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1 O POTENCIAL DE FORMAÇÃO DE CAPITAL HUMANO: O OLHAR DA OCDE SOBRE A EDUCAÇÃO SUPERIOR PARANAENSE Armando Daros Jr 1 RESUMO: Este trabalho tem como propósito apontar as pesquisas realizadas pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre a educação superior paranaense por meio da análise do documento Higher Education in Regional and City development: State of Paraná, Brazil, 2011, o qual busca indicar em que condições as instituições de educação superior paranaense podem atender aos interesses de desenvolvimento social e crescimento econômico através da formação de capital humano, proposta recorrente atrelada aos princípios dessa organização que, historicamente, tem se destacado na formulação de propostas para os países signatários de uma educação atrelada às demandas do setor econômico, por meio de pesquisas, documentos, seminários e avaliações de reconhecimento internacional. Tendo sido elaborado através de pesquisa bibliográfica de fontes primárias e secundárias os resultados apontam para o interesse de parceiros locais em estimular políticas educacionais que atendam aos interesses do capital como é defendido pela OCDE. PALAVRAS CHAVE: OCDE; educação superior; capital humano. APRESENTAÇÃO Este artigo tem como temática a educação superior e o desenvolvimento de políticas educacionais pautadas pela relação entre o Estado e os organizações internacionais que grosso modo tem determinado os rumos que os planos, projetos e programas tem tomado, sobretudo baseado no princípio da educação redentora e propulsora do crescimento econômico, a partir do que se confere aos países periféricos dentro da ordem capitalista mundial. Mesmo antes do final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), já havia por parte dos países europeus o interesse na reconstrução do Continente, implicando na criação de organizações internacionais da natureza multilateral nas mais variadas áreas com a finalidade de recompor a hegemonia dos países capitalistas centrais, abalada pela incapacidade das grandes potências europeias em manter o quadro de dominação no restante do mundo e também conter o avanço do comunismo sobre a Europa Ocidental. São criadas organizações com foco específico no campo militar, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), comercial, a Organização Mundial do Comércio (OMC), financeiro, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BIRD), 1 Professor do curso de Pedagogia, Uniamérica, Foz do Iguaçu, Paraná. E-mail: [email protected].

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O POTENCIAL DE FORMAÇÃO DE CAPITAL HUMANO: O OLHAR DA OCDE

SOBRE A EDUCAÇÃO SUPERIOR PARANAENSE

Armando Daros Jr1

RESUMO: Este trabalho tem como propósito apontar as pesquisas realizadas pela Organização para a

Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre a educação superior paranaense por meio

da análise do documento Higher Education in Regional and City development: State of Paraná, Brazil,

2011, o qual busca indicar em que condições as instituições de educação superior paranaense podem

atender aos interesses de desenvolvimento social e crescimento econômico através da formação de

capital humano, proposta recorrente atrelada aos princípios dessa organização que, historicamente, tem

se destacado na formulação de propostas para os países signatários de uma educação atrelada às

demandas do setor econômico, por meio de pesquisas, documentos, seminários e avaliações de

reconhecimento internacional. Tendo sido elaborado através de pesquisa bibliográfica de fontes

primárias e secundárias os resultados apontam para o interesse de parceiros locais em estimular

políticas educacionais que atendam aos interesses do capital como é defendido pela OCDE.

PALAVRAS CHAVE: OCDE; educação superior; capital humano.

APRESENTAÇÃO

Este artigo tem como temática a educação superior e o desenvolvimento de políticas

educacionais pautadas pela relação entre o Estado e os organizações internacionais que grosso

modo tem determinado os rumos que os planos, projetos e programas tem tomado, sobretudo

baseado no princípio da educação redentora e propulsora do crescimento econômico, a partir

do que se confere aos países periféricos dentro da ordem capitalista mundial.

