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FAMBLO SANTOS COSTA
O PODER CONSTITUINTE DE REFORMA:Anlise da Emenda Constitucional n 16, de 04/06/1997,
que garantiu a reeleio para a chefia do Poder Executivo
FLORIANPOLIS - SC
2001
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FAMBLO SANTOS COSTA
O PODER CONSTITUINTE DE REFORMA:Anlise da Emenda Constitucional n 16, de 04/06/1997,
que garantiu a reeleio para a chefia do Poder Executivo
Dissertao apresentada como requisito parcial obteno do grau de Mestre no Curso de Ps- Graduao em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina.Orientador: PROF. DR. SLVIO
DOBROWOLSKI
FLORIANPOLIS - SC
2001
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA - UFSC
CENTRO DE CINCIAS JURDICAS - CCJ
CURSO DE PS-GRADUAO EM DIREITO - CPGD
A PRESENTE DISSERTAO INTITULADA: O PODER CONSTITUINTE
DE REFORMA: ANLISE DA EMENDA CONSTITUCIONAL N" 16, DE 04/06/1997,
QUE GARANTIU A REELEIO PARA A CHEFIA DO PODER EXECUTIVO,
ELABORADA POR FAMBLO SANTOS COSTA, FOI APROVADA PELA BANCA
EXAMINADORA COMPOSTA PELOS PROFESSORES ABAIXO ASSINADOS, SENDO
JULGADA ADEQUADA PARA A OBTENO DO TTULO DE MESTRE EM DIREITO.
FLORIANPOLIS (SC), ABRIL DE 2001.
BANCA EXAMINADORA:
MEMBRO DA BANCA: PROF. DR. JOS ISAAC PILATI.
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O crime contra a Constituio o pior dos crimes perpetrados na esfera das liberdades de um povo. Expulsa o D ireito, faz o cidado sdito, antes de faz-lo escravo, expatria a legitimidade, fere de m orte o corpo indiviso e nico da Nao, suspende as garantias, confunde os Poderes, invade a independncia dos tribunais, suprime o pluralismo, anula a cidadania, avilta e destri a aliana social, cujas clusulas um organism o poltico no pode desamparar nem desobedecer sem auto- dissolver-se ou condenar-se pena ltima.
PAULO BONAVIDES{Do Pas Constitucional ao Pas Neocolonial)
S conhecendo a Constituio poderemos estim-la. Ningum pode estim ar o que desconhece. E, estim ando-a, faamo-la eficaz, para benefcio do seu povo.
GERALDO ATALIBA(Repblica e Constituio)
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Esta dissertao dedicada a pessoas especiais:
minha amada esposa, CLUDIA, a quem tenho inmeros motivos para agradecer sempre a DEUS, por t-la ao meu lado e, para meus filhos GUILHERME e GUSTAVO razes da minha vida. Dedico, tambm, est dissertao duas pessoas que me ajudaram decisivamente a conseguir chegar ao final deste Mestrado, meu pai e minha me, LENIDAS e GLRIA, eu os agradeo do fundo do corao, e digo mais, est foi tambm uma vitria de vocs dois. E, sem ter o direito de olvidar, dedico DEUS, pois me deu a graa de concluir este Mestrado. Glorias ti Senhor, porque tu s grande.
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AGRADECIMENTOS
A gradeo minha famlia, JULIAM, ALAM, ORLEAM - irm e irm os -, KT1A, e
os sobrinhos CAM ILO, FELIPE, ANA E THOMAZ
EU N PIO e HAMILTON, amigos de feliz convivncia no perodo de estada em
Florianpolis, minha gratido e amizade
HERBERT, amigo de todas as horas
profa. MARIA ASSUNO, Pr-Reitora de Ensino da Unimontes, que esteve
sem pre presente em todas as fases deste Mestrado, inclusive no desfecho final. E,
tam bm , profa. ILVA, que possui crditos por conseguir este M estrado
A os professores que influenciaram decisivamente nos meus conhecim entos jurdicos:
D outores SRGIO CADEMARTORI, MOACYR MOTTA, CHRISTIAN CAUBET,
FERN A N D O NORONHA, NILSON BORGES, UBALDO BALTHAZAR, HORCIO
W AN DERLEY , VERA ANDRADE, ROGRIO PORTANOVA, OLGA DE
OLIVEIRA
E, tam bm , ao professor doutor W ELBER BARRAL, Coordenador do M estrado
Interinstitucional, e, principalmente, ao professor doutor SLVIO DOBROW OLSKI -
meu orientador - pela amizade e inestimvel ajuda durante este longo perodo de
produo da dissertao. Estendo Universidade Federal de Santa Catarina,
U nim ontes e Capes,
minhas sinceras homenagens.
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SUMRIO
R ESUM O ................................................................................................................................... vi
ABSTRACT............................................................................................................................... vii
INTRODUO........................................................................................................................ 1
CAPTULO 1 - LEGITIMIDADE E MARCO TERICO SOBRE O PODER
CONSTITUINTE..................................................................................................................... 5
1.1 LEGITIMIDADE E PODER CONSTITUINTE.................................................... 5
1.1.1 Legitimidade e L egalidade........................................................................................ 5
1.1.2 Poder Constituinte........................................................................................................ 11
1.1.2.1 P oder............................................................................................................................. 11
1.1.2.2 Conceitos de C onstituio....................................................................................... 16
1.1.2.3 Conceitos de Poder C onstituinte.......................................................................... 25
1.2 PODER CONSTITUINTE ORIGINRIO E D ERIV AD O ................................ 28
1.2.1 Poder Constituinte O riginrio................................................................................. 28
1.2.1.1 Origem da teoria do Poder Constituinte............................................................ 28
1.2.1.2 Titularidade do Poder Constituinte O riginrio............................................... 30
1.2.1.3 Natureza do Poder Constituinte O riginrio..................................................... 34
1.2.1.4 Limitaes ao Poder Constituinte Originrio................................................... 38
1.2.2 Poder Constituinte D erivado.................................................................................... 41
1.2.2.1 Distino entre Poder Constituinte e Poder Constitudo.............................. 44
1.2.2.2 Caractersticas do Poder Constituinte D erivado............................................. 46
1.2.2.3 Natureza do Poder Constituinte D erivado........ ............................................... 48
1.3...DIFERENCIAES CONCEITUAIS ENTRE EMENDA, REVISO E
REFORM A................................................................................................................................ 49
CAPTULO 2 - O MODO DE ATUAO DO RGO REFORMADOR NO
DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO ............................................................ 52
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2.1 O RGO CONSTITUINTE REFORM ADOR................................................... 52
2.2 O MBITO DE ATUAO DO PODER CONSTITUINTE DE
R EFO R M A ............................................................................................................................... 56
2.2.1 Limitaes Expressas Relativas ao Poder de Reforma Constitucional....... 61
2.2.1.1 Limitaes materiais da reforma constitucional............................................. 62
2.2.1.2 Limitaes circunstanciais da reforma constitucional................................... 71
2.2.1.3 Limitaes temporais da reforma constitucional............................................ 75
2.2.2 Limitaes Implcitas Relativas ao Poder de Reforma Constitucional........ 75
2.3......SISTEMA BRASILEIRO DE REFORMA CONSTITUCIONAL NA
CONSTITUIO FEDERAL DE 1988 ........................................................................... 80
2.3.1 Emenda Constituio............................................................................................. 80
2.3.1.1 Da in iciativa .............................................................................................................. 81
2.3.1.2 Da discusso e votao. Pressupostos form ais................................................. 85
2.3.1.3 Da prom ulgao........................................................................................................ 88
2.3.1.4 Limitaes materiais. Clusulas ptreas........................................................... 89
2.3.2 Da Reviso Constitucional........................................................................................ 95
CAPTULO 3 - ANLISE DA EMENDA CONSTITUCIONAL N 16, DE
04/06/1997.......................................................................................................................... 98
3.1 REPBLICA E PRINCPIOS DA REPBLICA................................................. 98
3.1.1 O Regime Republicano no Direito Brasileiro...................................................... 107
3.1.2 A Repblica e o Presidencialismo........................................................................... 113
3.2 TRADIO BRASILEIRA QUANTO ELEIO DO CHEFE DO
PODER EX ECUTIVO .......................................................................................................... 117
3.3 LEGITIMIDADE OU ILEGITIMIDADE DA APROVAO DA
EMENDA CONSTITUIO N 16, DE 04/06/1997................................................ 129
CONSIDERAES FIN A IS............................................................................................... 146
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS............................................................................. 153
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RESUMO
Este trabalho tem a proposta de refletir o instituto do Poder Constituinte de Reforma, considerando-se essencial discusso dos institutos da legalidade e da legitimidade, do poder e do conceito de Constituio. Posteriorm ente, para se com preender o Poder Constituinte de Reforma, mister se faz a anlise do Poder Constituinte Originrio, e isto ocorre com o desenvolvimento da sua formulao terica clssica de ser um poder ilimitado, construtor e estruturador do Estado, atravs de uma Constituio, at se chegar evoluo moderna de um Poder Constituinte Originrio limitado. Em relao ao estudo do Poder Constituinte de Reform a, este com preender desde a anlise do rgo competente para exercer esta atribuio at se chegar ao seu mbito de atuao. E sero os parmetros do exerccio do poder de reformar a Constituio que merecero detalhes, principalmente no tocante s lim itaes materiais expressas e implcitas, s limitaes circunstanciais e, por fim, s lim itaes temporais, m esm o que estas ltimas no estejam expressamente disciplinadas em nosso texto constituinte de 1988. A anlise do processo de reforma da Constituio brasileira de 1988 ser tam bm discutida neste, assim como o estudo da Emenda Constituio n 16, de 04/06/1997 que garantiu a reeleio chefia do Poder Executivo federal, estadual e municipal. A repblica brasileira desconhecia at o dia 04/06/1997 o princpio da reeleio, consagrado em pases desenvolvidos ou no, assim com o no perm itidos em pases, tambm desenvolvidos ou no. O perodo de tram itao da proposta de Em enda Constituio n 16 ficou manchada pela suspeita de com pra de votos para a sua aprovao, pelo cunho pessoal que o Presidente da Repblica, poca, imprimiu e pela no participao da sociedade em modificar uma tradio republicana secular, tornando a aprovao desta Emenda Constituio ilegtima.
