o potencial de formaÇÃo de capital humano: o...
TRANSCRIPT
1
O POTENCIAL DE FORMAÇÃO DE CAPITAL HUMANO: O OLHAR DA OCDE
SOBRE A EDUCAÇÃO SUPERIOR PARANAENSE
Armando Daros Jr1
RESUMO: Este trabalho tem como propósito apontar as pesquisas realizadas pela Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre a educação superior paranaense por meio
da análise do documento Higher Education in Regional and City development: State of Paraná, Brazil,
2011, o qual busca indicar em que condições as instituições de educação superior paranaense podem
atender aos interesses de desenvolvimento social e crescimento econômico através da formação de
capital humano, proposta recorrente atrelada aos princípios dessa organização que, historicamente, tem
se destacado na formulação de propostas para os países signatários de uma educação atrelada às
demandas do setor econômico, por meio de pesquisas, documentos, seminários e avaliações de
reconhecimento internacional. Tendo sido elaborado através de pesquisa bibliográfica de fontes
primárias e secundárias os resultados apontam para o interesse de parceiros locais em estimular
políticas educacionais que atendam aos interesses do capital como é defendido pela OCDE.
PALAVRAS CHAVE: OCDE; educação superior; capital humano.
APRESENTAÇÃO
Este artigo tem como temática a educação superior e o desenvolvimento de políticas
educacionais pautadas pela relação entre o Estado e os organizações internacionais que grosso
modo tem determinado os rumos que os planos, projetos e programas tem tomado, sobretudo
baseado no princípio da educação redentora e propulsora do crescimento econômico, a partir
do que se confere aos países periféricos dentro da ordem capitalista mundial.
Mesmo antes do final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), já havia por parte dos
países europeus o interesse na reconstrução do Continente, implicando na criação de
organizações internacionais da natureza multilateral nas mais variadas áreas com a finalidade
de recompor a hegemonia dos países capitalistas centrais, abalada pela incapacidade das
grandes potências europeias em manter o quadro de dominação no restante do mundo e
também conter o avanço do comunismo sobre a Europa Ocidental.
São criadas organizações com foco específico no campo militar, como a Organização
do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), comercial, a Organização Mundial do Comércio
(OMC), financeiro, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BIRD),
1 Professor do curso de Pedagogia, Uniamérica, Foz do Iguaçu, Paraná. E-mail: [email protected].
2
bem como organizações de amplo escopo como a Organização das Nações Unidas que
embora opere preponderantemente no campo político, mantém outras organizações de foco
específico como a UNICEF e UNESCO.
Mesmo sendo objeto tradicionalmente vinculado à UNESCO, a educação foi
encampada por outras organizações que não necessariamente a tinham como foco principal
tal como Banco Mundial, CEPAL e OMC.
Esse interesse pela educação articula-se à estratégia de manutenção da ordem
econômica capitalista, tratada como elemento chave para o desenvolvimento, sobretudo nos
países periféricos, sobre os quais recaía a preocupação com o não alinhamento aos países
centrais em decorrência da repercussão da Guerra Fria a partir dos anos 50.
Dada a reordenação do capitalismo decorrente das crises dos anos 70, e a consequente
solidificação do modelo neoliberal adotado pelos governos latino americanos nos anos 90, em
atendimento ao discurso de recuperação econômica do Consenso de Washington, à educação
será atribuída a função de aliviar a pobreza extrema visto sua eminente capacidade de alçar a
parcela da população de baixa escolaridade à condição de empregabilidade e até mesmo
níveis de instrução necessários às mulheres para controle da natalidade.
Nesses termos, as organizações internacionais firmaram propostas de incentivo à
erradicação do analfabetismo, da evasão escolar, da educação de jovens e adultos, em suma à
melhoria e ampliação da educação básica por meio do patrocínio de encontros internacionais
nos quais foram estabelecidos metas a serem atingidas pelos países signatários2, bem como o
financiamento de projeto e programas voltados especificamente para esses nível educacional,
sobretudo pelo Banco Mundial, que pela capacidade de levantar recursos para implementação
desses projetos tornou-se o protagonista das reformas educacionais segundo o modelo
neoliberal na América Latina.