Mesmo antes do final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), já havia por parte dos

países europeus o interesse na reconstrução do Continente, implicando na criação de

organizações internacionais da natureza multilateral nas mais variadas áreas com a finalidade

de recompor a hegemonia dos países capitalistas centrais, abalada pela incapacidade das

grandes potências europeias em manter o quadro de dominação no restante do mundo e

também conter o avanço do comunismo sobre a Europa Ocidental.

São criadas organizações com foco específico no campo militar, como a Organização

do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), comercial, a Organização Mundial do Comércio

(OMC), financeiro, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BIRD),

1 Professor do curso de Pedagogia, Uniamérica, Foz do Iguaçu, Paraná. E-mail: [email protected].

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bem como organizações de amplo escopo como a Organização das Nações Unidas que

embora opere preponderantemente no campo político, mantém outras organizações de foco

específico como a UNICEF e UNESCO.

Mesmo sendo objeto tradicionalmente vinculado à UNESCO, a educação foi

encampada por outras organizações que não necessariamente a tinham como foco principal

tal como Banco Mundial, CEPAL e OMC.

Esse interesse pela educação articula-se à estratégia de manutenção da ordem

econômica capitalista, tratada como elemento chave para o desenvolvimento, sobretudo nos

países periféricos, sobre os quais recaía a preocupação com o não alinhamento aos países

centrais em decorrência da repercussão da Guerra Fria a partir dos anos 50.

Dada a reordenação do capitalismo decorrente das crises dos anos 70, e a consequente

solidificação do modelo neoliberal adotado pelos governos latino americanos nos anos 90, em

atendimento ao discurso de recuperação econômica do Consenso de Washington, à educação

será atribuída a função de aliviar a pobreza extrema visto sua eminente capacidade de alçar a

parcela da população de baixa escolaridade à condição de empregabilidade e até mesmo

níveis de instrução necessários às mulheres para controle da natalidade.

Nesses termos, as organizações internacionais firmaram propostas de incentivo à

erradicação do analfabetismo, da evasão escolar, da educação de jovens e adultos, em suma à

melhoria e ampliação da educação básica por meio do patrocínio de encontros internacionais

nos quais foram estabelecidos metas a serem atingidas pelos países signatários2, bem como o

financiamento de projeto e programas voltados especificamente para esses nível educacional,

sobretudo pelo Banco Mundial, que pela capacidade de levantar recursos para implementação

desses projetos tornou-se o protagonista das reformas educacionais segundo o modelo

neoliberal na América Latina.

Em virtude da urgência em amenizar os efeitos (colaterais) sociais do modelo

neoliberal através do incentivo da ampliação da escolarização básica da população, o discurso

das organizações internacionais com relação à educação superior foi incentivar a privatização

2 Como a Declaração Mundial de Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem

na Tailândia, 1990. Conferência de Jomtien (1990), também a Conferência de Nova Delhi (1993), o

Relatório Jaques Delors (1993-1996), o Fórum de Dakar (2000) e o Processo de Bolonha (1998).

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da educação superior face aos altos custos que esse nível trouxera ao poder publico e as

potencialidades comerciais que esse nível poderia demonstrar.

Mesmo defendendo a privatização da educação superior, os próprios organismos

internacionais reconheceram, no decorrer dos anos 90, que os países que nela investiram

também atingiram índices satisfatórios de desenvolvimento econômico e social (verificar os

textos do BM, como no documento O Ensino Superior: as lições derivadas da experiência

(1995) postulando a necessidade de investimento na educação superior pela potencialidade de

produzir quadros profissionais para o setor público e privado, fator que contribui para o

andamento das reformas e, consequentemente, o crescimento econômico, elemento essencial

para alívio da pobreza, mas tudo isto, a longo prazo. (BANCO MUNDIAL, 1995).

Apesar da preponderância do Banco Mundial na definição das agendas de reformas

educacionais dos países periféricos, visto sua capacidade de captação de recursos, a

Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) vem ganhando

notoriedade no campo educacional, embora representem mais um complemento ao discurso

do Banco Mundial que uma oposição a ele.