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ABSTRACT
This present work w as done with the intention to reflect upon the institution of the Constitutional Pow er o f Reform, considering this as essential toward the discussion of the institutions o f legality and legitimacy, of the power and concept of the Constitution. And for the later com prehension of the Constitutional Power of Reform, upon analysis the evolutionary process of the development of the Original Constitutional Power is absolutely necessary occurring within the development of its classical theoretical formation being an unlim ited power, constructor of the state by means of a Constitution. It is developed to the present Constitutional Power of an original and limited. The study of the Constitutional Pow er o f Reform encompasses all the way from the analysis by a com petent agency to effectuate this analysis up to nation-wide actuation. Great attention to detail is needed, especially concerning expressed and implicit material limitations, circumstantial lim itations and temporal limitations. The analysis of the processional reform of the Constitution of 1988 will also be discussed in this study as also the study o f the constitutional am endment number 16 of 06/04/1997 that guarantees the re- election of the federal, state and municipal exective powers. Re-election was unknown to the Brazilian Republic until 06/04/1997. The consecration or not of re-election in the majority of word pow ers had no effect upon our government. The period of procedural approval of proposal o f the sixteenth amendment to the Constitution was harmed by suspicion o f ballet fraud for its approval, because of the personal nature of the president o f the republic at that tim e thus attributed and also by the non-participation of society in modifying a secular republican tradition, making the approval o f the amendment to the Constitution illegitim ate.
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INTRODUO
A pretenso prim eira desta dissertao desenvolver o estudo do Poder
Constituinte de Reform a, objetivada em virtude das inmeras Emendas Constitucionais
sofridas pela Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, em sua redao
original. Mas dentre as inmeras Em endas Constitucionais a de nmero 16, de 04 de
junho de 1997, que m erece maior ateno, posto que em doutrina nacional a sua difuso
rara, principalm ente pela tradio brasileira contrria ao princpio da reeleio. Este
princpio da no-reeleio muito bem visualidade em todas as Constituies republicanas
brasileiras, inclusive no Texto Constitucional original de 1988.
O estudo deste tema faz-se necessrio, tambm, pela discusso que reinou
durante o perodo de tram itao da proposta de Emenda Constitucional, principalmente
pelo interesse pessoal do Presidente da Repblica em sua aprovao; pela introduo em
nosso ordenam ento jurd ico de uma norma constitucional que representa a quebra da
tradio republicana brasileira, que a da mais rpida alternncia do chefe do Poder
Executivo, reinante desde a primeira Constituio republicana de 1891; e, pelas suspeitas
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levantadas durante o processo de aprovao desta proposta de Em enda Constituio n
Ol-A/95.
E um instituto novo em nosso Direito Constitucional e motivante o seu estudo,
que ter com o objetivo o de se constatar a legitimidade desta Em enda Constitucional n
16/97, face aos percalos resultantes da sua aprovao. Assim, esta dissertao ser
estruturada para se chegar, ou tentar chegar, a uma resposta quanto legitimidade desta
Em enda Constitucional da Reeleio. Com relao ao questionamento da legalidade desta
m esm a Em enda Constitucional, no ser objeto do presente estudo, posto que em doutrina
no ocorre dvidas quanto legalidade em sua aprovao.
Por tudo isto, o tema reeleio instigante; pelo pouco que se tem escrito sobre
ele, principalm ente aps a promulgao da Emenda Constitucional n 16, e pela quebra de
uma tradio republicana secular; pelas circunstncias que marcam a sua aprovao, isto ,
pelo interesse pessoal, pela compra de votos para favorecer a aprovao da em enda e pela
desnecessidade de desincompatibilizao do concorrente reeleio, face cultura poltica
da maioria do eleitorado brasileiro e do uso do dinheiro pblico em proveito do dominante
do poder, sempre noticiado em pocas de eleio.
A estruturao da dissertao ser feita da seguinte maneira: no Captulo I
desenvolver-se- a anlise da legitimidade, com fundamental im portncia na diferenciao
desta com a legalidade, culminando com a nova concepo de legitim idade que visa
extinguir a legitimidade jurdico-formal e estabelecer uma nova valorao histrico-
cultural, ou seja, passa-se de uma concepo que tem a legitim idade identificada e
confundida com a legalidade, para uma nova conceituao, distinguindo estes dois termos.
Tratar-se-, neste mesmo Captulo, da teoria do Poder Constituinte, marcada pela
diferenciao entre o Poder Constituinte e o Poder Constitudo, fruto do advento das
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Constituies rgidas, sendo que o primeiro o poder criador da Constituio, enquanto
que o segundo o poder vinculado pela mesma.
O Poder Constituinte originrio desde a sua formulao terica clssica sofreu
desenvolvimento doutrinrio que resultou na sua form ulao atual em poder limitado, mas
esta limitao possui um cunho material e formal de menor expresso que o Poder
Constituinte de Reforma.
O Captulo II ter com o foco de desenvolvim ento de trabalho o rgo
reformador em nosso Direito Constitucional, e, tam bm , estudar-se- o mbito de atuao
que este Poder Constituinte de Reform a possui dentro do que a Constituio Federal de
1988 disciplinou.
E a prpria Constituio que limita m aterial e circunstancialmente o Poder
Constituinte de Reforma, seja atravs de limitaes materiais expressas at chegar-se s
implcitas, que so questionadas por alguns doutrinadores como sendo de incerta preciso.
As limitaes circunstanciais m erecem uma anlise, pois esto constadas em nossa
Constituio Federal de 1988. A terceira categoria de limitao, ou seja, a temporal,
mesmo no contemplada pela Constituio Federal de 1988 ser tambm tratada neste
trabalho.
Por fim, neste Captulo, tratar-se- do sistem a ptrio de reforma constitucional
expresso na Constituio Federal de 1988, estudando-se tanto a Emenda Constituio,
quanto a Reviso Constitucional, de exerccio frustrante no ano de 1994.
No Captulo III procurar-se- analisar a Em enda Constituio n 16/97.
Primeiramente, para se ter um desenvolvimento especfico da chamada emenda da
reeleio, analisou-se a form a de governo republicana, adotado com a Proclamao da
Repblica em 1889, assim com o o sistema de governo presidencialista.
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Em seguida, estudar-se- especificamente a Emenda Constitucional n 16, que
possibilitou ao chefe do poder executivo candidatar-se imediatamente ao trm ino do seu
mandato. Todo o seu desenvolvimento, desde a primeira proposta de emenda ocorrida no
perodo de Reviso Constitucional em 1994, at chegar-se sua promulgao em 1997,
como resultado de muitas discusses durante o perodo de tramitao desta proposta de
Emenda Constituio, em virtude do interesse pessoal do Presidente da Repblica na
aprovao deste Em enda e questionada a sua legitimidade pelas suspeitas de com pra de
votos para sua aprovao, ser objeto de estudo neste presente captulo.
Por fim, tecer-se-o algumas consideraes finais a respeito de todo o
trabalho pesquisado, sem contudo pretender fazer, destas consideraes, afirmaes
absolutas e definitivas.
U tilizando-se um quadro terico diferenciado, procurou-se enriquecer o
trabalho. M as entre os principais doutrinadores de base terica pode-se citar Em manuel
Joseph Sieys, Cari Schmitt, Jos Joaquim Gomes Canotilho, Jorge M iranda, Raul
M achado H orta, Jos Alfredo de Oliveira Baracho, Paulo Bonavides e Lauro Barretto.
Para o desenvolvimento da dissertao utilizou-se o mtodo indutivo. Como
tcnica de pesquisa utilizaram-se obras bibliogrficas, peridicos, face escassez de
desenvolvim ento doutrinrio profundo sobre o tema reeleio, e internet.
A despeito das dificuldades enfrentadas e dos naturais limites que cerceiam a
pesquisa acadm ica como um todo, espera-se que este trabalho seja til aos que se
debruam sob a reflexo e a elucidao do tema proposto.
A aprovao do trabalho no expressa o endosso do professor orientador, da
banca exam inadora e do CPGD/UFSC ideologia e conceituao que o fundamentam ,
sendo todas as opinies de inteira responsabilidade do mestrando.
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CAPTULO 1
LEGITIMIDADE E MARCO TERICO
SOBRE O PODER CONSTITUINTE
1.1 LEGITIMIDADE E PODER CONSTITUINTE
1.1.1 Legitimidade e Legalidade
Tem-se estabelecido que a legalidade, nos sistemas polticos, configura-se na
expressa observncia aos ditames das leis estabelecidas ou pelo menos aceitas.1 Pode-se
definir, mas em outras palavras, que o poder estatal dever ser exercido sempre de
-)conformidade com o ordenam ento jurdico estatal." Como afirm a Antnio Carlos
1 Cf. BONAVIDES, Paulo. Cincia Poltica. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas. 1972. p. I 13.
2 Para Bobbio, Ordenamento Jurdico o conjunto de normas jurdicas existentes a partir de um contexto de normas com relaes particulares entre si. E, que o "direito , dentre os seus vrios sentidos, seja utilizado
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W olkm er, a legalidade reflete fundamentalmente o acatamento a uma estrutura
normativa posta, vigente e positiva. Compreende a existncia de leis, formal e
tecnicamente im postas, que so obedecidas por condutas sociais presentes em determinada
situao institucional.
Erigido categoria de princpio da legalidade, Jos Afonso da Silva conceitua-o
da seguinte forma:
O princpio da legalidade nota essencial do Estado de Direito. E, tambm, por conseguinte, um princpio basilar do Estado Democrtico de Direito (...) porquanto da essncia do seu conceito subordinar-se Constituio e fundar-se na legalidade democrtica. Sujeita-se ao imprio da lei, mas da lei que realize o princpio da igualdade e da justia no pela sua generalidade, mas pela busca da igualizao das condies dos socialmente desiguais. Toda a sua atividade fica sujeita lei, entendida como expresso da vontade geral, que s se materializa num regime de diviso de poderes em que ela seja o ato formalmente criado pelos rgos de representao popular, de acordo com o processo legislativo estabelecido na Constituio.4
Bonavides adverte que se deve discernir no termo legalidade aquilo que
exprim e a conform idade com a ordem jurdica positiva. Assim, ... o funcionamento do
indiferentemente tanto para indicar uma norma jurdica como um determinado complexo de normas jurdicas, ou seja, um ordenamento jurdico. Cf. BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurdico. Traduo Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 10. ed. Braslia: Universidade de Braslia, 1997. p. 19.
W OLKM ER, Antnio Carlos. Legitimidade e legalidade: uma distino necessria. Revista de Informao Legislativa. Braslia, a. 3 I , n. 124, out./dez. 1994. p. 180.