Em virtude da urgência em amenizar os efeitos (colaterais) sociais do modelo
neoliberal através do incentivo da ampliação da escolarização básica da população, o discurso
das organizações internacionais com relação à educação superior foi incentivar a privatização
2 Como a Declaração Mundial de Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem
na Tailândia, 1990. Conferência de Jomtien (1990), também a Conferência de Nova Delhi (1993), o
Relatório Jaques Delors (1993-1996), o Fórum de Dakar (2000) e o Processo de Bolonha (1998).
3
da educação superior face aos altos custos que esse nível trouxera ao poder publico e as
potencialidades comerciais que esse nível poderia demonstrar.
Mesmo defendendo a privatização da educação superior, os próprios organismos
internacionais reconheceram, no decorrer dos anos 90, que os países que nela investiram
também atingiram índices satisfatórios de desenvolvimento econômico e social (verificar os
textos do BM, como no documento O Ensino Superior: as lições derivadas da experiência
(1995) postulando a necessidade de investimento na educação superior pela potencialidade de
produzir quadros profissionais para o setor público e privado, fator que contribui para o
andamento das reformas e, consequentemente, o crescimento econômico, elemento essencial
para alívio da pobreza, mas tudo isto, a longo prazo. (BANCO MUNDIAL, 1995).
Apesar da preponderância do Banco Mundial na definição das agendas de reformas
educacionais dos países periféricos, visto sua capacidade de captação de recursos, a
Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) vem ganhando
notoriedade no campo educacional, embora representem mais um complemento ao discurso
do Banco Mundial que uma oposição a ele.
Ao término dos conflitos da Segunda Grande Guerra (1939-1945) os Estados Unidos
despontaram como a maior potência econômica e militar mundial. Seus esforços em suprir as
necessidades do campo de guerra na Europa levaram suas indústrias a um aumento da
produção bélica de 2% em 1939 do produto total para 40% em 1943. Contudo, a produção de
materiais não bélicos também aumentou significativamente, pois a indústria norte americana
não tinha sido destruída tal qual ocorrera com a europeia. Não surpreende que a expansão
industrial americana tenha crescido num valor de mais de 15% ao ano no período de 1940 a
1944 e que não mais tenha atingido tamanho crescimento (KENNEDY, 1989).
Surgiu a preocupação do setor privado de exportação no entanto, que esse cenário de
produção crescente fosse seriamente afetado por uma depressão pós-guerra nos países
europeus e pelo declínio dos gastos governamentais norte americanos. A estratégia de defesa
do livre comércio, entre americanos e europeus resultou na elaboração de uma série de
acordos como o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) e de organismos como o Fundo
Monetário Internacional (FMI), Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
(BIRD) entre 1942 e 1946, promovendo o estabelecimento de uma nova ordem mundial
4
benéfica às necessidades do capitalismo ocidental, garantindo o soerguimento das economias
europeias e, é claro, o domínio do mais florescente dos Estados ocidentais engajando o Velho
Continente ao estabelecido pelos Estados Unidos:
Os países que desejavam obter alguns dos recursos disponíveis para a reconstrução e
desenvolvimento sob esse novo regime econômico viram-se obrigados a aceitar as
exigências americanas de livre conversibilidade das moedas e da livre concorrência – ou
afastar-se totalmente do sistema (como fizeram os russos, quando perceberam sua
incompatibilidade com os controles socialistas.) (KENNEDY, 1989, p.345)
Entretanto, não se poderia esperar um equilíbrio nas transações, já que se tratavam de
parceiros econômicos devastados por seis anos de guerra. Um sistema de laissez faire nessas
condições obviamente beneficiaria o lado mais forte.
Diante da necessidade de recuperar os países parceiros para padrões econômicos mais
estáveis e afastar a influência da União Soviética, ao menos na parte ocidental do continente
europeu, os Estados Unidos criaram um plano de recuperação econômica conhecido como
Plano Marshall: “uma injeção no braço, num momento crítico” (KENNEDY, 1989, p.402).
Essa injeção providencial resultou numa recuperação da economia em ritmo acelerado devido
ao comércio cada vez mais intenso e livre de barreiras com os Estados Unidos: “Na Alemanha
Ocidental, a renda per capita cresceu de 320 dólares em 1949 para 9.131 dólares em 1978, na
Itália passou de 638 dólares em 1960 para 5.142 em 1970.” (KENNEDY, 1989, p. 402)
A fim de dar seguimento ao montante ofertado pelos Estados Unidos 16 países3
reuniram-se em 1947 em Paris para criar a Organização Europeia de Cooperação Econômica
(OECE) a fim de estabelecer práticas para uma estreita cooperação nas suas relações
econômicas com objetivo de recuperar o desenvolvimento econômico, aumentar seu
comércio, diminuir os entraves e manter a estabilidade nas economias dos países signatários
(CAMPOS, 2010, p. 450).
