autora)

Por fim vemos que mesmo aqui nessa fundamentaccedilatildeo cosmoloacutegica toda e qualquer

geraccedilatildeo tem como fim o bem por isso ela eacute (tanto no caso cosmoloacutegico quanto no caso eacutetico)

propriamente axioloacutegica tem em vista sempre o melhor o bom o bem e tudo o que eacute

consoante ao valor maior pelo qual todas as coisas anseiam como nos ficaraacute claro em 53-

54d

33 Prazer Conhecimento e Valor

Foi dito que a questatildeo do prazer na vida humana eacute tratada segundo as questotildees da

teleologia universal coacutesmica A vida boa se define pela sua finalidade Eacute isso que importa para

Platatildeo Antes do conteuacutedo da mistura da vida boa eacute preciso investigar qual forma este tipo

de vida deve tomar Eacute necessaacuterio delineaacute-la pois a partir disso seraacute possiacutevel ao indiviacuteduo

244 ἒixὅautΝ(ἀίί1)ΝἴἷmΝὁἴὅἷὄvaμΝldquoἒiὐἷὄΝἶἷΝalgὁΝἷΝὂaὄtiἵulaὄmἷὀtἷΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὃuἷΝἷlἷΝὅἷΝἷὀἵὁὀtὄaΝὀὁΝgecircnero do apeiron natildeo significa apenas devolver negativamente a ele qualquer limite mas determina-lo positivamente como uma espeacutecie de realidade capaz de recusar qualquer determinaccedilatildeo qualquer limite qualquer medida Era portanto necessaacuterio antes de submeter o prazer agrave anaacutelise refletir sobre a maneira de como lidar com uma realidade desse gecircnero comeccedilando por definir o gecircnero () A ilimitaccedilatildeo proacutepria ao prazer eacute essa ilimitaccedilatildeo dinacircmica essa recusa de qualquer quantidade determinada de qualquer medida e de qualquer fim Eacute a ela que o dialeacutetico deve impor nuacutemero e estrutura (aruthmos)rdquoΝ(ὂέΝἁ1ἂΝἁ1ἄ)έ

181 33 Prazer Conhecimento e Valor

atuar na composiccedilatildeo da mistura dosando corretamente os ingredientes que devem ser

incluiacutedos em tal composiccedilatildeo Primeiramente esse indiviacuteduo deve conhecer a forma dessa

vida a vida mista seu lugar na teleologia coacutesmica e posteriormente realizar a composiccedilatildeo

da vida mista boa concretizaacute-la atualizaacute-la Eacute a forma desta vida mista que determina o

conteuacutedo dessa boa vida mas essa vida deve ser capaz de atender agraves finalidades do εσ ηκ

O pensamento presente nesta foacutermula da vida boa consegue extrapolar a funccedilatildeo de

mero possibilitador da fruiccedilatildeo de prazeres do caacutelculo dos prazeres realizados pela memoacuteria

a inteligecircncia nos oferece outros atributos ela eacute capaz de conhecer a fundo essa mistura de

instaurar as finalidades mais amplas em nossa existecircncia concreta Todavia ela deve

exercitar-se a fim de conhecer a real dimensatildeo da sua potecircncia para aplicaacute-las na vida

humana logo conhececirc-las (estas possibilidades) permitiraacute tambeacutem conhecer a forma que a

vida humana pode e deve assumir se de fato ela deseja ser uma vida boa O pensamento

assim possui um valor inestimaacutevel pois aleacutem de participante e constituinte da vida mista ele

eacute capaz de tornar uma vida mista humana uma vida boa ele dispotildee de vaacuterios recursos como

traccedilar estrateacutegias calcular rememorar investigar imaginar avaliar julgar dentre outras O

pensamento e o conhecimento ainda seratildeo definidos mais claramente no espectro desse texto

platocircnico O pensamento possui um poder amplo na vida boa e no argumento que perscruta

acerca do bem e da vida boa no contexto dialoacutegico aqui tratado Desta maneira a finalidade

da vida humana natildeo pode ser o prazer jaacute que o conhecimento natildeo se encontra ocupado

somente com a fruiccedilatildeo dos prazeres

O hedonismo enquanto uma teoria eacutetica deve ser refutado por Soacutecrates tendo em

vista a dimensatildeo do pensamento do conhecimento que na vida humana excede extrapola

essa uacutenica funccedilatildeo de fruiccedilatildeo dos prazeres Logo o prazer natildeo pode ser o bem Todavia o

prazer reclama a todo instante sua existecircncia no conjunto da vida boa uma vida de

pensamento unicamente natildeo eacute desejaacutevel dada a nossa condiccedilatildeo humana afetivo-intelectual

O bem precisa ser algo que possua limites que o proacuteprio prazer natildeo possui Mas o prazer

enquanto um ilimitado que eacute pode ser limitado pela atuaccedilatildeo do pensamento pode se tornar

bom por isso defendemos consistentemente que o Filebo eacute um diaacutelogo que vai muito aleacutem

do embate hedonismo vs anti-hedonismo quando falamos em vida mista de prazer e

inteligecircncia a forma e o conteuacutedo da vida boa mista altera essa oposiccedilatildeo draacutestica pois

nenhum desses dois elementos (prazer e inteligecircncia) podem ser eliminados drasticamente

da vida humana

Os bens humanos passam a ser discutidos de uma outra maneira e essa teoria eacutetica

tradicional convencional precisa ser transposta criticamente pelo Soacutecrates do Filebo O bem

para uma vida enquanto vida humana soacute pode ser uma vida boa A explicaccedilatildeo de Soacutecrates

para tais temas eacuteticos reconfigura-se no caso do Filebo como se pode notar vai mais a fundo

permitindo uma anaacutelise psicoloacutegica e fisioloacutegica e por uacuteltimo eacutetica muito mais complexa do

182 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

que posiccedilotildees dogmaacuteticas estritas em torno do problema eacutetico tradicional sobre as accedilotildees

humanas sobre o modo como se deve viver A busca pela definiccedilatildeo de uma eacutetica se assim

podemos dizer em Platatildeo foge de posiccedilotildees extremas polarizadas Muito pelo contraacuterio a

pergunta relevante a mais simples e a mais enigmaacutetica da eacutetica eacute uma questatildeo complexa e

dialeacutetica Agora sim eacute o momento de analisar os conteuacutedos da mistura da forma da boa vida

desejada como ideal para os indiviacuteduos Quais e que tipos prazeres entram nessa mistura

Quais e que tipos de conhecimentos devem ser incluiacutedos nessa vida mista para que ela seja

boa Jaacute que o prazer pode receber determinaccedilatildeo e se tornar algo bom nessa mistura e a

inteligecircncia natildeo se restringe unicamente agrave tarefa de tornar possiacutevel a fruiccedilatildeo dos prazeres

mas desempenha outros melhores e maiores papeis nessa composiccedilatildeo vejamos entatildeo qual

a relevacircncia destes dois elementos nessa forma da vida boa mista

A anaacutelise dos prazeres ocupa grande parte do diaacutelogo (31b-55c) Natildeo pretendo aqui

tratar exaustivamente dessa anaacutelise devido agraves finalidades redutivas que nosso trabalho nos

impotildee O trecho eacute permeado de passagens complexas que evocam uma compreensatildeo clara

de vaacuterios temas presentes no corpus que podem e devem ser retomados para o tratamento

dessa importante questatildeo filosoacutefica da filosofia platocircnica Minha hipoacutetese de leitura pretende

ressaltar brevemente dois aspectos que a meu ver satildeo importantiacutessimos para compreensatildeo

da anaacutelise dos prazeres a saber em primeiro um aspecto gnosioloacutegico e em seguida um

aspecto valorativo ou axioloacutegico como pretendo chamar aqui245

Primeiramente o prazer deve ser analisado em relaccedilatildeo ao seu contraacuterio ou seja no

prazer e dor jamais poderiacuteamos analisar sob tortura o prazer separado da dor nos diz

ἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝἁ1ἴἄΝ(ζτπβμΝ α ξπλ μΝ θΝ κθ θΝκ εΝ θΝπκ Ν υθαέη γαΝ εαθ μΝία αθέ αδ)έΝ

Dor e prazer agora satildeo incluiacutedos em um gecircnero comum o que dista da sua classificaccedilatildeo

anterior no gecircnero do ilimitado Devemos antes de qualquer alarde nos atentar para o sentido

ἶἷὅὅἷΝldquoἵὁmumrdquoΝ(εκδθ ) utilizado aqui por Platatildeo Soacutecrates diz que por natureza (εα φτ δθ)

ambos (prazer e dor) residem neste gecircnero do comum

O exemplo da sauacutede eacute retomado (31d10-11) Quando em noacutes se desata a harmonia

( μΝ ληκθέαμΝη θΝζυκηΫθβμΝ ηῖθ)ΝὁἵὁὄὄἷΝaΝἶiὅὅὁluὦatildeὁΝἶaΝὀatuὄἷὐaΝ(ζτ δθΝ μΝφτ πμ)ΝἷΝἶaiacuteΝ

simultaneamente resultam as dores (31d4-6) Quando poreacutem a harmonia se recompotildee

245 Sigo bem de perto certos autores contemporacircneos que hora ou outra ocupam parte do meu texto me alio a essa visatildeo interpretativa do diaacutelogo e principalmente da questatildeo do prazer por consideraacute-la mais entusiasmante e mais atenta aos problemas complexos que envolve essa intrincada questatildeo do prazer na filosofia de Platatildeo Recentemente essa visatildeo eacute defendida por alguns autores nos quais me fundamento para a construccedilatildeo da minha anaacutelise como (Marques (2012) Teisserenc (1999 2010) Bossi (2008) Dixsaut (1999 2001 2017) ndash considero importante tambeacutem retomar (Delcomminette Bravo) enquanto grandes especialistas da temaacutetica mas natildeo sigo em alguns momentos seus posicionamentos principalmente no que diz respeito a esse momento da anaacutelise dos prazeres

183 33 Prazer Conhecimento e Valor

novamente retornando a sua proacutepria natureza surgem os prazeres (πΪζδθΝ ληκ κηΫθβμΝ Ν

εα μΝ θΝα μΝφτ δθΝ πδκτ βμΝ κθ θΝΰέΰθ γαδ) (31d8-10)

Alguns exemplos ofertados por Soacutecrates (31e6-32a8) facilitam a compreensatildeo como

a fome porque haacute dissoluccedilatildeo (ζτ δμ) e dor (ζτπβ) enquanto o ato de comer eacute um

preenchimento (πζάλπ δμ) de retorno (ΰδΰθκηΫθβ π ζδθ) agrave situaccedilatildeo normal e prazer do

mesmo modo a sede que eacute corrupccedilatildeo (φγσλα) do estado natural fisioloacutegico e dor e o

preenchimento (πζβλκ α) com liacutequido que preenche a secura prazer o calor insuportaacutevel e

a refrigeraccedilatildeo satildeo exemplos do mesmo tipo dor-restauraccedilatildeo separaccedilatildeo e dissoluccedilatildeo do

estado natural ( δΪελδ δμ εα δΪζυ δμ παλ φτ δθ) sendo o resfriamento nesse caso de

calor extremo restauraccedilatildeo do equiliacutebrio natural o congelamento (frio extremo) contraacuterio agrave

natureza que congela os liacutequidos do animal e a restauraccedilatildeo por meio do retorno ao acordo

natural (εα φτ δθ rsquoΝπΪζδθ πσ κ έμ) ou seja ao se liquidificarem eacute um retorno agrave natureza

e por isso prazeroso Logo conclui-se que quando essa harmonia natural se corrompe

(φγσλαθ) entre limite e ilimitado o resultado eacute a dor e o caminho do retorno tem como

resultado nos seres vivos o prazer e ele eacute retorno ao proacuteprio ser ( θΝ ᾽ μΝ θΝα θΝκ έαθΝ

σθΝ ατ βθΝ α πΪζδθΝ θΝ θαξυλβ δθΝπΪθ πθΝ κθάθ) (32b1-5) Em 32e1-2 Soacutecrates iraacute

ἵὁὀἵluiὄΝ ldquoὃuaὀἶὁΝ hὠΝ ἵὁὄὄuὂὦatildeὁΝ ἶἷὅὅaὅΝ ἵὁiὅaὅΝ hὠΝ ἶὁὄΝ ἷΝ ὃuaὀἶὁΝ hὠΝ ὄἷὅtauὄaὦatildeὁΝ ὂὄaὐἷὄrdquoΝ

(ldquo δαφγ δλκηΫθπθΝη θΝα θΝ ζΰβ υθΝ θα ακηΫθπθΝ κθάrdquo)έ

Na passagem da ontologia quaacutedrupla a sauacutede era tomada como um exemplo do

gecircnero misto dentre aqueles outros trecircs gecircneros Ou seja toda a descendecircncia desse misto

ἷὄaΝtὄataἶὁΝἵὁmὁΝumaΝldquogἷὄaὦatildeὁΝἷmΝviὅtaΝἶὁΝὅἷὄrdquoΝ(ΰ θ δθ μ κ δαθ) Pela introduccedilatildeo do limite

no ilimitado o devir a geraccedilatildeo adquiriam estabilidade e deixavam de ser um movimento

contiacutenuo ininterrupto deixavam de ὅἷὄΝumaΝmἷὄaΝldquogecircὀἷὅἷrdquoΝἷΝὅἷΝtὁὄὀavamΝldquogἷὄaὦatildeὁΝὂaὄaΝὁΝ

ὅἷὄrdquoέΝ ἦamἴὧmΝ aΝ viἶaΝ humaὀaΝ fὁiΝ ἵὁὀsiderada uma vida mista a constituiccedilatildeo orgacircnica

fisioloacutegica dos seres humanos pertenciam ao gecircnero da mistura Os elementos dessa vida

misturada estavam sujeitos ao devir pois passavam pelo mais e o menos num contiacutenuo

movimento ou seja o ilimitado foi tratado como uma ilimitaccedilatildeo dinacircmica que recusava uma

quantidade determinada qualquer medida qualquer fim Estes movimentos do ilimitado ora

se aproximavam ora se distanciavam da condiccedilatildeo saudaacutevel ideal Esses movimentos agora

estatildeo relacionados aqui agrave dor e ao prazer O prazer deve ser parte dessa mistura porque ele

eacute tambeacutem bom nessa mistura da vida humana mas natildeo deixa por outro lado de pertencer

ao gecircnero do ilimitado enquanto esse movimento de restauraccedilatildeo da proacutepria natureza do ser

vivo de restauraccedilatildeo da harmonia do estado saudaacutevel natural livrando-se da degradaccedilatildeo

anterior Por mais que as coisas estejam em devir e por vezes a sauacutede se dissolve e a

harmonia desse estado natural se corrompe se dilui e embora vivamos nesta oscilaccedilatildeo

constante entre sauacutede e doenccedila haacute um estado miacutenimo em que as condiccedilotildees fisioloacutegicas

tentam preservar o maacuteximo possiacutevel dessa harmonia original Harmonia planejada pela

184 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

inteligecircncia coacutesmica que impotildee limites na mistura por intermeacutedio da alma tornando esta vida

ordenada Esse eacute o modo de vida mista louvado por Soacutecrates no diaacutelogo vida de pensamento

e de prazer como a mais digna de ser escolhida

O prazer do corpo natildeo eacute apenas um sinal de satisfaccedilatildeo sentida mas tambeacutem eacute um

alerta de que a constituiccedilatildeo saudaacutevel a natureza harmocircnica fisioloacutegica estaacute retornando ao

seu estado natural em certo indiviacuteduo O prazer tambeacutem atesta a desordem pois quando ele

se ausenta progressivamente ele jaacute daacute indiacutecios de que a dor estaacute por vir Por isso tambeacutem

ele eacute ilimitado nesse aspecto pois ele daacute sinais de variaccedilatildeo que jaacute passam a reclamar seu

contraacuterio a dor O limite permite apenas que ele adentre na mistura quando aquele (o prazer)

permite que sua indeterminaccedilatildeo seja contida e possua o miacutenimo de variaccedilatildeo possiacutevel A vida

humana como um modo de vida que eacute ciente inteligente nota essas variaccedilotildees Logo o prazer

se inclui no Ilimitado comparativamente agrave sua presenccedila no gecircnero misto de ilimitado e de

limite haacute niacuteveis distintos e movimentos distintos em que ora ele se inclui totalmente e ora se

inclui totalmente no misto de limite e ilimitado Assim observa Bravo (2007)

Como entender esta aparente dupla inclusatildeo geneacuterica do prazer agora inseparaacutevel da dor Natildeo sem a definiccedilatildeo fisioloacutegica do prazer que vem na continuaccedilatildeo () a saber do prazer como repleccedilatildeo (πζάλπ δμ) de um vazio (εΫθπ δμ 35b 42d1) Esta definiccedilatildeo () mostra que a Ilimitaccedilatildeo do prazer eacute a de um movimento (εέθβ δμ R 583e10) que passa do vazio agrave plenitude e comporta necessariamente um mais e um menos destes dois estados Por conseguinte tanto o prazer como a dor satildeo de certo modo um misto de vazio e plenitude A plenitude que eacute o prazer proveacutem sempre de um vazio que eacute atual ou potencialmente dor e se encontra constantemente ameaccedilada por ele O vazio que eacute a dor por sua vez tende naturalmente agrave plenitude que eacute o ὂὄaὐἷὄΝἷΝὃuἷΝὁΝautὁὄΝiἶἷὀtifiἵaΝἵὁmΝaΝldquohaὄmὁὀiardquoΝἶaΝὀatuὄἷὐaΝ(ἁ1ἶ)έΝEacuteΝaὅὅimΝque o prazer se inclui tanto no gecircnero do Misto quanto no do Ilimitado mas natildeo ao mesmo tempo e no mesmo niacutevel se inclui no Ilimitado mediante sua inclusatildeo no Misto de Ilimitado e Limite Com efeito o que se inclui no todo tambeacutem se inclui em suas partes (p 29)

Eacute interessante notar o modo como Platatildeo conjuga a anaacutelise fisioloacutegica do prazer com

a ontologia anteriormente tratada fundamentalmente sobre os quatro gecircneros O prazer

desempenha um papel importante em se tratando do modo de vida que adotamos ele possui

um valor moral inquestionaacutevel seja no aspecto fisioloacutegico seja no aspecto eacutetico o prazer na

vida mista composta de prazer e de dor deve ser equilibrado corretamente entre os

elementos que constituem essa dada mistura A introduccedilatildeo do limite nestes elementos

ilimitados se torna necessaacuteria em ambos os aspectos fisioloacutegico e eacutetico Tal accedilatildeo nos permite

integraacute-los em uma condiccedilatildeo estaacutevel ordenada saudaacutevel Prazer e conhecimento cumprem

um papel nessa ordenaccedilatildeo baacutesica mas natildeo apenas isso Eacute importante notar o modo como

185 33 Prazer Conhecimento e Valor

essa ordenaccedilatildeo eacute feita para que a mistura natildeo seja corrompida pervertida e nossa condiccedilatildeo

natural natildeo sofra grandes alteraccedilotildees ou mesmo se corrompa totalmente

ἑaὅὁΝὀatildeὁΝὀὁὅΝὂὄἷὁἵuὂἷmὁὅΝὅὁἴὄἷΝὁΝὂaὂἷlΝἶἷὅὅaΝviἶaΝhumaὀaΝmiὅtaΝὀaΝldquoviἶaΝἵὰὅmiἵardquoΝ

em arranjaacute-la em sintonia com a harmonia universal primeiramente em nossa vida puramente

fisioloacutegica e posteriormente eacutetica faremos isso de uma forma inteligente agrave semelhanccedila da

ordenaccedilatildeo universal encontraremos restriccedilotildees de toda parte o proacuteprio universo nos restringe

quando optamos por uma vida desenfreada que foge ao curso natural das coisas Somos

frustrados quando tentamos levar uma vida depravada desordenada sob a ilusatildeo de que ela

seria a mais correta e nos bastaria a depravaccedilatildeo manifesta esse sinal de oposiccedilatildeo ao natural

O resultado da transgressatildeo perpeacutetua da corrupccedilatildeo desse modelo de vida mista eacute a

dor O contraacuterio uma vida de prazer Obviamente temos aqui um argumento eacutetico mas o

caraacuteter valorativo dessas proposiccedilotildees encontra-se impregnada a uma visatildeo eacutetica que

relaciona indiviacuteduo e todo sem menosprezar nem um nem outro assim como prazer e

inteligecircncia natildeo satildeo desprezados nem um nem outro na defesa da vida boa e feliz porque

assim exige nossa condiccedilatildeo humana Se pervertemos essa ordem tornando o prazer como

fim a ser buscado levando uma vida irrefreada de prazeres intensos imoderados rompendo

com os limites da nossa constituiccedilatildeo natural por viver intensamente sob o domiacutenio das paixotildees

e extravasando ao maacuteximo possiacutevel nossa fruiccedilatildeo dos prazeres a fim de podermos gozar

sempre desse prazer que promove a reconstituiccedilatildeo do equiliacutebrio original natural invertemos

os papeacuteis confundindo os papeacuteis dos limites e dos prazeres e atentamos contra a κτ έα cuja

essecircncia eacute o limite e natildeo o ilimitado (IGLEacuteSIAS 2007 p 112)

Igleacutesias (2007 p 11-112) em um notoacuterio artigo na coletacircnea de artigos organizados

pelo Benoit sobre nosso diaacutelogoΝὀὁὅΝἶiὐΝὃuἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝumΝldquoaὄautὁrdquoΝὃuἷΝaὀuὀἵiaΝὃuἷΝἷὅtὠΝ

sendo refreada uma ameaccedila ao ser vivo que a integridade deste ser estaacute sob ameaccedila e que

ele caminha para a recuperaccedilatildeo do ser Um organismo vivo eacute um η δε θ um ser que nasce

da imposiccedilatildeo de limites acertados em variado tipo de continuum da ordem do ilimitado

( π δλκθ) um ser ele proacuteprio que estaacute saindo dos limites constantemente devido agrave sua

proacutepria natureza pondo em risco sua integridade ele manteacutem no seu ser esse sensiacutevel que

ele eacute uma κ έα na ΰΫθ δμ uma ΰ θ δθ μ κ δαθ Toda vez que isso ocorre quando o ser

pode se encontrar em estado de dissoluccedilatildeo da harmonia corporal de perder os limites e

chegar ao π δλκθ a dor eacute sentida mas quando essa harmonia retorna temos prazer Assim

nos diz Igleacutesias (2007)

Assim embora sendo da ordem da desmedida a natureza do prazer pode ser captada na conexatildeo essencial que ele guarda com a medida que constitui os limites ideias que mantecircm o ser vivo em equiliacutebrio Eacute verdade que esta tese parece especialmente apropriada para compreender a natureza do prazer ὄἷὅultaὀtἷΝἶaΝὅatiὅfaὦatildeὁΝἶὁὅΝἶἷὅἷjὁὅΝldquofiacuteὅiἵὁὅrdquoΝligaἶὁὅΝaὁΝἵὁmἷὄΝaὁΝἴἷἴἷὄΝἷΝ

186 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ao sexo Mas ela pode e deve ser estendida para todo o tipo de prazer vindo da satisfaccedilatildeo de um desejo isto eacute de uma falta E compreendida dessa forma a verdadeira natureza do prazer sua funccedilatildeo aparece com clareza na ontologia do Filebo ele como a dor eacute como que um dos guardiotildees da integridade do ser vivo Um anuncia que os limites de sua integridade estatildeo ameaccedilados o outro que eles estatildeo voltando ao normal Essa eacute a funccedilatildeo do prazer E quando se entende isso encontra-se o verdadeiro lugar do prazer na criaccedilatildeo divina () O prazer eacute um aacutepeiron sim mas um aacutepeiron a serviccedilo de uma genesis eis ousian A chamada tese dos delicados (kompsoi) que Soacutecrates apresenta adiante (53c4) eacute justamente essa o prazer eacute genesis e natildeo ousia Ora algo que deveacutem deveacutem em busca de algo e natildeo eacute o devir mas esse algo em vista do que se faz o devir no caso a ousia que eacute o bem () E ateacute mesmo para o cumprimento de tarefas maiores que podem exigir que nos exponhamos a perigos temos de tentar na medida do possiacutevel conservar os limites ideais que nos mantecircm no ser que nos eacute proacuteprio Ora o prazer ligado agrave satisfaccedilatildeo dos desejos sejam quais foram eacute apenas o subproduto que acompanha a restauraccedilatildeo dos limites que nos mantecircm em equiliacutebrio limites que estamos constantemente pela nossa proacutepria natureza perdendo e que buscamos o tempo todo restaurar (IGLEacuteSIAS 2007 p 111-112 grifos nossos)

Platatildeo em 32c-d jaacute daacute alguns indiacutecios que a problematizaccedilatildeo dialeacutetica do prazer a ser

desenvolvida em nosso diaacutelogo deveraacute levar em conta as questotildees psiacutequicas amplamente

desenvolvidas em contextos dialeacuteticos anteriores Essa abordagem sem duacutevidas iraacute lidar

com as questotildees imageacuteticas do psiquismo que se envolvem em uma intriacutenseca relaccedilatildeo entre

prazer desejo imagem reflexatildeo e valor Na passagem supracitada Soacutecrates nos fala a

respeito das afecccedilotildees proacuteprias da alma expectativas ( ζπδαση θκθ) prazerosas diante de

coisas prazerosas e expectativa atemorizante (φκίΫλκθ) e dolorosa diante de coisas

dolorosas Vale lembrar que essas afecccedilotildees satildeo afecccedilotildees pertencentes agrave proacutepria alma (α μ

μ ουξ μ 32b9) eacute necessaacuterio insistir De acordo com Soacutecrates e Protarco esses tipos de

afecccedilotildees (παγβηΪ πθ) satildeo antecipaccedilotildees (πλκ σεβηα πλκ κεέαμ 32c1 32c4)

Aqui vale a pena ressaltar que a dimensatildeo natural natildeo eacute pensada unicamente numa

dimensatildeo fisioloacutegica mas sobretudo em perspectiva ontoloacutegica A natureza possui um valor

um paracircmetro capaz de regular os movimentos dos seres vivos tanto na dor como no prazer

como jaacute dissemos acima Tambeacutem jaacute dizemos que no fundo do argumento cosmoloacutegico residia

uma dimensatildeo fortemente axioloacutegica que orienta todas as coisas agrave busca da realizaccedilatildeo

daquilo que eacute o bem o bom Como diz Marques (2012)

Na medida em que o paracircmetro utilizado para a constataccedilatildeo e subsequente avaliaccedilatildeo o prazer eacute pensado em base ontoloacutegica isso significa em Platatildeo que se trata de uma essecircncia inteligiacutevel forma investida com o maacuteximo de valor valor que orienta os movimentos (ou transformaccedilotildees) de todos os seres (p 214-215)

187 33 Prazer Conhecimento e Valor

Penso que natildeo se trata de um novo gecircnero de prazeres em relaccedilatildeo ao argumento

fisioloacutegico que envolve a primeira parte da anaacutelise dos prazeres por mais que alguns

discordem que o esquema fisioloacutegico possa ser estendido aos prazeres da antecipaccedilatildeo246

Sem duacutevidas temos aqui um prazer que eacute produzido a partir da produccedilatildeo de opiniotildees pela

alma que antecipa certas afecccedilotildees Afecccedilotildees que satildeo mais ou menos independentes do

corpo da experiecircncia empiacuterica ou das determinaccedilotildees corpoacutereas (MARQUES 2012 p 215)

Soacutecrates insiste aqui (32d) na investigaccedilatildeo dessa espeacutecieforma ( κμ) de prazer se

alguns deles possam ser bons e assim incluiacutedos na mistura ou seja se em algum momento

satildeo bens e em outros natildeo Eacute imprescindiacutevel verificar se esses prazeres satildeo puros

( ζδελδθΫ δθ) e puros aqui se refere a natildeo-misturado com dores ( η δε κδμ ζτπβμ) deste modo

eacute que se poderaacute discutir se podemos considerar alguns prazeres como puros e dar acolhida

a este gecircnero de prazeres puros pensados como um todo ou natildeo A conclusatildeo disso jaacute

aparece indicada tacitamente na passagem poderaacute ser verificado que alguns prazeres seratildeo

puros desejaacuteveis em si mesmo natildeo misturados com dores unos e por outro lado outros

seratildeo muacuteltiplos mistos e recusados por serem prejudiciais Nem todos os prazeres isso o

diaacutelogo iraacute mostrar podem ser bens mas apenas alguns satildeo bons e recebem a marca

distintiva do bom Ora se alguns prazeres natildeo satildeo bons jaacute eacute suficiente dizer que ele natildeo

pode ser o bem

Creio que o prazer da restauraccedilatildeo puramente fisioloacutegico estaacute englobado em uma

dimensatildeo maior do que seja o prazer A transiccedilatildeo draacutestica a da restauraccedilatildeo para a

antecipaccedilatildeo nesse interluacutedio breve em que anteriormente se trava da restauraccedilatildeo a meu ver

soacute pode indicar tal que a repleccedilatildeo de um vazio se estende e deve se estender a todo prazer

que proveacutem da satisfaccedilatildeo do desejo Penso que natildeo haacute um abandono mas como nos diz

Marques (2012 p 217) uma ressignificaccedilatildeo da estrutura repletiva fisioloacutegica do prazer O

preenchimento das afecccedilotildees suscitadas pela antecipaccedilatildeo exige um outro tipo de

preenchimento em que o que estaacute em jogo eacute uma saciedade de outra ordem que a meu ver

apelam agrave valoraccedilatildeo Ou como nos diz Marques (2012 p 216-217) o prazer da antecipaccedilatildeo

ldquoὧΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝavaliaὦatildeὁΝὂὄὧviaΝ(ὂὄὁgὀὰὅtiἵa)ΝἶaὅΝafἷἵὦὴἷὅΝfutuὄaὅΝἶὁΝἵὁὄὂὁΝpela alma (o

que alguns chamam de condiccedilatildeo objetiva para que ocorra o prazer)247

246 Como Delcomminette (2006 p 219) acredita que o esquema fisioloacutegico eacute vaacutelido apenas para o referido caso isto eacute para dizer que o prazer eacute restauraccedilatildeo da harmonia corporal da constituiccedilatildeo saudaacutevel da vida humana mista Soacute nesse momento se pode falar de vazio e repleccedilatildeo 247 Marques observa ἵlaὄamἷὀtἷΝaΝὂaὄtiἵulaὄiἶaἶἷΝἶaΝaὀὠliὅἷΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὂὁὄΝaὀtἷἵiὂaὦatildeὁμΝ ldquoἏΝaὀὠliὅἷΝἵὁὀtὄaὂὴἷΝ ὁΝ ὄἷgiὅtὄὁΝ ἶaΝ lsquoὄἷὅtauὄaὦatildeὁrsquoΝ (ἶἷΝ ἵἷὄtὁΝ mὁἶὁΝ ὄἷtὄὁὅὂἷἵtivὁ)Ν aὁΝ ὄἷgiὅtὄὁΝ ἶaΝ lsquoaὀtἷἵiὂaὦatildeὁrsquoΝ(aparentemente referido ao futuro) Mas nem a restauraccedilatildeo eacute apenas um retorno a um estado anterior nem a antecipaccedilatildeo eacute mera projeccedilatildeo numa linearidade temporal A restauraccedilatildeo eacute movimento na direccedilatildeo de uma essecircncia (ou natureza) o caso mais simples e por isso exemplar sendo a passagem do vazio da sede para a repleccedilatildeo da saciedade Se num primeiro momento haacute efetivamente um processo corpoacutereo por outro lado trata-se tambeacutem de uma busca de harmonia de um movimento na direccedilatildeo de

188 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

A menccedilatildeo de uma terceira disposiccedilatildeo ( δΪγ δμ) (neutra) em que natildeo haacute nem dor nem

prazer um momento no qual um ser vivo nem estaacute restaurado nem corrompido ( λαΝκ π αΝ

θΪΰεβ π θΝ θΝ σ Νξλσθ α κθΝηά Ν δΝζυπ ῖ γαδΝηά Ν γαδΝηά ΝηΫΰαΝηά Ν ηδελσθ)

(32e3-7) tambeacutem suscita duacutevidas entre os inteacuterpretes Haacute algo estranho nessas linhas pois

em seguida se diz que nada impede que algueacutem possa optar por uma vida de puro

pensamento (33a8-9) Note-se o caraacuteter hipoteacutetico levantado por Soacutecrates nessa passagem

Dizer que eacute possiacutevel viver sem prazer e sem dor natildeo significa que esse tipo de vida ocorre

concretamente em nossa dada condiccedilatildeo em uma vida humana Mas na comparaccedilatildeo dos

estados de vida ficou assentido que vida unicamente de inteligecircncia e vida unicamente de

prazer satildeo impossiacuteveis e indignas de escolha Mais ainda eacute dito em 33b6-7 sobre esse estado

de vida considerado como o mais divino de todos (γ δσ α κμ) Os deuses natildeo podem ter prazer

ou dor (33b10c-3)

Eacute necessaacuterio notar que natildeo haacute nada de comum entre a vida divina e a vida de escolha

de exclusiva do pensamento aleacutem do fato da ausecircncia das duas espeacutecies de prazeres

anteriormente mencionados (antecipaccedilatildeo e restauraccedilatildeo)έΝ ἑὁmὁΝ ἶiὐΝ ἒixὅautΝ (ἀί1ἅ)Ν ldquoὀἷmΝ

ἢὄὁtaὄἵὁΝὀἷmΝἥὰἵὄatἷὅΝἶiὐἷmΝὃuἷΝalὧmΝἶἷΝὅἷὄἷmΝimὂaὅὅiacutevἷiὅΝὁὅΝἶἷuὅἷὅΝὂἷὀὅamrdquoΝ(ὂέΝ111ί)έΝ

Essa vida mais divina como jaacute dissemos atua em um extremo assim como a vida unicamente

de prazer em que se diz estar em estado de impassibilidade de uma atividade que basta a si

mesmo e que determina assim uma vida autossuficiente Por mais que o Teeteto diga em

1ἅἄἴΝὃuἷΝἶἷvἷmὁὅΝὀὁὅΝaὂὄὁximaὄΝἵaἶaΝvἷὐΝmaiὅΝἶἷὅὅaΝldquoviἶaΝἶiviὀardquoΝἵὁmὁΝὁΝmὁἶὁΝἶἷΝviἶaΝ

ideal e que deve ser ambicionado pelos homens aqui natildeo temos um juiacutezo puramente

teoloacutegico ou mesmo moral que desqualifique a vida mista humana dado que ela soacute pode ser

uma mistura de prazer e inteligecircncia Caso se deseje que uma vida de pensamento seja digna

ἶἷΝἷὅἵὁlhaΝἵhamaἶaΝἶἷΝldquoἶiviὀardquo que seja comandada pelo desejo de aprender (e natildeo de

saber) o verdadeiro o que eacute cada realidade inteligiacutevel nos diraacute Soacutecrates em 58d 59d ao

tratar da dialeacutetica essa vida de pensamento eacute guiada por esse desejo (da alma) pelo

verdadeiro eacute ele quem a orienta Logo essa vida de pensamento deve deixar de ser pura

unicamente pura (no sentido anterior do diaacutelogo) e deve se tornar mista para que seja de fato

uma vida boa deixando de lado as duas espeacutecies de prazer (antecipados e restaurativos) e

buscando o prazer proacuteprio da inteligecircncia

A questatildeo do estado neutro seraacute melhor explicada a partir do surgimento de dois

termos extremamente relevantes para a anaacutelise dos prazeres desejo ( πδγυηέαθ) memoacuteria

(ηθάηβμ) e tambeacutem a sensaccedilatildeo (α δμ) O estado de satisfaccedilatildeo e o estado doloroso satildeo

alguma plenitude para aleacutem da mera descriccedilatildeo fisioloacutegica Nem eacute a antecipaccedilatildeo um mero deslocamento para o futuro Na medida em que eacute constituiacuteda pelo desejo a opiniatildeo preacutevia ou a expectativa eacute tambeacutem em parte constitutiva do seu objeto ou pelo menos de seu valor da significaccedilatildeo da experiecircncia antecipada (2012 p 217)

189 33 Prazer Conhecimento e Valor

estados proacuteprios dos viventes mortais e a vida divina neste caso eacute o paradigma deste terceiro

estado (o neutro) Mas Soacutecrates diz que em determinados momentos natildeo sentimos nem dor

nem prazer natildeo somos afetados nem pela dor nem pelo prazer

Soc Aceita que dentre nossas afecccedilotildees corporais algumas se extinguem no corpo antes de penetrar a alma deixando-a impassiacutevel outras atravessam ambos e provocam em ambos uma espeacutecie de abalo que eacute tanto peculiar a cada um quanto comum aos dois (33d2-6) γ μΝ θΝ π λ ηαΝ η θΝ εΪ κ Ν παγβηΪ πθΝ η θΝ θΝ υηα δΝεα α ί θθτη θαΝπλ θΝ π θΝουξ θΝ δ ι ζγ ῖθΝ παγ ε έθβθΝ Ϊ αθ αΝ

δ᾽ ηφκῖθΝ σθ αΝεαέΝ δθαΝ π λΝ δ η θΝ θ δγΫθ αΝ δσθΝ Νεα εκδθ θΝ εα Ϋλ (33d2-6) Prot Que fique estabelecido Soc Se dissemos entatildeo que nossa alma natildeo se daacute conta daquelas afecccedilotildees que natildeo atravessam mas se daacute conta daquelas que atravessam ambos seraacute que estaremos falando corretamente Prot Como natildeo

Certas afecccedilotildees podem natildeo ser sentidas (tanto pelo corpo quanto pela alma) mas se

satildeo sentidas afetam ambos tanto o corpo quanto a alma se alma sente o corpo sente e se

o corpo sente a alma tambeacutem sente Natildeo haacute nenhuma relaccedilatildeo aqui de anterioridade ou de

causalidade Mas note-se e eacute importante insistir sobre isso o corpo tambeacutem pode

permanecer insensiacutevel agrave algumas afecccedilotildees e natildeo eacute somente a alma que tambeacutem pode ser

insensiacutevel Sabemos pois que os uacutenicos seres insensiacuteveis satildeo os deuses que possuem a

impassibilidade do imutaacutevel Embora estejamos dispostos no devir no movimento no fluxo e

estamos sempre em movimento nem todas as mudanccedilas satildeo sentidas pelo corpo mas

aὂἷὀaὅΝaὅΝldquogὄaὀἶἷὅΝmuἶaὀὦaὅrdquoΝὃuaὀἶὁΝὧΝὂὄὁvὁἵaἶὁΝἷὅὅaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoaἴalὁrdquoΝὃuἷΝldquo(έέέ)ΝὧΝtaὀtὁΝ

peἵuliaὄΝaΝἵaἶaΝumΝὃuaὀtὁΝἵὁmumΝaὁὅΝἶὁiὅrdquoΝ(ἁἁἶἃ-6) Nos diz Dixsaut (2017)

Portanto mesmo a vida dos seres vivos pode comportar momentos de insensibilidade mas a impassibilidade soacute caracteriza de modo contiacutenuo os imortais e os mortos Ora desde o Feacutedon sabemos que haacute apenas uma maneira de morrer (p 112)

E continua a teoacuterica francesa

Quando pensa a alma desligada e livre eacute capaz de natildeo ser atingida pelo fato que afeta esse corpo e ela tem mais o que fazer ao inveacutes de esperar ou de temer o que ela se tornou capaz de natildeo sentir natildeo graccedilas a uma ascese corporal (digamos aquela dos faquires) mas porque sensiacutevel a outra espeacutecie de realidade inteligiacutevel ela torna-se insensiacutevel a tudo que natildeo eacute essa realidade (p 112)248

248 Dixsaut (2017 p 112) retorna ao Feacutedon

190 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

O Filebo iluὅtὄaΝἷὅὅaΝldquoὅἷὂaὄaὦatildeὁrdquoΝndash na medida do possiacutevel ndash ao tratar da escolha divina

daquele que pretere o pensamento A separaccedilatildeo entre fisioloacutegico e psicoloacutegico e vice-versa

A alma se separa quando suas disposiccedilotildees seus estados natildeo tem como causa afecccedilotildees do

corpo Mas como nota bem Dixsaut (2017) essa independecircncia manifesta-se no interior

dessa uniatildeo ela permanece sendo alma desse corpo que ela anima e do qual ela sofre o

peso natildeo estaacute livre dele natildeo estaacute livre de deixar de ser movida por ele natildeo deixa de ser esse

ldquoautὁΝ(α θ αυ 34b7) ndash mὰvἷlrdquoΝἷὀὃuaὀtὁΝtamἴὧmΝὂὁὅὅuiΝaΝiὀἵiativaΝἶἷΝὅἷuὅΝὂὄὰὂὄiὁὅΝ

movimentos sem portanto se livrar do apetite dos desejos que animam o corpo dos

apetites das afecccedilotildees

O modo de desligamento do Feacutedon eacute proacuteprio somente ao filoacutesofo o filoacutesofo desliga sua alma tanto quanto ele pode de toda a associaccedilatildeo com o corpo de um modo que o distingue de todos os outros homens (65a) Eacute o modo de desligamento que eacute proacuteprio ao filoacutesofo natildeo o desligamento ligado em todo homem agrave capacidade psiacutequica de lembrar-se e antecipar (DIXSAUT 2017 p 113)

Os prazeres separados do corpo soacute podem nascer devido agrave memoacuteria (ηθάηβμ) (33c5-

7) Essa outra espeacutecie ( λκθ κμ) de prazer surge exclusivamente pela memoacuteria ela eacute

esse tipo de afecccedilatildeo (παγβηΪ πθ 33d2) que permite que esses prazeres surjam unicamente

ὀaΝ almaέΝ ἏΝ almaΝ fiἵaΝ iὀὅἷὀὅiacutevἷlΝ ὡὅΝ afἷἵὦὴἷὅΝ ὃuaὀἶὁΝ ldquoὀatildeὁΝ ὅἷΝ ἶὠΝ ἵὁὀtaΝ ἶἷlaὅrdquoΝ ὃuaὀἶὁΝ ὅἷΝ

ldquoἷὅὃuἷἵἷrdquoΝmaὅΝaὃuiΝἥὰἵὄatἷὅΝἶiὐΝὃuἷΝἷὅὅἷΝἷὅὃuἷἵimἷὀtὁΝὀatildeὁΝὧΝldquoἷὅἵaὂἷΝἶaΝmἷmὰὄiardquoΝὂὁiὅΝ

ὅἷὃuἷὄΝἷlaΝὅuὄgiuΝmaὅΝldquoἷὅὃuἷἵimἷὀtὁrdquoΝὧΝὅiὀὲὀimὁΝἶἷΝiὀὅἷὀὅiἴiliἶaἶἷέΝἏΝalmaΝὀatildeὁΝὅἷΝἶὠΝἵὁὀtaΝ

porque sequer essa afecccedilatildeo a tocou (33d6-34a1)

Soc Isso que ocorre em comum (εκδθ ) nesse movimento conjunto (εδθ ῖ γαδ εκδθ ) do corpo e da alma ( θ ουξ θ) em uma mesma afecccedilatildeo (

rsquoΝ θ θ πΪγ δ) chamar ( θκηΪαπθ) ἷὅὅἷΝ mὁvimἷὀtὁΝ ἶἷΝ ldquoὅἷὀὅaὦatildeὁrdquo (α γβ δθ) natildeo seria inapropriado Prot Eacute a pura verdade ἥὁἵέμΝ ἑὁmὂὄἷἷὀἶἷmὁὅΝ agὁὄaΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὃuἷὄἷmὁὅΝ ἵhamaὄΝ ἶἷΝ ldquoὅἷὀὅaὦatildeὁrdquo (α γβ δθ) Prot Como natildeo Soc Bem entatildeo Se algueacutem dissesse que a memoacuteria eacute a conservaccedilatildeo da sensaccedilatildeo( π βλέαθΝ κέθυθΝα γά πμΝ θΝηθάηβθ) na minha opiniatildeo estaria falando corretamente Prot Sim corretamente Soc E natildeo dizemos que a reminiscecircncia difere da memoacuteria (ηθάηβμ

θΪηθβ δθΝ λ᾽ κ δαφΫλκυ αθ) Prot Talvez Soc E natildeo seraacute esta a diferenccedila Prot Qual Soc Quando a alma sozinha e em si mesma sem o corpo recupera o quanto possiacutevel as afecccedilotildees que uma vez experimentou com ele natildeo

191 33 Prazer Conhecimento e Valor

dizemos que alma tem uma reminiscecircncia ( αθ η κ υηα κμ πα ξΫθ πκγ᾽ ουξά α ᾽ θ υ κ υηα κμ α θ αυ δ ηΪζδ α θαζαηίΪθ σ θαηδηθ ε γαέ πκυ ζΫΰκη θ ΰΪ)

Prot Certamente Soc E tambeacutem quando depois de perder a memoacuteria de uma sensaccedilatildeo (εα η θΝεα αθΝ πκζΫ α αΝηθάηβθΝ ᾽ α γά πμ) ou de um aprendizado ( ᾽ α ηαγάηα κμ) ela os recobra novamente sozinha e em si mesma (α γδμΝατ βθΝ θαπκζά πΪζδθ α θΝ αυ ) chamamos todos esses casos com

certeza de reminiscecircncia (εα α αΝ τηπαθ αΝ θαηθά δμΝεα ηθάηαμΝπκυΝζΫΰκη θ) Prot Falas corretamente Soc Eis o porquecirc de todas as coisas que falamos Prot Qual Para que noacutes venhamos a apreender o mais claramente possiacutevel tanto o prazer da alma separada do corpo ( θΝουξ μΝ κθ θΝξπλ μΝ υηα κμ) quanto o apetite (εα ηαΝ πδγυηέαθ) pois parece que ambos ganham clareza atraveacutes dessas coisas (34a3-c8)

Soacutecrates introduz um termo novo de suma importacircncia para o novo tipo de prazeres

que ele deseja tratar Eacute imprescindiacutevel neste caso para investigar os tipos de prazeres e a

proacutepria gecircnese do prazer recorrer a essa instacircncia fundamental o desejo Esse exame requer

imἷἶiatiἵiἶaἶἷΝἵὁmὁΝὄἷὃuἷὄΝἢὄὁtaὄἵὁΝ(ἁἂἶἂ)ΝἷΝὀatildeὁΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝfugiὄΝἶaὅΝldquoaὂὁὄiaὅrdquoΝ( πκλέαθ)

(34d7) agraves quais esses assuntos possam nos conduzir Mais uma vez devemos agrave Dixsaut

(2017 p 113) uma clara compreensatildeo deste uacuteltimo termo que natildeo significa um vazio mas

uma perplexidade que impulsiona ao saber249 Apenas aquele que se sabe carecente que eacute

capaz de reconhecer o que sabe e o que natildeo sabe pode se encontrar em aporia Aquilo que

jaacute se possui natildeo precisa ser buscado mas deseja o que eacute faltante Aquilo que alma perde (a

aporia) perde porque tem desejo de saber Antes de adentrar a anaacutelise do apetite do desejo

eacute preciso lembrar da forccedila de λπμ que torna possiacutevel a saiacuteda da perplexidade aprender

aὃuilὁΝ ὃuἷΝ ὀatildeὁΝ ὅἷΝ ὅaἴiaέΝ ἓΝ ὂaὄaΝ talΝ ὁutὄaΝ ἶimἷὀὅatildeὁΝ ὂὄἷἵiὅaΝ ὅἷὄΝ ὄἷtὁmaἶaμΝ ldquoaὂὄἷὀἶἷὄΝ ὀὁΝ

Mecircnon e no Feacutedon consiste para a alma em lembrar-se O termo acaba de ser pronunciado

no Filebo (DIXSAUT 2017 p115)

Soacutecrates iraacute radicalizar ainda mais aquilo que disse no Goacutergias no Feacutedon e na

Repuacuteblica a respeito dos apetites ( πδγυηέαθ) sem contudo mudar de opiniatildeo Eacute isso o que

podemos constatar nas linhas seguintes (35a-c) Trecircs dimensotildees passam a ser de tal maneira

integradas que o exame se complexifica A vida divina a reminiscecircncia e λπμ invocam trecircs

questotildees fundamentais segundo Dixsaut (2017 p 115) estritamente relacionadas no

diaacutelogo tais como uma maneira de viver uma maneira de aprender e uma maneira de

desejar Elas acompanham Soacutecrates e segundo a autora justificam seu retorno agrave cena do

diaacutelogo para tratar dialeticamente das questotildees relativas aos prazeres (Cf 2017 p 115) Natildeo

haacute outra forma a natildeo ser pela dialeacutetica pois natildeo basta a satisfaccedilatildeo da vida satisfatoriamente

249 A autora recorreraacute ao Mecircnon (84b-c) alegando a necessidade da aporia que suscita o desejo de saber e o prazer que se tem em procurar tal conhecimento E tambeacutem claro do Banquete do λπμ filosoacutefico que tem por natureza a miseacuteria a carecircncia a falta mas natildeo apenas o que lhe permite sair dessa condiccedilatildeo eacute a forccedila desiderativa o desejo de satisfaccedilatildeo (Cf DIXSAUT 2017 p 114)

192 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

misturada a vida filosoacutefica deseja ultrapassar esse limite imposto pela condiccedilatildeo natural sem

contudo eliminaacute-lo Ao falar de uma vida divina Soacutecrates natildeo se esquece que a vida boa

humana eacute necessariamente uma vida mista mas se esforccedila por demonstrar que uma vida

direcionada ao pensar pode ser melhor porque ela mesma se coloca em questatildeo quando se

questiona sobre um modo correto de aprender de viver e de desejar Nisso a vida filosoacutefica

difere das demais porque ela se potildee a aprender e natildeo a saber (reminiscecircncia) esse aprender

ὂὄὁvὧmΝἶἷΝumΝἶἷὅἷjὁΝὂaὄaΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝmἷlhὁὄΝldquoaὃuilὁΝὃuἷΝὧrdquoΝὅἷmὂὄἷέΝἓὅὅaΝamἴiguiἶaἶἷΝ

ὂἷὄmaὀἷἵἷΝἵὁmὁΝἷὅὅἷὀἵialΝὀἷὅὅaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquohὁmἷm-ἶiviὀὁrdquoέΝἠatildeὁΝἷὀἵὁὀtὄἷiΝἷmΝtodo este

trabalho algo melhor que possa dizer isso do que o que estaacute contido nessas palavras de

Dixsaut

O eros que preside a dialeacutetica eacute a forma mais alta ou a mais intensa de epithumia mas natildeo haacute entre eles diferenccedila de natureza Um eacute como a verdade de outra mas eles satildeo radicalmente heterogecircneos Tal continuidade soacute eacute possiacutevel agrave condiccedilatildeo de se afirmar que todo o desejo eacute desejo da alma Pois caso contraacuterio se fosse o corpo que desejasse se todo o desejo nascesse em um corpo animado ou em uma alma encarnada a alma pensante ou seja completamente desligada do corpo seria estranha ao desejo Eacute possiacutevel acreditar que enquanto noacutes pensamos somos impassiacuteveis como os deuses possiacutevel mas natildeo necessaacuterio A separaccedilatildeo do corpo natildeo eacute a separaccedilatildeo do desejo De modo contraacuterio eacute o desejo que mesmo sob sua forma mais elementar efetua a separaccedilatildeo da alma e do corpo O que permite agrave alma evadir-se do corpo e concentrar-se em si mesma ὧΝaiὀἶaΝἶaΝὁὄἶἷmΝἶὁΝἶἷὅἷjὁμΝaΝὅἷὂaὄaὦatildeὁΝὧΝὂὁὅὅiacutevἷlΝὂὁὄὃuἷΝaΝalmaΝldquoaὅὂiὄaΝao ὃuἷΝὧrdquoΝ(Feacutedon 65c) A ruptura da uniatildeo com o corpo eacute a consequecircncia desse desejo de conhecer os seres e ela eacute a condiccedilatildeo desse conhecimento Ora a experiecircncia do desejo eacute sempre para a alma a experiecircncia de uma ruptura ndash com o estado presente do corpo quando ela deseja prazeres sensiacuteveis com o corpo todo quando ela aspira aos inteligiacuteveis No primeiro ἵaὅὁΝὧΝaliὠὅΝmaiὅΝἷxatὁΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝὧΝὁΝἵὁὄὂὁΝὃuἷΝtἷmΝaΝiὀiἵiativaμΝldquotὁἶaὅΝaὅΝvezes que existem em noacutes o que chamamos apetites o efeito dessas afecccedilotildees eacute que o corpo se divorcia da alma e se separa dela Essa afirmaccedilatildeo natildeo eacute incompatiacutevel com aquela do Feacutedon se eacute na experiecircncia do apetite que o corpo e alma se divorciam eacute tambeacutem o apetite que prega uma alma a seu corpo (p 116-117)

Soacutecrates diz em 35b-d que o apetite eacute sempre um apetite de preenchimento ( πδγυη ῖ

πζβλυ πμ) de repleccedilatildeo que surge no momento em que o corpo se encontra vazio

(ε θκ αδ) mas somente a alma pode gerar esse desejo de repleccedilatildeo da memoacuteria ( ηθβη )

uma vez que apenas ela tem contato com preenchimento ( μ πζβλυ πμ φαπ γαδ) que

o corpo por si soacute natildeo tem Dito de maneira ainda mais clara todo desejo soacute pode ser desejo

da alma (ουξ μ) e natildeo existe desejo do corpo ( υηα κμ πδγυηέαθ) que tem contato com

esse preenchimento que o corpo natildeo possui Logo se conclui que natildeo haacute apetite do corpo

Vejamos a passagem

193 33 Prazer Conhecimento e Valor

Soc Natildeo afirmamos ainda haacute pouco que a fome a sede e muitas outras coisas desse tipo satildeo apetites ( δθαμ πδγγηέαμ) Prot Sim certamente Soc Mas o que vemos de mesmo quando denominamos com um soacute nome tantas coisas diferentes Prot Por Zeus Soacutecrates Talvez natildeo seja faacutecil dizer mas no entanto devemos dizer Soc Retomemos mais uma vez a questatildeo a partir do mesmo ponto Prot De onde ἥὁἵέμΝldquoἓlἷΝtἷmΝὅἷἶἷrdquoΝὀatildeὁΝὧΝalgὁΝὃuἷΝfὄἷὃuἷὀtἷmἷὀtἷΝἶiὐἷmὁὅς Prot Como natildeo ἥὁἵέμΝἓΝὃuἷὄΝἶiὐἷὄμΝldquoἷlἷΝἷὅtὠΝvaὐiὁrdquo ( έ ε θκ θ αδ) Prot E daiacute Soc E entatildeo seraacute a sede um apetite ( οκμ έθ πδγυηδα) Prot Sim e de bebida Soc De bebida ou de preenchimento de bebida ( πζβλυ πμ πυηα κμ) Prot De preenchimento (πζβλυ πμ) eu penso Soc Entatildeo qualquer um de noacutes que esteja vazio ( ε θκτη θκμ η θ λα) como parece tem apetite pelo contraacuterio daquilo que experimenta ( μΝ κδε θΝπδγυη ῖ θΝ θαθ έπθΝ πΪ ξ δ) pois estando vazio deseja preencher-se

(ε θκτη θκμΝΰ λΝ λ πζβλκ γαδ) Prot Eacute o que haacute de mais claro Soc E entatildeo O que dizes acerca disso quem estaacute vazio pela primeira vez ( έΝ κ θνΝ πλ κθΝ ε θκτη θκμΝ δθΝ πσγ θ) haacute algo a partir de que manteria contato ( φΪπ κδ ᾽) com o preenchimento seja sensaccedilatildeo seja memoacuteria se natildeo estaacute experimentando no presente momento nem nunca experimentou no passado esse preenchimento ( ᾽ α γά δΝ πζβλυ πμΝφΪπ κδ ᾽ θΝ Νηθάη Ν κτ κυΝ ηά ᾽ θΝ θ θΝξλσθ πΪ ξ δΝηά ᾽ θΝ

πλσ γ θΝπυπκ Ν παγ θ) (34d10-35a9)

Soacutecrates dizia na Repuacuteblica (IV 347d) e no Fedro (238a-b) que a fome eacute desejo de

comida a sede desejo de bebida e o desejo eroacutetico desejo de belos corpos No Feacutedon se

falaΝiὀὅiὅtἷὀtἷmἷὀtἷΝἷmΝldquoὂὄaὐἷὄΝἵὁὄὂὁὄalrdquoΝmaὅΝaὃuiΝἷlἷΝὧΝὅuἴὅtituiacuteἶὁΝaὅὅimΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝ

eacute radicalizada a postura da Repuacuteblica da tripla-especificaccedilatildeo (como prefiro e natildeo triparticcedilatildeo)

da alma e os trecircs tipos de desejos correlatos a essa triacuteplice especificaccedilatildeo O desejo eacute desejo

de algo e natildeo de um objeto ele eacute um movimento um movimento de repleccedilatildeo que resulta em

um estado Ο objeto eacute apenas o meio que permite essa passagem de um estado contraacuterio a

outro o desejo eacute o impulso que faz um determinado sujeito tocar um estado contraacuterio daquele

ὃuἷΝὀὁΝmὁmἷὀtὁΝἷlἷΝἷὅtὠΝἷxὂἷὄimἷὀtaὀἶὁέΝEacuteΝὂὄἷἵiὅὁΝὀὁtaὄΝaΝὂὄἷὅἷὀὦaΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquoἵὁὀtatὁrdquoΝ

ἵὁmὁΝ tὄaἶuὐΝ εuὀiὐΝ ὃuἷΝ ὂὁὅὅuiΝ umΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ἶἷΝ ldquotὁἵaὄrdquoΝ aΝ ὄἷὂlἷὦatildeὁΝ ὧΝ umΝ ἶὁὅΝ ἷxἷmὂlὁὅΝ

particulares que Soacutecrates utiliza para explicar o mecanismo do desejo desse movimento de

ruptura de uma harmonia natural dissoluccedilatildeo-restauraccedilatildeo vale lembrar dos exemplos do

ὄἷὅfὄiamἷὀtὁΝἷΝἶὁΝἵalὁὄΝὃuἷΝὅatildeὁΝtamἴὧmΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquovaὐiὁrdquoΝumΝἵὁὀtὄὠὄiὁέΝἠἷmΝὅἷmὂὄἷΝ

temos um estado de satisfaccedilatildeo mas sempre uma harmonia fisioloacutegica eacute restaurada pelo

desejo por uma falta ou insuficiecircncia de algum dos elementos corporais

194 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

Quando natildeo haacute memoacuteria natildeo haacute desejo quando um bruto desequiliacutebrio se instaura

natildeo pode haver desejo por isso a memoacuteria eacute aqui ambivalente Por um lado ela propicia ao

desejo seu objeto e orienta-o ela permite que o sofrimento presente natildeo se torne constante

Mas por outro lado ela natildeo livra esse mesmo ser da sucessatildeo dos contraacuterios O desejo natildeo

eacute uma simples vacuidade pois nesse caso teriacuteamos dor redobrada eacute um transcender-se em

busca da superaccedilatildeo do estado atual retornado ao passado e ao futuro250 (Cf DIXSAUT 2017

p 122-123)

A anaacutelise do desejo seraacute extremamente relevante para a seccedilatildeo seguinte do diaacutelogo

em que seratildeo tratadὁὅΝἶἷtalhaἶamἷὀtἷΝὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἵlaὅὅifiἵaἶὁὅΝἷmΝldquoὂὄaὐἷὄἷὅΝfalὅὁὅrdquoΝ(umaΝ

das maiores polecircmicas que envolvem o diaacutelogo) e os prazeres puros (36c-55c) Soacutecrates iraacute

constituir uma gama dos prazeres substituindo o prazer por uma multiplicidade de prazeres

esses prazeres seratildeo classificados e natildeo divididos segundo dois princiacutepios (i) segundo seus

lugares de origem na alma unicamente na mistura de corpo e alma e aqueles que satildeo

produzidos unicamente pelo corpo (ii) segundo a oposiccedilatildeo puro e misturado sendo puro

aqui os prazeres que natildeo satildeo precedidos por dores e natildeo misturados com dores Em virtude

das finalidades redutivas de nosso trabalho falarei de forma muito geral dessas

ἵlaὅὅifiἵaὦὴἷὅΝ iὅtὁΝ ὂὁὄὃuἷΝ ἶἷviἶὁΝ ὡΝ ὂὁlecircmiἵaΝ iὀὅtauὄaἶaΝ ὂἷlὁὅΝ ldquoὂὄaὐἷὄἷὅΝ falὅὁὅrdquoΝ ὅἷὄiaΝ

ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝmἷΝἶἷtἷὄΝlὁὀgamἷὀtἷΝὀaΝldquoaὀὠliὅἷΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝfalὅὁὅrdquoΝἷΝὀaὅΝὄἷlaὦὴἷὅΝἵὁmὂlἷxaὅΝ

que eles envolvem Relaccedilotildees estas que envolvem complexas dimensotildees do psiquismo como

a imaginaccedilatildeo a memoacuteria a sensaccedilatildeo o desejo a opiniatildeo e principalmente valores O prazer

da antecipaccedilatildeo eacute uma espeacutecie de prognoacutestico que faz crer certo indiviacuteduo de que o prazer

possui pretensotildees eacuteticas que ele natildeo possui por isso ele eacute num primeiro momento semelhante

agrave opiniatildeo O caraacuteter duplo do prazer (fenomecircnico-judicativo) promove por meio do desejo ou

melhor por meio da representaccedilatildeo imageacutetica associada ao desejo uma articulaccedilatildeo entre a

percepccedilatildeo efetiva ou sua conservaccedilatildeo que eacute a memoacuteria a uma dimensatildeo avaliativa

(MARQUES 2012 p 213)

EpistemologiaGnoseologia estatildeo entrelaccedilados na descriccedilatildeo do prazer que nos

conduz a um exame do psiquismo humano por meio de um processo que envolve tanto

representaccedilatildeo como valoraccedilatildeo Seraacute que o prazer possui o valor que ele nos leva a crer que

ele eacute que ele tem a pretensatildeo de ser O que estaacute em jogo no prazer da antecipaccedilatildeo eacute a

esperanccedila pois a expectativa do prazer sempre o postula como bom e uacutetil Como nos diz

Marques (2012)

250 Para uma anaacutelise mais detalhada (Cf DIXSAUT 2017 p 105-128) neste texto a autora trata especificamente dessa ldquoἵἷὄtaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝviἶardquoΝ(ίέκθ ΰ λ κμ 35d9) humana de que nos fala o Filebo no caso a vida humana nunca determinada oscilando sempre entre o animal e o divino

195 33 Prazer Conhecimento e Valor

Soacute a anaacutelise criacutetica dialogada (dialeacutetica) poderaacute mostrar o alcance do papel da imaginaccedilatildeo e a legitimitade das valoraccedilotildees que a experiecircncia do prazer nos suscita no acircmbito da discussatildeo do que eacute a vida boa para todos os seres (p 214)

Mas voltemos agrave gama dos prazeres resumidamente eles podem ser apresentados em

uma tabela que ilustra o desenvolvimento do diaacutelogo em torno dos prazeres aqui utilizo a

tabela sugerida por Dixsaut (2001)

Corpo Sozinho Uniatildeo de alma e corpo Alma sozinha

Misturados

resultado de uma

restauraccedilatildeo do equiliacutebrio

corporal = necessaacuterios

(31d-32b 46c-47c)

Misturados

antecipaccedilotildees

esperanccedilas

(32b-c)

Puros

se ocupa

das belas

formas

cores sons

puros

perfumes

(51d-50c)

Misturados

Afetos

(coacutelera

medo etc)

(47d-50c)

Puros

relativos agraves

ciecircncias

(52a-b)

Quadro 02- Gama dos Prazeres

(Cf DIXSAUT 2001 p 317)

A classificaccedilatildeo eacute detalhada e criteriosa os prazeres produzidos pelo corpo satildeo sempre

prazeres misturados pois estatildeo envolvidos no processo de restauraccedilatildeo-dissoluccedilatildeo que

engendra a dor por isso o prazer alcanccedilado nesse caso eacute sempre um prazer do gecircnero

misto como jaacute vimos anteriormente Ele eacute misturado com a dor e precedido por uma dor Os

prazeres puros satildeo provenientes da uniatildeo da alma com o corpo natildeo porque eles natildeo satildeo

precedidos por uma falta mas porque essa falta natildeo eacute sentida (51b1) Jaacute as afecccedilotildees

unicamente da alma coacutelera ciuacuteme inveja amor oacutedio satildeo dores da alma misturas com

prazeres como eacute o caso dos ingredientes da comeacutedia e da trageacutedia Os prazeres puros da

alma relacionados aos conhecimentos (ηαγάηα α) (52a)

Parece que no fundo todo o objetivo do diaacutelogo eacute perpassar todas as dimensotildees

(fisioloacutegicas ontoloacutegicas epistemoloacutegica) do prazer para culminar em um sentido fortemente

axioloacutegico (valorativo) ndash natildeo nego que as dimensotildees anteriores estatildeo articuladas no

desenvolvimento do diaacutelogo ndash eacute isso que a meu ver fragmentou a anaacutelise do Filebo em

diversas leituras que ora priorizam um ou outro aspecto desse texto platocircnico Μas essa

anaacutelise do prazer parece admitir um crescendum complexo que investigado a fundo pretende

conjugar conhecimento e valor mas natildeo discriminando-os de um lado conhecimento por

outro valor Isso demonstra a dificuldade de uma definiccedilatildeo geneacuterica do prazer Creio que isso

196 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

soacute pode ser explicado mediante uma questatildeo simples e ao mesmo tempo a mais enigmaacutetica

de todas que diz respeito a vida boa mista Como nos diz Dixsaut (2001)

os dois princiacutepios de distinccedilatildeo adotados satildeo todos axioloacutegicos as diferenccedilas resultantes necessariamente tambeacutem o satildeo Desse modo a tabela eacute realmente hieraacuterquica e consiste em ordenar os prazeres de acordo com seu gὄauΝ ἶἷΝ ὂuὄἷὐaΝἷΝ ὅἷguὀἶὁΝ maiὁὄΝ ὁuΝ mἷὀὁὄΝ ἶἷΝ ldquoὀὁἴὄἷὐardquoΝ ἶaὃuἷlἷΝ ὃuἷΝ ὁὅΝexperimenta (p 318)

A hierarquia dos prazeres pode assim ser constituiacuteda no final da anaacutelise dos prazeres

(i) prazeres puros unicamente da alma (incluiacutedos na mistura) (ii) prazeres puros da uniatildeo do

corpo e da alma (incluiacutedos na mistura) (iii) prazeres necessaacuterios do corpo somente (satildeo

incluiacutedos na mistura) (iv) prazeres misturados unicamente da alma (natildeo-incluiacutedos na

mistura) (v) prazeres misturados da uniatildeo do corpo com a alma (natildeo incluiacutedos na mistura)

Enquanto alguns prazeres conservam o caraacuteter do ilimitado sendo necessariamente ilimitado

outros satildeo em algumas vezes ilimitados isto porque em dado momento pertencem ao misto

e adquirem moderaccedilatildeo e medida outros prazeres satildeo necessariamente sempre puros

Apenas os prazeres moderados e medidos podem pertencer agrave mistura ou seja somente os

puros seja porque natildeo satildeo precedidos por dores ou acompanhados por elas seja porque se

originam unicamente na alma (Cf 62d-64a)

Os conhecimentos tambeacutem satildeo analisados (55c-59c) sendo portanto elaborada uma

classificaccedilatildeo O criteacuterio de anaacutelise seraacute primeiramente a pureza e posteriormente a

verdade Natildeo haacute ciecircncias falsas como existem prazeres falsos por mais que as ciecircncias

contenham erros elas natildeo satildeo falsas mas imprecisas A primeira divisatildeo se daacute em vista das

teacutecnicas destinadas agrave formaccedilatildeoeducaccedilatildeo e as teacutecnicas destinadas agrave produccedilatildeo

ὂὁὅtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝ aὅΝ ὂὄὰὂὄiaὅΝ aὄtἷὅΝ ἶitaὅΝ ldquoἶἷmiήὄgiἵaὅrdquoΝ (artesanais) satildeo divididas em artes

meacutetricas e artes estocaacutesticas (da conjectura) As meacutetricas satildeo hegemocircnicas em relaccedilatildeo agraves

estocaacutesticas por isso as artes meacutetricas satildeo as mais puras Nesse caso pureza aqui eacute

sinocircnimo de precisatildeo (αελδί έα) Μais quando se trata da distinccedilatildeo entre as ditas

ldquomatἷmὠtiἵaὅΝfilὁὅὰfiἵaὅrdquoΝἷΝaὅΝldquomatἷmὠtiἵaὅΝvulgaὄἷὅrdquoΝὁΝἵὄitὧὄiὁΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝὁΝvalὁὄΝἷΝὀatildeὁΝὅuaΝ

natureza Por isso a dialeacutetica se situa no topo dessa escala por sua utilidade precisatildeo

clareza e verdade Mas nesse caso a retoacuterica tambeacutem poderia ser uacutetil Vemos que a dialeacutetica

possui uma exaltaccedilatildeo no diaacutelogo dotada de valor ambiacuteguo como nos diz Dixsaut (2001 p

321) ela apenas pode reivindicar que por mais que ela se sirva das utilidades do discurso

seus propoacutesitos satildeo distintos das demais teacutecnicas porque eacute o desejo pelo verdadeiro de

amar o verdadeiro no seu desejo pelo Bem enquanto princiacutepio de todas as diferenccedilas

enquanto possibilidade de conhecimento e de ser tal como exposto na Repuacuteblica (VI)

Marques (2015 p 206) resume a divisatildeoclassificaccedilatildeo das ciecircncias

197 33 Prazer Conhecimento e Valor

Teacutecnica ciecircncia

educaccedilatildeo formaccedilatildeo produccedilatildeo

muacutesica auleacutetica construccedilatildeo de navios

medicina carpintaria teacutecnicas manuais

agricultura teacutecnica da medida

navegaccedilatildeo teacutecnica do peso

estrateacutegia teacutecnica dos nuacutemeros

teacutecnica popular dos nuacutemeros teacutecnica filosoacutefica dos nuacutemeros

natildeo filosoacutefica geometria

construccedilatildeo comeacutercio

cosmologia dialeacutetica

Quadro 03 A divisatildeoclassificaccedilatildeo das ciecircncias (Cf MARQUES 2015 p 206)

Logo a dialeacutetica estaacute destituiacuteda do valor de utilidade que busca o prestiacutegio a fama

mas que se importa unicamente com o mais verdadeiro Poreacutem na vida boa na vida humana

miὅtaΝἷὅtaΝἶialὧtiἵaΝὧΝὅἷmὂὄἷΝldquoἵὁὀtamiὀaἶardquoΝἵὁmὁΝἴἷmΝὁἴὅἷὄvaΝἒixὅautΝ(ἀίί1)ΝὂὁὄΝἷὅὅἷὅΝ

valores extriacutensecos por essas consideraccedilotildees de valor e de visotildees hieraacuterquicas quando ela

se insere na composiccedilatildeo da vida mista boa A mistura soacute seraacute uma mistura se seus

componentes o forem caso contraacuterio a proacutepria mistura se corrompe (64d-e) mas quanto a

isso a dialeacutetica pode sustentar no acircmbito da mistura sua natureza intriacutenseca que tem por meta

o verdadeiro o bom o bem o que tambeacutem por sinal atesta sua prioridade em relaccedilatildeo ao

ὂὄaὐἷὄΝὀὁΝὃuἷΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝaὁΝldquoὅἷguὀἶὁΝὂὄecircmiὁrdquoΝὀὁΝranking da composiccedilatildeo da boa vida mista

jaacute que o primeiro foi lugar foi atribuiacutedo a esta uacuteltima

Jaacute sabemos que nem o conhecimento nem o prazer podem ser o bom mas apenas

que a vida boa humana eacute uma vida mista de ambos Natildeo sabemos nada sobre o que eacute bom

o bem e o Filebo mais uma vez natildeo nos diz nada sobre sua natureza nesse caso

ὂἷὄmaὀἷἵἷmὁὅΝ fὄuὅtὄaἶὁὅέΝ ἥaἴἷmὁὅΝ ἵὁὀtuἶὁΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὁΝ ldquoὂὄimἷiὄὁΝ ὂὄecircmiὁrdquoΝ ὂἷὄtἷὀἵἷΝ ὡΝ viἶaΝ

mista que pode se prestar a ser uma vida boa Para tal precisamos ter senatildeo uma apreensatildeo

clara uma indicaccedilatildeo geral ( δθα τπκθ) (61a4) Como nos sugere Dixsaut (2001 p 330) um

τπκθ eacute um modelo natildeo dado por algo existente mas algo a ser construiacutedo uma foacutermula

geral um esquema obtido em linhas gerais os traccedilos principais de algo

Beleza Verdade e ProporccedilatildeoMedida manifestaccedilotildees do Bem que devem se fazer

presentes na boa mistura Encontramos um determinado caminho ( θ δθα) (61α7) que se

198 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

natildeo o mais belo pode nos dirigir ao poacutertico da morada do bem ao seu vestiacutebulo (πλκγτπκδμ

64c1-3) Jaacute que pretendemos capturar o bem na vida mista ou melhor seus efeitos na vida

vista antes foi necessaacuterio das as principais indicaccedilotildees daquilo que ele possa ser tudo aquilo

ὃuἷΝὀὰὅΝἵὁὀὅiἶἷὄamὁὅΝldquoἴὁmrdquoΝἷΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶἷὅὅaὅΝ tὄecircὅΝmaὀifἷὅtaὦὴἷὅΝhiἷὄaὄὃuizar os bens

dessa vida mista

Por fim a classificaccedilatildeo dos bens o ranking da composiccedilatildeo da vida boa apresentado

no final do Filebo (66a-67b) eacute assim disposto (i) a medida e o que eacute medido (π λ ηΫ λκθΝεα

ηΫ λδκθ) e as coisas desse tipo (ii) proporccedilatildeo beleza perfeito o suficiente e seus

correlatos familiares (π λ τηη λκθΝεα εαζ θΝεα Ϋζ κθΝεα εαθ θΝεα πΪθγ᾽ πσ αΝ

μΝΰ θ μΝα ατ βμΝ έθ)νΝ(iii)ΝaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἷΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝ(θκ θΝεα φλσθβ δθ) ndash neste

caso natildeo nos desviariacuteamos muito da verdade ( δγ μΝκ εΝ θΝηΫΰαΝ δΝ μΝ ζβγ έαμΝπαλ ιΫζγκδμ)

(iv) conhecimentos as teacutecnicas e opiniotildees corretas ( πδ άηαμΝ Νεα ΫξθαμΝεα σιαμΝ λγ μ)

coisas ditas proacuteprias da alma ( μΝουξ μΝα μΝ γ η θ) ndash depois das que estatildeo em terceiro

estas satildeo mais aparentadas com o bem do que o prazer ( π λΝ κ ΰαγκ ΰΫΝ δΝη ζζκθΝ

μΝ κθ μΝ υΰΰ θ ) (v) os prazeres indolores ( ζτπκυμ) e os chamados de puros (εαγαλ μ)

pertencentes agrave proacutepria alma e que acompanham os conhecimentos e algumas sensaccedilotildees

( πκθκηΪ αθ μΝ μΝουξ μΝα μΝ πδ άηαδμΝ μΝ α γά δθΝ πκηΫθαμ)

199 Nem aporia nem conclusatildeo o prazer

CONCLUSAtildeO

O prazer no supracitado diaacutelogo demonstrou toda a sua potecircncia enquanto uma

questatildeo filosoacutefica de alto niacutevel sendo capaz de enfrentar frente-a-frente cara-a-cara o proacuteprio

pensamento Diversos recursos foram utilizados por Soacutecrates para se livrar da indeterminaccedilatildeo

do prazer do seu caraacuteter ilimitado de tal modo que fosse possiacutevel suavizar toda a sua forccedila

na vida humana Prazer unidade que se torna pensaacutevel a partir de uma multiplicidade de

prazeres de uma Ϋα O ilimitado que restringe a atividade dialeacutetica natildeo se impotildee a essa

ldquovὁὀtaἶἷΝἶἷΝvἷὄἶaἶἷrdquoΝὅὁἵὄὠtiἵaΝἷlἷΝὧΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἷlἷΝὧΝaΝὂὄὰὂὄiaΝvaliἶaἶἷΝaΝὂὄὰὂὄiaΝlἷgitimiἶaἶἷέΝ

ἠatildeὁΝhὠΝumaΝmἷἶiἶaΝἷὅtὄitaΝἶaἶaΝaὅὅimΝἵὁmὁΝumΝtἷὄmὲmἷtὄὁΝgὄafaΝumΝldquoἷὅtaἶὁΝfἷἴὄilrdquoΝ

a partir dos 37 graus e meio centiacutegrados natildeo haacute mais quente e mais frio natildeo haacute hipotermia

hipertermia ou estado neutro natildeo podemos esquecer que estamos diante de uma

ἵlaὅὅifiἵaὦatildeὁΝhiἷὄὠὄὃuiἵaΝἷmΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅἷΝἶiὐΝ ldquoiὅὅὁΝὧΝ iὅὅὁrdquoΝ iὅὅὁΝὧΝ fὄiὁΝ iὅὅὁΝὧΝmὁὄὀὁΝ iὅὅὁΝὧΝ

quente mas o caso do prazer exige relaccedilotildees hieraacuterquicas complexas mediante as estruturas

complexas do psiquismo humano e as dimensotildees do desejo ambos avaliativos ambos

recorrendo a uma avaliaccedilatildeo impliacutecita do bem do bom do uacutetil do melhor

Apenas o pensamento eacute capaz de impor limite ao prazer o pensamento conhece essa

relaccedilatildeo entre ΰΫθ δμ e κυ έα ele pode transformar algo que eacute puro devir pura geraccedilatildeo em

ser a vida natildeo pode ser caoacutetica ela natildeo eacute caoacutetica por mais confusa que possa ser ela

necessita ser ainda que tatildeo precaacuteria uma vida e natildeo um estado inerte desprovido de

movimento pois o pensamento eacute movimento puro que busca um sentido orientador a todo o

momento Haacute tambeacutem o prazer os prazeres e a vida Vida humana vida mista de prazer e

de inteligecircncia O prazer eacute uma dimensatildeo da vida natildeo podemos negaacute-la nem Platatildeo teria

feito isso muito pelo contraacuterio demonstrou toda a sua forccedila nesse movimento contiacutenuo que

eacute a vida e que soacute cessa sua atividade pela morte no sentido estritamente fisioloacutegico ou no

ὅἷὀtiἶὁΝmἷtafὰὄiἵὁΝἶaΝldquomὁὄtἷΝfilὁὅὰfiἵardquoΝὃuἷΝaὀtἷἵiὂaΝὀaΝmἷἶiἶaΝἶὁΝὂὁὅὅiacutevἷlΝἷmΝlaὄga escala

ἷὅὅaΝldquovivecircὀἵiaΝἶiviὀardquoΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶaΝἷὅtaἴiliἶaἶἷΝἶaΝὂἷὄmaὀecircὀἵiaΝὃuἷΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝaἶὃuiὄἷΝ

isto eacute sua natildeo-fugacidade mas seu prazer isso mesmo o prazer do pensar como

ldquoliἴἷὄtaὦatildeὁrdquoΝἵὁmὁΝumΝἶἷὅligamἷὀtὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἶaΝviἶaΝfilὁὅὰfiἵaέ

A bela φλκ έ β de Filebo foi derrotada O limite conseguiu dominar completamente

o prazer ou apenas moderaacute-lo Questatildeo que permanece em aberto Ele continua sendo esse

desejo que quer se afirmar a todo instante enquanto o proacuteprio gozo da existecircncia a alegria o

deleitaacutevel o carpe diem O prazer entrou na batalha mas natildeo foi de tudo nocauteado ele

permanece enquanto uma dimensatildeo da proacutepria vida passou de bom e foi colocado na disputa

ὂἷlὁΝἴἷmΝfὁiΝaὀaliὅaἶaΝὅuaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝὅἷΝtὁὄὀὁuΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquogἷὄaὦatildeὁΝἷm vista do

200 Conclusatildeo

ὅἷὄrdquoΝἶiὅἵὄimiὀaἶὁΝἷmΝfalὅὁὅΝἷΝvἷὄἶaἶἷiὄὁὅΝfὁiΝἵὁlὁἵaἶὁΝἶiaὀtἷΝfὄἷὀtἷ-a-frente com seu oposto

a dor e teve a coragem suficiente para enfrentar o pensamento

Tambeacutem o conhecimento possui suas intermitecircncias no diaacutelogo na combinaccedilatildeo da

mistura fiὀalΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὀatildeὁΝ hἷὅitaΝ ἷmΝ ἷvὁἵaὄΝ ὁὅΝ ἶἷlἷὅΝ ὂὄimἷiὄὁΝ ἒiὁὀiacuteὅiὁΝ ldquoὁΝ ἶἷuὅΝ ἶaΝ

ἷmἴὄiaguἷὐrdquoΝὂἷlὁΝὃualΝfiguὄaΝaΝmiὅtuὄaΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝviἶaΝὅuaΝὂὄὰὂὄiaΝiὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁΝὀaΝὃualΝ

a forma dessa boa vida ainda permanece em aberto e que na visatildeo platocircnica deve lidar com

essa dialeacutetica em torno da pergunta fundamental do bem viver por isso segundo Hefesto o

deus da teacutecnica tambeacutem preside juntamente agravequele deus supracitado (61c) o deus que

ἵaὄὄἷgaΝἵὁὀὅigὁΝaΝmaiὅΝaltaΝldquotekhnologiardquoΝὅaliἷὀtaὀἶὁΝἢlatatildeὁΝὃuἷΝἷὅὅaΝmiὅtura natildeo pode ser

uma mistura qualquer e que cabe a noacutes pela forccedila do pensamento submeter ao exame

constantemente essa vida e o prazer Nem sempre nos importamos sobre o modo como essa

mistura eacute feita Dessa maneira raramente ele eacute uma boa mistura Se Soacutecrates estaacute certo se

a mistura soacute eacute boa quando dosamos corretamente os ingredientes prazeres e conhecimentos

quando refletimos por intermeacutedio do pensamento natildeo soacute sobre os ingredientes mas

principalmente sobre a forma como se deve operar essa dosagem contiacutenua Acerca do valor

dessa mistura o pensamento tem prevalecircncia sobre o prazer haja vista sua semelhanccedila com

o intelecto divino sendo atribuiacutedo o segundo precircmio agrave causa o prazer jaacute natildeo pode mais

lamentar

Ainda que nossa existecircncia esteja submetida ao devir ela necessita ser algo uma vida

minimamente organizada que seja de fato uma vida o fluxo contiacutenuo natildeo eacute nada ele eacute pura

ΰΫθ δμ mas a vida enquanto mistura de elementos do mesmo modo que o universo eacute

geraccedilatildeo para o ser isso porque tanto o universo como a vida particular dos indiviacuteduos torna

possiacutevel a ordem porque ambos possuem alma possui razatildeo inteligibilidade um modo de

funcionamento de regularidade proacutepria originaacuteria e belamente disposta Contudo no curso

da vida humana noacutes indiviacuteduos perdemos essa bela combinaccedilatildeo ultrapassando os limites de

nossa proacutepria condiccedilatildeo invertendo os papeacuteis tomando aquilo que eacute ilimitado pelo limite

A dificuldade de se compreender o prazer no Filebo a meu ver e o que o torna um

dos diaacutelogos mais aprofundados de Platatildeo ndash caracteriacutestica que gerou uma seacuterie de

infidelidades a esse texto platocircnico ndash um diaacutelogo rigoroso e que exige toda cautela de qualquer

inteacuterprete que deseja adentrar as linhas desse diaacutelogo eacute que alguns prazeres satildeo de fato

ilimitados outros devem ser sempre ilimitados outros geralmente satildeo ilimitados e alguns

poucos satildeo por natureza limitados (DAVIDSON 1990 p 185-187)

O Filebo demonstrou as insuficiecircncias do prazer e dos conhecimentos enquanto

candidatos ao bem e consequentemente a uma vida boa Nem um nem outro podem

sozinhos realizar essa justa composiccedilatildeo O que seraacute feito agora do pensamento Perdeu todo

o seu valor E os louvores e exaltaccedilotildees agrave vida mais divina de todas ao pensamento puro agrave

potecircncia da dialeacutetica e vontade de verdade socraacutetico-platocircnica O pensamento natildeo se livra

201 Nem aporia nem conclusatildeo o prazer

do prazer pois na vida humana toda as coisas aspiram pelo bem pelo bom e deseja esse

ldquoἴὄilhὁrdquoΝἷὅὅaΝἴἷlἷὐaΝὂὄὁvἷὀiἷὀtἷΝἶἷὅtaΝjuὅtaΝἵὁmὂὁὅiὦatildeὁΝὃuἷΝὂἷὄmaὀἷἵἷΝἵὁmὁΝumΝldquomὁἶἷlὁΝ

de vidardquoΝὃuἷΝaὦatildeὁΝhumaὀaΝἶἷvἷὄὠΝὄἷἵuὂἷὄaὄΝaὁΝὅaiὄΝἶaΝiὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁέΝἑὁmὁΝliἶaὄΝἵὁmΝἷὅὅἷΝ

ὅἷὄΝὃuἷΝἴuὅἵaΝὅἷὄΝἷmΝtὁtaliἶaἶἷΝaὃuilὁΝὃuἷΝἷlἷΝὧΝumΝὅἷὄΝldquoὅἷὀὅiacutevἷlrdquoΝὃuἷΝὅἷΝmaὀtὧmΝὀἷὅὅἷΝ

sensiacutevel

O pensamento soacute pode reivindicar para si o fato de estar prioritariamente na escala

hieraacuterquica dos bens acima do prazer enquanto capaz de promover essas combinaccedilotildees

esses arranjos de uma melhor forma ou seja ele estaacute no princiacutepio de uma vida melhor Ele

natildeo apenas delimita a correta fruiccedilatildeo dos prazeres mas sua potecircncia seu desejo pelo

verdadeiro o insere em um movimento criativo que desafia a temporalidade natural

transcendendo-a em direccedilatildeo agravequilo que lhe eacute mais relevante do que apenas organizar o

ὀatuὄalΝmaὅΝἶἷὀtὄὁΝἶaὅΝὄἷgὄaὅΝἶὁΝldquojὁgὁΝἶaΝviἶardquoΝὂἷὄἵἷἴἷὄΝumaΝfὁὄmaΝἶἷΝtὄansgredi-las sem

portanto se ausentar deste jogo e sem romper com aquilo que natildeo pode ser rompido Estou

falando aqui da forccedila criativa do pensamento que vai em busca sempre do melhor que natildeo

se basta que natildeo aceita a fugacidade das afecccedilotildees psico-corporais das afecccedilotildees e das

antecipaccedilotildees dos prazeres mas que se torna mais atento agravequilo que ele eacute ou melhor aquilo

que a alma eacute propriamente inteligiacutevel

ἢὁὄΝiὅὅὁΝὀatildeὁΝhὠΝldquoὄἷἵἷitaΝὂὄὁὀtardquoΝὀἷὀhumΝἶὁὅΝἶὁiὅΝὂὁἶἷΝgaὀhaὄΝἷὅὅἷΝjὁgὁΝὀἷὀhumΝ

dos dois cessam eles continuam natildeo cessam nem na vida e nem na morte Se olhamos agrave

distacircncia tudo parece muito oacutebvio e a impostura nos confunde pois a vida eacute sorridente bela

o prazer nos enfeiticcedila mas caso escolhamos essa limitaccedilatildeo da vida temos tambeacutem que

aceitar a corrupccedilatildeo o seu contraacuterio o que natildeo eacute morte mas uma indefinida corrupccedilatildeo uma

fugacidade extrema e por isso caoacutetica Talvez seja necessaacuterio natildeo salgar tanto o pranto e

natildeo adoccedilar demais a alegria e aceitar o quatildeo desesperador possa ser essa vida mista

humaὀaΝὂὁὄὃuἷΝaiὀἶaΝὀatildeὁΝalἵaὀὦamὁὅΝἷὅὅἷΝldquoὂaἶὄatildeὁΝἶὁὅaἶὁὄrdquoΝἵὁὄὄἷtὁέΝἥiὀtὁΝiὀfὁὄmaὄΝmaὅΝ

teremos que voltar pois sequer acabamos e talvez natildeo se queira que nem mesmo acabemos

ὂὁὄΝ iὅὅὁΝ ldquoὀἷmΝ aὂὁὄiardquoΝ ldquoὀἷmΝ ἵὁὀἵluὅatildeὁrdquoΝ ὁΝ Filebo resiste a essas duas classificaccedilotildees

habitualmente destinadas agrave classificarem os Diaacutelogos Mas nem tudo estaacute perdido se

juntarmos os cacos dos prazeres as falhas do prazer e dos conhecimentos talvez desses

cacos resulte uma boa mistura algo que manifeste esta beleza porque toda a discussatildeo nos

dirigiu a uma espeacutecie a umaΝldquoἴἷlaΝὁὄἶἷmΝiὀἵὁὄὂὰὄἷardquo (εσ ηκμ δμ υηα κμ λιπθ εαζ μ)

para comandar um corpo animado (64b) poreacutem natildeo haacute ningueacutem a quem possamos

responsabilizar a natildeo ser noacutes mesmos O filoacutesofo eacute essa espeacutecie de juiz um expert que pode

reivindicar para si que sua vida eacute a vida boa mas que ele pode presidie tendo a inteligecircncia

alcanccedilado o segundo precircmio por meio dos conhecimentos que dispotildee ndash dentre eles

fundamentalmente a dialeacutetica mas natildeo apenas jaacute que se trata de uma vida mista de prazer e

conhecimento ndash uma vida melhor uma vida feliz aquela que possui maior valor e mais

202 Conclusatildeo

ldquoaὂaὄἷὀtaἶardquoΝἵὁmΝὁΝmaiὁὄΝἴἷmΝὂaὄaΝὁὅΝhὁmἷὀὅΝἷΝὂaὄaΝὁὅΝἶἷuὅἷὅΝὂὁiὅΝὀὁὅΝἶiὐΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquo(έέέ)

Quanto a mesclar a ambos reflexatildeo e prazer dizer que somos como fabricantes diante do

que temos de fabricar e amalgamar na ὂὄὁἶuὦatildeὁΝ ὅἷὄὠΝ ἶiὐἷὄΝ ἴἷlamἷὀtἷrdquoέ(Ν (έέέ)Ν η θΝ

φλκθά υμΝ Νεα κθ μΝπΫλδΝπλ μΝ θΝ ζζάζπθΝη ῖιδθΝ δμΝφαέθΝεαγαπ λ βηδκυλΰκῖμΝ ηῖθΝ

ιΝ θΝ θΝκ μΝ ῖ βηδκγλΰ ῖθΝ δΝπαλαε ῖ γαδΝεαζ μΝ θΝ ζσΰ π δεΪακδrdquo)Ν(ἃλἶ-e) Soacutecrates

coloca na boca de Protarco a necessidade de parar 67b11-13 antes que as forccedilas daquele

homem-filoacutesofo (Soacutecrates) se esgotem e talvez as proacuteprias forccedilas de Protarco jaacute tambeacutem se

findaram num outro momento retornaremos aos assuntos que aqui foram tratados Eacute preciso

agora parar Assim soa o imperativo impliacutecito na fala do interlocutor jaacute que tambeacutem as nossas

forccedilas tambeacutem possam ter chegado ao limite para depois retornar ao que aqui foi exposto

pois

() coisas ainda restam ( έ ὰ ιπό α)

(67b12-13)

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ANEXOS

Tabela Normas de Transliteraccedilatildeo251

Ignorar completamente os acentos bem como a distinccedilatildeo entre longas e breves

251 (Cf ARCHAI (2014) Novas Normas de Transliteraccedilatildeo Archai ndeg 12 p 193)

220 Lista de Abreviaccedilotildees

Lista de Abreviaccedilotildees252

Platatildeo

Pl = Plato (Platatildeo)

Alc 1 = Alcibiades 1 (Primeiro Alcibiacuteades)

Ap = Apologia (Apologia de Soacutecrates)

Cra = Cratylus (Craacutetilo)

Cri = Crito (Criacuteton)

Ep = Epistulae (Cartas)

Epigr = Epigrammata

Euthd = Euthydemus (Eutidemo)

Euthphr = Euthyphro (Eutiacutefron)

Epin = Epinomis (Epinomis)

Grg = Gorgias (Goacutergias)

HpMa = Hippias Major (Hiacutepias Maior)

Ion = (Iacuteon)

Lg = Leges (As Leis)

Men = Meno (Mecircnon)

Phd = Phaedo (Feacutedon)

Phdr = Phaedrus (Fedro)

Phlb = Philebus (Filebo)

Plt = Politicus (Poliacutetico)

Prm = Parmenides (Parmecircnides)

Prt = Protagoras (Protaacutegoras)

R = Respublica (A Repuacuteblica)

Smp = Symposium (O Banquete)

Sph = Sophista (Sofista)

Tht = Theaetetus (Teeteto)

Ti = Timaeus (Timeu)

Demais autores claacutessicos

Arist = Aristotle (Aristoacuteteles) Metaph = Metaphysica (Metafiacutesica) Ph = Physica (Fiacutesica)

252 O uso das abreviaccedilotildees aqui apresentado segue o Greek-English Lexicon (LSJ) acessiacutevel em httpwwwstoaorgabbreviationshtml

221 Lista de Abreviaccedilotildees

Po = Poetica (Poeacutetica) Pol = Politica (Poliacutetica) Rh = Rhetorica (Retoacuterica) Diog Laert = Diocircgenes Laecircrtios (Dioacutegenes Laeacutercio) X = Xenophon (Xenofonte) Ap = Apologia Socratis (Apologia de Soacutecrates) Mem = Memorabilia (Ditos e feitos memoraacuteveis de Soacutecrates) Oec = Oeconomicus (Econocircmico) Smp = Symposium (Banquete) Sapph = Sappho (Safo) Mimn = Mimnermo (Mimnermo) Hom = Homerus (Homero) Il = Ilias (Iliacuteada) Od = Odyssea (Odisseacuteia) Hes = Hesiodus (Hesiacuteodo) Th = Theogonia (Teogonia) Dam = Damascius (Damaacutescio)

Page 3: O PRAZER NA FILOSOFIA DE PLATÃO: ALGUMAS ...repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/25145/3...texto, que meu propósito em relação ao modo de leitura dos diálogos de Platão, distingue-se

Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo na Publicaccedilatildeo (CIP)

Sistema de Bibliotecas da UFU MG Brasil

B277p

2019

Barros Leander Alfredo da Silva 1991-

O prazer na filosofia de Platatildeo [recurso eletrocircnico] algumas

consideraccedilotildees a partir da leitura do filebo Leander A lfredo da Silva

Barros - 2019

Orientador Dennys Garcia X avier

Dissertaccedilatildeo (mestrado) - Universidade Federal de Uberlacircndia

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia

Modo de acesso Internet

Disponiacutevel em httpdxdoiorg1014393ufudi2019986

Inclui bibliografia

Inclui ilustraccedilotildees

1 Filosofia 2 Platatildeo 3 Prazer 4 Dialeacutetica I X avier Dennys

Garcia 1979- (Orient) II Universidade Federal de Uberlacircndia

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia III Tiacutetulo

CDU1

Gloacuteria Aparecida ndash CRB-62047

Scanned with CamScanner

LEANDER ALFREDO DA SILVA BARROS

O PRAZER NA FILOSOFIA DE PLATAtildeO ALGUMAS CONSIDERACcedilOtildeES A PARTIR DA

LEITURA DO FILEBO

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia como requisito parcial agrave obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em Filosofia Orientador Prof Dr Dennys Garcia Xavier

Uberlacircndia 02 de Marccedilo de 2018

Banca Examinadora

______________________________________________

Profa Dra Eliane Christina de Souza (UFSCar)

_____________________________________________

Prof Dr Fernando Martins Mendonccedila (UFU)

__________________________________________________

Prof Dr Sertoacuterio de Amorim e Silva Neto (UFU)

(Presidente da Banca ndash Orientador Substituto)

Scanned with CamScanner

i

DEDICATOacuteRIA

Agraves ldquomulheres da minha vidardquoμ δaura Mariarsquos

Clara Marina

Ao Rubens δeoni e ao pequeno ldquoRickrdquo (ldquoluz do

meu viverrdquo)

ii

ldquo() η θ φλκθά υμ εα κθ μ πΫλδ πλ μ θ ζζάζπθ η ῖιδθ δμ φαέθ εαγαπ λ

βηδκυλΰκῖμ ηῖθ ι θ θ κ μ ῖ βηδκγλΰ ῖθ δ παλαε ῖ γαδ εαζ μ θ ζσΰ π δεΪακδrdquo

Quanto a mesclar a ambos reflexatildeo e prazer dizer que somos como fabricantes diante do que temos de fabricar e amalgamar na produccedilatildeo seraacute dizer belamente

(Filebo 59d-e)

iii

AGRADECIMENTOS

Ao Professor Dr Dennys Xavier pela orientaccedilatildeo e apoio concedido durante a pesquisa

Ao Prof Dr Sertoacuterio de Amorim e Silva Neto pessoa relevante para a conclusatildeo deste

trabalho Manifesto minha gratidatildeo por todo apoio concedido na elaboraccedilatildeo deste trabalho e

que em dada Defesa ocupou a funccedilatildeo de Orientador Substituto

Agrave Professora Dra Eliane Christina de Souza agradeccedilo a disposiccedilatildeo e presenccedila por

sua disponibilidade de leitura do texto e pela composiccedilatildeo da banca aleacutem da sua afetuosa

acolhida na UFSCAR e consequente inserccedilatildeo entre os seus orientandos de Doutorado

Ao Professor Dr Fernando Martins Mendonccedila pela presenccedila na qualificaccedilatildeo e

composiccedilatildeo da Banca de Defesa desta dissertaccedilatildeo e as sugestotildees eficazes ao meu trabalho

Ao Professor Dr Rubens Garcia Nunes Sobrinho pela disponibilidade no exame de

qualificaccedilatildeo e indicaccedilotildees precisas sobre nosso autor e as sugestotildees feitas ao meu texto

Aos professores do PPGFIL-UFU em especial agrave querida Prof Dra Georgia Amitrano

e aos professores Prof Dr Marcos Ceacutesar Secircneda Prof Dr Steacutefano Pascoal e o Prof Dr

Celso Luiacutes de Arauacutejo Cintra que foram meus professores nas disciplinas do PPGFIL-UFU

Meu agradecimento em especial ao IFILO-UFU e a todos os funcionaacuterios e

coordenadores do PPGFIL-UFU

Agrave CAPES pelo apoio e fomento concedido ao desenvolvimento da minha pesquisa ao

longo destes dois anos no Mestrado do PPGFIL-UFU

Ao caro amigo Jefferson Pontes pela leitura paciente e rigorosa do meu texto pelas

inuacutemeras sugestotildees que contribuiacuteram para a consecuccedilatildeo de um trabalho rigoroso

Agradeccedilo aos meus pais Rubens e Marina Barros pelo apoio constante e por todo o

esforccedilo conjunto empregado para a realizaccedilatildeo desta tarefa gratificante Agraves minhas avoacutes Laura

e Maria Clara pelo zelo carinho atenccedilatildeo e companheirismo nesta etapa sou eternamente

grato a elas e demonstro aqui meu amor e admiraccedilatildeo por ambas Aos meus irmatildeos Leoni e

Maria Clara pelo carinho respeito e admiraccedilatildeo que ambos nutrem pelo meu trabalho e por

meus estudos Enfim a todos os amigos de Uberlacircndia de Satildeo Joatildeo del Rei aos familiares

e amigos de Alfredo Vasconcelos e a todos os meus professores que fizeram parte desta

histoacuteria meus sinceros agradecimentos

iv

BARROS L (2018) O prazer na filosofia de Platatildeo algumas consideraccedilotildees a partir da leitura

do Filebo 222p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Uberlacircndia Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar as concepccedilotildees platocircnicas em torno do tema do prazer

notadamente aquelas apresentadas no diaacutelogo Filebo Pretendo ao longo do texto evidenciar

algumas das possiacuteveis intepretaccedilotildees acerca da questatildeo primordial que envolve o diaacutelogo em

aὀὠliὅἷΝὃuἷΝἵὁὀὅiὅtἷΝὂὄiὁὄitaὄiamἷὀtἷΝὀaΝὄἷflἷxatildeὁΝὅὁἴὄἷΝaΝldquoviἶaΝfelizrdquoΝ(ίέκθ αδηκθα) O eixo

temaacutetico deste nosso esforccedilo interpretativo recai sobre a temaacutetica dos prazeres e

fundamentalmente sobre os conteuacutedos eacuteticos apresentados no decorrer da obra A exaustiva

anaacutelise do prazer ( κθ ) que ocupa maior parte da discussatildeo resulta numa investigaccedilatildeo

ainda mais significativa em torno daquele que deveraacute ὅἷὄΝἷlἷitὁΝἵὁmὁΝὁΝldquomἷlhὁὄΝgecircὀἷὄὁΝἶἷΝ

viἶardquoΝ(ΰΫθκμ)ΝὂὁὄΝamἴὁὅΝὁὅΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝἶἷὅtἷΝmὁvimἷὀtὁΝaὄgumἷὀtativὁέΝἏΝviἶaΝfilὁὅὰfiἵaΝ

que porventura caracterizaraacute este estilo de vida preferiacutevel aos homens natildeo pode

desconsiderar a relevacircncia do prazer sendo neste caso umaΝ ldquoviἶaΝmiὅtardquoΝ (η δε σθ ίέκθ)

composta por prazer ( κθ ) e reflexatildeo (φλσθ δμ) Portanto se prazeres e conhecimentos

parecem estar ὂὄἷὅἷὀtἷὅΝὀaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝmἷlhὁὄΝgecircὀἷὄὁΝἶἷΝviἶaμΝ(i)ΝὁΝldquoἵὠlἵulὁrdquoΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝ

resulta numa importante configuraccedilatildeo da escala de valores relativos agrave constituiccedilatildeo da vida

mista e (ii) a proacutepria concepccedilatildeo de dialeacutetica (tarefa pertinente ao filoacutesofo) alcanccedila um

significado ainda mais surpreendente e relevante na argumentaccedilatildeo isto eacute ao configurar-se

como o exerciacuteciὁΝ ὄἷflἷxivὁΝ fuὀἶamἷὀtalΝ Ν aἵἷὄἵaΝ ἶaΝ ldquomἷἶiἶardquo (ηΫ λκθ) (entre limitado e

ilimitado) nas deliberaccedilotildees humanas e que por sinal visam o bem e a felicidade

Palavras-chave Platatildeo Prazer Filebo Vida Boa Dialeacutetica

v

BARROS L (2018) O prazer na filosofia de Platatildeo algumas consideraccedilotildees a partir da leitura

do Filebo 222p Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Filosofia da Universidade Federal de Uberlacircndia Uberlacircndia 2018

ABSTRACT

This work aims to analyse the platonic conceptions around the theme of pleasure notably

those presented in the Philebus dialogue I intend throughout the text to highlight some of the

possible interpretations about the primordial question that surrounds the dialogue under

analysis which consists mainly in the reflection on the good life (ίέκθ αδηκθα) The

thematic axis of our interpretative effort falls on the theme of pleasures and fundamentally on

the ethical content presented during the work For the exhaustive analysis of pleasure ( κθ )

which occupies most of the discussion results in an even more meaningful investigation

around what should be elected as the best kind of life (ΰΫθκμ) by both interlocutors of this

argumentative movement The philosophical life which perhaps will characterize the lifestyle

preferable to men canὀὁtΝἶiὅὄἷgaὄἶΝthἷΝὄἷlἷvaὀἵἷΝὁfΝὂlἷaὅuὄἷΝἴἷiὀgΝiὀΝthiὅΝἵaὅἷΝaΝldquomixἷἶΝlifἷrdquoΝ

(η δε σθ ίέκθ) composed by pleasure ( κθ ) and reflection (φλσθ δμ) Therefore if

pleasures and knowledge seem to be present in the definition of the best kind of life (i) the

calculation of pleasures results in an important configuration of the scale of values relative to

the constitution of mixed life and (ii) the very conception of the dialectic (a task pertinent to

the philosopher) reaches an even more surprising and relevant meaning in the argumentation

that is in defining itself as the fundamental reflexive exercise of measure (ηΫ λκθ) (between

limited and unlimited) in human deliberations and by the way aim at good and happiness

Keys-words Plato Pleasure Philebus Good life Dialectic

vi

ESCLARECIMENTOS

- Utilizo prioritariamente a versatildeo biliacutengue do Filebo do nosso tradutor brasileiro Prof

Fernando Muniz (2012) com o texto grego original estabelecido e anotado por John Burrnet

em seu Platonis Opera (1899-1907 5 v) fazendo as modificaccedilotildees quando necessaacuterias todas

indicadas em suas ocorrecircncias

- Optei pela manutenccedilatildeo da grafia original de todos os termos gregos retirados das

obras primaacuterias e secundaacuterias

- Quanto aos termos gregos que aparecem nas obras secundaacuterias (comentadores)

achei por bem manter a mesma forma utilizada pelos comentadores seja no uso dos termos

transliterados ou natildeo Na medida do possiacutevel tentarei manter todos os acentos e espiacuteritos

bem como a diferenciaccedilatildeo entre as vogais longas e breves Apesar deste meacutetodo sempre

apresentar deficiecircncias

- Toda a metodologia deste trabalho se apoia nas normas utilizadas pela Revista

Archai (httpperiodicosunbbrindexphparchaiaboutsubmissionsauthorGuidelines) que

prioritariamente segue a metodologia proposta por Harvard (Harvard Reference System)

- Aproveito tambeacutem para ressaltar um fator importante sobre as obras secundaacuterias

utilizadas para a fundamentaccedilatildeo do texto escritas em idiomas estrangeiros Durante todo o

texto nas citaccedilotildees (diretas e indiretas) preferi traduzir diretamente mantendo todos os

excertos em portuguecircs Assim comprometo-me com o conteuacutedo destas traduccedilotildees diretas as

quais referem-se unicamente aos propoacutesitos do trabalho por noacutes aqui desenvolvido

- Ao final do trabalho poderatildeo ser consultados nos anexos (i) Tabela de Transliteraccedilatildeo

(ii) Lista de Abreviaccedilotildees dos textos claacutessicos

SUMAacuteRIO

DEDICATOacuteRIA i AGRADECIMENTOS iii RESUMO iv

ABSTRACT v

ESCLARECIMENTOS vi INTRODUCcedilAtildeO 1

1 SOBRE COMO LER OS DIAacuteLOGOS DE PLATAtildeO E A POSICcedilAtildeO INTEPRETATIVA ADOTADA NESTE TRABALHO 17

11 A posiccedilatildeo unitarista 19

12 A posiccedilatildeo revisionista 23

13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo 30

14 A posiccedilatildeo literaacuteria 38

15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho 44

2 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO) 51

21 As complexidades estruturais e o problema da unidade 51

22 O tema central um dissenso 57

23 O contexto histoacuterico e os personagens 64

3 O PRAZER SEGUNDO PLATAtildeO UMA ANAacuteLISE A PARTIR DO FILEBO 78

31 Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica 78

32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto 155

33 Prazer Conhecimento e Valor 180

CONCLUSAtildeO 199

REFEREcircNCIAS 203

Literatura Primaacuteria (Platatildeo) 203

Demais autores claacutessicos 205

Literatura secundaacuteria 206

ANEXOS 219 Tabela Normas de Transliteraccedilatildeo 219

Lista de Abreviaccedilotildees 220

1 Introduccedilatildeo

INTRODUCcedilAtildeO

Terra incognita Eacute este o termo utilizado por Dorothea Frede ao referir-se ao diaacutelogo

Filebo (2013 p 501) e essa eacute sem duacutevida a primeira impressatildeo causada nos leitores-

inteacuterpretes jaacute familiarizados com os demais diaacutelogos A obra em questatildeo Filebo eacute

ἵὁὀὅiἶἷὄaἶaΝἵὁmὁΝumΝldquoἶiὠlὁgὁΝtaὄἶiὁrdquoΝὅἷguὀἶὁΝmuitὁὅ estudiosos1 agrave exceccedilatildeo de Gilbert Ryle

(1966 p 251-256) para quem o Filebo natildeo pode ser considerado um dos uacuteltimos diaacutelogos de

Platatildeo mas sim um diaacutelogo escrito na maturidade platocircnica proacuteximo ao Timeu2

As dificuldades impostas agrave leitura e agrave interpretaccedilatildeo desse texto platocircnico satildeo diversas

como veremos ao longo deste trabalho O Filebo aleacutem de trazer agrave discussatildeo temas relevantes

da filosofia platocircnica dos escritos tardios ndash haja vista o tratamento de temas extremamente

complexos alguns sob os quais ainda natildeo se obteacutem um consenso interpretativo parece fugir

de uma unidade possiacutevel nos conteuacutedos abordados ao longo da obra a ponto de alguns o

considerarem um diaacutelogo corrompido (faltante)3 De tal modo tanto os temas tratados quanto

aΝἷὅtὄutuὄaΝἶaΝὁἴὄaΝaὂὄἷὅἷὀtamΝiὀήmἷὄaὅΝἷΝἵὁmὂlἷxaὅΝldquotὄaὀὅiὦὴἷὅrdquoΝ(εUNIZ 2007 p 113)4

que exigiriam do leitor natildeo soacute um conhecimento vasto do corpus mas principalmente dos

temas pertinentes agrave chamada ldquoἶὁutὄiὀaΝὂlatὲὀiἵardquoΝἶa velhice5

1 A respeito dos problemas que envolvem o polecircmico tema da cronologia das obras platocircnicas falaremos adiante quando formos tratar dos esclarecimentos metodoloacutegicos Segundo Brandwood (2013 p 143) a ordem cronoloacutegica mais aceita na contemporaneidade coloca o Filebo como o penuacuteltimo diaacutelogo do corpus platocircnico Esta sequecircncia estaria disposta da seguinte maneira (no grupo dos diaacutelogos tardios) Timeu Criacutetias Sofista Poliacutetico Filebo e Leis Pretendo demonstrar ao longo do texto que meu propoacutesito em relaccedilatildeo ao modo de leitura dos diaacutelogos de Platatildeo distingue-se de uma viὅatildeὁΝiὀtἷὄὂὄἷtativaΝἶitaΝldquoἵaὀὲὀiἵardquoΝὂὄiὀἵiὂalmἷὀtἷΝὀὁΝtὁἵaὀtἷΝaὁὅΝmὁἶἷlὁὅΝὃuἷΝὂautamΝὅuaὅΝleituras a partir de uma visatildeo cronoloacutegica da filosofia platocircnica 2 Paralelamente a esta classificaccedilatildeo encontra-se a de Waterfield (Cf WATERFIELD 1980 1982) 3 Godofredus Stallbaum (1826) em seu Platonis Philebus Prolegomenis et Comentarius (introduccedilatildeo ao comentaacuterio do texto grego) destaca queμΝldquo(έέέ)ΝἶἷΝtὁἶaὅΝaὅΝὁἴὄaὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὁΝFilebo eacute o diaacutelogo mais ἵὁὄὄὁmὂiἶὁΝaὂὄἷὅἷὀtaἶὁΝὂἷlaΝtὄaἶiὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἃ)έ 4 Muniz chama nossa atenccedilatildeo para a descrenccedila ao longo dos seacuteculos presente entre os plantonistas quanto a uma suposta ineficiecircncia interpretativa desse diaacutelogo platocircnico Seu princiacutepio hermenecircutico orientador enfatiza a relaccedilatildeo constitutiva entre forma e conteuacutedo nos Diaacutelogos Deste modo o autor sublinha a necessidade de nos atermos agraves transiccedilotildees bruscas presentes no diaacutelogo sendo possiacutevel recorrer apenas a elementos do proacuteprio texto (2007 p 113) Assim ele ressalta essa descrenccedila iὀtἷὄὂὄἷtativaμΝ ldquoἒiaὀtἷΝ ἶἷὅὅaΝ ἷxigecircὀἵiaΝ [iὀtἷὄὂὄἷtativa]Ν ὁὅΝ lἷitὁὄἷὅΝ ἶὁΝ Filebo encontram seu maior obstaacuteculo a anatomia do diaacutelogo parece anocircmala e as articulaccedilotildees entre suas partes ausentes a desconexatildeo a descontinuidade a obscuridade e a irrelevacircncia de certas cenas ou passagens em relaccedilatildeo ao tema principal fizeram do Filebo ao longo dos seacuteculos uma espeacutecie de corpo estranho no conjunto dos Diaacutelogos de Platatildeo 5 ἑὁmὁΝἵὄecircΝIέΝἑὄὁmἴiἷμΝldquoἢlatatildeὁΝiὀtὄὁἶuὐΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝὄὠὂiἶaΝἷΝἶἷὅἷὀvὁlvἷΝaὅΝὀὁὦὴἷὅΝὃuἷΝὂὁἶἷὄatildeὁΝὅἷὄΝcompreendidas somente agrave luz das preocupaccedilotildees proacuteprias de seus uacuteltimos anos as quais noacutes soacute viriacuteamos a ἵὁὀhἷἵἷὄΝ ὂὁὄΝ mἷiὁΝ ἶἷΝ ἏὄiὅtὰtἷlἷὅrdquoΝ aΝ ὅaἴἷὄμΝ ldquoaΝ ὄἷlaὦatildeὁΝ ἷὀtὄἷΝ aΝ matὧὄiaΝ ἷΝ aΝ fὁὄmaΝ ἶὁὅΝuὀivἷὄὅaiὅrdquoΝ(1λἆἆΝὂέΝἁἄ1)έ

2 Introduccedilatildeo

Neste sentido tambeacutem parece memoraacutevel a metaacutefora cunhada por Robert Gregg Bury

(1987 p 9) para quem o Filebo no bosque da Academia de Platatildeo assemelha-se mais a um

carvalho retorcido e nodoso repleto de brotos e saliecircncias assimeacutetricas que o desfiguram

frente aos belos ciprestes e majestosos pinheiros presentes no espaccedilo intra-acadecircmico

Obviamente aqueles uacuteltimos frondosos ciprestes e pinheiros na conotaccedilatildeo elaborada pelo

teoacuterico dizem respeito aos demais diaacutelogos platocircnicos que talvez apresentam uma estrutura

mais facilmente identificaacutevel

A metaacutefora ilustra bem a claacutessica teoria do diaacutelogo colagem (ou como prefiro dizer

teoria antoloacutegica do diaacutelogo) Podemos em um primeiro momento cunhar apenas uma

estrutura aparente da obra Primeiramente temos uma espeacutecie de disputa inicial entre prazer

e inteligecircncia sobre qual dos dois poderaacute vir a ser considerado o bem para todos os seres

ὁuΝ mἷlhὁὄΝ aΝ ldquoἴὁaΝ viἶardquoΝ (11a-14a) Em um segundo momento somos conduzidos a uma

argumentaccedilatildeo metodoloacutegica detalhada (14b-20b) Posteriormente a discussatildeo jaacute natildeo estaacute

maiὅΝἵἷὀtὄaἶaΝὀὁὅΝaὅὂἷἵtὁὅΝmἷtὁἶὁlὰgiἵὁνΝaΝἶiὅὂutaΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝὂἷlὁΝldquoὅἷguὀἶὁΝὂὄecircmiὁrdquoΝὃuἷΝ

seraacute concedido ao prazer ou agrave inteligecircncia jaacute que uma revelaccedilatildeo divina teria apontado a vida

mista de prazer e inteligecircncia como vitoriosa (20c-ἀἁἴ)έΝἏΝἶiὅὂutaΝὂὁὄΝἷὅὅἷΝldquoὅἷguὀἶὁΝὂὄecircmiὁrdquoΝ

ἷxigἷΝumaΝldquoὀὁvaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝἷΝaὅὅimΝὧΝaὂὄἷὅἷὀtaἶaΝumaΝὁὀtὁlὁgiaΝ

quaacutedrupla (limite ilimitado misto e causa) (23b-31b) Em seguida temos uma longa anaacutelise

dos prazeres fundamentalmente dividida entre prazeres verdadeiros e prazeres falsos (31b-

55c) depois uma breve anaacutelise dos conhecimentos (55c-59d) Por fim retoma-se a questatildeo

da Vida Boa e do lugar ocupado pela inteligecircncia e pelo prazer na composiccedilatildeo desta vida

mista (59d-67d)

Essa continuidade anteriormente proposta acerca do movimento que compotildee o

diaacutelogo eacute apenas aparente Na praacutetica o leitor atento da obra se depara com uma difiacutecil visatildeo

capaz de verificar tal organizaccedilatildeo em um texto em que a sequecircncia dos temas tratados sofre

profundos abalos cortes e lapsos aleacutem de um resultado final que gera perplexidade nas

iὀήmἷὄaὅΝlἷituὄaὅΝὃuἷΝὅἷΝὄἷὀὁvamΝaΝἵaἶaΝmὁmἷὀtὁέΝἑἷὄtaΝὄἷgulaὄiἶaἶἷΝἶaΝldquotὁὂὁgὄafiaΝaὧὄἷardquoΝ

do diaacutelogo desaparece quandὁΝὀὁὅΝaὂὄὁximamὁὅΝἶἷὅtἷΝldquotἷὄὄἷὀὁΝὂaὀtaὀὁὅὁrdquoΝ(ἔἤἓἒἓΝ1λλἁΝ

p 15) Deste modo apenas leituras rasas e superficiais estariam livres de impedimentos jaacute

as mais aprofundadas estariam fadadas ao fracasso

Diante dessas consideraccedilotildees eacute possiacutevel notar ao longo da histoacuteria interpretativa do

Filebo como este diaacutelogo adquiriu conotaccedilotildees (em certo sentido bastante negativas) frente

ao papel ocupado pelos demais diaacutelogos que compotildeem o corpus Todavia neste trabalho

minha interpretaccedilatildeo dista desta visatildeo que denomiὀὁΝἵὁmὁΝldquoὀἷgativardquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἷΝὂὄὁἵuὄὁΝ

seguir por outro caminho

Monique Dixsaut (1999 2001 2017) apresenta-nos detalhadamente este mesmo

histoacuterico claacutessico que permaneceu durante seacuteculos como princiacutepio hermenecircutico orientador

3 Introduccedilatildeo

do Filebo diaacutelogo faltoso corrompido com muacuteltiplas correccedilotildees artificial de qualidade literaacuteria

desejaacutevel diaacutelogo acadecircmico portador de um Soacutecrates diferente daqueles dos demais

diaacutelogos sem um assunto claramente definido (questatildeo debatida na Antiguidade) terreno

prediletὁΝ ἶaΝ aἴὁὄἶagἷmΝ ldquoἷὅὁtἷὄiὅtardquoΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ἷΝ ἶὁὅΝ ἶἷfἷὀὅὁὄἷὅΝ ἶὁΝ ὅuὂὁὅtὁΝ ὄἷviὅiὁὀiὅmὁΝ

(ontoloacutegico) presente nesta uacuteltima fase do pensamento platocircnico Ou seja deficiecircncias

segundo alguns que vatildeo desde a questatildeo propriamente estiliacutestica literaacuteria ateacute questotildees

ὄἷlaἵiὁὀaἶaὅΝaὁΝἵὁὀtἷήἶὁΝfilὁὅὰfiἵὁΝὁuΝldquoἶὁutὄiὀὠὄiὁrdquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁέΝἡΝὃuἷΝaΝlἷvaΝaΝafiὄmaὄΝὃuἷμΝldquoἡΝ

Filebo possui o duacutebio privileacutegio de cumular todas as dificuldades propostas agrave leitura de um

ἶiὠlὁgὁΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝ(1λλλΝὂέΝλ)έ

Eacute oportuno ressaltar que Dixsaut (1999 2001) natildeo comunga com ἷὅtaΝviὅatildeὁΝldquoὀἷgativardquoΝ

acerca do diaacutelogo O tom dessa sua fala repercute em um sentido interpretativo positivo das

ldquoἵὁὀtὄaἶiὦὴἷὅrdquoΝὃuἷΝὅἷguὀἶὁΝaΝautὁὄaΝὅatildeὁΝmἷὄamἷὀtἷΝaὂaὄἷὀtἷὅέΝἜὁgὁΝἵὁmὂὄἷἷὀἶὁΝἷὅtἷΝ

ldquoἶήἴiὁΝὂὄivilὧgiὁrdquoΝἵὁmὁΝumaΝafirmaccedilatildeo que se converte em certa ironia jaacute que para a autora

o privileacutegio deste diaacutelogo concentra-se na riqueza dos temas ali desenvolvidos por Platatildeo e

ὀatildeὁΝ ὀaὅΝ ldquoἵὁὀtὄaἶiὦὴἷὅrdquoΝ ἵὁὀὅtataἶaὅΝ ὂἷlὁὅΝ lἷitὁὄἷὅΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ aὁΝ lὁὀgὁΝ ἶὁὅΝ ὅὧἵulὁὅΝ ὁΝ ὃuἷΝ

tambeacutem natildeo significa dizer que o diaacutelogo natildeo seja difiacutecil e que essas transiccedilotildees dificultem em

certo grau uma compreensatildeo detalhada desse texto platocircnico6 Como ela mesma afirma

o principal obstaacuteculo agrave compreensatildeo do Filebo eacute a sua aparente falta de unidade Isto eacute a interpretaccedilatildeo da passagem dita metodoloacutegica que compromete segundo alguns a unidade do diaacutelogo Eacute indiscutiacutevel agrave primeira vista a dificuldade em estabelecer uma relaccedilatildeo entre o primeiro grande momento do texto e as que se sucedem a este isto eacute a questatildeo da vida boa e de seus ingredientes (a anaacutelise dos prazeres 31b2-55c4 e a divisatildeo dos conhecimentos 55c5-59d) e a hierarquia final (59d-66a4) (DIXSAUT 2001 p 287)

Paralelamente agrave visatildeo de Dixsaut encontra-se a de Fernando Muniz (2007)7 no

sentido inverso dessa interpretaccedilatildeo claacutessica negativa Posiccedilatildeo da qual tambeacutem partilho em

6 ἢὁὄΝ iὅὅὁΝ aΝ autὁὄaΝ ἵὁὀἵὁὄἶaΝ ἵὁmΝ ἤὁἶiἷὄΝ (1λἀἄ)Ν ὃuἷΝ ὁΝ ldquoἔilἷἴὁΝ ὧΝ umΝ ἶiὠlὁgὁΝ ἶifiacuteἵilrdquoΝ (ὂέΝ ἅἂ-137) (DIXSAUT 2001 p 285) 7 Ambos os autores partem da necessidade de compreensatildeo da primeira parte do diaacutelogo principalmente das consideraccedilotildees metodoloacutegicas para se interpretar as partes restantes da obra Segundo Muniz (2007) essa tarefa implica em reconhecer o ζσΰκμ comparado a um ser vivo dotado ἶἷΝumΝἵὁὄὂὁΝtὁtalmἷὀtἷΝaὄtiἵulaἶὁΝiὅtὁΝὧΝaΝaὂaὄἷὀtἷΝfaltaΝἶἷΝumaΝldquoὁὄἶἷmΝlὁgὁgὄὠfiἵardquoΝaὂaὄἷὀtἷΝὅἷὄiaΝintencional A fim de justificar semelhante recurso o autor centra-se na noccedilatildeo de π δλκθ (ilimitado) utilizada por Platatildeo no diaacutelogo como veremos mais adiante Deste modo seria necessaacuterio tomar o ἶiὠlὁgὁΝἵὁmὁΝumaΝldquoἵὁiὅaΝilimitaἶardquoΝὀaΝmἷἶiἶaΝἷmΝὃuἷΝὅuaΝfὁὄmaΝἷὀἵὁὀtὄaΝumΝlugaὄΝὂaὄaἶὁxalΝὀἷὅὅaΝἵὁὀfluecircὀἵiaΝἵὁmΝὁΝἵὁὀtἷήἶὁΝldquo(έέέ)ΝὀaΝiὀtἷὄὅἷὦatildeὁΝἷmΝὃuἷΝὅἷΝἷὅὂἷlhamΝἷΝὅἷΝἵὁmuὀiἵamrdquoΝ(εἧἠIZΝἀί07 ὂέΝ11ἆ)έΝἡΝὂὄὰὂὄiὁΝldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶἷΝὄἷlἷvacircὀἵiaΝἷvὁἵaἶὁΝὂἷlὁὅΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝ(ἢὄὁtaὄἵὁΝὅἷὄiaΝὁΝὂὄimἷiὄὁΝaΝenunciar essa suspeita recaiacuteda sobre o diaacutelogo ao longo da sua tradiccedilatildeo interpretativa) exige que ou o diaacutelogo se trata de um jogo discursivo intricado (πκδεέζκμ) ou ele eacute segundo uma imagem que o proacuteprio

4 Introduccedilatildeo

minha intepretaccedilatildeo do diaacutelogo Por essa razatildeo creio ser preciso buscarmos no proacuteprio texto

um meio pelo qual essas dificuldades possam ser amenizadas E talvez essa proacutepria

construccedilatildeo problemaacutetica seja intencional e nos sirva agrave interpretaccedilatildeo do diaacutelogo em sua

tὁtaliἶaἶἷέΝἠatildeὁΝἵὄἷiὁΝὃuἷΝaΝὁἴὄaΝὅἷjaΝὀἷmΝaΝldquotἷὄὄaΝiὀἵὰgὀitardquoΝἶὁὅΝὂlatὁὀiὅtaὅΝὀἷmΝmἷὅmὁΝaΝ

ldquoὅἷlvaΝimὂἷὀἷtὄὠvἷlrdquo8 (BARKER 1996 p 143) dos estudiosos da obra em questatildeo Muito pelo

contraacuterio em nosso seacuteculo interpretaccedilotildees e pontos de vista dotados de coerecircncia tecircm

novamente retornado agrave cena filosoacutefica a respeito desse diaacutelogo

Se permanecemos conjecturando sobre as intenccedilotildees possiacuteveis de nosso autor natildeo

passaremos da superficialidade melhor seria encontrar no proacuteprio texto boas indicaccedilotildees

capazes de nos fornecerem instruccedilotildees interpretativas Afinal na trama ficcionada9 e discursiva

dos diaacutelogos o leitor ou ouvinte possui um papel importante Como alega Muniz

ἶiὠlὁgὁΝὁfἷὄἷἵἷΝumaΝldquoἴἷlaΝὁὄἶἷmΝiὀἵὁὄὂὰὄἷardquoΝ(εσ ηκμ δμ υηα κμ) Isto eacute o Filebo seria uma ordem iὀἵὁὄὂὰὄἷaΝaἵaἴaἶaΝἷΝὂἷὄfἷitaΝἶὁtaἶaΝἶἷΝviἶaΝὂὄὰὂὄiaΝἶἷΝldquoἶiὀamiὅmὁΝiὀtἷὄὀὁrdquoΝὃuἷΝaὂἷὀaὅΝaΝἵὁἷὄecircὀἵiaΝda articulaccedilatildeo de suas partes pode oferecer A tarefa do inteacuterprete portanto eacute revelar essa unidade do ἶiὠlὁgὁΝἵὁmὁΝumaΝldquoὁὄἶἷmΝiὀἵὁὄὂὰὄἷardquoΝ(εἧἠIZΝἀίίἅΝὂέΝ11ἆΝ1ἀἁ)έΝJὠΝὂaὄaΝἒixὅautΝ(ἀίί1)ΝὁΝἷviἶἷὀtἷΝproblema da unidade do diaacutelogo requer uma anaacutelise detalhada da primeira parte do diaacutelogo (as consideraccedilotildees metodoloacutegicas) em relaccedilatildeo ao restante (p 287) Poreacutem ela daacute ainda mais um passo importante ao analisar as passagens referentes agrave dialeacutetica para em seguida deter-se na breve anaacutelise dos conhecimentos (2001 p 288) Apenas deste modo a autora poderaacute justificar sua leitura que pretende dar conta das variadas transiccedilotildees do diaacutelogo Ela detalha seu procedimento da seguinte fὁὄmaμΝldquoἠaΝtἷὀtativaΝἶἷΝmaiὁὄἷὅΝἷὅἵlaὄἷἵimἷὀtὁὅΝiὄἷiΝὂὄimἷiὄamἷὀtἷΝaὀaliὅaὄΝὁὅΝtἷxtos da primeira parte consagrados agrave dialeacutetica e entatildeo apontar brevemente qual o tipo de dialeacutetica eacute implementado na obra e finalmente analisar aquela curiosa maneira que se estaacute a falar sobre ela no final da passagem sobre as ciecircncias (57e-59d) Podemos assim constatar que no Filebo a dialeacutetica eacute perpetuamente contaminada pela natureza daquilo com o qual ela se defronta e pelas suas consideraccedilotildees de valor encontrando-se assim submissa agrave potecircncia hieraacuterquica do Bem ndash natildeo somente agrave potecircncia do conhecimἷὀtὁΝἷxἷὄἵiἶaΝἷmΝὅἷuΝἵaὄὠtἷὄΝὂuὄὁΝmaὅΝὡὃuἷlaΝὀaΝὃualΝὅἷΝaἶmitaΝaΝὂὄὰὂὄiaΝviἶaΝἷmΝἶἷviὄrdquoΝ(DIXSAUT 2001 p 288) 8 ἡΝtἷὄmὁΝldquoὅἷlvaΝimὂἷὀἷtὄὠvἷlrdquoΝaὂaὄἷἵἷΝἷmΝumΝaὄtigὁΝἶἷΝἏὀἶὄἷwΝἐaὄkἷὄΝ(1λλἄ)μΝldquoPlatos Philebus The σumbering of a Unityrdquo O autor logo no iὀiacuteἵiὁΝἶὁΝtἷxtὁΝὂaὄἷἵἷΝiὀὅiὅtiὄΝἷmΝἵἷὄtὁΝὅἷὀtiἶὁΝὃuἷΝὁΝldquotἷὄὄἷὀὁΝἷὅὂiὀhὁὅὁrdquoΝἶὁΝFilebo seria devido agraves suas enormes complexidades enormes explicaccedilotildees que resultam nas mais diversas interpretaccedilotildees emersas a partir de um diaacutelogo complexo o que por sinal impossibilita ao leitor de Platatildeo estabelecer uma unidade formal evidente diante da rigidez dos diversos temas ali apresentados (p 144-145) 9 ldquoἓmἴὁὄaΝὅἷjaΝalgὁΝὄἷlativamἷὀtἷΝἵὁὀὅἷὀὅualΝhὁjἷΝἷmΝἶiaΝvalἷΝ lἷmἴὄaὄΝὃuἷΝὁΝἶiὠlὁgὁΝὧΝumaΝὁἴὄaΝdramaacutetica uma ficccedilatildeo [prefiro e utilizarei nesse trabalho o termo ficcionada] filosoacutefica que como tal natildeo pode ser lida como se fosse um tratado Reduzir as falas dos personagens filosoacuteficos agraves proposiccedilotildees destacadas dos seus contextos eacute uma saiacuteda cocircmoda mas infiel ao espiacuterito da obra Eacute preciso que haja entatildeo uma maneira de fazer justiccedila agrave multiplicidade de procedimentos que Platatildeo mobiliza em seus dramas A riqueza da forma natildeo pode ser tratada como um mero efeito decorativo para aliviar a aridez do argumento filosoacutefico Inclusive porque argumento natildeo eacute o uacutenico procedimento filosoacutefico Haacute nos Diaacutelogos uma seacuterie de outros procedimentos como o mito a metaacutefora a ironia o riso o silecircncio ndash todos coordenados em funccedilatildeo da persuasatildeo filosoacutefica Levar em conta esses aspectos formais aspectos de estilo eacute tentar compreender a forma dialogada em funcionamento em toda a sua complexidade (MUNIZ 2007 p 116)

5 Introduccedilatildeo

Platatildeo escreveu para ser lido ndash ou ouvido ndash e o leitor deve completar o ato da criaccedilatildeo discursiva Negligenciar essa dimensatildeo comunicativa dos diaacutelogos eacute no miacutenimo deixar de utilizar mais uma ferramenta interpretativa aleacutem das muitas jaacute em uso (2007 p 116)

Neste sentido entre as visotildees contemporacircneas significativas tambeacutem se soma a de

George ἤuἶἷἴuὅἵhΝ(ἀίίἅ)έΝἥἷguὀἶὁΝὁΝautὁὄΝὀὁὅΝὂὄiὀἵiὂaiὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅΝtaὄἶiὁὅrdquoΝὁὅΝmὁvimἷὀtὁὅΝ

argumentativos apresentados por Platatildeo no Filebo demonstram o grande potencial artiacutestico

do filoacutesofo ateniense Similarmente aos de seu grupo (Teeteto Parmecircnides Sofista) a obra

ἷmΝὃuἷὅtatildeὁΝaὂaὄἷἵἷΝἵὁmὁΝmaiὅΝumaΝfὁὄmaΝἶifἷὄἷὀtἷΝἶἷΝldquoἷὀigmardquo10 (p 40)

O Filebo natildeo eacute um diaacutelogo negativo e insisto que interpretaccedilotildees coerentes do diaacutelogo

satildeo possiacuteveis e torna-ὅἷΝὂὁὅὅiacutevἷlΝἷὀἵὁὀtὄaὄΝumΝldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝἶaΝaὄgumἷὀtaὦatildeὁΝὂlatὲὀiἵaΝ

pelo entrecruzamento dos diversos temas ali apresentados Obviamente meu propoacutesito aqui

recai sobre o mote do prazer11 natildeo permanecendo apenas no limiar da discussatildeo acerca

desse tema mas procurando relacionaacute-lo com os demais assuntos e questotildees abordadas

neste difiacutecil texto platocircnico em que a habilidade literaacuteria platocircnica se demonstra sobremaneira

Isso natildeo significa contudo que certas interpretaccedilotildees visem esgotar as anaacutelises desse

diaacutelogo muito pelo contraacuterio nossa tarefa reconhece a riqueza temaacutetica amplamente diversa

e complexa presente nessa obra

Logo reconheccedilo que as interpretaccedilotildees natildeo esgotam as peculiaridades do Filebo

poreacutem creio como demostrarei ao longo do texto que uma unidade especiacutefica da obra eacute sim

possiacutevel e que talvez possamos estabelecer algumas finalidades apresentadas por Platatildeo ao

longo deste percurso argumentativo sem portanto afirmaacute-las com veemecircncia com um rigor

teoacuterico-conceitual agrave maneira das filosofias baseadas em sistemas de pensamento o que

atentaria contra a proacutepria especificidade dramaacutetica utilizada na composiccedilatildeo dos Diaacutelogos de

Platatildeo como dissemos outrora No entanto soacute poderemos demonstrar como esta visatildeo

10 ldquoἡΝFilebo como me parece eacute um quarto tipo de enigma Haacute passagens longas que parecem escritas natildeo por Platatildeo mas por Hegel ou Heidegger O sentido eacute tatildeo vago que muitas sentenccedilas permitem um nuacutemero ilimitado de interpretaccedilotildees Mas haacute um limite pois eacute difiacutecil encontrar uma uacutenica interpretaccedilatildeo coerente do diaacutelogo inteiro Mesmo assim bons inteacuterpretes declaram que o Filebo eacute uma contradiccedilatildeo imὂὁὅὅiacutevἷlrdquoΝ(ἤἧἒἓἐἧἥἑώΝἀίίἅΝὂέΝἁλ-40) 11 Sobre isso eacute interessante notar o comentaacuterio de Damaacutescio sobre o Filebo ldquoἏlguὀὅΝἶiὐἷmΝὃuἷΝὁΝpropoacutesito do diaacutelogo eacute o prazer assim como demonstra seu proacuteprio tiacutetulo (Π λ κθ μ) e Soacutecrates ele proacuteprio se propotildee primeiramente a discutir o prazer (11b4-c3) para depois examinar o que concerne ao prazer (31b-55d) e em terceiro lugar tirar a conclusatildeo precisa que o prazer natildeo eacute o objetivo primordial da vida (67b1-7) Aqueles que refutam essa tese dizem que o propoacutesito natildeo eacute o prazer Para que serviriam as discussotildees que ultrapassam amplamente o problema apresentado como aqueles sobre o bem sobre os dois princiacutepios (quero dizer o limite e o ilimitado) sobre as trecircs mocircnadas no vestiacutebulo do bem (a beleza a verdade a proporccedilatildeo) sobre o intelecto e as ciecircncias (silogiacutestica e divisatildeo) sobre a mistura destas com os prazeres sobre o primeiro bem assim como o segundo o tἷὄἵἷiὄὁΝὁΝὃuaὄtὁΝὁΝὃuiὀtὁΝἷΝὁΝὅἷxtὁςrdquoΝ(Dam sect I-III)

6 Introduccedilatildeo

(negativa) atribuiacuteda ao diaacutelogo eacute equivocada respondendo a algumas perguntas

fundamentais sobre a qual se debruccedila nosso esforccedilo aqui empreendido mas afinal sobre o

que trata o FileboςΝἥἷΝἷὅtἷΝήltimὁΝὧΝumΝtiὂὁΝἶἷΝldquoἷὀigmardquoΝἵὁmὁΝἴἷmΝἵὁὀὅiἶἷὄaΝἤuἶἷἴuὅἵh

(2007) que tipo de enigma eacute esse E ainda mais de que forma seria possiacutevel solucionaacute-lo

Tais questionamentos segundo creio soacute poderatildeo obter uma resposta adequada no decorrer

deste nosso trabalho investigativo

Comumente na tradiccedilatildeo platocircnica ocidental o subtiacutetulo atribuiacutedo ao Filebo ὧΝldquoἥὁἴὄἷΝ

ὁΝὂὄaὐἷὄrdquoΝὃuἷΝὁΝἵlaὅὅifiἵaΝἵὁmὁΝumΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὂἷὄtἷὀἵἷὀtἷὅΝaὁΝgecircὀἷὄὁΝldquoὧtiἵὁrdquo12 No entanto

o iniacutecio do diaacutelogo jaacute prefigura uma complexidade ou melhor um impasse Dito de outro

modo logo no proecircmio da obra depara-ὅἷΝ ἵὁmὁΝ umaΝ ldquoἵὁὀtὄὁvὧὄὅiardquoΝ ἷmΝ tὁὄὀὁΝ ἶἷΝ ἶὁiὅΝ

discursos (ζσΰκδμ) e natildeo teses13 ambas afirmando cada um deles serem bens ( ΰαγ θ)14

(11b4) Filebo que tomaraacute como defensor de sua afirmativa o interlocutor Protarco postula

como sendo bom o agradaacutevel (εαέλ δθ) o prazer ( κθά) o deleite ( Ϋλφδθ) e tudo mais

consoante a esse gecircnero15 Jaacute Soacutecrates contrariamente iraacute contestaacute-lo dizendo que para

alguns bom se assemelha ao pensamento (φλκθ ῖθ) agrave inteligecircncia (θκ ῖθ) agrave memoacuteria

(η ηθ γαδ) e o que lhes for aparentado como a opiniatildeo correta ( σιαθ λγ θ) e o

raciociacutenio verdadeiro ( ζβγ ῖμ ζκΰδ ηκτμ) Para tais indiviacuteduos esses uacuteltimos bens seriam

melhores mais uacuteteis e teriam ainda mais valor do que aqueles que afirma Filebo (11b7-9)

O ponto problemaacutetico surge no momento em que a discussatildeo (inicial) em torno dos

prazeres dirige-se agrave unidade multiplicidade dos prazeres Ateacute entatildeo temas que pareciam

evocar simplesmente as antigas concepccedilotildees em torno da eacutetica em larga medida aquelas

discutidas em outros diaacutelogos ditos diaacutelogos iniciais alcanccedilam uma complexidade ainda

maior A fim de respondermos tais questotildees acredito que um caminho possiacutevel seja analisar

o porquecirc de o papel dos prazeres ocupar a maior parte do diaacutelogo para entatildeo

compreendermos o ldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝἶaΝiὀvἷὅtigaὦatildeὁΝὂlatὲὀiἵaΝὃuaὀtὁΝaὁὅΝtἷmaὅΝὄἷfἷὄἷὀtἷὅΝὡΝ

ldquoἴὁaΝviἶardquoΝmaὅΝtὁmaὀἶὁ-o apenas como mote para uma discussatildeo maior que retoma temas

importantes desenvolvidos ao longo do pensamento platocircnico Procurarei demonstrar como

os diversos temas presentes nesse diaacutelogo podem nos sugerir uma posiccedilatildeo (especiacutefica) de

