o povoamento rural islÂmico na kura de alcÁcer … · mano obedecia a uma determinada hierarquia,...

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O POVOAMENTO RURAL ISLÂMICO NA KURA DE ALCÁCER DO SAL: BREVE ANÁLISE DA TOPONÍMIA Marta Isabel Caetano Leitão (FCSH-UNL) [email protected] O presente trabalho pretende, através da análise da toponímia de origem árabe e berbere na cartografia, dar a conhecer os modelos de povoamento e de ordenamento territorial no espaço geográfico que corresponderia, em parte, ao território da kura de Alcácer do Sal durante a ocupação muçulmana. Foram considerados, para efeitos desta investigação, para além do actual concelho de Alcácer do Sal, a região da Península de Setúbal, os concelhos de Grândola, Santiago do Cacém, Sines e Odemira e algumas regiões do distri- to de Évora, nomeadamente Alcáçovas, Cabrela e São Brás do Regedouro, freguesia hoje extinta e que integra actualmente a freguesia de Nossa Senhora da Tourega no concelho de Évora. Não são conhecidos, na totalidade, os limites que abrangiam o território da kura de Alcácer do Sal e nem as várias oscilações que o mesmo sofreu desde o século VIII ao XIII, contudo sabe -se através das fontes escritas, quer islâmicas, quer cristãs, que aquela pos- suía, no século X, um território muito vasto que ia desde a Península de Setúbal às Serras de Grândola e Cercal. Durante a ocupação das comunidades magrebinas aquela abrangia, pelo menos no plano militar, segundo o geógrafo al-Idrisi, parte do Alentejo e da Estremadura espanhola até Coria (Levi-Provençal e Garcia Gómez, 1950, p. 158; Coelho, 2008, p. 51). A toponímia de origem árabe na respectiva região estende-se pela terminologia relativa ao povoamento, sistemas defensivos, actividades de exploração económi- ca e extractivas, orografia dos terrenos, vegetação, caminhos, água e técnicas de irrigação, mas também por termos de carácter administrativo, religioso, bélico e clânico. Através da análise daquela, podemos constatar, que a organização do povoamento rural muçul- mano obedecia a uma determinada hierarquia, onde madina e hisn tinham um papel polarizador, estruturando-se as restantes unidades de povoamento ao seu redor e deles directamente dependentes, como as al-qarya, al-day´a e al-munya, mas também os vários campos de cultivo e de pastagem. Por outro lado, a distribuição do povoamento derivava de vários factores, entre eles, as condições naturais, onde adquiria bastante relevo a riqueza dos solos e, particularmente, a abundância dos cursos de água, como os rios e as ribeiras, que condicionavam, naturalmente, a distribuição dos distintos povoados no território. Os vários redutos defensivos situavam-se em zonas de cota elevada ou pequenos cerros aplanados e controlavam, essencialmente, os principais cursos de água navegáveis e as principais vias de comunicação que ligavam os vários núcleos urbanos entre si. Bibliografia: ALVES, Adalberto (2013) Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda. ACIÉN ALMANSA, Manuel (2001) - De nuevo sobre la fortificación del emirato. In FER- NANDES, Isabel Cristina, coord. - Mil Anos de Fortificações e Território na Península Ibérica e no Magreb (500-1500): Actas do Simpósio Internacional