Diante das novas condições econômicas e estabelecidas relações de poder que
polarizam o mundo em torno de dois blocos opostos, capitalista e comunista, reconfigura-se o
conceito de interdependência resultando na ampliação dos limites geográficos de atuação
dessa organização.
3 Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Grécia, Irlanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Holanda,
Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça e Turquia.
5
Atualmente, a OCDE é estruturada de forma a atuar sobre as mais variadas áreas como
economia, ciência, comércio, emprego, mercado financeiro e educação através do
levantamento de dados, análise, discussão e orientação aos países na forma de publicações
compostas das estatísticas e resultados das pesquisas e recomendações. Para tanto, são
firmados acordos de cooperação e intercâmbio com países não membros, mais de 100, no que
tange a projetos de desenvolvimento e estabilização econômica.
No tocante às atividades relacionadas à educação, o Diretório para a Educação4
é a
subdivisão responsável por atividades que focalizam a elaboração e análise de pesquisas
educacionais cujos resultados formam uma base de dados utilizada para a elaboração das
orientações da organização à implementação das políticas educacionais dos países envolvidos.
Dentre as atividades do Diretório, os instrumentos de avaliação de desempenho de estudantes,
com o PISA, por exemplo, são destacados mundialmente, sendo utilizados por 63 países.
No tocante à educação superior, a OCDE criou o Programa de Gerenciamento da
Educação Superior (Programme on Institucional Management on Higher Education – IMHE)
cuja atividade demonstra sua sintonia com os acordos realizados no Processo de Bolonha5.
O objetivo do programa é proporcionar aos Estados membros, bem como às
instituições de ensino superior uma base de dados suficientemente ampla que possa permitir o
desenvolvimento de uma política para a educação superior que contemple o desenvolvimento
de pesquisas e inovação articulados às demandas de mercado.
Às instituições por sua vez, os indicadores produzidos possibilitam a criação de
estratégias para atração de novos estudantes, de acordo com as mudanças demográficas que
ocorrem nos mercados emergentes (população mais velha), bem como mudanças na
organização acadêmica, inovação e atualização com base no mercado educacional. (OCDE,
2014, p. 4)
A fim de divulgar seus resultados e firmar suas propostas, a OCDE promove reuniões
internacionais nos quais os exemplos exitosos são postos em destaque através de dados
4 Este órgão está subdividido em cinco departamentos: Children and Schools (ECS), Skills Beyond School
(SBS), Innovation and Measuring Progress (IMEP), Policy Advice and Implementation (PAI), Programme
for Co-operation with Non-member Economies (NME). 5 A Declaração de Bolonha (1999) é um acordo entre mais de 40 países que pretende o estabelecimento do
EEES (Espaço Europeu de Ensino Superior). Os objetivos são: a promoção do sistema de ensino superior
Europeu, inclusive em nível mundial; a busca de uma harmonização entre os sistemas universitários, que
facilitaria o reconhecimento de títulos de formação superior entre os países.
6
comparativos e análises sobre a educação que auxiliam na decisão política sobre projetos e
programas que auxiliam na melhoria nos resultados da aprendizagem (OCDE, 2012a).
A OCDE seguindo sua política de monitoramento da qualidade da educação por meio
de instrumentos de avaliação criou recentemente para a educação superior, o Assessment of
Higher Education Learning Outcomes – AHELO. Voltado à avaliação de desempenho de
estudantes universitários, tem como proposta avaliar as competências gerais dimensões
comuns ao processo de aprendizado como o pensamento crítico, raciocínio analítico,
resolução de problemas, comunicação escrita nos estudantes do terceiro ou quarto ano da
graduação atualmente o AHELO está em fase de testes em 17 países europeus nos quais
estarão participando do estudo de viabilidade 150 universidades. Além das universidades, a
OCDE convidou para fazer parte dos trabalhos instituições interessadas na educação superior
como por exemplo a International Network for Quality Assurance Agencies in Higher
Education (INQAAHE) e European Association of Institutions in Higher Education
(EURASHE). Segundo a OCDE (2012), embora o AHELO tenha uma abordagem semelhante
a outras avaliações como o PISA, atualmente ele é apenas um estudo de viabilidade, o foco
será sobre as instituições e não irá permitir comparações em nível nacional.
