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REJANE CENTURION GAMBARRA e GOMES O POLÍTICO NA LÍNGUA: UM OLHAR DISCURSIVO SOBRE A SUFIXAÇÃO Universidade Federal de Mato Grosso Instituto de Linguagens Cuiabá 2007

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REJANE CENTURION GAMBARRA e GOMES

O POLÍTICO NA LÍNGUA: UM OLHAR DISCURSIVO SOBRE A SUFIXAÇÃO

Universidade Federal de Mato Grosso

Instituto de Linguagens

Cuiabá

2007

2

REJANE CENTURION GAMBARRA e GOMES

O POLÍTICO NA LÍNGUA: UM OLHAR DISCURSIVO SOBRE A SUFIXAÇÃO

Dissertação apresentada ao programa de Mestrado em Estudos da Linguagem do Instituto de Linguagens da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Estudos Lingüísticos. Área de concentração: Estudos Lingüísticos. Orientador: Prof. Dr. Roberto Leiser Baronas.

Universidade Federal de Mato Grosso

Instituto de Linguagens

Cuiabá

2007

3

4

Aos tantos outros (ou não seriam

Outros?), “tão sempre” presentes, sem

os quais essa dissertação não teria se

constituído enquanto tal.

5

Agradecimentos a alguns “outros” muito especiais... Ao Pedro (filho), “pessoinha” que motiva tudo o que busco, que sempre soube entender meus momentos de leitura e que me “inspirava” ficando ao meu lado enquanto produzia. Obrigada também pelo corpus que me fornecia o tempo todo, com suas formações de palavras novas a partir da derivação sufixal, as quais ajudavam-me a refletir sobre o processo. Mamãe te ama muito... Ao Pedro (marido), pelo apoio constante em minha vida acadêmica e profissional. Companheiro que esteve sempre ao meu lado, me dando, além do apoio necessário, muito amor e carinho, sentimentos que ajudaram muito nas crises de impaciência... Ao meu pai, pelo carinho e educação recebidos, e por ser a pessoa que primeiro me fez interessar pelo discurso político. À minha mãe (in memoriam), de quem herdei a profissão e a vontade das leituras. Apesar da falta “em corpo”, sua presença “em espírito” sempre guiou meus trabalhos. A ela, um agradecimento muito especial. À minha irmã, Regina, e ao meu amigo, Claudiomar, pela oportunidade que me ofereceram, sem a qual a graduação não teria sido possível. Aos meus irmãos, Reginaldo, Clodoaldo e Eduardo. Sempre tão distantes, geograficamente, mas ainda assim, muito presentes em meu pensamento... À professora (e também tia) Aucélia Centurion, por ter sido minha primeira professora, responsável por minha alfabetização. Ao Roberto, meu orientador, por fazer da orientação desse trabalho uma oportunidade para estreitar mais ainda os laços de amizade que já mantínhamos. Por seu compromisso, responsabilidade e praticidade nas tarefas exigidas, e por indicar caminhos que vão além dos limites que cerceiam a produção de uma dissertação. À SEDUC, que permitiu meu afastamento, possibilitando o desenvolvimento dessa pesquisa. Ao professor Zé Antonio, diretor da escola Major Otávio Pitaluga, em Rondonópolis, por ter apoiado meu afastamento desde o início. Aos colegas, professores e funcionários do MeEL, com os quais convivi nesses dois anos. Aos amigos e familiares que sempre acreditaram em meu trabalho. Em especial, Cárita Gomes, Clésia Weber e Karina Velho, por sempre terem participado de meus projetos de uma forma muito particular.

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(...) é que no fundo [no Brasil] não há partidos, há grupos de

interesses, alianças que se fazem e que se desfazem consoante

às conveniências. Há uma espécie, não quero dizer, não

quero chamar de, digamos, ‘caciques’, mas há qualquer coisa

que vem, digamos, na linha do ‘caciquismo’, que é o influente

político que não sabe muito bem por que é que ele ganhou

aquele poder, mas a verdade é que o ganhou (José Saramago,

escritor português, prêmio Nobel de Literatura, em entrevista concedida ao

Jornal da Globo, transmitida nos dias 21 e 22 de maio de 2007).

7

RESUMO

CENTURION, R. O político na língua: um olhar discursivo sobre a sufixação.

Neste trabalho discutiremos a sufixação sob o olhar da análise do discurso de orientação

francesa. Nosso objetivo é pensá-la como um processo discursivo derrisório que visa

descaracterizar, polemizar o discurso político do outro. Inicialmente, verificamos como a

sufixação é tratada nas gramáticas tradicionais e em algumas escolas e domínios das

Ciências da Linguagem (estruturalismo, gerativismo, funcionalismo, teoria da

argumentação e análise do discurso). Em seguida, fundamentados em Patrick Charaudeau e

Jean-Jacques Courtine, apontamos o caminho percorrido pelo discurso político na história

da AD. No terceiro capítulo, analisamos ocorrências formadas a partir dos sufixos -eiro e -

ismo presentes em enunciados proferidos por políticos brasileiros no período que

compreende a divulgação dos escândalos do mensalão (maio de 2005) à posse do

presidente Luiz Inácio Lula da Silva (1º de janeiro de 2007) – período em que a oposição

tenta desqualificar a imagem do governo para chegar ao poder e o governo, por sua vez, se

defender das acusações para se manter nele. Mostramos, pelas análises, que as ocorrências

em questão deixam seus sentidos positivos para assumirem sentidos negativos, pejorativos,

em função dos sufixos empregados, os quais representam marcas de heterogeneidade e

derrisão. Assim, com base em Authier-Revuz e Bonnafous, postulamos que os sufixos

funcionam como modalizadores autonímicos derrisórios. Propomos, finalmente, um

trabalho discursivo com esse modalizador em sala de aula.

Palavras-chave: discurso político – sufixação – heterogeneidade – metaenunciação –

modalização autonímica – derrisão.

8

ABSTRACT

CENTURION, R. The politic in the language: a discursive vision about the sufixation.

In this work we will argue the suffixation under the look of the discourse analysis of French

orientation. Our objective is to think about it as a derisory discursive process that aims to

belie the politic discourse of the other. Initially, we verify as the suffixation is treated in the

traditional grammars and in some schools and domains of Language Sciences

(structuralism, gerativism, functionalism, theory of the argumentation and discourse

analysis). After that, based on Patrick Charaudeau and Jean-Jacques Courtine, we point the

way covered by the politic discourse in the history of the AD. On the third chapter, we

analyze occurrences formed from the suffixes -eiro and -ismo presented in statements

pronounced by Brazilian politicians from the scandal of mensalão (May 2005) to the period

in which Luiz Inácio Lula Da Silva was inaugurated president (January 1st, 2007) - when

the opposition tries to disqualify the image of the government to achieve the power and the

government defends itself against the accusations to remain in the power. We show,

through the analyses, that the occurrences let their positive meanings to assume a negative

ones, pejorative, due to the suffixes used, which represent marks of heterogeneity and

derision. Thus, based on Authier-Revuz and Bonnafous, we claim that the suffixes work as

derisory autonomics modalizer, so we propose, finally, a discursive work with this

modalizer in the classroom.

Key-words: politic discourse - suffixation - heterogeneity – metaenunciation - autonomics

modalization - derision.

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RÉSUMÉ

CENTURION, R. Le politique dans la langue: un regard discursif sur la suffixation.

Dans ce travail nous discuterons la suffixation sous le regard de l’analyse du discours

d’orientation française. L’objectif est de la penser comme un processus discursif de la

dérision qui vise à polémiquer le discours politique de l’autre. Au début, nous avons vérifié

comment la suffixation est traitée dans les grammaires traditionelles et dans plusieurs

écoles et domaines des Sciences du Language (structuralisme, générativisme, théorie de

l'argumentation et anlyse du discours). Ensuite, en se fondant sur Patrick Charaudeau et

Jean-Jacques Courtine, nous signalons le chemin parcouru par le discours politique dans

l’histoire de l’analyse du discours. Dans le troisième chapitre, nous analysons les

productions formées à partir des suffixes -eiro et -ismo présentes dans des énoncés proférés

par des hommes politiques brésiliens dans la période qui comprend la divulgation des

scandales du mensalão (mai 2005) jusqu’à l' intronisation du président Luiz Inácio Lula da

Silva (1er janvier 2007) – période durant laquelle l’opposition essaye de disqualifier

l’image du gouvernement pour arriver au pouvoir et, le gouvernement, à son tour, essaye

de se défendre des accusations pour y rester. Nous montrons par les analyses, que les

productions en question abandonnent leurs sens positifs pour assumer des sens négatifs,

péjoratifs, en fonction des suffixes utilisés, lesquels représentent des marques

d’hétérogénité et de dérision. Ainsi, en nous basant sur Authier-Revuz et Bonnafous, nous

postulons que les suffixes travaillent comme des modalisateurs autonimiques de la dérision.

Alors, nous proposons, finalement, un travail discursif avec ce modalisateur en salle de

classe.

Mots-clés: discours politique, suffixation, hétérogénité, méta-énonciation, modélisation

autonimique, dérision.

10

Sumário

Palavras iniciais....................................................................................................................12

1. A sufixação sob vários olhares: contribuições teóricas............................................15

1.1. Nas gramáticas normativas................................................................................15

1.1.1. Os sufixos -eiro e -ismo...........................................................................18

1.2. No estruturalismo...............................................................................................21

1.3. No gerativismo...................................................................................................27

1.3.1. O sufixo -eiro...........................................................................................32

1.4. No funcionalismo...............................................................................................34

1.5. Na teoria da argumentação.................................................................................41

1.6. Na análise do discurso........................................................................................45

2. O discurso político: novos caminhos, mesmas mentiras...........................................56

2.1. Em Charaudeau..................................................................................................58

2.2. Em Courtine.......................................................................................................71

2.3. A mentira na política..........................................................................................78

3. Uma leitura discursiva dos sufixos -eiro e -ismo na política brasileira: marcas de

heterogeneidade e derrisão........................................................................................83

3.1. A heterogeneidade..............................................................................................86

3.2. A derrisão...........................................................................................................90

3.3. O sufixo -eiro......................................................................................................91

3.3.1. Formador de substantivos........................................................................91

3.3.1.1. Denotando profissão, ofício, agente.................................................91

3.3.1.2. Significando intensidade, aumento..................................................94

3.3.2. Formador de adjetivos.............................................................................97

3.4. O sufixo -ismo..................................................................................................100

3.4.1. Formador de nomes de ação ou resultado de ação................................101

3.4.2. Formador de nomes que indicam maneira de pensar, ideologia...........109

3.4.2.1.Tendo como radical nomes de pessoas............................................117

3.5. Depois do batimento descrição, o da interpretação..........................................124

11

4. Um possível olhar didático.....................................................................................128

(In) conclusões..............................................................................................................133

Referências bibliográficas.............................................................................................134

Revistas, jornais e sites utilizados.................................................................................138

Anexos...........................................................................................................................139

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PALAVRAS INICIAIS

O trabalho com o discurso político sempre nos instigou. Havia, sem dúvida, um

amplo objeto a ser delimitado. O que poderia ser investigado em tal discurso? Foi, pois, a

partir da leitura de um texto de José Luiz Fiorin que nosso objeto surgiu. Trata-se do texto

Discurso de um sufixo, publicado na Revista Língua Portuguesa, em 2006, no qual o autor

destaca a função argumentativa dos sufixos. Pensamos, então: por que não transpor um

olhar discursivo à sufixação? E assim o fizemos. Discurso de um sufixo foi apenas o

primeiro passo a partir do qual pôde ser mostrado que a função dos sufixos vai além dos

ensinamentos tradicionais escolares. Na perspectiva discursiva, funcionam como

modalizadores autonímicos derrisórios.

A criação de novas palavras e a ressignificação das já existentes são dois processos

muito comuns em qualquer língua. Os falantes assim o fazem para atender suas

necessidades numa situação de comunicação específica, já que não há no léxico existente

uma palavra que se adeque a tal necessidade. Tais processos se dão de forma inconsciente,

como aponta a teoria discursiva francesa, fundada por Michel Pêcheux, que fundamenta

nosso trabalho. Ocorre, no entanto, que os compêndios escolares concebem-nos como

mecânicos, destituídos de sentidos específicos/ únicos.

Para mostrar que a prática condiz com a teoria supracitada, selecionamos vinte e

quatro ocorrências enunciativas, analisando-as a partir das contribuições da análise do

discurso francesa, estabelecendo os seguintes recortes:

Como processo de formação de palavras, investigamos a derivação sufixal, cujos

sufixos escolhidos foram –eiro e –ismo;

Considerando a homofonia dos sufixos recortados, os sentidos trabalhados foram:

a) sentidos de –eiro: formador de substantivos que denotam profissão/ ofício/ agente;

formador de substantivos com idéia de intensidade/ aumento; e formador de adjetivos;

b) sentidos de –ismo: formador de nomes de ação ou resultado de ação; e formador de

nomes que indicam maneira de pensar/ doutrina/ ideologia;

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Como discurso, selecionamos o político, com enunciações que envolvem o discurso

do governo e o da oposição, desde o surgimento dos escândalos do mensalão até a

posse referente ao segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva;

Como suporte, a mídia de forma geral. Porém, houve um predomínio de sites da

web e de jornais e revistas de circulação nacional (como o jornal “A Folha de S.

Paulo” e a revista “Veja”). Não há como ignorar a influência desses últimos

suportes na propagação da notícia em nosso país. Também não podemos deixar de

salientar que, atualmente, uma grande parte da população se informa via Internet,

por isso, a busca pelas ocorrências nesses suportes;

As ocorrências enunciativas analisadas foram: mensaleiro, quadrilheiro, roubalheira,

bandalheira, eleitoreiro (a), politiqueiro (a), assistencialismo, continuísmo,

denuncismo, desenvolvimentismo, golpismo, politicismo, voluntarismo,

clientelismo, esquerdismo, peleguismo, petismo, populismo, juscelinismo,

stalinismo, alckimismo, helenismo, cristovismo e lulismo.

Revisitando a proposta de Authier-Revuz, mostramos que essas ocorrências

representam “máscaras” que servem para disfarçar os efeitos de sentido pretendidos pelos

enunciadores. Se “escoram” no sentido literal/ positivo para conotarem, na verdade, um

sentido negativo/ pejorativo, antecipando o efeito de sentido pretendido por meio da própria

palavra. Dessa forma, o dizer se volta para si tendo-se, ao mesmo tempo, a enunciação e o

comentário da mesma – a metaenunciação. Os sufixos serão concebidos, nesse viés, como

modalizadores autonímicos derrisórios: além de caracterizarem em seus contextos

enunciativos, de forma simultânea, um uso e um comentário sobre o mesmo, fazem-no para

desqualificar o discurso do outro.

No primeiro capítulo, mostramos o tratamento dado à sufixação em quatro

gramáticas da Língua Portuguesa, em algumas das correntes lingüísticas mais comumente

presentes no meio acadêmico (estruturalismo, gerativismo e funcionalismo) e em um dos

domínios nas Ciências da Linguagem (a teoria da argumentação). Com as gramáticas,

fizemos um trabalho que se aproxima da descrição, apresentando a maneira como os

sufixos lá se encontram; já com as correntes lingüísticas e com a teoria da argumentação,

expusemos o que cada uma significou para os estudos lingüísticos, aplicando suas

contribuições ao trabalho que se pode realizar com os sufixos. Encerramos o capítulo,

14

comentando um outro domínio nas Ciências da Linguagem, a análise do discurso,

doravante (AD), que fundamenta esta pesquisa. O tratamento metodológico do corpus

selecionado é reservado para o terceiro capítulo.

Fundamentados em Patrick Charaudeau e Jean-Jacques Courtine, elaboramos o

segundo capítulo. Neste, apontamos o caminho percorrido pelo discurso político na história

da AD. Para nós, é de suma importância a inserção de um capítulo que trate

especificamente do discurso político, haja vista que o fenômeno em análise manifesta-se

muito nesse tipo de discurso. A ocorrência de palavras com os sufixos –ismo e –eiro é

elevadíssima no discurso político.

No terceiro capítulo, analisamos, sob o olhar da análise do discurso francesa,

ocorrências formadas a partir dos sufixos -eiro e -ismo presentes em enunciados proferidos

por políticos brasileiros no período que compreende a divulgação dos escândalos do

mensalão (maio de 2005) até a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (1º de janeiro

de 2007). Justificamos a escolha do período por se tratar de um momento em que a

oposição tenta desqualificar a imagem do governo para chegar ao poder e, o governo, por

sua vez, se defender das acusações para se manter nele. As análises mostram que as

ocorrências deixam seus sentidos positivos para assumirem sentidos negativos, pejorativos,

em função dos sufixos empregados, os quais representam marcas de heterogeneidade e

derrisão, postulando, fundamentados em Authier-Revuz e Bonnafous, que os sufixos

funcionam como modalizadores autonímicos derrisórios.

Finalmente, no quarto capítulo, refletimos acerca do ensino da sufixação nas escolas

brasileiras, propondo um trabalho discursivo com os mesmos; reflexão inevitável, pois uma

pesquisa como essa só teria sentido para nós se pudesse contribuir de alguma forma com o

ensino da língua materna.

Esperamos, pois, mostrar com este trabalho que as escolhas que os sujeitos (em

específico, os políticos) fazem em relação às palavras novas ou ressignificadas não são

aleatórias, coincidentes, óbvias... São constitutivas do discurso no qual estão inseridas.

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1. A SUFIXAÇÃO SOB VÁRIOS OLHARES: CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS

Neste primeiro capítulo, pretendemos apresentar a sufixação com base em vários

mirantes. Primeiramente, pelas gramáticas tradicionais; em seguida, por algumas das

correntes lingüísticas (o estruturalismo, o gerativismo e o funcionalismo) e pela teoria da

argumentação; por último, pela análise do discurso (AD), teoria que suporta teórico-

metodologicamente o nosso estudo. Assim, mostraremos como a sufixação era abordada

antes das contribuições da AD, para, dessa forma, propor um trabalho possível com tal

teoria.

1.1 – Nas gramáticas normativas

Sabemos que as gramáticas tradicionais se caracterizam por serem normativas, ou

seja, por prescreverem normas de bom uso da língua para falar e escrever bem. Foi assim

com as antigas (desde a grega e a latina) e, ainda, com as contemporâneas. Os fatos da

língua são apresentados, geralmente, como definitivos, não-variáveis, normativos... Assim

é, portanto, com a sufixação: um sufixo à disposição numa lista de alguma gramática é

acrescentado a um radical1 e (pronto!) uma nova palavra surge. Basta que acrescentemos o

sentido geral do sufixo2 ao radical.

Na “Novíssima Gramática da Língua Portuguesa” (1996, p. 105), Cegalla afirma

que

Sufixos são elementos (isoladamente, insignificativos) que, acrescentados a um radical, formam nova palavra. Ao mesmo tempo que alteram a significação do vocábulo originário (dente - dentista), podem ainda mudar-lhe a classe gramatical (ponta - pontudo), o gênero (boi - boiada) ou o grau (gato - gatinho, frio - friíssimo). A maioria dos sufixos provém do latim e do grego. Classificam-se em: nominais, verbais e adverbial.

Em seguida, o autor apresenta uma lista dos principais sufixos nominais, verbais e

adverbial. Gostaríamos, pois, de destacar a forma como os sufixos nominais são por ele

apresentados: agrupa vários sufixos que apresentam idéia geral semelhante, explicita a idéia

1 Radical: uma forma lingüística que não funciona sozinha, mas serve como base para construir formas flexionadas de palavras, que podem funcionar sozinhas (TRASK, 2004). 2 Ao contrário dos prefixos, que têm um sentido determinado, os sufixos apresentam um valor genérico.

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e exemplifica. Por exemplo, coloca todos os sufixos diminutivos e sugere exemplos. Desse

modo, há sufixos que aparecem em mais de um agrupamento, pois denotam mais de um

sentido. O sufixo –eiro aparece no item dos que denotam profissão, ofício, agente e

formador de adjetivos; e também no item dos que formam adjetivos que exprimem

naturalidade, origem.

Vinte grupos são apresentados. Depois disso, Cegalla apresenta uma outra lista:

“Outros sufixos nominais”. Nessa lista são elencados de um em um, sem a explicitação do

sentido – simplesmente com exemplos à frente. Tais exemplos mostram que alguns dos

sufixos apresentam mais de um sentido, mas isso é desconsiderado. Em seguida, outra lista:

“Alguns sufixos da terminologia científica”. Tal como na lista anterior, não há a

explicitação do sentido geral dos sufixos, apenas os exemplos. É como se a gramática

desconsiderasse que há sentido em tais sufixos.

Depois da apresentação dos sufixos nominais, há a seguinte nota:

Os sufixos nominais prestam-se, quase sempre, à expressão de mais de uma idéia. O sufixo –eiro, por exemplo, pode acrescentar ao radical a noção de árvore (coqueiro), profissional (sapateiro), coleção (braseiro), lugar (banheiro), objeto que encerra algo (açucareiro), naturalidade (brasileiro). Existem até sufixos de significações opostas: beiçola (=beiço grande), bandeirola (=pequena bandeira), povaréu (=grande multidão), mastaréu (=pequeno mastro). (p. 108).

Da forma como Cegalla descreve é como se –eiro fosse um único sufixo. Na

verdade, é um sufixo homófono3. As gramáticas normativas, entretanto, não contemplam

tal afirmação, visto que se preocupam mais com a apresentação de listas de sufixos do que

com um meticuloso estudo gramatical do processo da sufixação. Os sufixos homófonos são

apenas um dos exemplos. É de se admirar uma afirmação como a citada (Existem até4

sufixos de significações opostas) vinda de um gramático!

Bechara, por sua vez, em sua “Moderna Gramática Brasileira” (1989, p. 177), os

define da seguinte forma:

3 Segundo ROCHA (1998, p. 110), sufixos homófonos são sufixos que apresentam a mesma seqüência fonética, mas sentidos e/ ou funções diferentes. 4 Grifo nosso.

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Os sufixos dificilmente aparecem com uma só aplicação; em regra, revestem-se de múltiplas acepções e empregá-los com exatidão, adequando-os às situações variadas, requer e revela completo conhecimento do idioma. A noção de aumento corre muitas vezes paralela à de coisa grotesca e se aplica às idéias pejorativas: poetastro, mulheraça. Os sufixos que formam nomes diminutivos traduzem ainda carinho: mãezinha, paizinho, maninho. Por fim, cabe assinalar que temos sufixos de várias procedências, sendo os latinos e gregos os mais comuns.

Apesar de, ao definir os sufixos, Bechara ter tocado sutilmente na questão do

significado, não difere muito de Cegalla. Divide-os em cinco seções: principais sufixos

formadores de substantivos; principais sufixos de nomes aumentativos e diminutivos;

principais sufixos para formar adjetivos; principais sufixos para formar verbos; e sufixo

para formar advérbio. Assim como Cegalla, Bechara explicita a idéia geral de um grupo de

sufixos e exemplifica.

A terceira gramática consultada foi a “Gramática Fundamental da Língua

Portuguesa”, de Gladstone Chaves de Melo (1970). Segundo ele, por sufixo se deve

entender o elemento afixo e posposto, que traz alteração de sentido à raiz (p. 88).

Classifica-os em nominais, verbais e adverbial. Agrupa os sufixos por semelhança no

sentido geral e, em frente, apresenta as formações que os mesmos possibilitam, ilustrando

com exemplos. A preocupação continua sendo uma listagem de sufixos para dispor ao

falante.

Por último, consultamos a “Nova Gramática do Português Contemporâneo”, de

Cunha & Cintra (1985). Não há, nessa gramática, uma definição específica para sufixos.

Apenas afirmam que pela derivação sufixal formaram-se, e ainda se formam, novos

substantivos, adjetivos, verbos e, até, advérbios (p. 87). Classificam, então, o sufixo em:

nominal, verbal e adverbial. Cunha e Cintra começam pelos nominais, especificamente

pelos aumentativos e diminutivos por acreditarem que o valor destes é mais afetivo do que

lógico. Primeiramente, apresentam uma lista constituída pelos principais sufixos nominais,

acrescentando a essa lista, alguns exemplos; depois detalham alguns dos principais da lista.

Apesar de detalharem, inclusive com preocupações etimológicas, não saem do padrão

“lista”. Em seguida, apresentam “Outros sufixos nominais”, divididos em sete seções: que

formam substantivos de outros substantivos; que formam substantivos de adjetivos; que

forma substantivos de substantivos e de adjetivos; que forma substantivos e adjetivos de

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outros substantivos e adjetivos; que formam substantivos de verbos; que formam adjetivos

de substantivos; e que formam adjetivos de verbos. Há, também, nessa gramática, sufixos

que se repetem entre as seções. O sentido geral dos sufixos também é explicitado. Na

seqüência são apresentados os exemplos. Para finalizar, os autores apresentam os verbais

(com o sentido geral e os exemplos) e o adverbial (-mente).

Embora não tenhamos realizado um estudo exaustivo, de acordo com as gramáticas

consultadas, a formação de novas palavras assemelha-se a um processo mecânico: basta

usar um sufixo com o sentido pretendido constante numa lista de alguma gramática e

agregá-lo a um radical. Para as gramáticas normativas é um processo muito simples. O

problema é que um sufixo como –ola, por exemplo, pode formar palavras com sentido

aumentativo e, também, diminutivo. E as gramáticas normativas, ao invés de estudarem o

processo, apenas apresentam listas de sufixos. Como se isso resumisse o assunto...

Podemos afirmar, após essa análise, que as gramáticas normativas seguem um

padrão de apresentação dos sufixos:

Sufixo ou grupo de sufixos sentido geral exemplos

Concluímos, inicialmente, com Rocha (1998, p. 50-60), que, ao analisar a sufixação

em gramáticas brasileiras, aponta os seguintes problemas:

confusão entre os planos sincrônico e diacrônico;

não-especificação dos critérios para se saber se uma palavra apresenta sufixo ou

não;

a questão da regularidade, previsibilidade e sistematização das relações sufixais;

impressão de que o estudo da sufixação consiste apenas na apresentação de uma

lista de sufixos.

1.1.1-Os sufixos –eiro e –ismo

Após seleção de palavras formadas pelo processo da derivação sufixal, num

discurso específico (o político), optamos pela escolha dos sufixos –eiro e –ismo para

análise. Apresentaremos, então, especificamente, a forma como tais sufixos estão descritos

nas gramáticas comentadas anteriormente.

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-EIRO

Cegalla denota profissão, ofício, agente (pedreiro);

formador de adjetivos (lisonjeiro);

formador de adjetivos que exprimem naturalidade, origem

(brasileiro).

Bechara formador de nomes de agente ( lavadeira, pedreiro);

para significar lugar onde se encontra (açucareiro,

chocolateira);

formador de nomes de naturalidade (brasileiro);

formador de adjetivos (verdadeiro, costumeiro).

Melo É a forma vernácula de -ariu. Tem as mesmas acepções

(sapateiro, vendeiro, leiteiro, carroceiro), sendo extremamente

produtivo nesse sentido de caracterizar indivíduos pela sua

profissão. Forma também adjetivos (grosseiro, dianteiro,

fronteiro, certeiro, costeiro, passageiro).

Cunha & Cintra Formando substantivos de outros substantivos:

ocupação, ofício, profissão (barbeiro, copeira);

lugar onde se guarda algo (galinheiro, tinteiro);

árvore e arbusto (laranjeira, craveiro);

idéia de intensidade, aumento (nevoeiro, poeira);

objeto de uso (cinzeiro, pulseira);

noção coletiva (barreiro, formigueiro);

Formando adjetivos de substantivos:

posse, origem (caseiro, mineiro).

-ISMO

Cegalla forma substantivos que traduzem ciência, escola, sistema

político ou religioso (romantismo, modernismo, socialismo,

catolicismo).

Bechara formador de nomes de ação ou resultado de ação; estado;

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qualidade – derivado de adjetivo (civismo, charlatanismo);

formador de nomes que indicam maneira de pensar; doutrina

que alguém segue; seitas (cristianismo, classicismo).

Melo Forma substantivos, indicando “doutrina”, “seita religiosa”,

“ideologia” (maometismo, calvinismo, comunismo),

“particularidades ou vícios de linguagem” (vulgarismo,

neologismo), certos fenômenos naturais (magnetismo,

traumatismo), “maneira de ser ou de seguir certas doutrinas”

(farisaísmo, patriotismo).

Cunha & Cintra Formador de substantivos de outros substantivos e de adjetivos:

doutrinas ou sistemas artísticos, filosóficos, políticos e

religiosos (realismo, kantismo, fascismo, budismo);

modo de proceder ou pensar (heroísmo, servilismo);

forma peculiar da língua (galicismo, neologismo);

na terminologia científica (daltonismo, reumatismo).

Pelo exposto nos quadros anteriores, é possível entender o “modo de organização”

dos sufixos nas gramáticas normativas. Uma palavra como mensaleiro seria formada a

partir do acréscimo de -eiro (cujo sentido geral é o de profissão, agente, ofício) ao seu

radical mensal5 (relativo a mês). Dessa forma, com base num ponto de vista prescritivo, a

significação mais coerente seria “profissão, alguém que recebe uma quantia mensal por

exercer um ofício específico”, assim resumindo-se o processo.

Acreditamos que transpor um olhar gramatical/ normativo às palavras é interpretá-

las de forma a lhes retirar toda a sua discursividade, desconsiderando o uso e as condições

de produção que as envolvem. Em outras palavras, é desconsiderar que a língua possui um

funcionamento que é integralmente lingüístico e histórico. Ao buscar o sentido da palavra,

Saussure afirmara que somente as vinculações consagradas pela língua nos parecem

conformes à realidade, e abandonamos toda e qualquer outra que se possa imaginar (p.

80). Na verdade, assim o fazemos por estarmos inseridos numa cultura cuja tradição

5 Segundo Trask (ver nota 1), a palavra mensal não pode se caracterizar como um radical, porém, por questões metodológicas, pensaremos na ocorrência mensaleiro como formada a partir da junção de mensal + eiro, como se mensal fosse seu radical.

21

gramatical determina a pesquisa aos compêndios e o empréstimo do sentido geral do sufixo

ao radical em questão.

Nos itens vindouros, veremos como diferentes escolas e domínios das Ciências da

Linguagem tratam do fenômeno em questão.

1.2 – No Estruturalismo

À lingüística do século XIX, comparativa e histórica, contrapôs-se o estruturalismo,

cuja noção central para a compreensão do fenômeno lingüístico era a noção de valor. O

marco inicial foi a publicação póstuma, em 1916, do “Curso de Lingüística Geral”, do suíço

Ferdinand de Saussure – considerado o pai da lingüística moderna. Tal “curso” se baseava

nas anotações de seus alunos durante as conferências que ministrou na Universidade de

Genebra entre 1907 e 1911, cujos redatores foram Bally, Sechehaye e Riedlinger. Apesar

de a obra ter sido publicada em 1916, os reais impactos deram-se no fim da década de

1920, mais precisamente a partir do Primeiro Congresso Internacional de Lingüística (Haia,

1928), do Primeiro Congresso dos Filólogos Eslavos (Praga, 1929) e da Primeira Reunião

Fonológica Internacional (Praga, 1930). Foi, então, pelas mãos de Roman Jakobson e

Nikolai Trubetzkoy que primeiro apareceram as teses de inspiração saussuriana.

Saussure realizou um grande corte nos estudos lingüísticos, oferecendo condições

efetivas para se construir uma lingüística sincrônica da linguagem, uma ciência a tratar

exclusivamente da linguagem. Para ele, ao lado de um estudo histórico da língua

(diacronia) deveria haver também um estudo descritivo (sincronia) – tais modos de

explicação eram complementares, porém o diacrônico dependia do sincrônico, do ponto de

vista lógico, o que levou o autor a reivindicar a autonomia para a pesquisa sincrônica.

Entre as dicotomias apresentadas no “curso”, gostaríamos de destacar a que se

estabelece entre a língua e a fala. Esta, de caráter heterogêneo, momentâneo e concreto, foi

considerada como

um ato individual de vontade e inteligência, no qual convém distinguir: 1º, as combinações pelas quais o falante realiza o código da língua no propósito de exprimir seu pensamento pessoal; 2º, o mecanismo psico-físico que lhe permite exteriorizar essas combinações (SAUSSURE, p. 22).

22

A língua, por sua vez, considerada como o objeto da lingüística, de caráter homogêneo e

uma entidade abstrata, era concebida como um sistema, um fenômeno social:

A língua não constitui, pois, uma função do falante: é o produto que o indivíduo registra passivamente; não supõe jamais premeditação, e a reflexão nela intervém somente para a atividade de classificação (SAUSSURE, p. 22).

Usando a metáfora do jogo, o “curso” deixava claro que o objeto específico da

pesquisa lingüística deveria ser a regra do jogo e não as jogadas. Ou seja, o sistema; não as

mensagens. Desse modo, Saussure partia para um tipo de pesquisa bem diferente do que

vinha sendo feito, inclusive por ele mesmo, visto que fora um filólogo:

(...) seria ilusório reunir, sob o mesmo ponto de vista, a língua e a fala. (...) Essa é a primeira bifurcação que se encontra quando se procura estabelecer a teoria da linguagem. Cumpre escolher entre dois caminhos impossíveis de trilhar ao mesmo tempo; devem ser seguidos separadamente. Pode-se, a rigor, conservar o nome de Lingüística para cada uma dessas duas disciplinas e falar duma Lingüística da fala. Será, porém, necessário não confundi-la com a Lingüística propriamente dita, aquela cujo único objeto é a língua. Unicamente desta última é que cuidaremos, e se por acaso, no decurso de nossas demonstrações, pedirmos luzes ao estudo da fala, esforçar-nos-emos para jamais transpor os limites que separam os dois domínios (SAUSSURE, p. 28).

No Brasil, o advento do estruturalismo se deu nos anos 1960. Na década seguinte já

era, então, a orientação mais importante nos estudos da linguagem no país. Ao lado do

gramático e do filólogo surgia um novo tipo de estudioso – o lingüista.

Dois focos distintos de irradiação do movimento se deram no Brasil,

respectivamente:

a) No Rio de Janeiro, desde a década de 1930, atuou Joaquim Mattoso Câmara Jr.

Estudou e lecionou na América do Norte quando a universidade brasileira vivia sob

influência da ciência européia. Conheceu, portanto, profundamente, a lingüística

produzida nos dois continentes. Praticou a fonologia de Praga, mas também

divulgou as idéias dos americanos Sapir e Jakobson. Publicou o primeiro manual de

lingüística na América do Sul – “Princípios de Lingüística Geral” – cuja

importância foi decisiva para a afirmação da lingüística como disciplina autônoma.