sobre Castelos. Lisboa: Edições Colibri-Câmara Municipal de Palmela, pp. 59 -75. COELHO, António, Borges (2008) - Portugal na Espanha Árabe. Lisboa: Editorial Caminho. LÉVI-PROVENÇAL, Evariste; GARCIA GÓMEZ, Emilio (1950) Una crónica anónima de Abd al-Rahmân III al-Nâsir. Madrid - Granada: C.S.I.C - Instituto Miguel Asin. LEITÃO, André; VIVAS, Diogo (2009) A Presença Islâmica no Alentejo Litoral. Uma abordagem à luz da toponímia. In SILVA, Isabel ; MADEIRA, João; FERREIRA, Sofia, coord. – Actas do 1º Encontro de História do Alentejo Litoral. Sines: PSA-Sines-Câmara Municipal de Grândola, pp. 220-229. LÓPEZ CUEVAS, Fernando (2014) - Las almunias de Madinat Qurtuba. Aproximación preliminar y nuevos enfoques. In Anahgramas. Universidad de Córdoba. 1, pp. 161- 207. MACHADO, José Pedro (1958) - Influência arábica no vocabulário português, 2 vol. Lisboa: Álvaro Pinto. MACHADO, José Pedro (1997) – Ensaios Arábico Portugue- ses. Lisboa: Editorial Notícias. MARQUES, A. H. de Oliveira (1993) – Nova História de Portugal: Portugal das Invasões Germânicas à “Reconquista”, vol. II. Lisboa: Editorial Presença. Topónimo Concelhos Origem/Significado Alberge/Albergaria Alcácer do Sal alb âraq, “tosco, lugar de insónia” – estalagem (Alves, 2013, p. 112) Alcaria/Alcarial/Alcariota/ Caria/Caeira Alcácer do Sal, Grândola, Montemor-o-Novo (Cabrela), Odemira, Pal- mela e Santiago do Cacém al-qariyya, “a povoação”, “a aldeia” (Machado, 1958, pp. 152-153; Alves, 2013, pp. 126; 370) Aldeia Montemor-o-Novo (Cabrela) e Santiago do Cacém al-day´a, “o povoa- do” (Machado, 1958, p. 175; Alves, 2013, p. 137) Aduares Santiago do Cacém De aduar, ad-dawâr, “a aldeia”, “o povoado, “o acampamento” (Alves, 2013, p. 89) Almandanim Santiago do Cacém al-madânî, “a medina”, “o citadino” (Alves, 2013, p. 174) Almoinha/ Armuinha Santiago do Cacém e Sesimbra al-munya, “a horta”, “a quinta” (Alves, 2013, p. 191;López Cuevas, 2014, p. 162) Penique Alcácer do Sal De carapenique (?), qarâ bahîj, “povoação boni- ta” (Alves, 2013, p. 369) Topónimo Concelhos Origem/Significado Alcalá/Alcalainha Évora (São Brás do Regedouro) al-qala´a, “o caste- lo” (Acién Almansa, 2001, pp. 61-64; Alves, 2013, p. 120) Asna/Arneirinho/ Asneiri- nho Alcácer do Sal, Grândola, Odemira, Santiago do Cacém e Sines hisn, “a fortaleza”, ”o cas- telo” (Marques, 1993, p. 194; Leitão e Vivas, 2009, p. 226) Atalaia Alcácer do Sal, Alcochete, Grândola, Montemor-o- Novo (Cabrela), Montijo, Odemira, Palmela, Santia- go do Cacém e Viana do Alentejo (Alcáçovas) at-talâya, “os lugares avan- çados”, “lugar alto donde se exerce vigilân- cia”(Machado, 1997, p. 280; Alves, 2013, p. 250) Catifarras Santiago do Cacém qal´at al-harag, “torre do imposto”(Leitão e Vivas, 2009, p. 229) Chagas Alcácer do Sal sajra, “penha fortificada”, “promontório escarpado com funções de vigilân- cia” (Leitão e Vivas, 2009, p. 229) Murtal Évora (São Brás do Regedouro) De murteda (?), murtabâ, “posto alto de vigia” (Alves, 2013, p. 668) Porches/Portancho/ Parchanas Alcácer do Sal burj, “torre”, “castelo”(Alves, 2013, p. 710) Topónimo Concelhos Origem/Significado Abela Santiago do Cacém De abdalá (?), ´abd allâh, “servo de Alá” (Alves, 2013, pp. 58-60) Aiana Sesimbra De ainadin (?), ´ayn ad-dîn, “fonte de reli- gião” (Alves, 2013, p. 98) Almagede Santiago do Cacém al-masjid, “a mesqui- ta”(Alves, 2013, p. 175) Arrábida Setúbal ar-râbita, “o orató- rio”, “o convento for- tificado” (Machado, 1958, p. 314; Alves, 2013, p. 233) Azóia Sesimbra az-zâwiya, “a ermi- da” (Machado, 1997, p. 183; Alves, 2013, p. 267) Mesquita Sesimbra masjid, “lugar da prosternação”(Alves, 2013, p. 643) Monchique Grândola e Santiago do Cacém munt xâqar, “monte sagrado”(Alves, 2013, p. 656) Murfacém Almada muhsin, “dadivoso”, “caridoso” (Alves, 2013, p. 667) Palmela/Palmelas Montemor-o-Novo (Cabrela) e Viana do Alentejo (Alcáçovas) Balmallâ, com origem em Bismi llâh, “em nome de Alá” (Machado, 1997, p. 25; Alves, 2013, p. 318) Topónimo Concelhos Origem/Significado Abul Alcácer do Sal abûl, “pai de [alguém] (Alves, 2013, p. 68) Beguíno Santiago do Cacém De beduíno (?), badawî, “habitante do deser- to” (Alves, 2013, p. 228) Bemcaniz Odemira De Banu… (?), clã berbe- re (Marques, 1993, p. 140) Bemposta Alcácer do Sal, Odemira, Santiago do Cacém e Sines Idem Bemfeita Odemira Idem Bem parece Grândola, Santiago do Cacém e Sines Idem Bem casados Odemira De Banu Qasim, clã ber- bere (Marques, 1993, p. 141) Banaiça Santiago do Cacém e Sines De Banu ´Isa, clã berbere (Marques, 1993, p. 140) Benafátima Odemira Banu + Fátima (Machado, 1958, p. 25) Benagazil/ Banagazil/ Benagazilinho Alcácer do Sal e Santia- go do Cacém De Ben al-Wazîr, clã ber- bere (Machado, 1958, p. 25; Alves, 2013, p. 311) Benagala Santiago do Cacém De Banu… (?), clã berbe- re (Marques, 1993, p. 140) Benamor Odemira De Banu ´Amir, clã berbe- re (Marques, 1993, p. 141) Benavide/Benavidinho Odemira Ben ´Abîd, “filho do ado- rador” (Alves, 2013, p. 313) Bonfim Setúbal De Benafim (?), Ben ´Affân “filho do puro” (Alves, 2013, p. 310) Cacém Santiago do Cacém De Banu Qasim, clã ber- bere (Marques, 1993, p. 139) Gil Montijo, Santiago do Cacém gil, “tribo”, “nação” (Alves, 2013, p. 544) Lobatos Alcácer do Sal De Luwata, tribo berbere (Marques, 1993, p. 139) A Norte da cidade de Alcácer encontrava-se um hisn, con- forme sugere o topónimo Asna, nas proximidades da actual povoação de São Martinho, situado numa zona de cota ele- vada e junto das ribeiras de São Martinho e Barrancão, assim como de um caminho que, para Norte, seguiria para Montemor-o-Novo e, para Sul, passaria pelas Minas de Car- vão de Santa Susana, concelho de Alcácer do Sal. A partir da aldeia de Santa Catarina de Sítimos até à povoação de Arez e Vale de Guiso, seguindo depois para a cidade de Alcácer, haveria uma série de torres atalaia e outras fortifi- cações ao longo das margens da ribeira de Santa Catarina de Sítimos e do rio Sado, de acordo com os topónimos por- ches, parchanas, portancho e chagas, que controlavam todo o acesso àquele curso de água, mas também à via romana que por ali passava e que ligava Alcácer a Évora. Perto da povoação de Arez, nas margens da ribeira do Alfebre, loca- lizavam-se as principais indústrias ligadas ao tingimento dos tecidos, enquanto o barro seria extraído, próximo das margens do Sado, onde hoje se localiza a Barrosinha. Topónimos relacionados com unidades de povoamento Topónimos relativos a fortificações Topónimos