12 No cataacutelogo elaborado por Trasiacutelaco de Mendes no seacuteculo I dC para a divisatildeo dos diaacutelogos platocircnicos em nove tetralogias temaacuteticas conforme nos relata Dioacutegenes Laeacutercio o Filebo encontra-se situado na primeira e o subtiacutetulo atribuiacutedo a este denomina-se Do Prazer (Π λ κθ μ) gecircnero eacutetico (D L III 58) 13 Irei tratar disso mais adiante em nossa anaacutelise detalhada do iniacutecio do diaacutelogo 14 Haacute uma longa discussatildeo em torno desse termo que aparece em 11b-4 Como bem nota Muniz (2012 p 21 nota 2) existe uma dificuldade aqui em determinar se ΰαγ θ (bom) eacute equivalente a ΰαγ θ (o bem) 15 ldquo(έέέ)Νεα αΝ κ ΰΫθκυμΝ κτ κθΝ ηφπθαΝ(έέέ)rdquoΝ(11b5-6)

7 Introduccedilatildeo

Platatildeo sobre a relevacircncia da reflexatildeo do prazer na vida humana mas fundamente frente agrave

ὃuἷὅtatildeὁΝἶaὃuἷlaΝὃuἷΝὀὁὅὅὁΝfilὰὅὁfὁΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέ

No entanto algo no Filebo eacute extremamente particular Esse diaacutelogo eacute dentre todos os

outros aquele que apresenta uma visatildeo mais aprofundada sobre o tema e ao mesmo tempo

uma formulaccedilatildeo mais riacutegida acerca do papel do prazer na vida humana enquanto uma questatildeo

filosoacutefica primordial da filosofia platocircnica Ou seja deparamo-nos com o maior problema do

ἶiὠlὁgὁΝaΝὅaἴἷὄμΝὁΝἶἷΝὅuaΝuὀiἶaἶἷέΝἓὅὅἷΝὅἷὄiaΝὁΝὅἷuΝldquoἶήἴiὁΝὂὄivilὧgiὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝ1λλλΝὂέΝix)

por um lado temos a tatildeo esperada anaacutelise do prazer na vida humana por outro esse diaacutelogo

eacute extremamente difiacutecil e exige uma anaacutelise atenta requerendo um envolvimento mais proacuteximo

com a filosofia platocircnica Dito de outro modo se lermos o Filebo de uma forma raacutepida

apressada ou pouco detalhada corremos sempre o risco de permanecer no limiar da obra

sem compreendecirc-la em sua profundidade e ateacute mesmo incorrer na postulaccedilatildeo de incoerecircncia

entre os diaacutelogos sobre os temas ali desenvolvidos sob uma forma peculiar poreacutem contida

dentro do vasto espectro da literatura platocircnica enquanto uma literatura dialoacutegica-filosoacutefica

Minha leitura apoia-se substancialmente em autores que defendem uma

reinterpretaccedilatildeo do proacuteprio diaacutelogo a partir das estruturas argumentativas utilizadas por Platatildeo

na elaboraccedilatildeo da obra Ela tambeacutem se distancia das claacutessicas leituras anteriormente referidas

como tambeacutem daquelas que se apresentam no seacuteculo XX no cenaacuterio da tradiccedilatildeo interpretativa

platocircnica em resposta agraves inuacutemeras questotildees problemaacuteticas levantadas por esse diaacutelogo a

saber a leitura revisionista a posiccedilatildeo esoterista a interpretaccedilatildeo do prazer enquanto atitude

proposicional dentre outras

A questatildeo eacutetica predominantemente relativa ao diaacutelogo a meu ver consiste em

avaliar as pretensotildees requeridas pelo prazer se ele as possui de fato se ele eacute bom em si

mesmo se tem essa forccedila que demonstra ter e ao mesmo tempo de que forma ele se opotildee

ou se articula ao conhecimento A tendecircncia interpretativa que adoto neste trabalho quanto agrave

anaacutelise dialeacutetica dos prazeres16 no Filebo eacute aquela denominada por mim e mais alguns

16 Eacute importante salientar que este tipo de leitura se aplica diretamente agrave anaacutelise dos prazeres a qual natildeo eacute a uacutenica do diaacutelogo mas haacute tambeacutem a anaacutelise das teacutecnicas ou conhecimentos Nesta uacuteltima Platatildeo parece retomar os demais diaacutelogos ao propor uma classificaccedilatildeo que preserva o caraacuteter ontoloacutegico da teacutecnica do saber isto eacute o que ele eacute nele mesmo o poder que possui se ela eacute um aspecto teoacuterico muito proacuteximo do que ele teria feito na Repuacuteblica A essa mesma classificaccedilatildeo soma-se a o caraacuteter que acredito ser predominante na discussatildeo o axioloacutegico tambeacutem as teacutecnicas satildeo classificadas de acordo com o valor que possuem do mesmo modo como os indiviacuteduos devem viver isto eacute conveacutem investigar o modo como os saberes e as teacutecnicas satildeo exercidos efetivamente na medida em que implicam a postulaccedilatildeo de valores que os direcionem que ofereccedilam rumo e sentido para os indiviacuteduos que os elaboram Marques pergunta-se o seguinte seria o primeiro aspecto das teacutecnicas um aspecto teoacuterico E o segundo um aspecto praacutetico (MARQUES 2015 p 200) Podemos tambeacutem nesse sentido evocar a interpretaccedilatildeo de Benitez (1999) acerca da classificaccedilatildeo dos conhecimentos sob a qual se apoiam tambeacutem as concepccedilotildees de Marques sobre esse ponto (Cf BENITEZ 1999 p 337-364)

8 Introduccedilatildeo

autores17 proveniente de uma articulaccedilatildeo gnosioloacutegico-axioloacutegica ou epistecircmico-axioloacutegica

na interpretaccedilatildeo da questatildeo dos prazeres no diaacutelogo Gnosioloacutegica pois o processo de

representaccedilatildeo-valoraccedilatildeo dos prazeres eacute visto como anaacutelogo agrave formaccedilatildeo da opiniatildeo A

dimensatildeo antecipativa da opiniatildeo por seu duplo caraacuteter (fenomecircnico e judicativo) faz com

que a representaccedilatildeo proveniente da imagem ao associar-se ao desejo articule a percepccedilatildeo

efetiva ou sua preservaccedilatildeo (que eacute a memoacuteria) agrave uma dimensatildeo propriamente avaliativa18

Axioloacutegica porque em relaccedilatildeo aos prazeres o processo se daria da mesma forma

O discurso e a representaccedilatildeo que acompanham o prazer da antecipaccedilatildeo comportam em si

uma avaliaccedilatildeo (taacutecita) daquilo que eacute bom para noacutes Eacute necessaacuterio avaliar se o prazer possui

de fato esse valor que ele postula ter A questatildeo do prazer da antecipaccedilatildeo coloca em jogo a

esperanccedila isto eacute o prognoacutestico a promessa futura que o prazer sempre propotildee como bom e

uacutetil eacute essa avaliaccedilatildeo que a meu ver eacute digna de refutaccedilatildeo por parte de Soacutecrates Neste

sentido trata-se de uma concepccedilatildeo eacutetica da verdade traduziacutevel nos termos uacutetil melhor e

preferiacutevel Apenas a dialeacutetica enquanto anaacutelise dialogada do prazer nos mostra a

abrangecircncia do papel da imaginaccedilatildeo e a legitimidade dos valores que a experiecircncia do prazer

eacute capaz de nos proporcionar no contexto da discussatildeo sobre o que eacute vida boa para os seres

humanos nessa oposiccedilatildeo e ao mesmo tempo relaccedilatildeo entre prazer ( κθ ) e conhecimento

(φλσθ δμ)

Conforme foi dito a anaacutelise dos prazeres natildeo soacute nos diz algo sobre a posiccedilatildeo de Platatildeo

acerca do caraacuteter propositivo cognitivo dos prazeres apesar de estar relacionada a estes

mas sobretudo enfatiza o caraacuteter propriamente valorativo dessa discussatildeo ao ter como

objetivo eacutetico primordial a busca por uma correta composiccedilatildeo da boa vida (mista) de prazer e

iὀtἷlἷἵtὁέΝ ἠὁΝ ἷὀtaὀtὁΝ ἷὅὅaΝ ὄἷflἷxatildeὁΝ (ὂὁlaὄiὐaἶa)Ν ὀatildeὁΝ ὅὰΝ ὀὁὅΝ ἶiὄigἷΝ aΝ umΝ ldquoὅἷὀtiἶὁΝ maiὁὄrdquoΝ

aprofundado da escala de valores mas tambeacutem reforccedila a profundidade carateriacutestica da

potecircncia dialeacutetica pois o que se nota aqui eacute uma anaacutelise profundamente dialogada tanto de

prazeres quanto de conhecimentos visando alcanccedilar uma definiccedilatildeo mais correta ou o mais

possivelmente verdadeira do bem da vida boa

Nesse sentido eacute surpreendente e ao mesmo tempo fundamental o papel a ser

desempenhado pela proacutepria dialeacutetica tal como ela nos eacute apresentada neste diaacutelogo enquanto

taὄἷfaΝfilὁὅὰfiἵaΝὃuἷΝviὅaΝalἵaὀὦaὄΝaΝldquomἷἶiἶardquoΝ(ἷὀtὄἷΝlimitaὀtἷΝἷΝilimitaἶὁ)ΝὀaὅΝἶἷliἴἷὄaὦὴἷὅΝἷΝ

17 Sigo a tendecircncia interpretativa proposta por Bravo (2009) Marques (2012 2014 2015 2016) Teisserenc (1999 2010) 18 Marques (2012) nos lembra que Platatildeo aprofunda sua concepccedilatildeo sobre o papel da produccedilatildeo das imagens psiacutequicas e que adquirem no Filebo uma complexidade ineacutedita e ao mesmo tempo surpreendente ao serem tratadas em relaccedilatildeo agrave temaacutetica dos prazeres (MARQUES 2012 p 213-245) Esse fato faz de Platatildeo portador de uma abordagem uacutenica jamais vista no pensamento ocidental ao propor tal tipo de abordagem em relaccedilatildeo agrave imaginaccedilatildeo associada agrave questatildeo dos prazeres aliada ao discernimento do valor Sobre isso cf TEISSERENC (1999 p 267)

9 Introduccedilatildeo

accedilotildees humanas que almejam por sinal o bem e a felicidade Logo todo o leacutexico platocircnico

empregado na obra como as noccedilotildees desenvolvidas parecem reafirmar ou relembrar-nos as

finalidades eacutetico-poliacutetico-pedagoacutegicas da filosofia de Platatildeo

Mas qual seria a razatildeo de um tratamento tatildeo exaustivo do prazer Por que trataacute-lo

sob a perspectiva eacutetica e ao mesmo tempo se utilizar de distintos recursos a fim de poder

lidar com tal complexidade temaacutetica A resposta parece simples natildeo somente a Platatildeo pois

o prazer eacute um tema caro aos proacuteprios gregos Platatildeo enquanto participante desse modelo

educativo da tradiccedilatildeo poeacutetica grega e mais como criacutetico e reformulador dessa proacutepria tradiccedilatildeo

natildeo deixaraacute de colocar sob anaacutelise um tema tatildeo importante e que demonstra toda a sua forccedila

na mentalidade grega antiga como eacute o caso prazer Eacute retomando essa longa tradiccedilatildeo e

simultaneamente reconhecendo-se como herdeiro dessa proacutepria tradiccedilatildeo que Platatildeo

estabelece uma nova relaccedilatildeo com o prazer reconfigurando o sentido atribuiacutedo a ele e

demarcando o seu efetivo papel agora na vida poliacutetica e social constitutiva da sua eacutepoca

Voltemos rapidamente um pouco a essa questatildeo do prazer na Antiguidade

Sobre isso a obra de Bravo (2009) talvez seja um dos estudos mais relevantesno qual

se intenta compreender o tratamento especiacutefico dado por Platatildeo agrave questatildeo do prazer a partir

de uma seacuterie de teorias que estariam em circulaccedilatildeo na eacutepoca as quais Platatildeo teria se

deparado para construir sua posiccedilatildeo em torno da temaacutetica dos prazeres Tambeacutem a obra de

Gosling amp Taylor (1982) eacute um marco referencial no tratamento do tema assim como a de

Wolfsdorf (2013) que natildeo somente aborda a questatildeo do prazer em Platatildeo mas vai aleacutem

considerando as posiccedilotildees de toda a tradiccedilatildeo claacutessica grega posterior como a abordagem

aristoteacutelica epicurista ciacutenica cirenaica e estoica ateacute alcanccedilar as visotildees contemporacircneas

acerca do prazer

Lembramo-nos a primeira fraὅἷΝἵὁmΝὃuἷΝἐὄavὁΝ(ἀίίλΝὂέΝ1ἁ)ΝiὀiἵiaΝὅuaΝὁἴὄaΝὃuἷμΝldquo(έέέ)Ν

aΝἵultuὄaΝgὄἷgaΝὧΝumaΝἵultuὄaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄrdquoΝὅἷguiὀἶὁ o que disse Casertano (1983) As origens

gregas atestam tal fato basta retomarmos a claacutessica poesia grega (eacutepica liacuterica traacutegica) e a

frequecircncia com que o tema dos prazeres eacute exaltado cantado celebrado O tema dos

prazeres como nos mostra a obra faz parte da cultura grega desde seus primoacuterdios muito

antes do surgimento da filosofia mas natildeo apenas isso podemos ainda destacar que uma das

preocupaccedilotildees fundamentais do homem grego era viver prazerosamente e fazer viver

prazerosamente (BRAVO 2009 p 14)

Podemos sem duacutevida dizer que o prazer se situa em uma intriacutenseca relaccedilatildeo no

pensamento platocircnico que envolve temas importantes estes jaacute anteriormente destacados

pela tradiccedilatildeo claacutessica ora privilegiando um ou outro dos quais Platatildeo se utiliza ao intentar a

elaboraccedilatildeo e uma visatildeo criteriosa da temaacutetica dos prazeres Tais termos seriam a virtude ou

( λ ά) o bem ( ΰαγ θ) e a felicidade ( αδηκθέα) No entanto nem sempre a traduccedilatildeo

destes termos faz jus ao sentido amplo tal como eles satildeo compreendidos na visatildeo grega

10 Introduccedilatildeo

ἠὁΝἶἷἵὁὄὄἷὄΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὂlatὲὀiἵὁὅΝὅἷjaΝἶὁὅΝἶitὁὅΝldquoἶaΝjuvἷὀtuἶἷrdquoΝatὧΝὁὅΝἶaΝἵhamaἶaΝ

ldquovἷlhiἵἷrdquoΝo modo de como se deve viver (π μ ίδπ Ϋκθ)19 eacute uma questatildeo eacutetica fundamental

Essa eacute uma das questotildees mais seacuterias natildeo soacute para Platatildeo mas ao pensamento claacutessico como

um todo20 No modelo eacutetico claacutessico e na filosofia de Platatildeo a questatildeo eacutetica estaacute direcionada

agrave vida boa ( α θ) como um todo da qual o homem natildeo se encontra separado mas eacute parte

dessa ordem universal na qual ele proacuteprio se encontra natildeo eacute um ser privilegiado Neste

ὅἷὀtiἶὁΝaὅΝὂὄὰὂὄiaὅΝὀὁὦὴἷὅΝἶἷΝldquoἴἷmΝmὁὄalrdquoΝἶἷΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝἷΝἶἷΝldquofἷliἵiἶaἶἷrdquoΝὀatildeὁΝse encontram

plenamente definidas ou estanques mas satildeo a todo momento postas em debate em conflito

nestes modos de vida que se apresentam como elegiacuteveis enquanto tais isto eacute passiacuteveis de

caracterizaccedilatildeo da finalidade humana que eacute a vida plenamente feliz (ίέκθ αέηκθα) (11d6)21

A tarefa do Filebo como veremos no entanto eacute muito menos ambiciosa natildeo se trata de uma

definiccedilatildeo do que seja a felicidade ou o que seja a vida feliz mas o que torna uma vida

propriamente feliz

Nos diaacutelogos platocircnicos nos debates travados entre os interlocutores e entre os

personagens subjazem essas questotildees fundamentais e caras ao pensamento de Platatildeo e agrave

tradiccedilatildeo claacutessica da antiguidade grega na qual estaacute inserido nosso autor Essas questotildees

figuram explicitamente nos debates ali encenados por nosso autor Satildeo estes temas

eminentes da filosofia platocircnica que estatildeo por traacutes das encenaccedilotildees dos dramas filosoacuteficos

elaborados por nosso autor Tais questotildees satildeo apresentadas sob formas diversas em

contextos dialeacuteticos variados poreacutem as questotildees fundamentais do pensamento platocircnico

permanecem as mesmas Os diaacutelogos potildeem em conflito as diversas posiccedilotildees sobre estes

temas satildeo modelos existenciais sopesados avaliados aquilatados as perdas e ganhos

desses modelos de vidas apresentam-se sob forma emblemaacutetica radicalizada por meio de

personagens que se tornam defensores de posiccedilotildees que seratildeo analisadas Uma variedade

de recursos dramaacuteticos literaacuterios e filosoacuteficos satildeo utilizados de variadas maneiras

A Platatildeo podemos atribuir a tarefa de descrever e fundamentar o modo de vida

filosoacutefico que se encontra em Soacutecrates mas natildeo eacute apenas nesse personagem o principal

19 Cf Grg 492d 500c 20 Conforme aponta Crombie (1988) a vida plenamente realizada para os gregos pode ser entendida de duas maneiras (i) seja como aquele homem que vive virtuosamente (ii) seja como algueacutem que vive prosperamente ἢὁὄtaὀtὁΝaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἷΝaὁΝmἷὅmὁΝtἷmὂὁΝἶifἷὄἷὀἵiaὦatildeὁΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquoἴὁmrdquoΝὧΝumaΝtaὄἷfaΝimposta pelo proacuteprio Platatildeo agrave sua obra (p 250) 21 Dentre as valiosas contribuiccedilotildees relativas ao termo eudaimoniacutea encontra-se o artigo de Taylor (2008) na Routledge Encyclopedia of PhilosophyΝἷmΝὃuἷΝἷlἷΝaὅὅimΝὄἷtὁmaΝaΝὅἷmacircὀtiἵaΝἶὁΝtἷὄmὁμΝldquoO sentido literal da palavra grega eudaimonia ὧΝtἷὄΝumΝἴὁmΝἷὅὂiacuteὄitὁΝguaὄἶiatildeὁrdquoΝ[eu (bom) daiacutemon (espiacuterito) ter uma vida abenccediloada que se goza em favor daquilo que eacute divino] que eacute ter o estado de uma vida objetivamente desejaacutevel universalmente agradaacutevel pelas antigas teorias filosoacuteficas e pelo pensamento popular da eacutepoca como o supremo bem humano Este objetivo carateriacutestico se distingue da concepccedilatildeo moderna de felicidade uma vida subjetivamente satisfatoacuteria (p 1)

11 Introduccedilatildeo

defensor deste gecircnero de vida que ao mesmo tempo vai se delineando a partir do embate

com os outros modelos de vida propostos aos cidadatildeos atraveacutes dos mais diversos tipos de

educadores gregos os quais satildeo representados pelos interlocutores de Soacutecrates na cena

dramaacutetica do diaacutelogo Muito mais do que representarem personalidades histoacutericas - e alguns

nem representam seres reais - satildeo discursos que se opotildeem por meio do exerciacutecio da atividade

dialeacutetica socraacutetico-platocircnico Podemos escolher com os quais devemos lidar seja com alguns

mais brandos como Protaacutegoras Iacuteon Caacutermides ou aqueles que defendem posiccedilotildees mais

extremas como Caacutelicles22 e Trasiacutemaco23 que desafiam de maneira singular o proacuteprio Soacutecrates

sendo a este uacuteltimo necessaacuterio lidar com os aspectos mais violentos da ίλδμ (desmedida)

humana na πζ κθ ιέα (ambiccedilatildeo violenta) caracteriacutestica daqueles homens que seriam frutos

da educaccedilatildeo sofiacutestica com todas as suas vicissitudes pertinentes24

As concepccedilotildees morais (eacuteticas) de Platatildeo estatildeo fundamentadas nas noccedilotildees de ordem

de harmonia de medida na excelecircncia Agrave medida em que se reconhece como parte de uma

totalidade coacutesmica de um microcosmo dentro de um macrocosmo o homem eacute questionado

sobre suas accedilotildees e o modo como se encontra organizada sua existecircncia Toda a sua

existecircncia deve ser configurada agrave luz desse παλΪ δΰηα25 universal presente na estrutura

macrocoacutesmica transcendente para a partir daiacute pela arte da medida configurar sua accedilatildeo na

vida cidadatilde traccedilando em sua existecircncia os mais belos contornos dotados dessa precisatildeo

provenientes de tal estrutura avaliando corretamente sua existecircncia analisando os

conhecimentos das teacutecnicas (artes) uacuteteis para a respectiva configuraccedilatildeo desse seu modelo

de vida Proporccedilatildeo virtude beleza satildeo manifestaccedilotildees do divino em noacutes uma vida bem

ordenada uma alma justa (bem composta) bem direcionada eacute sinal visiacutevel da ordem invisiacutevel

(divina) no espectro da vida humana

Desta forma a negaccedilatildeo da invectiva deleteacuteria das paixotildees dos desejos extremados

dos prazeres excessivos exorbitantes eacute uma ameaccedila agrave essa proacutepria ordem natural coacutesmica

da qual somos uma pequena parte constituinte Eacute conveniente examinar segundo Platatildeo isso

que o proacuteprio pensamento denuncia essa ideia de que a vida tal como eacute se basta a si mesma

ideia que o pensamento revela ao propor-nos que pensemos na possibilidade uma vida ainda

mἷlhὁὄΝ maiὅΝ ldquoὂὄὰximaΝ ἶὁΝ ἶiviὀὁrdquoΝ maὅΝ aὁΝ mἷὅmὁΝ tἷmὂὁΝ ἵὁὀὅἵiἷὀtἷΝ ἶἷΝ ὃuἷΝ ὧΝ umaΝviἶaΝ

humana animada natildeo uma vida estaacutetica uma vida asceacutetica Uma vida que natildeo deixa de ser

essa indeterminaccedilatildeo de que nos falaraacute o Filebo nem estritamente animal nem estritamente

divina mas uma vida mista de prazer e de inteligecircncia que recusa o servilismo a

instantaneidade o consumo imediato a fugacidade e a deterioraccedilatildeo e corrupccedilatildeo dos desejos

22 Cf Grg483b-d 23 Cf R I 348d 24 (Cf PAULA 2016 p 14) 25 Cf Tim 49a1ss

12 Introduccedilatildeo

exacerbados buscando por algo que contenha ao menos um pouco de unidade e de

durabilidade

O tema do prazer ndash presente tambeacutem no Protaacutegoras no Goacutergias no Banquete e na

Repuacuteblica ndash teria no Filebo sua uacuteltima e criteriosa abordagem Por isso ao adentrar nas linhas

desse diaacutelogo nosso esforccedilo parece justificar-se em vista da temaacutetica que nos eacute presente

justamente porque o FileboΝaὁΝὃuἷΝtuἶὁΝiὀἶiἵaΝὧΝaΝldquoήltimaΝὂalavὄardquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝaΝὄἷὅὂἷitὁΝἶὁΝ

tἷmaΝ ὂὄaὐἷὄέΝ ldquoUacuteltimardquoΝ aὃuiΝ ὀatildeὁΝ ἶiὐΝ ὄἷὅὂἷitὁΝ ὡὅΝ ὃuἷὅtὴἷὅΝ ἵὁὀtὄὁvὧὄὅiaὅΝ ὃuἷΝ ἵὁὀἵἷὄὀἷmΝ ὡΝ

suposta cronologia entre os diaacutelogos mas agrave maneira como Platatildeo lida com esse tema a

profundidade o refinamento uacutenicos desta obra importante Em nenhum dos demais diaacutelogos

o prazer ocupa um papel semelhante ao do Filebo ele eacute iacutempar e imprescindiacutevel ao leitor

interessado na temaacutetica dos prazeres

O Filebo no entanto carrega consigo inuacutemeras particularidades eacute um diaacutelogo denso

difiacutecil como veremos ao longo deste trabalho Eacute impossiacutevel jaacute em um primeiro momento natildeo

notar tamanha especificidade sendo necessaacuterio tambeacutem respeitaacute-las distanciando-se dos

preconceitos interpretativos recorrentes no trabalho de qualquer leitor Eacute necessaacuterio tambeacutem

estar disposto a seguir a trajetoacuteria forjada por Platatildeo neste drama adentrar sem restriccedilotildees

sem tangenciar sem titubear sem pensar em abandonaacute-lo nas primeiras linhas nas primeiras

dificuldades impostas A estrita e complexa relaccedilatildeo entre o bem ( ΰαγ θ) a vida boa ( α θ)

o prazer ( κθά) e a reflexatildeo (φλσθ δμ) jaacute eacute uma demanda aacuterdua e exige um aprofundamento

particular na anaacutelise da obra na qual estatildeo contidos os temas que hora ou outra merecem

toda a atenccedilatildeo de nosso autor em sua obra dialoacutegica

Nos dizeres de Maciel (2002)

A maior parte do diaacutelogo eacute dedicada ao estudo do prazer 1024 linhas sobre um total de 2369 o que leva a deduzir o peso e a relevacircncia desse componente no confronto com o intelecto na anaacutelise empreendida sobre qual ldquoὁΝἷὅtaἶὁΝἷΝaΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝἶaΝalmaΝἵaὂaὐΝἶἷΝἵὁὀἵἷἶἷὄΝaΝtὁἶὁὅΝὁὅΝhὁmἷὀὅΝumaΝvida feliz (11d) Se Platatildeo teve como constante em sua obra que a felicidade depende da escolha dos prazeres no Filebo a questatildeo transforma-se em quais prazeres devem ser escolhidos para compor com o intelecto a vida feliz (p 14)

ἓὅὅἷΝtὄaἴalhὁΝὄἷafiὄmaΝaiὀἶaΝmaiὅΝaΝὀἷἵἷὅὅὠὄiaΝὄἷtiὄaἶaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἶaὅΝldquoaltuὄaὅΝgὧliἶaὅrdquoΝ

de um idealismo que natildeo acreditamos ser possiacutevel justificar mediante uma leitura acurada de

sua obra proacuteprio de uma leitura equivocada cristalizada no pensamento filosoacutefico ocidental

Platatildeo asceacutetico intelectualista inimigo do corpo e dos prazeres E aleacutem do mais qualquer

posiccedilatildeo estanque tal como a anti-hedonista (comumente associado ao pensamento de

Platatildeo) nem uma posiccedilatildeo hedonista podem ser de fato atribuiacutedas a Platatildeo no que fiz

ὄἷὅὂἷitὁΝ ὡΝ ὅuaΝ ldquofilὁὅὁfiaΝ mὁὄalrdquoέΝ ἦὁἶaviaΝ umaΝ ὂὁὅiὦatildeo especiacutefica iacutempar em torno dos

13 Introduccedilatildeo

prazeres pode ser notada a partir da investigaccedilatildeo do tema conforme nos apresenta o filoacutesofo

neste diaacutelogo uacuteltimo Obra na qual nenhuma das posiccedilotildees (hedonista e anti-hedonista)

parecem ser unicamente defensaacuteveis como aquἷlaΝὃuἷΝἶἷfiὀiὄὠΝaΝldquoἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝviἶaΝhumaὀardquoΝ

tida por Platatildeo como aquela capaz de ser considerada por todos os seres como a vida

ldquoὂlἷὀamἷὀtἷΝfἷliὐrdquoέΝ

ἏiὀἶaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝἵὁὀὅiἶἷὄἷΝὃuἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὀatildeὁΝὂὁὅὅaΝὅἷὄΝtiἶὁΝἵὁmὁΝὁΝldquoἴἷmrdquoΝἷΝem um

primeiro momento se acredite que toda cautela eacute necessaacuteria quanto agrave fruiccedilatildeo dos prazeres

natildeo haacute nada que ateste uma condenaccedilatildeo absoluta do prazer nos diaacutelogos Muito pelo

contraacuterio o objetivo de Platatildeo no Filebo como buscaremos demonstrar eacute evidenciar o papel

que cabe tanto ao prazer ὃuaὀtὁΝaὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἷὀὃuaὀtὁΝἵὁὀὅtituiὀtἷὅΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝ ldquoviἶaΝ

ἴὁardquoέ

Nossa anaacutelise pode ser resumida nos seguintes termos No primeiro capiacutetulo trato da

claacutessica questatildeo envolvendo a leitura dos diaacutelogos platocircnicos Uma abordagem dessa

questatildeo parece ser necessaacuteria jaacute que o Filebo eacute uma obra que desafia os inteacuterpretes e coloca

em questatildeo vaacuterios aspectos fundamentais em relaccedilatildeo a literatura platocircnica em geral como

por exemplo o retorno de Soacutecrates aos diaacutelogos a ausecircncia de informaccedilotildees histoacutericas sobre

os interlocutores dentre outros Destarte tambeacutem apresento minha posiccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave

debatida questatildeo em torno dos modos de leitura dos diaacutelogos ou melhor minha preferecircncia

quanto a um tipo de interpretaccedilatildeo das obras especialmente aquela que considero pertinente

ser adotada conforme os fins deste trabalho isto eacute particularmente agrave anaacutelise dos temas

presentes no Filebo

No segundo capiacutetulo desejo adentrar agraves especificidades do Filebo este eacute o principal

objetivo que envolve esta primeira parte do texto Apresento uma raacutepida mas relevante

discussatildeo acerca das conotaccedilotildees que o Filebo adquiriu ao longo da tradiccedilatildeo interpretativa

claacutessica do diaacutelogo fundamentalmente a partir da retomada da leitura da obra no seacuteculo XX

mediante o surgimento de algumas visotildees interpretativas neste periacuteodo dispostas a

retomarem o conteuacutedo desse escrito platocircnico sob o propoacutesito de fundamentarem suas

interpretaccedilotildees baseadas no conteuacutedo da obra em questatildeo Creio ser imprescindiacutevel uma

apresentaccedilatildeo ao leitor de alguns aspectos introdutoacuterios que envolveratildeo a anaacutelise da obra ao

longo deste nosso ensaio bem como o percurso-histoacuterico filosoacutefico no qual se desenvolve a

tradiccedilatildeo interpretativa do diaacutelogo durante esses dois uacuteltimos seacuteculos de nossa era O diaacutelogo

em anaacutelise estaacute repleto de inuacutemeras especificidades aleacutem de conter uma seacuterie de

particularidades e de apresentar alguns temas complexos o que demanda por sinal um

grande esforccedilo interpretativo por parte de seu leitor

Em suma pretendemos fornecer ao leitor em um primeiro momento uma visatildeo geral

sobre a obra uma espeacutecie de mapa da discussatildeo principalmente a respeito do(s) tema(s)

centrais da obra a ser analisada o modo como os temas estatildeo divididos na estrutura do

14 Introduccedilatildeo

diaacutelogo Aleacutem disso jaacute se atenta para a necessidade de nosso leitor de natildeo abrir matildeo dos

recursos que porventura ele dispotildee no que diz respeito agrave familiaridade com o texto platocircnico

iὅtὁΝ ὧΝ atἷὀtamὁὅΝ ὅὁἴὄἷΝ aΝ ὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝ ἶἷΝ umaΝ ἷὅὂὧἵiἷΝ ἶἷΝ ldquoἴήὅὅὁlardquoΝ ἶἷΝ ὁὄiἷὀtaὦatildeὁΝ

necessaacuteria para uma anaacutelise mais aprofundada sobre a obra sutilmente elaborada por nosso

autor destacando-se enquanto uma obra difiacutecil poreacutem natildeo impossiacutevel Tarefa que exige uma

atenccedilatildeo maior por parte do leitor sobre uma questatildeo tratada com certo refinamento e que

ἷvὁἵaΝumΝldquoὅἷὀtiἶὁ maiὅΝaὂὄὁfuὀἶaἶὁrdquo26 abrangente da obra e natildeo acessiacutevel a uma espeacutecie

ἶἷΝ lἷituὄaΝἴaὅἷaἶaΝἷmΝumaΝviὅatildeὁΝldquotὁὂὁgὄὠfiἵardquoΝἶaΝὁἴὄaΝviὅtaΝldquoἶἷΝἵimardquoΝmaὅΝὅimΝἷmΝumΝ

aprofundamento que consiste em analisar detalhadamente aquilo que Platatildeo procura ali nos

apresentar eacute preciso adentrar as linhas desse escrito para ser capaz de promover uma

interpretaccedilatildeo eficaz por intermeacutedio de um questionamento preciso sobre o sentido da obra

intenccedilatildeo a meu ver apenas efetiva por meio da busca pela unidade aparentemente perdida

e problemaacutetica dessa obra

Dito isto em virtude de uma maior compreensatildeo do drama em questatildeo procurarei

tambeacutem abordar ao longo deste capiacutetulo algumas contribuiccedilotildees por parte desses estudiosos

claacutessicos (em grande maioria divergentes entre si) sobre o contexto histoacuterico as personagens

e os interlocutores que compotildeem a obra Resumidamente me deterei ao longo do capiacutetulo na

discussatildeo acerca do problema central que envolve a obra dilema que conforme se poderaacute

notar natildeo eacute alvo de consenso entre os diversos inteacuterpretes da obra a saber a unidade

estrutural do diaacutelogo

No terceiro capiacutetulo apresento uma anaacutelise detalhada de todo o diaacutelogo Partindo da

compreensatildeo de que o Filebo ἵὁὀὅtituiΝumΝldquotὁἶὁrdquoΝndash ao defender aqui uma anaacutelise unitaacuteria e

sincrocircnica dos temas que satildeo ali apresentados por Platatildeo ndash nossa anaacutelise da obra eacute feita de

acordo com uma divisatildeo apenas didaacutetica comumente adotada estabelecida em torno dos

temas que compotildeem a obra tal como satildeo abordados sequencialmente no diaacutelogo No

entanto eacute necessaacuterio ressaltar que minha leitura do diaacutelogo requer uma conexatildeo entre essas

partes que ora ou outra se aproximam e sobretudo se articulam durante o meu texto Dito

26 ἡΝὃuἷΝtὄatὁΝaὃuiΝἵὁmὁΝldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὅΝaὂὄὁfuὀἶaἶὁrdquoΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝὂὄὰὂὄiaΝmἷtὁἶὁlὁgiaΝἷΝὀatildeὁΝaΝumaΝespeacutecie de leitura fechada particular sobreposta agraves demasiadas existentes que dizem respeito agrave obra Trata-se de conceber uma visatildeo que vise esgotar o maacuteximo possiacutevel as possibilidades desse ldquoἷὀtὄἷlaὦamἷὀtὁrdquoΝἷὀtὄἷΝὁὅΝἶivἷὄὅὁὅΝἷΝὄiἵὁὅΝaὅὂἷἵtὁὅΝutiliὐaἶὁὅΝὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὀὁΝtἷxtὁΝaΝ fimΝἶἷΝalἵaὀὦaὄΝuma visatildeo coerente do contexto apresentado e das questotildees relativas ao prazer a meu ver ligadas diretamente aos conteuacutedos eacuteticos e que nos possam dizer algo sobre a visatildeo de Platatildeo sobre o referido tema O resultado interpretativo neste caso eacute fruto desse entrecruzamento por isso natildeo podemos afirmar nada veemente mas apenas tentar alcanccedilar o maacuteximo possiacutevel os desdobramentos do diaacutelogo sem contudo afirmar que todos os aspectos foram ressaltados por nossa interpretaccedilatildeo e que ela daacute conta de todo o espectro do diaacutelogo pois seria impossiacutevel No maacuteximo podemos apresentar uma visatildeo privilegiada que vise congregar o maacuteximo de aspectos possiacuteveis capazes de dar sustentaccedilatildeo a uma determinada posiccedilatildeo interpretativa

15 Introduccedilatildeo

isso nada impede que retomemos algo que anteriormente jaacute tivermos dito portanto algo que

possa se mostrar relevante a nossa anaacutelise

Este terceiro capiacutetulo no entanto como jaacute dissemos anteriormente eacute constituiacutedo de

uma longa anaacutelise do texto do Filebo pois conforme destacamos na metodologia

anteriormente eacute necessaacuterio recorrer ao texto original lidar diretamente com o leacutexico platocircnico

utilizado no drama em questatildeo como tambeacutem reconhecer as questotildees literaacuterias e os recursos

utilizados por nosso filoacutesofo na construccedilatildeo desse escrito para a partir daiacute reconhecer via

argumentaccedilatildeo as questotildees propriamente filosoacuteficas desenvolvidas por nosso autor no

contexto geral expresso naquele drama que envolvem sem duacutevida uma compreensatildeo mais

aprofundada e que requer certa lida com o texto e com a filosofia do filoacutesofo ateniense Neste

sentido partilho tambeacutem em alguns momentos de uma dada metodologia que requer certa

ldquotὄaὀὅvἷὄὅaliἶaἶἷrdquoΝἷὀtὄἷΝὁὅΝ tἷxtὁὅΝἶὁὅ demais diaacutelogos e que utilizo com certa frequecircncia

sempre respeitando as particularidades de cada contexto argumentativo embora me

mantenha centrado especialmente no texto do Filebo

Mediante esse recurso torna-se possiacutevel compreender passagens muito sinteacuteticas da

obra recorrendo a outras que natildeo as do diaacutelogo referido que tratam dos mesmos temas e que

demonstram seja uma continuidade seja uma ruptura Aleacutem do mais creio na necessidade

da renovaccedilatildeo dos problemas claacutessicos apresentados pelo diaacutelogo mediante o confronto com

os diferentes aspectos literaacuterios presentes em uma determinada obra como os mitos a

metaacuteforas as imagens o riso a ironia o silecircncio todos eles a serviccedilo da literatura ficcionada

de Platatildeo destinados agrave persuasatildeo filosoacutefica para a elaboraccedilatildeo de uma filosofia dialeacutetica27Dito

de outro modo conveacutem analisar detidamente os discursos de todas as personagens que

compotildeem determinada obra (sofistas retores e oradores) bem como os conteuacutedos

dramaacuteticos histoacutericos mitoloacutegico-poeacuteticos filosoacuteficos fiacutesicos e fisioloacutegicos (preacute-socraacuteticos)

que porventura o diaacutelogo em anaacutelise possa evocar Esse entrecruzamento entre

ὂἷὄὅὂἷἵtivaὅΝ ὂἷὀὅὁΝ ὀὁὅΝ ἶiὄigἷΝ aΝ umaΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝ maiὅΝ ὃualifiἵaἶaΝ maiὅΝ ldquoὂὄἷἵiὅardquoΝ

transformando a parcialidade em uma generalidade o que natildeo significa falta de profundidade

mas muito pelo contraacuterio a saiacuteda de uma suposta parcialidade de uma leitura pouco

aprofundada em vista da construccedilatildeo de uma perspectiva maior mais detalhada ou melhor

mais bem construiacuteda Aleacutem de tudo considero esse tipo de leitura mais entusiasmante pois

o texto ganha vida sustenta-se em si mesmo aleacutem de recobrir-se de inteligecircncia

caracteriacutesticas desse proacuteprio texto isto eacute natildeo soacute o texto eacute assim melhor valorizado mas

tambeacutem a leitura do texto eacute profiacutecua ao mesmo tempo em que suas qualidades permanecem

maiὅΝviὅiacutevἷiὅΝἶὁΝὃuἷΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝaΝmἷuΝvἷὄΝumaΝlἷituὄaΝmaiὅΝldquoὅiὅtἷmὠtiἵardquoΝldquoaὀaliacutetiἵardquoΝὁuΝ

ldquolὰgiἵardquoΝἶὁΝtἷxtὁΝἷmΝὃuἷΝtaiὅΝὂὄὁὂὄiἷἶaἶἷὅΝ(tἷxtuaiὅ)ΝὂὁἶἷὄiamΝἶἷὅtἷΝmὁἶὁΝὅἷὄΝὂἷὄἶiἶaὅέ

27 Sobre isso ver MARQUES (2016 p 40ss) e MUNIZ (2007 p 116)

16 Introduccedilatildeo

Tambeacutem recorro nesta parte do texto a uma seacuterie de estudiosos contemporacircneos que

apresentam importantes reflexotildees sobre as temaacuteticas ali apresentadas demonstradas sob

uma versatildeo qualificada e que refletem o debate em voga sobre o diaacutelogo na atualidade

Visotildees a meu ver mais aprofundadas melhor elaboradas fruto de uma anaacutelise mais

ἵὁmὂlἷxaΝ ἷΝ ldquovivardquoΝ ἶaΝ ὁἴὄaέΝ EacuteΝ tambeacutem baseado nas consideraccedilotildees desses teoacutericos cujas

teorias nos parecem extremante pertinentes que visamos apresentar uma reflexatildeo

consistente e ao mesmo tempo relevantes nesse capiacutetulo ora tomando de empreacutestimo suas

contribuiccedilotildees ora confrontando-as Trata-se de lidar com certa agudeza teoacuterica no que diz

respeito a essas visotildees mais contemporacircneas inseridas no contexto da discussatildeo platocircnica

atual no acircmbito das questotildees pertinentes apresentadas pela obra em questatildeo relativas agrave

temaacutetica dos prazeres e seus desdobramentos posteriores no cenaacuterio maior que compotildee a

reflexatildeo filosoacutefica proposta por nosso autor

17 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

1 SOBRE COMO LER OS DIAacuteLOGOS DE PLATAtildeO E A POSICcedilAtildeO INTEPRETATIVA

ADOTADA NESTE TRABALHO

Para os efeitos de nossa anaacutelise antes de adentrarmos em um detalhamento geral de

nossa pesquisa nos proacuteximos capiacutetulos e seccedilotildees torna-se imprescindiacutevel apresentarmos um

delineamento do modo como faremos uma leitura acerca deste diaacutelogo platocircnico nosso objeto

de estudo o Filebo Eacute consensualmente defendido pelos estudiosos de Platatildeo que os diaacutelogos

de Platatildeo apresentam a forma de um λ ηα filosoacutefico Ateacute entatildeo anteriormente ao

desenvolvimento do Tratado desenvolvido ὂὁὄΝἏὄiὅtὰtἷlἷὅΝldquo(έέέ) os diversos temas filosoacuteficos

eram apresentados por meio do que hoje chamariacuteamos formas literaacuterias ἶἷΝ ἵὁmὂὁὅiὦatildeὁrdquoΝ

(MATOSO 2015 p 21)

Atualmente se sabe que Platatildeo natildeo foi o uacutenico a compor diaacutelogos Aristoacuteteles na

Poeacutetica (1447b11)28 salienta que os κελα δεσδ ζκΰσδ em que Soacutecrates eacute o principal

personagem no contexto de uma discussatildeo argumentativa dialoacutegica era um tipo de gecircnero

literaacuterio comum Na eacutepoca de Platatildeo ὁὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅΝὅὁἵὄὠtiἵὁὅrdquoΝjaacute eram um gecircnero de escrita

firmemente estabelecido na Greacutecia Isto parece justo agrave medida que se verifica que chegaram

ateacute noacutes alguns diaacutelogos socraacuteticos escritos por Xenofonte (Banquete Apologia de Soacutecrates

Oeconomicus e Memorabilia) em que Soacutecrates eacute tambeacutem o condutor uma espeacutecie de

protagonista da discussatildeo

Seraacute atraveacutes desse novo estilo de escrita a representaccedilatildeo dramaacutetica por meio de

diaacutelogos que Platatildeo escreveraacute sua obra Ao mesmo tempo em que os diaacutelogos demonstram

a genialidade literaacuteria de Platatildeo eles tambeacutem demonstram determinada originalidade

filosoacutefica isto porque os textos platocircnicos exigem um grande esforccedilo (interpretativo) por parte

dos leitores Um primeiro fator que resulta em uma significativa dificuldade quanto agrave leitura

dos diaacutelogos diz respeito ao fato de Platatildeo natildeo aparecer como personagem nos diaacutelogos29 o

que torna impossiacutevel o trabalho do inteacuterprete cuja tarefa consistiria em identificar quais seriam

suas proacuteprias teorias ou doutrinas e quais pertenceriam unicamente a Soacutecrates Dito de outro

modo poderiacuteamos nos ὃuἷὅtiὁὀaὄΝὅἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὧΝaὂἷὀaὅΝumaΝldquomὠὅἵaὄardquoΝumaΝὂἷὄὅὁὀagἷmΝ

28 ldquoἦὁἶaviaΝ aΝ [aὄtἷ]Ν ὃuἷΝ imitaΝ aὂἷὀaὅΝ ἵὁmΝ ὂalavὄaὅΝ ἷmΝ ὂὄὁὅaΝ ὁuΝ ἷmΝ vἷὄὅὁΝ ὂὁἶἷὀἶὁΝ miὅtuὄaὄ-se diferentes metros ou usar um uacutenico chegou ateacute hoje sem nome Realmente natildeo temos nenhum termo comum para designar os mimos de Soacutefron e de Xenarco e os diaacutelogos socraacuteticos ou a imitaccedilatildeo que algueacutem faccedila em triacutemetros em versos elegiacuteacos ou alguns outros metὄὁὅΝὅimilaὄἷὅέrdquoΝ(Arist Po 1447b11) 29 Platatildeo soacute aprece duas vezes como personagem nos diaacutelogos A primeira apariccedilatildeo eacute notada na Apologia (34a 38b) e a outra no Feacutedon (59b) Contudo estas apariccedilotildees satildeo demasiadamente tiacutemidas a ponto de natildeo nos permitir inferir algo sobre suas proacuteprias teorias sem relacionaacute-las agrave figura de Soacutecrates

18 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

que oculta o verdadeiro pensamento de Platatildeo ou se ele de fato distancia-se ao apresentar

um pensamento proacuteprio em nada semelhante ao de nosso autor

A ausecircncia da figura de Platatildeo nos diaacutelogos e por conseguinte a impossibilidade de

identificaccedilatildeo das doutrinas filosoacuteficas que lhe seriam porventura pertinentes dificultam em

demasia a leitura dos diaacutelogos Um dos meios mais usuais eacute identificar as posiccedilotildees adotadas

por Soacutecrates nos textos agraves posiccedilotildees de Platatildeo Contudo este nem sempre eacute um bom caminho

como parece ou melhor natildeo seria tatildeo simples assim ou algo demasiadamente faacutecil

O anonimato do filoacutesofo em seus diaacutelogos suscitou ao longo dos tempos inuacutemeras

iὀtἷὄὂὄἷtaὦὴἷὅΝἶὁΝὃuἷΝὅἷὄiaΝὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝaΝldquoἶὁutὄiὀardquoΝὁuΝaΝldquotἷὁὄiaΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoέΝἏΝmaὀἷiὄaΝmaiὅΝ

faacutecil e usualmente adotada no passado da tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica era identificar as

teorias expostas por Soacutecrates nas obras de Platatildeo como pertencentes ao proacuteprio Platatildeo

Entretanto algumas questotildees podem surgir na anaacutelise do corpus (i) A posiccedilatildeo de Soacutecrates

nem sempre eacute a mesma nos diversos diaacutelogos em relaccedilatildeo a alguns temas30 (ii) nem sempre

Soacutecrates eacute o personagem principal o condutor do diaacutelogo (protagonista)31 Portanto eacute

impossiacutevel afirmar com veemecircncia que as doutrinas de Platatildeo possam ser necessariamente

as mesmas de Soacutecrates ou melhor que ambos os filoacutesofos possuem um pensamento idecircntico

sobre os diversos temas filosoacuteficos

Certa parcimocircnia acaba sendo exigecircncia fundamental de um leitor da obra de Platatildeo

Uma outra vertente interpretativa considera que alguns fatores satildeo tambeacutem importantes na

aὀὠliὅἷΝἶὁΝtἷxtὁΝὂlatὲὀiἵὁέΝἏlὧmΝἶaὅΝὂὁὅὅiacutevἷiὅΝldquoἶὁutὄiὀaὅrdquoΝἶἷvἷmΝὅἷὄΝobservados em qualquer

interpretaccedilatildeo fatores como contexto histoacuterico contexto dramaacutetico fatores geograacuteficos

fatores culturais e filosoacuteficos da eacutepoca estrutura estiliacutestica da obra personagens e

interlocutores principais temas discutidos dentre outros A maioria desses inteacuterpretes tecircm se

apegado ora a alguns destes aspectos ora a todos estes para um estudo que possa ser ao

menos mais criterioso e eficaz quanto agrave intepretaccedilatildeo do pensamento platocircnico32

Frente a semelhante problemaacutetica ao longo da histoacuteria do pensamento ocidental e

particularmente no estudo das obras de Platatildeo duas teses ou dois tipos de interpretaccedilatildeo

30 Atente-se ao exemplo do tema que aqui desenvolvemos a postura socraacutetica em relaccedilatildeo ao tema do prazer parece ser ambiacutegua isso se levarmos em conta a anaacutelise de diversos diaacutelogos em que o tema eacute alvo de discussatildeo por parte de Soacutecrates Basta relembrar as posiccedilotildees anti-hedonistas defendidas por Soacutecrates seja no Goacutergias no Feacutedon e na Repuacuteblica frente agrave posiccedilatildeo hedonista do Protaacutegoras Aleacutem do caso do proacuteprio Filebo que parece estar distante dos diaacutelogos anteriores ao apresentar uma posiccedilatildeo particular em relaccedilatildeo ao tema 31 Por exemplo nos uacuteltimos diaacutelogos (agrave exceccedilatildeo do Filebo) o protagonista Soacutecrates cede lugar a outros como no Sofista em que o Estrangeiro de Eleacuteia assume a discussatildeo e nas Leis o Ateniense eacute quem dirige o curso da argumentaccedilatildeo 32 Dentre estes autores podemos destacar M Frede (1992) M M Mccabe G A Press (1993 2000) D Nails (2002) V Tejera (1999) J Sallys (1996) K Sayre (1995) Falarei sobre o assunto e sobre alguns desses autores mais adiante

19 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

surgiram a fim de defenderem dois tipos ou modos de leitura do texto platocircnico os

denominados unitaristas e os chamados revisionistas ou desenvolvimentistas A seguir

apresento tais vertentes interpretativas da obra de Platatildeo

11 A posiccedilatildeo unitarista

Os unitaristas acreditam que os diferentes diaacutelogos compotildeem uma doutrina uacutenica

Nota-se que o pensamento de Platatildeo passa por um processo que se desenvolve

gradualmente no qual os diaacutelogos pouco a pouco vatildeo nos fornecendo indiacutecios e por fim eacute

possiacutevel chegar a estrutura interpretativa do pensamento (uacutenico) de Platatildeo Por mais que

concordem que diferentes fases no pensamento platocircnico existam os unitaristas defendem

que soacute existe uma doutrina referente ao pensamento platocircnico Esta posiccedilatildeo ressurge com

toda forccedila nos seacuteculos XIX e XX visto que a questatildeo acerca do procedimento de leitura dos

ἶiὠlὁgὁὅΝ ὂlatὲὀiἵὁὅΝ ὧΝ umaΝ ldquoὃuἷὅtatildeὁΝ aὀtiὃuiacuteὅὅimardquo33 a partir do teoacutelogo Friedrich

Schleiermacher34 tradutor das obras platocircnicas e escritor de um ensaio em que postula uma

nova divisatildeo das obras platocircnicas Introduccedilatildeo aos diaacutelogos de Platatildeo (1836) Essa posiccedilatildeo

tambeacutem eacute defendida atualmente (com algumas modificaccedilotildees) por Charles Khan (2010) Hans

Von Arnim (1967) Werner Jaeger (2003) Paul Shorey (1903) Paul Friedlaumlnder (1975) dentre

outros

33 A questatildeo acerca da maneira correta de ler os diaacutelogos de Platatildeo remonta agrave Antiguidade Antes mesmo do tema ressurgir na contemporaneidade ele jaacute era polecircmico O que garante tal fato satildeo as divisotildees dos diaacutelogos por temas de Dioacutegenes Trasilus teria catalogado as obras platocircnicas em tetralogias (semelhantemente agraves trageacutedias) e Aristoacutefanes de Bizacircncio em trilogias Segundo Reis (2001 ὂέΝ 1ἅλ)Ν ὂaὄaΝ ἒiὰgἷὀἷὅΝ ldquoὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ὅatildeὁΝ ἶiviἶiἶὁὅΝ ὂὄimἷiro em obras 1 Instrutivas (yacutephegetikoacutes) e outras que satildeo 2 Investigantes (zeteacutetikos) As primeiras seriam as obras de Platatildeo que expotildeem doutrinas positivas as segundas seriam apenas obras para a praacutetica dos meacutetodos corretos de investigaccedilatildeo Quanto agraves primeiras teriacuteamos ainda duas divisotildees em 11 Teoacuterico e 12 Praacutetico Teriacuteamos tambeacutem outras subdivisotildees sendo o Teoacuterico dividido em 111 Fiacutesico e 112 Loacutegico enquanto os Praacuteticos seriam divididos em 121 Eacuteticos e 122 Poliacuteticos A Segunda parte seria subdivida tambeacutem duas vezes Primeiro teriacuteamos os 21 Exerciacutecios mentais e as 22 Disputas Dentro dos Exerciacutecios teriacuteamos a 211 Maiecircutica e o 212 Tentativo e quanto agraves disputas teriacuteamos o 221 Probativo e o 222 Refutativo Dioacutegenes ainda diz que eacute comum em sua eacutepoca a divisatildeo dos diaacutelogos em Dramaacuteticos Narrativos e Mistos no entanto afirma que tal divisatildeo se encaixa melhor com obras de teatro do que com obras filosoacuteficas Outra divisatildeo que parece ser bem aceita na eacutepoca de Dioacutegenes eacute a que Trasilus faz Diz ele que Platatildeo publicou sua obra em tetralogias Platatildeo assim o fez por ser uma publicaccedilatildeo que se comparava com as trageacutedias que eram sempre representadas em nuacutemero de 3 com um drama satiacuterico por fim Aqui aparece como que a filosofia foi desde seu nascimento comparada e confrontada com outras manifestaccedilotildees culturais Ainda na antiguidade Aristoacutefanes o gramaacutetico teria ἶiviἶiἶὁΝaΝὁἴὄaΝἷmΝtὄilὁgiaὅrdquoΝ(ἑfέΝDL III p 49-62) 34 Como se nota na Introduccedilatildeo aos diaacutelogos de Schleiermacher (1804) o teoacutelogo alematildeo dirige uma dura criacutetica agraves formas adotadas pelos antigos no que diz respeito agrave organizaccedilatildeo do corpus (Cf SCHELEIERMACHER 2002 p 27 48-49) As criacuteticas do teoacutelogo alematildeo dirigem-se sobretudo a Aristoacutefanes de Bizacircncio e a Dioacutegenes Laeacutercio)

20 11 A posiccedilatildeo unitarista

A posiccedilatildeo do teoacutelogo alematildeo como se pode notar trouxe inuacutemeros desdobramentos

no modo interpretativo da obra de Platatildeo na filosofia ocidental Inspirado por um forte

hἷgἷliaὀiὅmὁΝ ἥἵhlἷiἷὄmaἵhἷὄΝ ὧΝ ὁΝ ὂὄimἷiὄὁΝ tἷὰὄiἵὁΝ aΝ ὂὄὁὂὁὄΝ umaΝ ἷὅὂὧἵiἷΝ ἶἷΝ ldquoὅiὅtἷmardquoΝ ἶὁΝ

pensamento platocircnico obtido exclusivamente pela leitura e organizaccedilatildeo cronoloacutegica dos

diaacutelogos Esse modo de interpretaccedilatildeo dos diaacutelogos aposta que cada obra se constitui como

uma espeacutecie de unidade autocircnoma devendo ser interpretada em uma ordem somente

aparente Nesse sentido Platatildeo teria um projeto educacional-filosoacutefico cuja diversidade

filosoacutefica dos diaacutelogos orientaria as razotildees literaacuterias

Nota-se a influecircncia de Schleiermacher nos principais unitaristas alematildees como

Werner Jaeger (2003) e dentre outros autores como jaacute destacamos que intentaram uma

interpretaccedilatildeo original da obra de Platatildeo Concepccedilotildees que explicitamente se mostram em

textos como a Paideia ἶἷΝJaἷgἷὄΝaὁΝὅἷΝἶiὐἷὄμΝldquoquando se pocircs a escrever o primeiro de seus

ἶiὠlὁgὁὅΝlsquoὅὁἵὄὠtiἵὁὅrsquoΝἢlatatildeὁΝjὠΝhaviaΝfixaἶὁΝὅἷuΝὁἴjἷtivὁΝἷΝaὅΝliὀhaὅΝgἷὄaiὅΝἶἷΝtὁἶὁΝὁΝὂὄὁjἷtὁΝjὠΝ

eram visiacuteveis para ele A intelecccedilatildeo da Repuacuteblica pode ser traccedilada com clareza nos diaacutelogos

iniciais (2003ΝὂέΝλἄ)έrdquo

O unitarismo apresenta entre seus maiores defensores o teoacutelogo alematildeo Friedrich

Schleiermacher Poreacutem a traduccedilatildeo dos diaacutelogos feita pelo teoacuterico alematildeo fortemente

influenciada pelo hegelianismo do seacuteculo XIX ao contraacuterio do que se possa imaginar natildeo

segue uma sistematizaccedilatildeo rigorosa na classificaccedilatildeo das obras platocircnicas Apesar de ser

notaacutevel o tamanho impacto da Introduccedilatildeo aos diaacutelogos de Platatildeo no modo de leitura do

platonismo que se sucedeu a partir do seacuteculo XIX

A noccedilatildeo de evoluccedilatildeo expositiva no pensamento platocircnico surge a partir da concepccedilatildeo

ὅἵhἷlἷiὄmaἵhἷὄiaὀaΝὂaὄaΝaΝὃualΝὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὅatildeὁΝἵὁὀὅiἶἷὄaἶὁὅΝἵὁmὁΝἷὅὂὧἵiἷὅΝἶἷΝldquomἷmἴὄὁὅrdquoΝ

de um soacute corpo orgacircnico nos remetendo naturalmente a uma ordem natural a uma

organizaccedilatildeo dos diaacutelogos cada diaacutelogo prossegue a partir de noccedilotildees desenvolvidas pelo

anterior isto eacute aquele que o antecede cronologicamente As dificuldades apresentadas na

leitura no das obras segundo defende o teoacuterico alematildeo referem-se agrave incapacidade do proacuteprio

leitor perante agrave composiccedilatildeo desta mesma unidade no pensamento de Platatildeo Dentre as

diversas as falas que demonstram a posiccedilatildeo de Schleiermacher na crenccedila de uma unidade

sistemaacutetica das obras do corpus em uma delas este assegura que

Estabelecer a uniatildeo natural dessas obras visa mostrar que elas se desenvolveram como exposiccedilotildees cada vez mais completas das ideias de Platatildeo a fim de que ndash na medida em que cada diaacutelogo natildeo deve ser compreendido como um todo para si mas tambeacutem em contexto com os outros ndash o proacuteprio Platatildeo seja compreendido como filoacutesofo e artista (SCHLEIERMACHER 2002 p 41)

21 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

Os problemas levantados a essa posiccedilatildeo de Schleiermacher satildeo ainda maiores Natildeo

basta esta concepccedilatildeoΝἶiὄiacuteamὁὅΝldquoatiacutepicardquoΝἶἷΝuὀiἶaἶἷΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἷΝὂὁὄΝἵὁὀὅἷguiὀtἷΝaΝiἶἷiaΝ

de unidade atribuiacuteda agrave filosofia platocircnica ndash que parece assemelhar-se mais a um sistema tal

como o empreendido por Hegel em sua filosofia35 podemos ressaltar mais alguns aspectos

problemaacuteticos presentes na visatildeo do teoacutelogo alematildeo Dentre estas a distinccedilatildeo espacial em

relaccedilatildeo agrave obra de Platatildeo ao distingui-la em dois aspectos um exoteacuterico e um esoteacuterico

ambos dizem respeito agrave atitude caracteriacutestica de determinado leitor da obra platocircnica Dito de

outro modo o que caracterizaria o esoterismo ou exoterismo estaacute ligado agraves dificuldades

apresentadas pelo proacuteprio leitor frente a obra o que dependeria em suma da qualidade do

leitor da sua efetiva compreensatildeo ou natildeo acerca dos temas ali tratados36

A coerecircncia e sistematicidade da obra de Platatildeo segundo tal visatildeo eacute configurada em

uma essecircncia proacutepria agrave filosofia de Platatildeo notada unicamente a partir da leitura dos textos

escritos (diaacutelogos) Ou seja para Schleiermacher qualquer referecircncia externa utilizada para

a compreensatildeo da filosofia de Platatildeo incorreria em equiacutevoco A obra platocircnica na visatildeo do

teoacuterico impotildee a qualquer indiviacuteduo que queira intitular-se inteacuterprete do filoacutesofo um criterioso

e detalhado exerciacutecio hermenecircutico dos diaacutelogos escritos em vista do reconhecimento de

uma unidade sistecircmica do pensamento platocircnico Unidade perceptiacutevel unicamente a partir das

35 VέΝ ἦἷjἷὄaΝ (1λλλ)Ν ὀὁmἷiaΝ ἷὅtaΝ iὀtἷὂὄἷtaὦatildeὁΝ ὅiὅtἷmὠtiἵaΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ἵὁmὁΝ umaΝ ldquofalὠἵiaΝiὀtἷὀἵiὁὀaliὅtardquoέΝἥἷguὀἶὁΝὁΝautὁὄΝaὃuἷlἷὅΝὃuἷΝlἷἷmΝaΝὁἴὄaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅὁἴΝaΝfὁὄmaΝldquoἶialὰgiἵardquoΝmas por meio de um sistema (por sinal natildeo existente em um primeiro momento nos diaacutelogos) cometem umΝἷὀgaὀὁέΝἡΝiὀtὧὄὂὄἷtἷΝὅἷΝἵὁὀtὄaὂὴἷΝaΝἷὅtaΝviὅatildeὁΝὃuἷΝἷlἷΝὀὁmἷiaΝἵὁmὁΝldquolἷituὄaΝiἶἷaliὅtaΝἶaΝὁἴὄaΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝὁuΝldquoἷxἷgἷὅἷΝἏἵaἶecircmiἵardquoΝjὠΝὃuἷΝἶἷὅἶἷΝaΝἏὀtiguiἶaἶἷΝὂὁὅtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝὡΝmὁὄtἷΝἶἷΝἢlatatildeὁΝjὠΝὀaΝAcademia ἷΝlὁgὁΝἶἷὂὁiὅΝὀὁΝἤἷὀaὅἵimἷὀtὁΝὅἷΝὂὁἶἷΝἵὁὀὅtataὄΝὁΝὃuἷΝὁΝautὁὄΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoaΝmὁὄtἷΝἶὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅΝ ἷὀὃuaὀtὁΝ ἶiὠlὁgὁὅrdquoέΝ ἏΝ ὁἴὄaΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁΝ ὂaὅὅaὄiaΝ aΝ ὅἷὄΝ liἶaΝ ὅἷguὀἶὁΝ iὀtἷὄἷὅὅἷὅΝNeopitagoacutericos e Neoplatocircnicos perdendo assim o valor propriamente dialoacutegica que lhe caracterizaria propriamente (TEJERA 1999 p 12) 36 ldquo(έέέ)ΝἷὅὅἷΝὧΝὁΝήὀiἵὁΝὅἷὀtiἶὁΝὀὁΝὃualΝὅἷΝὂὁἶἷὄiaΝfalaὄΝaὃuiΝ[ἷmΝἢlatatildeὁ]ΝἶὁΝἷὅὁtὧὄiἵὁΝἷΝἶὁΝἷxὁtὧὄiἵὁΝiὅtὁΝeacute no sentido de que estes apenas apontam para uma qualidade do leitor dependendo do fato deste elevar-ὅἷΝὁuΝὀatildeὁΝὡΝἵὁὀἶiὦatildeὁΝἶἷΝumΝvἷὄἶaἶἷiὄὁΝὁuviὀtἷΝiὀtἷὄiὁὄΝ(έέέ)rdquoΝ(ἥἑώἜἓIἓἤεἏἑώἓἤΝἀίίἀΝὂέΝἂἃ)έΝEssa teoria encontra-se presente na discussatildeo entre filosofia escrita e filosofia natildeo-escrita A leitura de Schleiermacher voltada agrave defesa da leitura de Platatildeo unicamente por via dos diaacutelogos eacute contestada particularmente pelos defensores das chamadas doutrinas natildeo-escritas que postulam a existecircncia de doutrinas orais que excedem o acircmbito da doutrina escrita contida nos diaacutelogos de Platatildeo (XAVIER 2011 p 93-λἆ)έΝ ἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὀὁὅΝ ἶiὐΝ ἥaὀtὁὅΝ (ἀί1ἀ)μΝ ldquoἦὁἶaὅΝ ἷὅὅaὅΝ tἷὁὄiaὅΝ [ἶἷΝ lἷituὄaΝ ἶὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅ]Νaceitam e suportam o princiacutepio proposto no iniacutecio do seacuteculo XX por Ludvwig Schleiermacher que limita o estudo do pensamento platocircnico agrave leitura dos diaacutelogos compostos pelo mestre Este princiacutepio ndash aceito pela maioria dos platonistas ndash ὧΝἵὁὀtuἶὁΝvἷἷmἷὀtἷΝἵὁὀtἷὅtaἶὁΝὂἷlὁὅΝὂaὄtiἶὠὄiὁὅΝἶaΝtἷὅἷΝἶaὅΝlsquoἶὁutὄiὀaὅΝnatildeo-ἷὅἵὄitaὅrsquoέΝἒἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝἷlaΝὀaΝἏἵaἶἷmiaΝἢlatatildeὁΝtἷὄiaΝἶἷfἷὀἶiἶὁΝumaΝlsquoἶὁutὄiὀaΝἶὁὅΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁὅrsquoΝnunca reduzida a escrito agrave qual os diaacutelogos serviriam de introduccedilatildeo ou como exerciacutecio propedecircutico ἓὅὅaΝlsquoἶὁutὄiὀaΝὀatildeὁΝἷὅἵὄitarsquoΝtἷὄiaΝὅiἶὁΝἴἷmΝἵὁὀhἷἵiἶaΝἶὁὅΝἶiὅἵiacuteὂulὁὅΝἶiὄἷtὁὅΝἶὁΝmἷὅtὄἷΝὃuἷΝaΝὂaὄtiὄΝἶἷlaΝtἷὄiamΝiὀὅὂiὄaἶὁΝumaΝlsquotὄaἶiὦatildeὁΝiὀἶiὄἷtarsquoΝἶὁΝὂlatὁὀiὅmὁΝἵuja importacircncia filosoacutefica se manteve viva ateacute hoje A despeito de ainda natildeo ter dado origem a uma concretizaccedilatildeo curricular reconhecida pela comunidade a proposta tem evidentes meacuteritos cientiacuteficos e pedagoacutegicos Mas deve ser avaliada a partir do contexto histoacuterico-filὁὅὰfiἵὁΝἷmΝὃuἷΝὁΝὂlatὁὀiὅmὁΝὅἷΝἶἷὅἷὀvὁlvἷΝaὁΝlὁὀgὁΝἶaΝtὄaἶiὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἀλ)έ

22 11 A posiccedilatildeo unitarista

referecircncias internas sem portanto recorrer aos criteacuterios culturais sociais e poliacuteticos que

porventura possam ter influenciado Platatildeo quando compocircs suas obras

Esses satildeo mais ou menos os artifiacutecios atraveacutes dos quais Platatildeo consegue com a quase totalidade dos seus leitores alcanccedilar aquilo que deseja ou pelo menos evitar o que teme De modo que esse seria o uacutenico sentido no qual se poderia falar aqui do esoteacuterico e do exoteacuterico isto eacute no sentido de que estes apenas apontam para uma qualidade do leitor dependendo do fato de este elevar-se ou natildeo agrave condiccedilatildeo de um verdadeiro ouvinte do interior ou entatildeo caso se deva relacionaacute-lo com o proacuteprio Platatildeo poder-se-ia dizer apenas que o ensino imediato teria sido seu agir esoteacuterico a escrita contudo o exoteacuterico (SCHLEIERMACHER 2002 p 45)

A posiccedilatildeo adotada por Schleiermacher natildeo deixa espaccedilo para qualquer anaacutelise de tipo

revisionista isto eacute aquela que postula que Platatildeo poderia ter mudado sua concepccedilatildeo geral

ou melhor as concepccedilotildees de sua obra como um todo o que o teoacuterico alematildeo considera como

ldquofilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵardquoέΝἒὁΝmἷὅmὁΝmὁἶὁΝaΝἵὄiacutetiἵaΝὅἵhlἷiἷὄmaἵheriana (baseada na obra de W

G Tennemann37ΝkaὀtiaὀὁΝἷΝἶἷfἷὀὅὁὄΝἶaΝiἶἷiaΝἶἷΝldquoὅiὅtἷmaΝὂlatὲὀiἵὁrdquo)Νἷxὂaὀἶἷ-se inclusive

aos historiadores antigos como as que se encontram presentes na coletacircnea de Dioacutegenes

Laeacutercio que agrupam os textos platocircnicos segundo temaacuteticas e as cronologias baseadas nas

trilogias como as de Aristoacutefanes de Bizacircncio e a dos neoplatocircnicos (MATOSO 2016 p 84-

85)

Deste modo a cronologia dos diaacutelogos platocircnicos fica agrupada do seguinte modo na

acepccedilatildeo de Schleiermacher o primeiro diaacutelogo a ser escrito seria o Fedro e o Parmecircnides o

uacuteltimo isto em relaccedilatildeo ao meacutetodo dialeacutetico Jaacute a Repuacuteblica o Timeu e Criacutetias compotildee a trilogia

das uacuteltimas obras escritas por Platatildeo nas quais se encontram o aacutepice da doutrina platocircnica

O teoacuterico alematildeo ainda divide a obra platocircnica em dois grupos num primeiro grupo constariam

as obras que foram escritas antes da morte de Soacutecrates Fedro Liacutesis Protaacutegoras Laacuteques

Caacutermides Ecircutifron e Parmecircnides E no segundo grupo chamado tambeacutem de intermediaacuterio

Teeteto Sofista Poliacutetico Feacutedon Filebo (SCHELEIERMACHER 2002 p 74-75)

Para os unitaristas o anonimato de Platatildeo deve ser justificado ὂἷlὁΝ ldquoaὄgumἷὀtὁΝ ἶὁΝ

ὅilecircὀἵiὁrdquoέΝἓὅtἷΝaὄgumἷὀtὁΝἴaὅἷia-se na afirmaccedilatildeo de que o filoacutesofo natildeo precisa dizer tudo o

que pensa sobre os assuntos que procura tratar em uma uacutenica obra nem eacute necessaacuterio esgotar

estes assuntos ou mesmo trataacute-lo de uma maneira diferente em uma outra obra A proacutepria

ideia de evoluccedilatildeo expositiva nos diaacutelogos afirmaria sua unidade autocircnoma ao mesmo tempo

em que por mais que se reconheccedilam momentos diversos na obra platocircnica o avanccedilo dos

conteuacutedos e a maior criteriosidade na elaboraccedilatildeo das obras atestariam o propoacutesito de Platatildeo

em oferecer um projeto poliacutetico-educacional e filosoacutefico uacutenico do qual sua obra dialoacutegica

37 Cf TENNEMANN W G (1792)

23 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

demonstraria progressivamente tamanho empreendimento Voltarei mais adiante ao

unitarismo mais detalhado ou melhor reformulado que se desenvolveu na

contemporaneidade nos uacuteltimos seacuteculos e que se encontra presente na obra de um de seus

maiores defensores Charles Khan38

12 A posiccedilatildeo revisionista

Ao leitor de Platatildeo uma posiccedilatildeo parece ser tentadora aquela que postula a

possibilidade de os diaacutelogos serem lidos de maneira autocircnoma Deste modo seria equivocado

uma leitura que buscasse evidenciar qualquer tipo de correlaccedilatildeo temaacutetica ou doutrinaacuteria nos

mais diversos diaacutelogos Essa posiccedilatildeo pode ser notada a partir das obras de Grote (1865) que

chega a afirmar no seacuteculo XIX que

tal sacrifiacutecio da inerente diversidade e individualidade separada dos diaacutelogos agrave manutenccedilatildeo de uma suposta unidade de tipo estilo ou propoacutesito parece-me um equiacutevoco De fato o que existe laacute nos diaacutelogos para noacutes natildeo eacute nenhum Platatildeo pessoal do mesmo modo que natildeo haacute nenhum Shakespeare pessoal para noacutes Platatildeo (exceto nas Cartas) nunca aparece perante a noacutes nem nos fornece uma opiniatildeo como sendo sua ele eacute o instigador impliacutecito (natildeo-visto) de diferentes personagens que conversam em voz alta em um nuacutemero distintos de dramas cada drama um trabalho distinto (separado) manifestando seu proacuteprio ponto de vista afirmativo ou negativo consistente ou inconsistente com os outros diaacutelogos como talvez ser em determinado caso (p 210-211)

A posiccedilatildeo de Grote eacute endossada a partir das contribuiccedilotildees de um dos principais

teoacutericos que a tradiccedilatildeo denominou como sendo os defensores do paradigma

desenvolvimentista39 ou revisionista que tem como principal teoacuterico Karl Friedrich Hermann

38 ἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ἷxὂliἵaΝ ἥaὀtὁὅΝ (ἀί1ἀ)Ν ὄἷὅumiἶamἷὀtἷΝ ὃuἷΝ ldquoἶἷὅἵὁὀὅiἶἷὄaὀἶὁΝ ὁΝ aὅὂἷἵtὁΝ ἷvὁlutivὁΝ ndash inevitaacutevel num pensador cuja produccedilatildeo se estende ao longo de sua vida ndash essa teoria considera que a diversidade dos diaacutelogos exprime didaticamente uma visatildeo unitaacuteria da filosofia platocircnica diferida em diaacutelogos por razotildees pedagoacutegicas Essa unidade poderia ser explicada por diversos pontos de vista quer a partir do programa de pesquisa que os diaacutelogos exemplificariam ou anunciaram prolepticamente quer a partir do nuacutecleo temaacutetico que como foi dito por motivaccedilotildees de ordem pedagoacutegica os diaacutelogos iὀὅἷὄἷmΝἷmΝἶivἷὄὅὁὅΝἵὁὀtἷxtὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἆ-29) 39 De acordo com Matoso (2016) o termo desenvolvimentista utilizado para caracterizar essa vertente iὀtἷὄὂὄἷtativaΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ ὂlatὲὀiἵaμΝ ldquoaΝ ὀὁmἷὀἵlatuὄaΝ lsquoἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtiὅtaὅrsquoΝ ὂὄὁὂὁὅtaΝ atὧΝ ὁὀἶἷΝ ὅἷiΝ ὂὁὄΝKahn (1996) natildeo me agrada Pelo simples fato de que os adeptos da outra posiccedilatildeo descrita chamados lsquouὀitaὄiὅtaὅrsquoΝ tamἴὧmΝ aἶmitἷmΝ umΝ ἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtὁΝ ὀὁΝ tὄatamἷὀtὁΝ ἶaὅΝ ὃuἷὅtὴἷὅέΝ ἢὁiὅΝ aὂἷὅaὄΝ ἶὁὅΝunitaristas natildeo identificarem rupturas ou modificaccedilotildees fundamentais na visatildeo de mundo expressa nos diaacutelogos estes comentadores certamente identificam um desenvolvimento loacutegico‑expositivo no interior da obra platocircnica em funccedilatildeo do grau de complexidade no tratamento das questotildees Em nome da uὀifὁὄmiἶaἶἷΝtἷὄmiὀὁlὰgiἵaΝἵὁὀtuἶὁΝὅἷguiὄἷiΝuὅaὀἶὁΝaΝὀὁmἷὀἵlatuὄaΝὂaἶὄatildeὁrdquoΝ(ὂέΝ11ἅ)έ

24 12 A posiccedilatildeo revisionista

(1839) Nas obras de Grote vaacuterias referecircncias satildeo feitas a este teoacuterico e a seu meacutetodo de

divisatildeo das obras platocircnicas De acordo com a posiccedilatildeo revisionista os diaacutelogos devem ser

lidos de maneira autocircnoma de modo que qualquer correlaccedilatildeo temaacutetica entre as obras eacute

apenas plausiacutevel possiacutevel mas nunca correta Segundo os estudiosos que seguem tal

paradigma as posiccedilotildees platocircnicas satildeo diversas e ateacute mesmo contraditoacuterias

A tarefa que neste caso caberaacute ao inteacuterprete seraacute a identificaccedilatildeo sobre as posiccedilotildees

adotadas por Platatildeo em sua obra a fim de poder concluir uma organizaccedilatildeo dos diaacutelogos A

partir de tal classificaccedilatildeo segundo esses teoacutericos seria possiacutevel identificar as diversas

concepccedilotildees de Platatildeo sobre alguns temas importantes de sua filosofia E tambeacutem identificar

as mudanccedilas de posicionamento ao longo da vida filosoacutefica do filoacutesofo no decorrer de sua

obra Sim o ponto principal (e polecircmico) defendido pelos revisionistas eacute que Platatildeo ao longo

de sua obra teria tido concepccedilotildees diversas sobre um tema ou melhor posiccedilotildees que se

alteraram ou foram revisadas ao longo do desenvolvimento de seu pensamento (MATOSO

2016 p 80)

A posiccedilatildeo dos revisionistas se desenvolveu e teve grande impacto nos seacuteculos XIX e

XX perante a tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica Um tipo de interpretaccedilatildeo que se tornou

preponderante no platonismo prioritariamente em liacutengua inglesa Dentre seus principais

representantes estatildeo K F Hermann (1939) W K C Guthrie (1975) F Cornford (1927) G

Vlastos (1991)40 W F H Altman dentre outros Contudo uma posiccedilatildeo parece ser consensual

entre unitaristas e revisionistas E refere-se agravequela que dita as trecircs fases do pensamento

platocircnico juventude (socraacutetica) ndash maturidade (meacutedia) ndash velhice (final) Um dos pontos

principais capaz de tal distinccedilatildeo diz respeito agrave suposta hipoacutetese das Formas e agrave Teoria das

Ideias que talvez se encontraria presente apenas nos diaacutelogos meacutedios e finais

Os revisionistas creem que os diaacutelogos devem ser analisados em sua especificidade

ao serem reconhecidos em cada diaacutelogo uma argumentaccedilatildeo loacutegica proacutepria sem correlaccedilatildeo

necessaacuteria com os outros diaacutelogos e que esses satildeo algumas vezes ateacute contraditoacuterios em se

tratando de temas idecircnticos Aleacutem de postularem uma evoluccedilatildeo ou mesmo uma mudanccedila

draacutestica no pensamento de Platatildeo nas ditas trecircs fases do pensamento platocircnico juventude

maturidade e velhice

Basta analisarmos as consideraccedilotildees de Guthrie (1975) para quem nos primeiros

diaacutelogos Platatildeo reproduz-ὅἷΝfiἷlmἷὀtἷΝaὅΝldquoἵὁὀvἷὄὅaὅΝἵὁmΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝἶἷΝtalΝmὁἶὁΝὃuἷΝὀἷὅtἷΝ

periacuteodo os diaacutelogos referem-se unicamente ao pensamento de Soacutecrates e nada ali quanto agrave

40 Apesar da cronologia adotada por Vlastos (1991) ser derivada em grande parte de autores como Guthrie e Cornford ela apresenta algumas nuances De fato eacute a cronologia proposta por Vlastos que permanece ainda em certo sentido como a mais aceita e aquela que se tornou comumente adotada entre os estudiosos de Platatildeo (VLASTOS 1991 p 45-80) Sobre isso falarei mais adiante na seccedilatildeo dedicada ao debate contemporacircneo entre revisionismo e unitarismo visotildees que possuem como principais representantes respectivamente G Vlastos e C Khan

25 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

doutrina de Platatildeo pode ser encontrado (1975 p 67) As obras de Guthrie possuem o meacuterito

de terem sido as primeiras que apresentam agrave tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica uma cronologia

das obras que compotildeem o corpus no seacuteculo XX Referimo-nos agrave sua History of the Greek

Philosophy (1975) em que o estudioso nos apresenta uma triacuteplice divisatildeo dos diaacutelogos os

diaacutelogos da juventude (socraacuteticos) os diaacutelogos da maturidade os diaacutelogos da velhice

No primeiro grupo dos diaacutelogos os socraacuteticos estariam contidos os temas eacuteticos que

compotildeem a filosofia de Soacutecrates sem qualquer referecircncia ou apresentaccedilatildeo das teorias

metafiacutesicas que surgem posteriormente No segundo grupo estatildeo os diaacutelogos referentes agrave

Teoria das Ideias (ou Formas) de Platatildeo basicamente aqueles que podem ser relacionados

com os principais diaacutelogos desta fase quais sejam A Repuacuteblica- Feacutedon ndash Banquete Platatildeo

nesta fase estaria a apresentar um pensamento propriamente seu desvinculando-se das

ideias de seu mestre ao propor a hipoacutetese das Formas

Os uacuteltimos diaacutelogos ou diaacutelogos da velhice seriam aqueles que compreendem os

seguintes diaacutelogos Sofista Poliacutetico Filebo Timeu Criacutetias e Leis Estes diaacutelogos comporiam

os uacuteltimos diaacutelogos em que Platatildeo na tese revisionista teria reformulado seu pensamento

apoacutes a sua proacutepria criacutetica da hipoacutetese das Formas e da Teoria das Ideias que surge no

contexto do Parmecircnides

A partir de tais consideraccedilotildees um paradigma de leitura passa a ser adotado quase

que consensualmente pelos estudiosos de Platatildeo Isto eacute o haacutebito de leituras dos diaacutelogos

divididos em trecircs fases passou a ser algo comumente adotado ao longo dos seacuteculos no estudo

das obras de Platatildeo (tanto pelos revisionistas quanto pelos unitaristas como veremos mais

adiante) Esta cronologia possui uma histoacuteria que em linhas gerais pretendo aqui

desenvolver rapidamente Ao mesmo tempo parece ser necessaacuterio destacar quais os ganhos

e prejuiacutezos que a tese revisionista apresenta

As contribuiccedilotildees de K F Hermann foram muitas tambeacutem neste seacuteculo e praticamente

moldaram o modo de organizaccedilatildeo das obras platocircnicas vigentes ateacute hoje Hermann foi o

primeiro a criticar agrave ideia difundida entre os alematildees de um sistema linear na obra platocircnica

Do mesmo modo que eacute o primeiro a analisar a obra platocircnica do ponto de vista tambeacutem de

sua historicidade Conforme sublinha Kahn (2010)

K F Hermann merece o tiacutetulo de haver sido o primeiro a reconhecer um ὂἷὄiacuteὁἶὁΝ ldquoὅὁἵὄὠtiἵὁrdquoΝ ὀaΝ obra inicial de Platatildeo assim como o de haver interpretado a sequecircncia dos diaacutelogos em relaccedilatildeo agrave biografia intelectual do autor (p 65)

Em sua obra Geschichte und System der Platonischen Philosophie (1839) Hermann

foi o primeiro a considerar a fase inicial da atividade literaacuterio-filosoacutefica de Platatildeo como uma

faὅἷΝ ἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝ ldquoὅὁἵὄὠtiἵardquoΝ iὅtὁΝ ὧΝ ἷmΝ ὃuἷΝ ἢlatatildeὁΝ tἷὄiaΝ aὂὄἷὅἷὀtaἶὁΝ aliΝ ὀaὅΝ ὅuaὅΝ

26 12 A posiccedilatildeo revisionista

primeiras obras exclusivamente as ideias de seu mestre Soacutecrates (GUTHRIE 1975 p 67)

Analogamente agrave Schleiermacher Hermann divide em trecircs fases distintas o pensamento

platocircnico isto eacute uma fase corresponde ao periacuteodo socraacutetico (obras iniciais) uma segunda

corresponde agrave fase intermediaacuteria (maturidade) e uma uacuteltima fase que corresponderia agraves obras

da velhice Este modo de leitura grosso modo eacute o mesmo que se assentou na tradiccedilatildeo

interpretativa platocircnica e ateacute hoje eacute aquele comumente adotado pelos estudiosos dos

diaacutelogos

Hermann eacute o primeiro a reconhecer perante agraves trecircs fases do pensamento platocircnico

que cada uma dessas trecircs fases caracteriza uma mudanccedila no pensamento de Platatildeo o que

dista consideravelmente do paradigma de leitura vigente na atualidade De acordo com

Matoso (2016) a existecircncia de trecircs fases ou de trecircs periacuteodos para a organizaccedilatildeo

(cronoloacutegica) dos diaacutelogos parece um fato que existente entre os helenistas alematildees

Semelhantemente parece ser comum a crenccedila de uma fase socraacutetica (inicial) presente na

obra de Platatildeo em que as ideias de um Soacutecrates histoacuterico estariam sendo representadas E

por fim tambeacutem eacute comumente aceita a existecircncia de uma fase intermediaacuteria entre o

pensamento socraacutetico (diaacutelogos iniciais) e um pensamento final (diaacutelogos da velhice) ndash na qual

Platatildeo expotildee sua teoria demarcando claramente a separaccedilatildeo entre suas ideias e as de

Soacutecrates resultando em uma fase final da apresentaccedilatildeo de sua teoria de forma sistemaacutetica

(p 87)

Segundo a interpretaccedilatildeo revisionista apoacutes a condenaccedilatildeo e morte de Soacutecrates Platatildeo

teria composto uma seacuterie de diaacutelogos relacionados aos temas desenvolvidos por Soacutecrates

como Apologia Crito Goacutergias Ecircutifron e Mecircnon Os diaacutelogos Teeteto Craacutetilo Sofista

Poliacutetico e Parmecircnides ὃuἷΝἵὁmὂὁὄiamΝaΝldquofaὅἷΝmὧἶiaΝἶaΝὁἴὄaΝὂlatὲὀiἵardquoΝndash nos quais as ideias

de Soacutecrates jaacute natildeo estariam presentes na obra de Platatildeo ndash e uma trilogia final Timeu-Criacutetias-

Repuacuteblica ndash neste caso os uacuteltimos diaacutelogos que apresentariam a siacutentese (ou sistema) do

pensamento filosoacutefico de Platatildeo

Eacute notaacutevel entre os alematildees a crenccedila de que o Fedro seria o primeiro diaacutelogo pois

espeacutecie de conteuacutedo introdutoacuterio da iniciaccedilatildeo aos estudos da Academia de iniciaccedilatildeo agrave

dialeacutetica (como vemos em SCHLEIERMACHER 2022 p 74) propedecircutica ao estudo dos

uacuteltimos diaacutelogos E tambeacutem acredita-se firmemente serem Timeu Criacutetias Repuacuteblica e Leis

os uacuteltimos diaacutelogos escritos por Platatildeo Essa uacuteltima afirmaccedilatildeo baseada unicamente no

testemunho de Aristoacuteteles (Pol II 6) de que as Leis foram escritas apoacutes a Repuacuteblica

Ateacute o seacuteculo XIX natildeo se tinha uma ciecircncia rigorosa que buscasse encontrar um

meacutetodo razoaacutevel isento de subjetividade no que tange a um modo de leitura em que surge

uma ciecircncia de investigaccedilatildeo do texto platocircnico que convencionalmente denominou-se

estilometria Neste estudo foram extremamente relevantes as contribuiccedilotildees de Ritter (1910)

e Lutoslwaski (1897) e Lewis Campbell (1867) Dittenberger (1881) e Brandwood (1990

27 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

2013) Na virada do seacuteculo XIX para o seacuteculo XX a presenccedila desses teoacutericos tornou riacutegida a

classificaccedilatildeo dos diaacutelogos platocircnicos Anteriormente muitos dos criteacuterios que visavam

organizar os diaacutelogos platocircnicos eram inconsistentes flutuantes subjetivos isto eacute baseados

fundamentalmente na subjetividade hermenecircutica de cada autor

A estilometria ambiciona natildeo somente afirmar a separaccedilatildeo dos diaacutelogos em trecircs fases

distintas mas vai aleacutem ao tentar classificar os diaacutelogos segundo uma ordem de composiccedilatildeo

destes dentro dessas mesmas fases diferentes

Na acepccedilatildeo mais estrita do termo a estilometria consiste em uma contagem de ocorrecircncias de um determinado grupo de palavras A partir dos resultados obtidos por meio desta contagem e possiacutevel formular hipoacuteteses acerca da data de composiccedilatildeo relativa de cada diaacutelogo Ou seja a contagem de palavras nos permite identificar dentre o conjunto de diaacutelogos aqueles que possuem um estilo semelhante entre si representado pela repetida ocorrecircncia de certos termos ou expressotildees (MATOSO 2016 p 91)

Baseada na questatildeo estiliacutestica (textual) tal ciecircncia fora capaz de notar certa

semelhanccedila de estilo presente no texto de Platatildeo isto eacute por meio da contagem de palavras

(e natildeo somente) pelo vocabulaacuterio empregado nos textos concluiu-se a respeito da

composiccedilatildeo e do ordenamento do grupo dos uacuteltimos diaacutelogos ou da terceira fase (Sofista

Poliacutetico Filebo Timeu Criacutetias e Leis)

L Campbell (1867) e F Blass (1874) apresentam classificaccedilotildees unacircnimes quanto agrave

ordenaccedilatildeo dos diaacutelogos da uacuteltima fase Poreacutem o primeiro se baseia no emprego de

determinadas expressotildees (fundamentalmente aquelas agregadas agrave partiacutecula -meacuten) enquanto

o uacuteltimo fundamenta sua anaacutelise por meio da ocorrecircncia dos hiatos41 (MATOSO 2016 p 95)

Um fato tambeacutem relevante eacute a diminuiccedilatildeo das apariccedilotildees de Soacutecrates como condutor dos

diaacutelogos jaacute nas uacuteltimas obras de Platatildeo o que para tais autores configura na distinccedilatildeo entre

os diaacutelogos da fase platocircnica tardia e as demais

Por mais que a estilometria tenha trazido inuacutemeros ganhos no que diz respeito ao

paradigma de leitura platocircnica nota-se que o paradigma desenvolvimentista apresenta falhas

A posiccedilatildeo revisionista tem sido endossada por contribuiccedilotildees contemporacircneas como as de

Vlastos (1991) Cornford (1927) Guthrie (1975) mas tais versotildees ainda apresentam uma

seacuterie de deficiecircncias dentre as quais as mais relevantes satildeo (i) se os resultados

estilomeacutetricos apenas garantem uma mudanccedila estiliacutestica notaacutevel nos diaacutelogos de uacuteltima fase

esta anaacutelise natildeo pode se estender como fez Ritter como caraacuteter classificatoacuterio do

ordenamento dos diaacutelogos das outras duas fases (ii) natildeo haacute um criteacuterio que possa justificar

41 O hiato consiste na sucessatildeo imediata de duas vogais em palavras separadas Para evitar este tipo de sucessatildeo que constantemente surge na formaccedilatildeo e inflexatildeo das palavras diversos recursos podem ser empregados a crase a elisatildeo e a aphaeresis aleacutem da escolha vocabular (MATOSO 2016 p 107)

28 12 A posiccedilatildeo revisionista

trecircs mudanccedilas consecutivas na obra platocircnica mas apenas duas como bem destacou Kahn

(2010 p 71) Isso se torna mais claro quando se nota que nenhum criteacuterio estiliacutestico fora

capaz de apontar uma distinccedilatildeo clara entre o meacutetodo estiliacutestico da fase intermediaacuteria e a fase

da juventude (os diaacutelogos socraacuteticos) mas apenas os diaacutelogos da uacuteltima fase (velhice) Deste

modo essa separaccedilatildeo (entre diaacutelogos da juventude e diaacutelogos da maturidade) soacute satildeo

possiacuteveis mediante uma anaacutelise de conteuacutedo em que o que estaacute em jogo eacute o aparecimento

nos diaacutelogos do desenvolvimento da hipoacutetese das Formas a Teoria das Ideias Tais noccedilotildees

que soacute satildeo evidentes nos diaacutelogos da maturidade operando assim uma niacutetida distinccedilatildeo entre

diaacutelogos da maturidade e juventude platocircnica

A contagem de palavras feita pela estilometria baseia-se na ocorrecircncia das expressotildees

e hiatos dos diaacutelogos da uacuteltima fase e estende sua verificaccedilatildeo ateacute a chamada fase

intermediaacuteria que tem como criteacuterio os diaacutelogos nos quais Platatildeo jaacute apresenta a hipoacutetese das

formas das Ideias Dito isto observa-se que criteacuterio de demarcaccedilatildeo entre a obra intermediaacuteria

e a da juventude passa do criteacuterio estilomeacutetrico (estiliacutestico-textual) para um criteacuterio baseado

fundamentalmente a partir do conteuacutedo dos diaacutelogos jaacute que as primeiras obras foram

eliminadas da contagem de palavras (KAHN 2010 p 71)

Contudo os resultados apresentados por Guthrie (1975 p 50) perpassam os criteacuterios

estilomeacutetricos ou mesmo ignora-os como destaca Matoso (2016 p 100) ao propor a seguinte

organizaccedilatildeo para os diaacutelogos aquela proposta por Cornford (1927) e tambeacutem por Vlastos

(1991) (i) diaacutelogos da juventude Apologia Criacuteton Laacuteques Liacutesis Caacutermides Ecircutifron Hiacuteppias

Maior e Menor Protaacutegoras Goacutergias Iacuteon (ii) diaacutelogos da maturidade Mecircnon Feacutedon

Repuacuteblica Banquete Fedro Eutidemo Menexeno Craacutetilo (iii) diaacutelogos da velhice

Parmecircnides Teeteto Sofista Poliacutetico Timeu Criacutetias Filebo Leis42

Tal apresentaccedilatildeo segue em partes a cronologia anterior pois nela se arrasta o

Parmecircnides e o Teeteto ateacute entatildeo natildeo inclusos nos diaacutelogos de uacuteltima fase Alguns diaacutelogos

considerados (estilisticamente) como pertencentes ao primeiro periacuteodo (juventude) foram

tambeacutem deslocados para a maturidade Portanto ao que tudo indica um regresso agrave

subjetividade interpretativa novamente eacute proposto por meio das consideraccedilotildees apresentadas

por Guthrie e aqueles outros supracitados em suas obras Na classificaccedilatildeo estilomeacutetrica eram

apenas cinco os diaacutelogos de uacuteltima fase assim como Banquete Meacutenon e Feacutedon estavam

distaὀtἷὅΝἶaὃuilὁΝὃuἷΝὅἷΝἵuὀhὁuΝἵhamaὄΝldquofaὅἷΝiὀtἷὄmἷἶiὠὄiardquoΝἶaΝὁἴὄaΝὂlatὲὀiἵaΝjuὅtamἷὀtἷΝὂὁὄΝ

apresentar caracteriacutesticas muito distintas do grupo criado em relaccedilatildeo agrave Repuacuteblica todavia

estavam proacuteximos a este uacuteltimo diaacutelogo porque jaacute tratam de temas metafiacutesicos Assim como

42 Esta tambeacutem tem sido a cronologia comumente aceita pelos estudiosos de Platatildeo na contemporaneidade Segundo os defensores do revisionismo platocircnico esta seria a organizaccedilatildeo cronoloacutegica resultante a partir dos estudos estilomeacutetricos (Cf GUTHRIE W K C History of the Greek Philosophy Vol IV Cambridge The University Press 1975)

29 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

o Parmecircnides que parece apenas inaugurar a fase da velhice platocircnica ao postular a criacutetica agrave

Teoria das Ideias (MATOSO 2016 p101-102)

Este tipo de leitura dos diaacutelogos platocircnicos ainda incorre no equiacutevoco da subjetivaccedilatildeo

interpretativa ou ὀaὃuilὁΝὃuἷΝἛahὀΝἶἷὀὁmiὀὁuΝἵὁmὁΝldquofalὠἵiaΝἶaΝtὄaὀὅὂaὄecircὀἵiardquoΝὃuἷΝiὀὅiὅtἷΝἷmΝ

afirmar a influecircncia de Soacutecrates no pensamento de Platatildeo na fase inicial dos diaacutelogos a fim

de promover uma draacutestica separaccedilatildeo entre aquilo que acreditam ser somente de Soacutecrates e

as teorias que pertencem exclusivamente a Platatildeo Deste modo o que subjaz no revisionismo

ὧΝumaΝ tἷὀtativaΝἶἷΝ ὄἷὅὁlvἷὄΝὁΝ iὀὅὁlήvἷlΝ ldquoὂὄὁἴlἷmaΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅrdquo43 E para a soluccedilatildeo de tal

questatildeo constantes atropelos se fazem em relaccedilatildeo agrave obra de Platatildeo em busca de um

ὂaὄaἶigmaΝἶἷΝlἷituὄaΝἶitὁΝldquoἵὁὀὅiὅtἷὀtἷrdquoΝἷΝaἵἷitὁΝἵὁὀὅἷὀὅualmἷὀtἷέ

Por fim ficou demonstrado que o paradigma desenvolvimentista apresenta alguns

problemas que necessitam de maiores esclarecimentos por parte dos teoacutericos que defendem

esse tipo de interpretaccedilatildeo pois (i) seus criteacuterios metodoloacutegicos natildeo estatildeo bem

fundamentados mesmo a distinccedilatildeo dos diaacutelogos em trecircs fases distintas (que remontam aos

helenistas alematildees) natildeo nos eacute garantida (ii) semelhantemente parece fraca a hipoacutetese de

uma mudanccedila draacutestica na obra platocircnica jaacute que a estilometria natildeo apresenta um criteacuterio soacutelido

para demarcaccedilatildeo entre as fases da juventude e da maturidade e que pareccedila ser claro quanto

agraves questotildees relativas agrave cronologia O reconhecimento da estilometria de uma fase uacuteltima

(velhice) do pensamento platocircnico tambeacutem natildeo nos daacute garantias suficientes de alteraccedilotildees

significativas no pensamento de Platatildeo mas apenas reconhece semelhanccedilas estiliacutestico-

textuais entre obras distintas Desta forma permanecem insustentaacuteveis as duas teses de que

(i) Platatildeo teria mudado de pensamento drasticamente trecircs vezes o que corresponderia agraves

trecircs fases de sua obra ou (ii) que cada obra reflete uma ideia de Platatildeo em dado momento

Pode-se afirmar num primeiro momento ser impossiacutevel formularmos uma oposiccedilatildeo radical

entre o pensamento socraacutetico e o platocircnico esse eacute um problema insoluacutevel ateacute entatildeo e

impossiacutevel de resoluccedilatildeo haja vista o anonimato de Platatildeo em suas obras o que natildeo nos

permite uma identificaccedilatildeo clara a respeito de seus posicionamentos filosoacuteficos de uma forma

imediata44

43 ἥὁἴὄἷΝldquoὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝὧΝimὂὁὄtaὀtἷΝfaὐἷὄmὁὅΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝὡΝὁἴὄaΝἶἷΝVIἜώἓἠἏ-MAGALHAtildeES (O problema Soacutecrates o Soacutecrates histoacuterico e o Soacutecrates de Platatildeo Lisboa Calouste Gulbenkian 1984) (Cf BOLZANI R Imagens de Soacutecrates In Kleacuteos N18 Rio de Janeiro IFCS- UFRJ 2014) 44 Segundo nos explica Santos (2012) podemos seguramente afirmar que a tἷὁὄiaΝὄἷviὅiὁὀiὅtaμΝldquo(έέέ)Νdefendida majoritariamente por inteacuterpretes de cultura e formaccedilatildeo anglo-saxocircnica rejeita a possibilidade ἶἷΝaἵἷἶἷὄΝἶἷΝfὁὄmaΝἵὁὀὅiὅtἷὀtἷΝaὁΝldquoὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝὃuἷΝiὀὅὂiὄaὄiaΝἵὄiaὦatildeὁΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅέΝἥuὅtἷὀtamΝὃuἷΝcada obra deve ser interpretada a partir das informaccedilotildees presentes nos eu texto abstendo-se o estudioso de estabelecer relaccedilotildees com quaisquer outras Resulta desse princiacutepio que que aquilo que ὂὁὄΝὄaὐὴἷὅΝὂἷἶagὰgiἵaὅΝὅἷΝἶἷὅigὀaΝἵὁmὁΝldquofilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵardquoΝὧΝἵὁὀὅtituiacuteἶὁΝὂἷlὁΝἵὁὀjunto dos diaacutelogos ἵὁmὂὁὅtὁὅΝὂἷlὁΝmἷὅtὄἷΝaΝἵaἶaΝumΝἶὁὅΝὃuaiὅΝὧΝaὄὄiὅἵaἶὁΝἵὁὀfἷὄiὄΝumaΝἷὅὂἷἵiacutefiἵaΝfiὀaliἶaἶἷΝἶὁutὄiὀalrdquoΝ(p 29)

30 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo

13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo

A diferenccedila como se pode notar entre unitaristas e revisionistas estaacute calcada na

diferenciaccedilatildeo e no propoacutesito que tais fases do pensamento platocircnico apresentam Os

revisionistas creem que os diaacutelogos devem ser analisados em sua especificidade ao serem

reconhecidos em cada diaacutelogo uma argumentaccedilatildeo loacutegica proacutepria sem correlaccedilatildeo necessaacuteria

com os outros diaacutelogos que satildeo algumas vezes ateacute contraditoacuterios em se tratando de temas

idecircnticos Aleacutem de postularem uma evoluccedilatildeo haveria segundo eles uma mudanccedila draacutestica

no pensamento de Platatildeo em cada uma das trecircs fases cronoloacutegicas Jaacute para os unitaristas a

organizaccedilatildeo dos diaacutelogos deve ser vista como meramente aparente apenas um recurso

didaacutetico elas apenas apontam um meacutetodo de exposiccedilatildeo evolutiva cujo propoacutesito uacutenico diz

respeito agrave tarefa proacutepria da filosofia platocircnica enquanto apresentaccedilatildeo de um projeto filosoacutefico

poliacutetico-educacional do qual os diaacutelogos platocircnicos compotildeem uma siacutentese isto eacute os diaacutelogos

ὅἷΝἵὁὀvἷὄgἷmΝἷmΝumaΝuὀiἶaἶἷΝήὀiἵaΝ(aΝldquofilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵardquo)ΝaἶὃuiὄiἶaΝaΝὂaὄtiὄΝἶἷὅὅaΝὂὄὰὂὄiaΝ

exposiccedilatildeo progressiva e que resulta em uma compreensatildeo de uma finalidade pedagoacutegica

direcionada a um soacute objetivo

Cada diaacutelogo eacute uma espeacutecie de unidade de membro que se articula aos demais cada

um antecipando o conteuacutedo do diaacutelogo posterior culminando na formaccedilatildeo de um corpo

doutrinaacuterio consistente Podemos afirmar que o que permanece comumente estabelecido

pelos inteacuterpretes platocircnicos eacute a necessidade de separar em trecircs grupos ou fases os diaacutelogos

de Platatildeo ὁuΝ aΝ aἴὁὄἶagἷmΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ ἵὁὀvἷὀἵiὁὀὁuΝ ἵhamaὄΝ ldquogἷὀὧtiἵὁ-evolutiva como nos

aponta Santos

() a geneacutetico-evolutiva eacute aquela [teoria] que recolhe maior apoio dos platonistas interpreta cronologicamente a divisatildeo do corpus nos trecircs grupos de diaacutelogos acima referidos e defende que as datas atribuiacutedas a sua publicaccedilatildeo expressam a evoluccedilatildeo intelectual e ideoloacutegica de Platatildeo na marcha para a exposiccedilatildeo da sua filosofia (2012 p 28)

Esta leitura geneacutetico-evolutiva tem como teoacuterico principal Gregory Vlastos (1991) Esse

autor demonstra que seria possiacutevel por meio da distinccedilatildeo das trecircs fases do pensamento

platocircnico notarmos uma diferenccedila entre aqueles diaacutelogos em que Soacutecrates seria o Soacutecrates

histoacuterico ao passo que nas demais fases eacute Platatildeo quem falaria ao expor pela personagem

condutora do diaacutelogo as suas proacuteprias teses (VLASTOS 1991 p45-46) Esta tese de Vlastos

em um primeiro momento foi aceita consensualmente pelos leitores dos diaacutelogos ao notarem

o desenvolvimento da obra de Platatildeo em determinados diaacutelogos quando comparados entre

si o que de fato eacute possiacutevel tendo em vista a vastidatildeo da obra literaacuteria elaborada por Platatildeo

31 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

Baseado como jaacute dissemos nos resultados provenientes da estilometria e posteriormente

analisando a proximidade temaacutetica a cronologia dos diaacutelogos usualmente adotada seria a

seguinte

(i) Diaacutelogos da juventude ou socraacuteticos Apologia Criacuteton Laacuteques Liacutesis Caacutermides

Ecircutifron Hiacuteppias Maior e Menor Protaacutegoras Goacutergias Iacuteon

(ii) Diaacutelogos daΝ matuὄiἶaἶἷΝ ὁuΝ ἶaΝ ldquotἷὁὄiaΝ ἶaΝ ἔὁὄmaὅrdquoμΝ Mecircnon Feacutedon Repuacuteblica45

Banquete Fedro Eutidemo Menexeno Craacutetilo

(iii)ΝἒiὠlὁgὁὅΝἶaΝvἷlhiἵἷΝὁuΝὄἷviὅatildeὁΝ(ἵὄiacutetiἵa)ΝἶaΝldquotἷὁὄiaΝἶaὅΝfὁὄmaὅμΝParmecircnides Teeteto

Sofista Poliacutetico Timeu Criacutetias Fileacutebo Leis

A cronologia de Vlastos eacute praticamente similar a esta (a de Guthrie (1975) e de

Cornford (1927)) apenas apresentando algumas poucas diferenccedilas pois ele coloca como

intermediaacuterios entre o primeiro e o segundo grupo os seguintes diaacutelogos (transiccedilatildeo)

Eutidemo Hiacuteppias Maior Liacutesis Menexeno Mecircnon e tambeacutem Parmecircnides e Teeteto como

diaacutelogos pertencentes agrave fase da maturidade Vlastos afirma ser possiacutevel encontrarmos pelo

menos dois Soacutecrates nos diaacutelogos um estaria presente nos diaacutelogos iniciais da juventude e

o outro presente nos diaacutelogos da maturidade e velhice justamente porque ambos natildeo teriam

afirmaccedilotildees semelhantes sobre os mesmos assuntos apresentando posiccedilotildees ateacute mesmo

contraditoacuterias Esse teoacuterico afirma que existe uma real e significativa diferenccedila entre os

diaacutelogos socraacuteticos aporeacuteticos (ou elecircnthicos) e os diaacutelogos do periacuteodo meacutedio e os do tardio

de tal modo seria possiacutevel postularmos que aqueles primeiros pertencem a um Soacutecrates

histoacuterico distinto dos objetivos filosoacuteficos concernentes agraves obras do periacuteodo meacutedio e final Eacute

a ὂaὄtiὄΝἶiὅὅὁΝὃuἷΝἷlἷΝfὁὄὀἷἵἷΝaὅΝἴaὅἷὅΝὂaὄaΝaὃuἷlaΝὃuἷΝfiἵὁuΝἵὁὀhἷἵiἶaΝἵὁmὁΝldquotἷὁὄiaΝἶὁΝὂὁὄta-

vὁὐrdquoΝiὅtὁΝὧΝὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἶaΝfaὅἷΝmὧἶiaΝἷΝfiὀalΝὅἷὄviὄiaΝἵὁmὁΝὂἷὄὅὁὀagἷmΝὄἷὅὂὁὀὅὠvἷlΝὂὁὄΝἷxὂὁὄΝ

a teoria propriamente platocircnica jaacute desvinculada do pensamento do Soacutecrates real (histoacuterico)

da fase juvenil dos diaacutelogos

Vlastos (1991) chega a estabelecer algumas afirmaccedilotildees sobre o Soacutecrates dos diaacutelogos

aporeacuteticos a saber Soacutecrates eacute um filoacutesofo moral que natildeo produziu teoria alguma sua busca

eacute apenas elecircnthica por isso afirma seu nada saber tambeacutem natildeo defende uma teoria da alma

por concordar com a impossibilidade da ελα έα e natildeo se interessa pelos conhecimentos

matemaacuteticos eacute um filoacutesofo da plebe natildeo apresenta qualquer teoria poliacutetica muito menos

postula uma teoria transcendente do belo a sua religiatildeo eacute uma religiatildeo praacutetica cuja divindade

45 Alguns estudiosos como Vlastos (1991) acreditavam que o Livro I da Repuacuteblica (Trasiacutemaco) seria um diaacutelogo separado do restante da Repuacuteblica Por isso Vlastos coloca o Trasiacutemaco (Livro I) entre os ἶiὠlὁgὁὅΝὅὁἵὄὠtiἵὁὅΝὁuΝldquoἷlecircὀthiἵὁὅrdquoΝἷΝὁὅΝἶἷmaiὅΝlivὄὁὅΝἶaΝRepuacuteblica (II-X) entre aqueles da maturidade (VLASTOS 1991 p 46-47)

32 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo

atua no campo das questotildees morais e por fim eacute portador de um meacutetodo filosoacutefico

adversativo tendo como princiacutepio a refutaccedilatildeo dos interlocutores (1991 p 47-48)

Segundo Vlastos qualquer um eacute capaz de notar algo totalmente contraacuterio ao se

deparar com as obras que compotildeem os periacuteodos meacutedio e da velhice platocircnicos ou seja uma

draacutestica mudanccedila de estilo de modos de expor determinadas questotildees ou mesmo a

diferenccedila de profundidade em que certos temas satildeo tratados O que vemos eacute o seguinte

Soacutecrates natildeo eacute mais apenas aquele filoacutesofo moral agora ele trata de temas metafiacutesicos

epistemoloacutegicos cientiacuteficos religiosos temas da linguagem etc como tambeacutem nos

apresenta a teoria das formas e da reminiscecircncia admitindo conhecer aquilo que visa

demonstrar lida com a teoria tripartite da alma refere-se agraves ciecircncias matemaacuteticas e manifesta

certo conhecimento acerca destas ciecircncias eacute fortemente aristocraacutetico nos apresenta uma

teoria poliacutetica refinada demonstra seu amor transcende sobre o belo a comunhatildeo com a

divindade por meio da atividade contemplativa das formas e possui um meacutetodo filosoacutefico

didaacutetico por meio do qual apresenta suas teorias para que seu interlocutor as compreenda

Para Vlastos a qualquer leitor eacute possiacutevel notar as disparidades entre os diaacutelogos da

fase inicial e os das fases seguintes nos quais Soacutecrates assume posiccedilotildees completamente

diferentes O personagem dos diaacutelogos da fase meacutedia e final propotildee e defende teorias

ἶiὅtiὀtaὅΝἷΝὅutilmἷὀtἷΝἷlaἴὁὄaἶaὅΝὅἷΝaὅὅἷmἷlhaΝmaiὅΝaΝumΝldquoὂὁὄtaΝvὁὐrdquoΝἶὁΝὂlatὁὀiὅmὁΝἶiὅtiὀtὁΝ

poreacutem da literatura socraacutetica inicial Logo isso demonstraria que essa literatura socraacutetica

inicial estaria mais proacutexima do Soacutecrates histoacuterico

Falei de um Soacutecrates em Platatildeo Haacute dois deles Em diferentes segmentos do corpus platocircnico dois filoacutesofos carregam esse nome O indiviacuteduo permanece o mesmo Mas em diferentes conjuntos de diaacutelogos ele persegue filosofias tatildeo diferentes que natildeo poderiam ser retratadas como coexistentes no mesmo ceacuterebro a menos que se trate do ceacuterebro de um esquizofrecircnico Eles satildeo tatildeo diversos em conteuacutedo e meacutetodo que se contrastam bruscamente um com o outro como tambeacutem com qualquer terceira filosofia que se possa mencionar comeccedilando com ele Aristoacuteteles (VLASTOS 1991 p 460)

Vlastos ainda acrescenta que a literatura socraacutetica teria uma espeacutecie de diacutevida com o

pensamento poliacutetico-moral antecessor que se valia do diaacutelogo para fins semelhantes dentre

eles Tuciacutedides Heroacutedoto e Proacutedico (VLASTOS 1991 p 48ss) O principal feito da

interpretaccedilatildeo de Vlastos eacute ter colocado os diaacutelogos aporeacuteticos ou elecircnthicos associados a

uma literatura dialoacutegica predominantemente poliacutetico-moral isto eacute de algum modo as obras

platocircnicas estariam jaacute ligadas a esse tipo de reflexatildeo antecedente agrave obra platocircnica mas nada

eacute dito sobre os contemporacircneos utilizarem esse mesmo meacutetodo Muito pelo contraacuterio os

diaacutelogos meacutedios e as obras da velhice atestariam um total rompimento com a fase precedente

a essas duas uacuteltimas Platatildeo neste caso teria rompido com todo o espiacuterito socraacutetico com

33 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

qualquer espeacutecie de socratismo de tal modo que a literatura filosoacutefica subsequente seria uma

espeacutecie de transcendecircncia ou de superaccedilatildeo do pensamento dialoacutegico anterior Por fim os

textos da fase juvenil atestam segundo Vlastos um conteuacutedo histoacuterico e tambeacutem um meacutetodo

particularmente refutativo presente neste periacuteodo nos diaacutelogos de Platatildeo Os diaacutelogos meacutedios

satildeo drasticamente separados dos anteriores jaacute natildeo pertencem mais a um mesmo gecircnero

literaacuterio estritamente socraacutetico Soacutecrates passa a ser um personagem utilizado sob outros fins

filosoacuteficos que natildeo aqueles que compotildeem o periacuteodo socraacutetico histoacuterico elecircnthico

O primeiro a se manifestar quanto a esse tipo de divisatildeo foi Kahn (2010) Segundo

este uacuteltimo Vlastos deve ser de certo modo enquadrado entre os revisionistas Enquanto

Kahn ele proacuteprio se inclui entre os defensores da visatildeo unitarista da obra de Platatildeo Khan

propotildee como princiacutepio interpretativo a necessidade de natildeo se separar os diaacutelogos de um

contexto histoacuterico maior que ele acredita pertencer a literatura socraacutetica Deste modo

segundo esse autor parece ser equivocado dotar os diaacutelogos socraacuteticos de tamanha

excepcionalidade sem compreendecirc-los como frutos de uma tradiccedilatildeo poeacutetica grega isto eacute ao

situaacute-los fora dessa proacutepria tradiccedilatildeo

O leitor eacute capaz de notar nos diaacutelogos natildeo apenas uma referecircncia agrave essa tradiccedilatildeo

poeacutetica (a obra dialoacutegica natildeo apenas reporta a essa tradiccedilatildeo) mas tambeacutem eacute capaz de

identificar a obra platocircnica nessa mesma tradiccedilatildeo poreacutem dotada de um novo sentido De tal

modo nos parece evidente um sentido subjacente (traacutegico-cocircmico) presente na obra filosoacutefica

de Platatildeo A poeacutetica grega serve como base para a estruturaccedilatildeo dos diaacutelogos Platatildeo natildeo se

limita a citar os poetas ele natildeo se contenta com isso os diaacutelogos satildeo meios para uma criaccedilatildeo

multifacetada de sua filosofia na qual estatildeo presentes constantes referecircncias agrave essa tradiccedilatildeo

a qual tambeacutem eacute material importante para a elaboraccedilatildeo de sua obra O que se nota natildeo

apenas nos diaacutelogos socraacuteticos eacute uma enorme influecircncia da tradiccedilatildeo poeacutetica na composiccedilatildeo

da obra platocircnica ela eacute um ponto de partida para a composiccedilatildeo desse especiacutefico gecircnero

literaacuterio que eacute o diaacutelogo e que marca decisivamente os rumos adotados por Platatildeo no

desenvolvimento de sua obra Lembremo-nos de que natildeo foi apenas Platatildeo quem escreveu

diaacutelogos mas tambeacutem outros autores que provavelmente disputavam em torno de um

prestiacutegio literaacuterio com suas composiccedilotildees adotando como gecircnero literaacuterio os diaacutelogos

socraacuteticos (KHAN 2010 p 31ss)

Algo tambeacutem que merece ser destacado sobre a visatildeo de Khan diz respeito agrave busca

pela efetiva caracterizaccedilatildeo do indiviacuteduo (realhistoacuterico) Soacutecrates quando tenta encontrar na

imagem desse personagem dos diaacutelogos da juventude a suposta informaccedilatildeo sobre sua

identidade fato capaz de poder atribuiacute-lo um pensamento distinto do de Platatildeo Deste modo

a filosofia platocircnica para Khan procura se afirmar enquanto um discurso que possui um papel

pedagoacutegico que a diferencia das demais atividades dos outros gecircneros literaacuterios que natildeo se

34 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo

ὄἷὅumἷmΝὡΝὅimὂlἷὅΝὄἷfutaὦatildeὁνΝὅἷΝfὁὅὅἷΝaὅὅimΝἷlaΝἷὅtaὄiaΝἷmΝldquoὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝἵὁmΝaΝἷὄiacuteὅtiἵaέΝ

Para Kahn

Gregory Vlastos deu uma formulaccedilatildeo mais uacutetil e extremada da leitura evolutiva ao falar de uma filosofia essencialmente socraacutetica em alguns dos dez ou doze diaacutelogos segundo sua opiniatildeo nestes diaacutelogos Platatildeo se encontra ainda enfeiticcedilado por seu mestre cuja filosofia natildeo soacute eacute distinta mas antiteacutetica a seu proacuteprio pensamento maduro No momento em que se converte em um filoacutesofo original Platatildeo abandona e se volta contrariamente contra sua posiccedilatildeo socraacutetica de origem (KAHN 2010 p 66)

Esse tipo de interpretaccedilatildeo na visatildeo de Kahn eacute mais especulativo do que propriamente

filosoacutefico jaacute que a proposta se distancia do que ele considera como o objetivo pedagoacutegico

maior da obra platocircnica Interessa a Kahn uma visatildeo mais ampla da obra dialoacutegica de Platatildeo

a despeito de alguns fatos parecerem ser descritos historicamente nessa mesma obra o que

por sinal teria objetivos puramente destinados a um significado filosoacutefico passando pelo crivo

da criaccedilatildeo literaacuteria Sua intenccedilatildeo eacute ir aleacutem dessa descriccedilatildeo vista por Vlastos como puramente

historiograacutefica para uma compreensatildeo da obra de Platatildeo ao situaacute-la em um contexto literaacuterio-

poeacutetico maior natildeo apenas dirigida a um embate filosoacutefico mas tambeacutem a um embate com

essa proacutepria tradiccedilatildeo poeacutetica subjacente na composiccedilatildeo de um gecircnero literaacuterio isto eacute

compreender sua dimensatildeo artiacutestica dentro de um contexto ainda mais amplo

Kahn ainda alega mais adiante (2010 p 66) que o problema de teses como a de

Vlastos estritamente desenvolvimentistas eacute a incapacidade de lidar com um problema

insoluacutevel a saber o problema Soacutecrates A dificuldade em lidar com o anonimato de Platatildeo em

suas obras faz com que os inteacuterpretes desenvolvimentistas em sua radicalidade acabem se

fiando em questotildees especulativas sobre a realidade da personagem Soacutecrates sobre sua

identidade baseada em especulaccedilotildees historiograacuteficas Tais questotildees eacute importante que se

diga isto natildeo podem ser refutadas nem tatildeo pouco podem ser atestadas com certa

veemecircncia Ainda que Platatildeo tenha passado por uma fase socraacutetica e depois se distanciado

desse tipo de pensamento nenhuma indicaccedilatildeo em sua obra eacute capaz de nos afirmar isto

Indicaccedilotildees estas que os revisionistas por sinal encontram apenas em referecircncias externas

como a obra de Aristoacuteteles por exemplo

Ao contraacuterio do que rapidamente se possa pensar a visatildeo de Kahn natildeo tem como fim

negar a existecircncia histoacuterica de Soacutecrates nem mesmo a sua influecircncia mas propor certa

continuidade entre os diaacutelogos socraacuteticos e os demais ao negar qualquer ruptura draacutestica

entre as fases do pensamento platocircnico Se Platatildeo apresenta suas posiccedilotildees filosoacuteficas nos

diaacutelogos e por vezes elas podem ser identificadas aos discursos proferidos por Soacutecrates ao

mesmo tempo ele natildeo nos diz suas opiniotildees pessoais acerca dos temas ali tratados Neste

caso a forma de abordagem irocircnica das posiccedilotildees no uso de determinada retoacuterica faz com

35 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

que as posiccedilotildees ali desenvolvidas se encontrem desprovidas de um caraacuteter tratadiacutestico ou

doutrinal tudo isso contribuiria para a exposiccedilatildeo de uma filosofia distante de certa rigidez de

tal maneira que ao se ocultar nos personagens Platatildeo tornaria enriquecedoras suas obras

ao possibilitar certa liberdade interpretativa do que se encontra em discussatildeo ali naquele

contexto dramaacutetico Essa seria uma das principais contribuiccedilotildees agrave tradiccedilatildeo interpretativa

subsequente Quais seriam entatildeo os reais objetivos com semelhante ocultaccedilatildeo Teria ela

objetivos propriamente filosoacuteficos ou natildeo passa de estiliacutestica e retoacuterica Ambos talvez

A maior dificuldade segundo Kahn eacute o enfrentamento das posiccedilotildees vistas como

contraditoacuterias nos diaacutelogos Cada diaacutelogo eacute uma espeacutecie de composiccedilatildeo dramaacutetica uacutenica em

que os temas estatildeo relacionados e servem a um propoacutesito argumentativo presente naquela

ὁἴὄaΝὂὁiὅΝldquo[έέ]ΝἵaἶaΝἶiὠlὁgὁΝὅἷΝaὂὄἷὅἷὀtaΝaΝὅiΝmἷὅmὁΝἵὁmὁΝumaΝuὀiἶaἶἷΝautὲὀὁmaΝὃuἷΝἷxiὅtἷΝ

ἷmΝὅἷuΝὂὄὰὂὄiὁΝἷὅὂaὦὁΝlitἷὄὠὄiὁrdquoΝ (ἀί1ίΝὂέΝἄἂ)έΝἠὁΝἷὀtaὀtὁΝὅἷguὀἶὁΝἛahὀΝndash e essa seria a

maior dificuldade levantada pelos inteacuterpretes platocircnicos ndash a tarefa do inteacuterprete seria conciliar

esses diaacutelogos ou grupo de diaacutelogos em um conjunto uacutenico como pertencentes a um soacute

autor algo impossiacutevel por exemplo para os revisionistas como eacute o caso de Vlastos que acaba

por duplicar um soacute autor criando dois ao inveacutes de um uacutenico Platatildeo (o socraacutetico histoacuterico e o

natildeo-socraacutetico) ou dois Soacutecrates (o histoacuterico e o personagem fictiacutecio) Para Khan (2010) toda

a filosofia platocircnica eacute socraacutetica e natildeo haacute na obra dialoacutegica duas filosofias platocircnicas

incompatiacuteveis Mas qual a soluccedilatildeo oferecida pelo teoacuterico norte-americano para afirmar isso

e ao mesmo tempo opor-se ao revisionismo

A soluccedilatildeo de Khan nesse sentido ao dizer que cada diaacutelogo eacute uacutenico natildeo nega o

mesmo meacutetodo geneacutetico-expositivo adotado pelo revisionismo Contudo Khan considera que

as diferentes visotildees e abordagens dos temas presentes nos diaacutelogos tecircm um propoacutesito

literaacuterio-filosoacutefico isto eacute trata-se de um meacutetodo pedagoacutegico satildeo recursos utilizados por

Platatildeo sob o propoacutesito de descrever e fundamentar um projeto poliacutetico que se apresenta

progressivamente no decorrer de toda a sua obra uma unificaccedilatildeo que soacute eacute alcanccedilaacutevel

mediante uma completa anaacutelise de todos os diaacutelogos Isso Kahn denomiὀaΝἵὁmὁΝldquoἷxὂὁὅiὦatildeὁΝ

iὀgὄἷὅὅivardquoΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ ὂlatὲὀiἵaέΝ ἡuΝ ὅἷjaΝ ἵaἶaΝ ὁἴὄaΝ ὧΝ umaΝ aὀtἷἵiὂaὦatildeὁΝ ἶaὃuilὁΝ ὃuἷΝ ὅἷὄὠΝ

esclarecido naquela posterior a ela ou seja a chamada prolepse (antecipaccedilatildeo) presente nas

composiccedilotildees dos diaacutelogos (KAHN 2010 p 85) Deste modo Platatildeo estaria ainda mais

atestando o caraacuteter dialeacutetico de sua filosofia distanciando-se ao mesmo tempo de qualquer

tipo de dogmatismo Tambeacutem atestaria que o pensamento de Soacutecrates permanece vivo nos

ἶiὠlὁgὁὅΝὃuἷΝὀatildeὁΝὁὅΝἶitὁὅΝldquoὅὁἵὄὠtiἵὁὅrdquoΝἷὀὃuaὀtὁΝumaΝiὀspiraccedilatildeo para a concretizaccedilatildeo de um

projeto filosoacutefico maior isto porque natildeo abandona o meacutetodo dialoacutegico mas persiste nele ateacute

o final de sua vida sempre em consonacircncia com o espiacuterito herdado do mestre

ἏὅΝἷvaὅὴἷὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝaὅΝldquoἵὁὀtὄaἶiὦὴἷὅrdquoΝmaὀifἷὅtaἶaὅΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝ

segundo Khan seriam por dois motivos gerais a saber a aversatildeo ao dogmatismo assim

36 13 O conflito contemporacircneo Unitarismo versus Revisionismo

como a descrenccedila na comunicaccedilatildeo de noccedilotildees filosoacuteficas natildeo elaboradas suficientemente

Platatildeo teria percebido que deste modo expondo uma obra por vezes inconclusa complexa

figurada gradativa e por vezes aporeacutetica poderia estimular seu leitor a um percurso

investigativo proacuteprio sem oferecer a seu leitor respostas prontas acabadas Khan tambeacutem

reconhece a necessaacuteria atenccedilatildeo aos recursos literaacuterios utilizados por Platatildeo destinados a

essa exposiccedilatildeo ingressiva de sua filosofia como a real necessidade de tratar de temas

metafiacutesicos importantes recorrendo a uma linguagem figurada (mito alegoria etc) cujo

ὂὄὁὂὰὅitὁΝἵὁὀfiguὄaΝaΝἷxὂὁὅiὦatildeὁΝldquoἷxὁtὧὄiἵardquoΝἶἷΝὅἷuΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶaΝἷlaἴὁὄaὦatildeὁΝἶὁὅΝ

diaacutelogos (KAHN 2010 p 66)46

Ora as contribuiccedilotildees de Kahn satildeo notaacuteveis na questatildeo interpretativa dos diaacutelogos no

que diz respeito agrave uma concepccedilatildeo unitarista da filosofia platocircnica Poreacutem como se nota ela

ainda tem como base concepccedilotildees evolutivas realccediladas pelo revisionismo como a divisatildeo das

trecircs fases do pensamento platocircnico Ao considerar o Goacutergias como o primeiro diaacutelogo com

concepccedilotildees predominantemente platocircnicas ndash diaacutelogo no qual Platatildeo teria de fato alcanccedilado

certo domiacutenio sobre sua obra ou melhor um estilo literaacuterio proacuteprio ndash em detrimento da

Apologia e do Criacuteton que apresentam traccedilos historiograacuteficos mais visiacuteveis o que gera maior

curiosidade sobre a identidade histoacuterica do personagem Soacutecrates Khan novamente retoma

em certa medida o argumento dos revisionistas quando considera que em dado momento

Soacutecrates torna-se o porta-voz de Platatildeo Do mesmo modo ao tomar a Repuacuteblica como eixo

central para a organizaccedilatildeo dos diaacutelogos como ponto aacutepice da filosofia de Platatildeo sob o

46 Khan estabelece uma cronologia que tem como base trecircs grupos O grupo I os diaacutelogos satildeo divididos em seis estaacutegios que atestariam a evoluccedilatildeo do filoacutesofo ateacute o eixo central considerado por Khan como maacutexima expressatildeo da atividade platocircnica a saber a Repuacuteblica Os seis estaacutegios demonstrariam a caracterizaccedilatildeo proleacuteptica da filosofia platocircnica Sendo assim ficam assim divididos os diaacutelogos Grupo I Apologia Criacuteton (1) Iacuteon Hipias menor (2) Goacutergias Menexeno (3) Laques Caacutermides Eutiacutefron Protaacutegoras (4) Mecircnon Liacutesis Eutidemo (5) Banquete Fedoacuten Craacutetilo (6) Grupo II Repuacuteblica Fedro Parmecircnides Teeteto Grupo III Sofista Politico Filebo Tirneu-Criacutetias Leis ldquoἑὁὀὅiἶἷὄaὀἶὁΝὃuἷΝὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶὁΝἕὄuὂὁΝIΝὅatildeὁΝἶaΝjuvἷὀtuἶἷΝἶἷὅἵὄἷvὁΝὅuaΝὄἷlaὦatildeὁΝἵὁmΝaΝRepuacuteblica corno proleacuteptica Poreacutem este termo este pode parecer excessivamente cronoloacutegico quanto agrave questatildeo relativa agrave ordem em que foram realmente redigidos ou a sequecircncia em que satildeo lidos de fato natildeo tem grande importacircncia Meus seis estaacutegios devem ser compreendidos como proposta para uma ordem de leitura ideal poreacutem talvez seja melhor empregar uma metaacutefora espacial do que uma temporal ao inveacutes de falar de antes e depois podemos falar de exoteacuterico e esoteacuterico de distacircncia relativa em relaccedilatildeo a um centro definido pela Repuacuteblica Este modo de interpretar os testos poderia denominar-se igualmente ingressivo como una variante para a noccedilatildeo de prolepse Os diferentes estaacutegios do Grupo I nos proporcionam distintos pontos de entrada distintos niacuteveis de ingresso no universo do pensamento platocircnico que encontra sua expressatildeo mais completa na RepuacuteblicardquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝἅἂ)έ

37 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

propoacutesito de fundamentar uma suposta cronologia que separa os diaacutelogos em trecircs grupos

Kahn ainda continua proacuteximo do argumento dos revisionistas (KAHN 2010 p 73-74) Logo

a teoria interpretativa de Khan nos impossibilita supor que Platatildeo pudesse ter reescrito sua

obra reeditado ou reelaborado ou mesmo escrito mais de um diaacutelogo ao mesmo tempo

Destarte natildeo poderiacuteamos entatildeo notar o pensamento platocircnico em desenvolvimento jaacute que

seu aacutepice teria sido atingido na Repuacuteblica ou melhor reconhecer a proacutepria construccedilatildeo de

Platatildeo ao longo de toda a sua obra Essa caracterizaccedilatildeo proleacuteptica da obra platocircnica tal como

nos eacute apresentada por Khan ainda permanece presa a um certo evolucionismo que torna

impossiacutevel considerar o pensamento platocircnico como algo em desenvolvimento

O contributo da teoria unitarista proposta por Khan eacute que ela nos adverte sobre a

falecircncia de uma reconstruccedilatildeo histoacuterica especulativa de Soacutecrates baseada em referecircncias

extra dialoacutegicas Do mesmo modo nos adverte que devemos rejeitar uma diferenccedila draacutestica

entre o pensamento socraacutetico dos diaacutelogos da juventude e os demais ao admitir que toda a

filosofia platocircnica eacute socraacutetica e que a caracteriacutestica socraacutetica da filosofia platocircnica se manteacutem

nas demais fases Nesse sentido somos convidados a ultrapassar as incoerecircncias entre um

periacuteodo e outro entre os temas divergentes que porventura satildeo notaacuteveis ao longo desse

processo pedagoacutegico-poliacutetico da filosofia platocircnica em geral Trata-se de reconhecer em cada

diaacutelogo esse dinamismo com que o personagem Soacutecrates eacute apresentado e o modo como estaacute

a dialogar em cada obra sem buscar um conteuacutedo histoacuterico por traacutes dessa caracterizaccedilatildeo

mas sim compreendecirc-la como um recurso literaacuterio (retoacuterico) que possui finalidades maiores

imperceptiacuteveis num primeiro momento e que possa vir a se tornar suposiccedilatildeo de uma draacutestica

mudanccedila real oposiccedilatildeo ou mesmo objeto de controveacutersia na anaacutelise de diversos diaacutelogos

Essa separaccedilatildeo em fases a despeito de ainda ser adotada por Kahn jaacute abre caminho para

uma interpretaccedilatildeo assistemaacutetica dos diaacutelogos ou seja diminui a rigidez das separaccedilotildees

impostas aos diaacutelogos porquanto estes se inserem em um processo em que as proacuteprias obras

compotildeem um conjunto de indagaccedilotildees destinadas a uma finalidade eacutetico-poliacutetico-moral e que

permanecem sendo tratadas sob um vieacutes dialeacutetico Mas em relaccedilatildeo ao evolucionismo e agrave

cronologia histoacuterica dos diaacutelogos podemos afirmar que de alguma maneira ainda que

modificada deles Khan ainda natildeo abriu matildeo47

47 εέΝ εέΝ εἵἑaἴἷΝ ἷὅtaἴἷlἷἵἷὄὠΝ umaΝ ἵὄiacutetiἵaΝ aΝἛhaὀΝ ὅὁἴΝ umΝ ὂὁὀtὁΝἶἷΝ viὅtaΝ ldquoaὀaliacutetiἵὁrdquoΝ ἶἷΝ lἷituὄaΝἶὁὅΝdiaacutelogos Ela sugere que quando diferentes diaacutelogos platocircnicos parecem ter conteuacutedos semelhantes ὅatildeὁΝmἷlhὁὄἷὅΝἷὀtἷὀἶiἶὁὅΝἵὁmὁΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquomἷtalἷὂὅἷrdquoΝaὂaὄἷἵendo e criticando ideias anteriores incentivando os leitores a pensarem os problemas por si mesmos O fato eacute que o que mais vemos eacute o diaacutelogo usado artiacutestica ou indiretamente Nos parece menos evidente que o intuito ou a tarefa mais direta seja interpretar o pensamento de Platatildeo Ela ainda destaca que a mesma questatildeo estaacute impliacutecita nas interpretaccedilotildees esoteacutericas e straussianas que natildeo atribuem um valor maacuteximo ao desenvolvimento mas o debate recente (e aqui ela se refere agrave tradiccedilatildeo interpretativa literaacuteria contemporacircnea) tambeacutem revelou a importacircncia desse ponto para quem lecirc os diaacutelogos natildeo como veiacuteculos expliacutecitos natildeo satildeo leitores doutrinais (unitaristas) ou analiacuteticos (revisionistas) (McCABE 2002 p 4)

38 14 A posiccedilatildeo literaacuteria

14 A posiccedilatildeo literaacuteria

A questatildeo referente agrave intepretaccedilatildeo da obra platocircnica como ateacute entatildeo demonstrado eacute

algo que ainda divide opiniotildees entre os especialistas O primeiro questionamento de qualquer

leitor que se deparara com a obra de Platatildeo eacute sobre o modo como se deve ler Platatildeo por

onde comeccedilar Em geral qual metodologia adotar Creio que a pergunta pode e deve ser

redirecionada para a um outro aspecto ainda mais importante o modo de elaboraccedilatildeo das

obras platocircnicas isto eacute o diaacutelogo por que Platatildeo escreve diaacutelogos por que adota este meacutetodo

de exposiccedilatildeo filosoacutefico Teria nosso autor algum outro propoacutesito senatildeo aqueles meramente

literaacuterios Objetivos retoacutericos Filosoacuteficos Ou ambos

Sobre essa questatildeo muito jaacute foi discutido e ainda se discute De fato a noacutes leitores de

Platatildeo eacute necessaacuterio lidar com essa estreita relaccedilatildeo proacutepria da elaboraccedilatildeo do pensamento

filosoacutefico platocircnico digo a respeito das particularidades que envolvem uma escrita filosoacutefica

sobre a forma dramaacutetica do diaacutelogo Como conjugar essa triacuteplice caracterizaccedilatildeo presente na

obra platocircnica os diaacutelogos satildeo escritos escritos dramaacuteticos e tambeacutem obras filosoacuteficas A

questatildeo ainda se torna mais profunda agrave medida em que notamos que a proacutepria obra de Platatildeo

se insere na criacutetica tanto agrave poesia quanto agrave escrita ao mesmo tempo em que ela proacutepria eacute

uma obra escrita e dramaacutetica Como lidar com as criacuteticas relativas agrave poesia e principalmente

agrave proacutepria escrita encontrada nos diaacutelogos (Phdr 274b- 279c48 Ep VII 341c-345c49)

48 Resumidamente os conteuacutedos da criacutetica satildeo os seguintes (i) produz mera aparecircncia de saber (ii) tem caraacuteter apenas mnemocircnico para quem escreve (iii) manteacutem-se em silecircncio a semelhanccedila da pintura (iv) questionada responde sempre a mesma coisa a entendidos e a desentendidos (v) incapaz de se defenderΝ ὄἷὃuἷὄΝ ὅἷmὂὄἷΝ ὁΝ ὅὁἵὁὄὄὁΝ ἶἷΝ ὅἷuΝ autὁὄέΝ ἏὁΝ ἵὁὀtὄὠὄiὁΝ ἶὁΝ ldquoἴὁmrdquoΝ ἶiὅἵuὄὅὁμΝ (i)Ν ὂὁὅὅuiΝnatureza e origem mais potente e melhor por isso tambeacutem um homem seacuterio (falta algo) (ii) natildeo confia ao escrito suas coisas mais importantes (iii) se ele utiliza o escrito eacute apenas por brincadeira e para o auxiacuteliὁΝἶaΝmἷmὰὄiaΝ(iv)ΝἷlἷΝὅἷΝἶἷἶiἵaΝὡΝἶialὧtiἵaΝἷΝἷὅἵὁlhἷΝaὅΝalmaὅΝaὂtaὅΝὀaὅΝὃuaiὅΝiὄὠΝldquoὅἷmἷaὄrdquoΝὁὅΝdiscursos (v) deve conhecer a verdade sobre o que fala ou escreve praticando o meacutetodo da divisatildeo conhecendo a natureza da alma de quem ouve oferecer-lhe o conteuacutedo mais adequado (vi) deve perceber que nada de seacuterio haacute no discurso escrito mas sim naquele que se inscreve na alma (vii) compondo discursos com conhecimento e verdade deveraacute tambeacutem ser capaz de defendecirc-los na ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὁὄalΝἷΝmὁὅtὄaὄΝaὅΝiὀfἷὄiὁὄiἶaἶἷὅΝἶὁΝἷὅἵὄitὁΝἷΝaὅὅimΝὂὁἶἷὄὠΝὅἷὄΝἵhamaἶὁΝἶἷΝldquofilὰὅὁfὁrdquoΝ(Phdr 274b- 279c) 49 A Carta relata que Dioniso de Siracusa teria escrito um tratado atribuindo-o como depositaacuterio das ideias mais importantes do proacuteprio Platatildeo Diante disso este uacuteltimo teria apresentado uma seacuterie de alegaccedilotildees (i) quem escreve ou vier a escrever sobre esse assunto nada entendeu (ii) de Platatildeo natildeo haacute nem nunca haveraacute um tratado sobre tais assuntos Isto porque (i) sobre ele natildeo se pode escrever (ii) (porque) a quem se deteve longamente com ele (a sua compreensatildeo) nasce num instante na alma e alimenta-se por si (iv) ningueacutem melhor que ele (o proacuteprio Platatildeo) seria capaz de falar ou escrever sobre o assunto se acaso lhe fosse oportuno fazecirc-lo (iii) mas haacute uma razatildeo que passaraacute a expor (digressatildeo) e que se opotildee a que se escreva sobre ele (Ep VII 341c-345c)

