o populismo punitivo e a legitimação do sistema penal subterraneo

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    O POPULISMO PUNITIVO E A LEGITIMAO (informal e social) DO SISTEMA PENAL

    SUBTERRNEO: a disseminao da milcia como politica criminal

    THE PUNITIVE POPULISM AND THE LEGITIMATION (informal and social) OF THE PENAL SYSTEM

    UNDERGROUND: the spread of militia as a criminal policy

    JACKSON DA SILVA LEAL*

    RESUMO

    O presente trabalho analisa o momento atual da politica criminal brasileira diante do agigantamento doEstado punitivo. Crescimento que se d atravs da atuao do prprio sistema na atuao de suasinstituies de controle penal, atuando inclusive a margem da lei, com o que se tem definido comosistema pena subterrneo, realizando (in)justia sumrio e a qualquer preo. E tambm atravs domercado de servios de segurana privada, tendo em vista a criao de um mercado altamente lucrativoinserido no contexto de pnico social gerado pela mdia que requer a privatizao da segurana e aresponsabilizao individual pela prpria incolumidade. Ambos os processos so explicados e difundidospor discursos terico-polticos construdos nos Estados Unidos da Amrica no momento da reforma

    conservadora da dcada de 80 e que foi difundido para o mundo todo e importado especialmente naAmrica Latina. Este trabalho se baseia eminentemente em anlise bibliogrfica, a parte do acmuloterica permitida pelo vasto material proporcionado pela criminologia critica latino-americana ebrasileira. O objetivo deste trabalho demonstrar o paradoxo e as falcias desse discurso e praticabeligerante e policizante nesta politica criminal de tolerncia zero genocida e aportar contributos parauma politica criminal cidad calcada nos direitos humanos.

    Palavras-chave: criminologia critica; tolerncia zero; politica criminal; populismo punitivo;

    ABSTRACT

    This paper analyzes the current Brazilian criminal policy before the aggrandizement of the punitive

    State. Growth that is through the system itself acting in the performance of their criminal controlinstitutions, including serving the margins of the law, with what has been defined as underground

    penalty system, performing (in) summary and justice at any cost. And also through the private security

    services market, with a view to creating a highly lucrative market seen in the context of social panic

    generated by the media that requires the privatization of security and individual responsibility for their

    own safety. Both processes are explained and distributed by theoretical and political discourse built in

    the United States at the time of conservative reform of the 80s and that was broadcast to the world and

    imported especially in Latin America. This work is based essentially on literature review, the theoretical

    part of the accumulation permitted by the vast amount of material provided by critical criminology Latin

    American and Brazilian. The objective of this work is to demonstrate the paradox and the fallacies of this

    discourse and practice belligerent and policizante this criminal policy of zero tolerance genocidal andcontribute input to a citizen criminal policy grounded in human rights.

    Keywords: critical criminology; zero tolerance; criminal policy; punitive populism;

    INTRODUO

    O presente trabalho se centra na anlise do atual momento politico-criminal

    vivido no Brasil, e da conjuntura conservadora marcada pelo populismo punitivo que

    *

    Mestre em Politica Social (UCPel); doutorando em Direito (UFSC); bolsista pesquisador CNPq; professorUNESC; coordenador Grupo Criminologia Critica Latino-Americana; membro do Projeto UniversidadeSem Muros (UsM-UFSC).

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    se manifesta tanto na atuao do sistema como na postura da prpria sociedade civil

    de massa. Analisa-se, especificamente a formao e disseminao de milcias

    paramilitares como forma de politica de gesto da misria, e tambm como

    manifestaes da indstria do controle do crime e do que Vanessa Feletti (2014)chamou de transformao do direito social segurana em mercadoria.

    Analisa-se inicialmente a formao e difuso da ideologia neoconservadora do

    populismo punitivo privatizado no centro do mundo Teoria das Janelas Quebradas

    (Broken Windows Theories), e Teoria da Preveno Situacional , especialmente as

    teorias que o justificam desde os Estados Unidos da Amrica, e sua exportao como

    base para as modernas politicas criminais. Posteriormente aborda-se o momento

    vivido na Amrica Latina, especialmente no Brasil diante da adoo desse iderio

    periculosista genocida da tolerncia zero que permite o agigantamento do Estado, no

    obstante no impea tambm seu processo de privatizao satisfazendo assim as

    necessidades do mercado de servios (de segurana) em meio ao pnico social de

    massa.

    Nesta linha, traz-se a formao de milcias no Brasil, politica de segurana

    publica legitimada informalmente pelo anseio por segurana, permitindo o avano eampliao da atuao do sistema penal subterrneo que se apresenta cada vez mais

    na superfcie e ao lado da atuao do sistema penal ordinrio, e tambm da

    privatizao do direito segurana, tornado um direito de poucos, que podem pagar.

    Este trabalho baseado eminentemente em material bibliogrfico, partindo-

    se do extenso e fecundo subsidio terico permitido pela criminologia critica. Objetiva-

    se com esta analise uma (micro)contribuio crtica e reflexiva que desvele as falcias

    do avano do Estado de Polcia de que falam Zaffaroni e Batista (2003), e aportar

    elementos para uma politica de segurana cidad como aponta Lola Aniyar de Castro

    (2010).