Ao término dos conflitos da Segunda Grande Guerra (1939-1945) os Estados Unidos

despontaram como a maior potência econômica e militar mundial. Seus esforços em suprir as

necessidades do campo de guerra na Europa levaram suas indústrias a um aumento da

produção bélica de 2% em 1939 do produto total para 40% em 1943. Contudo, a produção de

materiais não bélicos também aumentou significativamente, pois a indústria norte americana

não tinha sido destruída tal qual ocorrera com a europeia. Não surpreende que a expansão

industrial americana tenha crescido num valor de mais de 15% ao ano no período de 1940 a

1944 e que não mais tenha atingido tamanho crescimento (KENNEDY, 1989).

Surgiu a preocupação do setor privado de exportação no entanto, que esse cenário de

produção crescente fosse seriamente afetado por uma depressão pós-guerra nos países

europeus e pelo declínio dos gastos governamentais norte americanos. A estratégia de defesa

do livre comércio, entre americanos e europeus resultou na elaboração de uma série de

acordos como o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) e de organismos como o Fundo

Monetário Internacional (FMI), Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento

(BIRD) entre 1942 e 1946, promovendo o estabelecimento de uma nova ordem mundial

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benéfica às necessidades do capitalismo ocidental, garantindo o soerguimento das economias

europeias e, é claro, o domínio do mais florescente dos Estados ocidentais engajando o Velho

Continente ao estabelecido pelos Estados Unidos:

Os países que desejavam obter alguns dos recursos disponíveis para a reconstrução e

desenvolvimento sob esse novo regime econômico viram-se obrigados a aceitar as

exigências americanas de livre conversibilidade das moedas e da livre concorrência – ou

afastar-se totalmente do sistema (como fizeram os russos, quando perceberam sua

incompatibilidade com os controles socialistas.) (KENNEDY, 1989, p.345)

Entretanto, não se poderia esperar um equilíbrio nas transações, já que se tratavam de

parceiros econômicos devastados por seis anos de guerra. Um sistema de laissez faire nessas

condições obviamente beneficiaria o lado mais forte.

Diante da necessidade de recuperar os países parceiros para padrões econômicos mais

estáveis e afastar a influência da União Soviética, ao menos na parte ocidental do continente

europeu, os Estados Unidos criaram um plano de recuperação econômica conhecido como

Plano Marshall: “uma injeção no braço, num momento crítico” (KENNEDY, 1989, p.402).

Essa injeção providencial resultou numa recuperação da economia em ritmo acelerado devido

ao comércio cada vez mais intenso e livre de barreiras com os Estados Unidos: “Na Alemanha

Ocidental, a renda per capita cresceu de 320 dólares em 1949 para 9.131 dólares em 1978, na

Itália passou de 638 dólares em 1960 para 5.142 em 1970.” (KENNEDY, 1989, p. 402)

A fim de dar seguimento ao montante ofertado pelos Estados Unidos 16 países3

reuniram-se em 1947 em Paris para criar a Organização Europeia de Cooperação Econômica

(OECE) a fim de estabelecer práticas para uma estreita cooperação nas suas relações

econômicas com objetivo de recuperar o desenvolvimento econômico, aumentar seu

comércio, diminuir os entraves e manter a estabilidade nas economias dos países signatários

(CAMPOS, 2010, p. 450).

Diante das novas condições econômicas e estabelecidas relações de poder que

polarizam o mundo em torno de dois blocos opostos, capitalista e comunista, reconfigura-se o

conceito de interdependência resultando na ampliação dos limites geográficos de atuação

dessa organização.

3 Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Grécia, Irlanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Holanda,

Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça e Turquia.