39 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

Como jaacute dito anteriormente vaacuterios modelos foram propostos seja aquele em que

devemos considerar a obra de Platatildeo como algo unitaacuterio cuja finalidade seria expor uma visatildeo

ὂὄὰὂὄiaΝὁuΝldquoἶὁgmὠtiἵardquoΝὅἷΝὃuiὅἷὄmὁὅΝὅἷjaΝaὃuἷlaΝἷmΝὃuἷΝὂὁἶἷmὁὅΝὀὁtaὄΝἵἷὄtaὅΝὄuὂtuὄaὅΝaΝ

partir da variabilidade ali apresentada tanto na composiccedilatildeo das proacuteprias obras enquanto

encenaccedilotildees especiacuteficas e variadas quanto no conflito entre pontos de vistas entre conteuacutedos

muacuteltiplos e ateacute mesmo contradiccedilotildees Como tambeacutem jaacute dissemos essa eacute uma questatildeo

antiquiacutessima e remonta a todo um histoacuterico que poderiacuteamos tratar exaustivamente Mas esse

natildeo eacute o meu propoacutesito aqui quero apenas delinear algumas visotildees para a partir delas deixar

claro meu objetivo com este estudo O que podemos resumidamente afirmar eacute que essas

perspectivas se desenvolvem basicamente a partir de duas perspectivas ou seja podemos

crer como os neoplatocircnicos que Platatildeo apresenta um pensamento proacuteprio uma doutrina

ὂὄὰὂὄiaΝὁuΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoἶὁgmatiὅmὁrdquoνΝviὅatildeὁΝὃuἷΝὅἷΝὅὁliἶifiἵὁuΝὀὁὅΝmaὀuaiὅΝἶἷΝhiὅtὰὄiaΝἶaΝ

filosofia ou apenas acreditar como jaacute acreditavam na antiguidade que natildeo podemos afirmar

nada acerca do que eacute exposto nos diaacutelogos logo aderir a uma visatildeo de um Platatildeo ceacutetico50

A tradiccedilatildeo interpretativa nos deixou tal heranccedila mas ao mesmo tempo nos deixou tamanho

legado a saber discernir algo plausiacutevel acerca da hermenecircutica platocircnica Diante disso basta

analisar essa discussatildeo infinda que se travou durante seacuteculos O fato eacute que na

contemporaneidade as posiccedilotildees estanques tecircm demonstrado sua real ineficaacutecia O que natildeo

podemos negar eacute que a composiccedilatildeo de uma filosofia dramaacutetica sob fins dialeacuteticos eacuteevidente

nos diaacutelogos os quais satildeo dramas especiacuteficos apresentados em cada obra contextos

distintos que se iniciam a partir de uma discussatildeo em torno de um tema especiacutefico gerando

desdobramentos ainda maiores

Chego ao ponto desejado na contemporaneidade retoma-se um debate frequente

acerca dessa proacutepria concepccedilatildeo dramaacutetica o modo como ela eacute elaborada seus aspectos

fundamentais Alguns autores importantes como C Gill (2006) M Frede (1998) M M

Mccabe G A Press (1993 2000) D Nails (2002) V Tejera (1999) J Sallys (1996) K Sayre

(1995) e Harold Tarrant (2000) visam recuperar uma visatildeo que jaacute era presente na

Antiguidade51 ao manifestarem sua discordacircncia de qualquer leitura que vise encontrar nas

obras de Platatildeo uma espeacutecie de doutrina geral mas entendem os diaacutelogos como um estiacutemulo

para a busca pessoal de um indiviacuteduo pela verdade No entanto eles trazem reflexotildees

50 ldquoἠὁΝiὀtἷὄiὁὄΝἶaΝεὧἶiaΝἷΝἶaΝἠὁvaΝἏἵaἶἷmiaΝ- desde Arcesilau que assumiu a direccedilatildeo da escola em 270 aC - sabe-se que a orientaccedilatildeo fundamental era justamente combater os dogmatikoi ou seja os aristoteacutelicos epicuristas e estoicos Assim escreveu Ciacutecero no De Oratore (1930 livro III p 67) lsquoἏὄἵἷὅilauΝέέέΝtiὄaΝἶὁὅΝἶivἷὄὅὁὅΝἷὅἵὄitὁὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝέέέΝaΝἵὁὀἵluὅatildeὁΝὃuἷΝὀaἶaΝἶἷΝἵἷὄtὁ pode ser apreendido seja pelos sentidos seja pelo espirito (nihil esse certi quo aut sensibus aut animo percipi possit )rsquoνΝἷΝaἵὄἷὅἵἷὀtaΝὃuἷΝἏὄἵἷὅilauΝutiliὐavaΝἵὁmὁΝmὧtὁἶὁΝaὃuἷlἷΝlsquoἶἷΝὀatildeὁΝὄἷvἷlaὄΝὁΝὃuἷΝὂἷὀὅaΝmaὅΝaὄgumἷὀtaὄΝcontra o que os outros dizἷmΝὂἷὀὅaὄrsquordquoΝ(ἐἓἠἡIἦΝ1λλἃΝὂέΝἆλ)έ 51 Cf ANNAS (2012 p 37) e TARRANT (2000 p 79)

40 14 A posiccedilatildeo literaacuteria

importantes Refiro-me aqui agrave atenccedilatildeo que reclamam aos aspectos literaacuterios presentes na

composiccedilatildeo dialoacutegica

A questatildeo nesse caso eacute mais criteriosa e pouco menos estrita pois se trata de saber

se podemos ler Platatildeo apenas de um modo literaacuterio ou filosoacutefico Sayre por exemplo

responde a este questionamento dizendo que seria extremamente possiacutevel analisar os

diaacutelogos apenas pelo espetaacuteculo que eles produzem (1995 p 29) Ou seja segundo a visatildeo

daqueles que buscam encontrar ali teorias filosoacuteficas algo meramente secundaacuterio como o

contexto o lugar os personagens em suma o palco onde se apresenta a encenaccedilatildeo contida

no diaacutelogo poderia talvez nos trazer reflexotildees interessantes sem que sejam assumidas teses

filosoacuteficas que dali poderiam derivar Neste sentido podemos retomar a criacutetica de Tejera

(1λλλ)Ν ὡὅΝ lἷituὄaὅΝ ὃuἷΝ ἷlἷΝ ὀὁmἷiaΝ ἵὁmὁΝ ldquolἷituὄaΝ iἶἷaliὅtaΝ ἶaΝ iὀtἷὂὄἷtaὦatildeὁΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁrdquoέΝ ἠaὅΝ

paacuteginas que abrem sua obra ele convida o leitor a manifestar um olhar despretensioso sobre

as obras platocircnicas analisando apenas aquilo que determinado diaacutelogo possa vir a lhe

apresentar a reparar a vivacidade da discussatildeo o combate entre os personagens o tom da

discussatildeo todos os recursos literaacuterios disponiacuteveis (mitos alegorias omissotildees dentre outros)

que em uma leitura formal e dogmaacutetica seriam segundo o autor reinterpretados e tomariam

a forma de um conteuacutedo de uma intepretaccedilatildeo secundaacuteria e geral de algo que seria muito

mais especiacutefico (p 9- 10)

Da mesma maneira esse teoacuterico se contrapotildee agraves interpretaccedilotildees dogmaacuteticas dos

textos platocircnicos em grande parte responsaacuteveis pelo enfraquecimento da vivacidade

presente nos diaacutelogos pela riqueza literaacuterio-retoacuterica ali presente quando recolhem de

contextos especiacuteficos trechos fragmentos de uma obra maior para transformaacute-los em teorias

O brilhantismo literaacuterio das obras esmaece-se em uma palidez tornando os discursos vivos

apresentados de forma refinada em algo sem vida doutrinaacuterio e digno de recusa por um

espiacuterito filosoacutefico criacutetico pois impedem a liberdade interpretativa do leitor como tambeacutem os

resultados decorrentes de uma investigaccedilatildeo proacutepria atualizada

A leitura exegeacutetica acadecircmica iniciada desde a Antiguidade segundo Tejera seria

responsaacutevel pela morte dos diaacutelogos naquilo que eles mesmo satildeo diaacutelogos Da Antiguidade

sucessora de Platatildeo ateacute a contemporaneidade Platatildeo teria sido interpretado e reinterpretado

de acordo com interesses quase que distantes do que realmente sua obra apresenta segundo

interesses neoplatocircnicos proacuteprios o que segundo o teoacuterico teria sido responsaacutevel pelo

desinteresse em um autor brilhante que passa a ser visto como um filoacutesofo dogmaacutetico

defensor de doutrinas e que obviamente passaraacute a ser visto como antiquado retroacutegrado ou

ateacute mesmo superado (1999 p 11-14)

ἢὁἶἷmὁὅΝὂὁὄΝhὁὄaΝὀὁὅΝὄἷfἷὄiὄΝaΝἷὅὅἷΝήltimὁΝὂaὄaἶigmaΝἶἷΝlἷituὄaΝἵὁmὁΝldquoὂaὄaἶigma

literaacuterio-filὁὅὰfiἵὁrdquoΝὂὄὰὂὄiὁΝἶaΝὅἷguὀἶaΝmἷtaἶἷΝἶὁΝὅὧἵulὁΝXXΝἷxὂὄἷὅὅὁΝἷmΝgὄaὀἶἷΝὂaὄtἷΝὂὁὄΝ

C Gill (2006) Em suma se distingue em grande parte do revisionismo estrito e tambeacutem do

41 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

desenvolvimentismo porque segundo creem seus partidaacuterios os argumentos filosoacuteficos

muitas vezes devem partir de uma anaacutelise autocircnoma e particular detida na anaacutelise dos criteacuterios

literaacuterios que por vezes superam a argumentaccedilatildeo filosoacutefica Os aspectos dramaacuteticos ou

literaacuterios satildeo decisivos para a compressatildeo dos diaacutelogos De tal maneira cada argumento deve

se ater agravequele diaacutelogo restringindo-se aos limites da argumentaccedilatildeo ali apresentada Nenhum

personagem neste caso seria porta-voz de Platatildeo nem mesmo Soacutecrates mas cada um

desempenharia um papel particular falando a partir de si mesmo de um ponto de vista bem

fundamentado Platatildeo assim natildeo estaria no fundo no comando da cena dialoacutegica Seria

neste caso imprescindiacutevel ao leitor privar-se de estabelecer relaccedilotildees entre argumentos

distintos sobre um mesmo tema partindo de contextos dialoacutegico-argumentativos ou mesmo

formular uma espeacutecie de teoria geral proveniente de um entrecruzamento entre obras de um

suposto sistema de pensamento platocircnico52

Gill (2006) apresenta quatro constataccedilotildees principais sob as quais poderiacuteamos preferir

adotar tal visatildeo interpretativa (i) o conhecimento objetivo do tipo mais importante (sobre os

princiacutepios essenciais da realidade) soacute pode ser alcanccedilado na e por meio da participaccedilatildeo na

dialeacutetica ou seja o diaacutelogo filosoacutefico conduzido mediante perguntas e respostas sistemaacuteticas

individuais (ii) o exame dialeacutetico soacute atinge esse objetivo se os participantes (a) trazerem para

a dialeacutetica as qualidades apropriadas de caraacuteter e intelecto e (b) se envolverem efetivamente

no modo de dialeacutetica que esteja apropriadamente relacionado ao assunto em discussatildeo (iii)

o entendimento adequado qualquer problema filosoacutefico verificado depende de situar este

problema corretamente em relaccedilatildeo a (a) os princiacutepios fundamentais da realidade e (b) os

princiacutepios fundamentais do meacutetodo dialeacutetico (iv) cada encontro dialeacutetico tem sua proacutepria

probidade e significado e constitui um contexto em que podem ser feitos progressos

substanciais para a compreensatildeo dos princiacutepios fundamentais da realidade e do meacutetodo

filosoacutefico (p 143) Ele ainda detalha

Quero sugerir que esses princiacutepios podem nos ajudar a explicar certos recursos recorrentes da forma de diaacutelogo e que fornecem uma base para analisar a perspectiva filosoacutefica que estaacute subjacente agrave implantaccedilatildeo platocircnica da dialeacutetica Eles nos permitem primeiro definir um tipo diferente de unitarismo do discutido anteriormente ou seja um unitarianismo de

52 ldquoἏΝ ὃuἷὅtatildeὁΝ ἷὀvὁlvἷΝ tamἴὧmΝ ὁΝ iὀtἷὄἷὅὅἷὅΝ ἶὄamὠtiἵὁ-literaacuterios e o natildeo dogmatismo inovador dos inteacuterpretes de Platatildeo Como eacute notaacutevel por parte de muitos estudiosos os diaacutelogos satildeo dramas natildeo tratados e na interpretaccedilatildeo de dramas eacute simplesmente inadequado atribuir as falas dos personagens ἷΝὅuaὅΝiἶἷiaὅΝaὁΝautὁὄέΝἏlὧmΝἶiὅὅὁΝviὅtὁὅΝἵὁmὁΝtἷxtὁὅΝlitἷὄὠὄiὁὅΝὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὅatildeὁΝldquoἶialὰgiἵὁὅrdquoΝὀὁΝὅἷὀtiἶὁΝbakhtiniano isto eacute textos em que diferentes personagens tecircm diferentes visotildees de mundo e falam a partir de seus proacuteprios pontos de vista bem fundamentados ao inveacutes de serem controlados pelo ldquomὁὀὁlὰgiἵὁrdquoΝὂὁὀtὁΝἶἷΝviὅtaΝἶἷΝὅἷuΝautὁὄΝ(ἢἤἓἥἥΝἀίίίΝὂέΝἃ)έ

42 14 A posiccedilatildeo literaacuteria

perspectiva filosoacutefica e natildeo o conteuacutedo das ideias ao longo dos diaacutelogos53Em segundo lugar eles nos ajudam a ver o significado filosoacutefico da praacutetica de Platatildeo de apresentar cada diaacutelogo como um encontro dialeacutetico distinto Em terceiro lugar eles fornecem uma base para uma periodizaccedilatildeo das obras de Platatildeo com base em variaccedilotildees no tipo de diaacutelogo - em particular na medida em que a dialeacutetica responde a visotildees diferentes ou opostas Concluo caracterizando a perspectiva filosoacutefica que estaacute impliacutecita a meu ver nesses princiacutepios dialeacuteticos e no uso de Platatildeo pela forma de diaacutelogo (GILL 2006 p 143-144)

A proposta eacute realmente tentadora e possui o meacuterito de nos chamar a atenccedilatildeo para a

grandeza da composiccedilatildeo literaacuteria encontrada nos diaacutelogos platocircnicos Aleacutem disso devemos

reconhecer sem sombra de duacutevida o caraacuteter protreacuteptico dos diaacutelogos que nos incita a uma

reflexatildeo a um envolvimento com a atividade dialeacutetica caracteriacutestica essencial da filosofia

ὂlatὲὀiἵaέΝἢὁὄὧmΝἷlaΝaiὀἶaΝὧΝἷxtὄἷmaἶaΝἷΝtalvἷὐΝὂὁὅὅaΝὀὁὅΝἶiὄigiὄΝaΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoἵἷtiἵiὅmὁΝ

iὀtἷὄὂὄἷtativὁrdquoέΝ ἒigὁΝ iὅὅὁΝ ὂὁὄὃuἷΝ ὀὁὅΝ ἶiὠlὁgὁὅΝ ὧΝ ὂὁὅὅiacutevἷlΝ ὀὁtaὄΝ ἵὁmὁΝ algumaὅΝ tἷὅἷὅΝ ὅatildeὁΝ

sutilmente construiacutedas como os mesmos temas voltam a ser tratados com ainda mais vigor

e refinamento semelhantes posicionamentos gerais satildeo adotados em certas obras o cuidado

com a personagem Soacutecrates e sua proeminecircncia diante dos seus interlocutores O que natildeo

significa que possamos imediatamente recolher de seus discursos teses efetivamente

platocircnicas e compor uma doutrina platocircnica geral isso ainda nos eacute infranqueaacutevel Mas em se

tratando de Platatildeo tais habilidades literaacuterias anteriormente destacadas natildeo podem ser

impensadas ou mesmo desprovidas de um propoacutesito

A adoccedilatildeo e preferecircncia exclusiva do diaacutelogo deve ser vista como uma motivaccedilatildeo

propriamente filosoacutefica Por isso eacute necessaacuterio reconhecer tambeacutem o tempo e o espaccedilo ou

melhor o contexto no qual se insere os objetivos especiacuteficos da composiccedilatildeo dialoacutegica

platocircnica Contudo essas constataccedilotildees natildeo devem nos dirigir a um impasse interpretativo ao

superestimar os aspectos unicamente literaacuterios de uma determinada obra sem notarmos aiacute

qualquer conteuacutedo filosoacutefico mas apenas um discurso destinado ao desejo de satisfaccedilatildeo de

um puacuteblico audiente O anonimato a variabilidade e consequente dificuldade expressa pela

forma dialogal natildeo devem nos impedir de atribuir um conteuacutedo filosoacutefico a Platatildeo optando por

uma ecircnfase extremada no aspecto formal da composiccedilatildeo dramaacutetica nem mesmo colocar em

descreacutedito ao que estaacute ali efetivamente expresso a fim de priorizar fragmentos incompletos

emblemaacuteticos e enigmaacuteticos ao se optar por um caminho muito mais difiacutecil de reconstruccedilatildeo

53 Alguns autores preferem organizar cronologicamente as obras platocircnicas a partir de uma dataccedilatildeo dramaacutetica na qual a questatildeo histoacuterica eacute vista em virtude da coerecircncia manifesta entre os diaacutelogos sem portanto recorrer a fases histoacuterico-geneacuteticas como faz por exemplo o meacutetodo geneacutetico-expositivo Veja por exemplo ZUCKERTH (2009) e BENOIT (2015) que recorrem novamente agrave tetralogia para fundamentar sua interpretaccedilatildeo e organizaccedilatildeo da obra platocircnica sob quatro temporalidades lexis noesis genesis e poiesis

43 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

do pensamento platocircnico por via das chamadas doutrinas orais de Platatildeo54 Mas voltemos agrave

leitura enfaticamente dramaacutetica sobre isso acredito ser oportuno dar voz a Trabattoni

54 Sobre isso ver Scolnicov (2003) apesar de sua adesatildeo agrave priorizaccedilatildeo de uma leitura restrita a cada diaacutelogo centrada na eventualidade dramaacutetica de cada texto Considero sua visatildeo bem fundamentada um pouco menos extrema No entanto ele mesmo critica essa possiacutevel saiacuteda da leitura dialoacutegica em viὅtaΝἶἷΝalgὁΝὁὂaἵὁΝἵὁmὁΝὧΝὁΝἵaὅὁΝἶaὅΝὂὁὅὅiacutevἷiὅΝldquoἶὁutὄiὀaὅΝὀatildeὁ-ἷὅἵὄitaὅrdquoέΝἡὅΝἷὅὁtἷὄiὅtaὅΝaὂἷὅaὄΝἶἷΝὅἷΝvalἷὄἷmΝ ἶὁΝ ldquoaὄgumἷὀtὁΝ ἶὁΝ ὅilecircὀἵiὁrdquoΝ ἶὁὅΝ uὀitaὄiὅtaὅΝ faὐἷmΝ ὁutὄὁΝ tiὂὁΝ ἶἷΝ uὅὁΝ ἶἷὅὅἷΝ mἷἵaὀiὅmὁΝinterpretativo desviando a necessaacuteria atenccedilatildeo aos conteuacutedos apresentados em cada contexto ἶialὰgiἵὁΝἴuὅἵaὀἶὁΝalgὁΝldquoalὧmrdquoΝἶὁΝὃuἷΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἶiὠlὁgὁΝὂὁἶἷὄiaΝlἷvaὄΝaΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄέΝἢaὄtἷmΝἶἷΝumaΝconcepccedilatildeo de um Platatildeo restrito agrave exposiccedilatildeo escrita voltado agrave oralidade (o que eacute em termos concordaacutevel) anteriormente mas a finalidade dessa restriccedilatildeo eacute outra pois os diaacutelogos satildeo tratados como uma espeacutecie de iniciaccedilatildeo filosoacutefica a um conteuacutedo maior que natildeo vemos se apresentar nos diaacutelogos do qual apenas alguns estariam aptos a reconhecer o testemunho maior seria a fragmentada tὄaἶiὦatildeὁΝiὀἶiὄἷtaΝὂlatὲὀiἵaΝaὅὅimΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoὂὁiὅΝaΝvἷὄἶaἶἷΝὀatildeὁΝὅἷΝὂὁἶἷΝἶiὐἷὄέΝἓlaΝὅὰΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝἶiὄἷtamἷὀtἷΝapreendida Ela natildeo eacute a correspondecircncia de uma proposiccedilatildeo a um estado-de-coisas Ela eacute uma questatildeo ontoloacutegica moral e praacutetica ela estaacute aiacute para ser apreendida e ateacute que natildeo seja apreendida todas as palavras ficam sem sentido O ponto de apoio dos diaacutelogos fica assim sempre externo a eles Isso natildeo quer dizer como estaacute novamente em moda mantecirc-lὁΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝtἷvἷΝumaΝlsquoἶὁutὄiὀaΝὅἷἵὄἷtarsquoΝὁu uma doutrina de princiacutepios uma Prinzipienlehre e que os diaacutelogos devem ser interpretados agrave luz de tal doutrina Isso seria aceitar que a posiccedilatildeo filosoacutefica fundamental de Platatildeo podia ser formulada e passada a outros se bem que apoacutes uma longa preparaccedilatildeo natildeo apropriada a todos Concordo com tais inteacuterpretes que os diaacutelogos de Platatildeo satildeo incompletos de modo que nos satildeo dados e que a chave de sua interpretaccedilatildeo estaacute fora deles Mas natildeo creio que seja um grupo de princiacutepios ou uma doutrina de um tipo qualquer mas um evento um poderoso evento que natildeo soacute deixaria em Platatildeo uma profunda impressatildeo convencendo da supremacia absoluta da razatildeo Essa supremacia era para ele natildeo tanto epistemoloacutegica como ontoloacutegica e especialmente moral Para Platatildeo Soacutecrates mostrou em sua vida e em sua morte que o bem e o real satildeo o mesmo Seus diaacutelogos tentam nos fazer compreender o que ἷὅὅaὅΝὂalavὄaὅΝὀatildeὁΝὅatildeὁΝἵaὂaὐἷὅΝἶἷΝὀὁὅΝἷὀὅiὀaὄΝὂὁὄΝὅiΝὅὰὅrdquoΝ(ἥἑἡἜἠIἑἡVΝἀίίἁΝὂέΝἃἆ-59) Nada nos garante como atesta Frede (2013 p 57) que Platatildeo natildeo tivesse em mente os objetivos que tinha a pretensatildeo de apresentaacute-los gradualmente em sua obra contudo natildeo haacute nada nos diaacutelogos que possa provar isso esse eacute o ocircnus das visotildees baseadas no unitarismo Podem argumentar os esoteristas em favor da proximidade de Aristoacuteteles com Platatildeo ou postulando as recorrentes indicaccedilotildees das doutrinas orais entre os variados testemunhos indiretos mas a questatildeo de fundo que coloca em duacutevida a hipoacutetese esoterista eacute melhor explicada quando se atesta que a criacutetiἵaΝὡΝἷὅἵὄitaΝὀatildeὁΝὧΝmἷὄamἷὀtἷΝldquoἷmὂiacuteὄiἵardquoΝiὅtὁΝeacute baseada em uma distinccedilatildeo entre escrito e oralidade ela possui um caraacuteter filosoacutefico mais amplo a saber dirige-se a finalidade a que ambas as teacutecnicas escritooralidade possam vir a comportar Neste sentido tanto escrito quanto oralidade podem servirem ao oproacutebio quando seus usos natildeo estatildeo orientados agrave finalidade mais importante para nosso autor que no caso trata-se da atividade dialeacutetica ἢὁὄΝiὅὅὁΝhὠΝἵἷὄtaΝἶἷὅἵὁὀfiaὀὦaΝὀὁΝἷὅἵὄitὁΝaὁΝὅἷΝtὄataὄἷmΝἶaὅΝldquoἵὁiὅaὅΝmaiὅΝὅὧὄiaὅrdquoΝἶἷΝὅuaΝfilὁὅὁfiaΝἷΝporque tambeacutem deixam sacramentado qualquer doutrina nos diaacutelogos contraria a defesa caracteriacutestica fundamental do exerciacutecio da atividade dialeacutetica que se expressa na imitaccedilatildeo na substituiccedilatildeo do ldquoἶiὠlὁgὁΝὁὄalrdquoΝ(ὂὄἷfἷὄiacutevel) por meio do escrito o texto eacute apenas um estiacutemulo para aquilo que natildeo pode se findar em qualquer praacutetica filosoacutefica o debate dialeacutetico O anonimato assim como as contradiccedilotildees as reticecircncias e as cautelas de Soacutecrates preserva o autor de qualquer julgamento dogmaacutetico ao mesmo tempo em que possibilitam sua construccedilatildeo enquanto autor sua autocriacutetica filosoacutefica Nisto tambeacutem reside o valor dos diaacutelogos podemos relecirc-los e essa eacute uma finalidade importante sendo capaz de adentrar ou natildeo agrave discussatildeo ali desenvolvida ao tornaacute-la novamente viva reconhecendo a necessidade de filosofar utilizando-se da forccedila do ζσΰκμ Logo ningueacutem pode se furtar da criacutetica nem mesmo quem ora escuta nem mesmo quem ora responde (TRABATTONI 2012 p 21-22) Ver tambeacutem (SANTOS 1994 p 163-176) (DIXSAUT 2001 p 18-28) (FRANCO 2010 p 267-287)

44 14 A posiccedilatildeo literaacuteria

Os diaacutelogos natildeo podem ser completamente comparados a obras teatrais ou a textos meramente descritivos mas no seu interior mostram ser bem dirigidos propositivos muitas vezes polecircmicos irocircnicos e ateacute mesmo tendenciosos Por detraacutes do texto em suma transparece a presenccedila do autor que constroacutei e sustenta com sabedoria o jogo do diaacutelogo fazendo explodir contradiccedilotildees lanccedilando sinais muitas vezes sutis e obscuros sugerindo implicitamente ao leitor alguns percursos contentando-se por vezes somente em confundi-lo para provocar nele determinadas reaccedilotildees O autor em outras palavras eacute materialmente ausente do diaacutelogo mas bem presente do ponto de vista filosoacutefico como um invisiacutevel manipulador que move suas marionetes na cena para alcanccedilar determinados objetivos (2012 p 19)

Trabattoni (2012) ainda nos adverte sobre os perigos de confundirmos a relaccedilatildeo entre

autor e leitor e a relaccedilatildeo entre o protagonista do diaacutelogo e o seu interlocutor sendo necessaacuterio

lembrar que muitos textos escritos eram lidos em voz alta em praccedila puacuteblica (2012 p 20)

Portanto seria mais prudente natildeo associar imediatamente os propoacutesitos dramaacuteticos evidentes

destinados agrave atraccedilatildeo do puacuteblico ao despertar de consciecircncia de sua audiecircncia do sentido

mais aprofundado (dialeacutetico) que caracteriza determinada obra filosoacutefica e a proacutepria relaccedilatildeo

entre condutor e interlocutor da discussatildeo55

Outra objeccedilatildeo importante eacute que sendo Platatildeo um defensor deste caraacuteter protreacuteptico

da real necessidade da investigaccedilatildeo proacutepria caracteriacutestica fundamental da atividade dialeacutetica

da importacircncia atribuiacuteda neste caso agrave filosofia natildeo se pode negar que ele tenha crenccedilas

proacuteprias acerca dos assuntos dos quais trata concepccedilotildees filosoacuteficas sobre a realidade sobre

a vida humana etc Ora isto nos faz pensar que devemos ir em uma direccedilatildeo contraacuteria ao

tentar sim buscar construir uma posiccedilatildeo platocircnica sobre certos temas ainda que natildeo

possamos tomaacute-las como teorias strictu sensu Em suma podemos concluir com Trabattoni

(2012 p 25) que eacute realmente verdade que alguns diaacutelogos resolvem certos problemas e

outros natildeo mas nenhum deles eacute tatildeo aporeacutetico a ponto de natildeo oferecer nenhum avanccedilo na

pesquisa nenhuma soluccedilatildeo ainda que implicitamente nem ao menos nenhum deles eacute tatildeo

dogmaacutetico e conclusivo de tal modo que posamos a partir dali conceber conteuacutedos

verdadeiros absolutos e definitivos Dirijo-me agora agrave proposta de leitura adotada neste

trabalho

15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho

55 Cf GERSON (2000 p 5) acerca da distinccedilatildeo necessaacuteria entre o representativo e o argumentativo Gerson defende que Soacutecrates tambeacutem produz argumentos Marques (2006) diz acertadamἷὀtἷμΝ ldquoἡΝdiaacutelogo escrito eacute miacutemesis do diaacutelogo oral mas eacute tambeacutem invenccedilatildeo de personagens que dialogam entre ὅiΝἷΝἷxὂὄἷὅὅamΝumΝἶiὠlὁgὁΝὃuἷΝaΝalmaΝmaὀtὧmΝἵὁὀὅigὁΝmἷὅmardquoΝ(ὂέΝἂί)έ

45 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

Primeiramente diante do que foi exposto eacute preciso notar que natildeo podemos adotar

nenhuma das trecircs posiccedilotildees extremas mas que em alguns aspectos natildeo em todos elas

contribuem para a escolha de uma determinada abordagem O que se exige do inteacuterprete eacute

uma necessaacuteria cautela uma posiccedilatildeo mediana tanto entre unitarismo e desenvolvimentismo

quanto entre dogmatismo e ceticismo interpretativo O fato de Platatildeo se ausentar da obra natildeo

significa que natildeo possamos tentar construir uma intepretaccedilatildeo do que sejam suas posiccedilotildees

muito pelo contraacuterio ela assegura ainda mais nossa liberdade interpretativa Contudo isso

natildeo significa que essas mesmas posiccedilotildees natildeo sejam postas em criacutetica em debate e que elas

possam revestir-se de dogmatismo pelo fato de reconhecermos certa ocorrecircncia de

determinados argumentos e o esforccedilo frequente empregado em defendecirc-los Neste sentido

o caraacuteter investigativo (protreacuteptico) suscitado pelo diaacutelogo natildeo eacute contraditoacuterio com a

construccedilatildeo de posicionamentos que possam ser atribuiacutedos a Platatildeo

Devemos ainda salientar que toda atenccedilatildeo deve ser dada agrave particularidade dos

argumentos ao serem analisados no contexto geral da obra isto eacute sobre o modo como se

desenvolvem e sua peculiaridade em um determinado acircmbito dialeacutetico isto eacute jamais se deve

sacrificar o contexto dialeacutetico em que dado argumento estaacute fundamentado desconsiderando

todo o processo pelo qual ele se desenvolve Nada impede entretanto que possamos

estabelecer certa correlaccedilatildeo por intermeacutedio de referecircncias a argumentos sobre temas

defendidos em outras obras que porventura nos conduzam a compreensatildeo platocircnica de que

um dado tema natildeo se encontra limitado a um uacutenico diaacutelogo Semelhantemente parece vaacutelido

levar em conta as questotildees literaacuterias especiacuteficas demonstradas em cada exposiccedilatildeo em

particular (mitos alegorias omissotildees reticecircncias contradiccedilotildees ironia refutaccedilatildeo etc) elas

nos ajudam a compreender o processo sob o qual a argumentaccedilatildeo elaborada eacute relevante no

conjunto da interpretaccedilatildeo Todavia essas posiccedilotildees natildeo determinam o conteuacutedo geral da obra

natildeo a descrevem mas estatildeo inseridas num acircmbito maior referem-se unicamente ao

processo ao desenvolvimento loacutegico de uma dada argumentaccedilatildeo que tem finalidades outras

que natildeo um mero espetaacuteculo de posiccedilotildees diacutespares representados pelo pensamento

autocircnomo de cada personagem

Natildeo se trata de negar que haja mutaccedilatildeo ou uma espeacutecie de crescendum na obra

platocircnica mas o que natildeo parece ser correto eacute por meio dessas formas que documentam uma

evoluccedilatildeo nas obras direcionarmo-nos a um dogmatismo platocircnico Antes devemos notar a

finalidade dessa mudanccedila no desenvolvimento da argumentaccedilatildeo qual o sentido da utilizaccedilatildeo

de um recurso literaacuterio em detrimento de outro Insisto que isso natildeo eacute negar a evoluccedilatildeo do

pensamento platocircnico mas como nos diz Trabattoni eacute antes de tudo destituir a funccedilatildeo

dessas mudanccedilas utilizadas para resolver questotildees filosoacuteficas isto eacute retirar o caraacuteter

substancial por vezes atribuiacutedo na tradiccedilatildeo interpretativa a tais mudanccedilas (2012 p 26)

46 15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho

Neste caso trata-ὅἷΝἶἷΝumaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶὁΝldquotὁἶὁrdquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝ(ἦἤἏἐἏἦἦἡἠIΝἀί1ἀΝ

p 20)56 ὁuΝ ldquohὁliacuteὅtiἵardquoΝ (ἤἡWἓΝἀίίἅΝὂέΝἃί-51) em que forma e conteuacutedo natildeo podem ser

dissociaἶὁὅνΝἷὅὅἷΝldquoἷὀtὄἷlaὦamἷὀtὁrdquoΝὃuἷΝtὁὄὀaΝὂὁὅὅiacutevἷlΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝaΝὀatuὄἷὐaΝἶaΝativiἶaἶἷΝ

filosoacutefica nunca concluiacuteda aberta a investigaccedilotildees ulteriores repleta de ductilidade e distante

de dogmatismos Natildeo apenas Soacutecrates mas tambeacutem o entrelaccedilamento entre condutor e

interlocutor aleacutem dos mais variados aspectos literaacuterios aleacutem das personagens que possam

contribuir para a anaacutelise de uma determinada obra Sobre isso creio ser importante destacar

as concepccedilotildees oferecidas por Marques (2006)

Parece-me evidente que Platatildeo tivesse julgado que o diaacutelogo vivo entre almas eacute essencial agrave sua filosofia se pensarmos em sua produccedilatildeo escrita tudo o que ele escreveu estaacute em forma de diaacutelogo entre dois ou mais indiviacuteduos Eacute portanto razoaacutevel acreditar que seus escritos satildeo boas imagens do verdadeiro diaacutelogo dialeacutetico Mais do que a exclusatildeo do outro indiviacuteduo como ὅἷΝfὁὅὅἷΝalgὁΝὅuὂὧὄfluὁΝaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝὃuἷΝὧΝldquoὅuὂὧὄfluὁrdquoΝaΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝὃuἷΝὧΝldquoὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝἶἷvἷΝὅἷὄΝἵὁmὂὄἷἷὀἶiἶaΝἵὁmὁΝumaΝὄἷὅtὄiὦatildeὁΝὁuΝὃualifiἵaὦatildeὁμΝo diaacutelogo natildeo eacute algo meramente espontacircneo e automaacutetico ele convoca a reflexatildeo e a determinaccedilatildeo pela inteligecircncia dos movimentos que emanam da alma ele eacute uma caccedila e uma luta que implica esforccedilo compartilhado e conquistas parciais e principalmente suscetiacuteveis de serem eventualmente consideradas falsas pois sem o falso natildeo eacute possiacutevel o verdadeiro (p 332)

Ao buscarmos afirmar uma determinada posiccedilatildeo geral do pensamento platocircnico

devemos nos atentar agrave seriedade que essa tarefa nos impotildee sobre a necessidade de

demonstrar certa coerecircncia entre tais posiccedilotildees levantadas e aquelas apresentadas pelo texto

esgotando ao maacuteximo os recursos que possam nos proporcionar Haacute que se atentar agraves

diversas possibilidades loacutegicas possiacuteveis poreacutem sempre lembrando que a discussatildeo se insere

em um contexto dramaacutetico e por isso as leituras permanecem em aberto porque sempre eacute

possiacutevel observar algo que natildeo foi percebido imediatamente em uma leitura primeira sempre

resta um pouco de duacutevida em toda interpretaccedilatildeo Apenas depois de examinarmos

exaustivamente essas relaccedilotildees o modo como certas teses satildeo tratadas o modo como satildeo

desenvolvidas naquele cenaacuterio da discussatildeo filosoacutefica eacute que poderemos estabelecer

possiacuteveis consideraccedilotildees sobre uma dada questatildeo nomeadamente platocircnica Nossas

56 ldquoἢaὄaΝἷὀἵὁὀtὄaὄΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝὀatildeὁΝἴaὅtaΝὅἷguiὄΝalgumaὅΝafiὄmaὦὴἷὅΝmἷὅmὁΝque se trate de afirmaccedilotildees de Soacutecrates (e dos outros condutores) Em vez disso faz-se necessaacuterio analisar no seu todo a estrutura dialoacutegica composta quer por perguntas quer por respostas dos interlocutores tentando assim entender o que Platatildeo queria dizer ao leitor ao construir um certo tipo de diaacutelogo no qual quem interroga formula certas perguntas e quem responde o faz de maneira bastante calculada O resultado do texto eacute sempre a soma desse entrelaccedilamento e pode acontecer com grandes chances que a contribuiccedilatildeo do interlocutor seja pouco relevante podendo tambeacutem acontecer (e com chances ainda maiores) que o sentido de um determinado desenvolvimento dialoacutegico ultrapasse laὄgamἷὀtἷΝaὅΝaὅὅἷὄὦὴἷὅΝἶὁὅΝἶialὁgaὀtἷὅrdquoΝ(ἦἤἏἐἏἦἦἡἠIΝἀί1ἀΝὂέΝἀί)έ

47 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

inferecircncias podem estar equivocadas ao supormos um conteuacutedo extra oculto que natildeo esteja

presente ali no diaacutelogo sendo por vezes algo deliberado pelo proacuteprio autor sob fins que natildeo

os ali delimitados

Logo nosso trabalho eacute aacuterduo e exige uma seacuterie de esforccedilos a serem empregados

pois acredito sim ser possiacutevel levantarmos algumas questotildees ou mesmo posicionamentos

sobre a posiccedilatildeo de Platatildeo acerca da natureza e do papel do prazer na vida humana Meu

trabalho natildeo eacute neutro ele se caracteriza por ser uma leitura sobre a qual necessariamente haacute

divergecircncias o que natildeo eacute um problema mas um ganho porque nos possibilita dialogar a fim

de tentarmos tornar mais claras e coerentes nossas argumentaccedilotildees a partir de um debate

respeitoso o que natildeo significa ausecircncia de criacuteticas mas colocar em praacutetica o exerciacutecio de

nosso Mestre debruccedilando-se de forma rigorosa sobre a sua proacutepria obra tambeacutem passiacutevel

de criacutetica Por jaacute ter de lidar com uma quantidade expressiva de posicionamentos manifesto

minha recusa por uma aἴὁὄἶagἷmΝὃuἷΝfaὦaΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝaΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoὅigὀifiἵaἶὁΝὁἵultὁrdquoΝ

diante de qualquer passagem enigmaacutetica do diaacutelogo em anaacutelise

Prefiro optar por deixar a discussatildeo aberta e me precaver atestando a necessidade de

maiores estudos sobre a obra seja por incapacidade manifesta no momento ou recorrendo

por exemplo agrave suposiccedilatildeo de possiacuteveis corrupccedilotildees ou acreacutescimo agraves traduccedilotildees de termos que

impossibilitem uma compreensatildeo mais clara de alguma passagem pela verificaccedilatildeo do aparato

criacutetico ou dos manuscritos ou mesmo reconhecendo depois de tudo isso que a questatildeo talvez

natildeo esteja bem esclarecida ou eacute propositalmente inconclusa Tambeacutem ao tratar o Filebo com

ldquoumΝἶiὠlὁgὁΝήltimὁrdquoΝὀatildeὁΝὂὄἷtἷὀἶὁΝfaὐἷὄΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝaὁὅΝaὅὂἷἵtὁὅΝἵὄὁὀὁlὰgiἵὁὅΝὃuἷΝgἷὄalmἷὀtἷΝ

o atribuem com um diaacutelogo da fase final do pensamento platocircnico mas o que quero dizer com

isso eacute que dentre todos os diaacutelogos platocircnicos esse parece ser aquele que conteacutem uma

anaacutelise mais detida na questatildeo no prazer no qual o tema ganha maior visibilidade quando

comparado agraves demais obras do corpus em que o tema aparece por vezes timidamente por

vezes mais explicitamente

Resta ainda um ponto a ser destacado que diz respeito agrave preferecircncia por uma anaacutelise

predominantemente eacutetica da questatildeo do prazer em um contexto dramaacutetico em que natildeo

encontramos teorias formuladas estritamente nem tratados sobre o tema A obra de Platatildeo eacute

uma obra dialoacutegica em que os temas se encontram articulados e continuamente colocados

em discussatildeo Deste modo parece impossiacutevel operar semelhante distinccedilatildeo a respeito de uma

visatildeo uacutenica de um tema qualquer ainda mais quando se trata de temas tatildeo relevantes

tratados significativamente em outros diaacutelogos como o bem e a vida boa cujo mote nesse

diaacutelogo vem a ser a reflexatildeo sobre o prazer A temaacutetica que envolve o prazer estaacute relacionada

diretamente com a eacutetica mas como veremos no diaacutelogo a abordagem deste tema por Platatildeo

eacute ainda mais ampla natildeo se restringindo apenas aos conteuacutedos eacuteticos apesar de me

interessar predominantemente por estes uacuteltimos O Filebo daacute abertura a uma seacuterie de

48 15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho

possibilidades de leituras tendo em consideraccedilatildeo a variedade de temas ali encontrados

Todavia uma visatildeo plural como essa natildeo eacute suficiente para afirmar ao mesmo tempo a defesa

da ideia de que os diaacutelogos de Platatildeo natildeo conteriam nada que diga respeito a um conteuacutedo

eacutetico Muito pelo contraacuterio neles residem os conteuacutedos fundamentais que originam este tipo

de pensamento na filosofia ocidental essa disciplina filosoacutefica Tal posiccedilatildeo que natildeo deve nos

conduzir a um ceticismo interpretativo em relaccedilatildeo agrave obra de Platatildeo e a seus conteuacutedos eacuteticos

mas

() noacutes lemos diaacutelogos e essa forma na qual a filosofia de Platatildeo eacute apresentada longe de ter valor unicamente exterior tem um sentido filosoacutefico e por esse motivo deve ser levada a seacuterio como sinal de uma problematizaccedilatildeo profunda e radical integralmente exploratoacuteria e hipoteacutetica de tudo aquilo que seu autor ndash por meio de uma linguagem que com ele comeccedila a ser filosoficamente teacutecnica mas que na maioria das vezes eacute ainda a linguagem do cotidiano ndash vem dizendo () A forma dialoacutegica poreacutem natildeo adia indefinidamente nem anula a obrigaccedilatildeo de seu autor de encontrar soluccedilotildees para os problemas discutidos tais soluccedilotildees ainda que provisoacuterias e parciais estatildeo presentes nos proacuteprios diaacutelogos e satildeo fruto da proacutepria problematizaccedilatildeo radical permitida por estrutura filosoacutefica e natildeo apenas literaacuteria (isso eacute vaacutelido independentemente da amplitude e da forccedila filosoacutefica global inscritas nas soluccedilotildees encontradas ou vislumbradas nos diaacutelogos () (NAPOLITANO VALDITARA 2015 p 14)

ἒἷὅtἷΝ mὁἶὁΝ ὂὁἶἷmὁὅΝ ὅimΝ ἷὅἴὁὦaὄΝ umΝ ὃuaἶὄὁΝ ὂaὄtiἵulaὄΝ ἷmΝ ὄἷlaὦatildeὁΝ aΝ ldquoὧtiἵaΝ

ὂlatὲὀiἵardquoΝ tἷὀἶὁΝ ἵὁmὁΝ ἴaὅἷΝ aΝ ὄἷflἷxatildeὁΝ ὅὁἴὄἷΝ ὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ aὂὄἷὅἷὀtaἶὁΝ ὂὁὄΝ ἢlatatildeὁέΝ ἢὁἶἷmὁὅΝ

adentrar em determinado contexto dramaacutetico a fim de elaborarmos ainda que possibilidades

provisoacuterias uma interpretaccedilatildeo das noccedilotildees concernentes ao tema do prazer na eacutetica da

filosofia platocircnica Poreacutem neste trabalho como demonstro creio ser imprescindiacutevel em um

primeiro momento me deter na argumentaccedilatildeo presente nas linhas do Filebo a fim de

demonstrar as possiacuteveis interpretaccedilotildees da posiccedilatildeo (especiacutefica) de Platatildeo ao longo de

semelhante obra

Eacute necessaacuterio ainda esclarecer alguns pontos fundamentais sobre isso Primeiramente

parece ser impossiacutevel compreender o prazer em Platatildeo enquanto temas relativos agrave eacutetica a

partir de uma tentativa de isolamento deste tema (o prazer) nesse uacutenico diaacutelogo O Filebo

envolve questotildees ainda maiores que tecircm como ponto de partida do diaacutelogo a reflexatildeo sobre

os prazeres que podem ser lidas de um ponto de vista eacutetico (moral) Ateacute porque natildeo

encontramos em nenhuma obra platocircnica algo como uma teoria eacutetica formalizada isto eacute um

texto que fale estritamente de eacutetica (tal como temos em Aristoacuteteles um texto especiacutefico sobre

a eacutetica Eacutetica a Nicocircmaco)

49 Sobre como ler os diaacutelogos de Platatildeo e a posiccedilatildeo interpretativa adotada neste trabalho

Julia Annas em seu The Morality of Hapiness (1993) logo na Introduccedilatildeo de sua obra

justifica sua exclusatildeo da anaacutelise de Platatildeo a respeito do tema da eacutetica justamente por alegar

que

Natildeo haacute um diaacutelogo ὂlatὲὀiἵὁΝἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝldquoὅὁἴὄἷΝὧtiἵardquoΝἶaΝmἷὅmaΝfὁὄmaΝque a Eacutetica a Nicocircmaco eacute sobre a eacutetica Cada diaacutelogo possui seu proacuteprio tema ou grupo de temas que frequentemente natildeo dizem respeito as nossas divisotildees subjetivas de temas Mesmo os diaacutelogos que satildeo de maneira oacutebvia mais relevantes para a eacutetica como a Repuacuteblica e o Filebo satildeo tambeacutem igualmente sobre problemas metafiacutesicos e epistemoloacutegicos E mesmo nos diaacutelogos mais claros sobre a eacutetica Platatildeo ao usar deliberadamente a forma do diaacutelogo evita identificar e colocar sua proacutepria posiccedilatildeo Seria extremamente ingecircnuo simplesmente para identificar a posiccedilatildeo de Platatildeo com o que eacute atribuiacutedo a Soacutecrates em um determinado diaacutelogo E ateacute mesmo se o fizermos encontramos posiccedilotildees imensamente diferentes ocupadas por Soacutecrates em diferentes diaacutelogos a estrutura da teoria eacutetica platocircnica eacute muito pouco determinada pelo que encontramos nos diaacutelogos Assim se estudarmos eacutetica platocircnica enfrentamos um problema de extraccedilatildeo noacutes mesmos temos que selecionar e extrair o assunto a respeito da questatildeo eacutetica e isto eacute a nossa imposiccedilatildeo posterior sobre um escritor que escreve deliberadamente de uma forma muito diferente Eacute claro que este eacute um procedimento perfeitamente legiacutetimo Mas aponta grandes e largas diferenccedilas (ANNAS 1993 p 18)

Dito de outro modo eacute inuacutetil tentar fundamentar a partir dos diaacutelogos platocircnicos uma

eacutetica autocircnoma distinta das demais disciplinas filosoacuteficas Contudo tambeacutem eacute equivocado

por outro lado salientar que natildeo podemos encontrar nas obras de Platatildeo referecircncias aos

temas eacuteticos ou que suas posiccedilotildees natildeo contribuiacuteram para o que hoje denominariacuteamos como

ldquoὂἷὀὅamἷὀtὁΝὧtiἵὁέrdquoΝεaὅΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaΝ tὁἶὁὅΝὁὅΝἶἷmaiὅΝ tἷmaὅΝὀὁὅὅὁΝautὁὄΝ tὄataΝἶaΝὧtiἵaΝ

dialogicamente e aqui desejamos trataacute-la a partir da questatildeo do prazer partindo de uma

anaacutelise detalhada do Filebo Acerca disto ainda podemos ainda ressaltar que

Platatildeo fala da eacutetica dialogicamente como de qualquer outro tema mas ndash uma segunda possiacutevel chave de leitura ndash qualquer outro tema de que ele fala parece ter como eixo a eacutetica e ter com ela um envolvimento problemaacutetico a ser esclarecido caso a caso No entanto isso natildeo eacute o mesmo que diluir o tema moral em um magma indistinto em que tudo (e portanto nada) dos conteuacutedos dos diaacutelogos pode ser considerado eticamente interessante Todos os aspectos ndash ou seja cada aspecto ndash de uma problemaacutetica filosoacutefica eacutetica parecem ter sido analisados por Platatildeo natildeo sistematicamente mas sempre no diaacutelogo com uma urgecircncia radical da filosofia platocircnica (FERMANI 2015 p 14)

Podemos portanto afirmar a relevacircncia deste trabalho a partir do que anteriormente

jaacute dissemos Primeiramente porque o conflito eacutetico e psicoloacutegico aleacutem de ser uma

antiquiacutessima questatildeo filosoacutefica eacute um conflito que constitui a espeacutecie humana Deste modo a

50 15 A posiccedilatildeo adotada neste trabalho

anaacutelise de tal dilema (eacutetico-psicoloacutegico) eacute um exerciacutecio ainda pertinente a nossa investigaccedilatildeo

haja vista o papel extremamente relevante do prazer perante agrave constituiccedilatildeo da natureza

humana Ao analisar esta perspectiva mediante um autor da Antiguidade Grega Claacutessica

torna-se visiacutevel o quanto as questotildees claacutessicas podem ser retomadas tornando-se vivas e

inteligentes ou melhor dizendo como tais problemaacuteticas ainda permanecem desafiadoras agrave

investigaccedilatildeo filosoacutefica enquanto tal57

57 ἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝaiὀἶaΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝὄἷtὁmaὄmὁὅΝἏὀὀaὅΝ(1λλἁ)μΝldquoἓὀtatildeὁΝὁΝὃuἷΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝἵὁὀὅἷguiὄΝἵὁmΝo estudo da eacutetica antiga Antes de mais nada ganhariacuteamos o que se obteacutem de todo estudo histoacuterico vale dizer a aquisiccedilatildeo de uma sensibilidade em relaccedilatildeo agraves quais agora teremos mais consciecircncia compreendendo tambeacutem aquelas opccedilotildees que natildeo fazem mais parte do repertoacuterio das nossas atuais opccedilotildees de escolha Em segundo lugar verificaremos quanto a nossa condiccedilatildeo intelectual se aprofunda ὃuaὀἶὁΝlἷvaΝἵὁὀὅiἶἷὄaὦatildeὁΝὅuaὅΝὂὄὰὂὄiaὅΝὁὄigἷὀὅrdquoΝ(ὂέΝ1ί)έ

51 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

2 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

21 As complexidades estruturais e o problema da unidade

Antes de avanccedilarmos propriamente no estudo das linhas e temas que satildeo discutidos

por Platatildeo no Filebo conveacutem apresentarmos algumas das sinuosidades deste nosso percurso

interpretativo e o modo como a tradiccedilatildeo claacutessica tem lido essa obra visotildees que em sua

maioria como mostrarei detalhadamente no proacuteximo capiacutetulo discordo em alguns pontos

fundamentais No entanto por hora permanecemos ainda no exterior do diaacutelogo isto eacute o

texto a seguir pretende demonstrar algumas dessas visotildees claacutessicas para somente depois

disso no proacuteximo capiacutetulo apresentar visotildees mais recentes sobre a obra algumas das quais

compartilho no momento da anaacutelise do proacuteprio diaacutelogo quando nos atentaremos ao leacutexico

platocircnico e aos problemas filosoacuteficos fundamentais apresentados pelo proacuteprio autor

O Filebo ainda divide opiniotildees entre uma seacuterie de estudiosos Conforme jaacute

destacamos para muitos pesquisadores ele assemelha-se agrave conotaccedilatildeo atribuiacuteda por D

Frede a essa obra58 ἵὁmὁΝaΝldquo(έέέ)Νterra incognita ἶὁὅΝὂlatὁὀiὅtaὅrdquoΝ(ἀί1ἁΝὂέΝἃί1)έΝἑὁmὁΝὄἷὅὅaltaΝ

ἔὄἷἶἷΝ(ἀί1ἁ)ΝὁΝldquotἷὄὄἷὀὁΝὂaὀtaὀὁὅὁrdquoΝὁuΝὂurgatoacuterio (FREDE 1993 p 13) dos estudiosos da

ὁἴὄaΝὂlatὲὀiἵaΝὅἷὄiaΝὁΝldquolὁὀgὁΝὂὄἷfὠἵiὁΝmἷtafiacuteὅiἵὁ-ἶialὧtiἵὁrdquoΝὃuἷΝἶὠΝiὀiacuteἵiὁΝaὁΝtἷxtὁΝaὂὰὅΝὅἷὄἷmΝ

apresentadas as posiccedilotildees iniciais pelos interlocutores (uma em defesa do prazer e outra em

defesa da inteligecircncia)59 (p 501) Na visatildeo da tradutora alematilde este eacute um dos diaacutelogos entre

ὁὅΝἶitὁὅΝldquotaὄἶiὁὅrdquoΝἷΝmaiὅΝἶifiacuteἵἷiὅΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὂὁiὅΝaluἶἷmΝὡΝldquoἶὁutὄiὀaΝὂlatὲὀiἵaΝἶaΝvἷlhiἵἷrdquoΝmaὅΝ

natildeo a explicam suficientemente semelhantemente ao que poderia ser notado no Parmecircnides

no Teeteto e no Sofista (ἔἤἓἒἓΝἀί1ἁΝὂέΝἃί1)έΝἏΝldquoὀὁvaΝmἷtὁἶὁlὁgiardquoΝἷΝaΝldquoὀὁvaΝὁὀtὁlὁgiardquoΝ

que compotildeem o iniacutecio da argumentaccedilatildeo do diaacutelogo de fato assustam o leitor de Platatildeo ao

ser confrontado com termos em relaccedilatildeo a argumentaccedilatildeo ali desenvolvida (como

ldquoiὀἶἷtἷὄmiὀaἶὁrdquoΝldquoἶἷtἷὄmiὀaἶὁrdquo)ΝjamaiὅΝviὅtὁὅΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝὀaὅΝaὄgumἷὀtaὦὴἷὅΝὂlatὲὀiἵaὅΝ

precedentes

Podemos tambeacutem retomar a metaacutefora de Bury (1897) em seu comentaacuterio ao diaacutelogo

intitulado The Philebus of Plato Nos dizeres do estudioso no bosque dos diaacutelogos de Platatildeo

o Filebo se assemelharia a um carvalho assimeacutetrico retorcido repleto de ramos distorcidos

58 A teoacuterica alematilde eacute uma das mais claacutessicas tradutoras do Filebo ela escreve uma longa introduccedilatildeo a respeito dos temas tratados neste escrito em particular como tambeacutem diversas notas que compotildeem a obra Aleacutem do mais ela eacute autora de diversos artigos sobre o Filebo aos quais eu faccedilo a referecircncia no decorrer do trabalho 59 No decorrer do proacuteximo capiacutetulo sustento que natildeo haacute teses no iniacutecio do diaacutelogo mas sim discursos simeacutetricos Sobre isso falarei mais adiante basta ressaltar que essa eacute a visatildeo da tradutora em questatildeo

52 21 As complexidades estruturais e o problema da unidade

enquanto os outros diaacutelogos seriam belos ciprestes e pinheiros no bosque da Academia de

Platatildeo Isto porque o diaacutelogo segundo o teoacuterico apresenta uma seacuterie de dificuldades quanto

agraves expressotildees empregadas por seu autor como tambeacutem uma peculiaridade na sua forma

ἓmἴὁὄaΝὀἷὅtἷΝἶiὠlὁgὁΝὅἷguὀἶὁΝἐuὄyΝὂaὄἷὦaΝἷὅtaὄΝἵὁὀtiἶὁΝὁΝὀήἵlἷὁΝὁuΝὁΝldquoἵἷὀtὄὁΝὅaἶiὁrdquoΝἶaΝ

doutrina platocircnica (p 9)

Migliori (1998) prefere servir-se da metaacutefora platocircnica utilizada no proacuteprio diaacutelogo (29a)

em que Soacutecrates afirma ao deuteragonista do diaacutelogo (Protarco) estarem ambos envolvidos

em uma tempestade em alto mar (29a) Isto devido agrave tamanha dificuldade em que estatildeo

envoltos verificaacutevel a partir dos raciociacutenios que se seguem estando eles imersos muitas

vezes em imensas aporias Semelhantes dificuldades as quais nem o proacuteprio leitor estaacute livre

de enfrentar A imagἷmΝἵὄiaἶaΝὂἷlὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἢlatatildeὁΝἶὁΝldquomaὄΝὄἷvὁltὁrdquoΝiluὅtὄaΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝaὀὠlὁgaΝ

a proacutepria situaccedilatildeo do leitor frente ao conturbado diaacutelogo Contudo segundo ele eacute necessaacuterio

ao leitor compor a sinfonia que reuacutene em uma uacutenica obra o diaacutelogo (reductio ad unum) sair

ἷmΝἴuὅἵaΝἶaΝldquoἴήὅὅὁlardquoΝἵaὂaὐΝἶἷΝὁὄiἷὀtaὄΝὁὅΝldquoὀavἷgaὀtἷὅrdquoΝἵaὂaὐΝἶἷΝὁὄiἷὀtaὄΝὁΝlἷitὁὄΝἶiante do

mar revolto caracteriacutestico deste mesmo drama Ao iniciar um percurso interpretativo de um

drama platocircnico complexo como eacute o caso do Filebo seria necessaacuterio que o leitor operasse

em trecircs niacuteveis o literaacuterio (a especificidade da escrita platocircnica) o estrutural (os acircmbitos

teoacutericos em que se movem o diaacutelogo) e o filosoacutefico (a reflexatildeo sobre os conteuacutedos

apresentados) (MIGLIORI 1998 p 330-333)

Segundo Muniz (2007) durante seacuteculos os estudiosos desta obra platocircnica

lamentaram a perda de um suposto tratado de Galeno Sobre as transiccedilotildees do Filebo (π λ

θ θ Φδζ ί η αίΪ πθ) jaacute que se imaginava na antiguidade que poderiam descobrir um

mecanismo hermenecircutico nesse caso extratextual capaz de fornecer a salvaccedilatildeo aos

inteacuterpretes a tatildeo sonhada chave de leitura ateacute entatildeo natildeo encontrada pelos leitores do diaacutelogo

desde sua publicaccedilatildeo capaz de solucionar os problemas que o texto envolve como tambeacutem

explicar as bruscas transiccedilotildees presente nesse texto platocircnico O que demonstraria segundo

o teoacuterico uma profunda descrenccedila em qualquer soluccedilatildeo que pudesse ser encontrada no

proacuteprio texto (p 113)

Do mesmo modo essa descrenccedila pode ser notada na obra de Allen (1975) em sua

traduccedilatildeo e criacutetica ao comentaacuterio do renascentista Marsiacutelio Ficino ao Filebo no qual nos

apresenta uma carta do poliacutetico italiano Cossimo de Meacutedici (que teria encomendado uma

traduccedilatildeo desse diaacutelogo a Ficino) ao filoacutesofo italiano Nesta carta o governante de Florenccedila

descreve ter permanecido em seu leito junto com Lorenzo de Meacutedici ateacute a hora de sua morte

lendo o Filebo no seu entender uma obra sobre o supremo bem humano Ou seja trata-se

53 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

do uacuteltimo diaacutelogo lido pelo fundador da dinastia dos Meacutedici60 (p 6) Ironicamente Waterfield

(1982) em seu prefaacutecio introdutoacuterio agrave traduccedilatildeo da obra sublinha que talvez esse natildeo seria o

diaacutelogo que escolheriacuteamos para ler nos instantes finais de nossa existecircncia como teria feito

o poliacutetico italiano da linhagem dos Meacutedici

Benjamin Jowett jaacute em 1897 teria reconhecido a complexidade dos temas abordados

no diaacutelogo ao destacar a mudanccedila do estilo dramaacutetico platocircnico notada a partir deste escrito

Os elementos poeacuteticos e dramaacuteticos passam a ser subordinados ao elemento filosoacutefico Pois

satildeo evidentes na obra algumas deficiecircncias como certas passagens confusas e a falta de uma

estrutura clara completa segundo Jowett (p 521)

Diante do que jaacute foi dito nota-se o impacto da leitura do Filebo desde a antiguidade

ateacute agrave contemporaneidade seja no neoplatonismo (por exemplo no extenso Comentaacuterio de

Damaacutescio ao Filebo) como no periacuteodo da renascenccedila (no comentaacuterio de Ficiono) Nosso

diaacutelogo teve seus breves instantes de gloacuteria na Antiguidade e soacute depois de longos anos os

estudos sobre o Filebo foram retomados O diaacutelogo permaneceu esquecido durante seacuteculos

na tradiccedilatildeo interpretativa platocircnica e retorna agrave cena das discussotildees somente no seacuteculo XIX

sobretudo no seacuteculo XX Mas por quais motivos o diaacutelogo retorna ao debate filosoacutefico platocircnico

a partir do seacuteculo XX A seguir apresento alguns dos fatores primordiais

Umas das principais estudiosas da obra de Platatildeo a platonista francesa Monique

Dixsaut afirma que o Filebo eacute um diaacutelogo difiacutecil concordando com Rodier (1926 p 137-174)

dizendo aiὀἶaΝ ὃuἷΝ ldquo(έέέ)Ν aΝ ὁἴὄaΝ ἵὁmὂὁὄtaΝ ὁΝ iὀἵἷὄtὁΝ ὂὄivilὧgiὁΝ ἶἷΝ ἶἷtἷὄΝ ἷmΝ si todas as

ἵὁmὂlἷxiἶaἶἷὅΝὂὄὰὂὄiaὅΝὡΝlἷituὄaΝἶἷΝumΝἶiὠlὁgὁΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝ(ἀίί1ΝὂέΝἀἆἃ)έΝἓmΝὁutὄaΝὁἴὄaΝaΝ

mesma autora assegura que sem duacutevida ldquoὁΝὂὄiὀἵiὂalΝὁἴὅtὠἵulὁΝὡΝἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝἶὁΝFilebo eacute

ὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶἷΝὅuaΝuὀiἶaἶἷrdquoΝ(1λλλΝὂέΝ1ἀ)έΝἠὁΝἷὀtaὀtὁΝcomo veremos a proacutepria Dixsaut seraacute

uma das inteacuterpretes a demonstrar o caraacuteter equivocado desta suposta descrenccedila entre os

platocircnicos de que o Filebo possui deficiecircncias tanto estruturais (literaacuterias) de composiccedilatildeo

quanto nos conteuacutedos filosoacuteficos propondo uma leitura coerente e significativa sobre a obra

Para alguns estudiosos (os revisionistas) neste diaacutelogo Platatildeo apresentaria uma

revisatildeo de sua ontologia e de sua metodologia rompendo definitivamente com os Grandes

Gecircneros do Sofista com a hipoacutetese das Formas e principalmente com o meacutetodo dialeacutetico

Por outro lado o FileboΝ ἵὁmὁΝ ὄἷὅὅaltaΝ ἒixὅautΝ ὧΝ ὁΝ ldquotἷὄὄἷὀὁΝ ὂὄἷἶilἷtὁrdquoΝ ἶὁὅΝ ἵhamaἶὁὅΝ

ldquoἷὅὁtἷὄiὅtaὅrdquoΝἶaΝ filὁὅὁfiaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὂὁὄΝἵὁὀὅiἶἷὄaὄἷmΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝἵὁὀἵἷἴἷὄiaΝumaΝὄἷaliἶaἶἷΝ

dividida segundo dois princiacutepios fundamentais o Uno e a Diacuteade (DIXSAUT 1999 p 10)

60 ldquoἣuaὀἶὁΝἑὁὅὅimὁΝἶἷitὁuΝὀὁΝὅἷuΝlἷitὁΝἶἷΝmὁὄtἷΝὀὁΝfiὀalΝἶἷΝjulhὁΝὀὁὅΝiὀfὁὄmamὁὅΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶὁΝὂὄὰὂὄiὁΝFicino em uma carta a Lorenzo que Cossimo teria examinado o Filebo ὂὁὄΝήltimὁμΝlsquoἓὀtatildeὁΝἵὁmὁΝvὁἵecircΝsabe desde que vocecirc mesmo esteve laacute ele morreu natildeo muito depois de termos examinado os diaacutelogos de Platatildeo um sobre o princiacutepio das coisas (o Parmecircnides) e um sobre o Supremo Bem (o Filebo) (ALLEN 1975 p 6-7)

54 21 As complexidades estruturais e o problema da unidade

Neste caso conforme destaca a autora torna-se imprescindiacutevel ao leitor de Platatildeo a

compreensatildeo clara da primeira parte do diaacutelogo e sua relaccedilatildeo com o restante do texto ou

seja compreender como os temas ontoloacutegicos satildeo uacuteteis e fundamentais para a compreensatildeo

dos temas eacuteticos presentes na obra61

Segundo as consideraccedilotildees de Muniz (2007) o Filebo eacute um diaacutelogo de inuacutemeras

ldquotὄaὀὅiὦὴἷὅrdquoέΝἏΝ fimΝἶἷΝὅἷΝἷxὂliἵaὄἷmΝaὅΝἵὁmὂlἷxiἶaἶἷὅΝἶialὰgiἵaὅΝὂὄἷὅἷὀtἷὅΝὀaΝὁἴὄaΝ bem

como as dificuldades em relaccedilatildeo aos conteuacutedos filosoacuteficos a obra da maturidade platocircnica

tem sido interpretada de diferentes modos Um deles consiste em analisar apenas algum

aspecto que pareccedila mais relevante no texto platocircnico como o prazer Atente-se neste caso agrave

intepretaccedilatildeo revisionista (p 113) Em busca de um recurso hermenecircutico possiacutevel muitos

tendem a recorrer aos aspectos externos da obra sem contudo analisaacute-la a partir de sua

complexidade interna (como eacute o caso dos esoteristas)

Aleacutem disso o Filebo destaca-se no cenaacuterio filosoacutefico devido agrave complexidade de sua

abordagem do prazer visto por alguns teoacutericos anglo-saxotildees como a primeira abordagem do

ὂὄaὐἷὄΝ ἵὁmὁΝ ldquoatituἶἷΝ ὂὄὁὂὁὅiἵiὁὀalrdquoέΝ ἧmaΝ viὅatildeὁΝ ὃuἷΝ ἵὁmὁΝ vἷὄἷmὁὅΝ ἶἷmὁὀὅtὄa-se

extremamente complicada desprendendo-se em grande parte da letra do texto

Diante das complexidades que o texto apresenta de acordo com Muniz (2012)

podemos (resumidamente) destacar as trecircs principais tendecircncias interpretativas

contemporacircneas que surgem no seacuteculo XX e fizeram com que o diaacutelogo voltasse a ser

estudado (i) uma anaacutelise dos prazeres falsos em grande medida desenvolvida por Gilbert

Ryle (1950) (The Concept of Mind) filoacutesofo da mente da contemporaneidade e defensor de

uma leitura particular do Filebo (amplamente polecircmica) (ii) a emergecircncia da interpretaccedilatildeo da

ἵhamaἶaΝ ldquolἷituὄaΝἷὅὁtἷὄiὅtaΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝἴaὅἷaἶaΝ fuὀἶamἷὀtalmἷὀtἷΝὀaΝἵhamaἶaΝ ldquotὄaἶiὦatildeὁΝ

iὀἶiὄἷtardquoΝ amὂlamἷὀtἷΝ ἵalἵaἶaΝ ὀὁΝ tἷὅtἷmuὀhὁΝ aὄiὅtὁtὧliἵὁΝ ἶaΝ filὁὅὁfiaΝ ὂlatὲὀiἵaΝ

(particularmente aqueles contidos na Metafiacutesica) desenvolvida (contemporaneamente) pela

61 Um diaacutelogo que eacute tido por muitos como um diaacutelogo repleto de muacuteltiplas correccedilotildees a respeito do qual nem sequer se possui um acordo a respeito do assunto do qual se trata (uma questatildeo debatida desde a Antiguidade) o FilἷἴὁΝὧΝὁΝtἷὄὄἷὀὁΝἷlἷitὁΝἶὁὅΝὂὄὁὂὁὀἷὀtἷὅΝἶἷΝumaΝldquoὀὁvaΝὁὀtὁlὁgiardquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἷΝἶὁὅΝpartidaacuterios das doutrinas natildeo-escritas Para Crombie por exemplo uma das dificuldades do diaacutelogo ὅἷὄiaΝὃuἷΝldquoἢlatatildeὁΝiὀtὄὁἶuὐΝὄaὂiἶamἷὀtἷΝἷΝἶἷὅἷὀvὁlvἷΝalgumaὅΝὀὁὦὴἷὅΝὃuἷΝὂὁἶἷratildeo ser compreendidas somente agrave luz de suas preocupaccedilotildees uacuteltimas e que noacutes somente conhecemos por Aristoacuteteles Rompendo definitivamente natildeo somente com a hipoacutetese das Formas mas tambeacutem com os grandes gecircneros do Sofista Platatildeo operaria neste diaacutelogo uma revisatildeo draacutestica de sua ontologia como tambeacutem de seu meacutetodo isto eacute da dialeacutetica De acordo com os partidaacuterios das doutrinas natildeo-escritas ὃuἷΝtecircmΝaΝἶiviὀaΝὅuὄὂὄἷὅaΝἶἷΝiὀfἷὄiὄΝaΝὂaὄtiὄΝἶὁὅΝldquoἷὅἵὄitὁὅrdquoΝὁὅΝἶὁiὅΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁὅΝὃuἷΝὀaΝviὅatildeὁΝἶἷlἷὅΝὅatildeὁΝaΝmocircnada e a diacuteade indefinida acreditam tambeacutem exprimir claramente a existecircncia das realidades matemaacuteticas intermediaacuterias o que natildeo se trataria propriamente de uma evoluccedilatildeo mas do surgimento de uma doutrina esoteacuterica ateacute entatildeo reservada a alguns Em outra perspectiva a mistura dos elementos que constituem a vida boa ndash prazer e conhecimento ndash seria apenas um pretexto capaz de permitir a Platatildeo expor os seus novos princiacutepios metodoloacutegicos ou seus novos princiacutepios ocultos (DIXSAUT 2001 p 286-287)

55 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

vertente interpretativa que se denomina como a Escola de Tuumlbingen-Milatildeo62 ndash a qual a partir

deacutecada de 60 trouxe agrave tona a discussatildeo sobre os conteuacutedos do diaacutelogo no acircmbito do

platonismo (iii) o suposto debate surgido no platonismo acerca de uma suposta revisatildeo da

teoria platocircnica presente nos uacuteltimos diaacutelogos desde a criacutetica e consequente rejeiccedilatildeo de

Platatildeo agrave hipoacutetese das formas a partir do Parmecircnides Como o Filebo geralmente eacute colocado

entre os uacuteltimos diaacutelogos de Platatildeo essa obra tornou-se o centro das atenccedilotildees dos chamados

ldquoὄἷviὅiὁὀiὅtaὅrdquoΝ (εἧἠIZΝ ἀί1ἀΝ ὂέΝ ἆ)νΝ (iv)Ν ἷΝ ὂὁὄΝ ήltimὁΝ tἷmὁὅΝ aὅΝ ὄἷaὦὴἷὅΝ aΝ ἷὅὅaὅΝ viὅὴἷὅΝ

interpretativas que introduziram um amplo debate tambeacutem criando uma seacuterie de

interpretaccedilatildeoes ortodoxas ou natildeo aos principais problemas levantados nesse diaacutelogo

platocircnico

Como ressalta Rachid (2012) nesta visatildeo tipicamente redutiva do platonismo (no caso

da leitura esoterista) que busca referecircncias externas para explicar os conteuacutedos apresentados

pelos diaacutelogos esmaecem-se os conteuacutedos eacutetico-poliacuteticos da filosofia de Platatildeo como

tambeacutem os toacutepicos essenciais da dialeacutetica No entanto o Filebo apresenta uma variedade de

conteuacutedos extremamente relevantes agrave definiccedilatildeo da vida mista (entre prazer e conhecimento)

por sinal essencialmente humana Figuram neste diaacutelogo como temas relevantes (i) a criacutetica

agrave eriacutestica (ii) a invectiva das paixotildees deleteacuterias (iii) a criacutetica agrave maacute escrita (iv) a afirmaccedilatildeo que

a gecircnese do esquecimento eacute a fuga da memoacuteria (v) a reminiscecircncia e (vi) a analogia entre as

ciecircncias musicais a gramaacutetica e a dialeacutetica (p 4-5) A interpretaccedilatildeo de um Platatildeo aacutegrafo

neste sentido segundo o autor parece reduzir os conteuacutedos culturais tais como a heranccedila

miacutetico-poliacutetico na elaboraccedilatildeo dos diaacutelogos e o papel do filoacutesofo na elaboraccedilatildeo dos discursos

(loacutegoi mas por hora nos basta a criacutetica a esse tipo de leitura ndash voltaremos a ela quando for

necessaacuterio em nossa anaacutelise do diaacutelogo) Conveacutem ao menos destacar que

() se lecircssemos Platatildeo por um sistema apriorista de princiacutepios em torno do um considerado princiacutepio formal e da diacuteada indefinida do grande e do

62 De acordo com Xavier (2005) nota-se que a proposta da Escola de Tuumlbingen-Milatildeo consiste em dar ecircnfase no caraacuteter oral da filosofia de Platatildeo dito em outras palavras a incompreensibilidade manifesta pelo texto platocircnico escrito soacute encontra uma completude interpretativa mediante o Platatildeo natildeo escrito isto eacute por via da tradiccedilatildeo indiretaμΝldquoἤἷὅgataὄΝaΝἶὁutὄiὀaΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὄἷὅἷὄvaἶaΝὡΝὁὄaliἶaἶἷΝὧΝmister para a edificaccedilatildeo estrutural do novo paradigma hermenecircutico uma vez que sem ela natildeo temos o que filoacutesofo chamou ndash ele proacuteprio ndash de o mais importante Ora o melhor lugar para se encontrar tal doutrina eacute certamente nos textos de caraacuteter doxograacutefico escritos por disciacutepulos diretos eou indiretos de Platatildeo e por filoacutesofos posteriores a ele que de alguma forma tiveram acesso ao conteuacutedo das liccedilotildees doutrinais ἶἷΝὀὁὅὅὁΝfilὰὅὁfὁrdquoΝ(ὂέΝ1ἃἀ)έΝἓὅὅἷΝὂaὄaἶigmaΝἶἷΝlἷituὄaΝὧΝἶἷfἷὀἶiἶὁΝὂὁὄΝiὀήmἷὄὁὅΝἷὅtuἶiὁὅὁὅΝἷmΝὅuaΝmaioria de origem alematilde e italiana mas devem sua fundamentaccedilatildeo metodoloacutegica riacutegida na contemporaneidade a Giovanni Reale (2004 p 24) Este uacuteltimo eacute quem apresenta uma releitura dos diaacutelogos de Platatildeo agrave luz de uma doutrina natildeo-escrita que ultrapassa o contexto da escrita e recorre a tradiccedilatildeo indireta de nosso filoacutesofo a fim de eliminarem as insuficiecircncias dos paradigmas tradicionais de leitura do texto platocircnico

56 21 As complexidades estruturais e o problema da unidade

pequeno considerada princiacutepio material correlatos ao limite e ao ilimitado reconheceriacuteamos iniludivelmente nele antinomias e lacunas (RACHID 2012 p 5)

ἡὅΝlἷitὁὄἷὅΝἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶitὁὅΝldquoἵὁὀvἷὀἵiὁὀaiὅrdquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὀὁὅΝὃuaiὅΝumaΝἷὅtὄutuὄaΝumaΝ

ordem pode ser facilmente identificaacutevel eacute bem possiacutevel que natildeo se sintam familiarizados com

algumaὅΝὁἴὄaὅΝἶitaὅΝldquoaὀὲmalaὅrdquo como eacute o caso do Filebo a ponto de sugerirem as soluccedilotildees

mais bizarras para explicarem as transiccedilotildees e complexidades presentes no supracitado

diaacutelogo Diante de tal dificuldade talvez uma primeira opccedilatildeo seja uma leitura raacutepida e

superficial ou a busca por referecircncias e significados externos que natildeo aquelas provenientes

da leitura do proacuteprio texto Natildeo podemos atribuir a Soacutecrates certa desatenccedilatildeo ao denominado

ldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝ ἶaΝ ὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝ ὀἷmΝ mἷὅmὁΝ aΝ ἢlatatildeὁΝ ὃuἷΝ tὄaὀὅmitἷΝ ὀaΝ falaΝ ἶὁὅΝ iὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝ

(Protarco e Filebo 19a) a necessidade de atenccedilatildeo a esse princiacutepio Conveacutem informar para a

insatisfaccedilatildeo dos comentadores que natildeo seriam eles os primeiros a criticarem o

desenvolvimento aparentemente confuso desse iniacutecio de diaacutelogo mas esse aspecto eacute

questionado pelos proacuteprios interlocutores de Soacutecrates e o condutor natildeo se encontra atento a

essa demanda (Cf 18a1-2 18d6 19a1)

Talvez seria o caso de crer que essa transgressatildeo tem um propoacutesito impliacutecito de tal

modo que essa suposta anomalia dilui-se agrave medida que tomamos a relaccedilatildeo entre forma e

conteuacutedo caracteriacutestica da atividade literaacuterio-platocircnica ou seja quando buscamos considerar

o objetivo em particular dessa discussatildeo dialeacutetica ou seja os temas que satildeo tratados

analisados discutidos em relaccedilatildeo agrave forma de exposiccedilatildeo adequada para tal exposiccedilatildeo Como

Platatildeo geralmente se preocupa em apresentar com maestria o seu os temas caros agrave sua

filosofia ndash e o Filebo particularmente trata de uma refinada questatildeo natildeo soacute para Platatildeo mas

para os gregos em geral que encontram-se muito aleacutem de um debate escoliasta ndash utilizando-

se de inuacutemeros recursos literaacuterios dos quais dispotildeem para a composiccedilatildeo de seus diaacutelogos o

que se exige eacute no miacutenimo um esforccedilo por parte de seu leitor em reconhecer a particularidade

desta composiccedilatildeo e a profundidade por traacutes de uma suposta transgressatildeo logograacutefica aqui

encontrada63

Tendo ressaltado que grande parte das leituras que surgem no seacuteculo XX do diaacutelogo

ao demostrarem dificuldade em relaccedilatildeo aos problemas com um todo levantados pelo diaacutelogo

e principalmente ao problema principal da unidade natildeo soacute para fora do proacuteprio texto

dialoacutegico caso recorrente nas interpretaccedilotildees claacutessicas do Filebo eacute ateacute mais tentador supor

que o diaacutelogo eacute incompleto ou que nos remete agrave conteuacutedos extra-dialoacutegicos agrave doutrinas orais

reservadas ou que o diaacutelogo diz respeito a um problema em debate na eacutepoca dentre outros

63 Compartilho aqui das consideraccedilotildees feitas por Muniz (2007) ao tratar do problema das transiccedilotildees do Filebo relacionadas ao problema principal desse diaacutelogo a saber a unidade (Cf MUNIZ 2007 p 113-124)

57 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

como jὠΝaὂὁὀtamὁὅΝaΝfimΝἶἷΝὅuὂἷὄaὄἷmΝaὅΝὅuὂὁὅtaὅΝldquoaὀὁmaliaὅrdquoΝἶἷΝἶἷtἷὄmiὀaἶὁΝἷὅἵὄitὁΝἷΝ

superarem as incompreensotildees manifestas por meio de uma leitura parcial ou mesmo

surpreendentemente inventiva sem se atentarem ao sentido profundo da discussatildeo

apresentada64 Se a intenccedilatildeo de Platatildeo se presta a determinados objetivos seja o da

perplexidade (19a) que Protarco deseja que natildeo seja o objetivo primordial da discussatildeo ali

travada e que por sinal prefigura a inventiva contemporacircnea de nossos inteacuterpretes (a nova

ontologia os dois princiacutepios) podemos formular a seguinte questatildeo auxiliados por Dixsaut

(2011)

Se este eacute o caso e se toda a primeira parte do diaacutelogo (ateacute 31b) natildeo se explica por meio de tais obsessotildees do Platatildeo da velhice ou o afloramento de uma doutrina dos princiacutepios ateacute entatildeo mantida em segredo soacute podemos estar ἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝἔilἷἴὁΝaὁΝὃuἷὅtiὁὀaὄμΝldquoὁΝὃuἷΝiὅὅὁΝagὁὄaΝtἷmΝaΝvἷὄΝἵὁmΝὀὁὅὅaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁςrdquoΝ(1ἆa)Ν(ὂέΝἀἆἅ)έ

Contudo pretendo dedicar um tempo maior a essas anaacutelises e os equiacutevocos a meu ver nos

quais elas ocorrem Voltemos entatildeo ao diaacutelogo didaticamente eacute possiacutevel propor uma

organizaccedilatildeo do diaacutelogo digo apenas didaticamente porque estes temas encontram-se

interligados segundo creio Quanto agrave divisatildeo dos temas ou o modo como o diaacutelogo eacute

organizado de uma maneira geral natildeo satildeo habitualmente notadas diferenccedilas muito

contrastantes entre os estudiosos adoto aqui essa mesma forma geneacuterica (habitual) utilizada

para dividir os momentos que compotildeem a obra Geralmente se reconhece que o Filebo pode

ser divido (didaticamente) da seguinte maneira (i) Proacutelogo (11a-14b) aqui seratildeo

apresentados os discursos e posteriormente a tese (prazer versus inteligecircncia) e a busca pelo

bem ou pela Vida boa (ii) Metodologia adotada a questatildeo do Um e do Muacuteltiplo e as questotildees

sobre a dialeacutetica (14b-22b) (iii) A ontologia (divisatildeo) dos quatro gecircneros (22c-31b) (iv) a

anaacutelise e classificaccedilatildeo dos prazeres a distinccedilatildeo entre prazeres falsos e prazeres verdadeiros

(31b-55c) (v) Anaacutelise e classificaccedilatildeo dos conhecimentos (55c-59c) (vi) Revisatildeo das teorias

precedentes (vida boa) e hierarquia final dos bens (59c-61c)65

22 O tema central um dissenso

O Filebo desde a Antiguidade Claacutessica tem sido agrupado entre os diaacutelogos eacuteticos

iὀtitulaἶὁΝ tamἴὧmΝἵὁmὁΝ ldquoἥὁἴὄἷΝὁΝὂὄaὐἷὄrdquoέΝἢὁὄὧmΝὁΝ tἷmaΝὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝἵἷὀtὄalΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝ

ainda persiste como um dissenso entre os estudiosos e tradutores da obra em questatildeo

Poderiacuteamos alegar que se trata do prazer podemos usar em sua defesa o fato deste ser

64 Pretendo no decorrer do trabalho evidenciar ainda mais esse assunto 65 Utilizo a divisatildeo da traduccedilatildeo de Muniz (2012 p 11-19) como referecircncia para a divisatildeo do proacuteximo capiacutetulo em que procurarei abordar o texto platocircnico

58 22 O tema central um dissenso

protagonista do diaacutelogo sendo um total de 1205 linhas dedicas a ele No entanto o drama

em questatildeo ainda apresenta conteuacutedos extremamente relevantes para a discussatildeo da

filosofia platocircnica como a intricada relaccedilatildeo entre o uno e o muacuteltiplo e a tarefa do dialeacutetico a

classificaccedilatildeo dos prazeres e conhecimentos e principalmente o problema central em torno

ἶaΝ ἶἷfiὀiὦatildeὁΝ ἶὁΝ valὁὄΝ (ἴἷm)Ν ἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵὁΝ ἶaΝ ldquoviἶaΝ ἴὁardquoΝ ὃuἷΝ ὅἷmΝ ἶήviἶaὅΝ iὀὅἷὄἷ-se na

intriacutenseca relaccedilatildeo entre a proacutepria dialeacutetica e a potecircncia do bem As importantes questotildees do

pensamento platocircnico parecem aqui ressurgirem para finalmente demonstrarem sua total

forccedila como jamais vistas no decorrer dos diaacutelogos Entretanto como relacionar toda a

complexa e profunda teoria (ontoloacutegicaepistemoloacutegica) vista anteriormente em um diaacutelogo

que tem como mote o proacuteprio prazer um tema agrave primeira vista relacionado agraves questotildees

profundamente eacuteticas Como resume Gazolla

O maior problema com o qual nos defrontamos foi o de relacionar essa ontologia de maturidade mais voltada ao conhecimento das ideias e de sua geraccedilatildeo com as reflexotildees sobre as accedilotildees humanas ditas virtuosas a partir da noccedilatildeo de prazer elaboradas por Platatildeo principalmente no Filebo Tal relaccedilatildeo eacute colocada claramente no iniacutecio desse diaacutelogo quando Soacutecrates propotildee alcanccedilar a verdade naquilo que concerne a assegurar aos homens a vida feliz (1993 p 160-161)

A visatildeo sobre o diaacutelogo predominante tanto na Antiguidade como no neoplatonismo e

na Renascenccedila fundamenta-se na defesa do Bem Supremo como tema fundamental da obra

identificaacutevel a partir do comentaacuterio feito pelo neoplatocircnico Damascius ao diaacutelogo O filoacutesofo

destaca que jaacute na Antiguidade inuacutemeras satildeo as divergecircncias a respeito da temaacutetica central

em torno do diaacutelogo Para Trasilo a questatildeo central do diaacutelogo era o prazer jaacute para Psitheus

(disciacutepulo de Theodoro de Asine) a inteligecircncia Jacircmblico Syrianus e Proclo acreditavam se

tratar da causa final do universo imanente a todas as coisas Proclo por sua vez afirmava ser

essa causa o Bem (misto de prazer e inteligecircncia) para todos seres animados66 Na

contemporaneidade contudo a situaccedilatildeo natildeo foi durante muito tempo diferente O debate

acerca do escopo do diaacutelogo como se pode notar remete agrave Antiguidade e mesmo na

atualidade natildeo haacute um caminho para um consenso pelo menos para a maioria dos estudiosos

passou tambeacutem por um longo periacuteodo de discussatildeo

Embora natildeo seja um consenso na contemporaneidade natildeo encontramos muitas

divergecircncias acerca do problema central que envolve a obra Tomemos como primeiro caso

ὁΝἷxἷmὂlὁΝἶἷΝἑὄὁmἴiἷΝ(1λἄἀ)ΝὃuaὀἶὁΝafiὄmaΝὃuἷμΝldquoseu tema (o do Filebo) eacute o status relativo

66 (Cf Dam 1-6) O comentaacuterio de Damaacutescio eacute o uacutenico comentaacuterio neoplatocircnico desse diaacutelogo que chegou ateacute noacutes dentre os comentaacuterios antigos dentre esses perdidos estaria o de Proclo Fato notado a partir das vaacuterias referecircncias de Damaacutescio agraves abordagens dos neoplatocircnicos contemporacircneos a ele presentes no escrito daquele neoplatocircnico (Cf VAN RIEL 2008 p 2)

59 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

ἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἷΝἶὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἷmΝumaΝviἶaΝἴὁardquoΝ(ὂέΝἀἄἃ)έΝἒitὁΝἶἷΝὁutὄὁΝmὁἶὁΝἵὁmὁΝafiὄmaΝaΝ

proacutepria autora Platatildeo faz o caminho inverso neste diaacutelogo ao inveacutes de conjecturar a respeito

do bem universal como fez na Repuacuteblica agora seria mais conveniente questionar o bem na

vida humana e ainda acrescenta

() E de fato o Filebo natildeo estuda empiricamente a boa vida pois ele mesmo [ἥὰἵὄatἷὅ]Ν ἶiὐμΝ ldquoaΝ ἴὁaΝ viἶaΝὧΝ aΝ viἶaΝ miὅtaνΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὧΝ ὃuἷΝ faὐΝ ἵὁmΝ ὃuἷΝ umaΝmiὅtuὄaΝὃualὃuἷὄΝὂὁὅὅaΝὅἷὄΝὅatiὅfatὰὄiaςrdquoΝἡΝἐἷmΝuὀivἷrsal eacute pois ao fim e ao cabo a chave para saber qual eacute o bem no homem tambeacutem no Filebo Realmente no Filebo Soacutecrates estaacute fazendo em certa medida o que tanto lhe assustava na Repuacuteblica dizer algo acerca da natureza do bem universal (CROMBIE 1962 p 281-282)

A interpretaccedilatildeo de Crombie natildeo tem sido a mais aceita pela maioria dos estudiosos

Parece evidente a partir de um exame acurado de seu posicionamento que a posiccedilatildeo da

autora recorre a justificaccedilotildees externas sob o propoacutesito de clarificar o intuito platocircnico no Filebo

Na visatildeo da inteacuterprete o diaacutelogo reflete algumas noccedilotildees muito pouco desenvolvidas ou

apresentadas rapidamente por nosso autor e somente por intermeacutedio de Aristoacuteteles segundo

Crombie seria possiacutevel compreendermos os objetivos platocircnicos desse diaacutelogo como uma

obra em que ficam evidentes os conteuacutedos finais da filosofia de Platatildeo Em busca de um fim

vaacutelido para a natureza humana Platatildeo estaria desenvolvendo uma espeacutecie de anaacutelise das

afecccedilotildees em busca de uma definiccedilatildeo essencial neste caso a do bem Seriam niacutetidas neste

diaacutelogo as revisotildees ontoloacutegicas e dialeacuteticas feitas por Platatildeo na obra em questatildeo (CROMBIE

1963 p 361)

Friedlaumlnder em seu Platone (1975 2004) reconhece que o tratamento do prazer e da

inteligecircncia como candidatos ao bem supremo satildeo apenas pretextos platocircnicos para a

abordagem de assuntos ainda mais complexos Na perspectiva do autor o tema do prazer e

da moral satildeo secundaacuterios diante das questotildees referentes agrave dialeacutetica e agrave ontologia que satildeo

apresentadas naquele contexto Como se nota a partir do que diz tal autor

O caso do Filebo no entanto eacute diferente porque no diaacutelogo satildeo grandes as seccedilotildees que tratam da dialeacutetica e da ontologia e elas natildeo tecircm nada a ver com o prazer e com a eacutetica ao menos em um modo direto O diaacutelogo eacute a descriccedilatildeo de uma disputa dramaacutetica entre prazer e conhecimento no curso da qual vem agrave luz qual um terceiro estado aleacutem desses Os defensores do princiacutepio do prazer satildeo Filebo e Protarco Soacutecrates representa o conhecimento Natildeo eacute necessaacuterio acrescentar que Soacutecrates defende a proacutepria tese de uma maneira totalmente diversa em relaccedilatildeo agravequela sustentada pelos dois jovens A diferenccedila eacute imediatamente clara quando Soacutecrates considera possiacutevel ou melhor antecipa (11d11) o fato que uma terceira via possa ser a melhor (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1043)

60 22 O tema central um dissenso

Apoiado nas concepccedilotildees de Schleiermacher o filoacutelogo alematildeo reconhece que o tema

do bem supera as teses iniciais propostas por Soacutecrates e seus interlocutores no iniacutecio da obra

Por isso a questatildeo inicial do diaacutelogo (hedonismo versus anti-hedonismo) natildeo pode ser a

uacutenica nem ao menos a principal A ecircnfase de Soacutecrates recai sobre a defesa natildeo de sua tese

ἶἷΝldquoὅuaΝiὀtἷligecircὀἵiardquoΝmaὅΝἶἷΝumaΝὅaἴἷἶὁὄiaΝ(aΝἶὁὅΝldquoἵὁὀhἷἵimἷὀtὁὅΝὅuὂὄἷmὁὅrdquo)ΝὃuἷΝἷὅtὠΝmaiὅΝ

proacutexima da perfeiccedilatildeo (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1044) ldquoἏὅὅimΝ ἶitὁΝ iὅtὁΝ ὁΝ Filebo natildeo eacute

lsquoἶἷὅὂὄὁviἶὁΝἶἷΝatὄativὁὅΝaὄtiacuteὅtiἵὁὅrsquoΝἷΝὂὄὁvavἷlmἷὀtἷΝὀἷmΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝlsquofaἵilmἷὀtἷΝiἶἷὀtifiἵaἶὁΝἵὁmΝ

umΝtὄatamἷὀtὁΝmἷtὁἶὁlὰgiἵὁrsquoΝἵὁmὁΝmuitὁὅΝὂaὄἷἵἷmΝἵὄἷὄέΝἡΝἶiὠlὁgὁΝἶἷvἷΝὅἷὄΝviὅtὁΝἵὁmὁ um

ὅἷgmἷὀtὁΝἷxtὄaὂὁlaἶὁΝἶἷΝumΝἵὁὀtἷxtὁΝmaiὅΝamὂlὁrdquo (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1045)

Contrariamente a esta posiccedilatildeo a mais comumente defendida eacute que o escopo central

ἶὁΝἶiὠlὁgὁΝὧΝaΝldquoviἶaΝἴὁardquo o tema central do diaacutelogo Neste sentido as anaacutelises desenvolvidas

no decorrer da argumentaccedilatildeo socraacutetica visam a definiccedilatildeo do bem enquanto paracircmetro

essencial para a composiccedilatildeo da vida boa Ou melhor o propoacutesito platocircnico com esta obra diz

respeito agrave definiccedilatildeo de uma espeacutecie de vida (neste caso aquela mista entre prazeres e

conhecimentos) possiacutevel aos homens a melhor vida capaz de garantir a felicidade a todos os

seres Ou seja em que medida os prazeres e conhecimentos podem ser tidos como bens

uacuteteis a serem incorporados agrave mistura da vida boa capaz de garantir aos homens a felicidade

(TAYLOR 1952 p 408)67 Comungam desta visatildeo Diegraves (2002 p 53) Bravo (2009 p 411)68

Frede (1993 p 13) Hackforth (1945 p 12) Gosling (1975 p 9) Hampton (1990 p 1)

Delcomminette (2006 p 15-16) Davidson (1990 p 14) dentre outros

No entanto podemos destacar ainda trecircs posiccedilotildees muito particulares a respeito do

diaacutelogo as de Guthrie (1978) Gadamer (1983) e Van Riel (1999 2008) Talvez seria melhor

que as consideraacutessἷmὁὅΝἵὁmὁΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiaὅrdquoέΝἕuthὄiἷΝἵὁὀὅiἶἷὄaΝὃuἷΝὁΝtἷmaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝ

superado no Filebo os problemas concernentes ao hedonismo e ao anti-hedonismo natildeo satildeo

o alvo da discussatildeo platocircnica neste periacuteodo final Estas questotildees jaacute teriam sido abordadas

em outros diaacutelogos como no Goacutergias e na Repuacuteblica isto eacute o prazer e o bem jaacute foram tratados

nos respectivos diaacutelogos Neste diaacutelogo tardio a tarefa de Platatildeo eacute desenvolver a criacutetica

acerca da relevacircncia destes temas (prazer e bem) na constituiccedilatildeo da vida mista e demonstrar

quais deles participam desta mistura (1978 p 202)

A leitura de Guthrie do Filebo ressalta tambeacutem o criteacuterio cosmoloacutegico do Filebo

justamente porque neste diaacutelogo Soacutecrates admite a existecircncia de uma inteligecircncia divina

(θκ μ) que governaria o cosmos (28c-e 30a-d) Assim afirma o teoacuterico

67 Esta tem sido a intepretaccedilatildeo corrente mais aceita entre os comentadores e estudiosos da obra 68 ldquoἡΝtἷmaΝfuὀἶamἷὀtalΝἶὁΝFilebo natildeo eacute o prazer como daacute a entender o subtiacutetulo tradicional mas a vida ἴὁaΝὁuΝmaiὅΝὂὄἷἵiὅamἷὀtἷΝὁΝἴἷmΝὅuὂὄἷmὁΝἶὁΝhὁmἷmrdquoΝ(ἐἤἏVἡΝἀίίλΝὂέΝἂ11)έ

61 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

O Filebo eacute uma excelente ilustraccedilatildeo do talento de Platatildeo em combinar a eacutetica e a metafiacutesica o humano e o coacutesmico A totalidade do real esta eacute sua competecircncia pois ele natildeo estaacute disposto a separar nenhuma de suas partes porque essas satildeo partes de um todo orgacircnico A alma do homem eacute um fragmento da alma universal (30a) e a ordem eacute a mesma nas almas individuais nas cidades-estados e no universo em geral O Filebo trata do indiviacuteduo o Poliacutetico do Estado e o Timeu do universo em geral mas todos igualmente em seus cenaacuterios satildeo retratados como partes integrantes de uma ordem coacutesmica (1978 p 203)69

Gadamer vai ainda mais aleacutem ao considerar que o Filebo natildeo consiste unicamente em

definir o que seja a vida feliz que tipo de vida feliz eacute essa e o modo pelo qual os homens

poderatildeo alcanccedilaacute-la Para tal Gadamer procura compreender esse caminho em busca do bem

a partir da concepccedilatildeo defendida por Soacutecrates no diaacutelogo aquela propriamente de que o bem

eacute almejaἶὁΝὂὁὄΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὅἷὄἷὅέΝΝἏΝἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝἶἷὅὅaΝldquoὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝmaiὁὄrdquoΝὧΝὁΝὃuἷΝἶἷfiὀἷΝaΝ

essecircncia humana ou seja o modo como deve agir os homens que estatildeo em prol da felicidade

(GADAMER 1983 p 163) Em um segundo plano Soacutecrates assegura que esse

conhecimento acerca do papel das afecccedilotildees humanas soacute eacute possiacutevel pelo entendimento pela

memoacuteria (ηθ ηβθ) (Cf 35c) Somente o homem ndash e este parece ser o traccedilo distintivo da

natureza humana ndash eacute capaz de avaliar os seus prazeres de julgaacute-los diferentemente dos

animais que apenas tecircm sensaccedilotildees sem poderem assim significaacute-las ou mesmo

ressignificaacute-las (1983 p 163-164)

Contudo ainda eacute dada ao homem a possibilidade de poder distinguir entre sabedoria

e prazer entre ser um simples ser de afetos ou a capacidade de guiar suas accedilotildees

(sabiamente) a fim de que possa obter a felicidade Entretanto quando comparada agrave

inteligecircncia divina (θκ μ) em termos qualitativos sua inteligecircncia eacute imperfeita sua auto

compreensatildeo eacute limitada sua inteligecircncia eacute potencial possiacutevel de se desenvolver em relaccedilatildeo

a capacidade de refletir acerca de um referencial para suas accedilotildees (GADAMER 1983 p 164)

ἕaἶamἷὄΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷΝὃuἷΝaΝvἷὄἶaἶἷΝaἵἷὄἵaΝἶaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝhumaὀaΝὧΝumaΝὃuἷὅtatildeὁΝ

dialeacutetica se daacute mediante as possibilidades e contradiccedilotildees que surgem a partir dos discursos

dos loacutegoi Tais discursos visam uma medida um padratildeo capaz de conciliar tais contradiccedilotildees

Em certo sentido uma busca pela verdade poreacutem dialeacutetica que admite a natureza faacutetica da

vida humana Por conseguinte nenhuma posiccedilatildeo dogmaacutetica pode ser aceita no Filebo (1983

p 164-165)

Para finalizar segundo o estudioso alematildeo a discussatildeo empreendida por Platatildeo no

diaacutelogo tem por objetivo a questatildeo do Bem contudo

69 Na contemporaneidade a interpretaccedilatildeo de Carone (2008 p 123-186) se assemelha a de Guthrie justamente por compreender a eacutetica por meio de perspectivas cosmoloacutegicas Ainda retornaremos agraves intepretaccedilotildees de Carone ao longo do texto

62 22 O tema central um dissenso

A questatildeo do bem na vida humana conteacutem desde jaacute uma compreensatildeo antecipada de seu objeto e sendo assim busca a uma primeira orientaccedilatildeo O bem deve ser uma certa disposiccedilatildeo (diaacutethesis) ou uma certa atitude (heacutexis) ἶaΝ almaΝ ἵaὂaὐΝ ἶἷΝ tὁὄὀaὄΝ ldquofἷliὐἷὅrdquoΝ tὁἶὁὅΝ ὁὅΝ homens O bem eacute portanto concebido anteriormente como uma certa compleiccedilatildeo da alma Ele natildeo eacute ἵὁmὁΝὅἷΝaἵὄἷἶitaΝiὀgἷὀuamἷὀtἷΝὁΝὅἷὀὅὁΝἵὁmumΝalgὁΝὃuἷΝὁΝhὁmἷmΝldquoὂὁὅὅuirdquoΝ(compreensatildeo vulgar de aacutegathon) mas uma modalidade de seu ser Pois o homem eacute precisamente sua alma O problema se coloca nos seguintes termos Qual eacute a compleiccedilatildeo da alma suscetiacutevel de possibilitar a todos os hὁmἷὀὅΝ aΝ viἶaΝ ldquofἷliὐrdquoςΝ ἏΝ ldquofἷliἵiἶaἶἷrdquoΝ (eudaimon) natildeo designa aqui um conteuacutedo determinado do bem ao qual o homem aspira (no mesmo sentido por exemplo que se possui uma alternativa entre a felicidade e a virtude) mas refere-se em geral ao mais alto grau do humanamente desejaacutevel neste estado onde nada mais poderia ser desejado (GADAMER 1983 p 166 grifos do autor)

Van Riel afirma que o Filebo tem ainda como temaacutetica central o prazer contudo com

notaacuteveis especificidades a despeito dos diaacutelogos anteriores como Goacutergias no Feacutedon e

RepuacuteblicaέΝἏlὧmΝἶἷΝmaiὅΝἷxauὅtivaΝaΝaὀὠliὅἷΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὀἷὅtἷΝἶiὠlὁgὁΝtiἶὁΝἵὁmΝldquotaὄἶiὁrdquoΝἢlatatildeὁΝ

reafirmaria sua posiccedilatildeo agrave posiccedilatildeo anti-hedonista ou seja um enfrentamento ao hedonismo

ἶἷΝ umaΝ maὀἷiὄaΝ maiὅΝ ldquoἴὄaὀἶardquoΝ ὅἷmΝ utiliὐaὄ-se do intelectualismo riacutegido dos diaacutelogos

anteriores Dessa forma conveacutem agora atribuir um papel importante ao prazer na constituiccedilatildeo

da boa vida mas sem admiti-lὁΝἵὁmὁΝἴἷmέΝἡΝὂὄaὐἷὄΝὧΝaὀaliὅaἶὁΝἶἷΝumaΝmaὀἷiὄaΝldquoὂὁὅitivardquoΝἷΝ

ὀatildeὁΝldquoὀἷgativardquoΝἵaὄὄἷgaὀἶὁΝἵὁὀὅigὁΝaiὀἶaΝἵἷὄtὁΝἵaὄὠtἷὄΝἶἷὂὄἷἵiativὁΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝἶἷΝἢlatatildeὁΝ(VἏἠΝ

RIEL 1999 p 300)

Na visatildeo contemporacircnea de teoacutericos como George Rudebusch (2007) Fernando

Muniz (2012) e Marques (2011) a questatildeo primordial do Filebo eacute a vida boa sem duacutevidas

mas ela passa neste diaacutelogo fundamentalmente pelo prazer Dito de outro modo a longa e

relevante anaacutelise dos prazeres (haja vista o tratamento exaustivo desse tema por Platatildeo na

ὄἷfἷὄiἶaΝὁἴὄa)ΝὧΝὃuἷΝὀὁὅΝἵὁὀἶuὐΝaὃuiΝaΝ umaΝ ὄἷflἷxatildeὁΝὂὁὄtaἶὁὄaΝἶἷΝumΝ ldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝἶὁΝ

diaacutelogo ela eacute decerto um bom caminho para compreendermos melhor os fins da obra A

reflexatildeo sobre os prazeres enquanto propriamente questatildeo filosoacutefica cara ao nosso filoacutesofo

nos dirige a apontamentos que configuram ainda mais a atividade dialeacutetica ao serem

apresentadas mais uma de suas funccedilotildees essenciais que natildeo apenas as epistemoloacutegicas

(gnosioloacutegicas) mas tambeacutem ao papel desempenhado por tal tarefa na discussatildeo eacutetica

(valorativas ou axioloacutegicas) essenciais na compreensatildeo do pensamento platocircnico A

pergunta sobre o papel na vida humana mista de prazer e conhecimento nos permitiria

compreender ainda mais aquelas questotildees ἶitaὅΝldquofuὀἶamἷὀtaiὅrdquoΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝfilὁὅὁfiaΝὂlatὲὀiἵaμ

O prazer eacute de fato o protagonista da cena do diaacutelogo Mais da metade do Filebo eacute dedicada agrave classificaccedilatildeo dos prazeres (31a-55a) o que representa

63 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

1205 linhas da ediccedilatildeo Tauchnitz enquanto a parte referente ao pensamento e ao conhecimento tomam apenas 181 linhas (55c-59c) e todo o restante do diaacutelogo natildeo ultrapassa 1164 Ainda que o ponto de vista quantitativo seja um indicativo importante natildeo eacute obviamente conclusivo Mas a discussatildeo que percorre o diaacutelogo envolve sem duacutevida o problema do prazer e seu lugar na vida humana () (MUNIZ 2012 p11)

Nem mesmo acerca do tema central do diaacutelogo ndash uma questatildeo aparentemente simples

se analisaacutessemos o conteuacutedo de outros diaacutelogos ndash se obteacutem um consenso geral por parte dos

estudos Meu propoacutesito eacute tornar evidente por meio deste trabalho ressaltadas as questotildees

histoacuterico-interpretativas do diaacutelogo em questatildeo que o tema do prazer ocupante da maior parte

da obra (protagonista) encontra-se incorporado a tantas outras questotildees fundamentais caras

a nosso autor e que reaparecem no Filebo como as referecircncias agrave proacutepria potecircncia dialeacutetica

o papel competente aos prazeres e conhecimentos (teacutecnicasciecircncias) na constituiccedilatildeo da vida

boa humana (mista) a relaccedilatildeo entre a atividade dialeacutetica e a potecircncia do bem a classificaccedilatildeo

dos bens e dos conhecimentos (teacutecnicas) o problema da unidademultiplicidade dos prazeres

os falsos e verdadeiros prazeres a criacutetica a retoacuterica e agrave eriacutestica as analogias entre a muacutesica

a gramaacutetica e a dialeacutetica dentre outras Partindo do proacuteprio diaacutelogo acredito que a reflexatildeo

platocircnica acerca dos prazeres natildeo eacute um tema novo e que o Filebo constitui o maacuteximo e o

uacuteltimo esforccedilo de Platatildeo sobre o tema Um exame (o dos prazeres) que como se nota estaacute

presente jaacute em outras obras apesar de situar-se em contextos dialeacuteticos distintos sendo

tratado de acordo com os propoacutesitos de determinada obra o prazer ao longo da obra platocircnica

iraacute demonstrar sua forccedila ele se manteacutem firme enquanto forte candidato para enfrentar a

iὀtἷligecircὀἵiaΝὀὁΝὃuἷΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝὃuἷὅtatildeὁΝὅὁἴὄἷΝaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἑὁmὁΝjὠΝἶiὅὅἷΝὀatildeὁΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ

retomar natildeo me parece que Platatildeo muda sua visatildeo sobre o prazer mas apenas a torna mais

clara no decorrer de sua obra a ponto de apresentar-nos algo dotado de profundidade e de

refinamento nas linhas compotildeem o Filebo

O prazer eacute uma questatildeo filosoacutefica premente na filosofia de Platatildeo e que exige todo o

rigor que eacute conferido a ele no nosso diaacutelogo Esse rigor platocircnico se torna perceptiacutevel agrave medida

em que a anaacutelise dos prazeres exige uma reflexatildeo profunda sobre a funccedilatildeo das afecccedilotildees na

vida dos homens isto eacute passa pela proacutepria configuraccedilatildeo sobre o movimento do desejo e da

sua efetividade na alma humana O papel da reflexatildeo (dialeacutetica) tambeacutem eacute fundamental para

ὅἷΝalἵaὀὦaὄΝumaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝἷὀὃuaὀtὁΝativiἶaἶἷΝἶἷliἴἷὄativa (limiteilimitado) das accedilotildees dos

cidadatildeos cuja finalidade uacuteltima parece configurar-se na plena realizaccedilatildeo de todos os seres

humanos isto eacute na posse do bem maior por conseguinte da felicidade Como bem considera

Gazolla

A discussatildeo do Filebo () nos interessa na medida em que seria a ponte do theoreicircn ao pratteicircn ndash ele pergunta sobre a relaccedilatildeo prazer-felicidade atraveacutes do qual o problema do uno e muacuteltiplo nas ideias e nos seres sensiacuteveis pode

64 23 O contexto histoacuterico e os personagens

enquadrar-se no campo das accedilotildees eacuteticas A intenccedilatildeo socraacutetica nessa primeira arte do diaacutelogo eacute demonstrar a Filebo ndash interlocutor que segue uma corrente bastante aceita na eacutepoca e apregoa a felicidade humana pela via do prazer ndash o que eacute a phrocircnesis70 Essa expressatildeo eacute de difiacutecil traduccedilatildeo indicativa de um verbo phreicircn e que significa refletir o que nos leva a traduzi-la por ldquoaὦatildeὁΝὄἷflἷtiἶardquoΝὁuΝldquoὅaἴἷἶὁὄiaΝὂὄὠtiἵardquoΝmaὅΝὀuὀἵaΝὂὄuἶecircὀἵiaΝ(1λλἁΝὂέΝ1ἅἃ-176 grifos da autora)

ἒἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝaὅΝἵὁὀὅiἶἷὄaὦὴἷὅΝἶἷΝWὁlfὅἶὁὄfΝ (ἀί1ἁ)Ν ldquoὁΝ tὄatamἷὀtὁΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὂὁὄΝ

Platatildeo no Filebo eacute de longe o mais elaborado Naturalmente eacute o mais elaborado tratado

aἵἷὄἵaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἶaΝaὀtiguiἶaἶἷΝὃuἷΝὀὰὅΝὂὁὅὅuiacutemὁὅrdquoΝ(ὂέΝἅἂ)έΝἡuΝἵὁmὁΝafiὄmὁuΝἐuὄyΝ(1ἆλἅ)Ν

ldquoὂὁὄΝὅἷuΝὄigὁὄΝἷΝἵὁmὂlἷtuἶἷΝἷmΝὅuaΝἵὄiacutetiἵaΝaὁΝὂὄaὐἷὄΝὁΝFilebo certamente sustenta-se sozinho

entre os escritos preacute-aristoteacutelicos ()rdquoΝ (ὂέΝ ἀἆ)Ν iὅtὁΝ ὂὁὄὃuἷΝ muitὁὅΝ ἶὁὅΝ aὅὂἷἵtὁὅΝ ὧtiἵὁὅΝ

desenvolvidos no diaacutelogo iratildeo marcar profundamente o pensamento filosoacutefico ocidental

posterior tendo as concepccedilotildees filosoacuteficas platocircnicas (ora aceitando-as ora confrontando-as)

como base Diante disso o impacto da leitura do Filebo embora natildeo tenha ganhado tanta

forccedila apoacutes o neoplatonismo emerge na contemporaneidade com toda a forccedila devido aos

temas importantes como jaacute ressaltamos contidos nesta obra

23 O contexto histoacuterico e os personagens

Um dos principais fatores que tambeacutem dificultam o estudo da obra por parte do leitor

eacute o contexto histoacuterico Acerca do Filebo diferentemente das outras obras de Platatildeo natildeo

possuiacutemos qualquer referecircncia a respeito do local e da data de composiccedilatildeo ou se esse

diaacutelogo teria mesmo ocorrido (o que eacute bem pouco provaacutevel) Como dissemos anteriormente

a respeito do dissenso entre os estudiosos acerca do tema principal do diaacutelogo em grande

parte ele se deve tambeacutem agrave ausecircncia de referenciais histoacutericos que tratem ou que faccedilam uma

referecircncia direta a esse debate especificamente

De acordo com Schofield a composiccedilatildeo Filebo data das uacuteltimas duas deacutecadas da vida

de Platatildeo entre os anos de 360 aC e 347 aC (1998 p 419) Como jaacute foi dito maioria dos

estudiosos (dentre eles Bury (1897) Taylor (1956) Guthrie (1975) Crombie (1988))

consideram a obra como parte dos diaacutelogos tardios de Platatildeo71 Enquanto alguns

70 ἦὄataὄἷiΝἶὁΝldquoἵamὂὁΝὅἷmacircὀtiἵὁrdquoΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝἷὅὅἷΝtἷὄmὁΝὀὁΝὂὄὰximὁΝἵaὂiacutetulὁΝἷΝaὅΝὂὁὅὅiacutevἷiὅΝfὁὄmaὅΝsegundo as quais ele possa ser compreendido na obra platocircnica e especialmente no caso do Filebo 71 Sobre isso vale retomar o famoso artigo de Brandwood (2013 p 113-1ἂἁ)μΝldquoἏΝὂἷὅὃuiὅaΝiὀiἵialΝὅὁἴὄἷΝo vocabulaacuterio de Platatildeo por Campbell Dittenberger e Schanz culminando no livro de Ritter sobre o assunto identificada no Sofista no Poliacutetico no Filebo no Timeu Criacutetias e Leis um grupo de diaacutelogos que se distinguiam dos demais por uma ocorrecircncia exclusiva ou aumentada de certas palavras e frases Investigaccedilotildees subsequentes sobre esse aspecto de estilo chegaram agrave mesma conclusatildeo e a dicotomia foi confirmada por dois criteacuterios adicionais com a descoberta de que somente nestes trabalhos ()

65 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

revisionistas como Ryle (1966) e Waterfield (1980) insistem em colocaacute-lo entre os da fase

meacutedia juntamente agrave Repuacuteblica e ao Timeu

Para os estudiosos citados acima o Filebo ἶἷvἷΝὅἷὄΝtiἶὁΝἵὁmὁΝumΝldquoἶiὠlὁgὁΝἷmΝἵuὄὅὁrdquoΝ

isto eacute Platatildeo teria nesse diaacutelogo representado (dramaticamente) duas das principais

concepccedilotildees correntes de sua eacutepoca (uma anti-hedonista e uma outra hedonista) isto eacute tratar-

se-ia de um diaacutelogo escoliasta que postulava dois modos distintos de vida) ambas defendidas

por estudiosos da Academia Isto porque segundo tais o diaacutelogo se iniciaria a partir da

retomada de duas teses contraditoacuterias uma em defesa do prazer e outra como partidaacuteria da

inteligecircncia ndash sendo que ambas arrogariam a si o precircmio concedido ao vencedor da disputa

ὃuἷΝvἷὄὅaΝὅὁἴὄἷΝaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝὁuΝmἷlhὁὄΝὅὁἴὄἷΝὃualΝἶὁὅΝἶὁiὅΝ(ὂὄaὐἷὄΝὁuΝiὀtἷligecircὀἵia)ΝὂὁὅὅaΝviὄΝ

a ser considerado como o bem (11b-c) Filebo representaria um hedonismo radical a defesa

irrefreaacutevel pela busca do prazer enquanto Soacutecrates defenderia sua tese intelectualista do

bem O fato eacute que ainda muito se confabula a respeito das reais identidades que estariam

representadas nas teorias defendidas por Filebo e Protarco tendo em vista a pobre doxografia

que possuiacutemos sobre tal tema polecircmico Ademais muito se questiona sobre Soacutecrates que a

despeito do meacutetodo utilizado por Platatildeo nos diaacutelogos da velhice retorna agrave trama dialoacutegica

como protagonista da discussatildeo

Uma das teses mais fortes eacute a de que Filebo refira-se a Eudoxo matemaacutetico grego e

filoacutesofo da Academia o qual segundo nos informa Aristoacuteteles era quem defendia que o prazer

era o bem (EN X 2 1172b9-5) Para muitos estudiosos (Cf DIEgraveS 2002 p13-17) a

personagem que daacute nome ao diaacutelogo nada mais eacute do que uma dramatis persona utilizada

literariamente por Platatildeo ao configurar a posiccedilatildeo de Eudoxo Enquanto a posiccedilatildeo defendida

por Soacutecrates expressaria a oposiccedilatildeo riacutegida (anti-hedonista) de Espeusipo sucessor de Platatildeo

na Academia O nome Filebo tambeacutem pode ser compreendido por um jogo de palavras (Φiacuteζ

amigoamante + β + ίκμ da juventude) ou melhor amante da forccedila juvenil Contudo como

veremos Filebo interveacutem na discussatildeo em apenas trecircs momentos e quem ocupa o papel de

Platatildeo fez uma tentativa consistente de evitar certos tipos de hiato e chegou a um tipo diferente de rimo de prosa () Com relaccedilatildeo agrave questatildeo da sequecircncia no grupo cronoloacutegico final ao comparar os vaacuterios tipos de evidecircncia um peso particular talvez devesse ser atrelado ao ritmo de prova e ao evitar o hiato uma vez que diferentemente do que se tem no vocabulaacuterio eles parecem independentes tanto da forma de uma obra como de seu conteuacutedo Muito embora o testemunho dos dados para se evitar o hiato foram ambiacuteguos trecircs investigaccedilotildees independentes sobre ritmo de claacuteusula e uma investigaccedilatildeo sobre ritmo de sentenccedila mostraram concordes ao concluir que a ordem sequencial de composiccedilatildeo seria Timeu Criacutetias Sofista Poliacutetico Filebo e Leis Agrave luz dessa ambiguidade de evidecircncia do hiato um indiacutecio quanto agrave posiccedilatildeo do Filebo pode ser resolvida em favor de sua proximidade em relaccedilatildeo agraves Leis posiccedilatildeo amparada por aspectos particulares do hiato e por outros aspectos como o retorno a formas mais longas de foacutermulas de reacuteplica apoacutes uma predominacircncia de versotildees abreviadas nos trabalhos precedentes a culminacircncia de uma tendecircncia para o uso mais frequente de expressotildees superlativas a elevada proporccedilatildeo de Peacuteri e preferecircncia ndash ampliada se se considerar o Timeu Criacutetias e o Sofista ndash ὂὁὄΝumaΝlὁὀgaΝὅiacutelaἴaΝfiὀalΝἷmΝἵlὠuὅulaὅrdquoΝ(ὂέΝ1ἂἀ-144)

66 23 O contexto histoacuterico e os personagens

interlocutor no diaacutelogo eacute Protarco Sobre este uacuteltimo personagem Protarco tambeacutem temos

pouquiacutessimas informaccedilotildees No diaacutelogo Soacutecrates se refere a este interlocutor chamando-o

tamἴὧmΝἶἷΝldquoἔilhὁΝἶἷΝἑὠliaὅΝ(1λἴἃ)Νldquo(έέέ) nome muito comum em Atenas portanto para muitos

inteacuterpretes natildeo pode ser confundido com o riquiacutessimo Caacutelias amigo de Soacutecrates cujo filho

era uma crianccedila no tempo do processo deste uacuteltimo (Soacutecrates) (ApolΝ ἀίa)rdquo72 Torna-se

impensaacutevel para a maioria dos estudiosos que Protarco seja uma figura histoacuterica mas apenas

uma figura dramaacutetica utilizada por Platatildeo no diaacutelogo

Outra tese mais antiga eacute de que a obra ilustraria o conflito entre duas das escolas de

pensamento da antiguidade a dos ciacutenicos e a dos cirenaicos Desta forma o diaacutelogo

representaria a posiccedilatildeo (mediadora) de Platatildeo distinta de ambas as posiccedilotildees extremadas O

hedonismo levado agraves extremas encontraria sua expressatildeo maacutexima na figura de Aristipo de

Cirene (cirenaico)73 para o qual o bem eacute o maior gozo possiacutevel ou seja prazer em demasia

Por outro lado Antiacutestenes (ciacutenico) seria representado no diaacutelogo pela figura de Soacutecrates na

tese inicial o qual advoga em favor de um modo de vida estritamente riacutegido (intelectualista)

fundamentado em uma postura austera que apregoa a fuga dos prazeres pois teriam como

fim unicamente a perturbaccedilatildeo da alma (TAYLOR 1926 p 409) Mas nada confirmaria esta

tese como jaacute dissemos a doxografia eacute muito pobre a ponto de afirmar semelhante debate

acadecircmico

Ao contraacuterio do que notamos nos outros diaacutelogos de Platatildeo no Filebo natildeo haacute nenhuma

referecircncia ao local geograacutefico onde se passa o diaacutelogo nem ao menos acerca do momento

ou de algum fato histoacuterico a partir do qual poderiacuteamos inferir alguma indicaccedilatildeo precisa do

diaacutelogo Um outro fator essencial que intriga muitos inteacuterpretes da obra eacute o retorno da figura

de Soacutecrates ao diaacutelogo jaacute que natildeo eacute ele o condutor da discussatildeo no Sofista e nas Leis todos

ὁὅΝἶὁiὅΝήltimὁὅΝtamἴὧmΝὂἷὄtἷὀἵἷὀtἷὅΝaΝἶitaΝldquoήltimaΝfaὅἷrdquoΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὂlatὲὀiἵὁέΝἑὁmὁΝjὠΝ

ἶἷὅtaἵamὁὅΝ tἷὀἶὁΝ ἵὁmὂὄἷἷὀἶiἶὁΝ aὅΝ iὀήmἷὄaὅΝ ἶifiἵulἶaἶἷὅΝ ἷmΝ tὁὄὀὁΝ ἶὁΝ ldquoὂὄὁἴlἷmaΝ ἶἷΝ

ἥὰἵὄatἷὅrdquoΝὃualΝὅἷὄiaΝἷὀtatildeὁΝaΝἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝmaiὅΝὂἷὄtiὀἷὀtἷΝaΝἷὅtἷΝldquoὄἷgὄἷὅὅὁrdquoΝἶaΝὂἷὄὅὁὀagἷmΝ

(Soacutecrates) como condutor da discussatildeo no caso do Filebo

Essa eacute uma questatildeo problemaacutetica e que admite variadas formulaccedilotildees Mas parece que

muitos admitiriam que Soacutecrates tal como aparece no Filebo e o modo como conduz a

argumentaccedilatildeo assim como as teses que defende nada se parece com o Soacutecrates aporeacutetico

dos primeiros diaacutelogos

72 Esta informaccedilatildeo tambeacutem eacute contestada por alguns estudiosos como GUTHRIE (1978 p 198) TAYLOR (1926 p 409) e HACKFORTH (1945 p 7) 73 ἏfiὄmaΝἔὄiἷἶlaumlὀἶἷὄμΝldquoἡΝἵὁὀtὄaὅtἷΝἷὀtὄἷΝaΝὧtiἵaΝhἷἶὁὀiὅtaΝἷΝaΝὧtiἵaΝaὀti-hedonista (intelectualista) jaacute havia sido antecipada na oposiccedilatildeo entre ciacutenicos e cirenaicos (2004 p 1044) Sobre isto cf Bravo (2009 p 412)

67 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

Uma das surpresas do Filebo eacute a volta de Soacutecrates agrave cena Ele que tinha sido deixado de lado em diaacutelogos da uacuteltima fase de Platatildeo cedendo lugar na conduccedilatildeo da conversa dialeacutetica a figuras como a do Estrangeiro de Eleia retorna com um de seus temas preferidos o prazer mas desta vez com um estilo menos aporeacutetico e mais afinado com a problemaacutetica dos diaacutelogos da uacuteltima da uacuteltima fase (MUNIZ 2012 p 21)

Alguns estudiosos como Friedlaumlnder (2004) afirmam ser o Soacutecrates do Filebo aquele

mesmo Soacutecrates dos diaacutelogos iniciais aquele que vemos dialogar com os jovens Tal acepccedilatildeo

verifica-se segundo este autor pela postura socraacutetica em defender uma tese especiacutefica

poreacutem ao mesmo tempo submetendo-a agrave criacutetica caracteriacutestica proacutepria do predominante

condutor dos diaacutelogosέΝ ἏΝ ἵὁὀἵἷὂὦatildeὁΝ ἶἷΝ ὃuἷΝ ldquoὁΝ ἴἷmΝ ὧΝ aΝ ὅaἴἷἶὁὄiardquoΝ ὀatildeὁΝ ὧΝ umaΝ ὂὁὅiὦatildeὁΝ

dogmaacutetica mas um ponto de partida na discussatildeo que se inicia Semelhante proposiccedilatildeo

como se observa seraacute abandonada pelo condutor da discussatildeo agrave medida que o diaacutelogo

avanccedila sendo demonstradas a inadequaccedilatildeo da tese inicial e a parcialidade perante sua

justificaccedilatildeo (p 1046)

Diegraves (2002) segue uma direccedilatildeo oposta Para ele o Soacutecrates do Filebo nada tem de

semelhante com o Soacutecrates dos diaacutelogos iniciais A figura de Soacutecrates natildeo tem nada de irocircnica

nesta obra Como nos primeiros diaacutelogos o filoacutesofo natildeo eacute aquele que debate que argumenta

que brinca mas preocupa-se muito mais em expor determinadas questotildees sem duvidar da

validade de suas teses (DIEgraveS 2002 p 9) Similarmente Guthrie afirma que Soacutecrates retorna

agrave cena dramaacutetica como condutor do diaacutelogo porque o tema eacute o prazer Ademais o Soacutecrates

do Filebo assemelha-se mais ao Estrangeiro de Eleacuteia do Sofista do que ao Soacutecrates irocircnico

visto nos escritos platocircnicos da juventude

a fim de tornaacute-lo (Soacutecrates) mais confiaacutevel Platatildeo faz com que Protarco peccedila a Soacutecrates em nome de todos os jovens presentes que abandone sua praacutetica de pocircr os jovens em dificuldades perante questotildees sem respostas [aporias] A partir de agora eacute Soacutecrates mesmo que deveraacute responde-las enquanto seus interlocutores se esforccedilaratildeo para segui-lo da melhor maneira (19e- 20a) cf 28bc) Satildeo alguns dos raros toques pessoais nos diaacutelogos mas em geral faz faltar o interesse dramaacutetico (GUTHRIE 1978 p197-198)

Algumas anaacutelises mais recentes sobre a estrutura e a composiccedilatildeo dramaacutetica do

ἶiὠlὁgὁΝ ὂὄiὀἵiὂalmἷὀtἷΝ ὀὁΝ ὃuἷὅitὁΝ ldquoἥὰἵὄatἷὅrdquoΝ ὅatildeὁΝ aiὀἶaΝmaiὅΝ iὀtἷὄἷὅὅaὀtἷὅ como aquela

apresentada por Dorothea Frede A autora afirma no prefaacutecio de sua traduccedilatildeo do Filebo que

nos deparamos ali com um Soacutecrates (forjado por Platatildeo) que estaacute a debater a discutir e que

natildeo apresenta uma definiccedilatildeo uacuteltima sobre determinados assuntos Assim ela defende

Na verdade ele [Platatildeo] parece ter feito Soacutecrates o principal orador mais uma vez precisamente porque nenhum tratamento final eacute intencionado mas um

68 23 O contexto histoacuterico e os personagens

exame discursivo com sugestotildees e insinuaccedilotildees que podem ir longe mas nunca plenamente suficiente para resolver as questotildees de tal forma que o leitor poderia reivindicar a plena compreensatildeo de uma doutrina definitiva Em suma a Platatildeo soacute resta o proacuteprio Platatildeo o filoacutesofo que se recusa a fixar na mente de seus leitores suas intenccedilotildees finais (FREDE 1993 p 7)

Em suma a teoacuterica alematilde sugere que o meacutetodo pedagoacutegico-socraacutetico (o ζ ΰξκμ) eacute

reutilizado por Platatildeo a fim de persuadir seus interlocutores a respeito de sua concepccedilatildeo da

vida boa no diaacutelogo Desta maneira por um lado a figura de Soacutecrates simula as ideias do

ldquovἷlhὁΝἢlatatildeὁrdquoΝὁΝἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtὁΝὂὅiἵὁlὰgiἵὁ-filosoacutefico do autor tardio mas por outro natildeo

se separou ainda permanece unido a seu mestre Contudo natildeo eacute relevante para a autora a

figura de Soacutecrates neste retorno mas sim o modo como ele se porta na discussatildeo isto eacute

ἥὰἵὄatἷὅΝaὃuiΝὧΝaὂἷὀaὅΝὁΝldquoὂὁὄta-vὁὐrdquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝἶἷΝὅuas doutrinas apresentadas em seus

uacuteltimos escritos O papel do condutor eacute relevante apenas em um primeiro momento porque

ele eacute quem iraacute retomar a discussatildeo eacutetica da qual Platatildeo teria como maior referencial a filosofia

de Soacutecrates No entanto sua funccedilatildeo reduz-se agrave dramatis persona (Soacutecrates) sob o propoacutesito

ἶἷΝ ὂἷὄὅuaἶiὄΝ ὁὅΝ jὁvἷὀὅΝ aΝ ὄἷὅὂἷitὁΝ ἶaΝ ἵὁὀἵἷὂὦatildeὁΝ ἶaΝ ldquoἴὁaΝ viἶardquoΝ (aiacuteΝ ὅimΝ umaΝ tἷὁὄiaΝ

especificamente platocircnica)

Em outro artigo Frede (2013) sublinha semelhante posiccedilatildeo

O que perturba eacute o fato de parecermos ter uma discussatildeo socraacutetica normal diante de noacutes neste que aparentemente eacute um dos uacuteltimos trabalhos de Platatildeo Aacute primeira vista o Filebo natildeo parece apresentar nenhum dos traccedilos dramaacuteticos dos outros uacuteltimos diaacutelogos O proacuteprio Soacutecrates estaacute guiando a discussatildeo () estamos de volta a Atenas imerso em uma disputa viva entre um Soacutecrates e interlocutores natildeo muito diferente das que satildeo usadas nos diaacutelogos socraacuteticos () existe [neste diaacutelogo] um antagonismo verdadeiro humoriacutestico ndash e isso inclui insinuaccedilotildees de caraacuteter sexual ndash e uma conversatildeo gradual Se se olhar para a forma dramaacutetica eacute quase como se Platatildeo quisesse provar ao mundo que mesmo nessa idade avanccedilada madura ele fosse capaz de compro diaacutelogos vivos e tambeacutem que Soacutecrates de modo algum pudesse ficar esquecido (p 510-511)

E justifica mais detalhadamente tal posiccedilatildeo dizendo que

Platatildeo teria achado difiacutecil evocar fosse um eleata fosse um pitagoacuterico como liacuteder de tal discussatildeo e haveria boas razotildees para deixar Soacutecrates aceitar o desafio Platatildeo ao que parece retornou agrave forma anterior dos diaacutelogos socraacuteticos porque desejava reabrir uma questatildeo que fora preocupaccedilatildeo bastante seacuteria do primeiro Soacutecrates platocircnico qual seja o debate sobre a natureza e avaliaccedilatildeo do prazer (FREDE 2013 p 511)

Soacutecrates segundo Frede visto como carecente pobre eacute incompleto frente agrave figura do

dialeacutetico elaborada por Platatildeo no processo argumentativo O primeiro representa a figura da

69 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

natureza humana (carecentedesejosa) enquanto o dialeacutetico platocircnico ilustra a perfeita

sabedoria a completude (FREDE 2013 p 543) Assim sendo no Filebo a caracterizaccedilatildeo do

dialeacutetico natildeo soacute caracteriza a essecircncia da filosofia platocircnica como tambeacutem marca claramente

a distinccedilatildeo entre a figura do filoacutesofo (Soacutecrates) e a do dialeacutetico (Platatildeo) Aleacutem disso a obra

evidenciaria a superaccedilatildeo de Platatildeo em relaccedilatildeo agrave filosofia socraacutetica que agora transfigura-se

como dialeacutetica

Lidar com tais processos natildeo eacute assunto e preocupaccedilatildeo do dialeacutetico jaacute que ele eacute o homem perfeitamentἷΝ ὅὠἴiὁΝ ἵujὁΝ iὀtἷὄἷὅὅἷΝ ὧΝ ldquoὅἷὄΝ ὄἷaliἶaἶἷΝvἷὄἶaἶἷiὄὁΝἷΝὁΝἷtἷὄὀamἷὀtἷΝiἶecircὀtiἵὁrdquoΝ(ἃἆa)νΝὧΝἶὁΝiὀtἷὄἷὅὅἷΝἶaὃuἷlἷΝὃuἷΝἴuὅἵaΝa completude cujo representante eacute o pobre descalccedilo poreacutem implacaacutevel d infatigaacutevel Soacutecrates retratado no Banquete ou entatildeo do interesse do atribulado cantor de uma palinoacutedia em favor do amor no Fedro O progresso em direccedilatildeo agrave perfeiccedilatildeo eacute o que o melhor tipo de prazer na vida humana representa e eacute o motivo pelo qual uma vida humana natildeo seria desejaacutevel sem prazer na condiccedilatildeo de humano eacute incompleto e necessita da constante tendecircncia e conclusatildeo ardentemente desejada pelo filoacutesofo socraacutetico (embora natildeo o dialeacutetico platocircnico) (FREDE 2013 p 543)

Ademais um outro elemento socraacutetico reconhecido pela autora como presente no

diaacutelogo eacute o carὠtἷὄΝldquomὧἶiἵὁrdquoΝἶaΝfilὁὅὁfiaΝὅὁἵὄὠtiἵaέΝἡΝὂὄaὐἷὄΝὧΝviὅtὁΝἵὁmὁΝὄἷὅtauὄaὦatildeὁΝἶἷΝumΝ

estado harmonioso tanto do corpo quando alma que procura sair de tal estado dissoluto (dor)

Aqui de acordo com Frede natildeo se pode negar a presenccedila deste caraacuteter (imprescindiacutevel) de

restauraccedilatildeo que a reflexatildeo sobre as afecccedilotildees humanas pode trazer ao homem Dito isso ao

que parece encontra-ὅἷΝaiὀἶaΝὂὄἷὅἷὀtἷΝὀaΝὁἴὄaΝumΝἵaὄὠtἷὄΝldquoἵatὠὄtiἵὁrdquoΝ(ὂuὄifiἵaἶὁὄ)ΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ

aos prazeres ndash herdado da filosofia de Soacutecrates ndash e que permanece como pano de fundo na

composiccedilatildeo do Filebo por parte de nosso autor Dessa maneira isso demonstra jamais ter

havido uma renuacutencia agrave analogia meacutedica que justificou a criacutetica de Soacutecrates agrave moralidade de

seus contemporacircneos ela foi reescrita em novos termos que atrelam ser e tornar-se a

imposiccedilatildeo de limites no ilimitado (FREDE 2013 p 544)74

Em oposiccedilatildeo agrave leitura de Frede C Rowe (1999) compreende o protagonismo de

Soacutecrates no diaacutelogo de uma outra forma Natildeo lhe faltaram criacuteticas agrave intepretaccedilatildeo da teoacuterica

norte-americana Segundo o autor no diaacutelogo natildeo notamos uma draacutestica diferenccedila entre o

Filebo algo que o distinguiria particularmente dos outros diaacutelogos tardios (Sofista Poliacutetico

etc) como considera Frede Nem sequer poderiacuteamos afirmar com toda clareza que Platatildeo

serve-se do ζ ΰξκμΝtalΝἵὁmὁΝὅἷΝὁἴὅἷὄvaΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶaΝjuvἷὀtuἶἷΝ(ἤἡWἓΝ1999 p 9-11)

74 ἥὁἴὄἷΝ iὅtὁΝ ὧΝ imὂἷὄiὁὅὁΝ ἶἷὅtaἵaὄΝ aΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝ ἶἷΝ ἥaὀtὁὄὁΝ (ἀίίἅ)Ν aΝ ὄἷὅὂἷitὁΝ ἶaΝ ldquoἵatὠὄtiἵaΝ ἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅrdquoΝἶἷὅἷὀvὁlviἶaΝὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὀὁΝFilebo O prazer que transita entre medida e desmedida entre pureza e impureza Na visatildeo do autor uma visatildeo predominantemente entre os antigos (Cf SANTORO F Arqueologia dos Prazeres Rio de Janeiro Objetiva 2007)

70 23 O contexto histoacuterico e os personagens

Segundo Rowe a obra pelo contraacuterio daacute continuidade aos temas tratados no periacuteodo tardio

e natildeo se revela como um diaacutelogo especial neste uacuteltimo periacuteodo A dialeacutetica neste caso tem

um objetivo claro e reafirma a postura de Platatildeo mais elaborada sobre este importante

exerciacutecio filosoacutefico em questatildeo Um diaacutelogo entre interlocutores que exige uma toleracircncia

reciacuteproca entre ambos Se eacute que haacute elementos do ζ ΰξκμ no Filebo eles ressaltam a

ἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝldquoὂὁὅitivardquoΝἶὁΝmὧtὁἶὁΝὄἷfutativὁΝἷΝὀatildeὁΝaΝldquoὀἷgativardquoΝ(ἤἡWἓΝ1λλλΝὂέΝ1ἅ)έΝἒitὁΝἶἷΝ

outro modo a dialeacutetica visa a verdade dentro das possibilidades oferecidas pela variabilidade

admitida dos loacutegoi (discursos) A refutaccedilatildeo presente sobretudo nos diaacutelogos da uacuteltima fase

natildeo pretende sobrepor a tese socraacutetica como a verdadeira exaltando a ignoracircncia do

interlocutor O que se nota eacute justamente o contraacuterio colocam-se as teses em anaacutelise em

confronto em busca da verdade ndash e essa eacute a principal excitaccedilatildeo contida no exerciacutecio do

diaacutelogo o desejo primordial naturalmente dialeacutetico que reside na busca por hipoacuteteses

verdadeiras e na rejeiccedilatildeo daquelas que pareccedilam falsas a ambos os dialogantes

Na fase tardia o suposto sentido negativo do ζ ΰξκμΝ ἶἷὅὂaὄἷἵἷΝ ὡΝ mἷἶiἶaΝ ὃuἷΝ

transparece o seu sentido positivo quἷΝὂaὄtἷΝἶaΝldquoaὀὠliὅἷrdquoΝἶἷΝumΝldquoἷxamἷrdquoΝἵὁὀjuὀtὁΝὃuἷΝviὅaΝ

umaΝἶὁutὄiὀaΝὂὁὅitivaΝἷΝὀatildeὁΝaΝὄἷjἷiὦatildeὁΝἶἷΝἵἷὄtaὅΝtἷὅἷὅέΝldquoἢὁὄΝἵὁὀὅἷguiὀtἷΝaΝlsquoἶialὧtiἵarsquoΝὀatildeὁΝὧΝ

unicamente ou em primeira instacircncia uma maneira de suprimir a ignoracircncia mas ndash um ideal

ndash uma maneira de ἶἷὅἵὁἴὄiὄΝaΝvἷὄἶaἶἷrdquoΝ(ἤἡWἓΝ1λλλΝὂέΝ1ἃ)έ

Um dos princiacutepios que estatildeo subjacentes em minha interpretaccedilatildeo eacute que os diaacutelogos satildeo em geral e essencialmente os mimeacutemata da filosofia real viva isto quer dizer derivados de certos aspectos da proacutepria filosofia imitam estes aspectos Aqui claramente eu me apoio amplamente sobre o Fedro [275d-e] que nos force a descriccedilatildeo mais completa e mais expliacutecita da natureza da atividade filosoacutefica se se compreende o que Soacutecrates disse (sem interpretaacute-lo ao peacute da letra) a filosofia escrita eacute uma contradiccedilatildeo em termos A filosofia repousa sobre a troca o teste das afirmaccedilotildees de uma pessoa por outra que permite algueacutem progredir intelectualmente ndash e as obras escritas elas mesmas natildeo podem responder elas satildeo como as pinturas que parecem vivas mas que quando vocecirc lhes propotildee uma questatildeo manteacutem um silecircncio solene (ROWE 1999 p 13)