4 SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16. ed. So Paulo: Malheiros, 1999. p. 421.Conforme a definio de Bobbio para o princpio da Legalidade, este princpio "... aquele pelo qual todos os organismos do Estado, isto . todos os organismos que exercem poder pblico, devem atuar no mbito das leis, a no ser em casos excepcionais expressamente preestabelecidos, e pelo fato de j estarem preestabelecidos, tambm perfeitamente legais. O princpio da Legalidade tolera o exerccio discricionrio do poder, mas exclui o exerccio arbitrrio, entendendo-se por exerccio arbitrrio todo ato emitido com base numa anlise e num juzo estritamente pessoal da situao." BOBBIO, Norberto; MATTEUC1, Nicola; PASQUINO, Gianlranco. Dicionrio de Poltica. Traduo Carmem C. Varriele et al. v. II. 7. ed. Braslia: Universidade de Braslia, 1995. p. 674.
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regime e a autoridade investida nos governantes devem reger-se segundo as linhas-mestras
traadas pela Constituio, cujos preceitos so a base sobre a qual assenta tanto o exerccio
do poder como a competncia dos rgos estatais. A legalidade supe por conseguinte o
livre e desembaraado mecanismo das instituies e dos atos da autoridade, movendo-se
em consonncia com os preceitos jurdicos vigentes ou respeitando rigorosamente a
hierarquia das normas
A legalidade pode ser analisada, de outro vis, quando se leva por referncia
valores de legitimao constitucional, como diz Cademartori, a partir de Gianluigi
Palombella,
... uma legalidade constitucional que (...) recupera o conjunto de valores contidos nas constituies, e supra- ordenado lei ordinria, expressa um contedo material especfico de valores e assumida com o fruto de um pacto. Em todo caso, o monstrum de um a legalidade no- formal, no uma degenerao da legalidade, mas uma legalidade mais alta.6
Portanto, a legalidade de um Estado de Direito deve assentar-se numa ordem
jurdica emanada de um poder legtimo para a prpria configurao do Estado de Direito.
A legitimidade compreende a legalidade acrescida de sua valorao como
critrio para a justificao e aceitao do poder.7 Legitimidade o term o mais carregado
BONAVIDES, Paulo. Cincia Poltica. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1972. p. 113-114.
h CADEMARTORI, Srgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Porlo Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 143.
7 Cf. FAORO, Raymundo. Assemblia Constituinte - A legitimidade recuperada. 4. ed. So Paulo: Brasiliense. 1985. p. 43: "O poder se justifica, sempre que ameaado, como o apelo sua existncia e permanncia, sem remontar sua instituio. Ele pressupe uma regra de com ando e, nos casos extremos mas indissociveis de sua dinmica, o emprego da fora como constrangimento material. No exame da natureza do poder, situa-se, como indagao preliminar, a sua legitimidade. Em regra, quem manda justifica- se pelo lato de contar com os meios de se fazer obedecer, exigindo resposta s suas ordens, ainda que tidas por ilegtimas. Nessa conduta, est implcita a excluso, no imprio de decises, da coletividade social, geradora de consentimento." Confira, tambm, BONAVIDES, Paulo. Cincia Poltica. 2. ed. Rio de Janeiro:
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de significado valorativo: quotidianam ente, dizer que um poder legtimo equivale a
assegurar que justo, que merecedor de aceitao, isto , significa atribuir-lhe uma
valorao positiva.8 Quando um fato ou norma no possuidora de consenso, por exemplo,
pela vontade popular, adquire, posteriormente, o reconhecimento, consenso, adeso tem-se
a legitim ao deste fato ou norma.
Cademartori, estudando Alberto Febbrajo, extraiu do conceito de legitimidade
seis elem entos caracterizadores, que so:
1) um legimandum, entendido como sujeito passivo, individual ou coletivo;2) um legitimcins, entendido como sujeito ativo, individual ou coletivo;3) um fundamento de legitimidade, entendido como critrio com base ao qual um legitimans atribui legitimidade a um legitimandum (que tal critrio seja efetivamente aplicado ou exibido ou no, servir de distino ulterior entre um fundamento de legitimidade real ou ideolgico);4) um mdium da relao de legitimao entendido como veculo que transporta e difunde a legitimao por vezes atribuda ao legitimandum',5) um pblico entendido como o conjunto de sujeitos direta ou indiretamente interessado na relao de legitimao, e eventualmente no papel de jogar nas confrontaes desta funo de controle; e6) um ambiente, entendido como o conjunto de fatores externos relevantes, capazes de desempenhar, nas confrontaes de uma concreta relao de legitimao, uma influncia eventualmente direta para ampliar ou distorcer os efeitos.9
F undaao GeUlio Vargas, 1972. p. 114. Com relaao ao lermo Poder ser infra desenvolvido no lpico I . I .2. I .
s C A D E M A R T O R I, Srgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Porlo Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 93. Veja lambm: W OLKMER, Anlnio Carlos. Legitimidade e legalidade: uma distino necessria. Revista de Informao Legislativa. Braslia, a. 31, n. 124, out./dez. 1994. p. 180.
J C A D E M A R T O R I, Srgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 1999. p. 94.
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Na concepo weberiana, a legitimidade est identificada com a noo de
dominao. O poder no suporte para a dominao, exercido com a aceitao dos
governados, ... de forma que nas relaes entre atitudes sociais e valores haja uma
conexo que traduza as justificativas internas pelas quais os governados aceitam os
comandos e as obrigaes jurdicas impostas pelos governantes. 10
Max W eber 11 estabeleceu trs tipos puros de legitimidade: a legitimidade
racional-legal, a legitimidade tradicional e a legitimidade carismtica.
A legitimidade carismtica fundamenta-se substancialmente no carism a de uma
pessoa ou de um chefe (dominao carismtica) e nas instituies por ela criadas.
A legitimidade tradicional baseia-se na crena cotidiana da santidade das
tradies vigentes e na legitimidade de pessoas que representam a autoridade (dominao
tradicional) conferida pela tradio.
A legitimidade racional-legal sustenta-se na crena da validez de um
ordenamento jurdico institudo e no direito de mando que este ordenamento confere
autoridade (autoridade legal).
Esta ltima legitimidade, segundo Max W eber, a que se am olda ao Estado
moderno, posto que o Estado moderno legitima-se fundam entalm ente na despersonalizao
ou, melhor, na legalizao do exerccio do poder. O exerccio deste poder legal ...
apresenta um carter racional pelo fato, dentre outros, de que a crena na legalidade dos
ordenamentos estatudos e na autoridade de quem exerce o poder possui uma qualidade
diferente daquela crena alimentada perante o poder da tradio ou do carisma. a prpria
111 FARIAS, Jos Fernando de Castro. Crtica Noo Tradicional de Poder Constituinte. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 1988. p. 87.
11 Cl'. WEBER. Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. T raduo RegisBarbosa e Karen Elsabe Barbosa. 3. ed. Braslia: Universidade de Braslia, 1994. p. 141. Confira, tambm. FARIAS, Jos Fernando de Castro. Crtica Noo Tradicional de Poder Constituinte. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 1988. p. 88.
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racionalidade intrnseca forma do direito a que confere legitimidade ao poder exercido
em formas legais. 12
A concepo weberiana de legitimidade racional-legal faz identificar e
confundir legitim idade com legalidade, ou seja, as expresses legalidade e legitimidade
exprimem um a conformidade legal. E o que se deve desenvolver a distino entre estes
dois termos, com o forma de superar as limitaes e incongruncias da identificao entre
eles.13 Portanto, a diferenciao que se pode trazer entre legalidade e legitimidade
expressa por A ntnio Carlos W olkm er14 que assinala:
a) A Legalidade o que se chama de qualidade do exerccio do poder , sendo
o exerccio de certa ao essencialmente observado em um texto legal
positivo, ou seja, lim itado por leis preestabelecidas.
b) A Legitimidade a qualidade do ttulo do poder , movidos sob noo da
existncia de crenas, convices e princpios valorativos. A legitimidade
conduz uma situao, atitude, deciso ou comportamento inerente ou no ao
poder, em que a sua diferenciao funda-se na prtica da obedincia
transform ada em adeso e cujo consenso valorativo livremente manifestado
no se faz com o uso obrigatrio da fora.
Em suma, o poder repousa na legitimidade e esta se mede pelo grau de
aceitao, que se expressa pela vontade popular, fundamentadora de todo o ordenamento
jurdico de um Estado. A nova definio de legitimidade rompe ... com a lgica
dominante de que o processo de legitimao do poder estatal se identifica necessariamente
C A D E M A R T O R I, Srgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 96-97.
Cf. BO B B IO, Norberlo; M ATTEUCI, Nicola; PASQUINO. Gianfranco. Dicionrio de Poltica. Traduo Carmem C. Varriele et al. v. II. 7. ed. Braslia: Universidade de Braslia, 1995. p. 679.
14 Cf. W O L K M E R , Antnio Carlos. Legitimidade e legalidade: uma distino necessria. Revista de Informao Legislativa. Braslia, a. 31, n. 124, out./dez. 1994. p. 181.
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com o processo de legalizao do exerccio do poder L\ ou seja, aquela legitimidade
jurdico-form alista d lugar a uma valorao histrico-cultural. Assim, a nova
legitim idade enquanto expresso da vontade e do justo reconhecim ento da com unidade,
que determina e fundamenta em definitivo os horizontes de uma nova legalidade
institucionalizada. 16
1.1.2 Poder Constituinte
Toma-se como objeto de anlise, a partir deste m om ento, o instituto do Poder
Constituinte, porm, impe-se desenvolver, previamente, alguns termos que lhe so
conexos.
1.1.2.1 Poder
O sentido ou a conceituao de poder assume formas diversas que o
caracterizam. Assim sendo, Bobbio atribui dois sentidos distintos: o geral e o social. D iz
ele que:
Em seu significado mais geral, a palavra Poder designa a capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos.
1:1 W O LK M ER, Antnio Carlos. Legitimidade e legalidade: uma distino necessria. Revista de Informao Legislativa. Braslia, a. 31, n. 124. out./dez. 1994. p. 183.
I(' W O LK M ER, Antnio Carlos. Legitimidade e legalidade: uma distino necessria. Revista de Informao Legislativa. Braslia, a. 31. n. 124. out./dez. 1994. p. 184.