23

b) Em São Paulo, no final da década de 1960, professores como Eni Orlandi, Izidoro

Blikstein e Cidmar Teodoro Paes atuavam em cursos de graduação e pós-

graduação. Estes professores eram formados por antigos bolsistas retornados da

França, que criaram condições para a leitura de Saussure, Martinet, Hjelmslev,

Pottier, Barthes, Greimas, entre outros.

Novas tendências foram surgindo e, hoje, poucos lingüistas declaram-se

estruturalistas. Porém, há que se ressaltar as contribuições que ficaram...

Contrariando a tradição normativa, baseada na gramática greco-latina, o

estruturalismo instaurou a crença de que a língua falada e escrita no Brasil deveria ser

objeto de descrição. Assim, as variedades não-padrão da língua passaram a ser consideradas

como objeto de análise, descobrindo-se que tais variedades não apresentavam uma estrutura

pobre ou ineficiente, apenas diferente. Seguindo uma orientação normativa, aquilo que não

obedecesse à variedade padrão, era considerado “erro”.

Na obra de Mattoso Câmara Jr. há também incursões interessantes nas variedades não-padrão: uma dessas incursões parte da análise dos ‘erros dos escolares’, mostrando (pela primeira vez) que os ‘erros’ que os professores de ensino médio apontavam às vezes nas redações e em outros exercícios escolares, nada mais são do que a manifestação da língua que os alunos efetivamente conhecem, a língua real, nem sempre igual às representações construídas pelos gramáticos (ILARI, 2004, p. 88).

Pela primeira vez, no Brasil, falares sem prestígio ganharam dignidade enquanto

objetos de estudo: línguas indígenas; línguas e dialetos trazidos pelos africanos e europeus;

e variedades regionais do português.

Uma outra contribuição foi a preocupação em registrar, disponibilizar e tratar dados

lingüísticos, estimulando a lingüística de campo. O Projeto de Estudo da Norma Urbana

Culta (NURC) é um exemplo de um grande corpus. Surgiu por iniciativa de Nélson Rossi,

Ataliba Castilho e Celso Cunha, e tinha como objetivo inicial o estudo da variedade mais

prestigiada do português falado. Hoje, o corpus do NURC estimula um outro grande

projeto – o PGPF (Projeto de Estudo da Gramática do Português Falado) – e já alcançou o

número de 1.500 horas gravadas.

O ensino de línguas também recebeu contribuições. Não em relação aos exercícios

estruturais, que visavam automatizar o uso de determinadas estruturas sintáticas, mas à

24

pedagogia da língua materna, que consistiu em mostrar a precariedade da doutrina

gramatical que vinha sendo ensinada pela escola.

(...) penso que se deve creditar ao estruturalismo o fato de que a escola adotou uma nova atitude em face dos textos, inclusive os literários, que passavam a ser objeto de uma análise específica; até a década de 1960, era mais importante falar de coisas que hoje nos aparecem como ‘circunstanciais’: a biografia do autor, a escola literária a que ele pertenceu, os fatos que o inspiraram a escrever o texto, as figuras históricas a partir das quais criou suas personagens fictícias... (ILARI, 2004, p. 90).

Acreditamos que, após essa modesta apresentação do que foi o estruturalismo,

poderemos comentar como alguns estruturalistas brasileiros descrevem a formação de

novas palavras pelo processo da derivação e, mais especificamente, a sufixação. Ao

contrário das gramáticas normativas, que prescrevem regras e listam sufixos para a

formação de palavras, o estruturalismo faz a descrição do processo, sem preocupações

normativas.

Para os estruturalistas, a derivação consiste na formação de palavras por meio de

afixos agregados a um morfema lexical. Segundo Carone (2005, p. 38), este é o

procedimento gramatical mais produtivo para o enriquecimento do léxico. Para que esse

enriquecimento ocorra, é necessário considerar o estágio atual da língua, já que há palavras

primitivas (como “conduzir” e “admitir”) que, num estudo histórico, são consideradas

derivadas. Há, ainda, a necessidade de o afixo estar à disposição dos falantes nativos, no

sistema. Na derivação, há o que Halliday denomina de “relações abertas”, as quais

representam aquilo que o novo vocábulo estabelece entre os demais similares; em tais

“relações”, as idiossincrasias constituem a regra. Como afirma Câmara Jr. (2001, p. 82),

para cada vocábulo, há sempre a possibilidade ou a existência potencial, de uma

derivação. A lista dos seus derivados não é exclusiva nem exaustiva.

Os afixos – formas presas – em posição anterior ao radical são denominados

prefixos; já em posição posterior são sufixos. Não são excludentes e seu número numa

palavra não é restrito, varia de acordo com a escolha e criatividade do falante para formar

palavras que melhor expressem suas idéias. A palavra “superdesvalorização” é um bom

25

exemplo. O número de afixos é limitado6 e novas criações são raras na história da língua.

Os prefixos não alteram gramaticalmente o novo vocábulo; já o sufixo, além de aduzir novo

significado, traz consigo informações gramaticais que não existem no prefixo (...). O sufixo

tem, portanto, um tipo de gramaticalidade que falta ao prefixo (CARONE, 2005, p. 43-4).

Na derivação sufixal, teríamos o acréscimo de sufixos ao morfema lexical. Assim,

palavras derivadas sufixalmente apresentariam a seguinte estrutura: morfema lexical +

sufixo(s) ( + vogal temática) ( + morfemas flexionais). E, ao contrário das flexionadas, que

pertencem ao mesmo paradigma, as palavras derivadas pertencem a paradigmas diferentes.

Segundo Koch & Silva7 (1994, p. 25), os morfemas derivacionais (entre eles, os

sufixos) formam palavras que enriquecem o léxico, servem como base para derivações

posteriores e possibilitam ao falante a escolha de uma forma vocabular.

Em Câmara Jr. (2001, p. 81), encontramos a sufixação quando trata do “mecanismo

da flexão portuguesa”. Para ele, a flexão apresenta-se sob o aspecto de segmentos fônicos

pospostos ao radical, ou sufixos. Refere-se, dessa forma, aos sufixos flexionais (ou

desinências), que não se devem confundir com os sufixos derivacionais, destinados a criar

novos vocábulos. Essa distinção pode ser encontrada em Varrão (116 a.C.), gramático

latino que distinguiu derivatio voluntaria de derivatio naturalis. O primeiro processo cria

novas palavras – o adjetivo voluntaria sugere a possibilidade de opção do falante na

formação de uma nova palavra. Não há, por exemplo, nomes derivados para todos os

verbos, caracterizando-se tal processo como desconexo e variado. Já o segundo processo é

naturalis por indicar modalidades específicas de uma dada palavra. Neste, há

obrigatoriedade e sistematização coerente, imposta pela própria natureza da frase, com

paradigmas coesos e uma pequena margem de variação.

Borba8, por sua vez, fala em Morfologia Lexical e Morfologia Flexional. A

derivação é o mecanismo básico da primeira, responsável pela formação de novas unidades.

Já na segunda, o mecanismo é o da flexão, que indica categorias gramaticais. Segundo este

autor,

6 Segundo Borba (1998, p. 162), nossa língua conta com um número limitado de pouco mais de 50 prefixos e por volta de 140 sufixos. 7 Embora as autoras não se inscrevam atualmente no paradigma estruturalista, a obra referenciada segue o modelo de análise lingüística proposto pelo estruturalismo. 8 Esse autor também é um exemplo de teórico que não se inscreve no paradigma estruturalista, mas sua obra fornece uma base lingüística também proposta pelo estruturalismo.

26

por expressar diferenças vocabulares, quase toda a criatividade mórfica da língua está a cargo da morfologia lexical enquanto, por expressar apenas diferenças gramaticais, o acréscimo de morfemas flexionais é limitado e automático (BORBA, 1998, p. 161).

Ao contrário das gramáticas normativas, Borba (1998, p. 162) considera a existência

de sufixos homônimos: Também há sufixos homônimos. Cf. –al¹: forma substantivos e dá

idéia de quantidade (areal, laranjal), -al²: forma adjetivos e indica relação, pertinência

(triunfal, campal).

Um bom exemplo de como as gramáticas normativas destoam da descrição

estrutural está relacionado à flexão de grau. Para Câmara Jr. (2001, p. 83), aquilo que elas

costumam definir por flexão de grau não passa de derivação, visto que seu uso é uma

questão de estilo ou preferência pessoal, não havendo obrigatoriedade no emprego do

adjetivo com o sufixo de superlativo (fácil – facílimo), possibilitando ao falante a escolha

de uma outra forma vocabular:

A expressão de grau não é um processo flexional em português, porque não é um mecanismo obrigatório e coerente, e não estabelece paradigmas exaustivos e de termos exclusivos entre si. A sua inclusão na flexão nominal decorreu da transposição pouco inteligente de um aspecto da gramática latina para a nossa gramática.

Outra confusão descrita por Câmara Jr. (2001, p. 89) é o que as gramáticas fazem

entre flexão de gênero e derivação. Para ele,

imperador se caracteriza, não flexionalmente, pelo sufixo derivacional –dor, e imperatriz, analogamente, pelo sufixo derivacional –triz. Da mesma sorte galinha é um diminutivo de galo, que passa a designar as fêmeas em geral da espécie <<galo>>, como perdigão é um aumentativo limitado aos machos da <<perdiz>>. Dizer que -triz, inha ou -ão são aí flexões de gênero é confundir flexão com derivação.

Como aconteceu com a lingüística pré-saussuriana, o estruturalismo (por volta dos

anos 1960) também enfrentou seus limites visto que desconsiderou aspectos essenciais para

a compreensão dos fenômenos lingüísticos. Sofreu – e ainda sofre – várias críticas, porém,

nunca deixou de representar o grande corte que desencadeou os estudos modernos em

lingüística.

27

1.3 – No Gerativismo

O gerativismo desenvolveu-se como reação ao descritivismo americano pós-

bloomfieldiano: uma versão particular do estruturalismo. Noam Chomsky lançou as bases

da Gramática Gerativo-Transformacional, sendo o responsável por comandar uma

verdadeira revolução científica, atacando os princípios mais fundamentais do estruturalismo

(Ainda assim, por algum tempo, a gramática gerativa foi tratada como um novo

estruturalismo!). Sua lingüística propôs um novo objeto de estudo – a competência

sintática, uma capacidade ou disposição dos falantes, um objeto mental.

O ano de 1957 e o livro “Syntactic Structures”, de Noam Chomsky, representam o

início dessa corrente teórica. Abandonando as explicações behavioristas acerca da

aquisição da linguagem, os gerativistas acreditavam numa explicação inatista. Assim, a

linguagem seria independente de estímulo. Para eles, conhecemos a gramática das línguas

como parte do nosso equipamento biológico. E, ao falarem em criatividade, referem-se ao

fato de que o enunciado que alguém profere é não predizível e não pode ser descrito como

uma resposta a algum estímulo identificável, lingüístico ou não-lingüístico (Lyons, 1987, p.

213). Essa criatividade, que é, segundo Chomsky, o que distingue o homem das máquinas,

é, no entanto, regida por regras.

Nossa criatividade no uso da linguagem (...) manifesta-se dentro dos limites estabelecidos pela produtividade do sistema lingüístico. Além do mais, Chomsky acredita (...) que as regras que determinam a produtividade das línguas humanas têm as propriedades formais que têm em virtude da estrutura da mente humana (LYONS, 1987, p. 213).

Uma característica importante dessa corrente era a busca pelas propriedades

universais da linguagem. Enquanto os estruturalistas enfatizavam a diversidade estrutural

das línguas, os gerativistas interessavam-se no que elas apresentavam em comum.

Outra característica que contrastava com o estruturalismo era a distinção entre

competência e desempenho. A primeira refere-se ao conhecimento que o falante tem do

sistema, conhecimento este que permite a produção de um conjunto infinito de sentenças.

Já o desempenho refere-se ao comportamento lingüístico, determinado não só pela

competência lingüística, mas por diversos fatores não lingüísticos.

28

A competência lingüística de um falante é um conjunto de regras que ele construiu em sua mente, pela aplicação de sua capacidade inata para a aquisição da linguagem aos dados lingüísticos que ele ouviu à sua volta na infância (LYONS, 1987, p. 215).

Enquanto os estruturalistas tinham como objeto a língua, descrevendo-a a partir da

seleção de um corpus representativo, os gerativistas supunham a existência de algo anterior

à língua dos estruturalistas, a competência do falante. Partir do corpus representativo era,

portanto, metodologicamente desinteressante para estes:

Chomsky desloca a questão fundamental da teoria lingüística para a determinação das regras que regem os ‘corpora representativos’, que deixam assim de ser o ponto de partida da teoria lingüística e passam a ser o seu ponto de chegada. Para Chomsky, a comunidade lingüística possui um conhecimento compartilhado sobre os enunciados que podem e os que não podem ser produzidos, e é justamente este conhecimento que precisa ser descrito e explicado pela teoria lingüística (BORGES NETO, 2004, p. 99).

A teoria desenvolvida por Chomsky é entendida por Borges Neto (2004, p. 93)

como um “empreendimento coletivo”, um Programa de Investigação Científica. Este divide

a história da Gramática Gerativa em três grandes estratégias, apresentando (segundo ele) a

melhor periodização do desenvolvimento do programa:

a) num primeiro momento, o de “Syntactic Structures”, fazia-se exclusivamente sintaxe e a

noção de gramática gerativa correspondia à noção corrente em lógica e matemática – a

gramática deveria gerar diretamente as sentenças da língua. É um período instável na teoria.

Esta ainda encontrava-se presa ao modo estruturalista de fazer lingüística, havendo um

conflito entre as exigências do programa e as disponibilidades teóricas;

b) no segundo momento, o da “teoria-padrão”, a gramática passa a gerar objetos abstratos

que são interpretados nas sentenças da língua. Nesse momento, a gramática não gera mais

diretamente as sentenças da língua, ela vai gerar tantos objetos abstratos quantas forem as

sentenças da língua. As polêmicas e a grande efervescência teórica caracterizam esse

período, marcado por propostas alternativas e dissidências;

c) no terceiro e último momento, o de “Princípios e Parâmetros”, a gramática gera objetos

abstratos que explicitam as propriedades que os falantes levam em consideração no

momento de emitir juízos de gramaticalidade sobre objetos lingüísticos. Assim, não é

possível dizer que a gramática gera as sentenças da língua, mas que permite as sentenças de

29

uma língua. É um momento em que os princípios são estabelecidos de forma consistente,

no qual um grande número de línguas é analisado de forma satisfatória. Severas revisões

são feitas com duas teorias em confronto: a teoria de regência e ligação e o Programa

Minimalista.

A morfologia ficou relativamente perdida na lingüística gerativo-transformacional,

tendo sido o centro das preocupações da gramática estrutural. A explicação para a geração

das palavras era dada por meio de regras sintáticas. Porém, ao se dar conta de que as

explicitações poderiam se realizar mediante um componente morfológico autônomo, por

meio do artigo “Remarks of nominalization”, de 1967, Chomsky chamou a atenção para a

possibilidade de independência da morfologia perante à sintaxe. Foi a chamada “Hipótese

Lexicalista” – que veio desencadear um grande desenvolvimento na morfologia lexical.

No Brasil, houve um interesse crescente na morfologia gerativa depois da

publicação de “Estruturas Lexicais do Português; (sic) uma abordagem gerativa”, de

Margarida Basílio, em 1980. A preocupação dos gerativistas era, pois, explicitar a

capacidade/ competência que um falante tem em relação ao léxico de sua língua.

Como afirma Basílio (apud ROCHA, 1998, p.30):

Na gramática tradicional, assim como no estruturalismo, a morfologia derivacional é definida como a parte da gramática de uma língua que descreve a formação e estrutura das palavras. Numa abordagem gerativa, podemos dizer que a morfologia derivacional é a parte da gramática que dá conta da competência do falante nativo no léxico de sua língua.

Os gerativistas tentam mostrar que o léxico é um lugar vital, não uma lista passiva

de palavras com seus significados; as regras são, portanto, usadas ativamente para criar

novas palavras. A competência do falante permite-lhe conhecer o léxico, ou seja, saber usar

os itens lexicais e poder estabelecer relações entre eles. Segundo Rocha (1998, p. 35), um

item ou uma entrada lexical é uma forma lingüística que o falante conhece ou utiliza. A

relação das entradas lexicais constitui o léxico de uma língua. Tal conhecimento permite,

inclusive, identificar a estrutura interna dos vocábulos para, então, criar novas palavras,

rejeitando as agramaticais. Desse modo, perante relações paradigmáticas como “jogar-

jogador”, “correr-corredor”, o falante poderá criar “dirigir-dirigidor”, porém, ao se

explicitar as regras morfológicas do português, ver-se-á que se trata de uma formação

30

agramatical. E essa é justamente uma das tarefas principais da morfologia gerativa:

explicitar as regras morfológicas.

Duas regras são relevantes na morfologia gerativa: a Regra de Análise Estrutural

(RAE), que é empregada pelo falante ao analisar a estrutura das palavras derivadas; e a

Regra de Formação de Palavras (RFP), utilizada quando o falante produz novos itens

lexicais. Esta é estabelecida com base em relações paradigmáticas. E a toda RFP

corresponde uma RAE.

As regras em morfologia gerativa estabelecem relações entre itens lexicais – no

nível do léxico – e não partindo de uma raiz. Dessa forma, o falante cria novas palavras

baseando-se em palavras já existentes na língua, e não, como defendia o estruturalismo,

juntando-se raízes a prefixos, sufixos, desinências, vogais temáticas...

Rocha (1998), em “Estruturas Morfológicas do Português”, faz um estudo gerativo

da derivação sufixal, considerada por ele como o processo de formação de palavras mais

rico e diversificado da língua portuguesa, sendo, conseqüentemente o mais acionado pelos

falantes (p. 99). Tal processo consiste na anexação de um sufixo a uma base. Esta vem a ser

uma seqüência fônica a partir da qual se forma uma nova palavra – o produto. Em

formigueiro, por exemplo, a base é formiga. Ela não precisa ser, necessariamente, uma

palavra da língua (base livre), podendo ser uma forma presa. Os conceitos de raiz e radical

tornam-se secundários perante o conceito de base, passando a ser, esta, o centro das

atenções dos lexicalistas.

No entendimento do autor, há que se ressaltar a base falsa, ou basóide, que não deve

ser confundida com a base presa. Para que uma base seja considerada como tal, é preciso

que seja recorrente, devendo aparecer em pelo menos dois contextos distintos. As basóides

só existem em uma formação do português, sendo destituídas de sentido. Em um conjunto

de palavras como esporádico, rústico e tétrico, os sufixos são recorrentes, mas as bases,

mesmo sendo depreensíveis, não aparecem em nenhuma outra palavra da língua

portuguesa. São, portanto, falsas.

Para Rocha (1998, p. 106), o estudo do sufixo só será válido se estiver inserido

numa regra, que vem a ser uma relação de regularidade que se estabelece entre uma base e

um produto. Uma regra como S S-eiro9 permite relações paradigmáticas do tipo pedra –

9 Substantivo + sufixo –eiro.

31

pedreiro, jornal – jornaleiro, mensal – mensaleiro... Ou seja, há uma regularidade entre

pedra, jornal e mensal – as bases – e pedreiro, jornaleiro e mensaleiro – os produtos.

Os sufixos são, então, definidos da seguinte forma, na perspectiva gerativa:

Sufixo é uma forma presa recorrente, que se coloca à direita da base, caracterizando assim uma palavra derivada. O sufixo se distingue de uma base pelo fato de não apresentar significação e/ ou função (S/F) própria, autônoma, independente. Essa S/F só será explicitada se o sufixo estiver anexado a uma base. A rigor, deve-se falar, portanto, na S/F do produto e não na S/F do sufixo (ROCHA, 1998, p. 108).

Seguindo essa perspectiva, não há sufixos produtivos e improdutivos, mas regras

produtivas e improdutivas. Uma regra como V S-dor10 é produtiva: cortar – cortador,

limpar – limpador... Já com o sufixo –âneo não se formam palavras novas. É, portanto, uma

regra improdutiva.

Assim como as basóides, há também os sufixóides – falsos sufixos. Não são

considerados sufixos por sua não recorrência, apresentando um sentido exclusivo,

específico e não-previsível. É o que ocorre, por exemplo, com cavalete, marisco e casebre,

em que -ete, -isco e -ebre apresentam as características de um sufixo, mas por não serem

recorrentes são considerados pseudo-sufixos.

Como já comentamos anteriormente, as gramáticas normativas ignoram a existência

dos sufixos homófonos. Eles são apresentados como se fossem um mesmo sufixo com

diversos sentidos (o que é problemático do ponto de vista gerativo). Apresentam a mesma

seqüência fonética, mas sentidos/ funções diferentes, considerados, portanto, pela gramática

gerativa como homófonos – sufixos distintos com duas ou mais entradas lexicais

independentes.

Há também os sufixos concorrentes e os alomorfêmicos. Os concorrentes, apesar de

distintos foneticamente, apresentam o mesmo sentido/ função. Como condição, as bases e

os produtos precisam pertencer à mesma categoria lexical. Assim, -ista e -eiro são sufixos

concorrentes ao formarem substantivos agentivos a partir de substantivos (frentista,

lixeiro...). Já os alomorfêmicos são as variantes de um mesmo sufixo, como –eiro/ -eira

(abacateiro, laranjeira); -ada/ -lada (pedrada, paulada).

10 Verbo + sufixo –dor.

32

Para terminar, quando os sufixos mudam a categoria lexical do produto em relação à

base, são denominados categoriais (jogar – jogador); do contrário, não-categoriais (lamber

– lambiscar). Se os categoriais acrescentarem ao significado da base uma significação

acessória, serão, também, significativos (federal – federalismo). Se, por outro lado, não

houver alteração no componente semântico, serão não-significativos, também chamados

funcionais (preparar – preparação).

1.3.1 – O sufixo –eiro

Rocha (1998) apresenta um modelo de análise com o sufixo –eiro. Trata-se da regra

S S–eiro11. Como este sufixo faz parte do corpus de nossa pesquisa, acreditamos ser de

suma importância as informações expressas por este autor. Apesar de seu estudo referir-se

apenas ao sufixo –eiro/ agentivo, gostaríamos de mostrar os diversos sentidos e/ ou funções

que este sufixo pode apresentar, tratando-se, dessa forma, de sufixos distintos, ou seja,

homófonos:

Sufixos Sentido e/ ou função Exemplos

-eiro¹ Agente verdureiro, doleiro, roqueiro

-eiro² Árvore ou arbusto abacateiro, tomateiro

-eiro³ Lugar ou recipiente galinheiro, saleiro, doceira

-eiro 4 Idéia de conjunto, coletivo Braseiro, letreiro, nevoeiro

-eiro 5 Gentílico brasileiro,mineiro,pantaneiro

-eiro 6 Formador de adjetivos grosseiro, matreiro, ordeiro

-eiro 7 Objeto chuveiro, isqueiro, pandeiro

(ROCHA, 1998, p. 111)

O autor inicia fazendo a distinção entre condições de produtividade e condições de

produção. As primeiras referem-se às possibilidades que uma RFP tem de formar novas

palavras (p. 129). Ou seja, a RFP em questão pode ser empregada com certas bases (desde

que não sejam substantivos abstratos, que não designem agente-indivíduo e que não sejam

formações compostas), porém não é o suficiente para garantir a existência dos produtos

11 Substantivo + sufixo –eiro.

33

correspondentes devido a algumas restrições – as condições de produção – as quais podem

ser de três tipos:

a) restrições stricto sensu

a.1) restrições fonológicas: quando se torna difícil e cansativo para o falante a seqüência

dos fonemas. Ex: laranjeira – laranjeireiro.

a.2) restrições paradigmáticas12: quando a existência de produtos consagrados, que se

formaram com base em outras relações paradigmáticas (...) bloqueia o surgimento de

produtos da regra em questão (p. 137). Ex: com a base língua, lingüeiro é bloqueado por

lingüista.13

a.3) restrições pragmáticas: quando há condições ideais para a aplicação da regra, mas não

há, na língua, o produto real correspondente. Ex: franqueiro (não há, em nossa sociedade, o

indivíduo especializado em comercializar francos).

a.4) restrições discursivas: quando certos sufixos são característicos de um tipo de discurso.

Ex: dificilmente criações recentes com o sufixo –eiro farão parte de discursos neutros,

técnicos ou científicos.

b) bloqueio

b.1) bloqueio paradigmático: quando uma forma deixa de existir devido à existência de uma

outra com o mesmo sentido/ função. Ex: familial é bloqueado por familiar.

b.2) bloqueio heterônimo: quando já existem palavras, com raiz diferente da raiz da base

em questão, que bloqueiam os possíveis produtos. Ex: ensinador é bloqueado por

professor.

b.3) bloqueio homofônico: quando já existem formações com o mesmo aspecto fonético,

mas com significado diferente. Ex: para terra tem-se agricultor – terreiro/ agente é

bloqueado por terreiro/ quintal.

b.4) bloqueio parônimo: quando os produtos não são reais porque a língua apresenta

parônimos que os bloqueiam. Ex: vidreiro é bloqueado por vidraceiro, que tem como base

vidraça.

c) inércia morfológica: quando há uma rejeição a novos itens lexicais, inexistindo

condições favoráveis e caracterizando uma tendência a condenar termos não- 12 Que, como bem mostra o autor, estabelecem uma relação bem próxima com o conceito de bloqueio. 13 O autor chama a atenção para o fato de, recentemente, haver uma tendência em usar o sufixo –eiro pejorativamente, em contextos coloquiais; e o –ista em contextos neutros.

34

dicionarizados. Ex: se existem atividades manuais e braçais, por que não existem

atividades ou exercícios (?) pezais ou (?) pernais? (p. 145).14

Se os novos itens lexicais são criados com base nas regras da língua, então,

formações esporádicas irregulares não existirão numa língua comum, já que a competência

lexical do falante nativo basear-se-á em tais RFPs – que funcionam como leis (Manoel de

Barros que o diga!). Dessa forma, violar uma RFP de sufixação, sob o ponto de vista da

produtividade, é considerado, pelos gerativistas, uma transgressão sufixal.

Como pudemos mostrar, o gerativismo trouxe também suas contribuições. A

principal delas, e a que marca tal corrente, é a explicação das regras de uma língua.

Enquanto o estruturalismo preocupa-se em descrever as regularidades da língua num dado

momento, para o gerativismo o mais importante é explicar as “regras que regulam essa

regularidade”.

1.4 – No Funcionalismo

O funcionalismo é considerado como um movimento particular dentro do

estruturalismo. Apesar disso, sua história é quase tão longa quanto a do paradigma formal,

haja vista que no final do século XIX, Whitney já afirmava que a linguagem pressupunha

instrumentalidades mediante as quais os homens representavam seus pensamentos, estando,

dessa forma, a serviço da comunicação. Seus representantes mais influentes foram Roman

Jakobson e Nikolai Trubetzkoy, membros da Escola Lingüística de Praga, que teve origem

no Círculo Lingüístico de Praga, fundado em 1926. Tal escola designava um grupo de

estudiosos que acreditava que a linguagem permitia ao homem reação e referência à

realidade extralingüística.

Os funcionalistas divergiam de Saussure em alguns pontos, principalmente na

distinção nítida entre lingüística sincrônica e diacrônica e na homogeneidade do sistema

lingüístico. Para Lyons (1987, p. 207), esse movimento caracteriza-se pela crença de que a

estrutura fonológica, gramatical e semântica das línguas é determinada pelas funções que

têm que exercer nas sociedades que operam.

14 O autor não citou nenhuma palavra com –eiro por não ter encontrado nenhum exemplo para o caso.

35

Diferentemente do intelectualismo da tradição filosófica ocidental que antecedeu o

século XIX, que concebia a linguagem como exteriorização ou expressão do pensamento, o

funcionalismo a concebia como instrumento de comunicação e interação social.

O enfoque da linguagem como um instrumento de interação social tem por objetivo revelar a instrumentalidade da linguagem em termos de situações sociais (...). Desse modo, o compromisso principal do enfoque funcionalista é descrever a linguagem não como um fim em si mesmo mas como um requisito pragmático da interação verbal (PEZATTI, 2004, p. 168).

O conhecido esquema de Dik (apud Neves, 1997, p. 19), representando um modelo

de interação verbal, resume o papel da expressão lingüística na comunicação,

demonstrando que a relação entre a intenção do falante e a interpretação do destinatário não

é estabelecida pela expressão lingüística, mas mediada:

Formas do falante Construtores do destinatário

............antecipa.......

.....reconstrói ..........

informação pragmática

do falante

informação pragmática

do destinatário

INTERPRETAÇÃO INTENÇÃO

Expressão lingüística

36

Para este autor, a interação verbal é uma forma de “atividade cooperativa e estruturada”, já

que é governada por regras e convenções e necessita de, no mínimo, dois participantes para

atingir seus objetivos.

A “perspectiva funcional da sentença” (a organização das palavras na frase) foi o

interesse principal no que se refere à estrutura gramatical das línguas. A frase passou a ser

analisada não só nos níveis fonológico, morfológico e sintático, mas também no

comunicativo, alterando, assim, significativamente, seu papel em relação à pesquisa

formalista. Dessa forma,

a estrutura sintática dos enunciados (...) é determinada pela situação de comunicação em que é pronunciada, e em particular, pelo que já é aceito, ou dado como informação de fundo, e pelo que é apresentado, diante de tal informação, como novo para o ouvinte e portanto genuinamente informativo (LYONS, 1987, p. 210).

O objeto dos estudos funcionalistas era, então, baseado no uso real, não admitindo a

separação entre sistema e uso como o fizeram o estruturalismo (com a distinção entre

língua e fala) e o gerativismo (com a distinção entre competência e desempenho).

A gramática funcional é, pois, uma gramática de uso, que concebe a relação entre

estrutura e função como instável, refletindo o caráter dinâmico da linguagem. De orientação

paradigmática, interpreta a língua como uma rede de relações dando ênfase às variações

entre línguas diferentes. Toma a semântica como base organizando-se em torno do texto ou

discurso. O uso das expressões lingüísticas na interação verbal é o que a gramática

funcional mais considera, pressupondo uma pragmatização do componente sintático-

semântico do modelo lingüístico. Neves (1997, p. 15) assim a define:

Por gramática funcional entende-se, em geral, uma teoria da organização gramatical das línguas naturais que procura integrar-se em uma teoria global da interação social. Trata-se de uma teoria que assenta que as relações entre as unidades têm prioridade sobre seus limites e sua posição, e que entende a gramática como acessível às pressões do uso.

Mobilizamos Neves (1997, p. 5-14) a respeito da discussão que faz sobre “função” e

“funções da linguagem”. Inicialmente, ela discute a variedade de empregos do termo

função. Para a sociedade Internacional de Lingüística Funcional (SILF), função tem o valor

37

de papel, ou de utilidade de um objeto ou de um comportamento. Para Martinet, que fundou

a SILF, o termo funcional só tem sentido para os lingüistas em referência ao papel que a

língua desempenha para os homens, na comunicação de sua experiência uns aos outros. Já

segundo Dillinger, na lingüística usa-se função no sentido de relação. Anscombre &

Zaccaria afirmam que a ‘função’ de uma entidade lingüística é constituída pelo papel que

ela desempenha no processo comunicativo. Enfim, para Halliday, na visão funcionalista,

a noção de ‘função’ não se refere aos papéis que desempenham as classes de palavras ou os sintagmas dentro da estrutura das unidades maiores, mas ao papel que a linguagem desempenha na vida dos indivíduos, servindo a certos tipos universais de demanda, que são muitos e variados (1997, p. 8).

Em seguida, a autora trata das funções da linguagem, uma questão problemática

pois função, em referência à ‘linguagem’, tanto pode referir-se ao propósito do uso (...),

como ao papel, ou efeito, do uso (p. 9). Karl Bühler indica três funções, as quais

correlacionam qualquer proposta de estabelecimento de funções lingüísticas: a de

representação, a de exteriorização psíquica e a de apelo (uma pessoa informa outra pessoa

de algo). Mathesius propõe duas funções: a comunicativa, apontada como básica, e a

expressiva. A primeira envolve a “representação” e o “apelo” de Bühler. Jakobson, por sua

vez, adiciona três funções às funções de Bühler, estando cada uma das seis ligada a um dos

fatores intervenientes no ato de comunicação verbal: referencial (ao contexto), emotiva (ao

remetente), conativa (ao destinatário), fática (ao contato), metalingüística (ao código) e

poética (à mensagem). Segundo este autor, cada mensagem incorpora um “feixe” de

funções da linguagem. Halliday, por fim, propõe as metafunções. A ideacional refere-se à

expressão do conteúdo; a interpessoal é usada como um meio de participar do evento de

fala, a qual subsume tanto a função expressiva como a conativa de Bühler, caracterizando-

se por ser interacional e pessoal; e a textual diz respeito à criação do texto.

Uma questão importante também a se comentar é a distinção entre funcionalismo e

formalismo. O primeiro modelo de análise concebe a linguagem como uma entidade não

suficiente em si, representado pela Escola de Praga. Neste, a função das formas lingüísticas

desempenha um papel predominante. O segundo, pelo contrário, examina a linguagem

como um objeto autônomo, no qual a estrutura independe do uso. A análise da forma

38

lingüística é primária, já os interesses funcionais, secundários. Seus maiores representantes

foram Bloomfield e Chomsky.

Uma gramática formalmente orientada trata da estrutura sistemática das formas de uma língua, enquanto uma gramática funcionalmente orientada analisa a relação sistemática entre as formas e as funções em uma língua (Hoffman, apud NEVES, 197, p. 40).

Num quadro de Dik, adaptado por Neves (1997, p. 46-7), a autora resume a análise

que faz das duas grandes correntes:

Paradigma formal Paradigma funcional

Como definir a língua Conjunto de orações. Instrumento de interação

social.

Principal função da língua Expressão dos pensamentos. Comunicação.

Correlato psicológico Competência: capacidade de

produzir, interpretar e julgar

orações.

Competência comunicativa:

habilidade de interagir

socialmente com a língua.

O sistema e seu uso O estudo da competência

tem prioridade sobre o da

atuação.

O estudo do sistema deve

fazer-se dentro do quadro do

uso.

Língua e contexto/ situação As orações da língua devem

descrever-se

independentemente do

contexto/ situação.

A descrição das expressões

deve fornecer dados para a

descrição de seu

funcionamento num dado

contexto.

Aquisição da linguagem Faz-se com o uso de

propriedades inatas, com

base em um input restrito e

não estruturado de dados.

Faz-se com a ajuda de um

input extenso e estruturado

de dados apresentado no

contexto natural.