    1 A TOLERNCIA ZERO E TEORIA DA PREVENO SITUACIONAL o populismo

    punitivo e a privatizao do direito segurana

    O atual momento da segurana pblica e da politica criminal brasileira surge

    atravs de importao de receitas prontas gestadas nos Estados Unidos da Amrica a

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    partir da virada neoliberal da dcada de 70 e que passa a focar-se no setor de servios

    e que resgata uma base conceitual que Nils Christie (1984) aponta como

    neoclassicismo.

    Nesse sentido se analisa neste ponto duas importantes teorias que do conta

    de dois diferentes e paralelos momentos da atual politica criminal e da segurana

    pblica neoliberal. Refere-se a atuao do prprio sistema com a adoo da teoria das

    janelas quebradas e a sociedade civil com a teoria da preveno situacional, e que

    ambas, tem como base a ideia de livre arbtrio e a necessidade de certeza da punio,

    conceitos oriundos da criminologia clssica. Esclarece Christie,

    Se exiga igual castigo para nobles y plebeyos en los casos en que la violacin

    de la ley fuer la misma. A fin de conseguir esta igualdad, la medida decastigo haba de establecerse firmemente de antemano, de acuerdo con lagravedad del hecho, y no de acuerdo con el rango social del culpable o ladiscrecin del juez. *+ Beccaria y Blackstone, llagaron a ser grandes porque

    eran grandes; pero tambin porque su mensaje era apropiado para aquellostiempos. Era compatible con los intereses de un grupo poderoso y con lasideas y razonamientos polticos y econmicos (CHRISTIE, 1984, p. 50)

    Nesta linha aponta como a incurso de Beccaria nos EUA e na Escandinvia, e

    para efeito desse trabalho, se poderia dizer tambm na Amrica Latina. Ambas as

    teorias das janelas quebradas e da preveno situacional surgem ou tem

    importantes propagadores nos Estados Unidos da Amrica, juntamente com a

    retomada (neo)liberal e uma ofensiva conservadora, mormente no plano da questo

    criminal que se apresenta como o Realismo de Direita. Para essa tendncia, que

    assume preponderncia nas sociedades modernas, ser humano no o bastante (ou

    simples e solenemente se nega essa condio a alguns grupos de indivduos) para

    possuir direitos e ter suas garantias observadas, ou, como completa van Swaaningen,

    tanta energia en la lucha contra la inseguridad de la poblacion y con ello, en la luchacontra los pobres de la ciudad (2007, p. 8).

    A proposta e militncia terico-poltica do Realismo de Direita surge em 1975

    com a obra de James Wilson intitulada pensando sobre o delito, que se apresenta

    como uma critica denominada criminologia critica, mormente a sua vertente mais

    radical o abolicionismo penal (SWAANINGEN, 2005); ademais, esse autor se

    apresentava como importante consultor dos governos republicanos nos EUA, em

    poltica repressivistas com vistas a angariar votos em campanhas eleitorais, assim

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    como aliado a grupos de presso pautados por uma ideologia conservadora (ANITUA,

    2008).

    Mas a principal obra deste perodo e a partir dessa orientao, de autoria de

    James Wilson (assessor do governo republicano de Ronald Reagan) e George Kelling

    a teoria das janelas quebradasapresentada na obra, janelas quebradas: a polcia e a

    sociedade nosbairros(1981), que, em sntese, propunha que se uma edificao tem a

    janela quebrada e nada feito, dentro de pouco tempo todas as janelas, desta

    edificao e das demais no bairro estaro quebradas e se instaura na comunidade um

    sentimento de insegurana no qual viceja a criminalidade. A proposta era de combate

    severo a todo e qualquer ato criminoso, mormente os crimes de rua, ou seja, as

    infraes cometidas pela classe perseguida de sempre, os crimes contra o patrimnio.

    Assim se amplia e justifica cientifica e politicamente o combate aos crimes contra o

    patrimnio (furto e roubo) e se sedimenta a perseguio dos crimes de drogas.

    Obviamente que essa questo no se insere nesse puro voluntarismo contra a

    criminalidade, mas sim na criao de um mercado altamente rentvel, no qual os EUA

    so os pioneiros na sua criao e exportao que vai do medo s receitas de

    segurana. Pode-se resumir, a partir da sntese proporcionada por Gabriel Ignacio

    Anitua:

    Em Janelas quebradas: a polcia e a sociedade nos bairros, eles defendiam,com veemncia, a necessidade de punir mesmo as menores incivilidades derua, uma vez que estas representariam o ponto de partida de umadeteriorao maior nos bairros. Os autores usavam como exemplo ametfora das janelas quebradas: se uma janela de um edifcio est quebradae se ela no consertada, as demais janelas em pouco tempo estaroquebradas tambm, porque uma janela sem conserto sinal de queningum se preocupa com ela e, portanto, quebrar as demais janelas noteria custo algum. Um edifcio com todas as janelas quebradas traduz a ideia

    de que ningum se importa com o que acontece nas ruas e logo outrosedifcios estaro danificados. Isso ter efeitos negativos, pois s os jovens,os criminosos ou os temerrios mantem alguma atividade numa avenidasem proteo, e, por conseguinte, cada vez mais cidados abandonaro arua. Com essa explicao, Wilson e Kelling deixam claro quem elesconsideram como cidados (ANITUA, 2008. p. 783-4).