Por fim ao que tudo indica a tese de Frede estaacute fundada em duas consideraccedilotildees

distintas (i) o Filebo possui uma estrutura dramaacutetica distinta dos diaacutelogos tardios a notar pela

presenccedila de Soacutecrates como condutor da argumentaccedilatildeo (ii) este diaacutelogo tardio conteacutem em si

noccedilotildees puramente socraacuteticas que demonstrariam um retorno de Platatildeo ao meacutetodo refutativo

do ζ ΰξκμΝ(1λλλΝὂέΝ1ἅ)75 Rowe defende que esta eacute uma leitura equivocada e que natildeo se

75 Visotildees como a de Frede (1993) estatildeo em consonacircncia com um ponto metodoloacutegico fundamental que primeiro encontra sua formulaccedilatildeo em Vlastos (1983) Para o teoacuterico o pensamento platocircnico tendo como base a divisatildeo claacutessica (juventude-maturidade-velhice) teria a cada um desses estaacutegios um modelo investigativo (ou meacutetodo) respectivo (juventude refutaccedilatildeo maturidade hipoteacutetico velhice

71 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

explica satisfatoriamente quando analisamos atentamente a obra em especiacutefico Para Rowe

o retorno de Soacutecrates agrave conduccedilatildeo do diaacutelogo no caso especiacutefico do Filebo demonstra a

amplitude e a grandeza da dialeacutetica entendida no sentido platocircnico a sua elaboraccedilatildeo uacuteltima

dotada de rigor e maestria por parte de nosso filoacutesofo Sendo assim os interlocutores jaacute satildeo

ὂὁὅtὁὅΝldquoἷmΝὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝἷΝὁΝἷxἷὄἵiacuteἵiὁΝἶaΝativiἶaἶἷΝfilὁὅὰfiἵaΝὀaΝὁἴὄaΝὄἷjἷitaὄiaΝὃualὃuἷὄΝ

ideia em torno de competiccedilatildeo (ROWE 1999 p 23)

Apoiando-se significativamente no Fedro Rowe (1999) considera o diaacutelogo como uma

ὅimulaὦatildeὁΝἶἷΝumΝldquoἶiὅἵuὄὅὁΝvivὁrdquoΝὃuἷΝtἷmΝἵὁmὁΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝaΝativiἶaἶἷΝἶialὧtiἵaΝ( δαζΫΰ γαδ)

real e natildeo escrita Esse seria o sentido real da atividade filosoacutefica platocircnica uma discussatildeo

ὅὁἴὄἷΝ ldquoiἶἷiaὅrdquoΝ ἷὀtὄἷΝ iguaiὅΝ ὃuἷΝ ἷxigἷΝ tὁlἷὄacircὀἵiaΝ ἷΝ ἵὁὁὂἷὄaὦatildeὁΝ ἷὀtὄἷΝ ὁὅΝ iὀἶiviacuteἶuὁὅΝ ἷΝ ὃuἷΝ

sobretudo visa alcanccedilar uma verdade possiacutevel naquele acircmbito dialoacutegico (1999 p13 seq)

Por mais que Protarco se converta ao final do diaacutelogo ele o faz agrave uma tese alterada

pois a tese de Soacutecrates defendida no iniacutecio da obra natildeo se equipara agravequela vencedora do

momento final da argumentaccedilatildeo Se haacute uma relevacircncia do retorno de Soacutecrates agrave cena

dramaacutetica em um primeiro momento ela eacute miacutenima isto eacute ela pode ter um propoacutesito eacutetico

primeiramente mas natildeo reivindica uma autoridade particular Assim a personagem Soacutecrates

ilustra o desenvolvimento da atividade dialeacutetica tal como compreendida por Platatildeo ao longo

de sua atividade filosoacutefica (ROWE 1999 p 12) e que portanto em dado momento jaacute se

separa daquela figura inicial o Soacutecrates histoacuterico (ROWE 1999 p 24-25)

ἏΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἵatὠὄtiἵaΝ(ldquoἥὰἵὄatἷὅΝmὧἶiἵὁΝἶἷΝalmaὅrdquo)ΝἷΝaΝἶὁΝfilὰὅὁfὁΝἷmΝὁὂὁὅiὦatildeὁΝaὁΝ

dialeacutetico platocircnico tambeacutem satildeo equivocadas segundo a compreensatildeo de Rowe (1999)

ἥὰἵὄatἷὅΝὀatildeὁΝὅἷΝὂὄἷὁἵuὂaΝaὂἷὀaὅΝἷmΝldquoἵuiἶaὄΝἶaὅΝalmaὅrdquoΝmaὅΝἵὁmὁΝὅἷΝὀὁtaΝὅὁἴὄἷtuἶὁΝὀὁΝ

ὂἷὄiacuteὁἶὁΝiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁΝἷlἷΝὅἷΝὂὴἷΝἷmΝἴuὅἵaΝἶὁὅΝldquoἷlἷmἷὀtὁὅΝἶὁΝὅaἴἷὄrdquoΝ(ὂέΝἀ1)έΝἠaΝἶiὅtiὀὦatildeὁΝ

divisatildeo) uma tal regularidade sistemaacutetica que gerou e ainda gera inuacutemeras confusotildees entre os inteacuterpretes Um exemplo disso eacute o surgimento de algumas obras como a de Robinson (1941) que chega aὁΝὂὁὀtὁΝἶἷΝafiὄmaὄΝalgὁΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁμΝldquotὄecircὅΝἵὁiὅaὅΝaἵὁὀtἷἵἷmΝἵὁmΝὁΝelenchus nos diaacutelogos meacutedios e nos diaacutelogos uacuteltimos Primeiro como acabamos de ver se perde o caraacuteter da ironia e segundo ele estaacute incorporado no conjunto maior da dialeacutetica que muda um pouco o caraacuteter dele Ainda assim negativo e destrutivo em essecircncia ele eacute aproveitado para a construccedilatildeo do diaacutelogo Apesar de moral em sua finalidade o fim moral uacuteltimo afasta-se de um acordo excelente e ocupa um largo programa cientiacutefico na visatildeo da maturidade Terceiro ao passo que frequentemente eacute referido e recomendado e gradualmente deixa de se atualmente retratado nos diaacutelogos As refutaccedilotildees ocupam menos espaccedilo no total da obra Aquelas que ocorrem ocorrem de forma menos oacutebvia e natildeo eacute tatildeo faacutecil apontar as premissas em separado a maneira em que cada uma eacute obtida e o lugar onde Soacutecrates coloca-as juntas e extrai a conclusatildeo Elas natildeo satildeo puramente negativas mas frequentemente possuem doutrinas positivas que natildeo eacute necessaacuterio provar () Portanto o elenchus transforma-se em dialeacutetica de negativo ὂaὅὅaΝὅἷὄΝὂὁὅitivὁΝἶἷΝὂἷἶagὰgiἵὁΝaΝἶἷὅἵὁἴὄimἷὀtὁΝἶἷΝmὁὄaliἶaἶἷΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝἵiecircὀἵiardquoΝ (ὂέΝ1λ-20) Nesse sentido tambeacutem caminha a investigaccedilatildeo de Scott (2002) ao perguntar-se se o Soacutecrates histoacuterico tinha um meacutetodo e qual seria esse meacutetodo Demostrarei mais adiante que discordo dessa maneira de compreender e dividir a obra platocircnica e que a questatildeo se centra muito menos na busca por esses criteacuterios externos do que na compreensatildeo da forma de elaboraccedilatildeo caracteriacutestica do diaacutelogo platocircnico

72 23 O contexto histoacuterico e os personagens

feita por Frede parece que Soacutecrates natildeo tem nenhuma preocupaccedilatildeo com o saber Entretanto

na filosofia platocircnica ele parece representar justamente a figura central (por excelecircncia)

porque

() o fato de Soacutecrates rejeitar qualquer pretensatildeo de ao tiacutetulo de ldquomἷὅtὄἷΝἶialὧtiἵὁrdquoΝὧΝὁΝὃuἷΝfaὐΝἶἷlἷΝὁΝmὁἶἷlὁΝἶἷΝfilὰὅὁfὁΝὀaΝmἷἶiἶaΝἷmΝὃuἷΝaὂὄἷὅἷὀtaΝuma consciecircncia plena inteira que certamente os diaacutelogos identificam como umaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἶialὧtiἵaΝἵὁmὂlἷtaΝ(iὅtὁΝὧΝaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἶὁΝldquoἷὀtὄἷlaὦamἷὀtὁΝἶaὅΝfὁὄmaὅrdquoΝὁuΝoutra coisa similar) ndash isto eacute o que busca Soacutecrates Em outros termos o filoacutesofo ideal eacute este que Soacutecrates seria se ndash impossiacutevel como eu penso embora eu o ache o maior de todos aqueles que o mundo jaacute viu perseguir uma tal busca ndash que alcanccedilaria o fim almejado de sua pesquisa (ROWE 1999 p 20)

Talvez neste caso seja necessaacuterio postular e ao mesmo tempo concordar com o que

diz Dixsaut (2013) em uma interpretaccedilatildeo mais recente e independente daquelas mais

claacutessicas que Platatildeo nunca teria se separado completamente de Soacutecrates (2003 p 33-37)76

Neste caso seriacuteamos obrigados tambeacutem a concordar com a visatildeo supracitada de Rowe

(1999) Contudo ainda precisamos analisar pormenorizadamente algumas questotildees A

primeira eacute essa tentativa a meu ver equivocadaΝἶἷΝtἷὀtaὄΝldquoἷἵliὂὅaὄrdquoΝἶἷfiὀitivamἷὀtἷΝἵὁmὁΝ

nos diz Marques seja Soacutecrates seja o espiacuterito socraacutetico-platocircnico (2006 p 41) Jaacute vimos que

a posiccedilatildeo tradicionalmente adotada (com todo respeito aos autores que ainda adotam) aquela

especiacutefica de Soacutecrates ldquoὂὁὄta-vὁὐrdquoΝἶἷΝἢlatatildeὁΝὧΝiὀὅuὅtἷὀtὠvἷlΝὀatildeὁΝὧΝἶἷὅὅἷΝmὁἶὁΝὃuἷΝὅἷὄiaΝ

possiacutevel construirmos uma identidade platocircnica se eacute que isso seja possiacutevel O que seria

possiacutevel conforme alegam eacute que por meio do questionamento persistente de Soacutecrates

analisando o resultado de uma suposta sobreposiccedilatildeo desse personagem como representante

maacuteximo do pensamento platocircnico uma identidade platocircnica como nos diz Marques (2006)

ὃuἷΝὧΝldquo(έέέ)ΝὄἷὅultaἶὁΝἶaΝὅὁἴὄἷὂὁὅiὦatildeὁΝἷΝἵὁὀfluecircὀἵiaΝἶaὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝὅituaὦὴἷὅΝἶἷΝἷxamἷΝἶὁὅΝ

76 ldquoἏΝὃuἷὅtatildeὁΝὃuἷΝfiἵaΝὂὁὄΝἶἷtἷὄmiὀaὄΝὁἴviamἷὀtἷΝὀatildeὁΝἵὁὀὅiὅtἷΝἷmΝὅaἴἷὄΝὅἷΝἢlatatildeὁΝmuἶὁuΝἷmΝalguὀὅΝde seus pontos de vista desde sua juventude ateacute sua velhice em meio seacuteculo como escritor (natildeo poderia natildeo telo feito) nem se desenvolveu teorias proacuteprias e ateacute que ponto realmente se distanciou de das convicccedilotildees de socraacuteticas mais profundas que aparentemente abraccedilou nos diaacutelogos da juventude Podemos conjecturar com certa seguranccedila que Platatildeo se considerava a si mesma como um pensador socraacutetico se temos em conta por uma parte o modo como recorre ao nome de seu mestre para expor a linha de pensamento mais aprofundada na maioria de suas obras e por outra a defesa tanto de seu meacutetodo refutativo como de alguns de seus compromissos existenciais Natildeo duvidemos que Platatildeo manteacutem entre outros os seguintes princiacutepios socraacuteticos () uma certa crenccedila na providecircncia divina sua visatildeo teleoloacutegica da vida sua concepccedilatildeo essencialista da metafisica a psicologia e a eacutetica sua visatildeo da justiccedila como equiliacutebrio interior sua convicccedilatildeo de que natildeo vale a pena viver sem examinar constantemente de que sempre eacute preferiacutevel receber o mal a cometecirc-lo de que ningueacutem pratica o mal involuntariamente a natildeo ser por ignoracircncia de que a causa profunda da falta de poder para governar-se eacute a ignoracircncia e em geral a ideia de que o pior dos males que se podem ἵὁmἷtἷὄΝἵὁὀtὄaΝumΝὁuΝἵὁὀtὄaΝὁutὄὁΝὧΝtὁὄὀaὄΝὂiὁὄΝaΝἵὁὀἶiὦatildeὁΝἶἷΝὅuaΝalmardquoΝ(ἐἡἥἥIΝἀίίἆΝὂέΝἀ1ἅ-218)

73 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

difereὀtἷὅΝἶiὠlὁgὁὅrdquoΝ(ὂέΝἂ1)έΝΝἥὰἵὄatἷὅΝἷὀtatildeὁΝὅἷὄiaΝfὄutὁΝἶἷὅὅaΝὅuaΝἶifἷὄἷὀἵiaὦatildeὁΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝ

aos poetas artesatildeos poliacuteticos sofistas que ele daacute voz nos seus diaacutelogos o fio condutor ponto

de convergecircncia e unificaccedilatildeo das distintas visotildees que satildeo apresentados nas diversas

ocasiotildees dialoacutegicas Ora recorrendo a dados extras a uma fundamentaccedilatildeo calcada em uma

ἴaὅἷΝhiὅtὰὄiἵaΝὅἷmΝfuὀἶamἷὀtὁΝὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἶὁὅΝἶitὁὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅrdquoΝἶaΝjuvἷὀtuἶἷΝὅἷΝaὂὄὁximaὄiaΝ

de um Soacutecrates histoacuterico enquanto o dos demais diaacutelogos (maturidade e velhice) representam

aὅΝviὅὴἷὅΝἶἷΝumΝἢlatatildeὁΝmaἶuὄὁΝὁuΝἶὁΝldquovἷlhὁΝἢlatatildeὁrdquoΝὂὁὄΝἶἷfἷὀἶἷὄἷmΝamἴὁὅΝhiὂὰtἷὅἷὅΝἷΝ

teses mais positivas mais conclusivas mais doutrinaacuterias Deste modo Platatildeo estaria

assumindo seu pensamento filosoacutefico proacuteprio distanciando-se do Soacutecrates histoacuterico O

problema eacute que teses desse tipo natildeo se sustentam como explicar o desaparecimento de

ἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝalguὀὅΝἶὁὅΝἶitὁὅΝldquoἶiὠlὁgὁὅΝήltimὁὅrdquoςΝἑὁmὁΝἷxὂliἵaὄΝὅuaΝvὁltaΝaὁΝFilebo que eacute

nosso caso aqui em discussatildeo Devemos portanto descartar a ideia desse eclipse definitivo

(MARQUES 2006 p 41) Visotildees como estas causam inuacutemeros problemas os quais por

sinal uma anaacutelise mais profunda da concepccedilatildeo mimeacutetica platocircnica utilizada na composiccedilatildeo

dos diaacutelogos jaacute eliminaria agrave primeira vista O caso da intepretaccedilatildeo de Frede (1993) eacute um

exemplo decorrente dessa incompreensatildeo da forma caracteriacutestica de composiccedilatildeo dos

diaacutelogos platocircnicos como jaacute bem nos expocircs anteriormente Rowe (1999) No entanto a fim de

explicitarmos ainda mais podemos ainda recorrer agraves belas palavras de Marques

Os personagens criados por Platatildeo mais do que simples recursos de expressatildeo constituem um esforccedilo para tornar expliacutecitas e inteligiacuteveis atitudes eacuteticas e posiccedilotildees teoacutericas fundamentais detectaacuteveis entre os cidadatildeos artesatildeos homens poliacuteticos poetas e pensadores de sua eacutepoca de modo que a invenccedilatildeo de personagens constitui uma dinacircmica na qual retoacuterica e filosofia satildeo inseparaacuteveis A mesma estrateacutegia retoacuterica que consiste em fazer falar os outros estrutura os diaacutelogos com algumas variaccedilotildees encontramos personagens nomeados ou anocircnimos alusotildees mais ou menos diretas a indiviacuteduos histoacutericos personagens puramente fictiacutecios simples remissotildees a algueacutem que natildeo estaacute presente e ainda personagens-tipo ou mesmo argumentos personificados ao faὐἷὄΝfalaὄΝἷὅὅἷὅΝldquoὁutὄὁὅrdquoΝἢlatatildeὁΝὁὅΝaὅὅimilaΝpara produzi-los ou reproduzi-los enquanto personagens que dialogam entre si O que eacute uacutenico e fundamental eacute que ele soacute fala e pensa dessa maneira Nunca encontramos um discurso em primeira pessoa do proacuteprio autor dos diaacutelogos Platatildeo nos aparece assim como ventriacuteloquo maacutegico dos discursos imitador de homens e de caracteres sempre presente sempre ausente sempre pressuposto e visado sempre se evadindo Para sabermos o que diz Platatildeo eacute preciso interpretar eacute preciso contrapor e avaliar as diferenccedilas que significam as personagens e neste confronto tentar construir sua identidade De modo que soacute a encontramos atraveacutes de um processo complexo de progressiva construccedilatildeo do autor O autor sempre virtual eacute necessariamente o resultado de uma composiccedilatildeo operada pelo leitor Proponho caracterizar esse recurso retoacuterico-filosoacutefico fundamental utilizado por Platatildeo que consiste em falar e pensar atraveacutes de personagens como

74 23 O contexto histoacuterico e os personagens

umaΝldquoὄἷtὰὄiἵaΝἶaΝἶifἷὄἷὀὦardquoΝumΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝἶἷΝὂἷὄmaὀἷὀtἷΝldquoaltἷὄiὐaὦatildeὁΝἶἷΝὅirdquoΝao pensar e escrever (2006 p 40)

O retorno de Soacutecrates agrave cena nesse caso natildeo eacute tatildeo significativo como considera

Frede (1993) Esse fator eacute algo miacutenimo quando levamos em conta o modo como a escrita

platocircnica eacute forjada esse modo como Platatildeo constroacutei seus personagens seja na ausecircncia

seja na permanecircncia de Soacutecrates e de tantos outros personagens ndash modo este que o distingue

invariavelmente enquanto escritor-filoacutesofo ndash natildeo nos autoriza a postular um abandono do

socratismo mas muito pelo contraacuterio o que se nota eacute uma radicalizaccedilatildeo ainda maior do

espiacuterito socraacutetico na ausecircncia desse mesmo personagem Eacute justamente no confronto na

contraposiccedilatildeo na contradiccedilatildeo manifesta entre esses personagens ao se anteporem um

discurso ao outro e ambos serem verificados que poderemos pressupor construir uma tal

posiccedilatildeo platocircnica Desta maneira a relatividade eacute ultrapassada na medida em que o uacutenico

vencedor natildeo eacute nenhuma das duas teses mas uma terceira coisa Natildeo seria justamente isso

que as linhas do Filebo atestariam Nem inteligecircncia nem prazer mas uma terceira coisa

deve ser posta em questatildeo a vida boa mista Como encontrar pura e simplesmente refutaccedilatildeo

em discursos (ζσΰκδμ) simeacutetricos em que um afirma e o outro contesta77 Desta forma natildeo

restaria ao autor senatildeo conduzir a discussatildeo a um impasse Natildeo haacute vencedor o Filebo natildeo eacute

um diaacutelogo em que triunfaria a φδζκθδεέα mas nesse combate quem ganha eacute o proacuteprio ζσΰκμ

guiado por seu uacutenico objetivo alcanccedilar ao maacuteximo possiacutevel o verdadeiro

Nos diaacutelogos de Platatildeo como nos diria Marques (2006) vemos realizar-ὅἷΝumaΝldquo(έέέ)Ν

ἵὄiacutetiἵaΝὡΝἵὄiacutetiἵaΝὅὁfiacuteὅtiἵardquoΝ(ὂέΝἂἂ)ΝὁὅΝvalὁὄἷὅΝἶὁὅΝὅὁfiὅtaὅΝἷΝὅuaὅΝimὂliἵaὦὴἷὅΝὅatildeὁΝὂὁὅtὁὅΝἷmΝ

debate por meio da radicalizaccedilatildeo e do aprofundamento da atitude criacutetica aos valores comuns

o que por sinal acaba resultando em uma inversatildeo dos proacuteprios valores daqueles primeiros

(MARQUES 2006 p 44) Radicalizaccedilatildeo esta que natildeo se encontra distante mas muito

proacutexima daquela dos sofiὅtaὅΝaΝὀatildeὁΝὅἷὄΝὂἷlὁὅΝὁἴjἷtivὁὅΝἶiὅtiὀtὁὅΝἷὀtὄἷΝἷὅtἷὅΝldquoὅὠἴiὁὅrdquoΝἷΝὁὅΝἶἷΝ

ἥὰἵὄatἷὅέΝEacuteΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶἷΝumΝἶiὠlὁgὁΝldquovivὁrdquoΝὃuἷΝἷὅtἷὅΝvalὁὄἷὅΝ(ὧtiἵὁὅ)ΝὀὁvamἷὀtἷΝalἵaὀὦamΝumΝ

status objetivo eacute por meio deste exerciacutecio (escrito-dialoacutegico) que eles podem ser

reestabelecidos e oferecerem uma proposta filosoacutefica eficaz

Aqui natildeo nos deparamos com um Soacutecrates histoacuterico e pregresso que nem ao menos

podemos dizer de quem se trata ou se mesmo existe Pelo contraacuterio o mesmo furor dialeacutetico

e sua verve natildeo estatildeo ausentes no Soacutecrates do Filebo mas eles permanecem estritamente

relacionados aos objetivos (dialeacuteticos) pertinentes agraves questotildees ali desenvolvidas postas no

exame dialeacutetico confirmando ainda mais a potecircncia desse exerciacutecio (socraacutetico-platocircnico)

77 Falo mais detalhadamente sobre isso no proacuteximo capiacutetulo

75 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

primordial78 O erro de Frede (1993) em relaccedilatildeo a esse primeiro aspecto eacute natildeo conseguir

notar em meio agraves bruscas transiccedilotildees do Filebo ὁΝldquoὅἷὀtiἶὁΝmaiὁὄrdquoΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝaΝὄἷflἷxatildeὁΝἶὁὅΝ

prazeres no diaacutelogo e sua estrita relaccedilatildeo com a dialeacutetica demonstrando ainda mais a forccedila

do proacuteprio pensamento como jamais vista na obra platocircnica Dito de outro modo ao deixar de

notar a riqueza do diaacutelogo associando-o a um debate puramente escoliasta a teoacuterica alematilde

esquece-se da riqueza que constitui natildeo apenas o Filebo mas os diaacutelogos em geral o prazer

aqui eacute tratado como muitas das mais importantes questotildees do pensamento filosoacutefico de

Platatildeo como uma questatildeo refinada de estilo ou melhor uma questatildeo de gosto que reflete a

proacutepria habilidade e genialidade literaacuteria de Platatildeo

De tal modo uma distinccedilatildeo entre conteuacutedo e forma no pensamento filosoacutefico de Platatildeo

natildeo se aplica agraves caracteriacutesticas proacuteprias de uma filosofia em sua profundidade

essencialmente dialeacutetica Por isso justifica-se a criacutetica de Rowe (1999) agrave autora ao

caracterizar os objetivos de Soacutecrates em relaccedilatildeo a Protarco como destinados unicamente a

um processo de conversatildeo do interlocutor agrave suposta tese de Soacutecrates Vale lembrar que quem

ganha a batalha no ΰυθ filosoacutefico eacute o proacuteprio ζσΰκμ posto em debate eacute a isso que assistimos

tambeacutem no Filebo tanto o discurso de Soacutecrates quanto o de Protarco se ajustam agraves

exigecircncias dialeacuteticas a busca pelo saber verdadeiro sobre o que de comum acordo estatildeo

buscando

Soc Bem Protarco sem ocultar entatildeo a diferenccedila entre a tua e a minha mas expondo-a agrave visatildeo de todos vamos ousar ver se ao serem examinadas ( ζ ΰξση θκδ)79 podem elas nos indicar se devemos chamar de bem o prazer ou o pensamento ou uma terceira coisa Pois certamente agora natildeo entramos nessa disputa para dar vitoacuteria (φδζκθδεκ η θ) ao que eu defendo ou ao que tu defendes Devemos sim combater juntos e aliados ao mais verdadeiro ( ππμ ΰ έγ ηαδ α rsquoΝ αδ θδε θ α α γrsquoΝ rsquoΝΪζβγ Ϊ ῖ πκυ υηηαξ ῖθ η μ αηφπ) (14b1-7)

78 Demostro jaacute aqui respeitosamente meu profundo desacordo com o tipo de leitura que propotildee Benoit (ἀίίἅΝὂέΝ1λλ)έΝἑὁmὂὄἷἷὀἶὁΝὅuaΝἶἷὀὁmiὀaἶaΝ ldquomἷtὁἶὁlὁgiaΝἶaὅΝ tἷmὂὁὄaliἶaἶἷὅΝ imaὀἷὀtἷὅrdquoΝἷmΝὅuaΝanaacutelise do diaacutelogo εaὅΝὀatildeὁΝἵὄἷiὁΝὃuἷΝldquoaΝὂὄuἶecircὀἵiaΝὅὁἵὄὠtiἵaΝtaὄἶiardquoΝaΝὃualΝἷlἷΝἶἷmὁὀὅtὄaΝἷὅtaὄΝὂὄἷὅἷὀtἷΝna composiccedilatildeo do FileboΝatἷὅtaὀἶὁΝἷmΝἶaἶὁΝmὁmἷὀtὁΝumaΝldquoὂὁὅὅiacutevἷlrsquoΝfaἶigaΝἶὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἶὁΝὀὁὅὅὁΝdiaacutelogo a ponto de colocar em questatildeo a proacutepria dialeacutetica enquanto ciecircncia primeira Pretendo contestar essa leitura ao tratar do modo como Platatildeo entende o processo do conhecimento e o que ὅigὀifiἵaΝἷὅtἷΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝaὃuilὁΝὃuἷΝὁΝὀὁὅὅὁΝfilὰὅὁfὁΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoὁὂiὀiatildeὁΝvἷὄἶaἶἷiὄardquoΝἷΝὅuaΝὄἷlaὦatildeὁΝcom a iaθκδα no diaacutelogo algo que surgiraacute propriamente em nossa anaacutelise (gnosioloacutegica-axioloacutegica) presente no Filebo quando da caracterizaccedilatildeo e distinccedilatildeo dos prazeres falsos e dos prazeres verdadeiros 79 Dixsaut (2008) nos chama atenccedilatildeo ao fato de que ateacute o Sofista o termo ζ ΰξκμΝὀuὀἵaΝὧΝἶἷfiὀido mas nos diaacutelogos em que se trata da dialeacutetica propriamente ζ ΰξκμΝἷΝ ζΫΰξ δθ possuem o sentido de exame como eacute o caso do Filebo supracitado (14b) em pocircr agrave prova (50d) (Cf DIXSAUT 2008 p 116)

76 23 O contexto histoacuterico e os personagens

Mas ainda resta um ponto e quanto ao ζ ΰξκμςΝ ἢὁἶἷmὁὅΝ afiὄmaὄΝ ἵὁmὁΝ ἔὄἷἶἷΝ

(1993) que ele estaacute presente no Filebo Ou discordarmos dela como faz Rowe (1999) Creio

que esta questatildeo jaacute teria sido suficientemente explicada com o que dissemos anteriormente

Poreacutem ainda resta algo Podemos notar que neste suposto regresso ao que a autora

ἶἷὀὁmiὀaΝ ὂἷὄfilΝ ὧtiἵὁΝ ἶaὅΝ ὃuἷὅtὴἷὅΝ aἴὁὄἶaἶaὅΝ ὂἷlὁΝ ἶitὁΝ ldquoἥὰἵὄatἷὅΝ hiὅtὰὄiἵὁrdquoΝ ἵὁmὁΝ ὅἷΝ aὅΝ

questotildees eacuteticas da filosofia platocircnica estivessem adstritas ao denominado periacuteodo juvenil ou

que natildeo possuiacutemos ali nada que natildeo fosse eacutetico ou que a refutaccedilatildeo fosse uma fase primitiva

do processo dialeacutetico Essa visatildeo aleacutem de distorcida eacute preconceituosa a qualquer leitor

dedicado de Platatildeo ou ao mesmo iniciante jaacute que seria possiacutevel presumir que as ditas

ldquoἶiὅἵiὂliὀaὅΝfilὁὅὰfiἵaὅrdquoΝfὁὄmamΝumΝἵὁὀjuὀtὁΝἶἷΝiὀtὄiacuteὀὅἷἵaὅΝὄἷlaὦὴἷὅΝἷΝὃuἷΝὃualὃuἷὄΝtἷὀtativaΝ

de separaccedilatildeo levaria o proacuteprio inteacuterprete mais ao fracasso do que propriamente a resultados

eficazes Sobre isso gostaria de retomar um texto de Dixsaut (2008) no qual ela proacutepria

adverte

Por conseguinte em meu ponto de vista o preconceito do qual todo comentador dos diaacutelogos deveria se ocupar ou ao menos a respeito do qual deveria dar-se o trabalho de refletir eacute aquele da oposiccedilatildeo niacutetida entre positivo e negativo Ao meacutetodo negativo e destrutivo do eacutelenkhos socraacutetico sucederia dizem a doutrina platocircnica de um conhecimento positivo das Formas Ora a positividade estaacute para Platatildeo assim como para seu Soacutecrates inteiramente do lado da opiniatildeo e eacute preciso purgar a alma de suas certezas convicccedilotildees evidecircncias (sintaticamente afirmativas ou negativas) Para sair da alternativa ὅimὂliὅtaΝἶὁΝldquoὁuΝiὅὅὁέέέΝὁuΝaὃuilὁrdquoΝ(ὁuΝἵὧtiἵὁΝὁuΝmἷtafiacuteὅiἵὁΝἶὁgmὠtiἵὁ)ΝἷΝἶaΝhipoacutetese de uma sucessatildeo que os textos natildeo atestam eacute preciso antes creio compreender que saber o que natildeo eacute uma coisa eacute jaacute saber muito mais sobre o que ela eacute do que quando se acreditava conhececirc-la () (p 122)

ἓmΝὅἷΝtὄataὀἶὁΝἶἷΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝumaΝὅuἵἷὅὅatildeὁΝtἷmὂὁὄalΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝὡΝἶitaΝldquoὄἷfutaὦatildeὁrdquoΝ

nos diaacutelogos devemos ainda levar em consideraccedilatildeo o que nos diz a proacutepria Dixsaut (2008)

para quem κ ζ ΰξκμΝὧΝἵὁὀἶiὦatildeὁΝὂὄὧviaΝἶaΝπαδ έα e natildeo da dialeacutetica deste modo o caraacuteter

ldquoὂuὄifiἵaἶὁὄrdquoΝviὅtὁΝἵὁmὁΝὀἷgativὁΝἷmΝumΝὂὄimἷiὄὁΝmὁmἷὀtὁΝἵὁmὁΝὄἷlἷvaὀtἷΝἷΝumaΝἶaὅΝmaiὅΝ

importantes funccedilotildees da refutaccedilatildeo eacute apenas condiccedilatildeo preacutevia para o exerciacutecio dialeacutetico como

nos apontaria a sexta definiccedilatildeo do Sofista Por isso devemos rejeitar essa claacutessica divisatildeo

(equivocada) por dois motivos (i) porque natildeo temos uma base soacutelida histoacuterica para afirmar tal

anterioridade cronoloacutegica (ii) ὂὁὄὃuἷΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ ἵhamaΝ ldquoὄἷfutaὦatildeὁΝ ὅὁἵὄὠtiἵardquoΝ ὧΝ muitὁΝ maiὅΝ

aristoteacutelico do que que propriamente platocircnico ou socraacutetico (iii) o que Platatildeo toma de Soacutecrates

natildeo eacute a refutaccedilatildeo tout et court enquanto teacutecnica mas que o saber verdadeiro passa pela

consciecircncia do natildeo-saber Isso seria suficiente para eliminar o caraacuteter doxaacutestico pois a

verdade natildeo eacute posse de enunciados concretos e contraacuteria ao falso mas objeto de busca e

desejo

77 ASPECTOS INTRODUTOacuteRIOS AS ESPECIFICIDADES (ANTES DO FILEBO)

() ela [a verdade] natildeo eacute a posse de alguns enunciados e diferentemente do verdadeiro que tem por contraacuterio o falso que soacute pode ser dito da opiniatildeo a vἷὄἶaἶἷΝὀatildeὁΝtἷmΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝἷlaΝὧΝὁΝldquoἷlἷmἷὀtὁrdquoΝὀὁΝὃualΝὅἷΝmὁvἷΝumΝὅaἴἷὄΝὃuἷΝnele mesmo jamais pode ser falso (um saber que pode apenas errar o seu fim) O filoacutesofo tal como Platatildeo o concebe natildeo eacute saacutebio tampouco deteacutem a verdade ele busca aquilo que na verdade eacute proacuteprio do que eacute verdadeiramente Aprender examinar buscar interrogar e responder ndash natildeo haacute e jamais houve para Platatildeo outras modalidades de saber Isso natildeo faz no entanto do filoacutesofo um ignorante porque segundo ele ignorar natildeo eacute o contraacuterio de saber mas sim crer que se sabe A maneira que o filoacutesofo tem de natildeo saber orienta sua ruptura com os modos de formulaccedilatildeo proacuteprios da opiniatildeo afirmaccedilatildeo e negaccedilatildeo Conceber o saber mais elevado como um saber dialeacutetico significa com efeito outra coisa que determinaacute-lo como um conjunto de proposiccedilotildees afirmativas e negativas mas fazer dele o exerciacutecio de um pensamento que eacute antes de tudo e necessariamente interrogativo (DIXSAUT 2008 p 121)

Por fim resta dizer que o que estaacute em jogo no Filebo eacute consoante com o que diz a

supracitada autora tratar de submeter tanto prazer quanto o conhecimento a uma apreciaccedilatildeo

comum colaborativa o que por sinal atesta ainda mais uma coerecircncia natildeo somente com os

ἶiὠlὁgὁὅΝ ἶὁΝ ἵhamaἶὁΝ ldquoήltimὁΝ ὂἷὄiacuteὁἶὁrdquoΝ ἶaΝ ὁἴὄaΝ platocircnica mas com todos os diaacutelogos que

precedem aquele da forccedila do conhecimento dialeacutetico cujo sentido mais profundo eacute tambeacutem

representado personificado pela figura de Soacutecrates poreacutem natildeo apenas nele mas com ele e

com os demais interlocutores que afirmam com ainda mais veemecircncia o poder contido nisto

que Platatildeo denomina como atividade por excelecircncia a busca conjunta pelo verdadeiro Neste

sentido eacute inuacutetil falar em positivo e negativo e contraacuterio e favoraacutevel O nosso diaacutelogo vai aleacutem

disso e demonstra quatildeo prospectivo eacute esse exerciacutecio do pensamento da alma ou como diz a

ὂὄὰὂὄiaΝἒixὅautΝὃuatildeὁμΝldquo(έέέ)Νiὀtἷὄὄὁgativὁ ἷΝiὀvἷὀtivὁrdquoΝἷlἷΝἶἷvἷΝὅἷὄΝ(ἀίίἆ p 122)

A variabilidade das formas de tratamento e de apresentaccedilatildeo de temas relevantes natildeo

deve resultar em visotildees de ruptura evoluccedilatildeo ou mesmo contradiccedilatildeo na obra platocircnica mas

sim sinal de fecundidade de diferentes perspectivas complementares e que nos tornam

possiacutevel analisar um mesmo problema retomando-o poreacutem sob um novo acircngulo sob um

novo ponto de vista Potencialidade do proacuteprio pensamento que Platatildeo reconhece como a

mais significativa justamente por natildeo se esgotar ou seja pela impossibilidade de uma

verdade ser tatildeo irrefutaacutevel a ponto de natildeo ser submetida agrave fecundidade caracteriacutestica da

proacutepria dialeacutetica Em suma reafirma-se assim a plena e autecircntica identificaccedilatildeo entre o

filoacutesofo e o dialeacutetico ao tornaacute-los jaacute aqui ambos uma uacutenica coisa

78 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

3 O PRAZER SEGUNDO PLATAtildeO UMA ANAacuteLISE A PARTIR DO FILEBO

31 Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

Como se poderaacute notar ao longo da anaacutelise do Filebo natildeo eacute somente o seu brusco e

reticente final que parece enigmaacutetico mas igualmente seu iniacutecio possui esta mesma

qualidade Diferentemente daqueles diaacutelogos como Craacutetilo Mecircnon Iacuteon Repuacuteblica os quais

possuem um claro iniacutecio (ab inicioab ovo) estamos diante de um diaacutelogo ao contraacuterio

daqueles in media res Dito de outro modo Soacutecrates ndash que por sinal depois de algum tempo

retorna agrave cena como condutor do Diaacutelogo ndash jaacute natildeo porta uma exigecircncia definicional que por

sinal natildeo se alcanccedila em muitos casos nem mesmo atua como aacuterbitro da discussatildeo isto eacute

quando convocado a tomar qualquer posicionamento no debate em questatildeo ele natildeo o faz80

No Filebo deparamo-nos com uma situaccedilatildeo distinta das anteriormente descritas Eacute

Soacutecrates que jaacute no iniacutecio do diaacutelogo (11a-b) recapitula ( υΰε φαζαδπ υη γα) cada um dos

dois discursos (ζσΰκδ) apresentados81 E mais um destes discursos pertence ao proacuteprio

Soacutecrates isto eacute ele eacute parte interessada da discussatildeo Do mesmo modo seu interlocutor

Protarco eacute forccedilado a receber uma das teses a de Filebo (personagem homocircnimo ao diaacutelogo)

O discurso de Soacutecrates aὃuiΝἵὁmὁΝἷxὂliἵaΝἒixὅautΝ(ἀί1ἅ)ΝὧΝumΝldquoἵὁὀtὄaἶiὅἵuὄὅὁrdquoΝldquoΝiὅtὁΝ

ὧΝ ldquo(έέέ)Ν ὃuἷΝ ὀatildeὁΝ ὂὁἶἷΝ ἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝ ὁΝ valὁὄΝ ἶὁΝ ὃuἷΝ valὁὄiὐaΝ ὅἷὀatildeὁΝ ἵὁmὂaὄativamἷὀtἷΝ ἷΝ

desvalorizando isso ao que elἷΝὁΝἵὁmὂaὄardquoΝ(ὂέΝἀἂἄ)έΝVἷjamὁὅΝὀὁΝἷὀtaὀtὁΝἵὁmὁΝὅἷΝiὀiἵiaΝaΝ

discussatildeo

() Soc Entatildeo Protarco vecirc qual discurso ( έθα ζσΰκθ) estaacutes prestes a receber a0gora de Filebo e tambeacutem a nossa que vais contestar ( θ παλrsquoΝ ηῖθ

ηφδ ίβ ῖθ) caso o que ela expresse natildeo seja do teu agrado Queres que a recapitulemos cada um deles82 Prot Sim certamente (11a-11b3)

Ora o texto evidencia que seraacute necessaacuterio contestar ( ηφδ ίβ ῖθ) um discurso essa

eacute a tarefa que cabe a Protarco e a que Soacutecrates agora iraacute recapitular segundo a exigecircncia

80 Podemos aqui retomar as trecircs particularidades apresentadas na conversa entre Soacutecrates Filebo e ἢὄὁtaὄἵὁΝὂὁὄΝἠὁtὁmiμΝldquo(i)ΝὅἷmΝiὀtὄὁἶuὦatildeὁΝaἶἷὃuaἶaΝὁΝἶiὠlὁgὁΝmἷὄgulhaΝὀaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὂὄiὀἵiὂalνΝ(ii)ΝaὀtἷὅΝde iniciaacute-la uma outra discussatildeo com o mesmo assunto eacute assumida como jaacute tendo sido realizada (iii) um novo diaacutelogo se inicia com a mudanccedila dos interlocutores de Soacutecrates passando de Filebo para ἢὄὁtaὄἵὁrdquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝἅἂ)έ 81 Preferimos natildeo traduzir aqui ζσΰκδ como costumeiramente fazem alguns tradutores assim como faz Muniz (2012) dentre outros como Boeri (2010) e Diegraves (1966) por exemplo Pradeau (2002) por sua vez parece se aproximar mais de uma traduccedilatildeo apropriada ao traduzir έθα ζσΰκθ ὂὁὄΝldquoaὄgumἷὀtὁrdquoέΝἓxὂliἵὁΝmaiὅΝaἶiaὀtἷΝtὁἶaviaΝὂὁὄὃuἷΝaΝtὄaἶuὦatildeὁΝἶἷὅὅἷΝtἷὄmὁΝὂὁὄΝldquotἷὅἷrdquoΝὁἵaὅiὁὀaὄiaΝumaΝmuἶaὀὦaΝἶἷΝsentido naquilo que eacute proposto por Soacutecrates nesse momento 82 Utilizo aqui fundamentalmente a traduccedilatildeo brasileira de Muniz (2012) com modificaccedilotildees sempre assinaladas em suas ocorrecircncias

79 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

de Protarco Mas o que esse uacuteltimo deveraacute contestar Como diz Soacutecrates em 11b3 Filebo

afirma (φβ δ) que

() para todos os seres vivos bom eacute o agrado o prazer o deleite e quanto for consoante com esse gecircnero Na nossa contestaccedilatildeo natildeo eacute isso mas o pensamento a inteligecircncia a memoacuteria e o que lhes for aparentado como a opiniatildeo correta e o raciociacutenio verdadeiro satildeo melhores e tecircm mais valor que o prazer para tudo quanto for capaz de tomar parte nessas coisas e essas satildeo dentre todas as coisas o que haacute de mais uacutetil para tudo o que existe que existiraacute e que possa participar delas Natildeo eacute isso mais ou menos o que cada um de noacutes afirma Prot Sim certamente Ω Φέζβίκμ η θ κ θγθ ΰαγ θ θαέ φβ δ ξαέλ δθ π δ α κδμ εα θ

κθ θ εα λοδθ εα α κ ΰΫθκγμ κτ κυ τηφκθα παλrsquoΝ η θ ηφδ ίά βηΪ δ η α α ζζα φλκθ ῖθ εα θκ ῖθ εα η ηθ γαδ εα κτ πθ α υΰΰ θ σιαθ λγ θ εα ζβγ ῖ ζκΰδ ηκτμ μ ΰ κθ μ

η έθπ εα ζ π ΰέΰθ αδ τη α δθ απ λ α θ υθα η αζαί ῖθ

γθα κῖμ η α ξ ῖθ ζ ηδηυ α κθ πΪθ πθ θαδ π δ κῖμ κ έ εα κηΫθκδμ η θ κ ξ κ π ππμ ζ ΰκη θ Φέζβί εΪ πκδ

ΠΡΩέΝΠΪθ πθΝη θΝκ θΝηΪζδ αΝ υελα μέΝ(11b4-c4)

Olhando detalhadamente Soacutecrates natildeo fala aqui do bem ( ΰαγ θ)ΝmaὅΝἶὁΝldquomἷlhὁὄΝ

ἷΝἶὁΝmaiὅΝἷxἵἷlἷὀtἷrdquoΝ( η έθπ εα ζ π83) Natildeo haacute portanto aqui contradiccedilatildeo entre os dois

discursos como nos sugere Dixsaut (2017 p 246)84 Isso natildeo exclui de antematildeo que os

prazeres natildeo sejam bons natildeo poderiacuteamos jaacute deduzir isso diante do que foi apresentado por

Soacutecrates satildeo tout court dois discursos De um lado temos Filebo que afirma irresolutamente

que todo prazer eacute bom e tudo aquilo que pertence ao mesmo gecircnero deste Por outro temos

Soacutecrates que lhe contesta dizendo que o que tem mais valor eacute o pensamento

Neste iniacutecio de diaacutelogo nos eacute dada uma hierarquia de bens haacute uma perspectiva

ldquoagὁὀalrdquoΝἷΝὀatildeὁΝldquoἶἷfiὀiἵiὁὀalrdquoΝἵὁmὁΝὅugἷὄἷΝἒixὅautΝ(2017 p 246) De antematildeo jaacute eacute possiacutevel

vislumbrar que uma dada classificaccedilatildeo estaacute por vir no decorrer da argumentaccedilatildeo mas ainda

83 Creio aqui ser conveniente reproduzir na iacutentegra o que diz Dixsaut (2017) sobre a expressatildeo utilizada ὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquoἏὃuiΝ(ἷmΝ11ἴλ)ΝἥὰἵὄatἷὅΝἷmὂὄἷgaΝumaΝfὰὄmulaΝὄitualΝἷὀἵὁὀtὄamὁὅΝaΝmἷὅmaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝnas primeiras linhas do livro VIII das LeisΝἆἀἆaμΝlsquoὁὅΝὅaἵὄifiacuteἵiὁὅΝὅἷὄὠΝmἷlhὁὄΝἷΝmaiὅΝἷxἵἷlἷὀtἷΝὂaὄaΝaΝCidade oferecer aos deuὅἷὅrsquoέΝEacuteΝὂὁὅὅiacutevἷlΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝ iὀἶiὃuἷΝaὅὅimΝὃuἷΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝ tἷmΝumaΝcaracteriacutestica sagrada para aqueles que tecircm parte com ele Mas ζ π tem em Homero simplesmente o sentido de mais desejaacutevel mais agradaacutevel e eacute nos autores traacutegicos simples comparativo de ΰαγσθrdquoΝ(p 246 n 3) 84 Tal fato confirmaria a tese de que natildeo se fala aqui do bem num sentido ontoloacutegico como na Repuacuteblica (VIIΝἃίἃἴἄ)μΝldquoἏΝmultiἶatildeὁΝfaὐΝἵὁὀὅiὅtiὄΝὁΝἴἷmΝὀὁΝὂὄaὐἷὄΝ( κθ κε ῖ θαδ ΰαγσθ) os refinados na inteligecircncia Apesar de parecidas a questatildeo que envolve o Filebo natildeo eacute a definiccedilatildeo do Bem mas a ldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἑὁmὁΝἶiὐΝἐὄavὁΝ(ἀίίλ)ΝldquoἷmΝFilebo reaparecem os mesmos candidatos embora dessa vez ὀumΝἵὁὀtἷxtὁΝὧtiἵὁrdquoΝ(ὂέΝἂ1ἀ)έ

80 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

natildeo temos contradiccedilatildeo nem mesmo exclusatildeo Parece-nos e insistimos apenas parece que

cada um encontraraacute seu lugar Por isso

() natildeo eacute de modo algum certo que o Filebo se inicie com a confrontaccedilatildeo de duas teses o conjunto do diaacutelogo testemunha muito mais o esforccedilo de Soacutecrates para transformar em tese o que precisamente natildeo eacute uma mas arrisca ser uma afirmaccedilatildeo inapreensiacutevel Mas que faria entatildeo o belo Filebo a natildeo ser enunciar uma tese hedonista Ele afirma e celebra e o que ele celebra atraveacutes da bondade do prazer eacute o valor da vida (DIXSAUT 2017 p 247)

Como jaacute dissemos anteriormente haacute uma discussatildeo claacutessica em torno dos

personagens que compotildeem o diaacutelogo visto que natildeo se encontram referenciais histoacutericos com

estes nomes (Filebo e Protarco) na eacutepoca em que Platatildeo viveu A tentativa dos comentadores

claacutessicos ateacute entatildeo fora personificar as teses ou seja encontrar na claacutessica querela

(hedonismo versus anti-hedonismo) defensores de ambas as teses Nesta visatildeo claacutessica

Filebo e Protarco seriam porta-vozes de Eudoxo de Cnidos e de Aristipo e os cirenaicos em

geral (hedonistas) e Soacutecrates por sua vez representaria (nesse primeiro momento do

diaacutelogo) Antiacutestenes (anti-hedonista porta-vὁὐΝ ὂὁὄtaὀtὁΝ ἶἷΝ umΝ ὅuὂὁὅtὁΝ ldquoiὀtἷlἷἵtualiὅmὁΝ

ὅὁἵὄὠtiἵὁrdquoΝndash ainda que como veremos mais adiante se torna pois insustentaacutevel a suposiccedilatildeo

que Soacutecrates defenda na obra um anti-hedonismo)

Sendo assim fica difiacutecil sustentar veementemente que no iniacutecio do Filebo temos

expressas posiccedilotildees ora hedonistas ora anti-hedonistas A questatildeo eacute mais complexa Isto

porque aqui a despeito dos demais diaacutelogos a questatildeo da essecircncia natildeo eacute sequer postulada

por Soacutecrates com toda clareza e seriedade Essa eacute uma das principais dificuldades levantadas

jaacute nas primeiras linhas do texto isto eacute Soacutecrates jaacute natildeo eacute mais o mesmo ou pelo menos

incialmente aquele personagem que conhecemos que jaacute deixaria notar seu questionamento

perseverante e centrado na natureza da coisa da qual fala (DIXSAUT 2017 p 248) Ο ζσΰκμ

aqui eacute contestaccedilatildeo e se espera uma resposta uma outra contestaccedilatildeo85

Mas como refutar aquilo que Filebo apenas afirma isto eacute que o prazer eacute bom E ele

afirma o oacutebvio para todos os seres vivos o bom eacute o agradaacutevel o prazer o deleite e tudo mais

que eacute semelhante a este gecircnero isto eacute que o prazer eacute bom ou ainda que satildeo bens pelos

quais todos os seres vivos anseiam Enquanto Soacutecrates faz uso dos comparativos86 ndash o que

ὁΝἶiὅtaὀἵiaὄiaΝἶὁΝldquoἵiacuteὄἵulὁΝἶὁὅΝὄἷfiὀaἶὁὅrdquoΝἶaΝRepuacuteblica ndash por discordar desde jaacute que qualquer

ὂὄivilὧgiὁΝὂὁὅὅaΝὅἷὄΝἵὁὀἵἷἶiἶὁΝὡΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝἴἷmΝὃuἷὄΝἶiὐἷὄΝldquo(έέέ)ΝἵὁmὁΝvalὁὄΝ

85 ldquoἒiaὀtἷΝἶe Filebo Soacutecrates pode aparentemente apenas refutar e Protarco vecirc a si confiada a missatildeo ἶἷΝὄἷfutaὄΝἷὅὅaΝὄἷfutaὦatildeὁέrdquoΝἢὁἶἷmὁὅΝὁἴὅἷὄvaὄΝὃuἷΝἔilἷἴὁΝὀatildeὁΝἵὁὀtἷὅtaΝὀaἶaμΝἷlἷΝafiὄmaΝ(έέέ)ΝἷΝἥὰἵὄatἷὅΝtriunfa em combater sua afirmaccedilatildeo somente quando afirma um valor mais alto ndash inventando o ὂἷὀὅamἷὀtὁΝἵὁmὁΝvalὁὄrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἂἆ)έ 86 Como tambeacutem jaacute teria sugerido Lisi (1995 p 67)

81 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

ἶὁΝ ὃualΝ ὁΝ ὂἷὀὅamἷὀtὁΝ ὄἷtiὄaὄiaΝ ὅἷuΝ valὁὄrdquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝ ἀί1ἅΝ ὂέΝ ἀἂλ)έΝ IὅtὁΝ ὧΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὅὰΝ

demonstrou que a inteligecircncia tambeacutem eacute boa justamente por esse uso dos comparativos o

pensamento a opiniatildeo correta e o raciociacutenio verdadeiro satildeo melhores e tecircm mais utilidade

que o prazer e tudo que participa dessas coisas elas satildeo e sempre seratildeo o que haacute de mais

valioso

Dito isso fica claro no curso da argumentaccedilatildeo que a inteligecircncia e o pensamento se

tornam comparaacuteveis mas natildeo de forma absoluta como na tese dos refinados da Repuacuteblica

(VI 505b) tese inaceitaacutevel por parte de Soacutecratesndash isto eacute aquela que afirma que o pensamento

(φλσθβ μ) eacute o bem ndash mas eles satildeo preferiacuteveis ao prazer Para os que participam da

inteligecircncia eles satildeo melhores (para alguns) do que o prazer poreacutem como nos diz Dixsaut

(2017) essa comparabilidade e por conseguinte preferecircncia eacute ambiacutegua e traz

consequecircὀἵiaὅΝὅimilaὄἷὅΝaὁΝὂὄaὐἷὄΝὂὁiὅΝldquo[] se eles satildeo reduzidos a desse modo proclamar

sua superioridade eacute porque a pretensatildeo do prazer possui forccedila suficiente para constrangecirc-

lὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἂλ)έΝἓὅὅaΝὅἷὄiaΝὁΝὃuἷΝaΝautὁὄaΝfὄaὀἵἷὅaΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoiὀfἷliἵiἶaἶἷrdquoΝdo pensamento

a qual teria tambeacutem por tarefa convencer os seres vivos de que necessitam muito mais dele

do que dos prazeres (DIXSAUT 2017 p 249)

No entanto como nos sugere ainda Dixsaut natildeo eacute justo afirmar que jaacute no iniacutecio diaacutelogo

tenhamos uma espeacutecie de confronto pois natildeo haacute sequer a formulaccedilatildeo de alguma questatildeo

mas diante da defesa da existecircncia de opiniotildees contraacuterias a pergunta seria se Filebo defende

uma tese peremptoriamente contra quem ele seria Soacutecrates ou Protarco87 (p 250) A

discussatildeo prossegue e Filebo demonstra sua saiacuteda do diaacutelogo dando ( δ ση θκθ) seu

discurso agrave Protarco que quando questionado sobre tal oferta pelo condutor da discussatildeo diz

ldquoὅὁuΝfὁὄὦaἶὁΝaΝaἵἷitaὄΝjὠΝὃuἷΝὁΝἴἷlὁΝὅἷΝἵaὀὅὁuΝ( π έλβε θ) (11c7-8)88rdquoέΝἏΝὄἷὀήὀἵiaΝἶἷΝἔilebo

portanto eacute uma renuacutencia ao ζσΰκμ ele estaacute exausto de falar natildeo de dizer aquilo que ele

ἶἷfἷὀἶἷΝ ldquoἷlἷΝ ἷὅtὠΝ ἷxauὅtὁΝ ἶaΝ ὂἷὄὅὂἷἵtivaΝ de falar (grifo da autora) ele estaacute exausto por

antecipaccedilatildeo do logos pelo menos daquele que Soacutecrates impocircs o uso (DIXSAUT 2017 p

250)89

87 Gosling em seu comentaacuterio geral da obra escreve nessa seccedilatildeo somos introduzidos na disputa que teria sido entre Filebo e PrὁtaὄἵὁΝὅὁἴὄἷΝὅἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὁuΝaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝὧΝὁΝἴἷmrdquoΝ(1λἅἃΝὂέΝ1ἁλ)έΝἥἷguὀἶὁΝo tradutor do diaacutelogo mais adiante como demonstraria o texto (11c7-8) Filebo teria terminado por convencer Protarco de sua tese e por isso ele a assumiria a partir daiacute a posiccedilatildeo daquele no decorrer da argumentaccedilatildeo 88 Bernadete nos chama atenccedilatildeo em sua traduccedilatildeo do diaacutelogo acerca desse verbo ( π έλβε θ)μΝldquoἓὅὅἷΝtὄὁἵaἶilhὁΝἷὀtὄἷΝldquotἷὄΝἶἷὅiὅtiἶὁrdquoΝὁuΝldquotἷὄΝὅἷΝἵaὀὅaἶὁrdquoΝ(apeirekenai) e o ilimitado (apeiron) eacute ecoada no fim do diaacutelogo (67b) com apereis (ldquovὁἵecircΝὀatildeὁΝ iὄὠΝἶἷὅiὅtiὄrdquo)έΝἥἷΝ ὄἷtὁmamὁὅΝὁΝὅigὀifiἵaἶὁΝἶὁΝvἷὄἴὁΝ eipien (falar) apeipein ὀἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁΝὅigὀifiἵaὄiaΝldquofalaὄΝatὧΝὅἷΝἷὅgὁtaὄrdquoΝ(ἐἓἤἠἏἒἓἦἓΝ1λλἁΝὂέΝἀΝὀέΝἆ) 89 ἒixὅautΝὄἷὅὅaltaΝaiὀἶaΝmaiὅΝaἶiaὀtἷΝὃuἷμΝldquoἓlἷΝ[ἔilἷἴὁ]ΝὀatildeὁΝὅἷΝὄἷtiὄaΝὂor impotecircncia em dar razatildeo ao que diz mas porque recusa submeter-ὅἷΝὡΝἷxigecircὀἵiaΝἶἷΝ lsquoἶaὄΝὄaὐatildeὁrsquordquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃί-251) Nesse sentido duas anaacutelises sobre essa recusa satildeo importantes a de Diegraves (1966) e a de Fruumlchon (1994) Diegraves salienta que para analisar o prazer numa discussatildeo racional e tambeacutem para suportar a

82 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

Dito isso parece que o problema claacutessico se dilui pelo menos agrave primeira vista pois

natildeo se trata de uma questatildeo colocada e isso nos leva a supor ndash com grande probabilidade ndash

que natildeo haacute como desejam alguns inteacuterpretes claacutessicos90 do diaacutelogo em questatildeo um diaacutelogo

anterior a esse encenado no Filebo por Platatildeo Tudo indica que haacute uma construccedilatildeo dessas

personagens (prosopografia)91 como tambeacutem se pode dizer que Filebo natildeo teria preferido

outra coisa senatildeo esse proacuteprio discurso (ζσΰκμ) proposto inicialmente por Soacutecrates

O que se vecirc entatildeo no curso da argumentaccedilatildeo satildeo raras intervenccedilotildees de Filebo92 e

mais adiante uma manifesta recusa em submeter seu discurso a um diaacutelogo com outro por

isso ao concentrar-se na avaliaccedilatildeo de um uacutenico ζσΰκμ ldquoἵὁmumrdquoΝtὁὄὀa-se necessaacuterio lembrar

que natildeo haacute teses controversas no iniacutecio do diaacutelogo mas que elas foram apenas postas em

conflito93

Natildeo existe por parte de Filebo a mesma importacircncia dada por Soacutecrates ao discurso

agrave palavra Aquilo que para Soacutecrates possui um valor de alta estima eacute o diaacutelogo para Filebo

isso natildeo merece ser venerado ser louvado O que interessa a Soacutecrates como nos diz Dixsaut

(ἀί1ἅ)ΝὧΝumΝldquo(έέέ) logos contra logosrdquoΝ(ὂέΝἀἃ1)έΝEacuteΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝζσΰκμ que conduz aonde ele quiser

(arrasta) ndash torna-se tambeacutem o condutor dessa discussatildeo Eacute ele (o ζσΰκμ comum) mais

aἶiaὀtἷΝ ὃuἷΝ ὅἷὄὠΝ iὀvὁἵaἶὁΝ ἵὁmὁΝ ldquotἷὅtἷmuὀhardquoΝ (ἃλἴ1ί-11) As oposiccedilotildees iniciais eacute que

limitaccedilatildeo progressiva e salvar da excelecircncia do prazer o que puder ser salvo integrando-se numa tese mais humana eacute imprescindiacutevel natildeo um defensor irredutiacutevel mais doacutecil e mais brando Protraco faraacute esse papel Um jovem debatedor amante da atividade dialeacutetica que para levar a seacuterio a defesa a ele confiada se faraacute mais flexiacutevel e doacutecil agraves razotildees apresentadas natildeo mais de uma forma obstinada em posiccedilotildees irrefutaacuteveis mas recuando quando necessaacuterio e prestando-se ao compromisso que permitiraacute um acordo muacutetuo sobre uma verdade compreensiacutevel e viaacutevel (1994 p 8) 90 Como por exemplo Guthrie (1978 p 1999) apesar deste autor acreditar que Filebo e Protarco satildeo personagens criados pela dramatizaccedilatildeo platocircnica em questatildeo ele ainda se pauta na contraposiccedilatildeo das teses hedonista e anti-hedonistas 91 Sobre algumas discussotildees histoacuterico-filosoacuteficas relativas agrave prosopografia desse diaacutelogo (Cf NAILS 2002 p 238 257 328-9) 92 Haacute uma primeira interferecircncia notada em 12a7-8 logo em seguida outra em 12b1-2 outra em 18a1-2 outra presente no trecho que vai de 18d3-e7 Uma outra interferecircncia estaacute presente em 22c3-4 E uma uacuteltima manifestaccedilatildeo do personagem aparece em 28b1-7 Lembremo-nos que eacute feita por Protarco uma referecircncia (15c7-λ)ΝaΝἔilἷἴὁΝ ldquoἶἷΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅἷΝἶἷvἷΝmἷxἷὄΝἵὁmΝἷlἷΝὂὁiὅΝἷlἷΝἶὁὄmἷrdquoΝ(ΠΡΩ Κα Ϊθ αμ κέθυθ η μ πσζαί υΰξπλ ῖθ κδ κτ κδα α Φέζβίκθ rsquoΝ πμ ελΪ δ κθ π θ θ π λπ θ α η εδθ ῖθ ε έη θκθ) Os tradutores natildeo traduzem a questatildeo da mesma maneira Muniz

(ἀί1ἀ)Ν tὄaἶuὐΝ ldquoὃuἷmΝ ἷὅtὠΝ ὃuiἷtὁrdquoνΝ ἒiegraveὅΝ (1λἄἄ)Ν ldquoaΝ ὂὄὁὂὰὅitὁΝ ἶaὃuἷlἷΝ ὃuἷΝ ἶὁὄmἷrdquoνΝ ἢὄaἶἷauΝ (ἀίίἀ)ΝldquoalguὧmΝὃuἷΝἶὁὄmἷΝtὄaὀὃuilamἷὀtἷrdquoνΝἐὁἷὄiΝ(ἀί1ἀ)ΝldquoὃuἷmΝὅἷΝἷὀἵὁὀtὄaΝἴἷm-disposto Hackforth (1945) ldquoὁΝἶἷixἷmὁὅΝἶὁὄmiὄΝtὄaὀὃuilamἷὀtἷrdquoνΝἐἷὄὀaἶἷtἷΝ(1λλἁ)ΝldquojὠΝὃuἷΝἷlἷΝἷὅtὠΝἴἷm-posto sentado da forma ἵὁmὁΝἷὅtὠrdquoΝἷΝἕὁὅliὀgΝ(1λἅἃ)ΝldquoὅἷὄiaΝmἷlhὁὄΝἶἷixa-lo dormir 93 ἑfέΝἒixὅautΝ(ἀί1ἅ)μΝldquoἏΝamphisbetesis comeccedilaria entatildeo quando comeccedila o Filebo a discussatildeo tendo como condiccedilatildeo de possibilidade a colocaccedilatildeo em oposiccedilatildeo por Soacutecrates dos dois logoi no interior de um logos comum ndash e que seacute eacute o que eacute por essecircncia de um dialeghesthai (p 251)

83 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

inauguram a possibilidade de uma controveacutersia desse ζσΰκμ comum do qual nem Filebo nem

Soacutecrates satildeo mestres (DIXSAUT 2017 p 251-252)94

O discurso de Filebo eacute apenas constatativo e nada mais O que explicaria mais adiante

sua necessidade em purificar-se de qualquer impiedade e invocar como testemunho a proacutepria

ἶἷuὅaμΝ ldquoEacuteΝvἷὄdade mas pouco me importa pois eu me purifico de qualquer impiedade e

ἵὁmὁΝtἷὅtἷmuὀhaΝiὀvὁἵὁΝagὁὄaΝaΝὂὄὰὂὄiaΝἶἷuὅardquoΝ(1ἀἴ1-3)95 Note-se que mais adiante (28b1)

o sentido dessa invocaccedilatildeo se torna mais compreensiacutevel Filebo natildeo exorta mas atesta que

SoacutecὄatἷὅΝ tamἴὧmΝ iὀvὁἵaΝ aΝ ὅuaΝ ὂὄὰὂὄiaΝ ἶἷuὅaμΝ ldquoEacuteΝ ὃuἷΝ tuΝ vἷὀἷὄaὅΝ tuaΝ ὂὄὰὂὄiaΝ ἶἷuὅaΝ

ἥὰἵὄatἷὅrdquo96 Teria Filebo ndash nessa sua uacuteltima apariccedilatildeo no diaacutelogo ndash o que eacute digno de nota

exortado ou mesmo censurado ou se sentido incomodado de algo que ele mesmo teria

realizado no iniacutecio do diaacutelogo (12b1-3)

Sobre isso Dixsaut (2017) nos sugere que o suposto tom exortativo natildeo passa de

ldquofaὀtaὅiaΝἶὁὅΝtὄaἶutὁὄἷὅ97 Soacutecrates venera sua deusa justamente porque assim como Filebo

ele reconhece sua existecircncia experimenta semelhante temor Soacute por isso ele tambeacutem se

fosse o caso poderia cometer sacrileacutegio No entanto o mesmo Soacutecrates relembra que Filebo

faὐΝὁΝmἷὅmὁΝἷΝὧΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὧΝὃuἷΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝldquofalaὄrdquo98 Poreacutem o uso da expressatildeo confunde

natildeo somente os claacutessicos tradutores mas tambeacutem o proacuteprio Protarco (28c1-5) Soacutecrates

ἷxὂliἵaΝaΝὅἷuΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄΝὃuἷΝaὂἷὀaὅΝuὅὁΝἶὁΝtὁmΝὂiἷἶὁὅὁΝὅἷὀatildeὁΝὂaὄaΝldquoἴὄiὀἵaὄrdquo99 (p 253) Ou

ὅἷjaΝὧΝaὂἷὀaὅΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝiὄὲὀiἵaΝὃuἷΝἷὅὅaΝldquoglὁὄifiἵaὦatildeὁrdquoΝἥὁἵὄὠtiἵaΝtἷmΝὅἷὀtiἶὁΝaὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝ

de Filebo para quem a ironia natildeo tem valor algum ndash haja vista como jaacute dissemos ele recusar

colocar-se a serviccedilo daquele ζσΰκμ comum e que nesse momento jaacute natildeo eacute mais contestaccedilatildeo

nem pode ser devido aos conteuacutedos (que veremos mais adiante) da discussatildeo pois a

94 ἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὅἷΝiὀὅiὅtἷμΝldquoaΝafiὄmaὦatildeὁΝἶἷΝἔilἷἴὁΝὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝfalaὀἶὁΝὅὰΝὅἷΝtὁὄὀaΝuma tese no interior da oposiccedilatildeo instituiacuteda por Soacutecrates a qual ela mesma soacute tem sentido no interior de um logos no qual toda afirmaccedilatildeo deve ser examinada e encontra-se submetida agrave jurisdiccedilatildeo de um discurso racional que exige que prestemos conta de todo enuὀἵiaἶὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃἀ)έ 95 ΦΙΛέΝrsquoΝ ζβγ ζΫΰ δμ ζζα ΰ λ φκ δκ ηαδ εα ηαλ τλκηαδ θ θ θ γ σθ (12b1-3) 96 ΦΙΛ ηθτθ δμ ΰ λ υελα μ θ αυ κ γ σθ (28b1) 97 Segundo a autora o uso da partiacutecula ΰ λ natildeo sugere como se pode verificar em outros casos assentimento ou rejeiccedilatildeo mas justifica a linguagem utilizada eacute testemunho de compreensatildeo Por isso Filebo daria razatildeo (e natildeo reprovaria) o tom empregado por Soacutecrates Censura e irritaccedilatildeo seriam fantasia dos tradutores e nesse conjunto ela insere vaacuterios tradutores do diaacutelogo (Diegraves Hackforth Robin Bernadete) (DIXSAUT 2017 p 252-253) 98 ἠὁὅὅὁΝtὄaἶutὁὄΝἴὄaὅilἷiὄὁΝεuὀiὐΝ(ἀί1ἀ)ΝiὄὠΝtὄaἶuὐiὄΝldquoἷὀtὄἷtaὀtὁΝὧΝὂὄἷἵiὅὁΝὄἷὅὂὁὀἶἷὄΝaΝὃuἷὅtatildeὁrdquoΝ( rsquoΝλπ υη θκθ ηπμ ηῖθ ζ ε Ϋκθ Sobre esse uacuteltimo termo (ζ ε Ϋκθ) Dixsaut (2017) nos explica que ele

significa falar eacute isso que eacute necessaacuterio falar e natildeo venerar Contudo Filebo eacute impermeaacutevel ao sentido que Soacutecrates utiliza o tom de louvor isto eacute ironicamente Por isso Filebo se recusaria a obeceder Soacutecrates conforme sugerido por Protarco (28b4-ἃ)μΝ ldquoἤἷἵuὅaὀἶὁΝ ἷὀtatildeὁΝ ὁΝ ἵὁὀὅἷlhὁΝ ἶἷΝἢὄὁtaὄἵὁΝ ἶἷΝldquoὁἴἷἶἷἵἷὄΝaΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝndash de glorificar para rir e de se dobrar a esse logos imperativo que se prescreve a si mesmo como uacutenico imperativo verdadeiro ndash Filebo delega novamente a palavra e cala-se ἶἷfiὀitivamἷὀtἷrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃἁ)έ 99 ἑfέΝἀἆἵἁμΝldquo ηθτθπθ θ πα α δθ γκλτίβ αrdquoέ

84 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

contestaccedilatildeo ou os dois discursos jaacute adquiram o estatuto de teses postas em diaacutelogo ou seja

ironia e dialeacutetica (perguntar e responder) jaacute foram acordados em relaccedilatildeo agraves teses postas em

diaacutelogo

Por isso concluiria a autora francesa ao afirmar que

Eacute realmente redutor compreender seu silecircncio como o feito de um ldquohἷἶὁὀiὅmὁΝἶὁgmὠtiἵὁΝἵὁmΝὁΝὃualΝὧΝimὂὁὅὅiacutevἷlΝἶiὅἵutiὄrdquo100 pois isso recai em negar a existecircncia de uma palavra diferente que natildeo se absteacutem de discutir porque seria dogmaacutetica mas porque falar eacute tambeacutem exprimir celebrar cantar (2017 p 253)

Note-se que o ζσΰκμ de Filebo ndash e sobre isso eacute necessaacuterio insistir ndash eacute a afirmaccedilatildeo

daquilo que os proacuteprios seres vivos (e aqui se inclui natildeo apenas os homens) de que o prazer

eacute bomΝἷΝἶiὅὅὁΝὀatildeὁΝhὠΝὃuἷmΝἶuviἶἷέΝldquo() Valor incontestaacutevel da proacutepria vida que se esvai no

khairein [alegrar-ὅἷ]ΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝviἶardquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃἂ)έΝἏΝfὁὄmaΝἵὁmὁΝἥὰἵὄatἷὅΝἵὁὀἶuὐΝ

o discurso de Filebo no diaacutelogo a ponto de fazecirc-lo falar mesmo apoacutes ele ter manifestado sua

recusa em submeter-se agrave discussatildeo e consequente avaliaccedilatildeo do que proclama eacute ao mesmo

tempo haacutebil sutil e surpreendente A inversatildeo eacute tatildeo clara mas muitos estudiosos de pronto

pretenderam classificar Filebo como um tiacutepico hedonista irresoluto inversatildeo (socraacutetica) que

propriamente acontece gradualmente101

ἏlgὁΝὄἷlἷvaὀtἷΝἷΝὃuἷΝtamἴὧmΝmἷὄἷἵἷΝὅἷὄΝὄἷtὁmaἶὁΝὧΝὁΝuὅὁΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquoἴὁmrdquoΝ( ΰαγ θ)

o qual difere daquele que eacute ldquoὁΝἴἷmrdquoΝ( ΰαγ θ) que soacute seraacute utilizado por Soacutecrates mais adiante

(em 14b1-7) e posteriormente na evidente alteraccedilatildeo do discurso enunciado por Filebo

100 Essa concepccedilatildeo seria a de Gadamer por exemplo como nos mostra a autora (Cf GADAMER 1983 p 164-165) 101 Dixsaut faz um interessante levantamento das passagens em que as muitas versotildees do discurso enunciado por Filebo aparece (i) a comeccedilar pela proacutepria afirmaccedilatildeo de 11b4-6 jaacute anteriormente desenvolvida (ii) passando por 19c6-8 em que Protarco afirma que para Filebo o que eacute melhor eacute o prazer e coisas do tipo (iii) e em 60a7-b1 seria para a autora o momento em que claramente o discurso de Filebo eacute alterado pois Soacutecrates diz que conforme aquele o prazer natildeo eacute apenas a meta de vida dos seres vivos mas que ele eacute o bem ( ΰαγ θ) para todas as coisas de tal modo que os nomes prazer e bem se confundiriam a ponto de tratarem de uma soacute coisa (iv) e jaacute em 66d7-8 ao final do diaacutelogo esta tese teria sido novamente expressa (e totalmente alterada) quando Soacutecrates afirma que Filebo propotildee que qualquer prazer de qualquer tipo eacute o bem (novamente o uso do termo ΰαγ θ) Concordo com a teoacuterica francesa que exista um manejo do ζσΰκμ de Filebo por Soacutecrates ou melhor uma alteraccedilatildeo sutil mas passiacutevel de identificaccedilatildeo no decorrer do texto No entanto discordo que a formulaccedilatildeo da tese e aiacute sim tese de Filebo soacute esteja presente em 60a7-b1 pois isso dificultaria o ἶἷὅἷὀvὁlvimἷὀtὁΝἶaὅΝἶiὅἵuὅὅὴἷὅΝὃuἷΝὅἷΝὅuἵἷἶἷmΝἷmΝtὁὄὀὁΝἶaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝεἷΝὂaὄἷἵἷΝὃuἷΝaΝautὁὄaΝὀatildeὁΝse ateve aὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝiὀἶiὄἷtὁΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝ1ἂἴ1ΝἷΝὁΝuὅὁΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝldquoὁΝἴἷmrdquoΝ( ΰαγ θ) o que implicitamente jaacute deixa entrever que Soacutecrates pretende tornar a tese de Filebo a de um hedonismo ἷxtὄἷmaἶὁέΝVἷjamὁὅΝὁΝὃuἷΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoἥὁἵέμΝἐἷmΝἢὄὁtaὄἵὁΝὅἷmΝὁἵultaὄΝἷὀtatildeὁ a diferenccedila entre a tua e a minha mas expondo-a agrave visatildeo de todos vamos ousar ver se ao serem examinadas podem elas nos indicar se devemos chamar de bem ( ΰαγ θ) o prazer de bem ou o pensamento ou uma terceira coisa Pois certamente agora natildeo entramos nessa disputa para dar vitoacuteria ao que eu defendo ou ao que tu ἶἷfἷὀἶἷὅέΝἒἷvἷmὁὅΝὅimΝἵὁmἴatἷὄΝjuὀtὁὅΝἷΝaliaἶὁὅΝaὁΝmaiὅΝvἷὄἶaἶἷiὄὁrdquoΝ(1ἂἴ1-b7)

85 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

(60a7b1 66d7-8) um fato curioso e que durante muitos seacuteculos instigou uma seacuterie de

comentadores do diaacutelogo Bury (1897) teria escrito uma nota adicional (n 6 p 2) retratando-

se por ter afirmado que ( ΰαγ θ) natildeo seria o bem mas que a posiccedilatildeo enfaacutetica do termo

justificaria a ausecircncia do artigo sua posiccedilatildeo eacute baseada nas afirmaccedilotildees de Stallbaum (1855)

e Badham (1820) Shorey (1908) considera a omissatildeo do artigo como um exemplo do que ele

nomeia (seguido de Wilamὁwitὐ)ΝἶἷΝldquoὅatildeΝiὀἶifἷὄἷὀὦardquoΝἶὁΝἷὅtilὁΝgὄἷgὁέΝἓὅὅaΝὂaὄἷἵἷΝtἷὄΝὅiἶὁΝaΝ

visatildeo da maioria de que natildeo faria diferenccedila entender os dois sentidos em que cada termo eacute

empregado traduzindo-os como idecircnticos ainda que estes sejam apresentados de formas

distintas Isto porque em alguns contextos anaacutelogos encontrariacuteamos ou natildeo encontrariacuteamosa

presenccedila do artigo ou permaneceriacuteamos em duacutevida102 sobre seu uso103 Paul Friedlaumlnder eacute

um dos grandes responsaacuteveis por uma compreensatildeo mais exata no seacuteculo XX104 desta

primeira parte do diaacutelogo sobretudo sobre a questatildeo do Bem Segundo o autor a recusa

102 Para alguns autores como Migliori (1998 p 51) em 13e6 natildeo estaria claro se haacute ou natildeo o uso do artigo isso porque anteriormente Soacutecrates teria utilizado ΰαγΪ mas ainda no mesmo excerto o ὅigὀifiἵaἶὁΝὂaὄἷἵἷΝὅἷὄΝἵlaὄamἷὀtἷΝὁΝἶἷΝldquoἴἷὀὅrdquoΝἷΝὀatildeὁΝἶἷΝldquoὁΝἴἷmrdquoέΝἡΝὃuἷΝatἷὅtaὄiaΝὃuἷΝmaiὅΝumaΝvἷὐΝὀatildeὁΝὅἷΝfalaΝἶὁΝὃuἷΝὧΝldquoὁΝἴἷmrdquoΝmaὅΝἶὁΝldquoἴὁmrdquoΝὁuΝmἷlhὁὄΝἶὁὅΝἴἷὀὅΝὂὁὄὃuἷΝὅἷΝvὁltaΝaΝutiliὐaὄΝὁΝtἷὄmὁΝ ΰαγσθ sem o artigo (Cf 13e5-7) 103 Essa eacute a visatildeo de Migliori (1998) como ele mesmo expressa em uma nota (n1 p 51) em seu vasto e importante comentaacuterio sobre o Filebo Poreacutem eacute necessaacuterio notar que sua visatildeo tambeacutem eacute centrada na defesa das duas teses iniciais do diaacutelogo aquela em que Filebo seria um hedonista extremado e Soacutecrates defenderia a inteligecircncia com o Bem Ele crecirc na contestaccedilatildeo de duas teses e tenta personifica-las historicamente Vale lembrar que o autor eacute um defensor e partidaacuterio da leitura esoterista de Platatildeo isto eacute da busca pelo excursus filosoacutefico presente na tradiccedilatildeo platocircnica indireta Para os partidaacuterios dessa leitura o Filebo eacute um diaacutelogo importante pois nele teriacuteamos mais alguns apontamentos e esclarecimentos sobre a Ideia do Bem ἷΝὅὁἴὄἷΝὁΝὃuἷΝὅἷΝἵὁὀvἷὀἵiὁὀὁuΝἵhamaὄΝldquoἦἷὁὄiaΝἶὁὅΝἢὄiὀἵiacuteὂiὁὅrdquoέΝOs representantes da Escola Tuumlbingen-Milatildeo como se convencionou chamar os adeptos desta visatildeo interpretativa baseiam-se amplamente no testemunho aristoteacutelico da Metafiacutesica sobre a existecircncia nos diaacutelogos de uma suposta defesa por parte de Platatildeo de dois princiacutepios o Bem e a Diacuteade-Indeterminada Esta teoria ganharia respaldo no Filebo segundo creem estes estudiosos porque neste diaacutelogo Limite e Ilimitado satildeo princiacutepios adotados por Platatildeo ao partir de sua anaacutelise da realidade O Filebo tἷὄiaΝaὅὅimΝumaΝὄἷlaὦatildeὁΝἶiὄἷtaΝἵὁmΝaὅΝἵhamaἶaὅΝldquoἶὁutὄiὀaὅΝὀatildeὁ-escritaὅΝἶἷΝἢlatatildeὁrdquoΝὅὁἴὄἷtuἶὁΝtambeacutem por que elas remontariam ao que disse o neoplatocircnico Porfiacuterio retratado por Simpliacutecio em seu Comentaacuterio agrave Fiacutesica de Aristoacuteteles (Sobre isso ver Migliori (1998) e Perine (2014)) O projeto original de nossa pesquisa seguia pela mesma linha ao tentar estabelecer as relaccedilotildees entre as noccedilotildees desenvolvidas por Platatildeo acerca do Bem tanto na Repuacuteblica quanto no Filebo principalmente neste uacuteltimo diaacutelogo em relaccedilatildeo com a tradiccedilatildeo indireta platocircnica No entanto no curso de nossas leituras optamos por abandonar esse tipo de interpretaccedilatildeo e partirmos para uma leitura propriamente eacutetica (moral) do prazer no Filebo ἷΝὅuaΝἵὁὀὅἷὃuἷὀtἷΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἶaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝiὅtὁΝὧΝὄἷfὁὄmulaὄΝὀὁὅὅaΝviὅatildeὁΝinterpretativa do diaacutelogo adotando outros pontos de vista que natildeo esses dos esoteristas Fato no entanto que lamentamos e deixamos a cargo de outros pesquisadores que se interessam nessa reconstruccedilatildeo das ambiguidades ou supostas incompletudes presentes nos diaacutelogos Por ora permanecemos distante dessa interpretaccedilatildeo (extremamente relevante ao platonismo) por questotildees pessoais e acadecircmicas Portanto expresso aqui as concepccedilotildees relativas ao bem no que tangem ao bem pensado num sentido estritamente humano Sobre isso falarei mais adiante no decorrer de nossa anaacutelise do diaacutelogo no qual o tema reaparece 104 A primeira versatildeo (ediccedilatildeo) do seu Platone data de 1928

86 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

platocircnica de em um primeiro momento utilizar o artigo natildeo eacute desprovida de significado isto eacute

banal soacute depois de descrever o contraste entre as duas visotildees eacute que Soacutecrates emprega em

14b1 o artigo para referir-se ao bem105 (2004 p 1052)

Ora seria possiacutevel dizer que a pura afirmaccedilatildeo de Filebo jaacute estaria contida nos

enunciados discursivos postos desde o iniacutecio A resposta soacute pode ser um inequiacutevoco natildeo

Platatildeo atribui ao discurso de Filebo algo que ele natildeo possui desde o iniacutecio mas apenas

deixaria entrever isso eacute o que torna possiacutevel a modificaccedilatildeo total em 60a daquele ζσΰκμ do

primeiro interlocutor o uacutenico que por sinal ele aprova eacute aquele contido nas primeiras linhas

da obra (11b4-5) Uma primeira alteraccedilatildeo eacute realizada por Protarco (19c6-8) e soacute

posteriormente Filebo se torna o tatildeo sonhado hedonista dos claacutessicos inteacuterpretes

A afirmaccedilatildeo de Filebo e sua consequente assimilaccedilatildeo ao hedonismo radical encontra

sustentaccedilatildeo na possiacutevel aproximaccedilatildeo entre Filebo e Eudoxo106 Para ambos o prazer eacute bom

mas Eudoxo natildeo diz que todos os seres buscam o prazer ou que devam buscaacute-lo Na

alteraccedilatildeo operada por Soacutecrates Filebo assim como Eudoxo deve dizer que todos os seres

vivos devem buscar obter o prazer logo como todos os seres tendem ao bem o prazer seria

o bem par excellence elegiacutevel diante de qualquer um outro O que justificaria tal escolha

Note-se que do aspecto de pura contestaccedilatildeo passa-se diretamente ao aspecto normativo que

diz respeito agrave melhor das vidas possiacuteveis e natildeo apenas eacute ressaltada por Soacutecrates a

identidade entre prazer e bem indevidamente atribuiacuteda a Filebo Soacute deste modo seria possiacutevel

105 ldquoἓὅtaΝὂaὅὅagἷmΝἶὁΝaἶjἷtivὁΝ[ἴὁm]ΝaὁΝὅuἴὅtaὀtivὁΝ[ἴἷm]ΝὀatildeὁΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝἵaὅualέΝἢὄὁtaὄἵὁΝtἷὄiaΝuὅaἶὁΝerroneamente um termo chave cujo uso devia ser habitual no ciacuterculo platocircnico ao menos na eacutepoca em que teria sido lida e discutida a Repuacuteblica (FRIEDLAumlNDER 2004 p 1052) 106 ἏὄiὅtὰtἷlἷὅΝὀὁὅΝἶiὐμΝldquoἓuἶὁxὁΝὂἷὀὅavaΝὃuἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἷὄaΝὁΝἴἷmΝὂἷlὁΝfatὁΝἶἷΝvἷὄΝtuἶὁΝndash tanto seres capazes de razatildeo como seres incapazes dela ndash a esforccedilar-se por obtecirc-lo e porque em todas as situaccedilotildees possiacuteveis o que se escolhe eacute sempre o melhor de tudo E o que se escolhe incondicionalmente eacute o mais poderoso dos bens O fato entatildeo de tudo se movimentar numa mesma determinada direccedilatildeo parece indicar que isso seraacute o melhor de tudo para todos os seres (porque cada um descobre o bem para si proacuteprio tal como acontece com a descoberta da alimentaccedilatildeo adequada) mas o que eacute o bem para todos e portanto objetivo final que todos se esforccedilam para obter eacute o bem supremo Estes enunciados eram convincentes mas mais pela excelecircncia do seu caraacuteter do que propriamente por si proacuteprios porque [Eudoxo] era tido por algueacutem extraordinariamente temperado E assim dava a impressatildeo de falar natildeo enquanto amigo do prazer mas tal como as coisas se passam na realidade Pensava tambeacutem que a sua teoria natildeo era menos evidente em consideraccedilatildeo da tese oposta isto eacute que o sofrimento eacute algo que deve ser evitado por todos seguindo a sua proacutepria essecircncia e que por conseguinte o prazer tem que ser rejeitado Na verdade o que pode ser escolhido de uma forma incondicional natildeo eacute o que escolhemos por qualquer outro motivo a natildeo ser graccedilas a si proacuteprio Uma tal coisa eacute o prazer tal como eacute geralmente aceite pois a ningueacutem se pergunta em vista do que eacute que sente prazer porque o prazer eacute uma escolha absoluta pela sua proacutepria essecircncia Portanto se o prazer for acrescentado a qualquer dos bens faz deles uma escolha mais preferencial por exemplo ao ser acrescentado ao cumprimento da justiccedila ou da temperanccedila isto eacute aumenta o que de si jaacute tem uma caracteriacutestica de bem (EN X 1172b9-25)

87 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

que o discurso de Filebo se prestasse ao diaacutelogo agrave refutaccedilatildeo isto eacute quando formulado

conforme uma tese Insisto natildeo se afirma que o prazer eacute o bom mas que bem eacute prazer

ἥὰἵὄatἷὅΝ ἷmὂὄἷὅtaΝ aΝ ἔilἷἴὁΝ aΝ ldquotἷὅἷΝ ἶaΝ multiἶatildeὁrdquoΝ ( κῖμ η θ πκζζκῖμ)107 presente na

Repuacuteblica (VI 505b7-8)108 assim como teria feito tambeacutem Goacutergias no diaacutelogo homocircnimo

(494e9-499b8) a fim de natildeo incorrer em contradiccedilatildeo chega a afirmar a identidade entre bem

e prazer Esse artifiacutecio natildeo eacute novo ele se repete no Filebo da mesma maneira embora os

motivos para a rejeiccedilatildeo dessa identidade por Soacutecrates sejam distintos em ambos os diaacutelogos

como tambeacutem o satildeo na Repuacuteblica pois os contextos dialoacutegicos tambeacutem satildeo distintos

ἑὁmὁΝ ἴἷmΝ ὁἴὅἷὄvaΝ ἒixὅautΝ (ἀί1ἅ)Ν ldquoaὅΝ ἶuaὅΝ fὰὄmulaὅΝ iὀtἷὄmἷἶiὠὄiaὅΝ ὂἷὄmitiὄamΝ

transformar a afirmaccedilatildeo de Filebo quanto agrave bondade do prazer em uma (maacute) definiccedilatildeo do

ἴὁmrdquoΝ(ὂέΝἀἃἅ)έΝΝἡΝὅἷὀtiἶὁΝὧΝaltἷὄaἶὁΝὁΝὂὄaὐἷὄΝjὠΝὀatildeὁΝὁἵuὂaΝuὀiἵamἷὀtἷΝumΝἷὅtatutὁΝἶἷΝvalὁὄΝ

mas eacute posto como o valor uacutenico dos viventes109 Todo o discurso de Filebo estaacute inserido no

curso da discussatildeo e eacute modificado por Soacutecrates (haacutebil Platatildeo) a ponto de se estabelecerem

claramente as duas teses e os seus respectivos e distintos partidaacuterios a fim de cumprir a

ἷxigecircὀἵiaΝὄἷὃuiὅitaἶaΝἶἷΝἢὄὁtaὄἵὁΝἶἷΝὃuἷΝfὁὅὅἷmΝἵὁlὁἵaἶaὅΝἷmΝldquoὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝamἴaὅΝaὅΝ

teses (14a6-9)

Nas esclarecedoras palavras de Dixsaut

Podemos sem duacutevida censurar muitas coisas a Platatildeo mas certamente natildeo uma falta de sutilidade no manejo do logos Portanto eacute improvaacutevel que essa seacuterie de transformaccedilotildees conduza a uma reviravolta uacuteltima seja de sua parte inconsciente e involuntaacuteria Se Filebo natildeo quer falar com Soacutecrates Soacutecrates natildeo pode falar com Filebo mas pode fazecirc-lo falar e fazendo isso trazer agrave tona natildeo o que afirma Filebo mas o que segundo Soacutecrates Filebo quer dizer (2017 p 257)

Eacute necessaacuterio ainda acrescentar que o abrupto iniacutecio do diaacutelogo se deve em parte agrave

afirmaccedilatildeo de Filebo que natildeo deixa de ser apesar disso uma afirmaccedilatildeo da proacutepria vida da

proacutepria vontade de viver o sagrado gozo que marca a vida O prazer eacute bom porque sobretudo

eacute por meio dele que a vida eacute gerada transmitida e intensificada Seria isso que Soacutecrates

deveria combater mas a iminecircncia de um novo conflito insuperaacutevel o conduz a postular algo

como melhor ( λδ κθ 19c6 65b1-2) partilhada por aqueles dentre noacutes ( θ παλ ηῖθ 11a2)

107 Em 67b3 o discurso invertido de Filebo recebe a conotaccedilatildeo daquele da maioria e o termo utilizado ὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὧΝldquoκ πκζζκ rdquoέΝ 108 ldquoἢaὄaΝaΝmultidatildeo o bem parece ser o prazer enquanto para os refinados eacute o pensamento ( κῖμ η θ πκζζκῖμ κθ κε ῖ θαδ Ϊΰαγσθ κῖμ ξκηφκ Ϋλκδμ φλ θ δμrdquoΝ(Rep VI 505b7-8) 109 ldquoἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὧΝ imὂὁὄtaὀtἷΝ ὄἷὅὅaltaὄΝ aὅΝ ἵὁὀὅiἶἷὄaὦὴἷὅΝ ἶἷΝ IὄwiὀΝ (1λλἃ)μΝ ldquoaὁΝ aὄgumἷὀtaὄΝ ἵὁὀtὄaΝ aΝalegaccedilatildeo de prazer para ser o bem Soacutecrates insiste na diversidade de prazeres (12c-d) e afirma que aὅΝὃuἷὅtὴἷὅΝiὀiἵiaiὅΝὅὁἴὄἷΝὁΝvalὁὄΝἶὁΝlsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝ(ὀὁΝὅiὀgulaὄ)Νἶeve ser reconsiderado uma vez que temos umaΝiἶἷiaΝmaiὅΝἵlaὄaΝἶὁὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝὅἷuὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝvalὁὄἷὅrdquoΝ(ὂέΝἁ1ἆ-319)

88 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ὀἷὅtἷΝ ldquoὀὰὅrdquoΝ ἷlἷΝ ὅἷΝ iὀἵluiΝ aὃuἷlἷὅΝ ὃuἷΝ ὂaὄtiἵiὂamΝ ἶὁΝ ὂἷὀὅamἷὀtὁΝ ἷΝ ὃuἷΝ fὁὄamΝ ὂὁὄΝ ἷlἷΝ

educados110

O discurso de Soacutecrates eacute um discurso eacutetico e encontra-se direcionado a determinada

espeacutecie de vida a dos homens natildeo aquele da multidatildeo mas agravequeles inspirados pela forccedila

da Musa filosoacutefica (67b6) Isso significa que o homem natildeo eacute soacute mais um dentre as plantas e

os animais o homem exaltado por Soacutecrates fora educado pela inteligecircncia por isso natildeo pode

aceitar a tese da multidatildeo O discurso de Soacutecrates eacute restritivo mas o de Filebo (finalmente)

ultrapassa uma extensatildeo permissiacutevel Ao dizer que tudo que eacute bom eacute agradaacutevel natildeo se firma

uma identidade entre o bem e o agradaacutevel (bom) Contudo ao se afirmar essa identidade eacute

necessaacuterio admitir que todos os viventes participariam do mesmo gecircnero do prazer natildeo eacute a

hierarquia que nega qualquer diferenccedila entre as espeacutecies de prazer e entre as espeacutecies de

seres vivos mas a extensatildeo maacutexima dessa afirmaccedilatildeo111

Sendo assim jaacute podemos rejeitar a hipoacutetese de um diaacutelogo acadecircmico entre hedonistas

e anti-hedonistas Satildeo modos de viver que satildeo rejeitados em detrimento de outros e

novamente a relaccedilatildeo entre dialeacutetica e bem eacute assumida no diaacutelogo poreacutem de uma outra

maὀἷiὄaΝ ἷlaΝ ὧΝ iὀὅἷὄiἶaΝ ὀὁΝ ἶiὠlὁgὁΝ ὅὁἴὄἷΝ aΝ ldquoviἶaΝ ἴὁardquoΝ ὁuΝ ὡΝ mἷlhὁὄΝ ἶaὅΝ vidas possiacuteveis

enquanto uma vida humana Eacute o valor (no singular) que se atribuem aos imprescindiacuteveis

valores que uma vida humana deve possuir que estaacute em jogo na discussatildeo estabelecida Por

isso soacute cabe a esse diaacutelogo tomar uma nova direccedilatildeo logo apoacutes serem contestas as

afirmaccedilotildees (iniciais) simeacutetricas de Soacutecrates e de Filebo

Outra questatildeo a ser tomada das primeiras linhas do Filebo eacute a sequecircncia de termos

utilizadas por Filebo e por Soacutecrates para referirem-se aquele prazer e este ao pensamento

Na sequecircncia utilizada por Filebo satildeo notados ( εαέλ δθ εα θ κθ θ εα Ϋλοδθ 11b4-5

κθ θ εα Ϋλοδθ εα εαλ θΝ1λἵἅ)ΝἵὁmὁΝtuἶὁΝldquoὁΝὃuἷΝfὁὄΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝaΝἷὅὅἷΝgecircὀἷὄὁrdquoΝ( α κ

ΰΫθκυμ κτ κυ τηφπθα 11b5-ἄ)ΝἷΝldquoἵὁiὅaὅΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁrdquoΝ(εα πΪθγrsquoΝ πκ α κδα rsquoΝ έ

19c7-8) Podemos como nos sugere Bravo (2009) crer que Platatildeo estava atento a essa

problemaacutetica de caraacuteter semacircntico (p 36)112 Mas ao mesmo tempo o que vemos no diaacutelogo

110 ldquoἒἷὅἵὁὀhἷἵἷὄΝἷὅὅἷΝἶἷὅlὁἵamἷὀtὁΝὧΝὅἷὄΝiὀὅἷὀὅiacutevἷlΝὡΝiὄὁὀiaΝἶὁΝFilebo que esconde um discurso no interior de outro aquele acessiacutevel somente aos filoacutesofos no interior daquele feito para convencer os hὁmἷὀὅΝἶἷΝὃuἷΝἷlἷὅΝὀatildeὁΝὅatildeὁΝὅὁmἷὀtἷΝaὀimaiὅrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἃλ)έ 111 Cf DIXSAUT (2017 p 258) 112 Bravo (2009) nos lembra a paciente anaacutelise de Migliori (1998 p 539ss) detida na verificaccedilatildeo em todo o diaacutelogo das ocorrecircncias desses diversos termos anteriormente apontados que poderiam causar alguma diferenciaccedilatildeo semacircntica (por parte de Platatildeo) entre os diversos termos hedocircnicos Bravo ainda nos lembra que essa distinccedilatildeo jaacute eacute apresentada por Platatildeo no diaacutelogo Protaacutegoras (337c2-4) pois o sofista Proacutedico de Ceos fazia uma distinccedilatildeo baseado na alegria proacutepria dos ouvintes de uma ἶἷtἷὄmiὀaἶaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἵὁmὁΝldquoaὃuἷlaΝὃuἷΝὅἷΝἷxὂἷὄimἷὀtaΝaὁΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝalgumaΝἵὁiὅaΝἷΝὂaὄtiἵiὂaὄΝda reflexatildeo que pἷὄtἷὀἵἷΝ aὂἷὀaὅΝ aὁΝ ὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝ ( φλαέθ γαδ η θ ΰ λ δθ ηαθγΪθκθ Ϊ δ εαῖ φλκθά πμ η ζαηίΪθκθ α α δαθκέ )ΝldquoἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἶaΝἵὁmiἶaΝὃuἷΝὅἷΝἷὅgὁtaΝὀὁὅΝὅἷὀtiἶὁὅΝiὅtὁΝὧΝὧΝὂὄὁἶuὐiἶὁΝuὀiἵamἷὀtἷΝὂἷlὁΝἵὁὄὂὁrdquoΝ( γαδ γέκθ Ϊ δ ζζκ πΪ ξκθ α α υηα δ) O

89 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

eacute uma esmagadora vitoacuteria do termo κθά113 O que significa por outro lado que por mais

que Platatildeo seja acusado de imprecisatildeo terminoloacutegica ele natildeo deixa de dedicar atenccedilatildeo aos

esforccedilos de Proacutedico O que nos leva a concluir apoacutes tal anaacutelise seguindo pelas constataccedilotildees

de Bravo (2009) e Dixsaut (2017) que natildeo haacute vestiacutegios de uma confusatildeo especiacutefica poreacutem

Platatildeo natildeo parece inclinado a distinguir com termos apropriados as diferentes formas de

prazer (Bravo 2009 p 37) Por isso eacute rejeitada por Platatildeo tal distinccedilatildeo ou melhor lhe parece

desnecessaacuteria isso natildeo significa que ele natildeo esteja atento a esta diferenciaccedilatildeo mas elas natildeo

estariam implicadas na afirmaccedilatildeo de Filebo isto eacute estes termos nem satildeo sinocircnimos nem

espeacutecies diferentes mas o discurso de Filebo retoma modulaccedilotildees de uma mesma experiecircncia

(a prazerosa) e agrave sua plenitude Como nos explica Dixsaut (2017) elas se adicionam sem

ὃualὃuἷὄΝἷὅὂἷἵifiἵaὦatildeὁΝὁuΝmἷlhὁὄΝἷὅtatildeὁΝἷmΝldquouὀiacuteὅὅὁὀὁrdquoΝ(ὂέΝἀἄ1)έ

E quanto agrave sequecircncia de Soacutecrates Existe algum sentido especiacutefico na sequecircncia de

termos por ele adotado em seu discurso VἷjamὁὅέΝἓmΝ11ἴἄΝὁΝldquoὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝaΝldquoiὀtἷligecircὀἵiaΝ

ldquomἷmὰὄiardquoΝ( φλκθ ῖθ εα θκ ῖθ εα η ηθ γαδ)ΝἷΝldquotuἶὁΝmaiὅΝὁΝὃuἷΝlhἷὅΝfὁὄΝaὂaὄἷὀtaἶὁrdquoΝ(εα

κτ πθ α γΰΰ θ 11b6-ἅ)ΝἷΝὁΝὃuἷΝὄἷὅultaΝἶiὅὅὁμΝldquoὁὂiὀiatildeὁΝἵὁὄὄἷtardquoΝἷΝldquoὄaἵiὁἵiacuteὀiὁΝvἷὄἶaἶἷiὄὁrdquoΝ

( σιαθ λγ θ εα ζβγ ῖμ ζκΰδ ηκτμ 11b8) Ao contraacuterio de Filebo a seacuterie de termos de

Soacutecrates varia como se pode notar em 19d4-ἃΝ aὂaὄἷἵἷmΝ aΝ ldquoἵiecircὀἵiardquoΝ ( πδ άηβθ) a

ldquoἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁrdquoΝ( τθ δθ) e a arte ( Ϋξθβθ) satildeo tambeacutem resultados obtidos via inteligecircncia

(θκ θ) ausenta-se entretanto o termo φλσθβ δμ Em 21a14-15 somam-se ao pensamento

tom irocircnico utilizado por Platatildeo no diaacutelogo nos impediria de confirmar se tal distinccedilatildeo realmente era feita por Proacutedico Poreacutem haacute um testemunho de Aristoacuteteles (Toacutep II 112b22-24) que parece confirmar tal distinccedilatildeo seja num caraacuteter linguiacutestiἵὁΝὅἷjaΝὀumΝἵaὄὠtἷὄΝὁὀtὁlὰgiἵὁμΝldquoἢὄὰἶiἵὁΝἶiviἶiaΝὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝ( μ

κθΪμ) em gozo (ξαλΪ) deleite ( Ϋλοδμ) e alegria ( φλκ τθβ)rdquoΝ (Toacutep II 112b22-24) Poreacutem o estagirita natildeo aceita esta distinccedilatildeo como tambeacutem parece que Platatildeo natildeo a aceita pois todos satildeo nomes do proacuteprio prazer e esses diferentes termos satildeo aplicados atendendo as diferenccedilas puramente acidentais Bravo ainda associa estas ocorrecircncias a duas conclusotildees (i) a frequecircncia e a diversidade dos termos demonstra por um lado a importacircncia do prazer entre os gregos (ii) como tambeacutem atesta a sua problematicidade (do prazer) agrave medida em que eacute tomado como objeto de reflexatildeo (Bravo 2009 p 36-37) A mesma lista de ocorrecircncias eacute feita por Bernadete (1993) como ela deixa transparecer em uma nota (n 3) assim como tambeacutem faz referecircncia a Proacutedico no Protaacutegoras e agrave citaccedilatildeo aristoteacutelica contida nos Toacutepicos (Cf Bernadete 1993 p 1) e o que se verifica eacute a predominacircncia de κθά no diaacutelogo (244 vezes) Agraves mesmas conclusotildees chega Benitez (1999 p 339 n1) 113 ldquoHedoneacute de fato proveacutem do radical indo europeu suad que estaacute relacionado a uma famiacutelia de termos cujo significado originalmente concerne a tudo que eacute agradaacutevel ao paladar ou pode tornar-se agradaacutevel para ele Desse radical deriva hedyacutes doce e o termo suumlszlig que em alematildeo tem o mesmo significado A essa famiacutelia pertence tambeacutem a palavra latina suavis que significa igualmente doce e em um sentido mais estrito designa o gozo dos sentidos e o que se usufruiu por meio dos sentidos Por isso em latim pode-se dizer por exemplo suavitas odorum e em termos mais gerais os prazeres do corpo satildeo designados com o plural suavitatesrdquoΝ(ἑfέΝἔἓἤεἏἠIΝἀί1ἃΝὂέΝ1ἀἃΝὀέ1ἂ)έΝἢaὄaΝumaΝaὀὠliὅἷΝmais detalhada da semacircntica que envolve o termo (Cf BRAVO 2009 p 31-37)

90 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

(φλκθ ῖθ) o fato de conceber (θκ ῖθ) e calcular (ζκΰέα γαδ)114 Note-se que estamos diante

tanto de faculdades quanto de atividades como tambeacutem do que resulta disso O termo chave

aqui parece ser φλσθβ δμ115 que parece ser o mais recorrente Soacutecrates diz em 11d9 11e3

114 Em 21b6-ἅΝὀὁvamἷὀtἷΝldquoaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝaΝmἷmὰὄiaΝaΝἵiecircὀἵiaΝἷΝaΝὁὂiὀiatildeὁΝvἷὄἶaἶἷiὄardquoΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝem 60d4-ἃέΝ (ldquoθκ θ εα ηθάηβθ εα πδ άηβθ εα ζβγ σιαθ () ζβγ 21b6-ἅνΝ ldquoηθάηβθ εα φλσθβ δθ εα πδ άηβθ εα ζβγ σιαθ 6660d4-5) 115 Esse termo eacute digno de atenccedilatildeo e merece toda uma atenccedilatildeo por parte dos inteacuterpretes O termo φλσθβ δμ pode ser compreendido em sentidos distintos apesar de estabelecerem entre si alguma relaccedilatildeo Neste caso seria necessaacuterio como defende Dixsaut (1997) adotar um outro princiacutepio de classificaccedilatildeo que deixaria de lado qualquer suposiccedilatildeo que acredite que o sentido do termo tenha muἶaἶὁΝἶuὄaὀtἷΝaὅΝὁἴὄaὅΝ(ἷvὁluἵiὁὀiὅtaΝὁuΝἵὄὁὀὁlὰgiἵa)ΝmaὅΝὁΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶaὅΝldquoἵὁὀὅtἷlaὦὴἷὅrdquoΝὂὁἶἷὄiaΝnos dirigir a um melhor resultado Como o termo se encontra associado a alguns outros conceitos um pequeno nuacutemero de constelaccedilotildees permitiria uma classificaccedilatildeo das ocorrecircncias aceitaacuteveis (p 336) ἓὅὅἷΝ tἷὄmὁΝ ὂὁὄtaὀtὁΝ ἷὅtaὄiaΝ iὀἵluiacuteἶὁΝ ὀἷὅὅaὅΝ tὄecircὅΝ ldquoἵὁὀὅtἷlaὦὴἷὅrdquoΝ (ὁuΝ ldquofamiacuteliaὅrdquoΝ ὁuΝ ldquoἵamὂὁὅΝὅἷmacircὀtiἵὁὅrdquoΝὁuΝldquoὅigὀifiἵaὀtἷὅrdquoΝἵὁmὁΝἶiὐΝἦὁὄἶὁ-Rombaut (1999 p 193 n 1) a(o)s quais seriam (i) a inteligecircncia e o inteligiacutevel (ii) a vida e alma (iii) o valor e a virtude Φλσθ δμ seria utilizado por Platatildeo nesses trecircs sentidos em alguns diaacutelogos apenas em uma conotaccedilatildeo em outros em duas delas e em outros nos trecircs sentidos (como eacute o caso do Filebo) (DIXSAUT 1997 p 336-351) No entanto somente no Feacutedon possuiacutemos uma explicaccedilatildeo mais detalhada da vastidatildeo conceitual que esse termo apresenta ἡΝὅἷὀtiἶὁΝὃuἷΝmἷΝiὀtἷὄἷὅὅaΝaὃuiΝἷΝὃuἷΝaἵὄἷἶitὁΝtἷὄΝumΝldquoὂἷὅὁΝmaiὁὄrdquoΝὀaΝὀὁὅὅaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶὁΝFilebo eacute o sentido propriamente moral (ou axioloacutegico) ao qual o termo possa ser efetivamente relacionado iὅtὁΝὧΝὀὁΝὃuἷΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἶaΝviἶaΝἴὁaΝὂaὄtiἵulaὄmἷὀtἷΝὀaΝatὄiἴuiὦatildeὁΝἵὁὄὄἷtaΝἶὁΝldquovalὁὄΝἴὁmrdquoΝ(ou bem) a uma vida enquanto propriamente uma vida humana Concepccedilatildeo expressa natildeo somente em alguns trechos do Filebo (11b7 12a dentre outros a despeito de tambeacutem em algumas passagens estar relacionado aos outros sentidos de φλσθ δμ) mas que pode ser lida jaacute no Feacutedon na seguinte passagem em que ὁΝtἷὄmὁΝὧΝἷxὂὄἷὅὅὁΝὂἷlaΝmἷtὠfὁὄaΝἶaΝΟmὁἷἶaΝἶἷΝtὄὁἵardquoμΝὀὁΝFeacutedon onde o sentido da φλσθ δμ ὅἷΝtὁὄὀaΝmaiὅΝἵlaὄὁΝἶiὐΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquo(έέέ)ΝὀaΝvἷὄἶaἶἷΝἷxἵἷlἷὀtἷΝἥiacutemiaὅΝtalvἷὐΝὀatildeὁΝὅἷjaΝἷmΝface da virtude um procedimento correto trocar assim prazeres por prazeres sofrimentos por sofrimentos um receio por um receio o maior pelo menor tal como se se tratasse de uma simples troca de moedas Talvez ao contraacuterio exista aqui apenas uma moeda de real valor e em troca pela qual tudo o mais deva ser oferecido a sabeἶὁὄiardquo (Ὦ ηαε λδ Νδηη αΝη ΰ λΝκ ξΝα βΝᾖ λγ πλ μΝ

λ θΝ ζζαΰ κθ μΝπλ μΝ κθ μΝεα ζ παμΝπλ μΝζ παμΝεα φ ίκθΝπλ μΝφ ίκθΝεα αζζ γαδΝ[εα ]Νη απΝπλ μΝ ζ πΝ π λΝθκη ηα αΝ ζζ᾽ ᾖ ε ῖθκΝη θκθΝ θ ηδ ηαΝ λγ θΝ θ κ ῖ π θ αΝα αΝεα αζζ γαδΝφ ό η ι ) (Feacuted 69a) Como bem explica Bossi (2008 p 238) e tambeacutem Gosling

ΤΝἦaylὁὄΝ(1λἆἀΝὂέΝλἀ)ΝaΝmἷtὠfὁὄaΝἶaΝldquomὁἷἶaΝἶἷΝtὄὁἵardquoΝὀatildeὁΝὅigὀifiἵaΝaὂἷὀaὅΝaΝtὄὁἵaΝἶἷΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝἶὁὄἷὅΝpor inteligecircncia (como uma espeacutecie de opccedilatildeo por uma vida asceacutetica) mas antes de tudo significa que a vida filosoacutefica ou melhor o exerciacutecio do filoacutesofo consiste natildeo na reduccedilatildeo ou acreacutescimo de prazeres e sim na seleccedilatildeo segundo um uacutenico e verdadeiro criteacuterio ndash que natildeo a quantidade ndash mas o valor qualitativo dos prazeres atribuiacutedo pela razatildeo uacutenica e verdadeira moeda de troca Por isso o uso da expressatildeo grega (η φλκθά πμ) em 62b logo apoacutes a passagem acima citada a construccedilatildeo (meta + genitivo) soacute poderaacute indicar natildeo os meios utilizados na execuccedilatildeo de uma accedilatildeo mas sim o(s) modo(s) ou a(s) circunstacircncia(s) de uma accedilatildeo Isso implica que natildeo se pode compreender o significado da ὂaὅὅagἷmΝ ἵὁmὁΝ ldquoἵὁmὂὄaὀἶὁΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ἷmΝ tὄὁἵaΝ ἶἷΝ iὀtἷligecircὀἵiardquoΝ maὅΝ ldquoἵὁmὂὄaὀἶὁΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝiὀtἷligἷὀtἷmἷὀtἷrdquoΝ(ἑfέΝἕἡἥἜIἠἕΝΤΝἦἏYἜἡἤΝ1λἆἀΝὂέΝλἀ)έΝPodemos bem resumir o sentido que nos iὀtἷὄἷὅὅaΝaὁΝὄἷὅὅaltaὄΝaὃuiΝὁΝuὅὁΝἶἷὅὅἷΝldquogecircὀἷὄὁrdquoΝὃuἷΝφλσθ δμ faz referecircncia particularmente no que ἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝὡΝὃuἷὅtatildeὁΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἵὁmΝὁΝὃuἷΝἶiὐΝεaὄὃuἷὅΝ(ἀί1ἄ)μΝldquoPhronesis natildeo eacute mera competecircncia teacutecnica nem estrateacutegia praacutetica mas ambiente ou contexto de ressignificaccedilatildeo atitude reflexiva filosofia compreendida como esforccedilo e busca argumentada no sentido de se compreender as implicaccedilotildees ontoloacutegicas subjacentes as determinaccedilotildees que justificam diferentes valὁὄaὦὴἷὅΝἶἷΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝἶὁὄἷὅrdquoΝ(p 257) Sobre isso cf SOUZA (2016 p183-202) e BENITEZ (1999 p 339ss)

91 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

ὃuἷΝὀaΝἶiὅὂutaΝaἵἷὄἵaΝἶaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝὅἷὄiaΝaΝἶiὅὂὁsiccedilatildeo de pensar ou a vida de pensamento

ὃuἷΝὂaὄἷἵἷΝὅἷὄΝὅuὂἷὄiὁὄΝἷΝὁὅΝtἷὄmὁὅΝὄἷὅὂἷἵtivamἷὀtἷΝutiliὐaἶὁὅΝὅatildeὁμΝldquoφλσθ ῖθrdquoΝἷΝldquoφλκθά πμrdquoέΝ

Em determinados momentos da obra platocircnica esse termo eacute apenas contado entre outros

mas aqui ele estaacute em consonacircncia com abordagem mais detalhada e criteriosa do termo que

aparece no Feacutedon Ela eacute um gecircnero que reuacutene todas essas atividades e Soacutecrates atenta-se

em especificaacute-las (Cf 19b 21b9 20 60c-d) ela apresenta-se como rival agrave vida de prazer

Φλ θ δμ recobre no diaacutelogo essa vastidatildeo de sentidos seja de inteligecircncia (contato com

essecircncias com o que sempre eacute) seja de forma de consciecircncia (de si ou da realidade) como

tambeacutem aquele sentido relacionado agrave virtude e ao valor Todos os termos da lista socraacutetica

satildeo ditὁὅΝ ὂἷlὁΝ ὂὄὰὂὄiὁΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ἵὁmὁΝ ldquoaὂaὄἷὀtaἶὁὅrdquoΝ ( υΰΰ θ 11b8) que ora significaratildeo

momentos de uma determinada gecircnese na qual a memoacuteria eacute quem conduz agrave inteligecircncia ora

como espeacutecies propriamente ditas de um mesmo gecircnero Tudo dependeraacute dos objetivos da

anaacutelise em questatildeo principalmente no tocante agrave anaacutelise dos prazeres (verdeirosfalsos

purosimpuros bonsmaus) o que geraria certa confusatildeo entre os inteacutepretes numa primeira

leitura raacutepida do diaacutelogo Eacute o que detecta Benitez

No campo adversaacuterio [sic O de Soacutecrates] noacutes reencontramos φλκθ ῖθ θκ ῖθ η ηθ γαδ σιαθ λγ θ ε ζβγ ῖμ ζκΰδ ηκτμ (note-se que πδ άηβ natildeo aparece nesse momento) Novamente gostariacuteamos que em seguida esses elementos fossem distinguidos e ordenados Platatildeo parece decido a reuni-los Em conjunto os verbos φλσθ ῖθ e θκ ῖθ satildeo utilizados indiferentemente no Filebo e o mesmo vale para os substantivos correspondentes φλσθ δμ e θκ μ A vida defendida por Soacutecrates eacute descrita tanto com uma ίέκμ κ θκ μ quanto como uma ίέκμ μ φλκθά πμ sem que qualquer distinccedilatildeo seja feita Por duas vezes Soacutecrates exige que memoacuteria e caacutelculo raciocinado sejam excluiacutedos da vida de prazer porque eles satildeo componentes da vida intelectual e somente dela (21a-c 60d) Essa confusatildeo cria certos problemas espiacuterito inteligecircncia e saber diferem um do outro a memoacuteria que encontra-se ligada a ela natildeo eacute no entanto idecircntica a nenhum daqueles e nem mesmo a opiniatildeo reta e o raciociacutenio verdadeiro (1999 p 339)

No momento conveacutem apenas destacar que a memoacuteria eacute ζκΰκμ enquanto

conservaccedilatildeo da sensaccedilatildeo como tambeacutem a opiniatildeo verdadeira116 sobre sua efetiva percepccedilatildeo

(consciecircncia) de estar sentido prazer Portanto elas se opotildeem ao raciociacutenio (ζκΰδ ησμ) assim

como este somado agraves outras duas se opotildeem agrave intelecccedilatildeo que diz respeito apenas ao

inteligiacutevel Todavia como observa Dixsaut (2017) a contrariedade presente no gecircnero que

constitui a φλσθ δμ natildeo exclui esse proacuteprio pertencimento a um mesmo gecircnero isto egrave ao do

116 ἑὁὀἵὁὄἶὁΝὀἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁΝἵὁmΝὁΝὃuἷΝὂὁὅtulaΝἑaὅἷὄtaὀὁμΝldquoὂaὄἷἵἷ-me que nestes passos a opiniatildeo verdadeira agrave qual se faz referecircncia num primeiro sentido eacute simplesmente a consciecircncia do gozar Como tal eacute distinta da opiniatildeo verdadeira que entra em jogo dialeacutetico com a ciecircncia a episteme que aὂaὄἷἵἷΝἷmΝὁutὄὁὅΝἵὁὀtἷxtὁὅΝἶialὧtiἵὁὅrdquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝ1λί)έ

92 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

intelecto O que dista do discurso de Filebo do de Soacutecrates eacute que a seacuterie terminoloacutegica daquele

soa em consonacircncia ao passo que a desse eacute vaacuteria e perfeitamente definiacutevel Aspecto como

veremos totalmente contestado por Soacutecrates jaacute que aquilo que Filebo postula como uacutenico

pode apresentar natildeo somente alteraccedilotildees de qualidade como tambeacutem de intensidade

inumeraacuteveis (DIXSAUT 2017 p 263)

A possibilidade adotada por Soacutecrates de inserir seu discurso em uma notaccedilatildeo temporal

(memoacuteria passado raciociacutenio (ζκΰδ ησμ) futuro) confronta-se com o discurso de Filebo

desprovido de uma notaccedilatildeo tal O prazer eacute incapaz de previsatildeo pois sua base assenta-se na

experiecircncia imediata do agradaacutevel Passamos entatildeo do comparativo ao superlativo uma vez

ὃuἷΝὂaὄtiἵiὂaὄΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὧΝὁΝὃuἷΝhὠΝἶἷΝldquomaiὅΝvaὀtajὁὅὁrdquoΝὅἷguὀἶὁΝἥὰἵὄatἷὅΝiὅtὁΝὂὁὄὃuἷΝ

ele eacute capaz de se inserir na dinacircmica do proacuteprio tempo pelos mecanismos diversos envolvidos

na proacutepria dimensatildeo (humana) que eacute capaz de participar da φλσθ δμ seja pelo recurso da

memoacuteria (passado) pela opiniatildeo verdadeira (resoluccedilatildeo das decisotildees praacuteticas do presente) e

pelo raciociacutenio (caacutelculo e a previsatildeo do futuro)

Nesse sentido eacute necessaacuterio que Filebo se distancie da argumentaccedilatildeo que permaneccedila

calado de tal modo de que as questotildees atribuiacutedas a ele sejam agora dirigidas a Protarco O

prazer natildeo combate nem ao menos eacute derrotado como vemos no decorrer do diaacutelogo ele

apenas se isenta do combate e por isso triunfa sem combater Como nos lembra Dixsaut

(2017) os versos da Iliacuteada de Homero proferidos por Diomedes agrave Afrodite estando uacuteltima

ferida pela lanccedila enquanto Diomedes a procurava no campo de batalha117 Diante disso eacute

possiacutevel notar que o prazer triunfa sem combater e se ele adere a luta eacute vencido

A mudanccedila dos discursos iniciais parece ter iniacutecio quando Soacutecrates assim diz

Soc Entatildeo eacute preciso que a verdade ( αθ ζβγΫμ) sobre esse assunto (π λ α θ λσπ ) seja por todos os meios delimitada (π λαθγ θαδ) Prot Sim eacute preciso Soc Vamos laacute entatildeo Com relaccedilatildeo a isso entremos em acordo ( δκηκζκΰβ υη γα) sobre mais um ponto Prot Qual Soc Que agora cada um de noacutes tentaraacute indicar o estado e a disposiccedilatildeo da alma ( ιδθ ουξ μ εα δΪγ δθ capaz de fornecer a todos os homens ( θ

υθαηΫθβθ θγλυπκδμ) uma vida feliz (π δ θ ίέκθ αέηκθα) Natildeo eacute assim Prot Assim mesmo (11c9-d7)

117 A autora refere-ὅἷΝaὁΝὅἷguiὀtἷΝvἷὄὅὁμΝ ldquoἓxἵlamὁuΝἵὁmΝ fὁrte Diomedes corajosa em seu grito de guerra ndash Retira-te filha de Zeus do combate e da luta Acaso natildeo te basta enganar (triunfar) as fraacutegeis mulheres Se tu pretendes frequentar a batalha creio que estremeceraacutes apenas em ouvir mencionaacute-la em um qualquer lugar (Hom Il 2 5 347-351)

93 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

Permanecer naquele conflito anterior dos dois discursos soacute incorreria novamente em

impasse em aporia Apenas com a mudanccedila de interlocutor eacute possiacutevel esse acordo118 a

primeira exigecircncia (banal) de se atingir a verdade119 sobre esses pontos muda a direccedilatildeo do

iὀὃuὧὄitὁΝ ὅἷὄὠΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ ἵὁmὁΝ ὀὁὅΝ ἶiὐΝ ἒiegraveὅΝ (1λἄἄ)Ν umΝ ldquoaἶvὁgaἶὁΝmaiὅΝ ἶὰἵilrdquoΝ (ὂέΝ ἆ) No

ἷὀtaὀtὁΝὧΝἷὅὅaΝmἷὅmaΝἴaὀaliἶaἶἷΝὃuἷΝtὁὄὀaΝὂὁὅὅiacutevἷlΝaΝavaliaὦatildeὁΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝὅuaΝldquovἷὄἶaἶἷΝ

ὁuΝfalὅiἶaἶἷrdquo120 A luta se instaura natildeo para que venccedilam um ou outro discurso ou teses como

ὂὄἷfἷὄἷmΝ alguὀὅΝ maὅΝ ὂaὄaΝ avἷὄiguaὄΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὧΝ ldquomaiὅΝ vἷὄἶaἶἷiὄὁrdquoΝ ὧΝ ὃuἷΝ se deve combater

118 Creio que esse acordo deva ser lido em dois sentidos se recuperarmos o sentido que ele desempenha na filosofia platocircnica Primeiramente eacute necessaacuterio sair do impasse e para tal conciliar os discursos e colocaacute-los em um ζσΰκμ uacutenico eacute o que pressupotildee qualquer discussatildeo No entanto esse sentido do acordo tambeacutem eacute colaborativo natildeo basta apenas submeter-ὅἷΝaὁΝἶiὠlὁgὁΝmaὅΝtamἴὧmΝldquoἶaὄΝὄaὐatildeὁrdquoΝὡὃuilὁΝὃuἷΝὧΝἶitὁΝὄἷἵὁὀhἷἵἷὀἶὁΝaὅΝὂὄiὀἵiὂaiὅΝiὀἵὁἷὄecircὀἵiaὅΝὃuἷΝὅἷuΝἶiὅἵuὄὅὁΝὂὁὅὅa a vir a sofrer nesse mesmo processo diaacutelogico Dito de outro modo eacute tambeacutem imprescindiacutevel no curso da aὄgumἷὀtaὦatildeὁΝldquoἷὅtaὄΝἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁὀὅigὁΝmἷὅmὁrdquoΝtἷὄΝὄἷalΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἶaὃuilὁΝὃuἷΝὧΝ(ἷΝaὃuiΝὅim)ΝumaΝtese e que deve entatildeo ser defendida enquanto se eacute um interlocutor no processo dialoacutegico (Basta retomamos o sentido do ηκζκΰ δθ em alguns dos demais diaacutelogos Ver Goacuterg (461b 468e 482d 487e 472b-c474a5 495a5-9) e Teet (154e1 171d5) que atestam essa dupla especificidade do acordo) Sobre isso tambeacutemΝὧΝiὀtἷὄἷὅὅaὀtἷΝὄἷtὁmaὄΝὁΝὃuἷΝἶiὐΝἐὁἷὄiΝ(ἀί1ἀ)μΝldquoἷὅtἷΝὧΝumΝὁutὄὁΝdictum crucial para Platatildeo desde os primeiros diaacutelogos os acordos (homologiacuteai) entre os falantes que pressupotildeem qualquer discussatildeo e a coerecircncia ou consistecircncia (homologia) do discurso e os acordos (homologiacuteai) preacutevios que pressupotildeem qualquer diaacutelogo () o requisito da coerecircncia eacute o que possibilita mostrar que algueacutem estaacute em contradiccedilatildeo () por isso eacute que no argumento dialoacutegico natildeo faz mal tomar como testemunha um terceiro poreacutem basta tomar por testemunha o proacuteprio loacutegos Em um verdadeiro diaacutelogo ὁΝἶἷἵiὅivὁΝὀatildeὁΝὧΝὃuἷΝὁὅΝfalaὀtἷὅΝἷὅtἷjamΝlsquoὅἷΝtἷὅtaὀἶὁrsquoΝuὀὅΝaὁὅΝὁutὄὁὅΝ(έέέ)ΝmaὅΝὃuἷΝὅἷjamΝἵaὂaὐἷὅΝἶἷΝmanter a coerecircncia de seus argumentos e que sobretudo sejam capazes de revisar suas posiccedilotildees se o exame dialeacutetico assim o requerer Uma condiccedilatildeo necessaacuteria para que o diaacutelogo funcione eacute que cada interlocutor sempre diga o que lhe parece ser verdade () Se a disposiccedilatildeo de conservar uma atitude de colaboraccedilatildeo diante do diaacutelogo se elimina natildeo pode haver progresso na conversaccedilatildeo filosoacutefica e no processo educativo de que tal conversaccedilatildeo eacute uma parte decisiva O recusar-se a responder aὂὄὁὂὄiaἶamἷὀtἷΝὃuaὀἶὁΝalguὧmΝὧΝiὀtἷὄὄὁgaἶὁΝὧΝaἵὁmὂaὀhaἶὁΝὂὁὄΝumΝἵἷὄtὁΝlsquoἷὅὂiacuteὄitὁΝἶἷΝiὄὁὀiarsquoΝὃuἷΝcaracteriza as teacutecnicas sofiacutesticas de discussatildeo como opostas agraves filosoacuteficas Quem estaacute disposto a ὄἷὅὂὁὀἶἷὄΝ aὂὄὁὂὄiaἶamἷὀtἷΝ aὁΝ ἵὁὀtὄὠὄiὁΝ lἷvaΝ aΝ ὅὧὄiὁΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ ὂἷὄguὀtaνΝ ἷὅtἷΝ lsquolἷvaὄΝ aΝ ὅὧὄiὁrsquoΝ aΝconversaccedilatildeo natildeo apenas significa considerar seriamente a tese discutida e o assunto da discussatildeo mas tambeacutem ndash e talvez o que eacute o mais importante ndash ser consciente do fato de que algueacutem deve se fazer responsaacutevel daquilo que se nega de suas proacuteprias afirmaccedilotildees (esse eacute o modo de conservar a homologia no diaacutelogo) as quais pressupotildeem como ὂὁὀtὁΝ ἶἷΝ ὂaὄtiἶaΝ ἵἷὄtὁὅΝ ldquoaἵὁὄἶὁὅrdquoΝ imὂliacuteἵitaΝ ὁuΝἷxὂliἵitamἷὀtἷΝaἵἷitὁὅΝὂἷlὁὅΝfalaὀtἷὅrdquoΝ(ὂέΝ1ἃλΝὀέΝἀ)έ 119 ἑὁmὁΝἶiὐΝἑaὅἷὄtaὀὁμΝldquoἠumΝἵὁὀtἷxtὁΝἶialὰgiἵὁΝiἶἷalΝἵaἶaΝἶialὁgaἶὁὄΝaὂὄἷὅἷὀta-se como portador de uma verdade sua na qual acredita e que defende com argumentos loacutegicos contra a tese do outro participante do diaacutelogo Natildeo haacute portanto no iniacutecio uma verdade jaacute dada com a qual se medir mas haacute mais do que uma verdade e elas se enfrentam num plano por assim dizer de paridade Soacute no final se obteraacute (se obtiver) um acordo entre as teses contrapostas e se estabeleceraacute qual eacute o discurso verdadeiro que poderaacute ser de um ou do outro dialogador ou poderaacute ser tambeacutem uma terceira tese encontrada e justificada no interior do diaacutelogo vivo que se desenvolveu entre eles como eacute o caso precisamente do FilebordquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝ1ἆἄ)έ 120 ἠaὅΝ ἴἷlaὅΝ ὂalavὄaὅΝ ἶἷΝ ἒixὅautμΝ ldquoἓὀtatildeὁΝ ἷlἷΝ [sic Protarco] a isto a vida a alegria de viver se encontraraacute submetida e subordinada ao conhecimento agrave dialeacutetica e agrave vontade de verdade Eros contra ἷὄὁὅμΝaὃuἷlἷΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὀatildeὁΝὧΝmἷὀὁὅΝtἷὄὄiacutevἷlΝὃuἷΝaὃuἷlἷΝἶἷΝἔilἷἴὁrdquoΝ(ἀί1ἅΝὂέΝἀἄἃ-266)

94 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

conjuntamente e esse discurso soacute se torna mais estaacutevel por intermeacutedio do acordo

(CASERTANO 2010 p 188)121 Eacute sob essa carateriacutestica que aqui podemos chamaacute-la

sineacutergica122 que se funda o diaacutelogo e que dista da pura disputa eriacutestica como nos mostraraacute

Soacutecrates mais adiante no diaacutelogo (15a-16b)

Fica claro a partir daqui a restriccedilatildeo de Soacutecrates feita ao debate que se dirige agora

ἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝὀatildeὁΝaΝldquotὁἶὁὅΝὁὅΝὅἷὄἷὅrdquoΝ(ἶἷὀtὄἷΝἷlἷὅΝaὀimaiὅ plantas) mas agrave vida humana

tatildeo somente A pergunta ὅἷΝἵaὄaἵtἷὄiὐaΝὂὁὄΝ tἷὀtaὄΝ iὀἶiἵaὄΝὁΝldquoἷὅtaἶὁrdquoΝ( ιδθ)ΝἷΝaΝldquoἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝ

( δΪγ δθ) da alma (ουξ μ)ΝὃuἷΝὅἷὄὠΝἵaὂaὐΝἶἷΝὂὄὁὂὁὄἵiὁὀaὄΝaὁὅΝhὁmἷὀὅΝaΝldquoviἶaΝfἷliὐrdquoΝ(ίέκθ

αέηκθα) Basta lembrar que o homem eacute o ser que participa da inteligecircncia que reside na

alma Este eacute um primeiro aspecto a ser considerado123

Um segundo aspecto importante eacute evitar conflitos inuacuteteis visto que a discussatildeo sobre

o bem jaacute teria gerado impasses em outros momentos Basta relembrarmos a discussatildeo da

Repuacuteblica (aqui jaacute citada) em que nem mesmo a inteligecircncia nem mesmo o prazer possuem

os requisitos necessaacuterios para serem tidos como o bem (R VII 505b6) Esse bem agora deve

ser uma outra coisa124 como jaacute nos adianta Soacutecrates (11d11) e que ficaraacute mais claro do que

ὅἷΝ tὄataΝ ἷὅὅaΝ ldquotἷὄἵἷiὄaΝ ἵὁiὅardquoΝ ὀὁΝ ἶἷἵὁὄὄἷὄΝ ἶaΝ aὄgumἷὀtaὦatildeὁ125 Poreacutem natildeo haacute outros

concorrentes aleacutem da inteligecircncia e do prazer Se natildeo haacute como afirmarmos com veemecircncia o

ὃuἷΝὅἷjaΝὁΝἴἷmΝὃuἷΝὂἷlὁΝmἷὀὁὅΝὂὁὅὅamὁὅΝἶiὐἷὄΝὀὁΝὃuἷΝἵὁὀὅiὅtἷΝaΝldquoViἶaΝἴὁardquoΝἷΝὁΝὃuἷΝfaὐΝ

com que ela seja portadora desse qualificativo ou seja o que a torna uma vida realmente

boa Natildeo se trata entretanto de eliminar ou derrotar os dois discursos mas de colocar ambos

me perspectiva analisaacuteveis sob o domiacutenio do ζ ΰκμ126

121 ldquoἑὁmὁΝὅἷΝvecircΝtὁἶὁὅΝὁὅΝἵaὄaἵtἷὄἷὅΝἶὁΝἶialὁgaὄΝὅὁἵὄὠtiἵὁ-platocircnico tal como foram estabelecidos nos ἶiὠlὁgὁὅΝἶitὁὅΝlsquoὅὁἵὄὠtiἵὁὅrsquoΝndash a coragem do exame a refutaccedilatildeo que tem como fim natildeo a vitoacuteria eriacutestica mas uma investigaccedilatildeo em comum a concoacuterdia que torna estaacutevel o resultado concordado ndash satildeo tambeacutem aqui no Platatildeo maduro plenamente confirmados A verdade e natildeo a φδζκθδεέα constitui sempre o horizonte e o fim do diaacutelogὁrdquoΝ(ἑἏἥἓἤἦἏἠἡΝἀί1ίΝὂέΝ1ἆἆ)έ 122 ldquoἡΝ ἶiὠlὁgὁΝ ὀatildeὁΝ ὅἷὄὠΝ ὂὁὄtaὀtὁΝ umΝ ἵὁmἴatἷΝ maὅΝ umaΝ vἷὄἶaἶἷiὄaΝ ἴuὅἵaΝ ἷmΝ ἵὁmumΝ viὅaὀἶὁΝexaminar o problema em-ὅiΝἷΝaΝἵὁὀὅtὄuiὄΝumaΝὂὁὅiὦatildeὁΝἵὁὄὄἷtardquoΝ(ἒἓἜἑἡεεIἠἓἦἦἓΝἀίίἄΝὂέΝἁλ)έ 123 ldquoἏΝ ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝ ὅἷΝ iὀiἵiaΝ ἷmΝ umΝ ὀiacutevἷlΝ ὃuἷΝ ὂὄἷὅὅuὂὴἷὅΝ aΝ lὁἵaliὐaὦatildeὁΝ ἶὁΝ ἴἷmΝ ὀaΝ almardquoΝ(DELCOMMINETTE 2006 p 37) 124 Σ δμΝελ έ πθΝ κτ πθΝφαθ (11d11) 125 Notomi (2010) relembra essa mesma perspectiva presente tambeacutem no Sofista (250b7-ἶἂ)μΝldquoIὅὅὁΝὀὁὅΝlembra um argumento semelhante no sofista A investigaccedilatildeo direta sobre o ser fica presa Tanto o movimento como o resto satildeo mas ser natildeo eacute movimento nem descanso devemos procurar uma tἷὄἵἷiὄaΝἵὁiὅaΝaὁΝlaἶὁΝἶὁὅΝἶὁiὅrdquoΝ(ὂέΝἅἆ)έ 126 ldquoἥἷΝ ἶifiἵilmἷὀtἷΝ ὂὁἶἷmὁὅΝ ἶaὄΝ umaΝ ὄἷὅὂὁὅtaΝ ἶiὄἷtaΝ ὡΝ ὂἷὄguὀtaΝ aὀtἷὄiὁὄΝ ὃual dos dois eacute o bem inteligecircncia ou prazer podemos examinar em vez disso qual eacute a boa vida e aleacutem disso o que faz a vida boa em relaccedilatildeo aos dois Ao mudar as questotildees o inqueacuterito aborda o mesmo problema de forma diferente Apesar do fracasso do diaacutelogo entre Filebo e Soacutecrates os seus dois candidatos natildeo devem ser demitidos nenhuma afirmaccedilatildeo positiva seraacute concluiacuteda sobre o bem se ambos os candidatos forem simplesmente jogados fora Por outro lado a nova questatildeo permite Protarco e Soacutecrates examinarem ὁὀἶἷΝἵaἶaΝumΝἷὅtὠΝlὁἵaliὐaἶὁΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝἴἷmrdquoΝ(ἠἡἦἡεIΝἀί1ίΝὂέΝἅἆ)έ

95 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

εaὅΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὀἷὅὅἷΝ ἵὁὀtἷxtὁΝ ὅἷὄiaΝ ἷὅὅἷΝ ldquoἷὅtaἶὁrdquoΝ ἷΝ ἷὅὅaΝ ldquoἶiὅὂὁὅiὦatildeὁrdquo127 citadas por

Soacutecrates Parece claro que natildeo podemos tomar os dois termos como sinocircnimos nem reduzi-

lὁὅΝ ὅimὂlἷὅmἷὀtἷΝ aΝ tἷὄmὁὅΝ tὄaἶuὐiacutevἷiὅΝ ὂὁὄΝ ldquoἶiὅὂὁὅiὦatildeὁrdquoέΝ ἓιδθΝ ἶἷὀὁtaὄiaΝ umΝ ἷὅtaἶὁΝ umaΝ

maneira de ser em sentido estrito (falsoverdadeiro) enquanto δΪγ δθ diz respeito muito

mais a uma consequecircncia a um resultado128 A alma natildeo eacute o termo significativo mas sim a

felicidade129 natildeo importa tanto mais a rejeiccedilatildeo de que a felicidade consista na posse de bens

exteriores como a sauacutede a riqueza a beleza que para ambos interlocutores satildeo meios mas

natildeo fins130 Como atesta Gadamer (1983)

Assim a questatildeo do bem na vida humana jaacute possui uma compreensatildeo antecipada de seu objeto e assim oferece agrave investigaccedilatildeo uma primeira orientaccedilatildeo O bem deve ser uma certa disposiccedilatildeo ( δΪγ δμ) ou tambeacutem uma certa atitude ( ιδμ)ΝἶaΝalmaΝὃuἷΝὂὁὅὅaΝ tὁὄὀaὄΝ ldquofἷliὐἷὅrdquoΝ tὁἶὁὅΝὁὅΝhὁmἷὀὅέΝἡΝbem eacute portanto concebido antecipadamente como uma certa compleiccedilatildeo da alma Natildeo eacute como o crecirc espontaneamente o senso comum algo que o hὁmἷmΝldquoὂὁὅὅuirdquoΝ(ἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝvulgaὄΝἶἷΝ ΰαγσθ) mas uma modalidade de seu ser Porque o homem eacute precisamente sua alma A questatildeo se apresenta a partir de entatildeo nesses termos qual eacute a compleiccedilatildeo da alma suscetiacutevel de tὄaὐἷὄΝaΝtὁἶὁὅΝὁὅΝhὁmἷὀὅΝaΝldquoviἶaΝfἷliὐrdquoςΝἏΝldquofἷliἵiἶaἶἷrdquoΝ( αδηκθ) natildeo designa aqui um conteuacutedo determinado desse bem ao qual o homem aspira (no sentido onde por exemplo se possuiria uma alternativa entre a felicidade e