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(...) Se o entenderm os em sentido especificamente social, ou seja, na sua relao com a vida do homem em sociedade, o Poder torna-se mais preciso, e seu espao conceptual pode ir desde a capacidade geral de agir, at capacidade do homem em determinar o comportamento do homem: Poder do homem sobre o homem. O homem no s o sujeito mas tambm o objeto do Poder social. 17
O sentido de poder tem sua origem no contexto social, origina-se quando uma
pessoa d ordens a outra, ou seja, impe-lhe regras a serem seguidas, sendo essencial a
submisso s normas. Impem-se certos m odos de agir queles que as respeitam e se
submetem; em resum o, a predominncia de uma vontade sobre a outra.IS
Os conceitos de poder tm como aspecto e existncia uma diferenciao entre
pessoas que esto inter-relacionadas. Aqui, podem ser demonstrados os que situam em uma
posio ascendente ... que detm os recursos do poder e, por isso, influem na conduta dos
que esto no patam ar inferior .19
O poder pressupe uma relao entre duas ou mais pessoas com interesses
opostos, no sentido de que entre elas h um a relao hierrquica, com a subjugao
0 ()daquela que se encontra em uma posio inferior. A dominao pressupe obedincia" ,
17 BOBBIO. Norberto; M A TTEU C I, Nicola; P ASQ UIN O , Gianfranco. Dicionrio de Poltica. Traduo Carmem C. Varriele el al. v. II. 7. ed. Braslia: Universidade de Braslia, 1995. p. 993.O publicista portugus, M arcelo Caetano, conceitua poder como "... a possibilidade de, eficazmente, impor aos outros o respeito da prpria conduta ou de traar a conduta alheia. Assim, existe poder sempre que algum tem a possibilidade de fazer acatar pelos outros a sua prpria vontade, afastando qualquer resistncia exterior quilo que quer fazer ou obrigando os outros a fazer o que ele queira. A possibilidade de impor aos outros o respeito da prpria conduta traduz a liberdade, num dos sentidos desta palavra. A de traar a conduta alheia constitui a autoridade." CAETANO, Marcelo. Direito Constitucional, v. I. Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 17.
18 Cf. BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Poder Constituinte. Revista Brasileira de Estudos Polticos , Belo Horizonte, n. 52. jan. 1981. p. 07.
19 DOBROW OLSKI, Slvio. O Pluralismo e o Controle dos Poderes do Estado. Tese (Doutorado em Direito). Centro de Cincias Jurdicas. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, 1993. p. 18.
20 Para Lus Bouza-Brey, da Universidade de Barcelona, o poder consiste-se em trs fontes para a obteno da obedincia: a coero (ou fora), a persuaso (ou ideologia) e a retribuio (ou utilidade). O poder coercitivo obtm a obedincia atravs da privao, ou ameaa de privao, da vida. da integridade, da liberdade ou da propriedade, por meio da fora: a relao tpica deste tipo de poder a que se produz entre o Estado e os indivduos. O poder persuasivo obtm obedincia mediante o convencimento daqueles que tm
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por parte de quem subordinado ao poder, ou seja, a quem detm o poder, nas diversas
situaes sociais.21
Seguindo a linha de pensamento de Max Weber, este diferencia o conceito de
poder e o de dominao. Segundo Max Weber, O conceito de poder sociologicamente
am orfo.22 No conceito de dominao, este socilogo dem onstra a relao
dom inao/obedincia/disciplina, sendo que Dominao a probabilidade de encontrar
obedincia a uma ordem de determinado contedo, entre determinadas pessoas indicveis
2 3
Entende-se o poder como o meio de se obter de algum um a realizao de
vontade de outrem, seja atravs da utilizao do poder coercitivo, persuasivo ou retributivo,
dentro de uma relao social; mesmo resultando em uma reao ou resistncia, a coero
utilizada (preponderando sobre aqueles poderes) no pressupe a utilizao exclusivamente
na fora, como fundamento do exerccio do poder, conforme assevera Cadem artori, que
diz:
de obedecer, demonstrando a bondade, a justia ou a validade dos objetivos ideolgicos; a relao tpica deste tipo de poder o partido poltico. O poder retributivo estabelece-se pela obedincia resultante do estabelecimento de uma relao de troca, de qualquer natureza; a relao tpica deste poder a que se d entre empresrio e trabalhador. BOUZA-BREY, Luis. Una Teoria dei Poder y de los Sistemas Politicos. Revista de Estdios Politicos , Madrid, n. 73, jun./sep. 1991. p. 121 - 122.
21 O constitucionalista Slvio Dobrowolski explicita algumas espcies de poderes presentes na sociedade, diz ele: Um exame atento da circunstncia demonstra que o poder est presente por toda a sociedade, caracterizando-se de acordo com a relao intersubjetiva de que se cuida. Quando os atores sociais movim entam -se na economia, apresentam-se em confronto a riqueza e a necessidade, como princpios causadores da dominao e da dependncia, identificando o poder econmico. Ao se conjugarem os detentores dos meios de comunicao social frente ao pblico, passvel de ter sua opinio formada ou manipulada por aqueles, se est perante o poder social. Enfim, e para encerrar a explicitao de algumas espcies, ao se relacionarem o saber e a ignorncia, trata-se do poder cultural.' D O B R O W O L S K I, Slvio. O Pluralismo e o Controle dos Poderes do Estado. Tese (Doutorado em Direito). Centro de Cincias Jurdicas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, 1993. p. 19.
22 W E B ER , Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Traduo Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 3. ed. Braslia: Universidade de Braslia, 1994. p. 33.
2-1 W E B E R . Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Traduo Regis Barbosae Karen Elsabe Barbosa. 3. ed. Braslia: Universidade de Braslia, 1994. p. 33.
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impensvel uma relao poltica que descanse exclusivamente na coero dos sditos, mas antes exige-se uma fundamentao para o mesmo. Com efeito, a fora elemento indispensvel para o exerccio do poder, mas ela nunca pode ser o seu fundam ento exclusivo. Assim, a fora fator necessrio do poder, mas nunca suficiente por si s para obter uma relao de obrigao poltica por parte dos sditos.24
O poder configurado pelos tempos histricos em mltiplas formas de
autoridade, apresenta-se desde formas difusas em uma sociedade poltica at recair-se na
pessoa de um chefe, assim personificando o poder em uma autoridade. Passa-se, em
seguida, para se evitar a gerao de intranqiiilidades ocasionadas por esta personificao, a
despersonalizar o poder e conferir ... a titularidade do seu exerccio ao Estado, de modo
que os governantes atuem por estes e no mais por si prprios.25
, portanto, no Estado que o poder poltico, atravs de uma forma e
organizao, encontra-se em pleno exerccio, para determ inao dos objetivos globais do
conjunto da sociedade e a organizao e integrao, desta sociedade.
A organizao poltica resultou na formao do Estado, que nasceu na Europa,
no comeo do sculo XVI, ento na Idade Moderna, e que se instaurou como forma de
organizao poltica das sociedades atuais.26
2J CADEM ARTOR], Srgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 9 1.
^ DOBROWOLSK1, Slvio. O Pluralismo e o Controle dos Poderes do Estado. Tese (Doutorado em Direito). Centro de Cincias Jurdicas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, 1993. p. 24.
26 Conforme a definio weberiana de Estado: Estado moderno um agrupamento de dominao que apresenta carter institucional e que procurou (com xito) monopolizar, nos limites de um territrio, a violncia fsica legtima como instrumento de domnio e que, tendo esse objetivo, reuniu nas mos dos dirigentes os meios materiais de gesto. Equivale isso a dizer que o Estado moderno expropriou todos os funcionrios que. segundo o princpio dos 'Estados ' dispunham outrora, por direito prprio, de meios de gesto, substituindo-se a tais funcionrios, inclusive no topo da hierarquia." WEBER. Max. Cincia e Poltica - Duas Vocaes. Traduo Lenidas Hegenberg e Oclany Silveira da Mota. I I. ed . So Paulo: Cultrix. 1999. p. 62.
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Para que a organizao poltica se estabelea, estavelmente, o Estado dever
obter obedincia para que possa prevalecer o poder poltico, formal e o rgan izador Trs
sero os recursos a serem utilizados para se alcanar isto, que so a fora, o discurso
racional da ordem jurdica e a legitimidade.
A fora pressuposto da existncia do poder poltico, porm, deve ser utilizada
como m eio e no fundamento exclusivo. 0 elemento de ordem material capaz de produzir
a superioridade necessria na esfera poltica.
Aliada fora, que no o bastante para conferir estabilidade ao poder, o
Direito, entendido com o diretriz de conduta social e expressado atravs de normas
coercitivas, para alcanar as metas da sociedade, constitui um discurso racional da ordem a
ser seguida pela generalidade dos indivduos.
As competncias dos governantes de um Estado precisam estar legalmente
estabelecidas, para se saber quais so os seus limites de atuao. Assim , o Estado
subm etendo-se s suas regras, refora a racionalidade destas. E, mais, criando uma viso
favorvel no im aginrio dos indivduos do Estado, suscitando, o consenso popular,
procurando satisfazer as representaes polticas e os desejos do povo legitim a-se, o poder
poltico, que construdo exatamente para levar a sociedade realidade das suas metas
coletivas.28
O poder poltico exerce-se em uma pluralidade de poderes constitudos, que
devem estar separados, mas atrs deles existe um poder que uno e indivisvel, e que tem a
27 Conforme o publieisla portugus, Marcelo Caetano, "O poder poltico uma autoridade de domnio, isto , que impe obedincia a quantos pertenam sociedade poltica, constrangendo-os observncia das normas jurdicas e quebrando as resistncias eventuais." CAETANO, Marcelo. Direito Constitucional, v. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 23.
28 Cf. D O B R O W O L S K I, Slvio. O Pluralismo e 0 Controle dos Poderes do Estado. Tese (Doutorado em Direito). Cento de Cincias Jurdicas, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianpolis, 1993. p. 25-27.
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funo precpua de fazer a Constituio, de fixar a ordem constitucional, modific-la,
Ot)transform-la e, at, substitu-la."
O Estado estrutura-se constitucionalmente, e no h Estado sem esta
estruturao em uma Constituio, conform e a lapidar definio de Ferdinand Lassalle.0
1.1.2.2 Conceitos de Constituio
O conceito de Constituio , eminentemente, polissmico, porm esta
pluralidade decorre de dois motivos, conform e Garca-Pelayo:
Em prim eiro lugar, porque se a maioria dos conceitos jurdico-polticos so de um modo geral conceitos polm icos, este, por referir-se substncia da existncia poltica de um povo, est, particularmente, aproximado a converter-se em um desses conceitos simblicos e com bativos que encontram sua ratio no na vontade de conhecim ento, mas em sua adequao instrumental para a controvrsia com o adversrio. (...) [Em segundo lugar] razes de ndole subjetiva unem -se a outra de carter objetivo, a saber: o fato de que a constituio forma um nexo entre diversas esferas da vida humana objetiva, pelo que se vinculam setores da realidade poltica, jurdica, sociolgica, etc.31
29 Cf. BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Poder Constituinte. Revista Brasileira de Estudos Polticos, Belo Horizonte, n. 52, jan. 1981. p. 15.