de origem clânica e onomástico-étnico Topónimos de cariz religioso Fig. 2. (em cima) - C. M. P. à escala 1:25 000, folha nº 457 - São Martinho. Fig. 3. (em baixo) - C. M. P. à escala 1:25 000, folha nº 486 - Vale de Guiso. A Sudoeste da cidade de Alcácer do Sal, seguindo pela via romana em direcção a Évora, achava-se o hisn do Torrão. A partir dele a via romana ramificava-se, seguindo em direcção a Évora protegida por várias torres de vigia, como a Ata- laia da Quinta, e em direcção ao hisn das Alcáçovas e de Alcalá, ambos situados em zonas elevadas e junto de cursos de água. Fig. 4. C. M. P. à escala 1:25 000, folha nº 487 - Torrão. Fig. 5. C. M. P. à escala 1:25 000, folha nº 470 - São Brás do Regedouro. Fig. 6. C. M. P. à escala 1:25 000, folha nº 517 - São Bartolomeu da Serra. Perto da actual cidade de Santiago do Cacém haveria um outro hisn que seria controlado pelo clã berbere Banu Qasim, achando-se em redor do mesmo várias alcarias, aldeias e almuinhas protegidas igualmente por torres atalaia. O topóni- mo Almagede no seio daquelas denuncia a existência de uma mesquita que seria utilizada pela comunidade rural. Fig. 7. (em cima) - C. M. P. à escala 1:25 000, folha nº 569 - Sabóia. Fig. 8. (em baixo) - C. M. P. à escala 1:25 000, folha nºs 552 e 560 - Longueira/Almograve e S. Teotónio Seguindo para Sul, em redor da pequena madina de Odemira, arti- culavam-se várias unidades de povoamento, como a Alcaria e Alca- ria Nova, situadas junto ao rio Mira e ribeira da Tamanqueira, assim como a Alcaria de Estombar, junto ao ribeiro dos Carapetos e o Alcarial, junto a um caminho e ribeira do Salto. Todos estes núcleos eram protegidos por torres localizadas ao longo das princi- pais vias de comunicação. Próximo da costa, a cidade de Odemira era protegida por um hisn, conforme sugere o topónimo Monte Novo dos Arneirinhos, tendo sob o seu domínio a Alcaria do Cle- mente, Moinho da Alcaria e Alcaria Ventosa, situadas junto do rio Mira e ribeira do Vale, e Alcarias e Alcaria do Alto, situadas junto de serras. Fig. 9. C. M. P. à escala 1:25 000, folha nº 486 - Vale de Guiso. Cada iqlim era administrado por clãs berberes, conforme se verifica na toponímia deixada pelos mesmos. A Norte de Alcácer do Sal persistem alguns desses topónimos como Bemposta e Loba- tos (Luwata). Na Península de Setúbal achar -se-iam os Ben ´Affân (Bonfim) e nos arredores da cidade de Alcácer, junto às margens do Sado, aparece topónimos como Benagazil e Benagazili- nho que remetem para a presença dos Ben al-Wazîr, à semelhança daquilo que se verifica em Santiago do Cacém, onde para além destes estariam os Banu Qasim (Cacém), Banu ´Isa (Banaiça), situados também em Sines, e outros clãs de origem desconhecida, através dos topóni- mos Bemposta, Benagala e Bem parece, encontrando-se, este último, também em Grândola e Sines. À semelhança de Santiago do Cácem, os Banu Qasim (Bem Casados) ocupariam similar- mente o território de Odemira, assim como as tribos Benafátima (Banu + Fátima), Banu ´Amir (Benamor), Ben ´Abîd (Benavide/Benavidinho) e outros clãs de origem desconhecida, através de topónimos como Bemposta, Bemcaniz e Bemfeita. Fig. 1. Território português, delimita- ção da área geográfica em estudo .