127 O sentido aqui eacute mais proacuteximo daquele de 64c7 da disposiccedilatildeo que resulta da mistura bem constituiacuteda e natildeo ao significado proveniente do uso deliberado de ambos os termos mais adiante (como se pode notar em 32e3-9 48a8 42c2 49e3) 128 ἒixὅautΝaὁΝὀὁὅΝἶiὐἷὄΝὅὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ lἷmἴὄaΝἓὅὂἷuὅiὂὁΝὃuἷΝafiὄmavaΝὃuἷΝaΝ fἷliἵiἶaἶἷΝὧΝ ldquoumΝἷὅtaἶὁΝacabado inerente a todos os seres naturais ( ιδθ θαδ ζ έαθ θ κῖμ εα φ δθ θκυ δθ) ou a posse ἶὁὅΝἴἷὀὅrdquoΝ( ιδμ θ ΰαγ θ) (2017 p 266) 129 ἥὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὀὁὅΝ lἷmἴὄaΝ ἐὁὅὅiΝ (ἀίίἆ)μΝ ldquoἤἷἵὁὄἶἷmὁὅΝ ὃuἷΝ ὁΝ aἶjἷtivὁΝ eudaimonia natildeo se aplica simplesmente a um sentimento subjetivo de satisfaccedilatildeo senatildeo a um estado objetivo harmonioso ou saudaacutevel da alma A palavra eudaimonia eacute composta de um prefixo eu (ὃuἷΝὅigὀifiἵaΝldquoἴὁmrdquo)ΝἷΝἶaΝὂalavὄaΝdaimon (divindade intermediaacuteria entre os deuses e heroacuteis) que pode ser benigna ou maligna Em geral designa a boa parte ou lote que a cada um atribui o seu daimon De modo que o conceito de eudaimonia estaacute de algum modo relacionado com o prazer porque ambos supotildeem sentimentos subjetivos agradaacuteveis poreacutem enquanto o prazer encontra-se mais relacionado agrave sensibilidade a eudaimonia em Platatildeo se relaciona com uma certa satisfaccedilatildeo da vida como um todo que corresponde a um estado ὁὄἶἷὀaἶὁΝὅauἶὠvἷlΝὁuΝhaὄmὁὀiὁὅὁΝἶaΝalmardquoΝ(ὂέΝἀἀλ)έ 130 Como afirma Delcomminette (2006) o bem natildeo eacute identificado com a felicidade mas agrave causa da felicidade O bem eacute portanto essa posse que torna a vida feliz e inversamente a felicidade eacute a posse do bem Observemos que essa correlaccedilatildeo entre o bem e a felicidade ainda natildeo determina nada sobre o conteuacutedo do bem porque a felicidade tambeacutem eacute tatildeo indeterminada quanto ele nesse momento Por outro lado embora ela natildeo seja uma identificaccedilatildeo ela nos autoriza a estabelecer num primeiro momento nossa busca pelo bem na busca pela felicidade jaacute desejar o bem eacute querer que ele nos pertenccedila isto eacute desejar ser feliz (Cf Banquete 204e 205a4) Veremos no entanto que essa coincidecircncia entre desejo do bem e desejo da felicidade soacute poderaacute ser mantida ateacute um certo ponto com efeito a felicidade soacute seraacute acessiacutevel sob a condiccedilatildeo de deixar de desejar-se a si proacutepria em si mἷὅmaΝἷΝἶἷΝtἷὀἶἷὄΝὂaὄaΝὁΝἴἷmΝldquoἷm-ὅirdquoέΝἠὁΝἷὀtaὀto mesmo essa superaccedilatildeo da felicidade como objeto do desejo seraacute baseada na busca pela felicidade que pode portanto servir de guia preliminar (p 36-37)

96 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

a virtude) mas retoma em geral ao mais alto grau do humanamente ἶἷὅἷjὠvἷlΝὀἷὅtἷΝἷὅtaἶὁΝὀὁΝὃualΝὀaἶaΝmaiὅΝldquoἶἷixaὄiaΝaΝἶἷὅἷjaὄrdquoΝ(ὂέΝ1ἄἄ)έ

Eacute interessante verificar que o termo αδηκθέα natildeo eacute recorrente no diaacutelogo soacute

constatamos sua presenccedila no diaacutelogo duas vezes no trecho que anteriormente destacamos

de 11d6 e em 14b7131 no qual Soacutecrates estaacute criticando os intemperantes que satildeo tomados

ὂὁὄΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquolὁuἵuὄardquo132 proporcionada pelos prazeres do corpo acreditando serem

ὁὅΝhὁmἷὀὅΝldquomaiὅΝfἷliὐἷὅrdquoΝ( αδηκθΫ α κθ) do mundo Creio que haacute razotildees para a ausecircncia

do termo prazer e inteligecircncia encontram-se subordinados agravequilo que natildeo eacute propriamente um

conteuacutedo uacuteltimo (feliἵiἶaἶἷ)Ν maὅΝ ἵὁmὁΝ amἴὁὅΝ ldquoὂὄaὐἷὄΝ (gὁὐὁ)Ν ἷΝ ἵὁὀhἷἵimἷὀtὁrdquoΝ ὂὁἶἷmΝ ἷΝ

ἶἷvἷmΝἵὁὀtὄiἴuiὄΝὂaὄaΝὃuἷΝumaΝviἶaΝὂὁὅὅaΝὅἷΝtὁὄὀaὄΝumaΝviἶaΝfἷliὐΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἢὄaὐἷὄΝἷΝ

pensamento estariam deste modo subordinados agravequilo que constitui a felicidade e que natildeo eacute

um conteuacutedo formal mas o problema geral da proacutepria vida humana Esse estado e disposiccedilatildeo

ldquofἷliὐἷὅΝἵὁὀὅtituἷmΝὀumΝὂὄimἷiὄὁΝmὁmἷὀtὁΝaὂἷὀaὅΝἶἷΝmaὀἷiὄaΝfὁὄmalΝumaΝldquotἷὄἵἷiὄaΝἵὁiὅardquoΝ

( λ κπ ζζκΝ 1ἂἴἂ)Ν ὁuΝ ὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝ ὃuἷΝ ὅἷΝ tὁὄὀaὄὠΝ ὂὁὅὅiacutevἷlΝ gὄaὦaὅΝ aΝ umΝ ldquoὅὁὀhὁrdquoΝ ἶἷΝ

SὰἵὄatἷὅΝὅὁmἷὀtἷΝἷmΝἀίἴἄΝὀὁΝὃualΝὂὄaὐἷὄΝἷΝiὀtἷligecircὀἵiaΝὂaὅὅaὄatildeὁΝaΝἶiὅὂutaὄΝὂἷlὁΝldquoὅἷguὀἶὁΝ

precircmio Passamos portanto do modo de vida de todos os seres para aquele em que podemos

escolher o que faz do prazer natildeo o uacutenico bem comum a todos os eres vivos mas apenas

preferecircncia de alguns seres

Como bem nos explica Dixsaut (2017) a felicidade

() eacute esse contentamento contiacutenuo esse khairein que traz certa maneira de viver mas que natildeo se confunde com ela e que soacute eacute distinto do que chamamos prazer por sua unidade e continuidade Para dizer como Kant ser feliz eacute necessariamente o desejo de ser todo acabado ou seja sensiacutevel e para ser um ser sensiacutevel dotado de uma faculdade de prazer e de pena a consciecircncia ὃuἷΝἷlἷΝtἷmΝldquoἶὁΝaἵὁὄἶὁΝἶaΝviἶaΝὃuἷΝaἵὁmὂaὀhaΝὅem interrupccedilatildeo toda a sua ἷxiὅtecircὀἵiaΝὧΝaΝfἷliἵiἶaἶἷrdquoΝ(έέέ) Todo ser vivo deseja o prazer eacute mesmo isso que a maioria dos homens chamam de bem e ningueacutem diz o Soacutecrates do Filebo aceitaria uma vida sem prazer Reconhececirc-lo me parece natildeo eacute enunciar uma tese eudemonista eacute constatar que para um ser vivo a felicidade consiste em gozar a vida Platatildeo nunca contesta isso mas se pergunta qual forma deve tomar a vida para que possamos dela gozar justamente (p 282-283)

O diaacutelogo prossegue e o questionamento eacute sobre a possibilidade de regular uma vida

unicamente pela busca de um ou outro (prazer ou inteligecircncia) Ou seja qual modo de vida

se deve escolher Devemos fazer do prazer o uacutenico bem da vida (natildeo mais de todos os

131 Agradeccedilo ao Prof Fernando Mendonccedila por ter me chamado atenccedilatildeo sobre o breve nuacutemero de ocorrecircncias desse termo no diaacutelogo o que me levou a pensar que por natildeo ser um termo recorrente Platatildeo pudesse ter um propoacutesito maior no diaacutelogo em questatildeo e que o sentido de felicidade aqui tratado estaria distante do que Aristoacuteteles por exemplo concebe como felicidade na sua Eacutetica a Nicocircmaco 132 Sobre os significados que esse termo adquire no diaacutelogo falarei mais adiante

97 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

viventes) mas apenas preferecircncia de alguns e soacute assim os dois modelos de vida podem ser

confrontados por meio da dialeacutetica a partir do momento em que as duas afirmaccedilotildees

encontram-se em poacutelos opostos agora sim sob forma de teses que se excluem mutuamente

ambas demonstradas como insuficenteὅέΝΝἢὄὁὂὴἷΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquoὂaὄaΝvὰὅΝἷὀtatildeὁΝὅἷὄiaΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝ

de ter prazer ( κ ξαέλ δθ) e para noacutes a de pensar ( κ φλκθ ῖθ)ςrdquoΝ(11ἶἆ-9)

Filebo entatildeo recusa a disputa mesmo que agora a tese atribuiacuteda a Protarco

demonstre-se vencedora isto eacute mesmo se ao longo da discussatildeo essa vida se evidenciar

como a disposiccedilatildeo superior (o que jaacute se pode entrever que natildeo ocorreraacute pela possibilidade de

uma terceira coisa) transferindo-a aos cuidados de Protarco De tal modo aquele interlocutor

jaacute natildeo possui autoridade alguma agora sobre a concordacircncia ( ηκζκΰέαμ) ou natildeo entre

Soacutecrates e o proacuteprio Protarco (12a9-11) A atitude de Filebo eacute deste modo correta se

purificar ( φκ δκ ηαδ) e invocar o testemunho (ηαλ τλκηαδ da proacutepria deusa (α π θ γ σθ)

(12b1-2) A pergunta importante que ecoa das linhas do Goacutergias (π μ ίδπ Ϋκθ 492d 500c4)

deveria agora ser tomada em sua questatildeo fundamental e assegurar assim como afirma o

discurso de Filebo aquilo que a realidade atesta o prazer de gozar o imediato da vida o

proacuteprio ξαέλ δθ essa exigecircncia profundamente humana da felicidade Jaacute natildeo restam mais

altἷὄὀativaὅΝὀἷmΝaΝmὁὄalΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὀἷmΝaΝjuὅtiὦaΝaὅΝὃuaiὅΝtἷὄiamΝὅiἶὁΝaὂὄἷὅἷὀtaἶaὅΝὀaΝldquoὅὧὄiaΝ

ὃuἷὅtatildeὁrdquoΝ (ὅὁἴὄἷΝ ἵὁmὁΝ ὅἷΝ ἶἷvἷΝ vivἷὄ)Ν ἶὁΝ Goacutergias Se pensamento e inteligecircncia satildeo

ingredientes melhores em uma dada maneira de viver se satildeo os objetos preferiacuteveis a qualquer

outra coisa por que natildeo analisaacute-los tout et court Natildeo o que se vecirc mais adiante eacute o

desmembramento a pluralizaccedilatildeo o exame baseado numa vontade de verdade Mas

Soacutecrates pelo contraacuterio natildeo deixa de perseguir o prazer sobre essa essecircncia de uma verdade

tatildeo sobre-humana a todo custo mas Soacutecrates ainda pretende dar asas ao pensamento alccedilar

vocirco teme que suas asas possam ser cortadas (DIXSAUT 2017 p 268)

O pensamento como explica Dixsaut (2017) soacute se exerce agrave medida que estamos

ldquomὁὄtὁὅrdquoΝὃuaὀἶὁΝaΝὃuἷὅtatildeὁΝὅὁἴὄἷΝldquoἵὁmὁΝὅἷΝἶἷvἷΝvivἷὄrdquoΝὀatildeὁΝὧΝmaiὅΝumΝὂὄὁἴlἷmaΝἵὁmΝὁΝὃualΝ

devemos lidar (p 268) O Filebo vai mais a fundo e retomaconfirmando o Feacutedon o

pensamento apresentado no Filebo natildeo eacute o que estaacute em jogo realmente133 haacute um outro que

se encontra na profundidade do diaacutelogo ele eacute extremamente poderoso mas no caso da

composiccedilatildeo eacute mais prudente optar pela vida boa que eacute justamente aquela misturada Por

enquanto isso basta para a nossa reflexatildeo cremos que no decorrer da argumentaccedilatildeo ficaratildeo

maiὅΝ ἵlaὄὁὅΝ taὀtὁΝ ὁὅΝ ὂὄὁὂὰὅitὁὅΝ maiὅΝ ἷviἶἷὀtἷὅΝ ἶὁΝ ἶiὠlὁgὁΝ ὃuaὀtὁΝ ὁΝ ldquoὅἷὀtiἶὁΝ maiὅΝ

aὂὄὁfuὀἶaἶὁrdquoΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝtalΝὄἷflἷxatildeὁέΝἑὁὀtiὀuἷmὁὅΝὁΝὂἷὄἵuὄὅὁΝὂὁὄΝhὁὄaΝἶaὀἶὁΝὅἷὃuecircὀἵia

agrave intepretaccedilatildeo das demais partes do diaacutelogo em questatildeoComo nada absolutamente nada

133 Dixsaut ainda diz que em nenhum dos diaacutelogos esse pensamento demonstraria tanto o seu poder (Cf DIXSAUT 2017 p 268)

98 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

nos diaacutelogos eacute desprovido de significado temos aqui mais um exemplo que exige atenccedilatildeo

ἶἷliἵaἶaέΝἏὅὅimΝὂaὄἷἵἷΝaΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝὡΝἶἷuὅaΝ(lsquo φλκ έ βθ)μΝldquoὅimΝἶἷvἷmὁὅΝtἷὀtaὄΝἵomeccedilando

ἵὁmΝaΝὂὄὰὂὄiaΝἶἷuὅaΝὃuἷΝἷlἷΝἶiὐΝὅἷΝἵhamaὄΝἏfὄὁἶitἷΝmaὅΝἵujὁΝmaiὅΝvἷὄἶaἶἷiὄὁΝὀὁmἷΝὧΝὂὄaὐἷὄrdquoΝ

(12b7-9)134

εaiὅΝaἶiaὀtἷΝ(1ἀἵ1)ΝἥὰἵὄatἷὅΝὀὁvamἷὀtἷΝὄἷtὁmaΝὁΝmἷὅmὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝὅὁἴὄἷΝὅἷuΝldquotἷmὁὄrdquoΝ

em relaccedilatildeo ao nome dos deuses135 e agora em relaccedilatildeo a Afrodite conveacutem chamaacute-la do nome

ldquoὃuἷΝmaiὅΝlhἷΝagὄaἶardquoέΝἒὁΝmἷὅmὁΝmὁἶὁΝἥὰἵὄatἷὅΝalἷὄtaΝὡΝἢὄὁtaὄἵὁΝὁὅΝὂἷὄigὁὅΝὀὁὅΝὃuaiὅΝἷlἷΝ

proacuteprio (Soacutecrates) incorre ao tentar examinar a natureza da deusa Eacute preciso como diz

ἥὰἵὄatἷὅΝldquoἴἷmΝἷxamiὀaὄrdquoΝldquoὄἷflἷtiὄΝἴἷmrdquoΝ(1ἀἵἃ)έΝἏΝὀatuὄἷὐaΝ(φτ δθ ξ δ) do prazer eacute complexa

(πκδεέζκθ) (12c5-6) Embora quando escutamos ( εκτ δθ)136 ldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝaὁΝὁuviἶὁΝἷlἷΝὂaὄἷἵἷΝ

simples ( πζκμ) algo uacutenico ( θ δ) mas eacute algo complexo (πκδεέζκθ) e certamente assume

todo o tipo de formas (ηκλφ μ άπκυ παθ κέαμ ζβφ ) que satildeo dessemelhantes

( θκηκέκυμ) umas agraves outras ( δθα λσπκθ θκηκέκυμ ζζάζαδμ) (12c6-8)

O que podemos notar na passagem eacute que Soacutecrates parece fazer ressoar o preceito

dos demais diaacutelogos em relaccedilatildeo agrave divindade pois basta retomarmos a Repuacuteblica (380dss)

ἏὁΝἶiὐἷὄΝaΝὂalavὄaΝldquoἶἷuὅrdquoΝὅἷguὀἶὁΝaΝὂὄὰὂὄiaΝtἷὁlὁgiaΝἷxὂὄἷὅὅaΝὀaὃuἷlἷΝἶiὠlὁgὁΝἶἷὅigὀamὁὅΝ

um ser privilegiado de natureza uacutenica desprovido de qualquer multiplicidade Mas quando

se trata do prazer lidamos com algo muacuteltiplo e variado Agora Platatildeo faria Soacutecrates falar de

um respeito ainda mais enigmaacutetico como nos diz Friedlaumlnder (2014 p 1054) Se logo apoacutes

isso o discurso se desenvolve em torno da natureza do prazer de sua essecircncia muacuteltipla por

conseguinte nada ele teria de divino Nesse caso como explicar essa conclusatildeo negativa E

hὠΝaiὀἶaΝmaiὅΝumaΝἵὁiὅaΝaΝὅἷὄΝἶitaΝaΝfiguὄaΝἶaΝldquoἶἷuὅardquoΝὄἷtὁὄὀaΝὡΝἵἷὀaΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἷmΝἀἄἵΝ

agora como doadora da ordem como aquilo que daacute limite a todas as coisas Portanto como

se pode notar natildeo se trata apenas de um ornamento moral ou retoacuterico quando o que estaacute em

ὃuἷὅtatildeὁΝὧΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝὀὁmἷΝἶaΝldquoἶἷuὅardquoΝaΝὅuaΝὀatuὄἷὐaέΝἏΝὂaὄtiὄΝἶaiacuteΝὅuὄgἷmΝalgumaὅΝὃuἷὅtὴἷὅΝ

importantes (i) Qual o sentido da alteraccedilatildeo de Soacutecrates do nome da deusa (ii) Haacute duas

frodites ou dois significados que podemos atribuir agrave proacutepria deusa (iii) Filebo realmente se

ἷὃuivὁἵaΝὃuaὀtὁΝaὁΝὀὁmἷΝἶἷΝldquoὅuardquoΝἶἷuὅaς

Eacute necessaacuterio em um primeiro momento que lembremos a forma ambiacutegua como Platatildeo

retrata a relaccedilatildeo entre Soacutecrates e os deuses convencionais fato notaacutevel nos diaacutelogos137 Mas

134 ldquoΩ Π δλα Ϋκθ πrsquoΝα μ μ γ κ θ Ἀφλκ έ βθ η θ ζΫΰ γαέ φβ δ rsquoΝ ζβγΫ α κθ α μ θκηα lsquoΗ κθάθ ῑθαδrdquoΝ(1ἀἴἅ-9) 135 Basta tomarmos alguns diaacutelogos Cra 400dss Euthph 12ass R II 380dss Phdr 273 c8ndash9 Ti 28 b3ndash4) 136 Bravo nos diz que para os gregos os prazeres do ouvido relacionados ao canto aos belos discursos satildeo tambeacutem tidos como prazeres de alta estima assim como o do paladar e dos demais sentidos Pra uma semacircntica e fisiologia dos prazeres mais detalhada (BRAVO 2009 p 13 14 33 81 etc) 137 Ver Euthphr 6b-c Ap 26b-c Phd118a Phdr 229css

99 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

se podemos fazer uma afirmaccedilatildeo geneacuterica ao mesmo tempo e em certo sentido precisa o

uso que Platatildeo faz da religiatildeo ou melhor a compreensatildeo que ele empresta ao religioso

manifesto pelas referecircncias ainda constantes agrave mitologia natildeo eacute o mesmo sentido atribuiacutedo

pela tradiccedilatildeo Poreacutem Platatildeo manteacutem a linguagem miacutetica e natildeo vecirc outro meio de expor esse

novo sentido a natildeo ser utilizando essa proacutepria linguagem como instrumento para exposiccedilatildeo

ἶἷὅὅἷΝὀὁvὁΝmὁἶὁΝἶἷΝvἷὄΝaὅΝὃuἷὅtὴἷὅΝὄἷligiὁὅaὅέΝἡΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅigὀifiἵaΝumaΝὅuὂὁὅtaΝldquoὁὂὦatildeὁrdquoΝὂὁὄΝ

uma forma ou outra capaz de expor um conteuacutedo de maneira mais eficaz mas aproveitar

esquemas de pensamento que configuram visotildees de mundo reconfigurando seus significados

para alteraacute-las profundamente138

Eacute preciso lembrar como foi dito anteriormente acerca do ζσΰκμ de Filebo que eacute

apenas aquele da afirmaccedilatildeo que natildeo contesta apenas constata que o prazer eacute bom para

todos se seres vivos Ao abandonar a questatildeo e atribuir a tarefa de dialogador a Protarco ele

(Filebo) natildeo deseja submeter seu discurso agrave apreciaccedilatildeo dialeacuteticaέΝἓΝὂaὄaΝtalΝiὀvὁἵaΝaΝldquoὂὄὰὂὄiaΝ

ἶἷuὅardquoέΝἑὁmὁΝjὠΝἷviἶἷὀἵiamὁὅΝὀatildeὁΝhὠΝὅἷὃuἷὄΝalgumaΝἵὁὀἶἷὀaὦatildeὁΝὁuΝἵἷὀὅuὄaΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝ

a essa invocaccedilatildeo Muito pelo contraacuterio o proacuteprio temor divino eacute correto louvar a deusa exaltaacute-

la e eacute isso que deseja Filebo ao afirmar a proacutepria agradabilidade do que consiste na natureza

do bom (natildeo do bem) Ao submeter-se ao dialogar eacute necessaacuterio falar mas Soacutecrates faz uso

ἶaΝ ἷxaltaὦatildeὁΝ ἷΝ ἶaΝ glὁὄifiἵaὦatildeὁΝ ἵὁmὁΝ ἷlἷΝ mἷὅmὁΝ ἶiὐΝ aὂἷὀaὅΝ ὂὁὄΝ ldquogὄaἵἷjὁrdquoΝ ὂὁὄΝ ldquoiὄὁὀiardquoΝ

( ηθτθπθ θ πα α δθ γκλτίβ α 28c) isto eacute natildeo para afirmar exprimir celebrar mas

para falar aquilo que eacute verdadeiramente Ele (Soacutecrates) eacute quem pode incorrer em impiedade

ndash e por isso eacute tomado de temor ndash se ousar exaltar a deusa deste modo Por mais simples e

oacutebvia que possa parecer a afirmaccedilatildeo de Filebo ela eacute de suma importacircncia

O temor socraacutetico em relaccedilatildeo aos deuses eacute mantido (isso explicaria nome de outra

deusa Η κθ θ) A natureza dos deuses eacute uacutenica e Soacutecrates natildeo renega o preceito da

RepuacuteblicaΝὂὁὄὧmΝὁΝὃuἷΝἷὅtὠΝἷmΝjὁgὁΝὧΝἷὅὅaΝldquoὀὁvaΝὄἷlaὦatildeὁrdquoΝἷὀtὄἷΝὁΝἶiviὀὁΝἷΝhumaὀὁΝἶὁΝὃualΝ

ele (Soacutecrates) eacute o proacuteprio exemplo isto eacute a relaccedilatildeo entre o filoacutesofo e o divino que incide

sobre o proacuteprio deus Por um lado o proacuteprio Deus afirma a sabedoria de Soacutecrates mas por

outro diz que sua sabedoria assenta-ὅἷΝ juὅtamἷὀtἷΝ ὀumΝ ldquoὅaἴἷὄΝ ἶὁΝ ὀaἶaΝ ὅaἴἷὄrdquoέΝ EacuteΝ

138 Neste sentido satildeo notaacuteveis as contribuiccedilotildees de Bolzani (2008) ao analisar o que ele denomina como ldquotὄagiἵiἶaἶἷrdquoΝ ἷΝ ldquoaὀti-tὄagiἵiἶaἶἷrdquoΝ ἶἷΝ ἢlatatildeὁέΝ ἠὁΝ ὅἷuΝ tἷxtὁΝ ἵhama nossa atenccedilatildeo partindo fundamentalmente da Apologia e do Oraacuteculo de Delfos ao procedimento platocircnico de retomar formas discursivas tradicionais para criticar as visotildees de mundo que as fundamentam de modo a defender suas proacuteprias ideias O autor destaca em dado momento essa proacutepria questatildeo levantada no julgamento de Soacutecrates a acusaccedilatildeo de impiedade o que demonstra como o sentido religioso eacute mantido por Soacutecrates poreacutem este reconfigura-se sob uma nova ordem isto eacute os esquemas de pensamentos satildeo mantidos (teologia tradicional) poreacutem a filosofia de Soacutecrates insere-se nesta mesma tradiccedilatildeo para criticaacute-la em vista de uma nova relaccedilatildeo que se busca compreender e levar agrave compreensatildeo entre o humano e o divino Natildeo haacute outro meio de inserir essa nova visatildeo segundo Platatildeo senatildeo por meio do aproveitamento destas mesmas estruturas discursivas para alteraacute-las profundamente

100 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

investigando os pretensos saacutebios que ele proacuteprio (Soacutecrates) toma consciecircncia do oraacuteculo ou

se reconhece a si proacuteprio isto eacute trata-se tambeacutem de uma auto-investigaccedilatildeo O valor desse

saber ao longo do tempo perde esse caraacuteter meramente negativo e confirma a proacutepria

revelaccedilatildeo do oraacuteculo pois natildeo somente os pretensos saacutebios foram submetidos ao crivo da

investigaccedilatildeo mas tambeacutem o proacuteprio deus eacute questionado nessa revelaccedilatildeo Ora isso soacute eacute

possiacutevel a partir do momento em que uma nova relaccedilatildeo entre o divino e o humano eacute pensada

Eacute Soacutecrates que natildeo pode (ainda) conclamar todo o sentido presente na figura de

Afrodite Isto porque o discurso de Filebo natildeo eacute o discurso de Protarco ele natildeo eacute uma tese

ὂὁὄΝiὅὅὁΝiὀtἷὄἷὅὅaΝὡΝἥὰἵὄatἷὅΝἵὁὀvὁἵaὄΝaΝldquoἶἷὅἵἷὀἶecircὀἵiardquo139 (muacuteltipla) da deusa (uacutenica) e natildeo

aὂἷὀaὅΝ aΝ ldquoἶἷuὅardquoΝ ἷmΝ ὅiΝ ήὀiἵaΝ ὃuἷΝ ἔilἷἴὁΝ ἷxaltaέΝ ἏΝ ἵὁὄὄἷlaὦatildeὁΝ ἵὁmΝ aΝ ὅἷὃuecircὀἵiaΝ ἶaΝ

argumentaccedilatildeo eacute imediata o prazer seraacute analisado em suaὅΝ ldquoἷὅὂὧἵiἷὅrdquoΝ ὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ ὅἷὄὠΝ

ἶἷὅmἷmἴὄaἶὁΝ ἷmΝὅuaΝ ldquouὀiἶaἶἷrdquoΝ ὂluὄaliὐaἶὁΝ ἵὁlὁἵaἶὁΝ ἷmΝἷxamἷΝὅuἴmἷtiἶὁΝ ὡΝ ἷxigecircὀἵiaΝ

ὅὁἵὄὠtiἵaΝldquoὅὁἴὄἷΝhumaὀardquoΝ(ὁuΝἶἷὅumaὀa)ΝἶaΝvἷὄἶaἶἷΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀί1ἅΝὂέΝἀἄἆ)έΝ

Ora esse fato atesta ainda mais que o diaacutelogo eacute muito mais rico do que o debate

escoliasta entre hedonismo e anti-hedonismo Dixsaut (1999) nos lembra o caraacuteter simeacutetrico

do diaacutelogo por um lado nos remete a textos claacutessicos muito proacuteximos ao que afirma Filebo

como o fragmento 1 de Mimnermo140μΝldquoὃuἷΝvalὁὄΝtἷὄiaΝaΝviἶaΝἷ que alegria permaneceria sem

aΝἏfὄὁἶitἷΝὠuὄἷaέέέrdquoΝtamἴὧmΝaΝmaiὅΝἴἷlaΝΝἶaὅΝviἶaὅΝἶἷὅἵὄitaΝὀaΝOdisseia por Homero141 citada

por Platatildeo na Repuacuteblica142 e o julgamento de Paacuteris simplificado por Soacutefocles (ελέ δμ) no qual

Paacuteris eacute posto como aacuterbitro ndash tarefa a ele atribuiacuteda por Zeus ndash para escolher entre Athena e

Afrodite143 Por outro lado evidencia descriccedilatildeo platocircnica da Repuacuteblica144 manifestada na

indignaccedilatildeo de Adimanto ao ver a forma como os homens concebem o prazer como um

139 Um dos atributos de Afrodite eacute ser protetora do Prazer principalmente do prazer eroacutetico mas natildeo apenas deste Haacute outros sentidos que evocam a deusa Afrodite como beleza sauacutede ordem dentre outros Mais adiante falo sobre como Platatildeo iraacute jogar com esses vaacuterios sentidos que os homens ὀὁmἷiamΝἵὁmὁΝὅἷὀἶὁΝldquoἢὄaὐἷὄrdquoέΝἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝἵfέΝἐἡἥἥIΝ(ἀίίἆΝὂέΝἀἁἅ)έ 140 Que vida que prazer sem a aacuteurea Afrodite Que eu morra quando isto natildeo me interessar mais amor secreto e doces dons e leito ndash tais satildeo da juventude as flores atraentes a homens e mulheres Mas quando chega a dolorosa 5 velhice que faz similarmente vil e feio o homem sempre em torno de seu peito ansiedades vis se enredam e olhando a luz do sol ele natildeo se deleita mas eacute detestaacutevel aos meninos e desonrado agraves mulheres aὅὅimΝὄἷὂugὀaὀtἷΝὁΝἶἷuὅΝἶiὅὂὲὅΝaΝvἷlhiἵἷhellipΝ(Mimn Fr1) Utilizo a traduccedilatildeo de Ragusa (2008 p 52-70) 141 Hom Od 9 9-11 142 R III 390a-b 143 Hom Il 2 24 25ndash30 144 R II 363c-d

101 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

banquete eterno uma embriaguez constante assim como o caraacuteter de degradaccedilatildeo moral

instaurado pelo uso desenfreado dos prazeres a ponto de culminarmos no livro XI145 da

mesma obra com uma existecircncia humana tatildeo pouco humana mais proacutexima do niacutevel

animalesco A reflexatildeo sobre a vida boa natildeo consiste unicamente num julgamento moral

puramente hedonista mas eacute como nos diz a autora uma questatildeo de gosto refinada diferente

de um julgamento teoacuterico e anti-hedonista146 (p 12)

No discurso de Filebo subjaz o carpe diem147 ele traduz o mesmo sentimento

apresentado na elegia do poeta grego e esse prazer eacute um prazer eroacutetico A patrona de Filebo

eacute sem duacutevida aquela do desejo irrefreaacutevel do gozo da seduccedilatildeo dos amores Mas uma

leitura dessa invocaccedilatildeo divina (como teria feito Frede (1993) e Hackforth (1945)) nos faria

talvez supor algumas contradiccedilotildees nesse proacuteprio ato piedoso Soacutecrates natildeo rejeita ou mesmo

145 R IX 586a-b 146 Torres Morales (2016) vai na mesma direccedilatildeo de Dixsaut ao fazer um levantamento consideraacutevel sobre a presenccedila da poesia homeacuterica em algumas das principais passagens do Filebo sobretudo em se tratando das divindades miacuteticas ali representadas Cito na iacutentegra suas consideraccedilotildees sobre a ὂὄἷὅἷὀὦaΝἶἷΝἏfὄὁἶitἷΝὀὁΝἶiὠlὁgὁμΝldquoἏΝiὀtἷὀὦatildeὁΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὀὁΝiὀiacuteἵiὁΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝaὀtἷὄiὁὄΝaΝἶἷΝἔilἷἴὁΝἷΝaΝde Protarco seraacute privar o prazer de sua vontade divina (de sua identificaccedilatildeo com Afrodite) para analisaacute-lo como uma unidade que surge principalmente como uma experiecircncia humana Nesse sentido um ἶὁὅΝὂὄiὀἵiὂaiὅΝὁἴjἷtivὁὅΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὀaΝὂὄimἷiὄaΝὂaὄtἷΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝὅἷὄὠΝἶἷὅmitifiἵaὄΝὁuΝlsquoἶἷὅ-ἶiviὀiὐaὄrsquoΝὁΝprazer Isso apenas significa que em toda a sua pesquisa o prazer natildeo pode ser mostrado como um elemento conectado com alguma ordem transcendente de fato no fim de sua anaacutelise o prazer seraacute identificado com π έλπθΝumaΝὄἷaliἶaἶἷΝὅἷmΝfὁὄmaΝἷΝὅἷmὂὄἷΝἷmΝmuἶaὀὦaΝἷlἷmἷὀtὁΝἷὅὅἷὀἵialΝἶaΝordem coacutesmica (ver Filebo 31a6-9 53css) Como acontece frequentemente o exame platocircnico conecta - na cena dramaacutetica do diaacutelogo - o humano com o divino e o coacutesmico para alcanccedilar uma compreensatildeo adequada das questotildees tratadas A anaacutelise de Soacutecrates do prazer seraacute desenvolvida e em certo sentido seraacute seguida por Protarco mas Filebo descansaraacute em paz e permaneceraacute quase em silecircncio o tempo todo Ele permaneceraacute ao longo do diaacutelogo como um seguidor piedoso de Afrodite ὂaὄaΝἷlἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἶἷvἷΝὅἷὄΝiἶἷὀtifiἵaἶὁΝἵὁmΝἷὅὅaΝἶiviὀἶaἶἷΝἷΝὁΝ ilimitaἶὁέΝ lsquoἥἷΝὀatildeὁΝfὁὅse de fato por ὀatuὄἷὐaΝ mήltiὂlὁΝ taὀtὁΝ ἷmΝ ὃuaὀtiἶaἶἷΝ ὃuaὀtὁΝ ἷmΝ iὀtἷὀὅiἶaἶἷΝ ὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ ὀatildeὁΝ ὅἷὄiaΝ tὁtalmἷὀtἷΝ ἴὁmrsquoΝ(Filebo 27e7-10) Filebo fez uma escolha uma escolha pela vida de prazer entendida como uma simples e oacutebvia experiecircncia (sempre maior e natildeo menor com alegria e sem dor) uma vida ilimitada sob os auspiacutecios de Afrodite A proacutepria possibilidade do diaacutelogo eacute construiacuteda sobre o fato de Protarco ainda natildeo ter feito sua escolha definitiva A relevacircncia desse fato e a presenccedila da divindade nele eacute o que permite traccedilar uma equivalecircncia indireta importante entre Homero e Platatildeo Isto eacute a divindade de Afrodite eacute apresentada tanto no diaacutelogo quanto no poema homeacuterico (e claro em outras fontes da tradiccedilatildeo grega) como um confronto um confronto que tem que fazer em ambos os casos com uma escolha () esta escolha no diaacutelogo pode ser um lembrete da escolha ou do julgamento de Paacuteris uma escolha que favoreceu a Afrodite perante de Hera e Atena e que no conto homeacuterico trouxeram os atenienses a terriacutevel guerra terriacutevel contra Troacuteia (Il 24 25-30) De fato tambeacutem no diaacutelogo Afrodite representa a origem do conflito entre os interlocutores Ao longo de toda a sua jornada Soacutecrates precisaraacute persuadir e em certo sentido converter Protarco a fim de mostrar-lhe que a melhor vida natildeo eacute a que Filebo escolheu dedicado aos prazeres ilimitados de Afrodite mas uma vida dedicada a uma ἷxiὅtecircὀἵiaΝalἷgὄἷΝmὁἶἷὄaἶaΝὃuἷΝὄἷἵὁὀhἷἵἷΝὅἷuΝἵaὄὠtἷὄΝilimitaἶὁΝὀὁΝἵamiὀhὁΝἵὁὄὄἷtὁrdquoΝ(ὂέΝἄί-61) 147 Sobre isso encontram-se notaacuteveis explicaccedilotildees no artigo de Ragusa (2008 p 52-70) e em suas traduccedilotildees da poesia arcaica em que se encontram menccedilotildees diretas agrave Afrodite e sua caracterizaccedilatildeo com o desejo com o eroacutetico o sexo e ao viccedilo presente na beleza da juvenil

102 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

se mostra descrente dos poderes e honras pertencentes agrave deusa de Filebo ele a exalta

justamente por conceder testemunho de compreensatildeo de tatildeo poderosa deusa

O medo de cair em blasfecircmia ou impiedade eacute do proacuteprio Soacutecrates que pode ser

assacado pela acusaccedilatildeo de impiedade caso natildeo se compreenda o propoacutesito da sua

ldquoἶἷὅmiὅtifiἵaὦatildeὁrdquoΝἶἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁΝfiguὄativὁΝὃuἷΝἷὀvὁlvἷΝaΝldquoἶἷuὅardquoΝ(ὁuΝὁΝὂὄaὐἷὄ)έΝἒitὁΝde outro

modo ainda natildeo eacute possiacutevel falar do divino e Soacutecrates iraacute se precaver disso pois ele iraacute se

utilizar desse esquema de pensamento (teoloacutegico tradicional) a natildeo ser alterando a proacutepria

concepccedilatildeo (divina) que se possui do prazer e nada melhor do que discuti-lo dentro da

estrutura miacutetica e aqui podemos ressaltar o caraacuteter mimeacutetico no qual tambeacutem se insere toda

a obra platocircnica Eacute digno de nota ressaltar que o π έλπθΝ (gecircὀἷὄὁΝὀὁΝὃualΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὅἷὄὠΝ

inserido) oferece a noacutes leitores um novo caminho para compreendermos nossa existecircncia

intermediaacuteria (entre a animalidade e a divindade) porque o ilimitado ( π έλκθ)ΝὧΝ taὀtὁΝumΝ

elemento da realidade coacutesmica quanto algo presente na alma humana Quando Soacutecrates

coloca o prazer em seu devido lugar na realidade ele oferece um novo sentido agrave divindade

tornando-a aqui muito menos um princiacutepio uma realidade puramente dada transcendente

aceita de forma inconteste (dogmaacutetica) do que um modelo para o homem que deve buscar

alcanccedilar a ordem e a harmonia de sua alma pois disto decorre uma vida boa Do mesmo

modo Soacutecrates joga com os sentidos contidos na figura da proacutepria deusa pois ela natildeo

somente eacute patrona dos mais variados tipos de desejos mas na sua natureza encontra-se a

beleza proveniente da ordem da sauacutede isto eacute da boa constituiccedilatildeo da harmonia capaz de

doar o limite necessaacuterio tanto na ordem do universo quanto na constituiccedilatildeo de uma vida

propriamente humana148

ἥὰἵὄatἷὅΝἶἷὅἷjaΝὁlhaὄΝldquoἵaὄaΝaΝἵaὄardquoΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὄἷtiὄaὄ-lhe momentaneamente o estatuto

aacuteureo ὃuἷΝlhἷΝἷὀἵὁἴὄἷΝmὁὅtὄaὄΝὃuatildeὁΝἶivἷὄὅὁΝὧΝiὅὅὁΝὃuἷΝὀὁmἷamὁὅΝuὀiἵamἷὀtἷΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝiὅtὁΝ

ὧΝmὁὅtὄaὄΝtὁἶaὅΝaὅΝldquotὁὀaliἶaἶἷὅrdquoΝ(ἷΝὁΝἷxἷmὂlὁΝἶaὅΝἵὁὄἷὅΝὅuὄgἷΝmaiὅΝὡΝfὄἷὀtἷ)ΝὃuἷΝἷὅὅἷΝἶἷὅἷjὁΝ

de prazer pode assumir Lembremo-nos das distinccedilotildees entre as duas Afrodites do discurso

de Pausacircnias no Banquete Platatildeo natildeo concebe duas deusas nem altera a natureza da deusa

(ao querer chamar Afrodite de Hedoneacute) que continua sendo uacutenica a estrutura eacute a mesma os

significados tambeacutem o satildeo mas tudo depende ao momento dialoacutegico em questatildeo aos

objetivos proacuteprios da discussatildeo em que se encontra em dado momento A compreensatildeo divina

de Soacutecrates eacute ainda mais clara do que a tradicional no entanto essa mesma concepccedilatildeo

148 Filebo solenemente presta juramento agrave sua deusa neste caso agrave Afrodite deusa do prazer Podemos aqui tambeacutem retomar o Banquete (180d-181a) no qual nos satildeo dadas maiores observaccedilotildees sobre a deusa um retrato duplo dessa divindade eacute apresentado no discurso de Pausacircnias Temos por um lado a chamada Afrodite Celestial e por outro a Afrodite Vulgar (Cf PRADEAU 2002 p 238 n4) Brisson (2005) explica-nos ainda mais sobre a presenccedila de Afrodite junto a Eros naquele diaacutelogo Diz ainda que cada uma das duas Afrodites possuiacutea um templo nos quais eram cultuadas pelos gregos Sobre isso ver mais (BRISSON 2005 p 41-43)

103 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

(teoloacutegica) como jaacute dissemos por ser ainda mais clara eacute vista como distinta Soacutecrates natildeo

deixa de crer mas ele procura saber porque se deve crer deste modo e natildeo de outro Eacute por

iὅὅὁΝὃuἷΝὀὁtamὁὅΝἷὅὅἷΝldquoἴalὧrdquoΝἷὀtὄἷΝtἷὄmὁὅΝἶἷΝἏfὄὁἶitἷΝὡΝώἷἶὁὀἷΝἶἷΝώἷἶὁὀἷΝὡΝἏfὄὁἶitἷΝἷΝὁΝ

ldquotἷmὁὄrdquoΝ juὅtifiἵaὀἶὁΝ aὅΝ ἶifἷὄἷὀὦaὅΝ ἶἷmaὄἵaἶaὅΝ ἷὀtὄe discursos um para louvar exprimir

celebrar outro para falar para pocircr em debate em discussatildeo Diante das possiacuteveis e reais

aἵuὅaὦὴἷὅΝἶἷΝimὂiἷἶaἶἷΝἷΝἴlaὅfecircmiaΝἥὰἵὄatἷὅΝvὁltaΝaΝjuὅtifiἵaὄΝὅἷuΝldquoὅἷὄΝὂiἷἶὁὅὁrdquoΝiὀvὁἵaὀἶὁΝ

a divindade segundo aquilo que o curso da argumentaccedilatildeo julgou como necessaacuterio apoacutes a

investigaccedilatildeo (dialeacutetica) do verdadeiro caraacuteter do prazer e do sentido (bom) que eacute necessaacuterio

resgatar como jaacute dissemos esse sentido agora eacute o da ordem149 o qual natildeo deixa de pertencer

tambeacutem agrave deusa do ldquoἴἷlὁΝἔilἷἴὁrdquoΝ(ὁuΝmἷlhὁὄΝἶὁΝldquoamaὀtἷΝἶaΝfὁὄὦaΝjuvἷὀilrdquo)έ

Na continuaccedilatildeo do diaacutelogo Soacutecrates considera que tanto homem temperante

( κφλκθκ α) como o homem intemperante ( εκζα αέθκθ α) possuem prazer mas natildeo

apenas esses dois tambeacutem aquele homem tolo ( θκβ αέθκθ α) e o homem que pensa

(φλκθκ α) Ο objeto do prazer contudo eacute diferente o homem moderado se regozija em ser

moderado ( πφλκθ ῖθ) o homem tolo com as opiniotildees tolas e com as tolas expectativas

( θκά πθ κι θ εα ζπέ πθ η σθ) e o homem que pensa com a atividade de pensar

(φφλκθ ῖθ) (12d1-4) Deste modo o proacuteprio Soacutecrates eacute quem questiona de que modo

poderiacuteamos dizer que esses prazeres satildeo semelhantes sendo que o objeto de prazer de cada

um difere uns dos outros neste caso soacute um homem tolo poderia crer nisso (11d5-6)

A resposta de Protarco eacute que tais prazeres encontram-se em situaccedilotildees opostas

(πλαΰηΪ πθ θαθ έπθ) mas entre eles natildeo podem ser opostos uns aos outros pois natildeo se

poderiam chamaacute-los a todos de prazer Natildeo fariam parte de algo que genericamente

ὂὁἶἷmὁὅΝἶἷfiὀiὄΝἵὁmὁΝὅἷὀἶὁΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoςΝldquoἡΝὂὄaὐἷὄΝὀἷὅtἷΝἵaὅὁΝὀatildeὁΝὅἷὄiaΝὁΝὃuἷΝhὠΝἶἷΝmaiὅΝ

semelhante ( ηκδσ α κθ) idecircntico em relaccedilatildeo a si mesmo (α κ αυ )ςrdquoΝ(11ἷ1-2)

Soacutecrates responde utilizando as cores dizendo que a mesma coisa pode ser

exemplificada ao notar que uma cor eacute semelhante a uma cor Isto significa dizer que Soacutecrates

natildeo contesta a natureza do prazer enquanto agradaacutevel que em conjunto elas digam respeito

agravequilo que eacute agradaacutevel o que seraacute reafirmado daqui haacute pouco (13a) Podemos assegura

Soacutecrates dizer que preto e branco satildeo cores e que nada as diferenciaria enquanto ambas

satildeo cores apesar de notarmos que elas contecircm diferenccedilas e que satildeo ateacute opostas umas das

ὁutὄaὅέΝἏlὧmΝἶὁΝmaiὅΝἥὰἵὄatἷὅΝaἵὄἷὅἵἷὀtaμΝldquo(έέέ)ΝumaΝfiguὄa tamἴὧmΝὧΝumaΝfiguὄardquoέΝἢὁἶἷmὁὅΝ

149 Tal significado seraacute realccedilado em 26b7 por Soacutecrates semelhante ao que se encontra em Hesiacuteodo (Th 937-975) Diegraves reconhece em sua traduccedilatildeo essa mudanccedila de sentido quaὀἶὁΝὀὁὅΝἶiὐμΝldquoἷὅὅaΝἶἷuὅaΝnatildeo pode ser aquela Afrodite natildeo aquela Afrodite de Filebo que seria apenas o prazer sem regra () mas aquela que Soacutecrates quer claramente distinguir (12c) Afrodite eacute matildee da Harmonia (Hes Th 937 975) que tem como servas aὅΝἓὅtaὦὴἷὅrdquoΝ(1λἄἄΝὂέΝἀἂΝὀέ1)έ

104 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

notar aqui alguma relaccedilatildeo com a passagem do Mecircnon (73e ss)150 poreacutem se trata do inverso

a multiplicidade antes questionada naquele diaacutelogo agora adota aqui o lugar da anaacutelise Em

suma Soacutecrates deseja decompor o que eacute isso que noacutes nomeamos em uma coisa uacutenica

ldquoὂὄaὐἷὄrdquo151 mas agora lhe interessa dividi-la compreendecirc-la por meio de uma anaacutelise

pormenorizada de sua multiplicidade

Soacutecrates entatildeo iraacute dizer em 13a1 que eacute pelo gecircnero (ΰΫθ δ) que elas satildeo um todo (π θ

θ) mas em suas partes (ηΫλβ) desse todo elas satildeo contraacuterias umas agraves outras e ao mesmo

tempo algumas apresentam inuacutemeras diferenccedilas entre si ( δαφκλσ β rsquoΝ ηυλέαθ πκυ

υΰξΪθ δ) Do mesmo modo o condutor da discussatildeo recusa prima facie considerar os

prazeres como unidade insiste em considerar que as coisas opostas natildeo devem ser

conduzidas por ora a uma unidade A justificativa eacute que alguns prazeres possam ateacute se

demonstrarem eles mesmos enquanto tais opostos a si mesmo (13a1-6)

O questionamento de Protarco eacute sobre a utilidade desse procedimento porque se deve

agir sim jaacute que todos nomeiam ( θσηα δ) como algo uacutenico prazer Soacutecrates explica que

geralmente se nomeiam coisas dessemelhantes ( θσηκδα) por um outro nome apesar de

serem elas uma uacutenica coisa (como eacute o caso jaacute referido das cores preto e branco satildeo cores

mas nomeamos o preto de lsquopretorsquo e natildeo de lsquobrancorsquo)έΝἢὄotarco age da mesma maneira pois

ele afirma que todas as coisas prazerosas satildeo boas ( ΰαγ ) mas essas coisas boas satildeo

dessemelhantes contraacuterias e ateacute maacutes para alguns indiviacuteduos a despeito de todos eles

nomearem essas coisas como boas Quanto agrave indagaccedilatildeo de Protarco Soacutecrates a responde

ἵlaὄamἷὀtἷμΝldquoἡὄaΝὀἷὀhumΝaὄgumἷὀtὁΝἵὁὀtἷὅtaΝ( ηφδ ίβ ῖ) o fato de que coisas prazerosas

ὅatildeὁΝὂὄaὐἷὄὁὅaὅrdquoΝ(1ἁaλ-b1) De acordo com a argumentaccedilatildeo subsequente Soacutecrates diz que

embora grande maioria das coisas prazerosas seja maacute haacute tambeacutem coisas prazerosas boas

contudo a todas elas os indiviacuteduos designam o qualitativo bom mas se algueacutem vier a

confrontaacute-los com argumentos concordaratildeo sobre essas coisas boas que satildeo

dessemelhantes O importante aqui eacute reconhecer que a argumentaccedilatildeo continua em ciacuterculos

e recorre a uma peticcedilatildeo de princiacutepio resultante da argumentaccedilatildeo loacutegica anteriormente

desenvolvida Aqueles indiviacuteduos (moderado tolo pensante) todos eles sentem prazer e

denominam os seus prazeres como bons contudo cada um deles sente prazer com algo

distinto por exemplo o moderado considera que eacute bom ser moderado sente prazer com isso

Confrontados uns com os outros cada um desses diria que o seu prazer eacute bom e o do outro

150 ldquoἑὁmὁΝἷmΝὁutὄὁΝἵaὅὁΝὃualὃuἷὄέΝἢὁὄΝἷxἷmὂlὁΝὅἷΝὃuἷὄἷὅΝaΝὄἷὅὂἷitὁΝἶaΝὄἷἶὁὀἶἷὐΝἷuΝἶiὄiaΝὃuἷΝὧΝumaΝfigura natildeo simplesmente que lteacuteρΝumaΝfiguὄaέΝἓΝἶiὄiaΝaὅὅimΝὂἷlaΝὄaὐatildeὁΝὃuἷΝhὠΝὁutὄaὅΝfiguὄaὅrdquoΝ(Men 73e3-6) O mesmo exemplo das cores eacute encontrado a seguir em 74c 151 Alguns inteacuterpretes como Gosling (1975 pp 76ndash78 142) veem nesta passagem talvez um sinal de mudanccedila no pensamento platocircnico pois no Mecircnon (74c) a coisa uacutenica eacute preferida agrave multiplicidade mas eacute necessaacuterio levar em conta o contexto em que se insere a passagem isto eacute os propoacutesitos relativos agrave anaacutelise dos prazeres

105 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

natildeo o que jaacute demonstraria certa dificuldade em encontrar uma ideia uacutenica do que seja

ἷfἷtivamἷὀtἷΝaΝuὀiἶaἶἷΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoέΝἡὄaΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἶὁΝtἷmὂἷὄaὀtἷΝὧΝaὅὅimΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝaὁΝἶὁΝtὁlὁΝ

logo ele natildeo eacute ἴὁmΝἷΝὅimΝmauέΝἏὁΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὃuἷὅtiὁὀaμΝldquoἡΝὃuἷΝhὠΝἷxatamἷὀtἷΝἶἷΝmesmo

(grifo do tradutor) nos maus assim como nos bons prazeres para que seja possiacutevel

ἵhamaὄἷὅΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἶἷΝἴὁὀὅςrdquoΝ(1ἁἴἁ-5) Cada um dos interlocutores ainda defende

ambos suas posiccedilotildees sem adotarem uma base comum por isso ainda resiste o impasse

Protarco ainda natildeo compreende os propoacutesitos ainda se apega agrave questatildeo definicional

tautὁlὰgiἵaΝatὧΝὂὄaὐἷὄΝὧΝὂὄaὐἷὄΝἷΝὃuaὀἶὁΝἶiὅὅἷmὁὅΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝimὂliἵaΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝalgὁΝὧΝἴὁmέΝ

Podemos entatildeo dizer que Soacutecrates estaacute disposto a combinar duas questotildees diferentes

(i) seria possiacutevel dividir o prazer em diferentes espeacutecies algumas delas dissemelhantes e ateacute

mesmo contraacuterias umas agraves outras (ii) eacute possiacutevel distinguir prazeres bons de prazeres maus

Tais questotildees soacute seratildeo separadas mais tarde como veremos mas aqui elas ainda satildeo

analisadas conjuntamente Protarco que ateacute entatildeo natildeo tinha manifestado sequer alguma

ὁἴjἷὦatildeὁΝὡΝaὄgumἷὀtaὦatildeὁΝὂὄἷἵἷἶἷὀtἷΝὃuἷὅtiὁὀaμΝldquoὅuὂὴἷὅΝὃuἷΝalguὧmΝἶἷὂὁiὅΝἶἷΝmanter que

o prazer eacute o bem ( ΰαγσθ) aceitaraacute pacientemente esta tua afirmaccedilatildeo de que dentre os

prazeres alguns satildeo bons ( ΰαγ μ)ΝἷΝὁutὄὁὅΝὅatildeὁΝmauὅςrdquoΝ(1ἁἴἄ-c2) Diraacute Soacutecrates que pelo

menos diria que eles satildeo dessemelhantes ( θκηκέκυμ) e ateacute opostos (13c3-4)

O proacuteprio Soacutecrates reconhece o andar em ciacuterculos do argumento porquecirc de novo o

argumento vem agrave tona e novamente se insiste que o prazer enquanto prazer natildeo se diferencia

ὅatildeὁΝtὁἶὁὅΝldquoὂὄaὐἷὄrdquoΝἵὁὀfὁὄmἷΝὁὅΝἷxἷmὂlὁὅΝjὠΝἶaἶὁὅΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷέΝἣuaὀἶὁΝἢὄὁtaὄἵὁ se daacute

conta da combinaccedilatildeo de duas coisas distintas por Soacutecrates ele tenta recuar agrave divisatildeo Mesmo

reconhecendo que haacute diferentes tipos (espeacutecies) de prazer natildeo aceita que se divida o prazer

apesar das muacuteltiplas instacircncias de prazeres ele eacute incapaz de aceitar a divisatildeo da unidade

ldquoὂὄaὐἷὄrdquoέΝἓlἷΝὅἷΝὄἷἵuὅaΝὡΝἶialὧtiἵaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἶitὁΝἶἷΝὁutὄὁΝmὁἶὁΝhὠΝumaΝἶifiἵulἶaἶἷΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝ

ἶἷὅὅἷΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄΝἷmΝὄἷἵὁὀhἷἵἷὄΝὁὅΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquo152 segundo ele ou eacute prazer ou natildeo natildeo

importa se o prazer do temperante eacute a moderaccedilatildeo ou se o prazer do tolo satildeo as opiniotildees

tolas todos satildeo prazeres diferentes mas todos prazeres

A rejeiccedilatildeo de Soacutecrates por esse tipo de recurso parece mais uma discussatildeo uma

ἶiὅὂutaΝ ἶἷΝ ldquoiὀiἵiaὀtἷὅrdquoΝ ldquoὃuἷΝ ὅἷΝ ὂἷὄἶἷΝ ἷΝ ὀaufὄagardquo153 do que um discurso que segue

ἶἷtἷὄmiὀaἶaΝ ldquoὄὁtardquoΝ ἷmΝ viὅtaΝ ἶἷΝ ὂὁὀtὁὅΝ ἵὁmuὀὅέΝ ἦalvἷὐΝ ὅἷὄiamΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiaὅΝ aἴἶiἵaὦὴἷὅΝ

reciacuteprocas eacute o que Soacutecrates propotildee a seu interlocutor (13d3-8) A questatildeo entatildeo eacute invertida

e do mesmo modo Soacutecrates forja um questionamento agora em relaccedilatildeo ao conhecimento

afirmando que eles deveratildeo passar pelo mesmo processo A investigaccedilatildeo eacute similar do mesmo

152 Ficaraacute mais evidente o termo aqui utilizado em nossa argumentaccedilatildeo posterior de 16d referente ao ldquoἶὁmΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅrdquoέΝ 153 Muniz (2012) faz uma nota (n11) em que referencia o caraacuteter divino da atividade dialeacutetica como busca pelo que eacute estaacutevel que natildeo muda por isso tambeacutem chamada de divina

106 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

modo natildeo podemos dizer que os conhecimentos natildeo se diferem entre si que satildeo

dessemelhantes ( θσηκδκέ) os mesmos conhecimentos e ciecircncias (φλσθβ έμ εα πδ άηβ)

diz Soacutecrates (13e4-7) que anteriormente ele teria dito que satildeo bons ( ΰαγ ) e que satildeo bens

( ΰαγσθ)

Soc Tomados em conjunto ( υθΪπα αδ) os conhecimentos ( πδ ηαδ) parecem ( σικυ δθ) muacuteltiplos (πκζζαέ) e alguns deles dessemelhantes ( θκηκδκέ) entre si (α θ ζζάζαδμ) Mas no caso de alguns se revelarem ateacute mesmo opostos( θαπ έαδ) estaria eu agrave altura da nossa discussatildeo ( δαζάΰ γαδ) se temendo isso afirmasse que um conhecimento natildeo eacute de modo algum dessemelhante de um conhecimento E entatildeo nosso discurso natildeo se perderia como um mito perece ( πκζση θκμ)154 e estariacuteamos satildeo e salvos ( ακέη γα) mas graccedilas a um absurdo ( ζκΰέαμ) (13e9-14a5)

154 Bernadete eacute o uacutenico de acordo com meu conhecimento a tratar dessa expressatildeo nas traduccedilotildees ἶὁὅΝἶiὠlὁgὁὅμΝ ldquoἡΝὂὄὁvὧὄἴiὁΝ lsquoὁΝmitὁΝὅἷΝὂἷὄἶἷursquoΝ tἷmΝ tὄecircὅΝἶifἷὄἷὀtἷὅΝἷxὂlaὀaὦὴἷὅΝἷὀtὄἷΝὁὅΝ scholars de Platatildeo Aqui se diz que foi aplicado aos que natildeo estavam prestando atenccedilatildeo ao que estava sendo dito Em Teeteto 164d eacute dito que foi aplicado agravequeles que natildeo colocam limites (peras) na sua argumentaccedilatildeo e no final da Repuacuteblica (ἄἀ1ἴ)ΝἢὄὁἵlὁΝὂὁὅὅuiΝumaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝὅὁἵὄὠtiἵaΝlsquoὁΝmitὁΝὀὁὅΝὅalvὁursquoΝ ὃuἷΝ lsquoὁΝ mitὁΝ ὅἷΝ ὂἷὄἶἷursquoΝ ὄἷfἷὄἷm-se ao fato de que os mitos satildeo algo tatildeo desinteressado porquanto falam de algo que natildeo exiὅtἷmrdquoΝ (1λλἁΝ ὂέΝ ἃΝ ὀέ1ἂ)έΝ ἠὁΝ ἷὀtaὀtὁΝ talvἷὐΝ ὅἷjaΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝdiscordar desse sentido de suposta desatenccedilatildeo e tambeacutem das consideraccedilotildees levantadas por Proclo Brisson (1999) em um importante estudo sobre os mitos e sua presenccedila nos diaacutelogos platocircnicos iraacute demonstrar recorrendo aos manuscritos e agraves coleccedilotildees bizantinas que o sentido aqui eacute realmente aquele que se refere agrave uma discussatildeo que natildeo possui fim que natildeo possui limite O que faz todo o sentido se analisarmos a passagem Mas antes de explicar o sentido da expressatildeo o estudioso francecircs recorre agrave presenccedila dos dois verbos (que no Filebo aparecem conjuntamente) satildeo eles πκζζυ αδ (perecer) e

α δθ (salvar) que quando aparecem juntos retomam o proverbo (κ ξκδ κ) termo omitido pela traduccedilatildeo brasileira Verbos que aparecem em outras obras (R X 621b-c1 Tht 164d8-10 Lg I 645b1-2) e ἷvὁἵamΝ ἷὅὅἷΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ὂὄὁvἷὄἴialΝ ldquoὁΝ mitὁΝ ὂἷὄἷἵἷrdquoΝ ldquoὁΝ ldquomitὁΝ ὀὁὅΝ tἷὄiaΝ ὅalvὁrdquoΝ ἵὁὀtiἶaΝ ὀaΝ ἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝ ἶὁΝFilebo ldquo(έέέ)Ν ζσΰκμ π λ η γκμ πκζση θκμ κ ξκδ κ α κ ακδη γα πέ δθκμ ζκΰέαμrdquoΝ(1ἂaἂ-ἃ)έΝ ἏΝ mἷὅmaΝ ἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝ ὅἷguὀἶὁΝ ἐὄiὅὅὁὀΝ ἷὅtὠΝ ὄἷlaἵiὁὀaἶaΝ ἵὁmΝ ὁΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ldquomitὁΝ ὅἷmΝ ἵaἴἷὦardquoΝ(αεΫφαζκμ η γκμ)ΝlὁgὁΝἷlἷΝὄἷὅumἷΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁμΝldquo(έέέ)ΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝὂὄὁvἷὄἴialΝὄἷfἷὄἷὀtἷΝaΝumaΝhistoacuteria [mito] que natildeo possui umΝfimrdquoΝ(1λλλΝὂέΝἄ1)έΝἡΝἷὅtuἶiὁὅὁΝἷxὂliἵaΝmaiὅΝἶiὐἷὀἶὁΝὃuἷΝὂὁὂulaὄmἷὀtἷΝo mito assim como qualquer discurso eacute comparado com um ser vivo com um corpo vivo que natildeo pode se encontrar desordenado natildeo seria normal ver um corpo perambulando sem cabeccedila por isso um mito (ou um discurso) deve ser capaz de dizer o que tem de dizer ateacute o fim Isso nos dirigiria a duas questotildees importantes agravequilo que o mito deve falar e agravequilo que ele deve deixar de falar Um mito eacute reavivado quando aquilo a que se relaciona e reformula possui o pretexto de ser imortal (BRISSON 1999 p 61) Nesse sentido eacute necessaacuterio compor um discurso que tenha sentido como um corpo vivo bem estruturado e natildeo algo infinito sem peacute e nem cabeccedila Natildeo por acaso em 64a Soacutecrates iraacute afirmar ὃuἷΝ tὁἶὁΝ ὁΝ ἶiὅἵuὄὅὁΝ tἷὄiaΝ ἵὁὀἶuὐiἶὁΝ aΝamἴὁὅΝ iὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝ aΝ umaΝ ldquoἴἷlaΝὁὄἶἷmΝ iὀἵὁὄὂὰὄἷardquoέΝ εuὀiὐΝ(2007 p 113-123) teria reconhecido em outro texto essa semelhanccedila mas se esquece de evocar nessa passagem (14a) o que validaria ainda mais sua defesa de que o diaacutelogo possui uma ordem invisiacutevel mas visivelmente aparenta ser desordenado aos inteacuterpretes Para tal ele recorre ao Fedro (264c) que recorre a este mesmo significado todo discurso deve se assemelhar a um corpo vivo dotado de ordem compondo um todo unificado

107 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

Protarco demonstra-se satisfeito com o suposto peacute de igualde em que satildeo colocados

ambos os discursos (14a6-9) Digo lsquosupostorsquo porque Soacutecrates apela apenas agrave possibilidade

de divisatildeo entre conhecimentos semelhantes e conhecimentos dessemelhantes e a

possibilidade de conhecimentos contraacuterios mas natildeo submete os conhecimentos agrave divisatildeo

entre bons e maus O que de fato veremos bem mais adiante eacute que todos os conhecimentos

seratildeo considerados bons puros o que natildeo significa dizer que natildeo seratildeo ordenados de acordo

com seu maior ou menor grau de bondade o que apresenta certa semelhanccedila com a divisatildeo

inicial entre prazeres bons e maus Resta saber se o criteacuterio utilizado seraacute o mesmo Mas por

ora natildeo devemos ainda tratar disso

Na discussatildeo atual eacute pertinente a Soacutecrates distinguir os prazeres entre bons e maus

prazeres mas esse tipo de divisatildeo natildeo decorre necessariamente da divisatildeo em espeacutecies do

prazer Ao dizer que o prazer possui espeacutecies dentre um mesmo gecircnero natildeo somos obrigados

a fazer uma distinccedilatildeo entre prazeres bons prazeres maus Mas tudo indica que esta eacute a

postura assumida no decorrer da argumentaccedilatildeo A divisatildeo dos prazeres em espeacutecies natildeo

pode ser realizada antes de examinarmos uma divisatildeo em relaccedilatildeo a sua bondade Natildeo eacute

possiacutevel operaacute-la sem que assumamos que o prazer natildeo eacute idecircntico ao bem Por isso duas

questotildees novamente se apresentam (i) o prazer eacute idecircntico ao bem E ainda (ii) o que eacute o

bem (Cf 13c14b)

Note-se que nada ainda foi adiantado nenhum dos dois prazer e inteligecircncia perderam

a batalha ainda Primeiramente conveacutem analisar se o prazer eacute essencialmente o bem e em

segundo lugar se alguns prazeres satildeo bons e outros satildeo maus e ainda em terceiro se o

prazer eacute idecircntico ao bem Isso significa apenas dizer que se podemos considerar todos os

prazeres como bons ou a apenas alguns deles para tal devemos saber o que eacute o bem em si

mesmo O mesmo deve ser feito com relaccedilatildeo aos conhecimentos podemos predicaacute-los todos

como bons ou apenas alguns deles Em caso de natildeo identidade ao bem reconhecida em

ambos (prazer e conhecimento) devemos buscar uma terceira coisa Eacute o que diz Soacutecrates

Soc Bem Protarco sem ocultar entatildeo a diferenccedila entre a tua e a minha mas expondo-a agrave visatildeo de todos vamos ousar ver se ao serem examinadas ( ζ ΰξση θκδ) podem elas nos indicar se devemos chamar de bem ( ΰαγσθ) prazer ( κθ θ) ou o pensamento (φλσθβ δθ) ou uma terceira coisa ( δ λέ κθ ζζκ θαδ) Pois certamente agora natildeo entramos na disputa

(φδζκθδεκ η θ) para dar vitoacuteria ao que eu defendo ( ππμ ΰ έγ ηαδ) ou ao que tu defendes ( α rsquoΝ αδ θδε θ α) Devemos sim combater juntos e aliados ( υηηαξ ῖθ η μ ηφπ) ao mais verdadeiro ( rsquoΝ ζβγ Ϊ ) (14b1-b7)

Eacute somente depois disso que seraacute possiacutevel fazer uma distinccedilatildeo entre prazeres bons e

maus Apenas se for demonstrado que a proposiccedilatildeo o bem eacute idecircntico ao prazer eacute equivocada

108 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ἑὁmὁΝἴἷmΝὀὁtaΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝldquoiὅὅὁΝὅigὀifiἵaΝigualmἷὀtἷΝὃuἷΝὁΝmὧtὁἶὁΝἶἷΝἵὁlἷtaΝἷΝἶivisatildeo

natildeo pode ser de alguma ajuda na determinaccedilatildeo da natureza do bem uma vez que o uacutenico

uso relevante que poderiacuteamos fazer do problema do bem pressupotildee que a natureza disso jaacute

tἷὄiaΝ ὅiἶὁΝ ἶἷtἷὄmiὀaἶardquoΝ (ἒἓἜἑἡεεIἠἓἦἦἓΝ ἀίίἄΝ ὂέΝ ἂἂ)έΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὂaὄἷἵἷΝ ἷὀtatildeὁΝ ἷstar

preocupado com a questatildeo metodoloacutegica algo que seraacute desenvolvido logo a seguir mas a

proacutepria artificialidade do meacutetodo eacute algo consciente e tornaraacute capaz de entrelaccedilar a questatildeo

metodoloacutegica com as questotildees eacuteticas algo que veremos bem mais adiante no diaacutelogo

O que se pode notar neste iniacutecio de diaacutelogo eacute toda uma tentativa de Soacutecrates em

oferecer agrave discussatildeo uma caracteriacutestica propriamente dialeacutetica ao estruturaacute-la segundo os

objetivos maiores que a discussatildeo possa vir a alcanccedilar Portanto a escolha do meacutetodo natildeo eacute

algo casual mas deliberada em funccedilatildeo dos objetivos de tal modo jaacute eacute possiacutevel notar ainda

que implicitamente que os aspectos metodoloacutegicos e eacuteticos da questatildeo estatildeo condicionados

mutuamente (DELCOMMINETTE 2006 p 49)

Essa parte do diaacutelogo talvez seja uma das que mais colocam em embaraccedilo os leitores

do texto155μΝaὃuἷlἷΝldquoὂuὄgatὰὄiὁrdquoΝἵὁmὁΝjὠΝaὂὁὀtamὁὅΝὃuἷΝἔὄἷἶἷΝ(1λλἁΝὂέΝ1ἁ)ΝfaὐΝmἷὀὦatildeὁΝἷΝ

que torna o diaacutelogo complexo e a respeito do qual muito se discutiu e se discute ainda hoje

Afirmadas as diferenccedilas entre prazeres e conhecimentos essa mesma unidade a qual nos

referimos ao nomear algo como prazer e conhecimento evoca a claacutessica e controversa

discussatildeo do problema da unidade e da multiplicidade Como diz o proacuteprio Soacutecrates no

diaacutelogo ldquoaὃuἷlaΝ[ὃuἷὅtatildeὁ]ΝὃuἷΝἵauὅaΝὂὄὁἴlἷmaὅΝὂaὄaΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὅἷὄἷὅΝhumaὀὁὅΝὃuἷὄΝὃuἷiὄamΝ

ἵὁmὁΝalguὀὅΝὃuἷὄἷmΝὃuἷὄΝὀatildeὁΝὃuἷiὄamΝἵὁmὁΝὡὅΝvἷὐἷὅΝὀatildeὁΝὃuἷiὄamrdquoΝ(1ἂἵἂ-5) Que questatildeo

ὅἷὄiaΝἷὅὅaςΝἠὁὅΝὄἷὅὂὁὀἶἷΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquo(έέέ)ΝaΝtἷὅἷΝὅuὄὂὄἷἷὀἶἷὀtἷΝὂὁὄΝὀatuὄἷὐaΝὃuἷΝagὁὄaΝhaacute

ὂὁuἵὁΝἷὀἵὁὀtὄamὁὅΝὂὁὄΝaἵaὅὁμΝlsquoὃuἷΝὁΝmήltiὂlὁΝὅἷjaΝum e o um seja muacuteltiplo ( ΰ λ π ζζ

θαi εα π πκζζ )rdquoΝ(1ἂἵἆ-9) Natildeo haacute como ser contestado ( ηφδ ίβ αδ) qualquer um

que sustente ( δγ ηΫθ ) qualquer uma das duas posiccedilotildees (14c9-10)

Como nὁὅΝ ἶiὐΝ ἒixὅautΝ (ἀίί1Ν ὂέΝ ἀἆλ)Ν ἷὅtamὁὅΝ ἷmΝ umΝ ldquotἷὄὄἷὀὁΝ ἵὁὀhἷἵiἶὁrdquoΝ iὅtὁΝ ὧΝ

aquele que coloca em discussatildeo a possibilidade de algo possuir simultaneamente posiccedilotildees

155 A literatura interpretativa deste momento do diaacutelogo eacute tatildeo vasta que chega a ser impossiacutevel tratar de cada um dos comentadores pormenorizadamente ateacute porque muitos divergem entre si seja totalmente seja em algumas partes Pretendo lidar apenas com alguns comentaacuterios que satildeo pertinentes e que de certo modo coadunam com a interpretaccedilatildeo que procuro aqui defender alguns os quais sigo bem de perto Friedlaumlnder (2004) Striker (1970) Shiner (1974) Gosling (1975) Casper (1977) Hahn (1978) Moravcsik (2006) Dancy (1984) Benitez (1989) Davidson (1990) Hampton (1990) Mirhady (1992) De Chiara-Quenzer (1993) Barker (1996) Meinwald (1996) Frede (1997) Frede (1993) Carpenter (2009) Dixsaut (2001) Delcomminette (2006) Muniz amp Rudebusch (2004 2007) Ateacute porque neste momento embora seja importante para a compreensatildeo do diaacutelogo natildeo eacute o alvo da minha anaacutelise do texto dos temas propriamente que me satildeo caros neste trabalho como a dialetizaccedilatildeo dos prazeres a discussatildeo aqui se centra em torno do meacutetodo algo que tem desafiado leitores contemporacircneos do diaacutelogo A meu ver ele estaacute a serviccedilo da dialeacutetica eacute mais uma de suas propriedades sobre esse debate falarei mais adiante

109 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

contraacuterias essa eacute uma das dificuldades que conduz Soacutecrates a postular as Formas

resolvendo a questatildeo pela participaccedilatildeo (Phd 102ass R 523e-525a Tht 154c) Ou seja

trata-se de um problema fundamental jaacute bastante discutido mas o que vemos parece ser um

ἵἷὄtὁΝἶἷὅἵaὅὁΝὁuΝldquoἷὅὀὁἴiὅmὁrdquoΝὂὁὄΝὂaὄtἷΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝὡΝὃuἷὅtatildeὁΝἵὁmὁΝtἷὄiaΝἴἷmΝ

reconhecido Frede (1993 p 20-21) Para tal uma justificativa plausiacutevel seria recorrer ao

Parmecircnides (128-ἄΝ1ἁίa)ΝἷmΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὄἷjἷitaΝἷὅtaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoἶiὅἵuὅὅatildeὁΝiὀfaὀtilrdquoΝἷΝfὠἵilΝ

(παδ αλδυ β εα δα 14d7) para tratar de tatildeo importantes paradoxos partindo de coisas

individuais (como se diz em Prm 130c5-7 das absurdidades praticadas em relaccedilatildeo agraves Formas

quando se pretende alcanccedilar uma Forma de coisas em devir de coisas despreziacuteveis e vis

como a forma da lama do cabelo da sujeira e outras mais) e para tal a resposta eacute muito

semelhante agravequela apresentada naquele diaacutelogo (Prm 130d3-9)

ἢὄὁtaὄἵὁΝὀatildeὁΝἶἷixaΝἶἷΝἶἷὅἵὄἷvἷὄΝἷὅὅaΝmἷὅmaΝviὅatildeὁΝldquoἴaὀaliὐaἶardquoΝ( βη υηΫθα)156 da

divisatildeo utilizando a si proacuteprio como exemplo ele mesmo sendo um por natureza eacute tambeacutem

muacuteltiplo alto e baixo pesado e leve e vaacuterias coisas desse tipo (14d1-3) Contudo esse

problema natildeo deixa de ser importante pois trata-se de algo presente em outros diaacutelogos nos

quais o problema jaacute foi discutido A questatildeo da multiplicidade de predicaccedilotildees dos sensiacuteveis a

um ser particular jaacute foi algo recorrente157 e a hipoacutetese da participaccedilatildeo nas Formas se destina

justamente a resolver esse problema como dissemos anteriormente A fala de Protarco citada

anteriormente (14d1-3) eacute relevante nesse sentido porque ela retoma essa questatildeo Podemos

compreendecirc-la de duas formas (i) como limitante ao problema da oposiccedilatildeo entre contraacuterios

ou (ii) como inclusatildeo dessas oposiccedilotildees como em casos particulares de multiplicidade158

Todavia como bem notou Delcomminette (2006) o segundo sentido parece mais proacuteximo agrave

temaacutetica em torno dessa argumentaccedilatildeo uma vez que seraacute relevante pensar a divisatildeo em um

ὅἷὀtiἶὁΝaἴὅtὄatὁΝὁuΝldquoiὀtἷligiacutevἷlrdquoΝἷΝὀatildeὁΝὂuὄamἷὀtἷΝldquoὅἷὀὅiacutevἷlrdquoΝ(ὂέΝἃἀ)έΝἑὁmὁΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝἶitὁΝ

156 Delcomminette (2006) critica aqueles comentadores (referindo-se a Jackson (1882) e Dancy (1984)) ὃuἷΝaἵὄἷἶitamΝὃuἷΝὁὅΝὃualifiἵativὁὅΝldquoἴaὀalrdquoΝldquoὂuἷὄilrdquoΝldquofὠἵilrdquoΝatὄiἴuiacuteἶὁὅΝaΝἷὅὅἷΝὂὄὁἴlἷmaΝ(ὂὄἷἶiἵaὦatildeὁΝἶὁὅΝsensiacuteveis) denote alguma mudanccedila no pensamento de Platatildeo acerca da relevacircncia do problema jaacute que em outros diaacutelogos ele teria ganhado destaque alcanccedilado determinada relevacircncia Todavia somos obrigados a concordar com esse autor que a criacutetica aqui tem um outro sentido vale lembrar que esta divisatildeo tida como banal jaacute foi rejeitada em outras obras pela recorrecircncia agrave hipoacutetese das Formas isto soacute significa que o propoacutesito demonstrado por Platatildeo seria o mesmo realccedilado por ele no iniacutecio do Parmecircnides ou seja agora eacute necessaacuterio tratar da divisatildeo de um ponto de vista dialeacutetico e natildeo banal modo apenas pelo qual a discuὅὅatildeὁΝὅὁἴὄἷΝὁὅΝtἷmaὅΝtiἶὁὅΝἵὁmὁΝldquoὅὧὄiὁὅrdquoΝiὄὠΝavaὀὦaὄέΝἏlgὁΝὃuἷΝἵὁmὁΝvἷὄἷmὁὅΝumaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἷὀtὄἷΝldquojὁvἷὀὅrdquoΝἶἷvἷὄὠΝὅἷΝatἷὄΝ(ὂέΝἃἁ-54) 157 Cf Sph 251ass 158 Algo notado por Frede (1993 p 21) a partir do duplo sentido desempenhado pela partiacutecula εα no trechὁΝὄἷfἷὄiἶὁέΝVἷjamμΝldquoΠΡΩ λrsquoΝκ θ ζΫΰ δμ αθ δμ η φ Πλυ αλξκθ θα ΰ ΰθσ α φτ δ πκζζκ μ

θαδ πΪζδθ κ μ η εα θαθ έκυμ ζζάζκδμ ηΫΰαθ εα ηδελ θ δγΫη θκμ εα ίαλ θ εα εκ φκθ θ α κθ εα ζζα ηυλέανrdquoΝ(1ἂἵ11-d3)

110 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

o modo como Soacutecrates responde agraves objeccedilotildees de Zenatildeo no Parmecircnides eacute consoante com o

que se apresenta aqui no Filebo como bem resume Delcomminette (2006)

O fato de que vaacuterias qualidades e ateacute mesmo qualidades opostas possam predicadas a um ser sensiacutevel pode ser explicado pelo fato de que ele participa de diferentes Ideacuteias de tal forma que cada uma delas eacute por sua vez apenas aquilo que eacute Deste modo o fato de que um ser sensiacutevel possa receber predicados contraacuterios natildeo implica a menor contradiccedilatildeo porque cada predicado corresponde a uma relaccedilatildeo particular sob a qual esse ser eacute considerado a saber em relaccedilatildeo agrave sua participaccedilatildeo nesta ou naquela Ideia enquanto que a contradiccedilatildeo apenas pode acontecer entre predicados que qualificam algo segundo a mesma relaccedilatildeo Entatildeo Platatildeo geralmente lida com esse tipo de problema do um e do muacuteltiplo ao separar um e muacuteltiplo e por colocaacute-los em dois niacuteveis ontoloacutegicos diferentes ndash o um no niacutevel sensiacutevel e o muacuteltiplo no niacutevel inteligiacutevel (p 53)

Da mesma maneira Soacutecrates apresenta sua criacutetica a esse tipo de divisatildeo

anteriormente descrito por seu interlocutor atribuindo a ela os mesmos qualificativos antes

destinados no ParmecircnidesέΝἣuaὀἶὁΝalguὧmΝὅἷΝὂὴἷΝaΝἶiviἶiὄΝἷmΝldquomἷmἴὄὁὅΝὁuΝὂaὄtἷὅrdquoΝalgὁΝὂὁὄΝ

meio do discurso ( αθ δμ εΪ κυ ηΫζβ εα ηα ηΫλβ δ ζυθ ζσΰ ) e atesta que por

meio da reuniatildeo dessas partes se tenha chegado ao um natildeo lhe faltam pessoas a dizer que

ὅἷΝ tὄataΝ ἶἷΝ algὁΝ ὄiἶiacuteἵulὁΝ afiὄmaὀἶὁΝ ldquomὁὀὅtὄuὁὅiἶaἶἷὅrdquoΝ ἵὁmὁΝ aΝ ὅἷὀtἷὀὦaΝ ἶἷΝ ὃuἷ ὁΝ ldquoumΝ ὧΝ

muacuteltiplo e ilimitado ( θ μ πκζζΪ δ εα π δλα) ou que o muacuteltiplo eacute apenas um (πκζζ μ

θ ησθκθ) (14e3-4)

Esse eacute um dos principais obstaacuteculos impostos agrave atividade dialeacutetica que deve distinguir

pelo discurso os membros que satildeo ao mesmo tempo partes de uma determinada coisa Qual

seria entatildeo a forma correta de se utilizar a divisatildeo que natildeo seja essa das coisas que nascem

ἷΝὂἷὄἷἵἷmΝjὠΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅἷΝtὄataΝἶἷΝumaΝldquoἶiviὅatildeὁΝἴaὀalrdquoΝὃuἷΝὀἷmΝὅἷὃuἷὄΝἶἷvἷΝὅἷὄΝlἷvaἶaΝἷmΝ

conta159

Soc Eacute quando meu jovem algueacutem coloca o um mas natildeo aquele do qual agora haacute pouco falamos das coisas que vecircm a ser e perecem ndash pois neste caso chegou-se agrave admissatildeo que esse tipo de um ao qual nos referimos haacute pouco natildeo precisa ser refutado Mas sim quando algueacutem tenta colocar o

159 ἑὁmὁΝ ἵὁmἷὀtaΝ ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ (ἀίίἄ)Ν ldquoἶἷΝ ὃualὃuἷὄΝ mὁἶὁΝ ἷὅὅἷΝ tiὂὁΝ ἶἷΝ ὂὄὁἴlἷmaΝ ἶὁΝ umΝ ἷΝ ἶὁΝmuacuteltiplo natildeo eacute pertinente para a pesquisa atual porque ele natildeo concerne a um bom tipo de predicaccedilatildeo Com efeito o tipo de declaraccedilatildeo que Soacutecrates e Protarco estatildeo lidando natildeo consiste em predicar muacuteltiplas qualidades de um ser particular ndash ὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝ lsquoἷuΝἢὄὁtaὄἵὁrsquoΝndash mas em predicar muacuteltiplos tἷὄmὁὅΝgἷὄaiὅΝὂὁὅὅivἷlmἷὀtἷΝἵὁὀtὄaἶitὰὄiὁὅΝἶἷΝὁutὄὁὅΝ tἷὄmὁὅΝgἷὄaiὅΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝὃuaὀἶὁΝὅἷΝἶiὐΝ lsquoὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝἴὁmrsquoΝὁuΝlsquoὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝὄuimrsquoέΝἏΝaὂaὄἷὀtἷΝἵὁὀtὄaἶiὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝἷὅtἷὅΝἶὁiὅΝἷὀuὀἵiaἶὁὅΝὃuἷΝtὁὄὀaΝὁΝprazer tanto um como muacuteltiplo apenas pode ser resolvido daquele mesmo modo anterior ou seja colocando o um e o muacuteltiplo em dois niacuteveis ontoloacutegicos diferentes porque isso novamente nos conduziria a uma regressatildeo ao infinito cada predicado podia ele mesmo ser qualificado de maneiras opostas o que nos forccedilaria a introduzir uma outra distinccedilatildeo entre dois niacuteveis ontoloacutegicos e assim por diante ad infinitum Pelo contraacuterio devemos comὂὄἷἷὀἶἷὄΝἵὁmὁΝumΝtἷὄmὁΝgἷὄalΝἵὁmὁΝlsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝtaὀtὁΝumΝὃuaὀtὁΝmήltiὂlὁΝὀὁΝmἷὅmὁΝὀiacutevἷlΝὁὀtὁlὰgiἵὁΝiὅtὁΝὧΝὀὁΝὀiacutevἷlΝiὀtἷligiacutevἷlrdquoΝ(ὂέΝἃἂ)έ

111 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

homem como um o boi como um o belo como um e o bem como um Eacute sobre essas hecircnadas e sobre coisas desse tipo que muito rigor aliado agrave divisatildeo gera controveacutersia Prot Como

Ω Ὁπσ αθ παῖ v η θ ΰδΰθκηΫθπθ εα πκζζυηΫθπθ δμ δγ αδ εαγΪπ λ λ έπμ η ῖμ πκη θ θ αυγκῖ η θ ΰ λ εα κδκυ κθ θ π λ

πκη θ θυθ ά γΰε ξυλβ αδ η ῖθ ζΫΰξ δθ αθ Ϋ δμ θα θγλππκθ πδξ δλ έγ γαδ εα ίκ θ θα εα εαζσθ θ εα ΰαγ θ θ π λ κτ πθ

θ θ πθ εα θ πκδκτ πθ πκζζ πκυ η δαδλΫ πμ ηφδ ίά β δμ ΰέΰθ αδ

ΠΡΩ Π μ (15a1-8)

Aqui mais uma vez o paralelismo com o Parmecircnides eacute visiacutevel Natildeo haacute nada de

espantoso em algueacutem dizer que os sensiacuteveis satildeo simultaneamente um muacuteltiplos natildeo haveria

ὀaἶaΝ ἶἷΝ ἷὅὂaὀtὁὅὁΝ aiacuteΝ ἵὁmὁΝ ἶiὐΝ ἥὰἵὄatἷὅμΝ ldquo(έέέ)Ν ἶiὄἷmὁὅΝ ὃuἷΝ ἷlἷΝ ἶἷmὁὀὅtὄaΝ ὃuἷΝ algὁΝ ὧΝ

muacuteltiplas coisas e um natildeo que o um eacute muacuteltiplas coisas nem que o muacuteltiplo eacute um e que natildeo

ἶiὐΝὀaἶaΝἶἷΝἷὅὂaὀtὁὅὁΝmaὅΝἵὁiὅaὅΝἵὁmΝὃuἷΝtὁἶὁὅΝἵὁὀἵὁὄἶaὄiacuteamὁὅrdquoΝ(1ἀλἶἃ-8) mas dizer que

os gecircneros e as formas satildeo afetadas por contraacuterios isso sim seria espantoso Se algueacutem

separa as formas mesmas em si mesmas umas das outras demonstrando que podem ser

misturadas e separadas isso sim demonstraria espanto (129 c4ndashd6) A aparente contradiccedilatildeo

natildeo nos deve levar a considerar uma diferenccedila tudo que nosso diaacutelogo diz eacute que devemos

fugir desses paradoxos porque agora (no Filebo) o muacuteltiplo natildeo corresponde a predicados

contraacuterios mas a partes que satildeo ao mesmo tempo membros e que fazem parte de um

mesmo niacutevel ontoloacutegico isto eacute ao sensiacutevel No Filebo os predicados contraacuterios um e muacuteltiplo

dizem respeito agravequilo que satildeo em si mesmos Jaacute natildeo podemos separaacute-los em dois niacuteveis

ontoloacutegicos diferentes mas devemos analisaacute-los em um mesmo niacutevel o inteligiacutevel Devemos

pois consideraacute-los como duas ideias diferentes segundo uma relaccedilatildeo de participaccedilatildeo agraves quais

uma mesma coisa deve ser considerada Um e muacuteltiplo pertencem ambos a um mesmo niacutevel

ontoloacutegico tanto no sensiacutevel enquanto um todo composto de partes quanto no inteligiacutevel em

termos da relaccedilatildeo de participaccedilatildeo no um e no muacuteltiplo

A abordagem contida na passagem supracitada eacute extremamente relevante para a

compreensatildeo do sentido da argumentaccedilatildeo como tambeacutem do que se segue Natildeo se trata de

desmerecer a questatildeo mesmo que os qualificativos utilizados natildeo sejam os melhores mas

sim de utilizar uma discussatildeo que era tambeacutem complexa e que agora passa a ser vista de

maneira mais simples analogamente agraves questotildees seacuterias por isso a linguagem utilizada eacute a

mesma embora os niacuteveis ontoloacutegicos sejam diferentes Mesmo que a discussatildeo anterior seja

viὅtaΝἵὁmὁΝldquoὂuἷὄilrdquoΝἷlaΝjὠΝὂὄἷὂaὄa o terreno para as consideraccedilotildees acerca do meacutetodo que seratildeo

desenvolvidas logo a seguir e os problemas mais seacuterios do um e do muacuteltiplo

Dixsaut (2001) nos chama atenccedilatildeo quanto a presenccedila do verbo έγ αδ έγ γαδ (Cf

15a2 15a5) (postularcolocar) As unidades a serem dividas natildeo satildeo dadas mas deveratildeo

112 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ainda serem postuladas Tanto bem como belo se encontram no mesmo plano que o boi e o

homem (neste caso omite-se o artigo) Os uacuteltimos satildeo seres em devir satildeo os homens e os

bois Ao serem colocados como unidades oferece-lhes um modo de ser (essecircncia) que lhes

configura como termos pensaacuteveis estruturaacuteveis divisiacuteveis De tal forma dessas hecircnadas

seria possiacutevel dizer jaacute num primeiro momento que essas satildeo Formas (p 290) Sobre isso ela

ainda diz

Isto eacute verdade mas insuficiente diante de uma abordagem adequada do texto o problema eacute o embaraccedilo criado pela identidade do uno e do muacuteltiplo identidade que eacute a condiccedilatildeo de todo loacutegos (discurso) dito de outro modo de toda linguagem e de todo o pensamento Natildeo eacute aceitaacutevel dizer que o homem eacute o bem ou que o homem eacute o belo isto implicaria restringir um ou outro No entanto como essas unidades podem ser tidas como unas e divisiacuteveis e portanto muacuteltiplas Submeter as unidades a uma divisatildeo imediata eacute algo problemaacutetico (DIXSAUT 2001 p 291)

Como se pode notar a proacutepria origem dessas unidades eacute controversa assim como o

modo como Soacutecrates a seguir descreve os problemas relacionados a tais unidades Talvez

esse seja uma das passagens mais complicadas do texto

Soc Em primeiro lugar eacute preciso supor se tais unidades realmente existem em seguida como essas ndash cada uma sendo sempre a mesma e natildeo submetida nem ao vir a ser nem ao deixar de ser ndash satildeo entretanto seguramente essa uma e se devemos supor depois disso que nas coisas que vecircm a ser e satildeo ilimitadas ela se dispersa e se torna muacuteltipla ou se manteacutem um todo separado de si mesmo ndash o que pareceria a coisa mais impossiacutevel de todas a mesma coisa uma vindo a ser simultaneamente no um e no muacuteltiplo Satildeo esses os problemas sobre esse tipo de um e muacuteltiplo Protarco ndash natildeo aqueles outros ndash que quando natildeo se chega a um belo acordo sobre eles causam todo tipo de aporia mas quando se chega tem-se um caminho sem obstaacuteculos (15b1-c4) Ω Πλ κθ η θ δθαμ ῖ κδατ αμ θαδ ηκθΪ αμ πκζαηίΪθ δθ ζβγ μ κ αμ α π μ α ατ αμ ηέαθ εΪμ βθ κ αθ θ α θ εα ηά ΰΫθ δθ ηά ζ γλκθ πλκ ξκηΫθβθ ηπμ θαδ ί ίαδσ α α ηέαθ ατ βθ η κ rsquoΝ θ κῖμ ΰδΰθκηΫθκδμ α εα απ έλκδμ δ πα ηΫθβθ εα πκζζ

ΰ ΰκθυῖαθ γ Ϋκθ γrsquoΝ ζβθ α θ α μ ξπλέμ πΪθ πθ υθα υ α κθ φαέθκδ rsquoΝ θ α θ εα θ ηα θ θέ εα πκζζκῖμ ΰέΰθ γαδ α rsquoΝ δ π λ

κδα α θ εα πκζζΪ ζζrsquoΝκ ε ε δθα Πλυ αλξ πΪ βμ πκλέαμ α δα η εαζ μ ηκζκΰβγΫθ α εα πκλέαμ [ θ] α εαζ μ (15b1-c4)

A passagem colocou em duacutevida durante seacuteculos muitos estudiosos160 ao ponto de

postularem trecircs indagaccedilotildees quantos problemas satildeo mencionados no mesmo trecho Quais

160 Entre o grupo dos partidaacuterios de duas questotildees encontram-se Hackforth (1945) Frede (1993) Waterfield (1982) Casertano (1989) No grupo daqueles que defendem trecircs questotildees Hahn (1978)

113 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

problemas satildeo esses E que relaccedilatildeo esse trecho teria com o meacutetodo descrito a seguir em 16

c5-17 a5 Alguns creem que haacute dois problemas e preferem assim dividir o texto em duas

partes outros que haacute trecircs e dividem o texto em trecircs partes Uma visatildeo interpretativa mais

grosseira poderia postular que o texto seria extremamente desproporcional se fosse divido

em apenas duas questotildees mas o argumento eacute insuficiente diante da complexidade do texto

Haacute ainda que examinar o conteuacutedo de cada questatildeo tanto por um aspecto filoloacutegico quanto

pelos conteuacutedos filosoacuteficos que elas exprimem Creio dentre as intepretaccedilotildees analisadas que

a de Carpenter (2009) de Dixsaut (2001) e de Muniz amp Rudebusch (2004 2007) explicam

mais pormenorizadamente a questatildeo e procuram resgatar o sentido original do texto sem

propor emendas clarividecircncias ou mesmo revisotildees gramaticais Pelo contraacuterio retomam as

passagens anteriores os antecedentes gramaticais de pronomes recorrendo agraves braquilogias

de acordo com sentenccedilas anteriores do proacuteprio texto e estabelece uma distinccedilatildeo plausiacutevel

entre dois termos que causam confusatildeo nos inteacuterpretes a saber ηκθΪ αμ e θΪ πθ (cf

MUNIZ amp RUDEBUSCH 2007 p 26)

ἢὄimἷiὄamἷὀtἷΝ ἵὁὀfὁὄmἷΝ ἒixὅautΝ (ἀίί1Ν ὂέΝ ἀλἀ)Ν ldquoΠλ κθ η ῖ α η κ

articulariam claramente trecircs teses161 E afirma que ningueacutem duvidaria da primeira e da terceira

questatildeo (controveacutersia) caso a segunda questatildeo natildeo colocasse em duacutevida as outras duas A

primeira questatildeo (controversa) proposta natildeo suscita muitas duacutevidas trata-se de supor se tais

unidades (mocircnadas) realmente existem ( ζβγ μ κ αμ)162 A qual delas devemos conceder

Casper (1977) Dancy (1984) Benitez (1989) Bernadete (1993) De Chiara-Quenzer (1993) Barker (1996) Meinwald (1996) Dixsaut (2001) Muniz amp Rudebusch (2004 2007) Ide (2002) Carpenter (2009) Mirhady (1992) vecirc uma uacutenica questatildeo dividida em trecircs partes Para uma descriccedilatildeo de todas as posiccedilotildees e de seus partidaacuterios ver Dancy (1984) Hahn (1978) Muniz amp Rudebusch (2004 2007) 161 Trecircs argumentos podem ser utilizados para confirmar a tese das trecircs questotildees (i) as conjunccedilotildees Πλ κθ η ῖ α η κ recorrentemente usadas por Platatildeo denotam enumeraccedilatildeo em trecircs termos o que jaacute seria suficiente para provar tal divisatildeo (ii) a presenccedila dos trecircs verbos no infinitivo regidos por πκζαηίΪθ δθ ( θαδ θαδ e ΰέΰθ γαδ) um em cada parte (iii) as duas ocorrecircncias da partiacutecula adversativa α sendo que cada uma marcaria o iniacutecio de uma nova etapa Sobre isso ver Mirhady (1992 p 173 174ss) e Delcomminette (2006 p 57) Delcomminette apresenta ainda dois argumentos (filosoacuteficos) para a recusa leitura em trecircs teses (i) ela natildeo faria sentido com a discussatildeo precedente sobre a seriedade necessaacuteria ao problema do um e do muacuteltiplo isto eacute que o prazer esteja contido nesse tipo ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝldquoὅὧὄiardquoΝἶὁΝumΝἷΝἶὁΝmήltiὂlὁΝἶἷmὁὀὅtὄaὄiaΝὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝἶὁΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝdisse anteriormente daiacute natildeo faria o menor sentido toda a argumentaccedilatildeo anteriormente desenvolvida ela natildeo teria a menor relevacircncia A leitura em duas questotildees natildeo permitiria nenhuma conexatildeo com esses aspectos anteriores (ii) aleacutem do mais ela natildeo teria relaccedilatildeo com a passagem anterior acerca da divisatildeo embora Soacutecrates trate dos problemas decorrentes da pratica da divisatildeo (15a6-7) Deste modo como propotildee a interpretaccedilatildeo em duas questotildees esta passagem seria uma digressatildeo que natildeo se integraria efetivamente agrave progressatildeo argumentativa do diaacutelogo (2006 p 57-58) 162 Dixsaut (2001) prefere traduzir δμ ὂὁὄΝldquoὃuaiὅrdquoέΝἥἷguὀἶὁΝaΝiὀtὧὄὂὄἷtἷΝὀἷὀhumΝἶiὠlὁgὁΝatὧΝἷὀtatildeὁΝteria feito tal equivalecircncia pois se trata de saber aqui (15b1) quais unidades julgamos ser necessaacuterio atὄiἴuiὄΝ umaΝ ἷxiὅtecircὀἵiaΝ vἷὄἶaἶἷiὄaέΝ ἓlaΝ tamἴὧmΝ ἵὁὀὅἷὄvaΝ ὁΝ tἷὄmὁΝ ldquo ηπμrdquoΝ (ἵὁὀtuἶὁΝ aὂἷὅaὄΝ ἶἷΝ ὀὁΝentanto) (15b4) dos manuscritos muitas vezes corrigidos pelos tradutores por ζπμ (inteiro perfeito ἵὁmὂlἷtὁΝgἷὄalmἷὀtἷ)Ν ἵὁmὁΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝἒiegraveὅΝ (1λἄἄ)έΝεuὀiὐΝ tὄaἶuὐμΝ ldquo(έέέ)ΝὧΝὂὄἷἵiὅὁΝὅuὂὁὄΝὅἷΝ taiὅΝ

114 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

uma verdadeira existecircncia Soacutecrates jaacute natildeo hesita mais sobre esse ponto (Cf Prm130b7-c6)

No Filebo natildeo se passa de outro modo A mesma questatildeo volta a ser colocada Devemos

conceder uma existecircncia verdadeira uniforme impereciacutevel engendrada isto eacute

necessariamente admitir uma forma uacutenica (hecircnada) para o Belo o Bem mas por que Homem

e Boi

Para isso talvez seja necessaacuterio recorrer agraves explicaccedilotildees de Muniz amp Rudebusch (2007

p 133) acerca da forma como ele busca clarificar as trecircs controveacutersias A fim de responder a

primeira delas primeiramente ele divide a partir da distinccedilatildeo de Soacutecrates os dois modos de

lidar com o problema do um e do muacuteltiploΝaὃuἷlἷΝldquoὂuἷὄilrdquoΝὃuἷΝεuὀiὐΝamp Rudebusch (2007)

ἶἷὀὁmiὀamΝldquovulgaὄrdquoΝἷΝὃuἷΝἵauὅaΝumaΝὅὧὄiἷΝἶἷΝὂὄὁἴlἷmaὅΝὡΝἶialὧtiἵaΝaὁΝliἶaὄΝἵὁmΝὁὅΝὅἷὀὅiacutevἷiὅΝ

particulares aquele um que eacute todos os membros e todas as partes (vaacuterios prazeres e que se

ἶἷὀὁmiὀamΝἵὁmὁΝldquoὂὄaὐἷὄrdquo)Νpertencente ao domiacutenio das coisas em devir e um outro que ele

ἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoaὄiὅtὁἵὄὠtiἵὁrdquoέ

Os casos natildeo-vulgares ou aristocraacuteticos do um satildeo aqueles que possuem relaccedilatildeo com

o Belo o Bom e como bem notado por Muniz amp Rudebusch (2007) o um homem o um boi

que nem vecircm a ser nem deixam de ser (15a4-6) Eacute por essas hecircnadas que Soacutecrates

ἶἷmὁὀὅtὄaΝtamaὀhὁΝὐἷlὁΝ(ldquoπ λ κτ πθ θ θΪ πθ εα θ κδκτ πθ πκζζ πκυ 15a5-

ἄ)έΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὅἷΝ ὄἷfἷὄἷΝ aΝ ἷlaὅΝ ἵὁmὁΝ ldquoἷὅὅaὅΝ hecircὀaἶaὅrdquoέΝ ἡuΝ ὅἷjaΝ ἷὅὅaΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝ parece

consoante com o que foi dito sobre o Prazer a Cor e a Figura Em nenhum momento estas

uacuteltimas satildeo postas em questatildeo por isso segundo o teoacuterico ainda natildeo haacute controveacutersia ela soacute

existiraacute agrave medida em que se propotildee a divisatildeo (p 133-134) Nos casos aristocraacuteticos a divisatildeo

se torna controveacutersia mas nos casos vulgares natildeo Vale lembrar tambeacutem que o zelo em

relaccedilatildeo agraves Formas nos outros diaacutelogos (Repuacuteblica Banquete) quanto agrave sua existecircncia

contrapotildee-se agrave ignoracircncia vulgar dos natildeo-filoacutesofos que natildeo reconhecem a existecircncia das

unidades ὄἷalmἷὀtἷΝἷxiὅtἷmΝ(έέέ)rdquoΝ(1ἃἴ1-2) (2012 p 36) Delcomminette (2006 p 60) por exemplo discorda da traduccedilatildeo de DixsautΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoἥἷguὀἶὁΝἒixὅautΝ(ἀίί1)Ν δμΝἷὃuivalἷὄiaΝaὃuiΝὂaὄaΝὁΝlatimΝsi quis et tὄaἶuὐiἶὁΝὂὁὄΝlsquoὃualrsquoέΝἏΝὃuἷὅtatildeὁΝὅἷὄiaΝὂὁὄtaὀtὁΝὅaἴἷὄΝὃuaiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝjulgaὄiacuteamὁὅΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝconceder uma existecircncia verdadeira Eacute por isso que ela propotildee a seguinte traduccedilatildeo desse primeiro ὂὄὁἴlἷmaμΝ lsquoἷmΝὂὄimἷiὄὁΝ lugaὄΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝἵὁὀὅiἶἷὄaὄΝὃuaiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝ[mὲὀaἶaὅ]ΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁΝἷxiὅtἷmΝὄἷalmἷὀtἷrsquoΝ ὁΝ ὃuἷΝ aὂὁὀtaὄiaΝ ὂaὄaΝ ὁΝ ὂὄὁἴlἷmaΝ ἶaΝ lsquoἷxtἷὀὅatildeὁΝ ἶὁΝ muὀἶὁΝ ἶaὅΝ IἶἷiaὅrsquoΝ mἷὀἵiὁὀaἶὁΝ ὀὁΝParmecircnides 130b8-e4 Se eacute verdade que essa leitura eacute possiacutevel ( δμ equivale perfeitamente a έμ cf Kuumlhner et Gerth (1904) pp 573ndash574) ela natildeo eacute necessaacuteria e nos parece ainda mais difiacutecil de conciliar com a repeticcedilatildeo θαδ ζβγ μ κ αμ κ (M Dixsaut traduziu com efeito como se o texto portasse simplesmente ζβγ μ θαδ)έΝ ἏἶἷmaiὅΝ aΝ tὄaἶuὦatildeὁΝ ἷxataΝ ἵὁmΝ ἷὅὅaΝ ἵὁὀὅtὄuὦatildeὁΝ ὅἷὄiaμΝ lsquoὧΝ ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝἵὁὀὅiἶἷὄaὄΝὃuaiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝἶἷὅὅἷΝtiὂὁΝὄἷalmἷὀtἷΝὅatildeὁΝὄἷalmἷὀtἷΝἷxiὅtἷὀtἷὅrsquoΝὁΝὃuἷΝὂἷὄmitiὄiaΝἷὀtἷὀἶἷὄΝque outras unidades desse tipo (portanto outras unidades inteligiacuteveis) natildeo seriam realmente existentes ndash ἷmἴὁὄaΝaiὀἶaΝἷxiὅtamΝἶἷΝἵἷὄtὁΝmὁἶὁςrdquoΝἥἷjaΝἵὁmὁΝfὁὄΝvἷὄἷmὁὅΝmaiὅΝtaὄἶἷΝὃuἷΝtamἴὧmΝὂἷὀὅamὁὅΝὃuἷΝ δθαμΝaὂἷὀaὅΝὅἷΝὄἷfἷὄἷΝaΝcertas Ideacuteias Muniz (2012) tὄaἶuὐΝἵὁmὁΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ(ἀίίἄ)ΝldquoὧΝὂὄἷἵiὅὁΝsupor se tais unidades ἷxiὅtἷmΝὄἷalmἷὀtἷrdquoέΝἑὁmὁΝὅἷΝὀὁtaΝὅὰΝhὠΝumΝἶἷὅaἵὁὄἶὁΝὃuaὀtὁΝὡΝ tὄaἶuὦatildeὁΝmas como diz o proacuteprio Delcomminette (2006) que mais adiante em seu comentaacuterio agrave primeira controveacutersia eacute possiacutevel notar que se trata de apenas algumas ideias

115 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

mesmas (MUNIZ amp RUDEBUSCH 2007 p 134) O zelo se ausenta no Filebo Antes o termo

utilizado para tratar das divisotildees foi δ ζ θ (14e1) agora o termo utilizado eacute δαδλΫ πμ isto

eacute trata-se de dividir pelo discurso essas hecircnadas e natildeo operar uma divisatildeo especializada

entre gecircneros e espeacutecies pois naquele caso (vulgar) (14e) nem Protarco nem Homem satildeo

gecircneros Logo podemos afirmar como Muniz amp RudebuschΝ ὃuἷΝ ldquo(έέέ)Ν ὀatildeὁΝ ὧΝ ὁΝ

estabelecimento de hecircnadas que produz a controveacutersia mas antes a tentativa de dividi-laὅrdquoΝ

(2007 p 34)

ἏΝ ἶiviὅatildeὁΝ vulgaὄΝ ὂὄὁἶuὐiaΝ ὄἷὅultaἶὁὅΝ ἵὁmὁΝ aὃuἷlἷὅΝ ldquoἢὄὁtaὄἵὁΝ ὧΝ umΝ ἷΝ mήltiὂlὁὅΝ

ἢὄὁtaὄἵὁὅrdquoΝaltὁΝἴaixὁΝἷtἵΝ(1ἂἵ11-1ἁ)έΝἏὂἷὅaὄΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquohecircὀaἶardquoΝὅὰΝaὂaὄἷἵἷὄΝmaiὅΝaἶiaὀtἷΝ

em 15a6 esse tipo de divisatildeo jaacute tinha sido preacute-anunciada pelo proacuteprio Soacutecrates em 14d1-4

ao dividir Homem em Homem Temperante e Homem Intemperante Homem Tolo e Homem

Saacutebio como tambeacutem ao se dividir Prazer em Prazer Moderado e Prazer Imoderado Prazer

Saacutebio e Prazer Tolo dentre outros Por isso eacute que surgiu a controveacutersia ( ηφδ ίά β δμ 15a7)

o prazer embora sendo uacutenico assume diversas formas diferentes umas das outras e ateacute

contraacuterias fato que pode ser ilustrado pelo exemplo das cores e das figuras (formas

geomeacutetricas163) (12c-13d)

Outro fato notaacutevel como nos alegam Muniz amp Rudebusch eacute que a controveacutersia soacute

ὅuὄgἷΝ ἷὀὃuaὀtὁΝ umaΝ ldquoἵὁὀtὄὁvὧὄὅiardquoΝ litἷὄalmἷὀtἷΝ ὃuaὀἶὁΝ ἢὄὁtaὄἵὁΝ ὅἷΝ ὄἷἵuὅaΝ ὡΝ ἶiviὅatildeὁΝ

requerida por Soacutecrates dos prazeres em bons e maus prazeres (13b6-ἵἀ)μΝldquoἷmἴὁὄaΝἥὰἵὄatἷὅΝ

natildeo descreva deste modo o impasse entendemos que o zelo com que ambos comeccedilaram

tἷὀhaΝὀἷὅtἷΝὂὁὀtὁΝὅἷΝtὁὄὀaἶὁΝlsquoἵὁὀtὄὁvὧὄὅiarsquordquoΝ( ηφδ ίά β δμ 15a7) (2007 p 135) O artifiacutecio

ὅὁἵὄὠtiἵὁΝ ὀἷὅtἷΝ mὁmἷὀtὁΝ ὧΝ ἵὁlὁἵaὄΝ ἷmΝ ldquoaὂaὄἷὀtἷrdquoΝ ὂὧΝ ἶἷΝ igualἶaἶἷΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ἷΝ

conhecimentos ao que Protarco assente salientando um acordo comum Mas vejamos ainda

natildeo se contrapotildeem unidade e multiplicidade explicitamente apenas satildeo ressaltadas

pluralidades anaacutelogas Muniz amp Rudebusch (ἀίίἅ)ΝἶἷὅtaἵamΝaΝὂὄἷὅἷὀὦaΝἶἷΝldquoaἶiἵiὁὀalmἷὀtἷrdquoΝ

( δ η ζζκθ) em 14c1 na exortaccedilatildeo socraacutetica logo no iniacutecio da discussatildeo sobre o problema do

um e do muacuteltiplo isto eacute sobre a necessidade de se estabelecer que tipo de princiacutepio um deve

ser levado em conta ao dizer que tanto prazeres quanto conhecimentos satildeo um e muacuteltiplos

(p 136) Logo uma hecircnada Homem eacute muitos Homens Homem Saacutebio e Homem Tolo Homem

Tolo Homem Moderado e Homem Imoderado e assim por diante (12c8-d4) o mesmo se

aplica agrave Cor e agraves Figuras Mas como dizem Muniz amp RudebuschΝ ldquoalὧmΝἶiὅὅὁΝὧΝἶe suma

relevacircncia para o Filebo ἵὁmὁΝumΝtὁἶὁΝὅatildeὁΝἷviἶἷὀtἷmἷὀtἷΝaὅΝhecircὀaἶaὅΝἢὄaὐἷὄΝἷΝἥaἴἷἶὁὄiardquoΝ

(2007 p 136)

Diante do que foi dito anteriormente eacute possiacutevel compreender o sentido da primeira

controveacutersia e porque ela natildeo nos gera tantos problemas Perante agrave indagaccedilatildeo de Protarco a

163 Cf Men 74d-e

116 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

Soacutecrates sobre a que tipo de um ele se refere expressa pela pergunta π μ (Como) (15b1)

Soacutecrates responde que devemos supor se tais mocircnadas existem verdadeiramente (15b1-2)

Vale ressaltar que aqui natildeo se trata de um reconhecimento acerca das ideias serem ou natildeo

unidades as ideias satildeo unidades porque elas satildeo colocadas como tais satildeo postuladas

ἷὀὃuaὀtὁΝ uὀiἶaἶἷὅΝ ἷmΝ ὅiέΝ Ν ἏΝ ὂἷὄguὀtaΝ ὀἷὅtἷΝ ἵaὅὁΝ tamἴὧmΝ ὀatildeὁΝ ὧΝ aὃuἷlaμΝ ldquoaὅΝ uὀiἶaἶἷὅΝ

ἷxiὅtἷmςrdquoΝἡuΝὅἷjaΝὅὁἴὄἷΝὁΝἷὅtatutὁΝὁὀtὁlὰgiἵὁΝἶἷὅtaὅΝmaὅΝldquoἷὅtamὁὅΝἵὁὄὄἷtὁὅΝἷmΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝ

taiὅΝuὀiἶaἶἷὅΝἷxiὅtἷmΝὄἷalmἷὀtἷςrdquoΝἏlgὁΝtamἴὧmΝὃuἷΝὂὁἶἷὄiaΝὅἷὄΝὁἴjἷtὁΝἶἷΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὧΝὁΝuὅὁΝ

num primeiro momento do termo hecircnadas (15a6) e o uso do termo mocircnadas logo em seguida

a ponto de supormos que se tratam de coisas completamente iguais

Nesse sentido eacute preciso recorrer novamente ao contexto da discussatildeo para fazer uma

devida distinccedilatildeo entre essas hecircnadas Homem Boi Prazer Sabedoria e as mocircnadas que natildeo

satildeo termos intercambiaacuteveis Primeiramente porque Soacutecrates jaacute teria explicado essa distinccedilatildeo

(12c7-8) ao dizer que o prazer soa aos ouvidos como uma coisa uacutenica ( θ δ) mas que por

outro lado ele assume diversas formas (ηκλφ μ) dessemelhantes umas das outras como

tambeacutem ao dizer que pelo gecircnero (ΰΫθ δ) todas essas coisas (prazer cor figura) satildeo um todo

mas que pelas partes (ηΫλβ) satildeo contraacuterias umas agraves outras e apresentam incontaacuteveis

diferenccedilas (12e7-9) Outra questatildeo importante eacute que o uso dessa palavra (hecircnada) ocorre

somente uma vez no Filebo em 15a6 ao contraacuterio de mocircnada Assim tudo parece indicar

que a diferenciaccedilatildeo natildeo eacute circunstancial ela possui um sentido na passagem Podemos crer

ἵὁmὁΝὄἷὅὅaltaΝεuὀiὐΝ(ἀίίἅΝὂέΝ1ἁἅ)ΝὃuἷΝldquoὀatildeὁΝhὠΝὄaὐatildeὁΝὂaὄaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝtivἷὅὅἷΝἵuὀhaἶὁΝumaΝ

nova palavra hecircnada se pretendia utilizaacute-la de forma intercambiaacutevel com a palavra jaacute

estabelecida mocircnada164 Portanto como bem explicam Muniz amp Rudebusch (ἀίίἅ)Ν ldquo(έέέ)ΝaΝ

ὂalavὄaΝlsquohecircὀaἶarsquoΝἵὁὀὁtaΝὁΝum de uma unidadeΝἷὀὃuaὀtὁΝaΝὂalavὄaΝlsquomὲὀaἶarsquoΝἵὁὀὁtaΝὂὁὄΝὅuaΝ

vez a separaccedilatildeo () de uma unidade com relaccedilatildeo a outras unidades ndash assim o modo como

interpretamos este significado o resultado de uma divisatildeordquoΝ(ὂέΝ1ἁἅ)έΝValἷΝlἷmἴὄaὄΝtamἴὧmΝὃuἷΝ

as hecircnadas (Prazer e Sabedoria) nunca satildeo postas em discussatildeo por nenhum dos

interlocutores logo a η δαδλΫ πμ de 15a7 natildeo diz respeito agraves hecircnadas divididas como

evidencia Munizamp Rudebusch mas ao resultado dessa divisatildeo (mocircnadas) (2007 p 138)

Se pela divisatildeo da hecircnada Homem em Homem Imoderado e Homem Moderado e

assim por diante o ldquoὐἷlὁΝ aὄiὅtὁἵὄὠtiἵὁrdquoΝ tὁὄὀa-se controveacutersia devemos supor se essas

mocircnadas (Homem Imoderado Homem Moderado etc) realmente existem Deste modo a

164 εuὀiὐΝΤΝἤuἶἷἴuὅἵhΝ(ἀίίἅ)ΝἷxὂliἵamΝἷmΝumaΝὀὁtaΝἶὁΝaὄtigὁΝ(ὀέΝἀλ)ΝὃuἷΝaΝὂalavὄaΝldquohecircὀaἶardquoΝaὂaὄἷἵἷΝpela primeira vez no grego que sobreviveu ateacute em noacutes em 15a6 (embora seja encontrada em testimonia de Pitaacutegoras Zenatildeo e Xenoacutecrates) Os autores ainda nos chamam atenccedilatildeo ao dizerem que a ὁἵὁὄὄecircὀἵiaΝ ὅuὂὄaἵitaἶaΝ ἶὁΝ tἷὄmὁΝ ὧΝ aΝ ήὀiἵaΝ ἷmΝ ἢlatatildeὁΝ aὁΝ ἵὁὀtὄὠὄiὁΝ ἶἷΝ ldquomὲὀaἶardquoΝ ὃuἷΝ ὂὁἶἷΝ ὅἷὄΝencontrada em outros textos do autor e tambeacutem em Eacutesquilo Soacutefocles e Euriacutepedes (p 137) Na sua tὄaἶuὦatildeὁΝἶὁΝὄἷfἷὄiἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἷlἷΝ(εuὀiὐ)ΝἷmΝὁutὄaΝὀὁtaΝ(ὀέΝλ)ΝἶiὐΝὃuἷΝaΝὂalavὄaΝldquohecircὀaἶardquoΝὧΝumΝhὠὂaxΝ(palavra ou expressatildeo de que soacute existe uma uacutenica abonaccedilatildeo nos registros da liacutengua) (2012 p 212)

117 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

controveacutersia parece fazer mais sentido Fica claro entatildeo que natildeo se trata da existecircncia ou

natildeo da hecircnada Prazer mas da realidade das mocircnadas (Prazer Imoderado Prazer Moderado)

Como jaacute dissemos vale lembrar que ainda que Protarco reconheccedila as dessemelhanccedilas e

oposiccedilotildees entre prazeres ele eacute incapaz de reconhecer os intermediaacuterios natildeo importa se o

prazer do intemperante eacute a intemperanccedila e a do moderado eacute a moderaccedilatildeo todos satildeo

ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ldquo(έέέ)Ν κ rsquoΝ λα κθ θ κθ μ δΪφκλκθ (έέέέ)rdquo165 (13c7) Algo tambeacutem que muitas

vezes pode passar desapercebido Soacutecrates tambeacutem natildeo tem como objetivo (em 12c8-d4)

postular a existecircncia de mocircnadas individuais e separadas da hecircnada Prazer como Prazer do

Saacutebio e do Tolo lembre-se que ele atesta a complexidade (πκδεέζκθ 12c4) caracteriacutestica do

ὂὄaὐἷὄΝὁΝὃuἷΝjuὅtifiἵaὄiaΝὅἷuΝldquomἷἶὁrdquoΝ( Ϋκμ) ἷΝΝldquotἷmὁὄrdquoΝ(φσίκθ)166 ndash que ultrapassa o limite do

humano ndash maὀifἷὅtὁΝἷmΝ1ἀἵ1ΝaὁΝtὄataὄΝἶὁΝὂὄὰὂὄiὁΝὂὄaὐἷὄΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝὀὁmἷΝἶaΝldquoἶἷuὅardquoΝ

(Prazer) isto porque o intemperante o saacutebio o moderado todos eles se referem ao Prazer

de acordo com sua proacutepria compreensatildeo ou seja afiὄmamΝὃuἷΝὁΝὅἷuΝὂὄaὐἷὄΝὧΝὁΝldquoἢὄaὐἷὄrdquoΝὁΝ

divinizam da forma como lhes aprouver

Dito isso fica mais faacutecil compreender do que se trata a primeira controveacutersia trata-se

de analisar se essas mocircnadas realmente possuem existecircncia (Prazer Imoderado Prazer

Moderado) natildeo a hecircnada Prazer em si se dividindo mas aquilo que lhe eacute adicionado isto eacute

as mocircnadas individuais e distintas resultantes dessa divisatildeo tais como Prazer Imoderado e

Prazer Moderado sobre as quais Protarco teria manifestado sua profunda descrenccedila (13c5)

ἏΝὅἷguὀἶaΝὃuἷὅtatildeὁΝ(ἵὁὀtὄὁvὧὄὅia)ΝὅἷguἷΝἶiὐἷὀἶὁΝὁΝὅἷguiὀtἷμΝldquoἵὁmὁΝἷὅὅaὅΝἵaἶaΝumaΝ

delas sendo sempre a mesma e sem estar sujeita nem ao vir a ser nem ao deixar de ser satildeo

ὅἷguὄamἷὀtἷΝ ἷὅὅaΝ umardquoΝ ( α π μ α ατ αμ ηέαθ εα βθ κ αθ θ υ θ εα ηά

ΰΫθ δθ ηά ζ γλκθ πλκ ξκηΫθβθ ηπμ θαδ ί ίαδσ α α ηέαθ ατ θ)rdquoΝ (1ἃἴἀ-4) Eacute

necessaacuterio identificar corretamente a que se refere lsquoessasrsquo ( ατ αμ) no plural e aquilo que lhe

eacute contrastante no singular (ηέαθ ατ θ) de tal modo que se possa relacionar o conteuacutedo desta

165 ldquo(έέέ)ΝὀatildeὁΝhὠΝὀἷὀhumaΝἶifἷὄἷὀὦaΝἷὀtὄἷΝumΝὂὄaὐἷὄΝἷΝὁutὄὁΝ(έέέ)rdquoΝ(1ἁἵἅ)έ 166 ἒἷvἷmὁὅΝ ἵὁὀἵὁὄἶaὄΝ ἵὁmΝ ἦὁὄὄἷὅΝ εὁὄalἷὅΝ ὃuaὀἶὁΝ ὀὁὅΝ ἷxὂliἵaΝ ὃuἷμΝ ldquoὂaὄἷἵἷΝ ὃuἷΝ ἷxiὅtἷΝ umaΝἶifἷὄἷὀἵiaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝlsquoφσίκμrsquoΝἷΝlsquo ΫκμrsquoΝὃuἷΝtὄaἶuὐimὁὅΝὂaὄaΝὁΝlsquotἷmὁὄrsquoΝἷΝlsquomἷἶὁrsquoΝὄἷὅὂἷἵtivamἷὀtἷέΝἡΝtἷὄmὁΝlsquo ΫκμrsquoΝὂaὄἷἵἷΝἶἷὅigὀaὄΝmἷἶὁΝὁuΝmἷἶὁΝἷmΝtἷὄmὁὅΝgἷὄaiὅΝἷὀὃuaὀtὁΝlsquoφσίκμrsquoΝὅἷὄiaΝumaΝἵὁὀἵὄἷὦatildeὁΝὁuΝἷὅὂἷἵifiἵaὦatildeὁέΝἧmaΝἶaὅΝἷtimὁlὁgiaὅΝἶἷΝlsquo ΫκμrsquoΝὄἷfἷὄἷ-ὅἷΝaΝlsquo Ϋδ κ-rsquoΝὃuἷΝὅigὀifiἵaΝἶiὅjuὀὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝἵamiὀhὁὅΝἷΝἷὅtὠΝviὀἵulaἶaΝ (έέέ)Ν ἵὁmΝaΝὂalavὄaΝ lsquoἶilἷmarsquoέΝEacuteΝὁΝἵaὅὁΝἶἷΝὃuἷὅtiὁὀaὄΝὃualΝὧΝὁΝὅignificado do medo ὅὁἵὄὠtiἵὁΝὃuἷΝlsquoὅuὂἷὄarsquoΝ(umΝtἷὄmὁΝὃuἷΝὅἷΝtὄaἶuὐΝἵὁmὁΝlsquoπΫλαrsquoΝὁΝὃuἷΝὀὁὅΝlἷmἴὄaΝἶἷΝlsquoπΫλαμrsquoΝ(limitἷ)ΝἷΝsignifica de fato estar aleacutem do limite) o humano Se considerarmos todo o argumento socraacutetico veremos como o medo de Soacutecrates pode ser entendido como superior ao medo humano porque enquanto os homens temem a divindade como algo sobre-humano e eterno Soacutecrates por sua vez tem medo da divinizaccedilatildeo do prazer porquanto conhece sua natureza e sabe que ele eacute algo instaacutevel em mudanccedila e como mostraraacute todo o argumento do diaacutelogo ilimitado Como veremos o exerciacutecio argumentativo socraacutetico tem uma clara intenccedilatildeo desmistificadora da figura do prazer da divindade que eacute o fundo do discurso de Filebo e em outro sentido de Protarco Sua estrateacutegia consistiraacute em colocar ὁΝὂὄaὐἷὄΝἷmΝὅἷuΝlugaὄΝἵὁὄὄἷὅὂὁὀἶἷὀtἷΝἷmΝtuἶὁΝἷΝὀaΝviἶaΝhumaὀardquoΝ(ἀί1ἀΝὂέΝἀ1ἁ)έ

118 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

controveacutersia com a primeira e a terceira De que forma essa exposiccedilatildeo metafiacutesica pode ser

relacionada com a passagem anterior sobre a hecircnadas Prazer e Sabedoria e

consequentemente com o resultado de suas divisotildees (mocircnadas)

Diante do que foi dito acerca da primeira controveacutersia podemos afirmar que ατ αμ

no plural refere-se a tais mocircnadas (15b1) Homem Imoderado Homem Intemperante Prazer

Saacutebio dentre outras Jaacute ηέαθ ατ θ diz respeito a essas hecircnadas (15a6) como Homem

Prazer deste modo acatamos o resumo feito por Munizamp Rudebusch (2007) dessa segunda

controveacutersia

Como essas mocircnadas (por exemplo Homem Moderado e Imoderado) ndash cada uma sendo sempre a mesma e sem estar sujeita nem a vir a ser nem a deixar de ser (por exemplo a mocircnada Homem Imoderado eacute sempre Homem Imoderado e nunca se torna Homem Moderado nem deixa de ser Homem Imoderado) ndash satildeo entretanto de forma soacutelida essa hecircnada (por exemplo Homem) (p 139)

Se retomamos o que foi dito acerca da primeira controveacutersia tal resumo faz todo o

sentido Anteriormente Protarco rejeitou a existecircncia de tais mocircnadas separadas e diversas

mas aqui elas fazem todo o sentido Sentido este que Soacutecrates implicitamente jaacute havia se

referido e que jaacute dava sinais com sua alusatildeo agrave tese surpreendente (γαυηα θ 14c7-8) com

relaccedilatildeo ao um e aos muitos agora melhor configurada isto eacute na possibilidade de admitirmos

a existecircncia de tais mocircnadas aleacutem da existecircncia das mocircnadas Logo o que torna objeto de

controveacutersia satildeo essas mocircnadas que natildeo estatildeo sujeitas ao vir a ser e ao deixar de ser como

ἶiὄatildeὁΝεuὀiὐΝΤΝἤuἶἷἴuὅἵhΝ(ἀίίἅ)ΝἷὅὅaΝὧΝaΝvἷὄὅatildeὁΝldquoaὄiὅtὁἵὄὠtiἵardquoΝ(ώὁmἷmΝἑὁὄΝἔiguὄa)ΝἶὁΝumΝ

e natildeo a vulgar de Protarco (vaacuterios Protarcos alto baixo etc) (p 140) Pois natildeo haacute nada de

espantoso que o vir a ser e o deixar de ser sejam instaacuteveis dito de outro modo o

conhecimento se torna impossiacutevel deste modo Mas o espanto se daacute em relaccedilatildeo agrave mocircnada

estaacutevel igual imutaacutevel objeto apropriado de conhecimento como ela pode ser entretanto

uma hecircnada e secirc-laΝἶἷὅtaΝ fὁὄmaΝldquoὅὰliἶardquoΝ (ί ίαδσ α α) (MUNIZ amp RUDEBUSCH 2007 p

140)167

167 ἒixὅautΝ ὂaὄἷἵἷΝ iὄΝ ὀaΝ mἷὅmaΝ ἶiὄἷὦatildeὁΝ ὃuaὀἶὁΝ ὂὄὁὂὴἷμΝ ldquoἵaἶaΝ umaΝ ἶaὅΝ mὲὀaἶaὅΝ ἵujaΝ ἷxiὅtecircὀἵiaΝverdadeira eacute postulada vecirc-se atribuir o mesmo modo de existecircncia cada uma eacute uacutenica sempre o mesmo que ela proacutepria natildeo-gerada e incorruptiacutevel Unidade Identidade eternidade e imutabilidade satildeo caracteriacutesticas que apresentam toda existecircncia verdadeira (a de qualquer mocircnada de qualquer Forma que seja) Mas mesmo se todas as mocircnadas (que aceitemos postular) existem da mesma maneira eacute necessaacuterio considerar como cada uma delas pode ser mais firmemente essa mocircnada uacutenica isso significa essa unidade singular que ela eacute (o que justifica a presenccedila e o lugar de ατ βθ) A identidade de cada uma com ela mesma natildeo leva a sua identidade com todas as outras ndash como seria esse o caso ὅἷΝfὁὅὅἷΝaΝuὀiἶaἶἷΝaὄitmὧtiἵaμΝἷὀὃuaὀtὁΝaΝaὄitmὧtiἵaΝvulgaὄΝaἶiἵiὁὀaΝaὅΝldquomὲὀaἶaὅΝἶἷὅiguaiὅrdquoΝἵὁmὁΝdois exeacutercitos ou dois bois a aritmeacutetica filosoacuteficaΝὅἷΝὄἷἵuὅaΝaΝὁὂἷὄaὄΝ ldquoὅἷΝὀatildeὁΝὅἷΝὂὁὅtulaὄΝὃuἷΝἵaἶaΝmocircnada natildeo difere de cada uma das inumeraacuteveis mocircnadas e que nenhuma delas difere uma da outra (56e2-3) A aritmeacutetica filosoacutefica suprime as diferenccedilas sensiacuteveis mas a dialeacutetica deve postular as

119 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

A terceira questatildeo (controveacutersia) postulada tambeacutem natildeo eacute explicitamente mais

resolvida do que as duas primeiras a relaccedilatildeo entre essas mocircnadas ἵὁmΝldquoΝ(έέέ) as coisas que

vecircm a ser e satildeo ilimitadas se ela se dispersa e se torna muacuteltipla ou se manteacutem um todo

separado de si mesmo ndash o que pareceria a coisa mais impossiacutevel de todas a mesma coisa

uma vindo a ser simultaneamente no um ἷΝ ὀὁΝ mήltiὂlὁrdquoΝ (ldquoΝ (έέέ) η κ rsquo168 θ κῖμ

ΰδΰθκηΫθκδμ α εα απ έλκδμ δ πα ηΫθβθ εα πκζζ ΰ ΰκθυῖαθ γ Ϋκθ γrsquoΝ ζβθ α θ

α μ ξπλέμ πΪθ πθ υθα υ α κθ φαέθκδ rsquoΝ θ α θ εα θ ηα θ θέ εα πκζζκῖμ

ΰέΰθ γαδ ()) (15b4-8) Vejamos haacute duas possibilidades na fala de Soacutecrates estando

presente nas coisas muacuteltiplas a unidade se dispersa torna-se divisiacutevel indefinidamente em

muitas partes ou se unidade permanece a mesma e estaacute ao mesmo tempo presente em

uma multiplicidade se encontra separada de si mesma dividida de acordo com a

transcendecircncia e a imanecircncia169

Conforme nos aponta Dixsaut (2001) temos aqui algo que deve ser lido como um eco

das questotildees levantadas a Soacutecrates por Parmecircnides no diaacutelogo homocircnimo (Parm 131b1-2170

131c5-7171) diante de tal constataccedilatildeo ela nos diz que

Se Platatildeo retoma a propoacutesito das mocircnadas a criacutetica que Parmecircnides endereccedilaria agraves Formas podemos presentemente concluir que existem dois ὀὁmἷὅΝὂaὄaΝumaΝmἷὅmaΝἵὁiὅaέΝἠὁmἷaὄΝldquomὲὀaἶaὅrdquoΝaὅΝἔὁὄmaὅΝὂἷὄmitἷΝὀὁΝentanto insistir sobre uma das dificuldades que apresenta sua posiccedilatildeo ndash sobre a primeira aporia da participaccedilatildeo desenvolvida por Parmecircnides a despeito das outras (DIXSAUT 2001 p 296)

Poderiacuteamos pensar que Dixsaut ao dizer que existem dois nomes para uma mesma

coisa esteja tomando as mocircnadas como hecircnadas Creio que natildeo se trata disso No fundo ela

ἶiὐΝ ὃuἷΝ taiὅΝ uὀiἶaἶἷὅΝ (mὲὀaἶaὅ)Ν ἷὀὃuaὀtὁΝ ὂὄὁὂὄiamἷὀtἷΝ ldquouὀiἶaἶἷὅrdquoΝ ὅἷΝ aὅὅἷmἷlhamΝ ὡὅΝ

hecircnadas e neste caso do diaacutelogo elas recebem um outro nome mocircnadas Mas de acordo

com o que eacute expresso no Parmecircnides eacute possiacutevel reconhecer que haacute certa semelhanccedila ou

diferenccedilas inteligiacuteveis entre as mocircnadas Para compreender isso tenho que supor um εα βθ subentendido afixado a ατ αμ eacute por isso que avanccedilo nessa hipoacutetese com certa incerteza (2001 p 294-295) 168 Para os defensores da leitura em duas controveacutersias essa seria a terceira controveacutersia e todo o restante anterior faria parte da primeira controveacutersia 169 Cf DIXSAUT 2001 p 295 170 ldquoἓὀtatildeὁΝὅἷὀἶὁΝuma e a mesma estaraacute inteira simultaneamente em coisas que satildeo muacuteltiplas e separadas e assim ela estaria separada de si mἷὅmardquoΝ(ldquo θ λα θ εα α θ θ πκζζκῖμ εα ξπλ μ κ δθ ζκθ ηα θΫ αδ εα κ πμ α α κ ξπλ μ π βrdquo)Ν(Prm 131b1-2) 171 ldquoἜὁgὁΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ἶiὅὅἷΝ ἷlἷΝ ὅatildeὁΝ ἶiviὅiacutevἷiὅΝ aὅΝ fὁὄmaὅΝ mἷὅmaὅΝ ἷΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅΝ ὃuἷΝἶἷlaὅΝ ὂaὄtiἵiὂamΝparticipariam de uma de suas partes e natildeo eacute mais o todo que estaria em cada uma das coisas mas ὅimΝumaΝὂaὄtἷΝἵaἴἷὄiaΝaΝἵaἶaΝἵὁiὅardquoΝ(ldquoΜ λδ λα φΪθαδ υελα μ έθ α α β εα η Ϋξκθ α α θ ηΫλκυμ θ η Ϋξκδ εα κ εΫ δ θ εΪ ζκθ ζζ ηΫλκμ εΪ κυ θ θrdquo)Ν (Prm 135c6-7)

120 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

mesmo identidade entre as aporias levantadas por Parmecircnides no diaacutelogo homocircnimo em

relaccedilatildeo agraves Formas e essas postuladas nas controveacutersias do proacuteprio Soacutecrates Mais adiante

Dixsaut (2001 p 296) demonstra estar ciente de que Soacutecrates no Filebo insistiria nessas

aporias levantadas pelo Parmecircnides soacute que com uma diferenccedila ele natildeo para diante dessas

aporias agora mas insiste em postular a real existecircncia (uma e muacuteltipla) dessas mocircnadas

ldquoὅatildeo esses os problemas sobre esse tipo de um e muacuteltiplo Protarco ndash natildeo aqueles outros ndash

que quando natildeo se chega a um belo acordo sobre eles causam todo tipo de aporia mas

quando se chega tem-ὅἷΝumΝἵamiὀhὁΝὅἷmΝὁἴὅtὠἵulὁὅrdquoΝ(1ἃἴἄ-c3) Como bem notou a autora

francesa as dificuldades impostas por Parmecircnides natildeo satildeo insuperaacuteveis natildeo eacute necessaacuterio

que Platatildeo abandone as Formas e o modo de existecircncia que ele sempre as atribui pois nos

lembra a autora como no final do Parmecircnides (135b9c-2) se natildeo admitimos uma Forma ( Ϋα)

a cada um dos seres agravequilo que eacute sempre o mesmo eacute a potecircncia dialeacutetica ( κ δαζΫΰ γαδ

τθαηδθ)ΝὃuἷΝὅἷΝἷὅvaiμΝldquoa forma constitui a possibilidade da dialeacutetica mas eacute o exerciacutecio da

potecircncia dialeacutetica que confirma a existecircncia das Formas Sua potecircncia consiste sempre em

saber aquilo que eacute ( δ δθ)ΝἵaἶaΝὅἷὄΝ(έέέ)rdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1ΝὂέΝ297)

Certamente tudo o que foi dito diz respeito a uma claacutessica e intricada discussatildeo acerca

da questatildeo da participaccedilatildeo dos seres nas Formas volta a ser retomada no Filebo depois das

inuacutemeras aporias que ela suscitou no Parmecircnides Obviamente a questatildeo exige esforccedilo dos

inteacuterpretes e ainda estaacute longe de ser totalmente resolvida Ambos os inteacuterpretes aqui utilizados

natildeo datildeo como resolvidos esses claacutessicos problemas mas propotildeem no contexto do diaacutelogo

sem recorrer a acreacutescimos que natildeo estariam contidos na proacutepria obra172 Utilizo-os tambeacutem

172 Muniz e Rudebusch (2007) ainda demonstram uma seacuterie de leituras contrapostas a de ambos os autores em relaccedilatildeo agrave segunda controveacutersia tentando evidenciar seus supostos equiacutevocos na compreensatildeo da passagem tanto aqueles que adotam emendas clarividecircncia do texto ou mesmo uma revisatildeo gramatical distinta do grego antigo sob a qual o texto original platocircnico fora escrito Destarte ainda demonstram as deficiecircncias das leituras contemporacircneas como a de Migliori (1993) (tida como pleonaacutestica ao identificar um pleonasmo dentro da proacutepria braquilogia A leitura de Meinwald (1996) tambeacutem eacute citada no caso de clarividecircncia a partir de outros diaacutelogos E por fim a de ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ(ἀίίἄ)ΝὃuἷΝafiὄmaΝὃuἷΝldquoἷὅὅaὅrdquoΝἷΝldquoἷὅὅardquoΝiὀἶiἵaἶὁὅΝὂἷlaΝὅἷguὀἶaΝἵὁὀtὄὁvὧὄὅiaΝ(1ἃἴἀ-3) referem-se a espeacutecies de um mesmo gecircnero isto eacute ele interpreta a questatildeo como uma relaccedilatildeo parte-todo entre as partes do ζσΰκμ ἷΝὁΝtὁἶὁΝὃuἷΝἷlaὅΝἵὁὀὅtituἷmέΝldquoἢaὄaΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝὁΝlogos eacute a definiccedilatildeo da espeacutecie de modo que a relaccedilatildeo todo-ὂaὄtἷὅΝἷmΝὃuἷὅtatildeὁΝὧΝὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶaΝldquoἵὁὀὅtituiὦatildeὁΝἶaΝἷὅὂὧἵiἷrdquoΝndash ὁuΝldquoὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶaΝuὀiἶaἶἷΝἶὁΝlogos obtido por divisatildeo ndash ἷΝὀatildeὁΝldquoὁΝὂὄὁἴlἷmaΝἶaΝἶiviὅatildeὁΝἶὁΝgecircὀἷὄὁΝἷmΝvὠὄiaὅΝ ἷὅὂὧἵiἷὅrdquoΝ (εἧἠIZΝ ΤΝ ἤἧἒἓἐἧἥἑώ)έΝ ἠἷὅtἷΝ ἵaὅὁΝ havἷὄiamΝ ἶὁiὅΝ ὂὄὁἴlἷmaὅΝ ὀaΝ lἷituὄaΝ ἶἷΝDelcommminete (i) ela partilha de requerer clarividecircncia de Protarco mas de acordo com Delcomminette (2006) soacute mais adiante (com a introduccedilatildeo do meacutetodo divino 16c5-17a4) a interpretaccedilatildeo do texto faria sentido e teria sido entendida pelo interlocutor logo sem clarividecircncia Protarco natildeo entenderia a fala de Soacutecrates em 15b seria ininteligiacutevel (ii) elaΝtἷὄiaΝἶἷΝὅuὂὁὄΝὃuἷΝὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝprovoca as trecircs controveacutersias o que natildeo ocorre mas como afirmam Muniz amp Rudebusch o texto prova ἷxatamἷὀtἷΝὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁμΝldquo(έέέ)ΝlsquoὀatildeὁΝhὠΝmὁἶὁΝmἷlhὁὄrsquoΝ(κ η θ δ εαζζέπθ μ) do que este meacutetodo para evitar as aporiai causadas pelas trecircs controveacutersias fornecendo euporiai (1ἃἵἀ)rdquoΝ (εἧἠIZΝ ΤΝRUDEBUSCH 2007 p 132)