30 Uma Constituio real e efetiva a possuram e a possuiro sempre todos os pases, pois um erro julgarmos que a Constituio uma prerrogativa dos tempos modernos. LA SS A L L E , Ferdinand. A Essncia da Constituio. Traduo Walter Stnner. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998. p. 39. O constitucionalista Bonavides, tambm, entende da mesma maneira, diz. ele: "... no h Estado sem Constituio, Estado que no seja constitucional, visto que toda sociedade politicamente organizada contm uma estrutura mnima, por rudimentar que seja. Foi essa a lio de Lassalle, h mais de cem anos, quando advertiu, com a rudeza de suas convices socialistas e a fereza de seu mtodo sociolgico, buscando sempre desvendar a essncia das Constituies, que uma Constituio em sentido real ou material todos os pases, em todos os tempos, a possuram. BON A VID ES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. So Paulo: Malheiros. 1999. p. 63-64.
GARCA-PELAYO, Manuel. Derecho Constitucional Comparado. 5. ed. Madrid: Alianza. 1999. p. 33. No original: "En primer trmino, porque si la mayora de los conceptos jurdico-polticos son de un modo
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Independentem ente da dificuldade de se conceituar a Constituio, demonstrada
particularmente por Garca-Pelayo, no se deve escusar de conceitu-la, posto que o seu
conhecimento vital para se mensurar a extenso da atividade do Poder Constituinte. No
se pretende, aqui, um a diviso dentre os inmeros ngulos de convico para se conceituar
a Constituio, mas sim trazer referncias conceituais do termo.
As Constituies foram estabelecidas pela vontade de se submeter os
governantes ao Direito, sendo que estes deveriam ajustar-se aos ditames daquelas. E , a
partir, do pacto ou contrato social , dos sculos XVII e XVIII, definido por M aurice
Duverger, que o conceito de Constituio se une. Em lugar de uma sociedade baseada na
histria e nas tradies, estende-se ento a idia de uma sociedade fundada pela vontade
dos homens, que decidem estabelecer entre eles uma coletividade e definir os princpios
fundamentais que devero informar esta sociedade. 2
Toda sociedade e todo governo devem ser estabelecidos por uma Constituio,
esta a lio do abade Emmanuel Sieys, que assim diz:
impossvel criar um corpo para um determinado fim sem dar-lhe uma organizao, umas formas e umas leis prprias para que preencha as funes s quais quisemos destin-lo. E o que se denomina de Constituio desse corpo. E evidente que no pode existir sem ela. E tambm evidente que todo governo comissionado deve ter
mediato o inmediato conceptos polmicos, ste. por relerirse a la sustancia de la existencia poltica de un pueblo. est particularmente abocado a convertirse en uno de esos conceptos simblicos y combativos que hallan su ratio 110 en la voluntad de conocimeinto. sino en su adcuacin instrumental para la controvrsia con el adversario. (...) razones de ndole subjetiva se une otra de carcter objetivo, a saber: o hecho de que la constitucin forma un nexo entre diversas esferas de la vida humana objetivada, por el que se vinculan sectores de la realidad poltica, jurdica, sociolgica, etc. (Traduo livre)
,2 DUVERGER, M aurice. Instituciones Polticas v Derecho Constitucional. 6. ed. Barcelona: Ariel, 1980. p.28. No original: "En lugar de una socicdad basada en la historia y las tradiciones, se extiende entonces la idea de una socicdad fundada por la voluntad de los hombres. que deciden establecer entre ellos una colectividad y definen los princpios fundamentales que debern informala ... (Traduo livre)
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sua Constituio; e o que vlido para o governo em geral, tambm o para as partes que o com pem .33
Na concepo sociolgica de Ferdinand Lassalle, ... a verdadeira Constituio
de um pas somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder que naquele pas
vigem e as Constituies escritas no tm valor nem so durveis a no ser que exprimam
fielmente os fatores do poder que imperam na realidade social ... 4 So estes fa tores reais
do poder ' que imprimem uma fora ativa e eficaz Constituio e s leis. Esses fatores
reais do poder, os escrevemos em uma folha de papel e eles adquirem expresso escrita. A
partir desse momento, incorporados a um papel, no so simples fatores reais do poder,
mas sim verdadeiro direito - instituies jurdicas.'" 36
A Constituio escrita reduz-se a uma folha de papel quando no
corresponder aos fatores de poder e, a sua durabilidade, conforme Ferdinand Lassalle,
ocorre quando
... essa constituio escrita corresponde constituio real e tiver suas razes nos fatores do poder que regem o pas.Onde a constituio escrita no corresponder real, irrompe inevitavelmente um conflito que impossvel evitar e no qual, mais dia menos dia, a constituio escrita,
SIEYS, Emmanuel. Que es el Tercer Estado? Ensayo sobre los privilgios. Traduo Marta LorenleSarinena e Lidia Vzt|uez Jimnez. Madrid: Alianza, 1989. p. 144. No original: Es imposible crear un cuerpo para un fin, sin dale una organizaein, unas formas y unas leyes propias para el eumplimienlo de lasfunciones a las que ha sido destinado. Es lo que se denom inala constitucin de dicho cuerpo. Es evidente queno puede vivir sin el la. Es tambin evidente que lodo gobierno comisionado debe tener su constitucin: y loque es vlido para el gobierno en grai, lo es tambin para las partes que lo componen. (Traduo livre)
u LASSALLE, Ferdinand. A Essncia da Constituio. Traduo Walter Stnner. 4. ed. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 1998. p. 53.
Os fatores reais do poder so exemplificados por Ferdinand Lassalle como a Monarquia, a Aristocracia, a grande Burguesia, os banqueiros, a classe operria, o exrcito, os funcionrios pblicos, ou seja, so os detentores do poder poltico, social, econmico e intelectual.
,(l LASSALLE. Ferdinand. A Essncia da Constituio. Traduo Walter Stnner. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 1998. p. 32.
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a fo lha cie papel, sucumbir necessariamente, perante a constituio real, a das verdadeiras foras vitais do pas. '7
Para Konrad Hesse, que se contrape s reflexes de Ferdinand Lassalle, a
Constituio no configura, portanto, apenas expresso de um ser, mas tambm de um
dever ser; ela significa mais do que o simples reflexo das condies fticas de sua vigncia,
particularm ente as foras sociais e polticas.38 E, mais, Constituio real e Constituio
jurdica, conform e expresses de Ferdinand Lassalle, ... condicionam-se mutuamente, mas
9no dependem , pura e simplesmente, uma da outra."
A Constituio jurdica possui fora ativa, somente, quando se se fizerem ...
presentes, na conscincia geral - particularmente, na conscincia dos principais
responsveis pela ordem constitucional -, no s a vontade de poder (Wille zur Macht),
mas tam bm a vontade de Constituio (Wille zur Verfassung).''' 40
Ou seja, a Constituio no possui existncia autnoma sem a sua
concretizao, que ocorre atravs da vontade de Constituio. E esta procede de trs
vertentes: a) baseia-se na com preenso da necessidade e do valor de uma ordem normativa
inquebrantvel, que proteja o Estado contra o arbtrio desmedido e disforme; b) reside na
com preenso de que essa ordem constituda mais do que uma ordem legitimada pelos
fatos; e, c) assenta-se na conscincia de que, ao contrrio do que se d com uma lei do
7 LASSALLE, Ferdinand. A Essncia da Constituio. Traduo Walter Stnner. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998. p. 47.
'8 HESSE, Konrad. A Fora Normativa da Constituio. Traduo Gilmar Ferreira Mendes. Porlo Alegre: Srgio Antnio Fabris, 1991. p. 15.
10 HESSE, Konrad. A Fora Normativa da Constituio. Traduo Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Srgio Antnio Fabris, 1991. p. 15.
40 HESSE, Konrad. A Fora Normativa da Constituio. Traduo Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Srgio Antnio Fabris, 1991. p. 19.
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20
pensamento, essa ordem no logra ser eficaz sem o concurso da vontade hum ana, da sua
vigncia atravs de atos de vontade.41
Segundo Cari Schmitt 42, em sua concepo decisionista, quatro so as
concepes de Constituio, sendo:
a) CONCEPO ABSOLUTA DE CONSTITUIO: Nesta concepo a
Constituio de um Estado resulta de um todo unitrio, ou seja, a
Constituio o prprio Estado, o Estado a Constituio. A Constituio,
para esta concepo absoluta, pode significar ... a concreta situao de
conjunto da unidade poltica e ordenao social de um certo Estado; a
forma de governo, modo concreto de supra e subordinao, form a especial
de domnio', princpio do vir a ser dinm ico da unidade poltica, como
formao renovada e ereo dessa unidade, a partir de uma fora e energia
subjacente ou operante na base; finalm ente, dever-ser, regulao legal
fundamental, isto , um sistema de normas supremas, normas de normas,
normao total da vida do Estado, lei das leis. 43
b) CONCEPO RELATIVA DE CONSTITUIO: Significa uma
pluralidade de leis particulares; segundo caractersticas formais externas e
acessrias corresponde ao conceito de lei constitucional concreta. Neste
caso, tem-se a constituio eni sentido formal, constituio escrita, igual a
41 Cf. HESSE, Konrad. A Fora Normativa da Constituio. Traduo Gilmar Ferreira Mendes. Porlo Alegre: Srgio Anlnio Fabris, 1991. p. 19-20.
42 , SCHMITT, Cari. Teoria de ia Constitiicin. Traduo Francisco Ayala. Madrid: Alianza, 1996. p. 30 et seq.
4' SILVA. Jos Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3. ed. So Paulo: Malheiros, 1999. p. 27.
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um a srie de leis constitucionais, identificada com o conceito de
constituio rgida." 44
c) CONCEPO POSITIVA DE CONSTITUIO: Para esta definio a
Constituio considerada como deciso poltica fundamental. Nesta
concepo, s entram no conceito de Constituio os dispositivos
constitucionais de grande relevncia poltica, que dizem respeito prpria
existncia poltica concreta da nao: estrutura e rgos do Estado, direitos
dos cidados, vida dem ocrtica etc.; os outros dispositivos constitucionais
que no contm grande relevncia poltica so simples leis constitucionais.
A Constituio, em sentido positivo, no surge e nem se estabelece em si
mesm a, mas por um ato do Poder Constituinte. Este acto [do Poder
Constituinte] no contm , como tal, quaisquer normas, mas sim, e
precisamente por ser um nico momento de deciso, a totalidade da unidade
poltica considerada na sua particularidade forma de existncia; e ele
constitui a forma e o m odo da unidade poltica, cuja existncia anterior. 45
d) CONCEPO IDEAL DE CONSTITUIO: Esta concepo designa
com o Constituio aquelas que correspondem s demandas de liberdade
burguesa e que contenham certas garantias dos direitos fundamentais, ou
seja, um sistema de garantias dos direitos fundamentais.46
44 SILVA. Jos A fonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3. cd. So Paulo: Malheiros, 1999. p. 27.
4:1 M IRA NDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, t. II. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 1996. p. 56. Confira, tambm, SILVA, Jos Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3. ed. So Paulo: Malheiros, 1999. p. 28. e G ARCA-PELAYO, Manuel. Derecho Constitucional Comparado. 5. ed. Madrid: Alianza. 1999. p. 85-86.