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Page 1: O POVOAMENTO RURAL ISLÂMICO NA KURA DE ALCÁCER … · mano obedecia a uma determinada hierarquia, onde madina e hisn tinham um papel polarizador, estruturando-se as restantes unidades

O POVOAMENTO RURAL ISLÂMICO NA KURA DE ALCÁCER

DO SAL: BREVE ANÁLISE DA TOPONÍMIA

Marta Isabel Caetano Leitão (FCSH-UNL)

[email protected]

O presente trabalho pretende, através da análise da toponímia de origem árabe e berbere na cartografia, dar a conhecer os modelos de povoamento e de ordenamento territorial no espaço geográfico que corresponderia, em parte, ao território da kura de Alcácer do

Sal durante a ocupação muçulmana. Foram considerados, para efeitos desta investigação, para além do actual concelho de Alcácer do Sal, a região da Península de Setúbal, os concelhos de Grândola, Santiago do Cacém, Sines e Odemira e algumas regiões do distri-

to de Évora, nomeadamente Alcáçovas, Cabrela e São Brás do Regedouro, freguesia hoje extinta e que integra actualmente a freguesia de Nossa Senhora da Tourega no concelho de Évora.

Não são conhecidos, na totalidade, os limites que abrangiam o território da kura de Alcácer do Sal e nem as várias oscilações que o mesmo sofreu desde o século VIII ao XIII, contudo sabe-se através das fontes escritas, quer islâmicas, quer cristãs, que aquela pos-

suía, no século X, um território muito vasto que ia desde a Península de Setúbal às Serras de Grândola e Cercal. Durante a ocupação das comunidades magrebinas aquela abrangia, pelo menos no plano militar, segundo o geógrafo al-Idrisi, parte do Alentejo e da

Estremadura espanhola até Coria (Levi-Provençal e Garcia Gómez, 1950, p. 158; Coelho, 2008, p. 51). A toponímia de origem árabe na respectiva região estende-se pela terminologia relativa ao povoamento, sistemas defensivos, actividades de exploração económi-

ca e extractivas, orografia dos terrenos, vegetação, caminhos, água e técnicas de irrigação, mas também por termos de carácter administrativo, religioso, bélico e clânico. Através da análise daquela, podemos constatar, que a organização do povoamento rural muçul-

mano obedecia a uma determinada hierarquia, onde madina e hisn tinham um papel polarizador, estruturando-se as restantes unidades de povoamento ao seu redor e deles directamente dependentes, como as al-qarya, al-day´a e al-munya, mas também os vários

campos de cultivo e de pastagem. Por outro lado, a distribuição do povoamento derivava de vários factores, entre eles, as condições naturais, onde adquiria bastante relevo a riqueza dos solos e, particularmente, a abundância dos cursos de água, como os rios e as

ribeiras, que condicionavam, naturalmente, a distribuição dos distintos povoados no território. Os vários redutos defensivos situavam-se em zonas de cota elevada ou pequenos cerros aplanados e controlavam, essencialmente, os principais cursos de água navegáveis

e as principais vias de comunicação que ligavam os vários núcleos urbanos entre si.

Bibliografia: ALVES, Adalberto (2013) – Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda. ACIÉN ALMANSA, Manuel (2001) - De nuevo sobre la fortificación del emirato. In FER-

NANDES, Isabel Cristina, coord. - Mil Anos de Fortificações e Território na Península Ibérica e no Magreb (500-1500): Actas do Simpósio Internacional sobre Castelos. Lisboa: Edições Colibri-Câmara Municipal de Palmela, pp. 59

-75. COELHO, António, Borges (2008) - Portugal na Espanha Árabe. Lisboa: Editorial Caminho. LÉVI-PROVENÇAL, Evariste; GARCIA GÓMEZ, Emilio (1950) – Una crónica anónima de Abd al-Rahmân III al-Nâsir. Madrid -

Granada: C.S.I.C - Instituto Miguel Asin. LEITÃO, André; VIVAS, Diogo (2009) – A Presença Islâmica no Alentejo Litoral. Uma abordagem à luz da toponímia. In SILVA, Isabel; MADEIRA, João; FERREIRA, Sofia, coord. – Actas

do 1º Encontro de História do Alentejo Litoral. Sines: PSA-Sines-Câmara Municipal de Grândola, pp. 220-229. LÓPEZ CUEVAS, Fernando (2014) - Las almunias de Madinat Qurtuba. Aproximación preliminar y nuevos enfoques.