121 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

porque creio que possuem o meacuterito de tentar melhor esclarecer essa passagem intrincada do

diaacutelogo e porque tais soluccedilotildees me parecem mais convincentes se analisamos o texto original

Tanto Dixsaut (2001) quanto Muniz amp Rudebusch (2012) podem natildeo ter resolvido esses

problemas gerais nem mesmo a passagem em questatildeo mas certamente possuem certa

importacircncia por as terem tornado mais inteligiacuteveis Esses mesmos autores apresentam suas

ὂὁὅiὦὴἷὅΝἷὀὃuaὀtὁΝldquolἷituὄaὅrdquoΝἒixὅautΝaiὀἶaΝἶἷmὁὀὅtὄaΝὀὁΝὂὄὰὂὄiὁΝtἷxtὁΝaΝiὀὅἷguὄaὀὦaΝἵὁmΝaΝ

qual avanccedila nesta hipoacutetese interpretativa das trecircs controveacutersias (DIXSAUT 2001 p 295)

Voltemos ao diaacutelogo A discussatildeo prossegue e todos os esforccedilos devem agora ser

empregados para se alcanccedilar um caminho sem obstaacuteculos ( πκλέαμ) diante das dificuldades

( πκλέαμ) essa eacute a exigecircncia demonstrada por Protarco (15c4-5) suscitadas pela controveacutersia

( ηφδ ίβ κτη θα) que surgiu no diaacutelogo (15d2) Mas por onde comeccedilar Natildeo seria deste

ponto

Soc Dizemos que pelo discurso ( π ζ ΰπθ) a mesma coisa vindo a ser uma e muacuteltipla ( θ εα πκζζ ) circula sempre em todos os sentidos e em cada coisa dita tanto no passado quanto no presente Isso natildeo comeccedilou agora nem iraacute parar nunca trata-se como me parece de algo imortal que natildeo envelhece inerente ao discurso humano E sempre que um jovem ( θ θΫπθ) o experimenta173 sente tanto prazer ( φrsquoΝ κθ μ θγκυ δ ) como se tivesse descoberto algum tesouro de sabedoria ( μ δθα κφέαμ β λβε μ γβ αυλσθ)

173 ἏὃuiΝὂaὄἷἵἷΝὅἷὄΝὀὁtὠvἷlΝaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝldquo γΪθα σθΝ δΝεα ΰάλπθΝπΪγκμΝ θΝ ηῖθrdquoΝ(1ἃἶἆ)ΝaΝimὁὄtaliἶaἶἷΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝἴἷmΝἵὁmὁΝὁΝtἷὄmὁΝπΪγκμΝὃuἷΝtaὀtὁΝὅἷΝὄἷfἷὄἷ agrave experiecircncia dos homens com os discursos como a uma caracteriacutestica (afecccedilatildeo) dos proacuteprios discursos O termo eacute traduzido por experiecircncia e seraacute ἶἷΝἷxtὄἷmaΝὄἷlἷvacircὀἵiaΝὀaΝaὀὠliὅἷΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅέΝἓὅὅaΝἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝldquoimὁὄtalrdquoΝἶὁὅΝἶiὅἵuὄὅὁὅΝὄἷtὁmaΝὁΝepiacuteteto homeacuterico (Od 5 153 VII 94 ll 8 539) e tambeacutem o Poliacutetico (273e) ao ser descrita a renovaccedilatildeo perioacutedica do demiurgo do cosmos Note-se aqui que Soacutecrates jaacute deixou claro que esse tipo de problema sobre o um e de muacuteltiplo que deseja tratar podemos dizer tambeacutem que os proacuteprios ζσΰκδ satildeo postos em questatildeo na medida em que pretendem dizer a realidade (criacutetica agrave antiloacutegica Cf R VII 539 b1ndash7 Sph 251 b6ndashc6 Plt 285a-b) Outro fator importante satildeo os termos utilizados ao se referir agrave atitude experimentada ὂἷlὁὅΝ ldquojὁvἷὀὅrdquoΝ ἷmΝ ὄἷlaὦatildeὁΝ aΝ ἷὅὅἷὅΝ ἶiὅἵuὄὅὁὅΝ tὁἶὁὅΝ ἷὅtatildeὁΝ ligaἶὁὅΝ aὁΝ ὂὄaὐἷὄΝ(ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ (ἀίίἄΝ ὂέΝ ἆἅΝ ὀέΝ ἄἅ)Ν tamἴὧmΝ faὐΝ ὅἷmἷlhaὀtἷΝ ἵὁὀὅtataὦatildeὁ)Ν Οΰ τπΟΝ (gὁὅtὁΝ 1ἃἶλ)Ν κηαδΟΝ(ἶἷΝὅἷὀtiὄΝὂὄaὐἷὄΝ1ἃἶλ)ΝΟΝ η θκμΝΟ(ὄἷjuἴilaΝ1ἃἷἀ)Νldquo γ έμrdquoΝ(ὄἷgὁὐijaΝ1ἃἶλ) κθ μ (15e1) ἢaὄἷἵἷΝaὃuiΝὅἷὄΝjuὅtὁΝἶaὄΝvὁὐΝὡΝἦὁὄὄἷὅΝεὁὄalἷὅΝ(ἀί1ἀ)ΝἵὁὀἵὁὄἶaὀἶὁΝἵὁmΝἷlἷΝὃuἷμΝldquo(έέέ)ΝἷὅὅἷΝfatὁΝὀatildeὁΝapenas restaura o viacutenculo estreito e muitas vezes despercebido entre prazeres e discursos ou julgamentos mas sim reforccedila a ideia de que Protarco eacute tambeacutem um filoacutelogo que sente prazer em dizer e ouvir discursos o que o impede de ver aleacutem das palavras () Finalmente () achamos interessante acrescentar que novamente a enumeraccedilatildeo socraacutetica natildeo eacute aleatoacuteria mas mostra uma gradaccedilatildeo ou ordem em primeiro lugar a seacuterie jovem e contemporacircnea parece nos enviar claramente para o futuro para o passado e para o presente) o conjunto pai-matildee parece referir-se agrave origem e formaccedilatildeo do mais novo e a seacuterie homens-baacuterbaros parece designar uma gradaccedilatildeo entre homem e animal onde o baacuterbaro seria colocado no meio e ao mesmo tempo se refere ao alcance do interior e exterior da cidade Na vἷὄἶaἶἷΝὁὅΝἴὠὄἴaὄὁὅΝ(laquoίΪλίαλκδraquo)ΝὂaὄἷἵἷmΝἷὅtaὄΝὅἷὂaὄaἶὁὅΝἶὁὅΝhὁmἷὀὅΝἵὁmὁΝlaquoὁutὄὁὅΝὅἷὄἷὅΝvivὁὅraquoΝ(laquo θΝ ζζπθΝα πθraquo) e esta referecircncia refere-se agrave questatildeo poliacutetica da transmissatildeo do conhecimento ou perplexidade fora da proacutepria cidade a perplexidade dos jovens natildeo soacute afeta a cidade mas tambeacutem tem um efeito no exterior O Filebo natildeo desenvolve esta questatildeo mas acreditamos que essa eacute uma ὂὄἷὁἵuὂaὦatildeὁΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝὂlatὲὀiἵὁΝἷΝἶaΝἷἶuἵaὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἀἀ1-222 n 37)

122 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

e natildeo soacute fica entusiasmado pelo prazer como se rejubila ( γ έμ) em mover todo e qualquer argumento (πΪθ α εδθ ῖ ζσΰκθ) ora revirando-o e o misturando em um soacute ora desenrolando-o de novo e dividindo-o em partes Em primeiro lugar lanccedila sobretudo a si mesmo na aporia ( μ απκλέαθ) em segundo lanccedila tambeacutem quem quer que esteja perto dele seja mais jovem mais velho ou da mesma idade dele ndash natildeo poupando pai nem matildee nem nenhum outro ouvinte Mas natildeo apenas os ouvintes humanos ndash por pouco natildeo poupa nem os animais ndash e bastaria ter um inteacuterprete para natildeo poupar sequer os baacuterbaros (15d4-16a3)

Diante de uma descriccedilatildeo extremamente cocircmica o que natildeo eacute surpreendente quando

em se tratando de Soacutecrates e da sua criacutetica aos jovens empolgados com o prazer dos

discursos174 e dos usos improacuteprios que por vezes fazem deles A resposta de Protarco eacute uma

investida com certo tom de indignaccedilatildeo ao relembrar a Soacutecrates que aquela discussatildeo eacute uma

discussatildeo entre jovens rodeada por um puacuteblico jovem (16a4) No entanto o desejo de sair

das aporias eacute ainda maior as discussotildees que geram as controveacutersias soacute poderatildeo encontrar

algumaΝὅὁluὦatildeὁΝaΝὂaὄtiὄΝἶἷΝalgumΝldquoἵamiὀhὁΝmaiὅΝἴἷlὁrdquoΝ( θ Ϋ δθα εαζζέπθ) do que o anterior

(14b1) Torna-se imprescindiacutevel que Soacutecrates coloque todo o seu ardor juntamente com seus

interlocutores para que Protarco possa acompanhaacute-lo diantἷΝἶἷΝldquoumaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝὃuἷΝὀatildeὁΝὧΝ

ὀaἶaΝὂἷὃuἷὀardquoΝ(κ ΰ λ ηδελ μ παλ θ ζσΰκμ υελα μ) (16b3) A partir daiacute o tom eacute

acalmado pode-ὅἷΝὀὁtaὄΝiὅὅὁΝὂἷlὁΝmὁἶὁΝἵὁmὁΝἥὰἵὄatἷὅΝὅἷΝὄἷfἷὄἷΝaΝὅἷuὅΝiὀtἷὄlὁἵutὁὄἷὅΝldquomἷuὅΝ

jὁvἷὀὅrdquoΝ( παῖ μ) (16b4) utilizando-se do modo como Filebo trata seus amigos De fato essa

questatildeo natildeo eacute pequena isto eacute o meacutetodo confirma Soacutecrates (16b4) natildeo poderia haver

ldquoἵamiὀhὁΝ maiὅΝ ἴἷlὁΝ ἶὁΝ ὃuἷΝ ἷὅtἷrdquoΝ (ldquoκ η θ δ εαζζέπθ μ κ rsquoΝ θ ΰ θκδ κrdquo) do qual

Soacutecrates insistentemente se declara como amaὀtἷΝ(ldquo- μ ΰ λα μ ηΫθ ηδ έrdquo)175 caminho

que muitas vezes lhe escapou deixando-ὁΝ ἶἷὅὁlaἶὁΝ ἷΝ ἷmΝ aὂὁὄiaΝ (ldquoπκζζΪεδμ Ϋ η β

δαφυΰκ α λβηκθ εα Ϋ β θrdquo) (16b6-7)

Perante a indagaccedilatildeo de Protarco sobre qual caminho seria esse torna-se possiacutevel

estabelecer o ponto que Soacutecrates haacute muito tempo jaacute almejava chegar Sua resposta adverte

a respeito das dificuldades de se utilizar este caminho mostraacute-lo natildeo eacute difiacutecil difiacutecil poreacutem eacute

174 Cf R VII 539 b1ndash7 Sph 251 b6ndashc6 Plt 285a-b 175 Haacute aqui uma ressonacircncia daquilo que foi dito no Fedro ldquoἓuΝmἷὅmὁΝἔἷἶὄὁΝὅὁuΝamaὀtἷΝἶἷὅὅaὅΝdivisotildees ( δαδλΫ πθ) e reuniotildees ( υθαΰπΰ θ)rdquoΝ (ἀἄἄἴἁ-4) A passagem apresenta certa literalidade com o meacutetodo das divisotildees descrito no Fedro (265e-266b) Podemos tambeacutem aqui nos lembrar tanto do Sofista (253d1-3) onde se afirma que a divisatildeo por gecircneros ( εα ΰΫθβ δαδλ ῖ γαδ)ΝὧΝldquoὁἴὄaΝἶaΝἵiecircὀἵiaΝἶialὧtiἵardquoΝ( μ δαζ ε δε μ πδ άηβμ) como tambeacutem do Poliacutetico advertindo que no uso do meacutetodo dialeacutetico para a definiccedilatildeo do poliacutetico esta natildeo eacute feita em vista deste personagem mas para ldquoὀὁὅΝtὁὄὀaὄmὁὅΝmἷlhὁὄἷὅΝἶialὧtiἵὁὅΝἷmΝtὁἶὁὅΝὁὅΝἶὁmiacuteὀiὁὅrdquoΝ( κ π λ πΪθ α δαζ ε δεπ Ϋλκμ ΰέΰθ αδ) (285d6-7) A questatildeo sobre o meacutetodo da divisatildeo e suas implicaccedilotildees no contexto do Filebo eacute um dos importantes problemas que ainda dividem os inteacuterpretes Sobre isso falarei mais adiante Para uma anaacutelise mais detalhada cf BRAVO (2007 p 11-37)

123 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

utilizaacute-lὁέΝldquoἦὁἶaὅΝaὅΝἵὁiὅaὅΝὄἷlativaὅΝὡὅΝ Ϋξθβμ (teacutecnicas) descobertas vieram agrave luz por meio

ἶἷlἷrdquoΝ(1ἄἵ1-2) Segue a descriccedilatildeo do caminho

Soc Eu vejo esse caminho como um presente dos deuses lanccedilado dos deuses de algum lugar junto com um fogo de intenso brilho por algum Prometeu E os mais antigos que eram superiores a noacutes e habitavam mais ὂἷὄtὁΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅΝtὄaὀὅmitiὄamΝἷὅὅaΝtὄaἶiὦatildeὁμΝldquoaὅΝἵὁiὅaὅΝὃuἷΝὅἷΝὂὁἶἷΝὅἷmὂὄἷΝdizer que satildeo vecircm do um e do muacuteltiplo e tecircm nelas mesmas um limite e uma ilimitaὦatildeὁΝ ldquoiὀatὁὅrdquoέΝ ἥἷΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅΝ fὁὄamΝ ἴἷlamἷὀtἷΝ ἶiὅὂὁὅtaὅΝ ἷmΝ talΝ ὁὄἶἷmΝdevemos entatildeo admitir sempre para cada caso apenas uma forma para qualquer uma delas e devemos buscaacute-la e certamente a encontraremos presente Se entatildeo a apreendermos devemos depois de uma examinar duas se houver caso natildeo haja duas devemos examinar trecircs ou qualquer outro nuacutemero Devemos examinar da mesma maneira cada uma delas ateacute que se veja essa unidade original natildeo apenas como uma muacuteltipla e ilimitada mas tambeacutem que se vejam quantos elementos ela tem mas natildeo devemos aplicar a forma do ilimitado agrave pluralidade antes de percebermos o nuacutemero total da pluralidade que existe entre o ilimitado e o um e soacute entatildeo podemos nos despedir dessas coisas e abandonar cada uma delas no ilimitado Como disse os deuses ofereceram-nos essa tradiccedilatildeo para examinarmos aprendermos ensinarmos uns aos outros Mas os saacutebios atuais produzem o um e o muacuteltiplo ao acaso mais raacutepido ou mais lento do que deveriam fazer Vatildeo de imediato do um ao ilimitado deixando escapar os intermediaacuterios Mas satildeo esses intermediaacuterios que distinguem a discussatildeo dialeacutetica que travamos uns com os outros de seu contraacuterio a eriacutestica (16c5-17a5) Ω γ θΝη θΝ μΝ θγλυπκυμΝ σ δμΝ μΝΰ Νεα αφαέθ αδΝ ηκέΝπκγ θΝ εΝγ θΝλλέφβΝ δΪΝ δθκμΝ ΠλκηβγΫπμΝ ηαΝ φαθκ Ϊ δθ πυλέμΝ εα κ η θΝ παζαδκέΝ

ελ έ κθ μΝ η θΝεα ΰΰυ ΫλπΝγ θΝκ εκ θ μΝ ατ βθΝφάηβθΝπαλΫ κ αθΝ μΝιΝ θ μΝη θΝεα πκζζ θΝ θ πθΝ θΝ ζ ΰκηΫθπθΝ θαδΝπΫλαμΝ εα π δλέαθΝθΝα κῖμΝ τηφυ κθΝ ξσθ πθέΝ ῖθΝκ θΝ η μΝ κτ πθΝκ πΝ δαε εκ ηβηΫθπθΝ

ηέαθΝ ΫαθΝ π λ παθ μΝ εΪ κ Ν γ ηΫθκυμΝ αβ ῖθmdash λά δθΝ ΰ λΝθκ αθmdash θΝκ θΝη αζΪίπη θΝη ηέαθΝ τκΝ ππμΝ έΝ εκπ ῖθΝ

ηάΝ λ ῖμΝ δθαΝ ζζκθΝ λδγησθΝεα θΝ θΝ ε έθπθΝ εα κθΝπΪζδθΝ ατ πμΝηΫξλδπ λ θΝ εα ᾽ λξ μΝ θΝη δΝ θΝεα πκζζ εα π δλΪΝ δΝησθκθΝ δμΝ ζζ εα πσ αμΝ θΝ κ π έλκυΝ ΫαθΝπλ μΝ πζ γκμΝη πλκ φΫλ δθΝ

πλ θΝ θΝ δμΝ θΝ λδγη θΝα κ πΪθ αΝεα έ θ η αι κ π έλκυΝ Νεα κ θσμΝ σ Ν ᾽ βΝ θΝ εα κθΝ θΝπΪθ πθΝ μΝ π δλκθΝη γΫθ αΝξαέλ δθΝ

θέΝ κ η θΝ κ θΝ γ κέΝ π λΝ πκθΝ κ πμΝ ηῖθΝ παλΫ κ αθΝ εκπ ῖθΝ εα ηαθγΪθ δθΝεα δ Ϊ ε δθΝ ζζάζκυμμΝκ θ θΝ θΝ θγλυππθΝ κφκ θΝηΫθΝ

ππμΝ θΝ τξπ δΝεα πκζζ γ κθΝεα ίλα τ λκθΝπκδκ δΝ κ Ϋκθ κμΝη θΝ π δλαΝ γτμΝ ηΫ αΝα κ μΝ εφ τΰ δmdashκ μΝ δαε ξυλδ αδΝ σΝ Ν

δαζ ε δε μΝ πΪζδθΝ εα λδ δε μΝ η μΝ πκδ ῖ γαδΝ πλ μΝ ζζάζκυμΝ κ μΝζσΰκυμΝ(1ἄἶἃ-17a5)

ἢἷlaΝὂaὅὅagἷmΝaἵimaΝfiἵaΝaiὀἶaΝmaiὅΝἷviἶἷὀtἷΝὃuἷΝldquoὁΝἵamiὀhὁΝmaiὅΝἴἷlὁrdquoΝ(εαζζέπθ

μ) que Soacutecrates se declara como amante ( λα μ)Ν(1ἄἴἅ)ΝὧΝaΝἶialὧtiἵaέΝldquoἓlἷΝὧΝὁΝmaiὅΝἴἷlὁΝ

caminho natildeo porque seja infaliacutevel mas porque apenas ele permite compreender o que cada

ὅἷὄΝὧΝvἷὄἶaἶἷiὄamἷὀtἷrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1ΝὂέΝἀλἆ)έΝἏiὀἶaΝὀὁὅΝὧΝἶitὁΝὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅΝὃuἷΝἷlἷΝὧΝ

um ldquoἶὁmΝἶiviὀὁrdquoΝ(1ἄἵἃ)ΝlaὀὦaἶὁΝaΝὀὰὅΝὂὁὄΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷurdquoΝ( δΪΝ δθκμΝΠλκηβγΫπμ)Ν(1ἄἵἄ)Ν

124 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

tὄaὀὅmitiἶὁΝ aΝ ὀὰὅΝ ὂἷlὁὅΝ ἏὀtigὁὅΝ (κ η θΝ παζαδκέ)Ν (1ἄἵἅ)έΝ ἡὅΝ ἵὁmἷὀtaἶὁὄἷὅΝ ἷmΝ gἷὄalΝ ἶὁΝ

diaacutelogo atribuem agrave Pitaacutegoras176 atestando certa evidecircncia de que Pitaacutegoras teria recebido tal

revelaccedilatildeo divina e transmitido a seus disciacutepulos esses antigos aos quais Soacutecrates faria

referecircncia nessa passagem que viviam mais perto dos deuses A hipoacuteteses dos tradutores se

baseia em dois pontos principais (i) Pitaacutegoras seria visto por Platatildeo como uma espeacutecie de

semi-deus que teria transmitido uma revelaccedilatildeo divina a seus seguidores (ii) Platatildeo

reconheceria em Pitaacutegoras um filoacutesofo da natureza177

Carl Huffman (1999) certamente possui o meacuterito de ter contestado ambas as

hipoacuteteses diante de um vasto estudo sobre as relaccedilotildees entre os pitagoacutericos e Platatildeo

especialmente ao analisar esse conteuacutedo em especiacutefico do Filebo Ele nos diz

176 Dois dos mais importantes tradutores do Filebo apostam nessa hipoacutetese Gosling (1975) e Hackforth (1945) 177 Huffman (199) apresenta vaacuterios motivos para descartarmos essas hipoacuteteses Antes poreacutem ele destaca que a interpretaccedilatildeo de que Pitaacutegoras pudesse ser considerado um ser divino por Platatildeo remonta agrave proacutepria antiguidade posterior ao nosso filoacutesofo Na proacutepria Academia surge essa controveacutersia por um lado Espeusipo e os acadecircmicos defendiam que o platonismo seria uma elaboraccedilatildeo dos temas pitagoacutericos E por outro estavam os aristoteacutelicos que faziam uma clara distinccedilatildeo entre Platatildeo e os pitagoacutericos O teoacuterico destaca tambeacutem que muitos como Aristoacuteteles Aristoxeno consideravam Pitaacutegoras como divino mas quanto a Platatildeo muito se supunha (entre acadecircmicos e aristoteacutelicos) se talvez tambeacutem essa natildeo fosse a sua visatildeo sobre Pitaacutegoras No entanto como diz ώuffmaὀμΝldquotἷὄiacuteamὁὅΝἵἷὄtaὅΝἶifiἵulἶaἶἷὅΝἷmΝὅuὂὁὄΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝὂὁἶἷὄiaΝtἷὄΝaἶὁtaἶὁΝaΝὁὂiὀiatildeὁΝὅἷgundo a qual Pitaacutegoras teria recebido uma revelaccedilatildeo divina a partir da qual ele Platatildeo desenvolveria sua ήltimaΝfilὁὅὁfiardquoΝ(1λλλΝὂέΝ1ἂ)έΝώuffmaὀΝaiὀἶaΝἶἷὅtaἵaΝὃuἷΝἷὅtaΝaὅὅimilaὦatildeὁΝἶἷΝἢitὠgὁὄaὅΝaΝumΝfilὰὅὁfὁΝda natureza eacute extremamente problemaacutetica apoiando-se em Burket e que talvez seria melhor admitir que Platatildeo se apoia nas concepccedilotildees dos pitagoacutericos do seacuteculo V aC que veem na filosofia do ilimitado e do ilimite e que deve ser considerada como um conhecimento particular e por isso atribua a ela uma revelaccedilatildeo divina que talvez remontasse ao proacuteprio Pitaacutegoras De acordo com o teoacuterico Pitaacutegoras eacute uma personagem xamacircnico inventor de uma forma de viver (a Comunidade pitagoacuterica) Ele recorre a passagem da Repuacuteblica (X 600a-b) na qual Pitaacutegoras eacute citado mas mesmo nessa passagem o filoacutesofo antigo natildeo eacute citado como um filoacutesofo da natureza nem como um personagem divino mas como alguὧmΝ ὃuἷΝ ὧΝ vἷὀἷὄaἶὁΝ ὂὁὄΝ tἷὄΝ ἶἷὅἵὁἴἷὄtὁΝ umaΝ fὁὄmaΝ ἶἷΝ vivἷὄΝ ὂὁὄΝ iὅὅὁΝ ὧΝ ἵhamaἶὁΝ ἶἷΝ ldquo ΰ ηυθ παδ έαμrdquoΝἷΝ tἷὄiaΝἶἷὅἵὁἴἷὄtὁΝumΝ Πυγαΰσλ δκμ λσπκμ κ κέΝ ldquoἣuaὀἶὁΝἢlatatildeὁΝἶiὅἵutἷΝmaiὅΝaἵimaΝnesse mesmo diaacutelogo (R X 530d5) sobre os trabalhos teacutecnicos pitagoacutericos sobre a muacutesica ele se refere aos pitagoacutericos e natildeo ao proacuteprio Pitaacutegoras Por consequecircncia a imagem que noacutes temos de Pitaacutegoras e dos pitagoacutericos na Repuacuteblica estaacute totalmente de acordo com aquela que noacutes encontramos em Aristoacuteteles na qual todas as doutrinas filosoacuteficas envolvendo o limite o ilimitado o nuacutemero e a harmonia satildeo atribuiacutedas aos pitagoacutericos do quinto seacuteculo e na qual o proacuteprio Pitaacutegoras eacute mal citado ou associado a histoacuterias infundadas Mas essa visatildeo de Pitaacutegoras sustentada por Aristoacuteteles e pelo Platatildeo da Repuacuteblica na verdade natildeo concorda com a interpretaccedilatildeo corrente do Filebo que representa Pitaacutegoras como um Prometeu enviando dos deuses a intuiccedilatildeo filosoacutefica central do pitagorismo do quinto seacuteculo (p 15) Para uma anaacutelise ainda mais aprofundada e que segue esta mesma visatildeo torna-se imprescindiacutevel recorrer agrave interpretaccedilatildeo iacutetalo-brasileira do Prof Cornelli em dois textos em que ele discute claramente as passagens do Filebo em paralelo com o pitagorismo do quinto seacuteculo especialmente os fragmentos de Filolau oferecendo-nos uma compreensatildeo renovada dos traccedilos neopitagoacutericos presentes no Filebo distantes poreacutem da visatildeo claacutessica que procura atribuir as questotildees metafiacutesicas desse diaacutelogo a um protopitagorismo (Cf CORNELLI 2010a p 210- 216 2010b p 35-72)

125 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

() nada em Platatildeo nos sugere que o sistema do limite e do ilimitado remonta a Pitaacutegoras Noacutes podemos estimar por consequecircncia que Platatildeo se refere ao sistema de Filolau sistema que data do quinto seacuteculo sobre o qual Aristoacuteteles ὂaὄἷἵἷΝaΝὅuaΝmaὀἷiὄaΝὅἷΝaὂὁiaὄΝὀἷὅὅaΝὅuaΝἶἷὅἵὄiὦatildeὁΝἶὁΝὂitagὁὄiὅmὁrdquoΝ(1λλλΝp 17)

Antes poreacutem de nos referirmos agraves questotildees do limite e ilimitado fundamentais agrave

nossa discussatildeo voltemos pois aos aspectos externos relativos agrave dialeacutetica tal como ela eacute

descrita Talvez ao inveacutes de ir em busca da personagem histoacuterica que esteja por traacutes desse

Prometeu seja necessaacuterio retomar o sentido miacutetico que essa personagem traz consigo e o

uso que Platatildeo faz dele aqui neste momento do diaacutelogo Primeiramente eacute preciso observar a

expressatildeo utilizada em que haacute um certo tom que tira a proeminecircncia de divindade dado que

ὅἷΝἶiὐΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷurdquoέΝἢὄὁmἷteu estaacute ligado intimamente agrave teacutecnica ( Ϋξθβ) sobre ele eacute dito

tἷὄΝὄὁuἴaἶὁΝὁΝldquofὁgὁΝὅagὄaἶὁrdquoΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅΝἷlἷmἷὀtὁΝfuὀἶamἷὀtalΝὂaὄaΝaΝὂὄὁἶuὦatildeὁΝἶἷΝtὁἶaὅΝaὅΝ

teacutecnicas e tecirc-lo doado aos homens No entanto em Platatildeo esse mito adquire uma nova

interpretaccedilatildeo esse fogo natildeo eacute fruto de um roubo mas sim eacute um presente dado aos homens

pelos proacuteprios deuses Prometeu entatildeo seria um desses deuses178

A menccedilatildeo a Prometeu natildeo eacute ineacutedita na obra platocircnica o Filebo natildeo eacute o uacutenico exemplo

basta voltarmos ao Protaacutegoras (321 c7ndash322 a2) onde temos uma visatildeo mais fiel agrave tradiccedilatildeo e

no Poliacutetico (274 c5ndashd2) que contrasta com aquele diaacutelogo podendo como nos diz

Delcomminette (2006) serem explicados ambos em relaccedilatildeo agraves regras estabelecidas na

Repuacuteblica (II 378 e4ndash380 c10) acerca do modo como devem ser regrados os discursos aos

ἶἷuὅἷὅΝ(ὂέΝλἂ)έΝἡὄaΝὀatildeὁΝtἷὄiaΝἥὰἵὄatἷὅΝaὀtἷὅΝἶἷΝἷxὂὁὄΝἶἷtalhaἶamἷὀtἷΝὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝ

dito em 16c1-ἁΝ ὃuἷΝ ὁΝ ldquoἵamiὀhὁΝmaiὅΝ ἴἷlὁrdquoΝ (mὧtὁἶὁ)Ν ὅἷὄiaΝ aΝ ὁὄigἷmΝ ἶἷΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ tὧἵὀiἵaὅΝ

( Ϋξθβμ) que todas vieram agrave luz atraveacutes desse meacutetodo Portanto esse sentido permanece

fiel agrave ressignificaccedilatildeo platocircnica do mito de Prometeu Sobre isso satildeo esclarecedoras as

palavras de Huffman

Platatildeo encontra-se mais preocupado em mostrar que o meacutetodo que ele quer apresentar eacute decisivo para o conjunto das artes e das ciecircncias ( Ϋξθαδ) Ele mesmo faz essa declaraccedilatildeo impressionante todas as descobertas que teriam sido feitas nesse domiacutenio devem ser atribuiacutedas a esse meacutetodo Natildeo eacute surpreendente que quando relata a origem desse meacutetodo ele se refira ao santo patrono de todas as Ϋξθαδ Prometeu Tambeacutem no Prometeu acorrentado Prometeu declara que ele doou o fogo aos homens e que estes tiraram do fogo as variadas teacutecnicas ( φ κ ΰ πκζζ μ εαηαγά κθ αδ Ϋξθαμ 252-254) Quando Platatildeo diz que o meacutetodo que ele iraacute descrever foi lanccedilado das alturas divinas por algum Prometeu ao mesmo tempo que o fogo luminoso ele estaacute realmente dizendo que esse meacutetodo possui tanto valor

178 Sobre isso cf DELCOMMINETTE (2006 p 94) PUCCI (2005 p 31-70) VERNANT (2008 p 313-325)

126 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

para as artes assim como o proacuteprio fogo siacutembolo do poder tecnoloacutegico da humanidade Obviamente um meacutetodo filosoacutefico que natildeo pode ser atribuiacutedo ao Prometeu da tradiccedilatildeo mitoloacutegica eacute por isso que Platatildeo nos convida a ἵὁὀὅiἶἷὄaὄΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷurdquoΝumΝἢὄὁmἷtἷuΝὄἷviὅtὁΝἷΝἵὁὄὄigiἶὁΝὃuἷΝjuὀtὁΝἵὁmΝo fogo transmite um meacutetodo filosoacutefico (1999 p 15-16)

Diante disso eacute preciso reconhecer esse tom de diversatildeo aplicado agrave descriccedilatildeo de

Prometeu na passagem Essa intepretaccedilatildeo parece nos dar um sentido mais preciso dessa

invocaccedilatildeo ou seja se retomamos o momento que se insere a passagem ao voltarmos aos

trechos anteriores (16c1-3) a ela faz mais sentido essa interpretaccedilatildeo Neste sentido nada

nos dirige a algo que esteja por traacutes (da maacutescara) de Prometeu como por exemplo uma

mἷὀὦatildeὁΝaΝἢitὠgὁὄaὅέΝἑὁmὁΝἶiὐΝώuffmaὀΝ(1λλλ)ΝldquoalgumΝἢὄὁmἷtἷuΝὧΝὅimὂlἷὅmἷὀtἷΝἢὄὁmἷtἷurdquoΝ

(p 16)

O tom de solenidade expresso por Soacutecrates em sua descriccedilatildeo do meacutetodo atestando

ainda maiὁὄΝὄἷὅὂἷitὁΝὂἷlὁὅΝldquoaὀtigὁὅrdquo (κ η θΝπαζαδκέ) que estavam mais proacuteximos dos deuses

e que transmitiram tal tradiccedilatildeo dotado de humildade eacute algo que tambeacutem deve ser melhor

compreendido Antes de tudo como jaacute foi dito a mesma solenidade eacute comum em outros

diaacutelogos isto eacute talvez seja melhor realccedilar o sentido altamente persuasivo desta declaraccedilatildeo

jaacute que eacute necessaacuterio dar a dialeacutetica em um primeiro momento um estatuto de teacutecnica eficiente

para vida dos homens As alusotildees agrave doutrina dos ilimitado e do ilimite e posteriormente agrave

analogia musical recobrem ainda mais esse sentido Lembre-se que no final da descriccedilatildeo

Soacutecrates diz que essa teacutecnica permite que se examine ( εκπ ῖθ) que ela se destina ao

aprendizado (ηαθγΪθ δθ) e ao ensino ( δ Ϊ ε δθ) (16e3-4) Como nos diz Delcomminette

ldquoὂarece portanto que a dialeacutetica seja descrita aqui como a contraparte teoacuterica de todas as

Ϋξθβμ isto eacute dizer como o que eacute transmissiacutevel atraveacutes da aprendizagem e ἷὀὅiὀὁrdquoΝ(ἀίίἄΝὂέΝ

95) Todo o restante do diaacutelogo parece confirmar esse sentido agrave medida em que a dialeacutetica

serve como instrumento para a classificaccedilatildeo dos prazeres e conhecimentos a serem incluiacutedos

na boa vida (mista) A dialeacutetica iraacute se deter na investigaccedilatildeo dessa melhor composiccedilatildeo

resultante da vida boa A vida boa que natildeo pode ser descrita unicamente pela via teoacuterica mas

precisa ser descrita em sua real efetividade praacutetica isto eacute natildeo apenas como essa vida eacute mas

como ela deveria ser Ao mesmo tempo nem mesmo a dialeacutetica se livra como se poderaacute ver

desta ambiguidade que carrega consigo sendo ao mesmo tempo divina porque esta tambeacutem

eacute a sua origem ela se insere no campo humano das teacutecnicas dos conhecimentos

A caracterizaccedilatildeo solene do meacutetodo possui deste modo quando analisamos o contexto

da discussatildeo um sentido fortemente persuasivo Primeiro porque como se nota eacute preciso

que Protarco em sua extrema piedade (Cf 28b7-10 e1-6) natildeo ousa reconhecer um meacutetodo

divino como absurdo Desta maneira em um primeiro momento na pesquisa atual eacute possiacutevel

ainda natildeo tratar dos problemas seacuterios do um e do muacuteltiplo questatildeo que seraacute retomada mais

127 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

a frente por Soacutecrates e aiacute entatildeo ficaratildeo mais claros os objetivos de Soacutecrates em relaccedilatildeo ao

meacutetodo Ora se a dialeacutetica eacute um dom dos deuses torna-se possiacutevel a aceitaccedilatildeo dela por parte

de Protarco a despeito dos problemas que ela origina e que permanecem sem soluccedilatildeo em

dado momento para o interlocutor179

Enquanto essas soluccedilotildees para noacutes podem ser esclarecidas caso retomemo outros

diaacutelogos para Protarco ainda natildeo estatildeo suficientemente claras (DELCOMMINETTE 2006

ὂέΝλἃ)έΝἒὁΝmἷὅmὁΝmὁἶὁΝὅἷὄὠΝὂὁὅὅiacutevἷlΝaΝἢlatatildeὁΝἷxiἴiὄΝὀὁvὁὅΝἷlἷmἷὀtὁὅΝaὁΝὅἷὄΝἶitὁΝὃuἷΝldquoὅἷΝaὅΝ

ἵὁiὅaὅΝ fὁὄἷmΝ ἴἷlamἷὀtἷΝ ἶiὅὂὁὅtaὅΝ ἷmΝ talΝ ὁὄἶἷmΝ ἶἷvἷmὁὅΝ aἶmitiὄΝ (έέέ)rdquoΝ ( κτ πθΝ κ πΝ

δαε εκ ηβηΫθπθ) (16d1-2) ou seja os antigos nos disseram que as coisas que se podem

dizer sempre que satildeo vecircm do um e do muacuteltiplo e tecircm nelas um limite e uma ilimitaccedilatildeo inatos

( μΝ ιΝ θ μΝη θΝεα πκζζ θΝ θ πθΝ θΝ ζ ΰκηΫθπθΝ θαδΝπΫλαμΝ εα π δλέαθΝ θΝα κῖμΝ

τηφυ κθΝ ξσθ πθ) (16c4-5) sem dar nenhuma argumentaccedilatildeo acerca deste fato mas

apenas os antigos disseram assim Sobre isso explicita ainda mais Delcomminette

Nestas circunstacircncias se natildeo somos tatildeo piedosos como Protarco que razatildeo devemos dar creacutedito a esta afirmaccedilatildeo e agrave ontologia O que isso pressupotildee Na verdade a situaccedilatildeo eacute mais uma vez muito mais complicada do que parece agrave primeira vista com efeito veremos que a ontologia que parece ser simplesmente pressuposta nesta passagem seraacute desenvolvida mais tarde em uma passagem que consistiraacute em uma aplicaccedilatildeo do meacutetodo aqui descrito Em outras palavras a ontologia pressuposta pela dialeacutetica seraacute trazida agrave luz por uma aplicaccedilatildeo da dialeacutetica e a aparente prioridade loacutegica da ontologia sobre a dialeacutetica seraacute substituiacuteda por uma aparente prioridade loacutegica da dialeacutetica sobre a ontologia O fato de que esta passagem descreve a dialeacutetica como revelaccedilatildeo divina portanto natildeo tem apenas por resultado a quebra do ciacuterculo entre a concepccedilatildeo correta do bem e o meacutetodo a ser utilizado para alcanccedilaacute-lo ele tambeacutem introduz um novo ciacuterculo entre dialeacutetica e ontologia e nos oferece os meios para entrar neste ciacuterculo Como veremos esse segundo ciacuterculo tem relaccedilotildees iacutentimas com o primeiro Esta estrutura extremamente complexa apresenta um problema fundamental para o inteacuterprete (2006 p 95-96)

ἒiaὀtἷΝἶὁΝὃuἷΝfὁiΝἶitὁΝaΝmἷὀὦatildeὁΝaὁὅΝldquoaὀtigὁὅrdquoΝtὁὄὀa-se mais clara ainda Eacute necessaacuterio

investigar o conteuacutedo trazido por esta tradiccedilatildeo Retomando Huffman (1999) podemos notar

que ele nos traz evidecircnciaὅΝaiὀἶaΝmaiὅΝὄἷlἷvaὀtἷὅΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝaὁΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝldquoὀaἶaΝἷmΝἢlatatildeὁΝ

179 ἏΝ mἷuΝ vἷὄΝ aΝ ἷxὂliἵaὦatildeὁΝ ἶἷΝ ἑὁὄὀἷlliΝ ὅὁἴὄἷΝ ὁΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ἶaΝ ldquoὄἷvἷlaὦatildeὁΝ ἶiviὀardquoΝ ὂaὄἷἵἷΝ ὅἷὄΝ aΝ maiὅΝὂἷὄtiὀἷὀtἷΝἶἷὀtὄἷΝaὅΝὃuἷΝἷὀἵὁὀtὄἷiΝaὅὅimΝἷlἷΝἶiὐμΝldquoἷὅὅaΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝiὀὅiὅtἷὀtἷΝaΝumaΝὁὄigἷmΝἶiviὀaΝ[ὃuἷΝnovamente reapareceraacute em 23c-d] pode sublinhar o valor que Platatildeo daacute agrave teoria do limitante e do ilimitado Soacutecrates havia declarado diversas vezes seu temor para com os deuses nas primeiras paacuteginas do diaacutelogo (12c) Ao mesmo tempo a revelaccedilatildeo natildeo deve ser pensada como algo completo definitivo ndash como poderia sugerir certa influecircncia sobre a leitura dos antigos da concepccedilatildeo dogmaacutetica da matriz judaico-cristatilde-iὅlacircmiἵaΝ iὅtὁΝ ὧΝ ἶaὅΝ aὅὅimΝ ἵhamaἶaὅΝ lsquoὄἷligiὴἷὅΝ ἶὁΝ ἜivὄὁrsquoέΝ ἏΝ ὄἷvἷlaὦatildeὁΝ aὁΝcontraacuterio pode ser pensada como algo de origem nobre e que pede para ser continuado como um ἵὁmὂὄὁmiὅὅὁΝaΝὅἷὄΝtὁmaἶὁΝὀὁΝfutuὄὁμΝὀatildeὁΝἵὁmὁΝalgὁΝἷὅtὠtiἵὁΝἶὁgmὠtiἵὁrdquoΝ(ἀί1ίΝὂέΝἀ1ἂ)έ

128 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

sugere que o sistema do limite e do ilimitado remonte agrave Pitaacutegoras Podemos estimar por

ἵὁὀὅἷὃuecircὀἵiaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝὅἷΝὄἷfἷὄἷΝaὁΝὅiὅtἷmaΝἶἷΝἔilὁlaurdquoΝ(ὂέΝ1ἅ)έΝἓὅὅἷὅΝaὀtigὁὅΝἷmΝὃuἷὅtatildeὁΝ

seriam os pitagoacutericos do seacuteculo V aC180 pois Filolau eacute o primeiro dos pitagoacutericos que insurge

em resposta aos filoacutesofos da natureza que o precederam ao construir o sistema de limite e

ilimitado colocando-os no mesmo plano ambos igualmente como dois princiacutepios em

resposta agrave prioridade dada ao π δλκθ logo apoacutes as obras de Anaxaacutegoras e de Zenatildeo ele

nos lembra o fragmento 1 do pitagoacuterico

A natureza do universo foi harmonizada a partir de ilimitados e de limitadores mdash natildeo apenas o universo como um todo mas tambeacutem tudo o que nele existe (Fr1)

φ δμΝ ΥΝ θΝ ε η λη ξγβΝ ιΝ π λπθΝ Νεα π λαδθ θ πθΝεα ζκμΝ ε ηκμΝεα θΝα π θ α (Fr 1)181

Podemos tambeacutem retomar o fragmento 2

Forccedilosamente eacute que as coisas que existem sejam todas elas ou limitadoras ou ilimitadas ou simultaneamente limitadoras e ilimitadas Mas natildeo podiam ser apenas ilimitadas Portanto uma vez que elas parecem natildeo dever a sua existecircncia nem agraves coisas que satildeo todas limitadoras nem agraves que satildeo todas ilimitadas eacute evidente por conseguinte que tanto o universo como aquilo que nele existe foram harmonizados a partir simultaneamente dos limitadores e dos ilimitados Eacute isto o que demonstram tambeacutem as coisas tal como efetivamente existem Eacute que algumas delas provenientes dos limitadores limitam outras procedentes tanto dos limitadores como dos ilimitados limitam e natildeo limitam ao mesmo tempo e as outras que provecircm dos ilimitados satildeo evidentemente ilimitadas (Fr 2)

θΪΰεαΝ σθ αΝ η θΝ πΪθ αΝ π λαέθκθ αΝ π δλαΝ π λαέθκθ ΪΝ Ν εα π δλαmiddotΝ π δλαΝ ησθκθΝκ εΝ έέΝ π κέθυθΝφαέθ αδΝκ ΥΝ ε π λαδθσθ πθ

πΪθ πθ σθ α κ ι π έλπθ πΪθ πθ ζκθ λα δ ε π λαδθσθ πθ εα π έλπθ εσ ηκμ εα θ α δ υθαλησξγβ βζκῖ εα θ κῖμ

180 Huffman diz que essa hipoacutetese natildeo deve ser descartada tendo em vista que Filolau eacute contemporacircneo de Platatildeo isto eacute natildeo haacute uma distacircncia de seacuteculos entre ambos Se colocamos na boca de Soacutecrates (hiὅtὰὄiἵὁ)ΝiὅὅὁΝὂaὄἷἵἷὄiaΝὂὁuἵὁΝὂὄὁvὠvἷlΝiὅtὁΝὧΝὀὁmἷaὄΝἔilὁlauΝἵὁmὁΝumΝldquoaὀtigὁrdquoέΝεaὅΝὅἷΝlἷvaὄmὁὅΝem conta o fato de que realmente o Filebo eacute um dos uacuteltimos diaacutelogos escritos por Platatildeo faz todo o sentido Aleacutem do maiὅΝἷlἷΝὀὁὅΝἵὁὀviἶaΝὡΝ iὀtἷὄὂὄἷtaὄΝἶaΝἷxὂὄἷὅὅatildeὁΝldquoὁὅΝaὀtigὁὅrdquoΝἵὁὀfὁὄmἷΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝldquohὁmἷὀὅΝἶἷΝaὀtἷὅΝἶἷΝὀὁὅὅὁΝtἷmὂὁrdquoΝἷΝὀatildeὁΝἵὁmὁΝgecircὀiὁὅΝἶἷΝumaΝaὀtiguiἶaἶἷΝimἷmὁὄialέΝἡΝtἷὰὄiἵὁΝaiὀἶaΝrecorre ao exemplo do Fedro (235b) diaacutelogo no qual Anacreonte ainda em atividade no sexto seacuteculo ὧΝἵὁὀὅiἶἷὄaἶὁΝumΝἶἷὅὅἷὅΝldquoaὀtigὁὅrdquoΝἷΝtamἴὧmΝὄἷlἷmἴὄaΝὁΝHiacutepias Maior (181c) em que os κ παζαδκέ satildeo divididos em dois grupos de eacutepocas diferentes o mais antigo incluindo os sete saacutebios e o mais recente estendendo-se ateacute Anaxaacutegoras no quinto seacuteculo (Cf 1999 p 16) 181 Utilizo os textos recolhidos da doxografia dos preacute-socraacuteticos e traduzidos por Kirk et al (1983) com apresentaccedilatildeo do texto original grego tambeacutem fornecido pelos tradutores A segunda parte do Fragmento 6 natildeo traduzida pelos autores utilizo a traduccedilatildeo e o texto original estabelecidos por Cornelli (2010) Ambas as obras se encontram devidamente referenciadas ao final deste trabalho na seccedilatildeo pertinente agraves referecircncias

129 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

λΰκδμ η θ ΰ λ α θ ε π λαδθσθ πθ π λαέθκθ δ ε π λαδθσθ πθ εα π έλπθ π λαέθκθ έ εα κ π λαέθκθ δ ι π έλπθ π δλα

φαθΫκθ αδ (Fr2)

Pelos fragmentos nota-se que Filolau sempre se refere a esses princiacutepios natildeo

enquanto princiacutepios abstratos como faraacute Platatildeo no Filebo (πΫλαμ π δλέα) e Aristoacuteteles (

π π λα ηΫθκθ π δλκθ) Muito pelo contraacuterio ele fala de limitantes e de ilimitados no

plural ambos como constituintes do cosmos e de tudo aquilo que ele conteacutem O universo eacute

uma combinaccedilatildeo de coisa limitantes e de coisas limitadas Na referecircncia aos limitantes e

utilizando o particiacutepio ativo no plural (π λαέθκθ α) e natildeo um particiacutepio perfeito no singular como

teria feito Aristoacuteteles (π π λα η ηκθ Metaph 987a16)182 As coisas no mundo satildeo portanto

feitas de contiacutenuos interminaacuteveis de onde proveacutem a mudanccedila e as estruturas perfeitas e

completas que se introduzem neles O cosmos natildeo poderaacute ser um caos e jamais seraacute porque

o limite eacute tatildeo originaacuterio quanto o ilimitado Obviamente como veremos Platatildeo interpretaraacute agrave

sua maneira essa tradiccedilatildeo recebida dos antigos (HUFFMAN 1999 p 18) Pois como atesta

o proacuteprio Fragmento 3 de Filolau

Pois nada haveraacute que em princiacutepio possa conhecer se todas as coisas satildeo ilimitadas (Frag 3)

λξ θΝΰ λΝκ ΰθπ κ η θκθΝ ῖ αδΝπ θ πθΝ π λπθΝ θ πθ (Fr 3)

Haacute algo ainda a ser dito Os limitantes e os ilimitadores natildeo compotildeem eles unicamente

o cosmos eacute necessaacuterio que esses elementos estejam harmonizados ( λησξγβ) devem

estabelecer um acordo conjunto donde surge a realidade Vejamos κ Fragmento 6 e o

Fragmento 7

Acerca da natureza e da harmonia a posiccedilatildeo e a seguinte O ser tios objetos por ser eterno e a proacutepria natureza admitem o conhecimento divino mas natildeo o humano mdash com a exceccedilatildeo de que natildeo era possiacutevel a qualquer das coisas que existem e que noacutes conhecemos o terem nascido sem a existecircncia do ser daquelas coisas de que foi composto o universo os limitadores e os ilimitados E visto estes princiacutepios existirem sem serem semelhantes ou da mesma espeacutecie teria sido impossiacutevel para eles o serem ordenados num

182 ἑὁὄὀἷlliΝ(ἀί1ί)ΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὀὁὅΝἵὁὀfiὄmaμΝldquohὠΝumΝἶἷtalhe terminoloacutegico que merece ser destacado Filolau natildeo utiliza os termos limitadoilimitado e sim sempre e somente o plural aacutepeira e peiraacutenonta iὅtὁΝὧΝἷmΝumaΝtὄaἶuὦatildeὁΝmaiὅΝfilὁlὁgiἵamἷὀtἷΝmaiὅΝfiἷlΝἷΝmaiὅΝfilὁὅὁfiἵamἷὀtἷΝfἷἵuὀἶaΝldquoἵὁiὅaὅΝilimitaἶaὅΝe ilimitaὀtἷὅrdquoΝὂὁὄΝὅἷΝtὄataὄΝἷὅtἷΝήltimὁΝἶἷΝumΝὂaὄtiἵiacuteὂiὁΝὂὄἷὅἷὀtἷΝἶὁΝvἷὄἴὁΝperaiacutenocirc Ao contraacuterio tanto no Filebo de Platatildeo quanto na Metafiacutesica de Aristoacuteteles os termos satildeo pensados e utilizados no singular o nome peacuteras ὂaὄaΝ lsquolimitἷrsquoΝ ὁuΝ ὁΝ ὂaὄtiἵiacuteὂiὁΝ ὂassivo do verbo peraiacutenocirc peperasmeacutenon para lsquolimitaἶὁrsquoΝἷΝὁΝaἶjἷtivὁΝὀἷutὄὁΝὅiὀgulaὄΝaacutepeiron precedido de artigo (tograve aacutepeiron)ΝὁΝlsquoilimitaἶὁrsquoΝtὁἶὁὅΝἷlἷὅΝὀὁΝὅiὀgulaὄέΝἏΝiὀὅiὅtecircὀἵiaΝὀὁΝfatὁΝἶἷΝὃuἷΝἷὅὅἷὅΝlsquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁὅrsquoΝὅἷjamΝὂluὄaiὅΝiὀἶiἵaΝἶiὄἷtamἷὀtἷΝὁΝfatὁΝἶἷΝeles natildeo serem compreendidos por Filolau como princiacutepios metafiacutesicos agrave maneira que seratildeo compreendidos em seguida por Platatildeo e Aristoacuteteles que exatamente por esse motivo preferem utilizar o singular (p 218)

130 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

universo se a harmonia natildeo tivesse sobrevindo mdash fosse qual fosse o modo como ela se gerou As coisas que eram semelhantes e da mesma espeacutecie natildeo precisavam de harmonia mas sim as que eram dissemelhantes e de diferente espeacutecie e de ordem desigual mdash necessaacuterio era para tais coisas o terem sido intimamente unidas pela harmonia se eacute que hatildeo-de manter-se juntas num universo ordenado A grandeza do acordo eacute formada pelos intervalos da quarta e de quinta A quinta eacute maior do que a quarta por um tom De fato da cordatom mais alta agrave corda do meio eacute uma quarta da do meio agrave uacuteltima eacute uma quinta Da uacuteltima agrave terccedila eacute uma quarta e da terceira agrave mais alta uma quinta O intervalo entre a do meio e a da terceira eacute um tom (98) a quarta eacute expressa pela relaccedilatildeo epiacutetrita (43) e a quinta pelo emioacutelio (32) e a oitava pelo duplo (21) Assim o acordo (a escala harmocircnica) compreende cinco tons e dois semitons menores a quinta trecircs tons e um semitom menor a quarta dois tons e um semitom menor (Fr 6) π λ φ δκμΝεα ληκθ αμΝ Ν ξ δ η θΝ θΝπλαΰη πθΝ δκΝ αΝεα α η θΝ φ δμΝγ αθΝΰαΝεα κ εΝ θγλππ θβθΝ θ ξ αδΝΰθ δθΝπζ κθΝΰαΝ

δΝ κ ξΝ κ θΝ ᾿ θΝ κ γ θΝ θΝ θ πθΝ εα ΰδΰθπ ε η θκθΝ φ᾿ η θΝ ΰαΝΰ θ γαδΝ η παλξκ αμΝ μΝ κ μΝ θΝ πλαΰη πθΝ ιΝ θΝ υθ αΝ ε ηκμΝεα θΝπ λαδθ θ πθΝεα θΝ π λπθέΝ π α λξα π λξκθΝκ ξΝ ηκῖαδΝκ ᾿ η φυζκδΝ αδΝ βΝ θα κθΝ μΝεαΝα αῖμΝεκ ηβγ θαδΝ η ληκθ αΝ π ΰ θ κΝ δ δθδ θΝ Ν λ ππδΝ ΰ θ κέΝ η θΝ θΝ ηκῖαΝ εα

η φυζαΝ ληκθ αμΝ κ θΝ π κθ κΝ θ ηκδαΝ ηβ η φυζαΝ ηβ κ αΰ θ ΰεαΝ δΝ κδα αδΝ ληκθ αδΝ υΰε εζ ῖ γαδΝκ αδΝη ζζκθ δΝ θΝε ηπδΝ

εα ξ γαδέ ληκθ αμΝ η ΰ γ μΝ δΝ υζζαί εα δ᾿ ι δ θΝ δ᾿ ι δ θΝη ῖακθΝ μΝυζζαί μΝ πκΰ πδέΝ δΝ ΰ λΝ π π αμΝ π η αθΝ υζζαί π

η αμΝ π θ αθΝ δ᾿ ι δ θΝ π θ αμΝ μΝ λ αθΝ υζζαί π λ αμΝμΝ π αθΝ δ᾿ ι δ θΝ ᾿ θΝ η πδΝ η αμΝ εα λ αμΝ π ΰ κκθΝ υζζαί π λδ κθΝ δ᾿ ι δ θΝ ηδ ζδκθΝ δ πα θΝ δπζ κθέΝκ πμΝληκθ αΝπ θ Ν π ΰ καΝεα κΝ δ δ μΝ δ᾿ ι δ θΝ λ αΝ π ΰ καΝεα δμΝυζζαί ᾿ π ΰ καΝεα δμΝ(ἔὄέΝἄ)

Ora a semelhanccedila com o Filebo aqui eacute surpreendente uma vez que o exemplo que

ilustra tal harmonia entre limitantes e ilimitados eacute a harmonia presente na escala diatocircnica

musical analisada pela relaccedilatildeo entre nuacutemeros inteiros que compotildeem um tom inteiro e a

quarta a quinta e a oitava ( δαπα υθ)183 Seratildeo esses mesmos exemplos que como

veremos Platatildeo utilizaraacute em 17bss para tratar ainda mais da questatildeo do limite e do ilimitado

diante da incompreensatildeo manifestada por Protarco acerca destes temas A imagem aqui

utilizada da teoria musical parece ser a mesma utilizada por Platatildeo em nosso diaacutelogo Trata-

se de uma corda de um contiacutenuo ilimitado na qual se definem tons especiacuteficos limitados

iὀtἷὄvalὁὅΝἷὅὂἷἵiacutefiἵὁὅέΝεaὅΝὅὁἴὄἷΝiὅὅὁΝὀὁὅΝaἶvἷὄtἷΝἑὁὄὀἷlliΝ(ἀί1ί)μΝldquomaiὅΝumaΝvἷὐΝaΝhaὄmὁὀiaΝ

183 A mesma escala diatocircnica que apareceraacute no Timeu (Ti 35b)

131 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

o acordo natildeo devem ser nunca confundidos com o limitante o acordo funciona pelo nuacutemero

maὅΝὁΝὀήmἷὄὁΝἷΝὁΝaἵὁὄἶὁΝὀatildeὁΝὅἷΝὅuἴὅtituἷmΝὂἷlὁὅΝlimitaὀtἷὅrdquoΝ(ὂέΝἀ23)184

A passagem da harmonia agrave escala musical evoca outro elemento importante natildeo eacute

nada surpreendente essa passagem se levarmos em conta que a introduccedilatildeo da harmonia

para explicar a origem da realidade do cosmos constituiacutedo por limitantes e ilimitados a busca

pelos intervalos sonoros pelos tons especiacuteficos caracteriza-se pela busca de um nuacutemero

Atentemo-nos ao Frag 4

E o certo eacute que todas as coisas que se conhecem tecircm nuacutemero pois sem ele nada se pode pensar ou conhecer (Fr 4) εα π θ αΝΰαΝη θΝ ΰδΰθπ ε η θαΝ λδγη θΝ ξκθ δΝκ ΰ λΝκ θΝ Νκ θΝκ Νθκβγ η θΝκ Νΰθπ γ η θΝ θ υΝ κ κυΝ(ἔὄέΝἂ)

A partir da introduccedilatildeo da harmonia no sistema de Filolau eacute possiacutevel notar que o nuacutemero

possui um papel fundamental nesse sistema haacute aqui como se nota uma preocupaccedilatildeo

epistemoloacutegica No caso da escala diatocircnica os tons especiacuteficos identificados sobre o

contiacutenuo sonoro ilimitado pode-se notar que estes natildeo distribuiacutedos de forma aleatoacuteria mas

de acordo com as proporccedilotildees de nuacutemeros inteiros que determinam os intervalos da oitava

(21) (43) e (32) respectivamente oitava quarta e quinta Eacute possiacutevel dizer que Filolau

compreende o cosmo como uma articulaccedilatildeo em funccedilatildeo de relaccedilotildees numeacutericas especiacuteficas o

ὃuἷΝὀatildeὁΝimὂliἵaΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝldquotuἶὁΝὧΝὀήmἷὄὁrdquoΝmaὅΝὃuἷΝἷὅὅaὅΝὄἷlaὦὴἷὅΝὀumὧὄiἵaὅΝὀὁὅΝὂἷὄmitἷmΝ

compreender conhecer o que satildeo as coisas185 Filolau se recusa a dizer o que satildeo esses

princiacutepios (limitantes e ilimitados) a enumerar tais realidades o que possam ser tais princiacutepios

limitantes e ilimitados como seria o caso de ser o fogo a aacutegua ou outros Pode-se dizer que

aqui Filolau estaacute instaurando uma polecircmica com seus predecessores natildeo soacute com

Anaximandro mas com o proacuteprio Anaxaacutegoras devido agraves suas postulaccedilotildees seus muacuteltiplos

λξαέ186 Diferentemente portanto do uso que Filolau faz desses elementos para tratar deste

184 ώuffmaὀΝ(1λλλ)ΝἷὅἵlaὄἷἵἷΝaiὀἶaΝmaiὅμΝ ldquoὀὁΝἵaὅὁΝἶἷΝἔilὁlaὁΝὀatildeὁΝhὠΝiὀἶiἵaὦatildeὁΝἷxὂliacuteἵitaΝὃuaὀtὁΝaὁΝpapel exato que os limitantes e os ilimitados desempenham nesse seu exemplo mas ele parece naturalmente supor que o ilimitado eacute o contiacutenuo sonoro enquanto os tons especiacuteficos identificados sobre esse contiacutenuo formam os limitantes O papel da harmonia eacute o de determinar um arranjo agradaacutevel e ἷὅὂἷἵiacutefiἵὁΝἶἷὅὅἷὅΝlimitaὀtἷὅΝiἶἷὀtifiἵaἶὁὅΝὅὁἴὄἷΝὁΝἵὁὀtiacuteὀuὁΝiὅtὁΝὧΝἵὁὀὅtituiὄΝumaΝἷὅἵalaΝmuὅiἵalrdquoΝ(ὂέΝ19) 185 ViἶἷΝtamἴὧmΝἔὄέΝἃΝἶἷΝἔilὁlauμΝldquoDe facto o nuacutemero tem duas espeacutecies que lhe satildeo peculiares a iacutempar e a par e uma terceira derivada da combinaccedilatildeo destas duas a par-iacutempar Cada uma das duas espeacutecies tem muitas formas que cada coisa em si mesma ὄἷvἷlardquoέΝldquo ΰαΝη θΝ λδγη μΝ ξ δΝ κΝη θΝ δαΝ

βΝπ λδ θΝεα λ δκθΝ λ κθΝ π᾿ ηφκ λπθΝη δξγ θ πθΝ λ δκπ λδ κθΝ εα λπΝ κμΝπκζζα ηκλφα μΝ εα κθΝα αυ βηα θ δrdquoΝ(ἔὄέΝἃ)έ 186 ldquoἡΝἵamiὀhὁΝἶἷΝἔilὁlauΝὧΝἵἷὄtamἷὀtἷΝὁὄigiὀalΝmἷὅmὁΝὀὁΝiὀtἷrior da filosofia preacute-socraacutetica pois por um lado natildeo expressa uma posiccedilatildeo monista uma vez que o ser resulta da pluralidade de ilimitadoslimitantes por outro lado ceticismo epistemoloacutegico do Fr 6 eacute moderado pela possibilidade de

132 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

acordo desta harmonia que torna possiacutevel a compreensatildeo da realidade como eacute o caso do

fogo no Fr 7

A primeira coisa que estaacute harmonizada o um que estaacute no meio da esfera eacute chamado fogo (Fr 7)

πλ κθΝ ληκ γ θΝ θΝ θΝ δΝη πδΝ μΝ φα λαμΝ αΝεαζ ῖ αδ (Frag 7)

O fogo que se encontra no centro do cosmos eacute o fogo central em torno do qual gravitam

a terra o sol a lua a contra-terra e os cinco planetas Eacute necessaacuterio destacar que Filolau

ressalta aqui o fogo como um exemplo de algo acordado harmonizado O fogo eacute esse siacutembolo

do ilimitaacutevel que eacute limitado pelo limitante neste caso o centro de uma esfera (HUFFMAN

1999 p 19)187 Mas voltemos agrave questatildeo do nuacutemero

A realidade configura-se por uma pluralidade ordenada esse eacute o sentido aqui de

λδγη θΝldquotuἶὁΝὧΝἴaὅiἵamἷὀtἷΝὀήmἷὄὁrdquoΝἷΝὧΝgὄaὦaὅΝaὁΝfatὁΝἶaΝὄἷaliἶaἶἷΝldquoὂὁὅὅuiὄΝὀήmἷὄὁrdquoΝὃuἷΝ

ele pode ser conhecida porque passiacutevel de descriccedilatildeo numeacuterica isto eacute passamos pelo

reconhecimento de um sentido propriamente ontoloacutegicocosmoloacutegico para um sentido tambeacutem

epistemoloacutegico (CORNELLI 2010 p 224) Por fim podemos concluir com Cornelli

Essas passagens do Filebo centrais para a definiccedilatildeo da dialeacutetica do limitadoilimitado revelam as raiacutezes pitagoacutericas da teoria dos princiacutepios platocircnica e ndash como tais ndash constituem um achado preacute-aristoteacutelico da filosofia pitagoacuterica Raiacutezes afirmadas e conhecidas pelo proacuteprio texto platocircnico () e que ndash como fontes para a elaboraccedilatildeo filosoacutefica platocircnica ndash satildeo reinterpretadas pela Academia que se percebe nesse sentido como continuadora e mediadora do esforccedilo dialeacutetico-metafiacutesico pitagoacuterico Todavia para aleacutem do argumento dialeacutetico-ontoloacutegico a construccedilatildeo da dialeacutetica no Filebo eacute fruto da concepccedilatildeo filosoacutefica platocircnica (2010 p 215)

Depois de ter analisado detalhadamente tais influecircncias pitagoacutericas e o paralelismo

estabelecido entre elas e nosso diaacutelogo podemos agora novamente retomar a exposiccedilatildeo de

Soacutecrates em 16c5-17a5 Vimos que eacute a partir dessa tradiccedilatildeo de origem divina que Soacutecrates

pretende expor aqui a reflexatildeo acerca da dialeacutetica agora de modo diferente nesse diaacutelogo

Soacutecrates nos diz que se todas as coisas estatildeo assim ordenadas ou seja se todas as

coisas sobre as quais se pode dizer que satildeo vecircm do um e do muacuteltiplo e que elas tecircm em si

conhecer ao menos duas coisas isto eacute esta mesma pluralidade e a harmoniacutea que a manteacutem unida aἵὁὄἶaἶardquoΝ(ἑἡἤἠἓἜἜIΝἀί1ίΝὂέΝἀἀ1)έ 187 ἓὅὅaΝὧΝ tamἴὧmΝaΝhiὂὰtἷὅἷΝἶἷΝἑὁὄὀἷlliΝ (ἑfέΝἑἡἤἠἓἜἜIΝἀί1ίΝὂέΝἀἀἀ)έΝἓlἷΝaiὀἶaΝaἵὄἷὅἵἷὀtaμΝ ldquoEacuteΝpossiacutevel que exatamente essa referecircncia filolaica ao fogo como um no centro da esfera possa explicar a citaccedilatildeo prometeacutetica relativas agraves origens pitagoacutericas da teoria do limitanteilimitado no Filebo Ainda que seja possiacutevel trata-ὅἷΝaὃuiΝἶἷΝὅimὂlἷὅΝaὅὅὁὀacircὀἵiaὅΝἵὁὀἵἷituaiὅέrdquoΝἓlἷΝaiὀἶaΝfaὐΝὄἷfἷὄecircὀἵiaΝἷmΝὀὁta (n 511) ao acircmbito meacutedico-antroploacutegico que possa ser extraiacutedo do fragmento num paralelismo estabelecido entre o fogo e o calor da vida humana

133 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

mesmas um limite e uma ilimitaccedilatildeo inatos (16c-9) devemos postular sempre em casa caso

uma uacutenica ideia (ηέαθ Ϋαθ)188189 para todas as coisas e temos de encontraacute-la e iremos

encontraacute-la na proacutepria coisa (16d2) Esse momento correspondente agrave reuniatildeo ( υθαΰπΰά190)

eacute aquele que se busca a Ϋα imanente e natildeo uma multiplicidade de coisas que satildeo singulares

mas agrave cada espeacutecie e a cada gecircnero O condutor ainda diz que forccedilosamente a

encontraremos o que significa dizer que comeccedilamos a pressupor uma unidade proacutepria em

cada coisa em questatildeo do contraacuterio natildeo a procurariacuteamos Tal necessidade fica ainda mais

clara em 25A2-4 quando Soacutecrates iraacute novamente reafirmar essa reuniatildeo das diferentes

espeacutecies de ilimitado em um uacutenico gecircneὄὁμΝldquoἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝaὀtἷὄiὁὄΝafiὄmamὁὅΝὃuἷΝ

devemos reunir todas as coisas repartidas e cindidas em pedaccedilos e imprimir tanto quanto

possiacutevel o sinal de uma natureza uacutenica ndash ὅἷΝὧΝὃuἷΝtἷΝὄἷἵὁὄἶaὅrdquoΝ(εα θΝ ηπλκ γ θΝζσΰκθΝ

θΝ φαη θΝ αΝ δΫ πα αδΝ εα δΫ ξδ αδΝ υθαΰαΰσθ αμΝ ξλ θαδΝ εα τθαηδθΝ ηέαθΝ

πδ βηαέθ γαέΝ δθαΝφτ δθΝ ηΫηθβ αδ)Ν(ἀἃaἀ-4)

Sem duacutevida devemos a Dixsaut (1991)191 a distinccedilatildeo entre κυ έα κμ e Ϋα termos

muitas vezes traduzidos como sinocircnimos sendo que natildeo haveria distinccedilatildeo entre o que Platatildeo

188 ἢὄaἶἷauΝἷxὂliἵaΝὃuἷμΝldquo(έέέ)ΝlsquoὀatuὄἷὐaΝήὀiἵarsquoΝὄἷmἷtἷΝὡΝmian ideacutean Ideacutea ὂὁἶἷὄiaΝὅἷὄΝtὁmaἶὁΝὂὁὄΝlsquoiἶἷiarsquoΝmas os usos filosoacuteficos do termo dificilmente refletiriam o que aqui eacute designado por Platatildeo na ὁἵὁὄὄecircὀἵiaΝumaΝὄἷaliἶaἶἷΝήὀiἵaΝ(umaΝlsquoὀatuὄἷὐarsquoΝὀἷὅὅἷΝὅἷὀtiἶὁ)ΝὂἷὄἵἷὂtiacutevἷlΝὂἷlὁΝiὀtἷlἷἵtὁέΝἏΝaὂὄἷἷὀὅatildeὁΝdessa unidade inteligiacutevel eacute evocada por termos idecircnticos na Repuacuteblica VI 507a-c A maior parte dos inteacuterpretes natildeo hesitam em tomar ideia ὂὁὄΝlsquofὁὄmarsquoΝ(iὀtἷligiacutevἷl)ΝἷὅtimaὀἶὁΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝfaὄiaΝumΝuὅὁΝἶἷΝpalavras sinocircnimas dos termos ideacutea e eidos me parece que ideacutea designa a realidade ou natureza inteligiacutevel enquanto eicircdos designa a forma dessa realidade assim como podemos encontraacute-la nas ἵὁiὅaὅΝὅἷὀὅiacutevἷiὅΝὃuἷΝἶἷlaΝὂaὄtiἵiὂamΝ(ἵὁmὁΝἷὀἵὁὀtὄamὁὅΝaΝfὁὄmaΝἶὁΝἴἷlὁΝὀaὅΝἴἷlaὅΝἵὁiὅaὅ)rdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝ240 n 241) 189 Agradeccedilo ao Prof Rubens por ter me feito atentar agrave ocorrecircncia deste termo na passagem mas natildeo somente Tambeacutem por ter me feito reconhecer que ela se faz presente tambeacutem em outros diaacutelogos como Parmecircnides (132a 157d8) Teeteto (204a) Sofista (253d5-6) e a relevacircncia deste termo principalmente o significado que ele adquire na obra platocircnica em geral 190 Os correspondentes ao termo aparecem no Filebo nas seguintes passagens 23e5 25a3 25d6-8 que aparecem cunhado nesta sua forma origina no Fedro em 266b4 191 Explica Dixsaut (1991 p 497) que a Ϋα diz respeito ao ζσΰκμ que discorre sobre os contraacuterios indiretos Ela natildeo eacute aqui sinocircnimo da Forma nem uma imagem de natureza espiritual menos ou mais elevada do que a Forma nem sequer se trata de uma propriedade P que a forma F ndash imporia em uma determinada coisa x Ela se define por verbos pelas suas accedilotildees ela avanccedila sobre as coisas aproveita-se destas e natildeo pode ser recebida por essas coisas caso lhes seja contraacuteria ou seja se eacute um contraacuterio indireto de uma propriedade essencial deste algo As β satildeo causas de determinaccedilatildeo que elas impotildeem elas forccedilam agrave coisa possuir sua proacutepria Ϋα Algo natildeo pode receber e natildeo receber a determinaccedilatildeo simultaneamente Eacute importante que ele receba a determinaccedilatildeo poreacutem soacute pode ser determinado se sofrer o feito da determinaccedilatildeo daquilo que o determina Aleacutem do mais determinada coisa soacute se torna ordenaacutevel apenas participando isto eacute deixando-ὅἷΝ ldquoiὀfὁὄmaὄrdquoΝ ὂὁὄΝ umaΝ ὁuΝ maiὅΝFormas Logo o domiacutenio da forma sobre a coisa eacute a Ϋα A Ϋα eacute a accedilatildeo da Forma ( κμ) sobre a coisa ela surge a partir das Formas para as quais ela doa menos da sua inteligibilidade e da sua determinaccedilatildeo que elas lhes impotildeem A Ϋα testemunha a participaccedilatildeo possessora dominadora conquistadora das Formas por meio do discurso da coisa que dela(s) participa(m) As Formas se apoderam da coisa restringem-nas avanccedilam em direccedilatildeo agraves coisas As coisas da φτ δμ soacute existem

134 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoiἶἷiardquoΝldquoἔὁὄmardquoΝἷΝldquoἷὅὅecircὀἵiardquoΝmaὅΝὃuἷΝaὀaliὅaὀἶὁΝaὅΝὅuaὅΝὁἵὁὄὄecircὀἵiaὅΝὀὁὅΝ

diaacutelogos podemos notar que possuem sentidos diferentes uns dos outros Dixsaut confirma

em um outro texto a mesma interpretaccedilatildeo ao dizer assertivamente

A ideia natildeo eacute o eidos Podemos observar que todas as vezes que Platatildeo quer evitar empregar eidos falando de uma realidade natildeo corporal ele utiliza idea assim na Repuacuteblica trata-se da idea da luz e quando lhe eacute atribuiacuteda uma potecircncia suplementar da idea do Bem A luz natildeo eacute uma essecircncia e o Bem tampouco Uma por falta o outro por excesso Nesse caso idea natildeo tem seu sentido platocircnico habitual O termo eacute empregado porque natildeo eacute possiacutevel nomear propriamente eidos a coisa da qual se fala ao mesmo tempo dotando-a de uma potecircncia particular de ligaccedilatildeo luz e Bem tecircm uma mesma funccedilatildeo de jugo (zugon) eles submetem objetos agrave faculdade capaz de os apreender (visatildeo tratando-se da luz intelecccedilatildeo tratando-se do Bem) (2017 p 61-62)

ἜὁgὁΝtἷὀἶὁΝalἵaὀὦaἶὁΝἷὅὅaΝldquoὀatuὄἷὐaΝήὀiἵardquoΝἷὅὅaΝ Ϋα eacute necessaacuterio entatildeo dividi-la

Trata-se de reconhecer o nuacutemero de intermediaacuterios entre essa unidade inicial e o ilimitado Eacute

isso que distingue ( δαε ξυλδ αδ) o dialeacutetico ( δαζ ε δε μ) do eriacutestico ( λδ δε μ) (17a4) Para

ὁΝἶialὧtiἵὁΝἷὅὅἷὅΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquo que os saacutebios atuais deixam escapar ( ηΫ α α κ μ

εφ τΰ δ) devem ser respeitados O mesmo se diz do um e do muacuteltiplo e do abuso que os

jovens fazem dele192 (15d-16a) quando abusam dessa proacutepria estrutura que eacute a linguagem

em si espantados com o poder dos ζσΰκδέΝἡὅΝldquoὅὠἴiὁὅΝἶὁΝὂὄἷὅἷὀtἷrdquoΝvatildeὁΝὁὄaΝmaiὅΝlἷὀtὁΝὁὄaΝ

mais rapidamente imediatamente do um ao ilimitado (η θ π δλα γτμ) (17a2-3)

Se vatildeo mais lentamente levantam um grande nuacutemero de espeacutecies de tal modo que sequer

conseguem impor essa marca uacutenica se vatildeo mais raacutepido nunca conseguem enumerar um

nuacutemero suficiente sempre se equivocando O proacuteprio Soacutecrates diz em 16d6-ἷἁμΝldquo(έέέ)ΝmaὅΝὀatildeὁΝ

devemos aplicar a forma do ilimitado agrave pluralidade antes de percebermos o nuacutemero total da

devido agrave participaccedilatildeo e a Ϋα natildeo eacute indeterminaccedilatildeo mas eacute esse iacutendice de sobredeterminaccedilatildeo ἷὅὅἷὀἵialΝ ἶἷΝ algὁΝ ὂἷlaΝ ἔὁὄmaέΝ ἠὁὅΝ ἶiὐἷὄἷὅΝ ἶἷΝ ἒixὅautΝ (1λλ1)Ν ldquoaΝ ὂaὄtiἵiὂaὦatildeὁΝ aΝ ἵauὅaliἶaἶἷΝ ἶaὅΝFormas permite dizer natildeo apenas de Formas ou de propriedades contraacuterias mas de coisas que ἵὁὀtὄὠὄiaὅΝἷΝἷxἵluἶἷὀtἷὅrdquoΝ(ὂέΝἂλἆ)έΝἏΝimὂὁὅiὦatildeὁΝἶἷΝumaΝfὁὄmaΝiὀtἷὄὄὁmὂἷΝaΝmuἶaὀὦaΝὁΝdevir impede ὃuἷΝalgὁΝἶἷixἷΝἶἷΝὅἷὄΝἷlaΝimὂἷἶἷΝaΝἵὁὀtiὀuaὦatildeὁΝἶὁΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝἶἷΝmuἶaὀὦaΝiὀἶἷfiὀiἶaμΝldquoaΝligaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝa Forma e a coisa eacute mais estreita no caso das Formas e das que possuem um contraacuterio indireto A idea nem a Forma nem a coisa eacute a instacircncia de ligaccedilatildeo sua presenccedila na coisa manifesta a conformidade das coisas ao seu eicircdos ὃuἷΝἶὁaΝὡΝἵὁiὅaΝὅuaΝἵὁὀfὁὄmaὦatildeὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝ1λλ1ΝὂέΝἂλἆ)έΝἏΝ Ϋα torna manifesta a accedilatildeo da causalidade da Forma ela (a Ϋα) torna possiacutevel compreender que tipo de efeito pode produzir uma causa dessa espeacutecie o efeito eacute que a coisa restrita agrave aquisiccedilatildeo da sua ideacutea natildeo eacute mais um processo ela eacute conformada pela Forma ela eacute obra do κμ que se torna traduziacutevel e diziacutevel (DIXSAUT 19991 p 479-500) Para uma anaacutelise ainda mais detalhada cf NUNES SOBRINHO (2007 p 89-117) 192 Cf Euthd 272a-b 275ess Phdr 261c6 Nas passagens citadas podemos notar a mesma descriccedilatildeo dos jovens que se deixam levar pela eriacutestica e pelos poderes dos discursos que visam contradizer os interlocutores (adversaacuterios) por meio da antiloacutegica ao simularem a discussatildeo dialeacutetica (filosoacutefica)

135 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

pluralidade que existe entre o ilimitado e o um e soacute entatildeo podemos nos despedir dessas

ἵὁiὅaὅΝἷΝaἴaὀἶὁὀaὄΝἵaἶaΝumaΝἶἷlaὅΝὀὁΝilimitaἶὁrdquoέΝἑὁmὁΝἷxὂliἵaΝἒixὅautΝ(ἀίί1)

Ir imediatamente da unidade ao ilimitado significa com efeito que a unidade possui segundo eles [os saacutebios atuais] por conteuacutedo unicamente uma pluralidade indeterminada de indiviacuteduos assim eles ignoram as diferentes espeacutecies entre as quais esses indiviacuteduos poderiam se distribuir Assim a ideia natildeo tem apenas por conteuacutedo uma multiplicidade sensiacutevel mas primeiramente uma multiplicidade inteligiacutevel (p 301)

Ateacute aqui tudo nos parece distanciar da hipoacutetese de que Platatildeo utilizaria da vida boa

ὂaὄaΝἷxiἴiὄΝὅuaΝldquoὀὁvaΝtἷὄmiὀὁlὁgiardquoΝὂὁiὅΝὁὅΝprocedimentos adotados em relaccedilatildeo agrave dialeacutetica

ὅatildeὁΝaὃuἷlἷὅΝἶitὁὅΝldquohaἴituaiὅrdquoέΝἒitὁΝἶἷΝὁutὄὁΝmὁἶὁΝmaiὅΝumaΝvἷὐΝὅἷΝatἷὅtaΝaΝὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝἶἷΝ

buscar essa ideia uacutenica (ηέαθ Ϋαθ) a fim de poder dividir essa unidade postulada em tantas

unidades que seja necessaacuteὄiὁέΝἏΝfimΝἶἷΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝumaΝἶiὅἵuὅὅatildeὁΝἶialὧtiἵaΝἷmΝtὁὄὀὁΝἶaΝldquoἴὁaΝ

viἶardquoΝὧΝimὂὄἷὅἵiὀἶiacutevἷlΝaὀaliὅaὄΝὁὅΝἵaὀἶiἶatὁὅΝaΝὅἷὄἷmΝἷὅἵὁlhiἶὁὅΝὂaὄaΝἵὁmὂὁὄἷmΝἷὅtaΝviἶaΝ

a saber prazer e conhecimento Eacute imprescindiacutevel saber em primeiro lugar como cada um

destes eacute um e muacuteltiplo Mais uma alusatildeo agrave potecircncia dialeacutetica se pode notar aqui satildeo nos

dadas maiores informaccedilotildees acerca dela ela deve postular um nuacutemero de intermediaacuterios

sendo cautelosa ao dividir sem passar imediatamente do um ao muacuteltiplo assim como fazem

os praticantes da eriacutestica193

Protarco natildeo entende bem aquilo que Soacutecrates estaacute querendo dizer (17a6-8)

Soacutecrates recorre ao exemplo das letras do alfabeto e agrave φπθ (voz) pois a φπθ eacute π δλκμ

(Cf 17b3-ἂΝ1ἆἴἄ)μΝldquoaΝvὁὐΝἶἷΝtὁἶὁὅΝἷΝἶἷΝἵaἶaΝumΝἶἷΝὀὰὅΝὃuἷΝὅaiΝὂἷlaΝὀὁὅὅaΝἴὁἵaΝὧΝuma mas

ὧΝtamἴὧmΝumaΝὂluὄaliἶaἶἷΝilimitaἶardquoΝ(φπθ η θΝ ηῖθΝ έΝπκυΝηέαΝ δ κ σηα κμΝ κ αΝεα

π δλκμΝα πζάγ δΝπΪθ πθΝ Νεα εΪ κυ)Ν(1ἅἴἁ-4) Soacutecrates iraacute dizer entatildeo que natildeo nos

tornamos letrados por conhecer esse ilimitado nem o um das letras e dos sons mas porque

sabemos quantos satildeo e de que tipo satildeo esses sons Eacute isso que nos torna competente no

ἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἶaὅΝlἷtὄaὅΝ(ldquoεα κ θΝ Ϋλ ΰ Ν κτ πθΝ ηΫθΝππΝ κφκέΝκ Ν δΝ π δλκθΝ

α μΝ η θΝκ γ᾽ δΝ θμΝ ζζ᾽ δΝπσ αΝ ᾽ εα πκῖαΝ κ σΝ δΝ ΰλαηηα δε θΝ εα κθΝ

πκδκ θΝ η θrdquo)Ν(1ἅἴἄ-9) Gallop (1963) eacute quem melhor nos explica a passagem

Isso no entanto deve ser lido com o devido respeito ao contexto As letras fornecem um modelo natildeo como parece para entender a relaccedilatildeo entre palavras e frases e seus significados mas para discutir a classificaccedilatildeo Platatildeo

193 Eacute possiacutevel ir mais adiante em 56e2-3 Soacutecrates ao fazer uma distinccedilatildeo entre a aritmeacutetica vulgar e a aritmeacutetica filosoacutefica Aquela adiciona mocircnadas desiguais como dois exeacutercitos ou dois bois Enquanto esta (a aritmeacutetica filosoacutefica) se recusa operar desta maneira caso natildeo se postule uma diferenccedila entre as incontaacuteveis as mὲὀaἶaὅΝὃuἷΝὀἷὀhumaΝἶἷlaὅΝὅἷΝἶifἷὄἷΝumaΝἶaΝὁutὄaμΝldquoaΝaὄitmὧtiἵaΝfilὁὅὰfiἵaΝὅuὂὄimἷΝaὅΝἶifἷὄἷὀὦaὅΝὅἷὀὅiacutevἷiὅΝmaὅΝaΝἶialὧtiἵaΝἶἷvἷΝὂὁὅtulaὄΝaὅΝἶifἷὄἷὀὦaὅΝ iὀtἷligiacutevἷiὅΝἷὀtὄἷΝaὅΝ mὲὀaἶaὅrdquoΝ(DIXSAUT 2001 p 294-295)

136 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

usa a classificaccedilatildeo de sons sobre os quais um alfabeto se baseia para ilustrar o meacutetodo de divisatildeo em antecipaccedilatildeo ao seu proacuteprio procedimento mais tarde no diaacutelogo (p 368)

Poderiacuteamos assim perguntar como Filebo postula o primeiro princiacutepio de relevacircncia

ldquo(έέέ)ΝmaὅΝὁΝὃuἷΝiὅὅὁΝagὁὄaΝtἷmΝaΝvἷὄΝἵὁmΝὁΝὀὁὅὅὁΝtἷmaΝἷΝὁὀἶe ele [Soacutecrates] estaacute querendo

ἵhἷgaὄΝἵὁmΝiὅὅὁςrdquoΝ(1ἆa1-2) Eacute aiacute que Soacutecrates torna mais evidente o que haacute por traacutes de seus

exemplos gramaacutetica e muacutesica194 utilizados anteriormente (17b11-e6)

No caso de algueacutem que jaacute aprendeu uma unidade qualquer ( θ) o que digo eacute que ele natildeo deve olhar imediatamente para a natureza do ilimitado (κ εΝ π᾽

π έλκυΝ φτ δθΝ ῖ ίζΫπ δθΝ γ μ) mas sim para um nuacutemero determinado ( ζζ᾽ πέΝ δθαΝ λδγησθ) assim tambeacutem como no caso contraacuterio (κ πΝεα θαθ έκθ) quando algueacutem eacute forccedilado a aprender em primeiro lugar o ilimitado

( αθΝ δμΝ π δλκθ) natildeo deve olhar imediatamente para o um ( θαΰεα γ πλ κθΝζαηίΪθ δθΝη π θΝ γτμ) mas deve discernir novamente um nuacutemero que constitui qualquer pluralidade determinada ( ζζ᾽ π᾽ λδγη θΝα δθαΝπζ γκμΝ εα κθΝ ξκθ ΪΝ δΝεα αθκ ῖθ) e a partir de todos eles finalmente

olhar o um (18a6-b4)

Soacutecrates decide entatildeo voltar ao exemplo das letras citando Teuth (como fez no Fedro

274c-275b) o deus ou homem divino egiacutepcio inventor da escrita que aqui no caso relatado

pelo Filebo teria discernido o som da voz como ilimitado ( π δ φπθ θΝ π δλκθ)Ν(1ἆἴἄ-7)

Primeiramente ele teria distinguido as vogais195 neste ilimitado ( μΝπλ κμΝ φπθά θ αΝ θΝ

π έλ )Ν ὀatildeὁΝ ἵὁmὁΝ umaΝ maὅΝ ἵὁmὁΝ muitaὅΝ (εα θσβ θΝ κ ξΝ θΝ θ αΝ ζζ πζ έπ)Ν ἵὁmὁΝ

tambeacutem teria verificado a existecircncia de outras emissotildees que natildeo satildeo propriamente sons

vocais mas certa espeacutecie de ruiacutedo ( λαΝ φπθ μΝ η θΝ κ Ν φγσΰΰκυΝ η Ϋξκθ ΪΝ δθκμ)Ν

existindo tambeacutem em nuacutemero determinado ( λδγη θ Ϋ δθα εα κτ πθ θαδ) Depois foi feita

tambeacutem uma distinccedilatildeo de uma terceira espeacutecie de letras em seguida as dividiu em sem-

ruiacutedo e as mudas ateacute a unidade de cada uma e dividiu as vogais e as intermediaacuterias do

mesmo modo ateacute que se obtivesse o nuacutemero delas e a cada uma delas deu o nome de letra

( λέ κθΝ κμΝΰλαηηΪ πθΝ δ ά α κΝ θ θΝζ ΰση θαΝ φπθαΝ ηῖθμΝ η κ κΝ δ λ δΝ ΪΝ

Ν φγκΰΰαΝ εα φπθαΝ ηΫξλδΝ θ μΝ εΪ κυΝ εα φπθά θ αΝ εα ηΫ αΝ εα θΝ α θΝ

λσπκθΝ πμΝ λδγη θΝα θΝζαί θΝ θέΝ Ν εΪ εα τηπα δΝ κδξ ῖκθΝ ππθσηα )Ν(1ἆἴἆ-

c6) O inventor divino sabendo que natildeo aprenderiacuteamos qualquer letra apenas por ela mesma

isolada de todas as demais estabeleceu esse elo ( η θ) que liga todas as letras e faz delas

194 Sobre este uacuteltimo falo mais adiante 195 Eacute necessaacuterio lembrar que como nos diz Muniz (2012) os Gregos antigos classificavam as letras segundo a quantidade de sopro empregada na emissatildeo das mesmas as que possuem um emprego de sopro maior satildeo as vogais (as que soam) (p 214 n 21)

137 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

uma unidade proclamando um soacute conhecimento para elas ao atribuir-lhes o nome de

gramaacutetica (ΰλαηηα δε θΝ Ϋξθβθ)196

O mesmo se daacute com o exemplo da muacutesica197 ( ηκυ δε θ) que aparece logo em

seguida da primeira apresentaccedilatildeo da gramaacutetica em 17b11-1ἀμΝldquoἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝἷὅὅaΝtὧἵὀiἵaΝ

o som de algum modo eacute tambeacutem em si mesmo um (φπθ ηΫθΝπκυΝεα εα ᾽ ε έθβθΝ θΝ

ΫξθβθΝ ηέαΝ θΝα ) (17c1-2) Soacutecrates entatildeo identifica trecircs sons o grave (ίαλτ) o agudo

( ιτ) e o meacutedio ( ησ κθκθ198) (17c4-5) Mas ao mesmo tempo admite que de ningueacutem eacute dito

ser competente ( κφ μ) em muacutesica ( θ ηκυ δε θ) por saber disso mas caso natildeo soubesse

natildeo teria meacuterito algum no assunto (17c7-9) Ele explica em uma longa digressatildeo

Soc Mas meu caro quando apreenderes qual eacute o nuacutemero ( θ λδγη θ) de intervalos ( π α δα ηα α) do som tanto do agudo ( ιτ β σμ) quanto do grave (ίαλτ β κμ) de que tipo satildeo e tambeacutem os limites dos intervalos ( δα βηΪ πθ) e quantos satildeo os sistemas ( α υ άηα α) que resultam deles ndash que nossos predecessores (κ πλσ γ θ) observando-os os transmitiram a noacutes seus seguidores nomeando-ὁὅΝἶἷΝldquoἷὅἵalaὅrdquo ( ληκθέαμ) ndash e quais afecccedilotildees ocorrem nos movimentos dos corpos que segundo dizem devem ser medidas por nuacutemeros ( λδγη θ η λβγΫθ α) e chamadas de ritmos ( υγηκ μ) e metros (ηΫ λα) e ao mesmo tempo que eacute preciso compreender que eacute desse modo que as investigaccedilotildees ( εκπ ῖθ) sobre tudo que eacute um e muacuteltiplo devem ser feitas Quando apreenderes essas coisas desse modo ter-te-aacutes tornado saacutebio( κφσμ) e quando qualquer unidade que

196 Rudebusch (ἀίίἅ)ΝaΝmἷuΝvἷὄΝὧΝὃuἷmΝmἷlhὁὄΝἷxὂliἵaΝaΝὂaὅὅagἷmμΝldquoaΝvὁὐΝvἷmΝaΝὅἷὄΝum ou entre ὄuiacuteἶὁὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝἷΝmutuamἷὀtἷΝἵὁὀtὄὠὄiὁὅέΝἡὅΝὄuiacuteἶὁὅΝὅatildeὁΝiὀἶἷfiὀiἶὁὅΝὀὁΝtἷmὂὁΝἵuὄtὁὅΝὁuΝlὁὀgὁὅμΝlsquoaὁirsquoΝlsquoaaaὁὁὁuuuiiirsquoέΝἥatildeὁΝtamἴὧmΝiὀἶἷfiὀiἶamἷὀtἷΝmἷὀὁὅΝὁuΝmaiὅΝὠὅὂἷὄὁὅμΝlsquoaaahhhhἵhἵhἵhrsquoέΝἓΝὅatildeὁΝfἷitὁὅΝὂὁὄΝvaὄiaὦὴἷὅΝiὀἶἷfiὀiἶaὅΝἶaΝliacuteὀguaΝἷΝlὠἴiὁὅμΝlsquoἴlὄὄmὀἶὐὐὂtrsquoέΝἔiἵaΝἵlaὄὁΝὃuἷΝὃuaὀἶὁΝaὂὄἷὀἶἷmὁὅΝaΝfalaὄΝaprendemos a combinaccedilatildeo correta dos limites destes ruiacutedos As vogais gregas tecircm qualidade limitada ndash por exemplo ao contraacuterio de υ ou δ ndash e tecircm quantidade limitada Vogais longas satildeo duas vezes mais longas que vogais breves por exemplo π e κ β e As consoantes gregas satildeo limitadas a formas definidas (labiais dentais e velares) como ou sem uma forma definida de aspiraccedilatildeo e de som de nasalidade etc O conhecimento da gramaacutetica eacute o conhecimento das combinaccedilotildees corretas para dar ὀaὅἵimἷὀtὁΝἷὀtὄἷΝὁὅΝmuitὁὅΝ ὄuiacuteἶὁὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝὀὁΝ muὀἶὁΝὡὅΝὂalavὄaὅrdquoΝ (ὂέΝἂἂ)έΝἥὁἴὄἷΝ iὅtὁΝἵfέΝἕallὁὂΝ(1963 p 364-376) e Menn (1998 p 291-305) 197 Pradeau (2002) retoma uma questatildeo tambeacutem fundamental agrave nossa argumentaccedilatildeo posterior em tὁὄὀὁΝἶaΝὂaὅὅagἷmμΝldquoaΝmousikeacute gὄἷgaΝὧΝἷὀtἷὀἶiἶaΝὀumΝὅἷὀtiἶὁΝmaiὅΝamὂlὁΝὃuἷΝὀὁὅὅaΝldquomήὅiἵardquoνΝἷlaΝenvolve tanto a danccedila como o canto e a praacuteticas do discurso Ela reuacutene de fato o conjunto das praacuteticas artiacutesticas musicais e literaacuterias que relacionamos agraves Musas eacute a razatildeo pela qual os exemplos do canto ἵὁmὁΝἶaΝmὧtὄiἵaΝἷΝἶὁὅΝtὁὀὅΝtἷὄiamΝὅiἶὁΝaὃuiΝiὀἵluiacuteἶὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἂἁΝὀέΝἀἆ)έ 198 ἑὁὀἵὁὄἶὁΝἵὁmΝεὁutὅὁὂὁulὁὅΝ(ἀίίἀ)ΝὃuaὀἶὁΝἶiὐμΝldquoἢlatatildeὁΝfalaΝἶὁΝlimite e do ilimitado assim como da mistura entre ambos inspirando-se na muacutesica O percurso de seu pensamento se orienta de tal modo a referir-se simultaneamente a dois planos distintos vale dizer ao plano metafiacutesico do qual ele fala e ao concreto plano musical do qual tratada sua argumentaccedilatildeo natildeo se pode sustentar a definiccedilatildeo do limite assim como se encontra formulada no Filebo responda a uma concessatildeo unicamente musical A dificuldade imposta ao termo ησ κθκθΝtὄaἶuὐiἶὁΝἵὁmὁΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁrdquoΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝὅuὂἷὄaἶaΝtἷὀἶὁΝἵὁmΝconta a duacuteplice valecircncia do pensamento platocircnico Este termo que indica o uniacutessono eacute de fato muito feliz porque aiacute se tem presente a linguagem metafoacuterica de Platatildeo com efeito este termo designa perfeitamente o ponto no qual a mistura dos contraacuterios alἵaὀὦaΝὅuaΝὂἷὄfἷiὦatildeὁrdquoΝ(ὂέΝἆί)έ

138 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

seja apreenderes investigando assim sobre isso ter-te-aacutes tornado bem informado Entretanto a pluralidade ilimitada de coisas e a pluralidade em cada coisa soacute podem fazer de ti a cada caso uma pessoa inexperiente no pensar ( ᾽ π δλσθ εΪ πθ εα θ εΪ κδμ πζ γκμ π δλκθ εΪ κ πκδ ῖ κ φλκθ ῖθ) e que ningueacutem leva em conta nem daacute conta de nada jaacute que jamais teraacutes voltado teu olhar para qualquer nuacutemero de qualquer coisa ( ᾽ κ ε μ λδγη θ κ Ϋθα θ κ θ πυπκ πδ σθ α) (17c11-e6)

Eacute impossiacutevel ao analisar essa passagem natildeo levar em conta a heranccedila pitagoacuterica do

quinto seacuteculo que Platatildeo visa ressignificar sobre a qual nos detemos longamente nesta seccedilatildeo

mais acima A estrutura musical com seus sons (φπθ μ) o conhecimento dos intervalos ( θ

δα βηΪ πθ) dos limites desses intervalos ( κ μ πκυμ)199 as correlaccedilotildees (consonacircncias)200

199 εὁutὅὁὂὁulὁὅΝἷxὂliἵaμΝldquoἦἷὀἶὁΝἵὁὀὅtataἶὁΝὃuἷΝaΝvὁὐΝἷΝὁὅΝὅὁὀὅΝmuὅiἵaiὅΝaὂὄἷὅἷὀtamΝamἴὁὅΝὃuἷΝsatildeo ao mesmo tempo idecircnticos e diferentes uno e muacuteltiplo Platatildeo passa ao estudo dos intervalos musicais fundados sobre a relaccedilatildeo numeacuterica dos sons Ὅλκμ indica um dos termos da relaccedilatildeo numeacuterica que exprime um intervalo A expressatildeo Ϊλδγηκ πλ μ λδγη θ utilizada tambeacutem no Timeu (36b) se refere agrave explicaccedilatildeo dos fenocircmenos musicais obtidos por meio dos nuacutemeros que tecircm um valor absoluto e bem definido Os autores musicais descrevem os meacutetodos de precisatildeo usados para definir esta relaccedilatildeo divisatildeo do comprimento dos tubos sonoros suspensatildeo de pesos nas extremidades da corda vibrante enchimento de vasos nos quais o peso a capacidade e o comprimento servem como medida e conferem aos sons medidos o valor de paracircmetro As relaccedilotildees de quarta e de quinta como aquelas deduzidas dos dois procedimentos e que representa o tom enfim a relaccedilatildeo 243256 que exprime o intervalo chamado lemma resultante da subtraccedilatildeo de dois tons da quartam encontram-se na base da linguagem que Platatildeo utiliza no Filebo sob o propoacutesito de determinar a concepccedilatildeo pitagoacuterica dos intervalos musicais que aleacutem disso coincide com a sua Da combinaccedilatildeo desses intervalos se obteacutem os sistemas tradicionalmente chamados harmonias reconhecidas natildeo aὄἴitὄaὄiamἷὀtἷΝmaὅΝaΝluὐΝἶἷΝumΝἷxamἷΝmatἷmὠtiἵὁrdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝἆί)έΝ 200 Wersinger (1999) em um importante estudo retoma o termo υηφκθέα que designa a consonacircncia ou seja o acordo (matemaacutetico) elaborado entre dois sons que satildeo chamados sinfocircnicos e que satildeo fixados por uma relaccedilatildeo matemaacutetica um ζσΰκμ de acordo com a teoacuterica Os pilares inamoviacuteveis da harmonia satildeo esses sons fixados por um acordo elaborado matematicamente A consonacircncia concerne agraves relaccedilotildees da oitava ( δαπα υθΝἀμ1)ΝἶaΝὃuiὀtaΝ(ὁuΝ ηδσζδκμΝἁμἀ)ΝἷΝἶaΝὃuaὄtaΝ( πέ λδ κμΝἂμἁ)έΝἠὁΝFilebo (25ae1-2) Soacutecrates explica que a consonacircncia suspende as diferenccedilas o conflito de contraacuterios ao colocar o nuacutemero em termo de igualdade de dobro e de quantida em geral Como noz diz Wersinger a consonacircncia eacute vizinha ou mesmo sinocircnima da comensurabilidade no diaacutelogo expressa pelo termo

υηη λέα isto eacute como aquilo que potildee fim agrave contrariedade Note-se pelo exemplo do δαπα υθΝἵὁmo exemplo claro da homofonia pois a relaccedilatildeo de oitava se estabelece graccedilas agrave consonacircncia (sonoridade comum) entre a nota mais grave ( πΪ βμ)ΝaΝmaiὅΝaguἶaΝ(θ Ϊ βμ)Ν(R IV 443d) Este tipo de relaccedilatildeo (homofonia) se encontra em um domiacutenio preciso da comensurabilidade tal como a mistura de qualidades psiacutequicas (quente e frio) como o das misturas de vinho e aacutegua nos ritos simpoacutesicos eacute desse tipo que as relaccedilotildees de consonacircncia satildeo feitas de maneira mais nuanccedilada entre agudo e grave como o vinho eacute misturado com a aacutegua de maneira gradual de tal modo que natildeo corrompa por completo a mistura Logo Wersinger solicita a atenccedilatildeo para a distinccedilatildeo entre uma assimilaccedilatildeo raacutepida entre consonacircncia e proporccedilatildeo A consonacircncia eacute uma relaccedilatildeo matemaacutetica na qual um nuacutemero se encontra em relaccedilatildeo com um outro nuacutemero expressatildeo que aparece no Filebo (25b) proacuteximo agrave justa medida (ηΫ λκθ πλσμ ηΫ λκθ) ela eacute entatildeo um ζσΰκμ de dois nuacutemeros Em um contexto poliacutetico-moral assim como os sons os elementos da alma satildeo postos em relaccedilatildeo de forma a produzirem uma mesma opiniatildeo ou uma mesma atitude a consonacircncia eacute acordo ( ηκζκΰέα) (cf Smp 187b4) A consonacircncia como visto na Repuacuteblica (IV 442d2) produz a amizade e a temperanccedila ( πφλκ τθβ) e que deve sua existecircncia agrave opiniatildeo comum ( ηκ κιέα 442d2) que permite que a irascibilidade e o desejo submetam-

139 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

existentes entre eles isto eacute o nuacutemero ( θ λδγη θ) que encontra-se por traacutes das diferentes

escalas ( ληηκθέαμ) 201Ν ὁuΝ ldquomὁἶὁὅrdquoΝ ἵὁmὁΝ ὃuiὅἷὄἷm202 O nuacutemero permite a identificaccedilatildeo

destes intervalos203 uma espeacutecie de medida racional por intermeacutedio do nuacutemero torna capaz

identificar esses acordos entre limitantes e ilimitados diferentemente de uma mediccedilatildeo

empiacuterica baseada na conjectura como faziam os deslumbrados com a muacutesica contudo

se agrave razatildeo do mesmo modo que dois sons se acordem mutuamente em uma consonacircncia Logo homofonia e homodoxia encontram-se em estrita relaccedilatildeo (p 63-64) 201 Conforme nos diz Wersinger (1999) eacute necessaacuterio compreender a polissemia do termo ληκθέα jaacute que este termo pode ser confundido com a consonacircncia tendo em vista que se diz tambeacutem que a oitava eacute harmocircnica Na Repuacuteblica (443d6c3) lembremo-nos que o homem justo eacute aquele que possui sua alma harmonizada ou seja aquela alma cuja tripla especificidade (irascibilidade desejo e razatildeo) encontram-se direcionados agrave parte melhor analogamente agrave muacutesica que constroacutei suas escalas ou seus ldquomὁἶὁὅrdquoΝaΝὂaὄtiὄΝἶaὅΝtὄecircὅΝὂaὄtἷὅΝhaὄmὲὀiἵaὅΝ( πΪ βμΝθ Ϊ βμΝηΫ βμ)έΝἦὁἶὁὅΝἷὅὅἷὅΝmήltiὂlὁὅΝἷlἷmἷὀtὁὅΝse unem e se tornam um temperando-se (diferentemente de muacutesica temperada o que Platatildeo reprova como se pode notar R VII 530e-531a) e alcanccedilando plena harmonia A harmonia diferentemente da consonacircncia se estabelece a partir de uma relaccedilatildeo natildeo entre um elemento e outro mas de dois a dois elementos em uma cadeia de proporccedilatildeo isto eacute uma igualdade de relaccedilotildees As consonacircncias recebem um fundamento matemaacutetico que torna possiacutevel a relaccedilatildeo de umas com as outras a fim de formarem uma progressatildeo musical como jaacute dito para formarem as escalas de quinta (entre a nota mais aguda e a meacutedia) a de quarta (entre a mais grave e a meacutedia) Harmonizar neste sentido significa colocar em relaccedilotildees as proacuteprias relaccedilotildees identificar as razotildees comuns estabelecer uma progressatildeo musical ldquomaiὁὄΝἶὁmΝἶaὅΝεuὅaὅrdquoΝἶἷΝaἵὁὄἶὁΝἵὁmΝEpinomis (991a5-b5) (p 64) Ainda nos dizeres de Wersinger ldquoaΝhaὄmὁὀia eacute sobretudo analogia ( θαζκΰέα) Ela eacute um meio de criar a unidade Ela depende no Filebo ἶaΝaὦatildeὁΝὄἷἵὁὀἵiliaἶὁὄaΝἶὁΝldquogecircὀἷὄὁrdquoΝἶὁΝlimitἷΝ(πΫλαμ)rdquoΝ(1λλλΝὂέΝἄἂ-65) 202 Platatildeo faz referecircncia aos modos (harmonias) permitidos no acircmbito da cidade ideal note-se aiacute uma correspondecircncia entre os nomes origem eacutetnica (liacutedio doacuterio friacutegio jocircnio etc) e as harmonias musicais dos gecircneros (cromaacutetico enarmocircmico e diatocircnico) ou seja uma correspondecircncia eacutetica e mimofocircnica (R III 398e-399a) 203 Algo mais eacute necessaacuterio ressaltar sobre os intervalos Afirmada a polissemia da noccedilatildeo de harmonia ela tambeacutem diz respeito aos sons e notas que natildeo satildeo sinfocircnicos ou seja esses sons variaacuteveis moacuteveis que se encontram acordados definitivamente nas trecircs consonacircncias Platatildeo na Repuacuteblica (IV 443d6-e3) teria feito alusatildeo a estes sons intermediaacuterios por meio termo η αιτ O estudo dos intermediaacuterios eacute a parte mais importante da muacutesica aquela que trata das reparticcedilotildees dos intervalos no tetracorde ou seja aquela que porta o nome da harmonia dos Gecircneros O tetracorde eacute uma das partes disjuntas do heptacorde ou do octacorde que coincide com a oitava O tetracorde eacute composta de quatro notas em escala descendente da nota meacutedia ateacute a nota mais grave Reunir o tetracorde eacute dar um estatuto aos intermediaacuterios entre as consonacircncias esta tarefa compete unicamente a verdadeiro muacutesico matemaacutetico ὅὅaΝὁὂἷὄaὦatildeὁΝὄἷὂὁuὅaΝὅὁἴὄἷΝaΝiὀtἷὄὂὄἷtaὦatildeὁΝἶaΝζδξαθσμΝ(ὂὁὅiὦatildeὁΝἶὁΝἶἷἶὁΝiὀἶiἵaἶὁὄΝὃuἷΝtὁἵaΝ aΝ ὂὄimἷiὄaΝ ὀὁtaΝ ἶὁΝ tἷtὄaἵὁὄἶἷ)Ν ἷΝ ἶaΝ παλυπΪ βΝ (ὀὁtaΝ maiὅΝ gὄavἷήΝ ὂὄimἷiὄa)Ν ἶiὅὂὁὅtaΝ ἷmΝ tὄecircὅΝmodelos harmocircnicos diatocircnico enarmocircnico e cromaacutetico No Timeu (36a1-b5) o gecircnero escolhido eacute o diatocircnico no qual os dois intervalos superiores eram tons inteiros e o inferior um meio tom Nos diz WἷὄὅiὀgἷὄΝ (1λλλ)Ν ὃuἷΝ ldquoὀaΝ ἷlaἴὁὄaὦatildeὁΝ ἶὁὅΝ gecircὀἷὄὁὅΝ aΝ matἷmὠtiἵaΝ ἶἷὅἷmὂἷὀhaΝ tamἴὧmΝ umΝ ὂaὂἷlΝfundamental E eacute nesssa acepccedilatildeo matemaacutetica da muacutesica que noacutes devemos interpretar as passagem dos Diaacutelogos nos quais a temperanccedila eacute descrita em termos de tensatildeo e suavidade () o gecircnero diatocircnico que preside no Timeu a constituiccedilatildeo da estrutura da alma (cinco oitavas e uma quinta e um tom) pode ser considerada como uma matemaacutetica da temperanccedila () Platatildeo aqui chega a se divertir com as matemaacuteticas parece admitir portanto na maioria das vezes que a vida moral assim como a muacutesica se ajusta matematicamente A musa filosoacutefica eacute medida o que significa que ela pratica o gecircnero da harmonia diatocircnica e as matemaacuteticas da πφλκ τθβrdquoΝ(ὂέΝἄἅ-68)

140 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

inexperientes recorrendo ao monocoacuterdio204 Eacute imprescindiacutevel identificar tambeacutem os sistemas

( υ άηα α) de intervalos e as combinaccedilotildees ( α) provenientes de tais sistemas ndash lembremos

aqui de Aristoxeno e sua teoria musical segundo a qual esses intervalos compunham

determinada harmonia205 As afecccedilotildees que ocorrem nos corpos por meio dos ritmos ( υγηκ μ)

e metros (ηΫ λα)206 e que devem ser medidas pela utilizaccedilatildeo de um determinado nuacutemero

ἐaὅtaΝlἷmἴὄaὄmὁὅΝἶaΝfamὁὅaΝldquoἵὁmaΝὂitagὰὄiἵardquo207 das vaacuterias referecircncias agrave muacutesica presente

no Timeu agrave escala diatocircnica208 a harmonia universal a muacutesica suas relaccedilotildees com a geometria

e a aritmeacutetica aleacutem da gama tonal (a oitava) da qual encontramos referecircncia tambeacutem em

204 Rizek (1998) em artigo que busca resumir a teoria da harmonia platocircnica nos fala sobre esse processo ainda simploacuterio da afinaccedilatildeo por meio do monocoacuterdio que os inexperientes recorriam aos quais Platatildeo criacutetica ao propor uma ciecircncia harmocircnica seacuteria baseada em termos exclusivamente matἷmὠtiἵὁὅΝ aὅὅimΝ ἷlἷΝ ἶiὐμΝ ldquoἶaἶaΝ aΝ ὂὄὰὂὄiaΝ ὅimὂliἵiἶaἶἷΝ ἶaΝ tἷὁὄiaΝ ἶaΝ afiὀaὦatildeὁΝ ἷὅtaΝ ἵiecircὀἵiaΝ [aΝharmocircnica] em comunhatildeo com a base empiacuterica dada pelo monocoacuterdio foi a primeira dentro da Fiacutesica a tornar-se plenamente matematizada () Platatildeo daacute evidecircncias inquestionaacuteveis de ter conhecido o monocoacuterdiondash um aparato teacutecnico destinado a manter constante todos os outros fatores enquanto somente o comprimento da corda eacute variado ndash o que fica claro por exemplo na passagem onde ironicamente ele brinca com os muacutesicos que natildeo se libertam da prisatildeo sensiacutevel determinada pelo apego aΝἷὅtἷΝiὀὅtὄumἷὀtὁμΝlsquo[ἷὅὅἷὅΝmήὅiἵὁὅΝviὄtuὁὅὁὅ] agregam dificuldades agraves cordas e inclusive torturam-nas valendo-ὅἷΝἶὁΝtὁὄmἷὀtὁΝἶaὅΝἵὄavἷlhaὅrsquordquoΝ(ΝἑfέΝR 531 b1-2) (RIZEK 1998 p 259) Para mais passagens sobre isso cf R 531a1-c1) 205 Segundo Aristoxeno os sistemas musicais (ou harmonias) satildeo compostos por um ou mais intervalos Para um exame mais detalhado dos elementos musicais do peripateacutetico Aristoxeno presentes no Filebo ver Kucharsky (1959 p 41-72) 206 ἥὁἴὄἷΝiὅὅὁΝἷxὂliἵaΝεὁutὅὁὂὁulὁὅΝ(ἀίίἀ)μΝldquoἡὅΝὂὄὁἵἷἶimἷὀtὁὅΝlsquoὂlatὲὀiἵὁὅrsquoΝiὀὅὂiὄaἶὁὅΝὀaὃuἷlἷὅ dos harmonistas satildeo descritos ainda mais claramente A quantidade numeacuterica dos intervalos do som em relaccedilatildeo ao agudo e ao grave a sua natureza qualitativa os limites dos intervalos e quantos acordos surgem (acordos que os antigos reconheciam e que tranὅmitiὄamΝaΝὀὰὅΝἵὁmΝὁΝὀὁmἷΝἶἷΝldquohaὄmὁὀiardquoΝbem como outras afecccedilotildees semelhantes que estatildeo nos movimentos do corpo) dizendo que todas estas coisas medidas por meio do nuacutemero devemos chamaacute-laὅΝlsquoὄitmὁrsquoΝἷΝlsquomἷtὄὁrsquoμΝἷὅὅἷΝὧΝὁΝήὀiἵὁΝmὁἶὁΝἵὁὄὄἷtὁrdquoΝ(p 79) Dito de outro modo assim como harmonia que oscila entre agudo e grave o ritmo tambeacutem eacute em certa disposiccedilatildeo uma sequecircncia de movimentos lentos e raacutepidos Platatildeo teria dado uma nova acepccedilatildeo mais precisa agrave questatildeo tradicional Sobre isso cf Muniz (2012 p 213 n 19) Wersinger chega a afirmar que graccedilas ao ritmo e agrave harmonia que a sauacutede do corpo (indissociaacutevel com a da alma) alcance o equiliacutebrio sem a qual natildeo teriacuteamos sequer consciecircncia do prazer Logo o prazer eacute tambeacutem uma tarefa musical porque a alma eacute musical como nos diz o Timeu (36ass 86css) Tanto progressatildeo geomeacutetrica quanto progressatildeo musical compotildeem esta θαζκΰέα psiacutequica e consequentemente moral em que o que estaacute me questatildeo eacute a sauacutede e o equiliacutebrio entre corpo e alma Wersinger chega a concluir ἷΝὀὰὅΝἵὁmΝἷlaΝὃuἷμΝldquoἷxiὅtἷΝὅἷguὀἶὁΝἢlatatildeὁΝumΝὂὄaὐἷὄΝἶὁΝὅaἴἷὄΝligaἶὁΝὡΝtἷmὂἷὄaὀὦaΝἷΝὡΝὅaήἶἷΝὃuἷΝprocura o equiliacutebrio da alma e do corpo Esse prazer obedece a uma estrutura que pertence a mesma matemaacutetica que possibilita definir os dois conceitos musicais que satildeo a consonacircncia e a harmonia aὅὅimΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝἷὅtἷὅΝήltimὁὅΝἵὁὀὅtituἷmΝumaΝὂὄὁgὄἷὅὅatildeὁΝmuὅiἵalrdquoΝ(1λλλΝὂέΝἄἄ)έΝ 207 Trata-se do intervalo microtonal seja entre a ζ ῖηηα (semitom pitagoacuterico da escala diatocircnica) seja entre o πκ κηά (semitom da escala cromaacutetica) Essas divisotildees dos semitonais satildeo tambeacutem chamadas de έ δμ essas divisotildees relativas ao temperamento (afinaccedilatildeo) musical resultavam no εσηηα (531441524288) pois o semi-tom natildeo poderia ser um nuacutemero irracional por isso a divisatildeo do tom se dava por meio de duas partes desiguais (ζ ῖηηα 243256 πκ κηά ἀ1ἆἅμἀίἂἆ)ΝἷΝumaΝldquoἵὁmardquoΝ(ἑfέΝTi 31b-36b) 208 Cf Tim 36ass

141 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

Epinomis209 que no Filebo daacute lugar agrave gama dos prazeres Podemos concluir a respeito disso

seguindo as consideraccedilotildees de Moutsopoulos que

O Filebo reflete o conhecimento musical cientiacutefico de Platatildeo devido aos estudos dos pitagoacutericos que determinavam os intervalos em virtude da ldquomἷἶiἶaΝὄaἵiὁὀalΝἷfἷtuaἶaΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶὁὅΝὀήmἷὄὁὅrdquoέΝἓὅtἷΝgecircὀἷὄὁΝἶἷΝὂἷὅὃuiὅaΝconsitia em realidade no meacutetodo matemaacutetico de dois fenocircmenos musicais meacutetodo oposto agravequele empiacuterico que se baseava unicamente sobre o ouvido [veremos Soacutecrates em 56a3-8 fazer uma distinccedilatildeo entre a muacutesica que ajusta suas harmonias por meio da medida e agravequela que se utiliza de conjecturas tida como imprecisa] Platatildeo pode rejeitar esta uacuteltima natildeo poderia por sinal ignoraacute-la de tudo pela grande difusatildeo que ela tinha naquele tempo e pela importacircncia louvaacutevel da criaccedilatildeo musical que se baseava unicamente seus princiacutepios imutaacuteveis derivados unicamente do caacutelculo mental tornando-a muito mais riacutegida (2002 p 81)

O ensinamento dos primeiros pitagoacutericos encontra-se degenerado no tempo de Platatildeo

A muacutesica que anteriormente era objeto da doutrina filosoacutefica dos pitagoacutericos do quinto seacuteculo

ponto de pertencimento a essas doutrinas se tornaraacute entatildeo mais tarde uma evidente

especializaccedilatildeo de uma determinada pesquisa Ela (a muacutesica) se torna uma mateacuteria cientiacutefica

por direito proacuteprio estudada a partir de si mesma O papel da matemaacutetica no campo musical

deve ser levado em conta como algo de suma importacircncia dado que os nuacutemeros possuem o

poder de iniciaccedilatildeo agrave atividade dialeacutetica O Filebo reafirma essa afinidade entre a matemaacutetica

e a muacutesica o essencial natildeo eacute a quantidade de conhecimentos mas o modo como esse saber

eacute adquirido As diferenccedilas entre o um e o muacuteltiplo devem ser agora estudas tendo em vista

tambeacutem a multiplicidade (natildeo qualquer multiplicidade como se pode jaacute notar) Dito de outro

modo eacute essa diferenciaccedilatildeo entre o estudo de tal questatildeo (um e muacuteltiplo) que suscita tambeacutem

a distinccedilatildeo entre aqueles que adotam o meacutetodo dialeacutetico e aqueles que utilizam-se da eriacutestica

Lembrando que a exigecircncia de Soacutecrates nesse trecho em relaccedilatildeo agrave muacutesica natildeo se trata de

uma requisiccedilatildeo de um conhecimento extremo da ciecircncia harmocircnica tal como os musicistas

ou seja natildeo se trata de tornar muacutesicos os seus interlocutores mas a incentivaacute-los a

reconhecer na ciecircncia harmocircnica aqueles princiacutepios baacutesicos (consonacircncia harmonia)

propiacutecios agrave caracterizaccedilatildeo do modo como a dialeacutetica deve ser dirigir em relaccedilatildeo aos objetos

que visa investigar No caso do nosso diaacutelogo devido a uma influecircncia dos pitagoacutericos a

209 ldquoἔiὀalmἷὀtἷΝ ὀaΝ ἷὅἵalaΝ ὃuἷΝ vaiΝ ἶὁΝ ἶὁἴὄὁΝ aὁΝ tἷὄmὁΝ mὧἶiὁΝ umaΝ ἶaὅΝ mὧἶiaὅΝ ὧΝ ἷὃuiἶiὅtaὀtἷΝ ἶὁὅΝextremos jaacute que excede ao termo menor em uma quantidade igual agravequela em que eacute excedida pelo termo maior a outra excede o termo menor e eacute excedida pelo maior pela mesma fraccedilatildeo dos termos respectivos e assim se formam as razotildees de 32 e 43 que seratildeo encontradas como meacutedias dentro da gama que vai de 6 a 12 Eacute por esta progressatildeo com o duplo sentido direcional efetivado por meio destas uacuteltimas razotildees que recebemos uma daacutediva do abenccediloado coro das Musas agraves quais a humanidade deve o benefiacutecio do jogo da consonacircncia e da medida com toda a contribuiccedilatildeo ao ritmo e mἷlὁἶiardquoΝ(λλ1Νa-b)

142 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

beleza eacute essencialmente proporccedilatildeo e medida duas caracteriacutesticas traduziacuteveis na noccedilatildeo de

nuacutemero O papel ativo da beleza consiste na introduccedilatildeo do nuacutemero no indeterminado

platocircnico vago incerto a determinaccedilatildeo matemaacutetica que atua como elemento concreto

(MOUTSOPOULOS 2002 p 82)

Filebo compreende os usos desses exemplos elencados por Soacutecrates como

demonstra em 18d3 Mas ainda falta algo na visatildeo do interlocutor Soacutecrates se atenta ao

ldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶἷΝὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝaὀtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝὄἷquerido Agora eacute o proacuteprio Soacutecrates quem se atenta

aΝἷὅὅaΝἷxigecircὀἵiaμΝldquoo que estaacute faltando de novo Filbebo eacute a relaccedilatildeo disso com o nosso tema

ὀatildeὁΝὧςrdquoΝ(η θΝ Φέζβί Ν έΝπλ μΝ πκμΝα α ᾽ έθν)Ν(1ἆἶἄ)έΝEacuteΝὄἷlaὦatildeὁΝaἶmitἷΝἔilἷἴὁΝ

que este uacuteltimo e Protarco procuravam haacute muito tempo e que entatildeo Soacutecrates admite que

ela estaria bem diante deles (18e1-2)

Soc Nossa discussatildeo natildeo era desde o iniacutecio ( ι λξ μ ζσΰκμ) sobre o pensamento (φλκθά πμ) e o prazer ( κθ μ) e sobre qual dos dois deve ser escolhido ( πσ λκθ α κῖθ α λ Ϋκθ) Fil Como natildeo Soc Ora afirmamos tambeacutem que cada um deles eacute um Fil Sim certamente Soc Eacute exatamente essa questatildeo que nossa discussatildeo anterior ( πλσ γ θ ζσΰκμ) nos exige resposta como cada um deles eacute um e eacute muacuteltiplo ( δθ θ εα πκζζ ) e como natildeo satildeo eles imediatamente ( γτμ) ilimitados ( π δλα) possuindo um e o outro um nuacutemero ( λδγη θ) determinado antes de se tornar ilimitado ( π δλα) (18e8-19a2)

A reaccedilatildeo de Protarco eacute entatildeo dirigida a Filebo o que teria feito desde o iniacutecio do

diaacutelogo taὀtὁΝἷlἷΝὃuaὀtὁΝἥὰἵὄatἷὅΝldquoaὀἶaὅΝἷmΝἵiacuteὄἵulὁὅrdquoΝ(κ εΝκ ᾽ θ δθαΝ λσπκθΝετεζ ππμΝ

π λδαΰαΰ θΝ η μΝ ηίΫίζβε ) (19a3-4) A indignaccedilatildeo de Protarco chega a tal ponto de

considerar-ὅἷΝἷlἷΝὂὄὰὂὄiὁΝldquoὄiἶiacuteἵulὁrdquoΝ(ΰ ζκῖκθ) ao tentar responder a uma questatildeo tatildeo aacuterdua ao

ter assumido o papel de interlocutor no diaacutelogo doado a ele por Filebo mas ainda mais ridiacuteculo

seria se nem ele nem Soacutecrates fossem capazes de responder a tais questotildees anteriormente

tratadas (19a8-b1) Neste momento o proacuteprio Protarco emite um testemunho de

compreensatildeo

Prot () Soacutecrates na realidade estaacute nos perguntando segundo me parece pelas espeacutecies de prazer ndash se existem ou natildeo ( β ΰ λ ηκδ κε δ θ θ λπ θ

κθ μ () δθ ηά) quantas satildeo e de que tipo satildeo (εα πσ α εα πκῖα) e a mesma coisa em relaccedilatildeo ao pensamento ( μ rsquoΝ α φλκθά πμ) (19b1-4)

E Soacutecrates responde imediatamente

143 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

Soc Nada mais verdadeiro ( ζβγΫ α α ζΫΰ δμ) filho de Caacutelias Se noacutes natildeo pudermos fazer ( λ θ)210 isso em relaccedilatildeo a todo tipo de unidade (εα παθ μ θκμ) semelhanccedila ( ηκέκθ) identidade ( α κ ) e tambeacutem ao oposto

( θαθ έκυ) como o argumento passado nos revelou nenhum de noacutes seraacute digno de valor ( ιδκμ) em relaccedilatildeo a nada (19b5-8)

Protarco supotildee que esse realmente eacute o modo correto de agir em se tratando desses

tipos de problemas isto eacute com a intrincada questatildeo do um e do muacuteltiplo um problema do

qual a dialeacutetica reiteradamente arroga-se tambeacutem no Filebo Platatildeo entatildeo coloca na boca de

Protarco a claacutessica expressatildeo do Feacutedon (99c-ἶ)Ν aΝ ὅaἴἷὄμΝ ldquoεaὅΝ ὅἷΝ ὧΝ ἴἷlὁΝ (εαζ θ) para o

temperante ( υφλκθδ) conhecer todas as coisas (η θ τηπαθ α) existe para ele

segundo me parece umaΝ ldquoὅἷguὀἶaΝ ὀavἷgaὦatildeὁ211rdquo ( τ λκμ rsquoΝ θαδ πζκ μ κε ῖ) que

210 Dixsaut (2004) chama nossa atenccedilatildeo para o verbo λ θ (fazer) ndash tambeacutem utilizado por Platatildeo no Sofista ndash o uso do verbo marca o caraacuteter predominantemente ativo do processo plasmaacutetico que configura a atividade dialὧtiἵaΝ ἷΝ ὅuaΝ ἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵaΝ fuὀἶamἷὀtalmἷὀtἷΝ uὀifiἵaἶὁὄaέΝ ldquoἑὁmΝ ὁΝ mἷὅmὁΝdireito que a retoacuterica a dialeacutetica permite falar poreacutem diferentemente daquela permite tambeacutem pensar Pensar eacute ter em vista uma unidade e uma multiplicidade tanto como a relaccedilatildeo natural que as une Ter em vista (horan) segundo Platatildeo eacute fazer (dran o mesmo verbo novamente eacute encontrado a propoacutesito do dialeacutetico no Sofista [Cf 235d5] e no Filebo [19b6 25b2]) pocircr em relaccedilatildeo o uno e o muacuteltiplo resultantes de um certo nuacutemero de operaccedilotildees do dialeacutetico operaccedilotildees orientadas por um propoacutesito uὀifiἵaἶὁὄrdquoΝ(ὂέΝ1ἃ)έ 211 Dixsaut (1991) em uma nota da sua traduccedilatildeo do Feacutedon (99c-ἶ)Ν ὄἷfὁὄὦaΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶaΝ ldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝ( τ λκμΝπζκ μ) e cita o sentido consoante entre essa mesma expressatildeo retomada neste trecho do Filebo ἵὁmΝaὃuἷlἷΝὂὄimἷiὄὁΝἶiὠlὁgὁέΝἓlaΝaὅὅimΝἶiὐμΝldquoἷὅtὠΝἵlaὄὁΝὃuἷΝ[ὀὁΝFilebo]ΝἷὅὅaΝlsquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrsquoΝ ὀatildeὁΝ ἶἷὅigὀaΝ umaΝ ὅimὂlἷὅΝ muἶaὀὦaΝ ἶἷΝ mἷiὁὅΝ ὂaὄaΝ alἵaὀὦaὄΝ umΝ mἷὅmὁΝ fimΝ mas uma mudanccedila de orientaccedilatildeo e neste caso uma virada completa o saber natildeo eacute mais pensado em extensatildeo mas como um conhecimento refletido pelo sujeito que conhece que deve tomar consciecircncia do fato que se ignora a si mesmo Essa reflexatildeo constitui um preacute-requisito a segunda navegaccedilatildeo (deuacuteteros ploucircs) eacute a primeira por direito se natildeo em fato e ela evita as divagaccedilotildees da primeira () natildeo designa nem o recurso a um meacutetodo inferior agravequele da primeira navegaccedilatildeo nem um meacutetodo de substituiccedilatildeo que permite alἵaὀὦaὄΝumΝmἷὅmὁΝὁἴjἷtivὁμΝἷlaΝὧΝumΝldquoἶἷὅviὁΝἶἷΝὂἷὄὅὂἷἵtivardquoΝ(ἶὁΝἷxtἷὄiὁὄΝὂaὄaΝὁΝiὀtἷὄiὁὄ)ΝὃuἷΝmἷtamὁὄfὁὅἷiaΝὁΝὁἴjἷtivὁΝiὅtὁΝὧΝtaὀtὁΝὁἴjἷtὁΝἵὁmὁΝaΝὀatuὄἷὐaΝἶὁΝὅaἴἷὄrdquoΝ(ὂέΝἁἅ1-372) Podemos certamente dizer que Platatildeo rejeita o modo das explicaccedilotildees fisioloacutegicas baseadas no plano dos fἷὀὲmἷὀὁὅΝὂὄὁmὁvἷὀἶὁΝumaΝὄἷviὄavὁltaΝὃuἷΝἷlἷΝἶἷὀὁmiὀaΝἵὁmὁΝldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝἷΝὃuἷΝtἷmΝἵὁmὁΝὄἷὅultaἶὁΝaΝldquohiὂὰtἷὅἷΝἶaὅΝἔὁὄmaὅrdquoέΝἢlatatildeὁΝὂὄὁἵuὄaΝfaὐἷὄΝἶὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝumΝἶiὠlὁgὁΝἶaΝalmaΝἵὁmΝela mesma e natildeo com a Natureza O saber dialeacutetico que parte das Formas inteligiacuteveis circula apenas entre estas uacuteltimas e apenas delas resultam os conhecimentos mais elevados A ciecircncia das causas primeiras ou natildeo natildeo eacute senatildeo secundaacuteria diante deste saber da alma consigo mesma ndash e que como ἶiὐΝἒixὅautΝ(1λλ1)μΝldquo(έέέ)ΝὧΝaὂἷὀaὅΝὁutὄaΝfaἵἷΝἶἷΝumΝmἷὅmὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝ(έέέ)rdquoΝ(ὂέΝἁἅἀ)Νndash em relaccedilatildeo ao ζσΰκμ que busca ao maacuteximo explorar essas relaccedilotildees entre as Formas Se pensamos que a ldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝὧΝaὂἷὀaὅΝumaΝ muἶaὀὦaΝὃuaὀtὁΝὡΝutiliὐaὦatildeὁΝἶἷ meios esses mesmos meios deveriam fazer com que Soacutecrates alcanccedilasse essa mesma espeacutecie de causas ou seja causas finais aὅΝὃuaiὅΝtἷὄiamΝlhἷΝἶiὄigiἶὁΝὡΝfὄuὅtὄaὦatildeὁΝἷmΝὅuaΝὂὄimἷiὄaΝὀavἷgaὦatildeὁΝὂἷlaΝldquoἵiecircὀἵiaΝἶaΝὀatuὄἷὐardquoέΝεaὅΝnatildeo eacute esse o caso as causas finais pressupotildeem sua posiccedilatildeo por uma inteligecircncia que eacute sempre interna isto eacute da alma (individual ou universal) Essas causas natildeo podem ser vaacutelidas para todos os casos nem para cada um em particular natildeo se encontra em questatildeo aqui a dimensatildeo maior ou menor de ser natildeo importam aqui os detalhes fisioloacutegicos nesse novo tipo de explicaccedilatildeo mas a participaccedilatildeo nas Formas que explica suas determinaccedilotildees e natildeo as consideraccedilotildees relativas aos seus fins No caso de uma

144 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

consiste em natildeo ignorar-se a si mesmo (η ζαθγΪθ δθ α θ α σθ)rdquoΝ (19c1-4) Feitas as

alusotildees agrave dialeacutetica Protarco recapitularaacute en passant as posiccedilotildees iniciais que deram iniacutecio ao

diaacutelogo num primeiro momento entre Filebo e Soacutecrates (19c3-e5) Filebo teria afirmado que

a maior das aquisiccedilotildees humanas eacute o prazer e as coisas desse tipo Soacutecrates no entanto se

contrapocircs agravequele dizendo ser outras coisas que natildeo estas e que essas outras seriam ainda

melhores superiores ao prazer como a inteligecircncia o conhecimento a teacutecnicas e todas as

coisas semelhantes a estes uacuteltimos Ambas as posiccedilotildees foram postas em controveacutersia

( ηφδ ίβ ά πμ) tanto a do condutor comκ a dos interlocutores se inseriam nessa espeacutecie

ἶἷΝ ldquoἴὄiὀἵaἶἷiὄardquo (παδ ῖαμ) a fim delimitarem a discussatildeo para que ela adquirisse um limite

suficiente na determinaccedilatildeo dos argumentos apresentados por tal discussatildeo ( θ ζσΰπθ πΫλαμ

εαθ θ ΰ θβ αέ δ δκλδ γΫθ πθ) Protarco entatildeo exige uma nova postura de Soacutecrates qual

seja recusar manifestar constantemente oposiccedilatildeo aos assuntos que desejam tratar isto eacute

sobre qual dos dois (prazer e conhecimento) possa ser considerado o bem Eacute imprescindiacutevel

a Protarco a saiacuteda da aporia que surge diante de tais perguntas sobre coisas que permanecem

sem uma resposta suficiente dos interlocutores como estes problemas relativos agrave divisatildeo e

ao problema do um e do muacuteltiplo mas Soacutecrates com essas discussotildees continua lanccedilando-os

ὀἷὅὅἷΝ ldquoἵamiὀhὁΝ ὄἷὂlἷtὁΝ ἶἷΝ ὁἴὅtὠἵulὁὅrdquoέΝ ἦὄata-se aqui novamente insisto de afirmar o

ldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶaΝὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝmaὅΝὃuἷΝἵὁmὁΝjὠΝὀὁtamὁὅΝὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἥὰἵὄatἷὅΝὂaὄἷἵἷΝἷὅtaὄΝἵiἷὀtἷΝ

dessa necessidade Eacute impossiacutevel admitir ou mesmo presumir que toda essa discussatildeo

acabaraacute em aporia o que natildeo significa dizer que ela iraacute terminar como veremos Para

Protarco Soacutecrates deve tomar para si a responsabilidade de direccedilatildeo da discussatildeo e fazer

com que todo o discurso alcance um sentido ou seja que ele natildeo seja pueril e sem sentido

mas sobretudo uma discussatildeo seacuteria Diz finalmente Protarco

determinada alma ela se determina por meio da postulaccedilatildeo das Formas (beleza justiccedila coragem etc) que satildeo fins diferentemente dos seres inanimados a participaccedilatildeo dessas coisas em uma ou mais fὁὄmaὅΝ aὅΝ tὁὄὀaΝ iὀtἷligiacutevἷiὅΝ maὅΝ aiὀἶaΝ ὂἷὄmaὀἷἵἷΝ algὁΝ ὀἷlaὅΝ umaΝ ὂaὄtἷΝ ἶἷΝ ldquoὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷrdquoΝ ἶἷΝininteligibilidade de opacidade irredutiacutevel A causa final pode ser vaacutelida para ao mundo quando tomada em conjunto necessariamente eacute considerada a melhor imagem (modelo) inteligiacutevel para a compreensatildeo mas ela natildeo se aplica ao detalhe Logo Soacutecrates natildeo descobre ndash por meio da segunda navegaccedilatildeo ndash para cada coisa o melhor que pode ser mas as causas que por participaccedilatildeo satildeo causas de inteligibilidade (finais no caso dos seres (almas) inteligiacuteveis natildeo-finais no caso dos demais seres) Sobre a segunda navegaccedilatildeo devemoὅΝ ὂἷὀὅaὄμΝ ldquo(έέέ)Ν ὃuἷΝ ἷlaΝ ὧΝumΝ ὁutὄὁΝ ἵamiὀhὁΝ ὃuἷΝ ὀὁὅΝ ὂἷὄmitἷΝpostular um outro tipo de causas (as Formas) mas sobretudo possuir um outro tipo de discurso Ela ὂἷὄmitἷΝὄὁmὂἷὄΝἵὁmΝὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝἷxὂliἵativὁΝἷΝmἷἵaὀiἵiὅtaΝἶὁὅΝlsquofiὅiὰlὁgὁὅrsquoΝaΝἷxigecircὀἵiaΝἶἷΝἵauὅas finais ὀatildeὁΝὧΝὅufiἵiἷὀtἷΝὂaὄaΝἵὁὀὅumiὄΝἷὅὅaΝὄuὂtuὄaέΝἒἷixaὄΝldquoἷὅἵaὂaὄrdquoΝὀὁὅΝloacutegoi as razotildees eacute passar a um outro tiὂὁΝἶἷΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝatὄiἴuiὄΝἵὁmὁΝ lsquoἵauὅarsquoΝ ὀatildeὁΝaὃuilὁΝὃuἷΝἷὀgἷὀἶὄaΝ ndash mesmo da melhor maneira possiacutevel ndashΝ maὅΝ aὃuilὁΝ ὃuἷΝ tὁὄὀaΝ iὀtἷligiacutevἷlέΝ ldquoἓὅἵaὂaὄrdquoΝ ὧΝ ὂὄimἷiὄamἷὀtἷΝ ἵἷὅὅaὄΝ ἶἷΝ ὂἷὄguὀtaὄΝ ὁΝ ὃuἷΝproduz a beleza de uma coisa para comeccedilar a perguntar o que eacute em si o belo A maneira de questionar muἶaμΝὀatildeὁΝmaiὅΝlsquoὂὁὄΝὃuἷΝἷὅtaΝἵὁiὅaΝὧΝἴἷlaςrsquoΝmaὅΝlsquoὂὁὄΝὃuἷΝὧΝlἷgiacutetimὁΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝἷlaΝὧΝἴἷlaςrsquordquoΝ(ὂέΝἁἅἁ)Ν(cf DIXSAUT 1991 p 372-373) Para uma anaacutelise ainda mais detalhada da expressatildeo do Feacutedon cf Nunes Sobrinho (2007 p 115-116)

145 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

Decide entatildeo por ti mesmo se deves dividir as espeacutecies de prazer e de conhecimento ou se deves abandonaacute-las ( κθ μΝ βΝ κδΝ εα πδ άηβμΝ

δαδλ ΫκθΝ εα α Ϋκθ) se fores capaz e se quiseres esclarecer de um modo diferente nossa controveacutersia ( π εαγ᾽ λσθΝ δθαΝ λσπκθΝ κ σμΝ ᾽ εα ίκτζ δΝ βζ αέΝππμΝ ζζπμΝ θ θΝ ηφδ ίβ κτη θαΝπαλ᾽ ηῖθ) (20a5-8)

Diante da requisiccedilatildeo e Protarco natildeo haacute um outro caminho a natildeo ser como veremos

ἶiὅὂὁὄΝ ἶἷΝ umaΝ ldquoὀὁvaΝ mὠὃuiὀaΝ ἶἷΝ guἷὄὄardquoΝ ( ῖθ ζζβμ ηβξαθ μ 23b7-8) A primeira nos

forneceu os meios para se tratar dialeticamente o indeterminado Antes de passarmos entatildeo

a ἷὅὅaΝ ldquoὀὁvaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝ ὃuἷΝὅἷὄὠΝ ὂὄἷἵἷἶiἶaΝ ὂὁὄΝ umaΝ ὄἷtomada agraves questotildees iniciais do

ἶiὠlὁgὁΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝὄἷὅumiὄmὁὅΝaΝldquoὂὄimἷiὄaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝἵὁὀtiἶaΝὀἷὅὅaΝ lὁὀgaΝὂaὅὅagἷmΝ

repleta de alusotildees agrave atividade dialeacutetica e suas contribuiccedilotildees para a compreensatildeo do que vem

a ser o ilimitado ( π δλκθ) O que podemos dizer a respeito da dialeacutetica nesse primeiro

momento do diaacutelogo

Primeiramente o que se diz eacute que a dialeacutetica e o ζσΰκμ em si satildeo sempre um caso do

um e do muacuteltiplo Em 14e3-ἂΝalgὁΝaΝmaiὅΝὧΝἶitὁΝὅὁἴὄἷΝaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝὀἷὅὅἷΝldquoἴalὧrdquoΝἶἷΝtἷὄmὁὅΝ

que oscila entre o um e o muacuteltiplo se afirma que o um eacute multiplicidade e mais indefinida ( σΝ

Ν θΝ μΝπκζζΪΝ δΝεα π δλα) assim como se diz que o muacuteltiplo eacute um ( πκζζ μΝ θΝ

ησθκθ) Nota-se aqui a introduccedilatildeo de um novo termo π δλα Qual o significado que este termo

adota neste primeiro momento Quais satildeo suas relaccedilotildees com a dialeacutetica aqui nesta

passagem Primeiro como vemos ao longo deste trecho diaacutelogo eacute que eacute possiacutevel afirmar

que essa multiplicidade ( π δλα) se opotildee agrave unidade isto porque a pluralidade ilimitada e a

unidade consistem em dois extremos da atividade dialeacutetica (17a 18a 18e-19a) mas tambeacutem

se diz que ela pode predicar uma unidade (14e) como tambeacutem uma multiplicidade (16d)

tambeacutem foi dito que ela se encontra relacionada agraves coisas em devir diante da anaacutelise do

emblemaacutetico trecho que corresponde agraves noccedilotildees tratadas em 15bss Logo a participaccedilatildeo eacute

pensada como presenccedila seja imanente ou transcendente de uma unidade (mocircnada) nas

coisas que estatildeo em devir e satildeo ilimitadas (particulares sensiacuteveis) (15b5) e por uacuteltimo se diz

que a multiplicidade numeraacutevel deixa escapar essa pluralidade de unidades incontaacuteveis

notaacuteveis como estando contidas em uma unidade dada (16e 17e)

Nos diz Soacutecrates em 17e3-4 que a pluralidade ilimitada de coisas e a pluralidade em

cada coisa soacute podem fazer de algueacutem nestes casos um inexperiente no pensar que

ningueacutem leva em conta ( ᾽ π δλσθΝ Ν εΪ πθΝεα θΝ εΪ κδμΝπζ γκμΝ π δλκθΝ εΪ κ Ν

πκδ ῖ κ φλκθ ῖθΝεα κ εΝ ζζσΰδηκθΝκ ᾽ θΪλδγηκθ) Neste caso parece haver dois sentidos

envoltos na noccedilatildeo de π δλκθ tanto o de multiplicidade vaacuteria quanto o de uma multiplicidade

146 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

determinada ou como nos diz Dixsaut (2001)212Ν ldquoἢlatatildeὁΝ ὂaὄἷἵἷΝ gὁὅtaὄΝ ἶὁΝ jὁgὁΝ ὃuἷΝ faὄiaΝ

ὂaὅὅaὄΝἶἷΝumΝhὁmὲὀimὁΝaΝὁutὄὁrdquoΝ(ὂέΝἁίἀ)έΝἜὁgὁΝὁΝiὀἶἷtἷὄmiὀaἶὁΝὧΝumaΝldquoὂἷἶὄaΝἶἷΝtὄὁὂἷὦὁrdquoΝ

para o pensamento ele coloca em questatildeo o proacuteprio pensamento

Um primeiro modo de dividir eacute partir de uma unidade ateacute alcanccedilar uma multiplicidade

determinada e segundo o Filebo (16e1-3) natildeo devemos imediatamente aplicar a forma do

ilimitado agrave pluralidade mas soacute depois de percebermos o nuacutemero total da pluralidade que

existe entre o ilimitado e o um para somente depois disso abandonar tais espeacutecies (vaacuterias)

se despedir dessa multiplicidade deixando na indeterminaccedilatildeo tudo aquilo que natildeo inclui essa

escolha (dessa unidade) realizada pelo dialeacutetico ao dividir Poreacutem haacute ainda uma situaccedilatildeo

contraacuteria ( θαθ έκθ) a essa tarefa do dialeacutetico de dividir uma dada unidade como nos diz o

tἷxtὁΝἷmΝ1ἆaλΝiὅtὁΝὧΝldquoὃuaὀἶὁΝalguὧmΝὧΝfὁὄὦaἶὁΝaΝaὂὄἷἷὀἶἷὄΝἷmΝὂὄimἷiὄὁΝlugaὄΝὁΝilimitaἶὁrdquoΝ

( αθ δμ π δλκθ θαΰεα γ πλ κθ ζαηίΪθ δθ) ou seja partir de uma multiplicidade

indeterminada Esta unidade presente nesta multiplicidade soacute pode ser nominal e

indeterminada Ela tambeacutem natildeo pode ser tornada imediatamente ( γτμ) uma unidade real

(18b1) mas antes se deve discernir um nuacutemero ( λδγη θ) que constitui qualquer pluralidade

determinada (α δθαΝπζ γκμΝ εα κθΝ ξκθ ΪΝ δΝεα αθκ ῖθ) e soacute depois disso se deve olhar

para o um

Sem a postulaccedilatildeo de uma unidade real natildeo haacute divisatildeo possiacutevel Logo essa tambeacutem

passa a ser uma tarefa do dialeacutetico antes de postular uma unidade real ele deve constituir

uma multiplicidade numeraacutevel E como isso poderaacute ser feito Pela classificaccedilatildeo pela

distinccedilatildeo na multiplicidade indeterminada inicial todas as espeacutecies que exigem o nuacutemero que

noacutes lhe damos juntamente com aquelas que natildeo o exigem e entatildeo ordenar essas espeacutecies

ou elementos no interior de uma estrutura Trata-se de substituir essa multiplicidade

incontaacutevel essa indeterminaccedilatildeo ndash seja entre as coisas seja entre as variadas coisas dentro

de uma unidade ndash por uma multiplicidade determinada que oferece conteuacutedo a essa nova

unidade unidade real tornando-a verdadeira Postular um nuacutemero determinado de

intermediaacuterios que existe entre o ilimitado e o um (η αι κ π έλκυΝ Νεα κ θσμ 16e1)

eacute o que distingue o dialeacutetico do eriacutestico e por essa estrutura intermediaacuteria deve passar todo

movimento dialeacutetico Se vamos por um sentido ou por outro ou seja do um ao ilimitado ou

do ilimitado ao um soacute podemos falar em unidade real agrave medida em que essa unidade torna-

se uma unidade determinada isto eacute se envolver uma multiplicidade constituiacuteda de forma

precisa Ora se vamos imediatamente do ilimitado agrave unidade eacute o mesmo que ir do ilimitado

ao ilimitado Eacute apenas esse processo de circularidade do um e do muacuteltiplo pode retirar a

indeterminaccedilatildeo o um torna-se apenas esse um sob a condiccedilatildeo de ser a unidade de

212 Sigo de perto a intepretaccedilatildeo desta autora em relaccedilatildeo agrave interpretaccedilatildeo do ilimitado (Cf DIXSAUT 2001 p 302-310) e tambeacutem seguindo em grande parte as consideraccedilotildees postas por Delcomminette (2002 p 96-159)

147 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

determinada multiplicidade ao mesmo tempo que uma multiplicidade para ser muacuteltipla deve

ser simultaneamente uma multiplicidade de unidades e ser incluiacuteda em uma unidade pois

ἵaὅὁΝἵὁὀtὄὠὄiὁΝldquohavἷὄiaΝἶiὅὂἷὄὅatildeὁΝὅἷmΝlimitἷΝἷΝὅἷmΝligaὦatildeὁΝἷΝὀatildeὁΝmultiὂliἵiἶaἶἷrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝ

2001 p 304)213

Penso que Dixsaut (2001) estaacute correta ao dizer que λδγη θ significa em grego antes

de mais nada uma estrutura (p 304)214έΝἣuaὀἶὁΝὅὁmὁὅΝldquofὁὄὦaἶὁὅΝaΝὂaὄtiὄΝὂὄimἷiὄamἷὀtἷΝἶὁΝ

213 Delcomminette (2002) tambeacutem explica a passagem recorrendo ao exemplo do deus egiacutepcio Teuth Theuth - ou melhor um deus ou um homem divino - deveraacute distinguir as letras do alfabeto grego para iὀὅtituiὄΝaΝΰλαηηα δε θΝ ΫξθβθέΝἢaὄaΝtalΝἷlἷΝἶἷvἷὄὠΝὂὁὅtulaὄΝὁΝὅὁmΝvὁἵalΝἵὁmὁΝumΝgecircὀἷὄὁΝaΝὅἷὄΝἶiviἶiἶὁέΝSemelhante posiccedilatildeo o coloca na presenccedila natildeo da infinita variedade de sons jaacute individualizados mas de um som indefinido De fato Theuth natildeo chega agrave compreensatildeo dos sons individuais antes do final do processo Nessas condiccedilotildees o problema do status das entidades reunidas eacute um problema falso natildeo satildeo nem coisas particulares nem universais porque nem sequer satildeo entidades elas simplesmente formam um halo indiferenciado que acompanha a unidade que postulamos como a possibilidade para essa mesma ideia de ser participada de estar envolvida nessa relaccedilatildeo (p 107) Ainda nos diz ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝ(ἀίίἀ)μΝldquoEacuteΝὂὁὄΝiὅὅὁΝὃuἷΝὁΝapeiron natildeo deve ser tomado em um sentido exclusivamente ἷxtἷὀὅiὁὀalέΝἥἷΝlsquoapeiron ὀaΝmultiὂliἵiἶaἶἷrsquoΝὄἷfἷὄἷ-se a uma multiplicidade indiferenciada entatildeo ela eacute tanto uma noccedilatildeo extensional como intensional ela pode se referir tanto agrave multiplicidade ilimitada e indiscriminada de participantes na ideia que noacutes postulamos que estatildeo virtualmente presentes em nosso pensamento quanto agrave parte de indeterminaccedilatildeo de nosso pensamento quando pensamos nessa Ideia que pode ser determinada de muitas maneiras diferentes Esses dois aspectos satildeo correlativos e qualquer accedilatildeo sobre um implica uma accedilatildeo sobre o outro qualquer limitaccedilatildeo da multiplicidade de participantes implica uma determinaccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo de nosso pensamento e vice-versa O objetivo da reuniatildeo eacute precisamente fazer a ponte entre esses dois aspectos e permitir que o dialeacutetico ὅἷΝmὁvaΝἶἷΝumΝὂaὄaΝὁΝὁutὄὁέΝεaiὅΝἷὅὂἷἵifiἵamἷὀtἷΝὁΝaὅὂἷἵtὁΝlsquoἷxtἷὀὅiὁὀalrsquoΝὧΝὁΝiὀὅtὄumἷὀtὁΝὃuἷΝὂἷὄmitἷΝao dialeacutetico determinar seu pensamento por exemplo usando o contraste entre vaacuterios participantes para descobrir as diferenccedilas que os distinguem E na medida em que qualquer determinaccedilatildeo subsequente reduza a multiplicidade de participantes esse aspecto tambeacutem pode servir como criteacuterio para testar a integridade de sua atividade determinante Esta circulaὦatildeὁΝiὀἵἷὅὅaὀtἷΝἷὀtὄἷΝlsquoἷxtἷὀὅatildeὁrsquoΝἷΝlsquoiὀtἷὀὅatildeὁrsquoΝὧΝὂὁὅὅiacutevἷlΝgὄaὦaὅΝaΝamἴiguiἶaἶἷΝiὀἷὄἷὀtἷΝaὁΝtἷὄmὁΝapeiron que se refere a tudo aquilo que ὧΝiὀἶἷfiὀiἶὁΝtaὀtὁΝὃuaὀtitativamἷὀtἷΝ(ἵaὅὁΝἷmΝὃuἷΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝtὄaἶuὐiἶὁΝἵὁmὁΝlsquoilimitaἶὁrsquoΝἶἷὅἶἷΝὃuἷΝὀatildeὁΝo entendamos como um termo referente a um nuacutemero ilimitado mas ainda mais agrave ilimitaccedilatildeo que o impede de ser um nuacutemero no sentido grego do termo) quanto qualitativamente (caso este em que podemos traduzi-lὁΝἵὁmὁΝlsquoiὀἶἷtἷὄmiὀaἶὁrsquo)έΝἡΝfatὁΝἶἷΝὃuἷΝaΝὂὁὅtulaὦatildeὁΝἶἷΝumaΝIἶἷiaΝὂὁὅὅa trazer agrave tona um apeiron tendo esses dois aspectos resulta do fato de que a reuniatildeo eacute um processo virtual em vez de uma enumeraccedilatildeo de participantes jaacute diferenciados De forma geral podemos provisoriamente propor essa definiccedilatildeo puramente negativa do apeiron o apeiron eacute indeterminaccedilatildeo ou ilimitaccedilatildeo no sentido de que escapa agrave determinaccedilatildeo ou agrave limitaccedilatildeo Deste ponto de vista o apeiron eacute o oposto do pensamento e ateacute mesmo seu inimigo e este antagonismo eacute reforccedilado pelo jogo de palavras sobre esse termo iἶecircὀtiἵὁΝἷmΝgὄἷgὁΝὡὃuἷlἷΝὃuἷΝὅigὀifiἵaΝlsquoiὀἷxὂἷὄiἷὀtἷrsquordquoΝ(ὂέΝ1ίἅ-108) 214 ἠaΝmἷὅmaΝἶiὄἷὦatildeὁΝὅἷguἷΝἒἷlἵὁmmiὀἷttἷμΝldquoὁΝiὀtἷὄἷὅὅaὀtἷΝaὃuiΝὧΝaΝἵlaὄaΝἵὁὀἷxatildeὁΝἷὀtὄἷΝὁΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝde aprendizagem individual e a transiccedilatildeo da indeterminaccedilatildeo para a determinaccedilatildeo tanto quantitativa quanto qualitativa que eacute obra da dialeacutetica () o que eacute aprendido eacute sempre uma estrutura determinada na qual todos os elementos estatildeo conectados de tal forma que eacute impossiacutevel conhecer algum independentemente de todos os outros O aprendizado envolve a imposiccedilatildeo de uma estrutura (grifo nosso) definitiva sobre a primeira indeterminaccedilatildeo do nosso pensamento uma estrutura que constitui o campo de aplicaccedilatildeo de uma tekhnegrave correspondente - neste caso a grammatikegrave tekhnegrave do nosso pensamento (18 c7-8) () Soacutecrates iraacute dizer natildeo sem prejuiacutezo que o apeiron eacute aquilo que torna algueacutem π δλκμ κ φλκθ ῖθΝ Ν iὅtὁΝὧΝ iὀἷxὂἷὄiἷὀtἷΝὀὁΝὂἷὀὅaὄΝ(1ἅΝἷἁ-6) pensar natildeo eacute possiacutevel sem

148 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ilimitaἶὁrdquoΝ ἷΝ ὧΝ ἷὅὅἷΝ ὁΝὂὁὀtὁΝὃuἷΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ἶἷvἷὄὠΝ aὃuiΝ ὄἷtὁmaὄΝ aὁΝ ἶiὐἷὄΝ ὃuἷΝ ἷὅtaΝ ὅituaὦatildeὁΝ

tambeacutem se configura enquanto uma atividade do dialeacutetico que nos encontramos perante a

uma situaccedilatildeo simeacutetrica agrave da divisatildeo Contudo reunir e dividir aqui ao que tudo indica trata-

se de estruturar problema semelhante ao encontrado por Teuth o criador do alfabeto foneacutetico

como ilustrado no exemplo do diaacutelogo Dito de outro modo eacute imprescindiacutevel agora ao tomar

uma realidade ilimitada produzir um conjunto ordenado de elementos que se encontram

interligados interdependentes como no caso da φπθ (voz) e dos demais exemplos dados

por Soacutecrates na argumentaccedilatildeo precedente215 Diante de uma realidade ilimitada como eacute o

caso da voz Teuth eacute o primeiro a tentar converter esse ilimitado indefinidamente variaacutevel em

uma pluralidade numeraacutevel Da realidade sonora indeterminada de um conjunto ilimitado de

modulaccedilotildees fora possiacutevel retirar uma quantidade determinada limitada de espeacutecies foneacuteticas

(vogais semi-vogais e mudas) como tambeacutem foi possiacutevel determinar o nuacutemero de elementos

proacuteprios de cada uma dessas espeacutecies a fim de instituir uma totalidade uma estrutura

coerente (o alfabeto foneacutetico o conjunto das letras) detendo-se apenas nessas mesmas

espeacutecies

O problema do prazer eacute semelhante ao caso do alfabeto antes de determinarmos se

o prazer eacute o bem devemos analisar essa realidade em que consiste ser o prazer e que recobre

uma pluralidade indeterminada Antes entatildeo devemos constituir uma unidade real e para tal

eacute necessaacuterio alcanccedilar uma pluralidade determinada uma multiplicidade contaacutevel Vale

lembrar que prazer e conhecimento estatildeo submetidos a uma escolha sobre qual dos dois

possa ser considerado o bem Antes devemos saber em que medida ambos (prazer e

conhecimento) satildeo simultaneamente um e muacuteltiplo ao inveacutes de consideraacute-los como ilimitados

jaacute agrave primeira vista melhor dizendo como cada um deles adquire em dado momento um

nuacutemero antes de se tornar ilimitado (Cf 18e9-1λaἀ)μΝldquolsquoἓmΝumΝἶaἶὁΝmὁmἷὀtὁrsquoΝ(πκ 19a1)

porque natildeo eacute sempre em um mesmo momento do processo dialeacutetico que se eacute conquistada a

pluralidade determinada ela pode acontecer antes ou apoacutes o posicionamento da unidade

ἶἷtἷὄmiὀaἶardquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝ ἀίί1 p 305 grifos da autora) Ela iraacute acontecer antes caso

iniciemos pelo ilimitado e ocorreraacute depois se jaacute partimos de uma unidade determinada e a

dividimos A incompreensatildeo de Protarco e de Filebo versa sobre a necessidade de maiores

esclarecimentos por parte de Soacutecrates por que um interluacutedio tatildeo exaustivo sobre a divisatildeo

Soacutecrates natildeo poderia perguntar diretamente ndash e Filebo concorda com Protarco pois

referecircncias e essas referecircncias satildeo fornecidas pelas estruturas determinadas aprendidas pela ἷἶuἵaὦatildeὁrdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝ1ἁἁ-134) 215 Sobre isto conferir o que dissemos sobre a muacutesica anteriormente e a ambiguidade presente em dois tipos de muacutesica praticadas na eacutepoca grega claacutessica aquela que visava o nuacutemero herdada praacutetica matematizante da caraterizaccedilatildeo das harmonias e aquela baseada na mediccedilatildeo (empiacuterica) infinita dos intermediaacuterios dos intervalos musicais visando a criaccedilatildeo e sistemas como eacute o caso Dos elementos harmocircnicos presentes nas doutrinas de Aristoxeno (Cf DELCOMMINETTE 2002 p 134-143)

149 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

ἵὁὀὅtaὀtἷmἷὀtἷΝἷὅtὠΝaΝἷxigiὄΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅΝὁΝldquoὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝἶaΝὄἷlἷvacircὀἵiardquoΝndash se o objetivo maior

dessa discussatildeo eacute a divisatildeo dos prazeres e conhecimentos se eles possuem realmente

espeacutecies quais satildeo e quantas satildeo (19b1-4) O fato eacute que neste caso Soacutecrates natildeo estaacute a

solicitar de seu interlocutor principal uma divisatildeo de prazeres e conhecimentos porque isso

seria impossiacutevel natildeo se pode comeccedilar a dividir pelo ilimitado antes se deve postular um

nuacutemero para entatildeo constituir uma unidade verdadeira real somente essa unidade eacute que

poderaacute ser constituiacuteda objeto da divisatildeo Nos dizeres de Dixsaut (2001)

O que Soacutecrates exige de fato eacute a constituiccedilatildeo de um alfabeto ou gama dos prazeres a fim de substituir a indeterminaccedilatildeo inicial do prazer pela multiplicidade de prazeres (daquilo que eacute verdadeiramente e natildeo falsamente ou ilusoriamente nomeado prazer) Eacute precisamente isso que ele iraacute fazer durante uma longa anaacutelise (p 306 grifos da autora)

Todos os trecircs exemplos (alfabeto foneacutetico teoria musical gramaacutetica) ilustram de

maneira significativa o modo como o dialeacutetico deve operar diante do ilimitado A multiplicidade

ὧΝtὄaὀὅfὁὄmaἶaΝὂἷlὁΝἶialὧtiἵὁΝldquoiὀfὁὄmaἶardquoΝaΝilimitaὦatildeὁΝaἶὃuiὄἷΝὁΝὅtatuὅΝἶἷΝumaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝ

determinada ela eacute constituiacuteda a partir de uma pluralidade incontaacutevel se torna uma pluralidade

determinada que natildeo estaacute dada Muacutesica e foneacutetica estruturam um ilimitado sonoro No caso

da abordagem dialeacutetica dos prazeres natildeo se passa de outra maneira ela exige uma outra

abordagem dialeacutetica que eacute tambeacutem uma abordagem preacutevia Seraacute necessaacuterio tomar a

questatildeo de uma maneira diferente isto porque o prazer natildeo se apresenta nem como uma

multiplicidade de unidades distintas ou diferenciaacuteveis (multiplicidade determinada) nem como

uma unidade articulada propiacutecia agrave divisatildeo

Jaacute o conhecimento muito pelo contraacuterio pode ser examinado diretamente pelo

processo dialeacutetico da divisatildeo ele lida com espeacutecies reais Embora se reconheccedila qualquer

contrariedade ou diversidade que seja entre os conhecimentos ele (o conhecimento)

comporta unidades reais ele eacute uma unidade real porque exclui diretamente suas

contrariedades ou seja os conhecimentos falsos Neste caso se trataria de uma contradiccedilatildeo

em termos jaacute que tambeacutem existem prazeres falsos mas o tipo de falsidade do conhecimento

natildeo eacute o mesmo tipo de falsidade que envolve os prazeres ou porque o prazer diferentemente

do conhecimento natildeo eacute algo determinado mas indeterminado essas talvez possam ser

algumas das principais saiacutedas diante do que seraacute tratado mais adiante no diaacutelogo por Platatildeo

ao se referir aos prazeres falsos por hora deixemos isso de lado

Portanto de acordo com o que se pode verificar na anaacutelise desta primeira parte do

diaacutelogo o π δλκθ eacute um predicado aplicado tanto a uma unidade quanto a uma multiplicidade

tambeacutem ilimitada por isso aqui ele desempenha um duplo papel A ilimitaccedilatildeo tem tanto um

sentido quantitativo quanto um sentido quantitativo Quantitativo pois ela caracteriza uma

150 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

multiplicidade numeacuterica distinta ( π δλκθ πζ γκμ πζάγ δ 16d7 17b4 18b2)216 Para ser uma

unidade real essa unidade prescinde compreender (i) uma multiplicidade numeraacutevel as

espeacutecies obtidas no processo de divisatildeo (ii) uma multiplicidade de espeacutecies natildeo-numeraacuteveis

seja aquelas espeacutecies que o dialeacutetico deveraacute deixar no acircmbito da ilimitaccedilatildeo ou aquelas

espeacutecies indivisiacuteveis em espeacutecies (iacutenfimas espeacutecies) que compreendem uma populaccedilatildeo

incontaacutevel de indiviacuteduos singulares Qualitativo porque ambos os casos (i e ii) recebem o

qualificativo π δλκμΝἵὁmὁΝἴἷmΝἷxὂliἵaΝἒixὅautμΝldquo(έέέ)ΝἷὅὅaὅΝὅatildeὁΝmultiὂliἵiἶaἶἷὅΝiὀἵὁὀtὠvἷiὅΝ

de fato (ou em ato) enquanto que aquelas [multiplicidades contaacuteveis] permanecem contaacuteveis

ὂὁὄΝἶiὄἷitὁΝ(ὁuΝἷmΝὂὁtecircὀἵia)rdquoΝ(ἀίί1ΝὂέΝἁίἅ)έΝἏἶἷmaiὅΝela nos explica

Cada Gecircnero Cada Forma conteacutem esse gecircnero de multiplicidade o que natildeo ὅigὀifiἵaΝumaΝldquomatὧὄiaΝiὀtἷligiacutevἷlrdquoΝὂὁὄὃuἷΝumaΝtalΝmatὧὄiaΝἶἷvἷὄiaΝὂὄἷἵἷἶἷὄΝou ao menos ser independente de sua determinaccedilatildeo pela forma enquanto que a multiplicidade indeterminada resulta dos movimentos de determinaccedilatildeo (DIXSAUT 2001 p 307-308)

Ora esse ponto eacute decisivo na interpretaccedilatildeo do Filebo e sugere que refutemos qualquer

compreensatildeo que tente duplicar as Formas inteligiacuteveis separando-as em mateacuteria e forma

Como todas as coisas elas contecircm limite e ilimitado (indeterminaccedilatildeo e determinaccedilatildeo) poreacutem

natildeo satildeo resultantes da imposiccedilatildeo de um limite ao ilimitado Essa seria uma primeira

tὄaὀὅὂὁὅiὦatildeὁΝὃuἷΝἥὰἵὄatἷὅΝ faὄiaΝὅὁfὄἷὄΝaΝ ldquotὄaἶiὦatildeὁΝἶiviὀardquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1Νὂ 308 n1)217

Dentre as alusotildees feitas agrave dialeacutetica jaacute realccediladas em nossa anaacutelise desse tema no Filebo ainda

eacute possiacutevel notar que aqui a dialeacutetica se evidencia como uma tarefa dotada de certa

parcialidade as unidades obtidas em conjunto apenas satildeo frutos de uma multiplicidade

determinada logo limitada como tambeacutem a multiplicidade eacute derivada de uma unidade

particular tomada desde um ponto de vista particular por exemplo o Sofista o Poliacutetico e o

Filebo todos esses diaacutelogos realizam uma espeacutecie de divisatildeo das teacutecnicas ou melhor dos

conhecimentos mas em todos eles se parte de um ponto de vista distinto o que natildeo nos

permite dizer que partem da multiplicidade mas de uma unidade dada Ou seja a ideia eacute a

mesma os resultados nem sempre o satildeo O que atesta ainda mais que nenhuma divisatildeo eacute

exaustiva que sempre permanece um resiacuteduo de indeterminaccedilatildeo nas divisotildees O que natildeo

significa dizer que se vai do um ao ilimitado diretamente (compreendido no sentido de unidade

216 Dixsaut (2001) nos chama a atenccedilatildeo para a recorrecircncia em outros diaacutelogos da exprἷὅὅatildeὁΝldquo π δλκθ ( ) πζ γκμ (Cf R IX 591d8 Tht 147d7 147d7 Prm 144a6 e3-ἂ)νΝldquo π δλκθ πζάγ δrdquoμΝ(ἑfέΝTht 156a6 8 Prm 144a6 145a3 158b6 164d1 165c4 e6 Sph 256e6 Lg IX 860b4 217 A discussatildeo sobre as Formas seraacute retomada no momento em que nos detivermos na ontologia quaacutedrupla (23c-31b) eacute sobre este momento que muitos estudiosos colocam em questatildeo a presenccedila ou ausecircncia das Formas no diaacutelogo

151 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

natildeo-numeraacutevel) Da mesma maneira se vamos imediatamente do ilimitado (multiplicidade

natildeo-contaacutevel) ao um eacute a proacutepria unidade ela mesma que se encontraraacute indeterminada

No Filebo torna-ὅἷΝaiὀἶaΝmaiὅΝἷviἶἷὀtἷΝἷὅtἷΝἵaὅὁΝὀὁΝὃualΝldquoὅὁmὁὅΝfὁὄὦaἶὁὅΝaΝὂaὄtiὄΝ

ἶὁΝldquoilimitaἶὁrdquoΝὂὁiὅΝὀἷὅὅἷΝἵaὅὁΝtanto a multiplicidade quanto a unidade natildeo nos satildeo dadas

elas satildeo igualmente indeterminadas completamente diferente das operaccedilotildees dialeacuteticas

fuὀἶamἷὀtaiὅΝ aὅΝ ἶitaὅΝ ldquohaἴituaiὅrdquoέΝ ἦἷmὁὅΝ umΝ ὂὄὁἴlἷmaΝ maiὁὄΝ aὃuiΝ viὅtὁΝ ὃuἷΝ ἷὅὅἷΝ

indeterminado impede a atividade dialeacutetica caso ele natildeo aceite recuar por isso torna-se

necessaacuteria instauraccedilatildeo de uma multiplicidade natildeo-dada para entatildeo a partir dela postular

uma determinada unidade diante daquilo que parece excluir qualquer determinaccedilatildeo Nesse

primeiro momento do diaacutelogo nesta primeira parte o estatuto do π δλσθ eacute desenvolvido tendo

vista a deacutemarche dialeacutetica Se o pensamento eacute capaz de tolerar esse resiacuteduo de

indeterminaccedilatildeo se toda divisatildeo executada pela dialeacutetica natildeo eacute exaustiva de que modo

poderia a dialeacutetica controlar essa indeterminaccedilatildeo que busca constantemente se impor ao

pensar Haacute algum recurso que possa ser utilizado pelo dialeacutetico De que nos adiantaria a

postulaccedilatildeo do indeterminado enquanto um termo extremamente oposto agrave unidade jaacute que

ambos os termos natildeo pudessem se relacionar de forma alguma Por certo o ilimitado natildeo

teria utilidade alguma ao dialeacutetico

Eacute aqui que o caso egiacutepcio anteriormente realccedilado faz todo o sentido principalmente

no que diz respeito agrave resultante desse caso a saber a gramaacutetica esse elo que permite que

compreendamos cada unidade que tivera como ponto de partida uma multiplicidade natildeo-

numeraacutevel mas que soacute pode ser aprendida em uma relaccedilatildeo conjunta (multiplicidade

contaacutevel) essa unidade que torna possiacutevel a compreensatildeo ao aprendizado como no caso

das letras que isoladas uma das outras natildeo teriam sentido algum mas somente por meio

desse elo que as une e faz delas certa unidade proclama-se que possuiacutemos um uacutenico

conhecimento acerca delas o qual se denominou como gramaacutetica218 Isso quer dizer que natildeo

218 Gallop (1963) explica suficientemente a passagem ao tratar deste caso do alfabeto foneacutetico pois nada se diz acerca da escrita mas apenas agraves letras e agrave periacutecia foneacutetica da divisatildeo entre vogais consoantes e mudas No entender de Gallop (1963) isso deve ser lido com o devido respeito ao contexto dialoacutegico As letras fornecem um modelo natildeo como se pode parecer num dado momento para se compreender a relaccedilatildeo entre palavras e frases e seus significados natildeo eacute este o sentido da passagem aqui apresentada mas para se discutir a classificaccedilatildeo A classificaccedilatildeo dos sons sobre os quais um alfabeto eacute baseado eacute utilizada para ilustrar o meacutetodo da divisatildeo Assim seria equivocado dizer que a aprendizagem das letras eacute equiparada agrave periacutecia foneacutetica Soacutecrates iraacute dizer em 17b que nos tornamos ΰλαηηα δε θ natildeo porque conhecemos o ilimitado nem porque conhecemos o um mas porque sabemos quantos satildeo e de que tipo satildeo os sons vocais Teuth depois de classificar os sons atribui-lhes uma uacutenica arte que engloba a todos chamando-a de ΰλαηηα δε θ Ϋξθβθ (18d) Mas porque aqui natildeo encontramos uma menccedilatildeo agrave escrita por que classificar os sons e natildeo designar caracteres graacuteficos que representariam esses sons tal como se relata no Fedro (274c) que Teuth teria feito Por que algueacutem deveria antes aprender a natureza e o nuacutemero dos sons se natildeo para dominar esses caracteres que os representam Em 18d tambeacutem se diz que o deus egiacutepcio considerou que natildeo poderiacuteamos aprender qualquer letra por ela mesma isolada de todas as outras sem aprendecirc-las todas em conjunto O que

152 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

basta que cada termo seja determinado somente em-si mas relativamente a todos os outros

por isso esse recurso eacute a proacutepria estruturaccedilatildeo dessa multiplicidade indeterminada tornando-

a determinada Eacute por meio desse esse recurso dessa determinaccedilatildeo relativa da

interdependecircncia dos elementos no interior de um todo que a indeterminaccedilatildeo pode ser

superada219

Logo parece compreensiacutevel a apresentaccedilatildeo da dialeacutetica deste modo no iniacutecio do

diaacutelogo pois se o dialeacutetico se depara como uma unidade real uma unidade verdadeira ele

se contenta em dividi-laΝἷmΝumaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝldquoaἴaὀἶὁὀaὀἶὁrdquoΝἶἷixaὀἶὁΝἶἷΝlaἶὁΝὁΝilimitaἶὁΝ

essas espeacutecies muacuteltiplas jaacute que como jaacute dissemos essa divisatildeo natildeo eacute nunca exaustiva

Contudo ainda eacute necessaacuterio mencionar o papel principal do π δλκθ na discussatildeo cujo

propoacutesito se configura por demarcar a situaccedilatildeo presente ou seja no caso em que se lida com

se quer dizer aqui natildeo eacute que natildeo possamos aprender suficientemente algumas letras do alfabeto por exemplo 6 ou 7 letras sem aprender as demais o que seria obviamente falso Logo o que se afirma ἷΝἵὁmΝὂὄἷἵiὅatildeὁΝὧΝὃuἷΝὀatildeὁΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝldquoἵὁὀhἷἵἷὄΝὄἷalmἷὀtἷrdquoΝὀἷὀhumaΝἶἷlaὅΝ[sic As letras] se natildeo somos capazes de distinguir pela liacutengua e pelo ouvido a diferenccedila por exemplo o som da consoante ldquoἴrdquoΝἶὁΝὅὁmΝἶaΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝldquoἵrdquoΝἷΝaὅὅimΝὂὁὄΝἶiaὀtἷέΝἡἴviamἷὀtἷΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝἵὁὀhἷἵἷὄΝἷΝὀὁmἷaὄΝtὁἶὁὅΝὁὅΝὅὁὀὅΝiὀiἵiaiὅΝἶaὅΝὂalavὄaὅΝiὀiἵiaἶaὅΝἵὁmΝaΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝldquoἴrdquoΝὁuΝὅἷjaΝἵὁὀhἷἵἷὄΝaΝἵὁὀὅoante sem necessitar ἵὁὀhἷἵἷὄΝὀἷὀhumaΝὁutὄaΝἵὁmὁΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝaΝἵὁὀὅὁaὀtἷΝldquoἵrdquoΝἷΝἷὀtatildeὁΝaΝἵὄἷὀὦaΝἶἷΝἦἷuthΝὅἷὄiaΝfalὅaΝὅἷΝse tratasse apenas de nomear uma letra caso isso fosse suficiente para o conhecimento dela Mas ὃuaὀἶὁΝὅἷΝ tὄataΝἶἷΝ ldquoἵὁὀhἷἵἷὄΝ ὄἷalmἷὀtἷrdquoΝaὅΝἵὁὀὅὁaὀtἷὅΝldquoἴrdquoΝ ldquoἵrdquoΝ ldquoὅrdquoΝὂὁὄΝἷxἷmὂlὁΝὁΝἵὄitὧὄiὁΝὂaὄaΝὅἷΝldquoἵὁὀhἷἵἷὄΝὄἷalmἷὀtἷrdquoΝἷὅὅaὅΝlἷtὄaὅΝὧΝὁΝmἷὅmὁΝὁΝfatὁΝἶἷΝἷὅἵὄἷvecirc-las natildeo garante o aprendizado das mesmas se diz que algueacutem realmente sabe as letras quando se consegue distinguir agrave primeira vista seja pelo olho pela liacutengua pela audiccedilatildeo o que som que aquela letra representa verdadeiramente isto ὧΝὁΝfὁὀἷmaΝὃuἷΝἷlaΝἷvὁἵaνΝὃuaὀἶὁΝὀumΝὂὄimἷiὄὁΝmὁmἷὀtὁΝὅἷΝὂὁἶἷΝἶiὅtiὀguiὄΝὂἷlaΝiὀiἵialΝἶἷΝldquoὅaὂὁrdquoΝΝἷΝὂἷlaΝiὀiἵialΝἶἷΝldquoὂaὂὁrdquoΝὃuἷΝἷὅὅἷὅΝὅὁὀὅΝἶaὅΝlἷtὄaὅΝ iniciais satildeo distintos e que devem ser pronunciados tambeacutem de forma distinta natildeo importando aqui nenhuma diferenccedila de significado mas apenas uma distinccedilatildeo foneacutetica Deste modo faz todo sentido a reflexatildeo (puramente foneacutetica) de Teuth enquanto isso que ela propriamente eacute uma pura reflexatildeo foneacutetica Natildeo haacute portanto aqui uma distinccedilatildeo entre lἷituὄaΝἷΝἷὅἵὄitaΝmaὅΝὅἷΝὂaὅὅaΝἶἷΝumaΝaΝὁutὄaΝldquoὅἷmΝhἷὅitaὦatildeὁrdquoΝiὅtὁΝὧΝὀatildeὁΝhὠΝumaΝἶiὅtiὀὦatildeὁΝὄἷalΝἷὀtὄἷΝfonema e letra (GALLOP 1963 p 367-368) 219 ldquoἦὁἶaὅΝaὅΝἷὅpeacutecies e subespeacutecies que descobrimos satildeo um sistema que tem sua proacutepria coerecircncia como tudo consistecircncia garantida pela completude de nossas divisotildees Neste sistema cada divisatildeo eacute necessaacuteria e depende de todos os outros Logo eacute essencial notar que Soacutecrates natildeo relaciona essa ordem sistemaacutetica com a natureza das coisas em questatildeo mas com nossa capacidade de aprendecirc-las e conhececirc-las eacute porque elas natildeo podem ser aprendidas independentemente umas das outras que as letras satildeo consideradas constituintes de uma certa unidade Isso confirma que a estrutura descoberta pela dialeacutetica natildeo pertence como tal agraves proacuteprias coisas mas apenas ao conhecimento que temos delas e essa estrutura eacute o que constitui o campo conceitual de uma arte - neste caso o da tekhnegrave grammatikegrave Aleacutem disso deve-se ressaltar que a necessidade de divisotildees em um determinado sistema eacute apenas interna natildeo significa que a divisatildeo que realizamos seja a uacutenica possiacutevel ou a uacutenica vaacutelida mas apenas que ela eacute coerente e completa em si mesma () A necessidade interna das divisotildees realizadas natildeo deve ser confundida com uma necessidade externa que faria desta divisatildeo particular a uacutenica possiacutevel ἠἷὅtaὅΝἵὁὀἶiὦὴἷὅΝaΝὃuἷὅtatildeὁΝὀatildeὁΝὧΝlsquoὃualΝὅiὅtἷmaΝἶἷΝlimitaὦatildeὁΝ(ὁuΝἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁ)ΝὧΝὁΝἵἷὄtὁςrsquoΝεaὅΝlsquoὃuaiὅΝdiviὅὴἷὅΝὅatildeὁΝaὅΝἴὁaὅΝὀὁΝὅiὅtἷmaΝatualςrsquoέΝἥἷὄiaΝὂἷὄfἷitamἷὀtἷΝὂὁὅὅiacutevἷlΝὃuἷΝὁΝἶἷuὅΝὁuΝὁΝhὁmἷmΝἶiviὀὁΝdividisse a φπθ de outra forma desde que sua divisatildeo fosse completa regular e possuiacutesse ἵὁὀὅiὅtecircὀἵiaΝiὀtἷὄὀardquoΝ(ἒἓἜἑἡεεIἠἓἦἦἓΝἀίίἀΝὂέΝ1ἃἂ-155 grifos do autor)

153 31Prazer Inteligecircncia e Dialeacutetica

uma situaccedilatildeo que deve operar num sentido contraacuterio agravequele primeiro supracitado Logo satildeo

dois movimentos que o dialeacutetico deve seguir e mais dois movimentos contraacuterios A fim de se

ἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝumaΝὅimἷtὄiaΝἷὀtὄἷΝumΝmὁvimἷὀtὁΝἷΝὁutὄὁΝὧΝὃuἷΝἵἷὄtὁΝὀήmἷὄὁΝἶἷΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquoΝ

ndash que natildeo devem ser saltados pelo dialeacutetico passando-se de um para o outro rapidamente ndash

devem ser buscados nesse processo dialeacutetico inverso Explica Dixsaut (2001)

ἣuἷΝἷὅὅaὅΝἷὅὂὧἵiἷὅΝὅἷjamΝaὃuiΝὀὁmἷaἶaὅΝldquoiὀtἷὄmἷἶiὠὄiὁὅrdquoΝὀatildeὁΝἵὁὀfiguὄaΝἷmΝalusatildeo a nenhuma doutrina representante de realidades dessa ordem Isso simplesmente quer dizer que quando se deve partir do indeterminado o dialeacutetico natildeo obteacutem um nuacutemero determinado de espeacutecies por divisatildeo as deve constituir essas espeacutecies que se tornam ao mesmo tempo intermediaacuterios entre a realidade indeterminada de partida e sua unidade Ao dizer que aqueles tambeacutem foram obtidos pela divisatildeo Soacutecrates quer simplesmente mostrar que os dois percursos satildeo tambeacutem dialeacuteticos tanto um ἵὁmὁΝὁΝὁutὄὁΝἷΝaΝfὁὄmulaὦatildeὁΝὃuἷΝἷlἷΝἶὠΝἶὁΝὂἷὄἵuὄὅὁΝldquoὀὁὄmalrdquoΝtἷmΝὁΝήὀiἵὁΝpropoacutesito de demarcar que nos dois casos trata-se do mesmo caminho ainda que esse seja percorrido num sentido inverso (p 309-310)

ἒiaὀtἷΝἶἷΝtuἶὁΝὁΝὃuἷΝfὁiΝἷxὂὁὅtὁΝὂaὄἷἵἷΝἵlaὄaΝaΝὄἷlaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝἷΝὁΝ

assunto do diaacutelogo a despeito de muitos inteacuterpretes contemporacircneos acreditarem que estas

passagens natildeo desempenham um papel importante na economia interna do diaacutelogo Uma

ideia que natildeo eacute nova Se olharmos atentamente o diaacutelogo veremos que esses inteacuterpretes

estatildeo prefigurados no mesmo questionamento de Protarco Como tratar de algo que nem eacute

uma unidade verdadeira nem mesmo uma multiplicidade verdadeira como eacute o caso do

prazer Qual caminho se deve adotar Ora por isso torna-se necessaacuterio um exame

metodoloacutegico capaz de delinear claramente uma nova abordagem poreacutem tambeacutem pertinente

ao dialeacutetico enquanto uma tarefa desafiadora mas ainda uma tarefa do proacuteprio dialeacutetico que

deve agora utilizar um recurso proacuteprio para lidar com essa situaccedilatildeo contraacuteria quando se tem

como ponto de partida uma multiplicidade e uma unidade natildeo dadas

O papel desempenhado por essa primeira parte (14b-20a) eacute um dos maiores senatildeo

o maior objeto de controveacutersia entre os inteacuterpretes como jaacute dissemos Isto porque como

veremos logo a seguir diante da requisiccedilatildeo de Protarco em 19e-20a acerca da saiacuteda das

aporias lanccediladas pelo condutor anteriormente Soacutecrates retorna agrave problemaacutetica inicial do

diaacutelogo (a vida boa) a partir de 20c um primeiro fato que demonstraria que a discussatildeo inicial

ὅἷὄiaΝ umaΝ ἷὅὂὧἵiἷΝ ἶἷΝ ldquoὂaὄecircὀtἷὅἷὅrdquoΝ ὡΝ ἶiὅἵuὅὅatildeὁΝ ἵἷὀtὄalΝ ἶaΝ ὁἴὄaέΝ ἏΝ mἷtὠfὁὄaΝ ἶaΝ ldquoὅἷguὀἶaΝ

navἷgaὦatildeὁrdquoΝ(1λἵ)ΝὅaliἷὀtaὄiaΝaΝὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝἶἷΝumaΝaἴὁὄἶagἷmΝἶaὅΝἷὅὂὧἵiἷὅΝἶἷΝὂὄaὐἷὄΝἷΝἶἷΝ

conhecimento fundada na dialeacutetica e que evitaria as aporias da primeira abordagem Outro

fatὁΝ ὧΝ ὃuἷΝ ἷὅὅaΝ mἷὅmaΝ ὃuἷὅtatildeὁΝ ὂaὅὅaΝ aΝ ὅἷὄΝ tὄataἶaΝ ὅἷguὀἶὁΝ umaΝ ldquolἷmἴὄaὀὦardquoΝ (ἀίἴ)Ν de

Soacutecrates e de que natildeo precisariam mais das espeacutecies de prazer para a divisatildeo Essa aparente

ldquoὃuἷἴὄardquoΝἶὁΝἶiὠlὁgὁΝὅuὅἵitὁuΝumΝἶἷἴatἷΝἵὁὀtἷmὂὁὄacircὀἷὁΝaἵἷὄἵaΝἶὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶaΝἶiviὅatildeὁΝtaὀtὁΝὀὁΝ

154 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

Filebo ἵὁmὁΝἷmΝὄἷlaὦatildeὁΝaὁΝἶἷὀὁmiὀaἶὁΝldquomὧtὁἶὁ ἶaΝἶiviὅatildeὁrdquoΝὂlatὲὀiἵὁΝ( δαέλ δμ) Este debate

pode ser resumido em trecircs eixos principais (i) muitos220 julgam que o Soacutecrates do Filebo

estaria no decorrer do diaacutelogo aplicando aos prazeres e conhecimentos o meacutetodo

anteriormente tratado por ele no iniacutecio do diaacutelogo esse meacutetodo seria uma variante do ceacutelebre

Meacutetodo da Divisatildeo ( δαέλ δμ) do qual se fala no Fedro mas que concretamente se torna

aplicaacutevel explicitamente no Sofista e no Poliacutetico (ii) outros221 acreditam que este meacutetodo

apresentado no iniacutecio da obra tem uma funccedilatildeo classificatoacuteria no decorrer da argumentaccedilatildeo

em relaccedilatildeo aos prazeres e conhecimentos e que no caso do Filebo natildeo podemos encontrar

neste diaacutelogo em absoluto este Meacutetodo da Divisatildeo presente em algum dos demais diaacutelogos

(iii) haacute ainda outros222 ainda que acreditam que natildeo se trata nem do Meacutetodo da Divisatildeo nem

do proacuteprio meacutetodo exposto no Filebo

Diante das limitaccedilotildees impostas por esse trabalho um estudo capaz de avaliar todas

essas questotildees demandaria uma ampla anaacutelise em um outro momento Primeiramente seria

necessaacuterio adentrar agraves especificidades do Meacutetodo da Divisatildeo na filosofia platocircnica o sentido

geral atribuiacutedo por nosso autor a esse procedimento dialeacutetico posteriormente teriacuteamos de

esclarecer a relaccedilatildeo das Divisotildees do Filebo com esse ceacutelebre Meacutetodo da Divisatildeo como

tambeacutem explicar a especificidade das Divisotildees desse diaacutelogo e por fim ressaltar a

importacircncia dessas divisotildees em relaccedilatildeo ao objetivo geral do diaacutelogo Se nos eacute possiacutevel

adiantar algo sobre a nossa posiccedilatildeo em relaccedilatildeo a esse debate contemporacircneo que envolve

a questatildeo das divisotildees no Filebo poderiacuteamos ressaltar o que jaacute dissemos a abordagem do

meacutetodo das divisotildees possui objetivos proacuteprios no diaacutelogo como a demarcaccedilatildeo dialeacutetica da

situaccedilatildeo contraacuteria em relaccedilatildeo ao um e ao muacuteltiplo que se deve partir no caso do tratamento

dos prazeres em que uma unidade e uma multiplicidade determinada natildeo nos satildeo dadas

Poreacutem discordo de ὃuἷΝἷὅὅaΝἶiviὅatildeὁΝ( δαέλ δμ)ΝὀatildeὁΝtἷὀhaΝὄἷlaὦatildeὁΝἵὁm o conteuacutedo do diaacutelogo

e que ela natildeo desempenhe um papel relevante na economia interna do diaacutelogo No entanto

ἵὄἷiὁΝὃuἷΝἷὅὅaΝἶiviὅatildeὁΝ( δαέλ δμ)ΝὀatildeὁΝὅἷΝἷὅtἷὀἶἷΝaὁΝἵaὅὁΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἷΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁὅΝὁΝ

que se veraacute mais adiante eacute uma classificaccedilatildeo de ambos e natildeo divisatildeo pois vale lembrar no

caso dos prazeres estamos partindo do ilimitado Portanto toda a abordagem do meacutetodo

ilustra muito bem essa nova abordagem dialeacutetica em questatildeo a saber a anaacutelise dos prazeres

e dos conhecimentos para a composiccedilatildeo da boa vida mista

Ainda que natildeo se trate do caso de divisatildeo dos prazeres e conhecimentos essa

primeira parte do diaacutelogo natildeo deixa de ter um papel fundamental e indispensaacutevel agraves anaacutelises

que se seguem cujas consequecircncias poderatildeo ser notadas mais adiante Isso ficaraacute ainda

mais claro no momento em que nosso texto tratar de ambas as anaacutelises (dos prazeres e dos

220 Ackrill (1971) Bravo (2009) Delcomminette (2002) Moravcsik (2006) e outros 221 Dixsaut (2001) Rowe (1999) Trevaskys (1960) e Benitez (1999) 222 Vanhoutte (1956) e Frede (1993)

155 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

conhecimentos) Logo como jaacute disse sigo nesta posiccedilatildeo com todo o cuidado possiacutevel e ciente

da necessidade de uma investigaccedilatildeo mais pormenorizada sobre todas as posiccedilotildees

conflitantes acerca das divisotildees anteriormente citadas minha opccedilatildeo por uma determinada

posiccedilatildeo deve-se num primeiro momento a uma anaacutelise direta do que me parece mais evidente

ser possiacutevel verificar no diaacutelogo Uma tal criacutetica especializada que confronte essas posiccedilotildees

e que possa defender com mais veemecircncia a posiccedilatildeo adotada por este trabalho exigiraacute um

esforccedilo maior a ser apreendido em um momento posterior Passemos entatildeo aos

desdobramentos posteriores do diaacutelogo na tentativa de compreender entatildeoΝ ἷὅὅaΝ ldquoὀὁvaΝ

maὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝutiliὐaἶaΝὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅΝagὁὄaΝἷΝὃuἷΝἶἷfiὀiὄὠΝὁΝὄumὁΝἶἷΝtὁἶaΝaΝiὀvἷὅtigaὦatildeὁΝultἷὄiὁὄέ

32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

Diante da insistecircncia de Protarco sobre a dificuldade de permanecerem nas aporias

relativas agrave divisatildeo (20a) Soacutecrates deveraacute retomar as questotildees iniciais do diaacutelogo e

novamente tratar da disputa inicial entre prazer e inteligecircncia pelo primeiro precircmio No caso

aὀtἷὄiὁὄΝὁΝἵiacuteὄἵulὁΝἷὀtὄἷΝaΝviἶaΝἴὁaΝἷΝaΝἶialὧtiἵaΝὄἷὅultὁuΝὀaΝaὂὄἷὅἷὀtaὦatildeὁΝἶὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝ

(16c-17a) das divisotildees com as quais deve lidar o dialeacutetico quando se depara com algo

ilimitado como eacute o caso do prazer A identidade entre prazer e bem assim como a identidade

entre inteligecircncia e bem gerava um ciacuterculo vicioso (14b) e a uacutenica saiacuteda seria a busca por

umaΝ ldquotἷὄἵἷiὄaΝ ἵὁiὅardquoΝ ( δΝ λέ κθΝ ζζκ)Ν caso nenhum dos dois (prazer ou inteligecircncia)

demonstrassem natildeo ser o bem Para tal Soacutecrates postulou a divisatildeo entre os prazeres com

base nas diferenccedilas e ateacute mesmo contrariedades existentes nisso que denominamos como

algo uacutenico ldquoἢὄaὐἷὄrdquoΝ como tambeacutem postulou uma divisatildeo tendo em vista a bondade dos

prazeres distinguindo prazeres maus de prazeres bons Este uacuteltimo tipo de divisatildeo como

vimos natildeo fora aceito por Protarco (13c) e a fim de sanar o impasse Soacutecrates se refere agrave

multiplicidade e agrave contrariedade que tambeacutem envolve os conhecimentos sem no entanto

tocar na questatildeo da bondade ou maldade dos conhecimentos

ἢὄὁtaὄἵὁΝἷὀtatildeὁΝafiὄmaΝὄἷἵὁὀhἷἵἷὄΝἷὅὅἷΝldquoὂὧΝἶἷΝigualἶaἶἷrdquoΝ(1ἂa)ΝἷὀtὄἷΝamἴὁὅΝ(ὂὄaὐἷὄΝ

e conhecimento) o que na verdade eacute uma equidade apenas aparente pois sobre os

conhecimentos apenas se diz que satildeo diferentes variados e ateacute mesmo contraacuterios uns aos

outros Logo o interluacutedio (14b- 20a) que iraacute tratar dos problemas relativos ao um e ao muacuteltiplo

possuem uma relaccedilatildeo direta ndash por mais que alguns defendam que natildeo ndash com o conteuacutedo do

diaacutelogo Fica claro que a forma de se tratar dos prazeres deve ser dialeacutetica poreacutem essa

proacutepria abordagem dos prazeres exige um tratamento preacutevio que foge das alusotildees aos

ὂὄὁἵἷἶimἷὀtὁὅΝ ἶialὧtiἵὁὅΝ ἶitὁὅΝ ldquohaἴituaiὅrdquoέΝ ἢὄὁtaὄἵὁΝ ὀatildeὁΝ ὄἷἵὁὀhἷἵἷΝ ἷὅὅaΝ imὂὁὄtacircὀἵiaΝ ἶὁΝ

ldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝἷΝὅἷΝvecircΝiὀἵaὂaὐΝἶἷΝὄἷaliὐaὄΝaὅΝἶiviὅὴἷὅΝὁὂἷὄaἶaὅΝὂὁὄΝἥὰἵὄatἷὅΝἷxigindo que

156 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

a questatildeo inicial sobre a vida boa capaz de tornar os homens felizes seja retomada como

tamἴὧmΝὃualΝἶὁὅΝἶὁiὅΝὂὄaὐἷὄΝὁuΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝὧΝiἶecircὀtiἵὁΝ( α σθΝἀίἵἀ)ΝaὁΝἴἷmέ

Eacute importante notar que Soacutecrates natildeo o refuta mas deixa que Protarco manifeste sua

insuficiecircncia diante do virtuosismo das divisotildees socraacuteticas e a rapidez em suas transiccedilotildees

Talvez isso aconteccedila para mostrar a diferenccedila entre o exame dialeacutetico-filosoacutefico rigoroso e o

jogo retoacuterico-sofiacutestico antes de adentrar agraves questotildees dos dialeacuteticos experientes aquelas que

versam sobre o bem categoria a que Protarco evidentemente natildeo pertence Todavia no

momento em que assume sua ignoracircncia e teme cair no ridiacuteculo justamente por se auto

reconhecer como ignorante natildeo querendo fazer de sua incompreensatildeo objeto de escaacuternio

para os demais ele daacute o primeiro passo para a filosofia mesmo sem saber sem estar ciente

disso ainda que ela natildeo lhe agrade pois como se pode notar (19c-d) ele ainda permanece

preso ao ciacuterculo vicioso devido agrave sua defesa da tese reelaborada na discussatildeo que ele mesmo

defende a identidade entre bem e prazer (Cf DELCOMMINETTE 2002 p 162)

A demarcaccedilatildeo dialeacutetica se oferece nesta primeira abordagem como uma saiacuteda para

tratar da questatildeo dos prazeres da multiplicidade que lhes eacute caracteriacutestica tornando evidente

que o prazer eacute algo complexo muacuteltiplo e natildeo algo uacutenico Os conhecimentos satildeo tambeacutem

muacuteltiplos poreacutem estes lidam com unidades reais e que excluem imediatamente os

conhecimentos contraacuterios ou falsos Vale lembrar que a dialeacutetica eacute capaz de apresentar

divisotildees coerentes mas nunca exaustivas esgotadas ela eacute sempre parcial De tal modo

analisados prazeres e conhecimentos sob a perspectiva da unidade e multiplicidade vemos

que ambos natildeo satildeὁΝἷὅὅἷΝalgὁΝldquoήὀiἵὁrdquoΝldquoiἶecircὀtiἵὁrdquoΝὂaὄaΝὃuἷΝὅἷjam tomados como o bem

Note-se que esse ciacuterculo vicioso entre prazer e bem natildeo foi de tudo rompido Ainda

falta dizer porque alguns prazeres podem ser ditos bons e outros maus ou melhor porque o

prazer natildeo eacute o bem A deficiecircncia de Protarco em seguir as divisotildees anteriores natildeo eacute

ingecircnua223 sua incapacidade de seguir o caminho da dialeacutetica (19b 20a) que resulta na

ldquoὅἷguὀἶaΝὀavἷgaὦatildeὁrdquoΝ(1λἵ)Νἵὁlὁἵaἶa ὂὁὄΝἢlatatildeὁΝὀaΝἴὁἵaΝἶἷΝἢὄὁtaὄἵὁΝὀὁὅΝἶiὄigἷΝaΝumaΝldquoὀὁvaΝ

faὅἷrdquoΝἶὁΝὂἷὄἵuὄὅὁΝaὄgumἷὀtativὁΝἷΝἶὁὅΝfiὀὅΝaΝὃuἷΝὅἷΝἶiὄigἷΝὁΝἶiὠlὁgὁέ Ao que tudo indica apoacutes

a demarcaccedilatildeo da dialeacutetica que envolve os prazeres seraacute possiacutevel tratar do bem e da vida

223 ἒἷlἵὁmmiὀἷttἷΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷΝἴἷmΝἷὅὅaΝὃuἷὅtatildeὁΝὃuaὀἶὁΝἶiὐμΝldquoὂὁὄΝὁutὄὁΝlaἶὁΝἷὅὅἷΝὄἷtὁὄὀὁΝὅὁἴὄἷΝὅiΝmesmo leva Protarco a reconhecer sua incapacidade de praticar a dialeacutetica Essa incapacidade natildeo eacute contingente como vimos ela eacute a consequecircncia necessaacuteria do seu hedonismo Nesta fase do diaacutelogo Protarco ainda natildeo tem nenhuma razatildeo para desistir de sua posiccedilatildeo hedonista e enquanto ele o adotar natildeo poderaacute praticar dialeacutetica Nesse sentido tambeacutem o valor metodoloacutegico da dialeacutetica natildeo pode ser pressuposto porque conceder tal valor agrave dialeacutetica jaacute implica que o hedonismo radical de Protarco foi refutado Soacutecrates certamente tornou este valor plausiacutevel apresentando a dialeacutetica como um presente dos deuses mas para aceitaacute-lo plenamente Protarco deve primeiro estar livre de seu hedonismo radical Eacute portanto a identidade proclamada entre o prazer e o bem que seratildeo abordados agora e ὅἷmΝὄἷἵὁὄὄἷὄΝὡΝἶialὧtiἵaΝὅἷmΝaΝὃualΝaΝἶἷmὁὀὅtὄaὦatildeὁΝὅἷὄiaΝἴaὅἷaἶaΝἷmΝumΝἵiacuteὄἵulὁΝviἵiὁὅὁrdquoΝ(ἀίίἀΝὂέΝ162 grifos do autor)

157 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

boa prescindindo das divisotildees das espeacutecies de prazer o que por sinal iraacute eliminar de vez o

impasse do ciacuterculo inicial

Lembremos que todo o processo argumentativo culminaraacute no artifiacutecio socraacutetico

habitual consistindo em faὐἷὄΝ ἵὁmΝ ὃuἷΝὅἷuΝ iὀtἷὄlὁἵutὁὄΝ ὅἷΝ tὁὄὀἷΝ umΝ ἶἷfἷὀὅὁὄΝ ἶaΝ ldquotἷὅἷΝ da

multiἶatildeὁrdquoΝὃuἷΝὂὁὅtulaΝὁ prazer como o bem A primeira abordagem da dialeacutetica como vimos

natildeo fazia sair do impasse daquela tese em quἷΝldquoὁὅΝὄἷfiὀaἶὁὅrdquo diziam ser a inteligecircncia o bem

os intemperantes ser o prazer o bem224 Pode-se afirmar que em um primeiro momento a

dialeacutetica eacute um meio oferecido por Soacutecrates para tratar definitivamente da saiacuteda desse impasse

por meio de uma segunda tentativa que iraacute configurar a vida mista ou seja o proceder

dialeacutetico seraacute ofertado por quem natildeo a pratica ainda mas permanece circunscrito em um

discurso fechado que natildeo se potildee em discussatildeo e que busca se afirmar sempre A

modificaccedilatildeo no discurso inicial de Filebo que diz que o prazer eacute bom para todos os seres vivos

e que todos o desejam reconfigura-ὅἷΝὀaΝldquotἷὅἷΝἶaΝmultiἶatildeὁrdquoΝὂἷlaΝaὦatildeὁΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅ225 e de

Protarco226 que emprestam ao personagem que nomeia o diaacutelogo um discurso transmutado

em tese Em um segundo momento a dialeacutetica agora pode se voltar sobre o outro aspecto

relativo agrave anaacutelise do prazer a saber sua bondade ouΝὅἷjaΝὁΝaὅὂἷἵtὁΝldquoὧtiἵὁrdquoΝὄἷἵὁἴὄἷΝἷὅὅaΝ

segunda parte evidenciando uma aparente derrocada metodoloacutegica uma separaccedilatildeo artificial

e forccedilada pois ambos os aspectos (metodoloacutegicoeacutetico) se implicam mutuamente como se

pode notar Estamos agora de volta agravequele ciacuterculo vicioso inicial poreacutem em uma outra

extremidade Agora seraacute o bem que deveraacute ser tratado para afinal se decidir se um dos dois

prazer ou conhecimento pode ser tido como o bem

Anteriormente a dialeacutetica era tratada em vista da abordagem muacuteltipla indeterminada

dos prazeres a fim de demonstrar a coerecircncia interna faltante na tese do gecircnero comum dos

prazeres Agora a dialeacutetica deixa aos poucos transparecer sua parcialidade trata-se aqui da

ὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝἶἷΝviὅlumἴὄaὄΝaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝἷὅὅἷΝtἷὄἵἷiὄὁΝtἷὄmὁΝἷὅὅἷΝἵὁὀtἷήἶὁΝvaὐiὁΝaΝὃualὃuἷὄΝ

um que natildeo eacute capaz de praticar a dialeacutetica de onde essa concepccedilatildeo (a vida boa) resulta Isso

explica como bem observa Delcomminette que ldquonestas circunstacircncias natildeo eacute surpreendente

que Soacutecrates use exatamente o mesmo estratagema que no caso anterior para quebrar o

224 (Cf R VI 505b7-8) 225 Como bem notou Dixsaut (2017) Soacutecrates inverte pura e simplesmente a afirmaccedilatildeo primeira no decorrer do diaacutelogo a ponto de chegar a dizer que o Filebo natildeo teria no final das contas afirmado que todo prazer eacute bom mas ele teria dito que o bem eacute o prazer A afirmaccedilatildeo de Filebo quanto agrave bondade do prazer transforma-ὅἷΝἷmΝumaΝ(mὠ)ΝἶἷfiὀiὦatildeὁΝἶὁΝἴὁmΝἷlaΝaiὀἶaΝaἵὄἷὅἵἷὀtaμΝldquoἓὀtὄἷΝaΝfὰὄmulaΝiὀiἵialΝe sua inversatildeo final haacute todo um percurso bastante complicado do Diaacutelogo sendo um de seus resultados ter triunfado em estabelecer uma simetria perfeita entre as duas teses e diferenciar ὄaἶiἵalmἷὀtἷΝὅἷuὅΝὂaὄtiἶὠὄiὁὅrdquoΝ(ὂέΝἀἃἄ-257) 226 ldquoἏΝὂὄimἷiὄaΝtὄaὀὅfὁὄmaὦatildeὁΝὧΝὁὂἷὄaἶaΝὂὁὄΝἢὄὁtaὄἵὁέΝἡὅΝἶὁiὅΝ logoi (o de Filebo e o de Soacutecrates) satildeo apresentados por ele como duas respostas a uma mesma questatildeo o que confere agravequele de Filebo um valὁὄΝὄἷiviὀἶiἵativὁΝauὅἷὀtἷΝἶaΝὂὄimἷiὄaΝfὰὄmulaμΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἵἷὅὅaΝἶἷΝὅἷὄΝlsquoἴὁmΝὂaὄaΝtὁἶὁὅΝὅἷὄἷὅΝvivὁὅrsquoΝpara tornar-ὅἷΝlsquoaΝmἷlhὁὄΝἶaὅΝἵὁiὅaὅΝhumaὀaὅrsquoΝἷΝἷὀtὄaὄΝἷmΝἵὁὀἵὁὄὄecircὀἵiaΝἵὁmΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦ 2017 p 255)

158 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ἵiacuteὄἵulὁΝ aΝ ὅaἴἷὄΝ umaΝ ὄἷvἷlaὦatildeὁΝ ἶiviὀardquoΝ (2002 p 162-163) Vejamos do que trata essa

lembranccedila divina227 (πλ μΝ α κῖμΝηθάηβθΝ δθ κε ῖ έμΝηκδΝ πεΫθαδΝγ θΝ ηῖθ) (20b3-4)

Soc Vecircm agora agrave minha mente certos discursos (ζσΰπθ) que haacute muito escutei em sonho ou em vigiacutelia sobre o prazer e o pensamento (π λέ

κθ μ εα φλκθά πμ) Tais discursos afirmam que nenhum dos dois eacute o bem ( μΝκ Ϋ λκθΝα κῖθΝ δΝ ΰαγσθ) mas sim uma terceira coisa ( ζζ

ζζκΝ δΝ λέ κθ) diferente deles ( λκθΝ η θΝ κτ πθ) e melhor que ambos ( η δθκθΝ ηφκῖθ) Mas se isso de revelar agora com toda clareza para noacutes (εαέ κδΝ κ σΝΰ Ν θΝ θαλΰ μΝ ηῖθΝφαθ θ θ) entatildeo o prazer fica afastado da vitoacuteria ( πάζζαε αδΝη θΝ κθ κ θδε θ) pois o bem natildeo poderia mais ser a mesma coisa que o prazer ( ΰ λΝ ΰαγ θΝκ εΝ θΝ δΝ α θΝα ΰέΰθκδ κ) Natildeo eacute assim (20b6-c2)

A possibilidade de umaΝ ldquotἷὄἵἷiὄaΝ ἵὁiὅardquoΝ ἵὁmὁΝ jὠΝ ἶiὅὅἷmὁὅΝ jὠΝ tἷὄiaΝ ὅiἶὁΝ aὀuὀἵiaἶaΝ

(11d11-12a4) aqui Ela apenas se concretiza passa a ser o meio pelo qual torna-se possiacutevel

ὅaiὄΝἶὁΝἷὀfὄἷὀtamἷὀtὁΝἷὀtὄἷΝἶuaὅΝtἷὅἷὅΝiὀἵὁmὂatiacutevἷiὅέΝἏΝldquolἷmἴὄaὀὦaΝἶἷΝἥὰἵὄatἷὅrdquoΝὧΝὁΝmἷiὁΝ

encontrado para prescindir da divisatildeo das espeacutecies de prazer (20c4-6) De certa forma a

questatildeo sobre o bem jaacute antecipa a conclusatildeo que viraacute mais adiante a vida boa eacute uma vida

mista resultante da combinaccedilatildeo ἷὀtὄἷΝὂὄaὐἷὄΝἷΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝ(ldquo υθαηφσ λκμΝ(έέέ)Ν ιΝ ηφκῖθΝ

υηη δξγ μΝεκδθ μΝΰ θση θκμνrdquo) (22a1-2) Mas de que maneira se pode compreender essa

mistura Os deuses apenas se contentam em nos informar a ὂὁὅὅiἴiliἶaἶἷΝἶἷΝldquouma terceira

ἵὁiὅaΝὅἷὄΝὁΝἴἷmrdquoΝἷὀtὄἷtaὀtὁ esse conteuacutedo ainda permanece vazio nada sabemos acerca da

vida boa exceto que ela eacute uma vida mista e que prazer e inteligecircncia soacute podem agora lutar

pelo segundo precircmio O que exige que Soacutecrates e Protarco entrem em acordo

( δκηκζκΰβ υη γα) sobre alguns pequenos pontos (ηέελrsquoΝ α) (20c8) sobre o lote que

compete ao bem ( θ ΰαγκ ηκῖλαθ) (20d1) o bem ( θ ΰαγκ ) deve ser perfeito ( Ϋζ κθ)

(20d1-2) suficiente ( εαθ θ) (20d4) quando reconhecido perseguido por todos e todos

tendem a ele querendo capturaacute-lo e adquiri-lo (ldquo μΝπ θΝ ΰδΰθ εκθΝα γβλ τ δΝεα φέ αδΝ

ίκυζση θκθΝ ζ ῖθΝεα π λ α ε ά α γαδrdquo)Ν ldquo() e natildeo se preocupa com nenhuma outra

coisas exceto aquelas que se completam emΝἵὁὀἷxatildeὁΝἵὁmΝalgumΝἴἷmrdquoΝ(εα θΝ ζζπθΝκ θΝ

φλκθ έα δΝπζ θΝ θΝ πκ ζκυηΫθπθΝ ηαΝ ΰαγκῖμ)Ν(ἀίἶἅ-10)

Em 20e a questatildeo reconfigura-se As duas hipoacuteteses aventadas no iniacutecio do diaacutelogo

acerca do bem transformam-se agora em modelos de vida que passam a ser confrontados

vida de prazer ( θ κθβμ ίέκθ) e vida de pensamento ( θ φλκθά πμ ίέκθ) (20e1-2) Natildeo

ὅἷΝtὄataΝmaiὅΝἶὁΝldquoἷὅtaἶὁΝὁuΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝἶaΝalmaΝὂaὄaΝὂἷὀὅaὄrdquoΝὀἷmΝἶὁΝldquoἷὅtaἶὁΝὁuΝἶiὅὂὁὅiὦatildeὁΝ

ἶaΝalmaΝὂaὄaΝὅἷὀtiὄΝὂὄaὐἷὄrdquoέΝἡΝὃuἷΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝἵhamaἶὁΝἶἷΝἴἷmΝeacute um modo de vida (ίέκμ)

227 Essa accedilatildeo de recordar eacute comum em outros diaacutelogos como se nota em Chrm 178a Tht 201c-d Lg 800a 960b

159 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

que passa do modelo de vida unicamente dos seres vivos para um modelo que podemos e

devemos escolher o qual depende necessariamente da atuaccedilatildeo de certos estados e

disposiccedilotildees da alma que conduzem agrave felicidade Essa vida boa soacute pode ser a vida feliz que

necessariamente depende da maneira de ser (estado) do cultivo desses estados e do

resultado dessas disposiccedilotildees

A vida boa eacute a uacutenica que pode receber tais atributos se de fato estamos a considerar

uma vida propriamente humana ἥἷΝἶἷὅἷjaὄmὁὅΝὃuἷΝἷlaΝὅἷjaΝumaΝldquoἴὁaΝviἶardquoΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝ

que nos atenhamos agravequilo que consideramos ser o bem Isso natildeo significa considerar o bem

como algo metafiacutesico ou abstrato Temos aqui um experimento mental ambas as vidas (de

prazer e de conhecimento) satildeo examinadas ( εκπ η θ) e julgadas (ελέθπη θ)

separadamente sob o propoacutesito de se verificar alguma identidade entre elas e o bem (20e1-

2) Ora se alguma destas vidas eacute o bem elas natildeo devem prescindir de mais nada Deste

modo natildeo se poderaacute admitir nem pensamento na vida de prazer nem prazer na vida de

pensamento Caso algumas das vidas demonstre insuficiecircncia ela natildeo poderaacute ser o bem

(21a4-8) Eacute aqui que tais vidas satildeo postas agrave prova e o criteacuterio eacute simples como algueacutem aceitaria

regular a sua existecircncia inteira e unicamente pela busca de um ou de outro isto eacute unicamente

de prazer ou unicamente de inteligecircncia

A proposta entatildeo eacute feita a Protarco Satildeo testadas no proacuteprio interlocutor

Primeiramente poderia este aceitar viver a vida inteira desfrutando dos maiores prazeres

( κθ μ η ΰέ αμ) (21a8-9) Isso seria suficiente Soacutecrates alega que natildeo visto que sem o

pensamento e a inteligecircncia (φλκθ ῖθ εα κ θκ ῖθ) torna-se impossiacutevel a realizaccedilatildeo do caacutelculo

(ζκΰέα γαδ) daquilo que eacute necessaacuterio ao indiviacuteduo ele ignoraria o proacuteprio fato de estar

sentindo prazer jaacute que natildeo possui pensamento (21b6) Tambeacutem natildeo poderia se lembrar dos

prazeres passados nem conservar a lembranccedila do prazer presente pois natildeo possuiria neste

caso a memoacuteria (ηθάηβθ) (21c1-4) Sem a opiniatildeo verdadeira ( σιαθ ζβγ ) natildeo se pode

julgar ( σιαα δθ) que haacute prazer nem mesmo calcular (ζκΰδ ηκ ) o prazer vindouro (21c4-6)

Soc Natildeo viverias no entanto uma vida humana ( θγλυπκυ ίέκθ) mas a vida de algum molusco ou de uma dessas criaturas marinhas que vivem em corpos de ostras Seraacute assim mesmo ou podemos conceber isso de modo diferente (21c6-8)

ἜἷfἷἴvὄἷΝ(1λλλ)ΝἷxὂliἵaΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶὁΝldquoὂulmatildeὁΝmaὄiὀhὁrdquoΝἷΝἶaὅΝldquoἵὄiatuὄaὅΝaὃuὠtiἵaὅέΝἡΝ

teoacuterico nos explica que aqui se faz menccedilatildeo agrave falta de consciecircncia do prazer e tambeacutem natildeo se

trata de uma pura oposiccedilatildeo entre o animal e o humano Os seres aquaacuteticos ocupam o uacuteltimo

grau da hierarquia dos viventes que natildeo respiram pelo ar mas pela aacutegua impuros como sua

alma porque satildeo os mais ignorantes O pulmatildeo marinho eacute um niacutevel uma direccedilatildeo assintoacutetica

mais baixa no sentido de uma hierarquia das almas A alma do pulmatildeo marinho eacute ainda mais

160 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

pobre que a das plantas e que natildeo participam da transmigraccedilatildeo das almas (Cf Ti 92b-c)

Plantas possuem sensaccedilotildees prazerosas e dolorosas juntamente como desejo o pulmatildeo

marinho natildeo (Ti 77b6-7) estatildeo fixados imoacuteveis na sensaccedilatildeo de um prazer sem dor Mas o

prazer em si lhe falta O pulmatildeo marinho carece de sensibilidade porque lhe falta um elemento

nomeado φλσθδηκθ (Cf Ti 64b6)228 (p 81-84)

No Filebo a vida de prazer puro eacute como dito anteriormente desprovida de memoacuteria

de opiniatildeo correta e de reflexatildeo Antecipaccedilatildeo conhecimento lembranccedila conservaccedilatildeo seriam

accedilotildees impossiacuteveis ao prazer sem o conhecimento Passado presente e futuro satildeo as

dimensotildees temporais que caracterizam o fluxo no qual o prazer se encontra Sem essas

dimensotildees o prazer seria apenas instantacircneo ou menos do que isso O Filebo nos diraacute em

33d-34a que haacute insensibilidade ( θαδ γβ έα) quando a impressatildeo (πΪγβηα) fraca apenas

toca o corpo sem afetar a alma ou seja no caso em que um ser vivo eacute totalmente desprovido

de φλσθβ δμ Isso natildeo significa que as sensaccedilotildees desses seres aquaacuteticos natildeo alcanccedilariam

suas almas uma vez que eles a possuem eles teriam sim sensaccedilotildees (α γβ δμ) e natildeo

insensibilidade mas sem memoacuteria imediatamente apoacutes a sensaccedilatildeo esta natildeo se conservaria

desapareceria instantaneamente

Poderiacuteamos dizer que esta alma (do pulmatildeo marinho) eacute uma alma desejante por

conseguinte sentiria falta de prazer ou seja dor Esse tipo de alma seria um sujeito

desejante Essa pergunta eacute complicada e talvez soacute teraacute resposta mais adiante a dor ainda

ὀatildeὁΝὧΝ tὄataἶaΝaὃuiέΝEacuteΝ imὂὁὅὅiacutevἷlΝὅaἴἷὄΝὅἷΝἷὅὅἷΝὂὄaὐἷὄΝ ldquoἵὁmὂlἷtὁrdquoΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝcomparado ao

sujeitos dos prazeres mistos que seraacute analisado mais adiante (31d-36c 46b-47b) Nenhum

prazer que seja da alma ou do corpo exceto os prazeres puros pode ser separado da dor da

alma ou do corpo anterior ou simultacircnea em relaccedilatildeo ao prazer Quem tem sede sofre essa

sede em seu corpo mas se alegra em sua alma de poder saciar-se ou sofre por natildeo poder

fazer tal accedilatildeo O corpo tanto sofre quanto se alegra quando sacia sua sede Os maiores

prazeres ( η θκμ κθ μ μ η ΰέ αμ 21a9 b4-5) oferecidos a Protarco em um estado

hipoteacutetico de vida de puro prazer seratildeo tomados no diaacutelogo enquanto pertencentes ao gecircnero

ἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝmiὅtὁὅΝὃuἷΝἵὁὀtὧmΝmaiὁὄΝvivaἵiἶaἶἷΝὁὅΝὃuaiὅΝὅatildeὁΝὄἷὀἷgaἶὁὅΝὂἷlὁὅΝldquoiὀimigὁὅΝ

ἶὁὅΝ ὂὄaὐἷὄἷὅΝ ὄἷὂugὀaὀtἷὅrdquoΝ iὅtὁΝ ὧΝ ὁὅΝ ὂὄaὐἷὄἷὅ desmesurados (45d3-ἄ)rdquoΝ ὂὄἷἵἷἶiἶὁὅΝ ὂὁὄΝ

grandes desejos e acompanhados por dores (46a-b) os prazeres excessivos que deixam

loucos os indiviacuteduos intemperantes Aqui natildeo se trata de intemperanccedila natildeo eacute a vida de

228 ldquoἡΝὂulmatildeὁΝὀatildeὁΝὧΝlimitaἶὁΝaὁΝὂὄaὐἷὄΝἶἷΝtὁἵaὄΝὂὁὄὃuἷΝἷlἷΝὅἷὃuἷὄΝtἷmΝὂὄaὐἷὄμΝἷlἷΝὧΝὅἷmΝphronesis e portanto absolutamente desprovido de sensaccedilotildees em geral O pulmatildeo natildeo eacute prazer sem pensamento porque uma impressatildeo sobre a carne de um pulmatildeo marinho ou de um molusco consiste no maacuteximo em uma impressatildeo extremamente lenta a se propagar em um corpo cujas partes natildeo iratildeo captar jamais o eco e que natildeo alcanccedilaraacute jamais algum phronimon O pulmatildeo marinho entatildeo quase natildeo eacute nada no todo porque o prazer totalmente desprovido de phronegravesis eacute no maacuteximo uma alma ( ηουξα Filebo 21c8 TimeuΝλἀἴἁ)Ν(έέέ)rdquoΝ(ἜἓἔἓἐVἤἓΝ1λλλΝὂέΝἆἂ)έ

161 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

prazeres desmedidos mas a vida de prazer ausente de memoacuteria exceto no caso da vida de

prazer puro Como veremos natildeo haacute desejo sem memoacuteria (33c5-34d6)229 a memoacuteria ainda

natildeo possui um papel particular na discussatildeo mas ela seraacute fundamental na anaacutelise do prazer

O prazer dele (do pulmatildeo marinho) eacute o maacuteximo possiacutevel um prazer da πζ λκ δμ (repleccedilatildeo)

ἷΝὀatildeὁΝumΝὂὄaὐἷὄΝὂaὅὅagἷiὄὁΝὃuἷΝimὂliἵaὄiaΝiὄὄitaὦatildeὁΝἷΝἶὁὄέΝldquoἡΝὂulmatildeὁΝmaὄiὀhὁΝὀatildeὁΝὧΝaὅὅimΝ

apenas o limite do pensaacutevel mas o mais inferior o mais baixo de todos os viventes alguns

desses vivem uma vida de prazeres mistos prazeres que se acompanham de dores e de

mἷmὰὄiardquoΝ(ἜἓἔἓἐVἤἓΝ1λλλΝὂέΝἆἄ)έΝ

Natildeo nos interessa tanto essa descriccedilatildeo do prazer sem nenhuma φλσθ δμ e sem

nenhuma dor pois o pulmatildeo marinho goza sem saber e nem deseja um prazer que natildeo seja

defectivo em suma eacute um vivente totalmente atiacutepico Esse tipo de vida natildeo eacute um tipo de vida

que possa ser escolhido enquanto uma vida tipicamente humana Natildeo temos aqui uma

triparticcedilatildeo entre divino animal humano e vida marinha Essa hierarquia ndash se eacute que haacute uma

hierarquia ndash eacute mais continuiacutesta do que separatista como o diaacutelogo iraacute nos mostrar Soacutecrates

entatildeo daacute lugar a uma segunda hipoacutetese a vida de pensamento sem o prazer (ίέκθ

φλκθά πμ ίέκθ) (21d9-e2) ou seja uma vida unicamente em que se possui pensamento e

inteligecircncia e a memoacuteria completa de todas as coisas mas sem tomar parte nem muito nem

pouco nem do prazer nem da dor isto eacute uma vida sem experimentar ( παγ μ) nenhuma

ἶἷὅὅaὅΝἶuaὅΝἵὁiὅaὅέΝldquoἠἷὀhumaΝἶaὅΝἶuaὅΝviἶaὅΝὧΝἶigὀaΝἶἷΝἷὅἵὁlhaΝ(α λ μ) ()rdquoΝἶiὄὠΝἢὄὁtaὄἵὁΝ

(21e3-4) nem para o interlocutor nem para a escolha de ningueacutem Ressalta-se que tanto a

vida de prazer instantacircneo sem memoacuteria (moluscos e pulmatildeo marinho) como a vida de puro

ὂἷὀὅamἷὀtὁΝὅatildeὁΝἷxtὄἷmὁὅΝἶἷΝviἶaὅμΝ ldquo(έέέ)ΝumaΝἷΝὁutra indicam duas direccedilotildees que natildeo satildeo

humanamente desejaacuteveis mas que natildeo estatildeo totalmente fechadas agrave escolha do homemrdquo

(LEFREBVRE 1999 p 87) Mas em se tratando da discussatildeo ali encetada quanto agrave vida

boa humana a uacutenica escolha possiacutevel eacute uma vida de pensamento e de prazer

As posiccedilotildees iniciais satildeo de fato falas natildeo por um juiacutezo de valor um juiacutezo moral neste

caso equivocado Esses extremos natildeo podem ser escolhidos230 Podemos notar tal fato pela

discussatildeo que segue

229 ldquo(έέέ)ΝaὂἷὀaὅΝὂodemos desejar a repleccedilatildeo tocaacute-la de alguma maneira natildeo pelo corpo que eacute vivo mas pela alma cuja memoacuteria permanece sempre plena disso que ela goza com o corpo A memoacuteria eacute a condiccedilatildeo de possibilidade do desejo e em geral o princiacutepio vital a origem do todo movimento em direccedilatildeo ao prazer (35d1-3) a memoacuteria que conserva e evoca indica para o vivente os caminhos do prazer jaacute empregados e suscetiacuteveis de ser uma novidade Um vivente sem memoacuteria natildeo poderia portanto desejar nada e nem buscar como objeto do prazer permanecendo inteiramente passivo vindo ateacute ele em permanecircncia um prazer que ele natildeo teria desejado que natildeo seria conservado e sobre o ὃualΝἷlἷΝὀatildeὁΝὅaἴἷὄiaΝὃuἷΝἷὅtaὄiaΝgὁὐaὀἶὁrdquoΝ(ἜἓἔἓἐVἤἓΝ1λλλΝὂέΝἆἄ)έ 230 Gadamer (2009) eacute um dos que percebem essa contradiccedilatildeo que se apresenta nas propostas aὂὄἷὅἷὀtaἶaὅΝὂaὄaΝaΝἷὅἵὁlhaΝἶὁὅΝmὁἶὁὅΝἶἷΝviἶaμΝ ldquoaὅὅimΝὀaΝvἷὄἶaἶἷΝ lὁgὁΝὀaΝἵἷὀaΝ iὀiἵialΝἷmΝὃuἷΝamἴὁὅΝ ὁὅΝ iἶἷiaὅΝ lsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝ ἷΝ lsquoἵὁὀhἷἵimἷὀtὁrsquoΝ ὅatildeὁΝ ἵὁὀtὄaὅtaἶὁὅΝ ὧΝ ὂἷὄὂaὅὅaἶaΝ ὂὁὄΝ umaΝ ἵὁὀtὄaἶiὦatildeὁΝlatente A maneira ἵὁmὁΝ tὁἶὁὅΝ ὁὅΝ ὅἷὄἷὅΝ vivὁὅΝ ὁἴἷἶἷἵἷmΝ ὡὅΝ ἵἷgaὅΝ aὁΝ imἷἶiatὁΝ ὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝ lsquoὂὄaὐἷὄrsquoΝimpulsionados pelo poder secreto do iacutempeto vital natildeo satisfaz a possibilidade do ser humano de levar

162 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

Soc E o que me dizes ProtarἵὁΝἶaΝἵὁmἴiὀaὦatildeὁΝ( έΝ ᾽ υθαηφσ λκμ)ΝἶἷΝambas proveniente da mistura comum das duas ( ιΝ ηφκῖθΝ υηη δξγ μΝεκδθ μΝΰ θση θκμ)ς Prot Estaacutes falando da mistura de prazer de inteligecircncia e de pensamento ( κθ μΝζΫΰ δμΝεα θκ εα φλκθά πμ)ς Soc Estou falando exatamente disso ἢὄὁtέμΝἥἷmΝἶήviἶaΝὃualὃuἷὄΝumΝὅἷmΝἷxἵἷὦatildeὁΝἷὅἵὁlhἷὄiaΝ(α λά αδ)ΝἷὅὅaΝvida de preferecircncia a qualquer uma das outras duas Soc Seraacute que noacutes agora compreendemos qual a consequecircncia do presente argumento Prot Sim certamente Trecircs vidas foram propostas ( δΝ ΰ Ν λ ῖμΝ η θΝ ίέκδΝπλκυ Ϋγβ αθ)ΝἷΝἶuaὅΝἶἷlaὅΝὀatildeὁΝὅἷὄiamΝὅufiἵiἷὀtἷὅΝ( εαθ μ)ΝὀἷmΝἶigὀaὅΝἶἷΝἷὅἵὁlhaΝ (α λ μ)Ν ὅἷjaΝ ὂaὄaΝ ὁὅΝ hὁmἷὀὅΝ ὅἷjaΝ ὂaὄaΝ ὃualὃuἷὄΝ ὅἷὄΝ vivὁΝ (κ Ν

θγλυππθΝκ Να πθΝκ θέ)έ Soc No que diz respeito a elas fica claro entatildeo que nenhuma das duas possui o bem ( μΝκ Ϋ λκμΝα κῖθΝ ξ Ν ΰαγσθ)ςΝἢὁiὅΝὅἷΝὁΝὂὁὅὅuiacuteὅὅἷmΝelas seriam suficientes ( εαθ μ)ΝὂἷὄfἷitaὅΝ(εα Ϋζ κμ)ΝἷΝἶigὀaὅΝἶἷΝἷὅἵὁlhaΝὂaὄaΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ ὂlaὀtaὅΝ ἷΝ aὀimaiὅΝ (εα π δΝ φυ κῖμΝ εα α κδμΝ α λ σμ)Ν ὃuἷΝὂὁἶἷὄiamΝvivἷὄΝὅἷmὂὄἷΝaὅὅimΝaΝviἶaΝiὀtἷiὄaΝ(κ π λΝ υθα θΝ θΝκ πμΝ δ ίέκυΝα θ)νΝmaὅΝὅἷΝalgumΝἶἷΝὀὰὅΝἷὅἵὁlhἷὅὅἷΝὁutra coisa estaria agindo contra a natureza do que eacute verdadeiramente digno de escolha e contra a vontade ὂὁὄΝἵauὅaΝἶaΝigὀὁὄacircὀἵiaΝὁuΝὂὁὄΝἵauὅaΝἶἷΝalgumaΝfἷliὐΝfataliἶaἶἷΝ( ΫΝ δμΝ ζζαΝᾑλ ῖγ᾽ η θΝ παλ φτ δθΝ θΝ θΝ κ ζβγ μΝ α λ κ ζΪηίαθ θΝ επθΝ ιΝ

ΰθκέαμΝ δθκμΝ θΪΰεβμΝκ εΝ αέηκθκμ)Ν(ἀἀa1-b8)

Protarco teria ficado mudo diante da possibilidade da fruiccedilatildeo e uma vida unicamente

de prazer (21d4-5) mas essa sua afonia natildeo significa que ele natildeo tenha escolha Penso que

Platatildeo aqui natildeo diz que a vida unicamente de prazer eacute ruim ou boa natildeo se trata de uma

questatildeo valorativa mas de pura constataccedilatildeo de que uma vida unicamente de prazer eacute uma

vida inferior mesmo as plantas e os animais que satildeo tambeacutem seres desejosos perseguem

o prazer e possuem certo grau de memoacuteria por isso tambeacutem encontram-se submetidos nesse

ciclo de repleccedilatildeo e de vazio de prazer e de dor Perseguir naturalmente o prazer e fugir da

dor eacute uma accedilatildeo que envolve tanto corpo como alma Como jaacute dissemos envolve maior ou

menor grau de φλσθβ δμ em uma dada alma e em um determinado corpo isto eacute utilizando

umΝtἷὄmὁΝἵὁὀtἷmὂὁὄacircὀἷὁΝaΝἵaὂaἵiἶaἶἷΝἶἷΝldquoὅἷὀἵiecircὀἵiardquoΝἷmΝmaiὁὄΝὁuΝmἷὀὁὄΝgὄauΝὧΝὃuἷΝὀὁὅΝ

possibilita fazer escolhas perseguir aquilo que nos traz prazer e fugir daquilo que nos causa

dor O caso dos animais eacute um caso intermediaacuterio entre as duas vidas extremas assim como

o caso da vida humana Natildeo se trata entatildeo de uma diferenccedila entre animalidade humanidade

e divindade mas de uma diferenciaccedilatildeo em graus de inteligibilidade do sujeito desejante em

a sua proacutepria vida Essa questatildeo eacute exposta assim logo no iniacutecio de modo que no final teraacute de resultar a contradiccedilatildeo de que aqui algo seja colocado para escolha mas que efetivamente natildeo possa ser escolhido A cegueira do iacutempeto vital o qual sobre tudo impera eacute a falta de escolha Mas do outro lado da escolha encontra-se aquilo que por si soacute jaacute estaacute escolhido por estar posto para escolha o proacuteprio ἷὅἵὁlhἷὄΝatὄavὧὅΝἶὁΝἵὁὀhἷἵimἷὀtὁΝἵὁὀtiἶὁΝὀὁΝaὃuilὁrdquoΝ(ὂέΝ111)έΝ

163 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

relaccedilatildeo ao objeto prazeroso Eacute necessaacuterio aqui concordar com Lefka (2010) que esses

estaacutegios de vida extremados satildeo apenas suposiccedilotildees de Soacutecrates modos de vida presentes

no iniacutecio do diaacutelogo e que satildeo descartados totalmente agora mais do que indignos de escolha

eles nos satildeo na verdade impossiacuteveis Nossa constituiccedilatildeo humana encarnada bioloacutegica natildeo

nos permite tal escolha (p 173-174)

A alusatildeo aos animais e agraves plantas soacute pode ser neste caso uma insinuaccedilatildeo irocircnica

porque parece impossiacutevel aos animas e plantas escolherem algum tipo de vida Eles podem

escolher como gozar e como fugir da dor em um dado estado de vida que lhes eacute pertinente

ou seja naquele em que eles se encontram situados mas caso pudessem escolher entre ter

mais memoacuteria mais inteligibilidade para que gozem de prazeres mais permanentes dos quais

teriam uma melhor consciecircncia ou inteligibilidade obviamente escolheriam estar mais

proacuteximos do estado de permanecircncia de prazer e de ausecircncia em maior medida de dor ou

seja a apatia ἶaΝviἶaΝὃuἷΝἢlatatildeὁΝἵhamaὄὠΝἶἷΝldquomaiὅΝἶiviὀardquoΝ(ἁἁἴἅ)έΝεaὅΝὁΝὃuἷΝὀἷmΝmἷὅmὁΝὁὅΝ

animais e as plantas nos diz Soacutecrates em 22b podem escolher satildeo tambeacutem esses tipos de

vida extremados porque suas configuraccedilotildees aniacutemicas natildeo se situam nem na ausecircncia total

de φλσθβ δμ ou seja a apatia anestesia o prazer dotado de imediaticidade como eacute o caso

do pulmatildeo marinho que possui sensibilidade em menor grau nem no mais alto grau de

φλκθ δμ da pura inteligibilidade de permanecircncia de pensamento puro

Logo tanto a vida humana como a vida animal satildeo intermediaacuterias entre essas

concepccedilotildees impossiacuteveis de vida Ambas apenas se diferenciam perante as possibilidades de

escolha segundo os graus diferentes de φλσθβ δμ pois a vida humana mista diferentemente

da vida mista dὁὅΝaὀimaiὅΝὂὁἶἷΝὅἷΝὂὄἷὅtaὄΝaΝὅἷὄΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝumaΝviἶaΝἷmΝὃuἷΝὅἷΝgὁὐaΝ

melhor em que tais indiviacuteduos se abrem aos prazeres puros e necessaacuterios como tambeacutem a

todas as formas de conhecimento e que pode merecidamente ser tributaacuteria da caracterizaccedilatildeo

de uma vida mista (humana) propriamente boa Basta analisar a constataccedilatildeo do proacuteprio

ἢὄὁtaὄἵὁμΝldquoἓὅtὠὅΝfalaὀἶὁΝἶaΝmiὅtuὄaΝἶἷΝὂὄaὐἷὄΝἶἷΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἷΝἶἷΝ[ὂὄaὐἷὄΝἶἷ]ΝὂἷὀὅamἷὀtὁςrdquoΝ

(22a1-2) Apesar de franqueaacuteveis ambos os modelos de vida devido a nossa dada condiccedilatildeo

(humana) nos satildeo-nos impossiacuteveis por isso o prazer e o conhecimento da vida mista eacute

diferente do puro prazer e do puro conhecimento Aqui portanto se pode dizer que na vida

mista seja a de um animal ou de um homem tem-se um pensamento que resulta prazeroso

e prazeres que apenas existem a partir do pensamento A mistura num primeiro momento

parece ser uma mistura desses elementos tomados (unicamente) como no iniacutecio do diaacutelogo

mas aos poucos vemos que isso natildeo possiacutevel que natildeo se trata disso O prazer da vida mista

natildeo eacute o prazer puro e o pensamento da vida mista natildeo eacute o pensamento puro

ἏΝldquoviἶaΝἶiviὀardquoΝὂὄὰὂὄiaΝἶὁὅΝἶἷuὅἷὅΝὃuἷΝἷxἵluiΝὃualὃuἷὄΝὂὄaὐἷὄΝἷΝὂὁὄΝἵὁὀὅἷguiὀtἷΝὁΝ

tὄacircὀὅitὁΝ ldquoὂὄἷἷὀἵhimἷὀtὁ-vaὐiὁrdquoΝ ὂἷὄmaὀἷἵἷΝ ἵὁmὁΝ mὁἶἷlὁΝ umaΝ vἷὐΝ ὃuἷΝ ὁΝ hὁmἷm pode

apenas aspirar a esse estado divino de puro pensamento quando se potildee a refletir sobre uma

164 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

vida em que se pode gozar mais e da melhor maneira possiacutevel entretanto devido agrave sua

condiccedilatildeo jamais atingiraacute o niacutevel puro de inteligibilidade O homem e tambeacutem o filoacutesofo natildeo se

guiam pelo discurso inspirado nas paixotildees eroacuteticas dos animais mas por aqueles inspirados

pela forccedila da Musa filosoacutefica nos diraacute o final do Filebo (67b) Dizer que a busca dos animais

pelo prazer e a fuga da dor seria uma prova de que o prazer eacute o bem implica em desconsiderar

que a vida humana dispotildee de um modelo de vida ndash apesar de misto como os animais ndash em

que tanto o prazer quanto o conhecimento dessa vida mista (humana) satildeo diferentes isto por

que os graus de inteligibilidade que tornam possiacuteveis a fruiccedilatildeo dos prazeres ordenadamente

nessa vida eacute diferente daquela dos animais e por ser diferente ela possui outras e ateacute

melhores possibilidades de fruiccedilatildeo desses prazeres daquela dos animais

Em um niacutetido e bom tom ele (o filoacutesofo) tem algo a mais para se preocupar do que se

lamentar quanto agrave sua condiccedilatildeo presente colocando em atividade maacutexima sua criatividade

ὂaὄaΝtἷὀtaὄΝtὄaὀὅgὄἷἶiὄΝἷὅὅaὅΝldquoὄἷgὄaὅrdquoΝfiὄmἷmἷὀtἷΝἷὅtaἴἷlἷἵiἶaὅΝὂἷlaΝὀatuὄἷὐaΝtὄaὀὅgὄἷἶiὀἶὁ-

as por meio da possibilidade de um discurso que irrompe com essa situaccedilatildeo primariamente

humana presente de repleccedilatildeo e de vazio natildeo eliminado esse ciclo mas tornando seus efeitos

mἷὀὁὅΝ ἶaὀὁὅὁὅΝ aὁΝaὅὂiὄaὄΝ ὅἷΝ aὂὄὁximaὄΝ ἵaἶaΝvἷὐΝmaiὅΝ ἶἷὅtἷΝ ἷὅὅἷΝ ἷὅtὠgiὁΝ ldquomaiὅΝ ἶiviὀὁrdquoΝ

visando essa superioridade Ousadia de nossa parte Talvez sim talvez natildeo mas jaacute que

dispomos de um maior grau de inteligibilidade porque natildeo tentar explorar suas possibilidades

maacuteximas mesmo sabendo dessa ilimitaccedilatildeo proacutepria de nossa constituiccedilatildeo limitada Por que

natildeo toὄὀaὄΝὁὂἷὄaὀtἷὅΝὀὁὅὅaὅΝfaἵulἶaἶἷὅΝὀἷὅὅἷΝἷxἷὄἵiacuteἵiὁΝfilὁὅὰfiἵὁΝἶἷΝldquoὅἷὂaὄaὦatildeὁrdquoΝ(mὁὄtἷ)Ν(ὀaΝ

medida do possiacutevel) indo em direccedilatildeo agravequilo que eacute proacuteprio da alma essa estabilidade essa

permanecircncia da vida de pensamento puro e que pode nos auxiliar a orientar com certa clareza

uma vida e que se possa gozar com maior qualidade nessa nossa vida mista de prazer e de

conhecimento Como nos diz sabiamente Bossi (2008)

observemos que Soacutecrates natildeo apresenta a alternativa em forma excludente senatildeo hieraacuterquica pode aceitar que o prazer seja bom para os seres vivos que cegamente perseguem sua perpetuaccedilatildeo como espeacutecie poreacutem o melhor para o homem eacute o uso de suas capacidades intelectuais porque a vida humana eacute uma vida que deve decidir-se a cada momento que natildeo estaacute traccedilada de antematildeo pela forccedila do instinto () ao comparar e buscar natildeo fazemos outra coisa que seguir os passos para escolher e ao fazecirc-lo jaacute estamos dando mostras de dar prioridade ao caacutelculo racional jaacute elegemos conforme nosso modo de ser humano (p 228-229)

Ateacute entatildeo a inteligecircncia possui uma atribuiccedilatildeo meramente procedimental Cabe a ela

organizar devidamente a vida mista humana ou natildeo-humana para que esses tipos de vidas

sejam vidas suficientes satisfatoacuterias dotadas de razoabilidade Mas veremos no caso da

vida humana a inteligecircncia ocuparaacute um papel maior aleacutem daquele de constituinte da vida

mista A inteligecircncia apenas organiza a fruiccedilatildeo do prazer nesse primeiro momento Sem o

165 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

pensamento como jaacute vimos natildeo eacute possiacutevel fruir o prazer sua duraccedilatildeo eacute tatildeo instantacircnea que

ele (o prazer) escapa da proacutepria temporalidade reconhecidamente proacutepria enquanto condiccedilatildeo

em que se situam os seres vivos por meio da inteligecircncia alguns partilhando em menor ou

maior grau dela Natildeo haacute nenhum meio do prazer ser bem sucedido sem o pensamento

Prazer e conhecimento natildeo satildeo tratados da mesma maneira isso eacute um fato jaacute que a

inteligecircncia encontra-se em um niacutevel acima porque ela eacute capaz de tornar possiacutevel a resultante

do desejo do prazer ela eacute um meio que torna um fim possiacutevel mas tambeacutem ela natildeo se

encontra separada do prazer na vida mista pois a proacutepria faculdade intelectiva caminha para

a realizaccedilatildeo desse fim isto eacute para o prazer ela busca a maneira correta e mais bem ordenada

para a realizaccedilatildeo do desejo e do prazer Ora natildeo temos aqui nenhuma relaccedilatildeo de

anterioridade entre prazer e inteligecircncia nem mesmo uma relaccedilatildeo de causalidade entre

ambos mas cada um dos dois (prazer e conhecimento) executam suas funcionalidades

proacuteprias nesse conjunto da vida mista humana ou seja uma correlaccedilatildeo Contudo no caso do

homem ele natildeo apenas recorda ou deseja ele avalia emite caacutelculos e juiacutezos com maior

fecundidade acerca dessa proacutepria organizaccedilatildeo que prescinde de satisfaccedilatildeo em um dado

modelo de vida numa dada condiccedilatildeo e mais ele pode tentar alcanccedilar dentro desta sua vida

mista entre prazer e conhecimento melhores arranjos que possam levaacute-lo a fruir natildeo apenas

de forma satisfatoacuteria o prazer mas tambeacutem em abundacircncia e melhor ou seja uma vida em

que seja capaz de atender em maior grau as nossas aspiraccedilotildees propriamente humanas

Eacute por isso que Soacutecrates considera diante do que foi exposto jaacute ser suficiente admitir

ὃuἷΝaΝldquoἶἷuὅaΝἶἷΝἔilἷἴὁrdquoΝ(Φδζάίκυ γ θ) natildeo poder ser o bem ( ΰαγσθ) (22c1-2) Filebo

retruca dizendo que nem mesmo a inteligecircncia (θκ μ) de Soacutecrates eacute o bem ( δ ΰαγσθ)

ἥὰἵὄatἷὅΝἷὀtatildeὁΝfaὐΝὃuἷὅtatildeὁΝἶἷΝἶiὅtiὀguiὄμΝldquoἥimΝtalvἷὐΝaΝmiὀhaΝ( ΰrsquoΝ ησμ) Filebo Mas natildeo

aΝiὀtἷligecircὀἵiaΝvἷὄἶaἶἷiὄaΝἷΝἶiviὀaΝἵὄἷiὁΝὂὁiὅΝἵὁmΝἷlaΝaὅΝἵὁiὅaὅΝὅἷΝἶatildeὁΝἶἷΝmὁἶὁΝἶifἷὄἷὀtἷrdquo (ldquoκ

ηΫθ κδΝ σθΝΰ Ν ζβγδθ θΝ ηαΝεα γ ῖκθΝκ ηαδΝθκ θΝ ζζ᾽ ζζπμΝππμΝ ξ δθrdquo)Ν (ἀἀἵἃ-6) A partir

disso a discussatildeo adquire a forma de um ranking o primeiro precircmio ( θΝη θΝκ θΝθδεβ βλέπθ)

jaacute foi atribuiacutedo agrave vida conjunta ( θΝεκδθ θΝίέκθ) mas agora o que estaacute em jogo eacute o segundo

precircmio ( υ λ έπθ) (22c6-7) Neste momento cada um dos interlocutores pode reclamar

ambos para si o segundo precircmio devem lutar por ele um para o prazer outro para a

inteligecircncia enquanto causa (α δκθ) dessa vida conjunta (22d1-4)

Ora como visto nenhuma das vidas anteriores isoladas vida de prazer e vida de

conhecimento seria o bem ou melhor esses estados ou disposiccedilotildees da alma para a vida

humana enquanto uma vida mista de prazer e conhecimento porque nenhuma das vidas

anteriormente mencionadas possui o grau maacuteximo de suficiecircncia na vida humana mista

ambas exigindo a presenccedila uma da outra Eacute isto que conduz Soacutecrates agrave pergunta sobre a

causa dessa mistura ou seja o que torna possiacutevel esse arranjo em uma dada condiccedilatildeo de

vida Mas aqui Soacutecrates avanccedila ainda mais ao dizer que essa causa eacute tambeacutem um elemento

166 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

que compotildee a proacutepria mistura Jaacute que cada um dos interlocutores deve agora guerrear cada

um como partidaacuterio de um dos dois elementos prazer e inteligecircncia em favor do segundo

precircmio que natildeo eacute o bem mas causa dessa mistura que lhe confere existecircncia efetiva naquilo

que ela eacute propriamente uma mistura Como um elemento poderaacute ser responsaacutevel pela proacutepria

foacutermula dessa mistura e ao mesmo tempo um elemento constituinte dessa proacutepria mistura

Simultaneamente esse elemento deveraacute tornar-se possiacutevel por intermeacutedio de sua accedilatildeo um

efeito um resultado estando ele proacuteprio tambeacutem presente nesse efeito sendo incluiacutedo nessa

mistura da qual ele proacuteprio eacute o agente e por conseguinte causa

Agora sobre esse ponto eu gostaria de enfrentar Filebo com muito mais energia sustentando que nessa vida mista ( θΝ μΝ θΝ η δε κτ ίέ ) o que quer que seja aquilo que tendo sido obtido por ela a torne digna de escolha e boa (α λ μΝ ηαΝεα ΰαγσμ) natildeo eacute o prazer (κ ξΝ κθ ) mas a inteligecircncia (θκ μ) que lhe eacute mais aparentada e semelhante ( κτ

υΰΰ θΫ λκθΝ εα ηκδσ λσθΝ δ) e de acordo com esse argumento poderiacuteamos entatildeo afirmar que natildeo se pode atribuir ao prazer nem o primeiro nem o segundo precircmio ( θΝ θΝπλπ έπθΝκ ᾽ α θΝ υ λ έπθ) e se no momento devemos dar algum creacutedito agrave minha inteligecircncia ( δΝ η θ

ῖ πδ τ δθΝ η μΝ θ θ) ele estaacute muito longe ateacute do terceiro precircmio (πκλλπ ΫλπΝ ᾽ θΝ λδ έπθ) (22d5-e3)

Soacutecrates se alia agrave inteligecircncia em favor do segundo precircmio somente depois de ter

chegado agrave conclusatildeo juntamente com Protarco de que o primeiro precircmio apenas pode ser

atribuiacutedo agrave vida mista de prazer e de conhecimento e que nenhum deles pode ser unicamente

o bem como nenhuma das duas vidas vida de prazer unicamente e vida de conhecimento

possui o bem Por isso Soacutecrates diz agora que iraacute enfrentar com mais vigor a Filebo lutando

em favor do segundo precircmio ao disputar o lugar da causa da mistura Nos eacute dito que a

iὀtἷligecircὀἵiaΝ ὧΝ maiὅΝ aὂaὄἷὀtaἶaΝ ἷΝ ὅἷmἷlhaὀtἷΝ ( υΰΰ θΫ λκθΝ εα ηκδσ λσθ)έΝ ἥὁmἷὀtἷΝ aΝ

disposiccedilatildeo para o conhecimento pode gerar e concomitantemente ser parte constituinte da

mistura pois ao prazer falta essa capacidade ordenadora proacutepria da inteligecircncia O posto de

causa lhe seria negado ao prazer em virtude da sua pouca eficaacutecia ordenadora quando

comparada agrave inteligecircncia A inteligecircncia o conhecimento eacute semelhante agrave forma inteligente da

vida ordenada Dito isso o pensamento agora deixaraacute de ser tratado apenas segundo essa

funccedilatildeo (procedimental) de tornar possiacutevel a fruiccedilatildeo dos prazeres sua participaccedilatildeo na mistura

em questatildeo deixa de ser meramente a de um constituinte como tambeacutem seria o prazer Assim

o pensamento adquire o status de constituinte fundamental como causa dessa mistura Aleacutem

de ordenaacute-la ele produz um efeito nessa mistura cujo resultado tambeacutem o incluiraacute como um

elemento fundamental indispensaacutevel naquilo que ele proacuteprio constitui essa mistura de prazer

e conhecimento que configura a vida humana

167 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

Tratar do segundo precircmio e de o porquecirc ele eacute indispensaacutevel nessa mistura poderaacute nos

dizer algo a mais sobre o valor do prazer nessa mistura assim como o porquecirc de ele natildeo

pode ser a causa dessa misturaέΝἢὁὄΝagὁὄaΝὧΝmἷlhὁὄΝὀatildeὁΝtὁὄtuὄaὄΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝmἷlhὁὄΝldquoἶἷixὠ-

lὁΝἷmΝὂaὐrdquoΝὀatildeὁΝldquoἵauὅaὄΝἶὁὄΝaὁΝὂὄaὐἷὄrdquoΝὀὁὅΝἶiὄὠΝἥὰἵὄatἷὅΝ(ἀἁaἄ-8) Ainda natildeo eacute o momento

de examinaacute-lo com profundidade e rigor ou melhor refutaacute-lo ( ι ζΫΰξκθ α)Ν(ἀἁaἅ)έΝ

Para marchar em favor da inteligecircncia e obter para ela o segundo precircmio iremos agora

aἶἷὀtὄaὄΝὡΝὀὁvaΝldquomaὃuiὀaὦatildeὁΝἶἷΝguἷὄὄardquoΝ( ῖθΝ ζζβμΝηβξαθ μ)ΝἷmΝὃuἷΝὅἷὄatildeὁΝutiliὐaἶaὅΝaὄmaὅΝ

(ίΫζβ)Ν ἶifἷὄἷὀtἷὅΝ ἶὁὅΝ aὄgumἷὀtὁὅΝ aὀtἷὄiὁὄἷὅΝ ( ξ δθΝ λαΝ θΝ ηπλκ γ θΝ ζσΰπθ)Ν ἷmἴὁὄaΝ

algumas possam ser as mesmas ( δ πμ θδα εα α Ϊ) (23b6-8) Soacutecrates entatildeo diz

aΝἢὄὁtaὄἵὁΝὅὁἴὄἷΝaΝὀἷἵἷὅὅiἶaἶἷΝἶἷΝἵautἷlaΝaὁΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝ( δγΫη θκδ)ΝἵἷὄtὁΝὂὄiὀἵiacuteὂiὁΝ( θΝ ΫΝ

ΰ Ν λξ θ)Ν ὃuἷΝ ἷlἷΝ ἶἷὀὁmiὀaΝ ἵὁmὁΝ ldquoὀὁὅὅὁΝ ὂὄiὀἵiacuteὂiὁrdquoΝ (ἀἁἵ1-2) A tarefa que Soacutecrates faz

mἷὀὦatildeὁΝ ὀἷὅtἷΝ mὁmἷὀtὁΝ ἵὁὀὅiὅtἷΝ ἷmΝ ldquoὅἷὂaὄaὄΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅΝ ὃuἷΝ agὁὄa existem no

universo231rdquoΝ (πΪθ αΝ θ θΝ θ αΝ θΝ παθ δξ δαζΪίπη θ)Ν (ἀἁἵἂ-5)232 Talvez seja

231 Concordo com alguns autores como (Delcomminette 2006 p 213) e (Carone 2008 p 131-132) que ἷὅὅἷΝ ldquoagὁὄardquoΝ (θ θ) indica que as Formas natildeo satildeo incluiacutedas aqui em nenhuma das categorias as Formas satildeo eternas e imutaacuteveis A passagem cosmoloacutegica trata da demiurgia especiacutefica cujos exemplos satildeo retirados da realidade sensiacutevel compreendidos em uma dimensatildeo universal do todo cosmoloacutegico Rejeito a argumentaccedilatildeo revisionista que postula uma substituiccedilatildeo de das Formas ὂὁὅtulaἶaὅΝὀὁὅΝἶiὠlὁgὁὅΝἶitὁὅΝldquomὧἶiὁὅrdquoΝὂaὄaΝὅἷΝὄἷὅὁlvἷὄἷmΝὁὅΝὅuὂὁὅtὁὅΝὂὄὁἴlἷmaὅΝlἷvaὀtaἶὁὅΝὂὁὄΝἷlaὅΝrealccedilados pelas aporias do Parmecircnides como tambeacutem uma compreensatildeo de que essas divisotildees seriam Formas ou os Gecircneros Supremos como satildeo chamadas nos Sofista Haacute motivos que ficaratildeo claros para tal rejeiccedilatildeo a partir de nosso comentaacuterio sobre a ontologia quaacutedrupla como (i) as Formas natildeo satildeo limitadas por determinaccedilotildees numeacutericas e meacutetricas nem relaccedilotildees matemaacuteticas por isso natildeo satildeo πΫλαμ (ii) as Formas satildeo seres puros simples e natildeo podem ser misturados assim como todos os seres gerados do mundo que pertencem a esse gecircnero as Formas devem ser eternas natildeo-geradas natildeo submetidas ao movimento ao devir logo natildeo podem ser ηδε θ (mistura) (iii) as Formas tambeacutem ὀatildeὁΝὅatildeὁΝaΝldquoἵauὅardquoΝ(α έα) pois a criaccedilatildeo depende do Demiurgo que cria a partir da Forma sozinha elas natildeo datildeo origem a nada elas satildeo modelos para a produccedilatildeo da atividade demiuacutergica (iv) por fim natildeo podem ser π δλκθ porque este gecircnero eacute indeterminado num duplo sentido (multiplicidade indeterminada e gecircnero das coisas dispostas no devir) que eacute tornado uma unidade multiplicidade apenas por meio da atividade dialeacutetica Enquanto que as Formas satildeo pura determinaccedilatildeo Essencialmente limitadas e definidas ou seja natildeo estatildeo sujeitas a qualquer tipo de variaccedilatildeo seja ela ὃualitativaΝὁuΝὃuaὀtitativaέΝἢaὄaΝumaΝaὀὠliὅἷΝmaiὅΝἶἷtalhaἶaΝἶἷὅὅaΝldquoἵlὠὅὅiἵaΝἶiὅὂutardquoΝvἷὄΝἑἏἤἡἠἓΝ(2008 p 143-149) 232 Dixsaut (2001) acredita que a referecircncia feita em 23c agrave divisatildeo quaacutedrupla eacute distinta (em propoacutesitos) ἶaΝaἴὁὄἶagἷmΝἶὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝ(ἶialὧtiἵa)ΝἶἷΝ1ἄἵέΝἓmΝἀἁἵΝὁΝὃuἷΝὅἷΝὂὄὁὂὴἷΝὧΝumaΝἶiviὅatildeὁΝἶἷΝtὁἶaὅΝἵὁiὅaὅΝὃuἷΝἷxiὅtἷmΝagὁὄaΝὀὁΝuὀivἷὄὅὁΝ(πΪθ αΝ θ θΝ θ αΝ θΝ παθ ) Segundo a autora francesa eacute muito provaacutevel que haja uma ligaccedilatildeo entre as duas passagens mas as abordagens natildeo satildeo idecircnticas EacuteΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝlἷmἴὄaὄmὁὅΝὃuἷΝaὃuiΝἷὅtamὁὅΝἶiaὀtἷΝἶἷΝumaΝldquoὀὁvaΝmaὃuiὀaὦatildeὁrdquoμΝldquo(έέέ)ΝἷΝὃuἷΝἷΝὃuἷΝὅἷΝὁΝtermo aacutepeiron deve ser entendido em dois sentidos diferentes esses dois sentidos natildeo devem ser relacionados entre si O dialeacutetico como foi dito pode ser forccedilado a comeccedilar pelo indeterminado mas por que poderia secirc-lo Porque eacute necessaacuterio reconhecer a existecircncia de duas espeacutecies de realidades Enquanto alguns (a ciecircncia ou a virtude a constituiccedilatildeo poliacutetica ou deliacuterio por exemplo) se apresentam como unidades compreendidas por articulaccedilotildees naturais o que permite dividi-las outras pelo contraacuterio apenas oferecem indeterminaccedilatildeo A primeira maquinaccedilatildeo teria fornecido o meio para reduzir essa indeterminaccedilatildeo tomando o aacutepeiron como um predicado quantitativo mas o deus no iniacutecio ele proacuteprio teria precisado que o aacutepeiron eacute um modo de ser Para determinar esse modo de ser eacute necessaacuterio dividir natildeo o aacutepeiron ὂὁὄὃuἷΝiὅὅὁΝὧΝimὂὁὅὅiacutevἷlΝmaὅΝldquotuἶὁΝaὃuilὁΝὃuἷΝἷxiὅtἷΝatualmἷὀtἷΝὀὁΝuὀivἷὄὅὁrdquoΝἷmΝὃuatὄὁΝgecircὀἷὄὁὅΝiὅtὁΝὧΝὅuἴὅumiὄΝaΝtὁtaliἶaἶἷΝἶaΝἷxiὅtecircὀἵiaΝὅὁἴΝὃuatὄὁΝἵatἷgὁὄiaὅrdquoΝ(ἒIXἥἏἧἦΝἀίί1Νp 311-312)

168 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

necessaacuterio dividir em dois ou em trecircs ou em quatro todas essas partes denominadas como

ὅἷὀἶὁΝfὁὄmaὅΝ( θΝ θ)Ν(ἀἁἵ1ἁ)έΝἥὰἵὄatἷὅΝὄἷlἷmἴὄaΝὁΝἶiὅἵuὄὅὁΝaὀtἷὄiὁὄΝque teria mostrado

aΝ ἷxiὅtecircὀἵiaΝ ἶὁΝ limitἷΝ (πΫλαμ)Ν ἷΝ ἶὁΝ ilimitaἶὁΝ ( π δλκθ)Ν ἶὁὅΝ ὅἷὄἷὅΝ (ἀἁἵλ-10) ambos agora

ὂaὅὅamΝaΝὅἷὄΝtiἶὁὅΝἵὁmὁΝumΝἵaὅalΝἶἷΝfὁὄmaὅΝ( κτ πΝ θΝ θΝ τκΝ δγυη γα)Ν(ἀἁἵ1ἁ-

d1) No entanto eacute preciso ainda uma terceira forma da unidade proveniente do intercurso

ἷὀtὄἷΝὁὅΝἶὁiὅΝ( λέ κθΝ ιΝ ηφκῖθΝ κτ κδθΝ θΝ δΝ υηηδ ΰση θκθ)ΝἷΝaiὀἶaΝumΝὃuaὄtὁΝgecircὀἷὄὁΝ

( Ϊλ κυΝηκδΝΰΫθκυμ)ΝὃuἷΝὅἷὄiaΝaΝἵauὅaΝ( θΝα έαθ)ΝἶἷὅtἷΝiὀtἷὄἵuὄὅὁΝ( υηη έι πμ)ΝἷὀtὄἷΝὁὅΝ

dois primeiros gecircneros (23d1-8)

Em primeiro lugar entatildeo tendo separado ( δ ζση θκδ) trecircs dos quatro (η θΝ θΝ ΪλπθΝ λέα) tentemos com dois deles ( τκΝ κτ πθΝπ δλυη γα)

ndash uma vez observado que cada um dos dois se cindiu e se despedaccedilou em muitos (πκζζ εΪ λκθΝ ξδ ηΫθκθΝεα δ πα ηΫθκθΝ σθ μ) ndash reconduzi-los em conjunto cada um dos dois de novo ao um e conceber de que modo cada um deles era um e muacuteltiplo ( μΝ θΝπΪζδθΝ εΪ λκθΝ υθαΰαΰσθ μΝθκ αδΝπ πκ Ν θΝα θΝ θΝεα πκζζ εΪ λκθ) (23e3-6)

Eacute possiacutevel observar como a passagem retoma as questotildees suscitadas no iniacutecio do

ἶiὠlὁgὁΝ ὃuἷΝ ἵὁlimamΝὀaΝ aὂὄἷὅἷὀtaὦatildeὁΝ ἶὁΝ ldquomὧtὁἶὁΝ ἶiviὀὁrdquoΝ (1ἂἴ-18d) Protarco parece natildeo

compreender o sentido da fala anterior de Soacutecrates e o condutor o faz lembrar da discussatildeo

anterior sobre o que tem limite ( πΫλαμΝ ξκθ) e o ilimitado ( π δλκθ) chamados

tamἴὧmΝagὁὄaΝἶἷΝgecircὀἷὄὁὅΝὀἷὅtaΝὂaὅὅagἷmνΝὂὁὄὧmΝἥὰἵὄatἷὅΝἶἷὅἷjaΝmaiὅΝἷlἷΝἶiὐμΝldquo(έέέ)ΝἷuΝ

tἷὀtaὄἷiΝmὁὅtὄaὄΝὃuἷΝἶἷΝalgumΝmὁἶὁΝὁΝ ilimitaἶὁΝὧΝmήltiὂlὁrdquoΝ ( δΝ λσπκθΝ δθ π δλκθΝ

πσζζ᾽ έ π δλΪ κηαδΝφλΪα δθ) (24a1-4)

A discussatildeo iraacute tratar primeiramente do π δλκθ Nesse gecircnero satildeo colocados tudo

aquilo que natildeo pode receber a marca do limite como o caso do mais quente e do mais frio

Neste uacuteltimo caso natildeo poderiacuteamos conceber algum limite ( λαΝπΫλαμ) ao mais quente e ao

mais frio porque ambos possuem em si o mais e o menos ( η ζζσθΝ Νεα κθ) temos

assim tanto mais quente e menos quente como mais frio e menos frio Esse gecircnero ( κῖμΝ

ΰΫθ δθ) de coisa enquanto presente em ambos nos impediria de chegar a qualquer fim (η

ΫζκμΝ ξ δθ) pois caso chegassem um eliminaria o outro (24b7-8) Por isso bastaria analisar

esse discurso para que se possa notar que esse par nunca tem fim e que sem duacutevida neste

caso lidamos com ilimitados ( π έλπ) (24b8)

O uso do adveacuterbio φσ λα em 24b9 eacute a oportunidade vista por Soacutecrates para explicar

ainda mais a natureza do ilimitado por um jogo de palavras que brinca ora com o sentido

denotado pelo adveacuterbio extremamente ora com o sentido conotativo deste termo presente

ἷmΝἁλἶΝaὁΝὅἷΝtὄataὄἷmΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝfalὅὁὅΝἶaΝaὀtἷἵiὂaὦatildeὁέΝἏἶvὧὄἴiὁὅΝἵὁmὁΝldquoἷxtremamἷὀtἷrdquoΝ

ἷΝldquolἷvἷmἷὀtἷrdquoΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝὁὀἶἷΝὃuἷὄΝὃuἷΝἷὅtἷjaΝὁΝὂaὄΝlimitἷ-ilimitado no mais intenso e no

169 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

mais suave o demasiado o mais eco e o mais uacutemido o muito e o pouco o maior e o menor

tὁἶὁὅΝὂὁὅὅuἷmΝἷὅὅaΝldquoὂὁtecircὀἵiardquoΝ( τθαηδθ) do mais e do menos

O ilimitado impede que as coisas possuam uma quantidade determinada (κ εΝ κθΝ

θαδΝπκ θΝ εα κθ) e ao introduzir o mais e o menos em todas as coisas faz desaparecer

essa quantidade determinada ( πκ θΝ φαθέα κθ) Poreacutem caso o ilimitado surja com a

medida ( ηΫ λδκθ) e natildeo faccedila desaparecer a quantidade determinada eles proacuteprios ou

mἷlhὁὄΝἷὅὅaὅΝἵὁiὅaὅΝldquoἷὅἵὁaὄiamrdquoΝὂὁὄΝὅiΝὂὄὰὂὄiaὅέΝἏΝὃuaὀtiἶaἶἷΝἶἷtἷrminada eacute a uacutenica capaz

ἶἷΝ ἵὁὀtἷὄΝ ἷὅὅἷΝ ldquoavaὀὦaὄrdquoΝ ἷὅὅaΝ ldquoὂὄὁgὄἷὅὅatildeὁrdquoΝ ἶὁΝ ilimitaἶὁΝ aΝ ὃuaὀtiἶaἶἷΝ ἶἷtἷὄmiὀaἶaΝ

permanece estaacutevel (24c1-d7) Soacutecrates deseja o assentimento de Protarco ndash sendo o proacuteprio

interlocutor de Soacutecrates a propor essa consonacircncia ( υηφπθκ θ αμ) necessaacuteria sobre essas

questotildees ndash para que se possa colocar no gecircnero do ilimitado todas essas coisas dito de outro

mὁἶὁΝldquo(έέέ)ΝaἵἷitaὄΝἷὅὅἷΝὅiὀalΝ( βη ῖκθ) da natureza do ilimitado ( π δλκθ)rdquoΝ(ἀἂἷ1-5) Todas

essas coisas de acordo com o discurso anterior devem ser colocadas nesse gecircnero ( κ

π έλκυΝΰΫθκμ) nos diz Soacutecrates pois fora dito que era necessaacuterio reunir ( υθαΰαΰσθ αμ)

essas coisas separadas repartidas ( δΫ πα αδ) cindidas ( δΫ ξδ αδ) em pedaccedilos impondo-

lhes (tanto quanto possiacutevel) esse sinal de uma natureza uacutenica (εα τθαηδθΝ ηέαθΝ

πδ βηαέθ γαέΝ δθαΝφτ δθ) (24e7-25a4)

Eacute preciso especificar do que se trata aqui quando se diz que o π δλκθ κ ilimitado eacute

um gecircnero Pode se dizer que o indeterminado qualquer indeterminado que seja conteacutem

assim vaacuterias espeacutecies das quais cada uma eacute determinada Uma enumeraccedilatildeo natildeo-exaustiva

ὅἷὄiaΝὅufiἵiἷὀtἷΝὂaὄaΝὂὄὁἶuὐiὄΝἷὅὅἷΝ ldquoὅiὀalrdquoΝἶἷΝὃuἷΝ falaΝἥὰἵὄatἷὅΝἶἷΝumaΝὀatuὄἷὐaΝήὀiἵaΝὀὁΝ

indeterminado Ao dizer que o ilimitado pode por meio desse caraacuteter distintivo determinar

sob um mesmo gecircnero determinadas espeacutecies de qualidades todas aquelas que passam pelo

mais e pelo menos natildeo exclui o fato de que ele tambeacutem pode determinar quantitativamente

em um mesmo gecircnero determinadas espeacutecies como jaacute fora visto a voz o prazer e a dor (Cf

27e) Ἄπ δλκθ eacute tudo aquilo que carece de limite tudo aquilo que se encontra desmedido

seja em excesso seja em falta ou como bem sugere Dixsaut (2001 p 312) eacute tudo aquilo

ldquo(έέέ)ΝὃuἷΝὧΝὂὁὄΝaὅὅimΝἶiὐἷὄΝaΝtὄaὀὅgὄἷὅὅatildeὁΝἷmΝatὁrdquoέ

O apeiron natildeo eacute uma mateacuteria que o limite viria a informar eacute um devir que o limite viria a estabilizar uma perpeacutetua desigualdade em-ὅiΝumΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝ lsquoaὁΝὃualΝὀatildeὁΝὂὁἶἷmὁὅΝatὄiἴuiὄΝὀἷmΝἵὁmἷὦὁΝὀἷmΝmἷiὁΝὀἷmΝfimrsquoΝ [Phlb 31a-10 Prm 137d] Natildeo eacute mais considerado como uma pluralidade indefinida de unidades discriminadas termo para o qual tenderia uma multiplicidade quantitativa ele eacute constituiacutedo de um determinado tipo de realidades enquanto que o devir incessante exclui qualquer fixaccedilatildeo afasta qualquer determinaccedilatildeo (DIXSAUT 2001 p 312-313)

Aqui podemos notar claramente o duplo movimento do processo dialeacutetico aquele que

vai do um ao muacuteltiplo e do muacuteltiplo ao um ao se deparar com aquilo que eacute um devir constante

170 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

uma perpeacutetua ΰΫθ δμ A saiacuteda eacute a mesma devemos reunir ( υθαΰαΰσθ αμ) esses devires

essas diferentes espeacutecies e imprimir nelas o sinal de uma natureza uacutenica determinada Como

nos adverte Dixsaut (2001 p 313) sem adentrar agraves infindaacuteveis discussotildees da auto

predicaccedilatildeo das Formas Platatildeo jamais teria dito que a ideia de Neve seria fria nem a ideia de

Maldade maacute nem a ideia de quadrado quadrada o que por conseguinte natildeo implica

necessariamente que a forma do indeterminado seja ela tambeacutem indeterminada Muito pelo

contraacuterio Soacutecrates insiste em sua determinaccedilatildeo Assim ela nos esclarece

O α privativo significa que o termo que ele prefixa natildeo pode e nem sequer deseja receber seu contraacuterio Ele natildeo conota uma simples negaccedilatildeo loacutegica mas uma recusa do termo contraacuterio uma exclusatildeo dinacircmica O termo apeiron recupera essa semacircntica ele natildeo eacute a simples ausecircncia de qualquer determinaccedilatildeo (entatildeo impensaacutevel) ele a recusa a transgressatildeo perpeacutetua de qualquer determinaccedilatildeo transgressatildeo que natildeo se realiza de qualquer modo mas sempre da mesma maneira por excesso e por falta (DIXSAUT 2001 p 313)

Parece ser necessaacuterio se atentar ao estatuto que o π δλκθ adquire a partir de entatildeo

No caso da passagem do meacutetodo divino lidaacutevamos com uma multiplicidade indeterminada e

que passa a uma espeacutecie de multiplicidade determinada ndash mas ela ainda natildeo eacute uma espeacutecie

de gecircnero indeterminado No caso do π δλκθ estamos lidamos com umaΝ ldquo()

iὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁΝὁὀtὁlὁgiἵamἷὀtἷΝ iὀiἵialΝἷΝὀatildeὁΝmaiὅΝἶialἷtiἵamἷὀtἷΝ tἷὄmiὀalΝ (έέέ)rdquoΝ (ἒIXἥἏἧἦΝ

2001 p 315) Esse π δπκθ (gecircnero do indeterminado) natildeo deve nada a dialeacutetica ele nem

ὅἷὃuἷὄΝὧΝumaΝldquoἵὁiὅardquoΝmaὅΝumΝtiὂὁΝἶἷΝἶἷviὄΝὃuἷΝὅὁfὄἷΝaἵὄὧὅἵimὁΝἷΝἶimiὀuiὦatildeὁέΝEacuteΝaΝὀatuὄἷὐaΝ

propriamente desse devir que devemos comeccedilar a caracterizar que somos forccedilados a

desigὀaὄέΝ ἑaὅὁΝaΝ iὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁΝ ὅἷjaΝ iὀiἵialΝ ἷlaΝ ἷxigiὄὠΝ aΝ ldquoὂὄimἷiὄaΝ maὃuiὀaὦatildeὁrdquoΝ ἷΝ ὀatildeὁΝaΝ

ὅἷguὀἶaέΝἏΝὅἷguὀἶaΝiὄὠΝldquoiὀfὁὄmaὄrdquoΝἷmΝumΝgecircὀἷὄὁΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶaΝimὂὁὅiὦatildeὁΝἶὁΝὀήmἷὄὁΝἷΝἶaΝ

estrutura essa unidade indeterminada iraacute reuni-la em um gecircnero o gecircnero do ilimitado A

ὂὄimἷiὄaΝmaὃuiὀaὦatildeὁΝὂaὄtἷΝἶἷΝumaΝὂluὄaliἶaἶἷΝiὀfiὀἶaΝἷΝldquoaἴaὀἶὁὀardquoΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶἷΝumΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝ

dialeacutetico aquelas que natildeo lhe interessam Jaacute o procedimento dialeacutetico que consiste em reunir

o π δλκθ ἷmΝumΝὅὰΝgecircὀἷὄὁΝliἶaΝἵὁmΝἷὅὂὧἵiἷὅΝἶἷΝldquoἵὁiὅaὅrdquoΝὃuἷΝὅatildeὁΝnaturalmente ilimitadas

ontologicamente as quais devemos reunir em um gecircnero Como observa Dixsaut

A ilimitaccedilatildeo eacute proacutepria de determinadas gecircneses de determinados processos Jaacute natildeo se trata mais de uma pluralidade indefinida de unidades discriminadas (todas aquelas que durante umaΝἶiviὅatildeὁΝὂὁvὁamΝὡΝ ldquoἷὅὃuἷὄἶardquoΝὂὁὄὃuἷΝaὅΝdeixamos sem as dividir e todas aquelas residentes nessas uacuteltimas espeacutecies ὁἴtiἶaὅΝὂἷlaΝἶiviὅatildeὁΝaὅΝὃuaiὅΝὀὰὅΝldquoἶiὐἷmὁὅΝaἶἷuὅrdquoΝmaὅΝἶἷΝumΝmὁvimἷὀtὁΝἶἷΝ tὄaὀὅgὄἷὅὅatildeὁΝ ὂἷὄὂὧtuaΝ ἶἷΝ ὃualὃuἷὄΝ limitἷΝ ὂὁὄΝ ἷxἵἷὅὅὁΝ ὁuΝ ὂὁὄΝ faltaΝ (ldquoὁΝilimitado o mais e o menos faria desaparecer a quantidade definida 24c) (2001 p 315-316)

171 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

Podemos resumir em um quadro como bem observa Dixsaut (2001 p 315) as duas

situaccedilotildees contraacuterias as quais o dialeacutetico enfrenta quando se depara com π δλκθ

1ordf Situaccedilatildeo

(Primeira Maquinaccedilatildeo)

2ordf Situaccedilatildeo

(Segunda Maquinaccedilatildeo)

- o dialeacutetico parte de unidade

indeterminada

- ele a divide em uma multiplicidade

determinada

- da qual ele deixa escapar uma

multiplicidade quantitativamente

indeterminada

- O dialeacutetico parte de uma entidade

abrangente do gecircnero indeterminado

- e a impotildee uma estrutura e a constitui em

uma multiplicidade determinada

- que ele pode entatildeo unificar em uma unidade

determinada

Quadro 01- As duas maquinaccedilotildees relativas ao ἄπειρον (adaptado)

(DIXSAUT 2015 p 315)

No lado oposto a isso dito anteriormente temos o gecircnero do limite (πΫλαμ) no qual

devemos colocar o igual e a igualdade ( κθΝεα σ β α)ΝὁΝἶuὂlὁΝ( δπζΪ δκθ)ΝἷΝldquo(έέέ)ΝtuἶὁΝὃuἷΝ

ὧΝὄἷlaὦatildeὁΝἶἷΝὀήmἷὄὁΝaΝὀήmἷὄὁΝὁuΝἶἷΝmἷἶiἶaΝaΝmἷἶiἶaΝ(έέέ)rdquoΝ(ldquoεα π θΝ δπ λΝ θΝπλ μΝ λδγη θΝ

λδγη μΝ ηΫ λκθΝᾖ πλ μΝ ηΫ λκθrdquo)Ν (ἀἃaἅ-b2) Sobre o terceiro gecircnero se diz que ele eacute a

miὅtuὄaΝ( η δε θ)ΝἶὁὅΝἶὁiὅΝὂὄimἷiὄὁὅ233 (25b5-6) Soacutecrates reconhece a passagem breve

que a discussatildeo faz ao tratar do limite e a ausecircncia de maiores especificaccedilotildees sobre o gecircnero

do limite ele apenas diz logo depois em 25d6-ἅΝὃuἷΝaΝldquofamiacuteliardquoΝἶὁΝlimitἷΝtamἴὧmΝἶἷvἷΝὅἷὄΝ

reunida assim como fizeram com o ilimitado tornando-o uma unidade Novamente se afirma

que a introduccedilatildeo do nuacutemero ( λδγη θ)ΝὀaὅΝἵὁiὅaὅΝὃuἷΝὅatildeὁΝἶuὂlaὅΝ iguaiὅΝ( θΝ κ κυΝεα

δπζα έκυ)ΝὂὴἷmΝfimΝὀaὅΝἵὁiὅaὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝ( δαφσλπμ)ΝmutuamἷὀtἷΝὁὂὁὅtaὅΝ( ζζβζαΝ θαθ έαΝ

δαφσλπμΝ ξκθ α)Νtὁὄὀaὀἶὁ-aὅΝἵὁmἷὀὅuὄaἶaὅΝ( τηη λα)ΝἷΝἵὁὀὅὁaὀtἷὅΝ( τηη λα)234 (25e1-

233 ἥὰἵὄatἷὅΝὀὁvamἷὀtἷΝὄἷἵὁὄὄἷΝaὁΝldquoἶiviὀὁrdquoΝὀἷὅtἷΝὂaὅὅὁΝ(ἀἃἴ)Ν iὀἶiἵaὀἶὁΝὃuἷΝἷlἷΝ tὁὄὀaὄὠΝὂὁὅὅiacutevἷlΝaΝcompreensatildeo de ambos os dialogantes acerca da natureza do misto que requer a introduccedilatildeo da ordem pelo nuacutemero ( λδγη θ) (25e2) A meu ver essa passagem mais uma vez indica proximidade mas natildeo semelhanccedila visto que agora a multiplicidade adquire o estatuto de gecircnero e o dialeacutetico deveraacute lidar com a indeterminaccedilatildeo em um sentido geneacuterico diferentemente da passagem inicial sobre o um e o mήltiὂlὁΝἷὅtaΝὃuἷΝtἷmΝἵὁmὁΝὄἷὅultaὀtἷΝaΝἷxὂὁὅiὦatildeὁΝἶὁΝldquomὧtὁἶὁΝἶiviὀὁrdquoΝhἷὄἶaἶὁΝἶὁὅΝaὀtigὁὅΝὃuἷΝἵὁmὁΝdissemos eacute herdada dos pitagoacutericos do quinto seacuteculo 234 Eacute necessaacuterio atentar que o limite difere da mistura natildeo podemos tomaacute-lo como sinocircnimo ao nuacutemero o nuacutemero possibilita a introduccedilatildeo do limite nas coisas iguais duplas mas ele natildeo deixa tambeacutem de ter muitos gecircneros como nos diraacute Soacutecrates em 26d diante da inquietaccedilatildeo e Protarco que natildeo entende

172 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ἀ)έΝ ἓxἷmὂlὁὅΝ ἶἷὅtaὅΝ miὅtuὄaὅΝ ἶἷὅὅἷὅΝ iὀtἷὄἵuὄὅὁὅΝ ἶὁὅΝ ὃuaiὅΝ ὄἷὅultamΝ ἵἷὄtaὅΝ ldquogἷὄaὦὴἷὅrdquoΝ

(ΰ θΫ δμ) a sauacutede que eacute engendrada a partir da imposiccedilatildeo da medida a muacutesica produzida a

partir da justaposiccedilatildeo de grave agudo raacutepido e lento as estaccedilotildees do ano que regulam o

inverno rigoroso e o calor sufocante esse e os demais satildeo exemplos dessa combinaccedilatildeo

correta que estando presente remove o demasiado excessivo e o ilimitado produzindo o que

tem medida e o comensuraacutevel (25e3-26a8)