    A partir dessa formulao que se processam as propostas e tcnicas de

    policiamento e combate ao crime denominado de tolerncia zero; utilizadas pelo

    prefeito Rudolph Giuliani em Nova Iorque no incio da dcada de noventa; e que

    exportada para o mundo inteiro, especialmente a Amrica Latina em se cria e difundeum pnico social, e se vende uma receita pronta de segurana que resultado de uma

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    parceria publico-privada de elevada rentabilidade e a custo de vidas humanas. O

    mesmo Giuliani, aplicando no plano da governabilidade nova iorquina conseguiu

    manter os ndices de criminalidade e aumentar estrondosamente os ndices de

    encarceramento, proposta que comprada pelo Brasil, ao contrata-lo atravs dogoverno do Rio de Janeiro como consultor de segurana publica para o perodo de

    2012-2016 (preparao para os megaeventos que ocorreriam copa do mundo e

    olimpadas).

    Em relao a teoria da preveno situacional, aponta-se que ela surge na

    Inglaterra e nos Estados Unidos da Amrica do Norte quase concomitantemente, no

    decorrer da dcada de 70, a partir da ideia do crime como um vontade racional

    (rational choice theory), ou seja, o delito como resultado de um calculo mental e

    utilitrio do individuo detentor de livre arbtrio, em uma claro resgate do

    (neo)classicismo. Assim, esclarece Vanessa Feletti (2014, p. 121):

    A teoria da preveno situacional da delinquncia tem como ponto departida a ideia de que o delito mais produto de uma deciso racional(rational choice) do sujeito que consequncia de uma personalidadeperturbada por dficits biolgicos, psicolgicos ou sociais, como propugnamas teorias criminologias tradicionais. Assim, a causa do crime seria umaescolha racional do agente delinquente, o qual opta no s por delinquir,

    mas tambm pela melhor forma de faz-lo (grifo do original).

    Disso retiram-se alguns elementos com resultado politico-criminais muito

    concretos que so as suas principais teses, o crime como resultado situacional de trs

    condies: (1) um delinquente motivado, que aponta o crime como resultado de um

    clculo utilitrio do individuo imbudo de livre arbtrio; (2) um objetivo alcanvel que

    preconiza que as vtimas contribuem no prevenindo; (3) a ausncia de um guardio

    prope a necessidade de controle proativo preventivo.

    Em termos que resultado politico-criminal resultantes tem-se a diviso da

    cidade um zoneamento de acordo com um mapa da criminalidade em uma perspectiva

    atuarial, ou seja, as zonas que se praticam mais delitos recebero maior atuao das

    estruturas de controle, em uma clara deciso seletiva, tendo em vista que a concepo

    de insegurana a guiar esse zoneamento se d de forma axiologicamente orientada,

    pois focaliza os crimes e rua e nas incivilidades cometidas por determinada classe

    social e o incomodo que esses grupos oferecem.

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    A partir disso surgem as politicas que preveem a responsabilizao da

    sociedade pela prpria segurana, na medida em que responsabiliza a sociedade civil

    por constituir em objetivo alcanvel, e assim o mercado oferece as receitas, travs de

    todo seu mercado do controle do crime, com suas mltiplas formas de vigilncia esegurana privada que se colocam a disposio de quem pode comprar esse

    sentimento de seguridade, que vo desde deixar de ocupar determinados espaos

    pblicos em certos horrios, at utilizar grades e alarmes, e sistemas de vigilncia,

    tudo pautado pelo grande sentimento de medo que assola a sociedade moderna.

    E por fim, a ponta que se reserva ao sistema, que se apresenta sob a forma da

    tolerncia zero e do amplo espectro do controle institucional imbudo de todo aparato

    tecnolgico que fazem da ideia de segurana pblica o CSI da vida real, e que nada

    mais do que a glamourizao do controle penal eficientista. Ren van Swaaningen

    resume a pauta reformadora que engloba as duas teorias que se inserem nesse

    processo histrico:

    La politica de prevencin del delito se ha caracterizado por ser una fusin deprevencin situacional y social, con aumento de deferentes formas devigilancia, la aplicacin de un llamado enfoque multi institucional integralsobre la inseguridad y por otorgar un marcado peso a los problemas

    especficamente urbanos *+ una de tales estrategias es la orientacinclaramente actuarial en el trazado de perfiles del delito geogrfico: patronesde delincuencia y zonas calientes se sealan sistemticamente.(SWAANINGEN, 2007, p. 10)

    Nesta linha, no que toca continuidade dada ao Brasil s pautas

    internacionais, e, sobretudo, s advindas dos focos centrais e tradicionais de poder

    hegemnico, que dizem respeito ao presente trabalho, principalmente a poltica penal

    e a afamada (inglria) guerra ao crime, ou melhor, a alguns tipos de criminosos, como

    bem aponta van Swaaningen, no resulta exagerado decir que la nueva metfora parala seguridade ciudadana es barriendo las calles, como si se estuviese hablando de

    suciedad (2007, p. 3); alm dos crimes definidos como de rua acresce-se a war on

    drugs, e a guerra travada contra o monstro (ficticiamente criado) do crime organizado

    mormente um monstro intestino, o que se insere dentro das prprias penitencirias,

    que se retroalimenta, com a poltica de encarceramento em massa resultado da

    poltica criminal atuarial, da nova defesa social e do eficientismo punitivo.

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    Salienta-se que no privilegio (ou demrito isolado) do Brasil essa poltica

    que Loc Wacquant define como onda punitiva, e ainda, escreve a causa da virada

    punitiva no a modernidade tardia, mas sim o neoliberalismo, um projeto que pode

    ser abraado, indiferentemente, por polticos de direita ou de esquerda (WACQUANT,

    2012, p. 26).