Na visão da OCDE, a educação possui um papel central como resposta às demandas
da reestruturação do capitalismo emergente sobretudo a partir do neoliberalismo nos anos 80-
90, mas também aos impactos sociais dela recorrentes, propõe-se portanto a enfatizar a
necessidade da preparação do indivíduo a uma economia que requer uma formação
profissional habilitada para os desafios, inclusive da flexibilidade do emprego. Elementos
como inovação, preparação para as rápidas transformações do mercado de trabalho,
investimento no capital social e humano fazem parte do discurso do desenvolvimento
econômico com equilíbrio social:
Na área da educação, o lugar mais importante para os países ricos é a OCDE. o thinking
tank, como dizem os norte-americanos, isto é o reservatório para ideias. Saíram da OCDE a
“reforma da matemática moderna”, a ideia e a primária expressão de “qualidade da
educação”, a ideia de “economia do saber”, a de “formação ao longo de toda a vida”. A
OCDE é o centro do pensamento neoliberal no que tange à educação. Não é de admirar-se
disso quando se sabe que foi explicitamente criada para promover a economia de mercado.
(CHARLOT, 2007, p.133)
7
A partir da premissa da Organização que o investimento em capital humano6 traz
benefícios significativos em termos pessoais e sociais é plausível que a OCDE reserve atenção
especial ao Brasil visto que, no indicador sobre ganho de empregos por meio da melhoria do
nível de escolaridade, o Brasil lidera o ranking, conforme o quadro abaixo:
Quadro – Ganhos relativos de emprego por nível educacional (2009)
Fonte: OCDE, 2011a.
Verifica-se que no Brasil, as diferenças de obtenção de emprego na comparação entre
pessoas com formação em nível médio em relação a graduados em nível superior supera em
três vezes a média dos países da OCDE.
6 Em meados dos anos 1950. Theodore W. Schultz, professor do departamento de economia da Universidade
de Chicago à época, é considerado o principal formulador dessa disciplina e da idéia de capital humano. Esta
disciplina específica surgiu da preocupação em explicar os ganhos de produtividade gerados pelo “fator
humano” na produção. A conclusão de tais esforços redundou na concepção de que o trabalho humano,
quando qualificado por meio da educação, era um dos mais importantes meios para a ampliação da
produtividade econômica, e, portanto, das taxas de lucro do capital.
8
BRASIL E OCDE: ENVOLVIMENTO AMPLIADO
O Brasil não integra permanentemente a OCDE, porém faz parte de uma estratégia por
ela denominada “envolvimento ampliado” (enhanced engagement), que estabelece um vínculo
com países emergentes, nesse caso Rússia, Índia, China, África do Sul, Indonésia e Brasil.
Mesmo não sendo membros efetivos, a Organização faz levantamento e análise de dados no
campo econômico e social desses países. Na verdade, a aproximação do Brasil com a OCDE
tem início nos anos 90, visto o processo de privatização ocorrida sobretudo de setor do aço7,
resultante da política de redução da atuação do Estado posto em andamento com base no
modelo neoliberal nos 90 no país.
Reforçando os laços com a Organização, em 2003 o Brasil firma o Ponto de Contato
Nacional, órgão composto por diversos ministérios e coordenado pela Secretaria de Assuntos
Internacionais do Ministério da Fazenda, tendo como objetivo fomentar o seguimento das
Diretrizes da OCDE para as Empresas Multinacionais as quais buscam harmonizar as relações
entre governo local e multinacionais, bem como destas com a sociedade: “O objetivo comum
dos governos que aderiram às Diretrizes é encorajar as contribuições positivas que as
empresas multinacionais podem dar ao progresso econômico, ambiental e social e minimizar
os problemas que possam ser gerados pelas respectivas atividades.
Na busca deste objetivo, os governos agem em parceria com as muitas empresas,
sindicatos e organizações não governamentais cujas atividades visam ao mesmo fim. A
contribuição dos governos passa pela criação de quadros regulatórios internos eficazes e que
incluam políticas macroeconômicas estáveis, tratamento não discriminatório das empresas,
regulação adequada e supervisão prudencial, um sistema imparcial de administração da justiça
e aplicação da lei e uma administração pública honesta” (Brasil, 2012).