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Atualmente, a OCDE é estruturada de forma a atuar sobre as mais variadas áreas como

economia, ciência, comércio, emprego, mercado financeiro e educação através do

levantamento de dados, análise, discussão e orientação aos países na forma de publicações

compostas das estatísticas e resultados das pesquisas e recomendações. Para tanto, são

firmados acordos de cooperação e intercâmbio com países não membros, mais de 100, no que

tange a projetos de desenvolvimento e estabilização econômica.

No tocante às atividades relacionadas à educação, o Diretório para a Educação4

é a

subdivisão responsável por atividades que focalizam a elaboração e análise de pesquisas

educacionais cujos resultados formam uma base de dados utilizada para a elaboração das

orientações da organização à implementação das políticas educacionais dos países envolvidos.

Dentre as atividades do Diretório, os instrumentos de avaliação de desempenho de estudantes,

com o PISA, por exemplo, são destacados mundialmente, sendo utilizados por 63 países.

No tocante à educação superior, a OCDE criou o Programa de Gerenciamento da

Educação Superior (Programme on Institucional Management on Higher Education – IMHE)

cuja atividade demonstra sua sintonia com os acordos realizados no Processo de Bolonha5.

O objetivo do programa é proporcionar aos Estados membros, bem como às

instituições de ensino superior uma base de dados suficientemente ampla que possa permitir o

desenvolvimento de uma política para a educação superior que contemple o desenvolvimento

de pesquisas e inovação articulados às demandas de mercado.

Às instituições por sua vez, os indicadores produzidos possibilitam a criação de

estratégias para atração de novos estudantes, de acordo com as mudanças demográficas que

ocorrem nos mercados emergentes (população mais velha), bem como mudanças na

organização acadêmica, inovação e atualização com base no mercado educacional. (OCDE,

2014, p. 4)

A fim de divulgar seus resultados e firmar suas propostas, a OCDE promove reuniões

internacionais nos quais os exemplos exitosos são postos em destaque através de dados

4 Este órgão está subdividido em cinco departamentos: Children and Schools (ECS), Skills Beyond School

(SBS), Innovation and Measuring Progress (IMEP), Policy Advice and Implementation (PAI), Programme

for Co-operation with Non-member Economies (NME). 5 A Declaração de Bolonha (1999) é um acordo entre mais de 40 países que pretende o estabelecimento do

EEES (Espaço Europeu de Ensino Superior). Os objetivos são: a promoção do sistema de ensino superior

Europeu, inclusive em nível mundial; a busca de uma harmonização entre os sistemas universitários, que

facilitaria o reconhecimento de títulos de formação superior entre os países.

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comparativos e análises sobre a educação que auxiliam na decisão política sobre projetos e

programas que auxiliam na melhoria nos resultados da aprendizagem (OCDE, 2012a).

A OCDE seguindo sua política de monitoramento da qualidade da educação por meio

de instrumentos de avaliação criou recentemente para a educação superior, o Assessment of

Higher Education Learning Outcomes – AHELO. Voltado à avaliação de desempenho de

estudantes universitários, tem como proposta avaliar as competências gerais dimensões

comuns ao processo de aprendizado como o pensamento crítico, raciocínio analítico,

resolução de problemas, comunicação escrita nos estudantes do terceiro ou quarto ano da

graduação atualmente o AHELO está em fase de testes em 17 países europeus nos quais

estarão participando do estudo de viabilidade 150 universidades. Além das universidades, a

OCDE convidou para fazer parte dos trabalhos instituições interessadas na educação superior

como por exemplo a International Network for Quality Assurance Agencies in Higher

Education (INQAAHE) e European Association of Institutions in Higher Education

(EURASHE). Segundo a OCDE (2012), embora o AHELO tenha uma abordagem semelhante

a outras avaliações como o PISA, atualmente ele é apenas um estudo de viabilidade, o foco

será sobre as instituições e não irá permitir comparações em nível nacional.