4
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22
Em suma, uma Constituio vlida enquanto for em anada e estabelecida pela
vontade do Poder Constituinte, e mediante o ato constituinte que surge a Constituio,
como uma deciso da totalidade poltica de um Estado.
Hermann Heller, com sua perspectiva dialtico-integralista, define a
Constituio como totalidade, baseada numa relao dialtica entre normalidade e
normatividade. Assim, para se compreender esta relao preciso ... distinguir em tda
Constituio estatal, e como contedos parciais da Constituio poltica total, a
Constituio no normada e a normada, e dentro desta, a norma extrajuridicam ente e a que
o juridicam ente. 47
A Constituio total, na teoria de Hermann Heller, decom pe-se em elementos
parciais, que so: a) Constituio no normada ou de mera normalidade, e b) Constituio
normada em seus dois aspectos jurdico e extrajurdico.
a) A CONSTITUIO NO NORMADA - constitui-se de uma normalidade
puramente emprica da conduta que constitui a infra-estrutura no normada
da Constituio do Estado e que organizada de m odo constante e regular
das motivaes naturais comuns como a terra, o sangue, o contgio psquico
coletivo, a imitao, alm da comunidade histrica e cultural.48
b) A CONSTITUIO NORMADA - baseia-se em uma normalidade da
conduta normada juridicamente, ou extrajuridicam ente pelo costume, a
47 HELLER, Hermann. Teoria do Estado. Traduo Lycurgo Gomes da Mota. So Paulo: Mestre Jou, 1968. p. 296.
4S Cl'. SILVA, Jos Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3. ed. So Paulo: Malheiros,1999. p. 33 e. HELLER, Hermann. Teoria do Estado. Traduo Lycurgo G om es da Mota. So Paulo: MestreJou. 1968. p. 297-298.
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23
moral, a religio, a urbanidade, a moda etc. 49 Para Garca-Pelayo, a
Constituio normada no se baseia em uma regra emprica, mas em uma
norma, em um dever-ser, ou seja, no s registra um fato, mas tambm
outorga um a valorao.50 Mas, dentro da Constituio normada, distinguem-
se as normas constitucionais jurdicas e as normas constitucionais extra -
jurdicas. Conforme Jos Afonso da Silva, Heller no bastante claro no
estabelecer essa distino. M as pode-se definir a constituio normada
juridicam ente como a conscientem ente estabelecida e organizada,
manifestando-se em forma consuetudinria ou legislada, sendo tambm
expresso das relaes de poder, tanto fsicas como psquicas.51 J a
Constituio normada extrajuridicamente a interconexo da Constituio
jurdica com a Constituio total manifestada de um modo imediato e
ntim o com outras normas que tm decisiva importncia, mas que no so
normas jurdico-positivas, com o por exemplo, os princpios ticos do
D ireito.52
Para Jorge M iranda, o conceito de Constituio converteu-se em um conceito
politicamente neutro, sendo que este possui contedos polticos, econmicos e sociais
divergentes e projetados em tipos constitucionais caractersticos em cada Estado. A
4y HELLER, Hermann. Teoria do Estado. Traduo Lycurgo Gomes da Mota. So Paulo: Mestre Jou. 1968. p. 298.
'M) GARCA-PELAYO, Manuel. Derecho Constitucional Comparado. 5. ed. Madrid: Alianza, 1999. p. 88.
M SILVA, Jos Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3. ed. So Paulo: Malheiros, 1999. p. 33.
Cf. GARCA-PELAYO, Manuel. Derecho Constitucional Comparado. 5. ed. Madrid: Alianza, 1999. p. 89 e, HELLER, Hermann. Teoria do Estado. Traduo Lycurgo Gomes da Mota. So Paulo: Mestre Jou. 1968. p. 302.
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24
Constituio concreta de cada povo, o estatuto da sua vida poltica no e no pode ser -
para o cidado e para o jurista - neutra, isenta ou insuscetvel de valorao, porque nem
tudo que se apresenta como constitucional merece-o ser e nem tudo que se apresenta
decretado como constitucional consegue-o ser efetivamente, seja por inadequao,
desequilbrio, incapacidade de integrao ou contradio insanvel com outras normas.
Por fim, este doutrinador portugus diz que:
uma Constituio s se torna viva, s permanece viva, quando o empenhamento em conferir-lhe realizao est em consonncia (no s intelectual mas sobretudo afectiva e existencial) com o sentido essencial dos seus princpios e preceitos; quando a vontade de Constituio (KONRAD HESSE) vem a par do sentimento constitucional (LUCAS VERDU).33
Jos Afonso da Silva, por sua vez, adota uma viso estruturalista, segundo a
qual a Constituio seria a organizao dos elementos essenciais de um
Estado, ou seja, um conjunto de normas jurdicas, escritas ou costum eiras, que organiza as
formas do Estado e de governo, o modo de aquisio e o exerccio do poder, o
estabelecim ento de seus rgos, os limites de sua ao, os direitos fundam entais do homem
e as respectivas garantias. Sendo assim, este constitucionalista conceitua a Constituio
dizendo:
A constituio algo que tem, como form a, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como contedo, a conduta humana motivada pelas relaes sociais (econmicas, polticas, religiosas etc.); como fim, a realizao dos valores que apontam para o existir da comunidade; e, finalmente, como causa criadora e recriadora, o poder que emana do povo. No pode ser compreendida e interpretada, se no se tiver em mente essa
M IRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, t. II. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 1996. p. 69.
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estrutura, considerada com o conexo de sentido, como tudo aquilo que integra um conjunto de valores. Isso no im pede que o estudioso d preferncia a dada perspectiva. Pode estud-la sob o ngulo predominantemente formal, ou do lado do contedo, ou dos valores assegurados, ou da interferncia do poder. 54
1.1.2 .3 Conceitos de Poder Constituinte
Partindo para a anlise no plano conceituai de Poder Constituinte, pode-se
indagar se este conceito engloba necessariamente Poder Constituinte originrio e Poder
Constituinte derivado ou, som ente, o prim eiro.55
Baracho, define o conceito de Poder Constituinte como sendo,
... um poder relacional gerado por consentimento, capaz de traar todo um sistem a jurdico que d estrutura constitucional ao Estado. Dentro da perspectiva assumida pelo poder, com as caractersticas de constituinte, na Teoria da Constituio, tom a relevo essencial na estrutura das formas polticas essenciais.Antes deste conceito, o mesmo constitucionalista, dem onstra a existncia conceituai das duas espcies deste Poder, dizendo ele que ... o poder de fazer a Constituio, de fixar a ordem constitucional, modific-la, transform -la e inclusive substitu-la por outra.56
Na viso decisionista de Cari Schmitt, o Poder Constituinte est ligado
vontade poltica, sendo que o Poder constituinte a vontade poltica cuja fora ou
^ SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16. ed. So Paulo: Malheiros, 1999. p. 41-42.
70 Cf. CAVALCANTI. Francisco Ivo Dantas. Direito Constitucional e Instituies Polticas. So Paulo: Javoli. 1986. p. 95.
M BARACHO. Jos Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Poder Constituinte. Revista Brasileira de Estudos Polticos. Belo Horizonte, n. 52. jan. 1981. p. 15.
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autoridade capaz de adotar a concreta deciso de conjunto sobre o modo e a forma da
prpria existncia poltica, determinando assim a existncia da unidade poltica com o um
todo. Das decises desta vontade deriva-se a validade de toda ulterior regulam entao
legal-constitucional. 7 O Poder Constituinte exercido extraordinariamente, portanto, para
se constituir uma nova ordem jurdica constitucional ou para modific-la deve-se exigir
uma deciso dos rgos investidos no Poder Constituinte para que a vontade poltica seja
da maneira determ inada pela sociedade como concretizadora de sua evoluo.
Hermann Heller, no mesmo sentido que Cari Schmitt, quanto a considerar o
Poder Constituinte como fonte da vontade poltica, assim o define com o aquela
vontade poltica cujo poder e autoridade esteja em condies de determinar a existncia
da unidade poltica no todo.58
Canotilho define assim: o poder constituinte se revela sempre com o uma
questo de poder, de fora ou de autoridade poltica que est em condies de, numa
determ inada situao concreta, criar, garantir ou eliminar uma Constituio entendida
com o lei fundamental da comunidade poltica.59
^ SCHM ITT, Cari. Teoria de la Constitucin. Traduo Francisco Ayala. Madrid: Alianza, 1996. p. 93-94. No original: "Poder constituyente es la voluntad poltica cuyct fuerz.a o autoridad es capaz, de adoptar la concreta decisin de conjunto sobre modo y forma de la propia existencia poltica, delerminanado as la existencia de la unidad poltica como un todo. De las decisiones de esta voluntad se deriva la validez de toda ulterior regulacin legal-constitucional. (Traduo livre).
HELLER, Hermann. Teoria do Estado. Traduo Lycurgo Gomes da Mola. So Paulo: Mestre Jou, 1968. p. 327.
v) C A N O TILH O , Jos Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 61.
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Para Pinto Ferreira, o poder constituinte o poder de criar e revisar a
Constituio. Nessa dupla atividade, na produo originria ou m udana na ordem jurdica
fundamental e suprema do Estado, reside a sua nota distintiva.60
Ivo Dantas restringe o conceito de Poder Constituinte ao Originrio,
desconhecendo conceitualmente o Poder Constituinte Derivado. Doutrinariamente diz que
... conceito de poder constituinte (...) restringi-lo apenas ao cham ado poder constituinte originrio, cuja expresso, no nosso modo de ver, , inclusive, pleonstico, j que proveniente do latim - CONSTITUERE - quem diz constituir, diz criar, compor, ser a base de alguma coisa.61
Farias destaca que na viso idealista de Em manuel Sieys ... o Poder
Constituinte apia-se no conceito de vontade geral nacional, recaindo sobre o povo-
nao a titularidade do Poder Constituinte. 62, e na viso sociolgica de Ferdinand
Lassalle, ... o Poder Constituinte a expresso dos fatores reais do poder que regem uma
determinada sociedade. 63
Bonavides distingue o conceito de Poder Constituinte em originrio ou poltico
e derivado ou jurdico. O prim eiro um poder supra legem ou legibus solutus, um poder
que exercer a tarefa extrajurdica de criar a Constituio, sendo que todos os poderes
constitudos ho de submeter-se. O segundo, implica a existncia prvia de uma
60 PINTO FERREIRA. Princpios Gerais do Direito Constitucional Moderno, v. I. 5. ed. So Paulo: Revisla dos Tribunais, 1971 apud CAV ALCANTI, Francisco Ivo Dantas. Direito Constitucional e Instituies Polticas. So Paulo: .lavoli. 1986. p. 97.
hl CAVALCANTI. Francisco Ivo Dantas. Direito Constitucional e Instituies Polticas. So Paulo: Javoli. 1986. p. 97.
b2 FARIAS. Jos Fernando de Castro. Crtica Noo Tradicional de Poder Constituinte. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 1988. p. 97.
h FARIAS, Jos Fernando de Castro. Crtica Noo Tradicional de Poder Constituinte. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1988. p. 98.