Universais lingüísticos Propriedades inatas do

organismo humano.

Explicados em função de

restrições comunicativas;

39

biológicas ou psicológicas;

contextuais.

Relação entre a sintaxe, a

semântica e a pragmática

A sintaxe é autônoma em

relação à semântica; as duas

são autônomas em relação à

pragmática; as prioridades

vão da sintaxe à pragmática,

via semântica.

A pragmática é o quadro

dentro do qual a semântica e

a sintaxe devem ser

estudadas; as prioridades

vão da pragmática à sintaxe,

via semântica.

Em “Gramática de Usos do Português”, Neves (2000) apresenta a língua portuguesa

atualmente usada no Brasil. A partir de uma base de dados de 70 milhões de ocorrências

(armazenadas no Centro de Estudos Lexicográficos da UNESP/ Araraquara), ela analisa

itens lexicais e gramaticais da língua e explicita seu uso em textos reais. Para ela, é no uso

que os diferentes itens assumem seu significado e definem sua função (p. 13).

A título de exemplificação, colhemos uma passagem que trata da formação dos

substantivos derivados a partir de outro substantivo acrescido do sufixo –eiro agentivo:

Aqui trabalhei de ajudante de pedreiro, vendedor de frutas, enfim, fazia de tudo para

garantir a sobrevivência (p. 76).

Vê-se que, diferentemente das gramáticas tradicionais, os exemplos são baseados na

língua viva, em uso, e não em textos de autores consagrados da literatura portuguesa e/ ou

brasileira. A partir do uso em textos reais é que são mostradas as regras que regem seu

funcionamento.

Assim, como poderíamos pensar as regras de sufixação? Obviamente que por

relações paradigmáticas. Por exemplo, tomando por base formações como “livro –

livreiro”, o falante poderá, justamente em decorrência de tal uso, formar “sacola –

sacoleiro”, entre outros. Para formar novas palavras a partir da sufixação não é necessário,

portanto, consultar uma gramática normativa com sua lista de sufixos para saber que

normas regem tal formação, mas observar os usos correntes na língua refletindo sobre os

mesmos. “Observado” o uso, o falante formará palavras de acordo com os sentidos

pretendidos. Talvez por isso é que crianças formam palavras um tanto “estranhas” como:

dirigidor (para motorista), celulador (para despertador do celular)... O que elas fazem é

40

estabelecer relações paradigmáticas de forma generalizada a partir de ocorrências em

funcionamento na língua.

Um outro exemplo refere-se ao pronunciamento da ex-senadora Heloísa Helena no

debate entre presidenciáveis transmitido pela Rede Globo de Televisão no final do primeiro

turno, da campanha presidencial de 2006. Em suas considerações finais (ao vivo!), num

tom agressivo, ela agrupa “banqueiros, mensaleiros e trambiqueiros” como alvo de suas

acusações. Com o acréscimo do sufixo –eiro aos radicais banco, mensal e trambique, o

sentido de profissão pode ser perfeitamente transposto a cada uma das ocorrências, porém

apenas a primeira é reconhecida como tal. Os usos já registrados na fala corrente com o

sufixo –eiro é que permitiram as referidas formações. As regras de funcionamento se

baseiam, dessa forma, na ocorrência “banqueiro”, acarretando, por meio de relações

paradigmáticas, as formações “mensaleiro” e “trambiqueiro”15.

Uma análise formalista restringir-se-ia às ocorrências, às regras que permitiriam a

formação das mesmas. Já uma análise funcionalista relacionará tais ocorrências ao seu

contexto, considerando os seis elementos envolvidos no processo de comunicação:

A) o emissor: Heloísa Helena;

B) o receptor: os telespectadores/ eleitores;

C) o código: a língua portuguesa;

D) o canal: a televisão, as ondas sonoras;

E) o referente: política;

F) a mensagem: o enunciado em questão.

Podemos afirmar, então, que o funcionalismo se propõe a analisar a linguagem no

seu uso efetivo. Com efeito, isso implica uma mudança de concepção de linguagem no

ensino de língua materna. De linguagem como expressão do pensamento, passou-se a

concebê-la como instrumento de comunicação. Como a exteriorização do pensamento era

apenas uma tradução, caracterizando-se a enunciação como um ato monológico/ individual,

pôde-se pensar a língua como um código, capaz de transmitir informações de um emissor a

um receptor.

15O curioso é que os efeitos de sentido tomam por base a ocorrência trambiqueiro. Assim, a idéia é que sejam considerados como “farinha do mesmo saco”: todos formados a partir do mesmo paradigma e, inclusive, do mesmo efeito de sentido. É como se as ocorrências se referissem a três profissões “sujas”.

41

Depois de falarmos brevemente sobre a maneira como algumas escolas dos estudos

lingüísticos tratam a sufixação, mostraremos como os domínios da argumentação e do

discurso trabalham tal problema.

1.5 – Teoria da Argumentação

Oswald Ducrot, num artigo intitulado “Argumentação retórica e argumentação

lingüística” (2004), afirma considerar a argumentação – juntamente com Jean-Claude

Anscombre e Marion Carel – num sentido diferente do que se costuma usar. Propõe, dessa

forma, a argumentação lingüística, que se contrapõe à argumentação retórica, apoiando-se

na teoria da “argumentação na língua”.

Por argumentação retórica (um dos objetos tradicionais de estudo da retórica) ele

entende a atividade verbal que objetiva fazer com que alguém acredite em alguma coisa (p.

24). Duas limitações, porém, são apontadas pelo autor. A primeira é de que o dever-fazer só

será levado em consideração se estiver embasado num fazer-crer – há outros meios de levar

alguém a fazer alguma coisa ao invés de tentar fazer crer a esse alguém que é bom para si

fazer tal coisa. A segunda é a de considerar somente a atividade verbal, a que utiliza a fala,

para fazer crer – há também outras formas de se fazer crer sem usar a fala (o que não

interessa ao autor, já que trabalha unicamente com a persuasão pelo discurso).

Passa, em seguida, a definir a expressão argumentação lingüística. Sua crítica

consiste em contestar que segmentos de discurso constituídos pelo encadeamento de duas

proposições A (argumento) e C (conclusão), ligadas implicitamente ou não por conectores

como portanto ou então, sejam interpretados como A portanto C. Aceitar e crer em A para

justificar C é considerada pelo autor uma concepção “banal”, “insuficiente” e “ilusória,”

visto que os encadeamentos conclusivos do discurso não constituem, enquanto tais, meios

diretos de persuasão nem mesmo meios parciais (p. 26).

Ducrot atenta para o fato de que as argumentações do discurso apresentam um

caráter não-coercitivo e que a persuasão exige que se apóie não só em motivos racionais.

Insiste, por sua vez, a retórica tradicional em afirmar que a persuasão exige não só a

apresentação de razões (o logos), mas também que se desenvolva no ouvinte o desejo do

crer verdadeiro (o pathos), confiando no orador, alguém que deve parecer confiável e sério,

oferecendo uma imagem favorável de si em seu próprio discurso (o ethos). O autor, por

42

sinal, recusa qualquer caráter racional à argumentação discursiva: a argumentação

discursiva não tem nenhum caráter racional, (...) ela não fornece justificação, nem mesmo

tênues esboços, lacunares, de justificação (p. 27). Porém, ele afirma que mesmo não tendo

nada a ver com um logos, a argumentação discursiva pode servir à persuasão: seu papel

persuasivo existe, mas ele não está ligado a um caráter racional do qual a persuasão seria,

ainda que vagamente, dotada (p. 28).

Segundo a teoria na qual se apóia, num encadeamento argumentativo A portanto C,

não há justificação de C por um enunciado A, pois A é compreensível em si mesmo – o

encadeamento apresenta o portanto C como já inserido em A. Nenhum dos segmentos

exprime fatos fechados sobre si mesmos, compreensíveis independentemente do

encadeamento. Desse modo, não há raciocínio ou transmissão de verdade, pois o portanto

C já faz parte do sentido de A.

Vejamos um dos exemplos apresentados pelo autor: você dirige rápido demais, você

corre o risco de sofrer um acidente. É muito comum tratar-se este enunciado como um

raciocínio que passa de uma premissa você dirige rápido demais a uma conclusão você

corre o risco de sofrer um acidente, o que para Ducrot é uma descrição absurda, já que a

própria palavra demais presente no antecedente, só se faz compreender em relação ao

conseqüente (p. 29). Neste caso, rápido demais significa a uma velocidade perigosa – fora

do encadeamento não significa nada. Apesar de tal encadeamento ligar duas proposições

assertivas por meio do conector implícito portanto, não assinala uma inferência indo de

uma afirmação a outra – é o portanto que permite imaginar o tipo de velocidade. Assim,

Ducrot justifica a serventia do encadeamento argumentativo:

não para justificar certa afirmação a partir de uma outra, apresentada como já admitida, mas para qualificar uma coisa ou uma situação (neste caso, a velocidade), por ela servir de suporte a uma certa argumentação. O portanto é um meio de descrever e não de provar, de justificar, de tornar verossímil (p. 30).

Dessa forma, não haverá um logos demonstrativo subjacente ao encadeamento do discurso,

pois o encadeamento já está dado pelo argumento.

43

O autor ainda mostra que se uma proposição A encadeia portanto C, pode também

encadear contudo não C. A única condição que se impõe é a mudança de conector,

corroborando a idéia de não haver uma prova discursiva, um logos argumentativo.

Por fim, Ducrot deixa claro que tanto o emprego de expressões com objetivos

persuasivos quanto sem tais objetivos comportam em seu sentido argumentações,

possibilitando, dessa forma, detectar argumentações na significação interna de muitas

palavras. Podemos apontar como exemplo, a análise que José Luiz Fiorin (2006)

desenvolve de algumas palavras formadas a partir dos sufixos –ismo e –inho.

Em “Discurso de um sufixo”, Fiorin aborda a sufixação de um ponto de vista

totalmente diferente do prescritivo das gramáticas tradicionais e de algumas escolas das

Ciências da Linguagem. Ele comenta que, com o surgimento dos escândalos do mensalão, a

palavra “denuncismo” passou a ser bastante empregada. Para ilustrar a afirmação expõe

vários enunciados empregando a palavra, dos quais, gostaríamos de destacar o seguinte: ‘Se

eles [da oposição] querem esticar a corda, nós não vamos concordar. Eles deviam saber

que denuncismo não está mais dando votos’, ironizou o senador (Tião Viana/PT-AC, Folha

de S. Paulo, 8/3/2006, A5). Cita, então, Sírio Possenti (2003), que afirma:

há uma série de termos ou expressões cujo aparecimento resulta da relação polêmica entre os discursos. Todo discurso constitui-se em oposição a outro discurso. No embate entre eles, constrói-se um simulacro da palavra do outro. Com efeito, não se combate o discurso alheio, mas uma imagem que se cria dele a partir das categorias semânticas do discurso que polemiza com ele. Nessa relação polêmica, certos termos ganham existência para expressar esse simulacro.

Com base em Possenti, Fiorin afirma que o surgimento da palavra “denuncismo”

resultou desta relação polêmica entre discursos. Se, por um lado, tínhamos denúncia como

o ato de dar a conhecer crime ou falha alheia, por outro lado, temos “denuncismo” como o

ato de fazer denúncias sistemáticas, sem base na realidade, apenas para auferir vantagens

políticas, etc.

Assim, pensando na situação política brasileira, temos o confronto dos discursos da

oposição e da situação. Os primeiros fazem denúncias de corrupção; os últimos, por sua

vez, tentam rebater tais denúncias.

44

Nesse embate, os situacionistas constroem um simulacro do discurso oposicionista: não é o discurso da denúncia, mas é o do denuncismo, ou seja, um discurso que não merece qualquer credibilidade. O termo serve, então, para desqualificar a palavra da oposição. No entanto, não é o radical que tem esse sentido desqualificador, é o sufixo –ismo (FIORIN, 2006, p. 37).

A função argumentativa recai, dessa forma, sob a terminação ismo, ridicularizando o

discurso do oponente ao criar uma imitação desqualificante para a palavra denúncia.

Fiorin sugere repensarmos a sufixação, que, para ele, pode ter outras funções no

jogo argumentativo, além de criar simulacros do discurso do outro. É o que acontece com o

sufixo -inho, no exemplo a seguir, não assimilando atenuação ou diminuição, mas

desmascarando as intenções do outro: – Eu não me zanguei – diz. Mas há coisas que não

caem bem, j’ouviu? Há coisinhas, palavrinhas, sorrisinhos que ferem, que irritam, que

fazem mal, j’ouviu? É bom não repetir a brincadeira (Veríssimo, apud Fiorin, 2006, p. 37).

Como afirma Ducrot (2004, p.33), existem encadeamentos argumentativos na significação até das palavras e dos enunciados de que o discurso é construído. Nessas condições, toda fala, tenha ela ou não objetivos persuasivos, faz necessariamente alusão a argumentações. O que mostra ao menos que não há relação privilegiada entre a argumentação retórica e a argumentação lingüística (p. 33).

Por que, então, há argumentação lingüística na argumentação retórica? Segundo

Ducrot, são três as possíveis respostas:

a) porque a argumentatividade está ligada a uma estratégia persuasiva tida como

eficaz: a concessão. Trata-se de prestar atenção às possíveis objeções do interlocutor

e usá-las como argumento (X portanto não-Z). O emprego do enunciado concessivo

melhoraria, inclusive, a imagem que o orador produz de si em seu discurso;

b) porque o próprio fato de enunciar uma argumentação com portanto apresenta só

vantagens, obrigando o interlocutor a fornecer um argumento se ele recusar a

conclusão. Enunciar um encadeamento argumentativo fornecendo uma razão

favorece também a constituição de uma imagem favorável do orador, melhorando o

próprio ethos, como na concessão;

c) porque os modelos de encadeamentos argumentativos estão já presentes na

significação das palavras do léxico. Em é longe, portanto não iremos, a

45

representação da distância é explicitada como obstáculo, representação esta que faz

parte do sentido de uma palavra da língua.

A argumentação lingüística estaria, dessa forma, descrevendo o processo, e não

justificando ou provando nada. Ducrot concluiu, portanto, que os encadeamentos

argumentativos na língua levam a uma visão da retórica diferente daquela que é

tradicional no pensamento ocidental. Ele procurou mostrar que o logos, coroado como

estratégia persuasiva, não é apenas ilusório, mas que sua própria existência é uma ilusão

(p. 36).

Ao relacionarmos o trabalho de Ducrot ao de Fiorin, fica evidente que os sufixos

apontados pelo último autor funcionam como fatores internos de argumentação lingüística,

sendo concebidos de modo diverso ao da tradição gramatical. Tanto em denuncismo quanto

em coisinhas, palavrinhas e sorrisinhos há desqualificação do discurso do outro. No

primeiro caso, em função do sufixo –ismo e não do sentido do radical; no outro, em virtude

do –inho, que diferentemente do que parece, não expressa diminuição.

A estratégia argumentativa recai, pois, sob –ismo e –inho não havendo um processo

racional, já que o emprego deles não prova nenhum raciocínio lógico; o efeito de sentido

descaracterizador já está inscrito nos próprios sufixos. É como se o autor “abrisse mão” do

chamado sentido geral que os sufixos apresentam nas gramáticas tradicionais, destacando

sua força argumentativa na enunciação. Fora de uma situação de enunciação, os sufixos não

significam nada.

Perante o exposto, gostaríamos de defender a idéia de que Fiorin apóia-se tanto na

argumentação retórica, ao considerar os fatores externos à língua, quanto na argumentação

lingüística, ao apontar a estratégia argumentativa recaindo sob os sufixos –ismo e –inho

(fatores internos), mobilizando, dessa forma, os dois pontos de vista.

1.6 – Análise do Discurso

A Análise do Discurso, doravante AD, passou a constituir-se como disciplina a

partir dos anos 50, com os trabalhos de Harris – ao estender procedimentos da lingüística

distribucional americana aos enunciados – e de Jakobson e Benveniste – sobre a

enunciação. Porém, Harris foi apenas o marco inicial, não produzindo o que a AD passaria

a formular, visto que não trabalhou os aspectos sócio-históricos e a significação

46

(perspectiva americana). Já Jakobson e Benveniste, por trabalharem o discurso na área da

Semântica, representam o que temos hoje por AD (perspectiva européia).

(...) Benveniste, ao afirmar que o locutor se apropria do aparelho formal da língua e enuncia sua posição de locutor por índices específicos, dá relevo ao papel do sujeito falante no processo da enunciação e procura mostrar como acontece a inscrição desse sujeito nos enunciados que ele emite. Ao falar em posição do locutor, ele levanta a questão da relação que se estabelece entre o locutor, seu enunciado e o mundo; relação que estará no centro das reflexões da análise do discurso em que o enfoque da posição sócio-histórica dos enunciadores ocupa um lugar primordial (BRANDÃO, 1993, p. 16).

A teoria em questão apresenta as seguintes linhas:

1. AD francesa (trabalho com a reflexão sobre o texto e sobre a história);

2. AD anglo-saxônica (trabalho com a Análise da Conversação);

3. AD germânica (trabalho com a Lingüística Textual);

4. AD de Fairclough (trabalho com o ensino de línguas).

A AD francesa16 nasce na década de 60, com a obra “Análise Automática do

Discurso”, de Michel Pêcheux, num momento em que colônias francesas encontravam-se

em guerra, tendo como objeto o discurso político de esquerda.

É uma linha denominada como transdisciplinar, pelo fato de que envolve três

campos disciplinares: a Lingüística, o Marxismo e a Psicanálise, por intermédio das

releituras, respectivamente, de Saussure, Marx e Freud. Partindo do pressuposto de que se

tinha, no século XIX, a ilusão de que a linguagem era transparente (como se ninguém

precisasse questionar sobre...), no século XX, Althusser, por meio da releitura que faz de

Marx, mostra que a história não é transparente; Lacan, o sujeito (relendo Freud); e Pêcheux,

a língua (pela releitura de Saussure). Coloca-se, então, em questão a transparência e surge a

necessidade de se produzir um dispositivo teórico para a interpretação. O analista de

16 Nos deteremos a comentar a AD francesa, visto que é a perspectiva teórico-metodológica que fundamenta nosso trabalho.

47

discurso, ao construir tal dispositivo, expõe o “olhar-leitor” não na transparência do texto,

mas na opacidade.

Acreditamos que o texto de Paul Henry (1993), denominado “Os fundamentos

teóricos da ‘Análise Automática do Discurso’ de Michel Pêcheux (1969)” demonstra de

forma clara as filiações teóricas da AD. Por isso, é sua voz que deixaremos soar nesse

momento...

Entre 1966 e 1968, Michel Pêcheux publicou quatro textos: dois sobre a análise do

discurso, assinados por ele mesmo, e outros dois sobre o materialismo histórico e a

psicanálise, assinados sob o pseudônimo Thomas Herbert, não havendo entre eles nenhuma

relação clara e evidente, visto que os conceitos e noções-chave de “Thomas Herbert” estão

quase que completamente ausentes do livro de Pêcheux sobre a análise automática do

discurso.

Abrir uma fissura teórica e científica no campo das ciências sociais era uma

ambição de Pêcheux, o qual, no momento da publicação da Análise Automática do

Discurso, queria se apoiar sobre o que lhe parecia já ter estimulado uma reviravolta na

problemática dominante de tais ciências: o materialismo histórico de Marx, relido por

Althusser; a psicanálise de Freud, relida por Lacan; e ainda os aspectos do estruturalismo

de Saussure, relidos por ele mesmo. Estes aspectos supunham uma atitude não-reducionista

no que se refere à linguagem.

A primeira publicação dele (assinada por Thomas Herbert) é fundamental para se

compreender o que ele objetivava ao desenvolver a análise automática do discurso:

fornecer às ciências sociais um instrumento científico de que elas tinham necessidade, um

instrumento que seria a contrapartida de uma abertura teórica em seu campo (HENRY,

1993, p. 15). Desse modo, deixava evidente a crítica ao estado atual das ciências sociais,

desenvolvendo uma análise precisa sobre o que é um instrumento científico.

No segundo texto de “Thomas Herbert”, há duas proposições fundamentais (as

quais resumem os resultados do texto anterior): as condições em que uma ciência

estabelece seu objeto; e o processo pelo qual uma ciência explora seu próprio discurso. A

primeira é essencialmente teórica e conceitual; já a segunda – da reprodução metódica do

objeto – demonstra fortemente a função dos instrumentos.

48

Segundo Pêcheux (apud HENRY, 1993, p. 17), a reprodução metódica do objeto de

uma ciência é

o processo pelo qual uma ciência cria seu próprio espaço de jogo, faz variar suas questões, e, através de tais variações, ajusta seu discurso teórico a si mesma, nele desenvolvendo sua consistência e necessidade.

Para ele, é a apropriação dos instrumentos pela teoria que faz da atividade científica uma

prática. O que ele visava era uma transformação da prática nas ciências sociais, uma

transformação que poderia fazer desta prática uma prática verdadeiramente científica

(HENRY, 1993, p. 18). Exemplos mostram que a utilização de instrumentos (como a

balança) era concebida como prática científica, o que coloca esta última na continuidade de

práticas técnicas. Na prática política, especificamente, o instrumento é o discurso; é por

meio dele que a prática política transforma as relações sociais, reformulando a demanda

social.

Os dois textos de “Herbert” delineiam, então, uma análise sobre as raízes históricas

da epistemologia e da filosofia do conhecimento empiricista.

Ao escolher o discurso e a análise do discurso como o lugar preciso onde é possível

intervir teoricamente e construir um dispositivo experimental, Pêcheux quis provocar uma

ruptura no campo ideológico das ciências sociais. Isto, em virtude da relação oculta entre a

prática política e as “ciências sociais”; e pela ligação entre a prática política e o discurso.

Rompe, assim, com a concepção instrumental tradicional da linguagem – cuja função é

justamente mascarar sua ligação com a prática política – fazendo intervir o discurso e

tentando elaborar teórica, conceitual e empiricamente uma concepção original deste,

seguindo uma orientação estruturalista.

Apesar de Pêcheux não ser considerado um estruturalista, pode-se encontrar o

estruturalismo em sua obra (como também na de Lacan ou Foucault), visto que o

estruturalismo francês fez da lingüística a ciência-piloto. Os estruturalistas, no entanto, não

se desfizeram do hábito de fazer da natureza humana um princípio explicativo ao

transferirem os conceitos e métodos lingüísticos para outros campos, sem reelaborações

fundamentais, deixando assim

49

a porta aberta para todas as formas de reducionismo, enquanto tentativas para especificar, de todos os pontos de vista possíveis, inclusive os biológicos, a natureza humana, para dela fazer um princípio explicativo (HENRY, 1993, p. 28).

Lacan, Derrida e Foucault, nessa mesma ocasião, rejeitavam as concepções de

sujeito e de ciências humanas elaboradas pela filosofia estruturalista, fazendo uma

referência comum à linguagem, ao signo ou ao discurso:

A linguagem (ou o jogo, ou a ordem do signo, ou o discurso) não é entendida como uma origem, ou como algo que encobre uma verdade existente independentemente dela própria, mas sim como exterior a qualquer falante, o que define precisamente a posição do sujeito, de todo sujeito possível (Henry, 1993, p. 29).

A ligação entre o discurso e a prática política (que passa pela ideologia) era a

preocupação principal de Pêcheux, por isso seguiu mais Althusser, que Lacan, Derrida ou

Foucault. Pela ideologia, Pêcheux introduz o sujeito enquanto efeito ideológico elementar.

É enquanto sujeito que qualquer pessoa é ‘interpelada’ a ocupar um lugar determinado no

sistema de produção. Althusser acreditava que não existe prática senão sob uma ideologia.

Para ele, todo sujeito humano, isto é, social, só pode ser agente de uma prática social

enquanto sujeito (apud HENRY, 1993, p. 30). Afirma ainda que Spinoza foi o primeiro a

ter rompido com a questão da origem e a concepção do sujeito na qual ela se condensou.

O sujeito de Foucault é o sujeito da “ordem do discurso”; o de Derrida é o do “jogo

da ordem do signo”; e o de Lacan é o do inconsciente estruturado como uma linguagem.

Estes autores trabalham com sujeitos ligados à linguagem ou ao signo. Althusser não estava

particularmente interessado pela linguagem, e sim pela ideologia. Para relacionar

linguagem e ideologia, Pêcheux explorou a indicação formulada por Althusser sobre o

paralelo entre a evidência da transparência da linguagem e o ‘efeito ideológico elementar’.

O paralelo estava estabelecido, mas não havia uma ligação definida. Assim, ficam claras as

relações entre linguagem e ideologia de Pêcheux, que introduziu o discurso para expressar

tal ligação, tentando desenvolver uma teoria do discurso e um dispositivo operacional de

análise do discurso, discurso este que, por sinal, não é o de Foucault.

Toda a obra de Pêcheux – conclui Henry – coloca-o entre o “sujeito da linguagem”

e o “sujeito da ideologia”, inserindo o discurso entre a linguagem e a ideologia. Voltou sua

50

atenção para o problema das ligações entre o objeto da análise e da teoria do discurso e o

objeto da lingüística. Ao desenvolver seu dispositivo, esperava que ele fosse o meio de uma

experimentação efetiva, haja vista que os instrumentos científicos não são feitos para dar

respostas, mas para colocar questões (1993, p. 36).

Três épocas constituem a AD francesa:

Na primeira época (1969 – 1975) temos uma AD eminentemente política, de teoria

radical, influenciada pelas idéias de Althusser. Nessa época, o objeto de análise é o

discurso político de esquerda;

A segunda época (1976 – 1980) origina-se a partir das críticas recebidas à primeira

época, em virtude das idéias radicais de Althusser. Nessa época, as afirmações de

Foucault é que influenciam os estudos. Os conceitos básicos nesse momento são:

formações discursivas, interdiscurso e descontinuidade. O objeto de análise passa a ser

não só o discurso político, mas qualquer outro tipo de discurso. A disciplina passa a ser

chamada “Análise de Discurso” e não mais “Análise do Discurso”, por deixar de

trabalhar com um objeto específico.17

É na terceira época (1981...) que temos influências das propostas de Bakhtin (via

Authier-Revuz). A AD se apropria dos conceitos de polifonia, dialogismo e gênero,

considerados básicos nesse período (a AD atual).

Convém ressaltar que Pêcheux escreveu nas três épocas, sendo afetado pelos três

momentos, e tais épocas não surgiram como as escolas literárias (por exemplo), que iam

surgindo e rompendo com os conceitos já existentes. Pelo contrário, na AD, houve (e ainda

há) uma espécie de contribuição a cada época.

Por volta do fim dos anos 1970 e início dos anos 1980, chega a AD ao Brasil, tendo

como marco a obra “A linguagem e seu funcionamento”, de Eni Orlandi, que conclui o Pós

- Doutorado na França, em 1979, e ministra as primeiras aulas de AD na Unicamp.

Enquanto a França aproxima-se da terceira época, o Brasil é apresentado à nova disciplina.

Antes dessa data, seria impossível trazer as idéias francesas, já que o Brasil estava em

período de ditadura militar e a AD baseava-se em postulados marxistas. 17 Apesar de a AD atual não analisar um discurso específico, há os que ainda utilizam a expressão “Análise do Discurso”, por questões de tradição.

51

Sírio Possenti, em “Teoria do discurso: um caso de múltiplas rupturas” (2004), a

partir de alguns conceitos-chave, expõe aspectos de uma concepção do discurso sob a ótica

da ruptura. Segundo tal ótica, o conhecimento não se produz por acumulação, mas por

saltos e mudanças de rumo em relação às etapas anteriores (p. 355). Para Possenti, cabe à

AD romper com o que a lingüística faz em seus diversos compartimentos.

Após considerar a AD como uma teoria da leitura, o autor mostra-nos que tratar o

sentido não como informação, mas como efeito de sentido entre interlocutores é romper

com a análise de conteúdo, que concebe o sentido de um texto a partir das informações nele

contidas. Rompe, ainda, com a filologia, rejeitando que palavras, expressões ou estruturas

sintáticas pudessem ser garantia de sentido, que houvesse um autor que pudesse ter dito

tudo e só o que queria; e que houvesse uma conjuntura social uniforme. Assim, no campo

da interpretação, a AD rompe, de um lado, com a análise de conteúdo e, de outro, com a

filologia.

A segunda ruptura discutida pelo autor é em relação à concepção de língua, que não

é transparente, mas opaca. A proposta da AD é que a língua funcione de forma autônoma,

segundo o processo discursivo de que se trata numa certa conjuntura. Rejeita, dessa forma,

que o sentido seja da ordem da língua, sendo na verdade, da ordem das formações

discursivas (FD), as quais materializam formações ideológicas, sendo, estas, por sua vez, da

ordem da história. Assim, palavras ou enunciados terão sentidos diferentes se pertencerem a

FDs diferentes. A língua é apenas o aspecto material do discurso.

Em seguida, Possenti afirma que o verdadeiro adversário da AD é a pragmática,

visto que também combate as gramáticas formais e universais e se afaste das sociologias da

linguagem e das semânticas lógicas, disputando, assim, o mesmo espaço com a AD – o do

sentido não-literal. Porém, a pragmática soluciona a questão do sentido invocando a

intenção do falante, considerado sua fonte. A ruptura com a pragmática se dá, então, pela

diferenciação na concepção de sujeito, que, para a AD, é afetado pelo inconsciente e pela

ideologia. Rompe, em conseqüência, também com a psicologia, para quem o sujeito é uno e

consciente.

A ruptura com a concepção de texto, como unidade de análise é a quarta discutida

pelo lingüista. Para a AD, o texto representa uma manifestação aqui e agora de um

processo discursivo específico, no qual as relações internas entre elementos textuais são

52

tratadas como intradiscurso. O sentido de um texto dar-se-á não por sua relação com um

contexto, mas por sua inserção numa FD, em função de uma memória discursiva, do

interdiscurso, que o texto retoma e do qual é parte. Dessa forma, a AD substitui a

concepção de texto por uma que o concebe como uma das manifestações do próprio

discurso.

O conceito de condições de produção substitui o de circunstância rompendo, assim,

com as noções de contexto e situação. O que a AD leva em conta em relação aos

participantes de um evento discursivo não é o conhecimento que tenham das regras que

comandam um certo intercâmbio lingüístico, mas o fato de que cada um enuncia a partir de

posições que são historicamente constituídas. Pêcheux (apud Possenti, 2004) detalhou um

quadro das condições de produção a partir do esquema de Jakobson, com o qual rompe,

mostrando que ao enunciar responde-se a perguntas como: Quem sou eu para lhe falar

assim?, Quem é ele para que eu lhe fale assim?... As imagens devem, então, ser tomadas

como representações imaginárias, ou seja, os lugares são representados nos processos

discursivos em que são colocados em jogo. Possenti deixa claro que, mesmo na situação

concreta, o conceito de condições de produção exclui definitivamente um caráter

psicossociológico. Dessa forma, os contextos imediatos só interessarão se neles

funcionarem condições históricas de produção – os contextos fazem parte de uma história

não circunstancial cujos enunciadores se assujeitam à sua FD.

Em relação ao campo do sentido, a AD rompe com distinções do tipo: denotação x

conotação; sentido literal x figurado; sentido x referência... O sentido de uma palavra se

resolve na medida em que uma delas pode ser substituída por outra, no interior de uma FD,

tornando-se o sentido um efeito de substituibilidade das expressões. Como o sentido das

palavras em um discurso remete sempre a ocorrências anteriores e a enunciação supõe uma

posição, então é a partir dessa posição que os enunciados recebem seu sentido – este é

decorrente de sua substituibilidade por enunciados equivalentes na mesma FD,

evidenciando, assim, seu caráter necessariamente histórico.

A problemática da enunciação sempre foi, no mínimo, um critério que opôs as

análises lingüísticas e as discursivas. Das diversas maneiras de se conceber a enunciação,

duas são fundamentais: por procedimentos dêiticos e por procedimentos metaenunciativos.

Os dêiticos são elementos da língua cuja função é embrear o enunciado (o que se diz) às

53

circunstâncias (tempo e espaço), podendo ser analisados por meio de um enfoque

lingüístico ou discursivo. Já os procedimentos metaenunciativos são os produzidos do

interior da FD na qual o enunciador se insere, condicionando-o a “trabalhar” para que a

seqüência produzida seja uma das que pode e deve dizer – assume-se uma posição

discursiva. Possenti mostra-nos que o mais problemático no campo da enunciação é definir

o enunciado, ou seja, o que se repete nas diversas enunciações, na medida em que, de

alguma forma, um discurso constrói uma espécie de ‘mesmo’ que possa ser constantemente

retomado.

A noção de acontecimento é a oitava tratada pelo autor, que a considera crucial para

a AD. Ao contrário do enunciado, que se repete, o acontecimento é concebido como um

fato irrepetível, único. Porém, a AD não concedeu a esta noção um lugar privilegiado,

preferindo o repetível, o estrutural, como podem atestar quase todas as pesquisas na área –

que privilegiam a identificação do mesmo em um arquivo. Segundo Possenti (2004, p.

380), considerar a história deveria ser mais do que inserir um acontecimento em uma

série; teria que significar uma verdadeira ruptura com a história linear. A noção de

acontecimento rompe, pois, com qualquer concepção de história linear e teleológica que

procurasse em tudo o sentido, e ainda com a relação discurso-enunciação como evento

singular.

Uma das principais características da AD é o interdiscurso. Possenti lembra que em

Pêcheux, na obra Semântica e Discurso, encontra-se a afirmação da dependência da FD em

relação ao interdiscurso, que, por sua vez, é submetido à lei da desigualdade-subordinação

que caracteriza o complexo das formações ideológicas. Essa noção de Pêcheux lembra a

noção de universo de discurso, de Maingueneau (1993, p. 120), para quem um discurso não

nasce, como geralmente é pretendido, de um retorno às próprias coisas, mas de um

trabalho sobre outros discursos. Possenti comenta que a conceituação de Pêcheux não é

levada em conta nas análises. Cita o exemplo de Courtine, que analisa o discurso comunista

dirigido aos cristãos em sua confrontação com o discurso cristão, para mostrar que é mais

produtivo analisar corpora diacrônicos (sem perder de vista as relações discursivas

sincrônicas), pois se pode, assim, verificar exatamente a repetição. Tal análise produz

efeitos positivos sobre a noção de interdiscurso, que não fica reduzido às relações mantidas

54

entre discursos em uma mesma época. Courtine (apud Possenti, 2004, p. 383) define,

destarte, o interdiscurso como sendo

o lugar no qual se constituem, para um sujeito falante que produz uma seqüência discursiva dominada por uma FD determinada, os objetos de que esse sujeito enunciador se apropria para fazer deles objetos de seu discurso, bem como as articulações entre esses objetos, pelos quais o sujeito enunciador vai dar coerência a seu propósito.