Na visão da OCDE, a educação possui um papel central como resposta às demandas

da reestruturação do capitalismo emergente sobretudo a partir do neoliberalismo nos anos 80-

90, mas também aos impactos sociais dela recorrentes, propõe-se portanto a enfatizar a

necessidade da preparação do indivíduo a uma economia que requer uma formação

profissional habilitada para os desafios, inclusive da flexibilidade do emprego. Elementos

como inovação, preparação para as rápidas transformações do mercado de trabalho,

investimento no capital social e humano fazem parte do discurso do desenvolvimento

econômico com equilíbrio social:

Na área da educação, o lugar mais importante para os países ricos é a OCDE. o thinking

tank, como dizem os norte-americanos, isto é o reservatório para ideias. Saíram da OCDE a

“reforma da matemática moderna”, a ideia e a primária expressão de “qualidade da

educação”, a ideia de “economia do saber”, a de “formação ao longo de toda a vida”. A

OCDE é o centro do pensamento neoliberal no que tange à educação. Não é de admirar-se

disso quando se sabe que foi explicitamente criada para promover a economia de mercado.

(CHARLOT, 2007, p.133)

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A partir da premissa da Organização que o investimento em capital humano6 traz

benefícios significativos em termos pessoais e sociais é plausível que a OCDE reserve atenção

especial ao Brasil visto que, no indicador sobre ganho de empregos por meio da melhoria do

nível de escolaridade, o Brasil lidera o ranking, conforme o quadro abaixo:

Quadro – Ganhos relativos de emprego por nível educacional (2009)

Fonte: OCDE, 2011a.

Verifica-se que no Brasil, as diferenças de obtenção de emprego na comparação entre

pessoas com formação em nível médio em relação a graduados em nível superior supera em

três vezes a média dos países da OCDE.

6 Em meados dos anos 1950. Theodore W. Schultz, professor do departamento de economia da Universidade

de Chicago à época, é considerado o principal formulador dessa disciplina e da idéia de capital humano. Esta

disciplina específica surgiu da preocupação em explicar os ganhos de produtividade gerados pelo “fator

humano” na produção. A conclusão de tais esforços redundou na concepção de que o trabalho humano,

quando qualificado por meio da educação, era um dos mais importantes meios para a ampliação da

produtividade econômica, e, portanto, das taxas de lucro do capital.

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BRASIL E OCDE: ENVOLVIMENTO AMPLIADO

O Brasil não integra permanentemente a OCDE, porém faz parte de uma estratégia por

ela denominada “envolvimento ampliado” (enhanced engagement), que estabelece um vínculo

com países emergentes, nesse caso Rússia, Índia, China, África do Sul, Indonésia e Brasil.

Mesmo não sendo membros efetivos, a Organização faz levantamento e análise de dados no

campo econômico e social desses países. Na verdade, a aproximação do Brasil com a OCDE

tem início nos anos 90, visto o processo de privatização ocorrida sobretudo de setor do aço7,

resultante da política de redução da atuação do Estado posto em andamento com base no

modelo neoliberal nos 90 no país.

Reforçando os laços com a Organização, em 2003 o Brasil firma o Ponto de Contato

Nacional, órgão composto por diversos ministérios e coordenado pela Secretaria de Assuntos

Internacionais do Ministério da Fazenda, tendo como objetivo fomentar o seguimento das

Diretrizes da OCDE para as Empresas Multinacionais as quais buscam harmonizar as relações

entre governo local e multinacionais, bem como destas com a sociedade: “O objetivo comum

dos governos que aderiram às Diretrizes é encorajar as contribuições positivas que as

empresas multinacionais podem dar ao progresso econômico, ambiental e social e minimizar

os problemas que possam ser gerados pelas respectivas atividades.

Na busca deste objetivo, os governos agem em parceria com as muitas empresas,

sindicatos e organizações não governamentais cujas atividades visam ao mesmo fim. A

contribuição dos governos passa pela criação de quadros regulatórios internos eficazes e que

incluam políticas macroeconômicas estáveis, tratamento não discriminatório das empresas,

regulação adequada e supervisão prudencial, um sistema imparcial de administração da justiça

e aplicação da lei e uma administração pública honesta” (Brasil, 2012).