O DOSSIÊ HIGHER EDUCATION IN REGIONAL AND CITY DEVELOPMENT:
STATE OF PARANÁ, BRAZIL, 2011
Apesar de haver um interesse da OCDE em monitorar as condições econômicas,
sociais e educacionais do Brasil, houve uma contrapartida local em legitimar suas ações
através de uma organização internacional que lhe desse crédito. Nesse contexto, instituições 7 Em 1996, o Brasil será aceito como membro pleno no Comitê do Aço, bem como observador em outros
Comitês.
9
de ensino superior brasileira, bem como Estado e organizações ligadas ao setor produtivo
nacional demonstraram interesse em fortalecer vínculos com a OCDE. Essa intencionalidade
mais claramente demonstrada pelo Estado do Paraná veio a materializar o documento ora
analisado, o Higher Education in Regional and City development: State of Paraná, Brazil,
2011, cujo histórico será descrito em seguida.
Entre 2004 e 2007, o IMHE conduziu uma pesquisa em 14 regiões em 12 países a fim
de fazer um diagnóstico e elaborar recomendações sobre as possibilidades de articular as
atividades das instituições de ensino superior e o setor econômico.
Interessados nessa pesquisa, em 2005, a Universidade Federal do Paraná através do
seu Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Econômico e em convenio a Secretaria
de Ciência, Tecnologia Ensino Superior do Estado do Paraná, desenvolveu um pesquisa com
o objetivo de avaliar o impacto socioeconômico das instituições públicas de ensino superior
no nordeste do Estado do Paraná. Os resultados foram incluídos no documento Higher
Education in Regional and City Development, versão 2008. Na verdade, a aproximação
partira do estado do Paraná que se interessou pela metodologia de pesquisa da OCDE pois
A proposta de trabalho foi apresentada ao Secretário de Estado da Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior (SETI), prof. Aldair Tarciso Rizzi, e ao Conselho de
Reitores das IES paranaenses. Cada parte do trabalho seguiria uma metodologia
especifica. A análise do impacto de curto-prazo seguiria a metodologia consagrada na
literatura que utiliza análise de insumo produto e modelos de equilíbrio geral computável.
Já a análise do impacto a longo-prazo deveria seguir uma metodologia própria baseada
naquela desenvolvida pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico,
OCDE, para o trabalho que estava em elaboração desde 2004: Supporting the Contribution
of Higher Education Institutions to Regional Development. Esse trabalho é uma
atividade do Programa de Gerenciamento de Educação Superior da OCDE (OECD -
Programme on Institutional Management on Higher Education – IMHE). Dada a
complexidade e o ineditismo do tema, foi solicitado o apoio técnico da OCDE..(SOUZA,
2009, p.245).
Numa participação ampliada dos atores locais, a versão Higher Education in Regional
and City development: State of Paraná, Brazil, 2011, contou com a colaboração da
Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Tecnológica do Paraná (UTFPR), a
Pontifícia Universidade Católica do Paraná e Federação das Indústrias do Paraná, bem como o
apoio da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP).
10
Dentre todo o território brasileiro o Paraná destaca-se pelo seu potencial de
desenvolvimento do capital humano, com um setor de educação ampla, diversificada e
geograficamente bem distribuída maior e uma população estudantil de rápido crescimento
com alto potencial de inovação (OCDE, 2011b).
O conteúdo do documento está organizado em três capítulos, sendo o primeiro (Paraná
and its higher education institutions in context) uma análise panorâmica dos aspectos,
geográficos, sociais, econômicos e as perspectivas de desenvolvimento regional
complementado por uma descrição da educação superior no Brasil e no Paraná. No segundo
capítulo (Human capital development and labour market in Paraná), é feita uma análise das
condições de oferta, acesso e relação com o mercado de trabalho das instituições de ensino
superior e as recomendações da OCDE para o fortalecimento das instituições com o setor
produtivo. No último capítulo (Research, development and innovation), o documento
apresenta o contexto do Brasil com relação à pesquisa, desenvolvimento e inovação, a
capacidade das universidades brasileiras e paranaenses em “produzir” inovações tecnológicas.
Dentre as recomendações da OCDE para o desenvolvimento econômico associado a
incremento da formação de capital humano, o documento assevera a necessidade de uma
parceria entre governo, instituições, indústria e comércio no desenvolvimento de ações
conjuntas a fim de potencializar a elaboração de produtos, serviços e processos inovadores
que atendam os desafios do mercado internacional.