Possenti acredita que a noção de interdiscurso de Maingueneau é mais operacional e

produtiva, visto que explicita suas diversas dimensões, propondo a substituição por uma

tríade: universo discursivo, campo discursivo e espaço discursivo. Para concluir esse

tópico, Possenti apresenta duas noções especialmente importantes para o interdiscurso: a de

pré-construído e a de discurso transverso. A primeira é uma ruptura com a noção de

pressuposição e a segunda com o implícito. Enquanto a pressuposição é psicológica e

transparente, repousando sobre elementos da língua, o pré-construído é um traço, no

discurso, de um discurso anterior, produzindo um efeito de evidência. A compreensão do

não-dito, no discurso transverso, depende do conhecimento de relações estabelecidas em

um campo de saber, já que os exemplos são retirados de discursos mais estabilizados. A

ruptura, portanto, do interdiscurso relaciona-se a conceitos que se fundam sobre os

pressupostos da homogeneidade e do centramento, seja do discurso, seja do sujeito – para a

AD, os discursos não são independentes uns dos outros e não são elaborados por um

sujeito.

A última noção discutida por Possenti é a de sujeito. O autor acredita ser esta a mais

importante ruptura para a teoria da AD. Althusser também está na origem das formulações

básicas da AD no que se refere à questão do sujeito. Para ele, não há sujeito, há sujeitos;

não há sujeitos da história, há sujeitos na história. A ruptura da AD é, pois, com um

sujeito uno, livre, caracterizado pela consciência e tomado como origem, propondo, então,

um sujeito clivado, assujeitado, inconsciente.

Possenti conclui comentando que provavelmente a AD quis ser científica, porém

não é, nunca foi. Talvez seja muito importante para ser uma ciência. Assim, como falar em

ruptura? Seria justo? Encerra, então, a discussão da seguinte forma:

55

Os movimentos de ruptura são análogos no campo científico, nos outros domínios dos saberes e também no das ideologias. Assim, contrapor a AD a outras soluções não é apenas reconhecimento do interdiscurso. Trata-se de um gesto do qual resulta produção de conhecimento (p. 389).

Apesar de termos mostrado, neste capítulo, a sufixação sob o olhar de teorias

diversas, não o faremos com base na AD. Deixaremos a discussão metodológica para o

terceiro capítulo, o qual trará uma análise de enunciados pertencentes ao discurso político

acerca do uso dos sufixos como desqualificadores do discurso do oponente.

Depois de realizarmos um breve passeio sobre algumas escolas e domínios das

Ciências da Linguagem que se debruçam sobre o estudo da sufixação, traremos, no

próximo capítulo, uma discussão acerca do discurso político. Acreditamos que tal discussão

seja relevante para o nosso estudo, pois o discurso político se constitui num terreno bastante

fecundo de manifestação do fenômeno em análise. Parafraseando livremente Foucault,

diríamos que o discurso político é o solo privilegiado do qual irrompem os sufixos

derrisórios.

56

2. O DISCURSO POLÍTICO: NOVOS CAMINHOS, MESMAS MENTIRAS

O discurso político sempre ocupou um lugar privilegiado na AD, desde o

surgimento da disciplina, no qual era objeto específico18, como também nas fases seguintes,

nas quais divide o interesse dos analistas com outros tipos de discursos. Porém, com uma

série de transformações históricas, ele transformou-se. Midiatizou-se. Espetacularizou-se.

Passou do palanque à televisão, clamando por transformações teóricas e metodológicas,

como considerar o corpo, a voz, as imagens e a tela; em outras palavras, considerar sua

circulação. Apesar de Pêcheux ter afirmado que o campo discursivo já estava ligado às

mídias, e Orlandi ter concebido a tricotomia constituição/ formulação/ circulação,

Piovezani Filho (2006, p. 245) atenta para o fato de que, ao menos no que concerne ao

discurso político, continuou a [se] dar menos atenção que, de fato, os suportes materiais

do discurso mereciam.

Na França da segunda metade dos anos 1980, o objeto da AD ampliou-se, deixando

de ser exclusivamente os discursos políticos. Houve uma “gramaticalização” nas análises,

desmarxizando suas bases e fixando-se no intradiscurso:

apoiando-se em Foucault e Bakhtin, os trabalhos da análise do discurso focarão a ‘discursividade’ a partir de fenômenos lingüísticos (...) interrogando os limites da gramática, o ponto de passagem à ordem do discurso (GREGOLIN, 2006, p. 156).

O que já vinha sendo preparado desde 1975, torna-se decisivo em 1980 com a

mudança de rumos nos trabalhos do grupo de Pêcheux. Este reordena o projeto de 1969, da

Análise Automática do Discurso, a partir de uma reconstrução de suas bases. Segundo

Gregolin (2006, p. 153), alguns dos fatores que ocasionaram tal mudança de rumos foram:

as decepções políticas, a fragmentação das esquerdas, a crise simultânea do marxismo e

do estruturalismo, [e] a ‘morte’ de Althusser. Em virtude de o panorama econômico ter se

transformado, não havia mais espaço para uma leitura marxista de lutas de classes.

Também não cabia mais pensar centralmente no lingüístico, como Pêcheux pretendeu

18 O discurso político não era o único a ser analisado, mas também o pedagógico, o científico e o dos historiadores. Porém, o peso das descrições de corpora políticos sobrepujava qualquer outro, a ponto de se considerar, de forma geral, o discurso político como objeto específico de análise.

57

inicialmente. Junto à expansão da mídia, um mundo de heterogeneidades se desenhava. Ao

pensar um “novo objeto”, criticava-se a leitura “automática” de 1969. O projeto da AAD 69

dava lugar ao da AAD 80...19

Os trabalhos propõem, agora, o primado da heterogeneidade tanto como categoria conceitual quanto em relação ao corpus: tomando a formação discursiva no interior da heterogeneidade, ela deixa de referir-se a um exterior ideológico e passa a ser buscada na dispersão dos lugares enunciativos do sujeito (GREGOLIN, 2006, p. 155).

Com o novo caminho a ser seguido pela AD, o discurso político passou a ser um dos

objetos de estudo e não o objeto específico da AD. A idéia inicial era que a AD se

constituísse não só como uma intervenção científica, mas também política, por isso, o

estudo dos discursos políticos20. Guilhamou e Maldidier (apud Gregolin, 2006, p. 158)

afirmam que a transformação dos objetos da AD é conseqüência da mudança de concepção

do “documento histórico” a partir da idéia de “arquivo”:

Inicialmente presa ao gênero do discurso político, a análise do discurso clássica não tinha nenhuma necessidade de diversificação do arquivo. No entanto, a partir da busca por aquilo que instala o social no interior do político, não pudemos mais ignorar a multiplicidade de dispositivos textuais disponíveis. Vemos que a análise do discurso ampliou seu campo de investigação: do interesse pelo discurso doutrinário ou institucional, ela passou ao que poderíamos chamar a história social dos textos.

Atualmente, pode-se falar em tendências retóricas e/ ou pragmáticas, tendo-se por

referências os trabalhos de Dominique Maingueneau, Patrick Charaudeau, Ruth Amossy,

Jean-Michel Adam e Catherine Kerbrat-Orecchioni. Em relação ao discurso político, há

uma inflexão em considerar o paradigma midiático.

No Brasil, porém, a tendência é conservar o aspecto histórico/político dos discursos,

com as posturas críticas de 1969, articulando o lingüístico e o histórico a partir dos passos

de Foucault e Pêcheux. A opinião de Piovezani Filho (2006, p. 247) é de que, embora os

19 Na AAD 69, a análise do discurso político invocou o materialismo histórico de Althusser. Já na AAD 80, se apropriou do conceito de formação discursiva. 20 Seu primeiro objetivo foi negar o “corte saussuriano” fazendo ressurgir o que Saussure havia relegado: as condições de uso da língua. Pretendia-se realizar não um simples trabalho de lingüista, mas ocupar uma posição heróica numa luta teórico-política: reintegrar num gesto libertador, o que uma decisão arbitrária havia excluído (COURTINE, 2006, p.39).

58

estudos brasileiros sobre o discurso político sejam pertinentes/ sólidos/ relevantes, existe

ainda uma imperiosa necessidade de alargar o domínio dos objetos de análise. O autor

acredita que se devam contemplar não apenas a história e a memória dos discursos e sua

formulação, mas também sua transmissão e circulação (p. 251).

Seguindo, então, a tendência brasileira, pesquisamos o formal da língua com função

ideológica, mostrando, por meio do discurso político, a materialização da ideologia. Antes,

porém, de apresentarmos a análise do corpus selecionado, gostaríamos de promover uma

discussão sobre o discurso político à luz de dois autores franceses: Patrick Charaudeau e

Jean-Jacques Courtine.

2.1 – Em Charaudeau21

Patrick Charaudeau é professor na Universidade Paris-Nord (Paris 13) e diretor-

fundador do Centro de Análise do Discurso (CAD). Em “Discurso Político”, obra

recentemente publicada no Brasil, traz ao debate as idéias e opiniões que circulam no

espaço público no qual se confrontam os atores do discurso, evidenciando que o discurso

político é incentivado pelo desejo e pela necessidade de influenciar o outro. Ele propõe que

cada um de nós seja para o outro apenas uma imagem, não falsa ou enganosa, mas uma

máscara que seria nosso ser presente, não dissimulando ou designando-nos, mas sendo

nossa imagem diante do outro, uma máscara que viria constituir nossa identidade em

relação ao outro. Várias máscaras e identidades são possíveis, substituindo-se as máscaras

ao mudar-se a situação de troca.

O discurso político é, por excelência, o lugar de um jogo de máscaras. Toda palavra pronunciada no campo político deve ser tomada ao mesmo tempo pelo que ela diz e não diz. Jamais deve ser tomada ao pé da letra, numa transparência ingênua, mas como resultado de uma estratégia cujo enunciador nem sempre é soberano (CHARAUDEAU, 2006, p. 8).

21 Embora Patrick Charaudeau não se inscreva no denominado “núcleo duro” da Análise do Discurso de orientação francesa, as reflexões desse autor trazem importantes contribuições para se pensar o discurso político na atualidade. É importante deixar claro também que a concepção de sujeito deste autor não coincide com a de sujeito inconsciente que caracteriza a teoria francesa de AD. A filiação de Charaudeau é mais voltada à pragmática. Por isso, se justificam algumas passagens pelas quais nosso leitor se deparará no decorrer desta seção, as quais concebem um sujeito “mais consciente”.

59

Em relação ao poder político, ao apresentar a posição de Weber, para quem o poder

político está ligado diretamente à dominação e à violência, e a de Arendt, para quem ele

resulta de um consentimento, o autor expõe a de Habermas, que propõe a distinção de um

poder comunicativo e um poder administrativo. Os dois se definem segundo relações de

força que exigem processos de regulação, os quais se desenvolvem segundo um jogo de

dominação que lhe é próprio. No primeiro, é a linguagem que domina; no segundo, é a

ação. Assim, Patrick Charaudeau defende sua inscrição numa concepção de poder político

resultante de dois componentes da atividade humana: o do debate de idéias no vasto campo

do espaço público, onde se trocam opiniões; e o do fazer político no campo mais restrito do

espaço público, onde se tomam decisões. No primeiro está em jogo a conquista de uma

legitimidade; no segundo, o exercício de uma autoridade.

Charaudeau afirma que toda fala política é um fato social e que o discurso político é

um objeto de estudo que está no centro de diversas disciplinas:

Qualquer enunciado, por mais inocente que seja, pode ter um sentido político a partir do momento em que a situação o autorizar. (...) Não é, portanto, o discurso que é político, mas a situação de comunicação que assim o torna. Não é o conteúdo do discurso que assim o faz, mas é a situação que o politiza (CHARAUDEAU, 2006, p. 40).

O pensamento político pode se dar em diferentes lugares, estando reservado não

apenas aos responsáveis pela governança nem aos solitários pensadores da coisa política. É

elaborado, pois, segundo os modos de interação e identidade dos participantes envolvidos.

O autor propõe três lugares de fabricação desse pensamento, que correspondem cada qual a

um desafio de troca linguageira particular:

a) discurso político como sistema de pensamento: resulta de uma atividade discursiva que

procura fundar um ideal político em função de certos princípios que devem servir de

referência para a construção das opiniões e dos posicionamentos;

b) discurso político como ato de comunicação: refere-se diretamente aos atores que

participam da cena de comunicação política, cujo desafio consiste em influenciar as

opiniões, a fim de obter adesões, rejeições ou consensos;

60

c) discurso político como comentário: um discurso a respeito do político, sem risco político,

não necessariamente voltado para um fim político; é como se o desafio fosse exprimir uma

opinião política, embora ela não o seja realmente.

Tais lugares não se encontram separados: com o discurso político se elabora um

sistema de pensamento, que se manifesta em diferentes situações de comunicação,

atravessa diferentes opiniões, insinua-se nos comentários, volta às vezes ao seu ponto de

origem e reaparece em outras épocas, mas se construindo de forma diferente.

A análise do discurso político se questiona sobre os discursos que tornam possíveis

tanto a emergência de uma racionalidade política quanto a regulação dos fatos políticos.

Charaudeau acredita que não há como existir política sem discurso, já que este é

constitutivo daquela. O discurso é que motiva e confere sentido à ação política.

O discurso é constitutivo do político. Ele está intrinsecamente ligado à organização da vida social como governo e como discussão, para o melhor e para o pior. Ele é, ao mesmo tempo, lugar de engajamento do sujeito, de justificação de seu posicionamento e de influência do outro (CHARAUDEAU, 2006, p. 43).

É importante para o nosso trabalho a distinção que o autor faz entre os seguintes

conceitos: o de político e o de prática de política. O primeiro se refere a tudo que nas

sociedades organiza e problematiza a vida coletiva em nome de certos princípios, de certos

valores que constituem uma espécie de referência moral. Já o segundo, diz respeito à

gestão da vida coletiva na qual estão implicadas diferentes instâncias que regulam suas

relações mediante um jogo de poder e contrapoder. Acreditamos que, apesar de as duas

noções estarem em reciprocidade dialética, nosso trabalho direciona-se mais à segunda

noção, isso porque analisaremos enunciados proferidos por sujeitos “praticantes de

política” pertencentes à instância “de governança”.

A política é um campo de batalha em que se trava uma guerra simbólica para estabelecer relações de dominação ou pactos de convenção. Conseqüentemente, o discurso das idéias se constrói mediante o discurso do poder, o primeiro pertencendo a uma problemática da verdade (dizer o Verdadeiro) e o segundo a uma do verossímil (dizer ao mesmo tempo o Verdadeiro, o Falso e o Possível). (CHARAUDEAU, 2006, p. 46).

61

O autor segue justificando as duas orientações adotadas pelos estudos sobre o

discurso político: uma direciona-se para os conteúdos do discurso, a outra para os

mecanismos da comunicação. Ele afirma que até o momento as análises apoiavam-se mais

sobre os conteúdos das proposições, sobre o valor dos argumentos, sobre o logos. Isso em

função de o jogo político se desenvolver mais particularmente em torno dos sistemas de

pensamento, das ideologias. Porém, Charaudeau observa que o discurso político está se

deslocando do lugar do logos para o do ethos e do pathos22, do lugar do teor dos

argumentos para o de sua encenação, mostrando mais sua encenação do que a compreensão

de seu propósito. Dessa forma, ethos e pathos passam a assumir o lugar de valores de

verdade.

Em seguida, compara a comunicação humana a um teatro e dentre as peças está a

cena política. Ele sugere que, primeiro, atente-se às características dessa cena (as restrições

estruturais da situação de comunicação) e, em seguida, ao jogo pessoal dos atores (as

estratégias discursivas).

Um “contrato de comunicação” rege todo discurso: ele se constrói na intersecção

entre um campo de ação e um campo de enunciação. O primeiro trata de um lugar de trocas

simbólicas, organizado segundo relações de força; o segundo, um lugar dos mecanismos de

encenação da linguagem. Com o discurso político não poderia ser diferente, o que explica

sua heterogeneidade e estabilidade, nascendo daí as dificuldades dos políticos, cidadãos e

analistas na construção de seus discursos. De acordo com o lugar ocupado no contrato e

com o posicionamento dos indivíduos, os quais ocupam essas posições, operar-se-ão as

significações e efeitos resultantes de um jogo complexo de circulação e de entrecruzamento

dos saberes e das crenças que são construídos por uns e reconstruídos por outros. As

significações do discurso político são fabricadas e mesmo refabricadas, simultaneamente,

pelo dispositivo da situação de comunicação e por seus atores (p. 53).

O dispositivo, de ordem conceitual, estrutura a situação na qual se desenvolvem as

trocas linguageiras, mas ele depende também das condições materiais de tais trocas, visto

que podem variar de uma situação de comunicação a outra. Estabelece-se uma relação de

encaixe entre o macrodispositivo conceitual e os microdispositivos materiais – suas

22 Seguindo a proposta de Aristóteles, são três as categorias responsáveis por influenciar um auditório: logos pertence ao domínio da razão e torna possível convencer; ethos e pathos pertencem ao domínio da emoção e tornam possível emocionar.

62

variantes (no discurso político podem ser o comício eleitoral, a declaração televisiva, as

promessas eleitorais, as entrevistas radiofônicas, etc).

O dispositivo é, portanto, aquilo que garante uma parte da significação do discurso político ao fazer com que todo enunciado produzido em seu interior seja interpretado e a ele relacionado. Ele desempenha o papel de fiador do contrato de comunicação (CHARAUDEAU, 2006, p. 54).

Os parceiros do contrato são entidades humanas, categorias abstratas, desencarnadas

e destemporalizadas, definidas pela posição que ocupam no dispositivo e às quais os

indivíduos são remetidos – as instâncias. Sem o conhecimento destas, a interpretação do

falar das pessoas seria equivocada. Um aspecto importante para a análise do discurso

político, pois evita que se caia em dois extremos: reduzir as explicações dos fatos políticos

apenas à personalidade psicológica e social dos atores reais da vida política; e se interessar

apenas por idéias veiculadas pelos discursos (a ideologia), sem levar em conta a natureza

das instâncias do dispositivo.

São três os lugares de fabricação do discurso político – o de governança, o de

opinião e o de mediação, nos quais se encontram, respectivamente, as instâncias política,

cidadã e midiática:

a) instância política (e instância adversária): encontra-se no lugar em que os atores têm um

“poder de fazer” e um “poder de fazer pensar” – de decisão e ação e de manipulação. É o

lugar da governança. Os atores buscam legitimidade, para ascender a este lugar, autoridade

e credibilidade, para poder geri-lo e nele se manter. Ela recobre diversos status e situações,

sendo composta por um centro e vários satélites. A instância adversária, sendo despojada

do poder, é levada a produzir um discurso sistemático de crítica ao poder vigente, que lhe

é simetricamente retribuído;

b) instância cidadã: está na origem da escolha dos dirigentes do poder. Ela produz discursos

de reivindicação, de interpelação e de sanção. Longe de ser homogênea, recobre

organizações e situações diversas. Divide-se em dois subconjuntos: sociedade civil e

sociedade cidadã. A primeira é um lugar de pura opinião, que concerne à vida em

sociedade, tanto pública quanto privada. A outra é uma construção; reúne indivíduos que

têm consciência de um papel a desempenhar na organização política da vida social,

existindo de maneira orgânica;

63

c) instância midiática: encontra-se fora da governança. É o elo que se vale de diferentes

modos de mediação (panfletos, cartazes de ruas e grandes veículos de informação) para unir

a instância política à cidadã. É regida por uma dupla lógica: a de informação cidadã e a de

concorrência comercial.

Em seguida, Charaudeau aborda a noção da legitimidade, que dá a toda instância de

palavra uma autoridade de dizer. Não é exclusiva do domínio político, designando o estado

ou a qualidade daquele cuja ação é bem fundamentada. A legitimidade resulta de uma

atribuição. O sujeito legitimado (instância política) sabe que tal legitimidade lhe é acordada

pelos mesmos indivíduos (instância cidadã) que são o alvo de seus atos de discurso,

surgindo, assim, uma difícil relação de aceitação recíproca entre essas duas instâncias, que

é própria do domínio político:

A instância política dispõe dos procedimentos de coerção física que lhe permitem manter a ordem, gerir as tensões que inevitavelmente surgem em qualquer grupo humano e ajudar no desenvolvimento de uma maior justiça social, mas ela dispõe de tais instrumentos apenas à medida que conserva esse poder como uma soberania reconhecida pela instância cidadã (CHARAUDEAU, 2006, p. 69).

Essa soberania, relacionada à representação, está sob tutela, mas ela é, ao mesmo tempo, o

próprio poder tutelar. A posição de soberania representa uma verdade absoluta e se

encontra depositária de um ideal social, sendo o soberano, ao mesmo tempo, o todo

poderoso e o responsável.

São três os tipos de imaginário social que se encontram na origem da legitimidade

política:

a) legitimidade por filiação: se funda sobre a idéia de que o sujeito deve ser “bem nascido”,

recebendo o título, o poder e a responsabilidade de seu ascendente como um quinhão. Pode

ser de natureza sagrada, de ordem social ou biológica;

b) legitimidade por formação: passada ao sujeito por instituições de prestígio, cujo diploma

tenha sido obtido entre os primeiros colocados. E ainda pelo exercício de cargos de

responsabilidade prestigiosos e pela capacidade de se fazer notado por tudo o que puder

provar competência e experiência;

c) legitimidade por mandato: tem origem na tomada do poder pelo povo, se opondo à

soberania ao tomar consciência de que esta lhe é imposta. Segundo tal legitimidade, é o

64

povo que tem o direito de governar para o seu próprio bem, mas transforma-se em

legitimidade representativa, pois dificilmente é concebível que a totalidade de um povo

governe.

Numa democracia, o povo é quem delega poder ao político. A este cabe mostrar-se

crível e persuadir o maior número de indivíduos possível para adquirir a tão necessária

legitimidade. Charaudeau aponta alguns fatores que funcionam como estratégias

discursivas empregadas pelo político para atrair a simpatia do público: sua identidade

social; a maneira como percebe a opinião pública e o caminho que faz para chegar até ela; a

posição dos outros atores políticos (adversários ou não); enfim, tudo o que julgar necessário

defender ou atacar – pessoas, idéias ou ações. Seu projeto político deve parecer pertinente,

levando os cidadãos a aderirem aos valores subjacentes ao mesmo. Assim, o político deve

construir para si uma dupla identidade discursiva: uma referente ao conceito político (o

posicionamento ideológico do sujeito) e outra referente à prática política (a posição do

sujeito no processo comunicativo). Uma identidade do singular-coletivo: um “Eu-nós”.

A instância política (...) encontra-se entre o conceito e a prática de política, entre um enfoque idealizante, que cria sistemas de valores e um enfoque pragmático, que se apóia na experiência da relação com o outro para influenciá-lo (CHARAUDEAU, 2006, p. 84).

Logos, ethos e pathos se misturam na encenação do discurso político, oscilando este

entre as ordens da razão e da loucura. O autor propõe, então, três estratégias empregadas

pelo político para entender o que leva um cidadão aderir a um determinado valor:

a) a construção da imagem de si: para fins de credibilidade e de sedução, o político apela

para a dramaturgia numa guerra de imagens para conquistar imaginários sociais. Todo ato

de linguagem passa pela construção de uma imagem de si. O político, então, constrói uma

imagem de si, que corresponda às expectativas dos eleitores num jogo de identificação. O

ethos é como um espelho no qual se refletem os desejos uns dos outros (CHARAUDEAU,

2006, p. 87). O político deve saber conjugar os contrários, pois uma mesma atitude pode ser

vista como positiva por seus partidários, mas negativa para seus adversários: ser diplomata

e engajado, protetor e dinâmico, distante e próximo, astuto mas honesto, rico mas não

corrompido... Charaudeau (2006, p.89) não deixa de frisar que a construção e efeitos das

65

imagens sobre os povos são frágeis – adoradas um dia, podem ser queimadas no dia

seguinte;

b) a dramatização do discurso: para fins de persuasão, o político imagina seu público e o

efeito que espera produzir nele; escolhe universos de crença específicos, tematiza-os de

determinada maneira, procedendo à encenação (uma situação inicial que descreve o mal, a

determinação de sua causa, a reparação desse mal pela intervenção da figura do herói

natural ou sobrenatural). A persuasão usada no discurso político relaciona-se, pois, com a

paixão, com a razão e com a imagem;

c) a escolha e representação dos valores: para fins de fundamento do projeto político, o

político se adequa aos valores da maioria sem se contradizer por causa disso, já que há uma

pluralidade de valores. Porém, a boa “escolha” não é suficiente; deve-se saber apresentá-

los. É na maneira de apresentar os valores que estes adquirem sentido no espaço político

(CHARAUDEAU, 2006, p. 97), satisfazendo às condições de simplicidade e argumentação.

Charaudeau discute especificamente a noção de ethos que, redefinida pela AD,

inscreve-se no ato de enunciação, no próprio dizer. Segundo Maingueneau (apud

CHARAUDEAU, 2006, p. 114-5), o ethos está ligado ao exercício da palavra, ao papel a

que corresponde seu discurso, e não ao indivíduo ‘real’, apreendido independentemente de

sua atividade oratória. Assim, duas identidades são envolvidas na criação de um ethos: a

psicológica e social e a discursiva. A primeira é atribuída ao sujeito; a segunda ele constrói

para si. Desta forma, o sentido das palavras depende daquilo que o sujeito é e daquilo que

diz.

As figuras identitárias do discurso político se reagrupam em duas grandes categorias

de ethos: a de credibilidade e a de identificação. A primeira liga-se ao discurso da razão. A

segunda ao do afeto. Para ser julgado digno de crédito, o sujeito falante precisa construir

uma identidade discursiva, já que a credibilidade não é uma qualidade ligada à sua

identidade social. Fundamental no discurso político, a credibilidade deve satisfazer três

condições: sinceridade, performance e eficácia. Para isso, o político procura construir para

si o ethos de sério, virtuoso e competente. Já a identificação se dá mediante um processo

irracional no qual o cidadão funda sua identidade na do político. Este, na tentativa de tocar

o maior número de cidadãos possível, tenta construir o ethos de potência, caráter,

inteligência, humanidade, chefe e solidariedade.

66

Outra estratégia que contribui para a construção da imagem dos atores políticos são

os procedimentos lingüísticos. Eles são numerosos e diversos, sendo capazes de construir

uma imagem positiva ou negativa do orador num mesmo instante. Charaudeau lembra que

tais procedimentos diferem das técnicas de persuasão empregadas no marketing político e

que não se trata de fazer uma lista dos mesmos nem de descrever uma retórica do discurso

político, colocando, dessa forma, em evidência, alguns dos modos de produzir efeitos de

ethos. Reagrupa-os em expressivos e enunciativos. Os primeiros caracterizam a enunciação

da palavra em sua forma oral. A vocalidade (característica da maneira de falar de um

locutor) dos políticos é apresentada pelo autor a partir de quatro subcategorias: o bem falar,

o falar forte, o falar tranqüilo e o falar regional. Já os enunciativos

permitem àquele que fala colocar-se em cena (‘enunciação elocutiva’), implicar seu interlocutor no mesmo ato de linguagem (enunciação ‘alocutiva’), [ou] apresentar o que é dito como se ninguém estivesse implicado (enunciação ‘delocutiva’). (CHARAUDEAU, 2006, p. 174).

O discurso político refere-se à organização da vida em sociedade e ao governo da

coisa pública. Sua tarefa é determinar o ideal dos fins como busca universal das

sociedades, pretendendo ser um discurso de verdade. Em virtude disso, Charaudeau toca na

questão dos imaginários de verdade do discurso político. Ele esclarece que o imaginário

não é o que se opõe à realidade, mas uma imagem da realidade, uma imagem que interpreta

a realidade fazendo-a entrar em universo de significações. Os imaginários são, então,

produzidos a partir da atividade de percepção que o homem faz da realidade conferindo

sentido a esta. Para o autor, todo imaginário é um imaginário de verdade que essencializa a

percepção do mundo em um saber absoluto (CHARAUDEAU, 2006, p. 205). Ao serem

materializados por enunciados linguageiros de configuração diversa e circularem no interior

de um grupo social, instituindo-se em normas de referências por seus membros, são

denominados imaginários sociodiscursivos, os quais circulam em um espaço de

interdiscursividade.

O discurso político precisa produzir um efeito de verdade. Este, por sua vez,

depende dos imaginários estruturados por cada grupo social, das representações

construídas. Assim, Charaudeau discute os imaginários mais recorrentes e propícios a

alimentar a dramaturgia política: o da tradição, o da modernidade e o da soberania

67

popular. O primeiro se sustenta por discursos referentes a um passado no qual os indivíduos

teriam conhecido um estado de pureza. O segundo é portador de uma crença na existência

do progresso necessário à realização do bem-estar do homem e das sociedades

(CHARAUDEAU, 2006, p. 217). Já o terceiro se sustenta por discursos que se referem a

um mundo atual ou em construção, onde o povo reina como responsável por seu bem-estar.

(...) É o mito da democracia (CHARAUDEAU, 2006, p. 227).

No último capítulo, Charaudeau atenta para as transformações produzidas nos

imaginários de verdade em função das mídias e dos discursos dos próprios políticos,

ocasionando uma mudança da consciência cidadã. Por isso, ele acredita que analisar o

discurso político é também se interessar pelo que é fabricado pela opinião pública, já que o

que ela fabrica condiciona o sentido dos discursos que circulam em uma sociedade, em

dada época.

Temos, segundo o autor, três tipos de opinião, visto que a instância cidadã se divide,

de um lado, em civil e, de outro, em cidadã e de grupos de militância. Tais categorias

definem-se de acordo com os tipos de imaginários que as estruturam. Assim, a opinião

correspondente à sociedade civil funda-se em imaginários societários; à cidadã em

imaginários políticos; e aos grupos de militantes em dois imaginários – o político e o de

protesto. Para Charaudeau, estes imaginários passaram por deslocamentos, ocasionando a

degenerescência do discurso político, associando-se esta, freqüentemente, ao aumento do

populismo.

Com a instância civil dois deslocamentos são apontados pelo autor. O primeiro

aponta o imaginário da produção sendo substituído pelo do consumo, no qual o indivíduo

vive a ilusão de ser livre (e não mais “explorado”) para dar-se o direito de apropriar-se dos

bens apresentados ou sonhar tê-los caso sejam muito caros, tomando sempre como

referência a classe dos possuidores. O segundo refere-se ao imaginário do trabalho, que, de

fatalidade, passa a ser concebido como escolha. Com a melhoria da formação dos

indivíduos e a relativa mistura de classes sociais, tais indivíduos têm a ilusão de que podem

escolher sua profissão. A direção das empresas não se encontra mais nas mãos de grandes

famílias (tornando a organização da vida empresarial mais anônima), mas de grupos

financeiros que exigem resultados imediatos. O trabalho deixou também de ser marcado

pelo sofrimento, o que leva os indivíduos a mudarem de emprego caso estes sejam penosos,

68

difundindo-se a idéia de que o trabalho físico e árduo é mais mal remunerado que o

trabalho de organização, de conselho e de controle.

O fim das massas foi a principal mudança que se deu com a instância cidadã. Com a

melhoria no nível de vida, o desenvolvimento da educação e a expansão do saber, tornou-se

mais esclarecida e complexa a consciência cidadã. Com os avanços da Internet,

organizando as informações em rede, e a televisão, dedicando-se à lavagem cerebral acerca

da moda e do politicamente correto, os indivíduos caminham para uma perda da identidade,

o que os leva a agir cada vez menos. A noção de solidariedade deslocou-se para uma

fraternidade humanitária e vê-se o crescimento do individualismo e de uma geração de

jovens apolíticos. Surgem idéias e valores como a concorrência econômica, o mérito

pessoal no trabalho e a excelência na formação, celebrando, dessa forma, o indivíduo.

Pode-se, então, afirmar que a consciência cidadã passou a ter uma identidade mais

individualista.

Os grupos militantes são um subconjunto da instância cidadã, também se

preocupando com a “coisa política”, porém com o diferencial de se engajarem na ação.

Com eles não foi diferente. Houve uma mudança tanto em seu comportamento quanto no

discurso. Os objetos reivindicados são outros, já que as causas se deslocaram de nacionais

para societárias. Transformou-se também o modo de organização da vida militante,

construindo-se agora de forma espontânea, de acordo com as situações de crise, não se

ligando necessariamente a um partido ou sindicato. Essa nova ação militante organiza

manifestações espetaculares utilizando/ instrumentalizando as mídias de informação para

divulgá-las. (...) a militância não mais se contentaria em crer que ‘dizer é fazer’ e teria

necessidade de crer em um ‘fazer é dizer’ (CHARAUDEAU, 2006, p. 277).

Assiste-se a uma transformação da vida em sociedade. A relação de confiança

democrática entre o povo e as elites dá espaço a uma relação de desconfiança e descrédito

para com a classe política. Tal descrédito deve-se, em grande parte, ao papel das mídias na

sociedade, que de uma lógica da informação passam a obedecer a uma lógica de mercado,

exigente de resultados quantitativos. Para isso, tentam atrair a atenção do público,

apresentando as informações de forma espetacularizada em cenas dramatizadoras.

O político é assim conduzido implacavelmente a fazer o triplo papel de ator, de personagem e de pessoa: como ator, mostra sua imagem, na

69

verdade, seu carisma; como personagem, desempenha plenamente seu papel de político no exercício de suas funções; como pessoa – discretamente destilada –, mostra que não é menos humano, que tem sentimentos como os demais (CHARAUDEAU, 2006, p. 287).

Três problemas são apresentados ao político – relacionados à influência da mídia –,

os quais repercutem nas estratégias de comunicação dele:

a) o primeiro refere-se à projeção que a mídia (principalmente a televisiva) faz, mudando as

condições de visibilidade ao construir seu próprio alvo (um público fluido e heterogêneo),

um alvo que, para o político, torna-se inapreensível, com imaginários de expectativa que

são objeto de hipóteses muito gerais. E, ainda, escolhendo para aparecer na cena midiática

apenas os políticos eloqüentes e que já gozam de certa notoriedade;

b) um segundo problema para o político é o tratamento dramatizador dado à informação,

privilegiando os efeitos da emoção, dificultando, dessa forma, a exposição racional dos

projetos políticos;

c) finalmente, há a tendência da mídia em investigar e acusar precipitadamente os políticos,

como se eles tivessem agido de forma intencional e fossem os verdadeiros responsáveis por

certos escândalos. O discurso midiático deixou de constatar, informar ou testemunhar, para

denunciar, predominando o afetivo sobre o ideológico.