Soc Quando as coisas ilimitadas e aquelas que tecircm limite tecircm intercurso ( ξσθ πθΝ υηη δξγΫθ πθ) natildeo eacute delas que nascem as estaccedilotildees e todas as coisas que para noacutes satildeo belas ( αΝεαζ πΪθ αΝ ηῖθΝΰΫΰκθ ) Prot Como natildeo Soc Sem falar eacute claro em incontaacuteveis outras coisas tais como a beleza (εΪζζκμ) e o vigor ( ξτθ) que acompanham a sauacutede e nas almas tantas outras coisas perfeitamente belas (εα θΝ ουξαῖμΝ α πΪηπκζζαΝ λαΝ εα πΪΰεαζα) E essa deusa ( γ σμ) belo Filebo ( εαζ Φέζβί ) percebendo o excesso ( ίλδθ) e a superabundacircncia de maldade em todas as coisas (εα

τηπα αθΝπΪθ πθΝπκθβλέαθΝα βΝεα δ κ α) e percebendo que natildeo havia nelas limite nem dos prazeres nem das saciedades (πΫλαμΝ κ Ν κθ θΝκ θΝκ Νπζβ ηκθ θΝ θ θΝ θΝα κῖμ) colocou nelas lei (θσηκθ) e ordem ( Ϊιδθ) ndash aquilo que daacute limite (πΫλαμΝ ξκθ ᾽ γ κ) e enquanto tu dizes que ela os corrompe eu pelo contraacuterio digo que ela os salva (εα η θΝ

πκεθαῖ αδΝφ μ α άθΝ ΰ κ θαθ έκθΝ πκ αδΝζΫΰπ) E a ti Protarco como te parece (26b1-c2)

Estatildeo apresentados os trecircs gecircneros Protarco apenas compreende dois deles o limite

e o ilimitado permanecendo em duacutevida acerca do gecircnero misto (26c5-7) Soacutecrates por sua

vἷὐΝἷxὂliἵaΝὃuἷΝἷὅὅaΝldquoiὀἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁrdquoΝὅἷΝἶἷvἷΝὡΝldquoὂluὄaliἶaἶἷrdquoΝἶἷὅὅaΝ tἷὄἵἷiὄaΝgἷὄaὦatildeo ou

seja o misto o proacuteprio ilimitado foi tomado como unidade mas natildeo apenas como uma

unidade mas como vaacuterias unidades vaacuterios gecircneros tornados um marcados pelo sinal do

mais e do menos mas foram transpostos esses vaacuterios gecircneros em vaacuterios um235 Como

tambeacutem aconteceu com o limite (26c8-d5) Esse terceiro gecircnero surge tambeacutem como uma

ldquogἷὄaὦatildeὁΝ ἷmΝ ἶiὄἷὦatildeὁΝ aὁΝ ὅἷὄΝ (ΰΫθ δθ μ κ έαθ)236rdquoΝ ὂὄὁἶuὐiἶὁΝ aΝ ὂaὄtiὄΝ ἶaΝ imὂὁὅiὦatildeὁΝ ἶaὅΝ

medidas que acompanham o limite ele eacute tambeacutem uma unidade (26d7-9)

ἴἷmΝἷmΝὃuἷΝmἷἶiἶaΝὁΝ limitἷΝὅἷΝἶifἷὄἷὀἵiaΝἶὁΝ tἷὄἵἷiὄὁΝgecircὀἷὄὁΝ(ὁΝἶaΝmiὅtuὄa)ΝἷlἷΝἶiὄὠμΝ ldquomaὅΝὁΝ limitἷΝtambeacutem tinha muitos gecircneros e nem por isso ficamos descontentes por ele natildeo ser um ὂὁὄΝὀatuὄἷὐardquoΝ(ldquoεα η θΝ σΝΰ ΝπΫλαμΝκ Νπκζζ ξ θΝκ ᾽ υ εκζαέθκη θΝ μΝκ εΝ θΝ θΝφτ δrdquo)Ν(ἀἄἶἂ-5) Tambeacutem em 25e1-ἀΝἥὰἵὄatἷὅΝutiliὐaΝldquoὃuaὀtaὅrdquoΝ( πσ β)ΝὀὁΝὂluὄalΝaὁΝfalaὄΝὅὁἴὄἷΝὁΝlimitἷμΝldquoὡΝἶὁΝigualΝἷΝἶὁΝἶuὂlὁΝe quantas sejam aquelas que ao introduzir o nuacutemero potildeem fim agraves ἵὁiὅaὅΝἶiacuteὅὂaὄἷὅΝ(έέέ)rdquoέ 235 Dixsaut (2001) diz que jaacute na primeira parte ao π δλκθ eacute conferido dois sentidos seja aquele que caracteriza quantitativamente uma multiplicidade ( π δλκθ πζ γκμ πζβγ δ) seja aquele que constitui um gecircnero Toda a realidade enquanto um devir sofre acreacutescimo e diminuiccedilatildeo passa necessariamente pelo mais e pelo menos Primeiramente afirma a teoacuterica o π δλκθ estrutura dialeticamente eacute esse o seu sentido num primeiro momento mas jaacute nesse momento da divisatildeo quaacutedrupla ele passa a ser gecircnero e adquire como tal um status ontoloacutegico (DIXSAUT 2001 p 314) 236 Pradeau (2002) antecipa 54a-c ao tratar do sentido de ΰΫθ δθ μ κ δαθ que aparece primeiramente ἷmΝἁίἶἆίμΝldquo(έέέ)ΝaΝὄἷaliἶaἶἷΝἶἷΝumaΝἵὁiὅaΝaὃuiΝἶἷὅigὀaΝὅuaΝὀatuὄἷὐaΝde forma axioloacutegica eacute em funccedilatildeo

173 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

Resta ainda o quarto gecircnero a ser examinado Torna-se necessaacuterio uma causa ( δέ

δθα α έαθ) para que todas as coisas que venham a ser venham a ser por meio desta causa

(26e1-4) Falar de causa eacute falar de um produtor (πκδκ θ κμ) que significa contudo falar de

uma mesma coisa (26e7-8) O que estaacute subordinado agrave causa eacute aquilo que eacute produzido

(πκδκτη θκθ) aquilo que vem a ser em virtude dessa mesma causa ou desse mesmo

produtor Esses sim causa e devir ὅatildeὁΝ ἶifἷὄἷὀtἷὅέΝ ἜὁgὁΝ ὅἷὄὠΝ ἵhamaἶὁΝ ldquoaὄtἷὅatildeὁrdquo

( βηδκυλΰκ θ) de todas as coisas ( πΪθ α) aΝἵauὅaμΝldquo(έέέ)ΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝὁΝὃuaὄtὁΝ[gecircὀἷὄὁ]Ν

ὧΝaΝἵauὅaΝἶaΝmiὅtuὄaΝἷΝἶaΝgἷὄaὦatildeὁΝὅἷὄiaΝtὁἵaὄΝumaΝὀὁtaΝἶiὅὅὁὀaὀtἷςrdquoΝ(ἀἅἴἅ-c1) Eacute o que diz

Soacutecrates e Protarco assente dizendo que natildeo faz todo sentido nomear o artesatildeo como a

causa

Logo apoacutes concluir a apresentaccedilatildeo dos quatro gecircneros o proacuteximo ponto seraacute a

retomada da discussatildeo do segundo precircmio no ranking geral dos candidatos ao posto de bem

Soacutecrates reafirma como vitoriosa nessa colocaccedilatildeo em primeiro lugar a vida mista de prazer

e pensamento (θδε θ αΝη θΝ γ ηΫθΝπκυΝ θΝη δε θΝίέκθΝ κθ μΝ Νεα φλκθά πμ) (27d1-2)

Fica mais claro deste modo a que tipo de gecircnero essa vida pertence Nos diz Soacutecrates (27d7-

10) que ela natildeo eacute apenas a mistura de duas coisas mas eacute a mistura de todas as coisas

ilimitadas encadeadas pelo limite (κ ΰ λΝ υκῖθΝ δθκῖθΝ δΝηδε μΝ ε ῖθκμΝ ζζ υηπΪθ πθΝ

θΝ π έλπθΝ π κ πΫλα κμ) Soacutecrates interroga Filebo sobre qual gecircnero de vida

pertenceria a vida de prazer sem mistura mas ele sequer abre caminho para a resposta O

fato eacute que essa vida unicamente de prazer jaacute fora demonstrada como impossiacutevel e ateacute

inelegiacutevel por uma vida que se diga humana (27e1-4)

Eacute por isso que Soacutecrates iraacute dizer que o prazer e a dor ( κθ εα ζτπβ) fazem parte

dessas coisas ὃuἷΝὄἷἵἷἴἷmΝldquoὁΝmaiὅΝἷΝὁΝmἷὀὁὅrdquoΝ( θΝ η ζζσθΝ Νεα κθΝ ξκηΫθπθ) e

elas natildeo tecircm um limite Filebo volta a se manifestar no diaacutelogo para novamente afirmar que o

disso que ela deve ser (conforme sua natureza) que a coisa eacute dissolvida ou reconstituiacuteda e experimenta ἶἷὅὅἷΝmὁἶὁΝumaΝἶὁὄΝὁuΝumΝὂὄaὐἷὄrdquoΝ(ὂέΝἀἄίΝὀέΝ11ἃ)έΝἓὅὅἷΝtἷὄmὁΝὧΝumΝἶὁὅΝtἷὄmὁὅΝmaiὅΝldquoὂὄὁἴlἷmὠtiἵὁὅrdquoΝdo Filebo e usado pelὁὅΝὄἷviὅiὁὀiὅtaὅΝὂaὄaΝἶἷfἷὀἶἷὄἷmΝὃuἷΝhὠΝumaΝldquoὀὁvaΝὁὀtὁlὁgiardquoΝὀὁΝFilebo e que ela substitui o papel das Formas na filosofia platocircnica Carone (2008) explica essa dificuldade e apresenta alguns argumentos que contestam a visatildeo revisionista (i) κυ α e θαδ natildeo se prestam unicamente no corpus para se referirem agraves Formas podem designar algo mais simploacuterio como realidade existecircncia aplicaacutevel a qualquer tipo de ser (ii) haacute uma distinccedilatildeo clara no Filebo entre o mero vir-a-ser (ΰδΰθση θα 24e7-8) relacionado ao π δλκθ que progride sempre nunca repousando sem ὀἷὀhumaΝἷὅtaἴiliἶaἶἷΝἷΝaΝldquogἷὄaὦatildeὁΝἷmΝviὅtaΝἶὁΝὅἷὄrdquoΝἵaὄaἵtἷὄiacuteὅtiἵὁΝἶἷΝἵὁmἴiὀaὦὴἷὅΝgἷὀuiacuteὀaὅΝἷΝἷὅὅaΝresulta quando eacute transmitida ao π δλκθ uma orientaccedilatildeo teleoloacutegica atraveacutes do limite (πΫλαμ) (iii) Em 53c-ἃἂἶΝtἷmὁὅΝumaΝaἴὁὄἶagἷmΝὃuἷΝatἷὅtaΝumaΝldquoἵὁmὂὄἷἷὀὅatildeὁΝmaiὅΝamὂlaΝἶἷΝὅἷὄrdquoΝὁΝἵὁὀtὄaὅtἷΝatὧΝἷὀtatildeὁΝἷὅtὄitὁΝἷὀtὄἷΝgecircὀἷὅἷΝἷΝὅἷὄΝiὀἵluiΝumaΝὀὁὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝὂὄὁἵἷὅὅὁΝἷΝὄἷὅultaἶὁΝldquoΝ(έέέ)ΝὀaΝὃualΝἷὅtἷΝήltimὁΝpode ser visto como uma combinaccedilatildeo que representa a meta ἶὁΝὂὄὁἵἷὅὅὁrdquoΝ(ἑἏἤἡἠἓΝἀίίἆΝὂέΝ1ἂἅ)Ν(iv) Ser eacute tratado em 53c-54d como uma noccedilatildeo axioloacutegica isto eacute como algo que pertence agrave categoria do bem aquilo por cujo motivo acontece a geraccedilatildeo logo o universo sensiacutevel possui ser natildeo soacute porque eacute estaacutevel em algum sentido (estrutura matemaacutetica que forma a base da aparecircncia) e por isso inteligiacutevel mas tambeacutem na medida em que essa ordem e essa estrutura constituem um fundamento de sua excelecircncia (CARONE 2008 p144-149) Ver sobre isso o importante artigo de Igleacutesias do qual destaco as concepccedilotildees fundamentais sobre o termo problemaacutetico supracitado (2007 p 108-112) sobre aΝὄἷlaὦatildeὁΝἷὀtὄἷΝaΝὁὀtὁlὁgiaΝἷΝldquomἷtὄὧtiἵardquoΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝὃuἷΝὅἷguἷΝὀἷὅὅaΝmἷὅmaΝἶiὄἷὦatildeὁέ

174 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

prazer natildeo seria totalmente bom (π θ ΰαγ θ) caso natildeo fosse naturalmente ilimitado

( π δλκθ π φυε μ) tanto em quantidade quanto em intensidade (πζ γ δ εα η ζζκθ) (27e6-

8) Sendo assim Soacutecrates nega essa identificaccedilatildeo total do bem com o prazer assim como da

dor com o mau (28a1-3) Eacute preciso entatildeo considerar que o ilimitado dos prazeres pode

ὄἷἵἷἴἷὄΝumΝlimitἷΝὃuaὀἶὁΝiὀἵluiacuteἶὁΝὀaΝviἶaΝmiὅtaΝὂὁἶἷὀἶὁΝἷὀtatildeὁΝὄἷἵἷἴἷὄΝumaΝldquoὂaὄtἷΝἶὁΝἴἷmrdquoΝ

( ηΫλκμ ΰαγκ 28a3) A imposiccedilatildeo do limite que eacute gerado pela constituiccedilatildeo da vida mista

torna possiacutevel que o prazer tome parte no bem

Fica mais claro o projeto de Soacutecrates para romper com tal identificaccedilatildeo (bemprazer)

quando se nota sua vigorosa insistecircncia em atribuir agrave inteligecircncia (θκ θ) ao pensamento

(φλσθβ δμ) e ao conhecimento ( πδ άηβθ) o segundo precircmio colocando-os no gecircnero da

ἵauὅaΝ(ἀἆa)έΝἥὰἵὄatἷὅΝἷvὁἵaΝaὅΝὁὂiὀiὴἷὅΝἶὁὅΝldquoὅὠἴiὁὅrdquoΝἶὁΝὂaὅὅaἶὁrdquoΝ(εαγΪπ λ κ πλσ γ θ η θ

ζ ΰκυ)ΝἶἷΝὃuἷΝldquoaΝ iὀtἷligecircὀἵiaΝἷΝἵἷὄtὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁ ὅuὄὂὄἷἷὀἶἷὀtἷrdquoΝ (θκ θ εα φλσθβ δθ δθα

γαυηα θ) coordena e dirige ( υθ Ϊ κυ αθΝ δαευί λθ θ) o conjunto de todas as coisas do

universo ( τηπαθ αΝεα σ Ν εαζκτη θκθΝ ζκθ) (28c6-28d9) Ela natildeo apenas ordena a

iὀtἷligecircὀἵiaΝ ldquoὁὄἶἷὀaΝ ἴἷlamἷὀtἷΝ tὁἶaὅΝ aὅΝ ἵὁiὅaὅrdquoΝ ( θκ θΝ πΪθ αΝ δαεκ η ῖθ) nos diraacute

Protarco (28e1-6) Podemos contemplar tal ordem nos astros das oacuterbitas celestes (28e4-6)

na ordem dos elementos mateacuterias que compotildeem os corpos dos animais (29a8-10) e na

proacutepria composiccedilatildeo do universo (29e1-ἁ)έΝἑἷὄtamἷὀtἷΝἶἷὅtἷΝmὁἶὁΝὧΝὃuἷΝldquoὁΝgecircὀἷὄὁΝἶaΝἵauὅaΝ

estaacute presente em tὁἶaὅΝaὅΝἵὁiὅaὅrdquoΝ(ldquo μΝα έαμΝΰΫθκμ θΝ πα δΝ Ϋ αλ κθΝ θσθΝ κ κΝ θΝη θΝ

κῖμΝ παλ᾽ ηῖθrdquo)Ν (ἁίa1ί-ἴ1)έΝ ἡὄaΝ ὀὁὅΝ ἶiὐΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ aΝ ldquoὅaἴἷἶὁὄiaΝ ἷΝ aΝ iὀtἷligecircὀἵiaΝ jamaiὅΝ

ὂὁἶἷὄiamΝὅἷΝἷὅtaἴἷlἷἵἷὄΝὅἷmΝalmardquoΝ(ldquo κφέαΝη θΝεα θκ μΝ θ υΝουξ μΝκ εΝ θΝπκ Νΰ θκέ γβθrdquo)Ν

(30c9-10) noacutes temos alma e o universo tambeacutem tem uma alma A alma do universo ao que

tudo indica eacute a causa inteligente de sua ordem assim como a alma humana eacute causa

inteligente da ordem da vida boa (PAULA 2016 p 265) O argumento centrado no quarto

gecircnero e a consequente inclusatildeo da inteligecircncia nesse gecircnero se tornou um importante

ldquoaliaἶὁrdquoΝ ὂaὄaΝ ὃuἷΝ ἷὅὅaΝ ήltimaΝ ὂuἶἷὅὅἷΝ ὁἴtἷὄΝ ὁΝ ὅἷguὀἶὁΝ ὂὄecircmiὁΝ (ἁίἶἄ-e3) A inteligecircncia

demonstrou toda a sua potecircncia ( τθαηδθ) a partir da sua pertenccedila (evidenciada) no gecircnero

da causa (31a1-3)

Da mesma forma veio agrave luz o gecircnero do prazer (31a5) e Soacutecrates resume

Lembremos tambeacutem entatildeo sobre ambos o seguinte a inteligecircncia eacute aparentada agrave causa e pode ser dita do mesmo gecircnero ( δΝθκ μΝη θΝα έαμΝ θΝ

υΰΰ θ μΝεα κτ κυΝ ξ θΝ κ ΰΫθκυμ) mas o prazer eacute ele mesmo ilimitado ( κθ π δλσμΝ Να ) e do gecircnero que natildeo tem e natildeo teraacute jamais em si e por si mesmo nem comeccedilo nem meio e nem fim (εα κ ηά Ν λξ θΝηά ΝηΫ αΝηά Ν ΫζκμΝ θΝα φ᾽ αυ κ ξκθ κμΝηβ ικθ σμΝπκ ΝΰΫθκυμΝ(ἁ1aἅ-10)

175 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

Eacute imprescindiacutevel no contexto da exposiccedilatildeo dessa ontologia quaacutedrupla perceber o

duplo movimento realizado por Soacutecrates Tendo sido demonstrado que uma vida unicamente

de prazer seria um extremo proacuteximo agrave inferioridade animal e que uma vida unicamente de

conhecimento de permanecircncia de estabilidade de pensamento puro a mais divina possiacutevel

satildeo ambas impossiacuteveis e inelegiacuteveis no contexto da vida humana que soacute poderaacute ser uma vista

mista de prazer e conhecimento haacute um avanccedilo maior a partir da exposiccedilatildeo do argumento

cosmoloacutegico contido caracteriacutestico dessa ontologia quaacutedrupla A natureza dessa vida mista

humana possui como condiccedilatildeo necessaacuteria para a realizaccedilatildeo desse ηδε σθ (mistura) a

introduccedilatildeo do limite no ilimitado realizada pelo Demiurgo de tudo aquilo que eacute produto de

gἷὄaὦatildeὁΝἶἷΝumaΝgἷὄaὦatildeὁΝὃuἷΝviὅaΝὁΝὅἷὄΝἷὅὅaΝldquogἷὄaὦatildeὁΝὂaὄaΝὁΝὅἷὄrdquoΝ(ΰΫθ δθ μ κ δαθ) Deste

modo tambeacutem a vida humana eacute uma vida mista possiacutevel em virtude dessa inteligecircncia (causa

universal) e natildeo de uma inteligecircncia particular humana Insisto sobre esse ponto uma vida

ὃuἷΝὂὁἶἷὄiacuteamὁὅΝἶiὐἷὄΝἷmΝ tἷὄmὁὅΝἵὁὀtἷmὂὁὄacircὀἷὁὅΝ ldquoἴiὁlὁgiἵamἷὀtἷΝὅatiὅfatὰὄiardquoΝmaὅΝἷὅὅaΝ

justificaccedilatildeo natildeo pode ser compreendida de forma meramente fisioloacutegica sim em uma

concepccedilatildeo cosmoloacutegica universal num sentido grego lato

EacuteΝὂὄἷἵiὅὁΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝὁΝὅἷὀtiἶὁΝἶἷὅὅaΝldquomiὅtuὄardquoΝὃuἷΝaὃuiΝὀἷὅtaΝὂaὅὅagἷmΝὂὄἷἵἷἶἷΝ

o sentido eacutetico pois esse uacuteltimo sentido eacute sustentado eacute interdependente desse sentido

cosmoloacutegico Nesse uacuteltimo sentido toda vida humana eacute boa porque a causa inteligente assim

nos constitui mediante as potencialidades dessa nossa alma humana tal como o universo eacute

constituiacutedo por uma Alma que dispotildee todas coisas de uma forma bela (εαζ 26b1-3) A

distinccedilatildeo entre uma vida boa eacutetica e uma boa vida cosmoloacutegica nunca eacute feita soacute podemos

utilizaacute-laΝἶἷΝumaΝfὁὄmaΝldquoἶiἶὠtiἵardquoΝὂaὄaΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄmὁὅΝἷὅὅaΝtὄaὀὅiὦatildeὁΝἶiὄἷtaΝἶἷΝumΝὅἷὀtiἶὁΝ

ao outro o que natildeo diz respeito a uma atitude peculiar de Platatildeo que evoca o proacuteprio sentido

ἶἷΝumaΝviἶaΝἴὁaΝldquohὁliacuteὅtiἵardquoΝἷmΝὃuἷΝὀatildeὁΝfaὐΝtaὀtὁΝὅἷὀtiἶὁΝὅἷὂaὄὠ-los na visatildeo greco-platocircnica

Esse termo soa contemporacircneo mas como visto o proacuteprio Filebo se refere a tal concepccedilatildeo

eacute um atestado dessa compreensatildeo (Cf 28d5-9) Explica Carone (2008) que

() naturalmente temos o exemplo da vida boa como uma vida de combinaccedilatildeo de prazer e ordem () Mas todos esses exemplos e muitos outros (tais como beleza forccedila fiacutesica etc ()) representam casos particulares dentro de uma estrutura mais geral do universo (ouranos to pan cf 30a9-c7) do qual se diz que os constituintes satildeo maravilhosamente belos () e que tambeacutem e primariamente existe em virtude de uma combinaccedilatildeo de apeiron e peiras Na verdade se diz ser o corpo do mundo dotado de alma (empsuchon 30a6) e todas as coisas dotadas de alma (cf to epsuchon eidos) lemos em 32a9-b1 surgem como um resultado de apeiron e peras Assim parece que apeiron e peras estatildeo apropriadamente combinados natildeo soacute em coisas individuais mas tambeacutem no cosmos como um todo E porque peras eacute causa formal de excelecircncia numa combinaccedilatildeo podemos perceber como o universo possui excelecircncia de origem interior de um modo que

176 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ἵὁmἷὦaΝ aΝ ἷxὂliἵaὄΝ aΝ ἵὁὀἵἷὂὦatildeὁΝ ldquoἷlἷvaἶardquoΝ ἶὁΝ muὀἶὁΝ ὅἷὀὅiacutevἷlΝ ὂresente no diaacutelogo (p 143 grifos da autora)

O texto do Filebo nos permite dizer que uma certa e bela ordem nos eacute dada por meio

da inteligecircncia universal que dirige e coordena todas as coisas do cosmo mas um resiacuteduo

dessa ordenaccedilatildeo que compete ao homem realizaacute-la Essa combinaccedilatildeo (vida mista) eacute uma

combinaccedilatildeo que deve ser excelente tornar-se na medida do possiacutevel excelente por meio da

inteligecircncia particular dos indiviacuteduos

Natildeo se pode a meu ver confundir a atividade demiuacutergica como algo isolado

transcendente Esse θκ μ deve ser entendido naquilo que ele eacute causa eficiente e ele eacute

imanente tanto no universo quanto na composiccedilatildeo da vista mista humana A funccedilatildeo dessa

ldquoiὀtἷligecircὀἵiardquoΝ ὧΝ ἵὁmὂὁὄΝ ἴὁaὅΝ miὅtuὄaὅΝ uὀivἷὄὅaiὅ ou particulares por isso no Filebo

diferentemente do Timeu (28c3 29a3) se utiliza o termo βηδκυλΰκ αφλκθ (27b1 26e6-8

ἀἅaἃ)Ν ὀὁΝ ὀἷutὄὁΝ ὀὁΝ lugaὄΝ ἶἷΝ ldquoἵὄiaἶὁὄrdquoΝ ( ηδκυλΰσμ) no singular masculino assim como

tambeacutem no Filebo essas combinaccedilotildees satildeo combinaccedilotildees particulares realizadas em um todo

sem alusatildeo clara agrave geraccedilatildeo do cosmos em sua totalidade Assim por mais que o limite (πΫλαμ)

informe essa combinaccedilatildeo ou melhor seja a causa formal da mistura a explicaccedilatildeo eficiente

dessa estrutura cosmoloacutegica misturada proveacutem da inteligecircncia desse θκ μ Como nos diz

ἑaὄὁὀἷΝ(ἀίίἆ)ΝldquoὅἷΝὧΝaὅὅimΝtἷmὁὅΝὄaὐatildeὁΝὂaὄaΝὅuὅὂἷitaὄΝἶἷΝalgumΝtiὂὁΝἶἷΝiὀtἷὄἶἷὂἷὀἶecircὀἵiaΝ

mἷὀtἷήἵὁὄὂὁΝmἷὅmὁΝὀumΝὀiacutevἷlΝἵὰὅmiἵὁΝ(έέέ)rdquoΝ(ὂέΝ1ἃί)έ

No contexto da discussatildeo sobre uma vida boa e consequentemente uma vida feliz o

aspecto cosmoloacutegico eacute levado em conta por Soacutecrates ao estabelecer um paralelismo entre

inteligecircncia humana e coacutesmica entre micro e macro-cosmo Penso que aqui o propoacutesito natildeo

seja demarcar estritamente uma assimetria ou mesmo oposiccedilatildeo entre um e outro mas a

anaacutelise do argumento cosmoloacutegico deve ser cuidadosa porque dada oposiccedilatildeo natildeo nos traria

resultados proveitosos em se tratando de uma compreensatildeo acertada sobre a passagem237

Devemos antes de tudo compreender esse paralelismo feito por Soacutecrates no contexto

da discussatildeo maior acerca da vida boa Ora o condutor da discussatildeo talvez esteja afirmando

que o universo possui uma mente coacutesmica que opera essas misturas de uma forma excelente

que governa dirige e preserva a boa ordem de todas coisas que mistura belamente Dito isso

o paralelismo passa a ser estabelecido entre esse θκ μ coacutesmico e os organismos individuais

237 Sobre isso eacute possiacutevel ver a anaacutelise detalhada e a recomposiccedilatildeo do argumento por Carone (2008 p 152) que aborda com clareza que a interpretaccedilatildeo incorreta do paralelismo natildeo alcanccedila resultados satisfatoacuterios principalmente quando esse paralelismo eacute interpretado sob o ponto de vista da distinccedilatildeoseparaccedilatildeo da causa do mundo seja pela equivocada compreensatildeo rasa da relaccedilatildeo sensiacutevel-inteligiacutevel ou melhor entre teoloacutegico e fisioloacutegico A teoacuterica diz com toda clareza que o argumento desenvolvido na passagem eacute fiacutesico-teoloacutegico e natildeo somente teoloacutegico (no inteligiacutevel) ou somente fiacutesico (no plano sensiacutevel) ele eacute fiacutesico-teoloacutegico e ambos os planos de realidade (CARONE 2008 p 150-151)

177 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

(28c-29d) Ora se reconhecemos em noacutes a existecircncia de um corpo e esse corpo proveacutem do

corpo do universo tambeacutem em relaccedilatildeo a alma podemos pressupor o mesmo isto eacute que ela

proveacutem de uma alma universal e superior Eacute porque reside nessa alma (a coacutesmica) que essa

inteligecircncia (θκ μ) governa sempre o universo Logo natildeo se trata aqui de uma distinccedilatildeo niacutetida

entre sensiacutevelinteligiacutevel corpoalma caso defendecircssemos isso ou seja que a natureza da

causa o intelecto demiuacutergico estivesse aleacutem dessa interdependecircncia mente-corpo de tal

mὁἶὁΝὃuἷΝἷὅὅἷΝldquoZἷuὅΝὄὧgiὁrdquoΝ( δ μ ία δζδε θ 28d1-4) como eacute chamada a causa essa uacuteltima

estivesse aleacutem da alma perderiacuteamos a grandeza do paralelismo aqui estabelecido Sabedoria

e inteligecircncia nos diz Soacutecrates natildeo existem sem alma (Cf 30c-910) A alma do mundo assim

como a alma humana satildeo ambas princiacutepios de organizaccedilatildeo238 de sustentaccedilatildeo a causa

existe em todas as coisas o que sugere ainda mais inerecircncia da causa do que sua separaccedilatildeo

ontoloacutegica

Essa alma do mundo eacute singular mas sua tarefa ordenadora dirige-se agraves entidades

particulares das quais reconhecemos a natureza das coisas mais e belas e mais nobres em

porccedilotildees maiores no universo como nos astros celestiais Reconhecemos que essa beleza e

essa nobreza eacute fruto desse ordenamento dessa sustentaccedilatildeo que a inteligecircncia realiza nas

almas desses seres ou seja dessa geraccedilatildeo inteligiacutevel em direccedilatildeo ao ser Esse θκ μ que

realiza a combinaccedilatildeo no universo tem de ser a inteligecircncia na alma do mundo o θκ μ coacutesmico

Da mesma maneira ocorre em noacutes essa tarefa criadora e ordenadora excelentemente

realizada pela demiurgia que compotildee essa nossa natureza humana mista de prazer e

inteligecircncia na qual tambeacutem podemos reconhecer esse belo ordenamento (sauacutede

constituiccedilatildeo corpoacuterea adequada vigor fiacutesico etc) em menores porccedilotildees e que por vezes se

desfaz e novamente se restabelece ou seja esse θκ μ que possibilita que tenhamos uma

vida mista de acordo com essa proacutepria condiccedilatildeo (humana)

Contudo no caso dos seres humanos nem sempre alma e θκ μ coincidem pois nossa

alma possui outras capacidades psiacutequicas e fisioloacutegicas proacuteprias agrave nossa condiccedilatildeo natural

No caso do cosmos tambeacutem resultante dessa mistura de limite e ilimitado a identidade entre

θκ μ e alma eacute possiacutevel porque no inteligiacutevel esse ordenamento natural se conserva de forma

excelente diferentemente do caso humano A inteligecircncia coacutesmica natildeo permite que o caos se

instaure que o universo seja caoacutetico e desordenado Por isso Soacutecrates chamaraacute essa

inteligecircὀἵiaΝ ὃuἷΝ ὄἷὅiἶἷΝ ὀaΝ almaΝ humaὀaΝ ἶἷΝ ldquoὅaἴἷἶὁὄiaΝ ἵὁmὂlἷtaΝ ἷΝ vaὄiaἶardquoΝ (εα παθ κέαθΝ

κφέαθΝ πδεαζ ῖ γαδ 30b4) tendo em vista que ela nos possibilita muitos ganhos como a

238 ἑaὄὁὀἷΝ ἶiὐΝ ὅὁἴὄἷΝ iὅὅὁΝ ὃuἷμΝ ldquo(έέέ)Ν ὂἷὄmaὀἷἵἷΝ vἷὄἶaἶἷiὄὁΝ ὃuἷΝ ἷὅὅἷΝ vὁἵaἴulὠὄiὁΝ ἶifiἵilmἷὀtἷΝ ὅἷὄiaΝempregado por algueacutem que considera o corpo um mero acessoacuterio da alma como alguns entendem que sugerem os diaacutelogos intermediaacuterios de Platatildeo Em lugar disso a analogia macromicro cosmo pareceria ressaltar a presenccedila da alma no universo primordialmente como um princiacutepio de sua organizaccedilatildeo semelhante agrave alma em noacutes (agrave qual se diz que pertence a funccedilatildeo de ser um archecirc em Fil ἁἃἶ)rdquoΝ(ἀίίἆΝp 152)

178 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

sauacutede que se restaura pela medicina e pela ginaacutestica quando o corpo falha Mas no universo

em que a inteligecircncia coacutesmica tambeacutem produz constantemente essas misturas ela sempre

as faz de uma maneira legiacutetima com regularidade e sempre de forma excelente

Logo essa suposta inferioridade natildeo parece ser aqui justificada em vista dessa

distinccedilatildeo entre planos (sensiacutevelinteligiacutevel) porque no universo tambeacutem haacute corpos e corpos

com almas permitem serem ordenados belamente nem que a demiurgia seja algo

(transcendente) que esteja aleacutem da imanecircncia do mundo mas ela eacute causa eficiente que pela

introduccedilatildeo limite torna excelente qualquer mistura239 por isso a alternacircncia socraacutetica ao dizer

que a alma eacute coacutesmica e que a causa eacute θκ μ Jaacute no caso da vida humana mista somos

convocados a sempre voltarmos agrave essa constituiccedilatildeo originaacuteria a qual fomos destinados a vida

eacutetica boa eacute essa vida que realiza essa harmonizaccedilatildeo entre a finalidade coacutesmica estabelecida

pela inteligecircncia coacutesmica ao criar o homem (num sentido universalgeneacuterico) e a finalidade

estabelecida pela causa individual humana ou seja a inteligecircncia particular de cada indiviacuteduo

A vida humana destarte eacute sempre mista e isso Platatildeo jamais negou mas o que se

nega eacute que nem sempre ela eacute uma legiacutetima mistura agrave vista disso nem sempre boa (num

ὅἷὀtiἶὁΝὧtiἵὁ)έΝἏΝtaὄἷfaΝhumaὀaΝἵὁὀὅiὅtἷΝἷmΝumΝldquoafiὀamἷὀtὁrdquoΝὃuἷΝὄἷὃuἷὄΝumΝὄἷtὁὄὀὁΝὅἷmὂὄἷΝ

que possiacutevel a esse modelo originaacuterio belamente disposto pela inteligecircncia coacutesmica ou seja

agrave finalidade originaacuteria atribuiacuteda agrave alma humana pela inteligecircncia coacutesmica no momento de sua

criaccedilatildeo tarefa que deve ser realizada pela accedilatildeo humana e que consiste em conservar essa

originalidade que tem como paradigma como modelo a ordem universal coacutesmica O universo

possui uma organizaccedilatildeo interior na qual a inteligecircncia sempre cumpre da melhor maneira o

seu papel Noacutes tambeacutem possuiacutemos uma composiccedilatildeo natural dotada de intelecto devido agrave

presenccedila da alma e tambeacutem afetiva devido ao corpo uma organizaccedilatildeo interior mas perdemos

constantemente essa excelecircncia quando realizamos maacutes misturas na qual os ingredientes

natildeo satildeo bem dosados e corrompem nossa mistura (condiccedilatildeo) originaacuteria tornando-a

ἶἷὅὂὄὁviἶaΝἶἷΝtalΝἷxἵἷlecircὀἵiaΝὃuἷΝaΝldquoviἶaΝἵὰὅmiἵaΝuὀivἷὄὅalrdquoΝmaὀtὧmΝiὅtὁΝὂὁὅtὁΝἷlaΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝ

tὁmaἶaΝἵὁmὁΝὂaὄaἶigmaΝἵὁmὁΝmὁἶἷlὁΝὁuΝὀὁὅΝἶiὐἷὄἷὅΝὂlatὲὀiἵὁὅΝἵὁmὁΝaΝldquomaiὅΝἶiviὀardquoέΝ

O universo eacute um corpo um corpo dotado de alma com os mesmos elementos que

residem em noacutes em maiores porccedilotildees de quantidade (nos diz o Filebo em 30d-e) A diferenccedila

se encontra portanto na conservaccedilatildeo da ordem firmemente estabelecida no arranjo

(qualitativo) presente no universo que permanece fiel agrave sua finalidade originaacuteria240 Quanto ao

homem somos corpos corpos dotados de alma com os mesmos elementos do universo em

menores porccedilotildees (de quantidade) poreacutem natildeo conservamos nossa finalidade originaacuteria da

239 ἠatildeὁΝὃualὃuἷὄΝἵὁmἴiὀaὦatildeὁΝmaὅΝumaΝldquoἵὁὄὄἷtaΝἵὁmἴiὀaὦatildeὁrdquoΝ( λγ εκδθπθέμ) eacute louvada por Soacutecrates em 25e7 240 Soacutecrates diraacute em 30c3-ἄμΝldquo(έέέ)Νὀo universo haacute tanto excesso de ilimitado quanto suficiecircncia de limite e sobre eles uma causa natildeo inferior ordenado belamente e coordenando os anos as estaccedilotildees e os mἷὅἷὅΝὃuἷΝὂὁἶἷὄiaΝὅἷὄΝἵhamaἶaΝἵὁmΝtὁἶὁΝὁΝἶiὄἷitὁΝἶἷΝὅaἴἷἶὁὄiaΝἷΝἶἷΝiὀtἷligecircὀἵiardquoέ

179 32 Prazer Bem Vida Mista e Intelecto

criaccedilatildeo somos infieacuteis quanto agrave nossa constituiccedilatildeo originaacuteria Precaacuterios e ignoacutebeis realizamos

maacutes misturas e precisamos retomar por meio de nossa faculdade intelectiva individual a

busca pela conservaccedilatildeo dessa ordem belamente estabelecida e perdida a qual tornaria de

fatὁΝὀὁὅὅaΝviἶaΝὄἷalmἷὀtἷΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoέΝἡΝὃuἷΝὁΝFilebo deixaraacute claro a meu ver eacute que

essa nossa vida mista de prazer e inteligecircncia soacute poderaacute ser efetivamente boa quando a vida

particular humana se esforccedilar ao maacuteximo para adquirir a natureza de uma forma geneacuterica que

participa da Forma do Bem que eacute a uacutenica coisa boa de forma absoluta que eacute boa

ἷxἵἷlἷὀtἷmἷὀtἷΝἷΝὂὁὄΝiὅὅὁΝὂὁἶἷΝὅἷὄΝἶἷὀὁmiὀaἶaΝἵὁmὁΝumaΝldquoviἶaΝἴὁardquoΝὀὁΝὅἷὀtiἶὁΝἷὅtὄitὁέΝ

Cosmologia e eacutetica portanto permanecem conjugados e natildeo separados pois aquilo

a que todas as coisas aspiram sejam elas universais (cosmoloacutegicas) ou mesmo o proacuteprio

homem enquanto tambeacutem um desses seres presente no universo eacute o Bem e que na vida

humana permanece como a orientaccedilatildeo maior para que uma vida seja realmente uma vida

boa e como nos diz o Filebo deve ser buscado na vida mista entre prazer e conhecimento

Dito de outro modo o bem humano natildeo eacute este ou aquele bem mas uma vida boa a boa vida

humana A questatildeo que envolve o Filebo vai aleacutem de uma simples e faacutecil mistura essa eacute uma

das misturas mais relevantes porque trata de compreender a todo instante se uma vida tal

como ela eacute ela mesma se basta a si poacutepria O prazer teria essa ilusatildeo que o pensamento

denuncia mas nenhum nem outro nem prazer nem inteligecircncia devem ser tratados de forma

polarizada mas a eacutetica define-se por uma pergunta muito mais complexa a partir da

introduccedilatildeo da mistura que visa o bem O prazer eacute parte da vida boa seu fasciacutenio encanta

mas como introduzir algo ilimitado em si-mesmo naquilo que essencialmente por natureza eacute

limitado como eacute o caso da boa vida241

Quando o π δπκθ reina quem impera eacute o acaso e a necessidade ( υξ ιΝ

θΪΰεβμ)242 natildeo a ordem243 natildeo o planejamento e a inteligecircncia O universo natildeo eacute irracional

ambos dialogadores chegam a tal conclusatildeo muito pelo contraacuterio nele impera a ordem e a

regularidade de forma excelente Considerar o prazer como bem eacute dizer que nossa vida inteira

deve ser regulada em funccedilatildeo de algo que pertence ao gecircnero do π δλκθ o prazer eacute π δλκθ

ou seja passa pelo mais e pelo menos eacute pura geraccedilatildeo pura transgressatildeo que recusa a

imposiccedilatildeo do limite um devir e o devir torna-se mas natildeo eacute ser o prazer soacute se torna ser depois

da atividade dialeacutetica que o estrutura que o limita primeiramente em multiplicidade

241 NaὅΝἴἷlaὅΝὂalvὄaὅΝἶἷΝἐὁὅὅiμΝldquoἏΝvἷlhaΝὂaixatildeὁΝἶἷΝἑὠliἵlἷὅΝὄἷἷὀἵaὄὀaΝἷmΝἔilἷἴὁμΝὁΝἴὁmΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝἷmΝseu caraacuteter ilimitado natildeo impedido sempre possiacutevel de ser levado um pouco mais adiante Talvez poderiacuteamos dizer que toda a eacutetica socraacutetico-platocircnica natildeo tem outro objetivo principal que desmascarar ἷὅtaΝatὄaἷὀtἷΝviὅatildeὁΝἷΝἶἷὅtὄuiὄΝaΝ faὅἵiὀaὦatildeὁΝὃuἷΝaΝὂἷὄὅὂἷἵtivaΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝ ilimitaἶὁΝἷxἷὄἵἷΝὅὁἴὄἷΝὀὰὅrdquoΝ(2008 p 241) 242 (Cf Ti 46e5-6) 243 O termo desordem ( Ϊε πμ) aparece em 29a4 relacionado anteriormente com o acaso ( υξ cf 28d5-9 Ti 46e Lg 889c) pois Soacutecrates questiona a Protarco (28d5-7) se poderiacuteamos dizer que o universo eacute governado pela potecircncia do irracional ( ζσΰκυ) e de arbitrariedade e daquilo que acontece ὂὁὄΝaἵaὅὁΝ( θΝ κ ζσΰκυΝεα ε τθαηδθΝεα π υξ θ)έ

180 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

determinada e depois disso em uma unidade indeterminada que se denomina prazer mas

que satildeo vaacuterios prazeres244 O prazer ilimitado prescinde da accedilatildeo da inteligecircncia na

composiccedilatildeo da vida mista boa nesta ele soacute pode ser bom apoacutes essa imposiccedilatildeo do limite

pois essa vida para ser uma boa vida realmente deve saber dosar corretamente prazer e

inteligecircncia tendo como referecircncia o ordenamento executado pela inteligecircncia coacutesmica

universal a finalidade originaacuteria da sua criaccedilatildeo pela Inteligecircncia universal que se deu por meio

de sua alma (humana) ordenamento que agora deveraacute ser retomado e consiste propriamente

a uma accedilatildeo executaacutevel pelo proacuteprio homem Nos belos dizeres de Carone (2008)

()um importante contraste torna-se aparente aqui ao observarmos como num niacutevel coacutesmico a prevalecircncia do nous sobre o acaso a necessidade ou o ilimitado constitui um fato determinado e digno do aspecto dos ceacuteus (Fil 28e) Ao contraacuterio para os seres humanos isso natildeo eacute determinado cabe a noacutes optar por uma vida irracional de prazer excessivo ou entatildeo nos decidir a governaacute-la com nosso nous () Mas como podemos compreender nossas proacuteprias tendecircncias de modo que nos capacitemos a controlaacute-las melhor Como podemos alcanccedilar vidas humanas estavelmente felizes Eacute para esse tipo de problema eacutetico que a passagem cosmoloacutegica que estivemos discutindo serve para estabelecer o conhecimento de base apropriado uma vez que eacute igualmἷὀtἷΝ imὂὁὄtaὀtἷΝ aὂὄἷὀἶἷὄΝ ldquoὁΝ ὃuἷΝ ὧΝ ἴὁmΝ taὀtὁΝ ὀὁὅΝ ὅἷὄἷὅΝhumaὀὁὅΝἵὁmὁΝὀὁΝuὀivἷὄὅὁrdquoΝ(ἄἂa1-2) (p 157 grifos da autora)

Por fim vemos que mesmo aqui nessa fundamentaccedilatildeo cosmoloacutegica toda e qualquer

geraccedilatildeo tem como fim o bem por isso ela eacute (tanto no caso cosmoloacutegico quanto no caso eacutetico)

propriamente axioloacutegica tem em vista sempre o melhor o bom o bem e tudo o que eacute

consoante ao valor maior pelo qual todas as coisas anseiam como nos ficaraacute claro em 53-

54d

33 Prazer Conhecimento e Valor

Foi dito que a questatildeo do prazer na vida humana eacute tratada segundo as questotildees da

teleologia universal coacutesmica A vida boa se define pela sua finalidade Eacute isso que importa para

Platatildeo Antes do conteuacutedo da mistura da vida boa eacute preciso investigar qual forma este tipo

de vida deve tomar Eacute necessaacuterio delineaacute-la pois a partir disso seraacute possiacutevel ao indiviacuteduo

244 ἒixὅautΝ(ἀίί1)ΝἴἷmΝὁἴὅἷὄvaμΝldquoἒiὐἷὄΝἶἷΝalgὁΝἷΝὂaὄtiἵulaὄmἷὀtἷΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὃuἷΝἷlἷΝὅἷΝἷὀἵὁὀtὄaΝὀὁΝgecircnero do apeiron natildeo significa apenas devolver negativamente a ele qualquer limite mas determina-lo positivamente como uma espeacutecie de realidade capaz de recusar qualquer determinaccedilatildeo qualquer limite qualquer medida Era portanto necessaacuterio antes de submeter o prazer agrave anaacutelise refletir sobre a maneira de como lidar com uma realidade desse gecircnero comeccedilando por definir o gecircnero () A ilimitaccedilatildeo proacutepria ao prazer eacute essa ilimitaccedilatildeo dinacircmica essa recusa de qualquer quantidade determinada de qualquer medida e de qualquer fim Eacute a ela que o dialeacutetico deve impor nuacutemero e estrutura (aruthmos)rdquoΝ(ὂέΝἁ1ἂΝἁ1ἄ)έ

181 33 Prazer Conhecimento e Valor

atuar na composiccedilatildeo da mistura dosando corretamente os ingredientes que devem ser

incluiacutedos em tal composiccedilatildeo Primeiramente esse indiviacuteduo deve conhecer a forma dessa

vida a vida mista seu lugar na teleologia coacutesmica e posteriormente realizar a composiccedilatildeo

da vida mista boa concretizaacute-la atualizaacute-la Eacute a forma desta vida mista que determina o

conteuacutedo dessa boa vida mas essa vida deve ser capaz de atender agraves finalidades do εσ ηκ

O pensamento presente nesta foacutermula da vida boa consegue extrapolar a funccedilatildeo de

mero possibilitador da fruiccedilatildeo de prazeres do caacutelculo dos prazeres realizados pela memoacuteria

a inteligecircncia nos oferece outros atributos ela eacute capaz de conhecer a fundo essa mistura de

instaurar as finalidades mais amplas em nossa existecircncia concreta Todavia ela deve

exercitar-se a fim de conhecer a real dimensatildeo da sua potecircncia para aplicaacute-las na vida

humana logo conhececirc-las (estas possibilidades) permitiraacute tambeacutem conhecer a forma que a

vida humana pode e deve assumir se de fato ela deseja ser uma vida boa O pensamento

assim possui um valor inestimaacutevel pois aleacutem de participante e constituinte da vida mista ele

eacute capaz de tornar uma vida mista humana uma vida boa ele dispotildee de vaacuterios recursos como

traccedilar estrateacutegias calcular rememorar investigar imaginar avaliar julgar dentre outras O

pensamento e o conhecimento ainda seratildeo definidos mais claramente no espectro desse texto

platocircnico O pensamento possui um poder amplo na vida boa e no argumento que perscruta

acerca do bem e da vida boa no contexto dialoacutegico aqui tratado Desta maneira a finalidade

da vida humana natildeo pode ser o prazer jaacute que o conhecimento natildeo se encontra ocupado

somente com a fruiccedilatildeo dos prazeres

O hedonismo enquanto uma teoria eacutetica deve ser refutado por Soacutecrates tendo em

vista a dimensatildeo do pensamento do conhecimento que na vida humana excede extrapola

essa uacutenica funccedilatildeo de fruiccedilatildeo dos prazeres Logo o prazer natildeo pode ser o bem Todavia o

prazer reclama a todo instante sua existecircncia no conjunto da vida boa uma vida de

pensamento unicamente natildeo eacute desejaacutevel dada a nossa condiccedilatildeo humana afetivo-intelectual

O bem precisa ser algo que possua limites que o proacuteprio prazer natildeo possui Mas o prazer

enquanto um ilimitado que eacute pode ser limitado pela atuaccedilatildeo do pensamento pode se tornar

bom por isso defendemos consistentemente que o Filebo eacute um diaacutelogo que vai muito aleacutem

do embate hedonismo vs anti-hedonismo quando falamos em vida mista de prazer e

inteligecircncia a forma e o conteuacutedo da vida boa mista altera essa oposiccedilatildeo draacutestica pois

nenhum desses dois elementos (prazer e inteligecircncia) podem ser eliminados drasticamente

da vida humana

Os bens humanos passam a ser discutidos de uma outra maneira e essa teoria eacutetica

tradicional convencional precisa ser transposta criticamente pelo Soacutecrates do Filebo O bem

para uma vida enquanto vida humana soacute pode ser uma vida boa A explicaccedilatildeo de Soacutecrates

para tais temas eacuteticos reconfigura-se no caso do Filebo como se pode notar vai mais a fundo

permitindo uma anaacutelise psicoloacutegica e fisioloacutegica e por uacuteltimo eacutetica muito mais complexa do

182 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

que posiccedilotildees dogmaacuteticas estritas em torno do problema eacutetico tradicional sobre as accedilotildees

humanas sobre o modo como se deve viver A busca pela definiccedilatildeo de uma eacutetica se assim

podemos dizer em Platatildeo foge de posiccedilotildees extremas polarizadas Muito pelo contraacuterio a

pergunta relevante a mais simples e a mais enigmaacutetica da eacutetica eacute uma questatildeo complexa e

dialeacutetica Agora sim eacute o momento de analisar os conteuacutedos da mistura da forma da boa vida

desejada como ideal para os indiviacuteduos Quais e que tipos prazeres entram nessa mistura

Quais e que tipos de conhecimentos devem ser incluiacutedos nessa vida mista para que ela seja

boa Jaacute que o prazer pode receber determinaccedilatildeo e se tornar algo bom nessa mistura e a

inteligecircncia natildeo se restringe unicamente agrave tarefa de tornar possiacutevel a fruiccedilatildeo dos prazeres

mas desempenha outros melhores e maiores papeis nessa composiccedilatildeo vejamos entatildeo qual

a relevacircncia destes dois elementos nessa forma da vida boa mista

A anaacutelise dos prazeres ocupa grande parte do diaacutelogo (31b-55c) Natildeo pretendo aqui

tratar exaustivamente dessa anaacutelise devido agraves finalidades redutivas que nosso trabalho nos

impotildee O trecho eacute permeado de passagens complexas que evocam uma compreensatildeo clara

de vaacuterios temas presentes no corpus que podem e devem ser retomados para o tratamento

dessa importante questatildeo filosoacutefica da filosofia platocircnica Minha hipoacutetese de leitura pretende

ressaltar brevemente dois aspectos que a meu ver satildeo importantiacutessimos para compreensatildeo

da anaacutelise dos prazeres a saber em primeiro um aspecto gnosioloacutegico e em seguida um

aspecto valorativo ou axioloacutegico como pretendo chamar aqui245

Primeiramente o prazer deve ser analisado em relaccedilatildeo ao seu contraacuterio ou seja no

prazer e dor jamais poderiacuteamos analisar sob tortura o prazer separado da dor nos diz

ἥὰἵὄatἷὅΝἷmΝἁ1ἴἄΝ(ζτπβμΝ α ξπλ μΝ θΝ κθ θΝκ εΝ θΝπκ Ν υθαέη γαΝ εαθ μΝία αθέ αδ)έΝ

Dor e prazer agora satildeo incluiacutedos em um gecircnero comum o que dista da sua classificaccedilatildeo

anterior no gecircnero do ilimitado Devemos antes de qualquer alarde nos atentar para o sentido

ἶἷὅὅἷΝldquoἵὁmumrdquoΝ(εκδθ ) utilizado aqui por Platatildeo Soacutecrates diz que por natureza (εα φτ δθ)

ambos (prazer e dor) residem neste gecircnero do comum

O exemplo da sauacutede eacute retomado (31d10-11) Quando em noacutes se desata a harmonia

( μΝ ληκθέαμΝη θΝζυκηΫθβμΝ ηῖθ)ΝὁἵὁὄὄἷΝaΝἶiὅὅὁluὦatildeὁΝἶaΝὀatuὄἷὐaΝ(ζτ δθΝ μΝφτ πμ)ΝἷΝἶaiacuteΝ

simultaneamente resultam as dores (31d4-6) Quando poreacutem a harmonia se recompotildee

245 Sigo bem de perto certos autores contemporacircneos que hora ou outra ocupam parte do meu texto me alio a essa visatildeo interpretativa do diaacutelogo e principalmente da questatildeo do prazer por consideraacute-la mais entusiasmante e mais atenta aos problemas complexos que envolve essa intrincada questatildeo do prazer na filosofia de Platatildeo Recentemente essa visatildeo eacute defendida por alguns autores nos quais me fundamento para a construccedilatildeo da minha anaacutelise como (Marques (2012) Teisserenc (1999 2010) Bossi (2008) Dixsaut (1999 2001 2017) ndash considero importante tambeacutem retomar (Delcomminette Bravo) enquanto grandes especialistas da temaacutetica mas natildeo sigo em alguns momentos seus posicionamentos principalmente no que diz respeito a esse momento da anaacutelise dos prazeres

183 33 Prazer Conhecimento e Valor

novamente retornando a sua proacutepria natureza surgem os prazeres (πΪζδθΝ ληκ κηΫθβμΝ Ν

εα μΝ θΝα μΝφτ δθΝ πδκτ βμΝ κθ θΝΰέΰθ γαδ) (31d8-10)

Alguns exemplos ofertados por Soacutecrates (31e6-32a8) facilitam a compreensatildeo como

a fome porque haacute dissoluccedilatildeo (ζτ δμ) e dor (ζτπβ) enquanto o ato de comer eacute um

preenchimento (πζάλπ δμ) de retorno (ΰδΰθκηΫθβ π ζδθ) agrave situaccedilatildeo normal e prazer do

mesmo modo a sede que eacute corrupccedilatildeo (φγσλα) do estado natural fisioloacutegico e dor e o

preenchimento (πζβλκ α) com liacutequido que preenche a secura prazer o calor insuportaacutevel e

a refrigeraccedilatildeo satildeo exemplos do mesmo tipo dor-restauraccedilatildeo separaccedilatildeo e dissoluccedilatildeo do

estado natural ( δΪελδ δμ εα δΪζυ δμ παλ φτ δθ) sendo o resfriamento nesse caso de

calor extremo restauraccedilatildeo do equiliacutebrio natural o congelamento (frio extremo) contraacuterio agrave

natureza que congela os liacutequidos do animal e a restauraccedilatildeo por meio do retorno ao acordo

natural (εα φτ δθ rsquoΝπΪζδθ πσ κ έμ) ou seja ao se liquidificarem eacute um retorno agrave natureza

e por isso prazeroso Logo conclui-se que quando essa harmonia natural se corrompe

(φγσλαθ) entre limite e ilimitado o resultado eacute a dor e o caminho do retorno tem como

resultado nos seres vivos o prazer e ele eacute retorno ao proacuteprio ser ( θΝ ᾽ μΝ θΝα θΝκ έαθΝ

σθΝ ατ βθΝ α πΪζδθΝ θΝ θαξυλβ δθΝπΪθ πθΝ κθάθ) (32b1-5) Em 32e1-2 Soacutecrates iraacute

ἵὁὀἵluiὄΝ ldquoὃuaὀἶὁΝ hὠΝ ἵὁὄὄuὂὦatildeὁΝ ἶἷὅὅaὅΝ ἵὁiὅaὅΝ hὠΝ ἶὁὄΝ ἷΝ ὃuaὀἶὁΝ hὠΝ ὄἷὅtauὄaὦatildeὁΝ ὂὄaὐἷὄrdquoΝ

(ldquo δαφγ δλκηΫθπθΝη θΝα θΝ ζΰβ υθΝ θα ακηΫθπθΝ κθάrdquo)έ

Na passagem da ontologia quaacutedrupla a sauacutede era tomada como um exemplo do

gecircnero misto dentre aqueles outros trecircs gecircneros Ou seja toda a descendecircncia desse misto

ἷὄaΝtὄataἶὁΝἵὁmὁΝumaΝldquogἷὄaὦatildeὁΝἷmΝviὅtaΝἶὁΝὅἷὄrdquoΝ(ΰ θ δθ μ κ δαθ) Pela introduccedilatildeo do limite

no ilimitado o devir a geraccedilatildeo adquiriam estabilidade e deixavam de ser um movimento

contiacutenuo ininterrupto deixavam de ὅἷὄΝumaΝmἷὄaΝldquogecircὀἷὅἷrdquoΝἷΝὅἷΝtὁὄὀavamΝldquogἷὄaὦatildeὁΝὂaὄaΝὁΝ

ὅἷὄrdquoέΝ ἦamἴὧmΝ aΝ viἶaΝ humaὀaΝ fὁiΝ ἵὁὀsiderada uma vida mista a constituiccedilatildeo orgacircnica

fisioloacutegica dos seres humanos pertenciam ao gecircnero da mistura Os elementos dessa vida

misturada estavam sujeitos ao devir pois passavam pelo mais e o menos num contiacutenuo

movimento ou seja o ilimitado foi tratado como uma ilimitaccedilatildeo dinacircmica que recusava uma

quantidade determinada qualquer medida qualquer fim Estes movimentos do ilimitado ora

se aproximavam ora se distanciavam da condiccedilatildeo saudaacutevel ideal Esses movimentos agora

estatildeo relacionados aqui agrave dor e ao prazer O prazer deve ser parte dessa mistura porque ele

eacute tambeacutem bom nessa mistura da vida humana mas natildeo deixa por outro lado de pertencer

ao gecircnero do ilimitado enquanto esse movimento de restauraccedilatildeo da proacutepria natureza do ser

vivo de restauraccedilatildeo da harmonia do estado saudaacutevel natural livrando-se da degradaccedilatildeo

anterior Por mais que as coisas estejam em devir e por vezes a sauacutede se dissolve e a

harmonia desse estado natural se corrompe se dilui e embora vivamos nesta oscilaccedilatildeo

constante entre sauacutede e doenccedila haacute um estado miacutenimo em que as condiccedilotildees fisioloacutegicas

tentam preservar o maacuteximo possiacutevel dessa harmonia original Harmonia planejada pela

184 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

inteligecircncia coacutesmica que impotildee limites na mistura por intermeacutedio da alma tornando esta vida

ordenada Esse eacute o modo de vida mista louvado por Soacutecrates no diaacutelogo vida de pensamento

e de prazer como a mais digna de ser escolhida

O prazer do corpo natildeo eacute apenas um sinal de satisfaccedilatildeo sentida mas tambeacutem eacute um

alerta de que a constituiccedilatildeo saudaacutevel a natureza harmocircnica fisioloacutegica estaacute retornando ao

seu estado natural em certo indiviacuteduo O prazer tambeacutem atesta a desordem pois quando ele

se ausenta progressivamente ele jaacute daacute indiacutecios de que a dor estaacute por vir Por isso tambeacutem

ele eacute ilimitado nesse aspecto pois ele daacute sinais de variaccedilatildeo que jaacute passam a reclamar seu

contraacuterio a dor O limite permite apenas que ele adentre na mistura quando aquele (o prazer)

permite que sua indeterminaccedilatildeo seja contida e possua o miacutenimo de variaccedilatildeo possiacutevel A vida

humana como um modo de vida que eacute ciente inteligente nota essas variaccedilotildees Logo o prazer

se inclui no Ilimitado comparativamente agrave sua presenccedila no gecircnero misto de ilimitado e de

limite haacute niacuteveis distintos e movimentos distintos em que ora ele se inclui totalmente e ora se

inclui totalmente no misto de limite e ilimitado Assim observa Bravo (2007)

Como entender esta aparente dupla inclusatildeo geneacuterica do prazer agora inseparaacutevel da dor Natildeo sem a definiccedilatildeo fisioloacutegica do prazer que vem na continuaccedilatildeo () a saber do prazer como repleccedilatildeo (πζάλπ δμ) de um vazio (εΫθπ δμ 35b 42d1) Esta definiccedilatildeo () mostra que a Ilimitaccedilatildeo do prazer eacute a de um movimento (εέθβ δμ R 583e10) que passa do vazio agrave plenitude e comporta necessariamente um mais e um menos destes dois estados Por conseguinte tanto o prazer como a dor satildeo de certo modo um misto de vazio e plenitude A plenitude que eacute o prazer proveacutem sempre de um vazio que eacute atual ou potencialmente dor e se encontra constantemente ameaccedilada por ele O vazio que eacute a dor por sua vez tende naturalmente agrave plenitude que eacute o ὂὄaὐἷὄΝἷΝὃuἷΝὁΝautὁὄΝiἶἷὀtifiἵaΝἵὁmΝaΝldquohaὄmὁὀiardquoΝἶaΝὀatuὄἷὐaΝ(ἁ1ἶ)έΝEacuteΝaὅὅimΝque o prazer se inclui tanto no gecircnero do Misto quanto no do Ilimitado mas natildeo ao mesmo tempo e no mesmo niacutevel se inclui no Ilimitado mediante sua inclusatildeo no Misto de Ilimitado e Limite Com efeito o que se inclui no todo tambeacutem se inclui em suas partes (p 29)

Eacute interessante notar o modo como Platatildeo conjuga a anaacutelise fisioloacutegica do prazer com

a ontologia anteriormente tratada fundamentalmente sobre os quatro gecircneros O prazer

desempenha um papel importante em se tratando do modo de vida que adotamos ele possui

um valor moral inquestionaacutevel seja no aspecto fisioloacutegico seja no aspecto eacutetico o prazer na

vida mista composta de prazer e de dor deve ser equilibrado corretamente entre os

elementos que constituem essa dada mistura A introduccedilatildeo do limite nestes elementos

ilimitados se torna necessaacuteria em ambos os aspectos fisioloacutegico e eacutetico Tal accedilatildeo nos permite

integraacute-los em uma condiccedilatildeo estaacutevel ordenada saudaacutevel Prazer e conhecimento cumprem

um papel nessa ordenaccedilatildeo baacutesica mas natildeo apenas isso Eacute importante notar o modo como

185 33 Prazer Conhecimento e Valor

essa ordenaccedilatildeo eacute feita para que a mistura natildeo seja corrompida pervertida e nossa condiccedilatildeo

natural natildeo sofra grandes alteraccedilotildees ou mesmo se corrompa totalmente

ἑaὅὁΝὀatildeὁΝὀὁὅΝὂὄἷὁἵuὂἷmὁὅΝὅὁἴὄἷΝὁΝὂaὂἷlΝἶἷὅὅaΝviἶaΝhumaὀaΝmiὅtaΝὀaΝldquoviἶaΝἵὰὅmiἵardquoΝ

em arranjaacute-la em sintonia com a harmonia universal primeiramente em nossa vida puramente

fisioloacutegica e posteriormente eacutetica faremos isso de uma forma inteligente agrave semelhanccedila da

ordenaccedilatildeo universal encontraremos restriccedilotildees de toda parte o proacuteprio universo nos restringe

quando optamos por uma vida desenfreada que foge ao curso natural das coisas Somos

frustrados quando tentamos levar uma vida depravada desordenada sob a ilusatildeo de que ela

seria a mais correta e nos bastaria a depravaccedilatildeo manifesta esse sinal de oposiccedilatildeo ao natural

O resultado da transgressatildeo perpeacutetua da corrupccedilatildeo desse modelo de vida mista eacute a

dor O contraacuterio uma vida de prazer Obviamente temos aqui um argumento eacutetico mas o

caraacuteter valorativo dessas proposiccedilotildees encontra-se impregnada a uma visatildeo eacutetica que

relaciona indiviacuteduo e todo sem menosprezar nem um nem outro assim como prazer e

inteligecircncia natildeo satildeo desprezados nem um nem outro na defesa da vida boa e feliz porque

assim exige nossa condiccedilatildeo humana Se pervertemos essa ordem tornando o prazer como

fim a ser buscado levando uma vida irrefreada de prazeres intensos imoderados rompendo

com os limites da nossa constituiccedilatildeo natural por viver intensamente sob o domiacutenio das paixotildees

e extravasando ao maacuteximo possiacutevel nossa fruiccedilatildeo dos prazeres a fim de podermos gozar

sempre desse prazer que promove a reconstituiccedilatildeo do equiliacutebrio original natural invertemos

os papeacuteis confundindo os papeacuteis dos limites e dos prazeres e atentamos contra a κτ έα cuja

essecircncia eacute o limite e natildeo o ilimitado (IGLEacuteSIAS 2007 p 112)

Igleacutesias (2007 p 11-112) em um notoacuterio artigo na coletacircnea de artigos organizados

pelo Benoit sobre nosso diaacutelogoΝὀὁὅΝἶiὐΝὃuἷΝὁΝὂὄaὐἷὄΝὧΝumΝldquoaὄautὁrdquoΝὃuἷΝaὀuὀἵiaΝὃuἷΝἷὅtὠΝ

sendo refreada uma ameaccedila ao ser vivo que a integridade deste ser estaacute sob ameaccedila e que

ele caminha para a recuperaccedilatildeo do ser Um organismo vivo eacute um η δε θ um ser que nasce

da imposiccedilatildeo de limites acertados em variado tipo de continuum da ordem do ilimitado

( π δλκθ) um ser ele proacuteprio que estaacute saindo dos limites constantemente devido agrave sua

proacutepria natureza pondo em risco sua integridade ele manteacutem no seu ser esse sensiacutevel que

ele eacute uma κ έα na ΰΫθ δμ uma ΰ θ δθ μ κ δαθ Toda vez que isso ocorre quando o ser

pode se encontrar em estado de dissoluccedilatildeo da harmonia corporal de perder os limites e

chegar ao π δλκθ a dor eacute sentida mas quando essa harmonia retorna temos prazer Assim

nos diz Igleacutesias (2007)

Assim embora sendo da ordem da desmedida a natureza do prazer pode ser captada na conexatildeo essencial que ele guarda com a medida que constitui os limites ideias que mantecircm o ser vivo em equiliacutebrio Eacute verdade que esta tese parece especialmente apropriada para compreender a natureza do prazer ὄἷὅultaὀtἷΝἶaΝὅatiὅfaὦatildeὁΝἶὁὅΝἶἷὅἷjὁὅΝldquofiacuteὅiἵὁὅrdquoΝligaἶὁὅΝaὁΝἵὁmἷὄΝaὁΝἴἷἴἷὄΝἷΝ

186 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

ao sexo Mas ela pode e deve ser estendida para todo o tipo de prazer vindo da satisfaccedilatildeo de um desejo isto eacute de uma falta E compreendida dessa forma a verdadeira natureza do prazer sua funccedilatildeo aparece com clareza na ontologia do Filebo ele como a dor eacute como que um dos guardiotildees da integridade do ser vivo Um anuncia que os limites de sua integridade estatildeo ameaccedilados o outro que eles estatildeo voltando ao normal Essa eacute a funccedilatildeo do prazer E quando se entende isso encontra-se o verdadeiro lugar do prazer na criaccedilatildeo divina () O prazer eacute um aacutepeiron sim mas um aacutepeiron a serviccedilo de uma genesis eis ousian A chamada tese dos delicados (kompsoi) que Soacutecrates apresenta adiante (53c4) eacute justamente essa o prazer eacute genesis e natildeo ousia Ora algo que deveacutem deveacutem em busca de algo e natildeo eacute o devir mas esse algo em vista do que se faz o devir no caso a ousia que eacute o bem () E ateacute mesmo para o cumprimento de tarefas maiores que podem exigir que nos exponhamos a perigos temos de tentar na medida do possiacutevel conservar os limites ideais que nos mantecircm no ser que nos eacute proacuteprio Ora o prazer ligado agrave satisfaccedilatildeo dos desejos sejam quais foram eacute apenas o subproduto que acompanha a restauraccedilatildeo dos limites que nos mantecircm em equiliacutebrio limites que estamos constantemente pela nossa proacutepria natureza perdendo e que buscamos o tempo todo restaurar (IGLEacuteSIAS 2007 p 111-112 grifos nossos)

Platatildeo em 32c-d jaacute daacute alguns indiacutecios que a problematizaccedilatildeo dialeacutetica do prazer a ser

desenvolvida em nosso diaacutelogo deveraacute levar em conta as questotildees psiacutequicas amplamente

desenvolvidas em contextos dialeacuteticos anteriores Essa abordagem sem duacutevidas iraacute lidar

com as questotildees imageacuteticas do psiquismo que se envolvem em uma intriacutenseca relaccedilatildeo entre

prazer desejo imagem reflexatildeo e valor Na passagem supracitada Soacutecrates nos fala a

respeito das afecccedilotildees proacuteprias da alma expectativas ( ζπδαση θκθ) prazerosas diante de

coisas prazerosas e expectativa atemorizante (φκίΫλκθ) e dolorosa diante de coisas

dolorosas Vale lembrar que essas afecccedilotildees satildeo afecccedilotildees pertencentes agrave proacutepria alma (α μ

μ ουξ μ 32b9) eacute necessaacuterio insistir De acordo com Soacutecrates e Protarco esses tipos de

afecccedilotildees (παγβηΪ πθ) satildeo antecipaccedilotildees (πλκ σεβηα πλκ κεέαμ 32c1 32c4)

Aqui vale a pena ressaltar que a dimensatildeo natural natildeo eacute pensada unicamente numa

dimensatildeo fisioloacutegica mas sobretudo em perspectiva ontoloacutegica A natureza possui um valor

um paracircmetro capaz de regular os movimentos dos seres vivos tanto na dor como no prazer

como jaacute dissemos acima Tambeacutem jaacute dizemos que no fundo do argumento cosmoloacutegico residia

uma dimensatildeo fortemente axioloacutegica que orienta todas as coisas agrave busca da realizaccedilatildeo

daquilo que eacute o bem o bom Como diz Marques (2012)

Na medida em que o paracircmetro utilizado para a constataccedilatildeo e subsequente avaliaccedilatildeo o prazer eacute pensado em base ontoloacutegica isso significa em Platatildeo que se trata de uma essecircncia inteligiacutevel forma investida com o maacuteximo de valor valor que orienta os movimentos (ou transformaccedilotildees) de todos os seres (p 214-215)

187 33 Prazer Conhecimento e Valor

Penso que natildeo se trata de um novo gecircnero de prazeres em relaccedilatildeo ao argumento

fisioloacutegico que envolve a primeira parte da anaacutelise dos prazeres por mais que alguns

discordem que o esquema fisioloacutegico possa ser estendido aos prazeres da antecipaccedilatildeo246

Sem duacutevidas temos aqui um prazer que eacute produzido a partir da produccedilatildeo de opiniotildees pela

alma que antecipa certas afecccedilotildees Afecccedilotildees que satildeo mais ou menos independentes do

corpo da experiecircncia empiacuterica ou das determinaccedilotildees corpoacutereas (MARQUES 2012 p 215)

Soacutecrates insiste aqui (32d) na investigaccedilatildeo dessa espeacutecieforma ( κμ) de prazer se

alguns deles possam ser bons e assim incluiacutedos na mistura ou seja se em algum momento

satildeo bens e em outros natildeo Eacute imprescindiacutevel verificar se esses prazeres satildeo puros

( ζδελδθΫ δθ) e puros aqui se refere a natildeo-misturado com dores ( η δε κδμ ζτπβμ) deste modo

eacute que se poderaacute discutir se podemos considerar alguns prazeres como puros e dar acolhida

a este gecircnero de prazeres puros pensados como um todo ou natildeo A conclusatildeo disso jaacute

aparece indicada tacitamente na passagem poderaacute ser verificado que alguns prazeres seratildeo

puros desejaacuteveis em si mesmo natildeo misturados com dores unos e por outro lado outros

seratildeo muacuteltiplos mistos e recusados por serem prejudiciais Nem todos os prazeres isso o

diaacutelogo iraacute mostrar podem ser bens mas apenas alguns satildeo bons e recebem a marca

distintiva do bom Ora se alguns prazeres natildeo satildeo bons jaacute eacute suficiente dizer que ele natildeo

pode ser o bem

Creio que o prazer da restauraccedilatildeo puramente fisioloacutegico estaacute englobado em uma

dimensatildeo maior do que seja o prazer A transiccedilatildeo draacutestica a da restauraccedilatildeo para a

antecipaccedilatildeo nesse interluacutedio breve em que anteriormente se trava da restauraccedilatildeo a meu ver

soacute pode indicar tal que a repleccedilatildeo de um vazio se estende e deve se estender a todo prazer

que proveacutem da satisfaccedilatildeo do desejo Penso que natildeo haacute um abandono mas como nos diz

Marques (2012 p 217) uma ressignificaccedilatildeo da estrutura repletiva fisioloacutegica do prazer O

preenchimento das afecccedilotildees suscitadas pela antecipaccedilatildeo exige um outro tipo de

preenchimento em que o que estaacute em jogo eacute uma saciedade de outra ordem que a meu ver

apelam agrave valoraccedilatildeo Ou como nos diz Marques (2012 p 216-217) o prazer da antecipaccedilatildeo

ldquoὧΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝavaliaὦatildeὁΝὂὄὧviaΝ(ὂὄὁgὀὰὅtiἵa)ΝἶaὅΝafἷἵὦὴἷὅΝfutuὄaὅΝἶὁΝἵὁὄὂὁΝpela alma (o

que alguns chamam de condiccedilatildeo objetiva para que ocorra o prazer)247

246 Como Delcomminette (2006 p 219) acredita que o esquema fisioloacutegico eacute vaacutelido apenas para o referido caso isto eacute para dizer que o prazer eacute restauraccedilatildeo da harmonia corporal da constituiccedilatildeo saudaacutevel da vida humana mista Soacute nesse momento se pode falar de vazio e repleccedilatildeo 247 Marques observa ἵlaὄamἷὀtἷΝaΝὂaὄtiἵulaὄiἶaἶἷΝἶaΝaὀὠliὅἷΝἶὁΝὂὄaὐἷὄΝὂὁὄΝaὀtἷἵiὂaὦatildeὁμΝ ldquoἏΝaὀὠliὅἷΝἵὁὀtὄaὂὴἷΝ ὁΝ ὄἷgiὅtὄὁΝ ἶaΝ lsquoὄἷὅtauὄaὦatildeὁrsquoΝ (ἶἷΝ ἵἷὄtὁΝ mὁἶὁΝ ὄἷtὄὁὅὂἷἵtivὁ)Ν aὁΝ ὄἷgiὅtὄὁΝ ἶaΝ lsquoaὀtἷἵiὂaὦatildeὁrsquoΝ(aparentemente referido ao futuro) Mas nem a restauraccedilatildeo eacute apenas um retorno a um estado anterior nem a antecipaccedilatildeo eacute mera projeccedilatildeo numa linearidade temporal A restauraccedilatildeo eacute movimento na direccedilatildeo de uma essecircncia (ou natureza) o caso mais simples e por isso exemplar sendo a passagem do vazio da sede para a repleccedilatildeo da saciedade Se num primeiro momento haacute efetivamente um processo corpoacutereo por outro lado trata-se tambeacutem de uma busca de harmonia de um movimento na direccedilatildeo de

188 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

A menccedilatildeo de uma terceira disposiccedilatildeo ( δΪγ δμ) (neutra) em que natildeo haacute nem dor nem

prazer um momento no qual um ser vivo nem estaacute restaurado nem corrompido ( λαΝκ π αΝ

θΪΰεβ π θΝ θΝ σ Νξλσθ α κθΝηά Ν δΝζυπ ῖ γαδΝηά Ν γαδΝηά ΝηΫΰαΝηά Ν ηδελσθ)

(32e3-7) tambeacutem suscita duacutevidas entre os inteacuterpretes Haacute algo estranho nessas linhas pois

em seguida se diz que nada impede que algueacutem possa optar por uma vida de puro

pensamento (33a8-9) Note-se o caraacuteter hipoteacutetico levantado por Soacutecrates nessa passagem

Dizer que eacute possiacutevel viver sem prazer e sem dor natildeo significa que esse tipo de vida ocorre

concretamente em nossa dada condiccedilatildeo em uma vida humana Mas na comparaccedilatildeo dos

estados de vida ficou assentido que vida unicamente de inteligecircncia e vida unicamente de

prazer satildeo impossiacuteveis e indignas de escolha Mais ainda eacute dito em 33b6-7 sobre esse estado

de vida considerado como o mais divino de todos (γ δσ α κμ) Os deuses natildeo podem ter prazer

ou dor (33b10c-3)

Eacute necessaacuterio notar que natildeo haacute nada de comum entre a vida divina e a vida de escolha

de exclusiva do pensamento aleacutem do fato da ausecircncia das duas espeacutecies de prazeres

anteriormente mencionados (antecipaccedilatildeo e restauraccedilatildeo)έΝ ἑὁmὁΝ ἶiὐΝ ἒixὅautΝ (ἀί1ἅ)Ν ldquoὀἷmΝ

ἢὄὁtaὄἵὁΝὀἷmΝἥὰἵὄatἷὅΝἶiὐἷmΝὃuἷΝalὧmΝἶἷΝὅἷὄἷmΝimὂaὅὅiacutevἷiὅΝὁὅΝἶἷuὅἷὅΝὂἷὀὅamrdquoΝ(ὂέΝ111ί)έΝ

Essa vida mais divina como jaacute dissemos atua em um extremo assim como a vida unicamente

de prazer em que se diz estar em estado de impassibilidade de uma atividade que basta a si

mesmo e que determina assim uma vida autossuficiente Por mais que o Teeteto diga em

1ἅἄἴΝὃuἷΝἶἷvἷmὁὅΝὀὁὅΝaὂὄὁximaὄΝἵaἶaΝvἷὐΝmaiὅΝἶἷὅὅaΝldquoviἶaΝἶiviὀardquoΝἵὁmὁΝὁΝmὁἶὁΝἶἷΝviἶaΝ

ideal e que deve ser ambicionado pelos homens aqui natildeo temos um juiacutezo puramente

teoloacutegico ou mesmo moral que desqualifique a vida mista humana dado que ela soacute pode ser

uma mistura de prazer e inteligecircncia Caso se deseje que uma vida de pensamento seja digna

ἶἷΝἷὅἵὁlhaΝἵhamaἶaΝἶἷΝldquoἶiviὀardquo que seja comandada pelo desejo de aprender (e natildeo de

saber) o verdadeiro o que eacute cada realidade inteligiacutevel nos diraacute Soacutecrates em 58d 59d ao

tratar da dialeacutetica essa vida de pensamento eacute guiada por esse desejo (da alma) pelo

verdadeiro eacute ele quem a orienta Logo essa vida de pensamento deve deixar de ser pura

unicamente pura (no sentido anterior do diaacutelogo) e deve se tornar mista para que seja de fato

uma vida boa deixando de lado as duas espeacutecies de prazer (antecipados e restaurativos) e

buscando o prazer proacuteprio da inteligecircncia

A questatildeo do estado neutro seraacute melhor explicada a partir do surgimento de dois

termos extremamente relevantes para a anaacutelise dos prazeres desejo ( πδγυηέαθ) memoacuteria

(ηθάηβμ) e tambeacutem a sensaccedilatildeo (α δμ) O estado de satisfaccedilatildeo e o estado doloroso satildeo

alguma plenitude para aleacutem da mera descriccedilatildeo fisioloacutegica Nem eacute a antecipaccedilatildeo um mero deslocamento para o futuro Na medida em que eacute constituiacuteda pelo desejo a opiniatildeo preacutevia ou a expectativa eacute tambeacutem em parte constitutiva do seu objeto ou pelo menos de seu valor da significaccedilatildeo da experiecircncia antecipada (2012 p 217)

189 33 Prazer Conhecimento e Valor

estados proacuteprios dos viventes mortais e a vida divina neste caso eacute o paradigma deste terceiro

estado (o neutro) Mas Soacutecrates diz que em determinados momentos natildeo sentimos nem dor

nem prazer natildeo somos afetados nem pela dor nem pelo prazer

Soc Aceita que dentre nossas afecccedilotildees corporais algumas se extinguem no corpo antes de penetrar a alma deixando-a impassiacutevel outras atravessam ambos e provocam em ambos uma espeacutecie de abalo que eacute tanto peculiar a cada um quanto comum aos dois (33d2-6) γ μΝ θΝ π λ ηαΝ η θΝ εΪ κ Ν παγβηΪ πθΝ η θΝ θΝ υηα δΝεα α ί θθτη θαΝπλ θΝ π θΝουξ θΝ δ ι ζγ ῖθΝ παγ ε έθβθΝ Ϊ αθ αΝ

δ᾽ ηφκῖθΝ σθ αΝεαέΝ δθαΝ π λΝ δ η θΝ θ δγΫθ αΝ δσθΝ Νεα εκδθ θΝ εα Ϋλ (33d2-6) Prot Que fique estabelecido Soc Se dissemos entatildeo que nossa alma natildeo se daacute conta daquelas afecccedilotildees que natildeo atravessam mas se daacute conta daquelas que atravessam ambos seraacute que estaremos falando corretamente Prot Como natildeo

Certas afecccedilotildees podem natildeo ser sentidas (tanto pelo corpo quanto pela alma) mas se

satildeo sentidas afetam ambos tanto o corpo quanto a alma se alma sente o corpo sente e se

o corpo sente a alma tambeacutem sente Natildeo haacute nenhuma relaccedilatildeo aqui de anterioridade ou de

causalidade Mas note-se e eacute importante insistir sobre isso o corpo tambeacutem pode

permanecer insensiacutevel agrave algumas afecccedilotildees e natildeo eacute somente a alma que tambeacutem pode ser

insensiacutevel Sabemos pois que os uacutenicos seres insensiacuteveis satildeo os deuses que possuem a

impassibilidade do imutaacutevel Embora estejamos dispostos no devir no movimento no fluxo e

estamos sempre em movimento nem todas as mudanccedilas satildeo sentidas pelo corpo mas

aὂἷὀaὅΝaὅΝldquogὄaὀἶἷὅΝmuἶaὀὦaὅrdquoΝὃuaὀἶὁΝὧΝὂὄὁvὁἵaἶὁΝἷὅὅaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquoaἴalὁrdquoΝὃuἷΝldquo(έέέ)ΝὧΝtaὀtὁΝ

peἵuliaὄΝaΝἵaἶaΝumΝὃuaὀtὁΝἵὁmumΝaὁὅΝἶὁiὅrdquoΝ(ἁἁἶἃ-6) Nos diz Dixsaut (2017)

Portanto mesmo a vida dos seres vivos pode comportar momentos de insensibilidade mas a impassibilidade soacute caracteriza de modo contiacutenuo os imortais e os mortos Ora desde o Feacutedon sabemos que haacute apenas uma maneira de morrer (p 112)

E continua a teoacuterica francesa

Quando pensa a alma desligada e livre eacute capaz de natildeo ser atingida pelo fato que afeta esse corpo e ela tem mais o que fazer ao inveacutes de esperar ou de temer o que ela se tornou capaz de natildeo sentir natildeo graccedilas a uma ascese corporal (digamos aquela dos faquires) mas porque sensiacutevel a outra espeacutecie de realidade inteligiacutevel ela torna-se insensiacutevel a tudo que natildeo eacute essa realidade (p 112)248

248 Dixsaut (2017 p 112) retorna ao Feacutedon

190 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

O Filebo iluὅtὄaΝἷὅὅaΝldquoὅἷὂaὄaὦatildeὁrdquoΝndash na medida do possiacutevel ndash ao tratar da escolha divina

daquele que pretere o pensamento A separaccedilatildeo entre fisioloacutegico e psicoloacutegico e vice-versa

A alma se separa quando suas disposiccedilotildees seus estados natildeo tem como causa afecccedilotildees do

corpo Mas como nota bem Dixsaut (2017) essa independecircncia manifesta-se no interior

dessa uniatildeo ela permanece sendo alma desse corpo que ela anima e do qual ela sofre o

peso natildeo estaacute livre dele natildeo estaacute livre de deixar de ser movida por ele natildeo deixa de ser esse

ldquoautὁΝ(α θ αυ 34b7) ndash mὰvἷlrdquoΝἷὀὃuaὀtὁΝtamἴὧmΝὂὁὅὅuiΝaΝiὀἵiativaΝἶἷΝὅἷuὅΝὂὄὰὂὄiὁὅΝ

movimentos sem portanto se livrar do apetite dos desejos que animam o corpo dos

apetites das afecccedilotildees

O modo de desligamento do Feacutedon eacute proacuteprio somente ao filoacutesofo o filoacutesofo desliga sua alma tanto quanto ele pode de toda a associaccedilatildeo com o corpo de um modo que o distingue de todos os outros homens (65a) Eacute o modo de desligamento que eacute proacuteprio ao filoacutesofo natildeo o desligamento ligado em todo homem agrave capacidade psiacutequica de lembrar-se e antecipar (DIXSAUT 2017 p 113)

Os prazeres separados do corpo soacute podem nascer devido agrave memoacuteria (ηθάηβμ) (33c5-

7) Essa outra espeacutecie ( λκθ κμ) de prazer surge exclusivamente pela memoacuteria ela eacute

esse tipo de afecccedilatildeo (παγβηΪ πθ 33d2) que permite que esses prazeres surjam unicamente

ὀaΝ almaέΝ ἏΝ almaΝ fiἵaΝ iὀὅἷὀὅiacutevἷlΝ ὡὅΝ afἷἵὦὴἷὅΝ ὃuaὀἶὁΝ ldquoὀatildeὁΝ ὅἷΝ ἶὠΝ ἵὁὀtaΝ ἶἷlaὅrdquoΝ ὃuaὀἶὁΝ ὅἷΝ

ldquoἷὅὃuἷἵἷrdquoΝmaὅΝaὃuiΝἥὰἵὄatἷὅΝἶiὐΝὃuἷΝἷὅὅἷΝἷὅὃuἷἵimἷὀtὁΝὀatildeὁΝὧΝldquoἷὅἵaὂἷΝἶaΝmἷmὰὄiardquoΝὂὁiὅΝ

ὅἷὃuἷὄΝἷlaΝὅuὄgiuΝmaὅΝldquoἷὅὃuἷἵimἷὀtὁrdquoΝὧΝὅiὀὲὀimὁΝἶἷΝiὀὅἷὀὅiἴiliἶaἶἷέΝἏΝalmaΝὀatildeὁΝὅἷΝἶὠΝἵὁὀtaΝ

porque sequer essa afecccedilatildeo a tocou (33d6-34a1)

Soc Isso que ocorre em comum (εκδθ ) nesse movimento conjunto (εδθ ῖ γαδ εκδθ ) do corpo e da alma ( θ ουξ θ) em uma mesma afecccedilatildeo (

rsquoΝ θ θ πΪγ δ) chamar ( θκηΪαπθ) ἷὅὅἷΝ mὁvimἷὀtὁΝ ἶἷΝ ldquoὅἷὀὅaὦatildeὁrdquo (α γβ δθ) natildeo seria inapropriado Prot Eacute a pura verdade ἥὁἵέμΝ ἑὁmὂὄἷἷὀἶἷmὁὅΝ agὁὄaΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὃuἷὄἷmὁὅΝ ἵhamaὄΝ ἶἷΝ ldquoὅἷὀὅaὦatildeὁrdquo (α γβ δθ) Prot Como natildeo Soc Bem entatildeo Se algueacutem dissesse que a memoacuteria eacute a conservaccedilatildeo da sensaccedilatildeo( π βλέαθΝ κέθυθΝα γά πμΝ θΝηθάηβθ) na minha opiniatildeo estaria falando corretamente Prot Sim corretamente Soc E natildeo dizemos que a reminiscecircncia difere da memoacuteria (ηθάηβμ

θΪηθβ δθΝ λ᾽ κ δαφΫλκυ αθ) Prot Talvez Soc E natildeo seraacute esta a diferenccedila Prot Qual Soc Quando a alma sozinha e em si mesma sem o corpo recupera o quanto possiacutevel as afecccedilotildees que uma vez experimentou com ele natildeo

191 33 Prazer Conhecimento e Valor

dizemos que alma tem uma reminiscecircncia ( αθ η κ υηα κμ πα ξΫθ πκγ᾽ ουξά α ᾽ θ υ κ υηα κμ α θ αυ δ ηΪζδ α θαζαηίΪθ σ θαηδηθ ε γαέ πκυ ζΫΰκη θ ΰΪ)

Prot Certamente Soc E tambeacutem quando depois de perder a memoacuteria de uma sensaccedilatildeo (εα η θΝεα αθΝ πκζΫ α αΝηθάηβθΝ ᾽ α γά πμ) ou de um aprendizado ( ᾽ α ηαγάηα κμ) ela os recobra novamente sozinha e em si mesma (α γδμΝατ βθΝ θαπκζά πΪζδθ α θΝ αυ ) chamamos todos esses casos com

certeza de reminiscecircncia (εα α αΝ τηπαθ αΝ θαηθά δμΝεα ηθάηαμΝπκυΝζΫΰκη θ) Prot Falas corretamente Soc Eis o porquecirc de todas as coisas que falamos Prot Qual Para que noacutes venhamos a apreender o mais claramente possiacutevel tanto o prazer da alma separada do corpo ( θΝουξ μΝ κθ θΝξπλ μΝ υηα κμ) quanto o apetite (εα ηαΝ πδγυηέαθ) pois parece que ambos ganham clareza atraveacutes dessas coisas (34a3-c8)

Soacutecrates introduz um termo novo de suma importacircncia para o novo tipo de prazeres

que ele deseja tratar Eacute imprescindiacutevel neste caso para investigar os tipos de prazeres e a

proacutepria gecircnese do prazer recorrer a essa instacircncia fundamental o desejo Esse exame requer

imἷἶiatiἵiἶaἶἷΝἵὁmὁΝὄἷὃuἷὄΝἢὄὁtaὄἵὁΝ(ἁἂἶἂ)ΝἷΝὀatildeὁΝὧΝὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝfugiὄΝἶaὅΝldquoaὂὁὄiaὅrdquoΝ( πκλέαθ)

(34d7) agraves quais esses assuntos possam nos conduzir Mais uma vez devemos agrave Dixsaut

(2017 p 113) uma clara compreensatildeo deste uacuteltimo termo que natildeo significa um vazio mas

uma perplexidade que impulsiona ao saber249 Apenas aquele que se sabe carecente que eacute

capaz de reconhecer o que sabe e o que natildeo sabe pode se encontrar em aporia Aquilo que

jaacute se possui natildeo precisa ser buscado mas deseja o que eacute faltante Aquilo que alma perde (a

aporia) perde porque tem desejo de saber Antes de adentrar a anaacutelise do apetite do desejo

eacute preciso lembrar da forccedila de λπμ que torna possiacutevel a saiacuteda da perplexidade aprender

aὃuilὁΝ ὃuἷΝ ὀatildeὁΝ ὅἷΝ ὅaἴiaέΝ ἓΝ ὂaὄaΝ talΝ ὁutὄaΝ ἶimἷὀὅatildeὁΝ ὂὄἷἵiὅaΝ ὅἷὄΝ ὄἷtὁmaἶaμΝ ldquoaὂὄἷὀἶἷὄΝ ὀὁΝ

Mecircnon e no Feacutedon consiste para a alma em lembrar-se O termo acaba de ser pronunciado

no Filebo (DIXSAUT 2017 p115)

Soacutecrates iraacute radicalizar ainda mais aquilo que disse no Goacutergias no Feacutedon e na

Repuacuteblica a respeito dos apetites ( πδγυηέαθ) sem contudo mudar de opiniatildeo Eacute isso o que

podemos constatar nas linhas seguintes (35a-c) Trecircs dimensotildees passam a ser de tal maneira

integradas que o exame se complexifica A vida divina a reminiscecircncia e λπμ invocam trecircs

questotildees fundamentais segundo Dixsaut (2017 p 115) estritamente relacionadas no

diaacutelogo tais como uma maneira de viver uma maneira de aprender e uma maneira de

desejar Elas acompanham Soacutecrates e segundo a autora justificam seu retorno agrave cena do

diaacutelogo para tratar dialeticamente das questotildees relativas aos prazeres (Cf 2017 p 115) Natildeo

haacute outra forma a natildeo ser pela dialeacutetica pois natildeo basta a satisfaccedilatildeo da vida satisfatoriamente

249 A autora recorreraacute ao Mecircnon (84b-c) alegando a necessidade da aporia que suscita o desejo de saber e o prazer que se tem em procurar tal conhecimento E tambeacutem claro do Banquete do λπμ filosoacutefico que tem por natureza a miseacuteria a carecircncia a falta mas natildeo apenas o que lhe permite sair dessa condiccedilatildeo eacute a forccedila desiderativa o desejo de satisfaccedilatildeo (Cf DIXSAUT 2017 p 114)

192 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

misturada a vida filosoacutefica deseja ultrapassar esse limite imposto pela condiccedilatildeo natural sem

contudo eliminaacute-lo Ao falar de uma vida divina Soacutecrates natildeo se esquece que a vida boa

humana eacute necessariamente uma vida mista mas se esforccedila por demonstrar que uma vida

direcionada ao pensar pode ser melhor porque ela mesma se coloca em questatildeo quando se

questiona sobre um modo correto de aprender de viver e de desejar Nisso a vida filosoacutefica

difere das demais porque ela se potildee a aprender e natildeo a saber (reminiscecircncia) esse aprender

ὂὄὁvὧmΝἶἷΝumΝἶἷὅἷjὁΝὂaὄaΝἵὁmὂὄἷἷὀἶἷὄΝmἷlhὁὄΝldquoaὃuilὁΝὃuἷΝὧrdquoΝὅἷmὂὄἷέΝἓὅὅaΝamἴiguiἶaἶἷΝ

ὂἷὄmaὀἷἵἷΝἵὁmὁΝἷὅὅἷὀἵialΝὀἷὅὅaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquohὁmἷm-ἶiviὀὁrdquoέΝἠatildeὁΝἷὀἵὁὀtὄἷiΝἷmΝtodo este

trabalho algo melhor que possa dizer isso do que o que estaacute contido nessas palavras de

Dixsaut

O eros que preside a dialeacutetica eacute a forma mais alta ou a mais intensa de epithumia mas natildeo haacute entre eles diferenccedila de natureza Um eacute como a verdade de outra mas eles satildeo radicalmente heterogecircneos Tal continuidade soacute eacute possiacutevel agrave condiccedilatildeo de se afirmar que todo o desejo eacute desejo da alma Pois caso contraacuterio se fosse o corpo que desejasse se todo o desejo nascesse em um corpo animado ou em uma alma encarnada a alma pensante ou seja completamente desligada do corpo seria estranha ao desejo Eacute possiacutevel acreditar que enquanto noacutes pensamos somos impassiacuteveis como os deuses possiacutevel mas natildeo necessaacuterio A separaccedilatildeo do corpo natildeo eacute a separaccedilatildeo do desejo De modo contraacuterio eacute o desejo que mesmo sob sua forma mais elementar efetua a separaccedilatildeo da alma e do corpo O que permite agrave alma evadir-se do corpo e concentrar-se em si mesma ὧΝaiὀἶaΝἶaΝὁὄἶἷmΝἶὁΝἶἷὅἷjὁμΝaΝὅἷὂaὄaὦatildeὁΝὧΝὂὁὅὅiacutevἷlΝὂὁὄὃuἷΝaΝalmaΝldquoaὅὂiὄaΝao ὃuἷΝὧrdquoΝ(Feacutedon 65c) A ruptura da uniatildeo com o corpo eacute a consequecircncia desse desejo de conhecer os seres e ela eacute a condiccedilatildeo desse conhecimento Ora a experiecircncia do desejo eacute sempre para a alma a experiecircncia de uma ruptura ndash com o estado presente do corpo quando ela deseja prazeres sensiacuteveis com o corpo todo quando ela aspira aos inteligiacuteveis No primeiro ἵaὅὁΝὧΝaliὠὅΝmaiὅΝἷxatὁΝἶiὐἷὄΝὃuἷΝὧΝὁΝἵὁὄὂὁΝὃuἷΝtἷmΝaΝiὀiἵiativaμΝldquotὁἶaὅΝaὅΝvezes que existem em noacutes o que chamamos apetites o efeito dessas afecccedilotildees eacute que o corpo se divorcia da alma e se separa dela Essa afirmaccedilatildeo natildeo eacute incompatiacutevel com aquela do Feacutedon se eacute na experiecircncia do apetite que o corpo e alma se divorciam eacute tambeacutem o apetite que prega uma alma a seu corpo (p 116-117)

Soacutecrates diz em 35b-d que o apetite eacute sempre um apetite de preenchimento ( πδγυη ῖ

πζβλυ πμ) de repleccedilatildeo que surge no momento em que o corpo se encontra vazio

(ε θκ αδ) mas somente a alma pode gerar esse desejo de repleccedilatildeo da memoacuteria ( ηθβη )

uma vez que apenas ela tem contato com preenchimento ( μ πζβλυ πμ φαπ γαδ) que

o corpo por si soacute natildeo tem Dito de maneira ainda mais clara todo desejo soacute pode ser desejo

da alma (ουξ μ) e natildeo existe desejo do corpo ( υηα κμ πδγυηέαθ) que tem contato com

esse preenchimento que o corpo natildeo possui Logo se conclui que natildeo haacute apetite do corpo

Vejamos a passagem

193 33 Prazer Conhecimento e Valor

Soc Natildeo afirmamos ainda haacute pouco que a fome a sede e muitas outras coisas desse tipo satildeo apetites ( δθαμ πδγγηέαμ) Prot Sim certamente Soc Mas o que vemos de mesmo quando denominamos com um soacute nome tantas coisas diferentes Prot Por Zeus Soacutecrates Talvez natildeo seja faacutecil dizer mas no entanto devemos dizer Soc Retomemos mais uma vez a questatildeo a partir do mesmo ponto Prot De onde ἥὁἵέμΝldquoἓlἷΝtἷmΝὅἷἶἷrdquoΝὀatildeὁΝὧΝalgὁΝὃuἷΝfὄἷὃuἷὀtἷmἷὀtἷΝἶiὐἷmὁὅς Prot Como natildeo ἥὁἵέμΝἓΝὃuἷὄΝἶiὐἷὄμΝldquoἷlἷΝἷὅtὠΝvaὐiὁrdquo ( έ ε θκ θ αδ) Prot E daiacute Soc E entatildeo seraacute a sede um apetite ( οκμ έθ πδγυηδα) Prot Sim e de bebida Soc De bebida ou de preenchimento de bebida ( πζβλυ πμ πυηα κμ) Prot De preenchimento (πζβλυ πμ) eu penso Soc Entatildeo qualquer um de noacutes que esteja vazio ( ε θκτη θκμ η θ λα) como parece tem apetite pelo contraacuterio daquilo que experimenta ( μΝ κδε θΝπδγυη ῖ θΝ θαθ έπθΝ πΪ ξ δ) pois estando vazio deseja preencher-se

(ε θκτη θκμΝΰ λΝ λ πζβλκ γαδ) Prot Eacute o que haacute de mais claro Soc E entatildeo O que dizes acerca disso quem estaacute vazio pela primeira vez ( έΝ κ θνΝ πλ κθΝ ε θκτη θκμΝ δθΝ πσγ θ) haacute algo a partir de que manteria contato ( φΪπ κδ ᾽) com o preenchimento seja sensaccedilatildeo seja memoacuteria se natildeo estaacute experimentando no presente momento nem nunca experimentou no passado esse preenchimento ( ᾽ α γά δΝ πζβλυ πμΝφΪπ κδ ᾽ θΝ Νηθάη Ν κτ κυΝ ηά ᾽ θΝ θ θΝξλσθ πΪ ξ δΝηά ᾽ θΝ

πλσ γ θΝπυπκ Ν παγ θ) (34d10-35a9)

Soacutecrates dizia na Repuacuteblica (IV 347d) e no Fedro (238a-b) que a fome eacute desejo de

comida a sede desejo de bebida e o desejo eroacutetico desejo de belos corpos No Feacutedon se

falaΝiὀὅiὅtἷὀtἷmἷὀtἷΝἷmΝldquoὂὄaὐἷὄΝἵὁὄὂὁὄalrdquoΝmaὅΝaὃuiΝἷlἷΝὧΝὅuἴὅtituiacuteἶὁΝaὅὅimΝἵὁmὁΝtamἴὧmΝ

eacute radicalizada a postura da Repuacuteblica da tripla-especificaccedilatildeo (como prefiro e natildeo triparticcedilatildeo)

da alma e os trecircs tipos de desejos correlatos a essa triacuteplice especificaccedilatildeo O desejo eacute desejo

de algo e natildeo de um objeto ele eacute um movimento um movimento de repleccedilatildeo que resulta em

um estado Ο objeto eacute apenas o meio que permite essa passagem de um estado contraacuterio a

outro o desejo eacute o impulso que faz um determinado sujeito tocar um estado contraacuterio daquele

ὃuἷΝὀὁΝmὁmἷὀtὁΝἷlἷΝἷὅtὠΝἷxὂἷὄimἷὀtaὀἶὁέΝEacuteΝὂὄἷἵiὅὁΝὀὁtaὄΝaΝὂὄἷὅἷὀὦaΝἶὁΝtἷὄmὁΝldquoἵὁὀtatὁrdquoΝ

ἵὁmὁΝ tὄaἶuὐΝ εuὀiὐΝ ὃuἷΝ ὂὁὅὅuiΝ umΝ ὅἷὀtiἶὁΝ ἶἷΝ ldquotὁἵaὄrdquoΝ aΝ ὄἷὂlἷὦatildeὁΝ ὧΝ umΝ ἶὁὅΝ ἷxἷmὂlὁὅΝ

particulares que Soacutecrates utiliza para explicar o mecanismo do desejo desse movimento de

ruptura de uma harmonia natural dissoluccedilatildeo-restauraccedilatildeo vale lembrar dos exemplos do

ὄἷὅfὄiamἷὀtὁΝἷΝἶὁΝἵalὁὄΝὃuἷΝὅatildeὁΝtamἴὧmΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquovaὐiὁrdquoΝumΝἵὁὀtὄὠὄiὁέΝἠἷmΝὅἷmὂὄἷΝ

temos um estado de satisfaccedilatildeo mas sempre uma harmonia fisioloacutegica eacute restaurada pelo

desejo por uma falta ou insuficiecircncia de algum dos elementos corporais

194 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

Quando natildeo haacute memoacuteria natildeo haacute desejo quando um bruto desequiliacutebrio se instaura

natildeo pode haver desejo por isso a memoacuteria eacute aqui ambivalente Por um lado ela propicia ao

desejo seu objeto e orienta-o ela permite que o sofrimento presente natildeo se torne constante

Mas por outro lado ela natildeo livra esse mesmo ser da sucessatildeo dos contraacuterios O desejo natildeo

eacute uma simples vacuidade pois nesse caso teriacuteamos dor redobrada eacute um transcender-se em

busca da superaccedilatildeo do estado atual retornado ao passado e ao futuro250 (Cf DIXSAUT 2017

p 122-123)

A anaacutelise do desejo seraacute extremamente relevante para a seccedilatildeo seguinte do diaacutelogo

em que seratildeo tratadὁὅΝἶἷtalhaἶamἷὀtἷΝὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝἵlaὅὅifiἵaἶὁὅΝἷmΝldquoὂὄaὐἷὄἷὅΝfalὅὁὅrdquoΝ(umaΝ

das maiores polecircmicas que envolvem o diaacutelogo) e os prazeres puros (36c-55c) Soacutecrates iraacute

constituir uma gama dos prazeres substituindo o prazer por uma multiplicidade de prazeres

esses prazeres seratildeo classificados e natildeo divididos segundo dois princiacutepios (i) segundo seus

lugares de origem na alma unicamente na mistura de corpo e alma e aqueles que satildeo

produzidos unicamente pelo corpo (ii) segundo a oposiccedilatildeo puro e misturado sendo puro

aqui os prazeres que natildeo satildeo precedidos por dores e natildeo misturados com dores Em virtude

das finalidades redutivas de nosso trabalho falarei de forma muito geral dessas

ἵlaὅὅifiἵaὦὴἷὅΝ iὅtὁΝ ὂὁὄὃuἷΝ ἶἷviἶὁΝ ὡΝ ὂὁlecircmiἵaΝ iὀὅtauὄaἶaΝ ὂἷlὁὅΝ ldquoὂὄaὐἷὄἷὅΝ falὅὁὅrdquoΝ ὅἷὄiaΝ

ὀἷἵἷὅὅὠὄiὁΝmἷΝἶἷtἷὄΝlὁὀgamἷὀtἷΝὀaΝldquoaὀὠliὅἷΝἶὁὅΝὂὄaὐἷὄἷὅΝfalὅὁὅrdquoΝἷΝὀaὅΝὄἷlaὦὴἷὅΝἵὁmὂlἷxaὅΝ

que eles envolvem Relaccedilotildees estas que envolvem complexas dimensotildees do psiquismo como

a imaginaccedilatildeo a memoacuteria a sensaccedilatildeo o desejo a opiniatildeo e principalmente valores O prazer

da antecipaccedilatildeo eacute uma espeacutecie de prognoacutestico que faz crer certo indiviacuteduo de que o prazer

possui pretensotildees eacuteticas que ele natildeo possui por isso ele eacute num primeiro momento semelhante

agrave opiniatildeo O caraacuteter duplo do prazer (fenomecircnico-judicativo) promove por meio do desejo ou

melhor por meio da representaccedilatildeo imageacutetica associada ao desejo uma articulaccedilatildeo entre a

percepccedilatildeo efetiva ou sua conservaccedilatildeo que eacute a memoacuteria a uma dimensatildeo avaliativa

(MARQUES 2012 p 213)

EpistemologiaGnoseologia estatildeo entrelaccedilados na descriccedilatildeo do prazer que nos

conduz a um exame do psiquismo humano por meio de um processo que envolve tanto

representaccedilatildeo como valoraccedilatildeo Seraacute que o prazer possui o valor que ele nos leva a crer que

ele eacute que ele tem a pretensatildeo de ser O que estaacute em jogo no prazer da antecipaccedilatildeo eacute a

esperanccedila pois a expectativa do prazer sempre o postula como bom e uacutetil Como nos diz

Marques (2012)

250 Para uma anaacutelise mais detalhada (Cf DIXSAUT 2017 p 105-128) neste texto a autora trata especificamente dessa ldquoἵἷὄtaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝviἶardquoΝ(ίέκθ ΰ λ κμ 35d9) humana de que nos fala o Filebo no caso a vida humana nunca determinada oscilando sempre entre o animal e o divino

195 33 Prazer Conhecimento e Valor

Soacute a anaacutelise criacutetica dialogada (dialeacutetica) poderaacute mostrar o alcance do papel da imaginaccedilatildeo e a legitimitade das valoraccedilotildees que a experiecircncia do prazer nos suscita no acircmbito da discussatildeo do que eacute a vida boa para todos os seres (p 214)

Mas voltemos agrave gama dos prazeres resumidamente eles podem ser apresentados em

uma tabela que ilustra o desenvolvimento do diaacutelogo em torno dos prazeres aqui utilizo a

tabela sugerida por Dixsaut (2001)

Corpo Sozinho Uniatildeo de alma e corpo Alma sozinha

Misturados

resultado de uma

restauraccedilatildeo do equiliacutebrio

corporal = necessaacuterios

(31d-32b 46c-47c)

Misturados

antecipaccedilotildees

esperanccedilas

(32b-c)

Puros

se ocupa

das belas

formas

cores sons

puros

perfumes

(51d-50c)

Misturados

Afetos

(coacutelera

medo etc)

(47d-50c)

Puros

relativos agraves

ciecircncias

(52a-b)

Quadro 02- Gama dos Prazeres

(Cf DIXSAUT 2001 p 317)

A classificaccedilatildeo eacute detalhada e criteriosa os prazeres produzidos pelo corpo satildeo sempre

prazeres misturados pois estatildeo envolvidos no processo de restauraccedilatildeo-dissoluccedilatildeo que

engendra a dor por isso o prazer alcanccedilado nesse caso eacute sempre um prazer do gecircnero

misto como jaacute vimos anteriormente Ele eacute misturado com a dor e precedido por uma dor Os

prazeres puros satildeo provenientes da uniatildeo da alma com o corpo natildeo porque eles natildeo satildeo

precedidos por uma falta mas porque essa falta natildeo eacute sentida (51b1) Jaacute as afecccedilotildees

unicamente da alma coacutelera ciuacuteme inveja amor oacutedio satildeo dores da alma misturas com

prazeres como eacute o caso dos ingredientes da comeacutedia e da trageacutedia Os prazeres puros da

alma relacionados aos conhecimentos (ηαγάηα α) (52a)

Parece que no fundo todo o objetivo do diaacutelogo eacute perpassar todas as dimensotildees

(fisioloacutegicas ontoloacutegicas epistemoloacutegica) do prazer para culminar em um sentido fortemente

axioloacutegico (valorativo) ndash natildeo nego que as dimensotildees anteriores estatildeo articuladas no

desenvolvimento do diaacutelogo ndash eacute isso que a meu ver fragmentou a anaacutelise do Filebo em

diversas leituras que ora priorizam um ou outro aspecto desse texto platocircnico Μas essa

anaacutelise do prazer parece admitir um crescendum complexo que investigado a fundo pretende

conjugar conhecimento e valor mas natildeo discriminando-os de um lado conhecimento por

outro valor Isso demonstra a dificuldade de uma definiccedilatildeo geneacuterica do prazer Creio que isso

196 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

soacute pode ser explicado mediante uma questatildeo simples e ao mesmo tempo a mais enigmaacutetica

de todas que diz respeito a vida boa mista Como nos diz Dixsaut (2001)

os dois princiacutepios de distinccedilatildeo adotados satildeo todos axioloacutegicos as diferenccedilas resultantes necessariamente tambeacutem o satildeo Desse modo a tabela eacute realmente hieraacuterquica e consiste em ordenar os prazeres de acordo com seu gὄauΝ ἶἷΝ ὂuὄἷὐaΝἷΝ ὅἷguὀἶὁΝ maiὁὄΝ ὁuΝ mἷὀὁὄΝ ἶἷΝ ldquoὀὁἴὄἷὐardquoΝ ἶaὃuἷlἷΝ ὃuἷΝ ὁὅΝexperimenta (p 318)

A hierarquia dos prazeres pode assim ser constituiacuteda no final da anaacutelise dos prazeres

(i) prazeres puros unicamente da alma (incluiacutedos na mistura) (ii) prazeres puros da uniatildeo do

corpo e da alma (incluiacutedos na mistura) (iii) prazeres necessaacuterios do corpo somente (satildeo

incluiacutedos na mistura) (iv) prazeres misturados unicamente da alma (natildeo-incluiacutedos na

mistura) (v) prazeres misturados da uniatildeo do corpo com a alma (natildeo incluiacutedos na mistura)

Enquanto alguns prazeres conservam o caraacuteter do ilimitado sendo necessariamente ilimitado

outros satildeo em algumas vezes ilimitados isto porque em dado momento pertencem ao misto

e adquirem moderaccedilatildeo e medida outros prazeres satildeo necessariamente sempre puros

Apenas os prazeres moderados e medidos podem pertencer agrave mistura ou seja somente os

puros seja porque natildeo satildeo precedidos por dores ou acompanhados por elas seja porque se

originam unicamente na alma (Cf 62d-64a)

Os conhecimentos tambeacutem satildeo analisados (55c-59c) sendo portanto elaborada uma

classificaccedilatildeo O criteacuterio de anaacutelise seraacute primeiramente a pureza e posteriormente a

verdade Natildeo haacute ciecircncias falsas como existem prazeres falsos por mais que as ciecircncias

contenham erros elas natildeo satildeo falsas mas imprecisas A primeira divisatildeo se daacute em vista das

teacutecnicas destinadas agrave formaccedilatildeoeducaccedilatildeo e as teacutecnicas destinadas agrave produccedilatildeo

ὂὁὅtἷὄiὁὄmἷὀtἷΝ aὅΝ ὂὄὰὂὄiaὅΝ aὄtἷὅΝ ἶitaὅΝ ldquoἶἷmiήὄgiἵaὅrdquoΝ (artesanais) satildeo divididas em artes

meacutetricas e artes estocaacutesticas (da conjectura) As meacutetricas satildeo hegemocircnicas em relaccedilatildeo agraves

estocaacutesticas por isso as artes meacutetricas satildeo as mais puras Nesse caso pureza aqui eacute

sinocircnimo de precisatildeo (αελδί έα) Μais quando se trata da distinccedilatildeo entre as ditas

ldquomatἷmὠtiἵaὅΝfilὁὅὰfiἵaὅrdquoΝἷΝaὅΝldquomatἷmὠtiἵaὅΝvulgaὄἷὅrdquoΝὁΝἵὄitὧὄiὁΝὂaὅὅaΝaΝὅἷὄΝὁΝvalὁὄΝἷΝὀatildeὁΝὅuaΝ

natureza Por isso a dialeacutetica se situa no topo dessa escala por sua utilidade precisatildeo

clareza e verdade Mas nesse caso a retoacuterica tambeacutem poderia ser uacutetil Vemos que a dialeacutetica

possui uma exaltaccedilatildeo no diaacutelogo dotada de valor ambiacuteguo como nos diz Dixsaut (2001 p

321) ela apenas pode reivindicar que por mais que ela se sirva das utilidades do discurso

seus propoacutesitos satildeo distintos das demais teacutecnicas porque eacute o desejo pelo verdadeiro de

amar o verdadeiro no seu desejo pelo Bem enquanto princiacutepio de todas as diferenccedilas

enquanto possibilidade de conhecimento e de ser tal como exposto na Repuacuteblica (VI)

Marques (2015 p 206) resume a divisatildeoclassificaccedilatildeo das ciecircncias

197 33 Prazer Conhecimento e Valor

Teacutecnica ciecircncia

educaccedilatildeo formaccedilatildeo produccedilatildeo

muacutesica auleacutetica construccedilatildeo de navios

medicina carpintaria teacutecnicas manuais

agricultura teacutecnica da medida

navegaccedilatildeo teacutecnica do peso

estrateacutegia teacutecnica dos nuacutemeros

teacutecnica popular dos nuacutemeros teacutecnica filosoacutefica dos nuacutemeros

natildeo filosoacutefica geometria

construccedilatildeo comeacutercio

cosmologia dialeacutetica

Quadro 03 A divisatildeoclassificaccedilatildeo das ciecircncias (Cf MARQUES 2015 p 206)

Logo a dialeacutetica estaacute destituiacuteda do valor de utilidade que busca o prestiacutegio a fama

mas que se importa unicamente com o mais verdadeiro Poreacutem na vida boa na vida humana

miὅtaΝἷὅtaΝἶialὧtiἵaΝὧΝὅἷmὂὄἷΝldquoἵὁὀtamiὀaἶardquoΝἵὁmὁΝἴἷmΝὁἴὅἷὄvaΝἒixὅautΝ(ἀίί1)ΝὂὁὄΝἷὅὅἷὅΝ

valores extriacutensecos por essas consideraccedilotildees de valor e de visotildees hieraacuterquicas quando ela

se insere na composiccedilatildeo da vida mista boa A mistura soacute seraacute uma mistura se seus

componentes o forem caso contraacuterio a proacutepria mistura se corrompe (64d-e) mas quanto a

isso a dialeacutetica pode sustentar no acircmbito da mistura sua natureza intriacutenseca que tem por meta

o verdadeiro o bom o bem o que tambeacutem por sinal atesta sua prioridade em relaccedilatildeo ao

ὂὄaὐἷὄΝὀὁΝὃuἷΝἶiὐΝὄἷὅὂἷitὁΝaὁΝldquoὅἷguὀἶὁΝὂὄecircmiὁrdquoΝὀὁΝranking da composiccedilatildeo da boa vida mista

jaacute que o primeiro foi lugar foi atribuiacutedo a esta uacuteltima

Jaacute sabemos que nem o conhecimento nem o prazer podem ser o bom mas apenas

que a vida boa humana eacute uma vida mista de ambos Natildeo sabemos nada sobre o que eacute bom

o bem e o Filebo mais uma vez natildeo nos diz nada sobre sua natureza nesse caso

ὂἷὄmaὀἷἵἷmὁὅΝ fὄuὅtὄaἶὁὅέΝ ἥaἴἷmὁὅΝ ἵὁὀtuἶὁΝ ὁΝ ὃuἷΝ ὁΝ ldquoὂὄimἷiὄὁΝ ὂὄecircmiὁrdquoΝ ὂἷὄtἷὀἵἷΝ ὡΝ viἶaΝ

mista que pode se prestar a ser uma vida boa Para tal precisamos ter senatildeo uma apreensatildeo

clara uma indicaccedilatildeo geral ( δθα τπκθ) (61a4) Como nos sugere Dixsaut (2001 p 330) um

τπκθ eacute um modelo natildeo dado por algo existente mas algo a ser construiacutedo uma foacutermula

geral um esquema obtido em linhas gerais os traccedilos principais de algo

Beleza Verdade e ProporccedilatildeoMedida manifestaccedilotildees do Bem que devem se fazer

presentes na boa mistura Encontramos um determinado caminho ( θ δθα) (61α7) que se

198 O Prazer segundo Platatildeo uma anaacutelise a partir do Filebo

natildeo o mais belo pode nos dirigir ao poacutertico da morada do bem ao seu vestiacutebulo (πλκγτπκδμ

64c1-3) Jaacute que pretendemos capturar o bem na vida mista ou melhor seus efeitos na vida

vista antes foi necessaacuterio das as principais indicaccedilotildees daquilo que ele possa ser tudo aquilo

ὃuἷΝὀὰὅΝἵὁὀὅiἶἷὄamὁὅΝldquoἴὁmrdquoΝἷΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶἷὅὅaὅΝ tὄecircὅΝmaὀifἷὅtaὦὴἷὅΝhiἷὄaὄὃuizar os bens

dessa vida mista

Por fim a classificaccedilatildeo dos bens o ranking da composiccedilatildeo da vida boa apresentado

no final do Filebo (66a-67b) eacute assim disposto (i) a medida e o que eacute medido (π λ ηΫ λκθΝεα

ηΫ λδκθ) e as coisas desse tipo (ii) proporccedilatildeo beleza perfeito o suficiente e seus

correlatos familiares (π λ τηη λκθΝεα εαζ θΝεα Ϋζ κθΝεα εαθ θΝεα πΪθγ᾽ πσ αΝ

μΝΰ θ μΝα ατ βμΝ έθ)νΝ(iii)ΝaΝiὀtἷligecircὀἵiaΝἷΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝ(θκ θΝεα φλσθβ δθ) ndash neste

caso natildeo nos desviariacuteamos muito da verdade ( δγ μΝκ εΝ θΝηΫΰαΝ δΝ μΝ ζβγ έαμΝπαλ ιΫζγκδμ)

(iv) conhecimentos as teacutecnicas e opiniotildees corretas ( πδ άηαμΝ Νεα ΫξθαμΝεα σιαμΝ λγ μ)

coisas ditas proacuteprias da alma ( μΝουξ μΝα μΝ γ η θ) ndash depois das que estatildeo em terceiro

estas satildeo mais aparentadas com o bem do que o prazer ( π λΝ κ ΰαγκ ΰΫΝ δΝη ζζκθΝ

μΝ κθ μΝ υΰΰ θ ) (v) os prazeres indolores ( ζτπκυμ) e os chamados de puros (εαγαλ μ)

pertencentes agrave proacutepria alma e que acompanham os conhecimentos e algumas sensaccedilotildees

( πκθκηΪ αθ μΝ μΝουξ μΝα μΝ πδ άηαδμΝ μΝ α γά δθΝ πκηΫθαμ)

199 Nem aporia nem conclusatildeo o prazer

CONCLUSAtildeO

O prazer no supracitado diaacutelogo demonstrou toda a sua potecircncia enquanto uma

questatildeo filosoacutefica de alto niacutevel sendo capaz de enfrentar frente-a-frente cara-a-cara o proacuteprio

pensamento Diversos recursos foram utilizados por Soacutecrates para se livrar da indeterminaccedilatildeo

do prazer do seu caraacuteter ilimitado de tal modo que fosse possiacutevel suavizar toda a sua forccedila

na vida humana Prazer unidade que se torna pensaacutevel a partir de uma multiplicidade de

prazeres de uma Ϋα O ilimitado que restringe a atividade dialeacutetica natildeo se impotildee a essa

ldquovὁὀtaἶἷΝἶἷΝvἷὄἶaἶἷrdquoΝὅὁἵὄὠtiἵaΝἷlἷΝὧΝὁΝὂὄaὐἷὄΝἷlἷΝὧΝaΝὂὄὰὂὄiaΝvaliἶaἶἷΝaΝὂὄὰὂὄiaΝlἷgitimiἶaἶἷέΝ

ἠatildeὁΝhὠΝumaΝmἷἶiἶaΝἷὅtὄitaΝἶaἶaΝaὅὅimΝἵὁmὁΝumΝtἷὄmὲmἷtὄὁΝgὄafaΝumΝldquoἷὅtaἶὁΝfἷἴὄilrdquoΝ

a partir dos 37 graus e meio centiacutegrados natildeo haacute mais quente e mais frio natildeo haacute hipotermia

hipertermia ou estado neutro natildeo podemos esquecer que estamos diante de uma

ἵlaὅὅifiἵaὦatildeὁΝhiἷὄὠὄὃuiἵaΝἷmΝὃuἷΝὀatildeὁΝὅἷΝἶiὐΝ ldquoiὅὅὁΝὧΝ iὅὅὁrdquoΝ iὅὅὁΝὧΝ fὄiὁΝ iὅὅὁΝὧΝmὁὄὀὁΝ iὅὅὁΝὧΝ

quente mas o caso do prazer exige relaccedilotildees hieraacuterquicas complexas mediante as estruturas

complexas do psiquismo humano e as dimensotildees do desejo ambos avaliativos ambos

recorrendo a uma avaliaccedilatildeo impliacutecita do bem do bom do uacutetil do melhor

Apenas o pensamento eacute capaz de impor limite ao prazer o pensamento conhece essa

relaccedilatildeo entre ΰΫθ δμ e κυ έα ele pode transformar algo que eacute puro devir pura geraccedilatildeo em

ser a vida natildeo pode ser caoacutetica ela natildeo eacute caoacutetica por mais confusa que possa ser ela

necessita ser ainda que tatildeo precaacuteria uma vida e natildeo um estado inerte desprovido de

movimento pois o pensamento eacute movimento puro que busca um sentido orientador a todo o

momento Haacute tambeacutem o prazer os prazeres e a vida Vida humana vida mista de prazer e

de inteligecircncia O prazer eacute uma dimensatildeo da vida natildeo podemos negaacute-la nem Platatildeo teria

feito isso muito pelo contraacuterio demonstrou toda a sua forccedila nesse movimento contiacutenuo que

eacute a vida e que soacute cessa sua atividade pela morte no sentido estritamente fisioloacutegico ou no

ὅἷὀtiἶὁΝmἷtafὰὄiἵὁΝἶaΝldquomὁὄtἷΝfilὁὅὰfiἵardquoΝὃuἷΝaὀtἷἵiὂaΝὀaΝmἷἶiἶaΝἶὁΝὂὁὅὅiacutevἷlΝἷmΝlaὄga escala

ἷὅὅaΝldquovivecircὀἵiaΝἶiviὀardquoΝὂὁὄΝmἷiὁΝἶaΝἷὅtaἴiliἶaἶἷΝἶaΝὂἷὄmaὀecircὀἵiaΝὃuἷΝὁΝὂἷὀὅamἷὀtὁΝaἶὃuiὄἷΝ

isto eacute sua natildeo-fugacidade mas seu prazer isso mesmo o prazer do pensar como

ldquoliἴἷὄtaὦatildeὁrdquoΝἵὁmὁΝumΝἶἷὅligamἷὀtὁΝὂὄὰὂὄiὁΝἶaΝviἶaΝfilὁὅὰfiἵaέ

A bela φλκ έ β de Filebo foi derrotada O limite conseguiu dominar completamente

o prazer ou apenas moderaacute-lo Questatildeo que permanece em aberto Ele continua sendo esse

desejo que quer se afirmar a todo instante enquanto o proacuteprio gozo da existecircncia a alegria o

deleitaacutevel o carpe diem O prazer entrou na batalha mas natildeo foi de tudo nocauteado ele

permanece enquanto uma dimensatildeo da proacutepria vida passou de bom e foi colocado na disputa

ὂἷlὁΝἴἷmΝfὁiΝaὀaliὅaἶaΝὅuaΝmultiὂliἵiἶaἶἷΝὅἷΝtὁὄὀὁuΝumaΝἷὅὂὧἵiἷΝἶἷΝldquogἷὄaὦatildeὁΝἷm vista do

200 Conclusatildeo

ὅἷὄrdquoΝἶiὅἵὄimiὀaἶὁΝἷmΝfalὅὁὅΝἷΝvἷὄἶaἶἷiὄὁὅΝfὁiΝἵὁlὁἵaἶὁΝἶiaὀtἷΝfὄἷὀtἷ-a-frente com seu oposto

a dor e teve a coragem suficiente para enfrentar o pensamento

Tambeacutem o conhecimento possui suas intermitecircncias no diaacutelogo na combinaccedilatildeo da

mistura fiὀalΝ ἥὰἵὄatἷὅΝ ὀatildeὁΝ hἷὅitaΝ ἷmΝ ἷvὁἵaὄΝ ὁὅΝ ἶἷlἷὅΝ ὂὄimἷiὄὁΝ ἒiὁὀiacuteὅiὁΝ ldquoὁΝ ἶἷuὅΝ ἶaΝ

ἷmἴὄiaguἷὐrdquoΝὂἷlὁΝὃualΝfiguὄaΝaΝmiὅtuὄaΝἶaΝὂὄὰὂὄiaΝviἶaΝὅuaΝὂὄὰὂὄiaΝiὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁΝὀaΝὃualΝ

a forma dessa boa vida ainda permanece em aberto e que na visatildeo platocircnica deve lidar com

essa dialeacutetica em torno da pergunta fundamental do bem viver por isso segundo Hefesto o

deus da teacutecnica tambeacutem preside juntamente agravequele deus supracitado (61c) o deus que

ἵaὄὄἷgaΝἵὁὀὅigὁΝaΝmaiὅΝaltaΝldquotekhnologiardquoΝὅaliἷὀtaὀἶὁΝἢlatatildeὁΝὃuἷΝἷὅὅaΝmiὅtura natildeo pode ser

uma mistura qualquer e que cabe a noacutes pela forccedila do pensamento submeter ao exame

constantemente essa vida e o prazer Nem sempre nos importamos sobre o modo como essa

mistura eacute feita Dessa maneira raramente ele eacute uma boa mistura Se Soacutecrates estaacute certo se

a mistura soacute eacute boa quando dosamos corretamente os ingredientes prazeres e conhecimentos

quando refletimos por intermeacutedio do pensamento natildeo soacute sobre os ingredientes mas

principalmente sobre a forma como se deve operar essa dosagem contiacutenua Acerca do valor

dessa mistura o pensamento tem prevalecircncia sobre o prazer haja vista sua semelhanccedila com

o intelecto divino sendo atribuiacutedo o segundo precircmio agrave causa o prazer jaacute natildeo pode mais

lamentar

Ainda que nossa existecircncia esteja submetida ao devir ela necessita ser algo uma vida

minimamente organizada que seja de fato uma vida o fluxo contiacutenuo natildeo eacute nada ele eacute pura

ΰΫθ δμ mas a vida enquanto mistura de elementos do mesmo modo que o universo eacute

geraccedilatildeo para o ser isso porque tanto o universo como a vida particular dos indiviacuteduos torna

possiacutevel a ordem porque ambos possuem alma possui razatildeo inteligibilidade um modo de

funcionamento de regularidade proacutepria originaacuteria e belamente disposta Contudo no curso

da vida humana noacutes indiviacuteduos perdemos essa bela combinaccedilatildeo ultrapassando os limites de

nossa proacutepria condiccedilatildeo invertendo os papeacuteis tomando aquilo que eacute ilimitado pelo limite

A dificuldade de se compreender o prazer no Filebo a meu ver e o que o torna um

dos diaacutelogos mais aprofundados de Platatildeo ndash caracteriacutestica que gerou uma seacuterie de

infidelidades a esse texto platocircnico ndash um diaacutelogo rigoroso e que exige toda cautela de qualquer

inteacuterprete que deseja adentrar as linhas desse diaacutelogo eacute que alguns prazeres satildeo de fato

ilimitados outros devem ser sempre ilimitados outros geralmente satildeo ilimitados e alguns

poucos satildeo por natureza limitados (DAVIDSON 1990 p 185-187)

O Filebo demonstrou as insuficiecircncias do prazer e dos conhecimentos enquanto

candidatos ao bem e consequentemente a uma vida boa Nem um nem outro podem

sozinhos realizar essa justa composiccedilatildeo O que seraacute feito agora do pensamento Perdeu todo

o seu valor E os louvores e exaltaccedilotildees agrave vida mais divina de todas ao pensamento puro agrave

potecircncia da dialeacutetica e vontade de verdade socraacutetico-platocircnica O pensamento natildeo se livra

201 Nem aporia nem conclusatildeo o prazer

do prazer pois na vida humana toda as coisas aspiram pelo bem pelo bom e deseja esse

ldquoἴὄilhὁrdquoΝἷὅὅaΝἴἷlἷὐaΝὂὄὁvἷὀiἷὀtἷΝἶἷὅtaΝjuὅtaΝἵὁmὂὁὅiὦatildeὁΝὃuἷΝὂἷὄmaὀἷἵἷΝἵὁmὁΝumΝldquomὁἶἷlὁΝ

de vidardquoΝὃuἷΝaὦatildeὁΝhumaὀaΝἶἷvἷὄὠΝὄἷἵuὂἷὄaὄΝaὁΝὅaiὄΝἶaΝiὀἶἷtἷὄmiὀaὦatildeὁέΝἑὁmὁΝliἶaὄΝἵὁmΝἷὅὅἷΝ

ὅἷὄΝὃuἷΝἴuὅἵaΝὅἷὄΝἷmΝtὁtaliἶaἶἷΝaὃuilὁΝὃuἷΝἷlἷΝὧΝumΝὅἷὄΝldquoὅἷὀὅiacutevἷlrdquoΝὃuἷΝὅἷΝmaὀtὧmΝὀἷὅὅἷΝ

sensiacutevel

O pensamento soacute pode reivindicar para si o fato de estar prioritariamente na escala

hieraacuterquica dos bens acima do prazer enquanto capaz de promover essas combinaccedilotildees

esses arranjos de uma melhor forma ou seja ele estaacute no princiacutepio de uma vida melhor Ele

natildeo apenas delimita a correta fruiccedilatildeo dos prazeres mas sua potecircncia seu desejo pelo

verdadeiro o insere em um movimento criativo que desafia a temporalidade natural

transcendendo-a em direccedilatildeo agravequilo que lhe eacute mais relevante do que apenas organizar o

ὀatuὄalΝmaὅΝἶἷὀtὄὁΝἶaὅΝὄἷgὄaὅΝἶὁΝldquojὁgὁΝἶaΝviἶardquoΝὂἷὄἵἷἴἷὄΝumaΝfὁὄmaΝἶἷΝtὄansgredi-las sem

portanto se ausentar deste jogo e sem romper com aquilo que natildeo pode ser rompido Estou

falando aqui da forccedila criativa do pensamento que vai em busca sempre do melhor que natildeo

se basta que natildeo aceita a fugacidade das afecccedilotildees psico-corporais das afecccedilotildees e das

antecipaccedilotildees dos prazeres mas que se torna mais atento agravequilo que ele eacute ou melhor aquilo

que a alma eacute propriamente inteligiacutevel

ἢὁὄΝiὅὅὁΝὀatildeὁΝhὠΝldquoὄἷἵἷitaΝὂὄὁὀtardquoΝὀἷὀhumΝἶὁὅΝἶὁiὅΝὂὁἶἷΝgaὀhaὄΝἷὅὅἷΝjὁgὁΝὀἷὀhumΝ

dos dois cessam eles continuam natildeo cessam nem na vida e nem na morte Se olhamos agrave

distacircncia tudo parece muito oacutebvio e a impostura nos confunde pois a vida eacute sorridente bela

o prazer nos enfeiticcedila mas caso escolhamos essa limitaccedilatildeo da vida temos tambeacutem que

aceitar a corrupccedilatildeo o seu contraacuterio o que natildeo eacute morte mas uma indefinida corrupccedilatildeo uma

fugacidade extrema e por isso caoacutetica Talvez seja necessaacuterio natildeo salgar tanto o pranto e

natildeo adoccedilar demais a alegria e aceitar o quatildeo desesperador possa ser essa vida mista

humaὀaΝὂὁὄὃuἷΝaiὀἶaΝὀatildeὁΝalἵaὀὦamὁὅΝἷὅὅἷΝldquoὂaἶὄatildeὁΝἶὁὅaἶὁὄrdquoΝἵὁὄὄἷtὁέΝἥiὀtὁΝiὀfὁὄmaὄΝmaὅΝ

teremos que voltar pois sequer acabamos e talvez natildeo se queira que nem mesmo acabemos

ὂὁὄΝ iὅὅὁΝ ldquoὀἷmΝ aὂὁὄiardquoΝ ldquoὀἷmΝ ἵὁὀἵluὅatildeὁrdquoΝ ὁΝ Filebo resiste a essas duas classificaccedilotildees

habitualmente destinadas agrave classificarem os Diaacutelogos Mas nem tudo estaacute perdido se

juntarmos os cacos dos prazeres as falhas do prazer e dos conhecimentos talvez desses

cacos resulte uma boa mistura algo que manifeste esta beleza porque toda a discussatildeo nos

dirigiu a uma espeacutecie a umaΝldquoἴἷlaΝὁὄἶἷmΝiὀἵὁὄὂὰὄἷardquo (εσ ηκμ δμ υηα κμ λιπθ εαζ μ)

para comandar um corpo animado (64b) poreacutem natildeo haacute ningueacutem a quem possamos

responsabilizar a natildeo ser noacutes mesmos O filoacutesofo eacute essa espeacutecie de juiz um expert que pode

reivindicar para si que sua vida eacute a vida boa mas que ele pode presidie tendo a inteligecircncia

alcanccedilado o segundo precircmio por meio dos conhecimentos que dispotildee ndash dentre eles

fundamentalmente a dialeacutetica mas natildeo apenas jaacute que se trata de uma vida mista de prazer e

conhecimento ndash uma vida melhor uma vida feliz aquela que possui maior valor e mais

202 Conclusatildeo

ldquoaὂaὄἷὀtaἶardquoΝἵὁmΝὁΝmaiὁὄΝἴἷmΝὂaὄaΝὁὅΝhὁmἷὀὅΝἷΝὂaὄaΝὁὅΝἶἷuὅἷὅΝὂὁiὅΝὀὁὅΝἶiὐΝἥὰἵὄatἷὅμΝldquo(έέέ)

Quanto a mesclar a ambos reflexatildeo e prazer dizer que somos como fabricantes diante do

que temos de fabricar e amalgamar na ὂὄὁἶuὦatildeὁΝ ὅἷὄὠΝ ἶiὐἷὄΝ ἴἷlamἷὀtἷrdquoέ(Ν (έέέ)Ν η θΝ

φλκθά υμΝ Νεα κθ μΝπΫλδΝπλ μΝ θΝ ζζάζπθΝη ῖιδθΝ δμΝφαέθΝεαγαπ λ βηδκυλΰκῖμΝ ηῖθΝ

ιΝ θΝ θΝκ μΝ ῖ βηδκγλΰ ῖθΝ δΝπαλαε ῖ γαδΝεαζ μΝ θΝ ζσΰ π δεΪακδrdquo)Ν(ἃλἶ-e) Soacutecrates

coloca na boca de Protarco a necessidade de parar 67b11-13 antes que as forccedilas daquele

homem-filoacutesofo (Soacutecrates) se esgotem e talvez as proacuteprias forccedilas de Protarco jaacute tambeacutem se

findaram num outro momento retornaremos aos assuntos que aqui foram tratados Eacute preciso

agora parar Assim soa o imperativo impliacutecito na fala do interlocutor jaacute que tambeacutem as nossas

forccedilas tambeacutem possam ter chegado ao limite para depois retornar ao que aqui foi exposto

pois

() coisas ainda restam ( έ ὰ ιπό α)

(67b12-13)

203 Referecircncias

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219 Anexos

ANEXOS

Tabela Normas de Transliteraccedilatildeo251

Ignorar completamente os acentos bem como a distinccedilatildeo entre longas e breves

251 (Cf ARCHAI (2014) Novas Normas de Transliteraccedilatildeo Archai ndeg 12 p 193)

220 Lista de Abreviaccedilotildees

Lista de Abreviaccedilotildees252

Platatildeo

Pl = Plato (Platatildeo)

Alc 1 = Alcibiades 1 (Primeiro Alcibiacuteades)

Ap = Apologia (Apologia de Soacutecrates)

Cra = Cratylus (Craacutetilo)

Cri = Crito (Criacuteton)

Ep = Epistulae (Cartas)

Epigr = Epigrammata

Euthd = Euthydemus (Eutidemo)

Euthphr = Euthyphro (Eutiacutefron)

Epin = Epinomis (Epinomis)

Grg = Gorgias (Goacutergias)

HpMa = Hippias Major (Hiacutepias Maior)

Ion = (Iacuteon)

Lg = Leges (As Leis)

Men = Meno (Mecircnon)

Phd = Phaedo (Feacutedon)

Phdr = Phaedrus (Fedro)

Phlb = Philebus (Filebo)

Plt = Politicus (Poliacutetico)

Prm = Parmenides (Parmecircnides)

Prt = Protagoras (Protaacutegoras)

R = Respublica (A Repuacuteblica)

Smp = Symposium (O Banquete)

Sph = Sophista (Sofista)

Tht = Theaetetus (Teeteto)

Ti = Timaeus (Timeu)

Demais autores claacutessicos

Arist = Aristotle (Aristoacuteteles) Metaph = Metaphysica (Metafiacutesica) Ph = Physica (Fiacutesica)

252 O uso das abreviaccedilotildees aqui apresentado segue o Greek-English Lexicon (LSJ) acessiacutevel em httpwwwstoaorgabbreviationshtml

221 Lista de Abreviaccedilotildees

Po = Poetica (Poeacutetica) Pol = Politica (Poliacutetica) Rh = Rhetorica (Retoacuterica) Diog Laert = Diocircgenes Laecircrtios (Dioacutegenes Laeacutercio) X = Xenophon (Xenofonte) Ap = Apologia Socratis (Apologia de Soacutecrates) Mem = Memorabilia (Ditos e feitos memoraacuteveis de Soacutecrates) Oec = Oeconomicus (Econocircmico) Smp = Symposium (Banquete) Sapph = Sappho (Safo) Mimn = Mimnermo (Mimnermo) Hom = Homerus (Homero) Il = Ilias (Iliacuteada) Od = Odyssea (Odisseacuteia) Hes = Hesiodus (Hesiacuteodo) Th = Theogonia (Teogonia) Dam = Damascius (Damaacutescio)

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