    A partir de discursos de matiz populista-punitivo e sem correspondncia com

    a realidade, ressurge, se transmuta e se legitima a imperiosidade do encarceramento

    que tem sido a regra, e no a exceo; contrariamente ao que propem a legislao, a

    doutrina (dogmtica) e os discursos pseudo-humanitrios, e se nutre essa dinmica a

    partir de pnicos sociais-morais (every days theories) que se difundem na mdia de

    massa, legitimando a poltica do Estado que se manifesta de forma racista e classista.

    Escreve Lola Aniyar de Castro,

    As tenemos reformas penales, procesales, policiales, que tienen poco quever con nuestra realidad institucional de base; al igual que las legislacionesinternacionales sobre la delincuencia organizada, la tendencia a tenercrceles y policas privadas; y por supuesto, tambin las teoras del controlbasadas en el tolerancia cero y la del one, two, three strikes, out; quebendicen un renacer del positivismo del Cdigo Rocco (ANIYAR DE CASTRO,2010, p, 119)

    Como demonstram Wacquant (2007) e Garland (2008), verifica-se que se

    transforma a preocupao de interveno poltico-econmica e social, para uma

    gesto da pobreza a partir do sistema penal. Isso se transforma no decorrer das

    reformas estruturais da ltima dcada do sculo XX e a retomada neoliberal ao que se

    denominou deprisonfarecomo uma manifestao da suplementao da poltica social,

    pelas estruturas centrais correcionais/punitivas.

    neste contexto poltico, social, econmico e jurdico que Wacquant (2007)

    fala no grande encarceramento do sculo XX ou da passagem do Estado Social ao

    Estado Penal no final, onde os gastos sociais migraram para o setor da segurana da

    liberdade e propriedade dos indivduos do/no mercado, e punio. Verifica-se como os

    investimentos passaram da assistncia social para a segurana privada, policiamento,

    presdios, tecnologias de controle, assim como tambm o incremento do controle e a

    elevao abrupta da populao carcerria e sob as diversas formas de controle penal

    estatal. Vanessa Feletti aponta esse momento de criao do mercado da segurana eda indstria do controle do crime,

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    [...] Nos idos do sculo XXI, observa-se a criao de mais um mercado deconsumo, de mais uma possibilidade de explorao econmica que podeestar ligada indstria do controle do crime, mas que ultrapassa asfronteiras do crcere: so os produtos e servios de segurana direcionadoss pessoas em geral, o que est ligado ideia de compartilhar aresponsabilidade pelo controle com o mbito individual, devendo esta,

    porm, ser exercida via mercado (FELETTI, 2014, p. 19).

    Assim, passa-se a trabalhar uma nuance especifica desse mercado, a

    transformao da milcia como politica criminal legitimada pelo populismo punitivo e

    privatizao do direito segurana, ou como aponta Vera Malaguti Batista (2012), a

    verdadeira adeso subjetiva barbrie.

    2 - O SISTEMA PENAL SUBTERRNEO BRASILEIRO COMO POLTICA CRIMINAL NA ERADO POPULISMO PUNITIVO

    Analisar esse tema surge de uma preocupao semelhante que acomete van

    Swaaningen, quando analisa a realidade holandesa frente a esse processo de reforma

    politico-criminal de corte marcadamente conservador e neoclassicista,

    Probablemente la cuestin ms interesante para los criminlogos sea hastaqu punto la gestin y administracin pblica de la seguridad se haconvertido en un tema de nosotros, los ciudadanos que cumplimos la ley,contra aquellos, los mendigos, drogodependientes, prostitutas de calle,bandas juveniles y especialmente minoras tnicas y cuales son los posiblescontra efectos de esta tendencia. Cuando autores como Malcolm Feeley yJonathan Simon o Mike Davis predijeron conflictos sociales a la entifida, enparte como consecuencia de enfoque fuertemente situacional de laseguridad pblica, los criminlogos holandeses bsicamente arguyeronnosotros no vivimos en la zona sur centro de Los ngeles y Holanda tampocose va a convertir en algo as. Hoy [] la gente ya no est segura de eso(SWAANINGEN, 2007,p.17, grifo no original)

    Algo semelhante se passa com o tema deste trabalho. Neste ponto se analisa

    a questo das milcias, e a necessidade dessa anlise surgiu de uma vivncia pessoal,

    que causou grande mal-estar tendo em vista identificar a exportao e difuso do

    iderio periculosista da politica de tolerncia zero e da privatizao da segurana para

    os lugares mais recnditos.

    Mas antes de adentrar na questo das milcias especificamente, como

    desdobramento do populismo punitivo, importante aclarar conceitualmente o

    populismo punitivo. No que de grande contribuio a entrevista concedida por

    Maximo Sozzo a revista Urvio da FLACSO sede Equador. Nesta entrevista esclarece osentido da categoria populismo punitivo, apontando a sua origem em artigo intitulado

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    populism punitiviness, de autoria do ingls Anthony Bottoms em 1995 e a partir dele

    sua propagao, e remontando ao autor original, delimita que se trata de una

    tendncia ms marginal, oportunista, que aparece y desaparece de acuerdo a las

    coyunturas(SOZZO, 2012, p. 117).