Os discursos dos partidos políticos mudaram. Tanto o discurso de esquerda quanto o

de direita sofreram modificações. O primeiro é marcado, hoje, pelo fim da utopia e

ausência de referências a uma sociedade igualitária, o que conduz ao desencantamento dos

setores militantes. Passou de um imaginário quente da vontade revolucionária a um

imaginário frio da submissão à gestão parcimoniosa das restrições econômicas. No

discurso de direita apareceram temas que antes não eram freqüentes, como o “peso das

administrações extragovernamentais”, que tentam impor regras de mercado idênticas a

todos os países, acarretando uma certa impotência aos governantes, e também o tema da

“redução das desigualdades sociais”.

Uma tendência atual entre os partidos clássicos de direita ou esquerda é fazer

desaparecer em seus discursos a instância adversária – o inimigo – tentando fazer pairar um

imaginário do razoável, porém ficam sem marcas identitárias, sem um elo, uma razão para

agir. Já os partidos extremistas colocam-na em evidência por meio de discursos populistas.

70

Para eles, a denúncia à instância adversária – caracterizada como a fonte dos males sociais

– é, talvez, a única forma de chegar ao poder.

Charaudeau conclui que atualmente a prática política tem “sobrepujado” o conceito

político. Este, lugar dos valores simbólicos, está sendo dominado por aquela, lugar de

exercício do poder, da governança. Não é mais o conteúdo das idéias que é dado a

entender, mas sua encenação. A opinião, agora, baseia-se mais nas imagens e no afeto do

que na razão e nos valores. Desaparecem os antagonismos. O discurso radical de outrora se

modernizou, apresentando-se de forma menos radical, tentando reunir-se em torno de uma

opinião média de compromisso23. Coexistem, pois, dois discursos (que não são novos),

conduzindo a uma identidade complexa: um, que defende os valores soberanistas, pregando

o reagrupamento das entidades sociais e a aplicação de um mesmo modelo a todas; e outro,

em favor de valores particularizantes, pregando separações. A identidade encontra-se, dessa

forma, perpassada por correntes contrárias: recusa da globalização e defesa dos pequenos

grupos, mas que procura, ao mesmo tempo, uma fusão anônima com grandes

ajuntamentos. Somada a essa recomposição identitária tem-se a dessacralização dos ideais

junto a uma instância cidadã cada vez mais crítica.

Para o autor, a recomposição identitária e a dessacralização não indicam uma

degenerescência do discurso político. Mais do que isso: coloca-se uma nova ética na

política – a questão da relação entre o conceito político como fundamento dos ideais e a

política como prática de ajustamento a eles. Articular as práticas e os ideais políticos pode

fundar uma nova relação de legitimidade entre a instância política e uma instância cidadã

tornada múltipla. Segundo Charaudeau (2006, p. 319), esta seria a nova utopia

democrática: inventar um discurso que dissesse que a democracia será sempre

esquartejada entre uma utopia igualitária, que se abre ao outro, e uma soberania

comunitária, que de uma maneira ou outra se fecha sobre si. Propõe, então, que se construa

uma consciência política visando impedir que caiamos na tentação do elitismo ou do

populismo, que se “invente” um discurso e estruturas políticas os quais suscitem a

emergência de uma ética da participação instaurando um imaginário de confiança: à

instância política cabe o papel de dizer e agir; à cidadã, o de saber e vigiar.

23 Talvez isso explicasse as críticas que recebe o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acerca da diferença entre seu discurso de campanha referente às eleições de 1990, que era radical, e o de 2002, mais “tranqüilo”.

71

2.2 – Em Courtine

Jean-Jacques Courtine, professor de Antropologia Cultural na Universidade de Paris

III – Sourbone Nouvelle, é uma referência incontestável na história da AD. Participou da

fundação da disciplina, colaborando com Michel Pêcheux e, mais tarde, a partir dos anos

80, apontou a necessidade de deslocamentos, a partir de seu trabalho sobre o discurso

comunista endereçado aos cristãos. Em “Metamorfoses do discurso político: derivas da

fala pública”, mostra as transformações pelas quais passou o discurso político e, em

conseqüência, sua análise.

Na primeira parte da obra, ele aborda a história da AD e suas transformações,

tentando mostrar o que está ausente nas análises históricas do aparecimento da AD. Toma

como ponto de partida a tese de que a AD é uma prática da leitura dos textos políticos –

uma política da leitura.

O aparecimento do projeto da AD como disciplina deu-se “pós-maio de 1968”,

momento em que a luta de classe reinava na teoria, no qual a leitura dos textos funcionava

como um jogo teórico e político. A teoria pretendia ensinar o povo a ler sua opressão nos

próprios textos – refletir sobre o discurso político e ensinar ao cidadão. A AD teve como

efeito produzir um modo de leitura dos discursos por meio de um conjunto de dispositivos

que se aparenta [a] uma ‘domesticação do olhar’ sobre os textos (COURTINE, 2006a, p.

20). Uma “revolução discursiva” resume o que foi maio de 68, explicando claramente a

predominância das análises do discurso político de esquerda.

A política, porém, ia se distanciando dos intelectuais, modificando-se

consideravelmente. Alguns dos fatores que ocasionaram a mudança na conjuntura política

são, então, apontados por Courtine: a despolitização do corpo social, a desideologização de

certos partidos políticos em nome da modernização, o declínio do militantismo e da

sindicalização, o silêncio dos intelectuais e a renovação do individualismo. Como

conseqüência, uma grande transformação na representação do político.

O discurso comunista francês não convencia mais, mesmo permanecendo idêntico,

com as mesmas palavras... A classe operária não respondia mais. Os novos modos de

consumo, lazer e vida passavam a favorecer as reivindicações individualistas. Com um

milhão de indivíduos a menos – de 1975 a 1985 – a desindustrialização desagregava a

identidade operária comunista. A classe operária deixou de existir...

72

Esses acontecimentos afetaram o projeto inicial da AD, que a partir da metade dos

anos 80 trabalhou numa paisagem teórica em ruínas. O número 81 da revista Langages

representa bem isso, já que à espera de trabalhos que articulassem a história e a língua, a

balança pendeu mais para o lado da língua. Num trabalho consagrado ao discurso político

soviético, por exemplo, abandonou-se praticamente a perspectiva histórica, no qual o

estudo das nominalizações não foi relacionado às condições de produção dos discursos24.

Assim, um período de instabilidade passou a governar a AD: havia o exame de

corpora doutrinais, mas também de práticas linguageiras dispersas e heterogêneas;

analisavam-se textos escritos, mas também as práticas orais; a preferência pela

intertextualidade em processos verticais passou a dividir o espaço com a análise sobre o fio

do discurso em sua horizontalidade; e, finalmente, a investigação das centralidades

discursivas dava lugar à apreensão das margens do discurso. Courtine via nesses

deslocamentos aspectos extremamente positivos à compreensão das materialidades

discursivas, porém, na maioria dos trabalhos, o aspecto lingüístico estava recobrindo as

considerações históricas.

A análise do discurso se encontra, assim, numa situação paradoxal. Se, antes, ela defendia a legitimidade de uma consideração dos funcionamentos discursivos, no momento em que a lingüística se voltava exclusivamente para a análise do sistema da língua ou das regras sintáticas da competência, desde os anos 80, ela se viu praticamente despojada de seu objeto pela adoção, bastante comum na lingüística desse período, do termo “discurso” e pela multiplicação das problemáticas que tomavam o discurso como objeto empírico (COURTINE, 2006a, p. 46).

Courtine acredita que essa instabilidade na AD estava inscrita desde sua origem

devido às seguintes tensões: quis cumprir uma função política e crítica, mas também

científica e “positiva”; quis sustentar a teoria entre uma leitura marxista do discurso e

engajada dos textos, e uma análise “automática” do discurso; uma análise por meio de uma

“máquina de leitura” a partir do mecanismo de reconhecimento de frases, da qual se

esperava uma leitura (informaticamente) dessubjetivada. Chegou, pois, o momento em que

a situação se tornou insustentável em virtude dos acontecimentos políticos e das

transformações ideológicas. Foi, então, desabando o projeto de uma teoria do discurso. 24 Courtine refere-se ao trabalho Langue russe et discours politique soviétique: analyse des nominalisations, de P. Sériot.

73

Reduziu-se o histórico ao político, o político ao ideológico, o ideológico ao discursivo, o

discursivo ao sintático...

Os resultados de leitura da AD eram expostos em forma de listas e tabelas, os quais

levaram o autor a afirmar que a AD é um modo de leitura que substitui uma escrita por

outra, superpondo uma escrita sobre outra (COURTINE, 2006a, p. 24), realizando, dessa

forma, uma conversão técnica do olhar sobre os textos. Para Courtine, é um problema, pois

desconsidera a heterogeneidade constitutiva dos discursos, rejeitando as zonas de

instabilidade, de dispersão e contradição que surgem numa leitura.

O autor ressalta, porém, que o projeto da AD não estava ultrapassado. Precisava, por

sua vez, ser repensado, podendo vir a administrar a análise das representações compostas

por discursos, imagens e práticas. Ele mostrou que, apesar das transformações históricas,

era possível continuar fazendo AD, porém o projeto exigia mudanças em seus dispositivos

teórico e analítico. Entre elas, aponta três:

a) deslocar o privilégio que a análise distribucional dava às representações em domínio

vertical que constituíam listas e tabelas, recentralizando trabalho de descrição sobre o fio

do discurso e analisando a linearidade da cadeia a partir de uma pluralidade de

funcionamentos;

b) ao tratar de corpora de arquivos doutrinários, fixar-se na referência da emergência da

heterogeneidade e da alteridade na repetição do mesmo, interrogando outros enunciados,

além dos políticos;

c) interrogar as maneiras de ler, tratando o lugar do sujeito-leitor como um problema, já que

o leitor dos textos políticos não é o receptáculo passivo de um sentido já constituído no

discurso, ou um político não adaptado à espera de uma pedagogia de suporte.

Para Courtine (2006a, p. 57),

analisar discursos não pode mais se limitar a caracterizar um texto em diferentes níveis de funcionamento lingüístico. Mas, pensar e descrever a maneira como se entrecruzam regimes de práticas e séries de enunciados.

Na segunda parte do livro, Courtine aborda o discurso político frente à renovação

exigida. Ele indica operações que um trabalho de AD realiza e objetos que manipula.

74

Discute exemplos e mostra como essas operações e objetos permitem entender o enunciado

político.

Inicialmente, aponta as bases de uma AD, independentemente das variações

metodológicas:

concretiza-se o fechamento de um espaço discursivo; aplica-se um procedimento lingüístico a um texto para determinar suas relações inerentes; e estabelece-se uma relação no discurso entre os elementos lingüísticos e aquilo que é exterior à linguagem (COURTINE, 2006a, p. 63-4).

E, tratando-se do discurso político há ainda que se especificar seu sujeito. Assim, são três as

noções cruciais que permitem compreender o processo discursivo: o corpus, o enunciado e

o sujeito.

A operação de extração do corpus discursivo25 é recoberta pela noção de condições

de produção, funcionando esta como um filtro que torna o corpus exaustivo e homogêneo.

Muitos corpora representarão uma situação histórica definida, porém nunca deixarão de

fazer parte de um corpus de doutrina, o qual se apóia numa tradição discursiva. Definir,

pois, sincronicamente as condições de produção de discurso político pode ser um problema,

segundo o autor, visto que apaga o fato de que o discurso sempre esteve lá. A tendência a

uma homogeneização das condições de produção do discurso leva o discurso recortado a

não se contradizer consigo próprio mas com uma exterioridade discursiva. A proposta do

autor é, então, que todo discurso político [deva] ser pensado como uma unidade dividida,

dentro de uma heterogeneidade em relação a si mesmo (COURTINE, 2006a, p. 67).

Às definições clássicas das condições de produção dos discursos políticos, que

restauram a identidade lingüística e a homogeneidade dos discursos, Pêcheux propôs o

estudo das formações ideológicas, as quais permitem uma ou mais formações discursivas

inter-relacionadas, determinando o que pode e deve ser dito, baseado em uma posição

dada em uma conjuntura (PÊCHEUX & FUCHS apud COURTINE, 2006a, p. 68).

Pêcheux pôde mostrar que todo discurso concreto produzido por um sujeito numa formação

discursiva específica é dominado e dependente de um interdiscurso que é fornecido pelos

25 Corpus discursivo: “um conjunto de seqüências discursivas estruturadas, de acordo com um plano definido em referência a um certo estado de condições de produção de discurso” (COURTINE, 2006a, p. 66).

75

elementos pré-construídos. Dessa forma, o que se enuncia é exterior ao sujeito falante, o

que permite pensar a subjetivação deste em relação ao sujeito ideológico de seu discurso.

Porém, Courtine aponta que a prática de constituição do corpus na AD continuou

assegurando as homogeneizações. É, pois, em Foucault (apud COURTINE, 2006a, p. 70)

que se encontra uma concepção de discurso (e também o projeto de uma análise do discurso

político) baseada na análise de formações discursivas. Para ele,

um enunciado dado ocupará um lugar entre um conjunto de formulações extraídas de seqüências discursivas, que dependem das condições de produção do discurso, algumas das quais serão heterogêneas.

Assim, ao constituir um corpus, deve-se inscrever um enunciado em um conjunto de

formulações baseando-se numa pluralidade de pontos,

constituindo ao seu redor uma seqüência discursiva que foi considerada um ponto de referência, uma rede de formulações extraídas de seqüências discursivas cujas condições de produção são ao mesmo tempo homogêneas e heterogêneas em relação à seqüência discursiva de referência (COURTINE, 2006a, p. 70).

Em seguida, Courtine discute a noção de enunciado político, cuja maior forma de

aparecimento é a de enunciado dividido26. Este pode ser construído por agrupar enunciados

num corpus discursivo no qual os antagonismos ideológicos são representados mostrando

como as contradições unem e dividem, ao mesmo tempo, os discursos políticos. Ele

governa o funcionamento polêmico do discurso político, representando este os efeitos da

luta ideológica no interior do funcionamento da linguagem.

Finalmente, Courtine aborda a noção de sujeito político, o qual se encontra

assujeitado às condições de produção e recepção de seu enunciado.

Ele é o ponto de condensação entre linguagem e ideologia, o lugar onde os sistemas de conhecimento político se articulam na competência lingüística, diferenciando-se um do outro, mesclando-se um ao outro, combinado com

26 Um enunciado dividido constrói-se a partir do modelo P{X/Y}, onde Px e Py “representam duas formulações que pertencem a discursos antagônicos, apresentando um contexto (P) comum e dois elementos (...) que não podem ser substituídas uma pela outra, visto que esta incomutabilidade é marcada pela barra que separa X e Y” (COURTINE, 2006a, p. 74).

76

um outro ou afrontando-o em uma determinada conjuntura política (COURTINE, 2006a, p. 64).

Ao enunciar um discurso político, o sujeito encontra-se sob uma liberdade

controlada – regras lingüísticas presentes nos enunciados funcionam, na verdade, como

regras do discurso, impondo-se, dessa forma, ao sujeito falante, uma ordem do discurso. Ao

tornar-se sujeito do discurso, ele deve ocupar um conjunto de posições do sujeito

enunciador (modos de enunciação), e não fazer escolhas que melhor o agradem.

Fato interessante apontado pelo autor é que, no modo de enunciação do discurso

político, memória e esquecimento não podem ser dissociados. O mesmo interdiscurso que

organiza a recorrência de formulações, também intervém como uma ruptura ou

deslocamento, produzindo o esquecimento dos enunciados. Um exemplo é a repetição de

um fragmento de uma formulação ligada a uma lacuna27.

Courtine aponta a necessidade de elaborar uma pragmática e não gramáticas do

enunciado político. A análise deveria se dirigir tanto aos discursos escritos quanto aos orais;

tanto à produção quanto à recepção dos discursos; e os escritos doutrinários deveriam dar

lugar à linguagem comum, isso porque o próprio discurso político se transformou. Uma das

transformações mais claras é o descrédito (que também favorece a rejeição) por certas

formas do discurso público. A língua de madeira, caracterizada por formas longas, fixas e

redundantes, passou a ser criticada de forma generalizada, desenvolvendo-se em seu lugar

uma política do discurso baseada em formas curtas, de fórmulas e diálogos, marcada pelo

imediatismo e individualismo. Os grandes discursos políticos parecem estar ameaçados

pelo desaparecimento (COURTINE, 2006a, p. 84). As línguas de madeira parecem dar

lugar às línguas de vento. Procura-se seduzir e conquistar com o apoio do aparato áudio-

visual de informação, não podendo mais dissociar a imagem do discurso do homem

político, tampouco a recepção à produção dos discursos, já que se assiste mais televisão do

que se lêem livros ou jornais.

A mensagem lingüística não é mais unicamente lingüística, mas uma colagem de imagens e uma performatividade do discurso, que deixou de ser prioritariamente verbal. (...) de agora em diante é insuficiente se referir somente a métodos de análise lingüística. A mutação dos modos de

27 Uma discussão maior é feita em Courtine (1999).

77

comunicação política exige a renovação de uma semiologia da mensagem política que permitirá a sua apreensão global (COURTINE, 2006a, p. 85).

A terceira e última parte do livro ora comentado volta sua atenção às diferenças

entre as discursividades na França e nos Estados Unidos da América. No território

americano, Courtine re-territorializa conceitos e métodos da AD analisando as mutações

das discursividades políticas. Inicialmente, tenta responder se Foucault pode ser

considerado um pós-estruturalista já que este declarou, numa entrevista, nunca ter sido um

estruturalista. Antes de responder, porém, esclarece que o termo “pós-estruturalista” é

inusitado na França, servindo (quando empregado) para mencionar a sua origem americana.

Na França não se sentiu a necessidade de se agrupar sob uma palavra o momento teórico

que sucedeu o estruturalismo (COURTINE, 2006a, p. 117). Fala, então, em dois períodos

na obra de Foucault: um “estruturalista” e outro “pós-estruturalista”. O “pós-

estruturalismo” de Foucault descreveria, pois, não as condições teóricas de produção de seu

pensamento, mas os efeitos práticos de sua leitura na América.

Em seguida, aborda a trama do sexo e da política na mídia americana, mostrando o

lugar que a vida privada ocupa na esfera pública. Segundo o autor, fatores psicológicos,

questões de personalidade e comportamento domésticos importam mais aos americanos, no

que se refere à vida pública, do que aos franceses. Para um político americano, por

exemplo, tudo pode ser fatal e perigoso. Destaca, ainda, as mutações das formas discursivas

da comunicação política – houve uma simplificação da linguagem na qual a retórica fora

substituída por um gênero simples, familiar e direto de conversação. Com a

espetacularização da política, a análise dos fatos deu lugar à análise das causas

psicológicas; a percepção das ações para a das intenções. Uma deriva recente é, dessa

forma, a procura por defeitos de personalidade e desvio de comportamento dos candidatos.

Com o declínio da imprensa escrita e o aumento do poder da televisão, as grandes

redes de TV e canais a cabo passaram a conviver com uma concorrência absurda, usando

como estratégia para garantir a audiência, anúncios espetaculares, entre eles os escândalos

políticos. A mídia é definida pelo autor como uma “máquina de escândalos”, a qual

favorece o empobrecimento dos debates dando importância aos fatos mais anedóticos; a

noção de informação perde sua referencialidade, a realidade política se enfraquece.

78

Assim, questões de caráter e os comportamentos privados ocupam o centro do debate

político nos Estados Unidos.

Finalmente, Courtine aponta a ligação que há entre o discurso sobre a língua nos

regimes totalitários e o politicamente correto nos Estados Unidos. Ele não acredita que o

politicamente correto americano evidencie o empreendimento geral de controle dos

discursos sob cores quase totalitárias, como se vê freqüentemente na França. Haveria sim

uma polícia das palavras, mas discreta e comum, que fora alcançada por meio da reescritura

dos manuais e dos testes escolares: a edição dos livros escolares é dominada por um

sistema de regras e normas discursivas que censura e reescreve todo uso lingüístico

considerado inapropriado. Tentou-se, dessa forma, a partir do final dos anos cinqüenta,

identificar-se e combater todo preconceito ou estereótipo julgado discriminatório em

relação às minorias étnicas. Assim, os manuais foram reescritos substituindo as palavras

impróprias por expressões autorizadas, politicamente corretas.28

Courtine acredita que uma das conseqüências do politicamente correto é uma

transformação do modelo de cidadania americana. O poder que se exerce não é total, mas

local, minucioso, regulamentar, usualmente anônimo. Na verdade, é um modo de controle

não só lingüístico mas direcionado ao comportamento de forma geral por meio da

proibição, da gestão moral:

O politicamente correto que pretende regulamentar o que é preciso dizer, não dizer, e como dizer em um campo discursivo determinado, é uma forma de controle lingüístico ao mesmo tempo restrito e disseminado em um espaço dos discursos, e continua da mesma maneira intermitente no tempo (COURTINE, 2006a, p. 156).

2.3 – A mentira na política

O tema da mentira sempre esteve associado à política. Um bom exemplo é o texto

atribuído a Jonathan Swift, “A arte da mentira política” (2006), publicado inicialmente em

1733, que corrobora a idéia de que a mentira política não é um fenômeno datado, mas

atemporal. Este texto trata da apresentação de uma assinatura de dois volumes, cujo autor

não é nomeado, os quais seriam lançados caso ele recebesse um bom número de

28 Um exemplo: “(...) queira não fazer nenhuma menção da existência dos dinossauros, pois os cristãos fundamentalistas que condenam a teoria da evolução poderiam se indispor e levá-lo à justiça” (COURTINE, 2006a, p. 154).

79

assinaturas. Porém, tais volumes nunca apareceram. Uma brochura atribuída a Swift,

oferecendo em assinatura um livro inexistente de autor anônimo: uma arte da mentira

política não poderia nascer sob melhores auspícios (COURTINE, 2006b, p. 16).

Swift faz uma sátira à arte de governar da tradição antiga, apresentando prescrições

de como os governantes deveriam agir para melhor enganar o povo, o que faz com que seu

texto seja considerado uma “gramática da mentira política”.

Swift estabelece as bases fisiológicas da mentira: a alma é da natureza de um

espelho, o qual possui um lado plano e um lado cilíndrico – o primeiro vem de Deus,

refletindo fielmente os objetos, e o segundo, do diabo, deformando-os. Então, se Satã é o

pai da mentira, esta está localizada no lado cilíndrico da alma.

Em seguida, ele define-a da seguinte forma: a arte de convencer o povo, a arte de

lhe fazer aumentar as falsidades úteis, (...) para alguma boa finalidade (SWIFT, 2006, p.

36). Uma arte que é necessária, pois se mente para o povo para seu próprio bem. Uma arte

sim, diferente da ação de dizer a verdade, que não necessita de arte alguma. Porém, ele

deixa claro que tal arte se refere a sua invenção já que é necessário mais arte para

convencer o povo de uma verdade útil que lhe fazer aumentar e receber uma falsidade útil

(SWIFT, 2006, p. 36).

Assim como bens materiais, o povo também não tem direito à verdade política,

considerada propriedade privada. Ao passo que a verdade está nas mãos de poucos, a

mentira é de todos. Uma abundância de mentira política é uma marca certa da liberdade.

Distingue, pois, três tipos de mentira: a de adição, que confere mais reputação a alguém do

que de fato tem; a de maldizer ou difamatória, que tira a reputação de alguém que a

adquiriu por direito; e a de translação, que transfere a boa ação ou o desmérito de um

homem para outro.

Distingue também a mentira que serve para espantar e aterrorizar e a que anima e

encoraja. Uma regra lançada para a primeira é que de tempos em tempos se aterrorize o

povo mas que o acalme por um ano. Assim, revela-se um futuro negro para convencê-lo de

contentar-se com um presente cinza. Quanto à segunda, deve ser variada; se contiver

promessas não seria prudente fixar as predicações rapidamente, pois quem as elaborou seria

exposto à vergonha e à confusão de se ver tão logo contradito. Deve-se fazer uso de uma

80

técnica sutil de dosagem, pois o exagero pode comprometer a verossimilhança. Assim, aos

partidos que tenham mentido mal, ele propõe uma cura original:

é preciso que o partido que queira restabelecer seu crédito e sua autoridade concorde em nada dizer em nada publicar durante três meses, nada que não seja verdadeiro e real; seria o melhor meio para adquirir o direito de debitar as mentiras dos seis meses seguintes (SWIFT, 2006, p. 46).

Swift fala também na constituição de uma sociedade de mentirosos, composta por

chefes de partidos, a quem devem ser confiados a conduta e o manejo da mentira. A

principal regra é inventar uma ou duas mentiras por dia, prestando-se sempre atenção ao

tempo e à estação em que se está, visto que mentiras para aterrorizar produzem grandes

efeitos em novembro e dezembro, mas não em maio e junho. É preciso que se tenha uma

pena ou uma multa imposta a qualquer um que fale de algo que não seja a mentira do dia

(SWIFT, 2006, p. 49). Deve-se, ainda, elaborar mentiras de teste, aquelas que são deixadas

de propósito para sondar a credulidade daqueles a quem se fala. Se acreditarem na primeira

vez, tudo o que vier em seguida também o será.

O autor se surpreende com a velocidade que as mentiras têm de se disseminarem. Já

a duração pode ser de todo tipo: horas, dias, anos e séculos. Quanto às características,

variam de país para país. De fato, reportando-nos um pouco à frente no tempo, Courtine

(2006a), que lecionou nos Estados Unidos entre as décadas de 1980 e 1990, pôde concluir

que a mentira toma proporções diferentes ao comparar os terrenos francês e americano. Ele

aponta que nos Estados Unidos, após o Watergate, ela se tornou politicamente mortal, a

ponto de se instaurar uma “política da confissão”. Já na França, a ciência de governar é

associada a uma certa arte da mentira (ou do segredo) no que se refere às questões pessoais.

Swift (2006, p. 54) conclui o texto afirmando que o meio mais limpo e mais eficaz

para destruir uma mentira é lhe por uma outra.

Para Charaudeau (2006, p. 105), no campo do discurso político, a mentira é um ato

de linguagem que obedece a três condições, as quais cabem ao enunciador: dizer o

contrário daquilo que sabe ou julga como indivíduo pensante; saber que o que diz é

contrário ao que pensa; e dar a seu interlocutor sinais de que o que enuncia é idêntico ao

que pensa. Assim, não há mentiroso em si, pois a mentira relaciona locutor e interlocutor.

Aquele considera o saber deste com o objetivo de proteger seu próprio saber.

81

Charaudeau lembra que ao pronunciar suas promessas, o político não tem noção real

dos meios de que disporá para cumpri-las, sendo impossível, inclusive, dizer tudo

exatamente como pensa ou percebe. Seu papel é, portanto, o de permanecer fidedigno. Ele

não tem de dizer a verdade, mas parecer dizer a verdade. Para isso, algumas estratégias são

apontadas:

a) estratégia da imprecisão: quando o político faz declarações, ao mesmo tempo, gerais,

sutis e ambíguas, para que não possam surpreendê-lo em erro ou recriminá-lo por ter

mentido;

b) estratégia do silêncio: quando o político simplesmente não faz declarações, mantendo a

ação em segredo, com o objetivo de evitar reações violentas que possam impedir a

implantação do que é julgado necessário para o bem da comunidade. Para os governantes, é

uma mentira necessária já que tem por finalidade servir ao bem comum;

c) estratégia da razão suprema: quando o político recorre à “razão de Estado”, justificando

sua mentira por se tratar de salvar o que constitui a identidade de um povo, indo de

encontro à opinião pública ou mesmo à vontade dos próprios cidadãos. Assim, cala-se o

que se sabe e o que se pensa e guarda-se um segredo em nome de uma razão superior;

d) estratégia da denegação: quando o político é responsável por negócios escusos em

investigação, mas nega seu envolvimento à justiça, ou o de um de seus colaboradores,

produzindo um falso testemunho.

Para Charaudeau, tais atitudes são condenáveis, vindo a afetar a relação de

confiança entre a instância cidadã e a política, de forma que não se justifique a mentira em

favor do poder pessoal. Esbarra-se, então, nas duas forças que animam a vida política: o

ideal dos fins e o uso dos meios para atingi-los.

Perversidade ou mentir verdadeiro (Aragon)? Efetivamente, entram aqui em colisão uma verdade das aparências, encenada pelo discurso, e uma verdade das ações, empregada pelas decisões.No discurso político, as duas misturam-se em uma ‘vero-semelhança’ sem a qual não haveria ação possível no espaço público. Está aqui, talvez, um dos fundamentos da palavra política (CHARAUDEAU, 2006, p. 109).

A arte de mentir politicamente vem de longa data, porém sua atualidade revela uma

grande estabilidade dos costumes políticos. A partir do século XIX, com o

desenvolvimento da imprensa escrita, ela passou da oralidade à escrita, entrando, no século

82

XX, na era da produção e do consumo de massa. A mentira hoje é eletrônica, instantânea,

global; o produto de uma organização racional e de uma estrita divisão do trabalho

(COURTINE, 2006b, p. 23). A mentira entrou, pois, para a nova era tecnológica. De

totalitária passou a ser democrática – é pluralista, efêmera, eclética, pós-moderna. Não

pretendendo ser exclusiva, ela co-existe com as da concorrência. Expandiu-se de tal forma

pela vida pública que já é difícil separar a verdade da mentira. Aproximamo-nos, talvez, do

estado ideal em que o discurso político estará finalmente livre do fantasma mesmo da

verdade, que às vezes o assombra ainda como um velho remorso (COURTINE, 2006b, p.

26). Baseados, dessa forma, no exposto, acreditamos que a mentira sempre foi e continuará

sendo constitutiva do discurso político.

Após realizar uma breve discussão acerca do discurso político na

contemporaneidade, faremos no capítulo posterior, no “entremisturar” descrição e

interpretação, uma análise de nosso objeto de estudo.

83

3. UMA LEITURA DISCURSIVA DOS SUFIXOS -EIRO E -ISMO NA POLÍTICA

BRASILEIRA: MARCAS DE HETEROGENEIDADE E DERRISÃO

É comum ouvirmos, diariamente, palavras novas serem criadas por políticos:

continuísmo, mensalão, quadrilheiro... Outras, por sua vez, serem ressignificadas: vampiro,

sanguessuga, furacão, navalha... O mais comum ainda é que tais escolhas lexicais ocorrem

com o objetivo de descaracterizar o discurso do oponente. Isso nos instigou, levando-nos a

estabelecer o seguinte recorte para este trabalho: observar o processo de formação de

palavras denominado sufixação, no discurso político, em sua modalidade escrita.

Como corpus empírico, selecionamos enunciados proferidos por políticos (em

gêneros e suportes diversos) entre os períodos de maio de 2005 a outubro de 2006 –

precisamente, do escândalo das denúncias do mensalão à reeleição do presidente da

República, Luiz Inácio Lula da Silva. Neste período, os partidos de oposição tentavam

atacar os de situação29 por meio do discurso desqualificador – a mesma arma usada como

estratégia de defesa pela situação. Como apoio para seus “ataques verbais”, formavam e

ressignificavam as mais diversas palavras possíveis. Dessa forma, a ação política se

realizava pela linguagem, sendo tais palavras “hospedeiras” da ideologia dos partidos

políticos.

Segundo Charaudeau (2006, p. 16), todo ato de linguagem obedece a três princípios:

a) de alteridade: sem a existência do outro, não há consciência de si;

b) de influência: tentativa por parte do sujeito enunciador em trazer o outro para si, para

que esse outro pense, diga ou aja segundo a intenção daquele;

c) de regulação: princípio que gerencia a relação quando o outro tem seu próprio projeto de

influência.

A “palavra” do político – como todo ato de linguagem – pode ser considerada como

uma ação sobre o outro, porém, tal ação deve deixar de ser vista apenas como um fazer

fazer, um fazer dizer ou um fazer pensar e passar a se preocupar em ver a intenção seguida

de efeito, devendo ser colocada a questão de saber o que pode obrigar o outro a se submeter

à posição do sujeito que fala, o que, segundo Charaudeau (2006, p. 17), vem a ser a

29 Gostaríamos de esclarecer que optamos pela denominação “discurso de oposição/ situação” e não “discurso de direita/ esquerda” em virtude da atual situação política do país.

84

existência de uma ameaça ou a possibilidade de gratificação, conferindo ao sujeito que fala

alguma autoridade, já que ambas são consideradas como uma sanção. Assim, reconhecida

tal autoridade, coloca-se o sujeito-alvo numa posição de dominado e o sujeito de autoridade

na de dominante, instaurando entre os dois uma relação de poder: todo ato de linguagem

está ligado à ação mediante as relações de força que os sujeitos mantêm entre si, relações

de força que constroem simultaneamente o vínculo social (CHARAUDEAU, 2006, p. 17).

Ao enunciar, o sujeito político acredita ser o portador dessa autoridade, já que fora

eleito pelo povo, e se sente legitimado por isso. Como nosso corpus compreende o período

entre o escândalo do mensalão e a eleição presidencial, não nos surpreende encontrarmos

enunciados nos quais os políticos de oposição usem da autoridade legitimada para fazer

denúncias envolvendo o governo, tentando construir o ethos de “defensores” dos direitos da

população, “abrindo-lhe os olhos”, reservando à situação o papel de defender-se de tais

denúncias. Na verdade, ambos os partidos encontram-se em “relações de forças”, num jogo

de interesses por cargos políticos, realizando o que for conveniente para alcançarem o

objetivo principal: a oposição na tentativa de ocupar o poder; a situação tentando manter-se

nele.

Charaudeau (2006, p. 92-3) acredita que desqualificar seja um dos pólos

constitutivos do discurso político, ocorrendo por meio de diferentes procedimentos

discursivos: rejeição às idéias do adversário; manipulação da ironia; revelação de suas

contradições; projeção de sombras da manipulação da parte do adversário; e denúncia das

conseqüências nefastas, caso o eleitor escolha o adversário. É uma necessidade do sujeito

político rejeitar os valores do adversário, porém não deve utilizar uma argumentação muito

pesada, complexa ou sutil, visto que a massa pode não compreender. Assim, a

argumentação acaba se reduzindo ao ataque verbal, que questiona a probidade do

adversário, suas contradições, sua incapacidade de manter promessas, suas alianças

nefastas e sua dependência diante da ideologia de seu partido, que lhe retira toda

liberdade de fala e de ação. Dessa forma, a confrontação entre forças políticas antagônicas

assemelha-se a uma guerra em período eleitoral, exigindo dos concorrentes mais do que um

projeto interessante, mas também muita malícia.