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organizao constitucional da qual ele legitimamente emana para o desempenho de sua
atividade.64
Resumindo, o Poder Constituinte a vontade poltica que o titular deste poder,
seja o Originrio ou o Derivado, tem de criar uma nova ordem constitucional, e do mesmo
modo, o poder de modific-la, transform-la e, at, substitu-la por outra.
1.2 PODER CONSTITUINTE ORIGINRIO E DERIVADO
1.2.1 Poder Constituinte Originrio
1.2.1.1 Origem da teoria do Poder Constituinte
O Poder Constituinte como poder de uma sociedade estabelecer os fundamentos
de sua prpria organizao, deita razes desde a Antiguidade. E, o que se pode afirmar
que o Poder Constituinte sempre existiu em toda sociedade poltica, porm, afirma-se, do
mesmo modo, que a teorizao deste poder atribui-se ao abade francs Emmanuel Sieys.
Sendo uma teoria legitim adora de poder6, surge nos idos do sculo XVIII, aliceradas nas
teses da soberania popular e da soberania nacional.
w Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. So Paulo: Malheiros, 1999. p. 25 a 28.
No mesmo enlendimenlo, confira Farias: "... a noo jurdico-poltica de Poder Constituinte surge como discurso legitimador do Estado constitucional representativo, um discurso que respalda um novo poder poltico, fruto do momento histrico de transio da sociedade feudal de base estamental. para a sociedade
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A construo de Emmanuel Sieys foi elaborada em um contexto histrico66
determinado, aparece no sculo XVIII, sete m eses antes da Revoluo Francesa, quando
este abade publica seu opsculo intitulado Q u'est-ce que le Tiers-Etat?.
A forma do Estado francs, poca, era constituda por trs ordens ou estados
formadores dos Estados Gerais: a nobreza, o clero e o Terceiro Estado. Este ltimo estado
ou ordem, correspondia aos extratos sociais com uns, no privilegiados, e, dentro dele, a
burguesia exercia um papel preponderante.67
O opsculo de Emmanuel Sieys desenvolve-se a partir de trs perguntas: Ia) O
Que o Terceiro Estado? - Tudo; 2a) O que tem sido ele, at agora, na ordem poltica? -
Nada; 3a) O que que ele pede? - Ser alguma coisa. Principalmente, quando se desenvolve
a primeira questo tem-se a caracterizao do Terceiro Estado, que para ele a Nao
francesa. A partir deste desenvolvimento tem -se a construo da teoria do Poder
Constituinte.
burguesa organizada em classes sociais. FARIAS, Jos Fernando de Castro. Crtica Noo Tradicional de Poder Constituinte. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1988. p. 34.
66 Cf. FARIAS, Jos Fernando de Castro. Crtica Noo Tradicional de Poder Constituinte. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1988. p. 33: "Antes da revoluo de 1789, a Frana era uma sociedade feudal essencialmente aristocrtica, tinha por fundamentos o sistema jurdico de privilgio da estirpe e a riqueza imobiliria. O senhor feudal projetava na jurisdio o seu domnio sobre a terra e tambm sobre as pessoas que trabalhavam nela, os servos. Mas essa estrutura tradicional se achava minada pela evoluo da economia, que aumentava a importncia da riqueza mobiliria e o poder da burguesia. Ao mesmo tempo, tanto os progressos do conhecimento positivo quanto o impulso que deilagrou a filosofia dos luminares e a sua ideologia burguesa - que consistia na liberdade e igualdade polticas formais dos cidados em relao ao Estado estabelecido no interesse geral do povo-nao -, minavam os fundam entos jurdicos, polticos e ideolgicos do Ancien Regime.
07 V. a introduo de Aurlio Wander Bastos: "Os conceitos de classes, ordem e estado na linguagem de nosso tempo tm uma dimenso distintiva bastante ntida, mas, poca, elas se confundiam, muito embora possamos nelas identificar ntidas conexes. O que socialmente se denominava ordem, politicamente se denominava estado, e a figura classe nunca se atribua ordem dos privilegiados ou ao primeiro e segundo estado (o clero ou a nobreza), mas ao Terceiro Estado. Da mesma forma, no se deve confundir ou fazer explcita associao entre burguesia e Terceiro Estado, assim como os Estados Gerais no eram propriamente um parlamento, mas, em tese, um Conselho Consultivo do rei. Neste Conselho assentavam-se desproporcionalmente procuradores do clero, dos nobres e da classe laboriosa - os homens das cidades, os comerciantes enriquecidos, os fabricantes da indstria incipiente e do campesinato - que politicamente eram
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1.2.1.2 Titularidade do Poder Constituinte Originrio
O problem a de se definir a titularidade do Poder Constituinte originrio resolve-
se a partir da tese de que este poder legitimado pela prpria idia de direito que ele
exprim e.
Cari Schmitt doutrina a respeito do titular do Poder Constituinte dividindo este
em quatro concepes, sendo:
a) CONCEITO M EDIEVAL: somente Deus tem uma potestas constituem,
fruto do postulado: Todo poder ou autoridade vem de Deus (Non est enim
potestas nisi a Deo) que tem como significado o Poder Constituinte de
Deus.
b) CONCEPO REVOLUCIONRIA: esta foi concebida e desenvolvida
por SIEYS, a partir da doutrina que consagrava a Nao como o sujeito do
Poder Constituinte. A doutrina do Poder Constituinte da Nao pressupe a
reunio da vontade poltica consciente de existncia e uma Nao.
c) CONCEPO MONRQUICA: com o advento do princpio monrquico,
o Rei se converteu em sujeito do Poder Constituinte, possuidor da plenitude
do poder do Estado.
d) CONCEPO ARISTOCRTICA ou OLIGRQUICA: formada por uma
organizao que, sem invocar a vontade da maioria dos cidados, estabelea
denom inados Terceiro Estado. SIEYS, Emmanuel Joseph. A Constituinte Burguesa. Que o Terceiro Estado?. Traduo Norma Azevedo. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 1997. p. 28.
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as decises polticas fundamentais sobre o modo e a forma da existncia
poltica, consubstanciada em uma Constituio.68
Para Snchez Viamonte, citado por Baracho 69, a lei fundamental sempre de
carter religioso, o que justifica a forma prim itiva atribuda ao titular deste poder. A
soberania70, ento, no reside concretamente no rei. Este, simplesmente, um representante
terrestre da vontade superior, de carter divino, das leis permanentes e em especial da lei
fundamental.
Com a teorizao deste poder pelo doutrinador clssico francs, a titularidade
legtima pertenceria N ao71. Emmanuel Sieys, assim tratou este tema:
Em toda nao livre, e toda nao deve ser livre, s existe uma maneira de term inar com as diferenas relativas Constituio. No aos notveis que se deve recorrer, mas sim prpria nao. Se no tivermos Constituio,
70devemos fazer uma; s a nao tem este direito. "
68 Cf. SCHMITT, Cari. Teoria de la Constitucin. Traduo Francisco Ayala. Madrid: Alianza., 1996. p. 95 et seq., e BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Poder Constituinte. Revista Brasileira de Estudos Polticos, Belo Horizonte, n. 52, jan. 1981. p. 15-16.
69 Cf. BARACHO, Jos Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Poder Constituinte. Revista Brasileira de Estudos Polticos, Belo Horizonte, n. 52. jan. 1981. p. 15-16.
70 Jorge Miranda ensina que "... soberania significa faculdade originria de livre regncia da comunidade poltica mediante a instituio de um poder e a definio do seu estatuto jurdico. M IRA N D A , Jorge. Manual de Direito Constitucional, t. II. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 1996. p. 76.A soberania sendo o supremo poder do Estado (suprema potestas) apresenta, no magistrio de Bonavides, duas faces distintas: A soberania interna significa o imperium que o Estado tem sbre o territrio e a populao, bem como a superioridade do poder poltico frente aos demais podres sociais, que lhe ficam sujeitos, de forma mediata ou imediata. A soberania externa a manifestao independente do poder do Estado perante outros Estados. BONAVIDES, Paulo. Cincia Poltica. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1972. p. 1 12.
71 Emmanuel Sieys assim conceitua Nao: "Qu es una nacin? Un cuerpo de asociados que viven bajo una ley comn y representados por una misma legislatura.\0 que uma nao? Um corpo de associados que vivem sob uma lei comum e representados por uma mesma legislatura.] (Traduo livre) SIEYS, Emmanuel. Qu es el Tercer Estado? Ensayo sobre los privilgios. Traduo Marta Lorenle Sarinena e Lidia Vzquez Jimnez. Madrid: Alianza. 1989. p. 90.