    Nesta linha conceitual, esclarece a ideia de populismo como a forma de

    romper com uma ideia dada, j construda, e no que diz respeito a questo criminal o

    populismo punitivo se apresenta como rompimento com o iderio da reabilitao, e a

    partir disso com a concepo de que a causa disso seria a suavidade e brandura das

    leis e do tratamento dispensado pelas instituies penais (Sozzo, 2012). Argumenta

    ainda, que a base dessa postura terico-politica rompe ainda com a necessidade de

    aval dos expertos em teoria criminolgica e social, e se baseia eminentemente na

    opinio pblica como principal anseio animador (Sozzo, 2012). E essa questo

    fundamental, na medida em que se verifica atualmente um processo constante de

    difuso e propagao do medo de forma generalizada e a mdia de massa como

    importante instituio nessa dinmica. Maximo Sozzo resume nesses termos,

    Las interpreaciones que se han dado a este concepto em Amrica Latina,han enfatizado el incremento de la punitividad, la bsqueda deliberada en el

    aumento de la pena y el rol del poltico profesional, como alguien que buscaconstruir consenso y legitimidad utilizando el incremento de la punitividad,como una moneda de cambio en el mercado poltico (SOZZO, 2012, p. 119)

    Neste contexto terico e factual, as Milcias se apresentam como uma

    realidade brasileira relativamente recente e se so parte do processo de reinveno ou

    como aponta Sozzo (2014) uma nova traduo do iderio da preveno do delito que

    tem na privatizao do direito a segurana uma das estratgias. Assim, as milcias

    podem ser conceituadas como:

    grupos de agentes armados do Estado (policiais, bombeiros, agentespenitencirios etc.) que controlavam comunidades e favelas, oferecendoproteo em troca de taxas a serem pagas pelos comerciantes e os

    residentes. Estes grupos passaram tambm a lucrar com o controlemonopolstico sobre diversas atividades econmicas exercidas nestesterritrios, como a venda de gs, o transporte alternativo e o servioclandestino de TV a cabo (CANO; DUARTE, 2012, p. 13)

    Na mesma linha escreve Alba Zaluar, o termo milcia refere-se a policiais e

    ex-policiais (principalmente militares), [...] todos com treinamento militar e

    pertencentes a instituies do Estado, que tomam para si a funo de proteger e darseguranaem vizinhanas supostamente ameaadas (ZALUAR, 2007, p. 90).

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    Para tentar entender essa realidade, traz-se a venda do iderio do caos da

    segurana pblica no Estado do Rio de Janeiro, ao lado ainda da difuso massificada do

    pnico moral pela mdia, permitiu as propostas de reforma da segurana pblica no

    Rio de Janeiro que tem como proposta combater o trfico de drogas e acabar com oimprio das organizaes criminosas em determinadas comunidades perifricas

    daquela metrpole cinematogrfica atravs das UPPs (unidades de polcia

    pacificadora).

    Esse processo permitiu a substituio do imprio das organizaes ilegais,

    pelo das corporaes privadas infra ou supralegais (e se aponta infra ou supra, pois

    no se pode afirmar se elas esto atuando subterraneamente em relao a lei, ou se

    esto acima dela) composta por agentes do Estado as milcias. Estes atores passam a

    prover os mais diversos servios em troca de dinheiro e submisso aos agentes da

    segurana pblica em atuao atpica, em um verdadeiro processo de privatizao da

    segurana, assim como exacerbao do iderio periculosista e genocida no qual o caso

    Amarildo meramente um estandarte. Assim confirma Vera Malaguti Batista (2012, p.

    309) nas classificaes, estatsticas e georreferenciamentos haver sempre espao

    para o extermnio dos inclassificveis. O Estado agencia o extermnio cotidiano e a

    intelligentsia trata de mascar-los.

    Entretanto, isso se apresentava como manifestao das grandes metrpoles

    brasileiras e seu caos urbano propalado pela mdia, existente em cidades como Rio de

    Janeiro, So Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, no qual vigora o imprio da

    insegurana publica massificada e vendida pela mdia, como fomento e matria prima

    do novo mercado que se abreo mercado dos servios de segurana e da indstria do

    controle do crime. Ou, retomando a preocupao de Ren van Swaaningen (2007), a

    politica vai de Nova Iorque para Los Angeles e para a Roterd (Holanda), mas tambm

    para o Rio de Janeiro, e para Pelotas/RS.

    Causou espanto e mal-estar ver esse cenrio importado em uma cidade do

    interior do Estado do Rio Grande do Sul como Pelotas, situada 250 quilmetros ao sul

    de Porto Alegre, e se constitui em uma cidade de porte mediano com algo em torno de

    400 mil habitantes e sem o glamour das grandes metrpoles, e tambm sem a mesma

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    realidade social e criminal, mas aderindo ao mesmo iderio e as mesmas receitas e

    estratgias mercadolgicaso mercado da segurana.

    Antes de adentrar a questo, importa salientar que essa analise se apresenta

    mais como um relato pessoal orientado cientifica e ideologicamente do que uma

    pesquisa sistematizada1, tendo em vista que no seguiu os passos e no cumpre com

    os rigorosos requisitos impostos para sua validade cientifica. De outro lado, parece que

    no retira sua importncia enquanto objeto de analise e relato situacional que muito

    dizem da conjectura atual da politica criminal brasileira.