Como forma de garantir uma relação mais efetiva entre os parceiros, recomenda-se
que as universidades trabalhem na forma de incubadoras de tecnologia de acordo com as
necessidades do setor produtivo.
Com relação à performance das instituições, o documento aconselha a criação de uma
agência de acreditação com padrões internacionais como forma de garantir a competitividade
dos “produtos” criados pelas universidades.
O conteúdo do relatório busca levantar as possibilidades das universidades em atender
às demandas regionais de crescimento. Para divulgar os propósitos da pesquisa foram
patrocinados encontros em locais estrategicamente escolhidos pela sua relação com o
11
desenvolvimento regional8. A qualidade da Educação Superior na concepção da OCDE é
avaliada a partir de uma perspectiva economicista que explicita como propósito da Educação
Superior a “ênfase nos aspectos de potencialização do crescimento da economia e da
empregabilidade” (BERTOLIN, 2009, p.134). Segundo o documento Quality and
Internationalisation in Higher Education, a qualidade de uma instituição de Educação Superior é
avaliada a partir do equilíbrio entre o investimento público, os requisitos da sociedade e a
eficiência dos egressos:
Com o incremento de recursos [públicos para a educação superior] vem um incremento
relativo ao papel do governo em garantir três enquadramentos. Em primeiro lugar, estão as
IES claramente planejadas e organizadas para produzir os graduados requeridos pela
sociedade, isto é, são seus objetivos apropriados? Em segundo lugar, o dinheiro esta sendo
bem gasto, isto é, estão as IES operando de forma eficiente? E, em terceiro lugar, estão as
IES produzindo os egressos desejados, isto é, estão eles operando eficientemente? Essas
questões têm conduzido para novas interpretações do conceito de qualidade. (OCDE apud
BERTOLIN, 2009, p.135)
O enunciado do qual a OCDE é caudatária “educação e capacidades para o forte,
sustentável e equilibrado crescimento no século 21” (OCDE, 2012a) quando elide as relações
de poder sob a égide do capitalismo soam nesse contexto mais como uma conjectura que uma
afirmação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ressalvas feitas às limitações do trabalho, alguns apontamentos emergem a partir da
reflexão sobre seu conteúdo.
A organização da qual a OCDE é descendente, a OECE foi criada com a finalidade de
auxiliar na recuperação das economias bem como reforçar os laços comerciais e garantir e
estabilidade social dos países signatários. O quadro conjuntural de surgimento da organização
possibilita entender sua função articuladora supranacional na manutenção da ordem capitalista
mundial. Surgida num momento de instabilidade social e política, concretizou a hegemonia
norte americana através de investimentos que permitiram afastar o avanço do comunismo nos
países europeus ocidentais mais afetados pela II Guerra Mundial. A partir das transformações
8 No decorrer do mês de dezembro de 2010, foram marcados encontros como representantes da UFPR,
UTFPR, PUCPR, FIEP, Parque Tecnológico de Itaipu (PTI), Fundação Araucária, Centrro de Integração
Empresa Escola (CIEE), Companhia Paranaense de Energia Elétrica (COPEL),
12
ocorridas no quadro das relações econômicas mundiais e no decorrer das décadas vindouras, a
OCDE ampliou seu escopo de atuação alcançando países além das fronteiras europeias.
Na perspectiva do desenvolvimento econômico e estabilidade social, o investimento
no capital humano destaca-se nas recomendações dadas aos países atendidos, sobretudo na
educação superior, responsável pela formação de profissionais atrelados aos novos requisitos
no mercado globalizado: inovação e competitividade.
O dossiê Higher education in regional and city development: State of Paraná, Brazil,
2011, não se limita a descrever as possibilidades econômicas, sociais e acadêmicas da região.
Na realidade, dentro da sua política de recomendação aos países atendidos expõe algumas
ações que podem fortalecer o processo de formação de capital humano: uma atenção especial
em monitorar as necessidades do mercado de trabalho regional, criando-se para isso, um
banco de dados e monitoramento de mercado, para que o estudante tenha possibilidade de
escolher dentre os cursos mais solicitados. As instituições de educação superior devem
também, envidar esforços para alinhar-se ao processo de qualidade internacional com a
formação de competências empreendedoras em seus estudantes. (OCDE, 2011b).
A qualidade da Educação Superior na concepção da OCDE é avaliada a partir de uma
perspectiva economicista que explicita como propósito da Educação Superior a “ênfase nos
aspectos de potencialização do crescimento da economia e da empregabilidade” (Bertolin 134).