O DOSSIÊ HIGHER EDUCATION IN REGIONAL AND CITY DEVELOPMENT:

STATE OF PARANÁ, BRAZIL, 2011

Apesar de haver um interesse da OCDE em monitorar as condições econômicas,

sociais e educacionais do Brasil, houve uma contrapartida local em legitimar suas ações

através de uma organização internacional que lhe desse crédito. Nesse contexto, instituições 7 Em 1996, o Brasil será aceito como membro pleno no Comitê do Aço, bem como observador em outros

Comitês.

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de ensino superior brasileira, bem como Estado e organizações ligadas ao setor produtivo

nacional demonstraram interesse em fortalecer vínculos com a OCDE. Essa intencionalidade

mais claramente demonstrada pelo Estado do Paraná veio a materializar o documento ora

analisado, o Higher Education in Regional and City development: State of Paraná, Brazil,

2011, cujo histórico será descrito em seguida.

Entre 2004 e 2007, o IMHE conduziu uma pesquisa em 14 regiões em 12 países a fim

de fazer um diagnóstico e elaborar recomendações sobre as possibilidades de articular as

atividades das instituições de ensino superior e o setor econômico.

Interessados nessa pesquisa, em 2005, a Universidade Federal do Paraná através do

seu Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Econômico e em convenio a Secretaria

de Ciência, Tecnologia Ensino Superior do Estado do Paraná, desenvolveu um pesquisa com

o objetivo de avaliar o impacto socioeconômico das instituições públicas de ensino superior

no nordeste do Estado do Paraná. Os resultados foram incluídos no documento Higher

Education in Regional and City Development, versão 2008. Na verdade, a aproximação

partira do estado do Paraná que se interessou pela metodologia de pesquisa da OCDE pois

A proposta de trabalho foi apresentada ao Secretário de Estado da Ciência,

Tecnologia e Ensino Superior (SETI), prof. Aldair Tarciso Rizzi, e ao Conselho de

Reitores das IES paranaenses. Cada parte do trabalho seguiria uma metodologia

especifica. A análise do impacto de curto-prazo seguiria a metodologia consagrada na

literatura que utiliza análise de insumo produto e modelos de equilíbrio geral computável.

Já a análise do impacto a longo-prazo deveria seguir uma metodologia própria baseada

naquela desenvolvida pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico,

OCDE, para o trabalho que estava em elaboração desde 2004: Supporting the Contribution

of Higher Education Institutions to Regional Development. Esse trabalho é uma

atividade do Programa de Gerenciamento de Educação Superior da OCDE (OECD -

Programme on Institutional Management on Higher Education – IMHE). Dada a

complexidade e o ineditismo do tema, foi solicitado o apoio técnico da OCDE..(SOUZA,

2009, p.245).

Numa participação ampliada dos atores locais, a versão Higher Education in Regional

and City development: State of Paraná, Brazil, 2011, contou com a colaboração da

Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Tecnológica do Paraná (UTFPR), a

Pontifícia Universidade Católica do Paraná e Federação das Indústrias do Paraná, bem como o

apoio da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP).

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Dentre todo o território brasileiro o Paraná destaca-se pelo seu potencial de

desenvolvimento do capital humano, com um setor de educação ampla, diversificada e

geograficamente bem distribuída maior e uma população estudantil de rápido crescimento

com alto potencial de inovação (OCDE, 2011b).

O conteúdo do documento está organizado em três capítulos, sendo o primeiro (Paraná

and its higher education institutions in context) uma análise panorâmica dos aspectos,

geográficos, sociais, econômicos e as perspectivas de desenvolvimento regional

complementado por uma descrição da educação superior no Brasil e no Paraná. No segundo

capítulo (Human capital development and labour market in Paraná), é feita uma análise das

condições de oferta, acesso e relação com o mercado de trabalho das instituições de ensino

superior e as recomendações da OCDE para o fortalecimento das instituições com o setor

produtivo. No último capítulo (Research, development and innovation), o documento

apresenta o contexto do Brasil com relação à pesquisa, desenvolvimento e inovação, a

capacidade das universidades brasileiras e paranaenses em “produzir” inovações tecnológicas.