    No interior no era novidade o mercado da segurana que se apresentava

    com os seguranas privados nos estabelecimentos comerciais, todo o aparato de

    uniformes, calados e cursos de formao, sistemas de alarme, redes de vigilncia,

    grades e cercas eltricas e toda estrutura self-security. Nesta linha escreve Vera

    Malaguti Batista,

    a priso no mais lucrativa pelo trabalho dos presos, mas pela sua gesto,a ser terceirizada e privatizada pela sua simbiose com as periferias urbanas epelo seu capital simblico. A indstria do controle do crime vai gerar umanova economia, com seus medos, suas blindagens, suas cmeras, suasvigilncias, sua arquitetura. A segurana privada vai substituir a construo

    civil como grande absorvedora de mo de obra desqualificada. Nessa novaconfigurao, a priso no s no desapareceu como se expandiu comonunca. Expandiu-se e articulou-se para fora dos seus limites comdispositivos de vigilncia, com as medidas fora da priso e tambm com ocontrole pela medicao (MALAGUTI BATISTA, 2012, p. 313-14)

    Mas o que se apresentou como novidade, foi a importao dos servios de

    segurana privada exercido por empresas formadas desde membros pertencentes aos

    rgos da segurana pblica. Sejam eles j aposentados, afastados, ou ativos em dia

    de folga. E ainda, se apresenta interessante que a formao dessas organizaes de

    segurana privada exercida pelos atores da segurana publica, em atividade anmala,

    se deu paralelamente as estratgias de implantao da politica de policiamento

    comunitrio. Tal como no Rio de Janeiro, a cidade de Pelotas aderiu ao discurso

    reformador de aproximar as agncias policiais da comunidade, como forma de resgatar

    a proximidade entre esses pontos to distantes ainda que pertencentes ao mesmo

    segmento marginalizado, e tambm tentar recuperar a legitimidade da instituio.

    1

    Essa analise conta com algumas conversas com moradores, e que no vai se identificar sequer o bairro,tendo em vista a possibilidade de identificao da organizao e de seus membros. Mantendo-se, assima preservao das identidades.

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    Neste sentido, em termos de relato experiencial verifica-se que a justificao

    se d pelos mais variados fatores, tais como: aproveitar o treinamento militar j

    existente com estes atores; eles j conhecem os vagabundose sabem onde encontra-

    los e podem lidar com isso com maior facilidade; sendo um servio pago, pode-secobrar resultados2. Ademais do fato de todos os contratantes saberem da origem

    institucional dos membros da equipe de segurana.

    Ainda, outras questes que chamaram ateno tambm, em termos de

    operacionalidade dessa prestao de servio, o fato de que o pagamento sequer

    necessita ser cobrado, os contratantes se dirigem a casa do proprietrio da empresa

    que reside no bairro para pagar, dentro do prazo, de livre espontnea vontade.

    Tambm se pode apontar a identificao das residncias que so protegidas, atravs

    de um adesivo ou placa com o logo da empresa, indicando que esta residncia est

    protegida, com diferenciao de preos para residncias e comrcios.

    Salienta-se a coero indireta ocorrida depois que a empresa comeou suas

    atividades, pois as pessoas que no aderiram ao servio logo tiveram suas residncias

    objeto de algum delito tentado ou consumado, logo em seguida aderindo a prestao

    do servio de segurana privada oferecida no bairro

    3

    ; ou, em caso de cessao dospagamentos e suspenso dos servios de seguranas. Constituindo-se a comunidade

    em refns dessa adeso.

    Por fim, aporta-se ainda, o relato de que, quando de uma infrao em uma

    residncia assegurada pelo servio contratado, o contratante telefona para o servio

    se segurana, e chegam na residncia, juntamente a segurana privada e a instituio

    policial, resolvendo a flagrncia com violncia dita teraputica, ou seja, agresses e

    violncia verbal no sentido de: - nas casas seguradas, no!. Apresenta-se claramente

    um processo de administrativizao e privatizao da questo da segurana pblica,

    como aponta Rene van Swaaningen; alm da confuso de papis, j que exercidos por

    praticamente os mesmos atores:

    Durante mucho tiempo todo pareca muy claro: se produca un delito, lapolica intentaba atrapar al culpable, el fiscal iniciaba un proceso penal y eljuez determinaba s el acusado era o no culpable y qu castigo mereca.

    2Falas de um residente, contratante do servio;3Relato de morador.

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    Todos estos hechos incontestables de la justicia penal empezaron adesmoronarse a mitad de los setenta. *+ la polica empez a invertir ms en

    mantener mejores relaciones con la ciudadana y en resolver conflictos, queen dedicarse en exclusiva a cazar delincuentes. Con el fuerte incremento delnmero de casos, los fiscales decidan sobre tantas cuestiones llegandoincluso autnomamente a desviar casos del proceso penal que

    gradualmente se fueron convirtiendo en una especie de cuasi jueces. Y quepas con los jueces? Bueno, los jueces bsicamente siguieron haciendo loque siempre haban hecho. No obstante, las decisiones ms importantes yano se tomaban en el tribunal, sino en fases anteriores del proceso penal(SWAANINGEN, 2005, p. 3)

    Importa salientar que, no obstante as particularidades da realidade local ser

    bastante diferente, por enquanto; mas permite-se denominar como formao de

    milcia, ainda que menos problemtica que a do Rio de Janeiro. Tendo em vista que se

    verificam os elementos caracterizadores deste tipo de formao social e institucional.

    Nesse sentido ajudam Cano e Duarte (2012) apontando esses elementos

    identificadores; tais como, (1) o domnio territorial e populacional atravs de grupos

    armados; (2) coao, ainda que indireta contra os moradores e comerciantes locais; (3)

    motivao pelo lucro como elemento central; (4) fundar-se sobre um discurso de

    libertao e proteo da regio em relao ao crime; (5) participao ativa de agentes

    do Estado, ainda que em atividade irregular, ilegal, ou anmala.