Destacamos, nesse trabalho, uma estratégia discursiva empregada pelos políticos a

partir do formal na língua (a derivação sufixal), com o objetivo de ofender uns aos outros e

85

também se defender (de forma ofensiva). Formações novas e ressignificações de palavras

com os sufixos -eiro e -ismo chamaram nossa atenção, levando-nos a refletir sobre o

funcionamento discursivo desses sufixos, caracterizados em nosso trabalho como marcas de

heterogeneidade constitutiva do sentido, como desqualificadores do discurso do Outro.

Levando em consideração a homofonia dos sufixos, estabelecemos o seguinte

recorte para o sentido dos sufixos presentes nos enunciados selecionados:

Sufixos Sentido/ Função Ocorrências enunciativas

-eiro (a)¹ formador de substantivos que

denotam profissão, ofício, agente

mensaleiro, quadrilheiro

-eiro (a)² formador de substantivos com

idéia de intensidade, aumento

roubalheira, bandalheira

-eiro (a)³ formador de adjetivos eleitoreiro, politiqueiro

-ismo¹ formador de nomes que indicam

nomes de ação ou resultado de

ação

assistencialismo, continuísmo,

denuncismo, desenvolvimentismo,

golpismo, politicismo, voluntarismo

-ismo² formador de nomes que indicam

maneira de pensar; doutrina que

alguém segue; ideologia

clientelismo, esquerdismo, peleguismo,

petismo, populismo, juscelinismo,

alckimismo, helenismo, cristovismo,

stalinismo, lulismo

As formas lingüísticas supracitadas formaram-se a partir do acréscimo aos seus

radicais dos sufixos -eiro e -ismo. Segundo as gramáticas normativas, por apresentarem um

sentido geral, os sufixos emprestam tal sentido ao radical da palavra em questão para

fazerem surgir uma nova palavra. Porém, o processo não é tão simples como parece. A

escolha por tais sufixos não ocorre por mera coincidência. Seu uso traz à tona não só

valores gramaticais, mas também discursivos, revelando-se como uma estratégia para

“mascarar” os reais sentidos pretendidos, que, por sua vez, não são óbvios.

Se considerarmos apenas as contribuições normativas, a significação das palavras

assumirá uma conotação positiva. No entanto, considerando as condições nas quais os

enunciados foram produzidos e a formação discursiva na qual os sujeitos autores destes

enunciados se inscrevem, postulamos que as palavras passam a assumir uma conotação

86

negativa. Nossa proposta é, então, analisar tais ocorrências inscritas em seu contexto

discursivo e mostrar a significação que assumem quando lidas numa perspectiva discursiva,

mostrar, pois, que os sufixos são mais do que pregam as gramáticas normativas – são

também marcas de heterogeneidade e derrisão.

3.1 – A heterogeneidade

Para falar da heterogeneidade, faz-se necessário voltar ao ano de 1979, ao colóquio

“Materialidades discursivas”, o qual representou um novo ponto de partida para os estudos

do discurso; voltar, pois, ao início da fase do outro sobre o mesmo – fase em que o trabalho

com o intradiscurso passou a ser relacionado ao interdiscurso.

A presença de Jacqueline Authier em tal colóquio deu início à colaboração de uma

lingüista externa ao campo da análise do discurso, cuja responsabilidade foi a de apontar

elementos decisivos à problemática da heterogeneidade do discurso. O sentido e a

enunciação já eram por ela abordados por meio do discurso relatado, desde 1978,

evidenciando, assim, as rupturas enunciativas no fio do discurso, o discurso outro no

próprio discurso.

A lingüista Jacqueline Authier, eu já o sugeri, intervinha de maneira completamente diferente. “Palavras mantidas à distância”, através de uma fusão de exemplos finamente trabalhados, abordava a questão das aspas que, colocadas em uma palavra ou expressão, marca uma suspensão da tomada a cargo pelo enunciador. Esta questão tocava diretamente o surgimento do outro no discurso de um sujeito. Ela sustentava a problemática da heterogeneidade oferecendo um ponto de ancoragem para a análise (MALDIDIER, 2003, p.77).

Authier-Revuz (2004) classifica a heterogeneidade em dois tipos: a constitutiva e a

mostrada. A primeira ocorre quando o discurso é colocado em relação de alteridade, não se

mostrando no fio do discurso. A segunda, por sua vez, faz referência à presença do Outro,

podendo ser marcada (as glosas, as aspas, o discurso direto, o discurso indireto...) ou não-

marcada (a ironia, a imitação...).

A autora se ancora em dois pontos de vista exteriores à lingüística para fundamentar

a heterogeneidade constitutiva do discurso: o dialogismo do círculo de Bakhtin e a

psicanálise na interpretação lacaniana de Freud. Para o primeiro ponto de vista, a interação

87

com o discurso do outro constitui qualquer discurso. Para o segundo, o discurso se constitui

atravessado pelo discurso do Outro. Dessa forma, todo discurso se mostra

constitutivamente atravessado pelos ‘outros discursos’ e pelo ‘discurso do Outro’”

(AUTHIER-REVUZ, 2004, p.69). Trata-se da heterogeneidade da palavra e do

descentramento do sujeito.

A autora acredita que as formas da heterogeneidade mostrada manifestam diversos

tipos de negociação do sujeito falante com a heterogeneidade constitutiva de seu discurso:

(...) a heterogeneidade mostrada não é um espelho, no discurso, da heterogeneidade constitutiva do discurso; ela também não é “independente”: ela corresponde a uma forma de negociação – necessária – do sujeito falante com essa heterogeneidade constitutiva – inelutável mas que lhe é necessário desconhecer; assim, a forma “normal” dessa negociação se assemelha ao mecanismo da denegação (AUTHIER-REVUZ, 2004, p.71-2).

Para ela, fica evidente que a heterogeneidade mostrada pode ser considerada como

um modo de denegação no discurso da heterogeneidade constitutiva. Não há como escapar

da heterogeneidade da fala; suas marcas explícitas representam uma ameaça ao sujeito

falante, tendo este a ilusão de ser o dono do seu discurso. É como se aquilo que não

estivesse explícito, fosse seu, empenhando-se, portanto, em fortalecer o estatuto do um.

Fundamentados numa teoria discursiva, acreditamos que as palavras são formadas

objetivando provocar um efeito de sentido específico para a situação na qual são

empregadas. Não há sentidos gerais, mas efeitos de sentido únicos. Para corroborar nossa

afirmação, citamos Vendryes (apud AUTHIER-REVUZ, 1998, p. 30):

Entre os diversos sentidos de uma palavra, só emerge à consciência aquele que é determinado pelo contexto. Todos os outros são abolidos, extintos, não existem (...) Na linguagem corrente, uma palavra tem um único sentido por vez.

Nosso trabalho dialoga, portanto, com a proposta de Jacqueline Authier-Revuz, já

que parte das formas da língua para mostrar as não-coincidências (ao invés das evidências)

que atravessam os dizeres. A autora aponta uma inevitável heterogeneidade teórica que

afeta a abordagem lingüística dos fatos enunciativos, impondo a explicitação dos exteriores

teóricos. Partir das formas da língua inscreve seu trabalho numa corrente enunciativa no

88

sentido estrito, neo-estruturalista. Authier-Revuz não ignora a questão da estrutura, dando

um lugar para o conhecimento de sua articulação com a linguagem.

Segundo a autora, o dizer é afetado por quatro campos de não-coincidência:

a) a não-coincidência interlocutiva;

b) a não-coincidência do discurso consigo mesmo;

c) a não-coincidência entre as palavras e as coisas;

d) a não-coincidência das palavras consigo mesmas.

Não se pode escapar a essas não-coincidências, sendo constitutivas do dizer. E é

nesse espaço que o sentido é produzido, espaço no qual as palavras não falam por si, mas

pelo Outro. Nesse mesmo espaço, o sentido pode desfazer-se, representando a fixidez do

sentido uno, porém, uma força de ligação e de coesão o protege, e esse sentido uno faz

‘obter’ uma fala, que faz com que obter uma fala seja, entre outros, fazer ‘ter junto’ o que

não faz outro sentido senão o de não ser um (AUTHIER-REVUZ, 1998, p. 26). É

justamente nessa tensão entre o um e o não um da enunciação que se tem a configuração

enunciativa complexa da reflexividade opacificante.

A modalidade autonímica aparece nesse jogo de um que ‘junta’ e de não-um que ‘esgarça’, como um modo da costura aparente30, que ressalta em um mesmo movimento a falha da não-coincidência enunciativa (contrariamente ao modo da superfície una), e sua sutura metaenunciativa (contrariamente ao modo da ruptura ‘bruta’ do lapso).

Authier-Revuz se fundamenta em Benveniste para abordar a dupla significância

como um privilégio da língua natural. Segundo esse autor, a distinção se faz em dois níveis:

o modo semiótico e o modo semântico. O primeiro inscreve-se no espaço finito do sistema

da língua, na ordem do estável; no processo de constituição da significação, seus elementos

(os signos) devem ser identificados. O segundo, por outro lado, engendrado pelo discurso,

introduz-se no domínio da língua em uso e em ação, e seus elementos (as palavras) devem,

no processo de constituição dos sentidos, ser compreendidos, interpretados.

(...) passar da consideração da língua (...) à consideração da fala, do discurso, é abandonar um domínio homogêneo, fechado, onde a descrição é da ordem do repetível, do ‘UM’, por um campo duplamente marcado pelo

30 Grifo da autora.

89

NÃO-UM, pela heterogeneidade teórica que o atravessa, a língua articulando-se ao sujeito e ‘ao mundo’, e pelo caráter não-repetível da compreensão que dele se pode ter, inevitavelmente afetada pela subjetividade e pela incompletude (AUTHIER-REVUZ, 1998, p. 166).

Quando Authier-Revuz se refere à escolha dos exteriores teóricos relativos à

questão do sujeito e de sua relação com a linguagem, aponta dois tipos de sujeito: o sujeito-

origem (o da psicologia e das suas variantes ‘neuronais’ ou sociais) e o sujeito-efeito

(aquele assujeitado ao inconsciente, da psicanálise, ou o das teorias do discurso que

postulam a determinação histórica em um sentido não individual). Se nos apoiarmos em um

sujeito fonte intencional do sentido (como o fazem as abordagens pragmático-

comunicacionais), é coerente considerar que o sentido é transparente e que o enunciador

está em condição de representar sua enunciação e o sentido produzido por ela. Se, por outro

lado, apoiarmo-nos em exteriores teóricos que destituem o sujeito do domínio de seu dizer

(como Pêcheux e Lacan o fizeram), este dizer não poderia ser transparente ao enunciador,

ao qual ele escapa, irrepresentável, em sua dupla determinação pelo inconsciente e pelo

interdiscurso.

Por tratar da enunciação, o trabalho de Authier-Revuz se situa na região do

esquecimento número dois: ao falarmos, o fazemos de uma maneira e não de outra e, ao

longo de nosso dizer, formam-se famílias parafrásticas que indicam que o dizer sempre

podia ser outro (ORLANDI, 1999, p. 35). Produz-se, por meio deste esquecimento, a

impressão da realidade do pensamento (uma ilusão referencial), fazendo-se acreditar na

relação direta entre o pensamento, a linguagem e o mundo. Assim, pensa-se que o que se

diz só pode ser dito com aquelas palavras e não com outras, como se a relação entre palavra

e coisa fosse natural. Ainda segundo Orlandi, este esquecimento atesta que a sintaxe

significa: o modo de dizer não é indiferente aos sentidos. Essa autora conclui que o

esquecimento enunciativo é semi-consciente e muitas vezes voltamos sobre ele, recorremos

a esta margem de famílias parafrásticas, para melhor especificar o que dizemos.

Ao final deste capítulo, continuaremos apontando as contribuições de Authier-

Revuz aos estudos do discurso. Porém, de forma específica, dialogando com a análise do

corpus e mostrando que os sufixos podem ser lidos como formas marcadas de

heterogeneidade no discurso, alterando sua aparente unicidade.

90

3.2 – A derrisão

Tropos zombeteiro é uma das mais antigas técnicas de oratória, que utiliza como

recurso enunciativo a desqualificação do oponente por meio da zombaria, suscitando o riso

num determinado auditório. Atualmente, foi reelaborado pelos teóricos do discurso, dando

origem ao conceito de derrisão. Associa o humor e a agressão, não se reduzindo ao riso. (...)

uma espécie de amabilidade verbal violenta que por produzir o riso foge de sanções

negativas da legislação e, principalmente da opinião pública (BARONAS, 2004, p.158).

Segundo Bonnafous (2003, p.35) a derrisão consiste na associação do humor e da

agressividade que a caracteriza e a distingue da pura injúria. É muito comum seu uso no

discurso político, visto que, ao se descaracterizar o discurso do oponente, obtém-se com

isso vantagens políticas. Ela acredita que a violência verbal está cada vez mais presente no

discurso político, nutrindo-o de zombarias, gracejos, trocadilhos, jogos de palavras... O

caso Dreyfus31 é um exemplo destacado, no qual houve uma entrega aos jogos discursivos

envolvendo a invenção verbal e a composição. (...) os digladiadores faziam-se as honras

por meio de sufixações pejorativas32, terminações eruditas e paródicas, truncamentos e

deformações.

Bonnafous faz uma análise do discurso de Jean-Marie Le Pen, político de extrema-

direita da França, e mostra que, num momento em que o discurso político encontrava-se

num contexto de normalização e moderação retórica, Le Pen escolhe a derrisão como

argumento de distinção. Vítima de um complô midiático, coloca-se como contestador

fazendo uso de críticas e agressões verbais visando desqualificar o Outro por meio do

ridículo. Denigre e ridiculariza os adversários; esquiva-se de ter que fundamentar seus

ataques; manipula o auditório e leitores pelo riso e admiração em função de suas proezas

verbais; e evita processos, ou os atenua, ao se abrigar na brincadeira.

As escolhas lexicais feitas pelos políticos, observadas na análise dos enunciados que

iremos apresentar, seguem essa linha: a da tentativa de, por meio de formas da língua,

desqualificar o discurso do oponente.

31 Escândalo político que dividiu a França por muitos anos, durante o final do século XIX. 32 Grifo nosso.

91

3.3 – O sufixo -eiro

O quadro seguinte mostra as ocorrências selecionadas para análise sob um ponto de

vista estritamente prescritivo, considerando o sufixo como um afixo agregador de sentido

geral ao sentido do radical, uma marca do sentido “uno”. Dessa forma, emprestando o

sentido geral do sufixo ao radical da palavra (como rezam nossas gramáticas normativas...),

a significação mais coerente para cada ocorrência seria:

Ocorrências Radical33 Sentido geral

do sufixo

Significação prescritiva

1. mensaleiro Mensal = relativo a um

mês; ou que se faz de mês

em mês.

Agentivo. Alguém que recebe uma

quantia mensal por

exercer um ofício

específico.

2. quadrilheiro Quadrilha = bando de

ladrões ou malfeitores.

Agentivo. Alguém que faz parte de

uma quadrilha; um ladrão.

3. roubalheira Roubo = ato de roubar. Intensidade;

aumento.

Roubo exagerado.

4. bandalheira Bandalho = indivíduo sem

dignidade nem brio.

Intensidade;

aumento.

Atitudes indignas,

próprias de bandalhos.

5. eleitoreiro Eleitor = aquele que elege

ou tem o direito de eleger.

Formador de

adjetivos.

Que se refere à eleição.

6. politiqueiro Política = arte e ciência de

bem governar, de cuidar

dos negócios públicos.

Formador de

adjetivos.

Que se refere à política.

3.3.1 – Formador de substantivos

3.3.1.1 – Denotando profissão, ofício, agente

33 A significação dos radicais foi consultada em FERREIRA (2000). Para dar tal significação, apresentamo-los, na segunda coluna, como palavras já flexionadas. Ex: citamos o significado de bandalho e não de bandalh-. Recorre-se ao mesmo procedimento com as palavras formadas a partir do sufixo -ismo (quadro exposto no item 3.4).

92

Com as denúncias do mensalão, ocorridas a partir de maio do ano de 2005,

formações novas e ressignificações de palavras com o sufixo –eiro agentivo passaram a ser

bastante utilizadas principalmente por partidos de oposição ao governo e pela mídia em

geral.

Um primeiro exemplo é a forma mensaleiro, que se refere aos políticos envolvidos

nos escândalos do mensalão, sendo a maior parte deles aliada ao partido do presidente da

República (PT), o que faz aumentar ainda mais o número de críticas:

“Assim como renunciar à ideologia deu certo para chegar ao poder, talvez a

renúncia à recuperação ética também dê certo – e os mensaleiros acabem de volta à

Brasília a bordo de mandatos renovados” (André Petry, Veja, 17/05/06).

“Sem que haja uma diferença entre bons e maus, a geléia geral predomina e

elegeremos de cambulhada um Congresso no qual os sanguessugas e mensaleiros

derrotados serão substituídos por outros prestes a reviver a mesma história”

(Fernando Henrique Cardoso, www.psdb.orb.br, 07/09/06).

O primeiro enunciado revela que o articulista critica tanto as atitudes individuais

dos mensaleiros – que renunciaram à ética – quanto as do Partido dos Trabalhadores – que

renunciou a sua ideologia. O partido que nasceu para reivindicar o direito dos trabalhadores

não é mais o mesmo. De acusador, passou a alvo de acusações. Ao afirmar que os

mensaleiros renunciaram à ideologia e à ética, André Petry acusa toda a base aliada ao

governo petista. E ainda é irônico: se a renúncia à ideologia deu certo, por que a renúncia à

recuperação ética também não daria?

Mas, o que deu certo? A que se refere o enunciador? Acreditamos que esteja se

referindo aos cargos políticos relacionados à presidência da República, pois, como é sabido

de todos, a imprensa atribui a conquista da presidência pelo PT, em 2002, à mudança na

condução da campanha comparada às tentativas anteriores – um “Lulinha paz e amor”, sem

radicalismos, que se alia a partidos de direita...34 Enfim, o partido perdeu a característica

34 Em seu projeto inicial, nas primeiras candidaturas, o PT declarava-se um partido de esquerda que não fazia alianças com partidos de direita. Porém, a partir das eleições de 2002, seu perfil foi modificando-se. Com os escândalos do mensalão, então, ficou mais difícil definir “esquerda” e “direita” na política brasileira.

93

inicial, mas “chegou lá”. Por isso, conclui que talvez a renúncia à recuperação ética os

mantenha em Brasília.

Fernando Henrique Cardoso, no segundo enunciado, também critica a perda da

ideologia inicial do PT, ao considerar todos iguais, ou seja, “farinha do mesmo saco” (Sem

que haja uma diferença entre bons e maus, a geléia geral predomina), já que os envolvidos

nos escândalos são oriundos de diversos partidos, revelando ainda um total descrédito para

com a política (os sanguessugas e mensaleiros derrotados serão substituídos por outros

prestes a reviver a mesma história).

Mensaleiro, que, segundo uma leitura prescritiva, denotava “aquele que exerce um

ofício específico e por isso recebe uma quantia mensal”, não pode assim ser lido, pois não

existe esse ofício legitimado. Na verdade, para que se receba essa quantia – o mensalão –

não há o exercício de um ofício, de uma atividade, mas escusos acordos políticos do tipo

“toma lá, dá cá”. Ao denominar os políticos da situação de mensaleiros, a oposição quer

que seus “acordos” sejam interpretados como uma atividade fixa, corriqueira, do dia-a-dia.

Ou seja, fazer acordos políticos visando ao benefício próprio está associado ao

“mensaleiro”, assim como o ato de fazer pães está para um padeiro.

Outro exemplo interessante é a forma quadrilheiro:

“Em qualquer país sério, José Dirceu teria problemas até mesmo para abrir uma

conta bancária – afinal, a quadrilha que ele chefiava roubou recursos públicos, fez

caixa dois, falsificou documentos e praticou evasão de divisas. No Credit Suisse

brasileiro, no entanto, o quadrilheiro-mor terá direito a tratamento vip” (Fábio

Portela,Veja, 10/05/06).

A crítica recai, dessa vez, sobre José Dirceu, uma das pessoas mais próximas a

assessorar o presidente Lula. Acusado de chefiar a “operação-mensalão”, é denominado por

Fábio Portela de quadrilheiro-mor. Podemos perceber que o efeito de sentido pretendido

não é simplesmente passar quadrilheiro como “alguém que faz parte de uma quadrilha”,

mas, assim como os mensaleiros, mostrar que um quadrilheiro também exerce funções

rotineiras: roubar recursos públicos; fazer caixa dois; falsificar documentos; praticar evasão

de divisas... Faz tudo isso sempre. E já que Dirceu foi ministro no governo Lula desde o

94

início do mandato, as funções de quadrilheiro não seriam tão recentes. Ao chamar José

Dirceu de quadrilheiro-mor, Fábio Portela “diz” não só que é um ladrão, mas também que

é o líder do bando. É como se chamasse o próprio governo Lula de quadrilha.

Como no exemplo anterior, o jornalista parte da crítica individual (na pessoa dos

mensaleiros), julgando, “de carona”, o governo Lula como um todo. E também o país, ao

despojar-lhe a seriedade. Portela acredita que diante dos escândalos envolvendo Dirceu,

este teria problemas até para abrir uma conta bancária, já que é o chefe de uma quadrilha

criminosa. Porém, na sede brasileira do Credit Suisse terá tratamento vip: estará entre os

clientes especiais do banco numa confraternização que objetiva manter os principais

correntistas atualizados e bem informados sobre o que se passa no Brasil. Segundo Portela,

isso só acontece pelo fato de o Brasil não ser um país sério, justamente por ser governado

por uma quadrilha.

Percebemos, então, que as formações mensaleiro e quadrilheiro surgem para dizer

mais do que o sentido uno. Vindas da oposição e de jornalistas contrários ao governo Lula,

são formas não-coincidentes de ofensa. A partir de seu emprego, pretende-se passar a idéia

de que os envolvidos nos escândalos o fazem como profissionais, que as atitudes por eles

tomadas são comuns no ofício que exercem.

3.3.1.2 – Significando intensidade, aumento

Antes de discutirmos as ocorrências roubalheira e bandalheira, gostaríamos de

apontar uma curiosidade que chamou nossa atenção: a formação da palavra mensalão.

Mensal denota, segundo o dicionário Aurélio, aquilo que se refere ou que dura um mês, ou

se faz de mês em mês, sugerindo o uso da forma “mensalidade” para as quantias recebidas

por alguém por exercer um ofício específico. Porém, ao invés de se empregar uma palavra

já existente na língua, optou-se pela nova forma para se referir às quantias recebidas pelos

políticos em troca dos acordos corruptíveis, justamente por denotar aumento, intensidade.

Mensalão denotaria, portanto, quantias exorbitantes – um efeito de sentido que não seria

alcançado com o emprego de “mensalidade”.

É o que acontece com roubalheira, nosso primeiro exemplo:

95

“Com o apoio de setores dos meios de comunicação, [a oposição conservadora]

dissemina, artificialmente, a imagem de um governo fracassado e conivente com a

roubalheira” (autor desconhecido, www.vermelho.org.br, 03/06/05).

O acréscimo de –eira ao radical permitiu denotar um roubo fora do comum,

escandaloso. A estratégia (inconsciente) do enunciador foi não só afirmar que o governo é

conivente com o roubo – um roubo comum – mas com a roubalheira – desvios excessivos

de dinheiro público. Deixa bem claro também que a disseminação da imagem de um

governo fracassado é de responsabilidade da mídia e da oposição, corroborando as

afirmações de Charaudeau (2006), que acredita na desqualificação como constitutiva do

discurso político.

Em bandalheira, acreditamos que haja não só a idéia de intensidade, mas ainda

uma certa espécie de coletivo. A formação deu-se a partir do acréscimo do sufixo –eira ao

radical bandalho, que, no dicionário Aurélio, denota indivíduo sem dignidade nem brio. O

mesmo dicionário define bandalheira como ação ou atitude própria de bandalho. No

entanto, podemos associá-la (de forma indireta) ao radical bandalha, que vem a ser, no

próprio Aurélio, manobra irregular no trânsito; ato de cobrar preço acima da tabela em

corrida de táxi; diz-se do motorista que pratica bandalha. No cenário político, poderíamos

ler bandalha, então, como os acordos escusos, os superfaturamentos de obras públicas e,

ainda, caracterizar com a própria palavra os políticos que praticam essas ações. Dessa

forma, bandalheira, para nós, seria “a grande onda de políticos sem dignidade ou brio que

aproveitam de seus cargos para se beneficiarem do dinheiro público por meio do

superfaturamento de obras e acordos escusos”.

Vejamos os dois exemplos selecionados:

“(...) não foi a elite neoliberal em parceria com a mídia conservadora que

aproveitou-se da fragilidade de um partido de inocentes idealistas. Foi a máquina

nada inocente dos apparatchiks de um partido outrora impoluto que recusou-se a

abrir mão das prodigiosas facilidades e resolveu eternizar a bandalheira” (Alberto

Dines, www.observatorio.ultimosegundo.ig.com.br, 25/07/05).

96

“Até agora, Garotinho chegou aonde está levantando a bandeira do populismo

evangélico, fundindo aí patacoadas de palanque com louvações de templo. Agora,

ao somar populismo evangélico com bandalheira política, é possível que o

eleitorado recue, mas isso também não é certo” (André Petry, Veja, 03/05/06).

No primeiro enunciado, o autor chama o PT de partido outrora impoluto possuidor

de uma máquina nada inocente para mostrar que até os membros desse partido são

“corrompíveis”, não deixando escapar as oportunidades que o controle do poder lhes

proporciona, fazendo eternizar a onda de ações indignas na política – bandalheira que não

surgiu no governo Lula, pois ao afirmar que o PT resolveu eternizar a bandalheira, fica

claro que ela já existia quando o partido chegou ao poder, cabendo ao Partido dos

Trabalhadores apenas eternizar, continuar agindo como os anteriores...

O segundo enunciado começa fazendo uma crítica a Anthony Garotinho por este

somar populismo evangélico com bandalheira política na tentativa de ser o candidato à

Presidência da República pelo PMDB: populismo evangélico devido a suas louvações de

templo, e bandalheira política por ter se envolvido com pessoas de conduta duvidosa. É o

que pode ser constatado num trecho referente ao mesmo texto no qual se insere o segundo

enunciado:

“Em sua campanha para virar candidato, Garotinho acaba de ser pilhado numa

bandalheira espantosamente disseminada. Andava alugando jatinho de bicheiro

preso em Cuiabá, recebendo dinheiro de empresa que pertenceu a um assaltante

enjaulado na penitenciária de Bangu, armando rede de financiadores gentilmente

abastecidos pelos cofres do governo comandado por sua mulher. Uma lama só”

(André Petry, Veja, 03/05/06).

Em seguida, critica os eleitores, ao afirmar que não é certo que recuem à

candidatura de Garotinho, visto que Lula tem 40% de preferência eleitoral, mesmo estando

envolto em escândalos. É como se acreditasse que o povo não se importa mais com a falta

de dignidade e honestidade na política. Não é à toa que o título do artigo é No reino da

bandalha.

97

Roubalheira e bandalheira surgem, assim, para intensificar o sentido de roubo e

bandalha (o). A enunciação destas palavras não provocaria o mesmo efeito de sentido que

aquelas, já que se referem a acontecimentos num país envolto por intermináveis escândalos

políticos, em grandes proporções.

3.3.2 – Formador de adjetivos

Examinaremos duas ocorrências que teriam por função gramatical caracterizar os

substantivos. São elas: eleitoreiro(a) e politiqueiro(a). Comecemos, pois, pela primeira.

Na revista Veja, de 03 de maio de 2006, Leandra Peres apresenta uma reportagem

de seis páginas, cujo título é A moeda eleitoral de Lula, referindo-se ao programa

assistencial Bolsa Família. No entanto, em alguns momentos, ao invés de caracterizar o

programa como eleitoral, o faz como eleitoreiro:

“Com o Bolsa Família, Lula ganhou sua arma nas urnas. Eleitoreiro ou não, é

inegável que o programa melhora a vida de milhões de brasileiros” (Leandra Peres,

Veja, 03/05/06).

“O Bolsa Família está longe de ser uma iniciativa meramente eleitoreira, destinada

unicamente a alavancar a popularidade do governante, mas é inequívoco que tem

enorme potencial eleitoral” (Leandra Peres, Veja, 03/05/06).

A estratégia seria para mostrar o efeito de imediatismo que o termo eleitoreiro

provoca. É como se eleitoral caracterizasse o que se refere a eleições de forma geral. Já

eleitoreiro referir-se-ia a tudo a que se recorre, em caráter imediatista, para vencer as

eleições. Na maioria das vezes, golpes baixos, mentiras, falsas promessas, propaganda

enganosa...

Segundo a autora, o Bolsa Família representa uma arma nas mãos de Lula. Porém,

ao contrário de outras estratégias, Leandra afirma que esta melhora a vida de milhões de

brasileiros estando longe de ser uma iniciativa meramente eleitoreira. Por outro lado, não

deixa de afirmar que tem um enorme potencial eleitoral.

O próximo enunciado vem corroborar o efeito de imediatismo provocado por

eleitoreiro(a):

98

“Não tenho visto a propaganda eleitoreira. (...) Mas desconfio que ainda

existam dois tipos de pessoas que assistem à propaganda eleitoreira: os viciados

em política e os viciados em TV. (...) Você não precisa ser expert em ciências e

marketing políticos ou em drogas para perceber o poder corrosivo da

propaganda eleitoreira. (...) Mas tudo indica que a propaganda eleitoreira está

influindo cada vez menos no processo político. (...) A propaganda eleitoreira

(...) é velha, enfadonha, mentirosa, irrita e faz mal. (...) E, olha só: a propaganda

eleitoreira é mentirosa em sua própria gênese, em seu útero, uma vez que não é

gratuita coisíssima nenhuma” (André Martins, www.adonline.com.br.,

21/08/06).

Fica clara a diferença entre eleitoral e eleitoreiro. André Martins refere-se à

propaganda a que a população é submetida pouco antes das eleições, caracterizando-a como

velha, enfadonha, mentirosa, irritante e malefícia, motivos que o levam a não assisti-la.

Atribui sua audiência apenas aos viciados por política ou por TV. Muitas vezes, os

candidatos são desconhecidos da população e, por isso, aderem a estratégias imediatistas,

eleitoreiras. No entanto, Martins acredita que esse tipo de propaganda influi cada vez

menos no processo político, pois muitas pessoas não a assistem mais. Considera-a uma

“droga”, sugerindo ao leitor que o que é eleitoreiro (ao contrário do que é eleitoral) é ruim.

O segundo adjetivo formado pelo sufixo em questão é politiqueiro(a):

“Para Lula, a medida era ‘politiqueira’ e ‘impossível’ de ser colocada em prática.

‘Este reajuste é tão politiqueiro que nem os aposentados reivindicaram’, disse ele”

(autor desconhecido, www.vejaonline.abril.com.br, 11/07/06).

Nota-se que, assim como eleitoreiro sugere algo ruim, politiqueiro também. Isso

fica claro quando Lula considera a medida em questão como politiqueira por ser

impossível de ser colocada em prática. Tal medida se refere a um reajuste de 16,67%

projetado pelo Congresso aos aposentados que, se concedido, provocaria um gasto extra de

7 bilhões de reais já no referido ano, quantia esta não disponível no orçamento. Trata-se de

uma estratégia “baixa”, por isso politiqueira, e não política. Uma medida política referir-se-

99

ia à arte do bem governar, já uma medida politiqueira estaria relacionada a uma forma de

política do tipo mesquinha, que visa aos próprios interesses e não aos da população, ou seja,

seria sinônimo de politicagem.

Vê-se, portanto, que os adjetivos formados a partir do sufixo -eiro(a), no contexto

político, desqualificam o objeto referido, sugerindo a idéia de algo ruim, assim como

também os substantivos formados por esse sufixo, assumindo uma conotação negativa,

como postulamos anteriormente.

Apresentamos, em seguida, um quadro que mostra as conotações positivas e

negativas das ocorrências. Aquelas, considerando uma leitura prescritiva; estas, uma leitura

discursiva:

Ocorrências Significação positiva Significação negativa

1. mensaleiro Alguém que recebe uma

quantia mensal por

exercer um ofício

específico.

Alguém que recebe uma quantia mensal

exorbitante em troca de acordos políticos

escusos.

2. quadrilheiro

– mor

Alguém que faz parte de

uma quadrilha; um

ladrão.

Profissional, com funções específicas,

responsável por liderar uma quadrilha

infiltrada nas bases do governo.

3. roubalheira Roubo exagerado. Desvios excessivos de dinheiro público.

4. bandalheira Atitudes indignas

próprias de bandalhos.

Grande onda de políticos sem dignidade ou

brio que aproveitam de seus cargos para se

beneficiarem do dinheiro público por meio do

superfaturamento de obras e acordos escusos.

5. eleitoreiro Que se refere à eleição. Refere-se a tudo aquilo a que se recorre, em

caráter imediatista, para vencer uma eleição.

6. politiqueiro Que se refere à política. Refere-se a uma política do tipo mesquinha,

que visa aos próprios interesses e não aos da

população – politicagem.

100

3.4 – O sufixo -ismo.

Adotaremos o mesmo procedimento metodológico do item anterior para tratar da

análise referente às palavras formadas a partir do sufixo -ismo, apresentando, a seguir, um

quadro com as ocorrências selecionadas. A significação de tais ocorrências segue os

padrões normativos, desconsiderando as contribuições de uma teoria discursiva. Ou seja,

parte do princípio de que o sentido da palavra advém da “somatória automática” do sentido

geral do sufixo mais o sentido do radical da palavra em questão.

Dessa vez, o sufixo trabalhado aparece com dois sentidos distintos:

-ismo¹= formador de nomes de ação ou resultado de ação;

-ismo² = formador de nomes que indicam maneira de pensar; doutrina que alguém

segue; ideologia.

Ocorrências Radical Sufixo Significação prescritiva

1. assistencialismo Assistência = ajuda. -ismo¹ Ato ou efeito de ajudar.

2. continuísmo Contínuo = em que não há

interrupção; seguido,

continuado.

-ismo¹ Ato ou efeito de dar

continuidade.

3. denuncismo Denúncia = acusação;

delação; revelação.

-ismo¹ Ato ou efeito de

denunciar.

4. desenvolvimentismo Desenvolvimento =

progresso; crescimento.

-ismo¹ Ato ou efeito de

desenvolver-se; crescer.

5. golpismo Golpe = acontecimento

súbito e inesperado;

manobra para lesar alguém.

-ismo¹ Ato ou efeito de dar

golpes.

6. politicismo Política = arte e ciência de

bem governar, de cuidar

dos negócios públicos.

-ismo¹ Ato ou efeito de fazer

política.

7. voluntarismo Voluntário = aquele que

age espontaneamente.