Dentre as recomendações da OCDE para o desenvolvimento econômico associado a

incremento da formação de capital humano, o documento assevera a necessidade de uma

parceria entre governo, instituições, indústria e comércio no desenvolvimento de ações

conjuntas a fim de potencializar a elaboração de produtos, serviços e processos inovadores

que atendam os desafios do mercado internacional.

Como forma de garantir uma relação mais efetiva entre os parceiros, recomenda-se

que as universidades trabalhem na forma de incubadoras de tecnologia de acordo com as

necessidades do setor produtivo.

Com relação à performance das instituições, o documento aconselha a criação de uma

agência de acreditação com padrões internacionais como forma de garantir a competitividade

dos “produtos” criados pelas universidades.

O conteúdo do relatório busca levantar as possibilidades das universidades em atender

às demandas regionais de crescimento. Para divulgar os propósitos da pesquisa foram

patrocinados encontros em locais estrategicamente escolhidos pela sua relação com o

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desenvolvimento regional8. A qualidade da Educação Superior na concepção da OCDE é

avaliada a partir de uma perspectiva economicista que explicita como propósito da Educação

Superior a “ênfase nos aspectos de potencialização do crescimento da economia e da

empregabilidade” (BERTOLIN, 2009, p.134). Segundo o documento Quality and

Internationalisation in Higher Education, a qualidade de uma instituição de Educação Superior é

avaliada a partir do equilíbrio entre o investimento público, os requisitos da sociedade e a

eficiência dos egressos:

Com o incremento de recursos [públicos para a educação superior] vem um incremento

relativo ao papel do governo em garantir três enquadramentos. Em primeiro lugar, estão as

IES claramente planejadas e organizadas para produzir os graduados requeridos pela

sociedade, isto é, são seus objetivos apropriados? Em segundo lugar, o dinheiro esta sendo

bem gasto, isto é, estão as IES operando de forma eficiente? E, em terceiro lugar, estão as

IES produzindo os egressos desejados, isto é, estão eles operando eficientemente? Essas

questões têm conduzido para novas interpretações do conceito de qualidade. (OCDE apud

BERTOLIN, 2009, p.135)

O enunciado do qual a OCDE é caudatária “educação e capacidades para o forte,

sustentável e equilibrado crescimento no século 21” (OCDE, 2012a) quando elide as relações

de poder sob a égide do capitalismo soam nesse contexto mais como uma conjectura que uma

afirmação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ressalvas feitas às limitações do trabalho, alguns apontamentos emergem a partir da

reflexão sobre seu conteúdo.

A organização da qual a OCDE é descendente, a OECE foi criada com a finalidade de

auxiliar na recuperação das economias bem como reforçar os laços comerciais e garantir e

estabilidade social dos países signatários. O quadro conjuntural de surgimento da organização

possibilita entender sua função articuladora supranacional na manutenção da ordem capitalista

mundial. Surgida num momento de instabilidade social e política, concretizou a hegemonia

norte americana através de investimentos que permitiram afastar o avanço do comunismo nos

países europeus ocidentais mais afetados pela II Guerra Mundial. A partir das transformações

8 No decorrer do mês de dezembro de 2010, foram marcados encontros como representantes da UFPR,

UTFPR, PUCPR, FIEP, Parque Tecnológico de Itaipu (PTI), Fundação Araucária, Centrro de Integração

Empresa Escola (CIEE), Companhia Paranaense de Energia Elétrica (COPEL),

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ocorridas no quadro das relações econômicas mundiais e no decorrer das décadas vindouras, a

OCDE ampliou seu escopo de atuação alcançando países além das fronteiras europeias.