Segundo o documento Quality and Internationalisation in Higher Education, a qualidade de uma
instituição de Educação Superior é avaliada a partir do equilíbrio entre o investimento público, os
requisitos da sociedade e a eficiência dos egressos: “Com o incremento de recursos [públicos para
a educação superior] vem um incremento relativo ao papel do governo em garantir três
enquadramentos. Em primeiro lugar, estão as IES claramente planejadas e organizadas para
produzir os graduados requeridos pela sociedade, isto é, são seus objetivos apropriados? Em
segundo lugar, o dinheiro esta sendo bem gasto, isto é, estão as IES operando de forma eficiente?
E, em terceiro lugar, estão as IES produzindo os egressos desejados, isto é, estão eles operando
eficientemente? Essas questões têm conduzido para novas interpretações do conceito de
qualidade.” (OCDE apud Bertolin 135)
Além da formação, as instituições devem estar preocupadas também para a produção
de conhecimento, sobretudo daquele vinculado à tecnologia de produção: no documento
13
Parcerias Estratégicas “sustenta-se se a ideia que a pesquisa em inovações tecnológicas deve
ser enfocada ao atual quadro econômico mundial, tendo em vista a importância que a
tecnologia tem tomado até mesmo como produto comercializável” (ALÉM, 2000, p.204).
Percebe-se, no entanto, que as incursões da OCDE no Paraná não se deram sem o
devido amparo de instituições locais, como a UFPR e a FIEP.
Seria ingenuidade acreditar que uma organização historicamente vinculada à
necessidade de estabilização e recuperação do desenvolvimento econômico europeu tivesse
como princípio uma outra educação superior que não estivesse atrelado às bases do capital
humano e da competitividade. Resta acompanhar com maior afinco qual a condução que o
atual e os próximos governos paranaenses darão às propostas da OCDE, sobretudo no que
toca a este trabalho, à educação superior já que pontualmente, os indicadores da Organização
já incluem o Brasil como objeto de análise.
REFERÊNCIAS
ALÉM, Ana Claudia. As novas políticas de competitividade da OCDE: lições para o Brasil e a ação do
BNDES. In: BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Parcerias estratégicas. Brasília, DF:
Ministério da Ciência e Tecnologia, 2000.
BANCO INTERNACIONAL DE RECONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO/BANCO
MUNDIAL. La enseñanza superior: las lecciones derivadas de la experiência. Washington, Estados
Unidos: Banco Mundial, 1995. Disponível em: http://firgoa.usc.es/drupal/files/010-1344Sp.pdf.
Acesso em 30 set. 2013.
BERTOLIN, Julio Cesar Godoy. Qualidade em educação superior: da diversidade de concepções a
inexorável subjetividade conceitual. Avaliação,Campinas;Sorocaba,SP,v.14, n. 1, p.127-149,mar.2009.
BRASIL. Ministério da Fazenda. Diretrizes da OCDE para empresas multinacionais. Disponível
em: http://www.fazenda.gov.br/sain/pcn/PCN/diretrizes.asp. Acesso em: 26/07/2012.
CAMPOS, João Mota de. Organizações internacionais: teoria geral. 3 ed. 2 reimp. Curitiba: Juruá,
2010.
CHARLOT, Bernard. Educação e globalização: uma tentativa de colocar ordem no mercado. Sísifo,
Revista de ciências da educação, Lisboa n. 4, out/dez 2007.
Kennedy, Paul. Ascensão e queda das grandes potências: transformação econômica e conflito militar
de 1500 a 2000. 20 ed. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Elsevier,1989.
14
OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Education at a glance:
OECD indicators. Paris: OECD Publishing, 2011a. Disponível em: http://www.oecd-
ilibrary.org/education/education-at-a-glance-2011_eag-2011-en;jsessionid=56u4rnuba64j4.delta.
Acesso em 26/09/2012.
_____. Higher Education in Regional and City Development: State of Paraná, Brazil. Paris:
OCDE, 2011b.
_____. Work on education (2012-2013). Disponível em: http://oecdmybrochure.org/. Acesso em:
23/07/2012..
SOUZA, Thaís Rabelo. (con) Formando professores eficazes: a relação entre o Brasil e a
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 288f. (Dissertação).
Mestrado em Educação. UFF, 2009.