-ismo¹ Ato ou efeito de agir

espontaneamente.

8. clientelismo Clientela = conjunto de

clientes; freguesia.

-ismo² Maneira de pensar da

freguesia, clientela.

101

9. esquerdismo Esquerda =conjunto de

partidários duma reforma

ou revolução socialista.

-ismo² Ideologia de partidos

socialistas, de esquerda.

10. peleguismo Pelego = aquele que

trabalha nos sindicatos,

sorrateiramente, contra os

interesses dos

trabalhadores.

-ismo² Maneira de pensar dos

pelegos.

11. petismo PT = Partido dos

Trabalhadores

-ismo² Ideologia do PT.

12. populismo Popular = próprio, relativo

ou simpático ao povo.

-ismo² Maneira de pensar

relativa ao povo.

13. juscelinismo Juscelino = nome de

pessoa.

-ismo² Relativo a Juscelino.

14. alckimismo Alckmin = nome de

pessoa.

-ismo² Relativo a Alckmin.

15. helenismo Helena = nome de pessoa. -ismo² Relativo à Helena.

16. cristovismo Cristovam = nome de

pessoa.

-ismo² Relativo a Cristovam.

17. stalinismo Stalin = nome de pessoa. -ismo² Relativo a Stalin.

18. lulismo Lula = nome de pessoa. -ismo² Relativo a Lula.

3.4.1 – Formador de nomes de ação ou resultado de ação

Selecionamos sete ocorrências que resumem bem a tendência existente no discurso

político em expressar uma ação ou seu resultado com o auxílio do sufixo -ismo.

Comecemos, pois, com assistencialismo.

O primeiro enunciado encontra-se no artigo “Os dez mandamentos do populismo”:

“O populista divide diretamente a riqueza. (...), mas o populista não divide de graça:

focaliza sua ajuda e a cobra em obediência. ‘Vocês têm o dever de pedir!’,

exclamava Evita a seus beneficiários. Criou-se assim uma idéia fictícia da realidade

102

econômica e entronizou-se uma mentalidade assistencialista. No fim, quem pagava

conta? Não a própria Evita (que cobrou seus serviços com juros e resguardou na

Suíça suas contas multimilionárias), mas sim as reservas acumuladas em décadas,

os próprios operários com suas doações ‘voluntárias’ e, sobretudo, a posteridade

endividada, devorada pela inflação. Quanto à Venezuela, até as estatísticas oficiais

admitem que a pobreza aumentou, mas a improdutividade do assistencialismo só

será sentida no futuro, quando os preços dispararem e o regime levar às últimas

conseqüências seu propósito ditatorial” (Enrique Krauze, O Estado de São Paulo/

edição digital, 15/04/06).

Podemos ler, neste enunciado, que o assistencialismo não é algo positivo. O autor,

inclusive, o considera como improdutivo e gerador do crescimento da pobreza. Esta seria

ajudada apenas por propósitos eleitorais e, nos governos populistas, para que fique devendo

obediência. O auxílio às classes pobres (assistência) funcionaria como um auxílio

imediatista. Ao invés de desenvolver projetos direcionados à empregabilidade do povo e

crescimento da nação, um governo populista troca benefícios por obediência. Emprestando

a metáfora da pescaria, “ele dá o peixe, mas não ensina a pescar”. A política

assistencialista, ao contrário do que pensam muitos, só faz aumentar a pobreza.

Fernando Henrique Cardoso, no mês anterior ao das eleições, publica uma carta

aberta no site de seu partido tentando arrebanhar votos para seu então candidato, Geraldo

Alckmin, a partir da crítica aos pontos negativos do governo Lula, descaracterizando-o. Um

dos pontos criticados é sua política assistencialista:

Precisamos assumir que, no contexto atual, ser progressista é lutar para

democratizar a sociedade, sustentar políticas que reduzam a pobreza até sua

eliminação, gerando empregos sem contentar-nos com o necessário

assistencialismo” (Fernando Henrique Cardoso, www.psdb.org.br, 07/09/06).

Para FHC, assistencialismo e progresso estariam bem distantes um do outro,

estando a redução da pobreza associada à geração de empregos e não a medidas

assistencialistas.

103

Percebemos, dessa forma, que o sentido de assistencialismo seria não apenas o de

ajudar, mas o de “ajudar em troco de obediência e votos” – é como se a classe pobre fosse

auxiliada e ficasse devendo o favor de votar no “político assistencialista”.

O exemplo seguinte é continuísmo:

“Acho que a [eleição] presidencial está praticamente definida. Lula está bem porque

a economia está estável. É simples assim. (...) Acho que a tendência é não haver

segundo turno em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia. Ou seja, nos

quatro maiores colégios eleitorais do país. Para o bem e para o mal, esta é a eleição

do continuísmo” (Fernando Rodrigues, Folha On-line, 06/09/06).

Vemos que a palavra é empregada no sentido de continuidade. Refere-se aos casos

em que o poder continuará nas mãos dos situacionistas, entre eles o presidente da República

e quatro governadores.

Segundo Rodrigues, Lula continuará no poder em função da estabilidade

econômica, não entrando em detalhes em relação aos outros casos. Quando afirma Para o

bem e para o mal, esta é a eleição do continuísmo, acredita que o governo de alguns desses

políticos não é tão bom assim, porém não se compromete em dizer qual. Mas se atentarmos

para a forma pela qual estrutura o enunciado, sua posição fica evidente. Coloca de um lado

o continuísmo de Lula, e, de outro, o dos quatro governos estaduais. Em seguida, faz uso

das palavras bem e mal, que podem assim ser interpretadas como se tivesse subentendido

na frase a palavra “respectivamente”, referindo-se o “continuísmo do bem” para o governo

de Lula e o “continuísmo do mal” para os outros governos, já que faz elogios ao governo

Lula.

No entanto, apesar de ter tocado num ponto positivo do governo Lula e de ter

considerado o PT o partido mais organizado (...reconheço que o PT é, com todas as

ressalvas o mais organizado), Fernando Rodrigues inclui todos como casos de

continuísmo, abrindo mão do termo continuidade e, como conseqüência, conferindo uma

conotação negativa ao primeiro termo. Dessa forma, se estão todos funcionando como

exemplos de continuísmo na política, todos apresentam pontos negativos. Mesmo aquele

que recebera elogios não agrada muito ao enunciador (se salva, em parte, pelo fato de a

104

economia estar estável). Falar em continuísmo, portanto, seria falar em “dar continuidade a

um governo que está ruim; que apresenta falhas”.

Nos próximos enunciados teremos o termo denuncismo, sugerindo, à primeira

vista, o sentido de denúncia. No entanto, os autores preferiram a primeira forma. Não por

acaso... Na verdade, denuncismo sugere uma conotação negativa, sendo visto como um

mal social:

“O denuncismo é uma doença terminal do jornalismo que se manifesta em

momentos de crise política profunda como a atual. É vital não deixar esse mal se

instalar. A vacina contra o denuncismo passa pela apuração diligente, árdua e

trabalhosa dos fatos que se julga imperioso levar ao conhecimento da opinião

pública” (editorial da revista Veja, 13/07/05).

“Temos de aproveitar o fogo da batalha para eliminar todo o lixo da corrupção e do

denuncismo. Ou seja, não podemos aceitar o denuncismo, o banditismo, para punir

apenas alguns corruptos e alcagüetes em troca da ‘inocentagem’ de outros. (...) Não

se pode, sob nenhuma hipótese, premiar a criminalidade e o denuncismo” (Alberto

da Silva Jones, www.vermelho.com.br, 25/08/05).

“Se eles [da oposição] querem esticar a corda, nós não vamos concordar. Eles

deviam saber que denuncismo não está mais dando votos” (senador Tião Viana,

PT-AC, A Folha de São Paulo, 08/03/06. In: FIORIN, 2006).

O primeiro enunciado revela a negatividade agregada ao termo, sendo definido pelo

autor como uma doença terminal do jornalismo, como um mal que precisa de vacina.

Segundo o autor, esse mal se manifesta em momentos de crise política profunda, cujos

disseminadores são os jornalistas. Ele sugere, então, que a vacina seja a apuração rigorosa

dos fatos antes que estes se tornem públicos, visto que muitas das denúncias apresentadas

não são baseadas em provas concretas.

No segundo enunciado, Alberto da Silva Jones define denuncismo como lixo e

ainda banditismo, colocando-o ao lado da corrupção. A situação política é descrita por ele

105

como uma batalha na qual os políticos trocam acusações, sendo o denuncismo uma arma

inclusive para os corruptos que, por meio da delação premiada, têm suas penas abrandadas.

Para Jones, é inadmissível o uso do denuncismo para punir alguns corruptos em troca da

‘inocentagem’ de outros. Ao afirmar Não se pode, sob nenhuma hipótese, premiar a

criminalidade e o denuncismo, considera este um crime que precisa ser eliminado da

sociedade.

O último só vem corroborar a idéia de negatividade presente no termo denuncismo,

quando Tião Viana afirma que essa estratégia não está mais dando votos. Ou seja, a

oposição está recorrendo ao denuncismo na “corrida eleitoreira”, porém, na visão do

senador, tal estratégia é tão ruim que não puxa votos mais. Mas vejam que esse “mais”

indica que o denuncismo já rendeu votos e deve preocupar o senador sim, principalmente

pelo fato de seu partido ser o alvo principal de denúncias.

Dessa forma, vemos que a palavra denuncismo é empregada, preferencialmente,

pelos partidos de situação, alvos de acusações por parte da oposição, que, por sua vez,

almeja o poder. É uma forma de tentarem se defender por meio da própria palavra. Ao

enunciarem denuncismo, ao invés de denúncia, resignificam o sentido desta, passando a

associá-la a termos como doença, banditismo, crime... De “ato ou efeito de denunciar”, a

palavra passa a assumir a seguinte conotação: “o ato de fazer denúncias sem basear-se em

provas concretas, com o objetivo de obter vantagens políticas”. Com isso, o denunciado se

defende e ainda desqualifica o discurso do outro.

O quarto exemplo refere-se à palavra desenvolvimentismo.

No primeiro discurso na tribuna do Senado após as eleições de 2006, Aloízio

Mercadante, senador do PT criticou o velho desenvolvimentismo e propôs um novo

desenvolvimentismo, com foco no investimento e na redução dos gastos correntes:

“"O velho desenvolvimentismo é imaginar que só baixando os juros vamos gastar

mais, impulsionando o desenvolvimento econômico. O caminho do velho

desenvolvimentismo pode levar ao crescimento, mas podemos ter na verdade uma

bolha de crescimento. Não acredito que esse seja o caminho mais promissor"

(Aloízio Mercadante, www.folha.uol.com.br, 10/11/06).

106

Como nos casos anteriores, optou-se pela palavra formada a partir do sufixo -ismo

(desenvolvimentismo) no lugar de uma já existente (desenvolvimento). Esta denota

crescimento, progresso. Já o desenvolvimentismo é algo duvidoso. Falar, pois, em

desenvolvimentismo é não ter a certeza de crescimento, já que, nesse caso, a tomada de

decisões parte do governo como algo meio forçado. Assim, dependendo da decisão do

governo, ao invés de desenvolvimento pode ocorrer o oposto.

Na Wikipédia (enciclopédia digital) tem-se a seguinte definição para

desenvolvimentismo:

“Dá-se o nome de desenvolvimentismo a qualquer tipo de política econômica

baseada no crescimento da produção industrial e da infra-estrutura, com

participação ativa do estado, como base da economia e o conseqüente aumento de

consumo. O desenvolvimentismo é uma política de resultados, e foi aplicado

essencialmente em sistemas econômicos capitalistas, como no Brasil (governo JK) e

na Espanha (franquismo)”.

E ainda esta para novo-desenvolvimentismo:

“O novo-desenvolvimentismo (...) defende a adoção de uma estratégia de

‘transformação produtiva com eqüidade social’ que permita compatibilizar um

crescimento econômico sustentável com uma melhor distribuição de renda. O

projeto novo-desenvolvimentista não objetiva pavimentar a estrada que poderia

levar o Brasil a ter uma economia centralizada, com um Estado forte e um mercado

fraco, nem construir o caminho para a direção oposta, em que o mercado comandará

unicamente a economia, com um Estado fraco. Contudo, entre esses dois extremos

existem ainda muitas opções. Avaliamos que a melhor delas é aquela em que seriam

constituídos um Estado forte que estimula o florescimento de um mercado forte”

(Wikipédia).

Vê-se, portanto, que a participação ativa do Estado é primordial para se chegar ao

crescimento, caracterizando-se o desenvolvimentismo como uma política de resultados

107

que visa aumentar o consumo, melhorando, conseqüentemente, a imagem do governo. Com

as pessoas comprando mais, as críticas ao governo diminuirão, sendo este o melhor

beneficiado com o desenvolvimentismo e, portanto, o maior interessado.

Desenvolvimentismo seria, então, o crescimento “forçado” pelo governo, baseado numa

política de resultados objetivando melhorar sua imagem.

Golpismo é o próximo exemplo. Derivado de golpe, sugere “acontecimento súbito e

inesperado ou manobra para lesar alguém”. Vejamos, pois, seu efeito de sentido neste

primeiro enunciado:

“Eis uma boa pergunta. Uma pergunta que pode nos colocar no rumo de desvendar

a origem , não apenas da corrupção, que todos sabemos, mas de seus efetivos

promotores. A quem interessa a desestabilização do Governo Lula e, certamente, da

economia brasileira? Responder a estas perguntas, certamente, nos indicará o rumo

dos interessados na crise. Ou em linguagem jurídica – quem tinha motivos para

promover esse caos que põe em risco a nossa economia, as nossas conquistas

democráticas, apontando abertamente para o golpismo e para o retrocesso em todos

os sentidos. Quem ganha com a crise? Quem perde?” (Alberto da Silva Jones,

www.vermelho.com.br, 25/08/05).

Alberto da Silva Jones define golpismo como a tentativa da oposição em promover

o caos no país, pondo em risco nossa economia. A resposta mais esperada para as primeiras

questões do autor (A quem interessa a desestabilização do Governo Lula e, certamente, da

economia brasileira? e Quem ganha com a crise?) pode ser “a oposição”, revelando que

esta se preocupa apenas com o poder e não com os interesses da população, que, a

propósito, é quem mais perde num governo com a economia desestabilizada, respondendo à

última pergunta (Quem perde?).

O segundo enunciado faz parte de um artigo intitulado “Golpismo, falso e

verdadeiro”.

“É emblemática, do ponto de vista do baixo respeito às autoridades no Brasil, a

aceitação da tese de ‘golpismo’, esgrimida pelo PT em relação à investigação do

108

escândalo do dossiê, em curso no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). ‘Golpismo’

seria o inverso, ou seja, aceitar a idéia de que algumas pessoas (no caso, o

presidente da República) estão acima da lei. Louve-se, a propósito, o presidente

Lula, que, na sabatina com a Folha, não encampou a tese do ‘golpismo’ ao dizer

que, se crime houve, ele tem que pagar” (Clóvis Rossi, A Folha de São Paulo,

26/10/06).

Inicialmente, Clóvis Rossi refere-se ao fato de o PT considerar golpismo a

investigação do escândalo do dossiê. Em seguida, afirma que golpismo seria aceitar a idéia

de que algumas pessoas, entre elas, Lula, estejam acima da lei, tendo este não encampado

tal tese, já que afirmara que “se crime houve, ele tem que pagar”. A verdade é que tanto a

oposição quanto a situação fazem uso dessa palavra para referirem-se aos golpes baixos, às

manobras políticas inesperadas que são utilizadas para denegrirem a imagem do adversário.

Nosso sexto exemplo é a ocorrência voluntarismo, remetendo à ação voluntária.

“Com a falência das ilusões políticas do petismo, cai por terra a crença de que a

solução efetiva desses enormes desafios depende apenas de ‘vontade política’ ou do

voluntarismo dos ‘justos e bons’” (Eduardo Giannetti da Fonseca, Veja, 28/12/05).

Agir de forma voluntária seria agir espontaneamente. Porém, se esse fosse o efeito

de sentido pretendido por Giannetti, supomos que teria empregado a palavra voluntariado.

Ser “voluntarista”, portanto, não é ser tão bonzinho assim... É, na verdade, ajudar já

pensando em receber algo em troca, o que é muito comum na política (como o

assistencialismo).

As seis35 ocorrências mostraram que agregar o sufixo -ismo a seus radicais confere

às mesmas uma conotação negativa, pejorativa. Enunciar assistencialismo, continuísmo,

denuncismo, desenvolvimentismo, golpismo e voluntarismo ao invés de assistência,

continuidade, denúncia, desenvolvimento, golpe e voluntariado é mais do que expressar

35 Na verdade, são sete ocorrências funcionando com o sentido do sufixo -ismo¹. A sétima delas (politicismo) será discutida na próxima seção, no interior de um enunciado que traz uma outra ocorrência, que funciona com o sentido de -ismo².

109

ações ou resultado de ações. É passar a idéia de que se trata de atitudes ruins com objetivo

puramente eleitoreiro.

3.4.2 – Formador de nomes que indicam maneira de pensar, ideologia

Constatamos que também é muito comum no discurso político o emprego do sufixo

-ismo para expressar nomes que indicam maneira de pensar. Selecionamos, então, onze

ocorrências para discutir os efeitos de sentido provocados por elas em seus contextos

discursivos.

A primeira delas é clientelismo, que se refere, inicialmente, à maneira de pensar de

uma determinada clientela.

“Na insegurança, e pensando na reeleição futura, o deputado (como já teria feito o

candidato) vai estabelecer uma rede de segurança apoiando-se em prefeitos e

eventualmente em alguma empresa, aos quais buscava prestar favores, numa versão

atualizado [sic] do velho clientelismo (que subsiste nas zonas mais pobres do país)

que intercambiava votos por favores prestados diretamente ao eleitor” (Fernando

Henrique Cardoso, www.psdb.org.br, 07/09/06).

Fernando Henrique se refere ao deputado que, depois de eleito, já começa a se

preocupar com a reeleição, aderindo assim a uma nova versão do clientelismo36, que

consiste na prestação de favores a prefeitos e empresários em troca de apoio político. Entre

os favores podemos apontar o caso de emendas no orçamento para ajudar uma prefeitura ou

empresa, revelando-se um deputado que “trabalha” firme para conseguir a aceitação da

emenda, aprovação do orçamento e liberação das verbas para, enfim, fechar o “negócio”.

Tudo acontece como numa transação comercial , na qual políticos, tanto na situação

de candidatos como já na de eleitos, representam os fornecedores, vendedores. Seus

“fregueses” (clientela) são prefeitos, empresas e (ainda) os próprios eleitores que, em troca

de apoio, recebem “favores”. Assim como no comércio, é comum a concorrência entre os

“vendedores”, os quais usam de diversas estratégias de marketing para alcançarem seu

36 O “velho clientelismo” consistia na troca de votos por favores prestados diretamente ao eleitor.

110

objetivo principal – a preferência pelo voto. Dessa forma, quem tiver mais a oferecer,

ganha a preferência do eleitor.

Para grande parte dos eleitores, o voto continua sendo associado ao “favorzinho”:

“desde que se receba algo em troca, por que não votar no candidato x”? E assim vai se

perpetuando essa maneira de pensar dos eleitores (a clientela), e, em conseqüência, o

clientelismo, que denota a maneira de pensar dos eleitores, prefeituras e empresas, os quais

concebem o voto como troca de favores e vantagens, procurando, assim, lucrar com a

“venda” de seu apoio eleitoral. Clientelismo estaria relacionado à maneira de pensar

daqueles que concebem o apoio eleitoral como arma para conseguir “favores”.

Nosso segundo exemplo é a palavra esquerdismo, cujo radical (esquerda) denota

“conjunto de partidários duma reforma ou revolução socialista”. Um partido de esquerda

seria, então, um partido cujos membros estariam preocupados com o social e não com o

particular, representando um projeto extremamente favorável aos interesses da população.

E já que o social está em primeiro plano para estes partidos, seria de se esperar um apoio

total aos mesmos – tanto da classe eleitora quanto da mídia. Porém, não é o que “lemos”

nos enunciados seguintes, os quais associam esquerdismo a algo negativo (Lembremos,

pois, que o PT sempre se considerou e foi considerado um partido de esquerda, procurando

defender os interesses sociais e não se envolvendo em “maracutaias”. No entanto, com a

chegada ao poder, isso passou a ser questionado em função das alianças com certos partidos

de direita, dos escândalos do mensalão envolvendo seus membros diretos... Lembremos

também que mesmo antes de chegar ao poder, em campanhas presidenciais fracassadas, a

mídia já tentava associar o esquerdismo a algo negativo, taxando-o de radical e ameaçador

à economia do país):

“Para não nos atolarmos num esquerdismo radical e ultrapassado, nem girarmos no

redemoinho da anarquia e do desgoverno, é preciso – urgentemente – abrir os olhos,

agir e reagir, implantar em nossa vida pessoal e neste nosso país o governo da ética”

(Lya Luft, Veja, 13/07/05).

111

“A doença infantil do esquerdismo, aparentemente extinta, está de volta. Montada

em sofisticados Land Rovers pagos por empreiteiros” (Alberto Dines

www.observatório.ultimosegundo.ig.com.br, 25/07/05).

“Desde o início da Presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro Antonio

Palocci projetou a imagem de uma fortaleza inexpugnável de sobriedade num mar

de ineficiência e insensatez. Ex-militante da Libelu (Liberdade e Luta), movimento

radical de tendência trotskista, despiu-se, à frente da economia, do esquerdismo

infantil de seus colegas. Converteu-se num defensor do equilíbrio fiscal e do

controle rigoroso da inflação. Ao reciclar-se ideologicamente, reconquistou a

confiança dos mercados no primeiro ano de governo petista e, nos últimos meses,

impediu que o escândalo contaminasse a economia. Na semana passada, os ventos

viraram contra a direção de Palocci” (Fábio Portela e Victor Marino, Veja,

24/08/05).

Lya Luft, por exemplo, no primeiro enunciado, concebe o esquerdismo como

radical e ultrapassado, sugerindo que não nos atolemos nele nem giremos no redemoinho

da anarquia e do desgoverno. O conjunto dessas figuras sugere que uma transformação se

deu. A seqüência Para não nos atolarmos num esquerdismo radical e ultrapassado pode

ser lida como “Para não nos atolarmos num mar de lama”, referindo-se aos escândalos.

Girar e redemoinho sugerem que algo como um furacão passou pelas bases antes sólidas do

PT justificando a caracterização conferida ao esquerdismo de radical e ultrapassado. É

como se a preocupação inicial do partido tivesse sido alterada, o que pode ter vindo a

ocasionar a anarquia e o desgoverno após as denúncias do mensalão. A solução, segundo

ela, é implantar o governo da ética, pois o PT perdeu também este valor.

A preocupação de alguns dos partidários denominados “de esquerda” deixou de ser

com o social passando para o pessoal. É o que se lê no segundo enunciado, na referência ao

Land Rover. Trata-se de um carro recebido por Sílvio Pereira, das mãos de uma

empreiteira, como pagamento de propina, representando apenas um exemplo de uso do

poder para obter vantagens pessoais.

112

Conceber o esquerdismo como uma doença infantil, como Alberto Dines o faz, é

acreditar que é algo ruim (doença) e, como se não bastasse, “coisa de criança”. É como se

dissesse que o poder é para “gente grande” e que os petistas não souberam lidar com as

próprias propostas socialistas, remetendo, inclusive, ao conhecido adágio popular Quem

nunca comeu doce, quando come se lambuza, sugerindo que os petistas abusaram do poder,

aproveitando as vantagens que este podia lhes proporcionar.

No terceiro enunciado, essa idéia de infantilidade é reforçada. Fábio Portela e Victor

Mariano referem-se a Antonio Palocci como uma fortaleza inexpugnável de sobriedade ao

lado de colegas infantis. Os enunciadores descrevem de forma bem resumida a trajetória do

ex-ministro, ressaltando suas qualidades de esquerdista e de responsável pela economia do

país. No entanto, mostram que também Palocci se viu envolto pelos escândalos, a ponto de

se afastar do governo Lula.

Outras figuras, além da infantilidade, são retomadas dialogando com o primeiro

enunciado: o mar, sugerindo o mar de lama em que o governo petista se viu mergulhado; e

os ventos, lembrando o redemoinho e o furacão, sugerindo a mudança nas bases de um

partido considerado, antes, “de esquerda” e agora representante de um esquerdismo

infantil.

Esquerdismo, denotaria, então, não a ideologia de partidos incorruptíveis

preocupados com o social, mas a ideologia de um partido outrora impoluto cujos membros

não conseguiram resistir às tentações que o poder proporciona, passando a preocuparem-se

com as vantagens, corrompendo-se em troca de benefícios pessoais.

Peleguismo, por sua vez, mostra que o sufixo só vem reforçar o efeito de

negatividade, visto que pelego já traz uma conotação negativa: “aquele que trabalha num

sindicato, agindo às ocultas, contra os interesses dos trabalhadores”. O enunciado seguinte

comenta justamente o papel de Lula no combate a essa “doutrina”:

“Lula tornou-se a mais viva, real e autêntica expressão daquilo que, então, muitos

de nós, estudiosos e simpatizantes do nascente movimento, denominamos ‘novo

sindicalismo’. Liderou greves majestosas, como em 1978/80, combateu o

peleguismo sindical e descontentou o sindicalismo político tradicional, que na

época, ainda sob forte repressão, atrelava a ação operária aos interesses de uma

113

pretensa (e de fato inexistente, como nos mostrou anteriormente o golpe de l964)

‘burguesia nacional progressista’. Descontente com essa dupla alternativa, dada

pelo peleguismo sindical e pelo politicismo anti-operário, Lula participou

ativamente da criação do PT, em 1980, e da CUT, em 1983, ambos experimentos

que, em sua origem, propugnavam pela autonomia sindical e política dos

trabalhadores” (Ricardo Antunes, www.enlace.com.br, 20/02/06).

Ricardo Antunes comenta que, além do peleguismo, havia um tipo de politicismo37

anti-operário nos sindicatos. Nota-se que ele opta por politicismo e não política anti-

operária, sugerindo a proximidade com uma ‘política de conveniência’ que atendia a

interesses de uma pretensa ‘burguesia nacional progressista’. Com a criação do PT, em

1980, e da CUT, em 1983, Lula pretendeu combater tanto o peleguismo quanto esse

politicismo, propondo um novo sindicalismo (o que também não é tão bem visto assim

numa sociedade capitalista como a nossa).

Percebemos, pois, que há nas lutas políticas, a tentativa constante de combater os

“ismos”, ou seja, todos os males sociais. Naquele momento, o peleguismo e o politicismo.

Hoje, o denuncismo, o golpismo...

Um dos alvos/ males mais visados nesse último período eleitoral foi o petismo. A

onda de escândalos envolvendo o partido do presidente da República foi um estímulo para a

oposição tentar chegar ao poder, descaracterizando de todas as formas possíveis essa

“doutrina”, com o apoio constante da mídia.

Camila Pereira, por exemplo, considera-o um petismo de resultados, sem valor

algum, cujo destino seria a lata de lixo, fato que a alivia, o que pode ser “lido” a partir da

figura felizmente:

“Felizmente, esse petismo de resultados tem encontro marcado na lata de lixo da

história com outras experiências reais do ideário marxista.” (Camila Pereira, Veja,

17/08/05).

37 Politicismo apresenta o sentido do sufixo –ismo¹. Decidimos comentá-lo aqui por acreditarmos que ficaria melhor se não o desmembrássemos, comentando-o juntamente com peleguismo.

114

Alexandre Dias, por sua vez, foi mais agressivo ao referir-se à ideologia petista:

“O PT-lulismo38 foi um fenômeno político impulsionado pela derrota nas eleições

presidenciais de 1994. Revestido de certo pragmatismo, era, no fundo, um

radicalismo com luvas de pelica. As concessões dadas aos movimentos sociais de

base foram uma conseqüência deste pragmatismo oportunista. Após 2002,

descobrimos que a base petista (também conhecida como ‘esquerda do PT’) vivia

apenas de demagogia eleitoreira e o que queriam mesmo eram cargos bem

remunerados no governo. A CUT calou-se, o MST calou-se (seus rompantes são

apenas efêmeros), os movimentos católicos de base calaram-se. O poder chegou em

2002. A república sindicalista, braço sustentador do lulismo dentro do PT, tomou

conta. A caças (sic) às bruxas foi instituída. A ‘esquerda’ dócil e oportunista foi

mantida no partido e incorporada ao governo. A livre pensante foi expulsa. Tinham

que saber quem mandava: era o lulismo. Mas, agora, o lulismo morreu. Caíram seus

principais mentores: Dirceu, Gushiken, Genoíno e, finalmente, Palocci. Sobrou o

petismo. Um petismo sem rumo, sem ideologia, sem utopia. Um petismo perdido

entre os ideais que um dia teve, e os ideais que hoje não tem. Amorfo, sem gosto,

intragável. Senhoras e senhores, dêem boas-vindas ao novo petismo” (Alexandre

Dias, www.tucanusp.blogspot.com, 29/03/06).

Inicialmente, Dias concebe o PT-lulismo como um fenômeno oportunista

eleitoreiro, caracterizado como um radicalismo com luvas de pelica que ganhou força após

a derrota nas eleições presidenciais de 1994. Com o poder, em 2002, os movimentos de

base (CUT, MST, católicos...) calaram-se diante dos acontecimentos. Entre eles, a expulsão

da esquerda pensante e a “caída” dos principais membros por envolvimento em escândalos.

É como se o PT tivesse revelado o que sempre esteve submerso em suas bases. Acrescenta

que morreu o lulismo e sobrou o petismo. Porém, não o mesmo petismo, mas um petismo

sem rumo, sem ideologia, sem utopia. Um petismo perdido entre os ideais que um dia teve,

e os ideais que hoje não tem. Amorfo, sem gosto, intragável.

38 O termo lulismo será analisado mais à frente, sendo este um dos textos de referência. Por isso, o destacamos de forma diferenciada do termo petismo.

115

Logo após as eleições que culminaram na vitória de Lula, ao fazer uma análise da

situação atual do partido, Valter Pomar, secretário de relações internacionais do diretório

nacional do PT, afirmou o seguinte em relação aos fenômenos lulismo e petismo:

“O elemento que tem que ser priorizado é o petismo” (Valter Pomar, Folha On-line,

13/11/06).

Para ele, não há que se preocupar com Lula, haja vista que seu carisma impulsiona

votos independentemente da filiação partidária e ideológica. Sua preocupação real é com o

partido, já que errou e pode não receber do povo uma segunda chance, alertando para a

necessidade de uma reformulação interna no mesmo.

Referir-se ao PT como petismo já antecipa a nova conotação que o enunciador quer

conferir ao partido. Petismo denotaria, então, a ideologia de um partido abalado em suas

bases por escândalos de corrupção, uma ideologia que se adequou às “regras” do poder.

O próximo exemplo a ser discutido é populismo. O historiador mexicano Enrique

Krauze publicou um artigo, na edição digital do jornal “O Estado de São Paulo”, intitulado

“Os dez mandamentos do populismo”. O autor considera-o um fenômeno político,

caracterizando-o a partir de seu funcionamento, e não do seu conteúdo ideológico. E,

seguindo a tendência apontada nos exemplos anteriores, populismo também é concebido

como algo ruim:

“O populismo na América Latina adotou um amálgama desconcertante de posições

ideológicas. Esquerdas e direitas poderiam reivindicar a paternidade do populismo,

todas ao conjuro da palavra mágica ‘povo’.(...). O populismo exalta o líder

carismático. Não há populismo sem a figura do homem providencial que resolverá

os problemas do povo. (...). O populismo fabrica a verdade. (...). O populismo

apela, organiza, inflama as massas. (...) O populismo fustiga sistematicamente o

‘inimigo externo’. (...) O populismo despreza a ordem legal. (...) O populismo

mina, domina e, em último recurso, domestica ou cancela as instituições da

democracia liberal. (...) Por que renasce de tempos em tempos a erva daninha do

populismo na América Latina? (...) O populismo (...) alimenta sem cessar a

116

enganosa ilusão de um futuro melhor, mascara os desastres que provoca, posterga o

exame objetivo de seus atos, amansa a crítica, adultera a verdade, adormece,

corrompe e degrada o espírito público” (Enrique Krauze, O Estado de São Paulo/

edição digital, 15/04/06).

Por referir-se a povo, tanto esquerdas quanto direitas recorrem a seu uso na América

Latina. Como exemplos, o autor aponta Juan Domingo Perón e Hugo Chávez. O primeiro,

admirador de Mussolini; o segundo, de Fidel Castro. Apresenta, então, dez traços

característicos do populismo, os quais permitem ser lidos, na verdade, como defeitos:

exaltação do líder carismático; apropriação da palavra (o veículo de seu carisma);

fabricação da verdade; uso arbitrário dos recursos públicos; divisão da riqueza e

conseqüente criação do assistencialismo; ódio às classes; mobilização dos grupos sociais;

fustigação ao inimigo externo; desprezo à ordem legal; e domesticação das instituições

democráticas liberais.

Várias afirmações de Krauze permitem-nos ler os dez traços como defeitos. Dialoga

com Max Weber ao conceber o líder carismático como um demagogo, afirmando ser a

nossa era a era dos demagogos puros, os quais se apóiam na televisão para hipnotizar as

massas. O autor lembra que a liberdade de expressão é abominada por eles, comentando

que a situação na Venezuela terminará por esmagá-la. Tal afirmação reporta-nos ao

episódio recente do fechamento da emissora RCTV (Radio Caracas Televisión) em maio

deste ano no referido país. O interessante é que o artigo de Krauze foi publicado em abril de

2006...

Aponta a ignorância e a incompreensão que os populistas têm em economia,

acarretando desastres descomunais. Dividem as riquezas endividando a posteridade e

eternizando a política do assistencialismo

Outra afirmação de Krauze que nos faz reportar a um acontecimento recente é a

referência ao fato de o populista precisar desviar a atenção interna para o adversário de

fora, lembrando-nos as agressões verbais de Hugo Chávez a George Bush, concebendo-o

como um diabo.

Para concluir, Enrique define o populismo como uma erva daninha, corroborando a

idéia de ser algo ruim, nocivo. Suas raízes renascem de tempos em tempos na América

117

Latina, alimentando a enganosa ilusão de um futuro melhor; mascara os desastres que

provoca, posterga o exame objetivo de seus atos, amansa a crítica, adultera a verdade,

adormece, corrompe e degrada o espírito público.