In Anahgramas. Universidad de Córdoba. 1, pp. 161- 207. MACHADO, José Pedro (1958) - Influência arábica no vocabulário português, 2 vol. Lisboa: Álvaro Pinto. MACHADO, José Pedro (1997) – Ensaios Arábico – Portugue-

ses. Lisboa: Editorial Notícias. MARQUES, A. H. de Oliveira (1993) – Nova História de Portugal: Portugal das Invasões Germânicas à “Reconquista”, vol. II. Lisboa: Editorial Presença.

Topónimo

Concelhos

Origem/Significado

Alberge/Albergaria

Alcácer do Sal

alb âraq, “tosco, lugar de

insónia” – estalagem (Alves, 2013, p. 112)

Alcaria/Alcarial/Alcariota/

Caria/Caeira

Alcácer do Sal, Grândola,

Montemor-o-Novo

(Cabrela), Odemira, Pal-

mela e Santiago do Cacém

al-qariyya, “a povoação”,

“a aldeia” (Machado, 1958,

pp. 152-153; Alves, 2013,

pp. 126; 370)

Aldeia

Montemor-o-Novo

(Cabrela) e Santiago do

Cacém

al-day´a, “o povoa-

do” (Machado, 1958, p. 175;

Alves, 2013, p. 137)

Aduares

Santiago do Cacém

De aduar, ad-dawâr, “a

aldeia”, “o povoado, “o

acampamento” (Alves,

2013, p. 89)

Almandanim

Santiago do Cacém

al-madânî, “a medina”, “o

citadino” (Alves, 2013, p.

174)

Almoinha/ Armuinha

Santiago do Cacém e

Sesimbra

al-munya, “a horta”, “a

quinta” (Alves, 2013, p.

191;López Cuevas, 2014, p.

162)

Penique

Alcácer do Sal

De carapenique (?), qarâ

bahîj, “povoação boni-

ta” (Alves, 2013, p. 369)

Topónimo

Concelhos

Origem/Significado

Alcalá/Alcalainha

Évora (São Brás do

Regedouro)

al-qala´a, “o caste-

lo” (Acién Almansa, 2001,

pp. 61-64; Alves, 2013, p.

120)

Asna/Arneirinho/ Asneiri-

nho

Alcácer do Sal, Grândola,

Odemira, Santiago do

Cacém e Sines

hisn, “a fortaleza”, ”o cas-

telo” (Marques, 1993, p. 194;

Leitão e Vivas, 2009, p. 226)

Atalaia

Alcácer do Sal, Alcochete,

Grândola, Montemor-o-

Novo (Cabrela), Montijo,

Odemira, Palmela, Santia-

go do Cacém e Viana do

Alentejo (Alcáçovas)

at-talâya, “os lugares avan-

çados”, “lugar alto donde

se exerce vigilân-

cia”(Machado, 1997, p. 280;

Alves, 2013, p. 250)

Catifarras

Santiago do Cacém

qal´at al-harag, “torre do

imposto”(Leitão e Vivas,

2009, p. 229)

Chagas

Alcácer do Sal

sajra, “penha fortificada”,

“promontório escarpado

com funções de vigilân-

cia” (Leitão e Vivas, 2009, p.

229)

Murtal

Évora (São Brás do

Regedouro)

De murteda (?), murtabâ,

“posto alto de

vigia” (Alves, 2013, p. 668)

Porches/Portancho/

Parchanas

Alcácer do Sal

burj, “torre”,

“castelo”(Alves, 2013, p.

710)

Topónimo

Concelhos

Origem/Significado

Abela

Santiago do Cacém

De abdalá (?), ´abd

allâh, “servo de

Alá” (Alves, 2013, pp.

58-60)

Aiana

Sesimbra

De ainadin (?), ´ayn

ad-dîn, “fonte de reli-

gião” (Alves, 2013, p.

98)

Almagede

Santiago do Cacém

al-masjid, “a mesqui-

ta”(Alves, 2013, p. 175)

Arrábida

Setúbal

ar-râbita, “o orató-

rio”, “o convento for-

tificado” (Machado,

1958, p. 314; Alves,

2013, p. 233)

Azóia

Sesimbra

az-zâwiya, “a ermi-

da” (Machado, 1997, p.