Na perspectiva do desenvolvimento econômico e estabilidade social, o investimento

no capital humano destaca-se nas recomendações dadas aos países atendidos, sobretudo na

educação superior, responsável pela formação de profissionais atrelados aos novos requisitos

no mercado globalizado: inovação e competitividade.

O dossiê Higher education in regional and city development: State of Paraná, Brazil,

2011, não se limita a descrever as possibilidades econômicas, sociais e acadêmicas da região.

Na realidade, dentro da sua política de recomendação aos países atendidos expõe algumas

ações que podem fortalecer o processo de formação de capital humano: uma atenção especial

em monitorar as necessidades do mercado de trabalho regional, criando-se para isso, um

banco de dados e monitoramento de mercado, para que o estudante tenha possibilidade de

escolher dentre os cursos mais solicitados. As instituições de educação superior devem

também, envidar esforços para alinhar-se ao processo de qualidade internacional com a

formação de competências empreendedoras em seus estudantes. (OCDE, 2011b).

A qualidade da Educação Superior na concepção da OCDE é avaliada a partir de uma

perspectiva economicista que explicita como propósito da Educação Superior a “ênfase nos

aspectos de potencialização do crescimento da economia e da empregabilidade” (Bertolin 134).

Segundo o documento Quality and Internationalisation in Higher Education, a qualidade de uma

instituição de Educação Superior é avaliada a partir do equilíbrio entre o investimento público, os

requisitos da sociedade e a eficiência dos egressos: “Com o incremento de recursos [públicos para

a educação superior] vem um incremento relativo ao papel do governo em garantir três

enquadramentos. Em primeiro lugar, estão as IES claramente planejadas e organizadas para

produzir os graduados requeridos pela sociedade, isto é, são seus objetivos apropriados? Em

segundo lugar, o dinheiro esta sendo bem gasto, isto é, estão as IES operando de forma eficiente?

E, em terceiro lugar, estão as IES produzindo os egressos desejados, isto é, estão eles operando

eficientemente? Essas questões têm conduzido para novas interpretações do conceito de

qualidade.” (OCDE apud Bertolin 135)

Além da formação, as instituições devem estar preocupadas também para a produção

de conhecimento, sobretudo daquele vinculado à tecnologia de produção: no documento

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Parcerias Estratégicas “sustenta-se se a ideia que a pesquisa em inovações tecnológicas deve

ser enfocada ao atual quadro econômico mundial, tendo em vista a importância que a

tecnologia tem tomado até mesmo como produto comercializável” (ALÉM, 2000, p.204).

Percebe-se, no entanto, que as incursões da OCDE no Paraná não se deram sem o

devido amparo de instituições locais, como a UFPR e a FIEP.

Seria ingenuidade acreditar que uma organização historicamente vinculada à

necessidade de estabilização e recuperação do desenvolvimento econômico europeu tivesse

como princípio uma outra educação superior que não estivesse atrelado às bases do capital

humano e da competitividade. Resta acompanhar com maior afinco qual a condução que o

atual e os próximos governos paranaenses darão às propostas da OCDE, sobretudo no que

toca a este trabalho, à educação superior já que pontualmente, os indicadores da Organização

já incluem o Brasil como objeto de análise.

REFERÊNCIAS

ALÉM, Ana Claudia. As novas políticas de competitividade da OCDE: lições para o Brasil e a ação do

BNDES. In: BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Parcerias estratégicas. Brasília, DF:

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de 1500 a 2000. 20 ed. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Elsevier,1989.

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_____. Work on education (2012-2013). Disponível em: http://oecdmybrochure.org/. Acesso em:

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SOUZA, Thaís Rabelo. (con) Formando professores eficazes: a relação entre o Brasil e a

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 288f. (Dissertação).

Mestrado em Educação. UFF, 2009.