Apesar de referir-se ao povo, o populismo o vê apenas como um degrau de uma

escada para se chegar ao poder. O governante popular seria aquele que governa pela

democracia, para o povo, tendo este seu direito de pensar e expressar sua crítica. Já o

populista governaria uma ditadura, na qual o povo representaria o papel de marionete.

Pudemos concluir, então, que a formação ou ressignificação de palavras a partir do

sufixo -ismo, indicando maneira de pensar, concebe-as como males. Clientelismo,

esquerdismo, peleguismo, petismo e populismo são, portanto, males sociais, os quais

deixariam de assumir a conotação negativa não fosse a presença do sufixo.

3.4.2.1 – Tendo como radical nomes de pessoas

Muito comum também são as formações tendo como radical nomes de pessoas, cujo

objetivo é expressar o pensamento/ ideologia destas. Um exemplo clássico é marxismo,

denotando a ideologia de Karl Marx. Selecionamos, assim, mais seis ocorrências:

juscelinismo, alckimismo, helenismo, cristovismo, stalinismo e lulismo.

Comecemos, pois, por juscelinismo:

“Dirigindo seu pronunciamento à neta do ex-presidente Juscelino Kubitschek, Ana

Cristina Kubitschek, esposa do senador Paulo Octávio (PFL-DF), o senador José

Agripino (PFL-RN) confessou que durante sua infância e juventude viveu em um

ambiente de oposição a JK. Seu pai, Tarcísio Maia, e seu tio, João Agripino,

militavam na UDN e faziam oposição ao presidente JK. O senador disse que, apesar

disso, nunca assumiu uma postura anti-Juscelino. Agripino disse que os fatos nunca

permitiram que ele se deixasse contaminar pelo "vírus do anti-juscelinismo" (José

Agripino, www.senado.gov.br, 31/01/06).

O enunciado nos mostra que juscelinismo era algo tão ruim para a família do

senador a ponto de seu pai e seu tio conceberem-no como um vírus. Apesar de Agripino

afirmar que não fora “infectado” por tal vírus (conveniente para ele, já que estava sendo

118

ouvido pela neta de Juscelino) e apresentar pontos positivos do governo JK, não conseguiu

anular a conotação negativa reservada ao termo no início do texto. Afirma ainda que Em

política não se deve nunca acreditar no que dizem, mas no que se vê, “dizendo” com isso

que se mente muito no contexto político, corroborando a idéia de que a mentira seja

constitutiva do discurso político39. Lê-se, portanto, em seu discurso, a descaracterização de

Juscelino e da própria política.

Alcides Faria publica um texto em seu blog40 criticando os principais candidatos à

presidência da República – Luiz Inácio Lula da Silva; Geraldo Alckimin; Heloísa Helena e

Cristóvão Buarque:

“Alckimismo, helenismo e lulismo.

Hoje pela manhã, a Globo ouviu os candidatos sobre a história do gas na Bolivia.

Heloisa Helena, expert em prometer o que não pode entregar, lascou, dentre outras

coisas, que se deveria garantir que o gas das residências não subisse de preço. Deveriam

contar para ela que o das casas é o liquefeito de petróleo (GLP) e não o “natural”

tubulado que vem da Bolivia. Me parece que ela está especializando em mostrar que

não conhece o Brasil. Em Campo Grande disse que iria colocar o exército para guardar

as fronteiras para impedir o nacotráfico. Já ouviram isso antes? Sobre o Alckimismo:

“o Alckim é a cara da alta classe média paulista, fração mínima do eleitorado...

‘Geraldo’ é a caricatura desta classe e resume seu programa verbal a gestão e menos

imposto” (FSP de 14/09/06 – Vinicius Freire). Sobre o lulismo seria necessário fazer

um tratado. Mas deveria ser sobre as visceras do Brasil. Como explicar tantos operários

e setores médios tão deidcados a demonstrar que o fim justifica os meios... esta é uma

história mais longa e vamos pensando. E o cristovismo? Não conhece o Brasil. Bate-

estaca resolve?” (Alcides Faria, www.alfaria.blogspot.com, 15/09/06).

O autor aponta um defeito em cada um deles. Desta forma, empregar alckimismo,

helenismo, lulismo e cristovismo seria mostrar o que há de ruim nos candidatos: em

Heloísa Helena, o fato de falar sobre assuntos que desconhece; em Alckmin, por

39 Ver a seção 2.3 (A mentira na política). 40 O leitor deparar-se-á com problemas relativos à norma escrita padrão, já que optamos em conservar o texto em sua forma original com as características que seu gênero e suporte apresentam.

119

representar a alta classe média paulista; em Lula, a crença de que o fim justifica os meios; e

em Cristovam, o fato de não conhecer o Brasil. Este último é tão desqualificado por Faria

que sequer aparece no título do texto – apenas os três primeiros colocados nas pesquisas

são destacados. Poderíamos ainda sugerir que a disposição dos nomes no título revelasse,

talvez, a vontade do autor em relação ao resultado final das eleições.

Com stalinismo não poderia ser diferente:

“Hoje, as provas contra Stalin são inquestionáveis e, se querem saber, a minha

opinião pessoal é de que existe, de certo modo, um dado precioso que demonstra a

afinidade eletiva entre os fenômenos do lulismo e do stalinismo da era do Grande

Terror. Sim, claro, há uma distinção notável na gradação dos crimes e métodos, pois

matar em massa não é o mesmo que corromper ou deixar corromper

industrialmente. Mas, no “Brasil de todos”, tal como ocorreu na antiga URSS de

Stalin, o que se propala é que Lula, diante da Grande Corrupção que assolou o País,

adotou a postura do dirigente que não sabia de nada nem muito menos do que

faziam no seu governo, (...). Para completar, o dado paralelo que sedimenta as

afinidades eletivas entre o stalinismo e o lulismo: no Brasil de hoje como na antiga

URSS, a grande massa de pobres e trabalhadores, submetida a constante lavagem

cerebral da propaganda oficial, acredita e acreditava piamente na inocência de Lula,

o ex-metalúrgico, e na integridade moral de Joseph Stalin, o carniceiro socialista”

(Ipojuca Pontes, www.midiasemmascara.com.br, 17/07/2006).

O texto resume as atrocidades cometidas no governo de Stalin – o do Grande Terror.

Chamado de o carniceiro socialista, ele é acusado de ter feito lavagem cerebral, tentando

passar-se por íntegro. O stalinismo foi, sem dúvida, um grande mal social.

Aproveitando o texto supracitado (e, em seguida, apontando outros) gostaríamos de

dedicar maiores comentários referentes ao termo lulismo. Sendo Lula o situacionista, já era

de se esperar que fosse o “alvo-mor”. Assim, combater e acabar de vez com o lulismo seria

a melhor saída encontrada pela oposição, que tentava desqualificá-lo fazendo uso de

discursos agressivos.

120

Ipojuca Pontes compara o fenômeno do lulismo ao do stalinismo. Tudo o que foi

considerado ruim na era de Stalin é transferido para a de Lula, como se vivêssemos um

Grande Terror. Aponta a inquestionabilidade das provas contra Stalin para, na verdade,

acusar Lula, o presidente do país que vive a “Grande Corrupção”. Para Pontes, ambos

submeteram a grande massa à lavagem cerebral por meio da propaganda oficial no intuito

de fazer com que suas “verdades” fossem tidas como únicas. Assim como Stalin afirmava

não saber o que Nikolai Iejov (seu homem de confiança) fazia, impostando um ar de

surpresa diante das denúncias de prisões e assassinatos em massa, Lula adotou a postura do

dirigente que não sabia de nada nem muito menos do que faziam no seu governo. Apesar

de esclarecer que há uma distinção notável na gradação dos crimes e métodos, o autor os

nivela como dois males sociais: o carniceiro socialista, que matou em massa; e o ex-

metalúrgico, que se deixou corromper industrialmente. Supomos que a vontade do autor é

que um dia seja provado o envolvimento de Lula nos escândalos de corrupção, já que hoje

as provas contra Stalin são inquestionáveis.

A necessidade de combater o lulismo é tamanha que em muitos artigos lemos o

decreto de sua morte como uma tentativa de diminuí-lo.

A Folha On-line comentou, em 06/07/05, trechos de matérias publicadas em jornais

internacionais a respeito das denúncias ao governo Lula. Entre elas, destacamos a que se

refere à morte do lulismo, definido como um credo.

“Mas nas últimas semanas tudo veio abaixo e foi decretada a morte do ‘lulismo’,

como seu credo político é conhecido” (Internacional Herald Tribune, In: Folha on-

line, 06/07/05).

No artigo denominado “A morte do PT-lulismo”, transcrito na página 114 desta,

Alexandre Dias comenta que a derrota nas eleições de 1994 impulsionou o fenômeno PT-

lulismo, porém, com a “caída” de seus principais mentores, morre o lulismo sobrando o

petismo. Lula cai mas seu partido não.

No entanto, com a vitória de Lula, fica claro que se algo morreu foi o petismo, não

o lulismo. É o que podemos conferir na afirmação de Valter Pomar, comentada por Felipe

Neves:

121

“O secretário de relações internacionais do diretório nacional do PT, Valter Pomar,

demonstrou nesta segunda-feira preocupação com o futuro do partido e com o

fenômeno ‘lulismo’. ‘O elemento que tem que ser priorizado é o petismo’, disse.

Com o termo ‘lulismo’, Pomar se referia ao carisma do presidente Luiz Inácio Lula

da Silva e ao fato de esse carisma ser capaz de angariar votos, independentemente

da filiação partidária e ideológica” (Felipe Neves, Folha On-line, 13/11/06).

Vemos, pois, que o termo lulismo foi constantemente referido durante o período

eleitoral, inclusive como o de uma doença:

“O lulismo é uma psicopatia. (...) Se Lula for reeleito, é sinal que os brasileiros

surtaram” (Diogo Mainardi, Veja, On-line, 08/07/06).

Diogo Mainardi desenvolve o artigo de forma que Lula seja visto como um

psicopata. Não foi à toa que escolheu o seguinte título: O lulismo-lelé.

Como último exemplo, destacamos trechos do artigo “A gênese do lulismo”, de

Ricardo Antunes. Nele, o autor aponta Lula como um caso excepcional de um operário

brasileiro que assumiu projeção política nacional. Reproduz, de forma breve, a trajetória de

Lula – da migração do nordeste ao momento atual, em que é visto como um fenômeno:

“(...) por detrás de sua aparente simplicidade, aflorava alguém que prezava cada vez

mais o culto à personalidade, cultuava a condição líder e mesmo tertius, dentro do

PT, o que acabou por fazer proliferar, dentro e fora do partido, o fenômeno do

lulismo. Se durante a década de 1980, das mais ricas da história das lutas sociais no

Brasil, Lula soube se manter colado aos interesses majoritários do mundo do

trabalho, na década seguinte, marcada pela desertificação neoliberal, Lula

consolidou sua maior mutação. Que lhe custou a vértebra. E, sem ela, restou o

lulismo. Estava concluída sua fase primeva. Gestava-se, então, o novo ‘messias’ da

política, dentro e fora do PT. Escolhido para desafiar o neoliberalismo, tornou-se o

seu mais competente paladino” (Ricardo Antunes, www.enlace.com.br, 20/02/06).

122

De acordo com Antunes, o prezo de Lula no culto à personalidade e à condição de

líder contribuíram para fazer proliferar a associação de sua imagem à de um fenômeno.

Passou por uma mutação, não mais se mantendo colado aos interesses trabalhistas, mas

sendo escolhido para desafiar o neoliberalismo, chegando a ser considerado por Antunes

com o novo ‘messias’ da política, dentro e fora do PT. Não o ‘messias’ salvador dos

pobres, presidente de sindicato, mobilizador de greves, político de esquerda, ou algo

parecido, pois, segundo Ricardo, essa fase primitiva passara (Estava concluída sua fase

primeva); agora é a vez do homem responsável pela economia de um país, do presidente da

República, e, por que não?, do neoliberal. É como se tivesse passado a fase do “oba-oba”,

dando lugar à fase “séria”.

Credo, doença, mal, loucura, psicopatia, carisma, messias... Eis alguns termos

associados ao fenômeno do lulismo. Entre as críticas positivas e negativas, estas foram as

predominantes na última corrida eleitoral. Oposição e mídia atacavam o mal,

desqualificando-o para bani-lo, tomando como uma das estratégias o emprego do sufixo -

ismo. De “relativo a Lula”, lulismo era, na verdade, associado a tudo o que fosse ruim e

nocivo à sociedade.

Como fizemos com as ocorrências formadas a partir do sufixo –eiro, apresentamos,

a seguir, o quadro das ocorrências discutidas nessa seção, mostrando suas conotações

positivas e negativas. As primeiras são lidas de forma prescritiva; as últimas consideram as

contribuições de uma teoria discursiva:

Ocorrências Significação positiva Significação negativa

1. assistencialismo Ato ou efeito de

ajudar.

Ajudar as classes mais pobres, de forma

imediatista, com fins eleitoreiros, a troco de

obediência e votos.

2. continuísmo Ato ou efeito de dar

continuidade.

Dar continuidade a um governo que já está

ruim.

3. denuncismo Ato ou efeito de

denunciar.

Fazer denúncias sem basear-se em provas

concretas, com o objetivo de obter

vantagens políticas.

123

4. desenvolvimen-

tismo

Ato ou efeito de

desenvolver-ser;

crescer.

Desenvolver-se com a participação ativa do

Estado baseado numa política de resultados,

com o intuito de melhorar a imagem do

governo.

5. golpismo Ato ou efeito de dar

golpes.

Utilizar manobras políticas inesperadas para

denegrir a imagem do adversário.

6. politicismo Ato ou efeito de fazer

política.

Fazer uma política de conveniência,

atendendo aos interesses da burguesia.

7. voluntarismo Ato ou efeito de agir

espontaneamente sem

nada cobrar por isso.

Ajudar com o interesse de receber algo em

troca.

8. clientelismo Maneira de pensar da

freguesia, clientela.

Maneira de pensar de eleitores, prefeituras e

empresas, que concebem o voto como troca

de favores e vantagens, procurando, assim,

lucrar com a “venda” de seu apoio eleitoral.

9. esquerdismo Ideologia de partidos

socialistas; de

esquerda.

Ideologia de partidos antes incorruptíveis

que, não resistindo às tentações que o poder

lhes proporciona, se corromperam em troca

de benefícios pessoais.

10. peleguismo Maneira de pensar

dos pelegos.

Ideologia de um grupo de pessoas que age

em função de prejudicar os trabalhadores no

interior de um sindicato.

11. petismo Ideologia do PT. Ideologia de um partido (outrora impoluto)

envolvido em escândalos de corrupção.

12. populismo Maneira de pensar

relativa à um povo.

Maneira de pensar que não reflete as

vontades do povo, mas a do governante,

que, por sua vez, tenta governar por meio de

uma ditadura.

13. juscelinismo Relativo a Juscelino. Refere-se ao que há de ruim na ideologia de

Juscelino Kubitschek, ex-presidente do

Brasil.

124

14. alckimismo Relativo a Alckmin. Refere-se ao que há de ruim na ideologia de

Geraldo Alckmin, candidato à presidência

da República no pleito de 2006.

15. helenismo Relativo à Helena. Refere-se ao que há de ruim na ideologia de

Heloísa Helena, candidata à presidência da

República no pleito de 2006.

16. cristovismo Relativo a Cristovam. Refere-se ao que há de ruim na ideologia de

Cristovam Buarque, candidato à presidência

da República no pleito de 2006.

17. stalinismo Relativo a Stalin. Refere-se ao que há de ruim na ideologia de

Joseph Stalin, ex-presidente da URSS..

18. lulismo Relativo a Lula. Refere-se ao que há de ruim na ideologia de

Lula, candidato à presidência da República

no pleito de 2006 e atual presidente do

Brasil.

3.5 – Depois do batimento descrição, o da interpretação...

Considerando as condições de produção segundo as quais os enunciados foram

produzidos e a formação discursiva na qual os enunciadores se inscrevem, podemos afirmar

que as formas lingüísticas analisadas deixaram suas significações positivas, baseadas nas

normas gramaticais, e passaram a assumir significações negativas. Ao serem empregadas

no contexto político, no confronto entre discursos políticos da situação e da oposição,

surgem para “mascarar” os reais efeitos de sentido pretendidos. Quando, por exemplo, um

político da base do governo é chamado de mensaleiro por outro da oposição, este pretende

que se conceba os acordos escusos daquele como uma atividade corriqueira realizada por

um profissional no assunto. Por outro lado, quando o político ligado ao governo enuncia

que isso é denuncismo, encontra na própria palavra uma forma de auto-defesa, já que o

denuncismo não se baseia em provas contundentes, desmerecendo, portanto, credibilidade.

Somos conduzidos, então, com essas afirmações, a Charaudeau (2006, p. 23), para quem a

palavra política é cheia de armadilhas.

125

Os efeitos de sentido provocados pelas ocorrências em questão, em seus contextos

específicos de realização, não coincidem com seu sentido positivo, não são óbvios,

transparentes... Assumem outro sentido, não-coincidente. Porém, gostaríamos de deixar

claro que essas formas não-coincidentes não derivam da intencionalidade, mas de uma

“negociação obrigatória” do enunciador com as não-coincidências (ou heterogeneidades

enunciativas) que atravessam seu dizer.

Os discursos apresentam as realizações mais diversas dessa negociação, manifestando o tipo de imagem que eles produzem, em si mesmos, do jogo de não-coincidências, de ‘posições enunciativas’ próprias a sujeitos particulares, a tipos de discurso, a gêneros (AUTHIER-REVUZ, 1998, p. 21).

Ao transferirem um outro sentido (não óbvio) aos termos empregados, tanto os

políticos da oposição quanto os da situação antecipam o efeito de sentido pretendido por

meio da própria forma lingüística. É o que Authier-Revuz chama de configuração

enunciativa da reflexividade metaenunciativa – a modalização autonímica da enunciação

atravessada por sua auto-representação opacificante. O dizer se representa de forma

reflexiva e opaca, tendo-se um sujeito que retorna ao discurso para negá-lo. Desta forma,

quando as ocorrências apontadas são enunciadas em seus contextos específicos, ao mesmo

tempo em que são enunciadas são também comentadas através de um dizer que se volta

para si mesmo. Trata-se do fenômeno da metaenunciação, que, segundo Authier-Revuz

(1998, p. 166) vem a ser o efeito de retorno reflexivo pelo qual uma enunciação ao se

produzir se reveste de um comentário sobre ela mesma. Esse comentário é que vai

manifestar o esforço em tratar dos outros sentidos que existem no contexto. As ocorrências

analisadas são, portanto, estritamente reflexivas, já que num único ato de enunciação há um

dizer seguido de um comentário desse dizer.

Neste ‘retorno do dizer’ (...), o discurso sobre a prática da linguagem emerge dessa prática, nos pontos do dizer que, para se completarem, requerem ‘o a mais’ de um comentário: nesses pontos se conjugam os dois planos da prática e da representação, como parte dessa prática, sendo a dimensão imaginária das representações do dizer parte estritamente integrante, portanto, do fato de dizer (AUTHIER-REVUZ, 1998, p. 181).

126

Authier-Revuz, ao tratar da oposição entre explícito vs. interpretativo, tendo como

objeto o discurso relatado, aponta três níveis:

formas marcadas, unívocas;

formas marcadas que exigem um trabalho interpretativo;

formas puramente interpretativas.

Gostaríamos de destacar o segundo nível, o qual é representado pelas aspas,

itálicos, entonação de modalização autonímica que apresentam uma marca, mas uma

marca que deve ser interpretada41 como referência a um outro discurso (AUTHIER-

REVUZ, 1998, p. 143).

Transpondo a fala da autora ao nosso objeto, acreditamos que os sufixos permitem

que as ocorrências analisadas possam funcionar como formas marcadas que exigem um

trabalho interpretativo, já que por meio delas há um dizer não óbvio comentado pela

própria forma em uso, exigindo, portanto, um trabalho interpretativo. No comentário,

pudemos conferir que a forma usada permite uma outra leitura, deixando seu sentido literal

e prescritivo em função daquele que a situação discursiva exige. O sufixo é a própria marca

de heterogeneidade constitutiva de outro efeito de sentido.

O trabalho interpretativo parte da forma (os sufixos -eiro e -ismo) com função

ideológica. Os sufixos representam, pois, as glosas metaenunciativas de que fala Authier-

Revuz. Manifestam-se na superfície do dizer, e, como bem lembra essa autora, não são da

ordem do ornamento. Essas formas prendem os dizeres no jogo dispersante das não-

coincidências, sendo caracterizadas pela autora como jogos sérios fundamentais.

Com base no exposto, podemos concluir que os sufixos -eiro e -ismo funcionam,

nas ocorrências analisadas, como modalizadores autonímicos. E mais: além de

caracterizarem em seus contextos enunciativos, de forma simultânea, um uso e um

comentário sobre o mesmo, o fazem para desqualificar o discurso do outro. São, portanto,

modalizadores autonímicos derrisórios.

Para Baronas (2004, p. 156), a temática da derrisão

centra-se em questionar por meio da sátira a ordem estabelecida e/ ou os valores largamente cristalizados em nossa sociedade. Tal questionamento tem como alvo preferido as mais diferentes autoridades sociais e se impõe a

41 Grifo da autora.

127

ler sob diferentes facetas: nas charges, nas caricaturas, nos pastiches, nas piadas, nos jogos de palavras, etc.

Postulamos, assim, com base nos exemplos arrolados, que a sufixação se constitui

em mais uma das facetas para se ler a derrisão, enquanto uma estratégia que visa

descaracterizar o discurso do oponente, devendo, portanto, ser vista, a partir do percurso

que fizemos, como constituinte do discurso político.

Quando os políticos empregam uma palavra ligada a um dos sufixos em questão, o

fazem inscritos em uma determinada formação discursiva, para “mascarar” os reais efeitos

de sentido pretendidos. Empregar os termos já existentes revelaria o óbvio (continuidade,

golpe, assistência...). Então, eles formam novas palavras ou ressignificam as já existentes

(continuísmo, golpismo, assistencialismo...). Dessa forma, eles “dizem sem dizer”, não se

comprometendo com as não-coincidências que constituem tal dizer. Escondem-se, afinal,

na significação positiva que as palavras trazem. No entanto, é a significação negativa que

faz sentido; é esta que eles querem que predomine, já que é a partir desta que o oponente é

desqualificado.

Acreditamos que as condições de produção – o cenário político brasileiro – e as

formações discursivas dos sujeitos enunciadores – de oposição/ de situação – determinam o

uso da modalização autonímica derrisória, sendo esta não intencional do sujeito enunciador,

mas constitutiva do discurso político. Desta forma, inconsciente e ideologia se materializam

nas formas com -ismo e -eiro para corroborar a afirmação de que não há discurso sem

sujeito nem sujeito sem ideologia.

128

4. UM POSSÍVEL OLHAR DIDÁTICO

Este trabalho não teria para nós a mesma importância se a reflexão que fizemos

acerca da sufixação no contexto lingüístico atual não fosse relacionada ao seu ensino.

Apesar de consideráveis mudanças, este ainda não privilegia uma concepção discursiva de

língua/ linguagem, contrariando a “sugestão” dos parâmetros de ensino atuais, legitimados

pelos PCN. Segundo tais parâmetros, toda educação comprometida com o exercício da

cidadania precisa criar condições para que o aluno possa desenvolver sua competência

discursiva (PCN, 1998, p. 23).

E ainda:

Tomando-se a linguagem como atividade discursiva, o texto como unidade de ensino e a noção de gramática como relativa ao conhecimento que o falante tem de sua linguagem, as atividades curriculares em Língua Portuguesa correspondem, principalmente, a atividades discursivas: uma prática constante de escuta de textos orais e leitura de textos escritos e de produção de textos orais e escritos, que devem permitir, por meio da análise e reflexão sobre os múltiplos aspectos envolvidos, a expansão e construção de instrumentos que permitam ao aluno, progressivamente,ampliar sua competência discursiva (PCN, 1998, p. 27).

A gramática, tratada na perspectiva discursiva, serve de apoio para discussões de

aspectos da língua que o professor considerar necessários no decorrer do processo de

ensino-aprendizagem. A preocupação principal não deve ser, pois, se a gramática deve ou

não ser ensinada, mas o que, para que e como ensiná-la.

O que deve ser ensinado não responde às imposições de organização clássica de conteúdos na gramática escolar, mas aos aspectos que precisam ser tematizados em função das necessidades apresentadas pelos alunos nas atividades de produção, leitura e escuta de textos (PCN, 1998, p. 29).

A realidade aponta, porém, que o trabalho com a língua em grande parte das escolas

brasileiras tem a gramática normativa como principal material didático para nortear o

ensino de leitura e escrita. Assim, torna-se comum a associação de fatos relacionados à

língua a prescrições. Afunilando a discussão, tendo em vista nosso objeto, é prudente

admitir que a derivação sufixal, hoje, ainda é ensinada como “regem” os compêndios

129

escolares, adotando uma abordagem gramatical/ normativa, descontextualizando-se das

práticas de linguagem. A respeito disso, os PCN apontam a seguinte orientação:

É preciso entender, por um lado, que, ainda que se trate a palavra como unidade, muitas vezes ela é um conjunto de unidades menores (radicais, afixos42, desinências) que concorrem para a constituição do sentido. E, por outro, que, dificilmente, podemos dizer o que uma palavra significa, tomando-a isoladamente: o sentido, em geral, decorre da articulação da palavra com outras na frase e, por vezes, na relação com o exterior lingüístico, em função do contexto situacional (PCN, 1998, p. 84).

Um dos objetivos do nosso trabalho é justamente mostrar que os sufixos, como unidades

menores da palavra também concorrem para a constituição do sentido.

Propomos, então, que as aulas de sufixação passem a ganhar mais sentido com as

contribuições da teoria discursiva. Que os alunos/ leitores possam “enxergar”, por exemplo,

que os sufixos, em determinados contextos, podem ser lidos como modalizadores

autonímicos derrisórios, ou seja, que o enunciador emprega-os e, ao mesmo tempo, faz um

comentário que desqualifica o discurso do outro, antecipando, dessa forma, a interpretação

que seu ouvinte/leitor venha fazer.

Numa perspectiva discursiva, o ensino de gramática (e, especificamente, o dos

sufixos) se efetivaria de forma contextualizada, e não isolada, como na maioria das vezes

acontece. A sufixação poderia ser abordada, por exemplo, nas aulas de leitura de gêneros

variados – charges, piadas, artigos de opinião, etc. As aulas de gramática deixariam de ser

“obsoletas” e se tornariam, certamente, mais interessantes, isso porque os alunos estariam

lidando com enunciados concretos, realizados em situações específicas de uso da língua, e

não com exemplos prontos, retirados de gramáticas normativas e isolados de qualquer

contexto. Dessa forma, pode-se, na nossa escola, “construir estratégias para que o ler seja

algo mais do que viajar a bordo do sentido verbal único” (BARONAS, 2004, p. 159).

Apresentaremos, a seguir, um exemplo que aponta a possibilidade de se trabalhar

com os sufixos em sala de aula, explorando sua discursividade.

A seqüência didática foi elaborada para ser aplicada a turmas do primeiro ano do

ensino médio, em consonância ao conteúdo gramatical “Estrutura e formação das

42 Grifo nosso.

130

palavras”43, exigido para a turma referida. Diferentemente da maioria dos livros didáticos,

que seguem a linha das gramáticas normativas, propomos um trabalho a partir do texto

(tanto escrito quanto oral), o que atenderia , inclusive, à proposta dos PCN.

Os textos selecionados foram:

“Entre o lulismo e o petismo”, publicado no dia 25 de abril de 2007, pelo jornal A

Gazeta (do estado do Mato Grosso), em seu editorial;

alguns dos enunciados analisados nessa dissertação;

“Lulismo”, um vídeo presente no site www.youtube.com.

Tais escolhas se deram por acreditarmos na necessidade cada vez maior de a escola

utilizar gêneros da mídia tanto para formar leitores críticos quanto pelo fato de que esses

gêneros despertam mais o interesse dos alunos, como é o caso do site supracitado, cujo

público alvo visitante é a juventude. Há também a oportunidade de incentivo à leitura do

jornal pelos alunos.

Segundo Petroni (2007, p.86),

Um dos pilares da proposta de seqüências didáticas é o contato com a diversidade de textos socialmente produzidos (...) sobre o tópico da discussão. (...). Essa pequena variedade de material permite o contato não apenas com diferentes objetos lingüísticos, portanto, com diferentes modos de dizer, mas também com material alternativo ao livro didático (...).

A seqüência didática iniciar-se-ia, pois, com a apresentação do texto “Entre o

lulismo e o petismo”, promovendo, inevitavelmente, uma discussão acerca da política

nacional. Em seguida, conduziríamos uma conversa a respeito da estrutura, formação e

ressignificação das palavras, passando, adiante, a enfatizar a derivação sufixal. Num

terceiro momento, associaríamos o discurso político ao emprego constante da derivação

sufixal, em específico, do emprego do sufixo –ismo44. Poderíamos, então, mostrar que os

sufixos representam marcas de heterogeneidade mostrada e derrisão e, também, que o texto

apreciado dialoga com outros.

No texto escolhido para o primeiro momento da seqüência, lulismo e petismo são

tratados como correntes. Bem diferente das características recebidas no período eleitoral,

43 Ao conteúdo gramatical “Estrutura e formação das palavras”, acrescentaríamos a ressignificação das palavras já existentes no léxico. 44 Os enunciados utilizados para ilustração serão alguns dos analisados nessa dissertação.

131

no qual o primeiro termo fora associado a credo, doença, mal, psicopatia, carisma, entre

outros. É como se a própria imprensa agisse como num jogo de interesses: o que antes era

uma doença agora é uma corrente. Acreditamos que lulismo e petismo estejam sendo

tratados como correntes para corroborar a idéia de que os efeitos de sentido das palavras

dependem das condições de produção nas quais foram produzidas. Os males não

necessários, agora fazem parte da sociedade como elementos sempre presentes que têm de

ser digeridos, como se representassem a figura do presidente. Isso mostra que, de

necessidades momentâneas, as palavras passaram a fazer parte do vocabulário das pessoas

(jornalistas, em específico), porém, com efeitos de sentido únicos a cada nova enunciação.

Explorados os textos escritos, os alunos assistiriam ao vídeo supracitado

(“Lulismo”). Neste, ao invés de assistirmos a alguma notícia ou algo relacionado à postura

política e/ ou à ideologia do presidente, são apresentadas gafes por ele cometidas, em sua

maioria, relacionadas ao emprego da norma culta, à maneira de falar.Vemos, portanto, que

o vídeo “Lulismo” apresenta o que há de ruim no falar de Lula, confirmando a idéia de que

o sufixo confere ao termo um sentido negativo/ pejorativo.

Finalmente, os alunos seriam submetidos à atividade de pesquisa: cada um se

encarregaria de procurar ocorrências formadas a partir dos sufixos estudados, escolhendo

um enunciado e fazendo uma interpretação escrita do mesmo (No mínimo um, e, no

máximo, três enunciados). A seqüência didática se concluiria com a apresentação oral das

análises e exposição dos enunciados num mural denominado “Sufixos: marcas de

heterogeneidade e derrisão”, contemplando, portanto, a produção tanto do gênero escrito

quanto do oral.

Vejamos de forma esquemática, como se daria, portanto, a seqüência didática:

Objetivo: mostrar que os sufixos funcionam como marcas de heterogeneidade

(mostrada) e derrisão.

Duração: 10 aulas de 45 minutos.

Passos:

1º: Leitura de texto jornalístico e discussão sobre a política nacional.

Material de apoio – Texto: “Entre o lulismo e o petismo.

2º: Apresentação do conteúdo “Estrutura, formação e ressignificação das palavras”.

132

3º: Associação do discurso político ao emprego da derivação sufixal para a formação de

novas palavras e ressignificação das já existentes. Em específico, do sufixo -ismo.

Material de apoio: alguns dos enunciados analisados nessa dissertação.

4º: Mostrar o dialogismo existente entre os textos, a heterogeneidade e a derrisão

características dos sufixos.

5º: Assistir ao vídeo.

Material de apoio – Vídeo: “Lulismo”.

6º: Propor aos alunos a procura por ocorrências, no discurso político, formadas a partir dos

sufixos estudados, seguida da interpretação escrita.

Material de apoio: textos da mídia em geral.

7º: Apresentação oral das análises e exposição em mural dos enunciados interpretados.

Concluímos, por ora, que trocar o ensino prescritivo por um que privilegie a

abordagem discursiva, pode ser um dos caminhos para que formemos alunos/ cidadãos

mais críticos e, conseqüentemente, mais interessados à apreensão dos conteúdos.

133

(IN) CONCLUSÕES

(In) conclusões? Sim. Fica difícil pensar em “conclusão” quando se está filiado a

uma teoria que vê o “outro” no “mesmo”, que concebe o sentido como possível de ser

sempre outro. A leitura das ocorrências aqui analisadas pode ser, portanto, “outra”, abrindo

um leque de interpretações àquilo que parece estar concluso.

Propusemo-nos a mostrar como a ideologia se materializa na língua. Para isso,

resolvemos investigar o processo de formação e ressignificação de palavras a partir dos

sufixos -eiro e -ismo no discurso político.

O período recortado para seleção do corpus envolve a campanha eleitoral para o

cargo de presidente da República (entre outros), sendo um momento de desqualificação do

discurso do outro. Um dos recursos foi materializar tal desqualificação através do emprego

de palavras com tais sufixos. Descaracterizar o discurso do então presidente da República

(Luiz Inácio Lula da Silva) foi o maior desafio para a oposição. E, por outro lado, se

defender das acusações foi também um desafio para a situação.

Num jogo de interesses, em meio a escândalos e agressões verbais infindáveis, as

palavras cumpriram a função de “mascarar” a ideologia dos sujeitos enunciadores,

“dizendo” o que não podia ser dito, tentando deixar óbvio e transparente aquilo que, na

verdade, é opaco.

Acreditamos que o tratamento metodológico aplicado permitiu dar mostras ao nosso

leitor de que as escolhas lexicais dos políticos não são coincidentes, mas constitutivas da

formação discursiva na qual se encontram. Empregam, pois, palavras com os sufixos -eiro

e –ismo de modo que seus sentidos se caracterizem como negativos e/ ou pejorativos, com

o intuito de, a partir da formação discursiva na qual estão inscritos, polemizar, desqualificar

o discurso do político oponente. Tais formações ou ressignificações antecipam os efeitos de

sentido pretendidos, sendo comentadas ao mesmo tempo em que empregadas.

Podemos, por fim, fundamentados na análise apresentada, conceber os sufixos como

marcas de heterogeneidade e derrisão, podendo denominá-los de modalizadores

autonímicos derrisórios.

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ANEXOS