183; Alves, 2013, p.

267)

Mesquita

Sesimbra

masjid, “lugar da

prosternação”(Alves,

2013, p. 643)

Monchique

Grândola e Santiago

do Cacém

munt xâqar, “monte

sagrado”(Alves, 2013,

p. 656)

Murfacém

Almada

muhsin, “dadivoso”,

“caridoso” (Alves,

2013, p. 667)

Palmela/Palmelas

Montemor-o-Novo

(Cabrela) e Viana do

Alentejo (Alcáçovas)

Balmallâ, com origem

em Bismi llâh, “em

nome de

Alá” (Machado, 1997,

p. 25; Alves, 2013, p.

318)

Topónimo Concelhos Origem/Significado

Abul

Alcácer do Sal

abûl, “pai de [alguém]

” (Alves, 2013, p. 68)

Beguíno

Santiago do Cacém

De beduíno (?), badawî,

“habitante do deser-

to” (Alves, 2013, p. 228)

Bemcaniz

Odemira

De Banu… (?), clã berbe-

re (Marques, 1993, p. 140)

Bemposta

Alcácer do Sal, Odemira,

Santiago do Cacém e

Sines

Idem

Bemfeita Odemira Idem

Bem parece

Grândola, Santiago do

Cacém e Sines

Idem

Bem casados

Odemira

De Banu Qasim, clã ber-

bere (Marques, 1993, p.

141)

Banaiça

Santiago do Cacém e

Sines

De Banu ´Isa, clã berbere (Marques, 1993, p. 140)

Benafátima Odemira Banu + Fátima (Machado,

1958, p. 25)

Benagazil/ Banagazil/

Benagazilinho

Alcácer do Sal e Santia-

go do Cacém

De Ben al-Wazîr, clã ber-

bere (Machado, 1958, p. 25;

Alves, 2013, p. 311)

Benagala

Santiago do Cacém

De Banu… (?), clã berbe-

re (Marques, 1993, p. 140)

Benamor

Odemira

De Banu ´Amir, clã berbe-

re (Marques, 1993, p. 141)

Benavide/Benavidinho

Odemira

Ben ´Abîd, “filho do ado-

rador” (Alves, 2013, p. 313)

Bonfim

Setúbal

De Benafim (?), Ben

´Affân “filho do

puro” (Alves, 2013, p. 310)

Cacém

Santiago do Cacém

De Banu Qasim, clã ber-

bere (Marques, 1993, p.

139)

Gil

Montijo, Santiago do

Cacém

gil, “tribo”,

“nação” (Alves, 2013, p.

544)

Lobatos

Alcácer do Sal

De Luwata, tribo berbere (Marques, 1993, p. 139)

A Norte da cidade de Alcácer encontrava-se um hisn, con-

forme sugere o topónimo Asna, nas proximidades da actual

povoação de São Martinho, situado numa zona de cota ele-

vada e junto das ribeiras de São Martinho e Barrancão,

assim como de um caminho que, para Norte, seguiria para

Montemor-o-Novo e, para Sul, passaria pelas Minas de Car-

vão de Santa Susana, concelho de Alcácer do Sal. A partir

da aldeia de Santa Catarina de Sítimos até à povoação de

Arez e Vale de Guiso, seguindo depois para a cidade de

Alcácer, haveria uma série de torres atalaia e outras fortifi-

cações ao longo das margens da ribeira de Santa Catarina

de Sítimos e do rio Sado, de acordo com os topónimos por-

ches, parchanas, portancho e chagas, que controlavam todo

o acesso àquele curso de água, mas também à via romana

que por ali passava e que ligava Alcácer a Évora. Perto da

povoação de Arez, nas margens da ribeira do Alfebre, loca-

lizavam-se as principais indústrias ligadas ao tingimento

dos tecidos, enquanto o barro seria extraído, próximo das

margens do Sado, onde hoje se localiza a Barrosinha.