    Mesmo que ainda no se tenha estruturado de tal forma tal pratica e tendoem vista que a realidade conflituosa se apresenta distinta e menos intensa, no se

    verifica p.ex. o avano da organizao para outros tipos de servios para alm do

    oferecimento da segurana; mas, ainda assim, no impede de se verificar todos os

    outros elementos caracterizadores da formao institucional de milcia e os riscos e

    infraes que ela oferece. Desde a formao militarizada, com estreita vinculo

    institucional estatal, utilizando seu treinamento e armamento; deteno do monoplio

    da segurana privada em bairros inteiros; a coao indireta (ou nem to indireta assim)

    de quem no aderira contratao se constitui quase que automaticamente em alvo e

    objeto de tentativas delitivas; e os mais singelosao menos de se demonstrar so o

    discurso da proteo e libertao da regio da criminalidade enquanto encobre os

    reais objetivos que a obteno de lucro com a privatizao da segurana pblica.

    Ao passo que esto legitimando socialmente atravs deste conservadorismo

    avassalador motivado pelos pnicos morais e sociais difundidos pela mdia de massa

    que propala a existncia de um imprio do crime, quando se pensa estar se libertando

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    do imprio do crime; do contrario, se esta tornando refm dessa nova

    institucionalidade que confunde a atuao estatal com criminalidade em uma mesma

    formao.

    Nesse sentido que fala em legitimao social ou informal, pois a formao

    institucional e organizacional de milcia responde aos clamores populares por

    segurana que vem na forma da parceria publico-privada e que, mesmo com as

    constantes violaes de direitos, arbitrariedades, violncias por parte dessas

    institucionalidades, estas continuam sendo vistas como responsveis pela pacificao

    das regies em que se inserem. Assim, suas aes no so vistas como pertencentes a

    prpria criminalidade que pretensamente combatem. Contribui Alba Zaluar:

    Os que compem as milcias de ex-policiais sequer so paramilitares. Somilitares que abusam do monoplio da violncia garantida pelo Estado, quelhes fornece treinamento e armas. So os que tm ou tiveram a funo degarantir o cumprimento da lei, mas agem ao arrepio da lei, contra a lei, nos pra fazer segurana um negocio lucrativo, mas tambm para explorar, emmuitos outros empreendimentos, os mais vulnerveis entre ostrabalhadores urbanos, aqueles que no tm acesso s garantias legais nahabitao, no tem acesso justia e informao, no tem protetoresinstitucionais nas localidades onde vivem (ZALUAR, 2007, p, 91).

    importante verificar que a maioria dos indivduos que so sujeitos passivos

    desse processo (clientes) de adoo do iderio preventivista baseado na privatizao

    da segurana no a percebem enquanto um ato de violncia e a entendem como

    estratgia legitima de segurana diante do suposto incremento da criminalidade e da

    crise dos rgos de segurana publica ambos elementos forjados e alimentados pela

    mdia de massa. Por isso, faz-se necessrio repensar o contedo, a concepo que se

    tem da categoria repleta de sentido, e, sobretudo, de distores e ambiguidades em

    que se constitui a ideia de violncia. Auxilia nesse desiderato a contribuio de Rosa

    Del Olmo que esclarece:

    Precisamente porque se ha creado un mito sobre la violencia, dondepredomina la falta de claridad conceptual y lo ms importante, pero, quiz,[...] lo menos obvio, la despolitizacin total del tema. Pero resulta que laviolencia es un fenmeno principalmente poltico [...] Sin embargo, resultacurioso que la opinin pblica en general, discrimine entre estos tipos deviolencia al punto de considerar que slo son violencia la primera y laltima, por cuanto pertenecen a lo que se ha caracterizado como violenciailegtima (DEL OLMO, 1979, p. 147)

    Rosa del Olmo se refere a quatro tipos de violncia: a interindividual, que

    ingressa na esfera da violncia quotidiana visvel e tambm da represso; a

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    institucional, que se apresenta sob a forma da violncia perpetrada pelas estruturas

    oficiais do Estado (controle scio-penal); a violncia estrutural da luta de classes e a

    desigualdade na distribuio dos bens positivos; e, a violncia revolucionria que se

    prope a uma ruptura com a estrutura poltica carregada da dose de violncia quetoda ruptura apresenta no transcurso do processo histrico.

    No obstante, em termos tericos existam essas quatro modalidades

    genricas de violncia, e que se desdobram em uma infinidade de condutas e aes

    complexas, aes que so imensa e efetivamente lesivas aos seres individuais e/ou

    coletivos, apenas se vislumbra como violncia e se busca punir como tal (ou no mnimo

    demoniz-las) as condutas, quaisquer que sejam, que partam do indivduo ou coletivo

    que representa o inimigo; que, em realidade no se faz um inimigo da sociedade em si;

    mesmo que essa coisa se tente fazer dele, mas principalmente um inimigo do sistema

    e matria prima para alimentao da indstria do controle do crime o medo

    generalizado.

    Assim tampouco se percebe como violncia a que perpetrada por sujeitos e

    instituies do prprio sistema, ainda que em organizao e funcionamento anmalo

    legitimado informal e socialmente pelo senso comum punitivo (every days theories)

    como o so a formao a atuao das milcias como politica criminal suplementar e

    resultante do que se poderia apontar como uma parceria pblico-privada, tendo em

    vista a juno, em um s corpo de sujeitos e materiais pblicos e a satisfao de

    anseios e necessidades privadas.