72 Cf. SIEYS, Emmanuel. Qu es el Tercer Estado? Ensayo sobre los privilgios. Traduo M aria Lorente Sarinena e Lidia Vzquez Jimnez. Madrid: Alianza, 1989. p. 140: "Em toda nacin libre, y toda nacin debe ser libre, solo existe uma manera de terminar con los litgios relativos a la Constitucin. No hay que
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32
O term o nao deve ser entendido, de acordo com a assertiva de Ferreira Filho,
que diz:
A nao pode ser caracterizada e encarada de modos muito diferentes. Pode ser encarada, por exemplo, como uma realidade sociolgica que apresenta determinados caractersticos. Mas no essa nao, realidade sociolgica que propriamente preocupa SIEYS; no essa realidade sociolgica que para SIEYS a detentora desse supremo poder e do poder constituinte. Para SIEYS, nao um termo empregado para que no se use da expresso povo. O aspecto fundamental do pensam ento de SIEYS, nesse ponto, a distino entre nao e povo. Povo, para ele, o conjunto dos indivduos, um mero coletivo, uma reunio de indivduos que esto sujeitos a um poder. Ao passo que a nao mais do que isso, porque a nao a encarnao de uma comunidade em sua permanncia, nos seus interesses constantes, interesses que eventualmente no se confundem nem se reduzem aos interesses dos indivduos que a compem em determ inado instante.E diz mais:Quando ele [SIEYS] contrape nao e povo, est afirm ando que o supremo poder no est a disposio dos interesses dos indivduos enquanto indivduos, mas o supremo poder existe em funo do interesse da com unidade como um todo, da comunidade em sua perm anncia no tempo.73
Quando Emmanuel Sieys, em sua elaborao clssica, atribuiu nao a
titularidade do Poder Constituinte originrio, entendia ele que a nao seria independente
recurrir a los notables, sino a la propia nacin. Si no tenemos Conslitucin. hay que hacer una; slo la nacin tiene tal dereeho. (Traduo livre)
73 FER REIRA FILHO, Manoel Gonalves. Direito Constitucional Comparado, v. I. So Paulo: Bushatsky. 1974. p. 26-27.
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de leis, regras e formas; portanto, tem ela por conseguinte o poder soberano de mudar, em
sentido amplo, a Constituio.74
A doutrina da soberania nacional de Emmanuel Sieys contrape-se doutrina
de Rousseau7' , idealizador da doutrina da soberania popular. Para este, o ltimo governo
legitimamente estabelecido aquele que se legitima na vontade geral, atravs da
participao de todos os homens na determinao das decises fundam entais.76 Isto se
funda na soma das distintas fraes de soberania, pertencente a cada indivduo que
participa ativamente na escolha das decises polticas.
Pela nova teoria fundamentadora da titularidade do Poder Constituinte pertence,
democraticamente, ao Povo, entendido ... como uma grandeza pluralstica formada por
indivduos, associaes, grupos, igrejas, comunidades, personalidades, instituies,
veiculadores de interesses, ideias, crenas e valores, plurais, convergentes ou
conflituantes. 77 A soberania popular78 expressa-se de duas maneiras: atravs de um
74 Corroborando esta assertiva, Klaus Stern expressa: Sieys h definido a la < nac in> como suje to de este poder eonstituyente, y adem, tal como l se expresa, a la naein en , es decir, al margen dei estado y de la eonstituein. Esto es explicable historicamente por el hecho de que con ello se le sustraa al monarca o a los poderes existentes en el estado la compeiencia eonstituyente y se fundamentaba la posibilidad de que los Estados Generales convocados por el Rey se reconocieran a s mismos como Asam blea Nacional eonstituyente. [SIEYS definiu a nao como sujeito do poder constituinte, e, mais, tal com o ele expressa, a nao em "estado de natureza, dizer, margem desta e da constituio. Isto explicvel historicamente pelo falo de que subtraa ao monarca e aos poderes existentes no eslado a competncia constituinte e, conseqentemente, fundamentava-se a possibilidade dos Estados Gerais, convocados pelo rei, reconhecerem-se a si mesmos, como Assemblia Nacional Constituinte.] (Traduo livre) STERN, Klaus. Derecho deI Estado de la Republica Federa! Alemana. Madrid: Centro de Estdios Constitucionales, 1987. p. 316.
7 Livro II de O contrato Social. ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. Traduo Antnio de Pdua Danesi. 3. ed. So Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 33 et seq.
76 Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Direito Constitucional Comparado. Volume 1. So Paulo: Bushatsky, 1974. p. 28-29.
77 CANOTILHO, Jos Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 61-62.Bonavides estabelece trs conceitos de povo. O poltico, que se prende a uma concepo ideolgica, o quadro humano sulraganie politizado, ou seja, que assumiu capacidade eleitoral decisria. O jurdico, que exprime o conjunto de pessoas vinculadas de forma institucional e estvel a um determinado ordenamento jurdico. E, o sociolgico que compreendido como toda a continuidade do elemento humano, projetado historicamente no decurso de vrias geraes e dotado de valores e aspiraes comuns. Neste sentido o
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princpio majoritrio, que constitui-se a partir do primeiro nmero inteiro acima da metade,
e que requer uma verificao do processo atravs do nico mecanismo possvel, que o
das eleies de representantes populares que integram uma Assemblia
Constituinte(...)79, ou pela revoluo quando um grupo exerce aquele poder sem
80manifestao direta do agrupam ento hum ano.
Esta soberania do povo fica patente no Pargrafo nico do Artigo Io da
Constituio da R epblica Federativa do Brasil de 1988, que diz ipsis verbis:
Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituio.81
1.2.1.3 Natureza do Poder Constituinte Originrio
conceito de povo se equivale ao de nao. Cf. BON AVIDES, Paulo. Cincia Poltica. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1972.p. 65 et seq.
7S "... de acordo com a doutrina da soberania popular, h duas alternativas tericas [ambas de inspiraorousseauniana], seguidas historicamente: a francesa [revolucionria], segundo a qual a Constituinte o povo (concepo falsa, visto que a soberania de natureza indelegvel) e a americana, que v na Constituinte ouConveno apenas uma assemblia limitada cujo trabalho se legitima unicamente com a aprovao do povo.Cf. BONAVIDES, Paulo. O Poder Constituinte. Revista da Procuradoria Geral do Estado de So Paulo, So Paulo, n. 10, jun. 1977. p. 106.
79 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 14. ed. So Paulo: Malheiros, 1998. p. 31.
80 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 14. ed. So Paulo: Malheiros, 1998. p. 31.
81 E o artigo 14 diz mais: Art. 14. A soberania popular ser exercida pelo sufrgio universal e pelo voto direto e secreto, com valor para todos, e, nos lemos da lei, mediante: 1 - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular. BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaborao de Antnio Luiz de Toledo Pinto e Mrcia Cristina Vaz dos Santos Windt. 22. ed. So Paulo: Saraiva, 1999.
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O Poder Constituinte originrio significa o poder de elaborar uma Constituio,
representando
a irrupo do fato anormal no funcionam ento das instituies estatais. Esse aparecimento est associado a um processo mais violento, de natureza revolucionria, ou a uma deciso do alto, geralmente m aterializada no Golpe de Estado. A revoluo como fenmeno que subverte a estrutura estatal e social. O Golpe de Estado como transformao do ordenamento estatal por atividade inconstitucional de rgo do prprio Estado.S2e83
A verso clssica francesa do Poder Constituinte originrio vincula-se s
m anifestaes revolucionrias, consagrando no texto constitucional revolucionrio as
alteraes profundas que a Revoluo produziu na estrutura social, econm ica e na relao
do poder no Estado e na Nao.84
s2 H O R TA , Raul Machado. Direito Constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 25-26.Corrobora esta assertiva, Baracho, assim diz: "A origem da Constituio supe a ruptura da ordem anterior, em conseqncia de uma revoluo, golpe de Estado ou conquista ou a instaurao de uma nova ordem. BA R A C H O , Jos Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Poder Constituinte. Revista Brasileira de Estudos Polticos, Belo Horizonte, n. 52, jan. 1981. p. 21.
83 Bonavides distingue conceitualmente Golpe de Estado e Revoluo, indicando os seguinte pontos:a) G O LP E DE ESTADO: origina-se a partir da cpula da pirmide social; no modifica as razes da organizao social, realiza, simplesmente, poucas reformas nesta estrutura; contra um governante e seu m odo de governar; obra de pessoas que em geral participam do governo ou do ordenamento existente do Estado; os fins so preestabelecidos e buscados com rigor, disciplina e obstinao; j possui um lder; so, em geral, de ndole autocrtica, reacionria e ditatorial; e. restringe-se a pontos urbanos vitais;b) REV O LU O: origina-se do povo ou da massa popular; remove a velha ordem social, constitui nova ideologia de regime poltico; contra um sistema de governo ou feixe de instituies; de iniciativa de pessoas que no tm ou no devem ter participao no governo; a ao revolucionria realiza-se atravs de um a srie de motins, desordens e distrbios; no incio, a liderana coletiva e annima, e no desfecho em erge um lder definitivo; so de natureza fundamentalmente democrticas; e, sempre se propaga por toda Nao. Cf. BONAVIDES. Paulo. Cincia Poltica. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundao Gellio Vargas, 1972. p. 533-534.
84 Cf. HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 26.O aparecimento do fenmeno constituinte est ligado no tanto s 'vicissitudes do E stado mas sucesso de regimes polticos; porque est ligado idia de transformao da soberania, no de formao (ou de transformao) do Estado. E os regimes polticos se sucedem por meio de um ato revolucionrio - para Miranda, ato revolucionrio encobre tambm o conceito de golpe de Estado (as distines entre golpe de Estado e revoluo seriam, para esse fim, secundrias) - ou por uma passagem sem ruptura, uma transio constitucional. BARROSO. Prsio Henrique. Constituinte e Constituio: Participao popular e eficcia
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A crise revolucionria provoca a contradio entre o direito estatal vigente,
tendo na Constituio a sua m aior expresso, cuja legitimidade contestada, e a nova
legitimidade que o Poder Constituinte originrio conferir ao direito estatal, a partir da
elaborao da nova C onstituio.85 Para esta expresso, o Poder Constituinte originrio
busca apoiar-se diretamente na N ao e na vontade popular.86
Ferreira Filho ao estudar a natureza do Poder Constituinte, aponta ser a
Constituio o ponto de partida da nova ordem jurdica positiva, e apresenta, para tanto,
duas teses a respeito da natureza deste Poder: a tese positivista e a tese jusnaturalista.
constitucional (1987-1997j. Dissertao (Mestrado em Direito). Centro de Cincias Jurdicas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, 1997. p. 79.
50 Alm da contradio entre o direito estatal vigente e o novo direito, resultante de uma crise revolucionria. Cari Schmitt acrescenta a modificao do titular do Poder Constituinte, (n 1.2.1.2 supra), assim diz ele: Em vias revolucionrias podem ser suprimidas, no s a legislao constitucional e a Constituio, mas tambm a espcie de Poder Constituinte que existia at aquele momento, e, portanto, o fundamento da Constituio de at ento. Mediante uma revoluo democrtica, por exemplo, pode ser suprimido o Poder Constituinte do monarca e mediante um Golpe de Estado ou uma Revoluo monrquica, o Poder Constituinte do povo. [En vias revolucionarias puede ser suprimida, no si o la legislacin constitucional y la Constitucin, sino tambin la especie de Poder constituyenle que existia hasta entonces, y, por tanto, el fundamento de la Constitucin hasta entonces existente. Mediante una revolucin democrtica, por ejemplo, puede ser suprimido el Poder constituyenle dei monarca, y mediante un golpe de Estad