Topónimos relacionados com unidades de povoamento Topónimos relativos a fortificações

Topónimos de origem clânica e onomástico-étnico

Topónimos de cariz religioso

Fig. 2. (em cima) - C. M. P. à escala 1:25 000, folha nº 457 - São Martinho.

Fig. 3. (em baixo) - C. M. P. à escala 1:25 000, folha nº 486 - Vale de Guiso.

A Sudoeste da cidade de Alcácer do Sal, seguindo pela via romana em direcção a Évora, achava-se o hisn do Torrão. A

partir dele a via romana ramificava-se, seguindo em direcção a Évora protegida por várias torres de vigia, como a Ata-

laia da Quinta, e em direcção ao hisn das Alcáçovas e de Alcalá, ambos situados em zonas elevadas e junto de cursos

de água.

Fig. 4. C. M. P. à escala 1:25 000, folha nº 487 - Torrão. Fig. 5. C. M. P. à escala 1:25 000, folha nº 470 - São Brás do

Regedouro.

Fig. 6. C. M. P. à escala 1:25 000, folha nº 517 - São Bartolomeu da Serra.

Perto da actual cidade de Santiago do Cacém haveria um outro hisn que seria

controlado pelo clã berbere Banu Qasim, achando-se em redor do mesmo várias

alcarias, aldeias e almuinhas protegidas igualmente por torres atalaia. O topóni-

mo Almagede no seio daquelas denuncia a existência de uma mesquita que seria

utilizada pela comunidade rural.

Fig. 7. (em cima) - C. M. P. à escala 1:25 000, folha nº 569 - Sabóia.

Fig. 8. (em baixo) - C. M. P. à escala 1:25 000, folha nºs 552 e 560 - Longueira/Almograve e S. Teotónio

Seguindo para Sul, em redor da pequena madina de Odemira, arti-

culavam-se várias unidades de povoamento, como a Alcaria e Alca-

ria Nova, situadas junto ao rio Mira e ribeira da Tamanqueira,

assim como a Alcaria de Estombar, junto ao ribeiro dos Carapetos e

o Alcarial, junto a um caminho e ribeira do Salto. Todos estes

núcleos eram protegidos por torres localizadas ao longo das princi-

pais vias de comunicação. Próximo da costa, a cidade de Odemira

era protegida por um hisn, conforme sugere o topónimo Monte

Novo dos Arneirinhos, tendo sob o seu domínio a Alcaria do Cle-

mente, Moinho da Alcaria e Alcaria Ventosa, situadas junto do rio

Mira e ribeira do Vale, e Alcarias e Alcaria do Alto, situadas junto

de serras.

Fig. 9. C. M. P. à escala 1:25 000, folha nº 486 - Vale de Guiso.

Cada iqlim era administrado por clãs berberes, conforme se verifica na toponímia deixada pelos

mesmos. A Norte de Alcácer do Sal persistem alguns desses topónimos como Bemposta e Loba-

tos (Luwata). Na Península de Setúbal achar-se-iam os Ben ´Affân (Bonfim) e nos arredores da

cidade de Alcácer, junto às margens do Sado, aparece topónimos como Benagazil e Benagazili-

nho que remetem para a presença dos Ben al-Wazîr, à semelhança daquilo que se verifica em

Santiago do Cacém, onde para além destes estariam os Banu Qasim (Cacém), Banu ´Isa

(Banaiça), situados também em Sines, e outros clãs de origem desconhecida, através dos topóni-

mos Bemposta, Benagala e Bem parece, encontrando-se, este último, também em Grândola e

Sines. À semelhança de Santiago do Cácem, os Banu Qasim (Bem Casados) ocupariam similar-

mente o território de Odemira, assim como as tribos Benafátima (Banu + Fátima), Banu ´Amir

(Benamor), Ben ´Abîd (Benavide/Benavidinho) e outros clãs de origem desconhecida, através

de topónimos como Bemposta, Bemcaniz e Bemfeita.

Fig. 1. Território português, delimita-

ção da área geográfica em estudo .