    Relacionado a issoessa atuao de preveno e represso do delito por esta

    parceria que se constitui em instituio criminosa - se poderia resgatar o conceito de

    sistema penal subterrneo enunciado pela professora Lola Aniyar de Castro,

    Este, encontramos, es normalmente ms activo, el que mejor describe larealidad institucional, tanto policial como jurisdiccional, aunque funcione almargen de su opuesto, el sistema penal aparente, el cual se sostiene sobrelos ritos legales y los procedimientos diseados por la ley. Todas lasllamadas penas informales, como las privadas, como la anticipacin de lapena por largos periodos de detencin sin sentencia, das redadas, lasejecuciones extrajudiciales en enfrentamientos supuestos con los policas, ladetencin arbitraria, la expropiacin de documentos de identidad []aunque de carcter legal, por abandono del caso o por decisiones de purointers administrativo [] el sistema penal del otro, que es el que se realizadentro del mundo mismo de la trasgresin organizada, como pequeo

    Estado dentro del Estado: sus definiciones, normas, acuerdos y sanciones(ANIYAR DE CASTRO, 2010, p. 71).

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    Na mesma linha apontam Eugenio Raul Zaffaroni e Nilo Batista sobre essa

    manifestao que varia a cada regio e contexto e sempre como a manifestao do

    abuso de poder:

    Eis um paradoxo do discurso jurdico, no dos dados das cincias politicas ousociais, para as quais, claro, qualquer agencia com poder discricionrioacaba abusando dele. Este o sistema penal subterrneo, queinstitucionaliza a pena de morte (execues sem processo),desaparecimentos, torturas, sequestros, roubos, saques, trafico de drogas,explorao do jogo, da prostituio etc. A magnitude e as modalidades dosistema penal subterrneo dependem das caractersticas de cada sociedadee de cada sistema penal, da fora das agencias judiciais, do equilbrio depoder entre suas agencias, dos controles efetivos entre os poderes etc. Emnenhum caso, porem, isto significa que o sistema penal subterrneo secircunscreva aos pases latino-americanos ou perifricos do poder mundial,mas sim que sua existncia reconhecida em todos os sistemas penais(BATISTA; ZAFFARONI, 2011, p.70).

    Como permite a leitura conceitual das milcias e seus elementos

    identificadores, assim como a definio de populismo punitivo e suas manifestaes

    diferenciadas dependendo do contexto, e tambm a categoria do sistema penal

    subterrneo, v-se que neste do presente trabalho se est a falar de todas em um

    mesmo fenmeno, que esto interligadas na problemtica da segurana pblica.

    Assim se apresenta a politica criminal no Brasil sob a forma de uma parceria

    publico-privada e ancorada nos discursos de lei e ordem e tolerncia zero, em uma

    dinmica de privatizao do direito social segurana que legitima a atuao dessas

    organizaes com intima vinculao estatal ou compostas por sujeitos do Estado e

    sustentada pelo medo difuso produzido pela mdia de massa.

    CONSIDERAES FINAIS

    Em sede de consideraes finais, tem de se concordar com Loic Wacquant

    (2012) quando afirma que o neoliberalismo penal no demrito de partido politico,

    mas sim uma tendncia transnacional que foi exportada/importada com soluo para

    a problemtica fantasiosa da criminalidade e a criar/sustentar um novo e rentvel

    mercadocomo Christie h muito j prenunciava em a indstria do controle do crime.

    Na mesma linha, Maximo Sozzo (2012) vai discordar da formulao primria

    de populismo punitivo no que diz respeito a algo conjectural, que alternaria no

    decorrer do tempo e com as mudanas sociopolticas. Aponta que esta uma

    tendncia que no surgiu por acaso, e no vai ser sepultada sem grande esforo

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    terico e politico, tendo em vista se constituir em uma receita aprazvel, e eficiente no

    mercado eleitoral.

    Assim, importante trazer a contribuio de Lola Aniyar de Castro (2010),

    quando fala que uma das condies para construir um novo projeto e programa de

    segurana cidad combater esse medo disseminado, difundido pela mdia de massa.

    Em grande parte das vezes meramente como estratgia para manipulao politica das

    pautas de seu interesse, e tambm para vender o produto do crime o

    sensacionalismo.

    Na mais recente obra de Zaffaroni, traduzida no Brasil a Questo Criminal

    (2013), aborda o que chama de criminologia cautelar preventiva, apontando que a

    funo e objetivo da criminologia crtica recolocado na posio estratgica de

    reduo de danos; tendo em vista o momento de extremo conservadorismo que

    sobeja na sociedade moderna e nas suas instituies que so seu mero reflexo.

    E, na linha especifica deste trabalho, e diante do espante que lhe foi origem,

    se faz necessrio construir uma conscincia de que esses problemas no so somente

    das grandes metrpoles, tendo sido exportado ao mundo inteiro a sua receita, assim

    como seus problemas, tendo estranhamente as receitas de soluo chegado antes dos

    problemas em alguns lugares, e elas tm contribudo imensamente para cria-los. Como

    Zaffaroni (2007) aponta, esta a funo configuradora do sistema penal, seja em sua

    face formal, ou informal, j que contribui com a criao da paisagem sobre a qual atua.

    REFERNCIAS

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